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Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
HISTÓRIA GERAL
DA ÁFRICA
VIII
África desde 1935
UNESCO Representação no BRASIL
Ministério da Educação do BRASIL
Universidade Federal de São Carlos
EDITOR ALI A. MAZRUI
EDITOR ASSISTENTE C. WONDJI
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Milhares de livros grátis para download.
HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA
Viii
África desde 1935
Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
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Coleção História Geral da África da UNESCO
Volume I Metodologia e pré-história da África
(Editor J. Ki-Zerbo)
Volume II África antiga
(Editor G. Mokhtar)
Volume III África do século VII ao XI
(Editor M. El Fasi)
(Editor Assistente I. Hrbek)
Volume IV África do século XII ao XVI
(Editor D. T. Niane)
Volume V África do século XVI ao XVIII
(Editor B. A. Ogot)
Volume VI África do século XIX à década de 1880
(Editor J. F. A. Ajayi)
Volume VII África sob dominação colonial, 1880-1935
(Editor A. A. Boahen)
Volume VIII África desde 1935
(Editor A. A. Mazrui)
(Editor Assistente C. Wondji)
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentão dos fatos contidos neste livro,
bem como pelas opiniões nele expressas, que não o necessariamente as da UNESCO,
nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e apresentação do
material ao longo deste livro não implicam a manifestão de qualquer opinião por parte
da UNESCO a respeito da condição judica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
HISTÓRIA GERAL
DA ÁFRICA
Viii
África desde 1935
EDITOR AlI A. MAzRuI
EDITOR ASSISTENTE CHRISTOPHE WONDJI
Organização
das Nações Unidas
para a Educação,
a Ciência e a Cultura
História geral da África, VIII: África desde 1935 / editado por Ali A. Mazrui e Christophe
Wondji. – Brasília : UNESCO, 2010.
1272 p.
ISBN: 978-85-7652-130-3
1. História 2. História contemporânea 3. História africana 4. Culturas africanas 5. África
I. Mazrui, Ali A. II. Wondji, Christophe III. UNESCO IV. Brasil. Ministério da Educação
V. Universidade Federal de São Carlos
Esta versão em português é fruto de uma parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil, a
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do
Brasil (Secad/MEC) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Título original: General History of Africa, VIII: Africa since 1935. Paris: UNESCO; Berkley, CA:
University of California Press; London: Heinemann Educational Publishers Ltd., 1993. (Primeira
edição publicada em inglês).
© UNESCO 2010
Coordenação geral da edição e atualização: Valter Roberto Silvério
Tradutores: Luís Hernan de Almeida Prado Mendoza
Revisão técnica: Kabengele Munanga
Preparação de texto: Eduardo Roque dos Reis Falcão
Projeto gráco e diagramação: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaça e Paulo Selveira /
UNESCO no Brasil
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
Representação no Brasil
SAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO,andar
70070-912 – Brasília DF – Brasil
Tel.: (55 61) 2106-3500
Fax: (55 61) 3322-4261
Site: www.unesco.org/brasilia
Ministério da Educação (MEC)
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC)
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Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
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13565-905 – São Carlos – SP – Brasil
Tel.: (55 16) 3351-8111 (PABX)
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Site: http://www2.ufscar.br/home/index.php
Impresso no Brasil
SUMÁRIO
Apresentação ...................................................................................VII
Nota dos tradutores ...........................................................................IX
Cronologia .......................................................................................XI
Lista de Figuras .............................................................................XIII
Prefácio ..........................................................................................XIX
Apresentação do Projeto .................................................................XXV
Introdução .......................................................................................... 1
Capítulo 1 Introdução ............................................................................. 1
SESSÃO I A África na década de conflitos mundiais 1935 -1945 ....... 31
Capítulo 2 O chifre da África e a África setentrional ........................... 33
Capítulo 3 A África tropical e a África equatorial sob domínio
francês, espanhol e português .............................................. 67
Capítulo 4 A África sob domínio britânico e belga ............................... 89
SESSÃO II A luta pela soberania política, de 1945 às
Independências ............................................................... 123
Capítulo 5 Procurai primeiramente o reino político...” ....................... 125
Capítulo 6 A África setentrional e o chifre da África .......................... 151
Capítulo 7 A África ocidental ............................................................. 191
Capítulo 8 A África Equatorial do oeste ............................................ 229
Capítulo 9 A África Oriental .............................................................. 261
Capítulo 10 A África Austral ............................................................. 295
VI
África desde 1935
SESSÃO III O Subdesenvolvimento e a Luta pela Independência
Econômica ..................................................................... 335
Capítulo 11 As mudanças econômicas na África em seu contexto
mundial (1935 -1980) ...................................................... 337
Capítulo 12 A agropecuária e o desenvolvimento rural ...................... 377
Capítulo 13 O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano ... 429
Capítulo 14 Estratégias comparadas da descolonização econômica .... 471
SESSÃO IV Evolução sociopolítica após as independências .............. 517
Capítulo 15 Construção da nação e evolução das estruturas
políticas ........................................................................... 519
Capítulo 16 Construção da nação e evolução dos valores políticos .... 565
SESSÃO V Mudanças socioculturais após 1935 ................................ 603
Capítulo 17 Religião e evolução social ................................................ 605
Capítulo 18 Língua e evolução social ................................................. 631
Capítulo 19 O desenvolvimento da literatura moderna ...................... 663
Capítulo 20 As artes e a sociedade após 1935 .................................... 697
Capítulo 21 Tendências da filosofia e da ciência na África ................. 761
Capítulo 22 Educação e mudança social ............................................. 817
Sessão VI O Pan -africanismo: libertação e integração a partir de
1935 .................................................................................... 847
Capítulo 23 A África e a diáspora negra ............................................ 849
Capítulo 24 O Pan -africanismo e a Integração Regional ................... 873
Capítulo 25 Pan -africanismo e libertação ........................................... 897
Sessão VII A África independente em meio aos assuntos mundiais .. 925
Capítulo 26 A África e os países capitalistas ...................................... 927
Capítulo 27 A África e os países socialistas ........................................ 965
Capítulo 28 A África e as regiões em vias de desenvolvimento ........ 1003
Capítulo 29 A África e a Organização das Nações Unidas .............. 1053
Capítulo 30 O horizonte 2000.......................................................... 1095
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990 ................. 1133
Cronologia dos fatos relevantes ............................................................ 1143
Membros do Comitê Científico Internacional para a Redação
de uma História Geral da África ..................................................... 1157
Dado biográficos dos autores do volume VIII ..................................... 1159
Abreviações e listas de periódicos ......................................................... 1167
Referências bibliográficas ..................................................................... 1169
Índice remissivo .................................................................................... 1241
VII
APRESENTÃO
“Outra exigência imperativa é de que a história (e a cultura) da África devem pelo menos ser
vistas de dentro, não sendo medidas por réguas de valores estranhos... Mas essas conexões
têm que ser analisadas nos termos de trocas mútuas, e influências multilaterais em que algo
seja ouvido da contribuição africana para o desenvolvimento da espécie humana”. J. Ki-Zerbo,
História Geral da África, vol. I, p. LII.
A Representação da UNESCO no Brasil e o Ministério da Educação têm a satis-
fação de disponibilizar em português a Coleção da História Geral da África. Em seus
oito volumes, que cobrem desde a pré-história do continente africano até sua história
recente, a Coleção apresenta um amplo panorama das civilizações africanas. Com sua
publicação em língua portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar para
uma nova leitura e melhor compreensão das sociedades e culturas africanas, e demons-
trar a importância das contribuições da África para a história do mundo. Cumpre-se,
também, o intuito de contribuir para uma disseminação, de forma ampla, e para uma
visão equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da África para a humanidade,
assim como para o estreitamento dos laços históricos existentes entre o Brasil e a África.
O acesso aos registros sobre a história e cultura africanas contidos nesta Coleção se
reveste de significativa importância. Apesar de passados mais de 26 anos após o lança-
mento do seu primeiro volume, ainda hoje sua relevância e singularidade são mundial-
mente reconhecidas, especialmente por ser uma história escrita ao longo de trinta anos
por mais de 350 especialistas, sob a coordenação de um comitê científico internacional
constituído por 39 intelectuais, dos quais dois terços africanos.
A imensa riqueza cultural, simbólica e tecnológica subtraída da África para o conti-
nente americano criou condições para o desenvolvimento de sociedades onde elementos
europeus, africanos, das populações originárias e, posteriormente, de outras regiões do
mundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas recentemente, tem-
se considerado o papel civilizatório que os negros vindos da África desempenharam
na formação da sociedade brasileira. Essa compreensão, no entanto, ainda está restrita
aos altos estudos acadêmicos e são poucas as fontes de acesso público para avaliar este
complexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do continente africano.
APRESENTAÇÃO
VIII
África desde 1935
A publicação da Coleção da História Geral da África em português é também resul-
tado do compromisso de ambas as instituições em combater todas as formas de desigual-
dades, conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),
especialmente no sentido de contribuir para a prevenção e eliminação de todas as formas
de manifestação de discriminação étnica e racial, conforme estabelecido na Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1965.
Para o Brasil, que vem fortalecendo as relações diplomáticas, a cooperação econô-
mica e o intercâmbio cultural com aquele continente, essa iniciativa é mais um passo
importante para a consolidação da nova agenda política. A crescente aproximação com
os países da África se reflete internamente na crescente valorização do papel do negro
na sociedade brasileira e na denúncia das diversas formas de racismo. O enfrentamento
da desigualdade entre brancos e negros no país e a educação para as relações étnicas
e raciais ganhou maior relevância com a Constituição de 1988. O reconhecimento da
prática do racismo como crime é uma das expressões da decisão da sociedade brasileira
de superar a herança persistente da escravidão. Recentemente, o sistema educacional
recebeu a responsabilidade de promover a valorização da contribuição africana quando,
por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e
com a aprovação da Lei 10.639 de 2003, tornou-se obrigatório o ensino da história e
da cultura africana e afro-brasileira no currículo da educação básica.
Essa Lei é um marco histórico para a educação e a sociedade brasileira por criar, via
currículo escolar, um espaço de diálogo e de aprendizagem visando estimular o conheci-
mento sobre a história e cultura da África e dos africanos, a história e cultura dos negros
no Brasil e as contribuições na formação da sociedade brasileira nas suas diferentes
áreas: social, econômica e política. Colabora, nessa direção, para dar acesso a negros e
não negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenças socioculturais
presentes na formação do país. Mais ainda, contribui para o processo de conhecimento,
reconhecimento e valorização da diversidade étnica e racial brasileira.
Nessa perspectiva, a UNESCO e o Minisrio da Educação acreditam que esta publica-
ção estimulará o necesrio avanço e aprofundamento de estudos, debates e pesquisas sobre
a tetica, bem como a elaboração de materiais pedagógicos que subsidiem a formação
inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim com
esta edição em português da História Geral da África contribuir para uma efetiva educação
das relações étnicas e raciais no país, conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relões Étnico-Raciais e para o Ensino da Hisria e Cultura Afro-
brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educação.
Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano.
Vincent Defourny Fernando Haddad
Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educação do Brasil
IX
NOTA DOS TRADUTORES
NOTA DOS TRADUTORES
A Conferência de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife-
rente daquele que motivou as duas primeiras conferências organizadas pela
ONU sobre o tema da discriminação racial e do racismo: em 1978 e 1983 em
Genebra, na Suíça, o alvo da condenação era o apartheid.
A conferência de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas, entre
os quais vale destacar a avaliação dos avanços na luta contra o racismo, na luta
contra a discriminação racial e as formas correlatas de discriminação; a avaliação
dos obstáculos que impedem esse avanço em seus diversos contextos; bem como
a sugestão de medidas de combate às expressões de racismo e intolerâncias.
Após Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o equacionamento
da questão social na agenda do governo federal é a implementação de políticas
públicas para a eliminação das desvantagens raciais, de que o grupo afrodescen-
dente padece, e, ao mesmo tempo, a possibilidade de cumprir parte importante
das recomendações da conferência para os Estados Nacionais e organismos
internacionais.
No que se refere à educação, o diagnóstico realizado em novembro de 2007,
a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/
MEC), constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan-
tes, que concordavam, no tocante a Lei 10.639-2003, em relação ao seu baixo
grau de institucionalização e sua desigual aplicação no território nacional. Entre
X
África desde 1935
os fatores assinalados para a explicação da pouca institucionalização da lei estava
a falta de materiais de referência e didáticos voltados à História de África.
Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos disponíveis sobre
a História da África, havia um certo consenso em afirmar que durante muito
tempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta uma imagem racializada e
eurocêntrica do continente africano, desfigurando e desumanizando especial-
mente sua história, uma história quase inexistente para muitos até a chegada
dos europeus e do colonialismo no século XIX.
Rompendo com essa visão, a História Geral da África publicada pela UNESCO
é uma obra coletiva cujo objetivo é a melhor compreensão das sociedades e cul-
turas africanas e demonstrar a importância das contribuições da África para a
história do mundo. Ela nasceu da demanda feita à UNESCO pelas novas nações
africanas recém-independentes, que viam a importância de contar com uma his-
tória da África que oferecesse uma visão abrangente e completa do continente,
para além das leituras e compreensões convencionais. Em 1964, a UNESCO
assumiu o compromisso da preparação e publicação da História Geral da África.
Uma das suas características mais relevantes é que ela permite compreender
a evolução histórica dos povos africanos em sua relação com os outros povos.
Contudo, até os dias de hoje, o uso da História Geral da África tem se limitado
sobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menos
usada pelos professores/as e estudantes. No caso brasileiro, um dos motivos
desta limitação era a ausência de uma tradução do conjunto dos volumes que
compõem a obra em língua portuguesa.
A Universidade Federal de São Carlos, por meio do Núcleo de Estudos
Afrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir o trabalho de
tradução e atualização ortográfica do conjunto dos volumes, agradece o apoio
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD),
do Ministério da Educação (MEC) e da UNESCO por terem propiciado as
condições para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer e
ter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legado
do continente africano para nossa formação social e cultural.
XI
Cronologia
Na apresentação das datas da pré-história convencionou-se adotar dois tipos
de notação, com base nos seguintes critérios:
• Tomando como ponto de partida a época atual, isto é, datas B.P. (before
present), tendo como referência o ano de + 1950; nesse caso, as datas são
todas negativas em relação a + 1950.
• Usando como referencial o início da Era Cristã; nesse caso, as datas
são simplesmente precedidas dos sinais - ou +. No que diz respeito aos
séculos, as menções “antes de Cristo e “depois de Cristo” são substituídas
por “antes da Era Cristã”, “da Era Cristã”.
Exemplos:
(i) 2300 B.P. = -350
(ii) 2900 a.C. = -2900
1800 d.C. = +1800
(iii) século V a.C. = século V antes da Era Cristã
século III d.C. = século III da Era Cristã
CRONOLOGIA
XIII
Lista de Figuras
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 Mapa político da África em 1935 ..........................................................................5
Figura 1.2 Diante da Sociedade das Nações, o imperador Hailé Selassié eleva -se contra a
agressão da Etiópia pela Itália ................................................................................9
Figura 1.3 Em 11 de dezembro de 1960, no bairro de Salembier, em Alger, jovens
manifestantes levantam pela primeira vez a bandeira verde e branca da
Frente de Libertação Nacional (FLN) ..................................................................26
Figura 2.1 O avanço das tropas italianas na Abissínia ..........................................................49
Figura 2.2 A França em combate no deserto da Tripolitânia ................................................ 51
Figura 2.3 Sayyïd ‘Abd al -Rahman al -Mahdi em sua partida rumo a Londres,
no dia 15 de julho de 1937 ...................................................................................61
Figura 3.1 Conferência de Brazzaville, em fevereiro de 1944 ...............................................85
Figura 4.1 Peça de artilharia antiaérea manobrada por soldados africanos durante a
Segunda Guerra Mundial ................................................................................... 113
Figura 4.2 O dia da independência da Suazilândia: o chefe Sobhuza II,
o Leão da Suazilândia”, passa em revista as suas tropas ....................................118
Figura 5.1 Dedan Kimathi, herói do combate dos mau -mau pela independência,
capturado em 21 de outubro de 1956 e em seguida executado ...........................135
Figura 5.2 Argelinos presos durante os levantes de 8 de maio de 1945 na Kabylie ............ 137
Figura
5.3 Kwame Nkrumah na aurora da independência de Gana, no Old Polo
Ground em 5 de março de 1957 ......................................................................... 141
Figura 6.1 Congresso do Néo -Destour em novembro de 1955.
No centro, Habib Bouguiba ................................................................................ 157
Figura 6.2 Em 20 de setembro de 1959, Messali Hadj aprovou a declaração do
general de Gaulle a propósito da Argélia ...........................................................162
Figura 6.3 Farhat ‘Abbas dirigindo -se à multidão na ocasião de uma manifestação em
Casablanca, em 9 de julho de 1961, na presença do rei Hassan II ..................... 164
XIV
África desde 1935
Figura 6.4 Port -Saïd, na zona do canal: a destruição causada pela guerra de 1956 ............. 175
Figura 7.1 Obafemi Awolowo da Nigéria, líder do Action Group Part, fundado em 1950. ..200
Figura 7.2 Nnamdi Azikiwe, governador -geral da Nigéria, acompanhado do duque de
Devonshire, em Londres, no dia 10 de julho de 1961 ........................................ 201
Figura 7.3 Congresso do RDA em Bamako, no ano de 1946. À direita, Félix
Houphouët -Boigny; à esquerda, Gabriel d’Arboussier .......................................210
Figura 7.4 Sylvanus Olympio, presidente do Togo, proclamando a independência do
seu país, em 27 de abril de 1960 ......................................................................... 214
Figura 7.5 Mulheres combatentes do Partido Africano da Independência da Guiné e
Cabo Verde (PAICG) .........................................................................................221
Figura 7.6 William Tubman, presidente da Libéria, em setembro de 1956 ........................ 225
Figura 8.1 Kigere V, último rei do Ruanda ......................................................................... 254
Figura 8.2 Da esquerda para a direita: Joseph Kasavubu, presidente do Congo,
o primeiro -ministro Patrice Lumumba, e o rei da Bélgica, Baudouin,
em Léopoldville, Congo, em junho de 1960 .......................................................258
Figura 8.3 Três dos chefes da União das Populações de Camarões (UPC).
Da esquerda para a direita: Ernest Ouandié, Félix Roland Moumié e
Abel Kinguá. .......................................................................................................258
Figura 9.1 O rei Mutesa II, kabaka do Buganda, exilado em Londres ................................ 272
Figura 9.2 Julius K. Nyerere, presidente da Tanganyika African National Union
(TANU) .............................................................................................................. 276
Figura 9.3 Jomo Kenyatta, presidente do Kenya African Union (KAU), em 1946
ou 1947 ...............................................................................................................280
Figura 9.4 O campo de detenção de Langata, aberto pelos britânicos durante a revolta
dos mau -mau, em abril de 1954 .........................................................................282
Figura 10.1 Principais recursos minerais da África do Sul ..................................................296
Figura 10.2 Robert Mangaliso Sobukwe, presidente e fundador do Pan -African
Congress (PAC), em 1963 ...............................................................................309
Figura 10.3
Massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 28 de março de 1960 ............... 309
Figura 10.4 No centro: Eduardo Chivanbo Mondlane, fundador e primeiro presidente
da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), em 1962 .................. 315
Figura 10.5 Seretse Khama, príncipe herdeiro do Bamangwato, exilado na Grã -Bretanha,
com a sua esposa inglesa, Ruth Williams, e a sua filha, em março de 1952 .....317
Figura 10.6 Da esquerda para a direita: Sally Mugabe; o primeiro -ministro Robert
Mugabe, o presidente, rev. Canaan Banama, e o vice -presidente, Simon
Muzenda, fotografados em 1980, ano da independência do Zimbábue. .......... 323
Figura 10.7 Destacamento da South West Africa Peoples Organization (SWAPO). ........325
Figura 11.1 As reivindicações territoriais da Itália na África (planos de 1940)................... 343
Figura 11.2 Conferência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),
em Viena, no dia 21 de novembro de 1973 .....................................................351
Figura 11.3 O financiamento dos bens de equipamento na África negra de expressão
francesa e em Madagascar, 1946 -1973 (em bilhões de francos CFA
constantes em 1960)......................................................................................... 353
XV
Lista de Figuras
Figura 11.4 Os lucros da SCOA, 1910 -1960 ......................................................................356
Figura 11.5 Investimento e poupança na África, 1960 -1983, com exceção dos países
exportadores de petróleo .................................................................................. 365
Figura 11.6 Bernardo Vieira, presidente da Guiné Bissau, durante encontro com M. A.
Queredi, primeiro vice -presidente do Banco Mundial, em outubro de 1988 ...367
Figura 11.7 Organizações regionais e sub -regionais em prol da cooperação e da
integração .........................................................................................................369
Figura 12.1 Trabalhadora rural no Marrocos ......................................................................382
Figura 12.2 O risco de desertificação na África, segundo a Conferência das Nações
Unidas sobre a Desertificação, 1977 ................................................................. 401
Figura 12.3 A seca na Argélia, em 1947: carneiros diante de um bebedouro vazio ............402
Figura 12.4 Repartição do plantel bovino na África. Mapa secundário: principais zonas
contaminadas pela mosca tse -tsé ......................................................................405
Figura 12.5 Composição dos fluxos migratórios internacionais da mão de obra africana ... 408
Figura 12.6 Principais explorações minerais na África ........................................................422
Figura 12.7 Repartição das culturas com fim comercial na África ...................................... 423
Figura 13.1 Usina têxtil de processamento de algodão em Mahana, no norte do Egito ..... 447
Figura
13.2 Ondo: uma cidade pré -colonial ....................................................................... 463
Figura 13.3 Bidonvilles: a. em Lagos; b. Mathare Valley, em Nairóbi;
c. Belcourt, em Alger ........................................................................................467
Figura 14.1 Evolução na produção alimentícia por habitante: para o conjunto do mundo,
PMA e África (base = 1974 -1976) .................................................................. 480
Figura 14.2 Repartição regional dos MULPOC
..........................................................................492
Figura 14.3 Agrupamentos econômicos regionais na África ......................................................493
Figura 14.4 Malha rodoviária projetada para a África do Oeste, CEA/CEDEAO ............ 494
Figura 14.5 Zona de Comércio Preferencial na África Oriental e Meridional: projetos
de autoestradas ................................................................................................. 496
Figura 14.5 A barragem de Jinja, em Uganda ..................................................................... 513
Figura 14.6 Em cima: a barragem de Akosombo, em Gana. Embaixo: a grande
barragem de Kariba, no Zimbabwe .................................................................. 514
Figura 15.1 Rei Mutesa II, o último kabaka de Buganda, trajando uniforme militar. ......... 521
Figura 15.2 Segundo Encontro de Estados Magrebinos, em Marrakesh,
15 e 16 de fevereiro, 1989 ................................................................................ 526
Figura 16.1 Franz Fanon, autor francês nascido na Martinica ............................................ 572
Figura 16.2 Chegada de Ahmed Ben Bella na Argélia em 5 de julho de 1962 .................. 580
Figura 16.3 Amilcar Cabral, presidente do PAIGC, na frente militar oriental da
Guiné Bissau ....................................................................................................582
Figura 16.4 Tom Mboya, antigo dirigente sindical e ministro do Planejamento
Econômico do Quênia, assassinado em 1969 ...................................................589
Figura 16.5 Ahmed Sékou Touré, presidente da República da Guiné de 1958 a 1984 ....... 594
Figura 17.1 Repartição do cristianismo, do islã e da religião tradicional africana na
África, segundo estimativas de cada religião ....................................................609
XVI
África desde 1935
Figura 17.2 Por ocasião de um encontro de teólogos do Terceiro Mundo, no Cairo,
membros da AOTA visitam o patriarca da Igreja copta do Egito ...................615
Figura 17.3 Shaykh Ahmadu Bamba, dirigente dos mouros do Senegal,
com os seus talaba ............................................................................................ 618
Figura 17.4 O congolês Simon Kimbangu – detido pelas autoridades belgas em
Élisabethville (Lubumbashi) ............................................................................625
Figura 18.1 Repartição das línguas oficiais na África .......................................................... 638
Figura 19.1 Um griô, tradicional contador de histórias africano .........................................664
Figura 19.2 À esquerda: Aimé Césaire, escritor francês da Martinica. À direita:
Léopold Sédar Senghor, do Senegal, membro da Academia Francesa .............666
Figura 19.3 Wole Soyinka, da Nigéria, recebendo o prêmio Nobel de Literatura em
dezembro de 1986 ............................................................................................ 669
Figura 19.4 Naguib Mahfuz, do Egito, laureado com o prêmio Nobel de Literatura em
outubro de 1988 ............................................................................................... 685
Figura 19.5 Molara Ogundipe -Leslie, da Nigéria, professora universitária, poeta,
autora de escritos literários, ensaísta e crítica ...................................................687
Figura 19.6 André Brink, da África do Sul, escritor antiapartheid ..................................... 692
Figura
20.1 Arte turística” ou “arte dos aeroportos” ...........................................................706
Figura 20.2 Arte maconde ................................................................................................... 708
Figura 20.3 Artesão trabalhando o zinco em Foumban, Camarões ..................................... 709
Figura 20.4 Na parte superior: Iba Ndiaye, Senegal, com uma das suas pinturas.
Na parte inferior: Kofi Antubam, Gana, com uma das suas esculturas ............ 715
Figura 20.5 Viteix, Angola, com uma das suas pinturas ......................................................717
Figura 20.6 A Orquestra de Fez, no Marrocos: uma orquestra de música árabo -andaluz ...730
Figura 20.7 A cantora egípcia Umm Khulthum em um recital na cidade de Paris
em 1967 ...........................................................................................................732
Figura 20.8 Balé africano de Fodeba Keita. ......................................................................... 737
Figura 20.9 A arte africana e o cubismo. À esquerda: trono real esculpido em madeira:
o rei e a sua corte, Kana, Dahomey. À direita: “Le Prophète”, escultura de
Ossip Zadkine, 1914 ........................................................................................ 758
Figura 21.1 Cheikh Anta Diop, filósofo e físico senegalês, em seu laboratório no
IFAN, em Dakar, Senegal ................................................................................ 762
Figura 22.1 Curso de física no Ateneu Real de Léopoldville, Congo belga
(atualmente R. D. do Congo) ..........................................................................819
Figura 22.2 Escola corânica na cidade de Lagos, na Nigéria ..............................................824
Gráfico 22.1 Taxa de escolaridade na África, 1960 -1980; taxas absolutas de escolaridade
ajustadas por grau ........................................................................................... 830
Gráfico 22.2 Taxa de escolaridade na África, 1960 -1980; taxas absolutas de escolaridade
ajustadas por grau e por gênero ...................................................................... 830
Gráfico 22.3 Tendências dos efetivos na escola primária na África, 1960 -1980,
mostrando a população em idade escolar primária e os efetivos do ensino
primário, em milhões, assim como as taxas absolutas de escolaridade
ajustadas do primário (em %) ......................................................................... 831
XVII
Lista de Figuras
Figura 22.3 Parte superior: laboratório de biologia em um instituto de pedagogia,
Universidade de Lagos, na Nigéria, 1968. Parte inferior: Instituto Politécnico
do Quênia, 1968 ................................................................................................ 837
Figura 23.1 Algumas grandes figuras da diáspora africana, célebres defensores da causa
dos negros. Na parte superior, à esquerda, George Padmore; na parte superior,
à direita, Paul Robeson e W. E. B. Du Bois; na parte inferior, à esquerda,
Marcus Garvey; na parte inferior, à direita, Max Yergan ................................. 858
Figura 23.2 Malcolm X, porta -voz apaixonado da luta pelos direitos dos negros ............... 862
Figura 23.3 O carnaval de Notting Hill, festival das comunidades antilhanas organizado
anualmente nas ruas de Londres ......................................................................870
Figura 24.1 Os quatro chefes de Estado do Conselho da Entente após uma reunião no
palácio do Eliseu, Paris, em abril de 1961. Da esquerda para a direita: o
presidente de Daomé (atual Benin) H. Maga, o presidente da Costa do
Marfim F. Houphouët Boigny, o presidente da Nigéria H. Diori e o
presidente de Alto -Volta (atual Burkina Faso) M. Yameogo ........................... 879
Figura 24.2 Da esquerda para a direita: o presidente tanzaniano J. Nyerere, o presidente
ugandês A. M. Obote e o presidente queniano J. Kenyatta, por ocasião da
assinatura do Tratado de Cooperação na África do Leste, em Kampala, no
mês de junho de 1967 ...................................................................................... 881
Figura 25.1 Quinto Congresso Pan -Africano realizado em Manchester, Inglaterra, em
outubro de 1945. Da direita para a esquerda, à mesa diretora: Peter Milliard,
Sra. Amy Jacques Garvey, o prefeito de Manchester e I. T. A.
Wallace -Johnson .............................................................................................. 898
Figura 25.2 Discurso de abertura da primeira Conferência dos Povos Africanos em
Accra, Gana, em dezembro de 1958 ................................................................ 902
Figura 25.3 Na parte superior, à esquerda: Dulcie September, representante do Congresso
Nacional Africano (CNA) na França, assassinada em Paris no mês de março
de 1988. Na parte superior, à direita: sul -africano Steve Biko, dirigente do
Black Consciouness Movement, assassinado em setembro 1977. Na parte
inferior, à esquerda: Nelson Mandela, fotografado no início dos anos 1960,
antes da sua condenação à prisão perpétua. Na parte inferior, à direita: o chefe
sul -africano Albert Luthuli, primeiro presidente do CNA, 1952 -1960 ........... 909
Figura 26.1 Conferência franco -africana em La Baule, França, realizada em junho de
1990 ................................................................................................................. 932
Figura 26.2 Instalação de uma gráfica no CICIBA, em Libreville, Gabão, realizada por
técnicos da Mitsubishi Corporation do Japão .................................................. 934
Figura 27.1 O presidente chinês Mao Tse -tung encontra o presidente Kenneth Kaunda,
da Zâmbia, em Pequim, em fevereiro de 1974 ................................................. 974
Figura 27.2 Anastase Mikoyan, ministro das Relações Exteriores da URSS, chega em
Gana e recebe às boas -vindas do presidente Kwame Nkrumah, em janeiro
de 1962 ............................................................................................................ 985
Figura 27.3 TAZARA (ou Uhuru), estrada de ferro Tanzânia -Zâmbia, construída com
a ajuda dos chineses. Instalação dos trilhos na fronteira entre a Tanzânia e a
Zâmbia, em setembro de 1973, com a presença de autoridades chinesas e dos
presidentes Julius Nyerere, da Tanzânia, e Kenneth Kaunda, da Zâmbia ......... 991
Figura 27.4 Tropas cubanas em Angola ..............................................................................995
XVIII
África desde 1935
Figura 28.1 Conferência da Liga Árabe e da Organização para a Unidade Africana,
no Cairo em 1977 .......................................................................................... 1026
Figura 28.2 Fidel Castro, de Cuba, e o Grupo dos Setenta e Sete em Havana no
dia 21 de abril 1987 ....................................................................................... 1037
Figura 28.3 Da esquerda para a direita: J. B. Tiw, da Iugoslávia, A. Ben Bella,
da Argélia, A. M. Obote, de Uganda e H. Bourguiba, da Tunísia, durante
a segunda Conferência dos países não alinhados, no Cairo, de 5 a 10 de
outubro de 1964 ............................................................................................. 1046
Figura 28.4 A quarta Conferência dos Países Não Alinhados, em Alger, no mês de
setembro de 1973 ........................................................................................... 1047
Figura 29.1 A região do Togo em 1919. Declaração franco -britânica de 10 de julho
de 1919 (segundo E. K. Kouassi) ................................................................... 1056
Figura 29.2 O Congo -Léopoldville, atual República Democrática do Congo (segundo
E. K. Kouassi.) ...............................................................................................1062
Figura 29.3 Acima, à esquerda: Dag Hammarskjöld esquerda), secretário -geral das
Nações Unidas, e Joseph Kasavubu (sentado à direita, de perfil), presidente
do Congo, durante encontro em Léopoldville (atual Kinshasa) no dia 29 de
julho de 1960. Acima, à direita: M. Tshombé, primeiro -ministro da província
secessionista do Katanga (Shaba), em Élisabethville (Lubumbashi), no mês de
agosto de 1960. Abaixo, à esquerda: Patrice Lumumba, primeiro -ministro da
República do Congo, em julho de 1960. Abaixo, à direita: o coronel J. D.
Mobutu, chefe do exército congolês, em setembro de 1960 ...........................1067
Figura 29.4 A Argélia (segundo E. K. Kouassi) ................................................................ 1073
Figura 29.5 O senegalês Amadou -Mahtar M’Bow, diretor -geral da UNESCO de
1974 a 1987.................................................................................................... 1087
Figura 29.6 O sistema das Nações Unidas ........................................................................ 1091
Figura 29.7 Sam Nujoma, primeiro presidente da Namíbia, e Javier Pérez de Cuéllar,
secretário -geral das Nações Unidas, quando da proclamação da independência
da Namíbia, em 21 de março de 1990 ........................................................... 1093
Figura 30.1 À esquerda: a liberiana Angie Brooks, presidente da Assembleia Geral
das Nações Unidas em 1969 -1970. À direita: a princesa Elizabeth Bagaya,
ministra das relações exteriores de Uganda, fazendo uso da palavra perante a
Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 1974 ........................ 1108
Figura 30.2 À esquerda: a egípcia Jehan al -Sādāt, eminência na luta pelos direitos da
mulher. À direita: a sul -africana Winnie Mandela, militante do movimento
contra o apartheid, em Joanesburgo, no mês de outubro de 1985 .................. 1111
Figura 30.3 O reator nuclear Triga (ex -Zaire e atual R. D. do Congo, 1965) ................... 1115
Figura 30.4 A desertificação do Sahel ............................................................................... 1120
Figura 30.5 O desmatamento da África ............................................................................ 1121
Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espécie esconderam do
mundo a real história da África. As sociedades africanas passavam por socie-
dades que não podiam ter história. Apesar de importantes trabalhos efetuados
desde as primeiras décadas do século XX por pioneiros como Leo Frobenius,
Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande número de especialistas não-
africanos, ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades não
podiam ser objeto de um estudo científico, notadamente por falta de fontes e
documentos escritos.
Se a Ilíada e a Odisseia podiam ser devidamente consideradas como fontes
essenciais da história da Grécia antiga, em contrapartida, negava-se todo valor
à tradição oral africana, essa memória dos povos que fornece, em suas vidas, a
trama de tantos acontecimentos marcantes. Ao escrever a história de grande
parte da África, recorria-se somente a fontes externas à África, oferecendo
uma visão não do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo
que se pensava que ele deveria ser. Tomando freqüentemente a “Idade Média”
européia como ponto de referência, os modos de produção, as relações sociais
tanto quanto as instituições políticas não eram percebidos senão em referência
ao passado da Europa.
Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o criador
de culturas originais que floresceram e se perpetuaram, através dos séculos, por
PREFÁCIO
por M. Amadou - Mahtar M’Bow,
Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)
XX
África desde 1935
vias que lhes são próprias e que o historiador só pode apreender renunciando a
certos preconceitos e renovando seu método.
Da mesma forma, o continente africano quase nunca era considerado como
uma entidade histórica. Em contrário, enfatizava-se tudo o que pudesse refor-
çar a idéia de uma cisão que teria existido, desde sempre, entre uma África
branca” e uma “África negra que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-se
frequentemente o Saara como um espaço impenetrável que tornaria impossíveis
misturas entre etnias e povos, bem como trocas de bens, crenças, hábitos e idéias
entre as sociedades constituídas de um lado e de outro do deserto. Traçavam-se
fronteiras intransponíveis entre as civilizações do antigo Egito e da Núbia e
aquelas dos povos subsaarianos.
Certamente, a história da África norte-saariana esteve antes ligada àquela da
bacia mediterrânea, muito mais que a história da África subsaariana mas, nos
dias atuais, é amplamente reconhecido que as civilizações do continente africano,
pela sua variedade lingüística e cultural, formam em graus variados as vertentes
históricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laços seculares.
Um outro fenômeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passado
africano foi o aparecimento, com o tráfico negreiro e a colonização, de estereótipos
raciais criadores de desprezo e incompreensão, tão profundamente consolidados
que corromperam inclusive os próprios conceitos da historiografia. Desde que
foram empregadas as noções de “brancos” e negros”, para nomear genericamente
os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foram
levados a lutar contra uma dupla servidão, econômica e psicológica. Marcado
pela pigmentação de sua pele, transformado em uma mercadoria, entre outras, e
condenado ao trabalho forçado, o africano passou a simbolizar, na consciência de
seus dominadores, uma essência racial imaginária e ilusoriamente inferior àquela
do negro. Este processo de falsa identificação depreciou a história dos povos afri-
canos, no espírito de muitos, rebaixando-a a uma etno-história em cuja apreciação
das realidades históricas e culturais não podia ser senão falseada.
A situação evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em
particular, desde que os países da África, tendo alcançado sua independência,
começaram a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos
intercâmbios a ela inerentes. Historiadores, em número crescente, esforçaram-
se em abordar o estudo da África com mais rigor, objetividade e abertura de
espírito, empregando obviamente com as devidas precauções fontes africanas
originais. No exercício de seu direito à iniciativa histórica, os próprios africanos
sentiram profundamente a necessidade de restabelecer, em bases sólidas, a his-
toricidade de suas sociedades.
XXI
Prefácio
É nesse contexto que emerge a importância da História Geral da África, em
oito volumes, cuja publicação a Unesco começou.
Os especialistas de numerosos países que se empenharam nessa obra, pre-
ocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os fundamentos teóricos e
metodológicos. Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificações abusivas
criadas por uma concepção linear e limitativa da história universal, bem como
em restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessário e possível. Eles esfor-
çaram-se para extrair os dados históricos que permitissem melhor acompanhar
a evolução dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural.
Nessa tarefa imensa, complexa e árdua em vista da diversidade de fontes e
da dispersão dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas. A primeira
fase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentação e de planificação da
obra. Atividades operacionais foram conduzidas in loco, através de pesquisas de
campo: campanhas de coleta da tradição oral, criação de centros regionais de
documentação para a tradição oral, coleta de manuscritos inéditos em árabe e
ajami (línguas africanas escritas em caracteres árabes), compilação de inventários
de arquivos e preparação de um Guia das fontes da história da África, publicado
posteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e bibliotecas dos países
da Europa. Por outro lado, foram organizados encontros, entre especialistas
africanos e de outros continentes, durante os quais discutiu-se questões meto-
dológicas e traçou-se as grandes linhas do projeto, após atencioso exame das
fontes disponíveis.
Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e à articu-
lação do conjunto da obra. Durante esse período, realizaram-se reuniões interna-
cionais de especialistas em Paris (1969) e Addis-Abeba (1970), com o propósito
de examinar e detalhar os problemas relativos à redação e à publicação da obra:
apresentação em oito volumes, edição principal em inglês, francês e árabe, assim
como traduções para línguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, o
yoruba ou o lingala. Igualmente estão previstas traduções para o alemão, russo,
português, espanhol e chinês
1
, além de edições resumidas, destinadas a um
público mais amplo, tanto africano quanto internacional.
A terceira e última fase constituiu-se na redação e na publicação do trabalho.
Ela começou pela nomeação de um Comitê Científico Internacional de trinta e
1 O volume I foi publicado em inglês, árabe, chinês, coreano, espanhol, francês, hawsa, italiano, kiswahili,
peul e português; o volume II em inglês, árabe, chinês, coreano, espanhol, francês, hawsa, italiano, kiswahili,
peul e português; o volume III em inglês, árabe, espanhol e francês; o volume IV em inglês, árabe, chinês,
espanhol, francês e português; o volume V em inglês e árabe; o volume VI em inglês, árabe e francês; o
volume VII em inglês, árabe, chinês, espanhol, francês e português; o VIII em inglês e francês.
XXII
África desde 1935
nove membros, composto por africanos e não-africanos, na respectiva proporção
de dois terços e um terço, a quem incumbiu-se a responsabilidade intelectual
pela obra.
Interdisciplinar, o método seguido caracterizou-se tanto pela pluralidade
de abordagens teóricas quanto de fontes. Dentre essas últimas, é preciso citar
primeiramente a arqueologia, detentora de grande parte das chaves da história
das culturas e das civilizações africanas. Graças a ela, admite-se, nos dias atuais,
reconhecer que a África foi, com toda probabilidade, o berço da humanidade,
palco de uma das primeiras revoluções tecnológicas da história, ocorrida no
período Neolítico. A arqueologia igualmente mostrou que, na África, especifi-
camente no Egito, desenvolveu-se uma das antigas civilizações mais brilhantes
do mundo. Outra fonte digna de nota é a tradição oral que, até recentemente
desconhecida, aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituição da
história da África, permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no
tempo e no espaço, compreender, a partir de seu interior, a visão africana do
mundo, e apreender os traços originais dos valores que fundam as culturas e as
instituições do continente.
Saber-se-á reconhecer o mérito do Comitê Científico Internacional encarre-
gado dessa História geral da África, de seu relator, bem como de seus coordena-
dores e autores dos diferentes volumes e capítulos, por terem lançado uma luz
original sobre o passado da África, abraçado em sua totalidade, evitando todo
dogmatismo no estudo de questões essenciais, tais como: o tráfico negreiro, essa
sangria sem fim”, responsável por umas das deportações mais cruéis da história
dos povos e que despojou o continente de uma parte de suas forças vivas, no
momento em que esse último desempenhava um papel determinante no pro-
gresso econômico e comercial da Europa; a colonização, com todas suas conse-
qüências nos âmbitos demográfico, econômico, psicológico e cultural; as relações
entre a África ao sul do Saara e o mundo árabe; o processo de descolonização e
de construção nacional, mobilizador da razão e da paixão de pessoas ainda vivas
e muitas vezes em plena atividade. Todas essas questões foram abordadas com
grande preocupação quanto à honestidade e ao rigor científico, o que constitui
um rito o desprezível da presente obra. Ao fazer o balanço de nossos
conhecimentos sobre a África, propondo diversas perspectivas sobre as culturas
africanas e oferecendo uma nova leitura da história, a História geral da África
tem a indiscutível vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras, sem
dissimular as divergências de opinião entre os estudiosos.
Ao demonstrar a insuficiência dos enfoques metodológicas amiúde utiliza-
dos na pesquisa sobre a África, essa nova publicação convida à renovação e ao
XXIII
Prefácio
aprofundamento de uma dupla problemática, da historiografia e da identidade
cultural, unidas por laços de reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo tra-
balho histórico de valor, a múltiplas novas pesquisas.
É assim que, em estreita colaboração com a UNESCO, o Comitê Cientí-
fico Internacional decidiu empreender estudos complementares com o intuito
de aprofundar algumas questões que permitirão uma visão mais clara sobre
certos aspectos do passado da África. Esses trabalhos publicados na coleção
da UNESCO, História geral da África: estudos e documentos, virão a cons-
tituir, de modo útil, um suplemento à presente obra
2
. Igualmente, tal esforço
desdobrar-se-á na elaboração de publicações versando sobre a história nacional
ou sub-regional.
Essa História geral da África coloca simultaneamente em foco a unidade his-
tórica da África e suas relações com os outros continentes, especialmente com as
Américas e o Caribe. Por muito tempo, as expressões da criatividade dos afro-
descendentes nas Américas haviam sido isoladas por certos historiadores em um
agregado heteróclito de africanismos; essa visão, obviamente, não corresponde
àquela dos autores da presente obra. Aqui, a resistência dos escravos deportados
para a América, o fato tocante ao marronage [fuga ou clandestinidade] político
e cultural, a participação constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas da
primeira independência americana, bem como nos movimentos nacionais de
libertação, esses fatos são justamente apreciados pelo que eles realmente foram:
vigorosas afirmações de identidade que contribuíram para forjar o conceito
universal de humanidade. É hoje evidente que a herança africana marcou, mais
ou menos segundo as regiões, as maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir de
certas nações do hemisfério ocidental. Do sul dos Estados-Unidos ao norte do
Brasil, passando pelo Caribe e pela costa do Pacífico, as contribuições culturais
herdadas da África são visíveis por toda parte; em certos casos, inclusive, elas
constituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns dos
elementos mais importantes da população.
2 Doze números dessa série foram publicados; eles tratam respectivamente sobre: no 1 O povoamento
do Egito antigo e a decodicação da escrita meroítica; no 2 O tráco negreiro do século XV ao século
XIX; no 3 – Relações históricas através do Oceano Índico; no 4 – A historiograa da África Meridional;
no 5 A descolonização da África: África Meridional e Chifre da África [Nordeste da África]; no 6
Etnonímias e toponímias; no 7 – As relações históricas e socioculturais entre a África e o mundo árabe; no
8 – A metodologia da história da África contemporânea; no 9 – O processo de educação e a historiograa
na África; no 10 – A África e a Segunda Guerra Mundial; no 11 – Líbya Antiqua; no 12 – O papel dos
movimentos estudantis africanos na evolução política e social da África de 1900 a 1975.
XXIV
África desde 1935
Igualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relações da África com
o sul da Ásia através do Oceano Índico, além de evidenciar as contribuições
africanas junto a outras civilizações em seu jogo de trocas mútuas.
Estou convencido que os esforços dos povos da África para conquistar ou
reforçar sua independência, assegurar seu desenvolvimento e consolidar suas
especificidades culturais devem enraizar-se em uma consciência histórica reno-
vada, intensamente vivida e assumida de geração em geração.
Minha formação pessoal, a experiência adquirida como professor e, desde
os primórdios da independência, como presidente da primeira comissão criada
com vistas à reforma dos programas de ensino de história e de geografia de
certos países da África Ocidental e Central, ensinaram-me o quanto era neces-
sário, para a educação da juventude e para a informação do público, uma obra
de história elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior
os problemas e as esperanças da África, pensadores capazes de considerar o
continente em sua totalidade.
Por todas essas razões, a UNESCO zelará para que essa História Geral da
África seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e constitua base
da elaboração de livros infantis, manuais escolares e emissões televisivas ou
radiofônicas. Dessa forma, jovens, escolares, estudantes e adultos, da África
e de outras partes, poderão ter uma melhor visão do passado do continente
africano e dos fatores que o explicam, além de lhes oferecer uma compreensão
mais precisa acerca de seu patrimônio cultural e de sua contribuição ao pro-
gresso geral da humanidade. Essa obra deveria então contribuir para favorecer
a cooperação internacional e reforçar a solidariedade entre os povos em suas
aspirações por justiça, progresso e paz. Pelo menos, esse é o voto que manifesto
muito sinceramente.
Resta-me ainda expressar minha profunda gratidão aos membros do Comitê
Científico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos diferentes volu-
mes, aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realizão desta
prodigiosa empreitada. O trabalho por eles efetuado e a contribuição por eles
trazida mostram com clareza o quanto homens vindos de diversos horizontes,
conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a serviço da
verdade de todos os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecido
pela UNESCO, para lograr êxito em um projeto de tamanho valor científico
e cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se às organizações e aos
governos que, graças a suas generosas doações, permitiram à UNESCO publi-
car essa obra em diferentes línguas e assegurar-lhe a difusão universal que ela
merece, em prol da comunidade internacional em sua totalidade.
XXV
Apresentação do Projeto
A Conferência Geral da UNESCO, em sua décima sexta sessão, solicitou
ao Diretor-geral que empreendesse a redação de uma História Geral da África.
Esse considerável trabalho foi confiado a um Comitê Científico Internacional
criado pelo Conselho Executivo em 1970.
Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo da
UNESCO, em 1971, esse Comitê compõe-se de trinta e nove membros res-
ponsáveis (dentre os quais dois terços africanos e um terço de não-africanos),
nomeados pelo Diretor-geral da UNESCO por um período correspondente à
duração do mandato do Comitê.
A primeira tarefa do Comitê consistiu em definir as principais características
da obra. Ele definiu-as em sua primeira sessão, nos seguintes termos:
• Em que pese visar a maior qualidade científica possível, a História Geral
da África não busca a exaustão e se pretende uma obra de síntese que
evitará o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposição
dos problemas indicadores do atual estádio dos conhecimentos e das
grandes correntes de pensamento e pesquisa, não hesitando em assinalar,
APRESENTAÇÃO DO PROJETO
pelo Professor Bethwell Allan Ogot
*
Presidente do Comitê Cientíco Internacional
para a redação de uma História Geral da África
* Durante a XVI sessão plenária do Comitê Científico Internacional para a redação de uma História
Geral da África (Brazaville, agosto de 1983), procedeu-se à eleição do novo Bureau e o professor Ogot foi
substituído pelo professor Alberto Adu Boahan.
XXVI
África desde 1935
em tais circunstâncias, as divergências de opinião. Ela assim preparará o
caminho para posteriores publicações.
• A África é aqui considerada como um todo. O objetivo é mostrar as
relações históricas entre as diferentes partes do continente, muito amiúde
subdividido, nas obras publicadas até o momento. Os laços históricos
da África com os outros continentes recebem a atenção merecida e são
analisados sob o ângulo dos intercâmbios mútuos e das influências mul-
tilaterais, de forma a fazer ressurgir, oportunamente, a contribuição da
África para o desenvolvimento da humanidade.
• A História Geral da África consiste, antes de tudo, em uma história das
idéias e das civilizações, das sociedades e das instituições. Ela funda-
menta-se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui compreendidas
a tradição oral e a expressão artística.
• A História Geral da África é aqui essencialmente examinada de seu inte-
rior. Obra erudita, ela também é, em larga medida, o fiel reflexo da
maneira através da qual os autores africanos vêem sua própria civilização.
Embora elaborada em âmbito internacional e recorrendo a todos os
dados científicos atuais, a História será igualmente um elemento capital
para o reconhecimento do patrimônio cultural africano, evidenciando
os fatores que contribuem à unidade do continente. Essa vontade em
examinar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poderá,
além de suas qualidades científicas, conferir-lhe um grande valor de
atualidade. Ao evidenciar a verdadeira face da África, a História poderia,
em uma época dominada por rivalidades econômicas e técnicas, propor
uma concepção particular dos valores humanos.
O Comitê decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo sobre mais de 3
milhões de anos de história da África, em oito volumes, cada qual compreen-
dendo aproximadamente oitocentas páginas de texto com ilustrações (fotos,
mapas e desenhos tracejados).
Para cada volume designou-se um coordenador principal, assistido, quando
necessário, por um ou dois co-diretores assistentes.
Os coordenadores dos volumes são escolhidos, tanto entre os membros do
Comitê quanto fora dele, em meio a especialistas externos ao organismo, todos
eleitos por esse último, pela maioria de dois terços. Eles encarregam-se da ela-
boração dos volumes, em conformidade com as decisões e segundo os planos
decididos pelo Comitê. São eles os responsáveis, no plano científico, perante
o Comitê ou, entre duas sessões do Comitê, perante o Conselho Executivo,
XXVII
Apresentação do Projeto
pelo conteúdo dos volumes, pela redação final dos textos ou ilustrações e, de
uma maneira geral, por todos os aspectos científicos e técnicos da História. É
o Conselho Executivo quem aprova, em última instância, o original definitivo.
Uma vez considerado pronto para a edição, o texto é remetido ao Diretor-Geral
da UNESCO. A direção da obra cabe, dessa forma, ao Comitê ou ao Conselho
Executivo, nesse caso responsável no ínterim entre duas sessões do Comitê.
Cada volume compreende por volta de 30 capítulos. Cada qual redigido por
um autor principal, assistido por um ou dois colaboradores, caso necessário.
Os autores são escolhidos pelo Comitê em função de seu curriculum vitae.
A preferência é concedida aos autores africanos, sob reserva de sua adequação
aos títulos requeridos. Além disso, o Comitê zela, tanto quanto possível, para
que todas as regiões da África, bem como outras regiões que tenham mantido
relações históricas ou culturais com o continente, estejam de forma equitativa
representadas no quadro dos autores.
Após aprovação pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes capítu-
los são enviados a todos os membros do Comitê para submissão à sua crítica.
Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume é submetido ao
exame de um comitê de leitura, designado no seio do Comitê Científico Inter-
nacional, em função de suas competências; cabe a esse comitê realizar uma
profunda análise tanto do conteúdo quanto da forma dos capítulos.
Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em última instância, os originais.
Tal procedimento, aparentemente longo e complexo, revelou-se necessário,
pois permite assegurar o máximo de rigor científico à História Geral da África.
Com efeito, houve ocasiões nas quais o Conselho Executivo rejeitou origi-
nais, solicitou reestruturações importantes ou, inclusive, confiou a redação de
um capítulo a um novo autor. Eventualmente, especialistas de uma questão ou
período específicos da história foram consultados para a finalização definitiva
de um volume.
Primeiramente, uma edição principal da obra em inglês, francês e árabe será
publicada, posteriormente haverá uma edição em forma de brochura, nesses
mesmos idiomas.
Uma versão resumida em inglês e francês servirá como base para a tradução
em línguas africanas. O Comitê Científico Internacional determinou quais
os idiomas africanos para os quais serão realizadas as primeiras traduções: o
kiswahili e o haussa.
Tanto quanto possível, pretende-se igualmente assegurar a publicação da
História Geral da África em rios idiomas de grande difusão internacional
XXVIII
África desde 1935
(dentre os quais, entre outros: alemão, chinês, italiano, japonês, português, russo,
etc.).
Trata-se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada gigantesca
que constitui um ingente desafio para os historiadores da África e para a comu-
nidade científica em geral, bem como para a UNESCO que lhe oferece sua
chancela. Com efeito, pode-se facilmente imaginar a complexidade de uma
tarefa tal qual a redação de uma história da África que cobre no espaço, todo
um continente e, no tempo, os quatro últimos milhões de anos, respeitando,
todavia, as mais elevadas normas científicas e convocando, como é necessário,
estudiosos pertencentes a todo um leque de países, culturas, ideologias e tra-
dições históricas. Trata-se de um empreendimento continental, internacional e
interdisciplinar, de grande envergadura.
Em conclusão, obrigo-me a sublinhar a importância dessa obra para a África
e para todo o mundo. No momento em que os povos da África lutam para se unir
e para, em conjunto, melhor forjar seus respectivos destinos, um conhecimento
adequado sobre o passado da África, uma tomada de consciência no tocante aos
elos que unem os Africanos entre si e a África aos demais continentes, tudo
isso deveria facilitar, em grande medida, a compreensão mútua entre os povos
da Terra e, além disso, propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimônio
cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade.
Bethwell Allan Ogot
Em 8 de agosto de 1979
Presidente do Comitê Científico Internacional
para a redação de uma História Geral da África
C A P Í T U L O 1
1
Introdução
As exigências da análise desenvolvida no presente volume conduziram a
aqui subdividir a história da África em três domínios: cultural, econômico e
político. Empregamos a palavra cultural não em sentido estrito, que evoca a
experiência artística, mas em sua acepção mais ampla, voltada aos valores e às
tradições. Definimos o domínio econômico como aquele que se refere à produção
africana e à distribuição de bens, mas também aquele dos modos de consumo
africanos e das modalidades de troca relativas
1
a esses últimos. Por fim, defini-
mos a experiência política da África do ponto de vista dos desafios do poder e
da autoridade, como também do ponto de vista das regras da participação na
gestão dos assuntos públicos.
No plano cultural, os temas abordados abarcam todo o horizonte compre-
endido entre a religião e a literatura. Em matéria econômica, nós tratamos nesse
volume, tanto o abastecimento de água nos campos quanto a busca de uma nova
ordem econômica mundial. Finalmente, os temas políticos englobam tópicos tão
diversos quanto as lutas de libertação na África Meridional, as revoluções sociais
em países tais como a Ruanda e a Etiópia, a construção da nação na Tanzânia
ou os valores políticos no Magreb.
1 No que se refere aos debates econômicos, consultar especialmente os documentos do Banco Mundial,
1989a, e da ONU, Comissão Econômica para a África, 1989.
Introdução
Ali A. Mazrui
2
África desde 1935
Por que escolhemos 1935 como ponto de partida para o período estudado
nesse volume? Porque a Segunda Guerra Mundial, para a África, começou
nesse ano. À imagem da China, para a qual o conflito não teve início com a
invasão da Polônia pela Alemanha em 1939, mas somente na ocasião da inva-
são de seu território pelo Japão em 1937, a África viu efetivamente abrirem -se
as hostilidades em outubro de 1935, no momento da invasão da Etiópia pelas
tropas de Mussolini. Toda uma sessão do volume é consagrada a esta década
do conflito internacional (1935 -1945) e nós igualmente abordamos a Segunda
Guerra Mundial em capítulos ulteriores. Retomaremos mais adiante, na pre-
sente introdução, esse tema ligado ao conflito mundial em suas relações com a
crise dos anos 30.
Os valores, a produção e o poder
No domínio cultural, esse período da história da África corresponde a uma
importante fase de africanização das religiões vindas de fora, cristianismo e
islamismo. Igrejas cristãs independentes fizeram sua aparição, afirmando sua
identidade com maior autoconfiança, particularmente na África Central e Meri-
dional. Quanto ao islamismo, por exemplo, no Senegal, experimentou uma afri-
canização mais profunda, sob influência de movimentos tais como a confraria
moura de Amadou Bamba.
No domínio linguístico, a África, como veremos, deve considerar o papel
das línguas europeias importadas e a utilização do alfabeto latino no processo
de codificação das línguas nacionais. Fato curioso, no decorrer do período aqui
abordado, o continente não conheceu no plano linguístico um nacionalismo
militante comparável àquele manifesto no plano político. Os africanos sentem-
-se menos frustrados pela preponderância das línguas da Europa do que pela
supremacia política dela. Com efeito, se fizermos exceção da Etiópia, da Somá-
lia, da Tanzânia e da África de língua árabe, a ressonância emocional do naciona-
lismo linguístico apresenta -se bem mais reduzida na África, comparativamente
ao ocorrido na Ásia pós -colonial. Como assinalaremos mais adiante no presente
volume, a África demonstra maior disposição em acomodar -se à dependência
linguística do que ela parece estar pronta a admitir o neocolonialismo político.
Por outro lado, ainda que expressos muitas vezes em língua estrangeira, a
literatura e o teatro africanos são indissoluvelmente solidários com a política
de libertação. No curso desse período, o teatro da libertação apresenta incon-
testavelmente maior engajamento que o teatro do desenvolvimento. O tema da
3
Introdução
libertação impregnou especialmente o teatro sul -africano, como veremos na
sequência desse volume. Peças como Sizwe Banzi is dead, de Athol Fugard,
John Kani e Winston Ntshona, ou Survival, fruto do Workshop 71, abriram o
caminho a toda uma nova geração do teatro da libertação. Até mesmo Ngahiika
Ndenda [Eu me casarei quando quiser], peça populista de Ngugi wa Thiongo,
trata uma temática que poderíamos considerar antes ligada à libertação que ao
desenvolvimento, neste caso, a libertação relativa à opressão de classe (negros
contra negros) e não aquela concernente à opressão racial como na África do
Sul (brancos contra negros).
Em termos gerais, dependência linguística e nacionalismo literário
manifestam -se simultaneamente no transcorrer desse período na África. Mas,
quando línguas estrangeiras são empregadas, isso acontece para expressar uma
identidade literia deliberadamente africana, dessa forma, no Quênia por
exemplo, um autor como Ngugi wa Thiongo busca fundir nacionalismo lin-
guístico e independência literária: sua peça, Ngahiika Ndenda, escrita em língua
Kikuyu está voltada contra o poder africano negro da época pós -colonial de
seu país.
Paralelamente a essa tentativa em combinar nacionalismo literário e nacio-
nalismo linguístico, Julius K. Nyerere, na Tanzânia, tenta, por sua vez, combinar
nacionalismo linguístico e dependência literária. Sua tradução em kiswahili do
Júlio César de Shakespeare parece, à primeira vista, ir de encontro à libertação.
Mas o que fez ele senão pedir ao kiswahili para carregar o peso da cultura mun-
dial, sem no entanto recuar ante a grandeza de Shakespeare? Em certo sentido,
Nyerere dava assim um golpe em benefício do desenvolvimento, linguístico,
neste caso. Se no plano literário, preocupar -se com Shakespeare correspondia,
aparentemente, a virar as costas à libertação, traduzir um gênio ocidental para
uma língua africana pode ser considerado uma afirmação do desenvolvimento.
A tradução por Nyerere do Mercador de Veneza pode igualmente assemelhar-
-se a algo que caminha em sentido contrário à libertação. Mas, ela pertence, à
sua maneira, ao teatro do desenvolvimento, por duas razões. Primeiramente,
a empreitada equivalia a promover a língua nacional da Tanzânia à condição
de língua internacional. Em segundo lugar, a escolha do Mercador de Veneza
inscrevia -se no quadro do esforço pela educação econômica da Tanzânia, diri-
gido contra a exploração. A visão toda de Nyerere em seu Ujamaa consistia em
uma luta contra os Shylock desse mundo (mais pagãos que judeus). A maneira
como ele traduziu o título da peça acomodava esse sentimento: O(s) Capitalista(s)
de Veneza (Mabepari wa Vanisi). Nós retomaremos, nos capítulos posteriores, o
simbolismo do Mwalimu e do Bard na cultura pós -colonial.
4
África desde 1935
Em relação ao domínio econômico, este volume aborda, ao mesmo tempo, os
problemas relativos à pobreza e ao subdesenvolvimento, tanto em nível mundial
quanto no plano local, ou da microssociedade, pois, se no Ocidente a concorrên-
cia equivale ao enfrentamento de capitalistas no campo do mercado de ações,
na África, situa -se às vezes no nível da pobreza. Esperamos poder lançar uma
luz, nos capítulos seguintes, sobre o contexto global do subdesenvolvimento e
da miséria que castigam o continente
2
.
Podemos questionar, com relação aos anos 90, se os tempos mais difíceis
para a África se encontram em seu passado. Os dados disponíveis, se não
trazem uma resposta definitiva, permitem, entretanto, pensar sobre o fato da
mortalidade infantil ter baixado no continente, desde então, de 40% para 24%.
Igualmente, tudo indica que a esperança de vida, outrora da ordem de 40 anos,
esteja em vias de aproximar -se dos 50 anos.
No que concerne a produção de víveres, aparentemente ela teria aumentado
cerca de 3% em 1986. Essa evolução significa que, pela primeira vez em quinze
anos, a produção de gêneros alimentícios aumentou mais que a população. Pude-
mos também observar, em meados dos anos 80, uma mudança no comporta-
mento dos camponeses africanos, desde logo atentos às políticas adotadas pelos
governos no sentido de melhorar os rendimentos da agricultura. Os capítulos
consagrados à economia permitirão um tratamento do contexto em que se ins-
crevem esses problemas
3
.
Quanto ao aspecto político da história da África, durante o período conside-
rado, os principais processos estudados nesse volume são a libertação, a formação
do Estado e a edificação da nação.
Após os capítulos que tratam da libertação em relação ao regime colonial
europeu propriamente dito, mais particularmente ao longo do período que vai
até os anos 60, será abordada a época em que a África lutou contra governos
dominados por minorias brancas, como no Zimbábue. Certamente, serão tra-
tadas igualmente nesse volume questões relativas às lutas que se desenvolveram
nas colônias africanas, consideradas pela Europa como partes integrantes da
metrópole (tal o caso da Argélia e das colônias portuguesas).
Finalmente, analisaremos o esforço levado a cabo pela África na época
pós -colonial visando superar as relações de dependência ainda subsistentes
2 Consultar J. RAVENHILL, 1986. Eu agradeço também Wanjiku Kironjo (Quênia) por sua estimulante
contribuição.
3 C. BASSET, 1987.
5
Introdução
MAR VERMELHO
Canal de Suez
S A A R A
ARGÉLIA
MAURITANIE
SUDÃO FRANCÊS
NÍGER
CHADE
TUNÍSIA
LÍBIA
TRIPOLITÂNIA
CIRENÁICA
EGITO
SUDÃO
ANGLO-EGÍPCIO
ERITRÉIA
TIGRÉ
SOMÁLIA FRANCESA
SOMÁLIA
BRITÂNICA
S
O
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OGADÊNIA
ETIÓPIA
HAUD
GEZIRA
OUBANGUI-
-CHARI
NIGÉRIA
D
A
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TOGO BRITÂNICO
TOGO
COSTA
DO OURO
ALTO-
-VOLTA
GUINÉ
FRANCESA
SERRA LEOA
LIBÉRIA
SENEGAL
GÂMBIA
GUINÉ
PORTUGUESA
CABO
VERDE
(Port.)
FERNANDO POO
(Esp.)
Tânger
Kenitra
MARROCOS
RIO DE OURO
Casablanca
Argel
Bizerta
Túnis
Sfax
Trípoli
Benghazi
Alexandria
Cairo
Saint-Louis
Dakar
Bamako
Niamei
Uagadugu
COSTA
DO MARFIM
Conakri
Freetown
Monróvia
Abidjan
Porto Novo
Fort Lamy
Accra
Lomé
Lagos
Yaoundé
Bangui
CAMARÕES
BRITÂNICO
Cartum
Adowa
Jibuti
Harar
Adis-
-Abeba
Wal-Wal
Kafr al-Dawar
FEZZAN
Á F R ICA O C ID ENTA L FRA N CE SA
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N
E
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OCEANO ATLÂNTICO
OCEANO ÍNDICO
ÁFRICA DO
SUDOESTE
Zonas sob domínio de
Bélgica
Grã-Bretanha
França
Itália
Portugal
Espanha
Estados Independentes
PRÍNCIPE (Port.)
RÍO
MUNI
SÃO TOMÉ (Port.)
GABÃO
CONGO MÉDIO FRANCÊS
CONGO BELGA
UGANDA
QUÊNIA
RUANDA-
-URUNDI
TANGANYIKA
ZANZIBAR
(G.B.)
ANGOLA
KATANGA
RODÉSIA
DO SUL
RODÉSIA
DO NORTE
MOÇAMBIQUE
TRANSVAAL
SUAZILÂNDIA
BASUTOLÂNDIA
PROVÍNCIA DO CABO
(Dominada
pela UNIÃO
SUL-
-AFRICANA)
UNIÃO
SUL-AFRICANA
COMORES
(França)
MADAGASCAR
(França)
MAURÍCIO (G.B.)
REUNIÃO (França)
Cabo da Boa Esperança
Libreville
Campala
Léopoldville
Brazzaville
Luanda
Mogadíscio
Nairóbi
Dar es-Salaam
Elisabethville
Antananarivo
Lusaka
Zomba
NIASSALÂNDIA
Salisbúria
Vinduque
Gaborone
BECHUANALÂNDIA
Joanesburgo
Lourenço Marques
Cidade do Cabo
0 500 1000milhas
0 800 1600km
Á
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A
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A
SEICHELES
(G.B.)
CAMARÕES
FRANCÊS
. Mapa político da África em 1935. (Fonte: segundo J. Bartholomew, e citizens Atlas of the world,
Edimburgo, Batholomew and Son Ltd., 1935, pág. 122 -123.)
N: entre 1932 e 1947, o Alto -Volta encontrava -se dividido entre o Sudão francês, a Costa do Marm e
a Nigéria. Nessa época, Ouagadougou não era a capital.
6
África desde 1935
frente às antigas potências coloniais: em outros termos, o combate contra o
neocolonialismo.
Na fase pós -colonial, os processos de sucessão política no interior dos Esta-
dos africanos revestem -se de uma particular importância. Observou -se a ocor-
rência em alguns casos de sucessão póstuma natural, isto é, sucessão após um
falecimento natural. Dessa forma, Moi sucedeu Kenyatta e Chadli Bendjedid
sucedeu Boumediene.
Sucessões também aconteceram após um assassinato, uma morte política
ou um acidente” duvidoso. Na ocasião em que al -Hadji Shehu Shagari chegou
ao poder em 1979, três dentre os seis chefes de governo na Nigéria haviam
sido mortos desde a independência, ou seja, uma taxa de “regicídio de 50%.
Entretanto, desde Shagari, a taxa de regicídio baixou na Nigéria, pois nenhum
presidente foi assassinado nesse país nos anos 80.
Os casos, porém, de sucessão política resultantes de um golpe militar de
Estado foram, de longe, os mais frequentes. Acima de setenta golpes de Estado
ocorreram no continente desde a independência, em sua maioria ao norte da
linha do equador. É necessário aqui acrescentar as sucessões consecutivas a um
golpe civil de Estado (um governo civil sucedendo outro governo civil). Assim,
na Uganda, Obote logrou uma revolução palaciana destituindo em 1966 o pre-
sidente, o rei Mutesa, e Lule sucedeu Binaisa, em 1979, após outro golpe civil
de Estado.
Certas suceses produziram -se como consequência de uma verdadeira
guerra. Assim se deu a ascensão ao poder de Lule, depois da guerra entre Esta-
dos que opôs Tanzânia e Uganda, em 1978 -1979. Sucessões também ocorreram
após uma guerra civil: a tomada de poder pelas tropas de Museveni, na Uganda,
depois de Obote e Okello, apresenta -se como o melhor exemplo.
A insurreição popular igualmente desempenhou seu papel nesses proces-
sos. O caso do Sudão é excepcional a esse respeito. Em 1964, uma insurreição
conduzida por civis provocou nesse país o desmoronamento do regime militar
do general Aboud e, em 1985, uma insurreição democrática de mesmo tipo
também derrubou o regime de Nimayrï, obrigando os militares a prometer o
retorno à democracia em um prazo de um ano. A promessa foi cumprida, mas
o governo civil não durou.
Casos de passagem voluntária de poder dos militares aos civis também acon-
teceram: o general Obasanjo em 1979, na Nigéria, e o capitão Jerry Rawlings, em
Gana, demitiram -se assim em favor de civis (por pouco tempo nesse último país).
Quanto à sucessão assegurada por eleições, a esse respeito, Maurice talvez
constitua o único exemplo na África. No decorrer do período da história afri-
7
Introdução
cana aqui considerado, os casos de substituição de um governo após um fracasso
eleitoral foram raríssimos. Os capítulos que tratam dessa questão, especialmente
os capítulos 15 e 16, analisam alguns dos fatores que contribuem à volatilidade
das instituições na África pós -colonial.
No entanto, observaram -se muitos casos históricos de sucessão política advin-
dos após uma demissão ou uma retirada voluntária. O exemplo mais nítido de
retirada política completa é, até hoje, aquele do presidente do Senegal, Léopold
Sédar Senghor. Em 1985, Julius K. Nyerere, também ele, ofereceu o exemplo
de renúncia ao mais alto posto de Estado; todavia, durante certo tempo, ele
não pôde resolver abandonar seu papel no seio do partido nacional, o Chama
Cha Mapinduzi (CCM). Igualmente ambivalente foi a “retirada realizada de
forma ostensiva por Ahmadou Ahidjo, alguns anos antes, na República Unida
de Camarões.
Nos capítulos relativos às crises políticas da África, esperamos mostrar que,
no cerne dessas crises, reside especialmente a questão de saber como dar às
nossas nações uma maior coesão cultural e como conferir aos nossos Estados
uma maior legitimidade política, bem como uma autoridade acrescida. A África
do período aqui tratado é aquela que recebeu em partilha: fronteiras artificiais,
exércitos mal treinados e uma situação econômica de extrema dependência. Nos
capítulos consagrados à política e à economia são examinadas algumas dentre
as crises acima evocadas, inclusive do ponto de vista das questões cruciais que
os direitos humanos engendram na África pós -colonial.
Entretanto, dado o caráter particular do século XX, século em que, pela pri-
meira vez no curso da aventura humana, a economia e a política adquiriram uma
dimensão verdadeiramente global, universal, a história da África contemporânea
não pode ser compreendida plenamente senão quando inserida no contexto mais
amplo da história mundial. O que se extrai da história do período observado
consiste, por um lado, na maneira pela qual a África ajudou a Europa a se reu-
manizar e, por outro lado, os meios pelos quais a Europa contribuiu para a rea-
fricanização da África. A história da descolonização no século XX constitui -se
num dos grandes dramas da história da humanidade, tomada em seu conjunto.
Esse processo colocou em jogo excepcionais contradições
4
.
4 Nós denimos a “descolonização como o processo pelo qual o regime colonial atinge seu m, as insti-
tuições coloniais são desmanteladas e os valores, bem como as modalidades coloniais, são abandonados.
Teoricamente, a iniciativa da descolonização pode ser tomada, seja pela potência imperialista, seja pelo
povo colonizado. Na realidade, a verdadeira descolonização é geralmente imposta pela entrada dos
oprimidos em luta.
8
África desde 1935
Os anos decorridos desde 1935 constituem, em particular, um período da
história durante o qual o mundo ocidental relembrou aos africanos, involuntaria-
mente, a sua identidade pan -africana. Nós sabemos que a identidade nigeriana,
queniana ou marfinense não teria existido sem o colonialismo europeu. A Europa
é, por conseguinte, a mãe ilegítima da consciência nacional dos nigerianos, que-
nianos e marfinenses; mas poderíamos nós igualmente dizer que o imperialismo
ocidental é o pai ilegítimo da consciência pan -africana? Este volume também
aborda o aparecimento dessas novas identidades e dessas novas aspirações junto
aos povos africanos.
Se, na África, a consciência de classe resulta, parcialmente, da intensificação
do capitalismo, a intensificação do imperialismo suscitou em parte, nesse
continente, uma consciência de raça. Da mesma forma que a exploração capi-
talista ajuda os trabalhadores a melhor tomarem coletivamente consciência de
si mesmos enquanto trabalhadores, igualmente, o imperialismo europeu contri-
buiu, com o passar do tempo, a tornar os africanos colonizados coletivamente
mais conscientes de si mesmos, enquanto povo colonizado. É nesse sentido
que o imperialismo europeu contribuiu, por exemplo, para que o país Kikuyu
reconhecesse nos yoruba como seus “irmãos africanos” e contribuiu para que o
povo da Argélia reconhecesse os zulu como compatriotas, em escala continental.
É claro que os africanos, em suas próprias sociedades e sub -regiões, não
necessitaram de ajuda da Europa para conhecer e experimentar, desde muito
tempo, a dignidade de sua identidade própria de Kikuyu, de Amhara, de Yoruba,
de Berberes, de Zulu ou de Árabes magrebinos. Contudo, quando em seu livro
Filosofia da Revolução, Gamal Abd al -Nasser convocou os egípcios a se lembra-
rem que eles não eram somente Árabes e muçulmanos mas, também, Africanos,
se referia explicitamente à experiência de luta compartilhada por todo conti-
nente contra uma dominação estrangeira. O imperialismo europeu provocou o
despertar de uma consciência continental.
A casa imperial da Etpia foi relativamente lenta em reconhecer seu
país como país africano. Por muito tempo, os soberanos etíopes preferiram
considerar -se como pertencentes ao Oriente Médio e não à África. Entretanto,
ocorre em 1935, ano de referência inicial para o presente volume, a humilha-
ção e a ocupação da Etiópia pela Itália, ato de consequências particularmente
dramáticas. O restante da África e todo o mundo negro vibraram de dor pelos
acontecimentos. As consequências desse evento serão estudadas em detalhe em
vários capítulos.
Esqueceu -se às vezes que, a partir de 1935, a Etiópia descobriu -se, ela pró-
pria, como realmente participante da condição africana. De um lado, pelo anún-
9
Introdução
 . Diante da Sociedade das Nações, o imperador Hailé Selassié eleva -se contra a agressão da
Etiópia pela Itália. (Fonte: Museu do Palácio das Nações, Genebra. Foto: L. Bianco.)
cio da nova invasão italiana, vemos Kwame Nkrumah, ainda jovem, percorrendo
a largos passos as ruas de Londres, sem poder reprimir suas lágrimas de cólera.
A triste notícia tornou -se, naquele dia, um estímulo suplementar para a conso-
lidação de uma identidade pan -africana junto ao jovem Nkrumah.
Por outro lado, porém, o imperador Haïlé Sélassié mergulhou em uma expe-
riência similar àquela que havia sido imposta a outros soberanos africanos, trinta
ou cinquenta anos antes: a ocupação direta de seu território e a submissão de
seu povo pelos europeus. O imperador foi também testemunha da amplitude do
apoio manifesto pelos africanos e negros ao seu povo e a ele próprio, perante o
desafio imposto pela Itália. Assim nasceu uma nova consciência racial na casa
real da Etiópia, sob o efeito do choque produzido pela descoberta de si mesma,
enquanto dinastia africana reinando sobre um povo africano. Em seguida, Haïlé
Sélassié iria tornar -se um dos pais fundadores do pan -africanismo pós -colonial
e, sob muitos aspectos, seu mais eminente representante. Assim, uma vez mais,
os excessos da Europa imperial prepararam o caminho a algo diferentemente
positivo, o esplendor de uma nova identidade pan -africana cresceu sobre a sór-
dida miséria do racismo europeu. Este trata da transição decisiva entre a igno-
10
África desde 1935
mínia dos excessos dos europeus e o esplendor da descoberta da África por ela
mesma.
Mas qual foi o efeito inverso, aquele que a África produziu sobre o Ocidente?
Ao combater pela sua própria independência, a África contribuiu também para
modificar o curso da história europeia e, inclusive, mundial. Evidentemente,
o presente volume coloca ênfase sobre os fatos históricos que se produziram
no interior do próprio continente mas, tendo em vista que no decorrer desse
período a África foi incorporada e participou mais estreitamente do que nunca
do sistema mundial, é importante lembrar que ela não era simplesmente um
continente passivo submetido às ações dos demais. As próprias ações da África
igualmente contribuíram para transformar os destinos de outros. Se é verdade
que a África foi, enquanto continente, submetida pela Europa, pelo conflito
que a forçou a se reconhecer a si própria, por sua vez, a Europa, por sua vez, foi
forçada, em certa medida, a assimilar a lição de responsabilidade internacional e
de humildade democrática que o desafio africano lhe impunha. Toda a história
da descolonização no século XX também deve ser vista como um processo pelo
qual os oprimidos acabaram por compreender plenamente quem são eles na
realidade, ao passo que os opressores começavam a aprender sobre a humildade
inerente ao sentimento de ter que prestar contas ao mundo inteiro, em matéria
de humanidade. A história da África desde 1935 deve ser recolocada no contexto
dessas contradições maiores.
Quem são os Africanos
5
?
O poeta e diplomata de Serra Leoa, Davidson Abioseh Nicol, escreveu:
Tu não és um país, África,
Tu és uma ideia,
Conformada em nossos espíritos, cada qual com o seu,
Para esconder nossos medos, cada qual com os seus,
Para alimentar nossos sonhos, cada qual com os seus
6
.
Nós retomaremos posteriormente esse leitmotiv particular. Certamente, a
África é, ao mesmo tempo, mais que um país e menos que um ps. Mais
de cinquenta entidades territoriais, com fronteiras artificialmente criadas pela
5 Essa parte tem como inspiração A. A. MAZRUI, 1986, capítulos 1 e 5.
6 Ver D. A. NICOL, 1969.
11
Introdução
Europa passaram, no curso do período abordado neste volume, a levar o nome
de “nação”. Todas, salvo a República Sul -Africana e a Namíbia, tinham nos
anos 80 aderido a uma organização internacional denominada Organização pela
Unidade Africana (OUA). Sim, a África é uma ideia, fecundada pelos sonhos
de milhões de seres humanos.
Como dissemos, uma das grandes ironias da história da África moderna reside
no fato de o colonialismo europeu ter tido como efeito lembrar aos africanos que
eles eram africanos. O maior serviço que a Europa prestou aos povos da África
o foi trazer -lhes a civilização ocidental, atualmente encurralada, nem mesmo
o cristianismo, hoje na defensiva. A contribuição suprema feita pela Europa diz
respeito à identidade africana, dom concedido sem amenidades nem intenção, o
que não a torna menos real. E isso é particularmente verdadeiro no século XX.
Mas como, então, a Europa “pan -africanizou” a África? De que modo pode-
-se dizer que o sentimento de identidade africana, experimentado pelos africa-
nos de hoje, nasceu da interação produzida na história entre eles e os europeus?
De fato, certo número de processos, ligados uns aos outros, operaram -se
simultaneamente. Nós os examinaremos mais de perto adiante. Primeiramente
e antes de tudo, o triunfo da cartografia europeia na história científica e
intelectual mundial. São os europeus que deram um nome à maioria dos con-
tinentes e oceanos, a muitos grandes rios e grandes lagos, bem como à maioria
dos países. A Europa fixou a posição do mundo de tal forma que nós pensamos
o continente europeu como situado acima da África, no cosmos, e não abaixo
dela. Ela fixou o tempo do mundo de tal maneira que a hora universal se deter-
mina a partir do meridiano de Greenwich. Ela também nomeou os trópicos de
Câncer e de Capricórnio.
Além do mais, foram em geral os europeus que decidiram onde terminava
um continente do planeta Terra e onde começava outro. No que concerne à
África, eles decidiram que nosso continente acabava no mar Vermelho e não
no Golfo Pérsico. Os europeus talvez não tenham inventado a palavra “África”
mas, eles desempenharam um papel decisivo na aplicação desse termo à massa
terrestre continental por nós hoje reconhecida sob essa denominação.
O segundo processo através do qual a Europa contribuiu para a africanização
da África é aquele relativo ao racismo. Como o demonstram os volumes prece-
dentes, o racismo manifestou -se de modo particularmente marcante na maneira
pela qual as populações negras do continente foram tratadas. A humilhação e
o rebaixamento de que os africanos negros foram vítimas, por razões raciais, no
curso dos séculos, contribuíram a levá -los a se reconhecerem mutuamente como
“irmãos africanos”.
12
África desde 1935
O racismo estava ligado ao imperialismo e à colonização. A respeito desses
últimos, nós também mostraremos, nos capítulos ulteriores, que eles deram luz
a um sentimento de identidade africana comum e suficientemente forte para
permitir a conformação, no curso do período considerado, do movimento conhe-
cido como pan -africanismo. Trata -se do que expressava o Tanzaniano Julius
K. Nyerere quando declarava: “Sobre todo o continente, sem que uma palavra
sequer tenha sido trocada de indivíduo a outro ou de país a outro, os africanos
olhavam a Europa, observavam -se uns aos outros e sabiam que, face ao europeu,
eles eram apenas um
7
.”
A consciência negra, ao sul do Saara, constitui um aspecto da identidade
africana mas essa mesma consciência negra surgiu como uma reação à arro-
gância racial dos europeus. Ela atingiu a dimensão continental após a invasão
da Etiópia em 1935. A negritude, movimento intelectual e literário, nasceu da
arrogância cultural específica do imperialismo francês. Eis o pano de fundo do
processo pelo qual a Europa pan -africanizou” a África. O período da história
sobre o qual versa este volume configura um momento particularmente impor-
tante desse processo.
A África na era da globalização
No século XX, entretanto, a história da África está, na realidade, intimamente
ligada às tendências sensíveis em escala mundial. Veremos, mais adiante, como
a tradução de Shakespeare em kiswahili, feita por Nyerere, ilustra, no campo
literário, essa conexão planetária. O capítulo 29, consagrado à A África e a
Organização Mundial das Nações Unidas”, lançaluz sobre o componente
político dessa ligação viva. O período abordado no presente volume começou
no nascer da era nuclear e na emergência da era espacial, dois dentre os acon-
tecimentos que mais radicalmente transformaram a relação do homem com o
universo. Outros capítulos examinarão essas tendências científicas. Leitores e
autores que procederem, no transcorrer do presente volume, à microanálise da
experiência local e regional na África, deverão igualmente guardar em mente a
dimensão “cósmica”, totalmente excepcional, caracterizadora desse período da
história humana. Quais terão sido, para a África, o impacto e as consequências
desses prodigiosos avanços tecnológicos? De que maneira a própria África teria
contribuído em tão espetaculares transformações? Nós não poderemos perder
7 J. K. NYERERE, 1960, p. 149.
13
Introdução
de vista o contexto geral no qual se inscrevem os processos regionais estudados
nesse volume.
Duas catástrofes de magnitude mundial importam, tanto para a reumani-
zação da Europa, quanto para a reafricanização da África: a Crise dos anos 30
e a Segunda Guerra Mundial. Qual dentre esses dois eventos teria tido maior
repercussão na história da África? E qual teria mais contribuído para reumanizar
o Ocidente?
Os anos mais difíceis da crise situam -se logo antes do período tratado no
presente volume: a quebra de Wall Street data de 1929. Mas suas consequências
se fizeram sentir durante toda a década seguinte, até mesmo posteriormente
por algumas das mais sinistras dentre elas (a ascensão de Hitler é uma dessas).
A crise dos anos 30, teria ela constituído, em um primeiro momento, um
golpe para o mundo ocidental, para em seguida favorecer a libertação da África?
Teria ela sido uma catástrofe para o capitalismo ocidental mas, posteriormente,
um benefício para as colônias? Se assim for, quais seriam os termos exatos desta
equação? De que modo a Europa se teria ulteriormente humanizado? Sob quais
circunstâncias a África teria ela se tornado mais pan -africana? Algumas dentre
essas questões serão esclarecidas nos capítulos a elas consagrados.
Mas, se cada grande crise mundial é, por definição, também uma crise para
a África, teríamos nós chegado a um estádio tal que toda grande crise africana
seria, desde logo, igualmente mundial? É fato que no transcorrer do período
abordado no presente volume, toda convulsão violenta advinda à África tende a
adquirir um caráter mais amplamente internacional. Nós analisaremos com deta-
lhes, nos capítulos pertinentes, a globalização da crise no Congo -Léopoldville,
no início dos anos 60, acontecimentos marcados pela morte violenta de seus
principais protagonistas políticos, Patrice Lumumba e Dag Hammarskjöld.
Cerca de vinte anos mais tarde, a crise no Chade teve uma internacionalização
crescente, implicando numerosos países nos planos diplomático ou militar. Seria
também preciso relembrar as guerras de libertação na África Meridional, todas
caracterizadas por um forte componente internacional. É evidente que a África
participa pouco ou não de forma relevante em todos os grandes acontecimen-
tos mundiais, e o resto do mundo participa um pouco apenas de todo drama
tipicamente africano.
A Guerra de Suez, em 1956, apresenta maior dificuldade à classificação. Seria
esse um conflito de envergadura mundial que tomou o solo africano como palco
de operações? Ou antes, um conflito africano que se globalizou? Nacionalizando
o Canal de Suez, Gamal ´Abd al -Nasser, pôs em ação no norte as forças das
potências imperiais e, no sul, as forças da libertação. A crise de Suez aparecerá
14
África desde 1935
neste volume como um dos mais marcantes casos nos quais o mundo e o destino
da África estiveram ligados.
Se neste volume damos uma atenção toda especial à internacionalização da
Guerra de Suez, em 1956, bem como à internacionalização da crise no Congo,
de 1960 a 1965, também diremos, a propósito da guerra civil da Nigéria, tratar-
-se de um conflito globalizado em igual graduação, ainda que de modo distinto.
A guerra de Biafra constituiu -se perfeitamente em uma guerra mundial
em miniatura”, salvo pela não intervenção do fator nuclear. O apoio dado pela
França a Biafra era contrabalanceado pelo apoio dos britânicos à Nigéria federal;
a ajuda material oferecida por Israel a Biafra tinha como contrapartida a pre-
sença dos pilotos cedidos pelo Egito à aviação federal; e o apoio da África do
Sul e dos rodesianos brancos a Biafra opunha -se à atitude da Organização pela
Unidade Africana, favorável à manutenção da integridade territorial da Nigéria.
Até mesmo os chineses intervieram em favor de Biafra para contrabalançar o
apoio dado pelos soviéticos à Nigéria. Com efeito, o reforço da intervenção sovi-
ética em favor do campo federal nigeriano coincidiu com a intervenção soviética
na Tchecoslováquia em prol da manutenção da coalizão do bloco socialista. O
segundo mundo” do socialismo e o terceiro mundo do subdesenvolvimento
estavam ambos solidamente contidos na doutrina brejneviana do internaciona-
lismo proletário.
Num primeiro momento, o governo tcheco obedeceu a Moscou, que lhe
prescrevia fornecer caças de reação Dauphin e outros armamentos aos nigeria-
nos. Mas, o regime liberal de Dubcek proibiu, em maio de 1968, toda venda de
armamentos à Nigéria. Três meses mais tarde, as forças do Pacto de Varsóvia
invadiam a Tchecoslováquia e a interdição da venda dos Dauphin ao campo
federal fora extinta.
Nem a invasão do Centro -Oeste por Ojukwu nem tampouco o contra-
-ataque da Nigéria federal constituíram as motivações para a escalada do apoio
soviético à Nigéria. Aos olhos dos russos, a defesa do socialismo no “segundo
mundo estava, desde logo, indissociavelmente ligada à defesa da unidade nacio-
nal no terceiro mundo, do Vietnã até a Nigéria.
Entretanto, ainda que a guerra civil na Nigéria tenha podido configurar
uma “guerra mundial em miniatura”, nós sabemos que sua última fronteira foi
o aeródromo de Uli.
que se lembrar que houve um tempo em que o sol jamais se punha sobre o
Império britânico, espalhado por todos os fusos horários do planeta. Mas Biafra,
apesar do sol nascente de sua bandeira, foi uma república sobre a qual o sol não
se levantava jamais verdadeiramente, uma república que morreu antes da aurora
15
Introdução
de sua existência, apesar do aeródromo de Uli e das implicações internacionais
do conflito. Sua história demonstrou que a África estava incorporada ao mundo
mais vasto das rivalidades planetárias.
Mostrou também que a identidade africana, nascida da humilhação racial
e da dominação estrangeira, não podia ser senão frágil e incerta. Sob o choque
do colonialismo e do imperialismo, os africanos haviam tomado consciência do
fato de representarem uma unidade diante dos opressores ocidentais. Contudo,
uma solidariedade africana perene não podia fundar -se somente na experiência
comum da exploração. Unir -se contra o opressor estrangeiro, era uma coisa;
outra coisa, porém, era unir -se para pôr em marcha o desenvolvimento interno.
Os primórdios desse período da história provaram a eficácia dos africanos em se
unir para conquistar sua libertação, mas a experiência mostrou posteriormente
que eles tinham muita dificuldade para se colocarem como um todo único,
com vistas ao desenvolvimento político e econômico. Se examinarmos mais
proximamente essa dialética do pan -africanismo de libertação (essencialmente
vitorioso) ou do pan -africanismo de integração e de desenvolvimento (ainda, no
essencial, um sonho inatingível), constatamos que a dinâmica das relações entre
a identidade africana e o desenvolvimento da África situa -se inteiramente, na
época considerada, no quadro da política subjacente ao pan -africanismo. Este
volume constitui, em parte, uma introdução a esse processo.
O pan -africanismo sujeito a perturbações
Quando nasceu a Organização para a Unidade Africana (OUA), em Adis-
-Abeba, no mês de maio de 1963, seu posto de maior importância talvez não
passava de uma poltrona vazia; o chefe de Estado de maior relevância era um
presidente morto. Tratava -se de Sylvanus Olympio, assassinado no Togo no
início do mesmo ano. Sua morte violenta anunciava o desenrolar dos aconteci-
mentos posteriores. Ele foi o primeiro chefe de Estado vítima de um assassinato
na África pós -colonial e o golpe de Estado que sucedeu o crime foi o primeiro
do gênero ao sul do Saara. Este volume tratará dessa sucessão de golpes de
Estado. A cena estava montada para uma dramaturgia da independência que
seria periodicamente sacudida pela violência e pela morte.
Este volume examinará também o pan -africanismo e seus objetivos: a liber-
tação e a unidade da África, bem como os diferentes métodos adotados para
atingir esses objetivos, ilustrados pelas atividades políticas de Nkrumah e Nye-
rere, que estavam associadas às do grupo moderado da Monróvia e do grupo
16
África desde 1935
radical de Casablanca. Com efeito, expressando em outros termos, uma das
clivagens entre pan -africanismo radical e moderado, no início dos anos 60, dizia
respeito à escala geográfica da unidade africana. A escola radical tinha uma
visão de parâmetros continentais e opunha -se a toda integração sub -regional;
a escola moderada, ao contrário, aceitava as experiências que podiam ser feitas
em escala sub -regional na construção da unidade africana. Tal era a clivagem
horizontal do pan -africanismo, um desacordo em relação à extensão geográfica
da unidade africana.
Mas havia um outro ponto de divergência, uma clivagem vertical, concer-
nente, por sua vez, à profundidade da unidade africana. Seria necessário buscar
a integração política imediata e a formação de um país único? Ou antes, caberia
aos Estados africanos buscar primeiro formas de unidade mais modestas e mais
superficiais”, tais como: a coordenação das relações exteriores em nível diplo-
mático, ou a cooperação econômica, ou ainda laços funcionais em matéria de
comunicação e de equipamentos comuns?
Como veremos nos capítulos relativos ao pan -africanismo, a unidade pro-
jetada pela OUA, quando da sua criação em 1963 e da sua implantação em
Adis -Abeba, permanecia superficial mas, se projetava em escala continental,
englobando tanto os Estados árabes quanto os negros. Em 1966 e 1967, respec-
tivamente, dois acontecimentos contribuíram para mudar a natureza da clivagem
entre as políticas pan -africanas, radical e moderada. Em fevereiro de 1966, em
Gana, Kwame Nkrumah foi destituído por um golpe de estado militar. No
ano seguinte, Julius Nyerere proclamou sua própria radicalização, lançando a
declaração de Arusha, sobre o tema do Ujamaa na Kujitegemea (socialismo e
autossuficiência). Desde então, ele começou a aparecer na cena africana como
um dos porta -vozes do radicalismo. Dar es -Salaam tornou -se a capital mais
plausível de um Estado de primeira ordem, a mais indicada sede para as ativida-
des de libertação da OUA, representadas pelo Comitê de Libertação da África.
Todavia, no momento em que a OUA festejou seu décimo aniversário, em
1973, o radicalismo parecia mesmo estar em declínio. Gamal Abd al -Nasser
morrera em 1970; Nkrumah, por sua vez, no exílio pouco depois de seu irmão
de armas egípcio; Milton Obote fora destituído por Idi Amin; países como o
Quênia e a Costa do Marfim tinham evoluído visivelmente para a direita no
transcorrer desses dez anos.
Mas, conforme se relatará mais adiante neste volume, a história veio uma vez
mais em resgate do radicalismo africano, precisamente no momento em que a
OUA entrava em sua segunda década de existência. Deve -se isso a dois aconte-
cimentos repletos de consequências, desencadeados em 1974. Um foi a revolução
17
Introdução
etíope, em torno da própria sede da OUA: o segundo país da África Subsaa-
riana, em termos de peso populacional, estava a ponto de voltar -se em direção
ao marxismo -leninismo; quarenta anos após ter tornado -se a proa do fascismo
italiano, a Etiópia via -se transformada em aliada do comunismo soviético.
O outro acontecimento favorável aos radicais foi o golpe de estado de Lis-
boa que desferiu o golpe de misericórdia no Império português, em sua própria
capital. Muitos capítulos deste volume analisam os meios pelos quais o mais
antigo dos impérios europeus na África se desintegrou em muito pouco tempo,
abrindo as portas da OUA a novos membros radicais, prontos a tomar parte na
ação política dessa organização. A própria questão da independência de Angola
consistiu, inclusive, durante certo tempo, um tema de divisão: os moderados”
da África mostravam -se favoráveis a um governo de unidade nacional, reunindo
os três movimentos de libertação (MPLA, UNITA e FNLA), ao passo que os
radicais” pleiteavam em favor da instalação de um poder exclusivo da MPLA.
Verificar -se que a FNLA não era senão um tigre de papel e que a UNITA
encontrava -se sustentada pela República Sul -Africana e pelo mundo ocidental.
A maioria dos membros da OUA, aqui compreendida a influente Nigéria, ami-
úde classificada junto aos moderados”, pendeu favoravelmente ao MPLA. E,
no seio da OUA, não tardou a aderir às fileiras de esquerda um novo membro
radical, Angola.
Cinco anos mais tarde, a independência do Zimbábue viria igualmente a
corroborar a esquerda no seio da Organização. Em outros termos, dentre os
fatores que, no interior da OUA, desempenharam um papel favorável aos radi-
cais durante os anos 80, figura o simples fato de quase todos os países africanos
que alcançaram a sua independência entre 1975 e 1980, terem optado, no plano
ideológico, por uma orientação de esquerda: esse foi o caso de todas as antigas
colônias portuguesas e do Zimbábue.
Toda autêntica revolução que se produz na África tem amplas possibilidades
de estar ideologicamente orientada para a esquerda. A mais marcante dos anos
70 foi a revolução etíope. A própria Somália pende sensivelmente mais para a
esquerda do que o fazia nos anos 60. E a Líbia decisivamente se radicalizou
com Muammar el -Kadhafi.
Por outro lado, os golpes de estado militares foram de inspiração ideológica
diversa. As viradas bruscas que sobrevieram em Gana e em Burquina Fasso, nos
anos 80, representaram tentativas de redirecionamento à esquerda, ao passo que
a destituição ocorrida em 1984, na Guiné -Conacri, orientou -se rumo à direita.
Em linhas gerais, no curso dos anos 80, a OUA tende um pouco mais à
esquerda que em seus primórdios. A repartição dos votos relativos ao estatuto
18
África desde 1935
da República Árabe Sarauí Democrática (RASD) faz aparecer a existência de
uma nova coalizão de centro -esquerda, cristalizada desde 1974.
O quê dizer do porvir? Ordinariamente, o futuro não se enquadra na pers-
pectiva conveniente ao trabalho de um historiador. Entretanto, ao darmos à
conclusão deste volume o título “Por volta do ano 2000”, reconhecemos impli-
citamente que a história do passado pode servir a avaliar as prováveis tendên-
cias futuras. A Namíbia figurará à esquerda da OUA, no momento em que
finalmente se torna independente e isso provavelmente por certo tempo. Mas,
o radicalismo e as tendências de esquerda constituem, na África Austral, plantas
frágeis. Quando um país como Moçambique, um dos que exibem seu radica-
lismo, põe -se a cooperar com a República Sul -Africana e a escutar as sirenes
econômicas de Pretória, isso nos obriga a reconsiderar as ideias que formulamos
no que tange aos conceitos relativos a “radical” e a moderado”. Após o declínio
político de Charles Njonjo, o Quênia adotou, por um curto lapso de tempo, uma
posição mais dura que a de Moçambique com relação à África do Sul. Podemos
questionar qual dos países africanos, mesmo a respeito da questão fundamental
do apartheid, é relativamente mais radical ou qual o é relativamente menos.
Nos anos 60, Nkrumah ensinava a Nyerere, reprovando -o publicamente por
ter convidado as tropas britânicas a se ocuparem dos rebeldes tanzanianos. Nos
anos 80, o Moçambique marxista empreendia consultas junto às forças militares
e econômicas da África do Sul, com vistas a fazer com que entrassem nas fileiras
seus próprios rebeldes.
Nkrumah, ter -se -ia revirado em sua tumba nos anos 80? Ou, antes, teria ele
compreendido melhor Moçambique do que, em 1964, o fizera Julius Nyerere,
quando este pediu assistência militar à Grã -Bretanha?
Talvez nossos ancestrais, em sua insondável sabedoria, pudessem respon-
der a essas perguntas, observando nossas manobras de onde eles se encon-
tram. Kwame Nkrumah e Sékou Touré agora juntaram -se a esses ancestrais e
assentam -se ao lado de Sylvanus Olympio. Quem disse que a morte, ela mesma,
é uma forma de pan -africanismo”? Talvez ela o seja, com efeito, a forma mais
horizontal, de algum modo pan -humana, a grande capaz de equalizar, a derra-
deira unificadora. Até o momento, os africanos chegaram a atingir um grau de
pan -africanização suficiente para obter sua libertação. Mas resta alcançar um
grau tal que venha a favorecer o desenvolvimento socioeconômico e a integração
política.
O que dizer sobre a pan -africanização das mulheres? Onde “o elemento femi-
nino da espécie” se insere na equação africana? É preciso agora abordar o tema
da mulher.
19
Introdução
A soberania e as mulheres
No capítulo 19, consagrado ao desenvolvimento da literatura africana
moderna, faz -se menção especial ao poema de Léopold Sédar Senghor, Femme
nue, femme noire [Mulher nua, mulher negra]. Nesse poema, a África é uma
mulher “vestida de tua cor que é vida, de tua forma que é beleza!”.
Entretanto, poucos capítulos deste volume se empenham expressamente
em descrever em que medida as mulheres da África fizeram a história africana.
Geralmente não chamou suficientemente à atenção o papel que desempenharam
na luta pela independência. Sendo assim, historiadores, aliás conscientes do
papel das mulheres, que preferem não fazer referência ao sexo dos protagonistas.
A maioria dos colaboradores desta obra relata a luta pela independência em ter-
mos de povo, preferivelmente a empregar terminologia referente a mulheres ou
homens. Infelizmente, ao não mencionar o sexo dos atores, a narrativa conduz
o público, em razão de um reflexo cultural precipitado, a presumir tendencial-
mente que todos os atores foram homens. Falsa hipótese, bem entendido.
A história da soberania, tal como é relatada neste volume, organiza -se em
três fases: a fase da luta pela soberania (o combate pela independência); a fase
do exercício da soberania (o uso do poder pelo Estado); e a fase da representa-
ção da soberania no estrangeiro (a simbólica das relações de Estado a Estado).
Esperamos mostrar que as mulheres africanas desempenharam um papel par-
ticularmente importante na primeira e na última fases. Como combatentes, as
mulheres africanas tomaram parte na cruzada pela autonomia do continente. Na
qualidade de diplomatas, foram, em seguida, as representantes da soberania que
elas haviam ajudado à África adquirir no cenário mundial. Mas, no que concerne
à detenção do poder, parece que elas se tenham situado na periferia, muito mais
que no centro da ação política. Examinemos, passo a passo, cada uma dessas três
fases, começando com a luta pela independência.
Embora o slogan do nacionalismo africano, no curso das últimas décadas do
colonialismo, tenha sido por vezes expresso em termos sexistas – “um homem,
uma voz” –, as mulheres africanas não tardaram a aprender a se servir do voto
como elemento do processo de libertação. O corpo -a -corpo eleitoral contra o
regime de M
or
Muzorewa, no Zimbábue, nos anos 1979 -1980, foi em grande
parte o feito das mulheres. Se a comunidade dos colonos brancos foi tomada
de surpresa pelos resultados da eleição, isso ocorreu, entre outras razões, porque
a maior parte dos europeus havia subestimado o ativismo político das mulheres
africanas, neste caso de “domésticas” que se visitavam de uma cozinha à outra.
20
África desde 1935
Mais de um quarto de século antes, no Quênia colonial, as mulheres haviam
desempenhado um papel diferente. É quase certo que a luta dos “Mau Mau” no
Quênia teria fracassado muito mais cedo, se as mulheres kikuyu, meru e embu
da província central não tivessem arriscado suas vidas para fazer chegar comida
e informações aos homens combatentes nas florestas de Aberdaire.
Durante a guerra de independência da Argélia, aconteceu frequentemente
que a sorte de uma operação nacionalista dependesse de uma mulher revolu-
cionária, vestida de véus dos trajes islâmicos tradicionais, capaz de se infiltrar
nas linhas inimigas. Se acreditarmos nas narrativas de Frantz Fanon, mulheres
muçulmanas dissimuladas sob seus véus figuraram entre os carregadores de gra-
nadas que desempenharam papel decisivo em certas fases da guerrilha urbana
na Argélia
8
.
De maneira geral, as mulheres participaram em maior número na luta de
libertação levada a cabo no interior dos países africanos em estado de guerra,
muito mais que na luta travada no exílio. Na África Austral, o fato de levar a
luta no próprio interior dos Estados contribuiu para a sua intensificação e esses
dois fenômenos foram acompanhados por uma participação mais expressiva
das mulheres, pelo menos em papéis auxiliares e às vezes até na linha do fogo.
No Zimbábue a força de libertação da ZANU (Zimbabwe African National
Union) contava, sem dúvida, com mais mulheres no front que a força da ZAPU
(Zimbabwe African People’s Union).
É mais delicado determinar em que medida as proporções de homens e
mulheres nas fileiras da ZANU e da ZAPU são imputáveis às diferenças cultu-
rais existentes entre os shona (etnia de Robert Mugabe) e os ndebele (etnia de
Joshua Nkomo). A tradição guerreira dos ndebele (ligada à cultura zulu) seria
mais puramente masculina que aquela referente aos shona? Essa diferença afetou
o comportamento das mulheres e quantas dentre essas tomaram parte, nos dois
campos, na luta armada? Este volume não traz respostas, tanto quanto é verdade
que a história contemporânea nos apresenta questões mais do que resolve. Mas,
ao menos, o tema relativo à tradição guerreira foi tratado nos capítulos 5 e 16.
Ao que tudo indica, poderíamos também adiantar uma explicação ideológica
para o fato de as mulheres terem sido mais ativas na ZANLA (força da ZANU),
que na ZIPRA (força da ZAPU). O movimento de Robert Mugabe estava, com
efeito, mais à esquerda que aquele referente à Joshua Nkomo
9
.
8 Ver F. FANON, 1963.
9 O autor inspira -se aqui no trabalho feito in loco durante uma emissão especial televisiva da BBC, Sear-
ching for the new Zimbabweprocura do novo Zimbábue], BBC Television, 1982.
21
Introdução
No chifre da África, as mulheres somalis, islamizadas, foram aparentemente
mais sensíveis ao papel da mulher combatente que as mulheres amhara, de reli-
gião cristã, fato esse talvez digno de surpresa. Não há, em Mogadíscio, túmulo
do soldado desconhecido mas, pode -se encontrar uma estátua da guerreira
mártir: uma mulher mortalmente ferida que continua a lutar.
Correm lendas, em Mogadíscio, relatando as proezas de Hawa Ismen Ali,
que se opôs à volta do colonialismo italiano após a Segunda Guerra Mundial e
pagou com sua própria vida em 1948. Os somali, povo africano de sensibilidade
particularmente poética, cantaram à profusão o martírio de Hawa Ismen Ali,
constituída em Joana d’Arc de seu país. Ela é o símbolo de um patriotismo
sagrado de face feminina
10
.
Relativamente ao conjunto do mundo muçulmano, as mulheres somalis são
indubitavelmente mais liberadas” que a média. Quando comparadas ao con-
junto do mundo cristão, as mulheres etíopes são, talvez, menosliberadas” que a
média. Mas, por isso, se pode dizer que em termos absolutos as primeiras seriam
mais liberadas” que as segundas? A questão é mais difícil de apreciar quando
recorremos a critérios absolutos. Nas duas sociedades, o grau de participação das
mulheres na vida pública é provavelmente da mesma ordem. É possível também
que no início dos anos 80 tenha havido mais mulheres somalis em uniforme
militar que mulheres etíopes. Em todo caso, parece verossímil que nessa época
a Somália tenha estado mais disposta que a Etiópia a convocar soldados dos
dois sexos
11
.
Na África do Sul, as mulheres tiveram um importante papel na luta con-
tra o racismo. Elas participaram dos movimentos de desobediência civil logo
que Mahatma Gandhi, em 1906, começou sua ação nesse sentido em Durban.
Houve mulheres entre os mártires de Sharpeville (1960) e de Soweto (1976).
Nas primeiras fileiras dentre aqueles que combatiam o apartheid, Winnie Man-
dela carregou a flâmula da resistência, encarnada por seu marido encarcerado
durante mais de um quarto de século. Durante trinta e seis anos, Helen Suzman
lutou contra o apartheid no Parlamento e deixou a arena em 1989. Numerosos
movimentos de mulheres combateram o racismo, do histórico movimento do
Black Sash à aliança multirracial WAR (Women Against Repression) que em
1989 entrou em oposição aberta ao presidente F. W. De Klerk.
10 Ver igualmente o capítulo 6 do presente volume.
11 O autor inspira -se aqui no trabalho realizado in loco para a preparação de um seriado televisivo da BBC/
PBS, 1986.
22
África desde 1935
É necessário distinguir claramente essas ações daquelas representadas pelas
mulheres em armas do ANC (African National Congress) e do PAC (Pan-
-African Congress), que tiveram precedentes no seio da FRELIMO (Frente de
Libertação de Moçambique) na época da luta contra os portugueses.
Em Angola, no regime colonial, as mulheres desempenharam papéis sensi-
velmente diferentes de acordo com o movimento de libertação a que pertenciam
MPLA, FNLA e UNITA
12
. O MPLA era ao mesmo tempo o movimento
mais multirracial e aquele cujos batalhões eram mais mistos. Seu marxismo-
-leninismo e seu caráter multirracial favoreceram a participação das mulheres
nos combates.
O FNLA era, sob alguns aspectos, o mais anacrônico dos três movimentos.
Ele se servia dos laços de matrimônio para forjar alianças militares, começando
pelos próprios laços familiares de Roberto Holden com a entourage do presidente
Mobutu Sese Seko e os Bakongo.
Jonas Savimbi encontrava -se mais à esquerda na época da luta contra os
portugueses do que depois da independência de Angola. Em outros termos,
Savimbi e a UNITA voltaram -se para a direita quando seu inimigo deixou de
ser o imperialismo português para tornar -se o MPLA, sustentado pela URSS
e por Cuba. Provocando uma dependência em relação à África do Sul, essa
virada à direita tomou um caráter perigosamente reacionário. Savimbi tornou -se
praticamente um aliado do apartheid.
Entretanto, por uma curiosa ironia do destino, quanto mais Savimbi se orien-
tava politicamente à direita, mais era progressista com as mulheres e mais lhes
confiava responsabilidades. A Angola pós -colonial, reduzindo as possibilidades
de Savimbi em ganhar aliados masculinos nos grupos étnicos distantes, tornava -o
mais dependente do apoio dos membros – homens e mulheres – de sua própria
etnia, os ovimbundu. A concentração étnica que caracterizava seus partidários
levava a uma abordagem mais mista do combate. Também seu novo estatuto
internacional talvez explique a razão pela qual Savimbi se tenha mostrado mais
progressista com as mulheres. Seja como for, após a independência, a UNITA
nomeou mais mulheres para postos de responsabilidade que anteriormente.
No final das contas, entretanto, as mulheres foram em Angola, como alhures
na África, as heroínas desconhecidas da luta pela liberdade e contribuíram para
o sucesso da empreitada muito mais que o geralmente se tem destacado.
12 MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola); FNLA (Frente Nacional para a Libertação
de Angola); UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).
23
Introdução
No curso desse período da história, a luta pela liberdade foi, em si, uma
experiência libertadora e, antes mesmo do momento da independência, sua meta
oficial. Quisemos mostrar que, nesse combate pela soberania, as mulheres foram,
à sua maneira, guerreiras. Retornemos agora ao outro elemento da equação, o
momento em que, adquirida a soberania, algumas mulheres se tornaram a voz
da África no cenário internacional.
Não esqueçamos que, por exemplo, Uganda nomeou uma mulher para o
ministério das relações exteriores antes mesmo da maior parte dos países ociden-
tais, inclusive os Estados Unidos, a Grã -Bretanha e a França, nos quais nunca
se havia confiado esse cargo a uma mulher, na época em que aquela que havia
sido Elizabeth de Toro, Elizabeth Bagaya Nyabongo, se tornara a voz de Uganda
no concerto das nações. Não esqueçamos, tampouco, que quando a liberiana
Angie E. Brooks foi eleita presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas
em 1969, nenhuma mulher ocidental tivera ainda ascendido a uma tão elevada
função no seio do sistema das Nações Unidas
13
.
Nos anos 70 e 80, houve em Paris mais mulheres oficialmente encarregadas
de representar a África que embaixadoras de qualquer outra região externa à
Europa. Dentre os países africanos que contavam com influentes diplomatas no
cargo em Paris, nos anos 80, podemos citar: Gana, Libéria, República Unida da
Tanzânia, Serra Leoa e Uganda. Elizabeth Bagaya Nyabongo, antes ministra
das relações exteriores, teria sido inclusive a segunda mulher embaixadora de
Uganda na França, durante a presidência de Yoweri Museveni, se ela não tivesse
solicitado sua demissão do corpo diplomático em 1988. Nós retomaremos esse
tema no capítulo 30.
O Congresso Nacional Africano (CNA), da África do Sul, também foi repre-
sentado na França por uma mulher, Dulcie September. Ela também representava
a organização junto à UNESCO, da Suíça e de Luxemburgo, até o dia em que
ela pagou com sua vida pelo seu patriotismo, pois foi misteriosamente assassi-
nada em 1988, na cidade de Paris.
Em tais circunstâncias, o poema de Léopold Sédar Senghor, que opera a
fusão da africanidade e da feminilidade, toma ares particularmente contunden-
tes. A mártir sul -africana de Paris tornou -se um símbolo de coragem para todo
continente. O fato de ela ter nascido precisamente em 1935 faz de sua vida uma
perfeita ilustração do período da história de que trata este volume.
13 Nós falaremos novamente da embaixadora Brooks e de sua obra no capítulo 30.
24
África desde 1935
Em certo sentido, porém, a mártir Dulcie September põe também em evi-
dência a luta da África para reumanizar “o homem branco”. Ela sacrificou sua
vida nessa cruzada. Trata -se desse tema, relativo à reumanização dos europeus
pela África, à qual precisamos agora retornar.
A África libertadora da Europa
A historiografia moderna tende a ver na África um continente passivo, um
receptáculo de influências, bem mais que uma fonte. Alguns não temeram
ofender simultaneamente as mulheres e a África, chegando ao ponto até de
denominar esta última como o continente -mulher”, em alusão a uma suposta
passividade e penetrabilidade. Estava -se aqui longe da feminilização positiva da
África proposta por Senghor.
Ora, um acontecimento que um historiador pode considerar como revelador
da subordinação da África à influência do mundo exterior, também, num outro
ponto de vista, pode ser enfocado como um exemplo do impacto da África sobre
esse mundo exterior. Quanto a nós, buscaremos no presente volume mostrar a
África enquanto continente ativo.
As últimas décadas viram afirmar -se o papel da África no âmbito da rede-
finição ética do racismo no seio do sistema mundial. Mais que qualquer outra
região do mundo, a África contribuiu no sentido de fazer do racismo, que asso-
lava tal ou qual país, uma questão de consciência internacional. Sob a pressão
dos Estados africanos, tornou -se cada vez menos possível, para a República Sul-
-Africana, pretender que o apartheid fosse uma questão pertencente ao seu sis-
tema jurídico nacional. Mostraremos, neste volume, como se internacionalizou a
luta contra o racismo institucionalizado, sob a pressão em massa exercida pelos
dirigentes africanos antes da independência e, posteriormente, pelos Estados da
África pós -colonial. As pessoas de ascendência africana, que viviam nos Estados
Unidos, não tardaram nem um pouco em engajar -se nessa luta: veremos, nos
capítulos pertinentes, como também esses afro -americanos desempenharam um
papel ativo para desencadear a transformação das relações raciais no continente
americano.
Surgirá também, no decorrer do presente volume, a contribuição decisiva da
África na retirada da legitimidade do colonialismo, aos olhos da consciência moral
internacional e, cada vez mais, aos olhos do direito das nações. Durante séculos,
a arte de governar e a história diplomática dos Estados europeus justificaram que
uma potência europeia colonizasse e submetesse às suas leis uma sociedade não
25
Introdução
ocidental. Na África, na Ásia e nas duas Américas, milhões de homens tombaram
assim sob o golpe da soberania europeia, que o direito internacional reconhecia
e legitimava. Afinal de contas, o próprio direito internacional não era filho da
história diplomática e da arte de governar dos Estados europeus? Ele o podia
senão estar impregnado das presunções e dos preconceitos dos europeus, bem
como de seus valores e normas. Foram necessárias as lutas conjuntas dos povos
africanos e asiáticos, para que fossem postas em questão estas premissas arrogantes
e etnocêntricas do direito internacional. Se era injusto que a Alemanha de Hitler
ocupasse a Polônia ou a Bélgica, como se poderia justificar a ocupação do vale do
Nilo pela Grã -Bretanha de Disraeli? A África e a Ásia provocaram a revisão das
regras internacionais de conduta, fato ocorrido na segunda metade doculo XX.
O Ocidente foi incitado a reumanizar -se.
Veremos ainda neste volume que as lutas da África tiveram repercussões bem
mais amplas sobre nossa época. No momento em que a Frente de Libertação
Nacional (FLN) argelina combatia pela independência, o desafio não apenas o
futuro da Argélia. Tratava -se também do futuro da Europa. A IV
a
República
francesa foi posta diante de uma dura prova pelo conflito argelino. Em 1958, a
França encontrava -se à beira de uma guerra civil. A IV
a
República logo desa-
baria, sob a pressão das forças a que estava submetida. Um homem, Charles
De Gaulle, poderia salvar a França de um conflito nacional generalizado. Ele
voltou ao poder em Paris, exigiu uma nova constituição, e foi assim que surgiu
a V
a
República francesa. A história posterior da França teria sido totalmente
diferente se a guerra da Argélia não tivesse solapado a IV
a
República e catapul-
tado novamente o general De Gaulle à cabeça do poder político.
Além do mais, uma França forte, governada por De Gaulle, revelou -se, um
fator vital para o futuro da Comunidade Econômica Europeia (CEE), em seus
primeiros anos: De Gaulle presidiu os eventos desse período de formação do
Mercado Comum Europeu. A visão que ele tinha da grandeza da França pro-
vocou também uma redefinição do papel desse país no âmbito da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a supressão das bases militares dos
Estados Unidos estabelecidas na França. Paris decidiu estar politicamente inte-
grada à Aliança Atlântica, ao invés de permanecer membro de pleno direito de
sua própria organização militar.
Todas essas mudanças, de cabal importância, intervieram na história do mundo
ocidental e tiveram como elemento catalisador o combate travado pelos nacio-
nalistas argelinos em prol da libertação de seu país. Enquanto esses combatentes
africanos se dedicavam a transformar o destino de seu próprio país, eles também
mudavam, sem talvez se darem conta naquele momento, o curso da história do
26
África desde 1935
 . Em 11 de dezembro de 1960, no bairro de Salembier, em Alger, jovens manifestantes levantam
pela primeira vez a bandeira verde e branca da Frente de Libertação Nacional (FLN). (Foto: Magnum, Paris.)
27
Introdução
mundo ocidental.o traços positivos dessa ordem que vão delinear a perspectiva
deste volume.
Os nacionalistas africanos das colônias portuguesas de Angola, de Moçam-
bique, da Guiné -Bissau, das ilhas do Cabo Verde e das ilhas de São Tomé e
Príncipe, estavam também chamados a modificar o curso da própria história de
Portugal. Essas são as tensões criadas pelas guerras anticoloniais que se desen-
rolavam nessas dependências portuguesas, desembocando, finalmente, no golpe
militar de Estado ocorrido em abril de 1974 em Portugal, com o qual teve fim
a era do fascismo na história moderna de Portugal. Os nacionalistas africanos
de Angola, de Moçambique e da Guiné -Bissau contribuíram para o surgimento
da democracia em Portugal, bem como para a modernização política do país. A
cultura política portuguesa saiu reumanizada.
No caso relativo ao impacto da Argélia sobre a história da França, é instrutivo
relembrar a atitude adotada por Karl Marx e Friedrich Engels ante a consolida-
ção, pela França, de sua influência sobre a Argélia nos anos 40 do século XIX.
Esses dois pensadores europeus consideravam a colonização francesa da Argélia
como sendo, em grande medida, um processo civilizatório. Assim falava Engels:
“...a conquista da Argélia forçou os beys de Túnis e de Trípoli, e inclusive o
imperador do Marrocos, a se engajarem na via da civilização [...]. E, sobretudo, o
burguês moderno com a civilização, a indústria e as luzes, pelo menos relativas,
de que está cercado será preferível ao senhor feudal ou ao bandido salteador,
bem como ao bárbaro estado social ao qual pertencem
14
.”
Se os franceses, em meados do século XIX, contribuíram para encetar o
processo de modernização da Argélia, os argelinos, em meados do século XX,
desencadearam, por sua vez, o processo de estabilização da França. Uma antiga
dívida foi acertada no momento em que a Frente de Libertação Nacional (FLN)
argelina, origem do desaparecimento da IV
a
República francesa e de sua insta-
bilidade, contribuiu para o surgimento de uma V
a
República de contornos mais
sólidos. Destituída de seu império, a França foi reumanizada.
A fase seguinte, para a África em seu conjunto, consiste em subtrair -se à
influência do neocolonialismo ocidental. Cabe -lhe, para isso, reduzir o poder
sobre ela exercido pelo mundo ocidental e aumentar seu próprio poder sobre
esse mesmo mundo ocidental. Alguns dos capítulos consagrados neste volume à
economia, esforçar -se -ão para expor claramente essa estratégia de contrapoder.
14 F. ENGELS, 1849. Ver também A. A. MAZRUI, 1986, capítulo 15.
28
África desde 1935
Na África Ocidental, o rival mais natural da Nigéria não é a Líbia mas, a
França. A Nigéria é, de longe, o maior país da região; com cem milhões de
habitantes em 1980, sua população ultrapassa aquela do conjunto nos territórios
da antiga África -Ocidental Francesa (AOF). Ela deveria naturalmente tomar a
vanguarda na África Ocidental. Ademais, uma influência imensa continua a
ser exercida por funcionários e homens de negócios vindos da França.
A análise da questão relativa à dependência, desenvolvida no presente volume,
mostra a necessidade de a África Ocidental reduzir a influência financeira e eco-
nômica francesas, pondo um freio à penetração ininterrupta da França em suas
antigas colônias, nos planos cultural e educacional. A longo prazo, a Nigéria
deverá encabeçar o movimento de descolonização de sua própria região.
A França provavelmente reconheceu na Nigéria um futuro rival em sua zona
de influência na África Ocidental. Ela tentou sustentar a secessão de Biafra,
durante a guerra civil nigeriana, de 1967 a 1970, numa fútil tentativa com vistas
a provocar a desagregação da Nigéria. Tendo enfim essa tentativa fracassado, a
França lançou -se em um projeto de penetração de maior envergadura nesse país,
impulsionando investimentos econômicos e projetos conjuntos empreendidos
com a própria Nigéria. Tornar a Nigéria tributária é para a França uma maneira
de neutralizar um potencial rival. Nos anos 80, a Nigéria ainda não tomara
consciência plena do desafio desse jogo.
A Grã -Bretanha apresentava -se com menor rivalidade perante à Nigéria, na
África Ocidental, especialmente porque lá investira menos capital que a França,
empregara muito menor quantidade de pessoal britânico e tampouco enviara
qualquer tropa a suas antigas colônias. Não existia, aliás, nenhuma ligação entre
a libra esterlina e qualquer uma dentre as moedas das antigas colônias britânicas,
ao passo que a Banque de France por muito tempo manteve o franco CFA nas
ex -colônias francesas. A influência francesa na antiga AOF ultrapassava, por-
tanto, em larga escala aquela referente aos britânicos, quer seja em Gana ou na
Serra Leoa, sem falar da Nigéria. A questão colocada, relativamente aos anos 90,
consiste em saber se a França se desengajará da África, para passar a interessar -se
preferencialmente pela recém -transformada Europa Oriental e por uma Comu-
nidade Europeia cuja integração será reforçada após 1992, o que permitiria à
Nigéria exercer mais facilmente, no futuro, sua influência na África Ocidental.
Se levarmos em conta dados relativos às riquezas minerais e ao potencial indus-
trial, identificados neste volume, podemos estimar que a África do Sul, governada
pelos negros, se muito provavelmente, como poncia, o segundo grande polo da
África no século XXI. As a provável guerra racial e o inevivel desmantelamento
do apartheid, os sul -africanos negros tomarão posse dos direitos a eles natural-
29
Introdução
mente pertencentes. Eles herdao recursos minerais de um dos mais ricos pses
do mundo, recursos indispenveis ao bem -estar ecomico do mundo ocidental.
Os sul -africanos também herdarão uma das economias mais industrializadas
da África, criada graças ao seu próprio trabalho e ao recurso da técnica ocidental.
Eles herdarão, por fim, uma infraestrutura nuclear e tornar -se -ão a primeira
potência nuclear do mundo negro. Podemos, portanto, presumir que os sul-
-africanos negros, que provavelmente foram os mais desfavorecidos do século
XX, estarão junto aos mais privilegiados do século XXI, os “intocáveis negros”
de hoje transformando -se nos “brâmanes negros” do futuro.
Um grande romancista branco Charles Dickens, escrevera em outros tem-
pos: “...imaginem uma longa corrente de fio ou de ouro, de espinhos ou de flores
que nunca vos teria ligado, se, num dia qualquer mas memorável, o primeiro
anel não se tivesse formado
15
.”
A África gemeu, desde há muito tempo, sob as correntes de ferro. Poderiam
em breve suas correntes transformar -se em colares dourados? Esse continente
conhece, muito tempo, a queimação dos espinhos. Seria possível que o des-
tino lhe reservasse, em um futuro próximo, as grinaldas de flores? Este volume
oferece dados que deverão permitir avaliar essas probabilidades.
O brilho do ouro da África do Sul não deve seduzir -nos prematuramente. O
esforço histórico consumado para afrouxar a corrente de ferro obteve certo sucesso
mas, veremos em capítulos ulteriores que a guerra está longe de ter chegado ao
seu fim. A luta continua. O anjo decaído apenas começa a se levantar. O presente
volume diz respeito aos derradeiros anos da condenação política da África sob o
colonialismo. Ele descreve, outrossim, a aurora da redenção as África. onde a
espécie humana conheceu a luz do dia, finalmente a liberdade do homem eclodirá.
No início dessa história da África, ora publicada pela UNESCO, nós vimos
um continente dar à luz a espécie humana que povoaria o planeta Terra. No
final dessa história, veremos esse mesmo continente mais uma vez oferecer
moralmente sua humanidade à espécie que ele engendrou. Os acontecimentos
dos anos decorridos desde 1935 produziram nos africanos um traumatismo que
os levou a sentir, profundamente e de uma forma totalmente nova, sua própria
africanidade. Mas, combatendo para preservar sua dignidade, os africanos igual-
mente projetaram no resto do mundo uma onda de choque criadora de uma
nova apreciação sobre a identidade planetária. Tal é a história contada nesse
volume. Deixemo -la agora desenrolar -se.
15 C. DICKENS, trad. francesa de 1981, p. 72. Ver também R. SMOLLAN, 1987; D. KILLINGRAY e
R. RATHBONE (orgs.), 1986.
31
A ÁFRICA NA DÉCADA DE
CONFLITOS MUNDIAIS
1935 1945
S E Ç Ã O I
33
O chifre da África e a África setentrional
C A P Í T U L O 2
O chifre da África e a África setentrional são sacudidos no curso dos anos 30 e
40, como outras regiões, pelos dois acontecimentos maiores em que se constituem
a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Os anos 30 inauguram uma
série de crises e mutações, aprofundadas e aceleradas pela guerra. No pós -guerra,
novos equilíbrios se estabelecem após consideráveis dificuldades; eles são muito
rapidamente ameaçados por movimentos políticos que saem reforçados e mais
determinados do conflito. Por volta de meio século mais tarde, concomitante-
mente à abertura dos arquivos aos historiadores, numerosos trabalhos verteram
sobre este passado recente, considerando, a justo título, os anos 1930 -1945, como
um ponto de inflexão na história contemporânea. Evidentemente, múltiplas
questões permanecem sem resposta ou em debate, mas é possível, nos dias atu-
ais, apresentar um balanço ou uma avaliação do estado da questão, sem omitir a
sinalização das lacunas existentes nem tampouco dos pontos controversos.
1935 -1940, anos de crises econômicas, sociais e políticas
A economia e a sociedade
As economias, doravante senveis ao mercado mundial,o afetadas, com
decalagens cronológicas, pela reviravolta da conjuntura mundial. A explosão
O chifre da África e a África setentrional
Tayeb Chenntouf
34
África desde 1935
demográfica e a urbanização, menos dependentes da conjuntura, adm de
evolões mais lentas e relativamente antigas. As maiores dificuldades sur-
gem em razão das dimicas na reviravolta conjuntural no mundo, de seus
efeitos inerciais e das dificuldades estritamente engenas das economias
locais.
As economias da África setentrional e do chifre da África, integradas,
pelo menos desde a segunda metade do século XIX, às trocas mundiais e
que foram, em diferentes graus, modeladas por uma legislação elaborada
pelas potências coloniais, essa economias revelam -se sensíveis às flutuões
internacionais. Toda variação do comércio mundial repercute nas econo-
mias locais em fuão da importância, por um lado, das trocas externas, as
quais perderam seu ímpeto no período entre as guerras, especialmente com
as metrópoles e, por outro lado, das produções agrícola e de minerão,
elementos -chave das exportões.
O comércio exterior revela diretamente as reviravoltas na conjuntura e a crise
das economias francesa, inglesa e italiana. A baixa se reflete tanto nas importa-
ções quanto nas exportações, mas as vendas para o exterior resistem melhor pois
não concernem senão um pequeno número de produtos, minerais e agrícolas,
tradicionalmente exportados para a Europa. Na Argélia, o valor das importações
cai pela metade entre 1929 e 1935.
O desmoronamento do corcio exterior tunisiano é consecutivo à crise
mineira e agrícola. As exportões diminuem em valor a partir de 1930,
mantendo a curva decrescente a 1935. O comércio exterior do Marrocos se
enfraquece entre 1929 e 1931 e, em seguida, entra bruscamente em colapso.
Em 1936, ele baixa pela metade, comparativamente aos índices de 1926. Ele
passa de 3,8 biles de francos, em 1926, para 1,932 bilhão de francos em
1936, ou seja, uma baixa em valor de 50%. As flutuões do comércio exterior
da bia são mais limitadas em razão da sua própria fraqueza. As trocas exter-
nas com a Ilia ou com outros países europeus são, em 1930, extremamente
modestas. O comércio externo líbio passou, contudo, de 482 miles de liras,
em 1925, para 366 milhões de liras em 1934. A diminuão é da ordem de
30%, se ignorada a deprecião monetária
1
. Em razão da exportação pratica-
mente total da produção mineral, a influência do mercado torna -se determi-
nante, qualquer baixa na demanda afeta as produções locais, provocando uma
crise no setor de extrão mineral. Com efeito, é primeiramente a Tusia
1 J. -L. MIÈGE, 1968, p. 186.
35
O chifre da África e a África setentrional
que conhece essa crise. A cotão do mirio de ferro no mercado mundial
apresenta uma tenncia de queda desde 1928; em 1930, a exportão dos
principais produtos da mineração sofre uma queda brutal: de 330 miles
de francos, em 1930, para 100 miles de francos, em 1932. No Marrocos,
a venda de fosfatos diminui em 1931, registrando uma importante queda e
caindo de 1,7 milhão de toneladas, em 1930, para 900.000 toneladas. Em
seguida estacionária, ela permanece entretanto medíocre. Em 1931 e 1932,
todos os centros mineradores, com exceção do situado em Djerada, reduzem
as suas atividades; as minas de chumbo e de zinco são fechadas, a extrão
do mangas continua, mas em baixos índices
2
. O setor minerador conhece
igualmente na Arlia uma queda brutal em sua prodão. A queda relativa
ao mirio de ferro é, entre 1929 e 1932, de 75%. A baixa dos fosfatos de cal
é, sensivelmente, da mesma imporncia: a produção que atingira 920.000
toneladas, em 1925, cai para 400.000 toneladas em 1939. Os outros minerais
seguem a mesma evolução
3
.
Na agricultura, certos produtos agrícolas vivem uma situação assaz próxima
daquela dos produtos mineiros, pois que, essencialmente, tanto os primeiros
quanto os segundos destinam -se à exportação.
Na Líbia, os raros produtos passíveis de exportação pelos colonos italianos
da Tripolitânia sofrem uma crise em sua comercialização, contudo, de incidência
restrita a alguns produtos secundários, como os hortifrutícolas.
A agricultura egípcia é atingida pela queda catastrófica do preço do algo-
dão no mercado mundial. Os agricultores que haviam tomado empréstimos
para desenvolver a irrigação ou para a compra de bombas são incapazes de
saldar suas dívidas. Os pequenos camponeses são expostos à ameaça de perder
a sua propriedade. O governo Sidi organiza a estocagem do algodão ás custas
do Estado. Em 1931, é criado o Banco de Crédito Agrícola, voltado para os
pequenos proprietários. Os sinais de retomada manifestam -se no fim de 1933;
eles encorajam o governo a retomar os trabalhos de irrigação e de drenagem.
As culturas argelinas voltadas à exportação (cítricos, algodão, óleo, tabaco)
encontram dificuldades em seu comércio, principalmente junto ao mercado
francês; as medidas adotadas pelo Parlamento postergam momentaneamente a
questão da comercialização do vinho e protegem, por um tempo, a viticultura.
Em contrapartida, considerando o papel dos cereais para a agricultura e para a
economia como um todo, a queda nos preços alimenta, neste caso, a crise agrá-
2 R. GALISSOT, 1964, p. 56.
3 A. NOUSCHI, 1962, p. 42.
36
África desde 1935
ria. O preço dos cereais está em baixa, de 1930 a 1935, no mercado mundial.
As safras agrícolas, entre 1929 e 1939, são muito ruins, com exceção do ano de
1933 -1934, as piores colheitas se situam, neste contexto, nos períodos de 1930-
-1931 e de 1935 -1936
4
.
Quanto aos produtos mais representativos da agricultura tunisiana (cereais,
cítricos e azeite de oliva), um primeiro movimento de baixa configura -se em
1929. A baixa é durável de 1930 a 1935 e, inclusive, além desse período, a queda
nos preços é brutal entre 1932 e 1935. O declínio tem caráter generalizado no
conjunto dos produtos agrícolas para exportação, apresentando os seus menores
índices em 1933. A crise afeta todas as atividades agrícolas e os rendimentos
dos agricultores regridem, em todas as regiões, a ponto de ameaçar a situação
dos pequenos produtores rurais.
No Marrocos a colonização agrícola mais recente é sacudida pela queda nos
preços. O preço do trigo passa de 126,60 francos por quintal (quatro arrobas)
para somente 60 francos, entre 1930 e 1933; a cevada cai de 60 francos, em
1930, para 23,20 francos, em 1934. Até as colheitas são ruins, com exceção do
ano de 1934. A baixa dos rendimentos dos agricultores foi, entre 1930 e 1933,
da ordem de 60%
5
.
Em contraste com a produção mineira e agrícola voltadas para exportação, a
produção artesanal e industrial não é afetada pela recessão mundial, ao menos
não diretamente. Indiretamente, ela acelera uma crise local no Marrocos e em
outros países.
Desde então, o artesanato tunisiano está em crise, abalado pela manifesta-
ção da recessão mundial que o desorganiza ainda mais: entre 1928 e 1932, as
exportações de tecidos em lã recuam 82%, ao passo que a progressão do volume
de vestimentas em importadas atinge 50%; a queda na exportação de carretéis
cônicos (chéchias) é contínua de 1932 a 1937 – 82.640 unidades, contra 26.491.
Os utensílios em cobre que empregavam, em Túnis, perto de 400 pessoas, não
empregariam em 1932 nada além de uma centena de trabalhadores.
A evolução revela -se a mesma no tangente ao artesanato argelino, malgrado
as medidas de incentivo adotadas. As atividades industriais originadas a partir
da Primeira Guerra Mundial consagram -se a setores derivados da agricultura,
(moagem, oleicultura, cervejaria). Em se tratando de indústrias de substituição,
destinam -se ao mercado local e empregam 90.000 operários em 1936.
4 Ibid., p. 46.
5 R. GALISSOT, 1964, p. 67.
37
O chifre da África e a África setentrional
O signicado das crises
A recessão mundial repercute nos setores mais estritamente ligados ao mer-
cado mundial. Ela agrava indiretamente as condições locais da crise em que a
evolução das economias locais desempenha um papel determinante. Nos dife-
rentes países, a degradação da situação econômica é notável antes mesmo que se
tornem sensíveis as reviravoltas da conjuntura mundial. Da mesma forma, uma
melhora conjuntural não se traduz automaticamente em uma evolução positiva
e paralela no Egito e no Magreb.
Na Tunísia, quando do desencadeamento da recessão mundial, a conjuntura
local agravou -se em razão da seca que tornou catastrófica a safra agrícola nos
anos 1935 -1936. Em 1939, a economia da Argélia ainda não reencontrara os
seus níveis de 1929.
As economias locais são abaladas por uma crise de origens internas. Na rea-
lidade, trata -se de várias crises cujos numerosos significados são, para algumas
dessas economias, divergentes. A antiguidade da colonização e a amplitude das
transformações econômicas permitem distinguir diferentes tipos de crise.
Na Líbia, as dificuldades econômicas são aquelas de uma primeira valoriza-
ção do setor agrícola. No Marrocos, a crise intervém após uma primeira fase de
expansão econômica, marcada inclusive por momentos de euforia. Na Argélia e
na Tunísia, a crise corresponde à própria economia colonial cujos fundamentos o
solapados. No Egito, em que pese a recessão mundial, os progressos ecomicos
o importantes e conferem a este país uma evolução absolutamente original.
A Líbia tornou -se colônia italiana em 1916 mas, a administração e o emprego
de quadros funcionais foram seriamente limitados até 1931, em razão das dife-
rentes resistências.
A conquista italiana custou ao país importantes perdas, humanas e econômi-
cas. A criação de animais, principal riqueza da Cirenaica, é dizimada; o número
de ovinos, caprinos, bovinos, camelos, equinos e asnos, passou de 1.411.800,
em 1910, para 978.000, em 1926, e posteriormente, para ínfimos 140.300 em
1933
6
. O país encontra -se, no desenrolar da recessão mundial, despovoado e
arruinado. A economia “tradicional” deve, prioritariamente e sobretudo, superar
as dificuldades consecutivas à guerra de conquista italiana, em comparação ao
que lhe cabe enfrentar no tocante aos efeitos de um mercado mundial, ao qual
ela quase não está atrelada.
6 J. DESPOIS, 1935, p. 14.
38
África desde 1935
A colonização agrária de povoamento italiano enfrenta graves problemas. A
colonização econômica, praticada de 1911 a 1921, foi abandonada em 1928, em
proveito da colonização de povoamento. As leis de 1928 suscitam uma primeira
onda de imigração seguida de uma subsequente, lançada pelo próprio Mussolini,
a partir de 1938. As concessões agrícolas são destinadas à implantação de cam-
poneses italianos recrutados pelas organizações fascistas. A colonização agrária
e de povoamento revelou -se um duplo fracasso, humano e financeiro, da política
fascista. As dificuldades das empresas agrícolas na Tripolitânia e na Cirenaica
são semelhantes àquelas encontradas durante a colonização agrária na Argélia,
na segunda metade do século XIX. Na Líbia, como anteriormente na Argélia, a
colonização agrária se choca com três obstáculos: a falta de capitais, a ausência
de um amplo mercado e de mão de obra assalariada.
A crise do Marrocos, tardiamente colocado sob protetorado, tem significado
distinto. Após uma primeira crise em seu crescimento, nos anos 1924 -1925, a
expansão retoma o seu fluxo até 1931. Entre este ano e 1936, o comércio exterior
diminui e as empresas especulativas são afetadas, particularmente na construção
civil, na agricultura e nas minas.
As atividades industriais mantêm -se, não obstante o crescimento indus-
trial se encontre em baixa. Novas atividades se desenvolvem: as indústrias de
transformação e os moinhos subsistem; as fábricas de conservas de sardinhas
estão em plena expansão; as prospecções petrolíferas alcançam seus objetivos;
as manufaturas de tabaco entram em atividade nas cidades de Casablanca e
Kenitra; a indústria da crina vegetal continua a prosperar.
Apesar das dificuldades, a atividade econômica não fraqueja e conhece um
leve crescimento, embora menor que aquele percebido nos anos 1925 -1930. Em
seu conjunto, a atividade industrial resiste melhor à crise e se renova
7
.
As crises tunisiana e argelina são assaz comparáveis. As dificuldades econô-
micas não são de uma implantação colonial, em sua primeira fase, mas dizem
respeito antes àquelas referentes a economias coloniais em que amplas transfor-
mações e períodos de expansão haviam ocorrido.
Na Tusia, a recessão mundial (1930 -1931) atinge uma economia de sub-
-produção agcola, situação engendrada pela seca de 1930, seguida por inun-
dações, em dezembro de 1931, no centro e no norte do país. A conjuntura
degrada -se desde 1930, com perdas para o conjunto da atividade de criação
de animais, no sul do país. A invasão de gafanhotos sucede, quase imedia-
7 R. GALISSOT, 1964, p. 72.
39
O chifre da África e a África setentrional
tamente, às inundações; a safra agrícola é ruim em fuão das geadas e dos
ventos violentos.
A Argélia representa o mais complexo exemplo de dificuldades de diversas
origens. Tal como na Tunísia, abate -se neste país uma crise de tipo tradicional
que afeta, essencialmente, a população argelina. Ela é agravada pela crise do
setor colonial, mascarada e adiada pelas medidas adotadas. As consequências da
recessão mundial se fazem sentir depois das primeiras dificuldades locais; elas
tocam primeiramente o setor colonial.
Embora afetada pela recessão mundial, a economia egípcia faz progressos
em duplo domínio. O grupo Misr, em cena desde a aurora da Primeira Guerra
Mundial, busca o seu desenvolvimento criando novas sociedades industriais,
tais como: a criação de companhias de navegação, em 1932 e 1934, de uma
empresa de fiação e tecelagem de fibras de algodão em 1937, na cidade de
Kafr al -Dawwar, e de sociedades comerciais, em 1940. A crise de 1929 -1933
intensificou o afluxo de capitais para o grupo e permitiu o incremento da sua
participação no conjunto da economia egípcia. Ele igualmente se beneficiou
com mudanças ocorridas nas legislações, fiscal e aduaneira.
O Egito reencontrou em 1930 a sua autonomia fiscal e o direito de se apro-
priar das tarifas alfandegárias de todas as importações. Até então, um acordo
internacional interditava -lhe a imposição de tarifas aduaneiras. O último acordo
comercial com uma potência estrangeira chegara ao seu termo em 1930, quando
graças à pressão do grupo Misr e apesar da Grã -Bretanha, uma tarifa aduaneira
foi aplicada. A decisão denota um importante ponto de inflexão do desenvolvi-
mento industrial: até a guerra, a atividade têxtil, o setor alimentício e a indústria
leve conhecem uma expansão. Dessa forma, a longo prazo, os primórdios da
industrialização datam da década de 1930 -1940.
No chifre da África, a fraqueza das transformações econômicas ocorridas
desde o início do século XX e a insuficiente integração aos circuitos de troca
mundial limitam, a exemplo da Líbia, as consequências potenciais da reviravolta
na conjuntura mundial. Os exemplos da Etiópia e da Somália apresentam ainda
maior nitidez se comparados ao do Sudão.
Neste último país, o desenvolvimento da rede ferroviária e da produção de
algodão egípcio sensibiliza a economia diante de qualquer flutuação interna-
cional. No início do século XX, lorde Kitchener construiu uma estrada de ferro
estratégica na fronteira norte de Cartum. Essa via férrea atingiu o Mar Vermelho
em 1905, onde foi criado o Porto -Sudão, concomitantemente à inauguração da
cidade de Atbara, no cruzamento de duas linhas da estrada de ferro. Esta via
é levada em seguida até Sennar, atingindo em sua vertente oeste o Kordofan,
40
África desde 1935
em 1911. A partir de 1924, uma nova linha férrea liga, diretamente Sennar ao
Porto -Sudão, para tornar acessíveis os oásis onde se cultiva o algodão.
A escolha volta -se para o algodão egípcio de fibras longas cujo cultivo acon-
tece sobretudo em terras não irrigadas. Após a Segunda Guerra Mundial, o
Plano Gezira, isto é, a irrigação de toda a parte leste da Gezira através da bar-
ragem de Sennar, é colocado em operação. Outras zonas de cultura são criadas,
notadamente no Gash, torrente que desce da Etiópia e se perde nas areias do
Kassala. Em 1929, uma convenção é assinada com o Egito sobre a partilha das
águas do Nilo
8
.
A extensão da rede ferroviária e a cultura do algodão fornecem ao Sudão um
produto de exportação e permitem uma maior monetarização da sua economia.
Nos anos 30, o essencial das exportações é representado pelo algodão. A crise
repercute, como no Egito, nas regiões especializadas nesta cultura, atingindo
diretamente os produtores. Indiretamente, ela afeta o funcionalismo sudanês
formado no Gordon College. Os salários desta categoria foram fortemente
reduzidos em 1931, enquanto aqueles dos seus correlatos colegas estrangeiros
não sofreram nenhum impacto. Eles recorreram à greve, convocando um con-
gresso que obteve um compromisso dos poderes públicos
9
.
Na Etiópia, as trocas externas são mínimas no início do século XX: 8 milhões
de thalers para a estrada que vai de Shoa ao Harar, ou seja, 20 milhões de
francos -ouro; quanto ao conjunto do país, o comércio exterior não excede 50
milhões de francos. O café, o ouro, o marfim e as peles são os principais produtos
de exportação; os tecidos em algodão, as armas e munições figuram no capítulo
das importações.
As estradas de ferro do Djibuti, progressivamente construídas desde 1903,
atingem Addis -Abeba em 1917. Elas permitem estabelecer a comunicação entre
o interior do país e os portos marítimos. Em 1935, facilitam a exportação de
15.000 toneladas de café e 7.000 toneladas em peles. As importações são ainda
mais fracas
10
. Por outro lado, a moeda etíope é seriamente afetada pela crise
11
.
A explosão demográfica e a urbanização, perceptíveis antes de 1930 nas
estatísticas e conhecidas por um punhado de especialistas, comovem menos a
opinião pública que a recessão mundial, a qual se apresenta, no imediato, como
tema ignorado pelas administrações encarregadas da gestão dos protetorados e
8 COLLECTIF, 1966, p. 472.
9 J. KI -ZERBO, 1972, p. 564.
10 COLLECTIF, 1966, p. 482.
11 J. KI -ZERBO, 1972, p. 462.
41
O chifre da África e a África setentrional
das colônias. Elas são o resultado de uma antiga e lenta evolução que pertence,
por definição, ao longo período e surgem assim como traços estruturais das
sociedades após os anos 1930 -1945.
O crescimento demográfico
12
toma os ímpetos de uma verdadeira explosão
cujos efeitos não se restringem à África setentrional e ao chifre da África. Este
fenômeno é notável em outras regiões da África e se opõe à depressão demo-
gráfica da Europa.
O antigo regime demográfico prolongou -se tardiamente, mas a sua ruptura,
que remonta ao período entreguerras, se manifesta de forma espetacular. Até
a metade do século XX, as taxas de mortalidade e de natalidade permanecem
elevadas; as grandes fomes e epidemias, apesar de estarem em regressão, ainda
não haviam desaparecido. Contudo, os censos demográficos realizados entre as
duas grandes guerras traduzem uma evolução divergente das taxas de mortali-
dade e natalidade: enquanto a primeira encontra -se em baixa, a segunda ainda se
situa em níveis elevados. O exemplo do Marrocos ilustra nitidamente a evolução
demográfica: enquanto a mortalidade baixou fortemente, a natalidade oscila,
por sua vez, entre 380 (média em 1932 -1935) e 440 (média em 1941 -1945)
por 10.000 habitantes
13
. No norte da vizinha Argélia, a taxa de natalidade era
avaliada em 38% no período entre 1921 e 1925. Ela passou de 43%, entre 1926
e 1930, para 44%, entre 1931 e 1935, recaindo para 42% entre 1936 e 1940. A
taxa de mortalidade baixou de 19,8%, nos idos de 1921 -1925, para 16,6%, entre
1936 e 1940
14
.
A ruptura do antigo regime demográfico acontece de forma desigual nos
diferentes países. A Líbia e o Marrocos estão próximos de uma demografia
de antigo regime; o Egito, a Argélia e a Tunísia apresentam, desde então, uma
demografia profundamente alterada. País fracamente povoado, a Líbia paga
as resistências opostas à conquista italiana em moeda forte: um elevado custo
demográfico. Giuseppe Volpe, nomeado governador em agosto de 1921, decide
“fazer valer com sangue os direitos da Itália”. As maiores perdas humanas acon-
tecem na Cirenaica, onde as operações militares se realizam mais tardiamente. A
evolução demográfica consiste antes em uma recuperação das perdas, desembo-
cando na volta aos níveis anteriores a 1916, muito mais que em um verdadeiro
crescimento. No Marrocos, verifica -se o mais rápido crescimento do Magreb:
12 Os números dos censos populacionais, todos relativos ao período entre as guerras, constituem um mero
valor indicativo.
13 J. -L. MIÈGE, 1966, p. 55.
14 C. -R. AGERON, 1979, vol. 2, p. 471 -472.
42
África desde 1935
a taxa de fecundidade é a mais elevada da região. O aumento da população
tunisiana (muçulmanos e judeus) atinge 25%, entre 1936 e 1946. Estimada em
2.100.000 indivíduos, em 1926, ela alcança 3.200.000, em 1946
15
. A evolução
demográfica verificada na Argélia, desde o fim do século XIX, se define e acen-
tua. Na década de 1880, a população argelina retornou aos níveis anteriores a
1830, com ligeiro crescimento. A reviravolta demográfica, pouco em relevo em
1921, surge nitidamente em 1931. A população passa de 4.923.186 habitantes,
em 1921, para 6.201.144, em 1936, isto é, atinge uma taxa de crescimento de
1,53%
16
. A população egípcia passa de 13.222.000 habitantes, em 1920, para
16.887.000, em 1940. O aumento equivale a 3.665.000 pessoas, em outros ter-
mos, a um crescimento médio anual da ordem de 183.000 pessoas. Em 1945, a
população é estimada em 18.460.000 habitantes
17
.
O crescimento demográfico é um dos fatores do crescimento urbano. Em
algumas cidades, indivíduos europeus provenientes do setor rural reforçam este
crescimento mas, a explosão urbana é, de forma maciça, o resultado do êxodo
da população rural. A formação de favelas, logo antes da Segunda Guerra Mun-
dial, materializa na paisagem o afluxo de camponeses para as cidades médias e
localidades costeiras.
Numerosos fatores levam os camponeses a se integrarem às cidades em busca
de um trabalho ou para viver da caridade e do assistencialismo. As migrações, até
então temporárias, se transformam em migrações definitivas com a chegada das
famílias e seu estabelecimento nas periferias urbanas. No Marrocos, na Argélia
e na Tunísia, as correntes migratórias se prolongam para além -mar, com a che-
gada, na França, das primeiras ondas de trabalhadores imigrados.
Os movimentos migratórios começam no Marrocos, antes mesmo da ins-
tauração do protetorado. A partir de 1931, a crise multiplica as partidas rumo
às cidades; elas são particularmente numerosas no transcorrer do ano de 1937
em razão da seca e do tifo. As favelas, no entorno de Casablanca, comportam
85.000 pessoas em 1932; Ben Msir conta no mesmo período com cerca de 3.000
a 3.500 barracos
18
. Novas favelas são formadas em 1935 e no ano de 1936 no
entorno de Casablanca.
Os movimentos migratórios na Tunísia e na Argélia são relativamente con-
temporâneos e as favelas nascem quase simultaneamente nos dois países. O
15 P. SEBAG, 1951, p 151; A. RAYMOND, 1955, p. 44.
16 A. NOUSCHI, 1962, p. 31.
17 F. J. TOMICHE, 1974, p. 14.
18 R. GALISSOT, 1964, p. 73.
43
O chifre da África e a África setentrional
crescimento populacional de Túnis é da ordem de 1,04% ao ano, entre 1921 e
1936. Os arrabaldes e o subúrbio crescem nesse interlúdio em ritmo da ordem
de 2,61%. A zona rural de Túnis passa de 172.000 habitantes, em 1921, para
219.578, no ano de 1936. A crise agrícola provoca demissões de trabalhadores e
gera assim uma massa de desempregados que se abrigam nas favelas. O mesmo
fenômeno atinge Bizerte e Sfax
19
.
Crescimento urbano de menor rapidez é registrado na Líbia, onde os oásis
permanecem como os principais centros econômicos, acompanhados em alguns
casos por centros administrativos italianos. A única cidade importante é Trípoli;
ela sua população aumentar rapidamente, enquanto os centros de colonização
apresentam um tamanho muito modesto
20
. No Egito, a cidade do Cairo desfruta
do êxodo rural de forma muito mais acentuada que as cidades do delta do Nilo;
a capital egípcia passa de 570.000 habitantes, em 1890, para 865.000 habitantes,
em 1920, atingindo 1.527.000 pessoas, em 1940
21
.
O crescimento urbano sacode mais profundamente a antiga hierarquia exis-
tente entre as cidades marroquinas. Casablanca torna -se, entre 1931 e 1936, a
cidade mais densamente povoada (275.000 habitantes, em 1936, contra 163.000,
em 1931). Marrakesh o progride (190.000 habitantes, em 1936) mas, as
cidades que têm uma atividade comercial e industrial, como Rabat, Salé, Fez,
Meknès e Kenitra, são os pontos de chegada das correntes migratórias
22
. Na
Argélia, a população urbana, estimada em 508.235 indivíduos, em 1926, eleva-
-se a 722.293 habitantes, em 1936, atingindo em seguida 1.129.482 pessoas,
em 1948
23
.
No chifre da África, a população do Sudão, avaliada no início do culo
em 3.000.000 de habitantes, atinge 6.000.000 em 1939
24
. A urbanização mais
intensa ocorre na Etiópia, entre 1935 e 1940. Os italianos, após conquistarem
o país, tentam valorizá -lo em termos econômicos: setores de colonização são
organizados. Importantes recursos financiam a implantação de colonos, a cria-
ção de indústrias e sobretudo a construção de modernas estradas e edificações.
Adis -Abeba incha e ultrapassa os 100.000 habitantes em 1935
25
. Djibuti, após
19 M. ROUISSI, 1977, p. 85.
20 J. DESPOIS, 1935, pp. 103 -104. R. RANEIRO, 1982.
21 P. LÉON, 1978, p. 479.
22 R. GALISSOT, 1964, p. 117.
23 C. -R AGERON, 1979, p. 473.
24 COLLECTIF, 1966, p. 472.
25 Ibid., p. 482.
44
África desde 1935
a construção da estrada de ferro, substitui Zeila na qualidade de mercado para
Harar e Shoa, dobrando sua população e passando de 10.000 habitantes, em
1900, para 20.000 pessoas, em 1940, isto é, aproximadamente a metade da popu-
lação do território. Em 1938, um porto com cais lá é criado; a cidade estende -se,
além das salinas, até o oásis de Ambouli
26
.
As crises políticas
No domínio político, os diferentes países foram colocados sob controle de
potências europeias no século XIX e no início do século XX, com exceção
da Etiópia, somente em 1935 integrada neste contexto. Sua evolução política
nos anos precedentes à Segunda Guerra Mundial é tão caótica quanto aquela
ocorrida nos âmbitos econômico e social. O novo questionamento do estatuto
de colônia ou de protetorado se efetua ao longo de uma série de crises políticas
que atingem seu ápice nos anos de 1936 e 1937, e às quais a eclosão da Segunda
Guerra Mundial põe um termo provisório.
A evolução egípcia e líbia
As evoluções políticas do Egito e da Líbia são das mais contrastantes: o
primeiro obtém um substancial relaxamento do controle inglês sobre a sua vida
política; quanto ao segundo, ele está integrado ao “território nacional” italiano.
Paralelamente à segunda vaga de imigração dos Ventimila
27
, a política fas-
cista insiste em integrar a Líbia ao território italiano. Um decreto do Grande
Conselho fascista é promulgado: as quatro proncias costeiras de Tpoli,
Misurata, Benghazi e Dera, se tornam parte do território nacional”. Os ter-
ritórios do Saara bio conservam seu estatuto de colônia. O governo local
mantém toda sua autonomia, o governador -geral conserva sob a sua com-
pleta e direta autoridade as quatro proncias costeiras, bem como o Saara.
No tocante à administração, somente os postos subalternos seriam confiados
aos bios. A “cidadania especial somente é válida na Líbia quando acordada
aos bios que conhecem a leitura e a escrita. Na prática, a populão local se
encontra excluída da vida administrativa e política. A única atividade política
26 Ibid., p. 482.
27 Ventimila, vinte mil (colonos italianos).
45
O chifre da África e a África setentrional
dos bios acontece no Egito. Em 1923, Idris se refugiou neste país onde se
formou uma pequena colônia de líbios. Estes últimos se dedicam, com o apoio
dos britânicos, a uma propaganda anti -italiana.
Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a vida política egípcia está domi-
nada pelo complexo jogo entre a monarquia, o representante da Grã -Bretanha e
partidos políticos, especialmente o Wafd. A inquietação da Grã -Bretanha diante
da propaganda dos italianos no Egito, bem como perante a ação desses últimos
na Líbia e na Etiópia, justifica a assinatura do tratado de 1936 e a conclusão
dos acordos de Montreux, em 1937.
As cláusulas essenciais do tratado, assinado na cidade de Londres, em 26
de agosto de 1936, podem assim ser resumidas: o Egito cuja independência
fora reafirmada, assina uma aliança com a Grã -Bretanha; esta última se engaja
a defender o Egito contra qualquer agressão e, em caso de guerra, o Egito se
compromete a oferecer à Grã -Bretanha todas as facilidades em seu território.
A ocupação está terminada e os embaixadores devem ser substituídos. A Grã-
-Bretanha assume o compromisso de defender o Egito em sua intenção de
suprimir as capitulações e em relação ao seu objetivo: entrar na Sociedade das
Nações (SDN). Nenhum limite é imposto à importância do exército egípcio,
autorizado a estacionar no Sudão.
O tratado não tem limite temporal mas é passível de revisão após vinte
anos. Ele representa um progresso se comparado ao ato unilateral de 1929, sem
contudo inaugurar para o país a era de uma verdadeira independência. As con-
cessões britânicas são, com efeito, menores e totalmente formais. A segurança
das vias de comunicação com o Império britânico é assegurada pela permanência
de tropas inglesas, limitadas a 10.000 soldados que devem evacuar o país para
se fixar na zona do canal. As tropas inglesas estão autorizadas a ocupar todo
o território em caso de tensão internacional ou guerra. O status quo é mantido
no Sudão.
Como estabelecido em 1936 com o apoio de Londres, a conferência de
Montreux, ocorrida em abril de 1937, abole as capitulações e os tribunais mistos
deveriam desaparecer progressivamente no prazo de doze anos. Dessa forma,
se coloca um ponto final no regime preferencial do qual gozavam as potências
capitulares junto aos tribunais consulares, bem como, após um período tran-
sitório, aos tribunais mistos. Todas as atribuições dos tribunais, consulares e
mistos, seriam desde logo transmitidas aos tribunais nacionais (antigos tribunais
locais), controlados por uma corte de cassação (a partir de 1930) e um tribunal
administrativo ou conselho de Estado (1946). Em contrapartida, o estatuto
pessoal dos egípcios continua a depender dos tribunais religiosos. A abolição das
46
África desde 1935
capitulações torna o Egito mestre da sua legislação financeira: em 1940, acordos
bilaterais assinados com a Grã -Bretanha e em seguida com a França impõem
um fim ao sistema da Caixa da Dívida. A assinatura de um acordo similar com
a Itália tornar -se -ia supérflua em razão da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
A despeito do insuficiente volume das concessões britânicas quanto ao tra-
tado de 1936, a sua assinatura e a retirada das tropas britânicas da zona do
canal configuram o triunfo do Wafd e de Nahhas Pasha. Dominante na vida
política egípcia desde 1924, o Wafd aspira exercer a plenitude do poder, apesar
das suas múltiplas cisões e da partida dos nacionalistas mais radicais a partir
de 1930. Nahhas Pasha teve, pela primeira vez, a possibilidade de governar por
um tempo razoável, tendo o Wafd permanecido no poder até o fim de 1937.
O rei Faruq desfruta, nos primórdios da sua ascensão ao trono, de uma grande
popularidade. Aspirando desempenhar papel político idêntico ao de seu pai, ele
destitui Nahhas Pasha e dissolve a Câmara. As eleições de 1938 são uma grave
derrota para o Wafd, enfraquecido pelas suas divisões internas e pelas críticas
suscitadas em razão da sua passagem pelo governo.
A crise das relações franco -magrebinas
Em relação aos três países do Magreb clássico (Argélia, Marrocos e Tunísia),
a chegada ao poder da Frente Popular abre a perspectiva de redefinição das rela-
ções com a França. A esta tomada de poder, rapidamente se sucedem desilusões
e a repressão, após a queda do governo da Frente Popular. Com efeito, durante a
década de 1930 -1940, as relações franco -magrebinas conhecem a sua primeira
crise de contornos mais sérios.
O Comitê de Ação marroquino (al -Kutla al -‘Amal al -Watani) implantado
em 1933 redige um plano de reformas, criticando sem concessões os abusos
derivados do regime de protetorado e tenta, em sua segunda fase, uma for-
mulação doutrinária coerente em torno do princípio da inalienabilidade da
soberania nacional, simbolizada pelo sultão Mohammed V. A residência rejeita
reivindicações julgadas incompatíveis com a presença francesa no Marrocos,
circunscrevendo -se, tardiamente, a aplicar aquelas por ela consideradas menores.
A constituição do governo da Frente Popular, bem acolhida pelos nacionalistas,
permite relançar as reivindicações através do envio de uma delegação à Paris
e pelo recurso a ações de massa. O ano de 1937 é marcado por uma agitação
generalizada (Meknès, Marrakesh e Khemisset) e severamente reprimida. Após
a bâcle do governo Blum, a repressão se agrava com a dissolução do Comitê de
47
O chifre da África e a África setentrional
Ação marroquino (18 de março de 1937). No fim do ano o nacionalismo é deca-
pitado. Ele se radicalizou progressivamente, conhecendo cisões que deram luz
a debates internos e o sacudiram. Al -Wazzame, em disputa com Allal al -Fasi,
cria um novo partido: o Movimento Nacionalista (al -Haraka al -Kawmiyya); a
tendência política ainda encabeçada por ‘Allal al -Fasi se transforma no Partido
Nacional das Reformas (al -Hijb al -Watani li -tahkik al -Matalib). Ao norte, uma
cisão idêntica gera o nascimento do Partido das Reformas Nacionais, com Abd
al -Khlik Tares em sua direção, e do Partido da Unidade Marroquina, dirigido
por Mekki al -Nasiri.
Na Tunísia, após um período repressivo, os destouriens [relativo ao Partido
Socialista da Tunísia, no poder desde a Independência. Derivada da palavra
destour” que significa constituição] apostam grande esperança no sucesso da
Frente Popular. A primeira experiência franco -tunisiana” tem início: Habib
Bourguiba apresenta o programa em uma nota remetida a P. Viénot em 28 de
agosto de 1936, durante um discurso pronunciado na cidade de Túnis no dia 11
de setembro e em artigos publicados no jornal A Ação Tunisiana.
A viagem de P. Viénot à Tunísia e seu discurso, proferido em 1
0
de março
de 1937, constituem um ponto de inflexão. A essa viagem se sucedem, em 4
de março, incidentes mortais na mina de fosfato de Metlaoui. Indiretamente,
o retorno à Tunísia de Abd al -‘Aziz Ta‘albi (5 de julho de 1937) precipita a
degradão da situação. No imediato, ele reativa os debates e as lutas entre os
destouriens. O Destour, partido nascido na aurora da Primeira Guerra Mundial,
se fracciona oficialmente no congresso de Ksar Hellal (2 de março de 1934),
dando origem ao Velho Destour e ao Néo -Destour em que H. Bourguiba
desenvolve uma intensa atividade com vistas a se implantar e difundir o seu
programa. Os incidentes se multiplicam até o levante de 9 de abril de 1938.
A implantão do estado de sítio em 18 de agosto dá origem a um país onde
o o -Destour, decapitado, se torna nesse interlúdio o porta -voz do nacio-
nalismo tunisiano.
Com maior intensidade, se comparada com os seus dois países vizinhos,
a chegada ao poder da Frente Popular suscita na Argélia grandes esperanças
quanto ao atendimento das reivindicações. Os eleitos, os ulama e os comu-
nistas, inauguram sem a participação da Estrela norte -africana um Congresso
Muçulmano (7 de março de 1936) que elabora uma “Carta Reivindicatória do
povo muçulmano argelino”, contendo uma série de reivindicações em prol da
igualdade e em respeito ao estatuto pessoal muçulmano.
O governo de Léon Blun, decidido a responder parcialmente às demandas
nacionalistas, elabora um projeto de lei concedendo o direito de voto à elite
48
África desde 1935
argelina, a título pessoal e sem o abandono do estatuto pessoal muçulmano.
Entre vinte e vinte e cinco mil pessoas seriam beneficiadas por este projeto,
atacado por Messali Hadj em favor da imediata independência. Entretanto,
em razão da oposição dos colonos, o projeto o seria examinado pelo Par-
lamento nem em 1937 e tampouco em 1938, mantendo a sua qualidade de
projeto.
A conjuntura criada pela Frente Popular permite aos partidos nacionalistas
realizarem pela primeira vez a sua unidade, tanto programática quanto no que
se refere à ação. Esta frente única lhes permite a implantação nas cidades e nos
campos, sobretudo pela ampla difusão das suas ideias.
A evolução política do Chifre da África
Esta evolução política é dominada pelas disputas anglo -egípcias no Sudão e
pela intervenção militar italiana na Etiópia.
A situação política sudanesa se complica em razão da existência, pelo menos
formal, do condomínio anglo -britânico. Desde a afirmação do nacionalismo
neste país, a questão das relações com o Egito estava na origem das clivagens
entre os nacionalistas.
Os levantes de caráter religioso são brutalmente reprimidos. O mais impor-
tante ocorre em Wad Halula, na Gezira. Adepto do Mahdi, este movimento
pretende continuar a sua luta incentivando um reagrupamento dos seus adeptos.
Após o assassinato de duas pessoas, entre elas o delegado do distrito, uma coluna
militar coloca rapidamente um fim a esta tentativa. O sucessor do Mahdi é
capturado e enforcado.
Paralelamente, o sentimento nacional se difunde nos meios letrados. As
sociedades secretas nascentes preconizam, quase em sua totalidade, o fim do
condomínio e a independência ou uma união com o Egito. A melhor constituída
é a Liga da Bandeira Branca, fundada em 1924 por um oficial, Ali Abd al -Latif,
partidário da liberdade do Sudão e da unidade do vale do Nilo.
Em 1936, o acordo estabelecido entre a Grã -Bretanha e o Egito devolve
a este último os seus direitos, perdidos por ocasião das perturbões poticas
ocorridas no Sudão e em seu próprio território. Os nacionalistas sudaneses,
o consultados, aceitam aquilo que consideram um desafio. Em 1938, é
organizado o Congresso Geral dos Diplomados; ele é no seu início uma
organização corporativa e filantrópica que visava obter o reconhecimento
oficial.
49
O chifre da África e a África setentrional
 . O avanço das tropas italianas na Abissínia. (Foto: Keystone, Paris.)
A guerra da Etiópia e as suas consequências
A conquista italiana da Etiópia, em 1935, faz desaparecer o último Estado
africano independente. Ela tem profundos efeitos junto aos nacionalistas africa-
nos e na comunidade negra americana. No chifre da África, as consequências são
diretas e imediatas. A expansão italiana no nordeste da África fora bloqueada,
em 1896, pela vitória decisiva do imperador Ménélik, em Adowa. No interlúdio
entre as duas grandes guerras os objetivos italianos são reativados pelo fascismo.
O tratado de amizade não mascara, senão aparentemente, os seus objetivos
coloniais para a Etiópia, adiados até o momento da derrota da Sanusiyya, na
Líbia, pelas tropas italianas.
Uma querela de fronteiras em Ogaden, entre a Somália e a Etiópia, serve
como pretexto ao fascismo. Escaramuças acontecem em Wal Wal. A Comissão
de Arbitragem designada pela SDN fracassa em sua missão. A Grã -Bretanha e a
França apoiam a Etiópia, embora não se mostrem dispostas a impedir a agressão
italiana. As tropas de Mussolini avançam em estradas já preparadas, a partir de
50
África desde 1935
Adowa, ao norte, e de Mogadíscio, no sudeste. O exército fascista, composto por
400.000 homens e graças à superioridade do seu armamento, se apodera facil-
mente do Tigré, região comprada pelo rás Gugsa. Após intensos bombardeios
que destroem cidades, pequenas localidades e rebanhos, Adis -Abeba sucumbe,
em 1936. O imperador foi compelido a se refugiar na Inglaterra.
O império leste -africano da Itália se torna por alguns anos uma realidade.
A Etiópia unida à Eritreia e à Somália forma a Africa Orientale Italiana; o rei
da Itália assume o título de imperador da Etiópia. A Africa Orientale Italiana
compreende os desertos costeiros e os platôs etíopes, totalizando 12 milhões de
habitantes. Ela está subdividida em cinco grandes províncias, cada qual com seu
governador, o conjunto é dirigido por um vice -rei. Numerosas divisões fascistas
mantêm um regime policialesco; operações militares são necessárias no sudoeste
onde ocorrem resistências.
A guerra e a paz (1940 -1945)
Na maioria dos países, com exceção do Egito, as reivindicações nacionalistas
enfrentam nos anos de 1937 e 1938 a intransigência das potências coloniais e
a repressão. De 1940 a 1945, a evolução dos diferentes países está ligada aos
acontecimentos da guerra. No domínio político, as crises do pré -guerra dão
lugar a verdadeiras mutações: nacionalismos mais potentes e reivindicativos se
manifestam desde 1943.
Os países em guerra
A Primeira Guerra Mundial aparecera como um conflito entre europeus,
desenrolado na Europa. A Segunda Guerra Mundial transforma a África seten-
trional e o chifre da África em zonas de combate; a mobilização militar afeta
muito mais a população; as economias estão orientadas para o esforço de guerra. O
fim das operações militares provoca numerosas dificuldades, econômicas e sociais.
A participação no conito
Entre 1939 e 1945, a evolução das operações militares e a participação,
sob múltiplas formas, dos países africanos, estes dois fatores possuem um peso
51
O chifre da África e a África setentrional
relativo muito maior sobre os rumos do conflito, comparativamente aos anos
1914 -1918.
A superposição é muito estreita entre os diferentes campos de batalha na
“Guerra da África”, suscitando durante três anos prodigiosos esforços, da fron-
teira algero -tunisiana até as portas de Alexandria. Para os ingleses, o Egito é
um zona estratégica de primeira grandeza, não somente em razão do Canal de
Suez mas também em função do seu papel como plataforma de operações para
a condução da guerra. Churchill considera necessário defender o Egito como se
fossem as regiões de Kent ou Sussex. Uma primeira tentativa italiana, a partir
da Líbia e conduzida por Grazianni, é repelida por Wavell em dezembro de
1940. A segunda tentativa, feita pelo Afrikakorps e conduzida por Rommel, é
interrompida em al -‘Alamein por Montgomery; em 23 de janeiro de 1943, as
tropas britânicas entram em Trípoli, enquanto a coluna Leclerc, vinda do Chade,
chega pouco após e se agrega à VIII força
28
.
28 I. S. EL -HAREIR, 1985.
 . A França em combate no deserto da Tripolitânia. (Foto: Archives Documentation française,
Paris.)
52
África desde 1935
A Itália, sempre a partir da Líbia, também ameaça a Tunísia. A existência de
uma forte minoria italiana e de antigas reivindicações conferem a este país uma
posição particular na guerra. O desembarque anglo -americano acelera o desen-
volvimento dos projetos alemães na Tunísia. Em 9 de novembro de 1942, uma
centena de aviões alemães aterrissam na área de al -‘Awina, perto de Túnis, com
um corpo de 1.000 homens. Eles invadem Túnis sem aviso prévio na noite do
dia 13 para o dia 14 de novembro. A ocupação alemã se estende posteriormente
a todos os grandes centros urbanos: Sfax, Sousse e Gabès.
A contra -ofensiva é conduzida pelas tropas aliadas a partir da Argélia onde
exércitos anglo -americanos haviam desembarcado, como no Marrocos, em 8 de
novembro. A força inglesa inicia imediatamente a campanha da Tunísia, atra-
vessando a fronteira entre a Argélia e a Tunísia. Após uma série de operações,
os Aliados passam à ofensiva generalizada em 22 de abril de 1943. Em maio, a
entrada dos ingleses em Túnis e dos americanos em Bizerte marcam o fim da
campanha da Tunísia.
No chifre da África, desde a sua entrada em estado de beligerância, os italia-
nos instalados na Etiópia ocupam duas cidades sudanesas fronteiriças (Kassala
e Gallabat) e a totalidade da Somália britânica, praticamente vazia em tropas.
Em 1941, as tropas britânicas reconquistaram os territórios antes sob con-
trole da Itália. No Tigré, o general Platt, vindo do Sudão, conquista uma vitória
em Keren, ao passo que o general Cunninghan, a partir da Somália e vindo
do Quênia, chega à Harar e, em seguida, à Adis -Abeba. Os dois exércitos se
agrupam em Amba Alaguir onde o duque de Aoste capitula. Em 5 de maio de
1941, Haïlé Sélassié pôde voltar à capital etíope.
Os países da África setentrional e do chifre da África, transformados em
campos de batalha, também fornecem soldados às diferentes frentes europeias.
Até junho de 1940, a África do Norte fornece sozinha 216.000 homens, entre
eles 123.000 argelinos. De 1943 a 1945, 385.000 homens originários da África
do Norte (incluindo 290.000 argelinos, tunisianos e marroquinos) participam
da liberação da França
29
. O exército africano intervém na liberação da Córsega
(setembro–outubro de 1943), na campanha da Itália (atingindo Roma em 15
de junho de 1944) e na campanha da Provence (em agosto de 1944), antes de
se redirecionar rumo ao norte para se unir ao conjunto do exército francês. No
Cairo, onde está refugiado, Idris aprova a formação de batalhões encarregados de
promover uma guerrilha no Djabal al -Akhdar tão logo a situação o permitisse.
29 P. LÉON, 1978, p. 557.
53
O chifre da África e a África setentrional
A Grã -Bretanha, pleiteando a aplicação do tratado de 1936,o espera uma
real ajuda militar do Egito. A ruptura de relações diplomáticas com a Alemanha
acontece no momento da declaração de guerra e também se reproduz com a
Itália, em 12 de junho de 1940; mas a declaração de guerra contra a Alemanha
e o Japão é muito mais tardia (26 de fevereiro de 1945).
No chifre da África se observa, lado a lado com as tropas britânicas, uma
notável participação sudanesa na luta pela reconquista da Etiópia. Os refugiados
etíopes no Sudão são organizados militarmente pelo general Wingate, sob a
denominação de “Gideon Force”, unidade que penetra no Gojam.
Paralelamente à mobilização humana, empreende -se uma política econô-
mica de sustentação ao esforço de guerra. Desde o mês de outubro de 1939, a
economia marroquina é declarada “economia de guerra”. A chegada da guerra
provoca uma alta nos preços dos produtos de extração mineral, criando uma
relativa prosperidade. As economias, argelina e tunisiana, reforçam igualmente
a frente econômica.
O Middle East Supply Center, instalado no Cairo no verão de 1941, é encar-
regado, juntamente com o Escritório Regional de Mobilização de Recursos, de
reduzir a dependência da região vis -vis dos mercados externos, intensificando
a produção e reorientando os intercâmbios comerciais. As indústrias locais se
encontram em plena atividade, em razão das demandas civis e militares.
Os problemas econômicos da guerra e do pós -guerra
A guerra produz numerosas dificuldades, econômicas e sociais. A desorga-
nização dos transportes repercute no declinante comércio exterior e a disparada
dos preços aumenta o custo de vida, incentivando o mercado negro. A demanda
induzida pela guerra se encontra na origem de um relativo crescimento indus-
trial cuja durabilidade seria questionada pelo restabelecimento, em 1945, dos
fluxos comerciais com a Europa.
A ruptura de relações com a França e com a Inglaterra, juntamente com os
esforços militares, contribuem muito mais que no passado para a produção de
bens até então importados. O Egito desfruta desta nova conjuntura em maior
grau que os outros países. A expansão agrícola dos anos 20 e 30 é interrompida
pela guerra, mas a atividade industrial mantém um ritmo elevado e a indústria
se diversifica para responder a uma demanda em elevação. O aumento nos efe-
tivos do exército egípcio, de 22.000 homens em 1937 para 45.000 combatentes
em 1945 e os salários pagos pelos Aliados aos 20.000 civis, contratados para
54
África desde 1935
construir e manter as instalações militares, aumentam a demanda por produ-
tos manufaturados; os mercados da região estão abertos à produção egípcia.
Os investimentos, outrora orientados para a terra e a atividade imobiliária, se
voltam para as atividades industriais. O Middle East Supply Center desempenha
um importante papel neste campo, concedendo assessoria técnica aos dirigentes
de empresa ou fornecendo -lhes matérias -primas. A indústria têxtil, alimentar e
química; os ramos do vidro, do couro e do cimento; o setor petrolífero e mecâ-
nico, todas estas atividades se desenvolvem. Nascem novas indústrias nos setores
dos alimentos em conserva, da borracha, da juta, da fabricação de ferramentas e
sobretudo da produção farmacêutica e química. A produção industrial aumenta
em 38% entre 1939 e 1945
30
.
Entretanto, a guerra põe em evidência no Magreb a dependência de todos
os setores diante das economias europeias. A Tunísia encontra -se privada das
suas fontes de produção de matérias -primas e enfrenta difíceis problemas eco-
nômicos. A prioridade é dada em favor do aumento da extração do linhito.
Objetivando substituir os produtos franceses, o artesanato é reavivado em todos
os setores que haviam sido suplantados antes da guerra pelas importações fran-
cesas de roupas, sapatos e artigos cerâmicos. Numerosas empresas são criadas na
Argélia desde 1940, com o intuito de substituir as importações, tornadas raras,
senão impossíveis. Várias grandes empresas abrem filiais (oficinas e manufatu-
ras): a indústria oleífera Lesieur constrói uma importante refinaria de óleo; perto
de Orã, uma fábrica de faiança e outra de vidros são abertas, respectivamente,
pelas companhias Niedwiller e Saint -Gobain; a empresa de cimento Ciments
Lafarge aumenta sua usina argelina (Pointe -Pescade) e monta uma segunda uni-
dade na região de Orã (Saint -Lucien)
31
. A economia marroquina é submetida
aos mesmos esforços empreendidos em prol da produção local para enfrentar a
queda das exportações. Os investimentos industriais, entre 1940 e 1945, atingem
o mesmo volume alcançado durante os vinte e sete anos precedentes; no curso
dos anos 1939 -1945, 53% dos capitais se orientam para as atividades industriais,
visando desenvolver aquelas já existentes ou criar novos processos. As indústrias
Gouin, de óleo e sabão, inauguram uma segunda fábrica de óleo, enquanto a
sociedade Lesieur implanta -se em fevereiro de 1942
32
.
O restabelecimento da paz recoloca em questão a industrialização por substi-
tuição e impõe um freio ao crescimento industrial. A situação econômica e social
30 S. RADWAN, 1981, p. 193.
31 A. NOUSCHI, 1962, p. 102.
32 R. GALISSOT, 1964, pp. 217 -218.
55
O chifre da África e a África setentrional
é agravada pela desmobilização, pela interrupção das indústrias de guerra e por
uma conjuntura agrícola desfavorável. A conjuntura econômica é atingida por
profundas modificações com o fim das hostilidades. Todos os países conhecem
uma forte alta dos preços, enquanto os exércitos francês e britânico demitem
os operários que eles haviam empregado durante a guerra. O desemprego e o
subemprego se alastram.
Os mais urgentes problemas egípcios são parcialmente mascarados pela vota-
ção de créditos destinados a ajudar os operários públicos e aqueles então demiti-
dos pela administração militar. Os problemas mais importantes são submetidos
ao exame das comissões e comitês interministeriais criados em grande número
em 1945 e 1946. Um Conselho Superior do Trabalho reúne -se pela primeira
vez em 23 de março de 1945, visando elaborar um código trabalhista. Com o
intuito de eliminar o desemprego, um plano quinquenal de grandes obras obtém
um crédito de 25 milhões de libras em 1945, para financiar: a construção de
estradas, a abertura de canais de irrigação, a execução de drenagens em pânta-
nos, o abastecimento em água potável das cidades do interior e a construção de
escolas e hospitais. Mais de meio -milhão de faddan (1 faddan = 0,56 hectare)
de terras estatais são destinados aos agricultores, em condições especialmente
vantajosas. Na realidade, estas medidas se mostram insuficientes para por um
termo à agitação social, alimentada por más colheitas em algumas regiões. Na
Tunísia, os fluxos comerciais readquirem em 1945 sua fisionomia do pré -guerra
mas, o país é abalado por uma fome de três anos. Após uma persistente seca,
principalmente no centro e no sul do país, colheitas catastróficas de cereais se
sucedem em 1944, 1945 e 1946. A mortalidade é impiedosa nas criações de ovi-
nos e caprinos, enfraquecidos pela falta d´água e de forragem. Várias dezenas de
milhares de camponeses se dirigem novamente rumo ao norte do país para viver
da mendicância ou trabalhar nos canteiros de obras dos programas públicos
33
.
O crescimento industrial
Se, por um lado, uma minoria pôde enriquecer -se graças ao tráfico variado
e ao mercado negro, a quase totalidade da população é submetida às duras
condições de vida advindas nos anos do pós -guerra. As próprias economias da
Europa, diante de dificuldades, não podem oferecer nenhum socorro, apesar do
restabelecimento dos fluxos comerciais.
33 P. SEBAG, 1951, pp. 163 -164.
56
África desde 1935
O comércio exterior marroquino é retomado a partir de 1943: a média
nas importações passa de 936.000 toneladas, no p-guerra, para 1.280.000
toneladas e a média nas exportações, no mesmo período, passa de 2,5 milhões
de toneladas para 32 milhões de toneladas
34
. Em todos os países, os fluxos
de troca reencontram a sua estrutura, em níveis do peodo entre as guerras.
A fraqueza dos capitais investidos e a medíocre qualidade dos seus produtos
tornam muito fgeis as empresas criadas durante a guerra; muitas são leva-
das a interromper as suas atividades. A Argélia beneficia -se de um plano de
industrializão. A guerra mostrou o importante papel de base de retaguarda
desempenhado pelos protetorados e pelas colônias na condução das operações
militares.A ideologia imperial” favorece planos industriais na perspectiva de
um terceiro conflito mundial, considerado inevitável. Os problemas estrutu-
rais da economia argelina são abordados em um discurso do general Catroux,
em 1944. Um programa é elaborado, com aplicão prevista para um período
de vinte anos, abrangendo todos os setores: artesanato, educação, moradia
social, saúde -pública, equipamentos e reposicionamento dos agricultores arge-
linos. Após uma rápida aceleração, o plano quinquenal de industrializão é
abandonado.
As mutações políticas
Em 1948, a reintegração da África setentrional e do chifre da África ao pro-
cesso de divisão internacional do trabalho interrompe os progressos econômicos
alcançados durante a guerra. O mesmo não ocorre no domínio político, neste
aspecto a guerra tem como consequência o enfraquecimento da influência da
França e da Grã -Bretanha, enquanto a Itália figura no campo dos vencidos.
Após breve interrupção, a atividade política readquire os seus direitos: a guerra
encoraja os nacionalismos que passam à ação desde 1943 e contestam, em 1945
e 1946, o retorno ao estatuto de colônia ou protetorado.
Os nacionalismos, em plena atividade nos idos de 1936 e 1937, são freados
em suas reivindicações em 1939. Eles põem em proveito a nova situação criada
pela guerra, com vistas a manifestarem -se novamente, desde a retomada da
sua atividade política e antes mesmo do fim do conflito.
Na véspera da guerra, os partidos nacionalistas argelinos são afetados, direta
ou indiretamente, por medidas de repressão. O Partido do Povo Argelino é
34 J. -L. MIÈGE, 1966, p. 115.
57
O chifre da África e a África setentrional
dissolvido em 26 de setembro; Messali Hadj, seu líder, é novamente encarce-
rado em outubro com vários dirigentes; militantes são conduzidos a campos
prisionais. Messali Hadj e os seus companheiros são condenados a penas de
trabalhos forçados ou de prisão, em 29 de abril de 1941, pelo tribunal militar
de Alger. Desorganizado, o Partido do Povo Argelino desaparece de fato do
cenário político. O Partido Comunista é reduzido à inação ou à ação clandestina,
logo na eclosão da guerra. A imprensa dos ‘ulama’ interrompe suas publicações;
Shaykh al -Ibrahïmi é posto em cárcere privado em Aflou durante o inverno de
1939 -1940, enquanto Shaykh A. Ben Badis é impedido de deixar a cidade de
Constantine sem uma autorização especial
35
.
Os nacionalistas tiram as lições de um conflito primeiramente externo e
paulatinamente a eles imposto; eles inflectem seriamente as suas atitudes e
revisam as suas perspectivas. Em seu conjunto e por vezes para a surpresa das
metrópoles, os nacionalistas se engajam após um breve período de expectativas
ao lado dos Aliados, multiplicam as declarações em favor desta aliança e não se
opõem à mobilização militar. Eles convocam ao alistamento nas fileiras Aliadas
em prol da democracia. Para Farhat Abbas, se a França democrática deixasse
de ser uma potência, o nosso ideal de liberdade seria para sempre sepultado
36
”.
Em carta datada de 8 de agosto de 1942, H. Bourguiba expressa a sua certeza na
vitória dos Aliados e a sua convicção nas democracias “deixando de lado para o
pós -guerra, o problema da nossa independência
37
”. Em 3 de setembro de 1939,
o sultão do Marrocos assume publicamente posição em favor da França, à qual
ele oferece um “apoio sem reservas”. Numerosos nacionalistas são mobiliza-
dos ou se engajam voluntariamente nas fileiras do exército francês. Em linhas
gerais, a mobilização acontece dentro da ordem e da disciplina. O prolonga-
mento do conflito provoca, de maneira insensível, uma reviravolta no “espírito
público e na disposição dos nacionalistas. O general Weygand, alçado ao posto
de governador -geral da Argélia, nota que a população se mostra indisciplinada,
mal -educada e, por vezes, insolente
38
”. Em 1940, contribuintes se recusam a qui-
tar os seus impostos. Muitos fatores corroboram a retomada e a transformação
dos nacionalismos.
O término dos combates, no ano de 1945, produz efeitos imediatos: a França
e a Inglaterra perdem o seu “capital de intimidação”, adquirido cerca de um
35 C. -R AGERON, 1979, vol. 2, p. 548.
36 R. LE TOURNEAU, 1962, p. 335.
37 Ibid., p. 96.
38 C. -R. AGERON, 1979, vol. 2, p. 553.
58
África desde 1935
século em razão da sua potência e do seu prestígio. Os nacionalistas extraem
deste enfraquecimento um novo aporte à sua audácia e conseguem, graças à sua
capacidade de mobilização, tirar também todas as consequências do desem-
barque anglo -americano e das divisões francesas, ocorridos em Argel, Rabat e
Túnis.
No fim da guerra, eles valorizam a participação dos seus países ao lado dos
Aliados para tornar efetivas as suas reivindicações. O memorando egípcio,
eno remetido por Wafd ao embaixador brinico, relembra, em apoio às
demandas por reformas, a ajuda inestimável” oferecida pelo Egito aos Aliados
durante a guerra. Em 8 de junho de 1942, a declarão de Anthony Eden, no
Parlamento, faz explicitamente referência à contribuão das forças sanusi no
desenrolar da guerra na bia. O general de Gaulle saúda, em 18 de junho de
1943, “o fiel império, ponto de partida para a reabilitação do país
39
”. À parte
alguns sucessos muito limitados, a propaganda do Eixo não logra êxito em
desviar os nacionalistas e a opinião blica do seu engajamento junto aos
Aliados. A política islâmica de Mussolini, bem como a propaganda fascista e
nazista são claramente colocadas em xeque nos países do Magreb; elas encon-
tram algum eco no Egito
40
.
O anticolonialismo das grandes potências é, em contrário, acolhido com
muita esperança. Os nacionalistas evocam, como haviam feito em 1918 com
os quatorze Pontos de Wilson, a Carta do Atlântico (14 de agosto de 1941),
a Declaração das Nações Unidas (1
o
de janeiro de 1941) e a Carta de São
Francisco. Eles tiram partido das tomadas de posição das grandes potências e
interpretam as suas declarações no sentido da emancipação dos povos coloniais.
A Grã -Bretanha e a França manobram para guardar o essencial das suas
posições mas, os nacionalismos colocam em seu proveito as condições nascidas
da guerra para buscar atingir os seus objetivos.
As dificuldades anglo -egípcias nascem do tratado de 1936 cuja aplicação
é reclamada pela Grã -Bretanha. O governo egípcio e os partidos de oposição
afirmam o princípio da não beligerância e buscam reformular o tratado, tentando
obter sua independência. Desde 1940, os meios parlamentares exigem, sem
mais delongas, emendas substanciais ao tratado e ao estatuto dos estrangeiros.
As demandas formuladas pelo Wafd em um memorando dirigido ao sir Miles
Lampson, datado de 1
o
de abril de 1940, são ainda mais radicais
41
.
39 S. VACONO, 1974, p. 52.
40 D. GRANGE, 1974, 1976; J. BESSIS, 1981, p. 403.
41 M. COLOMBE, 1951, pp. 100 -101.
59
O chifre da África e a África setentrional
Os emigrados líbios no Egito organizam o debate sobre o destino do seu país
no fim do conflito (conferências de Alexandria, em 23 de outubro de 1939 e
do Cairo, em 9 de agosto de 1940). Garantias são cobradas junto aos britânicos
por Idrïs quanto à futura independência da Líbia. A declaração de Anthony
Eden prepara o futuro, ao prometer que os sanusi da Cirenaica não recairiam,
em hipótese alguma, sob domínio italiano.
As posições francesas para a Argélia, Tunísia e Marrocos são menos concilia-
doras. Nesses três países, as crises do pré -guerra se renovam e são agravadas por
uma ainda maior radicalização nas reivindicações. O sultão marroquino, encora-
jado pelo diálogo mantido com Roosevelt em 1943, na cidade de Anfa, recebe
em 11 de janeiro de 1944, ao mesmo tempo que o comissário residente geral e os
cônsules gerais dos Estados Unidos e da Grã -Bretanha, o Manifesto do Partido
de Istiklal”, assinado por cinquenta e oito representantes. Ele condena de forma
contundente o regime de protetorado e exige a independência do Marrocos em
sua integridade territorial, sob a égide de Sua Majestade Sïdï Mohammed Ben
Yusuf e “o estabelecimento de um regime democrático comparável ao regime
governamental adotado pelos muçulmanos do Oriente, garantindo os direitos
de todos os elementos e de todas as classes da sociedade marroquina e definindo
os direitos de cada um
42
”. Nas cidades, a palavra de ordem “independência
mobiliza a população, enquanto os representantes franceses expressam a sua dura
oposição. A situação se degrada na noite de 28 para 29 de janeiro em que são
detidos Ahmed Balafredj e M. L. Yazidi, em Rabat, e A. Ben Idrïs e H. Filali,
em Fez. Em 29 de janeiro, os incidentes que eclodem em Rabat são reprimidos
pela tropa; a cidade de Fez é submetida ao estado de sítio no início do mês de
fevereiro. Os incidentes prolongam -se ao longo de todo o mês, produzindo ao
menos quarenta mortos e uma centena de feridos.
A chegada ao poder, em 19 de janeiro de 1942, do bei Moncef (Munsif)
transforma o beilhique em símbolo do nacionalismo tunisiano e origem ao
moncefismo”. Desde o mês de agosto de 1942, o bei Moncef remete ao comis-
sário residente -geral, no intuito de sua transmissão a Vichy, um memorando em
que importantes reformas são exigidas, entre elas algumas se referem à própria
estrutura do protetorado. A atitude do bei Moncef e as reformas por ele plei-
teadas estão na origem do incidente que o opõe ao almirante Esteva, em 12 de
outubro de 1942. Após um segundo incidente no seio do Conselho de Ministros
(30 de dezembro de 1942), ele forma um novo ministério. Pela primeira vez
42 C. A. JULIEN, 1978, p. 190.
desde 1882, um ministério tunisiano toma posse sem a consulta do comissário
residente -geral. Com a sua deposição (14 de maio de 1943) e posterior abdica-
ção (6 de julho), “Moncef interrompia o seu reinado: nascia o moncefismo
43
”. A
sucessão cabe ao Néo -Destour que lança uma proclamação intitulada Para um
bloco franco -tunisiano e redige, em novembro de 1944, o “Manifesto da Frente
Tunisiana”, orientado segundo bases democráticas e direcionado à formação de
uma assembleia nascida de uma consulta nacional.
Na Argélia, o desaparecimento dos partidos políticos cria uma situação favo-
rável a Farhat ‘Abbas que endereça ao marechal Pétain, em 10 de abril de 1941,
um pleito intitulado “A Argélia do amanhã”. O desembarque anglo -americano
permite -lhe relançar a sua ação e inflectir seriamente as suas escolhas políticas.
A primeira redação do Manifesto do Povo Argelino”, datada de 10 de feve-
reiro de 1943, é endereçada às Nações Unidas e remetida ao governador -geral,
Marcel Peyrouton. Uma segunda versão levemente atenuada, é encaminhada
oficialmente, em 31 de março de 1943, a Peyrouton. O princípio essencial do
direito do povo argelino à autodeterminação e a condenação da colonização
são ali manifestados. O adendo ao Manifesto conclama à ressurreição do povo
argelino pela formação de um Estado argelino democrático e liberal, com a
instituição de um direito de observador para a França e a possibilidade de assis-
tência militar dos aliados em caso de conflito”. Em compasso de espera pelo fim
das hostilidades, o adendo apresenta reformas a serem imediatamente realizadas.
No chifre da África, após a eliminação militar da Itália, cabe à Grã -Bretanha
receber as reivindicações, transformadas na forma e no conteúdo. A Eritreia
e a Somália são colocadas sob administração militar. Na Etiópia, os britâni-
cos tentam igualmente instaurar uma administração militar para o período de
guerra. Mas Haïlé Sélassié consegue estabelecer a sua autoridade e salvaguardar
a independência ao menos formal do país.
No Sudão em 1942, o Congresso Geral dos Diplomados submete ao
governo um caderno com doze exigências sociais e poticas, reclamando, por
exemplo: o reconhecimento no final das hostilidades do direito à autodeter-
minação e à afirmão de uma nacionalidade sudanesa; am da crião de
um órgão representativo sudas, encarregado de aprovar a legislão do país.
As reivindicões são rejeitadas, o fracasso gera a crião de duas tenncias
no seio do Congresso. A primeira, dirigida pelos al -Ashikka’ (os Iros de
Sangue), assume nitidamente a proeminência; ela milita por um governo
43 R. LE TOURNEAU, 1962, p. 105.
61
O chifre da África e a África setentrional
 . Sayyïd ‘Abd al -Rahman al -Mahdi em sua partida rumo a Londres, no dia 15 de julho de 1937.
(Foto: AFP Photo, Paris.)
62
África desde 1935
sudas unido ao Egito, sob a égide da Coroa Egípcia. A segunda tendência,
representada pelo Partido Umma (Partido do Povo), reclama a indepenn-
cia amivel perante à Grã -Bretanha e ao Egito. Os dois partidos se apoiam
imediatamente em duas personalidades religiosas. O Partido Umma reúne
os seus partidários atrás de Sayyïd ‘Abd al -Rahman al -Mahdi e da confraria
dos Ansars, herdeiros do Mahdi e intransigentes na queso da total inde-
pendência. Os unionistas encontram -se atrás de Sayyid Alï al -Mirghani e
da confraria dos Khatmiyya.
Em 1944, o Congresso se opõe à instalação do Conselho Consultivo do
norte, presidido pelo governador -geral e por um representante dos interesses
das comunidades africanas e estrangeiras. Os membros do Congresso temem a
exclusão do sul, o que poderia levá -lo a uma independência em separado ou a
uma integração com Uganda. Ademais, o Conselho Consultivo, composto de
funcionários e chefes tradicionais, é considerado não representativo e estrita-
mente dependente da administração.
Os problemas em 1945 -1946
Em todos os países, a Segunda Guerra Mundial cria tamanho turbilhão que
as relações entre as metrópoles e as colônias se tornam incapazes de existir de
forma similar ao vivido no pré -guerra. Este período repercute diretamente na
região do chifre da África e na Líbia, país onde a derrota italiana permite evo-
luções. Conscientes da força dos nacionalismos, as potências coloniais temem
a perda dos países sob a sua tutela. Elas se mostram dispostas a mudanças que
devem, todavia, inscrever -se em um quadro que garanta a sua supremacia e
preserve os seus interesses.
O debate em torno do futuro da Argélia e dos protetorados vizinhos é
aberto desde 1942; ele é definitivamente concluído pela Constituição de 1946.
A ação nacionalista é relançada nos três países do Magreb. No Marrocos, país
onde outras formações políticas se haviam constituído (Partido Comunista
Marroquino, União Geral dos Sindicatos Confederados do Marrocos, Partido
Democrático da Independência), o Istiklal exerce verdadeira hegemonia. Ele
obtém, ainda mais que no pré -guerra, o apoio direto e indireto do sultão Sidi
Mohammed Ben Yusuf. Em 8 de março de 1945, ele pleiteia pelo direito do
Marrocos em ingressar nas Nações -Unidas e endereça um relatório ao comissá-
rio residente, E. Labonne, para o qual não receberá resposta. Em agosto de 1946,
três de seus representantes se dirigem a Paris onde convocam uma entrevista
63
O chifre da África e a África setentrional
coletiva e estabelecem numerosos contatos. Às palavras de ordem independen-
tistas, E. Labonne responde com reformas econômicas e sociais, sem questionar
o proterado.
Na Tunísia, a ofensiva começa no mês de junho de 1946, por ocasião do inci-
dente de Kairouan e da greve desencadeada em Sfax, em 28 de junho, pela União
Geral dos Trabalhadores Tunisianos (UGTT). A Frente Nacional Tunisiana é
formada em 10 de agosto graças à união de todos os partidos tunisianos, aqui
compreendido o Partido Comunista. No dia 23 do mesmo mês, um congresso
dos principais movimentos políticos é interrompido pela polícia, recebida aos
gritos de: “Independência, independência!”.
O confronto é mais brutal na Argélia, país onde eclodem os sangrentos “inci-
dentes” de Sétif, em 18 de maio de 1945. As manifestações organizadas pelos
Amigos do Manifesto e da Liberdade se transformam em rebeliões às quais é
imposta uma severa repressão que perduraria nos dias seguintes, causando ele-
vado número de mortes. No imediato, a jornada de 8 de maio de 1945 provoca
um endurecimento no comportamento da população europeia e do governo
francês, bem como a radicalização dos nacionalistas. Numerosos dentre estes
recusam qualquer ação legal em preparação à luta armada, vista por muitos
como solução inevitável.
Nos anos 1943 -1944, várias declarações francesas (declaração do Comitê
Francês de Libertação Nacional, em 8 de dezembro de 1943, discurso de De
Gaulle em Constantina, em 12 de dezembro de 1943, Conferência de Brazza-
ville, em janeiro -fevereiro de 1944) indicam nas entrelinhas possíveis mudanças.
No imediato pós -guerra, a Constituição de 1946 e a correlata e prevista implan-
tação da União Francesa não resolvem de forma alguma a questão das relações
entre a França e os países do Magreb.
Os termos empregados transformam os protetorados em Estados associados,
definidos no capítulo 6. Eles continuam sob a regência do “decreto que define
as suas relações com a França”, mas podem designar representantes junto a
organismos da União Francesa (Alto Conselho e Assembleia). Na realidade, a
Tunísia e o Marrocos permanecem fora da União Francesa, guardando o seu
estatuto de protetorado sem que os tratados fossem revistos.
A Constituinte não toma decisão alguma no tocante à Argélia, a Assembleia
Nacional discute vários projetos apresentados pelos deputados argelinos. Eles
recusam a assimilação e reivindicam o reconhecimento da personalidade argelina
tanto no quadro de um Estado associado, quanto naquele de uma república,
ou ainda em qualquer outro estatuto que seria previsto por uma assembleia
constituinte argelina, eleita em sufrágio universal. Todos os projetos são postos
64
África desde 1935
à margem e a questão da Argélia é postergada para o ano seguinte. A lei conhe-
cida como “Estatuto da Argélia”, apresentada pelo governo, é adotada em 20 de
setembro de 1947. Ela define a situação político -administrativa da Argélia; a sua
orientação política repele todo risco de autonomia e mantém a preponderância
da minoria europeia
44
.
A guerra tem consequências decisivas na Líbia, provisoriamente adminis-
trada pelos ingleses e franceses antes que as organizações internacionais se
tenham interessado pela “questão líbia
45
.
A derrota germano -italiana permite aos ingleses e franceses compartilharem
a administração do país: a Cirenaica e a Tripolitânia são confiadas aos britâni-
cos e o Fezzan aos franceses. Um regime de ocupação militar é imposto mas, a
URSS levanta protestos em nome do princípio da divisão equitativa das antigas
colônias italianas ou, ao menos, da sua administração comum pelos Aliados. Na
impossibilidade de um acordo aliado, a questão da Líbia deve ser submetida
às Nações Unidas um ano após a entrada em vigor do tratado em que a Itália
renuncia a todas as suas colônias. Em princípio, a ONU deve se pronunciar a
partir de 15 de setembro de 1948.
O nacionalismo epcio choca -se com a posição da G -Bretanha que
ainda defende a criação da Liga dos Estados Árabes na região
46
. É plausível a
chegada do momento da obteão, junto à G -Bretanha, da independência
total do país. Os partidos de oposão não esperam o fim do conflito para
convidar o governo a passar à ação. Em julho de 1945, o Wafd envia ao
embaixador britânico um memorando concernente às aspirações do Egito.
Cinco meses mais tarde, o governo de Nukrashi Pasha pleiteia pela abertura
de negociões. Ele é apoiado pelas alas mais radicais dos estudantes e da
imprensa (manifestações populares no Cairo e em Alexandria). As negociações
anglo -egípcias desembocam em um projeto de tratado em outubro de 1946.
Ele estabelece os limites extremos das concessões britânicas mas, é mal aco-
lhido no Egito onde acontecem manifestações e novos levantes no Cairo. Em
27 de janeiro de 1947, Nukrashi Pasha, incapaz de impor o tratado ao país,
decide romper as tratativas com Londres e levar a questão egípcia ao âmbito
das Nações Unidas.
44 T. CHENNTOUF, 1969, p. 141.
45 P. PICHON, 1945, p. 318.
46 DOCUMENTATION française, 1947.
65
O chifre da África e a África setentrional
A criação da Liga dos Estados Árabes
Malgrado essa derrota, o Egito desempenha um papel central na crião da
Liga dos Estados Árabes. A aspirão por unidade dos países árabes remonta
ao fim da Primeira Guerra Mundial; ela se manifesta no fim dos anos 30 e,
posteriormente, uma vez mais a partir de 1942 com o apoio dos britânicos.
Os objetivos da G -Bretanha e dos nacionalistas árabes são diferentes, dois
projetos são sucessivamente defendidos pela G -Bretanha antes que tenha
êxito aquele sustentado pelo Egito. Após a conferência de Alexandria (25 de
setembro/10 de outubro de 1944), a Carta da Liga é assinada, em 22 de março
de 1945 durante o encerramento da conferência do Cairo, pelo Egito, Síria,
Iraque, Líbano, Transjordânia, Arábia Saudita e Iêmen. Todo novo Estado
árabe independente tem o direito de a ela aderir; os palestinos encontram -se
representados por Musa Alami. Os prinpios relativos à soberania e à não
ingerência são reafirmados e as decisões tomadas, por maioria, não criam obri-
gações senão aos Estados que as tenham aceito. A sede da Liga é fixada no
Cairo e seu primeiro secretário -geral é um egípcio, teórico da unidade árabe.
No chifre da África, a derrota italiana permite o restabelecimento da inde-
pendência etíope, bem como a retomada com a ajuda americana da política de
modernização. No Sudão, uma vez mais, a questão das relações com o Egito
domina a vida política, ao passo que na Somália, afirma -se um nacionalismo
que transcende o fracionamento territorial e político. As reivindicações políticas
são relançadas no Sudão em 1946, por ocasião das negociações anglo -egípcias
tangentes à revisão do acordo de 1936. Os dois partidos buscam um procedi-
mento comum, enviando uma delegação ao encontro do governo egípcio com
vistas a expor -lhe um programa para um governo sudanês democrático, unido
ao Egito e aliado à Grã -Bretanha. Após a resposta negativa apresentada pelo
Egito, os representantes do Partido Umma deixam o país. A Grã -Bretanha,
interessada em manter uma presença militar e econômica no Sudão, encoraja
a autonomia sudanesa. A Constituição de 1948 é redigida; ela comporta uma
Assembleia Legislativa eleita em sufrágio universal e um Conselho Executivo
com ministros sudaneses. O Partido Umma participa da política em prol da
autonomia do Sudão, ao passo que os al -Ashikka boicotam as eleições legis-
lativas; as rebeliões que eles organizam, nas grandes cidades, são reprimidas e
seu líder, Isma´il el -Azhari, é preso. O Partido Umma controla a Assembleia
Legislativa e se beneficia da sua preponderância no Conselho Executivo. Apesar
de guardar o direito de veto e sustentar certa reserva em algumas matérias, o
governador -geral controla estritamente o sistema político.
66
África desde 1935
A Etiópia reencontra em 1945 a sua situação de Estado africano indepen-
dente. A retomada da política de modernização não logra mascarar uma difícil
situação político -econômica. O país, então com 20 milhões de habitantes, apre-
senta níveis econômicos medíocres. O rendimento anual médio atinge, em 1957,
em torno de 30 dólares americanos, segundo estatísticas das Nações Unidas.
A população é essencialmente rural e a agricultura abrange 75% da produção.
Os progressos alcançados dizem respeito à prospecção geológica e ao sistema
hidroelétrico; indústrias de transformação e do setor cimenteiro iniciam as
suas atividades. No domínio da educação, desde o fim da guerra, novas escolas
secundárias são abertas em Adis -Abeba, contando com programas e um corpo
docente calcados no modelo europeu. Jovens etíopes são enviados ao estrangeiro
para continuar os seus estudos. A questão da Eritreia permanece pendente até
1952. O país é colocado sob administração britânica, durante e após a guerra. O
seu destino final forma o tema de vários projetos levados ao âmbito das Nações
Unidas mas, a região é integrada à Etiópia, gozando de uma ampla autonomia,
graças à uma constituição federal.
O problema da unidade territorial e política é ainda mais agudo na Somália.
Em 1946, a população está espalhada pelo Distrito Norte do Quênia, pelas pro-
víncias etíopes do Haud e do Ogaden, e pela Somália francesa, italiana e britânica.
A Costa Francesa dos somalis torna -se, após escrutínio eleitoral, território de
além -mar, com uma assembleia local e uma representação parlamentar em Paris.
O restante da Somália é administrado pela Grã -Bretanha. A Liga da Juventude
Somali, constituída no imediato pós -guerra, desenvolve o seu recrutamento nas
cidades. Ela exige a criação de uma Grande Somália, unindo a Somália italiana,
o Ogaden etíope, o Somaliland e a Somália francesa. O projeto é apoiado pela
Grã -Bretanha mas, declina rapidamente em razão da atitude das Nações Unidas.
No tocante à gênese da África contemporânea, as crises e transformações da
década 1935 -1945 são decisivas; a suas consequências prolongam -se, em alguns
casos, até os dias atuais. Em uma perspectiva ampliada, dois dados fundamentais
da África contemporânea emergem com evidência no curso dessa década: o
subdesenvolvimento e os nacionalismos. Os anos do pré -guerra e a guerra não
constituem o ponto de partida, nem do subdesenvolvimento e tampouco dos
nacionalismos cujas raízes são mais antigas e complexas mas, tanto um quanto
o outro, emergem com a aceleração dos seus processos formativos.
C A P Í T U L O 3
67
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
A África tropical e equatorial sob domínio francês, português e espanhol
estendia -se das ilhas do Cabo -Verde, no Atlântico, ao litoral do Oceano Índico,
em Moçambique. As colônias francesas formavam um bloco contínuo, englo-
bando diversos enclaves britânicos de diferentes extensões. As colônias portu-
guesas compreendiam três territórios continentais e dois arquipélagos, muito
distantes uns dos outros. A colônia espanhola situada ao sul da região unia o
Rio Muni, em terra firme, e a Ilha de Fernando Poo; a sua porção ao norte
controlava a Costa Saariana.
O período dos anos de 1935 a 1945 foi chamado a idade de ouro da coloni-
zação” e considerado como o apogeu da era colonial. Mas, essas denominações
conferem uma falsa impressão da real situação, esta soi -disantidade do ouro”,
na realidade, termina impreterivelmente durante a Grande Crise econômica
dos anos 30
1
.
Talvez fosse mais exato dizer que os anos de 1935 a 1945 tenham consti-
tuído a “década de ouro” do extremismo de direita na Europa. Foram os anos
do triunfo e posteriormente do ocaso da ambição fascista. As colônias das
quatro potências imperiais europeias foram profundamente afetadas pelas
tendências fascistas que haviam se expandido em suas respectivas metró-
1 A crise da colonização está denitivamente aberta”, assim escreve A. SARRAUT, 1931, p.219, citado
por J. SURET -CANALE, 1964, p. 567.
A África tropical e a África equatorial sob
domínio francês, espanhol e português
Majhemout Diop com a colaboração de David Birmingham,
Ivan Hrbek, Alfredo Margarido e Djibril Tamsir Niane
68
África desde 1935
poles mas, de diversas e muito complexas formas. Os impérios da Ilia, de
Portugal, da Espanha e da França haviam sofrido os traumatismos de uma
Europa em guerra consigo mesma. Neste contexto a África não foi uma
tima passiva.
O fascismo conduziu à invasão da Etiópia pela Itália e à resistência da África
a esta agressão (1935 -1941). Estes acontecimentos também são abordados no
presente volume, o capítulo em curso trata da evolução das colônias portuguesas,
espanholas e francesas.
Em meados dos anos 30, a Espanha se encontrava rasgada pela guerra civil.
Portugal via se consolidar uma ordem política fascista que reinaria da chegada
ao poder de Salazar em 1932 até o Golpe de Estado do general Snola, em
Lisboa no ano de 1974. A França estava ocupada pela Alemanha nazista em
1940 e o regime de Vichy colaboraria com o nazismo aa libertão do ps,
em 1944.
Este capítulo tratará, de forma parcial, a natureza do imperialismo europeu
na “década de ouro” do fascismo europeu. Quais teriam sido para os impérios
português, francês e espanhol, as repercussões do desenvolvimento do extre-
mismo de direita, de 1935 a 1945?
Em Portugal, este período corresponde à estabilizão de uma ditadura
de direita que agravaria uma política colonial particularmente repressiva.
A divisão da França, sob o regime de Vichy, criou elos instáveis no Império
francês da África. O triunfo do general Franco concedera novas orientações
à potica colonial espanhola na África: de política negligente sob a monar-
quia, ela se transformara em uma forma mais perniciosa de exploração. Após
a guerra civil na metrópole, o caráter racista do imperialismo espanhol se
acentuara fortemente.
Este capítulo pretende mostrar que a década fascista, 1935 -1945, teve maior
impacto sob o nacionalismo africano que sobre a natureza do imperialismo euro-
peu. Se as políticas coloniais da França e dos Estados ibéricos se degradaram
sob a direção fascista de Salazar e Franco e sob o regime de Vichy, entretanto,
a mudança mais contundente foi a reação da África a estas políticas. A década
de 1935 -1945 configurou um importante ponto de inflexão para a história da liber-
tação da África, muito mais que um momento decisivo para o próprio imperialismo
europeu. A era fascista nada mais foi senão um novo parágrafo da história dos
impérios europeus, mas ela inaugurou um novo capítulo nos anais do naciona-
lismo africano.
Mas, qual teria sido a natureza da reação da África frente às tendências
fascistas e imperiais deste período? A resistência da África manifestou -se sob
69
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
diversos aspectos − político, militar, econômico e cultural. Politicamente, os idos
de 1935 -1945 foram marcados pelo desenvolvimento do nacionalismo moderno,
pela aparição de novos níveis de consciência política, pelos balbuciamentos de
organizações políticas modernas e pelo nascimento de jornais nacionalistas,
como o Correio do Golfo de Benin.
Militarmente, os africanos participaram como soldados na luta contra as
ditaduras fascistas da Europa – embora sujeitos coloniais, eles eram explorados
por ambas as partes do conflito europeu. Por vezes, foi possível que africanos ao
mesmo tempo se armassem contra os seus mestres coloniais.
Culturalmente, a resistência africana tomou por vezes um caráter religioso.
Nós ilustraremos mais adiante esta tendência, relembrando o caso dos mourides
do Senegal e o papel dos discípulos de Shaykh Hamahullah no Sahel. Estes dois
movimentos haviam aparecido anteriormente mas ganharam amplitude durante
a década de 1935 -1945.
Todavia, o islã não foi a única religião a trazer uma resposta africana à era
do fascismo. O cristianismo e as religiões tradicionais africanas também se
revestiram em certos momentos de uma coloração política. Convém notar, par-
ticularmente, a natureza andrógena das crenças tradicionais. Pastoras e padres se
manifestaram diante das pressões da mudança social. Sob o efeito das dificulda-
des econômicas desta década do fascismo, os Joola (Diola, Jola e Djola) da baixa
Casamansa se sublevaram durante um breve período contra a ordem colonial,
sob a direção da pastora Aline Sitoé. Uma vez mais, a cultura africana estava
diante da exigência de responder ao desafio da injustiça colonial. Retomaremos
posteriormente o tema da rebelião de Aline Sitoé.
No tocante à resistência econômica da África, ela se traduziu pelo nasci-
mento de sindicatos e de movimentos cooperativistas modernos, bem como
pela reivindicão de uma parte mais equitativa da prodão de suas econo-
mias nascentes.
A Segunda Guerra Mundial consistiu, portanto, um acontecimento decisivo,
o catalisador de uma radical transformação. A África que emergiu do conflito
era bem diferente da miragem de tranquilidade que lá viram seus colonizadores.
Deste ponto de vista, a década de 1935 -1945 corresponde não ao apogeu do
colonialismo mas ao começo da sua decadência.
Qual seria então a natureza da dominação colonial durante esse período?
Como os diferentes impérios europeus estariam eles organizados? Qual seria a
estrutura do imperialismo? É mister primeiramente responder a estas questões
fundamentais.
70
África desde 1935
A política colonial da França
Durante o período considerado, as possessões francesas estavam reunidas em
duas federações de colônias e em territórios sob mandato. A África Ocidental
Francesa (AOF), de superfície correspondente a 4.633.985 km
2
, compreendia
o Senegal, o Sudão francês (atual Mali), a Guiné francesa, o Alto -Volta (atual
Burquina Fasso), a Costa do Marfim, o Daomé (atual Benin), o Niger e a Mau-
ritânia e tinha como capital federal a cidade de Dakar. A África Equatorial fran-
cesa (AEF), cuja extensão era de 2.510.000 km
2
e a capital Brazzaville, reunia as
colônias do Congo -Médio (atual Congo), do Chade, de Oubangui -Chari (atual
República Centro -Africana) e do Gabão. Os dois territórios sob mandato eram
Camarões (432.000 km
2
) e Togo (57.000 km
2
), possessões tomadas da Alema-
nha logo após a Primeira Guerra Mundial, partilhadas entre a Grã -Bretanha e
a França, e postas sob mandato da Sociedade das Nações (SDN).
O sistema colonial francês estava fundado em uma administração centra-
lizada e direta; um governador -geral, representante do ministro das colônias,
estava na direção de cada agrupamento de territórios; os territórios sob mandato
eram administrados por um alto -comissário da República. Diferentemente das
colônias, nestes territórios sob mandato não havia alistamento militar e à França
cabia apresentar à SDN um relatório anual da sua administração.
Durante boa parte da década, os governadores -gerais e os alto -comissários
governariam por decreto, tomados por sua conta própria ou procedentes dos
decretos de autoridades governamentais francesas; eles eram assistidos por
um Conselho de Governo de papel puramente consultivo. Além disso, este
Conselho era formado por alto -funcionários diretamente subordinados ao
governador -geral ou ao alto -comissário, dos quais eles eram colaboradores pró-
ximos, tais como: o secretário -geral que podia assegurar o ínterim na ausência
do governador -geral; o comandante superior das tropas coloniais; o procurador-
-geral; e os diretores -gerais dos serviços federais (finanças, saúde e educação).
O governador -geral detinha poderes muito amplos: “Nenhuma lei, nenhum
decreto, mesmo que especialmente tomados para o grupo de colônias conside-
rado, não são aplicáveis antes de terem sido promulgados pelo governador -geral
por decreto
2
.” Ele possuía não somente a autoridade sobre a administração mas
também dispunha de uma força armada. Ele nomeava e revogava a seu bel-
-prazer. Tratava -se verdadeiramente de um pró -cônsul.
2 J. SURET -CANALE, 1964, p. 388.
71
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
Em Dakar, Brazzaville, Lomé e Yaoundé, os governadores -gerais e os alto-
-comissários eram assistidos por repartições que asseguravam serviços gerais. As
mais importantes eram as direções de assuntos políticos, de finanças, de traba-
lhos públicos, de educação, dos assuntos econômicos e da saúde. Graças a estes
serviços, o governador -geral acompanhava regularmente a vida administrativa
das colônias. A África -Equatorial, reagrupando somente quatro territórios e
dispondo de parcos meios de comunicação, era tendencialmente considerada
como uma colônia única. Muito frequentemente, o governador -geral assegurava
também as funções do governador do Congo -Médio; ele nomeava delegados ou
comandantes superiores no Gabão, no Chade e em Oubangui -Chari.
Na direção de cada colônia encontrava -se um tenente -governador colocado
sob as ordens do governador -geral. Ele contava em seu entorno com um conselho
administrativo similar ao Conselho de Governo. Ele era o chefe administrativo
da colônia, dirigente dos serviços especializados correspondentes aos serviços
federais. No interior do país, ele era representado por administradores das colô-
nias, denominados comandantes de círculo, pois cada colônia estava dividida em
um número variável de unidades territoriais, chamadas circunscrições ou círcu-
los; a África -Ocidental contava com uma centena e a África -Equatorial com
por volta de cinquenta destas unidades. No Camarões e no Togo, o território
era dividido em circunscrições – de 60 a 70 para o primeiro e uma dezena para
o segundo
3
. A administração era garantida, na base da sua estrutura, por chefes
de Cantão e chefes de comunidade. Em princípio, as antigas famílias reinantes
garantiam estas funções mas, na realidade, estes chefes eram somente auxiliares
cujo papel consistia, essencialmente, em executar as ordens recebidas do coman-
dante de círculo; eles podiam igualmente ser escolhidos no exterior das famílias
reinantes. Antes de 1914, os teóricos da colonização pensavam em estabelecer
uma rede de funcionários com autoridade, em todos os níveis, suprimindo assim
toda intermediação de autóctones. Este projeto foi abandonado no momento da
supressão de numerosos postos durante a guerra
4
.
A burocracia absorvia a maioria dos administradores coloniais: em lugar
de servir in loco, eles lotavam os escritórios das capitais cantonais. Em 1937,
computavam -se 385 administradores dos quais metade estava em atividade nas
capitais cantonais. Esta burocratização afetava até mesmo os círculos em que, ao
3 A denominação “círculos” prevaleceu na AOF -Togo, ao passo que em 1934, as 49 circunscrições da AEF
foram reduzidas a 20 e batizadas “departamentos”; no Camarões, o território foi recortado em regiões,
entre 15 e 20, compreendendo de 60 a 70 subdivisões. Consultar J. SURET -CANALE, 1964, p. 391.
4 Ibid., p. 392.
72
África desde 1935
invés de efetuar viagens de controle, os administradores passavam o seu tempo
a redigir relatórios. Se os primeiros administradores se dedicavam a conhecer o
seu” país e até mesmo escrever livros a respeito, após a Primeira Guerra Mun-
dial, os administradores formados na Escola Colonial possuíam sobre o lugar
apenas uma formação teórica. Em razão disso, havia cada vez menos especialistas
e cada vez mais burocratas intercambiáveis,aplicando os mesmos princípios e
os mesmos métodos, tanto em Agades quanto em Sassandra
5
”, em nada preo-
cupados com as realidades locais.
O comandante de círculo era o principal representante do poder colonial
conhecido pelos africanos. Tratava -se de um déspota local em um sistema des-
pótico. Ele era, simultaneamente, chefe político, chefe administrativo, chefe da
polícia, procurador -geral e presidente do “tribunal indígena”. Ele prescrevia o
imposto de capitação, controlava o recebimento das taxas, exigia o trabalho
forçado, confiscava as culturas de exportação, mobilizava o trabalho obrigatório
e impunha o serviço militar. Ele era julgado em função dos benefícios obtidos
para a França e não, em contrário, pelos serviços que ele viesse a oferecer aos
africanos. A sua preocupação não era atender às necessidades dos autóctones
mas, em oposição, tratava -se de zelar pelos interesses das câmaras de comércio
e das grandes empresas, capazes de impor métodos pouco ortodoxos aos gover-
nadores e administradores.
Uma administração que não levasse em conta os interesses da população,
quase inexoravelmente, desembocaria na opressão política. O comandante de
círculo e o chefe de Cantão provocaram profundos traumatismos no meio rural.
A cobrança do imposto de capitação, o recrutamento de soldados ou o trabalho
forçado, esgotaram o meio rural. Os chefes de comunidade constituir -se -iam
em simples fantoches e posteriormente em agentes implacáveis da exploração.
Se o imposto não fosse arrecadado, eles eram destituídos e encarcerados. Por
outra parte, se eles obtivessem “êxito”, aos olhos de seus mestres coloniais, seriam
detestados pelos seus os camponeses.
O advento do governo da Frente Popular na França, em junho de 1936,
não trouxera relevantes mudanças ao sistema colonial. Diante da necessidade
de enfrentar, por toda parte, fortes tendências de direita, o governo socialista
proclama a necessidade “de extrair do sistema colonial o máximo de justiça
social e de potencial humano
6
”. Ele recomendava algumas reformas mas, sem
5 Ibid., p. 394.
6 Ministro das colônias, Marius Mouter, nota não datada, Arquivos Nacionais da França, Seção Além -Mar,
AFF. Polit. PA 28/1.
73
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
indicar os meios necessários à sua realização. No momento da queda da Frente
Popular, suas modestas ideias reformistas não haviam encontrado nenhum eco
favorável na África colonial.
A estrutura fundamentalmente dirigista da administração colonial se com-
bina com um sistema de consulta em que as aparências democráticas se presta-
vam, sobretudo, a mascarar o autoritarismo. O sistema democrático das comunas
mistas, das comunas indígenas”, dos conselhos de notáveis e das quatro comu-
nas urbanas do Senegal, formava um conjunto de relações sistematicamente
manipulado pela administração. Com efeito, somente uma ínfima minoria da
população participava das consultas. O número de eleitores nas comunas do
Senegal (Saint -Louis, Dakar, Gorée e Rufisque) não ultrapassava em hipótese
alguma 10.000 indivíduos. Nas regiões rurais, o conselho de notáveis preparava
as pesquisas de recenseamento e coletava o imposto de capitação, ele o fazia por
ordem do governo e não na qualidade de representante do povo.
A política colonial de Portugal
Em Portugal, a política colonial tomará outros rumos em 1930, ocasião em
que António Salazar, conselheiro financeiro do regime militar que em 1926
derrubara a república liberal, se torna ministro dos assuntos coloniais. Uma das
suas principais medidas visava criar uma ditadura civil semifascista o Estado
Novo ela consistia em subordinar os interesses econômicos das colônias aos
interesses da metrópole. Para enfrentar a grande crise econômica mundial e a
interrupção do fluxo de remessas de fundos dos portugueses de além Atlântico,
Portugal reduziria radicalmente os serviços da administração metropolitana e
imporia com todo o rigor uma nova política cujo objetivo era extrair a riqueza
da África. Nem o Estado e tampouco a iniciativa privada possuíam recursos
destinados a investimentos na África. A exploração colonial estava portanto
fundada sobre as mais simples práticas, entretanto as mais duras, relativas ao
trabalho forçado, à taxação obrigatória da produção agrícola e à venda, para
a África do Sul, de contratos de trabalhadores migrantes. Era Lisboa quem
determinava a conduta global da política colonial. O sistema era semelhante
ao sistema francês, contando com uma hierarquia administrativa comportando
desde o governador -geral até os chefes de circunscrição, todos submetidos às
leis e diretrizes decididas pelo governo de Lisboa e dotados de poderes similares
àqueles dos seus colegas franceses. Autocrata e antidemocrata na metrópole, o
“fascismo português reforçava os métodos dirigistas em vigor nas colônias.
74
África desde 1935
Mesmo antes da era fascista, Portugal geralmente praticara na África uma
política de segregação, sobretudo após 1910. Esta política relegava o autóctone
ao fundo da estrutura social. Os “indígenas” tal como nas possessões fran-
cesas tinham poucos direitos e estavam submetidos ao trabalho obrigatório
cujo caráter representava, por pouco que não, a continuação da escravatura. A
ausência de inovação caracterizava singularmente as colônias portuguesas que
também suportavam uma exploração mais intensa. Com exceção de capitais
regionais como Bissau, Luanda e Lourenço Marques e subtraindo um pequeno
número de outras cidades onde tal desenvolvimento industrial ocorrera, o inte-
rior do país se mantinha como um reservatório onde se explorava o trabalho
forçado, especialmente por intermédio dos mercadores brancos que compravam
as colheitas dos camponeses.
A década de 1935 -1945 assim se configurou nas colônias portuguesas,
marcada pela crise econômica, pelo endurecimento do regime fascista e pela
Segunda Guerra Mundial.
No que diz respeito às ilhas de Cabo Verde, a grande crise econômica mun-
dial traduziu -se pelo retorno de muitos milhares de trabalhadores imigrados,
repatriados pelos Estados Unidos. Estes imigrantes haviam trazido ao país os
fundos poupados no Novo Mundo. Entretanto, o arquipélago era muito pobre
e grande número de cabo -verdianos foram obrigados a retomar o caminho do
exílio, a sua preferência naturalmente recaiu sobre os países da América Latina,
na espera pelo momento da sua instalação nos Estados Unidos. Pouco antes
do início da Segunda Guerra Mundial e posteriormente à grande seca que
se abateu sobre as ilhas, uma corrente migratória dirigir -se -ia rumo a Dakar,
onde os homens exerciam a profissão de sapateiros, sucateiros, cabeleireiros, ao
passo que as mulheres tornavam -se domésticas. Uma nova grande seca, entre
1941 e 1942, produziu 20.000 mortos em uma população de 180.000 habitan-
tes. Embora seu país não fosse considerado uma colônia regida pelo sistema de
indigenato”, nesse período os cabo -verdianos rapidamente tomaram consci-
ência que, na realidade, eles não eram integralmente portugueses. No exército
português, apesar dos regulamentos, eles sequer podiam aceder ao posto de
furriel; este exército, estacionado nas ilhas durante a guerra com importantes
reservas de alimentos, nada fez para socorrer os famintos cuja morte ocorreu
em ausência de qualquer assistência. Irônico detalhe, a construção em Tarra-
fal de um campo de concentração para inimigos do regime salazarista, após
1936, garantiu trabalho a numerosos habitantes. A sua condição de cidadãos
portugueses e o seu nível de instrão relativamente elevado, lhes permitiram
entretanto procurar emprego na Guiné portuguesa e em Angola, onde alguns
75
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
deles viriam desempenhar posteriormente um papel determinante na luta de
libertação.
Cinderela das colônias portuguesas durante esta década, a Guiné conheceu
poucos progressos; a exportação do amendoim, cultura dos pequenos agriculto-
res, não aumentava senão lentamente em razão da erosão contínua das terras, e
os esforços empreendidos para introduzir o trabalho obrigatório seriam solapa-
dos pela fuga de populações rumo ao Senegal ou à Guiné francesa. A influência
do Cabo -Verde sempre maior que aquela de Portugal se manifestou pela
imigração dos cabo -verdianos, não somente como auxiliares da administração
mas, também, na qualidade de pequenos agricultores ou artesãos.
No sistema português, as ilhas de São Tomé e Príncipe representavam a colô-
nia de plantação por excelência; uma trintena de companhias dividia entre si a
maior parte das terras cultivadas enquanto a administração colonial era somente
seu instrumento, preocupada principalmente em lhes prover a mão de obra
necessária às suas atividades. Este problema agravou -se sob o regime fascista.
Os autóctones repugnavam o trabalho nas plantações e foi preciso trazer mão
de obra de Angola e de outras colônias, entretanto esta operação mostrava -se
de mais em mais difícil: entre 1920 e 1940, o número de trabalhadores caíra de
40.000 para 30.000 indivíduos. No mesmo período, com a baixa da fertilidade
natural das terras e em consequência deste quadro, aconteceu uma forte que-
bra das exportações de cacau e as ilhas perderam a sua posição privilegiada no
mercado mundial deste produto, constituindo assim uma nítida ilustração da
ineficácia do regime português.
Situação semelhante aquela de Angola e Moçambique: a queda nos preços
dos produtos coloniais era duramente sentida por todos, sobretudo, pelos peque-
nos proprietários africanos mas também pelos grandes agricultores. O Portugal
de Salazar não tinha os meios para desenvolver a economia: ele reservara a
tarefa do investimento às grandes companhias de capital supranacional, espe-
cialmente no tocante à exploração mineral. Em Moçambique, a maior parte da
renda era extraída da mão de obra anualmente enviada rumo à África do Sul,
às dezenas de milhares de homens, com vistas ao trabalho nas minas de ouro
do Witwatersrand.
A situação de dominação colonial não oferecia aos africanos possibilidade
alguma de escaparem ao duplo controle, da administração e dos colonos, os quais
formavam uma frente contra os autóctones. Desde 1933, o ministro das colônias,
Armando Monteiro, sublinhara a importância social das colônias, sugerindo a
transferência massiva dos proletários brancos, desempregados na Europa, rumo
à África, poupando assim as metrópoles da contestação operária e, pela mesma
76
África desde 1935
ocasião, assegurando o branqueamento” da África portuguesa. Tratava -se da
filosofia fascista sob nova roupagem.
Entretanto, esta política de imigração foi entravada pela pobreza dos colonos,
desprovidos de conhecimentos técnicos e de capitais. Eles não podiam sobrevi-
ver senão explorando ao extremo a população autóctone, sendo levados a ocupar
os mais modestos empregos, bloqueando o acesso dos africanos aos escritórios,
à administração e até mesmo às usinas. A situação colonial criava assim, entre
africanos e europeus, uma potente barreira social que reforçou e justificou a
barreira da coloração da pele.
Para melhor assegurar a sua dominação, o regime de Salazar teve que encon-
trar aliados. O acordo sobre as missões, assinado com a Santa - em 1939,
desdobrar -se -ia em uma concordata no ano seguinte: as missões católicas se
tornaram o braço do Estado na educação da população africana. Isto não trouxe
nenhum efeito maior ou mais grave a São Tomé e Príncipe e tampouco ao Cabo-
-Verde mas, criou dificuldades constantes para a Guiné, onde a população, ape-
gada às tradições e reforçada pela importante presença do islã, resistiu a tentativa
de catolicização da colônia. As missões receberam alguns subsídios do Estado
mas foram obrigadas a financiar a tarefa à qual elas se haviam proposto um
mínimo de escolarização contando com os donativos obtidos junto aos crentes.
A política colonial da Espanha
Nas colônias espanholas, a situação não era de todo mais brilhante com-
parativamente às colônias portuguesas. A Espanha não tinha política colonial
adaptada aos territórios da África tropical. A velha administração monarquista
tinha por muito tempo oferecido a sua preferência primeiramente à Cuba e,
em seguida, ao Marrocos. Antes da guerra civil, a África equatorial não possuía
existência administrativa autônoma, lhe faltava portanto uma orientação polí-
tica própria. A política africana da monarquia se caracterizava, na melhor da
hipóteses, por uma indulgente negligência na Guiné espanhola, onde a situação
variava de território a outro: a ilha de Fernando Poo praticava uma agricultura
essencialmente voltada para a exportação, ao passo que no continente, o Rio
Muni (atual Guiné equatorial) não produzia nada além de madeiras tropicais.
A política agrícola em Fernando Poo criação de plantações de cacau era
inspirada na colonização portuguesa de São Tomé mas, ela foi contrariada pela
recusa, por parte dos autóctones, os Bubi, em trabalharem. A atividade agrícola
era, por conseguinte, dependente dos trabalhadores importados. Após um escân-
77
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
dalo, vindo à tona em 1930, e depois da intervenção da Sociedade das Nações, o
tráfico dos trabalhadores kru da Libéria − forma travestida de escravatura − fora
restringido e finalmente interrompido.
Durante a guerra civil, o governo republicano e as tropas fascistas de Franco
se enfrentaram ao mesmo tempo no Saara e no rio Muni. Ao obter o poder,
Franco trouxera algumas modificações de ordem orçamentária para a adminis-
tração das colônias, dando autonomia para a Guiné equatorial e o Saara espa-
nhol. O regime franquista se interessava mais pela Guiné, investindo nela para
extrair lucros, impondo -lhe ao mesmo tempo um regime opressivo e racista. A
versão espanhola do fascismo antecipava seu dízimo nas colônias.
A Segunda Guerra Mundial
A Segunda Guerra Mundial rompeu o silêncio envolvendo a política colo-
nial nos anos 30 e lançou a África em uma nova tormenta. O conflito acelerou
a evolução de atitudes que haviam começado a mudar. Particularmente, na
África francesa, novas políticas se desenhavam. Os domínios português e espa-
nhol haviam permanecido muito à margem desta evolução, a península ibérica
não se encontrava diretamente engajada na conflagração mundial.
Os sujeitos franceses das colônias estavam, uma vez mais, submetidos ao
recrutamento e ao alistamento militar. A França gozava de uma longa tradição
na utilização de tropas negras, no curso da Primeira Guerra Mundial soldados
africanos haviam combatido em seu nome por todas as frentes. A partir de 1930,
15.000 homens foram recrutados anualmente e incorporados aos regimentos de
tirailleurs sénégalais [Soldado pertencente a certas tropas de infantaria, fora do
território metropolitano, formadas de autóctones enquadrados por franceses],
incorporando todos os soldados negros das possessões francesas, sem distinção
de origem. Em 1939 -1940, um contingente de 80.000 indivíduos foi enviado
à França e 100.000 outros soldados africanos atravessaram o mar entre 1943 e
1945 para combaterem na Itália e mais além. Para a África negra, entretanto,
o esforço de guerra não consistia somente em fornecer soldados mas, também,
em prover matérias -primas e gêneros alimentícios, escassos na produção da
população local onde as condições eram por vezes dramáticas.
Na África, a França estava dividida pela guerra. A III
a
República desapare-
cera logo após a derrota de junho de 1940 e se formara em Vichy um estado
de caráter fascista, dirigido pelo marechal Pétain, condutor de uma política de
colaboração com os alemães. O seu rival, o general Charles De Gaulle, lançaria
78
África desde 1935
um chamado de continuidade da guerra, ombro a ombro com a Grã -Bretanha,
em nome da “França livre”. É precisamente na África que o enfrentamento
entre o regime de Vichy e a França livre tomaria contornos muito agudos. A
África -Ocidental e o governador -geral Boisson proclamariam sua fidelidade
a Vichy, enquanto a África -Equatorial, após muita hesitação, tomaria partido
favorável a Félix Éboué, administrador negro originário da Guiana francesa e
governador do Chade, o qual se aliaria ao general De Gaulle e seria seguido
pelo Camarões, pelo Congo e pelo Oubangui -Chari. O coronel Leclerc seria
obrigado, contra os vichystas, a reconquistar o Gabão que se retratara. Britânicos
e gaulistas tentariam conquistar Dakar mas fracassariam e a África -Equatorial,
onde Ébose tornara o governador -geral, constituíra -se na principal base
territorial da França livre.
O esforço de guerra não trouxe benefício a nenhuma das duas confederações
francesas. Isoladas da metrópole, as colônias quase não recebiam nenhum pro-
duto manufaturado, salvo através do mercado negro. Nas regiões agrícolas, os
camponeses eram forçados a fornecer cereais. Nas regiões de floresta, a obrigação
de prover borracha assolava os campos. Com efeito, na ausência de cultura de
hévea, a população era obrigada a buscar muito longe, nos confins da mata, os
cipós de borracha, atividade que dizimou muitos nativos em razão dos ataques
de serpentes e das doenças. Nas cidades desse período, cadernetas de raciona-
mento eram entregues aos europeus e aos negros assimilados, “vivendo à euro-
peia”. Bens de consumo chegavam ocasionalmente, provenientes das vizinhas
colônias britânicas. A discriminação atingia, igualmente, os produtores: o cacau
era pago aos africanos em valor correspondente a 2,60 francos por quilo, quanto
aos europeus se lhes era ofertado o valor de 4,50 francos pelo mesmo volume.
Ademais, os brancos estavam dispensados do trabalho forçado, enquanto
comunidades inteiras de negros podiam ser compelidas a trabalhar na recons-
trução de estradas ou em plantações de propriedade dos brancos.
A título de exemplo, seguem as obrigações que pesavam sobre um círculo
administrativo da Guiné: Atualmente, o círculo fornece: 490 operários para a
estrada de ferro Conakry -Niger; 80 operários para a plantação Baro (círculo
de Kankan); 80 operários para a plantação Delsol; 15 operários para bananais
africanos; 40 operários para os bananais de Linkeny; 200 operários para as
obras públicas de Kankan; 100 operários para a carvoaria de Conakry; 100
operários para o trabalho de reconstrução das estradas. Total: 1.105. Trata -se
de uma carga pesada para o círculo; muitas deserções ocorreram em razão da
repulsa do indígena do círculo em trabalhar para outrem, mesmo quando pago
e alimentado (sic), eis a razão das frequentes reclamações da CFCN [Estrada de
79
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
Ferro Conakry -Niger] e dos produtores agrícolas. Todo desertor capturado deve
ser conduzido perante o tribunal de primeira instância (artigo 28 do Código
Penal Indígena)
7
.”
Em 1942, os Joola da baixa Casamansa se revoltaram contra esses excessos,
conduzidos pela pastora Aline Sitoé que protestava contra o fato dos agentes do
comandante exigirem dos camponeses um volume de arroz superior ao que eles
realmente eram capazes de produzir. Tropas intervieram e muitos Joola foram
mortos. Aline Sitoé fora exilada em Tombuctu juntamente com seus principais
tenentes. Ela “morreria”
8
. Ali, como alhures, a produção baixara. A mão de
obra era rara em razão do recrutamento e do alistamento militar mas, também,
porque a população fugia dos agentes da colonização francesa e buscava refúgio
nas vizinhas colônias, britânicas e portuguesas.
No Senegal, as exportações de amendoim que haviam atingido 580.000
toneladas na véspera da guerra, decaíram para 174.500 toneladas em 1941. Foi
necessário proceder a um recrutamento massivo de navetanes ou trabalhadores
temporários, em países vizinhos como a Guiné francesa e o Sudão francês, para
que a produção atingisse 429.000 toneladas, em 1945
9
. A guerra sofreu um feliz
contragolpe no Senegal: como prelúdio de uma assaz tímida industrialização,
uma fábrica de óleo vegetal lá fora criada pela empresa francesa Lesieur, à qual
se concedera a autorização para a construção de uma olearia em Dakar; a sua
produção atingiu, em 1941, o patamar de 40.000 toneladas. O governo recebeu
solicitações de outras indústrias no sentido da obtenção de autorização para a
abertura de usinas e, apesar da impropriedade e o conservadorismo adminis-
trativos, o movimento estava inclinado em direção a uma nova auto -suficiência
econômica. Desta forma,apesar da oposição dos industriais metropolitanos, a
indústria do óleo se desenvolveu no Senegal, após a penúria de matéria -prima
oleaginosa, inerente ao estado de guerra e à falta de transporte
10
”. Nas regiões
úmidas, ao longo da costa, algumas culturas de exportação afundaram, como a
produção de banana, enquanto outras como o café ou o algodão progrediam.
O poder de compra dos africanos, no entanto, estava arruinado pelos preços
extremamente baixos dos produtos de exportação e pelos elevados preços dos
produtos importados.
7 Arquivos de Kouroussa (Guiné), relatório político de 25 de agosto de 1942, citado por J. SURET-
-CANALE, 1964, pp. 580 -581.
8 L. V. THOMAS, 1958, vol. 1, p. 22 e subsequentes.
9 J. SURET -CANALE, 1964, p. 592.
10 J. FOUQUET, 1958, citado por J. SURET -CANALE, 1964, p. 594.
80
África desde 1935
A exploração econômica foi acompanhada, na África Ocidental, por um
endurecimento na política colonial. O regime de Vichy, de orientação fascista,
suprimira todas as instituições de caráter representativo”, o Conselho Colonial,
os conselhos municipais, os partidos políticos, os sindicatos e a representação
na Assembleia Nacional francesa haviam desaparecido com o fim desta última.
O Código Penal fora revisado e ganhara caráter repressivo. O regime fascista
também introduzira medidas racistas até então desconhecidas: racionamentos
distintos em função da origem africana ou europeia, vagões diferentes para
viajantes brancos ou negros e, inclusive, tarifas variadas de acordo com a carac-
terística racial.
Situação política e social
A década de 1935 -1945 conheceu, senão mudanças, pelo menos sinais indi-
cadores de reviravoltas. A letargia que caracterizava a economia das colônias
portuguesas e espanholas correspondia, muito naturalmente, ao conservado-
rismo social. As estruturas sociais permaneciam imutáveis e os pequenos
territórios ignoravam quase completamente a vida urbana que implicava, em si,
grandes mudanças. Bissau ou Praia eram apenas grandes vilarejos onde alguns
brancos e mestiços viviam a parte, em velhos bairros coloniais. Lourenço Mar-
ques e Luanda eram certamente diferentes mas, a vida urbana africana que a
geração precedente conhecera em toda a sua animação estava adormecida. Por
toda a África, os campos lideravam o trabalho colonial e a extração de produtos
agrícolas, entretanto, o ambiente rural não desfrutava de nenhum benefício
destas atividades. As grandes plantações que atraíam migrantes provenientes
do continente, nas ilhas de São Tomé e de Fernando Poo, lhes proporcionavam
trabalho, mediante um sistema que não perturbava a ordem estabelecida pelo
colonizador.
Nas possessões francesas, os sinais de mudança eram mais perceptíveis.
Embora o governo da Frente Popular tivesse curta duração e a sua política
colonial não se distinguisse por nenhum radicalismo, a chegada dos socialistas
ao poder afetou a vida nas colônias. Em Dakar, Brazzaville ou Cotonu, a vida
urbana conheceu certa animação, graças aos “evoluídos” e aos sindicatos, legali-
zados em 11 de maio de 1937. Embora não seja possível falar, verdadeiramente,
de uma burguesia no Senegal, os comerciantes, os funcionários públicos e alguns
ricos mercadores, lá constituíam uma categoria interessada pela vida na colônia
e os operários formavam uma categoria relativamente numerosa, suficiente-
81
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
mente organizada e capaz de desencadear greves como aquela dos ferroviários
de Thiès, em 1938.
Até 1939, os campos levaram, sem grandes alterações, a tradicional vida
patriarcal; mas, por toda a parte, o esforço de guerra rasgaria o véu. Um lento
movimento populacional aconteceu em direção às capitais -cantonais e regionais.
Por toda a parte, este esforço tornara odiosos os chefes de cantão e os comandan-
tes de círculo; os primeiros eram tidos, desde logo, como agentes malfeitores do
colonialismo. Assim, muitas famílias de chefes estavam desacreditadas, levando
as autoridades coloniais a revogar ou mesmo prender os chefes cuja credibilidade
e prestígio estivessem perdidos aos olhos da população. O questionamento das
estruturas tradicionais teve início no contexto de reclamações formuladas contra
os chefes; o surgimento de dirigentes políticos precipitaria este processo.
Em alguns casos, a resistência africana armada diante da dominação francesa,
observada durante esta década, tinha raízes em uma época bem anterior. Nos
anos 30, os kabila mouros haviam continuado a lançar razias (ghazwa) contra as
fortificações e os estabelecimentos franceses da Mauritânia. Entre 1931 e 1933,
os Rikaybat (Reguibat) lançariam ataques semeadores de confusão entre os
franceses, derrotados em Moutounsi. As tropas motorizadas vindas do Magreb
ocupariam Tindouf, o último ponto insubmisso, somente em 1935, realizando
assim a primeira ligação terrestre entre o Marrocos e a África Ocidental
11
.
A paz colonial e o desenvolvimento do comércio favoreceram a contragosto
dos colonizadores a expansão do islã, enquanto os missionários expandiam
o cristianismo. Dois movimentos islâmicos, com raízes no período precedente,
merecem especial menção: o mouridismo, no Senegal e o hamallismo, no Sudão
francês.
O mouridismo, ligado à Kadiyya do Marrocos, foi fundado aproximada-
mente no fim do século XIX, por Shaykh Ahmadu Bamba, deportado duas
vezes, primeiro para o Gabão (1895 -1902) e em seguida para a Maurinia
(1902 -1907). A sua ão desenrolou -se essencialmente na região wolof, no
Senegal, profundamente afetado em razão das transformações geradas pela
conquista e pela longa presença europeia. Ahmadu Bamba era não violento;
sem por em xeque o regime colonial, a sua doutrina exigia do dispulo uma
obediência absoluta ao chefe e aos seus mandatários. Dessa forma, estabelecia-
-se uma cadeia e uma rigorosa hierarquia; camponeses e outros elementos
rurais encontravam, por esse viés, uma proteção patriarcal diante dos colo-
11 J. SURET -CANALE, 1964, p. 530.
82
África desde 1935
nos, substitutos dos chefes tradicionais. Ahmadu Bamba afirmava o cater
santificador do trabalho militante em servo do marabuto. As autoridades
reconheceram no mouridismo um caráter inofensivo; Touba, a cidade santa
do mouridismo, tornara -se em 1927, após a morte de Ahmadu Bamba, uma
populosa cidade onde “o camponês seria chamado a cultivar a terra e a produ-
zir muito amendoim. [...] O coletivismo patriarcal assim ressurgiu, consagrado
por um laço religioso. Ele exigia um trabalho muito penoso mas, assegurava a
salvação eterna e a sobrevivência em um mundo difícil
12
”. O mouridismo apa-
recia desta forma como uma adaptação ao sistema imposto pelo colonizador;
após as dissidências consecutivas à morte do seu fundador, a nova confraria
instalou -se confortavelmente no quadro colonial, ainda mais facilmente por-
que os chefes mouridos eram os maiores produtores de amendoim. Assistimos
nos anos 30 a uma verdadeira colonizão mourida nas terras do Jolof e do
Cayor, onde a confraria fundara comunidades agrícolas, estendendo assim a
prodão de amendoim. Em 1936, um conflito opôs pioneiros mouridos e
clãs fulbe no Baol; apesar do veredicto do tribunal colonial, favorável ao reco-
nhecimento dos Fulbe como legítimos proprietários das terras, os mouridos
utilizariam a força e destruiriam os vilarejos de pastores. A administração seria
conivente com os produtores de amendoim.
Em 1945, os mouridos eram estimados em 100.000 indivíduos. Eles produ-
ziam a terça parte do amendoim no Senegal. Transformada em lugar de pere-
grinação, desde então, Touba atraía dezenas de milhares de peregrinos desejosos
em visitar o túmulo de Ahmadu Bamba e oferecer as suas oferendas ao chefe
da confraria.
O hamalismo nasceu no Sudão (atual Mali), em Nioro do Sahel. Um mís-
tico, Shaykh Hamallah (na realidade, Hamahullah), atraiu para si milhares de
adeptos e foi alvo de violentos ataques provenientes das confrarias estabeleci-
das. Em que pesem alguns desvios, ele se apresentou como um dos principais
propagadores do Tijaniyya na África Ocidental e tamm combatera pela
dignidade e pela identidade dos povos da África. As autoridades coloniais
prenderam -no, em consequência de incidentes desenrolados em Nioro, no ano
de 1933, e internaram -no durante dois anos. Mas, as lutas entre hamalistas e
membros de outras confrarias seriam retomadas. Como decorrência de diver-
gências teológicas, estes acontecimentos encobriam uma profunda desapro-
vação, por parte dos hamalistas, da posição dos sujeitos coloniais e daqueles
12 Ibid., p. 540; para um estudo detalhado consultar D. C. O’BRIEN, 1971.
83
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
que haviam colaborado com a administração ou tinham permanecido passivos.
Em 1940, partidários e adversários do Shaykh Hamallah se enfrentaram em
razão de um assunto relativo ao pastoreio; houve aproximadamente 400 víti-
mas nessa disputa. O poder colonial sensibilizou -se e condenou o marabuto
à deportação, primeiramente na Argélia e em seguida na Fraa, onde ele
morreria em 1943
13
. Uma conseqncia inesperada deste movimento foi a
retificão das fronteiras entre a Mauritânia e o Sudão francês, em detrimento
deste último, porque era desejado que os hamalistas do Hodh estivessem
subordinados a uma administração única
14
.
Os primeiros movimentos sindicais e a nova política
Como observado, é no Senegal que apareceram os primeiros indícios de
agitação política, no quadro das Quatro Comunas. Blaise Diagne, subsecretário
de Estado nas colônias e patrono da Exposição Colonial em Paris nos idos de
1931, morreria em 1934
15
. Uma oposição se manifestara contra ele, nos anos 20,
originária do movimento Jovem Senegal, animado por Tiécoura Diop. A opo-
sição denunciou a exploração colonial da qual Blaise Diagne aparecia como um
agente; mas, na realidade, os defensores desta posição acomodar -se -iam muito
bem no posto de Diagne e em suas funções. Estas lutas políticas situar -se -iam,
de forma estrita, no âmbito das Quatro Comunas. Diagne, tanto quanto seus
oponentes, pouco se preocupava com o restante do Senegal, sem citar seu des-
caso diante dos outros países da África Ocidental. Em 1928, Galandou Diouf,
prefeito de Rufisque e tenente de Diagne, se voltou em oposição a este último e
se apresentou contra seu patrão. Ele era apoiado por um jornal de Dakar, Péris-
cope africain. Primeiramente derrotado, ele seria eleito deputado na Assembleia
Nacional, em 1934, com a morte de Blaise Diagne. Nenhum programa político
colocava de fato em questão o sistema colonial.
Nas outras colônias francesas, o Daomé também exercia uma importante
influência sobre a classe média. Numerosos jornais lá eram publicados, segundo
procedimentos artesanais. Em 1936, uma dúzia dentre eles tiveram uma efêmera
existência, os mais notáveis eram: La Voix du Dahomey, Le Courrier du golfe du
Bénin, Le Phare du Dahomey e L’Étoile du Dahomey.
13 V. MONTEIL, 1964, p.128.
14 Acerca do Hamallismo, ver a excelente monograa de A. TRAORÉ, 1983.
15 Sobre Blaise Diagne e sua política, consultar A. A. BOAHEN (org.), 1987, cap. 25, pp. 689 -692.
84
África desde 1935
O aumento da resistência econômica africana e o desenvolvimento das nego-
ciações coletivas marcaram este período. Os primeiros sindicatos africanos se
formaram no fim dos anos 30, após a promulgação do decreto de 20 de março
de 1937 que instaurava os contratos coletivos de trabalho e a eleição de delega-
dos representantes dos trabalhadores. Este mesmo ano constitui um ponto de
inflexão, em razão das greves sindicais ocorridas na África Ocidental. Durante
a segunda metade do século XIX, a AOF e sobretudo o Senegal já haviam utili-
zado esta moderna arma do movimento operário mas, em 1937 -1938, as greves
ganhariam uma amplitude sem precedentes. O movimento sindical atingira
seu apogeu com a greve dos ferroviários de Thiès, em 1938, em que os diaristas
da estrada de ferro Dakar -Niger protestaram energicamente contra a situação
a eles imposta. O poder colonial convocou o exército e os mortos e feridos
alcançaram, nas fileiras grevistas, respectivamente, 6 e 53 ativistas. Entretanto,
a greve terminou com uma vitória dos trabalhadores. O governo aceitara a não
aplicação de sanções, a supressão dos entraves ao direito de associação, o exame
das reivindicações e a indenização das famílias das vítimas.
O Ministério das Colônias contabilizou, entre 1937 e 1938, 38 greves no seio
da AOF, dentre as quais 13 em Dakar, 3 no Senegal fora de Dakar, 2 no Sudão
francês, 7 na Guiné e 8 na Costa do Marfim. O mais violento enfrentamento
aconteceu em Thiaroye, no ano de 1944, causando numerosas vítimas fatais.
A atividade sindical se desenvolveu, principalmente, à margem dos partidos,
embora sob a égide do governo da Frente Popular. Todavia, é preciso notar a
criação do Partido Socialista Senegalês, pelo advogado Lamine Gueye em 1935,
organização dirigente de campanhas contra o deputado Galandou Diouf, suces-
sor de Diagne. Os partidos operários franceses se esforçaram para se instalar
no Senegal, intuindo assim usufruir do avanço da Frente Popular
16
. A guerra
colocaria um termo a estes debates políticos na África.
A conferência de Brazzaville
Em 1943, após o desembarque dos Aliados na Argélia e no Marrocos e a
derrota das forças armadas das potências do Eixo, na África do Norte, o Comitê
Francês de Libertação Nacional do general de Gaulle se instalou na Argélia. Ao
menos no que tange ao Império francês, a era do fascismo encontrara seu ocaso.
16 Em 1938, o Partido Socialista Senegalês fundiu -se com a SFIO (Sessão Francesa da Internacional
Operária), o Partido Socialista Francês.
85
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
Uma após a outra, as colônias africanas se livraram do regime de Vichy e se
aliaram ao general De Gaulle. Com o intuito de salvar o império colonial e dele
extrair novos recursos, o Comitê convocou, em janeiro -fevereiro de 1944, uma
conferência em Brazzaville. Esta conferência definiria os princípios da política
no pós -guerra, enquanto as forças coligadas contra Hitler se preparavam para a
vitória sobre o fascismo.
Superestimou -se em muito o alcance desta conferência em relação ao destino
das colônias. Tratava -se obviamente do fim dos excessos fascistas mas, a confe-
rência não tinha, em hipótese alguma, o objetivo de inaugurar uma nova era para
os sujeitos colonizados. Muito em contrário, ela tencionava melhor estabilizar
o sistema e preser-lo das influências externas, especialmente americanas. Ela
foi denominada “Conferência Africana Francesa de Brazzaville”, o que reflete
suficientemente as intenções dos organizadores. O general De Gaulle compre-
endera que para continuar a pedir aos africanos uma contribuição de guerra, de
mais em mais pesada, seria necessário prometer mudanças. Não poder -se -ia,
doravante e por muito tempo, falar em liberdade e democracia, negando aos
 . Conferência de Brazzaville, em fevereiro de 1944; à esquerda, o governador -geral Félix Eboué;
à direita, o general de Gaulle. (Foto: AFP, Paris.)
86
África desde 1935
africanos estes direitos fundamentais. Ele declarou: “...na África francesa, como
em todos os territórios onde homens vivem sob a nossa bandeira, não haveria
nenhum progresso digno de nota se, em sua terra natal, estes indivíduos não
pudessem, moralmente e materialmente, dele tirar proveito e, se estes mesmos
elementos, não pudessem se elevar pouco a pouco em níveis que lhes tornassem
capazes de participar, em seu próprio país, da gestão dos seus próprios assuntos.
É dever da França proceder de forma a concretizar tudo isso. Tal é o objetivo
em direção ao qual s devemos nos orientar. Nós não nos dissimulamos a
extensão dessas etapas
17
.” Nesta declaração, o chefe da França livre não chegaria
ao ponto de proclamar o direito dos povos à autodeterminação, apesar da sua
alusão, especialmente ao afirmar: “...participar, em seu próprio país, da gestão
dos seus próprios assuntos”.
Deve ser sublinhado que a conferência de Brazzaville foi, antes de tudo,
uma reunião de militares e altos -funcionários. Ela foi presidida pelo comissá-
rio das colônias, René Pleven, e dela participaram: os governadores -gerais da
AOF, da AEF e de Madagascar; notáveis coloniais; bem como representantes
do comércio, da indústria e das missões. Fora tomado o devido cuidado em
dela isolar qualquer comunista. Mas, o traço de maior significado consistia na
absoluta ausência de representantes africanos. Mesmo livre do seu fascismo, o
colonialismo europeu ainda permanecia racista.
A conferência de Brazzaville estabeleceu um princípio: “Os fins da obra de
colonização, executada pela França nas colônias, descartam toda ideia de autono-
mia e qualquer possibilidade de evolução fora do bloco do império: a eventual cons-
tituição, mesmo longínqua, de um autogoverno nas colônias deve ser suprimida
18
.”
Nada seria mais claro: permanecendo o princípio da soberania colonial eterna-
mente intangível, os africanos não poderiam esperar chegar ao autogoverno ou
à independência. A conferência propusera, entretanto, dotar as colônias de uma
assembleia federal; se ela preconizou respeito aos costumes africanos, por um
lado, ela também se opôs, por outro lado, ao uso das línguas africanas no ensino.
Retenhamos, simplesmente, que as autoridades coloniais haviam reconhecido
a necessidade de mudanças mas, nenhum dos participantes desta conferência
podia imaginar a rapidez com que a África faria o seu ingresso no cenário inter-
nacional, alguns meses após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Mais tarde, no momento da de, os princípios de Brazzaville constituir -se -iam
em um dos mais rígidos entraves a impedir as autoridades francesas de compre-
17 A Conferência Africano -Francesa, 1944, p. 38, citação de J. SURET -CANALE, 1964, pp. 597 -598.
18 Ibid., p. 45, sublinhado no original, citado por J. SURET -CANALE, 1964, p. 599.
87
A África tropical e a África equatorial sob domínio francês, espanhol e português
enderem os profundos movimentos desenrolados na África e de assimilarem a
vontade da população em se desfazer do jugo colonial. Mesmo o traumatismo
causado pela ocupação nazista não levaria a França à compreensão do quão
nocivo era o imperialismo ao menos até então.
Conclusão
Como as tendências fascistas na Europa, de 1935 a 1945, teriam elas
pesado na evolução dos impérios francês, português e espanhol? Neste capítulo,
esforçamo -nos em demonstrar: primeiramente, que os excessos dos partidos de
direita na Europa não teriam senão agravado os problemas africanos e provo-
cado uma reação africana; igualmente, que a profunda natureza do colonialismo
europeu seria caracterizada pelo racismo e pela exploração, antes mesmo da
ascendência, na Europa, do totalitarismo dos anos 30; e, finalmente, que esta
natureza não teria mudado com o fim da era fascista.
Em seu conjunto, a década de 1935 -1945 marcara, antes e sobremaneira,
o nacionalismo africano comparativamente aos seus efeitos sobre as políticas
coloniais europeias. O racismo europeu e a exploração imperial permaneceram
quase idênticos, ao passo que a África se encontrava cada vez menos disposta a
tolerar a sua própria humilhação. Este período viu se cristalizarem novas formas
de resistência africana, notadamente: movimentos políticos, uma ebulição reli-
giosa e cultural, uma nova atividade sindical, um crescimento dos movimentos
grevistas, bem como a aparição do jornalismo político africano.
A Segunda Guerra Mundial teve um papel particularmente importante,
como catalisadora. Este conflito não ensinou a Europa a ser menos imperialista
mas, instruiu a África no sentido de ser mais nacionalista e, neste último con-
tinente, também estimulou a tomada de consciência política. As massas cam-
ponesas, esgotadas pelo esforço de guerra, escutaram, com especial atenção, os
dirigentes, surgidos muito rapidamente, no momento da eleição de deputados
negros para a Assembleia Nacional Francesa. O sistema colonial se tornara tão
intolerável a ponto de permitir o combate, lado a lado com o colonizador, em
prol da liberdade. A efervescência ganhara toda a África tropical; os sobressaltos,
greves, manifestações e revoltas revelariam o caráter dos tempos do pós -guerra,
nitidamente distintos do imobilismo próprio ao período precedente. Com o
nascimento dos partidos políticos, como o Rassemblement démocratique africain,
de Félix Houphouët -Boigny em 1946, a África tropical entrara bruscamente no
88
África desde 1935
ciclo das lutas de libertação, iniciadas nas colônias francesas, desde 1945
19
. As
colônias portuguesas e espanholas, atrasadas em sua evolução social e econômica,
sairiam pouco a pouco de sua letargia mas, ao interditar qualquer possibilidade
de organização política ou sindical, os regimes fascistas nas metrópoles haviam
eliminado qualquer possibilidade de aprendizado da vida política. Entretanto,
o despertar dos povos destas colônias ecoou mais tarde com tamanho impacto
que desestabilizaria a ditadura em Portugal, contribuindo para a libertação do
próprio povo português.
19 A RDA (Organização Democrática Africana) nasceu em Bamako (Sudão francês, atual Mali) em outu-
bro de 1946. Foi precedida pela União Voltaica, criada em 1945, e pelo PDCI (Partido Democrático da
Costa do Marm), nascido em abril de 1946.
C A P Í T U L O 4
89
A África sob domínio britânico e belga
A priori, é provavelmente difícil, quando não extravagante, aproximar os
regimes coloniais britânico e belga na África, tamanha a diferença aparente
em seus funcionamentos. No máximo poder -se -ia, em se tratando de um tema
examinado no contexto acadêmico, comparar por oposição o regime colonial
britânico na Nigéria e o regime belga no Congo (atual R. D. do Congo). Entre
1935 e 1945, a Grã -Bretanha controlava dezesseis territórios africanos, exceção
feita da África do Sul cuja efetiva independência ocorrera desde 1931, e do
Egito, no qual a independência se encontrava relativamente restringida em
razão da presença de tropas britânicas em seu território, especialmente durante
a guerra. Em oposição, a Bélgica controlava uma única e enorme colônia, o
Congo, associada a um território bem diminuto, correspondente ao Ruanda-
-Urundi (atuais Ruanda e Burundi), colocado sob o seu mandato. Desde 1925,
este último território era administrado como parte integrante do Congo, tal
qual o Togo que, sob mandato britânico, se encontrava administrado como se
pertencesse à Costa -do -Ouro (atual Gana).
Diferentemente da França que estabelecera um sistema administrativo quase
integralmente uniforme no conjunto das suas quatorze colônias da África tropi-
cal, a Grã -Bretanha implantou diversos sistemas com vistas a administrar as suas
dependências africanas, de forma a tornar muito difícil conceber, no tangente
a estes sistemas, qualquer generalização. Passava -se assim da Rodésia do Sul
A África sob domínio britânico e belga
Michael Crowder
90
África desde 1935
(atual Zimbábue), onde os colonos brancos haviam obtido em 1923 o direito
de gerenciar os seus próprios assuntos internos, ao seu vizinho, o protetorado
de Bechuanaland (atual Botsuana), no qual os dikgosi (“chefes” em língua colo-
nial) detinham considerável poder na administração dos assuntos cotidianos
do seu povo
1
. Toda tentativa de generalização concernente ao regime colonial
britânico na África se torna ainda mais delicada em função da facilidade em se
encontrar, no mesmo território, múltiplos sistemas administrativos, lado a lado,
em funcionamento. Desta forma, a população africana espalhada pelo proteto-
rado de Bechuanaland era administrada, segundo a sua localização, através de
uma das quatro seguintes maneiras: a administração indireta (indirect rule) por
intermédio de um kgosi tswana, nas oito reservas “tribais”; a administração por
sociedade comercial detentora da concessão Tati; a administração direta de um
magistrado britânico, nas terras da Coroa; e, enfim, a administração dos juízes de
paz, membros da comunidade dos colonos, nos diversos blocks, terras reservadas
aos agricultores brancos. Na Nigéria, apesar do amálgama realizado em 1914
por sir Frederick Lugard, a administração indireta, aplicada no norte e no sul
do país, apresentava na prática sensíveis diferenças. Neste contexto, as provín-
cias setentrionais resistiram com sucesso, até o fim do período considerado, à
submissão frente à autoridade central de Lagos
2
.
A administração do Congo belga não tinha perfil mais uniforme se compa-
rada àquela da Nigéria, pois era preciso considerar a diversidade de estruturas
sociais existente no interior das suas fronteiras, bem como as muito específicas
necessidades das grandes plantações e concessões minerais onde modalida-
des especiais foram obrigatoriamente implantadas para o enquadramento dos
africanos, transformados, da noite para o dia, de cultivadores individuais em
operários assalariados. Um sistema administrativo aplicável junto a camponeses
trabalhando por sua própria conta não convinha, evidentemente, a operários
empregados em plantações de palmeiras -dendê, pertencentes ao grupo Lever
ou ainda nas minas de cobre do Katanga. A administração indireta, à moda
belga, tampouco tinha o seu próprio espaço nas novas aglomerações urbanas,
como Léopoldville (atual Kinshasa), centro administrativo e de pequenas indús-
trias, ou Élisabethville (atual Lubumbashi), cidade gerida por uma companhia
mineira. Estas cidades viriam, ambas, a conhecer uma rápida expansão no curso
da Segunda Guerra Mundial. Aparentemente similares, as províncias de Ruanda
1 No tocante aos métodos empregados pelos britânicos para administrar as comunidades africanas, con-
sultar M. HAILEY, 1951, obra indispensável.
2 Ver J. WHITE, 1981.
91
A África sob domínio britânico e belga
e de Urundi apresentavam, todavia, diferenças. Em Urundi, “a autoridade dos
chefes não fora jamais seriamente questionada pela administração. Com efeito,
certos chefes conseguiram arrogar -se poderes absolutos em suas província. Eles
depositavam ou não o imposto, unicamente de acordo com sua vontade
3
”. No
Ruanda, em contrário, R. Lemarchand mostra que a embaraçosa trindade de
chefes chefe de terras, chefe de rebanho e chefe de guerra fora substituída
pela autoridade de um chefe único e a Coroa se tornara, por conseguinte, muito
mais importante em relação ao Urundi
4
”. No Congo belga, grande número de
chefes tradicionais haviam sido destituídos e substituídos pelos “chefes dos bran-
cos”, segundo a memorável expressão do governador -geral Pierre Ryckmans. Os
belgas não aplicavam menos administração direta no sistema, comparativamente
ao que eles haviam implementado no Congo e no território sob mandato.
Além das numerosas diferenças discerníveis entre as administrações das duas
potências coloniais, sem citar aquelas existentes no interior dos próprios terri-
tórios, os dois sistemas foram submetidos, entre 1935 e 1945, a consideráveis
tensões de profundas repercussões, não somente no tangente às modalidades
de administração colonial mas, igualmente, no tocante às reações, por parte dos
africanos, às quais esta administração se aplicava. Mudanças muito considerá-
veis foram desencadeadas pela grande crise econômica cujas ondas de choque
se propagaram em toda a África a partir de 1933. Muito rapidamente, eclodiria
a Segunda Guerra Mundial que seria, de diversas maneiras, uma experiência
traumática, tanto para os governantes, quanto para os governados da África
britânica e, com maior gravidade, da África belga. No referente a esta última,
após a conquista da Bélgica pelos nazistas, o Congo tornar -se -ia, na prática, um
Estado -colônia independente.
A abordagem da história da África britânica e belga, em 1935 e 1945, requer,
de forma imprescindível, a renúncia à tentação em se estabelecer uma nítida
distinção entre os sistemas administrativos das potências e entre as suas respec-
tivas estratégias de exploração. Antes, é mister proceder à triagem dos diversos
instrumentos administrativos e de desenvolvimento que ambas adotaram, com
o intuito de destacar, posteriormente, o leque completo de fórmulas, políticas e
econômicas, aplicadas pelos governantes aos governados. A variedade de fórmu-
las empregadas comportava: desde a incipiente iniciativa, econômica e política,
concedida ao africano, por exemplo na Rodésia do Sul, até a importante par-
3 R. LEMARCHAND, 1970, p. 70.
4 Ibid., p. 79.
92
África desde 1935
ticipação dos africanos no processo político e econômico, observada na Costa-
-do -Ouro, assim considerada, ao menos segundo os padrões coloniais da época.
O exposto acima é da competência, principalmente, das superestruturas do
regime colonial, entretanto, o essencial consiste em saber como os diferentes tipos
de administração, tanto britânicos quanto belgas, teriam afetado as condições de
vida sociais, econômicas, políticas e culturais dos africanos, aos quais estas
diferentes modalidades administrativas se aplicavam. É aqui que os dois grandes
acontecimentos planetários, a saber, a Grande Depressão e a Segunda Guerra
Mundial, com as suas dramáticas consequências para os africanos, surgem como
reveladores, permitindo -nos compreender, em seus diversos aspectos, o impacto
do regime colonial e as variadas reações por ele suscitadas no momento da sua
imposição. A Segunda Guerra Mundial, muito negligenciada no conjunto da
historiografia da época colonial na África, começou recentemente a receber
a sua devida atenção
5
. Até bem pouco, era frequente admitir que a Segunda
Guerra Mundial teria marcado um ponto de inflexão na história colonial da
África, pois seria o momento durante o qual os franceses e, com maior ênfase,
os britânicos teriam começado a projetar seriamente a devolução do poder polí-
tico em mãos dos seus sujeitos africanos. Estes últimos teriam passado, nestes
anos de guerra, de uma atitude de aceitação passiva a uma rejeição de mais em
mais nitidamente expressa da tutela colonial. Contudo, até os dias atuais, alguns
especialistas sustentam que a Depressão estaria, tanto quanto a própria Guerra,
na raiz das mudanças que conduziriam à descolonização e na base da rápida
transferência do poder aos africanos, ocorrida nas colônias britânicas, belgas
e francesas
6
. Em decorrência do desmoronamento do mercado mundial que
sobreveio antes da guerra, as potências coloniais encontraram dificuldades em
prover, aos seus sujeitos, as mercadorias necessárias, enquanto a crise solapava
a sua confiança na missão imperial. Tanto no seio quanto fora dos ministérios
das colônias das diversas potências metropolitanas, reformistas puderam, desde
o pré -guerra, participar na formulação da política colonial. O que a Segunda
Guerra Mundial acrescentaria não seria tanto a iniciativa por reformas mas, o
impulso necessário a reformas já previstas ou iniciadas. Assim, na África francó-
fona, as reformas de Brazzaville haviam bebido na fonte daquelas introduzidas,
5 Consultar, particularmente, a edição especial do Journal of African History, vol. 26 -4, 1985; D. KILLIN-
GRAY e R. RATHBONE, 1986.
6 Os historiadores franceses estudaram de forma especial o papel da Depressão na história colonial da
África. Consultar, em particular, a edição especial da Revue française d´histoire d´outre -mer, vol. 63, n.
232 -233, 1978. Ver, igualmente, o Journal of African History, número supracitado, nota 5, para comparar
repercussões na África, da Depressão e aquelas concernentes à Guerra.
93
A África sob domínio britânico e belga
em 1937, pelo governo da Frente Popular. Outrossim, na África Ocidental bri-
tânica, as reformas econômicas e sociais previstas pelo Colonial Development and
Welfare Act [lei relativa ao desenvolvimento e ao bem -estar social das colônias],
de 1940, e as reformas constitucionais elaboradas no curso da Segunda Guerra
Mundial têm, todas, antecedentes no período do pré -guerra. Inversamente, ao
diminuir brutalmente o poder de compra dos africanos nas cidades e meio rural,
a Depressão alimentara um crescente descontentamento popular em relação ao
poder colonial, insatisfação esta, traduzida em numerosas regiões por agitação,
levantes e manifestações, dentre os quais o confronto mais espetacular, do ponto
de vista político ou econômico, ocorreria em 1937, por ocasião da recusa em
se vender cacau na Costa -do -Ouro. Outros especialistas, não interpretando as
reformas do British Colonial Office como um ato de antecipação política mas,
como uma simples resposta à crescente pressão dos nacionalistas, sublinham a
importância, a partir de 1936, da “crise abissínia” que revoltara os intelectuais
africanos e reforçara a sua exigência de participação em seus próprios assuntos.
O leque de estruturas políticas e econômicas nos
territórios sob domínio britânico e belga
As possessões coloniais da Grã Bretanha e da Bélgica, em meados dos anos
30, podem ser estudadas, de parte a outra, com base em um amplo leque. Em
um extremo de opções, temos uma situação na qual a administração e a política
econômica se pautavam pelas diretrizes próprias ao desenvolvimento de recur-
sos por intermédio de colonos brancos e, no extremo oposto de possibilidades,
encontramos uma condição em que os africanos eram considerados os agentes
principais deste desenvolvimento.
Nas colônias povoadas por brancos, como a Rodésia do Sul por exemplo, ou
na província do Katanga (atual Shaba), no Congo belga, os imigrantes europeus
eram considerados os principais atores na exploração dos recursos, os africanos,
por sua vez, eram os seus funcionários neste processo: simples cumpridores de
tarefas a serviço dos brancos que lhes haviam subtraído as suas terras. Para estas
colônias, a imagem modelo era a União Sul -Africana que, embora indepen-
dente, ainda permanecia estreitamente associada à Grã -Bretanha na qualidade
de dominion [Antiga colônia britânica de povoamento europeu provida de um
correlato governo responsável; nos dias atuais, um Estado politicamente inde-
pendente no seio do Commonwealth] do seu império. A Rodésia do Sul estava
no limiar de lograr êxito nesta tentativa de imitação do modelo sul -africano:
94
África desde 1935
desde 1934, os colonos brancos lá possuíam cerca de vinte milhões de hectares,
isto equivale a dizer, 50% das terras, quanto aos africanos, somente lhes cabia
por volta de 11,5 milhões de hectares, em grande parte situados nas regiões da
colônia menos propícias à agricultura
7
. Tal como na África do Sul, as zonas habi-
tadas pelos europeus e pelos africanos eram estritamente delimitadas pelo Land
Apportionment Act [lei concernente à partilha das terras] de 1930. O sistema dos
passes livres para africanos fora instaurado pela lei de 1936, relativa ao registro
obrigatório dos autóctones (Native Registration Act).
Atribuía -se pouca importância ao estatuto tradicional dos chefes e, na prá-
tica, os africanos viviam sob um sistema administrativo direto no qual os chefes
eram os soldados rasos da administração, com poderes restritos e uma pequena
margem de iniciativa.
A Rodésia do Norte (atual Zâmbia) e a Suazilândia eram ambas considera-
das pelo Governo britânico sobretudo como territórios de colonização branca,
embora ainda lhes faltasse um longo caminho a percorrer para alcançarem
os níveis da Rodésia do Sul. Na Rodésia do Norte, os colonos brancos eram
bem menos numerosos que na Rodésia do Sul e detinham uma fração consi-
deravelmente menor das terras: nada além de 18.800 km
2
diante dos 702.842
km
2
reservados aos africanos. Os brancos possuíam, ademais, no Copper Belt
[cinturão de cobre], importantes empresas mineradoras cujos interesses não
coincidiam sempre com aqueles dos agricultores brancos. No plano político, os
colonos brancos eram bem menos influentes que na Rodésia do Sul, seus pontos
de apoio se limitavam à linha da estrada de ferro e às terras dos agricultores
brancos. Eles não dispunham senão de uma minoria de votos nos conselhos
executivo e legislativo onde os funcionários britânicos contavam com um peso
preponderante. A maioria dos africanos era administrada por funcionários bri-
tânicos que aplicavam, por exemplo na província de Barotseland, uma política
de administração indireta muito similar àquela em vigor na Suazilândia, no
contexto do mosaico das terras africanas dependentes da autoridade do chefe
supremo Sobhuza II. Na Suazilândia, os africanos haviam sido espoliados da
maior parte das melhores terras, em proveito de colonos brancos, simultanea-
mente beneficiados com duvidosas concessões outorgadas por precedentes sobe-
ranos suázi e por uma legislação, não menos duvidosa, editada pelos primeiros
administradores britânicos. Neste contexto, quando Sobhuza tentara em 1924,
7 Ver R. PALMER, 1977, para uma discussão mais aprofundada dos efeitos, sobre os africanos, da espo-
liação das terras.
95
A África sob domínio britânico e belga
tomar posse de algumas destas terras, ele fracassara
8
. Todavia, foi na Suazilândia
que a Grã -Bretanha conheceu as piores contradições na administração das suas
colônias de povoamento.
O Qnia, no entendimento dos britânicos, era geralmente considerado,
antes de tudo, como uma colônia de povoamento, embora a supremacia dos
interesses africanos tenha de fato sido proclamada desde 1923, e em que pese
esta última ter sido uma manobra com intuito de fazer frente às reivindicações
dos índios do território, pleiteantes em favor da paridade representativa no
Conselho Legislativo perante os colonos brancos. De toda forma, os colonos,
fazendo uso dos seus meios de expressão no Conselho Legislativo onde conta-
vam com onze representantes eleitos, puderam exercer suficiente pressão sobre a
administração colonial, com vistas a obterem a interrupção de qualquer política
contrária aos seus interesses, isto pelo menos até meados dos anos 30. Somente
então, em plena crise econômica, a administração se opôs a uma reestruturação
no comércio atacadista, objetivando proteger a produção pouco competitiva dos
colonos quenianos contra aquela dos plantadores de milho kikuyu e abuluyha
9
.
Esta situação contrasta com aquela da Rodésia do Sul, onde os colonos impo-
riam o seu monopólio no mercado local e se entenderiam com os exploradores
das minas de cobre da Rodésia do Norte, com o intuito de lhes fornecer milho
a preços elevados e garantir para si, em contrapartida, uma oferta de mão de
obra imigrada de custo reduzido
10
.
Como veremos, a doutrina da “preponderância dos interesses dos africa-
nos” seria, uma vez mais, confrontada a pesados desafios no curso da Segunda
Guerra Mundial, momento em que a administração queniana fora obrigada a
fazer concessões diante das exigências dos colonos para continuar o esforço de
guerra. Contudo, embora esta doutrina possa ter parecido muito oca aos olhos
dos quenianos africanos, cujas condições de trabalho eram, frequentemente, tão
duras quanto aquelas dos negros da Rodésia do Sul, eles ao menos estariam em
vantagem em relação àqueles da Rodésia do Norte. Pois, naquela região, nos
anos 30, o futuro da colônia ainda se identificava com o interesse predominante
dos colonos, ao passo que tal estatuto fora, pelo menos oficialmente, recusado
aos colonos quenianos.
A comparação entre a Rodésia do Norte e o Quênia evidencia muito bem
toda dificuldade existente na identificação do exato posicionamento de uma
8 Ver H. KUPER, 1978, em especial o capítulo 6.
9 D. ANDERSON e D. THROUP, 1985, p. 328.
10 Ibid.
96
África desde 1935
colônia no leque de alternativas por nós examinado. O contraste era total entre
estas colônias de povoamento e as quatro colônias britânicas da África Oci-
dental − a Nigéria, a Costa -do -Ouro, a Gâmbia e Serra Leoa − onde a questão
relativa a saber para quais interesses deveria se voltar a preponderância nunca
se apresentara. O africano destes territórios era considerado como o principal
ator da produção, mesmo que fosse ao serviço do capitalismo de negócios. Por
conseguinte, a espoliação das terras em benefício de agricultores europeus, para
criar explorações individuais ou montar grandes plantações comerciais, fora
proibida
11
. Tal era igualmente a política amiúde seguida na Uganda, onde uma
tentativa de povoamento branco havia fracassado, assim como no Sudão anglo-
-egípcio. Nestes países, uma vez mais, a regra admitia importantes exceções.
Empresas mineradoras foram autorizadas a se apropriar de áreas na Costa -do-
-Ouro para ali extraírem ouro, outras, em Serra Leoa para explorar minas de
ferro e diamante e, outras tantas, na Nigéria para sondar minas de estanho. No
Sudão, a administração patrocinara o grande projeto da Gezira que implicava a
requisição de mais de 400.000 hectares para a produção comercial do algodão.
De maneira análoga, na Nigéria, os poderes públicos requisitariam terrenos
com o intuito de permitir a abertura de minas de carvão cuja produção deveria
abastecer a rede ferroviária em combustível
12
.
Mas, em todas estas colônias britânicas da África Ocidental, a administra-
ção acontecia de forma indireta, por intermédio dos chefes tradicionais que se
haviam tornado os principais responsáveis pelos organismos locais, em sua maio-
ria, detentores de quase as mesmas atribuições que um conselho de condado na
Grã -Bretanha, com a pequena diferença de também se atribuir, a estes chefes,
o encargo pessoal de promover a justiça. Em contrapartida, eles se encontra-
vam muito mais estreitamente controlados pelos agentes do governo central,
se cotejados aos seus homólogos britânicos. Os funcionários da administração,
por mais que fossem teoricamente apenas conselheiros junto às “autoridades
indígenas”, assim chamadas as unidades de poder local, na prática, se ocupavam,
frequentemente e pessoalmente, da supervisão direta de numerosos aspectos
da administração dos negócios. Os chefes tradicionais destes territórios tam-
pouco conservavam grande parte da iniciativa concernente à administração dos
11 R. SHENTON, 1986, oferece uma excelente análise sobre a relação entre o capitalismo de negócios e
o destino dos produtores de amendoim e de algodão na Nigéria setentrional.
12 Na Nigéria setentrional, todas as terras eram de propriedade da administração britânica; na Nigéria
meridional, elas eram reputadas de “ocupação indígena” e a administração insistia, no tocante a elas, em
adotar medidas visando regulamentar as transferências efetuadas por africanos a não africanos, nesse
caso, excluindo -se elas mesmas, bem entendido, dessa categoria. Ver M. HAILEY, 1957, pp. 731 -735.
97
A África sob domínio britânico e belga
seus sujeitos. Deve -se aqui observar que os chefes ocupantes de tais posições,
no quadro deste sistema administrativo indireto, sobreviveriam ao advento da
independência, ao passo que aqueles outrora agentes do regime administrativo
direto desapareceriam, em sua maioria, enquanto classe. Sejam quais forem as
razões deste fenômeno, o fato é que o homem branco deixava sua marca, muito
menos intensamente, na vida cotidiana dos africanos em territórios adminis-
trados indiretamente. Seria todavia um erro acreditar que não houvesse, nestes
territórios, qualquer traço de governo direto; quando se tratava de implementar
medidas aplicadas ao conjunto da colônia, o chefe recebia as suas instruções e
raramente era consultado quanto à sabedoria ou aos fundamentos das medidas,
como a construção de estradas e de vias férreas territoriais ou, por exemplo, as
modalidades de combate às epidemias. O chefe tornar -se -ia, desde logo, um
agente da administração central como nas colônias francesas e portuguesas da
África, onde efetivamente se aplicava a administração direta
13
.
Entre estes dois tipos de colônia aquelas onde o europeu era o principal
agente da exploração e aquelas nas quais este papel fora devolvido ao africano,
haviam colônias, outras, cujos recursos agrícolas e minerais eram explorados
por sociedades comerciais, maiores ou menores, dirigentes dos assuntos cotidia-
nos da vida dos africanos por elas empregados, assim como daqueles das suas
famílias. O Congo belga, com as suas imensas plantações e as suas potentes
sociedades mineradoras, constitui o melhor exemplo deste tipo de colônia. Mas,
o Congo também comportava vastos territórios livres de toda concessão; nestas
zonas fora deliberado, por ocasião da visita do príncipe herdeiro Léopold em
1933, que a política oficial deveria consistir em deixar as terras agrícolas exclu-
sivamente nas mãos dos africanos e em prepará -los para se tornarem, em médio
prazo, os proprietários das suas terras.
Nestas regiões, situadas no exterior das zonas administradas por grandes
sociedades, os congoleses eram submetidos a um sistema administrativo muito
similar ao regime francês, embora o modelo ostensivamente escolhido tenha
sido a administração indireta dos britânicos. Primeiramente, os belgas busca-
riam racionalizar as suas chefias, reduzindo o seu número com vistas a criarem
unidades administrativas mais facilmente gerenciáveis. Em 1917, no Congo,
contava -se 6.095 chefias mas, em 1938, este número encontrar -se -ia reduzido
a 1.212, com 340 setores, reagrupando várias pequenas chefias e formando um
conselho em que a presidência cabia a um dos chefes do grupo. Sistema análogo
13 O grau de ingerência dos administradores britânicos nos assuntos de um emirado ao norte da Nigéria,
Gombe, é colocado em evidência com especial rigor por I. A. ABBA, 1985.
98
África desde 1935
fora adotado nas assim chamadas “regiões pagãs” da Nigéria setentrional e na
Tanganyika (atual Tanzânia). O sistema belga diferia do indirect rule britânico,
em função do pouco respeito nele acordado à tradição, quando se tratava, quer
da designação dos chefes, quer da reestruturação das estruturas pré -coloniais
dos organismos do executivo. Todavia, é correto afirmar que os britânicos, con-
frontados a populações insubmissas diante de uma autoridade central, como
em certas partes da Nigéria oriental, teriam criado com toda semelhança War-
rant Chiefs [chefes designados], substituídos em razão da sua impopularidade,
nos anos 30, por conselhos à imagem, tanto quanto possível, do sistema de
decisões “tradicional” do grupo em questão. Aos chefes belgas”, por sua vez,
não se concebia acordar senão uma pequena margem de iniciativa pessoal, eles
eram supervisionados pelos seus administradores, modelo inspirado no sistema
francês
14
. Inclusive onde o sistema belga se distanciava radicalmente do francês,
como por exemplo no âmbito financeiro através da criação de caixas locais
autóctones à moda britânica, mesmo aqui, o direito de controle, pelo chefe, sobre
a alocação dos créditos era muito inferior, comparativamente àquele desfrutado
pelo seu homólogo nigeriano. Ora, também aqui, Isa Alkali Abba nos convida
a desconfiarmos da opinião tradicional segundo a qual o indirect rule, aplicado
na Nigéria setentrional, deixava uma grande latitude aos emires e aos chefes
de distrito; o seu estudo acerca do sistema dos chefes de distrito, em vigor em
Gombe, demonstra que eles estavam sob estreita vigilância da administração bri-
tânica
15
. Ademais, nos anos 30, os britânicos haviam a tal ponto reestruturado a
administração local do emirado que ela não mais possuía parentesco algum com
o sistema anterior à época colonial, embora eventualmente ela fosse considerada
“tradicional”, tanto pelos colonizadores quanto pela população de Gombe.
No que tange às concessões de plantações ou de minas a existência do traba-
lhador africano era regida pela empresa que o tivesse empregado. A qualidade da
administração nestas atividades era das mais variadas. No transcorrer dos anos
30, a potente União Mineira do Alto do Katanga que fornecia, em meados da
década, cerca de um terço da sua produção ao Estado colonial, havia implantado
uma política de estabilização da mão de obra, inspirada em outras companhias
mineradoras e empresas de plantação do Congo belga. As dificuldades encontra-
das no recrutamento e, em seguida, na formação de bons trabalhadores haviam
conduzido a União Mineira a fazer tudo ao seu alcance para conservar a sua
mão de obra. Assim sendo, foi conduzida uma política empresarial paternalista,
14 Ver M. CROWDER, 1970.
15 I. A. ABBA, 1985.
99
A África sob domínio britânico e belga
motivo de reputação do Congo: oferecia -se aos operários contratos de duração
trienal, encorajando -os a levar consigo as suas mulheres e as suas crianças; eles
eram alojados e bem alimentados; serviços médicos lhes eram assegurados assim
como às pessoas deles dependentes; a carga horária de trabalho não ultrapassava
oito ou nove horas por dia e o operário tinha direito a quatro dias de descanso
por mês. Os operários viviam em uma vila de trabalhadores”, colocada sob a
responsabilidade de um encarregado local, nomeado pela empresa e habilitado
a resolver as desavenças locais ou receber as reclamações dos seus adminis-
trados. Aos africanos pouquíssima era a iniciativa concedida na gestão da sua
vida pessoal, em contraste ao que lhes era permitido na vizinha mina de Roan
Antelope, em Luanshya, na Rodésia do Norte. A direção da União Mineira
buscava conservar um domínio completo sobre a vida dos seus empregados,
visando aumentar a produção cobre” e, deste modo, criar aquilo descrito por
Bruce Ferrer como uma instituição opressora total
16
”. Nas plantações de chá
do Nyasaland (atual Malawi), os trabalhadores, considerados pura e simples-
mente como escravos
17
”, eram empregados em sistema thangata, segundo o qual
o locatário de uma parcela pertencente a europeus devia trabalhar um mês, sem
salário, para pagar o imposto e outro para saldar o aluguel. No entreguerras, os
plantadores possuíam o direito ao controle sobre a existência dos seus trabalha-
dores, sobre aquela das suas mulheres e das suas crianças, não se lhe atribuindo
senão um mínimo de satisfações a dar aos representantes locais da administração
britânica. Nestas condições, os operários eram então reduzidos a manifestarem
a sua oposição não de todo sem eficácia, se acreditarmos em Robin Palmer
− por meio de uma cotidiana resistência pacífica, sob diversas formas (trabalho
negligente, absentismo, abandono de trabalho, etc.)
18
.
Durante o período em questão, dois grupos de colônias formam casos à
parte, embora ambos apresentem similaridades com as três categorias de admi-
nistração colonial por nós acima descritas. O primeiro grupo é composto pelos
três territórios do Alto -Comissariado britânico na África do Sul (Basutoland,
atual Lesoto; Bechuanaland e Suazilândia) em cuja manutenção do estatuto de
entidades separadas consistira, desde sempre e a longo prazo, uma incerteza.
Haja visto que a sua eventual incorporação à União Sul -Africana nunca deixaria
de se apresentar como uma possibilidade, inscrita na lei de 1909 sobre a África
16 B. FETTER, 1976, p. 151.
17 L. VAIL, 1977, p. 365; 1983, pp. 50 -51.
18 R. PALMER, 1986, pp. 119 -121.
100
África desde 1935
do Sul
19
. Nestas condições, a atitude da administrão britânica era, nestes
territórios, ambígua e escassa de objetivos em longo prazo, pois a sua incorpo-
ração e o dela resultante abandono de responsabilidade, permaneciam na ordem
do dia. Em contrapartida, os dirigentes africanos, tanto “tradicionais” quanto
modernos” frequentemente uma única e mesma pessoa foram muito cedo
politizados, em razão da sua determinação em repelir a ameaça de incorporação
a uma União por eles odiada. Estes territórios estavam tão intimamente ligados
à União que eram administrados pelo Alto -Comissariado britânico, principal
representante da Grã -Bretanha junto ao Governo sul -africano. Neste quadro,
cabia ao Alto -Comissariado britânico nunca perder de vista as possíveis reações
do Governo sul -africano, no tocante ao que lá acontecia.
O segundo grupo de territórios era formado pelas antigas colônias alemãs,
colocadas pela Sociedade das Nações, após a Primeira Guerra Mundial, sob
os mandatos da Grã -Bretanha e da Bélgica. Novamente, neste caso, não havia
nada em comum entre a maneira belga e o modo britânico de administrar os
mandatos, e tampouco entre as diferentes formas através das quais a própria
Grã -Bretanha administrava os seus mandatos no Togo, em Camarões e no
Tanganyika. A única congruência entre estas fórmulas consistia na supervisão
exercida pela Sociedade das Nações. Todavia e em termos práticos, aos Gover-
nos britânico e belga não se lhes obrigava, por assim dizer, a prestar contas à
organização internacional, em respeito ao cumprimento das suas tarefas. Quanto
à Comissão Permanente de Mandatos da Sociedade das Nações, apesar de ela
certamente fazer prova de vigilância, tanto no que tange a todas as violações
relativas à política de abertura dos mercados internacionais, estabelecida nos
territórios sob mandato, quanto perante os eventuais possíveis abusos praticados
na administração dos seus habitantes, não detinha, esta Comissão, meio algum
que conduzisse os mandatários à realização de mudanças ou reformas, ela sequer
fazia levantamentos in loco nos territórios sob a sua tutela como faria a sua
sucessora, a Organização das Nações Unidas. Portanto, o fato de se tratar de ter-
ritórios sob mandato exercia certa influência no comportamento das potências
mandatárias. Assim, os belgas eram mais respeitosos, no Ruanda -Urundi, em
relação às estruturas “tradicionais”, se cotejarmos esta postura com a sua atitude
no Congo; no Tanganyika, os britânicos haviam claramente declarado que este
território da África oriental, colônia de povoamento à época da administração
alemã, futuramente veria o cuidado com o seu desenvolvimento ser confiado aos
19 South Africa Act, 1909, XI: New Provinces and Territories, seção 151. Ver G. W. EYBERS, 1918, p. 554.
101
A África sob domínio britânico e belga
africanos e não aos europeus imigrados. O Tanganyika (antiga África -Oriental
alemã) era o único, dentre estes territórios sob mandato, a ser administrado
como uma entidade distinta. O território do Togo, sob mandato britânico, estava
administrativamente integrado à Costa -do -Ouro. A região norte de Camarões,
posta sob mandato, compunha parte integrante da província de Adamawa, na
Nigéria setentrional, ao passo que o sul de Camarões constituía, do ponto de
vista administrativo, uma província da Nigéria meridional
20
. O território sob
a tutela de Ruanda -Urundi, todavia tratado pelos belgas como uma entidade
administrativa distinta na medida em que não se encontrava submetido às mes-
mas políticas que aquelas aplicadas no Congo, dependia das atribuições globais
do governador -geral do Congo belga.
Percebe -se então a dificuldade, quiçá a impossibilidade, em responder ques-
tões para exame, do gênero:os africanos, conheceriam eles um destino melhor
sob a autoridade dos britânicos ou submetidos àquela dos belgas?” Pois, o exer-
cício da autoridade se revestia de formas tão diversas que as encontraríamos,
todas, nos dois sistemas. Assim sendo, o trabalhador das minas de estanho em
Jos, na Nigéria, exemplo típico de colônia onde os africanos asseguravam a pro-
dução, estes mineiros eram muito mais oprimidos se comparados ao congolês,
camponês dedicado ao cultivo da terra por sua própria conta, ou ainda, diante
do operário empregado na paternalista União Mineira
21
. Porém, os sistemas
belga e britânico, apresentam uma diferença capital, seja qual fora o tipo de
administração colonial junto a eles desenvolvida. Nos territórios belgas, não
somente o africano não detinha nenhum direito político mas, à época à qual nos
referimos, ele não era sequer suspeito de poder gozar desta atribuição, mesmo
em se tratando de uma hipótese em destino longínquo.
Em adverso, nos territórios britânicos, com exceção das Rodésias e dos terri-
tórios do Alto -Comissariado, o objetivo implícito da política colonial era, a longo
prazo, a outorga da responsabilidade política aos africanos. A nova constituição,
concedida à Nigéria em 1922, previa a eleição de quatro africanos para o Con-
selho Legislativo. Inclusive na Rodésia do Sul, alguns africanos podiam alcançar
o atributo da condição de eleitor, esta possibilidade ocorrera, outrossim, com
indivíduos na província do Cabo, no âmbito da União Sul -Africana, em 1936.
Estes territórios britânicos nos quais africanos haviam recebido, em primeira mão,
uma fração do poder político e onde eles se constituíam nos principais agentes do
20 Em 1939, as Províncias meridionais foram divididas em Províncias orientais e ocidentais, o sul do
Camarões, por sua vez, foi agregado administrativamente a uma província do primeiro grupo.
21 Consultar B. FREUND, 1981.
102
África desde 1935
desenvolvimento econômico, tais territórios se situavam na vanguarda da marcha
rumo à independência. A presença de colonos e de sociedades mineradoras fora,
desde sempre, um obstáculo à atribuição do poder político, embora a experiência
tenha mostrado que esta objeção não seria um entrave senão na Rodésia do Sul.
Finalmente, o Quênia alcançaria a independência somente três anos após a Nigé-
ria. Com toda evidência e apesar de tudo, o caráter da independência proviera da
porção de verdadeiras formas de poder político conquistada pelos africanos e da
educação nos anos que a precederam. O fiasco da independência do Congo resul-
tou diretamente da incapacidade dos belgas em darem a seus sujeitos africanos
mais que uma instrução primária e lhes oferecerem a possibilidade de participação
na vida política da colônia, antes que fosse tarde demais.
Independentemente das diferenças que pudessem existir entre as modalida-
des administrativas sob as quais viviam os africanos e as suas diversas incidências
na vida cotidiana, três eventos do período considerado marcariam senhores e
sujeitos, tanto na África britânica quanto na África belga, e tiveram como efeito
evidenciar as reações dos africanos diante de seus dominadores: a Depressão
Econômica, a “Crise Abissínia”
22
e a Segunda Guerra Mundial.
A Depressão Econômica
O ponto culminante da crise subsequente à quebra de Wall Street em 1929
fora superado no começo do nosso período mas, a depressão far -se -ia sentir
até o momento do estímulo à recuperação econômica, ocasionado pela Segunda
Guerra Mundial. As repercussões da crise variaram de colônia a outra, bem
como no seio de uma mesma colônia, não somente em função das culturas
desenvolvidas em tal ou qual região e dos meios de produção empregados mas,
também, de acordo com a capacidade de resistência da agricultura de subsis-
tência e do setor industrial. Igualmente, o choque da crise foi absorvido com
desdobramentos diversos nas economias baseadas na extração mineral, segundo
a natureza do mineral exportado. Enquanto o cobre afundara, o ouro, por sua
vez, subia ao firmamento. Se, por um lado e de uma maneira geral, todos os ter-
ritórios subsaarianos conheciam graves dificuldades em razão do desabamento
das cotações mundiais das matérias -primas, a África do Sul, quanto a ela, pôde
consolidar o seu potencial industrial e lançar as bases da sua hegemonia econô-
mica sobre a África central e meridional.
22 Ver A. A. BOAHEN (org.), 1987, capítulo 28.
103
A África sob domínio britânico e belga
No que concerne ao camponês africano cujo trabalho era dedicado à pro-
dução voltada para culturas de exportão, ser -lhe -ia necesrio, desde logo,
produzir ao menos o dobro para obter o mesmo rendimento. A tonelada de
amendoim de valor correspondente, em 1929 -1930, a 8 libras e 18 shilings,
não atingiria nada além de 2 libras e 13 shilings em 1933 -1934. A reação eco-
nômica esperada, nesta situão de baixa dos preços, seria reduzir a prodão
e se voltar para culturas de subsistência. Contudo, certo número de fatores a
isto se opunham.
Em primeiro lugar, no Congo belga, a administração se empenhou em evi-
tar toda desmobilização econômica, para tomar a expressão de Emil Bustin
23
,
impondo tanto culturas obrigatórias aos camponeses, com o objetivo de expor-
tação e para consumo interno, quanto o trabalho de extração mineral, mesmo
com preços fixados abaixo das cotações de mercado. Ademais, a possibilidade
de continuar a assegurar, durante os anos mais difíceis da Depressão, um apro-
visionamento em alimentos baratos aos trabalhadores que haviam mantido os
seus empregos, permitira reduzir eficazmente o custo da mão de obra evitando
qualquer redução salarial, fato este que auxiliou as grandes sociedades a atra-
vessarem o cabo da crise
24
.
Em segundo lugar, na totalidade dos territórios que nos interessam e durante
o período integralmente considerado, os africanos foram submetidos ao imposto
direto. Antes da crise, era a fiscalidade indireta que garantia aos administradores
coloniais a maior parte das suas receitas, com a notável exceção de três territórios
do Alto -Comissariado, mas o imposto direto desempenharia, desde então, um
papel deveras decisivo no conjunto do orçamento colonial. A queda catastrófica
dos preços pagos aos camponeses pelos seus produtos não provocara nenhuma
redução nos seus impostos. Isto significa que eles deviam produzir ainda mais
para poder pagá -los. Nestas circunstâncias, na Nigéria setentrional, os agricul-
tores tiveram que transferir ao Estado, em dado momento, até 70% dos seus
rendimentos, em espécie
25
.
Em terceiro lugar, em colônias como o Congo belga as quais dispunham de
importante força de trabalho assalariado, a redução deste efetivo, ocasionada pela
Depressão, obrigara numerosos trabalhadores a retornarem às suas cidades de
origem e a cultivarem a terra para pagar os seus impostos. Com efeito, 125.000
assalariados perderiam o seu emprego no Congo, entre 1930 e 1932.
23 E. BUSTIN, 1975, p. 101.
24 B. JEWSIEWICKI, 1977, p. 328.
25 R. SHENTON, 1986, p. 102.
104
África desde 1935
Em quarto lugar, numerosos africanos se haviam habituado a comprar artigos
importados (roupas, utensílios de cozinha e material escolar para as crianças, por
exemplo), por eles considerados não como produtos de luxo mas, como artigos
de primeira necessidade, encorajando -os e levando -os, ainda mais, a cultivarem
as terras para continuar a adquiri -los. O resultado final consistiu, na maioria
dos casos, em aumentar a produção de culturas de exportação que, inclusive em
certas situações, aumentaram em até 100%, apesar da permanência dos seus ren-
dimentos em níveis não forçosamente superiores àqueles dos idos de 1928 -1929.
Em termos gerais, os africanos que menos sofreram consequências da crise
foram aqueles em menor grau engajados na engrenagem da economia capita-
lista mundial, isto equivale a dizer, dedicados exclusivamente à agricultura de
subsistência. Já habituados a pagar impostos, eles não estariam, inclusive, senão
marginalmente implicados na economia monetarista. A demanda por cereais
e inhame
26
se mantinha e as indústrias tradicionais conheciam relativo ressur-
gimento. Em contrapartida, para aqueles que se haviam tornado dependentes
da comercialização de culturas tipo exportação com o intuito de suprir parte
das necessidades alimentares da sua família, o impacto da crise foi muito cruel.
Junto aos produtores rurais africanos, a Depressão fez nascer um descon-
tentamento perante um sistema colonial que, até então e ainda que de modo
marginal, pagara pelos seus produtos um preço que permitira a muitos deles
melhorarem as suas condições de existência, malgrado todas as outras exações
do sistema. A reversão brutal desta tendência, nos anos 30, com o surgimento
do descontentamento rural, prepararia o terreno para os militantes nacionalistas,
possibilitando -lhes fecundá -lo durante a década de 1940. A guerra, em que pese
a forte alta dos preços relativos aos produtos de base, não fez senão exacerbar este
descontentamento, pois os poderes públicos limitariam o rendimento monetário
do trabalho dos cultivadores.
As repercussões da recessão mundial atingiriam duramente a indústria mine-
radora, em particular, das minas de cobre em Katanga e na Rodésia do Norte.
Embora no que diz respeito a esta última, tenha se tratado prioritariamente de
demissões operárias, recaídas sobre aqueles ocupados em trabalhos na abertura
de novas minas. As cotações do cobre desabaram em 60% entre 1930 e 1932. O
Ofício Central do Trabalho de Katanga (OCTK), praticamente interrompera
todo recrutamento e se ocupara, em contrário, com o repatriamento de traba-
lhadores demitidos em relação aos quais a administração se encontrava pouco
26 Consultar R. J. GAVIN e W. OYEMAKINDE, 1980, p. 506 -507, por exemplo.
105
A África sob domínio britânico e belga
disposta a -los em estado ocioso nos centros urbanos
27
. Mas, nas próprias
localidades, a maioria dos trabalhadores reconduzidos aos seus lares “tinha a
maior dificuldade em aceitar a autoridade tradicional”, se dermos crédito ao
diretor da OCTK quando estimava que seria necessário certo tempo antes que
eles se readaptassem à vida na sua comunidade
28
”.
A queda nas cotações dos minerais provocaria uma diminuição paralela nos
salários daqueles ainda empregados. A remuneração semanal dos operários nas
usinas de extração de estanho, em Jos, na Nigéria setentrional, passara de 6
ou 7 shillings para 3 shillings e 6 pence. Em geral, embora a retomada tenha
começado a se manifestar no setor da extração mineral, em meados dos anos
30, a produção atingiria novamente os seus níveis anteriores à crise somente
no fim da Segunda Guerra Mundial. A única exceção teria sido a exploração
aurífica cujas exportações mais que dobrariam em volume, entre 1933 e 1938,
na Costa -do -Ouro, em consequência de um aumento da demanda mundial,
acompanhado de uma alta nas cotações. Igualmente, a exploração das minas de
ouro na Tanganyika progredira de tal ordem nos anos 30 que as exportações
de ouro chegariam à segunda posição, em valor, comparativamente ao sisal. No
Quênia, uma pequena “corrida do ouro permitira a ocupação de certos agri-
cultores brancos, relativamente marginalizados e expulsos da terra pela crise.
Mas, na África do Sul, foi o boom do ouro que provocou os mais espetaculares
efeitos nos territórios britânicos da África meridional e central. A demanda por
mão de obra era tal, nas minas de ouro do Witwatersrand e nas indústrias criadas
pelo boom, que o governo da União suspendera a sua interdição à importação
de mão de obra proveniente do norte do 22
o
paralelo, recrutando trabalhadores
inclusive na Tanganyika. Numerosos dentre estes encontraram assim um tra-
balho, permitindo -lhes pagar os seus impostos e fornecer, na forma de ordens
de pagamento, algum fundo às suas famílias. Estas remessas de fundos tornar-
-se -iam uma fonte vital para o Basutoland, país que não possuía outra riqueza
a explorar além de sua mão de obra, e igualmente no tocante ao Bechuanaland,
abalado em razão das restrições impostas pela União às importações do seu reba-
nho
29
e capaz, desde então, de exportar a mão de obra composta pela população
habitante nas vastas extensões situadas ao norte do 22
o
paralelo.
Para os trabalhadores das plantações, a Depressão teve efeitos similares em
todos os territórios, a saber, demissões e redução salarial. Os agricultores bran-
27 E. BUSTIN, 1975, pp. 116 -117.
28 Ibid., p. 117.
29 Ver S. ETTINGER, pp. 77 -85.
106
África desde 1935
cos ou os proprietários metropolitanos de plantações, como o grupo Lever, não
eram os únicos a empregar mão de obra agrícola imigrada. Na Costa -do -Ouro,
na Nigéria ocidental e na Uganda, uma próspera classe de pequenos capitalistas
africanos nascera, os seus componentes também deveriam reduzir a sua mão de
obra, diminuir os salários ou renunciar ao crescimento das suas plantações
30
. Na
Costa -do -Ouro, especialmente os ricos proprietários de cacauais estavam seria-
mente abalados pelo declínio das cotações do cacau, sobremaneira acentuado
por se tratar de um alimento de luxo; eles sentiram dificuldades em conservar
um estilo de vida tornado fortemente dependente de bens importados, estando
inclinados a desfrutar de diversos aspectos do modo de vida ocidental, especial-
mente no âmbito da educação em relação à qual se tornara então mais difícil
arcar com os seus custos
31
. Na Uganda, os salários da mão de obra agrícola foram
em certos casos, entre 1929 e 1934, reduzidos em mais da metade, prejuízo
particularmente sentido no Ruanda -Urundi, de onde provinha a maioria dos
trabalhadores imigrados.
Os mais duramente atingidos pela crise, por o terem outro meio de sobrevi-
vência ao qual recorrer, foram os pequenos colonos e os empregados expatriados
das plantações e das sociedades mineradoras; quanto aos primeiros, incapazes de
resistir às consequências da queda dos preços dos seus produtos, em relação aos
segundos, demitidos pelos seus empregadores. Em certas cidades mineradoras,
como Élisabethville, uma em cada três casas europeias estava consequentemente
vazia. No Quênia, explorações agrícolas estavam ou deixadas ao abandono por
seus proprietários deslocados em busca de outro emprego, ou cedidas a preços
desprezíveis a grandes proprietários de terra, capazes de sobreviver apesar das
dificuldades econômicas.
As empresas de importação -exportação se mostravam particularmente vulne-
ráveis diante da situação econômica, numerosas pequenas firmas seriam fechadas
ou compradas por organizações mais solidamente estabelecidas. Uma vez mais,
muitos empregados, brancos e africanos, foram demitidos, entre eles contava -se
grande número de empregados de repartições, instruídos, porém sem nenhuma
perspectiva de realocação, salvo no setor educacional onde alguns encontrariam
ocupação. Eles também viriam a aumentar as fileiras dos partidos políticos que
30 No tocante às diferentes reações diante da crise, nos pequenos países africanos, conferir, por exemplo,
G. AUSTIN, 1987; J. D. Y. PEEL, 1983, capítulo 7; J. J. JORGENSEN, 1981.
31 D. BROKENSHA, 1966, pp. 37 -38 e p. 238. A situação agravou -se na Costa do Ouro, em ns da década
de 30, em razão da destruição que afetou os coqueiros, causada pelo swollen -shoot (doença caracterizada
pela perda das folhas, pela interrupção no crescimento dos frutos e pelo inchaço dos galhos e das raízes).
107
A África sob domínio britânico e belga
se levantariam em breve contra o regime colonial. Aqueles de retorno à sua
localidade de origem trar -lhe -iam novos valores. Desde 1929 -1930, no distrito
de Makoni, na Rodésia do Sul, T. Ranger assinala que trabalhadores imigrados,
provenientes de cidades da Rodésia e da África do Sul, “tornados amargos em
razão do desaparecimento de qualquer possibilidade de emprego, traziam con-
sigo as ideias do South African National Congress [Congresso Nacional Sul-
-Africano] e da lndustrial and Commercial Workers Union [União Industrial
e Comercial dos Trabalhadores], além daquelas da Young Manyika Ethiopian
Society [Sociedade dos Jovens Etíopes Manyika], organizações formadas nas
cidades, por alguns deles, para expressar as suas aspirações regionais e as suas
demandas
32
”. As dificuldades encontradas por alguns homens de negócio africa-
nos que teriam conseguido sobreviver aos anos 30 ter -lhes -iam levado a perder
as ilusões, eventualmente mantidas em relação ao tema de um regime colonial
por eles apoiado até recentemente.
Para sobreviverem, as firmas expatriadas praticaram acordos de preços; o mais
célebre se estabeleceu entre os compradores britânicos de cacau da Costa -do-
-Ouro. Em 1937, os produtores reagiriam se recusando a vender a sua produção,
movimento seguido por retenções análogas na Nigéria, concernentes à venda do
cacau e dos produtos derivados da palmeira. Na Uganda, onde o beneficiamento
do algodão constituía uma das raras atividades de relativa importância da região,
as usinas de beneficiamento podiam gozar da garantia de uma tarifa mínima fixa
por libra, cabendo ao plantador suportar a maior parte da perda devida à queda
das cotações. Buscando compensar os seus prejuízos, os plantadores de algodão
assim aumentaram a sua produção, contribuindo para a maior prosperidade das
usinas de beneficiamento cujo número não fora acrescido
33
.
No que tange aos administradores coloniais, belgas ou britânicos, a crise
significava uma queda nas receitas provenientes dos direitos de importação e
de exportação. A sua reação imediata consistiu em demitir pois era impossí-
vel fazer a menor economia no tocante ao serviço da dívida que formava um
dos principais componentes do orçamento para a maioria deles
34
. Os africanos
32 T. O. RANGER, 1983, p. 81.
33 J. J. JORGENSEN, 1981, pp. 147 -150.
34 M. HAILEY, 1938, pp. 1432 -1433. Além do nanciamento da estrada de ferro, o Nyasaland reservava,
em 1936 -1937, 15,8% de seu orçamento para o serviço da dívida; a Rodésia do Norte, 16,2%; e a Nigéria,
21,4%. Em algumas colônias, o endividamento era, entretanto, muito menos pesado: Costa do Ouro,
3,7% e Serra Leoa, 7,2%. O percentual do orçamento consagrado à administração alcançava até 50%
na Gâmbia e em Zanzibar, mas não ultrapassava 29,3% na Nigéria. Em 1934, o Congo belga destinava
metade de seu orçamento para o serviço da dívida (p. 1454).
108
África desde 1935
demitidos se encontravam, por sua vez, de bom ou mau grado, em um mercado
de trabalho desprovido de elasticidade e incapaz de absorver um acréscimo de
africanos instruídos ou parcialmente instruídos. Nas fileiras do pessoal adminis-
trativo europeu, os cortes foram tais que parecia revivido o tempo do êxodo dos
expatriados, outrora conhecido durante a Primeira Guerra Mundial.
Porém o êxodo dos brancos não atingira uma amplitude que conduzisse os
africanos a poder acreditar, como na África Ocidental francesa entre 1914 -1918,
que eles verdadeiramente fossem partir
35
mas, contudo, a população branca do
Congo passaria de um efetivo de 25.700, em 1930, para 17.600 em 1934
36
. As
reduções de pessoal também teriam como corolário uma redução nos serviços
prestados pela administração aos seus administrados africanos, em particular, nas
áreas da saúde, da educação e das obras públicas. Os africanos da elite letrada
contemplavam, como dantes nunca ocorrera, a falência do Estado colonial ao
qual, em comparação com a geração precedente, haviam trazido um apoio entu-
siasta pois assim percebiam um meio de colher os frutos da ocidentalização.
O desenvolvimento não fora jamais expressamente inscrito no programa das
potências coloniais, tanto menos como uma obrigação perante os seus sujeitos
africanos; contudo, as administrações locais cumpririam grande parte do que
hoje chamaríamos obra de desenvolvimento, levando a cabo a construção de
estradas, de vias férreas, de pontes e portos que eram concebidos, evidente-
mente, antes de tudo para facilitar a exportação de produtos. Com a crise, foi
preciso abandonar boa parte destes projetos ou postergá -los indefinidamente.
Na maioria dos territórios, os canteiros de obras públicas não retomariam, antes
da Segunda Guerra Mundial, os seus níveis de atividade experimentados no fim
dos anos 20. Contudo, o British Colonial Development Act [Lei Sobre o Desen-
volvimento das Colônias] de 1929, redigido antes da crise, visava estimular os
projetos produtivos nas colônias, porquanto o critério de seleção destes planos
seria o grau de desenvolvimento, por eles produzido, na economia metropolitana,
especialmente em termos de criação de empregos. Os capitais em jogo variavam
de território a outro, sendo em geral derrisórios. As principais realizações, na
zona do nosso interesse, foram a abertura da mina de ferro de Marampa, em
Serra Leoa, mediante um investimento de 264.000 libras esterlinas, e a constru-
ção da ponte sobre o rio Zambeze, no Nyasaland
37
. Os projetos desenvolvidos
não o foram sempre em benefício da colônia interessada. Por exemplo, Leroy
35 Consultar M. CROWDER e J. OSUNTOKUN, 1986.
36 E. BUSTIN, 1975, p. 129.
37 Ver D. J. MORGAN, 1980, volume 2, no concernente ao contexto geral; S. CONSTANTINE, 1984.
109
A África sob domínio britânico e belga
Vail demonstrou que a construção da ponte sobre o Zambeze se projetara não
para atender aos interesses do Nyasaland mas, para permitir o fornecimento das
encomendas à indústria siderúrgica britânica, em plena estagnação. Para o Nya-
saland, o resultado nítido da operação consistira em um enorme endividamento
externo que levaria os poderes públicos a autorizar, na colônia, o recrutamento
de africanos como mão de obra para a Rodésia do Sul e para a África do Sul
38
.
Os recursos colocados ao dispor pelo British Colonial Development Act, de 1929,
eram mínimos diante das perdas de rendimento registradas pelas colônias, após
o desabamento das cotações.
A crise expunha a falência da política colonial, como constatado por ao
menos alguns de seus responsáveis, os quais, como sir Philip Mitchell, governa-
dor da Uganda de 1935 a 1940, não eram atingidos pela miopia que parece ter
afetado, desde então, a visão dos exegetas da obra colonial. Em 1939, as notas
informativas confidenciais, remetidas por sir Philip aos funcionários europeus
do Colonial Office, traçavam um quadro sombrio da situação:
“Se, com resolução, eliminarmos dos nossos espíritos as ideias recebidas, incluindo
aqui uma imagem romântica do primitivo e do pitoresco que ainda, por ventura,
tardiamente ali permaneça e, se olharmos a moderna África oriental como ela real-
mente se apresenta, o quadro seria perturbatório.
A pobreza se encontra largamente disseminada e as pessoas sofrem de grande
número de doenças às quais se acrescenta, em geral, a desnutrição.
O trabalho assalariado está frequentemente acompanhado por uma deterioração das
condições de habitação e de nutrição, os próprios salários são baixos e o nível de
esforço e de eficácia no trabalho é medíocre.
A instrução permanece rudimentar e ineficaz, salvo para pequeno número de pri-
vilegiados [...], menos de 5% da população atinge o grau de instrução mínimo e
obrigatório, indicado a todas as crianças do Reino Unido
39
.”
Portanto, desta forma, enquanto ganhavam vigor os protestos manifestos
contra a conduta de um regime colonial agravado pela crise, críticas da mesma
ordem se faziam ecoar na metrópole,o somente na imprensa e no Parlamento
mas, nos próprios corredores do Colonial Office
40
. Enquanto a França expe-
rimentava um movimento comparável, nada similar se produzia na Bélgica
41
.
38 L. VAIL, 1975.
39 P. MITCHELL, 1939, p. 29.
40 R. D. PEARCE, 1982.
41 Fondation Louis -de -Brouckerie/Institut Émile -Vandervelde, p. 20 e subsequentes.
110
África desde 1935
O impacto da Segunda Guerra Mundial nos
territórios sob domínio britânico e belga
Os territórios belgas e britânicos praticamente não haviam mantido relações
durante os anos de crise. Os raros contatos se tinham limitado à questão das
fronteiras comuns e àquela das migrações de mão de obra entre os territórios
belgas e os seus vizinhos da África Central e Oriental sob administração bri-
tânica: Sudão, Uganda, Tanganyika e a Rodésia do Norte. Ora, à imagem do
ocorrido entre 1914 e 1948, os destinos destes dois conjuntos seriam chamados
a se entrecruzar durante a Segunda Guerra Mundial, pois a Grã -Bretanha e a
Bélgica encontrar -se -iam diante do mesmo inimigo comum: a Alemanha. A
Bélgica seria invadida e ocupada pelos alemães em maio de 1940 e a sua colônia
do Congo se tornara então o ponto focal da sua existência independente, exa-
tamente como a África Equatorial francesa se apresentava em relação à França
livre. Contudo, em adverso a esta última, o Congo belga funcionava como um
Estado -colônia efetivamente independente da administração ou da política eco-
nômica e sobre o qual o governo belga, exilado em Londres, não exercia senão
um relativamente limitado controle, mesmo sendo responsável por 85% do seu
financiamento
42
. A Grã -Bretanha, por sua vez, tendo mantido a integridade
do seu território, conservava as suas dependências coloniais sob um controle,
evidentemente, tão estrito quanto em tempos de paz. Mas, o seu destino estaria,
desde logo, intimamente ligado àquele das suas colônias africanas que forne-
ciam tropas e carregadores ao seu exército e aprovisionavam as suas usinas em
produtos agrícolas e minerais. Este quadro se agravara após a conquista, pelos
japoneses, dos impérios coloniais da Europa no Sudeste asiático, duro golpe
aplicado no prestígio da Grã -Bretanha aos olhos dos seus sujeitos coloniais.
A perda da principal fonte de abastecimento em estanho, látex e produtos
derivados da palmeira transformara o Congo belga e as dependências britânicas
da África em novos fornecedores destas matérias -primas, absolutamente vitais
para o esforço de guerra anglo -americano. Antes mesmo da vitória japonesa no
Sudeste da Ásia, acontecera uma reorientação decisiva no comércio do Congo
no qual 85% das exportações eram dirigidas “em 1941, para a Grã -Bretanha, os
Estados Unidos, a Rodésia e a África do Sul, em lugar dos parcos 5% em 1939
43
”.
A administração do Congo belga, em razão da sua própria importância para
42 Académie royale des sciences d´outre -mer, 1983, p. 12.
43 A. LEDERER, 1983, p. 134.
111
A África sob domínio britânico e belga
a causa aliada se preocupava, em tempos de guerra, com a preservação da sua
autonomia, simultaneamente, perante os Aliados e o governo belga estabelecido
em Londres, bem como em manter a sua independência econômica, insistindo
na preservação das relações comerciais com aqueles seus clientes que melhor
pagavam
44
. A demanda por abastecimento, endereçada ao Congo belga pelos
Aliados e tangente aos produtos outrora provenientes do Sudeste da Ásia, teve
um impacto muito forte: a produção de estanho passou de 2.750 toneladas em
1939, para 17.300 toneladas em 1945; o látex, de 1.142 em 1939, para 11.337
toneladas em 1944; quanto ao óleo de palma, ela avançou de 89.947 toneladas
para 144.271 toneladas
45
. Aumentou em proporções análogas a produção de
outros produtos essenciais, como zinco, cassiterita, carvão, cobre ou madei-
ras para construção. Os territórios dependentes do Reino -Unido conheceram
elevações similares nas suas atividades produtivas. Como mostrou Raymond
Dummett, estas exportações de produtos minerais teriam sido indispensáveis à
vitória final dos Aliados. Em particular, a fabricação da bomba atômica, preci-
pitante do fim da guerra contra o Japão, dependia do fornecimento de urânio
pelas minas do Congo belga
46
.
Tais acréscimos na produção exigiriam uma utilização intensiva dos recursos
em mão de obra das colônias. Primeiramente, todos estes territórios britânicos
foram levados a contribuir na qualidade de reservatórios de soldados e traba-
lhadores. No protetorado de Bechuanaland, por exemplo, 10.000 homens foram
recrutados pelo African Pioneer Corps [Corpo de Pioneiros da África], em
uma população total avaliada na ordem de 250.000 habitantes. Neste caso, no
tocante à força de trabalho agrícola e industrial, tratava -se de uma convocação
demasiadamente importante mas, em todas as colônias onde seria realizado um
recrutamento, voluntário ou forçado, pesados tributos cobrar -se -iam junto àque-
les que teriam permanecido no seu lugar de origem. O aumento da demanda
por gêneros alimentícios, látex, madeiras e minerais acrescentava -se, com efeito,
às exigências dos programas de obras públicas requeridas pelo esforço de guerra,
bem como à elevação na demanda por mão de obra para as novas usinas implan-
tadas no Congo belga, especificamente destinadas às atividades produtivas que
a Europa não podia suprir.
Em cada colônia, métodos distintos foram empregados para assegurar este
aumento da produção de matérias -primas estratégicas. No Congo belga, forne-
44 J. -C. WILLIAME, 1983.
45 R. ANSTEY, 1977, p. 144.
46 R. DUMMETT, 1985, p. 392.
112
África desde 1935
cedor relativamente pequeno de homens para os exércitos aliados (uma unidade
congolesa juntar -se -ia ao corpo expedicionário que liberou a Etiópia dos ita-
lianos e homens seriam incorporados às unidades sul -africanas e rodesianas), a
população civil seria mobilizada de forma quase militar para garantir o aumento
da produção. Camponeses eram constrangidos ao trabalho forçado em canteiros
de construção de estradas ou organizados em equipes de extração nos seringais.
Colheitas eram requisitadas. Um dos pontos essenciais da política belga no
Congo consistira, desde o pré -guerra, em exigir de todo africano vivendo em
sociedades de costumes” a realização de 60 dias de trabalho obrigatório (remu-
nerado ou não) na comunidade local. Estes trabalhos comportavam a construção
e a manutenção das estradas assim como a produção de gêneros alimentícios.
Esta política, sancionada por um decreto de dezembro de 1933, contribuíra ao
combate dos efeitos da crise e era aplicada, desde então, com ainda maior rigor,
em razão das necessidades relativas ao prosseguimento da guerra. Se a Bélgica
não podia combater ao menos podia prover aos Aliados os meios para fazê -lo.
Em 1944, o número máximo de jornadas de trabalho obrigatório passara a 120.
Aqueles que se ausentassem deste dever compareceriam perante tribunais de
polícia, de tal forma que o braço da justiça de Estado seria também requerido,
pela administração, com o intuito de também fazer aplicar a sua política de
aumento da produção
47
. Evidentemente, os principais agentes desta política
eram os chefes, apesar do aumento da sua impopularidade. Em seu conjunto e
durante a guerra, os esforços suplementares impostos aos camponeses do Congo
foram, segundo as palavras de Jean Stengers:consideráveis e, por vezes, muito
penosos
48
”.
Na África britânica recorreu -se muito menos ao trabalho obrigatório. Os
principais exemplos foram, após a conquista das Filipinas e da Indonésia pelos
japoneses, os trabalhos forçados nas minas de estanho da Nigéria
49
e o recruta-
mento de trabalhadores nas plantações de sisal da Tanganyika. Este alistamento
visava satisfazer as necessidades em matéria de cordel para amarração dos ame-
ricanos
50
e dos agricultores brancos do Quênia. No tangente a estes últimos e
segundo os termos do protesto manifestado à época por Arthur Creech -Jones:
eles teriam garantido para si, sob a cobertura das necessidades da guerra, uma
47 R. ANSTEY, 1977, p. 147.
48 J. STENGERS, 1983, p. 11.
49 A propósito do escândalo provocado por esses acontecimentos no Parlamento, consultar M. CROW-
DER, 1980, p. 495.
50 J. ILIFFE, 1979, p. 343.
113
A África sob domínio britânico e belga
 . Peça de artilharia antiaérea manobrada por soldados africanos durante a Segunda Guerra Mun-
dial. (Fonte: Ministério da Informação do Reino -Unido. Foto: Topham, Londres.)
nova concessão em detrimento dos africanos
51
”. Mas, se o recrutamento dos sol-
dados e da mão de obra para a armada se fazia, em grande parte e teoricamente,
com base no voluntariado, na prática ele era amiúde obrigatório. Uma vez mais,
os chefes constituíram -se nos principais agentes recrutadores. Quando se lhes
impunha coagir, intuindo fornecer os efetivos solicitados pela administração, a
sua impopularidade aumentava ainda mais. Se os bamangwatu cujo chefe havia
sido Tshekedi Khama, por aproximadamente um quarto de século, depuseram-
-no em 1949, isto se deveu parcialmente ao papel por ele desempenhado no
recrutamento para os britânicos
52
. No entanto, como demonstrado por David
Kiyaga -Mulindwa, este rei era animado pelas melhores intenções pois, ao for-
necer aos britânicos os homens que eles necessitavam para formar uma unidade
militar inteiramente distinta da armada sul -africana, ele e os outros chefes espe-
51 Citado por R. SMYTH, 1985.
52 Ver M. CROWDER, 1985a; N. PARSONS, 1985.
114
África desde 1935
ravam que os britânicos se sentissem em débito em relação aos botsuanos os
quais assim estariam certos de jamais serem extraditados para a África do Sul
53
.
Em suas colônias, belgas e britânicos efetuaram a mobilização da população
africana segundo diferentes modalidades, desenvolvidas com base em concepções
incomparáveis entre si. Os belgas, não projetando para os africanos instruídos
nenhum futuro político relativamente à gestão do Estado colonial, não apresenta-
riam nenhum constrangimento ao não fazer distinção entre suscitar e exigir apoio.
Nas colônias britânicas, inclusive naquelas dominadas pelos brancos, tal qual na
Rodésia do Norte
54
, fora penoso persuadir os africanos a participarem do esforço
de guerra, apresentando -se como voluntários ao serviço militar, aumentando a
produção ou, ainda, depositando a sua contribuição nas caixas de guerra, tudo em
troca da promessa de uma melhoria, ao final da guerra, na sua situação econômica,
social e política. Por meio de anúncios radiofônicos, em sessões de cinema itine-
rante e nos balcões de informação, repetia -se aos africanos serem eles os parceiros
dos seus mestres coloniais na luta pela democratização e na promessa do melhor
dos mundos, este último a esperá -los no s -guerra
55
. Os funcionários coloniais
encontrar -se -iam assim projetados ao papel, para eles inabitual, de propagandistas
do império. Eles postar -se -iam em praça pública e utilizariam todos os meios à
sua disposição para seduzir a opinião pública
56
”.
Precisamente no limiar da guerra, o novo Colonial Development and Welfare
Act fora promulgado e marcaria, embora não abrisse ao conjunto do império
nada além de um crédito anual de 5 milhões de libras, uma importante mudança
na atitude dos britânicos, no que diz respeito à gestão das suas colônias: pre-
liminarmente, o esforço de desenvolvimento deveria ser empreendido, desde
logo, não com vistas às vantagens oferecidas ao país doador mas, em adverso,
em função das necessidades imediatas das colônias interessadas; sem dúvida
igualmente importante, o governo colonial deveria prover os fundos necessá-
rios ao bem-estar social da população, desenvolvendo serviços educacionais ou
criando hospitais; em desenlace e constituindo talvez o traço mais significante,
o velho princípio, qual seja, o autofinanciamento das colônias, seria definitiva-
mente abandonado
57
. No Ministério das Colônias e no Gabinete, o debate em
53 D. KIYAGA -MULINDWA, 1984.
54 R. SMYTH, 1984.
55 Consultar J. CARY, 1944.
56 R. SMYTH, 1984.
 Tal era certamente o ponto de vista do governador das colônias, sir Bernard Bourdillon: consultar J.
WHITE, 1981, pp. 233-234; S. CONSTANTINE, 1984, capítulo 9.
115
A África sob domínio britânico e belga
torno do futuro político das colônias se iniciara, malgrado a espera pelo fim
das hostilidades, hiato necessário, para que um programa de “descolonização”
propriamente dito, ganhasse a luz do dia. No desenrolar da guerra, a incerteza
reinava quanto a saber quem herdaria o poder: autoridades autóctones, elite
educada ou uma associação entre estes dois grupos. Mas, sejam quais forem as
suas formas, nenhuma data fora prevista para a transferência do poder aos afri-
canos. Promessas de reforma política haviam sido feitas nas colônias da África
Ocidental e, embora o seu alcance se tenha revelado totalmente insignificante,
deve-se observar que os projetos elaborados, tanto no que diz respeito à Nigéria
quanto relativamente à Costa-do-Ouro, testemunham da incerteza reinante em
relação à escolha dos futuros beneficiários do poder
58
.
No Congo, nenhuma promessa desta ordem fora expressa pela administração.
O Estado colonial, de fato independente durante o transcorrer da guerra e em
estreita relação econômica com os britânicos e americanos, continuava a exercer
o mesmo rígido controle sobre a população africana, comparativamente à época
em que ele derivava diretamente da autoridade do Ministério Belga das Colô-
nias. Não se fazia nenhuma concessão à id de um eventual papel político dos
africanos na vida da colônia, em que pesem os sinais manifestos de uma insa-
tisfação e de uma agitação que se haviam ampliado durante os anos de guerra
59
.
Como sublinha J. Stengers, a guerra não fora, para este país, “um período de
maiores transformações. Sobre quaisquer pontos de vista, no que diz respeito à
evolução do Congo, ela não representou um ponto de inflexão
60
”. Após a guerra,
o antigo regime de governo colonial, sob a autoridade da metrópole, seria uma
vez mais imposto. Nos anos do imediato pós-guerra, o Congo desempenhara
em relação à recuperação da Bélgica um papel tão essencial quanto outrora,
fornecendo aos Aliados alguns ingredientes à sua vitória. Segundo o escrito por
R. Anstey, essencialmente, as políticas econômicas e administrativas dos anos
da guerra representam um desenvolvimento das práticas existentes e, de forma
alguma, das inovações; a continuidade também constitui um dos traços do
pós-guerra
61
”. Seria preciso alcançar o ano de 1950 para acompanhar o começo
 Para uma interessante análise acerca das discussões sobre o futuro das colônias na África, desenvolvidas
no Colonial Oce durante a guerra, notadamente quanto à existência de projetos de descolonização,
conferir J. FLINT, 1983, pp. 389-411 e a resposta de R. D. PEARCE, 1984, pp. 77-93.
59 R. ANSTEY, 1977, p. 157.
60 J. STENGERS, 1983, p. 11.
61 R. ANSTEY, 1977, p. 159.
116
África desde 1935
da contribuição belga, de forma substancial, ao desenvolvimento econômico e
social do Congo.
O impacto da guerra sobre as dependências africanas da Grã-Bretanha fora
muito diferente. De forma geral, a nova id provinda da crise segundo a qual o
governo britânico teria a obrigação de assegurar o bem-estar econômico e social
das suas colônias, expandir-se-ia no decorrer da guerra. Certos planos seriam
então elaborados no sentido de criar, nas colônias, estabelecimentos de ensino
superior e outros destes projetos visariam construir organizações sindicais.
Créditos foram reservados para a pesquisa colonial, desta forma, criou-se: um
Conselho de Pesquisa sobre os produtos coloniais, um Conselho de Pesquisa
colonial voltado para a ciências sociais, um Comitê de Pesquisa dedicado à
medicina, bem como um Comitê de Pesquisa sobre agricultura, saúde animal e
florestas coloniais.
A Grã-Bretanha engajar-se-ia na via das reformas: por um lado e primei-
ramente, sob a pressão do seu aliado americano, não disposto a fazer a guerra
unicamente para permitir-lhe a conservação do seu império; também e por outro
lado, intuindo responder às incitações provindas do Colonial Office e de outras
fontes; assim como, finalmente e de forma preventiva, para evitar a repetição dos
distúrbios ocorridos nas Antilhas em 1940 em razão de escandalosas condições
econômicas e sociais. Tornara -se rapidamente notório que, no pós -guerra e
sobretudo na África Ocidental, o programa experimental de reformas, lançado
durante a guerra, mostrar -se -ia completamente inapropriado. Malgrado a reto-
mada econômica por ela suscitada, a guerra, em lugar de diminuir o desconten-
tamento rural e urbano dos anos 30, -lo -ia exacerbado. Os agricultores não
haviam plenamente aproveitado a nova elevação das cotações mundiais dos seus
produtos de exportação pois, a administração controlava os preços e destinava as
somas, obtidas da diferença entre preços mundiais e preços locais, a uma caixa
de compensação cuja função seria financiar as compras de material bélico nos
Estados Unidos. Assim, na Tanganyika, o sisal era comercializado por menos da
metade do preço pago pelos americanos, o que permitiria ao Tesouro britânico
acumular, segundo os cálculos de J. Iliffe, um benefício de 11 milhões de libras,
durante o período de controle sobre os preços
62
.
No Quênia, os agricultores brancos conheceriam um renascer da fortuna,
sobretudo a partir da ocupação, pelos japoneses, das colônias dos Aliados no
Extremo Oriente. Os poderes blicos compravam -lhes o milho a preços
62 J. ILIFFE, 1979, p. 344.
117
A África sob domínio britânico e belga
subsidiados e mecanismos de assistência financeira haviam igualmente sido
implantados para o linho, o centeio e o trigo. O preço subsidiado garantido
aos colonos era amiúde duas vezes mais elevado que aquele ofertado aos cul-
tivadores africanos que tampouco viveriam qualquer período de prosperidade,
a ponto de levá -los a colocarem novas terras em aproveitamento. Em gestação,
o conflito de interesses entre os dois grupos de agricultores não fizera senão
se acentuar
63
.
Embora os agricultores africanos não gozassem de todos os benefícios
alcançados com a elevação das cotações dos produtos no mercado mundial e,
em certos casos, sequer os percebessem, ser -lhes -ia necessário pagar mais caro
pelas mercadorias importadas cuja oferta se encontrava reduzida em razão das
dificuldades no âmbito do transporte marítimo. Como consequência, surgiria
uma inflação de incidência indistinta sobre trabalhadores rurais e urbanos. Na
Tanganyika, os preços quase dobrariam durante a guerra e os autores de uma
enquete conduzida em Dar es -Salaam, no ano de 1942, notariam que “cerca
de 87% dos empregados nos serviços públicos recebem um salário com o qual
lhes é materialmente impossível subsistir sem endividamento
64
”. O número de
trabalhadores urbanos aumentara sensivelmente, tanto em razão da implantação
de indústrias de substituição para os produtos importados cuja compra não ser-
-lhes -ia mais possível, quanto em consequência do início das obras de constru-
ção de estradas, objetivando permitir a comunicação entre a África Ocidental e
a África Oriental, ligação esta tornada essencial para as operações militares na
África do Norte e, igualmente, fundamental para a provisão e abastecimento
em combustível dos navios a caminho da Índia e da campanha da Birmânia.
No Congo belga, a guerra estimulara o êxodo rural pois, os africanos desejavam
se livrar da política desenfreada de recrutamento executada pelas autoridades e
das suas pesadas exigências em matéria de produção agrícola
65
.
O crescimento de um proletariado urbano não se acompanharia de um com-
parável desenvolvimento no tangente às possibilidades habitacionais, muitos de
seus componentes viviam em terríveis condições de existência nas favelas. Neste
contexto, agravado pela inflação, tal proletariado encontrar -se -ia maduro para
a ão política e reivindicatória. Numerosas greves foram desencadeadas em
apoio a reivindicações salariais durante a guerra na África britânica. No pró-
63 D. ANDERSON e D. THROUP, 1985, p. 335 e subsequentes.
64 Report of enquiry into wages and cost of living of low grade African government employees in Dar es Salaam,
setembro de 1942, citado por J. ILIFFE, 1979, p. 354.
65 R. ANSTEY, 1977, p. 173.
118
África desde 1935
prio Congo belga onde a autoridade era exercida de modo muito mais estrito,
os operários da União Mineradora por -se -iam em greve em 1941, em protesto
contra a degradação das suas condições de existência, não retornando ao trabalho
senão coagidos ou forçados, através da intervenção das forças armadas após o
assassinato de 70 grevistas
66
.
A guerra estimulava igualmente as ambições dos indivíduos pertencentes à
elite instruída, entre eles alguns vir -se -iam atribuir -lhes postos na administra-
ção e nos negócios da colônia, em substituição a funcionários e gestores britâ-
nicos militarmente convocados. Estas ambições inspirar -se -iam, notadamente,
na Carta do Atlântico, assinada em 1941 por Franklin D. Roosevelt e Winston
Churchill, texto de afirmação “do direito, de todos os povos, à escolha da forma
de governo sob a qual eles pretenderiam viver” e de expressão do desejo em
“ver restaurados os direitos soberanos e a autonomia àqueles aos quais estas
atribuições teriam sido usurpadas pela força”. A infirmação ulterior do Primeiro
66 B. FETTER, 1976, p. 173.
 . O dia da independência da Suazilândia: o chefe Sobhuza II,o Leão da Suazilândia”, passa em
revista as suas tropas. (Foto: Camera Press, Londres. Foto de Jan Kopec.)
119
A África sob domínio britânico e belga
Ministro britânico segundo o qual a Carta não dizia respeito aos territórios
africanos do seu país, não fizera senão exacerbar os rancores nacionalistas vis-
-vis do regime colonial. A este respeito, o contraste com a África belga era
evidentemente surpreendente, aqui não havia nenhuma elite instruída pois a
escola primária consistia no mais elevado nível de instrução ao qual podia aspirar
a maioria dos africanos, se resumindo as possibilidades de educação, muito mais
além, em tudo e por tudo, ao seminário católico.
A elite não fora a única a ver as suas ambições excitadas em razão da guerra.
Os homens recrutados nas propriedades rurais para combaterem na Birmânia
ou para trabalharem como operários no Oriente Médio e na Itália, estes indi-
víduos haviam adquirido novas competências e aprendido novas profissões;
muitos deles haviam sido alfabetizados; outros tantos foram aqueles que expan-
diram os seus horizontes ao permanecer na Índia onde haviam testemunhado
a exigência da partida dos britânicos por parte dos nacionalistas, igualmente na
Itália, país onde presenciaram as massivas destruições que os brancos haviam
sido capazes de se infligir uns contra os outros. Quando retornaram ao seu país,
estes homens alimentaram para si mesmos e para os seus filhos, ambições muito
distintas daquelas por eles conhecidas à época do seu recrutamento. No Congo
belga, as aspirações nascidas sob outros céus permaneciam sufocadas por um
sistema administrativo cujos acessos, rigorosamente controlados, não deixavam
alternativa política alguma aos africanos. No próprio desenrolar da guerra, afri-
canos instruídos tentariam, portanto, pela primeira vez, abrir uma brecha no
regime colonial; com efeito, suboficiais negros montaram contra os belgas, em
Élisabethville, uma conspiração mal organizada, facilmente neutralizada
67
. Mas,
em colônias como a Costa -do -Ouro ou a Nigéria, os soldados desmobilizados
da guerra podiam expressar as suas novas aspirações, transformando -se em
militantes, por vezes dirigentes, dos partidos políticos em luta desde logo pelo
direito dos africanos ao autogoverno.
A África sob domínio britânico e belga no
limiar da luta pela independência
Em 1935, era inimaginável conceber a independência, um quarto de século
mais tarde, da maior parte da África britânica e belga. A administração colonial
67 Ibid.
120
África desde 1935
britânica admitia -lhe a possibilidade em um prazo mínimo de três gerações e os
belgas pensavam serem necessários ao menos cem anos antes de poder sequer
projetar a questão da independência. Até o mais otimista dos líderes políticos
da África Ocidental não seria capaz de prever que, em 1960, e a fortiori, em
1957, tal objetivo fosse atingido. Nos anos 30, a palavra independência não apa-
recia com frequência nos discursos dos políticos africanos. Ora, desde 1945, no
tocante ao essencial da África britânica e quiçá da África belga, a independência
assimilava -se a um objetivo plausível, embora ainda distante. A possibilidade da
chegada da Costa -do -Ouro ao estatuto da independência era um tema evocado
no Colonial Office, ainda que estimada a sua pouca probabilidade de concre-
tização em menos de uma geração
68
”. A década de 1935 -1945 constitui assim
um momento capital da história colonial e, indubitavelmente durante um longo
período, debater -se -á acerca dos fatores de mudança em curso. A Grande Crise
Econômica e a Segunda Guerra Mundial haviam exercido uma forte influência,
tanto sobre a atitude dos colonizados quanto sobre aquelas dos... colonizadores.
Contudo, algumas evoluções haviam ocorrido antes mesmo das repercussões da
crise na África e, certamente, antes que esta última tenha sofrido o impacto da
Segunda Guerra Mundial.
Antes de tudo, o investimento inicial realizado no âmbito educacional na
África, particularmente na África britânica em fins do século XIX e nos pri-
mórdios do século XX, começara a oferecer os seus frutos criando uma elite
com uma consciência política; ora, uma correlação direta estabelecera -se entre
as proporções da elite educada e a população de uma colônia, por um lado, e o
desenvolvimento de um movimento nacionalista eficaz, por outro lado. Desta
forma, o rico Congo belga, onde as possibilidades de instrução oferecidas aos
africanos eram reduzidas ao mínimo, permanecia muito atrasado em compa-
ração ao seu vizinho, o Sudão anglo -egípcio (atual Sudão), país pobre, porém
dotado de escolas de direito, engenharia, veterinária, agronomia e medicina,
abertas no pré -guerra. Em seguida, seja qual fora o sistema de exploração empre-
gado pela potência colonizadora, aproximadamente em meados dos anos 30, a
maioria dos africanos estava, de uma forma ou outra, diretamente implicada
no funcionamento da economia colonial e a política aplicada pelos mestres da
colônia os atingia quase em sua totalidade.
A Depressão e a Segunda Guerra Mundial reforçariam, cada qual a sua
maneira, a percepção pelas elites das injustiças do sistema colonial, especial-
68 Constitutional development in Africa, memorando redigido por A. COHEN, Public Record Oce,
Londres, CO847/36/47238, citado por J. P. HARGREAVES, 1985, p. 438.
121
A África sob domínio britânico e belga
mente quanto à sua participação no sistema, antes bloqueada e em seguida
facilitada por estes acontecimentos. Outrossim, a Depressão e a Segunda Guerra
Mundial, em função dos desafios que a economia mundial infringira -lhes e das
perspectivas que ela abrira e posteriormente fechara, estes eventos históricos
apuraram o entendimento do campesinato e do nascente proletariado no que
tange ao Estado colonial. Em decorrência desta evolução, as potências coloniais
encontrar -se -iam diante de uma África muito diferente daquela dos primórdios
dos anos 30. Quando tomaram consciência da realidade destas mudanças, os
britânicos estavam preparados e adaptados a elas, no que diz respeito aos belgas,
esta preparação não ocorrera e as consequências desta inadequação mostrar -se-
-iam catastróficas.
123
A LUTA PELA SOBERANIA
POLÍTICA, DE 1945 ÀS
INDEPENDÊNCIAS
S E Ç Ã O I I
125
“Procurai primeiramente o reino político...”
C A P Í T U L O 5
“Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos será dado
em suplemento
1
.” Quando pronunciou estas palavras, Kwame Nkrumah estava
persuadido que a independência política era a chave de todas as melhorias proje-
tadas para a condição africana. Esta declaração derivava da ideia de primazia do
político nos assuntos humanos concepção radicalmente diferente daquela pró-
pria ao determinismo econômico. Caso fosse um marxista por completo, Kwame
Nkrumah teria proclamado:Procurai primeiramente o reino econômico e todo
o restante vos será dado em suplemento.”
E, no entanto, em uma situação colonial, a preponderância dada por Kwame
Nkrumah ao político estava, ao menos em parte, justificada. A África colonial
deveria realmente começar por se esforçar em adquirir a soberania política antes
de planejar qualquer outro tipo de soberania. Mas, Nkrumah deixava obscura uma
simples distinção que a lógica nos ensina aquela existente entre condição suficiente
e condição necessária. A soberania política (“o reino político”) era realmente uma
condição necessária para que a África pudesse realizar ou satisfazer qualquer uma
das suas aspirações essenciais. Mas, a soberania política por si não era suficiente.
Ela não era uma condição suficiente. E, simplesmente, não consiste em algo ver-
dadeiro a afirmaçãotodo o restante vos será dado em suplemento”.
A situação reinante em Gana, tria de Nkrumah, nos anos 1980, parecia muito
bem desmentir as suas opiniões. Com efeito, tudo se passava como se antes tivesse
1 K. NKRUMAH, 1957, p. 164.
“Procurai primeiramente o
reino potico...”
Ali A. Mazrui
126
África desde 1935
sido necessário dizer: “Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos
seretirado.” A economia estava em piores condões que aquelas vividas na época
da chegada à soberania política; o sistema educativo se deteriorara; as estradas se
degradavam, as vias rreas enferrujavam, os telefones o mais tocavam, as infraes-
truturas em geral tombavam em decrepitude. Uma diáspora ganense se constituíra,
privando o ps de numerosos homens de valor, doravante espalhados pelos quatro
cantos do mundo. O cacau ganense era vendido como se fosse cacau marfinense,
no intuito de se obter pros mais elevados. Se o presidente Nkrumah, fundador
de Gana e o presidente Houphouët -Boigny, fundador da Costa -do -Marfim, tives-
sem apostado no respectivo valor dos modelos opostos, por eles adotados, os fatos
aparentemente teriam dado a razão ao presidente marfinense. Ele próprio obtivera
lucros superiores ao pro de certa diluição da soberania política.
Se, por um lado, Nkrumah avaliara com exatidão, ao afirmar que a África
deveria procurar primeiramente o reino político e se, por outro lado, ele se enga-
nou ao perceber nesta busca uma condição suficiente para que “todo o restante”
viesse em decorrência, qual seria o julgamento da história sobre o conjunto da
sua proposição? Qual seria o saldo da busca do reino político? Quais seriam os
prováveis desdobramentos da luta para que “todo o restante” fosse concedido
à África? Eis algumas das questões que nós abordaremos no presente capítulo.
O renascimento do nacionalismo
A luta pelo reino político − ou pela soberania política − na África colonial se
desdobrou em quatro etapas, por vezes entrecruzadas nos fatos mas, nitidamente
passíveis de análise. Antes da Segunda Guerra Mundial, produziu -se primeira-
mente uma fase de agitação das elites em favor de uma maior autonomia. A ela
seguiu -se um período caracterizado pela participação das massas na luta contra
o nazismo e o fascismo. Adveio, em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, a
luta não violenta das massas por uma total independência. Finalmente, sobreveio
o combate armado pelo reino político: a guerrilha contra os governos de minoria
branca, sobretudo a partir dos anos 1960. Os desdobramentos dessas lutas estão
resumidos, em ordem cronológica, na tabela 5.1.
Em meio às primeiras formas de organização da elite, figuraram as associações
culturais e os grupos de interesse. O entreguerras viu florescer em várias conias
todo tipo de associação, fundadas na etnia ou no parentesco, nascidas quer da soli-
dariedade existente no seio da urbanizada o de obra migrante, quer sob o efeito
do sentimento de alienão ressentido pelos africanos no sistema de exploração
colonial. As organizações que assim emergiram compunham um leque abrangendo
127
“Procurai primeiramente o reino político...”
desde a Associação Central dos Kikuyu, na África Oriental, até a Conveão pelo
Renascimento Urhobo, na África Ocidental. Na África muçulmana, as organiza-
ções culturais estavam por vezes ligadas à religo, muito mais que à etnia. Desta
forma, em 1935, o shaykh Abd al -Hamid Badis criou, na Argélia, a Associação dos
ula’, especialmente dedicada à defesa do islã em uma situação colonial.
A agitação também tomou outras formas durante os anos do entreguerras.
Em maio de 1935, por exemplo, greves e motins de mineiros africanos eclo-
diram na Copper Belt da Rodésia do Norte. Na Nigéria, diversos grupos de
interesse começaram a se organizar; somente na cidade de Lagos, esta febre de
organização levou à criação das seguintes associações
2
: Sindicato dos Leiloeiros
de Lagos, em 1932; Associação dos Pescadores de Lagos, em 1937; Associação
dos Motoristas de Táxi, em 1938; Sindicato dos Abatedores de Lagos, em 1938;
Sindicato dos Jangadeiros de Lagos, em 1939; Sindicato das Mercadoras de
Farinhas, em 1940; Associação dos Mercadores de Vinho de Palma, em 1942;
Sindicato dos Fosseiros de Lagos, em 1942.
Outras organizações culturais ou de interesse da elite instruída se formaram
no estrangeiro entre africanos e afro -descendentes. O pan -africanismo entrava
em uma nova fase. Na França, Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire funda-
vam L’Etudiant noir. Por sua parte, Kwane Nkrumah, Jomo Kenyatta e W. E. B.
Du Bois se afirmaram na qualidade de ativos pan -africanistas, na Grã -Bretanha
e nos Estados Unidos.
Certamente, numerosos destes movimentos do entreguerras eram essencial-
mente formados por elites e muitos grupos de interesse possuíam, sobretudo, um
caráter urbano mas, a entrada das massas na vida política começava a se vislumbrar.
Uma campanha de desobediência civil, organizada na Tunísia por Habib Bour-
guiba, desembocou em levantes na cidade de Túnis. Bourguiba e muitos dos seus
companheiros foram julgados por um tribunal militar. Oficialmente dissolvido, o
seu partido (o Néo -Destour) prosseguiu a sua atividade na clandestinidade.
As cnicas empregadas contra o imperialismo durante esta fase tinham
essencialmente um caráter não violento e fundavam -se na agitação; houve,
entretanto, exceções, como a luta dos etíopes contra a ocupação italiana. Em
fevereiro de 1937, um atentado a granada foi executado contra o vice -rei em
Adis -Abeba. Em 1939, a resistência conseguira enfrentar por certo tempo um
conjunto de 56 batalhões italianos. Os rebeldes etíopes combateram sozinhos
até 1940, quando se uniram a um pequeno contingente de tropas britânicas,
antes mesmo que a Grã -Bretanha, em março de 1941, tivesse invadido a Etiópia,
contando com a anuência do imperador Haïlé Sélassié.
2 Conferir J. S. COLEMAN, 1963, pp. 212 -213.
128
África desde 1935
TABELA . CRONOLOGIA DA INDEPENDÊNCIA AFRICANA
Estado
Data da
Independência
Potência
Colonial
Notas
Etiópia Desde a
Antiguidade
Ocupação italiana de 1935 a 1941.
Libéria 26/VII/1847 Colônia privada de 1822 a 1847.
África do
Sul
31/V/1910 Grã-
-Bretanha
(Suid Afrika) União de quatro colônias: a colô-
nia do Cabo, Natal, o Estado Livre de Orange
(Oranje Vrij Staat) e o Transvaal (Zuid Afri-
kaansche Republick), estas duas últimas tendo
sido repúblicas independentes até 31/V/1902. A
União tornou-se uma república externa ao Com-
monwealth britânico em 31/V/1961. Dirigida por
uma minoria branca. Territórios “independentes”
não-reconhecidos: Transkey, 26/X/1976; Bophu-
thatswana, 6/XII/1977; Venda, 13/IX/1979; Cis-
kei, 4/XII/1981.
Egito 28/II/1922 Grã-
-Bretanha
Forma, juntamente com a Síria, a República
Árabe Unida (RAU) do 1/II/1958 até 28/
IX/1961. Federação com o reino do Iêmen de 8/
III/1958 até 26/XII/1961. Conserva o nome de
República Árabe Unida até 2/IX/1971.
Líbia 24/XII/1951 Itália Administração britânica (Tripolitânia e
Cirenáica) e francesa (Fezzān) de 1943 a 1951.
Etiópia
(Eritréia)
11/IX/1952 Itália Administrão britânica de 1941 a 1952. Em
seguida, federação da Eritréia e da Etiópia em
1952. União total em 14/XI/1962.
Etiópia
(Ogaden)
1955 Ocupação italiana de 1936 a 1941. Administra-
ção britânica de 1941 a 1955.
Sudão 1/I/1956 Grã-
-Bretanha
e Egito
Condomínio anglo-egípcio.
Marrocos 2/III/1956 França
Tunísia 20/III/1956 França
Marrocos
(uma parte)
7/IV/1956 Espanha (Marruecos) Zona setentrional espanhola.
Marrocos
(uma parte)
29/X/1956 Zona internacional (Tânger).
Gana 6/III/1957 Grã-Bre-
tanha
(Costa do Ouro) Incluindo o Togo britânico
(território sob tutela da ONU), parte da antiga
colônia alemã do Togo.
129
“Procurai primeiramente o reino político...”
Marrocos
(uma parte)
27/IV/1958 Espanha (Marruecos) Zona meridional espanhola.
Guiné 2/X/1958 França (Guiné Francesa)
Camarões 1/I/1960 França Tutela da ONU. Maior parte da antiga colônia
alemã do Kamerun.
Togo 27/IV/1960 França Tutela da ONU. Maior parte da antiga colônia
alemã do Togo.
Senegal 20/VI/1960
(20/VIII/1960)
França Inicialmente independente sob a forma de uma
Federação do Mali com o antigo Sudão Francês
(Mali). Federação dissolvida após dois meses de
existência. União com a Gâmbia na Confedera-
ção da Senegâmbia em 1/I/1982. Dissolução da
Confederação em 21/IX/1989.
Mali 20/VI/1960 França (Sudão Francês) Inicialmente independente
sob a forma de uma Federação do Mali com o
Senegal. Federação dissolvida após dois meses
de existência.
Madagascar 26/VI/1960
(30/VI/1960)
França (República Malgache)
Zaire 30/VI/1960 Bélgica Estado Independente do Congo de 2/V/1886
até 18/XI/1908, data em que se tornou Congo
Belga (Belgish Congo). Adotou o nome de Zaire
em 27/X/1971.
Somália 1/VII/1960 Itália Tutela da ONU. União de duas colônias. Somália
Britânica Independente antes da união, em 26/
VI/1960.
Benin 1/VIII/1960 França Antigo Daomé, mudou de nome em 30/XI/1975.
Níger 3/VIII/1960 França
Burkina
Fasso
5/VIII/1960 França Antigo Alto-Volta, mudou de nome em 4/
VIII/1984.
Costa do
Marm
7/VIII/1960 França
Chade 11/VIII/1960 França (Oubangui-Chari) Império Centro-Africano de
4/XII/1976 a 20/IX/1979.
República
Centro-
-Africana
13/VIII/1960
Congo-
-Brazzaville
15/VIII/1960 França (Médio Congo)
Gabão 17/VIII/1960 França
130
África desde 1935
Nigéria 1/X/1960 Grã-
-Bretanha
Mauritânia 28/XI/1960 França
Serra Leoa 27/IV/1961 Grã-
-Bretanha
Nigéria
(norte do
Camarões
britânico)
1/VI/1961 Grã-
-Bretanha
Tutela da ONU. Parte da antiga colônia alemã
do Kamerun. Plebiscito nos dias 11 e 12/II/1961.
Camarões
(sul do
Camarões
britânico)
1/X/1961 Grã-
-Bretanha
Tutela da ONU. Parte da antiga colônia alemã
do Kamerun. Plebiscito nos dias 11 e 12/II/1961.
União com Camarões para formar a República
Federal de Camarões.
Tanzânia 9/XII/1961 Grã-
-Bretanha
(Tanganyika) Tutela da ONU. Maior parte da
antiga Deutsch-Ostafrika, colônia alemã. Nome
de República Unida da Tanzânia adotado após a
união com Zanzibar, em 27/IV/1964.
Burundi 1/VII/1962 Bélgica Tutela da ONU. O Ruanda-Urundi, dividido
no momento da independência, formava uma
pequena parte da Deutsch-Ostafrika, antiga colô-
nia alemã.
Ruanda 1/VII/1962 Bélgica
Argélia 3/VII/1962 França
Uganda 9/X/1962 Grã-
-Bretanha
Tanzânia
(Zanzibar)
10/XII/1963 Grã-
-Bretanha
União com a Tanganyika para formar a República
Unida da Tanzânia, em 27/IV/1964.
Quênia 12/XII/1963 Grã-
-Bretanha
Malaui 6/VII/1964 Grã-
-Bretanha
(Niassalândia) Forma uma federão com as
Rodésias de 1/X/1953 a 31/XII/1963.
Zâmbia 24/X/1964 Grã-
-Bretanha
(Rodésia do Norte) Forma uma federação com a
Niassalândia e a Rodésia do Sul de 1/X/1953 a
31/XII/1963.
Gâmbia 18/II/1965 Grã-
-Bretanha
União com o Senegal na Confederação da Sene-
gâmbia, em 1/I/1982. Dissolução da Confedera-
ção em 21/IX/1989.
Botsuana 30/IX/1966 Grã-
-Bretanha
(Bechuanalândia)
131
“Procurai primeiramente o reino político...”
Lesoto 4/X/1966 Grã-
-Bretanha
(Basutolândia)
Maurício 12/III/1968 Grã-
-Bretanha
Suazilândia 6/IX/1968 Grã-
-Bretanha
Guiné
Equatorial
12/X/1968 Espanha Inclui o Rio Muni (Mbini) e Fernando Poo
(Macías Nguema Biyogo).
Marrocos
(Ifni)
30/VI/1969 Espanha (Territorio de Ifni)
Guiné-
-Bissau
10/IX/1974 Portugal Guiné-Bissau, outrora Guiné Portuguesa.
Moçambique 25/VI/1975 Portugal
Cabo Verde 5/VII/1975 Portugal
Comores 6/VII/1975 França (Arquipélago de Comores) Excetuando-se a Ilha
de Mayotte que permanece um território francês
de além-mar.
São Tomé e
Príncipe
12/VII/1975 Portugal
Angola 11/XI/1975 Portugal (Incluindo Cabinda)
Saara
Ocidental
28/II/1975 Espanha (o de Oro e Saguía el Hamra) Anexado pelo
Marrocos na partida da Espanha. Ocupão
contestada pela Frente Polisario, constituída em
10/V/1973.
Seicheles 26/VI/1976 Grã-
-Bretanha
Jibuti 27/VI/1977 França (Terririo Frans dos Afars e dos Issas, outrora
Costa Francesa dos Somális)
Zimbábue 18/IV/1980 Grã-
-Bretanha
(Rodésia, outrora Rodésia do Sul) Declaração
unilateral de indepenncia de 11/XI/1965 a 12/
XII/1979. Forma uma federão com a Rodésia do
Norte e a Niassandia de 1/X/1953 a 31/XII/1963.
Namíbia 21/III/1990 África do
Sul
(África do Sudoeste) Tutela da ONU. Antiga
colônia alemã Deutsch-Südwestafrika. Contrové-
rsia entre a África do Sul e a ONU.
F: I. L. L. Griths, An atlas of African aairs, 1989, Routledge, Chapman and Hall Inc., New York,
et Routledge, Londres, pp. 182-185. Atualizado pela UNESCO no que diz respeito à dissolução da Confe-
deração da Senegâmbia e à independência da Namíbia.
N   : Embora a África continental seja hoje inteiramente independente, resta
todavia certo número de ilhas e pequenos enclaves sob tutela estrangeira: o Arquipélago da Madeira (sob
132
África desde 1935
Durante a Segunda Guerra Mundial, o conjunto da África teve que escolher
entre o imperialismo liberal e burguês e um imperialismo situado sob a insígnia
de uma nova ameaça o nazismo e o fascismo. O dilema tomou uma forma
particularmente aguda nas colônias francesas, uma vez que a própria França
estava submetida à ocupação e dividida em duas. Desde 1938, a França retirara
20.000 soldados da África Ocidental francesa (AOF), dentre os quais 7.000
haviam sido enviados à metrópole; este contingente somava -se aos 18.000 ati-
radores estacionados na AOF e aos 29.000 combatentes anteriormente em ação
na França e na África do Norte. No total, 130.000 homens foram mobilizados
na AOF; os alemães certamente trataram com crueldade e desprezo aqueles
capturados como prisioneiros.
Dakar, capital da AOF, reconheceu no início a autoridade do regime de
Vichy; em setembro de 1940, uma expedição anglo -francesa tentou em vão ocu-
par a cidade. Entretanto, um mês antes, o Níger e o Chade se haviam declarado
favoráveis a Charles de Gaulle e à França livre. Finalmente, em dezembro de
1942, a África Ocidental francesa arregimentou as suas tropas no campo aliado
para lutar contra o nazismo.
Todo o continente africano participou amplamente da Segunda Guerra
Mundial. Deveríamos nós entrever neste engajamento da África uma simples
manifestação de colaboração com as potências coloniais ou, ao contrário, uma
fase particular da luta anticolonial desta região?
Na realidade, as opiniões estavam muito divididas na África durante a
Segunda Guerra Mundial. Mas, em seu conjunto, os espíritos eram mais favo-
ráveis aos “demônios” que os africanos conheciam (em particular a Grã-
-Bretanha e a França livre) em comparação com os novos demônios do nazismo
e do fascismo.
Quanto aos africanos que haviam experimentado a severidade alemã antes do
nazismo (como os povos da Tanganyika e do Togo), eles sabiam que os alemães
faziam parte das mais brutais potências imperialistas que a África já conhecera.
Quando Hitler ordenou em 1936 o retorno ao domínio alemão das suas antigas
colônias africanas, a notícia mergulhou os habitantes destas regiões em um mar
de consternação. Eis o motivo da fundação, em 1938, da Liga da Tanganyika,
sediada em Nairóbi e esforçada em impedir a restauração da autoridade colonial
administração portuguesa); as Ilhas Canárias e as possessões espanholas da África do Norte (sob adminis-
tração espanhola), o Arquipélago Tristão da Cunha, as ilhas da Ascensão e Santa Helena (sob administração
britânica); Mayotte e as ilhas francesas do Oceano Índico (sob administração francesa); a Reunião é um
departamento francês de além-mar e Socotra pertence ao Iêmen.
133
“Procurai primeiramente o reino político...”
alemã sobre a Tanganyika. Os residentes brancos e os autóctones negros estavam
unidos em torno de uma mesma oposição. Durante a guerra contra o Eixo (de
1939 a 1945) 87.000 africanos oriundos da Tanganyika serviram ao lado dos
aliados para evitar o retorno dos alemães.
A participação da África na Segunda Guerra Mundial deve ser apreciada
sob a ótica da “escolha entre vários demônios”. O seu engajamento não foi um
processo de colaboração com o imperialismo mas, uma luta contra uma forma
de hegemonia ainda mais perigosa. Paradoxalmente, o engajamento da África
na guerra representou uma parte integrante da luta do continente contra a
exploração estrangeira e da busca pela dignidade humana.
A guerra certamente desempenhou um papel ao enfraquecer as potências
imperiais. A França fora humilhada pelos alemães e a sua derrota contribuiu
para a destruição do mito da sua invencibilidade imperial. A Grã -Bretanha saiu
empobrecida e esgotada da guerra durante a qual ela perdera, inclusive, a vontade
de conservar o domínio sobre um império demasiado vasto. Somente pouco
mais de dois anos após o fim do conflito mundial, ela foi obrigada a separar-
-se da “mais brilhante joia da Coroa britânica”, o império das Índias. A guerra
também contribuiu para reforçar o papel planetário dos Estados Unidos e da
União Soviética cujas sombras se projetavam doravante muito além do universo
da Europa imperial. Cada qual à sua maneira, as novas superpotências iniciaram
uma pressão junto aos primeiros colonizadores, os europeus, com o intuito de
conduzi -los a desmantelar os seus impérios (as superpotências possuíam seus
próprios objetivos imperialistas para o pós -guerra).
O nascimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, também con-
tribuiu para o processo de descolonização pelo mundo. À medida que a orga-
nização internacional se tornava mais autenticamente representativa de toda a
humanidade, o colonialismo perdia pouco a pouco a sua legitimidade. Pratica-
mente cada um dos Estados que se tornaram membros das Nações Unidas após
a independência da Índia, veio trazer a sua voz junto àquelas que protestavam
contra os velhos sistemas imperiais. O Conselho Tutelar da ONU tornou -se
assim um dos principais grupos de pressão contra o colonialismo em geral.
A própria razão de ser da guerra, a luta contra a tirania e a conquista, parecia
condenar o colonialismo que, finalmente, não era senão uma forma de tirania e
de conquista. Quando Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt assinaram,
em agosto de 1941, a Carta do Atlântico, não denunciavam somente a injustiça
na Europa, embora esta última constituísse a principal preocupação do primeiro-
-ministro britânico. Inconscientemente, eles assinavam, na mesma ocasião e
134
África desde 1935
para o restante do século XX, o golpe mortal contra a ideia da legitimidade do
colonialismo.
Entretanto, a mais potente força de oposão ao colonialismo na África
era formada pelos próprios africanos que começavam a se organizar melhor, a
formular mais claramente suas exigências e, em definitivo, a se armar melhor
para a luta.
No transcorrer deste período, a resistência africana obedece a muitas tra-
dições: a tradição guerreira, a tradição da jihad, a tradição da revolta cristã, a
tradição da mobilização não violenta e a tradição da guerrilha. Vejamos de mais
perto cada uma destas estratégias de resistências, sem ignorarmos que elas não
foram invariavelmente utilizadas como técnicas independentes mas, por vezes,
se associavam para reforçarem -se mutuamente.
A tradição guerreira de resistência
Esta tradição está ligada ao conceito da resistência primária”, colocado em
evidência pela escola de história africana de Dar es -Salaam. Esta escola emprega
o termo “primária em seu sentido cronológico, para designar a resistência que se
manifesta no momento da invasão e da conquista europeias. Ao final das contas,
muitas sociedades africanas haviam decidido não permanecer passivas diante do
avanço das forças coloniais e previram combatê -las à medida que elas ganhavam
terreno. Esta resistência compreendia desde as guerras ashanti até a insurreição
dos ndebele, lutas descritas e comentadas nos volumes precedentes da História
Geral da África da UNESCO.
O termo primária” aplicado à resistência tem igualmente um outro sentido:
ele não foca exclusivamente o que acontece em uma época anterior mas também
aquilo que se enraíza muito profundamente na tradição guerreira autóctone.
O significado de primária aqui presente é mais cultural e muito menos cro-
nológico. Os combatentes mau -mau pela liberdade não se sublevaram contra
os britânicos senão no fim dos anos 1950 mas, fizeram -no apoiados sobre um
conjunto de valores guerreiros e de crenças religiosas muito propriamente per-
tencentes aos kikuyu, tendo incorporado toda a simbologia de combate das cul-
turas autóctones, inclusive complexas cerimônias de juramento. Nesta acepção
cultural, seu movimento era nitidamente “primário”.
135
“Procurai primeiramente o reino político...”
Um tipo análogo de simbolismo primordial pôde ser mais tarde desvendado,
sob formas muito sutis, nas lutas de libertação travadas na África Austral onde
a possessão pelos espíritos não era desconhecida dos guerrilheiros: Basil Davi-
dson mostrou que, jurando em nome dos grandes espíritos de Chaminuka e de
Nehanda, os guerrilheiros conferiam sentido ao seu combate
3
.
Antes da independência, Nathan Shamuyarira insistira sobre os aspec-
tos relevantes na luta do Zimbábue:Nos campos, reuniões transformavam -se
em manifestações políticas e além disso, [...] permitia -se reviver o patrimônio
ancestral através das preces e dos cantos tradicionais, invocavam -se os espíritos
dos ancestrais solicitando -lhes que guiassem e conduzissem a nova nação. O
cristianismo e a civilização estavam relegados ao segundo plano e novas formas
de cultos assim como novas atitudes ganhavam uma espetacular importância
4
.”
3 B. DAVIDSON, 1969, p. 255.
4 N. M. SHAMUYARIRA, 1965, pp. 68 -69. Também conferir T. O. RANGER e J. WELLER (org.)
1975.
 . Dedan Kimathi, herói do combate dos mau -mau pela independência, capturado em 21 de
outubro de 1956 e em seguida executado. (Foto: Newslink Africa, Londres.)
136
África desde 1935
Joshua Nkomo, o combatente zimbabuano pela liberdade que retornava
do exterior, foi acolhido em 1962 no aeroporto de Salisbury (Harare) por um
sobrevivente da resistência de 1896 -1899. O velho homem ofereceu -lhe um
machado dos espíritos”, na qualidade de gesto simbólico pelo qual ele expres-
sava o legado das tradições marciais
5
.
Quando a luta armada começou a ganhar amplitude, algumas zonas de com-
bate receberam os nomes de médiuns influentes, alguns deles atuando inclusive
nos campos da guerrilha. O elo entre o guerreiro e o profeta persistiu durante a
luta pela emancipação da África Austral no decorrer da qual os valores guerreiros
ancestrais encontraram, em um contexto de combate moderno, novas formas
de expressão.
Entretanto e eventualmente, a resistência africana também inspirou -se em
outras culturas atuantes no continente, especialmente pela força do islã.
A tradição da jihad na resistência africana
Os volumes precedentes da História Geral da África mostraram como a tra-
dição da jihad (que significa luta na via de Deus”) foi mobilizada na resistência
contra a invasão imperial pelo sultanato de Sokoto na Nigéria, pela Mahdiyya no
Sudão oriental e pelo nacionalismo sacralizado de Sayyid Muhammad Abdallah
Hassan (este mulá surpreendentemente sensato).
O espírito da Mahdiyya persistiu no Sudão, opondo -se tanto ao imperia-
lismo britânico quanto ao expansionismo egípcio. As técnicas da Mahdiyya evo-
luíram com o passar do tempo mas, o movimento não deixou de se caracterizar
por uma profunda tendência antiimperialista.
Na Argélia, a propensão a qualificar a população autóctone como muçul-
mana teve como efeito o fortalecimento dos laços entre o islã e o nacionalismo.
As leis racistas editadas pelo regime de Vichy durante o verão de 1942 criaram
uma nova forma de apartheid da qual a Argélia francesa não poderia jamais se
livrar por completo. Interditou -se de fato aos muçulmanos” o acesso aos merca-
dos, aos cinemas e às praias na presença de europeus. Em suas piores ocorrências
este apartheid à francesa chegou ao ponto de proibir os “muçulmanos” de se
sentarem ao lado de europeus.
Quando a Argélia viu -se livre dos excessos de Vichy, as melhorias trazidas
às condições de vida da população autóctone se revelaram totalmente formais.
5 N. M. SHAMUYARIRA, 1965; T. O. RANGER e J. WELLER (org.) 1975.
137
“Procurai primeiramente o reino político...”
Na realidade, o fim da Segunda Guerra Mundial coincidiu com uma das mais
brutais repressões francesas que a Argélia havia conhecido. Em maio de 1945,
em Sétif, um desfile nacionalista enfrentou a polícia, levantes eclodiram na
cidade e em Kabylie. A repressão exercida pelo exército e pela polícia francesa
provocou cerca de 10.000 mortos na população argelina. Um martírio de tama-
nha envergadura somente poderia reacender a chama da tradição da jihad; em
1954 a Frente de Libertação Nacional reencontrou -se com o glorioso combate
travado no século XIX pelo herói argelino Abd al -Kadir al -Jazairi. Era o começo
da revolução argelina.
A revolução egípcia de 1952 estabeleceu um outro tipo de relação com o
islã. Na concepção do chefe desta revolução, Gamal ‘Abd al -Nasser, o Egito se
situava no centro de três círculos: o círculo do islã, o círculo do mundo árabe e
o círculo da África. A luta contra o imperialismo inscrevia -se, portanto, aos seus
olhos, no contexto de três forças: a resistência islâmica, o nacionalismo árabe
e o pan -africanismo.
Gamal ‘Abd al -Nasser, contudo, desconfiava daquilo que considerava como
as formas mais “extremas” do fundamentalismo islâmico, em particular do movi-
 . Argelinos presos durante os levantes de 8 de maio de 1945 na Kabylie. (Foto: Agência Nacional
da Fotograa de Imprensa e de Informação, Argel.)
138
África desde 1935
mento conhecido como dos Frères Musulmans. Ele decretou a ilegalidade deste
movimento e prendeu seus chefes. Em uma época durante a qual o enfrenta-
mento ideológico se avivava cada vez mais, o islã era certamente um potencial
aliado na luta contra o imperialismo mas, também consistia um potencial perigo
para a estabilidade do próprio povo egípcio.
Gamal Abd al -Nasser pendia pessoalmente em favor de uma mobiliza-
ção política do pan -arabismo contra o sionismo e o imperialismo ocidental.
Embora seu pan -arabismo possuísse um braço armado dirigido contra Israel, a
revolução egípcia estava baseada em uma mobilização não violenta das massas.
Se al -Nasser recusou -se em 1952 a autorizar a execução do rei Faruq e do seus
colaboradores, isto ocorreu porque ele pensava que “uma revolução nascida no
sangue está fadada a perecer no sangue”.
Outros nacionalistas africanos foram muito mais diretamente influenciados
por Mahatma Mohandas Gandhi, o dirigente político indiano. Eles desen-
volviam uma estratégia de mobilização política não violenta, distinta das forças
mobilizadas pela tradição guerreira e pela herança da jihad mas, reforçando a
ação desta última.
A tradição do “radicalismo cristão”
O islã não foi a única religião a se rebelar contra a ordem colonial. Observou-
-se também o nascimento de uma revolta contra o imperialismo ocidental nos
meios cristãos, o que pode parecer paradoxal, pois, salvo na África do Norte e no
vale do Nilo, o cristianismo se posicionara no continente em favor das conquistas
europeias. No século XIX, muitas vezes, foram as comunidades de missionários
europeus que convenceram os seus governos a colonizar a África, especialmente
a África Oriental, invocando como argumento a necessidade moral de pôr fim
ao comércio árabe de escravos e de divulgar o Evangelho. Em alguns casos, o
zelo e o entusiasmo dos missionários suprimiram as reticências governamentais.
Esta associação entre o imperialismo europeu e as missões cristãs marcou
profundamente a política educativa colonial. Em cada colônia de forma espe-
cífica,a educação dos indígenas” criou uma divisão particular das tarefas entre
a Igreja e o Estado mas, não dúvida que eles colaboravam em um mesmo
projeto político. Com efeito, a educação colonial buscou primeiramente formar
139
“Procurai primeiramente o reino político...”
africanos aptos a se tornarem professores ou catequistas”. O próprio jovem
Kwame Nkrumah ambicionava se tornar padre católico
6
.
Haja vista esta associação entre colonização europeia e missões cristãs, parece
ainda mais surpreendente que os primeiros nacionalistas africanos modernos
sejam oriundos das escolas de missionários. É que esta associação engendrou
uma dialética no sentido quase hegeliano de contradição no plano da ideia. As
escolas de missionários favoreceram sem dúvida a promoção do ideal cristão
mas, igualmente, promoveram a propagação das ideologias laicas ocidentais.
Entre os nacionalistas africanos ocidentais formados nas escolas cristãs figuram
personalidades tão eminentes quanto: Julius K. Nyerere, Tom Mboya, Eduardo
Mondlane, Robert Mugabe, Léopold Sédar Senghor ou Kwame Nkrumah.
Todos são mais ou menos laicos formados por uma moldura religiosa. Kwame
Nkrumah dizia a respeito de si mesmo: “Eu sou ao mesmo tempo marxista-
-leninista e cristão sem confissão, não vejo aqui nenhuma contradição
7
.”
Além destes rebeldes africanos laicos, o cristianismo europeu também pro-
duziu africanos religiosos, em revolta contra a ordem euro -cristã. Entre estes
últimos, Simon Kimbangu marcou sua época. Segundo os seus adeptos, se Deus
quisera enviar uma mensagem à população negra, por que teria ele escolhido
um mensageiro branco? Kimbangu pretendia reduzir o papel da cruz “tão
perigoso quanto um ídolo” no cristianismo. A africanização do cristianismo
em uma sociedade matrilinear, à qual se ligou Kimbangu, também propiciou
o surgimento de uma hierarquia feminina no seio da Igreja, muito antes das
reivindicações feministas ocidentais nas grandes Igrejas europeias.
Simon Kimbangu pagou caro pelas suas cruzadas religiosas e culturais. Detido
e encarcerado pelos belgas no Congo, ele passou trinta anos atrás das grades, isto
é, praticamente tantos anos quanto aqueles passados por Jesus Cristo na Terra
8
.
A Igreja de Kimbangu atravessou não somente o período colonial mas, igual-
mente, adquiriu suficiente credibilidade internacional para se tornar, nos anos
1980, a primeira Igreja africana aceita no Conselho Ecumênico das Igrejas. Ela
então reunia aproximadamente 4 milhões de fiéis, número, vale lembrar, superior
àquele dos adeptos de Jesus nos três primeiros séculos da era cristã.
Como veremos no capítulo 17, o movimento das Igrejas separatistas e mile-
naristas constitui um dos aspectos da luta da África colonizada para encontrar
a sua identidade e defender a sua dignidade cultural. Alguns movimentos eram
6 Ver K. NKRUMAH, 1957.
7 Ibid.
8 Ver também, a seguir, o capítulo 17 e A. A. BOAHEN (org.), 1987.
140
África desde 1935
mais moderados que outros mas, todos inscreviam -se no contexto da revolta da
África contra o racismo e a dominação estrangeira, tanto nos assuntos religiosos
quanto nos laicos.
Que papel desempenharam as principais Igrejas cristãs na luta contra o
imperialismo? A sua contribuição para a descolonização limitar -se -ia à for-
mação de personalidades laicas como Nkrumah e Mugabe nas escolas das
missões e nos movimentos religiosos separatistas como aquele liderado por
Simon Kimbangu?
As grandes Igrejas ocidentais foram certamente lentas em sua associação na
luta contra o racismo e o imperialismo na África. Todavia alguns de seus mem-
bros muito prontamente levantaram -se contra a opressão e, posteriormente, os
primeiros africanos laureados com o prêmio Nobel seriam fervorosos cristãos
revoltados contra o racismo: o chefe Albert Luthuli e o bispo (agora arcebispo)
Desmond Tutu, ambos sul -africanos. Será mesmo das próprias Igrejas refor-
madas holandesas da África do Sul que, com o passar do tempo, se elevarão
algumas das mais eloquentes vozes contra o apartheid, das quais, talvez, a voz
mais vibrante, a partir de meados dos anos 1970, tenha sido a de Alan Boeasak.
Anteriormente, fora um notável da Igreja da Escócia, Hastings Banda, quem
conduzira a transformação do Nyasaland colonizado em Malaui independente.
A contribuição do cristianismo para a descolonização revestiu -se essen-
cialmente de três formas: primeiramente da formação dos laicos oriundos das
escolas das missões (a tradição de Nkrumah); também daquela do separatismo
cristão (a tradição de Kimbangu); e, finalmente, da radicalização” dos dirigentes
das Igrejas cristãs (a tradição do arcebispo Desmond Tutu).
A estratégia da mobilização política não violenta
Foi entre 1906 e 1908 que Mahatma Mohandas Gandhi conduziu a pri-
meira campanha de desobediência civil lançada na África do Sul; ela dirigia-
-se em sentido contrio às medidas discriminatórias do Transvaal contra
os indianos. Este movimento está na origem de uma tradição específica de
resistência que se estendeu muito além da África do Sul. Nos anos 1950, o
African National Congress e o South African Indian Congress esforçaram-
-se para coordenar a luta dos africanos, dos indianos e dos mestiços em uma
campanha de massas contra a legislação relativa ao passe -livre, o Group Areas
141
“Procurai primeiramente o reino político...”
 . Kwame Nkrumah na aurora da independência de Gana, no Old Polo Ground em 5 de março
de 1957. (Fonte: publicado graças ao Information Services Department do Governo de Gana.)
142
África desde 1935
Act, ato jurisprudente organizador da segregação, e o Bantu Authirities Act,
medida promotora da “retribalizão” dos africanos. Esta campanha foi um
sucesso como expressão da solidariedade entre vítimas da opressão mas, um
fracasso no tocante aos objetivos que lhe impunha a luta contra os opressores.
Na África Ocidental, Kwame Nkrumah foi, também ele, fascinado pelas
ideias de Mahatma Mohandas Gandhi. A sua estratégia baseada na ação posi-
tiva em prol de uma maior liberdade na Costa -do -Ouro inspirava -se direta-
mente nas estratégias gandhistas da satyagraha (força da alma)
9
.
Entre os discípulos de Gandhi durante o período colonial, encontra -se Ken-
neth Kaunda. Ele reconhecia que, considerando -se o racismo e a situação colo-
nial reinantes na Rodésia do Norte, aqueles aos quais se lhes recusou todo meio
de melhorar sua sorte, possivelmente, transformar -se -iam em indivíduos atraí-
dos pela violência como estratégia do desespero. Mas ele insistia na necessidade
de recorrer à resistência passiva ou à desobediência civil: “Eu não saberia tomar
partido em qualquer possível campanha [violenta]. Eu rejeito categoricamente a
violência sob todas as formas como solução para os nossos problemas
10
.”
A oposição africana à luta armada também se manifestou claramente na Pri-
meira Conferência dos Povos Africanos, organizada em 1958 em Gana, onde a
independência tornara -se uma realidade. Os argelinos − então engajados na luta
armada contra a França − tiveram muita dificuldade em obter, nesta conferência
de Accra, o apoio da África ao seu combate. Essa súbita rejeição a que foram
submetidos os combatentes da resistência argelina era atribuída à combinação
entre gandhismo e francofilia que animava alguns de seus participantes.
Em seu conjunto, as estratégias gandhistas de libertação tiveram sua apli-
cação suspensa na África no fim dos anos 1950. Quando a Argélia se tornou
independente, em 1962, ficou muito evidente que as colônias portuguesas e
os territórios onde o poder estava nas mãos das minorias brancas dificilmente
seriam libertados de forma pacífica. Tanto no primeiro quanto no segundo casos,
os métodos de desobediência civil de Gandhi não teriam possibilidade alguma
de sucesso. Eles teriam como consequência, ao contrário, somente o desencade-
amento de impiedosas repressões inclusive com massacres de civis desarmados,
situações que haviam ficado bem claras desde o elucidativo massacre de Shar-
peville, em março de 1960. Quase um ano depois, iniciava -se em Angola o novo
levante contra os portugueses. A era da luta de libertação armada, propriamente
dita, inaugurava -se na África Austral.
9 Ver K. NKRUMAH, 1957.
10 K. KAUNDA e C. MORRIS, 1960. Sublinhado na obra original.
143
“Procurai primeiramente o reino político...”
A estratégia da luta armada de libertação
As mais internacionais entre todas as estratégias de descolonização aplica-
das na África foram marcadas pela exigência do emprego de aperfeiçoadas e
modernas armas. A tradição guerreira (tal qual ela se manifestou na guerra dos
mau -mau) podia apoiar -se principalmente em bases logísticas locais e empregar
armas de fabricação artesanal. A tradição da jihad estava sobretudo ligada a forças
internacionais (nesse caso, islâmicas) mas permanecia largamente circunscrita ao
quadro africano. A estratégia do radicalismo cristão e da mobilização política
não violenta, mesmo tendo recebido a influência de Gandhi, concretizou -se em
definitivo através de processos nacionais singulares nas colônias pertinentes.
Mas, as lutas armadas mais modernas nas colônias portuguesas, na África
Austral e na Argélia foram conflitos fortemente internacionalizados. Nume-
rosos países intrometeram -se nesses confrontos de diferentes maneiras, desde
suporte financeiro ao fornecimento de armas, incluindo até uma efetiva parti-
cipação com o envio de tropas.
Sem a intervenção da União Soviética e dos seus aliados nas lutas da África
Austral, a libertação desta região seria provavelmente ainda mais retardada, em
ao menos uma geração. As armas aperfeiçoadas utilizadas pelos africanos na
África Austral especialmente os mísseis solo -ar empregados nas guerras do
Zimbábue provieram em geral de países socialistas. Quanto à intervenção
das tropas cubanas na luta em defesa da soberania de Angola, tratou -se aqui do
maior apoio externo prestado em uma guerra de libertação africana.
Mas, a participação de elementos externos não beneficiou somente os com-
batentes das forças de libertação; o mesmo fenômeno reproduziu -se no campo
dos opressores coloniais e racistas. A Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) por muito tempo subvencionou, direta ou indiretamente, a
repressão obstinada exercida pelos portugueses em suas colônias e o seu arma-
mento foi utilizado contra combatentes das forças de libertação africanas.
Sob a ótica do apoio externo, é particularmente elucidativo comparar os
respectivos engajamentos de Cuba e de Israel na África Austral, sobretudo a
partir dos anos 1970. Os dois países são considerados excluídos em suas regiões
Cuba é o país marginalizado do hemisfério ocidental e Israel representa o pária
do Oriente Médio. Cada um destes países encontra -se estreitamente ligado a
uma superpotência Cuba à União Soviética e Israel aos Estados Unidos da
América. Cuba e Israel envolveram -se em conflitos de implicações mundiais:
John F. Kennedy brandiu a ameaça de guerra nuclear por ocasião da crise dos
144
África desde 1935
mísseis em Cuba, no ano de 1962; em outubro de 1973, o presidente Richard
Nixon ordenou um alerta nuclear geral em defesa de Israel no momento da
guerra no Oriente Médio. Cuba e Israel são, portanto, dois países aos quais o
mundo inteiro dedicou atenção e, no âmbito regional, ambos foram antagonistas
em conflitos com os seus vizinhos.
Contudo, embora exista certo número de traços comuns, eles desempenharam
papéis rigorosamente distintos. Cuba empenhou -se na instrução dos combaten-
tes negros da força de libertação; Israel formou tropas contra -revolucionárias na
África do Sul. Cuba forneceu serviços de treinamento agrícola aos camponeses
angolanos; Israel prestou ajuda na realização do programa nuclear sul -africano,
até mesmo na construção da bomba atômica
11
e manteve em outros domínios
militares uma crescente colaboração com a República Sul -Africana, em que pese
a resolução das Nações Unidas proibindo o fornecimento de armas ao regime de
Pretória. Para resumir essa comparação, é possível dizer que Israel se conduziu de
fato na qualidade de aliado do regime de supremacia branca, ao passo que Cuba,
sob a autoridade de Fidel Castro, participou do movimento de libertação negra.
Em seu conjunto a luta armada na África Austral foi até os dias atuais
coroada de sucesso. Contra os portugueses ela tomou a forma de uma guerra de
desgaste que finalmente provocou em Portugal o golpe de Estado de abril de
1974 seguido prontamente pelo outono do Império português. Ela desdobrou-
-se na independência do Zimbábue em 1980 e da Namíbia em 1990.
Mas poder -se -ia esperar que, uma vez obtido o “reino político”, “todo o resto
seria dado em suplemento à África do Sul? Não poderíamos pretender que em
outras partes da África a soberania política conduz, com toda inelutabilidade,
a outras realizações como indicado anteriormente, a independência política era
uma condição necessária mas, certamente não suficiente para realizar de forma
mais completa as aspirações africanas. Em países economicamente arruinados
tal como Gana, e em outros politicamente devastados, como a Uganda, um
princípio contrário, como foi dito, parece verificar -se; este princípio poderia
assim ser enunciado: Procurai primeiramente o reino político e todo o resto
vos será retirado.”
Contudo, é preciso concedermos um tempo para a reflexão. A liberdade
de Gana, segundo Kwame Nkrumah, não tinha sentido sem a liberdade do
conjunto da África. Ele compreenderia reino político simplesmente como a
11 Sobre o programa nuclear sul -africano, ver R. W. WALTERS, 1987.
145
“Procurai primeiramente o reino político...”
independência de cada país africano? Ou, antes, este pan -africanista convicto
referia -se à completa libertação do continente, considerado em sua globalidade?
Se considerarmos a sua filosofia política, parece -nos mais provável que ele
planejava uma progressão assim articulada:
• a independência de cada país africano reforçaria a independência subse-
quente, segundo uma abordagem por etapas da descolonização política;
• quando toda África estivesse descolonizada, o “reino político” do conti-
nente teria a chance de ser completado por “todo o resto”.
Se é verdade que os primeiros tiros foram disparados aquando da luta na
África do Sul, último bastião da ordem imposta pela minoria branca, nós
devemos presentemente examinar mais de perto esta última etapa da busca
pelo reino político”, quando se configura uma transformação na relação entre
racismo e capitalismo na África.
A revolução e o reino político
A possível dissolução da aliança entre racismo e capitalismo na África do
Sul apresenta -se como a característica central do período atual. Capitalismo e
apartheid estariam eles em vias de tornarem -se incompatíveis? Embora o apar-
theid possa não derivar da ruptura da sua aliança, o capitalismo na África do Sul
é perfeitamente capaz, por sua vez, de manter -se intacto uma vez terminada a
luta. O reino político provavelmente o conheceria o socialismo.
Se é notório que assistimos, desde 1980 na África do Sul, aos primórdios de
uma revolução em pleno nascimento, quanto tempo faltar -nos -ia para alcançar
a maturidade? Quando a vitória consumar -se -ia?
Os otimistas não hesitarão em destacar semelhanças com a revolução etí-
ope de 1974 ou com a revolução iraniana de 1979, ambas iniciadas por meio
de manifestações de rua e desenvolvidas até o sucesso total. O Irã e a Etiópia
pré -revolucionários viviam, um à imagem do outro, sob a égide de uma aliança
entre um regime interno feudal e o capitalismo internacional. Embora os dois
regimes vigentes no Irã e na Etiópia estivessem estabelecidos há séculos e mais
séculos, eles foram, todavia, derrubados após poucos meses de manifestações.
A aliança entre o feudalismo interior e o capitalismo internacional esvair -se -ia
rapidamente.
O apartheid certamente resistiria durante período maior comparativamente
aos regimes do e de Haïlé lassié mas, a supremacia racial tampouco é
146
África desde 1935
invencível. Este sistema seria derrubado, desta feita não sob a pressão das ruas
ou pela intervenção externa de exércitos africanos. Aqui somente uma luta inter-
namente organizada poria termo ao apartheid. Os exércitos africanos susceptíveis
de intervirem do exterior qualificam -se indubitavelmente pela organização,
entretanto, por definição, eles não fundariam sua ação com base no interior. As
manifestações de rua nas cidades da África do Sul, por sua vez, ainda não consti-
tuem uma forma de luta organizada. Estados africanos podem apoiar, alimentar
e armar os membros de uma frente interna de libertação, todavia, na ausência
de uma guerrilha interna organizada, com os seus combatentes e sabotadores, a
vitória não seria conquistada.
Sanções econômicas internacionais poderiam provocar a mudança decisiva?
Falta -nos distinguir as sanções ou o boicote de natureza expressiva e as sanções
ou o boicote de caráter instrumental. O boicote expressivo é um julgamento
moral; o boicote instrumental pretende -se uma ferramenta política. As sanções
internacionais não se desdobrariam, isoladamente, no estabelecimento de um
sistema ancorado no sufrágio universal. Os boicotes expressivos tendem a elevar
o moral dos oprimidos, os boicotes instrumentais do Ocidente podem incitar
o regime a liberalizar -se mas, não a ponto de instaurar um sistema realmente
democrático. Conduzida internamente, a luta armada é, portanto, convocada a
compor o núcleo da revolução.
E as armas nucleares da África do Sul? Não protegeriam elas o regime do
apartheid? um quarto de século, Kwame Nkrumah advertia a África sobre
duas espadas de Damoclès, suspensas sobre a sua cabeça: o racismo, por um
lado e a arma nuclear em mãos hostis, por outro. À época, os franceses testa-
vam as suas armas nucleares no Saara. O norte da África sofria, portanto, uma
profanação nuclear e o sul, uma violação racial. Posteriormente, a França ajudou
Israel a dominar os seus próprios meios nucleares, em Demona, e Israel, por sua
vez colaborou para dotar a África do Sul da arma nuclear. Mas, o armamento
nuclear disponível ao regime poderia mudar algo quanto ao futuro reservado
ao apartheid? A resposta é: “Não ou, mais precisamente:Não, ao menos, com
relevância.”
A África do Sul pode utilizar seu estatuto de potência nuclear para intimidar
Estados vizinhos ou dissuadir países como a Nigéria mas, ela não pode empregar
as suas armas nucleares nas ruas de Soweto. O emprego interno da arma nuclear
sul -africana desencadearia um processo que compõe um dos dois pesadelos do
regime,o o crescimento contínuo da população negra mas, a correlata partida
em massa dos brancos.
147
“Procurai primeiramente o reino político...”
Conquanto o apartheid não possa ser salvo pela arma nuclear, -lo -ia através
de sua aliança com o capitalismo? A bem da verdade, esta aliança encontra -se
atualmente muito comprometida. No momento em que o racismo desfavo-
rece em demasia o funcionamento das leis da oferta e da procura e quando o
racismo econômico perde a sua eficácia, o capitalismo tende a se sentir traído.
Foi o que aconteceu na época do tráfico dos escravos. Durante certo tempo, o
capitalismo assentou a sua prosperidade sobre a escravatura, em seguida, con-
comitantemente ao aumento da eficácia das técnicas, o recurso a uma mão de
obra servil justificou -se de menos em menos em relação ao trabalho assalariado.
A Grã -Bretanha, de principal potência escravista no século XVIII, tornou -se
assim a principal potência abolicionista do século XIX. Outrossim, a aliança
entre o capitalismo e o apartheid justificara -se embora de forma míope no
plano econômico, inclusive atualmente. Se hoje ela se encontra comprometida,
é porque o capitalismo poderia tirar proveito da abolição do apartheid.
Primeiramente, o poder de compra dos negros poderia doravante elevar -se
em proporções espetaculares, caso o sistema se tornasse, por pouco que fosse,
mais equitativo. Em segundo lugar, o nível de competência dos negros melhorou,
permitindo, dessa forma, o emprego das forças produtivas com maior eficácia
que outrora. Em terceiro plano, uma melhoria do sistema de educação e de
formação dos negros poderia transformar em pouco tempo a África do Sul em
uma espécie de Austrália negra − um país rico e fortemente industrializado. Em
quarto nível, a oposição ao apartheid, cria atualmente uma atmosfera de instabi-
lidade malsã e inapropriada para o capitalismo. Finalmente, a instabilidade, por
sua vez, engendra a incerteza; ora, o investimento capitalista exige uma relativa
previsibilidade do porvir.
Ademais, a escalada da repressão na África do Sul escandaliza importantes
frações da opinião pública ocidental, desencadeando a pressão destes grupos
sobre as empresas comerciais e as redes de lojas. Entre as grandes sociedades
ocidentais que retiraram os seus investimentos figuram notadamente: a IBM, a
General Motors, o Barclays Bank, a Coca -Cola e a Kodak. Anteriormente a elas,
numerosas instituições haviam fechado as suas contas junto ao Barclays Bank,
seguindo, nesta ocorrência, o exemplo oferecido pela Nigéria há alguns anos.
Enfim, os meios empresariais receiam que uma luta prolongada contra o
racismo degenere em um combate contra o capitalismo, em consequência de
uma radicalização do movimento ativista imagem do ocorrido em Angola,
em Moçambique e, em certa medida, no Zimbábue). Cedo ou tarde, o capita-
lismo deverá reduzir as suas perdas − e romper os seus elos com o apartheid. Em
situação de plena evolução, ele deve proteger os seus interesses.
148
África desde 1935
Mas qual será o destino do capitalismo na África do Sul após a débâcle do
apartheid? Estaríamos nós seguros que o socialismo viria coroar o reino político?
Tanto na melhor quanto na pior das hipóteses, uma vitória contra o apartheid
não significaria necessariamente uma vitória contra o capitalismo. Uma vez atin-
gido certo grau de desenvolvimento, o capitalismo torna -se quase irreversível.
Karl Marx pensava que o capitalismo correspondia a um estádio de desenvol-
vimento anterior ao socialismo: quando o desenvolvimento capitalista atingisse
o seu apogeu, ele desembocaria em uma revolução socialista. Mas, a história
recente mostra que, ultrapassado certo grau de desenvolvimento capitalista, uma
revolução comunista torna -se pouco a pouco impossível ao menos quando
imposta externamente. Os Estados Unidos e a maioria dos países da Europa
ocidental alcançaram este nível.
Mas, em razão de quais fatores uma revolução comunista seria impossível
em um país industrialmente avançado de tipo capitalista? As previsões de Marx,
no que diz respeito ao aumento contínuo do peso social do proletariado, não se
concretizaram nos países do capitalismo central, pelo contrário, foi justamente
a burguesia que teve o seu peso social relativo acrescido. Do mesmo modo, a
pauperização crescente prevista por Marx tampouco se reproduziu. Os traba-
lhadores não se tornaram mais pobres mas, antes, atingiram certa prosperi-
dade; no tocante aos pobres, eles sequer trabalham (quando muito formam um
lumpemproletariado”). Os trabalhadores ocidentais têm muito mais a perder
além de suas “correntes”: eles possuem o seu carro, as suas ações, o seu aparelho
de televisão, o seu barco... A consciência de classe não sobreveio à consciência
nacional; em oposição, o anticomunismo está ligado ao patriotismo da classe
operária ocidental. Marx subestimou a capacidade do capitalismo em cooptar,
converter e corromper outrem para obter apoio, aptidão perfeitamente intrínseca
a um capitalismo próspero.
A África do Sul teria alcançado este estádio irreversível do capitalismo, tal
como ocorreu na maioria dos países ocidentais? A resposta provável é negativa.
Além disso, governada por negros, seria ela capaz de prosseguir o seu caminho,
tanto como um sistema capitalista (sem o racismo) quanto engajada em uma
via socialista de desenvolvimento.
Haveria então alguma esperança de assistirmos ao coroamento do reino
político sul -africano pelo socialismo? Em caso afirmativo, quais seriam os fatores
que predisporiam a África do Sul ao socialismo após a ascensão da maioria negra
ao poder? Primeiramente, uma radicalização resultante de uma luta prolongada
poderia levar a África do Sul negra rumo ao socialismo. Em segundo lugar, a
polarização das classes advinda após a polarização racial poderia contribuir para
149
“Procurai primeiramente o reino político...”
a socialização da África do Sul do pós -apartheid. Terceiramente, a forte urbaniza-
ção do país é um fator determinante para a instauração do socialismo moderno.
Em quarto lugar, a existência de um importante proletariado negro, embora o
aburguesamento esteja estabelecido, pode favorecer a edificação do socialismo.
Em quinto plano, esta concepção, própria ao homem branco e segundo a qual
cada nacionalista negro seria um marxista, poderia concretizar -se com o passar
do tempo. Quanto à bomba atômica, ela poderia transformar uma África do Sul
governada por negros na primeira potência negra munida de um armamento
nuclear antes do fim do século XX.
Em nenhum outro lugar da África, o reino político pode receber tanto em
troca quanto na África do Sul. A potente industrialização criada pela mão de
obra negra e pela técnica ocidental, as enormes reservas minerais reservadas ao
país pela natureza, a disciplina forjada na longa luta dos africanos pela justiça e
as novas vantagens que lhe conferem o estatuto de potência nuclear constituem,
com efeito, fatores que reforçam consideravelmente o significado de um reino
político sul -africano cujo futuro estaria em mãos da maioria antes do final deste
século.
O dia em que toda a riqueza da África estiver efetivamente sob a autoridade
soberana da África da Cidade do Cabo ao Cairo, de Dar es -Salaam a Dakar
poder -se enfim julgar com todo rigor a exortação imperecível de Kwame
Nkrumah: “Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos será
dado em suplemento.”
C A P Í T U L O 6
151
A África setentrional e o chifre da África
No fim da Segunda Guerra Mundial, nenhum país da região escapava a um
controle político e militar exercido por estrangeiros. Inclusive nos Estados ofi-
cialmente independentes como a Etiópia e o Egito, uma forte presença militar
britânica influía na vida política. O desaparecimento da Itália na qualidade de
potência colonial é outra característica do pós -guerra. Todas as suas antigas
colônias − a Somália, a Eritreia e a Líbia − foram conquistadas durante a guerra
pelos Aliados e permaneceram sob a ocupação britânica, ou francesa no caso
do Fezzan líbio. Os seus destinos seriam necessariamente decididos em âmbito
internacional.
O Magreb
Embora a derrota de 1940 tenha seriamente enfraquecido a autoridade da
França nos três países do Magreb sob o seu controle, sem exceção, os gover-
nos franceses do pós -guerra fizeram tudo ao seu alcance para restabelecê -la.
Inclusive chegaram ao ponto de implantar um regime caracterizado por uma
opressão muito forte, após uma guerra supostamente conduzida com o intuito
de liberar os povos da dominação estrangeira. Esta atitude rígida conduziu à
desastrosa guerra colonial na Indochina francesa (no território do atual Vietnã)
cuja população considerava totalmente injusto que os franceses quisessem reo-
A África setentrional e o
chifre da África
Ivan Hrbek
152
África desde 1935
cupar uma colônia que se lhes houvera imposto ceder aos japoneses. Em que
pese a catástrofe militar de Diên Biên Phu, em 1954, ter levado os represen-
tantes da França a participarem, em Genebra, de uma rodada de conferências
durante a qual ela renunciou ao seu império colonial no Sudeste Asiático, os
políticos franceses como os bourbons nada aprenderam das lições de história
1
.
Reformas unicamente destinadas a satisfazer as aparências certamente foram
executadas nos três países do Magreb mas, a situação colonial de dependência,
de exploração e de privação das liberdades políticas, acrescida de um elemento
particular tangente à arrogância cultural francesa, permaneceu imutável. Vimos
no capítulo 2 como a administração colonial francesa reagira, durante os últimos
anos da guerra e logo em seguida, no desenrolar da onda de protestos nacionais
com a qual ela fora confrontada.
O Marrocos
Cada um dos três países foi submetido à sua própria versão do martírio antes
de alcançar a independência. Um discurso pronunciado em Tanger, no mês
de abril de 1947, pelo sultão Mohammed ibn Yusuf, dinamizou novamente o
movimento nacionalista marroquino
2
. Este discurso evocava o brilhante porvir
do país, seus inalienáveis direitos e sua fidelidade ao islã e ao mundo árabe. O
residente -geral francês esperara ouvir palavras de reconhecimento e gratidão à
França, mas nenhum cumprimento dessa qualidade lhe fora endereçado. A par-
tir dessa data, o sultão foi ao mesmo tempo o centro e a vanguarda da luta pela
independência. O seu discurso provocou uma série de manifestações e greves.
Estas greves, desencadeadas entre 1947 e 1952, mostraram que os trabalhadores
se haviam organizado, desde logo e muito bem, além de demonstrarem plena
integração ao movimento nacionalista.
Em outubro de 1950, por ocasião de uma viagem a Paris, o sultão reivindicou
ao Governo francês a autonomia política e econômica, a ampliação dos direi-
tos constitucionais e políticos do governo composto pelos xerifes e, também, a
revisão geral das relações franco -marroquinas, tudo isto na prática revelar -se -ia
uma vã ilusão. Os seis Estados árabes independentes solicitaram à Organização
1 Sobre a história do Magreb do pós -guerra, conferir R. LE TOURNEAU, 1962; S. AMIN, 1965, 1970a
e 1970b.
2 Sobre a luta dos marroquinos pela sua independência, ver A. AL -FASI, 1954; A. AYACHE, 1956; D.
E. ASHFORD, 1961; J. -L. MIÈGE, 1966; J. WATERBURY, 1970 e 1975.
153
A África setentrional e o chifre da África
das Nações Unidas a inscrição da questão marroquina na ordem do dia, na sexta
sessão da Assembleia Geral, organizada em 1951 e, embora eles tenham repetido
exaustivamente a sua proposição, no ano seguinte, as potências coloniais sequer
se propuseram a simplesmente discutir a reivindicação legítima em defesa da
independência do Marrocos.
Em reconhecimento ao papel do sultão, considerado primordial, os fran-
ceses decidiram destroná -lo em 1953, utilizando, para este fim, a influência
exercida pelo potente paxá de Marrakech, Thamï al -Glawï, sobre os dirigentes
feudais de algumas cabilas berberes, além de utilizar a influência de alguns
dirigentes religiosos. Em 14 de agosto de 1953, este grupo sem qualquer
fundamento jurídico em direito islâmico ou marroquino
3
declarou indigno do
trono Mohammed ibn ‘ Yusuf e proclamou sultão seu primo, Mohammed ibn ‘
Arafa, ancião sem qualquer experiência política. A conspiração tramada pela
residência, pelos colonos franceses do Marrocos e pelos meios da alta finança
parisiense − em nada obteve os resultados previstos; após a deportação do sultão
para a Córsega, posteriormente para o Madagascar, o país inteiro, quase unani-
memente, postou -se contra o colonialismo.
A luta nacional tomou diversas formas. O partido de Istiklal fundou uma
organizão secreta; em meio às organizações de idêntica natureza, a mais
importante era um movimento de esquerda, O Crescente Negro. As greves e
as manifestações de rua multiplicaram -se nas cidades; os marroquinos boicota-
vam os produtos franceses, as pessoas recusavam -se a participar das orações de
sexta -feira, para as quais elas supostamente iriam intuindo homenagear o nome
do sultão designado pelos franceses. No Rïf e no Médio Atlas, a população
rural berbere formou uma Armada de Libertação e atacou postos militares e
casernas. Os anos de 1954 e 1955 foram marcados pelo destacado combate dos
marroquinos pela independência.
Em 1955, a violência generalizada cresceu a tal ponto que, malgrado o ter-
rorismo ao qual eles se dedicavam e ante à incapacidade da polícia e dos grupos
contra -revolucionários de colonos franceses em interromper o movimento de
libertação a exigir unanimemente o retorno do legítimo sultão −, o governo
francês foi obrigado a modificar a sua política no tocante ao Marrocos. Neste
intervalo, a guerra na Argélia tornara -se um problema sério, ao passo que a
recente experiência da derrota no Vietnã evidenciava que o exército francês era
incapaz de enfrentar um amplo movimento popular. Em agosto de 1955, as
3 Sobre a incapacidade legal de al -Glawi enquanto proprietário de casas fechadas, conferir o inteligente
ensaio de L. MASSIGNON, 1962, pp. 250 -264.
154
África desde 1935
primeiras negociações envolvendo diversos representantes das correntes marro-
quinas políticas, aqui compreendido o Istiklal, engajaram -se em Aix -les -Bains
e o general Catroux foi enviado a Madagascar objetivando tomar as disposições
necessárias ao retorno do sultão. Em seguida, os acontecimentos precipitaram-
-se: Mohammed ibn ‘Arafa foi obrigado a abdicar e al -Glawi, abandonado por
seus mestres, publicou em outubro uma inesperada proclamação de lealdade a
Mohammed ibn Yusuf.
Após uma permanência de algumas semanas em território francês onde
foram negociadas as condições para a abolição do protetorado, Mohammed
ibn Yusuf − alçado em 1957 à condição de rei Mohammed V − retornou triun-
falmente ao seu país em 26 de novembro de 1955, aclamado por milhões de
súditos, vindos em massa a Rabat. Sidi Bekkai formou o primeiro governo
marroquino independente que encerrou as negociações com os franceses. A
independência do Marrocos proclamar -se -ia em 2 de março de 1956.
Após um mês, em 7 de abril, o protetorado espanhol na zona setentrional
foi abolido e a região foi integrada ao reino do Marrocos; em julho do mesmo
ano, a zona internacional de Tanger trilhou o mesmo caminho. Assim sendo, o
conjunto do Marrocos pré -colonial reunira -se em um Estado, salvo no que se
refere aos enclaves espanhóis de Ifni, Melilla e Ceuta. Embora Ifni tenha sido
reintegrada em 1968, os dois outros enclaves permaneceram sob o domínio
estrangeiro e constituem a essência das reiteradas reivindicações do Marrocos
junto ao governo espanhol.
A Tunísia
À independência do Marrocos adveio imediatamente aquela referente à
Tunísia. Nos dois países, a luta de libertação desdobrou -se com certo parale-
lismo. Ela opôs -se, em ambos os casos, à mesma potência colonial, confrontada
a uma influente comunidade francesa de colonos e, sem menor importância,
inscrita em idêntico contexto internacional
4
. As diferenças entre os dois pro-
cessos não são, contudo, negligenciáveis. Os sindicatos − animados por um bri-
lhante organizador, Farhat Hashed tomaram instantaneamente parte na luta
dos tunisianos, os quais puderam, progressiva e posteriormente passar, de uma
participação parcial no governo à autonomia interna. Mas, devemos também
observar a séria cisão ocorrida no seio da direção do Néo -Destour, antagoni-
4 H. BOURGUIBA, 1954; D. L. LING, 1967; A. KASSAB, 1976.
155
A África setentrional e o chifre da África
zando Habib Bourguiba e Salah Ben Yusuf, bem como a relativa passividade
do bei, chefe oficial do Estado.
Após a fundação, em agosto de 1947, da Frente Nacional Tunisiana, a pressão
sobre os franceses intensificou -se, em meio a numerosas greves e manifestações,
nas quais a exigência de melhores condições de vida era acompanhada pela
reivindicação da independência política. Entre 1945 e 1955, o nível de vida
das massas conheceu uma degradação generalizada; sobre certas regiões do
país abateu -se a fome. Em 1949, assim que Bourguiba retornou de um exílio
voluntário (1945 -1949), a direção do Néo -Destour superou uma etapa maior,
elaborando uma estratégia de luta pela independência. Não obstante a conquista
total desta última fosse o objetivo último de todos os tunisianos, Bourguiba
consciente da forte oposição francesa a uma imediata independência estava
aberto a compromissos táticos mediante os quais alcançaria progressivamente
seus objetivos. Os franceses aceitaram primeiramente negociar a questão da
autonomia interna parcial e, em agosto de 1950, um novo governo formou -se
sob a direção de Muhammad Chenik; ele compunha -se, em proporções equâni-
mes, de ministros franceses e tunisianos. Mas, enquanto os franceses estimavam
ser esta a sua última possível concessão, sem todavia perder o controle do país, o
Néo -Destour logo formularia novas exigências. Isto conduziu, em 1951, a uma
nova crise, a França havia rejeitado a reivindicação em prol de um parlamento
tunisiano. Esta repulsa produzira -se muito mais em virtude dos colonos france-
ses que devido a uma vontade política de Paris. Esta característica particular − a
influência dos colonos sobre a política colonial francesa da IV
a
República é
recorrente em todos os países do Magreb. Este traço provocou, em todos estes
países, efeitos trágicos sobre a população oprimida e, a longo prazo, catastró-
ficos para os próprios colonos brancos. No início de 1952, a França pôs fim a
novas negociações com os nacionalistas tunisianos, interditou o Congresso do
Néo -Destour e deteve muitos outros militantes, em um espectro englobando
tanto o radical Bourguiba quanto o moderado Chenik. Certos combatentes,
entre os quais Salah ben Yusuf, segundo na hierarquia do Néo -Destour, fugiram
para o Cairo. Ao final do mesmo ano, o dirigente sindical Farhat Hashed foi
assassinado, provavelmente pela organização terrorista clandestina dos colonos,
a Mão Vermelha.
Embora os franceses tenham intensificado a repressão, manifestações e gre-
ves reproduziram -se nas cidades. No curso do primeiro trimestre de 1954, o
descontentamento generalizado suscitado pela dominação colonial estendeu -se
aos distritos rurais. Pela primeira vez na história moderna da Tunísia, os pró-
prios camponeses constituíram grupos armados de partisans, objetivando atacar
156
África desde 1935
os colonos europeus, sabotar os meios de comunicação (através do corte de
cabos ou descarrilando trens) e combater pequenas unidades francesas. Longe
de limitar -se a distritos periféricos, estas ações concentraram -se na península
do Cabo Bon e no norte do país. As propriedades dos colonos exigiram a sua
proteção por tanques; as operações maciças de limpeza lançadas pela polícia e
pelo exército francês não tiveram êxito em bloquear a insurreição.
Em meio a este período de crescentes dificuldades, sobrevieram o choque
provocado pela derrota francesa em Diên Biên Phu (em 7 de maio de 1954) e
a crise política em Paris, convergindo na formação do governo Mendès France.
Os novos responsáveis políticos decidiram retomar as negociações com os nacio-
nalistas tunisianos; Bourguiba e outros militantes foram prontamente libertados
e, pouco após, retornaram ao seu país. Os franceses ofereceram à Tunísia a
autonomia interna, guardando para si o controle das forças armadas e da polí-
tica externa. As negociações não se acabaram senão em 1955. A Tunísia obteve
então a sua autonomia interna, comprometendo -se, todavia, a salvaguardar os
interesses franceses e a manter uma estreita relação com a França. Esta, por sua
vez, continuava a controlar a política externa, a defesa e a segurança interna. A
Convenção franco -tunisiana estava aquém das aspirações do povo tunisiano
mas, Bourguiba, fortalecido por sua larga experiência, sabia que nas circuns-
tâncias da época, era impossível obter maiores concessões da França por meio
de negociações, de tal maneira que ele aceitou este acordo atraindo para a sua
posição a maioria do Néo -Destour. A oposição estava representada pelo grupo
de esquerda dirigido por Salah ben Yusuf cujo retorno do Cairo, permitira -lhe
preconizar a continuação da luta armada com o objetivo de forçar a França a
reconhecer a plena independência da Tunísia. Por ocasião do conflito conse-
guinte, Bourguiba conseguiu atrair a maioria dos membros do Néo -Destour.
No congresso do partido, organizado em novembro de 1955, Salah ben Yusuf
foi excluído em razão de sua oposição à Convenção. Malgrado a expressão, pelo
Congresso, da opinião comum a todo o povo tunisiano, em defesa da permanên-
cia da sua luta até a plena independência do país, o compromisso de junho de
1955 e a exclusão de Ben Yusuf demonstraram que, doravante, o partido seguiria
uma política moderada, abandonando o radicalismo.
Mas o período de autonomia interna não perduraria. Em razão do impacto
dos acontecimentos no Marrocos e, sobretudo, do começo da guerra na Argé-
lia, a França aceitou negociar para salvaguardar, tanto quanto possível, os seus
interesses econômicos e estratégicos. Após um mês de tratativas em Paris, um
protocolo em reconhecimento à plena soberania tunisiana foi assinado em 20
157
A África setentrional e o chifre da África
de março de 1956: após setenta e cinco anos de exploração colonial, a Tunísia
entrava nas comunidades das nações livres do mundo.
A guerra da Argélia
5
O processo de libertação no Marrocos e na Tunísia foi acelerado, como
salientamos, pelo desencadeamento da guerra na Argélia cuja severidade e dura-
ção tornaram -na singular entre aquelas travadas contra o colonialismo na África.
Isto se explica pela obstinação dos franceses em permanecer senhores do país
e pela determinação do povo argelino em conquistar a sua liberdade. No caso
do Marrocos e da Tunísia, certos dirigentes franceses aceitaram compromissos
e responderam positivamente, ainda que tardiamente e a contragosto, às exi-
5 As mais importantes obras, em meio à abundante literatura consagrada a este tema, são as seguintes:
F.ABBAS, 1962; A. NOUSCHI, 1962; M. LACHERAF, 1963; G. C. GORDON, 1966; Y. COUR-
RIÈRE, 1968 -1972; J. -C. VATIN, 1974; C. -R. AGERON, 1979; M. KADDACHE, não datado; A.
K. SAADALLAH, 1981.
 . Congresso do Néo -Destour em novembro de 1955. No centro, Habib Bouguiba. (Foto: AFP
Photo, Paris.)
158
África desde 1935
gências dos nacionalistas. Entretanto, conduzir uma política análoga na Argélia
foi, durante muito tempo, algo absolutamente fora de cogitação para qualquer
político francês, pertencente a qualquer agremiação partidária. O dogma da
Argélia francesa” não era contestado ou sequer submetido ao menor exame
crítico quase teria consistido um sacrilégio negar que a Argélia é a França [...].
Quem dentre vós hesitaria em empregar todos os meios para salvar a França
6
?”.
Este mito fundara -se na presença de aproximadamente um milhão de colo-
nos franceses (os assim chamados pés -pretos), em importantes investimentos
franceses na agricultura e nas minas, bem como na desproporcional influência
do lobby argelino na vida política francesa. A descoberta de petróleo e de gás
natural no Saara, nos anos 1950, veio reforçar este mito da Argélia francesa.
Pela primeira vez em sua história, a França dispunha, no seu próprio território,
de considerável quantidade de petróleo. A ideia segundo a qual ela podia enfim
praticar uma política petrolífera independente influenciou fortemente as suas
decisões durante a guerra de independência da Argélia.
A história argelina, entre 1947 (ano da adoção do Estatuto da Argélia) e
o dia 1
º
de novembro de 1954 (data do início das hostilidades), mostra como
uma administração colonial, mesmo aderindo solenemente aos princípios demo-
cráticos, pode ao mesmo tempo contor-los. Ela é também testemunha da
futilidade da moderação política quando se está em luta contra um adversário
deste tipo e confrontado a uma miséria e a desigualdades econômicas e sociais
crescentes.
Em 1954, a superfície das terras aráveis, sob controle dos europeus, repre-
sentava 23% do total mas, ela situava -se nas regiões mais férteis. É imperativo
comparar este percentil com o crescimento demográfico: entre 1936 e 1954, o
número de argelinos muçulmanos passara de 6,3 a 8,7 milhões, ao passo que, no
tocante aos europeus, ele progredira somente de 946.000 para 1 milhão. Dois
terços dos argelinos viviam em um sistema de economia de subsistência; eles
não formavam uma classe camponesa independente, eram na realidade semi-
proletários. O rendimento anual de um argelino empregado na agricultura era
em média de 22.000 francos antigos, contra 260.000 francos antigos para um
europeu. No campo, computava -se por volta de 1 milhão de pessoas desempre-
gadas, total ou parcialmente − em decorrência disso, ocorria uma emigração em
direção às cidades ou à França. Em 1957, um volume aproximado de 300.000
argelinos − o equivalente a um adulto em cada sete trabalhavam na França.
6 F. Mitterrand, novembro de 1954. François Mitterrand era na época ministro do interior do governo
Mendès France.
159
A África setentrional e o chifre da África
TABELA . DIVISÃO DA RENDA NA ARGÉLIA EM 1955
População
(milhões) (%)
Renda
(milhões de francos)
Participação na
renda nacional (%)
Não-muçulmanos 1,0 10 298 000 47
Muçulmanos
rurais
o-rurais
5,3
3,4
55
35
117 000
222 000
18
35
Total 9,7 100 637 000 100
F: S. Amim, e Maghreb in the modern world, 1970, Penguin Books, Hardmondsworth.
A desigualdade econômica e social também refletia -se na vida política. A
Assembleia Argelina compreendia 120 membros, dentre os quais 60 franceses e
60 argelinos muçulmanos. A administração zelava para que a maioria dos arge-
linos eleitos fosse composta por aqueles cuja permissividade em face da domi-
nação colonial não impusesse dúvida alguma. Todas as eleições eram, portanto,
inteligentemente fraudadas. Não nos espanta, por conseguinte, que a Assembleia
não tenha representado a opinião pública argelina ou discutido problemas de
âmbito nacional, porquanto fossem eles de real seriedade, tais como o direito de
voto dos muçulmanos, o ensino da língua árabe nas escolas e os cultos islâmicos
7
.
Todas as manifestações do nacionalismo argelino, inclusive aquelas de
teor mais moderado concernentes à igualdade civil e política, eram abafadas e
reprimidas. Os dois principais partidos nacionalistas, a União Democrática do
Manifesto Argelino (UDMA), dirigida por Farhat Abbas, e o Movimento pelo
Triunfo das Liberdades Democráticas (MTLD), dirigido por um antigo comba-
tente, Messali Hadj, não se encontravam todavia preparados para o abandono de
sua política de negociação. No que diz respeito ao primeiro destes movimentos,
ele esforçou -se em vão para persuadir os franceses a aceitarem uma República
Argelina Autônoma mas associada, no que tange ao segundo, ele lutou para
impor o reconhecimento da soberania argelina como condição sine qua non a
todo acordo.
O fracasso destes políticos provocou crises nesses dois partidos: a UDMA
perdeu apoio da população urbana mais favorecida e o MTLD passou a ser diri-
gido de modo cada vez mais personalista pelo imprevisível Messali Hadj, além
de ter perdido a sua audiência popular e tomado uma orientação tipicamente
7 T. CHENNTOUF, 1969.
160
África desde 1935
pequeno burguesa. O Partido Comunista Argelino, apoiado essencialmente
pelas camadas mais pobres da população europeia, não manifestava grande
entusiasmo pela causa dos nacionalistas.
Em 1953 -1954, o MTDL cindiu -se em três facções: os messalistes que
prestavam apoio incondicional ao velho dirigente (deportado para a França
em 1952), os “centralistes”, defensores de um poder concedido, em maior grau e
coletivamente, ao Comitê Central, e o Comitê Revolucionário de Unidade e de
Ação (CRUA), partidário da insurreição e da revolução na qualidade de únicos
meios para atingir a independência, todas as vias constitucionais e legais, desde
logo revelaram -se um engano. O CRUA compunha -se de antigos membros da
Organização Especial (OS), tendência do MTLD fundada em 1947. Os nove
chefes históricos” da revolução argelina Aït Abmed, Mohammed Boudiaf,
Ben Boulaid, Abmed Ben Bella, Mourad Didouehe, Rabah Bitat, Larbi ben
M’Hidi, Belkasem Krim e Mohammed Khider − decidiram lançar a insurreição
armada em 1
o
de novembro de 1954. Com esta finalidade o país foi dividido
em cinco distritos militares (wilaya) cada um colocado sob a direção de um
comandante -em -chefe. Simultaneamente, três membros da direção deslocaram-
-se rumo ao Cairo com a finalidade de ter certeza da ajuda egípcia, em armas,
fundos e propaganda.
No curso da primeira fase, a Armada de Libertação Nacional (ALN) não
tinha nada além de 2.000 a 3.000 homens, armados de fuzis e facas. As pri-
meiras ações foram conduzidas no maciço de Aurès e na Cabília mas, desde
o verão de 1955, as operações se haviam estendido a toda a Argélia oriental e
central. A maioria dos combatentes da ALN era constituída de camponeses,
posteriormente acrescidos em número por membros das populações urbanas, no
momento em que se tornou nítida a total indiferença que os franceses, a saber,
a administração colonial, o exército e os colonos europeus, manifestavam entre
os combatentes e os espectadores passivos as represálias francesas atingiam
indiscriminadamente todos os argelinos muçulmanos. Embora a França tenha
progressivamente aumentado as suas forças armadas na Argélia, passando de
56.000 homens, nos primórdios, ao impressionante total de 500.000 homens
em 1960, ela não logrou êxito em conter a sede de independência dos argelinos.
A luta armada prevalecera finalmente sobre a moderação que caracterizara
o período precedente. Através do chamado lançado às massas, ela acendeu o
patriotismo nelas subjacente, conduzindo -as a desempenhar, desde logo, um
papel ativo no combate. No desenrolar da guerra, o mito francês da não exis-
tência da nação argelina finalmente feneceu, levando consigo a ilusão herdada
do começo do século XX, período no qual se acreditou que a polícia e um forte
161
A África setentrional e o chifre da África
exército permitiriam manter eternamente uma nação sob o jugo colonial francês.
Um número cada vez mais elevado de argelinos aderiu às fileiras da ALN no
seio da qual cerca de 130.000 combatentes, nos momentos mais intensos de
luta, reuniam -se nos grupos da guerrilha. A população civil assegurou a esses
combatentes um importante apoio.
A Frente de Libertação Nacional (FLN) foi fundada em maio de 1955 e
desempenhou o papel de suprema organização política do povo argelino. A
maioria dos partidos e agrupamentos políticos argelinos se havia dissolvido e
seus partidários integraram a FLN. Messali Hadj fez exceção ao fundar seu
próprio partido e empreender tão violenta oposição à FLN que viria a atuar no
campo dos colaboracionistas da França. O Partido Comunista Argelino tam-
pouco uniu -se à FLN pois isso equivaleria a aceitar sua dissolução, todavia, a
partir de 1956, ele adotaria uma postura de colaboração com o comando central
da ALN, à qual obedeciam suas unidades guerrilheiras.
Em agosto de 1956, a FLN organizou seu primeiro congresso no vale da
Soummam na Cabília; aproximadamente 200 delegados debateram proble-
mas políticos concretos e aqueles relativos ao domínio organizacional, além de
discutirem acerca das perspectivas e do futuro da Argélia. Uma orientação revo-
lucionária foi adotada: a independência não bastaria; a criação de uma ordem
socialista e a colocação em marcha de uma reforma agrária radical consistiam
um imperativo. O Congresso reafirmou o caráter árabe e muçulmano da nação
argelina e o seu pleno direito à autodeterminação.
O problema argelino ganhava doravante uma dimensão internacional, os
países árabes, asiáticos e socialistas defendiam a independência argelina perante
a ONU e numerosos regimes árabes progressistas ofereciam a sua ajuda sob
diversas formas: pelo fornecimento de armamento, pela prestação de formação
militar e pela concessão de financiamentos. Na primeira linha destes países
figurava o Egito na ocasião da crise de Suez de outubro de 1956, um dos
objetivos franceses era depor o presidente al -Nasser, em razão do apoio que ele
prestava à revolução argelina.
Inclusive na própria França, a guerra da Argélia teve uma considerável influ-
ência. As posições dividiam -se entre os elementos progressistas, ansiosos por
darem um fim à nova “guerra suja”, travada tão pouco tempo após àquela con-
duzida no Vietnã, e a direita, tendência que buscava intensificar a guerra até uma
vitória francesa. Os enfraquecidos governos da IV
a
República, temerosos pela
possível acusação de traição, mesmo que fosse pela simples disposição em esta-
belecer negociações com os rebeldes”, mostravam -se incapazes de implementar
quaisquer medidas, salvo conceder crescentes poderes aos generais que dirigiam
162
África desde 1935
a guerra in loco. A estratégia dos militares franceses comportava três elementos
centrais: o “reagrupamento das pequenas cidades para destruir a rede de apoio
à FLN; a guerra baseada no terror psicológico, com vistas a isolar a FLN da
maioria da população; a construção de uma barreira eletrificada nas fronteiras
com a Tunísia e o Marrocos, visando impedir qualquer aprovisionamento a
partir dos países vizinhos.
O “reagrupamento” afetou centenas de milhares de camponeses, retirando as
suas terras e subtraindo -lhes as suas tradições sem, contudo, oferecer -lhes qual-
quer modo de vida alternativo. As pequenas cidades reagrupadas tornaram -se
campos de concentração e os seus habitantes transformaram -se em mendigos.
 . Em 20 de setembro de 1959, Messali Hadj aprovou a declaração do general de Gaulle a pro-
pósito da Argélia. (Foto: Keystone, Paris.)
163
A África setentrional e o chifre da África
O seu trabalho produtivo normal praticamente cessou
8
. O terror atingiu o seu
apogeu em 1957 com a “batalha de Argel”, tentativa conduzida pela ALN para
implantar -se mais profundamente na cidade. Os franceses responderam com
uma impiedosa campanha de perseguição, aprisionamento e tortura que efetiva-
mente destruiu a organização da ALN na capital, deixando uma herança de ódio
e suscitando uma onda de indignação na França e em todo o mundo, campanha
esta cujos métodos e procedimentos empregados pelos pára -quedistas franceses
foram comparados àqueles da Gestapo na Alemanha nazista. No transcorrer do
mesmo ano, em 1957, a fronteira algero -tunisiana foi hermeticamente fechada
com a instalação de uma cerca elétrica de forma a isolar totalmente os guer-
rilheiros argelinos do mundo exterior. Mas, nenhuma destas medidas logrou
êxito em desencorajar os combatentes. As operações da guerrilha foram levadas
adiante, embora em menor escala, e a resistência armada perpetuou -se até o
dia final.
A revolta do alto comando francês na Argélia, em maio de 1958, precipitou
na França a crise política gerada pela guerra. Os militares exigiram a ascensão
ao poder do general de Gaulle, em quem reconheciam o homem capaz de asse-
gurar a vitória final da França. O último governo da IV
a
República abdicou e de
Gaulle tomou a situação em mãos. Duas grandes forças políticas estavam atrás
dele: a oligarquia francesa do setor financeiro e os colonos franceses da Argélia
apoiados pelos oficiais. Tornou -se cada vez mais evidente que os interesses deste
grupo eram de mais em mais divergentes e que de Gaulle tinha as suas próprias
convicções políticas (relativas ao papel crescente da França no âmbito europeu,
à criação de uma nova relação com o Terceiro Mundo, etc.). Na realidade, os
seus objetivos estavam mais próximos dos interesses das oligarquias dos setores
financeiro e industrial franceses, quando cotejados com aqueles dos colonos
habitantes na Argélia, obstinados em querer manter o obsoleto colonialismo
da “Argélia do papai”. Mas, certo tempo foi necessário a de Gaulle para definir
uma política mais positiva no tocante aos argelinos e a guerra prosseguia como
anteriormente. A última tentativa executada para trazer os argelinos ao seio da
França foi o “plano de Constantine”, anunciado em 1958 por de Gaulle; ele
propunha despertar os campos tradicionais e industrializar o país. Contudo,
como numerosos outros projetos da época, este plano revelar -se -ia perfeitamente
irrealista
9
. Ele traria as maiores vantagens aos colonos franceses, ao passo que
8 Duzentos e cinquenta mil dentre eles preferiram fugir para o Marrocos ou para a Tunísia e foi entre eles
que se recrutaram os reservistas da ALN.
9 S. AMIN, 1970b, p. 125.
164
África desde 1935
aos argelinos não lhes restaria senão extrair um benefício mínimo. A “reforma
agrária não diria respeito a nada mais do que cerca de 250.000 hectares, dei-
xando de lado o problema fundamental dos 2,7 milhões de hectares pertencentes
aos colonos.
Em resposta às mudanças advindas da França, a FLN proclamou em setem-
bro de 1958 a formação de um governo no exílio, o GPRA (Governo Pro-
visório da República Argelina), cujo primeiro chefe foi Farhat Abbas. Em
1961, este governo ganhou um chefe mais revolucionário Yusuf ben Khedda.
Ele foi reconhecido de jure por todos os países árabes e numerosos países da
Ásia e de facto pelos Estados socialistas.
Percebendo a inocuidade das operações militares e também do plano de
Constantine, no que se refere aos resultados esperados, de Gaulle decidiu final-
mente negociar.
Em janeiro de 1960, quando se tomou conhecimento deste fato, os fascistas
de Argel revoltaram -se mas, a Semana das Barricadas” findar -se -á em um
 . Farhat ‘Abbas dirigindo -se à multidão na ocasião de uma manifestação em Casablanca, em 9
de julho de 1961, na presença do rei Hassan II. (Foto: Keystone, Paris.)
165
A África setentrional e o chifre da África
fracasso. Em março do mesmo ano, de Gaulle empregou pela primeira vez o
mágico slogan Argélia argelina”, colocando assim um termo − após mais de um
século ao mito a Argélia tão francesa quanto a Bretanha”. As negociações
abriam -se no meio do ano, foram abortadas muito rapidamente em razão de
numerosos problemas cruciais. Era importante que os franceses reconhecessem a
FLN e o GPRA como parceiros. As discussões foram a primeira vítima política
dos argelinos. Outras mais adviriam em breve.
Em abril de 1961, os ultra” da Argélia empreenderam uma última tentativa
por intermédio do putsch dos generais” dirigido por quatro generais de alto
escalão. O golpe fracassou, mas os ultra resolveram continuar o seu combate
em prol da preservação da Argélia francesa, recorrendo com esta finalidade ao
terrorismo por meio da Organização Armada Secreta (OAS).
As negociações que se seguiram foram longas e difíceis, notadamente por-
que os franceses insistiam em dissociar o Saara, com sua riqueza petrolífera, do
território argelino. Mas, a firme recusa da FLN forçou a França a aceitar um
compromisso. Em março, foram assinados os acordos de Évian, anunciando um
cessar -fogo e proclamando que o porvir da Argélia seria determinado em refe-
rendum. Organizado em 1
o
de julho de 1962, o referendo registrou uma maioria
de 99,7% votos favoráveis à independência.
Os últimos meses da dominação colonial e as primeiras semanas que se
sucederam à independência foram marcados por atos de sabotagem dos fas-
cistas da OAS que mataram, destruíram e queimaram em um ataque de fúria
inócuo. Com estes atos, eles igualmente retiraram da minoria europeia toda
a possibilidade de permanecer em uma Argélia independente como haviam
previsto os acordos de Évian. Sobreveio um êxodo maciço de colonos: desde o
fim de julho, cerca de 500.000 partiram para a França e, no fim do ano, menos
de 20% dos europeus permaneciam na Argélia. A partida em massa e súbita
dos colonos aqui compreendida a esmagadora maioria dos técnicos do país −
causou inicialmente numerosas dificuldades para a nascente república mas, ela
simplificou em muito a estrutura étnica e social da Argélia, poupando -a dos
conflitos raciais que, em contrário teriam sido inevitáveis.
A proclamação da independência da Argélia pôs fim ao período do colo-
nialismo francês no Magreb. A libertação foi conquistada mediante um custo
muito elevado: estima -se que perto de 1 milhão de argelinos perderam a vida e
que 2 milhões estavam desabrigados; 10.000 casas e edifícios foram destruídos
durante a guerra e, posteriormente, pelo terrorismo da OAS. Nenhuma outra
ação africana pagou um preço tão elevado e trágico pela sua independência.
Mas, graças à sua luta heroica, os argelinos facilitaram objetivamente o combate
166
África desde 1935
político das outras colônias francesas. A guerra da Argélia mostrou claramente
ao povo francês e aos seus dirigentes a futilidade do antigo sistema colonial,
forçando -os a reconhecer o direito de todas as nações à autodeterminação.
A Líbia
10
No capítulo 2, nós abandonamos a Líbia em 1948, no momento em que ela
ainda estava sob ocupação militar e aguardava a decisão da ONU sobre o seu
futuro. A Grã -Bretanha e a França já estavam implantadas no país. Os Estados
Unidos da América somavam -se a estes países e instalavam uma grande base
aérea, Wheelus Field, perto de Trípoli. As três potências ocidentais possuíam
doravante interesses na Líbia e não desejavam em hipótese alguma abandonar o
país. Portanto, não é digno de espanto que os interesses ocidentais tenham tão
prontamente entrado em conflito tanto com os anseios do povo líbio quanto
com a política dos países árabes, asiáticos e socialistas. Os britânicos tomaram
a iniciativa com o plano Bevin -Sforza o qual previa uma tutela britânica na
Cirenaica, uma tutela italiana na Tripolitânia (onde vivia a maioria dos colonos
italianos) e uma tutela francesa no Fezzan. Contra esta iniciativa de dividir o
país em três partes, a URSS preconizou uma tutela coletiva coordenada pela
ONU. O povo líbio manifestou sua oposição ao plano Bevin -Sforza em colossais
manifestações: em Trípoli, mais de 40.000 líbios foram às ruas. A Assembleia
Geral das Nações Unidas rejeitou o plano em maio de 1949. Em novembro do
mesmo ano, a URSS propôs conceder imediatamente a independência à Líbia,
proceder à retirada das tropas estrangeiras em prazo de três meses e fechar as
bases militares estrangeiras. Esta proposta não foi aceita mas, a ONU votou
posteriormente um texto prevendo que toda a Líbia constituir -se -ia em um
Estado independente e soberano no mais tardar em 1
o
de janeiro de 1952.
Não se deve interpretar estas intervenções internacionais como se signifi-
cassem que a independência do povo líbio tivesse sido um dom da ONU. Ao
contrário, foi o desenvolvimento de seu combate anticolonial que sensibilizou
a opinião pública mundial sobre o destino deste país, forçando assim a ONU a
ceder. Este movimento de libertação nacional conduziu suas ações em condições
muito difíceis, imputáveis tanto a história quanto às estruturas sociais injustas e
desiguais encontradas nas diversas regiões do país. Estes problemas foram ainda
10 Para a história da Líbia durante o período pré -revolucionário, conferir E. E. EVANS -PRITCHARD,
1949; I. R. KHALIDI, 1956; M. KHADDURI, 1963; J. NORMAN, 1963b; N. I. PROSHIN, 1975.
167
A África setentrional e o chifre da África
mais acentuados pela política britânica que visava explorar a situação para rom-
per a unidade dos patriotas. Desde o início, os britânicos preferiram ver o chefe
da Sanusiyya, Muhammad Idris de volta à Cirenaica em 1947, proveniente
de seu exílio egípcio desempenhar o papel preponderante na política líbia.
Suas posições notoriamente conservadoras suscitaram a oposição da burguesia
nacionalista tripolitana que desejava um regime democrático, a unificação de
toda a Líbia, uma estreita colaboração com os Estados árabes já independentes
e a evacuação das tropas estrangeiras. A oposição tripolitana temia que Idris não
tentasse introduzir o sistema feudal teocrático sanusi na Tripolitânia e os seus
dirigentes sabiam que ele colaborava estreitamente com os britânicos. Por sua
vez, Idris desconfiava da burguesia liberal tripolitana e dos seus ideais republi-
canos, preferindo, durante certo tempo, exercer um poder absoluto na Cirenaica
ao invés de dividir com esta classe social o governo da totalidade da Líbia.
Este desacordo foi inteligentemente explorado pelos britânicos para retardar
as negociações sobre a independência Líbia. Em junho de 1949, a Cirenaica foi
proclamada independente sob a direção do emir Idris: a Constituição elaborada
pelos britânicos preservava o poder praticamente ilimitado do emir e estabelecia
um Parlamento cuja metade dos membros seria nomeada por ele. O novo regime
não correspondia às expectativas dos elementos progressistas da população da
Cirenaica que desejavam uma maior participação política. Greves e manifesta-
ções eclodiram e foram reprimidas pelo emir, com a ajuda das tropas britânicas.
Mas a despeito do caráter manifestadamente reacionário do regime de Idris
e das sérias inquietações dos homens políticos da Tripolitânia, tornou -se muito
prontamente evidente que, somente uma unificação sob a égide de Idris permi-
tiria uma plena independência da Líbia. No curso dos anos 1949 -1951, longas
e difíceis negociações tiveram lugar entre as duas partes. Em razão do principal
objetivo dos dirigentes tripolitanos do movimento de libertação nacional ser a
independência e a unidade, eles finalmente aceitaram um compromisso. Sob
a pressão dos britânicos e em conformidade aos propósitos de Idris, a Líbia
tornou -se uma federação composta de três províncias − Tripolitânia, Cirenaica
e Fezzan −, caracterizada por uma grande autonomia provincial correlata a um
governo central assaz enfraquecido. A independência do Reino da bia foi
proclamada em 29 de dezembro de 1951; O antigo emir da Cirenaica e chefe da
Sanusiyya, o rei Muhammad Idris I
o
al -Sanusi, tornou -se o primeiro monarca.
A Líbia chegou à independência carregando uma pesada heraa colonial,
o fardo de muita destruição causada pela guerra e o ônus da presea de tropas
estrangeiras. No que concerne à economia e à estrutura social, ela fazia parte
dos países menos desenvolvidos da África do Norte; no domínio agrícola, as
168
África desde 1935
relações feudais de patriarcado eram dominantes e um forte percentual dos
habitantes levava ainda uma vida nômade ou seminômade. Quase não havia
indústria e os artesãos não trabalhavam senão para mercados locais. A bur-
guesia e o proletariado bios eram numericamente fracos e mal organizados.
A maioria dos bancos, dos estabelecimentos de venda no atacado e das plan-
tações, bem como o comércio exterior, era controlada por não líbios. O nível
de instrução era reduzido e a taxa de analfabetismo correspondia a mais de
85% da população.
As perspectivas eram bem sombrias: uma comissão da ONU sublinhou, em
1951, que a Líbia não “dispunha de recursos minerais ou de petróleo (!), pois
as operações de prospecção até então haviam conduzido a resultados negativos.
A manutenção das atividades das organizações políticas na Tripolitânia per-
mitiu o despertar imediato das desconfianças do grupo dirigente composto
pelos chefes feudais, pela burguesia compradora, pelos dignitários sanusi e pelos
membros da família real em 1952, todos partidos políticos foram banidos e as
outras organizações, como os sindicatos e os clubes de jovens, passaram a ser
rigorosamente controlados.
A decepção generalizada suscitada em virtude da indepenncia, por tanto
tempo esperada, não ter trazido nenhuma melhoria nas condições de vida da
populão, provocou uma multiplicação das manifestações e dos protestos
de massa mas, os seus resultados foram incipientes. As poncias ocidentais
exploraram as dificuldades econômicas do novo Estado para com ele concluir
novos “acordos de cooperação”, instituindo, assim e na prática, uma nova
depenncia. Os Estados Unidos, a Grã -Bretanha e a França obtiveram o
direito de manter suas bases militares e aéreas no território bio, assim como
uma porta aberta para os capitais estrangeiros. Em 1957, o peso relativo do
capital externo na economia líbia correspondia a 75%. Tanto a economia
quanto a administrão eram virtualmente dirigidas por conselheiros estran-
geiros e o governo Líbio declarou que ele não confiscaria nem as terras dos
15.000 colonos italianos ainda residentes no país e tampouco os bens das
empresas comerciais italianas.
Entre 1953 e 1956, a prospecção de petróleo alcançou resultados surpreen-
dentes e, no decorrer dos anos seguintes, a Líbia fez concessões para a extração
do petróleo a diversas empresas americanas, britânicas, francesas e italianas,
estipulando que a sua participação nos lucros líquidos não ultrapassaria 50%. A
exploração comercial de quinze campos de petróleo começou no início de 1960.
No tocante ao seu número e à sua capacidade produtiva, ocorreu rapidamente
169
A África setentrional e o chifre da África
um aumento no curso dos anos seguintes; oleodutos e portos foram construídos
para encaminhar o petróleo até a costa e facilitar a sua exportação
11
.
O boom petrolífero não teve efeitos positivos. Embora a Líbia tenha se tor-
nado rapidamente um dos países mais ricos da África, com a sua renda per capita
em alta e capaz de empregar consideráveis reservas para promover projetos de
desenvolvimento, a sua economia baseada em um produto percebeu -se vul-
nerável às flutuações do mercado mundial. Em lugar de lhe conferir uma maior
liberdade, este boom elevou ainda mais a dependência do governo em relação aos
interesses estrangeiros. Embora a produção petrolífera tenha aberto um grande
número de empregos aos líbios, tratava -se unicamente de trabalhos para os quais
não se exigia qualificação, ofícios incapazes de modificar sensivelmente a estru-
tura social. Constatou -se, muito evidentemente, um êxodo parcial da população
rural rumo aos campos de petróleo e às cidades mas, a mão de obra qualificada
foi composta de imigrantes de outros países árabes, de sorte que uma verdadeira
classe operária líbia desenvolveu -se muito lentamente. O boom provocou uma
inflação cujos efeitos negativos foram com maior ênfase sentidos pelos campo-
neses, pelos nômades e pelas classes menos favorecidas. O governo certamente
aumentou os seus gastos nos serviços sociais, na saúde e na educação mas, em
proporções inferiores ao que seria necessário para satisfazer as necessidades da
população. E ainda pior, nenhum real esforço de diversificação da economia foi
empreendido, nenhum investimento na indústria e na agricultura foi planejado.
Não exagero algum em dizer que o regime real não soube tirar proveito e
explorar o maná com o qual o país fora beneficiado, de maneira tão inesperada.
Após doze anos de implementação de um sistema custoso e ineficaz, a estru-
tura federal foi abolida em 1963: as três províncias autônomas deixaram de
existir e a Líbia tornou -se um Estado unificado. Em matéria de política externa,
a estreita aliança com as potências ocidentais foi mantida, malgrado uma ten-
dência à tomada de posições mais autônomas em certas questões de interesse
do mundo árabe. A passividade do regime durante a guerra de junho de 1967
provocou numerosos protestos e manifestações, forçando o governo a juntar -se
ao efêmero movimento de boicote ao petróleo e, posteriormente, a oferecer a
sua ajuda ao Egito e à Jordânia. As manifestações demonstraram o espetacular
avanço do nacionalismo árabe nos meios burgueses e junto aos intelectuais líbios.
Conquanto estivessem estes meios de mais em mais descontentes com a política
interna e externa do regime, não existia na Líbia nenhum organismo civil capaz
11 Libyan Oil, 1972.
170
África desde 1935
de derrubar o governo, pacificamente ou por meios violentos, nem tampouco
apto a em seguida conduzir uma política mais adequada às possibilidades ofere-
cidas pela riqueza decorrente da exploração do petróleo. Coube, portanto, a um
grupo de oficiais dirigido pelo capitão Muammar el -Kadhafi tomar o poder sem
derramamento de sangue, no dia 1
o
de setembro de 1969, durante uma viagem
ao estrangeiro de Idris I
o
. Inspirado pelas ideias do pan -arabismo, do socialismo
árabe e do islã, o novo poder levou a cabo uma revolução política, social e eco-
nômica que muito em breve mudaria todos os aspectos da vida na Líbia.
O Egito
Após a ruptura das negociações anglo -egípcias, em janeiro de 1947, o Egito
decidiu levar ao conhecimento da ONU a questão das suas relações com a Grã-
-Bretanha. se os egípcios esperavam realmente fazer triunfar a sua causa graças
a este organismo internacional, eles se decepcionaram: após várias sessões do
Conselho de Segurança, durante as quais somente a URSS, a Polônia e a Síria
defenderam as exigências egípcias, ao passo que os Estados Unidos da América
recomendavam a retomada das negociações diretas, neste quadro, nenhuma
resolução foi adotada e a problemática egípcia foi adiada sine die.
Os egípcios marcaram o seu descontentamento com maciças manifestações
antibritânicas, greves e outras ações, deixando clara a sua insatisfação tanto no
que se refere à presença britânica no país quanto à incapacidade do governo
egípcio em resolver este problema.
Neste momento, então pela primeira vez no cenário internacional, colocou-
-se a questão palestina que mais tarde causaria várias guerras entre árabes e
israelenses, assim como numerosas crises internas no mundo árabe. O presente
capítulo não tem como objetivo analisar a complexa história referente à colo-
nização sionista da palestina, nem da política britânica durante o período do
Mandato e tampouco das reações árabes manifestadas no entreguerras e no
imediato pós -guerra. Reduzido aos fatos essenciais, o problema dizia respeito
à colonização da Palestina contra a vontade da população autóctone pelos
nativos europeus, determinados a se estabelecerem definitivamente nestes terri-
tórios, motivados pelo fato de há dois milênios a Palestina ter pertencido a seus
ancestrais. Indubitavelmente, a ideia sionista de fundar o Estado de Israel não se
teria concretizado sem o apoio das potências imperialistas, primeiramente Grã-
171
A África setentrional e o chifre da África
-Bretanha e posteriormente os Estados Unidos da Américas, ambas buscando
atingir os seus objetivos políticos próprios na região
12
.
A criação do Estado de Israel e o fracasso da intervenção armada da Liga dos
Estados Árabes (Egito, Jordânia, Síria, Iraque e Líbano) em favor dos palestinos,
no fim de 1948, chocaram o mundo árabe. Este fracasso foi atribuído à crise
do sistema de poder político em vigor nesta região. No Egito, assim como em
alguns outros países árabes independentes, foram os militares, particularmente
os jovens oficiais, que tomaram consciência, pela primeira vez, dos fracassos, da
corrupção e da incompetência dos regimes estabelecidos pelas classes dirigentes
grande burguesia e grandes latifundiários. Em outros setores da sociedade, a
derrota provocou a intensificação da luta pela total independência e a liberação
definitiva da tutela estrangeira.
O partido Waft retornou ao poder consecutivamente às eleições organizadas
em 1950. Ele atraiu grande número de simpatizantes ao liberar certo número
de prisioneiros políticos mas, foi incapaz de resolver a crise econômica, con-
ter a considerável alta dos preços e, também e em igual medida, diminuir o
desemprego ou acalmar a agitação generalizada
13
. Confrontado a uma onda de
manifestações e greves que associavam os slogans antibritânicos às reivindica-
ções sociais e econômicas, o governo promoveu novas negociações com a Grã-
-Bretanha, exigindo a evacuação, no mais tardar em 1952, dos 85.000 soldados
em lugar dos 10.000 estipulados pelo tratado de 1936 em serviço na zona
do Canal de Suez, bem como reivindicando a unificação do Sudão e do Egito.
Diante da vontade dos britânicos, o Parlamento egípcio revogou unilate-
ralmente, em 15 de outubro de 1951, tanto o tratado de 1936 quanto o acordo
de 1899 sobre o condomínio no Sudão. Simultaneamente, comandos levaram
a cabo as operações de guerrilha na zona do Canal, às quais tropas britânicas
responderam com represálias que provocaram centenas de vítimas
14
.
Subitamente, em 25 de janeiro de 1952, a cólera acumulada eclodiu: centenas
de milhares de egípcios desceram às ruas do Cairo para exigir um boicote total
aos britânicos, o envio de um contingente militar egípcio na zona do Canal e
a conclusão de um tratado de colaboração com a URSS. A manifestação que
começara dentro da normalidade, viria a escapar a qualquer controle em razão
12 Sobre a questão palestina e sobre os conitos entre os árabes e Israel, bem como sobre os seus aspectos
internacionais, uma considerável literatura pode ser consultada: conferir a bibliograa estabelecida por
R. M. DE VORE, 1976; as sínteses mais interessantes são os livros de M. RODINSON, 1968a e 1968b.
13 M. COLOMBE, 1951; N. TOMICHE, 1966; J. BERQUE, 1968; P. J. VATIKIOTIS, 1969; H. MAH-
MOUD, 1970 e 1973.
14 Sobre as relações anglo -egípcias, ver J. MARLOWE, 1954; E. MONROE, 1963.
172
África desde 1935
das manobras de provocadores obedientes ao palácio real: alguns deles promo-
veram pilhagens, provocaram incêndios e assassinaram europeus e ricos egíp-
cios. Malgrado o pequeno número de vítimas, os danos materiais elevaram -se
a milhões de libras e mais de 700 edifícios (mansões, hotéis, cabarés, bancos e
butiques) foram destruídos.
Isto provocou a queda do governo do Wafd mas, nenhum de seus sucessores
advindos até a revolução − a despeito de severas medidas tomadas contra os gre-
vistas e manifestantes − não logrou êxito em controlar integralmente a situação.
A crise interna, a derrota na Palestina e o fracasso das negociações com a
Grã -Bretanha desacreditaram integralmente o regime dos partidos políticos e da
monarquia. Nenhuma organização política, no quadro do sistema estabelecido
ou fora dele era capaz de tomar uma iniciativa susceptível de melhorar uma
situação que se deteriorava ininterruptamente. A solução proveio dos Oficiais
Livres, organização de oficiais de média patente dirigida pelo tenente -coronel
Gamal Abd al -Nasser, desde logo conhecido pelo nome de al -Nasir ou al -Nas-
ser. O que eles haviam visto durante a guerra da Palestina − o fornecimento de
armas defeituosas em que estavam implicados membros da gangue do palácio
tornava -os inimigos do regime monarquista, marcado pela sua caricatura de
parlamento e pela sua democracia para paxás e latifundiários, pela sua corrup-
ção e pela sua incapacidade em resolver os problemas mais urgentes. Em 23 de
julho de 1952, os Oficiais Livres, apoiados por uma parte do exército, ocuparam
pontos nevrálgicos do Cairo e, sem derramamento de sangue, tomaram o poder,
obrigando à abdicação do rei Faruq, em 26 de julho. Embora estes oficiais não
tenham proposto à época nenhum programa concreto o qual parece não ter
existido −, o povo egípcio acolheu com entusiasmo a partida do rei, símbolo de
tudo aquilo que de mais podre havia em sua sociedade
15
.
O significado pleno da revolução de 1952 não foi imediatamente incorpo-
rado, no próprio Egito, nem no mundo árabe, ou tampouco no estrangeiro. Ela
foi amiúde considerada como um Golpe de Estado militar análogo àqueles que
haviam sido observados na Síria ou na América Latina. Foi necessário certo
tempo antes que o caráter antifeudal e anti -imperialista da revolução se tornasse
perceptível. A primeira reforma agrária de 1952 que confiscou as terras reais
e limitou em 200 faddan (1 faddan = 0,56 hectare) a superfície das terras que
uma família podia possuir, não se referia senão a 10% das terras aráveis e era
15 Três grandes guras da revolução publicaram a este respeito um relatório: G.ABD AL -NASSER,
1954; M. NAGUIB, 1955; A. AL -SADAT, 1957. Conferir também J. e S. LACOUTURE, 1962; A. ABDEL-
-MALEK, 1962; C. ISSAWI, 1963.
173
A África setentrional e o chifre da África
incapaz de resolver os problemas fundamentais das pequenas cidades egípcias
mas, tratava -se contudo, de uma medida de redução do poder da classe feudal,
a qual dominara por longo período a vida política egípcia. Os velhos partidos
políticos, aqui compreendido o Wafd ao qual certos membros do Conselho
Superior da Revolução eram inicialmente favoráveis, foram dissolvidos no fim
do ano de 1952 porque se recusavam a colaborar. Em junho de 1953, o Con-
selho da Revolução aboliu a monarquia e no Egito foi proclamada a república,
contando com o general Naguib para o cargo de primeiro presidente. Após dois
milênios de dominação estrangeira − desde a época de Ptolomeu − o Egito era
novamente governado por um chefe de Estado de origem egípcia
16
.
Dois grupos criaram -se no seio do Conselho da Revolução: o primeiro,
dirigido por al -Nasser, preconizava uma política interna e externa mais revo-
lucionária, enquanto o grupo de Naguib estimava que o objetivo dos oficiais
consumara -se e desejava re -implantar um governo civil. A política conservadora
de Naguib, ao privilegiar o islã, obtivera apoio e sustentação dos Irmãos Muçul-
manos. A luta pelo poder político prosseguiu no curso de grande parte do ano de
1954 e, em outubro, quando um membro dos Irmãos Muçulmanos tentou matar
al -Nasser, os dirigentes deste grupo e muitos milhares dentre os seus partidários
foram detidos. Em 14 de novembro de 1954 o general Naguib, acusado de ter
envolvido os Irmãos Muçulmanos, foi demitido de suas funções presidenciais e
intimado a depor. Gamal Abd al -Nasser ascendeu ao posto de chefe de Estado.
No curso destes primeiros anos, a política exterior do Conselho da Revolução
concentrou -se em duas questões: o Sudão e o Canal de Suez. O acordo anglo-
-egípcio assinado em fevereiro de 1953, marcou o fim do condomínio e ofereceu
aos sudaneses a possibilidade de escolha entre a independência e a união com
o Egito. À época, a unidade do vale do Nilo era mais cara aos Oficiais livres
comparativamente a importância concedida à unidade árabe e o Egito esperava
que o Sudão escolhesse unir -se a ele. Quando os homens políticos sudaneses,
decepcionados pela derrubada de Naguib e pela supressão dos partidos políticos,
escolheram não mais dar continuidade ao projeto de união, foi somente então
que al -Nasser implementou uma política árabe mais dinâmica.
Após prolongadas negociações um acordo sobre Suez foi assinado em outu-
bro de 1954: os britânicos prometeram retirar as suas tropas da zona do Canal
em 20 meses. O acordo reconhecia a importância internacional do Canal mas,
apresentava -o na mesma ocasião como parte integrante do Egito.
16 Após os ptolemeus vieram os romanos, os bizantinos, os árabes e diversas dinastias turcas ou curdas; a
dinastia de Muhammad ‘Ali era de origem albanesa.
174
África desde 1935
Sob al -Nasser, o Egito começou a desempenhar um papel de crescente
importância nos assuntos mundiais. Os três círculos que ele descrevera como
formadores do ambiente no qual se encontrava o Egito − o islâmico, o africano
e o árabe foram completados por um quarto: aquele dos países não alinhados”.
Tal foi o resultado da participação de al -Nasser na Conferência de Bandung
(1955) durante a qual, pela primeira vez ele pôde reencontrar outros dirigentes
do Terceiro -Mundo: Nehru, Sukarno, entre outros. O Egito também esteve na
vanguarda da oposição de certos Estados árabes ao Pacto de Bagdá, considerado
como uma tentativa de reversão da curva declinante de influência do Ocidente
na região
17
.
Em 1955, as tensões com Israel permaneceram acentuadas e houve nume-
rosas trocas de tiro e revides ao longo da fronteira na Faixa de Gaza. Quando o
Egito, alarmado pelos incessantes envios de armas a Israel, solicitou ajuda aná-
loga aos países ocidentais, estes lhe responderam com pouco caso. Em setembro
de 1955, al -Nasser anunciou um acordo com a Tchecoslováquia, incumbida de
fornecer -lhe grandes quantidades de material militar, inclusive tanques e aviões,
comprometendo -se ele em troca, a lhes enviar algodão e arroz. Esta iniciativa,
tendencialmente capaz de liberar o Egito de uma dependência unilateral em
relação aos arsenais ocidentais, foi aclamada pela maioria dos Estados árabes e
asiáticos mas, suscitou no Ocidente uma onda de histeria e aumentou a descon-
fiança e a aversão demonstradas ao regime egípcio.
O efeito imediato deste acordo foi a recusa da Grã -Bretanha, dos Estados
Unidos e do Banco Mundial em financiar o projeto da grande barragem em
Assouan. Este projeto visava aumentar as superfícies cultivadas e garantir o
fornecimento da energia necessária à industrialização, na esperança de resolver
os problemas impostos pelo crescimento populacional do país. O presidente
al -Nasser respondeu anunciando, em 26 de julho de 1956 a estatizão da
Companhia do Canal de Suez, objetivando utilizar os fundos extraídos do Canal
para o financiamento da grande barragem. Os acionistas deviam ser indenizados.
A Grã -Bretanha, a França e os Estados Unidos protestaram de forma vigorosa
e sua propaganda foi dirigida contra o Egito, em especial contra o presidente
al -Nasser, apresentado como um novo Hitler
18
. Diversas manobras diplomáticas,
17 E. LENGYEL, 1957.
18 As mídias ocidentais complicaram deliberadamente a situação, explicando que o Egito estatizara unilate-
ralmente a via navegável internacional, enquanto que o canal, por sua vez, sempre compusera o território
egípcio e os direitos soberanos do Egito sobre ele nunca haviam sido contestados. Ao nacionalizar a
Companhia do Canal de Suez, o Egito contentou -se em exercer os seus direitos soberanos, sem, todavia
e em hipótese alguma, modicar o caráter internacional do canal como via navegável.
175
A África setentrional e o chifre da África
intuindo forçar o Egito a renunciar aos seus direitos e a aceitar um controle
internacional de outro tipo, fracassaram. Em outubro, Israel, a Grã -Bretanha e
a França, após terem concluído um acordo secreto, invadiram o Egito. O obje-
tivo comum dos três agressores era destituir al -Nasser, derrubar o seu regime e
fazer novamente do Egito uma semicolônia dependente.
As forças israelenses penetraram no deserto do Sinai em 24 de outubro e
avançaram rumo ao Canal de Suez. A operação aérea anglo -francesa contra
o Egito começou em 31 de outubro mas os pára -quedistas e as forças trans-
portadas por via marítima não atingiram a região de Port -Saïd senão em 5
de novembro. Neste interlúdio, a URSS e os Estados Unidos propuseram ao
Conselho de Segurança das Nações Unidas resoluções exigindo uma retirada
imediata das forças israelenses mas a Grã -Bretanha e a França exerceram,
em oposição, o seu poder de veto. Em seguida, a Assembleia Geral das Nações
Unidas lançou um apelo em defesa de um cessar fogo geral e em prol do fim
das hostilidades. A pressão conjugada dos Estados Unidos e da URSS forçou
finalmente a Grã -Bretanha e a França a interromperem as hostilidades, em 6
 . Port -Saïd, na zona do canal: a destruição causada pela guerra de 1956. (Foto: Popperfoto,
Londres.)
176
África desde 1935
de novembro à meia noite. Durante o mês seguinte, as tropas dos agressores
retiraram -se da zona do Canal, em seguida os israelenses evacuaram a península
do deserto do Sinai e da Faixa de Gaza
19
.
A última tentativa, levada a cabo pela Grã -Bretanha com o objetivo de uti-
lizar a “diplomacia dos canhões” e readquirir a sua antiga supremacia na região,
configurou -se, portanto, em um total fracasso. Para a Grã -Bretanha e a França,
ela traduziu -se por uma nova perda de influência, não restrita ao mundo árabe
mas também em todo o Terceiro -Mundo. Por sua vez, o Egito e o presidente
al -Nasser tornaram -se o símbolo de uma nova atitude vis -a -vis dos imperia-
listas: pela primeira vez na história, uma antiga colônia não batia em retirada
frente a uma ameaça mas, resistia com um determinação que embaraçava con-
sideravelmente as potências ocidentais, chegando a provocar uma crise política
interna na G -Bretanha e na França. As nações colonizadas e os Estados
recém -independentes apreciaram tanto a audaciosa nacionalização, empreen-
dida por al -Nasser, da Companhia do Canal de Suez quanto a sua resistência à
agressão armada. Fora claramente demonstrado que o imperialismo não era tão
forte como outrora e que, tirando proveito de sua fraqueza, as nações oprimidas
da África e de alhures poderiam conquistar a sua independência.
O Sudão
A história do Sudão ainda considerado anglo -egípcio, malgrado o caráter
mínimo da participação dos egípcios em sua administração foi marcada no
pós -guerra por três problemas cruciais: a luta pela independência, as relações
com o Egito e a emergência do problema do Sul
20
.
Em que pese e mesmo após a entrada em vigor da Constituição de 1948,
prevendo a eleição de uma assembleia legislativa em sufrágio universal e a cons-
tituição de um executivo com ministros sudaneses, o governo -geral britânico
reservou -se um direito de veto, além de numerosos outros poderes. Os britânicos
preferiam o Partido Umma, dirigido pelo neto do Mahdi cuja atitude antiegípcia
e as posições conservadoras melhor lhe convinham, em detrimento ao partido
de Ashikka’; este último insistia, na realidade, em uma estreita união com o
Egito, em virtude da ideia da “unidade do vale do Nilo”, e seus membros eram
recrutados nos setores mais progressistas da sociedade sudanesa.
19 Sobre a crise de Suez e o conito, conferir A. NUTTING, 1967; K. LOVE, 1969.
20 J. S. R. DUNCAN, 1957; P. M. HOLT, 1961; M.ABD AL -RAHMAN, 1969.
177
A África setentrional e o chifre da África
A revolução de 1952 no Egito foi, em um primeiro momento, positivamente
acolhida no Sudão, em parte porque o impopular rei Faruq fora deposto e tam-
bém em virtude das estreitas relações do general Naguib no país, pois que sua
mãe era sudanesa. Em novembro de 1953, o novo Partido Nacional Unionista,
sucessor do Ashikka pró -egípcio, venceu as eleições. O programa deste partido
insistia na liquidação, assim que possível, da dominação colonial; a deposição
do general Naguib no Egito e a postura negativa de al -Nasser em face do
multipartidarismo o haviam indisposto até os antigos partidários da união. Em
dezembro, os respectivos chefes das mais fortes ordens religiosas, Ansars (pró-
-britânica) e Khatmiyya (pró -egípcia), ambas com muitos adeptos, declararam-
-se prontas a colaborar para a conquista da independência total do Sudão. Em
que pesem as fortes pressões egípcias, até o Partido da União Nacional evoluía,
desde logo, para uma posição favorável à independência, excluindo qualquer
ligação com o Egito.
O Parlamento sudanês declarou em 19 de dezembro de 1955 que o Sudão
tornar -se -ia uma república independente e a independência foi, oficial e sole-
nemente, proclamada em 1
o
de fevereiro de 1956.
O problema do Sudão meridional que durante décadas atormentaria o país,
começava a apresentar -se pouco antes da independência
21
: em agosto de 1955,
o agrupamento Equatoria do exército sudanês revoltou -se contra a progressiva
incorporação da administração e dos postos de comando pelos nortistas. Os
amotinados logo renderam -se mas, os distúrbios propagaram -se por todas as
províncias sulistas e numerosos nortistas foram mortos. Esta crise era conse-
quência da política britânica que tendia a dissociar rigorosamente o desenvol-
vimento do sul e do norte sob o pretexto do assujeitamento, pelos sudaneses
muçulmanos, dos toscos habitantes do sul, reduzindo -os ao escravismo como
haviam feito no século precedente. O proselitismo em favor do islã foi proibido,
as missões cristãs (frequentemente católicas) foram encorajadas. A língua inglesa
era utilizada de forma exclusiva nas escolas dos missionários, ao passo que no
norte o árabe era empregado no ensino e logo tornar -se -ia a língua oficial.
Desta forma, pouco a pouco formar -se -iam duas regiões inteiramente sepa-
radas e estrangeiras em face da outra. Os britânicos evidentemente não evitaram
as distinções culturais e sociais existentes entre a população do norte, arabófona
e muçulmana, e aquela do sul, nilótica de religião tradicional mas, eles tudo
fizeram para perpetuar estas diferenças e semear nos espíritos esta desconfiança.
21 J. ODUHO e W. DENG, 1963; M. O. BESHIR, 1968.
178
África desde 1935
Certos índices, no começo do período colonial, levam a pensar que as relações
entre os nortistas e os sulistas seriam possivelmente harmoniosas: o dirigente do
primeiro movimento nacional, a Liga da Bandeira Branca era Abd al -Latif, um
jieng (dinka) do sul e, junto aos seus partidários havia representantes das duas
regiões. Igualmente em 1924, quando os britânicos forçaram as tropas egípcias
a evacuar o Sudão, os oficiais e os aspirantes a oficiais sudaneses, cuja maioria
provinha do sul, amotinaram -se para protestar, gesto de solidariedade que custa-
ria a vida a muitos dentre eles
22
. Foi justamente após estes acontecimentos que a
administração colonial britânica ergueu uma barreira ainda mais intransponível
entre o norte e o sul.
Os nortistas foram parcialmente responsáveis pela degradação das relações:
quando em 1954 -1955 se lhes atribuiu a responsabilidade pela administração
das províncias do sul, outrora assegurada pelos britânicos, eles apressaram -se em
introduzir o árabe como língua oficial, eximindo -se de qualquer preocupação no
tocante às diferenças culturais e tampouco em relação às demandas da população
local e de seus dirigentes políticos. Esse trágico conflito foi suscitado simulta-
neamente pela política colonial, anteriormente conduzida, e por uma recíproca
incompreensão mútua.
O Chifre da África
A guerra de resistência, a Segunda Guerra Mundial e a ocupação italiana
causaram consideráveis perdas na Etiópia: mais de 760.000 etíopes perderam
a vida, 525.000 habitações foram destruídas, perto de 14 milhões de cabeças
de gado desapareceram. No total, as perdas materiais foram estimadas em 180
milhões de libras
23
. A derrota dos italianos não significara que o país hou-
vesse conquistado automaticamente a sua independência e a sua soberania.
Somente a contragosto a Grã -Bretanha autorizou a reinstalação da máquina
administrativa etíope que, exatamente no imediato pós -guerra, permaneceu
integralmente sob o controle da Administração Britânica em território inimigo
ocupado (OETA), dirigida a partir de Nairobi pelo sir Philip Mitchell, antigo
governador de Uganda. Os britânicos chegaram em determinado momento
a sonhar em estabelecer uma espécie de protetorado na totalidade da África
22 A. A. BOAHEN (org.), 1987, capítulo 23, pp. 634 -638.
23 R. K. PANKHURST, 1955, pp. 548 -549.
179
A África setentrional e o chifre da África
oriental, antes sob domínio italiano
24
. Embora a liberdade e a independência
da Etiópia tenham sido proclamadas no acordo anglo -etíope de 1942, os seus
diversos artigos e, com maior ênfase, a convenção militar que o acompanhava,
preservavam e legitimavam um grau substancial de controle britânico. Certas
partes do território etíope como Ogaden e grandes zonas fronteiriças às Somá-
lias francesa, britânica e italiana permaneceriam, forçosa e indefinidamente, sob
administração militar britânica.
Foram necessários mais de dois anos de negociações para alcançar, no fim
de 1944, um novo acordo que eliminasse os aspectos desiguais do precedente
e se traduzisse pela descolonização da maior parte da Etiópia, com exceção do
Ogaden e da Zona Reservada, que permaneceria sob a administração militar
britânica. Não seria senão em 1954 que as regiões cairiam plenamente sob juris-
dição etíope, nesta mesma ocasião, as tropas britânicas se retiraram
25
.
Sob a ocupação militar britânica que durou até 1951, certo número de par-
tidos políticos, a refletir uma situação étnica e religiosa complexa, ganhou o
dia na Etiópia. No seio da população tigré cristã do platô, nascia o Partido
Unionista, apoiado pelo governo e pela Igreja da Etiópia e preconizador de uma
total união à Etiópia. Uma minoria cristã, temendo a supremacia dos amhara,
aderiu ao Partido Progressista Liberal que aspirava à criação de uma Eritreia
independente. A Liga Muçulmana adotou um programa análogo e seus dois
partidos (levando consigo agrupamentos de menor importância) formaram o
Bloco da Independência, rebatizado posteriormente como Bloco Democrático.
A Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua quinta sessão, realizada em
1950, adotou uma resolução relativa à criação de uma federação unindo a Eti-
ópia e a Eritreia. À esta última se lhe atribuíra a sua própria Constituição, bem
como uma Assembleia Legislativa e um Governo. As relações internacionais,
a defesa, as finanças e as declarações de alcance internacional estavam sob a
responsabilidade do Governo Federal
26
.
Em março de 1952, foi organizada a primeira eleição para a composição do
Parlamento: muçulmanos e cristãos aqui equilibrar -se -iam. Em setembro do
mesmo ano o derradeiro administrador britânico confiou a administração da
Eritreia à Coroa etíope. O perfil da federação representava uma vitória para o
Partido Unionista, agora transformado em agremiação dominante no governo.
Numerosos dirigentes do Bloco da Independência deixaram o país e exilaram-
24 L. MOSLEY, 1964, p. 275.
25 R. K. PANKHURST, 1981.
26 G. K. N. TREVASKIS, 1960; L. E. S. PANKHURST e R. K. PANKHURST, 1953.
180
África desde 1935
-se, com maior frequência no Cairo, onde continuaram a propagar a ideia da
independência da Eritreia.
Na situação assim criada, a Eritreia, com seus partidos, seu parlamento e
uma Constituição mais progressista, contrastava nitidamente do ponto de vista
político com a Etiópia, na qual o imperador continuava a deter todas as rédeas
do poder. Haïlé Sélassié considerou a Eritreia com reservas desde o primeiro dia
e começou muito cedo a desmantelar, uma após a outra, as instituições democrá-
ticas: por ocasião das eleições de 1956, nenhum partido político foi autorizado
a apresentar candidatos; em 1958, a bandeira da Eritreia deixou de ser reconhe-
cida; em 1959, o Código Etíope foi introduzido; em 1960, o Parlamento eritreu,
neste momento já livre de qualquer oponente declarado à união com a Etiópia,
substituiu a expressão “governo da Eritreia” pela nomenclatura administração
da Eritreia”. Este processo alcançou, em 1962, a sua inexorável conclusão lógica:
a Assembleia eritreia votou a supressão do estatuto federal e, posteriormente a
sua própria dissolução. A Eritreia tornou -se parte integrante do império etíope.
O conflito exacerbado e impondo à Etiópia um agudo problema, iniciar -se -ia
desde essa época, notadamente mediante a imposição do exílio aos dirigentes
da oposição e com os primeiros ataques de grupos de guerrilheiros no interior
do próprio país contra a administração e os grupos etíopes
27
.
Quando eles reconheceram a sua incapacidade em criar, nos limites da
ex -África oriental italiana, uma entidade por eles controlada, os britânicos
tornaram -se ardentes partidários do movimento pan -somali e propuseram, em
1946, a unificação de todas as terras somalis
28
. Naturalmente, os etíopes e os
franceses opuseram -se vigorosamente a este plano cujo objetivo era estabele-
cer uma tutela britânica sob estes territórios e o projeto fracassou é assim
compreensível que a Grã -Bretanha tenha ocupado de forma tão duradoura o
Ogaden. Durante este período de temporária unificação do conjunto do terri-
tório somali sob a administração britânica, o movimento pan -somali, compo-
nente central da ideologia nacionalista somali, soube enraizar -se nos círculos
dos jovens intelectuais
29
.
27 Sobre a história da Etiópia do pós -guerra, conferir R. GREENFIELD, 1965; J. DORESSE, 1970; H.
G. MARCUS, 1972; P. GILKES, 1975.
28 S. TOUVAL, 1963; I. M. LEWIS, 1965.
29 Fato digno de nota, nas escolas abertas pelos italianos na Somália, o período do Risorgimento, aquele
relativo à unicação da Itália no século XIX, era apresentado como a mais gloriosa página da história
nacional. Os jovens somalis foram levados, naturalmente, a comparar a sua própria situação com aquela
dos italianos de outrora, uma vez que estavam, como eles, em situação de confronto com um império
multinacional cuja derrubada, com a libertação dos compatriotas, era julgada como progressista sob todos
os pontos de vista.
181
A África setentrional e o chifre da África
Todos estes problemas estavam ligados à derrubada do império italiano.
Segundo o tratado de paz de 1947, a Itália renunciava às suas colônias mas, sem
abandonar a ideia de se reinstalar por outros meios. Os italianos aspiravam
que, tal como ocorrera em relação à Tripolitânia, lhes fosse ao menos con-
fiada a tutela da Somália, sua ex -colônia ao sul da atual Somália. No momento
da sua discussão na ONU, 1948 -1949, uma onda de manifestações popula-
res desencadeou -se em Mogadíscio (Muqdisho) e alhures contrariamente ao
retorno dos italianos, seja qual fosse a sua forma. As mulheres reunidas pela
Liga da Juventude Somali (LJS) participaram ativamente da luta pela inde-
pendência e, em janeiro de 1948, uma dentre elas, Hawa Ismen ‘Ali, tornou -se
a primeira mulher mártir do movimento somali de libertação nacional. Mal-
grado a evidência dos sentimentos anti -italianos da população, constatados por
diversas comissões da ONU, as três potências ocidentais eram favoráveis a uma
tutela italiana, a União Soviética, no que lhe concerne, pleiteava um controle
exercido de forma coletiva pelas quatro potências. Em 21 de novembro de 1949,
a Assembleia Geral decidiu colocar, por 10 anos, a Somália sob tutela italiana
com supervisão da ONU. A independência esperada pela população permanecia,
portanto, postergada por igual período.
Durante a ocupação britânica, a LJS tornara -se o partido político dominante,
tomando a dianteira frente os outros partidos, ligados a clãs, igualmente consti-
tuídos durante este período. Um dos principais efeitos do retorno dos italianos
foi a multiplicação dos partidos políticos, tanto que, em março de 1954, à época
das primeiras eleições municipais, computavam -se vinte agremiações contra oito
em 1950. Este quadro refletia muito fielmente a estrutura marcada por clãs, pró-
pria à sociedade somali. Embora os partidos ligados a clãs tenham oficialmente
feito figurar os objetivos nacionalistas e pan -somali em seus programas, eles não
permaneceriam, contudo e não menos, ligados à defesa e à promoção de seus
interesses particulares
30
. Os três primeiros anos da década foram marcados por
fortes tensões entre os italianos e a LJS que, por sua vez, reclamava maior par-
ticipação na administração e organizava numerosas manifestações anti -italianas.
Em contrapartida, entre as eleições municipais de 1954, em consequência das
quais a LJS confirmou a sua posição dominante, e 1960, a hostilidade dos ita-
lianos em relação a este partido diminuiu, gradativamente, em relação direta
com a compreensão, pelos italianos, da sua impossibilidade em enfrentar esta
formação, a mais potente da futura Somali independente. Em fevereiro de 1955,
30 A. A. CASTAGNO, 1966.
182
África desde 1935
na ocasião das primeiras eleições legislativas gerais, a LJS obteve novamente a
maioria dos votos. Plenos poderes estatutários para os assuntos internos foram
conferidos à nova Assembleia e o primeiro governo Somali foi formado sob a
direção de Abdillahi Ise. Todavia, o chefe da administração da tutela italiana
guardou um direito de veto absoluto e conservou a sua primazia jurídica sobre
os assuntos militares e externos; além disso, os ministros somalis estavam rode-
ados de conselheiros italianos. Tensões e cisões produziram -se no seio da LJS,
concomitantemente ao aumento do seu poder e com aproximação da indepen-
dência. Em que pesem as suas pretensões de conduzir uma política pan -somali,
este partido estava na realidade dilacerado por conflitos entre os seus membros
daroud e hawiye.
O desenvolvimento político do protetorado britânico da Somalilândia (norte
da atual Somália) foi mais lento que o ocorrido na Somália
31
. A Grã -Bretanha
impediu a formação de um sistema representativo fundado em partidos políti-
cos, reservando este papel exclusivamente aos clãs. O Conselho Legislativo não
foi instaurado senão em 1957 e os seus poderes permaneceram extremamente
limitados até 1960. Os partidos políticos fundados antes de 1950, notadamente
a Liga Nacional Somali (LNS) e a Liga da Juventude Somali, expostas às per-
seguições da administração colonial, conduziram atividades muito reduzidas.
O acordo de 1954 que transferia à Etiópia o Haud e a Zona Reservada, regi-
ões povoadas por somalis, desencadeou um novo fervor nacionalista. Maciças
manifestações eclodiram em todo o protetorado e um movimento nacional foi
organizado, a Frente Nacional Unida (FNU) lançou uma vigorosa campanha
pelo retorno do Haud e pela independência. A campanha pelo Haud não sur-
tiu efeito mas, a independência tornou -se a principal preocupação de todos os
partidos. Todas agremiações também se reconheciam ao imporem -se o obje-
tivo da unificação com a Somália. Sob a crescente pressão dos nacionalistas, o
Conselho Legislativo foi reformado no início de 1959, de forma a compreender
doze membros somali eleitos; um ano mais tarde, em razão do julgamento da
insuficiência da reforma, foi adotada uma nova Constituição prevendo uma
representação somali mais ampla e uma responsabilidade ministerial. Os acon-
tecimentos precipitaram -se com a aproximação da data da independência da
Somália. Desde 1959, os delegados de todos os partidos políticos da Soma-
lilândia participaram, em Mogadíscio, da formação do Movimento Nacional
Pan -Somali; em abril de 1960, os membros eleitos do novo Conselho Legis-
31 I. M. LEWIS, 1965, pp. 148 -155.
183
A África setentrional e o chifre da África
lativo votaram, de forma unânime, uma resolução requerendo a declaração da
independência para o dia 1
o
de julho de 1960 e a unificação com a Somália.
Uma delegação dirigiu -se a Mogadíscio e concluiu um acordo tangente à futura
república unida. A Somalilândia tornar -se -ia plenamente independente em 20
de julho de 1960, a Somália alcançaria a sua independência em 1
o
de julho e,
como acordado, os dois territórios tão logo fusionar -se -iam.
A minúscula colônia francesa chamada até 1967 Costa Francesa dos Soma-
lis, posteriormente conhecida como Território Francês dos Afars e dos Issas
(TFAI), possuía aos olhos dos franceses, múltiplas vantagens, em razão de ofe-
recer um bom porto, ocupar um notável posicionamento estratégico e constituir
o ponto final da única linha ferroviária etíope
32
. Muito tempo após a libertação
da maior parte do continente, a França continuou então a se opor vigorosamente
às crescentes reivindicações locais por independência. A existência no país de
dois distintos grupos étnicos e quase equivalentes em termos numéricos, com
leve predominância de somalis, concedia à administrão colonial um bom
pretexto para postergar indefinidamente a independência
33
. Ela não deixou
passar nenhuma oportunidade de exacerbar essa rivalidade. Os afars nômades,
igualmente chamados danakil, eram sistematicamente favorecidos comparativa-
mente aos somalis mais urbanizados. Esta política atingiu parcialmente os seus
objetivos mas deve -se mencionar que, antes de 1958, os dois principais rivais no
cenário político Mahmud Harbi e Hassan Gouled eram ambos de origem issa
(somali) e que seus partidários eram recrutados nos dois grupos étnicos. Harbi
era favorável à unificação com a Somália independente, ao passo que Gouled
defendia uma mais estreita união com a França. As primeiras eleições, em 1957,
deram a vitória a Harbi que tornar -se -ia presidente do Conselho de Ministros;
as suas tendências pan -somalis indispuseram -no em curto espaço de tempo com
os franceses, forçando -o a fugir para o exterior em 1958. O referendo organi-
zado no mesmo ano por de Gaulle, do qual participou somente uma minoria
de eleitores, confirmou a adesão à Comunidade Francesa, tal como ocorrido em
todos os territórios franceses da África com exceção da Guiné. Mas, enquanto o
período de preparação à independência não durou nada além de dois anos nos
outros países francófonos, no que diz respeito à população do Território Francês
32 V. M. THOMPSON E R. ADLOFF, 1968; P. OBERLÉ, 1971; R. SAINT -VÉRAN, 1977a.
33 Conferir o comentário publicado no Le Monde em 26 de abril de 1964, segundo o qual “a administra-
ção considera, não fortuitamente, que a rivalidade entre os afars e os somalis seria a melhor garantia de
estabilidade” (citado no Politika Frantsii v Azii i v Afrike, 1965, p. 175).
184
África desde 1935
dos Afars e dos Issas, a sua população seria obrigada a esperar vinte anos antes
de atingir esta fase.
Durante este período, os dirigentes políticos provinham dos Afars, apoiados
pela administração francesa; os principais militantes somali eram, em sua maioria,
exilados e o único partido somali oficialmente reconhecido era a Liga Popular
Africana pela Independência (LPAI) cuja criação ocorreu somente em 1972. Um
partido clandestino, a Frente de Libertação da Costa dos Somalis (FLCS), com
sede em Mogadíscio, mostrava -se mais revolucionário. Em 1967, um novo refe-
rendo que conduziria a uma “autonomia ampliada foi organizado no território,
entretanto o partido afar, dirigido por ‘Ali Arif Bourhan, a União Nacional pela
Independência (UNI), cujo slogan era “Unidade e progresso no seio da comuni-
dade francesa”, guardou uma posição predominante no novo governo.
Após a revolução etíope de 1974, o movimento de libertação fortaleceu -se.
Operações de guerrilha, organizadas pela FLCS, foram abertamente empre-
endidas contra os franceses e a independência foi, doravante, reclamada não
somente pela LPAI mas, igualmente, por elementos do partido dominante.
A Assembleia Geral das Nações Unidas encarregou -se, em 1975, da questão
da independência do país e adotou uma resolução estipulando que ela deveria
imediatamente ser -lhe concedida.
Em março de 1977, a LPAI, a FLCS, dominadas pelos somalis e alguns
dos antigos partidários de Ali Arif Bourhan formaram a União Popular pela
Independência (RPI), coalizão dirigida por Hassan Gouled. A RPI ganhou as
eleições realizadas simultaneamente com o referendum e Gouled tornou -se pre-
sidente do Conselho, tomando desta forma a direção de um governo composto
de dez ministros, cuja metade era de origem Afar.
Enfim, em 26 de junho de 1977, o território tornou -se plenamente inde-
pendente, e ganhou a nomenclatura neutra de República do Djibuti. Este foi
o último dentre os países do continente africano situados ao norte do Equador
a conquistar a independência depois inclusive da maioria dos territórios da
África Austral. A República do Djibuti tornou -se o quadragésimo nono mem-
bro da Organização pela Unidade Africana e o vigésimo segundo da Liga dos
Estados Árabes.
As ideologias da luta de libertação
Durante o período aqui considerado e, na realidade, durante todo o período
colonial −, os países árabes da África do Norte reconheciam -se mutuamente
185
A África setentrional e o chifre da África
através de três ideologias: o islã, o nacionalismo e o socialismo. A sua influên-
cia e o seu impacto respectivos variaram de acordo com o tempo e o espaço,
conforme a evolução da situação social e política. Entretanto, pode -se afirmar
que a ideologia dominante na região durante a fase decisiva da luta anticolonial
era o nacionalismo árabe, mais ou menos colorido, em cada país, pelo islã e/ou
pelo socialismo
34
.
Examinemos primeiramente o papel do islã nos anos decisivos do movi-
mento de libertação nacional. Ele possuía a vantagem de ser a mais antiga
ideologia tradicional do mundo árabe; ele irrigava a vida da esmagadora maioria
da população e orientava as suas concepções em geral, além de balizar a sua
percepção dos problemas políticos e sociais completos. As convicções religiosas
sempre dominaram as ideias dos camponeses e das classes médias e populares
das cidades, além de frequentemente fornecer a energia necessária à luta contra o
feudalismo e a opressão estrangeira. O islã desempenhou amiúde um importante
papel ao mobilizar as massas e, em certo número de países árabes, os ulama
muçulmanos desenvolveram com o povo as campanhas contra o colonialismo,
chegando ao ponto de inclusive dirigi -las. Foi este o caso da Argélia onde a
Sociedade dos ulama argelinos e outros grupos trouxeram uma preciosa colabo-
ração ao preparar o terreno para a luta de libertação e, após 1954, participaram
ativamente do conflito armado. Os movimentos de libertação nacional contra
o imperialismo revestiram -se com frequência de um caráter religioso desde o
momento em que passaram a defender a cultura árabe -muçulmana ameaçada
pela invasão da cultura ocidental e dos seus valores, por vezes diametralmente
opostos ao modo de vida dos muçulmanos e à ética islâmica.
No fim dos anos 1940 e no início da década de 1950, as organizações reli-
giosas, nas quais a reafirmação apaixonada das convicções, dos valores e das
regras islâmicas fundamentais refletia fielmente o sentimento das classes pobres
e oprimidas, adotaram uma postura mais ativa. Elas levantavam -se, ao mesmo
tempo, contra as classes dominantes ocidentalizadas e contra o imperialismo.
A mais dinâmica dentre elas era aquela dos Irmão Muçulmanos al -Ikhwan
al -Muslimin
35
. Fundada em 1927 por um professor egípcio, Hassan al -Banna
(1906 -1949), o movimento conheceu um crescimento regular atraindo nume-
rosos membros graças às suas diversas atividades não políticas, de caráter essen-
cialmente humanitário e social. Apesar de afirmar a conservação dos objetivos
islâmicos, o movimento não era estritamente pan -islâmico: ele inscrevia -se,
34 A. ABDEL -MALEK, 1969, 1980; A. LAROUI, 1967.
35 Sobre este movimento, conferir R. P. MITCHELL, 1969; I. M. HUSAYNI, 1952.
186
África desde 1935
antes e sobretudo, à sombra do nacionalismo egípcio e do seu programa original,
com tendências a não reformar senão a sociedade egípcia. Ele propunha refor-
mas sociais relativamente simples e sob muitos aspectos nebulosas, baseadas na
ética islâmica e no estrito respeito à shari’a, e protestava vigorosamente contra
a tendência de laicização dos nacionalistas liberais. No interlúdio entre o fim da
guerra e o advento do regime militar, os Irmãos Muçulmanos desempenharam
um papel crucial na vida política egípcia, contexto em que constituíram um fator
de fortes turbulências. Certos grupos desta organização buscaram expressar a
sua frustração através de atos de terrorismo individual, visando atingir dirigentes
políticos e, posteriormente, as tropas de ocupação britânicas na zona do canal.
Denunciado em sucessivas ocasiões pelo ulama de al -Azhar
36
, marginalizado
pelo assassinato ou a execução dos seus dirigentes − tanto na monarquia quanto
sob o regime militar o movimento dos Irmãos Muçulmanos ainda existe e
guarda, conquanto sem acrescê -la, a sua influência junto à pequena burguesia
egípcia, em meio aos intelectuais desempregados e nas fileiras dos jovens funcio-
nários. Durante os anos de nosso interesse, a sua ação permaneceu circunscrita
ao Egito mas, posteriormente, setores do movimento ou outras organizações
análogas formaram -se em outros países islâmicos e árabes. No campo ideoló-
gico tanto quanto durante o combate travado para ganhar o apoio das massas,
estas organizações fundamentalistas constituem -se nos mais sérios rivais dos
nacionalistas e dos socialistas.
No movimento nacionalista árabe cristalizaram -se duas correntes, ora
complementares e ora concorrentes: o pan -arabismo e o nacionalismo local.
Presentes na maioria dos países árabes, eles manifestaram menor ou maior
vigor em função das circunstâncias
37
. A luta anticolonial do período relativo
ao entreguerras reforçou sobretudo o nacionalismo local; na África do Norte,
especialmente, a ideologia pan -árabe não desempenhou nenhum papel relevante
e não se expandiu além de alguns círculos de intelectuais. Ela ali desenvolveu -se
somente muito mais tarde, comparativamente à parte oriental do mundo árabe,
apresentando antes um caráter menos popular. Esta situação não mudou senão
com o início da guerra de libertação da Argélia e somente nos países do Magreb.
Nem o nacionalismo árabe, nem a ideia da unidade árabe constituiriam
fatores importantes na vida política egípcia. O movimento nacional egípcio
36 O ulama acusou os Irmãos de “terem ultrapassado os limites xados por Deus, na Revelação, entre o
bem e o mal”; ver P. RONDOT, 1958, vol. I, p. 253.
37 S. G. HAIM, 1962; J. BERQUE, 1960 E 1964; M. KHADDURI, 1970; F. QUBAIN, 1960, forneceu
uma bibliograa cobrindo até o ano de 1959.
187
A África setentrional e o chifre da África
orientara -se na busca da plena soberania e rumo à supressão de qualquer vestí-
gio da dominação britânica. Os seus esforços diziam essencialmente respeito à
unificação com o Sudão, com vistas a realizar a “unidade do vale do Nilo”, ideia
mais próxima das aspirações dos egípcios que aquela concernente à unidade
árabe. Inclusive para o regime militar, a união com o Sudão permaneceria até
1955 como uma das questões políticas centrais
38
.
O conceito do pan -arabismo, nascido e desenvolvido durante a Primeira
Guerra Mundial na parte asiática do mundo árabe, foi inclusive por muito
tempo tratado com desdém por numerosos militantes egípcios e rejeitado pela
maioria dos intelectuais
39
. Todavia, numerosos teóricos pan rabes, entre os
quais o influente Sati al -Husri, insistiam em defender o papel de primeira
importância do Egito no processo de unificação que eles previam.
40
Nos países árabes, o nacionalismo apresenta -se principalmente como a
expressão de uma reação contra a dominação estrangeira e não como manifes-
tação do crescimento econômico da burguesia local; ele também incorporou no
período do entreguerras grupos que, na Europa, permaneciam habitualmente
afastados do nacionalismo: os membros do clero e os proprietários fundiá-
rios feudais. No decorrer da Segunda Guerra mundial e, posteriormente, em
paralelo à expansão da burguesia, a influência destes grupos diminuiu e o islã
transformou -se em um fator mais moral do que político.
O islã representa um elemento indissociável e primordial na estrutura e no
conteúdo do nacionalismo árabe: a sua propagação constitui a página mais glo-
riosa da história árabe e a sua mais valiosa contribuição à história universal. A
cultura e a civilização árabes foram moldadas pelo islã e o modo de vida islâmico
apresenta numerosas características que remetem diretamente à sua origem
árabe. Os nacionalistas árabes também insistiram na importância do islã e da
ética islâmica que se lhes apresentava na qualidade de “nobres ideais árabes”.
Os muçulmanos ortodoxos e tradicionalistas tiveram uma atitude negativa
frente ao nacionalismo árabe e atacaram inclusive o conceito de unidade intrín-
seca entre os árabes e o islã. Em seu ponto de vista, o nacionalismo árabe destruía
a unidade do islã, privando do seu caráter universal e alimentando a falsa ideia
ele seria, principalmente, uma religião árabe. Cada muçulmano deve, antes de
38 A. ABDEL -MALEK, 1969.
39 Inclusive, a este respeito, o secretário -geral da Liga dos Estados Árabes,Abd al -Rahman ‘Azzam, pro-
clamava em 1950: “Nós somos, antes de tudo, egípcios, em seguida, árabes e, nalmente, muçulmanos”;
ver S. G. HAIM, 1962, pp. 52 -53.
40 H. Z. NUSEIBEH, 1956.
188
África desde 1935
tudo, sentir orgulho de pertencer a uma comunidade supranacional (umma) − e
igualmente de ter alcançado um estádio da evolução da humanidade superior
àquele das nações individuais
41
.
Ademais, os teólogos têm profundas objeções a opor ao nacionalismo: um
autêntico muçulmano não deve fazer voto de fidelidade senão a Deus e à umma
islâmica, ao passo que os nacionalistas fazem da nação árabe o seu mais elevado
ideal. Em contrapartida, os nacionalistas árabes esforçaram -se para integrar
o islã à sua ideologia e aos seus programas mas, antes e prioritariamente, na
qualidade de um fator cultural e social, em detrimento de impingir -lhe um
caráter puramente religioso. Estes esforços não foram inteiramente coroados
de sucesso e ainda subsiste uma incerteza ideológica quanto ao papel que o
islã deveria supostamente desempenhar no âmbito do nacionalismo árabe. Os
nacionalistas deviam levar em consideração a adesão das massas árabes à religião
islâmica enquanto que os grupos ortodoxos islâmicos, teoricamente contrários
a toda forma de nacionalismo, deveriam considerar que, na maioria dos países
árabes, a direção do movimento colonial permanecia firmemente em mãos dos
nacionalistas
42
.
Embora, em numerosos países árabes os objetivos pan -árabes da ideologia
nacionalista tenham sido proclamados com ainda maior ênfase após a guerra,
comparativamente ao que ocorrera no período precedente, na realidade, o movi-
mento anticolonial fundara -se ideologicamente e organizara -se politicamente
com base em um nacionalismo local concreto − egípcio, sudanês, etc. Como
sublinhamos, em particular, os egípcios permaneceram por muito tempo total-
mente impermeáveis ao pan -arabismo e as suas ações contra a Grã -Bretanha
inspiravam -se no velho slogan próprio aos primeiros nacionalistas, o Egito para
os egípcios.
O abismo entre o nacionalismo pan -árabe e o nacionalismo local aumentou
após a guerra. Os movimentos nacionais locais eram mais concretos e demons-
travam mais certeza no que se refere aos seus objetivos e aos seus métodos em
razão de estarem estreitamente ligados à situação socioeconômica, subestimada
pelos teóricos do pan -arabismo e própria àqueles que viviam com frequência
em um mundo de ilusões, contentando -se essencialmente com visões nebulosas
sobre o glorioso porvir da nação árabe unificada e pouco se preocupando com
as condições econômicas e sociais que o tornariam possível.
41 M. BERGER, 1962.
42 B. DODGE, 1965, pp. 94 -119.
189
A África setentrional e o chifre da África
Ao lutar contra a dominação colonial, a população dos países árabes da
África do Norte não procurava recriar um Estado islâmico ideal ou uma incerta
unidade pan -árabe. Tanto os dirigentes quanto as massas percebiam que o seu
combate era uma luta contra o inimigo que ocupava a sua pátria, constituindo -se,
por egoísmo, em um opressor político, econômico e cultural. A independência
nacional deveria ser obtida pela e para a sociedade que vivia no território em
questão; eis o primeiro objetivo a atingir e foi justamente por estas razões de
ordem prática que o nacionalismo local ganhou proeminência nos países árabes,
como ideologia federativa da luta anticolonial, em detrimento das doutrinas
próprias ao pan -arabismo, sem aludir ao pan -islamismo.
O nacionalismo local permaneceu, portanto, na condição de força predomi-
nante tanto política como ideologicamente. Uma das características do nacio-
nalismo árabe do pós -guerra é o aprofundamento do seu conteúdo social; ele
não se limitava somente a resolver o problema nacional mas, também propunha
um programa nacional.
As ideias socialistas eram muito tempo conhecidas nos países árabes
da África do Norte mas, exclusivamente nos estreitos círculos intelectuais e
salvo na Argélia em um estádio ulterior elas não figurariam nos programas
nacionalistas. Os partidos comunistas do Egito e Sudão atuavam na ilegalidade,
enquanto que, no Magreb, os seus membros eram sobretudo europeus
43
. Por-
tanto, nenhum destes partidos pôde, não mais que a classe operária, desem-
penhar um papel preponderante no movimento de libertação nacional
44
. Um
marxista marroquino, Aziz Belal, organiza as principais causas deste fenômeno:
o insuficiente peso social relativo dos operários, próprio ao subdesenvolvimento
industrial; o analfabetismo, a sobrevivência dos valores tradicionais e a ausência
de uma consciência de classe; a incapacidade inicial do movimento marxista
em adaptar -se a um contexto sociocultural e psico -sociológico característico do
mundo árabe. Inicialmente, os partidos marxistas apareceram como movimen-
tos movidos por um ideal progressista de “coloração europeia e mal adaptados
às realidades nacionais, em detrimento de uma condição de teóricos de “uma
perspectiva nacional” e da luta pela afirmação da nação
45
.
Mas, simultaneamente, a vitória da URSS na Segunda Guerra Mundial e
a transformação vitoriosa de um país subdesenvolvido em potência industrial
atraíram numerosos nacionalistas árabes para o socialismo. Constata -se assim a
43 M. S. AGWANI, 1969.
44 A. ABDEL -MALEK, 1966.
45 A. BELAL, 1972, pp. 21 -22.
190
África desde 1935
aparição de diversos tipos de socialismos árabes que, embora adotassem muitos
ensinamentos sociais e econômicos do marxismo, recusavam -se a subscrever a
visão de mundo ateia e internacionalista dos marxistas.
Na maioria das variantes do socialismo árabe, o capitalismo não é rejeitado
em si, enquanto modo de produção, mas somente em certos estádios de seu
desenvolvimento o liberalismo capitalista ou o laisser -faire. O socialismo é
interpretado não como uma visão classista dos explorados mas, antes como uma
série de técnicas e de modos de organização, capazes de garantir o progresso
e essencialmente ligados às atividades do governo e a uma expansão de suas
funções econômicas.
Os slogans socialistas seriam colocados a serviço do nacionalismo árabe.
Um dos fundadores do partido Bath, Michel Aflaq, explicou brutalmente que
o socialismo não consistia senão um apêndice da plataforma nacionalista
46
.
Esta abordagem é, em sua essência, comum a numerosas ideologias ligadas aos
movimentos de libertação nacional. Os seus representantes foram levados a
incorporar slogans socialistas no curso da luta empreendida para obter e afirmar
a independência política, eles inclinam -se a considerar o socialismo exclusiva-
mente como um meio para atingir os objetivos nacionais e de reconstrução do
país
47
. Em tais situações, o socialismo representa a outra face do nacionalismo.
46 “Para nós, o socialismo é uma ferramenta referente às nossas necessidades nacionais, à nossa situação
nacional e, portanto, não pode consistir em uma losoa ou perspectiva fundamental a dominar nossa
vida [...]. O nacionalismo árabe percebe que o socialismo é o melhor meio de conceder novamente
impulso vital ao seu nacionalismo e á sua nação”, citado em S. A. HANNA e G. H. GARDNER, 1969,
p. 300.
47 O. V. MARTYSHIN, 1978, p. 100.
C A P Í T U L O 7
191
A África ocidental
O fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos Aliados não podiam senão
levantar imensas esperanças junto aos povos da África submetidos à domina-
ção colonial. A derrota do fascismo representava o insucesso de uma doutrina
fundada sobre o racismo, a exaltação da força bruta e a negação dos direitos aos
povos em dispor, por eles próprios, do seu futuro; tratava -se, implicitamente, da
condenação do colonialismo cujos princípios, quiçá a prática, repousavam em
bases simétricas. Desde 1941, a Carta do Atlântico inscrevera entre os seus obje-
tivos de guerra dos Aliados, o notório “direito próprio a cada povo em escolher
a forma de governo sobre a qual ele deseja viver”. No espírito dos signatários,
aquilo não se deveria aplicar unicamente à Europa; mas, os povos africanos
obrigar -se -iam a dele se apoderar e a reivindicá -lo para si mesmos. Em uma
nota intitulada a Carta e a África Ocidental Britânica”, Azikiwe, na Nigéria,
exigia reformas imediatas e um governo representativo. Durante um discurso
pronunciado em 1943, G. E. Moore, membro do Conselho Legislativo da Costa
do Ouro (atual Gana), igualmente afirmava tratar -se muito bem “do direito que
tem cada povo em escolher a forma de governo sob a qual deseja viver, era um
direito do qual os africanos também deveriam gozar”. No mesmo ano, o chefe
supremo dos sherbro, Albert George Caulker, exigia das autoridades coloniais
a restituição do poder soberano, após a guerra, ao povo da Serra Leoa, no espí-
A África ocidental
Jean Suret -Canale e A. Adu Boahen
192
África desde 1935
rito da Carta
1
. Tendo participado da guerra em nome destes princípios, tanto
com homens quanto em matéria de provisões (ao menos no tocante às colônias
francesas e inglesas), os povos da África Ocidental vão, portanto, colocar em
questão o regime colonial.
O despertar das forças políticas radicais na África Ocidental foi facilitado
por outros fatores. O primeiro é o anticolonialismo dos dois grandes vencedo-
res da coalizão aliada, a URSS e os Estados Unidos da América, em que pese
tratar -se de anticolonialismos impulsionados por motivações muito diferentes.
O segundo consiste no revigoramento das forças de esquerda na França e na
Grã -Bretanha, expresso pela maioria conquistada pelos socialistas e comunistas
na Assembleia Constituinte francesa de 1945 e pela ascensão dos trabalhistas
na Grã -Bretanha.
A Segunda Guerra Mundial influenciou a situação política na África Oci-
dental segundo outras modalidades que foram analisadas em outros estudos,
embora tenhamos que evocá -las brevemente aqui. Primeiramente, a mobilização
forçada de tantos africanos para a guerra suscitou uma intensa cólera junto a
todos os africanos, de todas as classes sociais e, em especial, junto às esposas,
às mães e às avós que não suportavam perder seus maridos, seus filhos e netos.
Muitos africanos que haviam permanecido em seu local de origem sofreriam
inclusive tanto quanto aqueles que haviam sido enviados à guerra mas, logica-
mente, de forma diferente. Em segundo lugar, os africanos que cumpriam seu
serviço militar na Birmânia ou na Índia entraram em contato com os movi-
mentos independentistas destas regiões. A experiência adquirida não somente
ampliou os seus horizontes políticos mas, também, os familiarizou com as estra-
tégias e táticas anticoloniais seguidas à época e, na ocasião do retorno aos seus
países de origem, eles não hesitariam em empregar alguns destes métodos. Em
terceiro lugar, no momento do retorno destes soldados, após a guerra, eles espe-
ravam receber generosas recompensas sob a forma de indenizações, prêmios de
desmobilização, empregos, etc.; ora, estas recompensas jamais viriam a ocorrer. A
decepção que os afetou conduziu -os a aumentar as fileiras dos nacionalistas de
forma a permitir, inclusive, a chegada de alguns destes soldados desmobilizados
à condição de dirigentes ativos de movimentos de massa. Nestas condições, a
guerra reforçou consideravelmente os sentimentos anticoloniais e nacionalistas
na África Ocidental.
1 P. O. ESEDEBE, 1971, p. 24; A. A. BOAHEN, 1986, pp. 141 -142; A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984,
pp. 13 -14.
193
A África ocidental
As transformações econômicas e sociais
Ao longo dos anos 1945 -1948, a aspiração por uma vida melhor e dis-
tinta manifestou -se de modo por vezes explosivo, em razão do regime político-
-econômico imposto durante a guerra. Os excessos do “esforço de guerra”
trabalhos forçados e confisco de produtos −, a penúria e as vertiginosas altas
nos preços criaram um mercado negro e, em combinação com bloqueios salariais
e métodos autoritários da chefaria e das autoridades coloniais, produziram em
conjunto uma situação que se tornou insuportável quando a paz foi restabelecida.
Neste contexto, a aspiração das elites em verem reconhecidos os seus direitos e
a sua vocação em desempenhar um papel político -econômico apoiar -se -á sobre
um profundo movimento popular, no qual as reivindicações econômicas estão
estreitamente associadas às reivindicações anticoloniais, tais como a abolição do
trabalho forçado e da discriminação racial e a concessão de direitos políticos.
Esta unanimidade esconde divergências que aparecem desde o fim dos anos
1940 e, sobretudo, após as independências. No que diz respeito a certos setores
burgueses, o objetivo limita -se a ocupar o lugar dos europeus; quanto às massas, a
aspiração pela libertação nacional está indissociavelmente ligada a um projeto de
libertação social. Certos líderes originários da elite (dentre os quais uma minoria
de formação escolar baseada no tipo europeu) transformam -se em porta -vozes
destes anseios populares; prosseguir este caminho até as últimas consequên-
cias supõe a aceitação, por parte destas camadas sociais, do “seu suicídio como
classe
2
”, para retomar uma célebre fórmula de Amilcar Cabral, este itinerário
não foi o mais frequente.
Nos anos imediatamente subsequentes ao fim da guerra, a penúria se man-
teve e os primeiros “planos” implementados nas colônias visam reforçar o papel
destas últimas como fornecedoras de matérias -primas. Posteriormente, estes
objetivos seriam um pouco modificados, guardando, contudo, o seu foco no
desenvolvimento de produções primárias e nos investimentos orientados essen-
cialmente para equipamentos indispensáveis, como portos, aeroportos, estradas e
centrais elétricas. As necessidades de otimizar o emprego na economia de mão
de obra suficientemente qualificada e em boas condições de saúde, conjugadas
com as aspirações da população, tiveram como efeito incitar as autoridades
coloniais em fazer um esforço nos setores da saúde, da educação, entre outros.
O atraso econômico da África Ocidental onde persiste a “economia de tráfico
2 A. CABRAL, 1975.
194
África desde 1935
−, agravado pelos anos de guerra, tornou indispensável uma participação dos
Estados coloniais nos investimentos de além -mar, o que fora geralmente exclu-
ído no pré -guerra. O vocábulo e o mito da “ajuda” terão o seu surgimento. No
quadro desta economia de tráfico, perene até o fim dos anos 1950, as produções
agrícolas para exportação se desenvolvem mas, também as indústrias de extração,
praticamente ausentes no domínio francês antes de 1949 -1951, alcançam certo
ímpeto. As indústrias de transformação começam a ganhar força, essencialmente
nas capitais -porto, sob a forma de indústria de substituição das importações” ou
da primeira transformação, beneficiamento, de produtos exportáveis.
No plano social, este período proporciona a criação de novas escolas primá-
rias, enquanto colégios universitários são abertos em Ibardan, na Nigéria e em
Legon, na Costa do Ouro (atual Gana). Após a guerra, a urbanização também
apresenta um grande impulso, pois os jovens desempregados, tendo deixado a
escola, abandonam em número cada vez mais elevado os campos, para buscar nas
cidades emprego e distração. Além disso e ao mesmo tempo, africanos ocidentais
tendo recebido no estrangeiro uma educação e uma formação de advogados,
médicos ou engenheiros (mas,sobretudo, advogados) começam a retornar ao
país, em número cada vez maior, principalmente na África Ocidental britânica.
Todas estas transformações provocam um constante aumento, por um lado,
no número dos membros da burguesia no conjunto das profissões liberais,
advogados, médicos, universitários, funcionários públicos, bem como nos meios
pequeno -burgueses africanos dos homens de negócio e, por outro lado, no
peso social da classe laboral formada por professores, mecânicos, motoristas,
mineiros, ferroviários, comerciários e pequenos comerciantes africanos. Estas
transformações desembocam, sobretudo, em uma cada vez maior concentração
de desempregados, tendo abandonado a escola em algumas cidades, ora capitais,
ora centros administrativos ou mineiros. Nas zonas rurais, onde continua a viver
grande parte da população africana, assiste -se também a um crescimento regular
no número de cultivadores de cacau, de plantadores de amendoim, de produtores
de café e de trabalhadores rurais, sobretudo na Costa do Ouro, na Nigéria e
na Costa do Marfim. As quatro colônias britânicas são sensivelmente desen-
volvidas, comparativamente aos limítrofes e circundantes territórios francês e
português. No plano econômico, elas têm uma rede ferroviária mais ramificada
e a sua produção agrícola e mineral é muito maior. No plano sociocultural, a
Nigéria, cuja população supera em número o total de habitantes das colônias
francesas, pode se gabar da existência, secular, de uma elite anglicizada (advo-
gados, pastores, professores) e de uma imprensa africana também quase secular.
195
A África ocidental
É a partir deste pano de fundo que devemos examinar as espetaculares
mudanças políticas ocorridas na África Ocidental durante a década imedia-
tamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Esta evolução foi realmente
impactante pois, se fora necessário às potências imperialistas europeias cerca
de vinte anos, a partir de 1880, para dividirem e ocuparem a África, à maioria
dos Estados africanos, por sua vez, foi necessário aproximadamente o mesmo
tempo para alcançarem a sua independência e soberania política após a guerra.
Durante o período aqui considerado, nas quinze colônias da África Ocidental,
onze haviam reconquistado sua soberania política desde 1960, o seu número
não atingira menos de nove somente no ano de 1960; houve ainda nesta região
a ocorrência de duas outras reconquistas de soberania, entre 1961 e 1965; e,
finalmente, ainda duas últimas conquistaram a sua independência, em 1973 e
1974. Quatro destas colônias eram britânicas a Nigéria, a Costa do Ouro, a
Serra Leoa e a Gâmbia e nove francesas o Daomé (atual Benin), a Guiné,
a Costa do Marfim, o Sudão (atual Mali), a Mauritânia, o Niger, o Senegal, o
Togo e o Alto Volta (atual Burkina Faso); as outras eram portuguesas: o Cabo
Verde e a Guiné Bissau. A Costa do Ouro foi a primeira dentre as colônias
britânicas a ganhar a sua batalha pela derrubada do colonialismo; à ela seguiu-
-se a Nigéria, em seguida a Serra Leoa e, enfim, a Gâmbia. Entre as colônias
francesas, a Guiné foi a primeira a emancipar -se, em 1958, seguida pelas outras
que, em sua totalidade, reconquistaram a sua soberania no desenrolar do único
ano de 1960. As últimas colônias da África Ocidental a rejeitar o colonialismo
foram as colônias portuguesas do Cabo Verde e da Guiné Bissau.
Estes simples fatos suscitam algumas questões interessantes, às quais não
se pode sempre responder com facilidade. A primeira interrogação consiste
em saber as justificativas da extinção praticamente integral do colonialismo na
África Ocidental, nos quinze anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial.
A segunda remete ao entendimento das razões que levaram uma colônia britâ-
nica a ser a primeira a reconquistar a sua independência, primeira não somente
na África Ocidental mas, em toda a África ao sul do Saara e quais as causas
levaram -na a ser apelidada Costa do Ouro? Em terceiro lugar, procede pergun-
tarmos os motivos pelos quais a Guiné tomou a frente dos processos emancipa-
cionistas na África Ocidental francesa e, em função de quais vetores, as outras
colônias francesas chegaram todas à independência no mesmo ano, em 1960?
Enfim, os porquês da tardia chegada das colônias portuguesas ao ingresso junto
ao movimento independentista? Tais são as discussões e as correlatas questões
para as quais o presente capítulo pretende propor respostas, por intermédio do
196
África desde 1935
exame sucessivo dos exemplos das colônias britânicas francesas e, finalmente,
portuguesas da África Ocidental.
A África Ocidental britânica
A liquidação do colonialismo na África Ocidental britânica nos vinte anos
seguintes à Segunda Guerra Mundial é imputável a três fatores cruciais, apli-
cáveis, igualmente e quase integralmente, a todas as outras colônias. Primeiro
e notoriamente o mais importante, por muito, diz respeito ao que Mazrui e
Tidy chamaram “a grande ascensão do nacionalismo africano
3
durante o perí-
odo considerado; o segundo se refere à natureza, aos objetivos e às atividades
dos partidos políticos e dos movimentos nacionalistas que se haviam criado; o
conjunto das ações e reações da potência colonial britânica frente às iniciativas
e exigências dos nacionalistas africanos e os seus partidários constitui o terceiro
fator.
Como demonstrado de forma cabal no volume VII da presente História, as
atividades nacionalistas ou anticoloniais haviam começado desde a instauração
do sistema colonial na África e se haviam desenvolvido intensamente e com
complexidade no transcorrer dos anos
4
. Foi no curso da década imediatamente
posterior à Segunda Guerra Mundial que o nacionalismo ou o anticolonialismo
africano atingiu o seu apogeu, em razão de certo número de fatores. O primeiro,
evocado na introdução, consistiu -se em efeito da guerra, ela própria, e na decep-
ção gerada pela atitude do governo britânico diante da Carta do Atlântico
5
.
O segundo fator, o qual não somente contribuiu para um forte impulso nas
atividades nacionalistas mas, igualmente, radicalizou -as especialmente na África
Ocidental britânica, foi o Congresso Pan -Africano, organizado em Manchester,
no ano de 1945. Este congresso será analisado mais adiante, no capítulo 25,
contudo, convém sublinhar a seu respeito certos aspectos aqui pertinentes. Sem
dúvida, houvera numerosos congressos pan -africanos desde 1900
6
mas, aquele
mantido em 1945 na cidade britânica foi único e suscitou numerosas consi-
derações. Antes de tudo, tratou -se do primeiro congresso em cuja preparação
e durante o qual africanos, tais como Kwame Nkrumah da Costa do Ouro,
3 A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 1.
4 A. A. BOAHEN, (org.), 1987, capítulos 3 -10.
5 P. O. ESEDEBE, 1971, p. 24.
6 A. A. BOAHEN, (org.), 1987, capítulo 29.
197
A África ocidental
desempenharam um papel determinante e onde houve uma maciça participação
da comunidade africana. Entre estes últimos figuravam Obafemi Awolowo, H.
O. Davies e Jaja Wachuku, da Nigéria, J. E. Taylor, Ako Adjei e o Dr. R. G.
Armattoe, da Costa do Ouro, Jomo Kenyatta, do Quênia, e Hastings Banda, do
Malaui. Em segundo lugar, foi este congresso que, pela primeira vez reclamou
não somente “uma completa e absoluta independência” e uma África unificada
com base em uma economia socialista mas, também esboçou as estratégias a
seguir. “Se o mundo ocidental permanece decidido a governar a humanidade
pela força, afirmava uma de suas resoluções, é possível que os africanos sejam
conduzidos, como último recurso, a recorrer à força para tentar obter a liber-
dade, mesmo se a força os destrua, levando consigo o mundo.” Outra resolução,
emprestando a terminologia marxista, convocava também os operários, os agri-
cultores e os intelectuais das colônias a unirem -se e constituírem organizações
eficazes para combater a exploração imperialista e conquistar a independência,
recomendando, outrossim, o recurso a métodos como a greve, o boicote e a ação
direta, assim como outras estratégias não violentas
7
. Todavia o que o congresso
apresentou de mais significativo, foi que a maior parte dos africanos nele pre-
sentes, retornaram rapidamente aos seus respectivos países e, em consonância
com o espírito das resoluções, lançaram campanhas pela independência ou a elas
aderiram. Os mais notáveis entre eles eram Kwame Nkrumah, O. Awolowo, J.
Kenyatta e K. Banda. É importante notar que nenhum africano originário dos
territórios franceses, portugueses ou belgas, da África, assistiu a este memorável
congresso.
Entretanto, o fator que com maior relevância contribuiu para a grande ascen-
são do nacionalismo foi o sentimento de cólera, de decepção e de frustração
suscitados pela degradação da situação socioeconômica, assim como o caráter
insatisfatório das reformas introduzidas no pós -guerra pelas potências coloniais,
em geral, e pelos britânicos, em particular. O período imediatamente seguinte à
guerra foi marcado por severas penúrias e por um preço proibitivo dos bens de
consumo, pelos quais os governos coloniais foram responsabilizados. Foram, em
parte esta frustração e esta cólera que encontraram a sua expressão nas greves
operárias ocorridas na Nigéria entre 1945 e 1948, bem como na manifestação
de veteranos militares seguida de boicote e pilhagem dos produtos europeus
na Costa do Ouro, em 1948, ações em que foram envolvidas todas as classes
mencionadas pouco acima
8
e que reforçaram e propagaram ainda mais o anti-
7 P. GIFFORD e W. R. LOUIS (ORG.), 1982, pp. 57 -87; A. A. BOAHEN, 1986, pp. 142 -143.
8 D. AUSTIN, 1964, pp. 49 -84.
198
África desde 1935
colonialismo. No front social, a decisão do poder colonial britânico em não criar
senão uma única universidade para toda a África Ocidental britânica, em lugar
de uma para cada colônia, como recomendado pela maioria dos membros de sua
própria comissão, esta atitude exacerbou ainda mais os sentimentos. As emendas
constitucionais introduzidas no pós -guerra em toda a África Ocidental britânica
não respondiam, em nada, às aspirações, nem mesmo aquelas da elite instruída,
em particular. Isso é evidente quando se analisam as constituições postas em
vigor na Nigéria, em 1946, na Costa do Ouro, no mesmo ano e em Serra Leoa
em 1947
9
. O denominador comum destas constituições é que, embora elas intro-
duzissem maiorias africanas oficiosas nas Assembleias Legislativas, uma maioria
de novos parlamentares deveria ser nomeada ou pelo governador, ou ser eleita
pelos chefes consuetudinários. Em Serra Leoa, tanto quanto na Nigéria, estas
novas proposições traduziam -se por uma dominação das regiões setentrionais
do país sobre o sul, mais ocidentalizado. Como esperado, as novas constituições
provocaram a cólera da elite instruída em todas as colônias da África Ocidental,
além de acentuarem ainda mais a sua vontade em pôr fim ao sistema colonial.
Ademais da intensificação e da radicalização do nacionalismo na África
Ocidental britânica, o outro fator que contribuiu para a derrocada do sistema
colonial está relacionado com a natureza e os objetivos dos partidos políticos
nascidos após a Segunda Guerra Mundial e, igualmente com as estratégias por
eles adotadas. Este fator é de fundamental importância por explicar as razões
pelas quais foi a Costa do Ouro e não, por exemplo, a Nigéria, a primeira colônia
britânica a conquistar a independência e, em seguida, porque nas outras colô-
nias, são as regiões do norte e não as sulistas, mais evoluídas, que dominaram e
continuam a dominar o cenário político.
Toda uma gama de partidos poticos surgiu na África, em geral, e na
África Ocidental britânica, em particular, no curso da década posterior ao fim
da Segunda Guerra Mundial
10
. Entre estes, a United Gold Coast Convention
(UGCC), o Covention People’s Party (CPP), e o Northern People’s Party (NPP)
fundados no Gana, respectivamente em 1947,1949 e 1954; o National Coun-
cil for Nigerian Citizens (NCNC), o Action Group (AG) e o Northern People’s
Congress (NPC) criados na Nigéria, respectivamente em 1944,1950 e 1951; o
National Council of Sierra Leone (NCSL) e o Sierra Leone People’s Party (SLPP)
organizados em Serra Leoa, respectivamente em 1950 e 1951; finalmente, o
United Party e o People’s Progress Party (PPP) nascidos na Gâmbia, respecti-
9 C. M. FYLE, 1981, pp. 138 -139; O. IKIME, 1980, pp. 524 -528; D. AUSTIN, 1964, pp. 84 -92.
10 T. HODGKINS, 1961, pp. 179 -209.
199
A África ocidental
vamente em 1951 e 1959. Foi sob a direção destes partidos que a batalha pela
independência foi um êxito. Agora, trata -se de saber o porquê da vitória destes
partidos e movimentos políticos no pós Segunda Guerra Mundial, uma vez que
no período precedente eles haviam fracassado.
Primeiramente, diz respeito à natureza dos partidos, associações e clubes
do pós -guerra. Contrariamente àqueles do pré -guerra, estes partidos não eram
partidos elitistas, limitados à minoria instruída e aos centros urbanos: eles eram,
em seu conjunto, partidos de massa cujos militantes recrutavam -se tanto em
meio urbano quanto nas áreas rurais. Eles eram sustentados, em variados graus,
por antigos militares, pelos sindicatos, pelos estudantes, pelas organizações femi-
nistas, pelos agricultores, pelos negociantes, pelos chefes consuetudinários, etc.
Em função deste apoio, as autoridades coloniais não podiam nem ignorá -los,
nem considerá -los com negligência no tocante ao seu peso social, como fora o
caso no referente aos antigos partidos. É preciso aqui insistir sobre o papel dos
sindicatos, a ser examinada mais adiante pois, se na Costa-do-Ouro o Trade
Union Congress (TUC) trouxera o seu total apoio ao CPP e participado de
forma decisiva em sua campanha, na Nigéria e nas outras colônias, em contra-
partida, quer seja em razão de sua fraqueza, ou mesmo se fora em função de
suas divisões, como reflexo daquelas próprias às diferentes regiões, o TUC não
desempenhou um papel relevante. Em segundo lugar, contrariamente aos grupos
anteriores, estes partidos não funcionavam em tempo parcial mas, eram bem
organizados, com escritórios, slogans e um moderno material, compreendendo
inclusive camionetes de propaganda, sistemas de som e gráficas, além disso e
sobretudo ele tinham um pessoal trabalhando em tempo integral nos âmbitos
nacional, regional e local. Eles estavam, portanto, em condições de apresentar
as suas proposições até nas comunidades mais isoladas de suas regiões ou de
seu país, além de serem capazes de assim aumentar o número de adesões e a sua
força. Em terceiro lugar e contrariamente aos partidos precedentes, alguns dos
novos partidos estavam aptos a empregar todos os meios, pacíficos ou violentos,
constitucionais ou inconstitucionais, em escala local ou internacional, para atin-
girem os seus objetivos. Os métodos pacíficos e constitucionais comportavam
manifestações de massa, campanhas na imprensa, a participação em numerosas
eleições, em relação às quais as potências coloniais insistiam sobremaneira, além
de chamados a organismos internacionais, como a Organização das Nações
Unidas, bem como junto a governos anticolonialistas, como os Estados Unidos
e a União Soviética. Entre os métodos violentos figuravam o boicote, as greves,
a pilhagem e os ataques contra instituições coloniais e estabelecimentos comer-
ciais. Em quarto lugar, a maioria dos dirigentes dos novos partidos, dentre os
200
África desde 1935
quais apareciam Kwame Nkrumah na Costa do Ouroe Azikiwe e Awolowo,
na Nigéria, eram líderes extremamente carismáticos, o que lhes permitia sub-
jugar uma massa de simpatizantes. Enfim e sobretudo, os seus objetivos e os
seus slogans eram muito radicais, porque levavam em conta problemas sociais
e apresentavam projetos para a sua resolução, o que os tornava simpáticos às
massas; eles reclamavam “a autonomia imediata” ou “a autonomia por etapas” e,
não mais como nos anos 1930, uma reforma do regime colonial. De todos os
partidos que fizeram a sua aparição na África Ocidental britânica e talvez em
toda a África, nenhum foi melhor organizado, mais disciplinado, mais dinâmico
e radical, nenhum dispunha de uma direção mais carismática que o Convention
 . Obafemi Awolowo da Nigéria, líder do Action Group Part, fundado em 1950.
201
A África ocidental
People’s Party da Costa do Ouro, este perfil deve -se essencialmente à presença do
seu fundador e líder Kwame Nkrumah. É evidente que reside neste excepcional
prestígio do CPP a explicação parcial, não somente das razões da sua tamanha
proeminência na Costa do Ouro mas, igualmente, os motivos que levaram a
Costa do Ouro a ter sido a primeira colônia britânica ao sul do Saara a ganhar
a batalha da independência.
Todavia, no que concerne às estruturas e à adesão das massas, os partidos
diferiam sobre vários pontos importantes e são exatamente estas diferenças que
explicam tanto a data na qual se encerrou o combate pela independência, quanto
o tipo de direção escolhida pelo país que acedera à independência. Antes de
 . Nnamdi Azikiwe, governador -geral da Nigéria, acompanhado do duque de Devonshire, em
Londres, no dia 10 de julho de 1961. (Foto: Topham, Londres.)
202
África desde 1935
tudo, embora alguns destes partidos fossem organizações realmente nacionais,
com sessões e simpatizantes espalhados por todas as regiões do país, outros
tinham uma base essencialmente étnica e uma implantação de perfil regio-
nal. Esta diferença resultava, principalmente, da intensidade ou da fraqueza da
polarização étnica e religiosa neste país. Assim sendo, na Costa do Ouro, onde
esta polarização era muito fraca, dois entre os três partidos, a UGCC e o CPP,
eram partidos realmente nacionais, com sessões e apoio em todas as regiões
do país. Na Nigéria e nas duas outras colônias britânicas, onde a polarização
e os enfrentamentos entre as etnias e entre muçulmanos e cristãos eram sérios
e ásperos, os partidos eram, essencialmente, partidos regionais. Dessa forma, o
NCNC, o AG e o NPC da Nigéria eram partidos regionais cuja tipologia e os
programas possuíam as marcas das etnias ibo, yoruba e fulbe -hawsa, dominantes,
respectivamente, nas antigas regiões leste, oeste e norte do país. Em Serra Leoa,
o NCSL era o partido dos crioulos do sul, ao passo que o SLPP representava,
na realidade, o partido do protetorado do norte, conquanto recebesse apoio de
pequeno número de crioulos. Na verdade, este último partido fora expressa-
mente criado para combater o primeiro
11
. Igualmente, na Gâmbia, embora o
United Party fosse, como o NCSL da Serra Leoa, um partido da “colônia”, o
PPP era em sua essência o representante dos interesses do protetorado
12
. Nestas
condições, os partidos da Costa do Ouro colocaram -se facilmente de acordo
sobre o princípio da independência e sobre a sua data, na ocasião em que estas
duas questões provocaram ásperas controvérsias entre os partidos nas outras
colônias. Na Nigéria, por exemplo, o NCNC e o AG se haviam posto em acordo,
desde 1951, com o objetivo de tornar o país independente em 1956 mas, o NPC
se opusera energicamente na ocasião empregando o slogan “A autonomia logo
que ela seja praticável”, de forma que foi preciso esperar o ano de 1959 para
que todos os partidos entrassem em acordo no famoso 1960. Igualmente, em
Serra Leoa, somente em 1959 chegou -se a um consenso no tocante à data da
independência. Também não causa espécie que a Costa do Ouro tenha sido
o primeiro território a cortar a fita da independência, seguida três anos mais
tarde pela Nigéria e quatro anos depois pela Serra Leoa. Além disso, em razão
da maior densidade populacional do norte comparativamente ao sul, situação
de todas as colônias com exceção da Costa do Ouro, as lutas entre os partidos
desembocaram em uma dominação política dos nortistas, sob o estatuto de
protetorado, sobre os sulistas. Ora, como praticamente em todos os casos os
11 P. O. ESEDEBE, 1971, p. 24; C. M. FYLE, 1981, pp. 138 -139.
12 T. HODGKINS, 1961, p. 188.
203
A África ocidental
habitantes do sul eram, em matéria econômica, em relação à educação ocidental
e à modernização, mais avançados que os nortistas, esta decalagem política não
contribuiu somente para reforçar e aprofundar o regionalismo mas, ela também
inspirou nos sulistas sentimentos de cólera, de impaciência e de frustração ainda
não totalmente extintos até os dias atuais.
Há um terceiro fator que se deve considerar para explicar o resultado da luta
pela independência na África Ocidental britânica, a saber, a atitude da potência
colonial britânica frente às exigências e às atividades dos partidos e organi-
zações nacionalistas. Embora estes últimos tenham enfrentado hostilidades e
tenham sido brutalmente reprimidos, como em Madagascar no fim dos anos
1940 e, como veremos mais adiante, na África Ocidental francesa e na África
portuguesa, é incontestável que, sem a atuação destes agrupamentos políticos, a
independência não seria conquistada no momento em que isto ocorreu e o poder
não seria entregue aos nacionalistas como o foi. Em razão de uma experiência
em conflitos e em tratar reivindicações nacionalistas que, remontando ao século
XVIII, já se manifestara nas relações com os Estados Unidos, o Canadá, a Aus-
trália e atingira o seu ponto culminante com os acontecimentos dos anos 1940,
na Ásia em geral e na Índia em especial, bem como em função da crescente
intensidade da onda nacionalista africana, os britânicos haviam aceitado o prin-
cípio da autonomia como inevitável destino de todas as colônias. No início dos
anos 1950 e, talvez, inclusive desde o fim dos anos 1940, os dois partidos, con-
servador e trabalhista, assim como a maioria das principais empresas estabeleci-
das nas colônias do oeste africano ou, seguindo as palavras de Fieldhouse, uma
maioria composta pelo “espírito oficial tanto quanto pelo espírito não oficial”,
haviam chegado a esta conclusão relativamente às ditas colônias
13
. Um tema ao
qual não se chegara a um acordo dizia respeito à duração do aprendizado ou
da “preparação para a autonomia. Enquanto alguns planejavam um período
de aproximadamente cinco décadas, outros ainda consideravam este intervalo
irrealista. Além disso, contrariamente ao que pesquisadores como Flint e Pearce
sustentaram
14
, os britânicos não haviam elaborado programa algum no que tange
à chamada descolonização. Pelo contrário, a partir do fim dos anos 1940, eles
opunham -se, antes e sobretudo, às iniciativas e às pressões que se lhes exerciam
através das atividades das reivindicações dos nacionalistas na África. Alguns
processos verbais, estabelecidos por funcionários do Colonial Office que então
debatiam questões referentes ao governo indireto e modificações constitucionais
13 D. K. FIELDHOUSE, 1986, PP. 3 -12.
14 J. FLINT, 1983; R. D. PEARCE, 1984.
204
África desde 1935
a serem introduzidas nas colônias britânicas no pós -guerra, aqui adquirem uma
grande pertinência. Após a sua viagem secreta às colônias, Hailey submeteu
um relatório ao Colonial Office, em 1942, no qual ele assinala especialmente:
“Existem forças, tanto na metrópole quanto nas dependências [destaque colocado
pelo autor] que viriam a exercer uma crescente pressão em favor da ampliação
das instituições políticas em favor da autonomia e de uma mais completa adesão
dos africanos a estas instituições. É provável que esta pressão se tenha conside-
ravelmente reforçado com a guerra. Se nós não tivermos uma ideia clara sobre
a forma constitucional que tomará a autonomia, a reação a esta pressão corre o
risco de ser mal coordenada e conduzir à adoção de medidas as quais gostaría-
mos de, adiante e eventualmente, evocar novamente
15
.”
Em apoio à defesa de Hailey, favorável a uma modificação do chamado sis-
tema de governo indireto, o conselheiro jurídico do Colonial Office, sir H. G.
Bushe, igualmente declarara: “O reverso da medalha é o progresso constante do
africano instruído para quem as instituições primitivas, ineficazes e muito ami-
úde corrompidas do governo indireto, representam um soberano desprazer. Se,
como para o branco, lhe bastasse somente reverenciá -las, ele poderia satisfazer-
-se com a situação. Infelizmente ele constata que, contrariamente ao branco,
ele deve submeter -se a este contexto.” Não somente o subsecretário adjunto,
sir Arthur Dawse, partilhava desta opinião mas, ele prosseguia nestes termos: “
Em minha opinião, a reprimenda do sir G. Bushe [...] confirma -se de mais em
mais. É absurdo erigir em princípio sacrossanto o que não passa de um efêmero
expediente. As coisas evoluem tão rapidamente na África [posto em evidência pelo
autor] que os partidários, em doutrina, do princípio do governo indireto, podem
se encontrar ultrapassados muito mais rapidamente que o previsto como possível
alguns anos por quem quer que fosse
16
.”
Estes processos verbais revelam claramente que o Colonial Office reagia às
reivindicações dos nacionalistas africanos ou adiantava -se a elas, trata -se aqui,
exatamente, daquilo que torna tão ofuscantes e inaceitáveis os termos “desco-
lonização e “transferência de poder”, empregados nos dias atuais com cada vez
maior frequência pelos historiadores eurocêntricos.
Frente ao aumento progressivo e à crescente força das atividades naciona-
listas africanas, as quais atingiram uma intensidade particular a partir de mea-
dos dos anos 1950, além de livres de pressões ou da oposição proveniente dos
colonos brancos, à imagem daquelas exercidas na África Oriental e Austral, os
15 citado em P. GIFFORD e W. R. LOUIS (org.), 1982, pp. 250 -251.
16 Citado em J. FLINT, 1983, p. 395.
205
A África ocidental
britânicos, em antítese aos franceses, durante os anos 1940, ou aos portugueses,
decidiram não resistir aos nacionalistas. Os britânicos escolheram abandonar
aquela formação social que havia sido e constituído, respectivamente e até então,
seu aliado próximo e instrumento, qual seja, a elite dominante tradicional. Eles
também optaram por ceder aos nacionalistas de cada país, além de negociar com
estes últimos, deixando o acordo ou a ausência de acordo entre eles circunscrito
a questões tais como: a independência, ela própria; a natureza da nova consti-
tuição; a alocação de receitas e fundos, etc.; e, também, determinar a data e os
objetivos das negociações. Além disso, em contraste com franceses e portugueses,
os britânicos recorreram, na África Ocidental, principalmente a meios pacíficos
e constitucionais, conquanto o emprego da força ou da violência não estivessem
inteiramente fora de cogitação, como testemunham o fuzilamento de 1948 na
Costa do Ouro, a prisão de Nkrumah e de muitos dos seus companheiros, no
início dos anos 1950, bem como a repressão à greve de 1955 -1956 contra as
chefias na Serra Leoa, em decorrência da qual ocorreu uma centena de mortos.
Em razão da chegada a um consenso como demonstram os resultados
obtidos nas eleições de 1951 e 1956 por Nkrumah e o seu partido − por parte de
quase todos os partidos da Costa do Ouro e também de uma nítida maioria dos
habitantes, eles próprios, no tocante a estas questões que os britânicos fixaram
o dia 5 de março de 1957 como data da independência da Costa do Ouro. Em
função e decorrência do acordo alcançado, em meados dos anos 1950 e após
uma série de conferências constitucionais, in loco e na própria Grã -Bretanha,
por todos os partidos da Nigéria e da Serra Leoa sobre as questões correlatas
à independência, deparamo -nos com a aceitação, por parte da Grã Bretanha,
das reivindicações de independência. É preciso sublinhar que, em oposição ao
que pretenderam recentemente certos historiadores eurocêntricos, foram os
africanos do oeste, eles próprios, que haviam tomado a iniciativa da luta pela
independência, e não o Colonial Office, o Parlamento britânico ou a opinião
pública britânica.
A África Ocidental francesa e o Togo
Se os britânicos não houvessem decidido sobre a data que marcaria o fim da
luta pela independência, em suas colônias da Europa Ocidental, os franceses, por
sua vez, haviam certamente tomado esta decisão. É o que demonstra claramente
o fato de todas as colônias britânicas da África Ocidental terem alcançado a
independência em datas diferentes, escalonadas de 1957 a 1965, ao passo que,
206
África desde 1935
com exceção à Guiné e ao Djibuti, todas as colônias francesas do continente
africano tornaram -se independentes no mesmo ano, em 1960! Por que então
este desdobramento tão desprovido de interesse na África Ocidental francesa?
Neste caso, as respostas dizem respeito à natureza das reivindicações e das ati-
vidades nacionalistas, à natureza dos partidos políticos que haviam surgido e,
sobretudo e de forma determinante, as reações da França e, particularmente, de
um personagem, o general De Gaulle.
Enquanto a África Ocidental britânica comporta quatro entidades distintas,
a África Ocidental francesa constitui uma “federação de oito colônias cha-
madas, a partir de 1946, “territórios de além -mar formando uma unidade
administrativa centralizada sob a autoridade de um governador -geral que toma,
em 1946 o título de “alto -comissário da República”. A parte francesa do Togo,
território sob tutela, possui um estatuto à parte.
Menos populosa e inferiormente equipada, a AOF encontra -se em atraso em
todos os domínios, comparativamente à África Ocidental britânica: excetuando-
-se as três comunas de pleno exercício do Senegal (Dakar, Rufisque e Saint-
-Louis
17
) cujos nativos, negros ou brancos, são cidadãos franceses e podem,
portanto, participar da vida política e das eleições, o regime colonial excluiu toda
a forma de vida política para todos os “sujeitos” coloniais. Estes últimos estão,
além disso, tanto na administração pública quanto no setor privado, submetidos
inclusive a empregos de perfil subalterno, à concorrência de um colonato de
pequenos brancos” não existente na África Ocidental britânica.
O fim da guerra provocará vivas reações pelas razões evocadas mas, em
razão de uma brusca transformação no estatuto político. A Conferência Africana
Francesa de Brazzaville (30 de janeiro 8 de fevereiro de 1944) que reunira,
antes da libertação da metrópole, governadores e colonos, não abrira de forma
alguma as vias a uma “descolonização qualquer, como a regra estabelece: ela
excluíra em contrário “toda ideia de autonomia, toda possibilidade de evolu-
ção fora do bloco francês do Império e precisara que a eventual constituição,
mesmo longínqua, de self -governments nas colônias, deveria ser descartada
18
”. Ela
limitava -se a prometer, para um futuro indeterminado uma participação even-
tual dos africanos na gestão dos seus próprios assuntos. Propósitos que foram
tomados ao pé da letra pelos africanos e suscitaram, no imediato momento
posterior, a ira dos colonos que julgavam tudo isso intolerável.
17 É preciso notar que com a comuna de Gorée, tendo sido anexada àquela de Dakar em 1929, o número
de comunas em pleno exercício passou de quatro para três.
18 A Conferência Africana Francesa, 1944. Esta parte está impressa em maiúsculas no texto.
207
A África ocidental
Em 1945, o sucesso da atuação das forças de esquerda teria consequências
na África. Pela primeira vez, em outubro de 1945, os colonizados (uma pequena
minoria dentre eles: para a AOF, 117.000 de um total de 16 milhões de habi-
tantes) elegeram deputados para a Assembleia Nacional Constituinte Francesa,
paralelamente aos colonos que constituíam o primeiro colégio dos eleitores,
os quais receberam uma representação desproporcional relativamente ao seu
peso numérico (na AOF, 5 deputados, 1 para cada 5.000 pessoas contra 1 para
60.000 -70.000 na França!). O general De Gaulle esperava através desta repre-
sentação colonial, compensar o previsível crescimento da esquerda na França. Os
colonos estavam conquistados; estes sujeitos colonizados votariam conforme o
desejo da administração. Mas, o acontecimento não correspondeu a esta expec-
tativa: a eleição no quadro do “segundo colégio” conduziu à eleição daqueles que
haviam conduzido campanha pelo fim do regime colonial. No Senegal, onde o
eleito do primeiro colégio (aqui predominantemente africano) foi o advogado
Lamine Gueye, veterano na política nas “três comunas”, cabendo a vitória no
segundo colégio ao jovem licenciado em gramática Léopold Sédar Senghor, os
dois eleitos filiaram -se ao Partido Socialista (SFIO, Seção Francesa da Interna-
cional Operária); os eleitos da Guiné, Yacine Diallo, e do Daomé, Sourou -Migan
Apithy, também se filiaram ao grupo socialista. Félix Houphouët -Boigny, eleito
na Costa do Marfim e Fily Dabo Sissoko, eleito do Sudão -Niger, juntaram -se
ao grupo comunista na Assembleia Nacional.
Assimilação e persistência do regime colonial
A primeira Constituição dispunha de uma maioria de esquerda (socialistas-
-comunistas) à qual se associou a maior parte dos eleitos autóctones de além-
-mar. A Constituição da qual o deputado do Senegal, Léopold Sédar Senghor
fora, juntamente com Pierre Cot, um dos redatores, integrava as antigas colônias
à República e introduzia o termo “União Francesa mas, deixava aberta a porta
para uma evolução rumo à independência.
A Constituinte votou, entre outras, a lei de 11 de abril de 1946 (conhecida
por Lei Houphouët -Boigny), abolindo o trabalho forçado e a lei de 7 de maio
de 1946 (conhecida por Lei Lamine Gueye), concedendo a cidadania francesa
a todos os ex -sujeitos” coloniais, além de diversas medidas extinguindo o indi-
genato”, o que permitia à administração infringir aos “sujeitos” sanções penais e
estabelecer as liberdades de imprensa e de associação.
208
África desde 1935
Esta Constituição suscitou uma violenta campanha de oposição da direita
(representada no governo pelo Movimento Republicano Popular MRP
social -cristão), do qual participaram a Igreja Católica, o Partido Radical-
-Socialista, o colonato e De Gaulle ele mesmo (que se demitira neste ínterim
de seu posto de chefe de governo). A Constituição foi rejeitada por sufrágio
universal e na segunda Constituinte, eleita em junho de 1946, a esquerda não
mais alcançaria a maioria. A Constituição de outubro de 1946 − que se tornaria
aquela da IV
a
República compreende, relativamente à precedente, importan-
tes recuos. A abolição do trabalho forçado e a outorga da cidadania não foram
colocadas em causa, como teriam pretendidos os colonos mas, o texto constitu-
cional suprimiu toda a possibilidade de evolução rumo à independência e deixou
a porta aberta com vistas à manutenção do duplo colégio” e à representação
privilegiada dos colonos.
Por que os eleitos africanos aceitaram a “assimilação das duas constituições
e -lo -iam eles realmente feito? O assimilacionismo plantava, é bem verdade,
raízes profundas, especialmente no Senegal. Mas, sobretudo, os eleitos africanos
duvidavam, em relação ao “federalismo” defendido pela direita, das autono-
mias” à moda sul -africana que teriam concedido o poder aos colonos, que eles
esperavam, em contrário, poder combater com apoio de um poder central “de
esquerda”. Contudo, esta esperança não se concretizaria.
O desenvolvimento dos partidos
É neste contexto assimilacionista” que os partidos políticos são criados na
África Ocidental francesa. Convém todavia sublinhar que, contrariamente aos
seus homólogos das colônias britânicas, estes partidos estavam associados a
partidos franceses, por vezes como o seu prolongamento direto: tal é o caso do
Partido Socialista, no tocante ao qual a Federação do Senegal dominaria a vida
política desse território até 1948. Após 1947, o Agrupamento do Povo Francês
(RPF) criado por De Gaulle, implantou -se essencialmente em círculos europeus
e representou o partido dos ultras” da colonização. Em 1949, sob a égide do
MRP, detentor desde logo da carteira da França de além -mar, constituir -se -ia
o Grupo Parlamentar dos Independentes de Além -Mar, apoiando -se antes e
sobretudo, em comitês eleitorais, em detrimento de um apoio sobre um ou mais
partidos exceção da Convenção Africana de Senghor, no Senegal).
O Partido Comunista, cujos princípios excluíam a criação de filiais no estran-
geiro, limitara -se, nos anos 1944 -1950, a animar “Grupos de Estudos Comu-
209
A África ocidental
nistas” (GEC), reunindo franceses e africanos que impuseram para si a criação
dos partidos ou movimentos da “frente anticolonialista sob a denominação de
partido “democrático ou “progressista” puramente locais (Partido Democrático
da Costa do Marfim, Partido Progressista Nigeriano...).
Frente à contra -ofensiva colonial desenvolvida no curso do verão de 1946,
alguns africanos eleitos convocaram uma reunião de todos os partidos políticos
em Bamako, em outubro de 1946. O ministro socialista da França de além-
-mar, Marius Moutet, instruiu o impedimento da realização do encontro por
todos os meios. Ele fez pressão sobre os eleitos socialistas que haviam assinado
o chamado ao encontro, objetivando que se abstivessem de participar; quanto
aos delegados da África Equatorial francesa, eles não puderam se dirigir até ela.
Todavia o congresso teve lugar, como previsto, desdobrando -se na criação, sob
a presidência do Houphouët -Boigny, do Agrupamento Democrático Africano
(RDA) federando partidos africanos locais, com base na luta anticolonial. Seus
eleitos (7 para a Assembleia Nacional em novembro de 1946) coligaram -se aos
grupos comunistas de diversas assembleias.
A Guerra Fria e as tentativas de restauração colonial
A presença de eleitos africanos nas Assembleias Francesas em nada influen-
ciara a administração local. A Constituão previra o estabelecimento de
assembleias locais: “Conselhos gerais” e, em seguida, em 1952, das Assem-
bleias territoriais”; entretanto, salvo no Senegal, as eleições ocorreram em duplo
colégio”, contando com uma representação particular e exorbitante dos colonos;
houve também uma assembleia em âmbito federal, o “Grande Conselho”, eleito
em sufrágio indireto pelas assembleias territoriais. De resto, o governador -geral
e os tenentes -governadores conservavam a integralidade dos seus poderes,
limitando -se as atribuições das assembleias a um papel meramente consultivo
e ao voto do orçamento, amplamente pré -determinado em razão dos encargos
das despesas obrigatórias”.
A deposição dos ministros comunistas na Fraa (em maio de 1947) e os
primórdios da Guerra Fria foram acompanhados por uma verdadeira política
de restauração colonial que possa seus representantes alhures: a guerra de
reconquista na Indochina, a repressão ao movimento nacionalista em Mada-
gascar, etc. Na AOF, a política de repressão concentrou seus esforços na Costa
do Marfim, bastião do RDA. O líder do Partido Democrático da Costa do
Marfim (PDCI, seção do RDA), Félix Houphouët -Boigny, médico africano
210
África desde 1935
origirio de uma família reinante do país baoulé, antigo chefe de cantão e
grande plantador, fora em 1944 o criador do Sindicato Agrícola Africano, reu-
nindo os plantadores africanos de café e de cacau. À época, eles encontravam-
-se envolvidos em um severo conflito com os colonos que haviam herdado
do governo de Vichy importantes privilégios, tais como preços de compra
preferenciais e o monolio sobre a mão de obra, caracterizada pelo trabalho
forçado, bem como sobre o equipamento. A burguesia agrícola marfinense que
este sindicato representava defendia os seus interesses de classe, reivindicando
a abolão dos privilégios de cater racista e a supressão do trabalho forçado
que lhe daria acesso à mão de obra até então reservada aos brancos. Mas, ao
fazer isso, ela assim defendia os interesses das massas oprimidas pelo regime
colonial e suscitou um profundo movimento de massas do qual o PDCI cons-
tituiu a expressão.
 . Congresso do RDA em Bamako, no ano de 1946. À direita, Félix Houphouët -Boigny; à
esquerda, Gabriel d’Arboussier. (Foto: Archives CRDA, Paris.)
211
A África ocidental
Para reduzir o peso da Costa do Marfim, o território do Alto -Volta, supri-
mido em 1932 e em grande parte anexado à Costa do Marfim, foi restaurado
em 1947. Em seguida o governador Péchoux foi enviado à Costa do Marfim em
fins de 1948, com a missão de “quebrar o RDA. Em 1949 e 1950, ele recorreu
à violência e a medidas de limpeza no curso das quais comunidades foram
incendiadas e camponeses assassinados. Certo número de incidentes sangrentos
ocorreu, sempre atribuídos ao RDA. Entre as vítimas figurava o senador Vic-
tor Biaka Boda, levado à condição de desaparecido e mais tarde encontrado,
com o seu anel de condecorações dourado e alguns ossos queimados. Quase
todos os dirigentes territoriais e locais foram presos, com exceção dos deputados
Houphouët -Boigny e Ouezzin Coulibaly.
Em consequência destas brutais e opressoras medidas, Houphouët -Boigny
cederia. Após contatos mantidos com François Mitterrand, membro do mesmo
grupo (a UDSR, União Democrática e Socialista da Resistência) que o minis-
tro da França de Além -Mar, René Pleven, o deputado Houphouët -Boigny
decidiu, no final do ano de 1950, afastar -se dos grupos comunistas e aliou -se
à política governamental, votando notadamente os créditos militares para a
guerra da Indochina. Aos militantes e partidários do RDA, este redireciona-
mento foi apresentado como um “recuo tático para colocar um fim à repressão.
O secretário -geral do RDA, Gabriel d’Arboussier, e as seções do Senegal e do
Níger recusaram -se a seguir esta mudança de rumo; as outras (notadamente
aquelas da Guiné e do Sudão) resignaram -se a este desvio político, com o intuito
de não quebrar a unidade do movimento.
O movimento popular e a marcha rumo à independência
Malgrado o recuo de Houhouët -Boigny, o movimento popular se manteve; a
ação sindical e os movimentos grevistas dirigidos contra as persistentes medidas
de discriminação racial (salários, estatutos, direito ao trabalho) desenvolveram-
-se a partir de 1951. Na Guiné, o Partido Democrático da Guiné (seção do
RDA) dirigido pelo sindicalista Sékou Touampliou durante a campanha
as suas bases populares, travando combate contra as chefias, engrenagens cen-
trais da administração colonial. No Sudão francês, a União Sudanesa (seção
do RDA), dirigida por Mamadou Konaté e Modibo Keïta, prosseguiu a sua
resistência. A degradação da situação internacional e da situação colonial fran-
cesa (derrota de Diên Biên Phu na Indochina, independência da Tunísia e do
Marrocos, início da guerra de libertação na Argélia) obrigou o governo francês
212
África desde 1935
a fazer concessões e a antecipar -se aos pleitos por independência completa. A
lei de enquadramento, elaborada em 1956 pelo ministro socialista da França de
Além -Mar, Gaston Defferre, sem a menor consulta aos eleitos nem tampouco
às Assembleias africanas, posta em vigor em 1957, concedeu aos territórios de
além -mar uma “semiautonomia”, com um conselho de governo presidido pelo
governador e por um vice -presidente africano eleito pela maioria na Assembleia.
Mas, nada similar fora implementado no plano federal. O governo francês que
acentuara até então a centralização, em benefício do governo -geral, preparava -se
para dissociar as federações “demasiado pesadas economicamente, administrati-
vamente e politicamente
19
”. O objetivo era associar e comprometer os dirigen-
tes políticos africanos com a política colonial, sem conceder -lhes verdadeiras
responsabilidades.
A lei de enquadramento não pôde constituir -se em obstáculos às aspirações
por independência, claramente expressas pela primeira vez por um novo partido,
de inspiração marxista e apoiado principalmente em estudantes retornados da
França, o Partido Africano da Independência (PAI). A independência conti-
nuou a ser popularizada, tanto na França quanto na África, pelos estudantes da
Federação dos Estudantes da África Negra na França (FEANF)
20
e da União
Geral dos Estudantes da África Ocidental (UGEAO). A aspiração por unidade
após o fracasso de uma fusão com o RDA conduzia às formações políticas
originárias dos Independentes de Além -Mar e do Partido Socialista à fusão no
seio do Partido do Reagrupamento Africano (PRA), cujo congresso, organizado
em Cotonou, no mês de julho de 1958, votou uma moção exigindo a imediata
independência.
Neste interlúdio, em maio de 1958, o general De Gaulle retomara o poder e
enterrara a IV
a
República. A nova Constituição elaborada aos seus cuidados, a
ser sancionada em 28 de setembro de 1958 por um referendo na França e nos
territórios e departamentos de além -mar, dava um passo suplementar ao conce-
der a autonomia aos territórios transformados em repúblicas, com um presidente
eleito em substituição ao governador. A União Francesa era substituída pela
“Comunidade Francesa”; mas, o governo francês conservava toda uma série de
atribuições essenciais e a independência era explicitamente apresentada como
incompatível com o pertencimento à Comunidade Francesa.
19 P. H. TEITGEN, antigo ministro dos Territórios Franceses de Além -Mar, citado por F. ANSPREN-
GER, 1961, p. 245.
20 Para uma interessante e mais detalhada discussão acerca do papel dos movimentos estudantis africanos
na evolução política e social da África de 1900 a 1975, ver UNESCO, 1993.
213
A África ocidental
De Gaulle submeteu as suas novas proposições ao voto na África francesa e
a administração colonial conseguiu impor um voto favorável, inclusive no Niger,
cujo governo, dirigido pelo sindicalista Bakary Djibo, convocara a votar não”.
A administração, em contrário, não logrou êxito na Guiné, onde o não totalizou
mais de 80% dos votos, proclamando a sua independência em 2 de outubro
de 1958. Esta escolha condenava imediatamente a Comunidade, malgrado a
oposição vigorosa de Houphouët -Boigny. A Constituição, fazendo desaparecer
a AOF como unidade política, consagrara a balcanização do conjunto francês.
O Senegal e o Sudão francês tentaram nela apoiar -se criando uma “Federação
do Mali”, à qual o Alto -Volta e o Daomé foram primeiramente associados mas,
eles a deixariam em breve e sob a pressão marfinense. Reduzida a dois membros,
a Federação do Mali requereu a sua independência (em setembro de 1959) e a
França foi obrigada a resignar -se em aceitá -la no dia 20 de junho de 1960, ao
preço de uma revisão da Constituição. Os outros Estados seguiram o movimento
e a sua independência foi proclamada durante o mês de agosto (Daomé: 1
o
de
agosto; Níger: 3 de agosto; Alto -Volta: 5 de agosto; Costa do Marfim: 7 de
agosto), contudo e no tocante à Mauritânia, a independência não foi proclamada
senão em 28 de novembro.
O Togo, em razão do seu estatuto, seguira um caminho particular. O Comitê
pela Unidade Togolesa (CUT), dirigido desde 1946 por Sylvanus Olympio, e a
Juvento (Juventus Togo), criada em 1951, reivindicavam desde então a unidade
e a independência. A unidade foi rejeitada pelo Togo britânico na ocasião do
referendo realizado em 9 de maio de 1956 o qual, por 58% dos votos consagrou
a anexação à Costa do Ouro. A independência (Ablode) continuara como palavra
de ordem, malgrado a fraude eleitoral permitiu à administração francesa conce-
der, até 1958, a maioria aos seus agentes. O duplo colégio foi suprimido em 1952
e um “conselho de governo” (com 5 entre 9 membros eleitos) criado em 1955;
em julho de 1956, o Togo recebeu o estatuto de República autônoma”; o CUT
ganhou as eleições de 1958 e a independência foi proclamada em 27 de abril
de 1960, contando com Sylvanus Olympio na qualidade de primeiro presidente.
Deriva do que precede que, contrariamente ao que se passou na África Oci-
dental britânica, foi o governo francês que determinou de fato a concessão e o
calendário na independência na África Ocidental francesa, e não os nacionalistas
africanos. Antes de tudo, se o governo francês tivesse sido tão tolerante com
os partidos políticos em particular em relação ao RDA mas também poste-
riormente com o Partido Africano da Independência quanto os britânicos o
foram no tocante aos seus, as colônias da África Ocidental francesa teriam, sem
dúvida alcançado a sua independência antes que as colônias britânicas. Mas,
214
África desde 1935
permanecendo ligada à ilusória ideia da União Francesa e, posteriormente, à
Comunidade Francesa, a França descartou completamente qualquer ideia de
independência total até a chegada ao poder do general De Gaulle, em 1958.
E, inclusive neste momento, em razão de a Guiné ter denunciado a trama de
De Gaulle e devido às transformações políticas que se produziam, ao mesmo
tempo, nos países vizinhos da África Ocidental de língua inglesa, que De Gaulle
e os seus conselheiros aceitaram o inevitável e ofereceram a independência,
praticamente de bandeja, a todas as colônias francesas da África no curso do
fatídico ano de 1960 (com exceção do Djibuti e das ilhas do oceano Índico que
obtiveram a sua independência mais tarde).
O movimento operário e os sindicatos
A persistência da economia de tráfico e a preponderância da pequena agri-
cultura, explicam que, apesar dos progressos da indústria e dos serviços, entre
1946 e 1960, a classe operária permanece numericamente reduzida para a OAF
e o Togo, 245.538 assalariados em 1947, 412.810 em 1957 (funcionários e
 . Sylvanus Olympio, presidente do Togo, proclamando a independência do seu país, em 27 de
abril de 1960. (Foto: AFP Photo, Paris.)
215
A África ocidental
empregados domésticos excluídos), ou seja, para 1957, 2% da população. A
proporção seria um pouco mais importante se incluíssemos os funcionários,
cujo peso relativo no movimento sindical é desproporcional ao seu número: as
elites” administrativas (aqui compreendidos professores, médicos -funcionários)
desempenham um papel determinante no movimento sindical e a ele oferecem
frequentemente responsáveis oriundos das suas fileiras.
Nos territórios britânicos, os sindicalistas formaram -se na tradição dos Trade
Union Congress (TUC) britânicos muito amiúde com o patrocínio da admi-
nistração e impregnados de um espírito de colaboração com esta última e os
empregadores. Entretanto, eles dificilmente escapam ao treinamento naciona-
lista. Em certos casos, são inclusive eles próprios que tomam a iniciativa, como
os sindicalistas das estradas de ferro Sekondi Takoradi, na Costa do Ouro no
curso dos anos.
Neste país, os TUC estabeleceram muito rapidamente uma estreita ligação
com o CPP: em janeiro de 1950, para sustentar a sua campanha de “ação posi-
tiva”, eles convocam a greve geral.
Na Nigéria, a estreita aliança entre o Nigerian Trade Union Congress e o
NCNC não se manteria além do ano de 1951. O movimento sindical nigeriano
permanece caracterizado pelo seu esfacelamento e a sua divisão em organismos
rivais; os elementos radicais ali jamais desempenhariam um papel de primeira
linha.
Nos territórios franceses, os sindicatos são, desde o princípio a 1957,
majoritariamente filiados à Confederação Geral do Trabalho (CGT) francesa,
gozando de larga autonomia de fato sob a direção de um Comitê de Coordena-
ção das Uniões de Sindicatos Confederados da AOF. Numerosos responsáveis
sindicais da CGT são, simultaneamente dirigentes políticos no seio do RDA,
inclusive após 1950 (Sékou Touré na Guiné, Bakary Djibo no Niger). A Fede-
ração dos Ferroviários da AOF é autônoma mas, permite a liberdade de filiação
aos seus sindicatos. Dessa forma, em 1947, o sindicato de Abidjan -Niger da
Costa do Marfim está filiado à CGT, aquele do Benin -Niger do Daomé está
afiliado à Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC), que
ele abandona em 1948 após as pressões exercidas pelos dirigentes franceses,
objetivando a sua volta ao trabalho. Os sindicatos cristãos, filiados à CFTC,
são muito minoritários e não existem senão onde se manifesta a influência das
missões, como no Daomé e na Costa da Guiné. A cisão do movimento sindical
francês, em 1948, não teve nenhuma influência na África, visto que os sindicatos
africanos permaneceram quase todos filiados à CGT, quanto à Força Operária
(FO), confederação dissidente, ela não reuniria senão os europeus.
216
África desde 1935
Na medida em que a luta sindical dirige -se essencialmente contra a admi-
nistrão colonial e um patronato europeu, comportando as suas reivindica-
ções medidas que visam principalmente eliminar as discriminações raciais
em maria de salários, de status e de direitos sociais, esta luta integra -se ao
combate anticolonial em termos gerais, recebendo o apoio de toda a população
africana. Tal é o caso da greve dos ferroviários africanos de 1947 -1948, a qual
não poderia ter durado mais que cinco meses se não tivesse contado com este
apoio. No decorrer deste conflito, a administração visava, com a sua intransi-
gência, quebrar o movimento sindical, objetivo não consumado, levando -a a
rever a sua decisão de demitir os grevistas. Ocorreu o mesmo com os movi-
mentos grevistas de 1952, 1953 e 1955, motivados pela demanda da adão
do Código Trabalhista de além -mar e, em seguida, após a sua aprovação pelo
Parlamento, em favor da sua entrada em vigor, retardada pelas preses do
patronato.
Somente em 1956, por iniciativa de Sékou Touré, foi criada uma Con-
federão Geral do Trabalho Africano (CGTA), a qual recebe um discreto
apoio em razão do seu aparente controle a distância pela direção do RDA. A
administração colonial tentou retirar a influência da CGT junto aos sindicatos,
conduzindo -os a colaborar consigo. A CGT tomou a iniciativa ao convocar em
prol da constituição de uma central sindical africana independente, reunindo
todos os sindicatos, convocação atendida por todas as organizações sindicais
(CGT, CGTA, ferroviários autônomos e sindicatos cristãos), excetuando -se a
FO. Mas, os sindicatos cristãos recuaram quase de imediato das suas posições,
criando uma Confederação Africana dos Trabalhadores Crentes (CATC), fór-
mula que lhes pareceu capaz de atrair os muçulmanos. O chamado à União
concretizou -se finalmente com o congresso organizado em Cotonou, em janeiro
de 1957, encontro que criou a União Geral dos Trabalhadores da África Negra
(UGTAN), sob a direção de Sékou Touré. A UGTAN não sobreviveria às inde-
pendências, cada Estado tendo rapidamente atuado no sentido de subtrair à
central nacional toda influência externa.
O papel dos movimentos culturais e religiosos
A afirmação da personalidade africana, inerente ao combate anticolonial,
deveria tomar necessariamente uma dimensão cultural; por razões relativas à
herança colonial e às condições materiais, esta afirmação tornou -se concreta,
principalmente, sob a forma literária e no âmbito do idioma do colonizador.
217
A África ocidental
Tratava -se em si de um novo fenômeno, na medida em que, antes de 1946, esta
expressão se mantivera extremamente limitada e canalizada em formas aceitáveis
aos olhos do regime colonial
21
.
Em 1947, em Paris, foi lançada a revista Présence Africaine, por Alioune
Diop, universitário senegalês convertido ao catolicismo, durante certo tempo
senador socialista do Senegal. Esta revista, em torno da qual se criou a Sociedade
Africana de Cultura, não era politicamente contestadora mas, a sua afirmação
em favor de uma personalidade cultural africana consistia em si mesma uma
contestação da ideologia e do modelo coloniais. Neste mesmo ano, L. S. Senghor,
homem político e também poeta, publicava a sua primeira antologia. Ele desen-
volveu, consecutivamente, o conceito de negritude”, tomado por empréstimo
a uma fórmula lançada em 1932 por Aimé Césaire e remodelada por Sartre.
Este conceito foi, desde a sua criação, vigorosamente contestado pela corrente
revolucionária dirigida por Gabriel d Arboussier.
Em contraste a esta afirmação cultural que não colocava em questão a ordem
estabelecida, uma poesia militante e vigorosamente anticolonial surgia entre
1947 e 1950, nas colunas do jornal Réveil, publicado na cidade de Dakar e
órgão de expressão das ideias do RDA: nele apareceram poemas de Bernard B.
Dadié, Jean Malonga, Fodeba Keita. Este último prolongou a sua ação ao criar,
nos anos 1950, balés africanos de sua autoria, modelando a partir de um pano
de fundo africano uma nova forma de expressão cultural. Os discos com poemas
de Fodeba Keita, acompanhado pelo violão de Kanté Facéli, foram proibidos e
julgados subversivos na AOF.
David Diop manteve esta corrente literária durante os anos 1950 e foi ainda
no curso destes anos que ele se expressou através do romance, de forma menos
militante mas, igualmente crítica, compondo uma sátira da realidade colonial.
Entre estes novos romancistas, é importante citar os camaroneses Mongo Beti
e Ferdinand Oyono, bem como o senegalês Ousmane Sembene, aos quais se
juntou Bernard B. Dadié, mencionado. Seu veterano irmão mais velho”, o
senegalês Abdoulaye Sadji, escritor desde antes de 1940 cujas obras não seriam
editadas senão tardiamente, circunscreveu -se à crítica dos costumes. Mais ambí-
gua foi Camara Laye, cuja obra folclórica e idílica apagava inteiramente a rea-
lidade colonial.
Encontramos esta orientação anticolonial na Costa do Ouro, junto a George
Awoonor e De Graft -Johnson, e muito menos intensamente antes de 1960
21 Encontraremos, no capítulo 19, uma análise mais detalhada das correntes literárias.
218
África desde 1935
− na Nigéria, onde a obra de Amos Tutuola permanecia folclórica e a literatura
popular, dita de Onitsha, era mais moral que política.
À imagem dos movimentos culturais, os movimentos religiosos refletiam,
ao mesmo tempo, as mudanças sociais e políticas, por vezes acompanhando -as
ativamente. O desenvolvimento das relações favoreceu o progresso das religiões
universalistas, em detrimento dos cultos locais; o islã, menos comprometido que
as confissões cristãs em relação ao regime colonial, viria a beneficiar -se de forma
preferencial deste contexto. Se as velhas confrarias muçulmanas senegalesas, por
muito tempo suspeitas, haviam sido integradas pela ordem colonial, quanto às
novas confrarias, estas deveriam enfrentar novamente a desconfiança. Tal foi o
caso, no Sudão francês (Mali), do hamalismo, em si apolítico mas, levado pela
perseguição a aproximar -se do movimento anticolonialista (neste caso o RDA).
A igreja católica, a mais implicada, ao menos nas possessões francesas, com
o sistema colonial, permaneceu até o início dos anos 1950 ligada aos elementos
mais fortemente colonialistas. Ela denunciou o RDA como agente do comu-
nismo ateu”, contudo, é interessante notar que os dirigentes do RDA eram,
muito frequentemente, muçulmanos ou católicos praticantes!
A mudança de posição foi tomada tardiamente, com a encíclica Evangeli
praecones (2 de junho de 1953). Frente ao avanço nacionalista, a Igreja Católica
sentiu a necessidade de modificar as estruturas coloniais das missões” (divisão
do território em “feudos” pelas congregações, reticências em promover um cle-
ricato autóctone). Na África francesa, a hierarquia episcopal foi introduzida em
1955; ao passo que a Igreja Anglicana dera há muito tempo espaço a dirigentes
eclesiais não brancos, os primeiros bispos africanos católicos não seriam pro-
movidos senão em 1956, no Daomé e no Alto -Volta e, ainda mais tardiamente,
somente em 1957 na Costa do Ouro.
A África Ocidental portuguesa: a Guiné
Bissau e as ilhas do Cabo Verde
Enquanto as colônias britânicas e francesas da África Ocidental haviam
todas alcançado a sua independência em 1965, a Guiné Bissau e as ilhas do Cabo
Verde, assim como as duas outras colônias portuguesas, Angola e Moçambique,
não conseguiriam derrubar o colonialismo português senão em 1973 e 1974.
Ademais, embora a conquista da independência nas outras colônias da África
do oeste tenha, em seu conjunto, sido pacífica mediante a realização de mesas-
-redondas e debates entre partidos, no que tange à África portuguesa, por sua
219
A África ocidental
vez, ela foi longa, violenta e sangrenta, transformando -se em uma verdadeira
guerra de libertação. A explicação das características que assim tomou a luta
anticolonial na África portuguesa deve buscar as suas raízes nos princípios e nas
práticas do colonialismo português, assim como na natureza dos movimentos
nacionalistas.
Desde o início, Portugal, assim como a França, considerou as suas colônias
(tal como amplamente demonstrado no volume precedente desta obra) não como
colônias mas como províncias portuguesas de além -mar. Enquanto os franceses
renunciavam a esta política, errônea e irrealista, ao longo dos anos 1950, Portu-
gal agarrava -se a ela até as últimas consequências com um fanatismo e uma
cegueira crescente malgrado a evidente progressão do nacionalismo africano.
Assim, enquanto a França abandonava ações repressivas e violentas, característi-
cas dos anos 1940, para então recorrer a negociações pacíficas e mesmo ao voto,
os portugueses, por sua vez, mantinham uma política que consistia em preservar
por todos os meios a integridade do seu império.
Um outro aspecto do colonialismo português era o estado em que se encon-
travam, nos anos 1950, as suas colônias africanas em geral e, particularmente,
aquelas situadas na África Ocidental. Em razão das características próprias ao
colonialismo português (um “subimperialismo”, ele próprio sob dependência
estrangeira desde o século XVIII) e ao fascismo, no poder desde 1926, elas
apresentavam um considerável atraso comparativamente aos países vizinhos da
África Ocidental: nenhuma instalação (nem linha férrea ou estrada), uma primi-
tiva economia de tráfico dominada por monopólio, aquele da Companhia União
Fabril (CUF). Oficialmente consideradas “províncias portuguesas” desde 1930,
estas duas colônias carregavam os estigmas do mais atrasado colonialismo; atrás
de uma fachada assimilacionista se dissimulava a mais brutal discriminação.
Na Província da Guiné dos anos 1950, em meio milhão de habitantes e após
cinco séculos de presença portuguesa”, 8.320 pessoas (das quais 2.263 brancos
e 4.568 mestiços) gozavam de direitos políticos (os quais, no final das contas,
permaneciam totalmente formais!) com o estatuto dos civilizados”. Somente
um ínfimo total de 1.478 autóctones (0,3% da população) beneficiava -se deste
estatuto! O branco, mesmo que fosse analfabeto (situação recorrente entre os
portugueses) era ipso facto “civilizado”; enquanto o negro, pelo contrário, devia
saber ler e escrever o português, praticar regularmente a religião católica e ser
benquisto pelo colonizador.
Nas ilhas do Cabo Verde, super habitadas e devastadas por fomes periódicas
(20.000 mortos entre 1940 -1943 e 30.000 mortos entre 1944 -1948, para uma
população equivalente a menos de 150.000 habitantes na época), a população
220
África desde 1935
originária do continente estava inteiramente assimilada” e Portugal recrutava
os quadros subalternos a serem alocados nas suas outras colônias da África. Haja
visto o limitadíssimo número de estabelecimentos de ensino superior, não havia
classe média ou burguesia para conceder a quem quer que fosse impulso ou
inspiração. E, como os portugueses estavam determinados a reprimir qualquer
agitação anticolonial, pelos meios mais extremados, foi somente ao fim dos anos
1950 que partidos políticos começaram a aparecer na África portuguesa.
Em 19 de outubro de 1956, o agrônomo de origem cabo -verdiana (embora
nascido na Guiné) Amilcar Cabral, com cinco companheiros, criava em Bissau
o Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). De
1956 a 1959, a sua atividade concentrou -se nas cidades e ele empregou meios
pacíficos. Todavia, consecutivamente à brutal repressão empreendida contra a
greve ilegal dos trabalhadores das docas, por ele organizada em agosto de 1959 e
durante a qual mais de cinquenta estivadores foram mortos e numerosos outros
feridos, o PAIGC decidiu então abandonar os seus métodos pacíficos em favor
da luta armada. Em função disso, ele não somente distanciou -se das cidades para
conduzir as suas atividades na mata mas, igualmente, concebeu novos métodos
e um programa político inédito, um conjunto de táticas de libertação com o
objetivo de conquistar a confiança das massas camponesas, então apáticas, para
a ideia de alcançarem a sua independência, edificando assim uma nova nação.
Como Cabral dizia aos seus quadros: “Lembrai -vos sempre que as pessoas não
combatem por ideias, para que germinem no espírito de seja quem for. Eles
combatem por vantagens materiais, para melhor e em paz viverem, para sentirem
evoluir as suas condições de vida, para assegurar o porvir das suas crianças” e
aqui reside a razão pela qual era imprescindível que estes quadros “praticassem
a democracia revolucionária [...] mantivessem frequentes reuniões [...] nada
escondessem das massas populares [...] jamais mentissem [...] e não se gabas-
sem de vitórias fáceis
22
”. Entre 1961 e 1963, os jovens militantes partidários de
Cabral, em sua maioria com idade inferior a 25 anos ou, inclusive, mais jovens,
trabalharam clandestinamente nas comunidades, ensinando aos habitantes não
lhes ser possível eliminar as suas dificuldades locais, senão trabalhando e com-
batendo para livrarem -se do sistema colonial português, em sua totalidade.
Após este esforço de educação e de organização, o PAIGC lançou a sua
luta armada em 1963. Começando com pequenos grupos de guerrilha nas
propícias regiões de mata fechada ou de floresta”, ele aumentou -os numerica-
22 Citado por B. DAVIDSON, 1980, pp. 10 -11.
221
A África ocidental
mente e transformou -os, pouco a pouco, em unidades importantes que, não
localizadas, estavam disponíveis para rápidos movimentos em longas distâncias
e estavam aptas para o combate
23
”. Ativamente apoiados e ajudados pela popu-
lação camponesa, estas unidades móveis cresceram em tamanho e poder de fogo,
aprendendo a utilizar toda espécie de armas, inclusive mísseis de longo alcance,
embora os seus membros fossem, em sua maioria, analfabetos. Assim que eles
haviam liberado uma zona, eles ali aplicavam a sua política de libertação. Por um
lado, eles expulsavam todos os funcionários e comerciantes coloniais, aboliam
todos os impostos e direitos coloniais e punham termo ao trabalho forçado e às
plantações obrigatórias. Por outro lado e aqui é notório residir o aspecto mais
positivo, eles instauraram um novo sistema comercial e criaram escolas e postos
de saúde na mata onde antes jamais houvera, dotando -os de pessoal de for-
mação e intervenção em saúde recrutado em meio a homens e mulheres muito
amiúde formados na Europa ou em Cuba. Ainda mais importante, em termos
políticos, o PAIGC implantou uma verdadeira democracia nas zonas liber-
tas. A população foi incitada a eleger comitês representativos aos quais foram
23 Ibid., pp. 13 -14.
 . Mulheres combatentes do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAICG).
(Foto: Le Nouvel Afrique -Asie, Paris.)
222
África desde 1935
confiadas as responsabilidades administrativas locais. Cabral resumiu nestes
termos a estratégia empregada contra os portugueses: “Para dominar uma zona
determinada, o inimigo é obrigado a dispersar as suas forças. Dispersando -as, ele
enfraquece os seus dispositivos e nós podemos vencê -lo. Para se nos proteger, ele
deve, portanto, concentrar as suas forças. Entrementes, ao fazê -lo, é -nos possível
ocupar as zonas inimigas liberadas e ali desenvolver um trabalho político cuja
natureza conduz a impedir o seu retorno
24
.”
Graças a esta tática assim como contando com o apoio de certos habitantes
das ilhas do Cabo Verde, de alguns países africanos e, sobretudo da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e de Cuba, o PAIGC fez constantes
progressos. Em que pese um considerável crescimento numérico de suas tropas,
cujos efetivos aumentaram de 1.000, em 1961, para mais de 30.000 soldados, em
1967, não foi possível, aos portugueses, bloquear o PAIGC. Malgrado o ativo
suporte financeiro e militar oferecido a Portugal por todas as grandes potências
ocidentais e pelos outros Estados membros da OTAN, o PAIGC alcançara, em
1967, o controle de dois terços da Guiné. Embora eles tenham posteriormente
reforçado o seu exército, aos portugueses não foi factível derrotar os africanos e,
inclusive, o cínico assassinato de Amilcar Cabral, em janeiro de 1973, não pôde
derrubar o movimento de conquista da libertação. No dia 27 de setembro de
1973, o PAIGC proclamou a independência de Guiné Bissau. Convém notar
que a humilhação e a desmoralização a que foram submetidos os soldados
portugueses na Guiné Bissau, bem como em Angola e em Moçambique, desde
então incorporados ao ideário de libertação que se propagava na África, todos
estes fatores incitaram os soldados portugueses a derrubarem o regime opressor
de Salazar, no interior do próprio Portugal, em abril de 1974. O novo regime
não somente confirmou a independência da Guiné Bissau mas, também foi ele
quem concedeu a independência a Angola e ao Moçambique, em 1975.
O PAIGC reivindicava a união da Guiné e das ilhas do Cabo Verde, em
razão da origem comum de sua população. As condições geográficas das ilhas
não tornaram possível uma resistência similar àquela ocorrida na Guiné (uma
tentativa de sublevação, em Praia no ano de 1962, desembocaria em um fracasso)
mas, após a queda do fascismo português, a organização até então clandestina
do PAIG tomou em mãos os destinos do país. Coube ao sucessor de Cabral no
secretariado -geral do PAIGC, Aristides Pereira, negociar a independência em
24 Ibid., p. 14.
223
A África ocidental
setembro de 1974, tornando -se assim o primeiro presidente da República do
Cabo Verde.
A Libéria
Em 1945, embora a Libéria fosse um dos quatro Estados independentes da
África a ser, em princípio, mestre do seu destino, na prática, ela se tornara uma
neocolônia dos Estados Unidos. A administração e as riquezas do país eram
integralmente dominadas pela comunidade americano -liberiana, habitantes
relativamente circunscritos a distritos costeiros, a pequena oligarquia no poder
exercia uma discriminação frente à esmagadora maioria dos cidadãos, por sua
vez, habitante do interior do país, ela os desprezava, dando -lhes a impressão de
completo isolamento e de estarem sendo explorados.
No exterior, a Libéria, tal como os outros Estados da África, na ocasião
independentes, não possuía qualquer contato com a maré montante do anticolo-
nialismo circundante e tampouco fazia o menor esforço para oferecer dirigentes
aos Estados coloniais africanos que aspiravam à independência. No plano econô-
mico, o país estava no limiar da falência e, citando Mazrui e Tidy,permanecia
de rabo preso com os Estados Unidos, submetido a um imperialismo econômico
mais potente que aquele passível de imposição pelos Estados coloniais euro-
peus à África
25
”. Felizmente, esta situação assaz desoladora sofreria profundas
mudanças graças aos esforços de um homem, William Vacanarat Shadrach
Tubman que alcançou a presidência em 1944, permanecendo no poder até a
sua morte em 1971
26
.
Adotando uma política econômica de liberação de barreiras e desejando
romper o domínio que a Firestone Rubber Company exercia sobre a economia
do país, Tubman conseguiu atrair, sobretudo provenientes dos Estados Unidos,
investidores estrangeiros cujos números passariam de 1, em 1925 para 25, em
1960, alcançando 38 em 1966
27
. Isto provocou uma diversificação das atividades
econômicas que, em lugar de limitarem -se à produção do látex e à fabricação
da borracha, estenderam -se ao planejamento e à construção de portos artificiais
na cidade de Monróvia, à extração do minério de ferro em Bomi Hills, nas
montanhas Nimba e de igual forma em outras regiões e, à criação de indústrias
25 A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 29.
26 J. G. LIEBENOW, 1969, p. 73.
27 J. B. WEBSTER e A. A. BOAHEN, 1980, p. 373.
224
África desde 1935
de pequeno porte, como a produção de cimento. Em 1966, o valor das receitas
obtidas com a exportação do minério de ferro, por seu lado, atingiram 112
milhões de dólares, contra 30 milhões tocantes à exportação da borracha. Em
1978, a Libéria tornara -se a maior produtora de minério de ferro da África.
Esta evolução provocou a construção de uma malha rodoviária de mais em mais
importante que, em muito, acelerou a abertura rumo ao interior. Segundo Lie-
benow, esta ascensão produziu uma transformação radical do modo de vida das
populações tribais que, até recentemente, encontravam -se estreitamente ligadas
a uma economia de subsistência e não se poderiam oferecer quaisquer dos pro-
dutos materiais da ocidentalização
28
”. Tubman empreendeu, igualmente, orientar
o comércio da Libéria para novas destinações que não mais eram exclusiva-
mente americanas. Lá, uma vez mais, este fluxo apresentou certo sucesso, pois
que a parte relativa às exportações liberianas, dirigidas aos Estados Unidos,
passou de 90%, em 1950, para aproximadamente 60% em meados dos anos
1970; no tocante às importações, elas regrediram de quase 70% a menos de
50% entrementes.
Conquanto adotasse, em matéria econômica, uma política de liberação de
barreiras, Tubman prosseguiu uma política de coadunação, integrando e uni-
ficando nacionalmente os domínios político e social, objetivando essencial-
mente a eliminação da clivagem e da confrontação seculares entre a oligarquia
americano -liberiana e a massa autóctone da população. Tomando emprestadas
as suas próprias palavras: “Falta -nos destruir todas as ideologias que tendem a
dividir -nos. Nós devemos esquecer o americano -liberialismo e engajarmo -nos
todos em uma nova era de justiça, de igualdade, de honestidade e de igualdade
de oportunidades para todos, de qualquer região do país da qual proviessem e
de qualquer que fosse a sua tribo, o seu clã, o seu elemento, a sua crença ou o
seu status econômico.”
Tubman deu, ele próprio, o exemplo, adotando um nome africano, vestindo-
-se à moda africana com o tradicional traje e encorajando a arte e a dança
autóctones. Ele integrou progressivamente liberianos autóctones instruídos à
administração local e, em 1966, segundo fonte autorizada, estes últimos asse-
guravam, por pouco que não completamente, a direção de seus escritórios nas
províncias. Tubman afastou aqueles incompetentes ou corrompidos, em alguns
casos, a mesmo os seus mais próximos parentes. Ademais, ele estendeu à
população autóctone o direito de ser representada no Parlamento e participar
28 J. G. LIEBENOW, 1969, p. 79.
225
A África ocidental
 . William Tubman, presidente da Libéria, em setembro de 1956. (Foto: AFP Photo, Paris.)
226
África desde 1935
das eleições legislativas, outrossim, ele modificou a composição da Câmara de
Representantes para nela incorporar liberianos em maior número provenien-
tes do interior. Tornou -se, além disso, regra nomear autóctones qualificados
a postos apropriados. No plano social, estabelecimentos de ensino foram em
maior número colocados ao dispor da população das comunidades interioranas,
notadamente graças à abertura, pela Igreja Episcopaliana, com o apoio das
missões metodista e luterana de Gbarnga, do Cuttington College, mais de 150
quilômetros no interior das terras, ao passo que estas mesmas igrejas criavam
escolas primárias em outros distritos.
Muito se realizou na Libéria durante o período considerado. Em 1960, con-
tudo, o resultado ainda não era satisfatório. A vida no país continuava a ser
dominada pela elite americano -liberiana e a política de integração e unificação
nacional não progredira entrementes de forma suficiente. Obviamente, a eco-
nomia conhecera um notável revigoramento e influxo de crescimento mas, este
crescimento não se acompanhara de um real desenvolvimento e a dependência
vis -vis do capitalismo internacional inclusive acrescera -se, em razão da sub-
serviência das políticas de exploração dos recursos minerais aos interesses dos
investidores estrangeiros. Em suma, em 1960, a Libéria ainda trilharia um longo
caminho, ainda que fora para reduzir o seu atraso comparativamente aos novos
Estados independentes da África. Infelizmente, no curso das duas posteriores
décadas, nem Tubman e tampouco o seu sucessor chegariam a realmente impor
as mudanças necessárias, quadro este que se desdobrou no golpe de Estado
militar, em 12 e 13 de abril de 1980, evento a constituir -se em ponto de inflexão
e marco do fim de uma era, aquela do True Whig Party.
Conclusão
O período de 1945 a 1960 marcou uma reviravolta na história da África
Ocidental em particular e, naquela referente à África ao sul do Saara, em termos
gerais. Partindo de uma situação em que o colonialismo parecia inexpugnável,
chega -se, em apenas quinze anos, à sua liquidação não somente em grande parte
da África Ocidental mas, inclusive em importantes regiões da África central e
oriental. A análise que precede demonstra, com efeito e muito claramente que,
no caso da África Ocidental britânica e no que diz respeito à África portuguesa,
a iniciativa foi inteiramente imputável aos próprios africanos. Isto se mostrou
também verdadeiro em relação à África francesa, aa ascensão De Gaulle
ao poder. Também se trata de uma verdade que, no desenrolar deste período,
227
A África ocidental
o tom tenha sido dado, na África Ocidental, pelas colônias britânicas em seu
conjunto e, em específico, pela Gana de Nkrumah, enquanto na África francesa,
este papel coube à Guiné, de Sékou Touré. A partir de 1957, não somente a
vitória de Gana jamais deixou de inspirar os seus vizinhos, como também insu-
flou e acelerou a revolução de independência em toda a África subsaariana. Se
Sékou Touré não houvera adotado uma atitude de coragem e desafio, apoiado
em plenitude pelos operários e estudantes, a África francesa apresentaria, sem
dúvida, uma fisionomia muito diferente daquela por ela oferecida nos dias atuais.
É precisamente no momento atual que se reconhece inclusive a importância
do papel desempenhado pelos estudantes e sindicatos na luta pela indepen-
dência, especificamente no tocante à África francesa. Outro traço significativo
desta luta pela independência reside no fato de ela marcar uma transferência
de poder, não em favor da elite dominante tradicional, como os britânicos em
particular haviam planejado mas, em favor dos nacionalistas da classe média e,
em certos países como Gana, não propriamente da camada superior desta for-
mação social mas, antes dos seus extratos inferiores, compostos pelos verandah
boys [plantões de varanda], adolescentes de escolaridade primária concluída,
funcionários subalternos, professores e pequenos comerciantes. Enfim, a luta
pela independência teve um impacto considerável sobre a Europa, fenômeno
igualmente reconhecido nos dias atuais. A ascensão de De Gaulle ao poder e a
derrubada da ditadura fascista e racista de Salazar em Portugal constituíram -se
subprodutos diretos do combate anticolonial na Ásia e no noroeste da África,
igualmente, como demonstrado por Ali A. Mazrui, estes subprodutos mudaram
todo o curso da história europeia.
Para retomar nossa hipótese inicial, a luta pela independência nasceu em um
mundo que vira a derrota do fascismo e do nazismo, ambos fundados no racismo
e na negação dos direitos e da liberdade dos homens. Os felizes desdobramen-
tos do combate suscitaram grandes esperanças na África. É mister estabelecer
em quais medidas e parâmetros estas esperanças teriam sido coroadas? Con-
siste nesta questão a temática à qual os ulteriores capítulos do presente volume
esforçar -se -ão em responder.
C A P Í T U L O 8
229
A África Equatorial do oeste
Somente paradoxos para a África Equatorial, no desenrolar deste longo per-
curso de combatente” em que se transformou o processo de descolonização! Da
mesma forma, mal -entendidos em curso e desilusões, eis o produto encontrado,
uma vez ultrapassadas as etapas, aparentemente, as mais rudes e mais decisivas!
Primeira a cair sob o jugo do colonialismo, a África Equatorial também foi
uma das primeiras partes do continentes a emancipar -se. Pois vejamos, não
seria da própria época das “descobertas” que dataria a intromissão insidiosa de
Portugal sobre o reino do Congo e sobre Angola? E, enquanto o imperialismo
moderno ganhava luz, ao fim do século XIX, não seria na bacia do Congo que ele
oportunamente afirmar -se -ia, erigindo, desde 1885, ao término da conferência
de Berlim, este estranho edifício jurídico e esta inesgotável fonte de riquezas em
que se constituiu o Estado Independente do Congo”? Ora, pois seria preciso
esperar 1975, quinze anos após a grande onda das independências, para confir-
mar a conclusão da emancipação nesta região.
Terra de crueldades inauditas no início da colonização, a África Equatorial
inventou os métodos, as técnicas e as ideologias, as mais diversas, para conquistar
a sua liberdade. Com razão, a virada do século XIX para o século XX permanece
marcado, em todas as memórias, na qualidade de período mais doloroso. A
contestação anticolonial aqui floresceu de cem flores
1
e ilustrou -se em todos
1 Segundo a fórmula de Mao Zedong: “Que cem ores desabrochem!”, M. ZEDONG, 1967.
A África Equatorial do oeste
Elikia M’Bokolo
230
África desde 1935
os registros: insurreições camponesas, messianismos político -religiosos, agita-
ção política e parlamentar, greves e revoltas urbanas, ou guerras populares de
libertação.
Subsistem os mal -entendidos. Raramente, os colonialismos se ligaram tão
fortemente à sua presa. Assim, Brazzaville, símbolo da liberdade durante a
guerra, foi o teatro, em 1944, de uma das mais hábeis manobras do colonialismo
francês pois, conquanto afirmasse a sua vontade em transformar profundamente
as práticas coloniais, as autoridades reunidas na capital da França livre” decidi-
ram “excluir qualquer ideia subjacente à autonomia, qualquer possibilidade de
evolução fora dos limites do bloco francês do império [e] a eventual constitui-
ção, mesmo longínqua, de self governments nas colônias
2
”. Também raramente,
os povos sentiram -se a tal ponto frustrados no tocante às suas vitórias e às suas
esperanças: ao final das contas, a independência fora tão recém -conquistada e
eles já eram vistos novamente em fileiras, para derrubar em Brazzaville o regime
do abade Fulbert Youlou
3
e mergulhar o Congo (Zaire) em uma terrível guerra
civil, de 1960 a 1965.
Tormentas e incertezas do pós -guerra
Os anos do pós -guerra foram caracterizados, em toda a África central, por
uma grande efervescência e, em determinadas regiões, por uma verdadeira agi-
tação política.
Certamente, se observada do exterior, a África central ainda apresentava -se
como “o império do silêncio”, para retomar o título de um livro consagrado ao
Congo belga por O. P. Gilbert
4
. Dessa forma, os seus representantes cidadãos
estavam ausentes no Quinto Congresso Pan -Africano, reunido em outubro de
1945 em Manchester e foi um intelectual do Togo britânico, o Doutor Raphaël
Armattoe, quem traçou um quadro da situação econômica, social e política
reinante nas colônias belgas, francesas e portuguesas desta região
5
. Mas, este
silêncio não era senão aparente. Com efeito, os anos de guerra se haviam reve-
2 Conferir, para mais detalhes, E. M’BOKOLO, 1982, pp. 190 -193.
3 Fulbert Youlou (1917 -1972), ordenado padre em 1946, entrou para a política em 1956, elegendo -se
prefeito de Brazzaville. Primeiro -ministro em 1958, em seguida Presidente da República em 1960, ele foi
destituído em 1963, em razão de uma insurreição popular em Brazzaville, chamada as “Três Gloriosas”
(em 13 -15 de agosto de 1963).
4 O. P. GILBERT, 1947.
5 I. GEISS, 1974, p. 405.
231
A África Equatorial do oeste
lado particularmente desafiadores (a esse respeito conferir, acima, o capítulo 3).
Por toda parte foi necessário produzir sempre mais e as autoridades coloniais
não haviam hesitado em retornar aos mais brutais métodos correlatos ao fim do
século XIX: este esforço de guerra fora particularmente pesado na África Equa-
torial Francesa (AEF) e no Congo belga. Por outro lado, aqueles dentre os afri-
canos que haviam participado, de bom grado ou à força, das operações militares,
haviam tido a oportunidade de descobrir novos horizontes e impregnaram -se de
ideias inéditas, eram eles: os cidadãos da AEF na África do norte e na Europa,
bem como aqueles do Congo belga na Etiópia, em Madagascar e na Birmânia.
O novo clima manifestou -se com impacto nas cidades onde as massas mise-
ráveis do proletariado industrial e do subproletariado, as camadas insatisfeitas e
impacientes dos “evoluídos” africanos representavam, a esta altura, uma real
força política
6
. As ideias revolucionárias e reformistas, vindas do mundo exterior,
penetravam facilmente neste meio e encontraram, nestes extratos sociais, um
público bem disposto. Angola recebeu, essencialmente do Brasil, uma abundante
literatura consagrada à Segunda Guerra Mundial, ao fascismo e às lutas de liber-
tação nacional
7
. Nos países sob mandato Camarões, Ruanda -Urundi (atuais
Ruanda e Burundi) demonstrou -se, muito e sobretudo, sensibilidade frente ao
princípio do direito dos povos em dispor eles próprios sobre si mesmos, inscrito
na Carta do Atlântico, na Declaração das Nações Unidas e na Carta da ONU.
Em Brazzaville, em Libreville e, talvez, em Bangui e nos centros mais impor-
tantes, constituíram -se Grupos de Estudos Comunistas, animados por militan-
tes europeus do Partido Comunista Francês
8
. Inclusive, os primeiros partidos
políticos, legalmente constituídos nesta época na África Equatorial francesa,
multiplicaram os sinais de fidelidade aos partidos metropolitanos: no Congo-
-Médio (atual Congo) existia, desde antes da Segunda Guerra Mundial, um
6 A problemática das classes sociais, longe de constituir -se em unanimidade entre os especialistas da
África, não será aqui retomada. Digamos, como Engels, que “entende -se por proletariado a classe de
operários assalariados modernos que, privados dos seus próprios meios de produção, são obrigados, para
subsistir, a vender a sua força de trabalho (ver nota de F. Engels na edição inglesa de 1888 do Manifesto
do Partido Comunista, K. MARX e F. ENGELS, 1955, p. 21). O “subproletariado reagrupava todos
aqueles, amiúde recentemente imigrados para cidades, os quais não se haviam estabilizado no contexto
do salariato industrial.
7 J. MARCUM, 1969, p. 23.
8 Entrevistas com Paul Lomani -Tshibamba, Kinshasa, em setembro de 1981. Paul Lomani -Tshibamba
(ou Tchibamba, 1914 -1985) viveu até a idade dos dezesseis anos em Brazzaville, onde o seu pai era
funcionário da alfândega. Os seus artigos na publicação A Voz do Congolês e o seu livro Ngando lhe
valeram muitas diculdades junto às autoridades coloniais belgas: ele exilou -se em Brazzaville (entre
dezembro de 1948 e julho de 1961) onde, após adquirir a cidadania francesa, ele dirigiu durante dez anos
a primeira revista intelectual da AEF, a publicação Liaison. Ver Arquivos Sonoros da Literatura Negra.
232
África desde 1935
braço local da SFIO (Seção Francesa da Internacional Socialista) animada por
Jacques Opangault, o Partido Progressista Congolês, fundado em 1946 por
Jean -Felix Tchicaya, tornou -se por sua vez, após o Congresso de Bamako (em
outubro de 1946), membro do RDA (Agrupamento Democrático Africano),
ele próprio ligado ao Partido Comunista Francês (PCF). O principal partido
do Gabão (UDSG), liderado por Jean Aubame, pretendia -se evidentemente
muito próximo da União Democtica e Socialista da Resistência (UDSR)
animada, na França, por François Mitterrand. Somente o MESAN (Movi-
mento pela Evolução Social da África Negra), fundado em 1949 por Barthé-
lemy Boganda, em Oubangui -Chari (atual República Centro -Africana), era
totalmente independente dos partidos metropolitanos, embora a sua doutrina
se inspirasse largamente em ideias democrático -cristãs. Em Angola, a domi-
nação colonial, conjugada com a ditadura salazarista, proibiu a formação legal
de partidos políticos. Clandestinamente e por iniciativa do Partido Comunista
Português, constituíram -se, em Luanda por volta de 1948, três organizações
revolucionárias dirigidas por jovens intelectuais: a Comissão Federal Angolana
do Partido Comunista Português, a Comissão de Luta das Juventudes contra o
Imperialismo Colonial em Angola e a Angola Negra
9
.
As mais significativas ações em meio urbano deveriam, portanto, ser atribu-
ídas à própria iniciativa dos africanos locais. Em Angola, variados grupos muito
ativos se haviam constituído entre as duas guerras, mantendo o seu poder de
pressão após 1945: a Liga Nacional Angolana e a ANANGOLA (Associação
Regional dos Naturais de Angola), ambas particularmente influentes junto aos
mestiços de Luanda, a primeira atuando sobretudo em favor das reformas eco-
nômicas e sociais, ao passo que a segunda privilegiava a ação cultural. Sob os aus-
pícios da ANANGOLA em 1948, um jovem poeta, Viriato Francisco Clemente
da Cruz, fundou um grupo literário cujos membros publicaram na revista Men-
sagem uma abundante poesia contestatória. Esta poesia dos musseques − nome
atribuído aos bairros pobres de Luanda − deveria representar, de maneira durá-
vel, a forma privilegiada de crítica social e de reivindicação nacionalista
10
. No
Congo belga, os movimentos violentos de revolta manifestaram -se desde 1944:
o grave e acentuado mal -estar, latente nas guarnições urbanas eclodiu, em 20 de
fevereiro, manifestou -se através dos motins de Luluabourg (Kananga); a revolta
foi esmagada mas, elementos amotinados conseguiram evadir -se, notadamente
em direção ao Katanga e ao Sankuru, assim e pela mesma ocasião, propagando
9 J. MARCUM, 1969, pp. 26 -27.
10 J. MARCUM, 1969, pp. 22 -26; R. PÉLISSIER, 1978, pp. 240 -243.
233
A África Equatorial do oeste
os fermentos da insurreição. Outra sequência de motins explodiu, quase simul-
taneamente, em Jadotville (Likasi), enquanto a administração colonial lograva
êxito em desbaratar, em Élisabethville (Lubumbashi), um “complô de clérigos”
que visava obter, no espírito da Carta do Atlântico, a liberdade de expressão
e de imprensa”, a liberdade individual, suprimindo a corrente e o chicote que
nos colocam em estado de animais de tráfico”, a liberdade de circulação, a
concessão do direito ao ensino, necessário ao progresso intelectual do indígena
e, por fim, o direito à representação política
11
. Esta tendência radical e violenta
manifestar -se -ia no curso dos anos seguintes, notadamente em novembro de
1945 com a sangrenta e insurrecional greve dos estivadores do porto marítimo
de Matadi (7 mortos, segundo o cômputo oficial). Paralelamente, outra corrente,
moderada e reformista, afirmou -se em meio aos “evoluídos” do Congo belga.
Desde março de 1944, os evoluídos” de Luluabourg, tirando proveito da emoção
causada pelos motins da guarnição, apresentaram ao comissário do distrito um
memorando cuja principal exigência era que o Governo aceite de bom grado
reconhecer a existência de uma classe social formada por indígenas evoluídos,
pois os membros desta classe estão persuadidos que eles merecem um estatuto
especial, ao menos uma proteção particular do Governo que os coloque ao abrigo
de certas medidas ou de certos tratamentos que poderiam aplicar -se a uma classe
mantida ignorante e atrasada
12
”. A reivindicação do estatuto especial” polarizou,
desde então, a energia dos evoluídos”: é possível encontrá -la na maioria dos arti-
gos da especialmente importante revista A Voz do Congolês, fundada em janeiro
de 1945 e, particularmente, no famoso artigo “Qual será o nosso lugar no mundo
de amanhã?”, de Paul Lomani -Tshibamba, o qual valeria ao seu autor um longo
exílio em Brazzaville
13
. A UNISCO (União dos Interesses Sociais Congoleses),
criada em 1945, lutou pelos mesmos propósitos. E, em 1947, a missão do Senado
enviada pelo governo belga ao Congo recebeu as mesmas reclamações da parte
dos “evoluídos” de Léopoldville (Kinshasa) e de Paulis (Isiro).
Em Camaes, foram sobretudo a parte francesa e o sul que sofreram efeitos
da guerra: penúria dos mais elementares produtos, requisição da mão de obra
necessária às plantões, operários nas obras de melhoramento da estrada Douala-
-Yaoun-Abong, mineiros para a exploração das minas de rutílio e de ouro, bem
como seringueiros na extração do látex. As hesitações do governador Nicolas e
o conservadorismo retrógrado dos colonos estiveram na origem de gravíssimos
11 Memorando citado por J. -L. VELLUT, 1983, pp. 504 -506.
12 M. MAKOMBO, 1977, p. 838.
13 Reproduzido por M. MAKOMBO, 1977, pp. 842 -853. Ver nota 8, supra inserida.
234
África desde 1935
enfrentamentos. A cidade de Douala abrigou, em agosto de 1945, os “Estados
Gerais da Colonização”: reunindo os delegados dos colonos da AEF, da AOF e de
Madagascar, esta conferência afrontou todos os aspectos positivos da conferência
de Brazzaville e rejeitou em bloco todas as reformas projetadas
14
. Ora, em julho
de 1945, constituíra -se a União Sindical, reagrupando todas as organizações de
trabalhadores e, desde o início, enfrentando a oposição conjugada da administra-
ção colonial, do clericato católico e dos colonos reunidos no seio da Câmara de
Corcio e da ASCOCAM (Associação dos Colonos de Camarões). O inevitável
enfrentamento entre estas forças antanicas teve lugar em 1945, com a greve
dos ferroviários e os levantes de Douala: no decorrer destes últimos, os ferrovi-
ários receberam o apoio dos elementos mais organizados da classe operária os
trabalhadores temporários muito mal pagos e aquele do subproletariado. O
governador Nicolas autorizou os colonos europeus a armarem -se e a substituírem
a polícia, de 24 de setembro a 9 de outubro, legitimando assim um inevitável
massacre. A repressão judicial que se seguiu não foi menos severa. Igualmente
foi necessário esperar o ano de 1948 para ver constituir -se o primeiro partido de
massas moderno, a UPC (Uno das Populões de Camarões), obra do sindica-
lista Ruben Um Nyobé e de seus tenentes Félix Moumié, Ernest Ouande Abel
Kingué. Embora membro efetivo do RDA, a UPC lançou em seu jornal, A Voz
de Camarões, uma palavra de ordem muito mais radical que os slogans do RDA:
“Unificação e independência imediata.” Muito popular, a UPC implantou -se
principalmente nas camadas mais pobres das cidades (Douala e Yaoundé) e junto
às comunidades bassa e bamileke da metade sul do país
15
.
Na falta de estudos suficientes, o estado de espírito da população rural perma-
nece ainda pouco conhecido. O que parece ter predominado por toda a parte são
atitudes de resistência passiva frente a agentes e símbolos da colonização: admi-
nistradores, missionários, representantes de sociedades comerciais e agrícolas. Foi,
notadamente, o caso nas regiões onde se haviam desenvolvido, no entreguerras,
movimentos messiânicos e sincréticos. Desta forma, no Congo belga, a população
kongo permanecia fiel aos ensinamentos de Simon Kimbangu (1881 ? -1951),
em que pese o distanciamento do profeta e a sua internação, a partir de 1921 no
Katanga, onde morreria. Outrossim, desde a sua fundação em 1950, a ABAKO
(Associação dos Bakongo) receberia a adesão espontânea, imediata e maciça da
população. Nodio -Congo, um movimento análogo se constituíra sob o nome
de amicalismo, ou matsouanisme, por iniciativa de André Matsoua. Após a morte
14 J. SURET -CANALE, 1972, pp. 44 -50.
15 R. A. JOSEPH, 1977, pp. 39 -99.
235
A África Equatorial do oeste
deste último em 1942 e a terrível repressão empreendida contra os seus partidá-
rios, as comunidades lari, junto às quais a sua mensagem tivera os maiores ecos,
voltaram -se sobre si mesmas e recusaram qualquer participação nas eleições e na
vida política moderna, até 1956. onde nenhum movimento messiânico nas-
cera, há numerosos indícios mostrando a oposição da população rural. Assim, no
Gao, o governador, inquieto com a politização nas cidades, quis usar a população
rural e os chefes consuetudinários contra os cidadãos urbanos. O primeiro Con-
gresso Pahouin, convocado com esta finalidade em Mitzik, de 26 a 28 de fevereiro
de 1947, voltou -se contra a administração colonial: o somente adotando uma
atitude crítica vis -à -vis do poder colonial mas, além disso, plebiscitando Léon
Mba, porta -voz dos cidadãos das cidades, como o único N’Zoe Fang [chefe dos
Fang]. Tratava -se ali do primeiro sinal da aliança entre cidadãos urbanos e rurais,
o que faria a força dos nacionalismos da África Central durante os anos 1950
16
.
Crescimento econômico, mutações e tensões sociais
A década seguinte à Segunda Guerra Mundial foi marcada por uma conjun-
tura mundial propícia cujos efeitos fizeram -se sentir na África Central. As met-
poles coloniais, reconstruindo as suas economias, solicitaram, ainda e de mais em
mais, os esforços do seu império. Eis o porquê de um crescimento assaz notável
e eventualmente espetacular, no conjunto dos territórios, em cujas estruturas de
exploração específicas do imperialismo colonial não seriam, todavia e sob hipótese
alguma, recolocadas em causa. Consideradas as inevitáveis decalagens e desigual-
dades, ligadas aos recursos naturais então conhecidos e às políticas econômicas
praticadas, devemos distinguir vários tipos de crescimento e de estruturas.
A maioria das colônias apresentou até a independência uma economia predo-
minantemente agrícola. O desenvolvimento das relações de produção capitalis-
tas nesse contexto foi muito lento e pouco significativo, salvo nas zonas onde os
colonos europeus instalaram -se, confiscando terras e reduzindo os camponeses
desapropriados à categoria de operários agrícolas permanentes ou temporá-
rios. O modo de inserção no capitalismo internacional foi, portanto, descrito
e apelidado a economia do tráfico”, qual seja, a articulação de um capitalismo
comercial, hegemônico e dominado pelos colonizadores, a economias agrícolas
não capitalistas. Nesta situação, os territórios foram circunscritos a relações, por
pouco que não, exclusivas com cada uma das metrópoles.
16 G. BALANDIER, 1963, pp. 198 -203.
236
África desde 1935
Coube justamente a esses pequenos territórios, reputados como pobres no
tocante aos recursos minerais, tais como: a Guiné Equatorial, as ilhas de São
Tomé e Príncipe, Ruanda e Burundi, a qualificação, pela pertinência dos seus
atributos, a este tipo de exploração econômica. As ilhas de São Tomé e Príncipe,
somente elas, apresentavam uma economia de plantação (roças) dominada por
grandes proprietários europeus absentistas (roceiros) e valorizada por operários
contratados, importados em massa de Cabo Verde, de Angola e de Moçambique;
alhures, a produção realizou -se no quadro de explorações familiares
17
. O café, o
cacau, a produção de bananas e de oleaginosas compunham os principais itens
exportados por São Tomé e Príncipe e pela Guiné. Nesta última colônia, os
espanhóis compravam estes produtos a preços elevados (o dobro dos preços pra-
ticados no mercado mundial relativamente, por exemplo, ao cacau). Apresentado
como um ato de generosidade da parte dos espanhóis, este sistema de preços
estabelecia as suas raízes, em realidade, na vontade da Espanha em evitar uma
hemorragia de divisas eventualmente provocadas pela compra destes produtos
além das fronteiras do seu império. Ruanda e Burundi conheciam uma situação
particular, em razão da muito elevada densidade populacional: o esforço dos
países levou ao desaparecimento das grandes fomes, dentre as quais as últimas
aconteceriam em Ruanda no período compreendido entre 1916 -1931, apesar
dos acréscimos nas exportações de café arábica e de chá.
Esta economia agrícola implantada nos mais importantes territórios, entre
os quais Camarões, AEF e Angola: a prospecção ativa empreendida pelas com-
panhias coloniais desde o fim da guerra não localizara, entrementes e salvo no
referente a Angola, nenhuma fonte mineral significativa. À AEF, negligen-
ciada pelo Estado (considerada a Cinderela do Império francês”, segundo uma
feliz fórmula de M. Dewèze
18
) e verdadeiramente exaurida a sangue, se nos
permitirmos dizê -lo, pelas companhias concessionárias, conheceu uma nítida
melhoria em sua situação. De acordo com os projetos expressos por ocasião da
Conferência de Brazzavile, um plano de dez anos foi elaborado no quadro do
FIDES (Fundo de Investimento e Desenvolvimento Econômico e Social dos
Territórios de Além -Mar): de 1947 a 1956, a AEF recebeu 51.344 milhões de
francos CFA destinados sobretudo a promover o desenvolvimento das infraes-
truturas
19
; também o comércio exterior continuaria a extrair os seus produtos
nas fontes do setor agrícola (madeira do Gabão e do Médio -Congo, algodão e
17 R. PÉLISSIER, 1979, pp. 211 -227.
18 M. DEVÈZE, 1948, p. 1.
19 E. M’BOKOLO, 1982, p. 195.
237
A África Equatorial do oeste
café do Oubangui -Chari). O FIDES também atuou no Camarões: conquanto a
agricultura constituísse a base da economia (cacau 50% das exportações, bananas
e café 20% das exportações no ano de 1955), surgiu uma pequena indústria dedi-
cada à produção de alumínio (complexo hidroelétrico e metalúrgico de Edéa,
propriedade da Alucam e dominado em 82% pela sociedade francesa Pechiney-
-Ugine) e na transformação de corpos grassos. No momento da independência,
esta nascente indústria representava 10% da produção nacional
20
.
Uma evolução análoga estava em curso em Angola. A agricultura permanecia
como a principal fonte de divisas, graças ao café (segundo produtor africano,
após a Costa do Marfim, 40% das exportações em 1962) e a produtos agríco-
las variados (cana -de -açúcar, oleaginosas, algodão, madeira). Mas a indústria
mineira não cessava o seu desenvolvimento: ao diamante, explorado no pré-
-guerra, viriam agregar -se, após 1945, o ferro e o petróleo. Portugal tencionava
evidentemente permanecer na qualidade de principal beneficiário desta tardia
valorização: em 1960, 50% das importações angolanas originavam -se em Por-
tugal e a criação, no ano de 1962, de um mercado comum da zona do escudo,
reforçou sobremaneira esta integração. Ainda em Angola, foram sobretudo os
setores europeus da economia que tiraram proveito deste crescimento. A imigra-
ção branca inclusive aumentou de modo significativo após a guerra: de 44.083
em 1940, o número de europeus habitantes em Angola progrediu de 78.826, em
1950, para 172.529, em 1960, 290.000, em 1970 e aproximadamente 335.000
no ano de 1974
21
. Eram certamente numerosos, na origem, os componentes da
pequena gente” (artesãos, operários agrícolas, camponeses pobres), ignorantes e
analfabetos, e em razão disto desprovidos de ambição e de iniciativa. Angola foi
para eles a terra de um inesperado sucesso material: desta forma o plano de seis
anos (1959 -1964), reservou três quartos dos investimentos ao desenvolvimento
dos setores controlados pelos colonos. Certa internacionalização
22
da economia
esboçou -se após a guerra, desenvolvendo -se após 1962, com o aporte de capitais
20 R. A. JOSEPH, 1977, pp. 111 -118.
21 G. J. BENDER, 1978, p. 229.
22 O processo ao qual denominamos “internacionalização é distinto daquele usualmente conhecido por
“dependência”. Por “dependência”, entendemos o modo particular de inserção dos países africanos na
economia capitalista internacional. Iniciada desde o século XVI, esta inserção generalizou -se em algumas
regiões da África Central durante o período colonial. A economia de uma colônia é, portanto e avant
tout, uma economia dependente: no quadro das privilegiadas relações entre colônia e metrópole, esta
dependência deniu -se em relação a uma metrópole. Em alguns raros casos, a esta metrópole se lhe foi
imposto, por tal ou qual razão, dar lugar a outros países capitalistas ao nível dos investimentos ou no
tocante aos intercâmbios comerciais: este último processo é aqui chamado “internacionalização”.
238
África desde 1935
britânicos, americanos, sul -africanos e com o aumento dos intercâmbios com o
conjunto dos países da OCDE.
Relativamente a estes países, predominantemente agrícolas, somente o Congo
belga apresentava uma economia plenamente inserida na era industrial. Desde
1930, a economia congolesa possuía as características dominantes que deveriam
perdurar até a independência: extraversão e desarticulação; concentração setorial
(minas e transportes: 70% do capital investido) e regional (papel motor das pro-
víncias mineiras do Kasaï e do Katanga); controle do capital investido na colônia
por um número muito reduzido de grupos financeiros (quatro grupos, Société
Générale, Empain, Cominière e Brufina, dispunham de 75% deste capital, dos
quais 60% pertenciam unicamente à Société Générale); participação ativa do
Estado colonial no setor econômico, diretamente (através das suas próprias
empresas, em particular no setor dos transportes, bem como pelas suas cotas de
participação no setor privado) e indiretamente (especialmente pela mobilização
autoritária da mão de obra). O crescimento da economia congolesa, brutalmente
interrompido pela crise econômica dos anos 1930, era magnificamente retomado
graças à Guerra Mundial e, após 1945, em razão da conjuntura internacional
e local. De uma fase de construção da economia colonial, passou -se então ao
que propusemos chamar a “fase da reprodução em larga escala da estrutura
de produção
23
”. esta fase comportou três características essenciais: 1) um cres-
cimento muito forte do setor mineiro (índices correspondentes a 100 em 1950
e 175 em 1959), permitindo às grandes firmas coloniais atingirem um estádio
de crescimento autossustentável em razão do reinvestimento de uma parte,
assaz mínima dos seus próprios lucros em alta, bem como aumentarem os salá-
rios reais dos operários africanos
24
; 2) o sensível desenvolvimento de mercado
interno, em razão de um aumento generalizado dos salários (para o africano,
de 5.000 francos, em média no ano de 1945, para 450.000 em 1958
25
) porque,
empurrados por considerações sociais e políticas, o Estado, as indústrias e as
plantações seguiram o exemplo do setor mineiro e, também em função de certo
aumento da renda camponesa; 3) no tocante ao desenvolvimento do setor indus-
trial (índices correspondentes a 100 em 1950 e 260 em 1956), certas indústrias
estavam estreitamente associadas ao setor de exportação (minas e plantações),
enquanto outras formavam um conjunto substitutivo às importações e, enfim,
outras tantas, timidamente nascidas antes de 1930, conheciam um espetacular
23 E. M’BOKOLO, 1981a, p. 5.
24 J. -L. LACROIX, 1966, p. 22.
25 F. BÉZY et alii, 1981, p. 38.
239
A África Equatorial do oeste
crescimento com numerosos efeitos em cadeia (indústrias alimentares, produção
de tabaco, setor têxtil e a construção civil). Em 1958, no conjunto do produto
interno bruto, os produtos agrícolas representavam somente 44,6% do total,
as minas 19,8%, a indústria de exportação 18,8% e a indústria voltada para o
mercado interno 16,8%
26
. Apesar destes desempenhos, a agricultura congolesa
conservava todos os traços impostos pelo regime colonial: recurso permanente
a expedientes coercitivos e a presença de fortes desigualdades entre africanos e
europeus, visto que, em 1958, aos africanos, representando 99% da população
total da colônia, cabia controlar ínfimos 5% do capital, participar em 55% da
massa salarial, aceder a 69% do consumo e contribuir com 12% do total da
poupança dos particulares
27
.
As mutações sociais que acompanhavam estas evoluções econômicas são,
evidentemente, demasiado numerosas para possibilitar, ainda que sumariamente,
o seu tratamento nos limites aqui impostos. Aliás, a economia não constitui o
único fator de mutação: falta -nos, ainda e igualmente, considerar o desenvol-
vimento generalizado dos sistemas educacional e administrativo. A própria
amplitude destas mutações sugere não estarmos somente em presença de uma
reclassificação nas estruturas trabalhistas, muito amiúde vivida de forma dolo-
rosa, junto aos indivíduos nos novos registros sociais impostos pela colonização
mas, igualmente esta situação comporta todos os elementos de uma verdadeira
crise
28
.
Uma das mais espetaculares manifestações desta crise foi o êxodo rural que
testemunhava aquela crise, presente desde muito tempo, no setor agrícola e,
na origem de uma nova tormenta, também impunha os seus efeitos nos setores
urbanos. Esta urbanização foi particularmente rápida no Congo belga no qual
a proporção das populações urbanizadas passou de 8,8%, em 1938, para 14,8%,
em 1945, e 24% em 1955
29
. Embora menos brutal, ela não foi menos selvagem,
provocando de forma generalizada a formação de um proletariado operário e,
sobretudo, de um enorme subproletariado
30
cujo peso numérico aumentou dra-
maticamente após as formidáveis mudanças da conjuntura econômica em mea-
dos dos anos 1950. Desta forma, no ano de 1960, em Angola, um em cada três
26 J. -L. LACROIX, 1966, p. 31.
27 F. BÉZY et alii, 1981, p. 11.
28 Muito bem analisada no referente ao Congo belga por M. MERLIER, 1962, pp. 89 -103, 145 -164,
231 -249.
29 Ibid., p. 147.
30 Ver nota 6, supra inserida.
240
África desde 1935
africanos vivia em moradias provisórias nas cidades e suas periferias. A senzala,
o “bairro indígena”, de Lobito abrigava 20.000 habitantes em 1954 mas, havia
somente uma torneira de água corrente para 1.200 pessoas e as duas escolas pri-
márias não ofereciam senão 250 vagas ao total
31
. Os musseques de Luanda eram
muito mais miseráveis. Na AEF, a proletarização da população, pouco sensível
no pré -guerra em razão do regime econômico em vigor, acelerou -se após 1945.
De uma maneira geral, o salariato progrediu rapidamente pois, se tomarmos
as estimativas oficiais, havia 108.600 assalariados em 1947, 189.500 em 1949,
193.000 em 1950, 155.000 em 1952 e 1953, 135.600 em 1954 e 190.000 em
1958
32
. Estes números, em sua variação, demonstram a extrema fragilidade desta
categoria social, por demais sensível às menores inflexões da conjuntura. Nestas
estatísticas, os operários e ajudantes compõem, de longe, a maioria: em 1949,
havia 39.150 “operários e ajudantes especializados” e 142.500 ajudantes; em
1958, eles eram estimados, respectivamente, em 34.600 e 98.500. O desemprego
era relevante: em 1956, para 33.000 homens adultos habitantes em Brazzaville,
16.000 estavam sem emprego. Os centros urbanos de Camarões e do Congo
belga ofereciam o mesmo quadro.
O êxodo rural que alimentava as cidades em força humana, na mesma oca-
sião, esvaziava os campos da sua força de trabalho e dos seus mais dinâmi-
cos elementos, os jovens. Entretanto, o estado das sociedades agrárias variava
muito em função das regiões. Desta forma, não havia nada em comum entre
o relativo bem -estar dos plantadores de cacau beti -bulu e a crescente misé-
ria dos camponeses bassa em Camarões
33
. Igualmente, na AEF por volta de
1952, a renda anual média da maioria dos camponeses oscilava entre somente
1.800 e 2.100 francos CFA, ao passo que os vencimentos anuais do operariado
eram da ordem de 36.000 francos
34
. Unicamente algumas regiões privilegiadas
alcançavam melhores índices: o Woleu -Ntem, no Gabão, devido à cultura do
cacau e, sobretudo, o Congo meridional onde os camponeses podiam escoar
regularmente a sua produção graças a uma rede excepcionalmente densa de
cidades (o eixo Pointe -Noire, Dolisie, Jacob, Brazzaville), bem como à presença
de numerosos pequenos comerciantes que asseguravam a retirada dos produtos
e a qualidade das vias de transporte (estradas, estrada de ferro Congo -Oceano).
No que tange ao Congo belga, observou -se a passagem de uma pequena parte
31 I. B. KAKÉ e E. M’BOKOLO, 1979, p. 111.
32 E. M’BOKOLO, 1981b, p. 401.
33 R. A. JOSEPH, 1977, p. 124 -141.
34 E. M’BOKOLO, 1981b, pp. 398 -403.
241
A África Equatorial do oeste
do setor camponês (aproximadamente 2.500 famílias, em 1952) do estádio da
pequena produção mercantil para um pequeno capitalismo agrário, especial-
mente no Baixo -Congo, no Kasaï e no Kivu: muitos se haviam beneficiado
com as medidas adotadas pelo poder colonial, implementadas para formar um
campesinato indígena (acesso individual à propriedade privada da terra, apoio
financeiro, suporte técnico)
35
.
Com consequências duráveis, o último aspecto fundamental, relativamente a
esta evolução social, foi a constituição de uma pequena -burguesia negra
36
. Em
alguns casos, o desenvolvimento econômico desigual e a incongruente política
educacional conduziram a um recrutamento que privilegiava, em algumas regi-
ões, a pequena -burguesia. Assim sendo, nos países marítimos, onde as relações
com os europeus eram mais antigas ao longo das costas, foram precisamente
os habitantes destas regiões, formados em escolas missionárias ou públicas, que
constituíram a origem social de numerosos elementos os quais viriam com-
por a pequena -burguesia assalariada de funcionários públicos e subalternos:
tal era o caso dos Douala, em Camarões, dos myene, da costa do Gabão, dos
vili, de Loango e dos negros e mestiços, de Luanda e Lobito. No Congo belga
uma análoga decalagem existia, privilegiando as regiões de savanas meridionais
(Baixo -Congo, Kwango, Kwilu e Kasaï, em particular) em detrimento das zonas
de florestas setentrionais (Província Oriental e sobretudo equatorial). Em todo
caso, o vocabulário da época registrou o nascimento desta nova classe social: aos
termos letrados” e “evoluídos”, muito em voga durante os anos 1940, passou -se
a empregar expressões cujos contornos e significados sociológicos eram mais
precisos e mais ricos (“classes médias”,classe dirigente”, burguesia”, etc.).o
é de todo certo que as autoridades coloniais tenham integralmente criado esta
classe. Todavia, elas se esforçaram para utilizá -la como um elemento moderador
em uma conjuntura marcada por crescentes tensões políticas. É neste sentido
que se deve interpretar a recomendação feita pelos colonos do Congo belga ao
governo colonial: “É preciso organizar uma classe de indígenas evoluídos que se
declarem favoráveis aos ideais e princípios da nossa civilização ocidental, estes
indivíduos deveriam, em igualdade de condições, estar no nosso mesmo nível,
em matéria de direitos e deveres; menos numerosos que a massa autóctone, con-
tudo potentes e influentes, eles seriam os nossos fundamentais aliados junto às
comunidades autóctones. Estas classes médias seriam formadas pela ‘burguesia’
negra, por toda parte em fase inicial de desenvolvimento, à qual nós devemos
35 E. M’BOKOLO, 1981a, pp. 10 -11; F. BÉZY et alii, 1981, pp. 41 -45.
36 No que diz respeito à problemática e aos estudos de casos, ver E. M’BOKOLO, 1981a e b.
242
África desde 1935
ajudar a enriquecer e se organizar e, à imagem de todos burgueses do mundo,
opostas a qualquer mudança radical, de origem interna tanto quanto externa.
Não mais haveria diferença de raças mas, como em todo países do mundo, res-
tariam somente diferenças de classe, as quais permaneceriam abertas a todos
37
”.
As cifras que permitem medir o real peso social desta classe ainda não estão
disponíveis em todos países. No Congo belga, onde os serviços do poder colonial
procederam a estimativas assaz confiáveis e sérias, algumas fontes computavam,
em 1958, 176.600 pessoas (em uma população total de 13 milhões de indiví-
duos) no seio das classes médias; este dado compreendia 31.642 subalternos e
intelectuais, 110.220 trabalhadores qualificados e semiqualificados, 2.335 con-
tramestres, 1.430 membros das profissões liberais, 19.710 comerciantes e 11.259
artesãos independentes. Entretanto, outras estimativas elevavam o número total
de componentes destas classes médias para 300.000
38
. Constata -se, entretanto,
ao proceder ao exame destes dados, que as frações dos assalariados”, detentores
do saber e das competências concedidos pela escola colonial, tomavam a frente,
por larga margem, dos empreendedores”, cuja iniciativa não encontrava meios
de desabrochar neste sistema marcado pelo constrangimento e pela discrimina-
ção próprios à colonização. Seriam justamente estes quadros que conduziriam os
movimentos de luta pela independência. As conclusões alcançadas no tocante
ao Congo belga e à AEF são, sem dúvida, significativas e referenciais para o
conjunto da África Equatorial. A tabela 8.1, concernente à origem profissional
dos funcionários políticos da AEF, demonstra, com efeito, a indiscutível hege-
monia da pequena -burguesia.
As práticas coloniais: continuidades e rupturas
A partir do fim da guerra, os mais lúcidos entre os colonizadores haviam per-
cebido que uma nova época acabara de se iniciar. Foi assim que no Congo belga,
onde, todavia, a descolonização não estava de forma alguma na ordem do dia, o
governador -geral Pierre Ryckmans (1934 -1946) escrevia, em 1946: “Os dias do
colonialismo estão acabados
39
”. Estas proposições encontraram eco na AEF, seis
anos mais tarde, em um marcante discurso pronunciado pelo governador Paul
Chauvet perante o Grande Conselho: Trata -se propriamente destes evoluídos,
37 Nota “condencial” publicada em 1959 e citada por M. MAKOMBO, 1977, p. 187.
38 E. M’BOKOLO, 1981a, p. 3.
39 Ibidem, p. 6.
243
A África Equatorial do oeste
TABELA . OS REPRESENTANTES POLÍTICOS NA ÁFRICA EQUATORIAL
FRANCESA, SEGUNDO A ORIGEM PROFISSIONAL
África Equatorial Francesa Congo Médio Francês
1952 1957 (1946-1960)
Europeus
Homens de negócio 32 28 12
Plantadores, silvicultores 13 3 1
Funcionários 18 10 8
Prossionais liberais 6 7 2
Jornalistas - 3 4
Não-especicada - 1 1
Africanos
Médicos (escola de Dakar) - 6 2
Professores 10 34 25
Enfermeiros 9 20 5
Quadros administrativos 1 7 3
Funcionários e agentes
administrativos
33 36 18
Agentes dos serviços
técnicos
1 8 5
Secretários(as) de chefes - 2 -
Chefes e notáveis 18 14 4
Empregados do setor
privado
13 19 25
Operários - 2 5
Comerciantes, donos de
restaurante
9 13 10
Plantadores, silvicultores 8 11 4
Jornalistas - 1 1
Outros trabalhadores
independentes
1 1 1
Antigos combatentes 3 3 1
Pastores e padres 1 2 4
Estudantes - - 1
Sem prossão - - 1
Não-especicada - 2 14
Total 176 233 157
244
África desde 1935
sobre quem recairá a tarefa de progressivamente substituir as antigas elites e
autoridades consuetudinárias; se esta substituição não for executada conosco e
mediante o nosso controle, ela far -se inevitavelmente à nossa revelia e contra
nós
40
”. Estas tomadas de posição consideravam, não de todo sem clarividência,
as transformações estruturais ocorridas nas sociedades locais e as irreversíveis
mudanças ao nível da psicologia coletiva e individual, das mentalidades e das
aspirações. Mas, a elaboração de novas políticas adaptadas a esta situação fez -se
de forma dispersa, cada potência colonial agindo em função das suas tradições,
do estatuto reconhecido internacionalmente relativo ao território dominado,
da correlação de forças local e do que a potência em questão acreditava ser a
opinião dos “indígenas”.
A política implementada pelos franceses na AEF inscrevia -se no quadro
geral da sua política africana, entretanto, com incontestáveis especificidades. A
AEF beneficiou -se de “grandes leis de emancipação
41
”, adotadas pela nascente
IV
a
República: a abolição do trabalho forçado; o reconhecimento dos sindicatos
profissionais e a instauração de uma inspetoria do trabalho; supressão do indige-
nato e concessão da cidadania francesa aos africanos sem, todavia, atingir o seu
estatuto pessoal; instituição de assembleias locais no Gabão, no Médio -Congo,
em Oubangui -Chari e de um Grande Conselho em Brazzaville, enquanto que a
AEF se fazia representar por vários parlamentares junto à Assembleia Nacional
francesa e no Conselho da União francesa. Em que pese a exclusão da maioria
dos africanos do corpo eleitoral e a divisão deste último em dois colégios até o
ano de 1956, uma efetiva vida política foi implantada: partidos políticos ganha-
ram a luz; as eleições legislativas de 1946 e 1951, bem como as eleições territo-
riais de 1947 e 1952, constituíram um momento de fervorosos e democráticos
debates entre as diferentes frações da opinião pública. Mas, estes progressos não
ocorreram facilmente nem estiveram imunes à resistência. Os colonos, relati-
vamente numerosos no Gabão e em Oubangui -Chari, bem protegidos pelas
40 E. M’BOKOLO, 1981b, p. 400.
41 Expressão de P. AUJOULAT, 1958, p. 263.
N: No tocante à AEF (África Equatorial Francesa), trata-se de membros da Assembleia Nacional, con-
selheiros da União Francesa, membros do Grande Conselho, conselheiros territoriais (1952), aos quais são
acrescentados, em 1957, os prefeitos e adjuntos das localidades em pleno exercício, assim como os membros
dos conselhos de governo. Para o Congo Médio Francês, a amostragem compreende inclusive os candidatos
derrotados nas eleições e os quadros partidários.
F: Anuário político da AEF (1952 e 1957); J.-M. Wagret, 1963, pp. 233-247; E. M’Bokolo, 1981b,
p. 490.
245
A África Equatorial do oeste
câmaras de comércio, opuseram -se violentamente à nova política. Em 1946,
a câmara de comércio de Banqui não hesitou em protestar solenemente junto
ao governador -geral em Brazzaville: As medidas recém adotadas não podem
convir senão a populações menos atrasadas que aquelas da AEF: é evidente que
a supressão do trabalho forçado é aqui interpretada como a consagração legal
do direito ao ócio [...]. Uma rápida diminuição da produção de algodão é infe-
lizmente muito provável [...]. Nenhum dentre aqueles que conhecem este país
pode acreditar que um texto bastaria para bruscamente modificar a mentalidade
do homem negro
42
.” A própria administração, na qual os velhos coloniais” per-
maneciam em grande número, não se apressou em concretizar as novas medidas
e continuou a multiplicar os abusos, tanto sobre as massas quanto em relação às
elites: manutenção, de forma mascarada, do trabalho forçado; constrangimentos
em relação aos homens políticos, julgados demasiado independentes, especial-
mente contra o deputado de Oubangui -Chari, Barthélemy Boganda, condenado
em 1951 por “incitação à desordem e ameaçado de cassação; apoio aos mode-
rados, tais como aqueles que fundaram, no Médio -Congo, uma efêmera sessão
do Agrupamento do Povo Francês Gaulista
43
.
No Congo belga, o legendário paternalismo do poder colonial continuou
a constituir o eixo da política implementada para os africanos. Até meados da
década de 1950, esta política foi obra conjunta de três aparatos a administração
colonial, as grandes empresas e as missões católicas cujos laços eram tão estrei-
tos, múltiplos e inextricáveis que, em conjunto, se lhes aplicou a denominação
“trindade colonial
44
”. evocamos anteriormente as relações entre o Estado e
as grandes empresas, especialmente as “sociedades de 1906”, União Mineira do
Alto -Katanga, Forminière et BCK (estrada de ferro Baixo -Congo Katanga)
que dominavam a economia da colônia. No que diz respeito às missões católicas,
elas continuavam a beneficiar -se da convenção firmada em 1906, entre o rei
Léopold II e o Vaticano. O seu peso na colônia era considerável, como o atestam
as cifras de 1958: 669 postos de missão; 6.000 missionários europeus, apoiados
por 386 frades e 745 freiras das ordens de ensino e caridade; e 25.560 catequi-
zadores negros. Os principais clérigos de alto escalão da colônia, Monsenhor
Roelens e Monsenhor de Hemptine, eram os mais ativos artífices da ideologia
colonial, ao passo que os missionários eram sobre -representados no seio do
Conselho Colonial, o qual controlava, a partir de Bruxelas, a elaboração e a apli-
42 Citado por P. KALCK, 1973, p. 475.
43 E. M’BOKOLO, 1982, pp. 198 -200.
44 C. YOUNG, 1965, pp. 10 -32.
246
África desde 1935
cação da política colonial. O peso das missões era acrescido, em suplemento, pela
existência de numerosas associações de ex -alunos que continuavam a enquadrar
solidamente as modernas elites, inclusive muito além da conclusão dos seus
estudos: uma das mais importantes, a ADAPES (Associação dos Antigos Alu-
nos dos Padres de Scheut), fundada em 1925, reunia cerca de 15.000 membros
em 1950
45
. Os missionários seguiam muito de perto a ação destas associações,
na medida em que, na ausência de partidos, legalmente proibidos, elas foram
um verdadeiro laboratório onde se formou a maioria dos futuros quadros do
movimento nacional. Posteriormente às turbulências dos anos 1944 -1945 e após
as reivindicações expressas pelos “evoluídos”, o poder colonial aceitou conceder
algumas reformas. Estas últimas, ao recusarem -se a levar em conta a dimensão
política da efervescência do pós -guerra, não modificaram senão aspectos meno-
res da vida social: reconhecimento dos sindicatos; criação de organismos de
comunicação entre os empregadores e os seus trabalhadores negros (conselhos
indígenas de empresa, comitês locais de trabalhadores indígenas, participação
junto às comissões regionais e provinciais do trabalho e do progresso social
indígenas); constituição de um Fundo do Bem -Estar; e sobretudo, a outorga
de cartas de honra ao mérito civil” e a implantação do regime de inscrição,
os quais permitiam aos seus detentores (em número de 1.557, para as honras
ao mérito civil”, e 768, no tocante aos “inscritos”, em 1958), após humilhantes
provas, beneficiarem -se de certos privilégios reservados aos europeus
46
. Nada de
fundamental seria inclusive modificado, malgrado a nomeação de representantes
negros junto aos conselhos de província e de governo. Os belgas continuavam
a aplicar a sua máxima: “Sem elites, sem incômodos!” Foi somente em 1952
que um negro do Congo foi, pela primeira vez, autorizado a realizar estudos
universitários na Bélgica.
Os regimes impostos pelos portugueses, em Angola e São Tomé e Príncipe,
bem como pelos espanhóis, na GuiEquatorial, desenrolavam a transição
entre as práticas belgas e francesas, pois que, sob o manto de uma assimilação
teórica, resguardava -se um forte apego a um estreito paternalismo e ao total
imobilismo. A doutrina oficial dos portugueses, expressa pela primeira vez em
1912, proclamava a obrigação de “considerar Angola como uma nação por-
tuguesa, antes e em detrimento de encará -la como uma colônia
47
”. O Estado
Novo de Salazar retomaria esta concepção em seu Ato Colonial de 1930 e na
45 M. MAKOMBO, 1977, p. 54.
46 Ibid., pp. 83 -135.
47 I. B. KAKÉ e E. M’BOKOLO, 1979, p. 78.
247
A África Equatorial do oeste
Constituição de 1933. A lei distinguia não assimilados” e assimilados”: estes
últimos gozavam de todos os direitos pertinentes à cidadania portuguesa, dentre
eles, especialmente o direito de voto, e deveriam, entre outras obrigações, saber
ler e escrever em português, renunciar à vida “tribal”, ser leal ao Estado e, caso
fossem mestiços, ser fruto de uma união legítima. O número de assimilados
permaneceu muito pequeno: 91.548 indivíduos (24.221 africanos, 23.244 mes-
tiços, 44.083 brancos) em um total de 3.737.947 habitantes, dentre os quais, em
1940, 3.665.000 negros; 135.250 indivíduos (30.089 negros, 26.335 mestiços,
78.826 brancos) em um total de 4.145.163 habitantes, dentre os quais, em 1950,
4.037.000 negros
48
. Enquanto todos os brancos e 90% dos mestiços possuíam o
estatuto de assimilados, apenas 1% dos negros gozava deste estatuto privilegiado.
Os 99% restantes eram indigenatos e, em razão disso, especialmente submeti-
dos ao trabalho forçado, pois que, nos termos do Código Trabalhista de 1899,
os negros tinham a obrigação legal e moral de adquirir através do trabalho os
meios de subsistência e de melhoria da sua condição social
49
”. O sistema espa-
nhol, patronato de indígenas, não possuía em nada maior valor. Elaborado em
1904 e reformulado em 1938, ele repousava sobre a convicção segundo a qual
os negros seriam moral, intelectual e legalmente seres inferiores. Eis a razão de
uma série de proibições, tais como a interdição da efetuação não autorizada de
transações superiores a 2.000 pesetas. Cartas de emancipação eram livradas pela
Curadoria e, apesar de uma escolarização de base quase completa, o seu número
total permaneceu muito limitado.
A situação dos mandatos foi aperfeiçoada e, em tese, melhorada após o fim da
guerra, graças à criação da ONU que, embora herdeira da Sociedade das Nações,
não se contentou em retomar ipsis litteris, a fórmula dos mandatos. Estes últimos
tornaram -se “territórios sob tutela e o artigo 76 da Carta das Nações Unidas
decidiu que as potências tutelares deveriam “favorecer a sua progressiva evolução
em direção à capacidade de se administrarem por si mesmos, rumo à indepen-
dência”: graças às missões de visita”, o controle das Nações Unidas tornou -se
mais estreito e foi abertamente encorajado o envio de petições ou de delega-
ções pelos africanos. Mas, in loco, a efetiva mudança processou -se em ritmos e
modalidades variáveis, de acordo com o território em questão. Em Camarões,
a parte francesa recebeu as reformas sociopolíticas, outorgadas pela França ao
conjunto do seu domínio africano; entretanto, a evolução rumo à autonomia lá
ocorreu de forma mais lenta, comparativamente ao Togo, instituído na qualidade
48 G. J. BENDER, 1978, p. 151.
49 I. B. KAKÉ e E. M’BOKOLO, 1979, p. 78.
248
África desde 1935
de “república autônoma sob tutela” pela lei de enquadramento (23 de junho de
1956), ao passo que, no tocante a Camarões, este foi obrigado a esperar um
voto neste sentido pela maioria da sua Assembleia Legislativa (28 de janeiro
de 1957)
50
. Na região ocidental de Camarões, administrada pela Grã -Bretanha,
a mudança tardou a entrar nas vias de fato. Os britânicos haviam, na prática,
integrado este território à Nigéria e foi necessário esperar o ano de 1954, data de
estabelecimento de um governo federativo na Nigéria, para se notar a definição
das perspectivas de autonomia interna
51
. Em seus “territórios sob tutela”, os
belgas prosseguiram a política iniciada no pré -guerra, cujos objetivos confessos
consistiam em “racionalizar” e “modernizar as estruturas políticas, mediante: o
reagrupamento das chefias, o enquadramento funcional dos quadros tradicionais
e a democratização dos conselhos, apêndices dos reis de Ruanda e Burundi.
Estas iniciativas, amiúde desastradas, tiveram como efeito o agravamento das
tensões, nestes dois países, entre tutsi e hutu
52
.
A marcha rumo à independência
A diversidade constatada, no que tange às práticas políticas das potências
coloniais, verifica -se segundo as modalidades de independência em questão
pois, se em três casos (África Equatorial francesa, Guiné espanhola e “territórios
sob tutela belga), a descolonização fora amigável, em decorrência de tratativas
políticas mais ou menos complexas, em contrapartida, no que se refere a dois
outros casos (Camarões e Angola) foi necessária uma guerra de libertação para
forçar os poderes coloniais a negociarem. O Congo belga representa a situação
intermediária, na qual ocorreu uma descolonização negociada pelas forças polí-
ticas em ão, conquanto estas negociações não tenham sido possíveis senão
após a dispersão de insurreições, as quais foram, inclusive pela própria aber-
tura de negociações, impedidas de transformarem -se em uma verdadeira guerra
revolucionária.
Na AEF, a evolução progressiva rumo à independência foi, em toda a sua
extensão, controlada pelas autoridades francesas, limitando -se os principais par-
tidos locais, em sua maioria, a seguir um movimento cuja iniciativa lhes esca-
50 R. A. JOSEPH, 1977, pp. 171 -201.
51 T. EYONGETAH e R. BRAIN, 1974, pp. 123 -142.
52 R. LEMARCHAND, 1970, pp. 118 -179 e 315 -323.
249
A África Equatorial do oeste
pava
53
. Esta particularidade diz respeito às características das formações polí-
ticas locais, cuja composição e a base sociológica privilegiavam os subalternos,
os funcionários, ou seja, todas as categorias da nascente pequena -burguesia as
quais não conseguiram, senão muito parcialmente, mobilizar as massas. A única
exceção relevante foi o MESAN, fundado em Oubangui -Chari por Barthélemy
Boganda: os “evoluídos” desconfiaram deste partido, o que lhes valera junto ao
povo a alcunha pejorativa de mboundjou voko [negros brancos]. Recrutando os
seus quadros e militantes junto aos pequenos empregados, às massas urbanas e
ao povo camponês da mata, o MESAN foi obrigado a munir -se, especialmente
nos campos econômico e social, de uma ideologia relativamente elaborada que
abrangia, por exemplo, o projeto de formação de cooperativas em curto espaço
de tempo
54
. Os partidos africanos da AEF gozavam entretanto de uma real
popularidade, por um lado em razão da sua adesão (salvo no caso do MESAN)
ao RDA, cuja ligação com o Partido Comunista Francês indicava um perfil
muito autenticamente progressista
55
e, por outro lado em função da atitude,
particularmente retrógrada, dos colonos franceses, para quem a única reivindica-
ção consistiu por muito tempo em manter as estruturas e as práticas arcaicas. O
alto -comissário Paul Chauvet, em atividade durante este período crucial (1951-
-1958), demonstrou grande habilidade ao tomar as mais apropriadas medidas
com o objetivo de quebrar o racismo branco [...] ainda e sempre tão deplorável e
perigoso para a ordem pública
56
e ao unir as elites africanas: interdição do trata-
mento informal pelos europeus, com o emprego do pronome tu”, relativamente
aos negros, convite sistemático às mais notáveis personalidades africanas por
ocasião das cerimônias oficiais e privadas, generosa outorga de bolsas de estudo,
recrutamento sistemático dos jovens com ciclo secundário ou superior de estu-
dos concluídos junto aos quadros locais da AEF. Igualmente, quando foi votada
em 1956 a lei de enquadramento, as elites africanas rapidamente aceitaram a
autonomia política mas, sem nenhuma hostilidade em relação à França e não
expressando vontade alguma de romper as relações estruturais com a metrópole
53 Conferir E. M’BOKOLO, 1981b e 1982, para maiores detalhes.
54 Conferir P. KALCK, 1977.
55 O RDA esteve menos presente e a sua política foi mais utuante junto à AEF, comparativamente a sua
postura na AOF. Ele encontrou os seus aliados mais conáveis no Tchad, auprès do Partido Progressista
Tchadiano, de Gabriel Lisette, e no Gabão, no seio no Movimento Misto Gabonês, de Léon Mba, estes
dois partidos: fundados em 1946, constituíram -se desde o seu nascimento em sessões do RDA. No
Congo, o RDA teve como sessão o Partido Progressista Congolês, de Félix Tchicaya, posteriormente, a
partir de 1957, esta função coube à União Democrática de Defesa dos Interesses Africanos, do abade
Fulbert Youlou. No tocante a Camarões, conferir nota 65, supra inserida.
56 Estas proposições, datadas de 1954, focam um mal assaz tardio, conferir E. M’BOKOLO, 1982, p. 203.
250
África desde 1935
colonial. Em agosto de 1958, algumas semanas antes do referendo gaullista que
instituiu a “Comunidade”, no qual estas elites defenderam o voto afirmativo,
elas encaminharam ao general de Gaulle uma longa petição: em seu conteúdo,
exaltavam a “obra civilizadora” da França na AEF e o princípio, com relação às
antigas colônias, da “independência na interdependência livremente consentida”;
elas reservavam -se o direito de exigir a termo a independência, essencialmente
porque, segundo a sua argumentação, elas sofriam de um complexo de infe-
rioridade perante as antigas colônias inglesas que se haviam tornado Estados
independentes
57
”. Na ocasião, uma das questões essenciais consistia em saber se,
após a independência, manter -se -iam ou não as instituições federais. Barthé-
lemy Boganda fez -se o mais ardente defensor, ao mesmo tempo o mais lúcido
e o mais visionário, do projeto federalista. Presidente do Grande Conselho da
AEF, ele não propunha somente uma federação unindo estreitamente as quatro
antigas colônias francesas. Esta federação, batizada “República Centro -Africana
deveria ser o primeiro passo em direção ao que ele chamava os Estados Unidos
da África Latina (ou Central)” que reagrupariam, em suplemento, o Congo
belga, Camarões, Angola, Ruanda e Burundi. O projeto abortou principalmente
pela resistência do Gabão que reagiu como o fizera anteriormente a Costa do
Marfim, na África do Oeste, e à imagem do Quênia, posteriormente, na África
do Leste: em se tratando do país mais empobrecido, ele teve medo de pagar a
conta da futura federação. A morte de Boganda, em 29 de abril de 1959, em um
misterioso acidente de avião, marcou a ruína de todas as esperanças dos federa-
listas. Foi, portanto, de forma dispersa que os territórios da AEF dirigiram -se
rumo à independência
58
.
Mais tardias, a independência da Guiné equatorial e das ilhas de São Tomé
e Príncipe também se processaram sob o estreito controle das potências colo-
nizadoras, Espanha e Portugal. Na Guiné equatorial, as reivindicações nacio-
nalistas tiveram eco desde 1950, por ocasião da formação da Cruzada Nacional
de Libertação: dirigida por Acacio Mañe, um agricultor da região de Bata, esta
organização reunia os agentes da administração colonial, particularmente os
professores, os quais, desde 1945, exigiam em vão a melhoria de seus salários.
De toda forma, a Espanha confinou -se em uma atitude imobilista e repressiva
com o objetivo de preservar o statu quo. Após a sua admissão na ONU, em
57 Petição exposta in extenso na publicação Marchés tropicaux du monde [Mercados Tropicais do Mundo],
em 6 de setembro de 1958.
58 Congo, 15 de agosto de 1960; Gabão, 17 de agosto de 1960; República Centro -Africana, 13 de agosto
de 1960.
251
A África Equatorial do oeste
1955, ela foi alvo de reiterados ataques provenientes do grupo afro -asiático mas,
beneficiou -se do veto constante dos Estados Unidos da América. Uma terrível
onda repressiva culminou com o assassinato dos dois mais notórios dirigentes
nacionalistas, Acacio Mañe (1958) e Enrique Nvó (1959): centenas de guinea-
nos exilaram -se no Gabão e em Camarões. Igualmente, os dois grandes partidos
constituídos em 1959, o MONALIGE (Movimento Nacional de Libertação da
Guiné Equatorial) e o IPGE (Ideia Popular de Guiné Equatorial) formaram
os seus quadros e as suas mais ativas bases no estrangeiro, especialmente em
Camarões. Esta implantação no exterior inclusive encorajou as reivindicações
anexionistas de certos partidos nigerianos e camaroneses em Río Muni e Fer-
nando Poo. Após 1960, o apoio dos novos Estados independentes aos partidos
guineanos mostrou -se decisivo. Em confronto, por outro lado, com importantes
movimentos sociais, sobretudo da parte do funcionalismo, a Espanha progressi-
vamente cedeu. Em 1963, ela reconheceu os partidos políticos antes de conceder
a autonomia (1964). A conferência constitucional reunida em 1967 -1968 con-
cluiu pela necessidade da independência, proclamada em 12 de outubro de 1968.
A independência dos grandes Estados da África central também estimulou o
processo de emancipação nas ilhas de São Tomé e Príncipe, onde um primeiro
importante movimento de massas fora severamente reprimido em 1960. Em
1964, a OUA reconheceu o Comitê de Libertação de São Tomé e Príncipe, o
qual se transformou, oito anos mais tarde, em Movimento de Libertação de
São Tomé e Príncipe (MLSTP). Após a “Revolução dos Cravos” (25 de abril
de 1974), Portugal negociou firmemente com o MLSTP um calendário de
emancipação e a independência foi proclamada um ano mais tarde (12 de julho
de 1975).
Em Ruanda e no Burundi, à época unidos sob o nome de Ruanda -Urundi, a
ONU desempenhou plenamente o seu papel de potência tutelar. As complica-
ções que marcaram a última década colonial têm origem em crescentes tensões
étnicas que a prática colonial encorajara, de bom ou mau grado, tensões estas que
não lhe fora possível conter
59
. Em Ruanda, as elites escolarizadas hutu tiraram
proveito da retirada dos missionários católicos, por volta de 1955, para atacar
violentamente os tutsi que não somente compunham a aristocracia política mas,
haviam sido sistematicamente colocados pelos belgas em postos de responsa-
bilidade nos setores religioso e administrativo. O jornal católico Kinyamateka,
publicado em língua kinyarwanda desde 1933, tornou -se a sua tribuna após a
59 R. LEMARCHAND, 1970, pp. 118 -196 e 324 -342.
252
África desde 1935
sucessão de Alexis Kagame (tutsi) por Grégoire Kayibanda (hutu), em 1957,
no posto de redator em chefe: ele fez da neofeudalidade hamítica” o seu alvo
favorito. Em março de 1957, nove intelectuais hutu publicaram, pouco antes da
passagem da missão de visita” da ONU, um texto impactante, o Manifesto dos
Bahutu. Cabe atentar para o aspecto social do problema indígena em Ruanda
60
. O seu
conteúdo, hostil ao “monopólio político, econômico, social e cultural dos tutsi
e favorável à “efetiva promoção dos bahutu”, forneceu a ideologia dos partidos
que então se formaram: o APROSOMA (Associação para a Promoção Social
das Massas) e o PARMEHUTU (Partido do Movimento de Emancipação
Hutu). Os tutsi reagiram agarrando -se aos seus privilégios, razão pela qual gra-
ves enfrentamentos, desencadeados pelos hutu, ocorreram em novembro de 1959
(totalizando de 200 a 270 mortos, mais de 1.200 prisões e aproximadamente
7.000 pessoas feridas). Entretanto, estas tensões étnicas, não menos reais no
Burundi, não se expressaram de maneira violenta. Os partidos políticos, criados
a partir de 1958, constituíram -se em bases ideológicas, antes e em detrimento
de postulados étnicos. Ao menos é o que sugerem abertamente as suas siglas:
Partido da Unidade e do Progresso Nacional (UPRONA com o lema Deus,
Rei, Burundi”), Associação dos Progressistas Democráticos Burundi, Partido
Democrata Rural e a União Nacional Africana do Ruanda -Urundi, fundada por
imigrantes de retorno da Tanganyika e calcada na Tanganyika African National
Union. Foi somente em 10 de novembro de 1959 que, impactado pelo choque
dos acontecimentos no Congo, o governo belga precisou as etapas que deveriam
conduzir os dois territórios sob tutela à emancipação
61
. Muito aquém de ame-
nizar as tensões, esta declaração do governo belga não fez senão sobreexcitar as
paixões em Ruanda. O período compreendido entre novembro de 1959 e julho
de 1962 denotou -se por gravíssimos enfrentamentos, especialmente quando
das eleições de junho de 1960 e agosto de 1961, cada qual produzindo dezenas
de mortos e obrigando milhares de pessoas a tomarem o rumo do exílio. Uma
complicação suplementar originou -se no governo belga que, rompendo com a
sua tradicional política, pôs -se a apoiar sistematicamente os hutu, enquanto a
ONU era incomodamente sacudida em meio a estas posições contraditórias.
As eleições municipais realizadas em junho -julho de 1960 constituíram um
triunfo para os hutu (em um total de 3.125, 2.390 postos legislativos foram
60 Grupo coordenado por Grégoire Kayibanda. Em relação ao texto do Manifesto e à lista completa dos
autores, conferir Ruanda politique, 1958 -1960, 1960, pp. 20 -29. A expressão “Neofeudalidade hamítica”,
muito em voga na ocasião, foi popularizada pelo sociólogo Jacques Maquet.
61 Ruanda e Burundi, em 1
o
de julho de 1962.
253
A África Equatorial do oeste
dados ao PARMEHUTU e 233 à APROSOMA) e uma verdadeira ruína
para os partidos tutsi, RADER (Agrupamento Democrático Ruandês, 209) e
UNAR (União Nacional Ruandesa). O governo formado no posterior outubro
refletiu esta correlação (6 ministros hutus e 2 belgas em um total de 8). Em 20
de janeiro de 1961 o governo belga, estimulado pelas resoluções da Assembleia
Geral da ONU, decidiu adiar sine die as eleições previstas para 28 de janeiro. A
resposta popular foi “o golpe de Estado de Gitarama” perpetrado neste mesmo
28 de janeiro: os eleitos em âmbito municipal, acompanhados de cerca de 25.000
pessoas, reuniram -se em Gitarama e proclamaram a deposição do mwami Kigeri
V (que se ausentara de Ruanda desde maio de 1960), a instauração da repú-
blica, a imediata eleição de um governo e de um chefe de Estado e, por fim, a
promulgação de uma Constituição. As eleições gerais, organizadas em setembro
de 1961 sob o controle da ONU, legitimaram a posteriori o golpe de Estado.
Alcançada a sua independência, o Ruanda separou -se do Burundi. Neste último
país, o governo belga foi muito feliz em não ter que enfrentar tensões étnicas,
o que não impediu, localmente, a multiplicação das manobras protelatórias,
por parte dos administradores. Desta forma, nas eleições municipais de 1960, o
UPRONA, temido pelo seu intransigente nacionalismo, foi indubitavelmente
vítima de fraudes e não obteve senão 19% das cadeiras. Mas, ele triunfaria nas
eleições legislativas de setembro de 1961 (56 cadeiras em um total de 62), orga-
nizadas sob o controle da ONU. A autonomia interna foi acordada pelos belgas
em dezembro de 1961 e uma comissão da ONU preparou a independência, sem
contudo lograr êxito em preservar a união entre o Ruanda e o Burundi, desejada
pela organização internacional e rejeitada unanimemente pelos governos dos
países interessados.
No Congo (RDC), uma vez superadas as violentas sublevações do ime-
diato pós -guerra, a necessidade de se organizar fez -se sentir com ainda maior
acuidade. Mas, os partidos políticos permaneciam proibidos. Por conseguinte,
os congoleses adotaram duas formas de organização específicas cuja herança
pesaria, de forma durável, no futuro político e social do país: por um lado as
associações de veteranos alunos e, por outro, as sociedades tradicionais. Desde
muito tempo estabelecidas, estas associações, tais como a ADAPES, ante-
riormente citada, a ASSANEF (Associação dos Veteranos Alunos dos Frades
das Escolas Cristãs) ou o Círculo São Benedito de Élisabethville, conheceram
neste momento o seu apogeu: as jovens elites congolesas, assim mantidas sob o
constante amparo dos missionários, adquiriram o terrível hábito de conceber a
sociedade − e posteriormente a política − por meio de procurações, livrando -se
deste encargo transferindo -o para amáveis conselheiros. As autoridades colo-
254
África desde 1935
niais também toleraram a existência de associações culturais étnicas, inofensivas
por vocação, pois que elas não reuniam senão um restrito número de membros
e mantinham ou acentuavam as divisões entre os congoleses. Foi assim que
surgiram, entre outras, a ABAKO (Associação dos Bakongo) e o Lulua -Frères.
A prática colonial encontrou sérias adversidades aproximadamente a partir de
1955: a política laica do novo ministro das colônias, Ahguste Buisseret, quebrou
a aliança entre o Estado e a Igreja, rejeitando esta última na sua crítica, deveras
moderada, da obra colonial; a “querela linguística” entre flamengos e valões
ganhou o Congo, expondo nitidamente as divisões entre os colonizadores. As
elites africanas continuavam, entretanto, a acreditar na ideologia colonialista e,
especialmente, na doutrina da comunidade belgo -congolesa, ainda formulada
sob a forma de promessa, como o demonstra o livro Le Congo terre d’avenir
est -il menacé?, escrito por Patrice Lumumba nesta época. Ele foi um homem
razoavelmente desconhecido, o professor A. A. J. Van Bilsen que, ainda assim,
renovou o debate e conduziu à radicalização de certos africanos, publicando
o tornado rapidamente célebre Plano de Trinta Anos para a Emancipação
 . Kigere V, último rei do Ruanda. (Foto: Musée royal de l’Afrique centrale, Tervuren.)
255
A África Equatorial do oeste
Política da África Belga” (dezembro de 1955 -janeiro de 1956)
62
. Os congoleses
responderam rapidamente por intermédio de dois manifestos: aquele do grupo
católico Consciência Africana que aceitou a problemática e o calendário do
Plano, bem como o referente à ABAKO, doravante animada pelo antigo semi-
narista Joseph Kasavubu que bradava brutalmente: “Pois que a hora é chegada,
é preciso acordar ainda hoje a emancipação em lugar de retardá -la ainda trinta
anos
63
.” O governo colonial fez concessões para evitar uma catástrofe, organi-
zando eleições municipais em dezembro de 1957 nas mais importantes cidades,
entretanto circunscrevendo habilmente estas eleições aos bairros autóctones, ele
limitou os congoleses restringindo -os a um estéril debate no qual eles lutariam
entre si e não contra os colonizadores, o que produziu o efeito de endurecer as
polarizações étnicas. Entretanto partidos políticos começaram a se formar nesta
ocasião. Em outubro de 1958, Patrice Lumumba fundou o Movimento Nacio-
nal Congolês (MNC) que se constituiria no único grande partido com uma
base verdadeiramente nacional. Nas camadas populares, a crise social, encubada
desde a reviravolta conjuntural aproximadamente em 1957, explodiu no curso
da insurreição dos bairros populares de Léopoldville entre 4 e 7 de janeiro de
1959. Malgrado a severidade da repressão, o poder colonial desmantelou -se. As
autoridades belgas que jamais haviam seriamente projetado a descolonização do
seu império, apressaram -se em improvisar e bloquear a emancipação do Congo
belga. Uma conferência da Mesa -Redonda”, reunida em Bruxelas em janeiro
de 1960, fixou a data da independência para o dia 30 de junho do mesmo ano.
Entretanto, eram numerosas as clivagens em meio às elites congolesas. Elas
diziam respeito tanto menos a estrutura ulterior da sociedade, quanto mais
referiam -se à própria configuração do Estado e à orientação política do regime:
nestas bases e, em grande parte, indiferentes às aspirações populares, estas divi-
sões provocavam o enfrentamento entre regionalistas e nacionalistas, federalistas
e unitaristas, moderados e radicais. A solução adotada, incerto compromisso, não
produzia senão a explosão de conflitos ainda maiores: o chefe de Estado, Joseph
Kasavubu, representava as correntes regionalistas, federalistas e moderadas, ao
passo que o chefe de governo, Patrice Lumumba, era o símbolo das aspirações
nacionalistas, unitaristas, radicais e panafricanistas. O inevitável conflito eclodiu
tão logo e imediatamente após a independência instaurada, provocando uma
frustração junto às classes populares e uma duradoura guerra civil.
62 O texto deste plano está reproduzido em A. A. J. VAN BILSEN, pp. 164 -202.
63 Estes dois manifestos estão reproduzidos em Congo, 1959, pp. 9 -21.
256
África desde 1935
Em Camarões e em Angola, foram guerras de libertação que impuseram aos
poderes coloniais a necessidade da independência.
A UPC (União das Populações de Camarões) constituiu em larga medida
o fermento e a ponta de lança da luta nacional em Camarões
64
. A administra-
ção francesa encorajou sem sucesso a emergência de formações rivais que não
tiveram um longo alcance: um Bloco Democrático Camaronense, de inspira-
ção democrato -cristã, fundado em 1951 e uma União Socialista Camaronense,
criada em 1953. Muito além de um partido monolítico, a UPC foi uma frente
tanto pelas origens sociais do seu recrutamento (intelectuais, operários sindica-
lizados, subproletariado das cidades, camponeses pobres da Sanaga, plantadores
e comerciantes abastados bamileke) quanto pela sua ideologia: o pensamento
do seu fundador Um Nyobé era antes nacionalista, comparativamente àquele
de Félix Moumié e Ernest Ouandié, ideário de inspiração marxista
65
. O par-
tido soube expandir a sua audiência graças aos estreitos laços mantidos com a
União dos Sindicatos Confederados, influenciada pela Confederação Geral do
Trabalho (CGT francesa) e, em razão das suas próprias “organizações de massa”,
com a União das Mulheres de Camarões (UDFC) e as Juventudes Democrá-
ticas dos Camarões (JDC) em particular. Os revezes aos quais foi submetido
o colonialismo francês em 1954 derrota de Diên Biên Phu e o desencadear
da revolução argelina incitaram a UPC a lançar uma vasta ofensiva no ano
seguinte, culminando com a “Semana Sangrenta (22 -30 de maio de 1955). A
repressão foi severa, produzindo oficialmente 25 mortos, as reais cifras foram
cinco vezes superiores. A UPC e as organizações que dela dependiam foram
dissolvidas
66
; elas não deixariam entretanto de existir, com a entrada de Um
Nyobé na clandestinidade como Mao TTung e Chi Minh enquanto
Félix Moumié, por sua vez, esforçava -se em alertar a opinião pública nacional.
Os pequenos partidos moderados, os quais haviam sido bloqueados em seu
desenvolvimento pela ação legal da UPC, tiraram proveito da sua dissolução:
eles ganhariam as eleições de 1956, em respeito às quais a UPC recomendara
abstenção. Camarões, promulgado república autônoma sob tutela”, em 1957,
primeiramente assistiu à formação de um governo presidido por André -Marie
64 R. A. JOSEPH, 1977, pp. 171 -331. Consultar também J. -F. BAYART, 1979, pp. 54 -108 e M. BETI,
1972.
65 Após a ruptura entre o RDA e o PCF, em outubro de 1950, as relações da UPC com o RDA tornaram-
-se puramente formais, mas foi somente em 2 de julho de 1955, no momento da reunião do Comitê de
Coordenação do RDA, em Conakry, que a UPC foi excluída do RDA. Sobre estas conturbadas relações,
ver R. A. JOSEPH, 1977, pp. 186 -188 e 190 -192.
66 O RDA também aproveitou para negar a UPC e romper qualquer relação com ela.
257
A África Equatorial do oeste
Mbida e cujo vice -primeiro -ministro era Ahmadou Ahidjo. À União Cama-
ronense, fundada no mesmo ano por este último, se afiliaram muitos partidos
regionais, fato que não a impediu de conservar o seu nódulo organizacional
central na região norte, a sua terra natal. A UPC, proclamada morta, relem-
brou a sua própria existência, lançando uma nova insurreição, em setembro de
1957, primeiramente em Sanaga -Marítima e depois em região bamileke. A
França foi chamada a intervir: foram necessários onze meses de pacificação
para prender e executar Um Nyobé. Neste momento pareceu suficientemente
seguro proclamar a independência (1
o
de janeiro de 1960). Mas os clandestinos
da UPC permaneciam ativos nas regiões bamileke, como comprovam ataques,
inclusive frequentes, executados em Douala e Yaoundé. Por outro lado, a oposi-
ção legal continuava a atuar, tal como atestam a aceitação por 800.000 eleitores,
em que pese a sua rejeição por 530.000 outros, da nova constituição proposta
no referendo. Foi necessária, todavia e simultaneamente, a intervenção de cinco
batalhões franceses, o assassinato de Félix Moumié em 1960 e um complô opor-
tunamente descoberto em 1962, para reduzir as ações clandestinas e eliminar a
oposição legal mas, o fim da guerra civil não seria proclamado senão em 1972,
tal como, somente em 1975, seria abolido o passe -livre obrigatório para circular
entre as cidades. Entrementes, tivera lugar a reunificação com o domínio inglês
da parte sul de Camarões. O Cameroon National Democratic Party, de John
Ngu Foncha, ganhou as eleições em 1959 no sul do território britânico e logrou
êxito em fazer com que a ONU organizasse, em fevereiro de 1961, um refe-
rendo no conjunto do território colocado sob tutela britânica: o norte votou pela
anexação com a Nigéria, enquanto o sul optou pela reunificação com o antigo
Camarões francês, oficializada pela Constituição de 1
o
de outubro de 1961 que
proclamou a República Federal de Camarões
67
.
Em Angola, os movimentos do pós -guerra foram rapidamente calados: o
jornal Mensagem, cujo lema Vamos descobrir Angola”, eminentemente nacio-
nalista, foi proibido ao mesmo tempo que a ANANGOLA, responsável pela
sua publicação, e as outras associações culturais e políticas. Mas, mesmo em
Portugal, muitos jovens intelectuais, frequentemente simpatizantes do par-
tido comunista, tais como Mario de Andrade, Francisco Tenreiro e Agostinho
Neto, empunhavam a flâmula nacionalista. Estes vários grupos clandestinos
transformaram -se progressivamente em partidos políticos: a UPNA (União das
Populações do Norte de Angola), fundada em 1954 e posteriormente transfor-
67 T. EYONGETAH e R. BRAIN, 1974, pp. 128 -166.
258
África desde 1935
 . Da esquerda para a direita: Joseph Kasavubu, presidente do Congo, o primeiro -ministro Patrice
Lumumba, e o rei da Bélgica, Baudouin, em Léopoldville, Congo, em junho de 1960.
F . Três dos chefes da União das Populações de Camarões (UPC). Da esquerda para a direita: Ernest
Ouandié, Félix Roland Moumié e Abel Kinguá.
259
A África Equatorial do oeste
mada na UPA (União das Populações Angolanas), esta última, por sua vez e
mais tarde, convertida na FLNA (Frente Nacional de Libertação de Angola);
o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), criado em 1956 por
militantes oriundos do Partido Comunista Angolano e do Partido da Luta dos
Africanos de Angola
68
. Em 1959 e 1960, eclodiram os primeiros graves distúr-
bios, após sobressaltos ocorridos no processo de emancipação do Congo belga,
onde numerosos angolanos viviam na imigração ou no exílio. A brutal repressão
traduziu -se por detenções em massa admiravelmente relatadas no belo conto
de Luandino Vieira, A Verdadeira Vida de Domingo Xavier. A rebelião explodiu
no ano de 1961, em muitas localidades: em Luanda, no dia 9 de fevereiro; no
norte, junto à fronteira do Congo (Zaire), em 5 de março, bem como na Baixa
de Cassange (Kasanga), na mesma época. Os portugueses responderam com
extrema violência e o resultado da repressão foi muito sangrento: de 30.000
a 50.000 mortos e de 150.000 a 200.000 angolanos, em sua maioria originá-
rios do noroeste (Kongo), foram obrigados a se exilar no Congo (Zaire), em
alguns meses
69
. Posteriormente a esta derrota, a frente militar estabilizou -se; ao
passo que o exército português se enterrava na repressão de uma interminável
guerrilha, com efeitos catastróficos tanto econômica quanto financeiramente
70
.
As divergências entre os movimentos nacionalistas aumentaram, chegando ao
ponto de se tornarem evidentes. Entretanto, apesar do crescente apoio oferecido
a Portugal pelos seus parceiros da OTAN
71
, esta guerra, à imagem daquelas
da Guiné Bissau e de Moçambique, minaria a economia e a sociedade portu-
guesas e, por outro lado, provocaria um mal -estar político que se manifestaria
na “Revolução dos Cravos” (25 de abril de 1974). Esta última desbloquearia a
situação. Com efeito, o Movimento das Forças Armadas, detentor do poder em
Portugal, estava decidido a acelerar o processo de descolonização. Mas, na tota-
lidade do império português, o caso angolano era de extrema complexidade. O
que fazer dos 335.000 portugueses, dentre eles 172.000 colonos, dos quais um
terço nascera na colônia e aos quais a economia portuguesa, bem menos desen-
68 Em razão da clandestinidade, o número destes partidos, aparentemente elevado, é todavia insuciente-
mente conhecido e a sua história inicial consiste em tema de fortes discussões; consultar, por exemplo,
J. MARCUM, 1969, pp. 27 -30, em relação ao MPLA e, no tocante à FNLA e aos grupos “etno-
-nacionalistas”, referir -se a R. PÉLISSIER, 1978, pp. 259 -296. J. MARCUM oferece, nas pp. 347 -349,
uma tabela voluntariamente parcial, mas representativa e clara dos principais movimentos nacionalistas
atuantes entre 1944 e 1962.
69 Crônica completa em R. PÉLISSIER, 1978, pp. 301 -664.
70 Conferir M. de ANDRADE e M. OLLIVIER, 1971.
71 J. MARCUM, 1969, pp. 181 -190; M. de ANDRADE e M. OLLIVIER, 1971, p. 93 -122.
260
África desde 1935
volvida que aquela dos seus vizinhos europeus, não podia oferecer empregos?
A qual movimento africano transferir o poder? As três forças atuantes estavam
profundamente divididas: às diferenças tocantes ao seu recrutamento e à sua
composição sociológica, tanto quanto às suas divergências ideológicas, viriam
se acrescentar as tensões étnicas. Dirigidas pela pequena -burguesia urbana, a
FNLA e a UNITA (União Nacional pela Independência Total de Angola, fun-
dada em 1966 por dissidentes da FNLA) estavam sobretudo implantadas nos
meios rurais e as suas estruturas fundavam -se sobre uma base étnica, a primeira
destas organizações atuava como porta -voz dos kongos, enquanto a segunda
manifestava -se em nome dos ovimbundus. Contando com um espectro de influ-
ência social muito mais amplo e uma implantação urbana mais sólida, somente
o MPLA possuía uma base nacional. Ademais, as riquezas agrícolas, minerais
e petrolíferas estas últimas concentradas em Cabinda, e suscitadoras de um
vivo particularismo excitavam a cobiça das grandes potências. Foi somente
em 15 de janeiro de 1975 que os acordos de Alvor, assinados pelos três movi-
mentos e pelo governo português, estipularam a data da independência
72
. Mas
os desacordos ressurgiram muito rapidamente. De fevereiro a julho de 1975,
a batalha de Luanda”, vencida pelo MPLA, permitiu -lhe banir os seus rivais
da capital. A independência foi proclamada na data prevista em meio à maior
confusão: em Luanda ela coube ao MPLA, ao passo que em Huambo ela se
realizou sob a direção da FNLA e da UNITA. A guerra civil sucedeu à guerra
de libertação. A OUA estava dividida (foram 22 votos favoráveis ao MPLA
e 22 votos em contrário, as duas abstenções ficaram a cargo da Etiópia e de
Ouganda) e assistiu sem reagir à luta fratricida. Após uma série de sucessos
militares (janeiro -março de 1976), o MPLA promoveu a entrada da República
Popular de Angola no seio da OUA (11 de fevereiro de 1976), bem como a sua
adesão à ONU (novembro de 1976). Entretanto, várias regiões ainda escapavam
ao controle do poder central.
72 No dia 11 de novembro de 1975, ou seja, precisamente na mesma época em que Moçambique (25 de
junho de 1975) e São Tomé e Príncipe (12 de julho de 1975) todavia, mais tardiamente que a Guiné-
-Bissau (24 de setembro de 1973).
C A P Í T U L O 9
261
A África Oriental
Para as necessidades deste capítulo, nós reuniremos sob a nomenclatura
África Oriental” não somente as antigas colônias britânicas do Quênia, da
Uganda e da Tanzânia (na ocasião cindida em dois territórios distintos: a Tan-
ganyika e Zanzibar), do Malaui (antiga Niassalândia) e da mbia (antiga
Rodésia do Norte) mas, também a grande ilha de Madagascar, outrora adminis-
trada pela França, o arquipélago de Comores e a Ilha da Reunião, e, enfim, a Ilha
Maurício e as Ilhas Seychelles, em tempos passados ligadas à Coroa Britânica.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Quênia tornou -se o centro do Impé-
rio Britânico da África Oriental, sobretudo, após a tomada de Cingapura pelos
japoneses. Ao mesmo tempo em que este país ganhava importância como fonte
de matérias -primas e produtos alimentares para a Inglaterra em guerra, a dis-
tância entre ricos e pobres aumentava de forma dramática. Estas crescentes
diferenças internas desempenhariam um papel determinante no desencadea-
mento da revolta mau -mau a mais importante das revoltas anticoloniais que
a administração colonial britânica teve de enfrentar na África tropical.
Entretanto, cinco anos antes, a insurreição de março de 1947, também ela
estreitamente ligada à crise global da Segunda Guerra Mundial, desestabilizara
a presença colonial francesa na grande ilha de Madagascar.
A África Oriental
Michael Twaddle
em colaboração com Lucile Rabearimanana e Isaria N. Kimambo
262
África desde 1935
Madagascar
1
Em Madagascar, a colonização francesa confrontara -se logo de início com
uma organizada resistência e certas regiões do sul não haviam deposto as armas
senão ao cabo de uma dezena de anos. Antes mesmo da Primeira Guerra
Mundial, criara -se na Tananarive (Antananarivo) uma sociedade secreta nacio-
nalista, a VVS, iniciais das palavras malgaches vi, vato, sakelika [ferro, pedra,
ramificações]
2
. Durante o entreguerras, a luta do movimento nacional consistia
principalmente em reclamar a igualdade de direitos entre os sujeitos malgaches e
os cidadãos franceses. Os franceses estavam dispostos a acordar a plena cidadania
a alguns malgaches, muito mais generosamente do que fora então a regra nas
vizinhas colônias britânicas do continente africano. Mas, esta política francesa de
assimilação, conquanto tenha sido momentaneamente capaz de criar uma dócil
e colaborativa elite malgache, revelou -se infrutífera como estratégia em longo
prazo, tal como comprova o fato da VVS ter sobrevivido e se transformado, após
a Segunda Guerra Mundial, à imagem de outras associações secretas, em uma
estrutura politicamente muito mais sólida. Com efeito, o colonialismo francês
em Madagascar suscitou, junto à população local, um nacionalismo cultural que
talvez somente se tenha igualado, em intensidade, nos territórios sob dominação
britânica do continente africano, àquele dos insurrectos mau -mau do Quênia.
Entretanto, os franceses não foram os únicos artífices deste florescimento nacio-
nalista; à sua revelia, eles prolongaram o renascimento cultural que conhecera
Madagascar no século XIX (conferir a este respeito o capítulo 10 do volume
VII). Foi, todavia, a Segunda Guerra Mundial que permitiu a convergência do
nacionalismo da elite e do descontentamento popular.
Diversas razões estão na origem da situação acima descrita. O conflito mun-
dial foi uma traumatizante experiência cujos efeitos fizeram -se sentir em todas
as colônias europeias na África mas, especialmente em Madagascar, estes efeitos
exacerbaram -se em razão da humilhação da derrota. Em 1940, a administração
francesa da ilha aliou -se ao regime de Vichy e Madagascar tornou -se muito
rapidamente um objetivo para os britânicos e as forças da França livre. Em
1 Esta seção é o fruto de uma colaboração entre M. TWADDLE e L. RABEARIMANANA; as visões
que ela expressa são, essencialmente, aquelas de L. RABEARIMANANA e inspiram -se principalmente
nos estudos de J. TRONCHON, 1983; L. RABEARIMANANA, 1980a e b; R. LITALIEN, 1975; C.
CADOUX, 1969; P. BOITEAU, 1982; A. SPACENSKY, 1970; R. W. RABEMANANJARA, 1952.
2 Vi, vato, ou seja, ferro, pedra, símbolos da pureza e da determinação que os fundadores queriam atribuir
a esta organização. A sociedade estava, além disso, ramicada em sakelika, ou seja, em ramos ou seções,
de onde a sigla VVS. Conferir A. A. BOAHEN (org.), 1987, p. 268.
263
A África Oriental
1942, a ilha foi invadida e, embora o posto de governador -geral tenha sido
confiado a uma personalidade escolhida por De Gaulle, as forças britânicas
permaneceram na ilha até 1946, o que trouxe graves danos ao prestígio colo-
nial da França. Em suplemento, para o habitante comum da ilha, havia um
abismo entre as duras realidades da vida cotidiana e os grandes discursos que
marcaram período pós -Vichy. Todas as colônias europeias da África sofreram,
no curso da Segunda Guerra Mundial, uma penúria de produtos importados
e uma decorrente inflação mas, em razão da sua situação caracterizada pela
ocupação após 1942, Madagascar conheceu, em suplemento, uma insuficiên-
cia em divisas estrangeiras. Em 1943 -1944, abateu -se sobre a ilha uma grave
fome. O arroz, produto alimentar fundamental, atingiu preços vertiginosos. O
Ofício do Arroz tornou -se extremamente impopular, fazendo com que certos
agricultores devessem desembolsar enormes somas para recomprar o que eles
próprios haviam produzido, e precedentemente vendido a preços, de forma
nítida, inferiores. Inclusive, quando muito se debatia, após a Carta do Atlântico
(1941) e a Conferência de Brazzaville (1944), acerca da melhoria da situação nas
colônias, os dirigentes nacionalistas malgaches do pós -guerra não demonstraram
nenhuma dificuldade em conquistar audiência, ao afirmarem que a colonização
não consistia em nada além de uma exploração
3
”.
É bem verdade que imediatamente após o conflito, o odiado sistema baseado
no indigenato e no trabalho obrigatório foi abolido e Madagascar, tal como
outras colônias francesas, viu -se acordar uma representação política em Paris.
A este respeito, os franceses mostraram -se bem mais generosos que os seus
homólogos britânicos na África Oriental (é difícil, por exemplo, imaginar Jomo
Kenyatta eleito, nesta época, na qualidade de representante parlamentar do
Quênia em Londres!). Contudo, embora estivessem dispostos a avançar, ainda
mais, no âmbito do direito, conforme às generosas tradições da “maior França”,
até certo ponto e logo que se tratasse da questão da independência, os franceses
da metrópole tornavam -se muito mais intransigentes que os britânicos, os quais
já haviam aceitado esta ideia relativa a autonomia. Ora, ali tratou -se justamente
da independência, pois este foi o pleito exigido pelos delegados malgaches do
Parlamento, após a Segunda Guerra Mundial. O acordo Sainteny - Chi
Minh, em março de 1946, reconhecendo a “República Democrática do Vietnã
como um Estado livre, integrante da Federação da Indochina no interior da
União Francesa”, incitou os dois deputados malgaches, em Paris, a impetrar um
3 Citado por J. TRONCHON, 1983, p. 125.
264
África desde 1935
projeto de lei, visando a também fazer de Madagascar um Estado livre no seio
da União Francesa, possuindo o seu governo, o seu parlamento, o seu exército
e as suas finanças
4
”.
Este projeto de lei foi imediatamente tachado de inconstitucional” e caiu no
esquecimento com a dissolução da Primeira Assembleia Constituinte. Mas, ele
criou um precedente e proporcionou a ocasião de ilustrar a intransigência dos
franceses, o que convenceu numerosos nacionalistas malgaches da inocuidade de
todas as reformas do imediato pós -guerra, as quais não consistiam senão uma
cortina de fumaça:a União Francesa não passava, portanto, de um engodo do
império colonial francês
5
.”
O contexto local e a situação internacional, criados pela Segunda Guerra
Mundial, concorreram mutuamente para intensificar as reivindicações nacio-
nalistas: a partir de 1945 e até 1960, os nacionalistas lutaram para obter a inde-
pendência. Esta aspiração não era unicamente produto da atuação dos militantes
políticos de Tananarive ou de outras cidades, ela igualmente ganhou tanto o
centro do país quanto as regiões costeiras, as camadas abastadas da população
mas, também, os setores populares. Ela se expressava, sobretudo, no âmbito de
um partido, o Movimento Democrático pela Renovação Malgache (MDRM).
Este partido nascera em Paris, em fevereiro de 1946, sob a liderança dos dois
deputados eleitos para a Assembleia Nacional Francesa, no ano de 1945, pelo
segundo colégio, ou seja, pelos eleitores autóctones de Madagascar, em um
quadro marcado por um sufrágio controlado. Mas, ele expandiu -se rapidamente
em todo Madagascar, nas cidades tanto quanto nos campos e através de todos
os meios sociais. Este sucesso deve -se, com maior ênfase, ao fato deste partido
apresentar o seu programa como passível de imediata realização. Entretanto,
produziu -se paulatinamente um divórcio entre a base e a direção do MDRM,
na medida em que os deputados falavam de um Estado livre no interior da
União Francesa. Esta situação provocou a adesão de alguns dos seus militantes
às sociedades secretas: o Jiny
6
e o PANAMA (Partido Nacional Malgache),
organizados pelos nacionalistas, os quais estavam persuadidos que a França não
concederia facilmente a independência e que seria preciso conquistá -la pela
força das armas. O MDRM obteve um crescente sucesso eleitoral em todo o
país, fato que não deixou de inquietar os notáveis das regiões costeiras ligados à
4 N. HESELTINE, 1971, p. 174; J. TRONCHON, 1983, p.127.
5 J. TRONCHON, 1983, p. 129.
6 O jiny é um pássaro noturno. Tomando este nome, esta sociedade secreta formada durante a guerra
marcava claramente a sua vontade de ludibriar a supervisão das autoridades políticas.
265
A África Oriental
França e ao regime existente. Eles fundaram, em julho de 1946, o Partido dos
Deserdados de Madagascar (PADESM).
O PADESM recrutava os seus membros em meio aos notáveis da costa e
opunha -se muito vigorosamente ao MDRM. Assimilando voluntariamente o
MDRM aos hova, ou seja, essencialmente aos habitantes da região de Tanana-
rive, o PADESM dirigia -se às dezessete outras etnias de Madagascar as quais
lhe forneciam os seus militantes. A administração francesa, inquieta com o cres-
cente prestígio do nacionalismo malgache, encarnado pelo MDRM, apressou -se
em apoiar ativamente o PADESM.
Desde o fim do ano de 1946, após a eleição de três deputados oriundos do
MDRM para a assembleia legislativa, a repressão abateu -se sobre este partido.
A difusão dos seus jornais foi dificultada, os seus militantes e dirigentes foram
presos sob os mais falaciosos pretextos. Lançados também eles no imbróglio,
os colonos franceses das regiões costeiras maltrataram os trabalhadores filiados
ao MDRM e não hesitaram em molestar os dirigentes locais do partido. As
eleições provinciais de janeiro e fevereiro de 1947 assim aconteceram, em um
ambiente muito conturbado. A tensão foi ainda agravada pelas intervenções da
administração colonial nas operações. Apesar disto, a maior parte dos conse-
lheiros provinciais eleitos proveio do MDRM. Desde então os conflitos entre
as tendências políticas divergentes se exacerbaram. Multiplicaram -se os rumores
indicando uma eminente insurreição. Quando esta última efetivamente eclodiu,
em 29 de março de 1947, a administração francesa, assim como a opinião pública
malgache, não foram totalmente surpreendidas.
Em 29 de março de 1947, sublevações explodiram no leste da ilha, em
Moramanga, em Manakara e alhures. Mas, a ação foi neutralizada em cidades
como Tananarive, Fianarantsoa e Diégo -Suarez (Antseranana). Na região da
falésia oriental, em contrapartida, a insurreição alastrou -se rapidamente. Até
janeiro de 1947, os insurrectos ganharam terreno e dominaram grande parte da
região tanala e bezzabozano. Entretanto, em razão das dificuldades de comuni-
cação entre eles e do cerco ao qual estavam submetidos, eles foram obrigados a
entrincheirar -se em posição defensiva, a partir do mês de agosto. A insurreição
foi finalmente reprimida pelas tropas coloniais francesas, em novembro de 1948.
As causas do levante de 1947 eram múltiplas: havia certamente as prova-
ções da guerra, as quais não somente aumentaram o sofrimento do povo mas,
igualmente, convenceram os nacionalistas malgaches da sua possibilidade em
reivindicarem a independência e conquistarem -na graças à uma ajuda estran-
266
África desde 1935
geira, especialmente britânica ou americana
7
. Mas, sobretudo, havia o irresis-
tível avanço, no imediato pós -guerra e junto a um número cada vez maior de
malgaches, das ideias ligadas à aspiração pela independência e a sua adesão ao
MDRM.
O sucesso político alcançado por este partido e a inquietação que ele susci-
tou na administração colonial francesa foram tamanhos que, desde o início da
insurreição, os dirigentes do território imputaram -lhes a responsabilidade pelos
acontecimentos. Esta convicção era compartilhada pelos colonos franceses e
também pelo PADESM. Os habitantes da região de Tananarive, os hovas, eram
igualmente acusados de instigar a insurreição: eles eram os únicos, fazia -se valer,
a realmente desejá -la, explorando -na a fim de tomar o poder. Eram muitas as
alegações a desprezar a realidade e a ignorar a aspiração por independência dos
malgaches, de todas origens sociais e étnicas. Nos campos, em meio aos colonos
brancos, muitos decidiram fazer justiça com as suas próprias mãos. Entretanto,
assim que eclodiu a insurreição, os deputados do MDRM livraram -se da sua
responsabilidade, tanto na preparação quanto no desencadeamento dos distúr-
bios. Igualmente, os jornais nacionalistas defenderam os hovas e lembraram
que estes últimos sempre haviam sido auxiliares da colonização. Ademais, eles
apressaram -se em declarar a ligação dos malgaches com a civilização francesa
8
.
A repressão abateu -se sobre todo o país imediatamente após o desencade-
amento da insurreição: os dirigentes e mesmo o simples militante do MDRM
foram detidos, o partido foi dissolvido em 10 de maio de 1947. Em suplemento,
todos os outros partido (inclusive o PADESM) foram interditados. Tribunais
foram instituídos em toda a ilha. O processo de Tananarive, de novembro de
1948, o mais célebre, determinou seis condenações à morte, dentre as quais duas
atingiram os deputados do MDRM, Joseph Raseta e Joseph Ravoahangy, além
de proferir várias condenações a trabalhos forçados perpétuos.
Quais seriam os verdadeiros instigadores da insurreição? A administração
colonial, os colonos franceses e os membros do PADESM, estavam convencidos
da responsabilidade do MDRM. Para os membros deste partido e para os seus
partidários franceses habitantes na metrópole, os acontecimentos de 1947 e
1948 haviam deliberadamente sido provocados por uma administração colonial
decidida a implementar tudo aquilo que estivesse ao seu alcance para aniquilar
7 J. TRONCHON evoca longamente as causas da insurreição. A tese (não publicada) de C. Guérin de
MARTERAY sobre as causas remotas da insurreição (Nice, 1977) também esclarece o caráter insupor-
tável da exploração colonial em Madagascar.
8 L. RABEARIMANANA, 1980a, p. 143.
267
A África Oriental
este incômodo partido. Em contrapartida, para os próprios atores da insurreição,
aos quais o historiador Jacques Tronchon dedicou a sua tese, tratava -se de um
autêntico movimento nacionalista nascido da vontade de alguns malgaches,
determinados a expulsar da ilha o colonizador francês estes malgaches esta-
vam, além disso, persuadidos que somente a luta armada os conduziria a estes
propósitos.
É frequentemente admitido que o nacionalismo tenha sido esmagado na ilha
por esta repressão colonialista que produziu perto de 100.000 vítimas entre os
malgaches
9
mas isto não é exato. A insurreição de 1947 teve certamente como
resultado uma fragorosa derrota mas, os nacionalistas malgaches não se decla-
raram vencidos. Inclusive entre 1948 e 1956, enquanto a repressão era particu-
larmente severa, o desejo de independência não se apagou. Ele manifestava -se
principalmente nos jornais da capital, os quais publicavam artigos exigindo o
estatuto desejado e a anistia para as numerosas vítimas da repressão.
Pouco numerosas imediatamente após a insurreição, as vozes, a reivindicarem
o estatuto de Estado livre, multiplicaram -se paulatinamente e na medida em que
a situação política local acalmava -se e que a repressão se fazia menos rigorosa. As
decepções da França em outras regiões da União Francesa, no Vietnã e especial-
mente na África do Norte, também contribuíram para encorajar os nacionalistas
malgaches. O apoio mais espetacular trazido à causa do nacionalismo malgache
foi, certamente, aquele oferecido pela hierarquia católica que, em novembro de
1953, reconhecia oficialmente a legitimidade das reivindicações por indepen-
dência do povo malgache. Esta declaração foi sucedida por um apoio concreto ao
movimento nacionalista, sustentação concedida aos seus elementos moderados,
a fim de confundir e perturbar as investidas dos simpatizantes comunistas. A
partir deste momento, o percurso do movimento nacionalista tornou -se de mais
em mais errático. Não existia nenhuma estrutura organizacional e rivalidades
pessoais, tanto menos divergências ideológicas, a dividirem as correntes políticas.
Todavia, a situação mudou em 1956 com o fim da guerra no Vietnã, o começo
da luta pela libertação nacional na Argélia, os ecos da Conferência de Bandung,
em 1955, e a chegada dos socialistas ao poder na França. Sob o efeito da lei de
enquadramento adotada em 1956, modificando o estatuto das colônias francesas,
certo número de partidos políticos foram criados em escala local.
Entre os partidos moderados que nasceram nesta época, emergiu o Partido
Social Democrático (PSD) fundado em Majunga, em dezembro de 1956, por
9 Dados fornecidos pelo alto comissário de Chévigné em uma conferência de imprensa em 1949.
268
África desde 1935
Philibert Tsiranana e André Resampa. Implantado primeiramente no oeste e no
norte do país, o PSD logo cobriria toda a ilha com as suas sessões graças a indul-
gência de uma administração pronta a ajudar um partido originário nos setores
mais à esquerda do PADESM que se satisfazia com as reformas institucionais
trazidas pela lei de enquadramento. Quanto a União Democrata e Social do
Madagascar (UDSM), de Antonio Zafimahova, cuja audiência estendia -se em
direção ao sudeste da ilha e à região de Fianarantsoa, tratava -se de um partido
muito moderado em suas reivindicações políticas, insistindo sobre as realizações
sociais necessárias às regiões costeiras.
O tabuleiro político era particularmente vasto em Madagascar, entre 1956
e 1960. As rivalidades entre partidos eram das mais violentas e as campanhas
eleitorais muito fervorosas. A reconstituição, em 1958, pelo padre R. Andriana-
manjato, de um partido extremamente radical, o AKFM (Ankotonny Kongreiny
Fahaleovantenan Madagasikara, Partido do Congresso da Indepenncia),
aumentou sobremaneira o ardor militante durante este período
10
. As autoridades
coloniais locais não cessariam de proclamar a sua não intervenção nas eleições.
Mas, por toda parte, irregularidades foram cometidas por membros subalternos
da administração, enquanto ameaças de excomunhão eram proferidas àqueles
que votassem nos comunistas. Apesar disto, os nacionalistas obtiveram a maioria
dos postos em alguns municípios: Tananarive, Tamatave (Toamasina), Diégo-
-Suarez, Tuléar (Toliary). Em contrapartida, nas eleições provinciais de março
de 1957, eles sofreram um recuo; imputável à administração colonial francesa,
às autoridades religiosas e aos colonos brancos, esta derrota também deveu -se
às rivalidades entre nacionalistas.
Quando, em setembro de 1958, o general De Gaulle organizou um referendo
sobre a manutenção, ou não, de Madagascar na Comunidade Francesa, foi o
voto favorável que triunfou. O não era majoritário na capital e obteve expres-
sivas votações em Tamatave e Diégo -Suarez. Mas, as pressões da administra-
ção francesa e dos dirigentes moderados eram tamanhas que os partidários de
uma verdadeira independência foram derrotados. Em junho de 1960, quando
Madagascar finalmente alcançou a sua independência, o grande vitorioso era o
Partido Social -Democrata, de Philibert Tsiranana. Aqueles que haviam militado
por uma “verdadeira independência encontraram -se confinados aos partidos de
10 Durante o entreguerras, o AKFM estava aliado ao Partido Comunista Francês, ele foi proibido, junta-
mente com este último, durante a Segunda Guerra Mundial. Embora revolucionário, o AKFM de 1958
tentava não ser identicado como marxista. Conferir V. M. THOMPSON e R. ADLOFF, 1965, p. 87
e p. 105.
269
A África Oriental
oposição, dentre os quais o AKFM e o Movimento Nacional pela Independência
de Madagascar
11
.
Uma correta avaliação do combate pela soberania política de Madagascar
implica fazer intervir um modelo de análise que permita examinar os pontos
fortes e fracos do nacionalismo malgache e do colonialismo francês mas, igual-
mente considerar de forma inteligente as suas sucessivas interações. Certas
iniciativas úteis foram tomadas neste sentido
12
, todavia, ainda há muito a ser
feito no que concerne ao Madagascar, bem como às regiões próximas ao conti-
nente africano e às ilhas vizinhas.
As forças da mudança nas regiões sob
dominação britânica
Logo após a Segunda Guerra Mundial, o governo trabalhista no poder na
Grã -Bretanha, estava disposto a consumar reformas radicais no país e a acelerar
a evolução das colônias. À imagem dos seus homólogos socialistas e comunistas
franceses da época, o Partido Trabalhista Britânico não via nenhuma contra-
dição entre estes dois objetivos
13
. Retrospectivamente, a constatação mostra -se
totalmente distinta. Percebe -se nos dias atuais que, em razão da sua própria
envergadura, os projetos socioeconômicos de desenvolvimento na África Orien-
tal e Central, no imediato pós -guerra, constituíam, na realidade e para retomar
os termos de dois historiadores britânicos, uma “segunda ocupação colonial
14
da região, com efeitos muito mais desestabilizadores para a dominação colonial
exercida pela Grã -Bretanha, comparativamente à presença simbólica de um ou
dois representantes africanos nas assembleias legislativas locais, presença a qual
os dirigentes britânicos conferiram tamanha importância na época. Os britâni-
cos, não encontrando na África Oriental e Central os problemas que a derrota e
a perda de prestígio impuseram aos franceses em Madagascar, deveriam também
eles, enfrentar os graves problemas econômicos que a Segunda Guerra Mundial
provocara na metrópole. A África Oriental e Central apresentava, nestas condi-
11 Este partido foi fundado em novembro de 1958, por Monja Jaona. Inicialmente implantado no sul, ele
estendeu -se posteriormente por todo país.
12 Além das outras fontes já citadas, é preciso mencionar as pesquisas efetuadas na Universidade de Anta-
nanarivo sobre a sociedade secreta de Jiny; conferir também R. ARCHER, sem datação.
13 D. GOLDSWORTHY, 1971.
14 D. A. LOW e J. M. LONSDALE, 1976, p. 12.
270
África desde 1935
ções, uma considerável importância para a reativação da sua economia, a venda,
no mercado mundial, dos produtos e das matérias -primas das colônias, permitia
à Grã -Bretanha cobrir o seu déficit em dólares
15
.
Uganda
16
Em 1945, Uganda diferia de Madagascar em muitos aspectos. Sem levar em
conta a sua situação de território -enclave, tratava -se de um país governado não
somente por uma potência colonial europeia vitoriosa mas, igualmente, por uma
potência colonial dedicada a preservar, em lugar de destruir, a principal entidade
política pré -colonial no interior das suas fronteiras, a saber, o reino de Buganda.
Bem entendido, geograficamente, Uganda e Buganda não se sobrepunham, muitos
outros reinos e povos menos importantes encontravam -se no oeste do protetorado
e numerosas comunidades sem soberano viviam no norte e no leste do território.
Mas, os britânicos haviam transformado Buganda em base da sua dominação,
reconhecendo a sua quase autonomia e introduzindo, através do Uganda Agree-
ment de 1900, um regime fundiário pouco comum, próximo do regime da plena
propriedade. Eles se apoiavam, igualmente, em intermediários baganda, visando
administrar numerosas outras regiões do protetorado do Uganda.
O nacionalismo ugandense, tal como ele desenvolveu -se em reação à domi-
nação colonial britânica, revestia -se portanto, de um caráter contraditório. Ora
ele se identificava com o prestigioso reino autônomo de Buganda, em outro
momento refletia os inumeráveis danos causados aos grupos étnicos que ocu-
pavam outros territórios do protetorado britânico. A retórica aplicada durante
a guerra para defender os direitos das nacionalidades oprimidas na Europa
(como os poloneses) vinha em apoio às reivindicações destes grupos étnicos, os
quais reclamavam um estatuto idêntico àquele de Buganda. Todavia, o impacto
mais forte da Segunda Guerra Mundial em Uganda deve -se, provavelmente,
menos ao golpe ideológico dado sobre os nacionalismos culturais locais que ao
descontentamento muito concreto que ela suscitou nas zonas urbanas e rurais.
Para compreender, de forma adequada, as tensões ocorridas em Uganda no
curso dos anos 1940, é preciso levar em consideração os diversos grupos de inte-
resses formados pelo sistema colonial. Estes grupos refletiam a divio, da elite ou
da pequena -burguesia ugandense, em três componentes principais cujos interesses
15 M. COWEN, 1984, pp. 63 -75.
16 Para uma visão e algumas referências mais detalhadas, conferir C. GERTZEL, 1976.
271
A África Oriental
particulares, em regra geral, o coincidiam senão em curto prazo e tendiam a
complicar ainda mais a situação pelas suas divisões étnicas e religiosas quando
tratava -se de formar uma frente de luta nacional. O primeiro grupo constituía -se
de funcionários que reclamavam, com maior ênfase, da discriminação racial, os
seus tratamentos eram distintos daqueles dispensados aos seus homólogos bri-
tânicos e asiáticos. O segundo era formado por exploradores especializados em
culturas voltadas para a comercialização, eles alimentavam um vivo ressentimento
pelos beneficiadores de algodão (essencialmente asiáticos) e pelos escritórios de
comercialização estatais, acusados de apoderarem -se de boa parte dos seus exce-
dentes de produção. O terceiro reunia os comerciantes que exigiam a supressão
dos monopólios, garantidos pelo Estado, a certas empresas asiáticas e britânicas.
Paralelamente a estes setores da pequena -burguesia, os operários das cidades exi-
giam aumentos salariais. Nos anos 1940, todos estes interesses fundiram -se para
formar um histórico movimento de oposição maciça à ordem colonial
17
.
Em janeiro de 1945, graves levantes estouraram em muitas cidades do país,
em razão dos baixos salários e do aumento do custo de vida resultante da inflação
ligada à guerra. Tensões devidas à política de austeridade, conduzida pelo governo
provincial do Buganda durante a depressão dos anos 30, desembocaram, em suple-
mento e no ano de 1945, no assassinato do Primeiro -Ministro bugandense e
somente complicaram a situação criada pelos levantes do início do ano. Os britâ-
nicos reagiram a estas manifestações com uma repressão cuja severidade provocou
a simpatia da opinião pública pelas pessoas injustamente encarceradas mas, ela o
aumentou verdadeiramente a sua credibilidade política porque, contrariamente aos
malgaches presos, após os distúrbios de 1947 -1948, estes detentos foram liberta-
dos de forma relativamente rápida. Muitos dentre eles encontraram -se envolvidos
nos novos distúrbios que sacudiram o reino de Buganda em 1949, manifestações
estas, motivadas pelos baixos preços, anormalmente pagos aos plantadores locais
de algodão, comparativamente às taxas das quais se beneficiava o Tesouro Britâ-
nico no mercado mundial; numerosos dentre eles também participaram, em 1952,
da fundação do Uganda National Congress (UNC) e da elaboração, por Milton
Obote, do seu programa, pleiteando uma autonomia imediata.
A criação da UNC foi a primeira tentativa de construção de um movimento
nacionalista gozando de um maciço apoio e unindo numerosos grupos da elite
ugandense. Com efeito, embora os seus dirigentes viessem de Buganda, a UNC
também apoiava -se em regiões de culturas voltadas para a comercializão,
17 Para maiores informações, vericar M. MAMDANI, 1976, capítulo 7; D. W. NABUDERE, 1980,
capítulo 8.
272
África desde 1935
nas quais os ricos exploradores eram pouco numerosos (Teso, Bukedi, Lango e
Acholi). Os seus principais dirigentes eram comerciantes, professores e funcio-
nários. Mas, em 1955, o nacionalismo territorial ugandense conheceu um para-
doxal revés. Uma querela estourou entre o novo governador socialista, Andrew
Cohen, a quem certos historiadores insistem em considerar como arquiteto da
independência política das colônias britânicas da África Ocidental
18
, e o kabaka
de Buganda, disputa esta, referente ao futuro de Uganda enquanto uma entidade
territorial; o governo deportou o kabaka para a Grã -Bretanha, transformando -o
da noite para o dia em herói da resistência anticolonial em Uganda, aquele que
fora simplesmente um aliado local por ocasião dos levantes de 1949. A elite
rural bugandense juntou -se maciçamente às fileiras da UNC, entre 1953 e
1955, entretanto, quando a restauração do kabaka tornou caduca, a aliança entre
18 R. ROBINSON, 1980, pp. 50 -72.
 . O rei Mutesa II, kabaka do Buganda, exilado em Londres. (Foto: Topham, Londres.)
273
A África Oriental
diferentes interesses no seio da UNC, produziu o nascimento do Kabaka Yekka
(KY, o rei somente) que tornou -se a principal organização política de Buganda.
Mas, Mutesa II, estaria ele sendo chamado a tornar -se um herói nacionalista
para todo Uganda ou somente para o reino de Buganda que gozava, graças ao
Uganda Agreement de 1900, de uma situação privilegiada no interior do proteto-
rado do Uganda? O Uganda People’s Congress (UPC), de Milton Obote, que se
apresentava como o sucessor do UNC, tentou reunir as forças nacionalistas, sem
contudo jamais atingir o seu objetivo. Quando, em 1962, Uganda enfim liberou-
-se da tutela britânica e conquistou a independência enquanto uma entidade
única, isto aconteceu sob um governo de coalizão, dirigido por Milton Obote e
reunindo o KY monarquista de Buganda e o UPC. O eleitorado do partido de
Obote era recrutado quase unicamente no exterior de Buganda, antes mesmo
que o reino elegesse, pela primeira vez, deputados para a Assembleia Nacional
Ugandense, por voto indireto e por intermédio do Lukiiko de Buganda. Tratava-
-se de uma aliança difícil e, em 1966 -1967, Obote fez chamado ao exército de
Uganda para integrar Buganda, à força, à vida política nacional.
Antes da independência, Uganda fora um território brevemente dirigido,
em 1961 e 1962, por um governo conduzido pelo Democratic Party (DP), de
Benedicto Kiwanuka.
O DP tentava organizar certos grupos situados à parte das formações existen-
tes. Os ricos pequenos agricultores de Buganda haviam conseguido se organizar
em um partido tradicionalista, o KY; os comerciantes se haviam reagrupado sob
os sucessivos estandartes do ONC e do UPC. Em nível nacional, o crescimento
do DP permitiria a mobilização de outras forças sociais, até então apartadas.
Historicamente, os chefes católicos se haviam dado conta que eles tinham menos
privilégios em Buganda e haviam fundado o DP sobre estas bases: religiosa e geo-
gráfica. Mas, a ideologia religiosa prestava -se, sobretudo, como ponto de ligação
para criar um movimento nacionalista rival ao UPC, com características propen-
sas a atrair funcionários e outros membros da elite instruída, distantes de uma
formação dominada pelos protestantes. O DP possuía simpatizantes tanto fora
quanto no interior do reino de Buganda. Além disso, a despeito da sua origem
ideológica, ele fizera consideráveis esforços intuindo criar um movimento político
pan -ugandense. Ele era vigorosamente apoiado o somente pela Igreja Cató-
lica mas, também pelos sindicatos
19
. Em 1962, por ocasião das últimas eleições
organizadas antes da independência, o DP alcançou a segunda posição, atrás da
19 S. KARUGIRE, 1980, pp. 144 -169; M. TWADDLE, 1978, pp. 255 -266; D. A. LOW, 1971.
274
África desde 1935
coalizão KY -UPC
20
. Em termos gerais e todavia, o avanço do nacionalismo em
Uganda foi marcado por divisões ideológicas e regionais. Contrariamente ao que
se passou no vizinho Tanganyika, a pequena -burguesia demonstrou dificuldades
em constituir -se como classe integrada e unificada, em luta contra o colonialismo.
O Tanganyika
21
Embora a inflação e a baixa artificial nas cotações dos produtos durante a
guerra tenham contribuído para despertar o nacionalismo popular em Uganda,
após 1945, e mesmo que a ineficaz repressão dos intelectuais ganda, pelos bri-
tânicos, tenha permitido posteriormente ao nacionalismo cristalizar o descon-
tentamento popular, em lugar de fragmen-lo, em função de critérios étnicos,
no Tanganyika, por sua vez, foi a ingerência maciça dos britânicos na política
agrícola africana que desencadeou a primeira grande onda de protestos locais
contra a potência colonial. Estas manifestações tiveram como efeito primário
encorajar o que John Iliffe nomeou, desde logo, a agregação tribal
22
”. As políticas
coloniais haviam provocado mudanças socioeconômicas que “haviam acentuado
a diferenciação regional e as rivalidades entre os grupos instruídos, temerosos em
acelerar o desenvolvimento em sua zona étnica. Em razão disto, muitas associões
com bases étnicas nasceram e serviram posteriormente como vetores da oposição
a políticas impopulares. Em algumas regiões, este processo permitiu convencer
tradicionais chefes a reforçarem a unidade étnica. Este foi, notadamente, o caso
junto aos chaggas, no nordeste do país. Mas, este movimento de agregação étnica
teve como consequência o enfraquecimento da Tanganyika African Association
(TAA), organização territorial reivindicativa de funcionários, criada em 1929
23
.
A TAA encorajara, durante os anos 30, a constituição de seções provinciais,
cuja vitalidade viria reforçar a organização central. Contudo, após a guerra,
os protestos organizados sobre bases étnicas, em escala nacional, tenderam a
enfraquecê -la antes que, paradoxalmente, o novo questionamento das políticas
coloniais se tornasse um dos eixos em torno dos quais esta organização territorial
readquiriria vitalidade e transformar -se -ia em um potente partido político. O
novo elã proveio da província dos Lagos, região do Tanganyika cujas dimensões
20 D. ROTHCHILD e M. ROGIN, 1966, pp. 337 -440.
21 A presente seção se inspira essencialmente nas obras de J. ILIFFE, 1979, e de R. C. PRATT, 1976. Sobre
a UTP, conferir A. ROSS, 1977, pp. 519 -535, e 1981.
22 J. ILIFFE, 1979, p. 487.
23 A. A. BOAHEN (org.), 1987, p. 718.
275
A África Oriental
equivalem aproximadamente àquelas do Nyasaland (atual Malaui) e cuja produ-
ção agrícola representava, em valor, por volta da metade das exportações agríco-
las do Tanganyika. Para retomar os termos de um especialista
24
, as reformas na
administração local, introduzidas após a guerra, pelos britânicos, tiveram como
efeito, nesta província tanto quanto em muitas outras regiões,mais facilmente
impor políticas agrícolas decididas em alto escalão, preferencialmente a aumen-
tar a participação das bases nas instituições democráticas”. Numerosas manifes-
tações populares de descontentamento eclodiram na província e a seção local
da TAA incorporou as demandas expressas, estabelecendo assim um elo entre
a ação reivindicativa nas cidades e as reivindicações dos camponeses. Foi dessa
forma que ela começou a transformar -se em movimento político. Esta seção
executou três notáveis ações: ela se implantou nos campos, organizou a ofensiva
contra o regime colonial e, enfim, exigiu o fortalecimento da organização central
e a convocação de uma conferência nacional. Os mais marcantes e conhecidos
artífices deste renascimento foram M. Bomani, B. Munanka e S. Kandoro.
No escritório central de Dar es -Salaam, as atividades desenvolvidas ime-
diatamente após o conflito mundial haviam sido lançadas conjuntamente por
funcionários e habitantes instruídos das cidades, os quais haviam combatido na
Birmânia durante a guerra. Mas, ao final de 1952, o impulso se havia quebrado,
os melhores dirigentes haviam sido transferidos para fora de Dar es -Salaam e a
Associação vegetaria, a tal ponto que os animadores da seção da província dos
Lagos chegariam a projetar a mudança da sua sede para Mwanza. Foi então que
um novo dirigente entrou em cena e coordenou as ações de retomada. Em dois
anos, a TAA transformou -se em um fortíssimo partido político autointitulado
Tanganyika African Union (TANU), em 7 de julho de 1954.
A TANU tomou o poder em 1961. O seu verdadeiro fundador se não
levarmos em conta a seção dos Lagos era um professor oriundo de um dos
menores grupos étnicos do território: Julius Nyerere. Em 1952, por ocasião do
seu retorno da Grã -Bretanha, onde acabara de concluir os seus estudos, Nye-
rere fora descrito como um homem “sensibilizado pelos problemas raciais”: ele
odiava a dominação estrangeira”, revela -nos John Iliffi, “temia a cumplicidade
dos conservadores diante das ambições dos colonos e sabia que a África rumava
em direção a conflitos e à sua libertação
25
”.
Nyerere soube explorar ao máximo o estatuto internacional do Tanganyika,
território sob tutela das Nações Unidas, objetivando acelerar a sua descolonização.
24 A. MAGUIRE, 1970, p. 643.
25 J. ILIFFE, 1979, p. 509.
276
África desde 1935
Em 1946, a Grã -Bretanha o apreciara em nada as condições mediante as quais
o antigo mandato do Tanganyika, a ela conferido pela Sociedade das Nações, fora
transformado em acordo sob tutela das Nações Unidas. O anticolonialismo já se
transformara em um potente sentimento, junto às Nações Unidas, o Tanganyika
encontraria, muito brevemente, grandes ecos quando expunha os seus pleitos.
O imbglio das terras meru
26
cerca de 3.000 merus haviam sido expulsos de
Engare Nanyuki para ceder lugar a colonos europeus demonstrou, em 1952, a
veracidade desta boa receptividade; três anos mais tarde, um ano após a transfor-
mação da TAA em TANU, o prestígio de Nyerere aumentara consideravelmente
após uma viagem a Nova Iorque e o número de membros da TANU progredira
exponencialmente. Em 1956, Edward Twining, o governador bem pouco socia-
lista do Tanganyika, persuadiu a maioria dos membros não governamentais do
Conselho Legislativo (os quais, evidentemente, eram todos à época nomeados o
26 Ibid., p. 500; K. JAPHET e S. JAPHET, 1967.
 . Julius K. Nyerere, presidente da Tanganyika African National Union (TANU). (Foto: Camera
Press, Londres.)
277
A África Oriental
eleitos) a criarem um partido político rival, o United Tanganyika Party (UTP).
Contudo, o UTP cairia muito rapidamente no ostracismo utupu em swahili. Em
setembro de 1960, a TANU conquistou 70 cadeiras em um total de 71, por ocasião
das primeiras eleições para o Conselho Legislativo, no qual o modo de represen-
tação permitia aos africanos obter uma maioria. Nyerere tornar -se -ia brevemente
o primeiro -ministro de um Tanganyika já usufruindo da sua autonomia interna e
o país foi, em dezembro de 1961, a primeira colônia britânica da África Oriental
a conquistar plenamente a sua independência.
Entre as razões geralmente invocadas para explicar a rapidez com a qual o
Tanganyika conquistou a sua independência antes do Quênia e de Uganda
figuram as qualidades da liderança de Nyerere; a organização dinâmica da
TANU associação urbana multiétnica em sua origem, ela desenvolveu -se de
forma muito diferente do Uganda National Congress e dos diversos partidos
ugandenses provenientes deste último ou de todas as formações equivalentes do
Quênia, apoiadas essencialmente em coalizões táticas de interesse entre notáveis
de diversas etnias; a ausência de marcantes divisões regionais no Tanganyika;
o seu estatuto de território sob tutela das Nações Unidas; enfim, a espetacular
modificação da importância estratégica conferida ao Tanganyika, tanto quanto
ao Quênia, pelos britânicos após 1956, consequência da radical revisão dos seus
engajamentos militares ao leste do canal, decorrente da affaire de Suez. Em
outras palavras, invoca -se geralmente, para explicar a descolonização do Tan-
ganyika, a combinação de dois fatores: a força das reivindicações nacionalistas
locais, por um lado, e o desengajamento político voluntário dos britânicos, por
outro. As explicações diferem exclusivamente em função da importância relativa
acordada a estes dois fatores. Mas, seja qual for o esquema de interpretação
adotado, um acontecimento crucial viria acelerar o recuo do Império britânico
em toda a África Oriental e Central: a revolta mau -mau no Quênia.
O Quênia
27
Contrariamente aos franceses de Madagascar, os britânicos do Qnia o se
sentiam absolutamente ameaçados ao fim da Segunda Guerra Mundial, pois afinal,
eram eles os vencedores. Portanto, a necessidade de reformas políticas o se impu-
nha. Certamente, previa -se conceder aos africanos uma representão simbólica no
27 A presente seção inspirou -se completamente no pioneiro trabalho de C. G. ROSBERG e J. NOT-
TINGHAM, 1966; vericar também J. SPENCER, 1985; D. THROUP, 1985; A. CLAYTON, 1976;
F. FUREDI, 1974; e a edição especial da Kenya Historical Review, 1977, consagrada ao movimento
mau -mau.
278
África desde 1935
Conselho legislativo do Qnia, onde Eliud Mathu foi, a partir de 1944, o primeiro
africano nomeado a um Conselho Legislativo em toda a África Central e Orien-
tal sob administração brinica. Entretanto, o se tratava de impor aos colonos
brancos,o pouco quanto possível, regras de conduta em matéria de recrutamento
de o de obra (diferentemente do ocorrido em Madagascar, onde a abolição do
sistema de recrutamento dito do indigenato reavivou a hostilidade dos colonos em
relação ao MDRM). Com certeza, a ideia de uma valorizão estava latente e a
administração brinica alimentava vastos projetos no tocante à modernização da
agricultura africana, contudo, pensava -se que os colonos brancos a isto trariam a sua
contribuão em lugar de verem as suas prerrogativas indevidamente perturbadas.
Jamais, na realidade, os colonos europeus do Quênia se haviam beneficiado de
uma situação o favorável. Além do estímulo provocado nos preços de atacado,
pela grande proximidade de unidades militares e pelo papel de fornecedor ao
Oriente Médio, desempenhado pelo Quênia, Nairóbi tornara -se o centro nervoso
da produção e da distribuição para toda África Oriental britânica e os colonos
detinham a direção de incontáveis comitês. Na realidade, eles pareciam tão poten-
tes no Quênia do pós -guerra que o Sessional Paper 210, ao aumentar o número de
representantes não governamentais no seio do Conselho Legislativo queniano e
prever a eleição de um membro suplementar para o conjunto do Conselho, veio
simbolizar, aos olhos da elite africana, a vontade dos europeus em assegurar para
si praticamente uma maioria permanente no interior deste organismo.
Pouco após o desencadeamento da revolta mau -mau e da declaração de
estado de emergência, em outubro de 1952, a Kenya African Union (KAU)
endereçou um memorando ao secretário de Estado britânico para as colônias,
no qual figurava a seguinte passagem: “Os distúrbios atuais são devidos, em larga
medida, ao fato dos africanos não estarem suficientemente associados à máquina
governamental, o que lhes proporcionaria o sentimento de serem elementos ou
verdadeiros parceiros do governo do país. Isto tem como dupla consequência,
privar o governo da opinião refletida dos africanos na definição da sua política e,
inclusive, criar no espírito do povo a impressão que o governo não age segundo
os interesses dos africanos, em razão da sua composição. No curso dos últimos
trinta anos, enquanto as demandas da comunidade europeia eram rapidamente
satisfeitas, constantemente ignorou -se aquelas da comunidade africana. Isto
conduziu o africano comum a pensar que unicamente um governo que fosse o
seu, e nenhum outro, seria capaz de defender os seus interesses
28
.”
28 Memorando do Comitê Executivo Provisório da KAU, assinado por W. ODEDE e J. Z. MURUMBI,
citado em R. FROST, 1978, p. 213.
279
A África Oriental
Mas, os principais responsáveis da KAU já estavam em prisão, supostamente
culpados de terem tomado parte na organizão do movimento mau -mau.
Retrospectivamente, estas acusações não parecem ter sido melhor fundamenta-
das no Quênia que em Madagascar. Com efeito, o abismo existente entre a elite
nacionalista africana e os partidários da violência devia, sem dúvida, ser bem
mais profundo no Quênia. Grupo extra -parlamentar de apoio a Eliud Mathu,
fundado em 1944, a KAU rapidamente apresentar -se -ia como uma formação
das mais moderadas. Jomo Kenyatta dela tornar -se -ia presidente em 1947, um
ano após o seu retorno de um exílio voluntário na URSS e na Grã -Bretanha.
Entretanto, ele não tinha então nada de bolchevique. Conquanto permanecesse
extremamente suspeito aos olhos dos britânicos, em outubro de 1952, ele fora
desautorizado por aqueles que organizavam os juramentos de fidelidade ao
movimento mau -mau e também fora renegado por numerosos outros notáveis
da KAU.
Quem eram então estes homens? Permanece difícil dizê -lo com precisão e
a questão suscita, até os dias atuais, controvérsias políticas no Quênia. Parece
incontestável que muitos dentre eles seriam jovens engajados na luta sindical,
mantendo relações com Nairóbi. Que a própria revolta mau -mau tenha sido
uma conspiração violenta, visando expulsar os britânicos e retomar a posse das
“terras roubadas”, isto também parece incontestável. Campanhas de juramento
de fidelidade haviam ocorrido junto aos kikuyus, durante todo o período que
sucedeu ao fim da guerra mas, foi somente a partir de 1951 que a violência
própria a estas cerimônias aparentemente escapou a todo controle: levantes
neste mesmo ano contra a regulamentação relativa à peste bovina e à lavra da
terra, em seguida, incêndio das propriedades de colonos brancos, mutilações
do seu rebanho e, no início de outubro de 1952, o assassinato, em plena luz
do dia, por homens armados, do principal líder dos kikuyus legalistas, o chefe
Waruhiu. Sabemos, graças a depoimentos de insurrectos mau -mau, publicados
ulteriormente, que se preparava, através do roubo de armas, uma revolta dos
habitantes da floresta. Mas, a proclamação, no final de outubro de 1952, do
estado de emergência, por um governo britânico recém nomeado e agindo sob
a pressão de colonos brancos, provavelmente obrigou os mau -mau a passarem
catastroficamente à ação.
Se nos ativermos à extensão dos territórios controlados, os insurrectos mau-
-mau revelaram -se bem menos eficazes que os rebeldes de Madagascar, os quais
haviam assumido o controle, em alguns meses, de um sexto da ilha. Raros eram
os combatentes mau -mau que, como os antigos combatentes malgaches, haviam
participado da Segunda Guerra Mundial. Eles o atacaram integralmente
280
África desde 1935
nenhum centro urbano, eles jamais controlaram nenhuma fração significativa
das terras cultivadas e houve menos civis europeus mortos pelos insurrectos,
durante todo o período em que o estado de emergência vigorou, do que as
vítimas fatais do trânsito em Nairóbi, durante o mesmo período. Certamente,
muitos africanos morreram e numerosos especialistas consideram atualmente
que a guerra mau -mau foi antes de tudo uma guerra civil kikuyu; mas, a maioria
destes assassinatos foram cometidos após o lançamento, pelas forças de segu-
rança britânicas, da sua campanha de repressão, após elas terem encarcerado
suspeitos mau -mau sem processo e após a imposição da política de fortificação
dos povoados, visando isolar os combatentes da floresta dos seus aliados dos
campos e das cidades.
O que era afinal o movimento mau -mau? Segundo testemunhos atualmente
ao nosso alcance, ele parece ter sido composto por vários elementos distintos,
por vezes coincidentes e, em outras ocasiões, rumando em direções diferentes:
uma revolta de sem -terra, um movimento de resistência contra uma política
 . Jomo Kenyatta, presidente do Kenya African Union (KAU), em 1946 ou 1947. (Foto: Newslink
Africa, Londres.)
281
A África Oriental
de modernização da agricultura imposta à força, uma renovação cultural, uma
guerra intestina, enfim, um movimento anticolonial fazendo eco a investidas
de resistência mais antigas contra a colonização britânica, as quais se haviam
manifestado meio século antes
29
.
Em seu início, o movimento mau -mau foi uma revolta de sem -terra. Quando
os colonos brancos começaram a estabelecer as suas propriedades nos altos pla-
tôs do Quênia, nos primórdios do século XX, eles frequentemente empregavam
africanos que, em troca do seu trabalho, obtinham o direito de criar gado e de
cultivar um pedaço de terra. No momento do boom econômico que se esbo-
çara aproximadamente no fim dos anos 1930, numerosos camponeses brancos
especializaram -se e mecanizaram as suas unidades produtivas em ritmo cres-
cente, consequentemente, expulsando numerosos sem -terra das suas terras. No
fim dos anos 1940, a administração colonial loteou, para alguns destes sem -terra,
terrenos em Olenguruone, na província do Vale Rift. Entretanto muitos deles
foram expulsos por não terem respeitado as diretrizes em matéria agrícola. Ora,
foi justamente em Olenguruone que os juramentos de fidelidade alastraram -se,
como uma espécie de solidariedade e de resistência populares.
Estes juramentos propagaram -se inclusive nas reservas kikuyu onde a con-
centração fundiária prosseguia igualmente em ritmo acelerado, graças ao cres-
cimento populacional e ao boom persistente dos preços das mercadorias. As
reservas kikuyu apresentavam estes traços inabituais na África colonizada, quais
sejam, ocupar uma posição relativamente central na malha rodoviária e ferrovi-
ária, bem como possuir solos férteis. Como o explica John Lonsdale,esta situ-
ação duplamente particular dos kikuyus, marcada pela concentração fundiária
em suas terras e pela exploração, com base em pequenas propriedades, das terras
em outras regiões, este quadro ilustra porque entre eles, e somente eles, tenha
estourado uma violenta revolta agrária, colocando não somente os africanos
contra os brancos mas, também, os kikuyus, uns contra os outros
30
.”
Em Nairobi, cidade que em 1952 comportava perto de 100.000 habitantes,
e em algumas aglomerações urbanas dos altos platôs, como Nakuru, outros
africanos, muito amiúde qualificados nos documentos britânicos da época como
spivs [aproveitadores], trouxeram o seu apoio passivo e ofereceram ajuda mate-
rial aos combatentes da floresta, até quando, em 1954, eles foram completa-
mente expulsos da capital através da operação Enclume. Encontrava -se nesta
29 A obra de R. BUIJTENHUIJS, 1982, apresenta as interpretações contraditórias expostas sobre este tema.
Conferir também D. THROUP, 1985, 1987; T. KANOGO, 1987.
30 J. LONSDALE, 1982, p. 6.
282
África desde 1935
aliança, formada por operários e camponeses contra o imperialismo, o sinal de
uma crescente tomada de consciência do proletariado queniano no tocante à
era colonial
31
. Mas, os hinos mau -mau da época e os testemunhos ulteriores
evocam, antes e sobretudo, um movimento de protesto dos camponeses, então
recentemente arrancados das suas terras, contra a sua proletarização. Estes hinos
não indicam uma tomada de consciência proletária, propriamente dita.
Ainda em outro nível, podemos cautelosamente entender a revolta mau -mau
como um movimento de características culturais. O governo colonial britânico
enxergou, nestes juramentos e na oposição aos diversos trabalhos de terrapla-
nagem, um conservadorismo retrógrado, isto quando ele não podia atribuí -lo,
explicitamente, à ão deliberada de “agitadores”, como Jomo Kenyatta. Os
juramentos eram, evidentemente, carregados de referências culturais”. Alguns
dos fatos mais bizarros sobre os aspectos culturais do movimento mau -mau,
foram mencionados, é bem verdade, pelos europeus da época, os quais por vezes
31 R. BUIJTENHUIJS, 1982, pp. 157 -162. S. STICHTER, 1982, foi um dos principais defensores desta
tese.
 . O campo de detenção de Langata, aberto pelos britânicos durante a revolta dos mau -mau, em
abril de 1954. (Foto: Topham, Londres.)
283
A África Oriental
cederam à necessidade de projetar sobre os africanos as suas próprias fantasias
32
.
Assim sendo, os juramentos mau -mau continham elementos culturais irredu-
tíveis os quais também parecem ter contribuído, muito mais eficazmente, para
a adesão dos ativistas não kikuyu; comparativamente ao que parece terem sido
os seus efeitos sobre a adesão dos kikuyus. Os cantos mau -mau continham,
também eles, elementos culturais que conduziram o professor Ogot a dizer o
seu exclusivismo impede considerá -los como hinos nacionais pela liberdade que
todo jovem queniano poderia cantar com orgulho e convicção
33
”.
Na qualidade de revolta anticolonial, o movimento mau -mau apresenta um
paradoxo geográfico. Na realidade, foram as regiões kikuyus mais afetadas pela
penetração colonial e pela exploração das “terras roubadas”, a saber, Kiambu e
os seus arredores, que mostraram o menor entusiasmo em apoiar os insurrec-
tos, ao passo que regiões mais distantes de Nairobi, como Nyeri e Fort Hall,
muito menos afetadas pelo colonialismo britânico ou pela implantação branca,
engajaram -se com muito maior intensidade. Todavia, Robert Buijtenhuijs
observa que Fort Hall e Nyeri foram as regiões do território kikuyu onde a
chegada dos colonos britânicos, no começo do século XX, apresentou as mais
brutais características, em contraste e comparativamente, a pacificação Kiambu
consumou -se com muito menor rudez
34
. Portanto, Ali Mazrui teria razão em
identificar no movimento mau -mau “a primeira importante ressurreição da
tradição guerreira na história recente da África Oriental
35
”.
Muito mais que pela natureza do movimento ressurreição ou regressão?
os dirigentes britânicos estavam então preocupados com a dificuldade em
manter uma região tão agitada sob o controle colonial. Eles provavelmente
sobre -estimaram a real ameaça militar representada pelos rebeldes mau -mau
e, por outro lado, subestimaram as consequências da sua própria reação, não
imaginando que ela provocaria uma onda de assassinatos e ações diretas, de
tal maneira que “a propriedade privada encontrou -se abandonada aos cuidados
dos ladrões e da Providência Divina
36
”. Mas, havia violência e, única e exclusi-
vamente, as indispensáveis despesas para defender os colonos brancos mostrar-
32 R. BUIJTENHUIJS, 1982, p. 104, cita o comentário de D. L. Barnett: “Nós satisfazemos nossas pró-
prias ‘necessidades’ orgíacas e lúbricas ao atribuirmos profundos signicados às bizarrices dos rituais de
juramento, organizados durante a revolta camponesa no Quênia.”
33 B. A. OGOT, 1977, p. 286.
34 R. BUIJTENHUIJS, 1982, pp. 200 -201.
35 A. A. MAZRUI, 1975b, p. 77.
36 E. N. WANYOIKE, 1974, p. 190.
284
África desde 1935
-se -iam, com o tempo, incompatíveis com as tradições políticas britânicas
37
.
Também, em 1959, após a terceira vitória seguida dos conservadores nas elei-
ções legislativas e a nomeação de Iain Macleod para o posto de secretário das
colônias, o estado de emergência foi suspenso e convocou -se a organização de
uma conferência constitucional.
Esta conferência desdobrou -se na criação de uma Assembleia Legislativa
queniana, composta por 65 cadeiras, das quais 33 não contingenciadas. A KAU
transformou -se em KANU (Kenya African African Union) e conquistou 67%
dos votos nas posteriores eleições. Kenyatta, ainda detido, mantinha -se como
presidente, Odinga, era o vice -presidente e Mboya, o secretário -geral. A KANU
possuía diante de si a KADU (Kenya African Democratic Union), partido reu-
nindo homens políticos originários das regiões costeiras e notáveis pertencentes
aos minoritários grupos étnicos do interior do país. Todavia, seria somente
após a sua recolocação em liberdade (no mês de agosto de 1961), depois da
organização de uma segunda conferência em Lancaster House e, finalmente,
posteriormente a uma maré favorável à sua organização no curso das eleições
gerais de maio de 1963, que Kenyatta tornar -se -ia primeiro -ministro para, seis
meses mais tarde, dirigir um país plenamente independente
38
.
No momento da independência, um maciço plano de indenizações, finan-
ciado pela Grã -Bretanha, incitou numerosos agricultores brancos a deixarem
o país. Alguns pretenderam, a este respeito, identificar retrospectivamente um
golpe de mestre neocolonialista que, como consequência a medidas de outrora,
tal como o Plano Swynnerton, visaria criar uma burguesia negra pró -britânica
no Quênia pós -colonial. Indubitavelmente, os britânicos tentariam suscitar o
surgimento de um tal grupo social em muitas das suas colônias na África mas,
as classes -médias africanas produziram, em igual medida, tanto dirigentes revo-
lucionários, quanto partidários do statu quo ante. No Quênia, este fenômeno
é particularmente ilustrado pela amarga constatação de um branco, homem
político e colono, Michael Blundell, para quem “os agricultores mais empreen-
dedores” deste país manifestavam, paradoxalmente, uma tendência a votar em
favor “dos candidatos mais extremistas e radicais, [cujos pontos de vista eram]
completamente contrários aos seus interesses pessoais de produtores agrícolas”,
justificando a sua atitude ao explicarem que estes candidatos eram os únicos
37 Conferir os comentários do secretário para as colônias britânicas da época, lord CHANDOS, 1964, p.
397.
38 G. BENNETT e C. ROSBERG, 1961, pp. 21 -22.
285
A África Oriental
capazes de enfrentar o colonialismo britânico
39
”. Uma classe média negra chegou
a constituir -se no Quênia colonizado mas, as suas origens, muito anteriores aos
anos 1950, fincam as suas raízes no início da era colonial, quando uma pequena-
-burguesia negra começou a desenvolver -se acumulando um emolumento
concedido aos funcionários e uma renda fundiária
40
. Seria simplista reduzir o
nacionalismo anticolonial no Quênia à ação política de uma burguesia negra
recentemente surgida e de atuação independente dos contextos mundial e local.
A Niassalândia e a Rodésia do Norte
41
Na Niassalândia (atual Malaui) e na Rodésia do Norte (atual Zâmbia), o
aumento da ingerência britânica na agricultura africana provocou uma con-
siderável agitação no imediato posterior à guerra
42
, entretanto em 1953, foi a
instituição de uma Federação da África Central que provocou uma convergência
política verdadeiramente explosiva entre um nacionalismo da elite e o descon-
tentamento popular, no interior destas duas colônias britânicas.
Por que esta federação posta teria ela causado tanto descontentamento entre
os africanos? muito tempo, os colonos brancos da Rodésia do Sul (país
beneficiado por autonomia local desde 1923) cultivavam a ideia de uma “fusão
com a Rodésia do Norte e a Niassalândia, territórios administrados à imagem
do Quênia, de Uganda e da Tanganyika, pelo Colonial Office britânico, onde
viviam minorias europeias. No imediato pós Segunda Guerra Mundial, o novo
governo trabalhista britânico opunha -se a tal fusão mas, considerava com bons
olhos a ideia de uma federação que estimulasse o desenvolvimento econômico,
mantendo -se, todavia e eventualmente, como um tampão político contra a infil-
tração dos africânderes vindos da África do Sul. Entretanto, os protestos de
associações nacionalistas elitistas, como o Nyasaland African Congress (NAC),
fundado em 1944, o seu homólogo da Rodésia do Norte, fundado em 1948, e
outros, bastaram para bloquear qualquer real iniciativa.
39 M. BLUNDELL, 1964, p. 208.
40 Nós encontramos uma fonte inestimável de informações nas comunicações de M. COWEN, publicadas
ou inéditas. Conferir, por exemplo, M. COWEN, 1981, e também a síntese de G. KITCHING, 1980.
41 Esta seção em muito se deve à P. GIFFORD, 1982; R. TANGRI, 1975; J. VAN DONGE, 1985.
42 R. TANGRI, 1975, p. 262. Evidencia -se, a partir do estudo de J. VAN DONGE, que a melhor maneira
de compreender esta agitação consiste em apreender o movimento nacionalista como um conjunto
instável de alianças, muito mais que um momento da luta de classes”.
286
África desde 1935
Este governo estava muito mais estreitamente ligado que o anterior aos
interesses dos homens de negócios e dos colonos brancos partidários de uma
federação. Este projeto contava igualmente com o apoio de funcionários (como
Andrew Cohen, antes que ele fosse transferido para Uganda e deportasse o
kabaka), motivados pelas considerações administrativas e desenvolvimentistas.
Em 1953, a federação foi finalmente imposta à Niassalândia e à Rodésia do
Norte, em que pesem os vigorosos protestos das comunidades africanas
43
. Na
Rodésia do Sul, foi notória a sua boa aceitação junto ao eleitorado branco, em
virtude do potencial econômico representado pelo cobre da Rodésia do Norte.
A Federação da África Central, desde o seu nascimento, primeiramente não
encontrou senão uma resistência velada por parte dos africanos. Na Rodésia do
Norte, o influente sindicato dos mineiros africanos não deu ouvidos ao apelo lan-
çado, à imagem de Gandhi, em favor de “duas jornadas de silêncio e orações”, pelo
NAC − formação, apesar de tudo, debilitada por uma interminável luta fracional
que levou Kenneth Kaunda a deixá -la, em 1958, para compor o futuro United
National Independence Party. Mas, as autoridades federais foram longe demais
em sua tentativa de consolidar os privilégios dos brancos. Em 1957, elas quiseram
de fato instituir uma nova cidadania federal, à qual os africanos da Niassalândia,
por exemplo, poderiam aceder, mediante o pagamento de 5 libras e a renúncia
formal aos seus direitos, próprios às pessoas protegidas” pelo Colonial Office. Elas
igualmente planejaram estabelecer uma dupla lista eleitoral, segundo complexas
modalidades, em função das quais podemos unicamente destacar que os africanos,
cidadãos mais pobres da sociedade, seriam politicamente os menos influentes.
Estes projetos provocaram uma tempestade política. Em meados de 1958,
Hastings Banda, um médico natural da Niassalândia, outrora representante do
NAC em Londres, antes de se ter estabelecido em Gana, instalou -se no país e
candidatou -se à presidência do partido. Após a sua nomeação, o NAC lançou
uma campanha de rejeição que desdobrar -se -ia na independência total, seis anos
mais tarde. O estado de emergência foi proclamado em 1959 e Banda foi jogado
atrás das grades, acompanhado de 200 militantes do seu partido, no quadro de
medidas da operação Aurora. O choque provocado por essas prisões e a subse-
quente explosão de violência, bem como a intervenção das tropas da Rodésia do
Sul, conduziram o governo de Londres a nomear uma comissão de investigação.
A comissão Devlin trouxe embaraços tanto ao governo local quanto às auto-
ridades de Londres. A Niassalândia, escreveu Devlin, é − sem sombra de dúvida
43 Para maior detalhamento, P. GIFFORD, 1982.
287
A África Oriental
e temporariamente − um Estado policialesco” em cujo ninguém podia, imune a
riscos, expressar abertamente o seu apoio aos dirigentes do NAC. Devlin acres-
centava que as violências que se haviam produzido durante o vigor do estado
de emergência (no decorrer do qual 52 africanos foram assassinados) eram, em
sua essência, imputáveis à ação das autoridades
44
.
O secretário britânico para as colônias e o governador da Niassalândia contes-
taram ambos as conclusões de Devlin. Mas o primeiro -ministro britânico Harold
Macmillan, evidentemente mais cético, enviou uma nova comissão de investigação
à África Central a comissão Monckton. Poucos africanos aceitaram prestar
depoimento perante esta comissão, da mesma forma que o African Congress du
Nyasaland ou o seu correlato na Rodésia do Norte tamm rejeitaram -na. A partir
do testemunho de alguns africanos moderados”, Monckton concluiu, todavia e
em seu relatório, que a oposição ao federalismo era, em toda a Rodésia do Norte
e Niassalândia, “quase patológica [...], muito popular, sincera e assaz antiga”. Ele
preconizou medidas políticas imediatas” para promover uma “verdadeira associa-
ção e acelerar o desenvolvimento ecomico
45
. A Niassalândia somente represen-
tava um muito relativo interesse econômico para a Grã -Bretanha mas, a Rodésia
do Norte era vital na garantia do seu abastecimento em cobre.
Antes da partida de Monckton rumo à África Central, Harold Macmillan
nomeara Iain Macleod para o posto de secretário de Estado junto às colônias.
Exímio jogador de bridge, este último elaborou um sistema eleitoral extrema-
mente complexo para o Niassalândia e a Rodésia do Norte, bem como para o
Quênia. O resultado político foi inapelável: na Niassalândia, o African Congress
conquistou todas as cadeiras às quais ele concorria nas eleições de 1961 e, após
uma nova conferência, a independência foi proclamada em julho de 1964; na
Rodésia do Norte, o UNIP e os restos do antigo Northern Rhodesian Congress
dividiram entre si a vitória nas eleições ao final de 1963, o UNIP conquistou
55 das 65 principais cadeiras disponíveis e o país alcançou a independência em
dezembro de 1964.
Zanzibar
A ilha de Zanzibar, juntamente com a sua vizinha Pemba, totalizava em
1958 um pouco menos de 300.000 habitantes. No século XIX, sob o reino da
44 Report of the Nyasaland commission of inquiry, 1959.
45 Report of the advisory commission, 1960.
288
África desde 1935
dinastia omani, Zanzibar foi o centro de uma vasta rede de intercâmbios comer-
ciais cuja influência estendia -se para o interior da África Oriental. Em 1890,
a ilha tornou -se um protetorado britânico, assim permanecendo até dezembro
de 1963. Um mês mais tarde, uma sangrenta revolução eclodiu, fomentada, tal
como explicado pelo seu principal propagandista, “para liberar o povo africano
de Zanzibar do julgo colonialista árabe
46
”.
Diversos fatores explicam o antagonismo racial entre africanos e árabes de
Zanzibar: o tráfico de escravos do século XIX; os estereótipos britânicos da era
colonial; a incorporação capitalista da produção de cravos -da -índia na ilha. Estes
vetores vieram provocar a formação de uma classe de proprietários fundiários
árabes e a constituição de uma classe subalterna africana, consolidando, todavia,
a situação dos financistas asiáticos locais
47
. Após a Segunda Guerra Mundial, as
reformas que os britânicos conferiram ao governo local (com as suas repercus-
sões, tanto maiores quanto menor fosse o país) e a perspectiva da independência,
estes fatores concederam às divisões raciais um ainda maior significado político.
Subproduto da evolução política da África Oriental continental, muito mais
que expressão de uma exigência da própria ilha, os primeiros sinais da inde-
pendência levaram a classe de proprietários fundiários árabes representados
pelo Zanzibar National Party (ZNP), predominantemente árabe a tentarem
libertar -se do controle britânico, antes que a classe subalterna africana estivesse
suficientemente mobilizada, ao ponto de ser capaz, por ela mesma, de amparar-
-se do poder, através do Afro -Shrazi Party (ASP), dirigido por Abeid Karume,
presidente da African Association local, desde 1953. A pequenez da ilha e o
característico confronto permanente na vida política da ilha deram a esta luta
uma complexidade e um rigor singulares
48
. Entretanto, em dezembro de 1963,
as cartas pareciam estar sobre a mesa. O ZNP e seus aliados do ZPPP (Zanzi-
bar and Pemba People’s Party), grupo separatista pró -árabe originado no ASP,
alcançaram, em conjunto, a maioria das cadeiras nas eleições imediatamente
precedentes à proclamação da independência e, ainda unidas, arrancaram dos
britânicos a independência de Zanzibar em 10 de dezembro de 1953. No dia
12 de janeiro de 1964, eclodia a revolução.
Embora reconhecessem que o ASP, o qual obtivera a maioria dos votos, fora
privado da maioria das cadeiras em virtude de estratagemas eleitorais, os espe-
cialistas oferecem duas explicações para os acontecimentos de então, as quais,
46 Uganda Argus, 4 de abril de 1964.
47 Conferir F. COOPER, 1980.
48 Conferir M. F. LOFCHIE, 1965; A. CLAYTON, 1981.
289
A África Oriental
em ambos os casos, sustentam -se sobre a tese relativa à suposta incapacidade
do ASP em organizar uma sublevação. Primeiramente, eles consideram que a
cisão do partido da Umma, sob a direção de Abdul Rahman Muhammad Babu
que abandonara o ZNP para juntar -se ao ASP, favoreceu este último. Muito
provavelmente, a Umma preparava um levante contra o ZNP, tentativa cortada
pela raiz com a sua interdição, uma semana antes ao que foi chamada a revolução
de Okello. Na realidade, foram os membros da Umma que ofereceram ao ASP
os modelos organizacionais para a revolução
49
. Em seguida, eles identificam
na pessoa de John Okello, o verdadeiro catalisador da revolução, este nativo da
Uganda servira -se de uma pequena tropa cujos membros haviam sido recru-
tados individualmente, majoritariamente formada por partidários da Umma,
para derrubar o frágil regime estabelecido
50
”. O próprio John Okello inclinava-
-se, em certa medida, à reivindicar toda responsabilidade por esta revolução.
Simples pintor de imóveis em Pemba, ele conseguiu organizar elementos da
polícia local (descontentes com a substituição dos seus superiores britânicos por
oficiais árabes no momento da independência), formando uma tropa de assalto
que amparou -se do poder na cidade de Zanzibar durante a noite do dia 11 para
o dia 12 de janeiro de 1964
51
.
Talvez os acontecimentos da revolução de Zanzibar sejam muito recentes
para que os pesquisadores tenham acesso a todas as informações e é pouco
provável que os participantes, cuja maior parte ainda encontra -se em atividade
política, revelem todos os fatos. Todavia, trabalhos recentes lançam luz sobre os
exageros das pretensões de Okello
52
. Nos dias atuais, evidencia -se mais nitida-
mente que os acontecimentos daquela noite revolucionária tenham sido super-
visionados de muito mais perto, além do que se podia imaginar, pelo presidente
do ASP, Abeid Karume e pelo seu Comitê dos Quatorze. Segundo este ponto
de vista, o ASP usou deliberadamente Okello, no seio do Comitê, tentando com
isso garantir para si a coordenação política. O seu principal atributo era a potên-
cia da sua voz que lhe permitia realizar as proclamações. Mas, as suas pretensões
pessoais transformaram -no, rapidamente, em persona non grata pelos dirigentes
do partido e, finalmente, no dia 20 de fevereiro, ele foi expulso de Zanzibar e
interditaram -no de lá retornar. Desde então, Abeid Karume transformou a ilha
em um estado governado por um partido único, o ASP, e negociou uma fusão
49 Conferir os dois penetrantes artigos de K. KYLE, 1964a e 1964b; M. F. LOFCHIE, 1967, pp. 36 -42.
50 A. SMITH, 1976, p. 211.
51 A versão pessoal de Okello foi publicada em 1967.
52 Ver B. F. MRIMA e W. MATTOKE, 1980; A. SHERIFF e E. FERGUSON (org.), 1991.
290
África desde 1935
com a Tanganyika, em decorrência da qual, nasceu, em abril de 1964, a Repú-
blica Unida da Tanzânia.
Novos Estados e velhas colônias
O processo de descolonização esteve, na África Oriental, estreitamente ligado
ao avanço do nacionalismo nas colônias fundadas no século XIX, no momento
da corrida dos europeus, com vistas à divisão do continente. Em certos casos,
este nacionalismo tinha as suas raízes fundadas sobre uma entidade territorial
anterior à colonização, como Madagascar e, talvez Zanzibar. Com maior frequ-
ência, ele desenvolveu -se sob o impulso de militantes nacionalistas que orga-
nizavam conscientemente movimentos anticolonialistas dentro das fronteiras,
arbitrariamente traçadas, de algumas colônias europeias, como a Tanganyika.
Na realidade, como explicava Nyerere, antes que nós fôssemos colonizados, esta
nação não existia; diversas leis vigoravam junto às tribos que a compunham e
estas leis eram conflitantes. Foi a potência colonial que impôs uma lei comum,
garantindo o respeito a esta última, pela força, até que o avanço do movimento
independentista trouxesse a carne de uma unidade emocional ao esqueleto da
unidade jurídica
53
”.
Frequentemente, as lutas pela independência, propriamente ditas, tomaram
uma dimensão pan -africanista, particularmente após a independência de Gana,
em 1956. Testemunha disso, por exemplo, a maneira evidente pela qual Kenneth
Kaunda e Hastings Banda foram influenciados, em razão da sua participação
na Conferência Pan -Africana de Accra, em 1959, no curso da sua luta contra
a Federação da África Central
54
. Também atesta esta nova dimensão da luta
independentista a tentativa, finalmente abortada, de Uganda, do Quênia e da
Tanzânia em lançarem as bases de uma federação da África Oriental, no início
dos anos 1960
55
. Igual e eventualmente, em Zanzibar, identifica -se um esboço
de pan -arabismo
56
. Enfim, em virtude de todos estes territórios estarem sob a
dominação britânica, as lutas pela independência também foram influenciadas
pelos precedentes movimentos independentistas surgidos no seio do Com-
monwealth, na Índia e no Paquistão, assim como no Canadá ou na Austrália.
53 J. K. NYERERE, 1967a, p. 271.
54 R. I. ROTBERG, 1966, p. 292.
55 Conferir J. S. NYE JR., 1966. Esta questão exige um considerável aprofundamento.
56 Conferir A. CLAYTON, 1981, pp. 40 e 46.
291
A África Oriental
No que diz respeito à França, o contexto diferia. Os franceses prosseguiam
em seu sonho de criação de uma França “maior, onde, pouco a pouco, a
dominão cederia lugar à igualdade, atras da integração administrativa
com a metrópole. Em Madagascar, no imediato pós Segunda Guerra Mun-
dial, pouquíssimas reformas, concedidas muito rapidamente após a derrota
de Vichy, conduziram à insurreição. Os fatos ganharam outros contornos na
antiga colônia da Reunião.
A Reunião
57
Ilha vulcânica situada a 700 quilômetros a leste de Madagascar, a Reunião
foi colonizada no século XVII por navegadores franceses e escravos africanos.
No transcorrer dos séculos seguintes, ela tornou -se uma colônia caracterizada
pelas plantations, conheceu um novo afluxo de escravos negros no início do
século XIX e, em seguida, durante cerca de trinta anos, a chegada paulatina
de uma mão de obra assalariada proveniente da Índia. Em 1946, três quartos
da superfície cultivável haviam sido destinados à cultura da cana -de -açúcar e
o Partido Comunista da Reunião apostava todas as suas fichas, tanto quanto o
seu homólogo metropolitano, para acertar as suas contas com a plantocracia”
local, integrando totalmente a colônia ao Estado francês, com o intuito de
melhorar o nível de vida das camadas mais pobres da população. Efetivamente,
as condições melhorariam nos vinte anos seguintes mas, com menor ímpeto,
comparativamente à França metropolitana pois, a estagnação econômica, pre-
sente na ilha desde as guerras napoleônicas, chegara a termo com o seu novo
estatuto, tornando -se a Reunião, em 1946 (juntamente com as colônias francesas
do Caribe e a Guiana), um departamento de além -mar.
Desde então, a Reunião tornar -se -ia, aos olhos das Seychelles e da ilha Mau-
rício, ainda sob o controle britânico, um modelo de descolonização diferenciado
dos exemplos oferecidos pelos diversos territórios continentais abordados.
Após o triunfo dos gaulistas, em 1958, os comunistas locais adotaram, todavia,
uma nova política, em prol da autonomia da ilha. Se esta política se transfor-
masse em um movimento popular da Reunião, em favor da independência, a ilha
poderia ser conduzida a seguir uma via mais clássica, rumo à soberania nacional
no seio do sistema internacional.
57 O presente estudo inspira -se em J. HOUBERT, 1980, e M. ROBERT, 1976.
292
África desde 1935
As Comores
58
A população das Comores está, do ponto de vista etnográfico, mais próxima
daquela de Zanzibar e da costa leste -africana que da população crioula e cosmo-
polita da Reunião, da ilha Maurício e das Seychelles. A língua falada em todo
arquipélago é o swahili. Mayotte tornou -se uma possessão colonial francesa em
1941, como consequência de um ato de venda consumado junto ao sultão local;
as outras ilhas tiveram o mesmo destino no momento da corrida dos europeus
rumo às colônias, no fim do século XIX. Durante a era colonial, o arquipélago
de Comores não atraiu em nada o interesse dos franceses. O nacionalismo e o
anticolonialismo não apareceriam de fato senão em 1968, por ocasião das mani-
festações de protesto contra as brutalidades dos pára -quedistas e dos legionários
franceses que haviam intervindo para por termo a uma greve em um liceu.
Foi então que se criaram os primeiros partidos políticos e, sob a influência
das transformações ocorridas na vizinha ilha de Madagascar derrubada do
governo de Tsiranana, supressão das bases militares francesas e nacionalização
das principais empresas francesas presentes na ilha −, um movimento popular
constituiu -se para exigir a independência das Comores.
Como é -lhes peculiar, os franceses organizaram um referendo mas, como
Mayotte (a ilha menos islamizada e a mais susceptível às influências dos mal-
gaches cristianizados) votou contracorrente das outras ilhas, pronunciando -se
em favor da permanência dos elos mantidos com a França, uma nova série de
referendos teve lugar, desta feita executados, isoladamente, ilha por ilha. Em
julho de 1975, todas as ilhas, salvo Mayotte, proclamaram unilateralmente a
sua independência. Mayotte é a única que permanece sob o domínio francês.
A ilha Maurício e as Seychelles
59
À imagem da Reunião, a ilha Maurício está situada a muitas centenas de qui-
lômetros da costa de Madagascar. Ela conheceu, durante o século XIX, o desen-
volvimento clássico de uma colônia caracterizada pelo sistema de plantations,
cabendo a maior parte do trabalho aos antigos escravos deportados da África e
58 A presente explanação inspira -se principalmente em H. CHAGNOUX e A. HARIBU, 1980, e T.
FLOBERT, 1976.
59 No que concerne esta seção, as fontes são: J. HOUBERT, 1980; L. FAVOUREU, 1970, onde gura uma
boa bibliograa.
293
A África Oriental
a uma mão de obra assalariada proveniente da Índia, enquanto uma plantocra-
cia crioula franco -mauriciana partilhava, por sua vez e entre si, o essencial dos
lucros. Da mesma forma que outras “velhas colônias” do Caribe ou do Oceano
Índico, especializadas na cultura da cana -de -açúcar, a ilha foi severamente afe-
tada pela crise dos anos 1930, a qual deixaria um amargo legado de greves e
agitação social. Na ilha Maurício, após 1945, o principal desafio da luta política
consistia em defender os direitos dos trabalhadores locados nas plantações de
cana -de -açúcar e dos estivadores, frente aos privilégios dos grandes agricultores,
restando à autonomia o caráter de uma questão totalmente secundária. De fato,
a sorte da Reunião, após 1946, poderia dar luz a uma associação mais estreita
com a Grã -Bretanha, o que seria um objetivo mais sedutor. Todavia, tal evolução
jamais esteve na ordem do dia. A luta travada na ilha Maurício visava, portanto,
obter as melhores condições de parceria, levando -se em conta os esforços empre-
endidos pela Grã -Bretanha, nos anos 1960, para ingressar na CEE, no exato
momento em que a ilha rumava para a independência.
Ela foi conquistada, em 1968, pelo Mauritian Labour Party, o mais constante
em seu nacionalismo entre todos os partidos representantes do proletariado,
majoritariamente oriundo da Índia e habitante da ilha. Mas, os dados estavam
viciados. Em 1965, a Grã -Bretanha anexara algumas ilhas, até então associadas
à ilha Maurício e às Seychelles, para formar o Território Britânico do Oceano
Índico, uma nova colônia marítima que, após algum tempo, acolheria uma base
americana de submarinos nucleares, em Diego Garcia. A independência da
ilha Maurício esteve claramente ligada à aceitação desta amputação em seu
território
60
.
Nas ilhas Seychelles, igualmente, a independência foi um pouco retardada
por considerações estratégicas concernentes a uma estação de observação e
vigilância, assim como à base militar de Diego Garcia. Inicialmente e todavia,
nem o Seychelles Peoples United Party (SPUP), dirigido por France -Albert
René, nem o Seychelles Democratic Party (SDP), liderado por James Mancham,
ativeram -se à questão da independência. Neste arquipélago desesperadamente
pobre, a sua principal preocupação consistia, antes e sobretudo, em ocupar os
postos -chave no seio do governo e controlar a sua política. Foi somente após
a explosão de um conflito entre o SDP e as autoridades britânicas, no tocante
ao controle das forças policiais e após o reconhecimento do SPUP pela OUA,
como um movimento de libertação nacional, que a independência passou a
60 Conferir J. MADELEY, 1982.
294
África desde 1935
ser considerada de forma muito mais séria. Finalmente, Mancham aliou -se a
René para conquistar a independência que a Grã -Bretanha concederia muito de
bom grado às Seychelles, em 1976, pois que a potência imperial estava, desde
então, ansiosa por livrar -se, tão rapidamente quanto possível, de todas as suas
derradeiras colônias.
A colonização concluiu um ciclo desde o século XVIII. Nesta época, colônias
insulares, como as Seychelles, a ilha Maurício ou a Reunião formavam, em larga
medida, as vitais correias de transmissão dos impérios europeus, essencialmente
marítimos. Posteriormente, com a invenção da máquina a vapor, adveio o tempo
da conquista de grandes extensões, como a África Subsaariana. Os ocidentais
tornar -se -iam os mestres dos impérios tropicais continentais com forte densi-
dade populacional. A crise planetária em que se transformou a Segunda Guerra
Mundial veio solapar estes impérios e, onde a própria guerra não foi suficiente,
projetos muito ambiciosos de valorização, os “agrupamentos de camponeses
rebeldes” e os partidos nacionalistas precipitaram a sua ruína no transcurso de
uma geração. Contudo, após o advento da era nuclear, as possessões marítimas
reencontram hoje uma importância própria, bem mais inquietante.
C A P Í T U L O 1 0
295
A África Austral
A África Austral representava, a partir de 1935 e sob uma perspectiva mun-
dial, a parte mais importante do continente africano no plano econômico. Nos
últimos trinta anos do século XX, em suplemento e pouco a pouco, ela tornou -se
a mais importante sub -região da África no plano estratégico. A sua proeminência
ecomica proveio, antes de tudo, da sua riqueza em minerais vitais para a civili-
zação industrial ocidental e foi reforçada pela agricultura e pela industrialização
locais. Ela deve a sua proeminência estratégica à combinação da sua riqueza com
a crescente importância da rota do Cabo para o tráfego marítimo entre a Ásia e
o mundo ocidental, especialmente o transporte petrolífero dos países do Golfo.
Um terceiro fator, essencial, influenciou profundamente a história da sub-
-região, o fator racial. Esta parte da África, a mais rica em recursos minerais
(conferir figura 10.1) e cuja situação geográfica revestia -se de uma crescente
importância estratégica, também foi a mais profundamente afetada, no trans-
correr deste período, pela questão das relações raciais
1
.
O presente capítulo aborda, portanto, a interação entre a economia, a estra-
tégia e a raça no tocante ao destino da África Austral. Mas, cada uma destas
1 Para uma introdução geral à história da África Austral, durante este período, conferir E. H. BROOKES,
1968; B. DAVIDSON e colaboradores, 1976; W. R. DUGGAN, 1973; J. DUFFY, 1962; G. M.
GERHART, 1979; R. H. GREEN e colaboradores, 1981; R. GIBSON, 1972; P. KEATLEY, 1963; C.
R. HILL, 1964; R. P. STEVENS, 1967.
A África Austral
David Chanaiwa
296
África desde 1935
próprias forças provoca a intervenção de subfatores. No domínio econômico, a
história da África Austral articula -se, parcialmente, em torno da questão fundiá-
ria, especificamente, no que se refere à luta pelas terras mais férteis. Ela também
associa -se à questão do trabalho, tanto voluntário quanto forçado, sedentário
ou migrante. Enfim, a história econômica da África Austral também concerne,
evidentemente, ao capital extrativo, ou seja, ao capital provindo das atividades
minerais ou relacionado a elas. Nós trataremos destes três subfatores econômicos
e da sua influência sobre este período particular na história da África Austral.
A importância estratégica da África Austral e a sua situação geográfica igual-
mente constituem subfatores. Lembremos, quando muito, que se existe uma
Harare
Bulauaio
Joanesburgo
Durban
Porto Elizabeth
Cidade do Cabo
Ab Amianto
Ag Prata
Al Bauxita
Au Ouro
Be Berilo
C Carvão
Cr Cromo
(Cromo)
Cu Cobre
D Diamante
Fe Ferro
Gr Grafite
Lt Lítio
Mg Magnésio
Mi Mica
Mn Manganês
Na Sal (Sódio)
Ni Níquel
P Fosfato
Pb Chumbo
Pt Platina
Sb Antimônio
Sn Estanho
U Urânio
V Vanádio
W Tungstênio
Zn Zinco
0 500 1 000 milhas
0 400 800 km
Energia hidráulica
Principais concentrações
industriais
Principais reservas minerais
 . Principais recursos minerais da África do Sul.
297
A África Austral
parte da África em relação à qual o mundo ocidental estaria disposto a entrar
em guerra para preservar o acesso aos seus recursos, tratar -se -ia notoriamente
da África Austral e da República Democrática do Congo. A importância estra-
tégica destas regiões diz respeito a uma combinação de fatores econômicos e
geopolíticos
2
.
Em relação à questão racial na África Austral, podemos afirmar que a sub-
-região apresenta -se como o último grande campo de batalha do confronto
racial no continente
3
. Mas, como pano de fundo da evolução desta região afri-
cana, dissimula -se uma tragédia mundial, a estranha história da reencarnação de
um demônio político. Se os anos compreendidos entre 1935 e 1945 marcaram o
sucesso de uma luta mundial contra o fascismo e a perseguição racial na Europa,
o ano de 1948 representa um marco no avanço de uma nova forma de fascismo
e de perseguição racial na África, modalidade esta que receberia o nome de
apartheid. Com a derrota de Hitler e de Mussolini, na primeira metade dos anos
1940, a “supremacia ariana e a política do genocídio haviam conhecido o revés
decisivo na Europa. Em contrapartida, no ano de 1948, o triunfo do Nationalist
Party, na África do Sul, foi uma vitória para a “supremacia branca” e favoreceu
a concretização de um genocídio no sul da África. O hitlerismo reencarnava -se
em solo africano. “O Fuhrer está morto! Viva o Fuhrer!”
É evidente que os africanos não aceitariam este renascimento com resigna-
ção. A cruzada armada final contra o “fascismo e o “nazismo”, travada à época,
reveste -se de um particular significado, associando a luta contra o apartheid à
ação, todavia inconclusa, da Segunda Guerra Mundial. O presente capítulo
refere -se, parcialmente, a esta cruzada moral, sob todas as suas formas políticas
e religiosas
4
.
Este capítulo também intenta reposicionar, historicamente, a política econô-
mica do colonialismo europeu e as reações, por ela suscitadas, junto aos africanos
da África Austral
5
. Ele versará, especialmente, sobre as relações históricas e a
interdependência existentes, na África Austral colonial, entre, por um lado, as
bases econômicas, as classes e os seus respectivos interesses e, por outra parte,
as ideologias, as estruturas e as instituições políticas.
2 Para maiores detalhes, conferir D. CHANAIWA, 1976A; M. MORRELL, 1971; C. KADALIE, 1971;
W. M. MACMILLAN, 1963 e 1970; T. KARIS e G. M. CARTER, 1977.
3 D. D. T. JABAVU, 1920. Conferir também P. DUIGNAN e L. H. GANN, 1973; G. S. P. FREEMAN-
-GRENVILLE, 1973.
4 Para detalhamentos sobre as igrejas separadas e o etiopismo, conferir B. SUNDKLER, 1961; assim como
D. CHANAIWA, 1980.
5 Conferir P. DUIGNAN e L. H. GANN, 1973.
298
África desde 1935
O apartheid em seu contexto histórico
Na África do Sul, à imagem da Rodésia do Sul, a questão crucial era a luta
dos europeus para conservarem o seu monopólio econômico sobre as terras, os
recursos minerais, os empregos e os serviços sociais, bem como para jugular a
concorrência e o nacionalismo africanos. Em particular, os brancos pertencentes
à burguesia rural e à classe operária urbana esperavam, do capitalismo de Estado
e de um poder colonial vigilante, a proteção dos seus privilégios econômicos
raciais vis -vis da concorrência africana, real ou suposta
6
.
Os colonos rurais pretendiam a votação de leis que preservassem as terras,
as minas, a produção e os serviços agrícolas de qualquer concorrência africana,
se lhes reservando, todavia, a disponibilidade de uma mão de obra africana a
custos reduzidos. Os mineiros, os técnicos, os transportadores, os funcionários
públicos e os profissionais liberais brancos, por sua vez, defendiam uma legis-
lação que os colocasse ao abrigo da concorrência dos trabalhadores africanos,
mantivesse a escassez de competências e, desta forma, aumentasse e reforçasse
a sua representação no âmbito das negociações coletivas, bem como o seu peso
político. Estas leis deveriam, simultaneamente, assegurar -lhes um elevado nível
de vida, reservando aos africanos a maior incidência das cargas fiscais.
Nos anos 1930, cada um dos dois Estados coloniais adotara um arcabouço
legislativo segregacionista. Na África do Sul, o Native’s Land Act [lei relativa às
terras indígenas], o Group Areas Act [lei concernente às zonas domiciliares] e o
Industrial Conciliation Act [lei referente aos procedimentos de conciliação traba-
lhista na indústria]; por outra parte, na Rodésia do Sul, o Land Apportionment
Act [lei sobre a repartição das terras], o Industrial Conciliation Act [lei referente
aos procedimentos de conciliação trabalhista na indústria], o Natives Registration
Act [lei tangente ao registro civil dos indígenas] e o Masters and Servants Act [lei
tocante às relações entre mestres e auxiliares]. Estas leis visavam:
• privar os africanos das suas terras e dos seus recursos minerais;
• criar uma mão de obra africana de baixa remuneração;
• controlar os movimentos dos trabalhadores africanos;
• eliminar a concorrência inter -racial.
Os Industrial Conciliation Acts, adotados pela África do Sul e pela Rodésia
do Sul, codificavam as relações entre empregadores e empregados, em todos
os setores da indústria, da economia em geral e no seio de todas as categorias
6 Conferir, por exemplo, G. ARRIGHI, 1970.
299
A África Austral
profissionais. Mas, eles não reconheciam aos trabalhadores africanos o estatuto
de empregado, nem o direito à sindicalização. Eles somente autorizavam a
criação de conselhos trabalhistas nos quais tomariam assento empregadores
e trabalhadores brancos, encarregados de negociar, em nome dos africanos, os
acordos salariais, as condições de trabalho e a seguridade social. Os africanos
estavam excluídos dos programas de aperfeiçoamento profissional, eram priva-
dos do direito de greve e não se lhes era permitida a participação em negociações
coletivas. Segundo os termos do Workmens Compensation Acts [leis sobre as
indenizações relativas aos acidentes de trabalho], em vigor nos dois países, eles
não gozavam do direito, nem às pensões da aposentadoria, nem aos cuidados
hospitalares, nem tampouco às medidas de prevenção contra os acidentes de
trabalho, as quais não se lhes eram aplicáveis.
Assim, em matéria de política econômica, os brancos da África Austral
votavam não como capitalistas, produtores agrícolas, empregados ou proletários
mas, por serem brancos. Os trabalhadores brancos haviam fundado sindicatos
de ferroviários e de mineiros, bem como partidos operários fechados às outras
raças. Todos os empregos qualificados ou com salários elevados e todos os postos
de direção eram reservados aos brancos. Numerosas repartições para -estatais de
comercialização de leite, de carne, de milho, de tabaco, de algodão, de minerais e
outros, nesta mesma região, haviam sido criadas pelos brancos os quais, delibera-
damente, boicotavam os produtos africanos, de forma a eliminar a concorrência
dos agricultores e fabricantes negros.
A repartição das terras entre europeus e africanos era sistematicamente con-
cebida para privar os segundos dos seus recursos e da sua independência econô-
mica, relegando -os às reservas rurais improdutivas e aos guetos urbanos. Através
desta política ruralista e de segregação que visava propositalmente empobrecê-
-los, os colonos condenaram os africanos a um estado de subdesenvolvimento
e dependência, forçando -os a trabalharem para os brancos, caso desejassem,
simplesmente para sobreviver.
No limiar da Segunda Guerra Mundial, criara -se uma lida relação de
interdependência entre a zonas centrais, ocupadas pelos colonos, e as regiões
periféricas, a saber, os territórios da Alta Comissão Britânica da Bazutolândia
(atual Lesoto), da Bechuanalândia (a atual Botsuana) e da Suazilândia, os prote-
torados britânicos da Rodésia do Norte (atual Zâmbia) e da Niassalândia (atual
Malaui) e as colônias portuguesas de Angola e, com maior ênfase, de Moçam-
bique. Em virtude dos desafios político -econômicos que eles representavam e
da sua situação geográfica, a Bazutolândia, a Bechuanalândia e a Suazilândia
300
África desde 1935
tornaram -se, no plano econômico, os primeiros bantustões” criados na periferia
da África do Sul
7
.
Do ponto de vista econômico, a Bazutolândia formava um enclave no ter-
ritório sul -africano, onde os raros europeus eram, em sua maioria, funcionários
governamentais, comerciantes e missionários, e no qual a agricultura e a criação
de animais não dispunham senão de terras empobrecidas pela erosão. A Bechua-
nalândia era, essencialmente, um vasto deserto economicamente dependente da
pecuária bovina e das rendas provenientes da mão de obra migrante. A Suazilân-
dia era o mais viável dos três territórios, com um solo fértil, ricas jazidas de ferro,
de amianto e de estanho, bem como uma silvicultura e um sistema de irrigação
relativamente bem desenvolvidos. Mas, os europeus se haviam atribuído boa
parte das mais ricas terras.
A colônia portuguesa de Moçambique extraia os seus recursos de uma econo-
mia de plantation, centrada na exportação, na qual as propriedades rurais estatais
coexistiam com as unidades produtivas privadas. Os rodesianos pagavam direitos
aduaneiros e taxas para a utilização da malha rodo e ferroviária, bem como do
porto de Beira (Sofala) e, no que diz respeito aos sul -africanos, incidia -lhes a
mesma taxação para a utilização do porto de Lourenço Marques (Maputo).
Todas estas rendas eram obtidas junto a uma mão de obra migrante
8
. O pro-
tetorado britânico da Niassalândia − a bela “Cinderela dos protetorados” não
era menos pobre e superpovoado. Os europeus que lá viviam − em sua maioria,
funcionários, comerciantes e missionários não ultrapassavam 2.000 indivíduos,
em 1937. Os colonos não se encontravam menos tentados em procurar terras e
uma mão de obra africana de baixa remuneração, neste território não havia nem
reservas, nem pass laws [lei do passe livre ou do livre trânsito]. A economia, na
Rodésia do Norte, estava fundada na monocultura e em uma indústria mineira
voltada para a exportação, concentrada na Cooper Belt. A pequena comunidade
europeia residente no país compunha -se de cnicos mineiros, funcionários
públicos, comerciantes e missionários, os quais não tinham pretensão alguma em
estabelecerem -se de forma permanente. Todavia, empregos e serviços estavam
submetidos a certa concorrência inter -racial, de forma a ser possível encontrar
neste país, embora em menor escala, comparativamente à África do Sul e à
Rodésia do Sul (atual Zimbábue), um sistema de reservas e de pass laws, assim
7 Para as relações históricas de Botsuana, Lesoto e Suazilândia com a África do Sul, conferir R. P. STE-
VENS, 1967; J. E. SPENCE, 1964; Migrant labour in Africa south of the Sahara, 1961.
8 Migrant labour in Africa south of the Sahara, 1961; J. DUFFY, 1962; J. SYKES, 1971; C. F. SPENCE,
1951; L. B. SERAPIÃO e M. A. EL -KHAWAS, 1979.
301
A África Austral
como uma mão de obra migrante, recrutada na Niassalândia, na Tanganyika e
no Congo belga.
A mão de obra migrante
Evidentemente, os milhares de homens e mulheres africanos que deixavam
a sua terra natal para trabalhar nas minas, nas unidades produtivas agrícolas e
nas minas da África do Sul e da Rodésia do Sul, eram regidos por múltiplas
motivações
9
. A explicação, mais genérica e frequente, consiste, bem entendido,
em dizer que eles eram conduzidos por considerações econômicas: o subdesen-
volvimento, o desemprego, o baixo nível de vida e a pobreza generalizada que se
abatiam sobre os seus países, em contraste com o impulso e o desenvolvimento
econômicos, os numerosos empregos disponíveis, o elevado nível de vida dos
brancos e a existência de grandes atrativos, por eles esperados nos países de
destino. Mas, o recrutamento da mão de obra migrante era um dos aspectos
mais regulamentados das relações entre os países da África Austral.
Numerosos agentes de recrutamento atuantes na Bazutolândia, na Bechua-
nalândia, na Suazilândia, em Moçambique, Angola e Niassalândia enganavam
intencionalmente os camponeses analfabetos, concedendo -lhes adiantamentos
em dinheiro e em produtos, encantando -os pelo contato com as maravilhas da
vida urbana na África do Sul e na Rodésia do Sul. Os candidatos aos postos de
trabalho eram abrigados e alimentados nos campos transicionais, instalados nos
países de imigração; após uma entrevista e um exame médico, os contratados
para o trabalho nas minas, nas propriedades rurais e nas usinas, eram conduzidos.
Após um período de 12 a 18 meses de trabalho, os migrantes eram repatriados
pelos mesmos serviços utilizados na ida.
As colônias exportadores desta mão de obra eram estimuladas por algumas
vantagens econômicas: recebimento de direitos concernentes aos passaportes e
aos atestados de alistamento, pagamentos diferenciados e impostos de case”,
situações que constituíam a oportunidade de acumular moeda estrangeira.
Em Moçambique, os portugueses não hesitaram em empregar a força bruta
para recrutar trabalhadores migrantes africanos
10
. Para facilitar esta flagrante
exploração dos africanos, os portugueses assinaram dois acordos: o primeiro, a
9 Migrant labour in Africa south of the Sahara, 1961.
10 Ibid.; J. DUFFY, 1962; J. E. SPENCE, 1964.
302
África desde 1935
Mozambique Convention, com a África do Sul, em 1928, e o outro, o Tete Agre-
ement, com a Rodésia do Sul, em 1934
11
.
É difícil avaliar o número total de homens, mulheres e crianças que, nos
países de origem e destino, foram submetidos a este sistema e dele sofreram
as consequências. No auge deste peodo, a África do Sul empregava, anu-
almente, cerca de 600.000 trabalhadores migrantes e a Rodésia do Sul por
volta de 250.000. Entre os países fornecedores de mão de obra, a Niassalândia
tomava a dianteira com mais de 280.000 migrantes registrados por ano, seguida
por Moçambique (cerca de 220.000 migrantes), pela Bazutolândia (cerca de
210.000), pelo Botsuana (cerca de 60.000), pela Zâmbia (cerca de 40.000) e pela
Suazilândia (cerca de 30.000). Os dados oficiais não levam em conta as pessoas
falecidas nos campos transicionais nem, a fortiori, os numerosos trabalhadores,
clandestinamente ingressos na África do Sul e na Rodésia do Sul, por itinerários
e meios improvisados.
Este recurso a uma mão de obra migrante teve consideráveis consequências
para a África Austral. Em primeiro lugar, ele concedeu ao desenvolvimento
histórico e cultural de toda esta parte do continente, um caráter distinto. Em
seguida, ele contribuiu para reforçar a dependência dos países exportadores
de mão de obra diante dos países de destino. Ele provocou, relativamente aos
primeiros, uma desorganização generalizada da sociedade, caracterizada pela
desintegração do núcleo familiar, o aumento dos nascimentos de filhos ilegíti-
mos e dos divórcios, bem como o avanço do subdesenvolvimento − todos efeitos
do desequilíbrio demográfico resultante do prolongado afastamento de grande
número de homens adultos.
Desta forma, no limiar da formalizão do apartheid, a África Austral
caracterizava -se por uma política fundada na desigualdade, no racismo, na
exploração e na repressão, assim como pela existência de uma minoria que se
apoderava da riqueza e do poder em meio a uma massa de indigentes. Na Rodé-
sia do Sul, os operários brancos e a burguesia rural formavam uma coalizão
solidamente erguida com base nestes privilégios.
Na África do Sul estas duas categorias sociais, compostas majoritariamente
por africâneres, haviam criado o Nationalist Party
12
para concorrer com o Uni-
ted Party, representante da burguesia, dos profissionais liberais e do capitalismo
internacional branco das cidades, por sua vez, majoritariamente anglófono. Os
11 Migrant labour in Africa south of the Sahara, 1961.
12 S. TRAPIDO, 1970; W. R. DUGGAN, 1973; W. M. MACMILLAN, 1963; G. CARTER, 1959; T.
D. MOODIE, 1975; J. H. P. SERFONTEIN, 1979.
303
A África Austral
desentendimentos entre ingleses e africâneres, durante a escolha dos métodos
mais eficazes a serem adotados no intuito de manter a supremacia dos brancos
diante dos negros, esta disputa conduziu à vitória, nas eleições de 1948, do
National Party, liderado pelo Doutor Malan.
Simultaneamente, os africanos reagiam à expansão do colonialismo na África
Austral, criando partidos políticos, como o African National Congress of South
Africa e o African National Congress of Southern Rhodesia; organizando asso-
ciações independentes de assistência e ajuda mútua; formando sindicatos, tais
como o Industrial and Commercial Workers Union da África do Sul e da
Rodésia do Sul; bem como, fundando Igrejas separatistas ou “etíopes”
13
.
Os dirigentes destes partidos políticos, oriundos da elite cristã formada pelas
missões, também estavam profundamente ligados aos princípios do individu-
alismo, do capitalismo, da não violência, do antirracismo e do universalismo.
O seu principal objetivo era o reconhecimento da “igualdade de direitos para
todos os homens civilizados, sejam quais fossem a sua raça e a sua cor”; eles
enfrentavam -se por meio de resoluções constitucionais, pelo envio de delegações
e telegramas, por ocasião de sermões e reuniões, assim como pelo conteúdo das
suas brochuras programáticas. Estes dirigentes tinham como aliados os liberais
e os missionários brancos. O seu erro consistia em identificar no colonialismo,
antes de tudo, uma tragédia humana e não um sistema econômico sem alma,
fundado na desigualdade racial e, com astúcia organizado. Na África do Sul,
particularmente, a rivalidade política entre colonos ingleses e africâneres não era,
aos seus olhos, senão um desentendimento moral e escapava -lhes o consenso
ideológico fundamental sobre a questão da supremacia branca.
Os sindicalistas africanos tinham, por sua vez, preocupações, antes, de ordem
material e imediatas: salários, condições de trabalho e de moradia, discriminação
racial, direito de greve e de representação nas negociações coletivas. A despeito
dos impedimentos legais, os trabalhadores africanos organizavam greves em prol
destas reivindicações.
Certo número de pregadores e laicos, formados pelas missões, romperam
com os padres brancos, de quem eles não mais aceitavam o autoritarismo racista
e paternalista, além de fundarem Igrejas em separado, as quais conservavam a
doutrina e a liturgia cristãs. Outros elementos foram mais adiante, eles rompe-
ram com as Igrejas cristãs africanas mas, também pregaram a poligamia, a vida
em comunidade, o puritanismo no que tange às bebidas alcoólicas, ao tabaco, à
13 Conferir, por exemplo, D. CHANAIWA, 1976a; C. KADALIE, 1971; P. WALSHE, 1971; E. FEIT,
1967.
304
África desde 1935
dança e, ainda, às vestimentas. Eles defendiam a rejeição e o boicote completos
da cultura ocidental e dos seus valores. Este movimento religioso é conhecido
sob o nome de etiopismo
14
e os seus adeptos foram chamados os Vapositori.
Por ocasião das eleições gerais de 1948, na África do Sul, o United Party,
liderado por Smuts, e o Nationalist Party, tendo à sua frente o Doutor Malan,
enfrentaram -se com respeito às questões econômicas, ao perigo negro” e aos
sentimentos pró -britânicos e pró -domínio, opostos aos sentimentos pró -nazistas
e pró -republicanos. Malan e o seu Nationalist Party ganharam as eleições e ins-
tituíram oficialmente o apartheid e o republicanismo. A África do Sul se retirou
do Commonwealth e proclamou -se república independente, em 1961.
Do ponto de vista econômico, a Segunda Guerra Mundial provocou um novo
crescimento e também um novo boom econômico que colocaram um fim à crise
e à estagnação dos anos 1930. A desestabilização militar e econômica da Europa
e a ocupação, pelos japoneses, das colônias europeias na Ásia, ocasionaram uma
forte demanda por matérias primas, assim como, por produtos alimentares, fru-
tas, minerais e madeiras para a construção civil, produtos acabados, destinados
ao aprovisionamento e às demandas militares, por equipamentos para as escolas,
por meios de abastecimento em combustíveis e por serviços de saúde, na África
Tropical. Graças à infraestrutura existente na África do Sul e na Rodésia
do Sul, à sua mão de obra migrante e ao seu clima favorável, a África Austral
respondeu com facilidade a estas novas necessidades.
A guerra não se traduziu somente pelo crescimento econômico, pela prospe-
ridade e pela geração de empregos, ela também provocou o surgimento de novas
classes e, por conseguinte, novos conflitos. Na comunidade branca da África
do Sul e da Rodésia do Sul, ela conferiu um papel de crescente importância
aos representantes das empresas transnacionais Anglo -American Corpora-
tion, Tanganyika Concessions, British South Africa Company, Lonhro, entre
outras às quais, não contentes em intensificar a sua exploração nas minas da
África do Sul, da Rodésia do Sul e do Katanga, investiram na indústria do setor
açucareiro e frutífero, na pecuária e na silvicultura. O setor industrial urbano,
até então pouco desenvolvido, apresentou uma forte expansão, integrou -se e
automatizou -se, reforçando, pela mesma ocasião, o peso socioeconômico relativo
da burguesia urbana, em detrimento da burguesia rural tradicional.
A burguesia urbana branca da época igualmente tencionava concorrer com
as importações, oferecendo produtos locais a preços competitivos, tais como,
14 B. SUNDKLER, 1961.
305
A África Austral
farinhas, açúcar, óleo, roupas, sapatos, doces, pães e geleias, destinados à nova
classe média africana, ao proletariado urbano e aos camponeses. Diferentemente
da burguesia rural que trabalhava para a exportação, a burguesia das cidades
pretendia ver o desenvolvimento de uma mão de obra africana qualificada com
um maior poder de compra. Uma aliança de fato entre a burguesia branca das
cidades, a classe média negra e o proletariado urbano africano insinuava -se em
oposição à coalizão tradicional da burguesia rural e da classe operária branca.
No seio da população africana, a guerra teve como efeito o aumento da
importância numérica e do peso relativo de uma nascente classe média, com-
posta por homens de negócio, membros das profissões liberais, professores,
pregadores, assim como pequenos proprietários agrícolas ou pequenos empre-
endedores da construção civil. Estas categorias sociais permaneciam ligadas à
urbanização, à ocidentalização, à legalidade constitucional e ao antirracismo. A
guerra criou, ademais, um vasto proletariado urbano composto de operários e
antigos combatentes cuja consciência política se desenvolvera, levando -os a exi-
gir, com força redobrada, uma melhoria nos salários, nas condições de trabalho,
na seguridade social, na sua representação nas negociações coletivas, bem como
o reconhecimento dos seus direitos fundamentais. Em ausência de seguridade
social, de indenização em caso de acidente de trabalho e de um sistema de
aposentadorias, os proletários das cidades conservavam estreitas ligações com
os seus parentes das regiões rurais, a fim de precaverem -se contra as doenças e
o desemprego, bem como para encontrarem um apoio no momento da chegada
à velhice. A esmagadora maioria da população negra era, todavia, formada por
camponeses, produtores do estrito necessário à sua sobrevivência.
As forças motrizes da mudança na
África Austral de 1948 a 1960
A década imediatamente posterior à guerra foi marcada no continente
pelos conflitos e as mudanças provocadas pelo enfrentamento dos nacionalistas
africanos e europeus. Este período testemunha o desenvolvimento, em escala
continental, de um fenômeno ao qual denominou -se “nacionalismo africano
ortodoxo”. Da cidade do Cabo ao Cairo, os africanos protestaram pelo fim da
dominação colonial, pela extinção do racismo, pela derrubada do imperialismo
e em prol da passagem para o estádio de uma independência política, fundada
sobre a decisão da maioria, o sufrágio universal e a democracia parlamentar.
Eles criaram organizações de massa que recrutavam em meio, tanto ao prole-
306
África desde 1935
tário urbano quanto à massa camponesa e lançavam manifestações, boicotes e
greves. Estes militantes reivindicavam -se do panafricanismo e da negritude, e
preconizavam a criação dos Estados -Unidos da África.
Na África do Sul, a organização dominante era o African National Congress
(ANC) [Congresso Nacional Africano (CNA)], cujo mais eloquente e popular
porta -voz foi o chefe Albert Luthuli, laureado com o prêmio Nobel da Paz
15
.
Conquanto permanecesse fiel aos seus objetivos e aos seus métodos, próprios ao
período entreguerras, o CNA endureceu o tom e multiplicou as manifestações.
Entretanto, ele perdia espaço político para o Partido Comunista Sul -Africano
e para a Liga da Juventude do CNA, cujo número de militantes aumentava.
A Liga da Juventude fora fundada em 1943, por Aton Muziwakhe Lembede,
reunindo os africanos decepcionados frente à aliança do CNA com os brancos
liberais e, igualmente, contrários à recusa destes últimos em tomar posição, clara
e favoravelmente, ao princípio da decisão majoritária e ao sufrágio universal.
Em 1949, o CNA formou com os indianos, os mestiços e os brancos liberais
uma Aliança dos Congressos que elaborou um Programa de Edificação da
Nação”. Em 1952, o CNA e os seus aliados organizaram, em escala nacional,
uma campanha de protestos durante a qual 8.500 pessoas foram arrestadas.
Em 1955, um Congresso dos Povos, no qual africanos, mestiços, indianos
e brancos estavam representados, adotou uma “Carta das Liberdades para a
África do Sul Democrática do Futuro”, preconizando uma África do Sul livre,
unida e não racista, e deliberou uma Declaração dos Direitos Fundamentais da
Pessoa Humana.
Diante da unidade e da militância dos negros, o governo nacionalista decidiu
aplicar medidas reacionárias e repressivas − interdição do direito à reunião, vigi-
lância e perseguição policiais, dissolução dos partidos políticos, tortura, prisão
domiciliar e encarceramento de militantes. Com o apoio tácito do United Party
e do Progressive Party, o Parlamento exclusivamente branco votou uma série
de leis repressivas:
• o Group Areas Act [lei sobre as zonas de residência] em 1950, que instituía
a segregação de todos os sul -africanos, em função da sua raça;
• o Suppression of Communism Act [lei sobre a repressão ao comunismo]
em 1950, segundo o qual era suposto comunista toda pessoa ou toda
organização crítica ao apartheid ou militante em favor das teses antir-
15 Ver, por exemplo, P. WALSHE, 1971; A. LUTHULI, 1962.
307
A África Austral
racistas ou das liberdades individuais. O próprio Partido Comunista foi
banido em 1950;
• o Native Labour (Settlement of Disputes) Act [lei sobre a mão de obra
indígena (mediação de conflitos)] em 1953, o qual arrancava dos tra-
balhadores africanos o direito à sindicalização e a empreenderem nego-
ciações coletivas;
• o Criminal Law Amendment Act [emenda ao digo penal] em 1953,
nos termos do qual o fato de criticar uma lei ou apoiar uma campanha
dirigida contra ela tornava -se uma infração;
• o Mines and Works Act [lei sobre as minas e as usinas] em 1956, que
barrava aos africanos qualquer acesso a postos qualificados nas minas.
Em 1954, as leis repressivas e as violências policiais não foram suficientes
para quebrar a determinação dos africanos; o governo nacionalista, dirigido por
H. F. Verwoerd, encarregou a comissão Tomlinson de propor outras soluções.
Esta comissão recomendou a famosa política dos bantustões e as suas propos-
tas conduziram, em 1959, à adoção do Bantu Self -Government Act [lei sobre a
conquista, pelos bantu, da autonomia interna], bem como à criação da Bantu
Investment Corporation. Segundo os termos desta lei, os africanos eram rea-
grupados em homelands [lares nacionais] que deveriam permitir -lhes alcançar
o desenvolvimento em separado. Estas estruturas correspondiam aos grupos
étnicos tradicionais zulu, sotho, xhosa, tswana, tsonga e venda e detentores
de certa autonomia interna, à África do Sul branca cabia conservar, por sua vez
e por intermédio de um administrador, a última palavra em matéria de defesa,
de segurança interna, de relações internacionais e de orçamento.
A política dos bantustões estava essencialmente fundada sobre o princípio
“dividir para reinar”: ela visava balcanizar o nacionalismo africano e ganhar
tempo, consolidando, todavia, a supremacia branca. O objetivo intentado era
reanimar e reativar as rivalidades étnicas da época do Mfecane, provocando
o ressurgimento de todos os fatores de unidade cristianismo, educação,
casamentos inter -raciais, urbanizão e nacionalismo. Ao mesmo tempo, todo
desempregado e qualquer “agitador político era conduzido ao seu bantustão
de origem. Juridicamente, todos os africanos habitantes no território da África
do Sul branca tornavam -se residentes temporários, sem nenhum direito a
gozar das liberdades vicas ou a possuir bens. A ocupão ilegal das terras,
os conflitos de arrendamento, os conflitos pessoais, a falta de alojamentos,
todos estes problemas se regulavam através do repatriamento forçado para os
bantuses.
308
África desde 1935
A política dos bantustões não logrou êxito em abafar o nacionalismo africano
mas, ela acentuou as divisões entre os próprios sul -africanos, provocando cisões
no seio dos diferentes grupos étnicos e raciais. O nacionalismo de novo tipo,
encarnado por homens novos, desenvolveu -se nos bantustões. Alguns dentre
os seus dirigentes, particularmente os chefes Kaiser Matanzima, no Transkei, e
Gatsha Buthelezi, no Kwa Zulu, adquiriam popularidade nacional e internacio-
nal. Eles começaram a exigir a independência total, disposição que não estava
em medida de ser concedida pela África do Sul branca. No plano econômico, os
bantustões apresentaram -se como as modernas versões das reservas africanas de
outrora: a superpopulação de homens e gado, a erosão, o subdesenvolvimento, o
desemprego, a pobreza e a desesperança lá permaneciam os mesmos; aos jovens
africanos não se lhes concedia outra escolha senão oferecer a sua força de tra-
balho aos brancos, em empregos mal remunerados.
Como sublinhado, em setembro de 1953, por Nelson Mandela durante a
sua intervenção diante da convenção do CNA, do qual ele era o presidente, não
existia, para os negros da África do Sul,nenhum caminho totalmente traçado
rumo à liberdade”. Em 1956, após uma manifestação não violenta, 156 dirigen-
tes foram detidos e julgados durante um processo que tornar -se -ia célebre com o
nome de Treason Trial [processos por traição], a se prolongar até março de 1961.
Como na maior parte dos longos e complexos combates históricos, divergências
apareceram na direção do CNA, em respeito a qual seria a atitude, mais justa
e eficaz, a ser tomada diante das violências e das repressões dos brancos. Estas
divergências estiveram à origem da criação do Pan African Congress (PAC),
em abril de 1959.
À imagem do escrito pelo seu presidente e fundador, Robert Mangaliso
Sobukwe, no The Africanist , o PAC considerava a África do Sul como um país
africano e se fixava como objetivos colocar um ponto final à supremacia branca
e fazer triunfar o panafricanismo. Ele opunha -se a uma política multirracial,
dirigida pelos brancos, os quais, aos seus olhos, eram todos acionistas da Socie-
dade Anônima dos Opressores da África do Sul”. Ao mesmo tempo, militantes
decepcionados com o multirracial South African Congress of Trade Unions
que apoiava o CNA, criaram uma federação sindical exclusivamente africana, a
Federation of Free African Trade Unions of South Africa (FEFATUSA). De
uma maneira geral, o CNA e o PAC recrutavam os seus militantes em meio
às mesmas camadas sociais classe média, proletariado e massas camponesas.
Os estudantes e os intelectuais progressistas tinham, todavia, tendência a aderir
preferencialmente ao PAC.
309
A África Austral
 . Robert Mangaliso Sobukwe, presidente e fundador do Pan -African Congress (PAC), em 1963.
(Foto: Topham, Londres.)
F . Massacre de Sharpeville, na África do Sul, em 28 de março de 1960. (Foto: e Hulton -Deutsch
Collection, Londres.)
310
África desde 1935
O PAC declarou o ano de 1960 como Ano dos objetivos, da ação potica,
da indepenncia e da autodeterminação” e decidiu laar, em 21 de março
do mesmo ano, uma “campanha positiva e decisiva contra as pass laws. Em
uma circular do PAC, intitulada Calling the Nation [Chamado à não],
Sobukwe convocava os homens de todas as cidades e de todos os vilarejos
a saírem sem o seu passe -livre, a juntarem -se às manifestações e, em caso
de prisão, não fornecer nem fiaa, nem defesa, nem multa”. Esta circular
reclamava a abolição total do passe -livre e um sario nimo nacional de
35 libras esterlinas.
Uma destas manifestações, ocorridas em todo o país, acabou tragicamente.
Em Sharpeville, um cordão de policiais brancos, armados de fuzis, bombas
de gás lacrimoneo e acompanhados de cães policiais, abriu fogo contra
uma multidão de 10.000 a 20.000 pessoas,desarmadas, bem intencionadas e
pacíficas”, provocando 72 mortes e 186 feridos, dentre os quais 40 mulheres
e 8 criaas.
Como era possível esperar, o governo atribuiu estas manifestações a um
complô comunista e baniu o PAC e o CNA. Nelson Mandela, Walter Sisulu
e outros membros do CNA fundaram então um movimento clandestino, o
Umkonto we Sizwe [A Ponta de Lança da Nação]. O seu quartel -general, em
Rivonia, perto de Johanesburgo, foi objeto de uma operação policial em 1963
e, após o processo apelidado de Rivonia, os seus dirigentes foram condenados
à pena de morte em Robben Island. O POQO, outro movimento clandestino
fundado pelo PAC, não tardou em também ser esmagado. Os militantes do PAC
e do CNA foram forçados a entrar na clandestinidade e a instalar as suas bases
operacionais fora dos limites do território sul -africano. Não restava senão um
importante núcleo de resistência no interior do território sul -africano, o Black
Consciousness Movement [Movimento da Consciência Negra], dirigido por
Steve Biko.
A Federação da Rodésia e da Niassalândia
Durante dez anos, de 1953 a 1963, a Rodésia do Sul, a Rodésia do Norte e
a Niassalândia formaram uma Federação, nascida sob a ão de um conjunto
de fatores e de grupos de interesse
16
. O governo da Grã -Bretanha procurava
opor -se aos sentimentos antibritânicos, p-republicanos e p-apartheid dos
16 Ver, por exemplo, P. KEATLEY, 1963; D. CHANAIWA, 1976b; L. BOWMAN, 1973.
311
A África Austral
africânderes, criando um domínio pró -britânico e multirracial nas fronteiras
da África do Sul. Os capitalistas internacionais brinicos e sul -africanos
desejavam, quanto a eles, poder transferir os seus capitais no interior desta
Federação, caso os afrinderes nacionalizassem as suas empresas. Enfim, as
minorias brancas anglófonas, das duas Rodésias e da Niassandia, haviam
renunciado a se aliar a uma África do Sul dominada pelos africânderes, con-
tando com a Federão para conter o nacionalismo africano na Rodésia do Sul
e impedir, ainda em tempo, a independência dos protetorados da Rodésia do
Norte e da Niassalândia que, aos seus olhos, evocava o espectro do comunismo
e dos nacionalismos.
Os africanos da Rodésia do Norte e da Niassalândia estavam, em sua totali-
dade, em oposição à Federação, tendo consciência que ela consagraria a supre-
macia dos colonos na Rodésia do Sul e poria fim ao estatuto de protetorado
e à autonomia do seu país. De uma maneira geral, os africanos da Rodésia do
Sul não projetavam esta Federação sem certa inquietação, pois eles imaginavam
que a associação multirracial (partner -ship), um dos seus objetivos proclamados,
corria o risco de reforçar o colonialismo e o racismo brancos.
A Federação era regida por uma Assembleia Federal e por três assembleias
territoriais, as quais consistiam os únicos fóruns competentes no que tange aos
assuntos africanos, como a questão da habitação, os passes -livres e o ensino
primário. Em nível federal, os interesses africanos estavam representados por
um Ofício Multirracial dos Assuntos Africanos.
Globalmente, a Federação conheceu, no imediato pós -guerra, um no-
vel desenvolvimento econômico, uma extraordinária captação de capitais
estrangeiros e um considerável afluxo de imigrados brancos. De 1946 a
1960, a Rodésia do Sul, a Rosia do Norte e a Niassalândia viram as suas
populações brancas aumentarem, em número e respectivamente, de 82.000
para 223.000, de 22.000 para 76.000 e de 2.400 para 9.000 habitantes. A
Federação construiu a barragem e a central hidrelétrica de Kariba, mun-
dialmente conhecidas, fundou a Universidade da Rodésia e da Niassandia,
inaugurou rias escolas cnicas e aumentou consideravelmente o sistema
de redes de comunicão.
Mas, esta prosperidade econômica não fazia senão avivar o sentimento de
traição e o desencantamento junto à população negra, pois que, a maior parte
das riquezas, dos empregos e dos salários eram reservados aos brancos, sem
que as leis colonialistas e racistas fossem, em nada, amenizadas. Com o recuo,
estava nítido que a Federação estava condenada ao fracasso pela simples e clara
incompatibilidade entre o colonialismo branco e o partnership [associação] mul-
312
África desde 1935
tirracial. Graças a esforços planejados, o Nyasaland African Congress, do Doutor
Hastings Banda, o Northern Rhodesia African Congress, de Harry Nkumbula
e Kenneth Kaunda, e o Southern Rhodesia African National Congress, dos
líderes Joshua Nkomo, Ndabaningi Sithole e Robert Mugabe, mobilizaram
rapidamente um poderoso movimento de resistência à Federação. A comissão
Monckton, encarregada pelos britânicos de por em prática pesquisas de opinião
sobre a situação da Federação, concluiu que “o partnership era uma impostura”.
Após a dissolução da Federação, em 1963, dois dentre os seus membros conquis-
taram a independência, a Niassalândia, no mesmo ano, sob o nome de Malaui
e a Rodésia do Norte, no ano seguinte, com o nome de Zâmbia
17
.
Na Rodésia do Sul, a burguesia urbana branca tentara, no imediato s -guerra,
conter o nacionalismo militante do proletariado urbano e das massas camponesas
africanas, favorecendo a integração e a assimilação parciais da nova classe média
negra, por uma política fundada sobre o partnership, o reconhecimento do direito
de voto em função do nível de instrução e de riqueza, assim como um tratamento
preferencial no domínio da educação, da habitação, da saúde, dos negócios e da
agricultura. A burguesia urbana fracassou porque a sua política de assimilação
aplicar -se -ia demasiado tardiamente e, também em razão disto, oferecia muito
pouca chance em lograr êxito. Quando a classe média africana aliou -se às massas,
a burguesia branca das cidades encontrou -se exposta aos ataques da burguesia
rural e da classe operária branca que, sob o estandarte do Dominion Party, cla-
mavam pelos interesses racio -econômicos do eleitorado branco.
Desencantada, a burguesia urbana empreendeu, para manter -se no poder, um
aniquilamento do nacionalismo africano e deu garantias aos brancos
18
. Seguindo
o exemplo da África do Sul, o Parlamento branco votou uma série de leis repres-
sivas dentre as quais a célebre Law and Order (Emergency Powers) Maintenance
Act [lei sobre a manutenção da ordem com poderes de exceção]. Em 1957,
o Primeiro -Ministro Garfield Todd, acusado de ser negrófilo”, foi forçado a
demitir -se. Dois anos mais tarde, o seu sucessor Edgar Whitehead organizou
prisões em massa, no quadro da operação Sunrise, computou 500 prisões de
lideranças do African Nacional Congress, interditando -o. Os africanos respon-
deram a estas medidas, fundando novamente esta organização, em 1
o
de janeiro
de 1960, sob o nome de National Democratic Party (NDP).
17 P. KEATLEY, 1963.
18 Conferir, por exemplo, L. BOWMAN, 1973; D. CHANAIWA, 1976B; G. ARRIGHI, 1970; E.
MLAMBO, 1972.
313
A África Austral
Em último esforço de desarmamento do nacionalismo africano, o governo
britânico, a administração colonial e os dirigentes africanos elaboraram juntos,
em 1961, uma Constituição a prever uma Assembleia Legislativa composta
de 50 brancos e 15 africanos, um sistema eleitoral complexo, fundado em uma
dupla lista, um Conselho Constitucional e uma Declaração dos Direitos. Mas,
a formidável oposição, suscitada por este projeto no seio das massas, forçou
os dirigentes africanos a darem marcha ré. A vasta campanha organizada pelo
governo Whitehead sob o tema “Construí a nação, expressai o vosso voto” não
conseguindo vencer a oposição dos africanos à Constituição, o NDP foi inter-
ditado, em 9 de dezembro de 1961. Nas eleições gerais de 1962, o United
Federal Party, representante da burguesia urbana, foi derrotado pelo Dominion
Party, formação política dirigida por Winston Field, no interior do qual eram
reconhecidas a burguesia rural e a classe operária. O partido vencedor adotou o
nome de Rhodesia Front e Field cedeu lugar a Ian Douglas Smith.
Em 19 de setembro de 1962, os africanos fundaram a Zimbabwe African
People’s Union (ZAPU) que reconstituía, sob uma nova nomenclatura, o NDP
anteriormente proibido. De setembro de 1962 a junho de 1963, a ZAPU atra-
vessou um período marcado pela ausência de direção, pela confusão e pela frus-
tração, situação esta que se desdobrou na criação da Zimbabwe African National
Union (ZANU). As principais causas desta cisão, à imagem do ocorrido com o
CNA e o PAC, são: um longo período de desencantamento devido a ausência
de qualquer progresso no processo de independência; a inevitável tendência em
buscar bodes expiatório; os desentendimentos entre partidários da não violência
e militantes pela luta armada, assim como os conflitos opondo os militantes
locais ao governo no exílio; uma insatisfação generalizada quanto à ação dos
dirigentes, em particular, no referente a Nkomo.
Em linhas gerais, a fração representada por Nkomo pendia então para uma
posição marcada pela prudência, pela não violência e pelo apoio ao governo no
exílio, ao passo que a tendência de Sithole/Mugabe, mais radical, era favorável
à luta clandestina.
De agosto de 1963 a agosto de 1964, a ZANU e a ZAPU travaram uma
severa luta com vistas a recrutar o máximo de simpatizantes, recorrendo à
violência e à intimidação para convencer os oponentes ou aqueles que se recu-
savam a tomar partido. Bem entendido, o regime de Smith que preparava a sua
declarão unilateral de independência diante da G -Bretanha, não deixou
de explorar a fundo esta luta fracional, para dividir ainda mais os africanos e
transformar a colônia em um verdadeiro Estado policial. Em 26 de agosto de
1964, ele baniu, simultaneamente, a ZANU e a ZAPU, colocando os seus diri-
314
África desde 1935
gentes ats das grades, onde eles ficariam a dezembro de 1974. À imagem
do CNA e do PAC e anteriormente a eles, os dois partidos foram forçados a
entrar na clandestinidade e os seus militantes deveram se exilar na Zâmbia,
no Malaui e na Tanzânia, de onde organizaram a luta armada, sob a direção
interina de Herbert Chitepo, no referente à ZANU e James Chikerema, no
que tange à ZAPU. Em novembro de 1964, o governo Smith organizaria um
referendo sobre a independência e exclusivo aos brancos, promovendo eleições
gerais, em seguida no mês de maio de 1965, e proclamaria, final e unilateral-
mente, a independência da Rodésia.
Moçambique
Em Moçambique, o pós -guerra foi marcado por uma enérgica política dos
portugueses, visando transformar este território em colônia de povoamento, à
imagem da África do Sul e da Rodésia do Sul. Portugal não tinha, de forma
alguma, a intenção de um dia conceder a independência às suas colônias e bus-
cava integrá -las em uma complexa relação com a metrópole. Este país coloniza-
dor expandiu o mito de uma nova missão civilizadora, apresentando -se como um
Estado unitário, universal e não colonial, cabendo a Moçambique permanecer
na condição de província e, aos africanos, o estatuto de cidadãos portugueses
19
.
No plano econômico, Portugal desejava aproveitar o boom das colônias, no
imediato pós -guerra, para resolver os seus problemas internos de emprego e de
superpopulação, satisfazer as suas necessidades em matérias -primas e encontrar
novos mercados para os seus produtos. O pós -guerra consistiu, para Moçambi-
que, um período de prosperidade sustentada, no curso da qual foram construídas
estradas de ferro, estradas rodoviárias e barragens hidrelétricas, como aquela de
Cabora Bassa. As colônias absorviam entre 25 e 30% das exportações de Por-
tugal e lhe provinham entre 20 a 25% das suas receitas.
A estratégia adotada por Portugal caracterizava -se por reforçar a comunidade
europeia estabelecida em Angola e Moçambique. A cada ano, de 4.000 a 7.000
portugueses, em média, instalavam -se nas colônias. De 1940 a 1960, o número
de colonos, em Angola e Moçambique, respectivamente passou de 44.000 para
250.000 e, de 27.000 para 130.000.
19 Conferir, por exemplo, L. B. SERAPIÃO e M. A. EL -KHAWAS, 1979; J. SYKES, 1971; T. M.
OKUMU, 1962; D. BARNEET e R. HARVEY, 1972.
315
A África Austral
Angola e Moçambique assemelhavam -se, assim e de mais em mais, às colônias
de povoamento implantadas na África do Sul e na Rodésia do Sul. As diferenças
com estes países deviam -se a certas insuficiências de ordem histórica: falta de
investimentos, administração colonial de fraco desempenho e dependência econô-
mica relativamente aos capitalistas britânicos. Em sua grande maioria, os colonos
eram camponeses iletrados ou proletários desempregados, os quais não primavam
por qualquer abertura cultural, nem tampouco pela sua tolerância em relação às
outras raças. O seu estabelecimento nas colônias traduziu -se, por conseguinte, em
um agravamento do racismo e da exploração da mão de obra africana
20
.
Os primeiros partidos moçambicanos foram a União Democrática Nacio-
nal de Moçambique (UDENAMO), dirigida por Adelino Gwambe e criada
em 1960, na cidade de Salisbury (Harare), e a União Nacionalista Africana de
Moçambique (MANU), fundada em 1961, na cidade de Mombasa (Quênia), e
liderada por C. Mahal. Em junho de 1962, estes dois partidos fundiram -se para
formar a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), sob a direção do
Doutor Eduardo Chivanbo Mondlane. Após o banimento do CNA e do PAC,
20 Para maiores detalhes, ver OIT, 1962.
 . No centro: Eduardo Chivanbo Mondlane, fundador e primeiro presidente da Frente de Liber-
tação de Moçambique (FRELIMO), em 1962. (Foto: FRELIMO.)
316
África desde 1935
na África do Sul e, da ZAPU e da ZANU, na Rodésia, a formação destes par-
tidos e dos seus homólogos em Angola marcaram a passagem do nacionalismo,
dito ortodoxo”, em direção a movimentos de libertação, nos quais a luta armada
foi substituída pela ação militante, tema que será tratado mais adiante.
Os territórios da Alta Comissão
No imediato pós -guerra, os africanos habitantes na Bazutolândia, na
Bechualândia e da Suazilândia inquietavam -se com o estatuto constitucional
destes territórios e com a eventualidade da sua cessão à União Sul -Africana.
Com efeito, em seu relatório de 1956 sobre a política dos bantustões, a comis-
são Tomlinson incluíra os territórios da Alta Comissão na lista dos bantustões
pretendidos. Às questões que suscitava a existência de um poder dual, aquele dos
comissários -residentes e aquele dos soberanos tradicionais ou, ainda, a natureza
e as funções dos conselhos distritais e as atribuições dos chefes hereditários,
acrescentava -se o eterno problema do desenvolvimento econômico e a questão
da mão de obra migrante.
Em virtude da oposição articulada dos africanos e do amargor que pro-
vocavam as posições republicanas dos africânderes junto aos britânicos, estes
territórios não deriam jamais cedidos à África do Sul. Os problemas internos
que subsistiam foram resolvidos por via constitucional. Uma série de decretos,
conferências constitucionais, referendos nacionais e decretos reais, elevaram os
soberanos tradicionais à condição de monarcas constitucionais e transformaram
os conselhos distritais em essenciais ferramentas da administração local.
Na Suazilândia, um relatório, apresentado pelo Comitê Constitucional em
1963, foi rejeitado pelo povo e, após uma nova conferência constitucional orga-
nizada em Londres, o país viu -se conceder a autonomia interna, em 1966, e
a independência, posteriormente, em 1969. A Constituição da Bazutolândia
foi negociada em Londres, no ano de 1958, e em Maseru, no ano de 1959.
Em 1960, os decretos reais outorgar -lhes -iam a autonomia interna e criariam
um Conselho Executivo, um Conselho Legislativo Nacional de 80 membros e
conselhos distritais eletivos. Em 4 de outubro de 1966, este país proclamava -se
independente, com o nome de Lesoto.
O estatuto constitucional da Bechualândia não foi clarificado senão ao tér-
mino de um longo processo, complicado por dois problemas. Em primeiro lugar,
um conflito opôs o Alto Comissariado, ansioso por exercer um maior controle
no referente à nomeação dos chefes e sobre a política local, e Tshekedi Khama,
317
A África Austral
soberano dos ngwato, cujos objetivos comportavam conservar os seus poderes
tradicionais e preservar os valores culturais da sua etnia. A Native Administration
Proclamation [decreto sobre a administração dos indígenas], de 1943, habilitava
o alto comissariado a nomear dois Conselhos Consultivos, em separado, um
africano e o outro europeu, introduzindo desta forma o racismo na política local.
O segundo problema, complicador da situação de 1949 a 1956, foi cau-
sado pelo casamento de Seretse Khama, herdeiro do trono, com uma inglesa.
O príncipe foi obrigado a exilar -se na Grã -Bretanha e teve que renunciar a
qualquer direito na chefatura, para ele e para a sua descendência. Em relação a
este assunto, o Alto Comissariado sofreu pressões da África do Sul que, tendo
instituído o apartheid, não desejava, em um país vizinho, o casamento de um
soberano negro com uma branca.
Após 1956, a evolução constitucional do território retomou o seu curso
normal. Os dois Conselhos Consultivos foram substituídos por um Conselho
Consultivo misto; um Conselho Legislativo foi criado, em 1960, e no mesmo
ano aconteceu a formação do primeiro partido político nacional − o Bechuana-
 . Seretse Khama, príncipe herdeiro do Bamangwato, exilado na Grã -Bretanha, com a sua esposa
inglesa, Ruth Williams, e a sua lha, em março de 1952. (Foto: e Hulton -Deutsch Collection, Londres.)
318
África desde 1935
land People’s Party. Após ter obtido a autonomia interna em 1963, ao fim da
conferência de Lobatsi, este território, tornado Botsuana, conquistou a indepen-
dência em 30 de setembro de 1966.
A África Austral dos anos 1960 aos
anos 1980: a luta armada
Dos anos 1960 aos 1970, a história da África Austral foi dominada pelo
desenvolvimento dos movimentos de libertação e pela luta armada revolucioná-
ria nas colônias da África do Sul, da Rodésia, de Angola, de Moçambique e da
Namíbia
21
. Os africanos haviam finalmente reconhecido a derrota do liberalismo
e do nacionalismo ortodoxo, preconizados pela classe média, e a impotência da
ação militante diante do poder e da intransigência dos colonos. A decepcionante
experiência histórica da maioria dos Estados africanos, tornados independentes,
ensinara -lhes, em suplemento, a qual ponto a descolonização e a independên-
cia política eram vãs, conquanto não se lhes acompanhasse uma emancipação
econômica e cultural.
Notoriamente, nas colônias de povoamento multiétnicas, como a África do
Sul ou a Rodésia, a verdadeira independência implicava no desmantelamento
das instituições existentes e na transformação radical dos modos de produção,
da propriedade e das estruturas sociais. No plano econômico, exigia -se a criação
de uma democracia proletária na qual os recursos, os meios e os objetivos da
produção, da distribuição e dos serviços seriam controlados pelas massas, de
modo a satisfazer as necessidades fundamentais dos cidadãos, colocar um termo
à exploração e à insegurança econômicas e promover a justiça social.
Os movimentos de libertação reivindicavam -se, portanto, de uma ideologia
global, emancipacionista, cujos principais elementos eram:
• a rejeição absoluta do imperialismo, do colonialismo, do racismo e do
capitalismo, bem como a sua indefectível ligação com os princípios da
autodeterminação, do pan -africanismo, do não alinhamento e dos direi-
tos fundamentais da pessoa humana;
21 Conferir, por exemplo, E. MLAMBO, 1972; T. M. OKUMU, 1962; N. MANDELA, 1965; B. S. BIKO,
1972; G. M. GERHART, 1979; UNESCO, 1981b.
319
A África Austral
• relações privilegiadas com o proletariado urbano, com a massa campo-
nesa e com os intelectuais progressistas, considerados como a ponta de
lança revolucionária do processo de libertação;
• a adoção das teses do socialismo científico marxista -leninista, em matéria
de produção, de distribuição, de consumo e de relações sociais;
• a recusa em inscreverem -se no quadro das relações de dependência ou de
subordinação com outros países e o fortalecimento da solidariedade com
os outros movimentos de libertação e com os outros povos oprimidos
do mundo.
A luta armada começou por volta de 1964. Em seu país, os movimentos de
libertação dispunham do apoio político e material das massas urbanas e rurais,
dos intelectuais, do funcionalismo e dos homens de negócio progressistas. No
plano internacional, eles beneficiavam -se principalmente do apoio diplomático
e da ajuda material do Comitê de Libertação da Organização para a Unidade
Africana, dos países não alinhados, da URSS e da China, bem como dos países
escandinavos, das organizações humanitárias e dos movimentos de solidarie-
dade do mundo ocidental. Os diferentes movimentos cooperavam entre si e
ajudavam -se mutuamente, criando redes de informação comuns e lançando
operações militares conjuntas. Eles dispunham de bases operacionais e de cam-
pos de treinamento nos Estados vizinhos Tanzânia, Zâmbia e, em seguida,
Angola e Moçambique.
Por seu lado, os colonos da África do Sul, da Rodésia, de Angola e de
Moçambique podiam contar com o apoio diplomático e material dos governos
ocidentais, principalmente dos Estados Unidos da América, da Grã -Bretanha,
da França e da Alemanha Ocidental.
Em nível regional, as foas sul -africanas, rodesianas e portuguesas
esbarravam -se mutuamente, unindo os seus esforços no plano da informação
e da luta antiguerrilha. Para isolar e jugular o revigoramento dos combatentes
pela liberdade, as autoridades portuguesas e rodesianas reagruparam os membros
das comunidades africanas, localizadas nas zonas de combate, em campos de
concentração, eufemisticamente denominados “povoados protegidos”.
Foi nestas colônias portuguesas que a luta armada alcançaria as suas pri-
meiras vitórias. Em Angola, o MPLA garantiu o controle de vários regiões,
próximas a Luanda. A UPA operava no norte, a partir de Kinshasa, e a UNITA,
no leste, a partir da Zâmbia. Em Moçambique, a FRELIMO tornou -se rapi-
damente mestre dos distritos setentrionais de Tete, Niassa e Cabo Delgado.
Os portugueses responderam, reforçando o sistema dos povoados protegidos”
320
África desde 1935
e recorrendo a métodos brutais: torturas, massacres, deportações e assassinatos.
Foi assim que o Doutor Mondlane foi assassinado, em fevereiro de 1969. Ele
foi substituído por Samora Machel.
Malgrado o apoio maciço dos governos ocidentais, as guerras coloniais
tornaram -se muito rapidamente um fardo demasiado pesado para Portu-
gal. Por volta do fim dos anos 1960, elas absorviam cerca da metade do seu
orçamento anual e, enquanto os elementos conservadores, o estado -maior
do exército, assim como os dirigentes financeiros eram favoráveis ao prosse-
guimento da guerra, a opinião blica, por sua vez, perdera o entusiasmo. O
general Antonio Snola preconizava, em seu livro “Portugal e o Futuro”, a
emancipação das colônias portuguesas na África. Em 25 de abril de 1974, o
exército derrubava o governo do presidente Caetano e nomeava Snola chefe
da junta de governo.
A guerra de libertação forçara os portugueses a voltarem -se criticamente
sobre si mesmos, em relação ao seu próprio subdesenvolvimento, à sua própria
dependência econômica e à ditadura política de Salazar e do seu sucessor Cae-
tano. Enquanto os problemas de política interna passavam ao primeiro plano e
o custo humano e econômico da guerra apresentava -se de mais em mais pesado,
não restava aos portugueses outra escolha senão negociar para colocar um ponto
final, o mais rapidamente possível, na dominação colonial. Em 8 de setembro de
1974, eles assinavam, com os movimentos de libertação, os acordos de Lusaka
que concediam provisoriamente a autonomia interna a Angola e Moçambique,
implantando os mecanismos passíveis de organizar eleições gerais nestes países.
Angola e Moçambique, respectivamente dirigidos pelo MPLA e pela FRE-
LIMO, proclamaram a sua independência em 1975.
Esta dupla libertação teve consequências decisivas na luta armada ocorrida
na África Austral, particularmente, na Rodésia e na Namíbia. Para os colonos
da África do Sul e da Rodésia e para os seus aliados ocidentais, tratava -se
de uma punhalada pelas costas que os deixava, militar e diplomaticamente,
vulneráveis. Moçambique e Angola subtraiam -se à existência na qualidade de
territórios -tampão. Na África Austral, a política externa dos Estados Unidos
da América, definida em 1969 no “Memorando 39 sobre a segurança nacional”
e visando apoiar e promover os regimes minoritários brancos, encontrava -se
bruscamente arruinada. O primeiro -ministro da Rodésia, Ian Smith, indivíduo
branco que jurara impedir e adiar a independência dos africanos negros por
mil anos, obrigou -se a considerar, hipoteticamente, conceder -lhes o poder. As
potências ocidentais foram obrigadas a revisar o seu apoio aos governos brancos
e a adotar uma política de distensão com os Estados da linha de frente, favore-
321
A África Austral
cendo, todavia, a implantação, na Rodésia e na Namíbia, de regimes africanos
pró -ocidentais e neocolonialistas. Pressões foram exercidas sobre os colonos
para que eles iniciassem negociações com os dirigentes africanos, em prol da
conclusão de um acordo interno.
Ao mesmo tempo, Angola e Moçambique, tornados independentes, tra-
ziam uma inestimável colaboração aos movimentos de libertação da Rodésia,
da África do Sul e da Namíbia, fazendo -os beneficiarem -se da sua experiência
em matéria militar. Esta hospitalidade dos países da linha de frente Angola,
Moçambique, Botsuana, Tanzânia e Zâmbia permitiu à ZANU, à ZAPU,
à South West Africa People’s Organization (SWAPO), ao CNA e ao PAC,
intensificarem a luta armada.
Os combatentes pela liberdade do Zimbábue, baseados na Tanzânia e na
Zâmbia, travavam a luta armada desde 1964 dirigidos por H. Chitepo, no
referente à ZANU e por J. Chikerema, e posteriormente J. Z. Moyo, no que
tange à ZAPU −, contra Smith e os seus partidários, em razão da sua inde-
pendência unilateral. A Grã -Bretanha, a qual não reconhecera a declaração
unilateral de independência, convencera alguns Estados membros das Nações
Unidas a aplicarem sanções econômicas, na esperança de forçar Smith a aceitar
uma regulamentação interna negociada. As sanções não tiveram efeito, pois os
colonos rodesianos haviam encontrado, na África do Sul e no mundo ocidental,
aliados para contornar estas penalidades. Paralelamente, a Grã -Bretanha orga-
nizara muitas “negociações de paz”, tanto com Smith quanto com os elementos
moderados da população africana e da burguesia branca.
Na própria Rodésia, criara -se, sob a direção do Monsenhor Abel Muzo-
rewa, o United African National Council (UANC) que buscava ocupar o vazio
político e dar sequência às negociações organizadas por Londres. Este partido
era uma réplica das organizações nacionalistas ortodoxas que, anteriormente e
à imagem do NDP, haviam esperado obter a descolonização por meio de ações
puramente reivindicativas. Os objetivos e a estratégia da UANC levavam em
conta, naturalmente, as realidades nacionais − o poder colonial e as leis repres-
sivas − e certo número de partidários locais da ZANU e da ZAPU igualmente
dela faziam parte.
A independência de Moçambique veio estimular e confortar a ZANU, a
ZAPU e o UANC, incitando Smith a considerar, em tese, uma regulamentação
negociada
22
. Sob a pressão da África do Sul, da Grã -Bretanha e dos Estados
22 UNESCO, 1981b.
322
África desde 1935
Unidos da América, ele aceitou liberar os dirigentes africanos detidos para
permitir -lhes a participação em negociações relativas à futura Constituão.
Estas negociações desenrolaram -se, no ano de 1974, em um trem estacionado
ao lado das cataratas de Victoria mas, ao final, fracassaram. Após este insucesso,
Nkomo, Sithole, Mugabe e Monsenhor Muzorewa, tentaram formar uma orga-
nização comum, sob a égide da UANC e sob a batuta do Monsenhor Muzorewa
mas, esta tentativa não teve desdobramento. Nkomo e Mugabe constituíram
uma Frente Patriótica comum que intensificou a luta armada, a ZAPU conti-
nuava a operar desde a Zâmbia e a ZANU a partir de Moçambique.
Após a conferência das cataratas de Victoria, outras reuniões, igualmente
infrutíferas, organizadas em Genebra, Salisbury e Malta, tentaram definir as
modalidades de uma transferência de poder, da minoria branca para a maioria
africana. Após três meses de negociações, Smith, Muzorewa, Sithole e um chefe
tradicional, Jeremiah Chirau, assinaram o Acordo Interno datado de 3 de março
de 1978. Este acordo comportava os seguintes pontos:
• princípio da maioria, sufrágio universal e reconhecimento do direito ao
voto para todos os cidadãos africanos com idade maior de dezoito anos;
• independência programada para 31 de dezembro de 1978;
• abolição das leis racistas;
• redação de uma declaração dos direitos;
• criação de um Parlamento formado por 100 membros, dentre os quais
72 africanos e 28 brancos;
• constituição de um governo de transão, composto de um conselho
executivo e de um conselho de ministros, no qual africanos e europeus
dividiriam o poder entre si e em partes iguais.
A Frente Patriótica boicotou as negociações, denunciou o Acordo Interno
como uma “escrotice política e jurídica e prosseguiu a luta armada contra o
governo Smith -Muzorewa.
A situação foi enfim desbloqueada, em 1979, graças à conferência de Lan-
caster House. Smith, Muzorewa e a Frente Patriótica puseram -se de acordo
sobre a Constituição, apelidada de Lancaster House, prevendo eleições -gerais
supervisionadas pelos britânicos, um parlamento composto por 80 deputados
africanos e 20 deputados brancos, uma declaração dos direitos, o sufrágio uni-
versal e a proclamação da independência para 1980. Nas eleições, a coalizão
ZANU -Frente Patriótica conseguiu 58 cadeiras, a ZAPU alcançou 20 cadeiras
e o UANC obteve 3 cadeiras. Quanto à ZANU, liderada por Sithole, ela não
alcançou nenhuma cadeira. Robert Mugabe, presidente da ZANU -FP, formou
323
A África Austral
o governo e o reverendo Canaan Banana foi eleito presidente da República. No
dia 18 de abril de 1980, a antiga Rodésia colonial tornou -se um Estado inde-
pendente com o nome de Zimbábue.
O problema namibiano
A história constitucional da Namíbia é das mais complexas
23
. Sob o regime
colonial europeu, ela representou a colônia alemã do sudoeste africano, a
1920, data na qual ela foi colocada sob mandato britânico pela Sociedade das
Nações. A Grã -Bretanha delegou a administração à União Sul -Africana, naquele
momento um domínio britânico. Transformada em uma república governada
pelos africânderes, a África do Sul continuou administrando a Namíbia, prati-
camente como uma das suas províncias, nela aplicando a legislação e a política
do apartheid.
23 Conferir, por exemplo, R. H. GREEN e colaboradores, 1981.
 . Da esquerda para a direita: Sally Mugabe; o primeiro -ministro Robert Mugabe, o presidente,
rev. Canaan Banama, e o vice -presidente, Simon Muzenda, fotografados em 1980, ano da independência do
Zimbábue.
324
África desde 1935
No plano econômico, a Namíbia, cativa da África do Sul, tornou -se uma
fonte de matérias -primas e de mão de obra migrante.
A exploração mineral (diamante, urânio, cobre, zinco e chumbo), a criação
de animais (bovinos e ovinos) e a pesca constituem os principais setores da sua
economia. Trata -se de uma economia tipicamente neocolonialista, dependente
do exterior e fundada na exploração seletiva dos recursos naturais de exportação.
Mais de 90% da produção nacional (100% dos minerais, 99% dos produtos da
pesca e 90% dos animais de criação, dos quais 100% dos karakuls) é vendida ao
mercado externo.
A África do Sul reexporta a maior parte dos seus produtos. Por outro lado,
equipamentos de produção, os quadros funcionais de nível superior e os técnicos
são estrangeiros. O setor de extração mineral é dominado pela Anglo -American
Corporation cuja sede social encontra -se na África do Sul, pela companhia ame-
ricana Metal Climax -Newmont, implantada em Tsumeb, e pela sociedade mul-
tinacional britânica RTZ, a explorar as minas de urânio de Rossing.
Juridicamente, a Namíbia tornou -se um território sob tutela das Nações
Unidas quando esta organização sucedeu às Sociedades das Nações. Em 1966,
a Assembleia Geral da ONU declarou ilegais a ocupação e a administração da
Namíbia pela África do Sul. O Conselho de Segurança da ONU adotou, em
1969, uma resolução de mesmo teor. Em 1971, ao término de um longo pro-
cesso, a Corte Internacional de Justiça concedia razão à ONU. Neste momento,
esta última criou um Conselho das Nações Unidas para a Namíbia, a tornar-
-se de jure a autoridade encarregada da administração do país, reconhecendo a
SWAPO como o representante autêntico do povo namibiano”. Mas, por razões
econômicas, políticas e militares, a África do Sul, insultando a comunidade
mundial, recusou conceder a independência à Namíbia. Assim, o poder perma-
necia de facto nas mãos da polícia, do exército e da administração sul -africanas.
O curso da luta armada travada na Namíbia e na África do Sul foi radical-
mente transformado pelas independências de Angola e Moçambique. Temendo
que estes dois Estados servissem de trampolim para a guerrilha, a África do Sul
decidiu desestabilizá -los, fornecendo armas, possibilidades de treinamento e
mercenários à UNITA, de J. Savimbi, em Angola, e a um pretenso Movimento
de Resistência de Moçambique.
Na Namíbia, a África do Sul empreendeu uma dupla estratégia, intensifi-
cando a exploração dos recursos naturais, com ênfase nos recursos minerais,
mantendo, todavia, no poder, um dirigente e um governo fantoches. Sob o seu
patrocínio, o Republican Party branco de Dirk Mudge e o South West African
National Party, a reunir os chefes fantoches contra o SWAPO, a burguesia e
325
A África Austral
os seus súditos, reuniram -se em Turnhalle (Windhoek). Os participantes desta
conferência formaram a Aliança Democrática da Turnhalle, dirigida por Mudge,
e puseram -se em acordo sobre reformas menores, apenas concebidas para elimi-
nar as medidas derivadas do apartheidmesquinho”.
Como a maior parte das tentativas reformistas, inscritas em um contexto
colonial, a Aliança Democrática da Turnhalle aparecia demasiado tardiamente
e as suas propostas eram por demais insuficientes. Ela foi denunciada pela
SWAPO, os Estados da linha de frente, a OUA e a ONU. Esta última propôs
o seu próprio plano, a prever um cessar -fogo, o envio, sob os seus auspícios, de
uma missão de paz e, em seguida, eleições gerais supervisionadas por ela, pro-
cesso este cuja condução deveria levar à independência do país. Por outro lado, a
Angola fez chamado a tropas cubanas para resistir à Savimbi e à África do Sul,
ao passo que o Congresso dos Estados Unidos da América recusava -se a dar
continuidade ao financiamento de mercenários norte -americanos em Angola.
 . Destacamento da South West Africa People’s Organization (SWAPO).
326
África desde 1935
Temerosa em manter os seus soldados na Namíbia e de conservar um
governo fantoche, a África do Sul rejeitou o plano da ONU, insistindo em
guardar o controle sobre o porto de Walvis Bay, excelente meio de pressão sobre
uma eventual Namíbia independente. Em conivência com os Estados Unidos da
América, a Grã -Bretanha, a França, a Alemanha federal e o Canadá, os quais
haviam formado um “Grupo de Contato ocidental, a África do Sul, adotou uma
estratégia consistindo em driblar a busca de um acordo o que lhe permitira
desarmar as críticas da comunidade internacional reforçando, todavia, o seu
programa neocolonialista na Namíbia. Em dezembro de 1978, ela patrocinou
a eleição de uma Assembleia Constituinte fantoche de 50 membros, após ter
imposto a lei marcial e detido todos os dirigentes locais da SWAPO. Desde
então, o conflito namibiano ultrapassava o quadro regional para envolver na
disputa: a SWAPO, os Estados da linha de frente, a OUA e a ONU, por um
lado, e a África do Sul, a Aliança da Turnhalle e os países ocidentais do Grupo
de Contato, por outra parte. Em 1989, entretanto, a independência da Namíbia
e a vitória eleitoral da SWAPO pareciam asseguradas. A Namíbia encontraria
enfim a sua aurora política.
A África do Sul
Após o massacre de Sharpeville e a saída do país do Commonwealth, o
Nationalist Party dedicou -se a reforçar o apartheid e a transformar a África
do Sul em um verdadeiro Estado policialesco, adotando novas leis repressivas
e racistas. Em maio de 1963, foi votado o General Law Amendment Act [lei em
respeito à modificação do direito ordinário] autorizando a polícia a guardar pri-
sioneiros por 90 dias renováveis. Em 1968, o Prohibition of Political Interference
Act [lei sobre a proibição da ingerência política], interditava os partidos políticos
multirraciais. O Partido Liberal optou pela dissolução, ao passo que o Partido
Progressista aceitou aplicar a lei.
A África do Sul até tentou organizar um Estado policial e embora tenha
reforçado o seu poder lico, com soldados, bombas de gás lacrimogêneo e
cães policias, ela não pôde impedir a intensificação da luta pela libertação. No
interior das fronteiras sul -africanas, os estudantes e os sindicalistas estavam na
linha de frente do combate. Um dentre eles, Steve Biko, estudante de medicina
da Universidade de Natal, fora profundamente decepcionado e desiludido pela
política racista da National Union of South African Students (NUSAS), mul-
tirracial. O seu livro Black souls in White skins, análise da ideologia multirracial
327
A África Austral
e do liberalismo branco, é totalmente característico das teses do PAC
24
. Em
julho de 1969, Biko fundou a South African Students Organization (SASO),
da qual se tornou o presidente, porque os estudantes negros entendiam como
fundamental,agir para e por eles próprios”.
Biko e a SASO levaram finalmente ao conhecimento das massas africanas
do seu país o pan -africanismo de George Padmore e de Kwame Nkrumah, a
negritude celebrada e preconizada por Léopold Sedar Senghor e Aimé Césaire,
as teses revolucionárias de Frantz Fanon, de Malcom X e de Amilcar Cabral,
o socialismo de Sékou Touré e de Julius Nyerere. Este movimento ideológico
conhecido sob o nome de Black Consciousness [Consciência Negra], pôs a nu
as falhas do nacionalismo africano ortodoxo e, igualmente, levou ao conhe-
cimento a ão dos movimentos de libertação e de guerrilha. Ele esteve na
origem da aliança entre estudantes e operários realizada pela SASO, a Black
Allied Workers Union [Sindicato dos Operios Negros Confederados], a
Black Peoples Convention (BPC) e o Soweto Students Representative Coun-
cil [Conselho Representativo dos Estudantes de Soweto]. Estas organizações
retomaram, em conjunto, as práticas militantes abandonadas após a tragédia
de Sharpeville. Diante da multiplicação e do endurecimento dos movimentos
grevistas, o governo invocou o Anti -Terrorism Act de 1967, prendendo Biko e
os dirigentes da SASO e da ABPC. Torturado pela polícia, Steve Biko morreu
em prisão no dia 12 de setembro de 1977.
A oposição ao apartheid, organizada ou espontânea, não deixou de se expres-
sar no interior do país. De junho a dezembro de 1976, uma onda de manifesta-
ções e de greves sacudiu as cidades sul -africanas e, em particular, Soweto, onde
no curso de motins estudantis, 23 pessoas foram mortas e outras 200 feridas
pela polícia. No mesmo ano, com o intuito de melhor mobilizar todas as forças
políticas, foi criada a Azanian African People’s Organization (AZAP) [Orga-
nização dos Povos Africanos Azânia].
Como era possível prever, o governo nacionalista respondeu intensificando
a repressão policial e deportando os militantes. Em 19 de outubro de 1977, a
SASO e outras 16 organizações, dentre as quais ABPC e o Soweto Students
Representative Council, foram dissolvidas. O jornal africano The World foi
interditado e o seu redator -em -chefe, Percy Qoboza, lançado em prisão. No mês
de novembro, os brancos organizaram eleições gerais em decorrência das quais
o Nationalist Party obteve uma fortalecida maioria. Mas, o ciclo de revoltas
24 Para maiores detalhes, conferir B. S. BIKO, 1972; G. M. GERHART, 1979; T. THOAHLANE (org.),
1975.
328
África desde 1935
contra a correlata repressão no interior do país e a luta armada dirigida pelo
CNA e o PAC, usufruindo do apoio dos Estados da linha de frente, da OUA,
da ONU e dos mais amplos setores da comunidade mundial, este combate e a
resistência prosseguiram e intensificaram -se além de 1980. Nas eleições de 1989,
o consenso branco na África do Sul começou a se desagregar, tanto à direita
quanto à esquerda. O poder africânder encontrava -se menos monoliticamente
instaurado que jamais outrora.
Estratégia mundial e geopolítica regional
Três conflitos primeiramente externos contribuíram para acrescer o valor
estratégico da África Austral. Trata -se da Segunda Guerra Mundial, da Guerra
Fria, opondo o mundo ocidental e o bloco soviético, e do conflito israelo -árabe.
Sob a ameaça do Eixo, os recursos minerais da África Austral ganharam uma
nova importância para a Grã -Bretanha e o seu império. Minerais vitais para as
fábricas do Commonwealth e aliados estavam em jogo. No início da guerra,
certa inquietude reinava a propósito das capacidades da Itália em lançar uma
ofensiva em direção ao sul, a partir do Chifre da África. O risco consistia na
possibilidade deste país em apoderar -se do porto de Mombasa, situado na costa
leste, ameaçando com isso o tráfego mineral da África Austral. Entretanto, a
Itália revelou -se muito rapidamente um tigre de papel e o porto de Mombasa
não esteve por muito tempo ameaçado.
As colônias africanas, cujas metrópoles europeias estavam ocupadas pelos
nazistas, impunham uma segunda ameaça militar externa à África Austral.
Madagascar, por exemplo, esteve durante algum tempo controlada por forças
“hostis” de Vichy. Os britânicos somente invadiram a ilha em maio de 1942 e a
autoridade do general De Gaulle foi enfim reconhecida naquela região.
A frota ou a força aérea japonesas possivelmente teriam configurado uma
outra ameaça militar externa. Mas, as capacidades tecnológicas nos anos 1940,
especialmente em relação ao reabastecimento de combustível, interditavam ao
Japão tão longínquas aventuras, embora os recursos da África Austral fossem
muito tentadoras aos olhos desta potência, escassa em minerais.
Mas, contudo, a mais séria ameaça no tocante ao controle exercido pelo
Commonwealth sobre a África Austral era interna. Ela residia no próprio inte-
rior da União Sul -Africana, travestida de um sentimento pró -nazista muito
disseminado junto aos boers. Tão logo declarada a guerra entre a Grã -Bretanha
e a Alemanha hitlerista, J. Hertzog tentou levar a África o Sul a proclamar a sua
329
A África Austral
neutralidade. A moção, por ele apresentada diante do parlamento, foi rejeitada
por 80 votos contra 67. Em 5 de setembro, J. C. Smuts formou um governo
de coalizão e declarou guerra à Alemanha. Em fevereiro de 1941, sublevações
eclodiram após uma reunião do movimento pró -nazista Ossewabrandug, em
Johanesburgo.
Entretanto, havia número suficiente de africânderes de acordo com os bran-
cos anglófonos, a permitir ao país apoiar os aliados. Importantes obras portuárias
foram realizadas na baia da Table, imediatamente após a declaração de guerra.
No ano anterior, a força armada fora reforçada e se havia empreendido a cons-
trução de fábricas de munição em Pretória.
Em julho de 1940, Smuts enderou à Grã -Bretanha e aos Estados Uni-
dos uma mensagem de rádio evocando uma “sociedade internacional de
nações livres. Em agosto, de general, ele foi promovido a marechal. Em
julho de 1943, ele ganhou as eleições gerais, as foas p -nazistas do ps
encontravam -se temporariamente desestruturadas e o valor estragico da
África Austral para as democracias industriais manter -se -ia protegido até
o final da guerra.
Com as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, a África
Central e a África Austral alcançaram um novo valor estratégico, em razão das
suas reservas em urânio. O Zaire foi, durante certo período, a mais importante
fonte de urânio do Hemisfério Sul e a prospecção de novas jazidas rapidamente
pôs -se em marcha mais ao sul. A era nuclear acabara de surgir para o mundo
e, para o melhor tanto quanto para o pior, a África Central e a África Austral
dela participavam. Os desafios estratégicos da região tornar -se -iam de mais em
mais complexos.
A nova rivalidade a ganhar o mundo após 1945, com a Guerra Fria entre
as potências ocidentais e o bloco soviético, afetou o valor estratégico da África
Austral. Se a paranoia contra o comunismo não se arrefecera em nada na região
durante o conflito mundial, a denúncia aberta contra a União Soviética, aliada
do Commonwealth e dos Estados Unidos da América durante este período, ali
fora mantida em surdina. Todavia, uma vez instalada a Guerra Fria, após o fim
da Segunda Guerra Mundial, o anticomunismo e a hostilidade em relação à
União Soviética retomariam a sua ascendência na vida política da África Austral.
Em fevereiro de 1956, o governo de Pretória fechou os consulados soviéti-
cos na União Sul -Africana. A tendência em identificar o comunismo interno
com uma “traição tornou -se característica da paranoia dos regimes da África
Austral. Na África do Sul, ela provocou ruidosos processos, por traão”,
e outros que tais contra o comunismo. O poder organizou, notadamente,
330
África desde 1935
processos coletivos por “traão” envolvendo africanos, asiáticos e europeus
em luta contra o apartheid. s já evocamos o marrio de Nelson Mandela,
permitamo -nos ainda citar Abram Fischer, advogado da Coroa, julgado e
condenado à prisão pertua, em março de 1966, na cidade de Pretória, por
comunismo.
Contudo, se a União Soviética perdia inclusive a sua presença simlica na
África Austral, ela adquiriria, em contrapartida, um novo prestígio diplomático
ao norte do Zambeze. Um após o outro, os países africanos que acabavam de
conquistar a sua independência com ela estabeleceram relações diplomáticas.
No transcorrer deste período a presença diplomática soviética no continente
deslizou inexoravelmente para o sul. Em meados dos anos de 1960, a União
Soviética estava representada em Lusaka, na linha de frente. Em meados
dos anos 1970, a presença diplomática soviética ganhara ainda maior força
rumo ao sul, alcaando uma estatura antes jamais vista. Maputo e Luanda
tornaram -se, por algum tempo, dois dos mais confiáveis aliados africanos da
URSS e, não sem hesitão, repúblicas marxistas -leninistas autoproclamadas.
Do ponto de vista estratégico ocidental, a África Austral estava novamente
ameada.
A rivalidade entre o leste e o oeste cristalizou -se em torno da questão da
presença soviética e cubana em Angola. A guerra entre o MPLA, no poder,
e a UNITA, liderada por Jonas Savimbi, se internacionalizara; Cuba e a
União Soviética apoiando o partido no governo, cabendo a África do Sul e
aos Estados Unidos da Arica, por sua vez, financiar e tentar fortalecer a
UNITA. O futuro da Namíbia encontrava -se sob fogo cruzado, sobretudo
quando a África do Sul e os Estados Unidos da América subordinaram
pubicamente a sua independência à retirada das tropas cubanas de Angola.
O MPLA considerou esta condição como uma afronta à soberania angolana.
Quanto à SWAPO, naturalmente, ela replicou argumentando que o direito
da Namíbia à autodeterminão não poderia depender, como um refém,
do jogo das superpotências na vizinha Angola. Até o fim dos anos 1980, a
queso da independência da Nabia permaneceu em um total impasse,
em virtude do jogo de xadrez estratégico que opunha, na África Austral,
a Uno Soviética aos Estados Unidos da América. Somente a potica da
perestroïka, conduzida por Mikhaïl Gorbatchev e a política de distensão
dos conflitos regionais, sustentada pela perseveraa do americano Chester
Crocker, permitiram, finalmente, às partes alcançarem a conclusão de um
acordo em 1988 -1989.
331
A África Austral
Economia e geopolítica
Evidenciada pela Segunda Guerra Mundial e pela Guerra Fria entre o leste
e o oeste, o valor estratégico da África Austral foi novamente destacado por um
outro enfrentamento, o conflito israelo -árabe.
Por uma curiosa ironia do destino, Israel e o regime do apartheid, dirigido
pelo National Party da África do Sul, nasceram ambos no mesmo ano, em 1948.
O Estado sionista erigiu -se no Oriente Médio simultaneamente à tomada do
poder pelos africânderes na África do Sul. A confluência histórica entre estas
duas conturbadas regiões mostrar -se -ia duradoura e sustentada.
A interação estratégica entre estas duas regiões nasceu da pobreza da África
Austral, tão rica, sob outro ponto de vista, em recursos minerais e petróleo.
Ora, no que tange ao petróleo, o Oriente Médio dele se fartava. Este acidente
geológico desempenharia um notável papel no jogo político destas duas regiões.
A sua interdependência reforçara -se em virtude do canal de Suez e do Cabo da
Boa Esperança serem,muito tempo, os dois itinerários possíveis para o trans-
porte intercontinental do petróleo e de outros produtos de base do comércio
internacional, especialmente entre a Ásia e o mundo ocidental. Certos minerais
da África necessitam passar pelo canal de Suez para atingirem muitos portos
mediterrâneos e, para atingir a maior parte do mundo ocidental, uma parte do
petróleo do Oriente Médio deve servir -se da rota do Cabo.
Em condições ideais, este aspecto complementar seria bem -vindo para as
duas regiões mas, o conflito israelo -árabe e os seus efeitos no mundo viriam,
periodicamente, perturbar a estabilidade das relações.
O primeiro choque de maior amplitude sobreveio, em 1956, com a nacio-
nalização, pelo Egito, da Companhia do Canal de Suez. O mundo ocidental
considerou esta invasão como uma grave ameaça para o tráfego internacional
em trânsito pelo canal, especialmente para o transporte do petróleo, produto
de importância essencial. A crise de Suez culminou, em seguida, com a invasão
comum do Egito por Israel, pela Grã -Bretanha e pela França. O presidente
al -Nasser bloqueou deliberadamente o canal, nele colocando ferragens e barcos
fora de utilização. O canal tornara -se totalmente inutilizável.
A rota do cabo reencontrou, talvez pela primeira vez no século XX, a sua
proeminência no que se refere aos cálculos do comércio internacional do mundo
ocidental. Pouco após a guerra de Suez, embora o Egito tenha obtido a ajuda
das Nações Unidas para desbloquear o canal, o choque provocado pela crise
e as exigências de segurança da navegação fizeram pender a balança, durante
332
África desde 1935
décadas, em favor da rota do Cabo; em suplemento, os projetos de longo prazo
passariam, doravante, a dar preferência aos navios -petroleiros gigantes, melhor
adaptados a esta rota que ao estreito canal de Suez. Estas escolhas foram confir-
madas pelas repercussões da guerra israelo -árabe de junho de 1967. O canal de
Suez tornou -se novamente impraticável e, desta vez, durante um maior período.
O valor estratégico da rota que contorna o extremo sul da África encontrou -se
então, uma vez mais e de forma espetacular, acrescido pelos petroleiros e pelo
restante do tráfego internacional.
Mas, a esfera política do Oriente Médio e da África Austral intervieram,
igualmente, em outros domínios. Em razão da morte de al -Nasser, no Egito, e da
ação de Henry Kissinger, como agente e emissário para assuntos internacionais
dos Estados Unidos da América, no início dos anos 1970, a União Soviética
sofreu revezes no mundo árabe. O reposicionamento, para a direita, do Egito
sob o governo de Anwar al -Sadat e a progressiva eliminação do extremismo no
Sudão, sob a direção de Dja ‘far al -Nimayri, constituem graves exemplos desta
inflexão à direita.
Este novo contexto repercutiu na África Austral. O declínio da sua influência
no norte do continente, no início dos anos de 1970, levou a União Soviética
a aumentar o seu peso no sul, na segunda metade da década. O jogo de com-
pensações estratégicas entre as superpotências estava posto em marcha. Isto
não aconteceu de forma tão brutal senão por ocasião da cassação recíproca das
representações soviética e americana, na Somália e na Etiópia, no decorrer do
mesmo período. Mas, não é nada duvidoso que os revezes soviéticos no norte
da África tenham desempenhado um papel relevante no sentido de reforçar a
sua determinação em fincar pé na África Austral, onde os desafios estratégicos
haviam sido naturalmente exacerbados pela rivalidade entre as superpotências.
O último fator a considerar, no que diz respeito à interação entre o Oriente
Médio e a África Austral, concerne à solidariedade política afro -árabe. Uma
aliança política mínima implica a existência de inimigos comuns. No quadro das
relações entre a África negra e o mundo árabe, a solidariedade manifestou -se
através da identificação entre o apartheid e o sionismo, na qualidade de inimigos
comuns. Nos anos de 1970, a oposição ao nacionalismo africânder e a oposição
ao nacionalismo sionista tornaram -se forças políticas aliadas no seio da ONU
e da OUA. Esta aliança desdobrou -se em duas espetaculares manifestações
de oposição ao sionismo. A primeira foi a ruptura diplomática quase total da
África com Israel, sobretudo a partir de 1963. A segunda consistiu na adoção,
pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1976, de uma resolução segundo
a qual o sionismo era considerado uma forma de racismo. A reciprocidade nas
333
A África Austral
relações afro -árabes implicava em um apoio permanente dos países árabes, nos
variados âmbitos, à luta contra o apartheid. Certos países africanos de direita
contavam, em suplemento, beneficiar -se de financiamentos árabes para o seu
desenvolvimento. Os regimes mais à esquerda na África, quanto a eles, estima-
vam como normal que os africanos apoiassem a cruzada contra o sionismo, em
contrapartida a um apoio árabe na guerra de libertação contra o apartheid. Mas,
quando o Egito, sob al -Sadat, assinou os acordos de Camp David e reconheceu
Israel, a frente afro -árabe unida contra Israel foi, de alguma forma, abalada.
Contudo os laços amigáveis entre Israel e a África do Sul permaneceram, por
sua vez, relativamente sólidos.
Conclusão
Nós buscamos demonstrar, neste capítulo, que as três forças determinantes
na evolução da África Austral, durante o período aqui considerado, foram a
economia, a estratégia e a raça. No domínio econômico, nós examinamos o
papel da terra, do trabalho e do capital constituído pelas riquezas minerais. No
domínio estratégico, nós analisamos o impacto da Segunda Guerra Mundial, as
repercussões da Guerra Fria entre o leste e o oeste e a interação estratégica entre
o Oriente Médio e a África Austral mediatizada pelo conflito israelo -árabe.
Entretanto, o aspecto mais politizado na evolução da África Austral foi o
problema transitório das tensões raciais na sub -região. O campo das experiên-
cias raciais da África Austral estendeu -se, da política baseada nas diferenças de
cor da pele, na federação da Rodésia e da Niassalândia, até o controverso casa-
mento de Seretse Khama e Ruth Williams, passando pela cultura dos mulatos,
em Mambique, e pela política econômica dos bantustões”, na África do
Sul. Durante o período considerado, o racismo na África Austral penetrou em
todas as fábricas, influenciou todas as políticas, espalhou -se em todas as esco-
las, infiltrou -se em todas as religiões e perturbou a tranquilidade de espírito de
todas as famílias.
Em última análise, é possível que a África Austral seja o último grande campo
de batalha na luta do homem contra as mais flagrantes formas de racismo. Se o
valor econômico e estratégico da sub -região constitui uma vantagem no longo
prazo, o mal -estar racial, por sua vez, apresenta -se provavelmente como uma
deficiência temporária.
Amiúde se profetizou que os negros, os mais desfavorecidos do século
XX, tornar -se -ão, talvez, os mais privilegiados do século XXI. Os habitantes
334
África desde 1935
da África Austral, os quais representavam os intocáveis”, durante boa parte
deste período da história africana, têm uma grande possibilidade de virem a se
tornar os brahmanes” econômicos do futuro
25
. Cabe a estas populações saberem
aproveitar esta ocasião única.
25 Veja capítulo 1 deste volume e também R. W. WALTERS, 1987.
335
O SUBDESENVOLVIMENTO
E A LUTA PELA
INDEPENDÊNCIA ECONÔMICA
S E Ç Ã O I I I
337
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
C A P Í T U L O 1 1
A crise dos anos 30 não conturbou somente a economia ocidental, evi-
denciando o papel determinante doravante ocupado pelos Estados Unidos da
América, ela marcou um decisivo ponto de inflexão: os fenômenos econômicos
ganharam uma dimensão social. Desde então, tudo o que se passa no centro do
sistema tem repercussões sobre o conjunto da periferia, geralmente através de
um fortalecimento da ação econômica ocidental.
A Segunda Guerra Mundial, ao ter transformado o continente africano em
um campo estratégico privilegiado do conflito mundial, acelerou o processo,
introduzindo junto aos colonizados a ideia relativa ao direito dos povos em
dispor por eles próprios de si.
À euforia da reconstrução no pós -guerra, pródiga em investimentos infraes-
truturais favoráveis à industrialização, sucedeu, posteriormente à crise mundial
consecutiva à guerra da Coreia (1951 -1952) e à crise de Suez (1956), uma fase
de reestruturação mais difícil, balizada pelas descolonizações. A retomada geral,
ocorrida em meados dos anos de 1960, produziu a crença em um momento de
milagre”. Mas o desabamento profundo da conjuntura que se seguiu a partir
dos anos de 1970 engendrou uma nova crise das relações norte -sul, cuja saída
ainda é imprevisível.
As mudanças econômicas na
África em seu contexto mundial
(1935 -1980)
Catherine Coquery -Vidrovitch
338
África desde 1935
Ao sair da Grande Depressão
Maior abalo da economia ocidental, a crise dos anos 1930 prenunciou uma
reestruturação fundamental da economia mundial.
O papel atenuante do sistema colonial
A reconstrução começou por meio de uma estratégia defensiva, com um
reforço momentâneo do protecionismo colonial.
A França não esperara a crise para inaugurar, em 1928, uma “União Adua-
neira colonial, facilitando a “guinada imperial” e produzindo, entre os territórios
e a metrópole, uma franquia recíproca, bem como, a aplicação, no mínimo, das
mesmas tarifas aduaneiras incidentes sobre as mercadorias estrangeiras
1
. Após a
Segunda Guerra Mundial, o mesmo fenômeno reproduziu -se na Grã -Bretanha,
onde a vontade de restabelecer a paridade da libra esterlina com o “padrão -ouro”,
a qualquer preço, provocara uma deflação cuja incidência deixou a Inglaterra
desarmada frente à concorrência dos países de moeda depreciada. O resultado
foi catastrófico para o crescimento: as exportações caíram em 30%, entre 1913
e 1937, contração nitidamente superior àquela do comércio mundial. A virada
para o Commonwealth (que detinha desde então mais de 50% do total dos
investimentos externos) traduzia um estado de crise comprovado pelo recurso
ao protecionismo defensivo, recusado até então pela Grã -Bretanha: a política de
comércio exterior fixou -se às “balizas do comércio imperial”, através da Confe-
rência Imperial de Ottawa, em 1932. Quanto ao Portugal de Salazar, em 1933,
ele se engajara na via de um corporativismo colonial, estreitamente controlado
pelo Estado, e estendera às colônias, em 1937, a organização social e econômica
metropolitana, baseada em um planejamento autoritário, bem como na orga-
nização de corporações de Estado e de sindicatos obrigatórios de produtores
(grêmios), visando com isso orientar e controlar a produção, além de, igualmente,
regulamentar o comércio exterior
2
.
Os impérios estavam tão mais sensíveis à conjuntura, que o mercado de
crédito, naquele momento, não se encontrava submetido a qualquer controle: a
liberdade total de remessas para a metrópole implicava a abertura dos territórios
aos fluxos de capital, às operações cambiais e à negociação dos valores imobiliá-
1 Lei datada de 30 de março de 1928. Conferir K. HOFFHER, 1939, p. 55.
2 M. CAHEN, 1984, pp. 10 -13.
339
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
rios. Quanto mais o território estivesse aberto ao mundo ocidental, mais ele seria
afetado pelas implicações financeiras internacionais da crise caso específico
do Marrocos que, em virtude do seu regime de protetorado, efetuava menos de
50% do seu comércio com a França (contra 70 a 89%, no concernente à Argé-
lia, aproximadamente o mesmo volume no tocante a Tunísia ou para a AOF, e
índices ainda superiores no que tange ao Madagascar).
Mas, a própria crise financeira, tão brutal no Ocidente, foi sentida de
forma limitada no Magreb e na África Tropical, em rao do cater ainda
embrionário do crédito. Foram os territórios mais estreitamente ligados à
metrópole que melhor resistiram à depreso. A “guinada para o Imrio”
desempenhou plenamente o seu papel atenuante, nos dois sentidos: sem muita
dificuldade, as metrópoles absorveram uma produção primária que, salvo exce-
ção, não representava quase nada comparativamente à produção mundial; em
contrapartida, o além -mar serviu como escoadouro para os produtos menos
competitivos da metrópole (têxteis, sidergicos). Esta situão ficou patente
na França, com o início da política das grandes obras financiadas por emprés-
timos metropolitanos (1931), política esta que garantiu a venda para as colô-
nias de produtos da indústria metalúrgica, conquanto os preços deste setor
fossem relativamente mais elevados que alhures. Este procedimento permitiu,
sobretudo, sustentar os setores mais comprometidos, porque mais arcaicos, da
economia em primeiro lugar, a indústria xtil, massivamente re -convertida
em adaptação ao mercado colonial: a França, vendedora para a África (aqui
incluído o Madagascar) de 18.000 toneladas de produtos derivados do algodão
em 1913, praticamente dobrara a exportão em 1936 (34.000 toneladas). O
fenômeno assemelhou -se na G -Bretanha, em relação à qual o mundo se
privava, de mais em mais, dos seus produtos manufaturados, ao passo que ela
própria necessitava, com ênfase redobrada, dos produtos primários estran-
geiros: a partir de 1935, o superavit na balança de pagamentos desapareceu
e, momento decisivo na história econômica brinica, um deficit estrutural
permanente na balaa de pagamentos estabeleceu -se. Embora a economia
inglesa se tenha aquecido mais rapidamente que alhures, entre 1931 e 1939,
graças à desvalorizão tornada inevitável, esta retomada somente ocorreu à
custa de um sistema de controles, de cotas e de privilégios imperiais” que,
reduzindo a concorrência, tenderam finalmente a aumentar o atraso cnico,
ao invés de reduzi -lo
3
.
3 C. COQUERY -VIDROVICHT, 1976b.
340
África desde 1935
A retomada e o sistema mundial
A crise dos anos de 1930 colocou a economia dirigida na ordem do dia. Este
foi o mais profundo sentido das reformas do New Deal, nos Estados Unidos
da América, e da Frente Popular, na França (sem mencionar o corporativismo
colonial de Salazar). A consequência, para a África, consistiu em uma aceleração
na capitalização, a introduzir estas reservas coloniais” na esfera do imperialismo
contemporâneo.
A ênfase, no além -mar, foi colocada na necessidade de reformas econô-
micas fundadas em investimentos produtivos, centralizados nos domínios
energético e mineral; a partir da breve retomada dos anos 1936 -1938, o esforço
acentuou -se, sobretudo após o intermezzo da Segunda Guerra Mundial, através
da entrada em cena destas novas tendências: vigoravam, neste período, numero-
sos e grandiosos projetos deste tipo, os quais foram, inclusive e frequentemente,
vítimas da sua extravagância e da sua inadequação ao meio o exemplo típico,
do lado francês, foi aquele concernente aos investimentos consagrados ao Ofício
do Níger, inaugurado desde 1931, retomado e ampliado no quadro do Fundo de
Investimento para o Desenvolvimento Econômico e Social (FIDES), após 1946.
Reformas sociais aconteciam paralelamente, potencialmente capazes de pro-
duzir uma força de trabalho modernizada: a prática colonial do trabalho forçado
cedeu tendencialmente lugar à constituição de um mercado livre de trabalho,
sob a forma da troca, pelo salário, de uma força de trabalho certamente supe-
rexplorada, mas voluntária
4
.
O caso do paternalismo belga”, ilustrado pela política operária da União
Mineira do Alto -Katanga, constitui, a este respeito, um exemplo cabal: a empresa
que assegurava, ao operário e a sua família, trabalho, escola, lazer e um nível de
vida nitidamente superior, comparativamente a outras regiões, esta sociedade
acabava por desempenhar, simultaneamente, o papel “do chefe, do pai e do tio
materno”, em troca, bem entendido, de uma total submissão
5
.
A supressão oficial do trabalho forçado (em 1946, na África francesa) apa-
rece perfeitamente como o término desta reestruturação, a qual conduzira ao
surgimento fulminante de novas culturas especulativas (café, cacau, exploração
florestal) e tornara caduco o trabalho forçado em um contexto no qual o meca-
nismo das migrações do trabalho se desencadeara definitivamente, acentuado
4 Ofício Internacional do Trabalho, 1931.
5 B. FETTER, 1973.
341
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
tanto pela pauperização dos campos, quanto pelo desenvolvimento, então cres-
cente, do mercado de trabalho.
Dito o que acabamos de expressar, a periodização das etapas da dependência
africana varia amplamente de acordo com as regiões, em razão da idade mais ou
menos avançada da colonização e da precocidade ou não dos investimentos em
capital: pode -se considerar, em linhas gerais, que a evolução da África do Sul
antecipa, em quase um século, aquela da África Ocidental ou, que a acumulação
intensiva de capital no Congo belga (atual RDC) começa com uma antecipação
de ao menos uma geração, vis -vis da mesma África Ocidental. Não é sur-
preendente que, mesmo no tocante a África do Sul, tenha sido também neste
conturbado período que ocorreu a troca de “regime” no sentido dinâmico do
termo −, com a passagem de uma exploração clássica de imperialismo colonial
(majoritariamente anglo -saxão) para aquela do capitalismo nacional branco,
politicamente presente desde os anos 1920 mas, economicamente triunfante
somente a partir do boom do ouro, nos anos de 1930.
O boom do ouro sul -africano, esboçado desde 1933, permitiu não somente
atenuar os efeitos da crise mundial, mas, outrossim, estimular a reestruturação
da economia, promovendo um desenvolvimento do setor industrial urbano. O
número de empresas passou de 6.500 para 10.000, entre 1933 e 1946; a pro-
dução industrial aumentou em 140%, entre 1933 e 1939 (reprisando, durante a
guerra, a mesma evolução quantitativa). O PNB triplicou. O problema domi-
nante passou a ser, em suplemento ao racismo, aquele referente a um proleta-
riado urbano negro em plena expansão: o emprego urbano africano dobrou,
entre 1933 e 1939. Em 1946, na África do Sul, um em cada quatro africanos
encontrava -se urbanizado e a população negra tornara -se, nas cidades, superior
à população branca
6
.
A África Tropical e mesmo a África do Norte o haviam atingido este esdio.
Mas, nestas regiões, as incidências da Grande Depressão tomaram, contudo, a
forma de uma profunda crise social interna. Pois, se as economias coloniais − ou
seja, os interesses das empresas expatriadas haviam atravessado, em seu con-
junto, mais facilmente a Grande Depressão, comparativamente às suas homólogas
metropolitanas, coube as massas camponesas esmagadas, por sua vez, suportar as
grandes reviravoltas da época e dela tornarem -se as grandes vítimas.
Desde logo, ganham luz uma série de processos específicos: pauperização dos
campos, início do fluxo migratório para as cidades e, enfim, o surgimento de
6 Conferir, entre outros, R. COHEN, 1979; D. O’MEARA, 1974.
342
África desde 1935
uma estratificação em classes sociais com, por um lado, uma limitada categoria
de abastados autóctones e, por outro lado, a relativa deterioração da condição
dos trabalhadores locais, a qual desaba em relação àquela da mão de obra euro-
peia. A consolidação da “troca desigual” desemboca, no plano internacional, em
aceleradas remessas de lucro para o centro metropolitano e revela a emergência
dos traços característicos do subdesenvolvimento contemporâneo.
A Segunda Guerra Mundial
Com a Segunda Guerra Mundial, o continente africano tornou -se um desa-
fio de primeira ordem para as potências mundiais, dividido momentaneamente
entre o bastião britânico e as ambições germano -italianas.
As ambições dos países do Eixo
7
A Itália reivindicava a região mediterrânea como esfera da sua influência.
O acordo concluído entre Hitler e Mussolini, em Munique, no ano de 1937,
reservava a este último o controle do sul da Europa e, mais além, do norte da
África. A Itália já colonizara a Líbia. Desde 1936, as tropas italianas ocupavam
a Etiópia, de Haïlé Selassié. Ao lado da Somália, italiana desde 1885, e da Eri-
treia, sob a mesma dominação desde 1890, a conquista da Abissínia asseguraria a
constituição de uma África Oriental italiana (Figura 11.1); Mussolini pretendia
unir esta última à África do Norte, em virtude das suas ambições em relação
ao Egito provocando, como resposta, o tratado anglo -egípcio de 1936 e à
Tunísia, contra a França.
Mas, a concretização das pretensões italianas supunha uma vitória total
sobre a Inglaterra e um consentimento do sócio alemão. Por ora, estas ambi-
ções chocavam -se com as pretensões da própria Alemanha, sem mencionar as
exigências da França de Vichy e da Espanha.
O interesse do III
o
Reich no tocante à África começara bem antes da guerra.
Aproximadamente ao final dos anos de 1930, um detalhado levantamento esta-
tístico foi realizado pelos industriais alemães e pelos órgãos de recenseamento
estatístico do Reich. As autoridades alemãs notavam que, em 1938, a África ocu-
7 Esta seção foi redigida com a ajuda dos seguintes trabalhos: J. BESSIS, 1982; A. KUM’A N’DUMBE
III, 1980; R. H. ROMERO, 1986; UNESCO, 1985b.
343
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
ÁFRICA OCIDENTAL FRANCESA
ÁFRICA
EQUATORIAL
FRANCESA
MARROCOS
RIO DE
OURO
ARGÉLIA
MAURITÂNIA
TUNÍSIA
LÍBIA
EGITO
SUDÃO FRANCÊS
CHADE
SUDÃO
ANGLO-
-EGÍPCIO
ERITRÉIA
ETIÓPIA
SOMÁLIA
BRITÂNICA
GUINÉ
FRANCESA
ALTO-
-VOLTA
SERRA
LEOA
LIBÉRIA
COSTA DO
MARFIM
COSTA DO
OURO
DAOMÉ
NIGÉRIA
CAMARÕES
OUBANGUI-
-CHARI
GUINÉ ESPANHOLA
GABÃO
UGANDA
QUÊNIA
CONGO MÉDIO
FRANCÊS
CONGO
BELGA
TANGANYIKA
KATANGA
ANGOLA
RODÉSIA DO
NORTE
RODÉSIA
DO SUL
ÁFRICA DO
SUL BRITÂNICA
ÁFRICA DO
SUDOESTE
ÁFRICA
ORIENTAL
PORTUGUESA
UNIÃO
SUL-AFRICANA
MADAGASCAR
Território reivindicado pela Itália
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
S
O
M
Á
L
I
A
I
T
A
L
I
A
N
A
 . As reivindicações territoriais da Itália na África (planos de 1940). (Fonte: extraído de A. Kum’a
N’Dumbe III, Hitler voulait l´Afrique, 1980.)
344
África desde 1935
pava, no mercado mundial, o primeiro posto na produção de algodão, amendoim
e palma, e a segunda posição no tangente ao cacau, ao chá, ao tabaco e à banana,
além de um excepcional posicionamento relativamente à sua produção mineral
(diamante, ouro, cobalto, vanádio, urânio e fosfatos). Ademais, a África possuía
40% das reservas mundiais de energia hidráulica
8
. A Alemanha estava sensibili-
zada com o pequeno ganho obtido pelo seu comércio de riquezas africanas. Eis
a origem da ideia favorável à concepção de uma economia planificada a nortear
um grande Império germânico, no qual a África seria considerada como a área de
influência, natural e histórica, da Europa [...]. Por conseguinte, as suas mais impor-
tantes regiões (em primeiro lugar: a AEF, o Congo belga e o sudoeste africano)
deveriam ser colocadas, direta ou indiretamente, sob a direção da Alemanha
9
”.
Após a derrota francesa de 1940, diversos projetos de “re -colonização” da
África ao sul do Saara foram então apresentados, quer seja pelos meios empre-
sariais ou pelo Ministério de Relações Exteriores.
A resposta americana
A África do Norte era objeto de desejo, tanto para os alemães, ansiosos por
lá instalarem bases militares, quanto para italianos, mas, também, para os espa-
nhóis, desejosos em estender os seus territórios coloniais. A França de Vichy
tentava, a duras penas, obter alguma garantia; mas, na África, esta região per-
maneceria, até o fim da guerra, um lugar privilegiado de enfrentamentos entre
todas as potências.
Em razão disso, o presidente dos Estados Unidos da América justificou, nestes
termos e junto ao marechal Pétain, a entrada em guerra do seu país, materializada
pelo desembarque de tropas americanas na África do Norte: “Hoje, com olhos que
cobiçam este império o laboriosamente construído pela França, a Alemanha e a
Itália propõem -se a invadir e a ocupar a África do Norte francesa, visando execu-
tar os seus planos de dominação e de conquista sobre a totalidade do continente
[...]. Evidente e naturalmente, uma invao e uma ocupação da África do Norte
francesa e da AOF constituiriam, para os Estados Unidos da América e para as
Repúblicas Americanas, a mais grave das ameaças para a sua segurança [...]
10
.”
8 M. SCHMITT, 1942.
9 J. ROHRBACH, diretor do Departamento Colonial, 1940, p. 10.
10 Telegrama datado de 8 de novembro de 1942, endereçado por Roosevelt a Pétain, citado por A. KUM’A
N’DUMBE III, 1980, p. 111.
345
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
A guerra determinou, sobretudo e de modo decisivo, a supremacia econômica
norte -americana. Ela provocou nos Estados Unidos da América uma mobili-
zação industrial sem precedentes. Desde antes de Pearl Harbour, as estruturas
de uma economia dirigida (controle de preços e de salários) foram implantadas.
Entre 1934 e 1944, elas permitiram a re -ocupação de 9 milhões de desemprega-
dos. As indústrias, 40% dentre elas voltadas para objetivos militares, viveram um
salto tecnológico: colocou -se no mercado, por exemplo, produtos de substituição
(borracha sintética).
No plano internacional, a técnica privilegiada de intervenção norte -americana
foi o empréstimo (lend -lease). Ela consistiu no fornecimento aos aliados de
diversos produtos, cujo correlato ulterior pagamento era negociado em condi-
ções muito vantajosas, sem que se tratasse de uma questão de dívida de guerra.
Este sistema foi motivado por imperativos menos econômicos que estratégicos.
O bastião do Commonwealth
11
A Grã -Bretanha assentou, em larga medida, o seu esforço de guerra sobre o
Commonwealth, a partir do qual ela criou uma zona sterling (excluídos Canae
Terra -Nova), institucionalizada em 1939 -1940 e abrangendo, aproximadamente,
um terço do comércio mundial. O controle integral das taxas de câmbio era
garantido por Londres. Este Commonwealth econômico, entravado, assumiu em
moedas locais a maior parte das despesas militares. Isto permitiu -lhe depositar
todas as suas reservas em dólar norte -americano em um pool comum, gerido
por Londres que, por sua vez, creditava aos países membros balances sterling”
inconversíveis em moedas estrangeiras à região. O sistema objetivava, com maior
ênfase, garantir uma autarquia imperial” no setor dos gêneros alimentícios e das
matérias -primas.
As políticas econômicas coloniais
A Segunda Guerra Mundial teve, para a África negra, uma importância deci-
siva, diferentemente da guerra precedente, ela não se contentou nem em aumen-
tar a pressão colonial (produção intensificada, trabalho forçado) em nome do
esforço de guerra”, nem em requerer força humana (aproximadamente 160.000
11 D. J. MORGAN, 1980; E. R. WICKER, 1958.
346
África desde 1935
haviam sido recrutados na África francesa entre 1914 e 1918, cabendo à África
do Norte um volume análogo de convocados; somente a metade destes recrutas
serviram aos franceses entre 1933 e 1945; em contrapartida, a West African
Frontier Force britânica passou de 8.000 para 146.000 homens; mais de 160.000
quenianos foram recrutados como carregadores e a África Oriental, em seu
conjunto, perdeu cerca de 50.000 homens). A guerra acelerou a propagação, na
Europa e na África, de uma mentalidade anticolonial que tornou rapidamente
caduco um regime desde sempre considerado intocável
12
.
Amplamente solicitados e empregados fora do continente, os africanos
trouxeram -lhe novas ideias, formuladas a partir dos seus contatos com os euro-
peus e os asiáticos. O mito da superioridade branca estava definitivamente
abalado; as elites africanas encontravam -se prontas a assimilar o interesse da
propaganda anticolonial soviética ou norte -americana. Naquele momento e ao
mesmo tempo, o papel econômico do continente se afirmava. Considerando
dificuldades de abastecimento, os Aliados foram obrigados a intensificar, in loco,
a exploração de produtos estratégicos (ferro em Serra Leoa e estanho na Nigéria)
e, sobretudo, a desenvolver a indústria de transformação. O comércio externo
da África Ocidental britânica dobrou, entre 1938 e 1946, passando de 44 para
86 milhões de libras esterlinas
13
. Impôs -se a ideia de prever uma compensação
política, econômica e social em favor dos africanos, pelo seu esforço de guerra.
Este último fora operado graças ao dirigismo econômico das metrópoles, único
capaz de sustentar uma rigorosa política de investimentos e de industrialização.
A política britânica: O Colonial Development and Welfare Act de
1940 [lei sobre o desenvolvimento e o bem -estar social das colônias]
Quando a guerra explodiu, os ingleses instauraram organismos de controle
sobre as grandes empresas, prelúdio dos Marketing Boards cujas reservas, em
caso de alta, deveriam servir para compensar os riscos de baixa nos preços de
compra, junto aos produtores.
Eles ampliaram, sobretudo, as perspectivas do Colonial Development Act
[lei sobre o desenvolvimento das colônias] de 1929 que, pela primeira vez,
esforçara -se em distinguir as “obras de desenvolvimento das obras ordinárias,
de caráter administrativo”, as únicas a serem financiadas com base nas rendas
12 UNESCO, 1985b.
13 M. CROWDER, 1968 (2
a
edição, 1980), pp. 481 -513.
347
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
normais da colônia. Quanto às primeiras, elas voltavam -se, além das medidas de
desenvolvimento material”, para a saúde pública fundamento de uma força
de trabalho eficaz e para ações no âmbito do sistema escolar.
Malgrado a modicidade dos créditos, entre 1930 e 1940, o esforço dirigiu-
-se em 30% para a infraestrutura de transportes, 16% para a saúde e 10%
para o sistema de distribuição de água. Entretanto, nem a pesquisa científica
e tampouco o desenvolvimento agrícola haviam recebido mais que 7% do
orçamento.
A lei de 1940 previa créditos, ainda muito moderados, de 50 milhões de
libras esterlinas, para os dez anos vindouros (contudo, eles atingiram 120
milhões, a partir de 1945). Ela ampliou as ões de desenvolvimento, trans-
formado em “desenvolvimento planificado”, organizado com a ajuda de uma
vasta infraestrutura administrativa, destinada tanto a preparar quanto a aplicar
os programas.
Todavia, a planificação foi atrasada pela falta de pessoal, em virtude da mobi-
lização para a guerra. Entretanto, o ponto de inflexão decisivo estava posto: o
princípio oficialmente proclamado consistia em admitir que a política do laisser-
-faire não era mais adequada no âmbito colonial.
A política francesa de planejamento: de Vichy à França livre
A despeito das divergências políticas, a atitude francesa foi integralmente
análoga. O dirigismo econômico colonial, ideia incontestavelmente em voga à
época, não era uma concepção inédita. Ela já fora introduzida, desde 1934 e em
plena crise, pela Conferência Econômica da França Metropolitana e de Além-
-Mar, a qual levantou o tema do papel do Estado, não mais somente na qua-
lidade de financiador, mas, também, como gerador de políticas, acrescentando
ao princípio, até então admitido e relativo ao ferramental de infraestrutural,
um outro, mais novo, baseado no fomento da atividade industrial, através da
criação de um Comitê das Indústrias do Império. A ideia permanecia, contudo,
ancorada em evitar a concorrência com os interesses metropolitanos.
À época da Frente Popular, os técnicos da economia colonial haviam reto-
mado a questão. Foi proposto um programa econômico coerente, modernista
e reformista, fundado em uma “economia dirigida de interesse geral, oposta
às iniciativas privadas da livre concorncia. Pela primeira vez, afirmava -se
a necessidade de desenvolver, nas colônias e inicialmente de forma interna,
as atividades produtivas. Em decorncia disto, surgiu uma tese industriali-
348
África desde 1935
zante, no quadro de uma “descentralizão econômica” baseada no “desen-
volvimento” dos territórios − termo mais novo que “valorização”, empregado
até então
14
.
Mas, ao programa colonial da Frente Popular faltou -lhe tempo. O domínio
colonial entrou na guerra, portanto, tal qual ele se apresentava, aproximada-
mente, desde a sua criação.
Sob o governo de Vichy, interm uma equipe de “tecnocratas”. Em plena
Segunda Guerra Mundial, eles elaboram os primeiros planos econômicos
franceses, entre os quais um plano colonial. Certamente, o plano decenal
previsto (1942 -1952), cuja ratificão, inclusive, não foi obtida do seu próprio
governo, reservava uma fatia meocre do orçamento ao donio colonial:
somente 84 bilhões de francos, ou seja, 11,8% do total cifra, vale lembrar,
puramente indicativa, pois que ao Estado não lhe caberia intervir senão em
caso de incapacidade da iniciativa privada (somente 40% das obras eram con-
sideradas rentáveis)
15
.
Embora não se intuísse, contudo, instaurar nas colônias uma capacidade pro-
dutiva passível de abrir concorrência com a metrópole, pois que os investimentos
industriais em além -mar (incluindo o Magreb) representavam somente 7,5% do
total previsto para o solo metropolitano, em nome da solidariedade imperial”, o
problema colocava -se diferentemente: as colônias e a metrópole formam uma
comunidade [...]. Considerando a inexorabilidade do acesso das colônias à atual
vida tecnológica, a sua indústria desenvolver -se quer seja com o nosso apoio
ou [...] contra nós mesmos, situação a evitar
16
.”
Prioritariamente, o objetivo era proteger o Império Francês, no tocante ao
seu comércio exterior, garantindo -lhe mercados além dos limites da França ocu-
pada. A Conferência Econômica Africana de Vichy (1942) assim decidiu pela
implantação da empresa Thomson -Houston (ramo rádio -elétrico) na África do
Norte, pela colocação em pé de igualdade das usinas oleíferas metropolitanas e
coloniais, bem como pela criação de um comitê de coordenação junto às indús-
trias têxteis do Império Francês.
O modernismo de Vichy tem, portanto, as suas raízes fincadas no ideário de
uma elite administrativa que soube tirar proveito das circunstâncias excepcionais
da guerra para esboçar, em estreita ligação com os meios empresariais conver-
14 L. Mérat, conselheiro do ministro para as colônias, Marius Moutet, 1936.
15 C. COQUERY -VIDROVICHT, 1979.
16 P. LE CACHEUX, não datado, p. 58.
349
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
tidos à industrialização, um plano, a constituir, no pós -guerra, a trama de uma
ambiciosa política econômica colonial
17
.
Do pós -guerra às descolonizações
No imediato pós -guerra, a vontade das metrópoles consistia em, desde logo,
incorporar a África ao sistema capitalista internacional. Os instrumentos da
aculturação estavam ao alcance das novas elites: fato, em definitivo, aceito por
todos, a África estava prestes a se abrir para o resto do mundo.
Crises e conitos internos
Mas, esta abertura não se processou sem sobressaltos. Após cinco anos de
relativo isolamento comercial, o restabelecimento das relações civis com o Oci-
dente provocou, no plano interno, violentos traumatismos econômicos e sociais.
O nível de vida deteriorara -se terrivelmente. Ao congelamento dos salários,
em vigor durante a guerra, acrescentara -se a vertiginosa alta nos preços dos pro-
dutos importados a qual sucedera, na Europa, a inflação da guerra. No âmbito
francês, a criação do franco colonial (CFA) cujo valor correspondia ao dobro
do franco metropolitano (o que aumentava, na mesma proporção, o valor das
matérias -primas exportadas), não bastou para compensar a carestia dos bens de
consumo importados
18
; entretanto, a África do Norte não foi beneficiada com
esta medida, em represália contra o pequeno entusiasmo demonstrado pelos
colonos em juntarem -se à França livre.
Um subproletariado urbano estava em vias de constituir -se de forma relati-
vamente generalizada. A formação desta categoria era impulsionada pelo afluxo
de desocupados, expulsos dos campos pelo esforço de guerra (corveia, culturas
obrigatórias, forte imposição). A sua composição social incluía trabalhadores
mal pagos, desenraizados de diversas origens e desempregados. O precário habi-
tat ganhava contornos permanentes, com a ausência quase total de vias públicas,
serviços públicos e saneamento.
17 J. MARSEILLE, 1984, pp. 340 -342.
18 1 franco CFA = 1,70 francos franceses, em 1946 -1947, no ano seguinte, 2 francos franceses, em virtude
da desvalorização francesa.
350
África desde 1935
Até então, as autoridades coloniais haviam primado por contrariar qualquer
processo constitutivo de uma classe operária, branca ou negra, principalmente em
regiões de forte extração mineral ou nas imediações de portos. A guerra abrira
uma brecha neste “império do silêncio”. De forma, por pouco que não, genera-
lizada, eclodiram distúrbios que, em razão do rigor da tutela administrativa e da
repressão, expressaram -se com maior ênfase de forma descontínua, “espontânea
e sem direção; a cidade tornou -se o lugar privilegiado dos enfrentamentos. O
primeiro sinal deste novo panorama foi, em 1944, a sublevação de Thiaroye
(no Senegal), a partir do campo dos atiradores” desmobilizados
19
. Em 1945,
um motim em Douala permitiu a união entre sindicatos e o subproletariado
20
.
Em 1947, um “agitador populista, Lamine Kaba, controlou durante quarenta
e oito horas a cidade de Kankan, na Guiné
21
. Neste mesmo período, estoura-
ram as grandes insurreições do Constantinois argelino (1945) e de Madagascar
(1947), greves foram declaradas em Abidjan e Dakar, distúrbios eclodiram em
Elisabethville (Lubumbashi) e Léopoldville (Kinshasa), onde abatia -se uma
miséria atroz”, e tiveram lugar as greves de Nairóbi e de Accra, coincidentes
com o retorno de Kwame Nkrumah, sem contar a explosão da enorme greve
dos mineiros em Witwatersrand, 1946.
O sindicalismo africano empreendia a sua passagem da consciência de classe
inter -racial para a rebelião nacionalista. A severa repressão contribuiu para poli-
tizar estes movimentos, levando -os, contudo e eventualmente, em direção a
formas tradicionais de resistência (messianismos, kibanguisme, matswanisme,
hamallisme). Preparava -se assim um explosivo amálgama entre os grupos margi-
nalizados das cidades e dos campos. Este caldo de cultura social, em meados dos
anos 1950, constituiu a origem da rebelião dirigida pela União das Populações
de Camarões (UPC) e da insurreição mau -mau no Quênia.
A conjuntura ocidental
O período compreendido entre 1946 -1971 representou, globalmente, o
momento da rápida retomada econômica, sobretudo em sua primeira fase, ante-
rior à recessão consecutiva à guerra da Coreia (1951 -1952).
19 M. ECHENBERG, 1978.
20 R. A. JOSEPH, 1974.
21 Comissariado geral do plano, 1954 e 1955; Ministério da França de Além -Mar, 1954; Ministério da
Cooperação, não datado.
351
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
A re -aceleração foi sustentada pela ajuda americana, fundada no antico-
munismo e na reconstrução das bases do capitalismo, processo ocorrido ini-
cialmente na Europa. Esta estratégia articulou -se em torno de dois programas
centrais: o Plano Marshall (1947), com o incentivo ao empréstimo, do qual a
França pôde empregar uma parte para promover o seu império; e o Pacto Atlân-
tico (1949). O Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
(BIRD) assim como o Fundo Monetário Internacional (FMI) foram criados
para regular a economia do mundo não comunista. Em decorrência disto, sob a
égide de um setor estatal motor, ganha luz uma modernização”, acelerada pelas
nacionalizações e pelas revoluções tecnológica e biogenética.
Este quadro acentuou a interdepenncia dos países industrializados: cada
nação tornou -se, de mais em mais, sensível à conjuntura dos seus sócios-
-não. Evidentemente, os países africanos tiraram certo proveito das “trans-
fencias de tecnologia” e do deslocamento de algumas plantas industriais,
transferidas em busca de marias -primas e/ou de o de obra, a pros
dicos. Assistiu -se, entretanto e com maior ênfase, à acentuão, simul-
nea, da solidariedade e da dependência múltipla: vis -à -vis das empresas
 . Conferência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em Viena, no dia
21 de novembro de 1973. (Foto: ABC, Sipa Press, Paris.)
352
África desde 1935
multinacionais, de perfil fortemente exportador, e relativamente aos pses
produtores de marias -primas, sobretudo energéticas, com meão especial
aos hidrocarburetos importados razão da amplitude dos efeitos do choque
petrolífero de 1973.
As políticas econômicas coloniais
A mudança de rumo foi decidida logo no imediato pós -guerra: a Conferência
de Brazzaville vigorara no Império Francês desde 1944, sucedida, em 1946, pela
supressão do trabalho forçado e pela criação do FIDES, intuindo financiar os
investimentos na África negra e em Madagascar. Ensaiou -se, outrossim, colo-
car em marcha a industrialização da Argélia, por intermédio de um grandioso
“Plano de Constantine”, interrompido pela guerra de libertação. A reorganiza-
ção do Colonial Development Fund britânico interveio em 1945, seguida pela
independência da Índia, em 1947. Na África, o resultado caracterizou -se por
uma aceleração na industrialização, cuja ênfase recaiu sobre as infraestruturas de
transporte e, por um aumento na produção em favor das metrópoles. A França
inovou, de forma marcante, em matéria de planificação: o I
o
Plano (plano Mon-
net, 1946 -1952) incluía o além -mar; ele versava especialmente sobre a questão
da reconstrução, através da grande atenção dedicada ao équipement [capacitação
em equipamentos], à modernização e à industrialização, insistindo, igualmente,
na importância das atividades mineradora e energética (com a vigorosa entrada
em cena do setor hidroelétrico no universo africano). O II
o
Plano (plano Hirsch,
1954 -1957) comportava um projeto de capacitação em equipamentos distinto
no tocante à União Francesa; ele objetivava um desenvolvimento produtivo, desti-
nado a extrair, dos próprios territórios, as novas fontes necessárias à sua acelerada
integração junto à economia metropolitana
22
.
Em termos absolutos, o esforço em investimentos franceses na África, acen-
tuado pelo reposicionamento dos interesses coloniais perdidos na Indochina,
atingiu o seu nível máximo durante este período, conhecendo o seu apogeu em
1951 -1952 (figura 11.3); as importações de bens de equipamento ultrapassaram
a metade do investimento bruto em capital fixo, de 1950 a 1954. A fórmula pri-
vilegiada foi o investimento público (de 70 a mais de 80% do total na AEF e em
22 Comissariado geral do plano, 1954 e 1955; Ministério da França de Além-Mar, 1954; Ministério da
Cooperação, não datado
353
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
Camarões), inclusive na AOF, a despeito do maior peso relativo da contribuição
orçamentária interna dos territórios
23
.
A Grã -Bretanha orientou -se rumo a uma planificação mais flexível,
recusando -se a teleguiar o conjunto a partir de Londres, por dois fatores funda-
mentais: por um lado, em virtude da sua absorção pelas imensas tarefas correlatas
à reconstrução interna e, por outro lado, em razão da incongruência entre uma
centralização abusiva e os postulados primários de um processo, mais precoce,
de self -government.
O Fundo foi decomposto em vários Ofícios, em prol do desenvolvimento e
da reconstrão dos territórios. O plano da Nigéria, por exemplo, implicava na
alocação de 55 milhões de libras esterlinas, deste volume, 13 milhões caberiam
ao Colonial Development Welfare Fund. Julgado por demais insuficiente pela
elite, ele teria sido, contudo, impensável alguns anos antes. Ele foi, sobretudo,
de difícil implementação, menos por falta de dinheiro que por falta de bens de
equipamento, em relação aos quais a G-Bretanha demonstrava, na ocasião,
a sua incapacidade em fornecer -lhes os insumos necesrios (especialmente o
aço). A originalidade da ajuda britânica consistiu em seu cater mais multi-
23 C. COQUERY -VIDROVICHT, 1976a e 1982.
50
40
30
20
10
0
FIDES/FAC (Fundo de assistência e de cooperação) isoladamente
FAC mais ajuda internacional de origem francesa
Caixa central da França de além-mar mais Caixa central de cooperação econômica (CCCE)
Ajuda estrangeira e internacional
1946 1950 1955 1960 1965 1970 1973
F . O nanciamento dos bens de equipamento na África negra de expressão francesa e em Mada-
gascar, 1946 -1973 (em bilhões de francos CFA constantes em 1960). (Fonte: C. Coquery -Vidrovitch, 1976a,
pp. 261 -282, e 1982, pp. 237 -252.)
354
África desde 1935
-focado, comparativamente à ajuda francesa: a metade do financiamento total
(1946 -1958) foi consagrada aos investimentos sociais (educão, saúde, sanea-
mento, habitação), 20% reservados à agricultura e − em contraste com a Fraa
somente 20% dirigidos às infraestruturas de transporte. Todavia, o esforço
produtivo também dedicou -se, essencialmente, à gerão das matérias -primas
necessárias à metrópole. Eis o porquê, notadamente, da importância confe-
rida às oleaginosas, contextualizada pela dratica penúria ocidental neste
domínio, no s -guerra. Inelutavelmente, a ideologia dominante, segundo a
qual a industrialização seria a chave do desenvolvimento, chocou -se com a
inadequação desmesurada dos projetos, com a extrema falta de pessoal e com
o insuficiente conhecimento dos obstáculos ecológicos locais: o fracasso dos
grandes projetos na produção de amendoim (Tanganyika Scheme brinico
24
,
CGOT Companhia Geral das Oleaginosas Tropicais no Senegal) disso
são o maior símbolo.
A planificão e a industrializão não foram apanágio unicamente das
metrópoles liberais. Sob uma ótica muito distinta relativa a manter a todo
custo a intromissão e o espólio coloniais o Portugal de Salazar agiu de maneira
análoga: o primeiro plano, para seis anos, remontava a 1953. Portugal não dis-
punha de nenhum capital, mas os bancos americanos se haviam precocemente
interessado pelos seus territórios na África, graças a interesses comuns com
a África do Sul. Inglaterra e Estados Unidos da América eram, desde muito,
os principais clientes da África portuguesa, excetuada a metrópole, embora os
interesses norte -americanos não se tenham tornado importantes senão com as
primeiras tentativas de prospecção petrolífera (1948 em Moçambique, 1957 em
Angola) e, sobretudo, com início das guerras de libertação em Angola e Moçam-
bique. Foi, na realidade, somente neste momento (a partir dos anos 1960) que
interveio a modernização rápida do domínio português. No Congo belga, após
um primeiro plano muito eurocêntrico (1950 -1960), não foi senão ao final do
período colonial que a administração elaborou um plano de expansão econômica
e social de novo caráter estratégico
25
: ele enfatizava, especialmente, a agricultura
de subsistência e a necessidade de uma maior intervenção dos poderes públicos
no setor industrial, intuindo assegurar a transformação, in loco, das matérias - pri-
mas nativas, evitando as importações e aumentando o emprego. Contudo, este
plano permaneceu letra morta. Após a ascensão ao poder do General Mobutu e
a afirmação de um poder presidencial centralizado, um Órgão dedicado ao plano,
24 J. S. HOGENDORN e K. M. SCOTT, 1981.
25 F. BEZY e colaboradores, 1981.
355
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
notoriamente competente em sua origem, viu o dia. Mas, a equipe de conselhei-
ros não conseguiu perdurar e, como nunca, subsistiu a distância entre os planos
e a sua realização. Cronologicamente, o último, datado de 1979 e apoiado sobre
uma maciça ajuda financeira estrangeira, obteve um sucesso muito limitado,
em razão do Estado não possuir os meios para estabelecer um planejamento e,
tampouco, ser capaz de conduzir o setor privado a adequar -se a esta diretriz. A
causa matriz jaz, no Zaire tal como alhures, na ausência de uma verdadeira von-
tade política voltada para o planejamento, expressão privilegiada de um anseio
nacional por desenvolvimento.
A descolonização na África negra
Este processo inscreve -se no contexto, conjunto, de um desaquecimento
momentâneo no crescimento, acentuado pelas crises de 1951 -1952 e de 1956
(Suez), e pelas recorrentes recessões norte -americanas de 1953 -1954, 1957-
-1958 e 1960 -1961. A breve e violenta recessão, consecutiva à crise mundial
de 1951 -1952, correspondeu a um momento de profundo questionamento das
relações de dominação e dependência. Ela assinalava o início da descolonização
na África negra, desde então aceito e, inclusive, quiçá preconizado pelos meios
empresariais interessados, especialmente na França. A descolonização política,
em choque frontal com a tradição nacionalista francesa, parecia assim ter como
predecessor, na metrópole, o frio pragmatismo da descolonização econômica. A
partir dos anos 1950, a inflexão para baixo na taxa média de lucros (Figura 11.4),
até então em crescimento contínuo desde o início do século, permite compensar
a ascensão paralela de uma corrente anticolonialista chauvinista, rapidamente
expressa na imprensa econômica especializada, imbuída de um espírito conser-
vador e favorável à descolonização, em nome da racionalidade de uma gestão
econômica sadia. À luz deste contexto, as grandes empresas, como a Socie-
dade Comercial do Oeste Africano (SCOA), a companhia francesa da África
Ocidental (CFAO) ou ainda a Unilever, mantiveram -se, portanto, prudentes e
neutras, em razão da incapacidade de garantia, pelo regime, de taxas de lucro
privilegiadas e, inclusive, levando -se em conta a possibilidade de pulverizá -las,
no plano político, pela eventualidade de uma guerra de libertação. Impunham -se
novas relações de exploração.
As grandes correntes hostis ao relaxamento do domínio metropolitano
manifestaram -se alhures, no que diz respeito à França, quando das guerras
na Indochina e na Argélia. Na África negra, os meios oficiais coloniais, tanto
356
África desde 1935
franceses quanto britânicos, foram sensíveis à escalada nos custos da ajuda e,
muito rapidamente, chocaram -se com a dificuldade em mobilizar, simulta-
neamente, as potencialidades locais e as forças de trabalho necessárias, sem
recorrer ao concurso das personalidades políticas locais, as quais aspiravam,
por sua vez, apoderar -se da direção das operações, sem todavia romper com
a metrópole
26
.
Ao levar os Estados africanos a entrarem na esfera da concorrência impe-
rialista internacional, a independência exigia uma reestruturação da política de
exploração que acelerasse tanto a intensificação quanto a internacionalização
 J. MARSEILLE, 1984.
Taxa de lucro (percentual)
Lucros (em milhões de francos constantes, base 1928-1932 = 100)
Média móvel em 7 anos
1910 1920 1930 1940 1950 1960
100
50
0
1910 1920 1930 1940 1950 1960
100
10
1
F . Os lucros da SCOA, 1910 -1960. (Fonte: C. Coquery -Vidrovitch, pp. 595 -621.)
357
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
do capital. O ponto definitivo de inflexão ocorreu nesta época, no momento
da industrialização muito amiúde de ponta da África tropical, como nos
casos da indústria extrativa no Gabão, na Guiné e na Nigéria, ou das indústrias
manufatureiras implantadas alhures.
As independências
Os jovens Estados confrontavam -se a estruturas desarticuladas de economias
subdesenvolvidas. Segundo um modelo herdado, estas formações econômicas
eram caracterizadas por uma produção voltada para o exterior e assentadas sobre
um mercado interno muito restrito. Ora, as independências intervieram em
uma conjuntura desfavorável, marcada pelo sensível desaquecimento nos preços
das matérias -primas de exportação, a sua fonte primordial de rendimentos; em
decorrência disso, configura -se uma situação de nítida deterioração dos termos
da troca: recursos públicos e despesas de investimento encontravam -se então
amputados, conquanto se acelerasse, naquele momento e em contrapartida, um
boom demográfico sem precedentes. A evolução do Produto Interno Bruto (PIB)
per capita seria inexoravelmente afetada (tabela 11.3).
Entretanto, a tendência de crescimento mundial restabeleceu -se rapida-
mente, no curso da segunda metade do decênio. Inclusive, foi possível crer -se,
momentaneamente e em alguns casos, no milagre” do ocaso do subdesenvolvi-
mento, tal como na Costa do Marfim.
As relações entre a Comunidade Econômica Europeia
e os países da África, do Caribe e do Pacíco
27
Em sua primeira fase, as transferências de poder econômico aconteceram
sem aparentes traumatismos. O fato determinante consistiu na crescente diver-
sificação das relações, no âmbito da Comunidade Econômica Europeia (CEE).
Originalmente, por ocasião do Tratado de Roma, em 1957, tratou -se de uma
iniciativa francesa. A despeito da hostilidade da Alemanha e dos Países Baixos,
a França impôs a abertura do Mercado Comum, em seu conjunto, aos domínios
coloniais africanos (francês e belga). Valendo -se, especificamente, da impossível
existência de uma Comunidade Europeia à sua revelia e excluindo -a, a França
27 C. COSGROVE -TWITCHETT, 1978; F. LONG, 1980; C. COQUERY -VIDROVICHT, 1988b.
358
África desde 1935
logrou, finalmente, êxito em suas proposições, impondo -se a apenas um mês
da assinatura do acordo de Roma. Muito mais que um anseio por descoloni-
zação, tratava -se de um ato político cujo objetivo era, antes de tudo, favorecer
a Europa, assegurando -lhe, ao final deste período de penúria do pós -guerra,
um fornecimento complementar em matérias -primas, ao passo que as colônias
africanas, por conseguinte, abertas a um comércio e a investimentos ampliados,
eram levadas a se contentar com alguns limitados objetivos.
Com efeito, o sistema subsistiria na qualidade de um mecanismo flexível,
favorável à passagem, de uma estrutura formada por um conjunto de laços colo-
niais estreitos, em direção a uma rede caracterizada por relações multilaterais.
O preâmbulo estabelece e reafirma a importância “da solidariedade que une,
entre si, a Europa e os países de além -mar e a vontade categórica dos Estados-
-membros em assegurarem a sua prosperidade, consoantes com os princípios
da Carta das Nações Unidas”. Dessa forma, estabelecem -se os parâmetros de
um mercado comum africano, fundado sobre um tríptico: primeiramente, a pro-
gressiva abertura dos mercados dos países africanos “associados” às exportações
de todos os Estados -membros da CEE, sem discriminação; em segundo lugar, a
abertura dos mercados da CEE aos produtos dos países associados, sob a égide
de um regime especial preferencial; e, finalmente, mas não menos importante,
o estabelecimento de um programa de investimentos econômicos e sociais nos
países de além -mar, financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento para
o Além -Mar (FED).
No imediato posterior ao seu vigor, as conquistas deste novo sistema foram,
antes e sobretudo, da ordem dos princípios, muito mais que da esfera da reali-
dade concreta. A abertura, ao conjunto da Europa, foi lenta, mas a diversificação
dos mercados tornara -se possível, tanto mais o ritmo das reduções tarifárias
fosse acelerado, comparativamente ao previsto pelo tratado. A entrada dos asso-
ciados na CEE fora negociada pelas metrópoles, contudo, ao final dos anos 1960,
ninguém, a começar pelos novos Estados, simplesmente satisfeitos em afirmar a
sua adesão aos compromissos assumidos pela metrópole em seu nome, questio-
nou o estabelecimento em seu proveito de relações multilaterais privilegiadas,
este foi exatamente o papel dos postulados em Yaoundé I e II (1963 e 1969) e,
posteriormente, em Lomé I, II e III (1975, 1980 e 1986).
O objetivo, para os Estados africanos, consistia em negociar, ao menos, van-
tagens semelhantes àquelas garantidas pelo Tratado de Roma; tratava -se, no
tangente a eles, de obter ajuda da CEE para transformar as suas economias,
especialmente no setor industrial. Eles desejavam negociar com base na pari-
dade e na igualdade representativas, bem como implementar um programa de
359
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
estabilização nos preços relativos aos produtos de exportação. Mas, a Europa,
desde então reconstruída e convencida de ter alcançado a sua autossuficiência,
não pretendia, em hipótese alguma, conceder novas vantagens. Ela não aceitava
senão tarifas preferenciais para os produtos tropicais, sem contudo bloquear os
mercados asiático e americano.
Os acordos de Lomé marcaram, especialmente, um decisivo ponto de infle-
xão na política europeia: de um número equivalente a 18 Estados, dentre os
quais 17 francófonos, o total de associados passou a 46, reunindo 21 membros
do Commonwealth, englobando, posteriormente, um universo de 70 países.
Doravante, tratava -se de controlar, a partir dos países da África, do Caribe e do
Pacífico (ACP), o conjunto de elos estabelecidos na cooperação com os países
do Terceiro Mundo, imbuindo um espírito de solidariedade”. Desde logo, o
problema ultrapassou, em larga medida, o caso único das antigas metrópoles.
A criação do STABEX, em 1975 − assegurando certa regularização nas expor-
tações dos produtos, especialmente agrícolas e incluindo o ferro, na medida
proporcional aos créditos disponíveis (a saber, em 1980, 138 milhões de dólares
norte -americanos, em um total de 261 milhões restituíveis) − e, posteriormente,
em 1980, a fundação do SYSMIN destinado, em princípio, a desempenhar um
papel no tocante aos produtos mineiros estas duas ações conferiam concretude
às reivindicações em favor de uma nova ordem econômica internacional”, plei-
teada pelo conjunto dos países subdesenvolvidos, desde a reunião da CNUCED,
mantida em 1974.
Desde então, os Estados da África se haviam agregado, pelas suas caracte-
rísticas econômicas, à centúria dos Estados do Terceiro Mundo e, com maior
pertinência, do Quarto Mundo, neste caso, em referência àquelas economias
cujo perfil não primava pela extração mineral ou petrolífera.
A crise dos anos 1970 e a miséria africana
Uma vez mais, o choque ao qual foi submetido o centro do sistema estaria
em vias de impor à periferia uma readequação relativa às modalidades estruturais
da dependência. Os Estados da África negra, nos quais estão incluídos 75% dos
25 países mais pobres do mundo, possuem ainda menos trunfos em mãos, no
jogo de forças norte/sul, comparativamente àqueles da África do Norte. Acuados
pelas calamidades naturais (estiagens prolongadas), pelas sequelas do passado
(pré -colonial e colonial) e pelos obstáculos do mercado mundial, eles reclamam,
antes de tudo, uma nova ordem econômica internacional, p-requisito para
360
África desde 1935
qualquer reestruturação interna. Quanto aos seus sócios do Hemisfério Norte,
estes consideram o ajuste estrutural interno como uma condição sine qua non
para qualquer ajuda suplementar. A África negra, salvo raras exceções, tais como
a Namíbia e o Zimbábue, se nos apresenta como uma região bloqueada. A
África, em seu conjunto, é o continente que menor volume de investimentos
estrangeiros atrai, correspondentes a somente 3% do total mundial, se consi-
derarmos o período compreendido entre os anos 1965 e 1983 (tabela 11.1). A
quase totalidade dos países subsaarianos, salvo o Zaire (atual RDC), a Etiópia
e a Nigéria, dispõe de uma população relativamente limitada (frequentemente
em índices variáveis entre 2 e 8 milhões de habitantes) e caracterizada por um
poder de compra inquestionavelmente medíocre. Os países petrolíferos, neste
contexto e salvo raras exceções, possuem importância menor. Nenhum pode ser
comparado à Líbia, salvo a Nigéria, pois que a produção do Gabão, de Angola
e do Congo gira em torno de 10 milhões de toneladas. A Costa do Marfim, o
Benin, Camarões, Gana e outros países, por sua vez, encontram -se no estádio
da prospecção. Os grupos petrolíferos, especialmente após a recente queda nas
cotações do “ouro negro”, passaram a considerar o petróleo proveniente do sul
do Saara, antes e sobretudo, como uma reserva” em caso de inópia, exposta a
riscos políticos.
O início dos anos de 1980 marcou um agravamento preocupante da situa-
ção, acelerado pela grande estiagem que, entre 1983 e 1985, afligiu 20 países e
cerca de 35 milhões de pessoas. Nas últimas décadas do século XX, a baixa nos
rendimentos per capita e a instabilidade nos deficit internos foram de tal ordem
que as reservas, as quais ainda correspondiam a 15% do Produto Nacional Bruto
(PNB), havia dez anos, caíram, rebaixando -se a taxas extremamente insuficien-
tes, equivalentes a 6% do total. Ora, simultaneamente, os fluxos líquidos de
capitais externos reduziram -se perigosamente
28
.
A despeito de uma multiplicação nos programas de reescalonamento nos
prazos de vencimento das dívidas, aos quais 14 países foram obrigados a recorrer,
em 1984 -1985, a proporção das receitas advindas das exportações e consagradas
ao reembolso da dívida passou, em média, de 18% em 1980 para 26% dois anos
mais tarde, alcançando 38%, neste mesmo período, para os países mais pobres.
Não seriam, nem o atual e sem dúvida efêmero aquecimento nas cotações do
café, nem mesmo a queda nos preços do petróleo que tornariam possível reor-
28 Banco Mundial, 1986, citado no Le Monde, 15 de abril de 1986.
361
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
TABELA 11.1 INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS DIRETOS, 1965-1983
Valor médio anual dos uxos (em
bilhões de dólares
norte-americanos)
% do total mundial
1965-9 1970-4 1975-9 1980-3 1965-9 1970-4 1975-9 1980-3
Países
industriais
5,2 11,0 18,4 31,3 79 86 72 63
África 0,2 0,6 1 1,4 3 5 4 3
N: para o conjunto dos países em desenvolvimento, o valor nominal do investimento direto cresceu 10%
ao ano, durante o período, porém, o valor real permaneceu estacionário. [Fonte: Banco Mundial, 1985, p. 141.]
ganizar uma situação cuja gravidade seria, uma vez mais em 1985, ilustrada por
uma baixa de cerca de 3% no PNB por habitante.
O que fazer? Deveu -se, primeiramente, eliminar o financiamento de grandes
e duvidosos projetos cujos desdobramentos estariam circunscritos ao âmbito
político; embora tais realizações fossem, de mais em mais raras, a medida con-
sistia em algo muito mais facilmente pensável que realizável. Pois, esta última
dependia, não somente da consciência dos governos africanos, mas igualmente
e talvez sobretudo, das múltiplas fontes de recursos, as quais deviam coordenar
as suas ações para evitar o desperdício e aceitar integrar estas mesmas ações em
programas definidos pelos africanos, eles próprios. Uma hipótese de crescimento
modesto permitiria simplesmente inverter a tendência ao declínio da África
subsaariana; ela implicaria, segundo o Banco Mundial, em uma inversão de
recursos externos equivalentes a nada menos que 35,2 bilhões de dólares norte-
-americanos por ano, para cobrir o serviço da dívida e garantir uma margem
mínima de recursos para as importações. A equação é simples, se estimarmos:
as receitas para as exportações em 20 bilhões de dólares norte -americanos; os
gastos relativos à amortização dos encargos da dívida, através de reescalona-
mentos interpostos, em 2,3 bilhões; e, em 9,5 bilhões, o capital concernente aos
fluxos acumulados de ajuda, com taxas bonificadas ou em créditos multilaterais
e, também, aqueles correlatos aos empréstimos ou investimentos com taxas de
mercado, ainda assim, faltariam 2,5 bilhões de dólares norte -americanos. O
esforço conjugado de instituições, tais como o Banco Mundial, o FMI e os
bancos regionais, viria garantir 1 bilhão suplementares. Restariam todavia, ao
final das contas, 1,5 bilhões de dólares norte -americanos a serem empenhados,
uma cifra a representar um aumento de 20% nos programas de ajuda bilateral,
à época, previstos para o período compreendido entre 1985 e 1990.
362
África desde 1935
Na qualidade de hipótese de trabalho, esta aritmética concedia a primazia
ao campo dos países industrializados. Ora, tanto mais a África fosse capaz de
superar as suas próprias dificuldades, tanto menos os africanos dependeriam de
uma ajuda emergencial, por vezes vital, mas, de efeitos desestabilizadores cuja
ilustração sobeja muito amiúde nos últimos anos.
pertinência em constatarmos, à guisa de complemento a este deprimente
estado de coisas, que cerca da metade dos refugiados do mundo de então tenham
sido africanos.
As novas formas do imperialismo
Compreende -se porque, em abril de 1980, o secretário–geral da Organização
para a Unidade Africana (OUA), o togolês Édem Kodjo, clamava em Lagos:a
África está morrendo [...]. O porvir parece -nos sem futuro
29
.”
Como jamais outrora, a característica maior da África de então consistia em
sua dependência vis -vis do Ocidente. Esta dependência devia -se, a esta
altura, à miséria, bem entendido, mas igualmente ao recente passado colonial,
gerador de uma mobilidade muito acentuada, frente às antigas metrópoles.
Esta dependência foi, indubitavelmente, obra do Ocidente, mas também
apresentava -se como um fato interno, aceito e incorporado, circunstância deri-
vada, culturalmente, da perenidade do modelo europeu, como modelo referen-
cial. Dessa forma, no plano dos investimentos acumulados, a França não atingia,
à época, senão a terceira posição entre os inversores de capital (com 16% do
total), atrás da Grã -Bretanha (39%) e dos Estados Unidos da América (21%),
mas era a primeira exportadora, em termos relativos, de novos capitais destina-
dos à África, permanecendo, globalmente e malgrado a ameaça da posição da
RFA, o principal parceiro comercial e o primeiro provedor de assistência técnica
ao continente africano. Contrariamente ao senso comum, o grau de penetração
dos Estados Unidos da América permanecia relativamente limitado. Certa-
mente, esta intromissão estava muito bem dividida: cerca de 15% na África do
Norte, 45% na África Tropical e 40% na África Austral, os investimentos ame-
ricanos distribuíam -se assaz uniformemente sobre o conjunto do continente,
enquanto a França e a Grã -Bretanha, por sua vez, marcavam, respectivamente,
a sua presença no norte e no sul. Excetuando -se o setor petrolífero (57,5% dos
29 Citado no L´Express, 14 -20 de março de 1981.
363
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
capitais investidos em 1976) ou o setor de extração mineral (19,2%), o impacto
da presença “yankee permaneceu fraco (somente 9,3% no setor industrial).
Em consequência, foi o modelo ocidental de desenvolvimento econômico e
social a matriz apresentada como a única explicação plausível para o dinamismo
histórico universal: o corolário do sistema foi a ideia do progresso, mas iden-
tificado, de forma reducionista, unicamente ao progresso científico e técnico;
ao desenvolvimento se lhe iguala a modernização”, isto equivale a dizer, uma
integração sempre maior ao mercado ocidental.
Derivavam deste quadro, o modelo de sucesso econômico e aquele referente
à análise das classes sociais: os marxistas revolucionários locais, cuja formação
ocidental orientara rumo ao modelo soviético, estavam desarticulados, em razão
das dificuldades encontradas ao promoverem a tese da proeminência da classe
operária em países nos quais ela sequer existia. Somente a Tanzânia buscou
definir ideologicamente um socialismo enraizado nos valores e nas potenciali-
dades autóctones.
Esta dependência engendrou uma outra característica comum ao conjunto
dos países e povos da África negra: trata -se de uma profunda distorção social
entre as massas e a elite”. Esta última, correspondente, em média, a ínfimos
5% da população, almejava um nível de vida ocidental. Ora, foi justamente esse
modelo de consumo, ao menos 4 vezes mais elevado comparativamente àquele
do cidadão médio, que o conjunto das forças internas do país mostrou -se inca-
paz de suportar. A própria condição para a integração da minoria privilegiada,
em um sistema mundial, implicava na marginalização das massas, sob a forma
da constituição de um subproletariado rural ou urbano; ao invés de privilegiar,
em meio a um mercado interno muito estreito, o comércio de bens de consumo
a preços acessíveis, os caprichos da minoria social impuseram a extroversão
econômica, reduzindo a economia a um mero apêndice subalterno, moldado
segundo a lógica do mercado internacional.
Mediatizadas por estas condições, as injeções de capital e as transferên-
cias tecnológicas produziam -se, sobretudo, em proveito de algumas oligarquias
nacionais ou empresas multinacionais. Assim, a GECAMINES, no Zaire (atual
RDC), em princípio controladora da produção de cobre e de outros metais não
ferrosos, líder nacional no tocante à remessa de capitais e à contribuição fiscal, na
realidade, terceirizou o trabalho e a comercialização do cobre, em favor de duas
empresas controladas pelo banco Société Générale de Belgique. De um modo
geral, os grandes bancos, crupiês do jogo de investimentos externos, intima-
mente ligados aos organismos financeiros e diplomáticos dos Estados do norte,
tinham como motivação, primária e essencial, o lucro em suas operações, pouco
364
África desde 1935
lhes importando as incidências, na nascente ou na foz do processo, a recaírem
sobre a sociedade local.
In loco, os resultados distavam, em muito, da inocuidade. Mas, eles permane-
ciam medíocres no tangente ao mercado interno. O fato marcante foi, por con-
seguinte, a baixa permanente da poupança, acentuada a partir do início dos anos
1980 (figura 11.5). O deficit nas operações correntes combinado à insuficiência
no fluxo de investimentos estrangeiros tornou imperativo o recurso ao emprés-
timo. Mas, este último agravou o problema do serviço da dívida (tabela 11.2).
Sob uma ótica distinta, o clientelismo e a corrupção produziram, muito ami-
úde, sistemas de espoliação patrimonial do Estado, em proveito dos dirigentes:
estes gestores da economia e do Estado pareciam não se impor, como objetivo,
nada além da divisão, entre si, em seu benefício e daqueles seus respectivos
clientes regionais, do “bolo nacional”.
A política econômica dos países socialistas
No triângulo das relações entre o sul, o oeste e o leste, o terceiro associado
permaneceu praticamente fora de cena. Para os africanos, o “norte” representava,
antes de tudo, a Europa Ocidental. Foi somente por ocasião da Conferência
Ecomica de Moscou (1952) que os russos decidiram ampliar a sua coopera-
ção financeira, comercial e técnica além dos limites do bloco oriental. Em 1956,
Khrouchtchev prometeu ajuda soviética aos países recém -descolonizados, sem
demandar contrapartidas. Por sua vez, o vice -presidente norte -americano Richard
Nixon realizou viagens à África, uma secretaria para assuntos africanos foi criada
junto ao Departamento de Estado norte -americano e as grandes fundações norte-
-americanas dedicaram -se às questões do, chamado, Terceiro Mundo.
Na realidade, a potica africana, precocemente integrada ao contexto da Guerra
Fria, permaneceu orientada pelos imperativos estratégicos, como testemunham as
intervenções maciças dos soviéticos em Angola, Moçambique e na Etiópia.
A China, por sua vez, interveio frequentemente para contrabalançar a ação
da URSS, à imagem do ocorrido na Somália
30
; ela apresentou uma alternativa
incontestável aos africanos sensíveis ao caráter original da experiência chinesa
cujas particulares características, tais como o seu caráter camponês e agrícola,
correspondiam perfeitamente às condições africanas. Independentemente das
30 J. HERZOG, 1979.
365
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
Déficit de operações correntes (PI bruta - II bruto)
Porcentagem do PIB
Investimento interno bruto (II bruto)
Poupança interna bruta (PI bruta)
30
20
10
0
– 10
1960 19831965 1970 1975 1980
F . Investimento e poupança na África, 1960 -1983, com exceção dos países exportadores de
petróleo. (Fonte: Banco Mundial, 1985, p. 49.)
TABELA 11.2 EVOLUÇÃO DO PESO DA DÍVIDA NOS PAÍSES AFRICANOS DE
BAIXA RENDA, 1970-1984
1970 1974 1976 1978 1980 1981 1982 1983 1984
Relação dívida/PIB 17,5 23,5 27,7 26,9 39,8 43,4 47,7 52,0 54,5
Relação dívida/
exportações
75,2 99,5 135,3 162,3 175,8 216,5 260,5 279,5 278,1
Relação serviço da
dívida/exportações
6,1 8,6 8,5 9,6 12,5 13,8 15,7 16,5 19,9
[F: Banco Mundial, 1985, p. 24.]
opções ideológicas, numerosos Estados do continente recorreram, portanto, à
expertise chinesa, notadamente no que diz respeito à rizicultura.
366
África desde 1935
O papel dos organismos internacionais
Pesadas engrenagens, frequentemente consideradas demasiado burocráticas,
as organizações internacionais não se furtaram, contudo, a um trabalho real.
Produziu -se, primeiramente, a enorme massa de dossiês e relatórios técnicos ou
científicos, por elas acumulados, sem contar as ações in loco, por exemplo, contra
o analfabetismo (UNESCO), contra as epidemias (OMS) e contra as grandes
estiagens e fomes (FAO). Esta organizações eram apoiadas pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pelo Banco Mundial e pelo
FMI cujas prioridades determinavam -se pelo sacro -santo critério da rentabili-
dade, critério este geralmente mal aceito pelos beneficiários da sua intervenção,
particularmente no âmbito da competência da UNESCO (educação, ciência e,
sobretudo, cultura). Eis o porquê da tentativa da ONU em suscitar um novo
organismo, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA),
intuindo “aumentar a produção alimentar e elevar o nível nutricional das popu-
lações empobrecidas”. A ênfase, neste contexto, colocou -se sobre as culturas de
subsistência, a partir das comunidades de base, bem como, sobre a reorientação
do crédito agrícola, visando os pequenos produtores, para os quais, mediante
a garantia hipotecária ou imobiliária, o credor conferia viabilidade creditícia à
sua unidade produtiva. O FIDA, objetivando evitar uma catastrófica burocracia,
decidiu utilizar ao máximo os canais institucionais existentes. Dessa forma, ele
abriu uma nova via, motivado por uma constatação imperiosa: a impossibilidade
em responder, no continente africano, com uma solução estritamente econômica,
a problemas eminentemente sociais, tais como a desnutrição, a fome, as doenças
e o trabalho forçado ou mal -remunerado.
A resposta dos africanos
Frente às pressões internacionais, a primeira resposta dos africanos foi o não
alinhamento e o estabelecimento, assim como o incremento, das relações com
países em desenvolvimento, com os árabes, os asiáticos, os latino -americanos
e os povos do Caribe, relações estudadas a seguir, no capítulo 28 da presente
publicação. O não alinhamento resultava da profunda convicção, nascida da
experiência, segundo a qual pouca influência caberia aos países subdesenvolvidos
exercerem na evolução dos problemas do norte, tanto a oeste quanto a leste, no
plano interno ou no âmbito dos conflitos entre blocos.
367
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
O o alinhamento nasceu efetivamente na época da Guerra Fria, no
momento dos mais rudes enfrentamentos entre o Oeste e o Leste. Criado por
iniciativa de três incontestes líderes, Tito, Nehru e al -Nasser, ele tornou -se,
muito rapidamente, o ponto de união para o conjunto dos países do Terceiro
Mundo, os quais totalizavam 95 representantes por ocasião da conferência de
Havana, em 1979. Na África, o não alinhamento desenvolveu -se precocemente
em razão do fracasso do movimento afro -asiático, após a conferência de Ban-
dung (1955). Ele está explicitamente inscrito na Carta da OUA (1963). Entre-
tanto, os critérios do não alinhamento “seguir uma política independente,
fundada na coexistência pacífica eram suficientemente indefinidos a ponto de
ter sido possível interpretá -los com tal flexibilidade que ele, ao contentar gregos
e troianos, enfraqueceu singularmente o seu próprio significado, em razão de
uma aplicação cada vez mais laxista (assim, a interdição do estabelecimento de
F . Bernardo Vieira, presidente da Guiné Bissau, durante encontro com M. A. Queredi, primeiro
vice -presidente do Banco Mundial, em outubro de 1988. (Foto: Banco Mundial, Washington.)
368
África desde 1935
uma aliança militar bilateral com uma grande potência era, naqueles tempos,
pouco respeitada do lado Oeste e Leste)
31
.
O que subsistia, entretanto, era uma reivindicação global contra o Norte”.
Em sua origem encontrava -se a Conferência das Nações Unidas sobre o Comér-
cio e o Desenvolvimento (CNUCED), fundada em 1964 pelas Nações Unidas,
sob a pressão dos países subdesenvolvidos. Ela reuniu, na ocasião, cerca de 150
Estados, entre os quais 77 conhecidos desde então sob a apelação “Grupo
dos Setenta e Sete”, embora eles se tenham tornado 96, após 1971, e 122 em
1982 − constituíam a expressão unificada dos países do Terceiro Mundo frente
ao “grupo B”, composto pelos Estados industrializados. A sua ação desdobrou-
-se, no ano de1974, em uma declaração e um programa comuns, em favor da
substituição da injusta divisão internacional do trabalho em vigor, por “uma nova
ordem econômica baseada na equidade, na igualdade soberana, na interdepen-
dência, no interesse comum e na cooperação entre todos os Estados”.
Inútil dizer que os resultados do enfrentamento Norte -Sul mostraram -se
desde eno muito decepcionantes. A frustração dos parceiros africanos era grande.
A criação de “zonas francas” industriais, como aquela de Dakar, permitiu
aos países da CEE, sobretudo, protegerem os seus produtos de exportação.
A principal reivindicação dos Estados ACP permanecia aquela em defesa de
uma elevação dos preços relativos às suas matérias -primas exportadas, mediante
indexação com base na inflação. Somente esta eventualidade poderia permitir-
-lhes financiar a importação maciça de tecnologias avançadas, necessárias à nova
etapa do seu processo de industrialização; desde logo, estes Estados africanos
poderiam, à imagem de certos países da Ásia, tirar proveito da conjunção entre
recursos naturais abundantes e uma farta mão de obra a preços módicos, objeti-
vando assegurar, por sua vez, no tocante aos centros desenvolvidos, uma maciça e
livre exportação de bens manufaturados. Encontramo -nos, entretanto e à época,
ainda distantes da fatura derradeira.
A guinada da África sobre si mesma, constituindo um vasto conjunto pan-
-africano integrado, pela qual Kwame Nkrumah fez tantos esforços, não passou
de um voto de fé, apesar do elevado número de acordos econômicos internos bi
ou multilaterais (Figura 11.7). Estes últimos permaneceram minados por um
duplo obstáculo: por um lado, o tropismo maior, em direção e a partir dos países
industrializados, por outro lado, as rivalidades políticas internas que obstruíam
31 E. BERG, 1980.
369
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
C
EA
Marrocos
Madagascar
B
A
D
Etiópia
Líbia
Egito
Sudão
Somália
Malaui
Burundi
Guiné Equatorial
Maurício
Zâmbia
Ruanda
Argélia
Guiné Bissau
C
P
C
M
C
E
A
O
U
M
O
A
-
B
CE
A
O
-
B
O
A
D
C
C
A
O
C
E
D
E
A
O
Guiné
Nigéria
Gana
Gâmbia
Mauritânia
Senegal
Mali
Alto-Volta
O
M
V
S
Costa do Marfim
Niger
Benin
Togo
Serra Leoa
Libéria
Congo
Camarões
Gabão
República
Centro-Africana
E
N
T
E
N
T
E
M
A
N
O
R
I
V
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R
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I
O
N
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C
C
A
E
-
B
E
A
D
C
U
S
T
O
M
S
U
N
I
O
N
Uganda
Quênia
Suazilândia
Botsuana
Lesotho
África do Sul
Zaire
Chade
Tunísia
BAD Banco Africano de Desenvolvimento
BCEAO Banco Central dos Estados da África do Oeste
BEAC Banco Central dos Estados da África Central
BEAD Banco Leste-Africano de Desenvolvimento
BOAD Banco Oeste-Africano de Desenvolvimento
CAE Comunidade da África do Leste
CCAO Câmara de Compensação da África do Oeste
CEA Comissão Econômica das Nações-Unidas para a
África
CEAO Comunidade Econômica da África do Oeste
CEDEAO Comunidade Econômica dos Estados da África do
Oeste
CPCM Comitê Consultivo Permanente do Magreb
ENTENTE Conselho dos Estados da Entente
OMVS Organização para a Valorização do Rio Senegal
UDEAC União Aduaneira dos Estados da África Central
UEAC União dos Estados da África Central
UMOA União Monetária Oeste-Africana
Tanzânia
F . Organizações regionais e sub -regionais em prol da cooperação e da integração. (Fonte: UNC-
TAD, TD/B/609/Add. I, vol. III, 1976, pp. XI -XII. Citado em Cambridge History of Africa, vol. VIII.)
370
África desde 1935
a eficácia das pulsões centrípetas. A recessão mundial não permitia imaginar
nenhum progresso considerável a curto prazo.
Os novos dados
A África do Sul
Uma das chaves para o futuro da economia africana de então referia -se aos
desdobramentos possíveis do problema sul -africano. A África do Sul encarnava,
in loco e desde algum tempo, o imperialismo: simultaneamente, base estratégica
e cofre do Ocidente no continente, ela cristalizava o conjunto das exigências rei-
vindicativas
32
: anticolonialista, pela insuportável dependência que ela impunha à
Namíbia e aos africanos da Azânia; anti -imperialista, pela soberania econômica
e militar que ela simbolizava na África; e antirracista, pelo regime iníquo do
apartheid, representando a inadmissível crença segundo a qual os brancos seriam
superiores aos negros. A condescendência do imperialismo ocidental frente aos
africânderes poderia modificar singularmente a situação em curto espaço de
tempo.
A ascensão dos proletariados e o sindicalismo
Malgrado o grande impulso nacionalista, fruto da descolonização, uma pos-
terior confluência, de grande envergadura, entre reivindicações sociais e vontade
política não se produziu de forma alguma.
Na África portuguesa, a partir dos anos 1960, o esforço de industrialização
foi relativamente acelerado, tanto nas minas angolanas quanto nos grandes
portos moçambicanos, mas a ameaça de proletarização foi jugulada através da
implantação de um nacional -sindicalismo corporativo, reservado exclusivamente
aos trabalhadores qualificados (escolarizados), a beneficiar sobretudo os novos
imigrantes portugueses. O estatuto indígena foi revogado em 1961, mas os
africanos, aos quais não se lhes reservava o direito à sindicalização, nem por isso
deixaram de ser circunscritos, em sua ação sindical, a “associações profissionais
para indígenas”, cuidadosamente enquadradas
33
.
32 C. COQUERY -VIDROVICHT, 1986.
33 M. CAHEN, 1984, pp. 10 -13.
371
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
Na África negra, em seu setor francófono, sindicatos de ferroviários e de
funcionários públicos tornaram -se relativamente potentes. Entretanto, tanto
no seio da classe política quanto junto aos trabalhadores integrados à economia
monetária, a ideia de assimilação foi tenaz e pouco favorável à luta reivindicativa;
a tradição política e sindical francesa em matéria colonial (aqui compreendida a
Confederação Geral do Trabalho – CGT e o Partido Comunista) reforçou esta
tendência em circunscrever as reivindicações operárias ao quadro das tradições
do sindicalismo econômico e social.
Em seu setor anglófono, a tradição reformista trade -unionística privilegiou
empreender negociações salariais, em detrimento da ação violenta. O exemplo
nigeriano é particularmente elucidativo: cada onda de greves gerava a arbitragem
de uma comissão de investigação, a qual geralmente decidia pelo aumento sala-
rial. Deveríamos nós, contudo, aludir ao surgimento de uma aristocracia operá-
ria”? Incontestavelmente, o operário industrial nigeriano era um proletário. No
entorno de Lagos, estavam concentrados, em cerca de cinquenta usinas, várias
dezenas de milhares de operários que trabalhavam em diversos setores, com alto
grau de mecanização e alta produtividade. Os trabalhadores eram experientes e
organizados, entretanto, a mobilidade profissional permanecia nula e os salários
rapidamente atingiam o seu teto. Os operários eram capazes de mobilizarem -se
graças a uma vantagem local específica, eles faziam referência, de forma volun-
tária, à exploração geral imperialista e às gritantes desigualdades da sociedade
nigeriana. Mas, a ambição, de caráter “pequeno -burguês”, constituía em atingir,
a termo, a condição social de pequenos empreendedores independentes: tratava-
-se de uma estratégia de acomodação no seio do sistema existente, reforçada, de
uma forma geral, pelo fato de numerosos regimes políticos terem colocado as
organizações sindicais sob o controle estatal
34
. A situação era, por pouco que não,
generalizada por toda a África do Norte, paralisando toda expressão operária,
apesar da sua força numérica.
Uma vez mais, o impulso decisivo veio da África do Sul, doravante domi-
nada por um fato social crucial: o proletariado urbano e mineiro, desde logo, era
composto, em sua maioria, pela população nativa
35
. Esta constatação, evidente
no tocante aos negros, permanecia verdadeira, embora em menor proporção,
relativamente aos mestiços (coloured people), se levarmos em conta uma propor-
ção equivalente, no tangente a estes últimos, a 13.500 empregadores para um
34 A respeito da evolução da situação da classe operária subsaariana, em zonas anglófona e francófona,
conferir C. COQUERY -VIDROVICHT, 1988c, capítulos 12 e 13.
35 D. DUTOIT, 1981.
372
África desde 1935
total de 700.000 trabalhadores e, no que diz respeito aos indianos, a números
correspondentes a 17.000 para 160.000. Na África do Sul, eram os camponeses
e as classes médias que dependiam da classe operária, e não o contrário. Cer-
tamente, desde a eclosão das greves de 1973, em Durban, bem como, nova e
posteriormente, contra a efervescência dos anos 1980, a violência da repressão
veio impor um termo às sublevações dos trabalhadores. Mas, a Confederação do
Trabalho, à época recém constituída em Durban, reagrupando quase a totalidade
das organizações sindicais, representava então um poder de persuasão, simulta-
neamente econômico e político, potencialmente determinante: o ANC já tirara
as conclusões deste fato, incluindo, por conseguinte, na Carta da Liberdade, as
reivindicações fundamentais dos trabalhadores.
A revolução demográca e urbana
O crescimento demográfico, observado a partir do século XIX na África do
Norte e anunciado somente em meados dos anos 1930 na África negra, alcançou
as proporções de uma explosão populacional sem precedentes, após a Segunda
Guerra Mundial e, sobretudo, posteriormente às independências. O período
de transição demográfica não será atingido, ao que tudo indica, antes de 2015,
aproximadamente.
Este dado constitui um elemento fundamental para a economia africana
contemporânea, embora não possamos precisar o alcance das suas implicações
em longo prazo, pois crescimento demográfico e crescimento econômico podem
reagir, entre si, de modo contraditório em função de outras variáveis (políticas,
sociais e culturais).
Em curto prazo, a situação era angustiante. Embora se fizesse valer um
crescimento real do PIB desacelerado, entretanto, após 1973 −, o PIB per
capita, quanto a ele, acusava uma baixa contínua (tabelas 11.3 e 11.4). Contudo
e malgrado o sobrepovoamento de algumas regiões (se levada em conta, espe-
cialmente, a fraca rentabilidade agrícola), o continente encontrava -se global-
mente superpovoado. A termo, o crescimento populacional conferia vantagens
econômicas sensíveis a outras esferas conquanto nenhum desses parâmetros
não se houvesse todavia aplicado à África, onde o desenvolvimento econômico,
incontestavelmente e até então, conhecera menor sucesso que alhures, mundo
afora
36
. A inflexão demográfica permitiu a ampliação do mercado interno, o
36 E. BOSERUP, 1985.
373
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
TABELA 11.3 POPULAÇÃO, PIB E PNB PER CAPITA, EM 1980
População
(milhões)
PNB
(em bilhões de
dólares norte-
americanos)
PIB
(em bilhões de
dólares norte-
americanos)
PNB
per capita
(em dólares
norte-
americanos)
África
Países com baixa
renda
197 52 53 270
Países com renda
intermediária
(importadores de
petróleo)
África do Norte e
Oriente-Médio
31 25 24 830
África Subsaariana
780 26 27 330
Países industriais
(de economia de
mercado)
714 7477 7444 10480
[F: Banco Mundial, 1985.]
aumento na produção e a intervenção da produção em escala na economia; ela
acelerou a substituição de gerações de trabalhadores analfabetos por jovens ins-
truídos, indivíduos mais propensos a adaptarem -se à modernização dos métodos
culturais e aos sistemas próprios ao moderno emprego industrial.
Até então, com significância primaz, processava -se a espetacular inversão
tendencial à qual, no que tange ao peso social relativo proporcional entre as
cidades e os campos, estava submetida a África, naqueles idos. De 1950 a 1980,
o crescimento demográfico conduziu ao triple aumento da população (de 219
para 560 milhões de habitantes) e este incremento deveu -se, em sua terça parte,
à crescença populacional dos campos (domínio equivalente a 85% dos habi-
tantes, em 1950, e 60%, aproximadamente, em 1980, atingindo 70% na África
negra). Todavia, no mesmo período, a população urbana quintuplicou -se (pas-
sando de 32 para 133 milhões de indivíduos), índices a indicarem o maior
ascendimento urbano de todo o planeta
37
. Segundo estimativas, no ano 2000
ou em data próxima, não somente a população, em vinte e três anos, duplicar-
-se -ia, mas localizar -se -ia majoritariamente nas cidades (55%), as quais repre-
sentariam cerca de dois terços do crescimento demográfico total. Entrementes,
37 Nações Unidas, 1981.
374
África desde 1935
TABELA 11.4 TAXAS ANUAIS MÉDIAS DE CRESCIMENTO DO PIB E DO PNB PER CAPITA, 1965-1995
1965-1973 1973-1980 1981 1982 1983 1984
a
1980-1985
b
Previsões 1985-1995
mínimas
b
máximas
b
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
PIB PNB/
hab.
África
Países com
baixa renda
3,9 1,3 2,7 -0,1 1,7 -1,7 0,7 -2,6 0,7 -2,6 1,6 -1,5 1,4 -1,7 2,8 -0,5 3,2 -0,1
Países com renda intermediária (importadores de petróleo)
África do
Norte e
Oriente-
-Médio
5,6 3,5 7,1 4,3 0,7 -2,5 6,2 2,6 1,5 0,5 1,2 -1,3
África
Subsaariana
5,1 2,0 3,6 0,5 6,9 4,1 -1,0 -4,8 -1,8 -5,4 -2,1 -5,4
Países industriais
(de economia
de mercado)
4,7 3,7 2,8 2,1 1,4 0,7 -0,3 -1,0 2,6 1,5 4,8 4,3 2,3 1,8 2,5 2,0 4,3 3,7
a. Previsão
b. Porcentagem média de variação anual
[F
: Banco Mundial.]
375
As mudanças econômicas na África em seu contexto mundial (1935 -1980)
mister faz -se notar que estas previsões não levavam em conta a tendência dos
anos 1990, marcados por uma baixa no crescimento urbano e por uma redução
populacional, ocasionada pela Aids. A segunda metade do século XX viu decu-
plicar a população urbana africana pelas mesmas razões pertinentes aos outros
continentes: a miséria nos campos, a insuficiência de terras e a marginalização
social, por um lado, e a miragem do dinheiro, da liberdade e do modelo ocidental,
característicos das cidades, por outra parte.
À escala de cada um dos 55 Estados africanos, a pressão em termos numérico-
-absolutos não se manifestou de maneira uniforme, quer se tratasse daqueles mais
densamente povoados, tais como a Nigéria (90 milhões de habitantes) ou a Etpia
(31 milhões de pessoas), dos mais extensos, à imagem do Zaire ou do Sudão, ou
ainda, em respeito àqueles menos populosos, considerando a Maurinia, o Niger ou
o Gao. Ruanda e Burundi subsistiam na qualidade de Estados rurais densamente
povoados. Entretanto, a maioria dos países africanos foi frontalmente atingido por
uma onda, sem precedentes, de urbanização. A cidade africana “transcresceu -se”
no lugar privilegiado das lutas poticas e sociais, além de se ter transformado no
ambiente ideal onde amalgamam -se novos meios de adaptação ao mundo moderno”,
ambiente este, denominado através de uma apelação de difícil tanncia, mal cer-
nada e trivializada, o setor informal”. Insistimos, a justo título, em evidenciar as
extraordirias capacidades de adaptação, a denotar uma real inventividade, dos
pequenos produtores do setor informal; muito distante de primar pela estagnação
ou improdutividade, este último seria capaz de promover mudanças estruturais, ao
dinamizar a oferta de empregos dispoveis às massas urbanas e rurais.
No futuro próximo, a realidade possível, quiçá provável, nos apresentar -se -ia em
contornos muito mais sombrios. Tudo permite pressagiar um afluxo, contínuo e
crescente, de bros desempregados nas cidades, obrigados a ratear, por interdio
de subterfúgios de mais e mais frágeis, um mercado de trabalho, por pouco queo,
estaciorio ou submetido a uma progreso infinitamente lenta: a absoão da força
de trabalho através do desenvolvimento do setor moderno é ilusória em países onde
a taxa de crescimento demogfico for superior a 2,5%. Para que os recém -chegados
ao mercado de trabalho sejam incorporados à sociedade industrial, fundamental seria,
com efeito, que os empregos em salariato atingissem a metade da populão ativa; ora,
na realidade, eleso representam seo entre 10 e 20% deste volume total.
Eis que ali reside, de forma inconteste na realidade supra -exposta, o drama
das cidades do Terceiro Mundo, a revelar uma muito distinta evolução compa-
rativamente àquela desnovelada nos berços da industrialização, no século XIX
europeu: em definitivo, trata -se de partilhar, entre os elementos de uma massa
popular em franca expansão e sempre mais desmunida, uma oferta de trabalho,
376
África desde 1935
em razão da qual subjazem recursos e mercados, de mais e mais inadaptada.
Como derivação, criou -se o conceito econômico pessimista denominado invo-
lução urbana, a implicar o obstáculo quase inexcedível em escapar ao círculo
vicioso da pobreza, senão através da imigração.
Imperiosa e doravante, o fenômeno a extrair e apreender do acima delineado
consiste na transformação do turbulento fluxo de crescimento urbano, mal ou
o administrado, em principal vetor das possíveis reviravoltas, na África tanto
quanto alhures. A cidade é, por excelência, o ambiente onde se concentram, desde
sempre, os homens, o trabalho e os sistemas de organização; ela constitui o caldo
de cultura social em cujas tutelas econômicas e culturais afirmam -se e onde se
determina o poder político. Em suma, trata -se da formação social no seio da qual
o convocadas a desvelarem -se, no porvir, as dinâmicas sociais determinantes.
C A P Í T U L O 1 2
377
A agropecuária e o desenvolvimento rural
A política agrícola e o desenvolvimento rural na África foram corrompidos
por todos os aspectos da herança colonial. Distorções, ao nível das políticas e da
sua implementação, comprometeram o esforço agrícola e frearam a produção.
A distorção mais analisada na agropecuária africana é a tendência em privi-
legiar excessivamente as exportações. O presente capítulo examinará a natureza
desta adulteração na produção. A preferência conferida às culturas de exporta-
ção desdobrou -se, por vezes, na geração de economias da sobremesa e das bebidas
quentes, fundadas na cultura de produtos como o chá, o café, o açúcar e o cacau,
destinados aos fabricantes de guloseimas do mundo ocidental, ao passo que os
próprios africanos careciam de gêneros alimentícios de primeira necessidade,
tais como os cereais, a carne e os tubérculos. Esta incongruência data da época
colonial; em países como a Argélia e o Quênia, ela desenvolveu -se sob o controle
dos colonos brancos. Mas, ela persistiu posteriormente, especialmente porque
eram necessárias divisas para importar outros produtos.
Constituindo a pior das hipóteses, a África produz o que ela não consome
e consome o que ela não produz. No setor agrícola, propriamente dito, esta
generalização não corresponde integralmente à realidade, uma vez que o con-
tinente produz uma parte relevante (embora não a totalidade) dos alimentos
que ele consome. Todavia, o percentual dos alimentos importados aumenta
continuamente.
A agropecuária e o
desenvolvimento rural
Maxwell Owusu
378
África desde 1935
Vários fatores contribuem na explicação deste quadro: crescimento demo-
gráfico (aumento no número de bocas a alimentar), evolução nos modos de
consumo (consome -se mais farinha e arroz que outrora), degradação da infra-
estrutura agrícola (falta de peças de reposição e deterioração das estradas), e
insuficiência de medidas promotoras de um crescimento na produção das cul-
turas tradicionais de subsistência (milho e tubérculos) ou incentivadoras do
engajamento em novas culturas (arroz e trigo), junto aos agricultores locais.
As culturas para fim comercial sobrepõem -se e absorvem os cuidados, uma
consideração e meios, extraordinários. A opção em favor das exportações con-
tinua a dominar o desenvolvimento rural.
A segunda desfiguração constitui a opção em favor do urbano. Em linhas
gerais, trata -se de uma política que subordina as obrigações da população rural
às exigências dos citadinos. Per capita, as cidades recebem uma parte conside-
ravelmente maior das receitas dos Estados, em comparação aos campos. Isto é
verdadeiro em relação aos hospitais e às escolas, às estradas e às vias férreas, ao
fornecimento de eletricidade e gás, à construção habitacional e a outros serviços.
No que diz respeito à política agrícola, deriva desta tomada de partido, em
favor da urbe, que os governos africanos tendem a subsidiar o consumidor
urbano em detrimento do cultivador. Numerosos governos africanos tornaram-
-se virtualmente reféns desta política por eles sustentada, inclusive quando o
Banco Mundial ou, com maior frequência, o FMI exercem pressões no sentido
do enfraquecimento desta postura. O FMI recomendou, muito amiúde, que
se motivasse o agricultor, em lugar de priorizar a concessão de subsídios ao
consumidor. Mas, a supressão das subvenções alimentares provocou, por vezes,
sangrentas sublevações em cidades tão diversas quanto Túnis, Ndola, Cairo ou
Monróvia. Na África, os subsídios alimentares caracterizam -se, sobretudo, por
uma tendência em penalizar os agricultores e beneficiar os consumidores. Eles
derivam, em sua essência, desta tomada de partido em prol da urbe, a orientar
as prioridades da agropecuária.
Entretanto, esta opção foi igualmente corroborada por outros fatores. Como
veremos ulteriormente neste capítulo, o sistema educativo colonial, em seu con-
junto, parece, por pouco que não, ter sido concebido com o intuito de produzir
inadaptados rurais. Os próprios camponeses estimavam -se traídos quando os
seus filhos não davam as costas à vida rural. Algumas das melhores mentes
africanas foram sistematicamente subtraídas ao esforço da produção rural. Os
africanos instruídos, nascidos em comunidades no interior dos países, eram,
irresistivelmente, atraídos pela miragem da vida urbana. Desta forma, a escola
foi arrolada na luta contra a agropecuária africana, nisto consiste o aspecto mais
379
A agropecuária e o desenvolvimento rural
pernicioso da tomada de partido em prol das cidades, no cenário do desenvol-
vimento da África.
Eventualmente, esta opção manifestou -se sob a forma de pedidos de sub-
venção estrangeira, intuindo cultivar, in loco, um cereal como o trigo, consumido
sobretudo nas cidades. Um dos mais espetaculares exemplos deste tipo de opção
foi o acordo entre o Canadá e a Tanzânia, concernente à produção de trigo,
com meios ultra -modernos, não distante das neves do pico Uhuru. É possível
que o homem não viva somente de pão, nesta parte da Tanzânia, em todo caso,
o homem não vivia, de forma alguma de pão. E no entanto os canadenses
conduziram a termo este grande projeto. As planícies de Hannan produzem
impressionantes quantidades de trigo, destinadas aos longínquos consumidores
de pão das cidades do país. O custo humano e ecológico é elevado. O primeiro
é suportado pelos pastores barabeg, forçados por esta cultura, a rumarem em
direção a pastagens de qualidade inferior. O segundo, é suportado pelo solo que,
naquela região, é vulcânico e está sujeito a mais chuvas torrenciais, se compara-
das àquelas das pradarias de Alberta. A cultura do trigo ali provocou uma erosão
catastrófica. Uma vez mais, a tomada de posição em prol do meio urbano, um
dos pilares das estratégias africanas de desenvolvimento, aliou -se a importantes
perdas.
Nós veremos, a posteriori, que a terceira adulteração na agropecuária colonial
está ligada ao papel do Estado. No que concerne à agricultura, os organismos
semipúblicos prosperaram, paradoxal e simultaneamente, sob a influência das
burocracias coloniais e no contexto das experiências pós -coloniais, socialistas ou
outras. A intervenção dos poderes públicos, na produção das culturas para fim
comercial, foi especialmente marcante. A cultura de produtos alimentares de
base, além dos limites do setor agrícola de subsistência, igualmente foi afetada
pela influência do Estado. Desde as independências, os efetivos, locados nos
departamentos responsáveis pela comercialização de produtos agrícolas, tiveram
tendência a aumentar, em número e de modo espetacular, ao passo que sua efi-
cácia diminuía em equivalentes proporções. Estes departamentos, também eles,
tornaram -se vítimas do nepotismo.
De forma inexorável, o agricultor também está submetido à excessiva buro-
cratização da agricultura. Cabe a ele subvencionar a burocracia, inversamente à
situação europeia, na qual ele é subsidiado pelo Estado. Com efeito, os órgãos
semipúblicos pletóricos reduziram a sua margem de benefício e tenderam for-
temente a desmotivá -lo.
Quando, em 1987, o presidente Ibrahim Babangida decidiu suprimir os
departamentos de comercialização na Nigéria, esta deliberação deveu -se, sem
380
África desde 1935
dúvida, a motivações políticas tanto quanto econômicas. Entretanto, entre estas
últimas, figuravam certamente a preocupação com a eficácia e a vontade em
oferecer os melhores estímulos aos agricultores e, especialmente, em incrementar
a sua margem de lucro. O fechamento dos departamentos de comercialização
foi também, simbolicamente, uma forma de descolonização, marcada por uma
redução no porte das burocracias do setor semipúblico. Nós retornaremos a
alguns destes temas no presente capítulo.
Quarta grande desfiguração herdada da agricultura colonial: a tomada de
partido em favor do sexo masculino. Tradicionalmente, a agricultura africana era,
com maior ênfase, uma atividade própria às mulheres, as quais se apresentavam,
em maior número que os homens, ao trabalho na terra. A influência colonial
não provocou o ocaso da preponderância numérica das mulheres, mas contribuiu
para marginalizá -las. No âmbito tradicional, as mulheres desempenhavam um
papel considerável no tocante à determinação do valor dos produtos. Com a
entrada em cena da economia monetária, elas haviam alcançado conservar uma
voz predominante em referência à determinação dos preços no mercado local,
em meio ao qual reinam a efervescência e a agitação das trocas e das barganhas
tradicionais. Mas, muitas transformações de caráter colonial contribuíram para
quebrar este equilíbrio em proveito dos homens, especialmente no que diz res-
peito ao estabelecimento do valor dos produtos agrícolas. Dentre estes fatores
figura, justamente, o departamento de comercialização, cujo corpo funcional é
composto, em sua grande maioria, por homens. Os órgãos a desempenharem o
papel de intermediários entre o produtor e o consumidor compõem um domí-
nio reservado ao sexo masculino, os quais marginalizaram a contribuição das
mulheres no que tange à fixação dos preços relativos aos produtos agrícolas.
Convém mencionar, a este respeito, a internacionalização das economias afri-
canas. As economias locais tradicionais conferiam às mulheres um considerável
peso nos intercâmbios comerciais. Mas, a partir do estabelecimento imperioso
dos contatos com longínquos compradores do Japão, da Europa e das Améri-
cas, os conselhos administrativos das empresas africanas, quase exclusivamente
compostos por homens, tomaram as rédeas do processo.
Em suplemento, a modernização da agricultura determinou a maior inci-
dência do recurso aos órgãos creditícios, para a compra de sementes, insumos
e equipamentos, bem como para a construção das instalações de estocagem. O
desenvolvimento do crédito, durante e após o período colonial, elevou com fre-
quência o papel masculino. Em função dos entraves locais à propriedade femi-
nina da terra, tal como os preconceitos universais concernentes a sua reputação
381
A agropecuária e o desenvolvimento rural
de solvibilidade bancária, a monetarização da agricultura africana contribuiu
para marginalizar a agricultura camponesa.
O próprio desenvolvimento das culturas para fim comercial, reforçou a pro-
eminência masculina na agricultura africana. As mulheres africanas possuíam
geralmente o controle sobre a cultura do inhame, da mandioca e do milho.
Entretanto, no tangente à produção de tabaco, na Rodésia do Sul (atual Zim-
bábue), do açúcar em Uganda ou do sisal na Tanganyika (atual Tanzânia), a
capacidade feminina começou a recuar frente à planificação e ao cálculo mas-
culino. Certamente a mão de obra feminina ainda é necessária, inclusive, para as
culturas comerciais. Em Karicho, no Quênia, são as mulheres que, majoritaria-
mente, colhem o chá. Em contrapartida, a produção de tabaco no Zimbábue e
a extração do látex na Libéria constituem trabalhos eminentemente reservados
aos homens. Ao final das contas, as culturas para fim comercial fizeram pender
a balança em prol do trabalho masculino.
A passagem da gestão para o âmbito masculino, naquilo que concerne as
culturas para fim comercial, configura uma evolução, ao menos, tão importante.
No quadro das tradicionais culturas de subsistência, as mulheres eram muito
mais consultadas comparativamente ao que se lhes requer quando se trata de
culturas comerciais. As funções produtivas, de transformação, de fixação dos
preços e aquelas relativas à exportação dos produtos correlatos, tornaram -se, em
sua essência, responsabilidades masculinas.
Tais são, portanto, quatro das principais adulterações legadas pelo colonia-
lismo à agropecuária e aos modelos de desenvolvimento africano. O presente
capítulo analisará as tendências fundamentais da história da agropecuária con-
temporânea, a levar em conta a herança colonial e distorções por ela engendra-
das. Em primeiro plano, entre estas últimas, figuram a prioridade conferida às
exportações, o peso social relativo das cidades, o papel acrescido do Estado e o
primado masculino. Todavia, o capítulo evidenciará as outras forças a influírem
no ritmo e nas orientações da agropecuária africana.
A produção camponesa africana e as plantations
A proporção da população ativa nos países africanos consagrada à agrope-
cuária de subsistência (cultura e criação de animais), à agropecuária voltada para
fins comerciais ou a ambas, é estimada em 65 e 95%, respectivamente. Ao menos
80% dos estimados cento e cinquenta milhões de africanos vivem da agropecuá-
382
África desde 1935
 . Trabalhadora rural no Marrocos. (Foto: Almasy, Paris.)
383
A agropecuária e o desenvolvimento rural
ria, em cuja maior proporção do trabalho, do plantio, da terraplanagem e preparo
do solo, da colheita e da comercialização, cabe às mulheres
1
.
Ao processar uma avaliação comparada sobre a importância relativa da agro-
pecuária de subsistência nos países subdesenvolvidos, K. C. Abercrombie subli-
nha que, na África, as exportações representam uma proporção mais elevada
no referente à produção agrícola total, se cotejadas com os índices do Próximo
Oriente ou do Extremo Oriente mas, em adverso, indica o autor que as vendas
no mercado interno no continente são inferiores àquelas correspondentes às
duas últimas regiões
2
. Este quadro deriva, sabidamente, do fato notório a indicar
uma re -orientação radical, imposta pelo colonialismo, nos rumos do setor rural
africano, em direção a uma produção comercial e voltada para a exportação, em
detrimento de um foco direcionado para o mercado interno.
Na Argélia, no Quênia, em Angola, em Moçambique, a plantation colonial,
outrora principal tipo de exploração, desapareceu ou quase, após a independên-
cia. Todavia, no Quênia e sobretudo na Tanzânia, as plantations de sisal, café,
tabaco, píretro -da -áfrica e seringueiras, empregavam, ainda nos anos 1960, cerca
de um terço da população ativa. Em Zanzibar, as plantations de cravo -da -índia e
os coqueirais, pertencentes a árabes e indianos, ainda são numerosas. Na Zâmbia
grande parte da produção comercial agrícola ainda provém de unidades produ-
tivas de colonos, as quais se encontram situadas ao longo das principais vias de
estrada de ferro.
As plantations pulsam o seu renome nos trabalhos de pesquisa ali realizados
e em seus níveis de produtividade, mediante a sua adequada gestão e o seu
apropriado financiamento. Contudo, elas pouco contribuíram para reduzir a
pobreza nas zonas rurais, nem tampouco favoreceram a criação de empresas
nas quais vigorassem a participação operária na gestão, tal como evidencia o
exemplo da Firestone Tire and Rubber Company, na Libéria
3
. Após a Segunda
Guerra Mundial, surgiu uma nova forma de exploração em numerosos países
da África Ocidental, a saber, a agricultura empreendida por grandes empresas.
Certos índices conduzem igualmente a supor que as agroindústrias multinacio-
nais poderiam, no futuro, desempenhar um crescente papel no que diz respeito
à produção agrícola de alguns países africanos
4
.
1 CIDA, 1984, p. 12.
2 K. C. ABERCROMBIE, 1961.
3 R. L. CURRY, 1971; G. L. BECKFORD, 1972.
4 C. WINDSTRAND e S. AMIN, 1975.
384
África desde 1935
Agricultura e colonização agrária:
programas e cooperativas
O plano de valorização da Gezira, no Sudão, foi um dos primeiros grandes
projetos exitosos de colonização agrária na África colonial. Tratava -se de um
grande programa, inteiramente voltado para a exportação e baseado na produção
irrigada e mecanizada do algodão. Ele começou a vigorar, plenamente, em 1925
e, até 1950, aquando da retomada da sua gestão por um órgão público, o Sudan
Gezira Board, foi conjuntamente administrado pelo governo, por agricultores
arrendatários africanos e duas sociedades comerciais encarregadas de dirigir as
operações. Considerado na qualidade de máxima expressão da economia suda-
nesa”, ele reunia, aproximadamente e em 1958, 26.000 cultivadores sudaneses
arrendatários
5
. Em contrário, o plano de produção de amendoim na África
Oriental, lançado em 1946, pela British Overseas Food Corporation, revelou -se
um dos mais desastrosos dentre estes grandiosos projetos.
Em outras regiões africanas, frente aos problemas da superpopulação, da
falta de terras, da erosão e do esgotamento do solo, devidos à superexploração
provocada pelas medidas coloniais, os governos coloniais reassentaram africanos
de modo a beneficiá -los com melhores condições para a agricultura, tal como a
leste da Rodésia do Norte
6
(atual Zâmbia). Os franceses, em suas possessões na
África Equatorial e Ocidental, e os belgas, no Congo, implementaram nume-
rosos programas de colonização agrária, com vistas a melhorar e estabilizar a
agricultura camponesa, bem como, a intensificar as culturas comerciais.
Ao final da época colonial, existia grande número de cooperativas de comer-
cialização, de serviços e de crédito, as quais se encarregavam de unificar e escoar
a produção dos pequenos agricultores. A criação de cooperativas, a proverem,
entre outros, servos de comercializão, armazenamento, beneficiamento,
transporte e crédito, permitiu aos africanos realizarem progressos significativos
em sua produção de cacau, em Gana e na Nigéria, bem como, naquela relativa
ao café, na Tanzânia (tabela 12.1). Na África Ocidental francesa, a Sociedade
Indígena de Planejamento apoiava os agricultores no aperfeiçoamento dos seus
métodos de produção.
Desde a independência, os governos e as empresas públicas intervêm, em
várias regiões da África, em prol do desenvolvimento agrícola, segundo princí-
5 A. A. BOAHEN (org.), 1987, pp. 491 -493; D. H. READER, 1964, p. 34.
6 W. ALLAN, 1965.
385
A agropecuária e o desenvolvimento rural
TABELA 12.1 MERO E FATURAMENTO DE EMPRESAS DE
CONSUMO E DE COMERCIALIZAÇÃO, EM DETERMINADO
MERO DE TERRITÓRIOS, 1954 E 1957
Território
a
Número
b
Faturamento
(em milhares de
libras esterlinas)
1954 1957 1954 1957
Empresas de consumo
Rodésia do Norte (Zâmbia) 24 21 490 2020
Niassalândia (Malaui) 16 12 36 124
Quênia 17 17 3787 4510
Tanganyika (Tanzânia) 4 5 26 35
Uganda 11 5 128 53
Zanzibar (parte da Tanzânia) 2 2 2 9
Costa do Ouro (Gana) 16 6
c
- 27
c
Nigéria 50 37 41 500
Serra Leoa 2 1 - 16
Empresas de comercialização
Rodésia do Norte (Zâmbia) 80 138 3638 4578
Niassalândia (Malaui) 48 70 68 83
Quênia 297 425 12264 18491
Tanganyika (Tanzânia) 231 462 7830 10360
Uganda 991 1373 2619 4112
Zanzibar (parte da Tanzânia) 1 2 -
d
Costa do Ouro (Gana) 363 376
c
6059 7457
Nigéria 538 1105 2188 4331
Serra Leoa 133 216 138 218
Dados não disponíveis
a. Nomes atuais dos países entre parênteses.
b. Ao nal do ano.
c. 1955.
d. Menos de 1.000 libras esterlinas
[F: Cooperative information circular for the Colonial Territories, novembro 1955, janeiro 1957, fevereiro
1958 e março 1959 (publicado pela Cooperative Union Ltd, Manchester, Grã-Bretanha).]
386
África desde 1935
pios capitalistas modernos (e, eventualmente, mediante princípios socialistas) e as
cooperativas administradas pelo Estado, de forma generalizada, multiplicaram-
-se. Novos programas, baseados na valorização, foram implementados, a esti-
mular a transformação da agricultura e o desenvolvimento rural. Estes desígnios
eram consideravelmente variáveis, quer no tocante à amplitude dos seus métodos
e objetivos, ou quanto aos seus resultados: a começar pelos pequenos projetos-
-piloto que visavam, na realidade concreta, ecológica e agronômica da África, por
à prova as condições de adaptabilidade dos equipamentos agrícolas e as novas
técnicas; até os gigantescos empreendimentos, tal como a construção da grande
barragem de Assouan, no Egito, que triplicou a superfície das terras aráveis, per-
mitindo a cultura irrigada durante todo o ano e possibilitando o estabelecimento
e o assentamento de 180.000 pescadores e camponeses
7
.
A Tanzânia lançou a política da ujamaa, com o intuito de reagrupar, em
comunidades, a dispersa população, a fim de tornar os serviços, agrícolas e
outros, mais facilmente acessíveis aos camponeses, no quadro de uma organiza-
ção coletiva
8
. Nos primórdios da independência, o modelo do moshav israelita
sistema caracterizado pela prestação de serviços centralizados nos âmbitos
cultural, comercial e da assistência social a pequenas unidades produtivas indivi-
duais inspirou, reiteradas vezes, os propósitos de valorização agrícola na África
Oriental e Ocidental. Os programas implementados na Nigéria ocidental, em
1959, também e de forma sistemática, bebiam na fonte deste tipo de estrutura.
Na Tanzânia, no Quênia e em Gana, os consultores israelenses ocuparam um
papel essencial na adequação e finalização dos programas agrícolas
9
.
Vários países adotaram projetos de mecanização para ampliar a área de cul-
tivo e aumentar a produtividade. Na Nigéria ocidental, programas buscando
facilitar o assentamento dos agricultores foram implementados com o objetivo
de conter a migração em direção às cidades, dos jovens que tivessem deixado a
escola
10
, paralelamente, no Quênia, o programa Million Acre visava redistribuir
unidades produtivas, pertencentes a europeus, aos trabalhadores africanos rurais
sem -terra. Segundo R. Chambers, raros foram os planos de valorização a prever
formas comunitárias de regimes fundiários
11
. A partir dos anos 1970, contando
com o apoio do Banco Mundial e de outros organismos desenvolvimentistas,
7 e Economist, 25 de maio/1
o
de junho de 1984, p. 42.
8 J. NYERERE, 1967b.
9 L. CLIFFE e G. CUNNINGHAM, 1973.
10 D. OLATUNBOSUN, 1967.
11 R. CHAMBERS, 1969.
387
A agropecuária e o desenvolvimento rural
tais como a United States Agency for International Development (USAID)
ou a Agência Canadense de Cooperação para o Desenvolvimento Internacio-
nal (ACDI), inúmeros programas de desenvolvimento rural integrado, com a
finalidade de combater a pobreza foram iniciados em toda a África; eles dizem
respeito, especialmente, a obras de irrigação, ao desenvolvimento da criação de
animais, à conservação do solo e da água, ao crédito e ao desenvolvimento da
infraestrutura. O objetivo consistiu em elevar a produção agrícola, tanto em
termos absolutos quanto em termos relativos
12
.
A comercialização dos produtos agrícolas
e os mecanismos de preço
O sistema de comercialização de produtos agrícolas e os preços propostos
aos camponeses nos principais mercados, a determinarem suas rendas e, por
conseguinte, embora parcialmente, o seu nível de vida, constituem as mais evi-
dentes manifestações do caráter dual, colonial e neocolonial, da agricultura e do
desenvolvimento rural no continente africano.
Desde a Grande Depressão e, com maior ênfase, após a Segunda Guerra
Mundial, os governos coloniais, ao darem um novo impulso ao desenvolvimento
econômico -social em suas colônias africanas e, posteriormente, com a conquista
da independência política, os governos africanos centralizadores, por sua vez, ao
conduzirem uma política de industrialização norteada pela transformação dos
produtos alimentares, intervieram sistematicamente no mercado dos produtos
agrícolas, quer se tratasse de culturas para a exportação ou dos gêneros alimen-
tícios de primeira necessidade, destinados ao consumo interno.
Em nome dos objetivos oficiais destas intervenções do Estado e por inter-
médio de serviços especializados na comercialização dos produtos, figuram a
estabilização dos preços na esfera produtiva e, como decorrência, a estabilização
da renda dos agricultores, por um lado, e a utilização dos excedentes em bene-
fício das comunidades agrícolas, bem como o desenvolvimento geral dos países
africanos, por outro. Na realidade, a comercialização permanece, na África, um
dos principais obstáculos ao desenvolvimento da agricultura.
O problema da comercialização deve -se, em parte, à herança colonial: os
ministérios da agricultura, as secretarias e outros órgãos de comercialização cria-
12 R. L. AYRES, 1983.
388
África desde 1935
dos antes da independência, dedicavam -se, antes de tudo, a incentivar as culturas
de exportação
13
. Em razão disto, na maioria dos países africanos, o maior volume
de renda monetária no setor comercial da economia rural chegou ao ponto de
depender das condições de oferta e de procura, no âmbito dos mercados dos
países industrializados, bem como em relação aos preços oficialmente fixados
e regulamentados.
Excetuando -se os efeitos das medidas oficiais de controle, os preços e a
estrutura da comercialização herdada do período colonial foram influenciados
por vários outros fatores: a mediocridade das infraestruturas (em numerosos
países, transportes dos produtos agrícolas até o mercado faz -se, sempre, sobre a
cabeça, em carrinhos de mão, piroga, em bicicleta ou nas costas de camelos) e das
condições de estocagem, das técnicas de colheita, das instalações de beneficia-
mento e de armazenamento; o caráter limitado ou muito limitado do acesso ao
crédito e ao capital; os baixos e incertos rendimentos das culturas; a insuficiência
de informações sobre o mercado e os preços, em acréscimo a mediocridade dos
meios de comunicação, de vulgarização e outras redes institucionais.
Grande parte das instituições e das infraestruturas herdadas da época colo-
nial foram criadas para facilitar o comércio de exportação e importação, isto
equivale a dizer, com o intuito de fazer a ligação entre os portos e as zonas de
plantations e de culturas comerciais, permitindo assim a chegada dos bens de
consumo manufaturados às regiões da sua comercialização. Em 1957, se dermos
crédito a certas estimativas, um quarto de todas as exportações da África Tropi-
cal provinha de regiões situadas a menos 161 km da costa e esta proporção era
muito mais elevada em relação, notoriamente, aos produtos agrícolas
14
.
O quadro institucional e as infraestruturas não foram concebidos para faci-
litar a comercialização da produção local no mercado interno. Desta forma, não
foi construída uma malha rodoviária durável, a permitir o transporte, em direção
aos mercados dos centros urbanos, de gêneros alimentícios voluminosos (fraco
valor por unidade de peso) produzidos em unidades produtivas distantes e dis-
persas. Na maioria dos países tropicais da África, não meios de transporte e
de estocagem que permitam assegurar a conservação dos gêneros alimentícios
em trânsito, daí a existência de uma grande proporção de excedentes forçosa-
mente perdida. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura) avalia em 10% das perdas posteriores a colheita no tocante a pro-
dução de cereais, situando -as entre 30 e 50% para as frutas e legumes. A título
13 Conferir, por exemplo, S. LA -ANYANE, 1970 e 1971.
14 D. GRIGG, 1970, p. 81.
389
A agropecuária e o desenvolvimento rural
comparativo, estas perdas são da ordem de 2 e 3% nos países industrializados.
Os produtos que atingem o mercado urbano têm, portanto, tendência a serem
vendidos a preços relativamente caros, malgrado o controle dos preços, o que
contribui para aumentar o custo de vida nas cidades
15
.
Em numerosos países africanos, os problemas colocados, tanto no que diz
respeito aos produtores quanto no tangente ao consumidor, pela instabilidade
dos mercados e pela flutuação dos preços dos gêneros alimentícios de primeira
necessidade, existem a despeito e, inclusive, em virtude da severidade do controle
exercido pelos poderes públicos sobre o comércio dos produtos alimentícios,
medida considerada capaz de estabilizar e uniformizar os preços. Preços bai-
xos ao nível da produção, obtidos através da intervenção governamental, e as
incertezas características destes preços, obrigam com frequência os camponeses
a produzir, prioritariamente, para garantir as suas necessidades; esta situação
contribui para deslocar os jovens, os quais deixam a escola da agricultura, com
maior ênfase na África Ocidental, fenômeno este que não faz senão aumentar
a escassez de mão de obra neste setor.
De mais e mais, o pequeno produtor africano trabalha, simultaneamente,
para a exportação, para o mercado interno (mercados periféricos, cidades minei-
ras e mercados urbanos) e para suprir as suas próprias necessidades, cabendo
a esta última produção constituir o elemento dominante em numerosos países
do continente. Assim, explicar -se -iam, em parte, as modificações a intervir no
volume da oferta interna de produtos alimentares.
Departamentos de comercialização,
cooperativas e controle dos preços
Desde os anos 30, três grandes meios foram empregados para resolver a quase
totalidade dos problemas de comercialização que se apresentaram na África:
secretarias, órgãos especializados, bem como cooperativas de comercialização
e controle de preços. Na África Oriental, Central, do Sul e do Norte, onde os
colonos europeus ocupavam uma posição preponderante na agricultura, a pro-
dução e a comercialização dos produtos agrícolas de grande valor processavam-
-se mediante um sistema de monopólios legais ou quase legais que excluíam
os africanos. No Quênia, por exemplo, a quase cooperativa em que consistia a
15 FAO, 1977.
390
África desde 1935
Kenya Farmers Association comprava e vendia os cereais, distribuía as sementes
e, finalmente chegou a deter o monopólio sobre o setor farináceo, ao passo que
a Kenya Cooperative Creameries controlava o lucrativo mercado interno dos
produtos lácteos e do bacon, graças a um sistema de tarifas protetoras associado a
uma legislação que fixava os preços, nos anos do pré e do pós -guerra. Na Argélia,
através da aplicação de um decreto de 1947 pelo governo francês, a maior parte
da produção agrícola dos colonos, altamente lucrativa (vinhos, cereais, legumes,
frutas, tabaco, algodão, figos, azeitonas, beterraba açucareira) era comercializada
por intermédio de 449 cooperativas, especialmente o Ofício Argelino Inter-
profissional dos Cereais (OAIC) e a Cooperativa de Compra dos Fabricantes
Argelinos (CAFA), as quais gozavam de forte subvenção por parte dos colonos,
do governo metropolitano e dos organismos de crédito, tais como a Caixa Arge-
lina de Crédito Agrícola Mutual (CACAM)
16
. No restante da África colonial,
antes da Segunda Guerra Mundial, o comércio de exportação dos produtos
agrícolas estava sob o domínio de empresas europeias que, na África Ocidental,
empregavam africanos como intermediários em certas regiões, este papel cabia
igualmente a libaneses e sírios e, na África Oriental, a asiáticos para comprar
os produtos junto aos cultivadores e assegurar o seu transporte até as redes de
comercialização e os entrepostos de propriedade destas companhias na África
britânica, dentre estas últimas a mais importante era a United Africa Group.
Em países como Uganda, Costa -do -Ouro (atual Gana) e Nigéria, nos quais a
pequena unidade produtiva africana encontrava -se na base do desenvolvimento,
existiam empresas cooperativas africanas as quais se ocupavam, essencialmente,
da exportação das culturas para fim comercial mas, tanto antes quanto após
a guerra, elas não representavam, geralmente e em termos percentuais, senão
uma pequena parte da produção total. Por exemplo, em 1939 -1940, havia na
Costa -do -Ouro, à época o principal produtor mundial de cacau, 395 coope-
rativas reagrupando, em seu conjunto, 10.282 associados. Estas associações
comercializaram, naquele ano, 3.971 toneladas de cacau, equivalentes a 2,2% da
colheita total do país, o restante, ou seja, cerca de 98% permaneceram a cargo
de 13 empresas estrangeiras. Em 1952 -1953, a porção relativa às cooperativas
aumentara mas, não representava nada além de 19,2% da produção total (para
maiores detalhes, conferir as tabelas 12.2 e 12.3). Ao fim do regime colonial,
a comercialização de uma proporção muito acentuada de todas as principais
exportações agrícolas dos territórios britânicos na África, aqui compreendidas
16 Conferir T. L. BLAIR, 1970.
391
A agropecuária e o desenvolvimento rural
TABELA 12.2 EVOLUÇÃO DAS EMPRESAS COOPERATIVAS DA COSTA DO
OURO
Ano
Número de
empresas
Número total
de membros
Toneladas de cacau
comercializadas
Cacau das cooperativas,
em porcentagem
proporcional à colheita
total da Costa do Ouro
1939-40 395 10282 3971 2,2
1940-1 285 6539 6736 2,8
1941-2 265 6375 9924 4,0
1942-3 253 6149 9446 4,6
1943-4
a
254 6439 12420 6,3
1944-5
b
150 6102 16765 7,3
1945-6 97 6712 14604 7,0
1946-7
c
106 7948 14451 7,5
1947-8 134 11919 21942 10,6
1948-9 160 13133 27720 10,1
1949-50 179 14612 29468 11,6
1950-1 199 16355 31617 12,1
1951-2 225 18398 28818 13,7
1952-3 291 26287 47423 19,2
a. Department of Co-operation, criado em 1944.
b. Gold Coast Co-operative Federation, criado em novembro 1944.
c. Gold Coast Co-operative Bank Ltd., fundado em 1946.
[F: J. C. De Graft-Johnson, 1958, p. 78.]
TABELA 12.3 EVOLUÇÃO DAS COOPERATIVAS DE CACAU DA NIGÉRIA
Ano
Número de
empresas
Número total
de membros
Toneladas de cacau
comercializadas
Cacau das cooperativas,
em porcentagem
proporcional à colheita
total da Nigéria
1939-40 138 9346 5915 5,24
1946-7 242 18594 13253 11,95
1947-8 283 20585 11090 14,68
1948-9 276 19404 12918 11,96
1949-50 309 21299 9697 9,65
1950-1 319 19529 10908 9,01
[Fonte: J. C. De Graft-Johnson, 1958, p. 95.]
392
África desde 1935
praticamente todas as exportações realizadas por africanos, era efetuada por
órgãos do Estado detentores do monopólio sobre as exportações, a saber, os
departamentos de comercialização, os quais regulamentavam todas as operações
de compra e venda. A situação era análoga na maior parte da África de língua
francesa
17
.
Os departamentos de comercialização acumularam importantes ganhos, em
virtude de uma forte demanda mundial e das altas cotações dos produtos de
base, especialmente ao fim dos anos 1940 e nos anos do decênio iniciado em
1950. Entre 1940 e 1962, os excedentes dos departamentos de comercialização
e a cobrança de fortes taxas de importação provocaram, junto aos produtores,
uma perda correspondente a, ao menos, 700 milhões de libras esterlinas. Estas
obrigações que se abatiam, essencialmente, sobre os pequenos produtores, repre-
sentavam, em média, entre a terça parte e a metade do valor comercial da pro-
dução. Os departamentos de comercialização na África colonial e pós -colonial
taxaram pesadamente as culturas com fim comercial, atitude esta que “freou a
expansão destas culturas, a acumulação do capital privado e o desenvolvimento
de uma massa camponesa próspera e de uma classe média independente
18
”. Uma
vez que os excedentes na balança comercial, em Uganda e na África Ocidental,
estavam depositados em libras esterlinas, durante o período colonial, operava-
-se, em razão disso e na realidade, uma transferência forçada de recursos das
colônias para a metrópole. Após a independência, as consideráveis somas que
afluíram ao tesouro dos Estados africanos e aos órgãos deles dependentes, em
razão do monopólio de Estado sobre as exportações, favoreceram a generalização
da corrupção, junto à classe política e ao funcionalismo público, em razão destas
somas prestarem -se a promover um desenvolvimento nacional que privilegiava o
setor urbano e porque o seu controle tornou -se um dos grandes desafios na luta
pelo poder, como ilustra claramente o exemplo da África Ocidental
19
.
Em suplemento à sua intervenção no âmbito da comercialização das cultu-
ras voltadas para a exportação, os governos africanos intervieram diretamente
no comércio dos gêneros alimentícios de primeira necessidade, provocando, na
África independente, profundas repercussões na esfera das vendas dos gêneros
exportáveis e dos produtos alimentícios. Em certo mero de países (Gana,
Zâmbia, os países do Sael, a Tanzânia e o Quênia, por exemplo), o papel desem-
17 Para uma análise detalhada do funcionamento nos departamentos e organismos de comercialização,
conferir R. DUMONT, 1966; R. H. BATES, 1981; P. T. BAUER, 1981.
18 P. T. BAUER, 1981, p. 180.
19 Conferir, por exemplo, V. LE VINE, 1975.
393
A agropecuária e o desenvolvimento rural
penhado pelo Estado na comercialização dos gêneros alimentícios, em muito
reforçou -se. Em decorrência, entre 1971 e 1976, o governo da Tanzânia, por
interdio dos seus departamentos de comercialização, postos em posição
monopsônica, oferecia aos camponeses, no tocante aos principais cereais, pre-
ços de compra equivalentes e variáveis entre um quinto e a metade das cotações
praticadas no mercado mundial
20
. Estas agências governamentais de comerciali-
zação, a operar legalmente, compram os produtos agrícolas a preços oficialmente
fixados, segundo índices inferiores aos preços de mercado, escoando -os nas
cidades graças a pontos de venda em cujos preços são controlados. Em muitos
países da África, a numerosos produtos agrícolas se lhes foi imposto um controle
oficial de preços.
Para manter em níveis aceitáveis os preços de varejo dos produtos alimen-
tícios nos mercados urbanos, os organismos de comercializão são levados a
importar estes produtos, o que equivale a suscitarem uma concorrência com os
produtores locais, neste mesmo mercado citadino, e, por conseguinte, a dimi-
nuírem os preços pagos aos agricultores, política tendencialmente agravante
da pobreza em meio à populão rural. As importações são subsidiadas através
de taxas de câmbio sobreavaliadas as quais abaixam os preços aparentes dos
gêneros importados, especial e especificamente, logo que os preços internos
atingem patamares superiores às cotações vigentes no mercado mundial. Em
virtude da subvenção estatal tangente aos preços dos gêneros alimentícios de
primeira necessidade, as importações destes produtos passaram a representar,
em curva ascendente e após 1970, um papel essencial no que diz respeito à
balança de pagamentos, em múltiplos países africanos. Os militantes e orga-
nizados trabalhadores urbanos ao terem demonstrado a sua capacidade em
derrubar governos africanos, por meio de manifestações e levantes, desenca-
deados contra os preços demasiado elevados dos gêneros alimentícios e em
oposição ao custo de vida em geral justificaram, por parte dos governos,
uma atitude cujo interesse maior era manter estes preços tão reduzidos quanto
possível, malgrado os efeitos negativos do controle oficial sobre os preços e
embora se tenha revelado oneroso, além de pouco eficaz em seu conjunto, o
enquadramento empreendido no que tange às operações de compra, venda e
distribuição
21
. As políticas oficiais aplicadas em matéria de preços alimentí-
cios tiveram, especialmente, como resultado: primeiramente, uma queda na
prodão interna nos gêneros alimentícios; bem como, em segundo lugar,
20 R. H. BATES, pp. 39 e 85.
21 Conferir M. OWUSU, 1972.
394
África desde 1935
o aumento e a expansão do comércio icito e do contrabando, a permitir
aos produtores escaparem ou burlarem o monolio estatal, no que se refere
à comercializão, am de tentarem acrescer os seus benefícios, embora o
Estado tenha fortemente subvencionado os fatores da produção insumos,
sementes, equipamentos e implementos agcolas e os créditos disponíveis
aos agricultores. O contrabando referente aos produtos da agricultura de
subsisncia, e às culturas voltadas para a exportão (em respeito às quais,
os preços também o fixados pelos departamentos de comercializão), des-
tinadas a países vizinhos, onde são vendidas a preços mais atraentes todo
este comércio ilegal é tamanho que, em certos pses, a polícia de fronteira
e as patrulhas armadas de guardas -fronteiros o podem a ele se opor e
tampouco dele reduzir as proporções. Citemos o exemplo do cacau, da noz-
-de -cola e dos gêneros alimentícios que, regularmente são subtraídos de Gana
com destino à Costa do Marfim e ao Togo, bem como o caso dos produtos
de subsistência ou aqueles destinados à venda cujo contrabando subsiste de
forma permanente entre a Guie Serra Leoa, a Nigéria e o Benin, ou ainda
a Tanzânia, a Zâmbia e o Qnia.
Em suplemento, a comercializão da quase totalidade dos produtos agrí-
colas impõe invariavelmente rios problemas na maioria dos países da África.
Embora, em seu conjunto, as culturas de exportação ou aquelas voltadas para
o comércio, desde que solidamente estabelecidas, sejam comercializadas mais
eficazmente ao serem remetidas aos departamentos especializados, como os
neros alimencios, as duas categorias de produto enfrentam os mesmos
problemas. Trata -se, especialmente, como observamos, de problemas ligados
à própria estrutura da produção por exemplo, a dispersão espacial das uni-
dades produtivas e de beneficiamento que dificulta o seu acesso − e problemas
técnicos, impostos pela comercializão condições materiais de estocagem,
transporte e informação os quais transformam o corcio de produtos
agrícolas em uma atividade, simultaneamente, muito onerosa e de alto risco.
A comercializão dos produtos alimentares apresenta, contudo, problemas
específicos. Primeiramente, ela caracteriza -se pela presença de grande número
de compradores e vendedores, unidos entre si por uma multidão de inter-
mediários, atuantes todos em um sistema muito complexo de distribuição e
arbitragem. Sem mencionar os produtores que, muito amiúde, vendem dire-
tamente aos consumidores em suas propriedades ou ao longo das estradas.
Ao menos seis categorias de distribuidores foram identificadas na África: os
intermediários atuantes junto aos produtores, os agentes sem mandato, os
agentes com mandato, os agentes das cooperativas, os atacadistas e os vare-
395
A agropecuária e o desenvolvimento rural
jistas. Todos, em diversos níveis, efetuam operações comerciais, quer seja na
qualidade de empreendedores individuais ou organizados de forma associa-
tiva
22
. Se os atacadistas tendem, por sua vez, a operar como oligopolistas em
suas relações com os varejistas e consumidores, os varejistas, quanto a eles,
estão geralmente inseridos em uma estrutura altamente concorrencial. Por-
tanto e em larga medida, os preços tendem a ser determinados pelo mercado,
malgrado as suas frequentes flutuações, possivelmente ocasionadas pelo custo
do transporte, pelas fortes perdas devidas a prerias condões de estoca-
gem, pelo elevado grau de risco e pela negocião
23
. Na África, imperioso
faz -se notar que o maior volume da produção alimentar comercializada seja
distribuído em circuitos “não oficiais”. Os difíceis e cruciais problemas que
impõem a distribuição dos neros alimentícios produzidos localmente e as
tendências inflacionárias a caracterizarem o mercado interno urbano dos pro-
dutos alimentícios, em numerosos Estados africanos, resultam, eles próprios,
da dicotomia e do subdesenvolvimento das economias herdadas do período
colonial, nas quais predominam as atividades de subsistência e as atividades
extramercado e periricas
24
.
A produção agrícola frente às questões
ecológicas e sociais, 1960 -1980
Essencialmente, as questões e os obstáculos ecológicos (referentes ao meio
físico) que justificam, em larga medida, os medíocres resultados alcançados
pela agricultura africana e o agravamento da pobreza observado nos anos 1960
e 1980, são os seguintes: secas cíclicas (por exemplo, a seca do Sael, de 1968
a 1974), progressão da desertificão, degradação dos solos e desmatamento
florestal. Alguns destes flagelos são consequências diretas de políticas colo-
niais inconsequentes nos domínios econômico e fundiário. Outras calamida-
des miséria, s condições de saúde, doeas, desnutrão, analfabetismo
e subemprego da população agrícola constituem traços característicos das
economias subdesenvolvidas. Por outro lado, ltiplos obstáculos sociais pesa-
ram sobre a produção agcola: a migrão maciça da mão de obra masculina
adulta que abandona as zonas rurais para o trabalho nas cidades, nas indústrias
22 Q. B. O. ANTHONIO, 1973, pp. 251 -252.
23 V. C. UCHENDU, 1967.
24 Sobre as economias e mercados africanos conferir R. H. BATES, 1981; J. HEYER e colaboradores (org.),
1981; P. BOHANNAN e G. DALTON, 1965, pp. 1 -32.
396
África desde 1935
e no setor de serviços, constituindo um aspecto demográfico determinando o
cater incerto e as flutuações na oferta de o de obra agrícola; um sistema
educativo a encorajar os jovens na busca por empregos não agrícolas; valores,
crenças e bitos culturais tradicionalistas; os costumes, no tocante à utilização
das terras e ao regime fundiário, a rapidez do crescimento demogfico e a
demanda por terras resultante destes últimos fatores; os distúrbios internos
e a instabilidade econômica. Assim, durante os anos de 1970, o número de
refugiados, em sua maioria compostos de agricultores e pastores, em fuga para
além das fronteiras das guerras de libertão, golpes de Estado ou guerras
civis, passou de 750.000 para mais de 5 milhões, ou seja cerca da metade dos
refugiados de todo o mundo
25
.
Entre 1970 e 1980, a população da África Tropical aumentou em 63%,
alcançando um total de 344 milhões de habitantes. Ao longo dos anos 1970,
a taxa média de crescimento demográfico correspondia a 2,7% ao ano para o
conjunto da África. Este crescimento afetou, com maior ênfase, as zonas rurais,
o que explica um esgotamento dos solos em algumas regiões do Quênia, da
Etiópia, de Ruanda, da Tanzânia e do Egito. Em rao dos limites impostos
a este estudo, nós não podemos aqui analisar senão alguns dos obstáculos
ecológicos e sociais.
Se compararmos, no período 1960 -1980, a produção agrícola em relação à
população, em 35 países africanos situados nas diversas zonas ecológicas e climá-
ticas, o quadro obtido apresentará muitos contrastes: um punhado de países, tais
como a Suazilândia (renda média), a Costa do Marfim (renda média), Cama-
rões (rendia média), Burundi (renda baixa), Ruanda (renda baixa) e o Malaui
(renda baixa), aumentaram consideravelmente tanto a sua produção agrícola
total quanto a sua agropecuária de subsistência, em proporção à sua população.
Alguns dentre estes países, tais como Botsuana (renda média) ou Sudão (renda
baixa) alcançaram um aumento em sua produção mais rápido e maior, compa-
rativamente ao que cresceram as suas populações. Quanto à grande maioria dos
países africanos tropicais, especialmente Gana (renda média), a Nigéria (renda
média), o Congo (renda média), o Tchad (renda baixa) e a Tanzânia (renda
baixa), estes viram a sua produção agrícola estagnar -se ou até decrescer
26
.
No referente a certos países do continente, em particular os países do Sael
Mauritânia, Mali, Tchad, Senegal, Gâmbia, Alto -Volta (atual Burkina Faso),
25 United States Committee for Refugees, 1981.
26 Para uma análise detalhada, conferir J. HINDERINK e J. J. STERKENBURG, 1983; Banco Mundial,
1982.
397
A agropecuária e o desenvolvimento rural
Níger −, a nova crise agrária, conjugada a secas imprevistas, sucessivas e inter-
postas em curtos intervalos, de 1968 a 1974 e em 1977 -1978, explica em larga
medida a queda nas taxas de crescimento da produção agropecuária, a estagna-
ção das importações agrícolas e da penetração de vários produtos no comércio
mundial, o rápido crescimento nas importações de cereais trigo e arroz −,
bem como, o aumento na ajuda alimentar e a dependência em relação a esta
assistência (tabela 12.4)
27
.
Obstáculos ecológicos naturais e problemas causados
pelo homem
A maior parte dos solos africanos são naturalmente de pequena espessura,
frágeis, pobres em matéria -orgânica e pouco férteis, exigindo procedimentos
marcados pela precaução. Segundo alguns especialistas, a introdução das moder-
nas técnicas de cultura, na época colonial e durante o período pós -colonial, teria
acelerado, muito mais que retardado, sobretudo nas regiões tropicais úmidas, a
destruição do ecossistema e a desertificação
28
; é amplamente reconhecido que
o clima africano está em vias de tornar -se de mais e mais variável, o que reduz
o leque de possibilidades de cultura e de criação de animais, contribui para a
brutal deterioração dos ecossistemas, sobretudo nos cinturões áridos e semiá-
ridos, e torna extremamente difícil a planificação de longo prazo da produtivi-
dade agropecuária. Estima -se que aproximadamente 55% do território africano
estejam ameaçados pela progressão do deserto (conferir mapa 12.2) e que 45%
deste território esteja exposto a terríveis secas
29
. Desta forma, é possível que,
acima da metade do continente e por volta de ¼ da sua população, com maior
ênfase nas zonas rurais, estejam ameaçados
30
. Aproximadamente 10 milhões de
quilômetros quadrados, abrangendo um total de 21 países, são impróprios para a
criação de animais, porque infestados pela mosca tsé -tsé (conferir mapa 12.4)
31
.
As consequências negativas desta situação no tangente à produção agropecuária
são evidentes.
27 Conferir Banco Mundial, 1983, pp. 46 -50 e a tabela 6.
28 J. OMO -FADAKA, 1978, P. 48.
29 S. GALAl, 1977; FAO, 1977.
30 PNUE, 1981.
31 C. AYARI, 1983.
398
África desde 1935
TABELA 12.4 PARTICIPAÇÃO DO TRIGO E DOS PRODUTOS ALIMENTARES
NAS IMPORTAÇÕES DE ALGUNS PAÍSES DA ÁFRICA DO OESTE, 19681978
País Ano
Porcentagem de produtos
alimentares no total das
importações de produtos
primários
Porcentagem de trigo no
total das importações de
produtos alimentares
Nigéria
1968 7,4 24,1
1969 8,3 41,2
1970 7,6 26,6
1971 8,1 23,5
1972 9,6 23,5
1973 10,3 29,5
1974 8,9 32,8
1975 8,0 18,4
1976 8,5 22,1
1977 10,5 12,9
Serra Leoa
1968 17,5 10,3
1969 16,4 12,0
1970 21,5 12,5
1971 19,2 13,4
1972 17,5 14,8
1973 24,0 18,0
1974 22,3 13,5
Senegal
1968 34,8 9,0
1969 31,6 11,9
1970 26,1 16,9
1971 29,2 14,5
1972 25,7 11,8
1973 34,1 11,0
1974 26,7 8,5
1975 22,0 16,8
Mali
1968 18,0 18,0
1969 14,2 14,2
1970 26,9 26,9
1971 25,6 25,6
1972 20,2 20,2
1973 - -
399
A agropecuária e o desenvolvimento rural
1974 54,3 54,3
1975 19,4 19,4
1976 16,4 16,4
Alto Volta
1968 18,7 18,7
1969 16,9 16,9
1970 17,3 17,3
1971 17,6 17,6
1972 19,1 19,1
1973 22,4 22,4
1974 31,0 31,0
1975 17,4 17,4
Níger
1968 8,4 15,9
1969 9,4 10,4
1970 10,6 25,6
1971 9,6 15,7
1972 12,6 7,1
1973 15,6 9,6
1974 17,9 5,2
1975 9,3 7,6
1976 6,4 6,2
Chade
1968 10,3 39,4
1969 16,3 14,2
1970 15,7 10,9
1971 15,6 15,2
1972 20,9 12,5
1973 24,7 15,3
1974 20,7 15,5
Costa do Marm
1968 12,5 14,5
1969 11,7 11,4
1970 12,6 15,5
1971 12,4 5,6
1972 14,1 10,7
1973 17,5 10,5
1974 14,8 6,4
1975 12,0 8,8
400
África desde 1935
A maioria dos trabalhadores rurais africanos, exceção feita daqueles empre-
gados no âmbito das propriedades europeias e das grandes e modernas unidades
produtivas pertencentes a empresas ou ao Estado, pratica culturas pluviais. Na
África do Norte, a agricultura irrigada somente predomina no Egito (tabela
12.5). Em geral, as condições ambientais próprias ao continente não são em
nada favoráveis ao desenvolvimento da irrigação, em virtude da insuficiência de
recursos hídricos e de terras férteis, mas também em razão da sua muito elevada
salinidade. Somente um terço do continente tem um índice pluvial superior a
100 milímetros de chuva por ano. Ao norte do Saara, 90% das precipitações
têm lugar entre outubro e maio, ao sul do Saara, as chuvas estão concentradas
nos meses de verão. Aproximadamente um terço do continente apresenta índi-
ces pluviométricos inferiores a 25 milímetros de chuva por ano. As regiões de
maior incidência pluvial representam cerca de 25% da África Tropical. Chuvas
1976 10,8 14,3
1977 11,7 12,3
1978 11,3 11,3
[F: D. E. Vermeer, 1983, pp. 74-83; utizado com a autorização da Helen Dwight Reid Educational
Foundation; publicado por Heldref Publications, 4000 Albermale St, N.W., Washington, D. C. 20016.]
TABELA 12.5 UTILIZAÇÃO DO SOLO NA ÁFRICA DO NORTE
País
Área cultivada, incluindo as terras temporariamente improdutivas
(em milhares de hectares)
Total
Cultivos
pluviais
Cultivos irrigados
Porcentagem das terras
com cultivos pluviais em
proporção à área total
Argélia 7000 6750 250 96,40
Egito 2650 10 2640 0,03
Líbia 5650 2395 125 95,00
Marrocos 7040 6590 450 93,60
Mauritânia 263 260 3 98,90
Somália 960 800 160 83,30
Sudão 7800 6240 1560 80,00
Tunísia 3500 3360 140 96,00
[F: A. Arar, 1980, p. 13.]
401
A agropecuária e o desenvolvimento rural
Muito Elevado
Elevado
Moderado
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
 . O risco de deserticação na África, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre a Deser-
ticação, 1977. (Fonte: Segundo a ONU, 1981, vol. II, p. 7.)
402
África desde 1935
aleatórias e mal repartidas durante o ano, temperaturas elevadas e uma forte
evaporação, compõem um conjunto de fatores conjugados, a limitarem, de forma
estrita, os tipos de culturas e criações, eventualmente passíveis de exploração. Na
África oriental, por exemplo, estima -se que um índice pluviométrico correspon-
dente a 760 milímetros seja o mínimo, anualmente necessário, para assegurar
uma boa colheita de cereais. Nesta mesma região acredita -se que um agricultor
possa suportar uma colheita em intervalos de 3 anos
32
.
Na Argélia, onde os rebanhos são muito numerosos, o volume de animais caiu,
em 1945, de 8 milhões para 2 milhões de cabeças, após alguns anos de seca
33
.
Estimava -se que, no mês de dezembro de 1972, em plena seca ocorrida entre
1968 -1974, a Mauritânia tenha perdido cerca de 1,6 milhões de cabeças, o equi-
valente a 80% dos rebanhos. As exportações de gado e de produtos da pecuária
(carnes e peles) representam por volta da metade das receitas de exportação de
alguns países no Sael, elas sofreram naturalmente as consequências das inóspitas
32 D. GRIGG, 1970.
33 J. OMO -FADAKA, 1978.
 . A seca na Argélia, em 1947: carneiros diante de um bebedouro vazio. (Foto: Gaumont Ciné-
mathèque, Paris.)
403
A agropecuária e o desenvolvimento rural
condições climáticas. Em certas regiões do Sael os efetivos do rebanho reduziram-
-se em até 90%
34
. O Sael abrigava, no início dos anos 1960, segundo estimativas,
aproximadamente 1 milhão de pastores, 12 milhões de bovinos, 25 milhões de
ovinos e caprinos e 1 milhão de camelos. A seca dizimou estes rebanhos e forçou
milhares demades e camponeses, com os quais eles viviam em simbiose, desde
logo privados de qualquer recurso ecomico, a evadirem -se rumo aos centros
urbanos onde vieram a aumentar as fileiras de pobres e desempregados.
Falta acrescentar que a generalização da criação sedentária de animais, par-
cialmente encorajada pelo desenvolvimento das culturas comerciais, destinadas
à exportação, acentuou a concorrência entre pastores e criadores sedentários, os
quais sempre haviam disputado a terra e a água, situação a resultar na maior
circunscrição dos pastores e de seus rebanhos em regiões cada vez mais restri-
tas do Sael. Outrora, os procedimentos tradicionais ofereciam às populações a
possibilidade, indispensável à sua sobrevivência, de movimentarem -se ou ven-
derem os animais excedentes em função dos efeitos dos índices pluviométricos.
A tendência ao desaparecimento desta possibilidade produziu uma regressão
da atividade pastoril. Entre 1960 e 1980, a construção em terras pastoris, por
diversos órgãos nacionais e internacionais, de um crescente número de poços
artesianos e reservatórios provocou, por outro lado e especialmente na África
Ocidental, uma intensificação no espaço da atividade pastoril, engendrando o
esgotamento dos solos e a sua erosão.
Roedores, aves (especialmente o keleo -kelea), insetos (em particular os
gafanhotos), e doenças provocadas por agentes criptógamos afetam tanto
as plantações quanto a crião de animais. Sob os trópicos úmidos e forte-
mente chuvosos, a presea da mosca t -tsé interditou a criação de gado e o
desenvolvimento da agricultura mista (conferir figura 12.4). A extensão dos
danos causados às culturas e aos rebanhos depende do inseto e da doea
que se abatem em dada região mas, como vimos, estes danos são, via de regra,
importantes.
Além dos regimes alimentares mal equilibrados e da fome, faz -se mister
mencionar as doenças bacterianas e parasitárias (a Organização Mundial da
Saúde identificou doze principais), dentre as quais a malária, a gripe e a disen-
teria, com inegáveis efeitos debilitantes sobre as condições humanas e na pro-
dutividade econômica
35
.
34 N. TWOSE, 1984.
35 Para um exame crítico inteligente dos obstáculos ecológicos pertinentes à agricultura africana, conferir
P. RICHARDS, 1983.
404
África desde 1935
Problemas sociais e seus efeitos sobre a produção
Em meio aos principais obstáculos que desestabilizam a produção agrícola no
continente, encontram -se os métodos produtivos dos camponeses africanos. Na
África do Norte, a prática tradicional das culturas secas, associadas a um intenso
labor empregando frequentemente a charrua a disco, o recurso sistemático
à alternância, a qual se faz presente ocupando de 40 a 50% das terras aráveis
durante um período médio de 15 a 18 meses tende a provocar a degradação
na composição dos solos e maus rendimentos. Em grande parte do continente,
a divisão e a pequena dimensão das propriedades (a média estimada raramente
ultrapassa 10 hectares e, em muitas regiões, a norma é inferior a 2 hectares),
conjugadas às particularidades do regime fundiário, tornaram quase impossível
a aplicação, onde eles seriam úteis, de métodos aperfeiçoados que permitiriam
aumentar a produtividade.
A propriedade comunitária ou familiar, tanto da terra quanto dos animais,
entrava o melhoramento dos métodos de gestão dos rebanhos e das terras
36
. Ela
impede, por exemplo, a seleção das espécies e torna assaz difícil a luta contra
as doenças. A atitude dos africanos frente aos rebanhos é muito amiúde citada
como um vetor da baixa produtividade. Numerosas comunidades continuam a
atribuir maior valor à quantidade, comparativamente à qualidade das criações.
Um vasto rebanho eleva o status social, confere prestígio e fortuna, permitindo
pagar o preço da esposa.
Em boa parte do continente e, especialmente na África Ocidental, o domínio
da troca comercial sobre a agropecuária modificou, ou fez desaparecer, o regime
fundiário puramente comunitário. Apesar destas vantagens, a forma dominante
de agricultura na África Tropical − culturas itinerantes e a plantação de arbustos
em sistema de rotatividade perde a sua eficácia, particularmente nas regiões
onde a densidade populacional ultrapassa a proporção de 60 habitantes por
quilometro quadrado de terra utilizável
37
. Neste nível crítico é difícil conservar
toda a fertilidade do solo porque os períodos de alternância são reduzidos, dimi-
nuindo a possibilidade de aumento da produtividade. A redução das alternâncias
acrescida à intensificação da exploração da terra está em vias de conduzir a um
rápido esgotamento dos solos e a rendimentos de mais em mais fracos em muitas
regiões da África.
36 G. KAY, 1965.
37 D. GRIGG, 1970.
405
A agropecuária e o desenvolvimento rural
Densidade do rebanho bovino
Elevada
Moderada
Fraca
Dados indisponíveis
Principais zonas contaminadas
pela mosca tsé-tsé
0 1000 milhas
0 1600 km
0 500 1000 milhas
0 800 1600 km
 . Repartição do plantel bovino na África. Mapa secundário: principais zonas contaminadas pela
mosca tse -tsé. (Fonte: segundo R. S. Harrison -Church e colaboradores, 1971, p. 91.)
406
África desde 1935
Ademais, onde a terra é propriedade comunitária e não pode ser cedida
senão pelo chefe local, situação habitual em diversas partes da África Tropical,
a aquisição de um terreno pode se tornar difícil para aqueles não pertencentes a
uma boa descendência. Esta condição basta para impedir a exploração de uma
terra ociosa ou desabitada, quando o potencial empreendedor é um “estrangeiro
ou quando ele vem do exterior.
Em todo o continente africano, como demonstram os dados antropológicos,
as crenças e as práticas religiosas constituem, eventualmente, obstáculos a um
crescimento sustentado da produtividade agropecuária. Em numerosas regiões
da África Ocidental, por exemplo, o trabalho agropecuário e, também a pesca,
são proibidos durante alguns dias determinados, em deferência aos espíritos
38
.
A atitude negativa da comunidade não agropecuária diante da agropecuária
explica, em grande parte, o pequeno progresso do conjunto desta atividade
no continente. Na maioria dos países africanos, a agropecuária, como ativi-
dade econômica, e os agricultores não são em nada respeitados pelo restante da
sociedade, essencialmente porque a educação desde a época colonial, colocou e,
ainda coloca ênfase, nas disciplinas de tipo clássico, além do privilégio conferido
pelo sistema de remuneração ao trabalho urbano. Nas regiões da África, em sua
maioria, os camponeses encorajam as suas crianças que frequentaram a escola a
desviarem a sua rota profissional dos ofícios agropecuários
39
. Em consequência,
aqueles que tivessem melhor desempenhado e executado mais serviços no setor
agrícola, contribuindo em função disto para a elevação da qualidade de vida
nas regiões rurais, estes indivíduos não seriam mais atraídos pelas atividades
agropecuárias. A Tanzânia é um dos raros países do continente a ter realizado
esforços relevantes no sentido de integrar formação escolar e atividade agrope-
cuária nas regiões rurais
40
.
Uma estreita relação instaura -se entre educação e desenvolvimento agro-
pecuário, especialmente, quando e na proporção da dedicação dos serviços de
vulgarização deste setor à familiarização dos camponeses com novas técnicas e
métodos
41
. Todavia, em numerosas regiões da África Tropical, os velhos agricul-
tores analfabetos estão muito frequentemente convencidos da superioridade dos
seus métodos tradicionais de cultura e estimam conhecer muito mais a agricul-
tura que os jovens funcionários diplomados nos serviços agronômicos ou que os
38 Para exemplos, conferir J. C. DE WILDE, 1967, vol. II.
39 Conferir, por exemplo, N. O. ADDO, 1974.
40 J. K. NYERERE, 1968c.
41 D. GRIGG, 1970, p. 152.
407
A agropecuária e o desenvolvimento rural
agentes públicos de vulgarização agrícola; os seus conhecimentos profissionais
e as suas práticas não são, contudo, em menor grau desdenhadas pelos agentes
dos órgãos concessores e dos serviços oficiais de vulgarização. Ora, eles foram,
apesar de tudo e em muitas ocasiões, reforçados em suas opiniões, em razão dos
catastróficos resultados aos quais desembocaram, in loco, as recomendações dos
agentes de vulgarização agropecuária
42
.
Todavia, os cultivadores africanos, embora muito amiúde analfabetos, arcaicos
e impregnados por suas tradições, acolheram e aplicaram voluntariamente, em seu
conjunto, as inovações que lhes pareciam racionais. Assim, desde o s -guerra, eles
aceitaram novos métodos produtivos, novas culturas (aperfeiçoadas) e modernos
vetores produtivos, novas técnicas de colheita e estocagem, bem como novos
sistemas de comercialização. Mas, estas mudanças, em sua maioria, ao invés de
melhorarem a vida dos camponeses, antes e sobretudo, contribuíram para aumen-
tar a pobreza rural. Eis o que leva a supor que dois dentre os maiores obstáculos
a pesar, mais fortemente, sobre a produtividade agropecuária na África, sejam a
desigualdade socioecomica rural e a exploração dos camponeses.
A agricultura e as disparidades de
classe na África pós -colonial
Sejam quais forem a exata natureza e a dinâmica das “classes sociais” na
África rural, em seu período pós -colonial
43
, questão a merecer um sistemático
estudo, a amplitude relativa da prosperidade e da pobreza, em meio aos campo-
neses e no seio das comunidades rurais, sempre variou muito de um país a outro
e de uma região a outra (por exemplo, se compararmos a África do Norte com
a África Tropical ou com a África do Sul, do apartheid).
As origens da acumulação e das desigualdades rurais
É o contexto político da agropecuária que explica o desenvolvimento da desi-
gualdade e das disparidades entre as classes rurais na África
44
. Os apoios políticos
42 Para uma análise crítica dos problemas levantados pela inovação nas práticas agrícolas, conferir S.
LA -ANYANE, 1970 E 1971; J. HEYER e colaboradores (org.), 1981; P. RICHARDS, 1983.
43 Conferir, por exemplo, P. C. LLOYD, 1974; A. MANGHEZI, 1976; G. KITCHING, 1980; R.
STAVENHAGEN, 1975; P. WATERMAN, 1983; L. CLIFFE, 1976.
44 J. BARKER, 1984; G. DHARAM e S. RADWAN, 1983.
408
África desde 1935
e a intervenção do Estado na política de preços e comercialização, estes fatores
geram: ou um benefício, e consequentemente um enriquecimento, da grande
exploração capitalista, tal como no Quênia e na África Austral, ou a exploração
dos pequenos produtores e a baixa em seus rendimentos
45
. As multinacionais
do setor agroindustrial, as instituições internacionais (como o Banco Mundial)
e os departamentos governamentais ditam − muito amiúde e em detrimento da
imensa maioria de pequenos camponeses − as condições e as modalidades pas-
síveis de aplicação, pelos pequenos produtores, no tocante às culturas industriais
45 C. LEYS, 1975; M. MORRIS, 1976.
Em milhares de indivíduos
SUDÃO
UGANDA
CONGO BELGA RUANDA-URUNDI TANGANYIKA ZANZIBAR
RODÉSIA
DO NORTE
NIASSALÂNDIA
BECHUANALÂNDIA
MOÇAMBIQUE
RODÉSIA
DO SUL
UNIÃO
SULAFRICANA
2
,6
4,2
11,5
0,
8
0,
5
7,3
0
,3
15,2
11,2
22,6
1
1,0
7,0
6,4
4,3
9,1
1,7
16,4
9,
0
86,3
1
4,6
0,1
20,0
0,3
101,6
12,6
30,0
10,0
1
10,2
QUÊNIA
 . Composição dos uxos migratórios internacionais da mão de obra africana. (Fonte: G. H. T.
Kimble, 1960, p. 584.)
409
A agropecuária e o desenvolvimento rural
ou de exportação e no referente à comercialização dos produtos destas últimas
46
.
Exemplos deste fenômeno nos são apresentados pelos aglomerados produtivos,
em Uganda (“group farms) e na Tanzânia (“block farms), os pequenos proprie-
tários sob o contrato e os “outgrowers”, no Sudão, as comunidades coletivas, em
Moçambique e na Tanzânia, e os grandes projetos centralizados de valorização,
encontrados em todo o continente e disputados pelos pequenos produtores, em
referência às terras férteis, a água e às pastagens.
A penetração capitalista e a produção mercantil criaram, simultanea-
mente, um grupo, pouco numeroso embora em plena expansão, de capita-
46 C. WINDSTRAND E S. AMIN, 1975; S. BERNSTEIN, 1978; M. S. HALFANI e J. BARKER, 1984;
J. LOXLEY, 1984; L. FREEMAN, 1984.
TABELA 12.6 DIVISÃO DE TAREFAS ENTRE HOMENS E MULHERES NAS
ZONAS RURAIS DA ÁFRICA
Atividade
Porcentagem do trabalho total
(em horas)
Homens Mulheres
Derrubar árvores, desmatar 95 5
Arar a terra 70 30
Semear e plantar 50 50
Revolver e escavar 30 70
Ceifar 40 60
Juntar as colheitas 20 80
Estocar as colheitas 20 80
Transformar os gêneros alimentícios 10 90
Vender os excedentes no mercado
(incluindo o transporte até o mercado)
40 60
Podar as árvores de subsistência 90 10
Transportar a água e o combustível 10 90
Tratar dos animais domésticos e limpar os estábulos 50 50
Caçar 90 10
Alimentar e tratar das crianças, dos homens e dos idosos 5 95
*Com ou sem a ajuda das crianças.
[F: Organização Internacional do Trabalho, 1985, p.120.]
410
África desde 1935
listas rurais
47
e geraram um processo de proletarização rural nos campos do
continente
48
. Na África Central e Meridional, a necessidade de dispor de
uma mão de obra suficientemente numerosa e capaz de garantir a expansão
das minas, das grandes propriedades agrícolas e das plantations inspirou uma
legislação fundiária, fiscal e trabalhista que produziu e institucionalizou um
vasto, pauperizado e mal pago proletariado rural, formado por operários
agrícolas, pequenos produtores e trabalhadores sazonais, migrantes e, em
sua maioria, sem -terra
49
. Na África Ocidental e em certas regiões da África
Oriental, o desenvolvimento de uma cultura voltada para a exportão, espe-
cialmente em torno do cacau, do café e do c, por muito tempo favoreceu,
de modo análogo, a formão de uma mão de obra agrícola de caráter assala-
riado, sazonal e migrante
50
. Na Niria, os enclaves de exploração petrolífera
atraíram os camponeses das comunidades em seu entorno, levando -os a
abandonar as suas terras em busca por empregos industriais, como diaristas
o especializados ou semiespecializados
51
.
Desta forma, as disparidades regionais do desenvolvimento econômico, a
refletir a concentração geográfica dos meios de prodão, ligada à repartição
desigual dos recursos segundo as regiões e à forte orientação exportadora das
economias africanas, coloniais e neocoloniais, bem como o fato da localiza-
ção das empresas agrícolas, industriais e comerciais, coloniais e neocoloniais,
resultar de considerações desvinculadas da justiça social ou das necessidades,
presentes ou futuras, da população rural do continente, todas estas circunstân-
cias constituem fatores que contribuíram diretamente na crião de diferentes
formas de desigualdade e na formão de classes, na quase totalidade dos
campos africanos.
Nas regiões onde prevaleceram formas semifeudais de ocupão ou de
propriedade da terra − à imagem de certas reges da África do Norte, Orien-
tal e Ocidental, exceção feita da Etpia pós -revolucionária −, a produção
mercantil transformou, do dia para a noite, grandes proprietários em ricos
capitalistas fundiários, os quais utilizaram a sua influência e os seus relaciona-
mentos políticos no sentido de subtrair dos pequenos camponeses e meeiros,
cobertos de dívidas e indefesos, as suas terras, criando uma numerosa classe
47 P. HILL, 1970.
48 G. ARRIGHI e J. S. SAUL, 1973; K. POST, 1977.
49 M. MORRIS, 1976; G. H. T. KIMBLE, 1960.
50 Conferir, por exemplo, A. L. MABOGUNJE, 1972; P. HILL, 1970; R. STAVENHAGEN, 1975.
51 E. CHIKWENDU, 1983.
411
A agropecuária e o desenvolvimento rural
de trabalhadores agrícolas, sem -terra e explorados
52
. A prodão de culturas
de alta rentabilidade e a migração da mão de obra masculina, características
dominantes da inserção capitalista, tiveram profundas e negativas repercus-
sões na divisão sexual do trabalho agrícola, solapando gravemente a economia
doméstica tradicional em cujos homens e mulheres dividiam entre si as tarefas,
com maior ênfase no leste e no sul da África. Esta evolão faz pesar, exage-
radamente, sobre as mulheres o fardo da produção agcola, prolonga a sua
jornada de trabalho (tabela 12.6) e conduz a uma “feminilização da pobreza”
nas regiões rurais, acentuando a compartimentalização labor -funcional entre
os gêneros
53
. Os empregos e os salários das mulheres compõem, igualmente,
o objeto de outras ameaças: nos dias atuais, a tradicional fabricação artesanal
de cerveja, por exemplo, em certos pses do continente, sofre a concorrência
das modernas cervejarias internacionais
54
.
Pobreza de classe e pobreza planicada da
população rural
Desde a sua independência, os Estados do continente africano, de tendên-
cia socialista e não socialista, lançaram -se, no bojo de seus planos nacionais
de desenvolvimento e mediante a cooperação com instituições internacionais
(FAO, USAID, Banco Mundial e outros organismos) e Estados estrangeiros,
na implementação de uma série de projetos de desenvolvimento rural e agrícola.
A ajuda estrangeira sob a forma de investimento de capitais e assessoria
desempenhou um papel maior na realização destas transformações planificadas
da agricultura e do domínio rural
55
. Por exemplo, sob a batuta de McNamara,
o Banco Mundial emprestou, entre 1973 e 1980, 2,4 bilhões de dólares norte-
-americanos de um total de 5 bilhões de dólares em ajuda financeira injetados
na agricultura do continente durante este mesmo período
56
. Entretanto, em seu
conjunto, como demonstram os estudos concretizados em respeito ao tema, o
crédito agrícola e a ajuda institucional consagraram -se, com maior ênfase, às
culturas de exportação, por sua vez, a assistência das instituições internacionais
52 Conferir A. RICHARDS, 1982, por exemplo, a propósito do Egito.
53 G. GRAN, 1983; B. BROWN, 1983.
54 R. DAUBER E M. L. CAIN (org.), 1980.
55 R. E. CLUTE, 1982.
56 Banco Mundial, 1981, p. 47.
412
África desde 1935
e dos poderes públicos, mediante a concessão de incentivos à produção, de cré-
ditos e de serviços ligados à comercialização, beneficiou sobretudo um pequeno
número de ricos proprietários e grandes produtores agrícolas progressistas”,
os quais eram privilegiados. Significativo é, por exemplo, o fato de pratica-
mente nenhum projeto do Banco Mundial ter sido concebido com o intuito de
financiar o crescente volume populacional representado pela população rural
pauperizada, pelos sem -terra, pequenos produtores, meeiros ou grileiros
57
.
Alguns países, como a Argélia, o Marrocos, a Etiópia, o Egito, a Tanzânia
e o Zimbábue, adotaram medidas visando reduzir ou eliminar as injustiças e a
exploração das zonas rurais
58
: socialização da agricultura (Tanzânia, Moçambi-
que, Etiópia, Argélia e Gana), modificação do regime fundiário, redistribuição
das terras, abolição do sistema de meias e do latifúndio, perdão da dívida rural
e outras medidas (Marrocos, Argélia, Tunísia, Etiópia, Egito e Quênia).
Em muitos países, as empresas agrícolas declararam bancarrota (como em
Gana), a agricultura socializada consumou -se em um desastre econômico (Tan-
zânia, Gana e Moçambique), as cooperativas padeceram com a burocracia e a
excessiva intervenção do Estado e, em muitas regiões, a produção dos pequenos
proprietários diminuiu. Em países como o Tchad, a Etiópia, a Eritreia, Moçam-
bique e Angola, as guerras civis continuam a atingir com toda a violência os
camponeses, a impedi -los de cultivar a terra e solapando toda a esperança em um
aumento da autossuficiência alimentar ou em eliminar a fome, tanto estrutural
como em suas manifestações flagelo -incisivas, em futuro próximo.
As diversas medidas de política agrícola concebidas pelas autoridades africa-
nas e pelas instituições internacionais, no sentido de melhorar a agricultura e o
bem -estar da população rural, são motivadas pela preocupação em exercer um
controle sobre a produtividade dos camponeses e em permitir a comercialização
dos seus excedentes por potentes grupos e organismos privilegiados, públicos
e privados
59
.
As características dos produtores individuais e dos potentes grupos privile-
giados que dominam a África rural diferem de país a país, quer relativamente às
origens sociais, às rendas, ao nível de vida, às dimensões da unidade produtiva
agrícola, ao volume e ao rendimento das colheitas anuais, etc. Invariavelmente
57 C. PAYER, 1982; R. L. AYRES, 1983.
58 A propósito da Argélia, conferir K. PFEIFER, 1981, E T. L. BLAIR, 1970; a propósito do Marrocos,
conferir Z. DAOUD, 1981; a propósito da Etiópia, conferir R. LEFORT, 1981; a propósito do Egito,
conferir A. RICHARDS, 1982; e para o Zimbábue, A. ASTROW, 1983.
59 J. HEYER e colaboradores (org.), 1981.
413
A agropecuária e o desenvolvimento rural
salta -nos aos olhos o caráter heterogêneo da classe rural a praticar a agricultura
comercial, heterogeneidade por vezes e nitidamente marcante em alguns países
(especialmente em Gana, Nigéria, Costa do Marfim, Uganda e Quênia). Con-
tudo, por toda a África, duas grandes classes rurais são nitidamente distinguíveis:
trata -se por um lado, dos agricultores e criadores abastados ou ricos, consti-
tuintes da classe exploradora e, por outra parte, agricultores e pastores pobres,
formadores das classes exploradas
60
. Os agricultores ricos são, especialmente,
os latifundiários e exploradores das culturas com fim comercial (cacau, café e
chá), dentre os quais figuram, eventualmente, altos -funcionários, militares de
alta patente e homens de negócio em condições de obterem crédito e, portanto,
capitais a investir (África do Norte e Oriental), ou ainda, comerciantes, chefes
tradicionais ou religiosos, favorecidos pelo fácil acesso às novas técnicas, ao cré-
dito e aos serviços, além de agraciados com um trânsito fluido junto aos meios
dirigentes regionais e nacionais.
Os agricultores e os pastores pobres podem ser meeiros, pequenos proprie-
tários em débito com ricos agricultores ou ainda, operários agrícolas sem -terra.
Segundo um levantamento rural integrado”, efetuado pelo governo queniano
em 1977, por exemplo, mais de 40% das famílias de pequenos produtores agrí-
colas do país (no qual a renda média está entre as mais elevadas da África) pos-
suíam rendimentos apenas suficientes para suprir as suas necessidades essenciais.
O governo foi obrigado a reconhecer que o desenvolvimento econômico não
favorecia de forma equânime a todos e identificou cinco grupos junto aos quais
dever -se -ia dedicar especial atenção, em meio, especialmente, aos pequenos
agricultores e pastores, aos camponeses sem terras e grileiros, a saber, um terço
da população do Quênia
61
.
Em 1971, a renda anual por habitante no Quênia, era estimada em apenas
58 dólares, ou seja, somente um pouco mais que o nível de pobreza absoluta
fixado em 50 dólares. Na maioria dos países do continente, os rendimentos rurais
permanecem assustadoramente fracos e a qualidade de vida continua medíocre:
apenas 21% da população, por exemplo, está corretamente servida por água
potável e 28% pode contar com razoáveis serviços de coleta de lixo
62
. Numerosos
estudos, em numerosos países, demonstram que as disparidades de classe e de
renda continuam a se agravar. Na Zâmbia, por volta de metade ou dois terços das
habitações rurais têm “rendas tão inferiores aos salários oficiais que a desnutrição
60 K. NKRUMAH, 1966; G. KITCHING, 1980.
61 Conferir P. D. LITTLE, 1983, pp.91 -108.
62 OMS, 1976.
414
África desde 1935
e a fome sazonal constitui um medo constante e uma realidade demasiado
frequente”. Em cada 100 africanos, 70 vivem na pobreza ou indulgência.
Em toda a África rural, a exploração do camponês e gritantes desigualdades
de classe
63
perpetuam -se, agravadas pela recessão mundial e pela crise petrolífera
de 1970, pelo declínio das cotações mundiais dos gêneros de primeira necessi-
dade, pela insuficiência de reservas dos Estados africanos, pelas catástrofes natu-
rais e pela instabilidade política. Melhorar a sorte dos rurais exige a instalação de
uma nova ordem econômica internacional e uma nova repartição do poder que
permitiria às massas rurais exercerem um real controle sobre as decisões, con-
cernente aos seus meios de existência e acerca da sua situação socioeconômica.
A agricultura africana na economia mundial após 1935:
da dependência colonial à dependência neocolonial
Os países africanos entraram na economia capitalista planetária essencial-
mente na qualidade de colônias de potências imperialistas europeias rivais. As
políticas coloniais de desenvolvimento econômico através do comércio inter-
nacional, apoiavam -se em uma divisão internacional do trabalho fundada na
teoria das vantagens comparativas. Segundo esta teoria, verdadeira doutrina da
exploração, os países africanos deviam consagrar os seus recursos à produção
de mercadorias primárias destinadas à exportação e utilizar as suas receitas de
exportação para importar artigos manufaturados e gêneros alimentícios sim-
plesmente e inexistentes em sua produção autóctone. A criação de economias
africanas dependentes de monoculturas e norteadas pela exportação estava, por
assim dizer, legitimada.
Mais de 80% dos países africanos em desenvolvimento compõem -se de pro-
dutos primários, tais como, o café, o cacau, o chá, o tabaco, o açúcar, o amendoim
e o algodão, mas também de produtos minerais como o petróleo, o cobre e os
fosfatos
64
. À época da Primeira Guerra Mundial as exportações da África eram
negligenciáveis, se comparadas àquelas da América Latina e da Ásia, embora o
óleo de palma e o cacau constituíssem, durante o próprio conflito, importantes
itens de exportação. Segundo estimativa, o continente representava, em 1935, os
seguintes centis proporcionais ao total da produção colonial mundial comercia-
63 Sobre o Marrocos, conferir, por exemplo, Z. DAOUD, 1981, pp. 27 -33; e sobre a Argélia, T. L. BLAIR,
1970.
64 C. AYARI, 1983, PP. 8 -11.
415
A agropecuária e o desenvolvimento rural
TABELA 12.7 PRODUÇÃO COMERCIAL COLONIAL DE MATÉRIASPRIMAS
E GÊNEROS ALIMENTÍCIOS, EXPRESSA EM PERCENTUAL DA PRODUÇÃO
COMERCIAL MUNDIAL
Produto, matérias-primas
(1934 ou últimos dados
disponíveis)
Percentual da
produção
comercial
mundial
(colonial)
Principais fontes da
produção comercial
colonial, sua produção
sendo expressa em
percentual da produção
mundial
Produção comercial
dos territórios
africanos, em
percentual da
produção comercial
colonial mundial
Óleo de palma 98,8
b
Nigéria, (42,9), Congo
Belga (13,9), África
Ocidental Francesa
(6,1), Angola (7,2)
65,0
Estanho (minério)
a
56,9
d
Nigéria (4,4), Congo
Belga (3,7)
14,0
Fosfatos 52,0 África do Norte
Francesa (34,6), África
Equatorial Francesa
(7,2)
80,0
Grate 46,0 Madagascar (7,5) 16,3
Amendoim 28,5
b
África Ocidental
Francesa (13,2), Nigéria
(4,8)
63,0
Cobre
a
21,3
d
Rodésia do Norte
(12,3), Congo Belga
(8,6)
98,0
Manganês
(minério)
13,7 Nigéria (12,4) 90,5
Cromo (minério) 12,3
b
Rodésia do Sul (8,6) 70,0
Azeite de oliva 12,9
h
África do Norte
Francesa (11,2), Líbia
(?0,4)
90,0
Gergelim 80,0
f
Sudão (2,2), Congo
(?0,8), Nigéria (1,3)
54,0
Ouro 9,2
b
Rodésia do Sul (2,8),
Costa do Ouro (1,3),
Congo (1,4)
60,0
Amianto 9,5
g
Rodésia do Sul (9,0) 95,0
Algodão 2,5
f
Uganda (0,9), Sudão
(0,5)
56,0
2,3
b
África do Norte
Francesa (2,0)
87,0
Zinco 1,9
d
Rodésia do Norte (1,4) 74,0
416
África desde 1935
Gêneros alimentícios
1933
Cacau 74,0
b
Costa do Ouro (40,6),
Nigéria (11,3), África
Ocidental Francesa
(6,8), Camarões Francês
(2,8), Togo Britânico
(1,9), Togo Francês
(1,1), Camarões Britâ-
nicos (5,9)
88,0
Milho 24,1
d
África Ocidental
Francesa (5,9)
24,0
Frutas cítricas 9,7
b
Argélia (1,0) 10,0
Tabaco 4,8
b
Niassalândia (0,3)
k
0,6
Café 7,6
b
África do Leste Britâ-
nica (0,7), Madagascar
(0,6)
17,0
a. 1933.
b. Metal contido.
c. 1934.
d. 1934-35.
e. 1933-34.
f. 1931.
g. Descaroçado.
h. Exportações líquidas.
i. Uma quantidade considerável de tabaco é atualmente cultivada nas Rodésias (atuais Zâmbia
e Zimbábue). Após a compilação destes dados, em razão de uma alta nas cotações, houve para
o ano 1934 um aumento na produção de várias matérias-primas, notadamente do estanho, da
borracha, do cobre, do ouro e do zinco. Por conseguinte, caso fosse estabelecida uma tabela
para 1936, é possível que surgissem diferenças sensíveis no percentual da produção mundial
apresentado para cada colônia.
[F: Royal Institute of International Aairs, 1937, p. 290.]
lizada: 65% do óleo de palma, 63% do amendoim, 90% do azeite de oliva, 54%
do sésamo, 56% do algodão, 87% da lã e 88% do cacau (conferir a tabela 12.7, a
indicar índices estabelecidos em 1937). As exportações na África começaram a
aumentar entre as duas guerras e, relativamente a certos números de produtos,
elas aumentaram ainda mais rapidamente após a Segunda Guerra Mundial
(tabelas 12.8 até 12.15). A contribuição africana para o total das exportações
de produtos primários passou de 8%, em 1938, para 10%, em 1948, atingindo
417
A agropecuária e o desenvolvimento rural
14%, em 1965
65
. Assim sendo, na aurora da sua independência, grande número
de países do continente se haviam tornado grandes fornecedores mundiais de
diversos artigos primários.
Embora a África ocupe uma posição dominante na produção de minerais
estratégicos (conferir o mapa 12.5), o continente permanece, antes de qualquer
consideração, um produtor agrícola (conferir mapa 12.6). A África continua a
fornecer cerca de dois terços do total da produção mundial de sisal, de cacau
e de óleo de palma. Desde a Guerra, a sua parte no mercado mundial do café
— produzido por 21 países — triplicou e, no transcorrer dos anos 70 do século
passado, ela representava 30% aproximadamente do total mundial
66
.
A produção agrícola da África desenvolveu -se, particular e aceleradamente
durante os anos de 1950 e 1960, no tocante ao cacau, ao café, o chá, as bananas,
ao amendoim e ao algodão. Esta expansão beneficiou -se com a infraestrutura
instalada pelos governos coloniais e pós -coloniais, pelo fornecimento estatal, a
preços subsidiados, de insumos fatoriais da produção moderna inseticidas,
adubos químicos, plantas transgênicas —, por técnicas aperfeiçoadas de produ-
ção, bons índices pluviométricos e pelo rápido desenvolvimento da agricultura
comercial, tudo isto à custa da ruína da produção para a subsistência. Em 1966,
a agricultura representava 53,9% do Produto Interno Bruto dos países da África
ocidental e 41,2% do PIB dos países da áfrica oriental.
Entretanto, a despeito deste vivo crescimento, o valor das exportações agrí-
colas declinava. Entre 1953 -1954 e 1971 -1972, os termos da troca dos produtos
primários decaíram do índice 126, em 1953, para o índice 86 em 1971 ou de 138,
em 1954, para 84 em 1972. Esta queda concerniu 23 dos 28 artigos repertoriados
pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
(CNUCED), dentre os quais considerável número constituíam importantes fon-
tes de divisas para os países do continente
67
. A título de exemplo, em 1954 -1955,
Gana produzia 210.000 toneladas de cacau, a saber, perto de metade da pro-
dução africana, e as suas receitas com as importações alcançavam 85,5 milhões
de libras esterlinas. Em 1964 -1965 conquanto a sua colheita fosse estimada em
590.000 toneladas, as suas receitas sequer ultrapassavam 77 milhões de libras
esterlinas
68
! Este exemplo demonstra perfeitamente que os preços dos produtos
primários, controlados não pelos produtores, mas pelos consumidores os
65 W. A. LEWIS, 1969.
66 A. M. KAMARCK, 1972.
67 CNUCED, 1976; A. G. FRANK, 1980.
68 K. NKRUMAH, 1966, p. 10.
418
África desde 1935
TABELA 12.8 PARTIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE DERI
VADOS DO DENDEZEIRO
Ano Equivalente em óleo
(em milhares de toneladas)
Porcentagem da produção mundial
1954 920 77
1955 870 78
1956 940 79
1957 900 79
1958 940 80
1959 930 81
1960 920 79
[F: FAO, 1961a, p. 115.]
TABELA 12.9 PARTIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE CA
Ano Milhares de toneladas Porcentagem da produção mundial
1934-38 (média) 140 6
1948-52 (média) 280 13
1954 390 16
1955 510 18
1956 510 20
1957 540 17
1958 610 17
1959 670 15
1960 730 18
[F: FAO, 1961b, pp. 145-161.]
países industriais —, estão sujeitos a importantes flutuações que não equivalem
e compensam de forma desproporcional o aumento da produção.
Se considerarmos que as divisas estrangeiras, necessárias à maioria dos gover-
nos africanos para financiar o desenvolvimento, provêm, de uma forma ou outra,
de tarifas para exportação, as flutuações dos preços das exportações repercutem
diretamente na receita do Estado, as quais e também elas, flutuam ano após ano.
Entre 1950 e 1965, por exemplo, a cotação do sisal, fonte principal de divisas
para a Tanzânia, flutuaram mais de 26%, em média
69
, razão das consideráveis
dificuldades supervenientes à execução dos planos de desenvolvimento do país.
69 A. M. KAMARCK, 1972.
419
A agropecuária e o desenvolvimento rural
TABELA 12.10 PARTICIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE
AMENDOIM
Ano Peso sem descascar
(em milhares de toneladas)
Porcentagem da produção
mundial
1948-52 (média) 2440 26
1957 4100 30
1958 3630 26
1959 3520 29
1960 4080 29
[F: FAO, 1961a, p. 118.]
TABELA 12.11 PARTICIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE
CACAU
Ano Milhares de toneladas Porcentagem da produção
mundial
1934-8 (média) 490 66
1948-52 (média) 500 66
1954 490 60
1955 530 64
1956 580 64
1957 460 60
1958 570 62
1959 660 65
1960 840 76
[F: FAO, 1961b, pp. 145 e 161.]
O problema foi exacerbado pela fraca flexibilidade nos preços de compra que
caracteriza grande parte dos produtos primários africanos, em contraste com os
artigos manufaturados dos países industriais. Existe uma relação, por pouco que
não, constante entre a produção industrial mundial e o comércio mundial dos
produtos primários, a primeira cresce a um ritmo mais rápido que a segunda.
Em outras palavras, as condições mediante as quais a África integrou -se no mer-
cado mundial, desde a época colonial, condenaram -na, até os dias atuais, a uma
produção de gêneros agrícolas para exportação representantes, quando muito,
de uma utilidade imediata menor para o continente que conduz ao subde-
senvolvimento e, em virtude da sua própria natureza, privilegia as exportações
420
África desde 1935
TABELA 12.12 PARTICIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE
BORRACHA NATURAL
Ano Milhares de toneladas Porcentagem da produção mundial
1934-8 (média) 10 1,0
1948-52 (média) 60 3,6
1957 115 5,8
1958 125 6,3
1959 145 7,1
1960 145 7,1
[F: FAO, 1961a, p. 146.]
TABELA 12.13 PARTICIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE
SISAL
Ano Milhares de toneladas Porcentagem da produção mundial
1934-8 (média) 160 62
1948-52 (média) 225 70
1954 290 69
1955 300 65
1956 310 63
1957 325 65
1958 350 68
1959 370 64
1960 375 64
[F: FAO, 1961a, pp. 145.]
em detrimento da produção de subsistência, provocando, em última instância,
a fome estrutural e incidental.
As trocas comerciais entre a África e o mundo, em sua essência, conser-
varam a sua estrutura colonial, tal qual demonstrado pelo perfil das relações
entre a África e os pses industrializados. A Europa Ocidental, em outros
termos, as antigas metrópoles coloniais, subsiste na qualidade de principal
parceiro colonial da África, com ela realizando cerca de dois terços do seu
comércio, contra aproximadamente 12% para os Estados Unidos da A-
rica, 10% para os países africanos, entre si, e por volta de 10% com a Europa
Oriental. Nenhuma outra região produtora de artigos primários está, no Ter-
ceiro Mundo e de forma tão peremptória, dependente do seu comércio com a
421
A agropecuária e o desenvolvimento rural
Europa Ocidental
70
; eis o que não deve ser esquecido quando do estudo dos
obstáculos a oporem -se à instaurão da nova ordem econômica internacional
reclamada pelo Terceiro Mundo.
As causas da insofismável ruína, em fins dos anos 1960 e durante os dois
posteriores decênios, particularmente na África Tropical, do setor agrícola
setor que sustenta cerca de 80% da população africana e constitui a principal
fonte de divisas e de receitas para a maioria dos países africanos são: a
recessão mundial, profunda e duradoura, e a inflação importada; a letargia da
70 A. M. KAMARCK, 1972, pp. 93 -124.
TABELA 12.14 PARTICIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE
ALGODÃO
Ano Milhares de toneladas Porcentagem da produção mundial
1934-8 (média) 651 11,3
1947-51 (média) 627 11,9
1956 787 11,0
1957 813 12,0
1958 962 13,5
1959 953 12,5
1960 876 11,9
[F: Commonwealth Economy Committee, 1961, tabela 31. Reproduzido com a autorização do Con-
troller of Her Britannic Majestys Stationery Oce.]
TABELA 12.15 PARTICIPAÇÃO DA ÁFRICA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE
AÇÚCAR
Ano Milhares de toneladas Porcentagem da produção mundial
1934-8
a
1100 7,4
1948-52
a
1560 7,9
1956
b
2230 8,9
1958
c
2555 8,8
1959
c
2675 9,0
1960
c
2400 7,6
[F: a. FAO, 1956, p. 73; b. FAO, 1958, p. 71; c. FAO, 1961a, p. 73.]
422
África desde 1935
Prata
Ouro
Platina
Diamante
Cobre
Estanho
Zinco
Chumbo
Ferro
Níquel
Manganês
Cromita (Cromo)
Tungstênio
Antimônio
Vanádio
Cobalto
Bauxita
Amianto
Grafite
Fosfato
Mica
Potássio
Carvão
Trópico de Câncer
Equador
Trópico de Capricórnio
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
F . Principais explorações minerais na África. (Fonte: segundo R. S. Harrison -Church e colabo-
radores, 1971, p. 99.)
423
A agropecuária e o desenvolvimento rural
Cacau
Seringueira
Algodão
Açúcar
Azeitonas
Limite do
dendezeiro
Uva
Café
Amendoim
Tabaco
Limite dos coqueiros
Trópico de Câncer
Equador
Trópico de Capricórnio
Trópico de Câncer
Equador
Trópico de Capricórnio
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
F . Repartão das culturas com m comercial na África. (Fonte: segundo R. S. Harrison-
-Church e colaboradores, 1971, p. 87.)
424
África desde 1935
demanda mundial, resultante dos fatores imediatamente antecitados, e a queda
das cotações na maioria dos produtos primários de exportação; os movimentos
desfavoráveis das taxas de câmbio; o fardo, de mais em mais pesado, da dívida;
o declínio das subvenções às culturas de exportação nas principais potências
(industriais) comerciantes; as restrições impostas às importações dos gêneros
agrícolas e a outros produtos, com forte exigência de mão de obra, provenientes
dos países africanos (e do Terceiro Mundo, em geral). Este quadro agravou -se
pela excessiva dependência das economias do continente africano no que diz
respeito às monoculturas orientadas para o estrangeiro.
A agricultura, em escala mundial, transformou -se radicalmente após os anos
1950. Nos países industrializados, a produção e a comercialização dos produtos
agrícolas foram revolucionadas pela aplicação dos resultados da pesquisa cien-
tífica e pela utilização acrescida da tecnologia industrial, dos adubos químicos e
do maquinismo. A África não se beneficiou desta revolução cujos elementos não
são facilmente adaptáveis à situação ecológica e socioeconômica. A fraqueza dos
investimentos em pesquisa no concernente às principais culturas fluviais e aos
tubérculos alimentícios, especialmente na África Tropical, bem como o pouco
aperfeiçoamento cnico adaptado às condições agronômicas africanas, estes
vetores explicam, igualmente e em larga medida, a mediocridade do balanço
agrícola do continente nos anos 1970 -1980.
A taxa anual de crescimento na produção do continente caiu de 2,7%, nos
anos 1960, para 1,3%, nos anos 1970, ao passo que a taxa de crescimento demo-
gráfico aumentava. Em derivação desta dupla evolução, a produção per capita,
em crescimento correspondente a um ritmo de 0,2% por ano, durante os anos
1960, baixou em 1,4% por ano, no curso dos anos 1970. Este declínio está par-
cialmente ligado á desaceleração na produção das culturas não de subsistência,
das bebidas tropicais e das fibras. A produção de subsistência per capita, a qual
aumentara durante os anos 1960, diminuiu em seguida em 1%, nos anos 1970
(tabela 12.16).
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, diversas instituições Banco Mun-
dial, FMI, GATT (Acordo Geral sobre as Tarifas Alfandegárias e o Comércio,
datado de 1948), SFI (Sociedade Financeira Internacional), IDA (International
Development Association), CNUCED (1964), STABEX (Sistema de Estabili-
zação das Exportações), implantado no quadro da Convenção de Lomé (1975),
pela Comunidade Econômica Europeia e por 46 países da África, do Caribe e do
Pacífico (ACP), para não citar nada além dos mais influentes foram criadas
para regulamentar o comércio dos produtos primários (GATT) ou para oferecer,
sob diversas formas, uma ajuda econômica externa aos países pobres. Esta ajuda
425
A agropecuária e o desenvolvimento rural
TABELA 12.16 TAXA DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
COMERCIAL E DE SUBSISTÊNCIA NA ÁFRICA %
Produção total
1960-70 1970-80
Produção per capita
1960-70 1970-80
Produção agrícola
comercial
África 2,7 1,3 0,2 - 1,4
Países em
desenvolvimento
2,8 2,7 0,3 0,3
Produção agrícola
de subsistência
África 2,6 1,6 0,1 - 1,1
Países em
desenvolvimento
2,9 2,8 0,4 0,4
N: os índices de produção são ponderados em função dos preços básicos mundiais para exportação.
As taxas médias de crescimento decenais são calculadas a partir de pontos medianos, em intervalos de cinco
anos, salvo para 1970, ano que representa a média de 1969-1970.
[F: FAO, 1982a, p. 41.]
lhes é conferida: diretamente, por intermédio do Banco Mundial e do FMI,
mediante empréstimos em longo e curto prazos ou, indiretamente, aumentando
a sua participação de mercado relativamente a alguns produtos; assegurando a
sua participação em acordos sobre os produtos periodicamente negociados, com
vistas a atribuir, a cada um dos signatários, uma fatia do mercado, estabilizando
as flutuações nos preços ou fixando preços médios mais elevados comparativa-
mente àqueles resultantes do livre jogo das forças mercantis (caso dos recentes
acordos internacionais sobre o café); organizando um sistema generalizado de
vantagens alfandegárias em um mercado em expansão, como faz o CNUCED
para promover a produção manufatureira dos países em desenvolvimento; bem
como, instituindo financiamentos “compensatórios ou “complementares”, a
permitirem contrabalançar as flutuações ou as compensações imprevistas nas
receitas de exportação antecipadas
71
.
Todas estas medidas visam amainar, um pouco, mas não intuem sanar os
males dos produtores do Terceiro Mundo que continuam a padecer duramente
com as cíclicas flutuações que afetam as economias dos países industrializados.
Em outras palavras, elas objetivam perpetuar o neocolonialismo pagando os
71 Por exemplo, o STABEX; sobre este último, consultar O. H. KOKOLI, 1981.
426
África desde 1935
países exportadores de matérias -primas de forma a conduzi -los a continuar
exportando estes produtos básicos, em lugar de voltarem -se para a produção
de artigos transformados ou [...] de esforçarem -se em bastar -se a si próprios
72
”.
Estima -se que os produtores do Terceiro Mundo não obtenham nada além
de 15% do valor das suas exportações de produtos primários a preços atualmente
pagos pelos consumidores — os países industrializados. Enquanto estes produto-
res, países africanos situados entre os mais pobres, aceitarem os preços, em lugar
de fixá -los (pois que a fixação dos preços constitui o privilégio das nações consu-
midoras); na proporção em que o desempenharem praticamente nenhum papel
na transformação, no transporte e na comercialização, operações monopolizadas
pelas grandes empresas multinacionais dos países industriais; com tal intensidade
eles suportarem o prejuízo das medidas protecionistas tomadas pelos países indus-
trializados, em direta contravenção com as regras do GATT isto equivale a
dizer, enquanto a antiga ordem econômica mundial sobreviver sob a sua forma
presente —, os países do Terceiro Mundo e, em especial, os países africanos, não
poderão, em nada, sonhar escapar à sua pobreza. Assim, segundo estimativas do
Banco Mundial, se os grandes países industrializados, com maior ênfase, os 24
países membros da OCDE, a constituírem os principais mercados de exportação
para os países africanos, suprimissem todas as barreiras tarifárias e não tarifárias
impostas às importações em proveniência dos países em desenvolvimento, estes
últimos poderiam ver crescer as suas receitas, em divisas, na ordem de aproxima-
damente 33 bilhões de dólares norte -americanos
73
.
Justamente ao levar em conta estes elementos, faz -se mister avaliar e apoiar
as reivindicações dos países do Terceiro Mundo, as quais determinam a necessi-
dade, em caráter urgente, da instauração de uma nova ordem econômica interna-
cional, a reestruturar: o comércio, a produção, o sistema monetário, a repartição
dos excedentes e o processo de tomada de decisões, para eliminar as máculas: a
discriminação e as grosseiras injustiças, das quais padecem
74
.
Notoriamente, os atuais termos do comércio internacional tendem a
deteriorarem -se para os exportadores, com maior ênfase africanos, de matérias-
-primas e produtos agrícolas, em benefício dos exportadores de artigos manu-
faturados, em outras palavras, em detrimento dos países pobres e em favor
dos países ricos. Para que cessem estes excessos, os países do Terceiro Mundo
demandam a estabilização e a elevação das cotações internacionais dos produ-
72 J. GALTUNG, 1976, P. 40.
73 J. F. RWEYEMAMU, 1978, p. 36.
74 W. BRANDT, 1980.
427
A agropecuária e o desenvolvimento rural
tos primários por eles exportados, quer mediante acordos internacionais sobre
os produtos, mais equitativos e abrangentes, quer, se necessário, pela utilização
dos meios de pressão que oferecem os próprios produtos, como procedeu a
OPEP em suas atuações, em 1973 -1974 e 1979 -1980. A criação, em 1964, do
CNUCED e a implementação do seu Programa Integrado para Produtos de
Base visavam prever e anteciparem -se aos efeitos adversos do jogo dos mercados
internacionais no que tange às exportações dos produtos primários dos países do
Terceiro Mundo. Um fundo comum foi criado pelo CNUCED intuindo finan-
ciar o Programa Integrado. Estes procedimentos foram aceitos, em princípio,
pelos países industriais ocidentais, mas falta -lhes ratificá -los.
Por outra parte, em decorrência do plano de ação adotado pela Cúpula Eco-
nômica Especial da Organização para a Unidade Africana, mantida em Lagos
(Nigéria), em 1980
75
, os governos africanos deverão assumir a responsabili-
dade integral pela crise agrária que assola o continente. Com efeito, eles jamais
conferiram a prioridade imposta, no que concerne à agricultura especial-
mente em respeito à produção de subsistência, destinada ao consumo interno
—, reservando -lhe, parcialmente, os escassos recursos dos quais dispunham ou
incentivando, de forma sistemática, a produtividade, por intermédio de uma
política de estímulos apropriados, fato este a melhorar, em tese, as condições
gerais de existência em meio rural. Aos governos africanos cabe demonstrarem
a coragem de operar o programa de ação cujo alvo consiste em assegurar uma
divisão equânime da renda em proveito da população rural pobre e garantir uma
importante redução senão a total eliminação, das diferenças renovadamente fla-
grantes no âmbito da renda e do nível de vida, entre ricos e pobres, no ventre das
regiões rurais. Para isto, imperioso seria, no transcorrer dos próximos decênios,
que o fluxo de investimentos fosse invertido em prol das zonas rurais, dotando-
-as de indústrias rurais, equipando -as com serviços de saúde, provendo -lhes uma
infraestrutura rodo e ferroviária praticável em toda estação climática e, final-
mente, para lograr êxito em melhorar as condições de higiene das populações
ali instaladas. Faltaria garantir aos camponeses pobres, com força maior e para
o seu desenvolvimento, as novas técnicas de cultura adaptadas às suas carências.
Após tudo e de forma peremptória, não consistiria esta evolução, finalmente,
em um retorno ao estado de coisas passado? Se considerarmos para a realização
destas tarefas, uma fração das enormes somas que o fisco arrecada das massas
rurais, elas próprias.
75 OUA, 1981.
C A P Í T U L O 1 3
429
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
Este capítulo visa mostrar, primeiramente, que o desenvolvimento industrial
na África é o resultado de uma pesada herança, fruto das relações desequili-
bradas entre a África colonizada e a Europa dominadora. Este legado é, nos
dias atuais, de difícil transformação em favor da África, em virtude dos freios e
bloqueios múltiplos, objetivos e subjetivos, internos e externos. Em seguida, no
que diz respeito à explosão urbana contemporânea, este texto pretende elucidar
algumas das razões pelas quais, industrialização e crescimento urbano não são
(ou raramente são) síncronos. Estes fatores acentuam os desequilíbrios sociais e
bloqueiam um verdadeiro desenvolvimento econômico.
Também examinaremos, sucessivamente, as políticas de industrialização apli-
cadas na África desde os anos 1930, sob os ângulos da produção e do consumo,
os principais aspectos do desenvolvimento industrial e, finalmente, a influência
da industrialização no processo de crescimento urbano.
As políticas de industrialização, de 1935 a 1980
Na África, dos anos 1930 até os anos 1980, as modalidades de desenvolvi-
mento industrial estão aliadas à condução de políticas de industrialização mais
ou menos elaboradas; globalmente, estas diretrizes dizem respeito às relações
econômicas externas e aos objetivos gerais referentes ao desenvolvimento eco-
O desenvolvimento industrial e o
crescimento urbano
Pierre Kipré
430
África desde 1935
nômico deste continente. Se as primeiras pouco variaram, no que tange às
segundas, elas evidenciam e contribuem para elucidar a oposição entre a época
colonial e a era pós -colonial, com o ambíguo estatuto correspondente a Estados
teoricamente independentes mas, economicamente sob tutela externa.
Sob o ângulo do desenvolvimento industrial, a análise das políticas e dos
fatos, no tocante ao período 1935 -1980, demonstra que a indústria moderna na
África foi incentivada, primeiramente no setor de extração mineral, em seguida,
no setor de transformação dos produtos agrícolas. No primeiro caso, o conti-
nente africano singularizou -se como fornecedor de matérias -primas mais ou
menos brutas; quanto à manufatura, surgida tardiamente, ela objetiva aproximar
a produção industrial leve da clientela africana.
As políticas industriais coloniais, de 1935 a 1960
Embora a economia -política colonial revele, invariavelmente, as mesmas
características, a saber, a explorão das colônias em proveito principal das
metrópoles e no quadro de um sistema capitalista a funcionar em escala mun-
dial, pressionadas pelos meios empresariais coloniais, cada potência colonizadora
elaborou para o seu império e, eventualmente, em âmbito local, políticas espe-
cíficas. O desenvolvimento industrial não ocupou, em toda parte e portanto, a
mesma posição nestas políticas. Malgrado as variantes e as similaridades, três
casos principais merecem um breve exame; trata -se dos exemplos tangentes aos
domínios britânico, francês e belga, na África.
A política industrial na África britânica
Os trabalhos sobre a história econômica da África não evidenciam, de forma
suficiente, a existência de uma política global das autoridades de Londres, em
matéria relativa ao seu domínio colonial africano. Quando isto não acontece
através de medidas setoriais, recorre -se muito amiúde a uma abordagem local,
inspirada e dominada pela doutrina oficial, relativamente ao desenvolvimento
industrial na África britânica; sobretudo, no que diz respeito ao período anterior
à Segunda Guerra Mundial.
Partidário do livre -mercado e, de forma resoluta, adepto da liberdade empre-
sarial nas colônias, o Colonial Office de Londres está vinculado à doutrina
segundo a qual o Estado não tem como tarefa principal senão garantir a liber-
431
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
dade de circulação e a proteção dos homens de negócio nas colônias. Em razão
disto, até a Segunda Guerra Mundial, a indústria permanece, em sua essência,
o domínio da empresa privada, sem a ingerência dos poderes públicos na mobi-
lização dos capitais.
Porque a crise econômica assolava a metrópole desde 1930, uma política
de recuo imperial fora preconizada pela Conferência Imperial de Ottawa, em
1932. Em 1935 -1939, esta política foi aplicada na África britânica. Mas, ela não
foi acompanhada por medidas oficiais intuindo drenar em direção ao domínio
africano, para o seu desenvolvimento industrial, uma parte dos capitais flutuan-
tes da época, em que pese a criação do Colonial Development Fund, em 1929.
Um segundo período anuncia -se durante os anos de guerra (1939 -1945),
reforçando -se, com maior ênfase, após a vitória. Trata -se daquele a envolver
uma discreta intervenção do Estado que, desde 1940, institui o Colonial Deve-
lopment and Welfare Act [lei sobre o desenvolvimento e o bem -estar social das
colônias].
É após a guerra que o Estado britânico se preocupa seriamente com o futuro
industrial do seu domínio africano. Trata -se de mobilizar as finanças imperialis-
tas para ajudar na “modernização das colônias. Parte das comissões de pesquisa
a afirmação da necessidade em se encorajar, oficialmente, a industrialização da
África britânica. Todavia, acordamo -nos lembrar que a instalação de uma verda-
deira indústria de bens de produção (salvo na Rodésia do Sul, atual Zimbábue)
permaneça algo do “universo dos sonhos”. O intuito consiste somente em pro-
duzir uma indústria de bens de consumo universal, adaptada ao crescimento dos
rendimentos e das demandas locais. Com exceção das matérias -primas, não se
tratará de uma indústria voltada para a exportação; por outro lado e sobretudo,
o peso dos interesses britânicos nas colônias de povoamento (Quênia e Rodésia
do Sul) deverá ser manifesto.
O caso da Rodésia do Sul, colônia de povoamento por excelência, apresenta-
-se, a este respeito, como revelador. Próxima da África do Sul e largamente deno-
minada pelos meios empresariais que estão à origem da sua criação, esta colônia
conheceu, após 1946 -1947, uma política industrial mais sistematicamente ligada
às preocupações dos colonos britânicos, ali instalados em permanência e dese-
josos por atenuarem a concorrência sul -africana.
Em sua totalidade, a política industrial na África britânica permanece ampla-
mente inspirada, sob a colonização, pelo clássico esquema a determinar uma
África provedora de matérias -primas industriais e, com ênfase, consumidora de
bens industriais importados; a realização de todo este arcabouço consumar -se-
432
África desde 1935
-ia sob a égide de um capitalismo depurado de qualquer idealismo e de toda
intervenção direta do Estado.
O domínio colonial francês
Muito anteriormente e até o início dos anos 30, o problema do desenvolvi-
mento industrial das colônias e protetorados no continente não se pusera nos
meios oficiais. Na linha reta da doutrina Sarraut, sobre a valorização das colô-
nias”, a indústria não relevava senão do setor privado. Nos círculos oficiais, foi
a crise de 1929 que colocou a questão à ordem do dia. Em 1934, pela primeira
vez de forma específica, a “Conferência Econômica da França Metropolitana
e de Além -Mar anunciava claramente uma nova doutrina sobre o assunto. Ao
afirmar o papel do Estado no processo de industrialização, esta conferência
introduzia a noção de “impulso industrial nas colônias. Não se tratava de criar
ou desenvolver uma indústria colonial que concorresse com a metrópole mas,
somente, de instalar indústrias a permitirem a valorização das matérias -primas”
nas imediações dos centros produtivos.
Nos meios empresariais, a corrente modernista favorável à ideia de
certa industrialização nas colônias (P. Bernard, L. -P. Morard, Mastiol e
outros...) iria expandir -se. Sua influência transparece no projeto de plano
decenal (1942 -1952) elaborado pelo regime de Vichy, o qual previa inclusive
a promoção de produtos semiacabados a partir do tratamento, in loco, das
matérias -primas.
Em 1944, a conferência de Brazzaville estima que a industrialização
da África francesa deva, via de regra, ser obra da iniciativa privada”. Mas,
recomendou -se uma ajuda da administrão colonial para o sucesso destas
empresas, através da implantação de usinas -piloto, do apoio às indústrias vitais
que “estivessem inadimplentes e, finalmente, pela criação de centros de testes
e de pesquisa “disponíveis aos industriais para qualquer estudo ou controle da
prodão”. Configurando uma brecha no pensamento tradicional dos meios
empresariais coloniais, ligados à economia do tráfico negreiro, esta orienta-
ção também rompia com o temor de uma possível concorrência da produção
industrial metropolitana.
A crião do Fundo de Investimento para o Desenvolvimento Econômico
e Social (FIDES), em 1947, serviu a traduzir em fatos a política oficial. O
imperativo da reconstrão na metrópole, a imensidão das necessidades nas
colônias e protetorados (a indústria aqui ainda estava em estado embrionário)
433
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
e a prioridade concedida aos gastos estratégicos (transportes e infraestrutura),
no contexto da Guerra Fria dos anos 1950, rapidamente lançaram luz sobre
a modicidade destes investimentos blicos e sobre as reticências do setor
privado.
Em 1960, em que pesem sensíveis progressos vis -vis da situação de 1935
1
,
o domínio francês permanece muito fortemente subindustrializado e insuficien-
temente prospectado, a ponto de tornar -se um fornecedor de matérias primas
industrializadas. Somente a agricultura comercial oferece alguns produtos deste
tipo (café, cacau, amendoim e algodão). Como no domínio colonial britânico,
a indústria está longe de constituir -se em uma das atividades características
destas colônias.
A política belga no Congo
Em 1935, tal como a partir de 1908, a Bélgica permanece globalmente fiel
à herança Leopoldina, marcada por uma permanente cumplicidade com os
grandes meios empresariais através da valorização do Congo.
O setor industrial, com maior ênfase na exploração mineral, é o principal
domínio escolhido pelo Estado para associar -se ao mundo dos negócios. Melhor
codificada pela legislação mineira de 1937, a sua participação traduzia -se pela
posse de uma importante carteira de ações na maioria das empresas mineiras.
Até por volta de 1956 -1957, a Bélgica, Estado -acionista, teve intenções muito
reduzidas no que diz respeito a exercer qualquer autoridade com vistas à elabo-
ração de uma real política de desenvolvimento industrial.
Todavia, entre 1935 e 1960, é preciso notar que as importantes restrições
impostas pela Segunda Guerra Mundial pareciam ter favorecido, à imagem
dos domínios britânicos e francês, a tímida implantação de uma indústria local
voltada para o consumo. Nos anos 1950, tanto para responder a um aumento
no consumo africano ou europeu (entre 25.000 e 30.000 europeus) quanto
para suprir interesses maiores da indústria belga, esta indústria de consumo
recebe exatamente o que lhe falta em matéria de incentivo blico para pas-
sar de uma participação correspondente a 30% do mercado local, em 1950,
1 No referente a 1946 -1958, o percentil dos investimentos industriais em comparação com o total dos
investimentos privados elevava -se a 27,6% contra 13%, no tocante ao período 1900 -1940. Em 1942,
o equipamento industrial não representava senão 0,01% dos trabalhos realizados mediante fundos de
empréstimos na África negra francesa, desde 1935. No Magreb, a situação é muito similar, embora a
industrialização se tenha iniciado muito anteriormente.
434
África desde 1935
para 44% em 1958. Valores estes que permitiram ao Congo Belga, no limiar
da sua independência, ser uma das terras coloniais mais industrializadas” do
continente.
Para concluir sobre o tema destas políticas industriais das potências colo-
niais entre 1935 -1960, notamos que todas chegaram aos mesmos resultados:
antes de tudo, o respeito à doutrina segundo a qual a colônia não estabelece
jamais concorrência frente à indústria metropolitana e à permanente manu-
tenção da tutela colonial, por interdio do movimento dos capitais e através
de relações de dependência tecnológica; consequentemente e sobremaneira, a
partir da Segunda Guerra Mundial, incentivou -se a criação de uma indústria
leve que satisfizesse, tanto quanto posvel, as necessidades de um mercado
interno de bens de consumo básicos. Inclusive, tão logo existisse uma forte
indústria mineira − presente e assaz potente, em todos os domínios coloniais
não se deveria jamais promover uma verdadeira armadura industrial da colônia
que colocasse em risco o monopólio metropolitano.
Seria pertinente aludir à permanência do “pacto colonial”? Em certa medida
sim; mediante compreendê -lo como a manifestação da divisão internacional do
trabalho industrial à qual aderem as autoridades coloniais. O caso das “semi-
colônias” da África constitui, a este respeito, uma particular ilustração, entre
1935 -1960 e segundo o país em questão.
A política industrial nas “semicolônias”:
o Egito, a Libéria e a África do Sul
Independentes em 1935, alguns países da África possuem, antes da Segunda
Guerra Mundial e teoricamente, o domínio sobre a sua política de desenvolvi-
mento. Com a exceção do peodo de ocupão da Etiópia pela Itália musso-
linista (1935 -1941), cabe justamente aos governos destes países elaborarem a
sua política de desenvolvimento industrial específica. Na realidade o peso dos
interesses externos, as eventuais cumplicidades locais com os seus respectivos
interesses, os recursos disponíveis e os desafios estratégicos, aos quais estão
ligados a evolução e o porvir destes países, limitam fortemente a margem de
manobra dos governos e influem sobre as políticas industriais. Brevemente
evocaremos três casos: o Egito pré -Nasser, a Libéria e a África do Sul. Cada
um apresenta um nível de dependência da sua política industrial em meados
do século XX.
435
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
O exemplo egípcio, de 1930 a 1952
Durante os anos 1930, dois traços caracterizam a posição da indústria na
economia egípcia: o remoto início do processo de industrialização, assim como
o peso considerável dos interesses externos e da dívida global.
No que concerne o primeiro ponto, estudos recentes mostraram que, na
condição de desdobramento do movimento de ocidentalização engajado desde
Muhammad Ali, foi principalmente em torno dos anos 1890 que teve início a
moderna industrialização. Com a crise de 1929, o recuo no investimento externo
e a elaboração de uma tênue política protecionista favoreceram o surgimento de
novos traços na economia egípcia. Tendo em vista os parcos meios financeiros
e tecnológicos, o capital local orienta -se na via da indústria de substituição das
importações, destinada a cobrir a demanda por produtos de consumo imediato
e bens intermediários.
A Segunda Guerra Mundial acentua estas orientações em razão da forte
diminuição nas importações europeias. Mas, sobretudo entre 1945 -1954, esta
evolução não impede o recurso aos capitais estrangeiros, ao menos pela extensão
das empresas industriais
2
. Sob a cúpula dos credores internacionais, os governos
do reino Fārūq devem demonstrar grande prudência ao enunciar e pôr em mar-
cha uma política industrial, de forma resoluta, favorável à burguesia nacional.
Portanto, compreende -se que esta indústria de substituição das importações, à
imagem do ocorrido nas colônias europeias e em razão da pouca ameaça repre-
sentada por esta política industrial frente aos interesses do capitalismo euro-
peu, se tenha desenvolvido no Egito, entre 1930 -1954. A política voluntarista
do presidente al -Nasser após 1956, representaria uma ruptura com a política
industrial do Egito de Fārūq.
A Libéria
A mais antiga república da África negra entrara, desde o início do século, em
uma era de dificuldades financeiras. Em 1935, ela estava arruinada, praticamente
em bancarrota, a ponto das chancelarias europeias sonharem em colocar este
país sob o mandato da Sociedade das Nações. Somente após 1945, sob a presi-
dência de William Tubman, acontece uma retomada no tocante ao investimento
privado, proveniente essencialmente dos capitais americanos. Voltada para a
2 C. ISSAWI, 1982, p. 72.
436
África desde 1935
exploração das riquezas minerais (o rico mineral de ferro do monte Nimba e a
bauxita) do país, esta retomada é fortemente encorajada por uma política, em
larga escala, marcada por concessões de toda ordem às empresas estrangeiras.
Esta política industrial permaneceu, por muito tempo, submetida a dois
imperativos: primeiramente, a necessidade de se implantar uma infraestrutura
mínima que autorizasse as esperanças em desenvolvimento industrial; posterior-
mente, satisfazer as demandas por produtos industriais de consumo básico de
uma população de origem afro -americana praticamente em situação de confi-
namento. No início dos anos 1960, a Libéria ensaiava os seus primeiros passos
constitutivos de uma pequena indústria de consumo imediato (olarias, fábricas
de sabão, cervejarias, etc.) minimamente controlada pela burguesia local. Esta
última não possuía tampouco nenhum controle sobre a indústria de extração
mineral.
A África do Sul
Em oposição à Libéria e melhor que o Egito, em razão das suas fabulosas
riquezas minerais, a África do Sul de 1935 dedicava -se a tirar o melhor partido
da depressão de 1929, graças à precedente e constituída formação de um verda-
deiro tecido industrial. A aplicação tradicional de uma política discriminatória,
no âmbito do emprego industrial, tampouco consiste em algo estranho aos
resultados obtidos.
A revolução mineira, promovida por volta de 1860, permitira a implantação
de uma infraestrutura de base muito antes dos anos de 1920. Malgrado uma
queda na produção mineira, entre o final da Primeira Guerra Mundial e os anos
1921 e 1922, o crescimento industrial foi relativamente sustentado através da
exploração das jazidas de ouro. Foi ao final dos anos 1920 que se esboçou uma
nova política de desenvolvimento industrial visando romper a demasiado forte
dependência frente à produção de metais preciosos e, também, a diversificar os
setores industriais. A Grande Depressão foi a ocasião para acentuar esta orien-
tação, diretriz a requerer uma participação do Estado. Até a Segunda Guerra
Mundial, a indústria sustentou o seu crescimento
3
e pôde facilmente adaptar -se
à queda nas importações de produtos industriais.
3 Entre 1939 e 1945, o valor acrescido das indústrias elevou -se à ordem de 116%, em preço corrente.
Conferir D. H. HOUGHTON, 1971, vol. II, p. 36.
437
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
Todavia e apesar do incentivo ao investimento local que passou de 15% para
40% em respeito à indústria mineral, o peso financeiro dos interesses externos
(sobretudo britânicos, mas também americanos, desde os anos 1920) permanecia
muito importante em 1945. O Pós -Guerra ampliou esta dominação dos capitais
externos sobre a indústria de transformação, em pleno crescimento.
Indústria de substituição instalada em resposta às demandas de consumo da
população negra, ela foi, com maior ênfase, uma indústria de produtos inter-
mediários e, inclusive de equipamentos, a favorecer os capitais externos. Estes
recursos externos estavam dedicados a tirar proveito das matérias -primas locais
e empenhados, desde os anos 1930, em escapar a uma política aduaneira de mais
em mais protecionista.
Em 1945, a África do Sul desde então aparecia como a principal potência
industrial do continente, graças a uma política social repressiva e às suas poten-
cialidades naturais; entretanto, esta situação, originada nos anos de 1930, era o
resultado de uma política industrial voluntarista e focada, de forma resoluta, na
promoção de uma indústria local variada. Esta última era sustentada, de forma
crescente, pelos capitais externos associados, ou não, ao capital local.
Embora a filiação a esta política consista em algo pouco evidente, as polí-
ticas de desenvolvimento industrial na África independente assemelharam -se,
aproximadamente, a este esquema.
O “nacionalismo industrializante” e as políticas
industriais dos Estados independentes
Considerações gerais
Foi, com menor ênfase, contra as políticas industriais do colonizador, com-
parativamente à posição adotada contra a exploração econômica generalizada
estabelecida no limiar da Segunda Guerra Mundial, que os “pais da indepen-
dência africana” centraram as suas críticas mais contundentes. Contudo, no
início dos anos de 1950, expandiu -se a ideia segundo a qual o desenvolvimento
econômico das colônias também implicaria em um desenvolvimento industrial
progressivo”. Prontamente e àquela época, eles percebem que a realização dos
objetivos da industrialização requereria tempo e também exigiria o apoio e a
assistência do ex -colonizador e dos capitais externos. Mas, pouco a pouco, outra
ideia vem completar esta posição, sobretudo quando se delineia o sucesso das
438
África desde 1935
reivindicações políticas: o desenvolvimento industrial não é somente uma das
tarefas habituais do Estado; ele também consiste em uma exigência de sobe-
rania e de verdadeira independência nacional, tal como afirmado por Kwame
Nkrumah, desde o ano de 1945
4
.
Os fundamentos do nacionalismo industrializante desenvolvem -se no
continente com as independências políticas africanas. Ele implica a aplicação
generalizada de uma política industrial mais claramente “voluntarista”, compa-
rativamente ao realizado à época da dominação colonial ou semicolonial. Mas,
através das experiências e das intenções manifestas, as políticas industriais dos
Estados independentes devem, globalmente, ser classificadas em duas categorias,
sobretudo ao excetuarmos, desde o ano de 1948, o caso particular da África do
Sul. Por um lado, temos as políticas de tendência não capitalista”, por outro, as
políticas dos países de economia dita “liberal”.
As políticas “de tendência não capitalista”
Gana de Nkrumah e a Argélia de Boumediene afirmaram a opinião favorável
a uma política industrial baseada no modelo “socialista”.
Em 1957, Gana de Nkrumah entrava na era pós -colonial com uma indús-
tria embrionária. Em que pese estar à frente do seu país desde o ano de 1951,
Kwame Nkrumah, obrigado a levar em conta a relação interna de forças, não
começou a realmente aplicar as suas idéias, concernentes ao desenvolvimento
industrial, senão a partir de 1959 mediante a adoção do segundo plano quin-
quenal de Gana. Para ele, o objetivo fundamental era realizar uma “revolu-
ção econômica” que permitisse a progressiva ruptura com o capitalismo; esta
revolução passaria, necessariamente, por uma ampla industrializão do ps,
conduzida principalmente pelo Estado, detentor em larga escala dos meios de
prodão na indústria local. O setor privado poderia subsistir mas, o esforço
voluntário do Estado deveria permitir aqui assegurar, a termo, a proeminência
do setor blico.
Nkrumah defendia, em suplemento, a ideia de uma formação profissio-
nal sistemática e de uma planificação do esforço relativo ao desenvolvimento
industrial. O segundo plano quinquenal (1959 -1963) e o primeiro plano sep-
tenal (1964 -1970) contemplavam perfeitamente esta estratégia industrial: 72%
dos créditos, em 1959 -1963, e 61%, em 1964 -1970, deveriam ser oferecidos à
4 K. NKRUMAH, 1945, reedição em 1962.
439
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
indústria, contra 38% dedicados em 1951 -1957 (época do primeiro plano de
desenvolvimento); em 1965, de 10 a 12% da produção industrial estava a cargo
de um setor público quase inexistente antes de 1961.
A queda de Nkrumah, em 1966, bem como as sucessivas mudanças
de regime e de opção econômica, não permitiram prosseguir na via desta
política, predominantemente inspirada em seus anticapitalismo e radical
nacionalismo.
Na Argélia, a saída da época colonial estava em curso, marcada pela existência
de uma indústria a representar uma ínfima parte do Produto Nacional Bruto.
Nem a aplicação da política de abertura às importações, em ausência de proteção
do Estado, implantada desde 1943 -1945, nem tampouco a realização, em 1954,
do famoso plano de Constantine” que engajou, amplamente e no domínio
industrial, a política de exploração petrolífera, nenhuma destas duas medidas
produzira reais efeitos no tocante à política de desenvolvimento industrial do
país. Em 1962, malgrado os acordos de Évian, o setor industrial permanecia
muito fraco e em larga medida sob dominação francesa.
Desde antes da independência, a FLN desenvolvia teses reveladoras daquilo
por nós denominado, nos dias atuais,nacionalismo industrializante”. G. -D. de
Bernis relembra, a justo título, nestes termos: A industrialização realizar -se
no quadro de cooperativas para a indústria pesada
5
.” Portanto, primazia do
Estado no bojo de uma política voluntarista, recurso ao modelo socialista, por
intermédio de cooperativas, e nascimento de uma indústria pesada: tais são as
principais diretrizes a nortearem uma doutrina que, com maior ênfase a partir
de Boumediene, a Argélia poria em marcha.
O país possuía relevantes potencialidades naturais: o ferro e, sobretudo, o
petróleo, cuja alta nos preços ofereceria os meios para uma política sistemática.
Mais sistematicamente após 1969, três diretrizes prevaleceram a partir destas
teses da FLN: o investimento dos recursos estatais, com ou sem nacionalização,
em empresas gigantes (muito amiúde e praticamente falidas) e com forte capa-
cidade de propulsão econômica, como tentativa de estruturação de um parque
industrial; a valorização máxima dos recursos naturais; a descentralização das
plantas industriais intuindo favorecer a integração das regiões abandonadas no
período colonial e a luta contra os desequilíbrios regionais correlatos. Mas, a
política de priorização, concedida à indústria pesada, não excluía o apoio do
Estado ao setor privado, orientado para a indústria de produtos imediatos. Foi
5 G. -D. DE BERNIS, 1975, p. 26.
440
África desde 1935
justamente a última diretriz desta política industrial que perdurou, com mais
ou menos correções, em seu rumo e quaisquer que tenham sido os seus limites,
após a morte de Houari Boumediene.
À questão consistente em saber se os casos de Gana e da Argélia são espe-
ciais, é possível responder não integralmente pois, o voluntarismo indus-
trializante”, a ideia de planificação à qual subtraiu -se o discurso anticapitalista
e socializante, bem como a importante posição do setor público no domínio
industrial, estas posições encontram -se na política de alguns jovens Estados
baseados na economia denominada “liberal”.
As políticas de países de economia dita “liberal”:
a Costa do Marm e a Nigéria
Em que pese a prevalência de um tênue tecido industrial quando da con-
quista da independência e embora os anos 1955 -1960 tenham correspondido a
um dos períodos vivazes do nacionalismo africano, muitos países do continente
recusaram -se a relacionar a sua subindustrialização às estratégias do capitalismo
internacional, aplicadas desde a época colonial. A opinião liberal e capitalista
foi afirmada no campo econômico; a evolução em direção a uma economia
industrial deveria responder às leis da economia de mercado. Mas, a análise das
políticas específicas revela certas nuances, quiçá diferenças. A Costa do Marfim
e a Nigéria delas traduzem algumas.
Tal como proximamente em Gana, onde floresceu a economia de tfico
negreiro colonial, a Costa do Marfim era, no ano de 1960 e malgrado um
comércio externo superavitário, muito pouco industrializada. Desde 1959, a
escolha pendeu para a deliberada permanência no quadro de uma economia
de mercado. No que diz respeito à indústria, embora se reconha a necessi-
dade da participação do Estado, o setor privado deveria garantir o essencial,
mediante a convocação de capitais externos. Aqui reside um dos primeiros
códigos de investimento, os mais favoráveis às empresas estrangeiras (lei do
dia 03 de setembro de 1959) no continente: diversas iseões, remessa de
capitais, garantias contra as nacionalizações ou contra as reivindicações sociais
e outros benefícios.
Em razão das fracas aptidões industriais iniciais (poucas riquezas naturais
conhecidas e um fraco nível de qualificão profissional), bem como para
respeitar a estragia industrial anterior a 1960, contou -se antes de tudo com
a política de substituição às importações de bens de amplo consumo. Muito
441
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
mais preocupado com a política de diversificação e de crescimento da produ-
ção agrícola (com maior ênfase em relação às marias -primas agrícolas), o
Estado pouco interveio naquele setor. Entretanto, como reconhecido em 1972
por Mohammed Diawara, à época ministro do planejamento e da indústria,
esta política tinha por consequência extrair benefícios substanciais para os
empreendedores mas, não necessariamente, em proveito da coletividade
6
”.
O incentivo concedido às indústrias exportadoras e às empresas focadas no
fator “mão de obra” e, sobretudo, à política de promoção dos investimentos
nacionais, neste setor de atividade e a partir de 1970, objetivaram em seguida
retomar o desenvolvimento industrial.
Finalmente, a terceira diretriz que aparece no plano quinquenal 1976 -1980,
consiste na valorizão dos recursos locais através da especial promoção da
agroindústria de exportão. O Estado aqui interviria diretamente, através das
empresas estatais engajadas nas plantações de palma, de cana -de -açúcar, de
algodão, entre outras, em nome de uma teoria mediante a qual o “capitalismo
de Estado” apresentar -se -ia como um estádio na transão para o “capitalismo
clássico”. Em compasso de espera pelo desabrochar da burguesia nacional, o
Estado assegurava a presença marfinense no âmbito do investimento indus-
trial e, posteriormente, restituía a sua cota -parte aos marfinenses capazes de
prosseguir neste esforço. O Estado -empreendedor não o era, senão a título
provisório.
Paralelamente a esta política marfinense, glorificada por alguns analistas
(“milagre marfinense”) ou vivamente criticada (“crescimento sem desenvolvi-
mento”), surge o caso nigeriano. Na Nigéria, encontra -se, por pouco que não, a
mesma orientação liberal, com raízes em uma política de maior diversificação
e descentralizão da produção industrial e voltada para a promoção de uma
maior participão do setor privado, particularmente após a guerra civil de
1967 -1970. Com efeito, em 1960, a indústria desempenhava um papel menor
na economia nigeriana e beneficiava -se com uma pequena porção dos inves-
timentos projetados (7,66% dos investimentos previstos no plano quinquenal
1955 -1960). Entre 1960 e 1967, em sintonia com as suas oões liberais e
convocando a participação do capital externo, o governo federal pouco atuou,
senão intuindo encorajar a indústria petrolífera. A crise política de 1966 e a
guerra civil de 1967 -1970 reduziram sobremaneira a margem de manobra do
Estado.
6 Colloque international de Dakar sur le développement industriel africain, 1972, p. 133.
442
África desde 1935
O final da guerra civil, a necessidade de uma reestruturação na economia, sacu-
dida por esta crise, a baixa nas cotações do petróleo, entre 1973 -1980, bem como e
finalmente, o aumento na receita do Estado Federal e dos governos regionais, permi-
tiram assentar uma potica abrangente de desenvolvimento industrial. Esta última
articulou -se em torno de três diretrizes maiores: a liberação seletiva nas importações
de produtos industriais, a permitir, pela conceso de maiores facilidades na impor-
tação de marias -primas e máquinas, um apoio e uma proteção à indústria de
substituição das importações, progressivamente mais desenvolvida; o incentivo, mais
ou menos direto do Estado, à indústria de bens de equipamento, em rao de uma
tomada de consciência acerca de uma forte dependência tecnológica, decorrente dos
progressos na indústria de substituição das importações; final e simultaneamente ao
incentivo tangente à valorizão das matérias -primas locais, a política dita de nige-
rianização reservava os setores de interveão, as compras e demandas estatais e as
facilidades de associação frente aos capitais externos, prioritariamente, aos nativos.
A Nigéria tornar -se -ia um “gigante da instria africana.
Em suma, quer se tratasse de Estados autoproclamados “socialistas” ou de
economias ditas liberais”, as políticas de desenvolvimento industrial na África
independente revelam um caráter comum: lutar eficazmente contra a subindus-
trialização, própria à época colonial, objetivando alcançar certa autossuficiência.
Nos anos de 1960 -1980, entretanto, o continente iniciava seu curso demasiado tar-
diamente e com insuficiências diversas, dentre as quais, o sem menor importân-
cia, figuram as estratégias elaboradas fora do continente para manter ou preservar
uma divisão internacional do trabalho que se lhe era imposta, especial e progres-
sivamente, no decorrer dos anos de crise econômica (1930 -1935, 1973 -1980). A
análise dos aspectos constitutivos da indústria africana, após 1935, desvela as suas
fraquezas estruturais e fragilidades, malgrado os esforços da época pós -colonial.
Aspectos gerais do desenvolvimento
industrial na África de 1935 a 1980
A evolução da produção industrial e da cota -parte deste setor no PIB dos
países africanos revela, nitidamente, dois grandes períodos: de 1935 a 1960 e
de 1960 a 1980. Para clarificar e matizar os traços de cada um destes períodos,
mister faz -se levar em conta as crises estruturais locais e os resultados, aos quais
permitem alcançar as políticas industriais sub -regionais ou territoriais, ante-
riormente evocadas.
443
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
Uma industrialização embrionária anterior a 1960
Quer se trate do nível da produção, da taxa de crescimento industrial ou da
cota -parte da indústria na economia africana, no período anterior aos anos 1960,
a industrialização moderna do continente mal começara.
A evolução na produção e na taxa de crescimento industrial
No que tange ao período 1935 -1960, os dados estatísticos, por país ou domí-
nios coloniais, são irregulares, por vezes incertos e amiúde parciais. Não se pode,
portanto, ter uma apreensão global no tocante à importância da produção e da
taxa de crescimento industrial, em todo continente. Todavia, os índices dispo-
níveis revelam, à primeira vista, uma evolução positiva na produção industrial,
o Pós -Guerra a denotar notoriamente a aceleração. A tabela 13.1 versa sobre
três dos países relativamente industrializados” à época; ela apresenta um nítido
progresso, em 1960, comparativamente à situação de 1939, os anos 1950 repre-
sentam o período durante o qual esta produção praticamente dobra.
Mas estas cifras são contestáveis, pois em valores absolutos trata -se perfeita-
mente de uma indústria assaz modesta. Salvo na África do Sul (números supe-
riores a 75 milhões de libras esterlinas logo em 1938 e, excetuando -se as minas),
o valor da produção industrial raramente ultrapassa, em 1960, 200 milhões de
dólares norte -americanos (Egito) na maioria dos países: 160 milhões na Nigéria,
128 milhões no Congo belga, 120 milhões da Rodésia do Sul, 94,7 milhões em
Gana e, somente, 140 milhões no que diz respeito a todo o domínio francês da
TABELA 13.1 ÍNDICES DA PRODÃO INDUSTRIAL DE ALGUNS PAÍSES
ENTRE 1939 E 1959/1960
País 1939 1945 1950 1954 1960
Egito 49 67 98 106 161
Congo Belga 30 58 100 190 235
Nigéria - - 100 147 278
África do Sul - 35 - 57 71
N: base 100 -1950-1952; para a África do Sul, base 100 - 1963, índices dos anos 1948, 1953 e 1958.
[F: S. Radwan, 1981, p. 200; J.-L. Lacroix, 1966, pp. 295-296, U. E. Okeke, 1985, pp. 36-37 (repro-
duzido com a autorização da African Review of Business and Technology, anteriormente African Technical
Review) e ONU, 1970.]
444
África desde 1935
África negra (AOF, Madagascar, Camarões e Togo). No Magreb, o nível não é
muito mais importante, mesmo se considerarmos a produção mineira.
As taxas de crescimento industrial, muito desiguais segundo os setores
(minas, produtos de consumo, bens intermediários), mostram a ineficiência
concreta das políticas industriais então implementadas. Salvo no setor mineiro,
elas são relativamente modestas (entre 0,5 e 3%, em função do país e do período)
e apresentam, eventualmente, uma longa estagnação (na África do Norte, por
exemplo, entre 1948 e 1954).
A cota -parte da indústria na economia africana
A sua medição é ainda mais reveladora do nível de industrialização conti-
nental nesta época.
Em que pesem as diferenças nas estimativas, todos os estudos convergem
em reconhecer que, ao final dos anos 1950, a atividade industrial ainda ocupava
pouco espaço na África. Com maior força que o demonstrado pela tabela 13.2,
ela era até certo ponto marginal, em grande número de países 2,6% em Daomé
(atual Benin), 3% na Tanganyika (atual Tanzânia) ou 4% em Togo. Com maior
ênfase, era a agricultura (frequentemente com métodos pouco elaborados) que
servia de principal força motriz para a economia, na eventual ausência total
de indústria mineira. Alguns autores
7
pretenderam associar o fato, em maior
ou menor grau, à presença de residentes europeus. Na realidade, os fatos em
nada atestam estas hipóteses; no Magreb, por exemplo, malgrado um antigo e
importante colonato francês, a cota -parte da indústria no PIB não era muito
importante. Igualmente na Argélia, em 1962, ou seja, no limiar da indepen-
dência, a indústria não representava senão 9,36% do PIB (atingindo 23,8%, se
incluirmos a indústria de extração). Pouco relevante na economia colonial, senão
e sobretudo em sua forma primária (exploração mineral), a indústria empregava
pouca força humana, como veremos. Ela encontrava -se distante de constituir
o resultado de uma automatização mais acelerada que alhures dos métodos de
produção. Aqui reside a emblemática marca de uma subindustrialização.
Este conjunto de fatores explica a modesta porção africana ocupada no total
da produção mundial exceção feita das matérias -primas e no consumo dos
produtos industriais.
7 As estimativas de J. -D. DURAND, 1967, não são mais do que uma extrapolação anterior, como aquelas
de W. F. WILCOX em 1931. Elas são sujeitas a reservas.
445
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
A posição da África nos âmbitos da produção e do
consumo mundiais
A imagem de uma África em larga escala provedora de matérias -primas
industriais não era novidade em 1935. Ao contrário, ela era secular e o posto
ocupado pela África do Sul no conjunto da produção mundial de metais pre-
ciosos, a reconhecida riqueza das jazidas de ferro na Libéria (65% de teor de
pureza), a produção industrial de bauxita da Guiné e do cobre no Congo ou na
Rodésia do Norte (atual Zâmbia), antes mesmo da independência destes países,
confirmam esta ideia para o período de 1935 -1965.
Mas, salvo em relação a algumas matérias -primas minerais (metais precio-
sos na África do Sul, fosfatos no Marrocos e metais não ferrosos alhures), a
prospecção ainda era muito incipiente para permitir que a África ocupasse uma
posição relevante neste setor. Se, por um lado, a prospecção foi mais amplamente
conduzida, sobretudo após 1945, as metrópoles coloniais ou os países dominan-
tes (Grã -Bretanha na Egito e na Líbia, França na Argélia e Estados Unidos
da América na Libéria) impuseram um quase -monopólio sobre esta produção
mineira, exclusivamente por conta das empresas metropolitanas, ao menos até
meados dos anos 1950.
A produção das matérias -primas industriais estava portanto largamente sub-
metida aos interesses do capital metropolitano que dela moldava a evolução em
função das suas estratégias. A produção de petróleo, por exemplo, na África do
Norte (Egito, Líbia, Argélia, Tunísia e Marrocos) passa de 7 milhões de barris,
em 1940 (essencialmente no Egito) para 17 milhões, em 1950 (dos quais 94%
referentes ao Egito) e, posteriormente, para 91 milhões, em 1960 (72,5% para
Argélia e 26,4% para o Egito), ou seja, menos de 1% da produção do Oriente-
-Médio. Na Argélia, a pesquisa petrolífera não entra realmente em sua fase ativa
TABELA 13.2 PARTICIPAÇÃO DA INDÚSTRIA NA RENDA NACIONAL DE
ALGUNS PAÍSES AFRICANOS, 19561960 EM %
Ano Congo Belga AOF Nigéria
Rodésia-
-Niassalândia
b
1956 8,0
a
2,0 2,0 11,0
1960 14,0 5,5 4,5 16,0
a. Índice para 1958.
b. Somente a Rodésia do Sul, para 1960.
[F: ONU, 1959, p. 15; P. Kilby, 1975, p. 472.]
446
África desde 1935
A evolução pós -colonial, 1960/1965 -1980
Os progressos na produção e no consumo
Quer examinemos a produção de matérias -primas industriais ou aquela
referente aos produtos manufaturados, é inegável que, entre 1960 e 1980, a
indústria no continente tenha feito progressos no plano quantitativo. Mas,
estes últimos são desiguais, tanto no tempo quanto no espaço (tabela 13.4 ).
senão após 1957 (541,6 milhões de francos para os anos 1952 a 1956, contra
679 milhões em 1958 e 917 milhões em 1962).
Portanto, a posição da África no que diz respeito à produção de matérias-
-primas industriais é insuficiente em relação às suas potencialidades naturais.
Ainda com maior ênfase e no tocante à instria de transformação, a cota -parte da
África na produção mundial é marginal. Eis a razão do grande volume de produtos
industriais nas importações do continente. A estrutura destes produtos industriais
vindos do exterior mostra o quanto depende dos países estrangeiros a maior parte
dos países do continente no que concerne ao seu consumo (tabela 13.3).
Desta forma, na melhor das hipóteses (o Congo belga, por exemplo) e rela-
tivamente aos produtos de consumo básico, sobretudo a África negra (sem a
África do Sul) depende entre 70 -75% do exterior, nos anos 1950, e praticamente
em 100% em respeito aos bens de equipamento. Segundo os países em questão,
esta situação não muda antes de 1960 -1965.
Portanto, na África, a era pós -colonial começa com uma importante insufi-
ciência: o consumo de produtos industriais elaborados agregara -se aos hábitos,
ao passo que a economia africana permanecia, em larga escala, na idade pré-
-industrial. Tratava -se, como vimos acima, de um desafio a ser enfrentado pelos
pais da independência”.
TABELA 13.3 IMPORTAÇÕES DE PRODUTOS INDUSTRIAIS NO EGITO,
19451960 EM %
1945 1952 1957 1960
Bens de
consumo
43,3 34,9 54,3 22,1
Bens
intermediários
40,7 36,7 27,7 44,3
Bens de
equipamento
16,0 28,4 18,0 33,6
[F: S. Radwan, 1981, p. 216.]
447
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
TABELA 13.4 ÍNDICE DAS EXPORTAÇÕES AFRICANAS DE PRODUTOS
MANUFATURADOS, 19701978
Zonas geográcas e comerciais 1970 1973 1977 1978
África do Norte,
incluindo Magreb
39
26
65
58
128
140
163
183
Países da CEDEAO,
incluindo Costa do Marm e
África do Sul
46
25
49
78
56
85
-
132
157
-
122
-
N: base 100 = 1976.
[F: CNUCED, 1980, pp. 108-129.]
F . Usina têxtil de processamento de algodão em Mahana, no norte do Egito. (Foto: Topham,
Londres.)
Este aumento, por vezes espetacular, na produção industrial (por exemplo, ele
foi de 400% no Egito, entre 1956 e 1971), evidencia dois elementos principais:
por um lado e em numerosos países, um importante aumento na produção
de insumos industriais certamente o petróleo mas também os metais e os
minerais estratégicos; e, por outra parte, a generalização da indústria de bens
de consumo sico, visando a satisfação das necessidades internas e também
objetivando a conquista de mercados externos, no referente às trocas intera-
fricanas da mesma forma que no tocante às exportações em direção aos países
448
África desde 1935
industrializados (com maior ênfase para os produtos da agroindústria, em
países como a Costa do Marfim).
Entretanto, a diversificação da produção, ainda balbuciante em numerosos
países, estava amplamente engajada em outros (Egito, África do Sul, Argé-
lia, por exemplo). Todavia, a fração desta indústria africana não representava
senão uma pequena parte do consumo de produtos industriais, o qual cresceu,
quanto a ele, muito mais rapidamente: em 1978, as importações de produtos
manufaturados representavam mais de 60% das importações totais da maioria
dos países do continente (aqui compreendida a África do Sul), ao passo que as
exportações destes mesmos produtos eram, geralmente, inferiores a 10% das
exportações totais.
o foi somente o setor energético que cresceu em valores mas, tam-
bém, a demanda por produtos acabados ou sem -acabados. Houvera, por-
tanto, progressos, mas em relão ao período da primeira industrialização
eo em função das necessidades crescentemente importantes. A raridade,
ou quase -inexistência, em certos países, de uma indústria de bens de equi-
pamento, obriga a nuançar fortemente a ideia de progresso neste ramo
de atividade. Contudo, a indústria não é mais marginal nas economias
nacionais.
TABELA 13.5 ESTRUTURA DA INSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO NA NIGÉ
RIA, 19581978 EM %
1958 1963 1965 1972 1975 1978
Bens de consumo 92,3 90,6 84,2 93,3 90,9 80,9
Bens de equipamento 7,7 9,4 15,8 6,7 9,1 19,1
[F: P. N. C. Okiglo, citado por U. E. Okeke, 1985, p. 46.]
TABELA 13.6 EVOLUÇÃO DO PESO DA INDÚSTRIA NO PIB DE TRÊS PAÍSES,
19601974 EM %
Ano Nigéria Argélia Costa do Marm
1960 4,5 - 5,3
1963 7,8 23,8 -
1965 8,6 25,0 19,0
1968 13,1 29,0 23,8
[F: Governo da Costa do Marm, 1976 (o último índice corresponde ao ano de 1970); Comptes
économiques 1963-1968, citadas por G.-D. de Bernis, 1975, p. 52; Nigerian Federal Oce of Statistics, citado
por U. E. Okeke, 1985, p. 37.]
449
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
A cota -parte da indústria na economia pós -colonial
Malgrado a imperfeição das medições estatísticas em numerosos pses,
especialmente sobre os contornos precisos do artesanato e da indústria moderna,
a participação da indústria no PIB aumentou regularmente desde, ao menos,
o final dos anos 1950. Nas antigas colônias europeias e quando autorizado
por uma relativa estabilidade política, a época pós -colonial inclusive permitira
acelerar o processo, marcando desta forma uma integração mais sistemática de
alguns setores do artesanato no mercado mundial.
Mas, em suplemento ao fato dos ritmos variarem de um país a outro (tabela
13.6), isto derivava muito amiúde de um crescimento mais rápido das indústrias
de transformação local, mesmo se, globalmente, a participação da indústria
parecesse crescer, em vários países, mais rápido que a fração relativa à agricul-
tura. Faz -se aqui necessário estabelecer nuances no concernente à ideia de uma
verdadeira industrialização, a partir desta evolução na participação da indústria
no volume do PIB.
A África na produção industrial mundial: os limites do
nacionalismo industrializante”, entre 1960 e 1980
A África independente, ocuparia ela uma melhor posão na economia
industrial em 1980, ao término de um período particularmente marcado pelo
“voluntarismo industrial”? Passados entre quinze e vinte anos da independência,
é difícil tudo transformar e a África não representava senão 0,9% da fabricação
mundial de produtos acabados. Ao mesmo tempo, é inegável que a sua cota-
-parte na produção de matérias -primas industriais tenha sido mais importante
comparativamente ao período anterior a 1960. Portanto, em termos gerais, a
África permanece o continente menos industrializado do mundo e, pela aná-
lise dos fluxos no comércio mundial, um continente sobretudo fornecedor de
matérias -primas industriais aos países industrializados europeus e americanos.
Trata -se, por excelência, do continente emblemático do subdesenvolvimento,
ainda no curso dos anos de 1980.
Tal situação conduz a buscar os limites do que nós chamamos nacionalismo
industrializante”, implantado, simultaneamente, como prolongamento e como
meio da política independentista. Quer sejam as políticas ditas anticapitalis-
tas” ou aquelas denominadas “de economia liberal”, ambas não alcançaram, até
o presente momento, romper o ciclo vicioso da dependência econômica e da
450
África desde 1935
subindustrialização do continente. Em razão disso, evocaram -se argumentos
políticos (escolhas errôneas em um clima de estabilidade política crônica a inibir
o investidor privado) ou técnicos (baixo nível de formação profissional, insufici-
ência da poupança interna, a qual se apresenta mal ou dificilmente orientada em
direção ao desenvolvimento industrial). Outros argumentos são exigidos para
completar estas análises. Parece -nos que muitos dos pais da independência não
dedicaram suficiente atenção à fragilidade estrutural da indústria africana no
imediato posterior à era colonial. Esta fragilidade acentuou -se até 1980.
A fragilidade do desenvolvimento industrial
Entre outros aspectos, provavelmente de ordem secundária, esta fragilidade
procede de quatro fatores: a dependência absoluta vis -vis do investimento
externo; as ilusões referentes a uma possível transferência de tecnologia pelas
empresas transnacionais a operarem no continente; a incipiência da produti-
vidade no seio de uma indústria, ainda e sobretudo primária; o fraco nível de
integração das empresas industriais a um mercado que o subpovoamento e a
modicidade geral das rendas restringem consideravelmente.
O investimento industrial na África: a dependência
relativamente ao exterior, desde 1935
Ninguém pode negar a considerável participação levada a cabo pelos capitais
externos no processo da moderna industrialização do continente africano, ao
menos após 1935. Esta fração constituiu, inclusive e até os últimos anos, o essen-
cial dos investimentos na indústria: investimentos públicos diretos (ou indiretos,
com a ajuda externa”), investimentos privados, ou ainda, investimentos patroci-
nados por organismos internacionais. Para a África negra francófona, particular
e anteriormente a 1960, a metrópole (investimentos públicos) e o setor privado
francês intervinham, em sua totalidade, na ordem de 95 a 98% do investimento
industrial; a participação das holdings e dos interesses estrangeiros, com maior
ênfase belgas, constituía 95% da economia belga (quanto à indústria, a proporção
chegava a quase 100%), em seu conjunto e no ano de 1958.
Em meados dos anos 1960, o recurso aos capitais públicos e às nacionali-
zações de empresas privadas, muito amiúde não africanas, bem como a política
denominada “de indigenização da indústria (os decretos de 1974 e 1977, na
451
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
Nigéria) reduziram o peso relativo dos capitais estrangeiros no universo do
investimento industrial. Mas, em termos concretos e por uma trajetória marcada
por desvios e artifícios, pelo chamado aos capitais externos com vistas a finan-
ciarem novos projetos industriais, a dependência relativa ao exterior subsiste
como uma realidade. É justamente esta dependência que explica as principais
diretrizes da indústria na maioria dos países. Com efeito e prontamente nos anos
compreendidos entre 1930 e 1950, o essencial dos investimentos industriais era
obra da indústria de extração, mais rentável para as empresas europeias que as
plantations e a indústria de transformação. Segundo Jacques Marseille
8
, o ren-
dimento das empresas coloniais francesas, em 1938, era da ordem de 5,6%, para
a indústria, contra 24,9% no que tange às minas e 15,2% no que diz respeito às
plantações; em 1954, este rendimento alcançava 6%, para a indústria, 9,7% no
tocante às plantações e 8,6% em respeito às minas. Com matizes, encontrar -se-
-iam amiúde as mesmas tendências, em razão dos principais objetivos estabele-
cidos pelos holdings industriais da Europa ou da América do Norte.
Nos dias atuais, a situação pouco mudou, salvo em casos particulares: 8%
dos investimentos realizados nos Estados da África negra francófona, para o
período 1965 -1970, eram destinados à indústria de extração; em 1976, o exame
dos diversos planos de desenvolvimento destes mesmos países demonstra o
estabelecimento de um patamar correspondente a um volume de 60 a 75%.
Apresentar -se -ia esta situação, a justo título, em função da necessidade de
obter -se um mínimo de meios de financiamento para uma indústria mais ela-
borada? Com certeza, mas, talvez antes e sobretudo, consistiria este quadro o
resultado das estratégias impostas, principalmente, pelas sociedades transacio-
nais, malgrado os Estados, eles próprios.
O papel das sociedades transacionais após a Segunda Guerra
Mundial e as ilusões tangentes à transferência de tecnologia
Antes da Segunda Guerra Mundial e com exceção do setor mineiro, as
empresas multinacionais pouco intervêm no continente. Foi precisamente entre
1946 e 1955 que as principais implantações realizaram -se, quer seja a partir de
uma reestruturação, através da incorporação de grandes companhias coloniais,
ou pela intervenção direta, embora tímida. Todavia, manifesto é que, precisa-
8 J. MARSEILLE, 1984.
452
África desde 1935
mente após a conquista da soberania internacional pela maioria dos países, esta
presença torna -se massiva, quer seja pela multiplicação de empresas “trampolim
ou de empresas primárias, ou ainda pela criação de filiais “nacionais”. As facili-
dades oferecidas pelos códigos de investimento destes novos Estados, o anseio
pela diminuição nos custos de produção, ao aproximarmo -nos das regiões pro-
dutoras de matérias -primas, mantidas por uma mão de obra a preços módicos,
todos estes fatores, em meio a outros elementos, permitiram esta evolução após
os anos 1960.
Tal como por nós indicado em passagem supracitada, no caso da África do
Sul, faltaria acrescentar a necessidade de driblar uma recomendação, antes de
tudo, protecionista, desde meados dos anos 1930. Até 1980, a mesma situação
é recorrente em grande parte dos países independentes da África negra. O
crescimento e vigor das atividades industriais desenvolvidas pelas multinacionais
estão condicionados pela necessidade em garantir -se um mercado. As medidas
protecionistas, tomadas pelo Estado, oferecem -lhe esta garantia.
Contudo, além do fato da maior parte destas empresas contarem com a
indústria de substituão e com as minas, elas não asseguraram uma trans-
ferência de tecnologia industrial nos países africanos: a sua contribuição no
âmbito da formação profissional era incomparavelmente mais fraca àquela dos
Estados ou, inclusive, no que diz respeito a empresas mais modestas. A tecno-
logia implantada em suas unidades permanecia circunscrita às instalações da
empresa -mãe: na Costa do Marfim, como em numerosos outros países africa-
nos, não se observa nem “a ampliação da oferta através da produção de novos
bens, a favorecer novos setores de atividade industrial, nem a criação de novos
métodos e procedimentos de fabricação, a provocar o aumento da produtividade
do trabalho”, o que reforça uma das características da indústria africana, a sua
fraca produtividade (relativa em certos países como a África do Sul e o Egito).
Trata -se aqui de uma das principais desilusões quanto ao papel das multina-
cionais, esta situação vem agregar -se às estratégias transnacionais destas empre-
sas, as quais ignoram as fronteiras e as políticas “nacionais” de desenvolvimento
industrial, mantendo, senão agravando, a fragilidade da indústria.
A integração industrial e o fracasso relativo
das organizações africanas
Nos dias atuais, é lugar comum relembrar a incipiência do mercado de cada
país africano: o subpovoamento de amplas regiões do continente mas, sobretudo,
453
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
o baixo nível dos rendimentos, a este respeito, constituem as principais causas.
Foi justamente visando contribuir para atenuar esta insuficiência que, ao final
dos anos 1960, ganhou força a ideia de uma integração econômica mais resoluta
e de uma harmonização mais eficaz das políticas industriais. A multiplicação
das organizações sub -regionais ou panafricanas também correspondeu a este
objetivo. Algumas tentativas até viram o dia, o Ciment d’Afrique de l’Ouest
CIMAO por exemplo, através da valorizão do clinker togolês, com a
participação da Costa do Marfim e de Gana (em 1974), e o Plano de Ação de
Lagos (1979), preconizado pela Organização para a Unidade Africana (OUA),
reforçaram estas proposições.
Entretanto e imperiosamente, deve -se reconhecer que a política de har-
monização e de integração industrial choca -se contra múltiplos obstáculos: o
exercício de uma severa soberania em matéria econômica, a extrema disparidade
das políticas financeiras e das estratégias indústrias, bem como a ausência de
uma política tecnológica industrial orientada pelas necessidades das populações
confrontadas aos desafios do subdesenvolvimento. Em suma, o fracasso das
organizações interafricanas OUA, Comissão Econômica para a África (CEA),
Comunidade Econômica da África do Oeste (CEDEAO), União Aduaneira e
Econômica dos Estados da África Central (UDEAC), entre outras é cabal a
este respeito.
Ora, um dos fatores da fraqueza na indústria africana, em 1980, reside em
sua incapacidade de suportar a concorrência dos produtos estrangeiros, senão à
custa da subvenção estatal ou de elevadas taxas alfandegárias. Menos organizada
(em que pesem casos excepcionais de empresas industriais instaladas em alguns
países) e caracterizada por uma fraca produtividade, a indústria africana ainda
não pode, sob pena de incorrer em importantes riscos financeiros, alcançar a
etapa das exportações, salvo mediante acordos ditos de cooperação interconti-
nental (acordo Comunidade Econômica Europeia/Países da África, do Caribe e
do Pacífico) cujas vantagens, nos planos financeiro e comercial e no tocante aos
produtos básicos e aos produtos industriais de substituição, equilibram mal os
inconvenientes do papel principal de provedor” de matérias -primas industriais.
Com maior ênfase, demonstrada pela análise detalhada de cada uma das ten-
tativas de integração industrial, a moderna indústria africana não produziu laços
setoriais entre os seus diversos componentes, em razão da sua absoluta depen-
dência frente aos capitais estrangeiros, bem como em função das suas demandas
por bens intermediários. Portanto, é difícil estabelecer as relações de comple-
mentaridade entre os setores geográficos a serem integrados. A permanente e
autônoma intensificação dos intercâmbios extracontinentais de cada país no
454
África desde 1935
plano industrial, quer se trate dos capitais, dos minerais, ou das matérias -primas
agrícolas, constituem o corolário de tal situação, eis a razão da vulnerabilidade
da indústria africana que, por seus próprios meios,o pode enfrentar uma crise
na balança de pagamentos ou um recuo nos investimentos extra -africanos.
Finalmente, a tenuidade dos laços estabelecidos entre a indústria (de equi-
pamentos ou de transformação) e a agricultura, com vistas a aumentar o desem-
penho desta última e a oferecer à primeira bases ampliadas, torna a produção
industrial africana menos competitiva comparativamente aos produtos não afri-
canos, inclusive no interior de cada país.
Igualmente, o círculo de dependência e de subindustrialização mantém -se
ainda em 1980.
TABELA 13.7 A CONCENTRAÇÃO GEOGRÁFICA NA ÁFRICA DE
LÍNGUA FRANCESA EM 1970 EM %
Países e centros urbanos Empresas
Investimentos
industriais
Emprego
industrial
Faturamento
Dakar (Senegal) 75,0 79,6 81,8 80,9
Abidjan (Costa do
Marm)
69,5 62,2 46,5 68,5
Bouaké (Costa do Marm) 5,6 7,1 9,2 7,6
Douala (Camarões) 51,8 44,9 44,7 61,7
Yaoundé (Camarões) 10,2 6,5 4,9 6,4
Pointe-Noire (Congo) 36,1 32,4 25,5 27,6
Brazzaville (Congo) 40,9 20,1 25,9 28,9
Libreville e Port-Gentil
(Gabão)
75,0 81,1 81,1 93,7
Cotonou (Benin) 69,0 80,4 78,1 71,4
Lomé (Togo) 85,0 90,0 96,8 87,6
Niamey (Níger) 45,0 56,4 50,3 17,3
Ouagadoudou e Bobo-
Dioulasso (Burkina Fasso)
89,0 55,7 73,5 65,6
Bamako (Mali) 53,0 17,0 ? ?
Segou (Mali) 10,0 23,0 ? ?
[F: J. Suret-Canale, 1987, vol. II, pp.482-483.]
455
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
Faz -se mister, entretanto, introduzir neste conjunto observações de varia-
das matizes. Após 1935, quiçá bem anteriormente, a geografia industrial do
continente africano lança luz sobre dois grandes tipos de desequilíbrios, histo-
ricamente entrelaçados no caso de muitos países: desequilíbrios entre setores
geográficos muito industrializados e setores geográficos, antes e sobretudo,
agrícolas, tardiamente agregados à atividade industrial; bem como, desequilíbrios
no interior dos diferentes países, entre cidades de escoamento portuário e zonas
de produção industrial. Os efeitos destes desequilíbrios sobre a organização e
a infraestrutura do território, assim como sobre a política industrial sustentada,
são importantes.
Assim sendo, as implantações industriais, entre 1935 e 1980, realçam cinco
conjuntos sub -regionais distintos, simultaneamente, pela remota constituição
e pela extensão do tecido industrial, pelo nível de integração das instalações e
pela sua variedade. Trata -se dos cinco seguintes conjuntos: egípto -magrebino,
o conjunto centro -oriental, a sub -região austral, a África do Centro -Oeste e a
África Ocidental.
À guisa de conclusão, no que diz respeito a estes aspectos gerais do desen-
volvimento industrial, é imperioso indicar que a insuficiente industrialização
africana reforçou a natureza do subdesenvolvimento e da dependência deste
continente no idos de 1980, malgrado negáveis progressos após 1935. As formas
de desenvolvimento industrial criaram ou contribuíram para acentuar desequi-
líbrios que a organização contemporânea traduz, muito imperfeitamente, como
nós examinaremos a seguir.
A industrializão, fator secundário da
urbanização na África entre 1935 e 1980
A história urbana do continente sublinha variados processos de geração de cida-
des. Diferente, se nos ativermos ao momento da sua fundação (cidades pré -coloniais,
cidades coloniais ou novas cidades da época s -colonial), ou à função eminente
(cidades portuárias, cidades mineiras ou centros administrativos), esta hisria mostra
que o século XX representa o momento de uma revolão urbana no continente.
Mas, quer se trate da evolução da população industrial em suas relações com
crescimento urbano ou dos mecanismos de urbanização posteriores a 1935,
excessivo seria estabelecer uma ligação direta entre os dois fenômenos, no que
concerne à África, mesmo se o crescimento urbano, em alguns casos e de uma
maneira particular, tirar proveito do desenvolvimento industrial (cidades minei-
456
África desde 1935
ras como Tarkwa em Gana, Ndolar na Zâmbia, Nwadui na Tanzânia ou town-
-ships da Mauritânea, do Níger e da África do Sul).
O crescimento urbano após 1935 e a
evolução da população industrial
Tanto em respeito à avaliação da população urbana total, quanto no tocante à
proporção da população ativa engajada na produção industrial, os índices são fre-
quentemente contraditórios. Trata -se, igualmente, de um problema metodológico,
referente aos variáveis critérios aplicados na identificação do que seria uma cidade
e às diferentes e correlatas abordagens estatísticas, por um lado, e de uma questão
documental, em referência a recenseamentos por vezes parciais nos diferentes
períodos, por outra parte. Eis a razão da dificuldade em precisamente determinar
a real importância do crescimento urbano e a proporção, a ele correspondente, da
população industrial”. Contentaremo -nos, mais amiúde, com estimativas.
Os dados estatísticos referentes à população e
ao crescimento urbano, de 1935 a 1980
Anteriormente à Segunda Guerra Mundial, período pré -estatístico por exce-
lência, as estimativas para a população urbana, no que tange ao conjunto do
continente, são pouco confiáveis. Com efeito, pouca preocupação em, siste-
mática e generalizadamente, computar os habitantes. Somente alguns territórios
são recenseados, sobretudo na África do Norte e na África Austral: assim sendo,
a população urbana da África do Sul passa de 25,1% da população total, em
1921, para 31,4% em 1935 e, posteriormente, para 38,4% em 1946. Na África
do Norte, o aumento da população urbana também é espetacular: no Egito, em
1920 com treze milhões de habitantes e dezesseis milhões em 1938, a população
urbana passou, no limiar da Segunda Guerra Mundial, de 6,8 milhões para 9
milhões de indivíduos. Nos países do Magreb, ela também cresce rapidamente.
Alhures, menos dados são encontrados. Mas, no referente ao caso da AOF
antes de 1939, vários dos postos de colonização, fundados pela França, e mui-
tas das cidades pré -coloniais, úteis ao colonizador, viram não somente a sua
população se estabilizar mas, ainda e sobretudo em territórios como a Costa do
Marfim, aumentar o seu volume, após os anos 1923 -1925
9
; na Costa do Ouro
9 P. KIPRÉ, 1985.
457
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
(atual Gana) e a Nigéria, antes de 1935, o aumento da população urbana é cons-
tatado nos recenseamentos realizados à época: de 5% em 1921, para a Costa do
Ouro e em cidades com ao menos 5.000 habitantes, ela alcança 9,3% em 1931.
Após a Segunda Guerra Mundial, os índices ganham precisão e observa -se
de forma mais nítida a explosão demográfica nas cidades africanas até 1980. Para
o conjunto do continente, estima -se que a população urbana tenha passado de
31,8 milhões, em 1950, para 49,5 milhões em 1960, atingindo 132,9 milhões
no ano de 1980, graças a uma taxa média anual de 4,8%, entre 1950 e 1980. A
aceleração do processo acontece com maior ênfase após 1960
10
.
Nem todos os países ou cidades são afetados nas mesmas proporções. Ou
melhor, malgrado o seu muito pido crescimento, a proporção da popula-
ção urbana comparativamente ao total populacional africano é relativamente
modesta, mesmo que este volume seja mais importante em algumas regiões do
continente, como por exemplo, no Magreb (tabela 13.8).
A repartição socioprofissional da população, sobretudo dos citadinos, permitiria
ela estabelecer uma correlação entre população industrial ativa e população urbana?
A evolução da repartição socioprossional
da população urbana
Neste âmbito, as cifras são ainda mais fragmentadas. Todavia, por extrapola-
ção dos dados disponíveis, podemos identificar alguns indícios.
10 ONU, 1981.
TABELA 13.8 PROPORÇÃO DA POPULÃO URBANA NA POPULAÇÃO
TOTAL DA ÁFRICA, 19501980 EM %
1950 1960 1970 1975 1980
África Oriental 5,50 7,54 10,69 13,20 16,14
África Central 14,57 18,10 25,16 29,66 34,37
África do Norte 24,51 29,77 36,61 40,12 43,83
África Austral 37,27 41,70 43,76 44,81 46,49
África Ocidental 10,15 13,48 17,27 19,58 22,29
Total da África 14,54 18,15 22,85 25,67 28,85
[F: ONU, 1981, p. 159.]
458
África desde 1935
No curso dos anos 1930, ao excluirmos a população ativa empregada na
indústria extrativista, foi somente na África que a proporção da população
urbana empregada na indústria ultrapassou os 20%. Em qualquer outra parte,
foi somente uma pequena fração dos citadinos que encontramos nas usinas: em
1938, 1,58% da população urbana egípcia trabalha nas empresas industriais com
mais de 5 empregados e, na África Ocidental francesa, a proporção é inferior a
1% no imediato pós -guerra. Posterior e notadamente após 1950, a proporção dos
citadinos empregados no setor secundário (com exceção do artesanato) aumenta
relativamente rápido mas, em um ritmo ainda muito inferior àquele apresentado
pelo crescimento urbano (tabela 13.9). Tomemos o caso da Argélia. Entre 1970 e
1980, o país conheceu um espetacular crescimento no emprego industrial urbano
(de 117.000 empregados, em 1967, atingiu -se 347.000 operários fabris em 1977
e 400.000 em 1980); entretanto, constata -se que, com uma taxa de crescimento
anual média de 4,3%, entre 1966 e 1977, a população urbana do país passou de
4,16 milhões de habitantes em 1966 para 6,57 milhões, em 1977: a indústria
encontrava -se muito atrasada, em sua evolução, vis -vis das atividades de ser-
viço e do setor terciário em geral.
Como demonstrado pela tabela 13.9, a correlação entre a urbanização e a
industrialização não é nada evidente; uma tendência à atenuação desta cor-
relação entre 1950 e 1970; isto traduz nitidamente que os dois fenômenos não
são síncronos no curso deste período.
TABELA 13.9 PROPORÇÃO ENTRE A MÃODEOBRA INDUSTRIAL E A
POPULAÇÃO URBANA, 19501970
África do
Leste
África
Central
África do
Norte
África
Austral
África do
Oeste
1950
Mão-de-obra industrial
(1)
3,66 5,87 10,44 24,56 6,10
População urbana (2) 5,50 14,57 24,51 37,27 10,15
Proporção (1/2) 66,54 40,29 42,59 65,90 60,10
1970
Mão-de-obra industrial
(1)
6,32 9,54 15,75 26,35 11,30
População urbana (2) 10,69 25,16 36,61 43,76 17,27
Proporção (1/2) 59,12 37,92 43,02 60,21 65,43
[F: ONU, 1981, p. 19]
459
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
A população urbana africana começa a aumentar regularmente antes
mesmo que o continente se engaje vivamente na economia industrial. Durante
os anos 1965 -1980, o atrativo relativo ao emprego industrial pode servir de
pretexto para uma imigração em direção às cidades. Contudo e por um lado,
a melhoria nas condições de prevenção sanitária favorece o crescimento natu-
ral das cidades e, por outra parte, o muito importante êxodo rural, ocorrido
após a Segunda Guerra Mundial, não foi essencialmente desencadeado pela
concorrência do setor secundário frente à agricultura, mas, justamente, pela
própria crise inerente a uma agricultura, de mais em mais, mal adaptada à
economia moneria.
O moderno emprego industrial o constitui a única tentação desta eco-
nomia monopolizada. Trata -se, mais globalmente, da busca por rendimentos
monetários regulares, bem como da capacidade coletiva e individual em resis-
tir a uma degradação nos termos da troca referentes aos produtos agcolas.
Especialmente, nos países onde a colonizão europeia muito precocemente
provocou umasede” por terras cultiváveis no meio africano (Argélia, Qnia
e Rodésia do Sul) e naqueles no seio dos quais as sucessivas castrofes ecoló-
gicas abateram -se (países do Sahel, Etiópia), trata -se simplesmente, neste caso,
de uma busca por meios de subsisncia. A crise da agricultura africana toma
a dianteira proporcionalmente à oferta de empregos industriais nas cidades,
ao menos após 1935, na qualidade de principal fator a explicar o crescimento
urbano.
Com matizes sub -regionais ou locais, pode -se encontrar por toda a África os
mesmos mecanismos. Eles operam, com maior ou menor intensidade e graças a
modalidades específicas, segundo trate -se da época colonial (ao menos a partir
dos anos 1930) ou do período pós -colonial (ao menos em 1960 e 1980).
Os mecanismos da urbanização e do
crescimento urbano à época colonial
De 1935 a 1960, no tocante a todos os países africanos dependentes e, de
1935 a 1980, ao menos, no que diz respeito à África do Sul, tanto as políticas
coloniais relativas à mão de obra quanto às funções urbanas na economia colo-
nial, provocaram a aplicação dos mecanismos próprios a uma urbanização em
ruptura com a sua homóloga da época pré -colonial. A própria construção dos
espaços urbanos encontra -se, neste contexto, modificada.
460
África desde 1935
As políticas coloniais relativas à mão de obra
e às tendências migratórias africanas
As políticas coloniais correlatas à mão de obra resumem -se, sem exceção
e antes da crise de 1929, à convocação massiva de braços sadios e aptos para
empreenderem a valorização das riquezas naturais controladas pelo colonizados
(minas, plantations, explorações florestais e outras atividades). Pouca preocu-
pação incide em empreender uma melhor qualificação técnica dos homens; ao
contrário, trata -se de mascarar a fraqueza relativa dos investimentos em capitais,
através de um investimento -trabalho, a produzir múltiplos abusos. Ao mesmo
tempo, a pressão fiscal e o desenvolvimento do salariato muito lento em alguns
territórios tornam -se potentes alavancas em prol desta política.
A crise de 1929, ora acelerou o processo, ora rompeu o precário equilíbrio
entre os recursos dos campos e as necessidades da política relativa à mão de obra.
Em 1935, esta última pouco se preocupa com a crise nos campos africanos, a
qual lança nas estradas, em direção à cidade, milhares de camponeses. Eis aqui o
ponto de partida do fenômeno sempre persistente, o êxodo rural. Assim sendo,
o Cairo passa de 800.000 habitantes, em meados dos anos 1920, para 1.400.000
habitantes, em 1938. Ao crescimento desenfreado das cidades acrescenta -se a
acentuação da miséria. Igualmente, Claude Liauzu demonstrou, no tocante à
Tunísia, que a população urbana aumentava mais rapidamente que a produção
(tomando como base centesimal os anos 1925 -1929, o índice populacional
passa de 122, em 1935 -1939, para 136 em 1940 -1944; quanto à produção, ela
passa de 106, em 1935 -1939, para 65 em 1940 -1944
11
). Por outro lado e no
que tange à Tunísia
12
, nota -se que o desemprego transforma -se em um “fenô-
meno estrutural a esta época. Os estudos referentes às cidades do Magreb ou
da ex -AOF chegaram recentemente às mesmas conclusões. Na África do Sul,
foram a migração dos agricultores brancos arruinados pela crise, a migração do
correlato conjunto de empregados africanos e o controle operado na saída das
reservas de populações africanas, os fatores que permitiram um aumento no
crescimento da população urbana. Entretanto, a este respeito, é preciso indicar
que a política de segregação imobiliária, lentamente elaborada a partir dos anos
1910, favorece uma política de exclusão da população africana das cidades, mas
não das minas. Por outro lado e no mesmo sentido, prontamente desde antes
11 C. LIAUZU, 1978.
12 Ibid.
461
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
de 1935, em Moçambique e no sul de Angola, Portugal implanta um sistema
de locação temporária de trabalhadores africanos, empregados nas minas da
África do Sul.
Salvo na África do Sul, onde a política do apartheid acentua, após 1948, as
tendências originadas antes de 1935, os anos 1945 -1960 constituem o momento
de uma liberalização na política autoritária de mão de obra. A ênfase é, sobre-
tudo, colocada sobre a fluidez dos movimentos da mão de obra pouco qualificada.
Cidades, por vezes constituintes de uma sede para uma pequena indústria
leve mas, com maior frequência, cidades -entroncamento comerciais a favorece-
rem o desenvolvimento de diversos serviços (domésticos, auxiliares), os centros
urbanos dos anos 1950 prestam -se, portanto, a servir como centros de acolhida
para uma população, com maior ênfase rural, em vias de desenraizamento. Em
1954, na Argélia, 50% dos empregos não agrícolas são oferecidos no comércio,
na construção civil e nos diversos serviços, muito amiúde, são empregos irregu-
lares (47% na Argélia, em 1954) para uma massa urbana que cresce ainda mais
em razão de um excedente migratório dos trabalhadores rurais (no Magreb, este
excedente representa de 44 a 54% do aumento populacional antes de 1960),
isto acontece quando estes últimos não se expatriam além dos limites africanos
(180.000 argelinos em suplemento na França, entre 1947 e 1955).
Entre 1935 e 1960, o crescimento urbano no continente alimenta -se, por-
tanto, de um êxodo rural nascido na crise dos campos muito mais que em função
do desenvolvimento industrial. É justamente esta situação que explica, desde os
anos 1930 -1935 e, ainda mais amplamente, após 1945, o surgimento do fenô-
meno das favelas nos centros urbanos do continente.
A construção de espaços urbanos e o surgimento das favelas
Em 1935, a África já oferece uma variedade de situações no que concerne à
construção de espaços urbanos. Com efeito, desde pelo menos o início do século
XX, dois casos principais convergem: por um lado, as antigas e pré -europeias
cidades, numerosas na África do Norte e na África ocidental saheliana, na Eti-
ópia e no país yoruba (13.2); por outro lado, as cidades criadas pelos coloniza-
dores, a partir (ou não) das comunidades pré -coloniais africanas; em função de
um ou de outro dentre estes casos, as modalidades de criação de novos espaços
urbanos nas cidades estão marcadas pela insígnia, mais ou menos evidente, de
um poder de Estado, essencialmente europeu (caso das colônias) ou simples-
mente de influência europeia (caso dos protetorados da África do Norte).
462
África desde 1935
Em 1935, o Estado (metrópole colonial ou governo local) é o eminente cons-
trutor de espaços, mais ou menos equipados e distribuídos aos cidadãos, para que
eles possam construir as suas casas (habitação ou lugar de trabalho). Em razão
deste papel do Estado, um fenômeno de segregação social do espaço apareceu
desde logo na maioria das cidades; ele também testemunha da natureza dos laços
de dependência político -econômica das populações africanas. Assim sendo, na
África do Norte, os médinas e os souks opuseram -se progressivamente aos novos
bairros residenciais dos europeus e de uma parte dos autóctones pertencentes às
categorias sociais superiores, mais ou menos “europeanizadas”. Na África negra,
com maior ênfase nas áreas urbanas coloniais de criação de animais, a oposição é
ainda mais clara entre cidades europeias” e “cidades africanas”, nítida evidência
de uma segregação social e racial.
A África do Sul sistematizou esta política desde os anos 1910. Entretanto,
em razão da crise de 1929, a situação agravou -se com um crescimento urbano
que, como já observamos, é amplamente alimentado pelo êxodo dos trabalhado-
res rurais empobrecidos em direção à cidade. Incapazes de enfrentar a alta nos
preços dos aluguéis, bem como o custo da propriedade fundiária urbana, sem
rendas suficientes para obterem materiais de construção, tais como o cimento,
chapas metálicas ou telhas, estes novos citadinos veem -se obrigados a se dirigir
aos setores muçulmanos das cidades (médinas) e aos “cortiços” (souks). Progres-
sivamente, por volta dos anos 1930, são as áreas urbanas não equipadas (aterros
sanitários, mangues, cemitérios desativados e outros que tais), fora do controle
do Estado, as quais são procuradas por estes citadinos com o intuito de lá cons-
truírem, com materiais precários, as suas habitações. Em Túnis onde o termo
bidonville [palavra composta por bidon, vasilhame, e ville, cidade, a espelhar
a favela, própria das grandes cidades do Brasil] apareceu pela primeira vez em
1931 (artigo do Doutor Materi, no jornal La Voix du Tunisien, em 6 de novem-
bro de 1931), assim vemos estes cidadãos passarem de 2.000, em 1935, para
5.000, em 1938, e, posteriormente, para 10.000 em 1941; no início da guerra, os
bidonvilles envolvem Túnis. Justa e igualmente em Abidjan, à imagem de Accra,
Lagos e Douala, aparecem os bidonvilles. Na África Oriental britânica (Nairóbi,
por exemplo) ou na África Central e, sobretudo, na África do Sul, as sucessivas
land laws e o Native Urban Areas Act de 1923 [lei concernente às zonas urbanas
indígenas] favorecem a aplicação da colour bar, sem frear a extensão progressiva
dos townships. Desde o final dos anos 1920, a doutrina oficial fundava -se no fato
de “os africanos, por natureza, não serem citadinos e não terem ainda alcançado
a adaptação ideal à vida urbana”, como o afirma a Native Affairs Commission,
em 1921.
463
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
Após 1945, o fenômeno dos bidonvilles adquire maior amplitude e generaliza-
-se pouco a pouco, com maior ênfase durante os anos 1950, em praticamente
todas as cidades do continente. Cada crise da economia colonial e cada perí-
odo de seca e más colheitas (1945 -1956, 1951 -1953) conduzem o seu lote de
trabalhadores rurais às cidades, aumentando o valor dos alugueres. Malgrado
esforços visando construir novos espaços urbanos equipados ou intuindo res-
ponder à crescente demanda por habitações descentes, as metrópoles coloniais
e os Estados jamais alcançaram o domínio sobre a emergência dos bidonvilles
em direção a Ife
em direção a Idanre
em direção a Ore
Y A B A
COLÉGIO
DE MOÇAS
COLÉGIO DE
FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES
COLÉGIO
DE
RAPAZES
HOSPITAL
PALÁCIO
DO
OSHÉMAWE
BAIRRO
COMERCIAL
BAIRRO
ADMINISTRATIVO
MISSÃO
BAIRRO NOVO
Agbede
Muralhas
1. Concessão dos Lisa
2. Concessão dos Jomu
3. Concessão dos Odunwo
4. Concessão dos Sashere
5. Concessão dos Adaja
6. Concessão dos Ogbosere
7. Concessão dos Sara
8. Concessão dos Odon
0 300 600 m
0 300 600 m
Locais de residência dos principais dignitários do Oshemawe
9. Concessão dos Orogbo
10. Concessão dos Olotu Omoba
11. Concessão dos Ayadi
 . Ondo: uma cidade pré -colonial. (Fonte: C. Camara, 1973, p. 431. École des hautes études en
sciences sociales, Paris.)
464
África desde 1935
nas cidades africanas, tornados doravante uma característica peculiar do espaço
urbano na África.
Entretanto, quando desaparece de forma generalizada o laço colonial, os
mecanismos e efeitos do crescimento urbano modificar -se -iam eles?
O crescimento urbano e os seus efeitos após as independências
Nem as causas e o nível do êxodo rural, nem a distorção entre crescimento
urbano e empregos urbanos, e finalmente, nem as modalidades da equipação do
espaço urbano se transformam, em sua essência, no curso dos vinte primeiros
anos da independência africana, em que pese uma consciência mais aguçada
sobre os fenômenos e uma vontade reafirmada de resolver os problemas.
A crise na agricultura africana e a aceleração do êxodo rural
No decorrer dos anos 1960, se negligenciarmos os efeitos superficiais da
instabilidade política em certos países da África, a agricultura do continente
resistiu relativamente ao sobressalto demográfico da urbe, com nuances variadas
em função da região em questão.
Todavia, desde o início dos anos 1970, a seca e as más colheitas provocaram
sucessivos anos ruins (1972 -1974, 1979 -1981) e as grandes fomes, principal-
mente na África sudano -saheliana, do Senegal ao Chifre da África. A inade-
quação dos métodos produtivos e as escolhas aleatórias em matéria de política
agrícola também explicam porque, em 1980, poucos países africanos impor-
tavam, para as suas necessidades alimentícias, menos de 10% do total de suas
importações. A crise agrícola estava, portanto, mais presente e determinava, com
maior ênfase e comparativamente ao período anterior a 1960, fortes correntes
de êxodo rural. Na Argélia, por exemplo, constata -se que a população urbana
duplicou entre 1966 e 1977, passando de 3.700.000 para 6.800.000 citadinos; a
taxa de urbanização que era de 25%, em 1954, atingiu 41% em 1977. Na Costa
do Marfim também observa -se o mesmo fenômeno, com taxas de crescimento
anuais variáveis entre 6 e 9%, para as cidades até 100.000 habitantes e um índice
de 11% no tocante a Abidjan.
Ainda mais revelador do importante peso relativo à crise camponesa é o cres-
cimento urbano na África saheliana onde, com taxas de 3,5 a 5%, a população
urbana aumenta em razão de um excedente no saldo migratório entre cidades e
465
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
campos, saldo invariavelmente positivo, bem entendido, para as cidades. A popu-
lação de Ziguinchor, antiga cidade colonial e comercial da região de Casamance
(Senegal), dobrou em volume, simplesmente entre 1951 (15.700 habitantes) e
1960 (31.000 habitantes)
13
. Em razão da crise na cultura do amendoim, agra-
vada em um momento de aumento nas necessidades monetárias, e malgrado a
crise de uma economia urbana, dominada pelo comércio e sem fundamentos
industriais, a taxa de crescimento urbano aumenta de forma notável até atingir
8% ao ano, após 1961. A população desta cidade passa a 40.000 habitantes,
em 1966, e para 70.000 habitantes, em 1971. Sobretudo constituída por jovens
trabalhadores rurais desenraizados, a população está amplamente subempregada
(desemprego estrutural), devendo sobreviver abrigando -se precariamente. Em
Rufisque, também encontramos a mesma situação, com uma taxa de crescimento
de 6 a 6,5% ao ano, após 1968 -1970. Neste caso, à imagem de numerosas cidades
do continente, o habitat espontâneo e precário conhece um novo impulso após
as independências.
Habitat espontâneo e transformações urbanas:
a extensão dos bidonvilles
Fenômeno desde então clássico, a presença de bidonvilles em torno e/ou
na própria cidade africana apresenta, aparentemente, os seus mais espetacula-
res contornos após 1960. Ao descrever Mathare Valley, um dos mais célebres
bidonvilles de Nairóbi, eis o que nos diz Wa -Githumo a este respeito, em 1983:
“Mathare Valley é o maior de todos os bidonvilles de Nairóbi, representando à
excelência o que são estas citadelas da pobreza, do subdesenvolvimento e de todo
o cortejo de sofrimentos humanos. Barracos infestados de ratos, cabanas, abrigos
de fortuna de toda a sorte lá estão locados ou ocupados pelos seus proprietários,
nem sempre legais. Centenas de milhares de famílias habitam em condições
de superpopulação e insalubridade a desafiarem todas as normas
14
.”
Esta descrição de Mathari Valley não se encontra tão distante daquela que
nos oferece V. S. Naipaul, em 1980, em respeito a alguns bairros de Kinshasa, na
publicação Un nouveau roi pour le Congo...: “... onde inicia -se, portanto, o sentido
das responsabilidades, do Estado, da sociedade? Uma cidade de dois milhões
de habitantes, praticamente desservida de meios de transporte, desprovida de
13 P. -X. TRINCAZ, 1984; A. DUBRESSON, 1979.
14 WA -GITHUMO, 1983.
466
África desde 1935
indústrias (com exceção de algumas usinas de montagem entre o aeroporto e
a cidade, tal como em grande número de países em vias de desenvolvimento),
uma cidade subtraída ao restante do país [...]. Ela não deve se mostrar eficaz;
ela pode permitir -se zelar pela sua própria segurança [...]. Sob a canícula, os
córregos estão empesteados; em tempos de chuva, as ruas estão inundadas. E
esta anarquia se propaga
15
...”
Estas descrições impõem o problema central das políticas urbanas na África
pós -colonial e, pela mesma ocasião, suscitam a questão das soluções imaginá-
veis pelos citadinos perante a crise do habitat urbano. Com muito maior per-
tinência comparativamente à época colonial e tal como levantamentos tendem
a demonstrá -lo, no tangente à Costa do Marfim, os “candidatos ao habitat
espontâneo não consistem exclusivamente em novos citadinos mas, outrossim,
em uma forte proporção de antigos habitantes da cidade; alógenos ou autóc-
tones em ruína, decorrente das crises econômicas, desempregados, marginais
sociais ou não, situados no limite da economia de mercado e da nova socie-
dade de consumo, todos em si encontram -se, conduzindo a vida dia após dia e
eventualmente especulando em relação a barracos em madeira ou materiais de
recuperação.
Face a esta situação, a tomada de consciência dos poderes públicos se nos
apresenta, até certo ponto, precocemente (notemos a ideologia “desenvolvimen-
tista durante os discursos oficiais no imediato posterior à independência); con-
tudo, as soluções e as estruturas a imperiosamente permitirem a sua mediação
concreta, são tardias. O surgimento e a multiplicação de organismos de infra-
estrutura urbana, os planos diretores nas cidades, manifestaram -se tão somente
no transcorrer dos anos 1970, na maioria dos países africanos, ao menos quando
a colonização, preocupada a priori com a situação das grandes metrópoles, nada
tenha deixado. A modicidade dos meios financeiros disponíveis ao desenvol-
vimento ainda não permitira ao Estado, em 1980, dominar um fenômeno em
plena expansão.
Solução de continuidade para a sobrevivência na cidade africana, com maior
ênfase na África negra, o setor denominado “informal” torna -se o seu elemento
essencial, a responder em sua maior medida pela atividade econômica urbana,
além do que era capaz de assegurar o setor industrial. Os estudos referentes
a este aspecto da economia urbana ainda encontram -se em sua fase inicial;
entretanto e desde logo, apresentam os tesouros da imaginação que incontáveis
15 V. S. NAIPAUL, 1974.
467
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
F . Bidonvilles: a. em Lagos; b. Mathare Valley, em Nairóbi; c. Belcourt, em Alger. (Foto: W.
Tochtermann; J. K. Muiriri; P. Kheloud, APA, Paris.)
468
África desde 1935
citadinos do continente são obrigados a desdobrar para viver na atual cidade
africana, à margem da economia industrial, ainda pouquíssimo desenvolvida no
continente em 1980.
Todos os países do continente e todas as cidades africanas não se situam
em um mesmo patamar. diferenças sub -regionais. contrastes entre os
países caracterizados por fortes rendimentos petrolíferos (ou agrícolas), capazes,
portanto e por sua vez, de financiarem o seu desenvolvimento industrial para
ampliar as possibilidades empregatícias urbanas e, por outro lado, aqueles países
confrontados a uma ainda mais grave crise econômica, em condições inferiores
de, no ano de 1980, controlarem todos os parâmetros do desenvolvimento eco-
nômico. Todavia e neste caso, trata -se de diferenças sobretudo ligadas ao grau
de subdesenvolvimento, muito mais que aquelas referentes à natureza deste
desenvolvimento. Se a África, como um todo, entra muito rapidamente no
universo da civilização urbana, raros são os países do continente em relação aos
quais poder -se -ia afirmar terem alcançado algum grau relevante de industria-
lização em 1980.
Conclusão
Se quiséssemos, malgrado todo o que precede e no tocante à época pré-
-colonial, ainda falar a respeito de uma “revolução industrial”, em curso na
África, far -se -ia imediatamente necessário afirmar que ela dificilmente se reali-
zaria em meio às piores condições, ao menos desde 1935: condições internacio-
nais desfavoráveis; controle e peso sociais de mais em mais inibidores da ação
das sociedades transnacionais, na perspectiva de uma verdadeira industrialização;
encargos devidos ao estado de dependência colonial e perpetuados pelas incoe-
rências ou inadequações das políticas industriais pós -coloniais. O sobre povoa-
mento nas cidades, em ritmo superior àquele relativo ao crescimento industrial,
não constitui obstáculo irrelevante. Finalmente, alguns poderiam perguntar -se
e, com a melhor das intenções, afirmam -no nos dias atuais, a que serviria tal
industrialização em um continente que, a duras penas, logra alimentar -se?
No continente africano, o desenvolvimento industrial apresenta -se, entre-
mentes, como uma necessidade, quiçá um imperativo, para si mesmo, tanto
quanto para o restante do mundo. Naquilo que lhe diz respeito e no que tange à
esta proposição, trata -se de estabelecer as bases de uma economia autocentrada,
a se conceder os meios técnicos adequados, fatores do seu real desenvolvimento.
Faz -se mister, igualmente, criar, além de uma melhor articulação entre agricul-
469
O desenvolvimento industrial e o crescimento urbano
tura e indústria, as condições para uma utilização e mobilização mais racionais
das forças de trabalho; talvez, seja esta a ocasião para a África dotar -se igual-
mente dos meios requeridos em prol de uma verdadeira renovação das culturas
africanas, ainda amplamente caracterizadas por aspectos pré -científicos.
No tocante ao resto do mundo, ao exercer um melhor controle sobre as suas
imensas potencialidades, a África deveria colo-las ao alcance do conjunto
das nações do globo e não, em contrário, exclusivamente a serviço de algumas
poucas, assim como ocorre em relação às empresas transnacionais. Trata -se de
superar a oposição entre “economia dependente” e “economia autocentrada”.
Como alcaar este esdio, produzindo custos poticos, econômicos e
sociais, inferiores aos atuais? Talvez e principalmente, através de uma verdadeira
cooperação interafricana e de uma integração acrescida dos meios e das políticas
industriais (faz -se aqui imperativo dirigir as atenções, menos ao mar e, sobre-
tudo, para o interior do continente); por meio de escolhas industriais menos
ostentatórias (as usinas -chave gigantes existentes o estão essencialmente
empenhadas senão em uma produção cujo destino consiste em exportar além
dos limites do continente); e, finalmente, graças a investimentos no âmbito da
adequação entre inovação tecnológica e exigências concretas dos povos africanos.
C A P Í T U L O 1 4
471
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Os governos africanos realmente desejavam, o quanto antes, elevar o grau da
independência adquirida e, como consequência, melhorar o nível de vida do seu
povo, através do aumento nos rendimentos e da implantação dos serviços sociais,
bem como das infraestruturas de base. Todos consideravam praticamente um
fato consumado e incorporado que a planificação econômica constituísse o meio
mais racional, com vistas à realização destas mudanças. Se, antes da emancipação
da África, os teóricos do desenvolvimento se haviam mostrado divididos quanto
à pertinência e aos méritos dos planos, no imediato posterior à independência,
em contrapartida, os planejadores impuseram -se de forma contundente: após a
dissolução dos regimes coloniais, os governos foram prontamente conduzidos
a apresentarem, cada qual, um plano concebido para responder ao que se con-
siderava como exigências ao desenvolvimento, do país e do seu povo. Contudo,
estes planos elaborados, muito amiúde, por estrangeiros cujo conhecimento dos
países em questão era relativamente insuficiente, pecavam pela falta de uma real
capacidade em serem conduzidos, pela ausência de um apoio político ou, ainda,
pela pouca plausibilidade de sua aplicação
1
”. Não causa espanto, portanto, e ao
* Nós denominamos “descolonização o processo de desmantelamento das instituições coloniais e a redu-
ção, ao mínimo, de todo poder e qualquer controle estrangeiros. A descolonização não é um presente
das potências coloniais, mas uma conquista dos reprimidos.
1 G. K. HELLEINER, 1972, p. 333.
Estratégias comparadas da descolonização
econômica
*
Adebayo Adedeji
472
África desde 1935
menos durante os dez anos imediatamente posteriores à independência, que as
decisões em respeito às grandes questões estratégicas do desenvolvimento ou da
ideologia tenham, via de regra, tergiversado os planejadores. Os níveis em cujas
grandes reviravoltas estratégicas devem ser buscadas são outros. Todavia, salvo
alguns raríssimos países, tem -se dificuldade em descobrir sinais tangíveis de
uma estratégia de descolonização econômica igualmente clara e definida como
aquela que presidiu a descolonização política, a qual todos os países africanos
subscrevem e vigorosamente perseguem.
No entanto, mesmo nesses primórdios da independência, teria sido claro
aos olhos de todos que, se a África não se livrasse da sua herança econômica
colonial, ela prepararia para si um porvir sem dignidade. De fato e forçosamente,
devemos constatar que o quadro herdado do colonialismo, ao qual as economias
nacionais permaneceram prisioneiras, é o responsável em larga medida pela crise
econômica na qual o continente está mergulhado, desde a segunda metade dos
anos 1970. Infelizmente, seriam necessários vinte anos de independência para
compreender que, enquanto a África persistisse em se deixar cair em tentação
pelo sistema econômico colonial, ela não realizaria nenhum verdadeiro progresso
em matéria de gestão socioeconômica e continuaria a fazer parte da mais baixa
casta da hierarquia [econômica] internacional”, correndo o risco de permanecer
imutavelmente relegada ao último escalão desta hierarquia
2
”. Indubitavelmente,
a adoção de estratégias eficazes de descolonização econômica é uma necessidade
para a África, caso ela queira atingir elevadas taxas de crescimento, diversificar
a sua produção, progredir na via da autonomia e alcançar um desenvolvimento
autossustentável.
Para a imensa maioria dos africanos, as esperanças depositadas em uma rápida
transformação da economia, tão logo alcançada a independência, infelizmente
não se realizaram. A economia africana passou, ao contrário, por uma série de
crises e a revolução não mais expressava a crescente esperança dos africanos
mas, a sua progressiva decepção; razões pelas quais sucederam -se no continente
revoltas militares e sublevações políticas. Por que a África não conheceu ela o
desenvolvimento econômico que a independência parecia lhe prometer? Quais
erros teria ela cometido? Para trazer tão somente um esboço de resposta rigorosa
a estas questões, nós devemos, primeira e principalmente, analisar as estratégias
econômicas dos países independentes da África, no início dos anos 60.
2 A. A. MAZRUI, 1977, pp. 17 -18.
473
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Em direção a uma estratégia socialista
para a descolonização
Os planos de desenvolvimento elaborados após a independência primavam,
como vimos, pela ausência de estratégia ou ideologia coerentes em relação ao
desenvolvimento. Com maior frequência, eles estavam circunscritos aos grandes
parâmetros da economia clássica e neoclássica: o crescimento do PIB, a expansão
do investimento e a mobilização da poupança, o estabelecimento de infraes-
truturas econômicas e sociais, o desenvolvimento dos serviços sociais, a ajuda
estrangeira, os investimentos privados estrangeiros e as medidas de incitação
para atraí -los. Muitos destes planos avalizavam, ao menos implicitamente, as
políticas e estratégias herdadas do colonialismo.
Assim sendo, os autores do primeiro plano de longo prazo para a Costa do
Marfim (1960 -1970)
3
julgavam indispensável manter e, mesmo aumentar, as
contribuições estrangeiras no referente aos fatores produtivos, sob o pretexto de
faltarem recursos a serem investidos na economia nacional, além da especializa-
ção requerida. Um dos principais objetivos do plano era diversificar a produção
agrícola destinada à exportação, implicando em um agravamento na dependên-
cia econômica em relação aos países centrais. Em suplemento, o plano acor-
dava ao Estado um papel central na condução do processo de desenvolvimento.
No imediato posterior à sua independência, este modelo marfinense foi, não
somente, imitado por numerosos países africanos mas, inclusive, ultrapassado no
que se refere à maioria das ex -colônias francesas, as quais chegaram até a tomar
medidas para reforçar os seus laços econômicos com a metrópole: enquanto os
outros países da África criavam as suas próprias instituições monetárias, todas
as antigas possessões francesas, com exceção do Mali e da Guiné, conservaram
os seus laços com a França no quadro de uma zona monetária comum.
Em oposição a esta estratégia de desenvolvimento neocolonialista, alguns
países africanos lançaram -se, imediatamente após a independência, em políticas
e programas supostamente capazes de descolonizar a economia. Na maioria dos
casos, todavia, este procedimento estava ligado ao desejo de orientar a sociedade
em direção a objetivos socialistas. Certamente, o termo socialista admitia cono-
tações diversas e diferentes qualificações “socialismo africano
4
”, socialismo
3 Governo da Costa do Marm, 1967.
4 Governo de Gana, 1964, p. 15.
474
África desde 1935
democrático e cooperativo
5
”, socialismo neodestouriano
6
ou “socialismo rea-
lista e de bom senso
7
”− mas, o conteúdo social e econômico era sensivelmente
o mesmo em todos os casos. Diferentemente dos países engajados em uma
estratégia econômica e liberal de tipo não colonialista, estes países desejavam
não somente elevar o nível de vida da sua população mas, em suplemento, trans-
formar radicalmente a própria estrutura da sua sociedade e da sua economia
colonial, assegurando in loco a transformação dos produtos primários e indo ao
encalço de uma política de substituição das importações, através da industria-
lização do país.
Um dos notáveis aspectos destas primeiras experiências socialistas foi a
rejeição de toda a expropriação em massa, de bens estrangeiros ou de bens nacionais
privados. Os governos destes países estavam mais preocupados em criar capaci-
dades, preferencialmente a nacionalizar as riquezas potenciais e capazes de servir
como trampolim aos seus sonhos socialistas. O Mali, um destes países, adotou
entretanto uma abordagem nitidamente diferente. Por exemplo, enquanto Gana
aceitava uma economia mista como uma etapa transitória na edificação de uma
sociedade socialista, o Mali tratou de colocar, sob o controle e o monopólio dire-
tos do Estado, a maior parte do setor moderno e, com maior ênfase, o comércio
exterior. Esta última medida confirmou -se particularmente importante para
um país que considerava o controle dos seus intercâmbios comerciais como um
meio essencial, na administração da mais -valia extraída dos seus produtos de
exportação. À imagem das economias marxistas, os planejadores malineses viam
as empresas comerciais estrangeiras como o canal pelo qual esta mais -valia era
exportada e, enquanto as outras ex -colônias francesas dotavam -se, através de
acordos assinados com a França, de uma moeda comum garantida pelo Tesouro
francês, o Mali criava a sua própria moeda, o franco malinês.
Tornada independente em 1962, após uma longa e sangrenta guerra de
libertação, a Argélia igualmente escolheu uma via socialista de desenvolvimento.
Ben Bella, dirigente na luta pela libertação e primeiro -ministro do Novo Estado,
explicou -se nestes termos a este respeito: nós adotamos a análise econômica do
marxismo porque nós estimamos ser ela a única válida para o desenvolvimento
do nosso país mas, sem contudo e em razão disto, aderirmos à sua ideologia,
visto que a nossa ação é conduzida por argelinos, árabes de religião muçulmana
8
.”
5 Governo do Mali, sem data, p. 6.
6 Governo da Tunísia, 1962, p. 8.
7 Governo de Madagáscar, 1964, p. 9.
8 Le Monde, 23 de Janeiro de 1965, discurso pronunciado na União Geral dos trabalhadores argelinos.
475
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Em certo sentido, a Argélia não tinha escolha, em razão do vazio deixado
pelo êxodo da população europeia que abandonou, em massa, explorações agrí-
colas, usinas e propriedades fundiárias. Estes bens abandonados foram esponta-
neamente retomados pelo povo, pelos operários agrícolas e pelos trabalhadores
da indústria. A economia argelina deve a sua grande originalidade justamente a
este fenômeno, a saber, a autogestão do setor agrícola. Estas explorações de cará-
ter autogestor tornaram -se organismos coletivos, dirigidos por assembleias de
trabalhadores que deles elegiam os administradores. As ocupações foram rapida-
mente legalizadas, através da nacionalização da quase -totalidade das explorações
agrícolas abandonadas pelos europeus, a saber, cerca de 2,3 milhões de hectares
que asseguraram 65% da produção total de cereais. As nacionalizações foram
progressivamente estendidas aos setores manufatureiro, mineiro e petrolífero, de
tal sorte que ao final dos anos 1960, o setor público (com exceção das empresas
de caráter autogestor) representava acima de um terço da produção total.
Estas diferentes variantes do socialismo propunham -se naturalmente a
múltiplos objetivos: a descolonização econômica; a intervenção sustentada do
Estado em prol do desenvolvimento e o seu controle sobre a economia; a equa-
lização das oportunidades nos planos econômico e social; a limitação do papel
do setor privado, assim como da propriedade e dos investimentos privados. No
tocante a este último ponto, contudo, a atitude de alguns governos foi, até certo
ponto, ambivalente. Muitos não desejavam abolir a propriedade e o investimento
privado, mas buscavam sobretudo controlá -los e conduzi -los a contribuírem,
mediante um acordo com o setor público, para a realização dos seus objetivos
econômicos e sociais. Como afirmava o plano de desenvolvimento septenal de
Gana (1963/64 -1969/70), a simples ideia de um setor estatal forte e de um
setor privado próspero, incapazes de coexistirem no seio de um mesmo sistema
econômico, é inaceitável. A organização política de Gana seria concebida de tal
forma que cada um destes setores contribuísse ao máximo em prol do cresci-
mento geral da economia
9
.”
Porém, foi na Tanzânia que o socialismo encontrou a sua formulação mais
acabada, como solução fundamental para vencer a pobreza, reduzir a dependên-
cia do país vis -vis do estrangeiro e reorganizar radicalmente as relações de
produção e de poder, bem como as relações sociais no interior da coletividade
nacional. É verdade que na aurora da independência, em 1961, a Tanzânia ado-
tou, à imagem de outros países africanos, uma estratégia de desenvolvimento
9 Governo de Gana, 1964, p. 3.
476
África desde 1935
de tipo liberal, naturalmente, com algumas variantes. Ela privilegiou a produção
voltada para a exportação, lançou -se ativamente em busca de empréstimos exter-
nos, em particular, de ajuda junto a organismos estrangeiros e concentrou -se,
também, na rápida expansão da infraestrutura, todavia, em oposição à maioria
dos países do continente, ela igualmente desenvolveu uma ideologia baseada
na autonomia. No entanto, até a Declaração de Arusha, em 1967, a Tanzânia
seguiu o mesmo rumo que os outros Estados africanos. Trata -se daquilo que Joel
Samoff resumiu nestas palavras: para os socialistas, tornou -se de mais e mais
evidente que a Tanzânia seguia a mesma via que os outros Estados africanos.
Ela dispunha de muito mais escolas e hospitais; alguns cargos de responsabili-
dade eram, desde logo, ocupados por africanos; uma indústria local começava
a se desenvolver; o salário mínimo fora notavelmente reajustado; e a economia
encontrava -se em plena expansão. Mas, ela continuava a obedecer aos anti-
gos preceitos econômicos e aumentava a sua dependência frente ao exterior. A
Declaração de Arusha, de 1967, veio sancionar o fracasso da tentativa liberal e
dele tirar as consequências
10
.”
O fracasso do liberalismo que, de 1961 a 1967, inspirara a política tanza-
niana, levou então a um socialismo abertamente afirmado, bem como a toda
uma série de mudanças institucionais. Um regime de partido único foi oficial-
mente estabelecido e um compromisso foi assumido no sentido de aumentar a
participação democrática neste novo cenário. Ademais e com maior ênfase, uma
radical estratégia de desenvolvimento foi adotada, cujos principais elementos
eram: nacionalização das grandes instituições econômicas, em particular, dos
bancos, das companhias de seguro, das empresas de importação -exportão
e das empresas manufatureiras, bem como, das grandes explorações agrícolas;
restrições ao consumo da burguesia abastada, essencialmente pelo viés de um
imposto progressivo; “descolonização dos currículos escolares; esforço acrescido
pela diversificação econômica e pela industrialização; e o compromisso resoluto
e altamente proclamado com a autonomia do país
11
.
O aspecto mais radical deste novo socialismo tanzaniano era a ideologia
ujamaa vijijini, ou socialismo do vilarejo, fundada no princípio da autonomia
econômica. O socialismo devia, doravante, basear -se sobre os valores tradicionais
da honra nos vilarejos, opondo o interesse coletivo e a solidariedade do grupo ao
individualismo e à exploração capitalistas. O código dos dirigentes, ao colocar
ênfase em respeito aos valores morais (ardor no trabalho, a austeridade, a abne-
10 J. SAMOFF, 1981, p. 289.
11 J. K. NYERERE, 1968a; J. SAMOFF, 1981, p. 289.
477
Estratégias comparadas da descolonização econômica
gação e a devoção à comunidade), interditava aos quadros a criação de empresas
privadas ou a posse de mais de uma casa. Isto permitiu suprimir os rendimentos
provenientes dos alugueres e nacionalizar inclusive as pequenas empresas. Em
razão destas medidas, o setor público representava, em meados dos anos 1980,
mais de 80% da atividade econômica.
A despeito do seu radicalismo, a Tanzânia permaneceu, na mesma proporção,
dependente da ajuda estrangeira para financiar o seu desenvolvimento e a des-
colonização econômica, tanto quanto mostrou -se inatingível a sua autonomia.
Ainda mais grave, em contrário ao seu desenvolvimento, a economia estagnou,
chegando ao ponto de, inclusive e por várias vezes, acusar taxas de crescimentos
negativas. Por todas estas razões, a ONU classificou a Tanzânia juntamente
com outros 32 países do continente − na categoria dos países menos avançados
(PMA). Em 1977, a respeito desta situação, Reginald Green concluiu ironi-
camente: “pode se considerar que a passagem ao socialismo está praticamente
finda na Tanzânia
12
.”
No Senegal, o socialismo africano, preconizado por Mamadou Dia (presi-
dente do Conselho de 1956 a 1962) e por Léopold Sédar Senghor, estabeleceu
a diretriz da edificação de uma sociedade socialista fundada em valores comu-
nitários tradicionais, o desenvolvimento do movimento cooperativo e o agru-
pamento dos vilarejos em comunidades rurais com autonomia administrativa.
Aos olhos de Dia, tal como para Senghor, estas cooperativas multifuncionais
implantadas nos vilarejos deveriam constituir as unidades econômicas de base,
para uma sociedade socialista agrária. Qual seria a função da minúcia analítica,
se o Senegal continua a oferecer a própria imagem da dependência econômica
e se, vinte anos após a sua independência, o essencial do seu comércio exterior
ainda se realiza com a França. A ex -metrópole também garante, há muitos anos,
mais de dois terços dos recursos consagrados ao financiamento do desenvolvi-
mento e satisfaz, por pouco que não, a quase totalidade das necessidades em
assistência técnica e ajuda financeira. Por sua vez, os investidores franceses for-
necem ao Senegal mais de quatro quintos dos capitais privados a ele disponíveis
e o Tesouro francês cobre, anos, o déficit do seu comércio exterior.
Entrementes, o socialismo africano à moda senegalesa teve efeitos significa-
tivos. Em primeiro lugar, ele desestimulou a formação de empresas capitalistas
de grande envergadura nos campos e favoreceu a implantação de estruturas
cooperativas rurais. Em seguida, ele justificou, em larga escala, uma intervenção
12 R. H. GREEN, 1977, p. 24.
478
África desde 1935
do Estado com o objetivo de regulamentar e controlar alguns setores -chave da
economia nacional. Finalmente, ele acolheu os capitais externos e os capitais
privados nacionais. De certa forma, não há nada de surpreendente neste quadro,
pois Senghor sempre foi partidário de um diálogo entre a Europa e a África e,
inclusive, entre a Europa, a África e o mundo árabe. O seu governo socialista não
demonstrou, portanto, nenhum constrangimento em colaborar com os inves-
tidores estrangeiros e o setor privado senegalês. Entretanto, como era possível
prever, a dependência do país persistiu.
As estratégias setoriais de descolonização econômica
A análise setorial das estratégias e políticas de desenvolvimento macroeco-
nômico operadas nos primeiros anos da independência pelos governos africanos
permitirá melhor medir os esforços de descolonização econômica. Nós focare-
mos com maior ênfase os dois setores diretamente produtivos − a agricultura e
a indústria e a política de africanização no setor moderno das economias do
continente.
À época colonial, a África apresentava essencialmente dois modelos de
agricultura: por um lado, a agricultura de subsistência tradicional, simultanea-
mente, modo de vida e sistema econômico, a qual não escoava os seus produtos
no mercado senão quando se livrava dos excedentes e quando os produtores
necessitavam de liquidez para pagar mercadorias ou quitar impostos cobrados
pelo Estado; por outra parte, uma agricultura comercial moderna, inteiramente
integrada ao setor monetário da economia. Em alguns países da África, os dois
tipos de agriculturas estavam representadas, uma agricultura local, dominada
pela produção de subsistência tradicional, coexistente com uma agricultura não
africana, esta última quase totalmente em mãos dos colonos, praticada em larga
escala nas plantations e voltada, em sua grande parte, para a exportação. Em
outras regiões, no oeste africano, em especial, esta dualidade se apagava pois,
os camponeses também garantiam a produção agrícola destinada à exportação.
Invariavelmente, os governos coloniais privilegiavam a prodão voltada
para exportação, principal fonte de divisas e receitas públicas. Ainda nos dias
atuais as culturas de exportação representam nada menos de 80% das entradas
de divisas e receitas públicas nos países que não exportam nem petróleo nem
minerais. Em contrapartida, os produtores de culturas de subsistência eram
obrigados a se privar dos fornecedores agrícolas e de qualquer apoio técnico
variedades de alto rendimento, adubos, créditos facilitados, financiamento em
479
Estratégias comparadas da descolonização econômica
pesquisa, serviços de vulgarização agrícola, entre outros. A quase totalidade da
produção no setor moderno era comercializada por intermédio de cooperativas
agrícolas, as quais se transformaram, durante a Segunda Guerra Mundial e nos
anos seguintes, em departamentos de comercialização ou, nos países de língua
francesa, em fundos de poupança para estabilização. Estes organismos gozavam
de um monopólio na compra e na exportação, fixando a cada estação os preços
pagos aos produtores. Nas colônias de povoamento da África Oriental e Austral,
o regime colonial impedia aos autóctones produzirem as culturas de exportação,
intuindo proteger os colonos europeus de qualquer concorrência. Esta dicoto-
mia está à origem da excessiva dependência das economias africanas frente ao
estrangeiro, ela determina as características destas economias duais, baseadas
na monocultura, nas quais coexistem um setor exportador moderno, em larga
escala nas mãos de exploradores estrangeiros, lado a lado com um vasto setor de
subsistência, pouco produtivo e empregando a maioria da população. Quando
os africanos conquistaram a sua independência, a sua economia reservava uma
considerável porção dos seus recursos à produção voltada para a exportação
dos bens, cuja demanda interna era fraca, além de serem dependentes de países
externos ao continente, no que diz respeito à satisfação das suas necessidades
essenciais, incluindo a maior parte das exigências alimentícias. Esta situação não
tinha nenhuma relação com a teoria das vantagens comparadas, resultava tão
somente dos efeitos acumulados de uma política imperialista que não via nas
colônias nada além de um reservatório de matérias -primas.
Nestas condições, qual foi a estratégia de descolonização seguida no setor
agrícola após a independência? Em quais medidas os governos africanos tenta-
ram eles modificar esta estrutura colonial, a privilegiar, com a maior ênfase e ao
excesso, a produção voltada para a exportação e as entradas de divisas? Como
escreve Ali A. Mazrui, “um novo feitiço encantou [a África], hipnotizando os
ambiciosos, atiçando os cupidos e seduzindo os famintos por bens. Este feitiço,
a saber, o frio dinheiro do estrangeiro, a posse de moeda conversível, consistem
em instrumentos de potência internacional
13
.” Por mais lastimável que seja, não
causa nenhum espanto que a África independente tenha continuado a desenvol-
ver a suas culturas de exportação com inédito vigor e a negligenciar a produção
de alimentos: entre 1960 e 1965, enquanto a produção de culturas voltadas
para a exportação aumenta globalmente em 23,3%, as culturas de subsistência,
por sua vez, não progridem senão na ordem de 6,7%. Nos primórdios da inde-
13 A. A. MAZRUI, 1980a, p. 65.
480
África desde 1935
pendência, os governos africanos permaneceram notoriamente surdos quanto
a este conselho: A maneira mais segura de promover a industrialização [...]
consiste em assentá -la sobre bases sólidas, adotando medidas enérgicas, visando
aumentar a produção de alimentos, por indivíduo empregado na agricultura
14
.”
Ao contrário, como apresenta a figura 14.1, a queda na produção de alimentos
por habitante persistiu ao longo dos anos 1970 e no início dos anos 1980.
Os medíocres resultados no setor alimentício traduzem, sem sombra de dúvi-
das, os maus desempenhos do setor agrícola em seu conjunto. Este último per-
manece, integral e constantemente, em atraso e os seus resultados pioram a partir
da independência. Entre 1971 e 1980, produção agrícola aumenta em média
1,7% ao ano, contra 2,1% durante os anos 1960. As razões desta deterioração
aparecem claramente na tabela 14.1. Os governos africanos não investiram, em
sua proclamada estratégia de desenvolvimento, um volume suficiente de recur-
sos públicos. Evidencia -se com os dados disponíveis que, a preços constantes, a
parcela das despesas públicas por habitante, investida na agricultura, baixou em
todas as sub -regiões e, sobretudo, na África Central, onde o setor igualmente
conheceu os mais fracos investimentos internos por habitante.
Ainda pior, os recursos extremamente limitados disponíveis para os inves-
timentos agrícolas foram invariavelmente despendidos de modo inadvertido.
14 A. LEWIS, 1953.
 . Evolução na produção alimentícia por habitante: para o conjunto do mundo, PMA e África
(base = 1974 -1976). (Fonte: FAO, 1982b.)
Mundo PMA África
Anos
Índice
481
Estratégias comparadas da descolonização econômica
TABELA 14.1 TAXA ANUAL MÉDIA DE CRESCIMENTO DO CONJUNTO DOS
GASTOS PÚBLICOS, PARA TODOS OS SETORES E PARA A AGRICULTURA, EM
VALORES CONSTANTES
Todos os setores reunidos Agricultura
1979 1980 1981 1982
Média
1979-82
1979 1980 1981 1982
Média
1979-82
África do
Norte
6,1 4,0 -6,0 3,6 1,8 -6,3 2,2 -0,3 -5,8 -2,6
África
Ocidental
9,1 -15,7 -18,4 -1,7 -7,3 -10,4 18,9 -5,4 8,0 2,1
África do
Centro-Oeste
20,3 -3,0 3,1 -8,8 2,4 68,7 -7,5 34,2 -34,5 -9,5
África Central - - - - - -13,5 -48,6 10,0 39,1 -0,2
África Oriental
e Austral
14,5 -3,9 -11,0 -18,7 -5,5 27,0 4,9 -1,1 -30,7 -2,2
N: os números concernem 24 países
[F: FAO, 1983.]
Com demasiada frequência, voltou -se uma vez mais para investimentos em
massa, para fortes investimentos em bens de equipamento e em proveito de
uma mecanização, em larga escala, geradora de supercapitalização. Os projetos
governamentais previam, usualmente, medidas de proteção social muito dispen-
diosas, sem considerar, por pouco que fosse, as capacidades e as necessidades
dos agricultores africanos. Se por um lado, entre 80 e 90% dos camponeses são
pequenos agricultores dentre os quais uma maioria formada por mulheres,
com maior ênfase no setor alimentício −, os produtos agrícolas absolutamente
indispensáveis, lhes fazem cruelmente falta. Os serviços de vulgarização agrícola
geralmente brilham pela sua ausência, as variedades de sementes selecionadas,
os adubos e os pesticidas estão, muito amiúde, indisponíveis. A malha rodoviária
e as outras infraestruturas são tristemente insuficientes; praticamente inexistem
instalações racionais e eficientes para a estocagem e a preservação dos cereais;
o escoamento dos produtos alimentícios, do campo em direção aos centros
urbanos ou entre diferentes regiões rurais, raramente é organizado de forma
sistemática, mediante o que, uma fortíssima proporção entre 20 e 40% da
produção de alimentos perde -se em virtude da falta de acesso aos mercados;
enfim, a política que consiste em manter baixos preços na base da cadeia pro-
dutiva, reduzindo os rendimentos dos camponeses, tem efeitos negativos sobre
a produtividade agrícola.
O Plano de Ação de Lagos sublinha este sistemático abandono do pequeno
campos, relembrando que na origem do problema alimentício africano
482
África desde 1935
encontra -se o fato a denotar que os Estados,na forma do costume, não acor-
daram a devida prioridade à agricultura, quer seja em alusão à alocação de
recursos ou no referente à suficiente atribuição de atenção às políticas relativas à
melhoria da produtividade, bem como da vida no mundo rural
15
”. Ele acrescenta
que “para melhorar as condições nutricionais na África, a pré -condição funda-
mental consiste em demonstrar uma forte vontade política com o objetivo de
prover um volume muito maior de recursos à agricultura, de levar a bom termo
uma essencial reorientação nos sistemas sociais, de impor políticas a incitarem
pequenos produtores e membros de unidades produtivas agrícolas a atingirem
níveis mais elevados de produtividade e, finalmente, implantarem mecanismos
eficazes para a formulação e execução dos programas requeridos
16
”.
Em respeito ao setor secundário, os jovens Estados africanos consideram a
industrializão como um instrumento essencial de descolonização econômica. As
atividades manufatureiras haviam efetivamente sido desestimuladas pelos regi-
mes coloniais, os quais estimavam que as economias africanas deveriam apoiar
a sua correlata metropolitana, fornecendo -lhe matérias -primas e assegurando-
-lhe mercados cativos, em benefício do escoamento dos seus produtos manu-
faturados. Tal como demonstra a tabela 14.2, as indústrias manufatureiras não
representam em 1960, no período das independências, senão 7,6% do PIB
continental africano, contra 12% no sudeste asiático, 13% no médio -oriente e
22% na continente latino -americano. A atividade limitava -se precedentemente
ao período independentista à transformação dos recursos agrícolas, florestais e
minerais, em artigos manufaturados ou produtos semiacabados, bem como à
produção de alguns bens de consumo. O que explica, após a independência, o
engajamento dos governos em prol de uma particular atenção a ser conferida às
indústrias manufatureiras.
Todavia e como regra geral, as atividades industriais foram, passo a passo,
postas em marcha, subtraídas de qualquer plano a garantir -lhes as ligações intra
ou intersetoriais, bem como em ausência da estratégia requerida, no sentido de
permitir -lhes contribuir, de forma decisiva, para o desenvolvimento econômico
e social. As empresas criadas, desde o princípio, foram -no em associação com
companhias estrangeiras ou tão somente impulsionadas por investimentos exter-
nos, tanto as primeiras quanto estes últimos a explorarem -nas, antes e sobretudo,
em seu próprio benefício. Os meios de produção e as matérias -primas eram, por
pouco que não, importados. Assim sendo, a industrialização na África abriu os
15 OUA, 1981.
16 Ibid., p. 11, parágrafo 18.
483
Estratégias comparadas da descolonização econômica
TABELA 14.2 COMPOSIÇÃO DO PIB POR SETOR, EM VALORES CONSTANTES DE 1970 EM %
País Agri-
cultura
Indústrias
manufatureiras
Eletrici-
dade
Indústrias
extrativistas
Construção Comércio Transporte Administração
pública
Outros
Principais países exportadores de petróleo
1960 43,1 5,5 1,3 3,8 8,4 19,3 5,5 7,5 5,6
1970 30,2 5,2 0,7 18,5 6,3 24,8 3,2 8,3 2,8
1980 16,3 6,4 0,9 8,6 14,3 24,2 6,6 19,5 3,2
Países não exportadores de petróleo
1960 42,4 8,6 1,4 4,6 4,0 15,5 5,9 8,9 8,7
1970 35,1 11,7 1,4 5,4 4,7 17,7 6,2 9,4 8,4
1980 27,7 12,4 1,7 5,1 5,4 19,2 7,2 12,8 8,5
Países menos desenvolvidos
1960 59,2 5,3 1,4 0,8 4,6 15,4 4,3 7,8 1,2
1970 50,6 8,7 1,1 0,9 3,8 17,5 5,0 7,0 5,4
1980 44,2 8,1 1,3 1,3 4,2 17,7 6,9 10,0 6,3
Países em desenvolvimento
1960 42,6 7,6 1,3 4,4 5,4 16,7 5,8 8,4 7,8
1970 33,4 9,5 1,2 9,8 5,2 20,1 5,2 9,0 6,6
1980 22,8 9,8 1,3 6,6 9,3 21,4 6,9 15,7 6,2
N: as taxas de crescimento setoriais 1960-1970 foram calculadas para 39 países africanos em desenvolvimento para os quais dados disponíveis, ao passo
que as taxas 1970-1980 concernem, como os números globais, o conjunto dos 50 países em desenvolvimento africanos.
[F: Secretariado da CEA.]
484
África desde 1935
caminhos para uma nova fórmula de dependência: em lugar de gerar economias,
quiçá lucros, no curso dos intercâmbios comerciais, a indústria tornou -se a raiz
principal das perdas neste domínio.
Certamente, o crescimento do setor manufatureiro foi sustentado, durante os
anos 1960, e perdurou em ritmo levemente superior àquele do PIB, no decorrer
dos anos 1970 (tabela 14.3), contudo, a indústria permanece, ainda nos dias
atuais e simultaneamente, um enclave estrangeiro e urbano, em meio à imensi-
dão dos campos economicamente atrasados. Em respeito à produção mundial,
o valor agregado pelas indústrias manufatureiras do continente africano não
ultrapassava, em 1980, senão ínfimos 0,9%, comparativamente aos 2,7% no
tocante ao sudeste -asiático e 6% no tangente ao continente latino -americano. A
África apresentava -se, portanto e à época, na qualidade de região com o menor
índice de industrialização do globo. Como indicado pela Comissão Econômica
para a África (CEA) da ONU, excluindo -se a produção de um estreito leque
de bens intermediários, este setor caracteriza -se pela presença de indústrias leves
e produtoras bens de consumo, bem como pelas atividades de transformação
elementar, relativamente pouco impulsionadas pela fabricação, realizada a partir
de matérias -primas minerais e agrícolas, de produtos acabados e semiacabados,
com maior ênfase destinados à exportação. Em suplemento, do ponto de vista
das estruturas, a produção repousa sobre pequenas unidades que em nada favo-
recem a operação de uma economia de escala. A indústria pesada é rudimentar
e um pequeno número de países, quando muito e neste âmbito, arriscaram -se
de maneira coerente. Consequentemente, a produção de bens de equipamentos
permaneceu marginal e, em razão disso, a África subsiste como um dos prin-
cipais importadores mundiais destes bens, os materiais e máquinas importados
representando mais de 35% dos investimentos anuais totais na região
17
”.
Após a independência, os governos africanos haviam conferido seis grandes
objetivos à industrialização: satisfação das necessidades essenciais das popula-
ções; valorização dos recursos naturais locais; criação de empregos; formação de
uma base para o desenvolvimento nos outros setores econômicos; criação de um
cenário favorável à assimilação e à promoção do progresso tecnológico; além da
modernização da sociedade
18
. Infelizmente,
nenhum destes objetivos realizou-
-se no curso das duas últimas décadas. Ao contrário, em razão da natureza
disparate das indústrias manufatureiras africanas, da sua insaciável demanda por
subsídios de toda a espécie, da fortíssima dependência de muitas dentre elas em
17 Comissão Econômica para a África, 1983, p. 11.
18 OUA, 1981, p. 20.
485
Estratégias comparadas da descolonização econômica
TABELA 14.3 CRESCIMENTO ANUAL MÉDIO DO PIB POR SETOR, EM VALORES CONSTANTES DE 1970 EM %
País Agri-
cultura
Indústrias
manufatureiras
Eletrici-
dade
Indústrias
extrativistas
Construção Comércio Transporte Administra-
ção pública
Outros PIB
Principais países exportadores de petróleo
1960 5,6 8,8 3,1 28,3 6,3 12,2 3,5 10,6 1,8 9,4
1970 1,4 10,1 6,6 1,1 11,4 5,8 8,3 11,2 4,8 7,9
1980 - - - - - - - - - 8,7
Países não exportadores de petróleo
1960 6,5 12,0 8,9 10,2 10,2 10,0 9,0 9,1 11,1 4,3
1970 1,2 4,2 5,4 3,1 5,1 4,4 5,1 6,8 3,8 3,8
1980 - - - - - - - - - 4,0
Países menos desenvolvidos
1960 -3,6 15,4 8,9 5,2 12,6 12,2 9,9 13,6 12,8 4,8
1970 1,7 2,4 10,5 7,3 17,1 7,6 16,1 17,5 9,6 3,1
1980 - - - - - - - - - 4,0
Países em desenvolvimento
1960 3,7 7,1 4,6 17,3 6,3 9,1 5,1 7,2 4,3 5,8
1970 1,3 5,5 4,2 7,3 4,1 3,2 6,4 6,9 6,2 5,2
1980 - - - - - - - - - 5,6
N: as taxas de crescimento setoriais 1960-1970 foram calculadas para 39 países africanos em desenvolvimento para os quais há dados disponíveis,
ao passo que as taxas 1970-1980 concernem, como os números globais, o conjunto dos 50 países em desenvolvimento africanos.
[F: Secretariado da CEA.]
486
África desde 1935
respeito ao mundo estrangeiro, com vistas à aquisição dos fatores produtivos,
bem como, da impotência generalizada em atenuarem o desemprego ou em
concederem um impulso dinâmico à economia africana, por tudo isto, o setor
industrial apresenta -se -nos atualmente como um domínio em crise, cabendo
acrescentar, desde logo, a estagnação da indústria à lista, tanto e ainda maior, das
crises a abaterem -se sobre o nosso infeliz continente requestado
19
”. Subjaz, justa
e indubitavelmente, deste fracasso na estratégia de industrialização, a agregar -se
aos anos de abandono da agricultura, a responsabilidade pelo agravamento da
dependência econômica da África.
A estratégia da africanização
À guisa de conclusão desta análise, sobre as principais abordagens setoriais
concernentes à descolonização econômica, nós ensaiaremos de avaliar a estra-
tégia de africanização na economia, adotada por numerosos governos do conti-
nente, ao final dos anos 1960 e início dos anos de 1970. A este respeito pôde -se
dizer que, no momento da independência, a economia típica do Estado africano
era geralmente estratificada: no topo, os europeus, controladores das grandes
empresas industriais e dos principais estabelecimentos comerciais, bem como
das grandes plantações; em posição intermediária, os asiáticos e os libaneses, os
quais controlavam as médias empresas industriais e o comércio atacadista, assim
como, os mais importantes negócios do comércio varejista; finalmente, no rés da
escala, os africanos, pequenos agricultores, pequenos comerciantes e empregados
subalternos
20
”. No seio do funcionalismo público, a situação em pouco diferia.
Os africanos compunham as categorias dos auxiliares de escritório e dos office-
-boys, cabendo aos asiáticos preencherem as funções médias, administrativas e
técnicas, e por fim, aos europeus, eram reservados os postos de alto escalão. Se,
por um lado, a situação era nitidamente melhor na África Ocidental britânica
(em particular na Nigéria e na Costa -do -Ouro), esta segregação econômica era,
por outra parte, recorrente à época da independência, nas possessões britânicas
da África Oriental e da África Austral, assim como nas colônias francesas, bel-
gas e portuguesas: muitos destes territórios não dispunham nada além de um
punhado de africanos diplomados no ensino superior e não mais que uma ou
duas centenas de indivíduos escolarizados ao nível secundário.
19 A. ADEDEJI, 1984, p. 5.
20 A. ADEDEJI (direitos de publicação), 1981, p. 29.
487
Estratégias comparadas da descolonização econômica
A africanização do funcionalismo público figurava, portanto, entre as priori-
dades nos países africanos recém -independentes. Segundo algumas estimativas,
a África contava em 1958 com cerca de 100.000 funcionários europeus
21
. Este
índice, o qual não computa o funcionalismo universitário, os missionários, os
europeus engajados pelas autoridades locais e os funcionários das nações unidas,
ilustra -nos sobre a amplitude da tarefa tocante à africanização da função pública,
sob o aspecto estritamente quantitativo. Não consistia em somente nomear afri-
canos em lugar dos estrangeiros mas, tratava -se de substituir administrações de
caráter colonial por serviços públicos nacionais.
Em certo sentido, a africanização, ou “indigenização”, dos setores -chave das
economias nacionais é o prolongamento da exitosa africanização nos serviços
públicos. Esta política pode revestir -se de diversas formas, as mais variáveis,
desde a nacionalização de empresas ao simples exercício de um controle sobre
a extensão das participações estrangeiras. Tal como observa Leslie L. Rood,
na África, as apropriações de bens estrangeiros classificam -se, usualmente, em
uma dentre estas três seguintes categorias: nacionalização de grandes empresas
mineiras, pertencentes às empresas multinacionais; nacionalização das peque-
nas filiais de conglomerados transnacionais, mais amiúde nos setores bancário,
securitário e distribuidor de produtos petrolíferos; e africanização das pequenas e
médias empresas pertencentes a residentes estrangeiros. Todavia, algumas inter-
venções do Estado não correspondem exatamente a este esquema: nos países
socialistas, as nacionalizações foram estendidas às indústrias manufatureiras, aos
bens imobiliários e às plantations e, por sua vez, em relação aos países de econo-
mia de mercado, algumas companhias europeias, de proporções assaz vigorosas,
também foram afetadas pela africanização. Em cada caso, a apropriação poderia
ser brutal ou refinada, comportar ou não uma indenização, constituir -se em base
voluntárias ou ser imposta autoritariamente
22
”.
Segundo um estudo da ONU
23
, as nacionalizações e as re -incorporações
foram mais numerosas entre 1960 e 1974, com maior ênfase na África Sub-
saariana, comparativamente a outras regiões do mundo. Em um total de 875
nacionalizações recenseadas em 62 países, durante este período, 340 (ou seja,
39%) ocorreram na África negra. Esta região alcançava a dianteira em todos os
21 N. A. SHAATH, 1975, p. 99.
22 L. L. ROOD, 1976, pp. 430 -431.
23 ONU, Secretário -geral, 1974.
488
África desde 1935
ramos industriais, salvo o petróleo, e o valor integral das empresas nacionalizadas
perfazia totais da ordem de bilhões de dólares norte -americanos
24
.
Os estudos realizados sobre a incidência da africanização na economia, em
vários países do continente Egito, Etiópia, Gana, Quênia, Nigéria, Senegal,
Tanzânia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia indicam claramente que os africanos
alcançaram retomar, em certa medida, as rédeas da atividade econômica mas,
esta última permanece invariavelmente dominada pelos capitais, pela capaci-
dade operacional, pela tecnologia e pelas iniciativas do mundo estrangeiro
25
. A
política de africanização não conheceu senão um limitadíssimo sucesso. Mas,
como uma política de africanização, poderia ela, lograr êxito em um país no
qual se deixou estagnar a economia? Até que ponto, um país esmagado pelo
peso da sua dívida externa, poderia ele, tentar africanizar a sua economia? Paí-
ses, primeiramente, demasiado dependentes do comércio exterior e da expor-
tação, referentes a uma gama perigosamente restrita de produtos básicos; em
suplemento, uma região em cujos setores tradicionais e modernos divergem
profundamente; e, finalmente, uma sociedade cuja base industrial é estreita e
fracionada. Este continente não saberia, verdadeiramente, atingir este objetivo.
Com efeito, a África não deve, por conseguinte, satisfazer -se em nacionalizar
as empresas estrangeiras, impõe -se -lhe tentar transformar a sua atual economia
colonial em uma economia autônoma e autenticamente africana, fundada sobre
um autossustentável e endógeno desenvolvimento
26
”.
A estratégia de penetração intra -africana
e de integração pan -africana
As potências coloniais haviam recortado a África com total desprezo pela
sua história e cultura. O continente igualmente apresentava -se, no momento das
independências, como um mosaico de Estados, alguns minúsculos, de problemá-
tica viabilidade econômica e política. A este fracionamento acrescentava -se outra
herança do colonialismo, correspondente à quase ausência de laços estruturais
entre unidades políticas vizinhas. Os Estados africanos haviam sido delibera-
24 Estima -se em cerca de 4 milhões de dólares norte -americanos o valor dos bens norte -americanos pro-
venientes unicamente das nacionalizações a eles pertinentes, em escala mundial de 1960 a 1973. Esta
cifra dá -nos uma ideia do volume dos montantes em jogo.
25 A. ADEDEJI (org.), 1981, pp. 45 -327.
26 Ibid., p. 389.
489
Estratégias comparadas da descolonização econômica
damente organizados para abastecerem, antes e sobretudo, as suas respectivas
metrópoles e para associarem -se comercialmente, de forma exclusiva, a elas.
Nestas condições, a busca dos objetivos nacionais de descolonização eco-
nômica encontrava -se subordinada a uma estratégia de integração econômica
regional e à criação de instituições multinacionais com vistas a promover o
desenvolvimento e engajar esforços de cooperação planejados.
A bem da verdade, a cooperação e a integração regionais haviam sido reconhe-
cidas como indispensáveis a qualquer estratégia de descolonização econômica,
muito antes da conquista da independência política, a origem desta abordagem
a situar -se no movimento pan -africanista que visava unificar as forças africanas
contra o imperialismo e a dominação colonial. O primeiro chamado em favor
da integração econômica remonta ao V Congresso Pan -Africano, organizado
na cidade de Manchester (Grã -Bretanha) no ano de 1945: com grande clarivi-
dência, o Congresso recomendara a criação de uma união econômica na África
Ocidental, objetivando melhor combater a exploração dos recursos econômicos
destes territórios nesta região, bem como garantir a participação das comunida-
des locais no seu desenvolvimento industrial. No ano de 1955, a declaração de
Bandung igualmente mencionava a necessidade de uma cooperação econômica
nestes países africanos.
Os seus laços com o pan -africanismo explicam as razões pelas quais as estra-
tégias de integração regional, adotadas no imediato posterior às independên-
cias, tenham favorecido a criação de organizações regionais competentes, em
todos os setores. Assim sendo, a primeira Conferência dos Estados Africanos
Independentes, mantida na cidade de Accra (Gana), no ano de 1958, decidiu
fundar um Comitê para a economia e a pesquisa em cada país, assim como
uma Comissão Conjunta para a Pesquisa Econômica, composta de represen-
tantes de todos os países africanos independentes. A sua tarefa consistia em
consolidar as políticas nacionais de desenvolvimento econômico, promover as
trocas comerciais e criar uma política industrial comum, bem como coordenar
o planejamento econômico dos diferentes Estados, intuindo alcançar um meca-
nismo de cooperação econômica em escala continental. Após pouco tempo, no
ano de 1960, os Estados africanos, desde então independentes, recomendaram
a formação de um conselho africano de cooperação econômica, de um banco
africano de desenvolvimento e de um banco comercial africano. A implantação
de um sistema de tarifas preferenciais, entre os países africanos independentes,
era igualmente proposta. Neste clima de entusiasmo coletivo pela integração
econômica, formaram -se os grupos de Monróvia, de Casablanca, de Brazzaville
e do Magreb, os quais, por sua vez, estavam incumbidos de formular diversas
490
África desde 1935
propostas, com vistas à criação de um mercado comum africano, de um sistema
de pagamentos continental e unificado, assim como de um banco africano de
desenvolvimento econômico.
O estabelecimento de organizações multinacionais regionais, de múltiplas
vocações, chocou -se, todavia, com vários obstáculos. O mais importante dizia
respeito à pouca idade dos Estados, os dirigentes nacionais aceitavam com sérias
reservas trocar uma autoridade recentemente conquistada, em proveito de órgãos
de decisão coletivos. Por outro lado e em segundo plano, a ausência de infraes-
truturas regionais adequadas, especialmente redes de transporte e comunicação,
limitavam os intercâmbios e a circulação. Como terceiro obstáculo, os jovens
Estados haviam adotado ideologias políticas, por vezes, divergentes. Finalmente
mas, não menos importante, as sólidas relações bilaterais que os países africanos
mantinham com as ex -metrópoles militavam, ainda e fortemente, contra as
aproximações intra -africanas.
A primeira organização multinacional africana com vocação múltipla foi
criada em abril de 1958, tratava -se da Comissão Econômica para a África
(CEA) da ONU. Cinco anos mais tarde, a Organização para a Unidade Africana
(OUA) era fundada. A missão atribuída à CEA consistia em lançar o processo
de desenvolvimento econômico africano, inclusive em suas dimensões sociais,
facilitando e integrando -se a ele; ela deveria, outrossim, acompanhar e reforçar as
relações econômicas dos países e territórios do continente, tanto entre si quanto
com outros países do mundo. Os objetivos da OUA eram, naquilo que lhes
dizia respeito, sobretudo políticos, mas a organização também foi encarregada
de coordenar e intensificar a cooperação, intuindo oferecer melhores condições
de vida aos povos da África, eliminar o colonialismo em todas as suas formas e
corroborar a cooperação internacional. As duas instituições foram convidadas
a estreitar os laços entre si, mas coube justamente ao primeiro chefe da CEA
promover a cooperação e a integração econômicas no continente.
No início dos anos 1960, a CEA constatou que o procedimento mais viável,
com vistas à integração regional, consistia em agir por etapas, no interior de
áreas geográficas limitadas, preferencialmente a impor um mecanismo global em
escala continental. Ela dividiu, portanto, a África em quatro sub -regiões África
Oriental e Austral, África Central, África Ocidental e África do Norte dotadas
cada uma de um escritório sub -regional atuando como antena propagadora do
seu secretariado. A principal função destes escritórios era facilitar as decisões e as
ações coletivas em nível local, conduzindo os estudos apropriados, participando
na elaboração e na execução de projetos multinacionais, bem como, fornecendo,
in loco e em permanência, a assistência técnica especializada. A sua eficácia, no
491
Estratégias comparadas da descolonização econômica
sentido de incitar os Estados africanos a organizarem dispositivos de coopera-
ção, revelou -se, todavia, uma rápida decepção, em razão da sua falta de recur-
sos e porque nenhum mecanismo institucional estava previsto para assegurar a
participação dos governos em suas atividades e em seus programas de trabalho.
Na ocasião, foram criadas, para reforçar a CEA em seu papel de catalisadora da
integração regional, Equipes Consultivas Multinacionais e Interdisciplinares das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDAT), encarregadas de melhorar as
capacidades operacionais dos escritórios sub -regionais. Rapidamente tornou -se
notável que estes órgãos, meramente consultivos, não eram suficientes; impres-
cindível foi criar instrumentos mais operacionais para promover a cooperação
econômica. Desta forma, as UNDAT foram substituídas, no ano de 1977, pelos
Centros Multinacionais de Programação e Execução dos Projetos (MULPOC).
Atualmente, estes centros existem um número de cinco, nas diferentes sub-
-regiões do continente (figura 14.2) e o seu funcionamento permite, até certo
ponto, vislumbrar o porvir da integração econômica regional na África.
Existem, nos dias atuais, muitos agrupamentos econômicos organizados em
escala regional cuja integração é diversamente impulsionada (figura 14.3). No
oeste africano, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental
(CEDEAO) (figura 14.4) reúne os membros de outras comunidades, como a
Comunidade Econômica da África Ocidental (CEAO), o Conselho do Enten-
dimento e a Mano River Union. Na África Central, a última comunidade eco-
nômica criada pela CEA, no ano 1983, a Comunidade dos Estados da África
Central (ECCAS), agrupou os cinco Estados membros da União Aduaneira
dos Estados da África Central (UDEAC) Congo, Gabão, República Centro
Africana, República de Camarões e Tchad) com vistas a constituir, a termo,
um mercado comum centro -africano. Por seu lado, o Burundi, Ruanda e o
Zaire formaram a Comunidade Econômica dos Grandes Lagos (CEPGL). Na
África Oriental, a Comunidade da África do Leste, fundada no ano de 1967
pelo Quênia, por Uganda e pela Tanzânia, desintegrou -se em julho de 1977. Por
intermédio do seu MULPOC, para a África oriental e austral, a CEA conseguiu
criar uma Zona de Comércio Preferencial da África Oriental e Austral, onde
não somente estaria prevista a liberalização das trocas mas, igualmente, uma
cooperação e uma especialização dos diferentes países, no que diz respeito: à
criação de indústrias de base e estratégicas mas, também, das culturas de sub-
sistência e da pecuária; ao incentivo em favor do desenvolvimento na ciência e
na tecnologia; à exploração e utilização dos recursos naturais; à valorização dos
recursos humanos; ao estabelecimento de uma rede de transportes e de comuni-
492
África desde 1935
MARROCOS
ARGÉLIA
TUNÍSIA
SAARA
OCIDENTAL
MAURITÂNIA
MALI
NÍGER
CHADE
SENEGAL
GÂMBIA
BURKINA
FASSO
NIGÉRIA
GUINÉ-
-BISSAU
GUINÉ
SERRA
LEOA
LIBÉRIA
COSTA
DO MARFIM
GANA
TOGO
BENIN
CAMARÕES
REPÚBLICA
CENTRO-AFRICANA
JAMAHIRIYA
ÁRABE LÍBICA
EGITO
SUDÃO
ETIÓPIA
JIBUTI
SOMÁLIA
GUINÉ EQUATORIAL
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
GABÃO
CONGO
ZAIRE
RUANDA-
-BURUNDI
UGANDA
QUÊNIA
REPÚBLICA
UNIDA DA
TANZÂNIA
ANGOLA
ZÂMBIA
MALÁUI
COMORES
NAMÍBIA
ZIMBÁBUE
MOÇAMBIQUE
BOTSUANA
SUAZILÂNDIA
LESOTO
ÁFRICA
DO SUL
MADAGASCAR
CABO VERDE SEYCHELLES MAURÍCIO
REUNIÃO
Escritório do MULPOC
Sedes da CEA
MULPOC de Yaoun
MULPOC de Lusaka
MULPOC de Niamei
MULPOC de Tânger
MULPOC de Gisennyi
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
Tânger
Niamei
Yaoundé
Gisenyi
Lusaka
Adis-Abeba
F . Repartição regional dos MULPOC. (Fonte: segundo a CEA, Addis -Abeba.)
493
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Comunidade Econômica dos Estados
da África do Oeste (CEDEAO)
Escritórios da MRU, CEDEAO, CEPGL,
UDEAC, SADCC e COI
Escritórios da CEDEAO, CEEAC e PTA
Comissão do Oceano Índico (COI)
Conferência para a Coordenação
do Desenvolvimento na África Austral
(SADCC)
União Aduaneira e Econômica da
África Central (UDEAC)
Comunidade Econômica dos Países
dos Grandes Lagos (CEPGL)
Mano River Union (MRU)
Comunidade Econômica da África
do Oeste (CEAO)
Zona de Comércio Preferencial da
África Oriental e Austral (PTA)
Comunidade Econômica dos Estados
da África Central (CEEAC)
CABO VERDE
MAURITÂNIA
MALI
SENEGAL
BURKINA
FASSO
NÍGER
GÂMBIA
CHADE
GUINÉ-
-BISSAU
GUINÉ
GUINÉ EQUATORIAL
SERRA LEOA
LIBÉRIA
COSTA DO
MARFIM
GANA
TOGO
BENIN
NIGÉRIA
ETIÓPIA
CAMARÕES
REPÚBLICA
CENTRO-AFRICANA
SOMÁLIA
QUÊNIA
ZAIRE
GABÃO
ANGOLA
CONGO
RUANDA-
-BURUNDI
UGANDA
REPÚBLICA
UNIDA DA
TANZÂNIA
ZÂMBIA
MALÁUI
ZIMBÁBUE
MOÇAMBIQUE
BOTSUANA
SUAZILÂNDIA
LESOTO
MADAGASCAR
SEYCHELLES
REUNIÃO
MAURÍCIO
Uagadugu
Lagos
JIBUTI
Freetown
Bangui
Gisenyi
Libreville
Lusaka
Gaborone
Port-Louis
Nota: Ruanda e Burundi são membros da CEEAC e
da PTA; Angola, Botsuana, Madagascar, Moçambique
e Seychelles têm estatuto de observadores na PTA.
F . Agrupamentos econômicos regionais na África. (Fonte: segundo a CEA, Addis -Abeba.)
494
África desde 1935
Países membros da CEDEAO
BENIN
CABO VERDE
COSTA DO MARFIM
GÂMBIA
GANA
GUINÉ
GUINÉ-BISSAU
BURKINA-FASSO
LIBÉRIA
MALI
MAURITÂNIA
NÍGER
NIGÉRIA
SENEGAL
SERRA LEOA
TOGO
Fronteiras internacionais
Cidades
Capitais
asfaltadas
em obras de cobertura asfáltica
consolidadas com brita
em terra e brita
Projetos de estrada da
UNTACDA
Outras vias transafricanas
Estradas
MAURITÂNIA
MALI
SENEGAL
NÍGER
GÂMBIA
BURKINA-
-FASSO
GUINÉ-
-BISSAU
SERRA
LEOA
LIBÉRIA
COSTA DO MARFIM
GANA
GUINÉ
BENIN
NIGÉRIA
CHADE
CAMARÕES
TOGO
Zouerate
Nouadnbou
Nouakchott
Tamenghest
Kidal
Kiffa
Néma
Tombouctou
Bourem
Agadès
Gao
Kayes
Dakar
Banjul
Bissau
Bamako
Nioro
Nara
Ségou
Bougouni
Sikosso
Odienné
Conacri
Freetown
Monróvia
Abidjan
Accra
Mopli
Niamei
Uagadugu
Fada
N’Gourma
Gaya
Bobo-Dioulasso
Tamale
Parakou
Lomé
Cotonou
Lagos
Birni Nkoni
Sokoto
Zinder
Nguigmi
Kano
Ngaoundéré
(via férrea em direção a Douala)
N’Djamena
Kaduna
Kumasi
0 300 milhas
0 400 km
 . Malha rodoviária projetada para a África do Oeste, CEA/CEDEAO. (Fonte: segundo a CEA,
Addis -Abeba.)
495
Estratégias comparadas da descolonização econômica
cações (Figura 14.5). Na África do Norte, um Comitê Consultivo Permanente
foi instituído desde 1964, para a Líbia, o Marrocos e a Tunísia.
Os Estados membros destas organizações de vocação múltipla pertencem
igualmente a aproximadamente 130 organizações econômicas intergovernamen-
tais, setoriais ou multisetoriais, cuja missão consistia em promover a cooperação
econômica e técnica no continente africano. Em suplemento, são regularmente
mantidas conferências institucionais de ministros e funcionários de alto -escalão,
abrangendo certo número de temas específicos.
Numerosas dentre estas múltiplas organizações ainda não demonstraram a
sua eficácia no tocante à promoção da cooperação. A interpenetração dos países
africanos caracterizou -se, antes e sobretudo, por uma insuficiente compreen-
são acerca dos objetivos e das modalidades da cooperação econômica. Muito
amiúde e com efeito hipóteses válidas nos países avançados mas, falsas quando
aplicadas nos países africanos em desenvolvimento, presidiram a criação e o fun-
cionamento dos agrupamentos econômicos africanos. Postulou -se, à ocasião, a
existência de: uma imensidão de unidades de produção, responsáveis individual-
mente, por uma fração mínima do produto nacional; uma economia próxima do
pleno emprego, com empresas a funcionarem marginalmente e, outras, operando
a partir de novos investimentos, igualmente marginais em relação à capacidade
de produção existente; de incontáveis empreendedores muito motivados, per-
feitamente conhecedores dos mercados de capitais e dos produtos, capazes de
explorar os novos filões de mercado, in loco e no estrangeiro; finalmente e como
último postulado, as vantagens da cooperação deveriam, em tese, ser repartidas
proporcionalmente, entre países dotados de uma igual capacidade em tirar pro-
veito da sua cooperação
27
.
Ora, os dados da situação africana são distintos, caracterizando -se, antes e
sobretudo, pelas seguintes considerações: a falta de empreendedores competen-
tes no setor público, tanto quanto no privado; a penúria de mão de obra quali-
ficada; o limitado conhecimento sobre as fontes de abastecimento em matérias
primas; a escolha restrita de tecnologias; a limitada integração intersetorial; a
exiguidade dos mercados internos, comparativamente ao tamanho das empresas.
Nestas condições, os objetivos e as modalidades da cooperação deveriam ser
fundamentalmente diferentes daqueles prevalentes entre países industrializados.
Em outros termos, a cooperação econômica entre países africanos não deve-
ria unicamente visar a facilitação do comércio mas, também ser direcionada
27 Comissão Econômica para a África, 1976, p. 50.
496
África desde 1935
Estrada cruzando a
África Oriental
Estradas de ligação
Países membros
Capitais
Fronteiras internacionais
SUDÃO
JIBUTI
ETIÓPIA
SOMÁLIA
UGANDA
QUÊNIA
RUANDA
BURUNDI
TANZÂNIA
MALAUI
ZIMBÁBUE
ZÂMBIA
ZAÏRE
ANGOLA
BOTSUANA
SUAZILÂNDIA
LESOTO
ÁFRICA
DO SUL
NAMÍBIA
MOÇAMBIQUE
MADAGASCAR
COMORES
Adis-Abeba
Jibuti
Mogadíscio
Kampala
Nairóbi
Kigali
Bujumbura
Dar es-Salaam
Luanda
Moroni
Lilongwe
Lusaka
Harare
Windhoek
Gaborone
Maputo
Mbabane
Maseru
Antananarivo
0 300 600 milhas
0 500 1000 km
Outras estradas
transafricanas
 . Zona de Comércio Preferencial na África Oriental e Meridional: projetos de autoestradas.
(Fonte: segundo a CEA, Addis -Abeba.)
497
Estratégias comparadas da descolonização econômica
pelos imperativos da produção. Ela deveria permitir criar e utilizar novas capa-
cidades produtivas, especialmente de serviços e de bens intermediários ou de
consumo
28
. Com este propósito, seria necessário integrar as economias nacionais
e reorientar os modelos de consumo, bem como as estruturas produtivas, no
sentido da satisfação das necessidades internas, mas também no intuito de pro-
mover a autonomia nacional. Ora, muito frequentemente, os diferentes setores
das economias africanas não mantém senão laços assaz frouxos entre si.
Na qualidade de outro problema maior, os Estados cooperados têm demons-
trado muita dificuldade em atingir o consenso sobre as modalidades relativas
à divisão de custos e sobre os benefícios pertinentes à cooperação econômica
especialmente, porque eles temiam que as medidas de liberalização nas trocas,
implicadas em um mercado comum, fizessem -lhes perder receitas fiscais na
exportação ou na importação.
Esta dificuldade está estreitamente ligada a considerações sobre a equidade e
o equilíbrio no seio dos agrupamentos econômicos, haja vista o registro, referente
a alguns dentre eles, de taxas de crescimento inferiores, comparativamente ao
que eles alcançariam se mantidos à margem. A implementação de mecanismos
de ajuste no tocante aos recursos e relativamente aos encargos, com o objetivo
de corrigir estes desequilíbrios, constituiu para estes agrupamentos um problema
relevante, pois os dispositivos deste gênero deveriam englobar “não somente as
somas a serem recuperadas em razão dos direitos aduaneiros abolidos mas, em
suplemento, as vantagens tiradas de elementos ‘dinâmicos’ imponderáveis e de
impossível contabilização, tais como: as elevações no rendimento dos fatores
produtivos, atribuíveis à integração econômica, a possibilidade de poupança
externa e a expansão dos empregos
29
”.
A cooperação econômica entre países africanos também marcou passo, em
função de numerosos dentre eles se terem mostrado exageradamente intran-
sigentes no tangente ao capítulo da soberania nacional e, também, porque os
dirigentes políticos muito hesitaram em sacrificar, por menor que fosse, uma
fração desta soberania nos setores cruciais da política econômica.
A insuficiência nos equipamentos de infraestrutura e a ausência de quadro
institucional capaz de promover a cooperação econômica constituíam obstáculos
não menos reais. As insuficiências mais severas comportavam a ausência, entre
os Estados -membros, de uma moderna rede de transportes e comunicação; a
inexistência de mecanismos de compensação, de moeda comum e de acordos de
28 Para mais detalhes sobre este ponto, vericar A. ADEDEJI, 1976.
29 Ibid., p. 45.
498
África desde 1935
pagamento entre países africanos; e a ausência de instituições multinacionais de
desenvolvimento, capazes de identificar e preparar os projetos cabíveis e aptas a
promoverem o investimento e oferecerem assistência de peritos. Sob esta pers-
pectiva, a criação pela CEA da Câmara de Compensação da África Ocidental e
dos Acordos de Pagamento e de Compensação da África Central, assim como os
mecanismos de pagamento e de compensação, postos em operação no âmbito da
Zona de Comércio Preferencial, deveriam facilitar consideravelmente as coisas.
O Decênio das Nações Unidas para os Transportes e a Comunicação na África,
lançado por iniciativa da CEA, permitiu lançar as bases para redes regionais e
sub -regionais de transportes e de comunicação.
As crescentes divergências em matéria de ideologia política e de orientação
econômica, notoriamente entre países socialistas e países capitalistas, igual e
fortemente, pesaram sobre a cooperação. Assim sendo, a questão crucial consistia
em conceber, tanto quanto possível, mecanismos institucionais redutores dos
conflitos, estendendo ao máximo a margem de cooperação.
Outrossim, dificuldades surgiram pela ambivalência das atitudes em respeito
à cooperação econômica. As iniciativas políticas e as cartas de intenção coleti-
vas, com efeito e demasiado raramente, foram seguidas de medidas concretas e,
muito amiúde, as ações conduzidas ao nível nacional revelaram -se em contra-
dição total com as declarações feitas nos fóruns internacionais.
Como desdobramento da Cúpula Econômica Africana, mantida nos dias 28
e 29 de abril de 1980, em Lagos, a qual consumou -se notadamente pela adoção
do Ato Final de Lagos, nos termos do qual os chefes de Estado e de governo
se engajavam a estabelecer uma comunidade econômica africana antes do ano
2000, a CEA, em colaboração com a OUA, intensificou os seus esforços, para
racionalizar e reforçar os agrupamentos econômicos regionais implantados e
para criar associações de mesmo caráter nas regiões onde estas últimas inexis-
tiam, de maneira a cobrir inteiramente o continente. Após a assinatura, no dia 23
de outubro de 1983, do tratado fundador da Comunidade Econômica da África
Central, ratificado por 10 Estados desta região, a África Subsaariana passou a
ter três grandes agrupamentos de cooperação econômica regional. Estes agrupa-
mentos, convocados a tornarem -se os vetores da estratégia de penetração intra-
-africana e a servirem de moldura à integração pan -africana, são: a Comunidade
Econômica dos Estados da África Ocidental, reunindo 16 Estados -membros
e constituída cinco anos antes do Ato Final de Lagos; a Zona de Comércio
Preferencial da África Oriental e Austral, nascida em dezembro de 1881, a
qual deveria poder contar com a participação de 22 Estados; e a Comunidade
Econômica dos Estados da África Central, à qual 10 países aderiram.
499
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Deterioração da economia africana e persistência do
sistema neocolonial e da dependência econômica
A despeito de todas as estratégias de descolonização econômica às quais se
lançaram os governos africanos, nos níveis macroeconômico e setorial, a econo-
mia africana conserva as estruturas herdadas do colonialismo (tabela 14.4) e as
condições de existência da população no continente, praticamente não melho-
raram. Estas estratégias não alcançaram provocar a esperada transformação
socioeconômica; elas trouxeram, quando muito, mudanças estruturais marginais.
Entre 1960 e 1980, o PIB global dos países africanos, a grosso modo, triplicou
para atingir cerca de 86 bilhões de dólares norte -americanos (em valores rela-
tivos ao ano de 1980), o que representa um crescimento anual médio de 5,6%
(tabela 14.3). A sua renda por habitante passou de uma média de 133 dólares
norte -americanos, em 1960, para 243 dólares norte -americanos, em 1980 (ou
740 dólares norte -americanos, em valores de 1983). Esta espetacular progressão
não deve provocar ilusões: a renda por habitante, na África, não representava,
em 1980, senão 7,6% daquela referente ao conjunto dos países industrializa-
dos, estimada em 9.684 dólares norte -americanos, comparação esta que lança,
inapelavelmente, luz sobre a amplitude do subdesenvolvimento africano. O
crescimento foi frágil e, eventualmente, irregular, com maior ênfase e em razão
da predominância do setor agrícola e pelo fato das economias africanas esta-
rem submetidas às aleatoriedades do clima e do comércio internacional. Assim
sendo, a forte expansão do PIB, verificada entre 1965 e 1970, dizia respeito
essencialmente aos excepcionais resultados na agricultura e a um crescimento
na demanda externa; a desaceleração na expansão, quanto a ela, rebaixada a uma
taxa de 4,5% durante os cinco anos seguintes, também deve -se, primeiramente, a
uma queda sem precedentes na taxa de expansão da produção agrícola, reduzida
a 1,4% ao ano, bem como à recessão consecutiva ao quádruplo aumento nos
preços do petróleo, ocorrido em 1973 -1974. Esta recessão sufocou a demanda
externa por produtos da região e a taxa de crescimento anual das exportações
desabou para apenas 0,5%. A leve retomada observada no período 1975 -1980,
corresponde sobretudo ao revigoramento da demanda por produtos não petro-
líferos, após um breve momento de ajustes ao novo regime de preços da energia
nos países desenvolvidos mas, a situação não tardaria a se deteriorar brutalmente,
em razão dos novos aumentos nos preços do petróleo e do impacto de uma
série de fenômenos, compreendendo desde a seca prolongada até as baixas na
demanda exterior e nos preços de exportação que provocam, particularmente,
uma compressão sem precedentes dos haveres em divisas. Em 1981, o cresci-
500
África desde 1935
TABELA 14.4 OS PRINCIPAIS PRODUTOS E AS MONOCULTURAS DE EXPORTAÇÃO NAS ECONOMIAS AFRICANAS
EM %
País Principal produto
de exportação
Participação nas
exportações totais
Participação nas
receitas públicas
Participação no PIB Participação na formação
do capital
1960 1970 1980 1960 1970 1980 1960 1970 1980 1960 1970 1980
Argélia petróleo - 67,5 91,6 - 50,1 - - 18,8 381,9 - 10,7 332,5
Botsuana diamantes - 14,7 60,8 - 16,5 89,8 - 4,1 40,0 - 9,2 300,0
Congo petróleo - 10,5 77,9 - 4,7 128,7 - 1,4 41,4 - 3,1 615,4
madeira - 52,3 11,6 - 23,7 19,1 10,4 6,5 1,3 15,5 19,5 91,1
Costa do Marm cacau 22,4 20,5 25,2 - 26,4 25,7 7,0 8,1 9,6 45,3 19,2 95,0
café 48,5 33,2 20,5 - 42,6 20,9 15,2 13,1 9,8 98,4 13,2 77,1
madeira 16,3 17,9 15,1 - 23,2 15,4 5,2 7,1 6,7 33,9 5,0 56,7
Egito petróleo - 4,6 57,8 - 2,2 15,0 - 0,6 1,8 - 3,6 31,1
algodão 66,1 44,6 13,9 - 21,0 3,6 9,9 5,6 1,9 59,7 14,6 12,3
Etiópia café 49,0 59,3 64,1 - 38,9 47,4 1,6 4,1 7,0 13,4 32,6 96,3
Gabão petróleo 21,4 34,3 62,3 - - - 9,0 17,6 - 20,4 19,6 -
manganês - 8,5 6,6 - - - - 4,4 4,4 - 12,3 41,4
Gâmbia amendoim - 95,1 54,1 - 190,0 35,8 - 29,8 8,1 - 191,6 53,1
Gana cacau 57,3 64,2 56,2 - 68,6 - 22,2 14,1 12,6 96,7 93,7 220,1
501
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Quênia derivados de
petróleo
- 15,4 31,5 - 20,7 26,0 - 3,3 7,2 - 13,4 88,4
café - 20,5 21,0 - 27,5 17,3 - 4,3 4,8 - 17,7 58,8
chá - 12,1 11,2 - 16,6 9,3 - 2,6 2,6 - 10,5 32,5
Libéria minério de ferro 41,9 70,1 52,7 - 221,9 153,4 128,1 39,5 30,6 115,3 169,7 208,3
Líbia petróleo - 99,7 99,9 - 228,0 - - 78,4 61,9 - 410,5 850,6
Malaui tabaco - 33,4 43,9 - 43,0 52,9 - 6,7 11,4 - 13,9 107,0
Mali amendoim - 14,5 2,3 - 14,0 - - 1,6 - - 8,6 7,5
algodão - 21,0 48,1 - 20,5 - - 2,4 7,1 - 10,7 157,6
Mauritânia minério de ferro - 84,8 77,8 - 48,0 - - 39,5 23,6 - 163,5 247,9
Maurício açúcar 22,0 91,6 67,0 - 149,1 125,3 29,8 38,5 30,6 67,9 243,1 653,2
Marrocos fosfatos 23,7 23,1 31,2 - 16,6 17,2 5,1 3,4 5,3 45,7 13,5 557,9
Níger urânio - - 74,3 - - - - - 5,6 - - -
Nigéria cacau 20,6 15,0 9,0 - 19,7 - 3,1 1,8 - 27,1 192,9 6,0
amendoim - - - - - - - - - - - -
petróleo 2,7 57,6 95,3 - 110,2 - 0,4 7,1 - 3,9 596,0 615,1
Senegal amendoim 83,9 37,7 13,3 - 40,3 - 16,5 7,1 8,3 155,7 69,8 40,1
fosfatos 1,0 7,8 16,4 - 8,5 - 0,3 1,6 2,8 3,3 1,5 49,7
derivados de
petróleo
- 3,1 18,7 - 3,3 - - 0,6 3,3 - - 37,0
502
África desde 1935
Serra Leoa minério de ferro 14,0 11,9 - - 18,4 - 38,2 3,1 - 69,0 18,6 -
diamantes 55,6 62,5 53,3 - 96,6 63,3 112,2 16,4 10,2 275,0 76,1 100,0
Sudão algodão 52,2 61,3 44,9 - 32,0 21,8 9,5 9,9 1,8 10,5 10,1 62,9
Togo fosfatos - 24,5 39,6 - 46,5 - - 5,6 13,7 - 35,1 125,2
Tunísia petróleo - 24,4 50,7 - - 40,3 - 3,6 15,0 - - 141,6
fosfatos 17,7 20,3 3,0 - - 5,6 3,1 3,0 2,1 15,0 15,3 19,4
Uganda café 36,9 50,4 98,7 - 85,2 31,0 8,5 11,9 8,9 91,3 81,6 372,0
algodão 32,3 17,4 1,2 - 29,4 82,1 7,4 4,1 - 80,0 27,8 4,6
República de
Camarões
petróleo - - - - - - - - - - - -
cacau - 23,8 21,3 - 34,8 27,5 7,2 5,4 4,2 51,8 27,0 47,0
café - 22,8 21,7 - 33,4 25,4 4,1 5,2 6,3 36,7 25,9 48,5
madeira - 6,5 11,3 - 9,5 14,7 - 1,5 2,3 - 7,6 25,1
República Unida
da Tanzânia
café 13,1 17,4 23,4 - 19,6 - 3,9 3,8 8,2 31,5 15,1 36,4
Zaire cobre 63,6 - 43,3 - 80,7 51,4 - 35,4 18,7 - 106,5 49,5
cobalto 22,4 - 21,2 - 7,5 25,2 - 3,3 6,2 - 9,8 24,2
Zâmbia cobre - 95,2 91,3 - 149,0 132,1 - 63,5 79,5 - 196,4 446,0
(F: Secretariado da CEA; FMI, Statistiques nancières internationales, Anuário, 1982 e 1983, e vol. 37, no 5, maio de 1984.)
503
Estratégias comparadas da descolonização econômica
mento cai de forma brutal e passa a uma taxa negativa de -3% (em valores de
1980), acontecimento inédito na história recente da África. No total, o PIB
progrediu um pouco mais os anos 1960 (5,8%), comparativamente aos anos
1970 (5,2%).
Em busca de uma nova ordem econômica
nacional, regional e internacional
A maioria dos Estados africanos se deu conta, no início dos anos 1970, que
seria necessário elaborar e aplicar, com rigor, novas estratégias em nível nacio-
nal, regional e internacional, caso fosse desejado retirar o continente da cilada
representada pela estagnação econômica. Em nível nacional, isto implica na ins-
tauração de uma nova ordem econômica, fundada nos princípios da autonomia
e do desenvolvimento autossustentável. No âmbito regional, os países africanos
deverão conquistar uma maior margem de autonomia coletiva. Finalmente, em
termos mundiais, trata -se de fundar uma nova ordem econômica internacional.
No curso desta busca por uma estratégia mais eficaz e mais realista de des-
colonização econômica, o posto de honra cabe, incontestavelmente, a dois docu-
mentos, um deles adotado pela Conferência Ministerial da CEA, em fevereiro
de 1971, intitulado Estratégia da África para o Desenvolvimento na Década de
1970
30
, o segundo, adotado pela Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo
da OUA, por ocasião do seu décimo aniversário, em maio de 1973, nomeado
Declaração Africana sobre a Cooperação, o Desenvolvimento e a Independên-
cia Econômica
31
. Todavia, antes que estes textos tivessem alcançado suscitar a
elaboração de projetos operacionais, o mundo foi confrontado a uma decisão
fundamental que abalaria as relações econômicas entre os países industrializados
e o Terceiro -Mundo.
No dia 23 de dezembro de 1973, o do Ianunciava que o barril de petró-
leo bruto leve, então cotado a 5,04 dólares, seria doravante vendido a 11,65 dóla-
res. Esta simples decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) balançou a economia internacional, atingindo os seus fundamentos ao
menos por um tempo. Ela foi saudada como um ponto de inflexão histórico, pois
permitiu a alguns membros do cartel, entre eles e no primeiro plano a Argélia,
desenvolver uma estratégia de contrapenetração dos países industrializados, lide-
30 Comissão econômica para a África, E/CN/14/493/Rev. 3, ocorrida em 6 de fevereiro de 1971.
31 OUA, CM/ST. 12 (xxi).
504
África desde 1935
rando um movimento em favor da instauração de uma nova ordem econômica
internacional. A iniciativa da OPEP surgiu como uma manifestação concreta
do potencial poder dos países em desenvolvimento.
Em 1974, os países do Terceiro -Mundo deram uma demonstração de solida-
riedade entre si, por ocasião da sexta sessão extraordinária da Assembleia Geral
das Nações Unidas, no curso da qual eles exigiram uma nova ordem econômica
internacional. Todavia, as consequências, ligadas à alta nos preços do petróleo
bruto, sobre as frágeis economias dos países africanos importadores de petró-
leo, particularmente sobre as suas contas externas e os seus custos de produção,
provocaram junto a eles certo desencanto, tanto mais em razão da estabilidade
nas cotações das outras matérias -primas, as quais não haviam sido reajustadas
segundo os índices propostos pela OPEP. Ainda nos dias atuais, as cotações dos
outros produtos primários permanecem, na realidade, ancoradas em mercados
livres, os quais estão submetidos a fortíssimas flutuações na demanda e nos
preços e, no interior dos quais, as sociedades multinacionais detém, ainda e no
cenário internacional, a última palavra. Numerosas tentativas foram e continuam
sendo feitas com o objetivo de criar cartéis de produtores de outros minerais
e de produtos agrícolas destinados à exportação, contudo, os dados econômi-
cos apresentam obstáculos a estes projetos, uma vez que os países industriais
importadores destes produtos dispõem de numerosas soluções de substituição,
garantindo -lhes a capacidade de enfrentamento diante dos cartéis de produtores.
De impossível imitação em outros setores, o golpe de força aplicado com êxito,
pela OPEP, permitiu ao menos relançar a campanha do Terceiro -Mundo em
favor de uma nova ordem econômica internacional. Esta campanha concentrou-
-se principalmente em seis objetivos: estabilização nas cotações dos produtos
primários; tratamento pontual das dívidas do Terceiro -Mundo; reestruturação
do comércio internacional e abolição das práticas intervencionistas, próprias aos
países do Hemisfério Norte, frente aos países do Terceiro -Mundo; facilidades
de acesso à tecnologia ocidental; reordenação das capacidades produtivas indus-
triais mundiais em favor dos países do Terceiro -Mundo e reforma do sistema
monetário e financeiro internacional, em outras palavras, do Banco Mundial e
do Fundo Monetário Internacional
32
.
A África uniu esforços junto àqueles do restante terceiro -mundista, com
vistas a instaurar esta nova ordem econômica internacional, ela inclusive desem-
penhou um papel motor nas diversas negociações, as quais a o momento
32 A. ADEDEJI, 1983, p. 7.
505
Estratégias comparadas da descolonização econômica
fracassaram; todavia e tão logo, impôs -se a evidência segundo a qual a região
menos desenvolvida do globo, o continente africano, e mais especificamente,
a África Subsaariana, não poderia participar em de igualdade nesta nova
ordem, qualquer fosse esta última a ganhar a luz do dia e conquanto esta região
não houvesse reorganizado o seu próprio aparato econômico, aos níveis nacional
e regional, adotando uma estratégia de verdadeira descolonização econômica.
A CEA julgou necessário, em razão do supra -exposto, lançar, a partir do
segundo semestre de 1975, uma série de ações que findaram pela adoção da
Estratégia africana para o desenvolvimento, no quadro do terceiro Decênio do desen-
volvimento
33
e do Plano de ação de Lagos em prol do desenvolvimento econômico
na África, 1980 -2000
34
. O fundamento conceitual destes dois textos era o
documento de base, adotado em 1976 pela CEA, denominado Quadro revi-
sado de princípios para a instauração de uma nova ordem internacional na África
1976 -1981 -1985
35
, este documento criava, em relação à África, uma reviravolta
nas ideias recebidas em matéria de economia do desenvolvimento, além de expor,
metodicamente, as insuficiências nas diferentes estratégias empregadas, visando
realizar a descolonização econômica do continente e transfor-lo, provendo -o
de uma economia dinâmica e autônoma, engendrando e mantendo por si mesma
o seu próprio crescimento. Após ter notado que as somas dos conhecimentos e
dados acumulados da experiência, até então, sobre as noções relativas ao processo
de crescimento econômico e aos meios de realização das transformações socioe-
conômicas, eram limitados; em seu Quadro Revisado, a CEA fazia valer que, em
razão da elaboração das políticas econômicas ter tomado, com maior frequência
na África, a forma de reações sucessivas a diagnósticos dos males sociais e eco-
nômicos, cuja origem encontrava -se além dos limites da região; tanto estes diag-
nósticos, quanto os remédios prescritos em consequência, estavam fortemente
influenciados, não somente pela firme convicção acerca da eficácia do comércio
internacional e das relações econômicas que neste último se entrelaçavam, na
qualidade de motor do crescimento econômico e da mudança social pretendidos
mas, também, por uma sólida adesão a uma interpretação particular da gênese
dos intercâmbios internacionais
36
”. A CEA também questionava “a concepção
33 Resolução da CEA 332 (xiv) gurando no documento E/CN.14/INF/109/Rev. 1. Adotada em julho
de 1979 pela Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo de OUA, ela é conhecida pela sucessão
sob o nome de Estratégia da Monróvia.
34 Comissão econômica para a África, 1981.
35 Comissão econômica para a África, 1976.
36 Ibid., pp. 6 -7.
506
África desde 1935
linear clássica, a transformar o crescimento econômico em um processo quase
místico, cujo resultado era medido através das altas ou das baixas no PIB e no
PNB, consistindo em fruto de uma inversão, quase mágica, chamada investi-
mento, composto com maior ênfase de recursos obtidos graças às trocas externas.
Sob esta ótica tradicional, o papel dos fatores produtivos locais não é em nada
levado em consideração ou, em caso afirmativo, não se lhes é atribuído um papel
central no processo de desenvolvimento. Os programas nacionais ou multinacio-
nais, postos em marcha para produzirem estes fatores locais, constrangeram -nos
a apoiarmo -nos sobre os recursos provindos da troca, isto explica a importância
vital das monoexportações em nosso sistema, o aporte líquido de investimentos
estrangeiros privados e a nossa ansiedade em mendigar” a ajuda estrangeira,
assim como em solicitar empréstimos para completar estes aportes. A nossa
maior fraqueza, como povo, consiste na ausência, junto aos nossos dirigentes
políticos, em meio aos nossos dirigentes sindicais, no seio das nossas autoridades
locais e entre os nossos capitães da indústria, de qualquer visão daquilo em que
os nossos países deveriam transformar -se, individual ou coletivamente, em cerca
de vinte anos. Trata -se, justamente e portanto, de uma abordagem assentada
sobre tal visão, concernente ao seu próprio futuro, a servir de base, necessaria-
mente, à definição da política e da estratégia de qualquer país, mais ou menos
desenvolvido. Excluindo -a, nenhuma via segura abre -se ao futuro, quer seja em
termos individuais ou no âmbito da comunidade, do país ou de um grupo de
países. Torna -se então fácil se desgarrar ou deixar -se desgarrar
37
.”
Eis a razão pela qual, três anos após a adoção do Quadro Revisado, a CEA,
formuladora da Estratégia de Monróvia, via no Plano de Ação de Lagos uma
espécie de grande carta econômica da África, lançando as bases para a descoloni-
zação econômica do continente. A Estratégia de Monróvia tanto quanto o Plano
de Lagos visam ampliar a autonomia e aumentar as capacidades econômicas
da África. A autonomia significa a internacionalização das forças que, relativas
à demanda, determinam a orientação dos processos de desenvolvimento e de
crescimento econômico e as estruturas da produção; a progressiva substituição
de fatores produtivos nascidos da economia africana, em proveito dos fatores
externos; assim como a participação acrescida das massas na produção e no
consumo do produto social. O aumento das capacidades econômicas supõe
implantar estruturas e processos de desenvolvimento e crescimento econômico
em cujos diferentes elementos sustentam -se e reforçam -se mutuamente, de tal
37 A. ADEDEJI, 1983, p. 9.
507
Estratégias comparadas da descolonização econômica
maneira que, com a internacionalização das forças a determinar a oferta e a
procura, o conjunto do sistema cria a sua própria dinâmica interna
38
.
Somente uma estratégia de desenvolvimento fundada sobre estes princípios
de autonomia e de aumento das capacidades econômicas no continente pode
permitir à África romper totalmente com o seu passado econômico colonial
e conduzi -la na via de um desenvolvimento normativo. Esta estratégia, mais
voltada para o interior que direcionada para o exterior, não idolatra as recei-
tas provenientes do comércio exterior e, em razão disso, não atribui excessiva
importância aos intercâmbios externos, tornando -os assim o ponto de partida
obrigatório para o desenvolvimento, sobretudo se estas trocas assemelham -se
àquelas às quais a África esteve prisioneira, desde a época colonial. Eis o porquê
da estratégia de desenvolvimento, preconizada em Monróvia e no Plano de Ação
de Lagos, posicionar o mercado interno africano, com as suas subdivisões, no
centro do esforço
39
. O grande problema nos tempos atuais para o continente
africano consiste, portanto, em traduzir o essencial destes dois documentos em
termos operacionais, aos níveis nacional, sub -regional e regional. Mediante esta
única condição, poderíamos esperar consumar a descolonização econômica.
Mas, esta descolonização poderia exigir mais que uma simples redução da
participação estrangeira nas economias africanas e implicar, por outro lado, em
um aumento da participação africana na economia mundial. Para a África e
nos dias atuais, as fontes constituintes básicas da sua dependência, poderiam
permitir -lhe exercer uma contra -influência no sistema mundial. Para conquistar
este contra -poder, é essencial, mais do que nunca, que os países africanos afir-
mem a sua solidariedade com os outros países em desenvolvimento.
Solidariedade e contrapoder
40
Imperativamente, o Terceiro Mundo em geral e a África devem praticar duas
formas de solidariedade, se quiserem modificar o sistema mundial, em proveito
dos países menos favorecidos, e levar a cabo o processo de descolonização.
A solidariedade orgânica diz respeito às relações Sul -Sul e objetiva reforçar
a interdependência dos países africanos ou do Terceiro Mundo. A solidariedade
38 Ibid., p. 10.
39 Ibid., p. 11.
40 Esta seção foi revisada por A. A. MAZRUI e deve muito aos seus trabalhos anteriores, relativos à con-
trapenetração, especialmente aos estudos que ele apresentou junto à FAO. Conferir igualmente A. A.
MAZRUI, 1986.
508
África desde 1935
estratégica concerne à cooperação dos países terceiro -mundistas em sua luta
para arrancar concessões dos países industrializados do Norte. A solidariedade
orgânica tende a reforçar a integração das economias do Terceiro Mundo. A
solidariedade estratégica tende a reduzir a integração do Sul junto às economias
nórdicas, na medida em que esta integração é uma forma de dependência. A
solidariedade orgânica busca, essencialmente, integrar as economias do Sul; a
solidariedade estratégica busca obter, quer seja o divórcio ou um novo contrato
de casamento, um novo contrato social, em termos renegociados, entre o Norte
e o Sul.
Partimos, outrossim, desta constatação fundamental: os fluxos econômicos
são muito mais importantes entre o Norte e o Sul, comparativamente àqueles
entre os países do Sul. Por via de regra, um país do Sul comercializa muito mais
com o Norte que com os outros países sulistas e mantém relações de produção
mais estreitas com os países industrializados que com aqueles outros em vias
de desenvolvimento. Mas, estas relações econômicas entre o Norte e o Sul são
falseadas pela tradicional dependência do Sul frente ao Norte, situação esta a
sugerir a desigualdade entre os parceiros. Esses laços estruturais conferem ao
Norte uma preponderância e uma influência excessivas, deixando o Sul indefeso
contra a exploração.
Como sair desta situação? Como as duas formas de solidariedade poderiam
elas contribuir para a redução da dependência do Terceiro Mundo e para a
diminuição da sua persistente vulnerabilidade econômica?
Um dos domínios de cooperação mais negligenciados é aquele da mão de
obra e da formação profissional. Certos países do Terceiro Mundo começaram
a cooperar neste âmbito, oferecendo mutuamente mão de obra e garantindo
a formação de trabalhadores estrangeiros, mas a importância desta forma de
colaboração permanece em larga medida subestimada. Negligencia -se o fato da
diferença mais radical entre o Norte e o Sul não derivar da renda (critério da
riqueza) mas da tecnologia (critério da especialidade). A hierarquia internacional
fundamenta -se, em sua totalidade, não sobre o “haver”, mas sobre o “saber”. A
Líbia e a Arábia Saudita podem dispor de uma renda per capita mais elevada que
certos países -membros da Comunidade Econômica Europeia mas, estão longe
de atingir o nível da Europa Ocidental em matéria de técnicas produtivas e de
organização econômica. Os membros da OPEP não dispõem sequer das técnicas
apropriadas para extrair ou gerar o seu próprio petróleo.
Isto não aparece mais claramente senão na África Austral e no Oriente
Médio. Cerca de 5 milhões de brancos puderam explorar, na África Austral, uma
população negra dez vezes mais numerosa. Em complemento, eles submeteram
509
Estratégias comparadas da descolonização econômica
os negros dos países vizinhos à sua dominação econômica e militar. A razão
principal da sua superioridade não reside simplesmente na riqueza da África
do Sul mas no fato deste país extrair a sua riqueza do trabalho dos africanos e
da capacidade operacional dos europeus. Os países vizinhos dispõem igualmente
de uma mão de obra africana e alguns possuem um rico subsolo, mas o que
falta aos negros, são técnicas de ponta em matéria de produção e o sentido de
organização eficaz a implicar na utilização destas técnicas.
O Oriente Médio oferece -nos um exemplo ainda mais claro e surpreendente
da superioridade da capacidade operacional sobre a riqueza. Ao menos desde
os anos 1970, grande parte do mundo árabe é muito mais rica que Israel, em
termos de renda. A economia israelense teria, na realidade, caído em ruína
caso os Estados Unidos da América do Norte e a diáspora judia não tivessem
nela injetado bilhões de dólares norte -americanos. Entretanto, embora menos
numerosos e menos ricos, os israelenses conservaram a sua superioridade militar
frente aos árabes. As sucessivas guerras travadas por Israel ilustram, de modo
espetacular, esta predominância da tecnologia sobre a renda nacional e em rela-
ção ao volume populacional.
No caso de Israel, tanto quanto no que diz respeito à África do Sul, o fator
cultural é determinante. Se não houvesse em Israel senão judeus do Oriente
Médio, os árabes teriam ganhado todas as guerras ou, antes, bastar -lhes -ia
ganhar a guerra de 1948. Com efeito, a cultura e a tecnologia dos judeus do
Oriente Médio não diferem sensivelmente daquelas próprias aos seus vizinhos
árabes. Em uma guerra entre povos do Oriente Médio, a superioridade numérica
dos árabes teria vencido a resistência dos judeus, muito antes que esta vantagem
fosse reforçada pela riqueza proveniente do petróleo.
Israel não deve a sua superioridade militar ao fato de 80% dos seus habitantes
serem judeus, mas à origem europeia de uma parte (menos da metade) desta
população judia. Foram os judeus vindos da Europa e, em termos mais gerais do
Ocidente, que lançaram as bases tecnológicas da hegemonia regional de Israel.
Se a hierarquia internacional repousa, em última análise, sobre a técnica, em
detrimento da renda, o que deveria fazer a África para melhorar a situação que
resulta atualmente do seu subdesenvolvimento tecnológico?
Evidentemente, seria necessário que ela adquirisse, tanto mais rápido quanto
possível, a capacidade operacional dos países nórdicos. Mas isto não consiste
em algo tão simples. Os países do Hemisfério Norte, muito frequentemente,
anseiam transferir algumas tecnologias, especialmente por intermédio das socie-
dades transnacionais; mas, as transferências de tecnologias necessárias ao Sul
não fazem senão acentuar as relações de dependência entre os dois hemisfé-
510
África desde 1935
rios. Há, por outro lado, tecnologias que o Norte não deseja de forma alguma
transferir. Um verdadeiro tabu atinge, particularmente, certos ramos da física e
da tecnologia nucleares. Enquanto a informática, por exemplo, contribui para
instaurar uma dependência gerada por transferência de tecnologia, as centrais
e os reatores nucleares encarnam a dependência produzida pelos monopólios
tecnológicos do Norte. Se as sociedades transnacionais apresentam -se muito
amiúde como instrumento de uma penetração econômica fundada sobre trans-
ferências de tecnologia, por sua vez, a energia nuclear simboliza a hegemonia
que os monopólios tecnológicos garantem aos países do Norte.
A estratégia do Terceiro Mundo em geral e dos países africanos deve con-
sistir, simultaneamente, em assimilar a tecnologia do Norte e partilhar entre si
os seus conhecimentos. As tecnologias nórdicas livremente transferidas devem
ser “descolonizadas” o mais rapidamente possível, de forma a livrá -las dos seus
efeitos agravantes sobre a dependência do Sul. Quanto às tecnologias que o
Norte busca guardar para si, estas devem constituir o objeto de uma apoderação
pelo Sul, com o objetivo de por um termo aos monopólios.
Uma nova ordem econômica internacional não teria sentido algum sem
uma nova ordem tecnológica internacional. A África necessita de estratégias
fundadas sobre a solidariedade, com vistas a concretizar estas duas categorias
de ordem internacional. Se o poder tecnológico concentra -se nos dias atuais quase
exclusivamente no Norte, o Sul detém outras formas de poder, por ele ainda
não plenamente aplicadas.
A OPEP mostra -nos o significado do conceito poder do produtor. É bem ver-
dade que, de 1973 a 1983, esta organização muito pouco exerceu a sua influência.
Em lugar de realizar pressão sobre o Norte, durante estes dez gloriosos anos,
no sentido de modificar substancialmente a estrutura e as regras da economia
mundial, ela buscou um lucro máximo no curto prazo e faz recair o essencial da
sua ação no âmbito dos preços.
Faz -se absolutamente necessário formar outros cartéis de produtores, mesmo
que inicialmente eles demonstrem pouca força. O cobalto, por exemplo, cuja
produção concentra -se em um número relativamente pequeno de países, poderia
desempenhar futuramente um papel estratégico, ainda mais importante que o
cobre. A formação, a título experimental de um cartel dos produtores de cobalto
poderia, portanto, mostrar -se eficaz, caso o Zaire afirmasse, de modo mais reso-
luto, a sua independência. Este país dispõe, no cômputo final, de um potencial
capaz de torná -lo, em alguns anos e quando o mercado for mais favorável, a
Arábia Saudita do cobalto.
511
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Os países do Terceiro Mundo tampouco utilizaram plenamente o seu poder
na qualidade de consumidores, conquanto tão variável e desigualmente repartido
segundo as regiões fosse este poder. Os países do Oriente Médio e alguns países
da África, como a Nigéria, revestem -se de uma particular importância como con-
sumidores de produtos civis e militares, de tecnologias e de utilidades domésticas
produzidos pelo Ocidente. De tempos em tempos, a Nigéria ou algum país do
Oriente Médio demonstra a sua força e ameaça anular ou não renovar acordos
comerciais. Mas o recurso a estas ameaças ocorre frequentemente ao nível de
questões relativamente secundárias: por exemplo, para protestar contra o seriado
Death of a princess, ou quando uma delegação árabe ou africana tenha recebido
algum golpe diplomático proveniente de uma potência Ocidental. A África e o
Oriente Médio poderiam utilizar o seu poder de consumidores para produzir
uma modificação mais profunda na estrutura dos intercâmbios Norte -Sul.
A quarta categoria de poder, ainda não suficientemente utilizada pelo Sul,
consiste justamente em sua condição de devedor. O tanzaniano Julius Nyerere
declarou, por ocasião da sua eleição como presidente da OUA, em novembro de
1984, que a situação atual na África era dominada pelas três grandes questões
relativas: ao desenvolvimento, à dívida e às grandes secas. O endividamento
africano é certamente moderado, comparativamente ao latino -americano mas,
Nyerere via neste estado de coisas uma vantagem e não simplesmente uma causa
de fraqueza. No desenrolar da sua primeira entrevista coletiva de imprensa, no
imediato posterior a sua eleição, ele deplorou que o Terceiro Mundo, capaz
de ameaçar o Ocidente com uma interrupção nos pagamentos, contudo, não
se servira eficazmente desta prerrogativa para conduzir os bancos ocidentais a
fazerem -lhe concessões mais relevantes no tocante aos seus débitos
41
.
Mas, a Tanzânia permaneceria intensamente vulnerável e tampouco uma
forte solidariedade viria unir os países da África e da América Latina. O poder
dos devedores não pode se exercer senão sob a condição de basear -se em um
largo consenso entre os países endividados. Os próprios bancos ocidentais, con-
duzidos por uma espécie de solidariedade orgânica, elaboraram mecanismos de
consulta quase permanentes. Os credores, ao Norte, estão unidos, quanto aos
devedores do Sul, estes se encontram desorganizados. A África e a América
Latina devem considerar a possibilidade de criar uma solidariedade estratégica
entre os despossuídos e endividados, com o intuito de levar os credores a fazerem
concessões no que tange às taxas de juros, ao escalonamento dos pagamentos,
41 O serviço africano da Voz da América emitiu, reiteradas vezes e especialmente em 24 de novembro de
1984, uma gravação do discurso e da coletiva de imprensa de Nyerere.
512
África desde 1935
às modalidades de pagamento, às condições de uma moratória ou, inclusive e
se necessário, ao cancelamento da dívida. Embora essenciais, todas estas formas
de solidariedade estratégica não lograriam, entretanto, substituir a solidariedade
orgânica, a qual deverá permear relações mais estreitas entre os países do Ter-
ceiro Mundo, especialmente nos âmbitos do comércio e dos investimentos. Os
países menos avançados encontram -se aqui prisioneiros de uma contradição,
em meio a muitas outras. No quadro das suas relações com o Norte, eles devem
diversificar a sua economia. Entretanto, no contexto das relações por eles man-
tidas entre si, eles devem especializar -se para acrescer a sua complementaridade.
Uganda, por exemplo, poderia uma vez mais cultivar o algodão e vendê -lo ao
Quênia que, por sua vez, transformá -lo -ia em tecido. Esta especialização ajuda-
ria os dois países a desenvolverem -se e a incrementar a sua complementaridade.
Contudo, as relações de Uganda com o resto do mundo, no cenário econômico
mundial, exigem uma diversificação em detrimento de uma especialização na
sua indústria. Tais são os termos de um grave dilema que os países do Terceiro
Mundo devem, urgente e impreterivelmente, resolver. Eles precisam encontrar
um equilíbrio entre a diversificação exigida pelas suas relações com o Norte e a
especialização necessária ao desenvolvimento do comércio entre os países do Sul.
A este cenário agrega -se a necessidade de encontrar outros meios de paga-
mento nas relações comerciais entre os países dos Sul. Com efeito, a obriga-
ção de utilizar moedas do Norte nas relações comerciais mostrou -se muito
constrangedora. As economias do Sul sempre se encontram atormentadas pelo
demônio do “câmbio”! A Tanzânia, a Zâmbia e o Zimbábue têm exatamente a
possibilidade de retornar ao escambo, ao menos em referência a uma parte das
suas relações econômicas. A Nigéria, nos anos 1980, experimentou o sistema de
“trocas compensatórias” entre o petróleo e os produtos manufaturados. A recente
melhora nas relações políticas entre o Quênia e a Tanzânia, permite aos dois
países vislumbrar a instauração do escambo para alguns produtos nos próximos
anos. No futuro, se o algodão ugandense alimentar mais regularmente a indústria
têxtil do Quênia, este último poderia perfeitamente pagar esta matéria -prima
em camisas e uniformes militares, em lugar de utilizar moedas fortes.
Outro setor tocado pela solidariedade orgânica entre os países do Terceiro
Mundo é a utilização partilhada da energia. Um terço da eletricidade consumida
pelo Quênia provinha outrora da barragem de Jinja, em Uganda, este país per-
manece um dos principais fornecedores de eletricidade ao Quênia.
A barragem de Akosombo, no rio Volta, em Gana, deveria constituir -se
em um dos principais centros regionais de produção de eletricidade na África
Ocidental. Infelizmente, o nível das águas deste rio baixou de tal forma que
513
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Gana, em lugar de fornecer energia aos países vizinhos, deveu racioná -la perio-
dicamente em seu próprio território, chegando inclusive ao ponto de importá -la
da Costa do Marfim. As barragens da África Austral, como aquela de Kariba,
desempenharam com maior êxito o seu papel regional. Elas simbolizam, em seu
conjunto, uma espécie de pan -africanismo energético: a solidariedade orgânica
aqui resulta do amálgama das estruturas da produção hidroelétrica.
A associação de vários países europeus no setor siderúrgico situa -se à ori-
gem do processo de formação da Comunidade Econômica Europeia (CEE). A
integração na indústria siderúrgica parecia excluir qualquer nova possibilidade
de guerra fratricida entre os europeus. Na Europa, a superposição das estruturas
de produção do aço viria conduzir, assim imaginava -se, à interdependência das
indústrias nacionais e diminuiria, por conseguinte, os riscos de agressão militar.
 . A barragem de Jinja, em Uganda. (Foto: Topham, Londres.)
514
África desde 1935
F . Em cima: a barragem de Akosombo, em Gana. Embaixo: a grande barragem de Kariba, no
Zimbabwe. (Fotos: Newslink Africa, Londres; Topham, Londres.)
515
Estratégias comparadas da descolonização econômica
Seguindo a mesma lógica, ao entrelaçamento das indústrias no setor elétrico
deveria aumentar a interdependência dos países terceiro -mundistas e incitá -los
a cooperarem em outras áreas.
O combate para reforçar a integração africana encontrou numerosos obstácu-
los, desde o desmantelamento da Comunidade da África do Leste, formada pelo
Quênia, por Uganda e pela Tanzânia, até a considerável diminuição no volume
das águas do Volta, rio acima, antes da barragem de Akosombo.
A tentativa de integração no sudeste asiático merece especial exame por parte
dos africanos. Este ensaio obteve maior êxito que o seu correlato africano, tal
como comprova o papel econômico e diplomático de primeira ordem desem-
penhado pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (ANASI) na região.
No mundo árabe, os esforços de integração proporcionam resultados positivos
e propulsores, a exemplo da criação do Conselho de Cooperação do Golfo mas,
não impedem o surgimento de violentos conflitos políticos entre alguns Estados,
como por exemplo a Líbia e o Egito.
Na América Latina, a integração regional igualmente constitui um êxito par-
cial. A América Central viveu durante os anos 1980 sob a ameaça de uma guerra
internacional. Em contrapartida, graças à mediação do Vaticano, a Argentina
e o Chile diminuíram as tensões relativas ao delicado problema do Canal de
Beagle. A cooperação econômica conheceu altos e baixos no conjunto da região
mas, o ideal de uma mais vigorosa integração permanece vivo. A África deveria
acordar a maior atenção às experiências desenvolvidas neste longínquo labora-
tório político.
O Hemisfério Norte foi dividido em duas zonas econômicas correspondentes
à sua divisão ideológica, apresentando, por um lado, o mundo socialista repre-
sentado pelo Conselho de Assistência Econômica Mútua (CAEM) e por outra
parte, o mundo capitalista, com a sua Organização do Tratado para o Atlântico
Norte (OTAN) e a CEE.
A África, integrante da região Sul, permanece, ao contrário e extremamente,
fracionada. Ela tenta, nos dias atuais, reunir os fragmentos dos quais ela se com-
põe. Ela busca o intangível segredo, o espírito oculto da coesão.
As estratégias de solidariedade são apenas meios a serviço de propósitos
específicos. O objetivo é longínquo e de difícil alcance. Mas, a que serviria o
paraíso se as nossas aspirações não ultrapassassem a realidade imediata?
Os filósofos distinguem a liberdade negativa (ausência de adversidades) e
a liberdade positiva (a liberdade de participação). A emancipação dos escravos
africanos, nas Américas, conferia -lhes quando muito uma liberdade negativa
(eles não pertenciam mais a outros homens). Um século mais tarde, os africa-
516
África desde 1935
nos da diáspora ainda estão em busca da liberdade positiva (liberdade de efetiva
participação).
A descolonização negativa assemelha -se à emancipação dos escravos, através
da qual eles deixam de pertencer a outros homens. Mas, não haveria verdadeira
descolonização positiva, senão quando os africanos participassem efetivamente da
economia mundial e detivessem, em escala global, um poder concedido a esta
atividade econômica. Não basta reduzir a dominação dos estrangeiros sobre
as nossas economias, embora esta etapa seja essencial. É urgente encontrar, ao
mesmo tempo, os meios para aumentar o poder de ação da África na economia
mundial. Os africanos devem parar de participar como piões em uma partida
disputada por outros, tornando -se, eles próprios, jogadores plenos, frente ao
tabuleiro de xadrez no qual se disputa o destino do mundo.
517
SEçÃO IV
S E Ç Ã O I V
EVOLUÇÃO SOCIOPOLÍTICA
APÓS AS INDEPENDÊNCIAS
C A P Í T U L O 1 5
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Construção da nação e evolução das estruturas políticas
O combate político travado pela África desde o início da era colonial funda-
-se sobre duas aspirações primordiais: o constante desejo em dar maior coerência
à nação africana e um igual desejo em conferir maior estabilidade ao Estado
africano. A crise da nação consiste naquela de uma identidade coletiva insu-
ficiente. A crise do Estado diz respeito à instabilidade da autoridade. Os dois
combates estão ligados mas, cada qual possui a sua própria lógica. A maioria
dos países africanos independentes é de Estados criados sob o regime colonial
que lutam para tornarem -se nações mais coerentes. Um país como a Somália,
em contrapartida, é essencialmente uma nação que luta para transformar -se em
um Estado mais estável e melhor integrado. Entretanto, em razão de existir,
no século XX, uma relação de reciprocidade entre a nação e o Estado, todos os
países pertencentes a uma ou outra categoria continuam a viver as duas crises
gêmeas, de identidade e de autoridade, na época pós -colonial.
Trata -se das fronteiras artificiais legadas pelas potências coloniais, as quais,
de todas as formas possíveis, colocam em perigo a identidade nacional na África
independente. No tocante à estabilidade do Estado, é frequentemente o exército
permanente, outro produto do regime colonial, que faz pesar sobre o continente
uma maior ameaça. Antes da colonização, a maioria das sociedades africanas
mobilizava os seus exércitos somente em caso de necessidade, isto equivale a
dizer, para enfrentar o conflito. Elas não mantinham os seus regimentos em
Construção da nação e evolução das
estruturas políticas
J. Isawa Elaigwu
Em colaboração com Ali A. Mazrui
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África desde 1935
armas quando não havia guerra. Elas não tinham forças armadas susceptíveis
de absorverem uma forte proporção dos recursos do país. Como consequên-
cia, o colonialismo criou um aparato militar dotado de meios de destruição
importados, muito avançados comparativamente ao restante da infraestrutura.
Simultaneamente, foram a nação africana e o Estado africano que suportaram
as tensões produzidas pelo casal das forças originárias do caráter artificial das
fronteiras e da instabilidade nas relações entre civis e militares.
Os responsáveis pela política colonial viram -se confrontados, no que diz res-
peito à organização das hierarquias dirigentes locais, a uma escolha primordial:
seria necessário conservar a autoridade dos chefes e dos soberanos tradicionais
ou confiar a função de enquadramento a uma elite intelectual mais ou menos
ocidentalizada? Os britânicos atacaram de frente o problema sem, todavia lograr
resolvê -lo, mesmo no que lhes diz respeito. A ideologia da administração indi-
reta”, por eles praticada e quando aplicada, favoreceu a manutenção das hierar-
quias tradicionais, tal como ocorrido particularmente na Nigéria setentrional.
Todavia, a partir de 1930, os artífices da política colonial, tal como concebida
pela Grã -Bretanha, estabeleceram um programa deliberado de “desenvolvi-
mento econômico social das colônias”, a comportar uma ampliação do ensino
secundário e superior, de tipo ocidental. Uma mais numerosa elite ocidentalizada
estava, portanto, em vias de constituição.
Nas colônias francesas, a divisão fez -se mais claramente em favor da criação
de uma elite intelectual afrancesada em detrimento dos chefes tradicionais.
Entretanto, mesmo o império francês não esteve ao abrigo de contradições.
Os marabutos da África Ocidental colonial guardavam muita autoridade e, no
Marrocos do protetorado, a monarquia conservou, malgrado as suas periódicas
desavenças com o soberano francês, um considerável poder.
Em seu conjunto, durante a época colonial, a alternativa primordial concer-
nente à autoridade referia -se, por um lado, aos títulos tradicionais de legitimi-
dade, em sua essência, autóctones, e por outro lado, aos novos critérios ligados à
educação do tipo ocidental. Em contrapartida, após a independência, a alterna-
tiva primordial coloca em jogo a elite intelectual civil ocidentalizada e as forças
armadas pós -coloniais. Durante o período colonial, os tradicionais detentores da
autoridade estavam na defensiva frente à concorrência da elite intelectual oci-
dentalizada. Após a independência, ao contrário, foram os dirigentes educados
à moda ocidental que se encontraram na defensiva, confrontados, como lhes é
peculiar, à potência do aparelho militar.
O debate em torno da questão dos chefes tradicionais prosseguia, especial-
mente, em países como a Nigéria e Uganda pós -Amim, nos quais as tradições
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Construção da nação e evolução das estruturas políticas
monarquistas autóctones não tendiam a permitirem -se extinguir. Mas, em seu
conjunto, o conflito atenuava -se na linha divisória de poder entre chefes tra-
dicionais e dirigentes ocidentalizados, ao passo que, entre estes mesmos civis
ocidentalizados e as forças armadas, a luta pelo poder ameaçava perpetuar -se
indefinidamente.
Em Gana pós -colonial, todos os dirigentes civis foram, até o momento,
homens formados em instituições da cultura ocidental, habitualmente titulares
de um doutorado (Nkrumah, Busia e Limann). Posteriormente, o pêndulo da
história concedeu o poder ao campo dos militares, habitualmente menos ociden-
talizados. Outros países africanos também oferecem exemplos desta tendência a
uma alternância de poder entre civis ocidentalizados e militares. Uganda contou
entre os seus dirigentes com um diplomado na Universidade de Makerere (Mil-
ton Obote), um antigo reitor desta mesma instituição (Y. K. Lule) e o primeiro
conselheiro da Coroa que este país tenha dado à tradição britânica (Godfrey
Binaisa).
 . Rei Mutesa II, o último kabaka de Buganda, trajando uniforme militar.
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África desde 1935
Entretanto, alguns destes homens que chegaram ao poder em Uganda pro-
vinham de muitas categorias ao mesmo tempo. Sir Edward Mutesa, o primeiro,
em ordem cronológica, dos presidentes do país, ele era simultaneamente um rei
tradicional e um africano ocidentalizado; Yoweri Museveni é soldado e diplo-
mado universitário. Portanto o quadro não é, como se diz,nem tão negro nem
tão branco”, mas, regra geral, é permitido reafirmar que, se no curso do período
colonial, tratava -se de escolher entre chefes tradicionais e dirigentes oriundos da
nova elite intelectual ocidentalizada, a escolha, à época inaugurada pela indepen-
dência, consiste em eleger entre civis ocidentalizados e soldados profissionais,
estes últimos possuidores de moderno armamento.
Na base de todas estas tenes encontram -se dois processos históricos
gêmeos que atravessam a África no século XX, a edificação da nação e a for-
mação do Estado. Interessaremo -nos mais particularmente neste capítulo a fase
pós -colonial. Todavia e até o momento, os problemas conhecidos pela África
independente representam o prolongamento puro e simples da sua história
anterior. Além disso, se é verdade que as ideias relativas à edificação da nação
e à formação do Estado são indispensáveis para nos ajudar a compreendermos
a África política, asseguremo -nos, antes de tudo, acerca da nossa compreensão
sobre os próprios conceitos de “nação” e de “Estado”.
A nação e o Estado: abordagem de duas denições
O conceito de nação aplica -se, em princípio, ao menos a três categorias de
grupos humanos. Em primeiro lugar, ele pode aplicar -se a “uma comunidade
estável e historicamente evoluída de pessoas tendo em comum um território,
uma vida econômica, uma cultura que os distingue e uma língua”. Em segundo
lugar ele pode designar “as pessoas habitantes de um território unificado sob a
autoridade de um governo único; um país e ainda um Estado”. E, em terceiro
lugar, uma nação pode ser “um povo ou uma tribo
1
”.
A definição da ideia de nação faz muito amiúde intervir a distinção entre
os atributos objetivos e os atributos subjetivos da nação. Entre os elementos
objetivos, cita -se frequentemente a língua, a história, o território, a cultura (que
por vezes engloba a religião), a organização política e a vida econômica. No que
diz respeito aos fatores subjetivos, eles compreendem especialmente um senti-
mento comum de identidade e um engajamento ou uma fidelidade de cada um
1 D. B. GURALNIK (org.), 1970, p. 946.
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Construção da nação e evolução das estruturas políticas
frente ao grupo. Estas variáveis psicológicas não são facilmente mesuráveis. M.
G. Smith associa com propriedade os fatores objetivos e subjetivos ao definir
a nação na qualidade de “um grupo habitualmente unificado e integrado cujos
membros ou a maioria dos membros compartilham tradições, instituições,
uma história e uma identidade étnica comuns
2
”.
Segundo a nossa primeira definição, pode -se falar de nação a propósito dos
ibo, dos yoruba ou dos hawsa -fulbe da Nigéria, dos kikuyu ou dos luo do Quênia,
dos hutu do Burundi ou ainda dos tswana do Botsuana. Na abordagem que é
a nossa, entretanto, a definição realmente funcional do que seria uma nação é a
segunda, nos termos da qual designa -se um país ou um Estado como as pessoas
habitantes de um território unificado sob a autoridade de um governo único”.
Segundo esta definição, nós falaremos a respeito de nação quando tratar -se da
Nigéria, do Quênia, do Burundi ou do Botsuana – e não em referência às diver-
sas “nações” que compõe o Estado -nação ou a nação -Estado.
As teorias da edificação da nação sublinham frequentemente o processo
pelo qual é produzida, junto aos indivíduos que pertencem a pequenas etnias,
a pequenas comunidades ou lugarejos menores, uma transferência do senti-
mento de pertinência ou fidelidade em proveito do mais amplo sistema polí-
tico central
3
”. Ao apoiarem -se sobre o seu próprio passado nacional, os autores
ocidentais são levados a conceber a formação de uma nação ou de um Estado
como dois processos distintos que finalmente desembocam na instauração de
um Estado -nação. Esta concepção implica que a formação de um tal Estado
seja o ponto culminante dos processos de edificação, por um lado, do Estado
e, por outra parte, da nação. Deriva que, na concepção ocidental, a formação
da nação precede normalmente a constituão do Estado, bem como, que o
Estado -nação constitui o produto último deste duplo processo. O processo de
edificação da nação consiste essencialmente, para um povo, em cultivar através
dos tempos certos comportamentos, convicções e valores de caráter político,
bem como a elaborar uma cultura política
4
”. Assim sendo, a ênfase é colocada,
no que concerne a edificação da nação, na “congruência das identidades cultural
e política
5
”. Trata -se de uma “tendência em direção à homogeneidade cultural
(o fato nacional)
6
”.
2 M. G. SMITH, 1971, p. 32.
3 G. ALMOND e B. POWELL, 1966; L. PYE, 1962.
4 G. ALMOND e B. POWELL, 1966, pp. 33 -36; M. G. SMITH, 1971, pp. 30 -33.
5 Isto não vale para os Estados do Terceiro Mundo ou mesmo para aqueles em desenvolvimento. Encon-
traremos uma boa análise do tema em S. ROKKAN, 1973.
6 A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 373.
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África desde 1935
Para nós, o processo de edificação da nação não implica necessariamente na
transferência do “sentimento de pertinência e de fidelidade”, o qual ao afastar -se
do estreito ou provinciano quadro dos grupos étnicos, ligar -se -ia desde logo a
uma entidade política mais ampla, por exemplo, uma entidade tal qual a Nigéria.
Ser ibo, yoruba ou kikuyu diz respeito à identidade, e isto não pode ser objeto
de uma transferência. É impossível deixar de ser ibo, hawsa ou kikuyu simples-
mente porque alguém assim decidiu. Para nós, o processo não implica em uma
transferência mas, na ampliação do horizonte até o qual os grupos restringidos
reconhecem a sua própria identidade, a ponto de englobar entidades mais vastas,
como o Estado.
Quando nós falamos de edificação da nação, evocamos duas dimensões da
identidade. Uma está estreitamente associada à construção do Estado. Trata -se
da progressiva aceitação, pelos membros da entidade organizada pré -existente,
da legitimidade de um governo central e da identificação com este governo cen-
tral, devidamente qualificado como símbolo da nação. Isto concerne à dimensão
vertical da edificação da nação, em outros termos, não somente um Estado,
mas igualmente existem indivíduos a aceitarem a sua autoridade (e não sim-
plesmente a sua potência coercitiva) e a virem em seu governo a representação
simbólica da sua comunidade política. Sob esta ótica, as tentativas de secessão
que tiveram lugar na Nigéria, na Etiópia, no Sudão e no Zaire (atual RDC)
constituíram desafios à autoridade do governo central e uma rejeição ao sen-
timento de identidade comum. O fim da guerra civil na Nigéria não somente
significou a renovada aceitação do Estado nigeriano pelos seus cidadãos, mas
igualmente, a aceitação, pelos nigerianos, do fato que o governo central devesse
simbolizar a nação nigeriana em nascimento.
No sentido horizontal, a edificação da nação implica que cada um aceite a
igualdade dos outros membros do corpo cívico, como membros de uma nação
juridicamente constituída isto significa que cada um reconheça aos outros o
direito de compartilhar uma história comum, os recursos, os valores morais e
os outros aspectos do Estado; esta aceitação é sustentada pelo sentimento de
pertinência a somente uma e única comunidade política. A edificação da nação
implica no sentimento segundo o qual todos os membros da entidade organi-
zada estão habilitados a tomar parte, para o melhor tanto quanto para o pior,
no processo do desenvolvimento político a este respeito, bem entendido está
que este último não comporta somente vantagens; ela representa, portanto, a
aceitação generalizada do processo de edificação do Estado; ela corresponde
à criação de uma comunidade política a conferir um sentido mais completo à
vida do Estado.
525
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Os processos de edificão do Estado e de edificão da nação podem
desenrolar -se simultaneamente e sabe -se que, muito amiúde, eles recobrem -se
parcialmente; em relação a muitos Estados africanos anteriormente colonizados,
o Estado precedeu a nação. Povos foram arbitrariamente agrupados no seio de
uma unidade territorial que posteriormente formou uma entidade geopolítica
denominada Estado. Em meio aos povos incorporados a tais Estados, nume-
rosos eram aqueles junto aos quais não existia nenhuma identificação face ao
Estado, na qualidade de símbolo de um povo ou de uma comunidade política.
Na realidade, a maioria destes grupos foram colocados em contato, entre si,
aproximadamente ao final do período colonial, momento no qual os mestres
coloniais fecharam o seu “guarda -chuva político” e trouxeram a bandeira
7
.
Para estes povos, não existiam valores, convicções ou comportamentos”
comuns, cuja natureza permitisse criar uma cultura política própria à popu-
lação dos novos Estados. Em suplemento, em razão da maioria dos Estados
africanos ter nascido após 1960, o período da edificação do Estado, no tocante
a muitos dentre eles, não começou senão muito recentemente. Se a experiência
de construção do Estado segue o seu curso, a edificação da nação, por sua vez e
igualmente, também permanece em marcha, este quadro multiplica as tensões
exercidas sobre o sistema político em todos os Estados africanos. Rajini Kothari
observa, a justo título e relativamente ao Terceiro Mundo, que “o próprio con-
ceito de nação extrai frequentemente a sua substância não tanto das noções, cul-
turais e linguísticas, que estiveram à origem da consciência nacional na Europa,
mas, antes e sobretudo, de uma ideia transcendente de Estado coincidente a
um fato nacional
8
”.
O processo de edificão do Estado e de edificão da não tamm
provocou, como oportunamente fez valer Sheldon Gellar, o surgimento de
nações -Estado”, nas quais se manifesta o aspecto dúbio da integração nacional,
referente à diversidade na unidade” e à unidade na diversidade
9
”. O processo
de edificação da nação pode, por conseguinte, convergir, igual e definitivamente,
tanto para a criação de “nações -Estado quanto de “Estados -nação”.
7 Em uma carta endereçada ao chefe de Estado nigeriano para solicitar a criação, no seio da Federação
da Nigéria, de um novo Estado separado do antigo Estado de Bénoué -Plateau, os membros da Plateau
Student´s Association (1974, p. 2) se expressavam nestes termos: “Os tiv e os idoma possuem uma
organização social completamente distinta daquelas que os diversos grupos de população de Plateau têm
em comum. Não existe nenhuma ligação cultural entre o nosso povo e aqueles do Bénoué meridional.
A verdade histórica é que, em princípio, sua existência nos era desconhecida até recetemente.”
8 R. KOTHARI, 1973, p. 104.
9 S. GELLAR, 1972, pp. 40 e 41; M. REJAI e C. ENLOE, 1969.
526
África desde 1935
A edificação da nação implicaria, necessariamente, na homogeneização das
identidades culturais e políticas? Como levou -nos a observar Clifford Geertz,
qualquer tentativa de substituição das identificações e dos laços primordiais por
equivalentes, concernentes à cidadania, constitui uma “impossibilidade pura e
simples
10
”. É preciso encontrar um compromisso, defende este autor, baseado
em acomodações mútuas”, de tal forma obtidas que os processos de governo
possam operar “plenamente, sem contudo ameaçar o referencial cultural da iden-
tidade pessoal”. Mediante estas condições, as eventuais descontinuidades não
seriam de natureza tal a perturbar radicalmente a vida política”. Ali Mazrui e
Michael Tidy estimam, com propriedade, que a edificação da nação pressupõe
uma “suficiente homogeneidade cultural
11
”, para que o sentimento nacional
possa enraizar -se.
Pode -se avançar, desde logo e juntamente com Edmund Burke, que “o amor
endereçado à totalidade não é abafado pela (...) parcialidade, de caráter subordi-
10 C. GEERTZ, 1963, p. 155; M. FORTES e E. E. EVANS -PRITCHARD (org.), 1940; P. BROWN,
1970, onde encontraremos outra apresentação analítica.
11 A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 373.
 . Segundo Encontro de Estados Magrebinos, em Marrakesh, 15 e 16 de fevereiro, 1989. Da
esquerda para a direita: Ben Ali, presidente da Tunísia; M. Kadha, presidente da Líbia; Hassan II, rei do
Marrocos; C. Bendjedid, presidente da Argélia; Ould Sid Ahmed Taya, presidente da Mauritânia.
527
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
nado, endereçada a um elemento do todo (...), pois a filiação ao pequeno pelotão,
ao qual pertencemos na sociedade, é o próprio princípio (...) dos sentimentos
afetivos na esfera da vida pública
12
”.
Talvez seja a partir de um certo grau de adesão aos valores subnacionais que
a totalidade esteja ameaçada. O processo de edificação da nação visa deliberada-
mente ampliar o horizonte destes laços subnacionais, para fazê -lo coincidir com
as fronteiras do Estado e, ao final das contas, para le-lo, se possível, a tornar
somente parcial a adesão aos grupos restringidos.
Devemos acrescentar, para concluirmos, que o processo de edificão da
nação, nos Estados africanos, foi pontuado por conflitos e crises. Posta a diver-
sidade dos grupos humanos a participarem desta evolução, estes conflitos seriam
inevitáveis, mas o elemento determinante consiste aqui em sua intensidade: os
enfrentamentos não devem ameaçar o consenso acerca dos valores sobre o qual
se apoia o processo de edificação da nação. Como leva a observar Ali Mazrui,
A recorrente experiência da resolução de conflitos surgidos entre as forças anti-
nômicas constitui, em suma, um dos melhores indícios de solidez da integração
nacional
13
”. Com efeito, segundo Lewis Coser, os conflitos podem finalmente
desempenhar um papel positivo no que diz respeito à solidariedade do grupo
14
.
Segundo a perspectiva por nós adotada, as “estruturas políticas em mutação
são as instituições políticas herdadas, assim como as modificações atribuídas a
estas últimas e/ou as novas instituições implantadas no intuito de facilitar, aos
Estados africanos, a sua edificação nacional, após a independência conquistada
nos anos 1960.
Dos modelos coloniais às constituições da independência
Em complemento relativo à prática da administração indireta, os britânicos
criaram nas suas colônias conselhos legislativos”. A composição destes conse-
lhos evoluiu e aproximadamente ao final da era colonial, as maiorias, compos-
tas de administradores brancos e de membros nomeados, haviam cedido lugar
a maiorias formadas por africanos e membros eleitos. Esta democratizão
12 Citado em S. HUNTINGTON, 1968, p. 30.
13 A. A. MAZRUI, 1969a, p. 150; A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 12; J. F. A. AJAYI, 1968, p. 194;
I. L. MARKOVITZ, 1977, p. 47.
14 L. COSER, 1956, p. 188.
528
África desde 1935
realizara -se na justa medida da definição sobre a perspectiva da autonomia e
da independência.
No curso dos últimos anos do regime colonial, os britânicos transferiram,
por assim dizer, o seu modelo de governo metropolitano para o âmbito dos
seus territórios coloniais. Salvo raras exceções, como a Tanzânia, este modelo
favoreceu o pluripartidarismo e a concorrência eleitoral entre os partidos. Ao
vislumbrar -se a independência, embriões de “parlamento” (muito amiúde bica-
merais) constituíram -se e, consequentemente, os africanos puderam ensaiar a
experiência de uma vida política moldada por um regime parlamentar, alguns
dentre eles, após eleitos, alcançaram o posto ministerial. Frequentemente, os
britânicos também dotaram as suas colônias de estruturas federais, as quais,
inclusive, sequer existiam em sua sociedade. Neste crepúsculo de época colonial,
a proximidade da independência conduziu numerosos grupos étnicos ou nações
culturais” a disputarem o poder político que, brevemente, seria posto à disposição
do novo Estado. De forma reiterada, esta concorrência fez nascer um novo espí-
rito, estritamente particularista, mediante o qual cada um toma mais claramente
consciência de si e dos outros, neste clima de enfrentamento. As elites políticas
apoiaram -se em suas bases étnicas, etnogeográficas ou regionais para mobilizar
militantes em sua corrida para o poder. O Northern Peoples Congress (NPC)
e o Action Group (AG), na Nigéria, o National Liberation Movement (NLM),
o Northern Peoples Party (NPP) e o Togoland Congress Party (TCP), em
Gana, a Association des Bakongo (ABAKO) e a Confédération des associations
tribales du Katanga (CONAKAT), no Zaíre, o Kabaka Yekka (KY) e o Demo-
cratic Party (DP), em Uganda, não representam senão alguns exemplos destas
formações. Todas contribuíam para compor o cenário dos eventos políticos da
era pós -colonial. Algumas dentre elas, à imagem da CONAKAT, eram patro-
cinadas pelos meios empresarias coloniais ou pela própria autoridade colonial,
com o objetivo de diminuir o eleitorado dos partidos nacionais. Lançavam -se
assim as sementes para uma futura independência.
Entretanto, existiam partidos cuja audiência expandia -se a todo um território
e cujas atividades de mobilização das massas tentavam ultrapassar, tanto quanto
possível, o estrito horizonte da fidelidade e dos laços locais. Um dentre eles,
como vimos no capítulo 7, era o National Council for Nigeria and Cameroom
(NCNC) o qual se tornou, sob a mesma sigla, o National Council for Nige-
rian Citizens, quando Camarões, pela sua parte ocidental, decidiu separar -se
da Nigéria. Ele deveria, posteriormente, bater em retirada e, ao renunciar à sua
condição de formação nacional, tomou o caráter de um partido regional.
529
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Na Guiné, o Partido Democrático da Guiné (PDG), dirigido por Sékou
Touré, mobilizou diversos grupos étnicos e sindicais no seio de uma organização
nacional eficaz. Esta formação marginalizou os outros partidos e associações
étnicas, mobilizando com propriedade o povo da Guiné contra autoridade da
França. O voto em contrário dos guineenses no referendo de 1958, organizado
pelo general de Gaulle, que chamara a votar pela solução francesa, provocou
um verdadeiro choque na França. O sucesso dos esforços empreendidos pelo
PDG, no sentido de ultrapassar o quadro étnico, pode ser ilustrado através do
êxito obtido por este partido, em 1956, por ocasião da eleição de cinco dos
seus dirigentes, os quais se apresentavam às eleições municipais, fora da sua
região de origem
15
”. É necessário notar que as origens familiares de Sékou Touré
conferiam -lhe uma espécie de legitimidade tradicional que recobria o seu par-
tido, mediante o risco de alienar -lhe alguns grupos étnicos
16
.
O Bloco Democrático Senegalês (BDS), liderado por Senghor soube, tam-
bém ele, transcender os laços étnicos e mobilizar o povo senegalês, em prol da
independência. Ainda mais notável, em um país predominantemente islâmico,
o cristão Senghor obteve a adesão dos mais influentes marabutos muçulmanos,
os quais desempenharam um papel de primeira grandeza em sua vitória sobre
o seu rival Lamine Gueye. O caso de Senghor denota, clara e primeiramente,
a existência de um nascente, porém dinâmico, processo de edificação da nação,
antes mesmo da independência. Oferecendo um belo exemplo de sucesso ecu-
mênico, este católico governou um país composto por 80% de muçulmanos.
O caso de Julius Nyerere, na Tanzânia, apresenta certa analogia com aquele
de Senghor. Originário de uma pequena etnia (os wazanaki), ele era igualmente
cristão e teve que atuar em um país sobretudo muçulmano. Mas, ele não viria
enfrentar nem as grandes nações” solidamente estruturadas existentes na Nigé-
ria, nem tampouco os problemas linguísticos que igualmente conhece este país.
A Tanzânia é um Estado poliétnico mas, não multinacional, tal como a Nigéria,
nela não se fala senão uma única língua, o kiswahili, o que a previne contra as
tendências centrífugas. Julius Nyerere participou da criação, em 1954, da Tan-
ganyika African National Union (TANU). Este partido conduziu, sozinho, a
Tanganyika à independência, sem encontrar muita oposição, e dirigiu o país até
1977, ano durante o qual este partido expandiu -se para formar o Chama cha
Mapinduzi (CCN).
15 A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 90.
16 Sékou Touré passou por neto do rei mandinga Samori Touré.
530
África desde 1935
Em outros lugares, por exemplo em Uganda, o pluralismo criou, ao contrário,
dificuldades. Embora essencialmente pan -étnico, o Uganda People’s Congress
(UPC), liderado por Milton Obote, viu -se na obrigação de fazer uma aliança
com o KY para formar um governo no momento da independência. O papel
dúbio do kabaka, simultaneamente rei do Buganda e chefe do Estado ugandense,
causou reais dificuldades no processo de edificação da nação e no que se refere
aos símbolos representativos do fato nacional.
No Quênia, a Kenya African Union (KAU), posteriormente transformada
em Kenya African National Union (KANU), ambas desempenharam um papel
estruturador da mobilização junto à população. De caráter essencialmente étnico,
a KANU era predominantemente kikuyu e luo, as duas etnias a formarem uma
aliança assaz conturbada. Às vésperas da independência, o temor em ver ins-
taurado um Estado, controlado por um partido único sob domínio kikuyu -luo,
conduziu à fundação da Kenia African Democratic Union (KADU), partido
igualmente pan -étnico. Entretanto, a KANU ganhou as eleições para o Conse-
lho Legislativo de 1961 e dedicou -se à libertação do seu líder, Jomo Kenyatta.
As eleições de maio de 1963 conduziram triunfalmente esta liderança ao poder,
na qualidade de primeiro -ministro, assim a independência foi proclamada em
dezembro deste mesmo ano.
A experiência do Congo belga (atual RDC) foi mais tumultuosa. Patrice
Lumumba, nacionalista pan -africano, constituíra um partido pan -étnico, o
Movimento Nacional Congolês (MNC), movimento este que alcançara mobi-
lizar a população, para acelerar a conquista da independência. A base dos prin-
cipais partidos opositores ao seu era, sobretudo, regionalista. A ABAKO, por
exemplo, militava em favor de uma divisão do país, em prol da formação de um
Estado congolês posteriormente em condições de fundir -se ao Congo francês
(Congo -Brazzaville)
17
. A CONAKAT, dirigida por Moïse Tshombé, escolheu
a secessão no Katanga (Shaba). Esta situação degenerou em guerra civil, no
imediato posterior a independência. A tarefa era além de árdua para Lumumba,
haja vista tratar -se de construir a unidade no seio de um país constantemente
ameaçado pelo colonizador e pelos congoleses, eles próprios. Após a sua exe-
cução durante a guerra civil, Mobutu julgou necessário invocar o seu nome
na qualidade de um dos símbolos da edificação nacional e tentou fazer o que
Lumumba fora impedido de concretizar enquanto vivo.
17 A. A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 96; C. YOUNG, 1965, p. 659.
531
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
As reações nacionalistas, manifestas no curso dos derradeiros anos da coloni-
zação, não derivaram com frequência para a outorga pacífica da independência
pela potência colonial. Em Angola, no Zimbábue, em Moçambique, na Guiné-
-Bissau, assim como na Argélia, impôs -se o recurso à luta armada para alcançar
a soberania. Na Guiné -Bissau, o Partido Africano pela Independência da Guiné
e de Cabo -Verde (PAIGC) logrou mobilizar eficazmente o povo, com o objetivo
de travar a luta anticolonial. Neste país, exemplo raro na África, a nação nasceu
antes do Estado, a sua edificação nacional apresentava -se como uma condição
prévia à constituição de um Estado. Tão logo precipitada a batida em retirada
dos portugueses, Angola foi rasgada por uma guerra civil entre o Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA), dirigido por Agostinho Neto, a
Frente Nacional de Libertação de Angola (FLNA) cujo chefe era Robert Hol-
den, e a União Nacional pela Independência Total de Angola (UNITA), condu-
zida por Jonas Savimbi. Contando com o apoio da Organização pela Unidade
da África (OUA), o governo do MPLA de Agostinho Neto foi reconhecido
como legítimo governante do país.
Em suas colônias da África Austral, a Grã -Bretanha enfrentou os problemas
postos pela comunidade branca no transcorrer do processo de descolonização.
O racismo e o fator étnico desempenharam nestas regiões um papel central. O
Malawi Congress Party (MCP), de Hastings Kamuzu Banda, soube mobilizar
os africanos contra o racismo e o colonialismo e obteve a independência da
Niassalândia, renomeada Malaui. No Zimbábue, a luta foi tanto um combate
contra o racismo, quanto uma luta contra o colonialismo, e as clivagens étnicas
entre os shonas e os ndebele, neste âmbito, desempenharam um importante
papel. A África do Sul, por sua vez, prosseguiu com a sua política do apartheid,
em que pese o seu discurso proferido, por ocasião de uma viagem à região, e
concernente aos ventos da mudança”, Harold Macmillan manteve a usurpação
da autonomia tal qual exercida na Namíbia.
Quais seriam os traços específicos manifestados pelos novos Estados no
momento da independência? A religião tradicional e o Islã haviam sobrevivido
à colonização, ao passo que o cristianismo, último participante no tríptico das
religiões africanas, aumentara a sua influência. Esta circunstância não se confi-
guraria sem consequências no que tange à estabilidade do edifício coletivo, bem
como no tocante a construção da nação.
Os chefes tradicionais e a sua autoridade haviam igualmente sobrevivido
ao regime colonial, com papéis diferentes nos Estados francófonos e naque-
les de língua inglesa, apresentando maior influência política nestes últimos.
Este quadro produziu desdobramentos (como constatar -se -ia na Nigéria e em
532
África desde 1935
Uganda) não somente no referente a construção do Estado mas, também, para
a edificação da nação.
A educação de tipo ocidental tornou -se um passaporte para o setor da socie-
dade em vias de modernização. Além disso, ela criou uma nova elite africana
que, em diferentes níveis e em função da maneira através da qual encarava a
colonização, foi atingida por uma esquizofrenia cultural
18
.
A África soubera constituir para si partidos políticos e, salvo raras exce-
ções, especialmente a Tanzânia, bem como, resguardada a sua especificidade,
a Guiné -Bissau, as autoridades coloniais no continente haviam encorajado o
pluripartidarismo, muito amiúde visando a divisão do movimento naciona-
lista ou intuindo impor às colônias o modelo de “democracia” em vigor na
metrópole. Assim sendo, todas as potências coloniais, salvo Portugal, legaram
aos Estados africanos um sistema baseado na representação parlamentar e no
pluripartidarismo.
Outrossim, foram precisamente leis europeias, as impostas aos povos coloni-
zados para regular o exercício do governo ou reger os comportamentos. Os países
francófonos e anglófonos herdaram não somente este arcabouço jurídico, mas
também instituições jurídicas da antiga metrópole. Por conseguinte, a common
law inglesa ainda constitui, na Nigéria, o esqueleto do sistema jurídico nacional.
As novas políticas igualmente receberam a herança da organização admi-
nistrativa colonial, a qual, essencialmente, apresentava -se como um dispositivo
de manutenção da ordem e exploração das riquezas. Qual seria o caráter da
transformação desta organização? Quais novos objetivos ser -lhe -iam atribuídos?
Todas as estruturas de governo, transmitidas às elites quando das indepen-
dências, comportavam as suas próprias contradições. A Grã -Bretanha, Estado
unitário, a despeito do seu pluralismo cultural, deixou frequentemente como
herança, a estas antigas colônias, constituições federais ou quase federais. A
Nigéria, o Quênia e Gana
19
, assim como as relações federais, unitárias, amorfas e
contraditórias, unindo o centro às unidades subnacionais, tal como na Federação
da Rodésia, na Niassalândia e em Uganda, deste quadro fornecem um perfeito
exemplo.
A França do general de Gaulle administrava duas federações coloniais, na
África Equatorial e Ocidental, entretanto, o próprio de Gaulle era hostil ao fede-
ralismo e a ele se opôs ao ter, por exemplo, declarado: “Eu não estou seguro que
18 Conferir A. A. MAZRUI, 1978, p. 392.
19 O CPP, movimento de Kwame Nkrumah, criticou e, posteriormente, modicou as suas instituições e o
Estado ganês, tornando -o um Estado unitário.
533
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
o sistema federativo, a eventualmente substituir, em certas regiões e de alguma
forma, o sistema colonial, seja o mais adequado e prático. Particular, todavia
não somente na África; pois, em suma, isto consiste em unir, por ofício, povos
muito distintos, quiçá opostos,os quais consequentemente não se adéquam ao
todo. Vimo -lo no Canadá, mas, também na Rodésia, na Malásia, em Chipre,
ou na Nigéria
20
.”
A maioria dos Estados francófonos herdou um governo unitário, excetuando-
-se Camarões, conduzido, após ter agregado Camarões ocidental, secessionista
perante a Nigéria, a experimentar durante curto período o federalismo. A ten-
tativa federalista senegalo -sudanesa (atual Mali) redundou em um fracasso.
Vejamos pois como os dirigentes africanos impuseram -se frente ao problema
da edificação das nações a partir dos Estados herdados do regime colonial.
Os processos de integração e a mutação
das estruturas políticas
Desde a independência, os dirigentes dos novos Estados africanos foram
confrontados às exigências primazes da nação e do Estado, tais quais, enfrenta-
ram, em outras palavras, os desafios do desenvolvimento político. Notadamente,
faltava -lhes: centralizar a autoridade política, ao que denominamos frequente-
mente “processo de construção do Estado”; instaurar a unidade entre os grupos
heterogêneos habitantes no país, tarefa comumente chamada processo de edifi-
cação da nação”; ampliar as perspectivas para a participação política; e distribuir
os recursos menos abundantes
21
.
Conquanto outros Estados, a eles precedentes na via do desenvolvimento,
como a Grã -Bretanha ou os Estados Unidos, tivessem usufruído, a seu tempo,
da possibilidade de abordar, umas após as outras, estas tarefas, por sua vez, os
Estados africanos descobriram, doravante, tratar -se este procedimento de um
luxo. A revolução tecnológica, acompanhada da revolução nas comunicações,
não somente interligara o planeta, mas, também, retirou dos novos Estados o
benefício do relativo isolamento, ao abrigo do qual podia -se outrora enfrentar
estes problemas, contudo, ela fizera da sua resolução simultânea um imperativo
político. Nestas condições, os novos dirigentes não tardariam a constatar que os
órgãos de decisão do país estavam sobrecarregados de demandas e de esperanças,
20 C. DE GAULLE, 1968, p. 1186.
21 Seguindo a análise do Social Science Research Council. Conferir L. BINDER e colaboradores, 1971.
534
África desde 1935
embora, em larga medida, estivessem desprovidos das capacidades e dos meios
necessários para respondê -las.
Os dirigentes políticos, particularmente aqueles da África britânica, os quais
haviam passado por um período de diarquia com os mestres coloniais, foram
rapidamente surpreendidos ao constatarem que o novo sistema parlamentar, a
ser posto por eles em funcionamento, não lhes conferia poder semelhante ao
dos seus precedentes. Assim sendo, quando o governador -geral da colônia acu-
mulava os poderes legislativo e executivo, o novo sistema comportava toda uma
estrutura de dispositivos de controle, de equilíbrio e de repartição das funções
entre o executivo, o legislativo e o judiciário. Para aqueles educados em uma
cultura política autoritária, não lhes era fácil efetuar a transição para a demo-
cracia parlamentar e no sentido da incorporação das suas concepções sobre a
participação, acerca dos compromissos com os opositores políticos, bem como
relativamente à necessária tolerância.
As novas elites políticas teriam efetivamente tentado modificar as estruturas
políticas herdadas, de modo a poderem edificar uma “nação” a partir do Estado
cuja responsabilidade desde logo lhes cabia? E − em referência ao modelo base-
ado na noção de herança
22
o que fizeram os detentores do legado colonial para
utilizar, em benefício do processo de edificação da nação, as estruturas políticas
assim herdadas?
Segundo o nosso modelo, as autoridades coloniais legaram às elites políticas
locais um governo central armado de instrumentos coercitivos e de manutenção
da ordem, como a polícia, o exército e o aparato jurídico. A administração her-
dada por estas elites era não somente o maior empregador, mas igualmente, o
motor principal do crescimento. Os poderes públicos também se apresentavam
como o maior detentor de recursos econômicos do país.
Se levarmos em conta esta herança, as novas elites souberam elas livrar -se
das estruturas coloniais, com vistas a considerarem novos objetivos? A seguinte
observação de Sheldon Gellar é, em sua totalidade, exata: Uma vez que o con-
trole do poder e dos seus recursos constituíam -se como o principal objetivo da
ação política antecedente à independência, não se considerava em nada a pos-
sibilidade de eliminá -los quando o alcançado objetivo. Ao contrário, a principal
preocupação das elites herdeiras do patrimônio era, exata e posteriormente à
independência, consolidar e expandir a autoridade do Estado
23
.”
22 Este modelo é utilizado por S. GELLAR, 1972, pp. 384 -426.
23 Ibid., p. 398.
535
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
No seio das instituições herdadas e em resposta às necessidades de edificação
da nação, praticamente nada foi ensaiado para introduzir mudanças de longo
alcance. Naturalmente, as estruturas multinacionais e poli -étnicas não haviam
mudado do dia para a noite, simplesmente pela conquista da independência. A
heterogeneidade destes Estados também compunha este legado colonial. Com
exceção dos raríssimos casos acima evocados, os limites dos novos Estados da
África estavam longe de coincidir com as fronteiras das nações, dos impérios e
dos antigos reinos. Para os novos dirigentes, a edificação da nação era, na reali-
dade, um objetivo de longo prazo. Muito mais imediato era o desejo de consoli-
dar a autoridade do poder central, herdado por estes governantes, garantindo -lhe
um domínio expandido e mais eficaz − isto equivale a dizer, construir o Estado.
Na realidade, para as elites políticas, aludir à construção da nação corresponde
a dizer, “sem meias palavras, que o fortalecimento do centro, graças ao Estado
e/ou ao partido, aparece no primeiro plano entre as suas prioridades pois, elas
consideram o Estado e/ou o partido como o principal instrumento para a criação
de uma consciência nacional
24
”.
Sob estas condições, era mais coerente, no tocante ao interesse das elites
legatárias, conservar as estruturas políticas coloniais, as quais não haviam sido
criadas para edificar uma nação. A continuidade das instituições proporcio-
nava aos dirigentes uma forma de segurança e garantias para o futuro. Quando
houve mudanças, as fórmulas escolhidas tiveram um caráter reformista e não
revolucionário.
Portanto, não é cabível espanto frente à ampliação da administração central
nas sociedades africanas pós -coloniais. Não somente as estruturas permanece-
ram idênticas àquelas do tempo da colonização, mas a sua finalidade não foi,
por assim dizer, modificada. Os Estados francófonos da África Ocidental e
Gana, Nigéria, o Quênia ou Uganda oferecem o exemplo deste desenvolvimento
da administração em detrimento dos partidos, principalmente porque ela foi
considerada, neste contexto, como um instrumento de controle político. Henry
Bienen demonstrou -o muito propriamente no caso do Quênia: neste país, reco-
nhecido pela solidez da sua administração regional, fortemente centralizada
sob a autoridade presidencial, a função pública oferecia maior possibilidade de
participação e de representação que o partido político, a KANU
25
.
O aparato administrativo nigeriano desenvolveu -se rapidamente a partir
da independência, mas este foi praticamente o único sinal de mudança por ele
24 H. BIENEN, 1974, p. 215.
25 Ibid.
536
África desde 1935
manifestado. As diretrizes gerais que regiam a conduta dos membros da função
pública, redigidas sob o regime colonial, por muito tempo conservaram rubricas
relativas a diversos privilégios, inseridos pelos europeus em seu próprio proveito,
como o “aluguel da mata”, o “aluguel do cavalo” e outros que tais.
Finalmente, somente alguns Estados tentaram conferir novos objetivos à
administração. Na Tanzânia, por exemplo, J. Nyerere, inspirado na Declaração
de Arusha, planejava conceder um novo papel aos serviços administrativos: “Per-
mitir ao governo central orientar e assistir às populações locais, enquadrando as
suas atividades e reduzindo, ainda assim, a papelada e os entraves burocráticos
que estão em vias de solapar o entusiasmo do nosso povo
26
.”
Na maior parte da África, a influência da administração aumentou, sem
contudo modificar o seu papel. O regime colonial nela vira um instrumento
de manutenção da ordem e uma ferramenta de exploração, as elites que dela
recolheram a herança contentaram -se, via de regra, com esta concepção e não
sonharam colocá -la ao serviço do bem -estar da população. Em certos Estados,
como a Nigéria, fez -se necessária a sucessão de vários governos para que os
funcionários interviessem nas principais áreas do setor privado, as quais diziam
diretamente respeito à vida das pessoas
27
. A Tanzânia, quanto a ela, engajou -se
muito mais cedo neste sentido.
Vale aqui observar que, em razão da política das potências coloniais euro-
peias, descrita precedentemente, e daquela relativa aos diferentes modelos admi-
nistrativos, o aparato dos Estados francófonos era, em geral e mais estreitamente,
tributário da antiga potência colonial, comparativamente aos Estados anglófo-
nos, os quais haviam sido habituados a um grau de autonomia relativamente
mais elevado.
A política monetária dos novos Estados testemunha igualmente da prudên-
cia das elites à época da independência no que se refere à mudança. Grande
parte da África francófona ainda pertence à zona do franco e muitos Estados
anglófonos permaneceram na zona esterlina, abandonada pela Nigéria somente
em 1973; as moedas da Tanzânia, do Quênia e de Uganda continuam a ser
denominadas “shilling”.
26 J. K. NYERERE, 1972, p. 2.
27 République Fédérale du Nigéria, 1972; P. COLLINS, 1983, pp. 412 -414. Trata -se do decreto que deter-
minava a africanização da economia e concedia à administração poderes de intervenção suplementares
no setor privado, com o objetivo de proteger os interesses dos nigerianos. Foi necessário esperar doze
anos para que esta medida entrasse em vigor.
537
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
O pluralismo dos países africanos, também e naturalmente, é linguístico
28
.
Bem entendido, os Estados francófonos empregam o francês como língua oficial
e o inglês ainda possui o mesmo estatuto na maior parte dos Estados anglófonos.
Na África do leste, o kiswahili foi adotado como língua oficial no Quênia, na
Tanzânia e, por certo tempo, em Uganda. Espera -se que este fato revelar -se
como um fator de unificação nestes países. No Sudão, a introdução do árabe
como língua oficial enfrentou uma resistência por parte dos habitantes do
sul, região na qual o inglês continua a ser utilizado. A Libéria adotou o inglês
como língua oficial, ao passo que o amhárico exerce a mesma função na Etiópia.
Angola, Guiné -Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique têm
como língua oficial o português. Adotar uma língua africana autóctone como
língua nacional envolvia riscos que dissuadiram as elites a modificarem uma
situação à qual, em sua maioria, elas muito bem se acomodavam.
Os currículos escolares permaneceram praticamente os mesmos, tanto em
estados francófonos quanto naqueles de língua inglesa, embora tenha sido pos-
sível assistir a um desenvolvimento dos sistemas escolares
29
. A escola não foi
utilizada no sentido de socializar a juventude em um espírito de edificação da
nação. Assim sendo, Shakespeare e a história da Inglaterra, bem como aquela
do Império britânico e do Commonwealth continuaram a figurar perfeitamente
nos currículos escolares dos Estados anglófonos da África. Na Nigéria ima-
gem da maioria dos Estados de língua inglesa), muitos adultos postulantes ao
diploma de ensino médio frequentavam aulas sobre a Constituição britânica, no
momento em que estes mesmos indivíduos tão somente começavam a entender
a sua própria Carta Magna. No tempo do Império francês, os gauleses eram
apresentados como os ancestrais dos africanos francófonos; a elite herdeira deste
império, sem chegar a tal extremismo, não conferiu prioridade à modificação dos
currículos na educação, educação esta que, na qualidade de instrumento cultural
imperialista, exercera em suas colônias francesas uma ação ainda mais profunda
e eficaz, comparativamente ao exercido nas colônias inglesas ou belgas.
As instituições tradicionais haviam sido enfraquecidas pelo sistema colo-
nial. Entretanto na Nigéria e em Uganda, os chefes tradicionais participaram
ativamente na vida política e na administração. Em Uganda, o kabaka (rei de
Buganda) tornou -se presidente de todo o país (1963) e, de forma muito simi-
lar, o rei do Lesoto assumiu o posto de chefe de Estado após a independência
(1966). Na Nigéria setentrional, os emires detinham consideráveis poderes,
28 Ver capítulo 18 deste volume.
29 Ver capítulo 22 deste volume.
538
África desde 1935
graças ao sistema da autoridade indígena herdado do regime colonial, o qual
não sofreu grandes modificações antes da chegada dos militares ao poder. Na
Tanzânia, malgrado a abolição legal das chefaturas, alguns chefes continuavam a
exercer funções, embora o seu papel tivesse sido fortemente atenuado. Na Guiné,
as chefaturas, consideradas instituições reacionárias, foram abolidas posterior-
mente à independência. Procedeu -se da mesma forma em Ruanda
30
.
Em seu império, os franceses haviam relegado os chefes ao obscurantismo
político, o que deveria favorecer as elites da independência. Em contrapartida, na
Suazilândia, país habitado por quase meio milhão de habitantes, o rei Sobhuza
conservou o poder executivo durante décadas.
Os Estados independentes da África manifestaram atitudes diversas frente às
instituições tradicionais. Houve ao menos três tipos de reação. Na Nigéria, antes
de 1966, por exemplo, as elites da passagem do poder, das quais algumas facções
tinham parentesco com as famílias reinantes no passado, definiram e limitaram
os poderes dos chefes no tocante à dupla esfera política e administrativa. Uma
segunda postura consistiu, como em Gana nos tempos de Nkrumah, em isolar
os chefes no obscurantismo político, relegando -lhes, contudo, poderes consul-
tivos. O terceiro posicionamento foi aquele da Guiné e de Ruanda, os quais
não conferiram aos chefes nenhum papel na nova ordem política
31
. Entretanto,
algumas instituições tradicionais sobreviveram (ainda que na defensiva e em
declínio) e os regimes militares ou civis atuais ainda devem contar com elas.
A sua resistência política é imputável à natureza da vida comunitária africana
nas regiões rurais, neste contexto, os chefes tradicionais representam uma dos
aspectos de continuidade da vida política na África. Antes de 1966, a Nigéria
conservou em certas regiões as câmaras dos chefes, sinal indubitável do peso
político destes líderes
32
, igualmente existem neste país conselhos tradicionais
no âmbito dos Estados Federados. Estes conselhos desempenham um papel
essencialmente consultivo no tangente aos assuntos das chefaturas, às questões
culturais e à administração local. A oposição entre tradicionalistas e ocidenta-
lizados passou neste momento para o segundo plano, como pano de fundo da
clivagem a separar militares e civis ocidentalizados.
30 L. RUBIN e B. WEINSTEIN, 1974, pp. 213 -213.
31 Ibid.
32 Após a independência, das três regiões do país, apenas aquela situada a leste não dispunha de uma câmara
dos chefes.
539
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Ideologia e sistemas políticos
Considerada a fragilidade, muito amiúde constatada nos Estados africanos,
grande parte das elites que garantiram a passagem do poder preferiu sistemas
unitários de governo. Em Gana, Kwame Nkrumah alcançou dotar o país de
uma constituição unitária, o que provocou a extinção dos órgãos legislativos
regionais. Ao conduzir a campanha contra as instituições federais ou semife-
derais em Gana, Nkrumah buscava eliminar qualquer ameaça de regionalismo
agressivo no país. O Quênia, à época da independência, apresentava -se ampla-
mente munido, pela Constituição majimbo, de órgãos legislativos regionais.
Jomo Kenyatta fez todo o possível para enfraquecer e, finalmente, extinguir
estes corpos administrativos e legislativos regionais, notadamente, conforme esta
declaração de 1964, perante a Assembleia Nacional: A maioria dos eleitores do
Quênia estima, juntamente com a KANU, que a Constituição era demasiado
rígida, por demais onerosa, além de inaplicável
33
.” Ele pouco a pouco reduziu
os poderes das regiões, ao ponto de não lhes deixar nenhuma autoridade de
caráter executivo ou competência de natureza legislativa, qualquer que fosse o
domínio em questão”. Os governos locais foram diretamente subordinados ao
governo central e a função pública foi igualmente centralizada.
O Quênia afastou -se do regime parlamentar herdado na independência,
seguindo a mesma gica, também explicitada no Parlamento pelo ministro
da justiça e dos assuntos constitucionais, M. Tom Mboya: “O processo histó-
rico, através do qual e em outros países, chefes de Estado (reis ou presidentes)
tornaram -se figuras puramente simbólicas, consiste em algo estrangeiro à nossa
tradição africana. Assim sendo, a este respeito, nós rejeitamos cordialmente o
modelo histórico inglês. O homem, por nós escolhido como presidente, deve
ser guia da nossa nação e o chefe do nosso governo; esta é a compreensão do
nosso povo
34
.”
Quando tornou -se uma república, o Quênia possuía, como desdobramento
desta evolução, uma constituição unitária e orientava -se em direção a um regime
presidencial forte, em cujo presidente, chefe do executivo, era igualmente mem-
bro eleito do Parlamento. As acomodações e ajustes institucionais, aos quais
este país procedeu, confortam a nossa tese, avançada acima, segundo a qual a
primeira preocupação das elites, ocupantes do poder após as independências,
foi consolidar o Estado e o governo central por elas herdado. Mas, conquanto
33 Citado por C. GERTZEL e colaboradores, 1972, p. 193.
34 Ibid., p. 195.
540
África desde 1935
a tentação regionalista tenha sido conjurada, os ecos dos problemas étnicos
continuariam a ser ouvidos no horizonte do debate político.
Diferentemente do Quênia, a Nigéria possuía um sistema de governo de tipo
federal, baseado, em sua origem, na existência de três regiões. De forma resoluta,
a política etnoregionalista do país gerou, no quadro de um regime parlamentar,
vigorosas regiões governadas por potentes primeiros -ministros em contraste
com um centro de poder enfraquecido. Com efeito, contrariamente ao Quênia,
a Nigéria não adotou um regime presidencial após o advento da república. As
forças centrífugas eram tão potentes no país que Abubakar Tafawa Balewa,
primeiro chefe de governo após a independência, dirigiu até o final um frágil
poder central. Segundo uma anedota popular da época, o sistema federal nige-
riano estava formado de “rabos regionais que agitavam o cão federal”. De 1950 a
1966, no país corria constantemente um boato a indicar que regiões ameaçavam
declarar secessão. A elite dos herdeiros da independência demonstrava muita
dificuldade em centralizar o poder e consolidar o Estado que lhe fora legado
35
.
Os Estados francófonos, por sua vez, conservaram o seu governo unitário,
salvo Camarões que se tornou uma federação no momento da incorporação de
Camarões Ocidental. Com a presença colonial francesa a formar um pano de
fundo, as elites da passagem do poder não aparentam ter demonstrado tanta difi-
culdade em consolidar os seus Estados ainda dependentes, quanto no referente
às suas correlatas dos Estados anglófonos, formados anteriormente a partir de
entidades subnacionais autônomas.
A associação quase federal entre Zanzibar e a Tanganyika conformou -se
em outra experiência do mesmo tipo. Esta associação gerou um país que, sob a
direção do partido de Nyerere, a TANU, assumiu o nome de Tanzânia.
Em linhas gerais, os primeiros dirigentes africanos independentes preferiram
o sistema unitário, a permitir -lhes consolidar mais facilmente as bases do seu
poder. Em suplemento, os custos funcionais de um sistema federal seriam mais
elevados.
Do ponto de vista ideológico, podemos dividir os Estados africanos em radi-
cais” e moderados”, se considerarmos as vias de desenvolvimento econômico por
eles escolhidas. William Foltz sublinhou, a justo título, a importância das ide-
ologias na mobilização dos africanos em prol do desenvolvimento. Entretanto,
não se deve considerar estas ideologias segundo o clássico binômio “esquerda-
-direita”; entre os Estados seguidores de uma política explicitamente socialista
35 Estas questões são examinadas em J. I. ELAIGWU, 1979.
541
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
e aqueles adeptos de um modelo de desenvolvimento capitalista, a distinção
situa -se, antes e sobretudo, ao nível da utilização dos diferentes meios, com o
objetivo de alcançar fins análogos relativos à direção política
36
”.
Desta forma, ao passo que a Tanzânia, Moçambique e a Guiné preferiram
seguir o caminho “socialista”, por sua vez, a Nigéria, o Quênia e a Costa do Mar-
fim escolheram a via de desenvolvimento “capitalista”. Entre todos os Estados
africanos, foi a Tanzânia que, sob a direção da TANU e, em seguida do CCM,
parece ter se aventurado, com maior profundidade, na reorganização das estru-
turas com vistas a atingir os proclamados objetivos ideológicos, a saber, aqueles
da ujamaa e da Declaração de Arusha
37
.
Outros dirigentes africanos defendiam, logicamente, uma concepção per-
sonalista do Estado. A Common Man´s Charter [carta do homem ordinário] de
Milton Obote, a democracia nacional de Sékou Touré e a negritude de Senghor
expressavam as posições filosóficas destes governantes. Contudo, raros foram
os dirigentes que, verdadeiramente e na prática, mobilizaram as multidões para
transformar a sua visão de Estado em realidade
38
.
Qual teria sido a real eficácia dos partidos políticos, os quais, na realidade,
eram instituições verdadeiramente autóctones de participação e mobilização
políticas? Quais os limites do serviço prestado por estas organizações no tocante
à integração política? Sheldon Gellar sustenta, com pertinência, que “em razão
do partido ser uma instituição autóctone cujo bom funcionamento dependia,
em larga medida, dos talentos organizacionais dos seus dirigentes e dos esforços
dos seus militantes, ele encontrava -se menos estreitamente ligado às instituições
e normas coloniais e, por conseguinte, podia desempenhar, mais facilmente
que o Estado, o papel de agente popular promotor de uma identidade nacional
pós -colonial
39
”.
Em alguns Estados, com especial ênfase os Estados de partido -único rela-
tivamente “radicais”, a eficácia dos partidos políticos, na qualidade de instru-
mentos mobilizadores das energias necessárias à edificação da nação, aumentou
posteriormente à independência. A Tanzânia, com a TANU, a Guiné -Bissau,
com o PAIGC e a Guiné, com o PDG, oferecem um exemplo de Estados de
partido -único, nos quais este último permitiu uma relativa dissociação em rela-
36 W. J. FOLTZ, 1973, p. 365.
37 J. NYERERE, 1968b; 1967b; République -Unie de Tanzanie, 1967a e 1967b.
38 G. C. MUTIISO e S. W. ROHIO (org.), 1975.
39 S. GELLAR, 1972, p. 401.
542
África desde 1935
ção aos antigos mestres coloniais, bem como uma modificação nas estruturas
políticas herdadas.
Portanto, numerosos países orientaram -se para um regime de partido -único
ou preponderante, tal como o Quênia, com a KANU, Gana, com o CPP, Alto-
-Volta (atual Burkina Faso), com a União Democrática Voltaica, Mali, com a
União Sudanesa, a Costa do Marfim, a partir de 1957, com o Partido Demo-
crático da Costa do Marfim (PDCI), e Malaui, a partir de 1966, com o Malawi
Congress Party. No Senegal, a União Progressista Senegalesa (UPS) apresenta-
-se como partido preponderante no seio do Estado. Em Camarões, a União
Nacional Camaronesa tornou -se, em 1966, o único partido do país. A política
de consolidação do Estado herdado produziu frequentemente a supressão dos
partidos de oposição, por vezes mediante atos legislativos, mas, igualmente e
em algumas ocasiões, através de diversos procedimentos extremos de elimi-
nação política. Numerosos partidos dominantes dos países aqui considerados,
contrariamente àqueles dos Estados radicais”, permanecem adormecidos entre
as eleições. Alguns tomaram um caráter de mais e mais personalista, com a
ascensão de chefes autoritários em meio a um contexto de incerteza política e
de fortalecimento das forças centrífugas no seio do Estado.
Desta forma, aproximadamente em 1966, a tendência recaiu sobre Estados
de partido único ou de partido predominante. Alguns destes partidos, como por
exemplo no Quênia, conseguiram conter os conflitos étnicos. Outros somente
modificaram a situação e não mobilizaram o povo mas, tornaram -se na prática
instrumentos mais ou menos burocráticos de controle e de inserção na periferia.
Contudo, na Nigéria, no Zaire (atual R. D. do Congo), em Gana, sob o
regime civil posterior a Nkrumah e em Uganda, país que experimentou, em
um momento ou outro, o pluripartidarismo no quadro de um regime civil, os
conflitos provocados por partidos de audiência local deram, aos militares, o
pretexto para a intervenção. No âmbito destes regimes, os partidos cessaram
progressivamente de expressar e cristalizar os interesses das massas. Eles não
formaram tampouco as elites políticas susceptíveis de substituírem os dirigentes
a postos. A desagregação das formações políticas transformou -se em desagre-
gação de um sistema eleitoral, em seu conjunto, e das instituições legislativas
herdadas. Em lugar dos partidos, afirmaram -se homens de Estado de caráter
personalista, tais como Nkrumah, Sékou Touré, Houphouët -Boigny, Kaunda,
Kenyatta, Banda, Ahidjo e outros mais, cuja organização política constante-
mente ganhou as eleições.
Quanto à edificação nacional, alguns Estados de partido único, como a Tan-
zânia, a Guiné -Bissau, a Guiné de Sékou Touré, a Costa do Marfim, o Quênia
543
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
ou Camarões, parecem ter conseguido criar um semblante de unidade nacional
como os Estados baseados no pluripartidarismo. Estes últimos, a exemplo da
Nigéria, do Zaire (atual RDC) ou de Uganda apresentaram dificuldades em
conter o particularismo local das diversas “nações” que os compõem. Seria neces-
sário concluir que o sistema de partido único é o mais adequado para a África?
Não se poderia afirmá -lo categoricamente pois, o partido único não impediu a
intervenção dos militares em alguns países como Burkina Faso, Mali ou Gana
de Nkrumah. Todavia, faz -se imperativo reconhecer que, sob Nkrumah, a ques-
tão étnica não constituía um problema político. A ão de Mugabe, visando
estabelecer o partido único, encobriria uma tentativa de conter o fator étnico?
Parte das dificuldades encontradas pelas elites africanas durante a edificação
da nação dizia respeito ao particularismo cultural de entidades subnacionais.
Na Nigéria, uma feroz guerra civil, travada entre 1967 e 1970, marcou a agudez
das rivalidades interétnicas. Em Uganda, as querelas entre etnias paralisaram
todos os dirigentes, com exceção de Amin que alcançou restaurar a unidade dos
ugandenses, mas contra ele, em razão do sofrimento por ele trazido ao país. No
Zaire (atual RDC), os conflitos entre comunidades degeneraram em uma guerra
civil (1960 -1965), a qual se desdobrou em uma intervenção dos militares, com a
subida ao poder do general Mobutu. O Tchad continuou a ser metralhado por
múltiplos fatores de instabilidade (religiosa, racial, étnica e ideológica) intera-
gindo de modo muito complexo. O Sudão atravessou uma guerra civil de 1955
a 1972, situação recorrente em anos posteriores. Após a independência, Angola
também foi rasgada por uma guerra civil, a partir de 1975 -1976, contando
com as forças rebeldes da UNITA, comandadas por Savimbi e controladoras
de porções substanciais do país, o conflito eternizou -se até a assinatura de um
cessar fogo em 31 de maio de 1991. Quanto à Etiópia, ela conheceu muitas
guerras civis, por vezes simultâneas, entre 1961 e 1990. A fuga para o exterior
de Mengistu Haïlé Mariam, em 1991, melhorou as perspectivas de reconciliação.
Todas estas turbulências eram manifestações das dissensões étnicas, raciais
e eventualmente religiosas que puseram drasticamente à prova as competên-
cias das elites herdeiras do poder colonial. Após a independência, despertaram
reivindicações particularistas comunitárias locais, as quais haviam sido postas
em suspensão durante o período do nacionalismo anticolonial. Este despertar
complicou a tarefa das elites, chamadas a edificarem uma nação a partir de um
Estado, e os dirigentes reagiram impondo a tarefa da consolidação do Estado,
antes da construção nacional. Em alguns casos, as oposições entre raças e etnias
eram acentuadas por distinções de classe, à imagem do Burundi e de Ruanda,
onde os tutsi dominavam os hutu.
544
África desde 1935
TABELA 15.1 GOVERNOS DOS ESTADOS AFRICANOS, 19621982
País Nome colonial Data da independência Capital Governantes após a independência Golpes de Estado
Argélia Argélia 1962 Argel Ahmed Ben Bella, 1962-1965
Coronel Houari Boumediene, 1965-1978
Chadli Bendjedid, 1978-1992
Mohammed Boudiaf, 1992
Alī Kafī, 1992-
1965
África do
Sul
União Sulafricana
(1910-61)
1910 Pretória
(administra-
tiva), Cidade
do Cabo
(legislativa)
Jan Smuts, 1939-1948
D. F. Malan, 1948-1954
J. G. Strijdom, 1954-1958
Hendrik Verwoerd, 1958-1966
B. J. Vorster, 1966-1978
P. W Botha, 1978-1989
F. W. De Klerk, 1989
Angola Angola 1975 Luanda
D
r
Agostinho Neto, 1975-1979
José Eduardo dos Santos, 1979-
Benin Daomé 1960 Porto-Novo
(de direito),
Cotonou (de
fato)
Hubert Maga, 1960-1963
General Christophe Soglo, 1963-1964
Sourou-Migan Apithy (presidente),
Justin Ahomadegbe (vice-presidente),
Tahirou Congacou, 1965
General Christophe Soglo, 1965-1967
Tenente-coronel Alphonse Alley (presidente),
1967-1968
D
r
Émile Zinsou, 1968-1969
Comandante Kouandete, 1969
Hubert Maga, 1970
Sourou-Migan Apithy, 1971
Justin Ahomadegbe, 1972
Comandante (depois coronel) Matthieu
Kerekou, 1972-1991
Nicéphore Soglo, 1991-
1963
1965
1965
1967
1969
1972
545
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Botsuana Bechuanalândia 1966 Gaborone Sir Seretse Khama, 1966-1980
D
r
Quett Masire, 1980-
Burkina-
Fasso
(desde
1984)
Alto-Volta 1960 Uagadugu Maurice Yameogo, 1960-1966
Tenente-coronel (depois general) Sangou
Lamizana, 1966-1980
Coronel Saye Zerbo, 1980-1982
Comandante Jean-Baptiste Ouedraogo,
1982-1983
Capio omas Sankara, 1983-1987
Capio Blaise Compao, 1987-
1966
1980
1982
1983
1987
Burundi Parte do Ruanda-
Urundi
1962 Bujumbura Mwami Mwambutsa IV, 1962-1965
Coronel Michel Micombero, 1966-1976
Tenente-coronel Jean-Baptiste Bagaza,
1976-1987
Comandante Pierre Buyoya, 1987-
1966
1976
1987
Camarões Camarões Francês e
Camarões Britânico
1960 Yaoundé Ahmadou Ahidjo, 1960-1982
Paul Biya, 1982-
Cabo
Verde
Ilhas do Cabo Verde 1975 Praia Aristides Pereira, 1975-1991
Antonio Mascarenhas Monteiro, 1991-
Comores Comores 1975 Moroni Ahmed Abdallah, 1975
Alī Soilih, 1975-1978
Ahmed Abdallah e Mohammed Ahmed
(copresidente), 1978-1989
Said Mohammed Djohar, 1989-
1975
1978
546
África desde 1935
Congo Congo 1960 Brazzaville Abbé Fulben Youlou, 1960-1963
Alphonse Massemba-Debat, 1963-1968
Capitão (depois comandante) Marien
Ngouabi, 1968-1977
Coronel Joachim Yhombi-Opango, 1977-
1979
Coronel (depois general) Denis Sassou-
Nguesso, 1979-1991
General Denis Sassou-Nguesso (presi-
dente), 1991-1992
Premeiro-ministro: André Milongo, 1991-
1992
Pascal Lissouba (presidente), 1992-
1968
Costa do
Marm
Costa do Marm 1960 Abidjan Félix Houphouët-Boigny, 1960-
Jibuti Somália Francesa
(Território francês
dos Afars e dos
Issas)
1977 Jibuti Hassan Gouled, 1977
Hassan Gouled Aptidon, 1977-
Egito Egito 1922 Cairo Rei Fārūq, 1937-1952
General Muhammad Naguib, 1952-1954
Tenente-coronel Gamāl ‘Abd al-Nasser,
1954-1970
Muhammad Anwar al-Sādāt, 1970-1981
Hosni Moubarak, 1981-
1952
Etiópia Etiópia Desde a Antiguidade Adis-Abeba Imperador Haïlé Sélassié, 1932-1974
General Aman Andom, 1974 1974
General Teferi Bante, 1974-1977
Tenente-coronel Mengistu Haïlé Mariam,
1977-1991
Ato Meles Zenawi, 1991-
1974
Gabão Gabão 1960 Libreville Léon Mba, 1960-1967
Albert-Bernard (depois Omar) Bongo,
1967-
547
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Gâmbia Gâmbia 1965 Banjul Sir Dawda Kairaba Jawara, 1965-
Gana Gold Coast (Costa
do Ouro)
1957 Accra Kwame Nkrumah, 1957-1966
Tenente-general J. A. Ankrah, 1966-1969
General A. A. Afrifa, 1969
Dr Ko Busia, 1969-1972
Coronel (depois general) I. K. Acheam-
pong, 1972-1978
General Frederick Akuo, 1978-1979
Capitão Jerry J. Rawlings, 1979
Dr Hilla Limann, 1979-1981
Capitão Jerry J. Rawlings, 1981-
1966
1972
1978
1979
1981
Guiné Guiné Francesa 1958 Conacri Ahmed Sékou Touré, 1958-1984
General Lansana Conté, 1984- 1984
Guiné-
Bissau
Guiné Portuguesa 1973 Bissau Luís de Almeida Cabral, 1973-1980
Comandante João Bernardo Nino Vieira,
1980- 1980
Guiné
Equatorial
Fernando Poo e Río
Muni
1968 Malabo Francisco Macías Nguema, 1968- 1979
Tenente-coronel (depois general) Teodoro
Obiang Nguema Mbasogo, 1979- 1979
Quênia Quênia 1963 Nairóbi Jomo Kenyatta, 1963-1978
Daniel T. Arap Moi, 1978-
Lesoto Basutolândia 1966 Maseru Chefe Leabua Jonathan, 1966
Rei Moshoeshoe II, 1966-1990
Rei Letsie III, 1990-
destronado
Libéria - 1847 Monróvia William V. S. Tubman, 1944-1971
William R. Tolbert Jr, 1971-1980
Sargento-chefe (depois general) Samuel K.
Doe, 1980-1990
Prof. Amos Sawyer, 1990-
1980
548
África desde 1935
Líbia Províncias Italianas
de Cirenáica, Tripo-
litânia e Fezzān
1951 Trípoli Rei Idrīs, 1951-1969
Coronel Muammar el-Kadha, 1969- 1969
Madagas-
car
Madagascar 1960 Antanana-
rivo
Philibert Tsiranana, 1960-1972
General Gabriel Ramanantsoa, 1972-1975
Coronel Richard Ratsimandrava, 1975
Capitão (depois almirante) Didier Ratsi-
raka, 1975-
1972
Malaui Niassalândia 1964 Lilongwe
D
r
Hastings Kamuzu Banda, 1964-
Mali Sudão Francês 1960 Bamako Modibo Keita, 1960-1968
Tenente (depois general) Moussa Traoré,
1968-1991
Tenente-coronel Amadou Toumani Touré,
1991-1992
Alpha Oumar Konare, 1992-
1968
1991
Marrocos Marrocos 1956 Rabat Rei Mohammed V, 1956-1961
Rei Hassan II, 1961-
Maurício Maurício 1968 Port-Louis Primeiro-ministro: sir Seewosagur
Ramgoolam, 1968-1982
Anerood Jugnauth, 1982-1992
Cassam Uteem (presidente), 1992-
Primeiro-ministro: Aneerood Jugnauth,
1992-
Mauritâ-
nia
Mauritânia 1960 Nouakchott Moktar Ould Daddah, 1960-1978
Tenente-coronel Mustapha Ould Moham-
med Salek, 1978-1979
Tenente-coronel Ahmed Ould Bouceif,
1979
Tenente-coronel Mohammed Khouna
Ould Haidalla, 1979-1984
Coronel Maaouya Ould Sid ‘Ahmed Taya,
1984-
1978
1984
549
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Moçam-
bique
Moçambique 1975 Maputo Samora Machel, 1975-1986
Joaquim Alberto Chissano, 1986-
Namíbia África do Sudoeste 1990 Windhoek de jure: Conselho das Nações Unidas para
a Namíbia
de facto: África do Sul
Sam Nujoma, 1990-
Níger Níger 1960 Niamei Hamani Diori, 1960-1974
Tenente-coronel Seyni Kountché, 1974-
1987
General Ali Saibou, 1987-
1974
Nigéria Nigéria 1960 Lagos
(Abuja após
1991)
D
r
Nnamdi Azikiwe (presidente) 1960-
1966
Primeiro-ministro: sir Abubakar Tafawa
Balewa, 1960-1966
General J. T. A. Aguiyi-Ironsi, 1966
Tenente-coronel (depois general) Yakubu
Gowon, 1966-1975
General Murtala Muhammed, 1975-1976
General Olusegun Obasanjo, 1976-1979
Shehu Shagari, 1979-1983
General M. Buhari, 1983-1985
General Ibrahim Babangida, 1985-
1966
1966
1975
1983
1985
550
África desde 1935
Uganda Uganda 1962 Kampala Milton Obote, 1962
Rei Mutesa II, 1963-1966
Primeiro-ministro: Milton Obote, 1963-
1966
Milton Obote (presidente), 1966-1971
General (depois marechal) Idi Amīn Dada,
1971-1979
Yusuf Lule, 1979
Godfrey Binaisa, 1979-1980
Paulo Muwanga, 1980
Milton Obote, 1980-1985
Tito Okello, 1985-1986 General Yoweri K.
Museveni, 1986-
1966
1971
1980
1985
1986
República
Centro-
Africana
Oubangui-Chari 1960 Bangui David Dacko, 1960-1966
Tenente-coronel (mais tarde imperador)
Jean-Bedel Bokassa, 1966-1979
David Dacko, 1979-1981
General André Kolingba, 1981-
1966
1979
1981
República
Demo-
crática da
Somália
Somália Italiana e
Somália Britânica
1960 Muqdisho Aden Abdulle Osman (presidente), 1960-
1967
Primeiro-ministro: Abdi Rashid Alī Shir-
marke, 1960-1964
Abdi Razaq Hussen, 1964-1967
Abdi Rashid Alī Shirmarke (presidente),
1967-1969
Primeiro-ministro: Mohammed Haji
Ibrāhīm Igal, 1967-1969
General Mohammed Siad Barre, 1969-1990
Alī Mahdi Mohammed, 1990-
1969
Reunião Reunião Saint-Denis Presidente da República francesa
551
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Ruanda Parte do Ruanda-
Urundi
1962 Kigali Grégoire Kayibanda, 1962-1973
General Juvenal Habyarimana, 1973- 1973
Saara Oci-
dental
Saara
Espanhol
(1975) El-Aiun Disputado pela POLISARIO e pelo Mar-
rocos
São Tomé
e Príncipe
Ilhas de São Tomé e
Príncipe
1975 São Tomé Manuel Pinto da Costa, 1975-1991
Primeiro-ministro: Miguel Trovoada, 1975-
1978
Miguel Trovoada, 1991-
Senegal Senegal 1960 Dakar Léopold Sédar Senghor, 1960-1980
Abdou Diouf, 1981-
Seychelles Arquipélago de Sey-
chelles
1976 Victoria James Mancham, 1976-1977
France-Albert René, 1977- 1977
Serra
Leoa
Serra Leoa 1961 Freetown Sir Milton Margai, 1961-1964
Sir Albert Margai, 1964-1967
Siaka Stevens, 1967
General David Lansana, 1967-1968
General Andrew Juxon-Smith, 1968
Siaka Stevens, 1968-1985
General Joseph Saidu Momoh, 1985-1992
Capitão Valentine Strasser, 1992-
1967
1968
1992
Sudão Sudão Anglo Egíp-
cio
1956 Cartum lsma’il el-Azhari, 1956
Abdallah Khalil, 1956-1958
General Ibrāhīm Aboud, 1958- 1964
Sayyid Sir el-Khatim el-Khalifa, 1964-
1965
Mohammed Ahmed Mahgoub, 1965-1969
Coronel (depois general) Dja’far
al-Nimayrī, 1969-1985
General Abdulrahman Swareldayhab,
1985-1986
Ahmed Alī al-Marghani, 1986-1989
General Omer Hassan Ahmed el-Bashir,
1989-
1958
1964
1969
1989
552
África desde 1935
Suazilâ-
ndia
Suazilândia 1968 Mbabane Rei Sobhuza II, 1921-1982
Rainha Mãe lndlovukazi Dzeliwe, 1982
Regente lndlovukazi Ntombi, 1983-1986
Rei Mswati III, 1986-
Tanzânia Tanganyika e Zan-
zibar
1961 Dar es-
Salaam
(deve ser
transfe-
rida para
Dodoma)
Julius K. Nyerere, 1961-1985
Alī Hassan Mwinyi, 1985-
Chade Chade 1960 Djamena François Ngarta Tombalbaye, 1960-1975
General Félix Malloum, 1975-1979
Goukouni Oueddei, 1979-1982
Hissène Habré, 1982-1990
Idriss Déby, 1990-
1975
1979
1982
1990
Togo Togo 1960 Lomé Sylvanus Olympio, 1960-1963
Nicolas Grunitzky, 1963-1967
Tenente-coronel (depois general) Étienne
Gnassingbe Eyadema, 1967-1991
General Étienne Gnassingbe Eyadema
(presidente), 1991-
Primeiro-ministro: Joseph Kokou Kogoh,
1991-
1963
1967
Tunísia Tunísia 1956 Túnis Habib Bourguiba, 1956-1987
Zine el-Abidine Ben Alī, 1987-
553
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Zaire Congo Belga 1960 Kinshasa Joseph Kasavubu (presidente), 1960-1965
Primeiro-ministro: Patrice Lumumba, 1960
Joseph Ileo, 1960-1961
Cyrille Adoula, 1961-1964
Moïse Tshombé, 1964-1965
Évariste Kimba, 1965
General (depois marechal) Mobutu Sese
Seko, 1965-
Marechal Mobutu Sese Seko (presidente),
1992-
Primeiro-ministro: Étienne Tshisekedi,
1992-
1960
1965
Zâmbia Rodésia do Norte 1964 Lusaka Kenneth D. Kaunda, 1964-1991
Frederick J. Chiluba, 1991-
Zimbábue Rodésia do Sul 1980 Harare Presidente Reverendo Canaan Banana,
1980-1987 Robert G. Mugabe, 1987-
[Fonte: A. A Mazrui e M. Tidy, 1984, atualizado pela UNESCO, 1992.]
554
África desde 1935
Em suma, as estruturas políticas herdadas dos regimes coloniais apresentam
na África uma relativa continuidade. Rassimas foram as tentativas com o
objetivo de modificar fundamentalmente as instituições, com vistas a edificar
uma nação. Mas, as instituições parlamentares, à moda ocidental, pereceram
paulatinamente com a alteração no funcionamento dos partidos políticos e do
sistema eleitoral. Executivos autoritários constituíram -se para solucionar, de
forma paliativa, os problemas de sucessão política. Mas, por que a África, teria
sido submetida a tantas intervenções militares em sua vida política e, qual seria
a atitude destes mesmos militares vis -vis das estruturas políticas que regem
o processo de edificação da nação?
O movimento pendular das relações entre civis e militares
Desde a derrubada do rei Fārūq, pelo exército egípcio, em 1952, os golpes
de Estado militares multiplicaram -se na África no Sudão (1958), no Zaire
(1965), em Daomé, atual Benin (dezembro de 1965), na República Centro-
-Africana (janeiro de 1966), na Nigéria (janeiro de 1966), em Gana (fevereiro de
1966); na Etiópia, em 1974, o imperador Haïlé Sélassié era afastado do poder e
em seguida deposto; Moktar Ould Daddah teria a mesma sorte na Mauritânia
em 1978; um pouco mais tarde, houve golpes de Estado em Gana (dezembro de
1981), na Nigéria (dezembro de 1983) e na Mauritânia (1984), a confirmarem
os dados, segundo os quais, em meados dos anos 1980, a África conhecera mais
de 70 golpes de Estado militares. (tabela 15.1.).
Por que tantos putsche na África? Quais seriam as razões da irrupção contí-
nua dos soldados em praça pública? Pode -se discernir ao menos quatro séries
de causas da intervenção dos militares na arena política africana
40
. Em primeiro
lugar, aparecem as causas essencialmente ecológicas ou societárias (em respeito ao
ambiente sociopolítico e econômico). Entre estes fatores figuram as clivagens
no seio das estruturas sociopolíticas (etnicidade, classes e outros), os desacordos
entre dirigentes, a incompetência política dos dirigentes, o mal -estar econô-
mico, assim como alguns traços “pretorianos” das sociedades consideradas. A
segunda categoria de causas está ligada a fatores intramilitares ou sociomilitares
(considerações próprias ao exército, as quais acabaram encorajando os militares a
tentarem golpes de força, e/ou fatores sociais que influem nas casernas). Trata -se
especialmente do nível de profissionalismo dos militares, da intervenção civil
40 J. I. ELAIGWU, 1981.
555
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
em questões puramente militares, da utilização política de um exército suposta-
mente apolítico, das tensões nas casernas, da manipulação, pelo dirigente político
no poder, das unidades militares ou paramilitares rivais e, enfim, da derrota no
campo de batalha e dos conflitos de geração. A terceira série de causas é de natu-
reza extrassocietário ou internacional (fatores ligados ao ambiente internacional
a incitarem tentativas de putsch). Citaremos aqui os efeitos contagiosos de um
golpe de Estado executado em outro país, o fato de oficiais terem sido formados
em tal ou qual país estrangeiro, a subversão fomentada do exterior, bem como as
intervenções mais diretamente de origem externa (em particular, quando uma
antiga potência colonial intervém com as suas próprias tropas).
Restam finalmente as causas por nós classificadas sob a rubrica das causas
diversas, as quais englobam os conflitos personalistas entre chefe militar e chefe
político, os problemas relativos ao desenvolvimento que excedem as capacidades
dos dirigentes civis, a confusão institucional e o fato dos militares não terem
consciência, por formação insuficiente, da proeminência do poder civil.
Após a sua intervenção, os próprios militares encontram -se na posição do
regime civil destituído: ei -los encarregados de resolver os mesmos problemas,
relativos à construção do Estado e da nação, assim como aqueles próprios ao
desenvolvimento econômico. A experiência mostra que, em função dos países
e dos contextos sociopolíticos em questão, eles desempenham nesta ocasião o
papel de tutores, reformadores ou radicais
41
.
O papel do tutor consiste naquele assumido pelo regime militar cuja maior
preocupação é, antes e sobretudo, manter a ordem pública, em detrimento da
introdução de mudanças na sociedade. Neste papel, muito amiúde ditado pelo
clima político geral por eles herdado, os militares apoiam -se sobretudo na coer-
ção. O regime reformista preocupa -se, por sua vez e principalmente, em “criar
a identidade nacional e por em marcha um desenvolvimento econômico orde-
nado
42
”. O regime radical, finalmente, apresenta -se com frequência como “o
laço entre os interesses dos oficiais, oriundos essencialmente das classes média
e baixa, além daqueles próprios às massas, até então mantidas à parte da vida
política nacional
43
.” De forma rotineira, é possível que um regime evolua com o
tempo, transformando -se de radical em reformista, e assumindo em seguida o
papel de tutor, ou o inverso.
41 C. E. WELCH JR. e A. K. SMITH, 1974, pp. 55 -70.
42 Ibid., p. 63.
43 Ibid., p. 65.
556
África desde 1935
O regime de Mobutu no Zaire (atual RDC) parece -nos desempenhar essen-
cialmente o papel de tutor, embora tenha tomado algumas medidas de caráter
reformista. Os regimes militares de Gana, do Benin, da Mauritânia, do Burundi
e de Ruanda oferecem bons exemplos deste tipo de regime cujo objetivo prin-
cipal é a estabilidade política. Pela força, estes regimes mantêm abafado o par-
ticularismo local e consolidam o Estado herdado ao invés de reformarem -no. A
edificação da nação não está necessariamente inscrita em seu programa.
Entre os regimes reformistas, faz -se necessário incluir os sucessivos regimes
militares que tiveram lugar na Nigéria. Eles não somente edificaram um Estado
federal dotado de um forte poder central mas, igualmente, empreenderam uma
reestruturação das instituições, criando doze e posteriormente dezenove Esta-
dos. Em suplemento, eles executaram alguns programas econômicos fortemente
ligados ao boom petrolífero, além de terem iniciado a africanização da economia.
Através da sua reforma na administração local, conduzida de 1968 a 1976, eles
solaparam as bases do poder político dos chefes tradicionais. A guerra civil e
os seus ensinamentos parecem ter conduzido a Nigéria ao primeiro estádio
da edificação da nação, entretanto, continuam a existir as oposições étnicas,
geoétnicas ou religiosas. No Zaire (atual RDC), pode -se reconhecer o mérito
de Mobutu, em razão de ele ter retirado o país do caos, criado pelas diferentes
tentativas de secessão do Shaba, assim como, deve -se admitir o seu papel como
edificador do Estado zairense. Em virtude disto, ele levou a institucionalização
dos processos políticos à esfera da personalização. O seu esforço de edificação
nacional conduziu -o a reivindicar -se como herdeiro de Lumumba e a lançar -se
na cruzada da autenticidade.
Alguns outros regimes militares deram, à sua chegada ao poder, uma impres-
são de radicalismo. Frequentemente e entretanto, esta primeira imagem apagou-
-se e vimo -los assumir o papel de reformadores ou de tutores. Por exemplo, os
militares egípcios ou argelinos lançaram -se, quando da tomada do poder, em
uma reforma agrária e assumiram o socialismo árabe. Na Etiópia, como no
Egito, o regime militar amparou -se do poder controlado por uma aristocracia e
esforçou -se para por em marcha uma reforma agrária. Ele também lançou o pro-
grama “Zematcha e enviou estudantes ou membros de profissões liberais para os
campos, no intuito de ali auxiliarem na realização das suas medidas socialistas.
Mas, tanto na Etiópia quanto no Egito, o radicalismo não teria grande longevi-
dade. Cada um destes dois países organizou um partido para melhor mobilizar
a população, entretanto e com toda a evidência, o regime etíope está em vias de
rapidamente evoluir em direção ao papel de tutor. No tocante ao regime de Idi
Amin, ao qual não podemos conferir o atributo reformista, ele tomou medidas
557
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
de caráter aparentemente revolucionárias sobretudo aquelas que objetivavam
a “desindianização” da economia ugandense −, contudo, ele não criou sequer
estruturas econômicas capazes de garantir a africanização da economia.
Os regimes militares africanos não se mostraram, em sua totalidade, mais
eficazes no referente ao fortalecimento do Estado, tanto menos quanto eles
lograram edificar a nação. Aptos são eles ao impor a autoridade, muito mais
que no concernente à consolidação da identidade. Muito amiúde os dirigentes
militares estão às voltas com os mesmos problemas de etnicidade, de classe,
de raça e de religião, contradições estas desde outrora apresentadas aos seus
predecessores. Alguns chefes de Estado militares transformaram -se em heróis
nacionais, símbolos da edificação da nação; tal como os casos de Gowon e
de Murtala, na Nigéria, de al -Nasser, no Egito, de el -Khadafi, na Líbia e, em
menor grau, de Mobutu, no Zaire (atual RDC). Os dirigentes militares, por
vezes, tiveram maior sucesso que os civis; em outras ocasiões, atuaram com
menor eficácia que estes últimos; razões pelas quais não se saberia generalizar,
sem arriscar o erro. Seja como for, regimes militares e regimes civis, ambos,
não demonstraram suficiente capacidade em mobilizar a população em prol do
fortalecimento da nação, salvo em referência a um pequeno grupo de Estados
cujos chefes utilizaram a ideologia e as estruturas de um partido único no curso
da construção nacional.
Os militares africanos, de forma recorrente, desmantelaram as instituições
parlamentares e os partidos políticos. A administração estatal representou a
mais durável instituição a serviço da frágil autoridade dos governantes deste
continente. Precisamente ela, foi quem assegurou a continuidade institucional
entre o regime colonial e os regimes independentistas, sucessivamente civis ou
militares. Como regra geral, o muro que separa a caserna da arena política é tão
estreito que a alternância, no governo, das elites militares e das elites civis, ao
que tudo indica, parece convocada a prolongar -se mais além.
Os direitos humanos e os ancestrais
Em consequência e no eclodir dos incontáveis conflitos vividos na África
pós -colonial, o que adviria em respeito aos direitos humanos? Falta -nos aqui
realizar a devida distinção entre os direitos humanos fundamentais e os direitos
humanos instrumentais. Por exemplo, o governo consensual consiste em um
direito humano fundamental (um fim); entretanto, o direito ao voto representa
um direito humano instrumental (o meio para alcançar o governo consensual).
558
África desde 1935
Reina na África pós -colonial uma concordância muito ampla em respeito aos
direitos humanos fundamentais. A maior parte das antigas sociedades africanas
repousava tradicionalmente sobre uma ou outra forma de “governo consensual”.
Todavia, é pertinente questionar sobre quem consentia. Certas sociedades exi-
giam um consentimento não somente dos vivos mas, igualmente, dos mortos ou
daqueles que ainda não haviam nascido. Nas sociedades tradicionais, os anciãos
eram considerados bem informados acerca da opinião dos ancestrais e de terem
incorporado a sabedoria destes últimos, sustentando a continuidade cultural, os
costumes e a tradição. Uma política que violasse flagrantemente os costumes e
a tradição seria encarada como não consentida pelos mortos. Uma política sem
especial preocupação com a sobrevida e a felicidade das crianças considerar -se -ia
privada de aquiescência das gerações futuras. Constituía em um dever dos vivos
buscar compreender os anseios dos mortos e daqueles chamados à vida outros-
sim deveriam eles agir em consonância a este respeito. O “governo consensual
não se resumia a uma jornada de escrutínio a cada quatro, cinco ou seis anos.
Tratava -se, com efeito, da questão tangente à permanente receptividade, aos
olhos das gerações passadas tanto quanto futuras. Imbuído deste espírito, Julius
Nyerere relembrava -nos a imagem dos “anciãos sentados sobre a grande árvore
e falando, falando até quando julgassem ideal”. Aqui reside uma doutrina pró-
xima à ideia islâmica segundo a qual a umma, a comunidade do islã, não saberia
acordar -se baseada em um erro. O consenso absoluto formava um elo entre o
presente e, simultaneamente, o pretérito e o porvir. O consenso era um guia a
conduzir à autêntica vontade geral, à verdade: Nós não necessitamos que nos
ensinem a democracia, tanto quanto não nos falta ensinamento sobre o socia-
lismo [...]. Ambos estão enraizados em nosso passado, na sociedade tradicional
da qual somos o fruto
44
.”
Todavia e na realidade, o mundo ocidental imperial introduzira na África
uma nova concepção de democracia, um novo princípio acerca do “governo
consensual”. A organização das eleições gerais tornou -se um direito, o direito
instrumental, cujo exercício deveria permitir o governo consensual. Não mais
bastava “que os anciãos sentassem -se sob a árvore e falassem até quando jul-
gassem ideal”.
As eleições organizadas segundo o modelo ocidental representavam forçosa-
mente uma disputa. Na África pós -colonial, a passagem de uma cultura baseada
no consenso para uma cultura sob a insígnia da disputa revelou -se catastrófica em
44 J. NYERERE, 1962.
559
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
respeito aos direitos do homem. Grande parte das sociedades africanas demons-
trou faltar -lhes certo tempo para assimilar a arte e, logo que o desafio fosse
considerável, incorporar os métodos necessários para impedir a transformação
da disputa política em conflito político. A mudança de abordagem consumou-
-se em meio a eleições fraudadas, ao assédio contra os partidos de oposição, a
repressão suportada pelos dissidentes e pela caça ao inconformismo ideológico
manifesto na imprensa e alhures. Os direitos do homem sofreram um revés
na África, na justa medida em que os direitos fundamentais foram redefinidos
através do banimento dos direitos da tradição (os ancestrais) e aqueles próprios
à posteridade (as futuras crianças). Os direitos humanos calaram em proporção
à exagerada subordinação dos direitos instrumentais ao princípio neo -ocidental
segundo o qual, em ambiente de eleições gerais periódicas, “o vencedor ganha
tudo”. Sob o prisma dos direitos humanos, é uma pena que o debate fundamen-
tal tenha cessado de opor tradicionalistas e elites ocidentalizadas para tornar -se
um confronto entre civis ocidentalizados e soldados equipados com armamentos
ocidentais. Os direitos humanos padeceram até os nossos dias muito mais em
virtude desta última forma de confronto, comparativamente à precedente. As
piores violações, ocorridas nos anos 1970, tiveram lugar em países como Uganda,
sob Idi Amin, o Império Centro -Africano, sob Jean -Bedel Bokassa e a Guiné
Equatorial, sob Francisco Macías Nguema.
Os direitos e deveres, caso queiramos o seu respeito, devem ancorar -se de
forma imperativa na tradição e na continuidade. Se a edificação da nação na
África sofre com uma insuficiência de coerência cultural da identidade nacio-
nal, pode -se arguir o mesmo em respeito aos direitos humanos. As soluções de
continuidade cultural observáveis na África pós -colonial não se manifestam uni-
camente entre um grupo étnico e outro (como na Nigéria), nem simplesmente
entre uma raça e outra imagem da África do Sul) e, tampouco, exclusivamente
de uma geração a outra (a exemplo da Etiópia), mas, de modo quiçá igualmente
fundamental, através da ruptura entre hoje e ontem, em todo o continente.
Trata -se, justamente, destas descontinuidades culturais, as quais constituem o
cenário da repressão, da eliminação dos opositores e da tortura, generalizadas na
África pós -colonial. O apartheid sul -africano representa tão somente um caso,
particularmente complexo, da negação dos direitos humanos; outros tipos de
violação podem ser observados na própria África negra.
Onde esta a saída? Uma solução seria estabelecer um sistema de controle
na aplicação dos direitos humanos em escala continental. A África necessita de
um equivalente não somente à Anistia Internacional, mas também à Comissão
Europeia dos Direitos Humanos. A África requer uma instituição composta
560
África desde 1935
de africanos que lhes informe sobre a sua própria atitude moral, no âmbito
dos assuntos públicos. Igualmente faltará à África, no momento oportuno, um
organismo pan -africano junto ao qual os cidadãos portadores de demandas
poderiam, se necessário fosse, acusar seu próprio governo de violações dos direi-
tos humanos. A Carta da OUA e a Declaração dos Direitos do Homem e dos
Povos, denominada Declaração de Banjul
45
(a Carta foi adotada em Junho de
1981 e, após uma ampla ratificação, entrou em vigor em 21 de Outubro de
1986
46
), constituíram um importante passo com vistas à proteção e ao respeito
dos direitos humanos na África durante os decênios seguintes. Nesta exata
medida, a Carta e a Declaração igualmente compõem contribuições em favor
da edificação da nação e da formação do Estado na África pós -colonial.
Conclusão
Intuímos neste capítulo fazer valer a tese segundo a qual a edificação do
Estado e a edificação da nação não constituem algo inédito para a África. Os
Estados e os impérios dos tempos de outrora, anteriores à colonização, desde
então foram obrigados a enfrentar estes desafios. Entretanto, a maior parte
dos Estados atuais não corresponde a estas nações da época pré -colonial. Em
muitos casos, o fracionamento do continente pelos europeus cedeu lugar, nos
territórios coloniais, a singulares coabitações. Posteriormente, estes territórios
viriam conquistar a independência e tornar -se -iam Estados soberanos, portanto
a edificação da nação constituiu, até aquele momento, tentativas de realização
da integração horizontal de elementos muito heterogêneos no seio dos novos
Estados, a fim de criar uma nação”, comunidade política à qual os indivíduos
doravante deveriam fidelidade e engajamento.
Contudo, como expusemos acima, problemas concernentes à modificação
das instituições impuseram -se às elites herdeiras do passado colonial. As estru-
turas coloniais e inclusive as estruturas políticas pré -coloniais (como a chefa-
tura), persistiam, tornando por vezes difícil o processo de edificação do Estado.
Ademais, em razão do interesse das elites pós -coloniais em consolidar o poder
central por elas herdado, aos dirigentes não se lhes permitia realizar mudanças
nas instituições ou nas estruturas.
45 Encontraremos uma análise interessante da Carta em E. KANNYO, 1984.
46 Keesing’s Contemporary Archives: Record of World Events, novembro de 1986, vol. 32, n
o
11, p. 34729.
561
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
Salvo alguns casos, as estruturas herdadas da época colonial pereceram. Assim
sendo, excetuando -se Estados como a Tanzânia, a Guiné e Guiné -Bissau, os
quais fizeram apelo à ideologia e a um sistema de partido único para mobilizar
a população em direção à edificação da nação, os partidos mostraram -se, nor-
malmente, menos visíveis no plano político. Inclusive em países onde o partido
único desempenhou um considerável papel na construção do Estado, como na
Zâmbia, no Malaui, em Camarões e na Costa do Marfim, ele tornou -se, de
certa forma, um instrumento administrativo de inserção e controle (em outras
palavras, de construção do Estado), preferencialmente a constituir -se em um
meio de edificação da nação.
De uma maneira geral, o declínio dos partidos políticos (e o debate político
era mais virulento em Estados baseados no pluripartidarismo) acompanhou -se
de um declínio nos processos de disputa eleitoral e das instituições parlamenta-
res. Quando houve intervenção dos militares, algumas destas práticas ou insti-
tuições desapareceram. A mais durável dentre elas foi um aparato administrativo
que sobreviveu a todos os regimes.
Malgrado as poucas modificações estruturais realizadas nos Estados africa-
nos com vistas a mobilizarem a população rumo à construção da nação, os esfor-
ços mostraram -se, em regra e frequentemente, laboriosos e pontuados por recuos
ou derrotas. Discernimos certo número de fatores a terem contribuído para o
fracasso da edificação nacional na África. Um deles é a herança da administração
colonial. Pode -se estimar bem fundamentado o julgamento de Ali Mazrui e
de Michael Tidy, segundo o qual, no âmbito da edificação da nação através do
Estado, tal qual ele se apresentava, a assimilação à moda francesa funcionava de
maneira mais positiva que a administração em “duplo comando” à britânica
47
. A
política de assimilação e a centralização administrativa impuseram, de maneira
relativamente uniforme, os valores culturais e políticos franceses nos Estados
francófonos. Nos tempo atuais, talvez eles sofram muito mais da dependência
frente à antiga potência colonial, mas a maneira através da qual eles foram
colonizados simplificou, em princípio e relativamente aos Estados anglófonos,
o esforço de homogeneização cultural.
Os Estados anglófonos haviam conhecido o sentimento de superioridade
racial assim como a autonomia cultural e administrativa que se processava para-
lelamente a esta atitude. Esta autonomia serviu de base para a criação de Estados
mais autenticamente soberanos, mas, ao mesmo tempo, a administração indireta
47 A. MAZRUI e M. TIDY, 1984, p. 373.
562
África desde 1935
preservaria instituições e estruturas tradicionais nas quais cristalizar -se -iam as
identidades primordiais, razão da maior dificuldade em se construir a nação nos
Estados anglófonos. Não devemos nos esquecer que a edificação de uma nação,
na África francófona, anglófona e por toda a parte, consiste invariavelmente em
uma difícil tarefa política.
A prevalência tanto quanto a sobrevivência de identidades primordiais, ante-
riores à colonização etnicidade, religião e raça e em meio a um moderno
contexto onde reina a concorrência, complica a tarefa de edificação da nação.
Se o islã desempenhou um papel unificador no Senegal, na Guiné e no Mali, o
próprio islã e o cristianismo suscitaram divisões na Nigéria. O particularismo
cultural, assentado na identidade primordial, cria um problema na medida em
que “correta ou incorretamente, quer se trate da saída de um ministro ou de um
golpe de Estado militar, os acontecimentos são, peremptoriamente ou quase,
interpretados do seu ponto de vista; inclusive em situações nas quais a identifi-
cação étnica tenha pouco influído, os interessados têm muito amiúde a impres-
são que a verdadeira chave para a interpretação dos acontecimentos reside em
fatores desta natureza
48
”.
Se as instituições ligadas à chefatura colonial sobreviveram a todos os regi-
mes, com maior ênfase nos Estados anglófonos, e se elas constituíram obstá-
culos à construção do Estado, elas igualmente erigiram obstáculos no curso do
processo de edificação da nação, agindo na qualidade de ponto de ligação com
o particularismo, como demonstrado pelos acontecimentos na Nigéria e em
Uganda.
Certos Estados africanos não se engajaram, senão recentemente, na reorgani-
zação do seu sistema educacional. Entretanto, a educação (e a função de sociali-
zação que lhe é peculiar) é um fator capital na edificação da nação. A ideologia
e a educação política desempenham um papel análogo, mas somente alguns
Estados africanos recorreram a primeira para edificar a nação. As ideologias
são instrumentos úteis para dissociar um Estado das estruturas institucionais
coloniais, com efeito, grande número de Estados africanos poderia levá -las em
conta. A ideologia, quando é capaz de persuadir as massas acerca da sua con-
formidade, tem um mérito de preparar os indivíduos para a ação e transcender
as amarrar particularistas.
A maior parte dos dirigentes africanos, até os dias atuais, modificou as estru-
turas políticas sobretudo para reforçar as bases do seu poder, muito mais que
48 J. GOODY, 1973, p. 353.
563
Construção da nação e evolução das estruturas políticas
para contribuir na edificação da nação. Nos países africanos, os processos de
construção do Estado e edificação da nação desenrolam -se em simultaneidade.
Mediante estas condições, se não há esforço suplementar em favor da mudança
e adoção de estruturas políticas capazes de corroborar o processo de edificação
da nação, é a própria construção do Estado que, em certos países, tornar -se
fragilizada. Buscar uma maior coesão da nação e uma autoridade mais estável do
Estado permanece um imperativo político primordial para a África pós -colonial.
C A P Í T U L O 1 6
565
Construção da nação e evolução dos valores políticos
Duas dialéticas familiares condicionaram os valores políticos na África: a
dialética que, por uma parte, opõe o coletivismo e o individualismo e a sua cor-
relata interposta entre o pluralismo e o nacionalismo, por outra. Vimos as antigas
tradições coletivistas eventualmente entrarem em conflito com as formas mais
recentes de individualismo, também observamos a interação entre os princípios
do pluralismo e os valores do nacionalismo.
Na opinião de pensadores tais como o tanzaniano Julius Nyerere ou o que-
niano Tom Mboya, o coletivismo tradicional podia servir de base a modernas
formas de socialismo (nós retomaremos esse tema, ulterior e mais detalhada-
mente). Mboya sustentou nestes termos: “O socialismo [...] é uma tradição
permanente do nosso povo [...]. Trata -se de uma atitude das nossas sociedades
em respeito às pessoas, postura esta que não exige ser codificada sob o prisma
da teoria científica
1
.”
Sékou Touré invocou o coletivismo tradicional, recusando praticamente
todas as formas de individualismo na Guiné pós -colonial. A África é, essen-
cialmente, “comunocrática”. A vida coletiva, marcada pela solidariedade social,
confere aos seus hábitos um caráter humanístico que muitos povos podem inve-
jar. Igualmente em razão destas qualidades humanas, na África, um ser não pode
1 T. MBOYA, 1963a.
Construção da nação e evolução dos
valores políticos
Joseph Ki -Zerbo, Ali A. Mazrui e Christophe Wondji,
em colaboração com A. Boahen
566
África desde 1935
conceber a organização da sua vida à margem da estrutura própria à sociedade
familiar fundada sobre pequenas comunidades ou clânica. [...] Intelectuais ou
artistas, pensadores ou pesquisadores, as suas capacidades não têm valor, senão
à condição de concorrerem em prol da vida do povo, salvo se estiverem inte-
gradas, de modo fundamental, à ação, ao pensamento, assim como às aspirações
da população
2
.”
Sékou Touré serviu -se do coletivismo tradicional, a um tempo, contra o
individualismo e o pluralismo. A Guiné e outros países da África pós -colonial
igualmente inspiraram -se nas ideias coletivistas para racionalmente fundar o seu
regime de Estado unipartidário.
Nós mostramos como, em outras circunstâncias, Gamāl Abd al -Nasser,
em sua Filosofia da revolão, vinculou o nacionalismo às três esferas que
interpenetraram -se no Egito e no tocante às quais este país figura como um
ator de primeira grandeza, nas esferas árabe, muçulmana e africana. A ideologia
de al -Nasser, em concomitância, coletivista e nacionalista, era essencialmente
antipluralista e não confiável sob a perspectiva do individualismo.
Quais teriam sido as fases da história da ideologia da África após 1935?
Poderíamos nós subdividir este período em fases ideológicas distintas?
Os últimos anos do regime colonial (1945 -1960) compõem o cenário para
os belos dias de compatibilidade entre nacionalismo e pluralismo, em grande
parte da África anglófona e francófona. Durante este período, o nacionalismo
africano como estratégia de luta contra o colonialismo antecipava reivin-
dicações liberais: sufrágio universal, democracia e pluripartidarismo, liberdade
de imprensa e o fim das detenções arbitrárias. Distantes entre si do conflito, o
nacionalismo e o pluralismo apresentavam -se à ocasião, estratégica e pratica-
mente, como aliados. Líderes como Kenneth Kaunda, Hastings Kamuzu Banda,
Habib Bourguiba ou Léopold Sédar Senghor eram à época, simultaneamente
grandes nacionalistas e grandes democratas liberais. Em luta contra os imperia-
lismos britânico e francês, era de bom grado invocar os valores liberais ocidentais
contra o Ocidente, ele próprio. Entretanto esta pratica demonstrou -se inócua
contra o colonialismo português.
Após a independência, muitos países africanos viram declinar respectiva-
mente (de 1965 a 1985) o nacionalismo e a democracia liberal. O coletivismo
era invocado pelos ideólogos do partido único e pelos socialistas, ao passo que
o pluralismo e o individualismo perdiam ímpeto. A bem da verdade, o próprio
2 Citado por C. WAUTHIER, 1964, pp. 182 -183.
567
Construção da nação e evolução dos valores políticos
nacionalismo está em declínio, quase de forma generalizada e salvo na África
Austral, no transcorrer dos anos 1960 e 1970. O jugo do autoritarismo e do
pseudocoletivismo estrangularia grande parte da África até os anos 1980. O
Senegal, a Gâmbia, as Ilhas Maurício e o Botsuana configuram raríssimas exce-
ções. A este tema retornaremos ulteriormente.
No imediato posterior, a que tem lugar a renovação liberal, ocorrida do
final dos anos 1980 ao início dos anos 1990, da Argélia a Moçambique, com
o ressurgimento de reivindicações populares em favor de uma democracia plu-
ralista e de uma agitação pleiteando maior privatização na economia. Os regi-
mes militares e os Estados de partido único encontram -se na defensiva. Do
pluralismo respira -se o ar neste período e a opinião pública africana torna -se
verdadeiramente militante. O presente capítulo aprofundará estes temas. Ser-
-nos -ia possível dizer que a moral coletivista encontrar -se -ia recolocada em
questão? Um vento liberal sopraria ele novamente na África? Os valores polí-
ticos na África foram condicionados, não somente pela dupla oposição envol-
vendo coletivismo -individualismo e pluralismo -nacionalismo, mas, outrossim,
pelo denominado por Kwane Nkruma “consciencismo”, em outras palavras, a
interação entre a tradição autóctone, o islã e a cultura eurocristã. A democracia
liberal da Nigéria favorecia ela os muçulmanos? O islã na Argélia, corroboraria
ele a democracia liberal? Nas duas primeiras repúblicas nigerianas, muçulmanos
ocuparam o poder (Abubakar Tafawa Balewa dirigindo a primeira República
e al -Haji Shehu Shagari encabeçando a segunda). Em contrapartida e mais
recentemente, na Argélia, o temor provocado pela oposição islâmica forçou o
presidente do regime da FLN a buscar aliados junto aos opositores não islâmi-
cos e a acelerar a democratização. Se, nas duas primeiras repúblicas da Nigéria,
o pluralismo favoreceu o islã, por sua vez, na Argélia do último período, o islã
favoreceu o pluralismo.
Construção da nação e valores políticos
O sucesso que o liberalismo conheceu em 1989 -1990, fato mundialmente
generalizado e singularmente manifesto na África, impõe com acuidade enfren-
tar os problemas relativos aos valores políticos e à ação subjacente a estes últi-
mos, algumas décadas levada a cabo pelos dirigentes africanos.
A quase totalidade dos países do continente aceitou submeter -se aos progra-
mas estruturais de ajuste “propostos” pelas instituições financeiras internacionais.
Haveria um despertar do liberalismo na África nos últimos anos do século XX?
568
África desde 1935
Constata -se em paralelo uma espetacular renúncia aos valores e às instituições
do marxismo -leninismo em outros países (Benin, Moçambique, Etiópia...), a
denotar que estes valores não estavam ancorados de fato na classe política, a
fortiori na sociedade civil.
Novamente, os países africanos parecem imperativamente conduzidos a esco-
lher entre vários sistemas de valores; ou antes, à imagem dos primórdios da
colonização, eles são forçados a inscrever as suas políticas em um conjunto de
valores que permanecem frequentemente implícitos. O colonialismo desmante-
lara o essencial das instituições políticas africanas e, na mesma ocasião, os valores
a elas ligados. Todavia certos valores africanos sobreviveram às instituições, ao
passo que estruturas suprimidas pelo colonizador ou preservadas pelos coloni-
zados continuavam a gerar valores autóctones. A luta anticolonial, em especial
antes e após a Segunda Guerra Mundial, também representou um debate no
combate de valores políticos. Tratava -se de retomar o controle sobre os fins e as
motivações da ação política.
Igualmente, no momento do advento da independência, nos anos 1960, os
Estados africanos foram confrontados a duas cruciais escolhas em matéria de
valores políticos, as suas decisões ou a sua indecisão correlatas viriam a influir
sobre o futuro por um longo período.
Importava, na aurora das independências, construir Estados e comunidades
nacionais, edificar economias aptas a satisfazerem as necessidades dos povos,
criar relações interafricanas e mundiais susceptíveis de contribuir na realiza-
ção das opções políticas globais, transformando contudo os valores que regem
as transações internacionais. Diante deste projeto, impunham -se importantes
obstáculos: a integração nacional chocava -se com certos interesses étnicos ou
pseudoétnicos e a integração africana era bloqueada por ambições micronacio-
nais”. Por outro lado, os projetos de sociedade destinados a garantirem o pro-
gresso socioeconômico, na mais ampla acepção, chocavam -se com certos valores
negativos” das sociedades pré -coloniais e do sistema colonial.
Perante esta rede de círculos viciosos, os dirigentes africanos escolheram, em
princípio, ora gerar o statu quo neocolonial, ora optar pela reviravolta nos valores
sociopolíticos africanos e internacionais. Entretanto, ao final dos anos 1980, eles
encontram -se a professar, quase todos, valores idênticos ou análogos, quer seja
em razão do peso das estruturas objetivas, ou em função das mutações nos valo-
res, sobrevindas no estrangeiro, e a refletirem -se nas orientações africanas. Os
países compartilham tradições políticas pré -coloniais e coloniais, muito amiúde
similares. Eles têm um duplo patrimônio de valores políticos. Estes constituem
569
Construção da nação e evolução dos valores políticos
referência para a análise e a ação, são ideias motrizes, ideais que iluminam e
orientam sistematicamente as escolhas individuais e coletivas.
Mas, os valores não representam entidades transcendentes imunes à ação do
tempo. Produtores da história, os valores políticos dela também constituem um
produto, influenciado e transformado por ela. Eis o porquê do imperativo de
certas questões. Quais seriam os traços duráveis das transformações dos valores
políticos africanos após 1935? Qual seria a contraditória dinâmica dos grandes
vetores, na obra de construção nacional, desde as lutas pela independência até o
último decênio do século XX? Quais valores subjazem dos acontecimentos, das
instituições e das ideologias constituintes desta evolução?
Da dominação colonial ao pluralismo político
no curso das lutas pela independência
O sistema colonial estava construído sobre um corpus assaz coerente de valo-
res políticos. Lord Lugard expressou, a este respeito e com justeza, em O duplo
mandato na África tropical britânica
3
, livro no qual ele expunha a detenção
pelos colonizadores de dois mandatos, um civilizatório e outro de exploração,
portadores de valores implícitos e explícitos. Segundo o autor, a gestão indireta
era o sistema mais apto a conciliar estes dois objetivos. Nos países colonizadores
assimilacionistas, à imagem da França e de Portugal, a imposição dos valores
políticos metropolitanos era mais flagrante
4
. Justamente após a Segunda Guerra
Mundial, apresentar -se -ia a afirmação das reivindicações africanas em favor da
autonomia e da independência, de forma generalizada em todos os territórios
coloniais, geradoras ou promotoras de duas ordens de valores políticos destina-
das a um promissor futuro. Os valores do pluralismo e do nacionalismo.
O legado do pluralismo
O pluralismo esteve à origem dos próprios movimentos de libertação nacio-
nal, ao menos inicialmente, em Angola, na Rodésia do Sul (atual Zimbábue)
ou em Moçambique, por exemplo. Entretanto, foi com maior ênfase nos casos
de evolução pacífica rumo à independência que o valor do pluralismo político
3 LUGARD (Lord), 1922.
4 R. F. BETTS, 1985.
570
África desde 1935
surgiu mais fortemente. Esta afirmação apoiava -se sobre o liberalismo, funda-
mentado pelo princípio da liberdade individual em todos os domínios, a pro-
fessar, junto a elas, as potências coloniais. A ideologia liberal concedia, portanto,
um arsenal de fórmulas jurídicas e métodos políticos aos dirigentes africanos
em luta contra o colonialismo pois, aludindo à própria essência dos princípios e
dos valores de liberdade, proclamados pelos colonizadores, intelectuais coloni-
zados reivindicaram a igualdade dos direitos e, posteriormente a independência
das colônias, muito amiúde com o apoio de grupos oposicionistas da própria
metrópole.
Na África do Norte, excetuando -se a Argélia que instaura o presidencialismo
e o regime do partido único desde a sua independência, em 1962, o pluralismo
prevalece. Este é o caso do Egito, regido pela constituição de 1923 até o Golpe
de Estado dos Oficiais livres, em 1952, ou da Tunísia, cuja Constituição de 1955,
sucessora do regime protetoral francês, respira uma essência liberal. O Néo-
-Destour inclusive reforma as instituições sociais em conformidade ao código
liberal ocidental: abolição da poligamia, direitos civis, direito ao voto e a elegi-
bilidade das mulheres. O Marrocos, de Mohammed V (1956 -1961), apresenta
um compromisso entre a monarquia tradicional e as instituições parlamentares.
Contudo, após ter proclamado os valores liberais como normas para a recons-
tituição das sociedades, os Estados norte -africanos darão, em maior ou menor
medida, as costas ao liberalismo.
Na África negra ao sul do Saara, dezenas de partidos ou movimentos, legais
ou não, proliferaram entre 1945 e 1960, baseados nos valores do pluralismo
inspirados na política europeia, proposição esta a constituir, amplamente, o
modelo dominante. Situação peculiar tanto aos países anglófonos quanto aos
francófonos. Na Costa do Ouro (atual Gana), a coalizão política fundada por J.
B. Danquah, em 1947, a United Gold Coast Convention, não duraria nada além
de dois anos, antes que Kwame Nkruma ainda não tivesse ganho a proeminência
e fundado o Convention People’s Party (CPP). Na Nigéria, as constituições
outorgadas, em 1945 -1948, permitem o surgimento de uma imprensa dinâmica
e animada pelas associações dos jovens, pelos sindicatos e pelos partidos implan-
tados nas grandes regiões do país. Em Serra Leoa e na Gâmbia, o pluralismo
liberal afronta os “crioulos” da “colônia” e os povos autóctones majoritários dos
protetorados da hinterlândia. Na Federação da África Central britânica (atuais
Malaui, Zâmbia e Zimbábue), longas e sinuosas negociações tripartites intervie-
ram entre os africanos, divididos em vários partidos, os colonos brancos, também
eles por vezes fracionados e o governo de Londres.
571
Construção da nação e evolução dos valores políticos
Nos territórios francófonos, constata -se a mesma proliferação política, entre
1935 e 1960, essencialmente a partir do final da Segunda Guerra Mundial.
A assimilação, aqui inscrita nas próprias estruturas políticas, viria conduzir os
eleitos africanos nos limites parlamentares impostos pela metrópole, em Paris
ou Versalhes, reforçando, em suplemento e junto aos líderes políticos africanos,
o ideário composto pelos valores políticos prevalecentes no sistema francês.
Originalmente, estes partidos não atuavam com independência face aos seus
correlatos na metrópole. Assim sendo, os Grupos de Estudos Comunistas fran-
ceses (GEC) demonstravam extrema atividade em numerosas cidades africanas.
No Senegal, estes GEC dedicados à formação sob patrocínio do RDA foram
superados pelos militantes africanos do Partido Socialista Francês (SFIO).
Em suma, antes das independências, os valores políticos, preconizados pelos
países africanos, constituíam uma transferência cultural sobre a batuta do famoso
mandato civilizatório”. Esta transferência ignorava os elementos democráticos
endógenos, comprometendo, igual e gravemente, o ajuste orgânico interno entre
a sociedade política e a sociedade civil. Entretanto, esta transferência, dos ideais
políticos ocidentais em direção à África, sobretudo quando a ela agregavam-
-se os valores do socialismo marxista, não podia senão acelerar a dinâmica da
edificação nacional e, antes e primeiramente, a luta pela independência africana.
Entre 1945 -1960, os partidos progressistas, marxistas (como o Partido
Africano da Independência, PAI) ou não (como o Movimento de Libertação
Nacional, MLN)5, embora minoritários, puderam, desta forma e graças aos
valores do pluralismo político, ganhar audiência e desempenhar um papel motor
de vanguarda, atraindo os partidos moderados ou conservadores próximos da
administração colonial. As próprias potências coloniais, conquanto defendessem
com unhas e dentes os seus enormes interesses materiais investidos na África,
deveriam, cedo ou tarde, de bom ou mau grado, aceitar as exigências dos nacio-
nalistas africanos, sob pena de repudiar os seus próprios valores políticos.
Os valores do nacionalismo
Paralelamente aos valores do pluralismo democrático, veiculados pelas insti-
tuições políticas liberais, tomadas em empréstimo à Europa, bem como em inte-
ração dialética com elas, os valores ligados ao nacionalismo assim expandiram -se
na África: em meio ao caldo de cultura da resistência e da luta armada, assim
5 Libérons l’Áfrique, Manifesto do MLN, 1958.
572
África desde 1935
 . Franz Fanon, autor francês nascido na Martinica. (Fonte: Com a autorização das Éditions du
Seuil, Paris)
573
Construção da nação e evolução dos valores políticos
como no quadro da evolução pacífica do sistema colonial. Justamente, foi
sobretudo através das violentas lutas que os valores do nacionalismo africano
apresentaram -se de forma mais contundente. Na realidade, estas lutas armadas
não eram explosões nascidas no vazio mas, representavam a continuidade histó-
rica dos movimentos de luta e de resistência que se haviam constituídos contra
a invasão e o regime dos colonizadores.
T. O. Ranger pôs em evidência as relações entre o movimento nacionalista
na África subsaariana e a resistência multiforme à dominação estrangeira. Os
militantes do partido de Julius Nyerere consideravam -se herdeiros diretos do
movimento maji -maji, opositor do imperialismo alemão, de 1904 a 1906, a tal
ponto que o líder da Tangayika African National Union (TANU), ele próprio,
declarava: “É sobre as cinzas dos maji -maji que a nossa nova nação fundou -se.
6
No Zimbábue, igualmente, os nacionalistas recorriam a memória da rebelião
anticolonial de 1896 -1897, conferindo honra ao conceito relativo à chimurenga
(resistência armada), expressão do patriotismo africano da época. Na África do
Sul, o próprio Nelson Mandela buscou a sua inspiração nestas palavras: ”guerras
que os ancestrais travaram em defesa da pátria e que constituem a glória e o
orgulho da nação africana em sua totalidade”. Além do legado da resistência
armada e política, o patrimônio da resistência cultural, de conotação religiosa,
foi da mesma forma chamado a contribuir. Entre as duas guerras mundiais e
no pós -guerra, os militantes da Kenya African National Union (KANU), por
exemplo, extraíram fundamentos da herança ideológica do culto Mumbi e do
culto Dini Ya Musambwa. Desta forma e portanto, a luta de libertação estava
ligada, através da mediação da memória histórica, a um passado mobilizador, a
conferir -lhe a sua legitimidade.
De forma ainda mais geral, a necessidade de afirmação, pela força do direito,
dos povos explorados frente à dominação dos colonizadores viria magnificar o
“valor” da violência em sua qualidade terapêutica para o progresso histórico.
Todo o contexto a isto contribuía: a exaltação do militarismo no curso das guer-
ras mundiais, as exações das tropas coloniais ditas de pacificação”, o emprego
dos negros, recrutados em massa, para as guerras de reconquista colonial na
Indochina, na Argélia e em Madagascar... Se a isto acrescentarmos o uniforme,
as pensões e o nível de vida dos antigos combatentes, veremos como o mito do
guerreiro foi, formidavelmente, estimulado no imaginário popular.
6 T. O. RANGER, 1968a, p. 636.
574
África desde 1935
Inclusive, os combates anticoloniais desenrolar -se -iam por vezes nas próprias
localidades das heroicas lutas dos ancestrais, contra o jugo estrangeiro: por
exemplo, quando a FLN argelina estabeleceu as suas retaguardas operacionais
no maciço de Aurèz, na Kabília ou no Chouf. Igualmente, Houari Boumediene
forjou seu apelido a partir do nome de dois santos do islã argelino: Houari e
Bou Medin
7
. Habib Bourguiba, quanto a ele, auto intitular -se -ia “combatente
supremo”, Jomo Kenyatta, A lança ardente do Quênia”, Hophouët -Boigny,
Aríete defensor do povo”, Kwame Nkrumah, “Osagyefo ou o “General vito-
rioso”, Amilcar Cabral,Abdel Jessi ou o “justiceiro de sabre em mãos”.
Estes valores do nacionalismo militante também serão alimentados pela
teoria marxista -leninista que enxerga na violência, sob todas as suas formas,
o demiurgo da história, fazendo do imperialismo o estádio supremo do capi-
talismo. Os continentes colonizados, a África em primeiro plano, tornam -se
portanto o “ventre mole” onde golpes mortais podem ser desferidos no sistema
capitalista mundial. Tais eram as mensagens do congresso de Moscou da IIIa
Internacional, em 1919, e do congressos dos povos oprimidos de Bakou, em
1920.
O nacionalismo e a cultura, em sentido amplo
À margem das lutas armadas ou diretamente ligados à ação política, os africa-
nos cultivaram os valores do nacionalismo em um contexto histórico particular,
sob fórmulas ora originais, ora miméticas.
A ideologia do Estado -nação era, juntamente com o imperialismo capi-
talista, um dos dois pilares da conquista colonial e as fronteiras africanas, por
exemplo, não passavam de uma projeção das fronteiras europeias. Embora esta
ideologia se tenha comprovado válida para a Europa, bem como para a esfera
das guerras locais e dos holocaustos planetários, os territórios colonizados her-
daram estes valorações europeias do Estado -nação europeu, no momento da
sua independência.
A religião, de papel crucial, constitui outro importante aspecto do nacio-
nalismo. A sublevação mahdista contra o poder estrangeiro, ao final do século
XIX, inspirava -se amplamente nos valores de um nacionalismo de fundamento
religioso. Junto aos somalis, também apareceu, em 1899, um Mahdy erigido
contra a colonização britânica e italiana: era Muhammad Abdallāh Hassan,
7 Conferir o artigo sobre Boumediene, em M. MOURRE, 1978, vol. I, p. 619.
575
Construção da nação e evolução dos valores políticos
apelidado pelos imperialistas o Mullah louco”. Na África ocidental, movimen-
tos mahdistas eclodiram esporadicamente, fazendo eco às múltiplas resistências
opostas por líderes muçulmanos como Shaykh Amadu Bamba, no Senegal ou
Shaykh Hāmallāh, no Mali e na Mauritânia. Mas, os valores de recusa contra
qualquer submissão a uma autoridade externa foram abundantemente ilustrados
também pelos chefes da religião tradicional africana. Desta forma, os maji -maji
da Tanganyika combateram os alemães, de 1905 a 1907, utilizando água benta
para protegerem -se contra as balas. Os levantes no leste e no sul de Madagascar,
em 1947, constituíram outro dramático exemplo da mesma ordem, os rebeldes
malgaches julgavam -se, também eles, magicamente protegidos contra as balas.
Esta insurreição, reprimida de forma selvagem, é considerada pelos malgaches
como uma importante etapa em sua marcha pela independência, mesmo se toda
ilha não se associou a ela.
Outro elemento característico do nacionalismo, muito amiúde próximo da
língua e da religião, é a etnicidade conceito muito ambíguo a ser usado com
muita precaução. Assim sendo, o movimento mau -mau no Quênia (1952 -1960)
era um combate originado na disputa por terras entre os povos do Quênia
central e contra o monopólio dos melhores territórios agrícolas pelos europeus.
Entretanto, tratava -se igualmente de uma batalha pela libertação política e
cultural. Os rituais simbólicos inicialmente praticados pelos guerrilheiros as
cerimônias de prestação de juramento, nas quais eles assumiam, por exemplo, um
compromisso sagrado, destinado a desencorajar qualquer ideia ligada à traição
eram tomados em empréstimo do patrimônio religioso dos kikuyu e dos grupos
étnicos aparentados (meru e embu). Da mesma forma, o exército de Mugabe,
na Rodésia do Sul, duas décadas mais tarde, compunha -se sobretudo de shona,
entretanto, os objetivos do movimento faziam dele uma luta de libertação para
o conjunto do Zimbábue. Em suma, a resistência dos shona, dos ndebele e dos
fon, em Daomé, dos ashanti e dos samo, no Burkina Fasso, dos wolof e dos jula,
no Senegal, tomavam, simultaneamente, o caráter de uma luta para preservar o
grupo étnico e de uma luta em favor de interesses e valores mais amplos, de tipo
nacional. Trata -se da própria erupção colonial que, ao deslocar o mapa anterior,
desagregou a adequação entre as identidades “nacionais” e “étnicas”.
O território consiste, evidentemente, em outra dimensão fundamental do
Estado -nação; mas, contrariamente à Europa e à África pré -colonial, onde a
criação do perfil nacional” pelos povos e pelos Estados exigiu séculos de esfor-
ços, o traçado das fronteiras dos Estados africanos modernos é o fruto do ardor
pela conquista que um punhado de estrangeiros demonstrou durante uma ou
duas décadas. Ora, alguns territórios federados sob a autoridade colonial, na
576
África desde 1935
África Oriental britânica ou na África Ocidental francesa, foram fracionados.
Os nacionalistas africanos lutavam, inclusive e frequentemente, não para libertar
algum território em particular mas, para imporem um fim ao estatuto de submis-
são dos povos africanos. Os valores do nacionalismo eram quase invariavelmente
indissociáveis dos valores da unidade africana.
Enfim, devemos abordar o tema, simultaneamente, o mais vago, o mais ambí-
guo mas, igualmente, o mais fundamental do nacionalismo africano: aquele
concernente à “raça e à “civilização”. Segundo René Pléven, homem de Estado
francês, “colonizar, isto consiste em estender a sua civilização no espaço”. A
colonização, ato eminentemente econômico, era portanto também um fenômeno
cultural e, por conseguinte, a descolonização deveria assumir uma dimensão
de combate cultural. Era preciso operar uma arbitragem entre os valores do
patrimônio autóctone e os princípios culturais veiculados pelos colonizadores.
Desde o final do século XIX, o movimento de despertar cultural do mundo
árabe -muçulmano (nahda) e o movimento do renascimento negro nas Amé-
ricas haviam sido confrontados a este problema. No seio da civilização negro-
-africana, este esforço impingiu aos movimentos ideias, compondo um leque
que compreendia desde a African Personality e do pan -africanismo à negritude,
tema desenvolvido pelo círculo intelectual reunido em torno da revista Présence
Africaine e do seu diretor, Alioune Diop.
A interrogação fundamental partiu de Edward Wilmot Blyden. Após ter
proposto em 1887, em sua obra Christianity, Islam and the Negro race, uma
síntese dos valores das sociedades no Sudão ocidental e daqueles do Ocidente
cristão, Blyden constituiu -se, na realidade, em advogado da consciência do orgu-
lho racial junto aos Negros do continente e daqueles da diáspora, contribuindo
desta forma para o nascimento do movimento pan -africano. Justamente nesta
corrente situa -se a negritude e o seu projeto de “civilização do universal”. Na
primeira metade do século, como abordado no volume VII da presente obra,
o movimento pan -africano foi animado pelos descendentes de africanos habi-
tantes nas Américas, sobretudo nos Estados Unidos da América do Norte e
nas Antilhas. Homens como Marcus Garvey, na Jamaica, George Padmore, em
Trinidad e Tobago, e W. E. B. Du Bois, nos Estados Unidos da América do
Norte, aparecem na qualidade de pais fundadores do pan -africanismo. A partir
de 1900, Congressos pan -africanos dedicaram -se a reforçar a solidariedade
racial, a organizar a luta contra a discriminação e a promover a dignidade racial
dos povos negros, tanto na África quanto no mundo ocidental.
Seria necessário esperar o advento do quinto Congresso Pan -africano, rea-
lizado em Manchester (Grã -Bretanha), em 1945, para observar a passagem
577
Construção da nação e evolução dos valores políticos
da direção do movimento dos Negros das Américas para os Negros da África.
Dois entre os participantes deste Congresso tornaram -se posteriormente os pais
fundadores de novos países independentes. Trata -se, como exposto em outros
capítulos deste volume, do ganense Kwame Nkrumah e do queniano Jomo
Kenyatta. Os africanos presentes a este Congresso encontravam -se, todavia e
em certa medida, um pouco ofuscados pela estatura de alguns dentre os gigantes
do nacionalismo negro nas Américas, mas o ano de 1945 ainda assim marca um
ponto de inflexão na reafricanização do pan -africanismo: a passagem da tocha
das mãos dos Negros da diáspora, descendentes de africanos no estrangeiro,
para as mãos de cidadãos dos países africanos. Doze anos mais tarde, Kwame
Nkrumah dirigia o primeiro governo independente de Gana, este mesmo país
seria o primeiro país da África negra a ser libertado da dominação colonial
europeia. O pan -africanismo tomou, desde então, uma forma mais militante,
retomaremos este tema mais adiante.
Os debates acerca da orientação geral a ser tomada pelos países da África do
Norte, no tocante aos valores essenciais formadores destas diretrizes, opuseram
partidários de uma via baseada no Corão ou islâmica do nacionalismo, àqueles
ligados a uma via liberal ou modernista, reformistas favoráveis ao individualismo
misturado ao islã, a ocuparem posições intermediárias.
Ao final do século XIX, o egípcio Muhammad´Abduh, possuidor de discí-
pulos no Magreb (´Allāl al -Fāsī), anima um movimento de retorno às origens
do Corão, ou salafiyya, sem absolutamente rejeitar as contribuições estrangeiras
nem a evolução para instituições representativas. O seu condiscípulo A. Raseq,
baseado na natureza essencialmente política do califado, admite o princípio da
separação dos poderes espiritual e temporal. Posteriormente, durante os anos
1930, Taha Hussein aparece como defensor resoluto do modernismo liberal, o
qual por ele é inclusive considerado como o herdeiro da civilização helenística
mediterrânea. Mas, alguns adotam posições extremas, como os irmãos muçul-
manos, opostos a qualquer reformismo, e os socialistas, críticos vigorosos do
modernismo liberal burguês. Escritores e artistas constituem -se em campeões
da criatividade individual.
A aceleração do processo histórico a conduzir às independências sobreveio
quando nenhum pensamento social integrado havia logrado assumir, não mais
na África do Norte que na África Subsaariana, os valores exógenos do moder-
nismo ocidental, em uma reflexão autônoma ancorada nos patrimônios culturais
endógenos, pois a maturação das ideologias caminha mais lentamente que os
acontecimentos. Esta ausência de filosofia global da cultura e da libertação
nacional pesará sobremaneira na ulterior evolução dos países africanos.
578
África desde 1935
Em resumo, o período de 1935 às independências está principalmente mar-
cado por dois grandes valores políticos, o pluralismo e o nacionalismo; todavia,
estes valores não apagaram a tensão cultural de outrora, entre coletivismo e indi-
vidualismo. De certa forma, estas duas ideologias reforçavam -se mutuamente,
mas os seus limites revelar -se -iam muito rapidamente e, a partir dos anos 1960,
eles cederiam lugar a outros valores.
Os valores políticos desde a independência
Com a conquista da independência nos países africanos, abre -se um período
que teria potencialmente levado a um florescimento de valores originais e posi-
tivos, a partir de escolhas deliberadas, constituindo um amálgama do melhor das
experiências pré -coloniais com as contribuições exógenas. Ora, frequentemente,
assistir -se a um espetacular deperecimento dos valores do pluralismo; as moti-
vações e comportamentos endógenos e exógenos contribuindo a este efeito. Mas,
este processo, ao desembocar em um poder pessoal, anuncia o fim dos valores
ligados ao nacionalismo e ao pluralismo.
Se considerarmos as divisas, os hinos e as bandeiras adotados pelos novos
Estados independentes, perceberemos os valores que eles desejavam promover.
As divisas estatais, fórmulas concisas que impactam pelo seu caráter imperativo
e categórico, convocam para valores coletivos fundamentais como a unidade,
a paz e o desenvolvimento”:um povo, um objetivo, uma fé” (Senegal); “união,
disciplina, trabalho (Costa do Marfim);unidade e fé, paz e progresso (Nigé-
ria); unidade, liberdade, trabalho” (Zimbábue); paz, trabalho, pátria” (Cama-
rões) ou liberdade e justiça (Gana). Os hinos nacionais, quanto a eles, exaltam
a luta comum, a unidade e fraternidade, africana e universal (hino senegalês),
relembram a honra aos ancestrais, a liberdade e a unidade (hinos camaronês e
nigeriano). As cores das bandeiras e dos emblemas ou brasões nacionais reme-
tem, sobretudo, aos animais -símbolo: o leão do Senegal, o elefante da Costa do
Marfim, a águia da Nigéria, o leopardo do Zaire e a ave misteriosa que sobrevoa
as ruínas do Zimbábue. As cores das bandeiras nacionais mostram a predomi-
nância do verde, a simbolizar os recursos vegetais, o islã ou ainda a esperança
no futuro; faz -se mister notar a frequência do vermelho em homenagem ao
sangue dos mártires, ao heroísmo das lutas ou à revolução, bem como a presença
do amarelo (o ouro das minas, o sol africano). O branco, quando figura (assaz
raramente), é a cor da paz e da unidade. Finalmente, o negro identifica a raça
ou remete a uma referência islâmica.
579
Construção da nação e evolução dos valores políticos
Ao total, quatro mensagens ideológicas predominam neste denso e imagé-
tico discurso dos emblemas e dos símbolos: a afirmação de uma identidade, a
busca do desenvolvimento, o desejo de unidade, o apelo à liberdade e à justiça
social. Tudo isso manifesta fortemente uma exigência de liberdade coletiva
e testemunha uma continuidade com os valores imediatamente anteriores à
independência.
Novas ideologias políticas
Paralelamente a estas divisas, hinos e emblemas, alguns dos novos dirigentes
africanos formularam as suas próprias ideologias, tal é o caso de al -Nasser, Nkru-
mah, Senghor, Bourguiba, Sékou Touré, Nyerere, Amilcar Cabral e Kaunda.
Desde A Filosofia da Revolução Egípcia (1954) até A Carta Nacional (1962),
o egípcio Gamāl ´Abd al -Nasser, acentuou o seu abandono dos valores liberais
ocidentais em prol do recurso ao pan -arabismo, ao islã, ao socialismo árabe, ao
pan -africanismo e ao poder presidencial carismático. A Carta Nacional denuncia
com vigor a enganação da democracia de tipo ocidental, a funcionar no interesse
das classes dirigentes, feudal e capitalista, além de apresentar, por outro lado, um
julgamento favorável sobre o socialismo, sistema cujo caráter garantiria às massas
a democracia econômica e a liberdade coletiva. O socialismo nela está descrito
como a via que conduz à liberdade social
8
”, de onde deriva a necessidade do
povo em possuir os instrumentos de produção e de orientar o excedente desta
produção segundo um plano determinado. O nasserismo era uma ideologia, a
uma só vez, pró -socialista e antimarxista.
O socialismo árabe, a também expressar -se pelo partido único, em contra-
partida, rejeita categoricamente o ateísmo como antivalor absoluto, assim como
a ditadura do proletariado. Ele preconiza a assimilação das classes no poder
democrático de todo o povo, cuja confiança legitima e inspira os dirigentes.
Enfim, o socialismo árabe postula o imperativo da unidade árabe. Esta última
opção aproxima al -Nasser dos tenentes do Ba’th, como o sírio Michel Aflaq,
para quem o real problema consiste em dar novamente a sua alma à nossa nação,
fazer com que o árabe e a nação, em sua totalidade, empreendam um retorno a
esta atitude positiva, atuante, voluntária e correta que representa, para o árabe,
dominar o destino”. Disto resulta que o imperativo de uma revolução baassista
8 Para maiores detalhes sobre esta questão, conferir os textos reunidos por A. ABDEL -MALEK (org.),
1980, e J. -P. CHARNAY, 1966.
580
África desde 1935
na qual o socialismo é o corpo e a unidade é a alma; esta ressurgência (ba’th)
deveria apoiar -se no povo, única força capaz de realizar a unidade”.
Estas ideias -mestras do nasserismo e do baassismo democracia teísta, valo-
res autênticos do islã (fraternidade, defesa da comunidade), unidade árabe e
apelo ao povo germinarão na África do Norte.
Na Argélia, um socialismo revolucionário camponês e islâmico, originado
em uma longa e sangrenta luta de libertação, tenta conjugar os valores políticos
do nacionalismo, da autogestão, sob a égide de Ben Bella e, a partir de 1976,
sob a direção de uma FLN transformada em partido único, cujo papel dirigente
deveria confirmar a democracia socialista, neste mesmo processo o islã torna -se
religião de Estado
9
.
Na Tunísia, é o triunfo de um socialismo neodestouriano de tipo coope-
rativista, associando as noções de lucro e de acumulação de capital àquelas de
empresas públicas e com participação estatal. Segundo o seu teórico e protago-
9 J. -P. CHARNAY, 1966, p. 245.
 . Chegada de Ahmed Ben Bella na Argélia em 5 de julho de 1962. (Foto: M. Riboud. Magnum,
Paris.)
581
Construção da nação e evolução dos valores políticos
nista, A. Ben Salāh, trata -se de conjurar as atrocidades da luta de classes através
de uma revolução nos espíritos muito mais que nas estruturas”, com vistas a
tornar aceitáveis os sacrifícios impostos pela decolagem econômica
10
.
Na bia, após a derrubada da monarquia em 1969, em seguida, após a
instauração de uma república socialista árabe fundada nas nacionalizações e no
pan -arabismo, el -Khadafi empreende, no seu Livro Verde (1976), uma destrui-
ção sistemática das teses liberais, apostando no islã como uma terceira via entre
os imperfeitos capitalismo e socialismo. A democracia representativa não passa,
nos diz ele, de um circo; o referendo é uma impostura. Em razão disto um
recurso à democracia direta dos comitês e dos congressos populares (jamahiriah)
de inspiração tradicional
11
.
Na África Subsaariana, Kwame Nkrumah formula, em O Consciencismo
(1964), uma das mais importantes doutrinas de descolonização e de desenvol-
vimento para a África. Ele escreve: “Não se pode sonhar rejeitar todas as influ-
ências islâmicas ou da Europa colonialista, em uma tentativa de recriar um
passado que não mais pode renascer. Para seguir adiante, somente é possível ir
em frente, rumo a uma forma de sociedade mais elevada e mais equilibrada, na
qual o essencial dos valores humanos da sociedade tradicional será reafirmado
em um contexto moderno
12
.”
O consciencismo consiste, portanto, em um esforço simples que, à imagem
do projeto nassariano, combina os valores do nacionalismo anti -imperialista, da
modernidade técnica e científica, bem como do patrimônio africano e islâmico,
tudo isto graças ao socialismo e à unidade africana.
Julius Nyerere, quanto a ele, aposta antes de tudo, no legado africano dos
valores sociais, cujo aspecto mais decisivo seria a solidariedade comunitária: “A
África, diz -nos ele, não tem lições sobre o socialismo a receber da Europa; ela
poderia, antes, conceder alguns ensinamentos a respeito.” Tal socialismo consiste
antes de tudo em uma atitude que implica a preocupação de cada um com o
bem estar alheio
13
”. A ujamaa é a comunidade soldada graças ao afeto e à solida-
riedade entre os seus membros, os quais trabalham para enriquecer o patrimônio
comum e, através deste trabalho, satisfazer as suas necessidades pessoais”. Se
Nkrumah é aquele que mais contribuiu para integrar os valores considerados,
talvez caiba a Nyerere ser o maior artífice na promoção do desenvolvimento e
10 Textos de A. Ben SALĀH em A. ABDEL -MALEK (org.), 1980, pp. 255 -258.
11 Texto de M. EL -KHADAFI em A. ABDEL -MALEK (org.), 1980, pp. 337 -341.
12 K. NKRUMAH, citado por Y. BENOT, 1969, p. 394.
13 J. K. NYERERE, 1963b, p. 8.
582
África desde 1935
no tocante à exploração crítica e criadora do patrimônio dos valores da África.
Assim sendo, àqueles que temem o eclipsar do espírito de iniciativa individual
e do imperativo do trabalho pelo valor da solidariedade, ele replica que a soli-
dariedade de todos implica no trabalho de todos. Se existe um dever de hospi-
talidade, o indivíduo que dele beneficia -se tem, no que lhe diz respeito, o dever
de participar do trabalho da comunidade. Deriva que a ênfase é colocada nos
valores de um socialismo africano”, animador tanto da sociedade civil quanto
da sociedade política.
Pelo intermédio da disciplina do marxismo -leninista, Amilcar Cabral, funda-
dor do Partido Africano pela Independência da Guiné Bissau e do Cabo Verde
(PAIGC), igualmente tentou uma integração entre os valores do socialismo
e do nacionalismo. Segundo ele, somente esta associação orgânica permitiria
fazer valer o direito às aspirações do povo no domínio político, através do poder
popular, na esfera socioeconômica e cultural, graças à justiça social e ao enrai-
 . Amilcar Cabral, presidente do PAIGC, na frente militar oriental da Guiné Bissau. (Foto: Le
Nouvel Afrique -Asie, Paris.)
583
Construção da nação e evolução dos valores políticos
zamento nos valores civilizatórios da gente ordinária. Tal projeto de sociedade
fora lançado nas zonas libertas pelos combatentes do PAIGC, na Guiné Bissau.
Léopold Sédar Senghor, finalmente adepto do socialismo africano, não dei-
xaria de reconhecer a utilidade do quadro conceitual oferecido pelo marxismo,
recusando -se, contudo, a aderir a uma ideologia que supõe a luta de classes e
o ateísmo: nós podemos, portanto e legitimamente, conquanto empreguemos
o método de Marx para analisar a situação econômico -social no Senegal e na
África negra, sob domínio do capitalismo, conceder, aos nossos valores religiosos
e culturais, o seu posto natural em nossa vida espiritual
14
.”
Todas estas ideias, dispostas sob a apelação genérica socialismo africano,
foram, evidente e fortemente, influenciadas pelo islã, pelo marxismo -leninismo
e pelos valores tradicionais africanos.
Quais tipos de regime a África colonial viu nascer sob o efeito de todas estas
antigas e novas ideologias?
Os regimes pós -coloniais na África
Ao total, aproximadamente cinco tipos de regime estabeleceram -se na África
durante a era pós -colonial. Primeiramente, surgiram regimes socialistas funda-
dos por estes dirigentes de cujas ideias fizemos acima uma análise. Al -Nasser
tomou a dianteira no movimento, no ano de 1952, ao pronunciar a dissolução
de todos os partidos egípcios, instituindo a União Socialista Árabe, partido de
Estado ou, antes e sobretudo, organismo estatal encarregado de enquadrar poli-
ticamente as massas
15
. Este precedente foi amplamente copiado na África, sob
diversas denominações: assembleias, movimento, frente, convenção, congresso,
união e assim, sucessivamente. Em sua totalidade representavam uniformemente
um aparato sociopolítico e ideológico a funcionar como um sistema destinado a
monopolizar a comunicação entre os adeptos e a base popular. Kwame Nkrumah
seguiu, também ele, esta via e transformou Gana, no ano de 1964, em regime
socialista de partido único, após ter suprimido as organizações étnicas, regiona-
listas e religiosas. Sékou Touré, durante os anos de 1960, igualmente procedeu
na Guiné, assim como Modibo Keita no Mali e Julius Nyerere na Tanzânia.
Em Moçambique, no ano de 1974, a Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO) foi, desta mesma forma, constituída na qualidade de partido único,
14 L. S. SENGHOR, 1971, p. 58.
15 P. WANYANDE, 1987, p. 71.
584
África desde 1935
exclusivo instrumento para a integração da sociedade rural ao projeto de criação
de uma nação patrocinada pelo aparelho de Estado. Amilcar Cabral, na Guiné
Bissau e Agostinho Neto, em Angola alinharam, por sua vez e ao menos por
um período, os seus países com bloco de países socialistas.
O segundo tipo de regime é o regime militar. Os regimes desta natureza,
cujo número é variável segundo o período em questão, foram estudados no
capítulo XV. Digamos aqui simplesmente que se trata de regimes nos quais os
dirigentes civis foram substituídos por soldados, posteriormente a um golpe de
Estado militar. Estas brutais intervenções, contadas às dezenas, estabelecem
novos valores políticos, em suma, reduzidos à submissão ao consenso, mediante
a força das armas e a rejeição do primado do direito.
O terceiro tipo de regime é o regime do apartheid, cujo reinado, felizmente,
esteve restrito à África do Sul. Não o estudaremos nesta oportunidade, ateremo-
-nos simplesmente a precisar que ele constitui um caso extremo de teorização e
imposição de monstruosos “valores” políticos: a desigualdade, a segregação e o
racismo sanguinário. A própria religião foi convocada em socorro para justificar
o statu quo. No curso dos decênios, a presença deste regime conduziu os Estados
da linha de frente na África Austral a um encadeamento de violências travestidas
sob múltiplas formas: guerras étnicas, guerras conduzidas pelo Estado ou guerras
de libertação (Namíbia), revoltas de bandidos e mercenários, golpes de Estado,
forçadas migrações em massa, atos de sabotagem, e outros que tais, sucessiva-
mente. O apartheid impediu, em numerosos países a construção da nação.
O quarto tipo de regime é o regime conservador. Os regimes desta categoria,
professores de fé e de respeito aos olhos da abordagem capitalista do desenvol-
vimento e da construção da nação, abandonaram o liberalismo e a democracia,
subjacentes a esta abordagem, em proveito de um sistema fundado sobre um
partido único ou dominante e sobre a autocracia. Eles estão instaurados em
grande número de Estados africanos: Costa do Marfim, Serra Leoa, Senegal
(até 1978), Camarões, Quênia, Zâmbia, Zaire (atual RDC), Malaui e Gabão um
dos seus valores fundamentais é a “modernização”, em outros termos, a corrida
ao crescimento extrovertido. Entre 60 e 80% das suas receitas de exportação
provêm da venda de um, dois ou três produtos agrícolas ou minerais. O capi-
talismo de Estado canaliza vastos recursos aos cofres públicos, dispondo -os à
classe política. A corrida pelo dinheiro inspira todas as motivações, atitudes e
comportamentos. Poder e riqueza tornaram -se vasos comunicantes. Em todos
estes Estados, o sentido do serviço público e o senso das responsabilidades estão
comprometidos, os indivíduos aqui estão privados de certos direitos e valores,
correlatos aos primeiros. Igualmente, as classes pobres, espoliadas dos frutos
585
Construção da nação e evolução dos valores políticos
do crescimento, não têm o direito à expressão pois, conceder -lhes esta virtude
representaria um perigo para a estabilidade necessária a um desenvolvimento,
cuja consumação, inclusive, não está garantida.
Assim estão reunidas as condições ideais para uma acumulação sem freio de
capital mediante a exploração de um lumpemproletariado indefeso: um sistema
político híbrido”, de acordo com a declaração feita em 15 de março de 1990, pela
conferência episcopal zairense, a título de contribuição para a “consulta nacio-
nal sobre a situação geral do país”. O sistema, prosseguem os bispos,extrai do
liberalismo as vantagens que oferece − na realidade a uma minoria − o usufruto
da propriedade privada e, por outro lado, toma emprestados ao totalitarismo
os métodos de conquista e de manutenção no poder
16
”. A incoerência desta
contradição calculada, transformada em um perverso “valor político, é a raiz do
mal africano, na justa medida em que ela acumulou todos os aspectos negativos
de três sistemas: a herança africana, o liberalismo capitalista e o marxismo-
-leninismo dos países do antigo Bloco Oriental.
Finalmente há aqueles países que se ativeram aos valores do pluralismo e da
democracia parlamentar. Infelizmente, eles formam o grupo mais reduzido, cinco
países ao todo e no máximo: a Gâmbia, o Botsuana, o Senegal, a Namíbia e as
Ilhas Maurício. Estes países são os únicos que ainda autorizam eleições políticas
realizadas sob o signo da concorrência e nos quais os partidos de oposição não
se encontram atados. Não se pode negar que, nestes países, a situação econômica
não é muito mais brilhante que alhures mas, como veremos em outros capítulos,
este fato demonstra simplesmente a identidade dos limites estruturais em todos
os países africanos. A situação apresenta -se, todavia e qualitativamente, de forma
distinta sob a ótica dos valores políticos, notadamente quando existem, entre
outros, uma imprensa independente, um sistema judicial autônomo gozando
de garantias legais, uma relativa separação dos poderes, eleições abertas, senão
totalmente livres, e as liberdade de manifestação e de reunião.
Pan -africanismo e não alinhamento
Paralelamente às novas ideologias e aos novos regimes advindos na África
pós -colonial, dois temas também integraram o campo dos valores políticos
africanos. Trata -se, primeiramente, de uma abordagem mais radical e africani-
zada do pan -africanismo e, em segundo lugar, da questão do não alinhamento.
16 Jeune Afrique, no 1527, 9 de abril 1990.
586
África desde 1935
Estas duas temáticas serão aprofundadas nos posteriores capítulos 24, 25 e 28.
Talvez nos bastasse aqui dizer, antes de mais nada, que embora as rédeas do
movimento pan -africano tenham passado das mão dos Negros das Américas
àquelas dos Negros da África, durante o quinto Congresso Pan -Africano rea-
lizado em Manchester, no ano de 1945, foi somente após a conquista da inde-
pendência em Gana, no ano de 1957, que o pan -africanismo, como movimento
e do ponto de vista operacional, foi transferido das Américas e da Europa
para o próprio continente africano. Os primeiros sinais desta mudança foram
dados durante as duas conferências organizadas em Accra, no ano de 1958,
pelo novo dirigente de Gana, Kwame Nkrumah, que se apresentara como
um dos cossecrerios do Congresso de Manchester, foram elas: a Conferên-
cia dos Chefes de Estado Africanos, então independentes, e a Conferência
dos Povos da África. Igualmente, foi a partir deste momento que a questão
territorial acrescentou -se ao universo do pan -africanismo. Desde logo, este
movimento assumiria duas dimenes: aquela do pan -africanismo transaa-
riano e aquela do pan -africanismo transatlântico, a primeira apelando para
a unidade, com base na mística do território continental africano, a segunda
fundamentando -a sobre a stica da ra negra. Por outro lado e no plano
ideológico, o pan -africanismo enfatizava, doravante, duas temáticas: o pan-
-africanismo de libertação e o pan -africanismo de integração, ambos objetos
de posterior análise.
A segunda nova ideologia, integrada à visão do mundo própria aos Esta-
dos africanos e especialmente no domínio das relações exteriores e mundiais,
é aquela referente ao não alinhamento. No transcorrer da segunda metade
do século XX e no tocante às relações entre os pequenos pses e as grandes
potências, pode -se dizer de imediato não haver nenhum princípio de polí-
tica externa de maior impacto que o não alinhamento. O significado destes
conceitos e as modalidades da sua tradução no plano operacional mudaram
desde o seu surgimento, durante os anos 1950. Entretanto, ele não cessou de
manifestar importante inflncia nas orientações diplomáticas da maioria dos
Estados do mundo em desenvolvimento. Kwame Nkrumah e Gamāl Abd
al -Nasser figuraram entre os fundadores africanos do o alinhamento. Em
princípio, o movimento representava a expressão de um protesto solidário e
visava a modernização das relações Leste -Oeste. Entretanto, após os anos de
1970 e mais particularmente a partir da cúpula argelina de setembro de 1973,
o eixo do movimento transladou -se para privilegiar uma postura em defesa
de uma reestruturão fundamental do sistema mundial, rumo e em prol de
uma maior equidade nas relações Norte -Sul.
587
Construção da nação e evolução dos valores políticos
As novas tendências políticas na África
No curso dos anos 1970,o foi na ordem do não alinhamento e das relações
mundiais que novas tendências surgiram mas, antes e sobretudo, na ordem da
situação política interna da África. A sua aparição está, primeiramente, marcada
pelo ocaso dos regimes socialistas na África, em seguida, pela retro -concessão do
poder político do exército para os civis, com um temporário retorno de Gana e
da Nigéria ao rol dos regimes civis, aproximadamente ao final dos anos 1970, e
sobretudo pelo abandono do sistema de partido único e do regime autocrático,
em direção ao retorno junto aos anteriores valores da democracia liberal e do
multipartidarismo.
O fracasso do modelo socialista
Como indicado precedentemente, o modelo socialista combinação do
marxismo -leninismo, do socialismo islâmico e dos valores africanos tradicionais
esteve muito em voga no decorrer dos primeiros decênios da independência,
sendo adotado por países como o Egito, a Guiné, o Mali, a Tanzânia, Gana,
Moçambique e Angola. Ora, este modelo foi abandonado por todos estes países,
sem exceção, segundo um processo iniciado no Egito, com al -Nasser, prosse-
guindo com a queda de Nkrumah, em Gana, e a saída do poder de Modibo
Keita, no Mali, no curso dos anos 1960. Como poderíamos nós explicar este
fracasso do socialismo na África? Aqui reside a questão imperativa.
Inicialmente, faz -se mister precisar que se trata de um fracasso em nada
ligado à derrocada do, soi -disant, comunismo, na União Soviética e na Europa
Oriental, durante os anos 1980. O processo, como vimos, começou na África
no curso dos anos 1960. A debacle, ocorrida na Europa Oriental, não fez senão
acelerar um processo em desenlace na África. É verossímil que no continente
africano, o fracasso do socialismo deva -se ao fato que, embora o clima intelectual
lhe fosse propício, o campo sociológico e material não se revelou assaz fértil. O
clima intelectual tornou -se favorável ao socialismo durante os primeiros decê-
nios da independência, primeiramente porque muitos nacionalistas africanos
haviam logrado associar, no plano conceitual, o capitalismo ao imperialismo e
ao colonialismo; desde logo os dirigentes africanos progressistas tornaram -se
socialistas” porque eles eram nacionalistas. Em segundo lugar, a abordagem
capitalista do desenvolvimento durante os primeiros anos da independência
tendo -se revelada inadequada, alguns dirigentes africanos tiveram tendência a
588
África desde 1935
perceber, na via socialista, uma estratégia substituta, no sentido da melhoria e
transformação da situação social e econômica.
O terceiro fator que predispunha favoravelmente muitos africanos em res-
peito ao socialismo era a corrupção endêmica que não tardara a surgir em meio
aos dirigentes pós -coloniais do continente. Evidentemente, o capitalismo não
possui em nada a exclusividade no referente à corrupção e esta última não era
desconhecida nos países socialistas. Contudo, o sentimento prevalecente era
aquele segundo o qual, eventualmente, seria mais difícil manter a disciplina
social em condições baseadas no comportamento econômico regido pelo laisser-
-faire, comparativamente àquelas correlatas a uma planificação e controle relati-
vamente centralizado. O quarto fator era a ideia muito difundida segundo a qual
a cultura africana tradicional era essencialmente coletivista e, por conseguinte,
socialista”. Tal era, em todo caso, o ponto de vista defendido pelos dirigentes
africanos, como Senghor, Nyerere e Mboya. Acima de tudo, os regimes africa-
nos, pretensos engajados na via do Estado de partido único, encontravam -se
particularmente fascinados pela simbólica socialista. Ao final das contas, as
tendências centralizadoras do socialismo apresentavam uma natureza a justificar
o monopólio do poder exclusivamente por um partido.
Por todas estas razões, o clima intelectual demonstrava -se, em seu conjunto,
mais favorável ao socialismo. Consiste em fato consumado que, no imediato
posterior à independência, a maioria dos governos africanos defendia, ao menos
da boca para fora, os preceitos do socialismo, além de ser notório que os países
precedentemente enumerados adotaram -no não somente do ponto de vista
ideológico mas, igualmente na prática.
Ora, todos esses países fracassaram porque, malgrado um clima intelectual
propício, o terreno sociológico revelou -se refratário ao socialismo. O primeiro
fator sociológico desfavorável era, e continua a ser, a maior força da etnicidade
na África, em grau muito superior ao demonstrado pela consciência de classe. A
maioria dos africanos são, primeiramente, membros de sua etnia e em seguida,
membros de certa classe social. Em caso de crise, respectivamente, os operários
luo e os operários yoruba estão mais propensos a identificarem -se com a bur-
guesia luo, do Quênia, e com a burguesia yoruba, da Nigéria, comparativamente
à possível identificação face aos seus irmãos camponeses; tal é a conclusão que
Jaramogi Oginga Odinga e o chefe Obafemi Awolowo puderam tirar da sua
experiência. Oginga Odinga tentou formar um partido socialista radical. Ele
não tardou em descobrir que aqueles a lhe prestarem apoio não eram os desfa-
vorecidos do Quênia, mas quase exclusivamente indivíduos luo. Igualmente, o
chefe Obafemi Awolowo pôde muito rápido perceber, durante a primeira e a
589
Construção da nação e evolução dos valores políticos
segunda repúblicas da Nigéria, que ele era, em que pese o seu discurso socialista,
o herói não da classe operária do conjunto da Nigéria mas, de praticamente
todas as classes do país yoruba. Ao considerarmos o todo em sua justa medida,
estamos fadados a afirmar que na África, sempre que postas em disputa, quase
ao limite do enfrentamento, por um lado, as forças da etnicidade, por outro,
aquelas relativas à consciência de classe, por pouco que não invariavelmente, foi
a pertinência étnica o vetor triunfante.
O segundo fator sociológico desfavorável está representado pela força das eli-
tes culturais africanas em suas relações com as classes econômicas enquanto tais.
Em razão da fraqueza destas últimas, a única classe capaz de consumar a revo-
lução socialista na África somente podia ser a elite. Infelizmente, esta elite era,
em sua totalidade, formada por africanos fortemente ocidentalizados, os quais
alimentavam o seu poder, não através da posse de riquezas mas, graças à incor-
poração de uma educação ocidental e pela aptidão no manejo do verbo. Assim,
embora tornada revolucionária, ela não era capaz de fazer a revolução socialista,
pois como pressentira Karl Marx, unicamente a classe menos favorecida das
 . Tom Mboya, antigo dirigente sindical e ministro do Planejamento Econômico do Quênia,
assassinado em 1969. (Foto: Foundations Books Limited, Nairóbi.)
590
África desde 1935
sociedades mais evoluídas – e não a classe mais favorecida constituída pela elite
africana ocidentalizada – poderia consumá -la. Inclusive os africanos em viagem
de estudos à União Soviética ou à China, forçosa e previamente, eram levados
a ocidentalização pois, as obras de Marx, de Angels, de Lênin e de Mao não
haviam sido traduzidas para as línguas africanas, como o kiswahili ou o yoruba.
Consiste em um imperativo para um africano, trata -se de uma impossibilidade
sociolinguística, ser um marxista por completo, sem, necessária e forçosamente,
ser ocidentalizado. Pode -se, portanto e incontestavelmente, classificar a natureza
da formação das elites africanas entre as características desfavoráveis do campo
sociológico ao qual, no âmbito africano, foi confrontado o socialismo.
Um terceiro fator a comprovar a aridez do terreno, diz respeito às capaci-
dades organizacionais da África em sua fase histórica atual. Consta como ideia
amplamente difundida, supor que uma tradição de coletivismo, em um contexto
tradicional, esteja em condições de predispor o desenlace e o desenvolvimento
de esforços coletivos organizados no contexto moderno. Infelizmente, constata-
-se antes o inverso. O esforço coletivo, fundado sobre os costumes e a tradição,
bem como sobre os laços de parentesco, não preparou em nada o continente
africano, no tocante ao tipo de coletivismo organizado, forçosamente assentado
sobre o comando, e não sobre o ritual. Se, por sua vez, o socialismo exige uma
estrutura eficaz e racional de comando, não fundada sobre os costumes nem
sobre as afinidades étnicas ou os ritos, a sociedade em seu atual estágio evolutivo
da experiência africana, quanto a ela, não está sempre preparada para acolher o
modo de transformação socialista.
O quarto aspecto da inadequação do terreno sociológico africano à transposi-
ção do socialismo, leva -nos, quanto a ele, a questões em respeito à continuidade
histórica. Muitas economias africanas integraram -se, em profundidade e desde
outrora, a uma economia mundial dominada pelo Ocidente. Os países africanos,
ao adotarem o socialismo em suas sociedades, descobrem a sua permanente
integração ao sistema capitalista mundial. As regras deste sistema derivam mas-
sivamente de princípios elaborados no fio histórico do capitalismo. No comércio
internacional, os países buscam captar o máximo de receitas e realizar lucros.
As regras dos negócios e das trocas em nível internacional, o sistema bancá-
rio, subjacente a estas trocas, as moedas, efetivamente utilizadas nos mercados
financeiros e para regular os pagamentos, estes elementos constituem, em si
e contudo, produtos da experiência capitalista. Países como Vietnã, Angola e
mesmo Cuba, compreendem, ao final das contas, que a melhor plataforma de
sanidade econômica consiste em adquirir legitimidade internacional, conforme
as normas ocidentais. Possivelmente, o Vietnã e Cuba não alcancem conquistar
591
Construção da nação e evolução dos valores políticos
a sua legitimidade mas, uma das suas ambições consiste em receber os benefícios
do Ocidente, obter para os seus produtos um fácil acesso aos seus mercados e,
igualmente, ter acesso aos seus mercados financeiros.
Este conjunto de circunstâncias, notoriamente, significa que os países do Ter-
ceiro Mundo podem incorporar modalidades de funcionamento interno socia-
listas, permanecendo, todavia, profundamente integrados ao sistema capitalista
internacional. Igualmente fizemos valer que um país como a Tanzânia é mais
dependente, nos dias atuais, do sistema capitalista mundial, comparativamente
ao que era antes de inaugurar a sua experiência neosocialista, segundo os termos
da Declaração de Arusha, em 1967.
Estamos diante de uma configuração de fatores, os quais, por um lado, reve-
lam que a África está intelectualmente pronta para o socialismo e, por outra
parte, advertem -nos que as condições materiais para uma autêntica experiência
socialista no continente ainda não estão reunidas. O clima intelectual é promis-
sor; o terreno sociológico é dissuasivo.
Retorno aos valores democráticos liberais
A entrada no obscurantismo dos valores socialistas na África acompanhou-
-se de um fluxo sustentado de retorno aos antigos valores democráticos liberais,
próprios aos primórdios da independência. Existem, nos dias atuais e na maioria
dos Estados africanos, movimentos democráticos liberais, a exigirem o fim da
dominação do partido único e do exército, o retorno ao pluripartidarismo e elei-
ções políticas fundadas na disputa, bem como, o restabelecimento dos direitos
humanos fundamentais, especialmente a liberdade de associação e a liberdade
de imprensa, assim como a abolição do poder de prisão e detenção arbitrárias.
Estes movimentos reivindicam, em suplemento à justiça social e ao controle das
responsabilidades, a privatização, a liberação dos mercados e a descentralização,
além de defenderem a participação de todas as classes nos processos decisórios
e a aceleração do desenvolvimento. Até mesmo antigos pilares do sistema de
partido único do modelo socialista de desenvolvimento, como Nyerere, toma-
ram o trem em movimento. É possível medir o sucesso manifesto deste novo
movimento pelo fato de dirigentes tais como Mobutu, no Zaire (atual RDC),
Houphouët -Boigny, na Costa do Marfim, e Kerekou, no Benin, terem conce-
dido o pluripartidarismo e as eleições livres. Eleições abertas à disputa foram,
desde então, organizadas no Benin, em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe,
no Gabão e no Senegal, países estes que decidiram, em sua totalidade, agregar -se
592
África desde 1935
ao pequeno grupo de Estados democratas do continente. Uma vez mais, não nos
resta senão reclamar a explicação para estes desdobramentos muito felizmente
tomados pelos acontecimentos.
Atenhamo -nos aqui a acrescentar, igualmente, que estas evolões não
configuram nem ineditismo, nem tampouco consistem em reflexos da glasnost
e da perestroïka de Gorbatchev, das pressões exercidas por instituições finan-
ceiras internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, ou por países doadores
de ajuda, tais como os Estados Unidos da América do Norte, a Grã -Bretanha e
a França. Em alguns países africanos, à imagem de Gana, da Nigéria, da Costa
do Marfim e do Quênia, o pleito por democracia e pelo regime civil comou
a manifestar -se desde o final dos anos 1960 e no curso dos anos 1970, após a
instauração do sistema de partido único ou de ditaduras militares. Ninguém
seria capaz de esquecer a existência, no Quênia, do movimento Mwakenya,
a prisão e o encarceramento do romancista Ngugi, de certos membros do
parlamento e de outros intelectuais do país, durante os anos 1970. Tampouco,
pessoa alguma deixaria cair no esquecimento a oposão ao governo de união
em Gana no transcorrer destes mesmos anos, oposição esta dirigida pelo
Movimento Popular pela Liberdade e pela Justa, em luta contra o regime
militar do Coronel I. K. Acheampong, e a reclamar o restabelecimento de
um governo civil e da democracia parlamentar fundada sobre o sistema mul-
tipartidário. A débâcle do (soi -disant) comunismo na Europa Oriental e na
União Sovtica, assim como as pressões do FMI e dos países ocidentais
industrializados, tiveram como consequência obrigar os dirigentes africanos a
acatarem as exigências destes movimentos, em lugar de reprimi -los, arbitrária
e brutalmente, como era lugar -comum durante os anos 1970 e ao início dos
anos 1980. A verdadeira razão para o surgimento destes movimentos consiste
no simples fato a revelar que, no desenrolar dos anos 1970, não somente os
regimes socialistas mas, igualmente os sistemas baseados no partido único,
mostraram -se incapazes de oferecer todo o esperado de sua parte, a saber, o
desenvolvimento e a construção da não.
Sublinhemos que dois argumentos -chave foram enunciados, ao final dos
anos 1950 e durante os anos 1960, com o objetivo de justificar o estabelecimento
dos regimes baseados no partido único: o imperativo da unidade nacional, além
das classes ou das etnias e as exigências do desenvolvimento. Assim sendo, Julius
Nyerere escrevia: Agora que os colonialistas partiram, não mais divisão entre
dominadores, por um lado, e dominados, por outro [...]. O pluripartidarismo é
um luxo que nós, aqui na África, não podemos nos permitir. Temos pouquíssimo
593
Construção da nação e evolução dos valores políticos
tempo e há demasiadas realizações relevantes a concretizarmos, a ponto de não
podermos nos conceder este fútil passatempo
17
.”
No Mali, Madeira Keita sustentava, por sua vez, que o partido único, estru-
tura concentrada da nação, era o crisol no qual se encontram o camponês e o
homem citadino
18
”.
“O desenvolvimento contínuo, escrevia François Tombalbaye (Tchad), exige a
adesão de todos a um objetivo instituído em comum, assim como a conjunção de
todas as energias; e o partido único desempenhará, na qualidade de mobilizador,
um papel central neste âmbito
19
.”
“Se o partido identificar -se com o povo, escrevia -nos Sékou Touré, é evidente
que o Estado deva igualmente identificar -se com o partido, com o intuito de
constituir a indissociável trilogia: povo, partido, Estado”. Desta forma, não
possível razão partidária que deva prevalecer sobre a razão e o interesse do
povo, igualmente, não existe nenhuma razão de Estado que possa prevalecer
sobre a diretriz partidária
20
”. A Constituição de 1982, na Guiné, dispõe que “o
poder revolucionário [...] seja exercido pelo povo, organizado no seio do Partido
Democrático da Guiné, partido -Estado, com base no centralismo democrático”;
todos os órgãos de poder apresentam -se como órgãos deste partido -Estado e “os
juízes são eleitos pelas instâncias do partido, em todos os níveis”. Assim falavam
os dirigentes do Togo, de Camarões, do Zimbábue e do Zaire (atual RDC);
neste último país, o partido do presidente Mobutu era a única instituição do
Estado
21
”. O coletivismo tornara -se um monopólio político.
Entrementes, após dezenas de anos sob este sistema, nem a unidade nacio-
nal, nem o desenvolvimento se haviam realizado nestes países africanos. Ao
contrário, era manifesto, ao final dos anos 1970, que os raros países democ-
ticos, como o Botsuana e as Ilhas Maurício, haviam obtido resultados nitida-
mente melhores, em matéria de desenvolvimento econômico, de estabilidade
política e de edificão nacional. Excetuando -se estes poucos países, na rea-
lidade, assistira -se à supressão dos Direitos Humanos fundamentais, ao esta-
belecimento de uma autocracia desavergonhada, da corrupção generalizada,
do nepotismo, bem como à presença da mão -forte do aparato de Estado em
todos os aspectos da vida social, através da monopolizão dos recursos e da
17 J. K. NYERERE, 1970a, p. 48.
18 M. KEITA, citado por L. SYLLA, 1977, p. 260.
19 F. TOMBALBAYE, citado por L. SYLLA, 1977, p. 260.
20 A. SÉKOU TOURÉ, 1977, citado por L. SYLLA, 1977, pp. 245 -247.
21 P. -F. GONIDEC, 1983, p. 72.
riqueza do Estado pelos dirigentes do partido ou pelas oligarquias militares e
sua clientela. Ora, damo -nos de mais e mais conta que, embora o pluralismo
não constitua, evidentemente, uma panaceia para os males políticos, ele é capaz
de facilitar a concretizão de um dos mais altivos valores poticos, a liber-
dade. Pois, finalmente e nos dias atuais, muitos africanos questionam -se sobre
quais seriam as razões para a transformão do desenvolvimento e da unidade
em valores absolutos. Desenvolvimento em proveito de quem? Unidade para
quem? O que seria o desenvolvimento para aqueles situados à margem do
aparelho partidário? Estas questões estão no cerne da revolução democrática
que sacode a África no início dos anos 1990. Portanto, as reivindicações dos
africanos, confluem para um retorno não somente aos valores democráticos
liberais mas, igualmente, aos próprios valores que encarnam e simbolizam as
suas divisas, os seus hinos e as suas bandeiras nacionais: a unidade nacional, o
desenvolvimento, a liberdade e a justiça social.
 . Ahmed Sékou Touré, presidente da República da Guiné de 1958 a 1984. (Foto: IMAPRESS,
Paris.)
595
Construção da nação e evolução dos valores políticos
Rumo a uma nova ética capitalista
Todavia, no seu impulso atual em favor do modelo de desenvolvimento
liberal e democrático, a África, deveria ela percorrer todo o leque de priva-
tizões e assumir a postura ocidental relativa à liberdade de mercado? A
experncia pregressa aconselha a África, neste âmbito, a adiantar -se com pru-
dência e a modificar, em certa medida, a sua postura. Primeiramente, todos os
africanos puderam medir a força, ainda presente no continente, da pertinência
étnica, com o seu correlato nepotismo e, por conseguinte, ao adotarem esta
abordagem, não seria temeroso que o conjunto do mercado seja enquadrado ou
esteja sobre o monopólio de uma ou duas etnias? Desde logo,o seria neces-
sário que a África estabelecesse uma espécie de legislão antitruste étnico,
intuindo impedir ou quebrar os monopólios étnicos”, à imagem daqueles
mantidos, nos primórdios da independência, pelos ibo, na Nigéria, ou pelos
kikuyu, no Quênia?
O segundo grande ensinamento da História consiste na maneira através da
qual o móbil do prestígio, no tocante ao comportamento econômico africano,
conduziu a um consumo ostentatório e a um exibicionismo aristocrático” e
monárquico desenfreado. A Mercedes é na África o símbolo permanente da
vaidade ostentatória mas, lugares, como a Nigéria, nos quais a onerosa frota
de automóveis está, por vezes, arregimentada em meio a um ou dois palácios, um
avião e um helicóptero privados e um trem ordinário, este conjunto em proveito
de uma única família!
Se o móbil do lucro, na teoria econômica clássica, é supostamente capaz de
incitar uma maior produção, o móbil do prestígio, no referente ao comporta-
mento econômico africano dos tempos atuais e quanto a ele, incita um maior
consumo. Ademais, os produtos de consumo de maior prestígio são frequente-
mente importados e pagos em divisas. Em si, a privatização não provoca uma
maior produção na economia africana. O bil do prestígio funciona tanto
no âmbito privado quanto ao nível do Estado e devora monstruosamente os
recursos do país.
Quando os ocidentais exortam os países africanos a privatizar, eles contam
com os efeitos da liberdade concedida ao móbil do lucro. Ora, na realidade, na
maior parte do continente africano, não se trata simplesmente de liberar e ativar
o móbil do lucro, mas, além disto, de dominar e reprimir o móbil do prestígio.
Podemos sustentar que, entre as duas cruzadas, a mais urgente continua sendo
a segunda.
596
África desde 1935
A bem da verdade, a cruzada das cruzadas poderia perfeitamente consistir em
encontrar os meios capazes de levar o móbil do prestígio de tal forma a fazer -lhe
servir aos fins da produção e não somente aos apetites do consumo. Não seria
necessário que a África tornasse a criatividade e a produção mais prestigiadas
que a posse? Não seria imperativo que os africanos se interessassem mais pro-
ximamente aos problemas ligados aos estímulos no continente? Como afinar a
sensibilidade do equilíbrio africano entre o prestígio e o lucro?
Um terceiro grande problema de ordem privada a pesar sobre o mercado
(além do nepotismo étnico e do móbil do prestígio) é o problema geral das prá-
ticas de corrupção, comuns na África pós -colonial. A corrupção pode bloquear
os procedimentos e ter um efeito paralisante sobre a produção e a distribuição.
Ela pode incidir, simultaneamente, sobre o setor público e o setor privado; ela
pode ser burocrática ou onipresente. A privatização da economia corre o risco
de simplesmente traduzir -se pelo tráfico de influência ou, pela privatização da
corrupção por vezes o mal mais contagioso para o conjunto da sociedade,
comparativamente à corrupção dos funcionários e dos burocratas.
O capitalismo chegou à África sem a “ética protestante” do trabalho e da
frugalidade. Em termos econômicos, o protestantismo não se posicionava contra
o instinto de aquisição; ele desconfiava do instinto de consumo, sobretudo com
a finalidade de obter prazer. Segundo um dito puritano da época da Reforma,
Trabalhe para tornar -se rico para Deus mas, não para a carne e o pecado!” A
riqueza não era considerada como contrária à moral senão quando ela incitava
a ociosidade e a uma complacência culpável. A aquisição de riquezas não era
perigosa senão quando ela solapava os princípios gêmeos do trabalho e da fru-
galidade, em nome de Deus.
Em sua chegada à África, o capitalismo trouxe o imperativo da aquisição sem
a disciplina do trabalho e da frugalidade. O próprio homem branco, quanto a
isto, fornece -nos um perigoso exemplo. Ele jamais era visto lavando a sua pró-
pria roupa, cozinhando, engraxando os seus sapatos, arrumando a sua cama ou o
seu próprio aposento, nem mesmo servir -se do álcool em seus aperitivos. O luxo
da vida aristocrática dos colonos brancos, conduzindo -os a serem os mestres dos
serviçais africanos, prestou um desserviço ao capitalismo trazido pelo homem
branco. O móbil do prestígio propriamente africano, traço que em suas versões
originais possuía um caráter convivial, foi transformado pelos estilos de vida
aristocráticos importados pelo homem branco. O móbil do prestígio na África,
desde então, encarnou -se na esbanjadora cultura de consumo à moda europeia,
com as suas imensas mansões e os seus criados, domésticos e jardineiros.
597
Construção da nação e evolução dos valores políticos
Se a ideologia do espírito empreendedor reduz -se à necessidade de aquisição,
é possível dizer que ela apresenta -se hoje como um fato consumado em boa
parte do continente africano. A tal ponto que, eventualmente, faz -se chacota
daqueles indivíduos avessos a tirarem proveito das possibilidades que lhes são
oferecidas, tocantes ao seu enriquecimento e aos eventuais possíveis favores
ofertados à sua parentela.
A questão crucial é parcialmente relativa aos meios empregados para alcan-
çar a riqueza. Cabe saber se ela foi criada ou simplesmente obtida. Adquirir a
riqueza por meio de uma firme dedicação é um processo criador. Enriquecer -se
na qualidade de intermediário à custa de interesses externos ou pela corrupção
pode nada ter a ver com algo criador. A questão consiste em saber se é pos-
sível transformar o instinto de aquisição na África em algo mais diretamente
produtivo.
Entretanto, se é necessário que os meios para alcançar a riqueza sejam cria-
dores, faz -se igualmente mister que os fins próprios a esta aquisição sejam
consequentes. Ora, o consumo ostentatório não figura, por via de regra, entre as
finalidades mais sadias do sucesso econômico. Em suma, é preciso uma funda-
mental reforma da ideologia africana no que diz respeito ao espírito empreende-
dor, aos dois níveis, meios e fins, da busca pela riqueza em sociedade. Enquanto
este processo não se consumar, a privatização das economias africanas, longe de
ser o melhor meio para garantir a saúde e a liberdade do mercado, corre o risco,
ela própria, de atuar em detrimento do mercado. Aos observadores suficiente-
mente perspicazes, a experiência africana comprova que a privatização não é,
necessária nem integralmente, a melhor proteção, em todas as culturas, para a
liberdade de mercado. Ela exige, muito amiúde, outras medidas de salvaguarda
da ordem social, moral e jurídica.
Conclusão: cronologia da ideologia
A história consiste parcialmente em uma tentativa de identificação das ten-
dências. Mas, as tendências da história, das ideias e dos valores são particular-
mente difíceis a apreender. Que poderíamos nós dizer, ao final das contas, da
África após 1935? Quais tendências em seu seio poderíamos nós discernir nos
domínios dos valores e das ideias?
Em linhas gerais, identificamos na história ideológica africana o familiar
debate entre coletivismo e individualismo. Igualmente desvelamos o debate
entre pluralismo e nacionalismo, a englobar questões tão diversas quanto as
598
África desde 1935
referentes à democracia e ao pan -africanismo ou aquelas em respeito ao Estado
e à etnicidade.
Este capítulo abordou, outrossim, o que Nkrumah chamou consciencismo,
em outras palavras, o jogo de forças entre a cultura autóctone, o islã e a civili-
zação eurocristã. E. W. Blyden precedera Nkrumah na visão desta tríade. Ali
Mazrui levou -a mais adiante, em sua série de emissões televisivas intituladas
The African: a triple heritage, bem como em seu livro publicado paralelamente
sob o mesmo título.
Mas, na realidade concreta da África, poder -se -ia identificar nitidamente
tendências que, de fato, corresponderiam a subdivisões do período transcorrido
desde 1935? Nós evocamos a idade do ouro da aliança entre o pluralismo e
o nacionalismo, a saber, o período correspondente aos últimos anos do regime
colonial. Os nacionalistas africanos retomam então o discurso liberal e pluralista
contra os seus mestres ocidentais. As palavras de ordem liberais servem à causa
nacionalista.
No curso dos anos 1960, a maior parte do continente africano sofre com o
autoritarismo. Sistemas baseados no partido único, golpes de Estado militares
e autocracias presidenciais estão em plena ascensão durante boa parte desta
primeira década da independência africana. Muitos regimes, embora engajados
na via capitalista, reclamam -se então do socialismo. Nos primeiros anos da
independência do Quênia, era possível ouvir um ministro de Jomo Kenyata, da
importância de Tom Mboya, falar entusiasticamente do “socialismo africano”.
O socialismo árabe era, igual e fortemente, reivindicado em uma parcela da
África do Norte. Os anos de 1960 correspondem à última década de Gamāl Abd
al -Nasser no poder. Ele dedica -se, em parte e durante estes anos, a consolidar as
mudanças “socialistas” introduzidas no Egito e, também parcialmente, a desen-
volver vigorosas políticas pan -árabes, pan -africanas e não alinhadas vis -vis das
questões internacionais. Ele morreria em 1970.
Ahrmed Ben Bella é deposto na Argélia, em 1965, entretanto, o regime do
seu sucessor, Houari Boumediene, prossegue com a política de socialismo de
Estado que havia sido preconizada pela jovem revolução argelina. Muammar
el -Kadhafi derruba o rei Idrīs em 1969, empreendendo sem tardar o estabeleci-
mento de uma versão líbia do socialismo promotor do bem -estar, ulteriormente
chamado por ele “a terceira via”.
Durante todos os anos 1960, contudo e quase invariavelmente por toda
a África, procurar -se -ia em vão uma declarão celebrando abertamente o
marxismo -leninismo, na qualidade de ideologia oficial. Estes anos foram, de
uma forma geral, marcados pelo entusiasmo socialista, embora acompanhados
599
Construção da nação e evolução dos valores políticos
por uma atitude prudente frente ao marxismo -leninismo. Com efeito, regimes
como aquele dirigido por al -Nasser, no Egito, foram, simultânea e fortemente,
socialistas e antimarxistas. Muitos comunistas egípcios foram encarcerados por
al -Nasser.
Quando Dja’far al -Nimayri organiza o seu golpe de Estado no Sudão, em
1969, apoia -se em uma forte aliança com os comunistas sudaneses. Mas, esta
última teria curta duração. Os partidários desta aliança virar -se -iam uns contra
os outros e seria al -Nimayri quem triunfaria. Politicamente fracionada, a Nigéria
não elaborou ideologia assimilável e adaptada a toda nação. Pode -se, contudo,
discernir tendências de esquerda, não somente nas universidades, mas, igual-
mente, junto ao chefe Obafemi Awolowo. O comunismo é quase totalmente
ausente.
Seria preciso esperar os anos 1970, para ver o marxismo -leninismo tomar
uma dimensão maior no horizonte continental africano. Dois fatores foram
determinantes no decorrer destes anos: houve, primeiramente, revoluções sociais
em países como a Etiópia e Madagascar, advindas logo após o desmantela-
mento do Império português. A sublevação de 1974 na Etiópia talvez tenha
representado a mais profunda revolução social africana, na segunda metade do
século XX. O regime que sucederia aquele de Haïlé Sélassié viria em seguida
declarar -se marxista -leninista. Países francófonos como Madagascar, Congo e
Benin igualmente tomaram orientações marxistas -leninistas, embora estivessem
elas quiçá mais inscritas nos discursos e muito menos notáveis em seus atos.
Com o desmantelamento do Império português, o marxismo -leninismo
adquiriu alhures um suplemento de visibilidade. Angola e Moçambique
declaram -se ambos Estados marxistas -leninistas e a Guiné -Bissau flertará
durante certo tempo com a ideologia de esquerda.
A idade do ouro do marxismo -leninismo na África situar -se -ia ela durante
o peodo compreendido entre 1970 e o final dos anos 1980? Consiste em
um fato inconteste que ao final dos anos 1980, países como Moçambique,
Benin e Congo estavam em vias de tomar a suas devidas distâncias, em nível
governamental, perante a retórica marxista -leninista. Alguns não tardariam em
renunciar, de forma cabal, ao rótulo de Estados marxistas -leninistas. Aproxima-
damente ao final dos anos 1980 e no início dos anos 1990, o pluralismo estaria
ele no limiar de reafirmar -se na África? Um renascimento liberal estaria ele em
curso? Como vimo -lo, muitos países reviveram constituições que restabeleceram
o pluripartidarismo e as eleições abertas à disputa. O que não era possível pre-
ver com exatidão, era a durabilidade destas novas tendências pluralistas. Iriam
600
África desde 1935
elas caracterizar ao menos os derradeiros anos do século XX? Isto restaria a ser
comprovado.
Um último enigma histórico diz respeito à relação entre a exata natureza da
política colonial, por um lado, e as suas consequências ideológicas pós -coloniais,
por outro. Não existe praticamente nenhum país do continente africano, anterior-
mente sob o domínio do Reino Unido, que se tenha declarado Estado marxista-
-leninista. Em contrapartida, praticamente todos os países outrora sob domínio
português, ao menos experimentaram o marxismo -leninismo, isto quando eles
não o adotaram como ideologia oficial. Os países muito tempo colonizados
pela França situam -se em algum ponto entre o paradigma anglófono (exclu-
dente do marxismo -leninismo) e o paradigma lusófono (marxismo -leninismo
muito expandido). A África francófona é ideologicamente diversa. Em quais
medidas, as diferentes políticas coloniais das três potências imperiais comporiam
o resultado de diferenças ideológicas pós -coloniais entre as suas antigas colô-
nias? Por exemplo, a fortíssima opressão do regime colonial português explicaria
a radicalização ideológica mais veemente das suas vítimas coloniais? Não
respostas fáceis a certas complexas questões históricas, impostas pela experiência
africana mas, os graus diversos de repressão poderiam, perfeitamente, constar no
rol dos fatores originários dos fenômenos.
Em todo o estado de coisas, as diferenças ideológicas pós -coloniais entre
os países anglófonos, lusófonos e francófonos revelar -se -iam talvez de curta
duração. É possível que os valores e as ideias trazidas pela colonização sejam,
em definitivo, muito mais efêmeros que as continuidades culturais subjacentes
da África autóctone.
O regime colonial obrigou indivíduos, os quais haviam outrora vivido em
separado, à vida coletiva e, em contraste, dividiu os indivíduos que anterior-
mente estavam unidos. As tensões étnicas constituem conflitos de valores. Elas
igualmente tornaram -se fonte da maior ameaça a pesar sobre a estabilidade e a
democracia africanas. O desafio depende de uma ação determinada, baseada na
integração nacional e na partilha vivida das ideias e dos valores. A África busca
uma ideologia criadora.
Quando culturas múltiplas estão confrontadas umas às outras, no interior
das fronteiras de uma mesma nação, as suas relações podem situar -se em níveis
diversos de profundidade social. O grau mínimo de relação consiste na coexis-
tência, na qual duas ou mais comunidades culturais não sabem senão infima-
mente a respeito das suas consortes. Cada uma pode possuir os seus próprios
paradigmas conservadores de pensamento, fundados unicamente no aspecto
étnico. O tradicionalismo autóctone pode reinar à sua moda neste domínio.
601
Construção da nação e evolução dos valores políticos
O segundo grau de relação está representado pelo contato, através do qual
dois ou mais grupos constituem relações comerciais, participam em comum do
mercado de trabalho, tornam -se membros de um mesmo partido político ou
quando escutam as suas respectivas músicas. Acima de tudo, o contato deve
implicar em uma partilha de ideias e na definição de prioridades comuns. As
ancestrais tradições do ancião, do guerreiro e do sábio podem constituir o objeto
de uma interação entre múltiplas culturas étnicas.
A terceira graduação de relação interétnica diz respeito à concorrência, em
meio à qual os contatos derivam para uma rivalidade, com vistas à obtenção dos
recursos, do poder ou das oportunidades sociais e econômicas. Os debates ideo-
lógicos e políticos são parte integrante deste estádio concorrencial da construção
da nação. O capitalismo pode estar em conflito com o socialismo no cenário
político. O individualismo pode estar na defensiva frente ao coletivismo.
O quarto grau de relação entre duas ou mais culturas étnicas corresponde à
conquista, situação na qual uma das ideologias ou das culturas começa a ganhar
proeminência. Uma ideologia, por exemplo, pode tornar -se mais influente que
outras. Ou ainda, o sistema de valores recém dominante pode lograr reivindicar
uma parte desproporcional do poder, dos recursos ou das oportunidades socioe-
conômicas. O nepotismo pode assim prevalecer mesmo em um regime socialista.
O pluralismo pode ser abafado pela hegemonia política e o monopólio do poder.
O quinto grau de relação entre as culturas refere -se ao compromisso. Neste
estádio, as ideologias, os valores políticos e as tradições em disputa encontram
um modus vivendi, uma fórmula aceitável de superação dos conflitos e uma base
viável de parceria social. O individualismo pode reconciliar -se com o coletivismo
e o pluralismo com o nacionalismo.
O sexto grau de relação é aquele ligado à coalescência, no qual os valores e as
identidades dos grupos políticos começam a fundir -se e onde as suas fronteiras
tornam -se de menos em menos distintas. As culturas, os valores e as ideologias,
quiçá inclusive as línguas, entrelaçam -se e um sentimento de identidade maior
começa a desprender -se. Esta identidade ampliada poderá constituir a consci-
ência nacional. O sentimento étnico amalgama -se com a consciência nacional.
Uma ideologia nacional está provavelmente em vias de elaborar -se.
Em certos países africanos, as divisões ideológicas recebem, em suplemento,
a influência das relações internacionais e de fatores econômicos. É preciso,
contudo, guardar presente no espírito que a diplomacia e a economia são, muito
amiúde, fatores de integração tanto quanto de divisão. O equilíbrio varia de
sociedade a outra. O não alinhamento pode consolidar, no interior das fronteiras,
o sentido de identidade nacional.
602
África desde 1935
A luta pela integração nacional e pela construção do Estado apenas começou
na África. O diálogo ideológico e a integração cultural são parte integrante da
elaboração do sentido da nação e da consolidação da identidade coletiva na era
pós -colonial.
Esta tendência social deveria incorporar as contribuições coletivas dos pen-
sadores e dos intelectuais da África, aos quais seria permitido operar livremente.
Os aspectos mais inovadores do individualismo podem verdadeiramente aliar -se
aos aspectos mais humanistas do coletivismo. Somente então, o Estado e a nação
na África serão capazes, em lugar de destruírem -se mutuamente, engajarem -se,
enfim, em um processo de construção e de enriquecimento mútuo.
603
MUDANÇAS SOCIOCULTURAIS
APÓS 1935
S E Ç Ã O V
605
Religião e evolução social
C A P Í T U L O 1 7
A nossa sociedade não é a antiga sociedade, mas uma nova sociedade expandida
pelas influências eurocristãs e islâmicas. Uma nova ideologia é portanto necessária,
uma ideologia que possa afirmar -se em uma definição filosófica mas, que seja, a um
só tempo, uma ideologia que não abandonaria os princípios humanos e originais da
África [...] uma ideologia cujo objetivo seria agregar à experiência africana a presença
islâmica e eurocristã, bem como a experiência da sociedade africana tradicional
1
.”
A religião, foi -nos dito, impregna toda a trama da vida individual e comu-
nitária da África. O africano é um ser profunda e incuravelmente crente, reli-
gioso”. Para ele, a religião não é simplesmente um conjunto de crenças mas, um
modo de vida, o fundamento da cultura, da identidade e dos valores morais. A
religião constitui um elemento essencial da tradição a contribuir na promoção
da estabilidade social e da inovação criadora
2
. Não é portanto surpreendente que
Kwame Nkrumah, em seu programa de transformação social e em sua busca por
uma nova ideologia capaz de guiar esta transformação, tenha visto na religião,
simultaneamente, um recurso a explorar e um problema a conter. Ele estima que
a sociedade africana esteja ancorada na religião tradicional, mesmo tendo sido
expandida pelas influências eurocristãs e islâmicas. No capítulo dos elementos
1 K. NKRUMAH, 1964, pp. 93 -97.
2 Presença africana, 1972; V. MULAGO, 1980; M. GLÉLÉ, 1981.
Religião e evolução social
Tshishiku Tshibangu em colaboração com
J. F. Ade Ajayi e Lemim Sanneh
606
África desde 1935
positivos, ele considera a nova ideologia como a gênese” das três grandes tradi-
ções religiosas na África. Mas, se quisermos a “harmonia social”, o fator religioso
deve também responder a uma exigência: a nova ideologia deve poder “se afirmar
em uma definição filosófica”, ou seja, em termos seculares, sem renunciar aos
valores fundamentais da religião africana tradicional ou à experiência histórica
africana, tanto do islã quanto do cristianismo.
O problema da religião na transformação social da África decorre, a um
tempo, do vigor do sentimento religioso e da pluralidade de religiões. A reli-
gião tradicional africana consistiu, especialmente, em um meio de explorar as
forças da natureza e de sistematizar os novos conhecimentos sobre o ambiente
humano e físico. Em seu desejo de compreender os múltiplos aspectos da natu-
reza e de fazer frente a eles, o africano identificou várias divindades e instaurou
numerosos cultos. A religião tradicional africana não fazia proselitismo e era
aberta. Ela tolerava a inovação religiosa como manifestação de um novo saber,
sempre esperando interpretar e interiorizar estes conhecimentos no âmbito da
cosmologia tradicional. Desta forma e paulatinamente, o cristianismo à imagem
do islã, desenvolveu -se na África, inicialmente, em uma relação simbiótica com
a religião tradicional. Entretanto, o cristianismo e o islã apresentam -se como
religiões a praticarem o proselitismo, afirmando ambas serem as únicas a terem
tido a revelação da Verdade, elas são violentamente concorrenciais e não toleram
coexistir com outras religiões, particularmente uma em relação à outra. Em razão
desta rivalidade, o cristianismo dos tempos de outrora desapareceu completa-
mente na África do Norte e no vale do Nilo, não subsistindo senão junto aos
bacotas no Egito e na Etiópia. A partir dos movimentos periódicos de reforma
e de purificação religiosa, nasceu todo um leque de situações a compreenderem,
sem solução de continuidade, desde a reinterpretação do islã e do cristianismo
no quadro da cosmologia tradicional africana até situações nas quais estas mes-
mas regiões forneciam a cosmologia mas, no seio das quais o pensamento social
africano lhes conferia um caráter autóctone. Assim sendo, a pluralidade religiosa
tornou -se uma característica essencial da sociedade africana, conhecedora de
forma tão específica daquilo que Nkrumah denominava “a experiência africana
da presença islâmica e eurocristã”.
As atividades conduzidas pelas missões cristãs em toda a África no século
XIX no rastro da colonização complicaram a situação religiosa. No passado, o
grau de africanização do cristianismo e do islã dependia da autonomia, social
e política, das populações. Com a perda de autonomia devido ao colonialismo,
a religião tradicional africana foi relacionada, no espírito de grande número de
africanos, a uma África do fracasso e subjugada. Muitos proclamaram então
607
Religião e evolução social
a sua adesão ao cristianismo ou ao islã, mbolos para eles, da evolução, do
progresso e do porvir, sem necessariamente abandonar a antiga cosmologia ou
as suas crenças religiosas profundas. A educação ocidental, em grande parte
patrocinada pelas missões cristãs, tornou -se, simultaneamente para o africanos,
um meio de satisfazer a sua aspiração pela aquisição de novos conhecimentos e
da tecnologia europeia, bem como o instrumento que separou -os da sua cultura
tradicional.
Assim sendo, o problema consistiu, para Nkrumah e os outros dirigentes do
período da descolonização, em concretizar a transformação social e criar uma
nova sociedade, considerando a força das crenças religiosas, mas, igualmente, a
existência de um enfraquecimento das diferentes visões religiosas da sociedade.
Qual papel deveria caber à religião tradicional? Até que ponto era possível
ser um cristão ou um muçulmano fiel permanecendo um bom africano? Este
conflito de valores e ideologias provocaram, na vida privada dos indivíduos e
das comunidades, um traumatismo, transformado em tema para muitos de seus
romances. No que lhes diz respeito, os historiadores interessaram -se nas crises
provocadas no espaço público pelo fato religioso, eles estudaram: o papel das
diferentes tradições religiosas durante os combates pela libertação ocorridos
no Quênia, no Zimbábue, no Marrocos, na Argélia, no Senegal, no Zaire e na
Zâmbia; o fator religioso, no curso das lutas travadas por diversos grupos em
prol da partilha do poder político e econômico, da dominação e controle sobre a
educação, bem como sobre a política externa e as relações exteriores; os conflitos
entre os grupos religiosos à caça de autonomia no interior de um Estado, teme-
rosos em outorgarem -se o monopólio do poder, ou entre as minorias religiosas
resistentes a um grupo dominante que buscava impor a sua própria fé intuindo
dela fazer a religião nacional e o único fundamento dos valores e do acesso aos
recursos políticos e econômicos do Estado
3
.
Cada qual sabe o quanto é difícil obter estatísticas exatas
4
, por diversas
razões: os recenseamentos nacionais são raros ou inexistentes, as estatísticas
constituem um desafio na luta pelo poder entre grupos iguais e, finalmente, nem
sempre se sabe, em qual momento aqueles pretensos adeptos do islã ou do cris-
tianismo, efetivamente, abandonaram a religião tradicional e, tampouco, quando
3 Para uma lista sucinta das fontes, conferir E. FASHOLE -LUKE e colaboradores, 1978; A. HASTINGS,
1979; M. O. BESHIR, 1968; A. F. WALLS, 1978; Gatta Gali NGOTHE, 1985; D. Ndogo BIDYOGO,
1977.
4 Comparar, por exemplo, as duas séries de estatísticas bem diferentes de Uganda, em 1977, em Pro Mundi
Vita (Bruxelas), 1985, e M. GLÉLÉ, 1981.
608
África desde 1935
eles retornaram a esta última. É verossímil que, em 1935, aproximadamente 80%
da população africana total repartia -se, em parcelas mais ou menos equivalentes,
entre o islã e o cristianismo, provavelmente com uma leve vantagem numérica
do islã. Desde então, o islã e o cristianismo afirmaram, ambos, terem progredido,
em detrimento da religião tradicional africana, embora se tenha recentemente
identificado um vasto movimento de renovação da religião tradicional. Certos
países da África Central e Austral, para os quais as estatísticas indicam, em regra,
uma adesão quase total ao cristianismo, constatam atualmente uma sobrevivên-
cia ou uma renovação considerável das crenças tradicionais.
Igualmente importante é a repartição nacional dos fiéis (conferir figura 17.1).
Não há países de população integralmente, ou quase integralmente muçulmana,
nos quais o islã tenha sido proclamado religião de Estado, aplicada ou não a
sharī`a. Trata -se especialmente do Marrocos, da Tunísia, da Argélia, da Líbia,
da Somália, das Ilhas Comores e da Mauritânia. O Egito é majoritariamente
muçulmano, embora abrigue uma importante minoria cristã, responsável por
menos de 10% da população, proporção semelhante àquela apresentada no Sene-
gal. Em muitos países, a proporção da repartição numérica entre cristianismo
e islã constitui um desafio político relevante, como no Sudão, na Etiópia, no
Tchad, na Nigéria, em Camarões e na Tanzânia. Alguns destes países declaram
oficialmente em sua Constituição que o Estado é, no tocante à religião, “neutro
ou laico”. Na prática, todos os dirigentes africanos fazem parte de uma elite
formada em escolas ou instituições religiosas, invariavelmente, cristãs ou islâ-
micas. Conquanto proclamem a necessidade do renascimento dos valores e dos
princípios tradicionais africanos, poucos dirigentes, independentemente de suas
próprias crenças ou práticas, ousaram enfrentar as suscetibilidades religiosas dos
cristãos ou muçulmanos, abraçando abertamente a religião tradicional.
Persistência da religião tradicional
A importância da religião tradicional africana
5
vai muito além do que se
poderia crer, mediante a leitura das estatísticas, as quais avaliam os seus fiéis
em cerca de 20% da população africana total. Para grande número de cristãos
e muçulmanos, os valores morais continuam a emanar, com maior ênfase, da
antiga cosmologia, muito mais que das suas novas crenças: manifesta -se sempre
respeito pelos ancestrais, especialmente através de libações, crê -se ainda que
5 Presença africana, 1972; M. Glélé, 1981.
609
Religião e evolução social
Nenhuma tradição que atinja 50%
Islã: mais de 50%
Cristianismo: mais de 50%
Religião africana tradicional: 50%
OCEANO
ATLÂNTICO
OCEANO
ATLÂNTICO
OCEANO ÍNDICO
MARROCOS
ARGÉLIA
SAARA
OCIDENTAL
Rabat
Argel
El Aiun
MAURITÂNIA
MALI
NÍGER
Nouakchott
SENEGAL
BURKINA-
-FASSO
GÂMBIA
GUINÉ
GUINÉ EQUATORIAL
GUINÉ-
-BISSAU
SERRA
LEOA
GANA
Uagadugu
Bamako
Niamei
TOGO
BENIN
NIGÉRIA
Lomé
Lagos
COSTA DO MARFIM
Porto Novo
Dakar
Banjul
Bissau
Conakry
Freetown
Abidijan
Monróvia
LIBÉRIA
Trípoli
LÍBIA
TUNÍSIA
CHADE
CAMARÕES
Yaoundé
Bangui
REPÚBLICA
CENTRO-AFRICANA
ZAIRE
Jamena
Addis-Abeba
Jibuti
SUDÃO
ETIÓPIA
JIBUTI
Cairo
Cartum
EGITO
Túnis
Lago Chade
Lago Victoria
L. Malawi
Lago
Tanganyika
GABÃO
Cabinda
CONGO
UGANDA
QUÊNIA
Nairóbi
Brazzaville
Kinshasa
RUANDA
BURUNDI
Kigali
Bujumbura
TANZÂNIA
ZANZIBAR
Mogadíscio
SOMÁLIA
Dar es-Salaam
Luanda
ANGOLA
ZÂMBIA
Lusaka
Lilongwe
Harare
MALAWI
NAMÍBIA
Windhoek
BOTSUANA
Gaborone
Pretória
Maputo
Mbabane
ZIMBÁBUE
SUAZILÂNDIA
LESOTO
MOÇAMBIQUE
ÁFRICA
DO SUL
Maseru
Antananarivo
MADAGASCAR
Accra
Bata
Libreville
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
 . Repartição do cristianismo, do islã e da religião tradicional africana na África, segundo esti-
mativas de cada religião. (Fonte: Word Almanac and Book of Facts, New York, 1991. Pharos Book, 1990.)
610
África desde 1935
eles intervenham na vida dos seus sucessores, que existam forças do bem e do
mal, passíveis de manipulação pela acessão direta às divindades, por meio das
orações e do sacrifício, que os talismãs e os amuletos sejam eficazes para afastar
o mal, e assim, sucessivamente. A nos espíritos ou na bruxaria, nas relações
sociais, sempre consiste em um fator importante, inclusive, à margem do círculo
daqueles que admitem praticar a religião tradicional. Mesmo quando estas cren-
ças e práticas deixam de ser consideradas um assunto religioso, continua -se a
obser-las como costumes, tradições e elementos do patrimônio cultural. Desta
forma, a solidariedade, constatada em meio a numerosas famílias expandidas,
clãs ou comunidades, articula -se todavia em torno de algumas crenças em espí-
ritos ancestrais, venerados periodicamente nos ritos conduzidos por sacerdotes.
Existe toda uma extensão da vida africana que o islã e o cristianismo inva-
diram sem contudo lograr dominar em sua totalidade: trata -se justamente de
todos os aspectos ligados à saúde e à cura. A sociedade tradicional africana tinha
uma visão muito ampla sobre a saúde, envolvendo o bem estar na vida cotidiana,
o sucesso em sua propriedade rural ou em seu trabalho, qualquer fosse ele, a
saúde das crianças, a sua felicidade na escolha de um parceiro para a vida, e
assim, sucessivamente. Na religião tradicional, os males físicos não representam
senão um sintoma de saúde deficiente que pode derivar da cólera de uma força
malévola a qual pode, ela mesma, provir de algum malefício ou da má qualidade
das relações do interessado com os seus vizinhos, com um ancestral ou com uma
divindade. Para recuperar a saúde do enfermo, o curandeiro devia interrogar o
doente sobre o conjunto das suas relações e, mediante a oração, o sacrifício ou
ambos, ele solucionaria o problema. Em caso de necessidade, o sintoma físico
seria posteriormente tratado com ervas ou feitiços. Muitos cristãos e muçulma-
nos continuaram a frequentar os curandeiros tradicionais e os feiticeiros. Grande
número de mestres muçulmanos profere os seus conselhos médicos, fabricando
talismãs e amuletos para aqueles, dentre os seus clientes que têm acesso às prá-
ticas tradicionais de cura. O novo impulso atualmente conhecido pela religião
tradicional deve -se, em grande parte, ao reconhecimento pelas autoridades,
muito mais que outrora, o importante posto que os sistemas tradicionais de
cura ainda mantêm em relação à prestação de cuidados médicos. Graças a este
reconhecimento oficial, aqueles que continuam a recorrer aos sistemas de cura
tradicionais, podem fazê -lo mais abertamente, mesmo quando se trata de mem-
bros bem posicionados da elite ocidentalizada.
Do mesmo modo, constata -se nos dias atuais uma melhor apreciação nos
méritos das tradições orais na África, até então alimentadas pela religião tra-
dicional, mas desde logo estudadas pelas suas qualidades espirituais, literárias,
611
Religião e evolução social
filosóficas e humanísticas, independentemente das crenças religiosas. Estas tra-
dições não foram, até o momento, senão muito parcialmente consignadas por
escrito ou incluídas em obras eruditas. Justamente nestas fontes orais, podemos
encontrar a sabedoria acumulada em várias gerações de africanos. A elite for-
mada à moda ocidental, ao se apartar desta abundante fonte original da sua
cultura, padece de graves insuficiências no plano do seu enriquecimento mental
e no florescimento da sua criatividade. O equilíbrio e a dignidade dos indiví-
duos interioranos, considerados iletrados, provêm, em larga medida, daquilo
que eles continuam a seguir a partir destas ricas tradições culturais. Faz -se
primordial notar a importância do patrimônio de conhecimentos científicos
no campo da agricultura e da saúde, veículo destas tradições, e fruto de séculos
de atenta observação, experimentações e prática. Grande parte deste saber foi
transmitida no quadro da formação dos sacerdotes e dos feiticeiros, em muitas
localidades, conservada meticulosa e rigorosa. Esta educação é constituída de
numerosas noções sobre botânica, zoologia, farmacologia e matemática, de um
corpo de conhecimentos sobre as propriedades das plantas e dos animais, de um
sistema de cálculos complexos probabilísticos e de informações sobre o poder
das palavras e números
6
. Certamente, se fosse possível separá -los da religião
tradicional, não há sombra de dúvida que seria a sua associação com as crenças
religiosas a responsável pela sobrevivência destes sistemas de conhecimento e de
pensamento, sobre os quais, essencialmente, apoiam -se os africanos buscando
reivindicar uma cultura específica e afirmar a contribuição da África ao conjunto
de ideias da humanidade. Este corpo de ideias deveria desempenhar um papel
na reeducação dos grandes intelectuais da África, se quiséssemos fazer renascer
e relançar os esforços criativos.
Não é menos verdade que, relativamente a muitos africanos e na qualidade
de corpus de ideias religiosas, a religião africana tenha adquirido um valor autô-
nomo próprio
7
. É paradoxal a constatação, segundo a qual, enquanto os africanos
formados à moda ocidental abandonavam a religião tradicional, sem sequer
conhecê -la, por outro lado e com maior ênfase no Novo Mundo, em Cuba, no
Brasil, no Haiti e alhures, muitos escolhiam -na, deliberada e preferencialmente
ao cristianismo e ao islã, em razão das suas profundas qualidades espirituais.
Numerosos são aqueles que assim encontraram uma ntese estável entre os
valores espirituais do cristianismo e aqueles da religião tradicional africana. No
6 Diversos pesquisadores começam a chamar a atenção para os conhecimentos cientícos no campo da
agricultura e da saúde. No tocante à matemática do sistema de divindades yoruba, ver O. LANGE, 1985.
7 A. HAMPATÉ BÂ, 1972; K. MABIKA, 1965; C. A. DIOP, 1957.
612
África desde 1935
Novo Mundo, a própria valorização acordada desempenhou um papel na reto-
mada do interesse da religião tradicional, papel este, na África, desempenhado
pelos membros da elite educados à moda ocidental.
Ainda recentemente, os adeptos da religião tradicional pouco requeriam do
Estado em sua luta pelo poder, travada entre os grupos, para controlar a edu-
cação ou os recursos econômicos. Entretanto, os dirigentes evocavam, muito
amiúde, as fontes culturais da religião tradicional no curso do processo de des-
colonização, não unicamente ao nível das companhias de balé e dos festivais de
arte onipresentes, mas igual e mais seriamente, na busca por uma ideologia, por
uma teologia ou por uma filosofia africanas, na qualidade de fontes do renasci-
mento e da criatividade para o continente. Contudo, alguns chefes tradicionais,
mesmo na qualidade pessoal de cristãos ou muçulmanos, começam a julgar
necessário conferir maior ênfase ao fundamento religioso das entidades políti-
cas pré -coloniais, no decorrer da luta, por eles travada, com o objetivo de evitar
serem eclipsados na ordem sociopolítica pós -colonial. Inclusive, associações de
curandeiros tradicionais
8
sublinham, também elas, a necessidade do Estado em
aplicar recursos nos sistemas tradicionais de cura, os quais permanecem, como
vimos, extremamente importantes.
Cristianismo, descolonização e desenvolvimento
É o cristianismo que melhor ilustra o papel contraditório, a um tempo
positivo e fonte de problemas, da religião na transformação social da África. Por
um lado, não resta dúvida que o cristianismo foi bem acolhido e que a sua expan-
são explica -se através da sua participação direta no desenvolvimento da África
9
.
O seu papel na promoção da educação ocidental em diferentes níveis (ensino
primário, secundário, na formação de professores e, também eventualmente, no
âmbito do ensino técnico e universitário) esteve no cerne do desenvolvimento
africano. Em toda África, salvo nas regiões predominantemente muçulmanas,
as potências coloniais com maior frequência contentaram -se em reservar aos
missionários a tarefa de garantir a educação, mediante uma ajuda financeira,
através dos impostos. Os missionários não se interessaram unicamente pela edu-
cação ocidental; eles dedicaram -se ao estudo de línguas africanas, à elaboração
de ortografias, aos estudos linguísticos iniciais e à tradução da Bíblia e de outras
8 M. LAST e G. L. CHAVUNDUKA, 1986.
9 J. MBITI, 1962; R. SASTRE, 1962.
613
Religião e evolução social
obras religiosas, no sentido de criar uma nova tradição literária em línguas afri-
canas e de promover a alfabetização. As missões cristãs dominaram igualmente
o comércio dos livros, a impressão e a edição, as livrarias e bibliotecas. Elas
desempenharam o mesmo papel que os pioneiros na introdução dos cuidados
médicos ocidentais, por ocasião da fundação das primeiras clínicas e hospitais.
Assim sendo, um dos grandes atrativos do cristianismo residia nos importantes
esforços por ele empreendidos na implementação de medidas progressistas e no
encorajamento dos seus fiéis a ultrapassarem os limites da sociedade tradicional
e alcançarem um mundo em vias de modernização, transição considerada um
dos principais objetivos da colonização, mas em nada promovida e preparada
pelas políticas coloniais postas em prática.
Por outro lado, o cristianismo se desenvolvera em estreita colaboração com
o colonialismo, enquanto o islã e a religião tradicional estavam, sobretudo, dis-
tantes e eram, por vezes e inclusive, hostis a ele. Quanto aos missionários euro-
peus e americanos, guardadores de um forte domínio sobre as Igrejas por eles
fundadas, eles eram mais próximos, no pensamento e nos atos, dos funcionários
coloniais e dos colonos europeus, comparativamente aos seus colegas, assisten-
tes e párocos africanos. Em 1935, numerosos missionários estimavam que os
africanos não poderiam ocupar, no interior da Igreja, postos de responsabilidade
comparáveis àqueles por eles ocupados no século XIX, antes da instauração
do regime colonial. Os estabelecimentos religiosos faziam parte, portanto, das
estruturas coloniais, as quais os movimentos independentistas e africanos ten-
tavam descolonizar
10
.
A maioria dos dirigentes recebera uma educação ocidental mas, eles estavam,
contudo e extremamente, conscientes do fato que esta última implicava certo
grau de colonização mental, de submissão forçada às ideias ocidentais e de
alienação em relação às raízes da cultura africana. Faltava -lhes, primeiramente,
transcender estes obstáculos e, tirando partido do trabalho dos missionários
em respeito às línguas africanas, reatar contato com o pensamento e os valores
africanos, utilizando -os com vistas a possibilitar vislumbrar uma nova sociedade
africana. Assim sendo, a descolonização deveria começar pela Igreja; era preciso
não somente desta última transformar as estruturas e substituir as autoridades
eclesiais europeias pelas africanas, assim como buscar africanizar as suas formas
e o seu conteúdo, sem perder a essência dos valores cristãos. Este esforço, pela
africanização da Igreja cristã, foi conduzido simultaneamente pelos católicos e
10 A. HASTINGS, 1979.
614
África desde 1935
pelos protestantes, entretanto e habitualmente, admitia -se que o problema não
se limitava à questão do controle, do conteúdo e da forma das Igrejas cristãs.
Com efeito, era toda a estratégia de desenvolvimento que estava em questão:
a busca por uma ideologia da transformação social, evocada por Nkrumah, a
adaptação da ciência e da tecnologia ocidentais, a busca de uma filosofia africana
e a definição da identidade do africano no mundo moderno.
Um dos mais influentes documentos, em matéria de africanização da Igreja,
foi a obra coletiva que expôs os diversos problemas em jogo, publicada por digni-
tários africanos da Igreja católica em 1956 e intitulado: Padres negros interrogam-
-se. Simultaneamente, a Sociedade Cultural Africana, estabelecida em Paris
e dirigida por Alioune Diop, enxergava nestes problemas o elemento central
do debate sobre a negritude. Diop utilizou a revista Présence Africaine para
desenvolver um fervoroso debate sobre o pensamento religioso africano e, mais
especificamente, sobre a pesquisa teológica. Desta forma, em 1959, por ocasião
do segundo Congresso dos Escritores e Artistas Negros, realizado em Roma,
constituiu -se uma subcomissão de teólogos e de filósofos africanos. Em 1962, no
momento da realização do Concílio Vaticano Segundo, Alioune Diop realizou
uma pesquisa de opinião junto aos intelectuais cristãos africanos e, em 1963,
publicou uma edição especial da revista, tratando dos trabalhos deste concílio,
sob o título Personnalité africaine et catholicisme. Diop também foi o animador
de três colóquios internacionais: em Abidjan, no ano de 1961, com a temática
As religiões africanas”, em geral; em Cotonou, no ano de 1970, sobre “As reli-
giões africanas como fonte de valores civilizatórios”, e em Abidjan, no mês de
setembro de 1977, referente à “Igreja católica e civilização negra”. Em 1977, o
Colóquio do Festival Mundial da Arte e da Civilização Negras Africanas (FES-
TAC) igualmente comportava uma importante seção em respeito à religião
11
.
A busca, por modelos em favor da africanização da Igreja cristã na África,
prosseguiu não somente no seio do catolicismo mas, igualmente em meio às
Igrejas protestantes. Ademais, católicos e protestantes deram -se conta que os
problemas não deveriam ser tratados sob uma ótica sectária, em razão disto
eles empreenderam esforços para trabalharem conjuntamente, em níveis não
somente pan -africanos, mas também ecumênicos. Notemos a este respeito o
encontro de teólogos africanos organizado em Ibadan, no ano de 1969, pelo
Conselho Ecumênico das Igrejas. Muitos institutos, como o Centro de Estudos
das Religiões Africanas, de Kinshasa, tentaram refletir este ecumenismo pan-
11 Ver o Bulletin de théologie africaine publicado na cidade de Kinshasa, em francês, inglês e português.
Sobre o FESTAC, conferir M. AMODA, 1978.
615
Religião e evolução social
-africano, tanto em suas revistas (Cahiers des religion africaines) quanto em seus
colóquios “Cristianismo e Religiões Africanas” (1978), “Cristianismo e Formas
Africanas de Espiritualidade (1983), “Mediações Africanas do Sagrado – Cele-
brações Criativas e Linguagem Religiosas” (1986). Todas estas iniciativas favo-
receram a criação da Associação Ecumênica dos Teólogos Africanos (AOTA).
Invariavelmente, é possível identificar três tendências no tocante à abordagem
da questão relativa à teologia africana:
Inicialmente, a abordagem consistia em explorar a teologia da religião
tradicional africana sob as suas diversas formas: natureza e atributos do Ser
Supremo, natureza e significado do sacrifício, papel das orações e dos rituais
religiosos. Distintos dos esforços empreendidos pelos antropólogos e etnólogos
agnósticos, geralmente europeus, estes estudos eram o produto de dignitários
cristãos e teólogos africanos, os quais consideravam a religião tradicional afri-
cana como uma preparação ao Evangelho Cristão, buscando neste quadro espi-
ritual africano, os valores espirituais susceptíveis de trazer uma concepção mais
clara aos africanos no tangente à mensagem do Evangelho.
F . Por ocasião de um encontro de teólogos do Terceiro Mundo, no Cairo, membros da AOTA
visitam o patriarca da Igreja copta do Egito. (Foto: Archives de l’Ecumenical Association of African eo-
logians.)
616
África desde 1935
A segunda tendência rejeitou esta démarche, estabelecendo uma distinção
entre a teologia da religião tradicional africana e a teologia africana propria-
mente dita. Rejeitou -se sugerir um diálogo entre ambas. Aos seus olhos, a teolo-
gia africana aparece na qualidade de pensamento dos teólogos cristãos africanos,
derivada do contato com a Bíblia, interpretada à luz da experiência histórica e da
realidade africanas, no contexto de um diálogo com a teologia cristã em outras
regiões do mundo não ocidental.
Assistiu -se, igualmente, como terceira vertente, à emergência de uma teologia
negra ou teologia da libertação, sobretudo na África do Sul, inspirando -se na fé
bíblica expressa nas línguas africanas e consoante com as categorias africanas,
assim como respirando os ares da experiência e das reflexões dos povos opri-
midos em luta pela sua liberação, como os Negros da América do Norte , os
Ameríndios e os grupos marginalizados da América Latina
12
.
Paralelamente a esta busca por uma nova teologia, tentou -se igualmente
organizar e estruturar a liturgia e elaborar um sistema de ritos sacramentais
que, embora fiéis às fórmulas recebidas dos cristãos, levasse em conside-
ração a realidade africana. Perguntou -se, por exemplo, qual seria o pos-
vel papel cabível aos estilos e aos instrumentos musicais africanos, bem
como descobrir as possíveis adequações entre os ritos cristãos do batismo,
do casamento e do sepultamento, por um lado, e as instituições familiares
africanas a serem devidamente consideradas nas quais, a atribuição de um
nome ao recém -nascido consiste em um assunto de falia, onde o casa-
mento o é simplesmente a união entre duas pessoas, mas uma uno entre
duas famílias, e onde as cerimônias de sepultamento possuem ltiplas
dimensões e implicões familiares. Os missiorios haviam compreendido
que, se a Igreja cristã o quisesse perder o seu significado social e político,
a africanização dos seus dirigentes dever -se -ia proceder ao mesmo ritmo,
quiçá adiantar -se, àquele das instituições do Estado. Seria primordial que
em sua subsequente luta, especialmente pelo poder ecomico e social, pela
direção do sistema educativo ou pela elaboração das estruturas do Estado,
os porta -vozes da Igreja fossem africanos. Estes novos dignitários da Igreja
forçosamente contribuiriam, levando ao conhecimento de sua opinião, no
que diz respeito à busca política pela personalidade, pela identidade e pela
autenticidade africanas.
12 V. Y. MUDIMBE, 1985.
617
Religião e evolução social
Islã e modernização
Enquanto a cristandade apresentava -se como aliada do colonialismo, os
Estados muçulmanos opuseram contra as potências coloniais uma resistência
das mais determinadas. Entretanto, a despeito de um clima de desconfiança
permanente e de manifestações de hostilidade, o istirou proveito da pre-
sença colonial. As potências coloniais desconfiavam, de forma extrema dos
laços internacionais criados pelo islã, além de jamais terem cessado de vigiar de
perto esta rede, sobretudo, quando tratava -se de centros notoriamente antiim-
perialistas como o Cairo. Elas controlavam as movimentações dos potenciais
eruditos que pretendessem desenvolver estudos e, inclusive, as peregrinações no
Oriente Médio. Mas, em seu território elas constataram que, uma colaboração
com comunidades muçulmanas tranquilas poderia ser benéfica para as duas
partes em questão. Mostramos que o Islã tirara proveito da urbanização e do
aumento da mobilidade proporcionado pelas estradas de ferro, pelas estradas,
e pela demanda por mão de obra sazonal. Embora as potências coloniais fos-
sem hostis a numerosas instituições da religião tradicional, elas encorajaram,
em contrapartida, o ensino islâmico elementar oferecido nas escolas corânicas;
elas promulgaram leis autorizando os muçulmanos a praticarem livremente a
sua religião, incluindo notadamente as disposições da shari‘a no que tange às
regras do direito civil no seio das comunidades muçulmanas. Elas impuseram
restrições ao acesso dos missionários cristãos às áreas muçulmanas. Após a
conquista colonial, muitas comunidades africanas, as quais até então haviam
resistido à propagação do islã, consideraram que era mais honroso aderir ao islã
que à religião dos conquistadores. Todavia, inclusive junto àqueles, os quais se
haviam convertido mediante uma resistência passiva, constatou -se o frequente
estabelecimento de uma notável colaboração com as autoridades coloniais, o
mais expressivo exemplo a este respeito foi representado pelos wolof, povo que
os movimentos pré -coloniais de jihad não haviam logrado converter, mas que
saíram do período colonial integralmente islamizados
13
.
Este notável sucesso era amplamente imputável aos esforços do Shaykh
Ahmadu Bamba
14
, fundador da ordem sufi dos mouros. O sucesso da sua obra
evangélica junto aos Wolof foi fruto, a um tempo, das crenças religiosas e
da prosperidade econômica produzida pela cultura do amendoim com fins de
exportação. Ahmadu Bamba tornou -se, ele próprio, um personagem eminen-
13 L. SANNEH, 1986.
14 Conferir F. DUMONT, 1975; M. KLEIN, 1968; D. C. O´BRIEN, 1971; L. BRENNER, 1984.
618
África desde 1935
temente respeitado durante o período colonial e foi condecorado pelos seus
serviços prestados em favor do recrutamento de soldados que serviram em
território francês na Primeira Guerra Mundial. O sucesso conquistado pelos
mouros e a sua importância, perene até os dias atuais no Senegal, ilustram uma
das maneiras através das quais o islã, graças aos valores espirituais do misticismo,
soube criar o posto, na sociedade e cultura africanas, constituindo -se em uma
vital força religiosa.
Desta forma, no processo de descolonização, os muçulmanos não enfrenta-
ram os mesmos problemas estruturais -coloniais e tampouco a alienação cultural
aos quais se submeteram os cristãos. Se eles consideraram a independência como
uma aventura ambígua
15
”, isto aconteceu em razão da sua hostilidade aos olhos
da educação ocidental, controlada pelos missionários cristãos e em função do
seu temor relativo à possibilidade deste controle ter concedido uma vantagem
desleal aos cristãos. Enquanto, na África do Norte, assistia -se a uma evolu-
ção contínua das ideias nacionalistas, os muçulmanos da África Ocidental não
manifestaram, em um primeiro momento, senão pouco entusiasmo pelos movi-
15 C. A. KANE, 1962.
 . Shaykh Ahmadu Bamba, dirigente dos mouros do Senegal, com os seus talaba. (Ilustração:Hoa
Qui, Paris; foto: P. Cassard.)
619
Religião e evolução social
mentos nacionalistas. Eles se haviam mantido à parte da corrente dominante do
Movimento Pan -Africano, inspirado no Novo Mundo e transmitido em círculos
cristãos europeus. Um dos métodos de al -Nasser consistiu em, precisamente,
abrir caminho para a convergência do pan -arabismo com o pan -africanismo.
A sua influência contribuiu para integrar os dirigentes muçulmanos da África
Ocidental à corrente dominante do Movimento Nacionalista.
Após cinquenta anos, em muitos países africanos, o islã esforçou -se em rumar
em direção ao modernismo, notadamente instituindo um sistema educativo
distante das vias puramente tradicionais. Em primeiro lugar, surgiu um movi-
mento Ahmadiyya, à margem da ortodoxia islâmica majoritária, a qual associava
a educação ocidental aos estudos islâmicos e árabes. Ele desempenhou um papel
importante na Nigéria e em Serra Leoa. Em seguida vieram os wahhābitas, no
quadro do movimento de reforma wahhābiyya desenvolvido após a Segunda
Guerra Mundial, os quais formaram dois importantes grupos de ação: Subbanu
al -Muslim, encabeçando o movimento de reforma educacional, e a União Cul-
tural Muçulmana, transformada em uma organização internacional encarregada
de todos os assuntos islâmicos, aqui compreendida a política
16
.
A expansão do movimento reformista wahhābiyya coincidiu com o surgi-
mento da Reunião Democrática Africana, principal movimento em prol da
descolonização na África Ocidental francesa. Numerosos wahhābitas, em cará-
ter individual, uniram -se à RDA, e tinham como principal objetivo fundar um
Estado Democrático assentado nos ensinamentos corânicos relativos à liberdade,
à igualdade e à idjmā ou “consenso”. A sua convicção sobre a necessidade de
uma reforma radical na sociedade, a sua decidida oposição à ordem colonial e à
ocidentalização e a sua abertura além das divisões étnicas, todos estes elementos
permitiram -lhes operar com dirigentes africanos de orientação mais secular. O
islã, neste contexto, surgiu como uma força de independência, de unificação e
de transformação da sociedade. Nas palavras de Ken Post: “Nas regiões onde o
islã estava implantado desde muito, no norte de Camarões, no norte da Nigéria,
no Níger, no Mali, na Guiné, no Senegal e na Mauritânia, ele influiu profun-
damente no processo de formação de uma elite resultante das mudanças sociais
da ordem colonial. Em algumas destas regiões, ele forneceu meios de acesso
ao poder e à influência, meios estes distintos daqueles puramente modernos
17
.”
Na Costa Oriental africana, as ideias concernentes à transformação da
sociedade desenvolveram -se através dos jornais reformistas como o Al -Islah
16 L. KABA, 1974; H. M. AMIJI, 1984.
17 K. POST, 1964, p. 52.
620
África desde 1935
[Reforma], cuja edição iniciara -se em Mombasa (Quênia), em 1932. Aproxi-
madamente ao final dos anos 1940 e no curso dos anos 1950, para bloquear o
poder de atração e as mensagens islâmicas anti -imperialistas e nacionalistas,
provenientes do Cairo e alhures, o governo colonial britânico encorajou a criação
da Sociedade para a Promoção dos Muçulmanos da África Oriental, posta sob
os auspícios de S.A. l’Agha Khan III e do sultão de Zanzibar. Igualmente, este
governo contribuiu financeiramente para a implantação do Instituto do Ensino
Muçulmano de Mombasa (MIOME). Este estabelecimento servia ao conjunto
dos países da África oriental e numerosos jovens muçulmanos africanos pude-
ram lá receber um ensino moderno nos níveis secundário e superior, em meio a
um ambiente cultural e religioso islâmico
18
.
Historiadores e ideólogos sublinharam existirem, na África, condições pro-
pícias ao estabelecimento e ao desenvolvimento de um socialismo islâmico.
Segundo Selon Mustafa as -Sibaci
19
, o socialismo caracterizaria a sociedade
desde a época contemporânea ao profeta Maomé e dos quatro primeiros cali-
fas, considerados os fundadores da primeira comunidade socialista. Alhures, na
África negra, alguns insistiram no fato da sociedade pré -colonial africana ter
possuído, também ela, um caráter socialista.o sentido da solidariedade no seio
da comunidade, entre os membros de um mesmo grupo, bem como o direito
coletivo à propriedade da terra, são considerados como os mais importantes
elementos do socialismo da sociedade islâmica primitiva, assim como daquele
correspondente à sociedade africana pré -colonial
20
.” Na realidade, o socialismo
islâmico é a ideologia oficial na África do Norte, em países como no Egito,
Argélia e a Líbia; a ideologia oficial do partido majoritário no poder na Tunísia
é mais precisamente qualificada como “socialismo destouriano”. O socialismo
islâmico também é praticado na Somália. Por sua vez, um Homem de Estado
como Mamadou Dia preconizou -o no Senegal e defendeu -o em sua obra Islam,
sociétés africaines et culture industrielle
21
.
Reflete -se, mais e mais, sobre os princípios doutrinários que poderiam con-
tribuir na busca de vias de ação suscetíveis em favorecerem a libertação psi-
cossocial e a promoção da mulher no seio do islã. Isto se faz particularmente
necessário no plano social, considerado o problema do estatuto da mulher no
18 H. M. AMIJI, 1984, p. 115.
19 M. AS -SIBACI, s. d.
20 J. M. ABUN -NASR, 1979, p. 120.
21 M. DIA, 1975; R. MILON, 1962.
621
Religião e evolução social
regime poligâmico, geralmente reconhecido oficialmente e inscrito no código
da família dos Estados africanos, influenciados pelas doutrinas muçulmanas
22
.
O problema da africanização em profundidade do islã não se coloca senão no
contexto da África negra. Neste estádio, convém precisar que o islã é mais estrito
que o cristianismo, por exemplo, quanto à possibilidade de adaptação do sis-
tema ritual. Unicamente com algumas modificações superficiais, impostas pelas
condições locais, especialmente climáticas, os muçulmanos negros liberam -se de
todas as obrigações essenciais constituintes dos cinco pilares do islã: a profissão
de fé em um Deus único e em seu profeta Maomé; as cinco orações cotidianas;
o jejum do Ramadan que possui conotações de mortificação, de purificação e
de solidariedade com os povos; a caridade legal; e a peregrinação à Meca, a ser
realizada ao menos uma vez na vida.
Poder -se -ia, então, legitimamente falar na África de uma verdadeira africa-
nização” do islã? Amadou Hampaté é categórico a este respeito: “Não seria
possível existir um islã negro, tanto menos quanto um cristianismo negro, ou
um judaísmo negro. O que existe, antes e sobretudo, é o islã principal, o único
que convém estudar. Naturalmente, como me disse o meu mestre Tierno Bokar,
o sábio de Bandiagara, pode acontecer, e acontecerá muito frequentemente, que
ao islamizar -se, um país adote uma das múltiplas cores que o gigantesco prisma
triangular islâmico pode oferecer, decompondo a branca verdade divina cuja luz
o islã difunde
23
.”
Todavia, o islã africano mesmo assim apresenta correntes e tenncias
características de acordo com os problemas morais e sociais que manifestam
as situações locais. Desta forma, explica -se a importância das confrarias, em
particular na África Ocidental. Inclusive, nós já mencionamos a corrente refor-
mista, amplamente conhecida, graças à União Cultural Muçulmana, fundada
em 1953. Eis o que nos diz Vincent Monteil no tocante às orientações nitida-
mente “progressistas” deste movimento:Ela é favorável a tudo o que expressa
a personalidade africana malgrado alguns dentre os seus adeptos de Bamko,
os quais desejavam destruir as máscaras e as estatuetas. Ela admite, portanto, os
cantos, as danças e a arte negra. Ela insiste na necessária distinção, em matéria
religiosa, entre o dogma e o culto, por um lado e, por outro, as relações sociais”.
Estas últimas, em sua opinião, são passíveis de acomodação. Alguns chegam a
inclusive pensar que o jejum poderia tornar -se livre, que as orações cotidianas
poderiam ser reduzidas a duas ou mesmo suprimidas, porque a verdadeira ora-
22 Ver, por exemplo, A. BOUDHIBA, 1975.
23 Declaração pronunciada no Colóquio sobre as religiões, Presença africana, 1961.
622
África desde 1935
ção, é o trabalho”. O que conta é a moral, a conduta e o comportamento social.
Quanto à poligamia, “uma evolução far -se necessariamente, mas, evidente e
fortemente, ela está ligada à escolarização das meninas e à emancipação das
mulheres
24
”.
A realidade sociopolítica da sua coexistência com o cristianismo e a religião
tradicional africana, na maioria dos países africanos, também influenciou neces-
sariamente o desenvolvimento do islã na África contemporânea. Um diálogo
oficial com a religião tradicional é inaceitável, mas certo número de tentativas
interessantes foram realizadas com vista a instaurar, em centros religiosos e dou-
trinários, um diálogo de alto nível com o cristianismo. Assim sendo, um centro
deste gênero foi inaugurado em Tunis, em 1977, pelo professor A. Boudhiba
25
.
No Senegal, no Centro Bopp
26
, tenta -se forjar uma cooperação islamo -cristã, em
matéria de desenvolvimento comunitário. Em que pese a selvagem concorrência
que, aparentemente, caracteriza as rivalidades religiosas, sobretudo no seio da
elite, constata -se, geral e factualmente, uma boa cooperação e um verdadeiro
diálogo ao nível mais popular das comunidades.
Um dos mais importantes resultados do processo de descolonização consistiu
em permitir a ultrapassagem dos limites locais impostos ao islã pelo colonia-
lismo e na possibilidade de recolocar a ênfase nos aspectos universais e interna-
cionais do islã. As peregrinações, o movimento pan -islâmico e os intercâmbios
de eruditos permitiram relançar e desenvolver os contatos com o Oriente Médio.
Desta forma, os grandes movimentos do Oriente Médio como o fundamenta-
lismo xiita, do Irã de Khomeiny e a ideologia revolucionária radical de el -Kha-
dafi, tiveram um impacto na África. Mas, não é certo que seja possível atribuir
a influências internacionais os movimentos radicais antimodernistas do islã
popular, específicos de certas regiões, como o movimento maitatsino, no norte
da Nigéria. Seja lá o que for, é inegável que o islã, pelas suas ligações internacio-
nais, efetivamente contribua para o desenvolvimento socioeconômico geral da
África, graças ao apoio financeiro oferecido a diversos países por Estados árabes
produtores de petróleo da África do Norte e do Golfo Pérsico
27
.
A religião, escreve -nos Hatim M. Amiji, desempenha um papel importante
na concessão de ajuda à África”. Entretanto, os observadores das relações afro-
-árabes têm notado que a quase totalidade de ajuda exterior árabe é destinada
24 V. MONTEIL, 1964.
25 Centro de encontros islâmico -cristãos.
26 D. El -Hadjdj BADARA, 1979.
27 A. A. MAZRUI, 1975C; H. M. AMIJI, 1984.
623
Religião e evolução social
a países que têm ligações com o islã. Esta ligação entre ajuda econômica e obe-
diência religiosa corresponde a um objetivo político preciso, no que diz respeito
aos doadores árabes, e foi oficialmente reconhecida pelo ministro kuwaitiano da
fazenda, no ano de 1974: A maior parte da nossa ajuda financeira internacional,
disse ele, será colocada a serviço dos países árabes e servirá a ajudar os países
muçulmanos, em particular os africanos”.
Desde logo e entretanto a ajuda árabe diversificou -se e dirigiu -se a Estados
africanos de diferentes tendências políticas, muçulmanos ou não. Faz -se mister
notar, entre as instituições árabes de assistência multilateral, o Banco Árabe para
o Desenvolvimento Econômico na África (BADEA), o Fundo Especial para a
África, criado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),
bem como o Fundo para a Assistência Técnica Árabo -Africana, ligado ao Con-
selho Econômico da Liga Árabe.
As Igrejas independentes africanas e a identidade africana
Embora existentes desde o início do século XX e mesmo após o fim do século
XIX, os movimentos das Igrejas independentes, aqui incluídos diversos tipos
de seitas, messiânicas ou milenaristas, desenvolveram -se sobremaneira desde os
anos 1960. Em 1967, segundo o especialista D. B. Barrett, elas contavam com
cerca de 15,5 milhões de fiéis. Em 1970, a África contava com 6.000 organi-
zações africanas estritamente independentes, totalizando 16 milhões de fiéis.
Em 1987, estima -se em cerca de 10.000 as Igrejas independentes e as seitas no
continente, reunindo aproximadamente 33 milhões de fiéis
28
.
Conquanto estas Igrejas e seitas se espalhassem por toda a África, elas
concentravam -se, sobretudo, na África do Sul (3.000), na Nigéria (800), no
Zaire (mais de 600), em Gana (cerca de 400) e no Quênia (180). Uma das mais
importantes destas Igrejas independentes era a Igreja de Jesus Cristo na Terra,
fundada pelo profeta Simon Kimbangu. Esta Igreja estimava em aproximada-
mente 3 milhões o número dos seus discípulos repartidos em várias comunida-
des localizadas além das fronteiras do Zaire, notadamente na República Popular
do Congo, em Angola, Ruanda e Burundi.
H. W. Turner classificou estas Igrejas e seitas independentes em cinco cate-
gorias
29
. A primeira engloba movimentos político -messiânicos, em outras pala-
28 D. B. BARRETT, 1982, p. 815.
29 H. W. TURNER, 1968, p. 178.
624
África desde 1935
vras, grupos essencialmente voltados para a libertação cultural e política. Um dos
mais antigos era a United Native African Church [Igreja Unida Autenticamente
Africana], em atividade desde 1899. Nesta mesma categoria encontramos o
harrismo” (segundo o nome do seu fundador William Wade Harris), ativo
na Costa do Marfim, na Libéria e em Gana. Seguindo as mesmas motivações,
situa -se a Igreja dita dos Aroti ou “sonhadores”, a qual, desde 1934, lutava para
libertar o Quênia da dominação britânica. Este grupo de movimentos insiste na
necessidade de desenvolver um cristianismo africano, culturalmente integrado
à África.
A segunda categoria é composta de movimentos chamados neotradicionalis-
tas. Neste grupo encontramos, por exemplo, a organização conhecida pelo nome
Dini Ya Musambwa ou “religião dos ancestrais”. Na Nigéria, podemos assinalar
o “godianismo que coloca no centro da sua proposição religiosa o Deus da
África”, em relação ao qual se afirma ter surgido no Egito, pela primeira vez,
muitos milênios.
A terceira categoria refere -se aos cultos sincréticos. Trata -se aqui de cultos
que misturam elementos emprestados às crenças e práticas africanas tradicionais
e às crenças e práticas cristãs. Pode -se citar neste grupo o culto Bwiti do Gabão
e o culto Deima da Costa do Marfim.
Outros movimentos, formadores da quarta categoria, declaram -se mono-
teístas ou hebraístas, em razão de rejeitarem absolutamente todas as religiões
tradicionais e se terem voltado para o monoteísmo, tal qual revelado no Antigo
Testamento.
A quinta categoria reúne as Igrejas proféticas da cura. Estas Igrejas
proclamam -se cristãs, elas acreditam em Jesus Cristo “Salvador” e acordam um
importante valor às revelações do Espírito Santo, razão da denominação “Igre-
jas do Espírito Santo que lhes é, muito amiúde, aplicada. Entre elas, as mais
conhecidas são as Igrejas de Sion, particularmente estabelecidas na África do
Sul e nos países circundantes.
Habitualmente, tinha -se o costume de enfatizar que as origens destes
movimentos, simultaneamente históricas e circunstanciais, estavam sim-
plesmente ligadas à situação colonial e relacionadas com a luta africana pela
independência, nos planos político, cultural e social. Este ponto de vista foi
justamente expresso por Baëta, no seguinte texto: Todo o femeno relativo
às Igrejas proféticas e separatistas esteve intimamente associado ao conflito
entre os governos europeus e os povos dominados. Na quase totalidade das
análises referentes a estas Igrejas, dos primeiros movimentos da África Cen-
tral e na África Austral, aos movimentos contemporâneos junto aos bakongo
625
Religião e evolução social
 . O congolês Simon Kimbangu detido pelas autoridades belgas em Élisabethville (Lubum-
bashi). (Fonte: Revue congolaise illustrée, 31e année, no 3, março de 1959, p. 25.)
626
África desde 1935
do Congo belga e da África Equatorial francesa, a sua imporncia, neste
contexto, foi amplamente notada e sublinhada [...]. No que diz respeito à
África Austral, Sundkler atribui o seu surgimento à total falta de oportu-
nidades, para os cidadãos negros, de expressarem as suas opines poticas
ou mesmo sociais
30
”.
Sob esta ótica, considera -se que a extensão e a proliferão destas Igrejas
independentes foi fortemente estimulada pela possibilidade que tiveram
os cristãos africanos de lerem traduções das Santas Escrituras, em diversas
nguas africanas. Estas traduções, escreve -nos J. R. Leferink, permitiram
aos africanos comparar o cristianismo, tal qual apresentado pelas Igrejas
fundadas pelos missionários, e a mensagem que eles leem nas Escrituras.
Esta comparação deu -lhes a reconfortante impressão que Deus endereçava-
-se, desde logo e a eles, em sua própria língua, tendo se aproximado deles.
Ademais, eles apreciam senti -lo presente e não simplesmente saber que ele
está presente
31
”.
Em certo sentido, diz um especialista, as seitas constituem -se no fruto de um
duplo movimento, de decepção e de entusiasmo: “Em termos diversos e através
de práticas variadas, as seitas propõem uma resposta à frustração sentida por
muitas pessoas, frente ao modelo de sociedade e de Igreja, em uma determinada
época. As seitas são um revelador e uma interpelação. Como pano de fundo
dos seus atos multicolores, desenha -se uma reivindicação de sentido, uma sede
imensa de ser mais, de libertação e saudação, vivida nas condições socioculturais
do momento
32
”.
Admite -se
33
, desde então e geralmente, que ao se colocar ênfase desta forma
nos aspectos de resistência, de contestação e de protonacionalismo destes
movimentos, adota -se, ao final das contas, uma visão demasiado restritiva do
valor destas vertentes pertencentes às Igrejas independentes africanas. Esta
insistência contribuiu para desviar a ateão dos mais positivos e inovadores
aspectos na busca por uma teologia africana, capaz de conciliar os valores
espirituais africanos e a inspiração da blia Cris. Estas Igrejas poderiam ser
consideradas como centros de reavaliação das religiões e da teologia africanas,
em razão de elas terem renovado a temática humanista, e o tratamento das
questões tocantes à santidade da vida e à solidariedade. Além do seu valor
30 C. G. BAËTA, 1962, PP. 3 -4; N. I. NDIOKWERE, 1981, pp. 16 -20.
31 J. R. LEFERINK, 1985.
32 R. DE HAES, 1982.
33 T. O. RANGER, 1986.
627
Religião e evolução social
como centros de contestação, elas talvez tenham desempenhado um papel
ainda mais importante, ao preservarem a cosmologia africana no quadro dos
ensinamentos cristãos. Igualmente, foi possível, para os deserdados da cidade
e para os interioranos dos campos, aderirem em grande número a estas Igrejas,
abandonarem as antigas divindades da religião tradicional e compreenderem
o colonialismo e a sua versão do modernismo, sem estarem submetidos ao
traumatismo da renúncia à essência da sua visão de mundo. Justa e particular-
mente, foram a visões tradicionais, da cura e da salvação pela fé, impossíveis
de lhes serem oferecidas dada a incapacidade das missões, que atraiu a maio-
ria dos indivíduos para estas Igrejas. Elas ofereciam aos seus membros uma
secularidade contra as forças tradicionais do mal e da feitiçaria. Nas cidades,
elas constituíam um ambiente seguro, marcado pela solidariedade e pela hos-
pitalidade, am de oferecerem certa proteção social não proporcionada pelo
sistema colonial. Elas permitiam trazer, como desejado pela tradição, um apoio
ao talento arstico no drama do ritual, bem como à música vocal e instru-
mental, tal como fizera a religião tradicional. Mas, antes e sobretudo, foram
estas Igrejas que permitiram a sobrevivência dos sistemas de cura tradicionais,
no interior do mundo cristão, até o dia a partir do qual recomeçou -se admitir
publicamente o seu valor social.
Pode -se dizer que, em linhas gerais, a emergência de múltiplos e complexos
movimentos messiânicos nas sociedades africanas, tanto antes quanto após a
independência, revela -se como uma resposta às exigências socioeconômicas e à
busca de novos caminhos espirituais nestas sociedades.
À procura de um novo equilíbrio global na sociedade, os africanos demons-
traram a necessidade de reconstrão dos seus sistemas religiosos de outrora,
os quais lhes proporcionavam todos os elementos necessários, levando -se em
conta a sua situação geral. Os sistemas religiosos importados pareciam -lhes
inadaptados e inadequados, os africanos elaboraram novas sistematizações,
imbuídas de renovados valores e motivações
34
. A este respeito, estes novos
movimentos religiosos questionam novamente as sociedades africanas atuais,
em plena transição, mas, outrossim e particularmente, o cristianismo e o is
oficiais. Todavia, ser -nos -ia possível dizer que eles indicam o caminho con-
dutor para uma futura resolução dos problemas referentes à pluralidade das
religiões na África?
34 E. DE ROSNY, 1983.
628
África desde 1935
Conclusão
O fato religioso, manifesto sob diferentes formas, tem uma inegável influên-
cia no desenvolvimento histórico da África, no qual ele desempenha um papel
importante.
Faz -se mister ter consciência deste papel para poder utilizar e encorajar, com
discernimento, as contribuições positivas, bem como e inversamente, para incluir
o problema que ele pode constituir, denunciando os efeitos negativos de uma
religiosidade contrária ao verdadeiro sentido e às exigências do desenvolvimento
na África.
A religião tradicional africana, embora enfraquecida pela extensão do islã
e do cristianismo, ainda está viva e continua trazendo consigo os seus pró-
prios princípios humanistas e espirituais, os quais sustentaram sucessivas gera-
ções africanas milênios. Passadas pelo crivo da crítica racional científica e
filosófica, estes princípios podem ser valorosamente assumidos e vividos pelo
homem africano contemporâneo, tenha ele tornado -se cristão ou muçulmano,
ou adepto de uma via espiritual racionalista. Todavia, é preciso notar que, ainda
muito frequentemente, certa mentalidade africana de caráter fetichista, mágico
e místico, além e em razão disso, irracional, constitui a causa de bloqueios no
curso da elaboração de uma ação e de um pensamento construtivos, com vistas
ao verdadeiro progresso da sociedade africana.
As religiões cristã e muçulmana marcaram, profundamente e desde algum
tempo, a história do continente africano, em especial durante os últimos 50 anos.
A influência do islamismo assim como do cristianismo denota -se muito clara-
mente, por exemplo, durante a elaboração do arcabouço jurídico africano. Tal é
o caso, especialmente, dos códigos da família e também dos elementos do código
do direito privado, os quais se encontram impregnados de princípios islâmicos
ou cristãos, em função de estarmos tratando de um país de maioria islâmica
ou cristã. Estas religiões são convocadas, se acreditarmos nas atuais tendências
socioculturais, a desempenharem um importante papel no desenvolvimento da
África, no plano da orientação das ideias tanto quanto naquele da contribuição
ao estabelecimento e à implantação das infraestruturas sociais e econômicas,
bases da ascensão geral da África. Do ponto de vista da identidade africana,
indubitável é que na África, o cristianismo assim como o islã passam por um
processo mínimo de inculturação”, especialmente nos níveis da expressão dou-
trinária e do ritual, compatível com as exigências fundamentais destas religiões,
historicamente importadas no seio da sociedade africana.
629
Religião e evolução social
A multiplicação das confrarias africanas relacionadas ao islã ou das Igrejas
independentes, das seitas, dos messianismos e outros sincretismos afro -cristãos
conduz a reflexão sobre as questões colocadas por estes movimentos para as reli-
giões historicamente constituídas e hierarquicamente controladas, tanto quanto
e inclusive, para a própria sociedade africana como um todo. Estes movimentos
revelam as falhas e as lacunas dos princípios da organização social; eles atraem a
atenção para aspirações espirituais e necessidades psicossociais, não inteiramente
satisfeitas pelos sistemas políticos e econômicos em vigor.
Desta forma, o fato religioso, adequadamente apreciado, analisado e criticado,
além de corretamente disposto, pode ainda contribuir para a transformação
social harmoniosa e para o desenvolvimento global da África no crepúsculo do
século XX.
C A P Í T U L O 1 8
631
Língua e evolução social
Este período é caracterizado pelo fortalecimento geral do colonialismo e do
racismo tradicionais, consortes de políticas linguísticas e culturais cujas conse-
quências são pesadas; pela luta dos povos africanos por autodeterminação e em
prol da independência; pelo surgimento de um neocolonialismo a modificar a
situação linguística e cultural; bem como por uma tomada de consciência dos
africanos no que diz respeito à preservação e ao desenvolvimento de suas cul-
turas e de suas línguas nacionais. Podemos dividi -lo em três partes: de 1935 a
1960, as línguas africanas enfrentam os perigos da assimilação; de 1960 a 1982
esboça -se uma nova política linguística e cultural; após 1982 desenham -se os
grandes desafios do ano 2000.
As línguas africanas frente aos perigos
da assimilação: 1935 -1960
Cada potência colonial, atuando segundo o seu temperamento e as suas
opções, movida pelos seus interesses momentâneos e pelas suas aptidões, a
implicarem um número mais ou menos importante dos seus quadros médios
no âmbito da gestão do seu império, praticou ora uma política de assimilação
pura e simples, em matéria linguística, educacional e cultural, ora uma política
Língua e evolução social
Alfa I. Sow e Mohamed H. Abdulaziz
632
África desde 1935
de assimilação seletiva e mais nuançada. Sendo assim, a administração colonial
francesa, centralizante, quis integrar os africanos ao seu sistema de educação, por
ela considerada universal. A Grã -Bretanha, pragmática, demarcou com maior
nitidez os indígenas” e introduziu as suas línguas nos primeiros anos do ensino
elementar, com maior ênfase no que diz respeito a algumas disciplinas como a
história e a geografia, a religião, a história natural, etc. Na realidade, tal prática
servia como propedêutica ao aprendizado do inglês.
A assimilação como aspiração de uma época
Até recentemente, a assimilação foi arduamente procurada pelos africanos,
eles próprios, os quais não rejeitaram -na senão tardiamente, após 1954.
Em um estudo intitulado “Culturas tradicionais e transformações sociais”,
Amadou Hampaté escreveu: A colonização europeia, ao entrar em ação, não
encontrou um instinto social selvagem de conservação por parte dos autóctones;
estes últimos se haviam habituado, desde muito, a acomodarem -se às conversões
que lhes eram impostas pelas correntes históricas. Eles não pareciam ser nada
além de guinhóis a seguirem docilmente, tal como carneiros de Panurgo
1
”.
Entretanto, esta colonizão organiza -se e consolida -se na África, no
momento histórico durante o qual o mundo e os impérios coloniais foram
sacudidos e balançados, em razão das duas sucessivas guerras mundiais, com um
intervalo de vinte e um anos, do triunfo da Revolução Socialista de Outubro de
1917, da luta pelos “direitos dos povos de disporem de si mesmos” e, final mas
não menos importante, dos movimentos de libertação dos povos colonizados.
Ao passo que as grandes mutações sociopolíticas do século XX encontram -se
desde antes esboçadas, quanto à África, o continente delas experimenta as gra-
ves consequências no que diz respeito à sua identidade cultural. Os autênticos
valores do passado que haviam feito as suas provas, encontram -se recriados,
ridicularizados e humilhados perante os novos valores das civilizações europeias.
“Evoluídos” e “não evoluídos”, assimilados” e “indígenas”, enfrentam -se e para
muitos africanos, a assimilação corresponde a uma reivindicação, um ideal moral
sinceramente desejado. Viver como o colono, vestir -se como ele, comer e beber
como ele, falar e habitar como ele, rir e enraivecer -se como ele, ter as mesmas
referências religiosas, morais e culturais que ele, eis no que consistem as novas
aspirações do colonizado.
1 UNESCO, 1974, p. 48.
633
Língua e evolução social
A colonização como provação do destino
Por um lado, se os quadros e os técnicos da colonização, ao aprenderem as
línguas nativas”, esperam, antes e sobretudo, compreender os africanos e des-
cobrir os seus íntimos segredos, após a Primeira Guerra Mundial e as grandes
reviravoltas socioculturais por ela provocadas, os africanos habilitados, por outra
parte, enviam as suas crianças às metrópoles coloniais, à escola do branco, para
com ele estudarem o saber autêntico a elas destinado pelo sistema branco, para
descobrirem as razões da sua potência e da sua vitória, e, finalmente, viverem
inteligentemente ao seu lado,dadas as circunstâncias”.
As literaturas em línguas africanas deste período, quer sejam elas orais ou
escritas em caracteres árabes (literaturas ajami), pululam como exemplos deste
estado de espírito.
A tendência consistente em desejar captar o segredo de outrem, a fim de não
se deixar manipular por ele, generaliza -se e torna -se uma preocupação perene,
tanto de um lado quanto de outro. Mas, salvo raras exceções, os observadores
africanos, completamente submersos e recuperados, finalmente deixam -se trans-
formar e integrar.
Por toda a parte, a colonização europeia é aceita como uma provação do
destino. Eventualmente apoiada pelos administradores das próprias colônias,
uma corrente assimilacionista surge no âmbito literário, contribuindo para des-
moralizar os africanos, pedindo -lhes leal colaboração junto aos colonizadores,
solicitando a sua ajuda em seu esforço de guerra, assim como nas corveias e nas
operações através das quais a administração exigia uma prestação de serviço
ou uma entrega de bens, convidando -os a abrigar e alimentar os seus agentes,
pedindo -lhes empenho no referente ao fornecimento da mão de obra necessária,
a estes administradores, na construção de estradas, na instalação de trilhos, no
içamento de pontes sobre os riachos, requerendo -lhe, igualmente, o pagamento
dos impostos e taxas recolhidos junto à população. Esta corrente derrotista,
muito amiúde animada por grandes personalidades, exalta a ordem colonial, a
segurança por ela instaurada, as grandes descobertas e as maravilhas do “século
dos brancos”, como o automóvel, o aeroplano, o rádio, as estradas de ferro ou
as vias terrestres.
Bem entendido, uma contra -corrente, minoritária e geralmente anônima,
marca a sua presença em nome da tradição ancestral e dos antigos valores;
pretendendo -se uma consciência das populações, ela fustiga o lealismo e os seus
turiferários, constituindo -se como porta -voz dos povos colonizados aos quais
634
África desde 1935
ela apresenta a inelutabilidade da emancipação, especialmente após a vitória
do Líbano e da Síria e a independência dos povos da Indochina, seguida pela
insurreição argelina de 1954.
A literatura como valor -refúgio
Literaturas orais em línguas africanas e literaturas ajami debocham com
derrisão, daqueles que imitam o branco”, da mesma forma, daqueles que falam
a sua língua sem conhecê -la”, e amaldiçoam as mulheres que se desnudam sem
pudor, imitando o falar dos atiradores para seduzi -los”. Testemunhas críticas
das grandes reviravoltas em vias de consumarem -se, algumas elites culturais
consideram -nas em suas obras e colocam as sociedades africanas em guarda,
diante da perda dos valores essenciais e da despersonalização resultante.
A hesitação das elites de formação tradicional, frente aos graves perigos do
seu tempo, encontra -se expressa em suas obras literárias e artísticas, nos provér-
bios, nas cantigas e canções de sua criação ou de sua inspiração. Foi assim que
ao descrever em fulfulde as misérias do nosso século”, um poeta muçulmano de
Fouta -Djalon (Guiné), escreveu:
Le malheur paraît, les temps ont changé.
[A infelicidade aparece, os tempos mudaram.]
L’illicite se répand, le licite diminue.
[O ilícito se expande, o lícito encolhe.]
La tradition disparaît, l’hérésie paraît.
[A tradição desaparece, a heresia surge.]
La pudeur se rétrécit, légoïsme abonde.
[O pudor se retrai, o egoísmo abunda.]
La parenté se rompt, le plaisir, on le suit.
[O parentesco se rompe, o prazer, nós o buscamos.]
La pitié s’éloigne, l’adultère se développe.
[A piedade se distancia, o adultério se desenvolve.]
Les fils adultérins abondent, la vérité est abandonnée.
[Os filhos adulterinos abundam, a verdade é abandonada.]
L’instruction diminue, l’hypocrisie abonde.
[A instrução diminui, a hipocrisia abunda.]
La fortune abonde, les discordes abondent.
[A fortuna abunda, as discórdias abundam.]
635
Língua e evolução social
Le vol abonde, le pillage abonde.
[O roubo abunda, a pilhagem abunda.]
Les mensonges abondent, Satan a triomphé !
[As mentiras abundam, Satã triunfou.]
Leur coeur, plus que venin, est mauvais.
[O seu coração, mais que veneno, é ruim.]
Leur souci n´est autre que d´amasser fortune,
[A preocupação não é outra senão recolher fortuna,]
D´amasser femmes et bijoux.
[Juntar mulheres e joias.]
Ils ont choisi ce monde et laissé l´autre.
[Eles escolheram este mundo e abandonaram o outro.]
Négateurs et ignorants se multiplient.
[Negadores e ignorantes se multiplicam.]
Divergence et péchés se multiplient.
[Divergências e pecados se multiplicam.]
S’enfuir s’impose.
[Fugir se impõe.]
Il n’y a pas où fuir, il n’y a pas où rester !
[Não há para onde fugir, não onde permanecer!]
Le monde étreint comme il est vaste
2
.
[O mundo.... como ele é vasto.]
Os povos africanos encontram -se, desta forma, em suas línguas e literaturas,
as quais continuam a preservar laços íntimos e insolúveis com o passado per-
dido e as gerações passadas, veiculando sempre a ética ancestral e constituindo
valores -regio, particularmente preciosos. Entretanto, mesmo estes valores
encontram -se submetidos às mutações em curso.
Enriquecimento lexical e línguas veiculares
Ao estabelecerem relações com o islã e com os comerciantes árabes e orien-
tais, notadamente iranianos, tanto quanto pelo contato com línguas europeias e
com o cristianismo, as línguas africanas, sem nenhuma exceção, enriqueceram
consideravelmente o seu corpo lexical e todo o conjunto semântico terminoló-
2 A. I. SOW (org.), 1966, p. 136.
636
África desde 1935
gico religioso, técnico, científico e cultural testemunha, ainda nos dias atuais, a
evolução econômica e social relativa a estes vinte e cinco anos.
Línguas euro -africanas, como os crioulos e os pidgins, surgiram,
desenvolveram -se e tornaram -se autênticas línguas negro -africanas em cer-
tos países e cidades do litoral atlântico: Cabo Verde, Guiné -Bissau, Gâmbia,
Serra Leoa e Camarões. Os crioulos gambiano e camaronês e o krio da Serra
Leoa recorrem muito ao inglês, ao passo que o crioulo do Cabo Verde e da
Guiné -Bissau realizou os seus empréstimos juntamente à língua portuguesa.
onde existem, estas línguas, no concernente às suas características fundamentais
(fonologia, sintaxe, semântica) são africanas, mesmo se o seu léxico, expressão
de certa correlação de forças, recorre com frequência às línguas europeias. Em
certos países, como por exemplo, nas Ilhas Maurício, o crioulo constitui o meio
de comunicação linguístico mais difundido e popular.
Estimulados pelas potências coloniais, o kiswahili, o lingala, o bambara, o
haussa tiveram uma notável expansão como línguas veiculares interétnicas, fre-
quentemente utilizadas nos exércitos e nas forças públicas das administrações
coloniais alemã, inglesa, belga ou francesa.
Entre os técnicos e altos quadros coloniais, especialistas marcam presença
desde o fim dos anos 1920, assinalando os perigos da assimilação, pleiteiam
sérias pesquisas sobre a África e os seus habitantes e reclamam o estudo apro-
fundado das línguas e culturas africanas.
Uma evolução bem administrada
Igualmente, desde junho de 1926, a reunião constitutiva do Instituto Inter-
nacional das Línguas e Civilizações Africanas se realiza em Londres, contando
com delegados da África do Sul, da Alemanha, da Bélgica, do Egito, dos Estados
Unidos da América do Norte, da França, da Grã -Bretanha, da Itália, e da Sué-
cia. A nova instituição define -se como organismo de informação (que recolhe e
difunde os ensinamentos de toda espécie sobre as línguas, civilizações e proble-
mas específicos” da África) e escritório central de ligação entre os especialistas destas
questões. Ela pretende “unir a ciência às experiências práticas, indicando como
as descobertas da primeira podem ser utilizadas na administração, na educação,
na higiene, no bem -estar e na evolução dos africanos
3
”.
3 V. FOUTCHANTSE, 1967, p. 143.
637
Língua e evolução social
Desta forma, nasceu um tipo de africanismo a serviço da colonização e, pos-
teriormente, responsável pelo enfoque etnográfico lançado sobre os africanos, as
suas sociedades e as suas culturas.
O Instituto, mais tarde denominado Instituto Africano Internacional, mais
conhecido pela sigla IAI, publica uma revista trimestral, África, cujo primeiro
número é lançado em janeiro de 1928, além de editar monografias e documen-
tos africanos”, comportando “textos, escritos em seus idiomas, sobre a religião, os
costumes, os mitos, as lendas, as tradições históricas e, também, as instituições
sociais”. Ele edita, igualmente,contos, provérbios e enigmas”, tudo isto “tradu-
zido em uma língua europeia”.
Desde a sua criação, o Instituto ateve -se a escrever as línguas africanas em
caracteres latinos e a elaborar um alfabeto de referência, o alfabeto africano
internacional” – ainda chamado alfabeto do IAIque deveria servir de base à
escrita de cerca de sessenta línguas africanas.
Em abril de 1929, ele instituiu um prêmio para ajudar e incentivar os indí-
genas, com vistas a fazê -los produzirem, em seu idioma, obras permanentes das
quais eles poderão orgulhar -se”. A experiência prosseguiu até 1950, quando o
Instituto estimou que “o objetivo original fora atingido”, os Literature Bureaux,
tanto na África Ocidental (West African Literature Bureau) quanto na África
Oriental (East African Literature Bureau), foram constituídos de forma a satis-
fazer, desde logo, as necessidades editoriais em “literatura vernacular”.
Na realidade, a Conferência das Igrejas Americanas sobre os Assuntos Africa-
nos recomendara, em 1942, com a anuência do IAI, conceder prioridade à criação
de uma literatura crisem línguas africanas. Assim sendo, o IAI instituiu, em
1950, o prêmio Margaret -Wrong, inspirado no nome da secretária do Comitê
Internacional da Literatura Crispara a África, a qual desempenhouum emi-
nente papel em prol do desenvolvimento espiritual e cultural da África, durante
os vinte últimos anos da sua vida”, falecida em 11 de abril de 1948, em Uganda.
Doravante, as obras escritas em línguas africanas ou em árabe” não podiam ser
impressas senão após a sua publicação em afrikaans, francês, inglês ou português,
assim, o novo prêmio somente encorajaria a literatura “em línguas europeias”.
Esta evolução mostra claramente qual plano colonial servia como pano de
fundo ao projeto. O IAI fora criado para reunir estudiosos africanistas isolados e
visava coordenar as atividades, prioritariamente, orientadas para a ação colonial e
destinadas a prepararem as transformações futuras, bem como a administrarem
a evolução dos africanos”, no seio da civilização ocidental. Não se tratava de uma
instituição filantrópica de pesquisa científica sobre a África e em seu proveito. O
projeto de manuais escolares africanos”, concebido pelo IAI estipula: ”Destinados
638
África desde 1935
OCEANO
ATLÂNTICO
OCEANO ATLÂNTICO
OCEANO ÍNDICO
Línguas africanas e árabe
Árabe
Línguas européias
Línguas africanas
Línguas africanas e européias
Línguas européias e árabe
Árabe
Amárico
Inglês
Françês
Suaíli
Malgache
Português
Espanhol
MARROCOS
Rabat
Argel
ARGÉLIA
TUNÍSIA
LÍBIA
MAURITÂNIA
MALI
NÍGER
NIGÉRIA
SAARA
OCIDENTAL
El-Aiun
SENEGAL
GÂMBIA
BURKINA
FASO
GUINÉ-
BISSAU
SERRA
LEOA
GUINÉ
GUINÉ-EQUATORIAL
COSTA DO MARFIM
LIBÉRIA
Monróvia
Conakry
Freetown
Bissau
Dakar
Banjul
Bamako
Niamei
Uagadugu
GANA
TOGO
BENIN
Lagos
Abidjan
Accra
Lomé
Porto-Novo
REPÚPLICA
CENTRO-AFRICANA
Bangui
SUDÃO
JIBUTI
Cartum
CHADE
Lago chade
Jamena
Trípoli
Túnis
Cairo
EGITO
ETIÓPIA
Addis-Abeba
Jibuti
SOMÁLIA
Nouakchott
Bata
Libreville
CAMARÕES
Yaoundé
GABON
Brazzaville
Kinshasa
Cabinda
Luanda
ANGOLA
ZAIRE
RUANDA
BURUNDI
Kigali
Bujumbura
OUGANDA
QUÊNIA
TANZÂNIA
L. Victoria
Nairóbi
L. Tanganyika
Mogadíscio
ZANZIBAR
Dar es-Salaam
ZÂMBIA
MALAUI
NAMÍBIA
ZIMBÁBUE
BOTSWANA
Harare
Lilongwe
MOÇAMBIQUE
Lusaka
L. Malaui
Windhoek
Gaborone
Pretoria
Maputo
Mbabane
Maseru
Antananarivo
MADAGASCAR
SUAZILÂNDIA
LESOTO
ÁFRICA
DO SUL
CONGO
0 500 1 000 milhas
0 800 1 600 km
 . Repartição das línguas ociais na África. (Fonte: e World Almanac and Book of Facts, New
York, 1991. Pharos Books, 1990.)
639
Língua e evolução social
a iniciar os estudantes no estudo da civilização e do pensamento ocidentais, eles
[os manuais] tratarão, sobretudo, de temas relacionados com a vida européia, mas
também mostrarão como a África e os seus habitantes podem constituir o objeto
de sérios estudos, notadamente no tocante à história, à geografia, à história natural,
à vida social e à religião. Enfim, torna -se de mais em mais necessário colocar à
disposição dos africanos livros instruídos e bem produzidos, escritos em línguas
europeias, cuja influência seria decisiva na formação dos futuros chefes
4
”.
Entretanto, cabe assinalar a obra dos sábios e dos missionários que, ao cha-
mado do IAI ou do seu próprio movimento, elaboraram, em línguas europeias,
obras de referência (dicionários, gramáticas, etc.) e trabalhos pedagógicos de
alto nível científico, nos domínios da compreensão linguística e das culturas da
África. Administradores, missionários, especialistas multidisciplinares (etnólo-
gos, geógrafos, naturalistas, musicólogos, educadores, oficiais, etc.), humanistas
e simples amadores esclarecidos, homens e mulheres, muito amiúde ignorando
ou em conflito contra as interdições e instruções da administração colonial,
procederam à coleta, à transcrição, segundo o alfabeto da IAI ou em escrita do
seu grado, e à tradução em línguas europeias de obras históricas, científicas, lite-
rárias, etc., do patrimônio cultural africano. Publicados em revistas da época, tais
como o Bulletin du Comité détudes historiques et scientifiques de l’AOF (tornado
Bulletin de l’Institut français d’Afrique noire) ou sob a forma de publicações, os
seus trabalhos, consoantes ao seu contexto, permanecem úteis até os dias atuais.
Graças à sua ação, e a do seus informadores” e outros colaboradores autóctones,
é que todo um corpus vivo de imprensa e literatura (com maior ênfase em acordo
com o alfabeto do IAI) de expressão yoruba, ibo, ewe, haussa, akan, (twi -fanti),
duala, swahili, foram vertidos para o alfabeto latino, notadamente na Nigéria,
em Gana, no Togo, em Camarões e na Tanzânia.
Esboço de uma nova política linguística
e cultural: 1960 -1982
Entretanto e malgrado estas importantes atividades de instituições privadas e
de homens de boa vontade, nada de decisivo havia sido consumado, sob o regime
colonial, em favor da promoção das línguas e culturas africanas.
4 Conferir V. FOUTCHANTSE, 1967, p. 143.
640
África desde 1935
O tempo das reticências e das tentativas
um interdio e advém o ano de 1960, momento da independência
para numerosos países da África, talvez tenha sido a ocasião de proceder a um
balanço crítico e lúcido da experiência colonial, de identificar os problemas e
determinar os princípios e as linhas diretrizes nacionais de uma nova orientação
em matéria linguística, cultural e educacional nacionais. Salvo raras exceções,
contentamo -nos, infelizmente, em validar, muito amiúde e sem retoques, as
práticas das potências coloniais. Com efeito, numerosos novos Estados, sequer
consideravam o domínio cultural como prioritário. Ele não se apresenta como
tal e, por pouco que não, abandonaram -no à generosidade da cooperação com
os países estrangeiros e organismos internacionais.
Não foi seo progressivamente, graças à perseverança e à ão de sensibilização
de universirios oriundos de fundações e instituições privadas de muitos países
da Europa e da América, através da preso conjugada de sociedades científicas
regionais e sub -regionais (reunidas em congresso, em seminários ou colóquios), bem
como em rao da vigorosa reivindicação de movimentos estudantis e da juventude
e de organizações de mulheres de trabalhadores, as quais os dirigentes dos Estados
s -coloniais aceitaram reconhecer a necessidade de elaborar programas educativos,
considerando as nguas africanas como bases. Todavia, foi necessário prosseguir com
extrema prudência, sem opor -se, de toda forma às antigas potências coloniais e aos
quadros nacionais aculturados, os quais o reconheciam valor algum nasnguas
vernaculares”. Inclusive, dirigentes políticos o clarividentes quanto Kwame Nkru-
mah, presidente de Gana, demonstravam -se reticentes em promover estas nguas,
por eles estimadaso numerosas e abertas”, além de potencialmente comprome-
tedoras, no que diz respeito à constrão nacional dos novos Estados, capazes de
criar inúteis divisões junto aos africanos, justamente aquando da necessária unidade.
A tais dirigentes poticos o se lhes concedera o hábito de ouvir e ver os africanos
falarem e se fazerem entender, seo em frans, em inglês e em árabe!
O tempo das rupturas
Por todas estas razões, não se reconheceu às línguas africanas senão um limi-
tado estatuto geográfico social e cultural: o campo, os adultos e a tradição oral.
Porém, o desafio era relevante, tratava -se, nem mais nem menos, do acesso
das populações africanas tanto à educação e à cultura quanto ao seu exercício
do poder político econômico.
641
Língua e evolução social
A percepção e a declaração, segundo as quais, na África, todo o idoso morto
era uma biblioteca em chamas”, comoveu e impressionou favoravelmente os
diligentes internacionais que investiram importantes meios nas pesquisas sobre
as tradições orais e sobre as culturas africanas.
Entre 1962 e 1964, numerosos departamentos de linguística e centros de pes-
quisas e de estudos africanos surgiram nas jovens universidades do continente;
uma imprensa linguística de qualidade (jornais e revistas) nasceu e desenvolveu-
-se, rápida e notadamente, nas universidades de Serra Leoa, da Tanzânia, de
Addis -Abeba, de Ibadan, etc.
Na mesma época, durante o Congresso da Associação dos Orientalistas,
organizado em Moscou em 1960, o africanismo livrou -se do orientalismo, situ-
ando deliberadamente a África, nem como o Oriente dos europeus, tampouco
como o Ocidente dos Orientais. Assim nasceu, com o apoio da UNESCO, o
Congresso Internacional dos Africanistas (Accra, 1960), sob o especial impulso
da Sociedade Africana de Cultura (Alioune Diop) e da Universidade de Ibadan
(Onwuka Dike).
Encorajada em seus primórdios por sábios pesquisadores, um americano e
um soviético, a nova instituição contribuiu para promover os estudos africanos
e “favorecer, junto aos africanos, uma profunda tomada de consciência sobre a
sua própria cultura.” Prosseguindo e desenvolvendo a sua ação, no quadro do
Programa Mundial de Luta contra o Analfabetismo, a UNESCO pronunciou-
-se, em 1962, em favor da educação dos adultos em línguas africanas e prometeu
acordar sua ajuda aos Estados da região onde existisse a demanda. Esta decisão
incrementou o reconhecimento destas línguas e estimulou a sua introdução no
setor moderno do sistema educativo dos Estados africanos.
As necessidades e as realidades
As línguas africanas adquiriram os seus títulos de nobreza e os vocábulos
desprezíveis de “dialetos”, línguas tribais”, línguas vernaculares”, etc., outrora
empregados sem discernimento ao seu propósito, desapareceram pouco a pouco
do vocabulário dos especialistas, ressurgindo, nada além de tempos a outros, na
pluma imprudente ou na expressão rebelde de alguns desavisados.
Percebeu -se então que numerosos estudos, muito bem reputados, e docu-
mentos pedagógicos, disponíveis sobre as línguas africanas, haviam sido ela-
borados por amadores ou autodidatas sem formão lingstica suficiente.
Outrossim, constatou -se que um descritivismo pririo (praticado com fins
642
África desde 1935
utilitários imediatos), a filologia, a fonética, a gramática (concebidas segundo
uma fórmula demasiado próxima do modelo próprio às nguas europeias) e
um comparativismo (nebuloso e apriorístico) predominavam. Poucos destes
trabalhos, embora posteriores ao nascimento da ciência da linguagem con-
temporânea, haviam considerado e empregado as descobertas saussurianas e
estruturalistas.
Igualmente, foi necessário tudo reavaliar, com a ajuda de consultores, pes-
quisadores e professores africanos e estrangeiros; impôs -se sensibilizar os uni-
versitários e pesquisadores africanos para os problemas linguísticos e fazê -los
concederem bolsas de estudos para pesquisas nos Estados Unidos da América
do Norte, na Europa e na União Soviética.
A ação da UNESCO
Uma vez definidas, pelos Estados, as diretrizes gerais e as opções de prin-
cípio, a ajuda da UNESCO permitiu identificar as dificuldades metodológicas
e técnicas e indicar possíveis soluções, elaborar programas operacionais para
um conjunto de países e de línguas, bem como contribuir para a formação dos
quadros nacionais, convocados a supervisionarem a execução destes projetos,
equipando -os devidamente
5
, e tudo isto graças a consultas junto a especialistas
e reuniões regionais e sub -regionais de expertos.
A tabela 18.1, excerto de uma publicação da UNESCO, descreve o grau de
complexidade desta tarefa.
A ação da UNESCO pouco a pouco sistematizou -se e permitiu a obtenção
de decisivos resultados, em matéria de coleta das tradições orais e da promoção
das línguas que veiculam estas tradições.
Entre as grandes referências desta ação, não podemos deixar de mencionar
a adoção do Projeto de Redação de uma História Geral da África (1964); a
organização da Conferência Linguística de Bamako (1966), a qual estabeleceu
a transcrão uniformizada de certas línguas vernaculares do oeste africano; a
definição de um Plano Regional Coordenado de Pesquisa sobre as Tradões
Orais (1968); a ajuda na publicão de textos literios e iniciativa de grande
valor cultural como Kaidara (1968); a elaboração, a adoção e a implementa-
ção do Plano Decenal para o Estudo Sistemático da Tradão Oral e para
a Promão das nguas Africanas na Qualidade de Vculos da Cultura e
5 Para uma análise detalhada desta ação da UNESCO, conferir A. I. SOW, 1977.
643
Língua e evolução social
TABELA 18.1 DIVISÃO POR PS DAS PRINCIPAIS NGUAS NACIONAIS AFRICANAS. A TABELA APRESENTA A SITUA
ÇÃO E AS POLÍTICAS LINGUÍSTICAS EM 46 ESTADOS INDEPENDENTES DA ÁFRICA, COM EXCEÇÃO DOS PAÍSES DO
MAGHREB ARGÉLIA, MARROCOS E TUNÍSIAE DO MASHREKEGITO E LÍBIA ONDE O ÁRABE É A LÍNGUA OFICIAL.
País Popula-
ção
N
o
de
lín-
guas
Línguas
domi-
nantes
Locu-
tores
(milhões
ou %)
Extensão geo-
gráca
Outros países
onde a língua
é falada
Estatu-
to
a
Utiliza-
ções
b
Nível
da pes-
quisa
c
Instituições encarregadas
da pesquisa
Angola 7 11 umbundu
kimbundu
kikongo
lunda-kioko
ngangela
nyaneka-
humbe
português
1,5
1
0,5
0,4
0,35
0,2
Centro
Norte +Centro
Norte
Oeste
Sudeste
Sudoeste
Uso generalizado
Congo, Zaire
Zaire, Zâmbia
N
N
N
N
N
N
O
RTL
RTL
RTL
RTL
RTL
RTL
Aa (E
1,2,3
)
PRTL
2
2
2
1
1
1
3
Instituto nacional das línguas
africanas,
Centro de investigação
pedagógica (CIP) do
Ministério da Educação:
o português
Benin 3,5 52 bariba
fon
iorubá
yom
ditammarie
francês
0,35
0,5
0,35
Nordeste
Sul + Centro
Sudeste + Centro
Noroeste
Noroeste
Uso generalizado
Nigéria
Nigéria, Togo
N
N
N
N
N
O
aRT
aRT
aRT
aR
aR
A(E
1,2,3
)
PRTL
2
2
4
1
2
Comissão nacional de
linguística, Direção da
alfabetização e da imprensa
rural, Departamento dos
estudos linguísticos e da
tradição oral, Universidade
Nacional do Benin
Botsuana 1 +/- 9 setswana 90% África do
Sul, Namíbia,
Bophutatswana
NO Aa(E
1,2m
)
PRL
3 National Language Com-
mittee, National Institute for
Research, Universidade de
Botsuana
inglês Uso generalizado N Aa(E
1,2,3m
)
PRL
4
Burkina-
Fasso
7 60 moore
joola
48% Centro (uso
generalizado)
Oeste (uso
generalizado)
Costa do Mar-
m, Gana
Mali, Níger,
Costa do Mar-
m, Guiné,
Senegal
N
N
a(E
0,3m
)
PRTL
a(E
0,3m
)
PRTL
3
3
Direção geral da pesquisa
cientíca e tecnológica
(DGRST), Instituto Nacional
para a alfabetização e a for-
mação de adultos (INAFA),
Comissão Nacional das lín-
guas voltaicas (CNLV)
644
África desde 1935
fulfude 10,4% Norte Níger, Mali,
Guiné, Senegal,
Mauritânia
N a(E
0
)
PRTL
3 SIL, IRAP
dagari-lobi
bobo-
bwamu
senoufo
gourounsi
bisa
gulmancema
francês
7%
6,7%
5,5%
5,3%
4,7%
4,5
7,5%
Sudoeste
Oeste
Sudoeste
Centro + Sul
Sul
Leste
Uso generalizado
Gana
Mali
Costa do Mar-
m, Mali, Níger
Gana
Benin, Togo, Níger
N
N
N
N
N
N
N
aRL
aRL
R
aPRL
aRL
aPRL
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
2
2
1
2
1
2
4
Universidade de Uagadugu,
DEPFD
Burundi 4,2 1 kirundi
suaíli
francês
4,2
10%
Uso generalizado
Uso generalizado
Ruanda, Tan-
zânia, Uganda,
Zaire
Tanzânia, Quê-
nia, Uganda,
Zaire, etc.
NO
O
a(E
1,2m,3m
)
PRL
(E
3m
)R
A(E
1,2,3
)
PRL
3
4
ALLR, ARFA, COO, CEPK,
DLLA, CCB
Camarões 8 237 árabe (choa)
bamum
basaa
beti-fang
duala
ejagham
fe’fe’
fulfulde
gbaya
ghomala
hauçá
Extremo Norte
Oeste
Centro e litoral
Centro + Sul
Litoral
Noroeste
Oeste
Extremo Norte,
Norte e Adamawa
Leste
Oeste
Extremo Norte,
Chade
Guiné Equa-
torial, Gabão,
Congo
Nigéria
Senegal, Sudão
República Cen-
tro-Africana
Nigéria, Níger
R
aRL
aPRL
aPRL
a
0
RL
a
0
RL
a(E
0,1
)L
RL
RL
aRL
1
2
3
3
3
3
2
3
3
3
4
CREA, Departamento das
línguas africanas e de linguís-
tica, Faculdade de letras, SIL,
CERDOTOLA
645
Língua e evolução social
lamnso
mafa
medumba
mungaka
meka
ngyemboong
vute
yemba
pídgin-
inglês
inglês
francês
20%
Norte
Noroeste
Extremo Norte
Oeste
Oeste
Leste
Oeste
Centro
Oeste
Litoral, Sudoeste,
Oeste, Noroeste
O
O
a
0
RL
a
aRL
aRL
R
aRL
a
RL
Aa(E
1,2,3
)
PRL
Aa(E
1,2,3
)
PRL
2
2
2
2
1
2
3
3
Cabo
Verde
0,3 2 crioulo-por-
tuguês
português
Uso generalizado
Uso generalizado
São Tomé,
Guiné-Bissau
O Aa(E
1,2,3
)
PRL
2
4
Comores 0,34 3 árabe
suaíli
francês
Uso generalizado
Uso generalizado
Somália, Sudão,
etc.
Tanzânia, Quê-
nia, etc.
O
N
O
Aa(E
1,2,3
)
PRL
Aa(E
1,2,3
)
PRL
3
3
4
Congo 1,4 15 kikongo
lingala
francês
75% Sul
Norte
Uso generalizado
Angola, Zaire
Zaire
N
N
O
RTL
RT
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
3
3
4
INRAP, INSSED, Depar-
tamento de linguística e de
literatura oral
Costa do
Marm
7,3 60 baoule
joola
bete
senoufo
yakouba
(dan)
francês
1,8
1,5
0,9
0,8
0,35
Centro
Noroeste
Centro-Oeste
Norte, Centro
Oeste
Uso generalizado
Gana, Togo
Mali, Guiné,
Burkina Fasso
Burkina Fasso,
Mali
Libéria O
RT
RT
RT
RT
RT
A(E
1,2,3
)
PRTL
2
2
2
1
1
4
ILA, IES, ILENA, IHAAA,
CERAV, GRIO, SIL
646
África desde 1935
Jibuti 0,25 3 afar
árabe
somali
francês
31%
5,4%
36%
Uso generalizado
Sudão, Somália,
etc.
Somália
O
O
RT
RT
RT
A(E
1,2
)
PRTL
3
4
Etiópia 30 70 amárico
oromo
tigrinya
inglês
60-65%
27%
14%
Uso generalizado
Quênia
N Aa
(E
1,2m,3m
)
PRTL
aPR
aPR
(E
1m,2,3
)
PRTL
3
1
4
Ethiopian Languages Aca-
demy, Institute of Languages
Studies, Universidade de
Addis-Abeba, Curriculum
Development Division,
Ministério da Educação
Gabão 1 42 fang
myene
francês
35% Noroeste
Oeste
Uso generalizado
Camarões
O Aa(E
1,2,3
)
PRTL
2
1
4
ORSTOM, IRSH
Gâmbia 0,6 ? mandinka
(malinquê)
pular
(pulaar, ful-
fulde)
wolof
joola
soninquê
inglês
42%
18%
16%
9,5%
8,7%
Uso generalizado
Costa do Mar-
m, Senegal,
Mali
Guiné, Guiné-
Bissau, Senegal,
Mali, etc.
Senegal, Mau-
ritânia
Costa do
Marm, Guiné-
Bissau
Mali
O
a
0,1
R
a
0,1
R
a
0,1
R
R
R
Aa(E
1,2,3
)
PRL
647
Língua e evolução social
Gana 11 46 akan
ewe
ga
dangme
dagare
gonja
kasem
dagbani
nzema
hauçá
inglês
6
2
1
1,5
0,3
0,02-3
0,35
Centro-Sul
Sudeste
Região de Accra
Sudeste
Noroeste
Centro-Norte
Norte
Nordeste
Sudoeste
Norte
Uso generalizado
Costa do Mar-
m
Togo, Benin
Burkina Fasso
Costa do Mar-
m
Níger, Nigéria,
etc.
a(E
1,2m,3m
)
PRTL
a(E
1,2m,3m
)
RTL
a(E
1,2m,3m
)
RTL
a(E
1,2m,3m
)L
a(E
1,2m,3m
)L
a(E
1,2m,3m
)L
a(E
1,2m,3m
)L
a(E
1,2m,3m
)
RTL
a(E
1,2m,3m
)
RL
RL
A(E
1,2,3
)
PRTL
Bureau of Ghana Languages,
Curriculum Research and
Development Division,
School of Ghana Languages,
Universidade de Gana, Uni-
versidade de Cape-Coast,
Ghana Institute of Linguis-
tics
Guiné 6,6 21 fulfulde
mandinka
soso
kissi
kpelle
loma
konyagi
basari
francês
2,4
1,7
1,3
Média-Guiné
Alta-Guiné (Leste)
Baixa-Guiné
(Oeste)
Uso generalizado
Mali, Senegal,
Camarões,
Níger, etc.
Mali, Gâmbia,
Burkina Fasso
Serra Leoa
Serra Leoa
Libéria
N
N
N
N
N
N
N
N
O
Aa
(E
1,2m,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2m,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2m,3m
)
PRTL
a(E
1,2m,3m
)R
a(E
1,2m,3m
)R
a(E
1,2m,3m
)R
a(E
1,2m,3m
)R
a(E
1,2m,3m
)R
A(E
1,2,3
)
PRTL
2
2
2
2
2
2
2
2
4
Academia de Línguas, SNA,
IPN, Cadeira de Linguística
648
África desde 1935
Guiné-
Bissau
0,3 ? balata
pular (ful-
fude)
manjaku
manding
crioulo
português
30%
21%
14%
12%
Uso generalizado
Guiné, Senegal,
etc.
Guiné, Senegal,
etc.
O
R
A(E
1,2,3
)
PRL
4
Guiné
Equato-
rial
0,3 ? espanhol Uso gene-
ralizado
O A(E
1,2
)
PRL
4
Quênia 14 40 gikuyu
dholuo (luo)
luluya
kikamba
kalenjin
ekegusi
kimeru
suaíli
inglês
20%
14%
13%
11%
11%
6,5%
5%
65%
16%
Uso generalizado
Uso generalizado
Uganda
Tanzânia,
Uganda, Zaire,
Moçam-
bique, Maláui,
Comores,
Somália, etc.
N
O
a(E
1
)R
a(E
1
)R
a(E
1
)R
a(E
1
)R
a(E
1
)R
a(E
1
)R
a(E
1
)R
a(E
1m,2m,3m
)
PRTL
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
Universidade de Nairóbi
Lesoto 1,3 sesotho
inglês
99% Uso generalizado
Uso generalizado
Botsuana,
África do Sul
O
O
A(E
1,2m,3m
)
PRL
Aa(E
1,2,3
)
PRL
3
4
Libéria 1,8 25 kpelle
(guerze)
grebo (kru)
23%
22%
Guiné PRT
RT
1
649
Língua e evolução social
baso (bassa)
loma
gio
mano
gola
inglês
16%
6,6%
6,1%
4,6%
4,7%
40% Uso generalizado
RT
PRT
RT
RT
RT
A(E
1,2,3
)
PRTL 4
t
Madagas-
car
3 1 malgaxe
francês
3 Uso generalizado
Uso generalizado
O
O
Aa (E
1,2m,3m
)
PRTL
A(E
1m,2,3
)
PRTL
4
4
Instituto de Linguística Apli-
cada (ILA), Departamento de
Língua e Literatura Malgaxe,
Academia Malgaxe
Malaui 5,6 chichewa
(chinyanja)
ilomwe
ciyao
citumbuka
chisena
chitonga
inglês
80%
15%
19%
9%
6%
Uso generalizado
(comum)
(comum)
Uso generalizado
Moçambique,
Zâmbia, Zim-
bábue
Tanzânia,
Moçambique
N
O
Aa
(E
1m,2m,3m
)
PR
A(E
1,2,3
)
PRL
3
4
Mali 6 12 bamana
(mandinga)
fulfulde
soninquê
80%
12%
11%
Sul + Centro
Centro-Oeste
Oeste
Senegal, Guiné,
Costa do
Marm, Guiné-
Bissau, Burkina
Fasso
Países da África
do Oeste
Gâmbia
Costa do Mar-
m, Burkina
Fasso
N
N
N
a (E
0, m
)*
PRTL
a (E
0,m
)*
PRL
aR
4
3
3
DNAFLA
ISH
650
África desde 1935
senoufo
songhay
tamasheq
francês
9,2%
6,4%
Sul
Leste
Norte, Leste
Uso generalizado
Níger, Benin,
Burkina Fasso
Nigéria, Argélia,
Líbia
N
N
N
O
R
a(E
0,m
)*R
a(E
0,m
)*R
A(E
1,2,3
)
PRTL
2
1
1
4
Maurício 0,9 crioulo
hindustani
tamil
telegu
francês
inglês
94%
50%
3,5%
2,1%
24%
2,8%
Uso generalizado
Uso generalizado
Reunião, Sey-
chelles
N
N
O
PRT
(E
1m,2m,3m
)
PRT
(E
1m
)PR
(E
1m
)R
(E
1m,2m,3m
)
PRTL
A(E
1,2,3
)
PRTL
2
Mauritâ-
nia
1,8 7 hassaniya
(árabe)
wolof
fulfulde
(pular)
soninquê
francês
80%
3%
7%
6%
Norte
Sudoeste
Centro-Sul, Sudeste
Sul, Sudeste
Uso generalizado
Países árabes
Senegal,mbia
Mali,
Senegal,etc.
Mali, Costa
do Marm,
Burkina Fasso,
Senegal
NO
N
N
N
O
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
a(E
0
)R
a(E
0
)R
a(E
0
)R
A(E
1,2,3
)
PRTL
4
3
3
3
4
Instituto Pedagógico Nacio-
nal (IPN), Instituto de Lín-
guas Nacionais (ILN), Insti-
tuto Mauritano de Pesquisa
Cientíca (IMRS), Universi-
dade Nacional, Escola Nor-
mal Superior (ENS)
Moçam-
bique
9,4 imakwa
(ilomwe)
shitsonga
cisena (cipo-
dzo)
38%
24%
10%
Maláui
Zimbábue,
África do Sul
R
R
R
651
Língua e evolução social
shona
suaíli
chichewa
shichopi
ciyao
cimakonde
português
10%
6,4%
1,2%
4,5%
2,2%
1,3%
Uso generalizado
Zimbábue
Tanzânia,
Quênia,etc.
Maláui, Zâmbia
O
R
R
R
R
R
R
A(E
1,2,3
)
PRL
4
Níger 5,2 8 hauçá
songhay
(zarma)
fulfulde
(pular)
tamasheq
(tuaregue)
kanuri
francês
1,8
0,9
0,6
0,5
0,3
10%
Centro-Sul
Oeste
Uso generalizado
Norte
Leste
Uso generalizado
Nigéria, Chade,
etc.
Mali, Benin
Mali, Senegal,
etc.
Mali, Argélia,
etc.
Nigéria,
Camarões
Chade
N
N
N
N
N
O
A(E
1,2,3
)
PRL
a(E
0,3m
)
PRTL
a(E
0,3m
)
PRTL
a(E
0,3m
)
PRTL
a(E
0,3m
)
PRTL
a(E
0,3m
)
PRTL
3
2
3
1
1
4
CELHTO
Nigéria 80 394? hauçá
iorubá
igbo
fulfulde (ful,
fula)
ek/ibibio
32%
25%
22%
8,6%
5,3%
Norte
Oeste
Leste
Níger, Gana,
Chade,
Camarões, etc.
Benin, Togo
Camarões,
Níger, Guiné,
etc.
NO
NO
NO
N
N
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
Aa
(E
1,2m,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2m,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2m,3m
)
PRTL
a(E
1,3m
)
PRL
4
4
4
3
2
Universidade Ahmadu-
Bello, Zaria, Universidade
de Sokoto, Universidade
de Maiduguri (+ kanuri,
fulfulde), Universidade de
Ibadan, Universite de Ife,
Universidade Bayero, Kano
(+ fulfulde, kanuri); National
Education Research Council,
Lagos; diversas associações
acadêmicas
Yoruba Association, Ibadan,
Universidade de Ife, Lagos
senoufo
songhay
tamasheq
francês
9,2%
6,4%
Sul
Leste
Norte, Leste
Uso generalizado
Níger, Benin,
Burkina Fasso
Nigéria, Argélia,
Líbia
N
N
N
O
R
a(E
0,m
)*R
a(E
0,m
)*R
A(E
1,2,3
)
PRTL
2
1
1
4
Maurício 0,9 crioulo
hindustani
tamil
telegu
francês
inglês
94%
50%
3,5%
2,1%
24%
2,8%
Uso generalizado
Uso generalizado
Reunião, Sey-
chelles
N
N
O
PRT
(E
1m,2m,3m
)
PRT
(E
1m
)PR
(E
1m
)R
(E
1m,2m,3m
)
PRTL
A(E
1,2,3
)
PRTL
2
Mauritâ-
nia
1,8 7 hassaniya
(árabe)
wolof
fulfulde
(pular)
soninquê
francês
80%
3%
7%
6%
Norte
Sudoeste
Centro-Sul, Sudeste
Sul, Sudeste
Uso generalizado
Países árabes
Senegal,mbia
Mali,
Senegal,etc.
Mali, Costa
do Marm,
Burkina Fasso,
Senegal
NO
N
N
N
O
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
a(E
0
)R
a(E
0
)R
a(E
0
)R
A(E
1,2,3
)
PRTL
4
3
3
3
4
Instituto Pedagógico Nacio-
nal (IPN), Instituto de Lín-
guas Nacionais (ILN), Insti-
tuto Mauritano de Pesquisa
Cientíca (IMRS), Universi-
dade Nacional, Escola Nor-
mal Superior (ENS)
Moçam-
bique
9,4 imakwa
(ilomwe)
shitsonga
cisena (cipo-
dzo)
38%
24%
10%
Maláui
Zimbábue,
África do Sul
R
R
R
652
África desde 1935
kanuri
tiv
ijo
edo
nupe
igala
idoma
inglês
4,1%
2,5%
2%
1,7%
1,2%
1%
0,9%
15%
Níger, Chade
Uso generalizado
N
N
N
N
N
N
N
O
a(E
1,3m
)
PRT
a(E
1,3m
)
RT
a(E
1,3m
)
RT
a(E
1,3m
)
RT
a (E
1,2m,3m
)
PRTL
a(E
1,3m
)
PRTL
a(E
1,3m
)
RT
a(E
1,3m
)
RT
3
2
2
2
1
1
1
4
República
da África
do Sul
31 10 xhosa
zulu
sotho
afrikaans
inglês
Sul
Leste
Centro + Sul
Uso generalizado
Lesoto, Zim-
bábue
Botsuana, Sua-
zilânia, Moçam-
bique
Lesoto
N
N
N
O
(E
1
)PR
(E
1
)PR
(E
1
)PR
A(E
1,2,3
)
PRTL
A(E
1,2,3
)
PRTL
Ruanda 5,3 1 kinyarwanda
suaíli
francês
100% Uso generalizado
Nas cidades
Uso generalizado
Burundi, Tan-
zânia, Uganda,
Zaire
idem
NO
O
Aa
(E
1,2m,3m
)
PRL
(E
2,3m
)R
A(E
1m,2,3
)
PRL
4
1
4
INRS, MINEPRISEC
(Escritório Pedagógico),
UNR
653
Língua e evolução social
São Tomé
e Prín-
cipe
0,08 crioulo
português
Uso generalizado
Uso generalizado
O
O A(E
1,2
)
PRL
4
Senegal 5,9 19 wolof
fulfulde
(pular)
sereer
joola
mandinka
(malinquê)
soninquê
francês
80%
21%
13%
7%
6%
2%
15%
Uso generalizado
Nordeste, Sul
Centro, Centro-
Oeste
Sul
Sul, Leste
Leste, Sul
Centros urbanos
Gâmbia, Mau-
ritânia
Guiné, Mali,
Gâmbia, Bur-
kina Fasso,
Níger, etc.
Gâmbia
Gâmbia
Guiné-Bissau,
Mali, Gâmbia
Mali, Gâmbia,
Mauritânia,
Guiné
N
N
N
N
N
N
O
a(E
0,1
)
RLT
a(E
0,1
)
RLT
a(E
0,1
)
RLT
aRL
aRL
aRTL
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
3
2
2
1
1
1
4
IFAN, CLAD, Faculdade de
Letras, Universidade
Sey-
chelles
0,06 crioulo
francês
inglês
100%
15%
35%
Uso generalizado
Uso generalizado
O/N
O/N
O/N
PRL
A(E
1m,2m
)
PRL
A(E
1,2
)
4
4
Serra
Leoa
3,1 18 mende
temne
limba
kono
fulfulde
loko
kissi
krio
inglês
31%
30%
8,4%
4,8%
3,1%
3%
2,2%
1,9%
Uso generalizado
Guiné, Libéria
Guiné, Libéria
Guiné, Níger,
etc.
Guiné
N
N
N
N
N
N
N
O
Aa(E
1,3m
)
PR
Aa(E
1,3m
)
PR
R
aR
R
R
R
R
Aa(E
1,2,3
)
PRT
654
África desde 1935
Somália 5,2 somali
suaíli
árabe
italiano
inglês
98%
0,6%
75%
10%
15%
Uso generalizado
Uso generalizado
Etiópia, Quênia,
Jibuti
Tanzânia, Quê-
nia, etc.
Sudão, Emi-
rados Árabes
Unidos, etc.
NO
O
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
A (E
1m,2m,3m
)
PR
(E
3
)P
(E
2m,3
)P
4
4
4
4
Somali Academy of Sciences
and Art, Somali Language
Department, Universidade
Nacional da Somália, Cur-
riculum Development Unit,
National Adult Education
Centre, Ministério da Edu-
cação
Sudão 17,8 árabe
dinka
nuer
zande
moru
inglês
50%
10%
4,5%
2,1%
10%
Uso generalizado
Uso generalizado
Emirados
Árabes Unidos,
Somália, etc.
Zaire
NO Aa(E
1,2,3
)
PRTL
(E
1,3m
)R
R
(E
1
)R
(E
1
)
(E
1m,2,3
)
PRL
4
4
Suazilân-
dia
0,53 siswati
inglês
91%
Uso generalizado
N
O
a(E
1m,2m
)
PRT
A(E
1,2,3
)
PRTL
3
4
Tanzânia 18 150 suaíli
inglês
90% Uso generalizado
Uso generalizado
Quênia,
Uganda,
Burundi,
Ruanda, Zaire,
Moçam-
bique, Maláui,
Somália, Zâm-
bia, Comores
NO
O
Aa(E
1,2,3
)
PRTL
A(E
1m,2,3
)
PRTL
4
4
Departamento de Suaíli e
de Literatura, Institute of
Kiswahili Research, Conselho
Nacional de Suaíli, Insti-
tuto de Suaíli e de Línguas
Estrangeiras, EACROTA-
NAL
655
Língua e evolução social
Togo 2,3 50 ewe
kabye
francês
22%
13%
35%
Sul
Centro
Uso generalizado
Benin, Gana N
N
O
Aa(E
1,2m
)
PRTL
Aa(E
1,2m
)
PRT
A(E
1,2,3
)
PRTL
4
3
4
Academia Ewe, Centro de
Estudos e de Pesquisas da
Kara (CERK), Instituto
Nacional das Ciências Edu-
cativas (INSE), IPN, Depar-
tamento de Linguística da
Universidade do Benin.
Uganda 12,4 luganda
ateso (+
karimojong)
runyankore
(+ rukiga)
rutooro
lwo (acholi
+ lango)
lugbara
suaíli
inglês
39%
10%
15%
6,2%
10%
3%
35%
21% Uso generalizado
Tanzânia, Quê-
nia, etc.
N
N
N
N
N
N
N
N
Aa(E
1,2m
)
PR
Aa(E
1,2m
)
PR
Aa(E
1,2m
)
PR
Aa(E
1,2m
)
R
Aa(E
1,2m
)
PR
Aa(E
1,2m
)
PR
Aa(E
1,2m
)
PRL
Aa(E
1,2m
)
PRTL
3
3
3
DLLA, CELTA, IRS,
BUZATRA, ISP, Centro
Nacional, IPN, etc.
Zaire 30 220 suaíli
lingala
ciluba
kikongo
francês
39%
25%
22%
14%
Leste, Norte,
Sudeste
Norte, Noroeste
Centro-Sul
Oeste, Sudoeste
Uso generalizado
Tanzânia, Quê-
nia, etc.
Congo, Repú-
blica Centro-
Africana
Congo, Angola
N
N
N
N
O
Aa
(E
1,2,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2,3m
)
PRTL
Aa
(E
1,2,3m
)
PRTL
3
3
3
3
4
ILA, IREM, INEF, CER-
DOTOLA
656
África desde 1935
cinyanja
(chichewa)
citonga
silozi
luvale
kikaonde
lunda
inglês
42%
23%
17%
8%
7%
5%
26% Uso generalizado
Maláui,
Moçambique
Angola
N
N
N
N
N
N
O
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
A (E
1,2,3
)
PRTL
3
4
Zâmbia 5,1 40 icibemba
cinyanja
(chichewa)
citonga
silozi
luvale
kikaonde
lunda
inglês
56%
42%
23%
17%
8%
7%
5%
26% Uso generalizado
Zaire
Maláui,
Moçambique
Zaire, Angola
N
N
N
N
N
N
N
O
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
Aa (E
1m,2m
)
PR
A(E
1,2,3
)
PRTL
4
3
3
4
Zimbá-
bue
7,5 8+ shona
ndebele
inglês Uso generalizado
Moçambique N
N
O
a(E
1
)RLT
a(E
1
)RLT
a(E
1,2,3
)
PRLT
3
3
4
University of Zimbabwe
657
Língua e evolução social
O estatuto das línguas é aquele denido por um ato estabelecido, legislativo ou regulamentar: N = língua nacional; O = língua ocial.
Os diferentes empregos das línguas nos países:
A = utilização no serviço público (nacional ou local), incluindo parlamento, justiça, forças armadas e polícia, discursos políticos, etc.;
a = utilização na alfabetização;
E = utilização no ensino público:
0
= em aulas experimentais,
1
= no ensino primário,
2
= no ensino secundário,
3
= no ensino superior e universitário,
m
= como disciplina;
P = utilização na imprensa escrita;
T = utilização na televisão;
R = utilização na radiodifusão;
L = presença na literatura escrita da língua.
O nível da pesquisa traduz-se pela existência de uma documentação nesta língua (descrições cientícas, textos):
1 = documentação insuciente e insatisfatória;
2 = documentação insuciente e parcialmente satisfatória;
3 = documentação satisfatória, mas em volume limitado;
4 = documentação satisfatória, em qualidade e quantidade.
[F: UNESCO, 1985a.]
658
África desde 1935
Instrumentos da Educão Permanente (1972); a contribuição para o estabe-
lecimento, para equipão e funcionamento, o somente do Centro Ahmed
Baba de Tombouctou (para os manuscritos árabes e ajami do Sahel e do Sudão
Ocidental), mas, em suplemento, dos centros sub -regionais de pesquisa sobre
a tradição oral e sobre as línguas africanas, tais como o CELHTO (Centro de
Estudos Linguísticos e Históricos através da Tradição Oral), em Niamey, no
referente à África Ocidental, o CERDOTOLA (Centro Regional de Docu-
mentação sobre as Tradições Orais e as Línguas Africanas), em Yaoundé, para
a África Central, bem como o EACROTANAL (Eastern African Centre for
Research on Oral Traditions and African National Languages), em Zanzibar,
no concernente à África Oriental e Central.
Cada uma das instituições do Plano Decenal, assim implantadas com a ajuda
internacional, coordena as atividades de pesquisa de interesse sub -regional e
assegura a publicação de obras científicas de nível universitário, tanto em línguas
africanas da sub -região quanto sobre elas. Alguns dentre eles como o Centro
de Niamey, inclusive publicaram uma revista (Cahiers du CELHTO) e coleções
bilíngues (língua africana/língua europeia) de grandes textos históricos, literários
ou filosóficos.
Através da organizão de reuniões periódicas de expertos, a UNESCO
também incentivou encontros e debates científicos de ideias, entre especialistas
africanos e do restante do mundo, desenvolvedores de estudos sobre as línguas,
as culturas e os temas africanos
6
.
Ela patrocinou a tradução da História Geral da África em algumas línguas
veiculares da região (árabe, swahili, haussa, fulfulde), assim como a elaboração,
no início dos anos 1980, de dicionários gerais e culturais das línguas swahili,
yoruba, fulfulde, etc.
Os estudos africanos fora da África
Um dos maiores resultados da descolonização consiste, certamente, no consi-
derável desenvolvimento dos estudos africanos fora da África, não somente nas
universidades das antigas metrópoles coloniais, onde eles viveram um renasce,r
6 A reunião de Bamako (1979), sobre a utilização das minas africanas regionais ou sub -regionais, e a sua
consorte, realizada em Conakry (1981), sobre a denição de uma estratégia relativa à promoção das
linhas africanas, constituem exemplos.
659
Língua e evolução social
mas igualmente e sobretudo em numerosos países da África Oriental e Seten-
trional, nas Américas e na Ásia.
Sobre o irresistível impulso das comunidades africanas da América do Norte,
Central e do Sul, e em consequência da emergência de uma potente corrente
de interesse relativamente aos assuntos africanos”, numerosas universidades dos
Estados Unidos da América do Norte, do Caribe e do Brasil criaram centros de
estudos africanos e instituíram em seus programas de estudo a temática africana
de ontem e de hoje, as suas línguas e literaturas, as suas culturas, etc.
Os estudos sobre as línguas árabe, swahili, yoruba e haussa, para citar somente
alguns exemplos, desenvolveram -se consideravelmente na América do Norte.
Foi profundamente emocionante para os camponeses da África dos dias atuais
acolherem, em seus países, viajantes ou jovens colaboradores americanos do
Peace Corps, pesquisadores japoneses ou europeus, dirigindo -lhes a palavra em
fulfulde, swahili, yoruba, wolof, haussa, entre outras, como se eles houvessem,
desde sempre, habitado a comunidade vizinha!
A Agência de Cooperação Cultural e Técnica (ACCT), originalmente criada
para defender e desenvolver a língua e cultura francesas no mundo, financiou
significativos trabalhos e pesquisas sobre as línguas e literaturas africanas. Ela
patrocinou a elaboração e a publicação de obras bilíngues com o objetivo de
promover e facilitar a sua adequada difusão no mundial. O entusiasmo pela
África, pelas suas línguas e culturas, foi tamanho que ele conduziu a suscitar
vocações em meio aos próprios universitários e quadros intelectuais africanos,
encorajando os Estados, pela mesma ocasião, a conferirem -lhes maior interesse,
a investirem maiores recursos e a desenvolverem, com maior vigor, o ensino e a
pesquisa de nível superior que lhes eram dantes consagrados.
Qual seria o perl do amanhã?
Em termos gerais, a conquista da “soberania internacional”, pelos povos
africanos, ofereceu -lhes a oportunidade de ampliação dos horizontes e pers-
pectivas. Entretanto, a ajuda externa, proveniente de todas as partes aos seus
respectivos países, não contribuiu de forma inexorável para acrescer os meios
de resistência cultural contra a dominação estrangeira. Com efeito, as clivagens
e o peso relativos ao seu passado recente, na qualidade de povos colonizados, as
tergiversações e a inexperiência dos seus governantes, a atomicidade das suas
iniciativas, a dispersão e o desperdício dos seus recursos e dos seus esforços
nacionais, estes fatores não lhes permitiram em nada encarar a situação em sua
660
África desde 1935
totalidade, tampouco definir uma problemática, uma estratégia e um programa
operacional capazes de guiar, de forma segura, a sua marcha rumo à unidade e
à libertação desejada.
Sem dúvida, a análise crítica e a utilização consequente das conclusões per-
tinentes a alguns encontros regionais ou mundiais, tais como a Conferência
Intergovernamental sobre as Políticas Culturais na África (Accra, 1975) e a
Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais (México, 1982) ou ainda, as
reuniões regionais de expertos, tais quais aquelas organizadas periodicamente
pela UNESCO nas capitais africanas, sobre as culturas, as línguas ou as políticas
linguísticas, teriam permitido inverter esta tendência, oferecendo aos dirigentes
a visão global e serena que todavia lhes faltava.
Mas, de forma peremptória, resta -nos que estas conclusões não parecem ter
sido assimiladas e utilizadas no sentido de esclarecer a prática, quiçá a política
cultural, de qualquer Estado africano.
O horizonte do ano 2000 e os grandes desaos
Nos Estados da África contemporânea, é verossímil que poucos se preocu-
pem em dominar a prática escrita e oral das línguas africanas, ignorando -se,
muito amiúde, os progressos consumados com ajuda internacional pelas pes-
quisas linguísticas.
Ora, sem o desenvolvimento prioritário destas línguas, não é cabível, para
a África e os africanos, alcançarem um desenvolvimento econômico endógeno
e a promoção sociocultural, em prazos humanamente aceitáveis. Mais do que
nunca, no início do terceiro milênio, o tempo urge contra as línguas africanas.
Da tradição oral à comunicação oral
No momento em que se utiliza apenas o magnetofone para gravá -las e
enquanto transforma -se o teclado da máquina de escrever tradicional para ten-
tar transcrevê -las, de imediato e tão logo, é urgente apressar -se, para assimilar
e saltar as etapas consumadas da mini fita -cassete, dos discos compactos e da
máquina de escrever elétrica e assim compor o pelotão dos utilizadores do DVD
e das máquinas de tratamento de texto!
661
Língua e evolução social
Chegadas muito tardiamente ao encontro da galáxia Gutenberg, as línguas
africanas, como bem o sabemos, ainda estão distantes de recuperar este atraso e
saldarem as suas contas com a escrita.
Ora, frequentemente saturadas de escritura, as outras línguas do mundo evo-
luem, nos tempos atuais e a passos largos, em direção à oralidade e à imagem.
Esta oralidade não consiste, absolutamente, naquela que caracteriza a comunica-
ção em línguas africanas ou em uma oralidade artesanal, na qual a voz humana
não pode ser sucedida senão pela linguagem dos tambores; trata -se, ao contrário,
de uma nova oralidade, nascida da escritura e da indústria, uma oratória técnica
na qual o vídeo desempenha o papel decisivo.
Entre o bom desempenho e o perecimento
Os demógrafos estimam, a persistirem os atuais ritmos de crescimento, que
a população africana atingirá 850 milhões de habitantes em 2000, o equiva-
lente a 14% da população mundial neste ano (contra 10,6% ao final dos anos
1980), além de preverem que entre estes africanos, 297,5 milhões terão menos
de quinze anos. Quais línguas falarão eles, então, em um continente no qual o
grau de urbanização aumenta de forma acelerada?
Tal como as culturas por elas incorporadas e veiculadas, com efeito, as línguas
africanas sofrem, nos dias atuais, mutações implacáveis, dentre as quais, algumas
imputáveis ao domínio irrestrito das línguas estrangeiras de âmbito comunica-
tivo mundial e a sua utilização em todos os campos da vida cotidiana nacional.
Embora o tabuleiro linguístico mundial tenda, atualmente, para uma sim-
plificação excessiva em proveito destas poucas línguas universais, tudo acontece
como se as línguas africanas, à imagem de outras línguas minoritárias, fossem
resistir e subsistir.
Entretanto, para perdurarem, elas deverão evoluir; ao suporem, por parte
dos Estados, uma visão global mais clara, sobre os objetivos e as necessidades,
em referência aos programas operacionais adequados e meios fundamentais
(humanos, técnicos, financeiros), com vistas a implementar o necessário para
alcançar estes objetivos e suprir estas necessidades. Este cenário denota, em
última instância, a imprescindível ultrapassagem do tempo das hesitações e dos
improvisos, do expediente e do provisório, visando enfim, elaborar uma verda-
deira política linguística.
Comissões de terminologia seo incumbidas de fazer o inventário dos
conhecimentos científicos e técnicos acumulados pela humanidade, em sua tota-
662
África desde 1935
lidade, e integrá -los sistematicamente às línguas africanas, ao mesmo tempo em
que outras unidades de pesquisa criarão e animarão, sem tardar, uma imprensa,
especializada e popular, integralmente a serviço desta linguagem.
Trata -se de algo supostamente indubitável nos dias atuais que, diante de
nós, a revolução técnica determine, neste final de século, a formação de grandes
conjuntos geopolíticos e socioculturais, imposição esta concomitante ao recurso
à rapidez que abole as distâncias e integra as mais isoladas periferias do mundo,
graças à comunicação baseada em tecnologias de ponta e sempre mais eficien-
tes. Nesta corrida pela universalidade e pela rapidez vertiginosa, o amadorismo
deve ser abandonado e a África está obrigada, ainda que somente para manter
a soberania sobre o seu espaço, a levar os computadores e os satélites a falarem
as suas línguas.
Seria demasiado exigir, do conjunto destas economias neocolonizadas
e degradadas, a superação destes desafios? A explosão das antigas unidades
territoriais, pré -coloniais e coloniais, naturalmente fez nascer, na África atual,
Estados incapazes de administrarem a si próprios e, muito amiúde, fadados à
mendicância no cenário internacional.
No limiar do terceiro milênio, a África está confrontada a numerosos desafios
estratégicos, culturais e linguísticos. Exitosamente ou não, as suas línguas, no que
lhes é essencial e até então, se haviam defendido com relativo sucesso, contra
os graves perigos que a ocupação colonial fazia pesar sobre elas, ano após ano.
Mas, não se tratará de uma proteção, pura e simples, dos conhecimentos, naquilo
que lhes diz respeito, fragilizados pelas suas próprias condições de perpetuação
e modos de transmissão.
Sob pena de deixar -se ocupar e, definitivamente, submergir por valores artifi-
ciais ou superficiais, bem apresentados e difundidos, a África deverá assegurar a
sua presença e o seu desempenho, integrada a uma nova era e sob a insígnia da
eletrônica. Recolhidos, analisados, recontextualizados e transmitidos pela escrita,
assim como pela imagem e pelo som, desde o fim deste segundo milênio, os
conhecimentos ancestrais dos africanos permitirão às gerações futuras voltarem
às suas fontes e manterem os indispensáveis laços íntimos com o seu passado.
C A P Í T U L O 1 9
663
O desenvolvimento da literatura moderna
O período transcorrido desde os anos 1930 é, incontestavelmente, aquele
que conheceu o mais notável impulso da literatura escrita na África
1
. O desen-
volvimento da educação e a expansão da alfabetização, bem como o sensível
aumento numérico dos africanos aos quais se abriram as portas para os estudos
universitários, este novo quadro criou um ambiente instruído em razão do qual
emergiram novos escritores e constituiu -se um público crescente de leitores e
potenciais auditores de literatura africana.
As formas mais correntes de criação literária no curso deste período são, pri-
meiramente a poesia e a eloquência, em seguida o drama e o teatro e, finalmente,
o romance. Entretanto, a crônica, o ensaio e a bibliografia, muito presentes,
aparecem após estes gêneros dominantes. A eloquência e a poesia talvez consti-
tuam gêneros literários que mais facilmente se adaptaram à tradição autóctone.
A África sempre teve poetas, oradores e autores de canções. No encontro entre
as tradições poéticas autóctones e as novas formas importadas do mundo oci-
dental operou -se o contato cultural, sob muitos aspectos o menos doloroso, da
literatura.
Se a poesia consistia na forma literária autóctone melhor enraizada nas tra-
dições do continente, o romance ali apresentava -se como a forma mais estran-
1 Este capítulo deve muito aos trabalhos anteriores de A. A. MAZRUI, em particular A. A. MAZRUI,
1975a, e A. A. MAZRUI e M. BAKARI, 1986a e 1986b.
O desenvolvimento da literatura moderna
Ali A. Mazrui com a colaboração de Mario de Andrade,
M’hamed Alaoui Abdalaoui, Daniel P. Kunene e Jan Vansina
664
África desde 1935
geira. Inclusive, no próprio mundo ocidental, este gênero é, antes e sobretudo,
um produto do culo XIX e da revolução industrial. Mas, na África assim
como no Ocidente, o conto fora, bem entendido, a forma primordial, facilitava
a passagem à crônica. A dificuldade não residia na complexidade da matéria,
pois que existe, ao menos há um milênio, na África Ocidental, griôs contavam,
à excelência, narrativas épicas, muito longas e sabiamente construídas. Contudo,
o romance, na qualidade de meio de expressão artística a elaborar uma história
singular baseada em personagens, uma intriga ou relato, ultrapassava além das
convenções dos griôs. Em meio a todas as formas literárias que irromperam na
África durante a dominação colonial europeia, o romance surgia, sob muitos
aspectos, como a mais puramente europeia.
No desenrolar do presente capítulo, examinaremos os grandes temas aborda-
dos pela literatura, na justa medida dos seus laços internos com a história geral
da África, sem buscar apresentar uma exposição completa de todos os aspectos
desta literatura. Não estudaremos as evoluções de natureza formal ou estilística,
não tentaremos retraçar a história dos círculos, organizações e revistas literárias,
 . Um griô, tradicional contador de histórias africano. (Foto: Musée de l’Homme, Paris.)
665
O desenvolvimento da literatura moderna
além de não deixarmos à margem o complexo jogo de influências e inovações
advindas, com o passar das gerações.
Previamente à abordagem dos principais temas da literatura africana, falta-
-nos antes dizer algumas palavras, relativas às dificuldades econômicas e técnicas,
a terem bloqueado e freado sobremaneira a produção literária. A escassez de
gráficas, a falta de editoras de um porte razoável, na maioria das regiões do
continente, bem como o oneroso custo dos livros constituem os maiores obstá-
culos. Em suplemento, o escritor tinha pouquíssimos compatriotas conhecedores
das línguas europeias, eram ainda mais raros aqueles capazes de adquirir livros.
Quando se escreve em língua africana, paradoxalmente, está -se confrontado a
problemas análogos. Os seus textos podem ser apreciados por um número cada
vez maior de leitores, de todas as condições sociais, entretanto, o seu poder de
sedução encontra -se restrito pelo alcance da própria língua. Embora não diga
respeito à língua árabe, eles constituíram uma verdadeira tragédia para nume-
rosas obras escritas em línguas da África Subsaariana.
Os novos artistas de expressão oral ainda existentes são ignorados pelas
pesquisas literárias, dada a sua expressão e malgrado a sua contemporaneidade,
sob uma forma associada ao arcaísmo. Ademais, eles somente atingem o público
que os escuta. Assim sendo, os autores orais africanos da atualidade padecem
com a ausência de um auditório africano diversificado e, em razão disso, sofrem
as consequências. Em derivação da rara possibilidade de diálogo, eles estão con-
denados ao solilóquio e, por via de regra, não produzem a sua arte senão para
um punhado de confrades ou em dedicação a plateias confidenciais. Em respeito
à tradição oral, uma proporção relevante de autores e contadores são mulheres;
dotadas de formidável domínio sobre a palavra dita e de uma bela virtuosidade,
elas ilustram -se tanto em poesia quanto na narrativa. Os primeiros escritos de
Grace Ogot inscrevem -se, desta forma, na linhagem de uma antiga tradição luo
de relato oral.
Poesia e política
Antes de abordarmos o romance, voltemo -nos para a mais intimamente
africana entre todas as formas literárias, a poesia. No curso deste período, o
laço por ela mantido com a política constituiu uma das suas mais marcantes
características. Muitos fatores contribuíram para o estabelecimento deste laço,
notadamente o nacionalismo cultural e a própria utilização, não estranha a este
fenômeno, dos provérbios do falar tradicional. O recurso à Bíblia e ao Corão,
666
África desde 1935
na qualidade de fontes de inspiração poética, igualmente desempenhou um
importante papel na experiência poética africana deste período. Mas, na raiz
deste conjunto, a inspirar tanto a poesia quanto algumas formas do discurso
político, encontra -se a emoção.
Nenhum povo da África, talvez, tenha produzido uma poesia tão fortemente
ligada ao nacionalismo quanto os somalis. John Drysdale demonstrou a sua sur-
presa ao perceber o quão era encorajado o nacionalismo somali, pelo “chamado
à nação dos poetas somalis
2
”, e Colin Legum notou que, em função do desejo
de reunificação dos somalis, a sua poesia estava, muito amiúde, “fortemente
marcada pela ideia de ‘amputação e de ‘desmembramento’ da nação somali
3
”. A
poesia das mulheres somalis, embora menos politizada, em nada se dissocia do
patriotismo.
Uma forma diferente de nacionalismo cultural apareceu entre os africanos
de Paris, ao longo dos anos 1930. Inspirados pelo surrealismo e pela sua revolta
contra a tirania da linguagem e da arte burguesas, os africanos francófonos de
Paris lançaram um movimento de rebelião contra a colonização do espírito afri-
cano, permanecendo todavia circunscritos a um quadro de referência europeia
4
.
A política imperial francesa de assimilação cultural provocou uma ação africana
2 J. DRYSDALE, 1964, p. 15.
3 C. LEGUM, 1963, p. 505.
4 W. SOYINKA, 1985, p. 564.
 . À esquerda: Aimé Césaire, escritor francês da Martinica. À direita: Léopold Sédar Senghor,
do Senegal, membro da Academia Francesa. (Foto: Gamma, Paris.)
667
O desenvolvimento da literatura moderna
de reivindicação da negritude que se tornaria uma experiência pan -africana de
excepcional alcance. Escritores originários da África e das Antilhas reuniram-
-se em poesia, para expressarem a dor da separação relativa aos ancestrais e
afirmarem o valor da tradição e da autenticidade africanas. O encontro entre
o martinicano Aimé Césaire e o senegalês Léopold Sédar Senghor contribuiu
particularmente no lançamento das bases do movimento literário da negri-
tude. Inclusive, foi Aimé Césaire quem inventou a palavra negritude”, antes
de engajar -se naquilo que Nietzsche chamara uma “inversão de valores”, que o
faz reconhecer:
Ceux qui nont inventé ni la poudre ni la boussole
Ceux qui nont jamais su dompter la vapeur ni léléctricité
Ceux qui nont exploré ni les mers ni le ciel [...]
Ma négritude nest pas une pierre, sa surdité ruée contre la clameur du jour
Ma négritude nest pas une taie deau morte sur loeil mort de la terre
Ma négritude nest ni une tour ni une cathédrale:
Elle plonge dans la chair rouge du sol
5
.
Escritores como Jean -Joseph Rabearivelo (Madagascar), Tchicaya U Tamsi
(Congo) e Yambo Ouologuem (Mali) juntaram -se ao movimento literário afri-
cano reivindicando e opondo -se ao imperialismo cultural europeu, uma cultura
africana.
Da mesma forma reuniram -se as forças do mundo poético e do mundo
político. Nos primeiros anos deste período, era difícil distinguir entre os poetas
interessados na política e os homens políticos interessados na poesia. Observa -se
frequentemente que antes de desempenhar um papel político em seus respecti-
vos países, o senegalês Léopold Sédar Senghor era poeta, o guineense Fodeba
Keita atuava como produtor de balé, o marfinense Bernard Dadié desempe-
nhava a função de romancista e o marfinense Cofi Gadeau se apresentava como
dramaturgo. Arte e militância eram, naquele tempo, inseparáveis
6
, certas revis-
tas africanas exerciam então um papel decisivo em sua fusão, notadamente, a
5 Aqueles que não inventaram nem a pólvora e nem a bússola/Aqueles que jamais souberam dominar
o vapor e tampouco a eletricidade/Aqueles que não exploraram nem os mares e nem os céus.../Minha
negritude não é uma pedra, sua surdez atirada contra o clamor do dia/Minha negritude não é uma fronha
de água morta sobre o olho morto da terra/Minha negritude não é nem uma torre e nem uma catedral/
Ela mergulha na carne vermelha do solo.” Citado em J. -P. SARTRE, 1963.
6 No tocante às características desta questão na África francófona, conferir T. HODGKIN e R. SCHA-
CHTER, 1960, p. 387.
668
África desde 1935
Présence africaine (Paris), a Black Orpheus (Ibadan) e a Transition (Kampala e
Accra)
7
.
É legítimo, principalmente nas sociedades de tradição oral, considerar a arte
oratória e a eloquência como formas de criação literária. Examinaremos igual-
mente, no presente capítulo, uma forma particular de fusão entre a arte oratória
e a poesia.
Arte estrangeira e militância africana
A arte oratória e a eloquência são, sem sombra de dúvidas, setores bem-
-sucedidos da literatura africana, como puderam convencer -se todos aqueles
que ouviram os argumentos apaixonados de Patrice Lumumba ou foram con-
quistados pela inesquecível eloquência de al -Nasser. Infelizmente, não existem
senão raríssimas gravações destes discursos.
Até o momento da independência, o militante africano, ao atrelar a arte ao
discurso político, não se inspirava somente nas formas artísticas autóctones. O
homem político africano, colocando a poesia em favor da retórica política, não
se servia unicamente na fonte da poesia autóctone. A fronteira era igualmente
imprecisa, tanto entre a arte e a militância, quanto entre o mundo autóctone
e o mundo exterior. A África mobilizou as línguas e a literatura europeias em
benefício da libertação e da eloquência africanas.
O amor dos africanos pela sonoridade das palavras lá empregadas era desme-
dido. Um dos primeiros conselhos que o jovem Nnamdi Azikiwe endereçou, ao
retornar dos Estados Unidos da América do Norte, aos seus compatriotas da
Nigéria, consistia em adverti -los contra o que chamou “subprodutos do com-
plexo de imitação e incitá -los a não se limitarem à resplandecência do conheci-
mento, enfatizando que a capacidade em citar Shakespeare, Byron ou Chaucer
não seria evidência de um saber original
8
”.
Em No longer at ease [O Mal -estar], Chinua Achebe, o mais importante
romancista da Nigéria, estigmatiza a apreciação dos seus concidadãos pelo exa-
gero, através de um discurso, por ele atribuído ao presidente de uma Omuafia
Progressive Union. Em uma peça de Wole Soyinka, principal autor dramático
nigeriano e laureado com o Prêmio Nobel de literatura, um professor levanta -se
7 Conferir em particular P. BENSON, 1986.
8 Extraído de um discurso pronunciado em novembro de 1934, em Lagos. Conferir N. AZIKIWE, 1961,
p. 23.
669
O desenvolvimento da literatura moderna
 . Wole Soyinka, da Nigéria, recebendo o prêmio Nobel de Literatura em dezembro de 1986.
(Foto: Sipa Press, Paris.)
contra o hábito da expressão empregando palavras inglesas tão longas quanto
ressonadas: “E ele não se deteve senão em razão de somente possuir o Shorter
Companion Dictionary a edição completa, por ele encomendada, não chegara
até aquele momento
9
.”
O crítico literário Donatus Nwoga, evocando alguns personagens da litera-
tura popular da Nigéria, ridiculariza o emprego de palavras pomposas:
“Em Veronica, my daughter, o chefe Jombo, ao perceber que Veronica, sua
filha, e Pauline, sua esposa, tentavam intimidá -lo com seu conhecimento supe-
rior em língua inglesa, convocou Bomber Billy, reputado pelas bombas verbais”
que sabia lançar [...]. Esta enxurrada de termos grandiloquentes deveria ter
sucesso em um cenário na Nigéria, onde as grandes palavras sempre provocam
muitos efeitos
10
.”
9 W. SOYINKA, 1973.
10 D. NWOGA, 1965, pp. 28 -29.
670
África desde 1935
A literatura estrangeira não seduzia somente pela sua sonoridade verbal, ela
permitia igualmente produzir traços característicos da sua índole enunciar
uma moral ou embelezar uma história”. A literatura europeia foi submetida às
leis da conversação, regentes das línguas autóctones africanas, nas quais, fre-
quentemente, a índole definia -se pela facilidade em citar provérbios variados,
apotegmas estes que formam a base da arte oratória. Como nos diz um ditado
yoruba, “O sábio que conhece os provérbios controla as dificuldades
11
”.
O seu gosto pelos provérbios conduziu os africanos a fazerem uso, abun-
dantemente, da citação de obras estrangeiras. Donatus Nwoga assinala que,
segundo um provérbio ibo, pronunciar sem utilizar apotegmas corresponde a
tentar subir na palmeira sem a ajuda de uma corda. Ele prossegue estabelecendo
uma relação entre o uso de tradicionais palavras lapidares e o recurso a citações
shakespearianas na África dos dias atuais:
Eu penso que a tendência consistente em sustentar os seus propósitos
através destes aforismos cumpriu o seu papel na literatura popular, onde toma o
feitio do recurso às citações. Em Veronica, my daughter, a partir da página 20 até
a página 23, sucedem -se citações de Richard Whateley, William Shakespeare,
G. A. Gallock, Rudyard Kipling, Benjamin Harrison, William Ernest Henley
e Henry Longfellow; posteriormente, encontramos outras citações de Goethe
e de um poeta desconhecido
12
[...]”.
A arte da citação mostra -se tão importante na eloquência política anticolo-
nial quanto na conversação, os novos militantes da África esforçam -se frequen-
temente para conferir um ímpeto literário ao seu discurso.
Na primeira metade do século XX, as potências coloniais europeias na África
embora sensíveis à sedição e à subversão subestimaram as incidências polí-
ticas das ideias que a poesia expressava. O chefe Obafemi Awolowo confessou
igualmente, em sua autobiografia, que alguns admiráveis versos de Shakespeare
influenciaram a minha visão sobre a existência
13
”. Em Uganda, o jovem Appolo
Obote adotou um novo nome, Milton, em admiração pelo autor do poema
clássico inglês, Paradise lost. Em 1934, quando na Costa do Ouro, o jovem
Kwame Nkrumah apresentou, um pedido ao reitor da Lincoln University para
11 Conferir a introdução em C. LESLAU e W. LESLAU (org.), 1962.
12 D. NWOGA, 1965, p. 31.
13 “Shakespeare é o meu autor preferido. Eu li todas as suas peças e as reli parcialmente − como Júlio César,
Hamlet, A Tempestade, Antônio e Cleópatra ou Henry V − mais de três vezes. Alguns admiráveis versos
de Shakespeare, seguramente, inuenciaram a minha visão de existência”, O. AWOLOWO, 1960, p. 70.
671
O desenvolvimento da literatura moderna
ser admitido na instituição dos Estados Unidos da América do Norte, ele citou
dois versos do poema In Memoriam, de Tennyson:
Des mondes si nombreux, et tant à accomplir,
[Mundos tão variados, e tanto a cumprir,]
Si peu de fait, de si grandes choses à attendre.
[Tão pouco de fato, e tão grandes coisas a esperar.]
Após mais de vinte anos, Nkrumah confirmou -o em sua autobiografia: estes
versos “foram naquele momento para mim, e continuam a ser nos dias atuais,
uma fonte de inspiração e um estimulante. Eles insuflaram -me a vontade de me
preparar para servir o meu país
14
”.
Igual e peremptoriamente revelador, o mais extenso e “sob certos aspectos
decisivo” discurso que o próprio Nkhumah, alçado à condição de primeiro-
-ministro, pronunciou em 12 de novembro de 1956. Ele solicitava à Assembleia
Nacional a aprovação das proposições constitucionais, emendas apresentadas
pelo seu governo em favor da independência da Costa do Ouro. Nkhumah ini-
ciou o seu discurso referindo -se à observação de Edmund Burke, segundo a qual
nós compomos um cenário muito visível e o mundo observa e avalia a nossa
conduta”, acrescentando: “Isto nunca foi tão verdadeiro quanto nos dias atuais. A
maneira através da qual nós nos conduziremos, quando formos independentes,
produzirá efeitos e consequências não exclusivamente para Gana mas, para toda
a África
15
”. Finalmente concluiu com os imortais versos de Wordsworth sobre a
Revolução Francesa de 1789, declarando: “Eu espero que um dia nós possamos
igualmente dizer, em uníssono, com William Wordsworth:
Quel bonheur en cette aurore -là dêtre en vie,
Être jeune était déjà divin
16
!
A literatura europeia contribuiu, portanto e geralmente, quer seja de forma
direta ou suscitando um novo interesse no tocante aos estilos locais de argumen-
tação, para criar um elo entre a arte e a militância na África. Tal qual utilizaram
as línguas europeias com novas finalidades derivadas da luta política, os patriotas
africanos dispuseram, por certo tempo, a literatura europeia a serviço dos seus
objetivos nacionalistas. Desde os seus primórdios, a poesia europeia ofereceu
citações a estes intelectuais africanos, incitados por uma nova agressividade. A
14 K. NKRUMAH, 1960, p. V.
15 K. NKRUMAH, 1961, p. 71.
16 “Que felicidade nesta aurora estar vivo,/ Mas ser jovem era mais divino!”. Ibid., p. 84.
672
África desde 1935
literatura estrangeira estimulava, paradoxalmente, uma espécie de nacionalismo
cultural no seio da nova onda de combatentes africanos pela liberdade. Ela
ofereceu uma modalidade inédita para a fala proverbial. As suas inumeráveis
referências, à Bíblia, ao Corão, aos cantos de louvor cristãos ou islâmicos, esti-
mularam as sensibilidades da África. É sobre a literatura europeia e as línguas
europeias que se apoiou, parcialmente, a arte oratória emergente no curso deste
período da história africana. Se a arte oratória e a eloquência pertencem per-
feitamente à literatura, esta época combinou de modo surpreendente a poesia
estrangeira e a retórica africana.
Tom Mboya um dia recitou o poema If de Rudyard Kipling, diante de uma
imensa multidão, na véspera de uma eleição em Nairóbi. O povo viera para
escutar o seu último discurso antes do escrutínio e Mboya pôs -se subitamente
a recitar um poema estrangeiro:
Si tu peux conserver ton courage et ta tête
Quand tous les autres les perdent,
Si tu peux rencontrer Triomphe après Défaite
Et recevoir ces deux menteurs d’un même front,
Si tu peux rester digne en étant populaire,
Si tu peux rester du peuple en conseillant les rois,
Alors les Rois, les Dieux, la Chance et la Victoire
Seront à tout jamais tes esclaves soumis,
Et, ce qui vaut mieux que la Couronne et la Gloire,
Tu seras un homme, mon fils
17
.
Foi assim que este filho imortal do Quênia, esgotado pelos esforços da cam-
panha, em meio à angústia da eleição pós -imediata, respondeu à expectativa dos
seus compatriotas africanos, ansiosos por ouvirem os seus sábios discursos. Ele
endereçou, posteriormente, a seguinte mensagem para a posteridade:
Eu li, para a multidão, o poema If , de Rudyard Kipling, em sua íntegra.
Perante o desafio da construção da nação, ninguém pode pretensamente ter
17 “Se és capaz de manter a tua calma quando/Todo o mundo ao teu redor a perdeu e te culpa;/Se
encontrando a desgraça e o triunfo conseguires/Tratar da mesma forma a esses dois impostores;/Se és
capaz de, entre a plebe, não te corromperes/E, entre reis, não perder a naturalidade,/E se és capaz de
dar, segundo por segundo,/Ao minuto fatal todo o valor e brilho,/Tua é a terra com tudo o que existe no
mundo/E o que é mais − tu serás um homem, ó meu lho!”. R. KIPLING, 1903, trad. em A. MAUROIS,
Les silences du colonel Bramble, Grasset, 1950, pp. 93 -94.
673
O desenvolvimento da literatura moderna
desempenhado um papel corajoso se não tiver [...], na hora fatídica, trazido uma
contribuição a altura das circunstâncias
18
.”
Uma vez mais, dois ramos literários, a poesia e a retórica, uniam -se. A poesia
era estrangeira e imperial, a arte oratória e a eloquência eram profundamente
africanas.
Kipling, o poeta do “fardo do homem branco”, tornara -se o poeta da ambi-
ção do homem negro”. A literatura europeia colonizava o espírito africano mas,
a um tempo, o poema de Rudyard Kipling, mobilizado a serviço da África,
era descolonizado. Kipling não teria ele dito, em 1923, que as palavras são, sem
sombra de dúvidas, a droga mais potente consumida pela humanidade
19
”?
Mas, consistindo em algo da sua própria natureza, o nacionalismo, na África
tanto quanto alhures, é econômico e avarento quando se trata de admitir as suas
fontes estrangeiras de inspiração quer seja esta inspiração poética ou ideoló-
gica, shakespeariana ou leninista. Àquele que questionasse a razão da hesitação
do nacionalismo em reconhecer a sua dívida, Ndabaningi Sithole, veterano dos
homens políticos zimbabuano, poderia apresentar -lhe a melhor resposta. Par-
tindo da ideia segundo a qual o nacionalismo é movido pela potência de uma
energia primordial, aquela da pura ambição, a sua resposta é explicitamente
shakespeariana. Por que os nacionalistas africanos modernos não reconhecem
eles a sua dívida perante a literatura das potências coloniais? Ndaganingi Sithole
cita aqui o poeta:
Mais c’est la régle
Que l’humilité soit, pour l’ambition naissante,
Une échelle, vers quoi reste tourné
Celui qui monte. Au faîte, cependant, Il se retourne,
Il regarde les nues, et vient à mépriser
Tous les degrés de sa montée obscure
20
.
O orador africano, alcançando a mina representada pela literatura europeia,
viu, venceu e apoderou -se. Em seguida ele iniciou a sua subida.
18 T. MBOYA, 1963b, p. 114.
19 Em um discurso pronunciado em 14 de fevereiro de 1923, e Times, 16 de fevereiro de 1923.
20 “Mas é regra que a humildade é a escada para a ambição nascente,/À qual torna a face aquele que a
sobe;/E uma vez alcançado o mais alto lance/Dá -lhe às costas, e do alto olha com desdém os degraus
mais baixos/De onde ascendeu.” Livre tradução de trecho de Júlio César de W. SHAKESPEARE,
segundo citação de N. SITHOLE, 1959, p. 57. Ver também J. S. COLEMAN, 1963, pp. 114 -115.
674
África desde 1935
A musa da libertação
Entretanto, nem todos os militantes recorreram à poesia estrangeira para
servir aos objetivos do nacionalismo africano. Alguns entre os novos militantes
e combatentes pela libertação eram, eles próprios, poetas ou escritores. Haviam,
dentre eles, fundadores de oficinas ou associações culturais cuja finalidade era
estimular a criatividade literária. Entre eles, é necessário citar Agostinho Neto,
que se tornou mais tarde o primeiro presidente de Angola independente.
Durante o inverno de 1948 -1949, vários militantes exilados” encontraram -se
em Lisboa. O grupo era pequeno − compreendia Amilcar Cabral (1924 -1973),
Vasco Cabral, Marcelino dos Santos, Mario de Andrade e Agostinho Neto
(1922 -1979). Os intelectuais liam os poemas e falavam de literatura, quando
Neto interrompeu -os para dizer:
Hoje, eu recebi uma carta do meu amigo Viriato da Cruz talvez vós
tenhais ouvido falar a seu respeito. Trata -se de um de nós. Ele me informa
terem organizado um centro cultural [em Luanda], batizado Descubramos
Angola”. Ele igualmente comunicou que conduzirão estudos sobre a história e
a arte populares africanas, escreverão crônicas e poemas, utilizarão igualmente
os lucros obtidos com a venda das publicações para ajudar talentosos escrito-
res em necessidades. Eu penso que nós poderemos proceder da mesma forma
em Lisboa. aqui muitas pessoas que podem escrever poemas e contos, não
somente sobre a vida dos estudantes mas, também, sobre os nossos países de
origem Angola, Moçambique, as Ilhas de Cabo Verde e São Tomé
21
.”
Durante os anos 1950, Neto, Cabral e Mario de Andrade organizaram secre-
tamente um Centro de Estudos Africanos cujo ambicioso objetivo consistia
em promover o estudo dos povos negros colonizados, especialmente através
do estudo e da promoção da criação literária africana. O ramo literário desta
empreitada era a Casa dos Estudantes do Império. Em 1951, duas obras foram
publicadas sobre a criação literária Linha do Horizonte, de Aguinaldo Fonseca
(Cabo Verde) e a antologia Poesia em Moçambique, sob a direção de Orlando de
Albuquerque e de Victor Everisto. Entre os vinte e cinco mais célebres escritores
de Moçambique representados na obra figuravam Orlando Mendes, Noemia de
Sousa e Fonsesca Amaral.
A arte e a militância, uma vez mais, encontravam -se e atuavam em conjunto.
O regime de Salazar, reagindo ao anti -imperialismo militante da África no
21 O. IGNATIEV, 1975, p. 15; segundo a tradução inglesa de M. FERREIRA, 1986, pp. 398 -399.
675
O desenvolvimento da literatura moderna
pós -guerra, fechou a Casa dos Estudantes do Império, interditando -a desde
1952 até 1957. Em 1957, após o seu renascimento, esta instituição enfrentou
regularmente as autoridades, antes de ser banida em definitivo, no ano de 1965.
Era então proibido empregar o termo africano” para designar as “províncias
portuguesas do além -mar”. Para referirem -se à difusão das tradições africanas, os
escritores da época colonial eram obrigados a criar jargões, dizendo, por exem-
plo: “difusão dos valores culturais do além -mar”. Portanto, a África lusófona
recebeu, como um banho de água fresca, as ideias da negritude e certos poemas
da época tiveram uma verdadeira explosão carnal:
Et je soulève dans l équinoxe de ma terre
Le rubis du plus beau chant ronga;
Et sur la rare blancheur des reins de l’aurore
La caresse de mes beaux doigts sauvages
Évoque l’harmonie tacite des lances dans le rut de la race,
Belles comme le phallus d’un autre homme,
Dressé dans les chairs ardentes de la nuit africaine
22
.
Craveirinha talvez o mais importante poeta não branco de Moçambique
− foi preso em 1964 quando a guerra eclodiu em seu país. Entretanto, a ordem
colonial não pôde mantê -lo calado, nem tampouco Agostinho Neto ainda que
os seus poemas tivessem sido, obrigatoriamente, publicados longe do alcance das
autoridades portuguesas, como ocorrido em 1966, na Itália. A militância e a arte
continuavam a compor um único todo
23
.
No tocante a Léopold Sédar Senghor, constata -se uma relação mais complexa
entre a arte e a militância, entre a poesia e a política. Embora buscasse salvar
a cultura africana da arrogância desprezível da Europa, Senghor apaixonara -se
pelo país que havia colonizado o seu. Eis como ele expressou -se:
Seigneur, parmi les nations blanches, place la France à la droite du Père.
Oh! je sais bien quelle aussi est l’Europe, quelle m’a ravi mes enfants
comme un brigand du Nord des boeufs, pour engraisser ses terres à canne et coton, car la
sueur nègre est fumier.
Qu’elle aussi a porté la mort et le canon dans mes villages bleus, quelle a
22 “E alcei no equinócio de minha terra/O rubi da mais bela canção ronga;/E na alvura rara do dorso da
alvorada/A carícia dos meus belos dedos selvagens/Evoca a tácita harmonia de lanças no cio da raça/
Belos como o falo de outro homem/Eretos nas carnes ardentes da noite africana. Versão do poema de J.
CRAVEIRINHA, 1964, p. 15, segundo tradução inglesa de A. S. GERARD (org.), 1986, pp. 407 -408.
23 C. WAUTHIER, 1964.
676
África desde 1935
dressé les miens les uns contre les autres comme des chiens se disputant un os [...]
Oui Seigneur, pardonne à la France qui hait ses occupants et m’impose
loccupation si gravement [...]
Car j’ai une grande faiblesse pour la France
24
.
Senghor ilustra perfeitamente a fusão entre a revolta poética e a colabora-
ção política, na caça pela autenticidade africana associada à herança colonial
da dependência cultural africana. Ao mesmo tempo, um guerrilheiro namíbio
colocava, de verso em verso, uma série de eloquentes questões, deixando a res-
posta ao leitor:
Nous réunirons -nous comme autrefois chez nous
Pour discuter et chanter comme autrefois
Pour marcher et nous asseoir comme autrefois
Chez nous ?
Nous réunirons -nous chez nous?
Et quelle retrouvaille cela sera !
Nous réunirons -nous comme autrefois sur notre
Terre bien -aimée ?
Sur la terre de notre cher espoir ?
Nous réunirons -nous comme autrefois chez nous
Pour enterrer la nostalgie du pays
Renvoyer le mal doù il vient
Et nous libérer à jamais de la tristesse
25
?
No caso de personalidades como Neto e Senghor, é impossível determinar
com precisão se estamos em presença de militantes tornados literatos ou criado-
res transformados em políticos. Mas, no caso de personalidades como o jovem
Nkrumah e o seu Tennyson, Awolowo e o seu Shakespeare ou ainda Obote e
o seu Milton, nós podemos com maior certeza percebê -los como militantes ao
24 “Senhor, entre as nações brancas, coloque a França à direita de o Pai./Oh! Eu sei que ela é também
Europa,/que ela roubou meus lhos/ como um assaltante para fecundar suas lavouras/ de milho e algo-
dão, porque o negro é adubo./Ela também trouxe morte e armas às minhas tristes aldeias,/E jogou meu
povo um contra o outro,/como cães brigando por um osso.../Sim, Senhor, perdoe a França que odeia seus
dominados/e ainda assim impõe tão duramente sua dominação sobre mim.../Porque tenho um grande
fraco pela frança. L. S. SENGHOR, 1965, pp. 135 -136.
25 Vamos nos encontrar em casa de novo/Para conversar e cantar de novo/Para caminhar e sentar de novo/
Em nossa casa?/Vamos nos encontrar em casa?/Que encontro será!/Vamos nos encontrar de novo/na
terra de nosso amor?/Na terra de nossa querida esperança?/Vamos nos encontrar de novo em casa/Para
acabar com a nostalgia de casa/Remover o mal de casa/E da tristeza nunca ser livres?”. Em C. O’Brien
WINTER, 1977, p. 223.
677
O desenvolvimento da literatura moderna
serviço da literatura. Quanto a Julius K. Nyerere, mesmo alçado ao cargo de
presidente da Tanzânia independente, as suas preferências literárias se haviam
tornado suficientemente fortes, a ponto de conduzi -lo, como indicamos na
introdução deste volume, à tradução em kiswahili das obras de Shakespeare,
Mercador de Veneza e Júlio César.
Se a tentação da literatura formou, realmente, homens políticos da altura de
Mboya e Awolowo, no curso dos últimos anos do colonialismo e dos primeiros
anos da independência, a tentação da política, desde 1935, não poupou os escri-
tores. Os primeiros militantes africanos consagraram -se, muito amiúde, à arte,
ao passo que, posteriormente, os artistas se transformaram cada vez mais em
militantes. É justamente esses escritores politizados que constituirão o objeto
do nosso interesse.
Autenticidade: sete temas de conito
Dada a impossibilidade em dissociar inteiramente o nosso estudo sobre a
história da literatura na África das grandes questões gerais, nós examinaremos
mais proximamente, nesta sessão, alguns dos principais domínios de interesse
dos escritores no transcorrer deste período.
Muitos conflitos de valores, estreitamente ligados entre si, aparecem como
temas dos escritores africanos. O primeiro destes temas versa sobre a oposição
entre o passado e o presente da África. Muito frequentemente, o tratamento
do tema revela uma profunda nostalgia, uma idealização daquilo que outrora
existia ou possa ter existido.
Ligado ao precedente, o segundo tema aborda o conflito entre a tradição e
a modernidade. Ele difere do primeiro na justa medida que esta dialética pode
operar no mesmo período histórico. Esta questão permanece atual na África
de hoje.
O terceiro tema, intimamente ligado aos precedentes sem, de forma alguma,
identificar -se com eles, trata a oposição entre o mundo autóctone e o mundo
estrangeiro. Pode tratar -se de uma luta pela supremacia entre as tradições autóc-
tones e as tradições importadas. Igualmente, um debate teve lugar relativamente
à existência de uma abordagem especificamente africana da modernização, a não
implicar, necessária e simultaneamente, em uma ocidentalização.
O quarto tema da literatura deste período, e seguramente no tocante ao
futuro, consiste no manifesto conflito entre o indivíduo e a sociedade, entre os
direitos privados e o dever público.
678
África desde 1935
O quinto tema, cuja atualidade não sobreveio no continente senão a partir
dos anos 1960, diz respeito ao grande dilema entre o socialismo e o capitalismo,
entre o anseio pela equidade e a busca pela abundância.
O sexto tema trata do dilema, estreitamente ligado ao precedente, entre
desenvolvimento e autossuficiência, entre uma evolução econômica rápida sus-
tentada por ajuda estrangeira, por um lado, e um progresso mais lento porém
autônomo, por outro.
O sétimo tema, o mais fundamental, concerne à relação entre a africanidade
e a humanidade, entre os direitos dos africanos na qualidade de membros de
uma raça particular ou habitantes de um continente particular e os deveres dos
africanos como membros da espécie humana.
O primeiro tema, ligado à nostalgia do passado, coincide com preocupações
expressas pelo movimento da negritude que toca a África de expressão francesa.
Constata -se uma idealização dos ancestrais, e por vezes uma obsessão pela dança
e pelo ritmo, considerados como um dos aspectos da cultura ancestral. O olhar do
rei, de Camara Laye, constitui a este respeito um impactante exemplo. Embora
anglófono, Jomo Kenyatta, compartilhava este estado de espírito, não somente
como escritor mas, igualmente, na qualidade de presidente do Quênia. Até o
seu derradeiro dia, ele foi o mecenas de dançarinos tradicionais e passava longas
horas a observar dançarinos de diversas origens culturais, participando inclusive
às suas demonstrações. Esta obsessão pela dança era a manifestação musical e
artística de uma nostalgia cultural, pois, segundo ele, “é justamente a cultura
herdada que confere ao homem a sua dignidade humana
26
”.
Joe Mutiga, compatriota e membro da mesma etnia de Kenyatta, evoca a
figueira neste mesmo estado de espírito:
Saints arbres géants, vous éprouvez ma mémoire :
Sur vous des garçons attendant dêtre circoncis
Jetaient fièrement des ndorothi pour montrer leur capacité
D’endosser des responsabilités sociales,
Pendant que tous dansent dans l’allégresse,
Portant fièrement le décorum tribal :
...
Souvenir des jours anciens
Lorsque les Agikuyu formaient une tribu,
26 J. KENYATTA, 1973; esta seção sobre a autenticidade deve muito à colaboração anterior do autor com
M. Bakari da Universidade de Nairóbi.
679
O desenvolvimento da literatura moderna
Aujourd’hui fraction d’une nation [...]
[...] la beauté d’hier nest plus
27
.
A nostalgia do passado na África amalgama -se com os valores da tradição
em conflito com a modernidade. Alguns escritores e poetas desta época sabiam
muito bem que, caso se quisesse aumentar a produtividade, mais valeria aprender
a utilizar o trator que dançar para fazer chover. Mas, os mais românticos dentre
os poetas demonstravam nostalgia por estes ritmos de encantamento camponês,
preferindo esta música de súplica ao canto de um cano de escape.
Joseph Waiguru, um diplomado de Makerere, escreveu um poema, Round
mud hutode à casa redonda de terra −, veiculado pela BBC African Service e
pela antiga Rádio Uganda. Ele a casa como um refúgio dividido por humanos
e animais, adultos e crianças. Mas, a casa redonda está cercada pois, a lógica da
moderna habitação, com seus quartos separados, distancia os pais das crianças,
separa os homens de seus animais colocados no curral e dissocia os habitantes
de uma terra que, no entanto, eles compartilham.
La chaude case ronde
Fière jusqu’au bout
De ses nobles fils
Et filles
Est assiégée.
Jadis les pierres,
Dans un accord tripartite
Gardaient un feu
Et puis une marmite,
Une grande marmite bien chaude
Qui nourrissait
Des enfants noirs, noirs
...
L’agneau bêlant
Et la chèvre cornue
Les veaux ruminants
A lextrémité parqués,
27 “Imensas sagradas árvores, vocês pesam a minha memória:/Sobre vocês garotos à espera da circunci-
são/Orgulhosamente atiram ndorothi para mostrar habilidade/Para assumir responsabilidade social,/
Enquanto todos dançam com o coração cheio de alegria,/Mantendo orgulhosamente o decoro tribal:/
(...) Lembrança dos velhos tempos/Quando os Agikuyu eram uma tribo,/E hoje apenas parte de uma
nação.../a beleza do antigo se foi.” J. MUTIGA, 1965, p. 132; conferir também I. N. SHARIFF, 1988.
680
África desde 1935
Partagent la chaleur
De la case ronde en terre.
Tout ceci et beaucoup plus
Peu à peu disparaît :
Peu à peu apparaît la tôle
Qui assiège le toit
Et fait prisonnières la calebasse,
L’assiette, la tasse, la lampe.
Qu’est -ce donc sinon un changement,
Un passage à la nouvelle maison oblongue ?
La case ronde en terre nest plus
28
.
Todavia, a modernidade na África o se opôs somente à tradição, ela
identifica -se, também e essencialmente, à ocidentalização. Eis a razão da tão
íntima ligação do conflito entre modernidade e tradição com o choque entre
o mundo autóctone e o mundo estrangeiro. A própria situação dos escrito-
res africanos consistia em, ao utilizarem as línguas europeias, conferir extrema
atenção em distinguir aquilo que era nativo do país e o que lhe era estran-
geiro. Três forças contribuíram ativamente nesta invasão do mundo estrangeiro
nas sociedades africanas: o sistema de ensino de tipo ocidental aplicado em
universidades -modelo, como aquelas de Dakar, de Ibadan ou de Makerere; o
cristianismo ocidental, o qual importara novos paradigmas éticos e explicativos;
a tecnologia, sobretudo em função do seu impacto sobre a evolução econômica
e a produção material.
Os escritores deste período estiveram muito mais conscientes das implicações
do ensino do cristianismo vindo do Ocidente, comparativamente ao que eles
parecem ter sido, frente aos efeitos da tecnologia e das ciências ocidentais. No
campo do ensino e de certo modo, eles percebiam que os novos métodos de
instrução e de socialização provocavam formas de dependência cultural. Estava-
-se em vias de fabricar novos africanos, um pouco menos africanos que os seus
pais em tempos idos. Jonathan Kariara, ao escrever em inglês no seio de uma
28 A choça rotunda e aconchegante/Orgulhosa de seus últimos lhos e lhas/Permanece sitiada./De pedras
antigas,/Em tríplice harmonia/Guardava um fogo/E então uma panela,/Uma panela grande e quente/
Que nutria/Negras, negras crianças (...)/A ovelha balente/E o bode,/Novilhos ruminantes/No cercado
contíguo/Compartilham o aconchego/Da rotunda choça de barro./Tudo isso e muito mais./Vagarosa
e vagarosamente desaparecem:/Vagarosa e vagarosamente o ferro aparece/Toma o telhado/E aprisiona
a cabaça./O prato, o copo, a lâmpada,/O que é isto senão uma mudança/Para a nova casa oblonga?/A
rotunda choça de barro não existe mais. J. WAIGURU, em D. COOK (org.), 1965, p. 132; conferir
também I. N. SHARIFF, 1988.
681
O desenvolvimento da literatura moderna
instituição universitária de tipo ocidental, pergunta -se então se não estaria ele
sufocado por uma estrutura estrangeira:
Je métais allongé l’autre nuit et je vai
Tous on nous enduisait
De l’argile blanche de lenseignement étranger,
Et elle étouffait, étouffait l’homme noir endormi
À l’intérieur:
Se réveillera -t -il perle dans une coquille d’huître
Ou pourriture
29
?
A literatura africana evocou, igualmente e em larga medida, o impacto do
cristianismo. Certamente, o mais célebre exemplo de tratamento, no tocante a
este tema, é Le pauvre Christ de Bomba [O pobre Cristo], de Mongo Beti. Os
romances de Ngugi colocam em cena o choque de maneira recorrente, preo-
cupação muito compreensível para um escritor kikuyu, vindo à idade adulta no
ambiente da crise mau -mau. O impacto do cristianismo situou -se em múltiplos
níveis: ele influenciou as concepções do saber, os métodos de educação das
crianças, os rituais de iniciação e de passagem, o conceito do bem e do mal,
além dos paradigmas explicativos dos fenômenos naturais, assim como, sob
uma ótica mais ampla, a interpretação do domínio metafísico e sobrenatural. O
cristianismo ocidental foi, por conseguinte, um fator fundamental de ociden-
talização da África.
Okot p’Bitek chamou a atenção para a tendência dos africanos em recria-
rem os seus próprios deuses à imagem do Deus cristão. Eis o que ele diz a este
respeito:
“Quando os especialistas das religiões africanas descrevem as divindades
africanas como eternas, onipresentes, oniscientes, etc., eles sugerem que estas
divindades tenham os mesmos atributos que o Deus cristão. Em outros termos,
eles permitem supor que os africanos helenizaram as suas divindades antes
mesmo de entrarem em contato com o pensamento metafísico grego [...]. Os
africanos dizem que as suas divindades são ‘fortes’ e não ‘onipotentes’,sábias’ e
não ‘oniscientes’,ancestrais’ e não ‘eternas’, ‘grandes’ e não ‘onipresentes’. Tanto
quanto Danquah, Mbiti, Idowu, Busia, Abraham, Kenyatta, Senghor e os mis-
sionários, os antropólogos cristãos do Ocidente moderno são contrabandis-
29 “Deitei -me na outra noite e sonhei/Que estávamos sendo moldados/Com um barro branco de educação
estrangeira,/Que sufocava, sufocava o negro adormecido/ Lá dentro./Seria a pérola na concha da ostra?/
Ou meramente decomposição?” J. KARIARA, em D. COOK (org.), 1965, p. 100.
682
África desde 1935
tas intelectuais. Eles dedicam -se a introduzir os conceitos metafísicos gregos
no pensamento religioso africano. Essencialmente, as divindades africanas dos
livros, revestidas de atributos do Deus cristão, são criações dos especialistas em
religiões. Elas são todas de difícil reconhecimento para o africano ordinário do
mundo rural
30
.”
Okot p’Bitek tornou -se ulteriormente o mais eloquente dos rebeldes ugan-
denses em luta contra o imperialismo cultural ocidental. O seu poema, Song
of Lawino, constitui uma das mais fortes afirmações da autenticidade cultural
expressa na África.
A oposição entre o indivíduo e a sociedade esteve igualmente ligada, de certa
maneira, ao impacto do cristianismo e da ideia protestante acerca da responsa-
bilidade individual perante Deus.
O individualismo foi igualmente favorecido na África pelo conceito de
propriedade privada introduzida pelo capitalismo ocidental. Em East African
childhood, Joseph A. Lijembe descreve como ele descobriu o princípio da pro-
priedade, após ter deixado a sua família e se ter inscrito em uma escola de tipo
ocidental:
“Em casa eu nunca me preocupara com qualquer parcela da propriedade,
cuja denominação ‘minha o seria jamais aplicada. Na escola, eu descobri
possuir objetos que, por certo tempo, eram meus. Eu devia começar aprender a
respeitar não somente minhas coisas mas, igualmente, aquelas pertencentes aos
meus camaradas de turma ou à escola em seu conjunto
31
[...].”
O terceiro grande fator a favorecer o individualismo foi o novo espírito liberal
introduzido pelas ideologias ocidentais. A especial prioridade, concedida pelo
liberalismo ao individualismo, contribuiu para transformar o horizonte político
dos escritores e dos intelectuais africanos em geral. Como diz Jonathan Kariara
a propósito de um dos personagens dos seus contos: Ele herdara duas coisas
do homem branco, uma nova religião e o desejo de decidir por si próprio
32
.”
No domínio político, o liberalismo ocidental contribuiu para suscitar a rei-
vindicação do direito de voto para todos e formas liberais de autodeterminação.
Na literatura, o individualismo produziu novos escritores. Afinal, a literatura
oral tradicional era, em certo sentido, uma literatura sem autores, um patrimô-
nio coletivo acumulado sem referência aos indivíduos. Ao contrário, os novos
romances e poemas, as novas peças de teatro e os contos eram obras de artistas
30 O. p’BITEK, 1971, pp. 80 e 88.
31 J. A. LIJEMBE, 1967, pp. 25 -26.
32 J. KARIARA, em D. COOK (org.), 1965, p. 95.
683
O desenvolvimento da literatura moderna
bem definidos, dos quais elas carregavam o nome ou o pseudônimo. O próprio
nascimento de uma literatura escrita em línguas europeias marcou uma impor-
tante ruptura em relação às tradições coletivas de um patrimônio transmitido
oralmente. Com a nova tendência, sobrevieram o direito autoral literário, os
direitos dos autores versados individualmente e os regulamentos contra o plágio.
Por outro lado, algumas formas de expressão artística que os escritores
exploravam, exigiam elas próprias, por sua vez, a capacidade de criação de per-
sonagens individuais verossímeis. Como nós indicamos acima, se o conto na
África repousa as suas raízes nos contos populares e se a poesia moderna pode
apresentar -se como a continuação da poesia ancestral, o romance, tal qual nor-
malmente considerado e de forma manifesta, apresenta -se como uma forma de
expressão artística estrangeira que a África atualmente desenvolve com finali-
dades próprias. Justamente, a história do romance está intimamente ligada à
ascensão do individualismo ocidental. Molly Mazrui, na tese por ela defendida
em Makerere, em respeito ao indivíduo e à sociedade no contexto de uma certa
ficção africana, remete -nos ao primeiro romance inglês, Robinson Crusoé. Ela
cita relativamente a este tema um crítico que afirma, sobre este livro, “os ter-
mos através dos quais se coloca o problema do romance, assim como da poesia
moderna, foram estabelecidos quando a antiga ordem, ao acertar as suas relações
morais e sociais, naufragou, juntamente com Robinson Crusoé, em razão da
maré montante do individualismo
33
”.
Aplicando esta observação às sociedades africanas, Molly Mazrui defende
que elas foram, por assim dizer, afundadas pelo colonialismo. Em muitos domí-
nios da vida, o individualismo tornava -se rapidamente a nova ordem das coisas:
“Numerosos romancistas africanos, aqui compreendidos Achebe e Ngugi,
pesquisaram as causas do naufrágio e tentaram compreender se ele podia ser
evitado ou não. Eles mostraram -nos a angústia e o conflito vivido tanto pelo
indivíduo quanto pela sociedade, a fluidez dos valores e a evolução rápida das
normas transformadas em realidade [...]. Podemos por múltiplas razões deplo-
rar esta ascensão do individualismo na África, mas entre os seus aspectos mais
positivos, faz -se necessário mencionar o nascimento do romance africano
34
.”
O quinto conflito, vivenciado pelos escritores africanos, foi o dilema entre
o capitalismo e o socialismo. O entusiasmo inicial dos africanos pela retórica
socialista, senão pelo próprio socialismo, explica -se pelo conluio entre capita-
lismo e imperialismo. Uma vez que o socialismo era oposto ao capitalismo e o
33 I. WATT, 1969, p. 96.
34 M. MAZRUI, 1972, p. 407.
684
África desde 1935
nacionalismo africano oposto ao imperialismo, as ideias nacionalistas na África
perceberam -se na qualidade de uma fraternidade de armas com as ideias socia-
lizantes vindas de alhures.
A oposição à exploração, praticada por capitalistas locais ou imperialistas
estrangeiros, começava naquele momento a inspirar os intelectuais africanos nas
vésperas da independência. A afirmação desta ideia veio pouco mais tarde com
escritores tais como Ousmane Sembene, Ayikwei Armah, Chinua Achebe ou
Wole Soyinka, sem deixar de mencionar o precursor, Frantz Fanon.
Em 1988 − não mais que dois anos após a homenagem feita ao escritor Wole
Soyinka o Prêmio Nobel de literatura era novamente concedido à África.
Desta vez o laureado foi Naguib Mahfūz, o maior romancista contemporâneo
do Egito, muito preocupado com o problema da exploração. Na tradição de
Dickens, uma grande parte da obra de Mahfūz diz respeito à vida dos pobres
em meio urbano. Ele mostrou -se notavelmente sensível às nuances e às cores da
vida nos subúrbios das cidades particularmente em sua obra, a mais célebre,
Passage des miracles.
O impacto do mundo ocidental sobre a África do Norte é amplamente
evocado pela literatura do Magreb. A língua árabe e a língua francesa são con-
correntes, do mesmo modo, como meios de expressão literária na Argélia, na
Tunísia e no Marrocos. Várias revistas literárias contribuíram para promover
novos talentos radicais. Na Tunísia, Al -Fikr [O Pensamento] desempenhou um
papel literário histórico particular e por vezes político. A África do Norte está,
igualmente, na vanguarda do combate literário pela libertação da mulher.
O tema da “ocidentalizão foi abordado no romance egípcio moderno,
notadamente por Tawfik al -Hakim, em seu livro, outrora traduzido em inglês,
The Bird from the East [O pássaro do Oriente] e Yahyā Hakki no curto romance
lançado em inglês sob o título The lamp of Ūmm Hashim [A lâmpada de Ūmm
Hashim]. Este tema revela uma profunda ambivalência cultural.
A ambivalência ideológica reencontra -se, igual e frequentemente, quando os
escritores abordam o problema da exploração. Na África do Norte, por vezes,
existiu um conflito entre o islamismo e a militância laica. Por todo o continente,
o princípio da igualdade social frequentemente fascinou os romancistas, os
poetas e os dramaturgos.
Um único dentre eles, Ngugi wa Thiong’o, evoluiu mais tarde em direção a
um neomarxismo, no qual fundiram -se a sua revolta contra o imperialismo e a
sua repulsa pelos capitalistas africanos locais. Através desta atitude, o escritor
passava da preocupação, própria aos africanos no período às independências e
cujo conteúdo era reposicionar a autenticidade autóctone, para um novo quadro
685
O desenvolvimento da literatura moderna
de engajamento, favorável a uma transformação da sociedade e à busca de uma
maior equidade.
O sexto conflito por nós evocado está profundamente relacionado a esta
passagem, das obsessões coloniais aos novos compromissos suscitados pelo pro-
cesso de independência; trata -se da dialética entre a tentação de uma evolução
econômica rápida, por um lado, e da disciplina da autossuficiência ou, quiçá, da
renúncia, por outra parte. Como tema de interesse literário, esta dialética foi
explorada de forma mais aprofundada na Tanzânia, com maior ênfase, no decor-
rer do último período durante o qual foi conduzida a política da Declaração
de Arusha e da ujamaa. Fato relevante, o debate literário e a discussão sobre a
autossuficiência na Tanzânia prosseguiram, de forma mais intensa, na literatura
de expressão kiswahili comparativamente à sua presença em expressão inglesa.
A poesia deste período na Tanzânia corresponde, essencialmente, à passagem
das rimas disciplinadas de Shaaban Robert para os versos livres experimentais
de Euphrase Kezilahabi.
 . Naguib Mahfuz, do Egito, laureado com o prêmio Nobel de Literatura em outubro de 1988.
(Foto: IMAPRESS, Paris.)
686
África desde 1935
A autossuficiência cultural mede -se na justa proporção do vigor literário
kiswahili, na Tanzânia. Utilizar uma língua mais fácil e amplamente compre-
ensível consistia, de per si, em um tributo à ujamaa e ao ideal de autenticidade.
A nova literatura política sobre a dependência na África, certamente, per-
tence a esta escola de pensamento e apresenta afinidades com a teoria da depen-
dência, recorrente nos círculos latino -americanos. O debate articula -se em torno
da ideia -mestra, segundo a qual, após a independência política, a luta pela auto-
nomia econômica e pela autenticidade cultural da África não estava senão come-
çando. As economias africanas permanecem invadidas pelo capital estrangeiro
e os membros da própria burguesia negra são, fundamentalmente, os principais
aliados dos interesses estrangeiros. A invasão cultural traduz -se, notadamente,
pela predominância de uma cultura de consumo, pela persistência de estruturas
educacionais da época colonial, pela infiltração produzida nas sociedades afri-
canas pelas mídias e pelos veículos culturais eletrônicos estrangeiros, bem como
pela perpetuação de políticas linguísticas ao serviço dos interesses da elite e
das classes dirigentes, embora não suficientemente ao alcance dos ouvidos ou
à altura das necessidades das massas. Constitui um sintoma desta dependência
cultural profundamente enraizada, o fato da cultura, própria às elites africanas,
continuar sob o domínio das línguas estrangeiras.
Entre as mulheres escritoras comprometidas com na luta contra o neocolo-
nialismo, podemos citar Malara Ogundipe -Leslie, na Nigéria, Abena Busia, em
Gana e Christine Obbo, em Uganda. A complexidade desta situação é notável
pela irônica postura destas mulheres, precisamente, em razão de figurarem entre
as mais ocidentalizadas da sua geração.
Entre os escritores políticos da África anglófona, interessados pela ques-
tão da dependência econômica, é possível citar Adebayo Adedeji, na Nigéria,
Isa Shivji, na Tanzânia, Dan Nabudere, em Uganda e Atieno -Odhiambo, no
Quênia. Chinweizu, na Nigéria, Okot p’Bitek, em Uganda, Ali A. Mazrui, no
Quênia e Julius K. Nyerere, na Tanzânia, figuram entre aqueles mais, forte e
especialmente, preocupados com a questão da dependência cultural. Os escritos
neste campo são, sobretudo, universitários ou polêmicos, nos quais uma fraca
proporção reveste, até o presente momento, a forma da poesia ou da ficção. O
dilema básico entre o desenvolvimento dependente, por seu lado, e a autossufici-
ência na estagnação, por outro, é, invariavelmente, a última forma tomada pelos
velhos dilemas, precedentemente incorporados na oposição entre tradição e
modernidade ou entre o mundo autóctone e o mundo estrangeiro. Os escritores
das primeiras décadas deste século apreenderam no tocante ao conflito entre a
687
O desenvolvimento da literatura moderna
 . Molara Ogundipe -Leslie, da Nigéria, professora universitária, poeta, autora de escritos literá-
rios, ensaísta e crítica. (Foto: com a autorização de M. Ogundipe -Leslie.)
modernização e a liberdade, justamente o que os escritores de hoje exploram em
termos de conflito entre o desenvolvimento e a dependência.
Resta -nos, finalmente, a dialética crucial aquela que põe em jogo a espe-
cificidade africana e a ideia de universalidade, a singularidade do africano e o
universal da humanidade. Antes da independência, os escritores usavam con-
tinuamente a língua da humanidade, sobre e antes de tudo, para reivindicarem
os direitos dos africanos.
Chinua Achebe falou em respeito ao “fardo do escritor negro”. Ele estima
que, se na África ocupada cabia ao escritor africano enfrentar a injustiça colo-
nial, no tangente à África independente, o escritor deve continuar a denunciar a
injustiça sempre que lhe for visível, inclusive quando se tratar de uma injustiça
cometida por africanos contra outros africanos:
“... não devemos jamais renunciar ao nosso direito de sermos tratados, de
forma absoluta, como membros da família humana. Cabe -nos aspirar à liber-
dade de expressarmos o nosso pensamento e os nossos sentimentos, inclusive
688
África desde 1935
contra nós mesmos, sem inquietarmo -nos em saber se aquilo que dissermos
poder -se -á consistir em algo estigmatizado como uma prova contra a nossa
raça
35
.”
Em certo sentido, a independência política contribuiu para ampliar o hori-
zonte moral do conjunto de intelectuais africanos. Experimentar a tirania pra-
ticada por africanos contra outros africanos, após ter sofrido com a experiência
da dominação dos africanos pelos brancos, corresponde a aprender a univer-
salidade dos direitos e deveres do pecado e da redenção. A radicalização de
escritores, como Kofi Awonoor e Lewis Nkosi, derivou deste engajamento em
prol de novos imperativos categóricos. Alguns escritores não se contentaram em
exigir direitos para os africanos ou para os negros, eles transcenderam ao pan-
-africanismo, qualidade particular de solidariedade, para buscar a identificação
com os oprimidos em geral. Eles tornaram -se políticos, na justa proporção que
os políticos de outrora se haviam transformados em literatos. Muhammad Sid-
-Ahmed, jornalista do Al -Ahram, no Cairo, é um dos representantes desta
universalista.
No timo tema do conflito, entre o regionalismo e o universal, entre a
africanidade e a humanidade, talvez resida a questão fundamental da auten-
ticidade. A tensão entre passado e presente, tradição e modernidade, marca,
em definitivo, uma contradição no tempo, entre diferentes épocas. O conflito
entre o mundo autóctone e o mundo estrangeiro subjaz de uma dialética des-
dobrada no espaço. O confronto entre capitalismo e socialismo opõe valores.
O dilema entre desenvolvimento pido e autossuficiência na estagnação diz
respeito, igualmente, aos valores, apresentando -se entretanto, nos termos das
prioridades atribuídas aos políticos. Porém, em última análise, no corão da
própria arte, encontramos a dupla dialética entre o indivíduo e a sociedade e
entre a sociedade e o universal. As relações que o indivíduo mantém com o seu
grupo social imediato e as relações deste grupo social com a própria humani-
dade delineiam o horizonte da explorão estética. Senghor a isto denominou
a civilização do universal”.
Os escritores africanos, por nós evocados neste capítulo, participam, incon-
testavelmente, desta exploração. Confrontados aos males de um esquartejamento
múltiplo político, educacional, linguístico, estético e técnico eles compuse-
ram a vanguarda da luta para reaver a memória, em busca de uma derradeira
renovação.
35 C. ACHEBE, 1966, pp. 138 -139.
689
O desenvolvimento da literatura moderna
A literatura e a guerra
Embora a literatura africana do período pós -independência tenha acordado
grande importância à questão militar, ela relativamente pouco se interessou pela
guerra stricto sensu. Ao falarem dos militares, os escritores africanos evocaram,
com maior ênfase, os anti -heróis de índole, comparativamente aos heróis.
Desenvolveu -se um antagonismo entre escritores e militares, salvo no que se
refere aos combatentes pela libertação da África do Norte e da África Austral.
Toda uma geração de escritores argelinos inspirou -se na luta armada. Todavia,
até um poeta da libertação Dennis Brutus, na África do Sul, manifesta senti-
mentos ambivalentes em relação a “botas, baionetas e cinturões”.
Pode -se, portanto, questionar sobre dois aspectos. Por que haveria, na África
pós -colonial, tão poucas obras literárias sobre o heroísmo dos militares? Além
disso, por que abundariam aquelas sobre a sua vilania?
A ausência de obras sobre o heroísmo não se deve a ausência de heróis. Os
homens e as mulheres corajosamente mortos, pela causa que eles defendiam nas
guerras africanas sobrevindas desde a independência, foram numerosos. Con-
tudo, a natureza destes conflitos, ela própria, produzia uma dificuldade política
em cantar a glória destes heróis. Excetuando -se aquelas travadas pelo Egito,
grande parte das guerras advindas em países africanos independentes, foram
guerras civis e, com frequência, guerras de secessão.
Chinua Achebe, embaixador extraordinário do Biafra, durante a guerra civil,
tomou este conflito como tema para alguns dos seus escritos mas, a sua situação
na Nigéria do pós -guerra dissuadiu -o a glorificar, demasiado abertamente, o
Biafra e os seus heróis. As autoridades federais não teriam tampouco apreciado
a reabertura das antigas feridas dos ibo.
A profetisa e combatente ugandesa, do final dos anos 1980, Alice Lakwena,
foi uma Joana D’Arc não consumada; mas, o governo de Yoweri Museveni a
considerava como uma “rebelde tribal”, o que impôs um obstáculo à difusão de
cantos em sua glória.
A ausência do tema relativo ao heroísmo militar, na literatura africana,
explica -se, talvez e tão simplesmente, pelo fraco engajamento da elite nos com-
bates das numerosas guerras conhecidas na África, após a independência. É
verossímil que os poetas e escritores busquem a sua inspiração no sacrifício
de outros intelectuais, seus confrades, em detrimento de procurá -la na morte
de camponeses desconhecidos. Assim sendo, a morte de Christopher Okigbo,
durante a guerra civil nigeriana, suscitou maior reação nos meios literários,
690
África desde 1935
comparativamente ao demonstrado frente ao massacre de meio milhão de jovens
ibo anônimos. Ali Mazrui escreveu o seu único romance, The trial of Christopher
Okigbo [O processo de Christopher Okigbo], em meio ao golpe representado
pelo desaparecimento deste companheiro intelectual.
No curso desta guerra, pouquíssimos membros da elite ibo ou intelectuais da
Federação da Nigéria sentiram -se suficientemente envolvidos, a ponto de pega-
rem em armas nas fileiras biafrenses ou naquelas da Federação. Eles tomaram
partido e ofereceram, por vezes, apoio ao seu campo, mesmo fora do âmbito
militar mas, sem agregarem -se ao seu exército ou alistarem -se como voluntários
para lutar no front. Assim descreve John De Saint Jorre, em sua notável obra
consagrada à guerra civil na Nigéria:
“... a proporção de vítimas no seio da elite, em relação à grande massa, é
ínfima, devendo constituir, sem dúvida, um recorde na história das guerras. Salvo
algumas corajosas exceções, os intelectuais nigerianos e biafrenses, diferente-
mente dos seus homólogos, digamos, da Primeira Guerra Mundial ou da Guerra
Civil Espanhola, não eram favoráveis a empunharem um fuzil para defender a
sua causa. A guerra nigeriana produziu o seu Wilfred Owen (o poeta biafrense
Christopher Okigbo, morto no campo de batalha, em Nsukka, no início das
hostilidades), entretanto, não vimos surgir o equivalente nigeriano ou biafrense
de um Robert Graves, de um George Orwell ou de um Norman Mailer
36
.”
A raridade do tema relativo ao heroísmo militar na literatura africana explica-
-se, igualmente, pelo fato que o tipo de fervor patriótico, a conduzir à glorifi-
cação dos heróis, é suscitado, com maior probabilidade, por uma guerra contra
uma potência estrangeira. Ora, a África, sobretudo em sua porção subsaariana,
não teve inimigos estrangeiros após a independência.
A guerra de outubro de 1973, entre Egito e Israel, foi reconhecida como
um heroico combate dos egípcios e inspirou, junto a eles, poemas e canções. A
guerra entre o Marrocos e a Frente Polisário, pelo controle do Saara Ocidental
(reconhecido pela Organização pela Unidade Africana sob o nome de República
Árabe Saharaui Democrática), foi vivida como uma guerra patriótica, em ambos
os campos, fazendo nascer toda uma literatura heroica. As guerras do Chifre da
África permitiram, outrossim, o nascimento de uma poesia marcada pela dor.
Para o Tchad, a Líbia foi uma potência estrangeira hostil e a sua luta contra
a hegemonia Líbia contribuiu para a criação de poemas e cantos heroicos. Em
1987, o Tchad atingiu, pela primeira vez e em pleno cerne, a terra líbia: em razão
36 J. De Saint JORRE, 1972, pp. 374 -375.
691
O desenvolvimento da literatura moderna
disso, o patriotismo líbio encontrou -se ferido como nunca e, em pouco tempo,
o contra -ataque líbio em defesa da al -watān [a terra dos ancestrais] gerou um
conjunto de obras composto de literatura heroica. O bombardeio americano
sobre Trípoli e Benghazi em abril de 1986, cuja realização fez reviver, sobre o
solo árabe, o heroico combate de Davi contra Golias, inspirara desde antes este
tipo de cantos e poesia.
Ao sul do Saara, a imagem do guerreiro aparece, mais frequentemente, nas
línguas autóctones com maior recorrência a título de metáfora para formas
de combate não militares. Quanto ao poeta swahili Kezilahabi, da Tanzânia,
exclama -se: “Ah! Ser um guerreiro, banhar -me na água e no sangue!” (Kichwa
na Mwili, 1974), não se trata precisamente de uma metáfora.
Portanto, as figuras heroicas de combatentes são raras na literatura africana,
encontra -se aqui sobretudo militares apresentados como figuras negativas. Por
que? Por que os escritores e os militares africanos se teriam eles tornado adver-
sários? Uma das principais razões consiste no fato de, desde a independência,
os militares se terem ocupado mais da política, comparativamente ao empenho
manifesto por eles em fazer a guerra. Ora, ambos possuem uma visão discor-
dante sobre a vida política. Com efeito, o verdadeiro antagonismo situa -se,
talvez, entre os escritores e os dirigentes, sejam eles civis ou militares.
Muhammad Haykal, antigo redator -chefe do Al -Ahram, no Egito, foi um
escritor político que atingiu uma grande popularidade sob o regime de al -Nasser,
entretanto, no mandato posterior sob Anwar al -Sādāt, acabou atrás das grades.
Contudo, a sua influência sobre o jornalismo árabe permaneceu imensa.
A obra mais marcada pela cólera e talvez a mais irracional de Wole Soyinka
é The man died [O homem morto], onde ele dedica -se a uma severa acusação,
não somente da tirania, como também dos próprios militares. No transcorrer
do seu texto, ele manifesta o tormento da detenção à qual foi condenado, pelo
regime do general Gowon, e o seu desprezo pelos militares, bem palpável em
sua produção. Ngugi wa Thiongo também foi detido, no Quênia, entretanto
por um regime civil. Ao sair da prisão, os seus propósitos eram inspirados por
uma cólera quase tão violenta quanto a de Soyinka.
O romancista mais reputado da Somália, Nuruddin Farah, escreveu uma
trilogia contra a tirania militar em seu país natal. Procedente de uma família
de poetas, escritores em língua somali, Farah abandonou a sua língua materna
em sua obra literária, invocando as mazelas da repressão na Somália: se ele
tivesse escrito em somali, praticamente não teria sido lido. Sob Siad Barre, com
efeito, os seus livros foram interditados no principal mercado correspondente
a esta língua, a própria Somália. Nestas peças de teatro, Farah retornou, igual e
692
África desde 1935
frequentemente, sobre o tema da tirania. Yūsuf and his brothers [Yūsuf e os seus
irmãos] apresenta -se como uma verdadeira história de heroísmo, escrita contra
os horrores desumanos da repressão. Esta peça foi encenada na Nigéria, onde
obteve um brilhante sucesso.
Em sua íntegra, a guerra não se inspirou em “fortes emoções poéticas, reme-
moradas na tranquilidade”, esta persiste como uma das anomalias da literatura
pós -colonial. Outra anomalia desta literatura reside no fato dos militares africa-
nos, se apresentarem como figuras mais negativas que heroicas. Esta caracteri-
zação é observável na obra de Chinua Achebe, lançada em 1987, Les termitières
de la savane [Os formigueiros da savana], o seu primeiro romance desde a guerra
civil nigeriana. Em seu papel pós -colonial, os militares suscitaram, na região
destes escritores, mais hostilidades que veneração para o melhor ou para o pior.
A literatura e a sua tripla herança
À imagem dos outros domínios da cultura, a literatura africana é marcada
por uma tripla herança na qual se conjugam os valores autóctones, as influências
 . André Brink, da África do Sul, escritor antiapartheid. (Foto: Sipa Press, Paris.)
693
O desenvolvimento da literatura moderna
islâmicas e o impacto da cultura ocidental. As diferentes disciplinas literárias
reagiram diversamente nesta tripla herança.
A ficção africana, por exemplo, foi consideravelmente enriquecida pelo con-
tato com o Ocidente, ao passo que a poesia autóctone africana, na África do
Oeste ou nas costas do Oceano Índico, beneficiou -se, sobretudo, do contato
com o islamismo. A própria cantiga, controversa sobre o plano religioso, soube
mesclar o islamismo e a africanidade, por exemplo, nas composições da cantora
de Zanzibar, Siti bint Saad.
Os somalianos desenvolveram, sob o nosso ponto de vista, uma cultura excep-
cional no campo da poesia oral e, inclusive, improvisada. Sayyid Muhammad
Abdallāh Hassan, o seu maior herói nacional moderno, condensa as caracterís-
ticas (para dar um equivalente britânico) de William Shakespeare e de Winston
Churchill. Dotado de uma excepcional sabedoria, este mulá foi, a uma vez,
o salvador da nação e o herói da língua. Ele viveu certamente antes da época
estudada no presente volume, todavia a sua influência sobre a poesia somali
contemporânea permanece tão importante que faz -se imprescindível considerá-
-lo como uma das forças da moderna literatura somali capaz de persistir até o
fim do século XX.
Na Tanzânia, numerosos escritores não são muçulmanos mas as tradições
poéticas swahili que os inspiram resultam, parcialmente, do contato entre o islã
e a cultura africana. As palavras de origem árabe oferecem imagens em profusão
e, assaz frequentemente, surge uma palavra banto e um sinônimo árabe, assim
sendo, poetas swahili dispõem da vantagem em empregar dois termos para um
mesmo conceito, por exemplo:
mapenzi e mahaba (o amor);
pwaa e bahari (o mar);
nchi e ardhi (a terra);
mnyama e hayawani (o animal);
mtu e binaadamu (o ser humano);
ngoja e subiri (a esperança).
Quando o poeta deseja expressar um novo conceito, ele pode explorar as duas
fontes tradicionais nas quais consistem a herança banto e a herança islâmica.
Ademais, a poesia não tem como único destino as revistas literárias e eruditas.
Os jornais tanzanianos preveem, na realidade e lado a lado da coluna dos lei-
tores, uma seção intitulada Poemas para a Redação. Os leitores enviam poemas
e versos muito variados, em referência a temáticas muito variadas, desde medi-
cina tradicional até questões jurídicas da atualidade, passando pelos problemas
694
África desde 1935
matrimoniais ou taxas de inflação. Entre estes poetas, partícipes dos debates na
sociedade tanzaniana, figuram mulheres de grande talento.
Em uma nação banhada por tal clima literário,o causa espécie que o chefe
de Estado tenha desejado completar a tríplice herança, por nós mencionada,
traduzindo Shakespeare em kiswahili. Estas traduções, inclusive, desencadearam
no país um debate de natureza estritamente literária: os versos não rimados
seriam eles admissíveis na poesia swahili? Shakespeare, consoante com as regras
da composição poética e da métrica inglesas, efetivamente escrevera as suas
peças em versos não rimados. Contudo, o que era inadmissível em inglês, não
forçosamente seria em kiswahili, de tal modo que o debate desviou -se da questão
relativa à tradução das peças estrangeiras para a questão, mais fundamental, da
natureza da poesia swahili, ela própria.
No que diz respeito às línguas e à literatura africanas, o islã desempenhou
um papel de caráter mais paradoxal. Por um lado, ele parece intolerante no plano
linguístico: para respeitar as regras, a oração deve acontecer em árabe e o muezim
executa o seu chamamento em árabe; para preservar -lhe a sua dimensão sagrada,
é necessário ler o Corão em árabe.
À primeira vista, estas exigências pareciam mais intransigentes no plano
linguístico, comparativamente às práticas cristãs, pois que o catolicismo, ele
próprio, reduzira o papel do latim no culto e no ritual. Para os cristãos, como
Jesus falava o aramaico e em razão da Bíblia (de imensa influência na literatura
africana) ser uma tradução desde a sua origem, era legítimo também traduzi -la
em línguas africanas, de tal modo que ela encontra -se acessível, nos dias atuais,
em mais de uma centena destas línguas.
Tudo acontece como se o Deus cristão fosse um deus no exílio. O cristia-
nismo é uma religião que fracassou em sua terra original e triunfou alhures, o
seu centro deslocara -se do ambiente judeu e de outros semitas, para junto aos
europeus, não mais no Oriente Médio, mas no Ocidente. Portanto, era facil-
mente admissível aceitar a palavra de Deus mediante traduções.
O islã, ao contrário, triunfou junto aos primeiros beneficiados pela sua reve-
lação, na língua desta revelação, o árabe. Restringir -se ao árabe, na qualidade de
língua do culto, corresponde a vincular -se à autenticidade e circunscrever -se à
poesia original do Corão − a influenciar diretamente algumas poesias nacionais
africanas, como a poesia hawsa.
Entretanto, a fixação do culto ao árabe, teria ela ajudado ou prejudicado as
línguas africanas, lato sensu, em seu contato com o islã? E o que dizer a este res-
peito sobre a poesia africana, em particular? Na África muçulmana subsaariana
anterior à colonização europeia, o árabe não era a língua oficial do Estado mas,
695
O desenvolvimento da literatura moderna
a língua oficial da “Igreja”, em outras palavras da mesquita. Global e consequen-
temente, houve um enriquecimento das línguas, tais como o kiswahili, o wolof,
o somali, o tigrinya e o tigré, sobre as quais ele exerceu a sua influência.
De qual forma a poesia africana teria ela respondido à tríplice herança da
África? Por quais vias a literatura africana teria ela sido influenciada pelos valo-
res importados do Ocidente e do islã? O Ocidente conheceu um movimento
intelectual que não facultava aos africanos nenhuma capacidade artística. Exa-
minemos este tema mais detalhadamente.
Na América do Norte, Thomas Jefferson negou aos negros a atribuição de
qualquer capacidade em matéria de arte ou poesia. Em suas Notes on the State of
Virginia [Notas sobre o Estado da Virgínia, Paris, 1784], ele procede à seguinte
singular observação:
“Eu ainda não pude constatar que um homem negro tenha expresso um
pensamento além do simples âmbito da narração; tampouco pude observar
qualquer indício elementar de pintura ou de escultura. No tocante à música
eles apresentam, em geral, maior capacidade que os brancos, dispondo de um
ouvido muito afiado em relação aos acordes e ao ritmo, eles demonstram -se,
inclusive, aptos a conceber um pequeno cânone. Entretanto, a sua aptidão em
compor uma melodia mais extensa ou uma harmonia de maior complexidade,
permanece a demonstrar.”
Em seguida de maneira interessante, Jefferson observa que a dor é frequen-
temente a mãe da poesia e a angústia, um estimulante da musa. Eis o que ele
escreve:
A miséria é, muito amiúde, a mãe das mais impactantes notas da poesia.
Junto aos negros, Deus sabe quando a miséria está presente, mas não há poesia.
O amor é o estímulo do poeta. O seu amor é ardente mas, não inflama senão
os seus sentidos e não a sua imaginação. Certamente, a religião produziu um
Phyllis Wheatley; entretanto, não poderia produzir um poeta. As composições
publicadas sob o seu nome simplesmente não são dignas de uma crítica.”
Assim sendo, antes que Hegel e Hugh Trevor -Roper tenham questionado
a aptidão dos africanos para a história, Thomas Jefferson lhes negara qualquer
capacidade artística. Contudo, estes dois preconceitos, foram ambos, invariável
e frequentemente, contraditos pelo irresistível progresso da pesquisa histórica
e social.
A Thomas Jefferson, para quem os negros formavam um povo sem poesia,
pode -se responder que etíopes negros escreviam poemas antes mesmo que os
seus ancestrais, nas ilhas britânicas, tenham aprendido o alfabeto latino pelos
romanos. Ademais, a tradição poética está hoje de tal forma enraizada junto aos
696
África desde 1935
povos falantes de kiswahili, na África Oriental, que os jornais recebem cotidia-
namente como indicamos,o somente cartas de leitores mas, também, poemas.
A poesia, oral ou escrita, em ngua autóctone ou estrangeira, continua a
representar o mais vivo gênero literário do continente africano. Alguns destes
poemas glorificam a especificidade da África; outros expressam um grito de
angústia. Se pensarmos no destino trágico do seu autor, vítima da guerra civil
nigeriana, estes poucos versos de Christopher Okigbo figuram entre os mais
impactantes e proféticos da literatura africana:
“Quando terminar
De arrematar a minha costura
Desperta -me no altar
E este poema será finalizado.”
Para Léopold Sédar Senghor, a africanidade é a feminidade. Se Eva era a
mãe da espécie humana e a África a mãe de Eva, onde acaba a África e onde
começa a feminidade? Senghor responde com estes versos:
“Mulher nua, mulher negra,
Vestida com sua cor que é vida,
Na sua forma que é bela!
Cresci à sua sombra,
A suavidade das suas mãos
Vedando meus olhos.
E agora, no seio do verão e da tarde,
Descubro você, terra prometida,
Do topo da sua nuca queimada de sol
E sua beleza fustiga fundo o meu coração
Como o lampejo de uma águia.
Mulher nua, mulher negra...”
Entretanto, existe além de tristeza e alegria na literatura africana, mais que
tragédia e comédia. Parafraseando e completando as palavras de um poeta-
-diplomata serra -leonense, Davidson Abioseh Nicol:
Tu não és um país, África,
Tu és um conceito...
Tu não és um conceito, África,
Tu és um vislumbre do infinito.”
C A P Í T U L O 2 0
697
As artes e a sociedade após 1935
Por toda a África, nos dias atuais, as artes proporcionam um espetáculo de
surpreendente fervor criativo, acompanhado de uma atordoante diversidade em
todas as camadas sociais. Muitas novas tendências artísticas datam da segunda
metade do período colonial. No restante, alguns precursores atuam ainda entre
nós. Ao final das contas, somente se passaram duas gerações desde 1935. Ora,
neste curto lapso de tempo, a atividade artística caracterizou -se por uma riqueza
e uma diversidade tais que este capítulo poderá, quando muito, delinear os
grandes eixos da sua evolução
1
.
Inicialmente, é preciso enumerar alguns aspectos gerais, de ordem social e
cultural, a constituírem a matriz do conjunto. Quais sejam: o impacto acres-
cido, todavia desigualmente repartido, da influência europeia; o crescimento
das cidades; as formações sociais cada vez mais estratificadas, a produzirem
novas classes; o aumento na produtividade industrial, a criar momentos de lazer
potencialmente dedicados à prática e ao prazer das artes; o prestígio associado
à tecnicidade e à formação técnica; o deslocamento na posição e no papel do
1 As duas bibliograas gerais são aquelas de L. J. P. GASKIN (1965a e 1965b) e de D. COULET-
-WESTERN (1975). O trabalho mais antigo de T. HEYSE (1950) permanece útil. As revistas que
tratam da atualidade artística são: African Arts, Présence africaine, Afrique littéraire et artistique e
West Africa. A lista de aquisições do National Museum of African Arts (Washington) oferece outros
elementos bibliográcos atuais. Bibliograas mais restritas e obras de referência gerais são indicadas no
desenrolar das seções.
As artes e a sociedade após 1935
Jan Vansina
698
África desde 1935
artista na sociedade, ultrapassando o estatuto de artesão para atingir a condição
de mágico cultural; a mudança de atitude frente às obras de arte e à sua função;
a alteração de valores em termos gerais e, especialmente, daqueles ligados à
religião. A multiplicação dos objetos na produção artística oferece novas possi-
bilidades, não se trata somente dos centros de poder do Estado, das igrejas, dos
templos e das mesquitas mas, igualmente, dos cafés, dos clubes de dança, das
instituições militares, das escolas e dos museus. Antigas habitações, palácios,
santuários, bailes de máscaras, festas religiosas e escolas iniciáticas todavia exis-
tem, mas estão em declínio. O fenômeno da moda intensificou -se sob o impulso
de centros, numericamente restritos e geralmente instalados em grandes cidades,
tais como Cairo, Túnis, Argel, Fez, Nairóbi, Lagos, Dakar, Kinshasa, Luanda ou
Soweto. Esta evolução corresponde a modalidades características, relativas ao
aumento do consumo visível
2
e ao poder de atração das elites, na qualidade de
grupos de referência para milhões de indivíduos. A simples enumeração destes
fatores demonstra o quão está o desenvolvimento das artes intimamente ligado
à história geral, intelectual e material do período, bem como, oferece a evidên-
cia das marcantes influências, regularmente exercidas por estes aspectos, sobre
todas as manifestações artísticas. Estas inter -relações não surpreenderiam, de
imediato, àquele dedicado ao aprofundamento do seu estudo.
Inicialmente lançando o foco sobre as artes visuais e aquelas de ornamento
corporal, em seguida examinaremos as artes interpretativas, como a música e
certos tipos de dança, assim como as artes do espetáculo: animação e cerimonial,
balé, teatro, cinema e televisão. Concluiremos com algumas considerações sobre
o papel das artes africanas em seu contexto mundial.
As artes visuais
A partir de 1935, pode -se facilmente classificar as artes visuais em quatro
categorias: arte tradicional
3
, arte turística, arte popular urbana e arte acadêmica
− assim classificadas em função dos temas, dos estilos, das clientelas, das finali-
dades e da localização das suas unidades produtivas. Os traços a diferenciarem-
-nas entre si são, essencialmente, os pós -citados. A arte tradicional, a revestir
2 T. VEBLEN, 1899 (edição 1981), pp. 185 -187 e, de maneira mais geral, pp. 66 -101.
3 Embora consagrado pelo uso, o termo “tradicional” é impróprio. As artes tradicionais não cessaram de
evoluir e certas artes tradicionais de 1935 sequer existiam no ano de 1900 ou em 1880. Entretanto, na
ausência de outro termo que alcance a unanimidade, utilizaremos neste texto a palavra “tradicional”.
699
As artes e a sociedade após 1935
frequentemente a forma da escultura, assim como da pintura mural
4
, figurativa
ou geométrica, é praticada em ambiente rural (onde ainda viviam, até o final dos
anos 1980, dois terços dos habitantes da África) e nas pouco numerosas e antigas
cidadelas. Os objetos fabricados possuem, excetuadas as decorações murais, fun-
ções utilitárias. Eles são notadamente utilizados para suprirem as necessidades
de instituições, tais como assembleias comunitárias, cerimônias de iniciação de
garotas e garotos, ritos funerários, as cortes reais e certas igrejas cristãs
5
, assim
como nos palácios de alguns soberanos de outrora. A arte turística é destinada
a uma clientela estrangeira. Os seus temas são consequentemente, por hábito,
exóticos e anedóticos. Eles são tratados em estilo figurativo simplificado e obe-
decem a cânones semieuropeizados. A arte popular urbana, saída do limbo por
volta de 1935, compõe -se principalmente de pinturas realizadas para decorar
os muros das casas citadinas. Surgida na África Central aproximadamente em
1930, mas muito anteriormente presente na África do Norte, ela é figurativa.
O retrato é a moda de então, juntamente com os temas históricos, anedóticos e
decorativos. Outra forma de arte popular encontra a sua expressão na pintura de
insígnias e cartazes para lojas, veículos, cinemas e outros. À imagem dos artistas
tradicionais ou dos produtores de arte turística, os artistas populares veem -se
como competentes artesãos. A arte acadêmica é praticada por artistas formados
segundo as concepções ocidentais da pintura e da escultura, utilizando técnicas
europeias. Os seus clientes são os poderes públicos, as igrejas e o mercado artís-
tico internacional. A sua temática encontra -se muito próxima do repertório
internacional usual. Os artistas formados nas academias oficiais endossaram os
papéis associados à arte internacional, ao passo que aqueles cujo aprendizado
do ofício ocorrera em ateliês de artesanato não os assumem senão parcialmente.
As categorias não são totalmente estanques. Vimos objetos da arte tradicio-
nal interessarem aos turistas; tal foi o caso das pinturas em vidro do Senegal
6
,
as quais, com a consequente alta em seus preços, tornaram -se inacessíveis a toda
uma clientela local. Em sentido contrário, existem artigos destinados aos turistas
que também agradam às elites locais, capazes de pagar o elevado preço exigido.
A produção da arte acadêmica deve -se, parcialmente, a artistas de formação
4 Em muitos lugares da África Central e Oriental, a pintura mural tradicional desenvolveu -se a partir da
última década do século XIX, quando novos tipos de habitação começaram a difundir -se.
5 Sobre a arte cristã, conferir J. F. THIEL e H. HELF, 1984; Anônimo, 1982; Études des religions afri-
caines, 1982, vol. 16, no 31 e 32.
6 H. SCHISSEL, 1985.
700
África desde 1935
tradicional (Lamidi Fakeye
7
) ou àqueles empenhados no trabalho em prol do
turismo (Felix Idubor
8
), existem igualmente artistas de formação acadêmica
voltados para a arte turística ou popular (escola de Lubumbashi, alguns artistas
oshogbo). Entretanto, de modo geral, o fenômeno mais notável foi o grau de
separação que, após duas gerações, transformou estas tendências em correntes
distintas
9
.
Previamente à análise, em separado, de cada uma delas, é conveniente dizer
ao menos algumas palavras sobre a arquitetura. Ao sul do Saara, a arquitetura
moderna foi raramente confiada a arquitetos africanos, embora existam várias
escolas (Kinshasa, Luanda e Maputo) que os formem. Havia ainda alguns arqui-
tetos tradicionais na África do Norte, mas eles não eram encontrados alhures,
em consequência da padronização da construção habitacional, realizada pelos
próprios proprietários, mas também em razão de nenhum edifício público tra-
dicional permanente ter sido erguido a partir de 1920. As categorias artísticas,
por nós enumeradas,o se aplicam, portanto, à arquitetura que, contrariamente
a todas as outras artes, limita -se a obras sob responsabilidade dos expatriados,
embora algumas dentre estas construções representem um esforço de reprodução
de aspectos da arquitetura tradicional
10
. A inovadora arquitetura local, de caráter
popular, limita -se à construção de espaços para culto
11
.
A tabela 20.1 resume as principais características das diversas categorias das
artes visuais.
7 T. OGUNWALE, 1971. Aprendiz de Bamindele, ao nal dos anos de 1940, posteriormente, ele entregou
importantes encomendas a igrejas católicas da região sudoeste da Nigéria.
8 ANÔNIMO, 1968; Y. A. GRILLO e J. HIGHET, 1968. Idubor foi primeiramente escultor de peças
vendidas aos turistas em Lagos, ao nal dos anos 1940.
9 Os principais catálogos de artes visuais para o sul do Saara são: Badi Banga NE -MWINE, 1977; U.
BEIER, 1968; M. W. MOUNT, 1973; E. BERMAN, 1983 (única edição); E. J. DE JAGER, 1973; S.
EL MANSURY, 1984; R. ITALIAANDER, 1937; J. KENNEDY, 1985; E. MICAUD, 1968; G. I. P.
OKORO, 1984; F. WILLET, 1971. U. ECKARDT E G. SIEVERNICH (org.), 1979, talvez seja a mais
útil referência no que diz respeito às artes populares, em razão disso há uma tendência a negligenciar as
outras obras.
10 M. A. FASSASSI, 1978. O modelo próprio à sede do CICIBA, em Libreville, baseia -se em uma inter-
pretação arquitetural bamileke, porém, concebida e realizada por arquitetos europeus. A igreja Saint-
-Michel, na mesma cidade, em tese oferece aos éis uma imagem de um templo fang. A verdadeira arte
moderna africana não consiste aqui no edifício, em si, mas, em suas numerosas colunas esculpidas por
um artista local, com temas bíblicos, seguindo, todavia, o espírito das colunas esculpidas no Gabão e em
Camarões.
11 Encontramos, nas igrejas coloniais, os mais inovadores exemplos da própria escultura colonial e réplicas
de todos os estilos europeus de arquitetura religiosa. As igrejas dos cultos independentes, com maior
ênfase as menores, oferecem algumas surpreendentes inovações arquitetônicas, tais como a igreja harrista
de Gregbo (P. CURTIN e colaboradores, 1978, p. 443) ou as igrejas rurais fang e os templos bwiti,
situados na estrada que liga Libreville a Cocobeach (Gabão).
701
As artes e a sociedade após 1935
TABELA 20.1 CATEGORIZAÇÃO SOCIAL DAS ARTES VISUAIS CONTEMPO
RÂNEAS
Categoria Tipo de Obra
2
Finalidade Clientela Urbano/
rural
Papel do
artista
Tradicional Exemplares não
padronizados
Acabamento cui-
dadoso
Utilitária Público local
Privada local
Rural Artesão
Turística Padronizada
Acabamento gros-
seiro
Imitação de arte
tradicional
Lembrança Estrangeiros
residentes
Turística
Venda
urbana
Artesão
Popular
1
Padronizada
Acabamento gros-
seiro
Exposição Público local
(por ex. igrejas)
Privada local
Urbano Artesão
Acadêmica
1
Trabalho uniforme
Acabamento cui-
dadoso
Exposição Estado
Estrangeiros
residentes
Urbano Artista ins-
pirado
1. Desenvolvida sobretudo após 1935.
2. Excluindo-se o conteúdo temático e o estilo.
As artes tradicionais
Em que pese o seu fim ter sido anunciado muito antes de 1935
12
, a arte
tradicional continua viva e em desenvolvimento. A maioria dos africanos ainda
constitui -se de indivíduos do meio rural que conservaram uma grande neces-
sidade de expressão artística. Antes de 1936, não somente as artes tradicionais
haviam sofrido evoluções estilísticas internas, além de terem empregado e ado-
tado, progressiva e respectivamente, materiais (tecidos, pinturas), ferramen-
tas (serras, limas) e certas técnicas de importação, mas, concomitantemente,
novas tradições cheias de vitalidade haviam florescido aqui e acolá, como a
12 Conferir, por exemplo, F. WILLETT, 1971, p. 239, e W. GILLON, 1984, pp. 347 -348, situando o m da
arte tradicional concomitantemente ao nal da Segunda Guerra Mundial. A maioria das obras recentes
a respeito da arte moderna, tendencial e aproximadamente, situam esta presumida extinção em 1960,
paralelamente à independência; K. FOSU, 1986.
702
África desde 1935
figuração em cabaça (Zaire, Quênia)
13
ou cerâmica (Zaire)
14
. Notáveis inovações
traduziam -se, muito amiúde, por vendas a residentes europeus. Assim sendo, as
grandes figuras funerárias fang e as estátuas femininas dan são consideradas, nos
dias atuais, como integrantes da arte tradicional atemporal. Ora, elas somente
apareceram após 1885, suscitadas pela demanda de europeus estabelecidos in
loco. Estas inovações não tardariam a encontrar um fim preciso nas culturas
que as haviam criado, permitindo distingui -las das primeiras formas de arte
destinada aos turistas.
Contudo, em 1935, a produção destas artes reduzira -se, em variedade e
volume, sob o efeito da concorrência, com preços de venda competitivos, das
importações de produtos manufaturados e em função de uma queda de poder
aquisitivo, assim como pelo fato das elites terem perdido o seu posto. A depres-
são, advinda em 1930, acompanhou -se, entretanto, de um incremento proporcio-
nal às rendas nas importações. Tal estado de coisas teve como efeito a inversão
na dinâmica de substituições para todos os produtos, aqui compreendidos os
produtos metálicos. Esta situação durou até o fim da Segunda Guerra Mun-
dial. Em seguida, o processo inverteu -se novamente. Após 1960, até mesmo a
cerâmica, exitosa em sua concorrência com os artigos em ferro esmaltado, estava
em situação de abandono, paralelamente ao advento das matérias plásticas. Os
artigos têxteis locais tornaram -se tão onerosos que não lograram sobreviver,
senão através da sua venda aos turistas ou como custosas matérias -primas para
novas vestimentas nacionais.
Inclusive, desde 1935, o sinal de alerta anunciador da agonia das artes tra-
dicionais suscitara medidas oficiais em favor do artesanato, notadamente na
Tunísia, em Gana e no Zaire
15
. Bem entendido, a intervenção dos poderes públi-
cos teve como efeito, muito amiúde, desenvolver a arte reservada aos turistas e
aumentar a clientela da produção, não mais composta pela população rural
local. Contudo, esta ação oficial preservou os conhecimentos técnicos ou, ao
menos, retardou a sua perda.
A evolução estilística da escultura e da pintura de temática tradicional pros-
seguiu após 1935. Na Etiópia, a pintura religiosa oferece um notável exemplo
16
13 J. VAN DEN BOSSCHE, 1955; S. KAY, 1978. A gravura sobre cabaças, no baixo Zaire, remonta ao
menos a 1885, aproximadamente.
14 A cerâmica gurativa zande e mangbetu, surgida por volta de 1895, persiste até 1940. Em relação ao
baixo Zaire, Z. VOLAVKA, 1977; J. MACGAFFEY, 1975.
15 A Comissão para as artes e ofícios indígenas do Congo Belga data de 1935, as escolas tunisianas, do
mesmo ano, e as medidas adotadas em Gana, de antes de 1929.
16 U. ECKARDT e G. SIEVERNICH, 1979, pp. 56 -67.
703
As artes e a sociedade após 1935
a este respeito, da mesma forma que as construções e as esculturas dos tradi-
cionais palácios do sudoeste da Nigéria
17
. Tendo em vista que poucas pesquisas
foram feitas sobre a dinâmica da arte tradicional durante este período, nós não
podemos entrar em detalhes sobre a evolução temática estilística destas artes,
salvo no que diz respeito às mudanças provocadas por um mercado voltado
para o turismo. Na arte kuba daqueles anos, expande -se a gama de materiais
empregados pela escultura (especialmente o ébano e o marfim) mas, o repertório
de fórmulas estilísticas perde o seu refinamento (por exemplo, com a repetição
temática). Alguns temas inéditos seriam, entretanto, elaborados e ao menos
uma estátua real seria produzida, no prolongamento direto da série anterior
18
.
Utiliza -se, neste momento, uma amostragem mais restrita dos modelos dis-
poníveis (formas, temáticas) e os clichês em voga alcançam relativo sucesso,
crescente ou decrescente, mediatizados e parcialmente regidos pelos gostos dos
europeus residentes in loco. As máscaras do litoral da África Ocidental ganham
em complexidade e fantasia, na justa medida que a sua função religiosa volta -se
para o carnaval. Por vezes, uma estilização, uma justeza de proporções e ritmos
superiores substituem um anterior preciosismo (por exemplo, na arte senufo);
eventualmente, a evolução é inversa (baulé). Há poucas mudanças, entre 1930 e
1982, no que se refere ao tratamento de objetos, como os ícones e as máscaras
empregados na iniciação dos garotos kuba. Entretanto, nas cerimônias de inicia-
ção genya (Kisangani, Zaire, atual RDC), ocorre uma permanente modernização
dos ícones, sem que a iniciação torne -se jamais um espetáculo turístico
19
. De
modo geral, não se saberia propor uma generalização no tocante à evolução da
arte tradicional, nem continuar a enunciar o seu eminente desaparecimento.
Na África do Norte, a independência acompanhou -se de uma especial aten-
ção concedida à arquitetura tradicional e à renovação dos monumentos antigos.
Referimo -nos, por exemplo, ao mausoléu de Mohammed V, no Marrocos, ou à
renovação no tamanho das pedras, na Tunísia, e às pequenas restaurações efetua-
das por toda a parte. Entre as novas obras, citemos a nova Ópera do Cairo, carac-
terizada pelas suas reminiscências Mamluk
20
. Alhures, não houve semelhante
retorno às fontes tradicionais regionais. No entanto, basta destacar o contraste
entre o extremo isolamento das artes tradicionais em Lebowa (África do Sul) e
17 H. COLE, 1982.
18 J. CORNET, 1974 e 1975, p. 53.
19 A. DROOGERS, 1980.
20 ANÔNIMO, 1985.
704
África desde 1935
a sua situação em outros lugares para se dar conta da saúde e do autêntico vigor
apresentado por estas artes na maior parte da África
21
.
A arte turística
Em 1935, a arte turística ainda era um pequeno empreendimento pois,
excetuando -se o Egito, havia poucos turistas no continente. Neste país, as imi-
tações de objetos da época faraônica e toda espécie de artigos kitsch, exóticos
e românticos, produzidos em Suez, em Porto Said, em Alexandria e no Cairo,
tinham boa comercialização. Por outras partes, ao longo das costas, a venda de
lembranças aos marinheiros também era uma atividade tradicional. Em relação
aos outros artigos produzidos em pequenas quantidades para a utilização por
parte dos residentes europeus (cinzeiros, estantes, saladeiros) ou como regalo
a ser levado consigo. Entretanto e precisamente durante os anos 1930, foram
lançadas as bases para os principais gêneros e produções de épocas ulteriores.
Inicialmente, onde existisse uma escultura tradicional apreciada, produzia -se
em série cópias grosseiras, assim como imitações ou mesmo réplicas de obras
mais raras. Por exemplo, começou -se a fabricar industrialmente, no decorrer
dos anos 1940, os bronzes foumban (Camarões) no estilo ife, tomando como
modelo um selo nigeriano. Um artista como Osei Bonsu fabricava, a um
tempo, para satisfazer os gostos da burguesia de Kumasi e para reproduzir obras
conhecidas destinadas à venda
22
. Em seguida, gêneros existentes desenvolveram-
-se com redobrado vigor. O estatuário kuba, vendido aos turistas nos anos 1930,
era derivado de estátuas reais, figuras mágicas e estátuas oferecidas aos chefes
(mwaan). Enfim, imitam -se as representações europeias, cristãs ou seculares.
A experiência mostra quais seriam os produtos de melhor comercialização. As
missões desempenharam um papel primordial neste contexto, não somente
incentivando a produção de obras para decorar as igrejas, mas também, porque
as escolas profissionalizantes muito em breve dedicar -se -iam à produção, com
finalidade comercial, de imitações de tecidos, ornamentos, objetos cerâmicos e
em madeira. Muito antes de 1936, o estilo de arte turística da missão católica de
Buta, caracterizado principalmente pelo emprego do ébano e do marfim, bem
como pelas suas esculturas de elefante e representando cenas do cotidiano, era
florescente e lucrativo. Em 1950, unicamente no Congo belga, cerca de meia
21 P. DAVISON, 1984.
22 D. H. ROSS, 1984.
705
As artes e a sociedade após 1935
dúzia destas escolas produziam todo tipo de artigos, do mobiliário aos pequenos
acessórios.
A arte turística é comercializada como lembrança. Portanto, ela deve trazer
uma mensagem familiar ao estrangeiro, guardando todavia um caráter exótico.
Por conseguinte, ela é figurativa, pouco ou relativamente consoante aos câno-
nes europeus, emprega o ébano ou o marfim, representando animais selvagens
exóticos, temas anedóticos (a vida cotidiana da pequena comunidade, as dan-
ças) ou o equivalente das bonecas típicas
23
, por exemplo, os guerreiros masai,
os Mangbetu com cabeças oblongas ou bustos “típicos”, tais como aqueles do
ateliê de Massengo, em Brazzaville, a partir dos anos 1950. Os temas decorativos
bidimensionais devem ser simples, com uma regularidade tranquilizadora, imi-
tando tanto quanto possível o trabalho feito à máquina e as agradáveis cores para
olhos europeus. A isto acrescentam -se os imperativos práticos. Na época das
viagens por via marítima, eram apreciados os móveis em madeira maciça como
os baús de Zanzibar ou as cadeiras do Benin. Mas, após 1945, a era das viagens
aéreas e do turismo em massa impõe artigos pequenos e leves. Os tamboretes
em couro de camelo, sumariamente esculpidos, e as mesas de centro, de fácil
desmontagem, tornam -se artigos de predileção; os pufes da África do Norte,
embora muito chamativos, tiveram muito sucesso, assim como os novos tapetes
figurativos magrebinos, ditos berberes” ou cabildas. Tais são os critérios aos
quais responde a arte turística, a qual deve, em suplemento, ter preços competi-
tivos e ser facilmente executada − razão da sua medíocre qualidade. Quanto aos
artigos de exportação de melhor qualidade, como os tapetes de Fez ou os belos
tecidos kuba, estes artigos sofreram com a amplitude tomada por um mercado
de consumo de massa
24
.
Na primeira fase, a saber, pouco antes de 1950, as escolas, os ateliês artesanais
e, em seguida, as cooperativas, alimentam a produção, ao passo que os marchands
profissionais, coordenadores do trabalho de uma equipe de artistas, ainda são
raros
25
. Os mercados ainda situam -se nas imediações dos hotéis, nos portos
e nas capitais. Após 1950, a arte turística torna -se a arte dos aeroportos. Os
23 Bonecas típicas foram produzidas na África do Sul, desde data próxima a 1815, até ao menos 1870, em
seguida, elas caíram em desuso. É provável que este tipo de lembrança não tenha existido em qualquer
outro lugar.
24 B. JULES -ROSETTE, 1984, é um estudo fundamental; no tocante ao sentido e à forma, consultar P.
Ben AMOS, 1977; relativamente à queda na qualidade, constatada mediante a comparação das obras
tradicionais de Foumban (Camarões) com réplicas destinadas aos turistas, ver C. GEARY, 1983, pp.
74 -76 e pp. 86 -87.
25 Contudo, M. H. LELONG, 1946, vol. I, p. 200, arma ter visto uma fábrica de respeitável porte, na
região do Golfo da Guiné, muito anteriormente a 1940.
706
África desde 1935
 . Arte turística” ou “arte dos aeroportos”. (Foto: UNESCO. Foto: P. Migeat.).
turistas chegam em número incessantemente crescente e a demanda é suprida
por cooperativas, empreendedores e por uma rede de vendedores ambulantes, os
senegaleses” da África Ocidental e Central. A prática da falsificação de obras
clássicas torna -se muito mais frequente, na mesma proporção da expansão do
gosto pela arte tradicional, nas classes dias e pelo mundo afora. De uma
maneira geral, o conjunto da África põe -se a produzir segundo os esquemas
praticados desde muito no Egito.
707
As artes e a sociedade após 1935
Entretanto, a arte turística não é a mesma. Um olhar sobre a produção dos
kamba e dos maconde da Tanzânia revela a existência de duas dinâmicas muito
distintas. No curso da Primeira Guerra Mundial, Mutisya Munge era entrega-
dor de encomendas
26
. Até aquele momento, ele esculpira o bastão cerimonial
de um ancião da comunidade kamba. Atualmente, ele encontra, perto de Dar
es -Salaam, novos modelos e ideias junto aos Zaramo, os quais, antes de 1914,
haviam comercializado objetos a residentes alemães aficionados por etnografia.
Munge dedica -se então integralmente à escultura, encontrando um mercado
de presentes natalinos junto aos europeus, em vias de instalação nas altas planí-
cies quenianas. Ele e outros seguidores asseguram a entrega em domicílio dos
seus objetos. Após 1945, os negócios florescem graças a numerosos soldados
britânicos locados no Quênia. Posteriormente, o principal mercado torna -se o
americano. Desde então, a demanda recai sobre milhares de objetos. Embora
uma cooperativa oficial estivesse em vias de sucumbir, os pedidos eram atendi-
dos e a produção de bibelôs adquirira um caráter doméstico. Em 1955, Mutisya
Munge decide abrir uma boutique em Londres. No ano de 1960, os African and
Akamba Handicrafts empregam cinco agentes nesta capital e posteriormente,
em 1970, as exportações para os Estados Unidos da América do Norte atingi-
riam, em sua totalidade, duzentos e cinquenta mil peças, vindas do Quênia, da
Tanzânia e da Zâmbia
27
. As armadas de guerreiros masai e antílopes assustados
invadem, ano após ano, o Ocidente.
Inversa e até muito recentemente, os escultores macondes jamais copiariam
objetos
28
. Sobretudo em razão da guerra de libertação, eles deixaram Moçambi-
que para estabelecerem -se em Mtwara e, mais tarde, em Dar es -Salaam. Escul-
tores, numericamente superiores a uma centena, trabalham nas imediações de
Dar es -Salaam, a partir de 1964, dedicados ao comércio das suas obras, por
intermédio de marchands. Um deles criou um novo ícone, a representação de
um espírito (shaitani), que lugar a fantásticas criações. Existe, contudo e a
um tempo, uma produção de obras convencionais cristãs e de peças com
caráter anedótico. Os europeus não recusaram a estas obras e, particularmente
aos shaitani, a condição de “arte”, em razão da virtuosidade atestada em cada
peça esculpida e dos ecos, por elas encontradas, na escultura europeia recente.
Ademais, cada peça é única, concebida e realizada com vistas à exposição, e os
26 W. ELKAN, 1958.
27 M. W. MOUNT, 1973, p. 55 e p. 217, nota 32.
28 S. J. NTIRO, 1982, é muito mais conável que A. J. STOUT, 1966. Conferir igualmente S.
LITTLEFIELD -KASFIR, 1980; E. HEROLD, 1983.
708
África desde 1935
 . Arte maconde. (Foto: UNESCO. Foto: P. Migeat.)
escultores apresentam -nas, deliberadamente, como produtos da sua inovadora
criatividade; trata -se, em outros termos, da arte pela arte.
Entre os escultores kamba e maconde, o contraste é extremo, no entanto, ele
é característico da própria extensão temática, peculiar à arte turística. É pos-
sível observar a mesma diferenciação, por exemplo, em Foumban (Camarões),
onde algumas obras em metal, comumente criadas graças à utilização de novos
materiais, como o alumínio, constituem a expressão de valores profundamente
vivenciados, ao passo que outras, representam apenas cópias flagrantes de ima-
gens tradicionais. Sem dúvida, o trabalho destinado à comercialização constitui
709
As artes e a sociedade após 1935
a regra, mas alguns artistas criam autênticas obras de arte, através das quais
expressam, de forma cuidadosa, uma importante metáfora.
Este estado de coisas permite uma melhor compreensão acerca da produção
de pequenas pinturas, cuja venda aos turistas iniciou -se nos anos 1930. Estas
obras ilustravam a vida rural, retratando, sobretudo, as suas cenas de pesca.
Embora os seus compradores fossem estrangeiros, estes quadros espelhavam a
nostalgia da simplicidade própria ao ambiente interiorano, sentimento comum
entre os recém chegados habitantes das cidades. Produzidos em massa, ou não,
estes artefatos compunham uma verdadeira arte popular. Estas obras, também
compradas por nativos, adquiriam por conseguinte o espírito daquele mesmo
lugar. É frequentemente possível identificar as suas raízes junto às mais antigas
tradições da pintura e do desenho, especialmente, nas antecedentes das obras
abstratas surgidas no mercado, a partir de meados dos anos 1960. Certos artistas
afirmaram -nas como o resultado, em suas culturas, da premência e do ímpeto
 . Artesão trabalhando o zinco em Foumban, Camarões. (Foto: Hoa Qui, Paris.)
710
África desde 1935
criativos, embora atribuíssem à necessidade econômica toda a comercialização
destes incontáveis exemplares
29
.
A arte turística pode representar um considerável interesse para o historiador,
notadamente, em virtude de expressar -se, através dela, uma autêntica comunica-
ção, não simplesmente endereçada ao turista estrangeiro mas, ao público local,
mesmo que este último não fosse o comprador das obras.
A arte popular
Ao sul do Saara, a arte popular posterior à independência é a melhor conhe-
cida
30
. Entretanto, certas formas de arte popular são muito anteriores e a fron-
teira entre a arte popular e a arte tradicional rompe -se, nas regiões rurais − por
exemplo, no tocante às esculturas em cimento exibidas nos cemitérios (Costa do
Marfim, Akan, Cross River, Congo)
31
ou às pinturas murais dos vilarejos nde-
bele do Trasvaal
32
. O cimento substituiu a terra, a pedra e, também, a madeira.
Frequentemente, as esculturas representam a modernidade (aviões, automóveis),
os novos emblemas religiosos (cruzes, anjos sexuados) e os retratos (perpetu-
ando, junto aos congo, a tradição do trabalho em madeira ou pedra). Em alguns
casos, rupturas. As pinturas murais ndebele consistem, por volta de 1945,
em uma inovação absoluta, por sua vez, as pinturas murais nubianas surgiram,
aproximadamente em 1925
33
, extinguindo -se com a criação do lago Nasser em
1964. Um certo Ahmad Batul, provavelmente originário de Ballana, inventou
a nova pintura mural. Até então, as pinturas murais eram obra das mulheres.
Ele foi o primeiro homem a dedicar -se a elas. Ele buscava a sua inspiração em
antigos motivos geométricos ou em simples cenas figurativas, características em
produtos importados. Certo pintor chegou inclusive a empregar, como fonte
de inspiração, imagens existentes nas embalagens de produtos em conserva.
Os grandes painéis figurativos publicísticos, pintados nos muros dos estabe-
lecimentos em oásis do Egito Ocidental, assemelhavam -se a estas pinturas
29 S. CREUZ, 1951; B. JULES -ROSETTE, 1984, pp. 30 -56.
30 U. ECKARDT e S. SIEVERNICH, 1979, é a melhor introdução à arte popular.
31 K. NICKLIN e J. SALMONS, 1977; D. R. ROSEYEAR, 1984; S. DORNOWITZ e R. MANDI-
ROLA, 1984; P. S. BREIDENBACH e D. H. ROSS, 1978; M. GILBERT, 1981; R. F. THOMPSON
e J. CORNET, 1981.
32 S. PRIEBATSCH e N. KNIGHT, 1979; E. A. SCHNEIDER, 1985; C. A. M. VOGEL, 1985; T.
MATTHEWS, 1979.
33 M. WENZEL, 1972; H. JARITZ, 1973; B. JEWSIEWICKI, 1986.
711
As artes e a sociedade após 1935
murais. Pinturas murais eram igualmente encontradas em algumas regiões da
África Central e Oriental. As missões encorajavam -nas em Uganda, com vistas
a substituírem -nas às pinturas corporais, por elas desaprovadas. Os outros pro-
dutos rurais da arte popular foram, essencialmente, os santuários e as igrejas,
previamente mencionados.
Nas cidades, encontramos igrejas, pinturas murais, no interior das casas ou
dos cafés, bem como pinturas em painéis e cartazes publicísticos
34
. As moradias
urbanas yoruba, entre os anos 1930 e 1950, eram ornamentadas com leões de
cimento e outras esculturas arquiteturais
35
. Uma forma, única em seu gênero,
de arte visual popular, é representada pelo conjunto de esculturas, pinturas e
bandeiras com retalhos de tecido, das associações asafo, estabelecidas nas cidades
fanti (Gana)
36
.
Entrementes, a forma mais característica de arte urbana popular revelou -se
na pintura sobre tela. Eventualmente, ela deriva das pinturas murais que, em
certas regiões da África Ocidental e em toda a África Central, remontam aos
tempos pré -coloniais ou ao início da era colonial, concomitante aos primórdios
da arte corporal. Os temas figurativos não tardariam a incorporar cenas históri-
cas (fundação de unidades administrativas, batalhas) e produtos destes tempos
modernos. Estilos análogos, de expressão gráfica, também se desenvolveram na
arte em cabaças, em certas cerâmicas e, eventualmente, através da sua aplicação
em tecidos. Eles igualmente manifestavam -se nas formas em baixo -relevo, em
marfim ou madeira. A pintura popular está profundamente enraizada nas tra-
dições africanas.
Os primeiros pintores, como Ibrayima Njoya, em Camarões (por volta de
1920), A. Onabolu na Nigéria (nos anos 1920) e A. Lubaki (por volta de 1926),
além de outros no Zaire, inspiraram -se nessas obras. Lubaki esculpia obras em
marfim antes de dedicar -se à pintura
37
. Mas, seria preciso esperar os anos 1930
para acompanhar o surgimento, em todo o litoral atlântico, de uma pintura
nostálgica a representar praias, palmeiras, pessoas interioranas e cenas urbanas
do cotidiano
38
. Esta arte era certamente destinada aos turistas mas, também, aos
habitantes das cidades. No ano 1960, ainda era possível, durante uma estrelada
34 U. BEIER, 1971, e O. PRITCHETT, 1979.
35 U. BEIER, 1960.
36 G. N. PRESTON, 1975.
37 M. W. MOUNT, 1973, PP. 161 -165; O. DAPO, 1973; Badi Banga NE -MWINE, 1977; G. D. PERIER,
1930.
38 G. D. PERIER, 1950 -1952.
712
África desde 1935
noite saariana, acompanhar a passagem de um camelo e da sua escolta, sobre
o muro de uma casa mauritana, da cidade de Dakar, ou um monumental ele-
fante representado nas paredes da moradia de um relojoeiro, em Bujumbura
(Burundi)
39
. Cenas do mesmo gênero, pintadas em tela, começam então a ser
adquiridas por citadinos, à imagem dos retratos de personagens célebres (mara-
butos no Senegal) ou autorretratos (Zaire, atual RDC).
Uma inovação cativante interveio na temática representada no curso dos
anos 1950, primeiramente na capital Kinshasa, em seguida e após a indepen-
dência, na cidade de Lubumbashi, na Nigéria, após a guerra civil, bem como,
mais tardiamente, em Gana. A moda de então eram os temas históricos. Em
1960, a exótica imagem de Mamy Wata (ou mamba muntu), a sereia tentadora,
símbolo de magia e alienação, também expandira -se de Gana a Shaba. Um
novo complexo de temas cristaliza -se, por volta de 1960, na lúgubre paisagem
industrial de Lubumbashi. Cenas de um passado traumático e tribulações de
tempos presentes expressam claramente a consciência histórica dos seus habi-
tantes. Marcando o ocaso das cenas nostálgicas, evocando um retorno à vida
despreocupada da cidade interiorana, a percepção das identidades urbanas seria,
desde então, predominante. A arte do retrato evolui: os seus temas aqui são
apresentados como personagens trágicos, rasgados pelas contradições da his-
tória. Estas obras anônimas
40
alcançam muito sucesso e a sua onda não tarda a
propagar -se em direção a Kinshasa e a Kisangani, assim como, posteriormente,
para Dar es -Salaam
41
e Lusaka. O gênero tardaria a desaparecer. Os seus mode-
los possuem variada cromia, especialmente notável nas imagens publicísticas e
ilustrações de revistas. A perspectiva europeia e os cânones europeus, em matéria
de tratamento de personagens, são neste contexto utilizados, mas sem modela-
gem ou sombreamentos. Na representação dos temas históricos locais, o efeito
de contraste aparece de forma marcante
42
.
39 G. SANDRART, 1953, ilustração p. 7 (Bujumbura), neste caso, a reminiscência nostálgica de um animal,
à época, praticamente extinto na região; J. BEINART, 1968 (Maputo, Joanesburgo).
40 A assinatura, nos primórdios, não indicava o nome do pintor, mas o do cliente. O culto à assinatura do
mestre não era comum senão junto aos colecionadores europeus.
41 A escola de Tingatinga, em Dar es -Salaam, inspirou -se em artistas congoleses, mas os seus temas deri-
vam, ainda em seu conjunto, de um gênero nostálgico de outrora. J. A. R. WEMBAH -RASHID, 1972;
M. TEISEN, 1968.
42 Conferir Y. L. MUNDARA e Badi -Banga NE -MWINE, 1982, pp. 145 -164; J. FABIAN, 1978; I.
SZOMBATI -FABIAN E J. FABIAN, 1976; I. M. G. QUIMBY e S. T. SWANK, 1980, pp. 247 -292;
B. JULES -ROSETTE, 1984, pp. 142 -173 (estilos de Lubumbashi a Lusaka); B. JEWSIEWICKI, 1986;
J. SALMONS, 1977; U. BEIER, 1976; T. FIOFORI, 1986a.
713
As artes e a sociedade após 1935
A arte religiosa popular sobreviveu na Etiópia, com a produção padroni-
zada de ícones, cenas históricas ou pergaminhos mágicos. Retratos e cenas são
estereotipados, porém e eventualmente, surge uma nova composição, como o
santo Yarid, acompanhado pelos pássaros em virtude da sua responsabilidade
no tangente à introdução da música sacra no país. Em outras partes da África
Setentrional, o repertório de obras com inspirão religiosa é mais restrito,
conforme as pretensões do islã. As imagens da Ka’ba à Meca consistem no mais
recorrente elemento temático deste contexto
43
.
Com o crescimento das cidades e a estabilização da sua população imigrante,
a arte popular urbana e os temas, por nós evocados, adquiriram crescente impor-
tância e significado. Estas obras interessam principalmente aos historiadores da
urbe, em razão de desnudarem, diretamente, as consequências da passagem do
tempo no inconsciente coletivo das massas urbanas.
As artes acadêmicas
No ano 1913, a prática das artes visuais segundo a tradição europeia, a saber,
principalmente na arquitetura e na pintura, fora implantada no Egito com a
fundação de uma escola de belas artes no Cairo. Desde então, o movimento
engajado acentuou -se, pois que pintores e arquitetos egípcios, e ocasionalmente
escultores, participaram em todos os movimentos da arte europeia, desde o
romantismo, peculiar ao fim do século XIX, até o surrealismo, alcançando a arte
abstrata e, inclusive, a pop art dos últimos decênios. Porém, a pintura egípcia
reconhece -se, quase invariável e imediatamente, pelo fato de muitos dos seus
temas e algumas das suas formas serem reminiscências de antigas tradições islâ-
micas, quiçá faraônicas
44
. No entanto, alhures e por toda parte, somente alguns
artistas de forma isolada se haviam dirigido a Paris ou Londres, com o intuito
de estudarem. Em 1935, um pequeno grupo de pintores, em retorno a Túnis,
lançou a denominada escola tunisiana, muito amiúde criticada pelo caráter fol-
clórico dos seus temas. Ela apresentou -se, assim mesmo, como um elemento de
renovação cultural no país
45
. Semelhante evolução produziu -se no Marrocos
46
,
no imediato posterior, ao passo que na Argélia, a expressão dos artistas locais era
43 G. FISSEHA e W. RAUNIG, 1985; D. HECHT, 1979.
44 S. EL MANSURY, 1984; G. BOCTOR, 1969.
45 E. MICAUD, 1968.
46 D. DESANTI e J. DECOCK, 1969.
714
África desde 1935
mais represada e limitada às artes e ao artesanato tradicional. Além das fronteiras
egípcias, as escolas de belas -artes surgiram muito tardiamente e, provavelmente,
a sua precursora data da implantação do departamento de belas -artes no Colé-
gio Universitário de Makerere (1937). A geração de 1935 a 1960 assistiu ao
desenvolvimento de três grandes tendências no continente. Artistas europeus
instalaram os seus ateliês no Velho Continente africano, dentre os quais, alguns
seriam posteriormente transformados em verdadeiras escolas. Alguns artistas
locais continuam a se graduar na Europa (Paris, Londres, Alemanha), outros
estudam em academias locais. Apreciemos sucessivamente estas três tendências,
tomando como ponto de partida a primeira: a formação, além das fronteiras
africanas, de artistas independentes.
Os primeiros africanos, artistas originários de regiões situadas ao sul do Saara,
em viagem com destino à Europa, objetivando estudarem as artes, lá aportaram
ao final dos anos 1930. O precursor foi Ghanéen Oku Ampofo, estabelecido
na Grã -Bretanha, no ano 1932, para estudar medicina e, em seguida, as artes.
Na vanguarda deste movimento, citemos igualmente Iba Ndiaye (Senegal), na
cidade de Paris desde o ano de 1948; Gerard Sekoto (África do Sul), em Paris
a partir de 1947; Afewerk Tekle (Etiópia), desde 1948 na capital londrina; Kofi
Antubam, diplomado em 1936, no Achimota College (Gana), e estabelecido
em Londres a partir de 1946; Ben Enwonwu (Nigéria), estudante neste mesmo
centro desde 1944; e Viteix (Angola), habitante de Portugal nos anos 1950
47
.
Esta geração influenciaria as evoluções ulteriores, sobretudo pelas suas posições
em respeito ao papel e às inspirações do artista mas, igualmente, através do
exemplo, excetuando -se Sekoto, quem vivera praticamente no exílio. Talvez Iba
Ndiaye seja a maior expressão das pretensões de muitos artistas acadêmicos:
“Na realidade, os artistas africanos devem, eles próprios, encontrar as respos-
tas à seguinte questão: como permanecer africano ou reencontrar a essência
africana, associando a esta necessidade a vontade de apresentar -se, de forma
resoluta, conforme a modernidade, além de ensaiar explicar -se em linguagem
visual universal? Não basta, com estes intuitos, proclamar a sua africanidade,
tampouco declarar -se ligado aos valores africanos, pois justa e finalmente, na
esfera prática da pintura, da escultura e da gravura [...] é que os artistas moldarão
a sua singularidade
48
.”
47 Para uma informação geral, conferir M. W. MOUNT, 1973, pp. 160 -186 e passim; D. MESTRE, 1981,
pp. 3 -5 e 28 -30.
48 I. NDIAYE, 1984, p. 8. Para uma citação semelhante de Ko Antubam, datando de 1961, ver M. W.
MOUNT, 1973, p. 5.
715
As artes e a sociedade após 1935
 . Na parte superior: Iba Ndiaye, Senegal, com uma das suas pinturas. (Foto: J. L. Losi, Paris.).
Na parte inferior: Ko Antubam, Gana, com uma das suas esculturas. (Foto: College of Art, Ghana. Foto:
G. Owusu.)
716
África desde 1935
O produto do dilema próprio aos artistas acadêmicos é perfeitamente notá-
vel. Eles almejam constituírem -se em técnicos consoantes com a atualidade,
em pé de igualdade no cenário internacional, recusando, pela mesma ocasião, a
alienação. Eles estão empenhados, de forma decisiva, em não se desligarem da
sua especificidade. Talvez, a tensão resultante seja visível em suas obras, sobre-
tudo, naquelas de Enwonwu, artista que, pelas suas mudanças de estilo, passa do
estilo internacional ao estilo “Benin moderno”, por vezes, em uma mesma obra.
Ela é menos sensível no expressionismo dramático de Sekoto e junto a outros
artistas sul -africanos, pois as preocupações inerentes à sociedade moderna, da
qual eles são oriundos, serem muito mais próximas daquelas que alimentam, na
Europa, o expressionismo da Neue Sachlichkeit.
Ampofo, Enwonwu e Antubam são artistas em atividade bem anterior a
1940 e Sekoto produz desde 1938. Uns e outros, em atividade na Europa ao
final dos anos 1940, foram os porta -vozes da arte africana aquando das primei-
ras reuniões de artistas, em Paris e Roma, nos anos de 1956 e 1959, respecti-
vamente. Os seus sucessores e discípulos, contudo, não tardariam a juntar -se
aos artistas formados nas escolas locais, não cabendo a nenhum deles fundar
qualquer movimento artístico verdadeiramente independente. Entretanto, as
suas ambições, exigências e arte compõem um paradigma para os artistas das
gerações posteriores a 1960.
As primeiras novidades, advindas após a Segunda Guerra Mundial, são obra
de artistas europeus, em geral surrealistas, convencidos da possibilidade de trans-
missão das técnicas, sem em nada alterar o modo de expressão dos alunos. Estes
últimos criariam a arte natural”, habitante em seu espírito. Em 1944, um pintor
francês cria uma escola, em Lubumbashi, outro inaugura a escola de Potopoto
(Brazzaville), em 1951, renovando esta experiência em Dakar, no ano de 1961.
Escolas similares surgem em Maputo (Moçambique), em 1960, Harare (Zim-
bábue), em 1961, Rorkes Drift (África do Sul), em 1963, e Oshogbo (Nigéria)
em 1961. Certo artista missionário, precursor de Cyrene (Bulawayo, Zimbábue),
mantém um ateliê, de 1939 a 1953, posteriormente dirigido pelo seu aluno, Sam
Songo, sem contudo deixar uma herança durável.
Sejam quais forem as declarações dos fundadores, é evidente a sua profunda
influência na formação estilística dos seus alunos. As escolas de Lubumbashi,
Potopoto e Dakar produziram obras muito decorativas, em tons ocres ou cores
vivas, ilustrando as concepções coloniais da arte popular, tal como previsto. Fre-
quentemente, cada escola possuía muitos estilos mas, todos respondiam a carac-
terísticas similares. Em razão da produção destinar -se a europeus, a fronteira,
entre a arte pela arte e a arte para os turistas, havia desaparecido. Pela mesma
717
As artes e a sociedade após 1935
 . Viteix, Angola, com uma das suas pinturas. (Foto: CICIBA, Libreville, Gabão.)
718
África desde 1935
ocasião, os temas populares haviam parcialmente renovado esta arte. Em Poto-
poto, os temas ligados à vida interiorana, as cabeças mboshi ou os personagens-
-bastão, em estilo pretensamente rock -art”, perderam a sua influência. Cenas
de multidões e, eventualmente, paisagens tristes tomaram o seu posto
49
.
Em Moçambique, Harare e, com maior ênfase, na Nigéria, as evoluções
foram muito distintas. Valmente Malangatana, primeiro pintor moçambicano
influenciado pela escola revolucionária do afresco mexicano, produziu uma arte
de contornos inteiramente diferentes. Aqui predominam os cenários dramáticos,
imagens de brutalidade e angústia, compondo um repertório temático comum à
maioria dos artistas da África Austral, unicamente a eles. As suas preocupações
sociais, tanto quanto a sua predileção pela pintura mural, permaneceram como
marcas distintas da arte de Maputo
50
. Em Harare, a escultura sobrepuja a pin-
tura. Ela encontra -se junto ao expressionismo alemão (particularmente Barlach),
não evoluindo significativamente após 1961
51
.
Certamente, o atelier de Oshogbo foi aquele de maior sucesso em suas aven-
turas. Ele produziu estilos e artistas de uma espetacular diversidade, sempre
muito influentes até os dias atuais e cujo trabalho destina -se a uma clientela
expatriada ou a comandatários públicos em seu país. Os temas predominantes
têm caráter fantástico, são tratados segundo o estilo surrealista local, de carac-
terísticas decorativas, mesclando por vezes diversos materiais, especialmente
pérolas. A maioria dos artistas são pintores. pouquíssimos escultores, o que
é surpreendente, pois sabe -se o quanto é massivamente escultural a tradição
yoruba. Mas, esta tradição não sobrevive unicamente de lendas e mitos; as for-
mas e os estilos das suas artes visuais foram por completo abandonados. Talvez
seja possível perceber aqui um efeito do credo do seu fundador: A arte deve
ser sincera”. Na prática isto significa que ela não deve ser o prolongamento da
arte tradicional
52
. A vitalidade dos artistas Oshogbo e a receptividade por eles
encontrada no exterior são notáveis. Porém, elas ocultam, muito amiúde, o fato
de Oshogbo não constituir senão uma fração da arte nigeriana contemporânea,
talvez inclusive da arte acadêmica nigeriana. A cronologia da expansão das ins-
tituições a ensinarem as artes é paralela àquela dos ateliês abertos por artistas.
49 J. -P. LEBEUF, 1956; ARSCHOT, 1951, pp. 37 -45; G. D. PERIER, 1950 -1952; M. W. MOUNT, 1973,
pp. 74 -94.
50 M. W. MOUNT, 1973, pp. 160 -161 e apêndice; B. SCHNEIDER, 1972.
51 U. ECKARDT e G. SIEVERNICH, 1979, pp. 72 -75 e introdução; M. W. MOUNT, 1973, pp. 117 -123;
F. MCEWEN, 1972.
52 U. BEIER, 1968, pp. 89 -164; M. W. MOUNT, 1973, pp. 147 -158; J. KENNEDY, 1985; G. I. P.
OKORO, 1984; J. BURAIMOH, 1971.
719
As artes e a sociedade após 1935
As primeiras experiências realizadas, em Uganda e na Nigéria, como o Colégio
Universitário de Makerere (1927), foram seguidas pela criação de academias
em Kinshasa (1943) e em Khartoum (1945), após o que a maioria dos paí-
ses procedeu da mesma forma, nos anos 1950 e no início dos anos 1960. Em
todos os países, teve início um processo de formação de pintores e escultores,
mesmo se outros continuavam a dirigir -se à Europa para estudar, para comple-
tar uma formação recebida em seu país ou ultrapassando totalmente as insti-
tuições locais. Os artistas viviam de encomendas oficiais e da venda junto aos
expatriados que possuíam galerias onde expunham as suas obras. Neste sentido,
eles tinham uma tendência a se excluír da sua própria sociedade e, inclusive, de
grande parte da elite. Esta situação não se modificou, senão muito lentamente.
A Nigéria foi obrigada a esperar o ano 1962 para ver a inauguração da primeira
galeria administrada por autóctones. Somente ao final dos anos 1970, ela logrou
comercializar, com preços elevados e junto a indivíduos do país, algumas das suas
obras de arte
53
. Em outras regiões, ao sul do Saara, a situação é menos brilhante.
Os governos independentes utilizaram a arte com a finalidade de autopro-
moção, mas raras foram as ocasiões nas quais solicitou -se aos artistas criarem
obras propagandísticas e a censura não impôs nenhum problema. Alguns gover-
nos financiaram artistas quase oficiais, como Kofi Antubam, em Gana, Afewerk
Tekle, na Etiópia imperial, Ben Enwonwu, na Nigéria, ou Liyolo, no Zaire
(atual RDC). Estes artistas adaptaram então os seus temas e os seus estilos, de
forma a garantirem uma fácil comunicação com o grande público. Entretanto,
uma mudança em curso. A propaganda ganha maior importância. O realismo
socialista torna -se, pouco a pouco, a doutrina oficial em alguns países. Todavia,
a liberdade artística mantém -se nas sociedades africanas e inclusive em meio às
elites, talvez sobretudo em razão do pequeno eco encontrado pela arte acadê-
mica. Também constata -se, de modo impactante, o alto grau de distanciamento
de muitos temas tratados em relação às realidades contemporâneas, excetuando-
-se a celebração do nacionalismo cultural. Os artistas da África do Sul e de
Moçambique igualmente compõem figuras de exceção, com a sua pintura mar-
cada pelo pesadelo da inquietação e da angústia, em estreita correspondência
com quadros sociais muito específicos.
A maior parte da arte acadêmica pertence explicitamente às grandes cor-
rentes artísticas internacionais. Entre estas tendências, o surrealismo e a arte
abstrata influíram muito menos que o expressionismo. O novo expressionismo
53 M. CROWDER, 1978.
720
África desde 1935
africano lembra o seu consorte europeu e, com maior ênfase, aquele da Alema-
nha anterior a 1933. A arte moderna britânica, detentora de um importante
posto no ensino das academias estabelecidas nas antigas colônias britânicas, não
cessou de perder influência. A outra grande tendência teve caráter neotradicio-
nal, fundada na reutilização de objetos tradicionais como fontes de inspiração,
ora como referências estilísticas, ora como temas de trabalho. Esta tendência
favorece o surgimento de estilos regionais (quiçá absolutamente nacionais), por
exemplo, na Costa do Marfim em oposição a Gana. Em algumas regiões da
África Setentrional, continuou -se a privilegiar a linha, para atingir uma neoca-
ligrafia, uma utilização parcimoniosa ou nula dos elementos figurativos e, como
consequência, derivando para uma tendência à abstração. Os artistas sudaneses
e marroquinos engajaram -se frequentemente nesta direção. Quando as artes tra-
dicionais conservaram certo vigor, desdobrou -se também uma tendência inversa.
Assim sendo, na Etiópia, obras gráficas e pinturas abstratas ou de composição
austera seriam consideradas atos de liberação da tradição.
Estas grandes tendências em nada provêm do acaso. A tendência neotradi-
cional corresponde à negritude e a movimentos semelhantes, antes ou após a
independência. Os estilos expressionistas mantém estreitas ligações formais com
uma antiga arte africana, particularmente na escultura, pois o expressionismo
europeu e os estilos dele derivados no continente assimilaram profundamente
as influências fundamentais da África, em matéria de volume, de estilização e,
inclusive, no referente aos cânones de proporção (a “distorção sistemática”). A
arte abstrata finca as suas raízes africanas na decoração geométrica ou nas artes
islâmicas. Única e integralmente, somente o surrealismo era novo. Pois as suas
próprias ressonâncias encontravam eco no imaginário coletivo, referente aos
Deuses e espíritos, ou uniram -se ao rico simbolismo dos clichês das artes orais
e dos ritos africanos. A um tempo, todas estas tendências sofreram forte-
mente o impacto dos modismos internacionais, a acompanharem os conceitos
internacionais referentes ao papel do artista e à extrema importância conferida
à individualidade, ao primado do humor sobre a emoção, ao valor absoluto da
liberdade artística, da criatividade em si e da obra de arte legitimada pela criati-
vidade, quaisquer fossem a forma ou o conteúdo. Em respeito ao papel da crítica,
ele é dos mais restritos. Quando muito, existem somente alguns raros críticos
profissionais
54
, frequentemente, a crítica não transcende a profusão de elogios,
comuns nas exposições de artistas acadêmicos em geral.
54 M. CROWDER, 1978, pp. 142 -145.
721
As artes e a sociedade após 1935
A arte acadêmica existe paralelamente às fileiras artísticas popular, turística
e tradicional, constantemente influenciadas umas pelas outras. Há casos conhe-
cidos de artistas, dedicados ao trabalho para turistas, que se tornaram artistas
acadêmicos (Felix Idubor), bem como, casos de artistas acadêmicos que passaram
a praticar uma arte popular (certos artistas de Lubumbashi) e a trabalhar para
o turismo. Tais interações devem intensificar -se. É possível um posterior surgi-
mento de estilos, regionais ou nacionais, de pintura e de escultura, assim que o
mercado local de arte comece a suplantar a venda aos expatriados.
As artes corporais
O corpo, a sua ornamentação e a sua vestimenta proclamam o indivíduo,
tanto quanto diversas identidades grupais (estatuto social ou etnia), bem como
a adequação a uma circunstância (trabalho, festividade e luto, entre outras). A
história das artes corporais, também constitui um interesse imediato para o
historiador, aos olhos do qual, ela pode representar um dos mais sensíveis indi-
cadores da mudança social e da influência cultural
55
.
A África tradicional conheceu uma infinita variedade de modos de ornamen-
tação pessoal, através de escarificação, tatuagem, pintura corporal, penteados e
por operações, como a circuncisão ou a excisão, que alteravam o corpo, temporá-
ria ou permanentemente. As bijuterias e a vestimenta completavam a aparência.
Assim expressavam -se diferenças sexuais, etárias, de situação matrimonial e de
posição social. As religiões monoteístas possuíam estritos princípios ligados à
modéstia e os seus seguidores a eles adequavam -se no referente ao seu vestuário.
A pertinência étnica igualmente comportava sinais externos, frequentemente
escarificações ou senão através de trajes utilizados por toda uma população,
tais quais aqueles próprios aos tunisianos ou aqueles característicos aos marro-
quinos. A própria composição, em relação à face e ao penteado (véu, tarbush,
turbante, penteados femininos em Angola, no Gabão e no Zaire, atual RDC),
poderia constituir sinais de pertinência a uma etnia, classe ou formação religiosa.
Ornamentos suplementares (bijuterias, pinturas ou trajes festivos) atestavam a
posição social de um indivíduo e o grau de concorrência ou de solidariedade
por ocasião de manifestações públicas. As modas eram estabelecidas pelas elites,
55 Este tipo de pesquisa histórica ainda está em seus primórdios. J. EICHER, 1970 e 1985; M. POKOR-
NOWSKI e colaboradores, 1985; R. P. DOZY, 1969, para o gurino; A. FISHER, 1984, para as biju-
terias. Os tecidos foram bem estudados, apreciações em J. PICTON e J. MACK, 1979; R. SIEBER,
1972. Entretanto, a maioria dos estudos não são históricos ou concernentes à arte e ao corpo.
722
África desde 1935
formando figuras exemplares a serem imitadas
56
pois, a arte corporal tradicional
não era imutável. Desta forma, são conhecidas as modas características da corte
de Kuba no início do século XX, assim como aquelas de Ruanda. Durante uma
década, a moda entre os jovens dandy kuba caracterizou -se pelos altos chapéus.
Em Ruanda, junto aos homens da alta sociedade, o penteado masculino que
causava furor era um corte de cabelo no qual se deixava tufos arredondados,
imitando o penteado das jovens núbeis da alta sociedade. Esta moda, iniciada
aproximadamente em 1900, não mais seria vigente no ano de 1945
57
. Os mes-
mos homens exibiram togas de tecidos floridos, desde os derradeiros anos do
século XIX até por volta de 1950, momento no qual as vestimentas europeias
tornaram -nas démodées.
Em 1935, o regime colonial desde muito produzira os seus efeitos e propu-
sera, em nome da civilização, a abolição de grande parte das artes do corpo, a tal
ponto que os estudos científicos sobre a pintura corporal e a escarificação são
raros e tardios
58
. Tatuagens e escarificações eram julgadas bárbaras, à imagem
da nudez, sobretudo pintada
59
. Muitos ornamentos igualmente foram desesti-
mulados, em nome da economia, dos bons hábitos no trabalho e do conforto.
O deboche dos europeus no concernente aos pesados anéis de cobre, colocados
em torno do pescoço ou nos tornozelos, são um estereótipo do início da época
colonial. Incessantes campanhas eram então conduzidas, não somente pelos
missionários, em favor da roupa conveniente. Ao sul do Saara, eles haviam pro-
posto estilos de vestimenta decentes para o uso feminino, todos derivados do
conjunto chamado “Mother Hubbard” (saia longa e blusa de mangas longas)
60
.
Os europeus introduziram diversos estilos de roupa na administração: camisas
e shorts; sahariennes [vestimenta inspirada em uniformes militares], uniformes
militares e de funcionários. O traje citadino raramente é utilizado, salvo pela
elite europeia das cidades, situação da qual subjaz a atração por ele exercida,
primeiramente, junto à fina flor da elite africana europeizada e, posteriormente,
em meio aos outros homens, cidadãos urbanos ou rurais. Na África Setentrio-
56 T. VEBLEN, 1899 (edição 1981), pp. 115 -187.
57 Para a evolução da moda em Ruanda, entre 1900 e aproximadamente 1909, conferir R. KANDt, 1905,
p. 80; A. FREDERICK, 1910.
58 Uma obra como a de H. Brandt, 1956 (Gerewol, ornamentação festiva dos fulbe bororo, no Níger),
apresenta uma bela descrição. J. C. FARRIS, 1982, é um estudo cientíco.
59 E. C. BURT, 1984, pp. 60 -63 e p. 80: estudo documental sobre a transferência desta arte, sobre a inu-
ência dos missionários e a pintura mural natalina, junto aos luo.
60 Eles demonstravam tamanha preocupação com a “conveniência’ das roupas íntimas, a ponto de estimu-
larem, em algumas missões e até o nal dos anos de 1950, o comércio destas peças do vestuário.
723
As artes e a sociedade após 1935
nal e Ocidental, como na costa leste, o vestuário islâmico subsiste. O africano
do oeste veste, no Sael, o seu bubu ou, nas regiões costeiras, as suas roupas de
tipo yoruba; no Magreb, o marroquino coloca o seu albornoz; rumo ao leste, o
sudanês a sua djellaba e o swahili o seu kanzu e também a sua kofia.
Nos anos 1930
61
, pode -se subdividir a África em três grandes regiões, do
ponto de vista do vestuário e, ainda nos dias atuais, estas divisões permane-
cem importantes. Na África Oriental e Meridional, os trajes urbanos europeus
começam a substituir, como roupas de prestígio, as imitações de uniformes
militares. A moda, originada na costa da Tanzânia, difundiu -se para o interior,
até o Malaui e a Zâmbia, em associação com a dança Beni
62
, no Quênia, em
Uganda, em Ruanda e no Burundi, a partir de Nairóbi, bem como na África
Austral, a partir das suas principais cidades, em Angola e Moçambique os estilos
eram nitidamente distintos. O short, a camisa ou a saharienne tornam -se roupas
de trabalho habituais, embora todos os citadinos preferissem a calça em lugar
do short, ao passo que a associação do pareô e do paletó ainda é frequente nas
zonas rurais. Pouco a pouco, o pareô feminino é substituído pela clássica saia
das missões, sendo considerado nas cidades como um indício de abandono dos
costumes. Na Namíbia, em razão da enorme aceitação do vestido, um traje
característico na Europa Central do século XIX ali tornou -se uma espécie de
conjunto étnico, junto aos Nama e Herero. A moda masculina africana não
conservou os trajes militares como expressão de pertinência étnica, senão junto
aos zulu e aos nguni
63
. Outra inovação é a larga túnica branca ou vermelha dos
profetas e pastores das igrejas independentes africanas, munidos da coronha ou
do bastão. Sem dúvida, eles tomaram ilustrações bíblicas como modelos. Em
meio aos criadores da África Oriental, especialmente no Quênia e no Sudão
Meridional, a arte corporal tradicional e a ausência ou a raridade da vestimenta
masculina sobrevivem ainda nos dias atuais. Na realidade, com a progressiva
facilidade na obtenção de novos meios de ornamentação, viu -se elaborar no
Quênia variantes mais espetaculares de arte corporal.
Nas regiões costeiras da África Ocidental e Equatorial, os modelos europeus
de roupas femininas foram rejeitados. O pareô conservou todo o seu prestígio.
De fabricação local ou importadas, as suas estampas devem estar em conformi-
dade com os gostos locais, em razão disso, a indústria europeia habituou -se a
61 O que sucede deve ser considerado com precaução, pois eu nada encontrei, nem mesmo um artigo, que
retraçasse a evolução da vestimenta nas épocas colonial e pós -colonial.
62 T. O. RANGER, 1975; J. MITCHELL, 1956.
63 J. A. BARNES, 1952; M. READ, 1936.
724
África desde 1935
ser atenciosa às preferências da sua clientela africana
64
. No tocante às estampas,
as modas são lançadas nas grandes cidades, pelas cortesãs (frequente e gratui-
tamente modeladas pelos importadores) e pelas mulheres da elite africana. Na
costa ocidental africana, o traje masculino de gala permaneceu imune à influ-
ência da moda européia, mas a vestimenta urbana foi adotada como traje pelos
quadros, pelos universitários e pelos empregados de escritório. Paralelamente,
na África Equatorial, ele tornou -se a vestimenta típica da alta sociedade, muito
menos que no oeste da República democrática do Congo. Entretanto, o bubu
guardou o seu posto no Sael, chegando inclusive a expandir -se rumo ao sul.
Em suma, os modismos europeus tiveram, nesta parte da África, uma aceitação
muito menor, comparativamente ao ocorrido na África Oriental e Meridional.
Em sua totalidade, a África Setentrional permaneceu fiel aos seus próprios
costumes e ornamentos corporais (feitos em hena). Nas grandes cidades, as
mulheres adotaram os vestidos europeus, conquanto vestissem -nos sob o haique,
à imagem do Marrocos, país onde o traje urbano podia ser usado, desde que, sob
um albornoz ou mesmo sob uma djellaba, e acompanhado de babucha. Porém,
os homens adotaram as roupas de trabalho europeias e, no Egito, o traje urbano
é, desde muito, a vestimenta usual das classes médias e superiores. O valor sim-
bólico da vestimenta é evidenciado pela controvérsia que dividiu o Egito em
relação ao tarbuche. Imediatamente após 1935, este chapéu é denunciado pelos
progressistas, os quais nele identificam um emblema aviltante de subserviência,
em oposição, o dramaturgo Tawfik al -Hakim concebe uma boina basca. O que
não impediria à elite defender, com firmeza, o tarbuche. Nos dias atuais, con-
tudo, este chapéu desapareceu.o mais que alguns poucos homens de negócio
utilizam -no para exibir o seu conservadorismo.
O nacionalismo encontrou, após 1945, a sua expressão no vestuário
65
. Os
nacionalistas atacaram, ainda mais que os europeus, a nudez e a ornamentação
da pele. Eles criaram trajes nacionais, muito amiúde de modo muito cons-
ciencioso, como em Serra Leoa, onde o tecido kabah com arremates bordados
tornou -se o traje feminino nacional por unanimidade. Unicamente o detalhe
constituído por este arremate o distinguia dos vestidos outrora importados em
Freetown
66
. Nkrumah estabeleceu o estilo do traje nacional em 1957 e as elites
64 C. B. STEINER, 1985, é uma referência básica. Conferir também J. FOURNEAU e L. KRAVETZ,
1954.
65 As relações gerais existentes entre o nacionalismo e o tipo de vestimenta foram bem evidenciadas por P.
BOGATYREV, 1971. Conferir também A. A. MAZRUI, 1970 (nem a nudez, nem o traje europeu).
66 B. WASS, 1979.
725
As artes e a sociedade após 1935
da África Ocidental seguiram -no. Os trajes de gala yoruba, os bubus de Kano
ou de Bamako
67
tornaram -se expressões do nacionalismo. Por conseguinte, as
atividades locais de tecelagem, bordado e tintura de tecidos, ganharam um novo
ímpeto, sobretudo, quando as novas elites se haviam tornado suficientemente
ricas, a ponto de servirem -se da vestimenta como um indicador do seu nível
social
68
. Os estilos de penteado e os produtos de beleza europeus, adotados
pelas mulheres, eram abominados pelos nacionalistas e por muitos homens
rurais. Eles foram substituídos por penteados nacionais
69
. No Zaire (atual RDC),
Mobutu impôs o abacos por meio de um decreto, colocando fora da lei os trajes
urbanos e, mais especificamente, o uso da gravata
70
. O abacos (“abaixo o costume
[traje]”) era uma expressão de autenticidade, símbolo de igualdade, de virilidade
e de simplicidade. Inicialmente, ele era inspirado pelo uniforme maoísta. Com o
tempo, entretanto, na justa medida que a diferenciação em classe afirmava -se em
Kinshasa, após 1970, o abacos, veio expressar, em razão da qualidade do tecido
e do corte, o nível social.
A onda dos pareôs ressurgiu na África Equatorial e Central mas, com estilos
e estampas mais elaboradas que outrora e contribuindo para o retorno em voga
dos custosos tecidos locais. Contudo, na África Oriental e Meridional, as mulhe-
res da classe superior opuseram -se à sua reutilização nas cidades. Os modis-
mos europeus desenvolveram -se sobremaneira em Nairóbi, muito mais que em
Dakar
71
. O traje urbano triunfa junto aos citadinos, embora não exclusivamente
na Tanzânia. Em seu conjunto, o nacionalismo ali expressou -se menos pelo
vestuário que através de outros meios. Por toda a parte alhures, os modismos
europeus tampouco foram totalmente excluídos. Os entusiasmos passageiros,
tais como a onda dos calçados de sola espessa na Nigéria (por volta de 1975) ou
a moda zazou na Costa do Marfim (aproximadamente em 1965), modificaram
extemporaneamente a paisagem urbana.
Na África do Norte, o fato de maior impacto foi uma tentativa de retorno ao
véu feminino nas cidades do Egito
72
, em sinal de adesão ao fundamentalismo.
67 J. PERANI, 1979.
68 A. PERRY, 1984 (certos trajes equivalem a milhares de livros); E. DE NEGRI, 1968; F. SMITH e J.
EICHER (org.), 1982.
69 ANÔNIMO, 1964. Todavia, nos anos 1980, as mulheres da cidade recorreram novamente aos produtos
de beleza e aos estilos de penteado europeus.
70 F. S. B. KAZADI, 1978.
71 F. COURT e M. M’WANGI, 1976.
72 J. A. WILLIAMS, 1979. Diversos lmes egípcios tratam este tema.
726
África desde 1935
Na Líbia e na Tunísia assistiu -se ao renascimento de um traje nacional derivado
das antigas saias dos xeques rurais.
Tecidos e trajes também entraram no mercado do turismo. A camisa mas-
culina de gola, bainha e bolsos bordados é desde logo muito usada, pelos expa-
triados de todos os continentes, bem como entre os afro -americanos e os seus
simpatizantes nos Estados Unidos da América do Norte. Enquanto aumentava
a produção de tecidos ou roupas com estampas decorativas e, sobretudo, des-
tinados à exportação, na Costa do Marfim (Senufo), em Lesoto iniciava -se a
produção de cobertores para o mercado turístico, Botsuana produzia os seus
tecidos estampados e o Mali fabricava os seus tapetes
73
.
Assim sendo, as formas de vestuário e de ornamentação do corpo, propostas
pelos europeus, não foram aceitas senão de modo seletivo, no curso deste perí-
odo, caracterizado pelo desejo em destacar a identidade nacional e, posterior-
mente o nível social, postura esta a igualmente deixar o seu registro na história
da indumentária. Todavia e por outro lado, o estilo do vestuário e a ornamenta-
ção do corpo subsistiam como autênticas expressões de uma necessidade estética.
Se fosse possível escrever a história, embora rudimentar, da bijuteria e do xale,
veríamos certamente surgir uma pesquisa de novas expressões da beleza, por si
mesma. Mas, até o momento, não dispomos sequer dos primeiros elementos.
A música e a dança
A música vocal reinou na arte popular durante todo o período, tanto nos
campos, quanto nas cidades, pois, o disco e o rádio asseguraram a sua difusão
junto às massas. Alguns cantores conquistaram imensa popularidade, somente
igualada por aquela dos grandes líderes políticos. Alguns dentre eles contribu-
íram com o movimento pela independência, mobilizando a população, difun-
dindo programas e exaltando líderes. Igualmente, não causa espécie que, uma
vez conquistada a independência, governos tenham continuado a fazer uso da
música como instrumento de propaganda e tentado abafar a crítica. Este estado
de coisas influencia as letras musicais, mas sem grandes repercussões na evolução
musical, ela própria
74
.
73 M. HARTLAND -ROWE, 1985; E. DUDLEY, 1986.
74 C. H. CUTTER, 1968, oferece um exemplo do emprego da música e dos griôs, com o intuito de
propagandear as diretrizes partidárias, cantar elogios aos seus dirigentes e gloricar o sucesso das suas
políticas.
727
As artes e a sociedade após 1935
As tradições musicais da África manifestaram uma continuidade notável, a
despeito das forças externas que o Ocidente fazia pesar sobre elas. As possi-
bilidades de mestiçagem eram consideradas em razão da similaridade entre a
música Ocidental e a música africana ao sul do Saara, especialmente o uso de
escalas diatônicas e da harmonia, assim como a prática do acompanhamento da
voz pelos instrumentos de percussão e cordas. Os principais agentes de difusão
dos modelos europeus foram as missões e o rádio
75
. Malgrado estas influências,
as músicas africanas, antiga e moderna, ainda dispõem de traços estilísticos em
comum, notadamente uma mesma abordagem dos ritmos lineares, um mesmo
conceito de pulsão (beat) e de fluxo de energia, e o emprego de idênticos temas
e entrelaçamentos rítmicos, tipos de progressão melódica, paralelismos polifô-
nicos e técnicas vocais. Contudo, entre a antiga e a nova música africanas,
divergências na utilização das escalas, da harmonia, da forma e do instrumental
76
.
A música instrumental europeia não exerceu impacto. Ainda atualmente,
o gosto pela música europeia constitui um sinal da mais profunda alienação.
Alguns instrumentos europeus foram adotados para acompanhar a música vocal
mas, não nenhum instrumentista africano que tenha construído a sua repu-
tação através da interpretação de música clássica. Salvo uma ou duas exceções,
os compositores criam músicas sacras, a saber, de caráter vocal e não concebidas
para orquestra
77
.
A história da música no curso das últimas gerações deve distinguir duas cor-
rentes distintas: uma ligada à música interiorana e à música sacra, uma segunda,
em voga nas danceterias e nos cafés, animava os ambientes de criação para a
nova música urbana.
Música rural e música sacra
Se, em 1935, as tradições rurais estavam, ainda e por pouco que não, intac-
tas, as influências veiculadas pelos discos, pelo rádio, pela propagação do is
e do cristianismo e pelas orquestras de música militar, apresentavam, desde
75 A. MERRIAM, 1981, pp. 100 -105.
76 L. J. P. GASKIN, 1965b; B. A. ANING, 1967; A. MERRIAM, 1970; H. TRACEY, 1973,o bibliogra-
as. P. R. KIRBY, 1964; G. KUBIK, 1966; J. H. Kwabena NKETIA, 1965, 1975 e 1978; H. TRACEY,
1961, consistem nos estudos gerais existentes sobre a África ao sul do Saara. Em suplemento, West Africa
publica, muito amiúde, artigos sobre a música moderna e uma sessão denominada Disques, redigida por
“Concobility Jane”.
77 E. AKIN, 1965 (p. 61 referente à rejeição da música orquestral ocidental) e 1970; no que diz respeito à
transformação da Orquestra Sinfônica Nacional de Gana, consultar N. L. KORLEY, 1986.
728
África desde 1935
logo, a sua força e, nos três últimos casos, a sua ancianidade. Entretanto, muitas
destas influências, por demasiado sutis, têm o seu discernimento circunscrito
aos musicólogos
78
. A vasta diversidade do repertório músical vocal estendia -se
das cantigas de ninar aos cantos fúnebres, dos cantos de trabalho aos cantos
reivindicatórios, do elogio à tira. O canto de acompanhamento das danças
ainda dispunha de muita vitalidade mas, algumas categorias, como os cantos
de trabalho, estavam em declínio. A sica puramente religiosa, associada
a determinados rituais, era rara na religo africana cssica. Mas, quando
existente, teve a mesma sorte que o ritual. Os cantos de protesto floresceram
à época colonial e, por vezes, além dela. A sua sica incorporava o antigo
e o novo. Os cantos de protesto dos rwenzururu (Uganda) são, a este res-
peito, muito característicos. Alguns empregavam a musicalidade das antigas
cantigas de botequim, outros inspiravam -se em cantigas escolares
79
. A forma
refletia não a mensagem, mas a gerão e a idade dos cantores. A influên-
cia dos sucessos da indústria fonogfica europeia foi mais forte durante os
anos 1940 e 1950, comparativamente aos anos seguintes. Nos anos 1950, os
Mangbetu (na RDC) admiravam o cantor francês Tino Rossi
80
e, em 1966,
o reperrio dos cantos rwenzururu compreendia a melodia Alpenrosen, velha
cantiga sentimental da Europa Central. Contudo, as cantigas rurais também
eram inovadoras. Em algumas regiões, o velho gênero do canto épico serviu a
compor novas canções históricas. Desta forma, um trovador cego lulua compôs
um canto interpretando a história contemporânea do kasaï (Zaire), através dos
seus chefes tradicionais e dos seus espíritos protetores
81
.
A música sacra ganhou ainda maior importância nas regiões onde o islã
propagava -se e, sob o efeito da atividade das Igrejas
82
. Muito antes de 1935, as
cantigas gozavam de grande popularidade, embora as suas escalas e harmonias
permanecessem, de forma inconsciente, adaptadas às normas locais. Criaram -se
corais nas escolas e, durante os anos 1950, tropas montadas, segundo o modelo
dos Wiener Sängerknaben, surgiram na África Central, Oriental e Meridional
83
.
Os católicos lançaram -se na experiência das missas africanas”, a partir dos anos
78 J. H. Kwabena NKETIA, 1978.
79 P. COOKE e M. DOORNBOS, 1982.
80 A. SCOHY, 1955, P. 113.
81 T. K. BIAYA, 1984.
82 H. WEMAN, 1960.
83 Para um exemplo no Shaba, a partir de 1954, conferir G. HAEZEN, 1960.
729
As artes e a sociedade após 1935
1930
84
. A partir de 1939, estas missas são compostas por africanos, muito ami-
úde, seminaristas ou padres. Esta onda atingiu o seu apogeu antes do Concílio
Vaticano II de 1962, com as suas declarações sobre a linguagem e a prática
litúrgicas
85
. Em seguida, o elã do movimento atenuou -se, embora a produção
de música sacra tenha guardado o seu vigor, em interação com o movimento
religioso e o seu volume acrescido de conversões, manifestas em todo o conti-
nente após 1980. Entretanto e nos dias atuais, as cantigas estão menos em voga
no repertório de boa parte da população, comparativamente à popularidade da
nova música popular urbana que alcança integralmente as regiões rurais.
A música urbana norte -africana
Em 1871, teve lugar a estreia de Aïda de Verdi, na nova Ópera do Cairo.
O fato é característico do Egito, único país da África a afinar -se com a música
instrumental europeia. A África do Norte possui, ela própria, uma rica e longa
tradição de música instrumental, contudo mantida associada à interpretação
vocal. Todavia, na primeira metade do século XX, Sayyed Darwish criou um
novo estilo musical estabilizado, mesclando as tradições europeia e oriental.
Em 1929, ocorreu a fundação do Alto Instituto para a música árabe, no qual a
música instrumental assumia o seu posto, juntamente à música vocal. O novo
estilo obteve tamanho sucesso que um grupo de músicos, da Argélia e da Tunísia,
julgou necessário, em 1934, fundar a Rachidiyya, grupo consagrado a combater
pela sua influência e disposto a reanimar as velhas tradições da orquestra ma’lūf
e das suas partituras nuba. O ma’lūf tornou -se, nestes países e na Líbia, símbolo
de independência. Porém, seguiu -se o exemplo do Egito, através do uso de ins-
trumentos europeus, como o violoncelo, o saxofone e o acordeão, e do recurso
ao modelo próprio a um grande conjunto instrumental, assim como a algumas
melodias e ritmos. No Marrocos, a música urbana tradicional não estivera jamais
sob ameaça e continuava a prosperar na filiação direta da música árabe erudita,
contemporânea ao apogeu do islã. Os seus tesouros compreendem tanto os quar-
tetos arubi, das mulheres de Fez
86
, quanto os cantos sagrados das confrarias ou,
ainda, o haddarat, cantado em coro pelas mulheres, em diversas ocasiões, como
84 P. JANS, 1960. J. H. Kwabena NKETIA, 1957, cita Ephraïm Amu e a sua antologia Twenty -ve African
songs (cantigas) de estilo africano e com acompanhamento africano (1933), na qualidade de pai dos
compositores africanos de música sacra.
85 T. TSHIBANGU, 1960.
86 M. EL FASI, 1967. Textos árabes publicados em Fez, 1971.
730
África desde 1935
 . A Orquestra de Fez, no Marrocos: uma orquestra de música árabo -andaluz. (Fonte: Maison
des cultures du monde, Paris.)
os casamentos e as circuncisões, porém, com maior ênfase temos o melhūn, ou
griha. O melhūn é poesia. Os poemas kasīda são cantados e compostos segundo
regras de extrema complexidade. A música marroquina permaneceu muito mais
tradicional que as outras. Os seus temas musicais continuam a ser adaptados em
prol da mensagem ou do canto
87
.
Entrementes, à imagem da África Subsaariana, a voz permaneceu o ele-
mento central e somente os cantores tornavam -se verdadeiras vedetes, com os
seus grupos de admiradores incondicionais e usufruindo de imensa populari-
dade. Alguns eram celebridades locais, como Saliha, a grande cantora de ona
badawi na Tunísia; outros viam expandir -se a sua glória em todo o mundo de
língua árabe. A mais célebre cantora do século XX foi Umm Khulthum, de
nome inspirado na poesia árabe pré -islâmica e cuja carreira começara desde
1932
88
. Ela representou, nos tempos de al -Nasser, a ambição de um retorno à
grandeza primordial do islã. Precisamente ao final dos anos 1960, ela elaborou
87 As notas sobre o Marrocos são devidas à contribuição do memorável Sua Excelência M. el Fasi.
88 A. ELNACCASH, 1968.
731
As artes e a sociedade após 1935
um novo estilo que também conquistou aficionados. No entanto, ela não foi
senão a estrela de uma plêiade de artistas. Convém aqui precisar não haver, na
África do Norte, uma nítida distinção entre a música popular urbana e aquela
da elite. Nem o emprego de um árabe vernáculo, em oposição à língua literária,
nem mesmo gêneros determinados, constituem referências seguras. Novamente
neste contexto, encontra -se uma situação análoga ao sul do Saara, onde a canção
popular também tornou -se a música da elite, independentemente das outras
divisões entre as classes sociais.
A música urbana ao sul do Saara
89
A música urbana nas novas cidades foi, em um primeiro momento, tocada
como acompanhamento à dança, bem como na qualidade de música de anima-
ção em bares, executada por conjuntos organizados. No início dos anos 1930, a
apresentação de danças étnicas, tais como as agbaya de Brazzaville e de Kinshasa,
talvez guardasse semelhanças com as agbadza de Gana e do Togo
90
. Eram bas-
tante comuns as danças em trajes europeus, nas quais grupos, ainda formados
pela sua origem étnica, dialogavam uns com os outros. A complexa história de
uma dessas tradições é aquela do movimento Beni (orquestral), ligado, em sua
origem, aos festivais agnósticos de Lamu (Quênia) e influenciado pelas orques-
tras militares alemãs. Previamente, o Beni difundiu -se na Tanzânia para, poste-
riormente, atingir a África Austral e Central
91
, onde a sua música ainda estava
em voga na Copper Belt, em 1951
92
. No Witwatersrand, um de seus consortes
era o espetáculo das danças dos regimentos zulus, porém, com base em uma nova
música
93
. Os concursos de dança e de canto eram igualmente muito difundidos
nos centros urbanos do litoral da África Ocidental.
Aproximadamente em 1940, surge um importante estilo musical de natureza
distinta: a rumba congolesa. Ela nasce após o highlife, lentamente desenvolvido
em Gana nos anos anteriores, a partir de uma espécie de desfile de músicos e
dançarinos, mediante um lento movimento de travessia de uma rua, que atingira
89 Esta seção baseia -se na contribuição de Kazadi wa MUKUNA. Consultar igualmente Kazadi wa
MUKUNA, 1980.
90 E. W. SMITH, 1962. Em virtude dos laços existentes à época colonial, após 1880, entre Léopoldville e
Accra, a semelhança nominal não pode ser fortuita.
91 T. O. RANGER, 1975.
92 J. MITCHELL, 1956.
93 H. TRACEY, 1952.
732
África desde 1935
 . A cantora egípcia Umm Khulthum em um recital na cidade de Paris em 1967. (Foto: AFP
Photos, Paris.)
a sua forma definitiva em 1930. O seu conjunto instrumental era dominado
pelos cobres, com duas variantes, uma de ritmo rápido e outra de ritmo lento,
o “blues”. O highlife finalmente foi associado ao dancing e a um estilo de dança
ocidental. Em razão disso, conquanto seus ritmos e melodias sejam de feitio
ganense
94
, ele tende, com o uso de instrumentos europeus, para modos harmô-
nicos ocidentais. Accra era, antes de 1940, o epicentro de uma tradição musical
vivida pelas grandes orquestras, tais como a Excelsior ou a Ópera Rítmica de
Accra, atuantes em toda a costa ocidental. O highlife chegou ao seu apogeu
durante os anos 1950, saindo paulatinamente de moda nos anos 1960, tanto
94 J. H. Kwabena NKETIA, 1957.
733
As artes e a sociedade após 1935
na Nigéria quanto em Serra Leoa, países nos quais um estilo musical, de inspi-
ração latino -americana e também congolesa, substituiu -o. O highlife absorvera
vários elementos do jazz, em particular nas orquestras populares de instrumen-
tos de sopro e cobre. Ele tinha igualmente características afro -calypso e reggae,
baseando -se na guitarra e influenciado pela música caribenha
95
.
O violão, cujo surgimento na África Ocidental ocorreu em 1935, foi primei-
ramente empregado na Nigéria acompanhado por tambores, aos quais se acres-
centaram, posteriormente, o acordeão e carrilhões, em acompanhamento aos
estilos de música chamados primeiramente juju e, em seguida, miliki. A música
congolesa influenciou -os sobremaneira até aproximadamente 1968, aquando do
nascimento do afrobeat, síntese do highlife e da música soul afro -americana. Este
estilo produziu outra variante, o syncro (1976). O afrobeat está especialmente
associado ao nome de um cantor de sucesso, Amikulapo Kuti Fela, autointitu-
lado porta -voz da classe operária. No transcorrer dos anos 1970, ele fundou uma
comunidade, dissolvida em 1977. Ele não deixaria de prosseguir na veia musical
contestatória, malgrado ininterrupta perseguição
96
.
A tradição congolesa configurou -se a partir da inspiração extraída em con-
certos realizados por conjuntos cubanos em visita ao Zaire, no período ime-
diatamente anterior à Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, soldados
americanos e europeus introduziram novas importantes influências. Com a
maringa surgiu uma dança cujo centro interpretativo era o casal, embora na
maior parte do tempo os parceiros dançassem ainda separados, ao som de ins-
trumentos locais, aos quais brevemente acrescentar -se -ia o violão. As importa-
ções de instrumentos europeus, até então ensaiadas, não haviam obtido êxito
97
,
contudo, os músicos dedicaram -se ao aprendizado musical através do contato
com os seus colegas europeus, os quais atuavam com eles nos bares das cidades.
O violão foi o primeiro a ser adotado, no sul do Zaire, onde tradicionalmente
utilizava -se instrumentos de corda. Ele não tardou em suplantar a onipre-
sente likembe (mbira, ou ainda sanza)
98
, não mais suficiente como expressão das
complexas harmonias exigidas pela nova música. Em 1946, o violão chegava a
Kinshasa. Este evento combinou -se com a onda de música afro -cubana, a rejeitar
95 E. W. SMITH, 1962; E. S. KINNEY, 1970; N. W. HOOKER, 1970.
96 V. TUNJI, 1976; J. LABINJOH, 1982; J. MILLER, 1985; C. MOORE, 1982; J. HOWE, 1986.
97 N. NLOLO, 1983; M. LONOH, não datado; Kanza MATONGO, 1972; S. BEMBA, 1984.
98 W. SOYINKA, 1985.
734
África desde 1935
modelos coloniais como a polca, a valsa ou a marcha, e para dar luz a uma nova
e grande tradição, nos primórdios da indústria fonográfica
99
.
As gravadoras apoiaram os cantores de sucesso. A rumba estabeleceu -se
como estilo através do comércio de discos e da sua difusão no rádio. Com a
criação do jazz africano (1953), do O.K. jazz (1956), ainda vivo, e a progressiva
adoção de letras em lingala, em detrimento do espanhol (que não permitia
transmitir senão mensagens rudimentares), a música congolesa ganhou ímpeto.
Em que pese o que subjaz dos seus títulos, o jazz tem importância menor em
Kinshasa, sobretudo a partir de 1955, ocupando no entanto uma posição bem
mais relevante em Lubumbashi, cidade onde a canção em kiswahili e tshiluba
floresceu até o imediato posterior à independência, época em meio à qual, o
exemplo de Kinshasa e as letras em lingala generalizaram -se. Certamente, esta
evolução está relacionada com o triunfo político de Kinshasa sobre Lubumbashi
(fim da secessão do Shaba, no ano de 1963, proclamação da II República em
1965), entretanto, a utilização da guitarra elétrica e a difusão do rádio portátil
transistorizado, após 1960, também contribuíram para o sucesso dos conjuntos
de Kinshasa
100
.
Conquanto as danças em voga e as variantes estilísticas se sucedessem, ano
após ano, até 1960, sob a influência das modas europeias, como chachachá e o
twist, a tradição lírica seguiria o seu curso, no essencial, de forma ininterrupta.
Além das modas passageiras, a criação de letras musicais muito elaboradas ou
de complexas baladas, transmitindo frequentemente um cáustico comentário
social, bem como, o retorno da influência própria às danças tradicionais, tiveram
uma marcante importância. A rumba conservou a sua estrutura original, a saber,
uma introdução, precedida de um curto prelúdio instrumental, apresentando o
tema principal e o posterior desenrolar do tema cantado, em duo ou trio, com
os seus refrões, e uma improvisação instrumental, sequência anunciadora do
desenvolvimento rítmico e melódico.
Paralelamente, o número de conjuntos passou de 19, no ano de 1960, para
muito mais de 200, em 1984, fortemente apoiados pelo sindicato dos músi-
cos (1965). Nenhuma comparável evolução aconteceu nas regiões vizinhas, a
música congolesa domina todo o cenário musical, não somente na África Cen-
tral, senão, igualmente, em uma parte da costa oriental e, ao sul, até o Zimbábue,
embora as letras em lingala não sejam compreendidas em todas as regiões. Em
Kinshasa, contudo, os temas transformam -se. As primeiras canções em referên-
99 PHILIPS, NGOMA, LONINGISA.
100 J. FABIAN, 1978, pp. 315 -321, no tangente à música de Lubumbashi.
735
As artes e a sociedade após 1935
cia a decepções amorosas ou evocações nostálgicas, relembrando a simplicidade
da vida rural, são complementadas, desde antes de 1960, por canções políticas,
celebrando a independência, o país e os seus heróis. Após 1960, os comentá-
rios sociais ganham maior importância e tornar -se -iam, em breve, mordazes e
sem rodeios
101
. Estas letras são, principalmente, obra de grandes vedetes, como
Luambo (Franco). A censura entra em cena em 1967 mas, não interrompe senão
levemente estas tendências, até a prisão, no ano de 1979, de Luambo, liberado
pouco após. As letras musicais tornar -se -iam mais inofensivas e a canção de
protesto deslocar -se -ia progressivamente para Camarões (o Makossa) e para o
Gabão
102
. Em meados dos anos 1970 e, com maior ênfase, após 1979, os estilos
mudaram em Kinshasa, refletindo desde então novas realidades sociais. A linha
melódica tornou -se muito mais banal e as letras menos elaboradas. Ocasional-
mente, a canção reduz -se a um “grito do coração”, acompanhado de um estilo
de dança brutal, frenético e mais acrobático, muito mais espetacular que outrora
e, igualmente, mais próximo do transe
103
.
A terceira grande mutação musical ocorre na África Austral. Nos anos 1920,
o marabi nascera nos bares clandestinos dos bairros negros. Ele era influenciado
pela polifonia ngunie e pela elaboração de ritmos complexos, urros explosivos
e harmonias inusitadas (quintas abertas). A influência do jazz norte -americano
tornava -se predominante e, durante a década de 1940, a evolução do marabi ori-
ginou o kwela, primeiramente no Malaui, em seguida, nos anos 1950, na própria
África do Sul. O acompanhamento, desde então, era dominado por uma longa
flauta de estanho, o pennywhistle, e os ritmos tornaram -se ainda mais complexo,
seguidos por uma batida regular
104
. Resultava, em derivação, um tipo de canto
a exigir um virtuosismo fora do comum, popularizado pelos discos de Miriam
Makeba
105
. O jazz influenciou, igual e diretamente, a música urbana queniana.
Nas cidades da África Oriental, tanto quanto na África do Sul, a influência
dos gostos próprios aos brancos, expatriados ou cidadãos nacionais, no que diz
respeito às correntes em voga na Europa e nos Estados Unidos da América do
Norte, foi mais forte que por toda a parte, alhures no continente
106
.
101 A título de exemplo, conferir Le dialogue d’Adam et de Dieu, por Luambo. Conferir O. DEBHON-
VAPI, 1984.
102 O. DEBHONVAPI, 1984, p. 130; B. EPHSON, 1984; ANÔNIMO, 1984; H. KALA -LOBE, 1982;
C. MONGA, 1983.
103 N. NKASHAMA, 1979; G. EWENS, 1987. Trata -se da música soukous.
104 M. Andersson, 1981; K. Cuper, 1958; D. RYCROFT, 1959.
105 J. GWANGA e E. J. MILLER, 1971.
106 G. KUBIK, 1981; J. LOW, não datado; S. H. MARTIN, 1982.
736
África desde 1935
A dança
A África dança, afirmava G. Gorer, em 1935, sobre a África Ocidental: “Eles
dançam a sua alegria e o seu sofrimento; eles dançam o amor e a raiva; eles
dançam para chamar a prosperidade e para afastar a calamidade; eles dançam
religiosamente e para passar o tempo
107
.”
Ele inquietava -se injustamente com o futuro. Tal herança não se poderia
apagar em um piscar de olhos, sobretudo porque a dança europeia, social ou
artística, jamais lhe fora concorrente. A dança social lhe fora emprestada mas,
sem oferecer senão muito pouco da sua música e pouco dos seus passos. Conco-
mitantemente, a dança rural continuou a acompanhar a sucessão de modas e a
desenvolver -se. A dinâmica desta arte era tal que, mesmo após 1900, uma nova
e complexa tradição de balé teatral, o bobongo, pôde ser desenvolvida em uma
parte do Zaire, apesar do regime colonial
108
. Os migrantes traziam as suas danças
à cidade, onde elas prosperavam frequentemente em um contexto de concursos
disputados com outros grupos étnicos ou regionais. Novidades eram introduzi-
das, notadamente a adaptação à dança de exercícios militares e da ginástica. Em
Beni, isto ocorreu antes de 1914, mas também alhures, especialmente junto aos
Ewondo de Yaoundé, onde assistiu -se, em 1970, a uma dança rítmica feminina,
executada ao som de um apito policial, na ocasião considerada sob o rótulo de
“tradicional”
109
.
As danças em nada atraíram a atenção das autoridades coloniais, até os anos
1950 e salvo como objeto de condenação ou atrativo para os dias de festa, além
de prestarem -se ao cerimonial, em homenagem aos visitantes de renome. As tru-
pes rurais, frequentemente solicitadas em tais circunstâncias, começaram então a
se recusar a dançar, ao menos sem a correlata remuneração. Desde o início dos
anos 1930, um grupo de dançarinos dogon fora enviado à Paris. Assim nasceram
grupos de dançarinos profissionais
110
. Outra fonte para o surgimento do balé
moderno, animada por Fodeba Keita, derivou da preocupação em integrar a
dança ao teatro. Keita criou os seus Ballets africanos em meados dos anos 1950.
À época, as apresentações de danças folclóricas, em ambiente fechado ou ao ar
107 G. GORER, 1945, p. 191.
108 IYANDZA -LOPOLOKO, 1961.
109 Consultar, por exemplo, J. MITCHELL, 1956; mas, igualmente, P. HARPER, 1969, p. 166, relativa-
mente à dança étnica urbana e às escolas de dança.
110 Tal foi o caso junto aos Mangbetu. A. SCOHY, 1955, p. 113; P. J. IMPERATO, 1971.
737
As artes e a sociedade após 1935
livre, começavam a tornar -se hábito de forma quase generalizada
111
. Entretanto,
outra dinâmica, o nacionalismo, desenvolvia -se desde então. As danças folclóri-
cas tornaram -se um imperativo incontornável para os nacionalistas, a tal ponto
que, no Egito, onde não existia tradição de dança rural, foi necessário criar este
gênero. O Egito também foi o único Estado africano a fundar, em 1958, um
instituto de balé europeia). Por toda parte alhures, no imediato posterior à
independência, os países voltaram -se para o seu patrimônio coreográfico com o
intuito de organizar trupes de dança. Igual e primeiramente, ao beber na fonte
do patrimônio nacional, foram criadas as condições para a abertura, nas univer-
sidades, de escolas de arte dramática.
Estas novidades modificaram de formas variadas a natureza da dança. A
prática de danças tradicionais, em contextos não tradicionais, implicava em
111 F. KEITA, 1957. Em 1958, o Zaire enviou a sua primeira companhia teatral à Exposição Internacional
de Bruxelas. Ela também era organizada por um produtor de teatro.
 . Balé africano de Fodeba Keita.
738
África desde 1935
um novo tipo de relão com o público, interação transformada em impes-
soal e baseada no pagamento de um direito de ingresso. A ênfase era dada
aos elementos espetaculares da dança, pom, com números genéricos de
movimentos simplificados e condensados. Os limites impostos pelo espo
(o palco) e pelo tempo haviam radicalmente transformado o modelo de
base e a organização geral da dança, assim como a postura dos dançarinos
aos olhos do seu pprio desempenho. Em suplemento, figurinos e movi-
mentos eram compostos sob medida, com vistas a satisfazerem as normas
de dencia urbana, produzindo como consequência novas coreografias
112
.
Por outro lado, a composição dos programas ressaltava a variedade, reali-
zando um amálgama entre danças de diferentes povos e daas de natureza
distinta. Em seu programa do ano de 1958, a troupe Changwe Yetu, uma
dança de guerra confrontava -se com uma dança fúnebre de outra região
e uma espetacular dança ginástica do sabre misturava -se com danças de
entronização dos chefes. Novas daas, integrando a mica e baseadas na
ginástica, também eram produzidas no caldeirão das cidades. A partir de
então, surgiu uma maior preocupação com a unidade artística. Faz -se cor-
responder a dança com o momento do desenrolar de uma intriga operística
(Nigéria) ou teatral, transformando -a em um acessório da arte dramática ou,
além disso, apresenta -se uma progressão de danças, de maneira a criar uma
estrutura emocional que estabeleça uma espécie de emaranhado de tenes
a resolver, bem como, uma sucessão de cenas de exposição, desaguando no
grande especulo da cena final. Produz -se, em suma e como resultado, uma
coreografia de caráter inteiramente novo.
Ao mesmo tempo, nas cidades, se a dança de caráter social não muda senão
relativamente a questões menores, em função de efêmeros modismos, as danças
rurais, por sua vez, perduram e os concursos de danças étnicas são direcionados
na forma de “festivais”, fatos paralelos à conquista de espaço, neste mesmo
ambiente rural, alcançada pelo estilo urbano de dança. Na atualidade, a dança
persiste uma atividade de predileção, na qualidade de forma artística majorita-
riamente praticada, junto à música, a mais popular de todas as artes.
112 P. HARPER, 1969, acrescenta, no caso da Nigéria, a inuência da televisão (iniciada em 1959) e do
cinema (após 1970), no que concerne às diculdades impostas à dança. Também conferir R. BERGER,
1967.
739
As artes e a sociedade após 1935
Os espetáculos públicos e o teatro
Os espetáculos públicos e o teatro constituem uma mesma e única manifesta-
ção artística, malgrado as limitões impostas pelo cenário, do palco ou do estúdio,
em oposição à sua ausência por ocasião dos festivais públicos e, inclusive, inde-
pendentemente do grau de profissionalismo encontrado junto aos atores de teatro.
Os espetáculos públicos
Os desfiles, as pantomimas e mesmo os diálogos, produzidos no palco em
meio a dançarinos mascarados, eram muito frequentes na África pré -colonial,
muito amiúde enquadrados em contextos sagrados ou cerimoniais. Muitas destas
tradições sobreviveram. Há, por vezes, uma surpreendente continuidade entre as
procissões cerimoniais dos akan, descritas por Bowdich em 1817, e o que fazem
os modernos akan, conquanto a maior parte destes eventos tenha sido atualizada
113
, buscando inspiração em novas situões, assim como em práticas europeias,
tais como os desfiles militares ou as cerimônias oficiais. Vê -se, todavia e frequen-
temente, complexos desfiles de máscaras, particularmente na costa oeste do con-
tinente, quer se trate das tradições do Festival da Lanterna de Serra Leoa ou da
Gâmbia
114
, dos desfiles asafo de Fanti
115
, do brilho das cortes dos akan, dos nume-
rosos desfiles de máscaras da Nigéria
116
ou do carnaval de Luanda. As festas em
celebração ao aniversário do Profeta, na África do Norte, e as festividades públicas
das cidades litorâneas do leste africano conservaram e, inclusive, desenvolveram
as suas atividades de entretenimento. Nas regiões rurais, os ritos de iniciação dos
garotos, com frequência concebidos como cerimônias espetaculares, eram ainda
comumente praticados em 1935ou por volta de 1950, época durante a qual V.
Turner estudou o povo ndembu (Zâmbia). Nas regiões interioranas e mesmo em
certas cidades
117
, estes ritos não se perpetuaram até os dias atuais
118
. No conjunto
113 H. COLE, 1975.
114 J. W. NUNLEY, 1985; J. BETTELHEIM, 1985.
115 G. N. PRESTON, 1975.
116 Conferir os números especiais da African Arts, vol. VI, no4, 1973, e vol. XI, no 3, 1978; consultar também
N. NZEWUNWA, 1982, e numerosas descrições na Nigeria Magazine.
117 Conferir A. DROOGERS, 1980, quem mostra como os novos elementos urbanos foram combinados
na dramaturgia.
118 Os ritos de iniciação kuba, estudados em 1982, por W. BINKLEY são, surpreendentemente, semelhantes
às atividades da mesma ordem, em 1953.
740
África desde 1935
de numerosas produções antigas, as mais espetaculares correspondiam àquelas dos
tsogho (Gabão), para as quais o espetáculo e os transes, por elas suscitados, eram
meios capitais de comunicação com o sobrenatural. O seu rito bwiti declinou
desde os anos 1930, contudo e ao mesmo tempo, os ritos o foram difundidos
ao norte do Gabão onde, doravante, eles constituem parte de novos rituais dra-
máticos
119
. O sentido do drama permanece, por toda parte, muito vivaz.
O teatro tradicional, stricto sensu, cuja manifestação consiste em encenar
uma história, perante um público, era pouco divulgado. Apesar disso, do Mali
à Cross River ou em diversas regiões da bacia do Congo/Zaire, certos povos
organizaram tais espetáculos
120
. As autoridades coloniais não viam com bons
olhos estas representações e preferiam os seus próprios desfiles, Te Deum e outras
cerimônias de festas nacionais, ao menos até o momento do descobrimento de
um valor turístico nestas atrações artísticas, após a Segunda Guerra Mundial.
Sob estas circunstâncias, alguns elementos africanos imiscuíam -se quando das
cerimônias religiosas europeias, tais como as peças satíricas encenadas durante
os desfiles da Força Pública do Congo belga. Estas sátiras derivavam de cenas
mímicas, executadas nas danças na zona equatorial
121
. Elas expunham as más
condutas no trato dos escravos em Zanzibar. Após a independência, estes indi-
víduos tornaram -se, muito naturalmente, os malfeitores do colonialismo
122
.
Posteriormente à independência, certos dirigentes começaram a utilizar
espetáculos de outrora, visando estimular o público das assembleias políticas.
As animações apresentam -se como espetáculos montados por ocasião de reu-
niões públicas, para suscitarem o entusiasmo dos espectadores em respeito às
propostas políticas, cuja apresentação aos indivíduos era imperativa, no decorrer
das reuniões ou, mais amplamente, em apoio ao regime. Slogans políticos eram,
frequentemente, lançados desta forma. Igual e inicialmente, sabe -se que a prática
difundiu -se na Guiné, antes de 1965, inspirada em antigos griôs, posteriormente
a animação foi transplantada ao Zaire, nos anos de 1967 -1970, onde as sátiras
militares, as formações de danças antigas e inclusive as majorrettes [moças em
desfile, fantasiadas com uniformes militares] ocidentais se tornaram fontes de
inspiração.
119 J. FERNANDEZ, 1982, pp. 436 -493.
120 Conferir B. TRAORÉ, 1958. Y. OGUNBIYI, 1981; M. A. ALARINJO, 1981; J. C. MESSENGER,
1962 E 1971; A. DE ROP, 1959; J. CORNET, 1982, pp. 272 -278 (peça mascarada itul); mas J. LELOUP,
1983, defende não serem estes os ancestrais do teatro moderno na África.
121 G. HULSTAERT, 1953.
122 H. DESCHAMPS, 1971, p. 560.
741
As artes e a sociedade após 1935
O teatro
O teatro, propriamente dito, cuja essência consiste em encenar uma intriga
no palco, frequentemente conforme às convenções da arte dramática italiana
e utilizando um texto decorado, geralmente em língua europeia, este evento
artístico é incontestavelmente uma inovação urbana
123
. Inicialmente, a disci-
plina tomou forma nas missões e nas escolas; trata -se comumente de peças
em um ato, encenadas com objetivos didáticos ou para suscitarem a conversão
religiosa
124
. Os temas são, correntemente, extraídos da Bíblia ou fábulas morais,
normalmente com mordazes porções satíricas. Pois, não se permite esquecer
que o teatro deva tanto divertir quanto ensinar. O desenvolvimento do teatro
seguiu direções muito diferentes nas regiões sob a autoridade francesa, belga ou
portuguesa, nas quais o modelo era a tragédia francesa, e nas regiões sob a auto-
ridade britânica, ao menos na África Ocidental, onde a escola não representava
a única via de acesso ao teatro. Por outra parte, na África do Norte, a situação
era sensivelmente diferente.
No Egito, o teatro alcançou grande popularidade ao final do século XIX.
A ópera europeia, forma de arte tão etnocêntrica quanto o teatro , no Japão,
encontrou aqui, inclusive, um favorável terreno nos tempos do quediva Isma’il.
Nos anos 1930, a maior parte dos teatros utiliza o árabe coloquial. uma
forte produção de suaves comédias, de farsas e de peças edificantes, o que não
impede a produção por Tawfik al -Hakim, entre outros, de dramas relativos às
grandes questões humanas universais. A partir de meados dos anos 1950, o
teatro volta -se para temas sociais, realistas, e também simbólicos. As peças são
fortemente influenciadas pelo cinema, da mesma forma que este último, ele
próprio, foi fortemente inspirado por elas. Em 1964, nove ou dez teatros do
Cairo encenaram peças árabes, clássicas ou modernas, comédias e operetas egíp-
cias. O público aprecia tanto peças realistas, à imagem daquelas de Yusuf Idris,
quanto peças simbólicas, portadoras de uma mensagem revolucionária, como as
obras de Nu´man Ashur, favoráveis às teses igualitárias
125
. Desde então, o teatro
foi utilizado, com menor intensidade, para doutrinar o público mas, como no
123 Encontrar -se -á uma bibliograa recente em Recherche, Pédagogie et Culture, vol. 61, 1983, pp. 101 -105.
Os estudos de base são: W. SOYINKA, 1985; B. TRAORÉ, 1958; Y. OGUNBIYI, 1981; P. PARÍCSY,
1971; ANÔNIMO, 1971; R. MSHENGU -KAVANAGH, 1979 e 1981; M. SCHIPPER, 1982.
124 Para o texto (esboço da intriga, os diálogos mantidos livres) de uma peça encenada na escola, em 1934,
ver R. BONNEAU, 1972. Conferir também G. HULSTAERT, 1953; B. LINDFORS, 1980.
125 Encyclopedia Britannica, Macropedia, vol. IX, p. 981; P. MANSFIELD, 1965, pp. 124 -125; P. J. VATI-
KIOTIS, 1980, pp. 455 -456.
742
África desde 1935
cinema, as tendências melodramática, cômica, realista e simbólica, neste âmbito
continuaram a se manifestar.
A Líbia, a Tunísia e a Argélia possuíam uma tradição comum, ligada ao tea-
tro de sombras, o Karaguz, originado na Turquia. Porém, não houve influência
alguma na época colonial. Por razões de ordem moral, o teatro era reprovado
pelos ulama’. As peças eram encenadas, especialmente, em francês e em italian,
para as comunidades de expatriados e para uma fração da elite. A censura, por
sua vez, era severa. Anteriormente à independência, na Tunísia e no Marrocos, a
principal atividade consistiu na tradução de peças europeias para o árabe clássico
ou coloquial; produziu -se, no entanto e na Tunísia, uma pequena quantidade
de peças abordando temas didáticos (a juventude perdida, a droga, o mercado
negro). Aproximadamente ao final dos anos 1960, o público urbano, no conjunto
magrebino, abandona a sua apatia. O número de trupes começa a aumentar.
Deste modo, constrói -se um teatro moderno, baseado principalmente em peças
de um ato, por sua maior parte, sátiras ou melodramas, salvo na Argélia, onde se
produz correntemente peças propagandísticas, muito amiúde aludindo à guerra
de libertação
126
.
Nos anos 1950, as regiões francófonas da África Ocidental assistiram ao
desenvolvimento de um teatro acadêmico. Os autores dramáticos tinham assidu-
amente frequentado a escola de William Ponty; no período de 1933 a 1960, na
qualidade de mestre em Dakar, ele solicitava aos seus alunos a redação de peças
teatrais, inspiradas em suas pesquisas sobre o “folclore”. Excetuando -se alguns
temas históricos, estas produções ganharam notoriedade em virtude da sua crí-
tica ao regime colonial, do seu tratamento no tocante às tensões entre a velha
geração, com as suas concepções de mundo, e as ideias da nova geração, bem
como pelo seu pronunciado gosto pela sátira. A maior parte das peças rendia -se
às regras em uso no teatro europeu, com tamanha fidelidade que os alunos de
Willian Ponty não produziam senão esboços de texto, deixando larga margem
à improvisação nos diálogos. Todavia, junto aos autores dramáticos, os quais
dedicaram posteriormente à criação de peças mais extensas, este traço desapa-
receu. Alguns poucos, tais como Cheick N’Dao, em Lexil d’Albouri (1969), em
busca de um teatro total, integraram às suas obras a poesia, o canto e a dança. A
maioria permaneceu à margem destas inovações. O caso de B. Dadié, na Costa
do Marfim, é característico, a este respeito. Ele continuou a escrever, ao longo
dos anos 1970, segundo o perfil criativo adotado em Assemien Débylé, a peça dos
126 A. ROTH, 1961; H. DJAZIRI, 1968; H. D. NELSON, 1978, p. 141. No Marrocos, os sindicatos se
serviram do teatro para tornar pública a sua causa, todavia, sem grande sucesso.
743
As artes e a sociedade após 1935
seus primeiros ensaios, encenada em Paris, no ano de 1937
127
. Os dramaturgos
congoleses seguiram esta tradição, conquanto o desenvolvimento do seu teatro,
inspirado nas trupes itinerantes e no teatro escolar, seja posterior a 1955
128
.
Após a independência, o repertório habitual enriqueceu -se de peças propagan-
dísticas, as quais não alcançavam o palco senão quando comportavam elementos
micos
129
. O principal problema do teatro consistia, de fato, no seu insuficiente
poder de atração. Isto se deveu, parcialmente, aos problemas relacionados à língua,
embora certos autores tenham escrito em línguas africanas ou, com mais frequ-
ência, traduzido as suas obras para línguas urbanas locais. Contudo, estas obras,
elas próprias, eram acolhidas sem entusiasmo pelo grande público. As convenções
formais, as leis do teatro, notadamente a regra de unidade entre espaço e tempo,
eram simplesmente muito alheias à experiência do público.
No entanto, a partir de 1947, Fodeba Keita
130
tentou delas desvencilhar -se.
A dança e o canto corálico acompanhavam a ação e interpretavam -na à medida
que o ator principal a articulava oralmente, em Mande (Malinke), do mesmo
modo que na Grécia clássica. Mas, sem desdobramentos, esta forma não se
transformou em um teatro mais carnal. Ela obteve, contudo, certo sucesso como
quadro de referência para numerosas companhias de balé, as quais seguiram o
modelo dos seus Balés Africanos. A dança e o espetáculo atingiram o auge,
em detrimento da riqueza e da complexidade da intriga. Em suma, estes balés
eram mais prestigiados pelo público de países estrangeiros que pelo público
local, assim sendo, eles poderiam apresentar -se, enquanto tal, como uma arte de
vocação turística
131
. Portanto, o teatro e o balé romperam laços com a cultura do
seu público, tornando ainda mais contundente a preocupação com a negritude,
recorrente, de forma invariável, em seu repertório.
Durante este período, o teatro desenvolveu -se de maneira muito diferente
nas antigas colônias britânicas da África Ocidental. Nos anos de 1920, um teatro
de vaudeville, em inglês e nas línguas locais, prosperava em Gana; posterior e
proximamente, nos anos 1930, surgiu um teatro de inspiração europeia, porém,
em línguas vernaculares, cujo primeiro sucesso foi uma peça de F. K. Fiawoo,
127 B. TRAORÉ, 1969; W. ZIMMER, 1985.
128 Conferir também Jeune Afrique (Élisabethville) números de 1958; Y. L. MUNDARA, 1972; M. DU
MA -NGO, 1980; KADIMA -NZUJI, 1981.
129 N. S. HOPKINS, 1971.
130 F. KEITA, 1957; P. PARICSY, 1971, pp. 54 -56.
131 Para obter exemplos dos meios através dos quais os governos concebem as companhias de dança como
relevantes para o setor turístico, contendo notadamente as declarações do Governo da Zâmbia, consultar
UNESCO, 1982.
744
África desde 1935
escrita em ewe
132
. As duas tradições perduraram
133
, embora com menos sucesso
no tocante à tradição acadêmica, comparativamente àquele alcançado pelo vau-
devile. A vertente acadêmica perpetuou -se, neste ínterim, tanto em línguas ver-
naculares, quanto em inglês, pois este idioma permitia às peças didáticas serem
encenadas nas escolas. As duas tendências ganharam uma amplitude espetacular.
A primeira foi desenvolvida por H. Ogunde. Ele criou, em 1944, uma peça
musical para a Church of the Lords de Lagos, empregando o yoruba e contendo
uma intriga articulada, baseada na música e na dança, deixando livre curso ao
improviso. Tal foi o ponto de partida para a tradição operística oeste -africana.
Ogunde casava o espetáculo tradicional ao diálogo, à encenação e a outros
elementos da tradição do vaudevile. As suas produções alcançaram tamanho
sucesso que os recursos obtidos permitiram -lhe lançar as bases institucionais e
comerciais do teatro nigeriano
134
.
No âmbito acadêmico, surgiu W. Soyinka. Formado na cidade de Londres,
em 1955, em seguida retornado à Nigéria, em 1959, onde criou as primeiras
verdadeiras peças acadêmicas. À vontade em meio às técnicas europeias, ele era
capaz de dominá -las, de modo a integrar -lhes elementos dramáticos yoruba.
O seu exemplo foi seguido, a partir de 1960, por outros autores dramáticos de
talento, tais como J. P. Clark
135
.
Paralelamente, em Gana, E. T. Sutherland, escrevendo em fanti, desenvolveu
o teatro acadêmico a partir de 1958 e criou, em 1961, uma nova concepção tea-
tral, primeiramente chamada comédia musical e posteriormente ópera. Era uma
pantomima para dançarinos, acompanhados de coristas e solistas. Estes últimos
desenrolavam o novelo da intriga em fanti, ao passo que um comentador dela
oferecia um equivalente em inglês
136
. Porém, a ópera encontrou a sua verdadeira
expressão africana na pessoa de Duro Ladipo, criador da sua primeira obra em
1961, no centro artístico de Oshbogo. De 1962 a 1964, ele produziu um ciclo
invocando os reis históricos de Oyo. Esta nova forma tornou -se o protótipo
da ópera yoruba, combinando um texto yoruba de alta qualidade literária, com
a sátira social e a reflexão metafísica. A forma operava uma espetacular fusão
entre a tradição acadêmica e o gênero popular criado por Ogunde, em razão da
132 Em resposta a um concurso organizado pelo International African Institute.
133 J. COLLINS, 1985; K. N. BIAME, 1968.
134 E. CLARK e H. OGUNDE, 1979.
135 O. OGUNBA, 1966; O. OGUNBA e A. IRELE, 1978; Y. OGUNBIYI, 1981; M. ETHERTON, 1982;
A. RICARD, 1975.
136 K. MUHINDI, 1985; S. ACQUAYE, 1971; O. CHINYERE, 1980.
745
As artes e a sociedade após 1935
qual o autor foi apoiado em seu trabalho de elaboração
137
. Após os anos 1960,
a forma e o conteúdo em nada se modificaram. A inspiração provém, em sua
essência, das tradições orais, aplicadas, entretanto, em situações contemporâ-
neas, com frequência para expressar um descontentamento e eventualmente
com finalidade satírica. Alguns dos principais autores dramáticos, à imagem de
Soyinka, passaram da sátira ao desespero. Por sua vez, Femi Osofisan, o mais
célebre autor da nova geração nigeriana, passou a escrever peças, preconizando
fórmulas políticas radicais. Embora admonestem Soyinka, ele e outros apre-
sentam uma linguagem, uma estruturação dramática e, inclusive, uma temática
muito semelhante às do autor
138
.
Estas evoluções desdobraram -se na consolidação do teatro, nas suas formas
popular e acadêmica, sobre o solo fértil de Gana e, sobretudo, na Nigéria. Este
teatro distingue -se, totalmente e a este respeito, da alienada tradição francófona.
Porém, ele diferencia -se igualmente da arte dramática produzida em outros
pontos da África anglófona.
Na África Oriental, o teatro desenvolveu -se mais lentamente. Ele teve como
centro de gravidade o Colégio Universitário de Makerere. O primeiro autor
dramático começou a escrever peças em um ato, empregando um inglês relati-
vamente hesitante, no início dos anos 1960. Diante do pouco interesse manifes-
tado pelo público, em relação às peças de língua inglesa, iniciou -se logo a seguir
uma experimentação em línguas nativas, primeiramente em kiswahili e kiganda
mas, igual e posteriormente, em luo e kykuiu. Ngugi foi o único a ultrapassar, no
ano de 1966, a dimensão da peça em um ato. Por vezes, a censura foi feroz em
Uganda, no entanto, ela também consistiu em um verdadeiro problema noutros
países. Por outro lado, a aceitação em bloco das convenções teatrais europeias,
especialmente em Makerere e no decorrer dos anos 1960, retardou a aceitação
do teatro pelo público
139
.
Na África do Sul, o apartheid talvez tenha sido a principal razão do conside-
rável atraso no desenvolvimento do teatro produzido para auditórios africanos,
comparativamente ao ímpeto da literatura africana que, antes de 1935, produ-
zira uma obra -prima como o Shaka de Mofolo. A obra de Mphalele consistia em
um teatro a ser lido, muito mais que encenado. O teatro africano prosseguiu o
seu curso com a produção King Kong, em 1959. Este sucesso permitiu ao grupo
da Universidade de Witwatersrand, o seu produtor, desenvolver -se e oferecer
137 U. BEIER, 1970 e 1973.
138 C. DUNTON, 1984.
139 M. M. MAHOOD, 1966; R. SERUMAGA e J. JOHNSON, 1970; L. A. MBUGHUNI, 1976.
746
África desde 1935
aos africanos um ensino musical e teatral. Mas, simultaneamente, Gibson Kente
começava a produzir peças mais populares. As representações desta arte dos
townships ocorriam em salões de festas comunitários e tinham como vocação o
divertimento, de 1958 ao final dos anos 1960. Havia, no entanto, outra vertente
de desenvolvimento teatral: as peças montadas nas escolas, em línguas africanas.
Nos anos 1970, o People´s Experimental Theater e outros grupos começaram
a montar peças de cunho político, escritas por Credo Mutwa e alguns outros.
Malgrado a censura e as prisões, esta forma de arte dramática permaneceu muito
vigorosa até as sublevações de Soweto. A repressão forçou a produção de peças
sem texto, portanto, não censuráveis. Até recentemente
140
, a situação política
impediu a elaboração de qualquer repertório teatral distinto daqueles que tra-
tavam problemas políticos. Existem nos dias atuais peças escritas em todas as
línguas africanas, cobrindo vasta gama temática
141
.
O teatro europeu não foi facilmente aceito na África, em razão das suas
convenções, do seu caráter literário, por não prever a participação da plateia e
privilegiar as mensagens didáticas, em detrimento da diversão, sem levar em
consideração as barreiras impostas pelo emprego de línguas estrangeiras. Em sua
forma clássica, ele não foi aceito senão por uma fração das elites e por governos
que lhe consideravam um produto de prestígio, incentivador do orgulho nacio-
nal. Mas, onde o teatro soube livrar -se das suas convenções, admitir os gostos
populares, empregar as línguas nativas, sobretudo nos diálogos, permitir ao
menos uma pequena participação do auditório, tornando -se menos intelectual,
mediante estas circunstâncias ele, por via de regra, obteve sucesso. Em uma das
situações extremas, as peças tornaram -se simples comédias musicais, de con-
teúdo dos mais sumários. Entretanto, como demonstrou a experiência, muito
especialmente no tocante ao teatro e à ópera nigerianas, unicamente produções
populares são capazes de alcançar uma alta qualidade dramática e literária.
O cinema e a televisão
O rádio, o cinema e a televisão são as mídias cuja natureza mais se aproxima
daquela própria aos antigos modos de expressão da tradição oral. Contudo, falta
140 M. HOMMEL, 1962; edição especial do eater Quarterly, vol. 7, 1977 -1978; M. MABOGOANE,
1983.
141 Para obter uma apreciação geral, consultar A. FUCHS, 1985; M. M. MAHOOD, 1966, pp. 25 -26; R.
MASHENGU -KAVANAGH, 1981.
747
As artes e a sociedade após 1935
ao rádio o impacto visual que trouxe vigor ao cinema ou à televisão, mídias
voltadas, a um só tempo, para a audição e a visão. O cinema, quanto a ele e em
seu conjunto, mostrou -se mais distante da principal corrente da tradição oral
africana, comparativamente à televisão e especialmente no tangente ao emprego
das técnicas de vídeo, em razão desta última conservar muito mais espontanei-
dade que o primeiro. Dentre os três, o cinema foi o precursor: filmes estrangeiros
foram exibidos no Egito, a partir de 1905, e ao sul do Saara, após os anos 1920,
tanto em alguns teatros urbanos, quanto sob a forma de sessões de cinema
itinerante em zonas rurais. Desde os primórdios, os filmes foram muito bem
acolhidos, embora o público mal compreendesse os filmes estrangeiros projeta-
dos. Este estado de coisas suscitou a produção de grande número de películas,
sempre didáticas (inclusive os longas -metragens), destinados, pelos estrangeiros,
a um público africano mais esclarecido. Assistiu -se igualmente ao estabeleci-
mento e fortalecimento da censura dos filmes projetados
142
. Essencialmente, os
primórdios do rádio remontam aos anos 1930. Contudo, somente após 1960,
este veículo tornou -se o meio de comunicação de massa por excelência, quando
o continente foi inundado com aparelhos transistorizados, a pilhas e com preços
módicos. O rádio permaneceu solidamente em mãos governamentais, desempe-
nhando o seu primeiro grande papel na formação da opinião pública, nos anos
precedentes à independência. As primeiras emissões televisivas ocorreram, em
1959, na cidade de Ibadan e, no ano seguinte, no Cairo. Este meio de comuni-
cação levou mais tempo a difundir -se, em razão do custo relativamente elevado
dos investimentos em infraestrutura e pelo alto preço dos receptores. Entretanto,
em 1985, praticamente todos os países africanos haviam implantado canais
televisivos e dedicavam -se a garantir o alcance dos sinais no conjunto do seu
território. Nós trataremos primeiro o cinema e, em seguida, a televisão.
O cinema
O primeiro filme produzido por um africano é, indubitavelmente, Ghézal,
a filha de Carthage (1924), uma produção tunisiana, rapidamente sucedida por
Leila (1926) e Zainab (1926), dois filmes egípcios. Estes filmes inspiravam -se
em modelos teatrais, porém, as convenções teatrais não tardariam a ser violadas
e, a seguir, abandonadas. Os Studios Misr iniciaram as suas atividades em 1934
e, desde então, a indústria cinematográfica ganhou ímpeto, produzindo breve-
142 F. RAMIREZ e C. ROLOT, 1985.
748
África desde 1935
mente vários filmes ao ano. A temática é contrastante com a realidade colonial.
A reticência dos governos coloniais em concederem a possibilidade da produção
de filmes a africanos explica -se através de motivações políticas. Contudo, con-
siderações financeiras também contribuem para esclarecer os motivos do atraso
ocorrido, a provocar a tardia entrada em cena, em grande número de países, dos
primeiros produtores cinematográficos, advindos somente nos anos 1970.
A produção de filmes é um empreendimento comercial. Ela exige um subs-
tancial aporte inicial de recursos para a prodão, propriamente dita, assim
como a criação de uma rede de distribuição e a construção, ou ainda adaptação,
de salas de projeção. Os aportes de recursos, na qualidade de investimentos,
não podem ser captados senão após a entrada de receitas de bilheteria, por sua
vez, os capitais, passíveis de reinvestimento na produção, consistem no restante
obtido, após efetuado o pagamento aos proprietários de salas de exibição e às
companhias de exibição cinematográfica. Até os dias atuais, somente o Egito
logrou êxito em erigir uma indústria eficaz e autofinanciada. A outra solu-
ção reside na garantia, pelo Estado, do financiamento inicial da sua indústria
cinematográfica, cabendo -lhe, posteriormente, zelar pelo estabelecimento desta
última sobre sadias bases financeiras. Uma modesta indústria pôde ser criada,
na Nigéria e no Marrocos, com base nesses preceitos; o Senegal, quanto a ele e
a partir de 1969, soube implantar uma rede de distribuição, bem como construir
salas de exibição, desta forma o sistema ensaia a sua autossuficiência. Encontra-
-se, de forma mais recorrente, um sistema distinto, na Argélia, na Tunísia, no
Mali e em Burkina -Faso, países nos quais os governos encomendaram filmes
propagandísticos e educativos, sem a inclusão de longas -metragens. Todavia, esta
política teve como efeito o estabelecimento das competências in loco, de modo a
facultar, a certos estúdios de produção e aos primeiros diretores cinematográficos
destes países, a possibilidade de tirar proveito destas condições. No entanto,
após 1970, a existência de estúdios televisivos desempenhou um papel muito
mais relevante a este respeito. A televisão tendeu a promover a realização de
filmes, fornecendo equipamentos e um mercado. Porém, ultimamente, o papel
preponderante atribuído ao vídeo, em detrimento do filme, tendencial e desfa-
voravelmente, repercutiu sobre a produção cinematográfica
143
.
143 P. HAFFNER, 1978; G. HENNEBELLE, 1972; G. HENNEBELLE e C. RUELLE, 1978; J. BINET
e colaboradores (org.), 1983; P. S. VIEYRA, 1968, 1975 e 1983. VIEYRA também concede reportagens
regulares à Présence africaine, especialmente em relação aos festivais de cinema, como aqueles de Oua-
gadougou ou de Cartago.
749
As artes e a sociedade após 1935
A maioria dos governos hesitava em investir pesadamente no setor, pois que,
contrariamente ao senso comum, o cinema não é um meio de comunicação de
massa. Ele não é comparável ao rádio e à televisão, detentores da prioridade
absoluta em todos os países. Quando o Alto -Volta (atual Burkina Faso) rom-
peu com o monopólio dos distribuidores estrangeiros, em 1969, existiam não
mais que dez cinemas em todo o país. O Gabão contava apenas oito em 1986.
O Senegal, atualmente detentor da melhor infraestrutura da África tropical,
possui 80 cinemas e 13 milhões de espectadores ao ano. Neste caso, insinua -se
um espetáculo de massas. Um dos grandes sucessos de bilheteria foi o filme do
xeque Oumar Sissoko, Nyamaton, exibido no Festival de Ouagadougo, em julho
de 1986. Esta película atraiu 35.000 espectadores em duas semanas; entretanto,
comparativamente aos milhões de espectadores cotidianamente cativados pela
televisão, tal auditório não representa nada de massivo
144
.
Em suma, conquanto o cinema não se apresente como meio de comunicação
de massa, as produções são assaz capazes de provocar uma luta permanente entre
interesses culturais concorrentes. No curso da sua luta por mercados, em países
nos quais os governos tentam estabelecer políticas culturais próprias, em defesa
do interesse nacional, a Índia, o Egito, a França, a Grã -Bretanha e os Estados
Unidos da América do Norte, demonstram uma forte rivalidade. Assim sendo,
duas companhias de distribuição francesas detinham um monopólio absoluto
no conjunto do mercado de língua francesa da África Ocidental, situação em
vigor até 1969, quando o Alto -Volta rebelou -se. Todavia e até os dias atuais, a
maior parte da região permanece dominada por companhias francesas
145
. A forte
proporção de filmes indianos e egípcios na África tropical deve -se à opinião
pública. Os países ocidentais disputam o restante, cerca de 20% do mercado. Os
principais protagonistas são a França e os Estados Unidos da América do Norte.
Os governos africanos, em um primeiro momento, buscaram simplesmente
jogá -los um contra o outro, admitindo, todavia, coproduções através das quais
se efetuava uma transferência de tecnologia cinematográfica. Entretanto, no
curso dos anos 1980, tornou -se usual dirigir -se a outros parceiros estrangeiros,
especialmente Cuba e os países da América Latina
146
.
Em tais condições, faz -se mister esperar uma censura e os governos têm
ideias muito definidas sobre a questão cinematográfica. Unicamente os bons
filmes africanos” devem ser objeto de incentivo e, ao cinema, se lhe impõe existir
144 M. DIAWARA, 1986 e 1987; P. MICHAUD, 1986.
145 M. DIAWARA, 1986.
146 M. SHIRAZI, 1987.
750
África desde 1935
como uma agradável e elegante maneira de desenvolver, junto aos povos africa-
nos, algumas posturas desejáveis, em prol do bem -estar, da higiene, da educação,
da disciplina e do trabalho
147
”.
Ao abordarmos o cinema, na qualidade de expressão artística, convém guar-
dar, no espírito e em permanência, todas as considerações precedentes, pois elas
limitam a visão do cineasta, embora transformem -na profundamente. No que
tange a esta questão, vamos nos limitar a analisar os únicos grandes centros de
produção. Existem, na África, muito além de 250 produtores cinematográficos,
atuantes e estabelecidos em pouco mais de 40 países.
O primeiro cinema egípcio era romântico, ao feitio da classe média urbana.
Logo após a inauguração dos Studios Misr, surgiram diretores de cinema espe-
cialistas na realização de comédias musicais e melodramas, sob forte influência
do teatro. Esta tendência persiste até os dias atuais. Mas, em 1939, teve lugar o
nascimento do cinema neorrealista. A Segunda Guerra Mundial fez do cinema
um negócio muito lucrativo. A produção aumentou em 300%, porém, tratava-
-se de um cinema de entretenimento, medíocre em sua qualidade. Desta forma,
muitos filmes emprestavam temas relativos à vida dos boêmios nas discotecas.
Durante os anos 1950, acompanhamos o surgimento dos filmes de guerra,
policiais e folclóricos, um renascimento do cinema verista, focado no drama
psicológico individual, assim como adaptações para a grande tela de alguns dos
romances de N. Mahfūz. Em 1952, a indústria foi nacionalizada, praticamente
em seu conjunto, entretanto, sem grandes efeitos sobre os projetos em curso. O
melodrama e a farsa mantinham a sua predominância como gêneros de predile-
ção. Destarte, a indústria cinematográfica egípcia ocuparia, desde logo, a décima
segunda posição no ranking mundial, dominando o Oriente Médio e a África
do Norte. Grande parte dos 50 ou 60 filmes produzidos anualmente, nos anos
1960, pertence aos gêneros acima evocados. Assistia -se, contudo, ao desenvolvi-
mento de um realismo populista. Problemas próprios ao período, como o debate
sobre a situação das mulheres, tornavam -se matéria -prima para a produção de
filmes. Havia, igualmente, um movimento de adaptação para a grande tela de
célebres obras literárias. A crítica ataca, muito amiúde, a filmografia egípcia em
razão da sua superficialidade e das suas intrigas simplistas, porém, o público as
aprecia. Anualmente, o cinema egípcio produz um volume equivalente àquele
realizado na África tropical em 25 anos. Neste país encontramos todos os gêne-
ros do cinema contemporâneo. Regularmente, obras de alta qualidade técnica,
147 ANÔNIMO, 1987.
751
As artes e a sociedade após 1935
a expressarem pensamentos e sentimentos originais, emergem em meio a uma
produção medíocre
148
.
No Magreb
149
, modestos centros de produção surgiram em Argel e no Mar-
rocos. O governo argelino decidiu, desde o início, subsidiar a produção de filmes
propagandísticos, sobre a guerra da independência e o socialismo de Estado; ele
não proibiu, todavia, a crítica à sua burocracia, apresentada em algumas recentes
produções. Os poucos filmes tunisianos (a partir de 1966) tendem a se enqua-
drar na mesma categoria. O Marrocos produziu películas marcadas pela busca
do sucesso comercial e alguns filmes de caráter mais intelectualizado. Os mais
notáveis destes filmes lembram Buñuel e utilizam a simbologia para cativar o
espectador, muito mais que a intriga ou a ação.
Os africanos francófonos do ocidente procederam à suas primeiras experi-
ências cinematográficas aproximadamente em meados dos anos 1950, primeira-
mente na cidade de Paris e, posteriormente, em Dakar
150
. O primeiro verdadeiro
longa -metragem, dirigido por Ousemane Sembene (1966), foi La Noire de...
Sembene
151
e dominou o espectro cinematográfico na África de língua francesa;
ele também foi o único diretor de cinema a ter alcançado os meios de finan-
ciamento da sua arte. Formado na tradição verista russa, o seu cinema utiliza
a imagem para apresentar problemas sociais e apoiar diálogos sobre profundas
verdades e ideologias fundamentais. Assim sendo, ele foi o fundador de uma
tradição intelectualizante. Toda a sua obra trata do embate entre os modos de
vida colonial e europeu, bem como das realidades africanas componente de
negritude −, das tensões entre as classes sociais componente marxista −, ren-
dendo tributo aos heróis pré -coloniais componente nacionalista. Este último
aspecto encontra a sua maior expressão em seu Samori, série épica composta de
seis episódios, produzida para a televisão.
Malgrado a penúria de meios financeiros, cerca de duzentos diretores de
cinema são oriundos da África francófona. Grande parte da sua produção é
didática e intelectualizante, gerando uma rejeição do público. No entanto, alguns
autores, notadamente Souleymane Cissé ou xeque Oumar Sissoko, transcende-
ram a herança de Sembene. A qualidade lírica de Cissé tornou -o célebre e o
148 A. ELNACCASH, 1968; G. HENNEBELLE, 1972, pp. 13 -81; P. MANSFIELD, 1965, pp. 125 -126.
Em 1972, o Egito produzira ao total cerca de 1.400 lmes contra 50, em vinte e cinco anos, no que se
refere à África ao sul do Saara (G. HENNEBELLE, 1972, p. 77).
149 M. BERRAH e colaboradores, 1981; G. HENNEBELLE, 1972, pp. 105 -194.
150 O lme de P. S. VIEYRA Afrique -sur -Seine é, geralmente, considerado o precursor, mas há controvér-
sias. Conferir V. BACHY, em J. BINET e colaboradores (org.), 1983, p. 24.
151 F. PFAFF, 1984; O. OKORE, 1984; M. B. CHAM, 1984; R. A. PORTIMER, 1972.
752
África desde 1935
Nyamaton de Sissoko, relativo à vida de estudantes pobres e ricos, suscitou uma
ampla opinião favorável. Conjugando documentário e ficção, ele não propõe
soluções, priorizando a ação e a imagem, em detrimento do debate intelectual
desenvolvido nos diálogos. Grande receptividade causou, junto ao público, a
representação nas telas de uma sociedade aos seus olhos muito familiar, sobre-
tudo, porque a língua falada no filme é o bamana
152
. Sissoko seguiu a via de uma
tendência nascida pouco antes, ao abandonar o francês em benefício de línguas
nativas. O filme policial camaronês é um gênero novo e inteiramente distinto.
Situando -se em oposição a Cissé ou Sissoko, ele igualmente rompeu com a
herança de Sembene, embora fazendo concessões ao gosto popular.
Na Nigéria, a televisão desenvolveu -se muito antes do cinema, estabelecendo
as condições de uma infraestrutura técnica. O cinema começou seguindo a tra-
dição do teatro yoruba, utilizando a estrutura financeira deste último. Não
longas -metragens antes de 1972, quando foi filmada uma peça de Soyinka. O
primeiro diretor do cinema formou -se segundo a tradição francesa mas, Ogunde
ensinou -lhe um modo de realizar um filme, a um só tempo, ao gosto popular e,
artisticamente, conforme à tradição dos espetáculos musicais. A Nigéria produz,
bem ou mal, um longa -metragem por ano, desde 1975, em que pese o cinema
não receber subsídios. No entanto, o cinema sofre com o domínio monopolista
da produção em vídeo, adquirido no âmbito televisivo
153
.
Os primeiros filmes realizados na África do Sul, baseados em roteiros escri-
tos por africanos, datam de 1975. Eles estão submetidos à censura e concorrem
comercialmente, por um lado, com os filmes produzidos para um público branco
e, por outro, com aqueles patrocinados pelo governo para difusão nos seus ban-
tustões. O precursor foi um filme zulu, Ikati elimnyama [O Gato Preto]. Ao
menos um outro filme foi inteiramente produzido por um africano. De maior
importância é a produção de documentários e relatos cinematográficos sobre o
apartheid. Entretanto e indubitavelmente, a produção cinematográfica africana
não prospera nesta região
154
.
O grande público tem, manifestadamente e bem melhor, acolhido o cinema,
comparativamente ao teatro. Porém, o pouco sucesso dos filmes africanos em
relação aos filmes importados, e, sobretudo, frente às produções indianas e egíp-
cias, coloca em evidência o esquecimento da diversão, por parte dos cineastas
africanos. O flagrante êxito egípcio deve -se à abundância de comédias e melo-
152 M, DIAWARA, 1987.
153 A. OPUBOR e O. NWUNELI, 1979; A. RICARD, 1982; M. B. CHAM, 1982; T. FIOFORI, 1986b.
154 M. PHETO, 1981; T. KEYA, 1981.
753
As artes e a sociedade após 1935
dramas (as novelas televisivas), produzidos anualmente. Os diretores de filmes
africanos pretendem ensinar e conscientizar o público. As suas preocupações são
de ordem política (as classes sociais, o neocolonialismo, a dependência), moral
(a alienação e as mazelas da modernidade, em oposição à tradição), didática
(papel das mulheres camponesas, de boa índole e simples, em contraste com as
más e complexas mulheres citadinas; os prejuízos das drogas), pessoal (proble-
mas identitários) ou derivam da militância cultural (o curanderismo tradicional
em antítese à medicina ocidental)
155
. O público deseja que lhes sejam contadas
estórias, sejam elas românticas, históricas, dramáticas ou cômicas. Ele adora
mistério, aventura, beleza fascinante e ação heroica. Atualmente, não mais que
alguns diretores cinematográficos dedicam -se a responder a estas exigências.
A televisão
A televisão chegou a Camarões e no Burundi em 1984. Estes países estive-
ram entre os últimos a adotarem a nova e custosa mídia. T. M. Azonga descreve
o que ela significa para os camaroneses. Eles podem, desde então, assistir aos
seus ídolos, sejam eles músicos, esportistas ou líderes políticos. Eles descobrem
o seu próprio país, as suas paisagens, as suas cidades e cenas da vida rural, das
quais eles sequer haviam ouvido falar. Eles percebem abrir -se um mundo diante
de si, aprendendo o significado do apartheid e, flagrando a execução da sua
brutalidade, ou ainda, acompanhando os horrores da guerra Irã -Iraque. Eles
penetraram nos augustos círculos de poder, como a Assembleia Nacional, e
veem o desenrolar da realidade na vida pública, bem como os seus desafios
156
.
Em nada causa espécie que a televisão tenha, tão rapidamente, ultrapassado a
popularidade do rádio ou que o público tenha demonstrado disposição em gastar
elevadas somas para dela usufruir. No ano de 1986, 50.000 postos receptores
haviam sido vendidos, dentre os quais muitos televisores preto e branco, de
origem sul -coreana, vendidos a preços acessíveis e, ainda em maior número, apa-
relhos a cores, de custo mais elevado. Camarões não constitui um caso isolado.
Em 1986, no vizinho Gabão, uma em cada doze pessoas possuía uma televisão
e, na Nigéria, um quinto da população (20 milhões de pessoas) assistia coti-
155 Conferir a análise de F. BOUGHEDIR, 1983.
156 T. M. AZONGA, 1986.
754
África desde 1935
dianamente à sua programação
157
. É indubitável a equivalência das estatísticas
noutros países.
Tamanho sucesso não poderia deixar governo algum indiferente. Assim
sendo, os governos haviam percebido qual o poder lhes era oferecido a partir dos
primórdios da televisão, na Nigéria em 1959
158
, no Cairo em 1960 e, após a sua
introdução nos países europeus. Para um governo, a televisão deveria representar
a sua voz, como o fizera o rádio, mas, também a sua imagem. Em muitas regiões
do continente, os cidadãos desconfiavam do rádio, pois acontecera, eventual-
mente, que notícias fossem distorcidas ou ignoradas, todavia, por todos sabidas.
Ora, a televisão permitia aos governos apresentar o acontecimento ou a situação
e, unicamente em razão disso, ela era bem mais convincente, comparativamente
ao que era possível ao rádio ou a outras mídias. Os governos queriam formar a
opinião pública ou as nuances das suas predisposições, educar o público, definir
o conteúdo da consciência nacional, criar um sentimento de moralidade compar-
tilhada e erigir uma cultura nacional. Muitos países tentaram, em suplemento e
por intermédio deste veículo, influenciar, além das suas fronteiras, as populações
dos países vizinhos. A história da expansão dos canais e redes televisivas, na
Nigéria, mostra a qual ponto ela estava ligada à disputa no campo político
159
.
Compreendem -se as razões pelas quais os governos estavam dispostos a
investirem consideráveis recursos para criarem uma infraestrutura televisiva. Até
mesmo os governos que resistiam, à imagem do Burundi até 1983 e em função
dos custos, ao desejo de implantar a televisão em seus países, foram obrigados
a ceder. Quaisquer fossem os seus custos, a televisão tornou -se um atributo
essencial da soberania. Quanto mais rico fosse o país, mais ambiciosas seriam
as suas redes televisivas. Não somente o Gabão ampliou o alcance dos seus
canais a cores, de modo a permitir a total cobertura, pelas suas emissões, deste
vasto país subpovoado, mas este país está, inclusive, em vias de construir o seu
próprio satélite, possibilitando assim difundir, em boa parte da África Central,
tanto os seus propósitos, como os resultados dos seus estudos sobre a civilização
bantu, entrando assim em concorrência com o Zaire, país igualmente candidato
a possuir o seu satélite
160
.
157 T. FIOFORI, 1986b; P. MICHAUD, 1986.
158 O. IKIME, 1979; S. OLUSOLA, 1979.
159 T. FIOFORI, 1986b.
160 P. MICHAUD, 1986. Os contratos relativos à Maison de la Radio de Kinshasa, concernentes à retrans-
missão das redes de difusão, estão entre os maiores projetos de desenvolvimento que o país empreendeu
desde 1970.
755
As artes e a sociedade após 1935
Todavia, a televisão necessita de uma grande quantidade de programas.
Cem horas por semana representam o equivalente a sessenta filmes em longa-
-metragem. A programação supõe ao menos uma hora por dia de emissões de
informação e de atualidades; emissões destinadas ao público infantil; documen-
tários (frequentemente com temática relacionada ao desenvolvimento e, desde
pouco tempo, conferindo especial e recorrente atenção à educação no mundo
rural); emissões dramáticas (normalmente novelas); comédias (comumente ridí-
culas); e últimas mas, não menos importantes, as emissões esportivas e a cober-
tura das cerimônias públicas. A demanda por profissionais é incomparavelmente
superior no que diz respeito aos préstimos de atores, animadores de programas
e, também junto aos técnicos do vídeo. Na realidade, ela não pode ser suprida
e os custos operacionais seriam demasiado elevados, caso os programas fossem
todos originais. Eis a razão pela qual os canais constituíram acervos, de velhos
filmes e de materiais diversos, e compraram os direitos de seriados estrangeiros,
assim reintroduzindo uma fonte de alienação cultural, em muito e desde então,
a mais importante. Simultaneamente ao seu esforço pela definição e unificação
da cultura nacional, os governos foram obrigados a implantar uma imagética
cultural concorrente.
A televisão, seria ela uma arte original? Ela criou um gênero inteiramente
novo: a novela televisiva, que está para o filme como a epopeia está para a crô-
nica. Na Nigéria, as novelas compõem, primeiramente e por convenção, uma
imagética cujo objetivo era apresentar, em um cenário invariável, os mesmos
personagens principais, tal como o folhetim The Village Headmaster, perene
durante quase o tempo de uma geração. Seis horas de televisão, ou mais, podem
ser suficientes ao desenvolvimento de um grande tema, como a história dos
primeiros califas ou a saga de Samori. Todos os gêneros cinematográficos são
passíveis de transformação, por intermédio da televisão; do documentário, com
o novo posto nele acordado ao “instantâneo” e muito amiúde ao exotismo; até
dos desenhos animados, produzidos para o público infantil. Entretanto, mui-
tos programas não adquirem suficiente estruturação, a ponto de merecerem a
nomenclatura “arte”. Conquanto sejam apaixonantes, as partidas de futebol
não são arte, à imagem dos filmes, durante os quais são exibidos diálogos entre
críticos e ministros em exercício (comuns no Gabão e em Camarões), os quais
podem constituir o objeto de uma composição formal ordenada mas, contudo,
não artística. Pois, para ser arte, um material deve expressar uma metáfora sob
forma pertinente. Entretanto, vários gêneros televisivos podem atingir a arte,
expondo grande número de aspectos estruturais próprios à tradição oral (épica
ou outra). Mas, a mídia é demasiado jovem para que a sua contribuição às artes
756
África desde 1935
interpretativas possa ser avaliada. A extraordinária pressão resultante do duplo
imperativo, equivalente a oferecer um produto evasivo e a responder a objetivos
imediatos, agravada por prazos de produção muito reduzidos, em nada contribui
para favorecer o surgimento de obras -primas.
As artes da África no contexto mundial
A escultura africana revolucionou a arte europeia, especialmente a sua escul-
tura, a partir de 1905. Em 1935, o cubismo e o expressionismo alemão haviam
perdido a sua influência e saído de moda mas, a influência fundamental da
arte africana permanecia viva e continua até os nossos dias a dominar as artes
esculturais, como testemunham as obras de Zadkine, Moore, Archipenko e
outros mais. Os princípios da arte africana clássica foram assim integrados ao
repertório internacional das formas
161
. Este interesse com frequência produziu
uma contrapartida no solo africano. Assim sendo, um artista popular do Benin
(Nigéria) copiou uma obra de Benson Osawe, inspirada em Modigliani, ele
próprio influenciado pelas formas de uma máscara lega do leste congolês
162
.
O impacto produzido pelo expressionismo, em meio aos artistas africanos for-
mados na Europa, inscreve -se no quadro dos reflexos da arte africana sobre o
próprio expressionismo. Destarte, Gerard Sekoto repercute formas cssicas
através do prisma da pintura expressionista alemã.
A música africana igualmente realizara as suas mais consideráveis contri-
buições muito antes de 1935, mediante o que lhe devem a criação do jazz e da
música afro -latina. Tal como no tangente às artes visuais, compreendemos desta
feita os motivos pelos quais estes movimentos lograram, por sua vez, oferecer
tamanha inspiração à música moderna africana.
Durante a época colonial, após 1920, excetuando -se a inspiração concedida a
Le Courbusier pela arquitetura do Mzāb (no sul argelino), o patrimônio artístico
africano não produziu nenhum impacto alhures. O arrogante colonialismo não
identificava nos africanos senão alunos a educar, em hipótese alguma, mestres.
Todavia, após a independência, as artes africanas recomeçaram a exercer a sua
influência mundo afora. Ao público internacional, se lhe proporcionou a opor-
tunidade de acompanhar com maior regularidade exposições de arte clássica
161 M. LEIRIS e J. DELANGE, 1967, pp. 117 -161; O. OLA, 1980; F. WILLETT, 1971; S. BARRON,
1983, relativo à amplitude do impacto africano, e C. EINSTEIN, 1915, no tocante ao seu manifesto.
162 P. Ben AMOS, 1977, pp. 135 -137 e gura 9.10.
757
As artes e a sociedade após 1935
africana, de ouvir a nova música do continente e de assistir às apresentações
das trupes de teatro e das companhias de balé. O aporte original destas artes ao
patrimônio cultural mundial conquista paulatinamente o reconhecimento geral
e, especialmente os músicos, percebem o crescimento do seu público internacio-
nal, nas mesmas proporções que, ao menos um filme, Le mandat, de Ousmane
Sembene, obtivera um verdadeiro sucesso popular na Europa. Se desde então a
arte clássica goza de alta consideração, a moderna arte visual, no que lhe cabe,
apenas começa a ser conhecida pelo público mundial. Esta última não exerceu,
até este momento, nenhuma influência no cenário internacional.
O reconhecimento da arte clássica africana, ele próprio, ainda permanece
incompleto. Em que pesem numerosas exposições itinerantes, entre Paris e
Tóquio, Praga e Nova Iorque, a arte clássica africana ainda é mantida à margem
dos conservatórios e daquilo que, aos olhos do público, constitui as belas -artes”.
Somente o Metropolitan Museum de Nova Iorque expõe um acervo perma-
nente de esculturas clássicas africanas, conquanto e todavia a título de arte
primitiva”. Não é menos verdadeiro afirmar que a crescente estima sob a qual
subsiste a arte clássica tenha estimulado o mercado de obras de arte. Este mer-
cado existia desde 1900 e manteve uma curva progressiva após 1945, marcada
por sucessivos saltos, também recorrentes no período posterior a 1960. Infeliz-
mente, este ímpeto esteve acompanhado pelos habituais problemas devidos ao
contrabando, às escavações ilegais, à indústria da falsificação, bem como a novas
notáveis perdas de importantes obras de arte, causadas pela sua exportação para
outros continentes
163
. A arte clássica ainda não entrou no Louvre, mas alcan-
çou espaço nas grandes salas de venda. Entretanto, os artistas, músicos, autores
dramáticos e cineastas modernos prosseguem em sua luta pelo reconhecimento.
Como atestam, no transcurso dos anos 1980, o Prêmio Nobel atribuído a Wole
Soyinka e uma Palma de Ouro obtida no Festival de Cannes, em 1987, estes
combates trazem no presente os seus frutos.
Conclusão
O meio -século, transcorrido desde 1935, não trouxe consigo duas gerações
de artistas, senão três: os precursores, os pioneiros das artes contemporâneas e os
163 Arts d’Afrique Noire consagra muito espaço ao relatório das vendas e dos preços alcançados no mercado
internacional. Em respeito à arte produzida para o turismo, consultar os artigos de D. CROWLEY, na
African Arts.
758
África desde 1935
 . A arte africana e o cubismo. À esquerda: trono real esculpido em madeira: o rei e a sua corte,
Kana, Dahomey. (Foto: Collection Musée de l’Homme, Paris, proveniente da Collection dethnographie du
Trocadéro dos anos 1920.). À direita: “Le Prophète”, escultura de Ossip Zadkine, 1914. (Foto: SPADEM,
1903, Paris. Fonte: Musée de Grenoble, France.)
759
As artes e a sociedade após 1935
seus sucessores. Tudo se definiu entre 1945 e 1965. Trata -se dos anos durantes os
quais as primeiras experiências puderam cristalizar -se, sob a forma de uma nova
tradição, de cujos artistas, advindos posteriormente, não se desvencilhariam. O
ano 1960 não representa uma data capital para a arte. As novas artes consistem
no produto de uma grande época, marcada pela esperança nacionalista e não
pela independência política. Em meio a uma maciça erupção, as artes refletiram
o nacionalismo e, na qualidade de legado às gerações seguintes, produziram
sucessivas ondas de artistas, através dos quais as perspectivas inauguradas pelos
pioneiros foram desenvolvidas, em todas as disciplinas e gêneros, na arte lato
sensu.
Em sua íntegra, as novas artes não derivam das tradições europeias, não
obstante se tenham desenvolvido no apogeu da influência cultural da Europa,
proeminência esta, contemporânea ao seu nascimento e, todavia perene, quiçá
ainda mais vigorosa comparativamente ao pré -1945, em que pese, igualmente,
a adoção de técnicas ou instrumentos originários do Velho Continente. As
continuidades são evidentes no tocante às artes rurais, manifestas naquilo que
concerne às artes populares e subjacentes em referência a grande parte da arte
destinada ao mercado turístico. Não francas rupturas senão no que diz res-
peito ao teatro, em razão da sua conformidade com a tradição italiana, e rela-
tivamente ao cinema que, salvo no Egito, ainda não se apresenta como uma
arte popular. O cinema intelectualizado e o teatro acadêmico não seduzem,
entretanto, a maioria dos membros da elite, os quais também rejeitam as artes
visuais de inspiração europeia, além de evitarem a música clássica deste conti-
nente. As artes acadêmicas, originárias na Europa, persistem como estrangeiras
às percepções coletivas africanas. Os artistas a praticarem -nas sentem -no e, sobre
esta sensação de não pertinência, recaem, em larga medida, as razões das suas
posições em respeito à africanidade, à alienação e à negritude. Em sua totali-
dade, as novas artes da África consistem, portanto, em uma síntese, na qual uma
pequena e seleta porção do patrimônio europeu combinou -se com uma vasta
herança africana.
D. Niven identificou os estreitos laços existentes entre os artistas acadêmi-
cos e a classe política dirigente
164
. Aqui reside um aspecto de uma peremptória
verdade: as artes são o espelho fiel, da história mutante das sociedades africanas,
com as suas tensões internas e externas. À imagem da população urbana, as artes
urbanas assumiram uma posição preponderante. Simultaneamente à formação
164 D. NIVEN, 1985.
760
África desde 1935
das classes sociais e de modo concomitante à transformação em precipício,
do fosso que as separava, cada classe social encontrava a sua própria expressão
artística. As tensões entre a vertente intelectual do cinema, do teatro, das artes
visuais e, inclusive, do figurino, por um lado, e a vertente popular, por outro, são
invariavelmente manifestas. Somente em relação à música esta oposição não
salta aos olhos; em virtude de praticamente não existirem músicos acadêmicos.
Os artistas acadêmicos, estejam eles em acordo ou não com as elites, falam a
sua língua e por ela são reconhecidos. Os artistas populares, em sua totalidade
e quanto a eles, não gozam deste apanágio. Uma vez mais, as sociedades afri-
canas apresentam -se como mestres do seu destino, reencontrando os sonhos e
as metáforas, as artes, a expressarem as suas complexas aspirações. As artes são
novas porque a África é nova.
C A P Í T U L O 2 1
761
Tendências da losoa e da ciência na África
Este capítulo é dedicado à memória de Cheikh Anta Diop
Qual seria o efeito, em dada sociedade, da subordinação política da filosofia
e da ciência? O conjunto da África esteve, em diferentes graus, sob o domínio
estrangeiro durante todo o período iniciado em 1935, inclusive quando a sua
independência política foi nominalmente conquistada. A influência destas cir-
cunstâncias sobre o legado de saberes e capacidades na África está, portanto,
no cerne das questões a serem examinadas neste capítulo. O colonialismo teria
sido um novo desencadeador do progresso científico e da evolução tecnológica?
A filosofia própria à África teria sido enriquecida pelo colonialismo? A filosofia
africana teria na realidade nascido da interação do continente com o mundo
ocidental? Ou o colonialismo, ao contrário, teria provocado um efeito inibidor
na filosofia, tanto quanto na ciência?
Propomo -nos a mostrar que, parcial e consequentemente, em razão do colo-
nialismo, a contribuição dos cientistas africanos ao conjunto do conhecimento
humano tem sido relativamente modesta, desde 1935. Entretanto, igualmente
esperamos demonstrar que a ciência, desde sempre, teve demasiada importân-
cia, a ponto de não ser cabível medi -la somente em função das atividades dos
cientistas. Se a história não é feita pelos historiadores, mas pela sociedade, do
mesmo modo, a elaboração científica não se deve unicamente aos cientistas,
mas ao conjunto da coletividade. Desejamos evidenciar os motivos pelos quais a
Tendências da losoa e da ciência na
África
Ali A. Mazrui e J. F. Ade Ajayi em colaboração com A. Adu Boahen e
Tshishiku Tshibangu
762
África desde 1935
sociedade africana tornou -se um dos pilares da ciência e da tecnologia ocidentais,
precisamente em virtude de ter sido colonizada. Embora o colonialismo tenha
dificultado o desenvolvimento da ciência e da tecnologia na África, esta mesma
condição colonial atuou como elo de transmissão para a contribuição material
africana no âmbito científico e tecnológico, em escala Ocidental.
Contudo, as realidades africanas não consistem simplesmente em uma deri-
vação do colonialismo. Existe na África uma força mais potente que a experi-
ência colonial: a cultura africana, ela mesma. O estudo das tendências da ciência
e tecnologia na África deve, por conseguinte, reconhecer a proeminência dos
valores e das tradições, tanto no tocante à filosofia africana, quanto em relação
à ciência africana.
Neste capítulo, nós examinaremos a experiência africana em matéria de filo-
sofia e no domínio científico, considerando o conhecimento como um fenômeno
empírico. Parcialmente por esta razão, quando falaremos a respeito da ciência,
tratar -se -á, simultânea e enfaticamente, da questão filosófica, e vice versa. Porém
para empregarmos termos marxistas, em uma nova acepção a filosofia e a
 . Cheikh Anta Diop, lósofo e físico senegalês, em seu laboratório no IFAN, em Dakar, Senegal.
(Foto: J. Scott, Paris.)
763
Tendências da losoa e da ciência na África
ciência, neste capítulo, farão parte da superestrutura, cabendo à cultura o papel
de base ou infraestrutural.
Este capítulo tem como objeto de análise a ciência e a filosofia, na África,
após 1935. Todavia, em certo sentido, a ciência e a filosofia transcendem o
espaço geográfico e o tempo histórico. O nosso estudo não saberia, portanto e
rigorosamente, estar circunscrito aos limites geográficos da África, tampouco
poderia ele limitar -se ao período histórico iniciado em 1935. Justa e somente
ao preço de uma inevitável tendência a ultrapassar as linhas limítrofes do espaço
e do tempo, nós poderíamos abordar estas formas universais de pensamento,
representadas pela ciência e pela filosofia.
As considerações culturais ajudar -nos -ão, entretanto e inclusive neste domí-
nio, a limitarmos esta tendência à universalização. Por vezes, nos dedicaremos
a comparações com outras regiões do planeta, examinando outras sociedades
para melhor compreendermos a África. Não pretendemos enterrar os Césares
da ciência africana nem, tampouco, fazer -lhes apologia. Intuímos somente com-
preender a ciência e a filosofia africanas, os seus pontos fortes e os seus limites,
reposicionando -as em seu contexto cultural.
Nous sentons,
[Nós sentimos,]
Donc nous pensons,
[Portanto, nós pensamos,]
Donc nous sommes.
[Por conseguinte, nós somos.]
Mas, para compreendermos o caráter único da civilização africana, é -nos
paradoxalmente necessário compará -la com outras civilizações. Não se pode
apreender o específico africano, sem explorar o universal. Para apreendermos
quem somos nós, não nos basta somente apreciar a nossa imagem refletida no
espelho; igualmente, é através do comércio, por nós, mantido com o restante da
humanidade que atingiremos este autoconhecimento.
A ciência tradicional
O reconhecimento e a apreciação, do conjunto dos conhecimentos e das
capacidades, sobre o quais se apoiam as sociedades pré -coloniais, em matéria
de agricultura, saúde, artesanato e indústria, encontram -se ainda na esfera das
boas intenções. À época colonial, este corpo de saberes e capacidades não era
764
África desde 1935
julgado digno do nome ciência”; ele era rebaixado ao nível das superstições
pré -científicas. A educação ocidental e o cristianismo, eventualmente, as leis
coloniais e políticas deliberadas inclusive, dedicaram -se a solapar a estrutura
destes saberes tradicionais. Os estabelecimentos cuja educação obedecia ao perfil
ocidental ensinavam aos seus alunos a desconsiderarem e rejeitarem o saber tra-
dicional. Este saber transmitido em escala pessoal − “boca a boca − subsistiu, no
entanto, segundo diversas modalidades, em meio à população. Constata -se hoje
que, apesar do impacto da medicina, da agricultura, da ciência e da tecnologia
ocidentais, as reservas tradicionais de saberes e capacidades, em respeito à agri-
cultura, bem como no campo das práticas e crendices terapêuticas, este legado
de saber continua presente no cotidiano vivido pela maioria do povo africano.
Dois traços da ciência tradicional são notáveis. Primeiramente, o papel dos
pensadores e inventores individuais estava subordinado àquele desempenhado
pela sociedade, como um todo, em respeito à elaboração do saber e das capaci-
dades no seio da cultura. A perda de autonomia e soberania própria ao período
colonial não podia, por conseguinte, senão desencadear profundas repercussões,
no transcurso do desenvolvimento e da maturação deste saber. Em segundo
lugar, as sociedades tradicionais não distinguiam os saberes ao considerá -los
como produtos da razão, da experimentação, da imaginação ou da fé.o havia
dicotomia entre a ciência e a religião, a ciência e a filosofia, ou a ciência e
a arte. O conhecimento científico não se reduzia à abordagem quantitativa
e mecanista. A ciência ocidental não pôde, contudo, apreciar o método ou o
valor da ciência tradicional na África, antes de atingir o estádio da relatividade,
durante o qual ela tomou como objeto principal de estudo, não mais entidades
discretas, mas as complexidades da natureza e do universo, e iniciou, por esta
mesma ocasião, o requestionamento dos paradigmas ocidentais do progresso e
do desenvolvimento
1
.
Durante o período colonial, os camponeses africanos foram obrigados a pro-
duzir matérias -primas destinadas às industriais europeias, em condições ditadas
por uma agronomia europeia concebida, sobretudo, para climas temperados.
As técnicas agrícolas, elaboradas durante séculos na África, para preservar a
fertilidade dos solos em clima tropical, foram desencorajadas. Os camponeses,
forçaram -nos a abandonar a prática das culturas cíclicas em favor da mono-
cultura e da agricultura intensiva, com a ajuda de fertilizantes, em lugar de um
sistema de alternância de plantios, mediante pousio. Agora que os solos africanos
1 R. SCHARAM, 1981; A. O. ANYA, 1987.
765
Tendências da losoa e da ciência na África
estão degradados, em virtude destes métodos produtivos baseados na agricultura
comercial e orientados para a exportação, e esgotados, a ponto de colocar em
risco até mesmo a produção de alimentos de subsistência, destinados a uma
população em crescimento contínuo, somente então os cientistas começam a
chamar a atenção para o racionalismo e a inteligência de numerosas práticas,
próprias à agricultura tropical tradicional.
A destruição da cobertura florestal, demonstrada essencial [...], para favo-
recer a prática da agricultura em larga escala, facilita a degradação dos solos ao
desestabilizar totalmente o mecanismo especial de regeneração dos elementos
nutritivos, produzindo uma consequente queda de produtividade. Em suple-
mento, o fato de escavar os solos facilita a oxidação da matéria orgânica, acelera
a erosão e a perda dos elementos nutritivos disponíveis, perturbando o frágil
equilíbrio biológico da flora e fauna, bem como dos micro -organismos aqui
associados. A estrutura dos solos é então destruída e a aplicação de fertilizantes,
nestas condições, é um desperdício, pois os solos, principalmente lateríticos,o
possuem coloides capazes de absorverem os adubos aplicados, para em seguida
restituí -los às plantas. Além disso, as fortes concentrações em ferro e alumínio,
nestes solos, tornam inócua a utilização destes insumos, como estratégia para
aumentar a produtividade agrícola
2
.”
Como não deve restar dúvida, muitos povos africanos, ao norte e ao sul do
Saara, possuíam especialistas que, em detalhes, conheciam as caractesticas
do clima e do solo no continente. Eles escolhiam cuidadosamente a localiza-
ção das suas propriedades e as áreas de cultivo, algumas sociedades, inclusive,
mantinham ritos de fecundidade, a ritmarem as práticas agrícolas no compasso
das festas anuais e mediante a observação de regras. Povos como os haussa, os
berberes e os ibo (igbo) promoviam um método de criação de animais de quali-
dade, organizando concursos e concedendo prêmios aos melhores. Pode -se ainda
constatar a presença de técnicas tradicionais de agronomia e de conservação
dos solos em muitas regiões da África, onde pratica -se, no alto das colinas, uma
agricultura com base em terraços, prática cuja existência em nada modificou a
ciência agrícola colonial.
Muitos povos africanos detinham um conhecimento muito preciso sobre
as variedades de plantas e árvores tropicais, existentes em suas cercanias. Até
mesmo os moitedos do Saara foram minuciosamente estudados pelos nômades
e pelos lavradores berberes e árabes. Noutras partes, estabeleceu -se refinadas
2 A. O. ANYA, 1986, pp. 11 -12. Conferir igualmente P. RICHARDS, 1985.
766
África desde 1935
classificações da flora, em famílias e subgrupos, em função das suas propriedades
culturais e rituais, as quais embora não coincidam com a moderna classificação
botânica, são tão detalhadas e complexas que os seus parâmetros comparativos
e classificatórios devem muito ensinar aos botânicos modernos. Farmacólogos
de formação ocidental começam atualmente a estudar as propriedades da far-
macopeia utilizada pelos velhos sistemas terapêuticos
3
.
Da cidade do Cabo ao Cairo, os comportamentos humanos e animais foram
objeto de estudos detalhados e aprofundados. Resultam classificações, segundo
complexos esquemas, dos quais filósofos tradicionais esforçaram -se para extrair
analogias entre o comportamento humano e o comportamento animal. Dedu-
ções foram tiradas destas atentas observações, concernentes à natureza essencial
e às propriedades de diferentes elementos. O móbil deste tipo de análise con-
sistia, muito amiúde, em descobrir o verdadeiro nome do objeto em questão,
pois não seria senão conhecendo esta verdadeira nomenclatura e empregando -a
durante os rituais que o objeto seria dominado
4
.
Igualmente, redes de complexas relações foram projetadas no mundo espi-
ritual, segundo as quais, os comportamentos dos deuses e espíritos (djinns na
África muçulmana) eram deduzidos dos modos de conduta dos humanos ou
dos animais, além de ocorrerem situações nas quais modalidades imaginárias do
mundo espiritual fossem tomadas como modelo para a sociedade humana. O
consenso derivado da observação detalhada e da análise, por vezes, traduzira -se
em mitos de criação, a codificarem as crenças relativas à natureza humana e à
psicologia social. Os egípcios mesclaram as ideias faraônicas e as ideias islâmi-
cas. Mas, na África, subsaariana, o exemplo mais conhecido é aquele referente
aos dogon do Mali, pois que eles foram estudados por intérpretes devotados,
Marcel Griaule e Germaine Dieterlen, segundo os quais:no seio e além desta
totalidade de crenças, surge um encadeamento lógico de símbolos a expressarem
um sistema de ideias que não pode simplesmente ser descrito como um mito.
Pois, esta estrutura conceitual revela, através do estudo, uma coerência interna,
uma sabedoria secreta e uma apreensão das realidades últimas, iguais àquelas
que nós, europeus, estimamos ter atingido
5
.”
Existiam complexas teorias relativas aos números, assim como às observações
estelares e outros fenômenos naturais, as quais eram capazes de assegurarem
3 M. LAST e G. L. CHAVUNDUKA, 1986. Ver também C. WILCOCKS, 1962; J. B. LONDON (org.),
1976.
4 Boubou HAMA, 1981.
5 M. GRIAULE e G. DIETERLEN, 1954, p. 83. Conferir igualmente C. H. LONG, 1985.
767
Tendências da losoa e da ciência na África
certo ordenamento dos fenômenos sociais, naturais e metafísicos. A partir desta
classificação, os videntes dedicavam -se a antecipar o rumo dos acontecimentos
e advertirem os seus clientes sobre aquilo ao que seria necessário esperar e aos
meios necessários a conjurar a intervenção das forças maléficas. O Egito é o
exemplo mais complexo. Entretanto, alhures na África, o Ifa dos yoruba seria
provavelmente o sistema divinatório em respeito ao qual se está melhor infor-
mado. Um especialista em informática recentemente revelou a semelhança entre
a estrutura numérica do Ifa (em base quatro) e aquela do sistema computacional
de base oito.
Junto aos produtores rurais, havia grupos de especialistas, particularmente os
caçadores, em caráter individual ou organizados em corporação, os quais haviam
adquirido e classificado em termos culturais um conhecimento sobre os animais
tropicais. Uma parte destes saberes era aplicada aos sistemas terapêuticos, essen-
cialmente, sobre base analógica, consistente em saber que pedaços de um animal
preparado com plantas de reconhecido valor terapêutico, poderiam transmitir as
suas propriedades para curar uma pessoa que sofresse de uma falta dos elementos
característicos deste animal. Criadores como os fulbe e os masai, assim como
alguns somali, alcançaram um amplo conhecimento do seu rebanho e sobre as
suas necessidades biológicas, além de um detalhado saber sobre o mundo animal
em geral. Desta atividade, muitos dentre eles extraíram conhecimentos e uma
capacidade impressionantes em termos veterinários, aqui incluídas interessantes
técnicas de cirurgia animal. Parcialmente, este saber foi estendido ao tratamento
cirúrgico dos humanos e, nos dias atuais, é pertinente supor que a medicina
moderna tem algo a apreender com estas práticas cirúrgicas tradicionais, nota-
damente, em matéria de coagulação terapêutica, de tratamento dermatológico e
implantes. Esta última especialidade, conquanto fosse mais desenvolvida junto a
alguns criadores, consiste em algo totalmente comum na prática médica africana.
Quando tratadas por curandeiros tradicionais, as pernas quebradas e os tornoze-
los torcidos são muito mais rapidamente curados, comparativamente aos prazos
corriqueiros dos hospitais modernos. Alguns curandeiros africanos adquiriram
tamanha reputação que pesquisadores alemães, britânicos ou poloneses desen-
volveram estudos aprofundados sobre técnicas africanas. Os préstimos destes
especialistas africanos também foram solicitados no Oriente Médio, por vezes
mediante a intermediação da África árabe.
Os sistemas terapêuticos tradicionais comportavam certo conhecimento
acerca das relações entre a doença e micro -organismos ou bactérias, os quais
estão no centro da ciência médica ocidental. Os yoruba, antes mesmo que o
Egito medieval, manifestaram uma compreensão precoce sobre a relação entre
768
África desde 1935
a doença e aquilo conhecido pela ciência ocidental como bactéria”. A cultura
medieval yoruba apoiava -se, desde muito, sobre uma estrutura conceitual sobre
os vermes” e os insetos”, tão pequenos quanto invisíveis. Estes germes e vermes
desempenhavam, no organismo, um papel tanto benéfico quanto nefasto. Alguns
abatiam -se sobre o corpo após uma alimentação incorreta, como consequência
da sobre -alimentação ou de esforços físicos desmedidos e excessos corporais.
Outros “insetos” combatiam a doença e aplicavam -se a promover um saudável
equilíbrio do organismo.
Esta teoria, consistente em explicar a doença pela presença de germes ou
vermes, era mais difundida na África que o geralmente suposto. Vestígios de
uma concepção análoga foram encontrados junto aos tonga da África do Sul.
Entretanto, os tradicionais curandeiros partiam da hipótese segundo a qual o
campo da saúde ultrapassava o domínio dos efeitos nocivos das bactérias no
plano físico; era igualmente necessário explorar e normalizar o universo das
relações sociais e espirituais do paciente. A medicina ocidental começa a apreciar
e a utilizar esta abordagem holística da arte da cura, muito especialmente no
tratamento dos distúrbios psíquicos. Os trabalhos do psiquiatra nigeriano T. O.
Lambo, do hospital Aro, especializado no tratamento das doenças mentais na
Nigéria, são mundialmente célebres. Ele demonstrou a utilidade em atrair as
comunidades locais para o tratamento das doenças mentais e tornou -se, pos-
teriormente, diretor -geral adjunto da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Na realidade, trata -se do início de uma postura que considera racional esta
ligação entre o bem -estar físico, social e espiritual, por um lado, frente a epide-
mias como a síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) e outros flagelos,
para os quais uma solução científica ainda deve ser encontrada. Esta nova abor-
dagem oferece um reconforto da cura pela fé, malgrado certo mal -estar junto
às autoridades eclesiásticas, notadamente expresso em respeito ao trabalho do
bispo zambiano Monsenhor Emmanuel Milingo. Por outro lado, este tipo de
abordagem intensifica a tomada de consciência no tocante à questão da inter-
dependência do homem e do meio natural, o que constitui precisamente um
tema que as tecnologias de ponta do mundo ocidental começam a considerar.
Esta sensibilização deveria desdobrar -se em uma melhor compreensão sobre
uma concepção tradicional que, para ordenar o saber, não admite nenhuma
dicotomia entre o biológico e o social ou entre o social e o metafísico. Ela deveria
permitir impor um termo ao preconceito cujo corolário consistiu em taxar como
pré -científica esta concepção tradicional. Privilegiar a abordagem holística não
deve, contudo, levar a ocultar o saber puramente científico, o qual, de Marrakech
a Maputo, intervinha nos sistemas agrícolas e terapêuticos.
769
Tendências da losoa e da ciência na África
Com efeito, nos tempos pré -coloniais, a ciência e a técnica africanas respon-
diam às necessidades da vida, especialmente nos domínios da saúde, da agri-
cultura, da veterinária e dos processos industriais, tais como a conservação dos
alimentos, a metalurgia, a fermentação, a fabricação de corantes, de sabões, de
cosméticos e outros artigos de higiene pessoal. Como a África teria se tornado
tão atrasada no plano científico e técnico?
A interrupção da evolução técnica da África
O atraso científico e técnico da África atual é o resultado do impacto exercido
pelo Ocidente sobre o continente, sobretudo a partir da colonização. Em razão
deste fenômeno ter sido tratado no volume VII da presente obra, limitaremo-
-nos aqui ao estudo das questões científicas e técnicas. Primeiramente, ao estabe-
lecerem o regime colonial, os europeus manifestavam claramente a sua intenção
em servirem -se da sua situação favorável para dominarem e explorarem a África,
aumentando não somente o abismo tecnológico, mas igualmente o econômico.
Certamente, os países colonialistas não demonstraram nenhum odamento
em reduzir a vantagem que, em seu proveito e diante da África, correspon-
dia à sua superioridade científica e técnica, colocando em marcha, com este
objetivo, planos de desenvolvimento para o continente nestas duas áreas. Em
lugar de estimular e desenvolver as práticas científicas e técnicas existentes,
eles dedicaram -se a desacreditar e desencorajá -las, sem contudo deixarem de
apropriar -se, secretamente, de algumas das suas ideias para desenvolvê -las no
âmbito da ciência ocidental. Por exemplo, os princípios de inoculação, metalur-
gia, fermentação, bem como todas as outras capacidades passíveis de estabelece-
rem concorrência com as indústrias ocidentais foram negados, decretados ilegais
e perseguidos de diversas formas.
O mais potente fator inibitório ao serviço dos europeus, no que tange ao
progresso científico e técnico da África, foi o sistema de ensino. Antes de tudo,
a educação formal esteve muito mais ligada à promoção da religião, comparati-
vamente ao que ela se empenhou em referência à divulgação científica. Muitas
escolas eram na realidade mantidas por missionários cristãos. Em suas aulas,
Maria Madalena era bem mais conhecida que Maria Curia e eram as leis de
Moisés mais familiares que as leis da relatividade. Os jovens africanos, à ima-
gem de Kwame Nkrumah ou Joseph Kasavubu, eram conduzidos com maior
ênfase a sonharem com a formação religiosa, comparativamente à física, de fato
a Bíblia não era um manual de tecnologia. No entanto e ao longo das primeiras
770
África desde 1935
décadas do século XX, a Bíblia foi a fonte de muitas das aspirações e dos ideais
da inteligência africana em formação.
Em suplemento ao fator missionário e para frear o progresso científico na
África, no curso do período, houve ainda uma diretriz de caráter literário nos
programas das escolas coloniais francesas e britânicas. As grandes figuras da
literatura ocidental ofereciam às crianças da escola colonial modelos de papéis
da mais alta estatura, próprios aos gigantes da ciência ocidental. Obafemi Awo-
lowo inspirou -se diretamente em Shakespeare, Kwame Nkrumah em Alfred
Tennyson, Apollo Obote em John Milton (chegando ao ponto de incluir “Mil-
ton ao seu próprio nome). Buscar -se -ia em vão, nas biografias dos expoentes
da primeira geração de dirigentes africanos da segunda metade do século XX,
homens de Estado que tenham sido fortemente inspirados por Copérnico, Gali-
leu, Isaac Newton, Charles Darwin, Thomas Edison, Graham Bell, Henry Ford
ou Albert Einstein
6
.
O terceiro fator colonial de inibição do progresso científico africano, na
maior parte do século XX, não é nada senão a amnésia. Poucas crianças fora da
Etiópia haviam ouvido falar das igrejas monólitas de Lalibela, verdadeiras pro-
ezas da engenharia. Poucas crianças além dos limites da África Austral sabiam
o que foram as ruínas do Grande Zimbábue − muito amiúde e de toda a forma,
estas estruturas eram atribuídas exclusivamente a estrangeiros puros ou a povos
ambíguos como os hamitas”. Os currículos coloniais recusavam -se em conside-
rar o Egito antigo como uma civilização africana e, a fortiori, negra. Os argelinos
aprendiam que o seu país era um atrasado prolongamento da França. Ninguém,
em uma escola colonial, teria sequer considerado a possibilidade, segundo a qual,
séculos antes de Cristóvão Colombo, não europeus ou, quiçá e inclusive, africa-
nos tivessem atravessado o Atlântico para atingir as Américas. Ninguém evocava
os traços, manifestadamente negroides de algumas figuras esculpidas no México
(cabeza colossal), de origem pré -colombiana e talvez anteriores ao próprio Cristo
7
.
No século XX, o progresso científico africano foi retardado, em parte, porque
aos africanos, foi -lhes imposto esquecerem que, outrora, eles próprios haviam
sido criadores científicos. Mesmo aos Egípcios, inventores da civilização, foi -lhes
ensinado esquecerem o seu papel. Esta amnésia tecnológica coletiva permitiu
6 Sobre os mais característicos modelos de papéis, consultar J. A. ROGERS, 1972. Conferir igualmente
S. F. MASON, 1962.
7 Estas grandes cabeças em pedra de sionomia negroide estão atualmente em exposição no México. A
primeira dentre elas foi descoberta, em 1869, por J. M. Melgar, as outras por arqueólogos da Smithsonian
Institution.
771
Tendências da losoa e da ciência na África
suscitar uma impotência científica coletiva. Ela também favoreceu o profundo
estabelecimento de um complexo de inferioridade técnica junto a numero-
sos africanos colonizados da nova geração. O complexo de inferioridade e o
complexo de dependência da África representam os dois lados de uma mesma
medalha colonial
8
.
Além do fator missionário (prioridade a Bíblia), literário (línguas e litera-
turas europeias tomadas como referência básicas) e aquele relativo à amnésia
(apagamento do passado técnico africano), a política de “pacificação” da ordem
colonial igualmente entravou o curso da ciência, sobretudo na primeira metade
do século XX. As políticas coloniais fundadas na pacificação e na manutenção
da ordem eram essencialmente avessas em respeito aos mais empreendedores
sujeitos coloniais. Sob estas condições, os inovadores eram considerados sob o
prisma dos “novos ricos”, o animador era um “agitador e a autoconfiança con-
sistia em uma “afronta”.
Finalmente, o domínio sobre as economias e os obstáculos impostos à indus-
trialização africana, igualmente, frearam a divulgação da ciência e da técnica
ocidentais. Tomemos o exemplo do setor têxtil. Com a finalidade de expor-
tação, aos africanos do Egito, do Sudão, de Uganda, da Nigéria setentrional e
de alhures, foi -lhes determinado o cultivo do algodão. Os corantes e os temas
tradicionais, próprios a diferentes regiões da África, foram estudados na Europa
e artigos têxteis, a preços competitivos, inundaram o continente africano, provo-
cando o desaparecimento nos mercados populares de tecidos produzidos à mão,
estes últimos viriam a se tornar artigos de luxo cuja finalidade restringir -se -ia
às ocasionais cerimônias e eventos ritualísticos. Do mesmo modo, os utensílios
domésticos, materiais de constrão, bijuterias, artigos de higiene pessoal e
numerosos alimentos e bebidas importados tomariam o posto dos produtos
locais. A isto acrescentar -se -iam as novas demandas geradas ao longo do período
colonial, como os materiais escolares e hospitalares, o papel e outros produtos
acabados que deveriam ser importados
9
.
Até mesmo as comunidades, as quais haviam sobrevivido da mineração e
da metalurgia, foram impedidas de explorarem as minas, salvo na qualidade de
mão de obra não qualificada. As zonas mineiras foram dadas em concessão a
empresas multinacionais com o objetivo de permitir -lhes explorar as reservas
profundas, mediante aporte de elevado volume de capitais, cabendo aos afri-
8 VAN SERTIMA, 1985 e 1986; C. SINGER, 1959.
9 Conferir, por exemplo, P. KILBY, 1969; P. PUGH e J. F. A. AJAYI, 1990. Sobre o impacto do capital
sobre os povos do platô de Jos, consultar B. FREUND, 1981.
772
África desde 1935
canos tornarem -se, nesta atividade, exploradores ilícitos em seu próprio solo.
As sociedades mineradoras não empregavam africanos senão como mão de
obra não qualificada ou, quando muito, semiqualificada, não impondo -se, por
conseguinte, nenhuma, ou quase, transferência de ciência e tecnologia. Deve -se
especialmente salientar que a Europa continuou a sua progressão no desenvol-
vimento de foguetes, da física atômica e nuclear, das comunicações, da informá-
tica, da eletrônica e da tecnologia, justamente à época durante a qual a inovação
na África era deliberadamente sabotada.
O colonialismo da manutenção da ordem foi, em sua essência, um substituto
do colonialismo de desenvolvimento. O colonialismo belga, no Zaire (atual R.
D. do Congo) , não foi senão marginalmente melhor que o colonialismo por-
tuguês em Angola.
Foi necessário esperar os anos 1940 para, enfim, acompanhar a tentativa dos
britânicos de superação do colonialismo de manutenção da ordem, para alcançar
o que eles denominaram colonial development and welfare [o desenvolvimento e
o bem -estar social das colônias]. Eles inclusive instituíram um fundo com esta
denominação (Colonial Development and Welfare Fund). Embora, em larga
medida, a expressão colonialismo de desenvolvimento representasse em si uma
contradição, incontestavelmente, melhor seria esta contradição que a arrogância
do colonialismo de manutenção da ordem.
Esta fase do colonialismo de desenvolvimento foi, precisamente ela, a res-
ponsável por certa expansão da educação, particularmente no nível universitário,
notadamente pela concessão de bolsas de estudos para africanos com destino às
instituições europeias e, além disso, pelo surgimento de instituições de ensino
superior, em princípio dependentes de universidades metropolitanas, como em
Ibadan, Legon, Makerere, Dakar e Lovanium. Estas instituições acrescentavam-
-se a antigos centros como Fourah Bay e Fort Hare. As suas disciplinas e o seu
corpo docente eram mantidos sob o controle das universidades metropolitanas,
que expediam os seus diplomas. Elas mantinham normas elevadas e lançaram a
pesquisa científica nas áreas de competência dos professores vindos, na qualidade
de precursores e em sua maioria, da Europa. As áreas prioritárias eram, espe-
cialmente, a medicina humana e a veterinária tropical, com maior ênfase para
a parasitologia e a biologia, as pesquisas epidemiológicas e bioquímicas, assim
como o estabelecimento das infraestruturas hospitalares; no tocante à física: a
ionosfera; na química: os produtos naturais; em relação à biologia: a ecologia e
a micologia. Antes da deterioração provocada pela intervenção dos políticos e
pela falta de recursos financeiros, a qualidade de alguns dos trabalhos de pesquisa
foi reconhecida e saudada por todo o mundo. As principais áreas aprofundadas
773
Tendências da losoa e da ciência na África
eram prolongamentos e complementos de pesquisas efetuadas nas instituições
metropolitanas
10
. Elas não compreendiam, todavia, campos de estudo essenciais
como a genética e a biotecnologia, a ciência da informação ou a informática. A
vocação dos colegas universitários era, antes e sobretudo, o ensino das ciências,
muito mais que a pesquisa científica de ponta. O caráter dependente deste tipo
de ensino constituía um freio à africanização. Ele desenvolvia o indivíduo não no
seio da sua cultura e da sua sociedade, mas à margem delas. E da elite instruída,
agora separada da massa social, ele esclerosava a sua criatividade. A “fuga de
cérebros” rumo ao mundo ocidental começou precocemente em países como o
Egito, em razão desta alienação.
As instituições de pesquisa e de formação científica necessárias à exploração
dos recursos da África baseavam -se e eram concebidas em países europeus.
No período entre as duas Guerras Mundiais, estações de coletas de dados e de
espécimes da flora e da fauna, de artigos do artesanato e de outras “curiosidades”
locais, foram implantadas como postos -avançados dos museus, jardins botâni-
cos e zoológicos, institutos de pesquisa agronômica e florestal metropolitanos,
nestas estações eram conduzidos tanto a pesquisa fundamental quanto o estudo
das suas eventuais aplicações práticas. Em geral, os britânicos delegavam a
cada colônia, ou grupo regional de colônias, a responsabilidade pela iniciativa e
pelo financiamento do trabalho destas unidades, ao passo que, no âmbito fran-
cês, elas eram patrocinadas por organismos de fomento à pesquisa; os belgas e
portugueses, naquilo que lhes compete, contavam com patrocínio científico e
financeiro das empresas concessionárias
11
. No entreguerras, relevante número
destas estações foram negligenciadas e caracterizaram -se, sobretudo durante os
anos da crise, por uma falta de pessoal e de recursos.
O Instituto Pasteur francês conduziu importantes pesquisas sobre a medicina
tropical, as quais lhe valeram dois prêmios Nobel, um atribuído a Alphonse
Laveran, em 1907, pelos seus trabalhos sobre a malária, realizados essencial-
mente em Argel, outro a Charles Nicolle, em 1928, pelas suas pesquisas sobre
o tifo, principalmente efetuadas em Túnis. O IFAN (Instituto Francês da África
Negra), instituição de pesquisa interdisciplinar fundada em Dakar no ano de
1936, com seções em cada colônia da África Ocidental francesa, igualmente
logrou, em certa medida, estimular a pesquisa; ele tornar -se -ia posteriormente a
sede de boa parte dos trabalhos de Cheikh Anta Diop. Os belgas, quanto a eles,
criaram em 1947, o importante IRSAC (Instituto para a Pesquisa Científica da
10 Conferir, por exemplo, J. F. A. AJAYI e T. N. TAMUNO, 1973; K. KING, 1984.
11 J. W. FROJE, 1989, pp. 19 -22.
774
África desde 1935
África Central), a serviço de todas as possessões belgas no continente africano. O
decreto de 1
o
de julho de 1947, criador desta instituição cuja sede encontrava -se
em Bruxelas, assim definia os seus objetivos: “O objeto desta instituição consis-
tirá em suscitar, promover, efetuar e coordenar o estudo das ciências humanas e
naturais, mais especificamente no Congo belga e no Ruanda -Urundi (artigo 2).
Um centro de pesquisas agronômicas, o Instituto Nacional de Estudos Agronô-
micos do Congo, chamado a ocupar um grande prestígio internacional fora
criado no Congo belga, em 1933. O seu principal centro de pesquisas situava -se
no coração da floresta equatorial em Yangambi, da província oriental do Congo.
Na maior parte do continente, os estabelecimentos coloniais mais recorrentes
não eram laboratórios científicos ou instituições de pesquisa mas, oficinas de
manutenção para as estradas de ferro, para os telégrafos, para as estações de rádio
e do material de prospecção, ou senão estações experimentais que se ocupavam
em melhorar os rendimentos e o manejo das culturas comerciais destinadas à
exportação. Os melhores centros encontravam -se em regiões nas quais havia
unidades produtivas europeias, como a Argélia, o Quênia, as Rodésias (atuais
Zâmbia e Zimbábue) e a África do Sul, onde os colonos exerciam pressão, em
função dos seus cultivos, no intuito de obterem serviços de pesquisa em benefí-
cio exclusivo dos seus interesses. Particularmente nas áreas de extração mineral
destas regiões, também surgiu o primeiro potencial de industrializão. Na
África do Sul, as ricas jazidas de diamantes e ouro suscitaram grandes investi-
mentos de capital acompanhados da instalação de colonos para gerir estes inves-
timentos e fazer funcionar os equipamentos necessários à atividade extrativa. A
prosperidade das regiões mineiras, a autonomia conquistada pelas comunidades
de colonos, após a Guerra dos Boers e a penúria de artigos manufaturados
importados durante a Primeira Guerra Mundial, estes fatores contribuíram para
o desenvolvimento do setor industrial da economia sul -africana. Este desenvol-
vimento provocou o florescimento das universidades e dos institutos de pesquisa,
reforçando as bases da ciência e da técnica ocidentais na África do Sul, sob o
exclusivo controle dos brancos
12
.
O impacto das ciências e das técnicas na África, no transcorrer do período
colonial, traduziu -se, portanto, por um fortalecimento do subdesenvolvimento.
As suas demonstrações eram feitas para impressionar os africanos e inspirar -lhes
uma excessiva reverência, solapando a sua confiança em respeito ao saber e às
capacidades tradicionais, mantendo, contudo, a ciência e a técnica ocidentais
12 A. C. BROWN, 1988.
775
Tendências da losoa e da ciência na África
fora do seu alcance. Alguns africanos alcançaram chegar à Europa para recebe-
rem no Velho Continente uma formação médica mas, a discriminação reinante
na administração colonial obrigou -os a constituírem -se como clínicos gerais
e a trabalharem por sua própria conta, subtraindo -lhes os meios de pesquisa.
Pouquíssimos estudantes africanos optaram pelas ciências da engenharia ou
pelas ciências avançadas pois, nenhum desdobramento lhes era oferecido fora
do restrito âmbito da administração colonial. Com maior frequência, os afri-
canos recebiam formações para a função de pastor, professor, administrador ou
jurista
13
. Não se pode, obviamente, esperar encontrar um pesquisador científico
sequer na primeira geração de dirigentes africanos, mesmo que um dentre eles
possuísse uma formação farmacêutica (o argelino Farhāt Abbās) e três outros
fossem médicos (Félix Houphouët -Boigny, Agostinho Neto e Hastings Kamuzu
Banda). A grande massa de indivíduos, todos extremamente impressionados
pelos prodígios da ciência europeia, continuavam a viver tanto quanto possível
do que lhes forneciam a sua agricultura, os seus curandeiros, o seu artesanato e as
suas indústrias tradicionais, esforçando -se, contudo, em garantir aos seus filhos
uma educação ocidental, principalmente literária. O saber tradicional continu-
ava todavia a exercer o seu poder cultural, inclusive sobre as elites educadas à
ocidental, e não era incomum constatar a presença de universitários diplomados,
oportunamente, junto a videntes ou curandeiros tradicionais.
A evolução após a independência
Na segunda metade do século XX, a partir da independência da maioria dos
países africanos, uma pesquisa científica de ponta desenvolveu -se em quatro
tipos de instituição. Primeiramente nas universidades, cuja implantação recebeu
durante os anos 1950 e 1960, o formidável impulso do entusiasmo nacionalista
inicial. Justamente estas instituições foram as responsáveis pela abertura dos
mais numerosos centros de pesquisa científica avançada em seus departamentos
de ciências naturais, engenharia, agronomia e medicina. Países como a Nigé-
ria, Gana e a Costa do Marfim puderam manter um alto nível de expansão
universitária e pôde -se acompanhar o surgimento de um pequeno número de
universidades especializadas, consagradas à ciência e à técnica agronômicas mas,
ainda nenhuma no campo médico.
13 Para modelos de papel ainda mais característicos, conferir J. A. ROGERS, 1972. Consultar também S.
F. MASON, 1962.
776
África desde 1935
Enquanto durou (1963 -1970), a University of East Africa constituiu, sem
dúvida, a mais ambiciosa experiência acadêmica pan -africana. No que diz respeito
à medicina e à agronomia, o ensino e a pesquisa eram, em tese, a especialidade
do Makerere College de Uganda; as ciências da engenharia (ensino e pesquisa)
estavam a cargo da University College da Namíbia. A University College de
Dar es -Salaam especializou -se, primeiramente, no direito para, posteriormente,
expandir a sua competência à pesquisa agronômica e econômica. Quase todos os
órgãos da University of East Africa destinavam -se, em princípio, a servirem não
somente o país no qual estavam implantadas mas, o conjunto da comunidade
leste -africana (Quênia, Tanzânia e Uganda). O nível da pesquisa médica no
Hospital Mulago e na faculdade de medicina de Makerere era tão elevado, nos
anos 1960, que rumores sugerindo a concessão de prêmio Nobel de Medicina,
circulavam periodicamente a seu respeito. Infelizmente, nenhuma premiação
foi concedida, antes que a University of East Africa explodisse em seus três
elementos constitutivos. A Universidade de Makerere sofreria, enquanto insti-
tuição nacional e posteriormente, o contragolpe representado pelos distúrbios
políticos que tomaram Uganda após a chegada ao poder de Idi Amin, em 1971.
A segunda categoria de instituições consiste em centros e instituições nacio-
nais de pesquisa, sejam eles privados ou financiados por verbas públicas. O
Quênia e a Nigéria têm institutos desta categoria especializados na luta contra
as doenças, na silvicultura e na agricultura; a R. D. do Congo e Gana possuem
idênticas instituições dedicadas à física nuclear; a Nigéria para a oceanografia.
A Nigéria, o Zimbábue e a R. D. do Congo muito se interessaram pela medi-
cina tradicional, com base em ervas e na qualidade de domínio da pesquisa
moderna. No Quênia, o Medical Research Institute, sob a batuta do Dr. Davy
Koegh, posicionou -se no início dos anos 1990 na vanguarda da pesquisa sobre
a AIDS. Em fevereiro de 1990, este instituto chegou inclusive a anunciar ter
produzido um medicamento para o tratamento da AIDS, por ele denominado
KEMRON
14
.
Em 1966, o IRSAC, anteriormente citado, foi reestruturado e reorganizado
sob a sigla ONRD (Ofício Nacional para a Pesquisa e o Desenvolvimento).
Alguns anos mais tarde, ele foi rebatizado como Instituto de Pesquisa Cientí-
fica; ele administra, nos dias atuais, certo número de centros distribuídos por
14 Para um relatório detalhado dos trabalhos de pesquisa sobre a AIDS, no Kenya Medical Research Ins-
titute, conferir o número especial da e Weekly Review (Nairóbi), em sua edição de 9 de fevereiro do
ano de 1990. Convém observar que, se o trabalho de pesquisa sobre a AIDS deste instituto valeu -lhe
felicitações e encorajamentos, o seu anúncio relativo ao KEMRON é geralmente considerado, nos meios
cientícos, como “prematuro”.
777
Tendências da losoa e da ciência na África
todo o Zaire (atual RDC), os quais, individual e especialmente, consagram -se
à pesquisa em uma área das ciências da natureza, das ciências humanas e do
estudo dos primatas, bem como em diferentes setores da tecnologia. Existem
igualmente academias nacionais de ciências que encorajam e recompensam a
excelência.
A terceira categoria de instituições de pesquisa na África é aquela formada
por organizações e estruturas pan -africanas regionais. Algumas dentre elas
ocupam -se de estudos climatológicos e ecológicos concernentes a zonas espe-
cíficas da África, como o Sael; outras cooperam com a sua atuação para enfrentar
problemas regionais, tais como as migrações de gafanhoto.
Um tipo particular de organização pan -africana, sábia ou científica, é a asso-
ciação profissional ou a academia de especialistas. Cheikh Anta Diop, inclusive,
tentou pan -africanizar a pesquisa, além das fronteiras africanas, no âmbito de
um movimento englobando o conjunto do mundo negro. Tal era o objetivo da
Associação Mundial dos Pesquisadores Negros, criada em 1976, da qual Diop
tornou -se o presidente. Como o próprio Diop declarou durante a sua alocu-
ção de inauguração das funções: A associação abarcará todas as disciplinas
científicas, tanto em matéria de ciência natural quanto social [...]. Em ambos
os domínios, solicitar -se aos sábios e cientistas do mundo negro o cuidado
consistente em orientar os seus esforços para a resolução dos problemas cientí-
ficos e sociológicos vitais, aos quais presentemente está confrontado o mundo
negro. Isto solidificará sobremaneira os laços culturais unificadores de todas as
populações negras do globo
15
.”
A última categoria de instituições que conduzem ou promovem a pesquisa
científica e técnica africana está representada pelos organismos internacionais
e intercontinentais de pesquisa, transcendentes da confraria científica pan-
-africana. Thomas Odiambo dirige uma importante comunidade internacional
de pesquisadores (o ICIPE, Centro Internacional sobre Fisiologia e a Ecologia
dos Insetos) consagrado ao estudo do mundo dos insetos. Além disso, Odiambo
anima a Academia Africana de Ciências, residência pan -africana de erudição
e excelência acadêmica, cuja sede está estabelecida em Nairóbi. A Academia
publica a sua própria revista científica intitulada Discovery and Innovation,
co -patrocinada pela Academia de Ciências do Terceiro Mundo
16
. O Instituto
15 I. VAN SERTIMA, 1989, p. 11.
16 Em julho de 1986, a Academia Africana de Ciências, copatrocinou, em Nairóbi, um importante evento
internacional, a primeira conferência da Rede das Organizações Cientícas Africanas. Esta conferência
marcou a extensão da cooperação os pesquisadores e cientistas da África e do restante do mundo.
778
África desde 1935
em Benefício dos Recursos Naturais na África (IRNA), da Universidade das
Nações Unidas, estabelecido em Yamoussoukro (Costa do Marfim), ainda não
iniciou as suas atividades.
A Nigéria hospeda o Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA),
cujos trabalhos versam sobre o melhoramento das variedades de culturas de
subsistência africanas, em oposição às culturas comerciais. O Instituto tem, entre
os seus membros, eminentes cientistas africanos como Bede Okigbo e alcançou
significativo sucesso, por exemplo, ao identificar variedades de mandioca resis-
tentes às pragas
17
. O laboratório de carboradiologia de Cheikh Anta Diop no
IFAN, em Dakar, efetuou em múltiplas ocasiões trabalhos de alcance nacional,
pan -africano ou mesmo intercontinental. Criado em 1966, este laboratório
dedica -se ao estudo da radioatividade de baixa -energia e à datação com base
no carbono 14
18
.
Nos anos 1970, a Organização para a Unidade Africana (OUA), a UNESCO
e a Comissão Econômica para a África da ONU (CEA), igual e conjuntamente,
interessaram -se pelo desenvolvimento das ciências e das técnicas na África.
Estas duas organizações constituem a origem da Primeira Conferência dos
vinte e nove ministros dos Estados -membros africanos encarregados da aplica-
ção da ciência e tecnologia em prol do desenvolvimento, reunião esta ocorrida
na cidade de Dakar, em janeiro de 1974. Esta conferência produziu uma série
de recomendações concernentes às políticas relativas à ciência e às tecnologias.
Uma reunião regional para a África foi realizada no Cairo em 1978, objeti-
vando preparar a Conferência das Nações Unidas sobre ciência e tecnologia, a
serviço do desenvolvimento, mantida na cidade de Viena, em agosto de 1979.
Ela tinha como principal objetivo encontrar os meios concretos com vistas a
superar o abismo econômico que separara o Terceiro Mundo dos países indus-
trializados. Esta questão abordada, mas superficialmente tratada em Viena
seria mais detalhadamente examinada no curso de uma série de conferências
específicas, organizadas em cada uma das regiões interessadas.
Em sua décima sexta sessão ordinária, a Assembleia dos chefes de Estado e
governo da OUA, reunida em Monróvia em julho de 1979, consagrou a declara-
ção de Monróvia, através da qual os chefes de Estado e de governo expressavam
a sua vontade em posicionar a ciência e a técnica a serviço do desenvolvimento,
pela promoção da capacidade autônoma dos seus respectivos países neste domí-
17 Encontrar -se um sucinto catálogo das variedades de mandioca resistentes às doenças em Banco
Mundial, 1989b, pp. 95 -96.
18 I. VAN SERTIMA, 1989.
779
Tendências da losoa e da ciência na África
nio. A Assembleia dos chefes de Estado e de governo da OUA, por ocasião da
sua segunda sessão -extraordinária, organizada em Lagos, nos dias 28 e 29 de
abril do ano 1980, igualmente adotou o Plano de Ação de Lagos. O capítulo
V deste plano concerne particularmente à ciência e à tecnologia, chamando a
atenção para o seu papel integrado no desenvolvimento rural.
Um colóquio relativo à ciência e à cultura africanas, consideradas como
instrumentos para o desenvolvimento, foi organizado pela OUA, em coope-
ração com a UNESCO, em Libreville entre os dias 23 e 27 de janeiro, do ano
1981; uma resolução adotada neste colóquio convidava a OUA a organizar
uma reunião de cientistas na África. Quatro anos mais tarde, a Assembleia
dos chefes de Estado e de governo da OUA adotava, durante a sua vigésima
primeira sessão ordinária, mantida em Addis -Abeba, de 18 a 20 de julho do
ano 1985, o Programa Prioritário de Recuperação Econômica da África, 1986-
-1990, em cujo parágrafo 34, constata -se: A experiência mostra que país algum
experimentou qualquer pungência econômica sem erigir uma base mínima em
matéria de ciência e tecnologia.” Durante a mesma sessão, os chefes de Estado
e de governo da OUA adotaram a resolução AHG. Res. 146 (XXI) chamando
a UNESCO a elaborar um programa de ajuda para a África nos campos da
pesquisa científica e desenvolvimentista, destinado a desenvolver prioritaria-
mente as capacidades científico -tecnológicas dos países africanos na áreas da
geologia, microbiologia, agricultura, alimentação, saúde e dos recursos hídricos,
em superfície e subterrâneos.
Enfim, a Segunda Conferência de Ministros, encarregados da aplicação da
ciência e da tecnologia em prol do desenvolvimento da África (Arusha, 6 -15 de
julho de 1987) adotou o Programa Especial de Ajuda à África, nos campos da
pesquisa científico -tecnológica e desenvolvimentista. Este Programa Especial,
de caráter muito concreto, estabelece um balanço objetivo da situação econô-
mica, social e cultural na África. Primeiramente nele são analisados os principais
obstáculos, aqui incluídos os bloqueios resultantes dos comportamentos mentais
e da educação, os quais atrasam e minam os esforços empreendidos para por em
marcha o processo de desenvolvimento econômico e social. O programa indica,
posteriormente, quais seriam as condições gerais para o desenvolvimentos cien-
tífico em níveis nacional e regional, levando todavia em conta o ambiente, passí-
vel de favorecer, ou não, a pesquisa científico -tecnológica. Enfim, prioridades são
sugeridas no campo da pesquisa, assim como das modalidades de intervenção e
das estratégias a serem aplicadas para promover a ciência e a técnica nos níveis
nacional, sub -regional e regional
19
.
19 CASTAFRICA, 1987.
780
África desde 1935
Assistimos igualmente, durante estes últimos anos, à multiplicação das ins-
tâncias inter -africanas de caráter não governamental, mas gozando do apoio
e dos incentivos da OUA e dos Estados africanos. Citemos, notadamente, o
Instituto Africano de Estudos Prospectivos (INADEP), o Instituto dos Povos
Negros (IPN) e a União Pan -africana da Ciência e Tecnologia (UPST).
O INADEP foi criado na cidade de Kinshasa em 1989, como resposta a uma
demanda apresentada por cientistas africanos e alto -funcionários, por ocasião
de um importante colóquio organizado nesta capital em 1985, cujo tema era a
África e o bem -estar da sua população. Particularmente na ocasião, o foco foi
colocado sobre a medicina tradicional e o estudo das plantas medicinais; a agri-
cultura e a autossuficiência alimentar; as fontes de energia, novas e renováveis;
a utilização racional dos recursos minerais; a utilização racional dos recursos
marinhos; o progresso rumo à industrialização; as biotecnologias; os desastres e
as catástrofes naturais; e as aplicações pacíficas da energia nuclear (na agricul-
tura, na medicina e na economia).
Recomendava -se empreender estudos detalhados, de grande envergadura,
nas seguintes áreas: formação científica, planejamento científico -tecnológico,
em nível regional no conjunto dos países, bem como a definição dos meios e
das modalidades de divulgação do saber científico na África (conferir o Segundo
Congresso dos Cientistas Africanos, Accra, UPST, 1989). O UPST, associado ao
American Association for the Advancement os Science, igualmente publicou o
Directory of scientific and engineering societies in Africa [Anuário das Sociedades
Científicas e Associações de Engenheiros na África] que oferece uma ideia da
amplitude do movimento de pesquisa científico -tecnológica na África.
Entre todas as grandes organizações voltadas para a ciência na África, aquela
cujo reconhecimento mundial mais se afirmou é, sem dúvida, o Programa das
Nações Unidas para o Meio -Ambiente (PNUE), sediado em Nairóbi. Este orga-
nismo incentiva e promove a pesquisa ecológica e climatológica, não somente na
África, mas em todo o mundo. Duas das mais apaixonadas campanhas por ele
conduzidas, nos anos 1980, tratavam as questões relativas ao aquecimento pla-
netário e à camada de ozônio, em respeito aos quais retornaremos mais adiante.
A África pós -colonial busca sanar o impacto debilitante da dominação colo-
nial no tocante à sua capacidade de pesquisa científica e inovação tecnológica.
A solução processa -se lentamente, mas não sem sucesso. Notáveis homens da
ciência fizeram -se notar em quase todas as áreas, entretanto a massa crítica
capaz de permitir um crescimento autônomo não foi construída, em qualquer
domínio ou país, excetuando -se a África do Sul e, em menor grau, no Egito.
Muitos cientistas africanos não garantem a sua sobrevivência senão mediante
781
Tendências da losoa e da ciência na África
o trabalho em organismos favorecidos por uma ajuda estrangeira ou graças às
suas relações com instituições de pesquisa estrangeiras. Alguns realizam os seus
melhores trabalhos em laboratórios no exterior ou em projetos cuja direção não
lhes pertence. Outros obtêm resultados que não beneficiam a indústria local,
pois esta é prisioneira de escolhas técnicas feitas no exterior. Os cientistas africa-
nos trabalham nas piores condições (penúria de recursos financeiros e materiais,
incerteza quanto ao fornecimento de água, eletricidade, equipamentos de infor-
mática e outros meios de comunicação com os seus colegas), além de sofrerem
com um cenário de instabilidade política crônica. A sua atividade, nestas condi-
ções, confirma a ideia segundo a qual a ciência não é elaborada unicamente pelos
seus sábios, mas por toda a sociedade. Aqui reside o porquê da tendência mais
significativa no plano científico, na África, consistir na elaboração de políticas
científicas em curso nos Estados africanos e na rede, progressivamente melhor
estabelecida, de instituições de pesquisa com suficiente potencial para a criação
da peremptória massa crítica. Os centros mais promissores, em que pesem os
obstáculos subsistentes, compreendem desde universidades nacionais, centros
nacionais de pesquisa, organizações pan -africanas, associações profissionais pan-
-africanas, institutos de pesquisa intercontinentais, até comunidades de homens
da ciência.
A contribuição da África para a
industrializão da Europa
Como anteriormente assinalado, foi justamente à época colonial e s-
-colonial que a Europa acentuou a distância entre ela e a África. A questão de
imprescindível abordagem, neste momento, consiste em saber os meios através
dos quais a África contribuiu para esta evolução, após a independência. Os
dados disponíveis revelam claramente que a influência da África, no que tange
à mutação técnica ocidental da segunda metade do século XX, foi, tal como
nos séculos precedentes, mais forte e profunda que a influência do Ocidente
na industrialização, na ciência e na técnica africanas. Em verdade, o credor é
devedor.
A indústria e a técnica ocidentais repousam, todavia e amplamente, sobre
uma vasta gama de minerais estratégicos provenientes da África. Os minerais
extraídos no continente são, antes de tudo, destinados à indústria ocidental, as
necessidades técnicas da África deles não absorvem senão uma ínfima parte. O
conjunto dos países terceiro -mundistas produz um terço dos minerais indispen-
782
África desde 1935
sáveis à economia mundial, entretanto, os países em desenvolvimento somente
absorvem 5% deste total. A porção deste consumo imputável à África é fraca,
inclusive para os padrões do Terceiro Mundo, contudo, no que diz respeito às
reservas e à produção, a contribuição africana é impressionante.
No curso do período estudado neste volume, o continente africano deteve até
90% das reservas mundiais de cobalto, situadas sobretudo no Zaire (atual RDC),
acima de 80% das reservas mundiais de cromo, mais de 50% das reservas de ouro,
cerca da metade das reservas planetárias de platina e praticamente a totalidade
das reservas de diamante industrial do mundo “não comunista”. Estes minerais
representam alguns dos minerais industriais estratégicos.
Em seguida, aparecem os minerais de troca, entre os quais o mais importante
é o ouro, passíveis de contribuírem para o financiamento tanto da pesquisa,
quanto do comércio. A maior parte das reservas africanas encontra -se na África
Austral, porém, o ouro também está presente em outras partes do continente.
Até 1971, o ouro desempenhou um papel no sistema monetário internacional
e houve ocasiões nas quais o regime de trocas, em escala mundial, tenha sido
ameaçado por uma perturbação no mercado do ouro.
A África abriga, igualmente, minerais combustíveis de alto valor, do ponto
de vista técnico. O continente deteve, durante este período, até um terço das
reservas mundiais de urânio. A parte africana da produção de gás natural está em
expansão, especialmente nos países da África do Norte. Naturalmente, a África
está bem representada no seio da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP), pela Nigéria, Argélia, Líbia e Gabão. Precisemos, outrossim,
que o Zaire (atual RDC) detém a principal reserva mundial de rádio, encontrado
na composição do urânio extraído na região de Shinkolobwe -Kasolo.
A África também possui gemas e metais preciosos, de caráter menos explici-
tamente técnico. Grande parte dos diamantes de joalheria produzidos no mundo
ainda provém do continente africano. De 1935 aos dias atuais, a região deteve
até 80% do tântalo mundial e, embora nela encontremos somente uma fraca
proporção da prata mundial, este elemento abunda em diversas pedras preciosas,
da safira ao topázio, da malaquita à opala, do rubi à tanzanita. Estas riquezas,
eventualmente, não somente alimentaram os hábitos de consumo dos outros
continentes mas, na mesma proporção, sustentaram a sua capacidade produtiva.
As reservas metalíferas da África comportam, igualmente, substanciais quan-
tidades de manganês, de minério de ferro, de cobre, de vanádio (elemento raro
que permite endurecer o aço), de bauxita (principal minério do alumínio), de
chumbo e de zinco. O interesse técnico de todos estes metais é evidente: sem o
783
Tendências da losoa e da ciência na África
fornecimento de metais africanos, boa parte das usinas ocidentais teria cessado
as suas atividades.
A África guarda, por outro lado, jazidas não metálicas. Do Marrocos ao
Senegal e na região dos Grandes Lagos, há vastas reservas de fosfatos. Madagas-
car possui o primeiro estoque mundial de grafite em lâminas. Quanto às jazidas
de potássio da República Popular do Congo, durante este período, elas foram
consideradas as maiores do planeta.
Indubitavelmente, desde 1935, o principal beneficiado por todas estas rique-
zas minerais tem sido o Ocidente, através das suas usinas e dos seus laboratórios.
Durante os anos 1970, os Estados Unidos da América do Norte importavam
cerca da metade do seu manganês da África. A importância do cobalto con-
golês para a tecnologia e a indústria ocidentais explica as razões pelas quais o
Ocidente sustentou a permanência no poder de Mobutu Sese Seko, declarando
estar pronto a fazer a guerra para manter o Zaire (atual RDC), sob a sua órbita.
As minas de urânio do Niger foram estabelecidas e exploradas nos anos 1970,
expressamente para suprirem as necessidades do programa nuclear francês. O
minério de ferro da Suazilândia, quanto a ele, destinava -se à empresa Nippon
Steel.
Não satisfeito em ser o principal consumidor da riqueza mineral africana,
o Ocidente foi o principal gestor desta atividade. Um pequeno número de
empresas ocidentais detinha o controle sobre o tratamento, a transformação e
a comercialização destes recursos africanos. Anglo -American, De Beers, Roan
Selection Trust, a antiga Union minière du Haut -Katanga, eis alguns dos nomes
que moldaram esta fase da contribuição africana para o desenvolvimento técnico
do Ocidente, ao lado das gigantes do petróleo − Shell, British Petroleum, Gulf,
Exxon, Mobil, Chevron, Texaco e outras independentes de menor enverga-
dura. Até mesmo as menores dentre estas empresas detinham, muito amiúde,
um capital cujo valor excedia aquele correspondente ao Produto Interno Bruto
da maioria dos Estados africanos.
Entre os dois grandes setores produtivos africanos (agricultura e as minas),
são as minas que exigiram a maior concentração de capitais e competências pois
é necessário muito dinheiro para colocá -las em operação e múltiplas compe-
tências técnicas para o seu funcionamento e manutenção. Em ausência de uma
adequada transferência de capacidades técnicas e administrativas, do Ocidente
para a África, sob o pano de fundo composto pelas empresas multinacionais
ocidentais, dominantes no setor, a extração mineral no continente permaneceu
uma presa guardada pelos ocidentais, até mesmo quando os governos africanos
declararam as minas como propriedade do Estado. A indispensável capacidade
784
África desde 1935
do Ocidente e os seus circuitos comerciais, frequentemente, serviram à perpe-
tuação do eurocentrismo característico das minas africanas.
Quando a contribuição africana para a indústria ocidental apresentava -se,
sobretudo, pela exportação de mão de obra (o tráfico de escravos), foram as
Américas, e não diretamente a Europa, os principais importadores desta mão
de obra servil. Entretanto, após 1935, ao longo desta primeira fase da con-
tribuição das minas para a tecnologia e a indústria ocidentais, neste período
coube à Europa atuar como principal importador. Todavia, nestas duas fases, em
razão da intricada relação econômica mantida entre a Europa e as Américas, os
recursos africanos foram indispensáveis a quase todos os setores da civilização
tecnológica ocidental. Em última análise, a contribuição africana para a ciência
e tecnologia, no decorrer deste período, ultrapassa em muito os trabalhos indivi-
duais dos cientistas africanos. As descobertas e as invenções não constituem obra
de pesquisadores isolados, frutos de um vazio social. A maior contribuição do
continente africano neste domínio, após 1935, operou -se por intermédio da mão
de obra e dos recursos que ela ofereceu às usinas e aos laboratórios do mundo.
Os minerais africanos foram os afrodisíacos da potência técnica ocidental.
Isaac Newton, nem modesto nem humilde, admitiu um dia durante um lapso
de autoderrisão que ele teria logrado chegar tão longe com a sua obra científica
porque estava sustentado “sobre ombros de gigantes”, reconhecendo por assim
dizer a sua dívida junto aos grandes sábios que o haviam precedido. Deve -se
à verdade afirmar que todas as grandes realizações da história da ciência e da
técnica não foram consumadas unicamente em razão de possibilitarem, em seu
proveito, aos sábios o apoio sobre os ombros dos seus antecedentes mas, antes
e sobretudo, porque as classes desfavorecidas suportaram o fardo. As pirâmides
não foram somente obras -mestras do gênio egípcio mas, igualmente repre-
sentaram o triunfo do labor egípcio. Ferdinand de Lesseps, este inovador que
concebeu e patrocinou a construção do Canal de Suez, estava até recentemente
honrado por uma estátua levantada à margem da grande via de navegação.
Esta estátua foi derrubada após a nacionalização da Companhia do Canal de
Suez, por al -Nasser no ano 1956. Homenageando unicamente a memória do
mestre -de -obras francês que se transformara em campeão do canal, ela deixava
à sombra centenas de milhares de egípcios que haviam, literalmente, perecido
ao construírem -na. A quem se deve de fato o Canal de Suez, a Lesseps ou aos
trabalhadores egípcios, ao seu labor e martírio econômico?
Os grandes engenheiros, quer tenham ou não elevado sobre os ombros dos
gigantes que os haviam precedido, não resta dúvida que, quase invariavelmente,
eles foram sustentados por poderosas forças sociais. Na moderna fase da ciência
785
Tendências da losoa e da ciência na África
e da técnica ocidentais, os trabalhadores do Ocidente não estiveram sozinhos a
suportarem o avanço técnico em seus países, a este efeito também contribuíram
os recursos e o trabalho dos africanos e asiáticos que se encontravam sob o
domínio dos europeus.
Segundo Bertrand Russel, a civilização nasceu em razão da busca do luxo e,
com efeito, as fronteiras da ciência e da técnica ocidentais foram estendidas, ao
menos parcialmente, em virtude da busca do luxo capitalista. O povo da África,
entre outros, financiou a ciência e a técnica ocidentais durante mais de trezentos
anos. Das plantações escravistas do Novo Mundo às minas de Kimberley, os
africanos subvencionaram a ciência ocidental.
Contudo, em 1957, foi a União Soviética que inaugurou a era espacial, ao
lançar a sua Spoutnik, e Youri Gagarin não tardaria a tornar -se o primeiro
homem no espaço. Seria este, desde logo, o luxo derradeiro? O primeiro homem
negro a alcançar este feito deveria esperar que os Estados Unidos da América
do Norte se tenham engajado na corrida espacial. A África participa desta nova
era por intermédio dos seus recursos, da sua diáspora negra norte -americana, dos
observatórios espaciais, como aquele instalado no Quênia e, de forma crescente,
graças ao restrito, mas historicamente vigoroso, grupo de astrônomos africanos.
A civilização estava em busca de uma nova fronteira de luxo criativo, a África
ofereceu a sua parte neste esforço.
Do efeito estufa ao inverno nuclear
Porém, concomitantemente ao crescente fascínio do mundo pelos outros
planetas, a segurança da própria Terra tornava -se um tema de ansiedade, esta
angústia atingiu novos picos precisamente após 1935. A cultura africana
pelos seus valores era, original e intrinsecamente, muito mais atenciosa com
o ambiente, comparativamente à ciência ocidental, com maior ênfase em sua
forma moderna. A técnica ocidental representou, ao menos durante certo tempo,
um perigo para a Terra. Cega destruição da vegetação, poluição dos lagos e dos
cursos d’água pela chuva ácida, entre outras razões, lento envenenamento da
atmosfera − a tecnologia ocidental declarara guerra ao habitat humano. A ame-
aça pesava tanto sobre a África quanto sobre o restante do mundo.
A situação era tão grave que os valores da cultura africana a traduzirem a
sua preocupação com o ambiente estavam caindo em ruína. A cultura africana
tradicional repousava sobre o seguinte princípio: o universo, em sua totalidade, e
não somente o homem, fora criado à imagem de Deus. Razão pela qual muitas
786
África desde 1935
sociedades africanas atribuíam um caráter sagrado a árvores e colinas, conside-
ravam alguns animais como totens, certas florestas como morada dos ancestrais.
As culturas africanas não estabeleciam nítida distinção entre a espécie humana
e as outras espécies. Se, por um lado, alguns macacos eram sagrados, certos
homens apareciam como seres essencialmente maus.
Tais concepções estavam fundamentalmente em sintonia com a proteção do
ambiente, pois que elas lhe conferiam um caráter sagrado. No entanto, muitos
africanos colonizados consentiram com a prostituição destes valores, sob a influ-
ência do mercantilismo e do desejo de consumo, introduzidos pelo colonialismo
e pelo capitalismo dos ocidentais. Assim sendo, o ambiente africano sofreu não
somente com as atividades dos estrangeiros mas, igualmente, com a ganância
daqueles que, a justo título, poderiam ser acusados de traição ecológica. Particu-
larmente desoladoras são a progressiva destruição da floresta úmida e a ameaça
que pesa sobre numerosas espécies animais africanas. A tecnologia inconse-
quente dos ocidentais e o seu desejo desenfreado de consumo impuseram -se
sobre a tradição africana de respeito ao meio, empobrecendo a cada golpe a
humanidade. O aquecimento climático é imputável à devastação florestal. Sob
a ação conjugada do gás carbônico e de outros gases do “efeito estufa”, o clima
do globo está, sabidamente e de mais em mais, ameaçado.
Para reverter esta situação, a Organização das Nações Unidas escolheu uma
cidade africana, Nairóbi, para sediar o seu programa ambiental; este foi o pri-
meiro organismo das Nações Unidas a ter escolhido um país terceiro -mundista
como sede. A África lutava então para retomar a direção moral no tocante à
proteção do planeta contra os perigos das novas tecnologias e a indiferença da
era industrial. Negligenciado em seu início, o PNUE começou a ser levado a
sério ao final dos anos 1980. Enquanto outros organismos das Nações Unidas
viam reduzir o seu orçamento, o PNUE esperava multiplicar por dois os seus
recursos.
Quando em março de 1989 a comunidade internacional decidiu enfrentar de
modo mais resoluto a ameaça incidente sobre a camada de ozônio, no momento
da solicitação de novos compromissos, os países africanos participaram à con-
ferência de Londres na pessoa de Daniel Arap Moi, presidente do Quênia.
O papel proeminente convinha, à perfeição, ao chefe do Estado anfitrião do
PNUE. A reunião mantida em Helsinki, em maio de 1989, para dar sequen-
cia à conferência de Londres, alcançou novos progressos em respeito às ações
com vistas a suprimir, progressiva e anteriormente ao final do século XX, os
produtos destruidores da camada de ozônio (os clorofluorcarbonetos, CFC). O
diretor -executivo do PNUE, Mustafa Tolba, um dos principais organizadores
787
Tendências da losoa e da ciência na África
da reunião de Helsinki, saudou os progressos alcançados a este respeito desde
as reuniões de Montreal e de Londres. O PNUE previu outros encontros em
referência à defesa da camada de ozônio durante os anos 1990.
Uma das ironias da história colonial consiste em que os perigos da refrigera-
ção artificial tenham atingido a humanidade sob a forma de uma ameaça relativa
à camada de ozônio. Agora que esta nova tecnologia está presente nos lares
africanos e que países como a Argélia fabricam os seus próprios refrigeradores,
percebe -se mais claramente os seus graves efeitos sobre a camada de ozônio.
Os CFC emitidos pela refrigeração e climatização estão de fato, entre os mais
perigosos para a camada de ozônio. Pede -se atualmente à África e ao restante do
Terceiro Mundo desaprenderem estas novas técnicas, tão logo elas tenham sido
incorporadas. A sua utilização e a criação de um inverno artificial, precisamente
nos países outrora privados do inverno, exporiam desde logo a espécie humana
a uma luz solar de tamanha intensidade e raios ultravioletas tão fortes que a
pele não poderia suportar.
Outras técnicas recentemente introduzidas na África e em outras regiões em
desenvolvimento estão igualmente na raiz do aumento das taxas de gases, tais
como o gás carbônico. As usinas e os hábitos de consumo do mundo industria-
lizado já haviam elevado estas taxas a níveis perigosos. Mas, não é tarde demais,
os países ricos podem ainda modificar as técnicas e assim contribuir para salvar o
clima do globo. Para os países em desenvolvimento, será mais difícil e duas vezes
mais oneroso desaprender as novas técnicas a menos que uma ajuda finan-
ceira em escala mundial venha facilitar esta transição. Pouco após a conferência
sobre a camada de ozônio, organizada em Helsinki no mês de maio de 1989, o
PNUE organizou em Nairóbi uma reunião sobre o efeito estufa. Os problemas
de financiamento do custo da desindustrialização estavam no centro dos debates.
O desafio, em definitivo, consistia em uma ameaça que pairava sobre todas as
espécies que provinha do clima do planeta Terra, o próprio futuro do inverno
na Terra estava em questão.
Todavia, outro perigo ameaça a Terra, prática e exatamente, o inverso do
desaparecimento do inverno. Trata -se do catastrófico perigo da extinção de
todas as estações, salvo o inverno, o inverno nuclear. A humanidade entrou na
era nuclear no curso do período iniciado em 1935, objeto da nossa exposição.
As implicações desta nova etapa científica e técnica ainda não são totalmente
reconhecidas. Entretanto, grande parte da comunidade científica internacional
chegou à compreensão, no curso dos anos 1980, que o mundo corria o terrível
risco de mergulhar em um inverno sem fim. Uma guerra nuclear poderia pro-
vocar não mais a morte do inverno, mas o seu definitivo triunfo. Ela poderia ter
788
África desde 1935
como efeito não o aumento da presença solar mas a privação do sol no habitat
humano. A Terra poderia viver uma nova idade das trevas, na mais literal acep-
ção da palavra. Até mesmo o homem branco cessaria então de chamar a África
o continente negro”. O nosso inteiro planeta seria uma vasta, sombria e sinistra,
eterna massa de água, de terra e de bruma.
Kwame Nkrumah pressentia, em 1960, o perigo desta nova ciência, sem
contudo indicar claramente como a África deveria enfrentá -la. Ele esteve abso-
lutamente indignado ao ver a França utilizar o deserto do Saara para testes
nucleares, Gana chegou a incentivar um protesto internacional contra estes
testes, contudo, os manifestantes foram bloqueados nas fronteiras. Nkrumah
decretou o congelamento dos bens franceses em Gana.
Porém, acreditava -se ainda, à época de Nkrumah, ser realista estabelecer
uma distinção entre o saber nuclear “seguro”, com fins pacíficos, e uma técnica
nuclear “perigosa”, voltada para a guerra
20
. Apoiado nesta ideia, Nkrumah pôs
em marcha um programa de pesquisa nuclear em seu próprio país. Ele declarou
que a África deveria entrar na era nuclear e aprender a nova ciência e a nova
técnica. Ele afirmou, por outro lado, que o socialismo africano deveria estar
intimamente ligado ao espírito científico. Para Nkumah, o socialismo era uma
filosofia que deveria ser, a um só tempo, uma ciência: “o socialismo sem a ciência,
dizia ele, é um conceito vazio
21
.”
O Zaire (atual RDC) tentara, antes de Gana, entrar na era atômica. Ao final
dos anos 1950, os belgas haviam instalado um reator nuclear de pesquisa no
antigo Congo. Após a conquista da independência no Zaire (atual RDC), as
pesquisas continuaram, contando com a crescente participação de numerosos
cientistas africanos. Malgrado todas estas vicissitudes que a sociedade congolesa
conhece há trinta anos, a pesquisa nuclear prossegue em Kinshasa.
Shehu Shagari, presidente da Nigéria de 1979 a 1983, também ele colocou o
seu país no rumo nuclear. Diferentemente de Gana e do Zaire (atual RDC), a
Nigéria, sob a sua batuta, escolhera esta direção, em parte, por razões militares.
Segundo Shagari, o laço entre o racismo e a ameaça nuclear persistia. Nos tem-
pos de Nkrumah, a ameaça nuclear localizava -se ao norte (no Saara) e o racismo
ao sul (na África do Sul). Entretanto e desde logo, tanto uma quanto a outra
ameaça estavam situadas no sul. O apartheid adquirira a capacidade nuclear. Os
esforços feitos pela Nigéria para dotar -se de uma capacidade nuclear represen-
tavam uma resposta à nuclearização da África do Sul, a partir dos anos 1970.
20 K. NKRUMAH, 1961, p. 213.
21 Ghana Today, vol. VIII, no 21, 1964, p. 1.
789
Tendências da losoa e da ciência na África
Porém, à luz dos desenvolvimentos precedentes, somos conduzidos a ques-
tionarmos o sentido dado pela África à domesticação do nuclear. Por outro lado,
por quais meios lograria ela propor e convencer o mundo, com vistas a assegurar
a sobrevivência do planeta, em perigo devido à escala de valores ocidentais, a
aceitar o seu modelo de gestão tradicionalmente econômico e respeitoso do
ambiente? A relação fusional dos africanos com a natureza, injustamente qua-
lificada como comportamento pré -científico, poderia ela levar a humanidade
a reagir, decididamente, frente às consequências de uma civilização suicida e
conduzir à aceitação de uma política que realmente descartasse a ameaça de um
inverno nuclear? Se for possível tirar uma lição da história, ela consistiria na
impossibilidade do Ocidente em continuar, impunemente, a ignorar a África, o
seu saber e as suas capacidades
22
.
As ciências sociais e humanas
A influência da África no âmbito das ciências sociais e humanas tomou duas
formas principais. Uma diz respeito à singularidade do continente africano, ele
próprio, e à atração por ele exercida junto aos eruditos e cientistas do mundo
inteiro. A outra é o fruto do trabalho dos africanos, pesquisadores e especialistas
em ciências sociais, os quais empurraram mais além as fronteiras do saber e da
teoria.
O poder da atração científica da África explica -se pelo fascínio exercido pelas
suas culturas junto aos pesquisadores da antropologia social e cultural, pelos mis-
térios destes fósseis aos olhos dos arqueólogos e paleontólogos e pelos enigmas
da tradição oral no referente aos historiadores. Estudando a África, o mundo
aprendeu ainda mais sobre si mesmo e a espécie humana foi esclarecida sobre a
sua própria natureza e sobre as suas origens. Todavia, não é somente a África, na
qualidade de objeto de estudo, que levou além as fronteiras das ciências sociais
e humanas. Trata -se aqui igualmente do trabalho dos próprios cientistas e pes-
quisadores africanos. O campo destas duas modalidades da influência africana
sobre o corpus do saber humano estendeu -se particularmente desde 1935.
Em certo sentido, as ciências sociais e humanas situam -se em algum ponto
entre as ciências físicas e a filosofia. Parte relevante da teoria social, sobre a
qual se baseiam os sociólogos, os economistas e outros especialistas em ciências
22 Os últimos trechos da versão inglesa foram aqui reformulados para levar em consideração a evolução
dos fatos e das ideias após 1990.
790
África desde 1935
políticas, constitui uma ponte entre as preocupações dos especialistas em ciências
exatas e aquelas próprias aos filósofos. Consiste precisamente neste papel das
ciências sociais, como ponte entre a ciência e a filosofia, o objeto de interesse
da presente seção.
É relativamente ao campo africano que foram elaboradas, no culo XX,
algumas das principais teorias sobre o crescimento econômico em sociedades
pouco industrializadas. A diáspora africana particularmente distinguiu -se da
teoria econômica liberal, pois que sir Arthur Lewis, de Sainte -Lucie nas Anti-
lhas inglesas, compartilhava em 1979 o prêmio Nobel de ciências econômicas
com o americano Theodore W. Schultz. Os trabalhos de Lewis que lhe valeram
este prêmio tratavam da questão do desenvolvimento econômico. Não mais
consistia, especialmente, da sua teoria relacionando os termos de troca Norte-
-Sul com os níveis comparativos de produtividade da mão de obra dos países
pouco industrializados.
Arthur Lewis assessorou governos na África e nas Antilhas, notadamente
aquele de Kwane Nkrumah, em Gana. Os seus mais influentes livros são La
théorie de la croissance économique (1955), Développement économique et planifi-
cation (1966) e Croissance et fluctuations,1870 -1913 (1978). Arthur Lewis foi
enobrecido em 1963.
No transcorrer dos anos 1970, o egípcio Samir Amīn, com o seu estudo
sobre a natureza da desigualdade nas trocas econômicas em um mundo no qual
o capitalismo globalizou -se, foi figura de proa da teoria econômica marxista/
terceiro -mundista, os seus trabalhos aliavam, frequentemente e de modo notável,
o refinamento teórico e dados empíricos incontornáveis, relativos a países como
a Costa do Marfim
23
.
O nigeriano Adebayp Adedeji pertence a um grupo situado a meio caminho
entre a teoria econômica liberal e a teoria radical. Na qualidade de secretário-
-executivo da Comissão Econômica para a África da Nações Unidas, ele contes-
tou, no decorrer dos anos 1970 e 1980, as ideias econômicas clássicas do Banco
Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) no tangente às causas
da persistência do subdesenvolvimento na África. Enquanto o Banco Mundial
e o FMI atacavam muito amiúde a “má gestão e as políticas equivocadas” da
África, Adebayo e a CEA colocaram em relevo os obstáculos globais que pesam
sobre o desenvolvimento africano. A CEA e a OUA produziram, em conjunto,
uma análise econômica sobre a qual está assentado o Plano de Ação de Lagos,
23 S. AMĪN, 1973, 1974, 1977, 1988.
791
Tendências da losoa e da ciência na África
documento histórico, adotado em 1980 pelos chefes de Estado africanos. O
Plano de Lagos oferece um paradigma explicativo oposto ao relatório Elliot
Berg, apresentado pelo Banco Mundial em 1979. Uma vez mais, paradigmas de
desenvolvimento econômico estavam em conflito
24
.
Do ponto de vista das ciências políticas, a África foi um campo privilegiado
de observação no que diz respeito à construção da nação, à formação do Estado,
à dependência política, ao desenvolvimento político e à decomposição política.
Acerca de todas estas questões, as teorias internacionais em voga no período
pós -colonial foram profundamente influenciadas pelo viés da experiência afri-
cana. As teorias em respeito ao partido único, às relações entre civis e militares
e às filosofias do socialismo autóctone foram poderosamente estimuladas pelas
realidades políticas africanas.
Os observadores parecem, por vezes, ter acreditado que os teóricos afri-
canos da dependência contentavam -se em seguir os passos dos seus colegas
latino -americanos da dependência, nos anos 1970. Porém, deve -se rememorar
que Kwame Nkrumah publicou o seu livro Le néocolonialisme, dernier stade de
l’impérialisme antes de ser deposto, em 1966, e que Ali Mazrui desenvolveu as
suas ideias sobre a neodependência e a fragmentação da África” em sua tese de
doutorado na Universidade de Oxford, sustentada durante os anos 1960 e publi-
cada, posteriormente, em sua obra intitulada Towards a pax africana (1967)
25
.
A África foi o laboratório por excelência dos estudos linguísticos. Este con-
tinente, o próprio lugar de nascimento da linguagem humana, comporta um
décimo da população mundial e um quarto das suas línguas. O leque de línguas
faladas na África engloba desde as línguas tonais, como o yoruba, até as línguas
de clique, como o xhosa, passando por línguas semíticas, como o aramaico e o
árabe, e as línguas bantu meridionais, como o sindebele e o chichewa
26
.
Após 1935, os sábios não africanos que maior influência exerceram, no refe-
rente à classificação das línguas africanas, foram M. Guthrie, na Grã -Bretanha
e J. H. Greenberg, nos Estados Unidos da América do Norte. Os seus trabalhos
apoiaram -se em “exércitos” de especialistas africanos em línguas africanas, pois
24 A. ADEDEJI, 1976a, 1981, 1989a, 1989b; CEA, 1976, 1989a, 1989b, 1990; OUA, 1981; Banco Mundial,
1989b, 1990; ONU, 1990.
25 K. NKRUMAH, 1973; A. A. MAZRUI, 1967.
26 Considera -se geralmente que a região do mundo que possui a maior diversidade linguística, relativamente
à sua superfície, seja a Papua Nova, entretanto, a maioria das línguas ali faladas não possui nada além de
algumas centenas de locutores, cada uma.
792
África desde 1935
estes pesquisadores não teriam logrado consumar a sua tarefa sem contar com
o suporte dos ombros dos próprios linguistas africanos
27
.
As estimativas sobre o número de línguas autóctones faladas na África variam
de algumas centenas até milhares − especialmente segundo a definição adotada
sobre os limites mediante os quais começa uma língua e termina a outra. “Sem
dúvida, a África representa a região do mundo que possui o maior número de
línguas por habitante mas, é possível reunir estas línguas em famílias linguísticas.
Os especialistas da área baseiam as suas tipologias ou pela semelhança lexical
(por exemplo, Greenberg, 1966), ou pelo parentesco histórico imagem de
Guthrie, 1948). A tipologia de Greenberg é, indubitavelmente, a mais aceita
28
[...].”
Aqui, uma vez mais, a singularidade e a complexidade da África fascinaram
alguns dos mais eruditos espíritos do século XX, no próprio continente africano
mas igualmente, por todo o mundo. O berço da linguagem humana constitui,
ele próprio e, todavia, uma rica mina de diversidade verbal.
Os africanos são, muito provavelmente em sua maioria, poliglotas. Em razão
disso, a região compõe igualmente um precioso campo de estudos para a socio-
linguística. A África também é um laboratório de pesquisa no âmbito da polí-
tica linguística e da integração nacional. Pesquisadores como Pathé Diagne,
no Senegal, ou Mohamed Hassan Abdulaziz, no Quênia, fizeram avançar o
discurso erudito sobre estas questões
29
.
O impulso concedido pelos trabalhos realizados sobre as sociedades africanas
contribuíram para a consolidação da antropologia social e cultural como disci-
plina científica. Os antropólogos ocidentais, no início do século XX, possuíam
muito amiúde uma atitude paternalista no tocante às “tribos” por eles estudadas,
entretanto e a partir de 1935, os bios africanos começaram a corrigir esta
condescendência ocidental. Em 1938, Jomo Kenyatta publica Au pied du mont
Kenya, livro que marcará um ponto de inflexão no âmbito da re -africanização
da tecnologia. Nos campi africanos, a antropologia ainda carrega a sua reputação
passada na qualidade de ciência das sociedades primitivas” e muitas universida-
des africanas preferem o termo “sociologia para designar o estudo das socieda-
des, tanto industriais quanto pré -industriais. No entanto, as questões colocadas
no bojo das realidades africanas fizeram recuar as fronteiras do conjunto desta
área das ciências sociais.
27 J. H. GREENBERG, 1966; M. GUTHRIE, 1948.
28 D. G. MORRISSON, R. C. MITCHELL e J. N. PADEN, 1989, p. 46.
29 Ver Capítulo 8 deste volume.
793
Tendências da losoa e da ciência na África
A tradição oral da África também conduziu a história a buscar os meios
para a exploração da transmissão não escrita dos testemunhos. Nenhuma região
do planeta talvez tenha realizado tanto quanto a África em prol da diversifica-
ção histórico -metodológica. Precisamente porque muitas das culturas africanas
eram outrora não escritas, o seu estudo exigia o exame de formas alternativas
de documentação. Sob o efeito do desafio africano, a utilização das tradições
orais e dos dados linguísticos, bem como as novas técnicas arqueológicas, foram
sensivelmente afinadas.
Na verdade, muito antes do período abordado por este volume, a egiptologia
já se tornara uma ciência em si. O Egito é o único país do mundo a ter forçado
a ciência a inventar uma disciplina, inteiramente distinta, para o estudo do seu
passado
30
.
Os volumes precedentes desta História Geral da África trataram das ori-
gens africanas da espécie humana. Contudo, foi especialmente após 1935 que
a paleontologia e a paleoantropologia tiveram os seus mais impressionantes
resultados na África Oriental. As pesquisas conduzidas posteriormente a esta
data, na Tanzânia, no Quênia, na Etiópia e alhures, permitiram estender os
limites dos nossos conhecimentos sobre o passado da humanidade, a tal ponto
que estamos muito próximos de compreendermos as origens da nossa espécie.
No Quênia, os leakey tornaram mundialmente conhecido o seu nome, todavia,
atrás deste famoso nome, todo um exército de paleontólogos, arqueólogos e
paleoantropólogos que estudam os frágeis elementos informativos, recolhidos
sobre as origens da única espécie a estudar o seu próprio passado.
O estudo social das outras espécies também foi mais além na África, com-
parativamente à quase totalidade das outras regiões do globo. A observação e
os estudos sobre os gorilas, chimpanzés e babuínos − os mais próximos parentes
do homem foram desenvolvidos com uma excepcional sensibilidade, atingindo
notáveis resultados em países como Ruanda e Zaire (atual RDC). Os gorilas
e os babuínos foram estudados sob o prisma da “família e da “sociedade”. Os
cientistas empregaram técnicas, eventualmente, muitíssimo próximas da “obser-
vação participante”. Melhor compreender os macacos permitir -nos -ia avançar
na compreensão dos seres humanos? Uma vez mais, a África fornece material
que possibilita à espécie humana obter melhor clareza sobre si mesma. A cien-
30 O volume I da História Geral da África da UNESCO é consagrado aos paradigmas e às metodologias
da historiograa africana. O Comitê Cientíco Internacional, responsável por este vasto trabalho, conta
entre os seus membros pesquisadores que introduziram importantes inovações metodológicas ao estudo
das tradições orais, para a historiograa linguística e em prol da arqueologia.
794
África desde 1935
tista ocidental Jane Goodall ofereceu uma notável contribuição ao estudo destes
parentes selvagens do Homo Sapiens.
Após 1935, a certezas europeias em respeito aos primeiros navegadores a
terem cruzado o Atlântico igualmente foram questionadas e Cristóvão Colombo
teve contestado o seu título de glória, em benefício de marinheiros africanos.
Esta contestação proveio, a um tempo, da África e da diáspora africana.
No seio da diáspora, coube a um autor nascido na Guiana, Ivan Van Sertima,
cuja fama deveu -se aos seus trabalhos de pesquisa realizados nos Estados Unidos
da América do Norte. Este estudioso quebrou o “paradigma Colombo”. O seu
livro de 1977, Ils y étaient avant Christophe Colomb. La présence africaine dans
l’Amérique ancienne, teve mais de dez edições. Segundo ele, os predecessores de
Colombo eram originários, essencial senão exclusivamente, do Vale do Nilo e do
Mediterrâneo. Ele emprega, em apoio à sua tese, elementos probatórios variados,
os mais impactantes seriam as esculturas em pedra africoides”, anteriores a
nossa era, bem como manifestos elementos “negros”, descobertos no México
31
.
O grupo contestador de autores do continente africano, quanto a ele, situa
de forma resoluta o ponto de partida dos navegadores africanos, os quais teriam
antecipado Colombo na África Ocidental, em lugar do Vale do Nilo e das margens
do Mediterrâneo. Durante os anos 1980, o erudito senegalês Pathé Diagne lançou,
em colaboração com a Universidade Cornell, um projeto de pesquisa referente ao
papel de Bakari II no âmbito de uma travessia atlântica, hipoteticamente ocor-
rida antes de 1312. Este projeto, prolongado separadamente até os dias atuais
por ambos os parceiros, derivaria ele do romance ou da história? Pathé Diagne
acredita existir uma relação entre a expedição de Mansa Bakari II (um muçul-
mano africano) e aquela realizada por Cristóvão Colombo: “Bakari II e Cristóvão
Colombo souberam, ambos, pelos navegadores africanos da Senegâmbia e do
Golfo da Guiné, (1) sobre a existência de um tráfico e de um comércio transo-
ceânico, (2) acerca da existência de uma zona de ventos, ao norte do Equador,
bem como, (3) relativamente à presença de uma corrente marítima facilitadora da
navegação durante o verão e o outono, a conduzir aos ricos impérios e civilizações
maia, olmeque, asteca e inca. Nem Bakari II nem Cristóvão Colombo pretendiam
compartilhar este segredo geopolítico com [rivais]
32
.”
Não se deve, contudo, exagerar as diferenças entre as teorias da diáspora,
focadas em navegadores originários do Vale do Nilo, e as teorias africanas,
31 Consultar I. VAN SERTIMA, 1984b, contendo algumas fotograas das esculturas africoides”. Conferir
igualmente I. VAN SERTIMA, 1977.
32 Cornell University, 1930.
795
Tendências da losoa e da ciência na África
cujo eixo central são navegadores oriundos da África Ocidental. Com efeito,
Harold G. Lawrence, em um artigo intitulado Exploradores africanos do
Novo Mundo”, publicado em 1962 nos Estados Unidos da América do Norte,
um órgão da National Association for the Advancement of Coloured People
(NAACP), avançava a ideia segundo a qual Abubakari II, do Mali, teria contra-
tado navegadores árabes, dotando -os de toda uma frota de navios e marinheiros
africanos para atacar rumo ao oeste. Nós podemos atualmente afirmar que
os mandingas dos impérios do Mali e dos Songhay e, talvez outros africanos,
tenham atravessado o Atlântico para comercializar com os nativos do hemisfé-
rio ocidental, bem como e com êxito, estabelecido colônias nas Américas [...].
Abubakari II (1305 -1307) não acreditava ser impossível atravessar o oceano
estendido diante de si
33
.”
Tratar -se -ia, neste caso, da história ou de uma romântica exaltação africana?
Seria o tema da história da navegação africana, antes de Cristóvão Colombo, ou
um momento da história do nacionalismo negro no século XX? A hipótese de
uma travessia atlântica por africanos, antes de 1492, está distante do seu com-
pleto estabelecimento e, quiçá, não seja jamais comprovada, todavia, tampouco
existem explicações outras, convincentes no tocante à presença, no México, de
cabeças negroides em pedra, datadas de antes de Cristo. O período histórico,
iniciado em 1935, acompanhou o surgimento de uma grande contestação, afro-
cêntrica e islâmica, do paradigma da “descoberta da América por Colombo,
questionamento este realizado por historiadores africanos e da diáspora
34
.
Se a história e as ciências sociais debatem, por sua vez e com frequência, a
origem das coisas, a filosofia e a religião, quanto a elas, distinguem por vezes
o infinito, aquilo que possui um fim e aquilo que não tem fim, aquilo que tem
um começo daquilo que talvez não o tenha. Eis os complexos problemas que
devemos agora abordar.
Entre as origens e “o nal dos tempos”
Qual influência a evolução da ciência e da história, teria ela exercido, durante
este período, sobre a filosofia da África? Quer seja Colombo ou Bakari quem
tenha ou não descoberto” um “novo mundo”, qual influência a perspectiva de
33 H. G. LAWRENCE, 1962. Lawrence era o presidente do Comitê de Pesquisa e de Educação da seção
de Detroit da Association for the Study of Negro Life and History.
34 Ver I. VAN SERTIMA, 1977 e 1984a, especialmente pp. 221 -246.
796
África desde 1935
um fim do mundo, com ou sem inverno nuclear, teria ela exercido, sobre o pen-
samento filosófico africano?
Em termos gerais, a África muçulmana insistiu com maior ênfase em respeito
à ideia de um “fim do mundo”, comparativamente ao restante do continente. O
islã elaborou o conceito Qiyama, Dia da Morte Universal, que precede o Dia do
Juízo, assim como o conceito Akhir al -Zaman ou final dos tempos.
O cristianismo certamente possui conceitos equivalentes mas, a África a eles
muito menos ligou -se, comparativamente aos conceitos muçulmanos. Talvez
porque o islã tenha por vezes gerado, no continente, um fatalismo mais pro-
nunciado, através de uma inflexão da ideia expressa na fórmula Inschā’ Allāh [se
Deus o quer].
Os movimentos madistas, na África, por vezes estiveram acompanhados da
ideia do “final dos tempos”, o Mahdī correspondia a um salvador chamado a
manifestar -se em razão da aproximação do Dia do Juízo. O madismo marcou
particularmente o islã nigeriano e sudanês, entretanto, a ideia Akhir al -Zaman
permanece muito mais difundida na África muçulmana. O caráter suicida da
nova ciência e da nova tecnologia ocidentais foi empregado como argumento
para demonstrar que o mundo se encaminhava inelutavelmente para um final
cataclísmico.
As religiões tradicionais da África colocam maior ênfase sob o início dos
tempos comparativamente ao que elas dedicam ao seu fim. Neste quadro que
valoriza os primórdios muito mais que a conclusão, todas as culturas africa-
nas repousam sobre dois mitos fundamentais: um mito da origem e um mito
do objetivo coletivo. O mito da origem abarca igualmente o nascimento da
sociedade, trata -se da Gênese africana. O mito do objetivo coletivo confere à
sociedade o sentimento relativo ao seu caráter único e à sua missão histórica.
Os mitos africanos da origem assimilam, muito amiúde, o nascimento de uma
sociedade particular (os baganda, por exemplo) às origens da espécie humana,
em seu conjunto. Um observador laico poderia sustentar que os judeus não
teriam agido de outra forma quando fizeram de Adão e Eva o primeiro casal da
humanidade, conquanto eles não fossem senão os primeiros judeus, de acordo
com a mitologia judaica. Mas, os judeus tomaram a precaução de transformarem
um personagem mais tardio, Abraão, em pai da sua nação.
De todo o modo, o mito relativo à origem dos semitas (a Gênese descrita
pela Bíblia e pelo Corão) substituiu progressivamente o crédito dos mitos afri-
canos relativos aos ancestrais fundadores, como Kintu, o ancestral dos baganda,
ou Mumbi, o ancestral dos kikuyu. O ancestral dos baganda ou dos kikuyu era
tradicionalmente considerado como o primeiro homem. Entretanto, Adão e Eva
797
Tendências da losoa e da ciência na África
destronaram estes mitos africanos − ao passo que a ciência ocidental começava,
inclusive, a admitir que a África era o berço da humanidade. Os mitos africa-
nos da origem eram arruinados pela ciência ocidental concomitantemente à
demonstração, pela ciência ocidental, da existência de um paraíso terrestre em
algum lugar na África. O que o mito de Lúcifer destrói, a ciência dos leakey
reconstrói. Kintu e Mumbi estão mortos. Vivam Kintu e Mumbi! A ciência e a
religião estão, novamente na África, em relação dialética
35
.
Alguns mitos africanos permitem inclusive entender que Deus teve o seu
começo mas, não terá o seu fim, o que não esconde a sua semelhança com
algumas teorias científicas relativas à origem do universo. No que diz respeito
à teoria do “Big Bang”, por exemplo, o universo teve um início espetacular, mas
não necessariamente ele teria fim. O que começou não findará forçosamente; o
que nasceu não deve obrigatoriamente morrer.
O filósofo ganense William E. Abraham analisa em termos detalhados, em
The mind of Africa, os conceitos relativos à eternidade e ao infinito. Qualquer
coisa, poderia ela ser eterna, em referência a não ter fim, embora tivesse come-
çado em preciso instante? Deus, mediante esta lógica, seria ele infinito e eterno?
Não teria ele jamais fim algum, conquanto se tenha criado a si mesmo? Residiria
justamente aqui, por exemplo, a concepção de Deus própria aos akan
36
?
A concepção cristã em respeito ao nascimento de Jesus é mais ambígua. Jesus
nasceu. Mas, seria possível que tenha morrido, quer não seja, ao menos senão ao
longo dos três dias de Páscoa? Se o filho de Deus morreu e ressuscitou, poderia
ele nunca, jamais, morrer uma segunda vez?
Numerosos mitos de origem africanos explicam a origem da morte, ela pró-
pria. Segundo um mito serra -leonês, a Morte vivia outrora junto a Deus, no
entanto, ela implorava sem cessar para que lhe deixasse partir. Deus findou por
permitir -lhe ir -se mundo afora, conquanto prometesse ao Homem que ele não
morreria, pois, embora aceitasse liberar a Morte, ele não quisera ver desaparecer
o Homem. Assim decidiu ele enviar -lhe novas peles a protegerem -no tanto das
intempéries quanto da Morte. Porém, um mensageiro que levava estas peles foi
atacado por uma serpente, quem lhas roubou. Estaria, em questão e na realidade,
a Morte falseada em serpente? O homem demasiado tardiamente descobriu que
as peles, destinadas a proteger -lhe, haviam sido furtadas no caminho.
35 Para uma comparação dos mitos de origem, conferir V. HAMILTON, 1988. Este livro contém ilustra-
ções relativas a mitos da África e de outras regiões do planeta.
36 Para uma interpretação da losoa akan, consultar W. E. ABRAHAM, 1962.
798
África desde 1935
Esta história imaginária e muito anterior à descoberta, pelos serra -leoneses,
em respeito à camada de ozônio, cujo papel protetor, para todo o planeta, conflui
junto às preocupações atuais dos cientistas, os quais temem, precisamente, que a
espécie humana não seja dizimada senão pelas doenças da pele. O crescimento
da radião ultravioleta, causado pela diminuição da camada de ozônio, de
imediato, desorganiza a vida dos animais marinhos da Antártica e dos mares
do Sul, representando uma particular ameaça às baleias. Relatórios apresentados
na conferência internacional organizada na Tasmânia (Austrália), em maio de
1989, indicam que raios ultravioletas, a penetrarem através de um rombo aberto
na camada de ozônio, poderiam produzir o agravamento de certas doenças, tais
o herpes e a AIDS, por exemplo.
Os serra -leoneses poderiam, a justo título, pretender que o seu mito da ori-
gem do mundo fosse profético. O Homem teria hoje, fortemente, necessidade
destas peles suplementares que Deus lhes destinara, para proteger -se da morte.
Inclusive, ele jamais perdoou a serpente por ter atacado o mensageiro que lhe
transportava estas peles: “Desde então, o Homem guardou rancor pela serpente e
ensaia, sempre, matá -la, em todas as ocasiões que a percebe. A serpente, por sua
vez, evita o Homem e vive . Justamente por ter guardado as peles, por Deus
destinadas ao Homem, ela podia quando quisesse livrar -se da sua própria pele
37
.”
O particular papel aqui desempenhado pela serpente aproxima este mito
serra -leonês do mito semita em respeito à queda de Adão. Tal qual a Morte no
mito africano, Satanás, habitante junto a Deus, pretendia a liberdade, mas, no
mito serra -leonês, Satã e a Morte formam um único e mesmo ser e, diferença
suplementar, se no Gênese, o homem tornou -se mortal, é justamente ao Satanás
que ele o deve.
No entanto, no Gênese, Deus pediu ao homem o povoamento da Terra e a
sua submissão, ele fez, do homem, o mestre do mundo e de todas as suas cria-
turas. A ciência e a técnica modernas, com efeito, permitiram ao homem “sub-
meter” a Terra e todas as suas criaturas. Ele não pode, por conseguinte, imputar
às serpentes a responsabilidade pelos seus males. Na qualidade de ministro de
Deus, o homem é hoje, por pouco que não, o mestre do universo. Mas, seria ele
mestre de si próprio? Ou, desde logo, o “final dos tempos” estaria ele batendo
à porta?
Mais dans mon dos sonne à mes trousses
[Mas ao meu encalço soa]
37 Conferir M. CAREY, 1970, pp. 18 -19.
799
Tendências da losoa e da ciência na África
Le Temps son char ailé qui pousse
[O Tempo a sua carruagem alada]
Devant plus rien quand loin se perd
[Nada mais adiante quando longe se perde]
Léternité le grand désert
38
.
[A eternidade o grande deserto]
Os temas relativos à eternidade e ao infinito pertencem à filosofia africana
desde o “início dos tempos”, nós os reencontramos ao longo do período colonial.
Em 1986, durante uma emissão televisiva, dois escritores africanos exclamavam-
-se, ecoando em tom lírico:
Tu nes pas un pays, Afrique,
[Tu não és um país, África,]
tu es une idée...
[tu és uma ideia...]
Tu n ‘es pas une idée, Afrique
[Tu não és uma ideia, África
Tu es un aperçu de l’infini
39
!
[Tu és um pedaço do infinito!]
O período iniciado em 1935 está, por definição, pontuado por estes temas
eternos” da literatura e da filosofia africanas, mas ele igualmente se distingue
por certo número de novas características. A filosofia africana apresenta, neces-
sariamente, um amálgama de continuidade e mudança, a evolução científica e
cultural influenciou -a, inexoravelmente. Quais seriam as suas grandes tendências
após 1935?
Três correntes losócas
As obras da filosofia africana, no período pós -1935, podem ser classificadas
sob diferentes rubricas, relativas a correntes distintas de pensamento. No tocante
ao nosso objeto, o mais pertinente, sem dúvida, consiste em distinguir as veias
cultural, ideológica e crítica, todavia, esta distinção visa unicamente facilitar a
análise e, se cada uma destas escolas filosóficas possui traços que lhe são próprios,
existem, por outro lado, numerosos pontos comuns entre as vertentes.
38 A. MARVELL, 1981.
39 D. A. NICOL e A. A. MAZRUI, 1986.
800
África desde 1935
A corrente cultural da filosofia apoia -se, principalmente, sobre as tradições
autóctones. Ela corresponde à eventualmente chamada “etno -filosofia”, todavia e
sobretudo, porque este termo requer maior precisão, preferimos aqui qualificá -la
como “cultural”. O fato desta filosofia autóctone ser, em larga medida, obra de
etnias (fala -se, por exemplo, da filosofia dos lugbara), isso não constitui senão
uma das suas características. Ela tende a revestir -se de uma forma coletiva e
transmite -se, principalmente, pela palavra, porém, não se deve exagerar este
aspecto coletivo, pois ela também evolui sob o impulso de inovadores indiví-
duos. Este pensamento africano possui um caráter sociológico: ele engloba o
modo de vida de um povo, as regras que o regem e a sabedoria acumulada pelos
ancestrais, geração após geração, conquanto por vezes formulado por indivíduos
excepcionais.
Se no ocidente, a filosofia começa com o pensamento e a ciência experimen-
tal com o toque, a filosofia cultural africana não distingue nitidamente o pensa-
mento do toque. Vimos que, sob a sua forma completa, o silogismo a expressar
a filosofia cultural africana enunciava -se do seguinte modo:
Nous sentons,
[Nós sentimos,]
Donc nous pensons,
[Portanto, nós pensamos,]
Donc nous sommes !
[Por conseguinte, nós somos!]
Sob um ponto de vista histórico, a vertente cultural da filosofia africana
estende -se pelas fases pré -colonial, colonial e pós -colonial. Trata -se, quase por
definição, da veia mais antiga e mais perene da tradição filosófica africana.
Distinguimos, em função das necessidades da presente análise, a cultura e a
ideologia. A ideologia, no estrito sentido que nós aqui lhe conferimos, é um con-
junto de ideias -mestras, essencialmente destinadas a orientarem a ação política
e definirem objetivos políticos. A cultura envolve, logicamente, a ideologia, bem
como a vertente cultural da filosofia, tal qual definimos, integrante da reflexão
sobre a ação e os objetivos políticos. Porém, a cultura não se limita ao domínio
das relações políticas, ela abraça a totalidade do modo de vida. A veia cultural
da filosofia africana interessa -se, por conseguinte, pelas relações entre o homem
e a natureza, entre os vivos e os mortos, entre marido e esposa, entre governan-
tes e governados ao menos nas sociedades africanas, nas quais governantes
distinguem -se, tradicionalmente, do restante da população.
801
Tendências da losoa e da ciência na África
A vertente ideológica caracteriza -se pelas suas preocupações mais estri-
tamente políticas. Ela manifestou -se, com maior ênfase, durante os períodos
colonial e pós -colonial, produzindo obras que incluem desde o Consciencisme,
de Kwame Nkrumah, até os Damnés de la terre, de Frantz Fanon. Este tipo de
filosofia era praticamente desconhecido durante o período pré -colonial. O pen-
samento ideológico, mediante o particular sentido que atribuímos a este termo,
é essencialmente um produto do colonialismo e das suas sequelas.
Se a filosofia cultural, por seu turno, expressa -se em línguas locais africanas, a
filosofia ideológica da África negra, com fortíssima incidência, emprega idiomas
europeus.
A filosofia cultural consiste, como o vimos, em uma filosofia coletiva que
procede por acumulação de saberes e, não por obra de grandes pensadores em
caráter individual.pouquíssimos filósofos africanos comparáveis a Platão, a
Locke, a Rousseau ou a Hegel. A veia cultural é constituída por uma sabedoria
coletiva, acumulada geração após geração.
Ao longo dos períodos colonial e pós -colonial, a filosofia ideológica africana
permitiu ao indivíduo, pela primeira vez, afirmar -se como a fonte de todo o
pensamento. Teve início o estudo, na filosofia africana, das ideias de indivíduos
como Amilcar Cabral ou Gamāl Abd al -Nasser e não mais somente da filosofia
de entidades culturais, como os zulus e os berberes.
Se a filosofia cultural é produto de etnias particulares, no sentido por nós
indicado, a filosofia ideológica, por sua vez e em linhas gerais, é uma filosofia
especificamente africana, na justa medida que, ao proceder por generalizações,
ela analisa a situação da África em sua totalidade ou aquela dos negros pelo
mundo afora. Em outras palavras, conquanto a sua fonte seja mais limitada,
comparativamente àquela das filosofias culturais (o pensador individual em
oposição à sabedoria coletiva de uma etnia), o objeto da filosofia ideológica
configura -se como mais extenso (a África inteira ou o conjunto dos negros, em
oposição a um grupo étnico particular).
Um pensador como Agostinho Neto representa uma fonte de ideias filosó-
ficas mais limitada que os ovambo, os quais podem ser considerados como a
fonte de uma sabedoria cultural coletiva. Entretanto, Neto interessava -se pelo
“gênio da raça negra, no âmbito do capitalismo internacional, possuindo um
melhor conhecimento da África e do mundo, comparativamente aos ancestrais
dos ovambo.
O valor supremo das filosofias culturais consiste provavelmente na ques-
tão identitária. Junto aos wolof, por exemplo, todos os elementos da filosofia
fortalecem a consciência de si e o sentimento de identidade dos wolof, como
802
África desde 1935
povo. Em contrapartida, o valor supremo da filosofia ideológica é, geralmente, a
libertação. Alguns pensadores conjugaram este valor ao pan -africanismo; outros
atribuíram -no ao “gênio dos negros. Evidentemente, outros valores entram no
rol das considerações, entretanto, a natureza particular do colonialismo e das
suas consequências, durante este período da história, explica a importância
desta questão, tangente à libertação, no que diz respeito às ideologias políticas
africanas.
Em sua essência, a filosofia cultural é uma filosofia de massas, embora e
todavia, não se deva confundi -la com o populismo. Ela se compõe de ideias fre-
quentemente acessíveis ao indivíduo comum e expressa -se em línguas africanas
autóctones, compreensíveis por todos e cada um. Desconsideradas algumas exce-
ções, como o pensamento de Ogotemmeli, junto aos dogon, a filosofia cultural
aborda, fundamentalmente, aspectos da vida muito conhecidos por todos; ela
apresenta -se de forma intelectualmente acessível ao interiorano ou à interiorana.
Em contrário, a filosofia ideológica parece -nos intrinsecamente elitista,
inclusive quando se autoproclama das massas. Amilcar Cabral identificou -se
com os mais simples africanos e Fanon elevou o lumpemproletariado a um
grau de dignidade e respeitabilidade que a prudência de Marx interditava -lhe o
imaginário. E, no entanto, nem Marx nem Fanon, ou mesmo Cabral, são aces-
síveis ao comum interiorano do Burkina Faso, ou aos karimojong, de Uganda.
As ideias de Marx e Fanon alimentam, quando muito, as conversas dos citadinos
ocidentalizados, formadores da elite africana.
A filosofia ideológica africana permanece confrontada ao crucial problema
da língua através da qual ela se expressa. Já assinalamos que, se a ciência experi-
mental, além das fronteiras africanas, começava pelos cinco sentidos, a filosofia
da linguagem, por sua vez, estava às voltas com cinco modalidades (passado,
presente, futuro, ideal e eterno).
Na África, a filosofia da linguagem tem importância inferior, comparativa-
mente à linguagem da filosofia. Durante os períodos colonial e pós -colonial, as
ideologias expressaram -se, demasiado frequentemente, em nguas europeias.
Nas universidades africanas, ensina -se a filosofia através dos idiomas das antigas
potências imperialistas e a maioria dos pensadores africanos da época moderna
− de Edward Blyden a P. J. Hountondji − escreveram o essencial da sua obra em
línguas europeias. As exceções dizem respeito à África de língua árabe.
uma impossibilidade sociolinguística, para um africano em inspirar -se
nas ideologias originárias de outros continentes, em penetrar, por exemplo, as
sutilezas do marxismo sem todavia estar fortemente ocidentalizado. Com efeito,
na esmagadora maioria dos casos, os africanos continuam a ter acesso ao mar-
803
Tendências da losoa e da ciência na África
xismo graças a publicações redigidas em idiomas europeus. O aprendizado da
sua primeira língua europeia não representa, para um africano, simplesmente
a aquisição de uma competência, mas inscreve -se em um importante processo
pedagógico de aculturação. Quando um africano domina suficientemente uma
língua europeia, com vistas a compreender a literatura marxista, ele está, desde
logo, fortemente ocidentalizado.
A inumeráveis produtos da filosofia ideológica africana, este assujeitamento
linguístico confere um caráter desesperadamente elitista, embora eles oponham-
-se, no plano teórico, a este mesmo elitismo. A obra de numerosos filósofos
africanos, aquela de Eduardo Mondlane, por exemplo, consiste em um chamado
à libertação e testemunha da solidariedade moral dos seus autores junto à popu-
lação do continente. Contudo, esta filosofia ideológica retraiu -se, quase sempre
e apesar de si, atrás de uma barreira linguística que a isola das pessoas comuns,
aqui não mais uma cortina de ferro, mas uma cortina de palavras impenetráveis.
A língua desta filosofia é incompreensível não em razão da sua tecnicidade, mas,
simplesmente, porque trata -se de uma língua estrangeira. Aqui reside uma das
diferenças fundamentais entre a filosofia cultural (transmitida oralmente em
línguas autóctones) e a filosofia ideológica (transmitida por escrito em idiomas
europeus).
A África árabe é bem menos dependente das línguas europeias. Expressa -se
nesta região, em árabe, um pensamento filosófico não isolado da população, do
qual Philosophie de la révolution, de al -Nasser, é um exemplo. Por outro lado, filo-
sofia cultural e filosofia ideológica neste contexto encontram -se muito amiúde
indissoluvelmente ligadas à religião. Os problemas da mesquita e do magistrado,
da Igreja e do Estado, passaram ao primeiro plano. A tensão entre mundo secu-
lar e pensamento religioso atinge o seu paroxismo no Egito. Justamente neste
país, Hassan al -Bannā fundou, em 1928, a confraria dos Irmãos Muçulmanos,
a qual desempenharia um considerável papel durante todo este nosso período.
“Em seus sessenta anos de existência, a confraria logrou politizar o islã de modo
jamais atingido, por qualquer movimento popular autóctone, no Egito. [...] No
período mais violento da sua história (1945 -1965), ela mergulhou em assassina-
tos dos seus adversários políticos, no Egito monárquico, tanto quanto no Egito
revolucionário
40
.”
Al -Nasser, durante algum tempo, quebrou o poder dos Irmãos Muçulmanos
no Egito e, ao longo dos anos 1970 e 1980, a confraria foi enfraquecida pelas
40 S. E. IBRAHIM, 1988, p. 640. Consultar igualmente E. DAVIS, 1987.
804
África desde 1935
suas divisões internas. No entanto, ela permaneceu ativa, por quase toda a África
árabe, na qualidade de uma das mais militantes escolas da ideologia islâmica.
Outras correntes de pensamento islâmico no Egito referem -se ao sufismo e à
autoridade estabelecida do ‘ulamā’ de al -Azhar.
No Marrocos, a filosofia ideológica notadamente interrogou -se, no curso
do nosso período, acerca da eventual existência de um equivalente muçulmano
à monarquia do direito divino. No tocante a esta discussão, a fatwā [opinião
pública] do shaykh al -Islam Moulay al -Arbi Alaoui, pronunciada em dezembro
de 1963, obteve grande repercussão.
Ela afirmava, com efeito, que a legitimidade do monarca está condicionada
pelo papel da shurā [consulta] e pela aprovação da umma [comunidade de cren-
tes], em sua ascensão ao trono.
Assim, esta fat recolocava diretamente em questão o princípio da suces-
são hereditária e os títulos predominantes do rei Hassan II. O debate sobra a
natureza da legitimidade real, desde então, não mais cessou
41
.
Na Líbia, o monarca foi derrubado em setembro de 1969. Lançando a sua
revolução cultural” em 1973, Muammar el -Kadhafi quis abolir a distinção entre
ideologia e cultura. Ele elaborou a filosofia líbia, a “terceira teoria universal”,
na qual se fundem as ideias relativas à unidade arabo -islâmica, ao socialismo
arabo -islâmico e à democracia popular líbia.
A Tunísia elevou a novas alturas o debate sobre a modernidade e a tradição
no pensamento norte -africano.
De certo modo, reacendia -se neste país a polêmica sobre o islã moderno,
desencadeada na geração precedente pelo egípcio Muhammad Abduh e pelo
seu mentor Jamāl al -Din al -Afghāni. E, no entanto, por uma ironia da história,
o tunisiano Habib Bourguiba não se referia nem a ‘Abduh nem a Afghāni; ele
extraía a sua inspiração junto a Jean -Jacques Rousseau, Victor Hugo e Lamartine.
A ambição de Bourguiba era recriar a Tunísia à imagem da Revolução Fran-
cesa. Esforçando -se em reduzir o papel do islã na sociedade tunisiana, ele pro-
vocou um violento debate filosófico e cultural sobre os respectivos méritos da
modernidade e da tradição, da ocidentalização e do islã.
Aqui, uma vez mais, manifesta -se a convergência, na sociedade africana, da
filosofia cultural e da filosofia ideológica
42
.
41 J. BENOMAR, 1988, pp. 550 -551. Conferir igualmente M. W. SULEIMAN, 1989.
42 Para uma primeira avaliação, conferir C. H. MOORE, 1965. Consultar igualmente M. BOULBY, 1988,
pp. 590 -593; M. MADHI, 1990.
805
Tendências da losoa e da ciência na África
A terceira vertente da filosofia africana, subsequente às veias cultural e ide-
ológica, é crítica. Tal como a filosofia ideológica, a filosofia crítica consiste em
uma reação colonial e pós -colonial. Outros pontos em comum com a filosofia
ideológica: ela se expressa essencialmente em idiomas europeus e sofreu pro-
funda influência de algumas tradições intelectuais ocidentais.
Entretanto, ao passo que a filosofia ideológica volta -se conscientemente
para a política, a vertente crítica é mais estritamente teórica. Se a primeira
preocupa -se com a libertação, apresentando -se, muito amiúde, como naciona-
lista, a segunda aspira -se moralmente agnóstica ou desligada de toda valoração,
além de pretender -se, de modo resoluto, racionalista.
A vertente crítica da filosofia africana muito bem elaborou um conceito de
libertação”, mas, o objeto, cujo esforço consiste em libertar, é a filosofia, ela
mesma, e não a África. Faz -se necessário empreender uma operação de salva-
mento se quisermos franquear a filosofia africana, a um tempo, da etnologia
(que domina a filosofia cultural tal qual definimos) e da ideologia (compreen-
dida segundo a nossa definição).
A tese central da corrente crítica é, em sua essência, a seguinte:A filosofia
não existe senão quando um engajamento pessoal por parte do ou dos filó-
sofos, no que tange ao discurso racional, a única verdade, ou valor, é aquela ela-
borada ou revelada no cerne do debate entre as consciências e o enfrentamento
com o real... [A filosofia deve cessar de apresentar -se] como servente da religião
ou da política e tornar -se sua fiel, porém, exigente colaboradora
43
”.
A veia crítica da filosofia africana aspira, até certo ponto, trazer a filosofia
para a esfera do espírito científico. Convidar a filosofia a medir -se ao real, trata-
-se, em suma, de convidá -la a medir o real, como o faz o racionalismo. Paradoxal
e igualmente, a filosofia crítica preconiza certo empirismo, ao celebrar o critério
da sensação na qualidade de tipo particular de realismo.
A filosofia crítica africana, consoante com a definição proposta, é notada-
mente representada por F. Crahay, B. F. Eboussi, P. J. Hountondji, K. Anthony
Appiah, M. Towa e S. Adotevi. Estes pensadores pretendiam de certo modo
que a filosofia africana fosse mais científica, mais metódica e rigorosa. Eles
declararam guerra ao que Hountondji, tal como os surrealistas, denomina “não
pensamento”.
43 E. P. ELUNGU, 1984, pp. 40 -41. Nós fomos beneciados, no transcorrer da redação desta seção, pelas
indicações bibliográcas de Marcien Towa e Malu wa Kalenga.
806
África desde 1935
Contudo, toda uma corrente de pensamento orgulhou -se, durante este perí-
odo da história africana, em referência ao que poderíamos chamar não ciência”.
citamos um tributo rendido por Aimé Césaire em:
ceux qui nont inventé ni la poudre ni la boussole
[aqueles que não inventaram nem a pólvora nem a bússola]
ceux qui nont jamais su dompter la vapeur ni lélectricité
[aqueles que jamais souberam domar o vapor e a eletricidade]
ceux qui nont exploré ni les mers ni le ciel
44
...
[aqueles que não exploraram nem os mares nem o céu...]
Em oposição à importante disciplina do pensamento ocidental, designada
sob os termos “filosofia da ciência”, pode -se de fato definir, no transcorrer da
história do pensamento africano, uma filosofia da não ciência. Justamente o
conjunto de valores filosóficos, estes serão agora o objeto do nosso exame.
A losoa da não ciência
Vimos como, na Europa, a revolução industrial não somente fizera progre-
dir a ciência, muito além da técnica, mas também teria precipitado o ritmo da
mudança social e da industrialização. Fortalecida pelas suas espetaculares reali-
zações, a Europa atribuiu -se como missão conquistar o mundo.
A arrogância extrema dos europeus no domínio cultural transformou a per-
sonalidade africana e, eventualmente, deformou os eixos principais da filosofia
africana. Os africanos ocidentalizados sofreram, muito particularmente, de uma
grave esquizofrenia cultural. Uma vertente do pensamento africano sublinhou
o inconteste, por ocasião da chegada dos europeus em terras africanas, o Velho
Continente ao sul possuía civilizações comparáveis, em razão da sua riqueza,
àquelas, outras, em cujos europeus reconheciam o valor e a importância, civi-
lizações capazes de produzirem potentes soberanos, vastos impérios e técnicas
evoluídas. Esta vertente de pensamento considera africana a civilização do Egito
antigo, salientando a sua contribuição ao advento do milagre grego. Cheikh
Anta Diop esforçou -se inclusive para mostrar, em sua obra de historiador, que
a civilização do Antigo Egito era um produto da África negra; os seus trabalhos
geraram uma importante corrente de pensamento, não somente na África, mas,
inclusive, na Diáspora africana das Américas.
44 A. CÉSAIRE, 1971.
807
Tendências da losoa e da ciência na África
Poder -se -ia denominar esta vertente da filosofia africana como corrente de
exaltação romântica. Ele privilegia, de fato, os gloriosos episódios da história
africana, baseando -se parcialmente sobre a concepção europeia, aos olhos da
qual, a glória atém -se às ações espetaculares, bem como, especialmente, à cons-
trução de grandes monumentos.
A esta exaltação romântica opõe -se o que poderíamos designar sob o nome
primitivismo romântico”. Justamente aqui intervém a filosofia da não ciência,
adepta das obras simples, preferencialmente às grandiosas realizações, das vir-
tudes interioranas, comparativamente à monumentalidade histórica, da criação
dos rebanhos, se cotejada com a construção de castelos.
Ma négritude nest ni une tour ni une cathédrale
[A minha negritude não é uma torre ou catedral]
elle plonge dans la chair rouge du sol
45
.
[ela mergulha na carne vermelha do solo.]
Como fizera notar Jean -Paul Sartre, assim regozijar -se, por não ter inventado
nem a pólvora nem a bússola, por não haver construído nem torres ou catedrais,
consiste em reivindicar, orgulhosamente, a não tecnicidade. Nós diremos tratar-
-se de exaltação da não ciência. Segundo Sartre, “o que se poderia interpretar
como uma necessidade torna -se fonte positiva de riqueza
46
”.
A tendência filosófica à exaltação romântica busca valorizar o papel desem-
penhado pela África, ao longo da história da ciência e das realizações técnicas.
Entretanto, Léopold Sédar Senghor reporta o gênio africano à intuição, à sabe-
doria, fruto de longa experiência, bem como aos instintos refinados pela expe-
riência histórica. O instinto apresenta -se ao homem na qualidade de guia, mais
confiável que os computadores, embora menos preciso.
Os defensores da exaltação romântica demonstram, muito amde, uma
admiração mesclada ao respeito pelas civilizações providas de escrita. Quando
Nkrumah era presidente de Gana, a sua política cultural tinha como objetivo
atribuir o devido reconhecimento de uma origem africana, em relação a quase
todas as realizações da história científica e cultural anteriores ao computador.
Cartões postais em homenagem a inventores e criadores africanos foram, à
época, amplamente divulgados pelo governo ganês. Uma dentre elas atribuía a
invenção da estenografia a um secretário de Cícero, de origem africana, Tullius
45 Ibid. Igualmente consultar A. A. MAZRUI, 1986, pp. 72 -76.
46 J. -P. SARTRE, 1963, pp. 41 -43. Esta parte da nossa análise segue muito proximamente A. A. MAZRUI,
1986.
808
África desde 1935
Tiro, quem teria afinado este tipo de escritura no ano 63, ante -era cristã. Nesta
série de postais, podia -se ainda aprender a origem egípcia do papel ou a ori-
gem ganesa do direito e da legislação; algumas mostravam africanos ensinando
matemática aos gregos, ou estabelecendo as bases da química, da medicina e de
outras ciências. É notório que a política de Nkrumah levava, por vezes, dema-
siado adiante a exaltação romântica.
Quando não recai em tais excessos, a exaltação romântica assume uma con-
cepção idealista da historiografia africana. Ela tende a aceitar os valores euro-
peus, embora rejeite os “feitos” europeus relativos à África. Assim sendo, os
partidários da exaltação romântica mostram -se prontos a aceitar a hipótese
ocidental segundo a qual as sociedades respeitáveis não são sociedades “tribais”,
mas sociedades possuidoras de monumentos em pedra ou tijolos, assim como
de um sistema político relativamente centralizado, de tipo monárquico ou impe-
rial, fundado em última análise sobre o princípio de organização, o conceito de
Estado. Para os representantes desta vertente filosófica, constitui um insulto
denominar como povos sem Estado os karimojong ou os barabeg. Eles aceitam,
aqui e uma vez mais, os critérios ocidentais de respeitabilidade política (os Esta-
dos estão em voga), embora rejeitem a “informação” ocidental relativa à África.
Eles dizem sim aos valores ocidentais, mas opõem um categórico não ao que os
ocidentais apresentam como “feitos” concernentes à África.
Inversamente, a filosofia da não ciência rejeita os valores ocidentais, mas
aceita a informação ocidental ou os “feitos” ocidentais. Ela rejeita os critérios
que permitem, segundo os ocidentais, distinguir as civilizações respeitáveis
as torres, as catedrais, o Estado −, mas aceita a descrição que eles fazem da
África quando representam -na como um continente atrasado do ponto de vista
científico e técnico. Entretanto, enquanto o Ocidente despreza a não ciência, o
primitivismo romântico nela percebe um motivo de orgulho.
Rumo a uma losoa transcultural
A filosofia da não ciência aproxima -se, portanto e a um tempo, da con-
cepção rousseauniana do bom selvagem e das ideias de Mahatma Gandhi
sobre a civilização.
A um jornalista que teria lhe perguntado o que pensava da civilização oci-
dental, Gandhi teria respondido: “Eu não sabia que existia uma deste tipo!”,
colocando assim em dúvida a “sensibilidade moral” dos ocidentais.
809
Tendências da losoa e da ciência na África
Os filósofos africanos da não ciência não se impressionam mais que Gandhi
pelas realizações técnicas do Ocidente. Eles descobriram maior sensibilidade
moral junto às populações rurais do continente africano, menos ansiosas por
tecnologia. As ideias de Rousseau no tocante à influência destrutiva e corruptora
da cultura industrial e o tear de Gandhi poderiam ser o objeto de interessante
comparação com esta tendência ao primitivismo que constitui uma das correntes
do moderno pensamento africano. A convergência da negritude, do gandhismo e
da ideia do “bom selvagem de Rosseau define o campo filosófico transcultural.
Embora o primitivismo e a exaltação romântica caracterizem -se pelo olhar
que lançam sobre a África tradicional, eles se distinguem da “corrente cultural
da filosofia africana, tal qual por nós definida. O primitivismo e a exaltação
romântica pertencem ambos a uma tendência transcultural da filosofia africana.
É necessário muito bem perceber a não existência de linha demarcatória
rígida entre as três correntes por nós distinguidas na filosofia africana: as ver-
tentes cultural, ideológica e crítica. O pensamento islâmico africano e o pen-
samento cristão africano frequentemente transcenderam simultaneamente a
cultura e a ideologia, no sentido por nós estabelecidos. O pensamento de Jamāl
al -Din al -Afghāni e do seu discípulo egípcio Muhammad Abduh prolongou -se
durante a segunda metade do século XX junto aos filósofos, os quais tentaram
resolver o conflito transcultural entre a ciência moderna e a antiga verdade tida
como sagrada.
A influência do marxismo -leninismo sobre as ideias autóctones, em matéria
de coletivismo, deriva do transculturalismo laico. Pensadores africanos como
Senghor ou Nyerere insistiram sobre o fato que o socialismo africano não devia
nada à luta de classes. Muitos, frequentemente, questionaram se o conceito de
classe, em algum momento, tivera sequer algo de africano. Por que, na maioria
das línguas africanas, não existe termo que indique o conceito “classe”?
O mesmo caráter transcultural encontra -se em meio a certas formulações
africanas do modernismo muçulmano, indicadas acima, as quais foram ilustra-
das pelos seus próprios heróis e mártires. Um dos pensadores mais originais do
islã africano da segunda metade do século XX é o teólogo sudânes Mahmūd
Muhammad Taha. O seu conceito mediante dupla mensagem, aplicado à reve-
lação islâmica, é mais transtemporal que transcultural. Taha esforçou -se para
reconciliar, no plano intelectual, o espírito do século XX com aquele próprio ao
profeta Muhammad. Ele renovou a teologia muçulmana, posicionando -se em
perspectiva transtemporal: uma das duas mensagens do Profeta destinava -se,
segundo ele, unicamente aos seus discípulos (árabes do século VII), ao passo que
a outra se endereçava aos homens de todos os tempos. Assim sendo, a verdadeira
810
África desde 1935
piedade consiste, não somente, em reconhecer esta dualidade da mensagem
islâmica, mas distinguir na própria mensagem, aquilo especialmente endereçado
ao século VII e o que é verdadeiramente eterno. Mahmūd Muhammad Taha
pagou com a sua vida pela sua concepção transtemporal e pelas suas inovações
teológicas: ele foi executado por apostasia e heresia, em 1985, no Sudão, sob o
governo de Dja’far al -Nimayrī
47
.
Por sua vez, os pensadores cristãos da África não se contentaram em inter-
pretar o Evangelho. Eles foram, muito amiúde, os primeiros a proporem, em
perspectiva transcultural, uma nova interpretação da civilização autóctone afri-
cana. A obra do padre Placide Tempels, intitulada La philosophie bantoue, lançou
neste domínio uma primeira e espetacular luz. O pensamento tradicional nela
fora examinado a partir do exterior, com simpatia, mas, segundo concepções,
em sua essência, euro -cristãs. O padre Tempels abriu caminho para uma escola
que estudou a tradição africana em perspectiva cristã
48
.
Em meio aos africanos de religião cristã, pesquisadores que estudaram a filo-
sofia africana seguindo os passos de Tempels, faz -se mister citar: J. Kinyongo
(R. D. do Congo), A. Kagame (Ruanda), W. E. Abraham (Gana) e John Mbiti
(Quênia). O espírito intrinsecamente cristão destes autores falseou por vezes a sua
africanidade, conduzindo -os a descreverem o patrimônio africano em termos cris-
tocêntricos. Alguns pretendiam persuadir os seus leitores ocidentais que as crenças
tradicionais dos africanos estavam muito próximas do cristianismo − como se os
seus ancestrais houvessem pressentido a vinda do Cristo e o Sermão da Montanha.
O antropólogo e poeta ugandês Okot p’Bitek, desaparecido nos dias atuais,
criticou a dupla tendência, consistente em cristianizar e a helenizar o patri-
mônio autóctone africano, que anima os autores ocidentalizados e ávidos por
apresentarem a África sob um prisma favorável. Ele pretendia, desta forma, por
em guarda os africanos contra este novo cavalo de Troia cultural que ameaçava
a sua herança tradicional
49
.
Contudo e malgrado os riscos relativos ao cristocentrismo e ao eurocen-
trismo, os esforços empreendidos pelos africanos cristinianizados, com vistas
a analisarem o patrimônio cultural ancestral da África negra, permitiram ao
restante do mundo, dele melhor perceber toda a riqueza. Religions africaines et
philosophie, de John Mbiti, por exemplo, foi traduzida em numerosos idiomas,
47 M. M. TAHA, 1987.
48 O. p’BITEK, 1971. Conferir igualmente A. KAGAME, 1956; J. MBITI, 1969; J. KINYONGO, 1974;
W. E. ABRAHAM, 1962.
49 K. NKRUMAH, 1973; J. NYERERE, 1963a, 1969.
811
Tendências da losoa e da ciência na África
do finlandês ao japonês. Entretanto, por ironia da história, este livro pouco foi
traduzido em línguas africanas, esta situação conduz a colocar novamente em
pauta o problema da linguagem filosófica na África tão distante da proble-
mática anglo -saxã referente à filosofia da linguagem.
Julius Nyerere é, em perspectiva transcultural, o mais ativo representante da
filosofia política africana. Autor de numerosas obras filosóficas, escritas tanto em
inglês quanto em swahili, ele ensaiou derrubar a barreira linguística que separa
a filosofia tradicional, do tipo cultural, e a nova vertente, ideológica, advinda
durante o período pós -colonial. À vontade em inglês assim como em swahili,
ele refletiu sobre as noções próprias a cada uma destas línguas e permitiu -lhes
fecundarem -se reciprocamente.
O conceito relativo a ujamaa, sobre o qual Nyerere funda o socialismo afri-
cano, consiste, ele próprio, no produto de um notável cruzamento transcultural.
A noção em respeito a ujamaa implicava, tradicionalmente, em uma solidarie-
dade étnica, podendo comportar uma perigosa dimensão de nepotismo étnico,
Nyerere transformou -a em um conceito a ultrapassar a simples equivalência com
o socialismo, à europeia. Na prática, a política socialista de Nyerere fracassou
por razões de ordem internacional e nacional mas, no plano teórico, Nyerere
é um pensador mais original que Nkrumah, além de representar um expoente
de maior relevo no que tange ao plano linguístico. Nkrumah empenhou -se
em atualizar Lênin, ao responder à sua obra O Imperialismo, estádio supremo do
capitalismo, justapondo -lhe: Le néocolonialisme, stade suprême de l’impérialisme.
Sob a ótica da proeza transcultural, esta publicação é menos impressionante
que a versão para o swahili, por Nyerere, de duas peças de Shakespeare, Julio
César e O mercador de Veneza. Nkrumah e Nyerere, não figurariam em menor
escala, ambos e para sempre, ao lado dos grandes homens políticos e grandes
pensadores do século XX
50
.
Conclusão
Este capítulo impôs como premissa a impossibilidade em obter -se a justa
medida da contribuição africana, em prol da ciência e da técnica, unicamente
em função das atividades dos cientistas e engenheiros africanos. Em respeito ao
aporte da região, não se deve esquecer o papel dos trabalhadores e dos recursos
materiais da África no tocante à mutação tecnológica planetária. Os minerais
50 Sobre a ancianidade das inuências recíprocas, consultar J. G. JACKSON, 1970.
812
África desde 1935
estratégicos do continente alimentam as usinas e sustentam a atividade dos
laboratórios do mundo ocidental desde muito anteriormente a 1935
51
.
O regime colonial não se revelou adequado à ciência e à técnica autóctones.
O ensino colonial soube produzir dois laureados africanos do prêmio Nobel
de Literatura (Wole Soyinka e Naguib Mafūz), dois prêmios Nobel da Paz
africanos (Albert Luthuli e Desmond Tutu), um prêmio Nobel em Ciências
Econômicas, oriundo da diáspora (Arthur Lewis), entretanto, nem sequer um
único laureado africano do prêmio Nobel em qualquer ramo das ciências exatas
e naturais. A escola colonial foi um ateliê assaz competente em matéria literária,
mas não ofereceu laboratórios eficazes em ciência e tecnologia
52
.
Em contrapartida, o cobalto congolês faria girar os motores a reação do
mundo ocidental, época durante a qual a África seria, por pouco que não, a
única fonte de abastecimento no que concerne este mineral. Assim sendo, o
colonialismo retirou da África o necessário para alimentar o progresso técnico
no Ocidente, ao passo que entravava, pela mesma ocasião, o desenvolvimento
da própria África. O Ocidente pretendeu castrar a tecnologia africana, embora
os minerais africanos agissem na qualidade de aphrodísios ou, melhor dizendo,
afrodisíacos − para a sua própria virilidade tecnológica.
As descobertas científicas e a inovação técnica derivam, muito amiúde, da
guerra. A Segunda Guerra Mundial viu, desta forma, nascer a era nuclear, conse-
quência facilitada pela intervenção de sábios, inclusive humanistas, como Albert
Einstein em plena guerra, os conselhos de Einstein, oferecidos ao presidente
Franklin Roosevelt, fizeram de forma indubitável pender a balança, favoravel-
mente ao projeto Manhattan. As guerras de libertação da África, naquilo que
lhes diz respeito, produziram admiráveis espécimes da técnica intermediária. A
guerra dos mau -mau, durante os anos 1950, produziu impressionantes armas
de fogo, rudimentares e fabricadas na mata.
Contudo e durante este período, a mais fecunda guerra africana, em referên-
cia à inovação técnica, não foi uma guerra de libertação senão, uma guerra civil
pós -colonial, a guerra civil da Nigéria. O campo biafrense fez prova de grande
talento, no referente à improvisação técnica, produzindo notáveis modelos de
veículos blindados leves e quase -tanques. Infelizmente, esta aptidão técnica,
revelada pela guerra entre 1967 e 1970, foi rapidamente abafada pela pungente
51 Houve, entretanto, inventores e descobridores negros nos escalões “inferiores” ao nível do prêmio Nobel.
Ver, por exemplo, J. A. ROGERS, 1972.
52 UNESCO, 1985 -1986.
813
Tendências da losoa e da ciência na África
fonte de riquezas representada pelo petróleo, oferecida à Nigéria, a partir de
1973. A prosperidade liquidou a inovação.
No domínio da filosofia, o colonialismo facilitou o surgimento da escola
ideológica e da escola crítica, ambas profundamente ocidentalizadas e frequen-
temente expressas em idiomas europeus. O ramo da filosofia, às sobras e por
muito, autenticamente autóctone é a escola cultural, profundamente enraizada
nas apreciações e nos pensamentos africanos. No transcorrer do período pós-
-colonial, esta filosofia cultural apresenta -se, com efeito e a um tempo oral
e escrita, sagrada e laica, bebendo na fonte das línguas e conceitos africanos
autóctones
53
.
Por fim, aflorando sob todas estas tendências, a questão fundamental que
levantávamos ao início deste capítulo, equivalente a quais seriam as consequên-
cias da subordinação política, própria ao papel africano, no âmbito científico e
filosófico. No campo científico e técnico, os custos e as vantagens são objeto de
difícil avaliação. Em seu conjunto, não são os cientistas africanos quem exerceria
a maior influência em respeito à ciência e à técnica mundiais, mas comparativa
e propriamente, justamente seriam os trabalhadores e os recursos minerais afri-
canos, sobre os quais pesava a história e dos quais, em dependência, usufruíram
as indústrias estrangeiras.
Em contrapartida, em matéria filosófica, o colonialismo talvez tenha desen-
cadeado o processo, finalmente enriquecedor, suscitando contra si a elaboração
de ideologias laicas, as quais, certa, amável e futuramente, a África estudará e
desenvolverá. O interesse hoje voltado a Fanon, Cabral, Nkrumah, Senghor ou
al -Nasser, eis o prelúdio de um movimento futuramente amplo.
A escola crítica opera, desde logo e então, com base em noções tão específicas
quanto o “pós -modernismo ou a desconstrução, bem como sobre predicados
sociais, forte e cuidadosamente definidos, tais quais o correspondente à condição
colonial. Pensadores, da grandeza de Kwame Anthony Appiah e Nkiru Nzegwu,
contam em meio aos descobridores destes novos horizontes intelectuais.
O século XX concederá, certamente, mérito à filosofia crítica africana. Ela
alcança a profundidade em razão da qual subsiste o seu eventual obscurantismo,
entretanto, inegáveis, prevalecem a suas qualidades formais, disciplinares e em
respeito ao rigor. V. Y. Mudimbe, W. E. Abraham, O. Bodurin Kwasi Wiredu,
H. Odera, P. J. Hountondji, compõem em número as fileiras dos filósofos críticos
53 Consultar, entre outros, C. WAUTHIER, 1966; O. OTITE, 1978. Ler -se -á, além disso e utilmente, a
brilhante obra de V. Y. MUDIMBE, 1988, sem esquecer a sua bibliograa.
814
África desde 1935
cuja obra sobreviverá, verossimilmente, ao nosso tempo. Todos tiveram a sua
formação mediante as condições do colonialismo mas, souberam transcendê -lo.
As escolas filosóficas transculturais reúnem as obras de pensadores africanos
cristãos, como Alexis Kagame ou John Mbiti, entre outras, tais como aquelas
de autores africanos islâmicos, à imagem de Mahmūd Muhammad Taha ou
Abdallah Saleh Farsy. Estes pensadores, também eles, foram marcados pelo selo
colonial e lograram ultrapassar os seus limites
54
.
Os africanos teriam uma história? Tão surpreendente quanto pareça, estes
homens impuseram -se provar terem um passado, comprovaram inextricavel-
mente possuírem um passado, demonstraram este passado, consignado. Peremp-
tória, terminante e necessariamente validada a pena, ao terem -no consignado.
Hugh Trevor -Roper, titular da cadeira real de história moderna junto à Uni-
versidade de Oxford, afirmava, ainda alto e bom som, no curso dos anos 1960,
o dogma infame, dele: “Haverá, quiçá no devir, uma história da África, todavia
e entre nós, sequer resquícios existem. Nada além da história dos europeus em
áfricas terras [...]. O resto são trevas − trevas estas a não constituírem história
.”
Os homens das áfricas teriam uma filosofia? Esta questão reserva, talvez,
surpresa maior, face à precedente, haja vista que, os próprios africanos, eles
mesmos, não possuem resposta unânime a esta questão. A vertente crítica da
filosofia africana, ao seu turno, estaria assaz disposta a responder: “Talvez haja,
atualmente e em certa medida, uma filosofia africana, mas no passado ela não
oferecia nenhum sinal. Somente europeus, os quais filosofavam em respeito à
África. O restante consistia em etnologia − e, etnologia não subjaz da filosofia.”
Final mas não menos importante, haveria uma ciência africana? Os africa-
nos, eles próprios, estão igualmente divididos sobre esta questão. Os teóricos da
negritude rendem tributo àqueles que não inventaram nem a bússola, nem o
computador, conquanto Cheikh Anta Diop estivesse pronto a atribuir todas as
importantes descobertas científicas à atividade intelectual dos africanos.
Um novo Césaire e um novo Davidson Abioseh Nicol, ambos, uniriam quiçá
um dia o seu talento poético, para proclamar à face do mundo:
Hourra pour ceux qui se sont dispensés de la science !
[Hurra para aqueles que abdicaram da ciência!]
Hourra pour ceux qui ont refusé la philosophie
[Hurra para aqueles que recusaram a filosofia]
54 Estes propósitos, frequentemente citados, foram sustentados em 1968, no curso de uma emissão televisiva
britânica. Tratava -se da primeira conferência de uma série, intitulada e rise of Christian Europe [O
elã da Europa cristã], publicada em e Listmer, 28 novembro de 1968, p. 871.
815
Tendências da losoa e da ciência na África
O Afrique, tu nes pas une idée,
[Oh África, tu não és uma ideia,]
Tu es simplement un pays !
[Tu és simplesmente uma terra!]
A verdade é: a era do consenso alcança o seu ocaso na África. Eis a razão
do burburinho intelectual que se eleva em respeito a um continente em plena
efervescência. Um continente que descobre novos temas polêmicos e debate
doutrinas inéditas. Velhas concepções desaparecem, outras permanecem em
gestação. Talvez a isso conduzam a ciência e a filosofia.
Quando dois elefantes confrontam -se, é a grama que sofre tanto mais se
cada elefante seguir os conselhos de um cientista.
Igualmente, quando dois elefantes fazem amor, ainda padece a grama
sobretudo, se cada elefante seguir os conselhos de um filósofo.
(provérbio africano, corrigido à luz da experiência adquirida após 1935. Um
novo paradigma.)
C A P Í T U L O 2 2
817
Educação e mudança social
A educação é o mecanismo através do qual uma sociedade produz os conhe-
cimentos necessários à sua sobrevivência e à sua subsistência, transmitindo -os
de geração a outra, essencialmente, pela instrução dos jovens. Esta educação
pode ter lugar, de maneira não institucionalizada, em casa, no trabalho ou em
área de entretenimento. Em termos gerais, ela se desenrola em contexto de
ensino organizado, naqueles lugares e estruturas especialmente concebidos para
a orientação dos jovens e para formação das gerações mais anciãs. Os jovens
são formados para adquirirem os conhecimentos, as competências e as aptidões,
das quais necessitam, tanto para preservarem e defenderem as instituições e os
valores fundamentais da sociedade, quanto para adaptarem -nos, em função da
evolução das circunstâncias e do surgimento de novos desafios
1
.
Na África pré -colonial, como mostraram os volumes anteriores, estas com-
petências eram asseguradas pelos diferentes sistemas de educação, conforme a
região. Três sistemas principais reencontraram -se no continente: a educação
autóctone, a educão islâmica e aquilo que se poderia qualificar como um
sistema de educão afro -cristã, referente às primeiras tradições cristãs que
* Os autores agradecem a colaboração de Mary Achatz, da faculdade de pedagogia da Universidade de
Michigan, Ann Arbor, Estados Unidos da América.
1 P. C. LLOYD, 1972, p. 160 e seguintes.
Educação e mudança social
Aklilu Habte e Teshome Wagaw
em colaboração com J. F. Ade Ajayi*
818
África desde 1935
sobreviveram na Etiópia e junto aos coptas do Egito
2
. Estimando favorável a
sua contribuição para desvendar os mistérios do Corão e da Bíblia, as socieda-
des de tradição islâmica ou afro -cristã valorizavam a leitura, a escrita e a sua
aprendizagem. Estas atividades, inclusive de modo tendencial, consistiam apa-
nágio de dirigentes e padres, os dois grupos sociais mais respeitados. As outras
sociedades caracterizavam -se, a este respeito e essencialmente, pela cultura oral.
Os esforços empenhados no século XIX pelos missionários europeus e norte-
-americanos, com vistas à expansão do cristianismo na África, favoreceram a
difusão da educação ocidental e permitiram o desenvolvimento da alfabetização,
não somente em idiomas europeus, assim como nas diversas línguas africanas.
Grande parte desta produção foi escrita, primeiramente, mediante sistemas
ortográficos de caracteres latinos, frequentemente produzindo o efeito de relegar
ao segundo plano as tentativas anteriores de registro de algumas destas línguas
em caracteres árabes.
Haja vista o volume de pessoas suscetíveis de aprenderem a ler e escrever
as línguas africanas, era justamente a alfabetização nestas línguas que poderia
provocar uma mudança social decisiva, a passagem de uma cultura, principal-
mente oral, para uma cultura escritural. Contudo, durante o período colonial,
negligenciou -se esta possibilidade, em detrimento de uma ênfase colocada sobre
grupos bem mais restritos, formado por aqueles predispostos a lerem e escreve-
rem as línguas europeias. Com efeito, era o domínio das línguas europeias que
permitia o acesso aos empregos de entregadores, empregados de escritórios,
artesãos, e por vezes e eventualmente, às profissões liberais. O nível de estudos
alcançado no sistema de educação ocidental e o conhecimento de línguas euro-
peias tornaram -se os novos critérios do status social, inseparáveis do nível salarial
e do prestígio inerente ao cargo ocupado
3
.
Em 1935, o modelo educacional ocidental marginalizara todos os siste-
mas pré -coloniais de educação. Este modelo privilegiava o conhecimento dos
idiomas europeus, comparativamente ao árabe ou outras línguas africanas,
transformando -se em um dos fatores determinantes para a formação das clas-
ses sociais, tendendo a separar a elite, instruída à moda ocidental, das massas,
comumente consideradas, com desdém, analfabetas” ou iletradas”, a despeito
da grande virtuosidade verbal das culturas orais, produto especial das caracterís-
ticas tonais próprias às línguas africanas. Para os regimes coloniais, a educação
ocidental tornara -se uma arma poderosa de aculturação; ela modelava a menta-
2 A. A. MAZRUI e T. G. WAGAW, 1986; J. F. A. AJAYI, 1985.
3 M. BRAY e colaboradores, 1986, capítulo 4, pp. 58 -78.
819
Educação e mudança social
 . Curso de física no Ateneu Real de Léopoldville, Congo belga (atualmente R. D. do Congo).
(Foto: Topham, Londres.)
lidade da elite por ela formada, adestrando -a a desejar certos aspectos da cultura
europeia — indumentária, culinária, leis, formas de governo e bens de importa-
ção. Para a educação ocidental, consolidada pelas leis coloniais relacionadas ao
matrimônio, ao direito de herança e à propriedade fundiária, assim como pela
regra cristã relativa à monogamia, era fundamental subtrair a elite instruída do
modelo comunitário das sociedades africanas tradicionais, para propor -lhe um
novo modelo, baseado no individualismo, no núcleo familiar, na propriedade
privada e na acumulação de bens. Esta elite instruída começava a conhecer mais
superficialmente e a não mais atribuir valor algum à história da África, às suas
ideias religiosas, aos seus costumes indumentários, à sua culinária, à sua arte, à
sua música, aos seus modos de vida em geral, muito distantes dos grandes cen-
tros urbanos, porém, sempre predominantes nas regiões rurais.
Todavia, como outros capítulos deste volume o mostraram, foi precisamente
esta elite, formada à moda ocidental e assaz separada das massas, quem soube
dirigir o combate contra o colonialismo, realizando a convergência entre as rei-
vindicações manifestadas pelos camponeses, nas regiões rurais, e aquelas formu-
820
África desde 1935
ladas pelos sindicatos, pequenos comerciantes dos mercados ou desempregados,
habitantes das aglomerações urbanas. Na realidade, os colonizadores revelaram-
-se iludidos no tocante ao grau de alienação desta elite instruída, como demons-
traram, por inúmeras vezes, aqueles dentre os membros desta camada social que,
aspirando ao poder político, foram obrigados a provar a sua popularidade e a sua
aptidão para conquistarem e conservarem o apoio do povo. O nível dos estudos
atingidos no sistema de educação ocidental e o domínio dos idiomas europeus
revelavam -se determinantes com vistas a ganhar a confiança das massas. Parti-
cularmente, a sua educação ocidentalizada permitiu aos dirigentes nacionalistas
transcenderem as barreiras étnicas entre grupos linguísticos, transformando -os
em porta -vozes do conjunto de povos dos territórios coloniais, independente-
mente da sua língua ou da sua nacionalidade. Esta condição representava para
estes dirigentes uma vantagem decisiva em relação aos chefes tradicionais, os
seus principais rivais na disputa pela sucessão dos colonizadores, aos quais não
se lhes conferia a possibilidade de comunicação, por via de regra, muito além
do seu próprio grupo étnico. Eis a razão pela qual Obafemi Awolowo estimava,
no ano de 1947, que os membros desta elite instruída, embora infinitamente
pouco numerosa, fossem os portadores da consciência política e formassem
esta minoria eloquente [...] destinada a exercer o poder
4
”. Uma educação oci-
dentalizada, geralmente completada por uma viagem ou um período de estudos
no estrangeiro, igualmente favorecera, no seio desta elite instruída, a emergên-
cia de uma perspectiva pan -africana em cujos numerosos dirigentes africanos
reconheciam -se, constituinte de um importante aspecto da luta nacionalista.
Os dirigentes nacionalistas foram assim conduzidos a julgarem muito posi-
tivamente a formação intelectual da qual se beneficiaram e a perceberem, na
educação, a mais eficaz arma para se construir uma nação e favorecer a mudança
social, com vistas a descolonizar os espíritos e assegurar o desenvolvimento
econômico. Seguindo Marx, para quem não é a consciência dos homens que
determina a sua existência, mas, ao contrário, a sua existência social que deter-
mina a sua consciência
5
”, alguns poderiam emitir dúvidas sobre a competência
da educação como instrumento de mudança social, entretanto, para os dirigentes
nacionalistas esta competência era uma certeza. Na África colonial, com efeito,
o tipo e o nível da educação recebida determinavam não somente a consciência
de um indivíduo, bem como e em larga medida, o seu lugar na sociedade e o
seu modo de vida. Os dirigentes nacionalistas não viam na insistência confe-
4 Em e path to Nigerian freedom, citado por B. DAVIDSON, 1978, p. 197.
5 K. MARX, 1859, tradução francesa, 1963, p. 273.
821
Educação e mudança social
rida pelos colonizadores em respeito à formação profissional e no tangente à
necessidade de adaptá -la ao contexto africano, senão uma forma de fortalecer
a exploração e atrasar o processo de descolonização. (Esta insistência, levada à
sua conclusão lógica, derivou para a monstruosidade relativa à educação banto”,
na África do Sul.) A elite instruída identificava na educação ocidental, insepa-
rável da valorização do trabalho intelectual, a possibilidade para os africanos
de adquirirem os conhecimentos e a métodos necessários para “modernizarem
as sociedades africanas, de igualmente conquistarem as qualificações exigidas
para acederem aos empregos nos serviços coloniais, bem como de alcançarem a
formação necessária à substituição da administração colonial
6
.
O aprimoramento dos equipamentos e meios pedagógicos figurava, por con-
seguinte, entre as prioridades dos movimentos nacionalistas africanos. A ênfase
foi colocada sobre a necessidade de aumentar os efetivos no ensino elementar,
dispor de melhores escolas secundárias e centros de formação de professo-
res, bem como criar universidades africanas. De um modo geral, os dirigentes
políticos haviam igualmente compreendido que, para fazer da educação o ins-
trumento da descolonização mental e do desenvolvimento econômico, não era
suficiente expandir e consolidar o sistema herdado dos regimes coloniais, seria
igualmente necessário reformá -lo e adaptá -lo às necessidades das sociedades
africanas pós -coloniais. Assim sendo, a história contemporânea da educação na
África articula -se em torno do tema duplamente constituído, relativo à expansão
e à reforma. Se, por sua vez, o programa de expansão foi claramente formulado,
as reformas, quanto a elas, revelaram -se de difícil realização, comparativamente
ao inicialmente previsto, durante a euforia das independências.
Sistemas pré -coloniais válidos
A elite educada no sistema ocidental não se afastava completamente das
massas, entre outras razões e porque, apesar das escolas missionárias e todas as
pressões do sistema colonial, as tradições pré -coloniais, no que diz respeito à
educação e essencialmente, sobreviveram graças à família e à religião. A esco-
larização da criança africana não podia apagar, por completo, a influência sobre
ela exercida pela sua família, anteriormente à sua entrada na escola, durante
os cinco primeiros anos de sua vida, quando ela está bem próxima da sua mãe.
Esta, por sua vez, ensinava a sua própria língua, transmitia -lhe os valores fun-
6 E. ASHBY e M. ANDERSON, 1966, em particular, pp. 236 -247.
822
África desde 1935
damentais da sua cultura, pois mesmo quando ela própria fora exposta a uma
educação e às ideias religiosas estrangeiras, os seus laços com a sua cultura de
origem, mesmo distendidos, jamais haviam sido integralmente rompidos
7
. Além
disso, as necessidades religiosas da coletividade, principalmente nas regiões de
tradição islâmica ou afro -cristã, supunham a preservação do sistema tradicional
de educação.
Na Etiópia, sistema colonial algum perturbou a educação tradicional dispen-
sada no seio da família e pela Igreja. A Igreja ortodoxa continuou a manter um
vasto conjunto de estabelecimentos de ensino, estabelecidos no coração da vida
cultural, espiritual, literária, artística e científica do país
8
. No nível fundamental,
as famílias dirigentes e os pais ambiciosos enviavam as suas crianças, destinadas
com muita frequência ao monasticismo ou sacerdócio, à Nebab Bet [escola de
leitura]. Em sua maioria meninos, eram poucos os alunos que, ao final desta
etapa, obtinham os seus diplomas e seguiam os seus estudos na Quedasse Bet
[escola da Santa Missa], e na Quine Bet [escola de poesia]. Os estabelecimen-
tos de ensino superior eram reagrupados sob a apelação geral de Metshafit Bet
[escola dos Livros Santos]. Unicamente alguns raros eleitos atingiam o termo
do árduo programa de teologia e filosofia. Ao total, exigia -se cerca de vinte e
oito anos de estudos, muito trabalho e penosos sacrifícios pessoais mas, aqueles
que atingissem o último estágio da sua formação intelectual eram motivo de
inveja dos seus colegas e desfrutavam do respeito das comunidades cristãs, assim
como da estima dos dirigentes. Em geral, estes eruditos alcançavam a conclusão
de seus estudos em idade avançada e a maioria não mais sonhava em constituir
família, dedicando o restante da sua existência à vida monástica, à meditação e
à pesquisa do saber.
Da mesma forma, as necessidades religiosas das comunidades muçulmanas
asseguraram a sobrevivência da educação islâmica, no seio da família, bem como
em um vasto leque de instituições e estruturas educativas ou religiosas
9
. Em
virtude da necessidade do aprendizado do Corão em sua língua original, o árabe,
o desejo das famílias muçulmanas consistia em que as suas crianças, principal-
mente os meninos, frequentassem as escolas corânicas, em tempo integral ou
parcial, para aprenderem o Corão de cor, além de assimilarem os rudimentos da
gramática e da sintaxe árabes. Os ‘ilm [estabelecimentos escolares] ou os madrasa
[cursos direcionados pelos mu’allimun (sábios) ao redor da mesquita] permitiam
7 J. F. A. AJAYI, 1985, pp. 15 -6; A. A. MAZRUI e T. G. WAGAW, 1986, pp. 39 -44.
8 T. G. WAGAW, 1979, capítulo 1.
9 A. A. MAZRUI e T. G. WAGAW, 1986, pp. 48 -53; M. BRAY e colaboradores, 1986, capítulo 5.
823
Educação e mudança social
a aquisição de uma formação complementar. Neste ambiente, estudava -se, entre
outras disciplinas, o tafsir [comentários sobre o Corão], o hadith [os pronun-
ciamentos do Profeta], matéria em especial respeito a certos aspectos da vida
pessoal, tais como o casamento, o divórcio e a herança, e o fikh [estudo da lei
islâmica ou shari’a].
Com exceção de alguns episódios de hostilidade e confrontos, os regimes
coloniais não se opuseram ao desenvolvimento do ensino islâmico fundamental,
ministrado em nível local. Em contrapartida, eles apresentavam uma tendência ao
desestímulo do ensino superior, sobretudo quando este supunha contatos interna-
cionais com as tradições anticoloniais, em localidades como al -Azhar, no Cairo.
Eles tentavam monitorar os religiosos que partiam em peregrinação, preferindo
fazer uma seleção e, se possível, não patrocinarem senão os mais conservadores
eruditos. Apesar disso, os mais ambiciosos eruditos perpetuaram a tradição, via-
jando para escutarem o discurso dos mestres mais reputados, descobrirem a sua
obra e tirarem proveito das suas bibliotecas. Desta forma, apareceram alguns
centros locais de ensino superior que atraíram estudantes vindos de longínquas
localidades, como a mesquita de Riyadha, em Lamu, na costa oriental da África.
A mais grave ameaça para o islã veio da educação ocidental, dispensada
principalmente pelos missionários cristãos, os quais nela percebiam uma arma
de evangelização. Um abismo abriu -se entre a educação ocidental e a educação
islâmica tradicional, rapidamente transformado em uma verdadeira hostilidade.
Os regimes coloniais barraram, por vezes, o acesso às áreas muçulmanas aos
missionários cristãos e tentaram promover a educação ocidental laica dispensada
pelos administradores locais, entretanto, estes esforços não lograram preencher
o abismo entre os dois sistemas de educação ou mesmo atenuar os sentimentos
recíprocos de hostilidade. Organizações muçulmanas obtiveram certo sucesso,
ensinando nas escolas de característica ocidentalizada, a um só tempo, o Corão
e o árabe, a leitura e a escritura em inglês, assim como as bases da aritmética.
Contudo e essencialmente, ambos os sistemas de educação, islâmico e ociden-
tal, permaneceram inconciliáveis, o que constituiu, durante o período colonial,
um fator de desigualdade do desenvolvimento, na justa medida que a educação
ocidental era uma fonte de prestígio social e abria as melhores perspectivas de
emprego, comparativamente à educação islâmica.
A educação autóctone oferecida no seio das culturas de tradição oral, igual-
mente ela, foi amplamente perseguida fora das escolas fundadas sobre o sistema
ocidental
10
. Contrariamente a uma falsa ideia difundida durante o período colo-
10 M. BRAY e colaboradores, 1986, capítulo 6; N. K. DZOBO, 1975.
824
África desde 1935
nial, esta forma de educação desdobrava -se além de uma simples socialização no
interior da família extensa, do sistema etário das salas de aula e das instituições
de ritos de passagem como o poro e o bundo, na África Ocidental. No vel
fundamental, a educação doméstica da criança realizava -se por intermédio de
jogos de palavras, charadas e outros exercícios do mesmo gênero, destinados a
prover -lhe o domínio da sua língua materna. Ensinava -se à criança contar, se
lhe narrava histórias e instruíam -na a apreciar a cultura do seu povo, os seus
valores, a sua visão de mundo e o seu passado. O seu pai, a sua mãe ou mesmo
outro parente, transmitiam -lhe diversas competências, familiarizando -a com o
ambiente, as plantas e os animais, ensinando a caça ou a pesca. Ensinavam -se
certos procedimentos de fabricação, mostrava -se às meninas como manter um
 . Escola corânica na cidade de Lagos, na Nigéria. (Foto: Almasy, Paris.)
825
Educação e mudança social
lar e aos meninos como praticar a agricultura ou construir uma casa. Do mesmo
modo, as crianças aprendiam a arte, a música, a dança e a religião. Embora não
estruturada, esta educação não se apresentava, entretanto, senão como muito
premeditada e a sociedade, que contava, para a sua sobrevivência e subsistência,
com a habilidade e criatividade individuais, tomava medidas para incentivá -las.
O ensino superior era essencialmente reservado à formação dos chefes e
padres. Os primeiros, especialmente nos Estados centralizados, adquiriram, no
quadro desta instrução, um conhecimento aprofundado sobre a história da sua
comunidade; eles se familiarizavam com as leis e os costumes em vigor, nota-
damente com o sistema jurídico a reger a terra e os outros bens essenciais; eles
igualmente incorporavam os deveres e as responsabilidades do chefe. O processo
de aprendizagem prosseguia ao longo do período precedente à entronização,
durante o qual se enfatizava o caráter das atitudes e dos comportamentos espera-
dos de tais chefes, ao passo que os próprios ritos do coroamento destinavam -se a
fazer, deste chefe, um rei pertencente à esfera divina. Quanto ao padre, ele devia
seguir, ao longo de muitos anos, uma rigorosa formação, composta de numerosas
disciplinas. Ele deveria, entre outras obrigações, dominar a filosofia religiosa e o
sentido dos cantos sagrados, dos mitos e dos louvores divinos. Igualmente dele
esperava -se o reconhecimento dos sintomas de diferentes males, bem como o
domínio sobre a aplicação das terapias à base de plantas ou das curas ritualísti-
cas. De fato, o padre não era somente o intermediário entre a comunidade e as
divindades, ele assumia, outrossim, o papel de curandeiro e, nas regiões áridas, de
feitor da chuva, imbuído a este título de poderes sobre as forças da natureza. Ele
devia conhecer, em diversos graus, a classificação e as propriedades das plantas
e dos animais, cabendo -lhe dominar não somente a biologia e a farmacologia,
mas também, a semântica botânica e zoológica. Certos processos divinatórios
supunham, por outro lado, um conhecimento aprofundado em matemática, cujos
estudos modernos começam apenas a avaliar a extensão
11
.
Em razão do desprezo daqueles formados pelo sistema ocidental diante do
sistema de educação autóctone, o progresso de educação ocidental não contri-
buía em nada para aumentar o conhecimento sobre agricultura, noções sanitá-
rias, ofícios e procedimentos tradicionais de fabricação, os quais continuavam, no
entanto, a garantir a sobrevivência nas regiões rurais. Numerosos eram aqueles,
mesmo nos campos, que haviam rejeitado a religião tradicional, força motriz do
sistema de educação autóctone, e se haviam identificado com o islã e o cristia-
11 J. F. A. AJAYI, 1987.
826
África desde 1935
nismo; contudo, os valores tradicionais não haviam em nada perdido, aos seus
olhos, a sua importância e pertinência. Eles haviam continuado a extrair, da cul-
tura tradicional, a sua visão de mundo, os seus valores estéticos fundamentais, as
suas explicações sobre o bem e o mal, sobre a doença e a saúde. Quando formas
africanizadas de cristianismo espalharam -se nos campos, elas integraram uma
grande parte do condão desta cultura tradicional, notadamente nos domínios da
doença e saúde. Ao reconhecimento dos méritos da agricultura e dos preceitos
sanitários tradicionais, em voga nos dias de hoje, conjuga -se um renascimento
da religião tradicional e de uma melhor apreciação, no tocante às realizações e
à importância, do sistema de educação autóctone.
Expansão e reforma
Quando da independência, os dirigentes africanos compreenderam faltar-
-lhes, a um tempo, expandir e reformar o sistema de ensino colonial. Para
retomar os termos do presidente da Guiné, Sékou Touré: “Nós devemos africa-
nizar a nossa educação e livrarmo -nos das falsas ideias herdadas de um sistema
educativo concebido para servir aos objetivos coloniais
12
.” Todos os dirigentes
estavam de acordo acerca da necessidade de uma ampliação do sistema edu-
cativo. Salvo raras exceções, como o presidente do Malaui, quem preconizava
copiar sem hesitação o sistema próprio à public school inglesa e aclamava as
virtudes da educação fundada sobre o estudo do latim e do grego, a maioria
dos chefes de Estado africanos entrou em consenso acerca da necessidade de
africanizar o ensino e ancorá -lo em estruturas africanas. O chefe de Estado
tanzaniano, Julius Nyerere, ele próprio antigo mestre e muito amiúde qualificado
como Mwalimu [professor], apresentou, com extrema clareza, uma filosofia da
educação africana, em sua obra Education for self -reliance
13
. Ele sublinhava então
o papel da educação no âmbito da construção do socialismo africano, proposto
na Declaração de Arusha, preconizando quatro grandes reformas:
1. integrar a educação ocidental à vida da família e da coletividade;
2. por m ao elitismo da educação colonial através de um currículo para o
ensino primário universal que integrasse os sistemas ocidental e tradicional
de educação;
12 A. Sékou TOURÉ, 1963, citado em L. G. COWAN e colaboradores, 1965, p. 129.
13 J. NYERERE, 1967c, pp. 10 -15.
827
Educação e mudança social
3. preencher o abismo entre a elite instruída e as massas, levando as pessoas
instruídas a melhor apreciarem o saber e a sabedoria acumulados no seio das
sociedades tradicionais;
4. inculcar o espírito do trabalho e do serviço à coletividade nos processos
educacionais.
Conquanto os objetivos da expansão e da reforma dos sistemas educacio-
nais caminhassem pari passu, coube antes ao primeiro receber a maior ênfase.
Durante a Conferência de Addis -Abeba, organizada pela UNESCO, em maio
de 1961, os representantes de trinta e cinco países independentes ou em vias
de conquistarem -na, com os quais contava África à época, avaliaram os seus
sistemas educativos e formularam projetos para um futuro muito próximo, bem
como, para o desenvolvimento em longo prazo destes últimos
14
. O resultante
Plano para o Desenvolvimento da Educação na África, fixava objetivos precisos
a serem atingidos em matéria de extensão da escolaridade, além de descrever os
meios financeiros necessários à sua realização. Ele aparece somente retrospec-
tivamente em razão da inexistência ou insuficiência dos planos de desenvolvi-
mento econômico, igualmente pela real ausência de estudos sobre a mão de obra
e pela falta de estatísticas completas e confiáveis, bem como e finalmente, em
função de uma grave subestimação dos fenômenos demográficos. Assim sendo,
os objetivos de Addis -Abeba traduziam, antes e sobretudo, as esperanças e as
aspirações dos participantes, muito mais que a realidade econômica da África.
Entretanto, a conferência lançou as bases para uma discussão e um maior escla-
recimento sobre o papel e o ritmo do desenvolvimento, em relação aos recursos
disponíveis e às necessidades dos outros setores da vida nacional.
O plano de Addis -Abeba trazia à luz a insuficiência cabal das medidas toma-
das até então, no que dizia respeito ao desenvolvimento dos recursos humanos,
qualitativa e quantitavamente. Ele evidenciava que somente 40% das crianças
em idade escolar frequentavam a escola, em condições muito variadas, e que o
percentil de escolaridade era ainda menor em meio às crianças com idade mais
elevada. Ele salientava, igualmente, a discutível qualidade do ensino. Exami-
nando as condições reinantes à época na África, os participantes da conferência
declararam, nestes termos:
“... Haja vista que o conteúdo atual da educação não corresponde nem à rea-
lidade africana; nem à hipótese da independência política; nem às características
de um século essencialmente técnico, tampouco às exigências de um desenvolvi-
14 UNESCO, 1961a e b.
828
África desde 1935
mento equilibrado, exigindo uma rápida industrialização; mas, ao contrário, que
ele subentenda referências a um meio não africano e não permita à inteligência,
ao espírito observador e à imaginação criadora da criança, um livre exercício,
nem tampouco ajude esta criança a situar -se no mundo, [recomenda -se que] as
autoridades, encarregadas da educação nos países africanos, revisem o conteúdo
do ensino, em respeito aos currículos, aos manuais escolares e métodos, levando
em consideração o meio africano, o desenvolvimento da criança, o patrimônio
cultural e as exigências do progresso e do desenvolvimento no continente, espe-
cialmente no tocante à industrialização
15
.”
No referente aos objetivos quantitativos, o plano previa uma elevação nas
taxas de inscrição escolar, as quais em 1960 eram da ordem de 40% para o
primário, 3% para o secundário e 0,5% para o nível superior, nas faixas etárias
correspondentes, índices estes que deveriam atingir, respectivamente, 100%, 30%
e 20% em 1980. O objetivo era tornar universal, obrigatório e gratuito o ensino
primário; 30% dentre aqueles que chegassem ao final deste ensino primário
passariam ao ensino secundário e 20% daqueles que acabassem o secundário
continuariam os seus estudos no nível superior, em sua maioria, estes últimos
realizariam os seus estudos em instituições de países africanos. A taxa de evasão
escolar no ensino primário não ultrapassaria 20% e o número médio de alunos
por professor equivaleria a 35. Os educadores seriam recrutados e formados,
progressivamente, junto aos africanos. Em suplemento, a educação dos adultos
ser -lhes -ia oferecida nas escolas, locais de trabalho e edifícios religiosos. Com
estes propósitos, os governos nacionais estavam convidados a aumentarem o seu
orçamento para a educação. à época da ordem de 3 a 4 % do produto interno
bruto (PNB), para 4 a 6% entre 1970 e 1980. Aos Estados africanos se lhes
incentivava a solicitarem apoio da comunidade internacional em prol dos seus
esforços relativos à educação.
Após 1961, os ministros da educação encontraram -se regularmente, para
debaterem a questões relativas à educação na África: em Nairóbi, no ano 1968,
em Lagos, 1976, assim como na capital Harare, nos idos de 1982, sem deixarmos
de mencionar a conferência de Antananarivo, realizada em 1962, mais parti-
cularmente consagrada ao ensino superior. Cada qual, entre estas conferências,
erigiu por sobre a síntese da precedente, retificando, afinando, aprofundando a
análise, ampliando as perspectivas e as aspirações dos povos africanos e dos seus
governos, constituindo -os mediante um sistema coordenado e planificado em
15 UNESCO, 1961a, p. 23; conferir igualmente UNESCO, 1961b.
829
Educação e mudança social
favor do desenvolvimento da educação. Nos dias atuais, é possível após apreciar-
-se o desenvolvimento educativo da África, relativamente aos objetivos, perceber
sob quais medidas ele responde às exigências socioeconômicas e culturais da
coletividade; pode -se, outrossim, julgar progressos consumados, naquilo que
concerne a universalização do ensino primário e à educação dos adultos.
Numericamente, a taxa de crescimento da escolarização é impressionante.
O continente alcançou o maior índice, entre todas as regiões do globo, assim
como os mais rápidos progressos, em matéria de alfabetização. Em múltiplas
regiões, foram lançados programas para a universalização do ensino primário,
por vezes, até mesmo gratuitos inclusive nos níveis do segundo e terceiro graus.
Alguns dirigentes sagraram -se campeões em respeito à causa do ensino universal
e gratuito, à imagem de Kwame Nkrumah, em Gana ou Obafemi Awolowo, na
Nigéria. Inclusive nestes dois países, fortes pressões econômicas e demográficas
obrigaram os dirigentes a renunciarem ao seu projeto em benefício do ensino
primário universal. As resistências quanto às consequências sociais da educação
ocidental (por exemplo, ao incitar as jovens a casarem -se mais tardiamente e
as crianças a deixarem os campos em direção às cidades) continuaram a existir,
particularmente nas regiões muçulmanas. Assim sendo, a despeito dos conside-
ráveis progressos quantitativos, os objetivos concernentes à escolaridade fixados
em 1961, na esfera do ensino primário, não foram atingidos, registrou -se recen-
temente inclusive um declínio destes índices
16
.
As tabelas 22.1 a 22.3 mostram a evolução da escolaridade em todos os
níveis dos sistemas de ensino, durante o período 1960 -1980. De 1961 a 1980,
as taxas de inscrição no ensino primário aumentaram em 6,2% ao ano, ou seja,
além dos 5,6% projetados pelo plano de Addis -Abeba. Contudo, principalmente
porque os dados empregados como base de cálculo, para os objetivos fixados em
1961, eram incompletos, a maioria dos países africanos não logrou concretizar o
princípio da universalidade no ensino primário (por volta de 13 Estados em um
total de 51, aproximavam -se da escolaridade universal). No tocante ao conjunto
do continente, 62% das crianças, em idade escolar primária, estavam inscritas
em uma escola no ano 1980. Os resultados obtidos variavam, evidentemente, em
relação ao país em questão, assim como, em função do ponto de partida. No ano
1960, as taxas de escolaridade em alguns países não ultrapassavam 3 a 4%, para
crianças de 6 a 11 anos, ao passo que em outras regiões, este índice podia atingir
16 Conferir, UNESCO 1982, os documentos preparados para a Conferência de Harare, pela CEA, OUA
e UNESCO, em particular, os documentos ED -82/MINEDAF/4 e ED -82/MINEDAF/2; consultar
também Banco Mundial, 1988.
830
África desde 1935
G . Taxa de escolaridade na África, 1960 -1980; taxas absolutas de escolaridade ajustadas por grau
e por gênero. (Fonte: segundo dados obtidos junto à UNESCO em 1982.)
G . Taxa de escolaridade na África, 1960 -1980; taxas absolutas de escolaridade ajustadas por
grau. (Fonte: segundo dados obtidos junto à UNESCO em 1982.)
Porcentagem
Grau de educação:
Primeiro
grau
grau
grau
Total
Total
Porcentagem
meninos meninas
Porcentagem
Segundo Terceiro
831
Educação e mudança social
G . Tendências dos efetivos na escola primária na África, 1960 -1980, mostrando a população
em idade escolar primária e os efetivos do ensino primário, em milhões, assim como as taxas absolutas de
escolaridade ajustadas do primário (em %). (Fonte: segundo dados obtidos junto à UNESCO em 1982.)
até 75%. Em 1980, a taxa mais reduzida era equivalente a 13%, outros países,
por sua vez, haviam logrado atingir ou ultrapassar os 75%. Para obterem estes
resultados, os Estados africanos lançaram programas massivos de construção de
escolas e de formação de professores, muito amiúde, contando com a importante
participação da comunidade. Todavia e malgrado estes esforços, o número de
professores qualificados permanecia muito insuficiente
17
.
As taxas de crescimento no âmbito do ensino de segundo grau eram ainda
mais surpreendentes, embora desiguais. A taxa de escolaridade global neste
grau era, em 1980, equivalente a 20% para as correspondentes faixas etárias,
com variações alcançando 2,1 a 82,3%. Alguns Estados, recém -independentes,
multiplicaram por cinco o número de inscritos no ensino secundário, ao longo
dos sete últimos anos. Entretanto, em todos os níveis, o número de meninas
inscritas era muito inferior àquele referente aos meninos.
17 UNESCO, 1982, documento ED -82/MINEDAF/2.
Milhões
população em idade escolar efetivo na escola primária
taxa absoluta de escolaridade ajustada do primário
Porcentagem
832
África desde 1935
Outro índice do esforço empreendido pela África em favor da educação
em prol do desenvolvimento é oferecido através da análise dos recursos alo-
cados. Para os anos 1970 e 1978, os gastos públicos dirigidos à educação na
África correspondiam, respectivamente, a 2,377 e 11,144 bilhões de dólares
norte -americanos. Comparados com os orçamentos correlatos dos países indus-
trializados e com outras regiões em desenvolvimento, estas cifras ainda eram
relativamente modestas. Mas, se confrontados com o PNB dos países africanos,
eles mostram -se respeitáveis. Por exemplo, a África investira 3,8% do seu PNB
em educação no ano de 1970 e 4,8% em 1980, ou seja, um percentil mais ele-
vado, comparativamente ao seu correlato para o conjunto dos países em desen-
volvimento do planeta, equivalentes a, respectivamente, 3,3 e 4,1%. Em respeito
às regiões desenvolvidas, os números correspondentes atingiam 5,7 e 5,9%.
Em 1980, os orçamentos para a educação na África absorviam entre 25 e
35% das despesas públicas de custeio. O custo por aluno/ano em percentil do
PNB por habitante, aproximadamente ao final dos anos 1970, era de 22, 133 e
986 dólares para o primeiro, segundo e terceiro graus do ensino, respectivamente.
Estes índices representavam o mais alto investimento proporcional, comparati-
vamente a todas as regiões, desenvolvidas ou em desenvolvimento
18
.
Na maioria dos países na África, a educação continua a absorver mais recur-
sos que qualquer outra alínea orçamentária, excetuando -se o setor adminis-
trativo. A questão consiste em saber, considerando -se a limitação dos recursos
orçamentários existentes na maior parte dos países do continente, se os níveis
de investimentos atingidos, ao longo dos anos 1980 e em matéria de educação,
poderão ser mantidos. A resposta é provavelmente negativa, neste caso, os paí-
ses deverão desenvolver o ensino a distância e a utilização dos meios eletrôni-
cos, além de recorrerem a novos e originais métodos de financiamento, como
novos planos de cargos e salários, ao estabelecimento de turmas alternadas e
ao emprego, durante o ano todo, dos equipamentos e do pessoal (inclusive no
horário noturno).
Os esforços empreendidos para manter o ritmo da expansão foram, talvez, o
principal fator contribuinte para o entrave na implantação das reformas estru-
turais nos sistemas de educação herdados do período colonial. Não havia tempo
para interrupções, para proceder a mudanças radicais, reciclar o pessoal e criar
novas orientações. Via de regra, o discurso permanente acerca da necessidade
de uma reforma pedagógica não se traduzia senão por modificações de fachada,
18 T. G. WAGAW, capítulo 10; UNESCO, 1982, documento ED -82/MINEDAF.
833
Educação e mudança social
enquanto o sistema em vigor reproduzia -se e ao passo que a demanda progre-
dia e os créditos aumentavam. Entretanto, intenso empenho fora dispensado
quando das sucessivas conferências africanas de ministros da educação, sem
considerar os esforços, ainda mais relevantes, dos diferentes países africanos, eles
próprios
19
, com vistas a elaborarem políticas nacionais para a educação, as quais
poriam em marcha, em diferentes níveis, as reformas expostas pelo presidente
Nyerere, especialmente as seguintes: integrar as formas tradicionais de educação
à educação ocidental, no quadro de um novo sistema nacional de ensino; utilizar
a educação para promover uma moral, uma ideologia e uma filosofia nacionais
e os princípios de uma nova sociedade, unida, igualitária e baseada sobre um
conceito de justiça social; tornar a educação menos elitista, sobretudo norteada a
partir do primado da coletividade, muito mais que sobre os interesses individuais
dos elementos em formação; elaborar um modelo de educação mais adaptado às
necessidades práticas e imediatas da sociedade, colocando ênfase, não somente
sobre a cultura mas, igualmente, sobre a ciência, a técnica e a formação profissio-
nal, de modo que as pessoas assim educadas fossem mais facilmente empregadas
e que se tornasse possível reduzir o desemprego e o subemprego.
A reforma do ensino é um longo exercício, complexo e permanente; ora, no
imediato posterior à sua chegada à independência, os países africanos provavel-
mente subestimaram o tempo necessário para o estabelecimento de reformas
radicais. A recessão econômica e a instabilidade política não fizeram senão
agravar os problemas. Não é menos verdade que algumas importantes mudanças
tenham sido realizadas. O domínio das missões cristãs, europeias ou america-
nas, sobre a educação ocidental foi reduzido, em todos os países onde elas não
tenham sido literalmente substituídas pelo Estado laico que retomou as rédeas
da situação. A educação permaneceu como o mais potente fator de mobilidade
social e, na maioria dos países, a instrução foi ampliada, senão inteiramente
democratizada, mesmo que diversas elites e categorias profissionais possam
ainda se beneficiar de algumas vantagens para as suas crianças, em virtude da
educação pré -escolar no maternal e graças a um melhor domínio das línguas
oficiais europeias. O domínio dos idiomas europeus subsiste, portanto, como um
dos principais obstáculos para uma profunda reforma dos sistemas de educação,
herdados da época colonial. As línguas africanas, as quais têm a vantagem de
facilitar a educação social em escala local e constituem a chave para uma reforma
mais substancial do ensino, não desempenham senão papéis marginais, em con-
19 Consultar, por exemplo, U. BUDE, 1980; República Federal da Nigéria, Ministério da Educação, 1981;
K. KING, 1976.
834
África desde 1935
trapartida, os idiomas europeus continuam a ser promovidos e apresentados na
qualidade de lingua franca, os mais aceitos no plano político. O ensino superior
ilustra, à perfeição, a situação prevalente na África, a combinar extensão dos
meios materiais e limitação das reformas.
O ensino superior
As instituições de ensino superior formam o centro nervoso do processo de
modernização na África. Elas igualmente representam a maior expressão na
busca contínua pela renovação e pelo progresso, em respeito aos conhecimentos,
às crenças e ao florescimento pessoal. Entre outras atribuições, estes estabeleci-
mentos selecionam, formam e preparam, em favor do seu melhor desempenho,
alguns dos mais aptos espíritos, destinados a ocuparem os altos -escalões na
administração pública, no mundo dos negócios e junto aos profissionais liberais.
Indubitavelmente, o número de indivíduos assim formados e diplomados é, em
termos proporcionais, muito reduzido, entretanto, o seu poder e a sua influência
na sociedade são consideráveis. Portanto,o causa espécie que estes centros de
ensino superior inspirem sentimentos entremeados de esperança, admiração,
respeito, temor e desconfiança, junto a todos, jovens e idosos, e, particularmente,
entre os homens políticos.
O ensino superior não é fato inédito no continente africano. Presente no
século XVI, a Universidade Sankoré, estabelecida em Tombouctou, apresentava-
-se na qualidade de centro florescente de erudição e estudos, nos domínios do
direito, da filosofia e da teologia. Outra instituição de comparável importância,
a Universidade al -Azhar, no Cairo, existe há mais de mil anos. Reputada origi-
nalmente pelo estudo da religião e do direito islâmicos, ela continua a funcionar
nos dias atuais, modernizando -se e estendendo o seu campo de ão a outras
disciplinas. Na Etiópia, a erudição igualmente era cultivada e apoiada. Existiam
centros de ensino superior espalhados pelas montanhas do interior, onde espe-
cialistas em direito canônico e alguns funcionários de alto -escalão do Estado
eram formados. Em Serra Leoa, o Fourah Bay College, fundado em 1927 pela
Church Missionary Society de Londres, na qualidade de centro de estudos
religiosos, serviu de base para a constituição de uma universidade estatal, no
imediato posterior à Segunda Guerra Mundial.
Havia, outrossim, centros de ensino superior em outras regiões do continente,
alguns dentre eles fundados pelas potências coloniais. Eles dispensavam uma
formação generalista, jurídica e técnico -profissionalizante. Em sua maioria,
835
Educação e mudança social
contudo, as cerca de 80 instituições de ensino superior, atualmente em serviço
na África, foram fundadas após a conquista da independência política pelos
diferentes Estados. Além das universidades, existem diferentes instituições de
ensino profissionalizante, de formação superior pedagógica ou de ensino poli-
técnico, assim como institutos de tecnologia.
Um ano após a conferência de 1961 em Addis -Abeba, uma segunda con-
ferência reuniu -se em Antananarivo, com vistas a discutir especificamente o
desenvolvimento do ensino superior na África, para o período dos vinte e cinco
anos subsequentes
20
. Malgrado a ausência de dados demográficos, fossem eles
rudimentares, a conferência tentou determinar o número necessário de institui-
ções de ensino superior, bem como o papel destas instituições no tangente ao
desenvolvimento da região. A conferência esforçou -se, antes de tudo, para definir
objetivos e finalidades no ensino superior. Os participantes consideraram que a
missão desta esfera da educação era definir e confirmar os votos e as aspirações
das diversas sociedades às quais ela servia. Respondendo, todavia, aos critérios
internacionais de excelência acadêmica, o ensino superior africano estava encar-
regado de contribuir para que os povos da África alcançassem o seu justo posto
no contexto internacional e consolidassem definitivamente a sua unidade. Com
este propósito, a conferência prescrevia às instituições do terceiro grau uma pos-
tura equivalente a considerarem -se como os centros culturais, por excelência, das
comunidades nas quais estavam implantadas, assim como a apresentarem -se na
qualidade de guardiãs e apoiadoras em relação ao patrimônio artístico, literário
e musical. Elas eram fundamentais para a realização das pesquisas necessárias
nestas áreas e no referente à difusão dos frutos destas pesquisas, graças aos con-
certos, aos museus, às bibliotecas e arquivos. As universidades africanas, tanto
quanto as outras, receberam a incumbência de expandir as fronteiras do saber,
através do ensino e da pesquisa, por um lado, mas, igualmente, pela oferta de
préstimos dos seus especialistas e pela sua capacidade em colocar -se à disposição
do conjunto da coletividade.
As universidades foram estabelecidas segundo o modelo de universidades da
Europa Ocidental ou da América do Norte mas, a sua inspiração provinha das
difíceis realidades africanas. Em grande parte dos casos, os dirigentes políticos
dos diferentes países participaram diretamente no desenvolvimento do ensino
superior. Muito amiúde, chefes de Estado ou de governo assumiram as funções
do chanceler de tal ou qual universidade. Como presidente da Tanzânia, Julius
20 UNESCO, 1963.
836
África desde 1935
Nyerere, exortou a Universidade Africana a permanecer fiel aos ideais univer-
sais concernentes à objetividade e à busca da verdade, sem contudo se isolar
da comunidade. Ele convidou a Universidade da África do Leste a engajar -se
ativamente na revolução social que nós levávamos a cabo”, evitando todavia
tornar -se um centro de oposição ao governo legalmente constituído. Acima de
tudo, a Universidade deve zelar pelo espírito da verdade; deve ser, tanto quanto
possível, objetiva e científica, além de ter que combater os preconceitos de todo
o tipo, sempre e por toda parte [...]. A Universidade deve pensar e obrigar -nos
a pensar, ao nível da humanidade em oposição a quaisquer interesses seto-
riais
21
”. Os dirigentes de Gana, da Nigéria, da Etiópia, da Costa do Marfim e
da Guiné, entre outros, proclamaram, também eles, a sua esperança em verem os
estabelecimentos de ensino superior perseverarem com a sua busca da verdade,
da objetividade, dos valores humanos e das luzes, assumindo, entretanto, as suas
tarefas em prol da sociedade.
Vinte e cinco anos após a conferência de Antananarivo, a análise mostra que
os progressos do ensino superior na África foram desiguais. O número total
de inscritos, 140.000 em 1960, atingiram valores multiplicados em oito vezes
no ano de 1980, alcançando 1.169.000 indivíduos. Em 1980, 3% da população
em idade correspondente ao estudo superior estavam matriculados em univer-
sidades, a saber, índices superiores aos 2% projetados. Inclusive, os efetivos do
ensino superior continuam a crescer a um ritmo maior, comparativamente ao
observado nos níveis inferiores, embora os governos tenham ensaiado frear as
inscrições, em razão do custo deste segmento do ensino. Este fenômeno ilustra
as realidades políticas no âmbito educacional.
Os estabelecimentos africanos de ensino superior custam muito caro. As
avaliações situam entre 927 e 1.045 dólares/ano o custo de um estudante do
primeiro ciclo. Grande parte destas despesas é de responsabilidade do Estado.
Os estudantes não contribuem, ou fracamente, para o financiamento dos seus
estudos. Os professores universitários apresentam -se como profissionais entre
os melhor remunerados membros da comunidade e os indivíduos de origem
estrangeira, ainda numerosos em muitos estabelecimentos, custam ainda mais
caro (quanto ao recrutamento, ao transporte e ao suporte exigido). Este conjunto
consumia muito pesadamente as modestas receitas nacionais.
Entretanto, os jovens e os seus pais continuavam a exigir que o ensino supe-
rior oferecesse vagas em número suficiente, pois ele era considerado um pas-
21 Citado em L. G. COWAN e colaboradores, 1965, pp. 309 -313; conferir igualmente os excertos dos
discursos do presidente ganense Kwame NKRUMAH, pp. 317 -321.
837
Educação e mudança social
 . Parte superior: laboratório de biologia em um instituto de pedagogia, Universidade de Lagos,
na Nigéria, 1968. (Foto: Camera Press, Londres). Parte inferior: Instituto Politécnico do Quênia, 1968. (Foto:
Newslink Africa, Londres.)
838
África desde 1935
saporte para o sucesso poder, dinheiro, prestígio e influência. Aos homens
da esfera política, por reticentes que fossem, não lhes restava senão responder
a este desejo. Assim sendo, os efetivos do ensino superior continuam a crescer,
por vezes, em detrimento dos outros níveis educacionais.
Certo número de problemas, outros, resta a resolver. Os responsáveis afri-
canos haviam esperado que os estudantes inscrevessem -se em maior número
nas disciplinas científicas e técnicas, comparativamente às inscrições nas fileiras
literárias, de ciências humanas e sociais. Um conjunto de complexos fatores
sociais e culturais, bem como a falta de equipamentos apropriados e professores
qualificados, nos grados inferiores do sistema de ensino, impediram a concre-
tização desta esperança, a tal ponto que algumas qualificações técnicas indis-
pensáveis continuam raríssimas no mercado de trabalho, ao passo que outras
competências excedem a demanda. Para atenuar esta distorção, recomendou -se
fortalecer especialmente a instrução oferecida nos graus inferiores, encorajar
adequadamente aqueles cujo objeto de pesquisa tendesse para estudos científicos
e técnicos, bem como, informar amplamente e em todos os níveis, acerca das
prioridades nacionais
22
.
A sub -representação do gênero feminino em meio aos estudantes do ensino
superior constitui um problema suplementar. Em oposição ao eventualmente
veiculado, o número de mulheres estudantes era reduzido, elas são progressiva-
mente conduzidas a interromperem os seus estudos e aquelas que o prosseguem
a bom termo, tendem a escolher disciplinas como as ciências sociais e humanas
ou os estudos literários, os quais não respondem concretamente a prioridades
nacionais.
Quanto à qualidade geral, as instituições de ensino superior produziram
profissionais competentes no âmbito da administração pública, das forças arma-
das e dos negócios, circunstância esta a provocar uma redução nos níveis de
dependência da África, relativamente aos expatriados. Todavia, na maior parte
dos países africanos, continuam a ser estrangeiros quem ocupa a direção das
grandes empresas comerciais e industriais.
O ensino superior africano deve igualmente responder de modo apropriado
às inumeráveis necessidades próprias às sociedades em desenvolvimento. A
África é essencialmente rural. Ora, as competências exigidas em matéria de
gestão das unidades produtivas, no âmbito das ciências agrárias, da economia
doméstica, no que tange à reparação e à manutenção do material agrícola, à
22 T. G. WAGAW; A. HABTE, 1969; T. M. YESUFU, 1973; J. F. A. AJAYI, 1987.
839
Educação e mudança social
pecuária, à higiene pública e no tocante à vulgarização dos conceitos, nenhuma
destas necessidades foi suprida. O ensino superior deve atribuir para si, como
tarefa prioritária, formar e fornecer o quadro pessoal correspondente a estas
modalidades requeridas.
A pesquisa, a criação dos meios técnicos que permitam resolver os problemas
do desenvolvimento, assim como a aplicação destes meios, são funções primor-
diais, outras, as quais devem imbuir os estabelecimentos de ensino superior,
além da descoberta, da promoção e do enriquecimento dos patrimônios artístico,
literário e histórico do continente africano, responsabilidades também sob a
incumbência destas instituições.
As questões linguísticas permanecem na ordem do dia. Em sua grande maio-
ria, os africanos servem -se da sua própria língua nas relações cotidianas e nos
negócios. Mas, em grande parte das sociedades, as línguas da administração
pública, dos grandes negócios e da educação permanecem circunscritas à escala
de algumas línguas internacionais o francês, o inglês ou o português. Estas
línguas são estrangeiras na justa medida em que não fincam as suas raízes no
solo africano e não pulsam a sua vitalidade na essência material e cultural dos
africanos. Portadoras de valores, símbolos hereditários e fontes de orgulho, as
línguas autóctones devem não somente constituir o objeto de estudos ou serem
codificadas e ensinadas, mas igualmente servirem como línguas de aprendizado,
em todos os níveis, e constituírem chaves de acesso ao saber e à sabedoria acu-
mulada pelas sociedades africanas ao longo dos séculos. Com maior agudez,
cabe atualmente às universidades desempenharem um papel vanguardista neste
domínio, com vistas a responderem a estas importantes demandas.
Estender e revigorar o conjunto do sistema educacional é um desafio per-
manente. Os estabelecimentos de ensino superior devem conduzir os esforços
visando definir e coordenar os objetivos educacionais, a orientação curricular,
o aperfeiçoamento dos materiais pedagógicos, a formação dos professores e o
estudo da aprendizagem e do desenvolvimento humanos. Conquanto aceitem
carregar, de modo cônscio e probo, todo o fardo da sua vocação educativa, estas
instituições atrairão o reconhecimento, assim como o apoio material e moral das
sociedades. Todavia, ao faltarem com este dever, elas merecerão a indiferença.
A redefinição do conceito de educação revelou -se igualmente importante no
curso desta evolução. Ela deu lugar a modificações nas filosofias e nas políticas
ligadas à educação. o diferentes quanto possam ser, de país a outro, os objeti-
vos atribuídos à educação, grande parte dos Estados aparentemente adotaram,
por pouco que não, um mesmo arcabouço de ideias e princípios.
840
África desde 1935
Primeiramente, trata -se da democratização da educação e da sua pertinência.
A educação está sobremaneira focada sobre a pessoa que ela espera desenvolver.
Este homem novo estaria profundamente enraizado no meio africano sem,
contudo, romper os laços com o restante das experiências e culturas humanas,
consciente das suas responsabilidades políticas, cívicas e familiares, pronto, igual-
mente, a tomar parte ativa na esfera do desenvolvimento econômico, social e
cultural da África. Além do preponderante papel por ela ocupado em respeito à
evolução da democracia, a educação é progressivamente melhor considerada na
qualidade de ferramenta em prol do conhecimento e do florescimento, tanto do
ponto de vista individual quanto para a sociedade em seu conjunto.
Contrariamente aos anos 1960, durante os quais a missão consignada à edu-
cação era, em sua essência, de ordem econômica, os educadores africanos adota-
ram posteriormente uma visão mais global sobre a natureza do infante e acerca
da contribuição da educação para o seu desenvolvimento. Após 1960, grande
número de países africanos chegou à conclusão que a educação deva interessar-
-se a todos os aspectos do desenvolvimento individual: físico, intelectual, social,
moral e espiritual. Em suplemento, a educação seria, desde logo, considerada
como o mais apropriado meio de redescobrimento, fortalecimento e promoção
das culturas e do desenvolvimento autóctone
23
.
Alguns dirigentes e educadores temem atribuir demasiada imporncia
ao desenvolvimento do indivíduo, independentemente das grandes estruturas
sociais, como a família e as instituições religiosas ou políticas. Outros, por sua
vez, estimam que, embora pese o caráter quiçá bem fundado de tais reservas,
o sistema educativo apresenta -se, até o momento e no âmbito da formação, na
qualidade de instituição melhor organizada, com vistas ao necessário enqua-
dramento de pessoas em número suficiente e, adequadamente formadas, com o
objetivo de acelerar o desenvolvimento social. Com este propósito, argumentam
eles, convém oferecer à educação, lato sensu, todo o apoio do qual ela necessita.
Na justa medida que as instituições educacionais adaptam -se às demandas
sociais, esforçando -se em dar -lhes uma solução, eventualmente, estudantes e o
corpo docente entram em conflito aberto com o poder político instituído. Os
estudantes e os seus professores podem ser conduzidos a desvelarem e anali-
sarem anomalias administrativas, casos de incompetência ou de injustiça, vio-
lações dos direitos fundamentais do homem ou, ainda, uma sede desmedida
23 Para uma análise mais aprofundada sobre a evolução das políticas e dos objetivos em matéria de
educação, conferir UNESCO, 1982, documento ED -82/MINEDAF/3, pp. 9 -11; documento ED -82/
MINEDAF/1, pp. 3 -20.
841
Educação e mudança social
de enriquecimento nas esferas do poder. Na qualidade de membros aspirantes
ou a título de elite intelectual, estudantes e universitários expressam -se, muito
amiúde, com palavras ou, por vezes, através da ação direta, no tocante a assuntos
desta natureza. O poder político reage, via de regra, através de intervenções físi-
cas, as quais, se vitoriosas, enfraquecem as instituições de ensino, em detrimento
da sociedade, em sua totalidade. As contraditórias relações entre, por um lado,
a elite intelectual e universitária e, por sua vez, os homens políticos no poder,
constituem um dos temidos perigos a ameaçarem, em sua condição vital, as
instituições e os estabelecimentos do ensino superior. Contudo, com prudência,
paciência e vontade de compreender as realidades e suscitar um diálogo lúcido,
meios de resolução do problema, ao menos parcialmente, concedendo aos
estabelecimentos de ensino superior a liberdade requerida, no intuito de arcarem
com as suas cruciais responsabilidades vis -vis da África e da humanidade.
Conclusão
As sociedades africanas, à imagem de muitas outras, possuíam desde outrora
os seus sistemas locais de educação, encarregados de transmitir os valores, as
competências e os modelos comportamentais, de geração a outra. Paulatina-
mente, estes sistemas autóctones receberam a contribuição de formulações cris-
tãs e islâmicas. Relativamente novo, o modelo europeu, sob as suas formas
religiosas tanto quanto as laicas, tornou -se preponderante durante a era colonial,
sobrevivendo à retirada dos europeus. Ao longo dos três últimos decênios, os
Estados independentes da África desenvolveram esforços em comum, obje-
tivando estender o benefício do acesso a este tipo de educação a um número
tão grande quanto permitissem os recursos disponíveis, sem todavia realmente
modificar -lhe o caráter estrangeiro.
Os progressos foram realizados e numerosos são aqueles que receberam uma
educação, não somente capaz de prover -lhes certo grau de consciência política
e social mas, igualmente, suficiente a ponto de colocar em funcionamento as
instituições da cultura, da economia, da indústria e da vida política, todavia, este
conjunto de esfoos ainda não produziu resultados flagrantes, em respeito à qua-
lidade de ensino e ao volume de diplomados. À educação, na África, resta -lhe um
longo caminho a percorrer. Milhões de jovens e adultos não receberam instrução
alguma (tabela 22.1). A educação não se encontra, em condição de igualdade
e permanência, disponível a todas as camadas sociais. As mulheres estão sub-
-representadas em todos os veis. Alguns grupos étnicos e lingsticos o, todavia
842
África desde 1935
e por diversas razões, insuficientemente atendidos. Demasiado frequentemente,
os currículos e os métodos de ensino permanecem livrescos e de insuficiente
pertinência relativamente aos problemas africanos e às suas realidades locais. O
número de professores qualificados permanece insuficiente. Os estabelecimentos
escolares, bibliotecas e outros elementos infraestruturais em boas condições, são
inexistentes ou mal adaptados. A lista dos problemas é extensa, tanto mais, quanto
insuficiente for, no tocante à grande parte dos países africanos, a oferta, atualmente
parca, de meios materiais ou humanos; e conquanto estes últimos estiverem, e o
estão desde muito, excessivamente sobrecarregados.
Os Estados africanos têm uma necessidade premente de consolidar a sua
independência, de desenvolver a sua economia e reavivar, assim como, promover
as suas autênticas culturas. Na qualidade de agentes de desenvolvimento e da
mudança social, os sistemas de educação na África não devem somente se ater
à transmissão dos valores e do saber às jovens gerações. Eles devem transformar
os modos de pensamento e as atitudes dos indivíduos, tanto quanto dos grupos,
com vistas a contribuírem para a formação de cidadãos plenamente conscientes
e de trabalhadores dinâmicos e produtivos, colocando assim a sociedade africana
na via do progresso, da justiça e da liberdade
24
. Considerando -se os obstáculos
orçamentários acima evocados, convirá, no âmbito educacional em todos os seus
níveis, imaginar procedimentos inovadores e fazer prova de criatividade quando
da utilização dos escassos recursos disponíveis.
Uma autêntica e moderna educação deve ser concebida e implantada no con-
texto oferecido pela educação permanente, oferecida a todos e cujo objetivo seria
desenvolver, em cada um, as atitudes e comportamentos os quais permitiriam
ao indivíduo modelar o seu próprio futuro e contribuir para a evolução social.
Esta autêntica educação, moderna, direcionada para o desenvolvimento, exige
uma completa revisão dos currículos e programas, dos métodos pedagógicos e
da preparação dos professores. Ela exige a elaboração, tão logo quanto possível,
de programas de estudo nos quais o caráter científico e técnico derivaria de uma
interação criativa entre a educação e o habitat físico e social.
O quadro composto por esta reestruturação do ensino superior deve ser rede-
finido em função de um novo papel. A pesquisa e a formação nos três níveis da
educação devem fundar -se sobre as realidades econômicas e sociais, de tal modo
que a educação esteja mais apta a responder às exigências do desenvolvimento.
Não basta imitar as convenções e os modelos importados. É essencial criar
24 UNESCO, 1976, pp. 49 -50.
843
Educação e mudança social
TABELA 22.1 O ANALFABETISMO NA ÁFRICA: ESTIMATIVAS E PROJEÇÕES
POR PS, PARA A POPULAÇÃO COM IDADE DE 15 ANOS OU MAIS.
Esta tabela apresenta, para os países em que estatísticas suficientes, as estimativas e
projeções efetuadas pela UNESCO referentes às taxas de analfabetismo por país, para
1985, 1990 e 2000. Bem entendido, estas projeções têm um caráter conjectural.
Para os países que forneceram as informações requeridas, a taxa global de analfa-
betismo foi determinada a partir de uma análise das taxas por geração demográfica.
Acompanhando a taxa de um grupo de um censo a outro, obtém-se uma curva relati-
vamente estável. O ajuste desta curva estatística permite estimar e projetar as taxas de
analfabetismo de modo satisfatório.
Para alguns países, relativamente aos quais as informações estatísticas não eram
suficientes, foi necessário proceder à estimativa direta da taxa global de analfabetismo
(15 anos ou mais), sem considerar as taxas por geração. Neste sentido, e recorrendo aos
dados disponíveis para todos os países, uma análise prévia foi realizada com vistas a
determinar as correlações mais significativas existentes entre analfabetismo e uma série
de variáveis socioeconômicas e educacionais. Uma regressão múltipla foi finalmente
conservada, considerando três variáveis explicativas: a mortalidade infantil, o índice de
fecundidade e a taxa de escolaridade no ensino primário. Este procedimento permitiu
estimar algumas taxas, entretanto, em razão do seu grau de incerteza, elas não estão
integralmente presentes nesta tabela.
Quedas significativas da taxa de analfabetismo são previstas em países onde a esco-
laridade aumentou rapidamente, tanto quanto naqueles países onde campanhas massivas
de alfabetização foram conduzidas ou estão em curso. Estas campanhas podem alterar
radicalmente as taxas de analfabetismo de certos grupos, porém, devido à falta de infor-
mações suficientes, o impacto das recentes campanhas não pôde ser levado em conta
nestas projeções. Eis a razão pela qual as estimativas para alguns países, como a Etiópia
e a República Unida da Tanzânia, países que recentemente retomaram campanhas
massivas de alfabetização, não são aqui apresentadas.
População analfabeta
(em milhares)
Taxa de analfabetismo (%)
1985 1990 2000 1985 1990 2000
País Total H M Total H M Total H M
Argélia 6062 6004 5578 51,4 37,3 64,9 42,6 30,2 54,5 28,1 19,3 36,7
Angola 3117 3221 3395 64,3 50,4 77,4 58,3 44,4 71,5 46,6 33,6 59,1
Benin* 1754 1904 2251 81,3 74,0 88,3 76,6 68,3 84,4 65,8 56,3 74,8
Botsuana* 168 175 189 30,0 18,5 39,6 26,4 16,3 34,9 19,9 12,4 26,5
844
África desde 1935
Burkina-
Fasso*
3791 4137 4813 85,5 77,0 93,8 81,8 72,1 91,1 72,3 60,9 83,3
Burundi* 1508 1482 1386 57,9 46,6 68,2 50,0 39,1 60,2 34,6 25,4 43,3
Camarões 2911 2912 2858 52,0 38,9 64,4 45,9 33,7 57,4 34,0 24,3 43,4
Congo 473 485 502 48,3 34,0 61,8 43,4 30,0 56,1 34,1 23,0 44,8
Costa do
Marm
2687 2941 3397 51,3 37,5 65,7 46,2 33,1 59,8 36,5 25,1 48,2
Egito 15686 16492 18535 55,4 40,4 70,5 51,6 37,1 66,2 43,3 30,4 56,4
Gabão 284 311 297 43,9 30,1 56,9 39,3 26,5 51,5 30,7 20,3 40,7
Gâmbia* 336 350 368 79,7 69,6 89,5 72,8 61,0 84,0 58,7 45,5 71,3
Gana 3316 3258 2974 47,2 36,3 57,8 39,7 30,0 49,0 26,4 19,5 33,2
Guiné* 2879 2947 3060 83,2 74,5 91,6 76,0 65,1 86,6 61,5 48,5 73,9
Guiné-
Bissau*
368 367 370 69,8 56,6 81,9 63,5 49,8 76,0 50,9 37,6 63,4
Guiné
Equatorial*
127 127 128 55,1 40,6 68,8 49,8 35,9 63,0 39,5 27,4 51,1
Grande
Reblica
Socialista
Popular da
bia
883 890 848 43,5 29,9 59,7 36,2 24,6 49,6 24,0 16,0 32,9
Quênia 3473 3728 4360 35,0 22,9 46,8 31,0 20,2 41,5 23,8 15,4 32,0
Libéria 811 839 862 67,7 57,3 78,6 60,5 50,2 71,2 45,3 36,1 54,7
Madagas-
car
1309 1305 1303 23,1 14,2 31,6 19,8 12,3 27,1 14,5 9,0 19,7
Mali* 3357 3398 3235 77,3 69,0 84,6 68,0 59,2 76,1 48,0 40,1 55,4
Marrocos 7454 7526 7303 58,3 45,7 70,5 50,5 38,7 52,0 36,5 27,0 45,7
Mauritâ-
nia*
715 740 785 72,5 60,2 84,2 66,0 52,9 78,6 53,1 39,7 65,9
Moçam-
bique*
5593 5880 6377 72,4 60,6 83,6 67,1 54,9 78,7 55,4 43,4 66,9
Níger* 2558 2683 2945 78,5 67,9 88,7 71,6 59,6 83,2 57,7 44,5 70,6
Nigéria 28224 28723 28448 57,3 45,2 68,9 49,3 37,7 60,5 34,4 24,9 43,6
Uganda* 4600 4908 5545 57,2 42,9 71,0 51,7 37,8 65,1 41,1 28,8 53,0
República
Centro-
Africana*
1014 1028 1062 68,5 55,0 80,7 62,3 48,2 75,1 49,9 36,5 62,4
Ruanda* 1701 1838 2149 54,6 40,7 67,9 49,8 36,1 62,9 40,9 28,5 52,8
Senegal 2433 2525 2672 67,9 54,6 80,7 61,7 48,1 74,9 49,5 36,3 62,2
Serra
Leoa*
1783 1830 1909 86,7 79,2 93,8 79,3 69,3 88,7 64,2 51,5 76,2
Somália* 2877 3003 3235 83,1 73,3 91,2 75,9 63,9 86,0 61,3 47,9 73,5
845
Educação e mudança social
Sudão* 9040 10061 12541 75,6 60,7 90,3 73,9 57,3 88,3 66,9 50,4 83,3
Chade* 2230 2280 2354 77,0 66,0 87,5 70,2 57,8 82,1 56,6 43,3 69,4
Togo* 1015 1070 1173 62,1 48,6 74,9 56,7 43,6 69,3 45,6 33,9 56,8
Tunísia 1858 1762 1497 42,4 32,2 52,7 34,7 25,8 43,7 22,5 16,0 29,1
Zaire 5641 5466 4919 34,1 20,6 46,8 28,2 16,4 39,3 18,3 10,1 26,3
Zâmbia 1172 1170 1127 32,6 23,3 41,3 27,2 19,2 34,7 18,2 12,6 23,6
Zimbábue 1683 1776 1990 37,7 30,2 45,0 33,1 26,3 39,7 25,4 20,0 30,6
* Países pertencentes ao grupo dos países menos desenvolvidos
[Fonte: UNESCO, C     ,
, D 
   , O  , , UNESCO, P.]
novos procedimentos, modificar os antigos métodos, adaptando -os ao contexto
africano. Este autêntico e endógeno desenvolvimento da educação na África
deveria poder assimilar e adaptar as mais frutuosas experiências estrangeiras,
zelando, entretanto, para que os resultados das inovações, originais ou empresta-
das, constituíssem o objeto de uma análise crítica e de uma reflexão voltada para
as realidades próprias à África
25
. Algumas interessantes experiências realizaram-
-se neste âmbito, as mais importantes diziam respeito à passagem de uma escola
elitista para uma educação de massas, bem como ao estabelecimento de laços
entre a escola e a vida da coletividade e, finalmente, mas não menos importante,
ao fortalecimento da unidade cultural e nacional. Tais posturas e procedimentos,
conjugados à concomitante promoção de experiências e pesquisas, deveriam
permitir atingir a bom termo os objetivos estabelecidos.
25 Ibid., pp. 22 -47.
847
O PAN -AFRICANISMO:
LIBERTAÇÃO E INTEGRAÇÃO A
PARTIR DE 1935
S E Ç Ã O V I
849
A África e a diáspora negra
C A P Í T U L O 2 3
“No século XX e, sobretudo, após a Primeira Guerra Mundial, durante as
negociações do Tratado de Versalhes e a formação da Sociedade das Nações,
foram os negros americanos quem defenderam energicamente os direitos dos
negros africanos, pois, nesta época, nós não estávamos em condições de falar
em nosso próprio nome
1
.”
“Não esqueçamos jamais que eles são dos nossos [os negros da diáspora].
Estes filhos e filhas da África, arrancados de nossas margens, não esqueceram
os laços que os unem à terra dos seus ancestrais [...]. Eles combatiam pela igual-
dade das nações e raças na África, bem anteriormente a que muitos entre nós
tenham sequer tomado consciência do nosso rebaixamento [...]. Agora que nós,
africanos, conquistamos a nossa independência, eles deveriam poder encontrar
um poderoso amparo para alcançar o pleno reconhecimento dos seus direitos e
da sua dignidade como cidadãos de seu país
2
.”
“O maior serviço que vós podeis prestar ao vosso país seria de persuadir os
milhares de negros, dos Estados Unidos da América do Norte e das Antilhas, a
virem trabalhar conosco pelo desenvolvimento da Etiópia
3
.”
1 A. DIOP, 1958.
2 K. NKRUMAH, 1958A.
3 M. BAYEN, 1939.
A África e a diáspora negra
Joseph E. Harris com a colaboração de Slimane Zeghidour
850
África desde 1935
Estas citações mostram claramente que a dinâmica das relações históricas
entre a África continental e as suas diásporas, estudada nos volumes anterio-
res, prosseguiu após 1935. Estas relações, sobreviventes aos tráficos escravistas
em direção à Ásia, Europa e Américas, foram consolidadas pelas experiências
psicológicas e sociais da diáspora, de onde nasceram os movimentos de pro-
testo, as revoltas e as ões internacionais conduzidas em prol da libertação
dos negros, da liberdade e igualdade dos africanos e dos seus descendentes, no
continente e no estrangeiro. Igualmente, a natureza, a maior ou menor crueldade
da escravatura, o número de escravos e a sua proporção em relação aos senhores,
influenciaram profundamente o processo de socialização e assim contribuíram,
para modelar a representação da África, própria às diferentes comunidades da
diáspora. Do mesmo modo, à imagem da maneira variável através da qual os
africanos do continente se fazem representar, os pertencentes à diáspora têm a
sua atuação em função da sua experiência de colonização. Na África como no
exterior, os europeus, os americanos e os asiáticos depreciaram a raça negra e
desestimularam a expressão de uma solidariedade internacional entre os negros.
Entretanto, a ideia de um “salvamento da África, a provocar a emancipação dos
negros e demonstrar a sua capacidade, tanto em se autogovernar, quanto em
contribuírem para a civilização mundial, impôs -se fortemente na diáspora e pro-
vocou o nascimento dos movimentos negros internacionais de libertação. Como
exposto no capítulo 29 do volume VII, estas tentativas de libertação processadas
na África e na diáspora culminaram, entre 1900 e 1935, no movimento pan-
-africanista; os anos 1920, particularmente, conheceram uma intensa atividade,
especialmente, graças aos esforços de Marcus Garvey e W. E. B. Du Bois, nos
Estados Unidos da América do Norte, e àqueles dos estudantes africanos, na
França e na Grã -Bretanha. Vejamos, neste momento, os fatos que se passaram
na diáspora africana após 1935.
Primeiramente, os africanos continuaram a emigrar em direção à Europa,
Ásia e ao Novo Mundo, contudo, as suas motivações, o seu número e o seu des-
tino eram, desde então, sensivelmente diferentes. Aproximadamente, até o final
do século XIX, o tráfico praticado através do Mediterrâneo, do Oceano Índico
e, principalmente, do Atlântico, foi evidentemente o motivo essencial da emi-
gração africana. No século XX, notadamente entre 1935 e 1960, o sistema colo-
nial constituiu a principal razão da emigração. Crescente número de africanos,
impelidos pelo desejo de escaparem à opressão econômica e política, emigrou
para as capitais europeias. Eles vêm principalmente das colônias francesas da
África do Norte e das colônias belgas; milhares de argelinos estabeleceram -se
especialmente na França durante este período: no curso da guerra da Argélia,
851
A África e a diáspora negra
havia na França cerca de 450.000 argelinos e pouquíssimos retornaram à sua
terra natal
4
. A necessidade de formação superior explica, igualmente, boa parte
das emigrações africanas, quase todas as potências coloniais desinteressaram -se
pelo ensino universitário na África. O número de estudantes africanos inscritos
nas universidades europeias e americanas cresce de modo intenso, entre 1935 e
1960, e muitos dentre eles não mais retornam ao seu país de origem. Durante
este período, a emigração africana para a América do Sul, Caribe e Índia cessa
quase inteiramente, os emigrantes dirigiam -se, em sua grande maioria e desta
feita, para a Europa e para os Estados Unidos da América do Norte, em uma
proporção muito superior àquela dos dois séculos precedentes. Em que pese a
ausência de estatísticas, pode -se afirmar com certeza que o número de africanos
a terem deixado naquele momento o seu continente fora relativamente limitado,
uma vez que se tratava principalmente de estudantes.
Após as independências, a partir dos anos 1960, a emigração prosseguiu,
porém, a sua natureza, as suas motivações e o destino dos emigrantes foram,
novamente, modificados. Não é mais os estudantes que se expatriam, mas, igual-
mente, cnicos e especialistas altamente qualificados: médicos, engenheiros,
homens de negócios, músicos e outros artistas, professores universitários, etc. Por
outro lado, durante este período, a emigração conduz novamente os africanos
a toda parte do mundo, como anteriormente ao século XX, pois que, eles não
somente se estabelecem na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América
do Norte mas, igualmente, no Oriente Médio, nos antigos países socialistas, no
Canadá, na Austrália e no Pacífico Sul. Professores e conferencistas africanos
oferecem cursos na Universidade da Papuásia - Nova Guiné! Este fenômeno, a
“fuga dos cérebros”, tomou proporções realmente alarmantes nos anos 1960 e
1970, entretanto e felizmente, parece ter chegado à sua solução. Nesta mesma
época, não mais causa espanto encontrar africanos médicos, dentistas, cientistas,
engenheiros, professores, etc., no estrangeiro. Se a África está privada das suas
competências, estas ao menos testemunham o seu êxito nos planos intelectual,
cultural e político.
A emigração das mulheres confere uma nova característica à emigração afri-
cana. Instruídas ou semialfabetizadas, diplomadas ou não, frequentemente oriun-
das da costa ocidental, estas africanas emigraram para Europa (especialmente
para a França, Alemanha ou Grã -Bretanha) e para as Américas na esperança de
encontrarem um emprego (muitos são enfermeiras) ou enriquecerem -se (aqui
4 Para uma excelente apresentação da emigração argelina para a Europa, conferir C. –R. AGERON, 1979.
852
África desde 1935
incluído o contrabando ou tráfico de entorpecentes). Uma emigração masculina
do mesmo tipo constituiu a terceira característica da diáspora moderna: uma
crescente quantidade de africanos pouco instruídos, sem formação, esperam
ganhar a sua vida nas grandes metrópoles europeias, por intermédio de variados
tipos de atividades, lícitas ou não, a começar pelo lavar a louça em restaurantes,
passando pelos trabalhos de manutenção, até, finalmente e inclusive, o contra-
bando ou o tráfico de drogas.
Uma última categoria de emigrantes, recentemente evidenciada, vem inchar
as fileiras da nova diáspora, temporária ou definitivamente. Trata -se dos exilados
políticos. Eles fugiram da guerra civil ou foram vítimas dos conflitos fronteiri-
ços entre países independentes; foram os instigadores ou organizadores de um
golpe de Estado fracassado ou foram expulsos do seu país por espionagem em
benefício de uma potência estrangeira ou por outras razões. Assim sendo, em
1986, Gana privou oito dos seus cidadãos, acusados de espionagem em favor
dos Estados Unidos da América do Norte, da sua cidadania e os trocou por
um agente dos serviços de segurança ganês que trabalhava nos Estados Unidos.
Pode -se, a partir do supra -exposto, facilmente deduzir que as razões, antigas
ou novas e em virtude das quais os africanos emigraram, têm a sua origem,
inicialmente, na progressiva degradação da situação socioeconômica e política
desde as independências (degradação examinada em outros capítulos do pre-
sente volume). Os africanos emigraram para encontrar empregos ou maior rea-
lização profissional, para rapidamente enriquecer ou para conhecer a aventura.
Os africanos da diáspora desde 1935
Qual contribuição os africanos dos diferentes países da diáspora teriam tra-
zido ao pan -africanismo, desde os anos 1930? O movimento pan -africanista
conheceu uma nítida inflexão em suas atividades na América e na Europa após
a realização do Congresso Pan -Africano de Nova Iorque, no ano 1927. Contudo
nos anos 1930, ele reagiu vigorosamente à agressão da Itália contra a Etiópia
(1935 -1941) e à ascensão do fascismo na Europa. Esta reação manifesta, espe-
cialmente na Europa e na América, conduziu a um aprofundamento da doutrina
e a uma ampliação das atividades, as quais se expressariam durante o Congresso
Pan -Africano de Manchester, em 1945, e contribuiriam para a derrubada do
sistema colonial e para a conquista das independências, nos anos 1950 e 1960.
A agressão contra a Etiópia colocou em espetacular evidência a dependência
da África em relação à Europa, assim como a hesitação e a ineficácia das gran-
853
A África e a diáspora negra
des potências quando elas deveriam, isoladas ou sob a égide da Sociedade das
Nações, tornar respeitáveis a liberdade e a justiça. Na Inglaterra, C. L. R. James e
outros fundaram, em 1936, a International African Friends of Ethiopia (IAFE).
Esta associação, através das suas conferências, suas petições e suas manifesta-
ções, ganhou o apoio da opinião pública à causa da Etiópia. Uma organização
amplamente implantada e muito combatente, o International African Service
Bureau (IASB), criado em 1937, soube eficazmente associar os problemas locais
à crise etíope. Com o objetivo de apoiar os negros da Grã -Bretanha, nos campos
econômico e político, bem como no tocante à educação, o IASB, amplamente
popular graças ao seu jornal, o International African Opinion, esforçava -se em
cooperar com associações americanas
5
.
Uma das grandes figuras deste movimento pan -africano na Grã -Bretanha foi
o guianês George Thomas Nathaniel Griffith, mais conhecido sob o nome Ras
Makonnen. Ele estudara nos Estados Unidos da América do Norte, onde fizera
muitos amigos entre os negros, exercendo profunda influência, embora muitas
vezes discreta, sobre os negros da Grã -Bretanha. Através do seu trabalho, conse-
guiu economizar fundos e abrir diversos restaurantes e clubes em Manchester, os
quais serviam à causa dos trabalhadores e negros. Ele possuía estabelecimentos
como o Ethiopian Teashop, o Cosmopolitan, o Forum Club, a Belle Étoile, nos
quais os clientes negros, por vezes futuros dirigentes africanos ou antilhanos,
vinham debater problemas atuais, e onde estudantes negros podiam trabalhar
para pagarem seus estudos
6
.
Makonnen, juntamente com o Dr. Peter Milliard, seu compatriota, o que-
niano Jomo Kenyatta e o antilhano George Padmore, criara a Pan -African
Publishing Company, responsável pela publicação mensal do Pan -Africa. Ele
também possuía uma livraria, a Economist
7
. Esta rede de empresas devia facilitar
a realização da reunião de nacionalistas negros, a mais bem -sucedida de todas
aquelas ocorridas antes da era da independência. Ao grupo formado ao redor
de Ras Makonnen agregaram -se o sul -africano Peter Abrahams, o serra -leonês
Wallace -Johnson e C. L. R. James, posteriormente juntou -se Kwame Nkrumah.
Estes militantes fundaram, no ano de 1944, a Federação Pan -africana, organiza-
dora do memorável quinto Congresso Pan -Africano, realizado em Manchester,
no ano 1945.
5 V. P. THOMPSON, 1969, p. 32.
6 K. KING (org.), 1971, pp. 135 -138.
7 Idid., p. 145.
854
África desde 1935
Nos Estados Unidos da América do Norte, sob a direção de William Leo
Hansberry, negros vindos da África ou provenientes da diáspora fundaram, em
1934, o Ethiopian Research Council (ERC), com o objetivo de tornar conhecida
a situação da Etiópia e contribuir com a formação de uma rede internacional
de negros engajados em expandirem a causa africana. Os fundadores do ERC
William Leo Hansberry, Ralph Bunche e William Steen, cidadãos norte-
-americanos, o ugandense Hosea Nyabongo e o etíope Malaku Bayen sabiam
que a Etiópia exercia uma considerável atração sobre as populações africanas e
que a consciência da herança etíope inspirara uma ideologia de libertação que
representava uma poderosa e recorrente afirmação da identidade e da solidarie-
dade africanas no continente e na diáspora
8
.
Os poucos professores e estudantes da Universidade Howard oriundos do
ERC possuíam contatos em diversas cidades dos Estados Unidos da América do
Norte, na Etiópia, Grã -Bretanha, França, Itália e nas Antilhas. O ERC desem-
penhava um importante papel como escritório -central de informação sobre a
Etiópia e facilitava ou organizava as atividades conduzidas em favor deste país.
Quando os italianos invadiram a Etiópia, numerosos afro -americanos pre-
tenderam unir -se à armada etíope, entretanto, o governo dos Estados Unidos
da América do Norte declarou -se neutro e interditou aos cidadãos americanos
tomar partido em relação à guerra. Apesar disso, dois pilotos afro -americanos,
Hubert Julian e John Robinson, encorajados pelo ERC, foram à guerra na
Etiópia. Robinson tornou -se o piloto particular do imperador e foi nomeado
conselheiro para a aviação. Apelidado Condor Marrom, ele efetuou várias mis-
sões aéreas para a Etiópia, no curso de uma das quais o seu avião foi abatido
9
.
O apoio moral e a ajuda material dos africanos da diáspora foram mais
importantes que a sua ajuda militar. Os negros da diáspora como aqueles das
colônias africanas, organizaram manifestações e multiplicaram os artigos e os
clamores em favor da Etiópia. Entre as organizações pró -etíopes criadas nos
Estados Unidos da América do Norte, devemos citar os Friends of Ethiopia
(FOA), fundada por um professor afro -americano, Villis Huggins, quem fora
à Europa e obtivera o aval dos embaixadores etíopes em Londres e Paris. Em
menos de um ano, a FOA abriu escritórios em 106 cidades, distribuídas em 19
8 Ethiopian Research Council, 1935; J. E. HARRIS, 1974, capítulo I.
9 Estas informações foram extraídas de um manuscrito inédito de J. Cheeks, relatando a sua participação
na guerra da Etiópia ao lado de Robinson; conferir igualmente o seu testemunho de 1936.
855
A África e a diáspora negra
Estados norte -americanos. Ela organizou coletas de fundos em conjunto com
o International African Friends de Londres
10
.
É preciso igualmente assinalar a contribuição do Medical Committee for
the Defense of Ethiopia, formado por um grupo de médicos negros originários
das Antilhas e dos Estados Unidos da América do Norte, a trabalho em Nova
Iorque. Este comitê fretou um ou dois navios carregados de produtos médicos
destinados aos combatentes etíopes. Outros grupos nos EUA, na Jamaica,
em Trinidad e Tobago, no Panamá, em Barbados, em Sainte -Lucie e alhures
distribuíam material de propaganda em favor da Etiópia, organizavam concen-
trações, afirmando a sua solidariedade vis -vis dos etíopes. Esta solidariedade
expressou -se naturalmente com força particular junto aos rastafáris, os quais
haviam endeusado o imperador Haïlé Sélassié e extraído o seu nome de um
antigo título, rãs Tafari
11
.
O apoio dos africanos da diáspora continuou a se manifestar mesmo quando
o imperador foi obrigado ao exílio. As coletas de fundos prosseguiram e os
afro -americanos engajaram -se, ao menos em uma ocasião, em negociações em
caráter privado. Uma delegação foi a Londres e, malgrado as objeções do Depar-
tamento de Estado norte -americano, persuadiu o imperador a enviar um emissá-
rio aos Estados Unidos da América do Norte, intuindo promover a causa etíope
naquele país. Foi assim que Malaku Bayen, diplomado em 1935 pela Escola
de Medicina da Universidade Howard e cofundador do ERC, chegou à Nova
Iorque, em 1936, na qualidade de enviado do imperador para o continente ame-
ricano. Bayen e a sua esposa, afro -americana, receberam uma boa acolhida dos
afro -americanos e de alguns brancos. Algumas grandes manifestações permiti-
ram arrecadar fundos, mas o principal resultado da visita de Bayen aos EUA foi
a fundação da Ethiopian World Federation (EWF), em 1937. Bayen declarou
publicamente: “Nós vamos criar os Estados Unidos da África”, ele acreditava que
a EWF insuflaria nos negros do mundo inteiro o orgulho da raça. Em 1940, ele
elogiou Marcus Garvey, relembrando que a sua Universal Negro Improvement
Association abrira espaço para a EWF
12
.
Tal como Garvey, os Bayen fundaram uma publicação oficial, The Voice of
Ethiopia, “jornal da vasta comunidade universal dos negros e amigos da Etiópia,
10 W. N. HUGGINS e J. G. JACKSON, sem datação; 1935; 1937, pp. 90 -91.
11 Arquivos dos Estados Unidos da América do Norte, Diplomatic Branch, 884, 142/19. Consultar igual-
mente L. BARRETT, 1977.
12 e Voice of Ethiopia, 19 de março de 1938, 6 de maio de 1939, junho de 1939, 8 de julho de 1939, 3
de fevereiro de 1940, 24 de maio de 1940.
856
África desde 1935
espalhados mundo afora”. Este jornal desempenhou um papel primordial no
processo de redefinição da africanidade, opondo -se especialmente ao emprego
da palavra inglesa negro, considerada um insulto e um meio para a divisão dos
negros. “Nós não somos mais negros da Antilhas ou americanos mas, verdadeiros
etíopes”. “Negros da América, a Etiópia vos pertence”. A palavra “preto (black)
adquiriu grande popularidade: “Pretos, uni -vos”, Nem mesmo um preto der-
ramará o seu sangue pela Europa enquanto a Etiópia não for libertada”, estes
slogans e alguns outros popularizaram -se junto ao público graças ao The Voice
of Ethiopia
13
.
O The Voice of Ethiopia publicou artigos assinados por George Padmore, Nna-
mdi Azikiwe, W. E. B. Du Bois, J. A. Rogers ou Akiki Nyabongo. Encontrava -se
frequentemente nestes textos temas da história dos negros, assim como artigos
sobre personalidades negras, tais como o haitiano Toussaint Louverture, o impe-
rador da Etiópia Ménélik, o pastor e educador originário da Costa do Ouro
(atual Gana) James Aggrey, o americano Richard Wright, entre muitos outros.
A presença de seções da EWF em todos os Estados Unidos da América e em
todos os países do Caribe proporciona uma ideia da amplitude da sua influência.
No dia 23 de julho de 1939, na Jamaica, uma reunião organizada para apresentar
a Carta da Federação, reuniu cerca de 800 pessoas e teve como principal orador
Amy Garvey. Reuniões do mesmo gênero foram organizadas em novembro de
1939, na capital de Cuba, Havana, e em Tela, Honduras. Em todas as ocasiões
os oradores elogiaram a obra de Garvey
14
.
Uma crônica do The Voice of Ethiopia, intitulada “novidades da comunidade
negra”, oferece uma imagem da influência exercida por este jornal e pela EWF.
Neste periódico publicam -se informações e corresponncias provenientes,
especialmente, do Egito, da Etiópia, do Sudão, do Panamá, da Jamaica, de
Honduras, da Venezuela e da Nigéria. Os artigos do The Voice of Ethiopia eram
replicados pelo The Comet (Nigéria), pelo Boston Chronicle (EUA), pela Panama
Tribune (Panamá), pela Union Messenger (Saint -Christophe) e pelo The Peo-
ple (Trinidad). Donativos em dinheiro destinados a ajudarem a Etiópia foram
enviados da Guiana britânica, de Bocas Del Toro e de Gamboa (Panamá), da
ilha de San Andrés (Colômbia), de Westmoreland (Jamaica), de Maracaibo e
de Longunillas (Venezuela).
Quando Haïlé Sélassié retomou o seu trono, em 1941, o governo etíope
patrocinou a criação da primeira escola mista do país, fundada por Mignon Ford,
13 Ibid., 19 de março de 1938, 29 de abril de 1939, 24 de junho de 1939, 15 e 29 de julho de 1939.
14 Ibid., 19 de agosto de 1939, 5 e 11 de novembro de 1939, 9 de dezembro de 1939.
857
A África e a diáspora negra
antilhano de Barbados emigrado dos Estados Unidos em 1930. Os médicos,
pilotos, professores e outros afro -americanos vindos à Etiópia após a agres-
são italiana retornaram aos Estados Unidos, entretanto, graças a William Leo
Hansberry, muitos afro -americanos puderam dirigir -se à Etiópia para trabalha-
rem como professores ou jornalistas. Outros negros, originários de Barbados,
da Guiné, de Porto Rico e dos Estados Unidos da América do Norte, foram
empregados como pilotos ou mecânicos
15
.
A invasão da Etiópia pelos italianos igualmente suscitou, em 1937, a criação
do International Committee on África, transformado em 1941 no Council
on Africa Affairs
16
. O seu fundador, o afro -americano Max Yergan, cumprira
durante vinte anos as funções de secretário da Young Mens Christian Associa-
tion (YMCA), na África Oriental e Austral. Ele foi certamente influenciado
pelas suas relações com o Congresso Nacional Africano (CNA) e com o Sin-
dicato Sul -Africano dos Trabalhadores da Indústria e do Comércio. Portanto
e desde algum tempo empenhado em “ajudar a África”, Yergan persuadiu certo
número de negros (e de brancos progressistas) a fundarem consigo este Con-
selho de Assuntos Africanos. O famoso cantor Paul Robeson e outro antigo
empregado da YMCA, William Alphaeus Hunton foram, juntamente com
Yergan, os principais dirigentes da organização financiada por ricos brancos
progressistas.
Yergan, Hunton e Robeson aderiam ao marxismo e mantinham boas relações
com o Partido Comunista Americano sem, ao que tudo indica, serem membros
da organização. As suas ideias políticas lhes valeram ataques públicos no Con-
selho. Entretanto, no contexto da época, a diretriz política dominante visava
opor uma “frente única” ao fascismo, o que implicava na colaboração com os
comunistas, foi justamente com este espírito que numerosos intelectuais, sindi-
calistas e muitos outros aceitavam esta cooperação. Os negros não formavam,
portanto, uma exceção.
O Conselho buscava promover a libertação dos africanos e melhorar a sua
posição social e econômica; com este objetivo, ele dedicava -se a difundir infor-
mações, facilitar a formação dos africanos na Europa e na América, organizar
intercâmbios, favorecer a cooperação entre os africanos. Assim sendo, ele orga-
nizou um encontro político com D. T. T. Jabavu e A. B. Xuma, dois sul -africanos
que haviam estudado nos Estados Unidos e dirigiam a All -African National
15 Arquivos dos Estados Unidos da América do Norte, 1944.
16 H. LYNCH, 1978.
858
África desde 1935
 . Algumas grandes guras da diáspora africana, célebres defensores da causa dos negros. Na
parte superior, à esquerda, George Padmore; na parte superior, à direita, Paul Robeson e W. E. B. Du Bois; na
parte inferior, à esquerda, Marcus Garvey; na parte inferior, à direita, Max Yergan. (Foto: Topham, Londres;
Mooriand -Spingarn Research Center, Howard University.)
859
A África e a diáspora negra
Convention (AANC), organização fundada em 1935, em defesa dos direitos
dos negros sul -africanos.
Após 1941, o Conselho engajou -se ainda mais ativamente em favor da África
e da descolonização em geral. Seções foram criadas em muitas cidades dos Esta-
dos Unidos da América do Norte; uma dentre elas contou em meio aos seus
aderentes com Rosebery T. Bokwe, médico sul -africano igualmente membro
do CNA. O Conselho endereçou cartas e petições aos governos dos Estados
Unidos da América do Norte e dos países da Europa, assim como a organiza-
ções internacionais. Ele encorajou os sindicatos e os movimentos nacionalistas
africanos. A interdição, no Quênia, na África do Sul e no Congo belga, da usa
publicação New Africa uma noção sobre a sua influência.
Precursores, em razão disso, do grupo de pressão pró -africano existente até
os dias atuais nos Estados Unidos da América do Norte, vários membros do
Conselho encontraram, em 1944, representantes da Divisão da África, pouco
anteriormente criada no seio do Departamento de Estado americano, e reco-
mendaram a adoção de uma política favorável à África. Este encontro parece
ter se desdobrado na ulterior assessoria, junto ao governo, provinda de alguns
negros especialistas na questão africana. Ao longo da primeira Conferência das
Nações Unidas reunida em São Francisco, no ano de 1945, Yergan e Eslanda
Robeson exigiram uma melhoria na situação econômica, política e social dos
africanos. O Conselho solicitou expressamente que os territórios sob mandato e
todas as possessões africanas da Espanha, de Portugal e da Itália, excetuando -se
a Eritreia, fossem colocadas sob a tutela das Nações Unidas e que à África do
Sul lhe fosse interditada a representação como membro do Conselho de Tutela.
Após a Segunda Guerra Mundial, as declarações do Conselho expressa-
ram uma crescente oposição à política americana. Esta postura explica -se, em
parte, pela Guerra Fria, a qual colocava o Leste e o Oeste um contra o outro
mas, igualmente, em razão do acelerado desenvolvimento dos movimentos de
libertação na África e na diáspora. O Conselho preocupava -se, particularmente,
com a África do Sul, não somente porque Yergan vivera, mas em função da
crescente repressão exercida naquele país contra os negros, sobretudo a partir
dos anos 1940. Em suplemento, a fome que se abatia naquela região agravava
sobremaneira a situação. O Conselho criou um Comitê de Ajuda às vítimas da
fome na África do Sul, enviando dinheiro e alimentos às populações atingidas.
A anexação do Sudoeste africano (atual Namíbia), pela África do Sul, pro-
vocou vigorosos protestos. Um dos panfletos publicados sobre esta questão pelo
Conselho foi redigido por I. B. Tabata, quem antes a publicara, em 1945, sob a
égide do CNA. Hunton escreveu textos sobre a fome e a repressão política na
860
África desde 1935
África do Sul; ele também realizava um relatório minucioso e periódico sobre
os debates realizados nas Nações Unidas, em respeito aos nacionalistas africanos
da África, da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte.
A partir de 1949, a direção do Conselho compôs -se exclusivamente de
negros; Robeson foi nomeado presidente, Du Bois vice -presidente, e Hunton
secretário -executivo. O Conselho fez então prova de um crescente radicalismo
que lhe valera um aumento da insolência e dos obstáculos impostos pelo governo
norte -americano; todavia, o Conselho continuou a sua luta em favor dos afri-
canos até a sua dissolução, em 1955. Ele preparava assim a ação de um grupo
de pressão afro -americano, melhor implantado e cuja ocupação consistiria em
enfrentar, com ainda maior eficácia, os problemas da África e do mundo negro.
O quinto Congresso Pan -africano
As sucessivas criações de associações e os múltiplos encontros, destinados na
Europa, na África e nos Estados Unidos da América do Norte, a coordenarem
a ão conduzida em favor dos africanos do continente e dos negros da diás-
pora, desdobraram -se em 1945 na reunião do quinto Congresso Pan -africano,
realizado em Manchester. Este congresso será objeto de uma análise detalhada
no capítulo 25. Basta neste momento indicar que foi justamente a este con-
gresso de Manchester, presidido por Du Bois, que coube o êxito de conferir ao
pan -africanismo, na qualidade de movimento de libertação, o seu verdadeiro
impulso na África, consolidando -o além das fronteiras europeias e america-
nas. Este congresso, no qual se realizou uma síntese entre o intelectualismo de
Du Bois e o pragmatismo de Garvey, significou para o resto do mundo que o
essencial do combate pela liberdade seria, desde então, livrado na África, pelos
dirigentes africanos. O ano 1945 marcou igualmente outro ponto de inflexão
na justa medida que os negros dos Estados Unidos da América do Norte e das
Antilhas anglófonas, os quais haviam oferecido, até então, os seus mais eloquen-
tes e eficazes dirigentes ao movimento pan -africano, consagraram -se, a partir
desta data e durante os anos 1950, principalmente à luta pela igualdade nos
Estados Unidos da América do Norte e ao bom funcionamento da Federação
formada por Barbados, Jamaica e Trinidad e Tobago.
No entanto, as relações com a África não seriam contudo interrompidas.
Em 1947, um senegalês habitante de Paris, Alioune Diop, fundou a Présence
africaine, revista consagrada à cultura africana e destinada ao grande público.
Diop esteve à origem da reunião, em 1957, em prol da realização de uma con-
861
A África e a diáspora negra
ferência mundial de escritores negros que daria origem à Société africaine de
culture (SAC), cuja seção americana, a American Society of African Culture
(AMSAC), dirigida por John A. Davis, empreendeu a publicação da African
Forum. A SAC e a AMSAC participaram de conferências, exposições e publi-
cações, contribuindo assim para a reaproximação dos africanos mundo afora.
Durante os anos 1960, Malcolm X, quem carregava para os Black Muslims
[Muçulmanos negros] o título de Ministro da nação do Islã”, era uma figura
extremamente popular junto aos afro -americanos e em meio aos jovens. Ele
exortava os negros a estudarem a história dos seus ancestrais e a tomarem em
mãos o seu futuro. Em 1964, criou a Organização da Unidade Afro -americana,
com vistas a reunir os afro -americanos engajados na luta nacional e com a espe-
rança de cooperar com a Organização para a Unidade Africana (OUA). Ele foi
assassinado em 1965, entretanto, o relato da sua vida por Alex Haley tornou-
-se, com os Damnés de la terre, do martinicano Frantz Fanon, o guia dos jovens
negros que recém haviam chegado à direção do Black Power, como Stokely
Carmichael ou Walter Rodney.
Ao final dos anos 1960, os jovens afro -americanos foram os pioneiros no
renascimento de um movimento internacional pela afirmação da identidade
africana. Eles não somente assumiam com orgulho as suas origens, inspirando-
-se, em seu estilo de vida, nas tradições africanas vestindo túnicas africanas,
usando pérolas e braceletes, penteando -se à africana ou adotando nomes afri-
canos −, mas, igualmente exigiam que o sistema escolar e universitário assegu-
rasse um ensino sobre os negros (sobre a África e a diáspora). A introdução e o
desenvolvimento dos estudos sobre os negros, dos estudos afro -americanos, dos
estudos pan -africanos e dos estudos africanos, em grande número de instituições
universitárias americanas frequentadas por negros, assim como nas instituições
frequentadas por brancos, estas medidas foram acompanhados de múltiplas
publicações. Os africanos do continente ou da diáspora encarregaram -se destes
conteúdos e do seu ensino.
O movimento em prol dos estudos sobre os negros deve o seu sucesso, em
parte, aos professores e aos pesquisadores africanos do continente e da diáspora
que abandonaram a Associação Americana de Estudos Africanos, por ocasião
da sua reunião de 1969, no Canadá
17
. Os dissidentes, formadores da African
Heritage Studies Association (AHSA), buscaram promover, através das suas
conferências e das suas publicações, uma reinterpretação da história das popu-
17 I. S. REID, 1976.
862
África desde 1935
lações negras que traduzisse o ponto de vista dos próprios negros. A AHSA
encorajou a difusão, em todas as escolas, de materiais relativos ao patrimônio
africano, além de trabalhar pelo desenvolvimento de uma colaboração inter-
nacional entre os intelectuais negros. Ela conheceu o seu apogeu em 1970,
reunindo na Universidade Howard mais de 2000 delegados vindos da África e
dos países da diáspora.
Os negros norte -americanos igualmente abordaram os problemas da África e
da diáspora africana no âmbito institucional. Os membros negros do Congresso
norte -americano começaram assim a se reunirem periodicamente, em 1969, sob
a presidência de Charles Diggs. Estas reuniões informais originaram, em 1971,
o Congressional Black Caucus, grupo de parlamentares que se atribuiu a tarefa
de promover medidas em favor dos afro -americanos, zelando pela sua aplicação,
assim como a incumbência de influenciar a política governamental em respeito
à África e ao Caribe. Vários membros do Caucus percorreram estas duas regiões
do mundo, criticaram a política dos Estados Unidos da América do Norte no
 . Malcolm X, porta -voz apaixonado da luta pelos direitos dos negros. (Foto: Moorland -Singarn
Research Center, Howard University.)
863
A África e a diáspora negra
tocante a estas regiões e tomaram a iniciativa de elaborar leis em seu favor. Este
grupo de deputados negros que, muito amiúde, recebeu o apoio de uma parte do
Congresso norte -americano e da opinião pública, assumiu parte importante no
combate pela liberdade e igualdade nos Estados Unidos da América do Norte
e no estrangeiro.
Após 1969, os negros americanos formaram grande número de associações
culturais, organizações políticas, organismos de apoio ao desenvolvimento, prin-
cipalmente voltados para a África e destinados à reatar os laços desta última
com a sua diáspora: o African -American Scholars Council, a American Negro
Leadership Conference on Africa, o African Liberation Day Coordinating
Committee, Africare, o Congress of African People, etc. Estas organizações e
organismos similares, fundados na África, facilitaram a comunicação no seio das
populações africanas e prepararam desta forma o campo para o sexto Congresso
Pan -africano, realizado em Dar es -Salaam, na Tanzânia, no ano 1974.
O teórico e militante do pan -africanismo Saint Clair Drake notara, por
ocasião do primeiro Festival de Artes Negras, ocorrido em Dakar no ano de
1966, que o pan -africanismo cultural poderia oferecer aos africanos maiores
possibilidades de identificação e de cooperação entre si, comparativamente ao
pan -africanismo político. O sexto Congresso Pan -africano certamente revelou
os limites, a mesmo aos observadores menos clarividentes que Drake, da
influência política dos negros da diáspora no referente aos assuntos continentais.
Os delegados da diáspora viram, na realidade, a solidariedade racial ser ridicu-
larizada, através de uma resolução dirigida contra a política da cor de pele” e,
os afro -americanos viram -se reprovar por não buscarem nenhuma aliança com
os trabalhadores brancos
18
.
Os trabalhos de Drake podem ajudar -nos a analisarmos este problema. Ele
distingue o pan -africanismo racial, predominante junto aos primeiros parti-
dários do pan -africanismo, do pan -africanismo continental, pretenso, antes
e sobretudo, a realizar a unidade do continente africano. Este segundo tipo
de pan -africanismo não somente estende o seu olhar à África do Norte, mas
igualmente incentiva os membros de outros grupos raciais, em países como o
Brasil e Cuba nos quais grande parte e por vezes a maioria da população é
de origem africana −, a representarem os negros e a falarem em seu nome, pois
que as injustiças políticas e sociais, bem como as desigualdades no âmbito da
18 St. C. DRAKE, 1982; R. B. LAPORTE, 1982.
864
África desde 1935
educação, impedem -nos muito amiúde de falar em seu próprio nome. Situação
esta energicamente denunciada pelo pan -africanismo racial.
Com efeito, o pan -africanismo sofre nos dias atuais uma transformação. Os
africanos do continente estão, sobretudo, preocupados com problemas relativos à
unidade nacional e ao desenvolvimento. Estes problemas colocam -se a todos os
países do continente, tendendo, por conseguinte, a fazerem da unidade africana
um objetivo prioritário. Os tipos de recursos necessários ao desenvolvimento
dos países africanos, a amplitude das suas necessidades, as estruturas necessá-
rias a melhorar a comunicação, com vistas à aquisição destes recursos, todos
estes fatores favorecem o estabelecimento de relações bilaterais entre os países
e explicam as raes pelas quais as economias africanas sejam amplamente
financiadas pelos organismos internacionais e pelas grandes potências. Os países
extra -africanos, dirigidos por negros, devem igualmente enfrentar prioridades
nacionais a exigirem um importante financiamento. E os negros da diáspora que
não exercem influência alguma sobre o governo do seu país não possuem sequer
a possibilidade de oferecerem, à África ou aos povos negros extra -africanos, a
ajuda indispensável da qual necessitam, salvo através da criação de potentes
organismos não governamentais capazes de conduzir uma ação internacional.
Os Estados Unidos da América do Norte são o único país apto a fornecer
aos africanos uma ajuda substancial, além de constituírem o espaço no qual a
população de origem africana apresenta -se, a um só tempo, numerosa, influente
e sensível aos problemas do mundo negro. Entretanto, esta população é mino-
ritária e não cabe a ela definir a política exterior ou a sua incumbência. Por
outro lado, como os outros africanos da diáspora, os afro -americanos em geral
aceitam a sua identidade nacional. O projeto de um retorno massivo à África,
exposto pelos primeiros partidários do pan -africanismo, não é atrativo, portanto,
nem para os africanos da diáspora e tampouco para aqueles do continente, os
quais desde logo sofrem com o subemprego e com a insuficiência dos serviços
públicos. Além do exposto, os debates atuais no mundo negro são, também
eles, dominados por considerações mais realistas sobre os meios pelos quais os
africanos da diáspora poderiam fazer pressão sobre o seu governo, objetivando
trazer à África um ajuda econômica e política.
Em razão da predominância, na África, da unidade continental sobre a uni-
dade racial, igualmente em função das divergências ideológicas e do peso da
cidadania na África e na diáspora, qual seria o caráter das futuras relações entre
a África e a sua diáspora? Ambas conservam uma forte identidade psicológica
e social que reforça as redes internacionais e podem conduzir os governos a
sustentarem políticas e programas favoráveis às populações africanas. Justamente
865
A África e a diáspora negra
sobre esta identidade, apoia -se a TransAfrica, grupo de pressão afro -americano
ao serviço da África e do Caribe. Esta organização editora do TransAfrica Forum,
goza do respeito da OUA e de outras instituições internacionais. Herdeira de
grupos de pressão afro -americanos de outrora, a TransAfrica dispõe, nos dias
atuais, de conhecimentos especializados e encontra no mundo negro a confiança
e o apoio necessários para cumprir a sua tarefa.
Entre todos os encontros, testemunhos da mesma inspiração transafricana e
geradores de importantes resultados, é necessário citar: FESTAC -77, o Festival
Mundial das Artes e da Cultura da África e do Mundo Negro, na Nigéria, que
desdobrou -se na criação, uma vez mais, em Lagos, do Centre for Black and
African Arts and Civilization, cujo objetivo foi promover a comunicação na
África e na diáspora, através de encontros internacionais, exposições e publica-
ções; o Congresso da Cultura Negra das Américas, reunido na Colômbia (1977),
no Panamá (1980), no Brasil (1982), acompanhado de numerosas publicações;
o Festival da Diáspora Africana, ocorrido no Brasil (1979), no Haiti (1980),
no Suriname (1982), no Senegal (1983), em Barbados (1985); as Reuniões de
Especialistas na Diáspora, organizadas pela UNESCO, no Haiti (1978), em
Barbados (1980), no Benin (1983), no Brasil (1985), as quais deram lugar a
várias publicações; o primeiro e o segundo Instituto de Estudos sobre a Diáspora
Africana, na Universidade de Howard (1979) e na Universidade de Nairóbi, no
Quênia (1981), os quais possibilitaram a publicação de um livro e de um relató-
rio em inglês, francês, português e espanhol; as Conferências Mundiais sobre a
Tradição e a Culturas dos Orishas, na Universidade de IFE, na Nigéria (1981)
e na Universidade Federal da Bahia, no Brasil (1983); a Conferência sobre as
Relações entre a África e os Afro -Americanos: da dependência à autonomia,
organizada em Monróvia, na Libéria (1983), cujo desenlace foi a Declaração
da Libéria, conclamando as populações africanas a unirem os seus esforços e a
compartilharem os seus recursos
19
.
A multiplicação das organizações e das conferências no seio da diáspora
africana incrementou os meios de comunicação entre as populações africanas,
contribuiu para inspirar -lhes o orgulho em respeito às suas origens e a von-
tade de agir, encorajou grande número de projetos de pesquisa e publicações,
colocando assim, à disposição destas populações, conhecimentos mais extensos
e aprofundados. No entanto, muitos grupos de origem africana permanecem
19 O primeiro número do primeiro volume da African Diaspora Studies Newsletter foi editado em 1948,
em francês, inglês, espanhol e português.
866
África desde 1935
desconhecidos, não tendo representado o objeto de suficientes pesquisas ou
publicações.
O horizonte mundial da consciência africana
A diáspora africana estende -se, praticamente pelo mundo todo, e rias
comunidades de origem africana, relativamente desconhecidas, afirmam forte-
mente a sua identidade africana. Na América do Sul, as autoridades habitual-
mente pretendem que os descendentes de africanos tenham sido assimilados ou
estejam em vias de -lo em sua existência em meio ao restante da população,
adotando a sua cultura, originalmente espanhola ou portuguesa; desde alguns
decênios, os recenseamentos não mais levam em consideração a identidade racial
e os problemas raciais são são difíceis a discernir. Os sul -americanos de origem
africana, contudo, não menos expressam a sua africanidade em obras literárias
ou canções, havendo, outrossim, formado associações de combate ao racismo e
organizado programas de assistência mútua, em matéria de educação e cultura
20
.
Embora a presea africana na Argentina, Bolívia, no Chile, Paraguai e
Uruguai tenha por pouco que não desaparecido, os poucos negros que vivem
no Peru possuem a sua companhia de teatro, o Expressión Negra Peruana, além
do seu centro de pesquisas, O Instituto de Pesquisa Afro -Peruanas. No Equa-
dor, onde os negros representam de 10 a 15% da população e aparentemente
majoritários em alguns distritos, o Centro de Estudos Afro -equatorianos rapi-
damente implantou -se em várias cidades e localidades. Uma Conferência Pan-
-americana sobre a mulher negra teve lugar no Equador em 1983. Na Venezuela,
país no qual os negros atingem quase 30% da população, a Biblioteca Nacional
possui uma seção africana e afro -africana. Os negros da Colômbia, os quais
representam de 30 a 40% da população nacional, formam a mais importante
afro -hispânica da diáspora. As principais organizações afro -colombianas são a
Fundação Colombiana para a Pesquisa sobre o Folclore e o Centro de Pesquisa
sobre a Cultura Negra e o Movimento Cultural Negro. A primeira organizou,
20 L. ROUT, 1976, fornece uma excelente análise a este respeito. As principais fontes de informação
sobre os negros da América do Sul são, atualmente Palenque, publicação ocial do Centro Cultural
Afro -Ecuatoriano, Quito, Equador; o Boletín Informativo, publicação periódica ocial do Instituto
de Investigaciones Afro -Peruanas, Lima, Peru; Centro de Estudios e Investigaciones, 1977; J. M. R.
GUEDEZ, 1985.
867
A África e a diáspora negra
em 1983, um colóquio nacional sobre a bibliografia afro -colombiana; a segunda
publica o mensal Presencia Negra
21
.
No Brasil, onde tradicionalmente aplica -se uma política assimilacionista em
relação aos negros, a população de origem africana representa provavelmente a
metade da população nacional. Ela, assim e sem dúvida, constitui a mais vasta
comunidade da diáspora africana, exercendo uma profunda influência cultural
sobre a população de origem não africana. No entanto, excetuando -se a imigra-
ção voluntária de milhares de afro -brasileiros, no século XIX, rumo à Costa do
Ouro, ao Togo, a Daomé (atual Benin) e para a Nigéria, até data relativamente
recente, os negros do Brasil não haviam estabelecido ou mantido senão poucas
relações com a África e a diáspora africana.
Em Salvador, capital do estado da Bahia, onde vive a mais importante comu-
nidade afro -brasileira, está instalado o Centro de Estudos Afro -Orientais que
abriga o Museu Afro -Brasileiro; justamente nesta mesma cidade é publicado o
jornal Afro -Brasil. Na capital federal, Brasília, um grupo de pesquisadores do
Centro Pró -Memória estuda o patrimônio afro -brasileiro.
O Centro de Estudos Afro -Asiáticos da Universidade Cândido Mendes,
no Rio de Janeiro, patrocina conferências e publicações sobre a realidade afro-
-brasileira. Igualmente situado em terras fluminenses, o Instituto de Estudos e
Pesquisas Afro -Brasileiros, dirigido pelo deputado federal de origem africana
Abdias Nascimento, publica a revista Afrodiáspora
22
.
O Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial organiza anu-
almente, no dia 20 de novembro, a Jornada Nacional da Consciência Negra. Esta
data marca o aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, fundador africano
do Quilombo dos Palmares, assassinado pelos portugueses em 1695; o governo
brasileiro inclusive aprovou a elevação de um monumento em memória de
Zumbi. O Movimento Negro possui seções nos Estados Unidos da América
do Norte e noutros países
23
.
Na América Central, de cultura hispânica, os descendentes dos africanos
dividem -se, em alguns países, em dois grupos: os centro -americanos nativos e os
imigrados. Os primeiros são cidadãos destes países por nascimento; os segundos
21 Presencia negra é uma publicação do Centro para la investigación de la Cultura Negra, Bogotá, Colôm-
bia.
22 As revistas Afrodiáspora, Revista Quadrimestal do Mundo Negro e Estudos afro -asiáticos, publicadas
no Rio de Janeiro, respectivamente por A. D. Nascimeto e pelo Centro de Estudos Afro -Asiáticos, são
duas publicações periódicas.
23 A Associação Cultural Afro -Brasileira Zumbi, em Nova Iorque, edita um boletim sobre a história e a
cultura dos afro -brasileiros.
868
África desde 1935
descendem de trabalhadores anglófonos imigrados, vindos dos países vizinhos
de língua inglesa. A política de hispanização conduzida nestes países provocou
graves conflitos. Isto é particularmente evidente na Costa Rica, onde imigrados
originários da Jamaica, de Trinidad e de outras ilhas do Caribe estabeleceram -se
para servirem como mercenários ou para trabalharem na construção de estradas
de ferro ou nas plantações de banana
24
.
O Panamá conhece um problema similar; mas, contrariamente àquela da
Costa Rica, a sua população negra, composta a um tempo de panamenhos
nativos e imigrados, é muito numerosa, senão majoritária. Os imigrados negros,
oriundos sobretudo de Barbados, da Jamaica, de Trinidad e eventualmente dos
Estados Unidos da América do Norte, foram empregados pelos americanos
para trabalharem na construção e na manutenção do Canal. A United Fruit
Company igualmente importou uma mão de obra negra para o trabalho nas
suas plantações. Estes empregadores americanos introduziram no Panamá as
práticas segregacionistas com as quais estavam habituados, circunstância esta a
agravar sobremaneira a tensão entre os diferentes grupos da população. Existem,
todavia, em meio às duas frações da população negra, militantes do movimento
da Consciência Negra que objetivam contribuir para a elevação do nível de cons-
ciência dos seus no tocante à sua identidade, comum ao conjunto dos negros.
No México, os negros formam uma ínfima minoria,o ultrapassando talvez
sequer 1% da população. Entretanto, o Centro de Estudos Africanos dedica -se a
trazer o conhecimento sobre a cultura africana e o pan -africanismo. Em Cuba,
onde os negros representam de 30 a 40% da população, os afro -cubanos — con-
trariamente aos outros negros hispanófonos — participaram ativamente na vida
política do seu país durante grande parte do século XX. Contudo e conquanto o
negrismo, esta escola poética cubana fundada por Nicolas Guillén, tenha extra-
ído a sua inspiração na tradição africana, o governo prioriza enfatizar a unidade
nacional em detrimento da diversidade cultural. Todavia, a influência africana
não marca em menor grau a sua presença, incisivamente, no âmbito musical,
literário, religioso e no tocante aos estilos de vida; sem dúvida e inclusive, ela
teria aumentado, graças à participação dos afro -cubanos nas operações militares
e no curso de outras atividades conduzidas por Cuba, na Etiópia e em Angola
25
.
Embora a Ásia tenha acolhido relevante número de escravos negros, assim
como alguns comerciantes e outros africanos de condição livre, não existe prati-
24 St. C. DRAKE, 1982; R. B. LAPORTE, 1982; C. MELENDEZ e Q. DUNCAN, 1981.
25 R. F. THOMPSON, 1983, consagrou um excelente estudo sobre a inuência da África na arte e losoa
em Cuba, no Haiti e noutros países da América, inclusive nos Estados Unidos da América do Norte.
869
A África e a diáspora negra
camente nenhum estudo sobre estes movimentos populacionais e acerca das suas
consequências nos dias atuais, não havendo sério exame em respeito à presença
africana na vasta extensão desta parte do planeta, nos horizontes compreendidos
entre a Turquia e as Ilhas do Oceano Pacífico.
Alguns indianos de origem africana continuam a praticar as cerimônias tra-
dicionais próprias aos seus ancestrais, cantam e dançam até os dias atuais ao som
de músicas africanas, alguns inclusive falam o kiswahili. Estes siddi ou habshi
demonstram assim não terem esquecido as suas origens africanas. Em 1973,
uma delegação de afro -indianos visitou o Quênia, Uganda e a Tanzânia, com
vistas a conhecer os problemas do continente africano e analisar os aspectos e
as áreas para uma possível colaboração
26
. Esta missão permitiu aos africanos do
continente, e este não foi o menor dos resultados, melhor conhecerem os afro-
-asiáticos e talvez teria ela inclusive suscitado um novo interesse no concernente
à presença africana fora da África.
O número de africanos estabelecidos na Europa aumentou em muito. Em
1983, havia na França 1.572.164 norte -africanos (866.595 argelinos, 492.669
marroquinos e 212.909 tunisianos). A sua presença permanece uma fonte de
tensão, não somente na França, mas igualmente no âmbito das relações franco-
-magrebinas. Uma crescente proporção destes norte -africanos obtém a nacio-
nalidade do seu país de destino, malgrado a oposição de certos elementos da
sociedade francesa; os governos dos países da África do Norte, favoráveis ao
retorno dos emigrados, igualmente opõem -se a estas naturalizações. Enquanto
durar este processo de naturalização, as relações entre a França e os seus vizinhos
continuarão provavelmente difíceis; entretanto, no longo prazo, os franceses de
origem magrebina poderiam formar um elo de união e contribuírem para o
desenvolvimento de harmoniosas relações entre as duas regiões
27
. O número de
negros aumentou da mesma forma na Grã -Bretanha; oriundos principalmente
das Antilhas, da América continental e da África, eles mantém múltiplas rela-
ções com a população britânica. O festival anual da comunidade antilhana de
Londres conquistou, em definitivo, o seu espaço no calendário das manifestações
culturais londrinas; através das suas sicas, danças, artes plásticas e da culinária,
os negros exercem uma crescente influência sobre a cultura britânica.
O nosso conhecimento a respeito dos africanos da diáspora compreende
todavia graves lacunas mas, não se pode questionar a importância da sua história,
26 J. E. HARRIS, 1971; East African Standard, 14 de julho de 1982.
27 Conferir, a este respeito: La nouvelle génération de I’immigration maghrébine, ensaio de análise socio-
lógica, 1982; Esprit, 1985; Les Temps modernes, 1985.
870
África desde 1935
de fortes repercussões nas diversas partes do mundo. Eles trouxeram através do
seu trabalho uma inestimável contribuição para o desenvolvimento agrícola,
industrial e técnico em todas as regiões onde se instalaram. As religiões da
diáspora, especialmente no Brasil e em Cuba, muito amiúde conservaram tra-
ços africanos, embora os seus fiéis e os símbolos, por eles utilizados, não sejam
todos africanos. As línguas africanas da diáspora influenciaram numerosas lín-
guas estrangeiras, latinas, entre outras, e continuam a ser faladas na Europa, na
América e na Índia. A arte negra inspirou Picasso e outros artistas e os ritmos
sincopados da música e das danças africanas ressoam, mundo afora, até os dias
atuais.
Cientistas originários da diáspora africana − como George Washington Car-
ver, agronomia, Charles Drew, hematologia, Hildrus Poindexter, medicina tro-
pical, e muitos outros − colocaram a sua genialidade ao serviço da humanidade.
Sociólogos e antropólogos, oriundos desta mesma diáspora, lançaram luz sobre
formas particularmente complexas de organização social. Enfim, prosseguindo
uma tradição secular de resistência à opressão, na África e alhures, alguns africa-
nos desempenharam um reconhecido papel, na vanguarda do movimento pelos
 . O carnaval de Notting Hill, festival das comunidades antilhanas organizado anualmente nas
ruas de Londres. (Foto: Topham, Londres.)
871
A África e a diáspora negra
direitos humanos, entre os quais, Ralph Bunche, Albert Luthuli, Martin Luther
King ou o arcebispo Desmond Tutu, todos laureados do prêmio Nobel da Paz.
O desao
Numerosos africanos do continente − chefes de Estado, funcionários, diplo-
matas, universitários ou homens de negócio − mantém estreitas relações com os
afro -americanos; entretanto, a estrutura das relações destas relações geralmente
interdita -lhes um desdobramento em bases concretas. Independentemente da
dimensão pessoal destas relações, as divergências ideológicas, a distância geo-
gráfica, a dificuldade das comunicações, as diferentes prioridades nacionais e
os obstáculos econômicos, impediram a criação das estruturas internacionais
necessárias a uma colaboração com os negros.
Os chefes de Estado e de governo africanos devem, em suplemento, con-
siderar eventuais efeitos negativos que a sua participação em uma rede inter-
nacional dos negros poderia provocar na esfera das suas relações diplomáticas
e econômicas com as grandes potências. Eles não possuem uma concepção do
pan -africanismo tão exigente quanto aquela de Kwame Nkrumah e, alguns
poucos, demonstram audácia equivalente àquela do presidente da Tanzânia,
Julius Nyerere, quem fez questão, no ano de 1977, durante uma viagem oficial
aos Estados Unidos, de proferir o seu principal discurso no campus da Uni-
versidade Howard, onde numerosos africanos puderam escutá -lo e falar -lhe.
Pouquíssimos governos africanos ousariam, à imagem do governo da Nigéria,
declarar considerarem -se os protetores e porta -vozes dos africanos espalhados
pelo mundo. Quanto à OUA, embora tenha em um mesmo comunicado, feli-
citado os Estados Unidos da América do Norte pelas suas vitórias no espaço,
em 1962, e denunciado a discriminação racial sofrida pelos afro -americanos em
seu país, e conquanto tenha declarado a sua confiança, reiterada vezes, junto ao
diretor da TransAfrica, Randall Robinson, esta organização não se preocupou
o suficiente com a promoção de redes internacionais em prol das populações
africanas.
A maioria dos Estados africanos não existe, é notório, senão desde aproxi-
madamente uma geração, eles deveram enfrentar uma infinidade de problemas
em uma época durante a qual a vida e a morte, o sucesso e o fracasso, exigiam
decisões a serem tomadas com urgência. Por outro lado, os dirigentes africanos,
em sua maioria, haviam realizado os seus estudos em ambiente colonial, rece-
beram as rédeas do poder das mãos dos antigos colonizadores os quais, embora
872
África desde 1935
pródigos em conselhos, buscavam proteger -se contra qualquer veleidade de afir-
mação racial ou preservarem -se frente a possíveis sanções contra os responsáveis
pela exploração à qual os povos africanos foram submetidos. Com a chegada
de uma nova geração de dirigentes, na África e na diáspora, com uma melhor
apreciação acerca do patrimônio comum aos africanos, bem como sobre a sua
situação social e histórica, certa e indubitavelmente, novas tentativas surgirão
no sentido da criação de laços estruturais duráveis entre a África e a diáspora.
Assim sendo, o século XXI verá não somente a constituição de uma potente
economia africana tirar proveito do conhecimento e da competência reunidos na
diáspora, mas igualmente verá o conjunto das comunidades de origem africana
reconhecer -se na esfera de influência pan -africana.
C A P Í T U L O 2 4
873
O Pan -africanismo e a Integração Regional
Os primórdios do pan -africanismo, definido como um “movimento político
e cultural que considera a África, os africanos e os descendentes de africanos de
além -fronteiras como um único conjunto, e cujo objetivo consiste em regene-
rar e unificar a África, assim como incentivar um sentimento de solidariedade
entre as populações do mundo africano
1
”, foram evocados no volume VII desta
obra, outros elementos foram igualmente examinados no capítulo 23 do pre-
sente volume. Dois aspectos característicos deste movimento após 1935, todavia,
não foram abordados, o pan -africanismo como força de integração e o pan-
-africanismo como um movimento de libertação. O primeiro aspecto constitui
o tema do presente capítulo, o segundo será tratado no capítulo seguinte. Na
qualidade de força de integração visando a unidade ou a cooperação política,
cultural e econômica na África, o pan -africanismo conhece três fases distintas:
a fase colonial, de 1935 a 1957; a fase da independência, como movimento de
libertação; e uma terceira fase iniciada nos anos 1970, no curso da qual, o pan-
-africanismo como força de integração foi sobremaneira reforçado pelas espeta-
culares mudanças ocorridas na economia mundial e pelas pesadas repercussões
destas mudanças nas economias africanas.
1 P. O. ESEDEBE, 1980, p. 14.
O Pan -africanismo e a Integração
Regional
S. K. B. Asante, em colaboração com David Chanaiwa
874
África desde 1935
O pan -africanismo, como movimento de integração, conheceu um belo
impulso nos anos 1920, em testemunho, notemos as atividades do Congresso
of British West Africa, as quais conduziram, especialmente, à formação da Bri-
tish West African University, da West African Press Union e da British West
African Cooperative Association, assim como àquela de associações estudantis
tal qual a West African Students Union (WASU). Ele perdeu o seu poder
de atração ao longo dos anos 1930 e 1940, décadas características do apogeu
colonial na África. Nos anos 1940, Kwame Nkrumah e George Padmore, em
Londres e o senegalês Alioune Diop conferiram -lhe certo vigor. A partir de
1942, ele defendia que todas as colônias da África Ocidental deveriam antes
unir -se e formar uma entidade nacional, totalmente livre do jugo estrangeiro,
previamente a ser -lhes possível implantar, de fato e em larga escala, uma coo-
peração internacional
2
”. Foi justamente o ano 1947 que marcou o nascimento
da Presénce africaine, movimento cultural que retomava as grandes ideias dos
apóstolos do pan -africanismo e do Primeiro Congresso Pan -africano. Os inte-
lectuais negros e europeus reunidos, em torno de Alioune Diop, estiveram na
origem de obras fundamentais, tal como Nations nègres et cultures de Cheikh
Anta Diop. Para os militantes da Presénce africanine, tratava -se de provar que o
florescimento da cultura negra era inconcebível em um contexto de independên-
cia política e, que os negros deveriam se unir e se mostrar solidários na luta. Eles
deveriam, portanto, distinguir -se do outro, o colonizador, afirmando -se como
negros. Convidado a prefaciar La philosophie bantoue do padre Tempels, Alioune
Diop compreendeu -o na qualidade de “leitura obrigatória para os negros, com
vistas a sensibilizá -los mais fortemente e ajudá -los a decifrar as suas relações
com a Europa”.
Pan -africanismo e integração continental
A despeito dos esforços integracionistas empreendidos no transcorrer dos
anos 1930 e 1940, não houve resultado algum antes de 1957. Justamente nesta
data, com a conquista da independência de Gana, sob a enérgica conduta de
Nkrumah, somente então o pan -africanismo, como movimento de integração,
realmente definiu os seus objetivos e encontrou a sua dinâmica. À época, tratava-
-se de alcançar a integração política, cultural e econômica, em níveis regional,
2 K. NKRUMAH, 1962, p. 33.
875
O Pan -africanismo e a Integração Regional
continental e extra -regional (em outras palavras, África e Comunidade Econô-
mica Europeia).
Na ocasião, era certamente Nkrumah quem mostrava o caminho. A sua
primeira iniciativa foi constituir a união Gana -Guiné (1958) e a união Gana-
-Guiné -Mali, primeira etapa rumo à “União dos Estados Africanos”. A segunda
foi organizar a Conferência dos Estados Independentes, sediada em Accra,
em abril de 1958, não mais que um ano após a independência de Gana. A ela
participaram todos os Estados independentes da África de então, a saber, Egito,
Etiópia, Gana, Libéria, Líbia, Marrocos, Sudão e a Tunísia. Ela foi sucedida pela
Conferência dos Povos Africanos, igualmente organizada em Accra, no ano de
1958 o capítulo seguinte retornará a esta reunião de histórica importância.
Sobrevieram, posteriormente, a cúpula Guiné -Libéria realizada em Sanniquelli,
em julho de 1959, a segunda Conferência dos Estados Africanos Independentes,
na capital Monróvia, em agosto de 1959 e a terceira dentre elas, ocorrida em
Addis -Abeba, no ano de 1960. Todas estas conferências proclamavam, entre
outras, a constituição de um vasto mercado comum em escala continental. A
primeira conferência de 1948, por exemplo, clamava pela eliminação das barrei-
ras aduaneiras e de outros entraves ao comércio dos Estados africanos entre si,
assim como pela conclusão de acordos de pagamento multilaterais com o intuito
de desenvolver as trocas econômicas e lutar pela criação de um mercado comum.
Foi justamente para reforçar este aspecto econômico, que foi criada, em 1958, a
Comissão Econômica para a África da ONU (CEA) – as suas atividades, desde
então, foram examinadas no capítulo 14, em detalhes.
Todas estas conferências recomendavam, de modo igualmente incisivo, a
integração política ou a unidade política da África. Nkrumah era o campeão
neste aspecto, defendendo com ardor e paixão indomáveis a unidade africana
e a criação de um mercado comum pan -africano. Aos seus olhos, unidade e
mercado comum constituíam um pré -requisito indispensável ao rápido e total
desenvolvimento, não somente do continente em sua totalidade, mas igualmente
dos Estados independentes associados no seio da união. Conquanto defendesse
a alta política”, representada pela união política do continente, ele expressava
reservas em respeito ao regionalismo. Ele desconfiava das federações regionais,
temia que as concessões ao regionalismo não favorecessem um determinado
jogo de forças ou impedissem aos imperialistas e aos neocolonialistas pescar
em águas turbulentas
3
”. Em razão do seu acoplamento com o movimento de
3 K. NKRUMAH, 1963, p. 215.
876
África desde 1935
unificação política, o projeto de um mercado comum continental não atraiu
sequer o mínimo interesse dos dirigentes africanos opostos à união política. Pois,
embora outros governos africanos subscrevessem a análise de Nkrumah, eles não
estavam necessariamente dispostos a aceitarem uma solução política ambiciosa.
O neocolonialismo não era, por eles, considerado uma tamanha ameaça, a ponto
de justificar medidas tão draconianas quanto a transferência da soberania a uma
autoridade política central. A conferência de Addis -Abeba, de 1960, revestiu-
-se de grande importância em razão de evidenciar as divisões e os desacordos
existes entre Estados africanos no tocante às vias para a unidade do continente.
A conquista da independência por elevado número de Estados africanos,
entre 1960 e 1964 o número de Estados independentes passou de 9 para 26,
em 1960, dentre os quais todas as ex -colônias francesas, acrescidas em número
pela Nigéria, pelo Zaire e pela Somália, atingindo 33 países em 1964 –, preju-
dicou consideravelmente a ação integradora do pan -africanismo. Os dirigentes
africanos dividiram -se horizontalmente em dois blocos, um deles pró -ocidental
e o outro pró -socialista, bem como verticalmente, em revolucionários, progres-
sistas, reacionários, capitalistas, socialistas, tradicionalistas e moderados. Ade-
mais, como veremos no próximo capítulo, o objetivo prioritário das conferências
pan -africanas dos anos 1960 era intensificar a luta política, com vistas a permitir
aos países ainda submetidos à tutela colonial conquistarem a sua independência.
Eis a razão pela qual o desenvolvimento econômico, a despeito da sua crucial
importância, não ter sido considerado um objetivo maior. Em suplemento, os
dirigentes dos novos países independentes consagravam toda a sua atenção aos
imediatos problemas territoriais impostos pela unificação de grupos étnicos
e regionais; ao fortalecimento do seu próprio partido e do seu poder sobre as
massas e sobre os chefes oposicionistas; à luta contra a pobreza, a doença e a
ignorância; à segurança do país no contexto da Guerra Fria; e à ameaça de golpes
de Estado. Em razão destas prioridades, tensões e conflitos internos, era difícil
para alguns chefes de Estado independentes engajarem -se em uma política
pan -africanista além das suas próprias fronteiras ou, em seu território nacional,
aplicarem resoluções pan -africanistas.
Os dirigentes africanos começaram, portanto, a situarem -se em campos
opostos, particularmente em respeito à questão do futuro da dimensão inte-
gracionista do movimento pan -africano. Em 1961, Gana, Guiné, Egito, Mali,
Marrocos, Líbia e o governo argelino no exílio constituíram o Grupo de Casa-
blanca, ao passo que outras antigas colônias francesas, acompanhadas da Nigéria,
da Etiópia, da Libéria e de Serra Leoa, formavam o Grupo de Monróvia. De
modo geral, o Grupo de Casablanca era favorável a uma forte união política,
877
O Pan -africanismo e a Integração Regional
inspirando -se nos Estados Unidos da África, conclamados por Nkrumah. Ele
reunia aqueles dirigentes africanos militantes do pan -africanismo, do socia-
lismo e do não alinhamento, preconizando uma planificação e um centralizado
desenvolvimento econômico, um sistema de defesa e de segurança em esfera
continental, além de defender a restabelecimento da honra da cultura africana.
O Grupo de Monróvia, por sua vez, era favorável a uma confederação male-
ável” de Estados africanos, soberanos e independentes, que favorecesse uma
participação e uma cooperação voluntárias no âmbito dos intercâmbios culturais
e da interação econômica. Os seus membros eram particularmente inflexíveis
no tocante ao respeito pela soberania e à integridade territorial de cada Estado,
desconfiando das ambições de certos Estados do Grupo de Casablanca e ante-
vendo uma possível ingerência em seus assuntos internos.
Todavia, como veremos no capítulo seguinte, os dois grupos permaneceram
fiéis ao seu engajamento histórico em favor da total libertação das derradeiras
colônias e em prol do não alinhamento. Graças aos incessantes esforços do
Grupo de Casablanca, especialmente empreendidos por Nkrumah, mas também
por Sékou Touré e Modibo Keïta, bem como graças ao apoio do imperador da
Etiópia, Haïlé Sélassié, uma conferência de cúpula dos Estados africanos inde-
pendentes foi organizada em Addis -Abeba, no ano de 1963, para colocar um
ponto final às dissensões, unir os dirigentes e criar uma estrutura pan -africana
comum. Após múltiplas propostas e contrapropostas, bom número de reuniões
de comissões e intensa negociação bilateral, trinta dirigentes africanos, chefes
de Estado ou de governo em países independentes, assinaram, em 25 de maio
de 1963, a Carta Manifesto pela Unidade Africana, criando a Organização pela
Unidade Africana (OUA).
Encontraremos no capítulo seguinte precisões em respeito à OUA, aos seus
objetivos, estrutura e atividades, desde a sua criação. Aqui basta notar que, se a
constituição desta organização respondia, ainda que parcialmente, às aspirações
integracionistas do pan -africanismo, ela encontrava -se distante de alcançar a
satisfação dos velhos radicais pan -africanistas, dentre os quais, Nkrumah era o
chefe de pelotão. Até a sua queda em 1966, Nkrumah quase nunca, ao longo
das reuniões da OUA, deixou de arguir, obstinada e apaixonadamente, em favor
da transformação da Organização em um governo de união continental ou,
verdadeiros Estados Unidos da África; conquanto longos, circunstanciados e
emocionantes fossem os seus discursos, ele não logrou êxito.
Em razão da criação da OUA e da sua ação concentrada em referência à
dimensão libertadora do pan -africanismo, examinada a seguir, assim como da
grande atenção dedicada pelos numerosos Estados independentes à sua evolução
878
África desde 1935
interna e ao fortalecimento dos seus laços com as antigas potencias coloniais,
em suplemento e, sobretudo, em função da derrubada de Nkrumah, o pan-
-africanismo, na qualidade de vetor de integração, perdeu o seu ímpeto durante a
segunda metade dos anos 1960, geralmente, em proveito de movimentos favorá-
veis a constituição de agrupamentos regionais e interestatais. Segundo Adebayo
Adedeji, secretário -executivo da CEA, existiam em 1977 mais de vinte organi-
zações intergovernamentais de cooperação econômica multissetorial na África,
bem como uma centena de organizações multinacionais unissetoriais engajadas
em promoverem no continente a cooperação técnica e econômica
4
. Muitas den-
tre elas foram criadas nos anos 1960, época apogística da integração africana.
Entretanto, este decênio igualmente representou o declínio de muitos agrupa-
mentos regionais. No início dos anos 1970, quiçá anteriormente, os esforços
pela integração dos países africanos estavam manifestadamente comprometidos.
Por exemplo, as duas iniciativas dos países francófonos da África Ocidental
que se haviam traduzido pela implantação sucessiva da União Aduaneira da
África do Oeste (UDAO), em julho de 1959, e da União Aduaneira e Econô-
mica dos Estados da África do Oeste (UDEAO), em junho de 1966, em suma,
constituíram dois fracassos. A Comunidade Econômica da África do Oeste
(CEAO), constituída em 1973, apresenta -se como a mais recente tentativa
de integração regional dos Estados desta região, oriundos em sua maioria da
antiga Federação da África Ocidental Francesa (AOF). A União Aduaneira
e Econômica da África Central (UDEAC), instaurada em janeiro de 1966,
em nada obteve maior êxito; as restrições decorrentes da abertura dos mer-
cados e o desrespeito às regulamentações que ela estabelecera usurparam da
União o essencial da sua força, na qualidade de sistema de integração. Destarte,
o Conselho da Entente, fundado no ano 1959, por iniciativa do presidente
marfinense Houphouët -Boigny, parece perder a sua importância, levando as
atenções a se voltarem progressivamente para um agrupamento dinâmico, mais
amplo, a CEAO. À efêmera Organização dos Estados Ribeirinhos do Senegal
(OERS, 1968 -1971), sucedeu, em 1972, a Organização para a Valorização do
Rio Senegal (OMVS), a qual, todavia não viria a criar um mecanismo viável de
cooperação. Igualmente, os acordos de cooperação estabelecidos, entre os novos
membros do Comitê Consultivo Permanente do Magreb, nascido em novembro
de 1965, não seriam jamais ratificados.
4 A. ADEDEJI, 1977, p. 10.
879
O Pan -africanismo e a Integração Regional
 . Os quatro chefes de Estado do Conselho da Entente após uma reunião no palácio do Eli-
seu, Paris, em abril de 1961. Da esquerda para a direita: o presidente de Daomé (atual Benin) H. Maga, o
presidente da Costa do Marm F. Houphouët Boigny, o presidente da Nigéria H. Diori e o presidente de
Alto -Volta (atual Burkina Faso) M. Yameogo. (Foto: AFP Photos, Paris.)
Em contrapartida, nenhum entendimento econômico regional foi realizado
ao longo dos primeiros anos subsequentes à independência nos países africanos
anglófonos, excetuando a África Oriental que conquistou a independência como
comunidade econômica. Se os países francófonos da África do Oeste, ao seu
turno, sempre se esforçaram para preservar as instituições comunitárias criadas
antes da independência e mesmo a proliferarem -nas, os países anglófonos, por
sua vez, decidiram, essencialmente sob a pressão de Gana, dissolver as poucas
instituições comunitárias implantadas pelos britânicos o Ofício Monetário
da África Ocidental para o Cacau e a West African Airways Corporation −,
acelerando, por conseguinte, o processo de “balcanização nesta região.
A Comunidade da África Oriental, considerada à época como a mais bem
concebida estrutura de cooperação regional do Terceiro Mundo, trouxe consigo
880
África desde 1935
preocupantes e diferentes problemas; ela conheceu, no transcorrer dos anos
1960, tensões de tamanha agudez que, ao final do decênio, a integração econô-
mica havia recuado. Para medir o grau concretude da integração dos países da
África Oriental, basta observar que, no momento da independência, o comér-
cio exterior, as políticas fiscais e monetárias, as infraestruturas de transporte e
comunicações, assim como o ensino superior, estavam organizados em vel
regional. Posteriormente, estes laços e estes organismos foram sistematicamente
desmantelados e toda a esperança esmoreceu quando o Quênia, Uganda e a
Tanzânia evoluíram em direção a uma estrutura totalmente federada, dotada de
um governo único. Em julho de 1977, a Comunidade da África Oriental, este
modelo de cooperação regional na África, havia integralmente desmoronado.
É verossímil que os diferentes projetos de integração econômica, lançados
em meio ao otimismo no decorrer dos anos 1960, tenham estado todos mori-
bundos ao final da década. Assim sendo, a despeito dos discursos a exaltarem a
solidariedade pan -africana e malgrado o número de estruturas decisórias esta-
belecidas, este período representou, paradoxalmente, o declínio da integração
regional africana. As múltiplas expressões de lealdade aos princípios do pan-
-africanismo em nada se desdobraram no tocante à constituição de bases sólidas
para eventuais acordos regionais. Como explicar esta lentidão e esta hesitação?
Seria em razão dos países africanos não perceberem as vantagens da integração
econômica regional e da autonomia coletiva? Ou alguma força subjacente teria
surgido, para solapar as próprias bases da cooperação?
No curso dos primeiros anos pós -independência, os problemas e obstáculos
associados à integração na África eram múltiplos e constituíam certamente uma
ameaça. Eles se aferravam a fatores históricos, a um só tempo internos e exter-
nos, dentre os quais figuravam, vivamente, o desenvolvimento da consciência
nacional e o seu impacto sobre a integração regional. O colonialismo deixara
atrás de si um mosaico de Estados soberanos que não eram, eles próprios, senão
entidades artificiais. Não se podia, de forma alguma, falar de nações; estes Esta-
dos não representavam todavia senão um quadro territorial no qual os movi-
mentos independentistas haviam semeado os germes da identidade nacional.
A principal tarefa dos novos governos era trazer o adubo que faria crescer a
semente. Temerosos em favorecerem a integração nacional, os novos dirigentes
foram obrigados a aterem -se ao quadro estritamente nacional e privilegiarem
o desenvolvimento político, econômico e social do seu próprio povo. A sua
primeira preocupação consistiu em edificar Estados nacionais viáveis, fundados
sobre as suas tradições e os seus próprios costumes, assim como, em promessas
que haviam sido feitas às massas populares. De modo inversamente proporcio-
881
O Pan -africanismo e a Integração Regional
 . Da esquerda para a direita: o presidente tanzaniano J. Nyerere, o presidente ugandês A. M.
Obote e o presidente queniano J. Kenyatta, por ocasião da assinatura do Tratado de Cooperação na África
do Leste, em Kampala, no mês de junho de 1967. (Foto: Topham, Londres.)
nal à prioridade acordada à consolidação nacional, a cooperação com os outros
países africanos não podia senão ser relegada ao segundo plano. Uma autêntica
cooperação exigia necessariamente engajamentos no longo prazo, demonstrou-
-se pouca rapidez, o que era compreensível, em tomar decisões que restringissem
a soberania nacional em alguns setores -chave, especialmente aquele relativo à
formulação de projetos de desenvolvimento. Se esta reticência não impedia as
iniciativas comuns com vistas a certas formas de integração regional, ela revelava
a existência de limites muito concretos, além dos quais, os Estados africanos
não estavam dispostos a renunciar a sua soberania e tampouco compartilhá -la.
Em lugar algum na África demonstrou -se disposição a sacrificar os inte-
resses nacionais no altar da integração regional. Os Estados africanos não se
colocavam de acordo para liberalizar as trocas ou repartir as indústrias senão
à condição de não se estabelecer um conflito entre os objetivos da integração
regional e os imperativos nacionais, quer se tratasse de segurança, de prestígio
ou de vantagens econômicas. Esta tendência foi acentuada, especialmente pelos
diversos agrupamentos econômicos existentes na África antes da Convenção de
Lomé: o sistema de Yaoundé, reunindo dezoito países de língua francesa asso-
882
África desde 1935
ciados à Comunidade Econômica Europeia (CEE); o acordo comercial especial
assinado em janeiro de 1966 (todavia jamais aplicado) entre a CEE e países não
associados ou associados ao Commonwealth, a exemplo da Nigéria; e o acordo
de Arusha, de setembro de 1969, que unia três Estados da África Oriental o
Quênia, Uganda e a Tanzânia.
Segundo um ponto de vista político -econômico, pode -se igualmente estimar
que diversos fatores, em primeiro lugar a heterogeneidade econômica e política
do continente, complicaram o funcionamento de sistemas de cooperação econô-
mica
5
. Com efeito, as clivagens políticas, econômicas e ideológicas ameaçaram
até os sistemas de cooperação econômica existentes e inclusive, viáveis, como
a Comunidade da África Oriental, extinta nos dias atuais. A estes obstáculos e
problemas cruciais acrescentavam -se o que Timothy Shaw denominou os pro-
blemas insolúveis da politização das organizações”, os quais se desdobraram em
“tensões no seio das instituições e em seu desabar
6
”. A Comunidade da África
Oriental apresenta -se como um exemplo clássico, mas notemos igualmente que
na África francófona as organizações estavam sujeitas a mudanças frequentes de
rumo, fenômeno em parte devido às disparidades regionais.
Em razão destas insuperáveis dificuldades, a criação de agrupamentos regio-
nais na África, no transcorrer dos dez anos posteriores ao retorno da indepen-
dência, geralmente resumiu -se à simples declaração de intenções ou à expressão
de um alinhamento em escala continental. Nem o entusiasmo manifesto por
Nkrumah pelo nobre ideal pan -africano de unidade política e de integração
econômica do continente, tampouco o progressivo regionalismo que deveria
a termo conduzir ao pan -africanismo e para o qual pendia Julius Nyerere, não
ultrapassaram o estádio do debate teórico. A ironia impõe que, em que pesem
os resultados decepcionantes, a integração, como solução para os problemas
conhecidos pela África, suscita um crescente entusiasmo há alguns anos. Como
indicado a seguir, este fenômeno explica -se pela crise de desenvolvimento que
atravessa a África e, especialmente, pela prevalente e excessiva dependência
do continente, em relão à economia internacional dominada pelos países
ocidentais, agravar ainda mais esta trágica situação. Se, durante os anos 1960,
o pan -africanismo, como movimento de libertação, teve como efeito distender
os laços políticos que uniam a África à Europa, assistiu -se simultaneamente ao
fortalecimento da sua dependência econômica e cultural vis -vis desta mesma
Europa e do mundo desenvolvido em geral. Assim sendo, o neocolonialismo e
5 T. M. SHAW, 1975b.
6 T. M. SHAW, 1975b.
883
O Pan -africanismo e a Integração Regional
a dependência econômica aumentavam na justa proporção que o colonialismo
econômico declinava. Uma breve descrição da comumente chamada “crise do
continente africano permitirá compreender a retomada de popularidade da qual
se beneficia o pan -africanismo como busca de integração.
Pan -africanismo, regionalismo e
desenvolvimento econômico
Desde os anos 1970, o pan -africanismo como força de integração em nível
regional provocou, efetivamente, uma renovação do entusiasmo. Qual seria a
natureza deste novo interesse e como se explicaria? Estas duas questões foram
abordadas no capítulo 14 e nós focaremos aqui os aspectos integracionistas
desta evolução. A principal razão, como sublinhado por A. Adedeji no capítulo
14, deve ser buscada nos decepcionantes resultados econômicos da África no
curso dos vinte e cinco últimos anos. A despeito dos esforços empreendidos para
estimular o crescimento industrial, encorajar a produção agrícola e lançar novos
programas de desenvolvimento, com vistas a por em marcha mudanças mais
radicais no cerne das estruturas econômicas herdadas do colonialismo, o fato
peremptório consiste na permanência da transformação do continente, projetada
como concomitante à independência política, na esfera das esperanças. Nume-
rosos países africanos não computaram qualquer sensível progresso econômico
após 1960. A África conta com 16 dos 25 países classificados pela Organização
das Nações Unidas, em 1971, na categoria dos países menos avançados”, e
dentre os 32 países, identificados pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
na sua sexta sessão extraordinária de 1974, como os mais gravemente afetados”
pela “atual crise econômica”, 20 encontram -se na África.
No início dos anos 1960, os dirigentes africanos esperavam que os intercâm-
bios comerciais com os países industrializados, conjugados com ajuda destes
países, fornecessem os recursos necessários para permitir o desenvolvimento
autônomo e contínuo ao qual eles aspiravam, mas estas esperanças não se con-
cretizaram. Os anos 1960 compuseram, portanto, o tempo da desilusão. Nem o
comércio, nem as políticas de apoio seguidas pelos países industrializados, pude-
ram acelerar o desenvolvimento econômico. Ao término do primeiro Decênio
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (1960 -1970), a taxa de crescimento
da África era a mais fraca do mundo em vias de desenvolvimento: 2% contra
4,1% para o sul da Ásia; 5,6% para o leste asiático; 4,5% para a América Latina
e 7,2% para o Oriente -Médio. As primeiras indicações disponíveis em relação
884
África desde 1935
ao segundo Decênio das Nações Unidas para o Desenvolvimento (1970 -1980)
não permitem entrever progressos. Assim sendo, a despeito dos seus conside-
ráveis recursos naturais, a África não logrou atingir uma taxa de crescimento
suficiente, nem tampouco um nível de vida satisfatório ao longo dos últimos
vinte e cinco anos
7
.
Em que pesem as suas exportações, numerosos países africanos conheceram,
durante os anos 1970, um crescimento econômico letárgico, fracos níveis de
produtividade, uma base industrial limitada e fracionada, uma forte dependência
das exportações, baseada em uma gama perigosamente reduzida de produtos
básicos, fracos índices no tocante à expectativa de vida e um ficit crescente
em seu saldo de operações correntes. A sua renda real por habitante diminuiu,
de modo inversamente proporcional às taxas de inflação, as quais foram mul-
tiplicadas por dois, com níveis equivalentes a mais de 20% ao ano, de 1977 a
1979. O ficit global na balança de operações correntes passou de 4 bilhões de
dólares em 1974, para cerca de 10 bilhões em 1978 -1979
8
. Ainda mais grave,
de 1970 a 1979, a dívida externa dos países da África subsaariana passou de 6
para 32 bilhões de dólares, enquanto a porcentagem das receitas de exportação
consagrada ao pagamento do serviço da dívida (para todos os países impor-
tadores de petróleo) passava de 6 para 12%
9
. Pode -se assim dizer, retomando
a expressão de T. M. Shaw, que se a herança do colonialismo não suscitava
nenhum engajamento”, em 1960, ela se apresentaria ainda menos promissora
em 1980. Entretanto e mais preocupante, a África é um terreno fértil para o
que se convencionou chamar, desde então, neocolonialismo e dependência, os
quais contribuíram, em larga medida, para mergulhar o continente em uma
difícil situação. Ao final dos anos 1970, a África estava mais dependente dos
países ocidentais, comparativamente a tempos passados. A maioria dos países
africanos se haviam tornado ainda mais fortemente dependentes dos interesses,
dos investimentos, da tecnologia e das capacidades estrangeiras, das teorias de
desenvolvimento e de crescimento econômico elaboradas além de suas fronteiras
e, sobretudo, da exportação de matérias -primas e de produtos agrícolas para os
ricos países ocidentais.
No contexto econômico mundial, a África sempre se encontrou em uma
situação de subordinação, caracterizada pela assimetria e pela desigualdade das
suas relações econômicas com os países industrializados ocidentais. Mesmo se
7 OUA, 1981, parágrafo 10.
8 J. B. ZULU e S. M. NSOULI, 1984, p. 5.
9 Banco mundial, 1981, p. 3.
885
O Pan -africanismo e a Integração Regional
considerarmos que a teoria da dependência não solucione, senão insuficiente-
mente, a questão dos sistemas e das relações econômicas africanas, é inegável que
o continente encontra -se em situação desfavorável na esfera econômica interna-
cional. Esta preocupante situação foi agravada pelos efeitos da crise planetária
marcada pelo fim do sistema de Bretton Woods, pelos choques petrolíferos
provocados pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), pela
crise energética e pela estagnação advinda a partir de meados dos anos 1970,
elementos que evidenciaram, pela primeira vez, a extrema vulnerabilidade da
quase totalidade dos países africanos diante das forças externas. Frente a esta
implacável realidade, os dirigentes africanos foram obrigados a adaptarem as
suas opções às exigências da situação e a interrogarem -se sobre o melhor meio
com vistas a alcançarem o desenvolvimento econômico.
À catástrofe e à ruína eminentes, respostas inovadoras impunham -se pois não
era possível colocar um ponto final à degradação da economia e inverter este
processo senão pela adoção de novas orientações. A esperança da África residia,
portanto, em uma radical reorientação das estratégias de desenvolvimento nacio-
nal e regional. A vitória da OPEP cristalizou a noção relativa à potência nascida
da ação coletiva e da solidariedade. Uma ação deste tipo parecia indispensável
para resolver os problemas econômicos da África. Os Estados africanos mani-
festavam assim a convicção segundo a qual eles seriam obrigados a favorecer a
cooperação interafricana com o intuito de fortalecer as tentativas empreendidas
em nível nacional para consolidarem a sua independência. Pois, como dito pelo
presidente Nyerere, tão fraco quanto for um país:
“Conjuntamente ou mesmo em grupos, nós somos muito menos fracos. Nós
possuímos os meios para uma ajuda múltipla e recíproca e cada um poderia tirar
proveito deste apoio mútuo. Ademais, em grupo, as relações por nós mantidas
com os países ricos situam -se segundo uma ótica muito diferente pois, se eco-
nomicamente talvez eles não necessitem de nenhum dentre nós, em particular,
por outro lado, eles não podem cortar relações com todos nós
10
.”
Em meados dos anos 1970, a África encontrava -se portanto frente à seguinte
escolha: continuar a aceitar as estruturas de dependência que ela herdara, e
inclusive pela mesma ocasião, concordar com a subordinação do seu próprio
desenvolvimento aos particulares interesses do sistema econômico internacional
ocidental, ou, especialmente através da integração econômica regional, começar
a libertar -se destas estruturas.
10 J. NYERERE, 1970b, p. 12.
886
África desde 1935
Justamente para responder ao problema crucial, posto pelos decepcionantes
resultados da maioria das economias africanas e pelo fracasso do diálogo Norte-
-Sul, o qual não pudera atingir o objetivo de uma nova ordem econômica, que o
Plano de Ação de Lagos foi proposto. A estratégia elaborada neste importante
documento foi orientada com base nos conceitos de independência econômica,
desenvolvimento autossustentável e crescimento econômico. Ela tem como tema
principal a emancipação da África em relação às estratégias estrangeiras, tal
como declaravam os dirigentes africanos:
“Nós consideramos com inquietação a excessiva dependência da economia
do nosso continente [...]. Este fenômeno tornou a economia dos países africa-
nos extremamente sensível perante os acontecimentos externos e prejudicou os
interesses do continente
11
.”
Para enfrentar este fenômeno caracterizado pela excessiva dependência, os
Estados africanos “resolveram adotar uma ampla abordagem regional essen-
cialmente fundada sobre a autonomia coletiva”. O regionalismo, em que reside
a questão exposta em todos os capítulos do Plano ou quase, compõe parte
integrante da sua implantação. Sem integração regional, o Plano de Lagos está
condenado, como conceito e estratégia.
Justamente este contexto formou o pano de fundo para que o pan -africanismo,
na qualidade de projeto de busca da integração, aparecesse nos dias atuais como
um importante meio de redução da dependência dos países africanos e de con-
solidação da sua posição em negociações, contribuindo assim para fortalecer
o potencial de desenvolvimento, no quadro da estratégia mais geral visando
alcançar uma nova ordem econômica mundial. Além das suas tradicionais van-
tagens aumento das trocas comerciais e dos investimentos a integração
econômica regional, na opinião daqueles que a defendem energicamente, seria
um meio de redução da vulnerabilidade do continente frente às forças externas.
Esta evolução é tanto mais urgente quanto as relações de dependência, distante
de se enfraquecerem, parecem, ao contrário, reforçarem -se em razão da explo-
são da dívida externa de numerosos Estados africanos. É possível esperar que a
integração regional possa impor um fim a esta relação de dependência, ajudando
cada Estado -membro a exportar para países vizinhos produtos manufaturados e,
a termo, bens de equipamento. Na origem, existe o desejo dos países africanos
e dos seus dirigentes em determinarem, tanto quanto possível, as suas próprias
políticas econômicas, em função das suas aspirações nacionais, dos seus recursos
11 OUA, 1981, parágrafo 14.
887
O Pan -africanismo e a Integração Regional
naturais e dos seus princípios ideológicos, sem se deixarem influenciar pelos
países desenvolvidos. Os problemas e as perspectivas criadas pela constituição
de agrupamentos regionais merecem, portanto, ser atentamente examinados
sob este prisma.
As novas formas de organização regional
e a questão da dependência
Os últimos anos foram marcados pelo ressurgimento de uma série de proje-
tos de integração regional na África, os quais constituem, perfeitamente, respos-
tas mais ou menos explícitas, à dominação estrangeira herdada da era colonial.
Uma dentre as mais ambiciosas e dinâmicas é a Comunidade Econômica da
África do Oeste (CEDEAO, ECO -WAS em inglês) reunindo dezesseis países
que, da Mauritânia ao nordeste à Nigéria a Sudeste, cobrem uma superfície de
seis milhões de quilômetros quadrados e abrigam 150.000 de habitantes. Cons-
tituída em Lagos, no mês de maio de 1975, a CEDEAO consiste na primeira
tentativa séria de integração e cooperação econômicas na sub -região da África
do Oeste e congrega países cuja língua, a história, as alianças e as instituições
são distintas. Entre estes Estados, cinco empregam como língua oficial o inglês,
oito o francês, dois o português e um o árabe
12
.
Excetuando -se a CEDEAO, as duas mais recentes iniciativas têm como foco
a África Austral. A primeira é a Southern African Development Coordination
Conference (Conferência para a Coordenação do Desenvolvimento na África
Austral, SADCC) cuja consagração oficial ocorreu em abril de 1980, através
da Declaração de Lusaka, tocante à liberação econômica acordada pelos cinco
países da linha de frente − Angola, Botsuana, Moçambique, Tanzânia e Zâmbia
− aos quais se reuniram Lesoto, Malaui, Suazilândia e o Zimbábue. A SADCC,
fora concebida originalmente na qualidade de braço econômico do grupo dos
Estados da linha de frente que, desde 1974, estavam estreitamente associados à
luta de libertação travada na Namíbia, na África do Sul e na Rodésia de então,
luta esta por eles sustentada e à qual eles, em certa medida, participaram direta,
militar, política e diplomaticamente. A Conferência assim reagrupa nove países
cobrindo uma superfície de 5 milhões de quilômetros quadrados e abrangendo
uma população total de 60 milhões de habitantes. A segunda organização a
12 Para um estudo aprofundado da CEDEAO, conferir S. K. B. ASANTE, 1985.
888
África desde 1935
Preferential Trade Area for Eastern and Southern States (Zona de Comércio
Preferencial dos Estados da África Oriental e Austral, PTA)− encorajada em
dezembro de 1981 em Lusaka, por nove dos seus dezoito membros potenciais,
finalmente foi declarada em Harare, no mês de julho de 1984. A despeito do
seu nome e do seu detalhamento, ela não se limita somente às suas relações
comerciais e à sua definição. A sua ação interessa à quase totalidade dos setores
ligados ao desenvolvimento da integração econômica regional. À imagem da
CEDEAO, a PTA foi concebida por Adebayo Adedeji, secretário -executivo da
CEA. Mas, enquanto a PTA é um exemplo de laboriosa evolução desde a sua
base, a SADCC, tanto quanto a CEDEAO, são a expressão de uma vontade
política deliberada, carregando a marca pessoal dos presidentes e primeiros-
-ministros dos Estados a ela afiliados. Tal como os seis membros francófonos da
CEAO, signatários do Tratado da CEDEAO, os Estados membros da SADCC
são todos membros potenciais da PTA. Ademais, como no caso da CEDEAO
e da CEAO, existem, nas origens, estruturas institucionais, fontes de financia-
mento, ideologias e estratégias da SADCC e da PTA, diferenças marcantes,
em que pese a similaridade geral dos seus objetivos e programas, assim como a
convergência crescente dos seus procedimentos.
Outra manifestação do interesse que suscita atualmente a cooperação regio-
nal na África foi a criação, em dezembro de 1981, da Confederação Senegam-
biense que reúne a Gâmbia e o Senegal, com vistas a uma união econômica e
monetária. A Confederação é o desenlace de muitos anos de esforços mantidos
para estabelecer uma mais estreita cooperação econômica entre os dois países.
A última iniciativa em matéria de integração econômica é o tratado, assinado
em 1983, na capital Libreville, concernente à criação da Comunidade Econô-
mica dos Estados da África Central (CEEAC). Esta comunidade, reunindo os
atuais membros da UDEAC e aqueles da Comunidade Econômica dos Países
dos Grandes Lagos, está destinada a desempenhar, na África Central, o papel
exercido pela CEDEAO na África do Oeste.
Estas novas formas de integração regional partilham o mesmo objetivo fun-
damental: reduzir a dependência dos Estados -membros em respeito às forças
externas que tentam influenciar as políticas e orientações econômicas dos países
africanos; coordenar os programas de desenvolvimento nos diferentes setores
e subsetores, com vistas a acelerar o ritmo do crescimento econômico e do
desenvolvimento. A CEDEAO, por exemplo, atribui -se como principal obje-
tivo a expansão da cooperação e do desenvolvimento em praticamente todas as
esferas de atividade econômica, buscando progressivamente reduzir a depen-
dência econômica da Comunidade perante o mundo exterior”, no que consiste
889
O Pan -africanismo e a Integração Regional
o pré -requisito indispensável à realização dos objetivos estruturais básicos do
desenvolvimento. Igualmente, a SADCC nasceu do anseio comum aos seus nove
membros, qual seja, reduzir a sua dependência econômica relativamente à África
do Sul e, a termo, dela livrar -se. Pretória está no centro das suas preocupações,
entretanto, não se trata unicamente dela, das quais eles desejam libertar -se.
Tal como sublinhou o presidente Machel, de Moçambique, em sua alocução
pronunciada quando da inauguração da segunda Conferência da SADCC, em
Maputo, no ano 1980, as sequelas do colonialismo subsistem em nosso país
[...] assim como a mentalidade própria à dependência, o fatalismo
13
”. Em con-
trapartida, a PTA, cujos membros são mais numerosos, não busca diretamente
livrar -se da África do Sul. Ela prefere preconizar uma abordagem positiva do
problema, afirmando que, caso ela consiga estimular as trocas e o desenvolvi-
mento na região, a dependência, atualmente alarmante, em relação à África
do Sul, diminuiria nas mesmas proporções. No contexto de uma nova ordem
econômica internacional, faz -se fundamental conceber nestas novas iniciativas
regionais, a expressão direta do ensejo, mais geral, dos países pobres da África
em ver eliminadas, ou ao menos reduzidas, as desigualdades inerentes ao sistema
econômico internacional existente.
Em quais medidas, efetivamente, estas novas organizações, disporiam elas
dos meios e do poder, suficientes, para enfrentarem os preocupantes problemas
impostos pela cilada representada pela dependência e pelo neocolonialismo?
Noutras palavras, mediante quais circunstâncias, seriam elas capazes de criarem
as condições a permitirem um desenvolvimento autônomo e autossustentável?
Sob o prisma africano, neste contexto, uma evolução deste tipo não pode proce-
der da transformação das estruturas produtivas. A CEDEAO, a SADCC ou a
PAT, poderiam elas contribuir para este tipo de transformação? Não saberíamos
insistir em demasia sobre o fato, mediante o qual, não se pode esperar efetiva
integração regional produzir resultados incontestes, enquanto os parceiros regio-
nais permanecerem integrados ao sistema internacional. Em outros termos, a
autonomia regional é incompatível com a integração mundial e transnacional.
Por quais maneiras estas novas organizações regionais lograram, em alguns
anos de existência, reduzir a dependência? Qual seria o porvir dos sistemas de
integração econômica regional na África?
Nos dias atuais, numerosos teóricos do desenvolvimento admitem que os
processos evolutivos regionais não são nem autóctones e, tampouco, espontâ-
13 A. KGAREBE, 1981, p. 23.
890
África desde 1935
neos, mas, respondem às relações de interdependência e interação, características
da ordem mundial. Pois, se dermos crédito a Philippe Schitter,seria extrema-
mente difícil isolar os debates regionais do seu contexto mundial de dependência
econômica e política, sejam quais tenham sido as intenções primeiras, às quais
eles tenham respondido em sua origem
14
”. A ão das forças externas, ou do
chamado por Schmitter penetração externa”, influi profundamente sobre o
curso de todo processo de estabelecimento da integração. As análises de Steven
Langdon e Lynn Mytelka da UDEAC
15
ou aquela realizada por Peter Robson
para a CEAO
16
fornecem -nos excelentes exemplos do modo pelo qual as empre-
sas transnacionais e outros interesses externos, não somente tiraram proveito da
integração regional africana, em detrimento dos Estados -membros mas, igual-
mente, impediram estes países de utilizarem, o melhor possível, as instituições
de cooperação econômica e modificarem as estruturas produtivas e as estruturas
industriais para desenvolverem as trocas no interior das fronteiras africanas e,
tornarem o continente menos dependente do estrangeiro.
Considerando -se esta situação concreta, pode -se facilmente prever o tipo de
problemas que a penetração externa eventualmente traria às novas formas de
integração regional. Seria necessário, por exemplo, liberar os Estados -membros
da CEDEAO, da SADCC, da PTA ou da CEEAC dos laços de dependência
que os unem às potências estrangeiras, através do exercício do controle mais
estrito sobre os recursos, por intermédio das instituições nacionais e regionais.
Dada a complexidade do problema, a questão colocada é a seguinte: as disposi-
ções dos tratados em respeito à criação destas novas estruturas regionais, seriam
elas suficientes para enfrentar o desafio da dependência?
Os fatos levam a supor que nenhuma dentre as novas instituições regio-
nais disponha dos meios jurídicos suficientes para enfrentar o complexo pro-
blema, qual seja, a redução da dependência. Assim sendo, embora o protocolo
da CEDEAO sobre as regras primordiais contenha dispositivos estabelecidos
para remediar os problemas impostos pelos laços com o exterior, a questão da
participação e dos interesses estrangeiros, em seus termos, não é verdadeira-
mente abordada. Ora, durante ainda muito tempo, os interesses estrangeiros
permanecerão majoritários na maior parte das empresas industriais da África
do Oeste. Notemos, a este propósito, um importante fato: embora o artigo 32
do Tratado da CEDEAO convide expressamente o Conselho dos Ministros
14 P. C. SCHMITTER, 1972, p. 8.
15 S. LANGDON e L. K. MYTELKA, 1979, pp. 179 -180.
16 P. ROBSON, 1983, p. 41.
891
O Pan -africanismo e a Integração Regional
desta organização a tomar medidas eficazes com vistas a reduzir progressiva-
mente a dependência, não existe, no seio da CEDEAO, nenhuma estrutura ou
mecanismo habilitado a iniciar negociações com os atores externos, em nome
da Comunidade
17
. O Tratado da CEDEAO não contém tampouco sequer uma
disposição relativa a um regime comum, aplicável aos investimentos estrangei-
ros, bem como à redução progressiva da participação estrangeira na composição
social do capital; por outro lado, contrariamente ao previsto no âmbito do Mer-
cado Comum Andino, na América do Sul, não existe nenhum órgão encarre-
gado de supervisionar as importações de tecnologias. Assim sendo, o Tratado
da CEDEAO passou, muito amplamente, em silêncio sobre a redefinição das
relações desta organização com o mundo exterior, o que está, entretanto, no
cerne do problema da dependência.
Embora os países membros da SADCC tenham escolhido reduzir a sua
dependência vis -vis da África do Sul, prioritariamente no tocante ao setor
dos transportes e das comunicações, além de terem, com este propósito, criado
a Comissão dos Transportes e das Comunicações da África Austral (SATCC),
a colocação em prática deste louvável projeto está, paradoxalmente, subordinada
à existência de uma ajuda e de investimentos de origem estrangeira. Pode pare-
cer contraditório que uma organização, a qual se atribuiu a tarefa de favorecer
a autonomia e a redução da dependência econômica em respeito a todo país
ou grupo de países, se tenha dedicado com tanta indústria a cultivar relações
vantajosas junto a cordiais parceiros estrangeiros, principalmente ocidentais; a
SADCC foi levada a admitir, finalmente, que as suas prioridades não coinci-
dissem talvez, necessariamente, com aquelas das partes, das quais, ela esperava
obter uma assistência ao desenvolvimento. No passado, esta política teve como
efeito levar a organização a apresentar projetos em função, menos das vantagens
que obteria a região, mas sobretudo, do interesse que eles apresentassem para
os eventuais países doadores. Assim sendo, ansiosos por escaparem do domínio
da África do Sul, os membros da SADCC, aparentemente, estão colocados à
mercê de novos doadores ocidentais, situação esta a constituir uma nova forma
de dependência. Ademais, concentrando os esforços no restabelecimento do
sistema de transportes herdados do colonialismo, a SADCC pode perpetuar e
reforçar as estruturas neocoloniais” das trocas e da produção, bem como impor
obstáculos ao desenvolvimento dos intercâmbios entre os seus países -membros.
17 J. P. RENNINGER, 1982, p. 170.
892
África desde 1935
Regionalismo versus pan -africanismo extrarregional
O difícil problema da dependência colocado para as novas organizações
regionais foi consideravelmente complicado pelo surgimento de um novo tipo
de pan -africanismo, extra -regional, que ilustra a Convenção de Lomé, reali-
zada entre a CEE e a África. Pois, do ponto de vista da mudança estrutural,
especialmente, o novo “regime” de Lomé não representa, em nada, um meio de
provocar uma espetacular conversão da Europa ou da África. A perenidade das
estruturas da dependência, datadas da colonização, é tão perceptível quanto a
mudança, caso exista. O neocolonialismo praticado pela CEE consiste em con-
solidar e manter o statu quo que caracterizava a antiga ordem as tradicionais
estruturas de dependência estabelecidas após a conferência de Berlim de 1884 e
as estruturas pós -coloniais. Se, por sua vez, a conferência de Berlim instaurou a
dominação colonial na África, o Tratado de Roma, criador da CEE, consagrou
o advento do neocolonialismo e da dependência no continente. Eis a razão pela
qual Nkrumah, o campeão do pan -africanismo, imediatamente denunciou a
CEE da qual subjazia, aos seus olhos, um novo modo de colonialismo coletivo,
futuramente mais potente e mais nocivo que os antigas desgraças das quais
tentamos nos livrar”. O acordo de Lomé não é um documento progressista a
abrir as vias para o estabelecimento de benéficas e melhor estruturadas relações
de interdependência entre a Europa e a África, mas, antes, um novo avatar do
imperialismo. Aqui reside o porquê, malgrado a diversidade da assistência con-
cedida pela Europa aos novos grupos regionais de Estados africanos, segundo
a ótica de Lomé I e Lomé II, ser incontestável que as relações estabelecidas
entre a Europa e a África tenham consideravelmente reforçado a dependência
coletiva desta última frente à primeira, por intermédio de relações comerciais, da
cooperação industrial, do desenvolvimento econômico através da ajuda da CEE
e dos serviços de assessoria oferecidos por diversos organismos.
Por conseguinte, sob muitos aspectos, este novo pan -africanismo extra-
-regional que ilustra as Convenções de Lomé é, essencialmente, incompatível
não somente com os objetivos fundamentais do Plano de Lagos mas, tam-
bém, com as concepções, com as estratégias de desenvolvimento e os objetivos
essenciais do pan -africanismo em nível regional e com as novas organizações
regionais africanas, notadamente a CEDEAO, a SADCC e a PTA, em razão
destas últimas terem adotado uma estratégia, como afirmamos, de desenvol-
vimento autônomo, com vistas a reduzirem a sua independência vis -vis das
antigas metrópoles e do sistema econômico internacional, em termos gerais
893
O Pan -africanismo e a Integração Regional
(especificamente no caso da SADCC e da PTA igualmente frente à África do
Sul). Por outro lado, Lomé instaura entre a Europa e a África relações verticais,
ao passo que os novos sistemas de organização regional, são o reflexo de relações
horizontais Sul -Sul
18
. No plano estrutural, este novo tipo de pan -africanismo
não oferece portanto nenhuma orientação à África, ele não apresenta nenhum
caráter inovador e não abre qualquer nova perspectiva. Ao contrário, ele sanciona
a validez da atual concepção para o desenvolvimento africano e favorece a pene-
tração capitalista na África. Em resumo, os diferentes sistemas de integração
econômica regional na África devem imperativamente reforçar a sua autonomia
econômica para reduzirem a sua dependência perante os países industrializados,
senão ao menos liberá -los desta subordinação, favorecendo assim o seu desen-
volvimento, entretanto, resta pouca dúvida que esta estratégia possa desdobrar -se
no quadro das Convenções de Lomé.
Pan -africanismo e regionalismo: síntese e conclusão
Para o melhor e para o pior, a África atingiu a sua maioridade. A idade de
ouro do pan -africanismo na qualidade de movimento de descolonização política,
portador das maiores esperanças, está resoluta. Sucedeu -lhe a idade de ouro do
pan -africanismo como instrumento de integração regional e descolonização
econômica. O tipo de regionalismo que surgiu a partir de meados dos anos 1970
esta profundamente ligado à mais ampla questão relativa à autonomia coletiva
e à integração histórica da África ao sistema internacional. Não há dúvida que
a permanência da África no sistema internacional comprometeu seriamente o
progresso do regionalismo no continente. Nos dias atuais, com efeito, grande
parte da cooperação econômica regional não atende aos interesses dos países
africanos mas, àqueles dos organismos de ajuda estrangeiros, dos consultores
e das empresas transacionais
19
. Logo identificou -se, por exemplo, no caso da
SADCC, da UDEAC e da CEAO, que os principais beneficiários da integração
regional eram os centros fornecedores da ajuda, das técnicas e dos investimentos
estrangeiros. A África enfrenta, portanto, um problema maior, pois a cooperação
econômica, constituinte da espinha dorsal da autonomia coletiva, não pode ser
eficazmente utilizada como instrumento de desenvolvimento regional, enquanto
18 S. K. B. ASANTE, 1984.
19 A. JALLOH, 1976, p. 49.
894
África desde 1935
os países participantes não tiverem realmente o domínio dos setores -chave da
economia ou dos recursos que alimentam os projetos comuns.
Ademais, as elites africanas ou os grupos que colaboram com o estrangeiro,
e cujos interesses estão muito próximos daqueles de algumas forças transnacio-
nais ou estrangeiras, provavelmente opor -se -ão a todo esforço que vise alcançar
um elevado nível de integração, a provocar uma diminuição da dependência,
ou a qualquer mudança radical que pudesse desdobrar -se em uma reforma das
estruturas políticas e econômicas, assim como das relações com o estrangeiro
e, igualmente, fosse contrária à orientação tradicional, voltada para o exterior.
Assim sendo, a integração estrutural das economias africanas e das forças sociais
e políticas dominantes do continente ao sistema capitalista internacional tem,
em larga medida, impedido os países africanos de modificarem radicalmente esta
estrutura de dependência, mesmo se estivessem eles dispostos a fazê -lo.
Ademais, considerando -se o profundo enraizamento do neocolonialismo na
África e a grande variedade de mercados e de fontes de provisão, no tocante
a investimentos e técnicas, existentes nas diferentes potências metropolitanas,
toda brutal ruptura das estreitas relações que a África mantém com os países
industrializados, provavelmente, teria consequências intoleráveis sobre a frágil
economia dos países do continente. Portanto, os países africanos podem escolher
participar do sistema, buscando, todavia, beneficiarem -se de condições que lhes
permitiriam conquistar maior peso no mundo industrializado. Deriva a neces-
sidade, para os países africanos, de adotarem uma atitude pragmática e maleável
frente à questão da dependência e da ameaça neocolonial.
Sob esta perspectiva, as organizações regionais africanas seriam talvez condu-
zidas a diversificarem as suas relações econômicas com o mundo externo, como
Ali Mazrui fez observar:
“[...] casos nos quais a liberdade começa com a multiplicação dos mestres.
Se a propriedade e o poder de controle estão nas mãos de uma potência, a
liberdade é muito amiúde e particularmente restrita. Bastaria uma sociedade
africana cultivar a arte de constituir o objeto de uma rivalidade entre várias
potências e a porta da libertação poderia entreabrir -se. Depender de dois gigan-
tes, especialmente se forem rivais, permite eventualmente colocá -los um contra
o outro e melhor tirar partido da sua situação
20
.”
As organizações regionais africanas possuem outro meio para livrarem -se
da dependência: estabelecer relações econômicas privilegiadas com o sistema
20 A. A. MAZRUI, 1980a, p. 82.
895
O Pan -africanismo e a Integração Regional
de integração regional da Ásia e da América Latina, entretanto e concreta-
mente, este tipo de “integração horizontal” subentende o desenvolvimento da
cooperação econômica entre países em desenvolvimento, cooperação esta que,
segundo Elvin Laszlo, constitui o novo imperativo para o desenvolvimento nos
anos 1980”. A ação conjunta na esfera da cooperação econômica e técnica abre
vastas perspectivas. Ela pode desempenhar um papel crucial ao permitir àqueles
países em vias de desenvolvimento defenderem o preço das suas exportações de
matérias -primas, além de reforçar a sua soberania em respeito aos seus recursos
naturais. Ela pode, igualmente, favorecer o desenvolvimento das capacidades
locais nos domínios científico e técnico, facilitar a comercialização dos produtos
provenientes dos países em desenvolvimento, ajudá -los a aumentar a sua capa-
cidade industrial e, antes e sobretudo, reforçar o seu poder decisório no seio das
instituições multilaterais.
Os países africanos e os seus dirigentes devem estar dispostos a modificar
radicalmente as suas políticas e as suas instituições, além de, especialmente,
redefinir os objetivos de desenvolvimento em níveis nacional e regional, com
vistas a considerar plenamente o eficaz papel cabível à integração regional em
referência à solução dos problemas da dependência e do subdesenvolvimento.
Todavia, seria impossível, nestas circunstâncias, a existência de real estratégia de
desenvolvimento regional, enquanto os diferentes Estados não tenham definido
uma política comum de regulamentação e planificação regionais para resolver o
problema dos investimentos estrangeiros e da dependência técnica. Uma política
com estas características deveria apoiar -se sobre uma ação de ampla envergadura
a se desdobrar na criação de um instituto comum de pesquisa e de desenvolvi-
mento industriais, igualmente encarregado de estudar a utilidade da tecnologia
estrangeira e as condições mediante as quais conviria adquiri -la ou adaptá -la
aos objetivos dos projetos comuns do desenvolvimento.
Finalmente, e seja qual for a estratégia adotada para superar o estado de
dependência, a prioridade deverá ser concedida às reformas de política interna.
Tais reformas exigem disciplina e sacrifício. Nós, africanos, naquilo que nos
compete, devemos aceitar a disciplina, a moderação e a austeridade necessárias
à instauração daquilo que se poderia chamar a nova ordem interna, caso, um
dia, pretendamos transformar as relações de dependência permanente, por nós
mantidas junto aos países industrializados, em laços de interdependência bené-
ficos que desencadeariam, no seio da sociedade africana, o motor necessário a
um crescimento econômico perene. Como nota o eminente historiador africano
Ade Ajayi, com “prudente otimismo”:A visão de uma nova sociedade africana
deverá, necessariamente, elaborar -se na África, proceder da experiência histórica
896
África desde 1935
africana e do sentido próprio à continuidade da história africana. O africano
ainda não é mestre do seu destino, contudo, ele tampouco persiste somente como
um objeto sujeito aos caprichos deste mesmo destino
21
.”
21 J. F. A. AJAYI, 1982, p. 8.
C A P Í T U L O 2 5
897
Pan -africanismo e libertação
Se, por sua vez, o pan -africanismo, como movimento de integração, obteve
algum sucesso ao final dos anos 1950 e no início dos anos 1960, se conheceu
êxitos mais variáveis e sofreu derrotas a partir de meados dos anos 1960, e
se, finalmente, demonstra um forte impulso desde meados dos anos 1970, o
pan -africanismo como movimento de libertação, quanto a ele, alcançou o seu
apogeu nos primeiros dez anos posteriores à conquista da independência pela
África. Porém não sobreviveu a este período e exauriu -se ao final dos anos 1960.
Após a conquista da independência, o princípio unificador do pan -africanismo
a vontade de lutar contra as potências coloniais — enfraqueceu -se em alguns
Estados africanos, em que pese a persistência, na África Austral, de um conflito
cuja permanência poria em suspenso a completa libertação do continente.
O pan -africanismo nasceu no Novo Mundo, nos séculos XVIII e XIX, em
favor da luta dos negros pela libertação, contra a dominação e a exploração
dos brancos. Estes movimentos traduzem -se pelo separatismo religioso afro-
-americano (que se estenderá pouco após na África). No próprio continente
africano, o pan -africanismo, como movimento de libertação remonta, como
vimos no capítulo 23, à invasão da Etiópia pelos fascistas italianos, em 1935,
assim como e, sobretudo, ao quinto Congresso Pan -africano reunido em Man-
chester, em outubro de 1945. Neste congresso, pela primeira vez, durante toda
a história do movimento pan -africano, os representantes africanos eram os
Pan -africanismo e libertação
Edem Kodjo e David Chanaiwa
898
África desde 1935
mais numerosos e os debates envolveram, essencialmente, a libertação da África
colonizada. O congresso de Manchester foi organizado por um Secretariado
Especial, presidido por Peter Milliard da Guiana britânica (atual Guiana), e
incluindo R. T. Makonnen, das Antilhas (tesoureiro), Kwame Nkrumah, da
Costa do Ouro (atual Gana) e George Padmore, de Trinidad e Tobago (cosse-
cretários), Peter Abrahams, da África do Sul (secretário encarregado das relações
públicas) e Jomo Kenyatta, do Quênia (secretário adjunto). O congresso agregou
mais de duzentos delegados vindos, em sua maioria, das colônias britânicas na
África, entre os quais figuravam os futuros chefes de Estados independentes.
Um veterano do pan -africanismo, W. E. B. Du Bois, presidiu todas as sessões
do congresso.
 . Quinto Congresso Pan -Africano realizado em Manchester, Inglaterra, em outubro de 1945. Da
direita para a esquerda, à mesa diretora: Peter Milliard, Sra. Amy Jacques Garvey, o prefeito de Manchester
e I. T. A. Wallace -Johnson. (Foto: Hulton -Deutsch Collection, Londres.)
899
Pan -africanismo e libertação
As deliberações e principalmente as resoluções do congresso de Manchester
estavam marcadas por um tom mais pugnaz e radical, comparativamente aos
congressos precedentes. As declarações dirigidas às potências coloniais exigiam,
especialmente:
1. A emancipação e a total independência dos africanos e dos outros
grupos raciais submetidos à dominação das potências europeias, as quais
pretendiam exercer, sobre eles, um poder soberano ou um direito de tutela;
2. A revogação imediata de todas as leis raciais e outras leis discriminatórias;
3. A liberdade de expressão, de associão e de reunião, bem como a
liberdade de imprensa;
4. A abolão do trabalho forçado e a igualdade de salários para um
trabalho equivalente;
5. O direito ao voto e à elegibilidade para todo homem ou mulher com
idade a partir de vinte um anos;
6. O acesso de todos os cidadãos à assistência médica, à seguridade social
e à educação.
A reivindicação em prol da integração econômica foi examinada no capítulo
14. Os representantes exigiam igualmente que a África se livrasse da “dominação
política e econômica dos imperialismos estrangeiros”. Evento da maior impor-
tância, pela primeira vez os africanos advertiam formalmente as potências euro-
peias, para muito bem atentarem ao fato que eles também recorreriam à força
para se libertarem, caso elas persistissem em querer governar a África pela força.
Simultaneamente, em uma declaração dirigida ao povo africano, os repre-
sentantes enfatizaram o fato da luta pela independência política ser somente
a primeira etapa e o meio para se atingir a completa emancipação nas esferas
econômica, cultural e psicológica. Eles exortaram a população das cidades e
dos campos africanos, os intelectuais e os profissionais liberais a se unirem,
organizarem -se e lutarem até a absoluta independência.
Em suma, o quinto Congresso tornou o pan -africanismo uma ideologia de
massas, elaborada pelos africanos e em seu próprio favor. Inicialmente ideologia
reformista e protestante em favor das populações de origem africana, habitantes
na América, o pan -africanismo tornara -se uma ideologia nacionalista orientada
para a libertação do continente africano. O pan -africanismo mundial de Du
Bois, o combate de Garvey pela autodeterminação e autonomia, o regresso à
cultura africana preconizada por Césaire, pertenciam, doravante, inteiramente ao
nacionalismo africano. Diversos delegados, como Nkrumah ou Kenyatta, saíram
de Londres rumo à África, onde eles iriam conduzir o seu povo à independência.
900
África desde 1935
Todos os movimentos nacionalistas inscreveram em seus estatutos disposições
inspiradas pelo pan -africanismo.
O pan -africanismo e a libertação da África
Na história do pan -africanismo, como movimento de libertação, o período
entre 1950 -1965 foi dominado pela figura de Kwame Nkrumah. Através de
suas declarações, da sua ação e do seu exemplo, Nkrumah mobilizou, em favor
da causa pan -africana, os dirigentes africanos dos movimentos de libertação e
dos Estados independentes. Segundo ele, como declarou na noite da conquista
da soberania pelo seu país, a independência de Gana não tinha sentido senão
na perspectiva de uma libertação completa do continente africano. Igualmente,
organizou sem delongas vários congressos pan -africanos (reuniões examinadas
no capítulo precedente). Estes encontros foram inaugurados, como vimos, pela
primeira Conferência dos Estados Africanos Independentes, realizada em abril
de 1958, na capital Accra, sede de Gana Independente. Participaram desta
conferência o Egito, a Etiópia, Gana, Libéria, Marrocos, o Sudão e a Tunísia,
assim como grande número de delegados que haviam assistido ao quinto Con-
gresso Pan -africano. A ordem do dia e as resoluções da conferência de Accra
abordaram, essencialmente, as relações entre os países africanos independentes, o
apoio aos movimentos de libertação em toda a África, as relações entre a África
independente e as Nações Unidas, e os meios possíveis para colocar a África ao
abrigo das fissuras provocadas pela Guerra Fria, iniciada entre o Leste e o Oeste.
Esta conferência identificou os principais temas que o pan -africanismo deveria
desenvolver na era da independência; ela lançou, sem dúvida, as bases para a
Organização da Unidade Africana (OUA), estabelecendo princípios, tais como,
o primado da independência política, o apoio aos movimentos de libertação, a
formação de uma frente única no seio da Organização das Nações Unidas e o
não alinhamento.
A segunda Conferência dos Estados Africanos Independentes teve lugar em
Monróvia, no mês de agosto de 1959. Ela adotou quatro resoluções: a primeira
condenava os testes nucleares efetuados pela França no Saara; a segunda pedia
uma trégua política entre os dois Camarões; a terceira solicitava a abertura de
negociações de paz na Argélia; e a quarta proclamava o direito à autodetermi-
nação dos territórios coloniais. A terceira Conferência realizou -se em Addis-
-Abeba, em 1960.
901
Pan -africanismo e libertação
Durante este período, Nkrumah e os seus compatriotas, partidários do pan-
-africanismo, reuniram -se em conferências nas quais os dirigentes dos Estados
independentes e dos movimentos de libertação puderam trocar ideias e discutir
estratégias a serem adotadas e postas em prática, em prol da luta pela inde-
pendência. A primeira Conferência dos Povos Africanos, sediada em Accra no
mês de dezembro de 1958, reuniu duzentos e cinquenta delegados e muitos
observadores. Ela tinha como temas o anticolonialismo, o anti -imperialismo, o
antirracismo, a unidade africana e o não alinhamento. Os delegados discutiram
especialmente as fronteiras coloniais, as organizações regionais, assim como o
papel dos chefes tradicionais e dos chefes dos movimentos religiosos separatis-
tas. Fato da maior relevância, homens políticos e sindicalistas africanos vindos
de Estados ou de colônias de língua francesa, inglesa, árabe ou portuguesa pude-
ram, nesta ocasião, fortalecer as relações ideológicas e pessoais, dentre as quais
algumas, como aquela unindo Nkrumah e Patrice Lumumba, então delegado
pelo Congo belga, revelar -se -iam duráveis. A segunda Conferência dos Povos
Africanos, reunida em Túnis no ano 1960, congregou setenta e três delegações
africanas e adotou uma série de resoluções relativas, em sua maioria, à descolo-
nização. A terceira conferência ocorreu no Cairo, em 1961.
Existiam duas organizações pan -africanas regionais às quais se havia atri-
buído o objetivo de coordenar a luta pela libertação. O Pan -African Freedom
Movement for Eastern, Central and Southern Africa, comumente chamado
PAFMECSA, reagrupou, entre 1958 e 1963, a Etiópia, o Qnia, Uganda,
a Somália, a Tanganyika, Zanzibar e os movimentos nacionalistas da África
Central e Austral. A outra organização transterritorial, a Reunião Democrá-
tica Africana (RDA), foi criada nas antigas colônias francesas, por ocasião do
Congresso de Bamako, em 1946, pelos dirigentes nacionalistas que desejavam ir
além da limitadíssima autonomia prevista pela Constituição de 1946, autonomia
esta, apenas ampliada pela lei de enquadramento de 1956. Em 1958, quando
De Gaulle decidiu fazer aprovar, por referendo, o seu projeto de Comunidade
Franco -Africana
1
, o RDA ofereceu aos africanos uma tribuna pan -africana onde
eles pudessem debater vantagens e inconvenientes deste projeto e fazer ouvir
a sua opinião perante o governo francês. Por ocasião do referendo, somente a
Guiné, representada por Sékou Touré, pronunciou -se contra o projeto de Comu-
nidade e por uma total independência; após este voto, Sékou Touré juntou -se a
Nkrumah na União dos Estados Africanos.
1 Para maiores detalhes, consultar J. de BENOIST, 1980.
902
África desde 1935
F . Discurso de abertura da primeira Conferência dos Povos Africanos em Accra, Gana, em
dezembro de 1958. (Foto: Newslink Africa, Londres.)
A OUA e a libertação da África
O nascimento de numerosos Estados africanos, entre 1960 e 1964, com-
plicou a tarefa do pan -africanismo, como movimento de integração, contudo,
incontestavelmente facilitou e acelerou o seu desenvolvimento na qualidade
de movimento de libertação. Se por um lado, os novos dirigentes africanos
estavam em desacordo em relação à natureza da integração política que devia
ser realizada na África, era quase unânime o reconhecimento da urgente neces-
sidade em libertar inteiramente o continente do colonialismo; os Grupos da
Monróvia e da Casablanca continuaram fiéis ao seu compromisso histórico em
favor do não alinhamento e da libertação completa das últimas colônias. Esta
adesão geral em prol da libertação é realmente uma das razões, senão a principal
delas, da unificação dos grupos que formaram a OUA logo após um memorá-
vel encontro em Addis -Abeba, em maio de 1963. Como a OUA teria ela sido
criada e organizada, e qual papel teria ela desempenhado durante a evolução do
pan -africanismo?
903
Pan -africanismo e libertação
Os esforços, notadamente, de Kwame Nkrumah, de Sékou Touré e de
Modibo Keita, aqueles do imperador da Etiópia, mas também a conquista da
independência pela Argélia (1962), a qual reduziu sensivelmente a tensão entre
os Grupos da Casablanca e da Monróvia, levaram os países membros destes dois
grupos a decidirem formar, como vimos no capítulo anterior, uma organização
única. Os seus ministros das relações exteriores encontraram -se entre 15 e 21 de
maio de 1963, com o propósito de redigir um projeto de pauta para as discussões
dos chefes de Estado.
A conferência dos chefes de Estado e do governo foi inaugurada no dia
23 de maio de 1963. Os seguintes trinta Estados estavam nela representados
(as denominações são aquelas da época): Argélia, Burundi, Camarões, Congo-
-Brazzaville, Congo -Léopoldville, Costa do Marfim, Dahomey, Etiópia, Gabão,
Gana, Guiné, Alto -Volta, Libéria, Líbia, Madagascar, Mali, Mauritânia, Níger,
Nigéria, Uganda, República Árabe Unida, República Centro -Africana, Ruanda,
Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanganyika, Tchade, Tunísia
2
. Em 25 de
maio, os chefes de Estado e de governo assinaram a Carta da Unidade Africana.
O preâmbulo da Carta enumera as considerações sobre as quais se fundava o
seu projeto: o direito dos povos em disporem de si próprios (autodeterminação
dos povos), o ideal da liberdade, da justiça e da igualdade, um desejo comum
de união e de ajuda mútua, a preocupação em preservar a independência e a
soberania dos Estados africanos, a fidelidade dos signatários à Carta das Nações
Unidas e à Declaração Universal dos Direitos Humanos. O primeiro artigo cria
a Organização da Unidade Africana; o artigo 2 definiu os objetivos; o artigo 3
declara os princípios a serem respeitados para atingir estes objetivos; os artigos
4, 5 e 6 dizem respeito à composição da Organização; do artigo 7 ao 13 descre-
vem as suas instituições; o artigo 27 contém indicações relativas à interpretação
da Carta.
A Carta da Unidade africana também reflete outro aspecto do pan-
-africanismo ao definir uma ética política. Ela enuncia, de fato, princípios tais
como: a igualdade de todos os Estados membros; o princípio da não ingerência
nos assuntos internos dos Estados; o respeito à soberania dos Estados, à sua
integridade territorial e ao seu direito inalienável a uma existência independente;
o tratamento pacífico das contendas, através da negociação, da mediação, da
conciliação ou da arbitragem; a condenação sem reservas do assassinato político
2 Em razão do assassinato do presidente Sylvanus Olympio, Togo não foi admitido na conferência. Por
sua vez, o Marrocos recusou -se a participar. Estes dois Estados assinaram, todavia e posteriormente, a
Carta da OUA.
904
África desde 1935
e das atividades subversivas, mesmo se praticadas pelos Estados vizinhos ou por
quaisquer outros Estados; um compromisso sem reservas em favor da libertação
completa dos territórios africanos ainda dependentes; a asserção de uma política
de não alinhamento perante todos os blocos.
Esta ética pan -africana propunha aos Estados membros um conjunto de
princípios destinados a reforçar o seu desejo de unidade e de solidariedade. O
pan -africanismo, inicialmente considerado como “um movimento de ideias e
de emoções”, soube, portanto, modelar os sentimentos, a energia e as aspirações
dos povos da África e expressou -os no conteúdo da Carta da Unidade Africana.
De 1963 a 1982, esta carta não sofreu senão leves modificações. Desta forma,
o número de comissões especializadas fora reduzido de cinco para três, além de
ter sido decidido que a Comissão de mediação, de conciliação e de arbitragem
não contaria mais com membros permanentes. No quadro da própria reforma
estrutural processada em 1979, suprimiu -se o epíteto “administrativo do título
Secretário -geral. No mesmo ano, em sua décima sexta sessão, a Conferência dos
chefes de Estado e de Governo criou um comitê encarregado de revisar a Carta,
em função da nova situação gerada pelas mudanças ocorridas na África. Com
efeito, tornara -se necessário, após alguns anos, remodelar a Carta para que ela
estivesse mais bem adaptada às lutas do século XXI e à prioridade acordada ao
desenvolvimento sob todas as suas formas, especialmente culturais, desenvolvi-
mento fundado no respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais
dos povos.
A sede da Secretaria -geral é em Addis -Abeba, na Etpia. O primeiro
Secretário -geral, nomeado em 1963 a título provisório, foi o D
r
Tesfaye Gebre
Egzy. Em 1964, a Conferência dos Chefes de Estado e de Governo elegeu
o guineense Diallo Telli, para substituí -lo. Este último, reeleito em 1968, foi
substituído no ano de 1972 pelo camaronês Nzo Ekangaki. Outro camaronês,
William Eteki Mboumoua, foi eleito em 1974. Em 1978, o posto de Secretário-
-geral foi confiado ao togolês Edem Kodjo. Posteriormente, sucederam -se o
nigeriano Peter Omu, em 1983, o nigeriano Ide Oumarou, em 1985, e o tan-
zaniano Salim Ahmed Salim, em 1989. O Secretário -geral é assistido pelos
adjuntos, cujos número passou de quatro para cinco em 1979. Cada um destes
adjuntos representa uma região do continente. Eles dirigem as seções técnicas
da Organização e formam, juntamente com o Secretário -geral, o gabinete polí-
tico. O papel do Secretário -geral foi objeto de interpretações divergentes. Para
alguns, ele não seria nada além de um funcionário ornamentado com um título
de prestígio. Em contrapartida, outros quiseram atribuir -lhe uma função política
e um papel de coordenador. Em julho de 1978, o presidente Omar Bongo, então
905
Pan -africanismo e libertação
presidente em exercício da OUA, declarava à Jeune Afrique que as estruturas da
OUA estavam amplamente obsoletas, precisamente porque elas limitavam a
atividade do Secretário -geral a tarefas puramente administrativas.
Estatutos definem as funções do Secretário -geral, dos seus adjuntos e dos
outros membros do quadro pessoal, assim como as modalidades do seu recruta-
mento. Na ocasião do décimo aniversário da OUA, o Conselho dos Ministros
criou um comitê encarregado de revisar as estruturas da Organização e as regras
que regem o seu funcionamento. As conclusões deste comitê foram adotadas
pela cúpula de Cartum, em 1978, e, posterior e progressivamente, aplicadas em
função dos recursos orçamentários.
O órgão supremo da OUA é a Conferência dos Chefes de Estado e de
Governo. Ela reunia -se em sessão ordinária uma vez ao ano e elegia a cada
assembleia uma mesa dirigida por um presidente. Este tornou -se, ao longo dos
anos, o presidente de facto da OUA
3
.
A outra assembleia da OUA, o Conselho dos Ministros, reunia -se em ses-
são ordinária duas vezes ao ano. Uma destas sessões ocorria no início do ano;
ela era consagrada essencialmente às questões administrativas e financeiras. O
Conselho prepara os encontros dos chefes de Estado e assegura a continuidade
de suas decisões.
A OUA: a descolonização e a libertação
A ajuda planejada, oferecida pela OUA aos movimentos de libertão
nacional dos povos colonizados da África, constituiu -se em uma das suas mais
regulares e eficazes contribuições em benefício da causa pan -africanista. No
transcorrer da conferência constituinte de Addis -Abeba, em maio de 1963, os
Estados independentes adotaram uma vigorosa resolução relativa à descoloni-
zação, segundo a qual eles reconheciam unanimemente que “todos os Estados
africanos independentes têm o dever de ajudar os povos dependentes da África
que lutam pela liberdade e pela independência”. Eles admitiram, igualmente, o
reconhecimento “da imperiosa e urgente necessidade de combinarem e inten-
sificarem os seus esforços para acelerar a incondicional conquista da indepen-
3 A Carta não menciona este posto de presidente, ele foi criado progressivamente. Um chefe de Estado, o
gabonês Omar Bongo, disse em respeito ao presidente em exercício que tudo se realizava à sua revelia,
que ninguém o escutava ou lhe prestava satisfações.
906
África desde 1935
dência nacional, de todos os territórios africanos ainda submetidos à dominação
estrangeira
4
”.
Após ter ouvido os representantes dos movimentos de libertação nacional da
África Oriental, Central e Austral, os chefes de Estado afirmaram, em relação
às colônias de povoamento e das diferentes possíveis linhas de conduta:
1. que a preservação do regime colonial constituía uma agrante violação
dos direitos inalienáveis dos legítimos habitantes dos respectivos territórios
e representava uma ameaça para a paz continental;
2. que a Grã -Bretanha deveria respeitar a resolução 1515 das Nações
Unidas relativa à independência e não conceder a independência à minoria
branca da Rodésia do Sul (atualmente Zimbábue);
3. caso a Grã -Bretanha concedesse a independência a esta minoria, os
membros da OUA ofereceriam um efetivo apoio, de ordem moral e material,
a todas as legítimas medidas que pudessem ser tomadas pelos dirigentes
nacionalistas africanos e, eventualmente, por eles próprios, contra todo
Estado que reconhecesse o governo desta minoria;
4. que a Namíbia era um território africano sob mandato das Nações
Unidas cujos habitantes tinham direito à autodeterminação e à independência,
consistindo a ocupação deste território, pelos sul -africanos, em um ato de
agressão;
5. que os portugueses cometiam um genocídio na África e os aliados
ocidentais de Portugal deveriam escolher entre a sua amizade pelo povo
africano e o apoio que eles forneciam à opressão e à exploração coloniais.
Os chefes de Estado adotaram, igualmente, um programa de ação relativo à
descolonização. Eles enviaram uma delegação (composta por ministros das rela-
ções estrangeiras da Libéria, da Tunísia, de Madagascar e de Serra Leoa) junto
ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que então examinava o relatório
do Comitê Especial dos Vinte e Quatro, encarregado pelas Nações Unidas de
investigar o genocídio cometido nas colônias portuguesas. Eles decidiram pela
ruptura das relações, diplomáticas e consulares, entre o conjunto dos governos
africanos e os governos de Portugal e da África do Sul; eles decidiram, igual-
mente, boicotar o comércio com estes dois países, proibindo a importação dos
seus produtos, fechando os portos e os aeroportos africanos às suas embarcações
4 Primeiras resoluções da OUA, 1 ponto de pauta: a descolonização, versão denitiva, 25 de maio de
1963.
907
Pan -africanismo e libertação
e aos seus aviões, e ainda interditando os seus aviões de sobrevoarem países
africanos.
Entretanto e, sobretudo, os chefes de Estado reunidos em Addis -Abeba,
criaram o Comitê Africano de Libertação. Formado pela Argélia, Egito, Etiópia,
Guiné, Nigéria, Uganda, Senegal, Tanzânia e Zaire (atual R. D. do Congo) ,
este comitê, cuja sede foi estabelecida em Dar es -Salaam, estava encarregado
de coordenar a ajuda fornecida pelos Estados africanos e gerenciar o Fundo
Especial. Este Fundo Especial deveria ser alimentado por contribuições volun-
tárias realizadas anualmente pelos membros da OUA, para ajudar material e
financeiramente os movimentos de libertação nacional.
Os Estados -membros aceitaram acolher os militantes do movimento de
libertação, financiar o treinamento militar, os estudos ou a formação profissional
destes militantes, autorizar a passagem em seu território de voluntários e mate-
riais destinados a ajudarem estes movimentos. Eles engajaram -se em trabalhar
para a unificação dos movimentos de libertação a fim de aumentar a eficácia do
seu combate. Além disso, eles proclamaram o dia 25 de maio como Jornada de
Libertação da África, esta jornada seria a oportunidade de organizar manifes-
tações populares e angariarem fundos suplementares à contribuição oferecida
pelos Estados ao Fundo Especial.
No transcorrer da mesma conferência constitutiva de Addis -Abeba, os
Estados -membros adotaram uma resolução especial referente ao apartheid e
à discriminação racial na África do Sul. Eles decidiram não somente rom-
per as suas relações diplomáticas e comerciais com estes países, assim como
intensificarem o seu combate, pela independência da Namíbia, perante a Corte
Internacional de Justiça; apoiar o Comitê Especial das Nações Unidas contra o
apartheid; lutar pela aplicação de sanções econômicas contra a África do Sul e
oferecer aos refugiados sul -africanos bolsas e possibilidades de estudos, além de
empregos na função pública dos países africanos.
Eles condenaram, em suplemento, a discriminação racial sob todas as suas
formas, fosse ela exercida na África ou em qualquer parte do mundo. Além
de terem expressado a profunda inquietação que inspirava a todos os povos e
governos africanos, causada pela discriminação racial praticada contra todas as
populações de origem africana estabelecidas fora da África, especialmente nos
Estados Unidos da América do Norte. Graças ao Comitê Africano de Liber-
tação, a OUA alcançou consideráveis vitórias na questão da descolonização.
A esmagadora maioria dos Estados independentes, efetivamente, absteve -se
de qualquer relação diplomática e comercial com Portugal e a África do Sul.
Se alguns Estados não tomaram parte ao boicote, não seria por falta de inte-
908
África desde 1935
resse pela libertação e pela descolonização da África, mas, antes, em razão da
dependência econômica e da fraqueza militar, resultantes dos seus laços histó-
ricos de caráter colonial com a África do Sul. Estes Estados foram obrigados a
contentarem -se em apoiar secretamente os movimentos de libertação, embora se
declarassem neutros. A sua atitude ambígua explica -se, portanto, pelas necessi-
dades econômicas que os dirigentes dos movimentos de libertação, eles próprios,
souberam compreender e avaliar.
No plano internacional, a OUA conseguiu provocar, em escala mundial, a
condenação do colonialismo e do apartheid, obtendo por toda parte apoios de
ordem moral e material, em favor dos movimentos de libertação. Ela conven-
ceu as Nações Unidas acerca da legitimidade da luta pela libertação dos povos
africanos. A Assembleia Geral, através da sua resolução 2555, exigiu de todas
as instituições especializadas das Nações Unidas o aporte de ajuda material aos
movimentos de libertação. Foi parcialmente graças à pressão da OUA, que as
Nações Unidas, por um lado, recusaram -se a reconhecer a declaração unilateral
de independência da Rodésia do Sul e o seu governo de minoria branca, dirigido
por Ian Smith e, por outro lado, substituíram o Conselho para a Namíbia na
administração colonial, ilegalmente constituída, neste país, pela África do Sul. A
ONU, A UNESCO e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criaram
comitês antiapartheid. De 28 de janeiro a 4 de fevereiro de 1972, o Conselho
de Segurança reuniu -se pela primeira vez na África, em Addis -Abeba, sede
da OUA. O presidente em exercício da OUA viu -se em várias oportunidades
encarregado pelos seus colegas de atrair a atenção da Assembleia Geral das
Nações Unidas para a situação colonial. Desta forma, em 1969, o presidente
camaronês Ahmadou Ahidjo apresentou à Assembleia Geral o manifesto rela-
tivo à África Austral, conhecido como Manifesto de Lusaka
5
.
Mas isto não era suficiente. A partir de 1970, a OUA dirigiu a sua atividade
diplomática para os países da OTAN, para os países escandinavos, para a Suíça
e para o Japão, com o objetivo de expor -lhes as inquietações da África, fazer
chamado à sua solidariedade e mostrar -lhes o grau de ameaça que tal situação
representava para a África e para a paz mundial. Entretanto, a OUA esforçou -se,
sobretudo, para dissuadir os países de sustentarem e armarem por mais tempo os
regimes coloniais. A obstinação do governo de Pretória, o crescente emprego da
5 Este manifesto foi redigido pelos participantes da quinta Conferência de Cúpula dos Estados da África
Oriental e Central, realizada de 14 a 16 de abril, em Lusaka, na Zâmbia. Participavam deste encontro:
Burundi, Etiópia, Uganda, Sudão, Tanzânia, Zâmbia, República Centro -Africana, Tchade, Congo Bra-
zaville, Quênia, Malaui, Ruanda e Somália.
909
Pan -africanismo e libertação
 . Na parte superior, à esquerda: Dulcie September, representante do Congresso Nacional Afri-
cano (CNA) na França, assassinada em Paris no mês de março de 1988. Na parte superior, à direita: sul-
-africano Steve Biko, dirigente do Black Consciouness Movement, assassinado em setembro 1977. Na parte
inferior, à esquerda: Nelson Mandela, fotografado no início dos anos 1960, antes da sua condenação à prisão
perpétua. Na parte inferior, à direita: o chefe sul -africano Albert Luthuli, primeiro presidente do CNA, 1952-
-1960. (Fotos: Keystone, Paris; IDAF, Londres; Hulton -Deutsch Collection, Londres.)
910
África desde 1935
violência e da repressão, assim como a ocupação ilegal da Namíbia conduziram
as Nações Unidas a organizarem, com a cooperação da OUA, uma conferência
internacional sobre as sanções a serem tomadas contra a África do Sul. Esta
conferência teve lugar em Paris, de 20 a 27 de maio de 1981. Em respeito às
instâncias da OUA e ao movimento dos países não alinhados, os participantes
solicitaram que o Conselho de Segurança se reunisse com rapidez para adotar,
em escala mundial, sanções obrigatórias contra o governo racista da África
do Sul e a sua política de apartheid. O Conselho de Segurança recusar -se -ia
futuramente a pôr em vigor estas sanções; contudo, a OUA tirou proveito da
oportunidade, a ela oferecida pela conferência de Paris, para reafirmar perante a
comunidade internacional que, em virtude da resolução 2448 de 1967, as Nações
Unidas eram diretamente responsáveis pela Namíbia e que a South West Africa
People’s Organization (SWAPO) era a única verdadeira representante do povo
namíbio
6
.
A OUA finalmente exerceu uma influência considerável junto aos movi-
mentos de libertação. O reconhecimento oficial de um movimento de libertação
e dos seus dirigentes pela OUA, muito amiúde, determinou o seu reconheci-
mento internacional. Ela colaborou para o surgimento, na qualidade de movi-
mentos legítimos e reconhecidos, da Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO), do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), do
Patriotic Front, no Zimbábue, da SWAPO namibiana, do Congresso Nacional
Africano (CNA) e do Pan -African Congress (PAC), na África do Sul
7
. Foram
justamente as pressões da OUA que conduziram a União Nacional Africana
de Moçambique (MANU) e a União Democrática Nacional de Moçambique
(UDENAMO) a formarem a FRELIMO; pressões idênticas conduziram a
Zimbabwe African National Union (ZANU), de Robert Mugabe e a Zimbabwe
African Peoples Union (ZAPU), de Joshua Nkomo, a formarem o Patriotic
Front. A ausência de reconhecimento diplomático pela OUA conduziu, em
contrário, a comunidade internacional a boicotar os bantustões sul -africanos, o
governo Smith -Muzorewa, no Zimbábue e a Aliança de Turnhalle, na Namíbia.
Dirigentes como Moïse Tschombé, no Zaire (atual RDC) e Jonas Savimbi, em
6 A conferência de Paris reunia 122 governos, 15 instituições especializadas e organizações intergover-
namentais, 37 organizações internacionais não governamentais, 52 associações nacionais antiapartheid
e grande número de personalidades políticas. Ela foi presidida por Salim Ahmed Salim, ministro das
relações exteriores da Tanzânia. Ela adotou duas declarações, uma sobre as sanções a serem tomadas
contra a África do Sul, outra tangente à Namíbia.
7 O capítulo 10 deste volume fornece precisões sobre as origens, a ideologia, as atividades e os dirigentes
destes movimentos de libertação nacional da África Central e Austral.
911
Pan -africanismo e libertação
Angola, condenados pela OUA, pela sua oposição ao pan -africanismo e cum-
plicidade com o Ocidente, foram banidos pelo mundo negro.
A criação da OUA e, especialmente, do seu Comitê Africano de Libertação,
teve igualmente como efeito positivo aumentar a confiança em si, o otimismo, a
determinação e a combatividade dos nacionalistas africanos. Graças ao apoio que
a OUA lhes concedia no plano internacional, os dirigentes nacionalistas e os seus
partidários estavam, em sua maioria, persuadidos que eles lograriam, cedo ou
tarde, conduzir o seu país à independência. Esta convicção era frequentemente
fortalecida pelos manifestos da OUA, o Manifesto de Lusaka (abril de 1969)
ou o Plano de Ação de Arusha (fevereiro de 1981), por exemplo, concernentes
à África Austral e à Namíbia, respectivamente. De 1963 a 1973, esta atividade
não produziu resultados concretos. Estes anos foram sobretudo consagrados à
organização do Comitê Africano de Libertação e dos movimentos de libertação
nacional, à publicação de declarações de princípios e de manifestos, bem como
ao treinamento militar. A luta armada, ela própria, não estava então senão em
seus primórdios.
O período seguinte, de 1973 a 1980, foi especialmente frutuoso, em refe-
rência ao que testemunham os resultados obtidos nas colônias portuguesas
(Guiné -Bissau, Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe), em Comores,
nas Seychelles e no Zimbábue. A atividade do Comitê Africano de Libertação
nestes países contribuiu fortemente para possibilitar aos nacionalistas conduzi-
rem a guerra que permitiu libertar, progressivamente, grande parte das colônias
portuguesas, bem como reorganizarem a administração pública e a economia.
O capítulo 7 deste volume evidenciou o papel decisivo e a vitória em 1973, da
campanha lançada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e do
Cabo -Verde (PAIGC), na Guiné -Bissau, com o objetivo de eliminar a domina-
ção de Portugal sobre este país. A FRELIMO, em Moçambique, e a MPLA, em
Angola, alcançaram o mesmo resultado em 1975. Os partidários do colonialismo
tentaram oporem -se a estes sucessos empregando métodos bárbaros, tais como
o assassinato dos dirigentes do PAIGC e do FRELIMO, Amílcar Cabral e
Eduardo Mondlane. Além da luta armada, os nacionalistas encarregaram -se
da organização dos territórios libertados e da formação dos seus habitantes no
tocante às tarefas da vida civil. Assim sendo, na Guiné -Bissau, eles organizaram
a eleição de Assembleias Populares, criaram escolas e hospitais, além de implan-
tarem novas estruturas econômicas. Em 1980, as ilhas Comores, as Seychelles
e o Zimbábue conquistavam, a seu turno, a independência. A África do Sul e
a Namíbia, estas colônias de povoamento, constituiriam desde então o último
912
África desde 1935
vestígio do colonialismo europeu na África, entretanto, a libertação da Namíbia
não era mais que uma questão de tempo.
No além -fronteiras africano, a OUA conferiu particular atenção à situação
do Oriente -Médio, mais especificamente à questão Palestina. Ela expressou a
sua solidariedade com o Egito e os outros países árabes, cujos territórios estavam
ocupados desde julho de 1967.
Esta solidariedade, a OUA manifestou -a, por um lado, ao solicitar aos seus
membros o emprego de toda a sua influência para levar Israel a aplicar a reso-
lução 242 do Conselho de Segurança e, por outra parte, confiando a chefes de
Estado africanos certas missões específicas. Desta forma, em junho de 1971,
durante a sua oitava sessão ordinária, a Conferência de Cúpula da OUA, soli-
citou ao seu presidente em exercício, através da resolução AHG/Res. 66 (VIII),
a evocação perante as Nações Unidas da possível retomada das hostilidades e a
expiração do cessar fogo, ao passo que uma comissão composta por dez chefes
de Estado estaria encarregada de proceder consultas junto aos governos israe-
lense e egípcio.
A OUA aferrou -se por outro lado a acertar as diferenças entre os seus mem-
bros. Em 1955, a Declaração de Bandung, à qual subscreveram os dirigentes
nacionalistas africanos e os expoentes do pan -africanismo, pleiteava que todos
os conflitos internacionais fossem mediados por meios pacíficos, em conformi-
dade com a Carta das Nações Unidas. O princípio de uma solução pacífica das
contendas encontra -se nas diversas declarações adotadas pela primeira Confe-
rência dos Estados africanos independentes, em uma resolução da conferência
de Monróvia, de maio de 1961, e na carta da OUA.
O artigo XIX desta carta, na realidade, estipula o seguinte:
Os Estados -membros engajam -se a acertar as suas contendas por vias
pacíficas. Com este propósito, eles criam uma Comissão de Mediação, Conci-
liação e Arbitragem, cuja composição e as condições de funcionamento estão
definidas por um protocolo distinto, aprovado pela Conferência dos Chefes de
Estado e do Governo. Este protocolo é considerado como parte integrante da
presente carta”.
Grande mero destes conflitos deve -se aos problemas colocados pelas
fronteiras herdadas da época colonial. Justamente por razões desta ordem que
a Argélia e o Marrocos entraram em conflito em 1962 e que, no transcorrer
dos anos, outros conflitos opuseram o Gana e Tanzânia, o Gabão e a Guiné-
-Equatorial, Camarões e Nigéria, o Zaire (atual RDC) e Angola, Daomé (atual
Benim) e o Niger, o Tchade e o Sudão, a Guiné e a Costa do Marfim. A con-
tenda entre a Etiópia e a Somália em respeito ao Ogaden durou vários anos, do
913
Pan -africanismo e libertação
mesmo modo que a disputa entre a Tchade e a Líbia em referência à faixa de
Aouzou, e igualmente àquela opondo o Quênia e a Somália
8
.
Em 1979, coube à OUA ocupar -se de um assunto de natureza particular: as
facções políticas e militares que se enfrentavam no Tchade haviam com efeito
decidido trazer a sua disputa ao âmbito da organização, sob a pressão dos paí-
ses vizinhos. A OUA confiou o assunto a um comitê de chefes de Estado que
conseguiu persuadir onze facções tchadianas a formarem, em conjunto, um
Governo de União Nacional de Transição (GUNT), sob a direção de Goukouni
Oueddei. Esta aliança teve curta duração e, em 1981, com o recrudescimento da
guerra civil, a OUA enviou à região uma força interafricana para a manutenção
da paz. Esta intervenção foi diversamente comentada. Tratava -se da primeira
deste gênero e, malgrado os seus defeitos, ela desempenhou um papel apreciável,
ao permitir serem salvas numerosas vidas humanas.
As atividades da OUA na esfera política e em favor da libertação conduziram-
-na, finalmente, a ocupar -se dos direitos humanos e dos direitos dos povos a
disporem de si mesmos, à autodeterminação. O seu interesse por essas questões
derivava de razões fincadas em longínquo passado. Assim sendo, para devolver
a dignidade aos africanos, o pan -africanismo buscava tanto apagar as sequelas
da escravatura, da qual os africanos da diáspora ainda sofriam, quanto por fim
às mazelas do colonialismo na África.
Uma Conferência Africana sobre o Primado do Direito teve lugar em Lagos,
no ano 1961, com vistas a examinar os diversos aspectos dos direitos humanos.
O relatório das suas três comissões de trabalho afirmou a necessidade do recurso
jurídico para responder às aspirações dos africanos e com vistas a defender os
direitos políticos dos indivíduos. Segundo este relatório, seria necessário criar
condições sociais, econômicas, educativas e culturais capazes de permitirem aos
indivíduos recuperarem a sua dignidade e realizarem as suas legítimas aspirações,
requisitos válidos para todos os países, fossem eles independentes ou não.
Os participantes da conferência de Monróvia (agosto de 1959) adotaram
uma resolução relativa à discriminação racial, a solicitar aos membros da comu-
nidade internacional o combate ao racismo e à segregação, notadamente, através
da sua associação às resoluções das Nações Unidas e às declarações e resoluções
das conferências de Bandung e de Accra, em respeito a este assunto.
O nigeriano Nnamdi Azikiwe sublinhava em 1961, em seu livro The Future
of pan -africanism, a necessidade de se elaborar uma convenção dos direitos do
8 Em 1963, a Somália expressou reservas no tocante ao princípio da inviolabilidade das fronteiras herdadas
da época colonial.
914
África desde 1935
homem aplicável ao quadro de uma organização pan -africana. Tal convenção
não foi redigida senão onze anos após a criação da OUA, momento durante
o qual esta última, apoiada por uma proposição do presidente Léopold Sédar
Senghor, tomou a decisão 115 (CXVI), por ocasião da Conferência dos Chefes
de Estado e de Governo, reunida em Monróvia, de 17 a 20 de julho de 1979.
Esta decisão, “considerando que o desenvolvimento econômico e social seja
um direito humano” e “levando em conta a resolução 24 (XXIV) da Comissão
dos Direitos Humanos, relativa aos acertos regionais com vistas à promoção e
à proteção dos direitos humanos”, reafirmava “a necessidade, para uma melhor
cooperação internacional, do respeito aos direitos fundamentais do homem e dos
povos e, mais especificamente, do direito ao desenvolvimento”, convidando “o
Secretário -Geral da Organização da Unidade Africana: a chamar a atenção dos
Estados -membros no tocante a algumas convenções internacionais cuja ratifica-
ção contribuiria para o fortalecimento da luta travada pela África contra alguns
desastres, especialmente contra o apartheid e a discriminação racial, as trocas
desiguais e o mercenarismo; bem como, a organizar em uma capital africana e
no menor prazo possível, uma conferência restrita aos especialistas de alto nível,
visando elaborar um ante -projeto de ‘Carta Africana dos Direitos do Homem
e dos Povos’ prevendo, especialmente, a instituição de órgãos de promoção e
de proteção dos direitos do homem e dos povos”. De 28 de novembro a 8 de
dezembro de 1979, juristas africanos reuniram -se em Dakar para redigirem a
primeira versão de uma carta cujo objetivo seria refletir a concepção africana
sobre os direitos humanos. Na realidade, teria sido um grande erro pretender
edificar uma nova sociedade africana desinteressando -se pelo homem, motor
primário e animador desta evolução. A África sempre contribuíra no seio da
ONU e alhures, para a formulação dos direitos do homem; não era sem tempo
que ela estabelecesse, no interior das suas próprias fronteiras, um arcabouço
jurídico preciso e especialmente adaptado às necessidades essenciais dos povos
habitantes deste território. A Conferência dos Ministros da Justiça, organizada
na capital da Gâmbia, Banjul, nos meses de junho de 1980 e janeiro de 1981,
examinou o anteprojeto de carta, redigido pelos juristas; posteriormente este
anteprojeto foi adotado durante uma reunião dos chefes de Estado, na capital
Nairóbi, em julho de 1981. O presidente da Gâmbia, sir Dawda K. Jawara, quem
abrira as duas sessões da Conferência dos Ministros da Justiça, não deixou de
sublinhar a importância daquilo que estava em jogo durante estes trabalhos:
“Uma carta verdadeiramente africana deverá refletir aquelas dentre as nossas
tradições que realmente merecem ser preservadas, assim como os nossos valores
e as legítimas aspirações dos nossos povos, com o intuito de coroar a campanha
915
Pan -africanismo e libertação
internacional mundialmente conduzida para aumentar o respeito aos direitos
do homem. O indivíduo, tal qual o concebemos, não vive em um espaço vazio
e não goza de liberdade ilimitada. Ele vive em uma sociedade, em relação con-
tínua com os outros indivíduos. Portanto ele tem não somente direitos, mas,
igualmente, obrigações, em respeito à sua família e à coletividade. Seria todavia
temerário estender as obrigações dos indivíduos a ponto de negar o indivíduo,
em prol do interesse do grupo”.
A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos compreende um
longo preâmbulo e 67 artigos, repartidos em três seções. A primeira seção aborda
os direitos e os deveres dos indivíduos e dos povos; a segunda expõe medidas
destinadas a defenderem estes direitos; a terceira contém disposições relativas
a temas diversos.
Os Estados africanos haviam manifestadamente adotado esta carta, não
somente em contribuão ao progresso e para a afirmação do dever de ser
livre” na África, assim como para disporem de uma arma suplementar contra o
horrível monstro representado pelo apartheid e pelo colonialismo.
A ação da OUA em matéria de desenvolvimento sociocultural
A afirmação das identidades culturais constituiu uma importante dimensão
da luta pela libertação nacional na África. A cultura é libertadora e favorece a
emancipação dos povos colonizados; eis a razão pela qual a OUA deve levar em
conta o fator cultural.
Em 1965, a OUA dotou o seu Secretário -Geral de um Departamento
de Assuntos Científicos e Culturais. Ela organizou, em colaborão com a
UNESCO, a Conferência Intergovernamental sobre as Políticas Culturais na
África, reunida em Accra, de 27 de outubro a 6 de novembro de 1975. Em julho
de 1976, durante a sua décima terceira sessão ordinária, a Conferência dos Che-
fes de Estado e de Governo adotou a Carta Cultural da África, complementar
à carta política de 1963.
O renascimento cultural da África expressou -se através da organização, em
Argel, do primeiro Festival Pan -africano que, de 21 de julho a 1
o
de agosto de
1969, deu lugar a notáveis manifestações artísticas. O segundo festival ocorreu
em Lagos e Kaduna, na Nigéria, de 15 de janeiro a 12 de fevereiro de 1977.
Uma série de encontros patrocinados pela OUA possibilitou melhor tratar
a atividade cultural e permitir -lhe ocupar o seu posto no processo de desen-
volvimento. Durante o Festival Pan -africano de Argel, os participantes de um
916
África desde 1935
colóquio sobre “a cultura africana e o seu papel na luta de libertação, a conso-
lidação da unidade africana e o desenvolvimento econômico e social da África
redigiram o Manifesto Cultural da África. O segundo festival, 1977, foi a ocasião
para se abordar o tema “Civilização Negra e Educação”. Em janeiro de 1981,
um colóquio sobre A Ciência e a Cultura, bases do desenvolvimento da África
teve lugar em Libreville.
Diversos organismos de cooperão cultural surgiram ao longo dos anos,
entre os quais, centros consagrados ao estudo linguístico e histórico das
tradões orais ou, igualmente, um Fundo Cultural Interafricano, criado em
1980.
As relações que a OUA, também responsável pela educação, pela ciência
e pela técnica, estabeleceu com a UNESCO e a ALECSO deram a estas
atividades uma dimensão internacional. Ela organizou, com a colaboração da
UNESCO, as Conferências dos Ministros da Educão, de 1964 e 1982. Ela
organizou juntamente com a CEA, com o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, com a UNESCO e a Associação das Universidades
Africanas a primeira Confencia dos Reitores e Vice -Chanceleres das
Universidades Africanas, reunida em Addis -Abeba, em 1982, para examinar o
Plano de Ação de Lagos. A Comissão Científica Africana depende da OUA,
a qual inclusive possui, em Lagos, um Secretariado -Executivo encarregado
das questões científicas. Em 1982, a Organizão tomou uma dupla iniciativa
neste âmbito: ela criou as premiações do Renascimento Científico Africano
e convocou um Congresso dos Cientistas Africanos, o primeiro deste nero
a realizar -se na África.
Em matéria social, muitas reuniões ocorreram com o concurso de organismos
internacionais ou interafricanos com vistas a examinarem a situação dos jovens,
das mulheres ou dos portadores de deficiência
9
. Ademais, o Secretariado -Geral
da OUA patrocina, desde 1967, a Conferência dos Ministros Africanos do
Trabalho: esta instituição permanente da OUA tem como função elaborar uma
política comum em matéria de trabalho e facilitar a necessária cooperação entre
os Estados -membros.
A ação da OUA conduziu, por outro lado, à criação, no ano 1972, da Orga-
nização Sindical Pan -africana, sediada em Accra.
9 A Organização Pan -africana das mulheres, o Movimento Pan -africano da Juventude e o Conselho
Superior do Esporte na África trabalham em estreita colaboração com a OUA e possuem junto a ela o
estatuto de observadores.
917
Pan -africanismo e libertação
A cooperação Afro -árabe
Esta outra faceta da atividade da OUA merece ser apresentada à parte. As
relações entre o mundo árabe e a África são evidentemente muito antigas. Estes
contatos seculares desdobraram -se em uma cooperação cultural e econômica,
em relação à qual é preciso admitir, entretanto, o seu estado de insuficiente
desenvolvimento.
Pan -africanismo e pan -arabismo
O pan -africanismo e o pan -arabismo estiveram à origem de diferentes
movimentos na África do Norte. O pan -arabismo voltava -se para o leste: em
direção à península árabe e ao Crescente Fértil. O pan -africanismo, ao sul do
Saara e contrariamente, mirava para o oeste, rumo aos negros das Américas. O
pan -arabismo supunha uma solidariedade cultural, em parte, fundada sobre a
afiliação religiosa (a herança islâmica). O pan -africanismo supunha uma solida-
riedade cultural parcialmente fundada sobre a origem racial (patrimônio cultural
dos negros). O pan -arabismo insistia na ideia de uma “nação árabe” única. O
pan -africanismo elaborava o conceito de uma personalidade africana unificada.
Os dois movimentos alimentavam sentimentos profundamente ambivalentes
no tocante à Europa Ocidental. Eles demonstravam, a um tempo, atração e
repulsa pela cultura e pela civilização europeia. O pan -arabismo referia -se aos
antigos impérios dos omíadas e dos abássidas, relembrando que os árabes haviam
civilizado a Europa na Idade Média. O pan -africanismo referia -se aos antigos
impérios do Mali, do Songhay e de Gana, e rememorava que o Egito civilizara
a Grécia Antiga. A nostalgia do glorioso passado do Islam, inspirador de poetas
e dramaturgos, renovou a literatura árabe. A nostalgia da sabedoria ancestral
esteve à origem de movimentos literários africanos como aquele da negritude
10
.
Após a Segunda Guerra Mundial, pan -africanismo e pan -arabismo come-
çaram a aproximar -se. Os primeiros sinais desta aproximação surgiram notada-
mente talvez fosse inevitável no Sudão, em Cartum. Numerosos sudaneses do
norte estavam sensibilizados pela ambivalência da sua situação histórica. Seriam
eles árabes ou africanos? Poetas e escritores tentaram apreender esta ambiva-
lência. A. M. Fayturi alcança expressá -la quando descreve a África jazendo
10 UNESCO, 1984.
918
África desde 1935
inconsciente, em sono letárgico. Mas, esta África adormecida que ele se esforça
em reanimar, é uma África interior, aquela que habita a sua alma de poeta:
Afrique, ô Afrique,
[África, oh África,]
Sors de ton sommeil obscur [...]
[Saia do teu sono obscuro [...]
La terre a maintes fois tourné sur son axe,
[A terra muitas vezes girou sobre o seu eixo,]
Les planètes ardentes ont maintes fois roulé dans le ciel.
[Os planetas ardentes muitas vezes rolaram no céu]
Le rebelle a reconstruit ce qu’il avait détruit,
[O rebelde reconstruiu o que havia destruído]
Et l’adorateur profane ce qu’il adorait.
[E o adorador profana o que adorava.]
Mais tu es restée ce que tu fus toujours,
[Mas tu permaneceste o que sempre foras,]
Un crâne rejeté, un simple crâne
11
.
[Um crânio rejeitado, um simples crânio.]
O processo de aproximação do pan -africanismo e do pan -arabismo entrou
em nova fase com a revolução egípcia de 1952. Que Muhammad Naguib, breve
sucessor do rei Fārūq à frente do Estado egípcio, tenha sangue negro em suas
veias, que Anwar al -Sādāt este outro artífice da revolução egípcia de 1952,
posterior dirigente do país durante mais de dez anos tenha carregado em si
deste mesmo sangue, através da sua mãe, sangue originário dos ancestrais negros,
estes fatos apresentam -se neste contexto como secundários; o mais significativo
é a mudança de orientação da política egípcia. Gamāl Abd al -Nasser, sucessor de
Naguib, considerava que o Egito estava no centro de três círculos concêntricos:
o mundo árabe, o mundo muçulmano e a África. Ele relembrou aos seus com-
patriotas que eles não podiam permanecer indiferentes à luta sangrenta que
prosseguia ao sul do Saara contra o imperialismo e o racismo. Talvez sonhando
com a doutrina que, no século XIX, salientava a importância do Canal de Suez e
do Nilo ou o papel do Egito na qualidade de região mãe da civilização, al -Nasser
via em seu país a porta da África. Embora tenha exagerado no tocante ao papel
central do Egito em respeito à história da África, o lançamento do seu livro
11 Segundo a tradução inglesa de M. ABDUL -HAI, 1976.
919
Pan -africanismo e libertação
La philosophie de la révolution marca uma importante etapa na aproximação do
pan -africanismo e do pan -arabismo
12
.
Uma aliança esboçava -se entre os movimentos nacionalistas da África e
aqueles do mundo árabe. O Cairo tornou -se por certo tempo a capital do nacio-
nalismo africano e árabe, em sua forma mais radical. Vindos de toda a África
e do Oriente -Médio, militantes e dissidentes encontravam -se no Cairo para
tramarem e prepararem a revolução. A República Árabe Unida, dirigida por
al -Nasser, financiava grande parte das suas atividades.
A Rádio Le Caire foi, no continente africano, o primeiro órgão internacional
de difusão das ideias revolucionárias. Ela emitia em árabe, em inglês e em francês
mas, igualmente em kiswahili, antes de ampliar as suas emissões em outras lín-
guas mais. O Egito inclusive oferecia aos africanos, bem como aos árabes, bolsas
de estudo permitindo -lhes estudar nos estabelecimentos de ensino egípcios. As
autoridades coloniais que administravam os territórios africanos alarmaram -se
com o papel crescentemente subversivo desempenhado pela República Árabe
Unida de al -Nasser, relativamente ao conjunto da África subsaariana. A sua
inquietação não serviu senão para reforçar o apoio do Egito aos movimentos
nacionalistas.
A Crise de Suez, em 1956, e a nacionalização do canal pelo Egito, aumen-
taram ainda mais a reputação de radicalismo atribuída a al -Nasser. Esta nacio-
nalização, vitoriosa, representou uma espécie de proclamação do direito dos
africanos a disporem dos seus próprios recursos, malgrado a oposição dos países
estrangeiros. A invasão do Egito pelas tropas britânicas, francesas e israelenses,
primeiramente, conferiu a al -Nasser a estatura de mártir, quando da derrota
militar, posteriormente, concedeu -lhe o estatuto de herói, quando os agres-
sores foram obrigados, sob a pressão internacional, a retirarem -se de modo
vergonhoso.
A etapa seguinte da reaproximação entre o pan -africanismo e o pan -arabismo
coincide com as últimas fases da Guerra da Argélia. Esta guerra explodiu em
1954, entretanto, as suas repercussões pan -africanas não tomaram toda a sua
amplitude senão após a conquista da indepenncia de Gana, em 1957. A
Guerra da Argélia contribuiu, antes, sobretudo para a divisão, muito mais que
para a união do continente africano. Com efeito, numerosos países francófonos
estavam divididos entre a sua rejeição ao colonialismo e a sua amizade pela
França. Em razão de o governo francês ter pretendido, por longo período, que
12 G. A. al -NASSER, 1954; conferir igualmente K. OSIA, 1983.
920
África desde 1935
a Argélia fosse uma extensão da França, a opinião blica conservadora, na
África francófona, primeiramente tendeu a conferir -lhe o benefício da dúvida.
O efeito desta situação foi a divisão dos países africanos em dois grupos: aquele
de Casablanca, apoiador do governo argelino no exílio, e aquele de Monróvia,
mais conservador.
Fato interessante, esta divisão não opunha claramente os árabes pró -argelinos
e os negros pró -franceses. O Grupo de Casablanca (pró -argelino) beneficiava-
-se do apoio do maior expoente do pan -africanismo, Kwame Nkrumah, e nele
agregavam -se, além de Gana, dois outros países não árabes, a Guiné e o Mali.
Esta aliança marcou uma nova fase da histórica reaproximação entre o pan-
-africanismo e o pan -arabismo. Ao assinar a Declaração de Casablanca, Nkru-
mah associava -se, pela primeira vez, à denúncia de Israel pelos árabes, os quais
acusavam este país de ser um instrumento do neocolonialismo e um repre-
sentante do Ocidente.
A divisão entre os países africanos foi atenuada pela conquista da indepen-
dência pela Argélia, em 1962, posteriormente, através da criação, em 1963, da
OUA. A OUA é afro -árabe pela sua própria composição, inspirada em uma
concepção que faz do Saara um lugar de passagem e não uma barreira. Ela
representa, sob certos aspectos, a expressão do mais importante e ambicioso
projeto de união afro -árabe jamais dantes concebido. A sua criação marcou a
quarta etapa da reaproximação entre o pan -africanismo e o pan -arabismo.
A quinta etapa corresponde à guerra de junho de 1967, entre os árabes e
Israel. A conquista do deserto do Sinaï por Israel foi considerada uma agressão
contra um membro da OUA e, por conseguinte, como a ocupação de uma parte
do território africano pelas forças israelenses. Pela sua extensão geográfica, o
conflito árabo -israelense africanizou -se e, em razão desta agressão, os laços
entre pan -africanismo e pan -arabismo reataram -se. A cooperação de Israel com
o regime racista da África do Sul ofereceu novos motivos para a solidariedade
afro -árabe. Quando sobreveio a guerra árabo -israelense de outubro de 1973,
esta solidariedade estava suficientemente sólida a ponto de permitir que todos
os países africanos rompessem as suas relações diplomáticas com Israel. A polí-
tica africana estava, desde então, verdadeiramente ligada à situação política no
Oriente -Médio.
A solidariedade afro -árabe basear -se -ia, igualmente, no ímpeto adquirido pela
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)? A análise depara -se
aqui com dados relativamente ambíguos. A ascensão da OPEP efetivamente
conferiu à Nigéria uma importância decisiva no jogo das relações entre os ára-
bes e a África negra. Durante cerca de oito anos, de meados da década de 1970
921
Pan -africanismo e libertação
até meados dos anos 1980, em razão da sua política petrolífera mas, outrossim,
como consequência da sua política no referente ao islam, a Nigéria constituiu
um dos elos da cadeia de ligação entre o pan -arabismo e o pan -africanismo. O
presidente Ibrahim Babangida inclusive correu o risco político, em 1986, ao
fazer da Nigéria um membro integral da Organização da Conferência Islâmica
(OCI), malgrado a indignação dos seus compatriotas cristãos.
Mas, se a política da OCI, à imagem daquela da OPEP, oferece muito ami-
úde a oportunidade de uma ampla reaproximação do pan -africanismo com o
pan -arabismo, a religião e o petróleo, por sua vez, podem igualmente revelarem-
-se fatores de divisão. Praticamente a metade dos membros da OCI (organi-
zação que reúne cerca de cinquenta países) também pertence à OUA. Estas
três organizações OCI, OUA e OPEP contribuíram para reaproximar o
pan -africanismo e o pan -arabismo. Contudo, a religião e os preços do petróleo
têm frequentemente uma influência ambígua, no tocante às relações humanas
e internacionais.
Os desdobramentos da cooperação afro -árabe
A afiliação dos países africanos e árabes ao Grupo dos Setenta e Sete e a sua
participação nas negociações Norte -Sul constitui, por outro lado, a origem de
uma aliança mais ampla com o restante do Terceiro -Mundo, aliança esta que
tem recentemente adquirido uma nova dimensão. O Terceiro -Mundo tomou
consciência da sua unidade e da sua coesão em Bandung, em 1955, e este sen-
timento foi sobremaneira reforçado por ocasião da conferência de cúpula dos
países não alinhados, organizada em Argel, no ano de 1973. O parentesco, entre
o racismo na África do Sul e o sionismo na Palestina e nos territórios ocupados,
uniu as vítimas destas duas práticas, os africanos e os árabes.
A crise econômica e os seus efeitos sobre o desenvolvimento dos países do
Terceiro -Mundo incitaram os governos destes países a adotarem uma posição
comum e a protestarem em conjunto contra a deterioração da situação mundial
e as políticas dos países industrializados. Esta postura mostrou -se tão mais
necessária quando unicamente a alta dos preços do petróleo fez dos países ára-
bes, exportadores desta matéria -prima, uma força considerável nos mercados
financeiros e monetários internacionais. Esta nova situação ofereceu novas bases
para a cooperação afro -árabe, conferindo -lhe renovados significado e finalidade.
As relações entre a África e o mundo árabe adquiriram, paulatinamente, uma
dimensão até então inédita.
922
África desde 1935
O Conselho de Ministros da OUA, reunido em sessão extraordinária de
19 a 20 de novembro de 1973, criou um comitê composto por sete membros,
encarregado por ele de estabelecer o contato com os Estados da Liga Árabe e
de examinar os meios para a definição de uma política de cooperação entre os
Estados Africanos e o mundo árabe.
Os chefes de Estado reunidos em Argel, de 26 a 28 de novembro de 1973,
decidiram criar o Banco Árabe Para o Desenvolvimento Econômico da África
(BADEA). Eles atribuíram a este organismo a missão de contribuir para o
financiamento do desenvolvimento econômico dos Estados africanos; incentivar
a participação dos capitais árabes no desenvolvimento da África; bem como,
fornecer a assistência técnica necessária ao desenvolvimento africano.
Reunidos no Cairo, em 23 de janeiro de 1974, os ministros árabes do petróleo
decidiram, em conformidade com as recomendações do Conselho Econômico
da Liga Árabe, criar um Fundo Especial de Ajuda à África. Este fundo, dotado
de um capital inicial de 200 milhões de dólares norte -americanos, deveria pri-
meiramente conceder aos países africanos uma ajuda de urgência, em condições
favoráveis.
Reunido em Túnis, entre 25 e 28 de mao de 1974, O Conselho da Liga
Árabe aprovou o princípio da criação de um Fundo Árabe de Assisncia
Técnica aos Estados Árabes e Africanos; e, no Cairo em 10 de julho, o
Comitê Interministerial, africano e árabe, aprovou um projeto de declaração
e de programa deão relativo à cooperação afro -árabe. Este documento foi
submetido aos ministros das relões exteriores, árabes e africanos, reunidos
em Dakar, de 19 a 22 de abril de 1976, posteriormente em Lusaka, de 24 a
26 de janeiro de 1977, e no Cairo, de 3 a 6 de mao de 1977. Um encontro
de cúpula reuniu no Cairo, de 7 a 9 de mao de 1977, sessenta Estados-
-membros da Liga Árabe ou da OUA. No bojo de uma declarão acerca da
cooperação ecomica e financeira árabo -africana, estes Estados decidiram
adotar um amplo programa de cooperão econômica, técnica e financeira,
no longo prazo e nas seguintes esferas: comércio; agricultura e pecuária;
minas e indústria; energia e recursos hidráulicos; transportes, comunicões
e telecomunicações; cooperação financeira; cultura, educação e ão social;
ciência e tecnologia.
Para facilitar a coordenação das suas atividades e a aplicação dos termos da
declaração, as duas organizações criaram um Comitê Ministerial Afro -Árabe
Permanente, acordaram reciprocamente o estatuto de observador em suas res-
pectivas reuniões, nomearam ambas representantes junto ao secretariado da
923
Pan -africanismo e libertação
outra e, igualmente, convidaram os organismos, africanos e árabes, a trabalharem
mediante estreita cooperação, em suas diferentes esferas.
Se tentarmos, neste momento, fazer um balanço destes primeiros anos de
cooperação afro -árabe, constataremos certamente que ela pode apoiar -se em
uma verdadeira vontade política e importantes recursos. Mas, o funcionamento
das instituições encontrou -se muito prontamente paralisado pelos conflitos
ocorridos no seio do mundo árabe e, os atrasos administrativos provocaram
irritação em ambas as partes a tal ponto que o presidente Seyni Kountché,
do Níger, ao acolher os membros do Comitê Permanente Árabo -Africano de
Cooperação, cuja terceira sessão ocorrida em Niamey, no mês de julho de 1978,
recomendava -lhes: “evitar as continuadas tergiversações em meio às quais se
compadeciam outros organismos de cooperação, mais preocupados em conser-
varem o seu poder que em trabalharem para o verdadeiro progresso econômico
e social de nossos países.
As transferências de capitais árabes para os países africanos cresceram consi-
deravelmente entre 1973 3 1980. Assim sendo, em 1974, a ajuda para o desen-
volvimento, oficialmente fornecida ao Terceiro -Mundo pelos países da OPEP,
elevou -se a 2,5 bilhões de dólares norte -americanos, o equivalente a 1,74 do
seu PIB. O conjunto das transferências efetuadas pelos membros da OPEP
para o Terceiro -Mundo alcançava 5 bilhões de dólares norte -americanos e 9
bilhões em 1975, o que representa um aumento de 66%. Mas, tudo isso ainda
não era suficiente e ao presidente do BADEA se lhe era permitido escrever:
“O fraco volume destas transferências para a África parece ainda mais inquie-
tante se comparado às reais necessidades do continente em matéria de capital-
-desenvolvimento”. Duramente afetados no curso dos anos 1980, pela “crise”
ligada à superprodução e à baixa nos preços do petróleo, os países árabes dimi-
nuíram a sua ajuda ao Terceiro -Mundo.
Entretanto, à imagem do espírito dos seus inspiradores, a cooperação afro-
-árabe não se reduz a transferências de fundos ou a investimentos privados. Ela
deve traduzir em atos as aspirações comuns e a compreensão mútua dos povos
e civilizações. Cabe, portanto, conciliar o Plano de Ação de Lagos, adotado pela
OUA e a Estratégia de Amam, preconizada pela Liga Árabe, o que prepararia a
aplicação de programas de desenvolvimento comuns. O projeto, concebido pela
OUA e pela Liga Árabe com vistas à criação de um fundo cultural e de um
instituto cultural afro -árabes, promete igualmente estimular os intercâmbios e
o desenvolvimento culturais.
924
África desde 1935
Conclusão
Esta análise mostrou que um dos temas fundamentais do pan -africanismo
consistia na liberação dos negros, em geral, e dos africanos, em específico. Se,
por sua vez, o capítulo deste volume que aborda a integração regional trata
mais de divisões, conflitos de personalidades e fracassos, comparativamente
ao que se poderia dizer sobre unidade e sucessos, o presente capítulo, em con-
trapartida, consagrado às relações do pan -africanismo com os movimentos de
libertação, permite entrever grande unidade de propósitos e de ão junto aos
povos de ascendência africana, mundo afora e, particularmente, na OUA. Mal-
grado as contendas que opuseram, inicialmente, os movimentos de libertação,
em que pesem os conflitos de interesse entre as economias nacionais, apesar da
vulnerabilidade de alguns Estados independentes e do relevante apoio econô-
mico, militar e diplomático concedido aos regimes coloniais, pelas potências
ocidentais, contudo, a OUA e os movimentos de libertação lograram conduzir
um combate comum, sob a insígnia do pan -africanismo, alcançando o triunfo
sobre o colonialismo e o imperialismo europeus. De um modo ou de outro,
todos os Estados independentes da África assumiram a sua responsabilidade
no combate, a despeito da aparente diferença entre os seus interesses nacionais.
O anticolonialismo, o antirracismo e o não alinhamento foram os mais sólidos
fundamentos em prol da unidade pan -africana, entre os Estados independentes
e entre os movimentos de libertação. A ideologia pan -africana e a solidariedade
com todos os movimentos de libertação africanos alcançaram eco entre as mas-
sas, preparando os africanos a aceitarem os custos econômicos e os sacrifícios
humanos necessários à libertação dos seus irmãos.
Como consequência das mutações econômicas, notadamente da deterioração
da situação econômica na África, as fronteiras do pan -africanismo ampliaram-
-se e englobam, desde logo, o Oriente -Médio e o conjunto terceiro -mundista.
O futuro verá, sem dúvida, como no caso da Namíbia, o feliz desenrolar da luta
travada na África do Sul, a chegada da África a uma independência econômica
mais autêntica, bem como a realização deste sonho por tanto tempo cultivado
pelo pan -africanismo radical, todavia e até o presente inatingível: um governo
africano em escala continental.
925
A ÁFRICA INDEPENDENTE
EM MEIO AOS
ASSUNTOS MUNDIAIS
S E Ç Ã O V I I
927
A África e os países capitalistas
C A P Í T U L O 2 6
As relações da África com o mundo capitalista foram marcadas por três
flagelos: o tráfico de escravos, o imperialismo e o racismo. Estariam esses três
flagelos intrinsecamente ligados ao capitalismo ou dele seriam dissociáveis?
A história anterior das relações da África com o mundo capitalista evi-
dentemente mostrou que o capitalismo desenvolvido poderia sobreviver sem
problemas à abolição da escravatura. Inclusive seria ele capaz de tomar a sua ini-
ciativa, pois que, a primeira potência capitalista do século XIX, a Grã -Bretanha,
também se apresentou como a primeira potência abolicionista.
Na segunda metade do século XX, tratou -se de saber, a propósito do capi-
talismo, se ele, primeiramente, podia sobreviver sem problemas ao processo de
descolonização e, em segundo lugar, se estava apto a dissociar -se definitivamente
do racismo. Em virtude do tráfico finalmente revelar -se inútil ao bom curso do
capitalismo internacional, poderíamos nós supor, em um estádio mais avançado
deste sistema, que o imperialismo e o racismo sejam igualmente supérfluos?
Do final da Segunda Guerra Mundial até os anos 1980, o mundo capita-
lista finalmente aceitou, apesar de si, a descolonização política da África, assim
como, o início dos anos 1990 viu anunciar -se o fim do apartheid e do racismo
institucionalizado na África Austral. Haveria pertinência em concluir que o
capitalismo estaria prestes a se livrar, após o tráfico, dos dois flagelos caracterís-
ticos de sua relação com a África: o imperialismo e o racismo?
A África e os países capitalistas
Chinweizu
928
África desde 1935
Aqui existe, na realidade, uma porção de mistificação, pois a descolonização
política e a independência formal da África não implicam o fim do imperia-
lismo. Elas tão somente traduzem uma mudança facial do imperialismo. A
descolonização política não se acompanhou de uma descolonização econômica.
Notoriamente, a tutela de um único país europeu por vezes transformou -se em
tutela coletiva das potências ocidentais, exercida através da Organização do Tra-
tado do Atlântico Norte ou da Comunidade Econômica Europeia. Este capítulo
aborda algumas destas novas faces do poder capitalista na África.
Quando da chegada à independência
1
, as mudanças que os novos Estados
africanos desejavam ver intervirem na esfera das suas relações com o mundo
capitalista derivavam de quatro ambições estreitamente correlatas
2
. As suas elites
pretendiam modernizar a sociedade a fim de conquistar, para seu povo, o res-
peito da comunidade internacional. Para alcançá -lo, elas tencionavam realizar a
descolonização política da África, impondo um fim às humilhações do racismo;
elas contavam, a seu favor, com o desenvolvimento econômico, para transformar
os seus países em membros poderosos, ricos e respeitados no mundo industria-
lizado; enfim, elas pretendiam, através da descolonização econômica, liberar -se
da tutela econômica do Ocidente. O mundo ocidental acolheu estes anseios na
justa medida do seu grau de compatibilidade com o seu interesse primordial,
a saber, manter a sua supremacia, mediante tanto menos reformas quanto as
possíveis. Quando estas pretendidas mudanças fossem além, ou ao encontro
destas reformas, o Ocidente, a elas, opor -se -ia; caso contrário, ele as apoiaria.
Para a África, assim como para o mundo ocidental, a modernização supunha
um processo chamado a transformar as sociedades africanas em réplicas negras
das sociedades industriais do século XX. O modelo predileto em geral era pro-
porcionado pelas sociedades industriais capitalistas. A maioria dos dirigentes
africanos, à imagem dos seus homólogos ocidentais, rejeitava o modelo das
sociedades industriais socialistas, arquétipo somente escolhido por uma minoria
das elites africanas. Por conseguinte, a cooperação afro -ocidental consagrou -se,
amplamente: à promoção de um modo de exercício dos poderes públicos, em
conformidade com os preceitos e ao estilo das democracias ocidentais; ao esta-
belecimento de um sistema escolar e universitário, à moda ocidental, capaz de
tornar possível transplantar, para a África, a tradição intelectual do Ocidente; à
1 Considera -se, em geral, que o ano 1960, no transcorrer do qual grande número de países africanos
conquistou a independência, representa o ponto de partida para a independência da África.
2 As relações entre a África e o mundo exterior capitalista eram essencialmente relações afro -ocidentais,
o mundo ocidental considerado no sentido da tríade: Europa Ocidental, América do Norte e Japão.
929
A África e os países capitalistas
propaganda, entre os africanos, em favor da ideologia capitalista, predominante e
particularmente, em sua versão liberal da época; bem como, finalmente, à criação
de um sistema de transportes e de comunicações, além de outras infraestruturas,
de natureza a facilitarem, na África, o florescimento de uma atividade econômica
calcada no modelo ocidental.
Em respeito ao Ocidente, tanto quanto aos Estados africanos, o objetivo
econômico da modernização consistia em permitir aos africanos adequarem -se
rapidamente ao diapasão da civilização de consumo, característica no mundo
ocidental contemporâneo. Entretanto, se os africanos, por sua vez, pretendessem
criar as suas próprias indústrias, para responderem à demanda por produtos
constituídos como objetos de desejo, o Ocidente, a seu turno, preferiria ver a África
permanentemente dependente em relação a si. A noção de desenvolvimento
econômico continha, portanto, dois significados bem distintos, de parte a outra.
Relativamente aos Estados africanos, o desenvolvimento econômico suben-
tendia imperativamente a crião da sua própria base industrial. O mundo
ocidental, em contrapartida, circunscrevia a sua visão sobre o desenvolvimento
econômico africano a uma simples reforma na capacidade produtiva da África,
de tal sorte conduzida, que esta última se tornasse um fornecedor estável de
matérias -primas agrícolas e minerais, para as indústrias ocidentais, reforma esta
que, conjugada a um estímulo dos apetites africanos, inauguraria, na África, um
tempo de oportunidades mais lucrativas para as mercadorias ocidentais.
Em respeito ao capítulo da descolonização econômica, os Estados africanos
e o Ocidente encontravam -se em nítida oposição. Os Estados africanos dese-
javam arrancar o controle da sua economia das mãos do mundo ocidental, em
nada disposto a cedê -lo. Com efeito, perder este controle significaria para o
Ocidente renunciar àquilo que, durante um século de conquista e colonização,
lhe haviam proporcionado as terras áfricas, teres que ele se aferrava a preservar
através da descolonização política. Ora, para os Estados africanos, renunciar a
este controle, equivalia a predestinar ao fracasso o componente econômico da
sua luta pela independência política.
Se a oposição entre a África e o Ocidente apresentava -se menos marcada-
mente na esfera da descolonização política, em si, este fato devia -se unicamente
às acomodações da hegemonia econômica ocidental sobre a África, mediante um
leque diverso de situações políticas concretas: dominação da minoria branca, tal
qual na República Sul -Africana e na Rodésia de então; colonialismo clássico,
como nas colônias portuguesas, todavia não liberadas, da época; ou neocolonia-
lismo, equivalente a um controle político indireto exercido através do domínio
econômico, à imagem dos próprios Estados africanos recém -independentes.
930
África desde 1935
Em razão destas diversas possibilidades, a oposição ocidental à vontade africana
de destruir o racismo e de não mais tolerar a dominação política estrangeira,
sequer no último rincão perdido de terra africana, não foi tão implacável quanto
a sua oposição à descolonização econômica. No entanto, as potências ocidentais
não apresentavam o mínimo entusiasmo no tocante à ideia de renúncia a uma
estrutura existente de controle político, em benefício de outra, julgada menos
satisfatória. Oficial e igualmente pronunciar -se -iam em favor da descolonização
política e da abolição do apartheid, embora agindo em função destes objetivos,
contemporizando e adotando, a esse respeito, atitudes ambíguas, sob medida
exasperantes para os africanos.
O desenrolar dos acontecimentos resultantes destas convergências e diver-
gências, de posicionamento e interesses, foi amplamente determinado pelo dis-
positivo de instituições multilaterais que o Ocidente estabelecera com vistas a
administrar o sistema capitalista, no período posterior às catástrofes da Segunda
Guerra Mundial. A ONU (especialmente alguns dentre os seus organismos,
como a Conferência sobre o Comércio e Desenvolvimento, CNUCED), a
Comunidade Econômica Europeia, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional deveriam figurar, a um só tempo, na qualidade de atores principais
e como teatro do drama em vias de se reproduzir.
O multilateralismo e a Carta do Atlântico
Desde os primórdios da Segunda Guerra Mundial, os dirigentes da aliança
Antieixo deram -se conta da necessidade de se neutralizar as intensas rivalidades
econômicas que dividiam as potências capitalistas, se acaso fosse desejável evitar
outro conflito mundial. Eles decidiram, portanto, estabelecer dispositivos que,
segundo as suas expectativas, lhes permitiriam administrar a paz no imediato
posterior ao conflito. A Carta do Atlântico, redigida em 1941, pelo então pre-
sidente dos Estados Unidos da América do Norte, Franklin Roosevelt, e pelo
primeiro -ministro britânico, Winston Churchill, tornou -se a sua referência.
Ela norteava -se pelos princípios do multilateralismo, conceito que igualmente
inspirou a organização das grandes instituições político -econômicas e militares
do mundo capitalista no pós -Guerra.
Os acordos de Bretton Woods de 1944 criaram, sob a égide dos Estados Uni-
dos da América do Norte, três instituições econômicas fundamentais: o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Acordo Geral sobre as
Tarifas e o Comércio (GATTI). O FMI, cujo início do funcionamento deu -se
931
A África e os países capitalistas
em 1947, recebeu como tarefa nivelar as disparidades criadas pelos excedentes e
pelos ficits nas balanças de pagamento. O Banco Mundial (oficialmente deno-
minado Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), cujo início
do funcionamento data de 1946, teve como missão incentivar o investimento
de capitais com vistas à reconstrução e em prol do desenvolvimento dos países
membros. Quanto ao GATTI, cujas atividades começaram em 1948, o seu papel
consistia: em promover a expansão do comércio internacional, reduzindo, tanto
quanto possível, os obstáculos ao comércio, diminuindo as tarifas aduaneiras e os
contingentes de importação; bem como, em convencer os membros a concluírem
acordos comerciais preferenciais.
Nas esferas política e militar, a Carta do Atlântico esteve à origem da criação
de duas instituições. A primeira foi a Organização das Nações Unidas (ONU),
fundada em 1945 e sediada nos Estados Unidos da América do Norte. Ela se
tornaria o fórum político onde seriam discutidos os assuntos internacionais,
enquanto os seus órgãos especializados prestariam uma assistência técnica no
intuito de oferecer soluções a diversos aspectos dos problemas mundiais. Em
1949, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se lhe atribuiu a
responsabilidade pela defesa coletiva das potências europeias e norte -americanas
do mundo capitalista, cabendo aos Estados Unidos da América do Norte figurar,
neste contexto, na qualidade de primos interpares.
Duas outras organizações econômicas multilaterais, ulteriormente criadas,
influíram no curso da evolução da África independente. Trata -se primeiramente
da Comunidade Econômica Europeia (CEE), criada pelo Tratado de Roma
em 1957 e cujo início das atividades teve lugar em 1958, sob o impulso deter-
minante dos interesses da França. Os seus membros visavam, especialmente,
promover uma política externa comum, nas esferas do comércio, da agricultura
e dos transportes. A segunda organização é um clube das principais potências
capitalistas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), sucessora em 1961 da Organização Europeia para a Cooperação Eco-
nômica, ela teve como missão, entre outras, promover o comércio multilateral
em escala mundial.
Estas instituições (ONU, FMI, Banco Mundial, GATTI, CEE, OCDE,
OTAN) estavam no centro de uma ampla estrutura de regulamentações, leis,
procedimentos e organizações, as quais, em conjunto, determinavam os meca-
nismos de funcionamento do mundo capitalista em cujos países africanos
descolonizados inseriam -se. Porém, sem muito interrogarem -se a respeito das
verdadeiras razões de existência destas instituições ou conjunto de estruturas
que elas abrangessem, os Estados africanos viram -se cooptados em seu seio. Eles
932
África desde 1935
foram persuadidos a aderirem à ONU e às suas instituições, ao FMI, ao Banco
Mundial e ao GATTI, bem como a estabelecerem relações de subordinação
com a CEE, a OTAN e a OCDE. Segundo os termos das cláusulas, públicas e
secretas, instrumentos através dos quais o poder político oficial lhes fora transfe-
rido aquando da independência, eles eram obrigados a reconhecerem os acordos
econômicos, diplomáticos, e culturais aos quais, as administrações coloniais em
retirada, os haviam levado a aderir. Além disso, os Estados africanos se deixaram
persuadir a tornarem -se membros de organizações como o Commonwealth
britânico e a Comunidade francesa, criada pelos seus antigos colonizadores com
o intuito de prolongar a sua hegemonia política. Numerosos Estados africanos
(sobretudos as antigas colônias francesas) igualmente assinaram pactos de defesa
com os seus antigos mestres, pactos que permitiam, em muitas oportunidades,
à ex -potência colonial (com maior ênfase à França) manter tropas em terra, nos
países africanos, para a eventual necessidade de intervenção militar nos assuntos
internos destes novos regimes africanos. Assim sendo, não somente os Estados
africanos subordinar -se -iam aos princípios institucionais do sistema capitalista
mundial mas, além disso, eles próprios se agarravam de toda a forma aos seus
 . Conferência franco -africana em La Baule, França, realizada em junho de 1990. (Foto: AFP
Photos, Paris.)
933
A África e os países capitalistas
mecanismos internos de funcionamento. Com a independência, a África, outrora
um mosaico capitanias imperiais exclusivas e rivais, cada qual sob a égide de
alguma potência europeia, tornou -se, real e essencialmente, um protetorado da
OTAN.
Segundo a lógica da OTAN, a responsabilidade sobre cada antiga colônia
permanecia sob a incumbência do seu antigo mestre. Em caso de guerra civil,
eclodida em uma das antigas colônias (como na Nigéria ou no Tchade), os países
da OTAN adotavam, por via de regra, a atitude preconizada pelo antigo mes-
tre colonial. Porém, caso uma colônia estivesse seriamente ameaçada por uma
subversão comunista externa (à imagem do Congo de Lumumba), os Estados
Unidos da América do Norte, líderes da OTAN, reservavam -se o direito de
diretamente tratarem do assunto.
A descolonização política e a rivalidade
Leste -Oeste (1960 -1984)
A descolonização política da África finalmente provocou o enfraquecimento
do protetorado da OTAN, transformado em hegemonia da OCDE. Contri-
buíram, a este respeito, dois vetores principais. Primeiramente, enquanto os
Estados africanos diversificavam as suas relações econômicas com o restante do
mundo, outros países capitalistas membros da OCDE, embora não pertencentes
à OTAN (como a Suíça, a Irlanda, a Suécia e o Japão), estabeleceram sólidos
laços econômicos com a África. Em segundo lugar, fornecendo apoio material
aos movimentos africanos de descolonização, o bloco soviético adquiriu cres-
cente influência na África, influência a atuar, parcialmente, em detrimento do
protetorado da OTAN. Nos anos 1960, inicialmente apoiado sobre a declarada
amizade, embora verbal, dos regimes radicais no poder em Gana, na Guiné e no
Congo Brazaville, o bloco soviético havia, posteriormente, em meados dos anos
1970, estabelecido sólidas pontas -de -lança na Etiópia, em Angola e Moçambi-
que, autoproclamados Estados Socialistas ou marxistas pró -soviéticos.
Os temores, suscitados no Ocidente pela influência do bloco soviético na
África, tiveram sérias repercussões nas relações afro -ocidentais. O efeito pro-
duzido era comparável àquele correspondente ao surgimento de um exército de
reserva no horizonte de um território sitiado: ela suscita esperanças incertas de
redenção em meio aos sitiados e inquietação junto aos sitiadores. As ações e
intenções soviéticas tornaram -se elemento crucial dos cálculos dos ocidentais e
dos africanos, em referência a todos os aspectos das suas relações.
934
África desde 1935
Os países ocidentais esforçaram -se para isolar a África da influência do bloco
soviético, ao passo que o nacionalismo africano estava distante de ignorar a ajuda
que este mesmo bloco poderia conceder -lhe em seu combate contra a supre-
macia dos colonos rodesianos no Zimbábue, contra o colonialismo português
em Angola, na Guiné -Bissau e Moçambique, contra o domínio sul -africano na
Namíbia e contra o apartheid e o poder dos colonos brancos na África do Sul.
Nos Estados africanos independentes, o protetorado da OTAN foi preser-
vado de diversas maneiras: campanhas de propaganda destinadas a promove-
rem o clima político e cultural pró -ocidental e antissoviético; apadrinhamento
político dos regimes africanos através das embaixadas ocidentais; intervenções
políticas secretas e, caso fracassassem estas ações, intervenções militares diretas,
em apoio aos regimes pró -ocidentais vacilantes ou intuindo derrubar regimes
pró -soviéticos cujo estabelecimento estivesse consumado. Estas atividades cul-
minaram com as múltiplas intervenções militares “anticomunistas”, executadas
na África por forças ocidentais ou subservientes. Entre estas intervenções, deve-
mos citar: a operação da ONU na República Democrática do Congo (ex -Zaire),
entre 1960 e 1964, cujo objetivo consistia em banir Patrice Lumumba, a oeste
considerado pró -sovtico e comunista, instalando assim um regime pró-
 . Instalação de uma gráca no CICIBA, em Libreville, Gabão, realizada por técnicos da Mit-
subishi Corporation do Japão. (Foto: L. Mbuyamba, Libreville, Gabão.)
935
A África e os países capitalistas
-ocidental; as intervenções britânicas no Quênia e na Tanganyika (1964), com
o intuito de reprimir sublevações contra os regimes pró -ocidentais; o golpe de
Estado contra Nkrumah em Gana (1966), objetivando derrubar um chefe de
Estado progressivamente antiocidental; as operações do Shaba em 1977 e 1978-
-1979, com vistas a proteger o regime de Mobutu contra os inimigos congoleses;
numerosas intervenções francesas visando apoiar os regimes pró -Paris (na Costa
do Marfim em 1964 e 1968, por exemplo) ou para substituírem aqueles não
mais aceitos pela França, como o Golpe de Estado contra o imperador Bokassa
(1979); além de múltiplas expedições de mercenários, cujo plano consistia em
derrubar governos africanos “esquerdizantes”, à imagem da Guiné (1970) e das
Seychelles (1979 e 1982). Estes procedimentos permitiram preservar, em termos
gerais, um statu quo pró -ocidental nos países em questão.
As tentativas ocidentais visando impedir a instalação de regimes pró-
-soviéticos, nas derradeiras antigas colônias, obtiveram êxito muito inferior.
Nestas condições, o nacionalismo africano, com o decisivo apoio do bloco sovi-
ético, infringiu derrotas ao Ocidente.
Malgrado o interesse existente, no tocante ao Ocidente, de estender a desco-
lonização política às últimas colônias ainda subsistentes, o temor, especialmente
alimentado pela experiência do Congo, correspondente a estar às voltas com
africanos pró -soviéticos no exercício do poder, em consequência da retirada dos
europeus, este receio incitou o Ocidente a apoiar, integralmente e com toda a sua
força, os sobreviventes regimes colonialistas de Portugal, da Rodésia e da África
do Sul. Por conseguinte, contra a determinação da OTAN de apoiar Portugal
empobrecido a aferrar -se às suas colônias e a Rodésia a manter a ocupação do
Zimbábue, fez -se necessário o engajamento em prolongados conflitos arma-
dos. Uma forte assistência militar e diplomática do bloco soviético contribuiu
para trazer à órbita de influência pró -soviética, eventualmente até marxista, os
nacionalistas vencedores.
Na Etiópia, foi justamente a fração marxista do exército que triunfou em
sua luta pelo poder, posterior à derrubada do regime feudal do imperador Haïlé
lassié. A vitória marxista foi obtida a despeito dos consideráveis esforços
empreendidos pelos ocidentais e, mais especificamente, pelos norte -americanos,
com vistas a instalarem os seus amigos no poder.
Estes triunfos de nacionalistas africanos marxistas abriram, a partir de 1975,
uma grande fissura no protetorado da OTAN. Ao notarem a concretização
dos seus maiores temores, no referente à instalação na África de regimes pró-
-soviéticos, o Ocidente, guiado pelos Estados Unidos da América do Norte,o
se mostrava em nada disposto a favorecer a chegada ao poder da maioria negra
936
África desde 1935
da África do Sul, nem a exercer pressão sobre a minoria dos colonos brancos,
visando obter a abolição do apartheid. Ele tendeu igualmente a favorecer a
manutenção do domínio sul -africano sobre a Namíbia. Assim sendo, em que
pesem as grandes vitórias africanas contra o colonialismo português e rodesiano,
a descolonização política da África não se concluíra, todavia, ainda no curso dos
anos 1980. A Namíbia ainda lutava pela sua independência e, apesar das cres-
centes pressões internacionais, o ocaso do apartheid e da supremacia da minoria
branca, na África do Sul, não se apresentava no horizonte próximo.
Ao final de 1984, a OTAN perdera o seu protetorado sobre os países que
ainda subsistiam como colônias, em 1970, mas, em contrapartida, ela lograra
preser-lo nos países que, à época, haviam conquistado a sua independên-
cia, estes países se haviam tornado, neste ínterim, neocolônias. Desta forma,
justificava -se globalmente e, a posteriori, a estratégia do Ocidente, correspon-
dente a conceder, após a guerra, a independência às suas colônias para poder
mantê -las sob o seu raio de influência econômico.
Ora, a partir de 1974, o essencial do drama afro -ocidental desvelou -se não
mais em cenário político mas, no âmbito econômico.
O desenvolvimento econômico e a
descolonização (1960 -1973)
Decidido a preservar o seu protetorado econômico sobre a África e temendo
as incursões do bloco soviético, caso os africanos encontrassem -se frustrados
em suas aspirações, o Ocidente estaria pronto a possibilitar certo grau de afri-
canização da economia do continente africano e a apoiar com os seus meios o
tipo de desenvolvimento limitado que as potências coloniais haviam começado
a organizar após a Segunda Guerra Mundial. Porém, as exigências do naciona-
lismo africano ultrapassavam em muito aquilo que o Ocidente, Estados Unidos
da América do Norte à frente, estava disposto a conceder. O primeiro quarto de
século de independência política da África, igualmente, veria chocar -se a ação
dos africanos, em favor do desenvolvimento e da descolonização do continente,
com os esforços empreendidos pelos ocidentais, cujo alvo consistia em frear
estas mutações.
A receita consagrada para desencadear o desenvolvimento preconizava a uti-
lização, juntamente com o emprego de fundos da poupança interna, dos capitais
de investimento, de uma ajuda financeira, de bens de produção, bem como de
uma assistência técnica, todos externos, capazes de contribuir para a criação
937
A África e os países capitalistas
de indústrias locais aptas a transformarem as matérias -primas e a produzirem
bens de consumo, em substituição às importações. Paralelamente, deveriam ser
realizados trabalhos na esfera da infraestrutura econômica (estradas, barragens,
vias férreas, telecomunicações, entre outros), com o intuito de assegurar o abas-
tecimento das indústrias e a distribuição da produção. O estabelecimento de
uma infraestrutura social (escolas, hospitais, entre outros) deveria contribuir para
melhorar a qualidade da mão de obra. A exportação dos produtos agrícolas e
minerais financiaria a compra de bens de consumo e forneceria parte dos recur-
sos necessários à industrialização. Esta estratégia, apoiada na poupança interna,
na ajuda estrangeira, no investimento estrangeiro, na técnica estrangeira, nos
especialistas estrangeiros e no comércio externo, com o objetivo de formar a mão
de obra local, melhorar a infraestrutura e desenvolver a produção de matérias-
-primas, lograria permitir alcançar uma taxa de crescimento do produto interno
bruto (PIB) suficientemente elevada, a ponto de cobrir o abismo existente entre
os níveis de vida no Ocidente e na África.
Os socialistas e os capitalistas africanos não estavam de acordo em respeito
àquelas modalidades de organização social interna, as mais adequadas para apli-
car esta estratégia de desenvolvimento. Para os partidários da “via socialista de
desenvolvimento”, a aplicação deveria ser realizada por intermédio de medidas
sociais e econômicas norteadas pela propriedade coletiva dos meios de produção.
Na prática, propriedade coletiva significava propriedade do Estado. Em meio
aos partidários da via socialista, os marxistas defendiam que a gestão da socie-
dade e do seu aparelho produtivo coletivizado deveria estar submetida à ditadura
do proletariado. Outros socialistas africanos não iriam tão longe e estimavam
que bastasse confiar administração do Estado a uma coalizão de representantes
de todas as classes da sociedade. Alguns observavam não haver classes sociais
na África e, por conseguinte, não poderia tratar -se de poder ou ditadura de
classe alguma. Para os defensores da via capitalista de desenvolvimento”, a
estratégia deveria acontecer através de medidas, sociais e econômicas, baseadas
no princípio capitalista e envolvendo uma propriedade dos meios de produção,
a um tempo, pública e privada. Eles optavam por uma economia mista, ao
combinarem, em doses variáveis, a empresa privada e a empresa pública.
As potências ocidentais eram, naturalmente, favoráveis à via capitalista. Elas
consideravam os socialistas africanos não marxistas com relativa desconfiança e
os marxistas africanos na qualidade de marionetes ou agentes do bloco soviético,
cabendo evitar a todo custo a sua chegada ao poder.
Entretanto, desde antes do final dos anos 1960, era evidente que a receita
relativa ao desenvolvimento não produzia efeitos. No início dos anos 1970, não
938
África desde 1935
havia sequer sinais de uma “recuperação em qualquer país da África (capitalista,
socialista ou marxista). O mundo inteiro poderia constatar que as nações ricas
tornavam -se progressivamente mais prósperas, ao passo que os pobres, aqui
incluídos os países africanos, estavam cada vez mais empobrecidos.
Antes que a Organizão dos Países Exportadores do Petróleo (OPEP)
aumentasse o preço do petróleo, somente uma minoria de africanos correla-
cionava o desenvolvimento econômico à descolonização das suas relações eco-
nômicas externas. A descolonização era então considerada como uma simples
africanização, caracterizada simplesmente pelo aumento numérico dos africanos
nas estruturas econômicas herdadas da época colonial. Somente uma minoria
de nacionalistas radicais defendia a nacionalização das empresas estrangeiras e
uma modificação nas relações econômicas afro -ocidentais. Outra minoria, ainda
menor, de partidários da via socialista”, julgava que o desenvolvimento exigisse,
simultaneamente e na esfera local, uma transformação das relações econômicas
e sociais herdadas do colonialismo, bem como um desacoplamento radical das
economias africanas da economia capitalista mundial.
O Ocidente, por sua vez, preferia a africanização das instituições econômi-
cas coloniais, processo a desenrolar -se a um ritmo tão lento quanto possível.
Ele opunha -se à nacionalização e até mesmo à expropriação parcial, rejeitando
categoricamente qualquer alusão à modificação do caráter dos seus laços eco-
nômicos com a África.
Condenando a Guiné ao isolamento, em 1958, a França de De Gaulle mos-
trou categoricamente que seria severamente punida, mediante ruptura total,
qualquer tentativa de desligamento do Ocidente proveniente da África. Com
efeito, justamente por este motivo, a França outorgou, brutalmente, a indepen-
dência à Guiné e rompeu com ela toda relação econômica. Em conformidade
com o código da OTAN, as outras potências capitalistas puseram a Guiné em
quarentena. O seu isolamento forçado perante o mundo capitalista desenvolvido
duraria até 1963, ano da sua reconciliação com a França. Esta ruptura obrigou
a Guiné a apoiar -se pesadamente sobre os países do bloco soviético. Em con-
trapartida, a Tanzânia, em 1967, e Angola quando da sua independência, em
1975, optaram por um modo socialista de desenvolvimento, mantendo com
o mundo ocidental os laços por eles julgados indispensáveis. A exploração do
petróleo angolano, por exemplo, continuou a ser assegurada em associação com
conglomerados ocidentais.
Diversidade análoga era observada junto aos adeptos da via capitalista.
Alguns, à imagem da Costa do Marfim, do Malaui, do Quênia ou do ex -Zaire,
eram estritamente apadrinhados pelo Ocidente na esfera econômica. Outros,
939
A África e os países capitalistas
tais como a Nigéria, pretendiam seguir a via capitalista, reservando -se certa
liberdade de ação. Gana constituía um caso a parte. Embora Nkrumah clamasse,
alto e bom som, a sua orientação socialista, pouca coisa se fez, a seu tempo, em
favor da ruptura dos velhos laços coloniais e, com maior ênfase e menor intensi-
dade, para modificar as bases capitalistas da economia e da sociedade ganenses.
Após a derrubada de Nkrumah, em 1966, o discurso socialista foi abandonado
e Gana permaneceu na via capitalista.
Os defensores da via socialista apresentavam uma postura mais agressiva no
tocante à questão da nacionalização dos haveres estrangeiros, comparativamente
ao demonstrado pelos partidários do capitalismo. Estes últimos preferiam, por
via de regra, a africanização, método cuja função consistia em, por um lado,
atribuir partes dos ativos das sociedades estrangeiras ao Estado e a empreen-
dedores individuais africanos e, por outra parte, integrar africanos às estruturas
de direção, em meio às quais eles adquiririam formação, naquilo que se refere
às técnicas de gestão. O tempo e a experiência atuando favoravelmente, os afri-
canos esperavam poder tomar as rédeas das instituições econômicas necessárias
ao desenvolvimento.
A expropriação, através da nacionalização ou pela africanização, não se repro-
duziu sem provocar reações dos governos ocidentais. Estes últimos, ao longo
dos anos 1960, ameaçavam impor severas represálias econômicas aos Estados
que pretendessem nacionalizar os teres estrangeiros, a França mostrou -se espe-
cialmente firme naquilo que diz respeito às suas antigas colônias. Quando estas
ameaças não fossem suficientes para dissuadir um país de nacionalizar, estes
governos ocidentais exigiam elevadas indenizações. A hostilidade ocidental
frente à africanização era menos aguda, embora e novamente a França fosse, a
este respeito, a mais reticente. Observou -se contudo, em meados dos anos 1970,
o caso relativo a uma instituição financeira americana, como o Citibank, a qual
optou por retirar -se da Nigéria, preferencialmente a vender, sob pressão, uma
parte das suas ações ao Estado nigeriano.
No longo prazo, a França respondeu às expropriações, parciais ou totais,
recorrendo de mais e mais ao financiamento, através de empréstimos ou cartas
de crédito, em detrimento das formas de participação de capital. Outras potên-
cias ocidentais adotaram a mesma política. Passou -se, igualmente, do controle
direto das filiais africanas pelas suas matrizes, através da participação na gestão,
para modalidades diversas de assistência técnica e de formação, assim como para
contratos de fornecimento e de divisão da produção. Os investidores franceses,
rapidamente imitados nas outras potências europeias, começaram a recorrer a
sistemas de seguro e garantia dos investimentos, propostos pelo seu próprio
940
África desde 1935
Estado com a finalidade de cobrir os riscos não comerciais, tais como as guerras,
as revoluções ou as expropriações. Estes sistemas aplicavam -se aos investimentos
em países com os quais os governos europeus houvessem estabelecido “acor-
dos de proteção dos investimentos” (API) que garantissem uma indenização
equitativa e rápida em caso de expropriação. Os países africanos, ansiosos por
atraírem os investimentos estrangeiros, começaram a subscrever API variados,
com os países ocidentais. Desde 1960, a França concluiu acordos deste tipo com
o Senegal, Madagascar, a República Centro -Africana, o Congo -Brazzaville, o
Tchade e o Gabão.
Em 1981, a Itália, a Suíça, a Alemanha, os Países -Baixos, a Bélgica, a Dina-
marca e a França haviam concluído, em caráter bilateral, várias API e conven-
ções, incluindo cusulas de proteção aos investimentos, com cerca de vinte
países africanos. Naquele ano, contava -se trinta e nove países africanos que
haviam assinado e ratificado a Convenção Multilateral sobre o regulamento das
contendas relativas aos investimentos, acordo este estabelecido entre a OCDE
e os países em desenvolvimento.
Desta forma, através destes meios e frequentemente orientado por iniciativas
francesas e americanas, o Ocidente pôde conter a aceleração das expropriações e
oferecer às empresas ocidentais a segurança necessária ao prosseguimento da sua
atividade na África. Para os países africanos que tivessem realizado expropria-
ções, os limites destas medidas, como meios de desenvolvimento, tornaram -se
rapidamente evidentes. Os preços que os africanos obtinham pelas suas expor-
tações, os volumes que eles eram capazes de comercializar ou os preços que eles
deviam pagar pelas suas importações não se haviam em nada modificado, pelo
fato das empresas em operação nos seus países serem, integral ou parcialmente,
de propriedade africana. Eles descobriram que um punhado de empresas oci-
dentais, soberanas no mercado mundial de cada produto, detinha o poder efetivo
sobre o conjunto destes fatores.
Com a conquista da independência pelo seu país, em 1957, Nkrumah tinha
mais experiência no tocante aos problemas do desenvolvimento, comparativa-
mente à maioria dos lideres africanos. Este atributo permitiu -lhe denunciar,
desde o início dos anos 1960, o poder oculto dos oligopólios ocidentais, aos quais
ele acusou de bloquear, impondo obstáculos e barreiras, o progresso econômico
da África
3
. Para suprimir os entraves que pesavam sobre o desenvolvimento
africano, era necessário, graças a uma ação governamental orquestrada, quebrar
3 K. NKRUMAH, 1973.
941
A África e os países capitalistas
o domínio destas empresas sobre o mercado internacional. Quando Nkrumah
levantou estas questões, a maioria dos dirigentes africanos não lhe conferiu
nenhuma ateão, o o levando a rio, os governos da África francófona
chegaram frequentemente ao ponto de manifestar -lhe inclusive hostilidade.
Entretanto, em meados dos anos 1970, todos partidários do capitalismo ou
do socialismo reconheciam finalmente a pertinência e o bom -fundamento
das posições de Nkrumah. Ao perceberem que os seus planos permaneceriam
eternamente inócuos, caso eles não estivessem sintonizados à descolonização das
suas relações econômicas com o mundo ocidental, os líderes africanos, incluindo
os dirigentes francófonos, julgaram útil estreitar os laços com o movimento
terceiro -mundista, recém -formado com o objetivo de modificar a ordem eco-
nômica internacional. A decisão da OPEP, em favor do aumento dos preços do
petróleo, forneceu -lhes a oportunidade de lançarem -se no combate em prol de
uma “nova ordem econômica internacional”.
A ação da OPEP marca um ponto de inexão
A vitória da OPEP em seu intento visando quadruplicar os preços do petró-
leo, através de uma série de decisões unilaterais, em 1973 e 1974, modificou a
ordem de possibilidades no cenário econômico internacional. Subitamente, os
produtores de matérias -primas descobriram possuírem os meios com vistas a
tomarem em mãos os seus recursos e o seu destino. Esta situação representou
uma reviravolta. A partir deste momento, o desenvolvimento e a descolonização
prosseguiriam com um espírito totalmente distinto.
A ão da OPEP teve repercussões em diversos níveis das relações afro-
-ocidentais. Em que pese a influência moderadora de Washington, sobre o mais
potente dentre os membros da OPEP, a Arábia Saudita, o cartel dos produtores
de petróleo desencadeou uma crise aguda na balança de pagamento dos países
não produtores de petróleo, crise esta que transformou em verdadeiro pesadelo
a gestão econômica. Porém, simultaneamente, a possibilidade de imitar com
idêntico sucesso a iniciativa da OPEP, no âmbito da comercialização de outros
produtos de base, despertava o espírito de superação da crise, por intermédio
de um aumento espetacular nas receitas de exportação. Washington era aber-
tamente hostil à OPEP. Paris mostrava -se mais prudente. Londres deveria sair
como vencedora, em virtude desta alta nos preços do petróleo.
A OPEP validou, da noite para o dia e aos olhos de todos, a tese segundo a
qual existiam entraves estruturais e comerciais, inibidores ao desenvolvimento.
942
África desde 1935
Em particular, ela mostrava que, caso se alcançasse eliminar a barreira consti-
tuída pela fixação dos preços dos produtos de base, uma abundância de receitas
poderia ser liberada, para financiar o desenvolvimento e, inclusive, importar os
estilos de consumo aos quais o desenvolvimento supostamente levaria. Como
todos podiam constatar, o desenvolvimento dos países da OPEP não mais seria
bloqueado pela penúria de capitais.
A ação da OPEP mostrou igualmente ser possível superar os obstáculos
relativos à fixação dos preços e outras barreiras, formando um cartel de pro-
dutores e lançando ataques políticos orquestrados, incidentes sobre a estrutura
das relações econômicas externas. Em virtude desta possibilidade, desde logo
manifesta, o sucesso da OPEP teve duplo efeito, nas esferas da propaganda e
da diplomacia internacional, por um lado, ao transformar em debate público a
controvérsia, até então acadêmica, concernente à estratégia do desenvolvimento,
e, por outro lado, ao também transformar os apelos isolados pela descolonização
das relações econômicas internacionais em reivindicação geral. O sonho de fazer
pender a estrutura das relações, em proveito dos países do Terceiro Mundo,
galvanizou o combate em prol de uma nova ordem econômica internacional,
em substituição àquela fundada na Carta do Atlântico. O exemplo da OPEP
fortalecia a resolução dos africanos, especificamente, em fazerem o máximo para
obterem melhores condições na negociação em curso sobre acertos econômicos
entre os países do grupo África -Caribe -Pacífico (ACP) e aqueles da CEE. O
cavalo de Troia da França, na OPEP, era o Gabão, mas até o final dos anos
1980, a França cultivou, igual e assiduamente, as suas relações com os membros
árabes da OPEP.
Quando as economias africanas passaram da estagnação ao declínio e, em
seguida, mergulharam na crise, em parte causada pela vertiginosa alta nos pre-
ços do petróleo, continuou -se com a mesma intensidade a buscar estratégias de
desenvolvimento eficazes e os meios para a mudança das relações econômicas
externas. Examinaremos agora o combate pela descolonização das relações eco-
nômicas externas da África, iniciada nesta época, e o debate relativo ao desen-
volvimento e à independência que a acompanhou.
O combate pela descolonização econômica (1974 -1984)
Os Estados africanos prosseguiram em seu esforço de descolonização orien-
tados por duas diretrizes centrais: o combate geral do Terceiro Mundo em favor
de uma nova ordem econômica internacional e as negociações da Convenção de
943
A África e os países capitalistas
Lomé, entre os países ACP e a CEE. Este esforço estava focado nas relações
econômicas externas; ele não levava de modo algum em conta a parte imputá-
vel às relações sociais próprias aos países africanos naquilo que diz respeito à
insuficiência do seu desenvolvimento.
A partir de meados dos anos 1960, uma campanha, visando reformar as estru-
turas das relações econômicas mundiais, fora lançada na ONU pelo Grupo dos
Setenta e Sete. Inspirados nas ideias de alguns economistas latino -americanos
e estimulados pelo sucesso da OPEP, os animadores desta campanha reuniram
rapidamente numerosos votos favoráveis e souberam atrair a atenção sobre si,
fazendo grande ruído em torno das perdas econômicas do Terceiro Mundo nos
seus intercâmbios com o Ocidente.
Em 1974, o Grupo dos Setenta e Sete logrou alcançar na ONU a adoção
de uma Declaração para o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica
Internacional, acompanhada de um Programa de Ação, com este propósito. O
grupo igualmente garantiu a adoção de uma Carta dos Direitos Econômicos
dos Estados. Esta carta apresentava dois importantes aspectos. Ela afirmava,
ao um tempo, a soberania das nações em respeito aos seus recursos naturais,
sobre os bens estrangeiros e aqueles das sociedades multinacionais situadas em
seu território, assim como o seu direito de nacionalizar estes bens e decidir
modalidades indenizatórias. Estas disposições eram contrárias ao direito inter-
nacional vigente que, na hipótese de nacionalizão, conferia à indenizão
um caráter obrigatório, moldado segundo a suas próprias modalidades. Em
segundo lugar, a Carta tornava obrigatório, aos países desenvolvidos, reparar as
desigualdades que desabonam a estrutura da economia internacional, mediante
a reorganização das estruturas decisórias do FMI, do Banco Mundial de outras
instituições financeiras internacionais, através do aumento das transferências
líquidas de recursos aos países em desenvolvimento, concedendo -lhes o acesso
aos meios científicos e técnicos correspondentes às necessidades e aos objetivos
do seu desenvolvimento. Washington, Paris e Londres ouviram com inquietação
ressoarem os sinais de alarme.
A campanha pela nova ordem econômica internacional concentrou -se em
respeito aos seguintes temas: as fortes flutuações nos preços dos produtos pri-
mários e a consequente instabilidade nas receitas dos países exportadores; a
deterioração nos termos de troca, vetor da constante baixa relativa dos preços
das matérias -primas, quando comparadas àqueles dos produtos manufaturados;
o insuficiente acesso do Terceiro Mundo à tecnologia ocidental, em matéria de
industrialização; o acesso limitado das indústrias terceiro -mundistas aos merca-
dos ocidentais; o fraco aporte de capital, proveniente das receitas de exportação,
944
África desde 1935
da ajuda e dos investimentos estrangeiros a fim de financiar o desenvolvimento
no Terceiro Mundo. Para remediar todas estas dificuldades, propunha -se refor-
mar o sistema monetário, os mecanismos de transferência de tecnologia e aque-
les em prol da industrialização, assim como impor outra lógica ao comércio
internacional.
Para possibilitar aos países terceiro -mundistas disporem de maior volume
de capitais, os paladinos da nova ordem econômica internacional pediam: uma
modificação na proporcionalidade dos votos no FMI, em proveito da repre-
sentação dos países em desenvolvimento; um aumento substancial dos fundos
próprios do Banco Mundial, conferindo -lhe a possibilidade de crescimento no
montante dos seus empréstimos em condições favoráveis aos países mais empo-
brecidos; o refinanciamento e a renegociação de algumas dentre estas dívidas do
Terceiro Mundo, uma moratória no referente ao pagamento dos juros em alguns
casos e a sua anulação, pura e simples, em outros; finalmente, um piso para o
montante global da ajuda estrangeira, fixado em 0,7% do Produto Nacional
Bruto (PNB) dos países doadores em 1980.
Em referência ao capítulo da tecnologia e da industrialização, a ideia con-
sistia em modificar as regras em vigor, a fim de permitir aos países terceiro-
-mundistas o acesso, facilitado e em melhores condições de mercado, à técnica
ocidental. Estes países propunham reduzir o custo das patentes, das licenças,
das marcas registradas e da assistência técnica. Em virtude da transferência de
tecnologia operar -se -ia essencialmente por intermédio de empresas multinacio-
nais, eles preconizavam instituir um código regulamentar para a atividade das
multinacionais nos países do Terceiro Mundo. Eles reclamavam igualmente uma
redistribuição da indústria mundial e demandavam aos países desenvolvidos
uma imediata ajuda em prol do aumento da representação econômica dos países
terceiro -mundistas, para níveis correspondentes a 25% da produção mundial,
no ano 2000. Com este propósito, os países do Terceiro Mundo pleiteavam um
acesso preferencial, reservado às suas exportações nos mercados ocidentais.
Em matéria de comércio internacional, os países do Terceiro Mundo desig-
navam a estrutura do mercado mundial como a origem dos seus males. A comer-
cialização dos seus produtos agrícolas e minerais encontrava -se, diziam eles,
inteiramente sob a batuta de organismos comerciais ocidentais. As diversas
bolsas de comércio situavam -se todas no Ocidente, sob o controle do Ocidente
e cada uma delas era dominada por algumas poucas sociedades empresariais.
Por exemplo, três multinacionais controlavam o mercado mundial da banana;
cerca de 90% do comércio de exportação do tabaco, em folhas, era dominado
por seis gigantes do setor; quinze grandes empresas rateavam entre si o comércio
945
A África e os países capitalistas
internacional de algodão; no tocante ao cacau e produtos derivados, tratava -se
de assunto reservado a seis grupos econômicos; três empresas de grande porte
possuíam a mão forte sobre o mercado mundial dos cereais; finalmente, quatro
gigantes conglomerados controlavam o mercado mundial da bauxita, da alumina
e do alumínio.
Inspirados no exemplo da OPEP, os governos do Terceiro Mundo estima-
ram ser -lhes imprescindível formarem cartéis de produtores para arrancar o
controle exercido sobre os mercados pelos oligopólios ocidentais. Quando tais
cartéis não fossem possíveis, eles contavam amainar os efeitos da mão forte
do Ocidente, graças a Acordos Internacionais Específicos para os Produtos de
Base (AIPB) cujos mecanismos, fundados sobre a manipulação dos preços e da
oferta, permitiriam estabilizar e, progressivamente, elevar as receitas de expor-
tação do Terceiro Mundo. Para preservar o rendimento das suas exportações,
eles propuseram indexar os preços dos produtos primários àqueles dos artigos
manufaturados.
Estas ideias foram apresentadas na quarta sessão da Conferência das Nações
Unidas sobre o desenvolvimento, em Nairóbi, no ano 1976, na forma de propo-
sição de um Programa Integrado para os Produtos de Base (PIPB). Tratava -se
de estender os AIPB a dezoito produtos e grupos de produto, de constituir
um Fundo Comum, com o propósito de financiar estoques reguladores para
estabilizar os preços, nos limites fixados em comum acordo, e, igualmente, criar
“facilidades compensatórias de financiamento”, capazes de compensarem a insu-
ficiência das receitas de exportação. Este sistema de acordos, de fundos e de
facilidades, outras, deveria ser posto em operação ao final de 1978.
Os países ocidentais não eram evidentemente favoráveis a estas proposições
que tendiam a suprimir ou enfraquecer o seu controle sobre a economia mun-
dial. Mas, eles não queriam tampouco uma proliferação de cartéis, do gênero
da OPEP, para outros produtos de base, e muito menos a generalização de um
clima de hostilidade ou enfrentamento econômico. Temerosos, por outro lado,
em relação aos seus interesses no longo prazo, a saber, essencialmente, assegu-
rarem a estabilidade do seu abastecimento em matérias -primas com preços tão
baixos quanto o possível, os países ocidentais consentiram em iniciar negocia-
ções com o objetivo, não de ceder às exigências do Terceiro Mundo, mas antes
de neutralizar as pressões, de sabotar o movimento em favor de uma nova ordem
econômica internacional e de confiar o controle de um eventual acordo ao FMI,
ao Banco Mundial e a outras instituições, sob o domínio Ocidental. Como era
possível esperar, as negociações não se desdobraram em resultados relevantes.
946
África desde 1935
Em 1980, uma publicação da ONU, Forum du développement
4
, reconhecia que
as regras e as estruturas regentes das transferências industriais e tecnológicas
continuavam, por pouco que não, as mesmas. Em 1984, somente cinco produtos
de base exportados pelo Terceiro Mundo − o açúcar, o cacau, o café, o estanho e
a borracha natural − eram objeto de acordos internacionais. Somente um destes
acordos, o Acordo Internacional sobre a Borracha Natural, era posterior à quarta
CNUCED. Estes acordos internacionais, desde logo minados pela não partici-
pação de alguns dos principais produtores e consumidores, não funcionavam a
contento, confrontados a dificuldades práticas, desde a insuficiência de fundos
destinados aos estoques reguladores, até querelas de contingenciamento entre
produtores.
Não se alcançou por em prática, com maior intensidade, as facilidades
de financiamento compensatório. O fundo de 44 bilhões de lares norte-
-americanos, inicialmente proposto pela CNUCED, fora reduzido, em 1983, a
mais modesta cifra, equivalente a 10 bilhões de dólares norte -americanos, com
um capital investido de apenas 1 bilhão de dólares norte -americanos. A este
nível, o fundo, caso criado, não permitiria compensar senão 10%, quando muito,
dos déficits previstos com as receitas de exportação.
A ideia de indexação dos preços relativos aos produtos primários, àqueles
dos artigos manufaturados, foi abortada. Quanto às esperanças de criação de
um Programa Integrado para os Produtos de Base, eles esvaíram -se, em 1980,
na última reunião do Comitê Intergovernamental Especial para o PIPB.
Malgrado estas flagrantes derrotas, o Grupo dos Setenta e Sete apresentou,
em fevereiro de 1980, um conjunto de objetivos revisados. Tratava -se de atingir:
um crescimento anual do PIB nos países do Terceiro Mundo de 7,5%; uma
participação do Terceiro Mundo no mercado mundial de artigos manufaturados
de 20%, em 1990, e 30% no ano 2000; um percentil das exportações de produtos
alimentícios e agrícolas equivalente a 35%, em 1990, e 50% no ano 2000. O
grupo pleiteava, enfim, a transferência de ao menos 300 bilhões de dólares aos
países do Terceiro Mundo, no transcorrer dos anos 1980.
No quadro da campanha geral em prol de uma nova ordem econômica inter-
nacional, lançada pelo Terceiro Mundo, os países africanos insistiam naquilo
que caracterizava a economia africana. Em razão da África ser, sobretudo, um
fornecedor de matérias -primas, a sua preocupação central pressupunha, natural-
mente, a estabilização das suas receitas de exportação e a indexação. Em razão da
4 Forum du développement, setembro de 1980, p. 13.
947
A África e os países capitalistas
Europa apresentar -se, todavia e à época, como o principal parceiro comercial da
África, em que pese o espetacular crescimento no volume das trocas desta última
com os Estados Unidos e o Japão, os africanos decidiram dedicar o essencial do
seu esforço às negociações com a CEE.
Aquando da formação da CEE, a França solicitara, expressamente, a con-
cessão de um espaço na organização, em proveito das relações particulares,
mantidas com as suas colônias, às vésperas da independência. Decidiu -se, então,
conferir um estatuto de membro associado aos países que mantivessem relações
particulares com os membros da CEE. Pelas Convenções de Yaoundé, de 1963
e 1969, estas relações particulares transformaram -se em um leque de relações
multilaterais entre os países da CEE e as 19 antigas colônias da França, da
Bélgica e da Itália. Isto evitou as preocupações, junto aos associados africanos,
concernentes a concluir, em separado, acordos com os diferentes membros da
CEE. No tocante a estes últimos, eles asseguravam, desta forma e coletivamente,
a melhor possibilidade, consistente em explorarem os mercados e os recursos de
um grupo maior de Estados africanos.
Em 1975, a Convenção de Yaoundé foi substituída pela primeira Convenção
de Lomé, entre 9 países da CEE e 46 países do grupo ACP. Em 1979, quando
foi assinada a segunda Convenção de Lomé, o número de países do grupo
ACP passara a 58. Finalmente, em 1984, enquanto a terceira Convenção estava
em negociação, os países da CEE eram 10 e o grupo ACP reunia 64 mem-
bros. Representados na ordem de 43, estavam os países africanos. Assim sendo,
estabeleceram -se relações CEE -ACP, a partir do nódulo formado pelas relações
franco -africanas que se transformara, ele próprio, em relações euro -africanas.
Os países africanos pretendiam garantir, por intermédio destas convenções,
a estabilidade das suas receitas de exportação em direção aos tradicionais mer-
cados europeus. As cláusulas comerciais das Convenções de Lomé permitiam
a 95% dos poucos produtos industriais, exportados pelos países do grupo ACP,
entrarem com isenção de impostos no território da CEE. Lomé I havia institu-
ído um dispositivo, o STABEX, cujo intuito seria contribuir para a estabilização
dos preços de 34 produtos, bem como premunir os países do grupo ACP contra
as quedas nas suas receitas de exportação, no tocante a estes produtos. Lomé
II elevou a lista do STABEX a 44 artigos e criou um mecanismo correlato, o
SYSMIN (mais conhecido como MINEX) relativo a 6 produtos minerais o
cobre, os fosfatos, a bauxita/alumina, o manganês, o estanho e o minério de
ferro. O MINEX não oferecia compensações para as perdas, a serem restituídas
com base nas exportações, mas permitia obter empréstimos com taxas de juros
reduzidas junto ao Banco Europeu de Desenvolvimento, com vistas a socorrer
948
África desde 1935
as empresas ameaçadas por uma queda brutal em suas receitas, provocada por
um enfraquecimento cambial.
Os países da CEE, por sua vez, buscavam garantir às suas indústrias um
fornecimento regular de matérias -primas, com bons preços de mercado, assim
como, ao eliminarem a concorrência, assegurar a conservação dos mercados
africanos para os seus bens de consumo e de equipamento. As regras interinas
de Lomé excluíam, por conseguinte, a possibilidade de formação de cartéis por
parte dos países do grupo ACP, cartéis estes que, ao exercerem pressões seletivas
sobre os países da CEE, teriam logrado enfraquecer a competitividade destes
últimos perante o restante do mundo industrializado. De modo análogo, a Con-
venção de Lomé outorgava direitos preferenciais às multinacionais da CEE em
atividade nos países do grupo ACP, favorecendo -os comparativamente aos seus
rivais norte -americanos e japoneses; entretanto, ela não aceitava as demandas
do grupo ACP, cujo objetivo consistia em poder regulamentar e supervisionar
as atividades das multinacionais nestes territórios.
Em respeito a outros capítulos, os desideratos dos países do grupo ACP não
foram melhor satisfeitos. Por exemplo, o Fundo Europeu de Desenvolvimento
poderia oferecer uma ajuda para o investimento nos ramos da construção civil,
da distribuição hídrica, da infraestrutura de saneamento, da energia e da produ-
ção das matérias -primas, contudo, estes recursos não se destinavam às indústrias
cujos produtos pudessem concorrer com os artigos manufaturados europeus, nos
mercados da Europa. Não estava sequer previsto que o grupo ACP estivesse
representado neste Fundo Europeu de Desenvolvimento.
Os países do grupo ACP expressavam grandes reservas em respeito a Lomé
II, o que contribuiu para retardar a extensão das negociações relativas a Lomé
III. Entretanto, pela sua simples existência e aplicação, as convenções de Lomé
constituíam um considerável passo adiante, comparativamente às estéreis nego-
ciações relativas à nova ordem econômica internacional.
Um imperialismo triunfante
Além dos animados meios da diplomacia, da propaganda e dos teóricos
da cooperação, como se processaram, na prática, as relações afro -ocidentais,
entre 1974 -1985? Concretamente, quais resultados teriam alcançado os esforços
empreendidos para descolonizar estas relações? E qual teria sido o destino do
desenvolvimento?
949
A África e os países capitalistas
Em seu conjunto, as tentativas de descolonização econômica revelaram -se
infrutíferas; a ordem estabelecida pela Carta do Atlântico permaneceu intacta. A
campanha em prol de uma nova ordem econômica internacional e a Convenção
de Lomé não modificaram, de modo relevante, as condições de dependên-
cia, características do papel africano no sistema capitalista mundial. Se houve
mudança, ela ocorreu no sentido de um fortalecimento das relações e das forças
econômicas coloniais. Os países africanos permaneceram membros da ONU, do
Banco Mundial, do FMI, etc., e estas instituições não perderam o seu caráter
como instrumentos da dominação ocidental; quanto à influência da África e do
Terceiro Mundo em suas atividades e programas, ela não aumentou de modo
notável salvo no âmbito da retórica.
Nenhuma reforma modificou os sistemas monetário e comercial a ponto
de alterar o seu funcionamento em favor do Terceiro Mundo. Malgrado as
suas veementes denúncias contra o FMI, os países africanos o estiveram
menos constrangidos em manterem, junto a ele, tratativas segundo as próprias
condições deste organismo. Igualmente, os oligopólios ocidentais continuaram
a controlar os fluxos das exportações africanas. Se houve tentativas realizadas
para interrompê -los, elas fracassaram. Por exemplo, em 1981, o Zaire decidiu
comercializar os seus diamantes de forma independente, mas ele renunciou em
1983, rendendo -se novamente à De Beers.
Nenhuma mudança considerável interveio na repartição do comércio exterior
africano desde a época colonial, embora o valor tenha passado de 4,9 bilhões de
dólares, em 1960, para 89,6 bilhões de dólares em 1980. A Europa Ocidental
permaneceu o principal parceiro comercial da África; o comércio africano com o
bloco soviético estagnou -se e, posteriormente recuou; o comércio intra -africano
também permaneceu estacionário. Os bens de consumo compunham a maior
parte das importações, alcançando entre 35 e 45%
5
. Assim sendo, no que diz
respeito à composição e à direção do seu comércio, a África permaneceu o for-
necedor dos produtos primários para o mundo ocidental e um mercado para os
artigos manufaturados ocidentais.
Os valores de 1981 mostram o quão pouco evoluiu a participação do comércio
africano durante o período pós -colonial considerado. Naquele ano, o comércio
da África com o restante do mundo representou um volume total de 106 bilhões
de dólares norte -americanos, a participação da OCDE neste total elevava -se a
71 bilhões de dólares norte -americanos; na composição deste volume, a propor-
5 CEA, 1983.
950
África desde 1935
ção era a seguinte: a CEE participava com 43 bilhões, os Estados Unidos com
13 bilhões e o Japão com 7 bilhões destes mesmos dólares norte -americanos. O
comércio da África com os países de desenvolvimento não africanos representava
um valor de 16 bilhões de dólares norte -americanos; as trocas com o bloco sovié-
tico não ultrapassavam 1,3 bilhão de dólares norte -americanos; outras categorias
de trocas, particulares e não especificadas, representavam 18 bilhões de dólares
norte -americanos. O comércio intra -africano colaborava com a ínfima soma
de 6,7 bilhões de dólares norte -americanos, elevando o total geral do comércio
africano a valores da ordem de 113 bilhões de dólares norte -americanos
6
.
No plano interno, as economias africanas conservaram o seu caráter colonial,
tanto mais quanto menos esforços foram feitos para modificá -lo. A sua orienta-
ção, voltada para o mercado mundial, continuou a ser um fator determinante do
investimento na agricultura e nas indústrias extrativistas; em respeito à produção
dos “enclaves industriais”, ela ocorria em função das exigências da economia
internacional. Não houve praticamente nenhum esforço desenvolvimentista
fundado em um completo inventário dos recursos e sobre a organização do mer-
cado interno, de forma a suscitar a criação de relações interindustriais internas.
Por conseguinte, as economias africanas continuaram a produzir bens que delas
exigia o mundo ocidental, por intermédio do mercado mundial, em detrimento
dos bens necessários aos africanos.
Sob a proteção dos diversos API, as multinacionais continuaram a dominar
a produção e a distribuição na África. Por exemplo, o arquétipo das multinacio-
nais da CEE em atividade na África, a sociedade empresarial britânica Lonhro,
continuou a extrair a maior parte dos seus lucros das suas atividades africanas.
Em 1982, 1,2 bilhão de dólares norte -americanos, ou seja, um quarto do seu
faturamento (4,7 bilhões de dólares norte -americanos) provinha da África; mas
esta soma proporcionava um lucro de 120 milhões de dólares norte -americanos,
equivalentes a cerca de 50% do total dos benefícios realizados pela Lonhro
no curso deste exercício, o que fazia da África o seu mais lucrativo teatro de
operações. Quanto ao campo coberto pelas suas atividades africanas, ele era
considerável. A maior parte das suas 800 filiais encontrava -se na África: no
Malawi, no Zimbábue, no Quênia, na Zâmbia, na Nigéria, em Gana, nas ilhas
Maurício, em Uganda, na Suazilândia e na África do Sul. Lonhro possuía jor-
nais, plantações de chá, hotéis, ranchos, plantações de cana -de -açúcar e usinas
de úcar; ela fabricava carroças, têxteis, cerveja, tintas, doces, cosméticos e
6 Segundo dados do FMI, 1982. Os valores são aproximados.
951
A África e os países capitalistas
ônibus; ela distribuía e vendia no varejo veículos automotores, oleaginosas, dis-
cos, fitas magnéticas, equipamento para a extração mineral e peças avulsas; em
suplemento, ela atuava no setor do leasing de aviões, explorava minas de carvão,
de cobre, de ouro e de platina, além de gerenciar empresas da construção civil
e empreiteiras ao serviço das obras públicas. Na realidade, Lonhro era, única
e exclusiva proprietária de 600 milhões de hectares em explorações agrícolas
diversas, bem como o maior produtor de gêneros alimentícios da África
7
.
Ora, contrariamente ao que a postura aparentemente hostil às multinacionais
dos governos africanos poderia levar a crer, estas sociedades foram, com efeito,
solicitadas e acolhidas de braços abertos. Por exemplo, Lonhro foi oficialmente
lembrada na Tanzânia, em 1983, cinco anos após ter sido expulsa pela sua inge-
rência na guerra de independência do Zimbábue. Ela recebeu indenizações
pelos haveres das suas 18 filiais nacionalizadas pela Tanzânia e foi convidada
a reinvestir o capital e reanimar as atividades que estivessem em decadência,
provocadas pela gestão estatal.
A amplitude do espectro de atividades da Lonhro e o seu retorno à Tanzânia
ilustram o acolhimento geralmente reservado ainda que a contragosto às
multinacionais, tão mal -ditas. No início dos anos 1980, os próprios Estados afri-
canos marxistas abandonaram Marx, em prol da economia mista, e manifestaram
a sua predisposição em estabelecerem relações econômicas mais estreitas com
este Ocidente e com as suas multinacionais, até bem pouco, odiados . A Guiné e
o Congo, adeptos da via socialista nos anos 1960, tentaram uma reaproximação
política com o Oeste e buscaram atrair a Etiópia, Angola e Moçambique, dez
anos somente após se terem autoproclamado Estados marxistas, estes países se
desligaram do modelo soviético e reataram os laços com o mundo ocidental.
Moçambique, por exemplo, Estado marxista convicto, dedicou -se a cortejar
seriamente o Ocidente em 1982. Os efeitos conjugados de uma grave seca, de
uma carência de pessoal especializado em gestão e nas competências técnicas,
assim como a insuficiência no aporte de capitais estrangeiros, provenientes do
bloco soviético, haviam conduzido a sua economia à crise. O PNB por habi-
tante declinara os 208 dólares norte -americanos, em 1981, para menos de 155
dólares norte -americanos, em 1983. Para combater a crise, Moçambique, cuja
economia era inteiramente planificada, liberalizou de modo limitado o mer-
cado de trabalho e aquele referente a alguns bens. Solicitou a sua adesão ao
Banco Mundial e ao FMI para, em seguida ao final de 1984, tornar -se o sexa-
7 South, Londres, julho e setembro de 1983; Euromoney, Londres, dezembro de 1983.
952
África desde 1935
gésimo quinto país do grupo ACP. Ademais, lançou -se operações conjuntas
com sociedades empresariais americanas, japonesas e espanholas e ofereceu à
Lonhro
8
uma parte das explorações agrícolas do Estado.
Assim sendo, em lugar de tomar as suas distâncias com o mundo Ocidental,
a África permaneceu ligada ao sistema capitalista mundial segundo o modelo
colonial clássico, através das próprias estruturas das quais quisera livrar -se ou as
quais intuíra modificar.
A escravatura e os impérios territoriais muito bem chegaram ao seu ocaso,
contudo e justamente, desapareceram para ceder posto ao triunfo do neocolo-
nialismo e do imperialismo econômico.
A persistência da dependência e do
subdesenvolvimento da África
A África logrou alcançar, por pouco que não concretamente, a sua descolo-
nização política, entretanto, ela não teve sucesso em respeito à sua descoloniza-
ção e desenvolvimento econômicos, tampouco, e por conseguinte, obteve êxito
no tocante à modernização, com a qual contara para conquistar o respeito no
mundo.
O continente não atingiu senão uma, de longa data ultrapassada, moder-
nidade de pacotilhas. Como gotas de chuva espalhadas sobre a terra poeirada,
o arsenal do modernismo bateu estacas aqui e acolá em solo africano alguns
aeroportos e portos marítimos, cidades sórdidas dotadas de algumas comodi-
dades modernas, algumas indústrias, alguns quilômetros de modernas estradas,
etc. mas este conjunto escapava absolutamente ao espírito da modernidade,
em virtude da alta do PIB, das quais estas obras constituem o resultado, não
manifestar coerência interna alguma e os seus benefícios permanecerem além
das fronteiras da África.
Não somente a África não atingiu a criação de uma robusta modernidade
mas, ela inclusive perdeu a sua tradicional capacidade em assegurar a sua própria
subsistência. Em 1984 ela era o único continente incapaz de se alimentar por
si próprio. As grandes fomes devastavam ou ameaçavam vastas porções de ter-
ritórios. A imagem mais representativa do continente negro era aquela própria
a uma incompetência crônica simbolizada por um refugiado em pele e osso,
8 South, Londres, dezembro de 1984.
953
A África e os países capitalistas
tendendo perpetuamente ao semblante do mendigo. Os dirigentes africanos
lançavam ao mundo os seus pedidos de socorro e, enquanto os famintos mor-
riam aos milhões, a África tornava -se um objeto de caridade, piedade e desdém
mal -travestido. Após um quarto de século de esforços, a África sequer realizou
a modernidade, como poderia ter alcançado o respeito do mundo?
A África tomou o hábito, ao longo do período considerado, de imputar a
responsabilidade para todos os seus males ao mundo ocidental, particularmente,
pela sua recusa em modificar as relações desiguais que ele estabelecera à época
do colonialismo. Ora, esta atitude manifesta com a maior nitidez a irrespon-
sabilidade africana. Em última análise, nem as relações em questão, nem o
subdesenvolvimento eram imutáveis. Nos limites do possível, as pessoas podem
modificar a sua situação e frequentemente o fazem.
Entretanto, na situação mundial, tal qual constituída entre 1960 e 1984, um
país pobre e subdesenvolvido, teria ele realmente a possibilidade de se desen-
volver? Sem dúvida, sim! O desenvolvimento era possível, tanto sem a ruptura
com o Ocidente ou alteração das estruturas essenciais da dominação capitalista
(como demonstrado em Cingapura, Taiwan, Hong Kong, na Coreia do Sul e
em outros países recentemente industrializados do Terceiro Mundo, os NPI)
quanto se subtraindo ao sistema capitalista imagem a China após 1949).
Assim sendo, por que a África teria fracassado? Por que país africano algum
integrou -se aos NPI?
Alguns pretenderam que este insucesso devesse a se lhes ter impedido atingir
este grau de desenvolvimento em virtude da falta de capitais, outros atribuem-
-no à escassez dos seus recursos naturais, ou ainda em razão da sua população
se ter mostrado insuficiente para criar um mercado interno capaz de suportar o
esforço de desenvolvimento. Estas asserções são certamente aceitáveis em certos
Estados, os mais empobrecidos e pequenos da África (embora se possa objetar
o tamanho e a amplitude dos recursos naturais de Singapura ou de Taiwan),
entretanto, outros para quem semelhantes desculpas não têm o menor sen-
tido. Com os bilhões do petróleo, a sua mão de obra qualificada, a sua vasta
superfície, os seus recursos minerais e o seu potencial agrícola, por que a Nigéria
não se teria ela desenvolvido durante o primeiro quarto de século imediatamente
posterior à sua independência? Apreender as razões do seu fracasso permitiria,
quiçá, esclarecer as motivações daquele referente a toda a África.
A enorme massa de capitais subjacente à renda petrolífera não foi acumulada
e sequer investida no fortalecimento das capacidades produtivas do país. A sua
maior parte foi dilapidada no estrangeiro. A incapacidade da Nigéria em acu-
mular ou investir criteriosamente estes enormes fundos, provenientes da explo-
954
África desde 1935
ração petrolífera, pode ser atribuída, em larga medida, às origens, à ideologia e
às aspirações da sua classe dirigente.
A elite era essencialmente composta por mandarins, majoritariamente dos
grupos não produtivos da pequena burguesia colonial. Inclusive os seus membros
originários de grupos produtivos haviam sido transformados em mandarins atra-
vés de uma longa preparação universitária, voltada para carreiras burocráticas.
Por conseguinte, eles não possuíam, em sua maioria, nenhuma experiência na
produção, eles reclamavam dos seus custos e dos seus riscos, chegando ao ponto
de inclusive demonstrar certa antipatia desdenhosa em relação a ela. Em con-
trapartida, eles tinham um enorme apetite de consumo. Esquecendo que a caça
não é um pedaço de carne no prato, eles concebiam a programação do desen-
volvimento como a confecção de listas de compra de objetos manufaturados a
serem importados para saciar a sua fome consumista. Ávidos pela concretização
da possibilidade de aquisição dos melhores produtos deste mundo industrial, eles
tinham como objetivo dirigir integralmente as rendas, todas aquelas possíveis
e provenientes de uma economia que conservava o seu caráter colonial, para o
consumo.
Eles possuíam um slogan para refletir este estado de coisas: “Dividir o bolo
nacional.” Raros foram os responsáveis que imaginaram a necessidade de plan-
tar ainda mais grãos e construir fornos ainda maiores, para confeccionar o tal
bolo nacional. Se o bolo crescesse, tal era o caso, graças aos rendimentos de
uma produção petrolífera cuja gestão não lhes cabia, tanto melhor! Mas, se por
ventura ele parasse de crescer, todas as energias concentrar -se -iam precipita-
damente naquilo que sobrasse. Preocupados primeiramente em serem pagos,
em seguida em tudo despender com a aquisição de bens de consumo de última
geração, eles estavam pouco inclinados a acumularem capital com a finalidade
de investimento produtivo.
Em contrapartida, a burguesia ocidental tinha por hábito acumular capital;
neste aspecto, ela possuía uma longa experiência e apoiava -se, de modo suple-
mentar, em sistemas produtivos altamente desenvolvidos, assim como em gran-
des reservas de capitais, anteriormente acumulados que ela podia mobilizar com
vistas a uma nova acumulação. O cenário estava assim montado para um con-
curso acumulativo de capital perfeitamente desigual, entre um potente e expe-
riente centro burguês e um mandarinato periférico desprovido de experiência.
Os esforços hesitantes de algumas frações da elite nigeriana não bastaram
para conter a hemorragia. O controle do câmbio, a sobrevalorização da moeda
e um complexo sistema de tarifas alfandegárias e de importação, em lugar de
conter a fuga de capitais, não produziram senão um incentivo à corrupção em
955
A África e os países capitalistas
meio ao mandarinato, supostamente dedicados a executarem estas medidas. A
industrialização, através da substituição de produtos locais pelas importações
e pela semitransformação de produtos agrícolas, não ofereceu às economias as
divisas esperadas, pois foi necessário importar as usinas e, em seguida, -las em
funcionamento com pessoal e material importados. Através do jogo de isenção
de impostos, dos repatriamentos de dividendos, da fixação dos preços de trans-
ferência pelas multinacionais, do serviço da dívida, das importações massivas de
bens de consumo e da corrupção do mandarinato que preferia pilhar as riquezas
nacionais e colocar o butim ao abrigo nos cofres de bancos estrangeiros, por
estas razões o fluxo líquido de capitais dirigia -se para os países ocidentais. Ao
total, os esforços de acumulação em investimentos empreendidos, na Nigéria,
assemelhavam -se a uma partida de braço de ferro entre um bambino apenas
saído do seu berço e um gigante soberano sobre os seus meios.
O fracasso da Nigéria é essencialmente causado por uma concepção do
desenvolvimento que considerava este último, antes e sobretudo, como um
crescimento do consumo. Certamente, isto dizia a respeito aos seus parceiros
ocidentais, mas foram, justa e propriamente, os nigerianos que adotaram este
ponto de vista e o colocaram em prática. O seu principal motivo de insatisfa-
ção era a sua impossibilidade de extraírem da economia local e internacional
o suficiente para satisfazerem os seus apetites, sempre maiores. Em lugar de
incitá -las a desenvolverem a sua produção interna, esta insuficiência conduziu -as
a buscarem empréstimos estrangeiros para poderem importar bens de consumo
em maiores quantidades. Esta estratégia de desenvolvimento, ao associar um
forte consumo e uma fraca produção, conduziu -os a uma modernidade que
não correspondia senão à ocidentalização dos gostos, desprovida dos meios de
produção locais, capazes de suprir estes desejos de consumo. Em outras pala-
vras, os nigerianos estabeleceram não uma concepção africana mas, a concepção
ocidental para o desenvolvimento da África.
A recusa deliberada das elites africanas em se aterem à produção, na qua-
lidade de fator principal para o desenvolvimento, refletia igualmente as ideias
dos movimentos social -democratas ocidentais, aquelas do movimento fabiano
do partido trabalhista britânico ou da London School of Economics, as quais
colocavam maior ênfase na distribuição, fazendo totalmente abstração da pro-
dução. Ora, se tal postura era compreensível em uma sociedade na qual o pro-
blema da produção fora resolvido ao menos desde o século XIX, esta atitude era
totalmente inadequada para as economias subprodutivas da África. Entretanto,
ela foi adotada pelos primeiros dirigentes da África independente. Por quê? A
maior parte dentre eles crescera na atmosfera social -democrata das universida-
956
África desde 1935
des ocidentais e os movimentos social -democratas ocidentais os haviam susten-
tado quando da sua luta pela independência política. Este conjunto de fatores
contribuíra para formar a sua visão de mundo. A responsabilidade da influência
negativa dos movimentos socialistas ocidentais no tocante ao desenvolvimento
africano não cabe em menor grau, deve -se sublinhar, à elite africana que se
apropriou de ideias não correspondentes às necessidades do continente.
Quando tornou -se evidente que a política consistente em privilegiar a repar-
tição da renda desdobrava -se, nas sociedades periféricas e subprodutivas afri-
canas, em uma sociedade não do bem -estar mas, do “mal -estar”, por que os
dirigentes africanos não a abandonaram em benefício de uma maior dedicação
à tarefa principal correspondente a organizar a produção? Ao final das contas,
eles não tinham a desculpa dos adeptos do culto ao cargueiro, na Melanésia, os
quais nada sabiam sobre a natureza e as condições de produção dos modernos
objetos, trazidos às suas margens por navios e aviões. Os dirigentes africanos, os
quais haviam frequentemente viajado ao Ocidente e estudado em suas frontei-
ras, não podiam pretender ignorar as necessidades e as exigências da produção
industrial. Por que, desde logo, repugnavam eles conceder à produção o primeiro
posto no leque de prioridades da sua política de desenvolvimento? Esta ina-
dequação, convém notá -la, todos compartilhavam -na: capitalistas, socialistas e
marxistas africanos.
Trata -se de fato consumado, os mandarins da elite africana demonstravam
uma profunda aversão frente às dificuldades da produção. Como propalado por
numerosos executivos nigerianos por ocasião do boom petrolífero: Para que
produzir se podemos comprar? Aos africanos que não dispunham de rendimentos
provenientes do petróleo para realizarem as suas aquisições, ser -lhes -ia possível
igualmente dizer: “Por que produzir quando podemos mendigar ou emprestar?”
A repugnância das elites africanas relativamente à produção, a sua ligação com
a filosofia distributiva e a sua concepção semelhante ao culto ao cargueiro,
próprias a um desenvolvimento equivalente a satisfazer apetites crescentes por
importações em elevação, foram os principais constituintes de uma mentalidade
de dependência que impediu à África concretizar o desenvolvimento por ela
pretendido.
Entretanto, como é possível que esta mentalidade dependente tenha per-
sistido, embora constituísse um obstáculo para atingir o objetivo declarado?
Durante todo o período considerado, as rendas da produção petrolífera e mine-
ral, bem como a prodigalidade do sistema capitalista mundial, foram suficientes
para que os dirigentes africanos fossem liberados de produzir em lugar de com-
prar, mendigar ou emprestar. Inclusive quando alguns dentre eles tenham sido
957
A África e os países capitalistas
tentados a se ater à produção, estes recursos dispensavam -nos. Por tanto tempo
quanto lhes fosse possível responderem à expectativa da população por modestas
importações de modernas mercadorias, conquanto alimentassem as esperanças
em tornar acessíveis a todos, em maior volume e brevemente, as boas coisas” do
mundo moderno, os dirigentes não se sentiam em nada obrigados a mudarem de
atitude e submeterem -se às rigorosas leis da acumulação do capital e do inves-
timento nas forças produtivas, fundamentos do desenvolvimento autônomo.
Malgrado a lentidão em respeito ao crescimento do PIB, especialmente no
específico da aspiração relativa a “recuperar o atraso”, os parcos progressos regis-
trados bastavam, de todo o modo, para que os dirigentes africanos não tivessem
desejo algum em modificar o caráter colonial das relações afro -ocidentais. No
máximo, julgavam eles politicamente interessante queixarem -se e reclamarem
por maiores migalhas do banquete ocidental; caso eles fracassassem em obter
vantagens, tal como ocorrido quando da campanha em prol de uma nova ordem
econômica internacional, eles reprovavam ruidosamente os ocidentais, pela sua
impiedade, colocando -se assim, aos olhos dos seus partidários, na qualidade de
campeões do progresso africano.
Acostumados a uma dependência que não lhes pesava em demasia, eles não
demonstravam uma irresistível necessidade em explorarem as possibilidades de
desenvolvimento dos seus países, no seio do sistema capitalista mundial (como o
faziam os NPI); eles não estavam tampouco acuados a ponto de serem obrigados
a romperem todos os laços com o sistema para, em seguida, não contarem senão
consigo próprios (como fizera a China); finalmente, eles não estavam politica-
mente motivados pelo problema da sobrevida das suas nações frente à agressão
estrangeira imagem do Japão ou da União Soviética), o que eventualmente
os teria determinado a desenvolverem a produção industrial.
As causas estruturais do fracasso da África relativamente a descolonização
e ao desenvolvimento econômico estão inegavelmente ligados às relações de
dependência herdadas do passado, mas a sua inaptidão em modificarem estas
relações, mediante a sua dedicação ao crescimento das forças produtivas é, em
última análise, imputável à mentalidade de dependência tão amplamente difun-
dida junto aos nossos dirigentes.
Resta, entretanto, um combate que os africanos têm grandes possibilidades
de vencer, em um futuro próximo: a luta contra o apartheid e o racismo institu-
cionalizado. Vemo -nos aqui conduzidos ao terceiro dentre os flagelos históricos
que marcaram as relações da África com o mundo capitalista. O capitalismo,
ligado ao tráfico de escravos e ao imperialismo, esteve, constante e igualmente,
ligado ao racismo. O casamento do capital e do tráfico revelou -se, em suas
958
África desde 1935
múltiplas formas, extremamente resistente. Qual será o futuro do casamento do
capitalismo e do racismo? Trata -se justamente deste terceiro laço histórico, de
um sistema poligâmico, que nós devemos agora abordar.
Rumo a uma desracialização do capitalismo
Nós finalmente examinaremos as questões colocadas pela ruptura, inelutável
e próxima, da aliança entre o racismo à moda antiga e o capitalismo na África
do Sul. Embora seja certo que o apartheid não se reerguerá após esta ruptura, o
capitalismo, quanto a ele, poderia muito bem dela sair sem nenhum dano.
A experiência mais impressionante vivida no continente, em meados dos
anos 1980, talvez seja aquela dos jovens sul -africanos que arriscam as suas vidas,
dia após dia, nos enfrentamentos com as forças da repressão, manifestando a
sua cólera contra o apartheid. Se estes acontecimentos anunciam uma revolução,
a questão colocada consiste em saber quanto tempo ser -lhe necessário para
alcançar maturidade. Para quando a vitória?
Os otimistas compararam a situação sul -africana com as revoluções etíope,
de 1974, e iraniana, de 1979, cujo triunfo fora precedido por uma sucessão de
manifestações de rua. Os regimes iraniano e etíope, antigos, em certo sentido,
de vários milênios, representavam, em sua versão derradeira, uma aliança das
forças feudais nacionais e do capitalismo internacional. Entretanto, malgrado a
esta aliança e a sua ancianidade, eles não resistiram a alguns meses de protestos.
O apartheid, dada a impossibilidade da sua derrubada por manifestações de
rua e pela intervenção de exércitos africanos vindos do exterior, resistiria por
mais tempo, comparativamente ao e a Haïlé Sélassié. Este regime não pode
cair senão em razão de uma luta organizada, conduzida no interior das fronteiras
do país. Ora, os elementos organizados e os exércitos africanos estão no exterior,
quanto às manifestações de rua, existentes no interior das fronteiras do país, elas
não se inscrevem, todavia, no quadro de uma luta organizada. A sua ação torna
os townships ingovernáveis, mas sem os combatentes e os sabotadores de uma
guerrilha interna, sustentada, alimentada e armada pelos Estados africanos, a
luta não poderia triunfar.
As sanções econômicas ocidentais poderiam provocar a mudança funda-
mental? Se a condenação do apartheid pelos ocidentais é tão somente capaz de
aumentar o moral dos oprimidos, as medidas propriamente políticas de boicote
econômico podem, sem dúvida, conduzir ao sufrágio universal. A chave para o
sucesso da revolução subjaz da luta armada travada aquém das fronteiras do país.
959
A África e os países capitalistas
Se o apartheid não mais pode encontrar a sua salvação pela arrogância dos
brancos e mediante o seu próprio armamento, poderia ao menos contar com a
sua aliança com o capitalismo? Em verdade, esta aliança está muito ameaçada.
O capitalismo não saberia tolerar indefinidamente que o racismo perturbasse,
além dos parâmetros aceitáveis, as leis da oferta e da procura, sobretudo, quando
o racismo torna -se ineficaz do ponto de vista econômico.
Como vimos, no período do tráfico de escravos. Se a escravatura, à época,
trouxe fortuna ao capitalismo e, consequentemente, uma evolução da técnica,
a mão de obra servil, justamente em razão desta maior eficiência, tornava -se
paulatinamente menos interessante que a mão de obra assalariada. Até mesmo
a Grã -Bretanha, quem fora a primeira potência escravista do culo XVIII,
tornou -se, no século XIX, a primeira potência abolicionista.
De modo análogo, sob um ponto de vista estritamente econômico, a aliança
do capitalismo com apartheid funcionava a contento até recente data. Por que
seria ela atualmente posta em questão? A resposta consiste essencialmente nas
seguintes razões. Primeiramente, o poder aquisitivo dos negros aumentaria
nos dias atuais, em proporções consideráveis, caso o sistema fosse economica-
mente mais equitativo, e o capitalismo ocidental, por sua vez, muito bem saberia
tirar proveito deste novo poder de compra. Em segundo lugar, a qualificação
da população negra atingiu um nível que permitiria melhorar fortemente a
eficácia das forças produtivas, e ao capitalismo ocidental muito lhe agradaria
explorar estas competências negras. Em terceiro lugar, mediante uma evolução
do sistema educacional e do nível de capacitação dos negros, a África do Sul
poderia rapidamente transformar -se em uma Austrália negra, rica e fortemente
industrializada, na qual o capitalismo poderia perfeitamente conservar os seus
interesses. Em quarto lugar, a oposição ao apartheid produz uma instabilidade
insana para o capitalismo. Os investidores ocidentais prefeririam, com maior
estabilidade, vislumbrar menores incertezas quanto ao devir o investimento
capitalista, esta forma de planejamento calculada, exigia certo grau de previsibi-
lidade. Sem mencionar a indignação de amplas frações da opinião pública oci-
dental, provocada pela escalada da repressão na África do Sul, setores estes que,
imediatamente, fazem pressão sobre as empresas e os grandes distribuidores do
varejo. Na Grã -Bretanha, uma das últimas redes de lojas a aderir ao boicote dos
produtos sul -africanos foi, aproximadamente em 1985, a sociedade empresarial
Littlewoods. Bom número de instituições ocidentais se retiraram da África
do Sul, notadamente o banco Barclays, notória e até bem pouco, reconhecido
pelas suas ligações com o apartheid, mas, igualmente, a IBM, a Coca Cola e,
especialmente, a General Motors.
960
África desde 1935
A luta contra o racismo poderia, por conseguinte e em razão da radicalização
dos militantes (como em Angola, Moçambique e, em certa medida, no Zimbá-
bue), tornar -se uma luta contra o próprio capitalismo, este último deveria levar
em conta as circunstâncias, e romper com o apartheid.
Mas, qual seria o futuro do capitalismo na África do Sul após a derrota do
apartheid? De todo o modo, a vitória sobre o apartheid não significa, forçosa-
mente, vitória sobre o capitalismo. Primeiramente, é imperativo lembrar que, até
certo grau de desenvolvimento, o capitalismo torna -se praticamente irreversível.
Karl Marx pensava que o capitalismo representava um estádio de desenvolvi-
mento inferior ao socialismo; quando o desenvolvimento capitalista atingisse o
seu apogeu ele deveria desdobrar -se um uma revolução socialista, de tal forma
que seriam justamente os países capitalistas mais avançados aos quais caberia,
em primeira mão, conhecer o surgimento do socialismo. Em outras palavras, a
Grã -Bretanha e os Estados Unidos da América do Norte deveriam ter chegado
ao socialismo antes da Etiópia e de Moçambique.
Posteriormente, os marxistas, modificando a teoria, afirmaram que a cadeia
capitalista romper -se -ia em seu elo mais fraco: a Etiópia, a China, assim como
Moçambique, estes eram os elos mais fgeis. O que dizer dos elos fortes?
Quando romper -se -iam então? Para quando a revolução comunista nos Estados
Unidos da América do Norte? A estas questões podemos responder que existe
um estádio de desenvolvimento capitalista além do qual uma revolução comu-
nista é impossível salvo quando imposta do exterior. Os Estados Unidos da
América do Norte, a França e a maioria dos outros países da Europa Ocidental,
provavelmente, atingiram este estádio.
Por que uma revolução comunista seria ela impossível nos Estados Unidos
da América do Norte ou na França? Primeiramente, existe o fato da não con-
cretização da elevação do peso social específico da classe proletária, previsto por
Marx, justa e contrariamente, foi a burguesia quem viu aumentar o seu peso
social, de forma crescente e, especialmente, nos Estados Unidos da América do
Norte. Em segundo lugar, a previsão marxista em referência a uma pauperização
progressiva, também ela não se consumou, salvo em meio à minorias raciais. Os
trabalhadores brancos não se tornaram mais pobres, mas, ao contrário, melho-
raram as suas condições de existência. E os mais pobres dos povos não são, em
hipótese alguma, trabalhadores (quando muito formariam eles um lumpem-
proletariado). Como derivação, os trabalhadores norte -americanos, britânicos e
franceses têm muito mais a perder que os seus elos ou cadeias”: eles possuem
automóveis, aparelhos televisivos, barcos. Por que derrubar o sistema capitalista?
961
A África e os países capitalistas
Não se deve tampouco esquecer que, no Ocidente, a consciência de classe
não prevaleceu sobre a consciência nacional. Ao contrário, o anticomunismo está
ligado ao patriotismo da classe operária norte -americana. Marx subestimou a
capacidade do capitalismo em cooptar, converter e corromper os seus inimigos
naturais, para deles obter o apoio. O próspero capitalismo sabe ganhar, de modo
admirável, fortes aliados em meio aos próprios desfavorecidos.
Contudo, poder -se -ia dizer que a África do Sul teria atingido o estádio irre-
versível do capitalismo, alcançado pela maioria dos países ocidentais? Parece -nos
pouco verossímil. Eis a razão pela qual, uma África dirigida pelos negros pode-
ria tanto permanecer no sistema capitalista (aqui subtraído o racismo), quanto
enveredar -se para uma via de desenvolvimento socialista.
O governo dos negros e a sobrevivência
do capitalismo na África do Sul
A África do Sul negra, livre do apartheid, poderia tornar -se uma potência
imperialista de segunda linha na África Austral (“O poder corrompe e o poder
absoluto corrompe de modo absoluto”). Os novos dirigentes negros deverão
proteger -se desta tentação. Os sul -africanos negros, os mais oprimidos do século
XX, ao que tudo indica são convocados a tornarem -se os negros mais potentes
do século XXI. Talvez não lhes seja desejável verem afundar o barco capitalista.
Em razão dos laços de independência mútua entre a riqueza mineral e o
capitalismo internacional, os dirigentes negros talvez considerem que o capita-
lismo seja o sistema mais rentável e seriam tentados a conser -lo. Os laços entre
o ouro e o sistema monetário internacional podem os dirigentes sul -africanos
negros a eximirem -se de provocar o naufrágio do barco capitalista. Da familiari-
dade não nasce sempre o desprezo, mas, por vezes, do mesmo modo, a satisfação.
O governo dos negros e o desenvolvimento
do socialismo na África do Sul
A paralela radicalização, a acompanhar uma luta prolongada, poderia fazer
bascular a África do Sul negra em direção ao socialismo. A estratificação em
classes, fundada na polarização racial, poderia facilitar, em suplemento, a sociali-
zação desta África do Sul pós -apartheid. A forte urbanização do país seria mais
um fator favorável ao socialismo moderno. Enfim, a causa em prol da construção
962
África desde 1935
do socialismo poderia tirar proveito do duplo movimento, referente à ampliação
do proletariado negro e à interrupção do aburguesamento. A profecia do homem
branco, segundo a qual, atrás de todo nacionalista haveria um marxista, findaria
por consumar -se.
Em suma, o casamento entre o apartheid e o capitalismo ocidental alcança
certamente o seu ocaso. Para o capitalismo internacional, o racismo institucio-
nalizado está, atual e provavelmente, fadado a inscrever -se no passivo, muito
mais que no ativo, do saldo global do sistema, ele apressa -se em livra -se do
apartheid, não pelo interesse da justiça mas, em razão do interesse e do lucro.
Contudo, a queda do apartheid na África do Sul não significa necessariamente
o epílogo da hegemonia de Washington e de Bruxelas, em respeito aos assuntos
econômicos da África.
Conclusão
A análise desenvolvida neste capítulo considerou como ponto de partida os
três tradicionais flagelos que marcaram as relações entre a África e o mundo
capitalista: o tráfico de escravos, o imperialismo e o racismo. A história nos
ensinou que, em sua maturidade, o capitalismo poderia livrar -se do tráfico sem
contudo interromper o seu fortalecimento
9
. Resta saber, atualmente, se o capi-
talismo avançado pode desconsiderar e livrar -se do imperialismo e do racismo,
conservando todavia o seu vigor como sistema coerente.
Observamos neste capítulo que o capitalismo ocidental não sofrera com a
descolonização política da África, na justa que este processo não se acompanhou
de uma descolonização econômica. A história mostrou que ao capitalismo inter-
nacional não lhe era imprescindível plantar pavilhões imperiais, em impérios
territoriais, para poder alimentar -se da substância de outras sociedades, ele é
perfeitamente capaz de parasitá -los, sem erguer a bandeira nacional.
Sob o ângulo africano de visão, o capitalismo internacional sempre fora
bipolar. Ao longo do período colonial, os centros gêmeos eram, essencialmente,
Londres e Paris. No período pós -colonial, tema deste volume, Londres perdeu
o seu peso na África, Washington acresceu o seu correlato e Paris manteve a
sua hegemonia, com nova roupagem. Em respeito a estas relações entre a África
e o capitalismo ocidental, a hegemonia do eixo “Londres -Paris” cedeu lugar à
preponderância Washington -Paris”. Todavia, alguns sinais indicam que, nos
9 CHINWEIZU, 1975.
963
A África e os países capitalistas
últimos anos do século XX, a Comunidade Europeia, em seu conjunto, herdará
o papel desempenhado pela França na África. A persistir a tendência, os dois
polos, no referente às relações da África com o capitalismo ocidental, tornar-
-se -ão, a termo, Washington e Bruxelas.
O combate da África contra a ocupação territorial oficial foi coroado de
sucesso, aquele referente à luta do continente contra a exploração econômica está
apenas em seu início, mas a cruzada da África contra o apartheid e o racismo
institucionalizado está em vias de alcançar êxito.
O desafio das derradeiras e decisivas batalhas é a libertação da África do
Sul. O capitalismo ocidental saberá acomodar -se, ao que tudo indica, quando
chegar o momento do fim do apartheid e do racismo escancarado na África
Austral. Este apartheid (a exemplo da escravatura no século XIX) teve como
consequência frear a dinâmica do sistema capitalista. Entretanto, a genialidade
capitalista caracteriza -se especialmente pela sua capacidade em inventar novas
formas de dominação. O tráfico chegou ao seu fim, tal como os velhos impérios
territoriais da África, e o capitalismo sobreviveu a estas mudanças. Nos tempos
atuais, pressente -se que a prática aberta do apartheid e o racismo instituciona-
lizado serão, a seu turno, liquidados na África Austral. O capitalismo ocidental
superará também este choque.
O imperador Capital encontrará, certamente, uma nova equação mágica com
vistas a perpetuar o seu poder, pois tudo se passa como se ele possuísse uma
fórmula secreta para se reencarnar. Quando a África festejar o final do apartheid,
tal como ela festejou, há pouco, o fim do tráfico transatlântico e, posteriormente,
aquele do colonialismo, ela faria muito bem em preocupar -se com a forma iné-
dita que, então, assumirá o capitalismo.
C A P Í T U L O 2 7
965
A África e os países socialistas
As relações da África com os países socialistas remontam à época durante a
qual, pouco após a revolução bolchevique de 1917, Lenin prometeu a cooperação
do jovem Estado soviético a todos os povos colonizados. Desde então, todos
os países socialistas — a URSS e os seus aliados, como a República Popular da
China prestaram ajuda, sob diversas formas, aos Estados africanos, tanto
antes quanto após a sua conquista da independência. Tal como aquela conduzida
pelas outras potências, a política externa dos países socialistas era permanente-
mente regida por dois imperativos: um imperativo ideológico, segundo o qual, o
bloco soviético e a República Popular da China deviam sustentar os países par-
tidários do marxismo -leninismo; e um imperativo estratégico, mediante o qual,
eles defendiam os seus interesses nacionais. Isto implicava, para os comunistas,
apoiarem as lutas de libertação, com o intuito de acelerar a revolução colonial,
parte integrante da revolução mundial.
Concomitantemente ao aumento da importância do continente africano
no âmbito dos assuntos mundiais, os países socialistas desenvolveram as suas
relações com os Estados áfricos. Desta forma, estabeleceu -se uma interação que
influenciou, sob muitos aspectos, a trajetória dos acontecimentos nestes países.
A política posteriormente desempenhada pela URSS, por todo o conjunto
dos países socialistas na África, pode, em sua totalidade, ser dividida em qua-
tro períodos: de 1917 a 1945, a influência soviética é indireta e apoia -se nos
A África e os países socialistas
Iba Der iam e James Mulira
com a colaboração de Christophe Wondji
966
África desde 1935
partidos comunistas europeus e nos militantes radicais, africanos, antilhanos
e norte -americanos, do pan -africanismo; de 1945 a 1965, os países socialistas
apoiaram, direta ou indiretamente, os movimentos de libertação nacional e os
jovens Estados africanos independentes, encorajados pelo enfraquecimento das
potências coloniais e pela ascensão dos nacionalismos, no imediato pós -Segunda
Guerra Mundial; de 1960 a 1975, assiste -se ao refluxo da intervenção dos países
socialistas e, especialmente, da URSS, em proveito de uma ação essencialmente
diplomática; a partir de 1975, após o fim da guerra do Vietnã, constata -se uma
recuperação da influência dos Estados socialistas, por exemplo, em Angola e no
chifre da África.
As relações entre a África e o campo socialista
Escrevendo em época onde o colonialismo ainda encontrava -se pouco desen-
volvido e na qual se conhecia relativamente pouco sobre a África no continente
europeu, Karl Marx e Friedrich Engels pouco mencionaram este continente
em suas obras. Em contrapartida, Lenin abordou, frequentemente, os proble-
mas africanos nos seus livros sobre o imperialismo e sobre as questões nacional
e colonial
1
. Assim sendo, naquilo que lhe compete, a África, pela sua situação
política e socioeconômica particulares, era capaz de edificar uma sociedade
comunista sem passar pelo estádio capitalista
2
. Os movimentos anticoloniais
africanos foram incentivados a combaterem os colonizadores, de modo a amplia-
rem a frente anti -imperialista. Igualmente, o Komintern procurou estabelecer
uma ação orquestrada com as primeiras organizações nacionalistas, tais como o
National Congress of British West Africa (NCBWA), a Kikuyu Central Asso-
ciation ou o Congresso Nacional Africano (CNA), embora, aos seus olhos, a
direção destes movimentos estivesse em mãos, não da classe operária, aliás pouco
numerosa na África, nos idos da década de 1930, mas, da burguesia nacional
progressista. Algumas organizações, ligadas ao Komintern, desempenharam um
papel particularmente ativo: tratou -se, notadamente, da Internationale Syndicale
Rouge (Profintern), da United Front From Below (UFFB) e do International
Trade Union Committee of Negro Workers (ITUC -NW)
3
. Jomo Kenyatta,
1 V. I. LENIN, 1979.
2 V. I. LENIN, 1958 -1973.
3 Relatório de Joe, 100, 20, 1930, SLUT MOMU Box 3, pasta 373, subpasta 51:3, citado em T. WILSON,
1974; F. MELI, sem datação.
967
A África e os países socialistas
um dos primeiros africanos a colaborar com alguns destes movimentos, visitou
a URSS em 1929, 1932 e 1934
4
. Ele era correspondente do ITUC -NW.
O comunismo internacional e os
movimentos anticolonialistas
Nos anos 1920 e 1930, o Komintern demonstrava, em geral, dificuldades
para manter contato com os nacionalistas africanos. Do mesmo modo, o Kre-
mlin utilizava, para difundir as ideias socialistas, negros americanos e militantes
antilhanos do pan -africanismo, assim como os partidos comunistas dos países
metropolitanos: Sylvester Williams, um antilhano, influenciou Marcus Gar-
vey, quem desempenharia um importante papel entre os primeiros socialistas
africanos, ao passo que, numerosos socialistas africanos, notadamente, Kwame
Nkrumah, sofriam a influência do negro norte -americano W. E. Du Bois e do
antilhano George Padmore
5
.
Em razão da importância do império colonial francês e da popularidade
do Partido Comunista Francês (PCF) na vida política deste país, a este último
cabia um importante papel a desempenhar nas colônias. Em outubro de 1921,
o Comitê Executivo da III Internacional convidou o Comitê Central do PCF
a rapidamente constituir um Conselho Comunista Colonial, encarregado de
fomentar os distúrbios nas colônias europeias, na África e alhures.
A estratégia do PCF visava concretizar uma ativa e resoluta propaganda anti-
militarista, orientada para os antigos combatentes e vítimas da guerra, bem como
em direção aos centros metropolitanos de reagrupamento das tropas coloniais.
Diretrizes precisas haviam, além disso, definido as ações a serem promovidas em
Camarões, no Togo, na África Equatorial francesa, em Madagascar e na África
Ocidental francesa. Foi justa e especialmente sob este panorama que se produziu
um exaustivo estudo, concernente à situação geográfica, demográfica, étnica,
econômica, política e social de todas as colônias. Este exame era concebido com
o objetivo de permitir à direção do PCF elaborar um plano tático de ação e
examinar as tarefas concretas que ela deveria seguir na busca de conquistar o
apoio das massas indígenas para o esforço comunista, assim como, fortalecê -las
no curso da batalha contra o capitalismo e o imperialismo
6
”.
4 J. M. BROWN, 1972, p. 268.
5 I. GEISS, 1974; A. LANGLEY, 1973.
6 Arquivos da República do Senegal, 1923.
968
África desde 1935
Em novembro de 1922, o Izvestia assinalava, em artigo intitulado Uma
raça que se desperta”, que delegados negros participaram ao Quarto Congresso
da Internacional Comunista”. O jornal completava: “Este fato, aparentemente
insignificante, parece -nos constituir o início de um dos mais importantes movi-
mentos históricos, destinado a desempenhar um considerável papel na luta geral
contra o imperialismo mundial
7
.”
A participação dos africanos no movimento comunista internacional prosse-
guiu em sua curva ascendente. Grupos anticolonialistas formaram -se, dentre os
quais a Liga Contra o Imperialismo e pela Independência Nacional, patrocinada
pelo PCF, contando entre os seus membros, com africanos tais como Chadli Ben
Mustapha (Tunísia), J. T. Gumede (África do Sul), Tiemoko Garang Kouyate
e Lamine Senghor (África do Oeste).
Assim sendo, dois anos antes da crise econômica mundial de 1929, as bases
ideológicas e estratégicas do movimento anticolonial foram solapadas. A União
Soviética e os partidos aliados a ela desempenharam um papel crucial na for-
mação política e ideológica dos quadros do movimento, tendo sido criada, em
Moscou no ano de 1930, a escola de Stálin, intuindo preparar quadros marxis-
tas. As repercussões da crise econômica que sacudiam o mundo possuíam uma
natureza favorável à tarefa do movimento anticolonial. Porém, a chegada dos
fascismos à Europa relegou a questão colonial ao segundo plano, no referente às
preocupações dos partidos comunistas, em detrimento e causando sérios danos
junto a certos militantes do pan -africanismo, à imagem de G. Padmore, os quais
julgavam prejudicial à causa africana esta mudança de diretriz
8
.
Após a guerra, os partidos comunistas europeus continuaram a desempenhar
um papel relativamente importante na África francófona. Porém, esta vertente
comunista teve menor atuação na África anglófona, onde o Partido Comunista
da Grã -Bretanha, menos potente que o seu homólogo francês, não estava for-
temente implantado.
Alguns africanos radicais, estudantes na Grã -Bretanha, entraram em contato
com dirigentes dos partidos comunistas, os quais exerceram certa influência na
formação dos seus ideários políticos. J. Kenyatta, do Quênia, K. Nkrumah, da
Costa do Ouro (atual Gana), I. K. Musazi, de Uganda, figuravam entre estes
radicais. Alguns dentre eles, como S. Mulumba, do Partido Bataka (Uganda),
buscavam, por intermédio do Partido Comunista da G-Bretanha, obter o
7 Arquivos da República do Senegal, 1922.
8 G. PADMORE, 1935.
969
A África e os países socialistas
concurso da União Soviética para levar a cabo a conquista da independência
política da África Oriental
9
.
A adesão ao marxismo foi mais importante e durável em outras partes da
África. A Federação dos Estudantes da África Negra na França (FEANF) con-
tava entre seus membros, sobretudo em meio aos seus quadros, com uma maioria
marxista, tal como o camaronês Osende Afana, autor de importante obra sobre
a economia do oeste africano. Através dos Grupos de Estudos Comunistas,
fundados em 1943, e da Confederação Geral do Trabalho, muitos lideranças
sindicais abriram -se ao marxismo e às técnicas de organização de massas. Na
África lusófona, foram intelectuais marxistas formados em Portugal, nas fileiras
do Partido Comunista, como Agostinho Neto e Amilcar Cabral, que fundaram
o Movimento para a Libertação de Angola (MPLA) e o Partido Africano para
a Independência da Guiné e do Cabo Verde (PAIGC).
Contudo, à época das independências, ao final dos anos 1950 e no início dos
anos 1960, o comunismo encontrava -se em uma situação ambígua na África. Por
um lado, os partidos que se reivindicavam abertamente marxistas eram pouco
numerosos: quando existiam, especialmente na África do Sul, na Argélia, no
Egito, no Senegal e no Sudão, a sua influência era limitada por múltiplos fatores
(fraqueza da classe operária, obstáculos das ideologias tradicionais, resistência
das religiões). Por outro lado, os países comunistas, particularmente a URSS,
gozavam de um considerável prestígio.
A União Soviética, a Europa Oriental
e a descolonização da África
Foi somente no imediato posterior à Segunda Guerra Mundial, da qual as
potências coloniais saíram enfraquecidas, que o mundo socialista recomeçou a
interessar -se, mais de perto, pelo continente africano. O período compreendido
entre 1945 e 1960 foi marcado por um forte avanço do anticolonialismo. O
mundo socialista estava pronto para sustentar os movimentos anticolonialistas
africanos, com o intuito de enfraquecer o seu inimigo comum: o imperialismo
internacional
10
.
Todavia, a África colonial não cessava de impor um problema teórico aos
pensadores socialistas: quem considerar, na África, como motor da revolução e
9 J. MULIRA, 1974, p. 44.
10 BYAKOV e colaboradores, 1981, p. 43
970
África desde 1935
a força capaz de abalar o imperialismo? O acadêmico soviético, E. M. Zhukov,
condenava, em 1947, o papel desempenhado pela burguesia africana durante a
luta pela libertação
11
. Mas, outro soviético, o africanista I. V. Potekhin, declarava,
em 1950: Na maioria dos países da África Tropical e Austral, o papel principal,
no seio do movimento de libertação nacional, pertence à burguesia e à intelli-
gentsia nacional
12
.” Nestes termos, este autor considerava a fraqueza da classe
operária e a pouca importância dos partidos comunistas, nas colônias da África.
De fato, de 1950 às independências, a política do bloco soviético e da China
parecia sobretudo basear -se nesta última análise, mais pragmática. Sem dúvida,
os países socialistas não pouparam o seu apoio aos sindicatos operários africa-
nos, em suplemento, eles também estabeleceram contato com os movimentos
anticoloniais, por intermédio de organizações atuantes sob os seus auspícios,
como o Movimento Mundial pela Paz, a Organização de Solidariedade dos
Povos Afro -Asiáticos e a União Internacional dos Estudantes. Quando e onde
existiam, eles igualmente apoiavam -se nos partidos comunistas locais.
Após ter traçado os mecanismos e as vias para a colaboração com os movi-
mentos anticolonialistas, o mundo socialista engajou -se em um programa de
apoio ativo à descolonização definitiva da África, sob a forma de uma assis-
tência material e diplomática, oferecida em conformidade com o princípio
marxista -leninista, segundo o qual, o mundo socialista deveria ajudar àqueles
que aspirassem à descolonização. O Convention People´s Party (CPP), em
Gana, esteve entre os primeiros a beneficiarem -se do concurso soviético, seguido
pelo movimento mau -mau, pela Kenya African National Union (CANU) de
Jomo Kenyatta, pelo National Council of Nigeria and the Cameroons (NCNC),
pelo Uganda National Congress (UNC), pelo Parti Africain de l’Indépendance
(PAI) e pela Union des populations du Cameroun (UPC), em Camarões, pelo
Parti du congres de l’indépendance (AKFM), em Madagascar, pelo Front de
libération nationale (FLN), na Argélia, bem como por movimentos de libertação
do mesmo tipo, como a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO),
o MPLA em Angola, a Zimbabwe African People’s Union (ZAPU) e a Zim-
babwe African National Union (ZANU). Posteriormente, o CNA, na África
do Sul, e a South West African People’s Organization (SWAPO), na Namíbia,
receberam similar ajuda.
11 E. M. ZHUKOV, 1947.
12 Soviet Ethnography, no 1, 1950; V. I. POPOV e colaboradores, 1975, pp. 21 -24; V. I. LENIN, 1958-
-1973; Pravda, 17 de março de 1957, p. 1; Tass, 1o e 3 de fevereiro de 1960; D. SKVIRSKY, 1967, pp.
194 -197.
971
A África e os países socialistas
O projeto de resolução convocando todas as potências coloniais a concede-
rem a independência às suas possessões, apresentado pela URSS, na Assembleia
Geral das Nações Unidas, em 1960, e a resolução que ela fez adotar, em 1961,
referente à implementação do processo de descolonização, constituíram a base
de toda a política ulterior de participação dos países socialistas, no âmbito da
descolonização africana
13
. Aprovadas pelo vigésimo primeiro Congresso do
PCUS, o qual declarou solenemente o seu apoio aos movimentos de liberta-
ção
14
, confirmadas posteriormente do vigésimo segundo ao vigésimo sétimo
Congressos, estas iniciativas valeram à União Soviética a simpatia dos africanos,
representando para ela uma importante vitória diplomática sobre as potências
coloniais ocidentais. Doravante, o mundo socialista, preocupado em assegurar
a sua independência política, acordou, voluntariamente, a sua ajuda à maioria
dos nacionalistas africanos, atribuindo -se o posto de guardião da independência
africana, papel geralmente reconhecido pelos nacionalistas, como demonstra
esta declaração do político queniano Oginga Odinga: A URSS coloca o seu
prestígio ao serviço das nações oprimidas que desejam libertar -se de todas as
formas de neocolonialismo [...], ela está presente ao nosso lado nos momentos
de luta. Nós não a esqueceremos jamais
15
.”
Durante a luta pela indepenncia, esta cooperão beneficiou partidos
nacionalistas de vários países, tão diversos quanto: a Argélia, o Egito, Gana, a
Guiné, o Mali, o Sudão, a Tunísia, o Quênia, Uganda, a Tanganyika e a Somália.
Na África Austral, região na qual, a luta contra o colonialismo foi muito mais
longa, o concurso da URSS e da Europa Oriental à ZAPU, no Zimbábue, à
FRELIMO, em Moçambique, e ao MPLA, em Angola, revelou -se ainda mais
decisivo. Em seu combate contra o regime do apartheid, o CNA, na África do
Sul e a SWAPO, na Namíbia, receberam dos Estados socialistas europeus uma
ajuda, a um tempo, política, diplomática, financeira e militar
16
.
Uma vez alcançada a independência, muitos Estados solicitaram a coopera-
ção da URSS e das democracias populares europeias, quer seja para escapar ao
neocolonialismo, denunciado pelo pai da emancipação ganense, Kwame Nkru-
mah, como “o estádio supremo do imperialismo
17
”, quer seja para contrabalançar
a influência unilateral dos Estados capitalistas. De 1957, data da independência
13 D. SKVIRSKY, 1967, pp. 196 -215.
14 Current Soviet Policies III, 1960, p. 20.
15 Radio Moscou, 16 de outubro de 1960; Pravda, 16 de outubro de 1960, p. 3.
16 H. DONALSON e L. NOGEE, 1981.
17 K. NKRUMAH, 1973.
972
África desde 1935
de Gana, a 1985, a URSS assinou acordos com cerca de quarenta países afri-
canos. Uma das mais interessantes dimensões desta cooperação dizia respeito
ao ensino e à pesquisa: formação dos quadros africanos na URSS, envio de
professores e pesquisadores soviéticos às universidades e centros de pesquisa
africanos e estabelecimento de laços científicos entre instituições soviéticas e
africanas. Aproximadamente 30.000 africanos formaram -se no sistema soviético
de ensino superior
18
. Menos abrangentes, os laços de cooperação com os outros
Estados do Conselho de Assistência Econômica Mútua (CAEM) inspiravam -se
nos mesmos princípios
19
.
A República Popular da China e a
descolonização da África
Por razões de ordem ideológica e ligadas ao interesse nacional, os países do
Terceiro Mundo ocupavam uma posição privilegiada, em meio aos objetivos
da política externa de Pequim e nada era mais ilustrativo a este respeito que as
relações da China com a África, cuja importância para os chineses residia em
três considerações.
Primeiramente, o combate da África pela sua independência representava
uma importante etapa da luta revolucionária mundial do proletariado contra
o capitalismo: a China tinha, portanto, um dever de solidariedade em respeito
a este combate. Em segundo lugar, o interesse nacional da China demandava-
-lhe estar presente na África, onde se enfrentavam, desde anteriormente, os
seus concorrentes, os Estados Unidos da América do Norte e a URSS, e onde
ela poderia encontrar simpatias, ao menos no plano diplomático, as quais lhe
ajudariam a atingir os seus objetivos, em matéria de política externa. Enfim, a
China considerava ter passado por uma experiência colonial análoga àquela da
África: ela encontrava -se, por conseguinte, bem posicionada para compreen-
der os problemas do colonialismo e para ajudar o continente a conduzir, com
sucesso, o seu processo de descolonização
20
.
18 Comunicação de A. LETNEV, Instituto da África, Moscou, 9 setembro de 1987. A. A. GROMYKO
(org.), 1984.
19 Os países do CAEM e a África: comércio e cooperação, 1980; V. LOPAROV, 1987.
20 G. T. YU, 1975, p. 67. Conferir igualmente a alocução do primeiro -ministro Zhou Enlai no banquete
oferecido pelo presidente K. Nkrumah; Ibid., p. 89.
973
A África e os países socialistas
Muitos fatos testemunham da importância e do interesse, acordados pela
China, à África: o engajamento, tomado durante o Congresso Sindical Mun-
dial, realizado em Pequim, em meados dos anos 1950, em favor da ajuda aos
países africanos, em luta pela sua independência
21
; o apoio ao movimento mau-
-mau, considerado pelos chineses como uma força anti -imperialista
22
; o périplo
africano do primeiro -ministro Zhou Enlai, na passagem de 1963 para 1964,
durante o qual ele lançou a sua famosa fórmula: A África está madura para a
revolução”; a condenação da declaração unilateral de independência dos brancos
na Rodésia (11 de novembro de 1965); o apoio aos movimentos nacionalistas
das colônias portuguesas, do Zimbábue, da África do Sul e do sudoeste africano
(a atual Namíbia); a permanente condenação do regime de apartheid e a ajuda
concedida ao seus adversários, especialmente ao Pan -African Congress (PAC).
A primeira contribuição importante da China para a descolonizão da
África foi a custosa linha ferroviária ligando a Tanzânia à Zâmbia, a TAZARA
(também chamada Uhuru, Liberdade), que ela aceitou construir, após a recusa
de todos os países ricos e tecnologicamente mais avançados. Lançando -se neste
projeto de 450 milhões de dólares norte -americanos, a China propunha -se, a
partir de recursos próprios, a “ajudar a Zâmbia e a Tanzânia em sua luta, contra
o colonialismo e a agressão dos regimes racistas da Rodésia do Sul, da África
do Sul e de Portugal
23
”.
O projeto da TAZARA apresentava grande interesse para a Zâmbia, país
privado do acesso às águas marítimas e cujas vias de comunicação com o mundo
haviam sido cortadas, pelo regime racista da Rodésia, em razão das incessantes
críticas formuladas pelo presidente Kaunda contra este último e pelo apoio
concedido aos guerrilheiros da ZANU e da ZAPU. A importância deste projeto
para os movimentos antirracistas e anticolonialistas africanos era, inclusive, ates-
tada pelos temores, por ele suscitados, na racista África do Sul, a qual garantia
a permanência do regime minoritário na Rodésia do Sul. O Primeiro -Ministro
deste país comentou -a, com inquietação, nestes termos: A mais grave ameaça
que paira sobre a África vem da China comunista, os chineses estabeleceram
um posto avançado na Tanzânia e, com a construção da TAZARA, eles pode-
riam muito bem infiltrar -se até o coração da África e instalarem -se, em caráter
permanente, na Tanzânia e na Zâmbia
24
.”
21 Agência Nova China, no 447, citado em B. LARKIN, 1971.
22 Peking Review, 15 agosto de 1960, p. 16.
23 Pekin linformation, 17 de julho de 1970, p. 16
24 Star (África do Sul), 15 de maio 1971; Africa Research Bulletin, maio de 1971, p. 2098c.
974
África desde 1935
A China igualmente ofereceu a sua ajuda militar a vários movimentos guer-
rilheiros pró -chineses da África Austral, como o Pan -African Congress of South
Africa
25
e, sobretudo, os guerrilheiros da ZANU, treinados e equipados por peri-
tos, em vários campos da Tanzânia e em Moçambique
26
. Contando com o forte
e amplo concurso dos chineses, eles conduziram o Zimbábue à independência
política. Para a China, esta vitória era um exemplo do sucesso que atingira a
sua ação, em prol das lutas de libertação africanas
27
. O Primeiro -Ministro do
Zimbábue confirmou esta apreciação quando, ao homenageá -la pela contribui-
ção por ela trazida à emancipação do seu país, declarando que a China fora
a inspiradora ideológica e militar do movimento nacionalista zimbabuano
28
.”
Muitos chefes de Estado africanos, entre os quais Julius Nyerere, o general
Gowon e Kenneth Kaunda, emitiram opiniões análogas e prestaram tributo
25 African Communist ( Johannesbourg), 2o trimestre de 1967, p. 17.
26 D. MARTIN e P. JOHNSON (org.), 1981, pp. 11 -12; Tanzania Standard (Dar es -Salaam), 10 de
dezembro de 1977; Africa Research Bulletin, dezembro de 1977.
27 Agência Nova China, 30 de junho de 1980; Africa Research Bulletin, julho de 1980, p. 5730.
28 Africa Research Bulletin, maio de 1981, p. 6059.
 . O presidente chinês Mao Tse -tung encontra o presidente Kenneth Kaunda, da Zâmbia, em
Pequim, em fevereiro de 1974. (Foto: Xinhua News Agency, Beijing.)
975
A África e os países socialistas
ao papel desempenhado pelos chineses, nos processos de descolonização na
África
29
. O apoio da China persiste como uma conquista para os movimen-
tos anticolonialistas e antirracistas, como declarou o Primeiro -Ministro chinês
quando do seu giro pela África, em 1980
30
.
O impacto da guerra do Vietna África
A guerra do Vietnã teve, na África, repercussões políticas, psicológicas, eco-
nômicas e militares.
À imagem das guerras travadas pelos movimentos de libertação africanos,
ela foi um produto do imperialismo e do colonialismo, assim como, uma das
consequências da rivalidade entre as superpotências, em respeito a um país do
Terceiro Mundo. Os norte -vietnamitas, apoiados pelos comunistas chineses e
soviéticos, combatiam pela reunificação do seu país. Mal equipados, eles enfren-
tavam sul -vietnamitas melhor armados pelos americanos, os quais não hesitaram
em envolver, no conflito, centenas de milhares dos seus próprios soldados. Os
africanos consideraram esta mobilização de forças norte -americanas, contra
o Vietnã do Norte, como uma agressão neocolonialista contra um vulnerável
país -irmão: toda nação do Terceiro Mundo que resistisse aos interesses das
superpotências estaria sujeita a enfrentar uma similar agressão
31
.
Ao levarem em conta a colaboração oferecida, pelas potências ocidentais, ao
regime sul -africano de apartheid, os africanos consideravam que os vietnamitas
combatiam o mesmo inimigo. A sua simpatia baseava -se igualmente na comum
filiação, dos Estados africanos e do Vietnã, ao movimento dos não alinhados,
cuja segurança e a integridade estavam ameaçadas pela agressão perpetrada
contra o Vietnã. Enfim, ao receberem a ajuda da China e da URSS (os dois
principais aliados do Vietnã do Norte) para definitivamente liquidar o colonia-
lismo, nas colônias portuguesas e na África Austral, a África sentia -se, por sua
vez, obrigada a oferecer a sua colaboração aos vietnamitas.
A vitória do Viet do Norte sobre os Estados Unidos da América do Norte
teve consideráveis efeitos na África. Para a maioria dos nacionalistas africanos,
tratava -se de uma vitória de Davi sobre Golias. Ela destra, em suplemento, o mito
29 Conferir, por exemplo, Times of Zambia (Ndola), 22 de fevereiro de 1974; New Nigerian (Koduna), 18
de setembro de 1974; Africa Research Bulletin, março de 1974, p. 3185.
30 Agência Nova China, 30 de junho de 1980.
31 A. A. MAZRUI, 1972, p. 124.
976
África desde 1935
do poderio militar, como única chave para a vitória, e confirmava que a resolução,
a abnegação e o engajamento de um povo, em combate pela sua justa causa, eram
infinitamente mais importantes. Ela reforçou, por conseguinte, a autoconfiança dos
povos do Zimbábue, da Namíbia, de Angola e de Moçambique, conferindo -lhes a
convicção, segundo a qual, a sua determinão superaria o poderio militar dos regi-
mes imperialistas, colonialistas e racistas. Os chineses e os vietnamitas levaram ao
conhecimento dos nacionalistas africanos as cnicas vietnamitas de guerrilha, con-
tribuindo para a conquista da indepenncia de alguns Estados, como o Zimbábue.
A guerra do Vietnã teve outra consequência: durante o conflito, a China e a
URSS estavam demasiado absorvidas para prestarem pleno apoio à África, em
favor da sua luta pela descolonização, e os Estados Unidos da América do Norte,
também eles, estavam relativamente à margem do que acontecia na África.
Uma vez terminada a guerra, os Estados Unidos da América do Norte, sob o
impacto da “síndrome vietnamita”, praticaram na África uma política prudente,
ao passo que a URRS e a China aumentaram a sua influência e a sua audiência
no continente, especialmente nas antigas colônias portuguesas, no Zimbábue,
na Zâmbia, na Tanzânia e no chifre da África.
Com o final da guerra do Vietnã, o interesse das duas superpotências voltou-
-se para o continente africano, transformado em teatro privilegiado do seu
enfrentamento, por exemplo, em Angola e no chifre da África. Em suma, a
vitória dos norte -vietnamitas parece ter fortalecido a credibilidade dos p-
ses socialistas, especialmente a URSS e a China, quanto à sua capacidade em
defenderem os interesses dos pequenos Estados do Terceiro Mundo, contra as
superpotências ocidentais.
As relações da África com os países socialistas
Os sistemas econômicos e políticos da África contemporânea tiveram cer-
tamente precedentes locais, mas a sua análise deve considerar uma evolução
em longo prazo, a qual conduziu o continente a participar, primeira e paula-
tinamente, das trocas mundiais, posteriormente, em meados do século XIX, a
integrar -se mais diretamente nesta rede de intercâmbios, para finalmente, no
início do século XX, encontrar -se submetido às necessidades e aos objetivos,
econômicos e políticos, das grandes potências ocidentais
32
.
32 P. C. W. GUTKIND e I. WALLERSTEIN (org.), 1976, vol. I, p. 7. Conferir igualmente I. WALLERS-
TEIN, 1976a.
977
A África e os países socialistas
O curso dos acontecimentos na África deu razão, durante certo tempo, aos
teóricos soviéticos, os quais consideravam aliados, os movimentos de libertação
nacional em luta contra o imperialismo. A conferência de Bandung criou uma
terceira força intermediária entre os blocos capitalista e socialista, a qual devia,
desde logo, ser considerada. No Egito, as tentativas ocidentais de desestabili-
zação e, especialmente, a expedição franco -britânica a Suez, em 1956, levaram
Gamal ‘Abd al -Nasser a aceitar armamento soviético. A conquista da indepen-
dência pelo Marrocos, pela Tunísia, pelo Sudão, Gana e Guiné, assim como a
luta da FLN argelina, representou golpes tão sérios contra o colonialismo e o
imperialismo, executados por movimentos não comunistas, que era definitiva-
mente possível, assim pensava -se em Moscou, a posterior radicalização destes
movimentos. A imprensa soviética escrevia, em referência a este tema, que, tal
como Fidel Castro em Cuba, os africanos Sékou Touré, Kwame Nkrumah, e
até Modibo Keita, poderiam transcender os interesses da sua classe, a pequena-
-burguesia nacional, e assim seguirem uma via de desenvolvimento não capi-
talista”, capaz de, eventualmente, conduzir ao socialismo.
Os teóricos soviéticos chegaram, desta forma, a definir uma via não capi-
talista de desenvolvimento para os países africanos, diretriz esta que, embora
não regida pelos princípios do socialismo científico, o deixava de possuir
real capacidade revolucionária. Esta via foi aquela escolhida pelas “democracias
nacionais”, segundo a qual, um Estado autenticamente independente, anti-
-imperialista, anticolonialista, antiditatorial, democrata e progressista, em suas
políticas internas e sociais, [constituiria] uma democracia nacional
33
”. Em suma,
aos olhos dos teóricos soviéticos, havia identidade de interesses entre o mundo
socialista, os movimentos de libertação africanos e o movimento operário inter-
nacional, em luta contra o imperialismo.
Foi assim que, no transcorrer dos anos 1960, os Estados africanos, aparente-
mente adeptos da via socialista, beneficiaram -se da ajuda socialista internacional,
entre eles, o Egito, Gana, a Guiné e o Mali, foram os precursores.
Na realidade, a maioria dos Estados africanos independentes conservaram
as instituições coloniais e modelaram -nas à imagem daquelas dos seus antigos
colonizadores. Eles igualmente mantiveram (ao menos durante os primeiros
anos) nos setores -chave (administração pública, polícia e exército) um quadro
relativamente importante de funcionários estrangeiros oriundos, quase sempre,
da antiga metrópole. Inclusive em países como Gana de Nkrumah, cuja simpa-
33 Segundo a denição dada pelo teórico soviético B. PONOMAREV, em 1960, e o conceito brilhante-
mente analisado pelo historiador francês J. CHESNAUX, 1964.
978
África desde 1935
tias tendiam para o mundo socialista, um número não negligenciável de quadros
manteve -se operante até 1961. Tal foi igualmente o caso, durante períodos mais
prolongados, em outras antigas colônias como Quênia, a Nigéria, o Senegal e a
Costa do Marfim, por exemplo. Este pessoal estrangeiro, ocupantes em geral de
cargos em órgãos governamentais, exercia forçosamente, sobre a orientação polí-
tica dos Estados africanos independentes, uma influência, ao que tudo indica,
favorável às antigas metrópoles ocidentais.
As antigas colônias demonstraram dificuldades em romperem os seus laços
econômicos e comerciais com as metrópoles, as quais controlavam, juntamente
com outras potências ocidentais, as grandes instituições financeiras mundiais,
entre as quais o Banco Mundial, bem como as divisas utilizadas nos Estados
africanos, as cotações das matérias -primas e os volumes das principais exporta-
ções dos Estados africanos.
Do ponto de vista cultural e muito amiúde, as antigas colônias conservaram,
como idioma nacional, a língua dos colonizadores, dos quais elas haviam, igual
e especialmente, conservado os sistemas de educação e a maior parte dos valores
culturais, em matéria de vestuário e hábitos alimentares
34
. Esta continuidade
explica -se pelo fato destas colônias terem vivido, durante vários decênios, sob o
domínio cultural das metrópoles e em razão do Ocidente ter nelas desenvolvido
uma eficaz propaganda.
Mediante estas condições, os países socialistas encontraram dificuldades em
eliminar, ou por vezes até simplesmente em reduzir, a dependência dos Estados
africanos em relação às potências capitalistas ocidentais e este fator, acrescido à
repressão dos militantes comunistas pelos regimes no poder, explica o fato dos
partidos comunistas terem demonstrado tanta dificuldade para se organizarem
no continente. Fato ainda mais decepcionante para o mundo socialista, os Esta-
dos e os dirigentes africanos, manifestadamente interessados, em um primeiro
momento, pela via socialista de desenvolvimento, invariavelmente sucumbiram
à dependência vis -vis do mundo capitalista. No Egito, por exemplo, al -Nasser
conduziu uma política repressiva contra o Partido Comunista Egípcio e, sob
Anwar al -Sādāt, o clima das relações egípto -soviéticas deteriorou -se profunda-
mente. Na África negra, o mundo socialista também conheceu contratempos.
As relações estabelecidas em 1959 com a Guiné não tardariam a se degenerar:
o embaixador Daniel Solod foi expulso de Conakry logo em 1961 e, malgrado
a visita de Anastase Mikoyan, em janeiro de 1962, à capital guineense, o diá-
34 A. OKOLO, 1983.
979
A África e os países socialistas
logo soviético -guineense não recuperaria jamais a harmonia dos primórdios.
Progressivamente, a Guiné retornou à órbita ocidental.
O mundo socialista esperava melhoras em suas relações com Gana, assim
como que o presidente Nkrumah, teórico do socialismo africano, adotasse as
teses do socialismo científico. Entretanto, em que pese a ajuda concedida pelo
bloco soviético, o regime de Accra foi obrigado a renunciar, por certo tempo,
a reconhecer a República Democrática Alemã, temendo ofender a República
Federal da Alemanha, a qual se engajou a lhe conferir uma fortíssima ajuda eco-
nômica
35
; finalmente, o golpe de Estado que depôs Nkrumah, em 24 de fevereiro
de 1966, instaurando um regime pró -Ocidental, impôs brutalmente um fim à
influência do bloco soviético sobre este país. Os sucessivos e diferentes regimes,
no poder em Accra, jamais restabeleceriam, verdadeiramente, as cordiais relações
que se haviam construído, sob Nkrumah, entre o mundo socialista e Gana. No
Mali, a influência do mundo socialista não sobreviveria ao desaparecimento de
Modibo Keita do cenário político, após o golpe de Estado de 18 de novembro
de 1968.
Na Nigéria, país pró -ocidental, a influência do bloco soviético não foi sen-
sível senão durante a guerra civil, em função da ajuda militar oferecida pelos
países do leste. Entretanto, após a guerra civil, a Nigéria novamente tornou -se
dependente do bloco ocidental, embora este último lhe tenha recusado qualquer
ajuda militar. A URSS queixara -se, no início da guerra civil, em razão da recusa,
por Lagos, da oferta de assistência econômica, por ela oferecida
36
.
Reproduziu -se na África Oriental e Central tal qual sucedera -se na África
Ocidental e do Norte. Em harmonia com o mundo socialista à época da inde-
pendência
37
, o Quênia tornou -se, durante a segunda metade dos anos 1960,
um dos Estados africanos mais decididamente p-ocidentais. Este período
foi igualmente marcado, neste país, por uma forte histeria anticomunista, cujo
resultado foi a expulsão dos supostos comunistas das fileiras da KANU, então
no poder
38
. A influência política e econômica ocidental, originada no período
colonial, continuou a ser exercida, por intermédio de importantíssimos investi-
mentos ocidentais, e os quenianos de tendência radical foram invariavelmente
35 W. S. THOMPSON, 1969, citado por R. LEGVOLD, 1970, p. 25.
36 International Aairs, 1963, p. 79; African Communist, 1965, no 2, p. 41.
37 O. ODINGA, 1969.
38 “O Quênia não se tornará comunista”, declarou o Primeiro -Ministro do Quênia, East African Stardard
(Nairóbi), 1o de março de 1965, p. 5.
980
África desde 1935
considerados comunistas e, portanto, perigosos para a tranquilidade civil e o
desenvolvimento nacional.
Uganda, a Zâmbia e o Zimbábue permaneceram, também eles, dependen-
tes do Ocidente, embora em menor grau. Os esforços de Milton Obote com
vistas a lançar um programa socialista, ao final dos anos 1960, dividiram o seu
partido e provocaram clivagens no país, entre “comunistas” e democratas. O
presidente Nyerere igualmente tentou, em 1967, conduzir a Tanzânia pela via
de um desenvolvimento autônomo, de tipo socialista, intuindo reduzir a sua
dependência frente às potências estrangeiras. A despeito dos seus sinceros esfor-
ços, a Tanzânia continuou dependente dos países ocidentais, como reconhecido
pelo próprio Nyerere: “O nosso país continua submetido, no plano econômico,
a decisões econômicas e políticas tomadas por outrem, sem a nossa participação
ou anuência
39
”. A ajuda chinesa à Tanzânia sem dúvida aumentara, contudo,
ela em nada modificou a situação subalterna deste país perante as potências
ocidentais. Até mesmo a Somália, socialista desde antes de 1977, e a Etiópia,
socialista após a revolução, continuaram a depender, ambas e essencialmente,
dos países capitalistas ocidentais, nas esferas econômica e cultural, excetuando
aqui o plano militar, no qual o mundo socialista superou o Ocidente, com maior
ênfase na Etiópia, a partir de 1978. Em suma, a influência política, econômica
e social das potências ocidentais sobre as antigas colônias era tão estruturada e
solidamente estabelecida que, na maioria dos jovens Estados independentes da
África, não se podia correr o risco de eliminá -la sem receber severas penaliza-
ções do sistema capitalista internacional. Por outro lado, os países socialistas não
mantinham com eles as mesmas relações, estreitas e seculares, e o seu sistema
econômico não estava assaz bem implantado ao redor do mundo e, tampouco,
era tão sutilmente organizado quanto o sistema capitalista ocidental.
O único domínio no qual o mundo socialista exerceu notável influência foi
o ideológico. Alguns dirigentes africanos, progressistas ou reacionários, adota-
ram a ideologia socialista, fator de mobilização e união, como remédio para as
sociedades tradicionalmente às voltas com dissensões étnicas e religiosas. Os
nacionalistas africanos também recorreram a esta ideologia para denunciar o
colonialismo ocidental e sensibilizar o Ocidente pelas necessidades da África
40
.
Se numerosos dirigentes do continente adotaram o socialismo, isso se deveu,
outrossim e como observado por Nyerere, à adequação deste sistema ao modo de
39 Discurso de J. NYERERE, Daily News (Tanzânia), 25 de março de 1977; African Diary, 11 -17 de junho
de 1977, p. 8525.
40 A. A. MAZRUI, 1980b, pp. 44 -46.
981
A África e os países socialistas
vida africano: aos africanos não se lhes era necessário ensiná -lo pois, ele estava
desde muito presente em sua sociedade tradicional
41
. O dirigente tanzaniano
explicou que ele não se convertera ao socialismo através da leitura dos mar-
xistas, mas que a ele fora conduzido, sobretudo, pela influência dos seus pais e
das suas origens camponesas
42
. Vários dirigentes africanos, portanto, aparentam
ter escolhido o socialismo por pragmatismo, tanto econômico quanto político.
Ao que tudo indica, se Nkrumah parcialmente adotou a ideologia socialista,
isto aconteceu com o objetivo de obter do mundo socialista o apoio político e
material que o bloco ocidental, aparentemente hostil e intangível, não estava
disposto a conceder -lhe. Todavia, convém notar que, a partir de 1968, ele fez
da sua posição tática uma escolha teórica e estratégica
43
. Siad Barre, tudo leva a
crer, teria feito a mesma escolha por razões análogas e porque isso servia à sua
política irredentista perante o Quênia e a Etiópia, seus países vizinhos. Quando
a ajuda socialista cessou, este dirigente muito bem marcou o caráter acessório do
seu socialismo, declarando -se primeiro nacionalista, em seguida, muçulmano e,
finalmente, socialista
44
”. Sékou Touré foi levado aderir ao socialismo em virtude
do seu país não poder sobreviver de outra forma, após a total interrupção da
ajuda ocidental. O coronel Mengistu optou por um modelo de desenvolvimento
socialista, provavelmente, em razão de considerá -lo como meio de realizar a
unidade da Etiópia, após a derrubada do imperador pró -ocidental. O mundo
socialista, sempre voluntário em ajudar os regimes africanos com tendência ao
socialismo, sem hesitação concedeu o seu apoio ao Derg
45
.
A partir dos anos 1960, um fecundo diálogo processou -se entre os repre-
sentantes do socialismo científico e do socialismo africano, contribuindo para
aumentar a sua mútua compreensão. A despeito das críticas formuladas, de
parte a outra, bem como de algumas reconhecidas divergências, os participantes
deste diálogo
46
possuíam, ambos, as mesmas concepções fundamentais: anti-
-imperialismo, antirracismo, aspiração ao progresso social, manifesta intenção de
continuarem a semear relações amigáveis, entre as forças de libertação nacional
e o socialismo mundial. Após terem analisado os fatores subjacentes, tanto
internos quanto externos, favoráveis à reorientação dos regimes africanos em
41 Ibid. Conferir também Africa Report (New York), 1962.
42 P. ENAHORO, 1983.
43 S. IKOKU, 1971.
44 D. LAMB, sem datação.
45 Pravda, 14 de setembro de 1974.
46 Para maior detalhamento, conferir I. V. POTEKHIN, 1963; Colloque soviéto -congolais, 1988.
982
África desde 1935
direção ao socialismo e com o intuito de edificarem uma nova sociedade, os
pesquisadores soviéticos adotaram uma postura mais realista. Sem subestimarem
o potencial revolucionário dos povos libertos, eles interessaram -se muito mais
ao estudo das enormes dificuldades às quais se deparavam aqueles que estavam
em uma situação marcada por séculos de subdesenvolvimento e neocolonialismo
onipresente.
As interações econômicas da África e do mundo socialista
“Dizei -nos quais são as vossas necessidades e nós ajudar -vos -emos [...] sob
a forma de empréstimos, de assistência técnica, [...] nós não buscaremos tirar
nenhum proveito [...] tampouco realizaremos lucros, [...] nós não vos pediremos
para integrardes tal ou qual bloco, [...] nós estamos dispostos a ajudar -vos como
um irmão ajuda o seu semelhante
47
.”
Esta declaração reflete o espírito da política econômica do bloco soviético
no tocante à África.
Os países socialistas e a África engajaram -se em uma cooperação econômica,
técnica e comercial muito ampla após 1960. Desde Lenin, os dirigentes socia-
listas nunca deixaram de considerar, como dever internacionalista a ser por eles
cumprido, a disposição em oferecerem assistência econômica e técnica aos países
africanos colonizados ou independentes, com vistas a permitir -lhes alcançarem
autonomia, além de, em suplemento, fazerem valer que, contrariamente àquela
dos doadores capitalistas, a sua ajuda socialista era desinteressada e não pressu-
punha condicionamento algum
48
.
Enquanto os países ocidentais visavam, especialmente, o domínio econô-
mico (abastecimento em matérias -primas e mercados para os seus produtos
manufaturados), o bloco soviético, por sua vez, não buscava, prioritariamente
na África, circunscrever os países, sobre os quais ele exercia a sua influência, a
uma zona econômica sob a sua hegemonia. Com efeito, as reservas minerais
estimadas da URSS amplamente respondiam às suas necessidades, ao menos
no dio prazo, e a indústria do mundo socialista não aparentava, naquele
momento, exigir outros mercados além dos seus próprios, os quais estavam
distantes da saturação. No entanto, para o bloco soviético, tratava -se de ajudar
47 Declaração de A. A. Arzumanyan, chefe da delegação soviética na Conferência da Organização da
Solidariedade dos Povos Afro -Asiáticos, no Cairo. A. A. ARZUMANYAN, 1958, pp. 185 -186.
48 V. RYMALOV, 1959b.
983
A África e os países socialistas
os países africanos a controlarem as matérias -primas das quais eles dispunham,
a fim de impedir o controle destas últimas pela Europa e pelos Estados Unidos
da América do Norte.
O mundo socialista não era em menor grau dependente da África, especial-
mente em respeito a alguns produtos, o peixe e alguns minerais raros
49
. À época
da détente, a ajuda do bloco soviético apresentava -se como uma competição
pacífica com os países capitalistas: “as nações socialistas empreendem, frente às
potências ocidentais, uma competição não no âmbito da corrida armamentista,
mas no referente à extensão da ajuda aos países subdesenvolvidos
50
.” Eis de
onde deriva esta definição, referente à barragem de Assuã: as obras de Assuã
constituem uma arena onde o socialismo e o capitalismo entram em competição,
cujo resultado denota indiscutível vantagem ao socialismo
51
.” Porém, a partir
dos anos 1960, os economistas e os dirigentes do mundo socialista enfatizaram,
antes e sobretudo, as vantagens recíprocas, fruto dos intercâmbios econômicos
entre a África e o mundo socialista
52
.
A ajuda dos países socialistas à África, concedida sob a forma de empréstimos,
apresentava, especialmente, as seguintes características: taxas de juros inferiores
àquelas praticadas pela maioria dos doadores ocidentais e equivalentes a 2,5 a
3% ao ano, um prazo de carência, em geral, de um ano, e prazos de pagamento,
em média, de doze anos. Os projetos financiados através desta ajuda tornavam-
-se, uma vez executados, propriedade dos beneficiados. O objetivo, segundo o
encarregado das relações econômicas soviéticas com os países estrangeiros, Ivan
Tchernychev, consistia em oferecer facilidades de pagamento à África
53
.
A cooperão ecomica dos países do bloco soviético com a África
desenvolveu -se consideravelmente ao longo dos anos 1960 e 1970, em virtude
da crescente importância, assumida pelo continente africano, no âmbito dos
objetivos mundiais daqueles Estados. Assim sendo, os intercâmbios comerciais,
entre a URSS e a África, quintuplicaram no período de 1960 a 1975 e o número
de Estados africanos transformados em parceiros comerciais, unicamente no
tocante à União Soviética, passou de dez para trinta e seis, entre 1960 e 1976
54
.
49 P. BIARNÈS, 1980; P. DECRAENE, 1982.
50 V. RYMALOV, 1959b.
51 I. BELYANEV, 1962; E. M’BOKOLO, 1980.
52 A. A. GROMYKO, 1967.
53 Ethiopian Herald (Addis -Abeba), abril de 1977.
54 Novosti, abril de 1977; African Research Bulletin, 15 de abril -14 de maio de 1977, p. 4281.
984
África desde 1935
A escolha de um beneficiário e o montante da ajuda obedeciam aos seguintes
parâmetros: a importância estratégica do país beneficiário, as possibilidades que
ele possuía em referência a reduzir a influência dos Estados Unidos da América
do Norte e da China na África, a sua adesão à ideologia marxista -leninista
e o grau de interesse, apresentado pelo candidato, em constituir -se em fonte
de matérias -primas e como potencial mercado de consumo
55
. De certa forma,
comentaristas soviéticos haviam -no confirmado, ao declararem:
“O nosso país não outorga créditos mediante nenhum condicionamento (político,
militar ou econômico) que seja inaceitável a um país em desenvolvimento. Não seria
possível, todavia e em razão disso, concluir que a União Soviética não confira importância
alguma à escolha dos destinatários ou às condições e modalidades dos créditos por ela conce-
didos. Assim proceder equivaleria a não levar em conta a realidade concreta
56
.
Explica -se, desta forma, as razões pelas quais o Egito tenha sido benefi-
ciado, até 1975, com uma fortíssima ajuda e Gana, sob Nkrumah, tenha sido
classificado em segundo lugar no rol dos destinatários da ajuda soviética na
África negra, embora este último fosse um país pouco povoado e de dimensões
reduzidas, comparativamente à imensa Nigéria pró -ocidental. No quadro do
programa de ajuda do bloco soviético, vários projetos foram lançados em Gana,
notadamente no setor da exploração mineral e na agricultura. A este respeito,
ganenses receberam inclusive uma formação, no âmbito deste programa. Na
esfera comercial, Gana exportava cacau com destino aos países socialistas, em
troca de produtos manufaturados.
Os países socialistas demonstraram dificuldades em estabelecer laços eco-
nômicos e comerciais com a Nigéria pró -ocidental antes do final da guerra do
Biafra: as suas relações conheceram uma melhora à época mas, a Nigéria con-
tinuou a ser um dos menores beneficiários com a ajuda concedida pelo bloco
soviético. A assistência técnica socialista na Nigéria, especialmente em setores-
-chave como a indústria petrolífera e a siderurgia, aumentou a partir de 1970 e
teve um papel essencial, permitindo aos nigerianos alcançarem as competências,
particularmente necessárias ao seu país, com vistas ao seu desenvolvimento
57
. No
plano comercial, a Nigéria exportava para o mundo socialista produtos como o
cacau e dele importava cimento, medicamentos e máquinas
58
. Na esfera militar,
55 P. D. DEAN e J. A. VASQUEZ, 1976.
56 V. ROMANOVA e I. TSRIKLIS, 1978. Por nós sublinhado.
57 Africa Diary, 28 de maio -3 junho de 1973, p. 6487, e 6 -12 de novembro de 1982, pp. 1198 -1199.
58 West Africa Pilot, 1971.
985
A África e os países socialistas
 . Anastase Mikoyan, ministro das Relações Exteriores da URSS, chega em Gana e recebe às
boas -vindas do presidente Kwame Nkrumah, em janeiro de 1962. (Foto: AFP Photos, Paris.)
os países do bloco soviético desempenharam um papel de importância única
na Nigéria, sobretudo, no desenrolar da guerra do Biafra: o governo federal
beneficiou -se então com relevante ajuda militar soviética, a qual contribuiu para
a vitória do regime de Lagos, tal como confirmado pelo general Gowon
59
. Após
a guerra, o país continuou a receber uma ajuda militar de peso da URSS, sob a
forma de equipamentos e no tangente à formação.
De 1974 a 1978, a Nigéria adquiriu, da União Soviética, cerca de 80 milhões
de dólares norte -americanos em armas, ou seja, mais que qualquer outro país,
cabendo à parcela soviética um percentil da ordem de 40% do total das suas
compras em armamentos durante este período. Vários outros Estados da África
Ocidental foram beneficiados com semelhante ajuda econômica, proveniente
dos países socialistas e, em menor grau, com assistência militar.
Entre as antigas colônias britânicas da África Oriental e Central, coube ao
Quênia, em que pesem as suas posições pró -ocidentais, receber a maior ajuda
econômica originária da União Soviética. Os 48 milhões de lares norte-
59 Daily Times (Lagos) junho de 1974, e Radio Moscou, 28 de maio de 1974.
986
África desde 1935
-americanos, fornecidos por esta última, àquele país, provavelmente destinavam-
-se a vencer a fobia anticomunista alastrada neste país nos anos 1960. Em
virtude destes sentimentos anticomunistas, grande parte da ajuda concedida ao
Quênia, pelos países socialistas, permaneceu inutilizada
60
, e certos projetos que
este apoio contribuíra a financiar, como o Instituto Lumumba, inclusive foram
interrompidos, ao passo que a ajuda militar soviética, por sua vez, era rejeitada
61
.
Alguns dentre estes projetos foram negligenciados, notadamente um hospital
de quinhentos leitos, em Kisumu, equipado pela URSS e empregando médicos
soviéticos
62
.
Nos anos 1960, Uganda recebeu um crédito soviético de 16 milhões de
dólares norte -americanos, concedido ao regime de Milton Obote, baseado no
socialismo africano, recursos estes destinados a financiarem projetos cruciais,
como a construção de uma tecelagem, a primeira deste tipo na África Oriental,
e a fundação do primeiro Instituto de Mecanização da Agricultura na África
Oriental, no qual lecionavam professores soviéticos
63
.
No plano comercial, Uganda exportava café, algodão e cobre para os países do
bloco soviético e deles importava, em contrapartida, máquinas e medicamentos.
No âmbito militar, o bloco soviético (principalmente a URSS) conferiu -lhe uma
maciça assistência militar. Estima -se que Moscou cobria, em 1978, 92% das suas
necessidades em armamentos.
A Tanzânia, situada na vanguarda do combate contra o colonialismo e o
racismo na África Austral, foi beneficiada por uma considerável assistência eco-
nômica do mundo socialista. Assim sendo, em 1976, este país recebeu da União
Soviética 40 milhões de dólares norte -americanos, aos quais se acrescentaram
13 milhões de dólares norte -americanos, concedidos pelos países da Europa
Oriental. Os intercâmbios comerciais entre a Tanzânia e o mundo socialista
foram mais modestos. A Tanzânia exportava para os países do bloco soviético,
principalmente, tabaco e algodão que lhe possibilitavam adquirir, em particular,
ferramentas e veículos
64
. Os países socialistas concederam a este país, em virtude
das suas posições anticolonialistas, uma ajuda militar relativamente importante
para ajudá -lo a se defender contra o regime racista sul -africano.
60 C. STEVENS, 1976, p. 2, citando o antigo ministro do planejamento econômico, T. MBOYA.
61 Daily Nation (Nairóbi) edição de 30 de abril em 1965, p. 1; House of Representatives Debate (Kenya),
3 de março de 1967, col. 741 -742.
62 C. STEVENS, 1976, p. 259.
63 J. MULIRA, 1983, p. 51.
64 Daily News (Tanzânia), 25 de março de 1977; News Agency, 27 de março de 1977.
987
A África e os países socialistas
No caso da Zâmbia, a ajuda do bloco soviético permaneceu ínfima até 1976.
Mas, a partir desta data, a URSS concederia a este país uma ajuda militar ava-
liada em 100 milhões de dólares norte -americanos para permitir -lhe defender-
-se contra o regime racista sul -africano. O presidente Kaunda prestou uma
veemente homenagem à URSS em razão desta ajuda, declarando que “a URSS
sempre fora aliada da Zâmbia
65
”.
Na África Central e Austral, como por nós observado, os países socialistas
prestaram assistência, tanto econômica quanto militar, aos movimentos nacionais
de libertação de Moçambique, de Angola e do Zimbábue, ajuda esta que lhes
permitiu conquistar a independência. O crédito de 2 bilhões de dólares norte-
-americanos oferecido pela URSS à Angola, no âmbito do acordo de cooperação
soviético -angolano de 1982, foi o mais importante a beneficiar um Estado afri-
cano. Ele era destinado a financiar diferentes projetos de desenvolvimento
66
. Os
dirigentes do CNA e da SWAPO expressaram o seu profundo reconhecimento
pela ajuda econômica e militar por eles recebida do bloco soviético
67
.
A sua importância estratégica valeu à Somália constituir -se, em 1977, em um
dos principais países beneficiários pela ajuda soviética na África, computando
um total de 154 milhões de dólares norte -americanos, além de ser classificada
no primeiro posto no concernente à assistência militar (181 milhões de dóla-
res norte -americanos), transformando as forças armadas somalis em uma das
melhor equipadas da África negra.
Em virtude da sua igualmente importante posição estratégica, a Etiópia tam-
bém recebeu do bloco soviético uma fortíssima ajuda econômica (100 milhões
de dólares norte -americanos, em 1974). Este apoio prestou -se a financiar diver-
sos projetos de desenvolvimento, especialmente refinarias
68
. Após a revolução,
a cooperação entre a Etiópia socialista e os países socialistas desenvolveu -se
consideravelmente. Deste modo, em 1979, os países socialistas acolheram mais
de 3.500 estudantes etíopes, ou seja, o mais elevado efetivo nacional proveniente
de um Estado africano
69
. Em 1978, os intercâmbios comerciais foram multi-
plicados por quinze. Na esfera militar, a União Soviética forneceu à Etiópia, ao
longo da guerra do Ogaden, cerca de 1 bilhão de dólares norte -americanos em
65 e Times of Zambia (Ndola), 1977.
66 Radio Lisbonne, no Africa Research Bulletin, 14 de janeiro - 14 de fevereiro de 1982, p. 6324. Conferir
também Tass, julho de 1978.
67 Radio Moscou, citando os movimentos de guerrilha. Consultar igualmente Voice of Quenia TV, 03 de
março de 1986, emissão extraordinária de 21h30min.
68 Agência Nova China, 05 de julho de 1981; Africa Research Bulletin, 1o -31 de julho de 1979, p. 6122.
69 Africa Research Bulletin, 1o -31 de julho de 1979, p. 5355.
988
África desde 1935
armamentos, ao que viria acrescentar -se a presença de 1.500 assessores milita-
res. Estima -se, por outro lado, que aproximadamente 20.000 soldados cubanos
encontravam -se na Etiópia no decorrer deste período. Em 1981, o total da ajuda
militar soviética a Addis -Abeba era da ordem de 1,5 bilhões de dólares norte-
-americanos
70
. A Etiópia tornara -se, incontestavelmente, o primeiro beneficiário
com a ajuda militar soviética no continente, ao excetuarmos o Egito do início da
década de 1970. Esta situação permitiu -lhe dotar -se de formidáveis capacidades
defensivas contra o seu inimigo, a Somália, assim como, nas suas próprias lutas
internas, contra as forças separatistas e os seus inimigos internos.
A China, naquilo que lhe compete, adotou uma política de ajuda econô-
mica aos países em desenvolvimento ligeiramente diferente, sob certos aspectos,
daquela adotada pelos outros países socialistas, baseada, segundo os responsáveis
chineses, nos seguintes princípios: a ajuda concedida deveria ser mutuamente
vantajosa, para o doador e para o país beneficiado, cuja independência deveria
ser respeitada; ela seria gratuita e visaria garantir a autonomia do beneficiário;
ela seria investida em projetos rapidamente rentáveis; a qualidade dos produtos
fornecidos seria garantida; os técnicos locais deveriam ser formados e habilitados
a conduzirem os projetos realizados com a ajuda chinesa; finalmente, os peritos
chineses deveriam ser beneficiados com as mesmas vantagens que os especialis-
tas locais
71
. Em suas relações de cooperação econômica com a África, a China
esforçou -se em respeitar, rigorosamente, estes princípios.
Por via de regra, a China ofereceu com o maior voluntarismo a sua ajuda aos
países de tendência socialista, seguidores de uma política independente, como a
Tanzânia; entretanto, por razões pragmáticas, ela também a fornecera a alguns
países pró -ocidentais e hostis à União Soviética, como o ex -Zaire ou, anterior-
mente a 1974, a Etiópia. A ajuda por ela concedida à África tinha, ao que tudo
indica, como objetivos: eliminar, ou ao menos restringir, as influências americana
e soviética no continente; garantir a parceria africana, no seio de certos círculos
internacionais, como a Organização das Nações Unidas, o movimento dos países
não alinhados ou a Organização de Solidariedade dos Povos Afro -Asiáticos;
finalmente, ajudar a África a eliminar o imperialismo e a alcançar a sua auto-
nomia econômica. Em contrapartida, Pequim esforçou -se em obter o apoio do
continente africano em prol da sua luta permanente pela revolução internacional.
Na justa medida que ela reivindicava o papel de liderança do Terceiro Mundo,
70 Africa Research Bulletin, 1o -31 de março de 1981, pp. 6002 -6003; Tass, 8 -10 de maio de 1977.
71 W. PARTKE, 1975, pp. 9 -12; A. LAWRENCE, 1965, pp. 173 -174.
989
A África e os países socialistas
cabia à China ajudar generosamente os membros mais fracos deste conjunto,
notadamente a África.
A sua generosidade vis -vis do continente africano manifestou -se através
de uma ajuda, concedida entre 1956 e 1977, equivalente a 1,4 bilhões de dólares
norte -americanos e a 50% do montante total dos recursos por ela destinados ao
conjunto dos países não comunistas.
Os principais beneficiados com esta ajuda foram, na África Ocidental, Gana,
Serra Leoa, a Gâmbia e a Nigéria, quanto ao chifre da África, constavam a
Somália e a Etiópia. Esta região foi beneficiada, no primeiro grupo de países,
com projetos agrícolas e a construção de pontes, e, no segundo grupo, respecti-
vamente, pela construção de estradas e implantação de tecelagens
72
.
A ajuda financeira e técnica da China para Uganda foi marcada por um pro-
jeto relativo à rizicultura
73
. O Quênia recebeu um empréstimo de 16,8 milhões
de dólares norte -americanos e uma doação de 3,1 milhões na mesma moeda.
Este país beneficiou -se, em suplemento, de um montante de 40 milhões de
dólares norte -americanos para a construção de um moderno estádio
74
. Um dos
projetos executados no Quênia, com a ajuda da China, dizia respeito à indústria
do bambu. O Zimbábue, ao qual ela oferecera enérgico apoio, sustentando o
primeiro -ministro Mugabe à época da guerra de libertação, tornou -se um dos
principais destinatários da ajuda chinesa à África, em virtude de ter recebido,
ao total, aproximadamente 82 milhões de dólares norte -americanos, destinados
a diversos importantes projetos de desenvolvimento
75
.
O principal beneficiário da ajuda chinesa à África foi, todavia, a Tanzânia,
país que apresentava, do ponto de vista chinês, certos traços particularmente
interessantes: o incansável combate travado pelo partido no poder contra o
racismo, as posições anticolonialistas da Tanganyika African National Union
(TANU) e, posteriormente, do Chama Cha Mapinduzi (CCM), bem como o
apoio oferecido por estas organizações aos movimentos de libertação, ao que
acrescentava -se o comportamento deste país no cenário internacional (a Tanzâ-
nia forçara, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte a fecharem
o seu observatório espacial na ilha de Zanzibar) e a política socialista baseada
72 Agência Nova China, 13 de fevereiro de 1973; West Africa (Londres), 20 de fevereiro de 1978; Agência
Nova China, 15 de fevereiro de 1978; W. PARTKE, 1975, p. 113.
73 Radio Kampala, 1o de maio de 1965; Agência Nova China, no 22, 1973.
74 Standard of Kenya, 17 de setembro de 1980.
75 Agência Nova China, 18 de setembro de 1981; Africa Research Bulletin, 15 de dezembro 1982, 14 de
janeiro de 1983.
990
África desde 1935
na autonomia, inspirada na mesma filosofia que aquela praticada na China
76
.
Em suma, a Tanzânia representava aos olhos da China um glorioso porta-
-estandarte da luta contra o antigo e o novo imperialismo
77
”. Se a Tanzânia
reservou uma favorável acolhida à China, esta postura tinha como justificativa
o fato de ela considerar o país oriental como o defensor dos interesses dos povos
colonizados e oprimidos
78
. Estas boas disposições recíprocas criaram uma espé-
cie de aliança natural entre os dois países.
A ajuda chinesa à Tanzânia alcançou, em 1977, um total de 362 milhões de
dólares norte -americanos, em um total de 2,5 bilhões oferecidos ao conjunto do
continente africano. Este volume de recursos fez deste país o principal destino
da ajuda chinesa à África. Em 1971, a China passara ao primeiro escalão dos
países doadores, a sua ajuda ultrapassara o total de recursos destinados pelos
outros doadores à Tanzânia, aqui incluídos os aportes dos países ricos. Uma
parte considerável desta ajuda serviu para financiar o projeto da TAZARA, cujos
custos alcançaram, para a Tanzânia e Zâmbia, um total correspondente a 456,3
milhões de dólares norte -americanos, este dispêndio seria igualmente dividido
entre os dois países. O restante da ajuda foi utilizado em diversos importantes
projetos de desenvolvimento, especialmente, na agricultura, nas comunicações,
nos serviços de saúde e na educação
79
.
A política comercial chinesa repousava, em larga medida, na fórmula de
financiamento da ajuda através do comércio: foi assim que 60% dos créditos
concedidos à TAZARA tomaram a forma de carregamentos de produtos chi-
neses destinados à venda nos mercados da Tanzânia e da Zâmbia
80
. A Tanzâ-
nia exportava especialmente tabaco, coco ralado e sisal, importando, em troca,
produtos industriais e medicamentos. Malgrado estas excelentes relações entre
os dois países, o Ocidente permaneceu como o principal parceiro comercial da
Tanzânia: de 1970 a 1977, 63% das suas exportações eram a ela destinadas e
49% das suas importações dela provinham
81
.
A decisão favorável à construção uma via férrea, religando a Tanzânia à
Zâmbia, foi tomada, como vimos, após a ameaça, lançada pelos regimes mino-
ritários brancos da Rodésia e da África do Sul, de ruptura de todas as vias de
76 Xinhua News Bulletin, 1968, pp. 5 -6 e p. 15.
77 Agência Nova China, 05 de junho de 1965.
78 J. K. NYERERE, 1967d; conferir também G. T. YU, 1975, p. 7.
79 G. T. YU, 1975, p. 80.
80 Tanzania Standard (Dar es -Salaam), 26, 1976.
81 República Unida da Tanzânia, 1977, p. 40.
991
A África e os países socialistas
 . TAZARA (ou Uhuru), estrada de ferro Tanzânia -Zâmbia, construída com a ajuda dos chineses.
Instalação dos trilhos na fronteira entre a Tanzânia e a Zâmbia, em setembro de 1973, com a presença de
autoridades chinesas e dos presidentes Julius Nyerere, da Tanzânia, e Kenneth Kaunda, da Zâmbia. (Foto:
e Hulton -Deutsch Collection, Londres.)
comunicação com a Zâmbia, país -enclave. A importância da TAZARA, para
este país e para todos os movimentos anticolonialistas e racistas, era evidente.
Ela foi definida, nestes termos, pelo Primeiro -Ministro tanzaniano:
TAZARA é um projeto único para a África e para o mundo: trata -se
do símbolo de uma ajuda, oferecida de um país a outro, caracterizada pela
pura boa vontade e unicamente preocupada com a recíproca satisfão. A
992
África desde 1935
TAZARA representa uma vitória no âmbito da cooperão entre países do
Terceiro Mundo
82
”.
Esta linha férrea, de mais de 2000 quilômetros, foi construída por 15.000
chineses e 30.000 africanos, os quais a concluíram em 1975, antes da data pre-
vista. O empréstimo, sem juros, deveria ser reembolsado em trinta anos, a partir
de 1983, em divisas livremente conversíveis ou sob a forma de produtos aceitos
pela China
83
. Estas condições estavam, incontestavelmente, entre as melhores
que um beneficiário poderia esperar obter de um doador estrangeiro. Quando,
em 1983, a exploração da estrada de ferro, em razão de prejuízos e de uma
insuficiente potência de tração locomotiva, alcançara um déficit da ordem de
100 milhões de dólares norte -americanos, a China aceitou conceder uma ajuda
suplementar para financiar a compra de novas locomotivas junto à RFA, bem
como reestruturar o calendário de pagamentos, mediante o que, em novembro
de 1983, a via férrea, pela primeira vez, realizava lucro
84
.
Na esfera militar, as relações especiais, por ela mantidas com a China, per-
mitiram à Tanzânia receber, de 1967 a 1976, uma assistência estimada em 75
milhões de dólares norte -americanos, ou seja, a maior parcela (51%) da ajuda
chinesa à África. A China igualmente fornecia assistência militar a outros Esta-
dos africanos, notadamente a Moçambique, Camarões e Zâmbia.
Em suma, o mundo socialista em seu conjunto o bloco soviético assim
como a China acordou à maioria dos Estados africanos, sob diferentes formas,
uma ajuda econômica, técnica e militar que, ao permitir -lhes evitar o recurso
exclusivo aos créditos ocidentais, reduziu a sua dependência perante antigos
colonizadores e possibilitou às sociedades africanas realizarem, com sucesso,
numerosos projetos, quer se tratasse de desenvolvimento (educação, indústria e
agricultura) ou de assunto ligado à defesa militar.
As rivalidades internacionais no universo das
relações da África com o mundo socialista
As relações políticas, econômicas e militares da África com o mundo socia-
lista contribuíram amplamente para atiçar as rivalidades, desde antes muito
fortes, que opunham as duas superpotências e a República Popular da China.
82 Pékin Information, no 38, 22 de setembro de 1978.
83 G. T. YU, 1975, p. 127.
84 Africa Now, 1983; Africa, 1984.
993
A África e os países socialistas
Em muitas ocasiões, a África, voluntária ou involuntariamente, fornecera a esta
rivalidade situações ideais de manifestação. Foi assim que as dissensões étnicas
e regionais, inerentes à maioria dos Estados africanos e, nos quais, geradoras de
instabilidade, foram exploradas pelas potências rivais, como o demonstraram a
crise em Angola, a guerra civil na Nigéria ou o conflito no Ogaden. Os recursos
minerais da África bauxita, diamante e petróleo, entre outros −, os seus ricos
mercados e a posição estratégica dos seus portos e aeroportos dela fizeram uma
das regiões do globo mais cobiçadas pela super potências.
Do ponto de vista político, certos Estados africanos, ao optarem por uma
via de desenvolvimento não capitalista, fulminaram as potências capitalistas
ocidentais, as quais sustentaram ou conduziram ao poder regimes que lhes eram
favoráveis. O governo pró -ocidental do Quênia, por exemplo, beneficiou -se
da colaboração do Ocidente frente aos partidos considerados pró -socialistas,
como o Kenya People’s Union. Sob Nkrumah, Gana foi privado da ajuda de
grande parte dos países ocidentais, em razão das suas posições fortemente pró-
-socialistas; no chifre da África, os regimes apoiados pelo campo socialista e
os regimes pró -ocidentais manifestaram recíproca e permanente hostilidade.
O mundo socialista, por sua vez, esforçou -se em ajudar e sustentar os regimes
pró -socialistas: na Guiné, no Mali, em Angola e na Etiópia. As superpotências
consideravam a sua influência na África segundo o quadro da rivalidade, global
e em escala planetária, entre o leste e o oeste e não escondiam a sua extrema
preocupação a este respeito. Como observa A. Mazrui:
“Uma ideologia revolucionária o marxismo defendida por um potente
advogado − a URSS − eis o que suscitava a crescente inquietação das potências
ocidentais, [...] a disputa ideológica e política na qual estavam envolvidos a
URSS e o mundo ocidental, pelo domínio mundial, intensificava -se
85
[...].”
Empreendendo esforços para assegurar influência política no continente, a
China enfrentou, a um tempo, as potências ocidentais e a URSS, ambas e
desde anteriormente, em disputa pelo mesmo objetivo. Em consequência das
suas divergências ideológicas com a URSS, a China, embora socialista como
esta última, criticava alguns aspectos da política soviética relativa à África e
pretendia, inclusive, atribuir à URSS não mais que um papel de dominação
sobre o continente africano, próprio às potências europeias
86
. Por sua vez, a
85 A. A. MAZRUI, 1977, pp. 179 -180.
86 Agência Nova China, 27 de dezembro de 1967, 3 de julho de 1977.
994
África desde 1935
URSS acusava a China de invocar argumentos racistas para desacreditar a sua
política referente à África
87
.
Numerosas regiões do continente africano sofreram com estas rivalidades
internacionais, particularmente exacerbadas em Angola e no chifre da África.
Moçambique sofreu enormemente em consequência das ões do Movimento de
Resistência Nacional de Moçambique, organização apoiada pela África do Sul,
entretanto, desta feita, não houve tropas cubanas para defender a FRELIMO.
Angola é um caso particular, pois que, neste país, os movimentos nacionalistas
foram imediatamente sustentados pelas superpotências, situação perene mesmo
após a conquista da sua independência. O bloco soviético, incluindo Cuba,
apoiou constantemente o MPLA, ao passo que o bloco ocidental, especialmente
os Estados Unidos da América do Norte, concedia apoio à Frente Nacional de
Libertação de Angola (FNLA) e à União Nacional para a Independência Total
de Angola (UNITA). A concorrência entre os dois campos estava, com toda a
evidência em Angola, fundada em interesses ideológicos e estratégicos.
O secretário de Estado americano, Henry Kissinger, considerava a interven-
ção do bloco soviético em Angola como um episódio no contexto da rivalidade,
em escala planetária, envolvendo os Estados Unidos da América do Norte e a
URSS, ele reprovava o Kremlin por ter, a um tempo, desencadeado e agravado
a crise angolana
88
. Ele justificava a intervenção americana, argumentando que ela
visava normalizar a situação. As potências ocidentais engajaram -se, por conse-
guinte, a conceder à FNLA e à UNITA um apoio equivalente àquele recebido
pelo MPLA, proveniente da URSS. Os soviéticos e os cubanos, quanto a eles,
justificaram o apoio concedido a Angola e a sua presença neste país, em função
do chamado, lançado pelo povo angolano, pela sua proteção contra a agressão
imperialista
89
. Posteriormente, a África do Sul e, com menor intensidade, a
China envolveram -se na crise angolana. O regime sul -africano interveio direta-
mente na guerra civil, ao lado da UNITA, sob o pretexto de defender a Namíbia
contra os guerrilheiros da SWAPO, em ação a partir do território angolano, e
mediante a alegação de intuir diminuir a influência do marxismo na região.
O MPLA, de ideologia marxista, aceitou rapidamente a ajuda oferecida
pelo mundo socialista, por sua vez, a UNITA, formada por guerrilheiros
pró -ocidentais, recebeu a ajuda do Ocidente e da África do Sul com o obje-
tivo de retirar o poder do MPLA. Am das suas motivações ideológicas, as
87 G.V. ASTAFYEV e A. M. DUBINSKY (org.), 1974, pp. 112 -114.
88 R. LEMARCHAND (org.), 1981, p. 83.
89 New Times, 1o de fevereiro de 1976, p. 1.
995
A África e os países socialistas
 . Tropas cubanas em Angola. (Foto: Photo Akenuba, Enforo Agency, Angola.)
potências estrangeiras estavam interessadas pelas jazidas de urânio e pelas
reservas de petleo de Angola. Os Estados Unidos da América do Norte
entreviam nos esfoos empreendidos pela URSS, com vistas a alcançar
maior poder de influência em Angola, uma amea, relativamente aos seus
consideráveis interesses ecomicos, em investimentos no Zaire, na Namíbia
e na África do Sul. Finalmente, em virtude da sua situão geográfica, da sua
face atlântica e dos seus portos, Angola representava um primordial desafio
996
África desde 1935
estragico, notadamente, em virtude da rivalidade naval entre a OTAN e o
Pacto de Varsóvia
90
.
A estratégia, sempre crucial nas preocupações das superpotências, delas exige
disporem, em função da aceleração na corrida armamentista, de novas instala-
ções aeroportuárias e portuárias, para as suas respectivas forças armadas. O chifre
da África oferece um dos melhores exemplos, no continente, da cristalização das
rivalidades internacionais tocantes a essas exigências estratégicas. Trata -se, com
efeito, de uma região estrategicamente central para o campo socialista, tanto
quanto para o polo capitalista, em razão de ser a charneira entre a Ásia e a
África, em virtude de possuir instalações portuárias de primeira ordem, situadas
no golfo de Aden e no Oceano Índico, assim como pela reduzida extensão das
suas rotas marítimas vitais, as quais interligam os países produtores de petróleo
à América do Norte e à Europa, vias marítimas estas, pelas quais são escoadas
70% das importações de petróleo e outras matérias -primas, provenientes da
Europa Ocidental
91
.
A presença, no Oceano Índico, de importantes forças navais norte -americanas,
passíveis de utilização em eventual ataque contra a URSS, incitou o Kremlin a
buscar facilidades aeroportuárias e portuárias no chifre da África, para o reforço
da sua frota neste oceano. Ela teria baseado, consequentemente, mais de 60%
da sua frota naval, em operação ou de passagem por estas águas, nos portos do
chifre da África e do golfo de Aden
92
. Alarmada pela presença em Kagnew,
na Etiópia, de instalações americanas de comunicação e vigilância militar, ela
aumentou a sua ajuda econômica e militar à Somália, em troca da autorização
em utilizar o importante porto de Berbera, na extremidade do estreito estraté-
gico de Bāb al -Mandab, entrada do mar Vermelho. Tendo em vista que o con-
trole desta área era amplamente decisivo para o domínio do chifre da África e
do Oriente Médio, a inquietação dos Estados Unidos e dos seus aliados, perante
a ampliação da presença soviética nesta região do Oceano Índico, bem como em
seus portos, não podia senão aumentar
93
.
Indubitavelmente, esta rivalidade das superpotências, as quais buscavam esta-
bilizar a sua influência no chifre da África, intuindo assegurar o controle deste
último, foi uma das causas do desencadeamento da guerra do Ogaden, em 1977.
A maciça ajuda militar acordada à Etiópia e à Somália, pelos países do Pacto de
90 B. HANDLER, 1970.
91 Christian Science Monitor, 23 de março de 1978.
92 C. CROCKER, 1976, p. 652.
93 S. TURNER, 1977, p. 346.
997
A África e os países socialistas
Varsóvia e pelos membros da OTAN, encorajou, efetivamente, os dois estados
vizinhos a acertarem as suas contendas no campo de batalha.
A URSS e seus aliados acusaram os Estados Unidos da América do Norte
de incentivarem, relativamente à Etiópia, as ambições irredentistas da Somália,
em troca das bases que lhes haviam sido concedidas em Berbera e Mombasa,
para os efetivos das suas Forças de Ação Tática, à época recentemente criadas,
com o objetivo de ameaçar os interesses soviéticos e africanos
94
.
Os Estados Unidos da América do Norte por sua vez, acusavam a União
Soviética e Cuba de serem os responsáveis pela crise na região, advertindo
a URSS que, a persistir a situação, ocorreria uma deteriorão nas relações
americano -soviéticas, especialmente no quadro das renegociações referentes à
limitação das armas estratégicas (SALT)
95
.
Na cúpula da Organização para a Unidade Africana, organizada em Car-
tum, em 1978, vários chefes de Estado africanos, especialmente o presidente
nigeriano Obasanjo, deploraram as rivalidades internacionais no continente. Os
propósitos deste último foram retomados por Sékou Touré e Nyerere
96
.
Esta constante rivalidade das superpotências, cada qual avançando os seus
peões no continente, não podia senão minar o desenvolvimento da África.
A África, a Europa Oriental e o
movimento dos não alinhados
Os países socialistas não pertenciam, todos, unicamente ao “bloco do leste”.
Alguns igualmente faziam parte do movimento dos não alinhados, do qual
um dos fundadores era o presidente iugoslavo Tito. Tito, Nehru, al -Nasser e
Nkrumah foram os promotores e arquitetos de uma estratégia por vezes deno-
minada neutralismo positivo”, arcabouço este, transformado em uma das pedras
angulares da política externa dos países africanos libertos.
Graças à Iugoslávia, o movimento dos o alinhados surgiu, em princí-
pio, como um movimento universal e, não simplesmente, na qualidade de um
movimento de solidariedade afro -asiático, dissimulado sob outra nomenclatura.
Embora reunida dois anos antes da conquista da independência por Gana, em
94 Rádio Moscou, 17 de dezembro de 1982, citado no African Research Bulletin, 1o -31 de dezembro de
1982, p. 6688.
95 African Research Bulletin, 1o -31 de dezembro de 1982, p. 4775.
96 African Currents, 1978 -1979.
998
África desde 1935
1955, a conferência de Bandum apresentou uma importante etapa, no tocante à
formação de alianças políticas entre os estados da Ásia e da África. Se o movi-
mento dos não alinhados tivesse sido unicamente lançado por Nehru (Índia),
al -Nasser (Egito) e Nkrumah (Gana), ele teria sido encarado, primeiramente,
como um movimento dos povos não brancos da África e Ásia. Entretanto, Tito,
o homem branco, abriu caminho para a ulterior adesão ao movimento de outros
membros do mundo branco, como Chipre e certos países da América Latina.
Aquando da conferência de Havana, em 1979, o movimento dos não alinhados
compreendia noventa e cinco membros, representantes de quatro continentes.
Em 1986, a Conferência dos Não Alinhados ocorreu, pela primeira vez ao sul
do Saara, em Harare, no Zimbábue. O socialista Robert Mugabe, quem, com a
ajuda do campo socialista e, à frente da ZANU, libertara o seu país do regime
de Ian Smith, tornou -se presidente desta força internacional, outrora dominada
por imponentes personagens, da estatura de Tito, Nehru, Nkrumah e al -Nasser.
Em certa época, era praticamente impossível adotar uma atitude de não ali-
nhamento em relação às duas Repúblicas Alemãs. A RFA seguia, na realidade,
uma linha política denominada “doutrina Hallstein”, a qual visava forçar os
países terceiros, excetuando -se a URSS, a não estabelecerem relações diplomá-
ticas, senão com uma dentre as duas Alemanhas. Quando Zanzibar, país que
reconhecera a RFA, uniu -se à Tanganyika, a qual, por sua vez, elegera a RDA,
criou -se um verdadeiro problema diplomático. Julius Nyerere, na qualidade de
presidente da nova República Unida da Tanzânia tentou resolvê -lo, autorizando
a RDA a estabelecer um consulado em Zanzibar, ao passo que a RFA dispunha
de uma embaixada em Dar es -Salaam. Em razão do protesto da RFA a despeito
deste compromisso, Nyerere rompeu todas as suas relações de cooperação com
esta Alemanha. Esta ação contribuiria para uma reavaliação fundamental da
doutrina Hallstein, ao menos no tocante à sua aplicação no Terceiro Mundo?
Em todo caso, com o tempo, a RFA reconsiderou a sua posição, pois Willy
Brandt inaugurara uma nova política de conciliação, em respeito a todo o bloco
do leste. Desta forma, a África não foi constrangida a escolher entre as duas
Alemanhas ao passo que, por outro lado, uma outra escolha estratégica, envol-
vendo a República Popular da China e Taiwan, complicava -se ao longo dos anos.
Em virtude da busca pelo equilíbrio cultural entre Leste e Oeste, por parte
de alguns países africanos, os países da Europa Oriental ajudaram -nos a sus-
tentarem uma postura de não alinhamento neste âmbito. A Polônia ofereceu
técnicos, professores e pesquisadores a numerosos estabelecimentos africanos
de ensino superior. Esta ajuda constituiu uma importante base de recrutamento
para as universidades e colégios africanos. A Tchecoslováquia e a Hungria igual-
999
A África e os países socialistas
mente desempenharam um importante papel em respeito ao ensino superior na
África, especialmente ao acolherem estudantes africanos e oferecer -lhes bolsas
de estudo. A influência da Europa Oriental não podia, evidentemente, ultrapas-
sar aquela da Europa Ocidental no continente africano. Todavia, processava -se
um reposicionamento na esfera cultural, com tendência ao equilíbrio, graças às
relações estabelecidas e desenvolvidas com os representantes da tradição mar-
xista do patrimônio europeu.
O princípio do não alinhamento fez -se observar inclusive na escolha dos cui-
dados médicos efetuados por africanos que lutavam contra as últimas manifes-
tações de graves doenças. Pode -se aqui relembrar as decisões pessoais tomadas
por três históricos personagens africanos no curso dos seus últimos momentos
de vida. Ao final da sua luta contra o câncer de pele, do qual padecia, Kwame
Nkrumah voltou -se para a Romênia, onde morreria em 1972. Atingido por
uma leucemia, Frantz Fanon conduziu a sua última batalha contra a doença
nos Estados Unidos da América do Norte, país onde faleceria. Doente, o velho
companheiro de armas de Nkrumah, Sékou Touré, confiou aos médicos norte-
-americanos à responsabilidade pelo seu tratamento e morreu em Cleveland
(Ohio), em 1985. A doença e a morte ignoram as barreiras ideológicas e, em seu
universalismo, a ciência constitui a melhor forma de não alinhamento.
Conclusão
À década das grandes mutações na África, vivida durante os anos 1960,
corresponde o decênio das grandes mutações no mundo socialista, própria aos
anos 1980. A mudança mais fundamental ocorrida na África nos anos 1960
foi a descolonização − mais da metade da África havia então conquistado a sua
independência. A mais fundamental mudança, advinda ao mundo socialista,
no curso dos anos 1980, foi a liberalização. Na União Soviética batizada glas-
nost ou perestroika, segundo as esferas dos aspectos, respectivamente, político e
econômico, este movimento processou -se com outras denominações em todo o
mundo socialista, de Pequim a Budapeste.
Logicamente a descolonização da África, nos anos 1960, teve imediata influ-
ência nas relações com o mundo socialista, pois a independência permitira aos
países africanos estabelecerem relações diplomáticas com os Estados socialistas.
Se a descolonização da África, nos anos 1960, transformou as suas relações com
o mundo marxista, a liberalização deste último, por sua vez, teria modificado,
nos anos 1980, as suas próprias relações com a África?
1000
África desde 1935
A liberalização introduzida por Mikhaïl Gorbachev, ao final dos anos 1980,
concretizou -se, no que diz respeito à URSS, tanto no tangente à sua política
externa quanto em sua política interna. A nova posição soviética consistiu em
evitar qualquer enfrentamento com o Oeste, em reduzir os arsenais de guerra,
aliviar o domínio hegemônico da União Soviética sobre a Europa Oriental,
assim como em distender as tensões regionais.
A União Soviética exerceu sua influência, a um só tempo, sobre Cuba e
Angola, visando conduzi -los a aceitar que a retirada das tropas cubanas de
Angola estivesse ligada à independência da Namíbia. Os acordos de 1988, entre
Angola, Cuba e África do Sul não foram somente fruto dos esforços do secre-
tário adjunto de Estado norte -americano, Chester Crocker, mas, igualmente,
uma das consequências da nova orientação na política externa soviética. Do lado
namíbio, estes acordos também representaram um sucesso para a Organização
das Nações Unidas, a qual incansavelmente agira, durante anos, em favor do
povo namíbio, multiplicando as suas intervenções junto a comunidade interna-
cional e jamais aliviando a sua pressão sobre a África do Sul.
Ao final dos anos 1980, a África interrogava -se a respeito das consequências,
para si, da reaproximação entre o bloco soviético e o Ocidente. Esta inédita
situação comportava, simultaneamente, riscos e vantagens. Parte da ajuda ofe-
recida ao continente, pelos dois campos hegemônicos, era de fato motivada pela
sua rivalidade ideológica e estratégica. Se esta rivalidade desaparecesse, a ajuda
manter -se -ia nos mesmos níveis? A paz entre as duas superpotências represen-
tava, não resta dúvida, uma boa nova para todo o mundo, entretanto, disso não
resultaria uma diminuição da generosidade em relação ao Terceiro Mundo?
Esta reaproximação gerava dúvidas, igualmente, no concernente ao apoio
oferecido, pela União Soviética, à luta pela libertação na República Sul -Africana.
A URSS, desde logo demonstrando interesse em distender as tensões e resolver
os conflitos regionais, apoiaria ela com menor vigor a luta armada no conjunto
do Terceiro Mundo? Tendo em vista as pressões soviéticas, exercidas sobre os
vietnamitas, para que eles alcançassem um compromisso no Camboja, bem
como sobre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), para que
ela fizesse concessões a Israel, levando -se também em conta que a URSS, ela
própria, sofria fortes pressões para por termo à sua invasão no Afeganistão, não
seria pertinente prever que ela solicitasse ao CNA fazer concessões progressivas,
ao regime do apartheid de Pretória? Esse novo estado de espírito do mundo
socialista, caracterizado pela busca de reaproximação, não tornaria ele de mais e
mais difícil, para o CNA e OPAC, a perseverança da estratégia fundada na luta
armada, com o objetivo de libertar a África do Sul?
1001
A África e os países socialistas
Em maio de 1989, por ocasião do trigésimo ano sem qualquer visita de um
presidente russo ao país, o presidente Gorbachev realizou uma visita oficial à
República Popular da China. Quais consequências, positivas ou negativas, pode-
ria acarretar, para a África, a atenuação do conflito sino -soviético? A rivalidade
entre os dois gigantes socialistas influenciara, no passado, as suas políticas de
ajuda militar e econômica à África. O apoio trazido pela China a alguns países
e movimentos da África fora, muito amiúde, impulsionado pela sua disputa com
a União Soviética, a título de exemplo, figura o seu apoio a Robert Mugabe e à
ZANU, durante a luta anticolonial, na qual a União Soviética sustentava Joshua
Nkoma e a ZAPU. Tão logo diminuísse a rivalidade entre a URSS e a China,
após a viagem de Gorbatchev, em 1989, as prioridades de Pequim no Terceiro
Mundo, seriam elas revistas? Os limitados recursos da China seriam aplicados
com maior exclusividade, junto aos seus vizinhos asiáticos? Perderia a África
importância entre as prioridades da política externa chinesa?
Eis o final de algumas dentre as questões, levantadas pelas forças da história
ao final dos anos 1980, as respostas permanecem obscuras. No decorrer dos
anos 1960, as novas correntes da diplomacia pós -colonial haviam transformado
as relações da África com o mundo socialista. As forças de liberalização, mani-
festas no mundo socialista ao longo dos anos 1980, inaugurariam uma segunda
fase de transformação? Se, como dito por Karl Marx, a história apresenta -se na
qualidade de uma gigantesca contradição, processada através de um processo
dialético e se a tese, primeiramente, foi a luta armada no Hemisfério Sul e a
antítese, no Hemisfério Norte, consistiu na reaproximação, a síntese, por sua vez,
continua em gestação nas entranhas do futuro.
C A P Í T U L O 2 8
1003
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
A ascensão das nações em desenvolvimento, igual e geralmente denominadas
Terceiro Mundo ou, por vezes, “Sul”, consiste, incontestavelmente, em um dos
fenômenos mais significativos advindos durante a segunda metade do século
XX. As três denominações são todas aceitáveis, mas neste capítulo, utilizar-
-se -á, preferencialmente, o termo Terceiro Mundo”, não somente em virtude de
evocar uma identidade assumida de forma mais consciente, mas sobretudo por
manter o nome genérico através do qual habitualmente designa -se as nações e
os povos da África, da Ásia, da América Latina e do Caribe
1
.
Ao que tudo indica, legitimar -se -ia especialmente considerar este fenômeno,
relativo à ascensão de uma identidade terceiro -mundista no domínio da história
contemporânea, tanto mais, se levarmos em conta as seguintes evidências: nos
anos 1940, o Terceiro Mundo”, como tal, era desconhecido; nos anos 1950, não
existiam nem o “Movimento dos Não Alinhados”, nem o “Grupo dos Setenta e
1 O Movimento dos não Alinhados, lançado formalmente em 1961, é o principal meio de expressão
política do Terceiro Mundo (ver tabela 28.4); o Grupo dos Setenta e Sete, mais numeroso, é a principal
unidade de negociação terceiro -mundista (ver tabela 28.5). Se o conceito relativo a fazer ou não parte
do Terceiro Mundo for denido como a identicação consciente, de Estados independentes, a um destes
dois grupos ou a ambos, dele fariam parte: todos os Estados africanos, com exceção da África do Sul; a
maior parte dos Estados da região asiática – Oriente Médio -Pacíco (nele incluído Chipre, pertencente
a ambos os grupos e excluindo -se China, Israel, Japão, Turquia, Austrália e Nova Zelândia); todos os
Estados da América Latina e do Caribe; uma porção de Estados europeus, tais como Iugoslávia e Malta
(membros de ambos os grupos) e a Romênia (aderente ao Grupo dos Setenta e Sete).
A África e as regiões em vias de
desenvolvimento
Locksley Edmondson
1004
África desde 1935
Sete”; e nos anos 1960, a expressão nova ordem econômica internacional” sequer
estava em uso. No que diz respeito à África, antes dos anos 1960, as suas relações
com a Ásia, a América Latina e o Caribe eram, muito amiúde, controladas pelas
potências coloniais instaladas nestas regiões ou ocorriam com a intermediação
destas próprias nações hegemônicas.
Contudo, não é supérfluo relembrar que não se poderia discernir a realidade
do Terceiro Mundo através de uma análise limitada aos dados contemporâ-
neos”, tendo em vista que o Terceiro Mundo constitui um fenômeno histórico,
parte integrante de um processo, no transcurso do qual se manifesta a atual
ordem mundial”, cuja “gênese” remonta, no mínimo
2
, “a algo em torno de 200
anos”. Muito embora ela exceda a abrangência do capítulo ora iniciado, torna -se
conveniente manter viva na lembrança esta mais ampla perspectiva histórica,
sobretudo após o fenômeno caracterizado como declínio da fronteira colonial”,
após a Segunda Guerra Mundial, circunstância esta que, segundo a magistral
análise de P
r
Hans Morgenthau, representa um dos grandes pontos de inflexão
na história do mundo
3
”.
Seguindo todavia os passos de Morgenthau, este estado de coisas devia -se
à inextrincável ligação deste processo de descolonizão com o decnio da
Europa, à qual houvera sido possível estabelecer este domínio sem partilha,
apoiando -se internamente sobre o sistema colonial e, externamente, sobre o
moderno sistema internacional. Perseverando com este raciocínio, como notória
e importante consequência desta descolonização para o sistema internacional,
subjaz como obra desta mesma ordem colonial, a concretização de uma situação
histórica a permitir à imensa maioria dos povos do mundo, até então politica-
mente subjugados, o estabelecimento de relações bilaterais e multilaterais ofi-
ciais. Este quadro tanto levantou questionamentos no tocante às regras básicas,
fundamentais e tradicionais, das relações internacionais, quanto e de modo
determinante, conduziu a uma reestruturação das suas modalidades de aplicação
e das próprias instituições responsáveis pela sua elaboração.
Este capítulo visa, sob o prisma africano, expor as maneiras pelas quais e, em
certa medida, por que esta contestação, emanada do Terceiro Mundo, nasceu
e ampliou -se após a Segunda Guerra Mundial (mais especificamente, a partir
dos anos 1950) até 1980. Ele se dedica a discernir as grandes tendências e os
processos maiores, sob uma perspectiva histórica, através da qual, revelam -se
a ampliação e o aprofundamento dos vínculos entre a África e o restante do
2 I. SABRI -ABDALLA, 1980, p. 32.
3 H. J. MORGENTHAU, 1973, p. 351.
1005
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
Terceiro Mundo, assim como a presença e o papel africano na criação e no
desenrolar dos processos de colaboração estabelecidos entre o conjunto dos
países terceiro -mundistas.
Lugar e papel da África no Terceiro Mundo
Para melhor apreender o significado que convém atribuir à situação e à ação
da África no cenário do Terceiro Mundo, aqui abordaremos determinadas carac-
terísticas objetivas de ordem política, econômica, racial e cultural, da condição
africana, passada e presente. Este significado está ligado aos traumatismos espe-
cíficos do Terceiro Mundo, representados caricaturalmente na condição africana
mas igualmente conecta -se ao impulso proporcionado pela África à mobilização
do Terceiro Mundo, com o objetivo de questionar o statu quo internacional.
Duas considerações políticas afloram imediatamente à mente. A primeira
diz respeito à coincidência (talvez melhor valesse dizer a sua catalisação) do
movimento de descolonização na África por ocasião do novo patamar atingido
com a conquista da independência de Gana, em 1957, primeiro acontecimento
na África desta ordem de valor com a decolagem do movimento terceiro-
-mundista, nascido durante a Conferência Afro -Asiática, realizada em Bandung
(Indonésia), no mês de abril de 1955 (doravante chamada “Conferência de
Bandung”) (tabela 28.3). Em segundo lugar e como consequência do processo
de descolonização, a multiplicação de Estados africanos vindos à cena atribuiu,
nas instituições do Terceiro Mundo e em outras instituições internacionais, uma
imponente presença numérica do continente, concedendo dimensão mundial às
preocupações propriamente africanas, expressas no contexto terceiro -mundista.
A tabela 28.1 ilustra muito bem este último ponto, através da análise numé-
rica, por região, da composição da Organização das Nações Unidas, de 1945
até 1980. Os Estados africanos eram 3, no ano de 1945 (ou seja, menos de 6%),
em um total de 51 membros fundadores das Nações Unidas, passando a 50 em
1980, ou seja, 32,5% do total de 154 membros da instituição
4
.
A composição de outras organizações internacionais é, igualmente, extrema-
mente reveladora. Por exemplo, em 1961, a África estava muito bem represen-
tada quando da primeira Conferência de Chefes de Estado e de Governos dos
Países Não Alinhados, na qual os Estados áfricos totalizavam 11, do total de 25
4 A África do Sul governada pelos brancos, membro -fundador da Organização das Nações Unidas, não
gura neste total de Estados africanos presentes na ONU.
1006
África desde 1935
participantes (44%) plenamente credenciados; por ocasião da sexta Conferên-
cia, em 1979, o continente ocupava o posto mais elevado dentre os países não
alinhados, ou seja, 50 delegações áfricas reunindo 54% do total de 92 membros
credenciados (tabela 28.4). A representação da África no Grupo dos Setenta
e Sete permaneceu em nível sensivelmente constante, aproximadamente 41%,
com 32 países junto aos 77 membros fundadores, em 1964, e 50 representantes
em meio a 122 membros do Grupo em 1980 (tabela 28.5).
No entanto, além dos índices quantitativos, expressões da absoluta impor-
tância da África no Terceiro Mundo, é indispenvel creditar os relevantes
aspectos qualitativos desta influência primaz. Impera abordá -los sob a ótica da
economia internacional, pois, aqui e justamente, concentram -se as principais
preocupações do Terceiro Mundo, assim como, porque dela derivam, de forma
nítida, se lançarmos um olhar sobre a África pós -colonial, os traumatismos, os
dilemas e as graves dificuldades, causas do sofrimento imposto aos povos do
terceiro -mundistas.
Resultado compacto impõe -se: o continente áfrico agrupa, como pode -se
depreender da tabela 28.2, o maior número de países classificados junto aos
menos avançados (PMA). Segundo a Organização para a Unidade Africana
(OUA), estes são “os efeitos das promessas não realizadas de estratégias globais
de desenvolvimento, mais profundamente sentidas na África, comparativamente
aos demais continentes do mundo
5
”.
Tais são os termos apresentados no primeiro parágrafo do preâmbulo ado-
tado pela OUA, em 1980, deste desde então histórico Plano de Ação de Lagos
para o Desenvolvimento Econômico da África, 1980 -2000. Após considerar que o
subdesenvolvimento da África não constitui uma fatalidade” e que este estado
de coisas seja, de fato,paradoxal, se computados os imensos recursos humanos
e naturais do continente”, a OUA identifica, em seguida, as causas deste atraso,
ligadas em grande parte à estrutura da exploração internacional: No entanto,
a África, a despeito de todos os esforços manifestados pelos seus dirigentes,
permanece sendo o continente menos desenvolvido. Ele conta com 20 dentre os
31 países menos avançados do mundo. O continente está exposto às consequên-
cias desastrosas das calamidades naturais e às mais cruéis doenças endêmicas, é
vítima da exploração colonial, vestígio do colonialismo, bem como do racismo e
do apartheid. Com efeito, a África foi diretamente explorada durante o período
colonial e durante os dois últimos decênios; esta exploração persistiu pela inter-
5 OUA, 1981, parágrafo 1.
1007
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
TABELA 28.1 COMPOSIÇÃO POR REGIÃO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS, 19451980
Ano África
1
Ásia
2
Caribe
3
América
Latina
América
do Norte
Europa
4
Oceania
5
Total
1945 4 9 3 17 2 14 2 51
1950 4 16 3 17 2 16 2 60
1955 5 21 3 17 2 26 2 76
1959
f
10 23 3 17 2 26 2 82
1965 37 28 5 17 2 27 2 118
1970 42 30 7 18 2 27 2 127
1975 47 37 10 17 2 29 2 144
1980 51 40 13 17 2 29 2 154
1. Os quatro membros fundadores eram o Egito, a Etiópia, a Libéria e a África do Sul.
2. Incluindo o Oriente Médio e as ilhas do Pacíco; incluindo igualmente Chipre e a Turquia.
3. As ilhas das Antilhas, acrescentando os “prolongamentos” políticos continentais independentes da Guiana
e do Suriname.
4. A entrada de 9 Estados independentes da Europa em 1955 resultava de um acordo global que resolvia
as dissensões Leste-Oeste, no tocante aos países aliados da Alemanha ao longo da Segunda Guerra Mundial
e a alguns novos regimes comunistas instaurados na Europa Oriental após a Guerra. A RFA e a RDA foram
aceitas separadamente em 1973.
5. Austrália e Nova Zelândia.
6. Em 1958 foi criada a República Árabe Unida, através da união do Egito e da Síria. Estes dois membros
originais da ONU tornaram-se assim um único Estado membro, levado em conta no total dos Estados mem-
bros em 1959 (82), porém não na divisão regional, na qual as suas duas partes aparecem separadamente, uma
na África e a outra na Ásia. A Síria retomou em 1961 o seu estatuto de Estado membro distinto.
venção das forças estrangeiras neocolonialistas, as quais tentavam influenciar as
políticas e diretrizes dos Estados africanos
6
.”
No bojo deste diagnóstico acerca da situação econômica africana inscrevem-
-se, em filigrana, certas humilhações políticas, com os seus componentes raciais
e culturais, infringidas à África no decorrer do período colonial e cujas sequelas
estão ainda presentes, até os dias atuais, em especial com o apartheid na África
do Sul. Temos aqui, portanto, outra dimensão importante da situação da África
no cenário do Terceiro Mundo.
Em seu discurso de fechamento na Conferência de Bandung, o primeiro-
-ministro da Índia, Jawaharlāl Nehru, então reconhecido como um dos mais
influentes dirigentes no âmbito do ascendente movimento terceiro -mundista,
6 Ibid., pp. 5 -6.
1008
África desde 1935
decididamente enfatizara os pesos político e racial, excepcionalmente fortes,
suportados pela África, solicitando aos seus colegas asiáticos que estas conside-
rações fossem inscritas, em lugar de destaque, entre as suas preocupações:
“Nós votamos resoluções concernentes à situação de tal ou qual país. Mas,
eu estimo que não haja nada mais terrível que o infinito drama sofrido pela
África, muitas centenas de anos. Todo o resto soçobra na insignificância
quando imagino o drama imensurável da África, desde os tempos nos quais
milhões de Africanos foram transportados como escravos para as Américas e a
outras regiões, tanto mais se relembrarmos que metade dentre estes seres morria
durante a travessia. Devemos todos assumir a responsabilidade por este drama,
cada qual dentre nós, mesmo que dele não tenhamos participado diretamente.
Contudo, infeliz e diferentemente, ainda hoje a tragédia da África, seja ela racial
TABELA 28.2 SITUAÇÃO GEOGRÁFICA DOS PAÍSES MENOS DESENVOLVI
DOS, 1981
África Ásia Caribe Total
Benin Malaui Afeganistão Haiti
Botsuana Mali Bangladesh
Burkina Fasso Níger Butão
Burundi Uganda Laos
Cabo Verde República Maldivas
Comores Centro-Africana Nepal
Etiópia Ruanda República
Gâmbia Somália Árabe do Iêmen
Guiné Sudão Samoa
Guiné-Bissau Tanzânia men (Reblica
Lesoto Chade Democrática
Popular)
Total 21 9 1 31
F: H. Lopes e H. C. Tri, 1981. Estes autores indicam que os critérios adotados pela Assembleia das
Nações Unidas em novembro de 1971 para denir os PMA eram: Uma renda per capita muito baixa − apenas
200 dólares norte-americanos por pessoa e por ano em 1979 comparativamente a valores médios equiva-
lentes a 700 dólares para o conjunto dos países em desenvolvimento e a 8.000 dólares norte-americanos nos
países industrializados de economia de mercado; um produto interno bruto (PIB) no qual a parte do setor
industrial fosse inferior ou igual a 10% em lugar dos 19% no conjunto dos países em desenvolvimento;
uma taxa de analfabetismo inferior ou igual a 20%.” A primeira lista elaborada repertoriava 25 PMA, eles se
tornariam 31 no início dos anos 1980.
1009
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
ou política, ultrapassa aquela de qualquer outro continente. Compete à Ásia
fazer o melhor possível para auxiliar a África, continentes irmãos que somos
7
.”
As evocações do racismo, sensíveis desde os primeiros momentos do movi-
mento afro -asiático futuras bases de um movimento mais amplo do Terceiro
Mundo − encontraram a sua origem na situação africana.
A persistente arrogância da racista África do Sul conduziu esta dimensão
racial à categoria de prioridade para o movimento terceiro -mundista, não tão
somente em virtude do que objetivamente representa o apartheid, aos olhos de
um Terceiro Mundo majoritariamente não branco, assim como, igualmente, em
razão da ação diplomática africana se ter empenhado em garantir a proeminên-
cia desta questão, no elenco de preocupações do Terceiro Mundo
8
.
A Conferência de Bandung de 1955 constitui o melhor ponto de partida
para o exame das relações da África com as regiões em desenvolvimento, entre-
tanto, esta emergência do movimento terceiro -mundista foi condicionada pela
ação anterior de fatores e de forças, os quais dizem respeito, essencialmente, à
situação geográfica da África e ao seu papel no sistema internacional, ao menos
desde o início do século.
Anteriormente, ao final do século XIX, a divisão da África eleva -se como
um momento crucial, capaz de permitir a compreensão e o dimensionamento da
dominação ocidental, a qual se desdobrou, à mesma época, naquilo justamente
denominado, por Lênin,a partilha do mundo”. Desta forma, a criação do Ter-
ceiro Mundo – no sentido objetivo da sua subordinação estruturada, em oposi-
ção ao seu reconhecimento subjetivo, como força de transformação consciente de
si mesma resulta diretamente do jogo de forças políticas, econômicas, culturais
e raciais dominantes, cujo produto, ao final do século XIX, apresenta -se sem
artifícios na submissão oficial da África, finalizando o processo de subordinação
do conjunto do Terceiro Mundo.
Perante esta situação histórica, não causa espécie que determinados círculos
pan -africanos tenham previsto, muito antes do reconhecimento do Terceiro
Mundo enquanto tal, o seu surgimento e a sua futura capacidade de contestação.
No início da primeira Conferência Pan -africana, ocorrida em 1900, em Londres,
declarava -se em discurso de saudação às nações do mundo:
“Os homens de hoje devem absolutamente lembrar -se que, em um mundo
cada vez mais interligado, os milhões de negros da África, das Américas e das
ilhas, acrescidos de milhões de homens de pele morena e amarela, habitantes
7 J. NEHRU, 1964, p. 19.
8 M. EL -KHAWAS, 1971.
1010
África desde 1935
de outras partes, estão destinados a exercerem grande influência nos tempos
futuros, tão simplesmente pela sua quantidade e pelo seu contato físico
9
.”
Destarte, 10 anos antes da Conferência de Bandung, o quinto Congresso
Pan -africano, ocorrido no mês de outubro de 1945, em Manchester (Grã-
-Bretanha), antecipava não somente a ascensão do movimento terceiro -mundista
mas, igualmente, formulava ideias anticcolonialistas e pós -colonialistas de liber-
tação, semelhantes àquelas que inspirariam, posteriormente, as lutas do Ter-
ceiro Mundo
10
. A Declaração aos Povos Colonizados Do Mundo representa um
exemplo evidente desta realidade. Redigida por Kwame Nkrumah, um dos dois
secretários políticos no congresso, ela incitava os operários, lavradores, intelec-
tuais e quadros colonizados ao redor do mundo, a vencerem o imperialismo e
pressionava “os povos colonizados e submetidos do mundo a se unirem
11
.
Uma resolução deste mesmo congresso de 1945 expressava, com ainda maior
clareza, a ideia pan -africana relativa à solidariedade geral do Terceiro Mundo.
Resumida por George Padmore, outro secretário político do congresso, ela foi
formulada em linguagem que caracterizaria a fase de formação do Movimento
dos Não Alinhados nos dez anos seguintes:
“O Congresso expressou a esperança na breve quebra das cadeias centená-
rias do colonialismo pelos povos da Ásia e da África. Pois que, na qualidade de
nações livres, eles se uniriam para consolidar e preservar a sua independência,
tanto no tangente ao imperialismo ocidental, quanto à ameaça do comunismo
12
.”
Tais são os antecedentes, fatuais e ideológicos, da contribuição do continente
áfrico pós -colonial para a formação do pensamento e para a ação terceiro-
-mundista, anteriores à Conferência de Bandung. Analisando este período é
certamente arriscado formular generalizações concernentes à orientação das
relações internacionais e da política externa de numerosos Estados da África
9 Esta “Saudação é retomada integralmente em V. P. ompson, 1969, pp. 319 -321. Os aproximadamente
trinta participantes, representantes da África e da diáspora africana durante esta primeira Conferência
Pan -africana na qual foi empregado formalmente, pela primeira vez, o termo “pan -africano”, trataram
da situação do mundo negro, de modo geral, e dedicaram especial atenção à consolidação da dominação
colonial e racial europeia sobre o continente africano como um todo, e sobre a África do Sul, em parti-
cular.
10 Diferentemente dos congressos ocorridos no entreguerras, os quais preconizavam um aperfeiçoamento
do sistema colonial, o quinto Congresso Pan -africano pronunciou -se claramente pelo término do colo-
nialismo. Dois dentre os seus mais eminentes participantes africanos foram Kwame Nkrumah e Jomo
Kenyatta, futuros líderes dos processos de independência em seus respectivos países, Gana e Quênia.
Ver G. PADMORE, 1963, para o resumo ocial dos debates durante o congresso.
11 K. NKRUMAH, 1962, pp. 44 -45, foi por nós sublinhado para ressaltar o fato da Declaração referir -se,
em sua íntegra, ao colonialismo universal, sem mencionar a África, nem uma única vez, em particular.
12 G. PADMORE, 1956, pp. 168 -169.
1011
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
independente. Porém alguns fatores, próprios às evoluções tratadas neste capí-
tulo, particularmente atenuam esta dificuldade.
Em especial, a formação de um grupo africano no interior da ONU, ao final
dos anos 1950, e a criação da Organização para a Unidade Africana, em 1963,
foram a um tempo sintomas e fatores da busca, pelos Estados africanos, de
posições comuns sobre questões pertinentes ao continente, em seu conjunto.
Todavia, este processo não se deu sem obstáculos, como são testemunhas as
clivagens e as divisões surgidas no interior da OUA, as quais, por vezes, ameaça-
ram a sua sobrevivência. Manifestaram -se também divergências intra -africanas,
menos importantes, referentes a polêmicas que colocavam em questão tanto os
interesses da África, como região em desenvolvimento, quanto aqueles de outros
países do Terceiro Mundo.
Esta opinião é confirmada por um minucioso estudo de G. A. Nweke que
concluiu: “tanto mais as grandes potências imiscuem -se nos conflitos africanos,
menos entendimento se observa entre os Estados africanos”, mas, por outro lado,
a harmonização tende a ser mais robusta nas ocasiões em que os Estados afri-
canos resistem juntos, com outros países do Terceiro Mundo, para negociarem
contra as grandes potências ou os países industrializados
13
”.
As inevitáveis divergências de opinião entre os Africanos sobre as ideolo-
gias, as políticas e as prioridades aplicáveis às causas do Terceiro Mundo pesa-
ram menos, em última análise, que as suas percepções comuns a respeito dos
problemas e necessidades essenciais, conduzindo a uma visão global, sobre os
interesses e sobre os comportamentos africanos, que alimenta a presente análise.
A notável solidariedade africana no tocante à solução dos problemas essenciais
do terceiro mundo constituiu, de fato, um dos pilares seguros do movimento
terceiro -mundista.
Ocorre que certas realidades objetivas da condição africana do passado e do
presente são tão relevantes, em vista da situação geral do Terceiro Mundo, que
elas constituem, em si mesmas, uma dimensão diferente da análise. Conside-
rando estas realidades objetivas, trata -se de identificar as reações e as aspirações
subjetivas às quais elas deram origem, estimulando a África independente a
desenvolver os seus vínculos com outras regiões do Terceiro Mundo e a desem-
penhar o seu papel na organização da ofensiva lançada por este mesmo conjunto
de países contra o statu quo internacional.
13 G. A. NWEKE, 1980, pp. 263 e 265.
1012
África desde 1935
Os vínculos da África com outras
regiões do Terceiro Mundo
O afro -asianismo, como o próprio nome sugere, estabelece o ponto de par-
tida lógico de qualquer investigação a respeito das conexões da África com
outras regiões do Terceiro Mundo. Sobre este amplo pano de fundo afro -asiático
delineiam -se, singular e claramente, as relações da África com o mundo árabe,
caso que, como veremos, merece particular atenção. Enfim, mostrar -se que
no despontar das interações entre a África, a América Latina e o Caribe foi
assegurada uma incontestável identidade terceiro -mundista, transbordando os
limites do seu núcleo afro -asiático original.
O afro -asianismo na origem do Terceiro Mundo, do
espírito de Bandung à solidariedade do Terceiro Mundo
O movimento nascido antes da Primeira Guerra Mundial que conduziu,
após a Segunda Guerra, “do império à nação”, para retomar o título de um livro
de Rupert Emerson
14
, foi essencialmente um movimento “de afirmação dos
povos asiáticos e africanos”.
Esta crescente comunhão de interesses entre a África e a Ásia colonizadas,
esporadicamente manifestada no intervalo entre as duas guerras, como é pos-
sível confirmar nos trabalhos de David Kimche
15
, surgiu no imediato posterior
à Segunda Guerra Mundial. Em seguida, transcendeu a experiência colonial e
lançou as bases pós -coloniais do movimento terceiro -mundista. O impacto do
processo de descolonização da África e da Ásia sobre a gestação desta comunhão
de interesses entre as duas regiões, apresenta -se em cinco níveis.
Primeiramente, a simultaneidade das duas lutas anticolonialistas e a presença,
em ambos os campos, de alguns intérpretes colonialistas determinantes (nota-
damente, a Inglaterra e a França), necessariamente sensibilizaram os africanos
e os asiáticos para os aspectos paralelos e comuns das suas situações. Desta
forma, entende -se, por exemplo, “a saudação fraternal” do quinto Congresso
pan -africano de 1945, dirigida às massas de trabalhadores da Índia e aos povos
14 R. EMERSON, 1962.
15 D. KIMCHE, 1973, capítulo I, pp. 1 -16.
1013
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
em luta da Indonésia e do Vietnã
16
”, bem como os compromissos de solida-
riedade que ele tomou no tocante a estes países. Desta forma, compreende -se
igualmente a imensa esperança depositada por este congresso em uma solida-
riedade afro -asiática durável, anticcolonialista e pós -colonialista.
Em segundo lugar, esta tomada de consciência, sobre as ligações existentes
entre os colonizados da África e da Ásia, foi facilitada pela presença, em certas
regiões da África Oriental e Meridional, sem mencionar as ilhas africanas do
Oceano Índico, de grandes concentrações de populações de origem asiática,
submetidas junto com as Africanas à dominação europeia. A melhor ilustração
deste quadro é o racismo na África do Sul, experiência histórica prolongada que
suscitou reações paralelas ou convergentes, no transcorrer do tempo, envolvendo
os africanos e asiáticos, expressas tanto no interior quanto fora do continente
africano.
Foi dessa maneira que Mahatma Gandhi construiu a sua política de desobe-
diência civil, a satyagraha, na África do Sul, onde viveu de 1893 a 1914. Ele apli-
cou e refinou este método de luta durante o período de combate da comunidade
indiana contra o racismo na África do Sul (1906 -1913), antes de introduzi -lo
na Índia, onde terminou por solapar o sistema colonial. O protesto do governo
indiano perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua primeira sessão
de 1946, contra determinadas medidas de cunho racista tomadas pelo governo
da África do Sul em relação à comunidade indiana, pode ser considerado como
outra importante etapa nesta longa experiência de opressão e de luta que os
asiáticos e os africanos compartilharam na África do Sul.
Aliás, o quinto Congresso Pan -africano de 1945 explicitamente reconhe-
ceu esta situação comum de opressão, quando em sua resolução endereçada às
Nações Unidas ele saudava o esperado protesto do governo da Índia e exigia “a
justiça e a igualdade social para a comunidade indiana da África do Sul” que
suporta a discriminação da mesma forma” que os Africanos. Após dez anos,
os participantes da conferência de Bandung endereçaram, com a mesma força
e convicção, a sua calorosa simpatia e o seu apoio à corajosa posição tomada
pelas vítimas da discriminação racial, em particular, os povos de origem africana,
indiana e paquistanesa na África do Sul”.
Em terceiro lugar, como é simbolizado pelo título do ensaio de D. A. Low, A
Ásia, Espelho da Independência da África Tropical, o anterior lançamento das lutas
anticcolonialistas da Ásia e as vitórias delas resultantes, provocaram um pode-
16 G. PADMORE, 1963, p. 67.
1014
África desde 1935
roso efeito sobre a África, pois as insurreições recém -ocorridas na Ásia levaram
a um enfraquecimento das forças imperiais na África tropical
17
e os africanos
reforçaram a sua autoconfiança relativamente ao nacionalismo africano.
Em quarto lugar, durante ou logo após as suas lutas de liberação antico-
lonialistas, foram estabelecidos os laços organizacionais entre os africanos e
asiáticos inimigos do imperialismo. Um primeiro exemplo disso é dado pela
conferência reunida no ano de 1927, em Bruxelas, pela Liga Contra o Impe-
rialismo e o Colonialismo à qual aderiram numerosos nacionalistas asiáticos e
africanos (dentre os quais o indiano Jawaharlāl Nehru, o vietnamita Chi
Minh e o senegalês Lamine Senghor). Não causa admiração que o presidente
indonesiano Sukarno, em seu discurso de abertura da Conferência de Bandung,
em 1955, tenha evocado esta conferência de Bruxelas de 1927, como um ante-
cedente
18
, ideia defendida com rigor mais recentemente, por Kimche, para quem
o encontro de Bruxelas foi “o pai da solidariedade afro -asiática, o precursor da
Conferência de Bandung
19
”.
Em quinto lugar, a aversão pela dominação colonial, comum aos africanos
e asiáticos, não se esgotou com a conquista das suas respectivas independên-
cias políticas. Não somente os países recém -independentes colaboraram para a
supressão dos vestígios do colonialismo, em todas as regiões nas quais eles sub-
sistissem, como inclusive organizaram -se para proteger a sua recém -conquistada
independência, reforçá -la e garantir o seu futuro.
Em 1950, a formação do grupo asiático -africano no interior da ONU (pos-
teriormente rebatizado afro -asiático), a Conferência de Bandung, em 1955, e
o lançamento da Organização de Solidariedade dos Povos Afro -Asiáticos, em
1957, foram os acontecimentos anunciadores e fundadores, sobre o plano afro-
-asiático, de um mais amplo movimento terceiro -mundista que alçou o seu voo
no início dos anos 60. A análise deste movimento não pode encontrar melhor
ponto de partida que a conferência de Bandung
20
.
17 D. A. LOW, 1982, p. 28.
18 Embora admitisse que a conferência de Bruxelas (da qual participaram muitos dos delegados presentes
em Bandung) tenha dado uma nova força ao seu combate pela independência”, Sukarno dedicou -se
claramente a distinguir esta reunião anterior (ocorrida “em um país estrangeiro e “convocada por neces-
sidade”) daquela de Bandung (“reunida [...] por escolha, [...] em nossa própria casa”, por ex -colônias,
livres, soberanas e independentes”). Conferir o texto do discurso de Sukarno em R. ABDUL -GANI,
1981, pp. 169 -180.
19 D. KINCHE, 1973, p. 5.
20 Sobre o movimento geral das relações afro -asiáticas, culminantes em Bandung, conferir G. H. JANSEN,
196; P. QUEUILLE, 1965. Para maior detalhamento sobre as origens imediatas da conferência de
Bandung e sobre as suas deliberações, consultar R. ABDULGANI, 1981; A. APPADORAI, 1956; G.
1015
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
Como indicado na tabela 28.3, a Conferência Afro -Asiática reunida em abril
de 1955, em Bandung, sob o patrocínio de 5 Estados asiáticos (Birmânia atual
Miamar −, Ceilão – atual Shri -Lanka −, Índia, Indonésia e Paquistão), agrupou
representantes de 28 países, 6 africanos e 22 asiáticos. Neste encontro, foram
os seguintes objetivos aqueles fixados pelos países organizadores, descritos no
comunicado de dezembro de 1954:
1. promover a boa vontade e a cooperação entre as nações da Ásia e da
África, explorar e fazer valer os seus interesses próprios e comuns, estabelecer
e persistir com as relações de amizade e boa vizinhança;
2. abordar os problemas e relações de ordem social, econômica e cultural
dos países representados;
3. abordar os problemas de especial interesse para os povos asiáticos e
africanos, notadamente aqueles referentes à soberania nacional, assim como
ao racismo e ao colonialismo;
4. examinar a posição no mundo contemporâneo da Ásia, da África e dos
seus povos, identicando a sua possível contribuição para a promoção da paz
e da cooperação no mundo.
A identidade dos organizadores, o lugar da reunião e a variedade de par-
ticipantes atribuíram à Ásia, um peso incontestavelmente preponderante em
Bandung. A insuficiência da representação africana explica -se, nesta ocasião,
pelo número excessivamente fraco de países africanos independentes. Aliás,
as condições exigidas para a participação foram abrandadas para permitirem a
recepção de duas colônias africanas – o Sudão e a Costa do Ouro (atual Gana)
que recém haviam conquistado a sua independência, concessão sem a qual a
presença africana teria sido ainda menor – quatro países ao invés de seis. Certas
deliberações tendenciosas da conferência reduziram drasticamente a representa-
ção africana, considerando novos membros africanos” apenas três participantes
(Etiópia, Costa do Ouro, Libéria) e classificando os outros três (Egito, Líbia,
Sudão) em um continente exclusivamente “árabe”
21
.
M. KAHIN, 1956; D. KIMCHE, 1973, capítulos 3 -4, pp. 29 -79.
21 Esta descrição falaciosa da representação africana em Bandung aparece, por exemplo, em R. ABDUL-
GANI, 1981, p. 39; G. H. JANSEN, 1966, p. 223; e D. KIMCHE, 1973, pp. 238 e 248 (nota 1), o qual
retoma a sua formulação inicial citando três representantes africanos, mencionando tratar -se de “três
Estados africanos situados ao sul do Saara”. Evidentemente, eis aqui um assunto interessante a respeito
da historiograa africana, a qual desde muito tempo hesitava em denir o lugar da África do Norte na
análise geral do continente africano.
1016
África desde 1935
No entanto, a presença e a influência da África em Bandung foram menos
insignificantes do que suscitaria levar a crer a sua representação numérica. Pri-
meiramente, é necessário considerar a contribuição decisiva do egípcio Gamal
’Abd al -Nasser nos trabalhos dos comitês de redação, conduzindo inclusive um
autor a apresentá -lo como o herói de Bandung
22
”. Graças à tal estatura assumida
em Bandung, al -Nasser pôde, rapidamente, assumir importante papel entre os
grandes idealizadores e dirigentes de um movimento terceiro -mundista, nessa
ocasião, em pleno vigor do seu surgimento.
Em segundo lugar, a marca deixada pela África nos debates de Bandung é
notável, em virtude da importância atribuída aos problemas ligados aos direitos
humanos, à autodeterminação no continente e, em particular, àqueles relativos
ao racismo institucionalizado. Por exemplo, o documento final da conferência
22 G. H. JANSEN, 1966, p. 223. Conferir igualmente R. ABDULGANI, 1981, pp. 48 e 160 -161, acerca
do importante papel de al -Nasser, na qualidade de presidente da sessão consagrada à coexistência pací-
ca. Ele soube então atenuar as sérias divergências suscitadas por esta questão, “a mais complicada da
conferência”, e propor um texto de compromisso – considerado pelo primeiro -ministro indiano Nehru
como “a mais importante declaração da conferência”, J. NEHRU, 1964, p. 21.
TABELA 28.3 PAÍSES PARTICIPANTES DA CONFERÊNCIA AFROASIÁTICA
DE BANDUNG, REALIZADA NA INDONÉSIA DE 18 A 24 DE ABRIL DE 1955
Países da Ásia (22)
1
Países da África (6)
2
Afeganistão Indonésia* Paquistão Egito
Arábia Saudita Iraque Síria Etiópia
Birmânia* Japão Tailândia Costa do Ouro
Camboja Jordânia Turquia Libéria
Ceilão* Laos Vietnã (Norte) Líbia
China (República
Popular da)
Líbano Vietnã (Sula) Sudão
Índia* Nepal Iêmen
*País organizador
1. Após ter deliberado para determinar sobre a conveniência de convidar os outros Estados independentes da
Ásia (Israel, Mongólia, Coreia do Norte, Coreia do Sul), os cinco organizadores decidiram, caso a caso, por
não fazê-lo, em razão de diversas complicações políticas que a participação destes países poderia criar. Uma
vez admitida a ideia de convidar a República Popular da China, estava excluído o convite a Taiwan.
2. A representação africana compreendia dois países não independentes, embora gozando de autonomia
interna, a Costa do Ouro (que se tornaria Gana independente em 1957) e o Sudão (que alcançaria a indepen-
dência em 1956). A Federação da África Central (incluindo à época as duas Rodésias e a Niassalândia), embora
governada por uma minoria branca, fora convidada, mas recusou o convite. A África do Sul não foi convidada.
1017
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
aborda, em duas ocasiões, a evolução da situação colonial na Argélia, no Mar-
rocos e na Tunísia; a discriminação racial na África é citada, de modo geral, a
propósito da supressão pelos regimes coloniais das culturas nacionais dos povos
subjugados; e, finalmente, a discriminação racial na África do Sul é assinalada
como um caso especial de violação dos direitos humanos.
Além das resoluções sobre a cooperação cultural”, os direitos humanos e
a autodeterminação” e os problemas dos povos subjugados”, concernentes aos
exemplos precedentes, o documento contém outras resoluções fundamentais
sobre a cooperação econômica e sobre “a promoção da paz e a colaboração no
mundo”, este último tema foi objeto de uma declaração em separado:
“Bandung apresentou -se, essencialmente, como uma celebração da onda de
independência que, tendo varrido toda a Ásia, voltava -se então sobre a África.
Em si, o ato de reunir a primeira geração de líderes nacionalistas criou o sen-
timento, completamente inédito, correlato à mutação em curso e às potencia-
lidades do Terceiro Mundo. Bandung tornou -se, desde então, o símbolo de
um alvo a ser atingido [e] estabeleceu os dois princípios que permaneceram os
fundamentos da solidariedade do Terceiro Mundo, a descolonização e o desen-
volvimento econômico
23
.”
O espírito de Bandung, mais importante expressão organizada do afro-
-asianismo, concedeu naquele momento um novo impulso a outras iniciativas
paralelas (como o grupo afro -asiático nas Nações Unidas) e inspirou o lança-
mento de outros movimentos (como a Organização de Solidariedade dos Povos
Afro -Asiáticos).
O grupo asiático -africano foi constituído, durante a crise da Coreia, na
Assembleia Geral da ONU em dezembro de 1950 e continuou a reunir -se
informalmente a partir daquela data. Logo após a Conferência de Bandung
e a crise de Suez de 1956 (durante a qual, temporariamente, a Inglaterra, a
França e Israel ocuparam o canal de Suez, recém -nacionalizado pelo presidente
al -Nasser), o grupo adquiriu coesão e permanência suficientes a ponto de ser
reconhecido mais oficialmente. Em 1960, o grupo asiático -africano tomou o
nome de afro -asiático, mudando a denominação que “denotava a influência
crescente da África em seu interior
24
”.
Como se pode depreender da tabela 28.1, este crescimento da influência
africana coincidiu com o notável avanço nurico dos membros africanos
nas Nações Unidas, após 1959 o ponto crítico de inflexão situou -se em 1960,
23 R. A. MORTIMER, 1980, p. 9.
24 D. KAY, 1970, p. 26.
1018
África desde 1935
quando, pela primeira vez, a representação africana ultrapassou numericamente
aquela dos países asiáticos e latino -americanos, com a chegada de 16 Estados
africanos recém -independentes.
A influência do grupo afro -asiático sobre todo um conjunto de questões
tratadas pela ONU no transcorrer das décadas de 1950 e 1960, foi analisada
detalhadamente por D. N. Sharma
25
. Sob esta ótica, coincidente com a nossa,
será observada com particular interesse a atividade por ele desenvolvidas nos
vinte primeiros anos da sua existência, intuindo levar dois domínios, considera-
dos relevantes pelos Estados africanos, ao campo das preocupações e ações da
ONU: o problema geral da descolonização (objeto de um estudo muito com-
pleto por Y. El -Ayoury
26
) e a problemática específica do racismo combinado ao
colonialismo na África Austral
27
.
A adoção pela Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 1960, da his-
tórica Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e aos Povos
Coloniais
28
, apoiada por quarenta e três Estados afro -asiáticos, marcou, de forma
espetacular, a entrada em cena deste grupo afro -asiático junto às Nações Uni-
das, recentemente reorganizado e consolidado. Proclamando “a necessidade de
impor um termo ao colonialismo em todas as suas formas e manifestações, em
curto espaço de tempo e de modo incondicional”, a Declaração, em linguagem
carregada de reminiscências das posições anticolonialistas adotadas no quinto
Congresso Pan -africano de 1945 e da Conferência dos Estados Africanos Inde-
pendentes de 1958
29
, condenava o colonialismo, caracterizando -o como uma
negação dos direitos humanos fundamentais e um obstáculo à promoção da
paz e à cooperação no mundo e, estipulava que medidas imediatas” deveriam
25 D. N. SHARMA, 1969.
26 Y EL -AYOUTY, 1971. Conferir igualmente D. KAY, 1970, capítulo 6, pp. 146 -180; D. N. SHARMA,
1969, capítulo 6, pp. 196 -256.
27 M. EL -KHAWAS, 1971; D. KAY, 1970, pp. 54 -80; D. N. SHARMA, 1969, capítulo 7, pp. 257 -303.
28 Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral da ONU adotada em 14 de dezembro de 1960, por 89
votos a favor, nenhum em contrário e 9 abstenções (Austrália, Bélgica, França, República Dominicana,
Portugal, Espanha, África do Sul, Inglaterra e Estados Unidos da América).
29 A Declaração do Quinto Congresso Pan -africano aos Povos Colonizados do Mundo arma que Todas
as colônias deveriam ser libertadas do domínio imperialista”; o comunicado da Conferência afro -asiática
declara que “O colonialismo, em todos os seus aspectos, constitui um mal ao qual se deve necessariamente
impor um termo, sem mais delongas”; a primeira Conferência dos Estados Africanos Independentes,
ocorrida em Accra no ano subsequente à independência do Gana (reunindo a Etiópia, Gana, Libéria,
Líbia, Marrocos, Sudão, Tunísia e a República Árabe Unida), condenou o colonialismo como “uma
ameaça [...] à paz mundial” e pediu que fossem tomadas “medidas rápidas”, dentre elas a xação de uma
“data precisa”, em cada caso, para acabar com o regime colonialista.
1019
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
ser tomadas para transferir todos os poderes aos povos que vivessem sob o jugo
do colonialismo”.
A adoção da Declaração aconteceu, do modo relativamente lógico, após a
entrada de dezesseis novos Estados membros africanos, com uma antecedência
de aproximadamente três meses, acontecimento que fortaleceu, singularmente, a
presença e a influência afro -asiáticas no interior da organização internacional. A
Declaração vinha em boa época, pois, em torno de 1960, o colonialismo, quase
extirpado da Ásia, ainda reinava em muitas regiões da África.
A determinação dos africanos e dos asiáticos em ditarem a ideologia da
ONU e institucionalizarem o seu engajamento anticolonialista e, portanto, as
suas atividades ulteriores, conduziu, no ano seguinte, à adoção de uma resolu-
ção de acompanhamento pela Assembleia Geral da ONU, criando um Comitê
especial encarregado de supervisionar a aplicação da Declaração de 1960
30
.
Igualmente e a partir do início dos anos 1960, a questão do racismo, com-
binada ao colonialismo na África Austral, adquiriu maior dimensão no âmbito
das atividades das Nações Unidas, graças a uma intensificação da pressão afro-
-asiática. Chegara o momento de retomar e desenvolver as iniciativas afro-
-asiáticas anteriores, cujo início remontava à primeira seção da Assembleia Geral
das Nações Unidas de 1946.
Na realidade e pela primeira vez, a ONU interessara -se em 1946 pela política
racial da África do Sul, dois anos antes que o National Party, organização repre-
sentante do nacionalismo africânder, tenha oficialmente instaurado o apartheid,
após a sua vitória nas eleições de 1948. O problema fora abordado por ocasião
de um protesto do governo da Índia país cuja independência política não
seria alcançada senão em 1947, mas, contudo, aceito como membro -fundador
das Nações Unidas em 1945 contra a recente promulgação, pelo governo
sul -africano, de uma legislação discriminatória visando, expressamente, os sul-
-africanos de origem indiana. A Índia foi seguida, em 1947, pelo Paquistão
(país desde anteriormente membro da ONU, cuja conquista da independência
processara -se de modo autônomo) e, graças à ação desses dois Estados asiáticos,
a questão fora introduzida na pauta das Nações Unidas. Paralelamente, treze
Estados -membros afro -asiáticos (Afeganistão, Arábia Saudita, Birmânia, Egito,
Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Líbano, Paquistão, Filipinas, Síria e Iêmen) impu-
seram a inserção, na ordem do dia da Assembleia Geral, em 1952, da questão
30 Resolução 1654 (XVI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em 27 de novembro de 1961,
por 97 votos favoráveis, nenhum em contrário e 4 abstenções (França, África do Sul, Espanha e Grã-
-Bretanha) e 1 não participante (Portugal).
1020
África desde 1935
mais geral e relativa aos conflitos suscitados pelo regime do apartheid, na ocasião
estabelecido há quatro anos.
Malgrado as reservas iniciais e a franca oposição de certas potências ociden-
tais, aos olhos das quais estas questões concerniam a assuntos internos” e não
deviam ser conduzidas perante as Nações Unidas, as condições para uma con-
denação de mais e mais vigorosa do apartheid estavam reunidas nos anos 1950
e uma convergência das duas iniciativas afro -asiáticas preparava a investida legal
que a ONU lançaria contra o apartheid, no início dos anos 1960.
Conjugada, por via de regra, a múltiplas iniciativas dos países afro -asiáticos
e do Terceiro Mundo, em respeito aos problemas da África Austral, a ação do
grupo de pressão afro -asiático, no auge da sua notoriedade e da sua influência,
durante os anos 1960, catalisou várias importantes iniciativas institucionais das
Nações Unidas.
Assim sendo, em 1963, o Conselho de Segurança estabeleceu um embargo
voluntário aos fornecimentos de armas para o governo da África do Sul (medida
posteriormente reforçada e tornada obrigatória a partir de 1977). Em 1966, ele
deliberou sanções obrigatórias, primeiramente seletivas, em seguida gerais a partir
de 1968, contra o regime minoritário e racista da Rodésia, o qual declarara, unila-
teralmente, a sua independência em relação à Grã -Bretanha, em 1965 disposição
esta que provocou o desencadeamento de uma luta de libertação, em função da
qual, em 1980, nasceu o Zimbábue independente, governado por africanos.
A questão do sudoeste africano representou um terceiro exemplo acerca da
influência do grupo afro -asiático. Em virtude da sua ação, a Assembleia Geral da
ONU decidiu, em 1966, impor um termo ao mandato da Sociedade das Nações
sobre este país, como consequência da prolongada inoperância da África do Sul
no tocante às suas responsabilidades de tutela; em 1968, ela atribuiu ao país o
nome Namíbia e, em 1970, o Conselho de Segurança declarou ilegal a ocupação
deste último país pela África do Sul, exigindo a sua extinção. Decisões confir-
madas, em 1971, pela Corte Internacional de Justiça. Acrescentemos enfim, ao
elenco das ações do grupo afro -asiático, a criação pela Assembleia Geral, em
1962, do Comitê Especial contra o apartheid, encarregado de supervisionar a
política racial da África do Sul.
A Organização de Solidariedade dos Povos Afro -Asiáticos (OSPAA), criada
no Cairo em 1957, constitui outra importante expressão institucional da corrente
afro -asiática, originada a partir da experiência de Bandung
31
. Vigorosamente
31 Para um estudo detalhado da OSPAA, conferir D. KIMCHE, 1968 e 1973, capítulos 7 -10, pp.126 -213.
1021
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
apoiava pela União Soviética e pela República Popular da China, a OSPAA
reunia diversos grupos de interesses complementares, ao menos inicialmente,
dos mundos afro -asiático e socialista.
O nacionalismo afro -asiático radical superou a influência do socialismo
internacional no seio da OSPAA, sobretudo porque “Nasser pretendia que os
órgãos dirigentes da organização permanecessem em mãos egípcias
32
”. Ademais,
como sugere a escolha das sedes para as atividades destas quatro conferências
plenárias (Egito em 1957, Guiné em 1960, Tanzânia em 1963, Gana em 1965),
os Estados africanos radicais representavam a mais sólida base de apoio para
a OSPAA
33
”.
Esta organização permitiu a al -Nasser reforçar a sua posição, como figura de
proa do afro -asianismo, e concedeu -lhe a oportunidade de aparecer na qualidade
de um dos grandes arquitetos de um mais amplo movimento terceiro -mundista.
Aqui consistiu um dos importantes aspectos referentes ao papel desta organi-
zação não governamental cuja ação, paralela àquela dos Estados afro -asiáticos,
visava estabelecer certo grau de solidariedade entre os países envolvidos; a este
respeito, ela contribuiu, nos seus primórdios, para ampliar o rol das causas afro-
-asiáticas, levando -as ao amplo reconhecimento. Desta forma, além do fato
de ela oferecer um fórum de discussões para todo tipo de grupos e movimen-
tos políticos, independentes de qualquer estrutura governamental, a OSPAA
organizou, entre 1957 e 1965, numerosas conferências, reunindo especialistas
afro -asiáticos, expertos em esferas tão diversas quanto a medicina, o direito, o
jornalismo, a produção literária, a economia, a proteção social, o desenvolvi-
mento rural e militantes em questões referentes às mulheres e à juventude.
A OSPAA começou a perder a sua influência em meados dos anos 1960, em
seguida, ela representava, durante os anos 1970, não mais que a sombra de si
mesma, especialmente em razão do efeito desestabilizador causado, em sua dinâ-
mica interna, pela rivalidade sino -soviética. Porém, ela assegurara a perenidade
da sua herança; primeiramente, ao ajudar o movimento terceiro -mundista a se
desenvolver a partir do afro -asianismo, durante o delicado período de formação
deste último; posteriormente, garantindo, diretamente, a transição entre os dois
movimentos, graças à sua contribuição para a criação de uma entidade paralela,
a Organização de Solidariedade dos Povos da África, da Ásia e da América
Latina (sobretudo conhecida pela denominação Organização de Solidariedade
Tricontinental), fundada em Havana (Cuba), em 1966.
32 R. A. MORTIMER, 1980, p. 10.
33 Ibid., p. 11.
1022
África desde 1935
Cabe sublinhar a importância de um aspecto do afro -asianismo em formação.
Trata -se da especial relação mantida entre a Índia e a África, mencionada
várias vezes durante a nossa análise
34
. Ela explica -se através da influência exer-
cida pelo movimento pela independência da Índia sobre o nacionalismo afri-
cano, em função da qual os militantes africanos inspiraram -se, especialmente no
plano organizacional, nas lutas anticoloniais travadas pelo Congresso Nacional
Indiano, por Mahatma Gandhi e Jawaharlāl Nehru.
A inflncia de Nehru, naquilo que diz respeito à consolidão dos inte-
resses e laços tuos na era pós -colonial, foi sobremaneira marcada, em
suplemento, pela sua profunda compreensão pessoal acerca dos problemas
políticos e raciais africanos em seu conjunto e por ele denominados, na
confencia de Bandung, “o drama infinito da África”, retomando nestes
termos um tema por ele já abordado na Asian Relations Conference [Con-
ferência sobre as Relações Asiáticas], organizada na capital Nova li em
1947, durante a qual ele mencionara “os nossos irmãos que sofrem na África”
e “a especial responsabilidade, cabível à Ásia, concernente em ajudar a
África em sua luta pela liberdade.
Concretamente, Nehru prometeu a criação de espaços institucionais nos
quais se expressaram e consolidaram -se os interesses mútuos da Índia e da
África. Ele desempenhou este papel, no movimento afro -asiático, durante os
anos 1950, em cujo representou a ponta -de -lança entre os seus líderes, tanto
quanto se manifestou a sua proeminência no bojo do movimento terceiro-
-mundista, no início dos anos 1960, em favor do qual contribuiu para a sua
emergência. Assim como, no seio da Commonwealth britânica, cuja transfor-
mação em nova Commonwealth multirracial, deve -se, em justa medida, à sua
dedicão.
Como observamos anteriormente, em certas regiões da África, a existência de
comunidades de ascendência indiana alimentou este sentimento característico
de uma relação especial. Notamos como, no caso sul -africano, este elemento
fortaleceu os laços de solidariedade entre a Índia e a África, ambas interessadas
em ver eliminado o apartheid; este regime conduziu a Índia a ser o primeiro país
do mundo a romper as suas relações diplomáticas e econômicas com a África
do Sul. Eventualmente, se momentos de tensão tiveram lugar nas relações entre
34 Sobre a relação especial da Índia com a Àfrica, consultar Indian National Congress, 1976; Indian Council
for Africa, 1967; A. A. MAZRUI, 1977, pp. 114 -129; J. NEHRU, 1964; R. L. PARK, 1965 ; R. R.
RAMCHANDANI (org.), 1980; M. J. ZINS, 1983.
1023
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
asiáticos e africanos, em certas regiões da África do Leste
35
, isto não provocou
a deterioração dos intercâmbios entre os países em questão e a Índia.
Se, na segunda metade do anos 1960, esta relação especial pôde aparente-
mente distender -se, esta progressão deve -se, justamente, às grandes transfor-
mações advindas ao sistema internacional e não, a razões intrínsecas. Uma das
causas foi o declínio da influência da Índia no espectro terceiro -mundista, com
maior ênfase após a morte de Nehru, ocorrida em 1964. Mas, como bem obser-
vou Ali Mazrui, não se estabelecera exatamente um declínio absoluto, porém
e mais precisamente, tratava -se do retorno da estatura da Índia a níveis mais
adequados ao quadro terceiro -mundista”, após o “excepcional grau de influência
diplomática e política” alcançado sob Nehru
36
.
Inversamente, na justa medida que se diversificavam e dispersavam -se os
centros de influência de maior importância do Terceiro Mundo, dentre os quais,
alguns no continente africano, a preponderância anterior da relação Índia -África
era afetada. Entretanto, se por um lado esta relação teve, ao que tudo indica no
transcorrer dos anos 1960, menor dimensão política e diplomática, comparativa-
mente ao passado, os laços ampliaram -se, na realidade, sob outras formas menos
espetaculares, notadamente através de uma crescente cooperação econômica e
técnica, bem como, graças a um desenvolvimento dos intercâmbios culturais e
educativos.
Em 1976, a publicação pelo Congresso Nacional Indiano de um livro de
132 páginas, India and the African liberation struggle [A Índia e a luta da África
pela sua libertação], retraçando, do Mahatma Gandhi a Indira Gandhi (então
primeira -ministra), a sequência ininterrupta das tomadas de posição política e
das intervenções militares em favor da libertação da África, suscita considerar
que este sentimento, próprio a uma relação especial, conservava na ocasião uma
forte conotação ideológica.
As análises sobre o afro -asianismo tendem a apresentar os meados dos anos
1960 como o período do “declínio do movimento afro -asiático
37
”, da queda
35 Consultar R. R. RAMCHANDANI (org.), 1980, pp. 171 -194. Em seu ensaio, “Indians in East Africa:
past experiences and future prospects”, Ramchandani expõe de modo convincente que os ocasionais
atritos entre africanos e asiáticos na África do Leste inscrevem -se no quadro dos hábitos e costumes,
bem como das estruturas socioeconômicas e sociorraciais, essencialmente imputáveis às modalidades
coloniais do desenvolvimento.
36 A. A. MAZRUI, 1977, p. 120.
37 D. KIMCHE, 1973, pp. 250 -262.
1024
África desde 1935
do afro -asianismo
38
”, ou ainda, como aqueles anos nos quais o afro -asianismo
encontra -se, efetivamente, morto
39
”.
O fracasso da tentativa realizada em 1965, com vistas a reunir uma segunda
conferência afro -asiática, como desdobramento de Bandung, é muito amiúde
citado como, a um só tempo, a causa primordial e a consequência deste declínio
ou desta queda, cabendo à perda de influência da OSPAA, a partir do final da
década de 1960, tema abordado logo anteriormente, contribuir para esta evo-
lução
40
. Ademais, o grupo afro -asiático junto às Nações Unidas efetivamente
cessou as suas atividades durante os anos 1970.
O revés de Bandung II explica -se, notadamente, pela importância que haviam
adquirido o Movimento dos Não Alinhados, cujas duas primeiras conferências
se haviam reproduzido nas cúpulas de 1961 e 1964 (tabela 28.4), e o Grupo
dos Setenta e Sete, formado em 1964 (tabela 28.5). Justamente em função deste
contexto, subjaz a compreensão da reação do presidente do Senegal, Léopold
Sédar Senghor, quem, interrogado em maio de 1965 sobre a possibilidade de
uma segunda conferência afro -asiática, à época ainda defendida por fervorosos
partidários, declarou: “Naquilo que me diz respeito, eu acredito que o afro-
-asianismo está superado, pois esta forma de solidariedade deve ser estendida à
América Latina, em particular, e ao Terceiro Mundo, em geral
41
.”
O lançamento da Organização de Solidariedade Tricontinental, sob os aus-
pícios da OSPAA, em Havana, no ano 1966, constituiu outro marco no tocante
à extensão do afro -asianismo, o movimento ultrapassava as suas fronteiras geo-
gráficas rumo à construção da identidade de um mais vasto Terceiro Mundo. O
grupo afro -asiático findou, igualmente, por reduzir -se ao supérfluo, em razão da
crescente mobilização do Grupo dos Setenta e Sete, bem como, pelas circuns-
tâncias dos anos 1970, durante os quais a ação do Movimento dos Não Alinha-
dos, sobretudo em prol de uma nova ordem econômica internacional, principal
objeto das preocupações terceiro -mundistas, se ter diretamente processado no
âmbito do sistema das Nações Unidas
42
.
A aparente incapacidade do afro -asianismo em sobreviver, como movimento,
consiste em um reflexo proporcional ao seu êxito como catalisador e fundador
38 R. A. MORTIMER, 1980, pp. 18 -22.
39 P. WILLETTS, 1978, p. 15.
40 R. A. MORTIMER, 1980, pp. 20 -22; F. B. WEINSTEIN, 1965.
41 Citado em Africa Diary, 19 -25 junho de 1965, p. 2386.
42 K. P SAUVANT, 1981, p. 112, tabela 12, oferece um relatório estatístico acerca da crescente frequência
das reuniões dos dois grupos no seio do sistema das Nações Unidas, entre 1965 e 1979.
1025
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
de um agrupamento terceiro -mundista muito mais amplo, equação esta inclu-
sive reconhecida por alguns autores que sublinham o seu declínio. Em lugar de
queda, melhor seria portanto considerar uma transformação do afro -asianismo.
A África e o mundo árabe: aspectos
de uma relação especial
De 7 a 9 de março de 1977, foi organizada no Cairo a primeira Conferên-
cia dos Chefes de Estado e de Governo da OUA e da Liga Árabe. Segundo
os termos do relatório oficial, os cinquenta e nove países africanos e árabes
representados estavam reunidos para consolidar a cooperação árabo -africana
(também denominada africano -árabe)
43
.
Sob a ótica da nossa análise, esta reunião, oficialmente apresentada como
uma conferência de cúpula árabo -africana”, reveste -se de um triplo significado.
Primeiramente, ela constitui uma inovão, assinalando a este respeito que,
durante os anos 1970, produziu -se uma ampliação e um aprofundamento, sem
precedentes, nas relações políticas e econômicas entre o mundo africano e o
mundo árabe. Em segundo lugar, estas evoluções apoiaram -se em uma elevação
no nível de consciência referente à solidariedade no Terceiro Mundo, fenômeno
característico da década de 1970, além de terem sido influenciadas pelo espírito
do afro -asianismo, ele próprio alimentado por uma dualidade, formada pelo
mundo africano e pelo mundo árabe, abordada de modo crítico.
A terceira razão refere -se a definições e a uma terminologia, as quais convém
abordar no imediato. Em virtude de certo número de Estados serem, a um
tempo, africanos e árabes, a situação caracteriza -se por todo tipo de sobreposi-
ções e fusões, excluindo -se as definições regionais nitidamente delimitadas ou
mutuamente exclusivas. Este fenômeno é o cerne de uma relação especial entre o
mundo africano e o mundo árabe, cujas diferenciações de ordem terminológica
por exemplo, aquelas adotadas pela conferência árabo -africana de 1977 devem
ser compreendidas à luz das considerações precedentes.
O elenco dos fatores determinantes desta relação especial surge, nitidamente,
nesta declaração dos participantes à conferência de 1977, os quais se afirmavam
profundamente conscientes da multiplicidade dos nossos laços e interesses,
dos fatores geográficos, históricos e culturais, da vontade em desenvolvermos a
43 C. LEGUM, 1977.
1026
África desde 1935
cooperação nas esferas política, econômica e social, assim como dos imperativos
da nossa luta comum contra todas as formas de dominação e exploração”.
Se, a partir dos anos 1950, as mudaas ocorridas nos cenários nacionais,
regionais e mundial, favoreceram, por sua vez, o anseio de se estabelecer sig-
nificativos laços políticos, econômicos e sociais, em favor do progresso e do
desenvolvimento mútuos, em contrapartida, alguns fatores, neste contexto
predispostos e devidos à vizinhança geogfica, a antigas relações datadas de
mais de doze séculos, assim como a fusões demogficas e culturais de grande
amplitude, concederam uma particular relencia a este urgente imperativo.
A título de exemplo, ao menos 60% (ou até 80%, segundo algumas estima-
tivas) da população árabe mundial reside no continente africano. Estima -se que
um terço dos povos africanos seja muçulmano; os muçulmanos seriam larga-
mente majoritários, não somente na África do Norte, mas, igualmente, em nove
países ao sul do Saara (Comores, Djibuti, Gâmbia, Guiné, Mali, Mauritânia,
Níger, Senegal e Somália), eles representariam um importante componente
em outros dois (Nigéria e Tchade) e constituiriam expressivas minorias, ao
menos 25% da população, em sete países (Burkina Fasso, Camarões, Costa do
Marfim, Etiópia, Guiné -Bissau, Serra -Leoa e Tanzânia). Esta simbiose cultural
 . Conferência da Liga Árabe e da Organização para a Unidade Africana, no Cairo em 1977.
(Foto: Magnum, Paris. Photo: Abbas.)
1027
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
manifesta -se, em suplemento, no domínio linguístico pois, o árabe, o kiswahili
e o haussa,as línguas não europeias mais importantes do continente africano,
[...] foram profundamente influenciadas pelo islã
44
”.
Estes laços, simultaneamente demográficos e culturais, encontram a sua
expressão na estrutura de certas organizações internacionais. A Liga dos Estados
Árabes, mais conhecida como Liga Árabe, não agregava em 1945, entre os seus
oito membros -fundadores, senão um Estado africano (o Egito); em 1980, 9
dentre os 22 membros da Liga eram africanos, dos quais três países não árabes,
mas majoritariamente muçulmanos (Djibuti, Mauritânia e Somália). Do mesmo
modo, os 50 membros da OUA, em 1980, compreendiam 9 Estados da Liga
Árabe. A Organização da Conferência Islâmica, mais importante organismo
intergovernamental islâmico, fundada em 1971, contava 42 membros em 1980,
cuja metade exata pertencia ao continente africano.
O perfil desta especial relação entre os mundos africano e árabe foi assaz
precisado em diversos estudos
45
, a ponto de permitir apresentar -lhe os seus
aspectos essenciais. No curso histórico desta relação, os anos 1950 viram emergir
numerosos e convergentes interesses políticos, sobretudo em respeito às questões
relativas ao anticolonialismo e ao não alinhamento.
A intensificação das lutas pela descolonização na África do Norte, no ime-
diato Pós -Guerra, antecessoras das suas correlatas ao sul do Saara, desempe-
nhou um papel essencial no processo de amadurecimento destes laços. Estes
últimos desenvolveram -se durante uma descolonização que se alastrava por todo
o continente, sobretudo, em razão do brutal e prolongado conflito colonial na
Argélia − questão originalmente levada às Nações Unidas pela Arábia Saudita,
em 1955 − e da intransigência dos regimes coloniais e racistas da África Austral.
A partir da criação do Estado de Israel, em 1948, ao preço da expulsão de
numerosos palestinos, o conceito relativo ao não alinhamento exerceu crescente
atração no mundo árabe, o qual considerava sacrificados os seus interesses no
seio da política das grandes potências
46
. Inclusive nos mais conservadores e
pró -ocidentais Estados árabes do Oriente Médio, a nova lógica das relações
44 Z. CERVENKA, 1977, capítulo 9, pp. 156 -175; E. C. CHIBWE, 1977; V. T. LE VINE e T. W. LUKE,
1979; A. A. MAZRUI, 1975c e 1977, capítulo 7, pp. 130 -155; G. NICOLAS, 1978; G. A. NWEKE,
1980, capítulo 10, pp. 214 -234.
45 F. A. SAYEGH (org.), 1964.
46 O Egito e a Síria uniram -se em 1958 e adotaram o nome República Árabe Unida. Esta união foi rompida
em 1961 com a retirada da Síria, mas o Egito conservou ocialmente a denominação até 1971, data na
qual ele adotou o nome República Árabe do Egito. Nós empregamos aqui o nome “Egito”, salvo em
casos pontuais quando se deve antes empregar a nomenclatura “República Árabe Unida”.
1028
África desde 1935
internacionais na região impunha a preservação de certo distanciamento ide-
ológico, tanto frente ao Oeste quanto a Leste. No longo prazo, a filosofia do
não alinhamento veio reforçar a convergência de interesses dos mundos árabe
e africano, ambos preocupados com um possível questionamento dos seus inte-
resses externos.
O amadurecimento destes laços foi marcado pela determinante influência
do Egito denominado República Árabe Unida entre 1958 e 1971
47
−, sobre-
tudo após a revolução de 1952 que derrubou a monarquia e atingiu o seu ápice
quando al -Nasser assumiu plenos poderes em 1954. Anteriormente a 1952,
o Egito começara a desempenhar um papel, em princípio modesto, lançando
pontes entre a África e os mundos árabe e asiático, ele foi, por exemplo, o único
Estado africano a participar, junto a onze Estados da Ásia, da fundação do grupo
ad hoc asiático -africano na ONU, em 1950. Mas, sob al -Nasser, a militância
egípcia sofreu uma caracterizada mudança de ritmo que a conduziu a abraçar e
conjugar os três círculos − o “círculo árabe”, o “círculo africano” e o “círculo dos
nossos irmãos no islã”que al -Nasser, em sua Philosophie de la révolution, publi-
cado em 1954, situava como núcleo da identidade egípcia. A crescente influência
de al -Nasser, na política de libertação pan -africana e panárabe, conferiu -lhe a
motivação e a imagem adequadas para atingir uma excepcional proeminência,
na qualidade de fundador do Movimento dos Não Alinhados, base política do
Terceiro Mundo
48
.
Iniciada com a conquista da independência de Gana em 1957, a saída de
cena do colonialismo na África subsaariana abriu as portas para a expressão
de uma vontade interafricana mais orquestrada, visando estabelecer signifi-
cativos laços pan -africanos através do Saara, prioridade reconhecida tanto
por al -Nasser quanto por Nkrumah, a qual naturalmente desdobrar -se -ia em
uma noção mais ampla, relativa à solidariedade dos africanos e dos árabes no
cenário mundial.
A criação da OUA, em 1963, deu origem a uma organização regional afri-
cana paralela à Liga Árabe, completando -a sob muitos aspectos. Os dois orga-
nismos possuíam alguns membros comuns e compartilhavam a característica
de serem “as primeiras organizações [regionais] criadas e dirigidas pelas nações
pobres, para as nações pobres do mundo”. A Liga Árabe, núcleo do grupo afro-
47 Em respeito à política externa entre África e Egito à época de al -Nasser (1952 -1970), conferir T. Y.
ISMAEL, 1971; A. B. SAWANT, 1981.
48 B. BOUTROS -GHALI, 1975, p. 60.
1029
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
-asiático durante os anos 1950, encontrava -se fortalecida pela OUA quando ela
começava a perder o seu dinamismo juvenil
49
”.
Entretanto, o maior problema colocado para a Liga Árabe, a saber, a pre-
sença e a política de Israel, foi durante os primeiros anos dissociado da política
da OUA, malgrado esforços dos seus membros pertencentes à Liga Árabe,
relativos a levarem as duas organizações a adotarem uma posição única. Este
quadro devia -se à existência de estreitos laços econômicos e, por vezes, militares
entre numerosos Estados recém -independentes da África subsaariana e Israel,
país que empreendera a este efeito grandes esforços diplomáticos. Ademais, a
maioria dos Estados -membros da Organização julgava que a crise no Oriente
Médio, não consistindo em um problema propriamente africano, não era da
competência da OUA.
Todavia, a posição da OUA modificou -se sensivelmente após a Guerra dos
Seis Dias que, em 1967, acarretou a ocupação de territórios árabes por Israel,
dentre os quais a Península do Sinai. Protestos africanos progressivamente mais
frequentes elevaram -se em condenação à política de Israel e, em 1971, o novo
passo foi dado quando a oitava conferência de cúpula da OUA afirmou, pela
primeira vez, que o prosseguimento da ocupação israelense constituiria uma
séria ameaça à paz no continente africano”. Simultaneamente, a OUA criava um
comitê de mediação cuja função seria, antes e sobretudo, atuar como intermedi-
ário entre o Egito e Israel, porém, o seu fracasso, atribuído pelo seu presidente,
Léopold Sédar Senghor, à intransigência israelense, teve como efeito aumentar
o apoio à causa árabe
50
.
Em outubro de 1973, por ocasião de uma extraordinária reviravolta da situa-
ção, dezessete Estados subsaarianos romperam as suas relações diplomáticas com
Israel e quatro outros procederam à sua imagem em novembro, de tal modo que
ao final de 1973, somente quatro Estados -membros da OUA − Malaui, Lesoto,
Suazilândia, Ilhas Maurício − conservavam relações diplomáticas com Israel.
Para melhor compreender esses acontecimentos do final de 1973, é neces-
sário lembrar que: antes de 1967, todos os Estados -membros da OUA, salvo
aqueles que igualmente pertenciam à Liga Árabe, mantinham relações diplomá-
ticas com Israel; no imediato posterior à Guerra dos Seis Dias, unicamente um
Estado africano (a Guiné) as tinha rompido; e nada mudara este cenário antes
que uma nítida reviravolta não se manifestasse na diplomacia africana, durante
49 Y. EL -AYOURY, 1975a.
50 V. T. LE VINE e T. W. LUKE, 1979, pp. 9 -18.
1030
África desde 1935
os dezoito meses precedentes a outubro de 1973, no decorrer dos quais sete
novos Estados africanos romperam as suas relações com Israel.
Três acontecimentos da maior importância, advindos em 1973, prepararam
a reviravolta diplomática de outubro. Dois destes exemplos eram consequências
da solidariedade afro -árabo -terceiro -mundista: a reunião, em maio, da Confe-
rência de Cúpula, marcando o décimo aniversário da OUA, em Addis -Abeba,
e a quarta Conferência dos Chefes de Estado e de Governo dos Países Não
Alinhados, realizada em Argel, no mês de setembro. Estas duas reuniões cons-
tituíram importantes tribunas para a harmonização das estratégias diplomáticas
árabo -afro -terceiro -mundistas.
Nestas duas ocasiões, o presidente argelino Boumediene exerceu excepcio-
nal influência. Ele representou a voz da diplomacia árabe no seio da OUA,
logrando mostrar parentesco entre as lutas de libertação do Oriente Médio
e aquelas da África Austral. A sua análise era corroborada pela existência de
relações militares e econômicas progressivamente mais estreitas, entre Israel e a
África do Sul do apartheid, oferecendo um motivo relevante para a consolidação
de uma importante divergência de interesses entre a África e Israel. Por outro
lado, na qualidade de presidente da quarta Conferência de Cúpula dos Países
Não Alinhados, ele colocou todo o seu prestígio e toda a sua influência em
prol do fortalecimento da aliança entre os interesses pan -africanos, panárabes
e terceiro -mundistas.
O último acontecimento determinante para as rupturas diplomáticas de
outubro de 1976 foi a guerra que opôs, de 6 a 24 de outubro, por um lado, o
Egito e a Síria, e por outro Israel. O ponto de inflexão foi atingido no momento
do avanço empreendido, pelo exército israelense, em território egípcio, mais
importante invasão ocorrida até então, permitindo a inédita ocupação de terras
situadas ao oeste do Canal de Suez, ou seja, incontestavelmente no solo conti-
nental africano.
Alguns autores defendem que o isolamento diplomático de Israel resultou
da capitulação da África frente à arma do petróleo”, retida em mãos árabes,
mas aqui reside uma concepção cínica e contrária à verdade histórica
51
. É bem
verdade que no auge da guerra de outubro de 1973, a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP) anunciou uma fortíssima alta nas cotações
do petróleo e que a Organização dos Países Árabes Exportadores de Petró-
leo (OPAEP) interditou a exportação de petróleo bruto para todos os países
51 A. A. MAZRUI, 1975c, p. 736.
1031
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
partidários de Israel. Contudo, aqui entrever uma causa essencial da conduta
diplomática dos Estados africanos perante Israel, ao final de 1973, trata -se de
deformar a cronologia dos acontecimentos”, em virtude de “uma boa parte da
África estar posicionada ao lado dos árabes no tocante à questão da Palestina
52
”,
bem anteriormente à incidência do fator petrolífero.
Esse ponto de vista parece ter sido confirmado através da conclusão segundo
a qual: nada leva a crer que os árabes tenham sequer evocado a possibilidade
do emprego da arma do petróleo” contra os países africanos, nem que estes
últimos tenham oferecido o seu apoio aos árabes com esperança de obterem
vantagens financeiras
53
”. A ruptura de 1973, na realidade, provém de um novo
espírito de solidariedade política, desde logo presente nos mundos africano e
árabe. Conscientes da convergência dos seus interesses, após 1967, estes mundos
entraram em uma nova fase das suas relações, as quais se desenvolveriam, com
ainda maior intensidade, ao longo dos anos 1970.
Inaugurando o novo rumo tomado por estas relações, a Liga Árabe, reunida
na capital Argel em novembro de 1973, decidiu impor um embargo do petróleo
contra Portugal colonialista, à Rodésia, governada por brancos, e à África do Sul,
sob o regime do apartheid
54
. Ela decidiu, igualmente, constituir três importantes
instituições, destinadas a promoverem a cooperação econômica. Tais eram o
Banco Árabe para o Desenvolvimento Econômico na África; o Fundo Árabe
Especial para a África, destinado a conceder ajuda financeira emergencial aos
países africanos não árabes, intuindo financiar as importações de petróleo e valo-
rizar os recursos petrolíferos; e o Fundo de Assistência Técnica árabo -africano,
criado para promover a cooperação técnica e econômica, envolvendo países
árabes e africanos
55
. A crescente importância dos aspectos econômicos na lógica
daquelas relações, em pleno vigor à época, igualmente traduziu -se em razão de
uma nova postura da OPEP no tangente às suas responsabilidades vis -vis da
promoção do desenvolvimento no Terceiro Mundo em geral e, da África, em
particular
.
No plano cultural, estas relações poticas e econômicas, de nova ordem,
foram estimuladas, no transcorrer dos anos 1970, pelo renascimento islâmico,
do qual uma das expressões poticas foi a crião, em 1971, da Organização
52 Z. CERVENKA, 1977, p. 162.
53 G. A. NWEKE, 1980, pp. 235 -250.
54 Estas três instituições são analisadas em E. C. CHIBWE, 1976; W. R. JOHNSON, 1983; A. SYLVES-
TER, 1981; J. VIGNES, 1976 -1977.
55 M. J. WILLIAMS, 1976.
1032
África desde 1935
da Conferência Islâmica (OCI), organismo intergovernamental sediado na
Arábia Saudita
56
. Tal era, portanto, a situação em plena evolução da qual deri-
vou a reunião da primeira Conferência de pula Árabo -Africana, em 1977.
Bem entendido, estas manifestações de solidariedade o aboliam algu-
mas importantes diferenças, ligadas a perspectivas e a prioridades políticas. Por
exemplo, a Liga Árabe não logrou convencer a OUA e obter apoio em favor da
expulsão de Israel da ONU. Em suplemento, eis o cúmulo da ironia ocorrido
nos anos 1950 e 1960, o Egito, país que fora carro -chefe no desenvolvimento
destas relações, tornou -se, devido à assinatura de um tratado de paz com Israel,
em 1979 por Anwar al -Sādāt, um pária político no mundo árabe e uma fonte
de tensão nas relações afro -árabes.
Entretanto, se o Egito foi imediatamente excluído da Liga Árabe − cuja sede
simultaneamente transferiu -se do Cairo para Túnis e da OCI, a OUA, por
sua vez e malgrado as pressões, recusou -se a tomar medidas da mesma ordem
e continuou a acolhê -lo. Por outro lado, por ocasião da sexta Conferência de
Cúpula dos Países Não Alinhados, em 1979, os Estados da África Subsaariana
dedicaram -se a elaborar um compromisso visando impedir a expulsão do Egito
do movimento, banimento exigido pelos outros Estados Árabes.
No entanto, a queso mais embaraçosa, na aurora dos anos 1980, con-
sistia em saber se as promessas e as esperanças de cooperação e de solidarie-
dade econômicas resistiriam à alta nas cotações do petleo e à propagão
da recessão econômica internacional. Em suma, a simples expressão de tais
preocupões demonstra, à perfeição, o grau de amadurecimento experi-
mentado pelas relações afro rabes, desde os anos 1950. Graças a um grau
sem precedentes de iniciativas e de aspirações, elas impunham à política
terceiro -mundista um cater muito ofensivo.
Os laços com a América Latina e o Caribe: a tomada
de consciência de uma identidade terceiro -mundista
A presença racial e cultural da África, no conjunto da América Latina e
do Caribe, tal como evidenciada em publicações e colóquios patrocinados pela
UNESCO
57
, testemunha a profundidade dos contatos históricos entre o conti-
nente africano e a diáspora africana, as terríveis condições de nascimento desta
56 O. H. KOKOLE, 1984; A. ODED, 1986.
57 M. M. FRAGINALS, 1984; UNESCO, 1980.
1033
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
diáspora, produto do tráfico de escravos, assim como laços raciais e culturais
implicam na consciência de uma identidade pan -africana transcontinental.
Este cenário verifica -se, particularmente no Caribe. A presença demográfica
e cultural africana nesta região apresenta -se, com efeito, de modo muito mais
concentrado e notável, comparativamente a toda e qualquer outra existente na
América Latina, onde ela varia fortemente em função do país: muito importante
no Brasil, ela praticamente inexiste na Argentina.
No Caribe englobando em nossa concepção as ilhas da região acrescidas de
Belize e das Guianas (Guiana, Suriname e Guiana Francesa)
58
−, a maioria das
comunidades nacionais é predominantemente negra ou comporta importantes
minorias negras. A combinação da escravatura e do colonialismo determinou
nesta região, em suplemento e de modo mais contundente que alhures, a forma-
ção das sociedades, o quadro de referência dos processos de construção nacional
e os parâmetros da política externa, aqui forçosamente raciais, estes fatores
conduzem naturalmente à África
59
. Eis o porquê, notadamente em estudos
desta natureza, da inadequação em abordar a América Latina como um todo
indiferenciado.
Na história abundam exemplos de ações conduzidas em comum pelos negros
da África e do Caribe, as quais fizeram progredir os valores do pan -africanismo
transcontinental. Elas foram estudadas, essencialmente, em vários capítulos do
volume VII e do presente volume. É possível citar, notadamente: o lançamento,
em 1900, de uma série de conferências e de congressos pan -africanos, reunindo
os negros do continente africano e da diáspora; o fenômeno do garveyismo
que transcendeu as suas raízes caribenhas para tornar -se uma força decisiva
na elaboração do nacionalismo africano, como atestaram, entre outros, Kwame
Nkrumah e Jomo Kenyatta; nos anos 1930, a fundação comum, pelo senegalês
Léopold Sédar Senghor e pelo martinicano Aimé Césaire, da doutrina cultural
pan -africana da negritude; ou ainda, em 1945, a organizão conjunta, por
Kwame Nkrumah, da Costa do Ouro, e por George Padmore, de Trinidad e
Tobago, do quinto Congresso Pan -africano.
Estas ações comuns precederam, salvo raras exceções, o surgimento de Esta-
dos soberanos independentes, tanto na África como no Caribe; elas estavam,
portanto e necessariamente, voltadas para interesses não nacionais. Em contra-
58 Trata -se da denição adotada pelo grupo de trabalho da UNESCO para a preparação de uma história
geral do Caribe, reunido em Paris de 14 a 18 de dezembro de 1981; consultar o Relatório Final (CC -81/
CONF. 610/4, UNESCO, Paris, 7 de abril de 1982).
59 L. EDMONDSON, 1974; L. EDMONDSON e P. PHILLIPS, 1979.
1034
África desde 1935
partida, ao longo do período pós -colonial do anos 1960 e 1970, a colaboração
pan -africana, reunindo desde então participantes oficiais, conheceu uma amplia-
ção no seu campo de ação.
A África e o Caribe reforçaram os seus laços no mais amplo contexto do
pan -africanismo transcontinental, especialmente, por ocasião das impactantes
manifestações deste movimento, representadas pelo primeiro Festival Mundial
de Artes Negras, organizado no Senegal em 1966; o sexto Congresso Pan-
-africano, sediado na Tanzânia, em 1974; ou o segundo Festival Negro e Afri-
cano das Artes e da Cultura (FESTAC), organizado na Nigéria em 1977.
Líderes africanos afirmaram o valor dos laços raciais entre a África e o Caribe
como base para o desenvolvimento das suas relações. O imperador da Etió-
pia Haïlé Sélassié assim declarou, durante um discurso pronunciado em 1966,
perante o Parlamento jamaicano: “onde quer que exista sangue africano, haverá
a base de uma maior unidade”. Eis aqui, com antecedência de quatro anos, como
Kwame Nkrumah chamava os chefes de governo a esforçarem -se por preservar
a Federação das Antilhas, à época em vias de dispersão:
“O que me autoriza a lançar esse apelo é a minha sincera convicção, segundo
a qual, lograr construir uma potente nação antilhana equivaleria a reafirmar e
estimular os esforços que empreendemos para restaurar a reputação da África,
aos olhos do mundo, e restabelecer a personalidade do africano e das pessoas de
origem africana, por toda parte.”
Entretanto, outro chefe de Estado africano, o presidente tanzaniano Julius
Nyerere, embora ele próprio pan -africanista convicto, preveniu contra os riscos
subjacentes a um pan -africanismo polarizado e baseado na questão racial e, espe-
cialmente, em respeito aos seus efeitos relativos às tentativas de ampliação da
solidariedade ao conjunto do Terceiro Mundo. Ele expressou esta preocupação,
como anfitrião, perante o sexto Congresso Pan -africano de 1974:
O pan -africanismo prestaria um péssimo serviço à causa da libertação
humana, se ele conduzisse à África e o Caribe a tentarem isolar -se do Terceiro
Mundo ou se ele forçasse outras regiões terceiro -mundistas a isolarem -se da
África e do Caribe.”
Todavia, o desenvolvimento e a consolidação dos laços pan -africanos entre a
África e o Caribe, durante os anos 1970, processos estes, focados nos problemas
da África Austral, aparentemente indicavam, ao contrário, um incremento do
seu engajamento coletivo em favor da libertação do Terceiro Mundo.
As relações entre África e o Caribe não se fundamentam, exclusivamente,
sobre uma base racial. Elas adquirem a sua força, igual e justamente, em fun-
ção da maior parte dos Estados africanos e caribenhos compartilharem, até
1035
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
época recente, o mesmo estatuto de colônias, bem como, porque esta experiência
comum tornara particularmente mordaz uma necessidade, idêntica e premente,
de estabelecerem a sua identidade política nacional e internacional.
Portanto, o conjunto destes fatores influenciou a colaboração entre a África
e o Caribe, no interior do Movimento dos Não Alinhados, mais atrativo para
os recém -independentes Estados do Caribe, comparativamente ao seu menor
poder de persuasão junto aos Estados da América Latina, há mais tempo inde-
pendentes; assim como, na esfera do Commonwealth, no qual a preponderância
africana aumentara, em virtude do peso dos Estados anglófonos do Caribe.
À imagem do sistema da ONU, arena na qual outras possibilidades insti-
tucionais de colaboração eram -lhes oferecidas, para estas duas instituições, os
problemas da África Austral e as injustiças do sistema econômico internacional
constituíram os dois temas, principais e comuns, em suas ações ou preocupações.
A importância do segundo tema fortaleceu -se sobremaneira, com advento, em
1975, do grupo dos Estados da África, do Caribe e do Pacífico (ACP), estrutura
destinada a proteger e servir coletivamente os interesses econômicos dos seus
membros, em negociações frente à Comunidade Econômica Europeia (CEE)
60
.
A prepondencia dos interesses econômicos internacionais acresceu -se
sobremaneira, comparativamente aos fatores raciais, culturais e políticos, no
âmbito das relações entre a África e, no além Caribe, o conjunto da Amé-
rica Latina. Aproximadamente em meados dos anos 1960, fizera -se observar,
a justo título, que a África e a América Latina, em alguns domínios funda-
mentais, permaneciam “gigantes estrangeiros
61
entre si. Todavia, aquilo que
outro observador qualquer denominaria “cooperação América Latina -África
62
”,
estabelecera -se, nítida e progressivamente, desde os anos 1950, fundada antes em
uma abordagem comum da descolonização, assim como da defesa da soberania
nacional e, posteriormente, durante os anos 1960 e 1970, em sua vontade comum
concernente a conceder prioridade ao desenvolvimento econômico.
Malgrado níveis de desenvolvimento econômico diferentes, de continente a
outro, de onde derivam prioridades econômicas divergentes, este mesmo analista
poderia considerar, ao final dos anos 1960, que ao longo dos debates realizados
na ONU, relativos às questões socioeconômicas, os africanos formaram uma
sólida aliança com os latino -americanos, os quais, nas esferas econômica e social,
passaram a conceder primazia ao princípio da solidariedade entre países sem-
60 K. HALL E B. W. BLAKE, 1979.
61 A. SEGAL, 1966.
62 P. SAENZ, 1969.
1036
África desde 1935
-posses
63
’, em detrimento daquele outro, baseado na solidariedade continental
com os Estados Unidos da América do Norte”.
Na América Latina, a atenção dedicada ao subdesenvolvimento econômico,
por pouco que não de modo generalizado, em razão da tomada de consciência
no tocante ao peso da dominação neocolonial incidente na região, dedicação
esta notadamente traduzida pelo papel pioneiro assumido por certos acadêmicos
da região. Estes teóricos transformaram a teoria da dependência em arcabouço
analítico e explicativo para o subdesenvolvimento econômico inerente à região
e, a sua abordagem não tardou em adquirir autoridade no espectro intelectual
mas, igualmente a ganhar um sentido político concreto no Terceiro Mundo
64
.
A América Latina igualmente manifestou o alcance das suas preocupações
econômicas, pelo papel por ela desempenhado na criação, em 1964, da Confe-
rência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED)
e na mobilização paralela ao Grupo dos Setenta e Sete
65
. Esta proeminência
valeu -lhe conceder, de suas fileiras, o primeiro secretário -geral da CNUCED, na
pessoa do economista argentino Raul Prebisch, reconhecido teórico da depen-
dência e inspirador das estratégias de negociação visando a instauração de uma
nova ordem econômica internacional (NOEI). Do mesmo modo, a formulação
da Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, adotada em 1974,
pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a título de plataforma principal da
NOEI, exigida pelos países do Terceiro Mundo, repousava em uma proposição
do presidente mexicano, Luis Echeverria.
Esta concordância e esta institucionalização dos interesses econômicos inter-
nacionais da América Latina e da África, no cenário marcado por um fortaleci-
mento de uma solidariedade terceiro -mundista, foi excetuando -se Cuba, país
que se atribuía uma identidade, a um tempo, latino -americana e caribenha,
e, parcialmente, o Brasil menos evidente em outros fóruns políticos. Isto
alimentou a ideia segundo a qual “a relação das sociedades da América Latina
com as nações africanas e asiáticas era de natureza fundamentalmente ambi-
valente
66
”. Esta tese podia apoiar -se na reticência manifestada pelo conjunto
da América Latina, nos anos 1960 e 1970, em aderir ao Movimento dos Não
Alinhados (tabela 28.4).
63 Ibid., p. 326.
64 H. C. F. MANSILLA, 1984.
65 Sobre o Grupo dos Setenta e Sete conferir tabela 28.5. O papel da CNUCED como fórum maior para
a diplomacia econômica do Terceiro Mundo será abordado mais adiante neste capítulo.
66 H. C. F. MANSILLA, 1984, p. 341.
1037
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
 . Fidel Castro, de Cuba, e o Grupo dos Setenta e Sete em Havana no dia 21 de abril 1987.
(Foto: Gramma, Cuba.)
Apresentam -se, ao menos quatro razões passíveis de explicarem esta pos-
tura política. Primeiramente, os Estados da América Latina, diferentemente
da maioria daqueles caribenhos, alcançaram a independência no século XIX,
por via de regra, aproximadamente em 1820, situação esta a distanciá -los, de
certo modo, das forças vivas do nacionalismo afro -asiático, as quais estavam à
origem do Movimento dos Não Alinhados. Associado a este primeiro fator,
acrescentava -se o fato de a Espanha ter sido uma insignificante potência colo-
nial no mundo afro -asiático, tão verdadeira era esta circunstância que os latino
americanos, de identidade político -cultural predominantemente hisnica,
encontravam -se pouco inclinados a se voltarem, de modo natural, para os paí-
ses da África e da Ásia.
Em seguida, a hesitação dos Estados Latino -Americanos em aderirem ao
Movimento dos Não Alinhados, especialmente em seus primórdios, quando
ainda não dominado pela questão relativa ao desenvolvimento econômico, igual-
mente associava -se a sua vinculação a um sistema de segurança continental, a
saber, a Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, ou seja, anterior
em treze anos ao nascimento oficial do Movimento dos Não Alinhados. Final-
1038
África desde 1935
mente, nas sociedades latino -americanas, contrariamente ao Caribe, até mesmo
quando elas apresentam um componente afro -asiático identificável, demográfica
e culturalmente, este eleitorado afro -asiático jamais exerceu significativa influ-
ência nos processos decisórios, em matéria de política interna e tanto menos em
respeito à política externa.
A situação do Brasil não deriva senão parcialmente desta análise mas, as suas
especificidades não bastaram para conduzi -lo a aderir ao Movimento dos Não
Alinhados, no interior do qual ele optou, desde os primórdios em 1961, por ocu-
par um estatuto de observador. Contudo, a partir de meados dos anos 1950, ele
manifestou crescente interesse, no tocante à política externa, vis -vis do mundo
afro -asiático
67
. A dimensão africana ocupava, amplamente, a primeira importância
nesta evolução, em virtude da força dos laços históricos, demográficos e culturais,
existentes entre o Brasil e a África
68
. Este traço característico adquiriu maior rele-
ncia, na justa medida que o Brasil, único país lusófono do Novo Mundo, buscava
despertar a consciência de certa identidade com a África de língua portuguesa
69
.
Estas tentativas enfrentaram sérias dificuldades no crepúsculo do colonia-
lismo português na África, dos anos 1960 até por volta de meados dos anos 1970.
Portugal então presenciou a degradação do apoio diplomático internacional, do
qual se beneficiava, em virtude da sua crescente intransigência colonialista frente
à intensificação das lutas de libertação africanas. A posição brasileira a este
respeito era muito ambivalente. Assim sendo, em 1973 -1974, um ou dois anos
antes que Portugal fosse obrigado a retirar -se da África, o Brasil era o único
Estado da América Latina a regularmente votar na ONU em favor de Portugal,
embora se abstivesse, muito amiúde, nos escrutínios acerca da África do Sul e
cerrasse fileiras junto ao bloco africano em respeito aos votos concernentes à
Rodésia e à Namíbia
70
”.
Após a retirada de Portugal, em meados dos anos 1970, o Brasil pôde mais
facilmente prosseguir em seu objetivo, referente a ampliar os seus laços políticos,
econômicos e culturais com o continente africano, além dos países lusófonos e
continuando, todavia, a conferir especial valor às relações por ele mantidas com
estes últimos
71
. Esta política manifestou -se, nitidamente, na aurora dos anos
67 W. A. SELCHER, 1974.
68 R. PÉLISSIER, 1982; J. H. RODRIGUES, 1982.
69 W. A. SELCHCR, 1974.
70 A. SEGAL, 1983a, p. A107.
71 A. DZIDZIENYO E J. M. TURNER, 1981; T. FORREST, 1982; H. HOFFMAN, 1982; A. C. PEI-
XOTO, 1983.
1039
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
1990, por ocasião do florescimento da relação econômica e política forjada com
a Nigéria, em razão das evidentes e ricas potencialidades
72
inerentes às interações
em curso entre estas duas ascendentes potências regionais, as quais eram, em
seus respectivos continentes, as grandes nações em termos demográficos.
Contrariamente, jamais houve o menor indício de ambiguidade em respeito
à política de Cuba, em sua fase revolucionária, no tocante à posição central
reservada às suas relações com a África e, de modo geral, com o Terceiro Mundo.
Comparativamente aos outros Estados da América Latina e do Caribe ou,
em caso afirmativo, em relação a qualquer Estado da Ásia ou do Oriente Médio
—, o alcance e o caráter dos laços políticos de Cuba com a África, a partir da
Revolução de 1959, foram sem precedentes, tal como evidencia a importante
literatura consagrada a este tema
73
. Portanto, é pertinente e possível afirmar
que “o afro -latinismo, como forma de solidariedade entre a África e a América
Latina, foi sobretudo dinamizado por Cuba
74
”.
Esta relação tinha como origem a Revolução Cubana de 1959 e a suas con-
sequências imediatas. Em virtude do seu triunfo ter ocorrido quando as forças
afro -asiáticas, fundidas àquelas do Terceiro Mundo, acentuavam a sua oposição
ao statu quo internacional, Cuba foi desde o início incitada a desenvolver, ao
máximo, as suas afinidades com estes países. As manobras ulteriores, essencial-
mente promovidas pelos Estados Unidos da América do Norte, com vistas a
isolarem Cuba dos processos institucionais internacionais do mundo ocidental,
não tiveram outro efeito senão acentuar esta política da ilha rebelde
75
.
O engajamento de Cuba na África, entre 1959 e 1979, passou por quatro
fases distintas
76
. A primeira, de 1959 a 1974, caracterizou -se por laços flexí-
veis, informais e limitados frequentemente voltados para o estabelecimento de
contatos com os movimentos nacionalistas africanos, muito mais que junto aos
governos independentes”. Durante o segundo período, de 1975 a 1976, entre
18.000 e 24.000 combatentes cubanos foram enviados à Angola em função do
72 Nigerian Institute of International Aairs, 1981 -1984; U. J. OGWU, 1982.
73 Consultar, por exemplo, S. Y. ABDI, 1978; Cuba in Africa, 1978; A. M. KAPCIA, 1979; W. M. LEO-
GRANDE, 1980; A. A. MAZRUI, 1981; C. MESA -LAGO e J. S. BELKIN (org.), 1982; E. MESTRI,
1980; A. SEGAL, 1983b; N. P. VALDES, 1980.
74 A. A. MAZRUI, 1981, p. 343.
75 Cuba está, por exemplo, suspensa desde 1962 da Organização dos Estados Americanos, a qual lhe
impôs sanções em 1964. Por outro lado, entre 1964 e 1975, Cuba foi excluída das deliberações do grupo
latino -americano da CNUCED, fato este que retardou a sua adesão ao Grupo dos Setenta e Sete até
1971, quando a sua candidatura foi defendida pelos grupos africano e asiático, sem oposição do grupo
latino -americano.
76 Nós seguimos aqui A. SEGAL, 1983, p. 130 -133.
1040
África desde 1935
pedido do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA). Estas
tropas ajudaram o MPLA a consolidar a sua posição frente às organizações
rivais que reivindicavam o poder em consequência da retirada do colonizador
português, porém e sobretudo, elas lograram neutralizar as forças de invasão sul-
-africanas, as quais sustentavam os inimigos do MPLA. O engajamento cubano,
em seu terceiro período, de 1977 a 1978, concentrou -se no chifre da África, onde
cerca de 20.000 combatentes apoiaram o governo etíope quando da repulsa à
invasão somali no Ogaden, região etíope de população somali. O quarto perí-
odo, a partir de 1979, surge como uma fase de “consolidação e estabilização”,
anunciando uma redução da presença militar cubana e uma expansão dos seus
programas civis de cooperação.
As importantes intervenções militares de Cuba, em Angola e no Chifre da
África, não deixaram de suscitar críticas no continente africano, entretanto, a
OUA, ao considerar a Somália como agressora e os interesses da África do Sul
do apartheid em Angola, naquele momento, atenuados, contribuiu para amai-
nar as controvérsias geradas pelas ações cubanas. Estes episódios relegaram ao
obscurantismo outros aspectos do aprofundamento do intercâmbio entre Cuba
e a África.
No auge da sua presença militar, em 1978, além de 19.000 homens nas
tropas combatentes em Angola e entre 16.000 e 17.000 soldados na Etiópia,
Cuba igualmente mantinha aproximadamente 2.600 conselheiros militares em
outros onze Estados africanos
77
. Em 1980, entre 8.500 e 12.200 conselheiros
civis cubanos, dentre os quais 70% baseados em Angola, serviam em doze países
africanos
78
, oferecendo assistência técnica nas áreas da saúde, da agronomia, da
educação e da engenharia. Em 1977, Cuba mantinha relações diplomáticas com
vinte e cinco Estados africanos, dentre os quais doze possuíam embaixadores
em Havana.
Em virtude do interesse conferido pelo conjunto dos atores à consolidação
dos seus laços, no quadro oferecido pela solidariedade terceiro -mundista em
franca expansão, talvez fosse mais adequado interpretar o caráter aparentemente
assimétrico do papel de Cuba na África, a conduzir um observador a deplo-
rar este caso de microdependência
79
”, como um caso de reciprocidade. Jamais
negado, o propósito de Cuba em consolidar a sua identidade terceiro -mundista
foi uma motivação essencial assim como uma consequência das suas relações
77 W. M. LEOGRANDE, 1980, p. 66.
78 Ibid., p. 69.
79 A. A. MAZRUI, 1981.
1041
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
com a África. Em 1961, Cuba era o único membro -fundador, latino -americano
ou caribenho, do Movimento dos Não Alinhados, representando isoladamente
a região, até a chegada, ao final dos anos 1960, de alguns Estados anglófonos
recém -independentes do Caribe. Outra iniciativa de caráter terceiro -mundista
digna de menção, na qual este país participou ativamente, foi o lançamento,
em 1966, da Organização de Solidariedade Tricontinental. A escolha de Cuba
como presidente do Movimento dos Não Alinhados, de 1979 a 1982, testemu-
nha incontestavelmente do seu prestígio político junto às forças afro -asiáticas
dominantes, representadas neste grande fórum do Terceiro Mundo.
Ao decidir em Havana sediar a sexta Conferência de Cúpula dos Países Não
Alinhados, prevista para 1979, a quinta Conferência de Cúpula, realizada no Sri
Lanka, felicitou oficialmente Cuba por ter rechaçado a ameaça militarista da
África do Sul em Angola. Como demonstram o bloqueio imposto por Cuba ao
regime expansionista do apartheid, a atitude ambígua do Brasil à época do colo-
nialismo português, bem como o apoio determinado dos recém -independentes
Estados caribenhos às lutas de libertação na África Austral, as questões ligadas
ao colonialismo e ao racismo nesta região influenciaram, de modo notável, as
relações políticas construídas entre a África, a América Latina e o Caribe.
Conduzindo uma ativa política, orientada para mobilizar a América Latina
e o Caribe em favor das causas africanas de libertação, os Estados africanos
inquietaram -se, ao final dos anos 1970, com as manobras empreendidas pela
África do Sul, à época expansionista e em busca de aliados, com vistas a incitar
os possíveis Estados latino -americanos, susceptíveis de oferecerem -lhe com-
preensiva atenção, a estabelecerem consigo laços estratégicos e econômicos
80
. O
fato dos dois campos terem postulado tais perspectivas salientava a ambivalência
política subsistente em alguns setores críticos das relações da América Latina
com a África, ambivalência esta, fortemente contrastante com a solidariedade
conquistada no âmbito econômico internacional.
Entretanto e aparentemente, perspectivas relativas ao estabelecimento de
sólidos laços políticos entre a América Latina e a África abriram -se quando,
nos anos 1970, as atividades do Movimento dos Não Alinhados pela primeira
vez ocorreram na América Latina e no Caribe notadamente, a terceira Con-
ferência dos Ministros do Movimento dos Países Não Alinhados, realizada em
Georgetown (Guiana) em 1972, e a sexta Cúpula de Havana em 1979. Este
novo cenário deveu -se sobretudo à iniciativa de atores caribenhos, ao passo
80 D. FIG, 1984; E. KANNYO, 1982; North American Congress on Latin America, 1982.
1042
África desde 1935
que a representação da América Latina no movimento aumentava lenta mas
regularmente.
A África no interior do movimento terceiro -mundista
A extensão dos laços políticos, econômicos e culturais da África indepen-
dente com outras regiões do Terceiro Mundo, embora de alcance e intensidade
variáveis, conferiu forma e orientação ao movimento terceiro -mundista, ques-
tionando o statu quo internacional e pretendendo transformar procedimentos
e estruturas internacionais provenientes de uma tradição, cuja origem estava
parcialmente vinculada à submissão do Terceiro Mundo.
Para apreender o papel da África neste processo de grande escala, convém
antes abordar o Movimento dos Não Alinhados, a mais potente expressão polí-
tica organizada do Terceiro Mundo e, em seguida, interessar -se por esta nova
ordem econômica internacional que, nos anos 1970, constituiu o coroamento
da afirmação econômica do Terceiro Mundo.
A África e o Movimento dos Não Alinhados
No plano das ideias, faz -se frequentemente remontar o movimento à confe-
rência de Bandung de 1955, entretanto, a primeira Cúpula dos Não Alinhados
realizou -se em Belgrado no ano 1961, onde reuniu os Estados afro -asiáticos,
Cuba e a Iugoslávia. Defendendo uma atitude independente em respeito às
alianças da Guerra Fria e dos blocos militares do Leste e do Oeste, o Movimento
dos Não Alinhados não tardou a mudar o eixo das suas preocupações iniciais,
a saber, os problemas estratégicos internacionais correlatos à rivalidade Leste-
-Oeste, para tornar -se a voz militante da libertação política, racial e econômica
do Terceiro Mundo
81
.
O número de aderentes ao movimento passou, como indica a tabela 28.4, de
25 na primeira Conferência de Cúpula, em 1961, para 92, por ocasião da sexta
Cúpula, em 1979, cabendo à África a maior representação regional, a partir
da segunda Conferência de 1964. Esta preponderância numérica não somente
ocorreu em razão do maior número de Estados do continente africano, mas,
81 R. JAIPAL, 1983; O. JANKOWITSCH e K. SAUVANT, 1980; G. H. JANSEN, 1966; R. A. MOR-
TIMER, 1980, pp. 6 -42 e 74 -94; P. WILLETTS, 1978; G. WILLIAMS, 1981, pp. 46 -65.
1043
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
sobretudo, pela decisão política da OUA, desde a sua fundação em 1963, refe-
rente a transformar o não alinhamento em imperativo coletivo. Proclamando
explicitamente uma política de não alinhamento perante todos os blocos”, a
Carta da OUA fazia da África o único continente a identificar -se plenamente
com o Movimento dos Não Alinhados.
O afluxo de membros africanos ao movimento, resultante da decisão da
OUA, transformou este último, tornando -o mais difuso e reduzindo a sua
anterior coesão, embora o tenha fortalecido em vários outros aspectos. A sua
legitimidade como maior voz política do Terceiro Mundo estava, antes e sobre-
tudo, melhor consolidada graças ao aumento numérico dos seus membros. Em
segundo lugar, a ampliação do seu campo de referências ideológicas deveria
permitir -lhe atenuar as polêmicas nascidas em seu seio, à imagem daquelas,
as quais os haviam dividido durante a primeira Conferência, a propósito dos
critérios ideológicos de adesão. Finalmente, o afluxo de africanos garantia ao
movimento um incremento em sua atividade no tocante a novos aspectos das
relações Norte -Sul, pois os africanos mostravam -se altamente receptivos em
respeito à problemática da libertação política, econômica e racial no continente,
envolvido com as dificuldades próprias ao processo de descolonização e com os
vacilantes primeiros passos das nações recém -criadas.
A África, não somente reforçou a base do Movimento dos Não Alinhados,
como igualmente concedeu -lhe alguns dentre os seus mais notórios líderes. O
primeiro deles, o egípcio Gamal Abd al -Nasser, foi, juntamente com o iugoslavo
Tito e o primeiro -ministro da Índia Nehru, um dos arquitetos do Não Alinha-
mento
82
. A reunião preparatória da primeira cúpula (1961) e a segunda Confe-
rência de Cúpula (1964) aconteceram, ambas, no Cairo, em virtude da eminente
posição adquirida pelo Egito no movimento. O ganense Kwame Nkrumah,
outro fundador do movimento, desempenhou um papel de excepcional impor-
tância no sentido de conduzir a África recém -independente a aderir ao não
alinhamento, princípio este que, desde os primórdios da independência de Gana,
constituiu a pedra angular de sua política exterior e da sua visão pan -africana
83
.
Outros líderes africanos contribuíram de maneira decisiva, a partir do final
dos anos 1960 e no curso dos anos 1970, para a expansão do movimento e para
transformar a concepção do próprio não alinhamento. O zambiano Kenneth
Kaunda, por exemplo, quem acolheu a terceira Conferência de Cúpula, em 1970,
levou os não alinhados a engajarem -se com maior intransigência, em favor da
82 G. A. NASSER, 1966, expressa considerações sobre a evolução da sua reexão sobre o não alinhamento.
83 K. NKRUMAH, 1958B.
1044
África desde 1935
libertação da África Austral; ele igualmente presidiu o movimento ao longo do
critico período, durante o qual o seu programa evoluiu em direção a objetivos
mais propriamente ligados à libertação econômica. Simultaneamente, o tanza-
niano Julius Nyerere desempenhava um papel determinante na transformação
da orientação ideológica do movimento
84
, ao passo que o argelino Houari Bou-
mediene, sucessor de Kaunda em sua presidência, demonstrava notável eficiência
na execução da missão, a si atribuída pelos não alinhados, a saber, a busca de
uma nova ordem econômica internacional.
A escolha do palco das reuniões, recaída sobre a África por ocasião das
segunda, terceira e quarta conferências de cúpula do movimento (o Cairo, em
1964, Lusaka, 1970, e Argel em 1973) e a realização, no Egito, da reunião pre-
paratória à primeira Conferência de Cúpula, em 1961, reunida em Belgrado,
traduzem a essencial contribuição africana para o desenvolvimento inicial do
movimento e sua ulterior consolidação. Durante este primeiro e crucial decênio
do movimento, tratava -se de conduzir os seus primeiros passos, institucionalizá-
-lo, para finalmente proceder à transformação do seu programa.
O objetivo e a orientação do Movimento dos Não Alinhados foram sobre-
maneira influenciados, durante as duas primeiras décadas da sua existência,
pelas circunstâncias e pelo pensamento africano da época. Manifestadamente
e desde a origem do movimento, esta proeminência africana foi um fator
essencial para a união dos países não alinhados e explica -se pela importância
conferida aos problemas da África, em 1960
85
”. Estes problemas eram à época:
a violência da política estatal do apartheid, praticada pelo regime sul -africano
e demonstrada durante o massacre de Sharpeville, a guerra da independência
na Argélia, cuja progressiva crueldade igualmente saltava aos olhos, bem como
a explosão da ordem civil no Congo (ex - Zaire), em resposta à brutalidade
do Estado.
Posterior, progressivo e contundente o caráter anti -imperialista do movi-
mento, sensível desde a cada de 1970, e a concomitante transformão
do seu programa, visando conceder prioridade à busca de uma nova ordem
econômica internacional, em larga escala foram o produto da situação política
e socioeconômica concreta, vigente na África, no âmbito da sua inserção no
sistema econômico internacional, assim como da reão africana a este estado
de coisas.
84 J. K. NYERERE, 1970c.
85 P. WILLETTS, 1978, p.11.
1045
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
TABELA 28.4 PARTICIPANTES INSCRITOS NAS CONFERÊNCIAS DE CHEFES
DE ESTADO E DE GOVERNO DOS PAÍSES OALINHADOS, 19611979
Membros titulares presentes
1
Cúpula Data Local Africanos
2
Asiáticos
3
Caribe
4
Latino ame-
ricanos
5
Europeus
6
Total
7
1
a
1961 Belgrado 11 12 1 0 1 25
2
a
1964 Cairo 29 16 1 0 1 47
3
a
1970 Lusaka 32 16 4 0 1 53
4
a
1973 Argel 40 26 4 3 2 85
5
a
1976 Colombo 47 29 4 3 2 85
6
a
1979 Havana 50 29 6 5 2 92
1. A qualidade de membro titular - em oposição aos observadores ocialmente reconhecidos ou aos convida-
dos, ambos excluídos desta tabela - foi por vezes atribuída a governos provisórios e movimentos de libertação,
africanos em sua maioria (consultar nota 2 a seguir); os únicos outros casos deste tipo foram a admissão do
Governo Revolucionário Provisório do Vietnã do Sul, na Conferência de Cúpula de 1973, e aquela da Orga-
nização para Libertação da Palestina, a partir de 1976.
2. Em 1961, entre os membros gurava a Argélia Colonial, representada por um governo provisório até sua
independência em 1962. Em 1964, dentre os membros gurava a Angola Colonial, então representada por um
governo provisório, o Governo Revolucionário Angolano no exílio (GRAE) conduzido por Roberto Holden,
da Frente Nacional de Libertação da Angola (FNLA). Posteriormente, quando o GRAE/FNLA deixou de
ser reconhecido pela OUA, a qualidade de membro titular da Angola foi suspensa até a conquista da sua
independência em 1975. Em 1979, dois movimentos de libertação africana guravam entre os membros, a
Organização dos Povos do Sudoeste Africano (SWAPO) e da Frente Patriótica do Zimbábue.
3. Incluindo Chipre, membro fundador considerado em certos aspectos como europeu, mas habitualmente
classicado no conjunto afro-asiático.
4. Cuba (1961); Guiana, Jamaica, Trinidad e Tobago (1970); Granada, Suriname (1979).
5. Argentina, Peru, Chile (1973); Panamá (1976); Bolívia, Nicarágua (1979). Após a deposição de Salvador
Allende, depois da Conferência de Cúpula de 1973, o Chile deixou de participar do movimento.
6. Iugoslávia (1961); Malta (1973).
7. Em certos casos, devido a ausências ocasionais ou à exclusão de certos membros de algumas Conferências
de Cúpula, estes totais são ligeiramente inferiores ao número de membros titulares do movimento dos não-
alinhados. Por exemplo, o número dos membros titulares em 1979 era de 95, entretanto, os membros presentes
à sexta Conferência de Cúpula estavam em número de 92, em consequência das ausências do Chade, da Arábia
Saudita, assim como da exclusão de duas delegações rivais do Kampuchea Democrático.
1046
África desde 1935
Em busca de uma nova ordem econômica internacional
A mutação do programa do Movimento dos Não Alinhados, no decorrer
dos anos 1970, não ocorreu bruscamente; ela consistiu na lenta materializa-
ção de uma crescente preocupação terceiro -mundista, nascida nos anos 1950,
em respeito ao arcabouço das relações econômicas internacionais. Tanto que,
embora a noção relativa à nova ordem econômica internacional (NOEI) tenha
surgido, oficialmente, em meados da década de 1970, ela foi o desdobramento
de um longo processo de mobilização terceiro -mundista em prol da mudança
econômica internacional
86
.
A expressão ”nova ordem econômica internacional” surgiu pela primeira vez
na Declaração Econômica publicada pela quarta Conferencia de Cúpula dos
países não alinhados, organizada em Argel em setembro de 1973. No mês de
86 Para uma vista panorâmica sobre o conjunto da evolução que gerou a noção NOEI, consultar R. A.
MORTIMER, 1980; G. WILLIAMS, 1981.
 . Da esquerda para a direita: J. B. Tiw, da Iugoslávia, A. Ben Bella, da Argélia, A. M. Obote, de
Uganda e H. Bourguiba, da Tunísia, durante a segunda Conferência dos países não alinhados, no Cairo, de 5
a 10 de outubro de 1964. (Foto: al -Ahram, Le Caire.)
1047
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
abril de 1974, esta proposição foi adotada como base das discussões formais
durante a sexta sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas, con-
cernente às matérias -primas e ao desenvolvimento, na qual se adotou a Decla-
ração (e o Programa de Ação) relativa à instauração da nova ordem econômica
internacional
87
. A NOEI foi novamente inscrita, textualmente, em dezembro de
1974, mediante a adoção, pela Assembleia Geral da ONU, da Carta dos Direitos
e Deveres Econômicos dos Estados
88
.
Uma sétima seção especial da Assembleia Geral, reunida em setembro de
1975, sobre o desenvolvimento e a cooperação, provocou desdobramentos nas
deliberações tangentes à NOEI, assim como no lançamento do diálogo Norte-
-Sul, materializado na Conferência sobre a Cooperação Econômica Internacio-
nal (brevemente denominada Conferência Norte -Sul) composta por oito países
87 Resoluções 3201 (S -VI) e 3202 (S -VI) de 1o de maio de 1974.
88 Resoluções 3281 (XXIX) da Assembleia Geral da ONU, adotada em 12 dezembro de 1974, por 120
votos favoráveis contra 6 e 10 abstenções. Votaram em contrário: Bélgica, Dinamarca, República Federal
da Alemanha, Luxemburgo, Grã -Bretanha e Estados Unidos da América do Norte.
F . A quarta Conferência dos Países Não Alinhados, em Alger, no mês de setembro de 1973.
(Foto: Gamma, Paris. Photo: J. P. Bonnorte.)
1048
África desde 1935
desenvolvidos e dezenove nações subdesenvolvidas, desenrolada de 1975 a 1977.
Ao final dos anos de 1970 as esperanças, mas também as decepções suscitadas
pelas discussões sobre a NOEI, desencadearam uma elevação da consciência,
nos países terceiro -mundistas, sobre a necessidade da institucionalização das
relações econômicas Sul -Sul, apoiadas sobre mais sólidas bases.
A essência da NOEI era a busca pelo Sul (o Terceiro Mundo) de uma rees-
truturação fundamental na economia mundial, principalmente nas esferas do
comércio internacional, da ajuda econômica, dos investimentos externos, das
transferências tecnológicas e da reforma no sistema monetário internacional.
Tratava -se do coroamento e da harmonização de uma multiplicidade de pres-
sões, exercidas pelo Terceiro Mundo ao longo dos decênios precedentes com
vistas a alcançar uma transformação da economia internacional.
O comunicado da conferência de Bandung de 1955, por exemplo, comportava
uma seção exclusivamente consagrada à “cooperação econômica”. A primeira
Conferência Econômica dos Países Afro -Asiáticos, motivada pela formação da
CEE, reunira -se no Cairo em 1958 e fora seguida, ainda no Cairo, por uma
segunda Conferência Econômica Afro -Asiática; ambas haviam reunido entre
dez e onze delegações africanas, em 38 comitivas presentes. Uma conferência
em 1962, dedicada aos problemas dos países em desenvolvimento, desdobrara-
-se na Declaração do Cairo de 1962 assinada por trinta e seis países, a maioria
afro -asiático, (não havia senão quatro países da América Latina), engajados a
cooperar para reforçar as atividades econômicas e sociais das Nações Unidas.
A criação da CNUCED, em 1964, na qualidade de órgão permanente da
Assembleia das Nações Unidas, configura um acontecimento decisivo nesta
evolução, concernente ao desafio lançado pelo Terceiro Mundo perante a ordem
econômica estabelecida. Constituída em virtude da insatisfação do Terceiro
Mundo vis -vis do comércio internacional existente regido pelo Acordo
Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e concebido exclusivamente pelo
mundo ocidental −, a CNUCED manteve, a cada três ou quatro anos, sessões
plenárias, as quais, da CNUCED I, em 1964, à CNUCED V, em 1979, ofere-
ceram ao Terceiro Mundo um fórum, a permitir, a este grupo de países, fazer
valer e coordenar os seus interesses coletivos.
Uma das contribuições essenciais da CNUCED foi oferecer um quadro
capaz de dar origem ao Grupo dos Setenta e Sete, principal instância de mobi-
lizão e negociação econômica do Terceiro Mundo
89
. Este grupo, tal qual
89 K. P. SAUVANT, 1981.
1049
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
demonstra a tabela 28.5, passou de 77 membros, em sua origem, para 122, em
1980, representando a totalidade do Terceiro Mundo. O Grupo dos Setenta
e Sete redigiu, em 1967, uma das suas mais perenes contribuições, a Carta de
Argel, elaborada em sua Primeira Conferência Ministerial, a título estratégico na
negociação comum, constituinte para a CNUCED II. A Carta de Argel surgiu,
posteriormente, como a primeira plataforma global de desenvolvimento para
o Terceiro Mundo”, uma “realização maior em respeito à organização terceiro-
-mundista”, prenúncio das exigências, reiteradas com maior vigor em meados
dos anos 1970
90
”.
Paralelamente às iniciativas do Grupo dos Setenta e Sete, uma nítida reo-
rientação nas perspectivas do Movimento dos Não Alinhados marcou o final dos
anos 1960. O movimento desde logo acordava prioridade às questões econômi-
cas internacionais. Assim sendo, a Conferência de Cúpula de Lusaka, em 1970
e de modo inédito, adotou duas declarações distintas, uma tocante às questões
políticas e outra, referente aos problemas econômicos. A Conferência de Minis-
tros dos Países Não Alinhados, reunida em 1972 na capital Georgetown, deu
um passo suplementar, ao elaborar um Programa de Ação em favor da coope-
ração econômica e, justamente, no ano posterior, por ocasião da Conferência de
Cúpula de Argel, proferiu -se e foi definida, pela primeira vez, a expressão nova
ordem econômica internacional”. O Movimento dos Não Alinhados desempe-
nhou assim um determinante “papel iniciador na formulação da NOEI
91
.
No curso desta evolução, as espetaculares medidas tomadas em 1973 pelos
Estados da OPEP, no sentido de aumentar as receitas advindas com a sua pro-
dução de petróleo e melhor controlar esta última, aparecem assim na qualidade
de estratégia complementar do Terceiro Mundo para corrigir os desequilíbrios
econômicos internacionais. O eminente duplo papel de Boumediene, no seio da
OPEP e ao longo dos combates em prol da NOEI, é a este respeito revelador.
E malgrado as vicissitudes econômicas dos Estados do Terceiro Mundo des-
providos de recursos petrolíferos, produziu -se um desencadeamento, haja vista a
possível utilização deste modelo oferecido pela OPEP, junto aos produtores de
matérias -primas, na formação das suas organizações em sua luta pela soberania
econômica
92
.
90 R. A. MORTIMER, 1980, p. 28.
91 O. JANKOWITSCH e K. SAUVANT, 1980.
92 K. P. SAUVANT, 1980, pp. 31 -35, contém dados sobre o campo de ação e os membros destas associações
de produtores.
1050
África desde 1935
A NOEI situava -se, por assim dizer, no ponto de convergência de iniciativas
institucionais anteriores, provenientes de todos os setores terceiro -mundistas. Se
os latino -americanos representaram a força determinante para a implementação
da CNUCED, os africanos, por sua vez, foram os grandes artífices na consolidação
do Movimento dos Não Alinhados e da transformação do seu papel, ao passo
que o mundo árabo -islâmico concedia o exemplo às associações de produtores do
Terceiro Mundo, mostrando -lhes a via a seguir para superar o desafio econômico.
Entretanto, em todos estes níveis e também em outras esferas, a presença e
o papel africanos foram decisivos. A influência do processo de descolonização
na África, em relação à estrutura da Organização das Nações Unidas, quiçá de
modo mais nítido, comparativamente a qualquer outro acontecimento, modificou
a apreciação da comunidade internacional em respeito aos problemas dos PMA
93
”.
O especial reconhecimento que as declarações relativas à NOEI conferiram aos
problemas dos PMA (tabela 28.2), assim como aos países -enclave, ambos nume-
rosos na África, ilustra em suplemento a influência exercida pela situação africana.
O importante papel desempenhado pela África na criação do grupo ACP,
em 1975, como interlocutor da CEE, testemunha da ação do continente no
desenrolar das mudanças na economia internacional
94
. Papel este, ocorrido à
imagem dos excepcionais desempenhos do Egito, ao final dos anos 1950 e no
início da década de 1960 e, com maior ênfase, da Argélia, no seguinte decênio
95
,
no sentido de superar o desafio econômico lançado ao Terceiro Mundo. Ao
final dos anos 1970, Julius Nyerere, convicto da necessidade e da possibilidade
da autonomia do Terceiro Mundo, da sua inscrição no quadro institucionali-
zado de uma cooperação Sul -Sul, assumira posto em meio às altas consciências
terceiro -mundistas
96
.
A África e o contínuo desao lançado
pelo Terceiro Mundo
Quando da entrada na cada de 1980, o clima mundial de euforia que envol-
via os audaciosos desafios lançados pelo Terceiro Mundo ao longo dos anos 1970,
93 G. WILLIAMS, 1981, p. 4.
94 K. HALL e B. W. BLAKE, 1979; J. RAVENHILL, 1985; R. YAKEMTCHOUK, 1977.
95 R. A. MORTIMER, 1980, sublinha, em diversos trechos da sua análise, o decisivo papel desempenhado
pela Argélia sob a direção de Boumediene, particularmente no capítulo 3, pp. 24 -42.
96 J. K. NYERERE, 1979a.
1051
A África e as regiões em vias de desenvolvimento
TABELA 28.5 COMPOSIÇÃO DO GRUPO DOS SETENTA*, 19641980
Ano África
1
Ásia
2
Caribe
3
América
Latina
4
Europa
5
Total
1964 32 23 4 17 1 77
1980 50 39 13 17 3 122
* Constituído em 1964 pelos 77 países em desenvolvimento que participaram da primeira sessão do CNU-
CED, visando apresentarem-se em conjunto nas negociações sobre o comércio internacional e as questões
econômicas correlatas.
1. Todos os Estados independentes da África, com exceção da África do Sul, fazem parte do Grupo.
2. Quase todos os Estados (inclusive Chipre) da Ásia-Pacíco-Oceania fazem parte do Grupo, as exceções
notáveis foram Austrália, China, Israel, Japão, Nova Zelândia e Turquia.
3. Todos os Estados independentes do Caribe são membros do Grupo.
4. Todos os Estados da América Latina ao membros do Grupo.
5. A Iugoslávia foi membro fundador; a Romênia e Malta aderiram posteriormente.
começava a esvair -se. Reinava na África um crescente mal -estar econômico, parti-
cularmente sentido nas regiões afetadas pelas grandes secas e fomes, alguns che-
gavam a entrever neste estado de espírito e de coisas o sintoma de um mal -estar
mais geral, próprio a todo o Terceiro Mundo. Curvos mediante o fardo da recessão
internacional, de longa duração, assim como em razão do peso do endividamento,
em constante elevação, os países terceiro -mundistas tornavam -se progressiva-
mente mais vulneráveis. O diálogo Norte -Sul insinuava uma interrupção.
Frente a tal situação, era tentador para os amigos do Terceiro Mundo e
àqueles da África, em particular, caírem no pessimismo. Nestas circunstâncias,
uma perspectiva histórica que não pretenda esconder aos olhos do observador as
dificuldades vindouras e, igualmente seja capaz de lembrá -lo de quais obstáculos
foram superados ou enfrentados, este horizonte de visão apresenta -se como
premente e muito oportuno.
A década de 1980, em meio à qual finda este capítulo, sugere -nos concluir
através de dois lembretes históricos, a novamente conduzir -nos ao início da
nossa análise. Em 1985, celebrava -se o centésimo aniversário da conferência
de Berlim, na qual foi regrada a partilha da África; também era o trigésimo
aniversário da conferência de Bandung, primeiro grande desafio afro -asiático,
lançado de modo coordenado e semelhante ao tipo de sistema representado pela
conferência de Berlim. Relativamente a estas duas referências, as relações da
África com as regiões em desenvolvimento e o seu papel no bojo do movimento
terceiro -mundista percorreram um longo caminho.
C A P Í T U L O 2 9
1053
A África e a Organização das Nações Unidas
A Organização das Nações Unidas, tal qual a conhecemos atualmente, é o
produto de dois fenômenos históricos fundamentais produzidos no século XX: a
Segunda Guerra Mundial e o processo de descolonização iniciado ao final deste
conflito
1
. A Segunda Guerra Mundial ressaltou a urgente necessidade de se
criar um organismo mundial destinado à conservação da paz. A descolonização
transformou a composição do organismo instaurado e modificou o equilíbrio
de opiniões no seio das suas mais representativas instituições.
O conflito mundial e o processo de descolonização estavam ligados e, de
fato, a África esteve intimamente associada a estes dois episódios da história
planetária. Os horrores e as destruições da Segunda Guerra Mundial haviam
preparado a opinião pública internacional para outra tarefa de pacificação do
mundo, conduzida por um organismo mais representativo que a Sociedade
das Nações e do qual igualmente esperava -se maior eficácia. A brutalidade da
agressão e dos crimes de guerra, a obscenidade e a desumanidade do genocídio
cometido contra os judeus e outros povos, a própria amplitude do aniquilamento
1 A descolonização é aqui denida como a supressão do regime colonial, o desmantelamento das suas
instituições e a eliminação do estilo e dos valores coloniais. Normalmente, é a potência imperial que
toma a iniciativa pela colonização, ao passo que a disposição para a descolonização provém, geralmente,
dos colonizados em sua luta de libertação.
A África e a Organização das
Nações Unidas
Edmond Kwam Kouassi
1054
África desde 1935
de vidas e bens, todos estes fatores prepararam a comunidade internacional para
outra experiência em escala mundial.
Porém, o novo organismo mundial não deve a sua estrutura unicamente à
guerra. Como nós o veremos, ele igualmente carrega a marca da descolonização,
pois que numerosos países, anteriormente submetidos ao regime colonial, alcan-
çaram a independência durante os vinte e cinco primeiros anos da sua existên-
cia. Em 1980, o número de membros da ONU passara de 51 para 157. A este
respeito, as mutações incidentes sobre a África eram, sem dúvida, a ilustração
mais notável desta evolução. A África saiu, deste modo e progressivamente, da
sua condição de dependência e de sujeição, dedicando -se, sobretudo a partir de
1960, a conquistar com confiança e fervor o seu estatuto de continente composto
de nações soberanas, animado pela vontade de equilibrar as suas relações com
o resto do mundo.
Em 1945, a África estava muito mal representada no seio das Nações Uni-
das; esta representação ocorria, poder -se -ia dizer, simbolicamente, por quatro
Estados teoricamente independentes: a Etiópia, a Libéria, o Egito e a África
do Sul. Ademais, ela estava ausente na partilha, geográfica e proporcional, das
cadeiras não permanentes do Conselho de Segurança, exigida pelo artigo 23 da
Carta das Nações Unidas, em seu parágrafo primeiro. O acordo, em vigor desde
1946no âmbito da Organização, repartia as cadeiras não permanentes entre as
diversas regiões do mundo, em função do seguinte barema: duas para a América
Latina, uma para a Europa Ocidental, uma para a Europa Oriental, uma para
o Oriente Médio e uma para o Commonwealth. A África não era considerada
e somente mais tarde o seria, em 17 de dezembro de 1963, quando a resolução
1991 (XVIII) da Assembleia Geral far -lhe -ia justiça, atribuindo à África e à
Ásia cinco das dez cadeiras não permanentes no Conselho de Segurança.
Com tamanha intensidade permaneceu a África em estado de dependência
(de 1945 a 1960) que as Nações Unidas estimaram ter, a seu respeito, uma mis-
são de emancipação e uma responsabilidade de libertação. Os laços e os contatos
firmados pelas Nações Unidas com a África eram, consequentemente, relações
unilaterais e sob certos aspectos paternalistas, na justa medida que derivavam
de atos elaborados e decretados por atores externos e estrangeiros, naturalmente
levados a confundirem os interesses da África com aqueles da comunidade
internacional, senão com os seus próprios.
Retrospectiva e atualmente, pode -se melhor apreender o esquema geral
destas relações. Desde a sua formação em São Francisco, no ano de 1945, a
ONU desempenhou frente à África três papéis principais (compreendendo certo
número de contradições): aquele referente a uma potência imperial coletiva,
1055
A África e a Organização das Nações Unidas
herdado da Sociedade das Nações; outro próprio a um aliado do movimento de
libertação; e um último, relativo a um parceiro no âmbito do desenvolvimento.
Justamente estes três papéis serão examinados ao longo deste capítulo, ilustrá-
-los -emos, tanto quanto possível, através de estudos de casos.
O organismo mundial mostrou -se tão cuidadoso em seu papel imperial
(mediante o qual atuou, por assim dizer, como um proprietário não residente”)
que se tornou difícil dissociar esta atribuição daquela desempenhada como aliado
pela libertação. Diferentemente das outras potências imperiais, a ONU aspirava
acelerar o ritmo da descolonização. Portanto, ela se chocou inúmeras vezes com
as potências coloniais, as mesmas que administravam as tutelas em seu nome.
Nem sempre foi fácil saber com precisão onde terminava o papel imperialista
do organismo mundial, no sentido coletivo do termo, e onde começava o seu
papel como aliada do movimento de libertação. O caso da Namíbia e a questão
do povo ewe ilustraram alguns dos paradoxos desta situação. Examinemos este
último caso com o amparo dos detalhes da história.
A ONU, imperialista e benevolente
Durante a primeira sessão do Conselho de Tutela das Nações Unidas, em 10
de abril de 1947, o seu presidente recebeu um telegrama vindo de Accra, Costa
do Ouro (atual Gana), assim redigido:
“Conferência geral dos ewe: Togo francês, Togo britânico, Gold Coast. Sau-
dações. Deploremos e protestemos contra a divisão do país dos ewe. Exijamos
a unificação do país dos ewe sob uma administração única, a ser escolhida pela
própria população mediante plebiscito.”
Assim tinha início a questão envolvendo os ewe. De 1947 a 1960, da sua
primeira reunião até a independência do Togo francês, o Conselho de Tutela
não realizou sequer uma sessão sem que esta questão fosse abordada direta ou
indiretamente.
Foi principalmente graças ao tratamento desta questão que este organismo
estabeleceu a sua doutrina e uma parte dos seus métodos de trabalho, consti-
tuindo assim, para a Assembleia Geral das Nações Unidas, uma via pela qual
diversos governos trataram os problemas políticos coloniais, antes de empreen-
derem uma ação com vistas à descolonização.
Os ewe sempre ocuparam a quase totalidade sul do atual Togo e o sudeste
de Gana dos tempos atuais e são igualmente encontrados ao sul da República
Popular do Benin e na Nigéria.
1056
África desde 1935
Yendi
0 30 milhas
0 50 km
Togo françês
Togo britânico
Baixo vale do Volta
ALTO VOLTA
(Atual Burkina-Fasso)
DAOMÉ
(Atual Benin)
COSTA-DO-OURO
(Atual Gana)
MAMPRUSI
TCHOKOSI
KONKOM BA
D A G O M B A
AKPOSSO
E W E
OCEANO ATLÂNTICO
Oti
Kara
Koumongou
Mono
Ogou
Ana
Oti
Haho
Sio
Volta
Dapango
Tomi
Mango
Gambaga
Boukombé
Lama-Kara
Sirka
Bandjeli
Bassari
Kirikiri
Soko
Kouéda
Blitta
Koué
Bismarckbourg
Dutukpene
Kete-Kratchi
Tomeg
Atakpamé
Sodo
Tado
Tohoun
Kpandou
Klouto
Nuatja
Pali
Gomé
Tokpli
Ho
Tsevié
Anecho
Noepé
Togo
Lomé
 . A região do Togo em 1919. Declaração franco -britânica de 10 de julho de 1919 (segundo E.
K. Kouassi).
1057
A África e a Organização das Nações Unidas
Durante a partilha da África, planejada por ocasião da conferência de Ber-
lim, em 1884 -1885, a maioria da população ewe encontrava -se no Togo alemão
e alguns dentre os seus elementos estavam dispersos na Costa do Ouro e na
Nigéria. Após o fracionamento do Togo alemão em uma zona inglesa e outra
francesa, em vigor a partir de 1
o
de outubro de 1920 (mapa 29.1), os ewe foram
ainda mais divididos. Contudo, não houve nenhuma manifestação em favor da
sua reunificação antes da Segunda Guerra Mundial. Em 1943, uma campanha
levada a cabo pela imprensa iniciou -se na Costa do Ouro, em favor da anexação
do Togo, sob mandato francês; em 1944, criou -se um movimento panewe, a
All Ewe Conference. Do lado francês, o Comitê de Unidade Togolês (CUT),
associação até então exclusivamente cultural, transformava -se com o intuito de
empreender análoga propaganda; este comitê nomeou como secretário -geral
Sylvanus Olympio, naquele momento agente da United Africa Company (filial
do grupo Unilever), que se tornaria, posteriormente, o primeiro presidente do
Togo. Em 1947, estes são os movimentos com os quais se deparou a ONU.
A contenda ewe ressurgiu perante o Conselho de Tutela na sessão de novem-
bro de 1947. Sylvanus Olympio representou o ponto de vista ewe frente ao
Conselho e criticou o memorando franco -britânico, cujas soluções ele julgara
insuficientes.
Pôde -se notar, ao longo deste primeiro debate, a extrema atenção dedicada
pelo Conselho aos peticionários, os quais haviam sido aceitos para exporem os
seus pontos de vista de viva -voz.
Na Comissão dos Mandatos da SDN, dominada pelas potências coloniais,
estas últimas beneficiavam -se de plena autoconfiança, ao passo que, no Conselho
de Tutela, fórum no qual elas se encontravam em minoria, o espírito era anti-
colonialista. Se o voto não foi mais crítico vis -vis dos britânicos e franceses,
isso notadamente deveu -se ao impacto deixado pela solidariedade de Londres
e Paris junto ao Conselho.
Uma missão de visita das Nações Unidas dirigiu -se à região do conflito,
ao final de dezembro de 1949 e início de janeiro de 1950, passando a rever
os principais pontos da questão ewe. Ela concluiu não ser este um problema
exclusivamente de ordem econômica:
“Muitos togoleses, em ambos os lados da fronteira, adotam firme posição
política e não citam as dificuldades fronteiriças senão como um argumento em
meio a outros; eles proclamam que a unificação é uma etapa essencial em sua marcha
rumo ao autogoverno ou à independência.”
Em outros termos, eles consideravam que o self -government ou a indepen-
dência, os quais eram, segundo a Carta, os objetivos essenciais do regime de
1058
África desde 1935
tutela, deveria ser realizado no quadro de um Estado togolês, cujas fronteiras
correspondessem, aproximadamente, àquelas do ex -Togo alemão, defendendo,
outrossim, que a manutenção da dupla administração seria incompatível com a
concretização das suas esperanças.
Ao longo dos anos 1950, os administradores propuseram ampliar a Comis-
são consultiva, incluindo membros eleitos — e não mais nomeados — os quais
representariam a opinião pública. Por outro lado, tornou -se evidente que, do lado
britânico, a população do norte exigia ser incorporada à Costa do Ouro, ao passo
que, do lado francês, ela defendia o statu quo. Nesta conjuntura, tendo em vista
a estrita limitação do problema aos ewe, parecia fora de cogitação reconstituir
o Togo nos seus limites coloniais alemães.
No outono de 1950, sucederam -se as eleições para a Comissão Consultiva.
Elas ocorreram sem expressivas dificuldades no Togo britânico. No Togo francês,
em contrapartida, sentindo escapar -lhe a vitória em virtude do sistema eleitoral
adotado, o CUT retirou todos os seus candidatos a quatro dias da eleição. As
cadeiras que lhe haviam sido reservadas foram atribuídas ao seu adversário, o
Partido Togolês do Progresso (PTP). Ao final, em um total de 47 eleitos, 8
(Togo britânico) eram favoráveis à anexação junto à Costa do Ouro, 15 defen-
diam a unificação ewe e 24 apoiavam o statu quo. A Comissão reuniu -se em
novembro, porém, em razão de seis delegados ewe britânicos boicotarem -na e
dos representantes do CUT serem substituídos por aqueles do PTP, ela não
podia senão conformar -se ao ponto de vista dos administradores. A maior parte,
por conseguinte, pronunciou -se contra a unificação ewe.
A quarta Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, a qual então
inaugurava a sua sessão, recebeu petições repreendendo o governo francês pelas
modalidades da consulta eleitoral, bem como pelas detenções arbitrárias. Vários
delegados criticaram a atitude do governo de Paris, levando -o a realizar uma
investigação acerca da lisura das operações eleitorais. Pela primeira vez nas
Nações Unidas, uma potência administrativa era objeto de duras críticas pro-
venientes de membros não pertencentes ao bloco comunista. Na oitava ses-
são do Conselho de Tutela (fevereiro -março de 1951), britânicos e franceses
encontraram -se na defensiva, embora tivessem procedido a importantes nego-
ciações diplomáticas em Washington e em Nova Iorque. Prevaleceu na ocasião
a impressão segundo a qual as potências administrativas utilizavam procedimen-
tos contemporizadores, aos quais convinha, energicamente, impor um termo:
norte -americanos e iraquianos propuseram a realização de novas eleições, ao
menos no sul. Finalmente, o Conselho solicitou rapidez aos administradores
1059
A África e a Organização das Nações Unidas
no sentido de encontrarem uma solução para o problema, por intermédio da
Comissão ampliada.
Durante a nona sessão do Conselho de Tutela, em maio de 1951, a Grã-
-Bretanha e a França demonstravam pouca imaginação em apresentarem um
plano capaz de satisfazer o Conselho. Do lado britânico, a maior preocupação
consistia nas consequências da autonomia interna da Costa do Ouro; do lado
francês, planejava -se amplas reformas na África Ocidental. Em ambos os lados,
preferia -se, portanto, não alterar o estado de coisas vigente no Togo. Na justa
medida que estas reformas representavam não uma solução para o caso ewe
mas, somente um meio de melhorar a situação deste povo, estes dois países
foram criticados pelos representantes de diversos organismos políticos, em seus
testemunhos perante o Conselho, tanto quanto foram submetidos à reprovação
dos holandeses, dominicanos e argentinos, os quais consideraram -nas ões
insuficientes.
Britânicos e franceses propuseram a criação de um novo Conselho Misto,
específico para os assuntos togoleses, cuja finalidade seria “constituir, para os
representantes da população dos dois Togo, um fórum de discussão no qual se
efetuariam as trocas de opiniões referentes ao desenvolvimento destes territórios
e onde seriam coordenadas e acompanhadas as medidas tomadas no intuito
de assegurar a sua progressão em todas as esferas”. Em novembro, a contenda
sobreveio perante a sétima sessão da Assembleia Geral. A mesma perspectiva
foi novamente apresentada e posteriormente criticada pelos ”nacionalistas ewe”.
A quarta Comissão recomendou que as administrações consultassem os
partidos e grupos antes de constituírem o Conselho Misto e ampliassem as suas
funções a fim de permitir -lhe examinar a unificação e todos os problemas ewe.
Ele igualmente sugeriu que o Conselho de Tutela organizasse uma visita para
proceder a um exame aprofundado da questão e formular recomendações. Assim
sendo, a jurisdição de segundo grau (a quarta Comissão da Assembleia Geral)
mostrava -se mais severa perante os administradores, comparativamente à sua
homologa de primeira instância (o Conselho). Nesta data, o caso ewe perdeu a
sua autonomia e tornou -se um dos elementos de um problema tridimensional;
os dois outros elementos eram, por um lado, a união do Togo britânico à Costa
do Ouro e o self -government para esta última, assim como, por outro lado, a
mais estreita integração do Togo francês à União Francesa, acompanhada de
uma tentativa de autonomia interna. O problema, inicialmente étnico e cultural,
transformara -se em uma disputa territorial e política.
A delegação especial do Conselho de Tutela permaneceu in loco, durante
os meses de agosto e setembro de 1951, circulou pelos territórios ao longo de
1060
África desde 1935
cinco semanas, recebendo um total de 2.896 petições. O seu relatório assim
resumia a situação: uma maioria da população era favorável à independência
mas, acrescentava -lhe condições tornar ganenses os togoleses britânicos ou
conduzir os togoleses franceses à União Francesa −, o que na prática anulava
os desejos de unificação.
Segundo a recomendação da Comissão de Visita, o Conselho de Tutela
adotou, em novembro de 1955, o principio de um referendo com o objetivo
de garantir os anseios da população. No Togo britânico o referendo concedeu
93.000 votos favoráveis à unificação junto à Costa do Ouro e 67.000 votos em
contrário; entretanto, na região sul, em outros termos, na área ewe, a maioria era
antianexação. O Conselho de Tutela recomendou a anexação do Togo britânico
à Costa do Ouro e a retirada do acordo de tutela, tão logo declarada a indepen-
dência. Gana, resultante da união da antiga Costa do Ouro e do Togo britânico
meridional, tornou -se membro da Organização das Nações Unidas em 1957.
Em respeito aos franceses, da independência da Costa do Ouro subjazia a
autonomia para o Togo. Em 1956, a República Autônoma do Togo era pro-
clamada e um referendo seria realizado em outubro. Pronunciaram -se 331.000
votos favoráveis à adoção de um novo estatuto e 22.000 pela manutenção da
tutela.
Tendo atingido, segundo os termos da Carta, a sua capacidade em adminis-
trar a si mesmo”, o Togo poderia livrar -se dos acordos de tutela. No entanto, o
Conselho de Tutela recusou -se a abolir estes acordos, defendendo a renovação,
por sufrágio universal, da Assembleia Legislativa togolesa e a supervisão das
eleições por um comissário das Nações Unidas, acompanhado de uma equipe de
observadores. Finalmente, somente em 27 de abril de 1960, data da proclamação
da independência do Togo, os acordos de tutela foram abolidos.
Após trinta anos, o caso ewe estava assim concluído,: Gana conquistara a
sua independência, Togo também alcançara este estatuto e os ewe permaneciam
divididos. A ONU uma vez mais conduzira ao seu termo uma das suas atribui-
ções na qualidade de potência imperial coletiva.
O Congo: imperialismo coletivo em transição
A ão da ONU durante o processo de descolonização foi particularmente
pronunciada no tocante à antiga colônia belga do Congo, atual República
Democrática do Congo (conferir mapa 29.2).
1061
A África e a Organização das Nações Unidas
As condições prévias para o desenvolvimento da África são a integridade
nacional e a estabilidade política.
Em sua ausência, o desenvolvimento durável
não passa de uma quimera. As fronteiras da comunidade política devem ser
seguras e bem consolidadas (integridade nacional) e as bases do poder político
devem existir de modo durável (estabilidade política). O maior desafio a ser
superado pelas Nações Unidas, em sua parceira com a África no seu processo
de desenvolvimento, apresentou -se precisamente no momento da independência
do Congo belga. A integridade nacional (as fronteiras) e a estabilidade política
(a autonomia) do Estado recém -independente estavam ambas questionadas e
as Nações Unidas encontravam -se sob fogo cruzado. Contudo, uma questão
perdurava: a missão da ONU no Congo teria sido obra de um imperialismo
coletivo de novo tipo, conduzida pela organização mundial? Ou um caso no
qual a ONU agira como autêntica parceira da África? Em princípio, os Estados
Unidos da América do Norte preocupavam -se mais fortemente com a integri-
dade nacional do Congo (impedir a desintegração do país), comparativamente
ao seu nível de inquietação demonstrado perante a estabilidade política (apoiar
o governo saído das urnas, formado pelo primeiro -ministro Patrice Lumumba).
A indecisão do secretário -geral da ONU e dos Estados Unidos da América do
Norte finalmente desdobrou -se no assassinato de Lumumba. A estabilidade foi
atingida ao preço do abandono da legitimidade política. A gênese destes acon-
tecimentos remonta praticamente ao dia da proclamação, na capital Léopoldville
(Kinshasa), da independência do Congo belga, recentemente liberto”. Este epi-
sódio histórico merece a nossa atenção, pois que a ONU atuou neste contexto, a
um só tempo, como parceira da África, em prol do seu desenvolvimento, como
aliada do continente, pela sua libertação, e na qualidade de potência imperial
coletiva, de novo tipo.
Dois entre os atores principais do drama congolês de 1960 -1961 pereceram
neste combate duvidoso: Lumumba foi assassinado e Dag Hammarskjöld mor-
reu em um inexplicável “acidente” de avião
2
.
De 15 de julho de 1960, data em que chegaram a Léopoldville as primeiras
tropas de pacificação das Nações Unidas, até 15 de janeiro de 1963, dia da
aceitação pelo governo katanguense em impor um termo à secessão, nenhuma
das peripécias da história congolesa pode ser analisada sem que haja menção
à postura da ONU. Esta última era obrigada a responder ao chamado que lhe
lançara o primeiro governo central congolês. À origem da crise encontram -se o
2 C. ROIRE, 1967.
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África desde 1935
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II II IIII I II IIIII
0 100 200 300 milhas
0 200 400 km
CAMARÕES
S U D Ã O
RÉPUBLICA
CENTRO-AFRICANA
CONGO
(Brazzaville)
C O N G O
TANZÂNIA
A N G O L A
RODÉSIA DO NORTE
(Atual Zândia)
BURUNDI
RuANDA
UGANDA
Lago Alberto
(Lago Mobutu)
Lago
Tanganyika
Lomelia
Lukén
Oubangui
Congo
Bangui
Zongo
Libenge
Gemena
Bangandanga
Bassankusu
Bondo
Aketi
Ikela
Titule
Buta
Niangaro
Mungbere
Bunja
Stanleyville
(Kisangani)
Butembo
Mbandaka
Boende
Ponthieville
(Ubundu)
Lubutu
Punia
Kigali
Bujumbura
Lomela
Bukaru
Kalima
Kinau
Bandundu
Port-Francqui
(Ilebo)
Kasongo
Kongolo
Lusambo
Brazzaville
Leopoldville
(Kinshasa)
Kange
Kikwitt
Popokabaka
Luluabourg
Kongolo (Kananga)
Kilembe
Tshikapa
Mbuji Mayi
Gandojika
Kapanga
Kamina
Kabongo
Manono
Kolwezi
Bukama
Kilwa
Pweto
Baudoinville
(Moba)
Albertville
(Kalemie)
Jadotville
(Likasi)
Élisabethville
(Lubumbashi)
Matadi
Thysville
(Mbanza Ngungu)
Panzi
(Leopoldville)
(Atual Zaire)
 . O Congo -Léopoldville, atual República Democrática do Congo (segundo E. K. Kouassi.)
1063
A África e a Organização das Nações Unidas
despreparo do Congo, quando da outorga formal da independência pela Bélgica,
a quase total ausência de quadros técnicos, políticos e militares, bem como a
arrogância da antiga potência colonial.
Em ordem do dia datada em 5 de julho de 1960, o general belga Jansens,
comandante da força pública congolesa, declarava sem reservas aos seus homens:
A independência é boa para os civis. Para os militares, nada existe além
da disciplina. Antes de 30 de junho, vós possuíeis oficiais brancos [...]. Nada
mudou.”
Para os soldados congoleses que haviam assistido às festas da independên-
cia e ouvido o discurso pronunciado por Lumumba, perante o rei dos belgas,
tratava -se de uma provocação lançada à história africana, haja vista que, para
eles, algo realmente mudara. Os motins eclodiram na base Léopold -II, nos arra-
baldes da capital, assim como em Thysville (Mbanza -Ngungu), situada a 200
quilômetros, em cujas guarnições exigiam a africanização dos quadros na força
pública. Esta revolta, provocada pela postura dos oficiais belgas, representou o
ponto de partida de todo o conflito. Na madrugada de 5 de julho, Lumumba
tentou trazer a calma aos campos amotinados. No dia 6, ele destituiu Jansens,
nomeou o seu tio, Lundula e o seu antigo secretário, Mobutu, chefes da força
pública; elevando a patente de todos os suboficiais congoleses. Porém, a desor-
dem militar ampliou -se.
No transcorrer destas revoltas em meio aos seus antigos seguidores, europeus
foram ameaçados ou maltratados. Este caso relativo à força pública ofereceu aos
belgas o pretexto para o reforço das suas tropas mobilizadas in loco. Vários bata-
lhões de pára -quedistas foram enviados a Léopoldville, a Luluabourg (Kananga)
e a Élisabethville (Lubumbashi) com o intuito de assegurar a proteção dos
cidadãos belgas. Na capital provincial katanguense, não se tratava tão somente
de retomar o controle da força pública, era questão de igualmente lograr êxito
na operação de secessão. Três dias após a chegada dos reforços belgas, ou seja,
em 11 de julho, Moïse Tshombé entrou em cena e proclamou a “independência”
da província.
O governo central reagiu solicitando ao embaixador dos Estados Unidos
da América do Norte, M. Timberlake, o envio de 3.000 soldados americanos
ao Congo; Lumumba e Joseph Kasavubu telegrafaram ao Secretário -Geral da
ONU, naquele momento em Genebra, com vistas a solicitar -lhe apoio militar
da ONU. O governo de Léopoldville demandava uma intervenção da organiza-
ção internacional para interromper as ações belgas; ele contava, a este respeito,
com o apoio dos países da Ásia e com os Estados socialistas, assim como com
os mais radicais Estados africanos, os quais ulteriormente formaram o Grupo
1064
África desde 1935
de Casablanca. A maioria do Conselho de Segurança, reunido em 13 e 14 de
julho, e o Secretário -Geral, à época um dos homens -chave de todo este período,
o tunisiano Mongi Slim, decidiram, todos, enviar uma força da ONU ao Congo
para restabelecer a ordem no país.
Tudo desdobrou -se, portanto, neste 14 de julho de 1960: a resolução de
Mongi Slim, quem obtivera o apoio dos Estados Unidos da América do Norte
enquanto britânicos e franceses permaneciam integralmente solidários com
Bruxelas, zelosos em evitar qualquer internacionalização, esta medida simples-
mente “solicitava a retirada das tropas ao governo belga” e previa um apoio
militar da ONU ao governo congolês, até que as forças nacionais de segurança
fossem capazes, em sua opinião, de cumprirem com sucesso as suas tarefas”.
Estava -se então muito distante do pleito de Lumumba e de Kasavubu. Em seu
segundo telegrama a Hammarskjöld, eles definiam: A ajuda solicitada não tem
como objetivo restabelecer a situação interna no Congo, mas pretende oferecer
proteção ao territorio nacional contra ações agressivas executadas por tropas
metropolitanas belgas”.
Em 15 de julho, durante a noite, as primeiras tropas das Nações Unidas
chegavam a Léopoldville, sob o comando do general sueco Van Horn: 300
tunisianos e 80 ganenses. Nos dias posteriores, a força da ONU foi estabelecida.
Quando Lumumba foi aos Estados Unidos da América do Norte, ao final de
julho, os Boinas Azuis contabilizavam 11.155 homens. Os mais importantes
contingentes, os quais inclusive desempenharam decisivo papel político nas
semanas posteriores, eram formados pelas forças do Marrocos (2.465 homens),
de Gana (2.412) e da Tunísia (2.151). Entretanto, a presença das tropas das
Nações Unidas não resolveu nenhum dos dois problemas que justificavam, aos
olhos do governo congolês, a sua presença e a sua ação no território nacional:
a secessão katanguense consolidava -se e as tropas belgas permaneciam todavia
operantes.
Uma nova reunião do Conselho de Segurança, em 21 e 22 de julho, desdobrou-
-se em uma nova resolução, reiterando a primeira interpretação do Conselho
acerca do papel cabível à força da ONU: tratava -se de manter a ordem. A ati-
tude hesitante de Hammarskjöld neste período justificava -se parcialmente pelo
nítido surgimento de divisões no seio da equipe dirigente congolesa. Enquanto
Lumumba demandava o fim da secessão do Katanga, se necessário, pelo emprego
da força, em nome de uma concepção unilateral e centralizadora, o presidente
Kasavubu permanecia favorável a uma solução federal: no início de agosto, ele
telegrafou com este objetivo ao Conselho de Segurança. A mensagem sugeria
implicitamente ser ainda possível negociar com Tshombé.
1065
A África e a Organização das Nações Unidas
O equívoco e a confusão ganhavam porte. Igualmente, quando o Conselho de
Segurança reuniu -se pela terceira vez, em 8 e 9 de agosto de 1960, o propósito
foi acompanhar a solicitação do secretário -geral para que os poderes fossem
definidos, bem como, que se lhe fosse dito, claramente, se as forças das Nações
Unidas deveriam proceder à ocupação irrestrita da província katanguense. A
esta questão específica, o Conselho de Segurança ofereceu uma nova resposta
vaga: a terceira resolução de Mongi Slim reconhecia perfeitamente como abso-
lutamente necessária a entrada das tropas da ONU no Katanga, contudo, ela
igualmente expressava, um parágrafo adiante, que a força das Nações Unidas
não tomaria partido em nenhum conflito interno, que ela não interviria de
modo algum em semelhante conflito e não seria utilizada para influenciar em
seus desdobramentos.”
Nestas condições, Hammarskjöld foi obrigado a sozinho tomar decisões
capitais. Em 10 de agosto, quando ninguém, sequer a Bélgica, havia reconhecido
a independência katanguense, ele telegrafava a Tshombé, intuindo manter uma
franca troca de opiniões”, em respeito às modalidades da atuação das tropas das
Nações Unidas no Katanga”. Em 12 de agosto, ele aterrissou em Élisabethville
(atual Lubumbashi), em companhia do general marroquino Kettani e junto a
300 Boinas Azuis oriundos da Suécia: em dois dias de negociações, Tshombé
conseguiu obter a aceitação das dez condições, por ele impostas, para o envio das
tropas das Nações Unidas ao Katamga. A ONU engajou -se especialmente em
não intervir nas questões políticas ou administrativas internas da província, não
permitir a utilização de nenhum dos seus meios de transporte, aviões ou outros,
para introduzir no Katanga indivíduos enviados pelo governo de Léopoldville
(atual Kinshasa), ou emissários deste último, assim como em não se imiscuir nos
assuntos jurídicos e administrativos do Katanga, até o definitivo estabelecimento
da Constituição congolesa e a sua aprovação pelo Katanga, com a manutenção
do statu quo baseado na Constituição katanguense. Aceitando estas condições, o
Secretário -Geral aceitou o princípio da “coexistência entre as forças das Nações
Unidas e o Katanga e renunciou implicitamente em ajudar o governo central
congolês a retomar o controle sobre a província secessionista. Dando crédito
a Tshombé e por seu intermédio, aos belgas, o Secretário -Geral enganara -se
redondamente. Não somente o compromisso não trazia solução alguma ao pro-
blema da secessão katanguense, mas ele inclusive provocou um conflito entre
Hammarskjöld e Lumumba, disputa que não se resolveria senão por ocasião da
morte do Primeiro -Ministro congolês. O papel da ONU tornava -se imperialista.
Desde 14 de agosto de 1960, Lumumba protestou contra o acordo estabele-
cido por Hammarskjöld e apresentou junto à ONU cinco reivindicações muito
1066
África desde 1935
precisas que viriam totalmente ao encontro do compromisso de Élisabethville.
O Primeiro -Ministro congolês pleiteava ao organismo internacional:
1. confiar a guarda dos aeródromos congoleses à policia e aos soldados
congoleses;
2. enviar tropas africanas imediatamente ao Katanga;
3. colocar aviões à disposição do governo central congolês, para o transporte
das suas tropas em toda a extensão do território nacional;
4. proceder prontamente à apreensão de todas as armas distribuídas pelos
belgas no Katanga, recolocando estas armas em poder do governo central;
5. retirar urgentemente todas as tropas não africanas em operação no
Katanga.
A crise se agravava e as tendências neoimperialistas, dos funcionários e
militares da ONU, tornavam -se manifestas quando, no dia 5 de setembro, o
presidente Kasavubu, após negociações com dois emissários belgas, senhores
Denis e Van Bilsen, decidiu destituir Lumumba, anunciando o fato em emis-
são radiofônica, na mesma noite, às vinte horas e quinze minutos. O conflito
entre os dois homens era latente desde a época da luta pela independência. Era
normal que Kasavubu escolhesse, para romper abertamente, o momento no
qual Lumumba parecia ter perdido parte do seu peso internacional: somente
os países comunistas, assim como a República Árabe Unida e a Indonésia,
sustentavam -no realmente em relação a esta sua querela com Hammarskjöld.
O Primeiro -Ministro tentou responder: menos de uma hora após o seu rival,
ele dirigiu -se aos estúdios da rádio e pronunciou uma alocução na qual afirmou
não mais haver chefe de Estado”.
Martírio e reforma
Aqui se situa um dos mais turbulentos episódios da ação dos homens da
ONU. Em 6 de setembro, no início da tarde, Andrew Cordier, colaborador
próximo de Hammarskjöld, requeria o contingente ganense, comandado pelo
coronel Ankrah, com vistas a montar -se guarda e proteger o imóvel da rádio
e enviava uma nota a Lumumba interditando -o, desde logo, de dirigir a pala-
vra aos seus concidadãos. Simultaneamente, os Boinas Azuis marroquinos de
Kettani cercavam a casa do Primeiro -Ministro. O imperialismo coletivo vinha
servir -se das tropas africanas para impedir Lumumba de manter a independên-
cia vis -vis do Ocidente e a integridade territorial do Congo.
1067
A África e a Organização das Nações Unidas
 . Acima, à esquerda: Dag Hammarskjöld esquerda), secretário -geral das Nações Unidas,
e Joseph Kasavubu (sentado à direita, de perl), presidente do Congo, durante encontro em Léopoldville
(atual Kinshasa) no dia 29 de julho de 1960. Acima, à direita: M. Tshombé, primeiro -ministro da província
secessionista do Katanga (Shaba), em Élisabethville (Lubumbashi), no mês de agosto de 1960. Abaixo, à
esquerda: Patrice Lumumba, primeiro -ministro da República do Congo, em julho de 1960. Abaixo, à direita:
o coronel J. D. Mobutu, chefe do exército congolês, em setembro de 1960. (Foto: Associated Press, Londres;
Nations Unies.)
Enquanto Lumumba solicitava sem sucesso um lugar em voo com destino a
Nova Iorque, onde pretendia expor perante a ONU as posições do seu governo,
Kasavubu, naquele momento considerado pelo organismo como a única autori-
dade inconteste no plano legal, dirigia -se a Manhattan sem dificuldade alguma.
Ao final dos debates que duraram, entre discussões fechadas e sessões plenárias,
1068
África desde 1935
de 7 a 22 de novembro, Kasavubu foi reconhecido como a única personalidade
congolesa capaz de designar uma delegação do seu país.
Quando Kasavubu retornou a Léopoldville, na noite de 27 de novembro,
na qualidade de grande vencedor, Lumumba havia definitivamente perdido a
disputa. O chefe do único governo central que tenha recebido, na forma da lei,
a investidura do Parlamento, estava então neutralizado. A sua única esperança
reduzia -se a Antoine Gizenga, substituto de Finant em 13 de novembro, à
frente do governo provincial de Stanleyville (atual Kisangani). Quando tentava
fugir de Léopoldville, em dezembro de 1960, para alcançar a província orien-
tal, Lumumba foi capturado pelas tropas de Mobutu e pouco após enviado ao
Katanga, onde foi executado em 17 de janeiro de 1961, diante de Tshombé e
dos seus ministros. Foi portanto esta passividade da ONU, até o anúncio oficial
da morte de Lumumba por G. Munongo, ministro do interior do Katanga, no
dia 13 de fevereiro, que mais revoltou a opinião pública mundial daquela época.
Lumumba não morreria em vão. A sua morte finalmente conduziu o Con-
selho de Segurança a livrar -se da sua aparente “neutralidade”, na qual ele se
confinara desde o início da crise. A emoção provocada pela morte de Lumumba
obrigou a ONU a recomendar ao seu Secretário -Geral determinadas condutas
de ação mais precisas que outrora.
Em meio ao tumulto desencadeado pelo desaparecimento de Lumunda,
os países afro -asiáticos, os quais de longa data haviam sido conduzidos, de
parte a outra, entre os dois blocos, mas que desta feita encontravam -se todos
indignados, souberam impor uma resolução, capaz de conceder novo impulso
à ação da ONU. Texto datado de 21 de fevereiro e adotado quando recém fora
anunciado, por Dayal, o massacre de seis dirigentes partidários de Lumumba,
obra de Albert Kalondji, no Kasaï, esta decisão atribuía como tarefa às tropas
das Nações Unidas prevenir os perigos de uma guerra civil e do recurso à força,
caso necessário e em último recurso”, para restabelecer a paz. Solicitando, por
outro lado, que medidas fossem tomadas para a evacuação dos mercenários e de
“todo o pessoal militar e paramilitar, bem como dos assessores políticos belgas”,
a resolução fazia expressamente referência à unidade e à integridade territorial
do Congo. Hammarskjöld podia então, enfim, caso quisesse, reduzir pela força
a secessão katanguense e a intervenção belga. Mas, Kasavubu, cuja autoridade
fora reconhecida pela ONU, não lhes reservava o direito de intervirem. Entre-
tanto, em 17 de abril, ele rendeu -se aos argumentos dos dois novos enviados
especiais do Secretário -Geral, o ganense Gardiner e o nigeriano Nwokedi: ele
aceitou cooperar com as Nações Unidas como contrapartida a duas promessas,
1069
A África e a Organização das Nações Unidas
as quais foram cumpridas − a reconvocação do indiano Dayal e uma assistência
financeira às autoridades de Léopoldville.
A consequência deste acordo foi a conferência de Coquilhatville (atual
Mbandaka) que reuniu todas as províncias antilumumbistas. Kasavubu decla-
rou reconhecer a validez das resoluções das Nações Unidas e aceitar convocar o
Parlamento congolês. Em razão do manifesto desacordo de Tshombé, soldados
fiéis a Kasavubu detiveram o líder katanguense; ele permaneceu em cárcere
privado na capital Léopoldville até a sua aceitação da reunião planejada no Par-
lamento. Por um momento houve a impressão que a solução dos problemas do
Congo estava próxima. Entretanto, a brusca mudança de postura de Tshombé,
desde o seu retorno a Élisabethville, arruinou estas esperanças. O Parlamento
congolês reuniu -se em 27 de julho, com maioria absoluta de lumumbistas e
estabeleceu um governo de união nacional presidido por Cyrille Adoula. Porém,
os problemas permaneceram intactos: o exército congolês prosseguiu em sua
política independente e, sobretudo, Tshombé e os seus protetores reforçaram
a sua secessão. Estimasse que o número total de mercenários e “conselheiros”,
presentes no Katanga, elevava -se na ocasião a cerca de 1.500 homens. Contudo,
até o final, os funcionários das Nações Unidas acreditaram ser possível lograr
êxito em sua missão, sem recorrer à força.
Mediante ordens assinadas por Kasavubu, as tropas indianas e suecas tenta-
ram, a partir de 28 de agosto de 1961, dominar os mercenários e “evacuá -los”.
As tropas das Nações Unidas ocuparam, sem encontrar a menor resistência, os
aeródromos e os pontos estratégicos de Élisabethville, além de terem detido 273
não africanos”, dentre os quais 237 belgas. Até 13 de setembro, tudo ocorreu
como previsto. Mas, quando os Boinas Azuis indianos, com a anuência do repre-
sentante local da ONU, O’Brien, tentaram proceder às ações mais relevantes,
a saber, o desarmamento dos mercenários de Faulques e Lasimone, desde logo
os combates eclodiram com maior intensidade. Por toda a parte, em Katima
tanto quanto em Jadotville (atual Likasi), as tropas das Nações Unidas foram
isoladas e cercadas.
Iniciada em péssimas condições, sem preparo e tampouco aprovação explí-
cita dos alto -dirigentes da ONU, esta ofensiva do dia 13 de setembro confi-
gurou um fracasso para Hammarskjöld. Por intermédio dos britânicos, muito
presentes e ativos durante este período, Hammarskjöld solicitou e obteve de
Tshombé a promessa de um cessar -fogo seguido de negociações, as quais jamais
ocorreriam. Em 17 de setembro, pouco após a meia -noite, o avião conduzindo
Hammarskjöld a Ndola, em territorio rodesiano (atualmente zambiano), fez
uma manobra brusca sobre o aeródromo, chocando -se violentamente contra o
1070
África desde 1935
solo, doze quilômetros adiante. Tal qual a morte de Lumumba, a sua foi, igual e
tragicamente, útil; ela gerou a vontade de reduzir, por todos os meios, a secessão
katanguense, anseio manifestado pela resolução de 21 de novembro de 1961,
patrocinada por Sithu U Thant, o novo Secretário -Geral. Esta resolução fazia
explicitamente menção ao uso da força pelo contingente das Nações Unidas
no Congo, caso necessário fosse, para reduzir o número de mercenários e, por
conseguinte, a secessão. Os meios ainda indisponíveis às tropas das Nações
Unidas foram -lhes concedidos; os Estados Unidos da América do Norte, em
particular, forneceram aviões à reação. O objetivo da operação militar, desenca-
deada em 18 de dezembro pelas forças das Nações Unidas, foi exclusivamente
político: conduzir Tshombé a negociar. Igualmente, desde a ocupação do centro
de Élisabethville, aqueles que mais vigorosamente haviam apoiado a iniciativa
da ONU, a saber, os americanos, dedicaram -se a impor -lhe um termo, levando,
com este propósito, Tshombé a aceitar uma negociação com Léopoldville. Estas
negociações foram prejudicadas pelas tergiversações e manobras de Tshombé e,
como consequência, a ONU lançou uma ofensiva decisiva, com total apoio dos
Estados Unidos da América do Norte. Perfeitamente levada a cabo ao longo
dos primeiros dias de janeiro de 1963, a operação desdobrou -se na declaração
de submissão dos ministros katanguenses. Aquando da queda do seu derradeiro
bastião, em 21 de janeiro, na cidade de Kolwezi, Tshombé encontrava -se situação
crítica: desde uma semana antes, a União Mineira do Alto -Katanga levara ao
conhecimento de todos que estaria pronta a doravante depositar os seus encar-
gos, relativos à exploração das jazidas, ao governo central. Após ter ensaiado
manter -se no cenário político ainda por alguns meses, Tshombé refugiou -se na
Europa em 15 de junho de 1963.
Ele não retornaria ao Congo senão um ano mais tarde, em 26 de junho de
1964, quatro dias antes da partida dos soldados das Nações Unidas, os quais,
malgrado hesitações dos seus chefes, haviam finalmente logrado vencer a seces-
são. Teria a ONU consumado a sua tarefa no campo militar? Caso o seu man-
dato tivesse consistido em realmente estabelecer a paz no Congo, a força das
Nações Unidas teria indubitavelmente permanecido mais tempo in loco: o ano
1964 foi, com efeito, aquele durante o qual ocorreu a mais terrível guerra conhe-
cida pelo país desde a sua independência. A rebelião propagou -se, mas a ONU
não interveio.
No curso dos últimos meses da sua presença, os 5.350 homens das Nações
Unidas presentes no país não desempenharam nada além do papel de fiadores
da legitimidade do governo central de Adoula. Na manhã de 30 de junho de
1964, ninguém sugeriu manter uma presença militar da ONU no Congo.
1071
A África e a Organização das Nações Unidas
A ONU, teria ela logrado êxito em sua missão no conflito congolês? O
Congo, teria ele mais rapidamente superado o caos se as organizações interna-
cionais tivessem mais pronta e fortemente atuado contra a secessão katanguense
e os seus aliados em alguns países europeus? Seriam justamente os interesses de
toda a comunidade internacional ou aqueles de um único campo que a ONU
fizera triunfar? Estas questões, às quais somente a história poderá responder, em
nada mudam os fatos: a intervenção da ONU, requerida por Patrice Lumumba,
era necessária. A Guerra Fria não foi importada para o Congo pela organização
internacional, ela instalou -se nesse contexto porque este país era, a um tempo,
um dos mais ricos da África (em virtude dos seus recursos minerais) e um dos
mais vulneráveis (obra do colonialismo belga). Sem a ONU, o que teria advindo
ao Congo? Com a ONU, ele ao menos sobreviveu.
No Congo, a ONU desempenhou, integral e efetivamente, os três papéis
por ela exercidos na África. Ela por vezes mostrou a face de uma potência
imperial coletiva; os erros que ela então cometeu, por omissão ou no tocante às
ordens, custaram a vida de Patrice Lumumba. No Congo, a ONU igualmente
apresentava -se como parceira da África em prol do seu desenvolvimento, além
de se ter esforçado, a este respeito, para salvaguardar os pré -requisitos neces-
sários, a integridade nacional e a estabilidade política do frágil Congo. Entre-
tanto, a ONU também foi a aliada da África naquilo que concerne à sua luta de
libertação, quando ela dedicou -se a impedir o surgimento de novas formas de
colonização no Congo pelos belgas e por outros.
Em respeito a este último papel, como aliada pela libertação, a ONU man-
tinha a sua recente tradição de apoio à descolonização, tradição esta que sofrera
precedentemente a sua grande prova, em relação aos direitos reivindicados pela
França sobre a Argélia. Voltemo -nos agora para esta questão referente à desco-
lonização, na Argélia e alhures.
A ONU, aliada do movimento de libertação
Do ponto de vista do apoio oferecido pela ONU à descolonização e à liber-
tação da África, a questão argelina consistiu no maior problema dos anos 1950.
Poucas potências imperiais resistiram com tamanho afinco à perda de uma
colônia quanto demonstrou a França relativamente à Argélia. E, no entanto,
a Franca era membro -permanente do Conselho de Segurança (com direito de
veto), além de aliada dos Estados Unidos da América do Norte, desde 1948, no
seio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Nestas condi-
1072
África desde 1935
ções, quais chances poderia ter a organização mundial de apoiar a libertação da
Argélia? Voltemo -nos mais proximamente à questão argelina.
Todos sabem que o trabalho desenvolvido pela Organização das Nações Uni-
das, para ajudar os Estados recém -independentes da África em seu nascimento,
acelerou o processo da sua descolonização. Este quadro é valido tanto para a
África do Norte quanto no tocante à África negra.
Em 16 de outubro de 1952, a Assembleia Geral decidiu inscrever em sua
ordem do dia os problemas subjacentes à manutenção do papel da França na
Tunísia e no Marrocos. A França alegou em vão a incompetência das Nações
Unidas, invocando o famoso parágrafo sétimo do artigo 2 da sua Carta, o qual
exclui a intervenção da ONU nos assuntos internos dos Estados -membros. O
Sr. Robert Schuman não soube convencer a Assembleia que os assuntos destes
protetorados diziam exclusivamente respeito à França e, em dezembro de 1952,
uma primeira resolução foi adotada a este respeito.
A Assembleia exerceu ainda mais vigorosa e vigilante pressão durante o
desenrolar da crise argelina que, por sua vez, degenerara em guerra aberta, a
partir de 1954. O governo francês acreditava dispor de mais relevantes vantagens
jurídicas em defesa da não intervenção na Argélia. Entretanto (aqui citamos o
discurso proferido por Ahmed Ben Bella perante a Assembleia Geral, em 9 de
outubro de 1962, após o voto unânime em favor da admissão do seu país na
ONU),
durante sete anos, a questão argelina reapareceu regularmente em cada uma
das sessões da vossa assembleia. Os debates por ela suscitados balizaram as
peripécias de um conflito que vós pudestes dimensionar e do qual foi possível
conhecer as características”.
O caso argelino (mapa 29.4) é exemplar em respeito ao papel desempe-
nhado pela ONU no processo de descolonização. Foi notável a concordância
de numerosas iniciativas governamentais francesas com o desenrolar da questão
na Assembleia Geral. Por exemplo, os debates parlamentares na França acerca
da adoção da lei de enquadramento, em 1957, colocaram especialmente em
evidência o desejo dos interventores em compensarem junto à opinião publica
internacional, através de algumas ações liberalizantes, os efeitos do recrudesci-
mento da guerra.
Em setembro de 1955, ao longo da décima sessão da Assembleia Geral, os
países afro -asiáticos fizeram uma primeira tentativa no sentido de envolver a
ONU com o problema argelino, apresentando -o como uma potencial ameaça
à paz mundial. Antoine Pinay, ministro francês das relações exteriores, reto-
mou então o argumento do artigo segundo em seu sétimo parágrafo: a Argé-
1073
A África e a Organização das Nações Unidas
 . A Argélia (segundo E. K. Kouassi)
1074
África desde 1935
lia estava juridicamente integrada, cento e vinte e cinco anos, ao território
metropolitano, tratava -se então perfeitamente de um caso ao qual se aplicava a
disposição da Carta. Contudo, em que pesem manobras relativas aos “procedi-
mentos diplomáticos”, houve, em 30 de setembro de 1955, 28 votos favoráveis à
inscrição na ordem do dia, 27 manifestações em contrário e 5 abstenções. Para
a França foi a oportunidade de “bater a porta”, praticar por algum tempo uma
política absenteísta e deixar transparecer que ela poderia inclusive abandonar a
Organização. De tal modo que a Assembleia Geral retomaria a sua decisão: o
problema argelino foi retirado da ordem do dia em 25 de novembro de 1955,
levando a França a retomar o seu posto. Este quadro não consistiria senão em
um adiamento da questão: o representante da Frente de Libertação Nacional
(FLN) no grupo afro -asiático obteve prontamente o compromisso em favor da
criação de uma subcomissão especial do grupo, encarregada do assunto (ela foi
presidida por U Thant, então delegado da Birmânia).
Em junho de 1956, o Conselho de Segurança foi tomado de surpresa com
um pedido de convocação, derivado de ações dos Estados árabes e baseado nos
artigos 34 e 35 da Carta (indicando para todo o Estado -membro a possibilidade
de levar ao conhecimento do Conselho de Segurança as “contendas e situações
passíveis de ameaçarem a paz e a segurança internacionais”). Esta ação confi-
gurou outro fracasso. O grupo afro -asiático, arguindo a violação da Declaração
Universal dos Direitos do Homem pela França, acusada de travar uma guerra
de extermínio, renovou então o seu pedido de inscrição na ordem do dia da
Assembleia Geral de novembro de 1956, obtendo -a sem debate. A resolução
de compromisso latino -americana, adotada em fevereiro de 1957 após a recusa
do projeto afro -asiático perante a Comissão Política, circunscreveu -se em con-
siderações suficientemente genéricas e vagas, a ponto de não afetar em demasia
a susceptibilidade francesa, sequer mencionando o direito do povo argelino à
autodeterminação e restringindo -se a expressar a esperança em uma rápida e
pacífica solução, inspirada no espírito de cooperação, democrática e justa, com
a ajuda dos meios apropriados e em conformidade com os princípios da Carta
das Nações Unidas”.
Contudo, este voto representava um sucesso para a FLN, na justa medida
que ele indiretamente afirmava a competência das Nações Unidas. O mesmo
cenário desdobrou -se durante a sessão de setembro de 1957: inscrição, sem
debate, na ordem do dia e sem a oposição da França que, mantendo a sua argu-
mentação jurídica, visava conduzir os debates a bom termo, intuindo responder
às acusações e calúnias” contra ela dirigidas e não deixar aos seus adversários o
monopólio da tribuna.
1075
A África e a Organização das Nações Unidas
A questão argelina era reveladora em respeito ao novo estado de espírito
anticolonial reinante no organismo mundial. Em 1958 foi formado o grupo
africano em oposição ao imperialismo virulento. Gana, onde viviam os dirigentes
da União das Populações de Camarões (UPC), e a Guiné apoiaram um projeto
de resolução exigindo a suspensão da interdição da UPC, bem como a realização
de novas eleições em Camarões, sob o controle da ONU. A Índia e a maioria dos
Estados asiáticos defendiam a proposição francesa, com tendência a conceder
a independência a Camarões, em ausência de novas eleições. Esta proposição
foi adotada. Em apoio à FLN argelina, pressões igualmente foram exercidas
pelos Estados africanos, gerando a cada sessão um clima hostil à França. Por
outro lado, a campanha antiapartheid conduzida pelo pequeno grupo africano,
durante o ano 1958 -1959, levou os Estados Unidos da América do Norte a
votarem favoravelmente à resolução de condenação da África do Sul, em lugar
da abstenção.
O ano de 1960 representou um momento especial para a África e também
foi o período de uma tomada de consciência do Secretariado Geral das Nações
Unidas em referência a certa responsabilidade global sobre o continente negro.
Assim sendo, em janeiro de 1960, o Secretário -Geral Dag Hammarskjöld reali-
zou uma grande viagem de seis semanas pela África, durante a qual ele se reuniu
com a maioria dos futuros chefes de Estado africanos. Desde então ele tomou
consciência da imensa tarefa a ser cumprida, este “estado de espírito” estava
acompanhado, neste mesmo ano, de um extraordinário trabalho de informação
executado pela imprensa.
Um acontecimento de excepcional gravidade igualmente produziu -se em
1960. Trata -se do massacre de Sharpeville, na África do Sul, a provocar em 25
de março o pedido de convocação de uma reunião do Conselho de Segurança e
o subsequente voto da famosa resolução de 1
o
de abril, exigindo o abandono do
apartheid pela África do Sul. Este voto foi considerado uma vitória para o grupo
africano e, certamente, não foi estranho à autorização concedida por Pretória
para a visita, em julho, do Secretário Geral das Nações Unidas.
Ao final de 1960, os delegados africanos da Assembleia Geral obtinham um
novo sucesso, prova do seu prestígio, fazendo adotar, após a rejeição de uma
proposta soviética, uma resolução contra o colonialismo na África, por 90 votos
contra nenhum em contrário e 9 abstenções. A ONU tornar -se -ia um aliado
confiável para a África, em sua luta de libertação.
Assim sendo, malgrado as suas dificuldades internas, os Estados africanos
desempenharam, no palácio de vidro de Manhattan, um papel não negligenciá-
vel, fato este ocorrido apesar da divisão das delegações africanas em dois grupos:
1076
África desde 1935
o grupo de Casablanca (Gana, Guiné, Mali, Marrocos, República Árabe Unida e
Governo Provisório da República Argelina) e o grupo de Brazzaville, reunindo
quase todos os outros Estados da antiga África francesa.
O ano de 1961 começou com a questão de Angola (sublevações na capital
Luanda, no mês de fevereiro, insurreição em março), evocada em três ocasiões
nos meses de março e abril, questão esta que suscitou um voto do Conselho de
Segurança (9 votos favoráveis e 2 abstenções) convidando o governo português
a suspender a repressão. O ano prosseguiu com o conflito franco -tunisiano de
Bizerte, o qual teve como consequência, por ocasião da sessão extraordinária
do mês de agosto, a resolução convidando a França a retirar as suas tropas do
conjunto do território tunisiano. Esta resolução, adotada por 66 votos favoráveis
e 30 abstenções, recebeu 8 sufrágios do grupo de Brazzaville.
No tocante ao problema da descolonização, o final do ano 1961 representou
o momento de elaboração de várias propostas com o objetivo de fixar um prazo
máximo para a independência das colônias africanas. O ano 1962, proposto
pelos soviéticos, foi rejeitado em razão da sua proximidade; em contrapartida,
1970, sugerido pela Nigéria e pela Libéria, pareceu muito longínquo aos olhos
de numerosas delegações. Finalmente, renunciou -se ao prazo limite, mas uma
resolução foi votada, estabelecendo uma Comissão Especial das Nações Unidas
para os países ainda colonizados. Esta Comissão, formada por representantes
por países da Ásia e da África, das potências coloniais, dos Estados Unidos da
América do Norte e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, conhecida
pelo denominação “Comissão dos Dezessete”, foi efetivamente implantada em
janeiro de 1962.
A partir de 1963, a situação melhorou sensivelmente graças, sobretudo, ao
fim do conflito argelino e ao final da anarquia que prevalecia no Congo. Igual-
mente ocorreu, como vimos, a criação da Organização para a Unidade Africana
(OUA), inaugurando uma nova era no curso da evolução das relações entre a
África e as Nações Unidas. Com a criação da OUA, em maio de 1963, a África
podia desde então apoiar -se sobre uma estrutura de acolhimento, de diálogo, de
negociação e de acordos com o mundo exterior.
Como consequência, as relações da ONU com a África sofreram profundas
modificações, a um só tempo quantitativas e qualitativas. Por um lado, a repre-
sentação do continente no seio da Organizão passou de um décimo para
aproximadamente um terço, em 1963 (esta proporção permaneceria constante
até 1980). Por outra parte, os Estados africanos haviam tomado consciência
tanto das mudanças nas relações de força, ocorridas em seu favor, quanto da
especificidade de alguns dos seus interesses. Eles formularam exigências pre-
1077
A África e a Organização das Nações Unidas
cisas e o seu objetivo central consistia em tornar proporcional a sua influência
diplomática, quiçá política, à sua importância numérica.
A convergência da filosofia da ONU, edificada durante a Segunda Guerra
Mundial pelos seus futuros vencedores, com as exigências dos Estados africa-
nos, diferentes por muitas razões, produziu relações complexas, equivocadas e,
eventualmente, difíceis, em relação à África.
A parceria em prol do desenvolvimento, estabelecida entre a ONU e a África,
mostrou -se mais difícil a executar, comparativamente à sua aliança pela liberta-
ção. Algumas dentre as diferenças mais conflituosas surgidas entre as institui-
ções das Nações Unidas e a OUA diziam respeito às concepções e abordagens
tangentes ao desenvolvimento. Algumas destas divergências consistirão agora
no objeto da nossa atenção.
A ONU, parceira no desenvolvimento
As relações estabelecidas entre a África e a ONU passam, essencialmente
pela colaboração entre a Organização para a Unidade Africana e a Comissão
Econômica das Nações Unidas para a África (CEA); o nascimento desta colabo-
ração e alguns aspectos relativos aos seus efeitos foram examinados nos capítulos
precedentes. Limitaremo -nos aqui àquelas relações entre estes dois organismos
tocantes ao duplo plano institucional e normativo.
Em abril de 1958, a Organização das Nações Unidas criou uma Comissão
Econômica para a África, cuja missão consistia em acelerar o desenvolvimento
econômico e social do continente africano, efetuar estudos e levantar infor-
mações sobre a conjuntura regional para o Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas, criador e controlador desta Comissão.
Entretanto, a OUA, criada em 1963, afirmara de imediato a sua competência
em coordenar, intensificar e harmonizar a cooperação entre os povos africanos,
em todas as esferas, aqui compreendidas as atividades da CEA. Desta forma,
o artigo XX da Carta de Addis -Abeba autoriza a Conferência dos Chefes -de-
-Estado a criarem cinco comissões especializadas, entre as quais uma Comis-
são Econômica e Social, encarregada de promover a cooperação econômica na
África.
Esta Comissão Econômica e Social, instituída pela Conferência dos Chefes-
-de -Estado e de Governo em julho de 1964, enunciou por ocasião da sua pri-
meira sessão, realizada em Niamey no mês de dezembro de 1964, os princípios
que deveriam reger as relações da OUA com a CEA. Definida como órgão de
1078
África desde 1935
concepção e execução por excelência, ela limitava o papel da CEA a questões
técnicas e consultivas; em outros termos, a CEA executaria estudos e pesquisas,
as quais baseariam as decisões da OUA.
Esta tentativa de subordinar um organismo da ONU à OUA foi clara-
mente afirmada, em 1966, pelo primeiro Secretário -Geral Administrativo da
OUA, quem mostrou aos representantes dos Estados -membros que os princí-
pios regentes das relações entre a OUA e a CEA igualmente aplicar -se -iam às
relações entre a OUA e as outras instituições especializadas das Nações Unidas
3
.
A esta vontade da OUA de exercer um controle sobre as atividades da CEA,
o Secretário -Executivo desta última opôs o estatuto da sua organização, pre-
cisando que um órgão do Departamento dos Assuntos Econômicos e Sociais
das Nações Unidas, responsável perante o Conselho Econômico e Social, cuja
política era definida e financiada pelas Nações Unidas, não poderia aceitar as
consequências orçamentárias de uma política definida pelos Estados africanos,
no âmbito da OUA. Esta última não poderia senão apresentar -se como uma
instituição complementar do CEA, disposta a apoiar as suas ações nos campos
econômico e social; entretanto, as suas recomendações, embora favoravelmente
acolhidas pelo Conselho Econômico e Social, não tiveram eco na Assembleia
Geral das Nações Unidas.
O encontro destas duas concepções, distintas e talvez opostas em respeito à
CEA, desdobrou -se na suspensão das atividades econômicas e sociais da OUA,
pois que estes pontos de vista geravam divergências entre os Estados -membros
da OUA e eram acrescidos de problemas financeiros.
Justamente nestas condições, interveio, em 15 de novembro de 1965, a assi-
natura do acordo entre a ONU e a OUA, relativo à cooperação entre esta última
e a CEA. Entretanto, este acordo, cuja síntese seria não mais que “uma decla-
ração de intenções, de ambas as partes, em colaborarem entre si
4
”, sancionava
sobretudo um compromisso, entre as duas concepções divergentes da CEA e da
OUA, sem contudo resolver o verdadeiro problema referente à divisão das tarefas
entre elas. Ele reduzia -se a procedimentos de consulta no tocante a questões
de ordem prática e administrativa de menor importância. Razões pelas quais
James Magee foi levado a afirmar, a propósito deste acordo, tratar -se de um
instrumento capaz, única e exclusivamente, de levar ao conhecimento de ambas
as partes o programa de trabalho da outra
5
.
3 OUA, CM/101/Rev. 1, p. 8.
4 A. MAMADOU, 1971.
5 J. MAGEE, 1970.
1079
A África e a Organização das Nações Unidas
Subsistiam, portanto e todavia, dificuldades no referente à evolução das
relações entre a OUA e a CEA, as posições permaneciam imutáveis. Em 1968,
o Secretário -Geral das Nações Unidas, U Thant, por ocasião do décimo aniver-
sário da CEA, nestes termos reafirmou o ponto de vista da organização mundial:
a CEA, disse ele, é “a janela aberta sobre a África que permite às Nações Unidas
verem os problemas econômicos e sociais deste continente segundo uma pers-
pectiva africana, abordarem -nos de modo mediatizado, através do conjunto da
estrutura econômica internacional
6
”.
Nesta ocasião, o Secretário -Geral da OUA falou a respeito da necessária coo-
peração entre a CEA e a OUA, cujas atividades deveriam ser complementadas
com vistas a melhor utilizar tanto os meios técnicos e tecnológicos da CEA,
quanto as características e as decisões soberanas das altas instâncias da OUA”. A
primazia da OUA foi uma vez mais reiterada pelos seus membros nas resoluções
de setembro de 1967 e fevereiro de 1969
7
. A cooperação entre a OUA e a CEA
havia então fracassado.
Este fracasso deveu -se a duas razões principais, agravadas por rivalidades pes-
soais: primeiramente, a concepção estritamente africana da OUA; em segundo
lugar, uma percepção diferente sobre os problemas africanos. A OUA, em virtude
de ter sido criada por governos africanos, os quais em princípio dominavam -na,
via a sua autenticidade estabelecida e a sua legitimidade reconhecida e afirmada
perante a CEA, considerada como uma organização demasiado extrovertida e
insuficientemente africana, tanto no tocante ao recrutamento dos seus colabo-
radores, quanto em relação à elaboração da sua política.
Com efeito, as demandas articuladas para a CEA diziam essencialmente
respeito ao fato de não serem africanos os titulares dos cargos ligados à con-
cepção e à execução das ações, situação esta a notadamente implicar que a
política econômica da CEA vis -vis da África seria ditada de Nova Iorque e
não determinada em Addis -Abeba. A CEA abordava os problemas africanos
mediante critérios estritamente econômicos: o desenvolvimento econômico da
África pressupunha a imediata integração econômica do continente, a institui-
ção de um mercado comum africano, haja vista que as barreiras alfandegárias
constituíam um obstáculo ao seu desenvolvimento.
Em contrapartida, a OUA permanecia mais sensível ao aspecto humano do
desenvolvimento; ela não podia desprezar os obstáculos linguísticos, religiosos,
culturais e ideológicos, nem tampouco todos os potenciais conflitos, passíveis
6 ONU, E/4651 E/CN 14/453, vol. I, p. 297.
7 OUA, CM/Res 219 (xii) e anexo I, CM/ctee C/RPT, Rev. 1.
1080
África desde 1935
de surgimento na hipótese de uma integração demasiado abrupta. Proceder por
etapas parecia -lhe mais sábio: antes, uma zona de livre comércio, preferencial-
mente a uma comunidade econômica integrada.
Esta abordagem dupla sobre as realidades econômicas africanas, desfavorável
a uma cooperação harmoniosa, complicava -se sobremaneira, em virtude dos
temperamentos e das ambições contrárias dos responsáveis da OUA e da CEA.
Às vicissitudes das relações entre o ganense Robert Gardiner, à frente da CEA,
e o guineense Diallo Telli, da OUA, seguiram -se as tensões e as dificuldades
manifestas no curso da evolução das relações entre o nigeriano Adebayo Adedeji,
da CEA, e o togolês Edem Kodjo, da OUA
8
.
Assim sendo, a despeito dos contatos intersecretariados, de reuniões mistas e
conferências conjuntas, as relações entre estas duas organizações desenrolavam-
-se, antes e sobretudo, no campo da concorrência, tanto na esfera econômica
quanto social.
Fez -se mister esperar 1980 para que ambas aceitassem uma nova estratégia
de desenvolvimento, expressa no Plano de Ação de Lagos, adotado em abril de
1980. Os Estados africanos afastavam -se então, fundamentalmente, da orien-
tação econômica proposta pelo Banco Mundial no relatório Berg, publicado
em 1981 e intitulado “O desenvolvimento acelerado da África ao sul do Saara,
programa indicativo de ação”. O Plano de Ação de Lagos efetivamente visava
encontrar um desenvolvimento autocentrado, baseado na redução da dependên-
cia perante o exterior e animado por uma autosuficiência alimentar, nacional e
coletiva, ao passo que o relatório do Banco Mundial enfatizava o incremento
das exportações africanas voltadas para produtos de maior valor
9
.
Rumo a uma nova ordem econômica internacional
Como demonstrado de modo peremptório nos capítulos 25 e 28, foi justa-
mente a África que inaugurou o debate, em 1979, sobre o conceito relativo a uma
nova ordem econômica internacional (NOEI). A primeira versão da NOEI, tal
qual emanada das resoluções da Assembleia Geral da ONU de maio de 1974,
não passava de uma versão um pouco transformada das reivindicações apresenta-
das pelos países do Terceiro Mundo desde a criação da Conferência das Nações
Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED). Nestas condições,
8 S. GHARBI, 1981.
9 A. D’ALMEIDA, 1983; K. APKEVON, 1983; E. K. KOUASSI, 1983; UNESCO, 1983; OUA, 1981.
1081
A África e a Organização das Nações Unidas
os trabalhos e o papel do Comitê Misto CEA/OUA sobre o Comércio e o
Desenvolvimento, encarregado da preparação das posições comuns africanas,
foram muito particularmente esclarecidos.
As atribuições do Comitê Misto eram duplas: primeiramente, examinar
todos os problemas colocados no imediato para a África, em matéria de comér-
cio e desenvolvimento, assim como no referente ao seu financiamento; em
seguida, determinar a melhor maneira de abordar e apresentar eficazmente
estes problemas nas reuniões do Conselho da CNUCED. Portanto, o Comitê
Misto CEA/OUA tinha, no plano continental, um problema de recenseamento
econômico a resolver, assim como uma postura estratégica a adotar, em relação
às grandes negociações internacionais, nos âmbitos comercial, monetário e adu-
aneiros. Tanto é verdade que as reuniões mistas da CEA e da OUA “tiveram
como objetivo assegurarem uma integral cooperação entre a Organização para a
Unidade Africana e a Comissão Econômica para a África, nos seus esforços em
prol da harmonização das posições dos países africanos durante as deliberações
e negociações [desenroladas] no seio da CNUCED, em conformidade com as
resoluções 135 (VIII) e 158 (IX) da OUA
10
”.
Para cumprir as suas funções, o Comitê manteve geralmente duas sessões
anuais, uma em janeiro ou março e outra, mais importante e regular, em agosto,
com vistas a preparar a reunião anual do Conselho da CNUCED.
A regularidade e a perenidade deste Comipodem ser notadas pela constân-
cia das suas reuniões e pelo cuidado dedicado durante a sua realização, observado
a partir da terceira sessão, em fixar antecipadamente a sede e a data do encontro
seguinte
11
. Este Comitê Misto pareceu funcionar a contento para as duas orga-
nizações e, especialmente, graças à sua ação, conjugada aos esforços do grupo
africano no seio da CNUCED, foi possível a adoção de uma posição africana
comum em respeito aos problemas econômicos do continente, apresentada nas
segunda e terceira sessões da CNUCED.
A assistência técnica das Nações Unidas à África desenvolveu -se através do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), criado em
1965 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Quinze instituições do sistema
10 ONU, CEA E/CN 14/449 - E/CN 14/WP 1/15; OUA/TRANS 14 de 18 de janeiro de 1969.
11 As recomendações do Comitê em sua 3a sessão guram em: E/CW/14/449, E/CN/14/WP 1/15,
OUA/TRANS/14 de 18 de janeiro de 1969, p. 9; as recomendações da 4a sessão em: E/CN/14/459, E/
CN/14WP 1/14 Res. 3; OUA/l’RANS/23/Res. 3 de 23 de agosto de 1969, anexo I, p. 5; as recomenda-
ções da 5a sessão em: E/CN/14/490, E/CN/14/WP 1/31, OUA/TRANS/30 de 24 de agosto de 1970,
p. 16.
1082
África desde 1935
das Nações Unidas (OIT, FAO, UNESCO, OMS, BIRD, CNUCED, etc.)
intervêm na execução dos projetos do PNUD.
Até 1971, as demandas por projetos a serem financiados eram apresentadas
pelos governos, projeto a projeto. Após esta data, cada país beneficiário estabe-
leceu uma lista de requisições, correspondente às necessidades prioritárias em
termos de assistência do PNUD, para um período de três a cinco anos. Em
todos os casos, os países em desenvolvimento participam com 50% do finan-
ciamento dos projetos realizados com o concurso do PNUD. Eis a razão pela
qual grande número de dirigentes africanos reclamou do elevado custo relativo
à ajuda concedida pelo PNUD. Por exemplo, em 1966, na Libéria, a assistência
técnica proporcionada pelo Banco Mundial implicava, em relação ao programa
viário, no pagamento pelo governo liberiano das despesas junto aos construtores
prestadores de serviços técnicos, sem mencionar os juros dos empréstimos de
longo prazo concedidos pelo Banco.
No entanto, o procedimento de concessão e repartição desta assistência,
posto em marcha pelo PNUD, excluiu toda intervenção da OUA em qualquer
estádio da execução dos programas da ONU. Assim sendo, a assistência multila-
teral à África tornou -se uma esfera totalmente organizada pelas Nações Unidas.
Ademais, os recursos do PNUD provêm em sua maioria do mundo ocidental,
o qual não trata necessariamente da mesma forma todos os países africanos, de
tal modo que a ajuda é dividida, segundo a OUA, de maneira desigual, muito
amiúde em função de preferências, ditadas por razões de orientação política ou
ideológica.
Aqui reside o porquê do anseio nas fileiras da OUA em -la, na qualidade
de organização pan -africana, servir como quadro natural de coordenação e de
repartição da assistência e da ajuda multilateral.
Por sua parte, as instituições do sistema das Nações Unidas parecem temer
que a OUA, dada a sua heterogeneidade, seja incapaz de desempenhar este papel
desinteressado e imparcial de coordenação e repartição da ajuda internacional.
Inclusive, elas não estão dispostas a financiar as atividades da OUA que estejam
ligadas a movimentos de libertação nacional na África.
A desconfiança, no que tange à assistência multilateral à África, é portanto
recíproca entre a OUA e as instituições da família da ONU.
As relações entre a OUA e a ONU, em respeito aos problemas de cooperação
econômica, estão assim caracterizadas por dois fatores: uma relação não amigável
no continente e no “âmbito reservado das Nações Unidas; em contrapartida, a
sua abordagem dos problemas gerais referentes às relações Norte -Sul está mar-
cada por uma maior compreensão mútua. A África, a Organização das Nações
1083
A África e a Organização das Nações Unidas
Unidas e as suas instituições especializadas concordam de mais em mais em
nível mundial, comparativamente ao que se reproduz no campo mais restrito
do continente africano.
A cooperação internacional na esfera
dos recursos humanos
Convém distinguir a cooperação nos campos técnicos, caracteristicamente
reputados inofensivos”, e a cooperação na esfera política, sensível às suscep-
tibilidades ligadas à soberania dos Estados. A cooperação técnica tem lugar,
sobretudo, entre a África e as instituições especializadas das Nações Unidas, mas
igualmente, entre a OUA e outras instituições das Nações Unidas as quais inter-
vêm em atividades de promoção do bem -estar da população africana. Tomemos,
por exemplo, a África e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Até
o início dos anos 1960, elas não tiveram nenhuma relação direta, haja vista que
estas últimas eram monopólio das potências coloniais. Entre os vinte e nove
membros -fundadores da instituição, em 1929, o único Estado africano era a
Libéria, em seguida aderiram a Etiópia (1922), o Egito e a União Sul -Africana
(1939), a Líbia (1952) e Gana (1957). Contudo, ao longo do período colonial, a
OIT lograra criar uma comissão especial, a Comissão de Especialistas em Mão
de obra, encarregada de emitir opiniões acerca dos melhores meios de proteção
aos trabalhadores dos territórios coloniais, Comissão esta que ganhou notorie-
dade em sua luta contra os trabalhos forçados na África.
Justamente entre 1960 e 1964, quando a maioria dos países africanos aderiu
à OIT, estabeleceram -se os vínculos entre esta última e as organizações africanas
de empregadores e trabalhadores. No tocante à África, o principal objetivo con-
sistia em criar as condições e as instituições necessárias com vistas a concretizar
os ideais econômicos e sociais expressos nas normas às quais os novos Estados
haviam aderido.
No ano 1960, exatamente em função destas questões, a primeira Conferência
Regional Africana, realizada em Lagos, chamou a atenção da OIT para a neces-
sidade de assistência técnica em matéria de formação profissional voltada para
a indústria, para o comércio e para a agricultura, assim como para a carência de
quadros administrativos. A importância fundamental concedida ao emprego e à
formação foi reafirmada, em 1964, por uma Comissão Especial para o Trabalho
das Mulheres, a qual enfatizou a urgência em se tratar os seguintes problemas:
o emprego e as condições das mulheres no contexto de uma África em plena
1084
África desde 1935
evolução; a necessidade de convocar a mão de obra feminina; e a necessidade de
oferecer às mulheres todos os melhores meios de formação profissional.
Consciente destes problemas, a OIT reforçou a sua presença na África atra-
vés da criação de um Escritório Regional em Addis -Abeba, além de proceder a
sensíveis modificações em seu próprio programa. Assim sendo, o rápido desen-
volvimento da assistência técnica representou, em larga medida, uma resposta
às demandas provenientes dos Estados africanos, eles próprios. Pouco a pouco,
a África recebeu uma crescente parcela dos recursos disponíveis à OIT, em prol
da cooperação técnica, provenientes tanto do seu orçamento ordinário quanto
do PNUD ou de numerosas fontes bilaterais e multilaterais.
Em razão da gravidade do duplo problema composto pelo desemprego e pela
penúria aguda de mão de obra qualificada, a OIT atribuiu -se a tarefa essencial
de ajudar a África a desenvolver os seus recursos humanos. A este fim, ela fun-
dou em 1963 na cidade de Turim, o Centro Internacional de Aperfeiçoamento
Profissional e Técnico, destinado a formar instrutores. Após a formação deste
centro, numerosos foram os bolsistas africanos nele acolhidos para assegurar
uma formação constante de especialistas africanos. Intuindo enfatizar a impor-
tância da pesquisa, a OIT criou, em 1961, o Instituto Internacional de Estudos
Sociais, essencialmente encarregado de patrocinar estudos sobre a problemática
social referente ao desenvolvimento econômico. Durante muito tempo a sua
direção foi confiada a um africano, o professor Albert Tevoedjre.
Por outro lado, através da Conferência dos Ministros Africanos do Trabalho,
a OUA elencava questões de interesse para a OIT, debatidas na Conferência
Internacional da sessão seguinte. Dessa forma, a Conferência Internacional foi
conduzida a voltar -se para a reforma do programa e da estrutura da OIT, com
vistas a levar em conta a emergência de novos Estados no cenário internacional
(desenvolvimento da mão de obra, formação profissional e técnica, descentra-
lização da Organização e recrutamento de funcionários africanos, escolha do
presidente da Conferência Internacional, regulamento interno, implantação e
consolidação de escritórios sub -regionais e envio de correspondentes à África).
A Conferência da OIT igualmente considerou e estudou a designação dos
candidatos africanos ao Conselho Administrativo e à Comissão Consultiva
Africana, a formação das delegações africanas para a Conferência Internacional,
a contribuição dos Estados africanos para o fundo de donativos do Instituto
Internacional de Estudos Sociais e o problema da unificação do movimento
sindical na África. Este último problema, em virtude de estar ligado ao papel dos
sindicatos no processo de desenvolvimento dos Estados africanos, permanece
1085
A África e a Organização das Nações Unidas
ainda em pauta na OUA. Atividade similar pôde ser observada nas relações
entre a OUA e a UNESCO.
Em respeito à cooperão entre a África e a UNESCO, foi no s de
novembro de 1960, em sua décima sexta sessão, que a Conferência Geral da
UNESCO acolheu uma maioria de Estados africanos como membros. A Confe-
rência adotou uma resolução segundo a qual ela decidia convocar, em 1961, uma
Conferência dos Estados Africanos “com o objetivo de fazer o inventário das
suas necessidades em matéria de educação e estabelecer, para os anos vindouros,
um programa de ação em resposta a estas necessidades”. Posteriormente, ela
estabeleceu um documento intitulado “Esboço de um plano de desenvolvimento
para a educação na África”, o qual foi favoravelmente acolhido pelo Conselho
Executivo da UNESCO em sua quinquagésima segunda sessão. Decidiu -se
criar, em Cartum, um grupo central de planejamento para obras de construção
de estabelecimentos escolares, deliberou -se pela estruturação, em Yaundé, de
um centro de produção de manuais escolares e, finalmente, colocar cerca de
cinquenta instrutores à disposição de alguns Estados africanos.
Os Estados africanos, assim encorajados, provocaram uma nova reunião da
UNESCO em Tananarivo (atual Antananarivo), de 3 a 12 de setembro de 1962,
consagrada ao ensino superior na África. Esta reunião tratou especialmente da
questão da escolha dos currículos, da adaptação às realidades e às necessidades
da África, da formação de pessoal especializado nas técnicas de administração
pública e nas questões ligadas ao desenvolvimento. Com base neste impulso,
os ministros africanos da educação decidiram instituir uma Conferência dos
Ministros da Educação dos Países da África, com o objetivo de acompanhar a
execução dos programas elaborados pela UNESCO.
Aquando da criação da OUA, em 1963, foi necessário definir as suas relações
com os organismos da ONU; essa foi a tarefa da Conferência dos Ministros
da Educação dos Países da África, referente a precisá -los em sua primeira ses-
são, realizada de 17 a 24 de março de 1964, em Abidjan. A OUA criou uma
Comissão para a Educação e a Cultura, destinada a complementar os esforços da
UNESCO. As modalidades da cooperação, em níveis regional e internacional,
foram o tema de um acordo assinado em 10 de julho de 1968, entre a OUA e
a UNESCO. Desde então, os esforços da OUA e da UNESCO se harmoni-
zaram e uma sadia cooperação desenvolveu -se entre as duas organizações. Ela
manifestou -se notadamente por ocasião do Festival Cultural Pan -africano, na
organização das Conferências dos Ministros Africanos da Educação, na Con-
ferência para a Aplicação da Ciência e Tecnologia na África, organizada em
Dakar, de 22 a 31 de janeiro de 1974, bem como na resolução do problema dos
1086
África desde 1935
refugiados africanos. O quarto Diretor -Geral da UNESCO foi um africano, S
r
Amadou -Mahtar M’Bow, quem permaneceu por dois sucessivos mandatos à
frente da Organização.
A OUA igualmente coopera com as outras instituições das Nações Unidas,
porém em um quadro mais amplo que aquele traçado pelas relações bilaterais
precedentes. O campo privilegiado é aquele do desenvolvimento rural e agrí-
cola. Um Comitê Regional Interinstituições reúne as atividades da OUA e das
principais instituições das Nações Unidas e coordena os trabalhos da CEA e de
outras instituições de ajuda, na execução do seu programa em favor do desen-
volvimento rural integrado na África. O PNUD desempenha, a este respeito,
um papel preponderante: no financiamento de projetos e no fornecimento de
sementes, adubos, inseticidas, pesticidas e fungicidas.
No quadro desta cooperação, as organizações envolvidas estabeleceram pla-
nos de organização regional para a rizicultura na África do Oeste, projeto cuja
iniciativa foi tomada pela OUA.
Relações de mesma natureza aplicam -se aos problemas da juventude, do
emprego, da formação técnica e da alfabetização.
Outros tipos de relação igualmente desenvolveram -se no seio das comissões
mistas entre a OUA e a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
e a Organização Mundial da Saúde (OMS), em favor da luta contra a -ali-
mentação e a desnutrição na África, em prol do combate à peste bovina e às
tripanossomíases, assim como em benefício da criação de centros fitossanitários.
A cooperação é, outrossim, frutuosa entre as organizações intergoverna-
mentais para o acolhimento e a educação dos refugiados (ONU, PNUD, HCR,
CEA, UNESCO, OUA), tarefa confiada ao grupo de trabalho do Escritório da
OUA para os Refugiados Africanos. A cooperação adquire aqui um particular
relevo em virtude da importância do seu objeto. A África é, entre todos os con-
tinentes, aquele onde se encontra o maior número de refugiados; no continente
áfrico havia, ao total, 3,5 milhões de refugiados em 1979 e, ao final dos anos
1980, a metade dos 10 milhões de refugiados existentes no mundo, vivia na
África, eis o porquê da intensidade da cooperação com o Alto -Comissariado
para os Refugiados da ONU (HCR), com vistas a fazer frente aos problemas e
às dificuldades criadas pela situação destes párias.
Assim sendo, em 1967, a OUA, o HCR e a CEA tomavam a iniciativa de
reunir uma conferência em Addis -Abeba, com o intuito de analisar e avaliar a
situação dos refugiados na África, de revisar as políticas e estratégias em curso
e, caso necessário, formular novos planos, melhor adaptados aos problemas de
envergadura crescente. Em consequência desta conferência, os chefes de Estado
1087
A África e a Organização das Nações Unidas
 . O senegalês Amadou -Mahtar M’Bow, diretor -geral da UNESCO de 1974 a 1987. (Foto:
UNESCO, Paris. Photo: Michel Claude.)
e de governo da OUA adotaram, em 1969, a Convenção para os Aspectos Par-
ticulares dos Problemas Relativos aos Refugiados da África, convenção esta que
passou a vigorar em 1974.
De 7 a 17 de maio de 1979, realizou -se em Arusha uma segunda conferência
pan -africana organizada pela OUA, pelo HCR e pela CEA, sobre a situação
e os direitos dos refugiados na África. Esta conferência possuía três objetivos
centrais:
1. manter suficientemente informadas todas as instâncias envolvidas
governos, organizações governamentais, organismos de ajuda e agências
de apoio aos refugiados − sobre o agravamento dos problemas dos refu-
giados na África e acerca das possíveis soluções a lhes serem oferecidas;
2. examinar e avaliar a situação e os problemas dos refugiados na África;
3. estudar e avaliar as legislações nacionais concernentes aos refugiados e
propor aperfeiçoamentos.
1088
África desde 1935
Em seguida, o HCR continuou a atribuir especial importância à concretiza-
ção das recomendações desta conferência. As atividades exitosas conduzidas em
1983 compreendiam um projeto de pesquisa conduzido por três especialistas,
em vinte e um países africanos, estudo referente ao impacto das bolsas de estudo
na África, assim como um seminário sobre a situação dos refugiados na África
Ocidental.
Um dentre os resultados desta reunião foi a realização da primeira Confe-
rência Internacional sobre a Assistência aos Refugiados na África (CIARA I),
convocada em Genebra, no mês de abril de 1981. Esta conferência atingiu o
seu objetivo: atrair a atenção sobre os refugiados africanos e mobilizar recursos
para o programa em curso para refugiados na África.
Tirando as lições desta experiência, a Assembleia Geral das Nações Unidas
adotou, em 18 de dezembro de 1982, a resolução 37/197 que, no seu parágrafo 5,
solicitava ao Secretário -Geral a convocação, em estreita cooperação com a OUA
e o HCR, de uma segunda Conferência Internacional sobre a Assistência aos
Refugiados na África (CIARA II). Os trabalhos preparatórios para a CIARA II
mostraram a necessidade de se encontrar soluções duradouras para os problemas
relativos aos refugiados na África.
Um dos objetivos da resolução 37/197 consistia em complementar as inicia-
tivas do HCR, apresentando à CIARA II programas de assistência sobretudo
orientados para o desenvolvimento e levando em consideração as repercussões
da presença dos refugiados nas economias nacionais. O Fundo Especial das
Nações Unidas destinado à África do Sul igualmente colocou à disposição do
HCR um montante de 300.000 dólares norte -americanos para a assistência
aos refugiados da África do Sul, no período compreendido entre 1
o
de julho
de 1982 e 30 de junho de 1983; em 1982, o HCR investiu um total de 134,7
milhões de dólares norte -americanos no financiamento das atividades de socorro
na África
12
.
Em outra esfera, tocante à questão habitacional e à protão ambiental,
a Assembleia Geral, diante da amplitude deste tipo de problema, criou em
1974, a Fundação da Nações Unidas para a Habitação e o Habitat Humano.
Visando servir como centro de confluência das questões referentes a esta pro-
blemática, foi criado, na capital Nairóbi, um Centro das Nações Unidas para
o Habitat, em 1978; no seio do sistema das Nações Unidas, com propósito
correlato, estabeleceu -se o Programa Ambiental das Nações Unidas (PNUE),
12 Alto -Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, 1982 -1983.
1089
A África e a Organização das Nações Unidas
criado pela Assembleia Geral em virtude de uma recomendação da Conferência
das Nações Unidas para o Habitat Humano, realizada em junho de 1972, na
capital Estocolmo.
No mês de maio de 1982, o Conselho Executivo do PNUE organizou em
Nairóbi uma sessão de caráter especial, com o intuito de marcar o cimo
aniversário da conferência de Estocolmo. A Declaração de Nairóbi, adotada
consensualmente, estipulava especialmente que:
“um clima internacional no qual prevalecesse a paz e a segurança, no qual
não houvesse nenhuma ameaça de guerra, particularmente de guerra nuclear,
onde as capacidades intelectuais e os recursos naturais não fossem utilizados
com finalidade armamentista e que ignorasse o apartheid, a segregação racial,
assim como toda espécie de discriminação, opressão e dominação estrangeira, de
tipo colonial ou outra, este contexto geral teria efeitos ambientais extremamente
favoráveis”.
Tal é a imagem da cooperação que se desenvolve sem sobressaltos entre a
África e os órgãos do sistema das Nações Unidas nas esferas técnica e social. No
que tange ao desenvolvimento, a parceria entre a África e a organização mundial
continua a apresentar -se como um processo de múltiplas facetas.
Conclusão
Nós examinamos neste capítulo as relações entre a África e a Organização
das Nações Unidas sob a ótica de três campos de interação.
Em referência ao seu papel de “proprietário imperial não residente”, a orga-
nização atuou como órgão de controle na administração das antigas colônias
alemãs da Tanganyika, do Ruanda -Urundi, do Togo, de Camarões e do Sudoeste
Africano (outrora sob o mandato da Sociedade das Nações). Na realidade, a
República Sul -Africana a qual exercia o poder de autoridade administrativa
no sudoeste africano sob o mandato da SDN não reconheceu a ONU como
herdeira da SDN e recusou a responder -lhe sobre a sua administração do terri-
tório dependente. Como vimos, foram necessárias muitas batalhas, tanto no seio
das Nações Unidas, quanto na Corte Internacional de Justiça de Haia, para que
a tutela da ONU sobre o sudoeste africano (posteriormente rebatizado como
Namíbia pelas forças de libertação) fosse definitivamente confirmada, indepen-
dentemente da ininterrupta contestação da África do Sul.
A determinação da ONU em continuar a exercer a sua tutela na Namíbia
era motivada pelo desejo de libertar o país da dominação sul -africana. A ONU
1090
África desde 1935
manteve -se, firmemente neste contexto, em sua função de potência imperial
coletiva, com vistas a poder agir na qualidade de aliada da Namíbia, aspirante
à libertação: tratava -se aqui para as Nações Unidas de reconquistar a Namíbia
para libertá -la.
O papel da ONU como poncia imperial coletiva chegou ao seu final,
excetuando -se a sua ação na Namíbia, por ocasião da independência da Tan-
ganyika, no ano 1961, em razão dos outros territórios mantidos sob a sua tutela
terem conquistado anteriormente a sua independência.
Na qualidade de aliada na luta pela libertação, a organização mundial não se
contentou em acelerar a conquista da independência dos países sob a sua própria
tutela. A partir da independência da Índia, em 1947, e da sua entrada na ONU,
os votos levantados contra o imperialismo e o colonialismo nos debates ocorri-
dos nas Nações Unidas ganharam novo vigor. Unicamente no ano 1960, mais de
quinze países africanos aderiram à ONU. Resoluções votadas pela Assembleia
Geral condenaram o imperialismo, o colonialismo, o racismo e, finalmente, o
sionismo, como afrontas morais ao novo código de justiça internacional.
Como parceira da África em seu processo de desenvolvimento, a ONU
desempenhou um papel certamente modesto, embora significativo, em relação
às necessidades do continente. Impedindo a desintegração territorial do antigo
Congo belga, ela prestou grande serviço, não somente à futura R. D. do Congo,
mas igualmente a todos os frágeis Estados do continente africano. Caso a seces-
são no Katanga lograsse êxito, tão logo após a conquista da independência do
país zairense, a força do exemplo teria sido tamanha para outros grupos sepa-
ratistas, em diversas regiões do continente, que o próprio princípio da coesão
nacional seria provavelmente questionado no conjunto da África.
Entretanto, a participação da ONU no processo de desenvolvimento africano
revestiu -se igualmente de outras formas, no transcorrer dos anos. Malgrado as
tensões e os atritos em suas relações com a Organização para a Unidade Afri-
cana, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África desempenhou
um papel de primeira ordem no que concerne a questões cobrindo um espectro
que envolve desde as funções do Banco Africano de Desenvolvimento até a
formulação e a promoção do Plano de Ação de Lagos.
A sua participação no processo desenvolvimentista africano fez intervirem,
em suplemento, as contribuições múltiplas da FAO, da UNESCO, da OMS, da
OIT e de diversas outras instituições especializadas da família da ONU.
A questão que se impõe para o futuro consiste em saber se os Estados afri-
canos poderão permanecer suficientemente unidos, a ponto de honrarem o
principal das suas dívidas junto ao organismo mundial. Do mesmo modo que
1091
A África e a Organização das Nações Unidas
Grandes
Comissões
Comitês
Permanentes
Outros órgãos
subsidiários
CONSELHO
DE TUTELA
ASSEMBLEIA
GERAL
SECRETARIADO
CONSELHO
ECONÔMICO
E SOCIAL
CORTE
INTERNACIONAL
DE JUSTIÇA
CONSELHO
DE SEGURANÇA
AIEA
UNRWA
CNUCED
CNUEH
FISE
FNUAP
HCR
INSTRAW
PNUCID
PNUD
PNUE
UNITAR
UNU
WFC
UNIFEM
Centro do comércio
internacional
CNUCED/GATT
PAM
Comissões técnicas
Comissões regionais
Comitês de sessão
e comitês
permanentes
Órgãos de peritos,
órgãos ad hoc e
órgãos correlatos
Outras comissões
OIT
FAO
UNESCO
OMS
BIRD
Grupo do Banco Mundial
IDA
SFI
AMGI
FMI
OACI
UPU
UIT
OMM
OM
I
OMPI
FIDA
ONUDI
GATT
ONUST
UNMOGIP
UNFICYP
FNUOD
FINUL
MONUIK
UNAVEM II
ONUSAL
MINURSO
FORPRONU
ONUSOM
ONUMOZ
MONUOR
MONUG
MINUHA
MONUL
Comitê de Estado-Maior
 . O sistema das Nações Unidas. (Fonte: Nações Unidas, 1993.)
1092
África desde 1935
ONUST - Organismo das Nações Unidas Encarregado da Supervisão da Trégua
UNMOGIP - Grupo de Observadores Militares das Nações Unidas na Índia e no Paquistão
UNFICYP - Força de Manutenção da Paz das Nações Unidas em Chipre
FNUOD - Força das Nações Unidas Encarregada de Observar a Separação (Oriente Médio)
FINUL - Força Interina das Nações Unidas no Líbano
MOUNIK - Missão de Observação das Nações Unidas para o Iraque e o Kuwait
UNAVEM II - Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola
ONUSAL - Missão de Observação das Nações Unidas em El Salvador
MINURSO - Missão das Nações Unidas para a Organização de um Referendo no Saara Ocidental
FORPRONU - Força de Proteção das Nações Unidas
ONUSOM - Operações das Nações Unidas na Somália
ONUMOZ - Operações das Nações Unidas em Moçambique
MONUOR - Missão de Observação das Nações Unidas Uganda-Ruanda
MONUG - Missão de Observação das Nações Unidas na Geórgia
MINUHA - Missão das Nações Unidas no Haiti
MONUL - Missão de Observação das Nações Unidas na Libéria
CNUCED - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
CNUEH - Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Urbanos
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
FNUAP - Fundo das Nações Unidas para a População
ACR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
INSTRAW - Instituto Internacional de Treinamento e Pesquisa para a Promoção da Mulher
PNUCID - Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional das Drogas
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
UNITAR - Instituto das Nações Unidas para Formação e Pesquisa
UNU - Universidade das Nações Unidas
WFC - Conselho Mundial da Alimentação
UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
PMA - Programa Mundial de Alimentos
OIT - Organização lnternacional do Trabalho
FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
OMS - Organização Mundial da Saúde
BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Banco Mundial)
IDA - Associação Internacional de Desenvolvimento
SFI - Sociedade Financeira Internacional
AMGI - Agência Multilateral de Garantia de Investimentos
FMI - Fundo Monetário Internacional
OACI - Organização da Aviação Civil Internacional
UPU - União Postal Universal
UIT - União Internacional de Telecomunicações
OMM - Organização Meteorológica Mundial
OMI - Organização Marítima Internacional
OMPI - Organização Mundial de Propriedade Intelectual
FIDA - Fundo lnternacional de Desenvolvimento Agrícola
ONUDI - Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
Principais órgãos das Nações Unidas
Programas e organismos das Nações Unidas (a lista somente possui valor indicativo)
Instituições especializadas e outras organizações autônomas participantes do sistema
Programmes et organismes des Nations Unies (la liste a uniquement une valeur indicative)
Institutions spécialisées et autres organisations autonomes faisant partie du système
Principaux organes des Nations Unies
1093
A África e a Organização das Nações Unidas
a África pôde contar recentemente com a ONU, em seu esforço de libertação,
poderia a ONU atualmente contar com o apoio africano, com vistas à sua pró-
pria libertação? Enquanto a organização mundial e as suas instituições continua-
rem a participar do processo de desenvolvimento da África, os Estados africanos
tornar -se -ão, por sua vez, eficientes parceiros da ONU em seu desenvolvimento?
Sob certos aspectos, a ONU é tão frágil quanto os Estados africanos aos quais
ela dedicou -se a servir. A organização mundial tem, ela própria, necessidade de
se desenvolver e crescer. Ela exige, com esse propósito, estabilidade e integridade.
Ela requer aumentar a sua própria renda per capita e proceder aos seus próprios
ajustes estruturais”. Porém, à imagem da África, trata -se para ela de obter tudo
isso sem se expor ao traumatismo de uma “recolonização”.
Uma excelente oportunidade de fortalecer os laços entre a África e a ONU,
infelizmente, foi perdida em razão da determinação dos Estados Unidos da
América do Norte em impedir a eleição do homem de Estado tanzaniano
 . Sam Nujoma, primeiro presidente da Namíbia, e Javier Pérez de Cuéllar, secretário -geral das
Nações Unidas, quando da proclamação da independência da Namíbia, em 21 de março de 1990. (Foto:
Nations Unies. Photo 157 267/J. Isaac.)
1094
África desde 1935
Salim Ahmed Salim para o posto de Secretário -Geral das Nações Unidas. A
administração Reagan considerava -o, na realidade, como um “perigoso radical
e Washington fechou, de modo resoluto, a porta a esta possibilidade, oferecida
à ONU, de possuir o primeiro Secretário -Geral africano da sua história.
Contudo, o futuro reserva surpresas
13
. A histórica parceria entre a organi-
zação mundial e alguns dos seus mais pobres e fracos Estados -membros, não
cessaria de influenciar favoravelmente os assuntos mundiais.
13 O Sr. Boutros Boutros -Ghali (Egito) foi eleito Secretário -Geral das Nações Unidas em dezembro de
1991.
C A P Í T U L O 3 0
1095
O horizonte 2000
Os autores deste volume tentaram definir, período por período, as carac-
terísticas da história africana após 1935. O decênio 1935 -1945, iniciado com
a invasão da Etiópia pelos italianos, em outubro de 1935, e concluído com a
rendição do Japão, no mês de agosto de 1945, estes anos foram integralmente
dominados pelo conflito mundial. Os quinze anos transcorridos de 1945 a 1960
apresentaram, como demonstramos, a intensificação da luta anticolonial cujo
desdobramento foi a independência de dezesseis países africanos, ao longo de
um único ano, em 1960. O período seguinte à independência foi marcado pelos
esforços dos novos Estados no sentido de reforçarem a sua liberdade, através
da construção das novas nações, da institucionalização da nova ordem e da luta
em prol do seu desenvolvimento. Vamos retomar, sucessiva e individualmente,
cada um destes temas.
Um mundo a fogo e sangue
Se, em 1935, a Itália apresentava -se como herdeira de um dos mais antigos
impérios da Europa (o Império Romano), a Etiópia, por sua vez, representava
uma das mais antigas civilizações da África. O conflito, a opor estas duas nações
durante os anos 1930, pôde simbolicamente assemelhar -se a um enfrentamento
entre a Antiguidade europeia e a Antiguidade africana.
O horizonte 2000
Ali. A. Mazrui
1096
África desde 1935
Entretanto, a invasão da Etiópia pelos italianos evidentemente comportava
outra dimensão, mais sórdida. O imperialismo europeu, em sua forma moderna,
voltava -se novamente para a África contemporânea. A Etiópia, por tanto tempo
confinada em um esplêndido isolamento, oásis de soberania em um continente
colonizado, encontrava -se finalmente vulnerável à sede da conquista europeia.
Os autores deste volume analisaram os efeitos da Segunda Guerra Mundial
sobre a África, perenes e extremamente contrastantes, pois que o conflito facili-
tou, por exemplo, a luta pela libertação do continente, mas, igualmente, conduziu
a uma mais estreita integração africana ao sistema capitalista ocidental
1
. Dois
meses após ter declarado guerra à Alemanha, o governo britânico anunciava
estar preparado para comprar toda a produção de cacau da África Ocidental.
Sob o impulso da guerra, a exploração das economias africanas, com vistas a
satisfazer os hábitos europeus de consumo, entrara em uma nova fase.
Porém, a Segunda Guerra Mundial não simplesmente inflectiu sobre o des-
tino da África; ela igual e profundamente modificou o futuro da própria Europa,
a qual, ao final do conflito, encontrava -se dividida em um campo comunista e
outro campo capitalista. Esta divisão da Europa era simbolizada pela divisão
de Berlim, a própria capital onde se havia organizado a partilha da África,
aproximadamente 60 anos antes. Por ironia da história, a vingar o continente
áfrico, em 1885, a cidade de onde partira a corrida pela conquista da África era,
após 1945, ela própria vítima da partilha da Europa. Tal qual o fracionamento
da África, a divisão da Europa, nascida da Segunda Guerra Mundial, parecia
irreversível, malgrado as ideias visionárias expressas por Mikhaïl Gorbatchev,
nos anos 1980. Desta vez, os ancestrais dos africanos haviam triunfado, a sua
vingança sagrada se havia consumado, embora dois continentes estivessem divi-
didos, infelizes e arrasados.
Sobretudo, o se deve esquecer o papel desempenhado pela África na
Segunda Guerra Mundial, conflito precedente a estes acontecimentos e vetor
da mudança no aspecto do continente, assim como no perfil da Europa. Os
ugandenses, por exemplo, estiveram em número de 55.000 a servir nos King’s
African Rifles. Boa parte dos 87.000 tanganyikenses, mobilizados ao longo da
guerra, combateram o governo de Vichy e ajudaram de Gaulle, participando da
reconquista de Madagascar, em 1942. Numerosos soldados africanos tomaram
parte na guerra contra os japoneses na Birmânia. Desde 1939, o Regimento da
Nigéria mobilizara 15 batalhões. Milhares de soldados norte -africanos deram
1 Para outras análises, conferir igualmente R. OLIVER e M. CROWDER (org.), 1981; P. DUIGNAN
e L. H. GANN (org.), 1973 e 1975; G. S. P. FREEMAN -GRENVILLE, 1973.
1097
O horizonte 2000
as suas vidas nos incertos combates, os quais, durante vários anos, no norte
do Saara, opuseram Rommel a Montgomery, Eisenhower e a outros ilustres
homens da guerra.
A agressão italiana contra a Etiópia constituiu o mais dramático episódio da
guerra para os africanos. A Itália, desde há pouco, pretensa a tornar -se herdeira
da Roma Antiga, foi um dos primeiros países derrotados. A resistência etíope
não se havia deixado abafar; em Addis -Abeba, por exemplo, ela organizou um
ataque a granadas, contra o vice -rei nomeado pelo governo italiano, além de ter
executado um atentado com gases tóxicos, contra o abuna Abraham, por ocasião
da tentativa do empossamento deste último à frente da Igreja etíope, ação que
lhe custaria a visão.
A resistência etíope reduziu à impotência 56 batalhões italianos. No dia 20 de
janeiro de 1941, o imperador Haïlé Sélassié, refugiado no Sudão, atravessou a pé
a fronteira etíope. Em 7 de março de 1941, as tropas metropolitanas e coloniais
britânicas penetraram maciçamente na Etiópia, com o aval do imperador. Os
britânicos, apoiados por soldados africanos, tomaram Addis -Abeba, em abril de
1941. Ao final do mês de janeiro de 1942, o imperador dirigia novamente o país.
O combate titânico, entre o herdeiro de César e o herdeiro da rainha de Saba,
terminou, portanto, de forma vergonhosa para o novo Imperador, cujas preten-
sões de conquista desabavam. O mundo tornara -se mais complexo. A rivalidade
entre as potências europeias, assim como o enfrentamento dos imperialismos,
haviam atuado em favor do descendente sitiado da rainha de Saba. O herdeiro
de César encontrou -se isolado frente a estes antigos sujeitos; em 18 de abril de
1945, Benito Mussolini foi executado por outros europeus. “Eis como desabam
os potentes!”
O combate contra o colonialismo
O segundo período estudado neste volume, entre 1945 e 1960, caracterizou-
-se pela intensificação do combate nacionalista contra o colonialismo. Este
combate desdobrou -se em três grandes cenários. Primeiramente e no interior
de cada colônia, foi necessário mobilizar as massas oprimidas contra o racismo
e a dominação estrangeira. Em seguida, era preciso travar a luta nos próprios
países colonizadores e assegurar o apoio das forças progressistas nos Estados que
exerciam a sua dominação sobre a África. Tratava -se, neste contexto e em certo
sentido, de dividir o inimigo, semeando a discórdia nas metrópoles. Finalmente,
o combate prosseguia, agora em seu terceiro teatro de operações, na esfera global
1098
África desde 1935
da comunidade internacional. Como conquistar a opinião pública mundial, em
prol da causa dos combatentes pela descolonização?
A mobilização das massas nas próprias colônias constituía, de um ponto
de vista estratégico, a fase mais crítica dentre estas três formas de ação. Antes
mesmo da eclosão da Segunda Guerra Mundial, nacionalistas norte -africanos,
à imagem de Habib Bourguiba, se haviam dedicado a mobilizar os seus com-
patriotas. Messali Hādj fundou o Partido do Povo Argelino (PPA), em 1936, e
Abd al -Khalik Tares fundou, no mesmo ano, o Partido do Islah, no Marrocos
espanhol. Foi, igualmente em 1936, que os nacionalistas egípcios finalmente
lograram forçar os britânicos a interromperem a sua ocupação militar no Egito,
salvo na zona do Canal de Suez; contudo, foi retomada a cruzada contra a última
presença militar britânica no país, antes mesmo que estivesse seca a tinta com
a qual fora assinado o tratado anglo -egípcio de 1936. Em janeiro de 1944, o
Partido Nacionalista de Istiklāl exigiu, pela primeira vez, a independência do
Marrocos; Ahmed Balafredj foi preso e sublevações eclodiram em março, nas
cidades de Rabat e Fez. Neste mesmo ano, na Argélia, Farhāt ‘Abbās fundava o
movimento dos Amigos do Manifesto da Liberdade, ao qual tão logo aderiria
meio milhão de pessoas.
O despertar do nacionalismo e a mobilização dos colonizados igualmente
manifestaram -se, sob formas diversas, em outros países da África. De 1933 até
1946, os franceses levaram ao exílio, em razão do chamado à sedição”, o gabonês
Léon Mba. Em Angola, o movimento Tonsi, iniciado em 1940, sob a forma do
culto dos tawa”, expressava uma revolta cultural contra os valores estrangeiros.
Em setembro de 1946, após quinze anos passados no estrangeiro, Jomo Kenyatta
retornava ao Quênia, com o objetivo de organizar a mobilização política dos
seus compatriotas.
Em todo o continente, as associações e os partidos políticos muito pronta-
mente multiplicaram -se e, igualmente, foi possível acompanhar: a formação tanto
da União das Populações de Camarões (UPC), quanto do Convention People´s
Party (CPP), na Costa do Ouro (atual Gana); do Agrupamento Democrático
Africano (RDA), no império colonial francês; ou ainda, da Tanganyika African
National Union (TANU). A resistência contra a colonização organizava -se com
progressiva eficácia, institucionalizando -se sempre mais. A mobilização política
das massas colonizadas realmente iniciara -se.
O combate travado na própria África revestia -se de importância primordial,
entretanto, era imperativo encontrar aliados no interior dos países colonizadores.
Tratava -se, no mínimo, de “dividir o inimigo”, opor os franceses aos franceses
ou os britânicos aos britânicos. Se o colonialismo “dividira para conquistar”, ao
1099
O horizonte 2000
anticolonialismo” cabia empregar a estratégia dividir para se libertar”. Este
imperativo estratégico talvez tenha sido a razão essencial que levara o RDA,
em seus primórdios, a estabelecer e consolidar laços com o Partido Comunista
Francês.
A política colonial francesa, baseada na associação e na integração políti-
cas, contribuía perfeitamente para a organização de atividades anticoloniais na
metrópole. As colônias francesas da África estavam de fato representadas no seio
das instituições legislativas da metrópole, segundo modalidades sem equivalente
no sistema colonial. Em novembro de 1945, Léopold Sédar Senghor e Lamine
Gueye (Senegal), Félix Houphouët -Boigny (Costa do Marfim), Apithy Sourou-
-Migan (Daomé, atual Benin), Fily Dabo Cissoko (Sudão francês, atual Mali)
e Yacine Diallo (Guiné) foram eleitos para a Assembleia Constituinte, como
representantes da África Ocidental francesa. Algumas semanas antes, Camarões
elegera os seus primeiros deputados na pessoa do príncipe Alexandre Douala-
-Manga Bell e do D
r
L. -P. Anjoulet. Em contrapartida, seria inconcebível a elei-
ção de Jomo Kenyatta, Obafemi Awolowo ou Nmandi Azikiwe para a Câmara
dos Comuns, em Londres. Em razão da impossibilidade da sua representação
nas instituições metropolitanas, os patriotas africanos das colônias da Coroa
tentaram influenciar a opinião pública britânica, indiretamente e por intermédio
de militantes britânicos liberais ou de esquerda. Deputados tais como Fenner
Brockway ou Barbara Castle desempenhavam o papel de porta -vozes dos nacio-
nalistas africanos e transmitiam as suas reivindicações à Câmara dos Comuns.
Em suplemento, jornais britânicos como o Daily Worker, o New Statesman ou o
Manchester Guardian contribuíam para a luta colonial na metrópole.
Os argelinos, por sua vez, puderam obter o acesso às instituições metropo-
litanas, privilégio progressivamente outorgado às outras possessões. Em março
de 1944, prevendo a liberação da França metropolitana, as autoridades france-
sas, reunidas na capital Argel em torno do general De Gaulle, concederam aos
muçulmanos da Argélia uma representação de quinze deputados na Assembleia
Nacional, assim como outra, de sete senadores, no Conselho da República. No
mês de agosto de 1946, Farhāt ’Abbās, dirigente da União Democrática do
Manifesto Argelino, pôde apresentar perante a Assembleia Nacional Consti-
tuinte, em Paris, um projeto de federação entre a França e uma futura república
argelina. No entanto, cerca de dez anos mais tarde, o próprio Farhāt ’Abbās
estaria à frente do governo argelino no exílio, o qual conduziria a luta nacional
contra a dominação francesa.
Estas últimas funções de Ferhāt ’Abbās conduzem -nos ao terceiro cenário
no qual se desenrolou a luta anticolonial, aquele próprio à comunidade interna-
1100
África desde 1935
cional. Na realidade, acompanhou -se à visita deste dirigente, naquele momento
transformado em principal porta -voz da Frente de Libertação Nacional, a várias
capitais, uma após a outra, com o intuito de defender a causa argelina e con-
quistar apoio para a sua luta.
Os nacionalistas africanos encontraram na Organização das Nações Unidas
uma preciosa aliada e um favorável campo de batalha. Mas, para todo e qualquer
país, os Estados vizinhos necessariamente constituem o componente essencial da
comunidade internacional. A Argélia necessitava dos outros países da África, a
começar por aqueles do Magreb e o Egito. Ela também demonstrou a intenção
de ganhar para a causa o restante da África, em especial quando da Conferência
dos Povos Africanos, realizada em Accra, no ano 1958.
O continente africano não se contentou em sofrer as influências estrangeiras.
Ele igualmente contribuiu para a redefinição dos objetivos de uma reforma no
sistema mundial. A nacionalização do Canal de Suez, por Gamal Abd al -Nasser,
em 1956, constituiu uma dentre as mais importantes iniciativas africanas do
século XX. Somente cinco anos antes (em 1951), sob a direção do primeiro-
-ministro Muhammad Mossadegh, o Irã nacionalizara os seus recursos petrolí-
feros. Pouco após, o serviço secreto dos Estados Unidos da América do Norte
viria a neutralizar Mossadegh, restaurando a autoridade do Xá Muhammad
Riza Pahlavi, mais favorável ao Ocidente. Qualquer nova tentativa de um país
terceiro -mundista, com vistas a nacionalizar os seus recursos e deles dispor
livremente, parecia desde logo fadada ao fracasso.
Entretanto, em julho de 1956, gras a al -Nasser, os países do Terceiro
Mundo reencontraram a possibilidade de tomar as iniciativas, com o intuito
de controlarem os seus recursos. Desta vez, não se tratava do petróleo, como no
caso do Irã de Mossadegh, mas, de um canal egípcio, construído por operários
egípcios, ao preço de enormes sacrifícios. As escavações para a abertura do Canal
de Suez haviam efetivamente custado a vida de vários milhares de egípcios, um
século antes de al -Nasser ter decidido nacionalizá -lo. Contrariamente a Mossa-
degh, al -Nasser logrou impor a sua corajosa decisão. Desde então, os dirigentes
africanos correm progressivamente menos riscos quando planejam nacionalizar
ou socializar recursos e riquezas dos seus países.
A nacionalização do Canal de Suez e os seus acontecimentos posteriores
foram a ocasião para uma transformação no papel da União Soviética em terras
áfricas. A URSS deixou de ser uma ameaça imperialista e tornou -se a aliada dos
africanos, em sua luta pela independência. Ela forneceu pilotos ao Egito, para a
navegação no Canal de Suez, em virtude da retirada dos profissionais europeus,
represália adotada pelas potências imperialistas, contra a nacionalização. Ela
1101
O horizonte 2000
igualmente assumiu o encargo ainda maior de ajudar o Egito na construção da
barragem de Assuã, em lugar da Grã -Bretanha, dos Estados Unidos da América
do Norte e do Banco Mundial, os quais se haviam furtado aos compromissos
pregressos. Desde então, a URSS aparentava ter abandonado qualquer postura
imperialista, no tocante à África, e os fatos mostraram a sua pré -disposição a
acorrer o continente africano em seu combate pela liberdade. A crise de Suez
e a notável política de al -Nasser representaram um ponto de inflexão histórico.
Futuramente, até a internacionalização do combate contra o apartheid, a África
jamais faria tão eficaz chamado, junto à comunidade internacional.
Tais foram, portanto, os três aspectos da luta contra o colonialismo: pri-
meiramente, os nacionalistas africanos mobilizaram as massas colonizadas; em
seguida, eles se infiltraram nos meios imperialistas das metrópoles, com o intuito
de “dividir para se libertar”; finalmente, convocaram a comunidade internacio-
nal, conquistando -a em favor da sua causa, qualificando prioritariamente os
seus vizinhos, arrolados de forma resoluta sob a bandeira do pan -africanismo.
Citamos em capítulo precedente o preceito de Kwame Nkrumah: “Procurai
primeiramente o reino político e todo o restante vos será dado em suplemento”.
Agora que entraste neste reino político, quo vadis África? Justamente sobre esta
questão, uma vez mais, cabe -nos dedicar atenção.
Alguns capítulos precedentes estudaram, mais particularmente, a passagem
da luta pela independência para a fase da construção nacional. Outros, dentre
estes estudos, examinaram os esforços empreendidos para proporcionar maior
coerência cultural às nações africanas, bem como para conferir maior legitimi-
dade e autoridade aos Estados africanos. Estes esforços fortaleceram a liberdade,
asseguraram a integridade territorial, além de terem favorecido o desenvolvi-
mento e o progresso.
Quais seriam os desdobramentos? As duas revoluções cruciais, à espera da
África, dirão respeito aos papéis dos homens e das mulheres, assim como às compe-
tências científicas. Estas duas revoluções estão estreitamente ligadas, em respeito
a uma dialética sobre a qual faremos considerações de maior precisão.
Profundas transformações nas relações entre os sexos, de fato e desde algum
tempo anunciadas, notadamente produziram -se, sob o efeito das interações
produzidas entre a cultura africana e outras culturas, durante o período estudado
neste volume. O islã e a colonização ocidental proporcionaram, neste domínio,
modelos distintos do arquétipo africano. Esta evolução cultural provocou ten-
sões no âmbito familiar e no interior de toda a sociedade africana. Presente-
mente, analisaremos esta questão, relativa aos papéis sexualmente determinados,
no cerne da sociedade africana pós -1935.
1102
África desde 1935
A evolução relativa aos papéis dos homens e das mulheres
Na África, após 1935, os papéis e as funções atribuídos aos homens e às
mulheres transformaram -se sobremaneira em numerosas culturas tradicio-
nais, acreditava -se que Deus fizera da mulher a guardiã do fogo, da água e da
terra, cabendo ao próprio Deus a guarda do quarto elemento do universo, o ar
onipresente.
Na qualidade de guardiã do fogo, a mulher devia prover energia à coletivi-
dade. Ora, a madeira de aquecimento constitui a principal fonte de energia na
África rural. Às mulheres africanas reservara -se, portanto, uma responsabilidade
sem medida: elas deviam encontrar lenha e transportar enormes feixes, embora,
muito amiúde, fossem os homens quem derrubassem, previamente, as grandes
árvores das quais esta lenha era extraída.
Como guardiãs da água, fonte a um só tempo da sobrevida e da limpeza, as
mulheres estavam encarregadas de fornecer à família esta indispensável substân-
cia. Elas percorriam enormes distâncias para encontrá -la; conquanto, frequen-
temente, coubesse aos homens a perfuração dos poços.
O papel das mulheres, em respeito à guarda da terra, ligava -se à ideia da dupla
fecundidade. As mulheres garantiam a sobrevivência da geração presente, desem-
penhando uma atribuição primordial no âmbito da cultura do solo, do qual elas
mantinham a fertilidade. Assim como, em sua função materna, em virtude da
sua própria fecundidade, a elas se outorgava dar vida à geração seguinte. Esta
dupla fecundidade constituía um aspecto do triplo papel -guardião, próprio às
mulheres africanas, em que pese o seu trabalho estar sempre associado àquele
dos homens
2
.
Qual seria a manifestação concreta, pós -1935, desta tradicional concepção
concernente ao triplo papel feminino? Diversos elementos da experiência colo-
nial modificaram, de modos distintos, os papéis dos homens e das mulheres no
continente africano.
O crescimento da importância funcional feminina constituiu o efeito, na
esfera agrícola, da ocupação masculina em trabalhos assalariados. Entretanto,
segundo Margaret Jean Hay, autora de uma pesquisa junto às mulheres luo
quenianas, esta consequência levou algum tempo antes de se manifestar:
2 Devo a Okot p’Bitek, antropólogo e poeta ugandense, as informações sobre os mitos de Uganda seten-
trional relativos à feminilidade. Nós temos igualmente discutido as semelhanças e diferenças entre as
concepções africanas sobre o assunto e as ideias de Empédocles, lósofo grego do século V antes da era
cristã. Conferir O. p’BITEK, 1971.
1103
O horizonte 2000
“Em 1930, numerosos homens haviam deixado Kowe, ao menos uma vez,
para dirigirem -se ao trabalho além das fronteiras provinciais [...]. A maio-
ria destes homens permaneceria ausente durante quinze anos ou mais [...].
Poder -se -ia pensar que esta crescente expatriação da mão de obra masculina,
da província, tenderia a aumentar o peso do trabalho agrícola feminino [...].
Desde 1910, administradores deploravam o fato, segundo o qual, o Nyanza ter-
-se -ia transformado em reservatório de mão de obra para toda a colônia [...].
Porém, no transcorrer dos anos 1920, as migrações de curta duração eram, em
geral, realizadas por jovens celibatários, os quais desempenhavam uma fun-
ção relativamente secundária na economia local, conquanto ocasionalmente se
dedicassem à criação de animais e malgrado à captura destes últimos, por estes
homens solteiros, junto ao inimigo em tempo de guerra. Em suplemento, estes
trabalhadores migrantes podiam com frequência adequar -se e, de fato, faziam-
-no, visando coincidir a sua ausência com os períodos de baixa produtividade
do ciclo agrícola [...]. Anteriormente a 1930, e por conseguinte, as migrações
não privaram a economia local, senão de um pequeno número de trabalhadores,
sem modificar sensivelmente a divisão sexual do trabalho
3
”.
Contudo e posteriormente, Margaret Hay mostrou por quais modos a crise
dos anos 1930 e a Segunda Guerra Mundial transformaram a situação, os pro-
cessos migratórios de trabalhadores, assim como a conscrição, extraindo da
agricultura uma crescente proporção da sua população laboriosa masculina. Este
fenômeno foi ainda acentuado pelo desenvolvimento da indústria mineira (de
cuja exploração mineral aurífera iniciara -se, em Kowe, nos idos de 1934):
A ausência prolongada dos homens exerceu uma influência na divisão sexual
do trabalho; às mulheres e crianças jamais ser -lhes -ia requerido ocuparem -se dos
trabalhos agrícolas com tamanha intensidade [...]. Os anos 1930 representaram
um período transitório no tangente à divisão sexual do trabalho, conferindo-
-se, muito nitidamente, às mulheres a responsabilidade de carregar o peso da
mudança processada nas zonas rurais
4
.”
Após 1930, as mulheres tiveram uma função mais importante que outrora,
consubstanciadas em “guardiãs da terra”. Na África Austral, a ausência dos
homens, dedicados ao trabalho nas minas, teve desdobramentos de ainda maior
dramaticidade. Ao longo dos anos 1950, algumas comunidades da África do Sul
apresentavam uma surpreendente bipartição: elas se dividiam em proletariado
3 M. J. HAY, 1976, pp. 98 -99. Para um ponto de vista feminista, conferir também M. R. CUTRUFELLI,
1983.
4 M. J. HAY, 1976, p.105.
1104
África desde 1935
masculino (trabalhadores fabris) e uma população camponesa, antes e sobre-
tudo, do sexo feminino. A regulamentação e as normas que, na África do Sul,
impediam os mineiros de trazerem as suas mulheres para junto de si, agravavam
sobremaneira esta tendência à segregação sexual, ao apartheid sexual. Muitas
mulheres, em Estados limítrofes, encontravam -se mais isoladas que nunca, ao
desempenharem o seu triplo papel de guardiãs do fogo, da água e da terra.
As guerras de libertação, travadas na África Austral a partir dos anos 1960,
igualmente contribuíram para aumentar a instabilidade familiar e modificar a
tradicional divisão do trabalho entre os sexos. Alguns combatentes, isolada e
efetivamente, levaram as suas mulheres consigo; à imagem de certos exércitos
de libertação, tais como o ZANLA e o ZIPRA (braços armados da Zimbabwe
African National Union e da Zimbabwe African People’s Union), ou ainda a
Frente de Libertação de Moçambique, os quais inclusive comportavam algumas
combatentes. No entanto, em seu conjunto, a guerra perturbou a vida familiar e
a tradicional repartição das tarefas entre os homens e as mulheres.
Após a sua conquista da independência, alguns Estados limítrofes da África
do Sul conheceram guerras contra -revolucionárias, a mais artificial dentre estas
guerras pós -coloniais foi aquela desencadeada em Moçambique, pelo pretenso
Movimento de Resistência Nacional de Moçambique (MRN).
Estes conflitos igualmente produziram efeitos nas relações entre os sexos.
Assim sendo, sem mencionar as perturbações habitualmente produzidas pela
guerra no âmbito familiar, as ações do MRN, em meados dos anos 1980, com
tamanha intensidade danificaram o complexo infraestrutural de Moçambique
que muitos trabalhadores migrantes não mais retornavam ao seu meio familiar
entre dois períodos laborais nas minas sul -africanas.
Não avaliação precisa acerca da possível influência desta situação sobre
a ideia de “dupla fecundidade”, elaborada a propósito do papel das mulheres
africanas. Possivelmente, a ausência prolongada dos maridos tenha provocado
uma baixa nas taxas de fecundidade em algumas comunidades de Moçambique.
Igualmente é verossímil que o sistema migratório dos trabalhadores, próprio ao
conjunto da África Austral, tenha engendrado uma real tendência à poliandria, a
mulher, e após certo tempo, finalmente buscava outro homem que substituísse
de facto o seu marido ausente
5
.
Se o fenômeno dominante era aquele relativo a uma baixa nas taxas de
fecundidade, como consequência da prolongada ausência dos maridos, por deri-
5 Tais ocorrências seguramente têm lugar em Moçambique, mas não se sabe até que ponto a poliandria
de fato se expandiu no conjunto da África Austral.
1105
O horizonte 2000
vação poder -se -ia concluir que o princípio da “dupla fecundidade” produziria
a redução das funções sociais ligadas à fecundidade biológica das mulheres e
aumentaria a sua participação nas atividades vinculadas à fertilização do solo.
Por outro lado e contrariamente, se o fenômeno mais significativo, em meio
às comunidades mineiras da África Austral, era a tendência à efetiva poliandria,
seria plausível que toda uma nova rede de relações sociais estivesse em vias de
constituir -se nesta região da África
6
.
O surgimento de novas técnicas e a sua incidência nos processos de trans-
formação das funções masculina e feminina, este desenvolvimento técnico está
arrolado entre as substanciais mudanças ocorridas na África durante este perí-
odo, cuja influência fez -se notável nas relações entre os sexos. O uso da enxada
conservava às mulheres africanas um posto central na atividade agrícola, entre-
tanto, a mecanização da agricultura tendeu a marginalizá -las. As prerrogativas
conferidas aos homens pelas novas e mais avançadas técnicas, ameaçaram o
papel feminino de “guardiãs da terra”.
A educação ocidental, pela sua própria natureza, produziu durante este perí-
odo outra ameaça, em respeito ao papel primordial que as mulheres desem-
penhavam na economia continental áfrica. As africanas ocidentalizadas o
seguramente mais móveis, livres e capazes de defenderem os seus interesses,
comparativamente às suas irmãs circunscritas à influência da cultura tradicional.
Porém, ocupar -se de uma máquina de escrever após ter sido a guardiã do fogo,
da água e da terra, esta mutação representa, indubitavelmente, uma forma de
marginalização para a mulher da África. A datilografia é menos essencial para a
sobrevivência da coletividade que a cultura do solo. As africanas ocidentalizadas
da segunda metade do século XX são, por via de regra, mais livres, embora ten-
dencialmente desempenhem um papel menos relevante no seio das economias
africanas, comparativamente àquele exercido pelas mulheres ainda inseridas na
vida tradicional das regiões rurais.
A internacionalização das economias africanas representou, no curso deste pe-
odo, uma terceira ameaça ao papel tradicional das mulheres do continente. Quando
a atividade econômica africana revestia -se de um caráter mais local, as mulheres
exerciam uma função decisiva nestes mercados locais, desempenhando a função de
comerciantes. Desde eno, a tenncia à expano das atividades ecomicas, carac-
terística dos períodos colonial e pós -colonial, progressivamente excluiu as mulheres
dos centros decisórios da economia internacional. É bem verdade que as nigerianas,
6 Aqui me rero às pesquisas e entrevistas realizadas na África Austral, no âmbito de um projeto para os
canais de televisão BBC e WETA. Conferir A. A. MAZRUI, 1986.
1106
África desde 1935
em particular, recusaram -se a ser completamente marginalizadas, inclusive na esfera
do corcio internacional. Contudo, em termos gerais, a imensa maioria dos afri-
canos que realizam atividades comerciais nos mercados internacionais, assumindo
cargos nos conselhos administrativos das empresas multinacionais, o homens. Nas
reuniões da Organização dos Pses Exportadores de Petróleo (OPEP), na qual
os muçulmanos são majoritários, inibições suplementares surgiram em oposição à
presença de qualquer mulher, de modo que até mesmo a Nigériao lograria estar
representada neste fórum por uma delegada.
Em virtude de qual tipo de atividade, a proporção da participação feminina
na vida pública africana poderia um dia aumentar? A subordinação das mulheres
no plano político não se explica pela diferença das funções econômicas. As afri-
canas participam muito ativamente da vida econômica, ao passo que as sauditas,
por exemplo, dela encontram -se excluídas. Conquanto na sociedade africana e,
igualmente, na sociedade saudita, as mulheres estejam, no plano político, todas
subordinadas aos homens. A diferença das funções econômicas não explica e
não constitui a verdadeira causa desta inferioridade política.
O que é universal, não é o papel econômico das mulheres, mas a inexis-
tência do seu papel militar. Em toda a África (como no restante do mundo),
as mulheres são mantidas à margem da atividade militar. O acesso feminino
ao aparato militar transformará um dia as relações de força políticas entre os
sexos. A armada somali iniciou o recrutamento junto às mulheres e a força aérea
argelina também recruta, desde algum tempo, pilotos do sexo feminino. Nestes
dois países muçulmanos do continente áfrico, as mulheres começam a receber a
atribuição de algumas funções militares. Entretanto, falta ultrapassar o estádio
das medidas simbólicas. Neste continente, marcado por golpes de Estado, quiçá
virá o dia no qual um comunicado anunciando um putsch, na África Ocidental,
será assim redigido: “Em Lagos, um golpe militar de Estado conduziu ao poder
o general de brigada Louise Adebiyi
7
.”
O pan -africanismo ou a confederação dos sexos
O pan -africanismo é tradicionalmente considerado como um conjunto de
relações unindo os africanos além das suas fronteiras territoriais. Contudo, é -nos
imperioso conferir -lhe uma definição de maior amplitude: o pan -africanismo
compreende, outrossim, as relações estabelecidas entre os indivíduos áfricos, de
parte a outra da fronteira sexual. Não basta transcender as divisões nacionais e
o recorte herdado do colonialismo. Falta derrubar uma barreira política a separar
7 Expomos esta questão, de modo análogo, em A. A. MAZRUI, 1990.
1107
O horizonte 2000
os africanos desde bem maior lapso de tempo: aquela que separa os homens e
as mulheres na vida pública.
Nkrumah definia o pan -africanismo como a aceitação de uma partilha do
poder no quadro de uma federação territorial. Contudo, seria ainda mais neces-
sário dividir o poder no quadro de uma confederação dos sexos.
A África tradicional, antes da colonização europeia, oferece magníficos
exemplos de partilha do poder entre os sexos. As épocas de Hatshepsout, no
Egito (século XV antes da era cristã), de Nzinga, em Angola (aproximadamente
1581 -1663), de Yaaz Asantewa no país ashanti (1830 -1921) e de Nehanda, no
Zimbábue (por volta de 1863 -1898), ilustram esta particular concepção do pan-
-africanismo, na qualidade de divisão do poder entre os homens e as mulheres.
Algumas destas épocas foram estudadas nos volumes precedentes desta História
Geral da África.
A colonização da África, teria ela reforçado ou enfraquecido esta tradição
de partilha do poder entre os sexos? Nós indicamos os seus variados efeitos
no que tange às relações entre homens e mulheres. A dominação colonial e a
introdução da cultura ocidental marginalizaram as mulheres em certos domí-
nios, conferindo -lhes posto de maior relevância em outras esferas de atividade.
O pan -africanismo, como modelo de relacionamento entre os sexos, a um
tempo, padeceu com a ocidentalização da África e tirou proveito deste processo.
Em virtude da maior integrão da África ao sistema mundial, após 1935, o
mundo exterior passou a influenciar, como jamais outrora dantes visto em tamanha
profundidade, a vida cotidiana dos africanos e africanas. Como derivação, resulta
certomero de contradões sociais. Em respeito aos pais femininos, a interna-
cionalização da África, simultaneamente, reduziu a imporncia da atividade eco-
mica das mulheres e favoreceu o desenvolvimento da sua atividade diplotica.
A partir de 1935, vimos parte das economias africanas, aquelas que conser-
varam o seu caráter local, igualmente reservarem maior espaço à participação
feminina, comparativamente àquelas mais internacionalizadas. Lembramos o
papel histórico das africanas, muito amiúde responsáveis pelo encargo da venda
do excedente de produtos agrícolas e ativas participantes no processo produtivo
das regiões rurais. A internacionalização da produção e do comércio, durante os
períodos colonial e pós -colonial, produziu como efeito, tal qual anteriormente
aqui indicado, reduzir paulatinamente a influência das mulheres nos processos
econômicos. Como dissemos, os africanos a postos nos conselhos administra-
tivos das sociedades multinacionais são, por pouco que não, invariavelmente
homens. A internacionalização da economia africana, às épocas colonial e pós-
-colonial, seguramente traduziu -se até os dias atuais por uma marginalização
1108
África desde 1935
das mulheres. Durante este período, o pan -africanismo econômico, como meio
em favor de uma efetiva colaboração entre os homens e as mulheres da África,
foi seriamente posto em causa.
Em contrapartida, desde a conquista da independência, a diplomacia oferece
novas possibilidades de carreira, sob a insígnia do pan -africanismo, aos africanos
cujo acesso a elevado nível de instrução tenha sido aquiescido. Em setembro de
1969, como visto no primeiro capítulo, a liberiana Angie E. Brooks foi eleita
presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas (anteriormente, somente
outra mulher ocupara este posto: a indiana Vijaya Laksmī Pandit, ir de
Jawaharlāl Nehru). Angie Brooks foi, em Nova Iorque, a maior expoente da
diplomacia africana: o pan -africanismo como união dos africanos, no âmbito
da fronteira sexual, somente teria a ganhar com isso.
8
A embaixadora Angie Brooks, desde anteriormente, abrira mais que uma
nova via no curso da sua carreira diplomática; ela fora, notadamente, a primeira
8 Este trecho inspirou -se amplamente em uma troca de pontos de vista mantida com Dolores Mortimer,
especialista de alto nível, responsável pela gestão de programas de intercâmbio internacional no âmbito
educacional junto à United States Information Agency (USIA), em Washington.
 . À esquerda: a liberiana Angie Brooks, presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas
em 1969 -1970. À direita: a princesa Elizabeth Bagaya, ministra das relações exteriores de Uganda, fazendo
uso da palavra perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 1974. (Foto: Nations Unies.
Photo: T. Chen.)
1109
O horizonte 2000
mulher a presidir o Conselho de Tutela das Nações Unidas. No momento da
sua posse, a Sra. Brooks declarou: “Eu estou orgulhosa do meu continente, do
meu país e do meu sexo.” Portanto, a autoridade suprema, no seio da Assembleia
Geral, durante algum tempo foi exercida por uma africana.
A ugandense Elisabeth Bagaya (outrora princesa de Toro) cumpriu as fun-
ções no cargo de embaixadora itinerante de Idi Amin, posteriormente, no trans-
correr dos anos 1970, ela desempenhou as funções de ministra das relações
exteriores. Entretanto, a princesa Elizabeth era demasiado independente para
exercer durante muito tempo tais funções, sob um regime militar a tal ponto
inconstante. A sua insubmissão era excessiva, inclusive para permitir -lhe per-
manecer, de modo duradouro, no cargo de embaixadora nos Estados Unidos da
América do Norte, ao final dos anos 1980 e sob o regime do presidente Yoweri
Museveni. Ela recusou -se a ser (precipitadamente) enviada a Paris, preferindo
demissionar. Elizabeth Bagaya Nyabongo não deixou, contudo e durante alguns
anos, de representar o pan -africanismo territorial e intersexual.
Outras ugandenses ocuparam importantes postos diplomáticos, desde Ber-
nadette Olowo, embaixatriz em Bonn, até Anna Amailuk, alta -comissária em
Ottawa, passando por Freda Blick, embaixatriz em Paris ao final dos anos 1980.
Gana igualmente teve uma embaixatriz em serviço, no corpo diplomático pari-
siense, tratava -se de Theresa Strictner -Scott. No plano diplomático e na quali-
dade de representantes africanas no exterior, estas mulheres contribuíram para
exteriorizar o pan -africanismo. Algumas igualmente representaram o seu país
em outros estados áfricos. A senhora Amailuk, por exemplo, foi embaixatriz de
Uganda em Gana.
Os africanos também tiveram a possibilidade de conduzir atividades interna-
cionais de caráter menos oficial, em funções quase diplomáticas. Angie Brooks
presidiu desta forma a Federação Internacional das Mulheres Juristas, além
de ter sido condecorada por diferentes governos, especialmente do Brasil, da
República Federal Alemã, da Iugoslávia, de Camarões e da República Popular
da China.
Junto às quenianas, as quais durante muitos anos desempenharam funções
quase diplomáticas, podemos citar Margaret Kenyatta e Grace Ogot. Várias
mulheres, por outro lado, figuraram como funcionárias e diplomatas de alto-
-escalão do Ministério das Relações Exteriores do Quênia, elas frequentemente
colocaram -se a serviço do conjunto do continente tanto quanto fizeram -no em
relação ao seu país africano de origem.
Quando a Zâmbia conquistou a sua independência, no ano de 1964, a zam-
biana mais em evidência não era uma diplomata, mas a profeta Alice Lenshina,
1110
África desde 1935
chefe da Igreja de Lumpa. A sua oposição, ao governo zambiano e ao partido
dominante, provocou um grave conflito no país. Entretanto, quer junto às filei-
ras de Alice Lenshina ou de Kenneth Kaunda, que dirigia o governo da nova
Zâmbia independente, esta situação mostrava uma vez mais que a África podia,
todavia, produzir dirigentes apaixonadas, capazes de inspirar entre os seus fiéis
os maiores atos de coragem e abnegação.
Desde a sua independência, a Zâmbia confiou algumas funções quase diplo-
máticas a mulheres, notadamente Mutumba Bull, a conjugar a dupla qualidade
de personalidade política e científica. À imagem de outras africanas em postos
semelhantes, estas mulheres também serviram, a um tempo, o seu país e o
conjunto do continente.
As mulheres de alguns dirigentes africanos, durante este período, tornaram -se
conhecidas pela sua própria atividade político -diplomática. Ao longo dos anos
1980, Sally Mugabe dedicou -se a algumas causas humanitárias e internacionais,
especialmente relacionadas à proteção da infância, no continente africano. A Sra.
Mugabe manteve sucessivas negociações diplomáticas com o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), promovendo várias reuniões pan -africanas
em Harare, destinadas a tratar a questão das crianças africanas. (A ação diplo-
mática e humanitária da Sra. Mugabe nos traz à lembrança aquela conduzida
por Eleanor Roosevelt, tanto antes quanto após a morte do seu marido).
No Egito, Jehan al -Sādāt teve uma atividade diplomática quando vivia o seu
marido. Aos olhos dos homens muçulmanos de espírito conservador do Oriente
Médio, as suas tomadas de posição e as suas aparições públicas representaram,
com maior frequência, uma presença desfavorável. Entretanto, durante algum
tempo, ela foi um modelo a seguir, para grande número de mulheres árabes. Após
o assassinato do seu marido, em 1981, ela foi relegada ao relativo esquecimento.
No plano político, assim como nas relações entre os sexos , o pan -africanismo
tomou, neste período da África Austral, fórmulas particularmente efervescen-
tes. Na República Sul -Africana, durante os anos 1980, Winnie Mandela foi,
incontestavelmente e entre todas as raças, a mais ilustre das esposas. Embora,
na luta contra o apartheid, ela o tenha desempenhado papel diplomático
direto, nem exercido função política oficial, ela transformou -se na mais célebre
africana da década de 1980. Ela encontrou -se, nesta região do continente, na
convergência de muitos processos históricos, bem como de muitas correntes do
pan -africanismo. A sua ação não somente voltou -se para as questões raciais, mas,
igualmente, dizia respeito às relações entre os sexos e entre as gerações.
Com efeito, em toda a África Austral, era necessário estabelecer laços, não
somente entre as raças, assim como entre os sexos e as gerações, em razão das
1111
O horizonte 2000
perturbações nas relações entre os homens e as mulheres, causadas pela repres-
são, pelas guerras de libertação e pelas migrações de trabalhadores. A cólera e o
extremismo gerados pelo apartheid haviam igualmente agravado o conflito de
gerações, entre os mais jovens africanos e os seus anciãos.
A crise que transtornou, ao final dos anos 1980, a vida de Winnie Mandela,
situa -se na intersecção destes três conjuntos de relações pan -africanas: entre os
sexos, no âmbito racial e aquelas referentes às gerações. Na qualidade de esposa
de Nelson Mandela, quem passara mais de um quarto de século encarcerado,
ela simbolizava o tributo imposto pela luta política às relações entre os sexos e,
pelo seu engajamento na preparação de jovens militantes ao exercício das suas
funções sociais, ela havia trabalhado em prol da reaproximação entre as gerações.
Contudo, em 1988 e 1989, ela encontrou graves dificuldades, especialmente em
virtude das intrigas daqueles mais jovens militantes que ela tentara enquadrar.
A mulher que era o mártir do apartheid, desde a condenação do seu marido à
prisão perpétua, em 1964, a mulher que por longos anos fora exilada e confinada
 . À esquerda: a egípcia Jehan al -Sādāt, eminência na luta pelos direitos da mulher. À direita:
a sul -africana Winnie Mandela, militante do movimento contra o apartheid, em Joanesburgo, no mês de
outubro de 1985. (Foto: Sipa Press, Paris. Keystone, Paris.)
1112
África desde 1935
ao gueto negro, encontrava -se desde logo em meio a ataques e afrontas de alguns
círculos, os quais outrora proclamavam -na “a mãe da nação”.
A sua história pessoal inscreve -se na história mais geral das relações entre os
homens e as mulheres da África Austral. A repressão e a guerra transformaram
muitas mulheres em “viúvas da revolução viúvas dos mártires em combate pela
libertação − ou “viúvas da prisão”, para as quais os maridos eram prisioneiros por
toda a vida. Em nível internacional, Winnie Mandela era a mais ilustre dentre
estas “viúvas da prisão”.
Densas tendências sociológicas manifestaram -se nestas circunstâncias. Novas
formas de iniciação à condição de guerrilheiro ofereciam -se aos jovens negros da
África Austral: muitos adolescentes estavam alistados nas armadas de libertação,
assim como dedicavam -se à atividade guerrilheira nos centros urbanos, esta luta
sob nova roupagem consistia, mais frequentemente, em desafiar as forças de
segurança armadas, durante enfrentamentos de rua. A experiência ensaiada por
Winnie Mandela, a saber, a organização de uma equipe de futebol composta
por jovens encarregados, entre outras atribuições, de assegurar a sua proteção,
poderia ter sido um modelo. Todavia, esta experiência fracassou. A equipe de
futebol transformou -se em um bando, dedicado a promover a guerra contra
outros bandos juvenis, impondo um termo aos sonhos de Winnie Mandela.
A África Austral igualmente conheceu o estabelecimento de relações particu-
lares entre o sexo e as classes sociais. Nas comunidades mineiras da África do Sul,
os homens não tinham o direito de viver com as suas esposas. Como notamos, o
apartheid sexual acrescentava -se ao apartheid racial. Vimos que as mulheres per-
maneciam normalmente nas zonas rurais onde praticavam uma agricultura de
subsistência, ao passo que os seus maridos percorriam milhares de quilômetros
para encontrarem um trabalho assalariado. Situação originária da formação de
um proletariado masculino migrante e de uma categoria camponesa feminina
sedentária. Mulher separada do seu marido, pela injustiça de um regime, Winnie
Mandela também representava um modelo para as camponesas.
A luta, travada neste período pela reaproximação entre as raças, valeu o
Prêmio Nobel da Paz a dois negros sul -africanos, Albert Luthuli e Desmond
Tutu. Entretanto, o combate pela reaproximação dos sexos e das gerações não
suscitava a concessão de prêmios Nobel. Naquele momento, nem a luta contra
o sexismo e, tampouco, a atenuação dos conflitos entre as gerações, haviam
entrado no conteúdo da definição de defesa da paz”, tal qual concebida pelo
Comitê Nobel. Malgrado o sucesso dos seus esforços pela reaproximação dos
sexos e das gerações, Winnie Mandela estava, durante os anos 1980, demasiado
envolvida em controvérsias para que lhe fosse possível ser a primeira mulher
1113
O horizonte 2000
a obter um Prêmio Nobel. No entanto, a sua carreira política encontra -se dis-
tante do seu final e somente a história um dia julgará a sua contribuição para
o pan -africanismo.
Igualmente, cabe ao futuro dizer se a primeira eleição de uma mulher ao
posto de Secretário -Geral da Organização pela Unidade Africana sucederá ou
antecederá a chegada ao poder da primeira mulher presidente de um Estado
africano
9
.
A educação colonial: a libertação sem o desenvolvimento
A África talvez não presencie esta revolução nas relações entre os sexos, senão
após a segunda grande transformação por nós evocada, a saber, a generalização
do acesso aos conhecimentos especializados. Uma revolução sexual e um revolução
científica quiçá atingirão o continente, mas a segunda parece mais próxima que
a primeira.
Não se deve esquecer que os savoir -faire introduzidos na África pela coloni-
zação apresentam uma ambiguidade histórica fundamental: se, por um lado, eles
favoreceram a emancipação, por outra parte, eles mostraram -se profundamente
inúteis ao desenvolvimento. As habilidades introduzidas pelos colonizadores
relacionavam -se essencialmente com a comunicação; e o domínio das novas fór-
mulas de comunicação, escrita e oral, efetivamente facilitou a descolonização.
Entretanto, os colonizadores não souberam eficazmente transmitir as técnicas
de produção. Foi justamente neste sentido que o sistema educacional e de for-
mação, herdado da época colonial, não logrou êxito em promover um verdadeiro
desenvolvimento nos “territórios” africanos.
A crise dos anos 1930, a Segunda Guerra Mundial, bem como as suas
consequências na Europa, contribuíram, tal como salientamos, para colocar o
capitalismo e, finalmente, o imperialismo frente às suas responsabilidades. Foi
sobretudo após a Segunda Guerra Mundial que as potências imperialistas come-
çaram a interessar -se pela educação e pela formação dos africanos colonizados.
Novas técnicas de comunicação foram então elaboradas. Em 1948, fundou -se
o University College da Costa do Ouro, assim como, nesta mesma data, o seu
homólogo de Ibadan acolheu os seus primeiros alunos. Em fevereiro de 1948, a
Universidade de Lovanium foi criada, por decreto, no Congo belga; entretanto,
somente em 1954, os primeiros alunos africanos, em número de trinta, seriam
9 A. A. MAZRUI, 1990.
1114
África desde 1935
admitidos no curso pré -universitário (não mais que onze seriam aceitos no
exame de admissão).
Em Uganda, o University College de Makarere foi fundado ao final de 1949.
Centros de pesquisa igualmente surgiram, tal como o Instituto de Oftalmologia
Tropical, criado em Bamako, no Sudão francês, em 1953, ou a Organização para
a Pesquisa sobre a Alimentação e a Nutrição na África (ORANA), em Dakar.
Tais centros de pesquisa podiam contribuir para o desenvolvimento da África e
não colocavam em prática simplesmente técnicas de comunicação. No entanto,
estudar a nutrição ou a oftalmologia não correspondia ao estudo das técnicas
de produção e, de todo modo, estas pesquisas não ocupavam senão uma posição
muito limitada no âmbito do sistema educativo colonial, o qual, em sua essência,
continuava a privilegiar um ensino de perfil literário tradicional.
Os patriotas africanos serviram -se de algumas técnicas comunicativas, ensi-
nadas nas instituições coloniais, para defenderem os seus pontos de vista nas
metrópoles e, igualmente, com o intuito de comunicarem -se junto ao restante
da comunidade internacional. Como vimos em capítulos precedentes, o conceito
de negritude foi forjado por patriotas negros residentes na França, notadamente
por Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor. O movimento da negritude teve os
seus primórdios no início do período estudado neste volume. Junto aos africanos
de língua inglesa, a publicação, em 1938, da obra Au pied du mont Kenya, livro
no qual Jomo Kenyatta igualmente toma a defesa da África, constitui o equiva-
lente do movimento da negritude, na qualidade de movimento de legitimação
cultural. O movimento da negritude e Au pied du mont Kenya expressaram dois
importantes aspectos do novo domínio africano em matéria de comunicação,
uma comunicação voltada tanto para as metrópoles quanto para o restante do
mundo. Esta nova capacidade estava, aqui, posta ao serviço da cruzada pela liber-
tação da África. Em 1947, Alioune Diop fundava em Paris o Présence africaine,
novo instrumento de comunicação e nova arma no combate em defesa da África.
Ao final das contas, a formação oferecida pela educação colonial, direcionada
para o domínio da expressão escrita e oral em nguas europeias, prestou -se
muito bem a servir a causa da libertação política da África.o constituiu obra
do acaso que os movimentos anticoloniais fossem, em larga escala, dirigidos por
patriotas africanos ocidentalizados ou semiocidentalizados. Os pais fundadores
das novas nações africanas obtiveram a sua formação, majoritariamente, em
escolas missionárias estabelecidas na África ou nos estabelecimentos de ensino
superior ocidentais, senão e assaz amiúde, nos dois tipos de instituição. Tal foi
o caso dos fundadores e primeiros presidentes de Gana (Nkrumah), do Senegal
(Senghor), da Tanzânia (Nyerere), da Nigéria (Azikiwe), da Costa do Marfim
1115
O horizonte 2000
(Houphouët -Boigny), do Malawi (Banda), do Quênia (Kenyatta), bem como
de muitos outros homens de Estado. Evidentemente, embora representassem
apenas uma ínfima minoria do total da população continental, os patriotas afri-
canos ocidentalizados encontravam -se na vanguarda da luta pela independência
política. Como mostraram os capítulos deste volume consagrados à história
política, estes africanos, os quais haviam recebido uma educação ocidental, fin-
daram por eclipsar os dirigentes tradicionais, tomando as rédeas do poder após
a partida dos colonizadores. Foi exatamente neste sentido que as técnicas de
comunicação, introduzidas na África durante o período colonial, facilitaram a
conquista da independência política pelos países do continente.
Entretanto e na realidade, as potências coloniais não lograram formar os
africanos para as técnicas produtivas. Sob esta ótica, em que pese toda a sua
utilidade durante a fase de libertação política, o sistema colonial de ensino
revelou -se incapaz de garantir o desenvolvimento da África. As técnicas agríco-
las permanecem, à época e em larga escala, rudimentares, as usinas são obrigadas
a importar mesmo um simples parafuso, as barragens encontram -se frequente-
 . O reator nuclear Triga (ex -Zaire e atual R. D. do Congo, 1965). (Foto: Atelier Roland Min-
naert.)
1116
África desde 1935
mente deterioradas e as máquinas entram em pane, por falta de peças de repo-
sição. A capacidade da indústria africana em explorar os recursos minerais do
continente é derrisória. Inclusive a sua capacidade de extração destes minerais,
sem recurso ao equipamento, aos conhecimentos e à organização, fornecidos
pelo estrangeiro, revela -se espantosamente limitada. A África retira do seu solo
recursos minerais que ela raramente sabe transformar, além de importar bens
de consumo cuja produção não lhe é facultada.
A conclusão impõe -se: se o colonialismo produziu os seus próprios coveiros,
formando uma elite política africana, ele não criou a vanguarda econômica
necessária ao desenvolvimento da África. A educação colonial facilitou a reali-
zação de um primeiro objetivo, a emancipação dos africanos; contudo a herança
colonial não bastaria jamais para assegurar o desenvolvimento do continente.
Nos dias atuais, as competências, em matéria de comunicação, devem combinar-
-se com as capacidades relativas à produção e ao desenvolvimento.
Forma de governo e desenvolvimento
A África entrou na nova era da independência com um atraso ainda mais
considerável no tocante às competências, comparativamente ao que ela demons-
trou em referência ao aparato produtivo; um abismo separava as suas novas
instituições pós -coloniais e a sua capacidade em utilizá -las de modo eficaz.
O seu primeiro handicap era o capitalismo claudicante legado pela época
colonial. A África contraiu hábitos de consumo do Ocidente, sem todavia assi-
milar as suas técnicas de produção; ela apreendeu os gostos dos ocidentais, sem
contudo adquirir as suas competências; ela urbanizou -se, sem industrializar -se;
ela herdou a avidez capitalista, sem aprender a disciplina capitalista. Parafrase-
ando o poeta britânico Alexander Pope:
Um pouco de capitalismo representa perigos;
Sugue profundamente ou não beba sequer uma gota
Da fonte ocidental.
A África não mergulhou tão profundamente quanto o sudeste asiático na
fonte do capitalismo, embora ela ali tenha bebido. Eis o porquê desta trágica
consequência: o reino da avidez subsiste sem o contraponto da eficiência.
As instituições políticas legadas pelo colonialismo, o qual abolira ou enfra-
quecera as instituições autóctones, constituíram o segundo handicap da África
independente. Paralelamente, os primeiros exércitos africanos permanentes
foram providos de armas, produzidas graças a uma tecnologia muito mais avan-
1117
O horizonte 2000
çada que a tecnologia local. A África conquistou a independência com meios
de destruição bem mais consideráveis, comparativamente aos seus meios de
produção. Ela permanecia, contudo, amplamente dependente, nestas duas esfe-
ras, de modelos externos e de fornecedores estrangeiros. Esta situação alterou
totalmente as relações entre civis e militares, além de provocar uma sucessão de
golpes e contragolpes de Estado. Em razão do deficit de competências técnicas,
a militarização não alimentou a sua indústria civil. Não houve simbiose entre a
defesa e o desenvolvimento. Excetuando -se o Egito e a República Sul -Africana,
nenhum país africano, por pouco que não, possui uma significativa indústria
de armamentos. Grande parte dos exércitos africanos importa, integral e não
somente, os seus tanques e mísseis mas, inclusive, as suas metralhadoras e os seus
cartuchos; em alguns casos, até mesmo os uniformes são importados.
A militarização sem industrializão desestabilizou, simultaneamente, os
sistemas econômico e político. O casamento do político e do militar estabele-
ceu um problema; o divórcio entre a defesa e o desenvolvimento gerou outra
contradição. O deficit de competências técnicas é enorme em todos os domínios
onde reina o subdesenvolvimento político, econômico e técnico.
Esta situação representa particular prejuízo aos direitos humanos. A falência,
na quase totalidade do continente áfrico, das instituições liberais importadas do
Ocidente, explica -se não somente pela origem estrangeira destas últimas mas,
igualmente, em razão da insuficiente incapacidade dos africanos em organiza-
rem partidos políticos disciplinados, empresas produtivas ou sindicatos eficazes.
A democracia ocidental, não teria sido imposta à África tal como ocorrido no
Japão? Os norte -americanos impuseram -na ao Japão em menos de dez anos; os
africanos sofreram durante muito maior lapso de tempo com a tutela colonial. E,
no entanto, as instituições ocidentais fincaram as suas raízes no solo estrangeiro
nipônico, embora não tenham sobrevivido, senão às duras penas, nas forâneas
terras áfricas. Esta diferença poderia ser o produto do maior desenvolvimento
das capacidades de organização e das bases econômicas capitalistas no Japão,
comparativamente ao que se processou na África.
Após a conquista da independência pela África, as relações entre as moda-
lidades de governo e as perspectivas de desenvolvimento econômico variaram
em função dos seguintes e correlatos fatores: a dimensão do setor público, o papel
do Estado, a eficácia dos poderes públicos, bem como a representatividade e a
equidade (a legitimidade) do governo.
O primeiro fator diz respeito não somente à dimensão do corpo administra-
tivo propriamente dito, mas, igualmente, àquela dos organismos paraestatais. O
segundo fator refere -se ao papel do Estado na economia, assim como à natureza
1118
África desde 1935
das suas funções. O terceiro fator relaciona -se à competência dos funcionários,
à eficácia, e também à maior ou menor racionalidade do comportamento nos
poderes públicos. O quarto fator reporta -se ao caráter democrático e represen-
tativo do governo ou à ausência de democracia e de representatividade.
Faz -se mister relembrar que, na África pós -colonial, a representatividade
mede -se, frequentemente, segundo critérios étnicos e não eleitorais. A aritmética
da representação étnica contribui, muito amiúde, para contemplar os membros
dos diferentes grupos étnicos, sejam eles ou não agentes ou beneficiários do
regime político. Os governos são considerados mais ou menos representativos na
justa medida de sua composição étnica, aquela da população. Na Nigéria, desde
a guerra civil, este princípio de representatividade é habitualmente citado sob a
nomenclatura “caráter federal” da nação.
A dinâmica da representatividade étnica teve tendência a aumentar as pro-
porções dos organismos governamentais e administrativos, além de ter ocorrido
um “inchaço” nos efetivos da função pública e dos serviços paraestatais, com vis-
tas a assegurar o sutil equilíbrio exigido pela aritmética da representação étnica.
A insensibilidade face à necessidade de um equilíbrio étnico pode, inversa-
mente, constituir um fator de desestabilização. Em países como a Nigéria ou
Uganda, a ausência de representatividade étnica correspondeu, muito amiúde,
a um maior risco político, comparativamente à ausência de representatividade
eleitoral. A aritmética da representação étnica revelou -se uma equação frequen-
temente mais complexa, se cotejada a um escrutínio classicamente concebido.
Do ponto de vista da eficácia da ação pública, um dos principais dilemas
da África pós -colonial concerne às relações entre a liberalização econômica e a
liberalização política. Em alguns países, o pluralismo político tendeu a desesta-
bilizar a economia. Na Nigéria, sob o presidente Shehu Shagari (1979 -1983), a
abertura política e o pluripartidarismo foram acompanhados por uma profunda
anarquia econômica. Gana, sob Hilla Limann, e o Sudão, sob Sadiq al -Mahdī,
igualmente conheceram esta combinação entre abertura política e caos econô-
mico. (O sul do Sudão, região desprovida de qualquer liberdade política e de
toda proteção econômica, foi devastado política e economicamente).
Estes países estavam submetidos a um verdadeiro dilema moral. O plu-
ralismo político corria o risco de provocar o declínio econômico. Em última
análise, a escolha era, por vezes, dolorosa: liberdade política ou desenvolvimento
econômico, jamais as duas opções simultaneamente. Diante deste quadro, o que
deveriam fazer os doadores e as instituições internacionais? Organismos como
o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, poderiam eles realmente
preferir regimes militares tais como aqueles de Ibrahim Babangida ou de Jerry
1119
O horizonte 2000
Rawlings, em detrimento a regimes democraticamente eleitos como aqueles de
Shagari, Limann ou al -Mahdī?
Correríamos nós o risco de presenciar, ao longo dos anos 1990, a promoção
do liberalismo econômico, por parte das organizações externas, em detrimento
do liberalismo político? Este encorajamento concedido a regimes militares, não
poderia ele ser implícito e, eventualmente, quase inconsciente?
Posteriormente à conquista da independência pela África, a corrupção no
exercício do poder político, eventualmente, tomou a forma de uma privatização
do Estado. Houve privatização em proveito de uma etnia, quando a despeito do
princípio da representatividade étnica, um grupo étnico particular monopolizou
as iniciativas públicas ou deteve parte considerável destas últimas, à imagem do
realizado pelos nubi em Uganda, sob Idi Amin.
Houve privatização em proveito de uma dinastia, quando um indivíduo e o
seu mais estreito círculo familiar monopolizaram os recursos e os símbolos do
Estado, à imagem do imperador da África Central, Jean -Bedel Bokassa, quem
literalmente ensaiou fundar uma dinastia.
Em meio a uma confusão generalizada, houve privatização anárquica quando
a busca desenfreada, por privilégios e lucros, provocou a dissipação do poder de
ação e da riqueza na esfera pública. A Nigéria, sob Shehu Shagari e sobretudo
após 1981, foi a imagem desta privatização anárquica.
No domínio político, os piores males que ameaçam a África, desde a sua con-
quista da independência, são a tirania, por um lado, e a anarquia, por outro. A
tirania é o excesso de governo, a anarquia configura a insuficiência de governo.
A tendência à tirania traduziu -se, com frequência, em uma centralização da
violência; a tendência à anarquia foi essencialmente representada por uma des-
centralização da violência, atingindo o extremo de confrontar vizinhos, uns
contra os outros.
No domínio econômico, os piores males que pairam sobre a África são a
dependência e o declínio. A dependência representa uma diminuição nas capa-
cidades de autonomia; o declínio consiste em uma redução nas capacidades de
desenvolvimento.
A crise do sistema de governo, na África, está ligada ao emaranhado
formado pelos males políticos (tirania, anarquia) e os males econômicos
(dependência, declínio). Como sair disso? Falta -nos desenvolver múltiplas
compencias, em meio a estas capacitões, devemos precisamente enfatizar
aquelas que nos permitam resolver esta crise fundamental, relativa ao sistema
de governo.
1120
África desde 1935
Os africanos não têm nenhuma necessidade de copiar as instituões libe-
rais do Ocidente para conciliar a estabilidade e a equidade. Entretanto, eles
devem adquirir a capacidade de defender os seus direitos, inclusive contra
os seus governos, e dotarem -se das organizações necesrias para travar este
combate. Os dirigentes tendem invariavelmente a sucumbir à arbitrarie-
dade, quando o existe contra -poder organizado capaz de opor -se aos seus
excessos. O deficit de compencias é uma das causas da violação perma-
nente dos direitos humanos na África. O ercito formado por Museveni
em Uganda, durante os anos 1980, foi a primeira organizão militar criada
por civis para lutar contra um regime antidemocrático na África. Contudo,
faltava resolver imensos problemas. Todavia, a estabilidade e a equidade não
estavam asseguradas.
 . A deserticação do Sahel. (Foto: UNESCO/MAB.)
1121
O horizonte 2000
População e ecossistema
Os problemas africanos, nas décadas vindouras, não se reduzirão à busca da
estabilidade política e de uma economia viável. A própria ecologia da África está
ameaçada; o desmatamento e a desertificação estão em vias de tornar inabitável
grande parte da África. O problema deriva, por um lado, da fraca capacidade
de planejamento dos países africanos, em seu conjunto. Embora a maioria dos
governos africanos seja partidária dos planos de desenvolvimento nacional, estes
países não lograram aplicá -los. As florestas são progressivamente destruídas sem
qualquer esforço de reflorestamento. Grupos econômicos franceses e libaneses
devastaram a floresta tropical úmida da Costa do Marfim, contando com a
aquiescência da classe dirigente local. o nenhuma preocupação em respeito
aos danos causados ao ambiente, nem a cerca da necessidade de reflorestamento
com vistas a reparar estes danos. O Senegal, após consideráveis prejuízos ao
ambiente, pôs em marcha um modesto programa de reflorestamento. As capaci-
dades de planejamento da África ainda não estão à altura das suas necessidades,
em matéria de proteção do ecossistema.
 . O desmatamento da África. (Foto: UNESCO/MAB.)
1122
África desde 1935
O deficit de competências estende -se à utilização da madeira de aqueci-
mento, a mais antiga fonte de energia empregada pelo homem permanece como
o principal recurso energético nos campos africanos. Os habitantes das regiões
rurais devem, atualmente, aprender a economizar. Modificações relativamente
simples, introduzidas nos métodos de cocção dos alimentos, bem como um
aperfeiçoamento dos métodos de combustão, poderiam reduzir sensivelmente o
consumo de lenha, o que talvez permitisse desacelerar ou mesmo interromper o
desmatamento e a desertificação, em algumas regiões do continente.
Aquelas sociedades nas quais os bovinos, os caprinos ou os camelos pos-
suem grande valor cultural, devem resolver um problema suplementar: elas
estão obrigadas a tornar proporcional o tamanho dos seus rebanhos e os pastos
disponíveis. As autoridades tiveram dificuldades em convencer os criadores
acerca do risco representado pela criação de número exageradamente elevado
de animais, volume passível de comprometer o ecossistema e causar a destruição
das pastagens. Animais em demasia, capacidades insuficientes: a associação entre
este excedente e este deficit revelou -se frequentemente fatal.
O que dizer, por outro lado, do conceito moralmente duvidoso relativo ao
excedente demográfico”, em um continente que padece de um deficit de com-
petências? O problema do crescimento demográfico agravou -se, também ele,
em razão da insuficiente capacidade de planejamento. A África produziria mais
seres humanos, comparativamente aos que ela estaria apta a alimentar? Embora
os anos 1980 nos tenham oferecido indicadores contraditórios no tocante às
relações entre a produção de subsistência na África e o crescimento populacional
no continente, o risco de uma diminuição da produção per capita persiste. Teria
sido necessário aumentar a produção de subsistência ou reduzir o crescimento
demográfico. Ambas as ações exigiriam competências específicas. A questão da
produção de subsistência foi abordada em vários capítulos deste volume. Mas,
o que dizer sobre o crescimento demográfico?
No transcorrer dos anos 1980, nasceram mais crianças na África que em
qualquer outra região do globo. A África negra conheceu, neste período, a mais
elevada taxa de crescimento demográfico de toda a história humana, índice este
que não interromperia a sua elevação (tabela 30.1). A taxa anual era de 2,5%,
entre 1960 e 1970, elevou -se para 2,7%, entre 1970 e 1980, atingindo 3,1%,
entre 1980 e 1986; estimava -se que ela alcançaria 3,2% em 1989. No Quênia,
por exemplo, a taxa anual de crescimento demográfico ultrapassava 4%.
O amor da África pelas suas crianças sempre foi glorificado, mas este sen-
timento igualmente encontra -se à origem da tragédia atualmente vivida pelo
continente. No curso dos anos 1980, pesquisas demonstraram que os africanos
1123
O horizonte 2000
desejavam famílias ainda mais numerosas, comparativamente às já elevadas
proporções em vigor, desde anteriormente. As mulheres desejavam em média
ao menos seis crianças. Em 1988, as quenianas pretendiam ter oito filhos. O
número de filhos desejados no conjunto da África variava entre cinco (Gana)
e nove (Mauritânia).
Este amor pelas crianças explica -se, especialmente, pela concepção africana
da imortalidade, esta última compreendida não simplesmente como uma ida aos
céus, mas, em igual medida, como a capacidade de transmissão do seu sangue aos
vivos, para que ele corra em suas veias. Em termos modernos e segundo esta con-
cepção, uma pessoa não é considerada realmente morta, enquanto os seus genes
continuarem vivos em seus descendentes. William Wordsworth aproximou -se
desta concepção africana ao escrever:
Oh alegria! A vida sobrevive nas cinzas,
A Natureza ainda se recorda
Deste que foi tão fugidio
10
.
Em virtude da forte mortalidade infantil, durante os anos 1980, as mulheres
africanas deram à luz a seis crianças, para terem certeza que ao menos quatro
sobreviveriam. Em muitas comunidades africanas, a morte é um visitante muito
mais familiar que o médico, por conseguinte, levar em conta o possível faleci-
mento das crianças, em seus primeiros anos de vida, constitui desde logo um
planejamento familiar.
A África necessita, portanto e sobretudo, não de um controle de natalidade
mas, de um controle dos óbitos; ela deve aprender não somente como ter menos
bebês mas, outrossim, como alcançar a sobrevivência de maior número de crian-
ças. O controle da mortalidade produz, primeira e normalmente, um aumento
nas taxas de crescimento demográfico; entretanto, após certo tempo, os pais
estão, em princípio, suficientemente seguros e aceitam gerar menos filhos. Ao
final dos anos 1980, esta transição demográfica ainda não se produzira na África.
Três tipos de situação, cada qual comportando uma dimensão agonística
positiva ou negativa −, concerniram estas crianças ao longo da recente história
africana: os conflitos entre grupos humanos (notadamente os conflitos entre
grupos étnicos); o confronto dos homens com o seu ecossistema (“guerra eco-
lógica”); a luta contra a ignorância e a pobreza (campanhas visando melhorar o
nível de vida da população e garantir ao menos a satisfação das suas necessidades
essenciais).
10 W. WORDSWORTH, Intimations of Immortality from Reccollections of Early Chilhood.
1124
África desde 1935
Os conflitos entre grupos étnicos, no contexto de guerras civis ou de liber-
tação, deixaram atrás de si crianças órfãs, ao menos de um dos pais, as quais
foram obrigadas a abandonar a sua comunidade de origem: trata -se das crianças
da guerra. A imagem clássica dos campos de refugiados ilustra, à perfeição, as
privações impostas a estas crianças.
Em sua luta, primordial, com as forças da natureza, os homens africanos
viram, no transcorrer deste período, a natureza debochar muito cruelmente de
si, pois ela provocou, sucessivamente e de modo especialmente destrutivo, as
grandes inundações e secas. Estas catástrofes naturais afligiram, a um só tempo,
adultos e crianças.
O terceiro tipo de situação, a afetar as crianças africanas, foi o combate
travado contra a ignorância e a pobreza. Intervenções simples, tal como a rei-
dratação das crianças ou a ingestão de sais minerais, lograram por vezes salvar
um milhão de vidas na África. As campanhas de vacinação infantil, realizadas
nos anos 1980, pela UNICEF e pela Organização Mundial de Saúde, diminu-
íram a mortalidade em algumas comunidades. Ações educacionais em respeito
à nutrição igualmente permitiram um recuo da mortalidade.
É possível depreender fenômenos de interação destes três tipos de situação,
por exemplo, a luta contra a ignorância em matéria de erosão dos solos consistiria
essencialmente em uma luta pela conservação dos solos e pela preservação do
ecossistema, por sua vez, os conflitos entre grupos étnicos teriam como efeitos
o simultâneo agravamento da pobreza e a deterioração do ecossistema.
Como, os africanos instruídos intervieram nestas situações? Qual teria sido
o papel dos artistas, dos educadores e dos intelectuais? Cabia -lhes executar um
trabalho de educação e de mobilização. Eles deviam participar da educação
pública e da formação dos dirigentes, além de, igualmente, ser da sua incumbên-
cia promover o entusiasmo e o engajamento, em favor das políticas adequadas
para a proteção ou a ajuda às crianças. Contudo e primeiramente, era necessário
mobilizar estes agentes de mobilização, educar estes educadores. Era fundamen-
tal que os artistas, os professores e os intelectuais alcançassem, em profundidade
e de fato, problemas que afligem os filhos da guerra, as vítimas das catástrofes
naturais e os deserdados. Eis ao que se dedica a UNICEF, desde meados dos
anos 1980, tentando conduzir os artistas, os intelectuais e outros africanos ins-
truídos a uma cruzada para salvar as crianças do continente.
Mas, como realmente fazer decair a taxa de mortalidade infantil? Malgrado
as demonstrações da UNICEF, provas cabais do quão relativamente limitadas
deveriam ser as competências para a aplicação de alguns métodos, estas ações,
todavia, não haviam sido postas em prática ao final do nosso período. Dez
1125
O horizonte 2000
TABELA 30.1 POPULAÇÃO DA ÁFRICA, 19502025 EM MILHARES.
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985
África 221984 247954 279316 317056 361788 413298 477232 552884
África Aus-
tral
África do
Sul
Botsuana
Lesoto
Namíbia
Suazilândia
15736
13683
389
734
666
264
17639
15385
433
794
736
291
19832
17396
481
870
817
326
22623
16832
549
936
910
370
25581
22458
623
1064
1016
419
28866
25301
755
1187
1141
482
32379
28270
902
1339
1306
563
36372
31569
1083
1538
1518
664
África Cen-
tral
Angola
Camarões
Congo
Gabão
Guiné Equa-
torial
República
Centro-
Africana
São Tomé e
Príncipe
Chade
Zaire
26316
4131
4467
808
469
226
1314
60
2658
12184
287921
4437
4843
889
477
238
1414
62
2838
13595
31811
4816
5297
988
486
252
1564
64
3064
15310
35343
5180
5874
1111
495
270
1677
68
3334
17335
39599
5588
6610
1263
504
291
1849
73
3652
19769
45243
6520
7520
1447
637
225
2057
81
4030
22726
52183
7723
8653
1669
806
217
2320
94
4477
26225
60209
8754
10051
1939
985
312
2646
107
5018
30398
África Oci-
dental
Benin
Burkina
Fasso
Cabo Verde
Costa do
Marm
Gâmbia
Gana
Guiné
Guiné Bis-
sau
Libéria
Mali
63150
2046
3654
146
2775
294
4900
2550
505
824
3520
70754
2111
4012
169
3221
313
5759
2826
522
914
3911
80173
2237
4452
196
3799
352
6774
2136
542
1039
4375
91628
2430
4961
229
4527
404
7828
3488
524
1195
4922
105202
2693
5550
267
5515
464
8612
3900
525
1385
5484
121715
3033
6202
278
6755
548
9831
4149
627
1609
6169
141258
3459
6957
289
8194
641
10736
4461
795
1876
6863
165
3985
7877
324
9933
745
12839
4982
873
2199
7915
Mauritânia
Níger
Nigéria
Santa
Helena
Senegal
Serra Leoa
Togo
825
2400
32935
5
2500
1944
1329
901
2689
37094
5
2811
2081
1414
991
3028
42305
5
3187
2241
1514
1096
3660
48676
5
3626
2429
1627
1221
4165
56581
5
4158
2656
2020
1371
4771
66346
5
4806
2931
2285
1551
5586
78430
5
5538
3623
2615
1766
6608
92016
6
6375
3665
3028
1126
África desde 1935
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985
África 642111 746819 866585 1001349 1148474 1301371 145067 1596855
África Austral
África do
Sul
Botsuana
Lesoto
Namíbia
Suazilândia
40928
35282
1304
1774
1781
788
45972
39348
1549
2053
2079
943
51416
43666
1822
2370
2437
1121
57168
48139
2124
2731
2847
1326
63108
52662
2451
3138
3303
1554
69074
57150
2779
3579
3776
1790
74821
61446
3095
4013
4245
2023
801336
65363
4427
4698
2249
África Central
Angola
Camarões
Congo
Gabão
Guiné Equa-
torial
República
Centro-
Africana
São Tomé e
Príncipe
Chade
Zaire
70054
10020
11833
2271
1172
352
3039
121
5678
35568
81933
11531
14037
2678
1382
400
3511
135
6447
41813
95981
13295
16701
3167
1612
455
4074
151
7337
49190
112344
15317
19897
3746
1827
519
4740
167
8352
57780
13958
17561
23665
4406
2052
592
5497
184
9491
67509
151395
20004
27893
5130
2309
671
6325
201
10728
78135
172266
22438
32264
5860
2594
752
7154
219
12013
88972
192342
24731
36547
6547
2875
828
7947
235
13245
99366
África Oci-
dental
Benin
Burkina
Fasso
Cabo Verde
Costa do
Marm
Gâmbia
Gana
Guiné
Guiné Bis-
sau
Libéria
Mali
Mauritânia
Níger
Nigéria
Santa
Helena
Senegal
Serra Leoa
Togo
193702
4630
8996
370
11997
861
15028
5755
964
2575
9214
2024
7731
108542
7
7327
4151
3531
227426
5421
10396
438
14535
984
17608
6700
1073
3032
10799
2335
9104
127694
8
8423
4740
4138
266645
1\6369
12092
515
17600
1119
20564
7830
1197
3575
12685
2702
10752
149621
10
9716
5437
4861
311360
7486
14080
595
21218
1271
23845
9162
1338
4207
14885
3129
12694
174307
11
11172
6250
5711
360430
8745
16349
676
25503
1434
26931
10667
1491
4921
17350
3612
14884
201266
13
12730
7172
6687
410942
10065
18822
757
30069
1593
29884
12252
1649
5689
19918
4129
17167
228753
15
14269
8161
7750
460383
11369
21327
841
34776
1736
32708
13820
1791
2477
22439
4542
19406
255393
17
15685
9139
8821
507455
12587
23710
922
39334
1864
35442
15273
1918
7245
24774
5119
21482
280890
19
16988
10045
9842
1127
O horizonte 2000
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985
África
Oriental
Burundi
Comores
Jibuti
Etiópia
Quênia
Madagascar
Maláui
Maurício
Moçambique
Uganda
República
Unida da
Tanzânia
Reunião
Ruanda
Seychelles
Somália
Territórios
britânicos
do Oceano
Índico
Zâmbia
Zimbábue
64984
2456
173
60
19573
6265
4230
2881
493
6198
4762
7886
257
2120
34
2423
2
2440
2730
72774
2691
114
69
21680
7189
4718
3169
571
6744
5556
8803
293
2391
38
2657
2
2753
3257
82326
2948
215
80
24191
8332
5309
3529
660
7461
6562
10026
339
2742
42
2935
2
3141
3812
94165
3224
240
114
27150
9749
6016
3975
753
8338
8047
11586
393
3183
47
3627
2
3614
4466
108228
3522
274
168
30623
11498
6742
4518
826
9395
9506
13513
441
3728
53
3668
2
4189
5260
123675
3680
320
243
34309
13741
7595
5244
892
10498
11183
15900
484
4384
59
4156
2
4841
6143
144172
4132
392
304
38750
16632
8785
6183
966
12095
13120
18867
508
5163
63
5345
2
5738
7126
167815
4731
463
354
43083
20096
10237
7340
1020
13711
15647
22748
547
6102
65
6370
2
7006
8292
África
Setentrional
Argélia
Egito
República
Árabe
Líbia
Marrocos
Saara Oci-
dental
Sudão
Tunísia
51798
8753
20330
1029
8953
14
9190
3530
57994
9715
22990
1126
10132
21
10150
3860
65115
10800
25922
1349
11626
32
11165
4221
73297
73297
11923
29389
13323
50
12359
4630
83158
13746
33053
1986
15310
76
13859
5127
93799
16018
36289
2446
17305
117
16012
5611
107240
18740
40875
3043
19832
135
18681
6384
123348
21788
46511
3786
3786
155
21822
726
1128
África desde 1935
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985
África
Oriental
Burundi
Comores
Jibuti
Etiópia
Quênia
Madagascar
Maláui
Maurício
Moçambique
Uganda
República
Unida da
Tanzânia
Reunião
Ruanda
Seychelles
Somália
Territórios
britânicos
do Oceano
Índico
Zâmbia
Zimbábue
196873
5472
550
409
49240
24031
12004
8754
1082
15656
18794
27318
598
7237
69
7497
2
8452
9709
232243
6362
658
474
57140
28978
14113
10494
1142
17922
22666
32971
647
8602
72
8441
2
10222
11340
273594
7358
789
552
66364
35060
16627
12458
1201
20493
26958
39639
692
10200
75
9736
2
12267
13123
321148
8469
945
644
79961
42389
19529
14654
1258
23365
31730
47460
735
11973
78
11312
2
14632
15012
374399
9657
1123
748
88889
50905
22827
17104
1309
26456
36982
56333
777
13791
80
13114
2
17328
16974
431034
10841
1315
862
101753
60071
26476
19701
1354
29592
42561
65845
817
15511
82
15035
2
20264
18951
487868
11950
1510
979
114313
69799
30272
22278
1391
32593
48101
75485
855
17196
83
16905
2
23286
20870
542536
12976
1697
1094
126618
79113
34014
24730
1419
35416
53144
84917
889
18847
84
18701
2
26620
22616
África
Setentrional
Argélia
Egito
República
Árabe
Líbia
Marrocos
Saara Oci-
dental
Sudão
Tunísia
140553
24960
52426
4545
25061
178
25203
8180
159245
28704
58388
5446
28301
202
29128
9076
178949
32904
64210
6500
31559
228
33625
9924
199330
37286
70099
7695
34648
254
38647
10702
219580
41510
75746
8976
37586
280
44017
11464
238925
45279
81050
10276
40408
308
49416
12188
256728
48484
85768
11567
43022
335
54627
12925
274390
51950
90355
12841
45647
362
59605
13630
[Fonte: United Nations (1990) World Population Prospects, ST/ESA/SER. A/120.]
1129
O horizonte 2000
milhões de recém -nascidos morreram de diarreia na África durante a época
colonial e pós -colonial. Métodos simples, de reidratação e de aporte de sais
minerais, poderiam ter salvo a maior parte destas crianças. Certas organizações
não africanas, em posse das competências requeridas, começam a distribuir, às
mães das zonas rurais, kits de emergência contendo água potável e sais minerais.
A boa qualidade da água é, sem dúvida, uma das importantes condições para a
redução da mortalidade infantil, assim como o abastecimento em água potável
consiste em uma ação pública que merece toda a atenção dos governos africanos
e dos organismos internacionais.
A vacinação contra as outras doenças, as quais dizimam os recém -nascidos,
poderia melhorar consideravelmente as chances de sobrevivência das crianças
africanas. Campanhas de vacinação realizadas em larga escala poderiam rapida-
mente eliminar flagelos, tais como a difteria, a coqueluche, a rubéola ou a febre
tifoide. Países como o Burkina Fasso lançaram -se em tais programas.
Entretanto, outra doença apareceu durante o período estudado neste volume,
provavelmente a mais grave, até os dias atuais, a atingir o gênero humano.
Perante esta moléstia, denominada pelos ocidentais síndrome da imunodefi-
ciência adquirida (SIDA/AIDS), as competências do Ocidente revelam -se tão
insuficientes quanto aquelas próprias à África.
Esta doença, essencialmente pertencente ao último quarto do século XX,
desafiou, no imediato, todas as leis da luta de classe internacional e da parti-
lha mundial das riquezas, atingindo indiscriminadamente ricos e pobres. As
primeiras vítimas foram, efetiva e principalmente, os habitantes das maiores
cidades norte -americanas, como Nova Iorque ou São Francisco, bem como os
africanos das regiões mais pobres do continente. Pela primeira vez neste período
da história, o Ocidente sofre tanto quanto a África de um deficit de competên-
cias, restando aos médicos ocidentais uma ignorância, neste âmbito, semelhante
àquela dos seus consortes áfricos.
Todavia, esta ignorância brevemente compartilhada não deveria, junto a nós,
dissimular a distância que separa aqueles conquistadores da Lua daqueles que
padecem nas comunidades. O deficit de competências não se reduz somente a
um problema de fundamental importância no tocante à elaboração das políticas
estatais africanas. Ele determina a oposição Norte -Sul, a hierarquização do sis-
tema mundial e a sua divisão em países desenvolvidos e países subdesenvolvidos.
Este é o fardo da humanidade na época atual.
1130
África desde 1935
Conclusão
Entre 1935 e os dias de hoje, a África passou da idade do colonialismo para
a nova era da independência. Nós demonstramos, anteriormente, como este
curto período da história do continente articulava -se, em uma década de conflito
mundial (1935 -1945) e durante um decênio e meio de luta redobrada contra
o colonialismo (1945 -1960), combate este desdobrado na brilhante, embora
incerta, aurora da independência, terceira fase dominada pela luta em prol do
desenvolvimento, no curso da qual a África foi obrigada a enfrentar inumeráveis
problemas.
Uma perigosa tentação surge para o historiador, relativa a suscitar um suporte,
derivado do seu conhecimento sobre o passado, com vistas a tentar compreender
o presente e discernir as prováveis futuras tendências. O período examinado
neste volume acompanhou o advento das maiores revoluções técnicas da história
humana, revoluções que permitiram, notadamente, o início da viagem espacial.
Enquanto a África rumava para a independência, outros pisavam em solo lunar.
Assinalamos neste volume, assim como nos precedentes, as contribuições
áfricas para a história da ciência. A colonização, antes e sobretudo, interrompeu o
desenvolvimento técnico da África, comparativamente ao que ela teria facilitado.
A Europa “subdesenvolveu” a África, segundo a expressão de Walter Rodney
11
,
os europeus não transmitiam aos africanos senão competências concernentes à
expressão escrita e oral, técnicas de comunicação, mas não um savoir -faire em
matéria de produção e desenvolvimento.
Mas os africanos souberam fazer o melhor uso possível deste saber. Em
que pesem os seus limites. Demonstramos como as elites africanas, formadas
com base em uma educação ocidental, empregaram estas novas técnicas comu-
nicativas para mobilizar os seus compatriotas, dividir a opinião pública das
metrópoles, fortalecer os laços com o conjunto da comunidade internacional,
convencendo esta última em respeito ao bom e legítimo fundamento das aspi-
rações da África. O combate continua com o objetivo de melhorar os sistemas
políticos, salvaguardar o ecossistema, garantir o desenvolvimento e proteger as
crianças africanas. No entanto, numerosas fontes de tensão subsistem.
Para que a situação da África se transforme radicalmente, far -se -ia mister,
em particular, operar uma mudança social nas relações entre os sexos e uma
modificação do paradigma das relações do homem com o seu ecossistema. A
11 W. RODNEY, 1981.
1131
O horizonte 2000
África deve promover a convergência da tradição, da qual as relações entre os
sexos constituem o mais antigo fundamento, com a modernidade, baseada na
ciência. Para lograr êxito, falta -lhe conciliar uma revolução nas relações humanas
(entre homens e mulheres) e uma revolução na atividade humana (competências
e valores). Quiçá, as futuras gerações reconhecerão que o período atual, iniciado
em 1935, muito bem preparou o continente áfrico para esta dupla transformação.
1133
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
Os primeiros anos da cada de 1990 foram marcados por reviravoltas
políticas, dentre as quais, a queda do muro de Berlim, o desmoronamento dos
regimes comunistas dos países da Europa Oriental e a Guerra do Golfo per-
manecem os acontecimentos mais relevantes. O ocaso da potência comunista
deixou o capitalismo sem rival e abriu uma via sem obstáculos para a democracia
liberal e para a economia de mercado, as quais delimitam, nos dias atuais, o
quadro evolutivo das sociedades. Esta evolução inscreve -se, doravante, em um
sistema de relações globais, tornado possível graças à revolução tecnológica na
comunicação: nenhuma cultura, nenhuma nação, nenhum continente escapa,
desde então, a esta globalização dos intercâmbios humanos.
Parte integrante deste sistema mundial, a África é afetada por estas mudan-
ças. A África dos anos 1990 pode ser definida como um cenário marcado por
crise econômica e política, por tensões e guerras, bem como pelo afropessi-
mismo”, por um lado, mas igualmente pela democratização e por um maior
1 Este posfácio pôde ser redigido graças às pesquisas e às contribuições da Sra. J. M. Kambou (historiadora,
doutora de terceiro ciclo) e da Sra. S. Serbin (historiadora e jornalista); ele foi essencialmente concebido
a partir dos dados fornecidos pelas revistas Afrique contemporaine e Monde arabe; Maghreb, Machrek,
publicações trimestrais editadas pela Documentation Française, Paris; assim como, graças à revista
Politique africaine, publicada pelas Éditions Karthala, Paris. Todos os números que cobrem o período
compreendido entre 1989 e 1997 foram minuciosamente consultados.s igualmente fomos subsidiados
pelo periódico Marchés tropicaux et méditerranéens, o hebdomadário da África e do Oceano Índico,
CIRAD -CA, Montpellier, dos anos 1994 a 1997.
Posfácio:
cronologia da atualidade africana
nos anos 1990
C. Wondji
1134
África desde 1935
respeito aos direitos humanos. Sem sucumbir ao mito de uma África arrasada,
gangrenada por misteriosas doenças, arruinada por tiranos corruptos e lutas
tribais sanguinárias, é -nos forçoso constatar que a África não pode ser tomada
como exemplo. Considerando as análises expostas neste volume, surge a questão
concernente às novas prioridades às quais se encontra submetido o continente,
perante as crises sociopolíticas e econômicas do decênio 1990. Nós abordaremos
brevemente esta questão, deixando à cronologia dos principais acontecimentos
o encargo de iluminar uma vida política, econômica e social africana que, longe
de estar totalmente marcada pela morbidez, comporta promissoras inovações.
trinta anos, enfatiza um estudo do Banco Mundial datado de 1989, a
pobreza persiste nos países africanos, justamente naquelas nações que tanto
haviam esperado, após a independência, uma melhora nas condições de vida
dos seus habitantes. Nos anos 1970, o aumento no preço das matérias -primas e
o afluxo dos petrodólares permitiriam aos dirigentes terceiro -mundistas, espe-
cialmente aos líderes africanos, financiar programas de desenvolvimento cujo
impacto mostrar -se -ia reduzido no nível geral de vida das populações. Entre-
tanto, após os dois choques petrolíferos (1973 e 1979) que abalaram a economia
mundial, a recessão industrial provocou uma queda nas cotações das matérias-
-primas. Os anos 1980, por conseguinte, foram marcados por um declínio geral,
no qual o continente africano foi a principal vítima, em razão das persistentes
debilidades estruturais próprias ao funcionamento da sua economia, contexto
cuja exceção seria a África do Sul.
Ao longo do decênio 1990, o desempenho econômico do continente africano
revela -se ainda decepcionante e o PIB permanece aquém do nível atingido no
ano 1980. A pobreza, correspondente a uma endemia no continente, está par-
cialmente ligada ao crescimento demográfico, estimado em 2,8% no ano 1996,
taxa superior ao crescimento da produção agrícola (2,2% ao ano). Na África,
60% da população vive em total indigência e entre os 48 PMA (países menos
desenvolvidos) catalogados no mundo, 33 são africanos. A África não se bene-
ficia senão com 5% do fluxo total de investimentos estrangeiros diretos (ou seja,
110 bilhões de dólares norte -americanos, em 1996), aportes que, no continente,
concentram -se na África do Sul, no Egito, no Marrocos e na Nigéria, além de
ser alarmante a queda da ajuda pública ao desenvolvimento.
Os países do Norte reagrupam -se e o Ocidente mobiliza os seus capitais com
vistas à consolidação da Europa. Estes capitais são, desde logo, dirigidos para os
antigos países comunistas da Europa Central e Oriental, para a América Latina,
região de melhor desempenho econômico, bem como para os países asiáticos
cujos mercados indicam maior solvência. A parcela referente à África nas trocas
1135
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
mundiais não ultrapassa 1%, comparativamente aos 3% correspondentes aos
anos 1960. A dívida da África, continente mais endividado per capita, equivale
a 265% das suas receitas de exportação nos anos 1990. O serviço da dívida per-
manece em torno de 20% para a maioria dos países e, para alguns, ultrapassa
30% das receitas de exportação.
Desde o final do comunismo e da adoção do liberalismo em nível mundial,
a África não mais representa um desafio estratégico. Ao longo dos anos 1990,
assiste -se, portanto, a uma verdadeira desclassificação internacional do conti-
nente africano, onde as experiências de desenvolvimento importadas se haviam
desdobrado em trágicos impasses. Em razão de não ter logrado impor -se de
maneira decisiva como um ator eficiente do sistema econômico mundial, a
África, minada pelas suas crises políticas e pela fraqueza dos seus resultados eco-
nômicos, encontra -se de mais em mais abandonada. A esta situação acrescenta-
-se uma nova corrente de pensamento: o “afropessimismo”.
As dificuldades ligadas ao tratamento da dívida interna e externa, assim
como a crise das finanças públicas, conduziram os dirigentes africanos a soli-
citarem o concurso das instituições de Bretton Woods o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial as quais viriam a substituir empre-
endedores estrangeiros. Através dos programas de ajuste estrutural (PAE), estas
instituições tentaram redinamizar as moribundas economias africanas. Estes
PAE correspondem a processos de estabilização mediante o restabelecimento
dos equilíbrios macroeconômicos internos e externos, ligados à implementação
de programas de reformas estruturais. Partidário da liberalização das economias
africanas, o FMI tem como objetivo livrar o Estado da gestão econômica em
proveito do setor privado e a sua política traduz -se por um conjunto de medi-
das: redução dos gastos públicos, afetando especialmente os serviços sociais;
realização de políticas setoriais, em favor da iniciativa privada; diminuição dos
efetivos da função pública, julgados excessivos; congelamento das contratações,
etc. Qualquer empréstimo de capitais aos Estados encontra -se, desde logo, sub-
metido à negociação de acordos condicionais com o FMI. No decorrer dos anos
1990, a quase totalidade dos países africanos engaja -se neste processo de esta-
bilização e austeridade. A desvalorização do franco CFA, imposta aos Estados
africanos francófonos, em 12 de janeiro de 1994, é uma das grandes vitórias
das instituições de Bretton Woods, as quais renunciavam, desde os anos 1970,
à sobrevalorização desta moeda. As dissimetrias estruturais das economias afri-
canas nos países da zona do franco, atormentadas pelo “mau desenvolvimento”,
e o sempre crescente peso financeiro da ajuda que a França foi levada a conce-
der para sustentar a economia destes países, conduziram o Governo francês a
1136
África desde 1935
subordinar a sua ajuda à assinatura de planos de ajuste com o FMI e a defender
o princípio da desvalorização.
Estes programas de austeridade traduzem -se, nestes países pobres, por
uma desestruturação econômica e social, pelo crescimento do desemprego e por
uma degradação nas condições de vida destas populações, cujas mais gravemente
afetadas são aquelas das cidades, onde se amplificam os mecanismos de exclusão
e marginalização social. A urbanização do Terceiro Mundo, com efeito, constitui
um dos fenômenos maiores deste final de século, como derivação, as taxas de
urbanização dos países africanos aproximam -se dos 40% e a população urbana
aumenta anualmente em 5,5%. Malgrado este ritmo de urbanização, a popu-
lação rural africana continua a crescer, conduzida por uma taxa de crescimento
global de 3,1%.
A aplicação das medidas dos PAE provoca numerosas desordens: descon-
tentamentos, greves de trabalhadores e estudantes, operações cidades -mortas,
estes processos conferem o ritmo da vida nas cidades africanas dos anos 1990
(Camarões, Quênia, Togo, Zaire [atual R. D. do Congo], etc.). Se os desdobra-
mentos dos PAE são pluridimensionais, mencionemos aqui os seus mais dramá-
ticos efeitos, sobre a saúde, a alimentação e a educação. A UNICEF constatou
que, em cada grupo de dez países submetidos a programas de ajuste estrutural,
seis registraram uma baixa do nível nutricional e um crescimento das doenças
transmissíveis e cinco conheceram uma regressão no âmbito educacional. É
impossível, neste contexto, passar em silêncio frente ao drama da pandemia da
AIDS, a qual encontrou nas condições de vida dos africanos um terreno fértil
e de predileção. A despeito das consideráveis disparidades existentes, de país a
outro, a AIDS tornou -se, em menos de um decênio, uma dentre as primeiras
causas de óbito junto ao indivíduo adulto, na faixa etária de quinze a quarenta e
cinco anos. Não é menos verdadeiro que o paludismo permanece como a prin-
cipal causa de mortalidade no seio das populações africanas.
Os efeitos da crise solapam em cheio a juventude africana, notadamente a
juventude escolar e universitária para a qual os anos 1990 representam a incer-
teza. As políticas de ajuste estrutural limitam o recrutamento dos funcionários
e, por conseguinte, dos professores, em um continente caracterizado por uma
explosão escolar, acelerada pelo crescimento demográfico. Por toda a parte as
famílias vivem “do quebra galho e a escola está sacrificada em razão da urgên-
cia da sobrevivência. Na África negra, onde apenas 2% dos jovens alcançam
o ensino superior, as condições de trabalho dos estudantes são deploráveis e
alimentam ininterruptamente movimentos estudantis de contestação, os quais
desestabilizam o sistema universitário em razão do fechamento de universida-
1137
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
des e como consequência dos anos de não funcionamento destas instituições,
os anos brancos (Costa do Marfim, Quênia, Senegal, Níger, Gabão e, recente-
mente, o Burkina Fasso). Símbolo do saber, aposta dos poderes, concentração
das contradições de uma sociedade em crise, a universidade africana resume o
impasse de uma África devastada pelo serviço da dívida, de um continente no
qual a falência dos sistemas educacionais reserva o mercado do saber a alguns
privilegiados, agravando deste modo as desigualdades sociais.
Quanto às mulheres, igualmente vítimas da aplicação dos PAE, elas cons-
tituem a maioria da população e compõem os mais vulneráveis grupos. Com
a crise das economias, a qual igualmente equivale a uma crise da sociedade, as
mulheres estão na linha de frente na luta pela superação das dificuldades próprias
à vida cotidiana da célula familiar, graças muito frequentemente ao setor infor-
mal, particular e eficazmente, dominado por elas. Em um mercado de trabalho
deteriorado pela crise, no qual a taxa de desemprego urbano aproxima -se de
18%, contra 10% em 1970, as suas estratégias de sobrevivência individual rapi-
damente mostram os seus limites, alimentando a delinquência e a prostituição.
A esfera política ainda permanece um espaço quase exclusivamente mas-
culino: além dos obstáculos estruturais de ordem cultural e social, histórico e
legislativo, entraves conjunturais limitam a participação das africanas na vida
política. Elas não são representadas além de 8% nas instâncias decisórias no topo
da hierarquia do Estado.
Entretanto, as mulheres progressivamente abandonam o seu papel de coad-
jutoras dos homens e formam, juntamente com os jovens, a vanguarda das
contestações populares aos poderes políticos monolíticos. Os exemplos do Mali,
do Togo e da Argélia ilustram as suas decisivas ações nos processos de transição
democrática que marcam a vida política da África nos anos 1990.
Após as independências, a história tendeu a esquecer a capacidade das socie-
dades africanas em porem em marcha práticas de ruptura com a ordem estabe-
lecida. Nas cidades africanas dos anos 1990, as greves de estudantes secundários
e universitários, aquelas dos sindicatos livres, a mobilização das mulheres, estes
movimentos desempenham o mesmo papel. Embora numerosos africanos,
desamparados pelos efeitos sociais do ajuste, tentem encontrar objetivos de
vida, aderindo a numerosas seitas e confrarias religiosas ou às novas igrejas, são
ainda mais numerosos aqueles que escolhem a via do combate político, em favor
da democracia e de um maior respeito aos direitos humanos. Esta busca pela
mudança deriva, a um só tempo, do contexto africano e das influências externas.
Este fenômeno é, com efeito, inseparável das mutações que afetam as socie-
dades africanas desde o final do primeiro decênio das independências. Ao longo
1138
África desde 1935
destas transformações, é necessário mencionar o papel ativo desempenhado
pelos jovens nascidos após estas independências, particularmente a sua contes-
tação dos poderes constituídos, estabelecidos em sociedades africanas nas quais
as antigas solidariedades são, desde já, submetidas ao desafio da urbanização e da
crise econômica. trinta anos, os dirigentes africanos governaram empregando
métodos autoritários e favorecidos pelo sistema dos partidos únicos e justifica-
dos pela vontade de arrematar a construção do Estado e a integração nacional.
Estes poderes mantiveram -se enquanto a situação permitiu aumentar qualquer
esperança de desenvolvimento. Nos dias atuais, os jovens não mais aceitam que
o seu futuro esteja comprometido por tais todos de governo e gestão; de
onde provém a generalização da contestação. Terreno das radicais mudanças
nas estruturas sociais tradicionais, a cidade igualmente constitui um campo
para o aprendizado da democracia. Os jovens nela adquiriram uma particular
capacidade de formalização dos fatores de descontentamento. Neste jogo dos
fatores internos, não se pode esquecer as Igrejas cristãs, cujas tomadas de posição
em favor da democratização e dos direitos humanos aceleraram a evolução dos
sistemas políticos em numerosos países (África do Sul, Benin, Congo, Sudão,
Togo, Zaire, etc.).
Estas aspirações também foram influenciadas pelas turbulências políticas
ocorridas na Europa Oriental, onde a rejeição ao comunismo desmantelou a
ordem mundial imposta pelos acordos de Yalta, fazendo deste modo desaparecer,
junto aos parceiros ocidentais, o temor de uma conversão dos países africanos
ao comunismo. Os comanditários, há bem pouco tempo, prontos a apoiarem os
regimes autoritários, hoje estimulam os africanos a adotarem sistemas demo-
cráticos. Levando em conta as explosões sociais ocorridas em vários pontos
do continente, a França, na cúpula de La Baule (19 -21 de junho de 1990),
nitidamente fez os seus parceiros africanos compreenderem que o seu apoio
destinar -se -ia, desde logo e prioritariamente, aos países orientados pela via
democrática. Considerando -se assim a democracia como a condição sine qua
non para o desenvolvimento, a ajuda ocidental está subordinada à democratiza-
ção dos regimes políticos. Os países africanos, o Benin à frente, reagiram a estas
solicitações, organizando conferências nacionais que permitiram a elaboração
de novas constituições e leis fundamentais, instauradoras do pluralismo político.
A liberdade de imprensa teve como corolário a multiplicação dos partidos
políticos, cujo número compreende desde quatro organizações, em São Tomé e
Príncipe, amais de uma centena, na Nigéria e no Zaire (atual R. D. do Congo).
A disputa de eleições desenrolou -se na quase totalidade dos países africanos.
1139
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
A primeira manifestação desta nova liberdade foi o reaparecimento ou o
nascimento de múltiplos órgãos de imprensa e de numerosas estações de rádio
privadas. No tocante à gestão do respeito aos direitos humanos do continente,
ela beneficiou -se dos esforços de várias ONG, em que pese um ambiente assaz
desfavorável. Desde 1992, a União Interafricana pelos Direitos Humanos
(IUDH), sediada no Burkina Fasso, tenta implementar uma verdadeira política
de proteção, promoção e defesa dos direitos humanos nos diferentes países da
África. Três -quartos dos países africanos aderiram a estas orientações. As
seções nacionais têm como objetivo tornarem -se verdadeiros parapeitos contra
as derivações políticas dos governantes.
Porém, o eixo político central na África, dos anos 1990, permanece a demo-
cracia e a boa governança”, para as quais a libertação de Nelson Mandela, na
África do Sul, proporcionou impulso decisivo, especialmente graças ao impacto
que a midiatização deste acontecimento teve em todas as juventudes do mundo,
singularmente a juventude africana. Entretanto, o processo de transição demo-
crática não se reproduziu à margem das dificuldades, choques e tensões, os
quais por vezes conduziram a uma paralisia da vida política, provocando, por
conseguinte, a intervenção das forças militares. Salvo em Gana, no Mali e no
Chade, onde o processo democrático foi iniciado com a participação dos pró-
prios militares, estes últimos chegaram a se amparar do poder desde além das
fronteiras, com a ambição proclamada de impor um termo às situações de crise:
tal foi o caso da Nigéria (1993), do ger e das Ilhas Comores (1995), do
Burundi (1996) e de Serra Leoa (1997), países nos quais eles provocaram o
ressurgimento do medo dos golpes de Estado militares, os quais marcaram a
vida política africana ao longo de duas décadas. Outras crises, ligadas às difi-
culdades na implantação da democracia e da boa governança”, revelaram -se
mais complexas: no Congo e na República Centro -Africana, uma conjunção
de problemas políticos e étnicos posicionou facções, umas contra as outras, em
mortíferos combates urbanos.
Se os primórdios dos anos 1990 viram o final das guerras de libertação nacio-
nal, com a independência da Eritreia, da Namíbia, a chegada ao poder da maioria
negra na África do Sul, assim como a supressão do iníquo sistema do apartheid,
as guerras que devastaram alguns países africanos no curso deste decênio, por
sua vez, são de outra natureza. São guerras civis nascidas em consequência de
problemas econômicos e políticos, frequentemente cristalizados em confrontos
étnicos, culturais e religiosos: os massacres coletivos perpetrados no Burundi e
em Ruanda, as sangrentas matanças na Argélia, os mortíferos enfrentamentos na
Libéria e em Serra Leoa continuam a alimentar a imprensa e as mídias com as
1140
África desde 1935
suas notícias macabras. Alguns movimentos separatistas hesitantes ou resolutos
(Casamance, Comores, Sudão), reivindicações identitárias (problema tuaregue,
no Mali e no Níger), disputas fronteiriças (Camarões/ Nigéria), estas questões
completam o quadro das crises africanas.
Contudo, a conquista do poder pela Aliança das Forças Democráticas pela
Libertação do Congo (AFDL), de Laurent -Désiré Kabila, no antigo Zaire,
atascado sete anos em uma transição democrática bloqueada, surge como o
fato político maior na África, durante o ano 1997. Sem dúvida porque, pela pri-
meira vez após o fim da Guerra Fria, uma crise africana de grandes proporções
seria integralmente resolvida pelos africanos, especialmente aqueles da África
Central, Oriental e Austral. Igual e indubitavelmente, conviria interrogar -se se
esta crise não seria o prenúncio de uma modificação na configuração geopolítica
do continente, no âmbito das relações de influência entre Estados francófonos
e Estados anglófonos, por um lado, entre Estados mineradores e petrolíferos,
por outra parte. Desde logo, impõe -se a questão que reside em saber qual será
o desenho final desta configuração, ao nascer do século XXI.
O otimismo, manifestado pelos chefes de Estado na cúpula da OUA, em
junho de 1997, ao falarem de “renascimento”, afasta -nos do afropessimismo
ocidental. Dotados de considerável potencial, natural e humano, os países da
África Central, Oriental e Austral projetam a criação de um “mercado comum
africano”. A integração regional representa, de fato, uma das soluções para a crise
proposta pelos africanos, como testemunha a criação de numerosas organizações
intergovernamentais (OIG), cuja eficiência é certamente variável e desigual,
embora reúnam os Estados por esfera geográfica. Exemplos: a União do Magreb
Árabe (UMA), a Southern Africa Development Community (SADC), a Comu-
nidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC), a Comunidade
Econômica dos Estados da África do Oeste (CEDEAO), a União Econômica
e Monetária dos Oeste Africano (UEMOA), as quais têm como objetivo har-
monizar os espaços econômicos nacionais, através da abolição dos entraves à cir-
culação dos bens e das pessoas, instituir uma tarifa preferencial para o comércio
inter -regional, assim como, implementar políticas setoriais comuns, nos setores
agrícola, industrial, energético, etc. A promulgação de um arcabouço jurídico
para os negócios está igualmente projetada. Com vistas a coroar o processo de
integração econômica e política do continente, o Tratado de Abuja, assinado em
3 de junho de 1991, cria a Comunidade Econômica Africana (CEA), acrescen-
tando uma inovação maior: o Parlamento Pan -africano.
A força destas instituições reside, por um lado, na complementaridade obje-
tiva dos recursos e das trocas que elas podem gerar entre os Estados, por outra
1141
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
parte, ela subjaz da vontade dos atores econômicos em contarem, desde logo,
com as capacidades endógenas dos países africanos. A despeito das debilidades
estruturais da economia africana e, todavia, considerando esforços de gestão,
impostos pelas instituições monetárias internacionais, e a nova conjuntura dos
preços referentes às matérias -primas, o crescimento global da produção atingiu,
em 1995, o seu mais alto nível desde os seis anos antecedentes. Para reatar os
laços com o crescimento, de modo durável, à África não faltam atributos: rique-
zas agrícolas, reservas minerais, recursos humanos e crescimento demográfico.
Entretanto, o desenvolvimento não pode se realizar senão em ambiente de paz.
Igualmente, os africanos tentam atrair investidores, estabelecendo estruturas
preventivas e de gestão de conflitos, as quais permitiriam interromper as guer-
ras e garantir a estabilidade das sociedades e dos Estados. Na África do Oeste
existe a Força Africana de Interposição (ECO -MOG), emanação dos Estados
da CEDEAO. A OUA também estuda um projeto de criação de um organismo
encarregado da prevenção, da gestão e da regulamentação dos conflitos.
Em que pesem os males que a afligem (mau -desenvolvimento, guerras civis
e locais, aguda crise social), lampejos de esperaa surgem na África desde
1994: a retomada econômica é perceptível em numerosos Estados, o processo
democrático desenvolveu -se por toda a parte e a consciência gerada pela União
corroboram a necessidade da África em contar com as suas forças próprias. É
significativo que a ocupação, sucessiva, do posto de secretário -geral das Nações
Unidas por dois africanos coincida com esta retomada de iniciativas, invariavel-
mente na ordem do dia. Sucedendo a posse do egípcio Boutros Boutros -Ghali,
a eleição de Koffi Annan, oriundo de Gana, país pioneiro do pan -africanismo
e da unidade continental, sem dúvida anuncia esta esperança de novos tempos,
quando a África reencontrará o seu lugar no concerto das nações e dos povos.
1142
África desde 1935
Cronologia dos fatos relevantes
1990
África do Norte e do Nordeste
ARGÉLIA Os islâmicos exigem o fechamento dos comércios de bebida e dos
prostíbulos; distúrbios (10-25 de janeiro).
EGITO – Vacinação de 90% dos recém-nascidos: a mortalidade infantil passou de
85 para 44%; população total: 56 milhões de habitantes (26 de julho).
JAMAHIRIYA ÁRABE LÍBIA – Prorrogação, pelos Estados Unidos da América
do Norte, das sanções econômicas adotadas pela ONU em 1986 (5 de janeiro);
carta de integração com o Sudão (30 de junho); acordo de segurança com o
Chade (5 de setembro).
MARROCOS Estabelecimento de relações diplomáticas com a Namíbia (26 de
março).
SAARA OCIDENTAL – Reconhecimento da República Árabe Sarhaoui Demo-
crática (RASD) pela Namíbia (31 de abril).
SOMÁLIA Implantação do pluripartidarismo (6 de outubro).
SUDÃO Restabelecimento das relações diplomáticas com a República Centro-
Africana (12 de fevereiro); redução de 10% nos efetivos administrativos e no setor
público, por determinação do FMI.
África do Oeste
BENIN – Conferência Nacional das forças políticas para estudar a implantação do
pluripartidarismo e da democracia (19-28 de fevereiro); adoção da nova consti-
tuição (2 de dezembro).
COSTA DO MARFIM – Violentas manifestações estudantis, greves das institui-
ções escolares reivindicando reformas estruturais (19-20 de fevereiro); reeleição
de Houphouët-Boigny para a presidência da República (28 de outubro).
GUINÉ BISSAU Conferência nacional de transição para o pluripartidarismo
(8-12 de outubro).
LIBÉRIA – Instalação em Monróvia do governo interino de Amos Sawyer (22 de
novembro).
MALI A população está estimada em 7,696 milhões de habitantes.
NÍGER Implantação do pluripartidarismo (15 de novembro).
SENEGAL Disputa fronteiriça entre as tropas senegalesas e bissao-guineanas
(19-23 de maio); incidentes em Casamance, atribuídos aos separatistas casaman-
ceses (maio-junho).
1143
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
África Central
CAMARÕES Lei sobre o pluripartidarismo (6 de dezembro).
CONGO – Reivindicações sociais e políticas: manifestações de rua e greves (outu-
bro-novembro); pluripartidarismo introduzido na Constituição (6 de dezembro).
RUANDA – Abertura ao pluripartidarismo (13 de novembro); tentativa de invasão
do país pelos soldados da Frente Patriótica Nacional, refugiados em Uganda
(1-3 de outubro).
CHADE – Entrada das tropas de Idriss Deby em Njamena (2 de dezembro); Idriss
Deby torna-se chefe de Estado (4 de dezembro).
ZAIRE (atual R. D. do Congo) – Mobutu anuncia a implantação do pluripartida-
rismo limitado a três organizações partidárias (24 de abril); a oposição demanda
a convocação de uma conferência nacional pluralista encarregada de organizar
eleições livres; greves e manifestações de rua (1-25 de maio).
África Oriental e Austral
ÁFRICA DO SUL – Legalização do CNA, do PAC (Congresso Pan-Africano) e
do SACP (Partido Comunista Sul-Africano), (2 de fevereiro); Nelson Mandela
é solto da prisão (11 de fevereiro).
ILHAS COMORES Ahmed Abdalah é eleito presidente da República (14 de março).
LESOTO Mohato Seeisa é proclamado rei em lugar do seu pai exilado pelos
militares (11 de novembro).
MALAUI – Adesão à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, da OUA
(23 de fevereiro).
MOÇAMBIQUE – Abolição da pena de morte (22 de outubro).
NAMÍBIA – Adoção da Constituição; Sam Njoma foi eleito presidente da futura
Namíbia independente (9-16 de fevereiro); proclamação da independência (21
de março); torna-se o 181
o
membro das Nações Unidas (23 de abril); adesão ao
FMI e ao Banco Mundial (25 de setembro), assim como à Convenção de Lomé
IV (19 de dezembro).
REPÚBLICA UNIDA DA TANZÂNIA Ali Hassan Mwinyi é reeleito presi-
dente da República (28 de outubro).
ZÂMBIA Estabelecimento legal do pluripartidarismo (17 de dezembro).
ZIMBÁBUE Robert Mugabe é reeleito para a presidência da República (1
o
de abril).
A África e o restante do mundo
EGITO Mediação pelo ministro das relações exteriores, B. Boutros-Ghali, na
crise que opõe o Senegal à Mauritânia, em respeito aos respectivos cidadãos,
residentes em solo do oponente país vizinho (30 de janeiro).
1144
África desde 1935
FRANÇA-ÁFRICA 16
a
Cúpula Africana de La Baule; o discurso de F. Mit-
terrand condiciona a concessão da ajuda francesa aos países africanos aos seus
esforços em favor da democratização (19-21 de junho).
TUNÍSIA Criação de um centro africano de formação voltado para a edição, a
difusão e a distribuição do livro (19 de maio).
VATICANO 6
a
viagem do Papa João Paulo II à África: Cabo Verde, Burkina
Fasso, Guiné-Bissau, Mali, África do Sul, Chade (21 de janeiro-1
o
de fevereiro).
1991
África do Norte e do Nordeste
ARLIA Adoção total da língua árabe no ensino superior (22 de julho); aumento
de 35% nos preços dos gêneros de primeira necessidade, conforme orientação
do FMI (17 de agosto).
ETIÓPIA – Mengistu Haïlé Mariam pede demissão das suas funções como chefe
de Estado (21 de maio); tomada do porto de Asmara pelas forças da Frente
Popular de Libertação da Eritreia (FPLE) (10 de junho).
JAMAHIRIYA ÁRABE LÍBIA – Supressão dos postos aduaneiros e das formali-
dades fronteiriças com o Egito (7 de agosto).
SOMÁLIA – O general Haideed toma o poder em Mogadíscio (18 de novembro).
SUDÃO Assinatura de decreto transformando o Sudão em Estado federativo (5 de
fevereiro); manifestações estudantis ligadas a problemas de alojamento (23 de julho).
África do Oeste
BENIN O Sr. Sogle é eleito presidente da República (25 de março).
BURKINA FASSO − O capitão Blaise Compaoré é eleito presidente da República
(8 de dezembro).
CABO VERDE Mascarenhas Monteiro é eleito presidente da República (17 de
fevereiro).
COSTA DO MARFIM Último recenseamento: 10.815.694 habitantes (19 de
novembro).
LIBÉRIA – Início da Conferência Nacional (16 de março).
MALI – Cessar-fogo entre os rebeldes tuaregues e o governo (6 de janeiro); mani-
festações em Bamako em favor do pluripartidarismo (3-4 de março); violentos
levantes em todo o país, repressão policial: ao menos 148 mortos, o presidente
Moussa Traoré é detido, o tenente-coronel Amadou Toumani Touré dirige o
Conselho Nacional de Reconciliação (CNR) (17-27 de março).
NÍGER Conferência Nacional em prol da transição rumo à democracia (19 de
setembro-3 de novembro).
1145
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
NIGÉRIA Abuja é escolhida como capital nacional em lugar de Lagos (12 de dezembro).
TOGO Manifestações reivindicando uma conferência nacional com o objetivo
de tratar da transição democrática (março-junho).
África Central
ANGOLA – Proclamação da lei sobre o pluripartidarismo (27 de março).
BURUNDI Recenseamento de 1990: 5.356.266 habitantes; densidade demo-
gráfica: 207/km
2
, uma das mais altas da África; o presidente Buyoya confirma a
adesão do país ao pluripartidarismo (1
o
de maio).
CAMARÕES Abertura de representação diplomática no Japão (28 de janeiro).
CONGO – Conferência Nacional para a instauração das instituições democráticas
(25 de fevereiro).
GUINÉ EQUATORIAL Nova Constituição instaurando o pluripartidarismo
(22 de novembro).
REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA Anúncio da adoção do pluripartidarismo
(22 de abril).
ZAIRE (atual R. D. do Congo) Revoltas e saques em Kinshasa; o processo
democrático é bloqueado (setembro-outubro).
África Oriental e Austral
ÁFRICA DO SUL O Governo fixa para 30 de junho a eliminação oficial do
apartheid (28 de maio); anúncio do retorno da África do Sul aos 22
os
Jogos
Olímpicos de Barcelona (6 de novembro).
QUÊNIA – Os bispos anglicanos e católicos lançam um apelo em favor do pluri-
partidarismo e pelo respeito aos direitos humanos (abril).
ZÂMBIA Frederick Chiluba é eleito presidente da República (2 de novembro).
A África e o restante do mundo
FRANCOFONIA – 4
a
Cúpula da Francofonia em Paris: os países africanos são cha-
mados a prosseguirem com a democratizão dos seus regimes (19-21 de novembro).
OUA Em Bamako, tem lugar a conferência ministerial da OUA sobre o ambiente,
com especial atenção para os depósitos de rejeitos tóxicos na África sob respon-
sabilidade dos ocidentais (28 de janeiro).
REGIÃO DOS GRANDES LAGOS Conferência dos bispos católicos do
Burundi, de Ruanda, de Uganda, da República Unida da Tanzânia e do Zaire para
debater os problemas sociopolíticos da região dos Grandes Lagos (1
o
de outubro).
UNESCO O Prêmio Houphouët-Boigny pela busca da paz é atribuído pela
UNESCO, conjuntamente, a Nelson Mandela e a Frederik de Klerk (27 de junho).
1146
África desde 1935
1992
África do Norte e do Nordeste
ARGÉLIA – Acontecem fortes manifestações anti-islâmicos após o sucesso destes
últimos nas eleições legislativas (2 de janeiro); dissolução da Assembleia Popular
Nacional, por decreto presidencial (4 de janeiro); queda do presidente Chadli,
sob pressão do exército (11 de janeiro); criação de um Alto Comitê de Estado
(HCE), presidido pelo Sr. Boudiaf (14 de janeiro); manifestações universitárias
e fechamento das principais universidades do país (5 de fevereiro-4 de março);
estado de emergência proclamado por 12 meses; dissolução do FIS (29 de abril);
assassinato do presidente Boudiaf (29 de junho); lei autorizando os investimentos
estrangeiros nas minas e nos hidrocarbonetos, limitando-se a participação em
49% (16 de novembro).
JIBUTI Nova Constituição orientada para o pluripartidarismo (4 de setembro).
EGITO Ataques com mortes contra turistas, atribuídos aos islâmicos
(outubro-dezembro).
JAMAHIRIYA ÁRABE LÍBIA Resolução 738 do Conselho de Segurança da
ONU: embargo aéreo e militar contra a Jamahiriya Árabe Líbia (31 de março).
MARROCOS – Acordos de cooperação com o Brasil (19 de agosto).
SOMÁLIA Operações das Nações Unidas para Somália (ONUSOM) para enfren-
tar a insegurança e diminuir as necessidades alimentares (junho-agosto); apoio do
Conselho de Segurança da ONU à operação “Restore Hope”: 40.000 soldados
(dos quais 30.000 americanos), para salvar as vítimas da fome (3 de dezembro).
SUDÃO – Aumento de 50% nos preços dos neros alimentícios de primeira neces-
sidade e liberação total da taxa de câmbio sob orientação do FMI (10 de fevereiro);
fortalecimento da polícia para permitir a aplicação da lei islâmica (7 de novembro).
TUNÍSIA Assinatura de dois acordos econômicos e de um acordo de parceria
industrial com o Brasil (30 de janeiro); medidas jurídicas em favor das mulheres
no âmbito do divórcio (13 de agosto).
África do Oeste
GÂMBIA – Sir Dawda Jawara é eleito presidente da República (29 de abril).
MALI Alpha Oumar Konaré é eleito presidente da República (28 de abril); assinatura
de um acordo de ajuste estrutural com o FMI e o Banco Mundial (19 de agosto).
MAURITÂNIA – O coronel Maaoiya Ould Taya é eleito presidente da República
(29 de janeiro).
NÍGER Resultados do recenseamento: 7,2 milhões de habitantes.
NIGÉRIA Resultados do recenseamento de 1991: 88,5 milhões de habitantes
(19 de março).
1147
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
SENEGAL Nova ofensiva dos independentistas casamanceses, causando cerca
de 40 mortos (outubro-dezembro).
SERRA LEOA – O capitão Valentine Strasser, à frente de uma junta militar, toma
o poder em Freetown (29 de abril).
TOGO Uma nova Constituição instaura o pluripartidarismo (28 de setembro);
manifestações de mulheres em Lomé contra a insegurança e pela democracia
(25 de janeiro).
África Central
ANGOLA – Visita do papa (1
o
-8 de junho).
BURUNDI – Constituição instaurando o pluripartidarismo (10 de março).
CAMARÕES Paul Biya é reeleito presidente da República (23 de outubro).
CONGO Nova Constituição estabelece o pluralismo político (15 de março); Pascal
Lissouba é eleito presidente da República (16 de agosto); grave crise governamen-
tal em Brazzaville: várias dezenas de mortos (19 de novembro-6 de dezembro).
África Oriental e Austral
ÁFRICA DO SUL Aprovação do referendo colocando fim ao apartheid (18 de mao).
MADAGASCAR – Nova Constituição instaura o pluripartidarismo (19 de agosto).
MALÁUI Violentos levantes e conflitos sociais exigem a democratização do
regime (29 de abril-24 de maio).
ILHAS MAURÍCIO O país alcança o estatuto de República (12 de março).
NAMÍBIA – Torna-se o 105
o
membro do GATT (15 de setembro).
REBLICA UNIDA DA TANNIA Instauração do pluripartidarismo (19 de feve-
reiro); a capital do ps é transferida de Dar es-Salaam para Dodoma (10 de setembro).
A África e o restante do mundo
FRANCOFONIA 17
a
Conferência Francófona em Libreville: criação de um fundo
francês para o desenvolvimento dos países de renda intermediária (5 de outubro).
NAMÍBIA Assinatura em Windhoek, por dez países da região, do Tratado de
fundação da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC)
(17 de agosto).
OCI – Reuno da OCI (Organização da Conferência Ismica) em Dakar: a Arábia
Saudita cancela a vida blica dos países menos desenvolvidos (9-12 de dezembro).
ONU O vice primeiro ministro B. Boutros-Ghali é empossado secretário-geral da
ONU (3 de dezembro); trata-se da primeira vez que um africano alcança este cargo.
SENEGAL – Colocação pelo Sr. Abdou Diouf, presidente da República do Sene-
gal, da pedra inaugural do memorial Gorée-Almadies, como lembrança do trá-
1148
África desde 1935
fico negreiro, com a presença dos chefes de Estado e de governo participantes
da 28
a
Conferência da OUA, do Sr. Boutros Boutros-Ghali, Secretário-Geral da
ONU, do Sr. Federico Mayor, diretor-geral da UNESCO, do pastor americano
Jesse Jackson e do Sr. Amadou Mahtar Mbow, antigo diretor-geral da UNESCO
e presidente do Comitê Nacional Senegalês para o memorial (30 de junho).
UNESCO Nelson Mandela e Frederick de Klerk recebem na UNESCO o prêmio
Houphouët-Boigny pela sua luta pela paz (3 de fevereiro).
1993
África do Norte e do Nordeste
ARGÉLIA Reconhecimento da independência da Eritreia (4 de maio); escalada
da violência terrorista imputada aos grupos terroristas islâmicos (ano 1993).
JIBUTI Hassam Goulet é reeleito presidente da República (7 de maio).
EGITO – Reeleição do presidente H. Moubarak (4-5 de outubro).
ERITREIA Proclamação da Independência (24 de maio); torna-se membro da
ONU (28 de maio) e membro da OUA (5 de junho).
ETIÓPIA Reconhecimento da Eritreia (3 de maio).
JAMAHIRIYA ÁRABE LÍBIA – Reconhecimento da independência da Eritreia
(29 de abril); novas sanções do Conselho de Segurança da ONU: congelamento
dos fundos financeiros líbios depositados no exterior, embargo dos bens de
equipamento petrolífero (11 de outubro); assinatura de acordos de cooperação
com a Etiópia e o Níger (23 de dezembro).
SUDÃO Estabelecimento da Comissão Mista Sudano-centroafricana sobre a
segurança de fronteiras e a luta contra o contrabando (27 de janeiro); visita do
papa a Cartum e beatificação de uma escrava sudanesa, a Madre Bakhita (10 de
fevereiro); recenseamento de 1993: 24.940.000 habitantes (21 de agosto).
TUSIA Retirada do bloqueio financeiro que atingia a África do Sul (19 de outubro).
África do Oeste
COSTA DO MARFIM Morte do presidente F. Houphouët-Boigny (7 de dezem-
bro); Henri Konan Bédié, presidente da Assembleia Nacional, é proclamado
presidente interino da República.
GÂMBIA – Abolição da pena de morte (7 de abril).
GUINÉ O general Lansana Con é eleito presidente da Reblica (23 de
dezembro).
NÍGER Mahamane Ousmane é eleito presidente da República (27 de março).
NIRIA – Eleões presidenciais; o Sr. Abiola vence em onze Estados e na capital;
os resultados o anulados sob preso dos partidários do poder militar (23 de junho).
1149
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
África Central
BURUNDI Melchior Ndadaye é eleito presidente da República (3 de junho);
derrubado por um golpe de Estado militar (21 de outubro), sua morte é poste-
riormente anunciada (23 de outubro).
CONGO – Violentos enfrentamentos entre o exército e os partidários armados da
oposição (15 de outubro-14 de dezembro).
GABÃO Resultado do recenseamento: 1.011.710 habitantes (17 de outubro);
Omar Bongo é reeleito para a presidência da República (5 de dezembro).
REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA Ange Félix Patassé é eleito presidente
da República (1
o
de setembro).
África Oriental e Austral
ÁFRICA DO SUL A primeira constituição da África do Sul pós-apartheid é
aprovada pelo Parlamento (22 de dezembro).
MALÁUI – Um referendo dá a vitória aos partidários do pluripartidarismo (14-16
de junho).
A África e o restante do mundo
CEDEAO – Tratado dota a Comunidade Econômica e Aduaneira dos Estados da
África do Oeste (CEDEAO) de um direito de ingerência nas crises econômicas
regionais (24 de julho).
OSLO O Prêmio Nobel da Paz é atribuído conjuntamente a Frederik de Klerk
e a Nelson Mandela (15 de outubro).
UNESCO O Sr. Federico Mayor, diretor-geral da UNESCO, solicita a criação
de um observatório contra a violência (13 de dezembro).
1994
África do Norte e do Nordeste
ARGÉLIA Numerosos assassinatos de estrangeiros; os chanceleres aconselham
aos cidadãos estrangeiros residentes no país a deixarem-no (março); desvalori-
zação do dinar em 40,17% (9 de abril).
ERITREIA – Torna-se membro do FMI (6 de julho).
JAMAHIRIYA ÁRABE LÍBIA Adoção do calendário lunar (4 de janeiro); o
Congresso Geral do Povo decide pela aplicação da shari’a (janeiro); acordo de
cooperação bilateral com o Zimbábue (17 de julho).
MARROCOS – Estabelecimento de relações diplomáticas com Madagascar (15 de
abril); primeiro Congresso dos Direitos das Crianças (25-27 de maio); estabele-
1150
África desde 1935
cimento de relações diplomáticas com a Eritreia (30 de maio); início do ensino
do berbere nas escolas (20 de agosto).
SOMÁLIA – Fim da operação “Restore Hope” (3 de maio), substituída pela opera-
ção ONUSOM II; o Conselho de Segurança da ONU coloca fim ao mandato
da ONUSOM (4 de novembro).
SUDÃO Extradição para a França do terrorista Carlos (15 de agosto); resultado
do recenseamento: 25 milhões de habitantes.
TUNÍSIA Firma com a Indonésia um programa de cooperação relativo à pro-
moção do papel da mulher (28 de janeiro); tunisianas, universitárias e quadros
denunciam ações contra as liberdades (4 de maio).
África do Oeste
GÂMBIA O presidente Dawda Jawara é derrubado por um golpe de Estado
militar dirigido pelo tenente Yaya Jammeh (26 de julho).
GUINÉ – Torna-se o 125
o
membro do GATT.
GUINÉ-BISSAU João Bernardo Vieira é reeleito presidente da República (20
de agosto).
LIBÉRIA – A Conferência Nacional apresenta um plano de restauração da paz e
desarmamento das facções beligerantes (3 de outubro).
NÍGER Acordo de paz entre o Governo e os rebeldes tuaregues (9 de outubro).
NIGÉRIA A Conferência Constitucional Nacional adota o princípio do pluri-
partidarismo e a alternância na presidência de representantes do Norte e do Sul
(7 de outubro).
TOGO – Vitória dos partidos oposicionistas nas eleições legislativas (14 de março);
Eyadema é reeleito para a presidência da República (9 de setembro).
África Central
BURUNDI Silvestre Ntiban-Tunganya é eleito presidente da República (30 de
setembro).
CAMARÕES/NIGÉRIA – Conflito de fronteira entre os dois países concernente
à província de Bakassi (31 de março).
RUANDA Missão de assistência das Nações Unidas em Ruanda (1
o
de novembro);
os presidentes de Ruanda e do Burundi morrem em um acidente de avião (6 de
abril); violentos combates entre as forças governamentais e os soldados da Frente
Patriótica Ruandense; os massacres interétnicos ganham a totalidade do país: cerca
de um milhão de mortos (12 de abril-14 de junho); a FPR instala-se em Kigali (6
de julho); o Pastor Bizimungu é nomeado presidente da República (19 de julho).
CHADE Devolução da Faixa de Aouzou, ocupada 50 anos, pela Jamahiriya
Árabe Líbia (30 de maio).
1151
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
África Oriental e Austral
ÁFRICA DO SUL Primeiras eleições pós-apartheid; o CNA vence por ampla
maioria; Nelson Mandela é proclamado presidente da República (9 de maio);
torna-se o 53
o
membro da OUA (23 de maio); a África do Sul recupera o seu
posto na Assembleia Geral da ONU (16 de junho).
QUÊNIA – Resultado do recenseamento: 25 milhões de habitantes (12 de março).
MALÁUI Bakili Muluzi é eleito presidente da República (22 de maio).
NAMÍBIA – A África do Sul reconhece a soberania de Windhoek sobre o enclave
de Valvis Bay, administrado 84 anos por Pretória (28 de fevereiro).
A África e o restante do mundo
CEAO Dissolução da CEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África do
Oeste) (15 de março) após a criação da UEMOA (União Econômica e Monetária
do Oeste Africano) em janeiro.
COMESA Criação do COMESA, mercado comum da África Austral e Oriental,
reunindo 22 Estados (8 de dezembro).
JAMAHIRIYA ÁRABE LÍBIA Entrega do Prêmio Kadhafi dos Direitos Huma-
nos à União Interafricana dos Direitos Humanos (IUDH) (21 de agosto).
HAIA O Tribunal Internacional de Justiça reconhece a Faixa de Aouzou como chadiana.
OUA Estudo da OUA revela: em 1994, sete milhões de refugiados e 15 milhões
de expatriados no continente africano (17 de fevereiro).
UDEAC (União Aduaneira e Econômica dos Estados da África Central) Assi-
natura, em Njamena, de um tratado instituindo uma Comunidade Econômica
e Monetária na África Central (CEMAC) (16 de março).
UNESCO Entrega do prêmio Houphouët-Boigny pela busca da paz, em 1993,
aos Srs. Yasser Arafat (chefe da autoridade palestina), Y. Rabin (primeiro-
ministro do Estado de Israel) e S. Peres (ministro dos Assuntos Estrangeiros),
por Federico Mayor (diretor -geral da UNESCO), na presença dos presidentes
Abdou Diouf (Senegal) e Henri Konan Bédié (Costa do Marfim) (5 de julho).
ZONA DO FRANCO Desvalorização do franco CFA em 50% e do franco
comorense em 33% (12 de janeiro).
1995
África do Norte e do Nordeste
ARGÉLIA Encontro dos movimentos oposicionistas argelinos em Roma, para
discutir soluções para a guerra civil (8 de janeiro); falecimento do escritor Rachid
Mimouni (13 de fevereiro); atentado no RER em Paris, atribuído aos Grupos
1152
África desde 1935
Islâmicos Armados (GIA): 7 mortos, mais de 80 feridos (25 de julho); ratificação
da Convenção sobre a Interdição das Armas Químicas (16 de agosto); Liamine
Zeroual é eleito para a presidência da República (29 de novembro).
EGITO Primeiro embaixador para a África do Sul é nomeado no Cairo (7 de
março); fabricação do “Nile Sat”, o primeiro satélite egípcio (29 de maio).
MARROCOS Recenseamento: 26 milhões de habitantes; taxa anual de cresci-
mento: 2,6%; população urbana: 51,4% (8 de janeiro); inauguração da universi-
dade anglófona al-Akhawayne de Ifrane, por Hassan II (16 de janeiro); primeiro
embaixador marroquino enviado à África do Sul (4 de fevereiro).
SOMÁLIA Fim da operação das Nações Unidas na Somália (27 de fevereiro).
SUDÃO – Retomada da cooperação entre Cartum e Moscou, interrompida desde
1971 (6 de abril).
TUNÍSIA Dois acordos de cooperação são firmados entre Túnis e Pretória (4-7
de abril); as mulheres defendem a laicidade como condição para a igualdade entre
os sexos (20 de novembro).
África do Oeste
BENIN – A oposição ao governo de Nicéphore Soglo vence as eleições legislativas
(3 de abril).
BURKINA FASSO Inauguração em Uagadugu, paralelamente ao FESPACO
(Festival Pan -africano de Cinema de Uagadugu), da primeira cinemateca da
África subsaariana (1
o
de março).
COSTA DO MARFIM O Sr. Konan Bedié é eleito presidente da República
(23 de outubro).
MAURITÂNIA – Manifestações de mulheres em Nouakchott, para protestar con-
tra a alta nos preços do pão e para exigir a libertação de dirigentes da oposição
(24 de janeiro).
NÍGER – Os partidos oposicionistas vencem as eleições legislativas (15 de janeiro).
O TOMÉ E PRÍNCIPE Autonomia administrativa da Ilha de Príncipe (29
de abril); militares rebeldes organizam um golpe de Estado, encarceram o presi-
dente Trovoada, entregando todavia o poder, uma semana depois, sob a ameaça
de interrupção de toda a ajuda internacional (15-22 de agosto).
África Central
BURUNDI – Instaurada uma Comissão Internacional de Inquérito da ONU para
investigar os massacres perpetrados em 1993, no Burundi (29 de agosto).
CAMARÕES – Uma nova constituição estabelece um regime semipresidencialista
e um parlamento bicameral (21 de dezembro).
1153
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
África Oriental e Austral
COMORES Tentativa de golpe de Estado dirigido pelo mercerio francês Bob
Denard; a intervenção francesa impõe um fim à aventura (28 de setembro-4 de outubro).
LESOTO Após cinco anos de banimento, o Rei Moshoeshoe é reentronizado
pelos militares (25 de janeiro).
REPÚBLICA UNIDA DA TANZÂNIA O Sr. Benjamin William Mpaka é
eleito presidente da República (21 de novembro).
A África e o restante do mundo
ÁFRICA DO SUL – 11
a
visita do papa à África do Sul (14 de setembro).
COMMONWEALTH Admiso de Mambique e Camarões, retorno da
África do Sul, à cúpula de Auckland (12 de novembro).
EGITO Reunião no Cairo de especialistas africanos e ocidentais para o estudo
da criação de uma força de paz na África (9 de janeiro); conferência da ONU
no Cairo, tratando da luta contra o crime organizado, a corrupção e o tráfico de
seres humanos (29 de abril).
OUA Reunião em Túnis do Organismo Central de Prevenção, Gestão e Resolução
de Conflitos, concernente aos conflitos existentes em Angola, Burundi, Libéria,
Ruanda, Serra Leoa e Somália (19-21 de junho).
UNIÃO EUROPEIA/ACP – Revisão da Convenção de Lomé IV. Desde então, a
Convenção condiciona a ajuda ao respeito pelos princípios democráticos e pelo
Estado de Direito (4 de novembro).
ZONA DO FRANCO Em Bangui, os onze países africanos da zona do franco
adotam um ato de uniformização do direito comercial (10 de fevereiro).
1996
África do Norte e do Nordeste
ARGÉLIA A nova Constituição interdita a formação de partidos políticos de
cunho religioso (22 de outubro-28 de novembro); lei torna universal o uso da lín-
gua árabe (17 de dezembro); sequestro e assassinato de sete monges cervejeiros
em Tibérine (27 de março-30 de maio).
EGITO – Acordos de cooperação científica, tecnológica e cultural com a África do
Sul (10-11 de abril); o PNUD constata uma diminuição no ritmo do crescimento
econômico, causada pela política de ajuste do FMI (23 de abril); abertura de um
centro de treinamento para os candidatos a membro da força de paz (3 de junho);
interdição da excisão nos hospitais (18 de julho); processo contra os islâmicos:
desde 1992, 83 condenações à morte, das quais 54 execuções (1
o
de outubro).
1154
África desde 1935
MARROCOS Ratificação da Convenção sobre a Interdição das Armas Químicas
(4 de janeiro); criação em Rabat de um Tribunal árabe referente às violências
perpetradas contra as mulheres (2 de dezembro).
SOMÁLIA Acordo de paz entre as três facções da guerra civil (15 de outubro).
SUDÃO – O general El-Béchir é eleito presidente da República (22 de março).
TUNÍSIA Ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (11
de janeiro); visita do papa a Túnis (14 de abril).
África do Oeste
BENIN – O general Mathieu Kérékou é eleito presidente da República (24 de abril).
CABO VERDE O Sr. Antônio Mascarenhas Monteiro é reeleito presidente da
República (19 de fevereiro).
COSTA DO MARFIM Estimativa da população em 1995: 14.208.000 habi-
tantes (11 de janeiro).
GÂMBIA – O coronel Yaya Jameh vence as eleições presidenciais (27 de maio).
GANA O capitão Jerry Rollings é reeleito presidente da Reblica (10 de dezembro).
GUINÉ-BISSAU – Admissão na Zona do Franco (2 de maio).
LIBÉRIA – Acordo de cessar-fogo entre os chefes das facções (31 de julho); a Sra.
Ruth Sando Perry é nomeada presidente do Conselho de Estado, organismo
executivo provisório do país (17 de agosto).
NÍGER O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, coronel Barré Maïnas-
sara, anuncia a destituição do presidente da República e chefe do governo (27 de
janeiro); o general Maïnassara vence as eleições presidenciais (7 de julho).
O TOMÉ E PRÍNCIPE O Sr. Miguel Trovoada é reeleito presidente da
República (3 de setembro).
SERRA LEOA O capitão Strasser é derrubado em um golpe de Estado pelo
general Maada Bio (17 de janeiro); negociações da junta militar com a guerrilha
(26 de janeiro); Ahmad Tejan Kabbah é eleito presidente da República (17 de
março); acordo de cessar-fogo com os rebeldes (23 de abril); em Abidjan, o pre-
sidente Kabbah assina um acordo de paz com o cabo Foday Sankoh, colocando
fim a mais de cinco anos de guerra civil (30 de novembro).
África Central
BURUNDI Golpe de Estado militar: o antigo presidente Buyoya substitui Syl-
vestre Ntiban-Tunganya (25 de julho).
UGANDA Yoweri Museveni é eleito presidente da República dez anos após ter
tomado o poder pela força (11 de maio).
REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA Um motim de soldados desemboca em vio-
lentos enfrentamentos armados com as forças governamentais (18 de abril-6 de junho).
1155
Posfácio: cronologia da atualidade africana nos anos 1990
CHADE – O Sr. Idriss Deby é reeleito presidente da República (11 de julho).
ZAIRE (atual R. D. do Congo) Situão de guerra na província de Kivu, onde os
rebeldes reunidos na Aliaa das Forças Democticas pela Libertação do Congo
(AFDL), dirigida pelo Sr. Laurent-Désiré Kabila exigem a saída do presidente
Mobutu (21 de setembro-dezembro).
África Oriental e Austral
ÁFRICA DO SUL Promulgação da nova Constituição marcando o fim das leis
herdadas do apartheid (8 de maio).
COMORES Mohammed Taki Abdoulkarim é eleito presidente da República
(19 de março).
LESOTO – O príncipe David Mohato Bereng Seeiso sobe ao trono após a morte
acidental do seu pai (18 de janeiro).
MADAGASCAR – O presidente da República Albert Zafy é destituído pela Alta
Corte Constitucional.
ZIMBÁBUE Robert Mugabe é reeleito presidente da República (19 de março).
A África e o restante do mundo
ÁFRICA – Os 53 países da África assinam, no Cairo, um tratado criando uma zona
livre de armas nucleares (11 de abril).
FRANÇA/ÁFRICA – 19
a
Cúpula Franco-Africana em Uagadugu; J. Chirac expõe
a sua concepção de “boa governança” (5 de novembro).
ONU O ganense Kofi Annan torna-se secretário-geral das Nações Unidas (17
de dezembro).
OUA – 32
a
Cúpula: os trabalhos concentram-se nos conflitos que assolam a África
(6 de julho).
SADC Criação em Gaborone (Botsuana) de uma estrutura de segurança desti-
nada a assegurar a paz na região (28 de junho).
UEMOA Adoção de uma tarifa aduaneira preferencial (15 de janeiro); os sete
países da UEMOA (União Econômica e Monetária do Oeste Africano) regis-
traram um crescimento de 5,8 em seu PIB no ano de 1995.
1997
África do Norte e do Nordeste
ARLIA Recrudescimento da violência durante o ramadã; centenas de habitan-
tes dos vilarejos são massacrados; os acontecimentos são atribuídos aos islâmicos
(janeiro-março).
1156
África desde 1935
MARROCOS Obrigatoriedade do ensino bilíngue nas universidades (6 de março).
África do Oeste
LIBÉRIA O líder de guerra Charles Taylor vence as eleições presidenciais (2 de
agosto), após oito anos de guerra civil que gerou mais de 200.000 mortos e mais
de um milhão de refugiados e expatriados.
NIGÉRIA – Adoção do francês como segunda língua oficial (1
o
de janeiro); morte
do músico Fela Anikulapo Kuti, criador do estilo afrobeat (2 de agosto).
SERRA LEOA – Golpe de Estado militar dirigido pelo comandante J. P. Koroma,
derrubando o presidente Tejan Ahmad Kabbah (25 de maio).
África Central
ANGOLA O governo controla as regiões anteriormente administradas pelos
rebeldes da UNITA (19 de fevereiro).
REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA A missão de intervenção e supervisão
dos acordos de Bangui (MISAB) interpõe-se, em Bangui, entre os amotinados
e as forças governamentais (janeiro-fevereiro).
ZAIRE (atual R. D. do Congo) Os rebeldes instalam-se em Shaba (4 de fevereiro);
a cidade de Kisangani cai nas mãos dos rebeldes da AFDL (15 de março); os
combatentes da AFDL entram em Kinshasa (16 de maio); o Sr. Laurent-Désiré
Kabila é proclamado chefe de Estado da República Democrática do Congo, nova
denominação do Zaire (17 de maio).
África Oriental e Austral
MADAGASCAR O almirante Didier Ratsiraka vence as eleições presidenciais
(4 de janeiro).
África e o restante do mundo
REGIÃO DOS GRANDES LAGOS Em Montreal, tem lugar a Conferência
Internacional sobre a Democracia na região dos Grandes Lagos (20 de janeiro).
1157
Membros do Comitê Cientíco
Internacional para a Redação de uma
História Geral da África
Prof. J. F. A. Ajayi
(Nigéria) –
1971 Coordenador do volume VI
Prof. F. A. Albuquerque Mourão (Brasil)
1975
Prof. A. A. Boahen (Gana)
1971 Coordenador do volume VII
S. Ex
a
Sr. Boubou Hama (Níger)
1971-1978
(demitido em 1978; falecido em 1982)
S. Ex
a
Sra. Mutumba M. Bull, Ph. D. (Zâmbia)
1971
Prof. D. Chanaiwa (Zimbabue)
1975
Prof. P. D. Curtin (EUA)
1975
Prof.
J.
Devisse (França)
1971
Prof. M. Difuila (Angola)
1978
Prof. Cheikh Anta Diop (Senegal)
1971 Prof. H. Djait (Tunísia)
1975
Prof.
J.
D. Fage (Reino Unido)
1971-1981
(demitido)
S. Ex
a
Sr. M. El Fasi (Marrocos)
1971 Coordenador do volume III
Prof. J. L. Franco (Cuba)
1971
Sr. Musa H. I. Galaal (Somália)
1971-1981
(
f
alecido)
Prof. Dr. V. L. Grottanelli (Itália)
1971
Prof. E. Haberland (República Federal da Alemanha)
1971
Dr. Aklilu Habte (Etiópia)
1971
S. Exa. Sr. A. Hampaté (Mali)
1971-1978
(demitido)
1158
África desde 1935
Dr. I. S. El-Hareir (Líbia)
1978
Dr. I. Hrbek (Tchecoslováquia)
1971 Codiretor do volume III
Dra. A. Jones (Libéria)
1971
Pe. Alexis Kagame (Ruanda)
1971-1981 (falecido)
Prof. I. M. Kimambo (Tanzânia)
1971
Prof.
J.
Ki-Zerbo (Alto Volta)
1971
Coordenador do volume I
Sr. D. Laya (Níger)
1979
Dr. A. Letnev (URSS)
1971
Dr. G. Mokhtar (Egito)
1971
Coordenador do volume
II
Prof. P. Mutibwa (Uganda)
1975
Prof. D. T. Niane (Senegal)
1971
Coordenador do volume
IV
Prof. L. D. Ngcongco (Botsuana)
1971
Prof. T. Obenga (República Popular do Congo)
1975
Prof. B. A. Ogot (Quênia)
1971
Coordenador do volume V
Prof. C. Ravoajanahary (Madagáscar)
1971
Sr. W. Rodney (Guiana)
1979-1980 (falecido)
Prof. M. Shibeika (Sudão)
1971-1980 (falecido)
Prof. Y. A. Talib (Cingapura)
1975
Prof. A. Teixeira da Mota (Portugal)
1978-1982 (falecido).
Mons. T. Tshibangu (Zaire)
1971
Prof.
J.
Vansina (Bélgica)
1971
Rt. Hon. Dr. E. Williams (Trinidad e Tobago)
1976-1978 (demitido em 1978; falecido
em 1980)
Prof. A. Mazrui
(Quênia)
Coordenador do volume
VIII
(não
é
membro do Comitê)
Prof. C. Wondji (Costa do Marfim)
Codiretor do volume
VIII
(não é membro do
Comitê)
Secretaria do Comitê Científico Internacional para a Redação de Uma História Geral da África:
Sr. Maurice
Glelé,
Divisão de Estudos e Difusão de Culturas, UNESCO, 1, rue Miollis,
75015 Paris.
1159
Dado biográcos dos autores do volume VIII
Dado biográcos dos autores
do volume VIII
Capítulo 1 A. A. Mazrui (Quênia). Especialista em ciência política e história
contemporânea, autor de numerosas obras e publicões sobre a
história e a cultura contemporâneas da África; outrora professor da
Universidade de Jos (Nigéria) e da Universidade de Michigan, é
atualmente diretor do Institute of Global Studies, State University of
New York, em Binghamton.
Capítulo 2 T. Chenntouf (Argélia). Especialista em história contemporânea da
Argélia (séculos XIX e XX), autor de numerosos trabalhos sobre este
tema; professor de história da Universidade de Oran.
Capítulo 3 M. Diop (Senegal). Especialista em história política e social
contemporânea da África do Oeste; autor de diversas publicações sobre
este tema; antigo pesquisador do Instituto de Ciências Humanas de
Bamako; farmacêutico e expoente político senegalês.
D. Birmingham (Reino Unido). Especialista em história contemporânea
da África lusófona e da África Central; autor de numerosos trabalhos
sobre Angola e África Central; antigo diretor do Departamento de
Estudos Africanos da Universidade de Londres; atualmente professor
de história moderna da Universidade de Canterbury.
I. Hrbek (República Tcheca). Especialista nas fontes árabes da História
da África, particularmente no tocante à África do Oeste, além de
especialista em Islã; autor de numerosas obras e publicações nestas
1160
África desde 1935
esferas; pesquisador do Instituto Oriental de Praga e consultor
científico na Academia Tcheca de Ciências. Falecido em 1993.
A. Margarido (Portugal). Especialista em história da África lusófona;
autor de numerosos trabalhos sobre Angola, Moçambique, Guiné-
Bissau; encarregado de conferências na Escola de Altos Estudos em
Ciências Sociais (EHESS, Paris); professor da Universidade Autônoma
de Lisboa.
D. T. Niane (Guiné). Especialista em mundo mande; autor de
numerosas obras sobre a África do Oeste do século XI ao culo
XVI; antigo diretor da Fundação Léopold-Sédar-Senghor em Dakar;
diretor da Sociedade de Edição e Comunicação de Conakry.
Capítulo 4 M. Crowder (Reino Unido). Especialista em história da África do
Oeste; autor de numerosas obras e publicações sobre este tema;
ministrou cursos em diversas universidades, na Nigéria, na África
Austral e na Grã-Bretanha. Falecido em 1988.
Capítulo 5 A. A. Mazrui (Quênia).
Capítulo 6 I. Hrbek (República Tcheca).
Capítulo 7 J. Suret-Canale (França). Especialista em geografia econômica e em
história da África francófona, autor de numerosos trabalhos e diversas
obras sobre a África Ocidental e Central; antigo encarregado de
pesquisas no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, Paris),
professor emérito da Universidade Paris VII.
A. Adu Boahen (Gana). Especialista em história da África
Ocidental; autor de numerosas publicações sobre a história da África
contemporânea; antigo professor e chefe do Departamento de História
da Universidade de Legon. Expoente político em Gana.
Capítulo 8 E. M’Bokolo (Zaire). Especialista em história moderna e contemporânea
da África; autor de diversas obras e publicações sobre este tema; diretor
de estudos da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS);
professor do Instituto de Estudos Políticos (IEP, Paris); produtor na
Rádio France Internationale.
Capítulo 9 M. Twaddle (Reino Unido). Especialista em história da África do
Leste; autor de diversos trabalhos e artigos sobre este tema; professor
de história do Institute of Commonwealth Studies, Londres.
L. Rabearimanana (Madagáscar). Especialista em história de
Madagáscar nos séculos XIX e XX; autor de numerosos trabalhos sobre
este tema; professor de história da Universidade de Antananarivo.
1161
Dado biográcos dos autores do volume VIII
I. N. Kimambo (República Unida da Tanzânia). Especialista em história
da Tanzânia e da África Oriental; autor de numerosos trabalhos sobre
este tema; professor da Universidade de Dar es-Salaam.
Capítulo 10 O. Chanaiwa (Zimbábue). Especialista em história da África Austral
nos séculos XIX e XX; autor de numerosos trabalhos sobre este tema,
mais especificamente sobre o Zimbábue; antigo professor de história
da California State University; antigo membro da The Employers
Confederation of Zimbabwe,
Harare. Falecido em 1993.
Capítulo 11 C. Coquery-Vidrovitch (França). Especialista em história econômica
e social da África; autor de numerosos trabalhos e publicações sobre
a África; professor de história da Universidade Paris VII; professor
associado da State University of New York de 1980 a 1996; diretor do
Laboratório Terceiro Mundo-África, associado ao Centro Nacional de
Pesquisa Científica (CNRS, Paris).
Capítulo 12 M. Owusu (Gana). Especialista em antropologia das mudanças
econômicas da África; autor de numerosos trabalhos sobre este tema;
professor de antropologia e pesquisador do Centro de Pesquisas sobre
o Desenvolvimento econômico da Universidade de Michigan, em Ann
Arbor (Estados Unidos da América).
Capítulo 13 P. Kipre (Costa do Marfim). Especialista em história econômica e
social da África, notadamente no tocante à história das cidades e das
sociedades urbanas da África contemporânea; autor de numerosos
trabalhos sobre este tema; professor de história da Escola Normal
Superior de Abidjan e da Universidade Nacional da Costa do Marfim.
Ministro da Educação Nacional.
Capítulo 14 A. Adedeji (Nigéria). Especialista em economia do desenvolvimento;
autor de numerosos trabalhos concernentes aos problemas do
desenvolvimento na África e na Nigéria; antigo subsecretário geral da
ONU e secretário executivo da Comissão Econômica para a África
(CEA); atualmente diretor do University of Ibadan Theatre.
Capítulo 15 J. I. Elaigwu (Nigéria). Especialista em desenvolvimento político da
África; autor de numerosas obras sobre este tema e, especialmente,
no que diz respeito à Nigéria; professor convidado da Universidade
de Nova Iorque, em Binghamton, professor de Ciências Políticas da
Universidade de Jos.
A. A. Mazrui (Quênia).
1162
África desde 1935
Capítulo 16 J. Ki-Zerbo (Burkina Fasso). Especialista em história africana e na
sua metodologia; autor de numerosos trabalhos e publicações sobre a
África e a sua história; professor de história da Universidade de Dakar;
diretor do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Africano
(CEDA) de Uagadugu; expoente político e deputado na Assembleia
Nacional de Burkina Fasso.
A. A. Mazrui (Quênia).
C. Wondji (Costa do Marfim). Especialista em história moderna e
contemporânea da África; autor de diversas publicações sobre a cultura
e a história africanas; antigo chefe do Departamento de História e
diretor adjunto do Instituto de Arte e Arqueologia da Universidade
Nacional da Costa do Marfim; antigo delegado permanente da Costa
do Marfim junto à UNESCO; atualmente responsável pelos programas
de História da UNESCO.
A. Adu Boahen (Gana).
Capítulo 17 T. Tshibangu (Zaire). Teólogo, especialista em tradição oral na África
Central e em história das religiões na África; autor de trabalhos sobre
estes temas; antigo presidente do Conselho Nacional de Administração
das Universidades do Zaire; atualmente bispo de Mbujimayi.
J. F. Ade Ajayi. Especialista em história da África Ocidental no século
XIX; autor de numerosos trabalhos e publicões sobre a história
africana; antigo reitor da Universidade de Lagos; professor emérito
do Departamento de História da Universidade de Ibadan (Nigéria).
L. Sanneh (Gâmbia). Especialista em história das religiões da África;
autor de numerosos artigos sobre as tradições religiosas da África.
D. Willis James Professor de Missions and World Christianity,
professor de história, membro do Trumbull College, Yale University.
Capítulo 18 A. I. Sow (Guiné). Especialista em lingstica africana; autor de
numerosas obras sobre as línguas e as culturas africanas; antigo
professor do Instituto Nacional das Línguas e Civilizações Orientais
de Paris; expoente político.
M. H. Abdulaziz (Quênia). Especialista em linguística e sociolinguística,
professor de linguística da Universidade de Nairóbi.
Capítulo 19 A. A. Mazrui (Quênia).
M. de Andrade (Angola). Sociólogo, poeta, escritor, expoente político;
autor de obras sobre a libertação de Angola; falecido em 1990.
M. Alaoui Abdalaoui (Marrocos). Especialista em literatura magrebina
de língua francesa; autor de artigos e obras sobre este tema; professor
1163
Dado biográcos dos autores do volume VIII
da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de
Rabat.
D. P. Kunene (África do Sul). Especialista em literatura oral e escrita
da África Austral; autor de obras e artigos sobre este tema; professor
do Departament of African Languages and Literature da Universidade
de Wisconsin.
J. Vansina (Bélgica). Especialista em história africana; autor de
numerosos artigos e obras sobre a hisria pré-colonial da África
Central; antigo professor da Universidade de Lumbubashi, professor
de história e de antropologia da Universidade de Wisconsin.
Capítulo 20 J. Vansina (Bélgica).
Capítulo 21 A. A. Mazrui (Quênia).
J. F. Ade Ajayi (Nigéria).
A. Adu Boahen (Gana).
T. Tshibangu (Zaire).
Capítulo 22 A. Habte (Etiópia). Especialista em educação primária, secundária
e superior, em estatísticas em matéria de educação, assim como em
filosofia da educão; autor de numerosos trabalhos e publicões
sobre a educação na África e, mais especificamente, na Etiópia; antigo
presidente da Universidade de Addis-Abeba e vice-presidente do
Conselho da Universidade das Nações Unidas; atualmente consultor
especial de educação da UNICEF em Nova Iorque.
T. Wagaw (Estados Unidos da América). Especialista em educação;
autor de numerosos trabalhos sobre a educão na África, mais
especificamente na Etiópia; professor e pesquisador da Universidade
de Michigan.
J. F. Ade Ajayi (Nigéria).
Capítulo 23 J. E. Harris (Estados Unidos da América). Especialista em história
da África e em diáspora africana; autor de numerosas publicações e
artigos sobre este tema; professor de história e presidente interino do
College of Liberal Arts, Howard University, Washington.
S. Zeghidour (Argélia). Escritor, jornalista e pesquisador; especialista
em imigração árabe para a Europa e a América Latina; autor de obras
e artigos sobre o Islã e a diáspora árabe contemporânea.
Capítulo 24 S. K. B. Asante (Gana). Especialista em pan-africanismo, assim como
nos movimentos nacionalistas e de integração regional na África; autor
de numerosos artigos e publicações sobre o tema; consultor regional
da Comissão Econômica para a África em Addis-Abeba; antigo
1164
África desde 1935
professor e consultor em matéria de estudos africanos na Universidade
da Flórida; principal consultor especial da CEA (Addis-Abeba).
D. Chanaiwa (Zimbábue).
Capítulo 25 D. Chanaiwa (Zimbábue).
E. Kodjo (Togo). Especialista em ciências econômicas e em economia
do desenvolvimento; autor de numerosas publicações sobre as relações
internacionais, mais especificamente sobre as relações internacionais
ligadas à África; antigo ministro das relações internacionais e antigo
ministro das finanças e da economia do Togo; antigo secretário-geral da
OUA, fundador do Instituto Pan-africano de Relações Internacionais;
antigo professor associado do Departamento de Ciências Políticas da
Universidade Paris I, Panthéon-Sorbonne; antigo primeiro-ministro
do Togo.
Capítulo 26 D. Chinweizu (Nigéria). Escritor, poeta, historiador, especialista em
questões ambientais; autor de numerosos trabalhos e artigos sobre a
literatura, a cultura, a educação, o desenvolvimento econômico e as
questões ambientais na África.
Capítulo 27 I. D. Thiam (Senegal). Especialista em história moderna e
contemporânea da África, notadamente no concernente à história
política e ao sindicalismo na África do Oeste; autor de numerosos
trabalhos e publicações sobre estes temas; antigo ministro da educação
do Senegal; professor de história da Universidade Cheikh Anta Diop
de Dakar; expoente político e deputado na Assembleia Nacional do
Senegal.
J. Mulira (Uganda). Especialista em história das relações entre a
Europa Oriental e a África, especialmente no tocante ao impacto
da política dos países socialistas sobre o desenvolvimento da África;
autor de numerosos trabalhos e artigos ligados ao tema; presidente do
Department of History and Government da Universidade de Nairóbi
(Quênia).
C. Wondji (Costa do Marfim).
Capítulo 28 L. Edmonson (Jamaica). Especialista em história das relações da África
com a diáspora africana; autor de numerosos trabalhos referentes ao
papel das raças e das classes nas relações internacionais; professor no
African Studies and Research Center, Cornell University, Ithaca.
Capítulo 29 E. K. Kouassi (Togo). Especialista em ciências políticas e relações
internacionais; autor de numerosos trabalhos sobre as relões
interafricanas, mais especificamente acerca das relações entre a
1165
Dado biográcos dos autores do volume VIII
Organização das Nações Unidas e a Organização da Unidade
Africana, assim como sobre as organizações internacionais africanas;
professor de direito, de ciências políticas e de relações internacionais
na Faculdade de Benin, em Lomé.
Capítulo 30 A. A. Mazrui (Quênia).
1167
Dado biográcos dos autores do volume VIII
ARSOM — Academie royale des sciences doutre-mer, Bruxelas
CEA — Cahiers détudes africaines, Paris, Mouton
CEDAF Centre detudes et de documentation africaines, Paris
CNRS — Centre national de la recherche scientifique, Paris
CRDTO Centre de recherche et de documentation pour la tradition orale, Niamey
CRISP — Centre de recherche et dinformation socio-politiques, Bruxelas
CUP — Cambridge University Press
EALB East African Literature Bureau, Nairóbi
EAPH East African Publishing House, Nairóbi
HUP Harvard University Press
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África Austral 134-6,
142-4 passim, 295-
334; agricultura e
desenvolvimento
rural 89-121, 295-
334, 362, 337-427;
alfabetização 817-
845; artes 697-760;
economia 337-427;
1095-1131; educa-
ção 817-845; mulhe-
res 1-29; 1095-1131;
indústria 125-149,
295-334, 337-375;
línguas 631-662;
luta de libertação e
independência 1-29,
295-334; e Nações
Unidas 1053-93;
pan-africanismo
873-96, 879-924;
e países capitalistas
927-63; política
519-63; população
e sociedade 295-
334, 1095-1131;
religião 605-629;
ciência 849-72; e
socialismo e países
socialistas 965-1001;
estratégias de desco-
lonização econômica
519-63, 565-602;
e Terceiro Mundo
1003-52; igualmente
consultar África do
Sul.
África Central e Equa-
torial; agricultura e
desenvolvimento ru-
ral 89-121, 191-127,
337-75, 377-427;
alfabetização 817-
845; artes 663-96,
697-760; economia
429-469, 471-516,
769-797; educação
1-29, 817-845; evo-
lução das estruturas
políticas 565-602;
mulheres em 1-29,
1095-1131; indús-
tria 89-121, 337-75,
429-69; língua 631-
62; luta de libertação
e independência
67-88, 191-227; de
1935 a 1945: 67-
88, 89-121, 125-49,
229-60; e Nações
Índice remissivo
1242
África desde 1935
Unidas 1053-1093;
pan-africanismo
744-924; e países
capitalistas 927-963;
e países socialistas
965-1001; losoa
761-815; política
89-121, 125-49; po-
pulação e sociedade
125-49, 191-227,
229-60, 519-63,
1095-1131; religião
1-29, 67-88, 191-
227, 229-60, 605-29;
ciência 817-845; e
estratégias de desco-
lonização econômica
471-516; e Terceiro
Mundo 1003-52.
África do Sul; agricultu-
ra e desenvolvimento
rural 337-75, 1095-
1131; armamento e
armas nucleares 89-
121, 295-334; 697-
760; diáspora e pan-
africanismo 849-72,
873-96; economia
89-121, 337-375,
429-469, 471-516;
educação 295-334,
817-845; evolução
das estruturas políti-
cas 519-63; evolução
dos valores políticos
565-602; mulheres
1095-1131; indústria
429-69, 471-516;
língua 631-662;
legislação 89-121,
125-49, 295-334;
literatura 663-96;
luta de libertação
e independência
125-49, 295 passim;
e ONU 1053-93; e
países capitalistas
965-1001; população
e sociedade 295-334,
519-563, 1095-1131;
religião 605-29; ci-
ência e losoa 761-
815; e socialismo
e países socialistas
965-1001; e Terceiro
Mundo 1003-52.
África Equatorial fran-
cesa; economia 337-
375, 471-516; luta
de libertação 229-
260; e socialismo
965-1001.
África Ocidental 191-
227; agricultura e
desenvolvimento ru-
ral 377-427; alfabe-
tização 817-45; artes
697-760; diáspora
e pan-africanismo
873-96, 897-924;
economia 191-227,
337-375, 1003-1052;
educação 817-845,
1095-1131; evolu-
ção das estruturas
políticas 565-602;
mulheres 1095-
1131; griôs 631-62,
697-760; indústria
89-121, 191-227,
429-69; língua 631-
62; luta de libertação
e independência
125-49, 191-227; e
ONU 1053-1093;
e países capitalistas
927-63; losoa
761-815; política
1-29, 125-49; po-
pulação e sociedade
519-63, 1095-1131;
religião 605-629;
ciência 817-45; e
socialismo e países
socialistas 965-1001;
estratégias de desco-
lonização econômica
471-516; e Terceiro-
Mundo 1003-52.
África Ocidental
francesa 89-121,
191-227; indústria
429-469; luta de
libertação e inde-
pendência 125-149;
política 565-602.
África Oriental; agri-
cultura e desenvolvi-
mento rural 261-94,
377-427, 1095-1131;
alfabetização 817-
45; artes 697-760;
economia 429-69,
471-516, 1003-52;
1243
Índice remissivo
educação 817-45;
e evolução das es-
truturas políticas
519-563, 565-602;
mulheres 1095-
1131; indústria 429-
469; língua 631-62;
literatura 663-96;
luta de libertação
125-149; de 1935
a 1945: 261-292;
e ONU 1053-93;
pan-africanismo
873-96, 897-924;
e países capitalistas
927-63; losoa
761-815;; população
e sociedade 261-94,
519-63, 1095-1131;
religião 605-629;
ciência 817-45; e
socialismo e países
socialistas 965-1001;
estratégias de desco-
lonização econômica
471-516; e Terceiro
Mundo 1003-52.
África setentrional 151-
190; agricultura e
desenvolvimento
rural 33-66, 151-190,
377-427; alfabeti-
zação 817-45; artes
663-96, 697-760;
diáspora e pan-
africanismo 849-872,
873-896; economia
33-66, 151-190, 337-
75, 927-63; educação
151-190, 817-45;
evolução dos valores
políticos 565-602;
mulheres 1095-1131;
ideologias 125-149;
indústria 33-66, 151-
190, 429-69;ngua
631-62; luta de
libertação e indepen-
dência 1-25, 33-66,
151-190, 897-924;
de 1935 a 1945: 33-
66, 151-90; e ONU
1053-1093; losoa
761-815; política
151-90, 565-602;
população e socie-
dade 33-66, 519-63,
605-291095-1131;
religião 151-90, 605-
29; ciência 817-45;
e socialismo e países
socialistas 965-
1001; e estratégias
de descolonização
ecomica 471-516,
1095-1131; estrutu-
ras políticas 565-29;
e Terceiro Mundo
1003-52.
Comitê Cientíco Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África
HISTÓRIA GERAL
DA ÁFRICA
VIII
África desde 1935
UNESCO Representação no BRASIL
Ministério da Educação do BRASIL
Universidade Federal de São Carlos
UNESCO
HISTÓRIA
GERAL
DA ÁFRICA
VIII
África
desde 1935
ALI A. MAZRUI
EDITOR ASSISTENTE
C. WONDJI
UNESCO/BRASIL
MEC BRASIL
UFSCar
Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda
espécie ocultaram ao mundo a verdadeira história da
África. As sociedades africanas eram vistas como
sociedades que não podiam ter história. Apesar dos
importantes trabalhos realizados desde as primeiras
décadas do século XX por pioneiros como Leo Frobenius,
Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande
número de estudiosos não africanos, presos a certos
postulados, afirmava que essas sociedades não podiam
ser objeto de um estudo científico, devido, sobretudo,
à ausência de fontes e de documentos escritos.
De fato, havia uma recusa a considerar o povo africano
como criador de culturas originais que floresceram e se
perpetuaram ao longo dos séculos por caminhos
próprios, as quais os historiadores, a menos que
abandonem certos preconceitos e renovem seus
métodos de abordagem, não podem apreender.
A situação evoluiu muito a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial e, em particular, desde que os países
africanos, tendo conquistado sua independência,
começaram a participar ativamente da vida da
comunidade internacional e dos intercâmbios que ela
implica. Um número crescente de historiadores tem se
empenhado em abordar o estudo da África com maior
rigor, objetividade e imparcialidade, utilizando com
as devidas precauções fontes africanas originais.
No exercício de seu direito à iniciativa histórica,
os próprios africanos sentiram profundamente a
necessidade de restabelecer em bases sólidas a
historicidade de suas sociedades.
Os especialistas de vários países que trabalharam nesta
obra tiveram o cuidado de questionar as simplificações
excessivas provenientes de uma concepção linear e
restritiva da história universal e de restabelecer a
verdade dos fatos sempre que necessário e possível.
Esforçaram-se por resgatar os dados históricos que
melhor permitissem acompanhar a evolução dos
diferentes povos africanos em seus contextos
socioculturais específicos.
Esta Coleção traz à luz tanto a unidade histórica da
África quanto suas relações com os outros continentes,
sobretudo as Américas e o Caribe. Durante muito
tempo, as manifestações de criatividade dos descendentes
de africanos nas Américas foram isoladas por certos
historiadores num agregado heteróclito de africanismos.
Desnecessário dizer que tal não é a atitude dos autores
desta obra. Aqui, a resistência dos escravos deportados
para as Américas, a “clandestinidade” política e cultural,
a participação constante e maciça dos descendentes de
africanos nas primeiras lutas pela independência, assim
como nos movimentos de libertação nacional, são
entendidas em sua real significação: foram vigorosas
afirmações de identidade que contribuíram para forjar o
conceito universal de Humanidade.
Outro aspecto ressaltado nesta obra são as relações da
África com o sul da Ásia através do oceano Índico,
assim como as contribuições africanas a outras
civilizações por um processo de trocas mútuas.
Avaliando o atual estágio de nossos conhecimentos sobre
a África, propondo diferentes pontos de vista sobre as
culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da história,
a História Geral da África tem a indiscutível vantagem
de mostrar tanto a luz quanto a sombra, sem dissimular as
divergências de opinião que existem entre os estudiosos.
Nesse contexto, é de suma importância a publicação
dos oito volumes da História Geral da África que ora se
apresenta em sua atual versão em português como fruto
da parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil,
a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade do Ministério da Educação do Brasil (Secad/
MEC) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
UNESCO HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA VOLUMES I-VIII
Organização
das Nações Unidas
para a Educação,
a Ciência e a Cultura
Organização
das Nações Unidas
para a Educação,
a Ciência e a Cultura
EDITOR ALI A. MAZRUI
EDITOR ASSISTENTE C. WONDJI
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