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VIOLÊNCIA VIOLÊNCIA
VIOLÊNCIA VIOLÊNCIA
VIOLÊNCIA
Miriam Abramovay (Org.)
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©UNESCO 2002 Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos
neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente
as da UNESCO, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e
a apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de
qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de
qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco
a delimitação de suas fronteiras ou limites.
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VIOLÊNCIA VIOLÊNCIA
VIOLÊNCIA VIOLÊNCIA
VIOLÊNCIA
Brasília, 2002
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Ciências Sociais
e Desenvolvimento Social
Julio Jacobo Waiselfish
Carlos Alberto Vieira
Marlova Jovchelovitch Noleto
Diagramação: Rick Moreira – DPE Studio
Revisão: Eduardo Perácio – DPE Studio
Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite
Projeto Gráfico: Edson Fogaça
©UNESCO, 2002.
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º
andar.
70070-914 – Brasília – DF – Brasil
Tel.: (55 61) 321-3525
Fax: (55 61) 322-4261
E-mail: UHBRZ@unesco.org.br
Division of Women, Youth and Special Strategies
Youth Coordination Unit/UNESCO-Paris
Abramovay, Miriam
Escola e violência / Miriam Abramovay et alii. – Brasília :
UNESCO, 2002.
154p.
ISBN:
1. Problemas Sociais-Juventude-Brasil 2. Violência-Educação-
Brasil 3. Educação-Violência-Brasil I. UNESCO III. Título
CDD 362
Edições UNESCO BRASIL
ÍNDICEÍNDICE
ÍNDICEÍNDICE
ÍNDICE
Apresentação.................................................................. 9
Abstract......................................................................... 13
1. Jovens em situação de pobreza, vulnerabilidades
sociais e violências – casos em áreas urbanas,
Brasil 2000..................................................................... 17
1.1. Marco da Análise...................................................... 19
1.2 Marco Conceitual – Vulnerabilidades Sociais.................. 21
1.3. Representação demográfica dos jovens..................... 25
1.4. Trabalho...................................................................... 27
1.4.1. Situações no trabalho........................................ 30
1.4.2. O significado e a importância do trabalho........ 31
1.4.3. Obstáculos percebidos quanto a
obter um trabalho........................................................ 32
1.5. Lazer......................................................................... 37
1.6. Discriminação............................................................ 39
1.7. Violência................................................................... 44
1.7.1. Violência doméstica.......................................... 50
1.7.2. Violência institucional....................................... 52
1.8. Drogas.......................................................................... 53
1.8.1. Motivos do envolvimento com drogas............... 56
1.9. Reflexões gerais – Marcas de uma
Geração Marcada......................................................... 59
2. Violências no Cotidiano das Escolas............................ 67
3. Percepções dos alunos sobre as repercussões da
violência nos estudos e na interação social
na escola........................................................................ 87
Introdução....................................................................... 91
3.1.Metodologia.............................................................. 92
3.2. Trabalhando com o Conceito
de Violência Escolar................................................... 92
3.3. Caracterização dos Grupos de Alunos....................... 101
3.4. Repercussões da Violência nos Estudos.................... 102
3.5. A Violência e as Relações entre os Atores
no Âmbito Escolar..................................................... 104
3.5.1. Percepções sobre as Interações
dos Atores na Escola............................................. 105
3.5.2. As Reações às Agressões na Escola................. 107
3.6. Conclusões........................................................... 109
4. Drogas nas escolas..................................................... 117
4.1. Apresentação......................................................... 119
4.2. A escola como espaço de vulnerabilidade,
socialização e exclusão social................................... 121
4.3. Caracterização dos jovens...................................... 125
4.4. Consumo de drogas lícitas e ilícitas nas escolas
brasileiras.................................................................. 131
4.4.1. Consumo de tabaco no ambiente escolar............. 132
4.4.2. Consumo de álcool no ambiente escolar.............. 137
4.4.3. Consumo de maconha e outras drogas
ilícitas no ambiente escolar.................................. 138
4.5. O entorno da escola: a presença de bares
e do tráfico de drogas.................................................. 140
4.5.1 O tráfico de drogas............................................ 140
4.5.2. Existência de bares/botequins
nas proximidades da escola..................................... 148
4.6. Conclusão................................................................ 150
.
MIRIAM ABRAMOVAY é professora da Universidade
Católica de Brasília e vice- coordenadora do Observatório sobre
Violências nas Escolas no Brasil (UNESCO – Universidade
Católica de Brasília e Universidade de Bordeaux 2). Formou-se
em Sociologia e Ciências da Educação pela Universidade de
Paris, França (Paris VII – Vincennes) e possui mestrado em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Brasil. Foi coordenadora do Programa de Conservação Social da
UICN para América Central e México e do Programa de Gênero
na FLACSO para a América Latina. Trabalhou como consultora
para o Banco Mundial, UNICEF, OPAS, UNIFEM, IDB, ACDI/
Canadá, FAO, UN ODCCP, entre outros. Entre muitos trabalhos
publicados destacam-se Gangues, Galeras, Chegados e Rappers,
Editora Garamond, Rio de Janeiro, 1999; Escolas de Paz, Edições
UNESCO, Brasília, 2001; As relações de Gênero na Confederação
Nacional de Trabalhadores Rurais (CONTAG), In: Baltar da Rocha,
Maria, Trabalho e Gênero, Editora 34, São Paulo, 2001; Violências
nas escolas (Co-coord.), Edições UNESCO, Brasília, 2002.
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A SOBRE A COORDENADORAA SOBRE A COORDENADORA
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A presente obra focaliza alguns dos candentes desafios da
atualidade brasileira. Como a toda fechadura trancada
corresponde uma chave que pode acioná-la, também temos a
confiança na existência das respostas que podem responder a
esses desafios. Assim o Brasil tem construído a sua história ao
longo dos séculos, enfrentando problemas difíceis e oferecendo-
lhes soluções, às vezes não satisfatórias, mas chegando ao que é
hoje. Nesse perpétuo fluir, questões são resolvidas e novas são
suscitadas, num movimento contínuo em que precisamos estar
à altura das circunstâncias. Para isso, é fundamental o
conhecimento científico, que descerra as manifestações e as raízes
dos problemas sociais, ensejando reflexões e propostas.
O texto de Miriam Abramovay e colaboradores traz,
precisamente, as luzes de que precisamos para compreender os
desafios a que aludimos. Professora desta Universidade e
amplamente atuante em organizações internacionais, com
inúmeros livros e artigos publicados, seus escritos muito têm
contribuído para estudar a juventude, a cidadania e a violência
no Brasil, ou seja, a riqueza humana de que o País dispõe para
construir o seu futuro e certos riscos que a ameaçam.
Os capítulos são candentes. Dentre os temas tratados,
destacam-se as drogas nas escolas, os jovens em situação de
pobreza e violência, as violências nos estabelecimentos de ensino
e as suas repercussões. A sua leitura traça um painel amplo e
complexo de como pelo menos uma parte do futuro do Brasil
está sendo modelada hoje e traz algumas recomendações sobre
como podemos fazer diferente, se desejamos um porvir melhor.
Na nossa perspectiva, alguns aspectos merecem ser destacados.
Um deles é que o risco de consumo de drogas diminui na medida
da sua prevenção e que uma das formas mais eficazes de conter
o avanço das mesmas é efetuar “esforços amplos, consistentes e
permanentes de formação de atitudes e comportamentos seguros
entre os adolescentes e jovens”. Mais ainda, frisa o livro que o
modelo de prevenção utilizado centra-se nos aspectos cognitivos
e despreza os afetivos. Portanto, o nome que pode ser dado a um
modelo efetivo de prevenção, pelo que se percebe, é a educação
integral, que deve ser dada pela família, pela escola e por outras
instituições educacionais. Em outras palavras, grande parte da
solução para o uso indevido de drogas encontra-se dentro da
própria escola e do alargamento de horizontes da sua atuação.
Soluções educacionais também se encontram na raiz das
violências nas escolas, que, conforme os dados, têm impacto
sobre a sociabilidade, a qualidade do ensino e o aproveitamento
dos alunos. Não se pode reduzir tudo à educação, mas fica fora
de dúvida o valor das suas contribuições, inclusive para combater
a pobreza, questão de base, intimamente associada à exclusão.
O valor da educação, assim delineado, ressalta a importância
do papel de instituições internacionais como a UNESCO e das
universidades católicas em geral. Ao trabalhar pela educação,
elas estão tendo, ao mesmo tempo, a preciosa oportunidade de
lutar pela paz, pela igualdade de direitos, pela justiça, pelo
desenvolvimento sustentável e pela preservação do meio
ambiente, entre outros elementos indispensáveis à vida da
humanidade neste novo século, que, ao mesmo tempo, são
princípios e ideais das Nações Unidas. Na teia complexa das
relações sociais do mundo contemporâneo, cada um de nós,
educadores, carrega, portanto, uma grande carga de
responsabilidade, embora não sejamos, sozinhos, responsáveis
ou capazes pela solução de todos os problemas.
Nessa teia, precisamos de associações e parcerias para
amplificar a ação educacional. Por isso mesmo, a Universidade
Católica de Brasília e a UNESCO se têm unido em ações comuns,
para conferir maior efeito às suas ações. No âmbito da cooperação
entre as duas instituições, criou-se recentemente o Observatório
das Violências nas Escolas, sediado pelo Mestrado em Educação,
que constitui um centro de pesquisa e de intervenção em
problemas tão candentes. Este passo, esperamos, será seguido
por outros, numa cooperação profícua para associar esforços e
construir um futuro responsável.
SProf. Dr. Guy Capdeville
Reitor da Universidade Católica de Brasília
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CTCT
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The book explores different aspects of the relationships
between youths, drugs and violence. These relationships are
examined in four articles based on results obtained in research
coordinated by UNESCO representation in Brazil. The first
article, Youths in Situations of Poverty, Social Vulnerability and Violence,
demonstrates the context that young Brazilians live in. At first,
the situation is contextualized within Latin America from the
conceptual point of view. This concept includes some aspects
that affect the lives of youths in Latin America in general,
including the trend for higher death rates among youths. This is
followed by discussion of some of the conditions that reinforce
the youths’ vulnerability (work, leisure, discrimination, violence
and institutional violence). The article emphasizes that
participation in social programs and projects that deal with
citizenship offers a contrast to this situation of vulnerability and
allows the youths in this situation to learn in a positive way.
Youths that participate in these kinds of programs demonstrate
a capacity for social criticism that does not include self-accusation
or pre-determined ideas.
The article Violence in the Day to Day Life of the Schools deals
with a critical vision of the phenomenon of violence, seeking to
become familiar with and examine the categories of the problem.
The text focuses exclusively on the modalities of violence that
14
occur inside the schools. These range from physical aggression
to symbolic and institutional violence. There is also a search
to explain why school has gone from being a safe place for
social integration to being a space where violence occurs. Many
times this violence forms within the school setting itself. The
conclusion offers the idea, also based on UNESCO research,
that while school can be a place where different modalities of
violence occur, it can also become a place where
desconstruction of violence can also occur. This can occur if
the school is organized and if rules for behavior are clear and
if there is an understanding atmosphere in the school. The
article also points out that this kind of change can occur if
students are respected and if there is active participation in
the school from parents, teachers and students.
The objective of Student Perceptions of the Repercussions of
Violence on Studying and Social Interaction in School is to demonstrate
perceptions students in Basic and Secondary Education
(beginning with the 5
th
grade) have about the repercussions
that violence in school have on their studies and their
relationships with other individuals in the learning institution.
Two groups are defined according to their experience with
incidents of serious violence in school. This is done in order
to verify if the students who related having had contact with
violent incidents notice negative effects of this violence on
their studies and social relationships in greater proportion to
those who did not relate contact with violent occurrences.
There is also a search to characterize the two groups of students,
describing their socio-economic backgrounds in addition to
other relevant components that differentiate the two groups.
In the article Drugs in the Schools the perceptions of youths
interviewed in 13 Brazilian capitals and in the Federal District
are used to contextualize what they think about drug
15
consumption and drug trafficking. There is a search to analyze
the socio-cultural factors that are interwoven with individual
motivations. These elements influence (positively or
negatively) the decision to use drugs. They also aggravate the
effects of drug use. This article emphasizes the role school
has in educating youths, as it is a place for their socialization
and training. The text points to school as an institution with
the challenge of using its position to prevent students from
becoming involved with drugs.
17
II
II
I
. JO. JO
. JO. JO
. JO
VENS EM SITUVENS EM SITU
VENS EM SITUVENS EM SITU
VENS EM SITU
AÇÃO DEAÇÃO DE
AÇÃO DEAÇÃO DE
AÇÃO DE
POBREZA, VULNERABILIDPOBREZA, VULNERABILID
POBREZA, VULNERABILIDPOBREZA, VULNERABILID
POBREZA, VULNERABILID
ADESADES
ADESADES
ADES
SOCIAIS E VIOLÊNCIASSOCIAIS E VIOLÊNCIAS
SOCIAIS E VIOLÊNCIASSOCIAIS E VIOLÊNCIAS
SOCIAIS E VIOLÊNCIAS
CASOS EM ÁREAS URBANAS, BRASIL 2000
1
Mary Garcia Castro
Miriam Abramovay
1 As referências a análises qualitativas são de pesquisa promovida pela UNESCO sobre
experiências/projetos de organizações não-governamentais e do poder público, que
desenvolvem projetos nas áreas de educação para cidadania, lazer, esporte, cultura e arte,
com jovens residentes em bairros pobres de capitais e em algumas áreas nos estados do
Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo e
Paraná. Foram, nessa pesquisa, realizados grupos focais e entrevistas com jovens, arte-
educadores, parceiros das experiências, pais, mães e responsáveis pelos jovens e membros
das comunidades de residência dos jovens. Ver obra de Mary Garcia Castro, Míriam
Aramovay, Maria da Graças Rua e Eliane Andrade, qual seja, Cultivando vida, desarmando
violência. Experiências em Educação, Cultura, Lazer, Esporte e Cidadania com Jovens em Situação de
Pobreza”. UNESCO, Brasília, 2001
19
1.1. MARCO DA ANÁLISE
Examina-se neste artigo algumas dimensões centrais na
vida dos jovens de 15 a 24 anos, nas capitais e em alguns
municípios onde foi feita a pesquisa coordenada pela UNESCO
Cultivando Vida, Desarmando Violências (ver nota 1 – aqui
referida como Pesquisa UNESCO, 2001). Centrais, de acordo
com o acervo de trabalhos sobre jovens em situações de pobreza
no Brasil e considerando-se o dado, ou seja, as informações
oficiais disponíveis.
2
Centrais também de acordo com o que
sentem jovens, pais e educadores.
3
Assim, combinam-se análise
“macrorreferenciada” e extratos de discursos de tais agentes
sobre sentido, percepção e importância das dimensões
analisadas. Recorre-se a testemunhos típicos, comuns a
situações vividas pelos jovens, daí não se identificar os lugares
de suas falas.
2 Recorre-se principalmente a diversas informações divulgadas pelo IBGE e pela CNPD
(Comissão Nacional de População e Desenvolvimento), 1998, e ainda a outras disponíveis
no IBGE; SIM; Departamento de Informática do SUS; Cebrid; INEP/MEC.
3 Material coletado por grupos focais são matéria-prima para esta análise.
20
Após uma panorâmica da representação demográfica da
população jovem, focalizam-se temas associados ao trabalho,
como tipo de inserção no mercado, segundo a formalidade
desse, uso do dinheiro e obstáculos percebidos para conseguir
um emprego; às atividades de lazer – considerando mapa de
equipamentos das cidades pesquisadas e oportunidades
disponíveis aos jovens para ocupação do tempo livre nas
comunidades de residência; e às diversas formas de
discriminação experimentadas por jovens, em especial do grupo
social de referência.
Implícito a tal plano de organização deste artigo, a tese de
que várias são as situações que condicionam comportamentos
violentos e que “vitimizam” os jovens, em particular os que
vivem na pobreza.
A violência, em suas diversas facetas, é tema
especialmente analisado, com ênfase em significados,
manifestações e reações dos jovens, assim como o uso de drogas.
Este é um trabalho mais de cunho exploratório,
apresentando-se tão-somente dimensões e significados das
dimensões analisadas, segundo atores que convivem com jovens
em situações de pobreza, em áreas urbanas do Brasil, e os
próprios jovens.
Os jovens a que se refere a Pesquisa UNESCO 2001 vivem
em famílias com até três salários mínimos per capita, sendo que
muitos são de famílias de pais e mães desempregados, e alguns
já passaram por experiência de viver na rua ou de estar envolvidos
em atos de delinqüência. Todos estavam, quando da pesquisa
de campo, freqüentando projetos/experiências que investiam em
educação para cidadania, atividades de lazer, de profissionalização
em comunicação e informática, em atividades artísticas e
culturais, assim contribuindo tanto para a satisfação do direito a
bens culturais como para a formação de valores contrários a
21
violências, alem de ter como expectativa afastar os jovens de
situações de risco, daí entitular-se a pesquisa da UNESCO,
Cultivando Vida, Desarmando Violências.
1.2. MARCO CONCEITUAL –
VULNERABILIDADES SOCIAIS
Um dos conceitos nucleares deste texto é o de
vulnerabilidades sociais.
O conceito de vulnerabilidades sociais vem sendo utilizado
por distintas agências, mas aqui vamos nos ater a algumas
referências, como as de autores da Cepal – que organizou em
junho de 2001 um seminário preparatório para a elaboração de
documentos recorrendo ao conceito, para debate sobre a
situação da América Latina. Parte-se do conceito corrente, de
debilidades ou fragilidades para elaborações que fogem do
sentido de passividade que sugere tal uso. Na elaboração mais
conceitual de vulnerabilidade deve-se recorrer a diversas
unidades de análise – indivíduos, domicílios e comunidades -,
além de recomendar que se identifiquem cenários e contextos
(Vignoli, 2001, Arriagada, 2001, e Filgueira, 2001, entre
outros). Pede, portanto, diferentemente do conceito de
exclusão, olhar para múltiplos planos, e, em particular, para
estruturas sociais vulnerabilizantes ou condicionamentos de
vulnerabilidades.
Durante a década de 90, o desenvolvimento do paradigma
“ativos-vulnerabilidade” também conhecido como marco
analítico da vulnerabilidade, segundo terminologia original,
tornou-se uma das idéias mais criativas da literatura sobre a
pobreza nas sociedades contemporâneas, especialmente nos
países da periferia. Segundo sua concepção inicial, o novo
marco tinha como objetivo demonstrar as potencialidades de
22
considerar os recursos que podem ser mobilizados no nível
das famílias e/ou dos indivíduos, sem circunscrever tais
recursos, ou a noção de capital, a uma perspectiva
exclusivamente econômica ou monetária (....) Tal marco recorre
a diversas disciplinas, como Sociologia, Antropologia e
Psicologia Social (....) com a preocupação de identificar
instrumentos de políticas sociais (por exemplo, de combate a
pobreza) (....) identificar ativos relevantes para o desempenho
dos indivíduos, como o “capital social” (....) (Filgueira, 2001)
*
Com o debate sobre vulnerabilidades sociais se pretende sair de
análises de posições, morfologias estáticas, e reconhecer processos
contemporâneos; remodelações de relações sociais, nas quais,
sublinhamos, a cultura e a subjetividade não seriam nem
superestruturas, nem “serendipities”, turbulências laterais. Por outro
lado, tenta-se compreender, de forma integral, a diversidade de
situações e a diversidade de sentidos para diferentes grupos,
indivíduos, tipos de famílias ou domicílios e comunidades. Implícitas
estariam as transformações, tanto por conta de novos perfis do
mundo do trabalho, ou do não trabalho, como, referência mais ampla,
de tempos em que modernidade, diversidade e insegurança se
combinam, e em que, por outro lado, múltiplos sistemas de normas
de discriminações se combinam mas guardam identidades próprias.
Ademais, recorrem vários autores, como os citados, por
exemplo, ao conceito de vulnerabilidades sociais para tentar
desconstruir sentidos únicos e identificar potencialidades de
acionar atores e atrizes para resistir e enfrentar situações
socialmente negativas. Haveria, portanto, uma vulnerabilidade
positiva, quando se aprende, pelo vivido, a tecer formas de
resistências, formas de lidar com os riscos e obstáculos de forma
criativa. Seria, portanto, o conceito constituinte desse plano
* Tradução livre.
23
de vulnerabilidade (a vulnerabilidade positiva) subsidiário dos
debates de Bourdieu (2001, original publicado em 1989) sobre
capital cultural, social e simbólico, ou seja, o que se adquire
por “relações de comunicação”, tomando-se consciência de
violências simbólicas, do que aparece como arbitrário. É
quando as vulnerabilidades vividas trazem a semente positiva
de “um poder simbólico de subversão”. (Bourdieu, 2001: 15)
Avança-se, no texto de Vignoli (op. cit.), no reconhecimento
de que o enfoque de direitos humanos e, neste, o de direitos
específicos em face da existência de específicos sistemas de
adscrições e discriminações, assim como de específicas
linguagens quanto a sentidos, não deveria ser congelado como
figura de retórica no discurso político, ou princípio abstrato.
Tende-se em estudos sobre vulnerabilidades sociais que
acessam indivíduos, famílias e grupos na comunidade, a
trabalhar com o esperado em diferentes sistemas de linguagens,
reconhecendo a força da subjetividade, do desejo e a distância
entre o vivido e o esperado quanto a direitos humanos.
Contudo, há que mais pesquisar sobre ambientes, ou
“inseguranças e incertezas” (Vignoli, 2001, e Cepal, 2000) e,
como se refere Hanna Arendt, no debate sobre cidadania, o
reconhecimento do direito a ter direitos (in: Duarte, 2001),
mas, insiste-se, recorrendo a diversos planos analíticos.
Por exemplo, análises sobre vulnerabilidades
contemporâneas latino-americanas, como a “juvenilização” da
mortalidade, em particular entre grupos na pobreza e por causas
de violências, sugeririam que não basta referir-se a direitos
individuais, mas também de grupos e gerações e características
de um tempo e de sociedades. Perguntamos, então: Quais seriam
as marcas da geração de hoje, e de gerações, como a dos jovens,
nessa nossa geração, ou nos tempos atuais?
Por exemplo, afetam a geração dos jovens, hoje, o
desencanto, as incertezas em relação ao futuro, o
24
distanciamento em relação às instituições, descrendo na
legitimidade dessas, como a política formal, além de resistência
a autoritarismos e “adultocracia”. É quando a escola e a família
já não teriam igual referência que tiveram para outras gerações
de jovens, além de que há diversidades quanto a construções
dessas referências em grupos em uma mesma geração. Por outro
lado, o apelo da sociedade de espetáculo e padrões de consumo
conviveriam com chamadas para responsabilidade social e
associativismo. Essas e outras tendências contraditórias
também potencializariam vulnerabilidades negativas e positivas
(no sentido de fragilidades, obstáculos, capital social e cultural
e formas de resistência no plano ético cultural).
Dessa forma, discutir juventudes, requer discutir
modernidade e sua realização em distintos planos e para
distintos grupos sociais.
Autores que na Cepal preparavam textos para a cúpula da
organização sobre vulnerabilidades sociais, ao se referirem ao
enfoque de vulnerabilidade, consideram os “choques para as
comunidades, famílias e indivíduos”; “o enfoque dos riscos” e
“o enfoque dos ativos” ou a intenção de identificar “recursos a
serem mobilizados nas estratégias das comunidades, famílias e
pessoas” (Vignoli, 2001: 58). Caberia, por outro lado, ter o
cuidado em não incorrer em uma falácia de níveis equivocados,
devendo o pesquisador estar consciente de que pode haver
contradição de sentidos também entre subunidades, ou
componentes de uma determinada unidade, por exemplo, entre
pais e filhos, ou membros da família homens e outros membros,
mulheres – não basta, portanto, referir-se a famílias vulneráveis
(Arriagada, 2001).
Recorre-se no léxico Cepalino, hoje, junto com
vulnerabilidade, a termos emprestados da lógica de mercado,
como capital social, riscos e ativos, cabendo, por outro lado,
25
também mais investir na crítica a tal lógica – o que foge, por
agora, ao âmbito deste texto – para que, recorrendo ao conceito
de vulnerabilidade, não se escorregue no mesmo viés dos
debates sobre exclusão e pobreza, como se, por exemplo, os
jovens mais vulneráveis fossem considerados não como parte,
mas excluídos ou fora do sistema, e assim se ficar com
indicadores de posição, sem avançar na análise compreensiva
sobre processos e relações sociais.
Em resumo, autores que vêm recorrendo hoje ao conceito
de vulnerabilidades sociais (e.g., Vignoli, 2001, Filgueira, 2001,
e Arriagada, 2001) indicam a dialética possível em tal conceito,
referindo-se tanto ao negativo, ou seja, a obstáculos para as
comunidades, famílias e indivíduos; riscos, quanto ao positivo,
considerando possibilidades, ou a importância de se identificar
“recursos mobilizáveis nas estratégias das comunidades,
famílias e indivíduos” (Vignoli, 2001: 58).
Neste artigo, opta-se pelo descrito por jovens, animadores
nos projetos, pais, mães e responsáveis, destacando-se, o
negativo – comum tônica, em particular nas falas dos jovens –
, mas, por outro lado, alertando para a possibilidade do
positivo – ou seja, a consciência quanto a riscos e obstáculos
vividos e a busca por uma ética de vida que representaria
um capital simbólico e cultural, que se insinua por meio do
exercício da critica social.
1.3. REPRESENTAÇÃO DEMOGRÁFICA
DOS JOVENS
Nas capitais e em alguns municípios onde foi realizada a
Pesquisa UNESCO 2001, a coorte entre 15 e 24 anos
correspondia, em 1998, a cerca de 1/5 da população. Os
percentuais encontrados variam do mínimo de 17% no Rio de
26
Janeiro e de 19% em São Paulo, ao máximo de 24% em São
Luís (Tabela 1). Nessas localidades, a participação dos jovens
na população total é superior àquela registrada no Brasil como
um todo em 1995 (8,5%), o que está de acordo com a
concentração juvenil nas áreas urbanas (78% em 1996).
Praticamente não há diferenças na distribuição por sexo
nessa faixa etária.
TABELA 1 – POPULAÇÃO ENTRE 15 E 24 ANOS
NA POPULAÇÃO TOTAL, POR SEXO,
SEGUNDO CIDADES SELECIONADAS, 1998 (%)
Fonte: Brasil-PNAD/IBGE, 1998. Os números absolutos correspondem ao total sobre o
qual foram calculados os percentuais em cada categoria.
27
Segundo estudos sobre a dinâmica populacional do
segmento jovem, ainda que acompanhando a redução do ritmo
de crescimento da população, somente no período 1991/1996,
em todo o Brasil, aquele grupo etário cresceu a uma taxa média
anual de 1,7%, contabilizando-se cerca de 31 milhões de jovens
em 1996. Note-se que na maioria das Regiões Metropolitanas
(RMs) – referências para algumas capitais e municípios desta
pesquisa, com exceção de Recife – ocorrem taxas médias de
crescimento anual da população entre 15 e 24 anos bem
superiores ao do país como um todo, a saber: Belém, 2,43%;
Fortaleza, 2,26%; Salvador, 3,14%; Vitória, 3,37%; Rio de
Janeiro, 1,12%; São Paulo, 2,51%; e Curitiba, 3,81% (Oliveira
et al., 1998).
Tais dados por si já sinalizam a importância de políticas
públicas para esse expressivo contingente da população.
Por outro lado, os dados anotados sinalizam para o
crescimento dessa coorte, em que pese a tendência recente
ao envelhecimento demográfico da população brasileira.
Como observa Madeira, referindo-se ao ritmo de
crescimento da população entre 15 e 24 anos, seria
pertinente destacar, no panorama demográfico brasileiro,
uma “onda jovem”, chamando a atenção para o fato de
que estaríamos “vivendo um pico abrupto no número de
adolescentes, cuja média gira em torno de 17 anos”
(Madeira, 1998: 431).
1.4. TRABALHO
Vários estudos alertam para a situação de
vulnerabilidade dos jovens quanto ao trabalho, sendo esse
um dos contingentes populacionais que apresenta algumas
das mais altas taxas de desemprego e de subemprego no
28
país,
4
enfrentando problemas singulares quanto à primeira
inserção no mercado, o que em alguma medida se deveria à
exigência dos empregadores de prova de experiência prévia. É
também uma população que vem exigindo novos enfoques da
educação e qualificação profissional, o que não seria acessível
aos jovens de famílias pobres. De fato, as mudanças no mundo
do trabalho, a desregulamentação e a flexibilização da economia
demandariam habilidades nem sempre disponíveis aos jovens
de setores populares – como conhecimentos em informática e
línguas estrangeiras –, isso em contexto de diminuição dos
postos de trabalho para grande parte da população.
No Brasil, a população economicamente ativa (PEA) de
15 a 24 anos correspondia, em 1995, a 65,2% dessa faixa etária,
representando 18,8 milhões de jovens (Arias, 1998). Portanto,
haveria que partir dessa realidade, do momento atual (o que
não corresponde a uma situação ideal) – a necessidade de fontes
de sobrevivência de grande parte da população jovem e de
familiares que do seu trabalho dependem –, quer no sentido de
minimizar os atritos entre participação no mercado de trabalho
e o investimento educacional a largo prazo, quer no plano de
mais investir na qualificação desses jovens.
5
4 Em 1995, dos 4,5 milhões de desempregados no Brasil, cerca de 48% (2,1 milhões) eram
jovens – entre 15 e 24 anos. Ou seja, ll,1% dos jovens no mercado de trabalho, de fato,
estariam procurando trabalho, na semana de referência da coleta de dados da PNAD. Nas
Regiões Metropolitanas tinha-se, em 1995, “uma taxa média de desemprego juvenil da
ordem de 16,2%, sendo que no grupo social mais pobre – até ½ salário mínimo per capita
– essa porcentagem se eleva a 27,1% e no seguinte – de ½ até 1 salário mínimo per capita
a 20,7%”. (Arias, 1998).
5 Importante notar que o intervalo etário de 15 a 24 anos esconde realidades heterogêneas
quando o foco é participação no mercado, em especial, em horizonte diacrônico. Segundo
Arias (op.cit.) enquanto a taxa de atividade do grupo de 15 a 19 anos caiu de 59,8%, em 1992,
para 56,6%, em 1995, já aquela relativa aos jovens entre 20 e 24 anos se manteve inalterável,
no período, cerca de 75%. Esse autor também adverte sobre marcas de classe na relação
entre juventude e trabalho. Em 1995, no Brasil, cerca de 39% dos jovens estariam em
famílias sem rendimentos ou com rendimentos per capita de apenas até ½ salário mínimo.
29
Entre os jovens com participação ativa no mercado de
trabalho encontram-se diferenças segundo o tipo de inserção –
trabalho formal ou informal – e também por sexo, como se
registra na Tabela 2.
Ao comparar os dois tipos de inserção no mercado –
formal e informal – observa-se (Tabela 2) que os percentuais
de jovens que realizam trabalho formal são significativamente
inferiores aos que executam atividades informais. Os
primeiros variam do mínimo de 15% para ambos os sexos,
TABELA 2 – POPULAÇÃO DE 15 A 24 ANOS NA
POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA
(PEA), POR TIPO DE INSERÇÃO NO
TRABALHO* E POR SEXO, SEGUNDO
CIDADES SELECIONADAS**, 1998 (%)
Fonte: FIBGE-PNAD, 1999. Os números absolutos correspondem ao total sobre o qual
foram calculados os percentuais em cada categoria.
* Trabalho formal - trabalhadores com carteira assinada, militares e funcionários públicos
estatutários.
** Trabalho informal, todas as demais categorias, denominadas “Outros”.
30
em Belém, ao máximo de 27% das moças, em Curitiba. Já
os que executam trabalho informal são bem mais numerosos,
variando do mínimo de 31% no Rio de Janeiro, para os dois
sexos, ao máximo de pouco mais de 40% de rapazes e moças
em Curitiba.
1.4.1. Situações no trabalho
Para freqüentar os projetos de arte, cultura, esporte e
outros das experiências pesquisadas, exige-se que os
jovens estejam matriculados em uma escola pública, e
em muitas se acompanha o seu rendimento escolar.
Considera-se que o tempo de ser jovem é tempo de
formação educacional, então o ideal é que não estivessem
trabalhando, mas também, em muitos casos, se oferecem
oportunidades de os jovens desenvolverem atividades
remuneradas no campo das experiências, ou seja, como
artistas e monitores.
Mas há um consenso de que o desejo dos jovens é se
empregar logo, sendo comum a apreensão desses e de seus
pais acerca do futuro. O trabalho tem uma centralidade
referencial, é uma preocupação constante. Por outro lado,
o emprego que muitos exercem é irregular ou instável,
realidade tanto na vida dos beneficiários dos projetos como
na de seus pais, muitos dos quais estão desempregados.
Os depoimentos que se seguem, colhidos em grupos focais
com educadores e familiares no âmbito da pesquisa,
corroboram a concentração do público jovem em
atividades informais, desnudando tanto as precárias
situações vividas nas relações de trabalho, como a
vulnerabilidade a explorações:
31
1.4.2. O significado e a importância do trabalho
Os jovens entrevistados frisam ser de extrema importância
conseguir um trabalho, enfatizando ser este o meio de
sobrevivência individual e, muitas vezes, de suas famílias, ou
mesmo a forma de atingir a independência financeira necessária
para se sentirem pessoas e construírem sua auto-estima, ou
seja, o sentido de inspirarem respeito na comunidade. Também
insistem que a remuneração proporcionada pelo trabalho lhes
possibilita maior autonomia no plano das relações familiares:
não ficar dependendo do dinheiro da mãe, por exemplo.
Os jovens, como seus pais, enfatizam a importância do
trabalho como forma de ocupação do tempo e da mente, o que
os impediria de estar pensando em cometer qualquer infração.
Assim, afirmam que, se houvesse emprego, muitos jovens não
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001: 46).
Quadro 1 – “Muitos estão esmolando”
Entrevista com educadores de experiências com jovens
Muitos jovens são engraxates, fazem pequenos bicos, pequenas
entregas, fazem montagens de algumas coisas, alguma pintura,
qualquer atividade de baixo conhecimento. Ajudam o pai a
fazer trabalhos de pedreiro, vão capinar, muitos fazem pequenas
atividades, outros são flanelinhas, e há quem trabalhe vigiando
carros. Alguns, aqueles que têm um pouco de sorte, vão ser
contínuos, mas a grande maioria está no mercado informal, não
têm carteira assinada, não sabem seus direitos, são explorados.
Muitos estão esmolando, vendendo em feiras livres, mercados e,
nos finais de semana, vendendo também nas praias. E de noite
muitos dos jovens também vendem na rua.
32
estariam envolvidos em atividades ilícitas. Segundo mães
entrevistadas: [...] Que nem diz o outro: “cabeça parada, oficina do diabo”.
O trabalho foi importante para o amadurecimento de
meus filhos.
Contudo, paradoxalmente, o trabalho tanto pode ser meio
para afastar-se das drogas, como para assegurar o acesso às
mesmas. Em alguns casos, parte do dinheiro que os jovens
conseguem é usada para comprar drogas: eu compro roupa, compro
maconha, cola, crack, cocaína.
Em outros casos, trabalho e violências se associariam, por
causas que independem da vontade dos jovens e remetem a
situações que atingiriam não só aos jovens, mas aos
trabalhadores que residem nas periferias:
O que mais preocupa é quando o cara vai para o serviço, tem
que acordar às cinco horas da manhã, e aí sai e vai seguindo a
estrada. Não sabe se tem um maconheiro fumando e rodeando
a estrada. Isso aí é uma preocupação porque o cara trabalha e
não sabe o que tem pela frente. (Grupo focal com jovens,
in: Pesquisa UNESCO, 2001:49).
1.4.3. Obstáculos percebidos quanto a obter um
trabalho
Alguns pais entrevistados reclamaram que os filhos fazem
cursos profissionalizantes, mas depois, quando saem, não
aplicam o conhecimento adquirido devido às dificuldades para
conseguir emprego. Destacam a falta de perspectiva em relação
ao futuro por parte dos jovens, por causa das dificuldades de
conseguir um emprego.
Entre as dificuldades mais comuns para os jovens
conseguirem emprego, segundo entrevistados, destacam-se:
33
a alegação de falta de experiência por parte de
empregadores;
a exigência do 2.° grau e de conhecimentos de
informática;
o fato de os jovens não estudarem em escolas que os
preparem para a competição do mercado;
a discriminação por residirem em comunidades
periféricas, o que limitaria suas oportunidades;
o preconceito racial;
em vários casos, o envolvimento do jovem com a
violência e a criminalidade seria destacado como um dos
maiores impedimentos à sua inserção no mercado de
trabalho, posto que, em diversas experiências, alguns
beneficiários já cometeram pequenos delitos e esbarram
na exigência do certificado de bons antecedentes para
conseguir um emprego.
A esses obstáculos se somam outros, relacionados ao
avanço tecnológico, dificilmente acompanhado pelas
camadas de baixa renda, gerando um apartheid ocupacional e
digital, segundo expressão do coordenador de um dos
projetos pesquisados:
Enquanto um terço dos europeus acessa a Internet, no Brasil,
só 4% da população acessam a Internet e só 9% têm acesso a
computadores, no trabalho ou em locais públicos. Desses 4%
que acessam a Internet, 16% são da classe média e apenas 4%
da classe de setores populares. Essa situação já configura uma
situação de apartheid digital, em que estão se formando legiões
de excluídos tecnológicos. Então, uma ação emergencial pra
combater o analfabetismo digital é fundamental para essa
34
população de baixa renda, que precisa ter acesso ao que a
tecnologia traz em termos de mercado de trabalho, oportunidades
de serviços, de lazer e entretenimento, e principalmente de
educação. (Entrevista com coordenador de projetos, in:
Pesquisa UNESCO, 2001: 50)
Pais, educadores e líderes comunitários enfatizam que a
falta de alternativas de trabalho para os jovens dificultaria atingir
as propostas dos projetos, como afastá-los de situações de
violência, influenciar comportamentos e valores e incentivar
posturas éticas de compromisso social.
A exclusão dos jovens, em particular das classes de
trabalhadores e de setores populares, leva também ao
desencanto em relação ao valor da escolaridade.
De fato, vários jovens entrevistados manifestam
desalento, sugerindo a perda do significado da escolaridade
como credencial para o trabalho, expressão de uma
conjuntura que eles próprios estranham: Falta emprego para
quem tem escolaridade ou não. Tem gente por aí formado, e não
consegue emprego.
Muitos pais e animadores das experiências analisadas são
bastante críticos acerca do lugar da escolarização na história
de vida ocupacional de seus filhos, questionando o valor da
escola em si, devido à qualidade do ensino e sua inadequação
às demandas do mercado:
Uma escola que não é interessante, uma escola que na verdade
não busca esse jovem, que espera que esse jovem se enquadre a
uma estrutura que é defasada, um ensino pouco interessante
com metodologias ultrapassadas. (Coordenadora de projetos,
in: Pesquisa UNESCO, 2001: 52)
35
Ainda que se registrem reflexões críticas sobre a relação
entre o ensino formal e o engajamento no mercado de
trabalho, por outro lado, de uma forma ambígua, também
os jovens, como seus pais, buscam valorizar a escolaridade
como fundamental para alcançar bons postos no mercado
de trabalho: Porque a primeira coisa que se exige para conseguir
emprego é estudo, até para ser catador de lixo.
Mais consensual é a leitura dos efeitos do desemprego e do
afastamento da escola no condicionamento de desencantos, na baixa
auto-estima e na insegurança que, por sua vez, seriam possíveis
desencadeadores de envolvimentos com violências e drogas:
Um problema é o desemprego e o outro é o pessoal não ter a questão
da educação, um grande número não está estudando, uma parcela
muito pequena que estuda. Desemprego gera o quê? Desmotivação,
baixa auto-estima; o fato de não estar estudando deixa eles
despreparados para o mercado de trabalho e isso os leva a se envolver
com outros tipos de atividades não saudáveis, como drogas e outras
coisas. (Entrevista com diretora de projeto de ONG que
trabalha com jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001: 52)
Contudo, haveria que “relativizar”, por um lado, a idéia de
que o desemprego é uma situação associada tão-somente à falta
de escolaridade e, por outro lado, que seja um problema de grupos
jovens. Informações sobre outros contingentes populacionais
sugerem ser esse um dos problemas de um tempo, de uma
sociedade. Por exemplo, o saldo entre admissão e desligamento
do emprego na população total, conforme os dados do Ministério
do Trabalho e Emprego (Tabela 3), mostra-se negativo em todas
as cidades focalizadas, sendo particularmente elevado em
Curitiba, Camaragibe, Belém, São Paulo e Cuiabá.
36
TABELA 3 – TRABALHADORES ADMITIDOS
E DESLIGADOS, SEGUNDO CIDADES
SELECIONADAS, EM DEZEMBRO/2000
(NÚMEROS ABSOLUTOS, SALDO E RAZÃO
Fonte: Brasil, Ministério do Trabalho e Emprego – Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados, 2001.
Os dados da Tabela 3 reafirmam a tese de que não apenas
os jovens têm de enfrentar os obstáculos próprios ao primeiro
ingresso no mercado de trabalho, mas que devem fazê-lo em
uma conjuntura adversa para a classe trabalhadora.
O desemprego afeta os jovens porque os pais não têm trabalho, isso
afeta muito o jovem. Muitos, jovens ou não, vão traficar, já que não
encontram emprego, então vão achar jeito de ganhar dinheiro. (Grupo
focal com mães, in: Pesquisa UNESCO, 2001:54)
Entre os jovens empregados também são comuns as críticas
às relações de trabalho, à remuneração, sendo freqüente
37
considerarem que o trabalho atual pouco contribui para suas
vidas futuras. Reclamam da falta de reconhecimento
profissional e da falta de oportunidades de mobilidade na
atividade que realizam. Já entre os jovens que estão no mercado
de produção artística, mesmo quando fazem esporádicas
apresentações ou com baixa remuneração, são mais comuns
declarações positivas sobre o que fazem, sugerindo haver
compensação do ganhar pouco por estarem no que gostam, o
que, por outras avaliações, lhes dá alguma gratificação.
1.5. LAZER
Lazer pode associar-se tanto a estímulo como a antídoto
contra violências.
Os indicadores sobre equipamentos culturais no Brasil
justificam e reforçam a preocupação com a falta de espaços
de lazer e de cultura para a população jovem, em especial
para aqueles em situações de pobreza. Cerca de 19% dos
municípios brasileiros não têm uma biblioteca pública; cerca
de 73% não dispõem de um museu; cerca de 75% não
contam com um teatro ou casa de espetáculo e em 83% não
existe um cinema. Predominam carências também quanto a
ginásios poliesportivos, já que cerca de 35% dos municípios
não contam com tal equipamento, enquanto em 64% deles
não há uma livraria (FIBGE-PNAD, 1999). Na maioria das
cidades-capitais há menos de uma biblioteca para cada 1.000
jovens. Já a situação quanto a cinemas também deixa a
desejar. Em São Paulo, por exemplo, conta-se com 0,04
cinema para cada 1.000 jovens que ali moram.
Depoimentos colhidos na Pesquisa UNESCO, 2001
corroboram as hipóteses sobre uma desigual distribuição desses
38
equipamentos entre áreas da cidade. Nas comunidades pobres,
seriam escassas as oportunidades de os jovens usufruírem bens
culturais e terem acesso ao capital cultural e artístico cultivado
pela humanidade e parte do patrimônio nacional. Quando
indagados a respeito de seu lazer, os jovens respondem que
jogam bola. A praia, eventuais festas e brincadeiras também
são citadas como opções de lazer. Divertem-se escutando
música – gostam de ouvir rap, axé, samba, rock e funk – tocando
em bandas, ensaiando em grupos de pagode, reggae, grupos de
dança, andando de skate, e declaram que alguns “bebem muito”.
À noite, alguns passeiam, ficam pelas ruas.
Além da falta de equipamentos nas comunidades, os jovens
circulam em raio restrito, segregados nos seus bairros, não
necessariamente exercendo constituinte de cidadania social,
qual seja, o benefício do uso da cidade em que vivem.
A carência de atividades de diversão na comunidade é
explorada pelo tráfico que, em muitos lugares, marca presença,
ocupando um espaço deixado em aberto pelo poder público,
constituindo-se em referência para os jovens:
Quadro 2 – “Os Traficantes foram nossos heróis”
Grupo focal com jovens
[Os traficantes] Colocaram lazer na comunidade, organizaram
o futebol, coisa que a comunidade ama. Colocaram o baile funk,
que na época a gente adorava. Colocaram uma série de outras
atividades, assim, para animar a comunidade. Pôxa, os
traficantes foram os nossos heróis, entendeu? Na época, os
traficantes eram os meus heróis e não os policiais.
Fonte: in Pesquisa UNESCO, 2001: 62)
39
1.6. DISCRIMINAÇÃO
Os jovens sentem-se discriminados por várias razões: por
serem jovens, pelo fato de morarem em bairros da periferia ou
favelas, pela sua aparência física, a maneira como se vestem,
pelas dificuldades de encontrar trabalho, pela condição racial
e até pela impossibilidade de se inscreverem nas escolas de
outros bairros. Há reações contra os jovens que aprendem dança
e música, e eles próprios são violentos contra os homossexuais,
ou seja, reproduzem discriminações.
Na medida em que existe uma representação social da
juventude como irresponsável, muitos são discriminados
simplesmente por serem jovens, o que muitos enfatizam. Os
adultos desconfiam deles, não acreditam na sua capacidade, o
que muitas vezes rebaixa sua auto-estima, faz com que se sintam
desrespeitados e maltratados:
Eu acho isso também discriminação. No mundo de hoje, em termos
de trabalho, assim o jovem é muito assim, vamos dizer, considerado
irresponsável. Porque, tu erra e eles culpam geral. Todos que está
vendo aqui, todo mundo quer objetivo na vida. Pois é, eu acho as
portas têm que ser mais abertas para os jovens, acreditar mais.
Você não pode, hoje, julgar cem mil por causa de um. O dono de
empresa pensa muito nisso, vamos dizer assim, o cara tem 35 anos
e eu 17, “Ah, não quero não, ele vai entrar, vai faltar, chegar
tarde, não vai ter responsabilidade” (Grupo focal com jovens
in: Pesquisa UNESCO, 2001: 62).
Um outro motivo de discriminação é o estigma de morar
na periferia, que é associada com miséria, violência e
criminalidade. Assim, o local de moradia, por si só, é um fator
de exclusão no trabalho e na escola. Tais discriminações são
40
reforçadas por não aceitarem, os adultos e a mídia, uma maneira
de vestir que é peculiar não somente a esses jovens, os pobres,
mas que no seu caso lhes codifica negativamente:
Na verdade, a mídia acaba criando uma resistência da sociedade para
com os jovens de periferia. A própria mídia acaba criando um paradigma
onde esse jovem é qualificado como um marginal por ele não ter uma
condição social de andar bem-arrumado. Então a sua pequena tatuagem,
o seu short, o seu brinco, a sua condição de ser negro, por exemplo, já há
uma discriminação terrível, que se torna muitas vezes um critério de
avaliação, se o jovem é bandido ou não. (Entrevista com coordenador
de projeto, in: Pesquisa UNESCO, 2001:63).
A percepção sobre determinados bairros, como violentos, leva
a exclusões imediatas, fechando também as possibilidades de
trabalho. A distinção entre ser honesto ou marginal é simplificada
e está relacionada ao local de moradia, de maneira que uma
sociedade excludente classifica como “marginais” aos pobres.
Eu já botei vários currículos em lojas. Em uma, o gerente
mandou me chamar. Eu disse que morava aqui no bairro,
que eu estava fazendo o 1.° ano. Um dos pretextos dele de
não me colocar foi porque eu era do 1.° ano. Eu sabia que
ele não queria que eu trabalhasse lá porque eu disse que
era do bairro. A discriminação é muito grande e injusta
porque não existe só marginal, existe gente honesta até
demais, e pessoas que gostam de zelar pela sua cultura.
(Grupo focal com jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001:63)
Uma discriminação que violenta jovens e adultos em sua
humanidade e cidadania é a que se relaciona ao racismo.
O preconceito racial é, segundo os jovens residentes em
periferias dos centros urbanos, um condicionador de violências,
das quais participam todos os envolvidos: O que mais afeta os
41
jovens na violência é o racismo; (....) Como aconteceu hoje comigo: eu vim
trabalhar e uma moça segurou a bolsa, eu voltei e dei uma bronca nela.
O racismo manifesta-se também na seleção negativa e
arbitrária das oportunidades de trabalho, confirmando os
estereótipos sociais atribuídos aos negros :
Quadro 3 – “Julgam se você é negro”
Grupo focal com jovens
Hoje em dia, já é difícil você arrumar um emprego, porque eles não
viram a capacidade que você tem de profissionalismo. Te julgam pela
sua maneira de vestir. Te julgam porque você usa cabelo grande; te
julgam se você é negro. O racismo no Brasil é cordial. O racismo é
aquele que o cara te atende bem, te dá um golinho de café para você
tomar, conversando com ele. Depois que você sai, ele rasga seu currículo.
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001: 64
A discriminação racial se expressa, ainda, no tratamento
conferido pela polícia aos jovens, quando estereótipos e
preconceitos se traduzem em agressões até físicas:
Quadro 4 – “Prefere parar o negro”
Entrevista com Coordenador de Projeto
(....) não está fazendo nada, é negro, vem na rua sem camisa,
mão aberta, falando muito... isso é o bastante. Não é novidade
nenhuma o que estou falando. Porque tem polícia assim: se está
passando um branco e um negro assim, acho que ele prefere
parar o negro e deixar o branco, isso aí que é racismo.
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001: 67
42
Muitos jovens seriam empurrados para o tráfico, que se
apresenta como única alternativa não somente econômica, mas
de exercício de algum protagonismo, ou lugar de poder:
(....) Tem o depoimento do jovem que eu achei lindíssimo:
“Sou negro, já tenho outra barreira para mim, eu sei que eu
nunca vou ter uma casa boa para morar, eu sei que eu nunca
vou ter um carro como eu gostaria de ter. Mas na minha rua,
professora, tem um pessoal que faz aviãozinho, e acho que
desse jeito eles têm mais condições. Porque, olha, eles têm
tênis de marca, eles andam muito arrumados. E eu que fico
lá, meu pai falando que é importante ser honesto, ser isso,
ser aquilo, eu não tenho nada. Então eu preciso ficar muito
firme com minha cabeça para eu não ir desse lado, porque
eu sei que o meu pai mora nessa favela há quinze anos, não
conseguiu sair. Tudo o que a gente conseguiu fazer foi um
cômodo de alvenaria”. Então, para esse rapaz, o futuro para
ele é ter uma casa para morar, um carro, um emprego. E ele,
de antemão, já está vendo que vai ser impossível com a
sociedade que está aí. Uma sociedade seletiva,
discriminatória, então ele está sentindo que ele não vai
conseguir, e ele também está vendo o outro lado. (Entrevista
com professor, in: Pesquisa UNESCO, 2001:67)
São múltiplas as normas de relações sociais que se pautam por
discriminações.Por exemplo, também ocorre discriminação devido aos
estereótipos em torno das opções de exercício da sexualidade e das atividades
artísticas a elas associadas no imaginário social. Especialmente os
rapazes enfrentam preconceito pelo fato de praticarem uma
atividade tradicionalmente associada às moças.
Um jovem que pratica dança relata como se sente vítima de
preconceito: a maioria do pessoal aqui acha que quem dança é bicha.
Por outro lado, quem pratica música também pode ser
discriminado e visto como vadio, truqueiro, ladrão.
43
A norma de discriminação contra homossexuais e travestis pode
levar a atos de extrema violência por parte dos próprios jovens:
Teve uma época que eu possuía um revólver, (....) a gente foi
para a cidade, chegamos lá uns travestis queriam ficar com a
gente, eu não tenho nada contra, mas eles vieram para cima
de mim, eu não gostei da atitude deles, eu puxei o revólver e
comecei a massacrá-los e fui dizendo: “Meu irmão, se oriente,
eu não gosto de frango não, sou homem, meu irmão, você
saia daqui porque eu vou acabar lhe matando”. Eu dei um
tiro assim e, quando eu cheguei em casa, deu o arrependimento,
foi grande, no outro dia mesmo eu vendi o revólver, como a
turma diz, vendi barato demais, dei o revólver. (Grupo focal
com jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001: 68)
Os jovens que freqüentam projetos que trabalham na área
de arte e cultura seriam discriminados também em virtude do
seu passado de pichadores, de membros de gangues ou porque
integram um movimento (hip-hop), o que os identifica como
“marginais”: Se o menino anda em grupo de pichações, de não sei quê,
então eu já não quero mais nem saber dele. Então ele já é colocado de
lado. Até mesmo a igreja teme desenvolver o trabalho.
Os meios de comunicação contribuiriam para produzir uma
realidade social distorcida, com modelos que a sociedade segue
e que os jovens não podem alcançar:
Uma coisa também, difícil, que tem que se abolir num currículo,
é uma “frasinha” de que boa aparência é tudo. A boa aparência
no Brasil é como ator de novela da Globo. Nós somos
diferentes. Nós não temos obrigação de ter olho azul e nem
cabelo liso. Nós queremos ser como que Deus fez a gente, e
temos capacidade. E não é nossa cor, não é nossa estatura,
não é nosso peso que vai diferenciar nós de qualquer outra
pessoa. (Grupo focal com jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001:68)
44
1.7. VIOLÊNCIA
Dados de diversos estudos, assim como as percepções coletadas
em grupos focais na Pesquisa UNESCO, 2001, sugerem que, além
da falta de oportunidades de trabalho e de alternativas de lazer, uma
marca singular dos jovens, nestes tempos, é a sua vulnerabilidade à
violência, o que se traduz na morte precoce de tantos. De fato, alguns
dos autores citados e outros consideram que, se falta de alternativas
de trabalho e lazer não é traço novo na vida dos jovens de baixa renda
no Brasil, o medo, a exposição à violência e a participação ativa em
atos violentos e no tráfico de drogas seriam marcas identitárias de
uma geração, de um tempo no qual vidas jovens são ceifadas. O que
ocorreria hoje mais que em nenhum outro período da idade moderna,
exceto em circunstâncias de guerra civil ou entre países. Ou seja: a
violência que mata e sangra seria marca dos tempos atuais e não
peculiar de uma classe, a pobre, o que se destaca em pesquisa sobre
juventude e violência em Brasília, entre jovens de classe média e alta,
que também adverte para a propriedade de se considerar a juventude
no plural (Waiselfisz, 1998:159):
Não há um tipo único de jovem. Os jovens da periferia apresentam
descontentamento por sua exclusão social agravada,
circunstancialmente de forma violenta, buscam reconhecimento e
valorização como cidadãos.
Com relação aos jovens de classe média, nota-se a
existência de poucos estudos a respeito. Explica-se essa ausência
pelo estereótipo quanto à equação violência = miséria. As
classes populares já seriam “perigosas”, e as classes médias
estariam em um processo de crise. Alguns estudos tendem a
demonstrar que os jovens de classe média experimentam
exclusão existencial em processos identitários.
Considerando o total de mortes por coorte, a faixa de 15 a 24
anos de idade exibe uma maior concentração na categoria de óbitos
45
por “violência conjunta” (decorrentes de homicídios, agressões e
acidentes de trânsito) do que na categoria de óbitos por “causas
internas” (relacionadas a doenças). Essa tendência é bastante mais
acentuada que nas demais coortes de idade. Por exemplo, no Rio de
Janeiro, em 1998, enquanto as mortes por “violência conjunta”
representaram 69% do total de óbitos de indivíduos na faixa de 15
a 24 anos, na mesma cidade e período, os que faleceram pelos
mesmos motivos não excederam 5%, tanto entre a coorte de 0 a 14
anos, como na de mais de 24 anos (Brasil, Ministério da Saúde,1999).
TABELA 4 – ÓBITOS NA POPULAÇÃO DE 15 A
24 ANOS, POR GRUPOS DE CAUSAS, SEGUNDO
CIDADES SELECIONADAS, 1998 (%)
Fonte: Ministério da Saúde/FNS/CENEPI/Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM) e FIBGE, 1999
Notas: (1) Óbitos por causas internas: doenças de todo tipo.
(2) Óbitos por violência conjunta: decorrentes de homicídios, agressões e acidentes de trânsito;
(3) Vale esclarecer que a assimetria desses percentuais é específica do ano de 1998.
46
Em Camaragibe, os percentuais de óbitos na faixa de 15 a
24 anos foram, em 1997, de 17% devido a causas internas, e
de 83% devido à violência conjunta. Os percentuais de 1996
foram de 20% e 80%, respectivamente. Em Cabo de Santo
Agostinho, em 1997, na mesma faixa etária, foram de 16%
devido a causas internas, e de 84% devido à violência conjunta.
Em 1996, foram, respectivamente, 41% devido a causas
internas, e 59%, à violência conjunta.
De fato, como se mostra na Tabela 4, a morte devido às
causas da violência conjunta assumem singular magnitude entre
os jovens de 15 a 24 anos, variam do mínimo de 29% em São
Luís e 31% em Salvador, até o estarrecedor percentual de 97%
em Camaragibe.
Comparando somente as capitais de Estados, o percentual
de jovens que perderam a vida por violência conjunta (frente
às mortes por causas internas) varia de 29% e 31% (São Luís e
Salvador), atinge a casa dos 50% em Fortaleza e Belém, cresce
um pouco mais em Curitiba (52%) e Vitória (58%) chega a 3/5
em Cuiabá (60%), aumentando no Rio de Janeiro (69%), em e
Recife (67%) para se aproximar de 3/4 em São Paulo (74%).
Segundo informações do Banco de Dados do Movimento
Nacional de Direitos Humanos (que trabalha com matérias de
jornais), em Salvador, de 1996 a 1999, a imprensa noticiou
3.369 assassinatos. O perfil da vítima típica seria: homem
(92,3% dos casos), entre 15 a 24 anos (41,8%), sendo negro
(30,7%), e de “cor” não noticiada na imprensa baiana, cerca
de 68,3% – 1,0% seria mencionada como branca. (In: Comissão
de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador, 2000).
Por outro lado há que considerar que no intervalo de idade
entre 15 e 24 anos há oscilações em relação ao tipo de
mortalidade por causas violentas. Por exemplo, em relação a
homicídios, segundo o “Mapa da Violência II” (Waiselfisz,
47
2000: 56), a morte por tal causa atingiria a marca de 37,1% na
idade de 20 anos, a de 23% aos 15 anos e a de 35,4% aos 18
anos (dados para o Brasil, 1998).
A acentuada vulnerabilidade negativa à violência aparece
claramente nas falas dos atores entrevistados na Pesquisa
UNESCO, 2001, nas quais são evidenciadas as diversas facetas
da violência que produz não somente essas mortes, mas deixam
seqüelas de vários tipos em suas vítimas diretas e indiretas.
Tanto os jovens como os responsáveis pelos projetos, além
dos técnicos e outros membros, relatam um ambiente no qual a
violência deixou de ser um componente de excepcionalidade e se
disseminou a tal ponto que se naturalizou, se banalizou, passando
a ser elemento comum no cotidiano das populações de baixa renda:
Quadro 5 – “Qualquer um já viu: nego morrendo,
apanhando”
Grupo focal com jovens
Porque isso aqui, qualquer um já viu – nego morrendo,
apanhando. Quer dizer, eu acho que já viu, porque por mais
que você seja bonzinho, você acaba não se tornando ruim, mas
você tem que aprender nesse mundo. Eu era uma criança, eu
também era diferente. Mas depois você começa a ver tanta coisa,
eu tive que aprender a ser ruim. Porque tem aquela história –
Se você não bate, apanha. Se o cara tá errado, igual ele falou,
o cara tava errado – se ele fosse se meter ia morrer também,
então você tem que aprender o que você tem que fazer – você tem
que aprender a correr. Você não deve pra polícia, mas quando
solta fogos, a gente tem que correr com os traficantes. Tinha
vezes, que quem não tinha nada a ver, que estava numa casa
cheia de traficantes e a polícia chegava e queria matar todo
48
mundo. Mas, por quê? Se você não corre, fica – morre. E se você
corre atrás do traficante, a polícia pega e mata, então você tem
que escolher o que vai fazer: Ou corre e fica com os traficantes e
diz assim – “Não, eu vou conseguir fugir com eles porque os
caras conhecem mais do que eu a favela e estão armados ou eu
vou ficar e a polícia vai me pegar, vai bater, vai me matar.”
Então ninguém quer isso pra si.
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001:72)
No depoimento de mães, evidencia-se o medo que sentem
dos criminosos, o que impede a denúncia de crimes que ocorrem
no bairro: “(....) A gente não pode nem abrir a boca pra dizer assim:
“Ele fez”. Porque ele vai e diz assim: “Olha, ali a fulaninha que disse
que tu fez”. Aí a polícia pega ele e diz que foi a gente que disse, aí a
gente fica calada, né, com medo”.
O discurso dos jovens reitera, várias vezes e pelas mais vívidas
imagens, o ambiente de violência em que transcorrem suas vidas:
Quadro 6 – Amamentados ao som dos tiros
Grupo focal com jovens
A gente fala que fomos amamentados pelo som dos tiros.
Porque várias vezes, a gente tava na rua, ou a gente tava em
casa e, constantemente, era muito tiro... e tinha muita coisa
que a gente via.
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001:72.
Os jovens, de um modo geral, reclamam da violência
existente entre gangues ou galeras que dominam territórios nos
bairros. Queixam-se da brutal rivalidade entre as gangues, o
que afeta diretamente a sua liberdade de circulação:
49
Hoje em dia é isso, a gente não pode ir num bairro. Se um
cara está todo arrumado, quando ele passa na rua, eles
querem tomar as coisas. Não deveria ter esse tipo de gangue
aí... se eu moro aqui no bairro, e vou para o (....), só porque
eu sou do bairro de (....) eles quebram o pau. Isso não podia
existir. (Grupo focal com jovens, in: Pesquisa
UNESCO, 2001:72)
Entre os jovens, são comuns os relatos do seu próprio
envolvimento com gangues, com tráfico de drogas, violência
sexual e com a prostituição. Membros de vários projetos nas
experiências estudadas têm ficha policial resultante de delitos
como roubos e agressões físicas:
Antes de eu entrar no [projeto], eu vivia muito na rua. Andava
junto com os “pichadores”. Eu já fiz parte de gangue, ia para
outras áreas brigar. A gente apanhava, mas também batia. A
gente já furamos gente lá. O pessoal da nossa gangue foi furado
e a gente também furamos juntos. (Grupo focal com jovens,
in: Pesquisa UNESCO, 2001:73)
Violência se enlaça com reações, em si violentas, em um
sistema de vingança, no qual os assaltados esperam o momento
oportuno de revanche:
Quando a turma me tomou o chapéu, depois de um tempo,
apareceu um só deles lá na rua que eu moro, aí juntei uns colegas
meu e massacramos ele. Eu acho que na hora eu pensava que
estava certo, mas depois eu vi que estava errado, mas eles também
não pensaram assim quando me pegaram. (Grupo focal com
jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001:74)
50
Para as mães, a violência entre os jovens é corriqueira, mas,
nem por isso, menos sofrida: “puxam logo uma arma, mata com revólver,
tudo, é muita violência”. Buscar um filho no hospital ou perdê-lo em
função de brigas, ou até mesmo sem ter motivo, é rotineiro:
Quadro 7 – “E mataram...”
Grupo focal com mães
Está com dois meses que ele foi para o pagode, e eu acordei de manhã com
a notícia de que ele estava com um tiro na Restauração, cheguei lá, pensei
que ele nem estava andando, porque disseram que tinha atingido a rótula,
outros disseram que tinha torado a mão, foi só a notícia, cheguei lá, tinha
pegado a orelha dele, varou do outro lado, trouxe ele para casa e pronto.
Meu filho nunca foi violento, não respondia, não brigava, não chegava
com confusão, não dizia pornografia, se estivesse num canto e dissessem
“vou dizer a tua mãe” pronto: ele saía, não respondia a ninguém. E
mataram ele sem ter nem para quê. Quando eu soube, ele já estava
morto, aqui é fogo, é preciso muita sorte mesmo.
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001)
1.7.1. Violência doméstica
Muitos dos jovens tiveram contato com a violência de
forma direta ainda no ambiente familiar
6
. Os coordenadores
dos projetos chamam a atenção para o fato de que muitos dos
meninos que foram encontrados nas ruas deixaram a família
por serem vítimas de maus-tratos pelos próprios pais:
6 Em Salvador, dados da DERCA (Delegacia Estadual de Repressão contra Crimes à
Criança e Adolescentes) para 2000 indicavam que 20% das denúncias recebidas referiam-
se à violência sexual, sendo que em 65% dos casos a família aparecia como responsável
(o pai em 60% e o padrasto em 25%). Entre os agredidos se destacavam os jovens entre
15 e 17 anos. Entre os crimes mais freqüentes contra as crianças e os adolescentes
figuravam: agressão (43%); lesão corporal (20%); ameaça (8%); apareciam com uma
proporção entre 6 e 5%, estupro, lesão corporal, atentado ao pudor, maus-tratos, atos
libidinosos, sedução, ameaça de morte e outros (in: Carvalho, 2001: 32).
51
Os meninos que estão na rua sempre têm uma história que vem da
família. É um padrasto que espanca, uma mãe que espanca, é um
abuso, um irmão, um padrasto que tenta abusar, é uma morte. Às
vezes, no interior, a família se desmancha mesmo. Cada um vai
para um lado, a criança fica só, fica abandonada. (Grupo focal
com técnicos de projeto, in: Pesquisa UNESCO, 2001:75)
Ocorrências de violência doméstica contra meninas são
também relatos que se repetem:
Já foram muitos os casos de violência familiar! Por parte de padrasto,
do pai, as meninas vítimas de estupro. É uma coisa muito triste, tanto
que muitos nem moram com a família, moram com uma família
alternativa, tio, avô, ou algum parente mais velho. (Entrevista com
coordenador de projeto, in: Pesquisa UNESCO, 2001:75)
A exposição a atos de violência no âmbito doméstico destruiria
a auto-estima dos jovens, que se encontrariam inseguros, sem
referências, já que os pais seriam os agressores, seus algozes.
Tem muita jovem que já começa a ser violentada e espancada de
casa. Acorda de manhã cedo já sendo espancada pelo pai embriagado,
pela mãe que acabou de chegar, e a criança já sai para a rua
desesperada. Qualquer coisa para ela, ou para ele, vai servir, que
ele bata uma carteira, que cheire uma cola, que se drogue para
esquecer o que aconteceu na casa da mãe: ao se levantar nem o prato
de comida tinha, tinha somente espancamento. Aí a violência já
começa de casa. Chega na rua, vai encontrar o quê? Mais violência.
(Grupo focal com mães, in: Pesquisa UNESCO, 2001:75)
A violência doméstica seria um elemento desencadeador
do que poderia ser denominado cadeia de violências ou
52
reprodução de violências. Pais e mães violentos que têm os
filhos como suas vítimas, que, por sua vez, se tornariam
violentos, fazendo outras vítimas.
O alerta para o terrível e perigoso efeito da violência
doméstica na constituição do que se denomina cadeia de
violência ou de sujeitos violentos não necessariamente se
destaca com o intuito de culpar os pais ou as mães, mas para
chamar a atenção para contextos de violência.
1.7.2. Violência institucional
Os relatos apontam para abuso de autoridade por parte
de membros da justiça e do aparato policial. Os jovens se
dizem vítimas de maus-tratos dos policiais, por isso não os
percebem como agentes da sua segurança. Pelo contrário,
para eles, na melhor das hipóteses, polícia e bandido são
imagens que se confundem. Quando questionados a respeito
do que mudariam no mundo, muitos respondem que
acabariam com a polícia, como exemplificam falas de jovens:
Quadro 8 – “Tinha que fazer tudo ou apanhava”
Grupo focal com jovens
Eu uma vez vinha do ensaio (....) os policiais me pegaram na
rua e me pediram a identidade. Eu era de menor, tinha 15
anos, eles colocaram uma arma no meu rosto. E me fizeram
sambar, eu tive que sambar. Perguntaram se eu tocava, “você
canta?” “Canto”, cantei para eles. “Você dança?” “Danço”.
“Você bate palma?” “Bato”. “Bata palma”, tinha que fazer
tudo isso ou apanhava.
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, (2001: 77)
53
A violência policial é um indutor, ou produtor, de sujeitos
violentos, tornando os jovens, pela revolta, agentes de
violências. O depoimento de um jovem morador de uma favela
descreve tal revolta e ambiência propícia ao crescendo da
violência e seu incentivo pelos “homens da lei”:
Eu nasci aqui, sempre vivi aqui na favela e vendo o quê? Vendo
a polícia entrando, subindo a passarela ali, e já dando tiro pra cá
pra dentro. E se dane quem tava no meio da rua. Eles não querem
nem saber... eu cresci vendo a polícia massacrando meus familiares,
meus amigos e o pessoal da comunidade. Eu cresci vendo a polícia
dando tapa na minha cara. Esculachando minha família, minha
mãe e me mandando ir embora, entendeu? Essa é uma coisa que
vai despertando uma revolta, sabe? Eu era um moleque muito
rebelde, muito revoltado em função de tudo isso, tudo isso. (Grupo
focal com jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001:77)
Muitos consideram que as arbitrariedades cometidas por policiais
contra a população pobre, em especial os jovens, se derivariam
também de um sistema de preconceitos contra os negros:
Eu acho que a polícia, apesar de ganhar pouco, eles deveriam ser mais
educados, pois só porque moramos aqui no... um bairro que 90% são
negros, tem essa discriminação de eles chegarem aqui, sem procurar
saber quem usa droga e quem não usa [...] eles chegam batendo, às
vezes levam até preso, sem a gente dever nada... Isso foi uma coisa
muito humilhante que eu sofri, que vai marcar sempre a minha vida.
(Grupo focal com jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001:78)
1.8. DROGAS
O crescimento do consumo de drogas lícitas e ilícitas é
indicado na Tabela 5.
54
Ao contrário do que usualmente se supõe, em São Paulo, Rio
de Janeiro e Salvador, a tendência ao consumo de drogas se reduziu
entre os estudantes pesquisados. Em contrapartida, aumentou 10%
em Recife; 59% em Fortaleza; 68% em Curitiba; e 81% em Belém.
Dados do Cebrid mostram que, entre 1987 e 1997, o uso
freqüente de solventes por estudantes do ensino fundamental
e médio em capitais brasileiras aumentou de 1,7% para 2%; o
de maconha cresceu de 0,4% para 1,7%; o de ansiolíticos subiu
de 0,7% para 1,4%; o de anfetamínicos aumentou de 0,4%
para 1%, enquanto o de cocaína passou de 0,1% para 0,8%.
Apesar das limitações desses dados, que se restringem à
população escolarizada e ao consumo, eles cumprem a função
de dimensionar aproximadamente o problema do consumo de
drogas entre os jovens alunos. Entretanto, ao abordar a temática
das drogas é preciso distinguir claramente o consumo e o tráfico,
TABELA 5 – ESTUDANTES DO ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO, CONSUMIDORES DE
DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS, POR ANO DO
LEVANTAMENTO, SEGUNDO CIDADES
SELECIONADAS, 1987/1997 (%)
Fonte: Cebrid
Nota: Número Absoluto (N): 1987 = 16.149 e 1997 = 15.503
55
pois, embora possam estar entrelaçadas, cada uma dessas
atividades leva a conseqüências diferentes.
De fato, é necessário ter em mente que: (a) o consumo inclui
drogas lícitas e ilícitas e ambas as modalidades acarretam alterações
dos estados de consciência, possibilitando resultados direta ou
indiretamente prejudiciais aos indivíduos; (b) porém, não
necessariamente o consumo de drogas está diretamente associado
à violência, enquanto o tráfico está; e (c) por outro lado, embora
os usuários de drogas possam ser mais vulneráveis negativamente
à violência, esta pode atingir – e freqüentemente atinge – inclusive
os que não usam drogas e que são adversários do seu consumo.
Do ponto de vista do consumo, o problema das drogas
permeia o discurso tanto dos adolescentes envolvidos nos
projetos constantes da Pesquisa UNESCO, 2001 quanto dos
pais e responsáveis. Os depoimentos que se seguem ilustram a
ênfase atribuída à temática das drogas:
Se juntou com pessoas que não era para se juntar, quando eu vi
chegar em mim, que a mãe é a última a saber, já estava muito (....)
viciado em droga. Quando foi para eu tirar, não tinha mais jeito.
Porque acho que todas as mãe, aqui, têm filho que usa droga, não
é? Não faz vergonha dizer, não é? (Grupo focal com pais/
mães/responsáveis, in: Pesquisa UNESCO, 2001:81)
Alguns jovens dos projetos relatam conviver com o
tráfico de drogas no seu dia-a-dia e se assumem como
usuários: Antes de chegar aqui... já cheirei cola, fumei de âmbar
7
,
cheirei dissolvente.
Vários jovens apontam as drogas como um dos principais e mais
graves problemas enfrentados por eles. Na sua oncepção,a morte
aparece como evento próximo de jovens dependentes de droga
7 Tipo de maconha ou derivado dessa, segundo entrevistados, no Maranhão.
56
É interessante frisar que os jovens se referiram tanto às
drogas ilícitas, em especial a maconha, quanto às lícitas, com
destaque para as bebidas alcoólicas.
1.8.1. Motivos do envolvimento com drogas
O consumo de drogas lícitas, especialmente o álcool,
em alguns casos, inicia-se na própria família. Por ser
socialmente aceito, o álcool é incorporado como elemento
de sociabilidade em todas as camadas sociais. Encontram-
se vários casos de alcoolismo de pais, irmãos ou parentes
dos jovens, em geral.
Já a droga ilícita – os inalantes, a maconha, o crack, ou outros
– começa a ser consumida geralmente fora do espaço da família,
a partir de uma relação de amizade ou de pertencimento a um
grupo. De fato, os relatos enfatizam que os jovens envolvem-
se com drogas principalmente pelas amizades:
Tem vez que é a amizade. Porque a amizade dá a primeira vez e
dá a segunda, na terceira ele já está viciado. Aí, na terceira, ele
começa a roubar porque o pai ou a mãe não vai dá dinheiro para ele
comprar maconha para fumar. Se ele não trabalha ele vai ter que
roubar e quando ele começa a roubar acontece isso, porque não tem
um que está aqui que vá dá dinheiro para o filho comprar maconha,
porque existe cidadão que fuma maconha, todo mundo sabe que
existe, mas pai e mãe não quer. (Grupo focal com mães, in:
Pesquisa UNESCO, 2001:83)
Também se envolvem com drogas, segundo alguns, porque
a vida é difícil, querem sentir-se mais leves, mais contentes, e,
segundo vários pais e animadores de projetos, porque muitos
carecem de referência familiar, já o trafico atuaria em espaços de
múltiplas vulnerabilidades sociais negativas:
57
Quadro 9 – “O traficante adota”
Entrevista com membros da comunidade
Aí você já deve ter ouvido dizer que o traficante adota. E adota mesmo.
Se a gente não teve com os filhos os olhos bem aberto (....) e não quero
saber se ele vai estar com 17, 18 ou 20 anos, eu vou andar atrás dele
como eu ando hoje. Porque eu acho que ele precisa da minha orientação,
porque se eu não ensinar, a vida vai ensinar para ele. E muitas mães, às
vezes por falta de instrução, ignorância mesmo, não faz isso. Não liga
para conversar com o filho, para sentar, para falar o que você fez hoje?
E o seu amigo? Saber quem são os seus amigos, saber qual lição ele teve
na escola e por aí (....)
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001:83)
Quadro 10 – “Em termos de riscos e vulnerabilidades”
Grupo focal com animadores de projetos
E no contexto onde ele vive, em termos de riscos e vulnerabilidade, a
droga, a delinqüência e crime estão ali, do lado. Ele sai da casa dele na
favela e, na esquina, ele tem um desmanche. As figuras com as quais ele
se identifica são o chefe do tráfico, o chefe do crime. Até porque são
poucos os homens nessas famílias. A maioria das famílias são famílias
monoparentais ou que têm um homem mas é um homem que, na maioria
das vezes, é distante e, como referencial, quase nulo para eles. Então a
referência que eles têm, em termos de modelo, são os líderes em áreas de
ilegalidade.
Fonte: in: Pesquisa UNESCO, 2001:84.
O envolvimento com o tráfico de drogas pode estar
relacionado com o financiamento do próprio vício. Porém,
mais freqüentemente, no ambiente de exclusão social a que
estão submetidas as comunidades onde vivem os jovens, a
58
atividade no tráfico é uma via para a satisfação de aspirações
de consumo para a qual a sociedade não oferece meios
legítimos:
Chega um cara e chama para ganhar um dinheiro maior do que
você ganha trabalhando. Você está com a mente vazia, você não tem
nem culpa porque quando nós nascemos já encontramos essas coisas
todas erradas. Mas às vezes você está apertada, precisando, você
não vai nem se lembrar do que você vai passar depois.... Está
arriscado naquela hora você ir. É o que está acontecendo aqui,
muito garoto aí com mente vazia, criança, adolescente, quando vê,
está mais nas mãos da polícia. (Grupo focal com pais, in:
Pesquisa UNESCO, 2001:84)
Eu acho que violência vem através, principalmente, da
oportunidade de trabalho, a pessoa não tendo oportunidade de
trabalho, não conseguindo um emprego, no desespero, ela vai entrar
no tráfico. E o tráfico, pelo que dizem, eu não sei e não quero nem
saber, está dando mais oportunidade para as pessoas, né, o salário
parece que está melhor, apesar do risco de vida. (Grupo focal
com jovens, in: Pesquisa UNESCO, 2001:84)
Para esses jovens, o tráfico representa a possibilidade de
atingir um status social e obter respeito da sociedade. O
traficante é visto como um indivíduo respeitado, que possui
poder e dinheiro, algo quase inatingível em uma comunidade
de baixa renda. No imaginário de vários jovens, é o traficante
quem zela pelo bem-estar da comunidade, na medida em que
faz benfeitorias (muitas vezes substituindo o papel do Estado).
Acima de tudo, é quem os respeita enquanto cidadãos.
O jovem, eu acho que é vítima e agente dessa violência. Pela
própria infra-estrutura que você tem dentro das comunidades –
59
onde hoje em dia, muitas vezes o Estado é ausente –, infelizmente
existem grupos de marginais dentro das próprias comunidades
que assumem esse papel do Estado. E isso é muito ruim, pois
muitas vezes esses jovens sentem simpatia e empatia pela ação
desse grupo; você vê hoje nas comunidades jovens de 12, 13 anos
já envolvidos com o tráfico, envolvidos com a violência.
(Entrevista com coordenador de projeto, in: Pesquisa
UNESCO, 2001:85)
Exclusões, violências várias corroem a auto-estima, minam
vontades e reproduzem violências, sendo que, em muitos casos,
enredam os jovens como vítimas e como agressores.
1.9. REFLEXÕES GERAIS MARCAS DE UMA
GERAÇÃO MARCADA
Neste artigo lida-se com riscos, obstáculos, ou seja,
expressões de vulnerabilidades negativas, porém os jovens que
freqüentam os projetos analisados na Pesquisa UNESCO, 2001,
de tais vulnerabilidades apreendem certa positividade,
resistindo, buscando armar-se de valores por cultura de paz,
ética de solidariedade e demonstrar uma perspectiva de crítica
social, sem auto-inculpações ou determinismos, como se indica
por suas falas sobre suas condições de vida.
Ao nos acercarmos, neste texto, de informações sobre o
que se denomina violência, a que mata, fere e sangra, e de
informações sobre outras dimensões do cotidiano da vida dos
jovens em situação de pobreza, como trabalho, exclusões quanto
a bens culturais e oportunidades de lazer e racismo, a intenção é
evitar o risco de substituir a necessária ênfase na economia política
e em limites estruturais – que afetam a sobrevivência física e a
60
qualidade de vida de tais populações, e, nessas, a singular
vulnerabilidade social negativa dos jovens – por um enfoque
culturalista, como suficiente para lidar com exclusões e pobreza
ou centrado em um tipo de violência, ou uma instituição, como
o aparato de repressão ou de segurança pública.
Não se nega a importância de reformas no sistema de
segurança, controles sobre abusos de poder e de desrespeito
aos direitos humanos e a relação entre violência e crise de
democracia e a necessidade de afirmação de um Estado de
bem-estar (in: Peralva, 2000). Segundo Peralva (2000: 22), se
faz necessário, no Brasil:
Construir um Estado que, em nome da sociedade civil, seja
capaz de controlar eficazmente o funcionamento do conjunto
das instituições, sem no entanto contradizer o princípio das
liberdades individuais. [Este] é provavelmente um dos
problemas mais importantes em que a democracia brasileira
se defrontará em futuro próximo.
Mas, insistimos também tanto na tradicional tese sobre
o papel, se não determinante, mas de forte condicionamento,
das desigualdades sociais para o crescimento da violência e
do desencanto quanto ao futuro, em particular entre jovens
em situações de pobreza (Abramo, 1994; Abramo et al.,
1999; Bercovich, et al., 1998; Hopenhayn, 2001; Zaluar,
1994; e Mello, 1998, entre outros), e na tese de que há de se
investir em valores por cultura de paz, ética de convivência
e mais que tolerância, reconhecimento da alteridade e da
diversidade – tônica dos trabalhos que no Brasil vêm
contando com a colaboração da UNESCO (ver, entre outros,
Abramovay et al., 1999 e Castro e Abramovay, 1998, Castro,
Abramovay, Rua e Andrade, 2001 – neste artigo referido
como Pesquisa UNESCO, 2001). Ou seja, insiste-se na
61
equação “cultivando vida e desarmando violências”, pelo
resgate da dignidade, da auto-estima e do direito à
participação dos jovens, e na necessária formação de uma
massa crítica, com responsabilidade social e canais de
representação dos jovens, como também na importância de
espaços de lazer, esporte, arte, cultura e educação para a
cidadania.
Reconhece-se, por um lado, que os jovens fazem parte e
circulam por distintas instituições, como a família, o mercado de
trabalho e a escola; são produtores e consumidores de espetáculos
e notícias, sendo produzidos e reproduzindo formas de ser e de
pensar. Por outro lado respondem ao apelo consumista,
competitivista, individualista e de fixação no poder – marcas de
uma época, de uma geração, mas muitos desenvolvem um
pensamento crítico, buscam saídas, ainda que o horizonte do
possível para os pobres seja limitado, mas resistem. Insistimos na
parte de vulnerabilidade positiva, ou seja, a consciência crítica
que se registra neste texto, ao vivido.
Desse modo, se fazem necessárias políticas voltadas para a
juventude. Essas são importantes, como também as de caráter
universal, com corte generacional, mas não em si suficientes, sem
a crítica político-social sobre um momento, uma época, uma
história, um modelo de relações sociais, de organização da
sociedade no plano global e local.
Como frisam vários autores, estes são tempos de incerteza,
medos e vulnerabilidades negativas, “estruturadas e estruturantes”
(Bourdieu, 2001). Não é necessariamente uma geração que está
em crise, mas há uma crise de uma geração, entendida como um
tempo na história, como um modelo de sociedade, o que vem
afetando, envolvendo, de maneira singular, uma geração, um ciclo
de vida – os jovens, em particular, principalmente aqueles em
situações de pobreza.
62
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67
22
22
2
. VIOLÊNCIAS NO CO. VIOLÊNCIAS NO CO
. VIOLÊNCIAS NO CO. VIOLÊNCIAS NO CO
. VIOLÊNCIAS NO CO
TIDIANOTIDIANO
TIDIANOTIDIANO
TIDIANO
DD
DD
D
AS ESCOLASAS ESCOLAS
AS ESCOLASAS ESCOLAS
AS ESCOLAS
Miriam Abramovay
69
Em todo o mundo, a violência na escola tornou-se um tema
cotidiano, um importante objeto de reflexão das autoridades e
um foco de notícia na imprensa, que vem divulgando,
principalmente, as mortes que ocorrem nos arredores e dentro
das escolas. Percebe-se que a sociedade, em geral, está bastante
preocupada com os problemas da violência no ambiente escolar.
A construção de uma visão crítica sobre o fenômeno da
violência mostra-se fundamental, na medida em que permeia
todas as relações sociais, em que são profundamente afetados
os membros da comunidade escolar, como, por exemplo, alunos,
professores, diretores e pais.
A violência escolar tem numerosas causas e conseqüências
e o papel de uma análise sociológica é conhecer e se interrogar
sobre as categorizações de um dado problema social. É nesse
sentido, e dentro da perspectiva de Cultura de Paz da UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura), que surge a pesquisa Violência nas Escolas, com claras
propostas para mudanças profundas nas escolas e com a indicação
de políticas públicas, tanto específicas quanto universais.
1 Este artigo é baseado na apresentação feita durante o I Simpósio em Saúde Mental da Infância
e Adolescência, cujo tema geral era Violência e Saúde Mental, na mesa que tinha como tema O
que se trata, quando se trata de violência.
70
A pesquisa foi realizada em 14 capitais brasileiras e
recorreu-se a duas abordagens: a extensiva e a compreensiva.
Na primeira das abordagens, o conjunto de informantes
entrevistados por meio de questionários totalizou 33.655
alunos, 3.099 professores e 10.255 pais, enquanto no estudo
qualitativo foram realizadas entrevistas e grupos focais com
2.155 pessoas:
A pesquisa levou em conta as percepções dos atores, tendo
como unidade de análise a interpretação que os mesmos fazem
da realidade escolar, entrelaçando diferentes olhares e
narrativas, descrevendo o percebido, o silenciado e o vivido.
Assim, foram realizadas entrevistas individuais e grupos focais
com informantes da comunidade escolar (alunos, professores,
diretores, pais, policiais, agentes de segurança, coordenadores
de disciplina e inspetores de comportamento).
TABELA 1 – QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS
POE ALUNOS, PROFESSORES E PAIS, EM
CAPATAIS BRASILEIRAS E NO DISTRITO
FEDERAL
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. In:
ABRAMOVAY; Rua, 2002: p.
71
TABELA 2 – INSTRUMENTOS QUALITATIVOS
POR NÚMEROS DE INFORMANTES
(NÚMEROS ABSOLUTOS)
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. In:
ABRAMOVAY; Rua, 2002: p. 38.
No universo pesquisado os alunos apresentaram as
seguintes características socioeconômicas:
a maioria dos entrevistados é do sexo feminino (entre
52% e 57%);
a faixa etária mais freqüente é de 11 a 17 anos (71% a 87%);
a maior parte dos alunos entrevistados vive com a
família (97%);
um grande número de entrevistados nunca migrou (75%);
mais da metade dos jovens contribui para o sustento da
família (63%) e 22% realiza algum tipo de trabalho;
no mínimo 2/3 e no máximo 87% só estudam;
o estrato social mais numeroso é a classe C (entre
51% e 77%);
a maioria se declara branca ou mestiça e a minoria negra.
Bahia (23%) e Rio de Janeiro (9%).
A fim de se referir à pluralidade das dimensões envolvidas
no estudo do fenômeno da violência, este trabalho adotou a
expressão “violências nas escolas”, pois esta tem a vantagem
de situar o fenômeno não em um sistema institucional,
72
genericamente considerado, mas contemplar a especificidade
espacial e temporal de cada uma das suas unidades. Assim, se
é possível pensar em múltiplas manifestações que justificam
falar de “violências”, é também admissível supor que estas
tenham lugar em estabelecimentos (escolas), onde poderiam
variar em intensidade, magnitude, permanência e gravidade.
Bernard Charlot refere-se à dificuldade em definir violência
escolar não somente porque esta remete aos fenômenos
heterogêneos, difíceis de delimitar e de ordenar, mas também porque
desestrutura as representações sociais que têm valor fundador: aquela
da infância (inocência), a da escola (refúgio de paz) e a da própria
sociedade (pacificada no regime democrático). (Charlot, 1997: 01)
Além disso, a inconveniência em delimitar as fronteiras aumenta
devido ao fato de que o significado de violência não é consensual.
O que é caracterizado como violência varia em função do
estabelecimento escolar, do status de quem fala (professores,
diretores, alunos...), da idade e, provavelmente, do sexo.
A violência no cotidiano das escolas associar-se-ia, segundo
Debarbieux (1999), a três dimensões socioorganizacionais
distintas. Em primeiro lugar, à degradação no ambiente escolar,
isto é, à grande dificuldade de gestão das escolas, resultando
em estruturas deficientes. Em segundo, a uma violência que se
origina de fora para dentro das escolas, que as torna sitiadas
(Guimarães, 1998) e manifesta-se por intermédio da
penetração das gangues, do tráfico de drogas e da visibilidade
crescente da exclusão social na comunidade escolar. Em
terceiro, relaciona-se a um componente interno das escolas,
específico de cada estabelecimento. Há escolas que
historicamente têm-se mostrado violentas e outras que passam
por situações de violência. É possível observar a presença de
escolas seguras em bairros ou áreas reconhecidamente
violentas, e vice-versa, sugerindo que não há determinismos
73
nem fatalidades, mesmo em períodos e áreas caracterizadas
por exclusões, o que garante que ações ou reações localizadas
sejam possíveis.
Apesar de que na pesquisa são analisadas desde as
macroviolências da sociedade, que entram de fora para dentro
das escolas, até as microviolências que fazem parte do
cotidiano, este artigo enfoca a violência interna da escola. As
principais definições utilizadas no trabalho mostraram uma
pluralidade de violências encontradas no cotidiano das escolas,
que não são obrigatoriamente penalizadas, levando em conta
o discurso de todos os atores sociais. O vocabulário vai sendo
construído com um conceito de violência que não é absoluto e
que pode ser resumido da seguinte forma:
Violência:
(1) Intervenção física de um indivíduo ou grupo contra a
integridade de outro(s) ou de grupo(s) e também contra si
mesmo, abrangendo desde os suicídios, espancamentos de
vários tipos, roubos, assaltos e homicídios até a violência no
trânsito (disfarçada sob a denominação de “acidentes”), além
das diversas formas de agressão sexual. As violências podem
ser agressão física, homicídios, estupros, ferimentos, roubos,
porte de armas - aquelas armas que ferem, sangram e matam,
como demonstra o depoimento a seguir:
Quadro 1 – Quem estourou a bomba?
Grupo focal com alunos, escola pública, Vitória
Jogaram uma bomba no ano passado (....) A gente juntou
um monte mesmo e colocou um cigarro e botou no banheiro. Aí,
na hora que acendeu o pavio, lá, deu aquele estouro horrível.
Chamaram a polícia [que] chegou, investigou e nada. A galera
lá na sala até que sabia. A gente não vai dedurar. E o menino
74
ficou muito tempo. Aquele caso de quem estourou a bomba. Aí
estava pegando para um outro garoto que não tinha feito nada.
Então ficou aquele dilema, mas depois que descobriu que foi o
menino, aí ele foi expulso.
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. In:
ABRAMOVAY; Rua, 2002: p. 287.
(2) Forma de violência simbólica (abuso do poder, baseado
no consentimento que se estabelece e se impõe mediante o
uso de símbolos de autoridade); verbal; e institucional
(marginalização, discriminação e práticas de assujeitamento
utilizadas por instituições diversas que instrumentalizam
estratégias de poder).
No cotidiano das escolas, existem vários exemplos de
violência institucional, como, por exemplo, alunos que relatam
que há professores que têm dificuldade de dialogar com eles,
humilhando-os e ignorando completamente seus problemas,
não querendo nem sequer escutá-los, pois a professora fala que
não tem nada a ver com isso. Outros tratam mal os alunos – safado,
marmanjão –, recorrem a agressões verbais e os expõem ao
ridículo quando estes não entendem algo ou quando não
conseguem responder a uma pergunta:
[Botam] apelido, ficam fazendo gracinha (....) vêem o nome
da pessoa e colocam apelido. Tem um menino lá na sala que o
professor chama ele de Benedito, fica enchendo o saco. Na
nossa sala, o apelido de um moleque é “bunda-mole”. O
professor chama os meninos de BM. (Grupo focal com
alunos, escola pública, Goiânia. In: ABRAMOVAY;
Rua, 2002: p. 180.)
75
Eu acho que está errado desse jeito, sabe? É humilhar
muito os alunos também. Ela [a diretora] humilha muito
os alunos. E muitas vezes gera até violência no colégio por
causa disso. (Grupo focal com alunos, escola
pública, Distrito Federal. In: ABRAMOVAY; Rua,
2002: p. 180.)
A violência no cotidiano das escolas se reflete nas
representações que os alunos fazem sobre a escola. Muitas
vezes eles apresentam significados contraditórios e distintos
sobre seu papel. Por um lado, a escola é vista como um lugar
para a aprendizagem, como caminho para uma inserção
positiva no mercado de trabalho e na sociedade, por outro,
muitos alunos consideram a escola como um local de exclusão
social, onde são reproduzidas situações de violência e
discriminação (física, moral e simbólica). Apesar disso, grande
parte dos jovens apresenta uma visão positiva sobre a escola,
o estudo e o ensino.
Conforme a tabela 3, quando indagados sobre como
se sentiam em relação à escola onde estudavam no
momento da pesquisa, 83% dos alunos de escolas públicas
de Porto Alegre e 87% dos alunos de escolas particulares de
Florianópolis declaram que gostam de suas escolas. Cabem,
porém, duas observações: primeiro, os percentuais de alunos
que sustentam não gostar da escola – ainda que aparentemente
baixos – não devem ser subestimados, pois alcançam 17%,
nas escolas públicas e 13% nas escolas privadas. Segundo, na
maioria, os percentuais de alunos que afirmam não gostar da
escola não são afetados pela dependência administrativa do
estabelecimento em que estudam.
76
TABELA 3 – ALUNOS, POR CAPITAIS DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO,
SEGUNDO DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA DO ESTABELECIMENTO E
APREÇO PELA ESCOLA ONDE ESTUDAM, 2000 (%)
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. In:
ABRAMOVAY; Rua, 2002: p. 155
77
Os relatos de violências cotidianas também passam pelas
incivilidades – humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito
–, pela violência verbal, pelas humilhações e pelas várias exclusões
sociais vividas e sentidas em nossa sociedade. Tendem, muitas
vezes, a naturalizar-se, a se tornar “sem importância” nas ligações
entre pares de alunos, professores e outros funcionários,
demandando o exame desses e de outros laços sociais:
O problema da escola está nos alunos que não respeitam muito
os professores, a não ser com ameaças. (Grupo focal com
professores, escola pública, Goiânia, In: ABRAMVAY;
Rua, 2002: p. 171.)
Os alunos brigavam muito em sala de aula e não tinham o mínimo
respeito entre si. (Grupo focal com professores, escola pública,
Florianópolis, In: ABRAMVAY; Rua, 2002: p. 171.)
Muitos alunos relatam aversão às aulas, pois consideram
que elas são monótonas e cansativas: Muita gente desiste de estudar
por isso! São cinco horas dentro da sala de aula, escrevendo e olhando
para o quadro. Professor que tem voz enjoada (....) você fica ali escutando
aquela voz “ne ne ne ne” no seu ouvido.
Nos últimos anos, chama a atenção o aumento, ou o registro,
de atos delituosos e de pequenas e grandes “incivilidades”
2
nas escolas, o que justifica o sentimento de insegurança dos
que a freqüentam. Tornam-se mais visíveis as transgressões,
os atos agressivos, os incidentes mais ou menos graves que
têm como palco a escola ou seu entorno, onde todos os atores
(alunos, professores, o corpo técnico-pedagógico, pais e agentes
de segurança) sentem-se vítimas em potencial. Esse angustiante
sentimento de vulnerabilidade, segundo Debarbieux (1998: 13),
2 Peralva (1997) trata a violência como fenômeno que se sustenta na incivilidade,
contraponto do termo “civilidade” adotado por Norbert Elias.
78
expressa a existência de uma tensão social, que desencadeia
insegurança no cotidiano das pessoas, mesmo não sendo elas
vítimas diretas de crimes e delitos – reflexão corrente no acervo
da literatura internacional sobre o tema.
Desse modo, percebe-se que a instituição escolar vem
enfrentando profundas mudanças com o aumento das
dificuldades cotidianas, que provêm tanto dos problemas de
gestão e das suas próprias tensões internas quanto da efetiva
desorganização da ordem social, que se expressa mediante
fenômenos exteriores à escola, como a exclusão social e
institucional, a crise e o conflito de valores e o desemprego.
A escola não seria mais representada como um lugar
seguro de integração social, de socialização, não é mais um
espaço resguardado; ao contrário, tornou-se cenário de
ocorrências violentas.
Verifica-se que o mito do progresso social, a felicidade
individual e a segregação são fenômenos vividos pela
comunidade escolar em geral (Debarbieux, 1998). A
insatisfação é sentida tanto pelos jovens como pelos membros
do corpo técnico-pedagógico. Há mútuas críticas e acusações
e a escola aparece, ao mesmo tempo, como causa, conseqüência
e espelho de problemas aos quais, muitas vezes, não consegue
responder e cuja solução não se encontra ao seu alcance. Essa
questão se expressa claramente quando as regras da escola não
são claras, quando os professores afastam-se da cultura juvenil,
quando os códigos culturais não são compreendidos, quando
os seus alunos não são escutados, quando os jovens são
“etiquetados”, sentindo que na escola há um enorme buraco
que os separa dos adultos, e as relações de confiança são quase
inexistentes. Por outro lado, os professores e o corpo técnico-
pedagógico se sentem desrespeitados, ameaçados e humilhados,
o que torna difícil qualquer espécie de diálogo.
79
A relação dos alunos com os professores é também apontada
como um dos grandes problemas existentes na escola. Segundo
DEVINE, John. Lê marche de la violence scolaire. In.
DEBARBIEUX, Erick; BLAYA, Catherine (orgs.) Violence à
I’école et politiques publiques. PARIS: ESF, 2001. p. 147-157.),
no massacre de Columbine, 47 adolescentes sabiam das mortes
que aconteceriam na escola e não avisaram nem a direção da
escola e nem mesmo a seus pais. Portanto, imperam nas relações
sociais a chamada “lei do silêncio”, tão conhecida pelo tráfico e
levada para o cotidiano das escolas. Entre os traficantes, de um
modo geral, existe um código de honra, em que fica proibida,
sob pena de execução sumária, a revelação de outros traficantes.
Mostra-se, também, que o foco do problema não se
encontra, como muitas vezes aparece, nos jovens, senão na
distância que os jovens têm da escola, de seus pares,
considerados por eles mesmos como indisciplinados.
A tabela 4 mostra que aquilo que os alunos menos gostam
nas escolas em que estudam é o espaço físico – salas de
aula, espaço externo, corredores (média de 44%). Em alguns
depoimentos dos pesquisadores, a escola tem um aspecto feio,
não é arborizada, os pavilhões são compridos e velhos. Muitas delas
apresentam problemas de limpeza, especialmente nos
banheiros: A escola deixa a desejar quanto a limpeza, organização
e receptividade aos estranhos; os banheiros são completamente sujos
e com muita água no chão. Além disso, as salas de aula e os
corredores freqüentemente não são organizados.
Consulta aos alunos mostra também que a segunda maior
freqüência, nas indicações do que não gostam, recai sobre a
Secretaria e a Direção (média de 34%) e em terceiro lugar, os
próprios alunos (média de 33%), principalmente pelo desinteresse
e a indisciplina discente, seguido das aulas (média de 25%) e da
maioria dos professores (média de 24%).
80
TABELA 4 – ALUNOS, POR CAPITAIS DAS
UNIDADES DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO O
QUE NÃO GOSTAM NAS ESCOLAS, 2000 (%)*
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. In:
ABRAMOVAY; Rua, 2001: p. 157
Solicitou-se ao informante: “Marque o que você não gosta na sua escola”. Os percentuais
referem-se apenas às respostas afirmativas obtidas na amostra de alunos.
* Dados expandidos.
Além das conseqüências subjetivamente estimadas, as violências
têm impactos objetivos sobre a qualidade do ensino, na medida em
que tendem a provocar uma rotatividade dos professores. Estes
procuram se transferir para locais onde o exercício profissional se
mostre mais seguro, possivelmente abrindo lacunas no quadro de
docentes das escolas nas quais ocorrem mais violências. Este dado
é corroborado pelo discurso de diretores, como se constata a seguir:
Eu acho que [a violência] influencia não só as crianças, os alunos, como a
81
nós, como educadores. A cada dia que passa, a gente fica com mais medo, mais
intranqüilidade, de vir ao colégio.
A violência tem repercussão na qualidade de ensino:
Por exemplo, [quando] um professor se destaca numa escola de
periferia, ele já chega à escola sobressaltado. O professor já não
dá uma aula de boa qualidade porque sempre fica preocupado
com a hora de sair, fica preocupado com os alunos. (Entrevista
com diretor, escola pública, Belém. In: ABROMOVAY;
Rua, 2002: p. 305)
Estudo recente da Confederação Nacional dos Trabalhadores
em Educação mostra que, além das conseqüências diretas, as
violências têm desdobramentos que afetam negativamente a
qualidade do ensino e a aprendizagem. Tais impactos seriam
semelhantes àqueles exercidos por outros fatores já conhecidos: a
má-formação dos profissionais da educação, a falta de infra-estrutura,
o baixo nível de escolaridade dos pais e a falta de material bibliográfico
nas casas dos alunos (Codo & Vasques-Menezes, 2001).
TABELA 5 – MEMBROS DO CORPO TÉCNICO-
PEDAGÓGICO, POR CAPITAIS DAS UNIDADES
DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO PERCEPÇÃO DAS
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLÊNCIA SOBRE O
SEU DESEMPENHO PROFISSIONAL, 2000 (%)
82
Os dados da presente pesquisa corroboram esses achados.
Como mostra a tabela 6, quase metade dos alunos sustenta que
as violências no ambiente escolar fazem com que não consigam
se concentrar nos estudos. Os percentuais variam entre 38%, em
Florianópolis, e 52%, em Manaus, ficando a média em 44%.
Já a segunda maior parcela de alunos é composta por
aqueles que afirmam ficar nervosos e revoltados com as situações
de violência que enfrentam nas suas escolas. Os percentuais
variam entre 28%, no Rio de Janeiro, e 39%, em Cuiabá, com
média de 31%. A terceira mais mencionada conseqüência da
violência no ambiente escolar, registrada pelos alunos, é a
perda da vontade de ir à escola, expressa por percentuais que
variam do mínimo de 27%, no Rio de Janeiro e Recife, ao
máximo de 34%, em Goiânia, Cuiabá, Manaus e Fortaleza, e
com média de 31% para o conjunto das capitais estudadas.
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. In:
ABRAMOVAY; Rua, 2002: p. 306.
TABELA 5 – MEMBROS DO CORPO TÉCNICO-
PEDAGÓGICO, POR CAPITAIS DAS UNIDADES
DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO PERCEPÇÃO DAS
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLÊNCIA SOBRE O
SEU DESEMPENHO PROFISSIONAL, 2000 (%)
83
TABELA 6 – ALUNOS, POR CAPITAIS DAS
NIDADES DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO
PERCEPÇÃO DAS CONSEQÜÊNCIAS DA
VIOLÊNCIA NA ESCOLA SOBRE O SEU
DESEMPENHO ESCOLAR, 2000 (%)*
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001. In:
ABRAMOVAY; Rua, 2002: p. 301.
Foi perguntado ao informante: “Como você acha que a violência afeta seus estudos: Não
consegue se concentrar nos estudos; Fica nervoso, revoltado; Não sente vontade de ir à escola
(Marque todas as que forem verdadeiras)”. Foram consideradas apenas as respostas afirmativas
obtidas na amostra de alunos.
* Dados expandidos.
Como resultado, as violências no ambiente escolar, tanto
nas escolas públicas como nos estabelecimentos privados,
impõem aos alunos graves conseqüências pessoais, além de
danos físicos, traumas, sentimentos de medo e insegurança,
prejudicando o seu desenvolvimento pessoal:
Tem crianças aqui que, devido a um assalto [ocorrido] outra dia,
não conseguiam nem assistir aula, [ficaram] nervosas. O professor
tem que conversar e não adianta. Então, eu acho que interfere na
escola, interfere sim. (Entrevista com diretor, escola privada,
Cuiabá, In: ABRAMOVAY; Rua, 2002: p. 303)
84
No que se refere especificamente aos membros do corpo
técnico-pedagógico, o impacto sobre o desempenho dos docentes
foi assim descrito:
A violência tem repercussão na qualidade de ensino. Por exemplo,
[quando] um professor se destaca numa escola de periferia, ele já
chega na escola sobressaltado. O professor já não dá uma aula de boa
qualidade porque sempre fica preocupado com a hora de sair, fica
preocupado com os alunos. (Entrevista com diretor, escola
pública, Belém. In: ABRAMOVAY; Rua, 2002: p. 305.)
Surge uma pergunta crucial: Que escolas são essas em que
parcelas significativas dos alunos não gostam de seus colegas e os
membros do corpo técnico-pedagógico afirmam que o que nelas
menos apreciam são as aulas e a maioria dos alunos?
Podemos afirmar, com uma ponta de esperança, que, apesar
das situações encontradas, o estudo mostra que a violência é
construída e, logo, pode ser também “desconstruída”, com
estratégias que protejam as escolas de violências, tanto as que
vêm de fora para dentro, como as interiores, aquelas que fazem
parte do contexto escolar.
Algumas escolas são historicamente violentas, enquanto
outras passam por situações conjunturais de violência. Não
existem situações deterministas, e a origem da violência faz parte
de um quadro institucional e social, que, por sua vez, está sujeito
a mudanças.
Escolas organizadas, bem cuidadas, com regras claras de
comportamento, com segurança no seu exterior e interior, onde existe
um clima de entendimento, valorização dos alunos e dos professores,
diálogo, sentimento de pertencimento e poder de negociação entre
os diferentes atores podem mudar situações críticas. Assim como
cultivar os vínculos com a comunidade, abrir as escolas nos finais
de semana, para atividades sociais, culturais e esportivas, e ainda
85
contar com a participação ativa dos pais dos alunos pode tornar as
escolas espaços mais seguros e novamente respeitados na sociedade.
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WERTHEIN, Jorge; CUNHA, Célio. “Fundamentos da nova
educação”. In: Cadernos UNESCO Brasil, vol. 5, Brasília:
UNESCO, 2000.
87
33
33
3
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PERCEPÇÕES DOS ALUNOS PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
PERCEPÇÕES DOS ALUNOS PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
PERCEPÇÕES DOS ALUNOS
SOBRE SOBRE
SOBRE SOBRE
SOBRE
AS REPERCUSSÕES DAS REPERCUSSÕES D
AS REPERCUSSÕES DAS REPERCUSSÕES D
AS REPERCUSSÕES D
AA
AA
A
VIOLÊNCIA NOS ESTUDOS E NAVIOLÊNCIA NOS ESTUDOS E NA
VIOLÊNCIA NOS ESTUDOS E NAVIOLÊNCIA NOS ESTUDOS E NA
VIOLÊNCIA NOS ESTUDOS E NA
INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLAINTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLA
INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLAINTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLA
INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCOLA
11
11
1
1 Este texto apóia-se nos dados da pesquisa Violência, Aids e Drogas nas Escolas,
desenvolvida pela UNESCO em parceria com diversas instituições governamentais e
não-governamentais. São parceiros da UNESCO nessa pesquisa: Coordenação Nacional
DST/Aids – Ministério da Saúde; Secretaria de Estado dos Diretos Humanos – Ministério
da Justiça; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq); Instituto Ayrton
Senna; United Nations Programme on HIV/Aids (UNAIDS); The World Bank; United
States Agency for International Development (USAID); Ford Fundation; Conselho Nacional
de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (UNDIME). O artigo contou com as importantes colaborações
de Lígia Dabul e de Eike Frehse.
Miriam Abramovay
Fabiano Lima
Santiago Varella
89
INTRODUÇÃO
Mesmo que a violência nas escolas não se expresse em grandes
números e apesar de não ser no ambiente escolar que ocorrem os
eventos mais violentos da sociedade, ainda assim, esse é um
fenômeno preocupante. Seja pelas seqüelas que diretamente infligem
aos atores partícipes e testemunhas ou pelo que contribui para
rupturas com a idéia da escola como lugar de conhecimento, de
formação do ser e da educação, como veículo por excelência de
aprendizagem, de socialização em ética e da comunicação por diálogo.
Este artigo investiga algumas possíveis interferências que um
ambiente violento pode exercer nos estudos e nas interações sociais
dos atores do ambiente escolar, segundo as percepções dos alunos
do Ensino Fundamental (a partir da 5ª série) e do Ensino Médio,
com idades entre 11 e 24 anos, alunos de escolas particulares e
públicas de 14 capitais brasileiras
2
.
Esses alunos foram divididos em dois grupos de acordo com a
declaração de seu conhecimento de “atos de violência grave” na
escola. Os estudantes que declararam saber de pelo menos um
episódio muito violento, segundo critérios definidos alhures,
2 Manaus e Belém, na região Norte; Fortaleza, Recife, Maceió e Salvador, no Nordeste;
Distrito Federal, Goiânia e Cuiabá, no Centro-Oeste; Vitória, Rio de Janeiro e São Paulo,
na região Sudeste; e Porto Alegre e Florianópolis na região Sul.
90
formaram um dos grupos, enquanto o restante da população de
jovens formou o outro. Com esse procedimento, procurou-se
identificar possíveis diferenças nas percepções desses dois grupos
no que se refere às repercussões da violência para os estudos e
para as relações entre os atores na escola. A definição de
“violência grave” foi obtida por meio da caracterização dos
próprios alunos pesquisados, que foram inquiridos a indicar as
cinco ações que consideravam as mais violentas.
O artigo foi divido em seis seções. Na primeira seção é feita
uma breve explicação da metodologia empregada na coleta e no
tratamento dos dados apresentados, e da composição dos grupos
de alunos analisados. A seção seguinte é dedicada a esclarecer o
conceito de violência empregado no artigo de acordo com a literatura
e com as percepções coletadas por intermédio de grupos focais
com estudantes. A seção 3 apresenta algumas características
socioeconômicas do grupo de alunos analisado para, na quarta seção,
serem investigadas as repercussões da violência nos estudos dos
alunos. A seção 5 descreve a percepção desses alunos sobre a
qualidade de suas interações entre si e com seus professores, bem
como sobre a reação adequada quando interagindo
conflituosamente. Por fim, na última seção, são apresentadas algumas
conclusões.
3.1. METODOLOGIA
Uma ampla pesquisa desenvolvida nos anos de 2000 e 2001,
recentemente publicada no livro Violências nas Escolas (Abramovay
e Rua, 2002), fornece os dados analisados neste artigo. A pesquisa,
denominada Violência, Aids e Drogas, recorreu a duas abordagens
complementares: a abordagem extensiva e a abordagem
compreensiva, que foram combinadas de modo a articular os
respectivos benefícios e superar as limitações de cada uma delas. A
primeira das abordagens visa a conhecer magnitudes e baseia-se na
91
representatividade e na capacidade inferencial dos dados, que é
característica das pesquisas do tipo survey. Já a abordagem
compreensiva procura trabalhar o conteúdo de manifestações da
vida social, próprias às atividades dos sujeitos, recorrendo a uma
abordagem qualitativa.
Embora a pesquisa tenha realizado uma coleta de dados junto a
alunos, pais de alunos e membros do corpo técnico-pedagógico das
escolas, este artigo, devido às limitações impostas pelos seus objetivos
específicos, utiliza somente os dados coletados junto aos estudantes
por meio dos 33.655 questionários distribuídos em 14 capitais.
O questionário aplicado aos alunos foi composto por um
primeiro conjunto de questões destinadas a identificar as
características do informante, ao qual seguiam-se questões
envolvendo a violência e suas manifestações no espaço escolar.
Os 33.655 questionários foram aplicados em escolas públicas e
privadas, nos períodos diurno e noturno de ensino. As análises
desenvolvidas para este artigo foram feitas a partir das questões
respondidas pelos alunos que indicassem:
1) informações socioeconômicas dos estudantes;
2) percepção das repercussões da violência nos estudos;
3) percepção das interações no ambiente escolar entre
professores e alunos, assim como entre os alunos;
4) reações dos alunos diante de uma agressão.
É importante destacar que todos os dados são apresentados
distinguindo dois grupos de estudantes, definidos segundo o
conhecimento de atos de violência grave em sua escola. Assim,
tem-se um grupo de alunos que identifica a ocorrência de pelo
menos um dos atos de violência. O outro grupo é aquele
composto pelos alunos que não identificaram qualquer
ocorrência muito violenta em suas escolas. As análises que se
seguem baseiam-se em comparações entre os dois grupos.
92
Ressalta-se que a variável “ato de violência grave” foi
construída a partir dos alunos que, diante de uma lista de 16
atos, escolheram os cinco itens que consideraram mais
violentos, a saber: atirar em alguém (80%), estuprar (74%),
usar drogas (45%), roubar (43%), andar armado (41%).
Para verificar a qual grupo pertence um determinado aluno,
foi considerada a indicação do seu conhecimento sobre ações
envolvendo assalto à mão armada, tiros de arma de fogo, estupro/
violência sexual e episódios com ferimento grave ou morte na
escola. Essas ações foram arbitradas como sendo as que
correspondiam aos “atos de violência grave” disponíveis no
questionário. Desta forma, tanto a definição do significado de
ato violento quanto a presença de ações correspondentes na
escola são definidas pela percepção dos próprios respondentes.
Como o objetivo principal é comparar as percepções dos
diferentes grupos de alunos, optou-se pela utilização dos dados
agregados para o conjunto das 14 capitais, alcançando
abrangência geográfica, mas, paralelamente, perdendo em
especificidade.
3.2. TRABALHANDO COM O CONCEITO DE
VIOLÊNCIA ESCOLAR
O estudo da violência no ambiente escolar, segundo
Debarbieux (1996), vem apresentando relevantes mudanças
tanto no que é considerado violência como no olhar a partir do
qual o tema é abordado. De análises em que a ênfase recaía
sobre a violência do sistema escolar, especialmente por parte
dos professores contra alunos, os estudos passaram a privilegiar
a análise da violência entre alunos ou desses contra a
propriedade e, em menor proporção, de alunos contra
professores e de professores contra alunos.
93
Essa alteração de ênfase foi acompanhada da necessidade
de identificar diferentes formas de violência e de definir seus
significados. Tarefa que se mostra árdua, uma vez que nenhum
conceito chega a ser consensual entre os pesquisadores, até
porque “o termo é potente demais para que [um consenso] seja possível”
(Arblaster, 1996: 803-805). O que é caracterizado como
violência varia em função do estabelecimento escolar, da posição
de quem fala (professores, diretores, alunos...), da idade e do
sexo; sendo, portanto, uma conceitualização ad hoc mais
apropriada ao lugar, ao tempo e aos atores que a examinam.
Também os termos usados para indicar a violência variam
de acordo com o país. Por exemplo: enquanto nos Estados
Unidos diversas pesquisas sobre violência na escola recorrem
ao termo delinqüência juvenil, na Inglaterra esse enfoque é
pouco usual. Para alguns autores na literatura inglesa, o termo
violência na escola só deveria ser empregado no caso de
conflito entre estudantes e professores (Curcio e First, 1993;
Steiberg, 1991, apud Flannery, 1997) ou no caso de atividades
que causem suspensão, atos disciplinares e prisão.
Em que pese as dificuldades, alguns avanços na
conceitualização de violência escolar foram alcançados. Bernard
Charlot (1997) classificou a violência escolar em três níveis:
i) a violência – golpes, ferimentos, violência sexual,
roubos, crimes, vandalismo;
ii) incivilidades – humilhações, palavras grosseiras, falta
de respeito;
iii) violência simbólica ou institucional – falta de sentido
em permanecer na escola por tantos anos; o ensino como
um desprazer, que obriga o jovem a aprender matérias e
conteúdos alheios aos seus interesses; as imposições de
uma sociedade que não sabe acolher os seus jovens no
94
mercado de trabalho; a violência das relações de poder
entre professores e alunos; a negação da identidade e
satisfação profissional aos professores, a sua obrigação
de suportar o absenteísmo e a indiferença dos alunos.
Para Charlot (op. cit.), se a agressão física ou a pressão
psicológica aparecem mais espetacularmente, são as
“incivilidades” que representam a principal ameaça para o
sistema escolar. Porém, outros autores, como Dupâquier
(1999), alertam para a necessidade de uma preocupação com
os vários tipos de violência na escola, tanto pelo princípio
dos direitos humanos, pelo lado das vítimas, como também
por sua expressão e por seu crescimento. Haveria de se
indignar socialmente com o sentido da violência para as
vítimas, para as instituições que a sofrem e para a
democracia.
De fato, como adverte Hanke (1996), não basta focalizar
atos considerados criminosos e extremos, pois isso não
colaboraria para melhor entender a natureza, a extensão e as
associações entre violências e vitimização. Nesse sentido, Budd
(1999 apud Hayden e Blaya, 2001) argumenta que não é só a
violência física a merecedora de atenção, já que outros tipos
podem ser traumáticos e graves, sendo recomendado escutar
as vítimas e a comunidade acadêmica, para construir noções
sobre a violência mais afins às realidades experimentadas e os
sentidos percebidos pelos indivíduos.
Como resultado, nos últimos tempos, vêm-se
desenvolvendo novas concepções acerca da violência nas
escolas, pelos significados que assume, ampliando-se a sua
definição de modo a incluir eventos que antes passavam por
práticas sociais costumeiras. Nesse sentido, a violência deixa
de estar relacionada apenas com a criminalidade e a ação
95
policial, passando a ser alvo de preocupações ligadas à miséria
e ao desamparo político, uma vez que acarreta novas formas
de organização social relacionadas com a exclusão social e
institucional e com a presença de atores em situação de “não
integração” na sociedade. (Abramovay et al., 1999: 57)
Como este artigo parte da linha de pesquisa Juventude,
Violência e Cidadania, desenvolvida pela UNESCO nos últimos
anos, entende-se por violência a intervenção física de um
indivíduo ou grupo contra a integridade de outro(s) e também
contra si mesmo – abrangendo desde suicídios, espancamentos
de vários tipos, roubos, assaltos e homicídios até a violência
no trânsito, disfarçada sob a denominação de “acidentes”, além
das diversas formas de agressão sexual. Compreende-se,
igualmente, todas as formas de violência verbal, simbólica e
institucional. (Abramovay e Rua, 2002: 94)
Não distante à utilização de um conceito abrangente de
violência escolar, a análise apresentada neste artigo enfoca
apenas um dos componentes desse contexto: as ocorrências
graves de violência, isto é, os tipos de intervenção física de
um indivíduo ou grupo contra a integridade de outro(s), que
os alunos percebem como sendo as ações mais violentas.
Apesar do enfoque ser sobre as ações de violência grave
no âmbito escolar, trata-se de opção que traz consigo algumas
perdas de significados, tendo em vista que o instrumental
utilizado para sua definição enfoca apenas magnitudes. Apesar
de legítima, não reflete por inteiro a opção metodológica das
pesquisas desenvolvidas pela UNESCO, que adota o holismo
metodológico como estratégia. Dessa forma, visando diminuir
as perdas de significados, algumas das definições de violência
que os jovens apresentaram durante os grupos focais serão
expostas, com o intuito de chamar a atenção para o complexo
quadro do que se entende por violência.
96
3 Pesquisadores conceituam violência com abrangência como essa que encontramos nas
concepções dos jovens. Michaud (1999), por exemplo, afirma que “há violência quando,
em uma situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta,
maciça ou esparsa, causando danos a uma ou a mais pessoas em graus variáveis, seja em
sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas
participações simbólicas e culturais”. Tal conceituação é referência de pesquisas como a
que Waiselfisz (1998) desenvolve junto a jovens das camadas médias de Brasília.
Há uma pluralidade de elementos que os jovens incluem
nas suas concepções de ação violenta. Nos grupos focais,
quando solicitados que definissem violência, houve uma
diversidade considerável de modos dos jovens fazerem isso.
Para além da concepção genérica e compartilhada por todos
da ação violenta como ação que provoca prejuízo, algum tipo
de dano às pessoas
3
, foram encontradas referências a prejuízos
das mais diferentes espécies, provocados por diferentes atores
sociais, utilizando-se dos mais variados meios.
Para os jovens, a violência nem sempre está referida à
agressão física. Embora etimologicamente a palavra violência
envolva a noção de força (Chesnais, 1981), são numerosos os
estudos que consideram como violentas também situações que
não envolvem a força, bem como constatam haver
representações sobre a violência dos atores sociais estudados
que não estão referidas a situações caracterizadas por ações de
força, como algumas das que tratamos nesta pesquisa. Magoar,
agredir por meio de palavras e atitudes, comportamentos que
os jovens consideram “falta de respeito”, já seriam, para eles,
formas de exercer a violência:
Agressão não só corporal, mas verbal. Acho que qualquer coisa
(....) na intenção de magoar uma outra pessoa, eu acho que é
uma violência. Embora você não toque, não machuque, mas
você machuca de outra forma, não é? Isso também é uma violência.
(Grupo focal de alunos, Escola Pública, Fortaleza)
97
Mas, se ao definirem o que é violência os jovens que
participaram dos grupos focais fazem questão de incluir e
enfatizar situações nas quais a força física não está presente, a
idéia de violência como agressão física ocupa lugar importante
nas gradações acerca das ações violentas, representando pólo
máximo de violência no conjunto de situações computadas por
eles como violentas. No estabelecimento de tipos de violência,
encontramos distinções que os jovens fazem, por exemplo, entre
violência moral e violência física
4
, ou entre violência verbal ou
psicológica
5
e física, que se incorporam àquelas situações que
foram elencadas acima, que não envolvem agressões físicas, por
outro lado, guardam um significado muito distinto para elas.
Ainda, quando se referem a situações de violência que já
experimentaram, os jovens tendem a relatar casos que envolvem
agressões físicas. Já nos depoimentos, essa idéia de maior
violência, ou de violência de fato, ser a agressão física, aparece
na forma, por exemplo, de violência “direta”: A indireta é o
palavrão, aí a pessoa não gosta. E direta já é partir pra agressão física.
Esse leque extenso de concepções do que é violência
expressa uma multiplicidade de experiências dos jovens com
situações violentas. Mas indica também seu caráter difuso
6
e
difundido
7
, por meio do qual é vivenciada por eles. De fato, há
jovens que consideram a violência algo “sem sentido”, e alguns
declaram mesmo ter dificuldades de refletir sobre ela e de defini-
la: Eu acho que a violência é uma coisa que, por mais definições que você
dê, nunca vai conseguir definir o que é violência.
3 Waiselfisz (1998:29-30) também encontra essa classificação nas concepções de jovens
de Brasília sobre a violência.
4 Há recorrência de depoimentos de jovens que enfatizam o quanto a violência atinge
aspectos “psicológicos” da vida das pessoas, como o seguinte: Não é só a física. Eu acho que
a física a gente vê. Eu acho que muitas vezes uma palavra que você fala, uma crítica que não é construtiva,
fere muito mais a pessoa. Isso a pessoa leva pela vida toda, porque fere o psicológico. (Grupo focal de
alunos, escola particular, Salvador )
98
6 Ver em Adorno (1994) referências a essa forma difusa de se experimentar a violência.
7 Em Barreira et al. (1999: 120 e seg.) há demonstração da difusão do convívio dos jovens
com a violência, independente de classe social e gênero.
Contudo, a violência é de modo generalizado condenada pelos
jovens, e o fato de distinguirem tão veementemente as formas
de violência em espectro que polariza e diferencia a violência
física da não-física, e a violência dirigida para as pessoas e a
dirigida para as coisas, faz-nos lançar indagações sobre afirmações
em torno da naturalização, para os jovens, da violência, que
aparece em diversas formulações acadêmicas, políticas, do senso
comum e dos meios de comunicação associada à banalização da
prática e do convívio com práticas violentas.
A violência é de fato apontada pelos jovens como situação
cotidiana, não excepcional, do dia-a-dia. Em diversos
depoimentos de jovens, a violência é definida como cotidiana
porque relativa a toda sorte de acontecimentos e porque pode
ser precipitada a qualquer momento, e por qualquer razão:
Nos dia de hoje, violência (....) é aquela coisa normal de todo o
dia. Todo dia você sai na rua, vê um policial bater num cara
que não tem nada a ver. Não aconteceu nada assim, não fez
nada assim. Você esbarra no cara, muitas vezes nem [era] a
sua intenção. O cara já está bêbado, chega assim: “Pô, não sei
o quê!”. Já quer briga, briga até verbal mesmo, de você (....)
xingar o cara. Já é um tipo de violência. (Grupo focal de
alunos, escola particular, Vitória)
A iminência de deflagração de atos violentos no cotidiano
dos jovens aparece como experiência de descontrole. Essa
sensação de descontrole, de que a violência pode ser deflagrada
de súbito, por qualquer razão ou pessoa, está presente em
diversos depoimentos:
99
De uma conversa pode surgir uma violência. De um modo de
uma pessoa falar com você pode surgir um soco, um pontapé.
(Grupo focal de alunos, escola pública, Rio de Janeiro)
Violência é a conseqüência de atos. Muitas vezes a pessoa acha
que por causa de uma palavra, porque alguém falou alguma
coisa até sem querer, aí já vai querer agredir, já vai querer falar
mal. (Grupo focal de alunos, escola pública, Vitória)
A noção de descontrole muitas vezes associada à violência
é confirmada com a alusão ao seu caráter contagiante,
endêmico, com a situação de, uma vez deflagrada, a violência
ser mecanicamente multiplicada em ambientes e por atores
sociais diversos:
Muitas vezes a violência é como um ciclo. Olha só, você foi para o
serviço, aí seu chefe te dá um monte de esporro (....). Aí você chega
dentro do ônibus, aí você vai entrando lá e começa logo, começa
ficando puto (....). Como você está com raiva, vai descontar.
(Grupo focal de alunos, escola pública, Vitória).
Mas ao se referirem ao descontrole que caracteriza a ação
violenta, os jovens em seus depoimentos demonstram
concebê-la como ação desmedida (isto é, anormal). A
violência aparece recorrentemente e de diversos modos como
uma reação desmedida diante de algum acontecimento, de
algum ato de outros: Qualquer discussãozinha (....) você dá um
soco na cara do sujeito ou então você pega a sua arma (....), você parte
pra outros métodos (....).
Parece haver continuidade entre essas noções de
descontrole associadas à violência e a sua caracterização como
algo condenável e ilícito. Assim, é freqüente que a violência
100
8 Em Minayo et al. (1999:149-151) há análise de noções que jovens do município do Rio
de Janeiro, de diferentes estratos sociais, tendem a associar à violência, relativas
principalmente à criminalidade e à morte: “a violência é sinônimo de delinqüência,
como vem sendo narrado por inúmeros autores” (p.149). Observar que em pesquisa
realizada por Abramovay et al (1999) jovens de cidades da periferia de Brasília também
indicam ocorrências criminosas (assassinatos/tentativas de homicídio e assaltos) para
exemplificar formas de violência que encontram em suas cidades.
seja definida e exemplificada por meio de ações ilegais, como
o roubo
8
:
Violência é qualquer tipo de roubo (....) A pessoa está passando
assim, aí passa alguma pessoa, aí começa, aí pega, e toma! Porque
às vezes também é como um roubo de bicicleta. O cara está ali
andando, aí tem um cara que fica só esperando ele ir: “Me dá a
bicicleta aí!”. Ou então: “Dá o relógio aí!”, “Me dá qualquer
coisa assim!”. (Grupo focal de alunos, escola pública,
Fortaleza)
É a gente não poder andar. A qualquer momento você pode
ser assaltada, você pode estar sendo agredida. Se você está
dentro de um ônibus (....) se estiver tarde você está
preocupada (....) (Grupo focal de alunos, escola
pública, Vitória)
Assim, se de um lado a violência é apresentada pelos
jovens como fenômeno cotidiano, extenso e generalizável,
por outro lado é decomposta em inúmeras modalidades,
cuja gravidade é diferentemente avaliada, e comumente
associada ao ultrapassamento de limites. E esses limites
são demarcados pelo que é tomado como condenável pelos
jovens, e como padrões socialmente aceitos, que devem
ser respeitados. Desse modo, a violência é experimentada
pelos jovens como fenômeno não excepcional, cotidiano,
mas ao mesmo tempo é concebida como prática anormal e
101
condenável, e por isso não naturalizada, porque ultrapassa
os limites do que para eles é visto como forma aceitável
de relacionamento entre as pessoas, em especial quando
resulta em agressão física.
3.3. CARACTERIZAÇÃO DOS GRUPOS DE
ALUNOS
Nesta seção, são apresentadas informações de caráter
menos analítico e mais descritivo, visando esclarecer algumas
características gerais, porém relevantes para o entendimento
dos grupos de alunos selecionados segundo a identificação de
eventos muito violentos em suas escolas. Destaca-se que a
população representada pelas tabelas abaixo é formada por
estudantes do ensino fundamental e médio com idades entre
11 e 24 anos, moradores de 14 capitais brasileiras (Manaus,
Belém, Fortaleza, Recife, Maceió, Salvador, Distrito Federal,
Goiânia, Cuiabá, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre
e Florianópolis).
Como se percebe pela análise da Tabela 1, o grupo de alunos
que identificou ao menos uma ocorrência muito violenta em
sua escola representa mais de um terço do total de estudantes
das 14 capitais pesquisadas (35,6%). Além disso, uma diferença
relevante entre os dois grupos de alunos é a dependência
administrativa, porque 10% a mais de alunos de escolas públicas
identificam episódios de violência grave em suas escolas. Este
fato é importante, pois além dessa porcentagem ser elevada é
preciso considerar que 71% dos alunos estão matriculados na
rede pública de ensino. Outras características foram exploradas,
como ocupação e sexo, sem, contudo, apresentar grandes
diferenças entre os grupos.
102
3.4. REPERCUSSÕES DA VIOLÊNCIA NOS
ESTUDOS
Para investigar as percepções acerca das repercussões da
violência nos estudos, foram utilizadas informações referentes
à percepção do ambiente violento, para definir os dois grupos
de estudantes, cruzadas com as percepções sobre as
conseqüências da violência para os estudos. A divisão dos
alunos segundo seu conhecimento de ocorrências de atos graves
de violência em suas escolas é uma estratégia para observar se
as conseqüências da violência para os estudos se diferem entre
os estudantes que possuem experiências mais ou menos
próximas do fenômeno.
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.
TABELA 1 – ALUNOS, POR IDENTIFICAÇÃO
DE ATOS DE VIOLÊNCIA GRAVE NAS
ESCOLAS, SEGUNDO CARACTERISTICAS DE
TRABALHO E SEXO DOS ESTUDANTES, E
DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA DA
ESCOLA; 2000 (%)
103
Na população de alunos que identificaram algum evento
envolvendo armas de fogo ou violência sexual na escola, foram
observadas porcentagens altas para todos os tipos de repercussões
para a violência, comparativamente ao grupo dos estudantes
que não identificou qualquer episódio de violência grave na
escola. Os tipos que foram apresentados na pesquisa, de modo
a captar a percepção dos estudantes, foram: “A violência afeta
seus estudos porque sente que não consegue se concentrar nos
estudos”, “A violência afeta seus estudos porque sente que o
ambiente da escola fica pesado”, “A violência afeta seus estudos
porque sente que a qualidade das aulas diminui” e “A violência
afeta seus estudos porque não sente vontade de ir à escola”.
A tabela 2 mostra que mais da metade dos alunos que
identificou atos de violência grave declarou que a violência
causa falta de concentração ou que o ambiente fica pesado.
Mesmo apresentando porcentagens menores, as repercussões
“diminuição da qualidade das aulas” e “falta de vontade de ir à
escola” são de aproximadamente 40%.
TABELA 2 – PERCEPÇÃO DOS ALUNOS, POR
IDENTIFICAÇÃO DE ATOS VIOLÊNCIA
GRAVE NA ESCOLA, SEGUNDO TIPOS DE
REPERCUSSÃO DA VIOLÊNCIA NOS
ESTUDOS, 2000 (%)
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.
Nota: É importante assinalar que os percentuais referem-se apenas às respostas afirmativas.
104
A população que não teve conhecimento de qualquer dos
acontecimentos definidos anteriormente como graves
identificou em magnitude menor as repercussões que a violência
pode ter nos estudos. O grupo que identificou alguma violência
do tipo grave em suas escolas é 17% mais freqüente que o
outro grupo, no caso de percepção do ambiente escolar pesado,
e 13% no caso da falta de vontade de ir à escola.
Se comparada à freqüência daqueles que identificam
violências graves com as percepções da população total, a
diferença é de aproximadamente 9%. Enquanto a identificação
de “ambiente pesado” é de 50,2% para o grupo que identifica
violência grave, para a população total de estudantes amostrada,
esta identificação ocorre em 39,4% dos casos. Tudo isto fortalece
o argumento de que o grupo que conhece atos de violência grave
na escola freqüentemente identifica efeitos negativos desta
violência nos seus estudos.
As respostas refletem dimensões individuais da
desmotivação (falta de concentração e de vontade de ir à
escola) e percepções do ambiente escolar, atestando a existência
de externalidades negativas da violência em uma dimensão
coletiva (ambiente pesado e diminuição da qualidade das aulas).
3.5. A VIOLÊNCIA E AS RELAÇÕES ENTRE OS
ATORES NO ÂMBITO ESCOLAR
Esta seção procura descrever a percepção dos alunos sobre
algumas relações entre os atores no âmbito escolar, com ênfase
nos dois grupos de estudantes definidos, quais sejam: aqueles
que sabem de acontecimentos muito violentos em suas escolas
e os que não sabem. Foram investigadas duas dimensões da
visão dos estudantes, sendo que a primeira (seção 5.1) indaga
diretamente como é o relacionamento deles com os demais
105
atores, enfatizando principalmente aquela entre alunos e
professores. A segunda dimensão (seção 5.2) analisa como é a
reação dos estudantes quando envolvidos em relações que
envolvem uma agressão, sem qualquer especificação de qual o
ator com o qual está em conflito, apenas delimitando as agressões
ocorridas dentro da escola. Se por um lado a primeira subseção
visa identificar alguma singularidade das relações com diferentes
atores, por outro, a segunda visa especificar como é a reação dos
alunos a um tipo específico de relação: a conflituosa.
3.5.1. PERCEPÇÕES SOBRE AS INTERAÇÕES
DOS ATORES NA ESCOLA
Pela percepção da relação de alunos e professores é possível
analisar um aspecto importante das repercussões da violência para
a vida estudantil, uma vez que se a violência extrema incidir
negativamente na interação social entre alunos e professores,
comprovar-se-á uma possível conseqüência maléfica da violência
na escola. Urge destacar que outros fatores podem estar incidindo
na relação causal que se está investigando, amenizando, portanto,
qualquer conclusão precipitada de que uma taxa maior de violência
acarreta menor qualidade do ensino. No entanto, tal investigação
pode lançar pistas iniciais importantes para investigações acerca da
correlação entre violência alta e baixo aproveitamento dos estudos.
Observa-se que o grupo formado por aqueles que
identificaram atos violentos em suas escolas concorda, mais
freqüentemente, com frases de conteúdos negativos sobre a
relação entre alunos, e sobre a relação dos professores com os
alunos, embora as diferenças entre os dois grupos apresentem
variações menores do que as apontadas na Tabela 2.
De fato, as opiniões dos dois grupos de alunos são
semelhantes quando as sentenças possuem significados mais
106
extremados, como “não gostam da maioria dos alunos” ou
“não gostam da maioria dos professores”, talvez por generalizar
muito, não abarcando opiniões menos radicais. Com base na
Tabela 3, observa-se que mais alunos declaram não gostar
dos seus colegas quando comparados às declarações de não
gostar dos professores. Sobre esse dado é importante destacar
que, recorrentemente nas pesquisas desenvolvidas pela
UNESCO (Abramovay et al., 2001; Abramovay e Rua, 2002),
os alunos vêm apontando seus próprios colegas, caracterizados
como indisciplinados e desinteressados, como fonte dos
problemas da escola.
TABELA 3 – ALUNOS, POR IDENTIFICAÇÃO
DE ATOS DE VIOLÊNCIA GRAVE NA ESCOLA,
SEGUNDO PERCEPÇÃO DAS INTERAÇÕES
SOCIAIS NO ÂMBITO ESCOLAR, 2000 (%)
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.
Nota: É importante assinalar que os percentuais referem-se apenas às respostas afirmativas.
Por outro lado, quando as questões tratam de aspectos
específicos da relação dos alunos com os professores, o grupo
dos estudantes com conhecimento de atos de violência grave
identifica, mais freqüentemente, aspectos negativos nos
processos interativos. Enquanto 15% desses estudantes
revelam que os docentes usam “linguagem pesada” com os
107
alunos, o outro grupo identificou tal aspecto somente em 7%
dos casos. Outra informação relevante é a de que um quinto
dos estudantes com conhecimento de atos de violência grave
na escola revelou que a maioria do corpo docente não está
interessada nos alunos.
A análise desenvolvida a partir dos resultados da Tabela 3
mostrou mais um indício de implicação da violência para a
escola, agora enfocando as interações sociais entre dois dos
seus principais atores. A percepção dos estudantes sobre seus
problemas em interagir com os seus colegas e professores, de
modo geral, aponta para possíveis deficiências no
desenvolvimento das funções da escola. A seção seguinte visa
entender como é o conflito dentro da escola, sob a perspectiva
dos alunos.
3.5.2. AS REAÇÕES ÀS AGRESSÕES NA ESCOLA
Pela identificação das reações às agressões na escola é
possível analisar as interações sociais por um prisma diferente,
pois torna claro como agem os estudantes em situações de
conflito. Também por esse tipo de análise, é possível supor a
existência tanto da propensão à reprodução da violência, quanto
da propensão à solução de conflitos.
A partir da Tabela 4, é possível verificar que a grande maioria
dos estudantes que identificaram alguma violência grave em
suas escolas, afirmaram que o normal é o aluno se vingar de
quem o agrediu. Neste grupo 45,1% afirma que tal reação é a
mais comum, enquanto que o grupo que não soube de qualquer
violência sexual ou envolvendo arma de fogo em sua escola
busca, na maioria das vezes, alguma autoridade (51,6%) quando
vítima de agressão. Essa diferença revela um dado interessante
para a compreensão da violência escolar, pois quando existe
108
uma exposição maior a violências mais graves, existe também
uma reação violenta às agressões (graves ou não). A Tabela 4
informa, portanto, que alunos que afirmaram terem tido algum
contato com atos de violência grave, mesmo que o contato se
resuma ao simples conhecimento de sua existência na escola,
reproduzem mais a violência.
TABELA 4 – ALUNOS, POR IDENTIFICAÇÃO
DE ATOS DE VIOLÊNCIA GRAVE NA ESCOLA,
SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS TIPOS DE
REAÇÃO A AGRESSÕES NA ÂMBITO
ESCOLAR, 2000 (%)
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.
Vale ressaltar que o entendimento de violência não é
homogêneo no universo dos alunos pesquisados. Ao responder
um questionário, os entrevistados podem refletir sobre casos
em que julgam que uma reação violenta é legítima, (....) a violência
não se apresenta dotada de uma conotação valorativa absoluta. Ao
contrário, é vista como instrumental: pode ser válida ou não, dependendo
de por quê, para quê, e contra quem é praticada. Por exemplo, é válida
como defesa, no caso de agressões, de humilhações, de injustiças e de
reação a assaltos e roubos (Abramovay e Rua, 2002: 342).
109
As atitudes passivas diante das agressões são mais
freqüentemente identificadas por aqueles estudantes de escolas onde
ocorreram atos de violência grave. Outro dado relevante nesse
sentido é a menor prevalência da busca por soluções que envolvam
algum tipo de autoridade (policial ou escolar) nesse mesmo grupo
de alunos. Enquanto 8% dos alunos de escolas onde violências
mais graves são identificadas “não fazem nada”, 6,4% do outro
grupo teriam a mesma atitude se alguma agressão ocorresse. Já no
caso da busca por autoridades a diferença entre os dois grupos é
mais elevada, sendo de quase quinze pontos percentuais.
3.6. CONCLUSÕES
A educação é um fenômeno social e universal, sendo uma
atividade humana necessária à existência e ao funcionamento
de todas as sociedades. Cada uma delas precisa cuidar da
formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas
capacidades físicas e espirituais, preparando-os para a participação
ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social. Por
intermédio da ação educativa, o meio social exerce influências
sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas
influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa
e transformadora com a sociedade (Enguita, 1989). Tais
influências se manifestam por meio de conhecimentos,
experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes
acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos,
transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações.
A escola e seus profissionais formam um universo capaz
de propiciar o desenvolvimento do aluno, bem como criar
condições para que ocorram aprendizagens significativas e
interações. Cada sujeito apresenta um universo próprio,
110
tornando necessário que o estabelecimento dos espaços
interativos, no contexto educacional, seja orientado a promover
relações de troca, de esforços partilhados na construção de
soluções comuns, para o alcance dos objetivos coletivos.
Os modos de vida dos sujeitos em interação, dentro do
cenário escolar, fornecem as trocas materiais e simbólicas,
criando as condições necessárias para que os processos sociais
encontrem expressão possível. O ambiente propiciado pela
escola favorece não só os processos informativos, mas,
também, os de comunicação, produzindo um amplo universo
simbólico que estimula configurações de sentidos e significados,
possibilitando, desse modo, a constituição da subjetividade e a
construção das identidades.
Este relevante papel social, por muito tempo, investiu ao
ambiente escolar uma áurea de aparente segurança, livre da
violência comumente encontrada em outros espaços da
sociedade
9
. No entanto, esta não é mais a realidade verificada
atualmente nas escolas. Em todo o mundo ocidental moderno, a
ocorrência de violências nas escolas não é fenômeno recente, e
tanto alunos, quanto pais e professores constatam que o ambiente
escolar deixou de ser um lugar seguro, tornando-se um grave
problema social, além de um importante objeto de reflexões.
Os dados apresentados neste artigo indicam que a violência
possui repercussões importantes nos estudos e na sociabilidade dos
alunos, e que essa influência é mais claramente percebida pelos
9 Muito embora a escola possuísse outras expressões de violência, características de seu
funcionamento passado. De fato, as crianças foram “disciplinadas”, inclusive pela força,
desde a antigüidade até épocas mais recentes. A palavra hebraica “mûsar” significa, ao
mesmo tempo, instrução e correção, castigo. Os gregos defendiam que se a infância e a
juventude não eram idades da loucura, eram idades de falta de razão e de excessos. Essas
concepções justificariam a pedagogia aplicada em tempos passados, na qual os castigos
físicos e psíquicos eram empregados com freqüência. No século XX, os castigos
diminuíram consideravelmente, mas não desapareceram totalmente, e os professores
ainda os aplicaram até a década de 1970, na Europa (Debarbieux, 1996).
111
alunos que têm conhecimento da ocorrência de atos de violência
grave em suas escolas. Observou-se, ainda, que esse grupo de alunos
está mais presente nas escolas das redes públicas de ensino
(municipal e estadual), não sendo observado diferenças significativas
quanto à ocupação ou ao sexo.
As situações de violências comprometem o que deveria ser a
identidade da escola – lugar de sociabilidade positiva, de
aprendizagem de valores éticos e de formação de espíritos críticos,
pautados no diálogo, reconhecimento da diversidade e da herança
civilizatória do conhecimento acumulado. Essas mesmas situações
repercutem na aprendizagem e na qualidade do ensino
(Abramovay e Rua, 2002: 300).
Os dados apresentados neste artigo corroboram esta percepção.
Na população de alunos que identificaram algum evento envolvendo
armas de fogo ou abuso sexual na escola, foram observadas
porcentagens altas para todos os tipos de repercussões da violência
nos estudos, comparativamente ao outro grupo de alunos. Verificou-
se que no primeiro grupo de alunos a dificuldade de concentração
nos estudos foi a conseqüência mais freqüentemente apontada.
Segundo a análise desenvolvida por Abramovay e Rua (2002: 303),
essa percepção dos alunos é compartilhada por outros membros da
comunidade escolar, como é o caso dos diretores de escola:
Tem crianças aqui que, outro dia, devido a um assalto e tal, eles
chegam que não conseguem nem assistir aula, nervoso. O professor
tem que conversar e não adianta, então eu acho que interfere na escola,
interfere sim. (Entrevista com diretor, escola particular, Cuiabá)
Mas você pergunta, por quê? É o medo da violência. Então, tem
o caso de aluno que mudou de cidade, que mudou de Estado
porque perdeu alguém da família num assalto, então largou tudo
o que tinha e está estudando agora aqui. É bem comum, e, assim,
112
o de maior violência, o de maior repercussão, foi a perda que nós
tivemos aí dessa mãe de aluno que estava ali, um pouco mais à
frente, aguardando o filho. Isso é que gerou uma campanha grande
da nossa parte, os alunos mobilizaram de trazer a Ronda de
volta, a Ronda Escolar nas saídas da aula. (Entrevista com
diretor, escola particular, São Paulo)
Quanto à sociabilidade dos estudantes que tiveram algum
contato com atos de violência grave, o impacto não é menor. Quando
investigada a freqüência com que os alunos percebem de maneira
negativa sua relação com os professores, observa-se uma clara
diferença segundo os grupos de alunos definidos. A falta de interesse
e o uso de linguagem pesada por parte do corpo docente são mais
freqüentemente identificados pelos estudantes que sabem da
ocorrência de fatos muito violentos em suas escolas. Além disso,
esses estudantes normalmente reagem violentamente a alguma
agressão, o que revela que, no geral, existe uma propensão maior a
perpetuar a violência ao invés de tentar saná-la.
Considerando a literatura exposta na seção 3 e o acervo de
ensaios e pesquisas promovidos pela UNESCO
10
, deduz-se que as
violências nas escolas representam um estado e não uma característica de uma
ou outra escola ou do sistema escolar, [isso] significa assumir que essa condição
muda com os processos pelos quais cada estabelecimento passa, em especial
mudanças na administração e na relação dos alunos com diretores e professores
da escola (Abramovay e Rua, 2002: 321).
10
Ver também, entre outros, WAISELFISZ, Júlio Jacobo “Mapa da Violência: os Jovens do
Brasil” - Rio de Janeiro: Garamond, 1998; SALLAS, Ana Luisa et al. “Os Jovens de Curitiba:
Esperanças e Desencantos, Juventude, Violência e Cidadania” - Brasília: UNESCO, l999;
GOMES, Candido Alberto “Dos Valores Proclamados aos Valores Vividos: traduzindo
em atos, princípios das Nações Unidas e da UNESCO para projetos escolares e políticas
educacionais”, Brasília: UNESCO e Secretaria de Estado do Rio de Janeiro, 2001;
WERTHEIN, Jorge, “Juventude, Violência e Cidadania”, Brasília, UNESCO, 2000;
WERTHEIN, Jorge e CUNHA, Célio, “Fundamentos da Nova Educação”. Cadernos
UNESCO Brasil, volume 5, Brasília, 2000; CUÉLLAR, Javier Pérez (org.) “Nossa
Diversidade Criadora: Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento”,
Campinas: Papirus, Brasília: UNESCO, 1997.
113
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WAISELFISZ, Julio Jacobo. Fala galera: juventude, violência e
cidadania: os jovens de Brasília. São Paulo: Cortez, 1998.
117
44
44
4
. DR. DR
. DR. DR
. DR
OGAS NAS ESCOLASOGAS NAS ESCOLAS
OGAS NAS ESCOLASOGAS NAS ESCOLAS
OGAS NAS ESCOLAS
Miriam Abramovay
119
4.1. APRESENTAÇÃO
No exercício de seu papel como Agência do Sistema das
Nações Unidas, a UNESCO tem realizado, no nível
internacional, pesquisas inovadoras do mais elevado padrão de
qualidade, agregando novos conhecimentos ao saber mundial.
Desde 1997, a UNESCO no Brasil iniciou uma série de
pesquisas centradas nos temas sobre juventude, violência e
cidadania. A publicação dos resultados dessas pesquisas tem
sido uma prática insistentemente perseguida, como forma de
disseminar e ampliar os conhecimentos e o debate. Em seu
plano estratégico de médio prazo, a UNESCO elegeu a
juventude como uma das suas três grandes prioridades
temáticas e tem desenvolvido um programa específico nesta
área: “Os jovens e o Desenvolvimento Social”, centrado no
fomento à cooperação entre os jovens, visando a aumentar a
sua capacidade de participação ativa na vida social.
Como vem sendo estabelecido em seu programa, uma das
prioridades é escutar os jovens e trabalhar com eles no
fortalecimento da sua capacidade para realizar suas metas
individuais e sociais. Assim, a UNESCO está dando
continuidade ao seu projeto internacional “Transpondo o
Limiar: à Escuta dos Jovens no Despontar do Terceiro
Milênio”; a múltiplos projetos especiais, como “A Contribuição
120
dos Jovens ao Fortalecimento de uma Melhor Percepção. O
projeto “Juventude, Violência e Cidadania” é parte dessa linha
de atividades e de estudos de maior abrangência que a
Representação da Organização no Brasil vem desenvolvendo
em parceria com diversas instituições, sendo abordadas
questões relativas a espaço urbano, exclusão social, violência,
família, educação e trabalho.
De maneira geral, as pesquisas desenvolvidas no Brasil
objetivam agregar novos conhecimentos sobre temas não
suficientemente estudados, a fim de subsidiar a formulação de
políticas públicas. Outro segmento igualmente importante diz
respeito à avaliação de políticas, programas ou projetos
desenvolvidos por instituições públicas ou organismos não-
governamentais.
A UNESCO vem mantendo essa proposta por meio da
pesquisa “Violência, Aids e Drogas nas Escolas”, que possui um
escopo amplo, diversificado e complexo, consistindo em levantar
e combinar informações quantitativas e qualitativas sobre a
violência, as drogas e a sexualidade juvenil, do ponto de vista de
alunos, pais, professores, diretores e demais membros da
comunidade escolar. Neste sentido, busca-se identificar os fatores
de vulnerabilidade associados às manifestações de violência e às
representações de professores e alunos sobre a violência e suas
causas; bem como a realização de um diagnóstico das informações,
atitudes, práticas e comportamentos de jovens e adolescentes
escolarizados acerca da prevenção de DST e Aids e uso de drogas.
O presente artigo apresenta, de forma geral, a discussão
sobre a contextualização dos jovens pesquisados, o consumo
e o fornecimento das drogas lícitas e ilícitas. Tais aspectos,
dentre outros, serão tratados de forma aprofundada no estudo
inédito
1
, a respeito do consumo de drogas nas escolas.
A metodologia da pesquisa baseou-se na articulação de
técnicas quantitativas e qualitativas, sendo o universo de 420
121
escolas (340 e 80 nas amostras quantitativa e qualitativa,
respectivamente), nas quais foram aplicados, em média, 50.000
questionários e entrevistados cerca de 1.070 estudantes por meio
de 107 grupos focais. As unidades escolares compreenderam os
ensinos fundamental e médio, das redes públicas e privadas,
abrangendo os turnos noturno e diurno, em 14 das principais
capitais brasileiras: Goiânia, Cuiabá, Manaus, Belém, Fortaleza,
Recife, Maceió, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo,
Florianópolis, Porto Alegre e Distrito Federal.
4.2. A ESCOLA COMO ESPAÇO DE
VULNERABILIDADE, SOCIALIZAÇÃO E
EXCLUSÃO SOCIAL
O início do consumo de drogas na adolescência, segundo
Schall (2000: 190), é favorecido pela pressão do grupo e pela
vulnerabilidade à influência dos colegas, associada à insegurança típica
da idade e necessidade de aceitação, bem como à falta de informação.
Todos esses aspectos aumentam a vulnerabilidade dos jovens,
assim como a dependência, colaborando para a sua
manutenção, que, muitas vezes, ocorre por meio das
propagandas que evidenciam o uso prazeroso, principalmente,
das drogas lícitas.
Especificamente no contexto escolar, o discurso repressivo,
moral e legal, vigente na maioria das escolas, identifica qualquer
tipo de uso ao uso dependente, apresentando o usuário como
um doente. Os usuários – não dependentes – são percebidos
como riscos, evidenciando a medicalização e/ou controle
policial do problema de forma geral, que geram e aprofundam
situações de discriminação:
1 Ressalta-se que a pesquisa sobre drogas nas escolas foi lançada em novembro deste ano.
O tema relacionado à violência no âmbito escolar foi publicado em março passado,
122
A expulsão dos jovens usuários tem-se tornado freqüente,
reforçando situações de exclusão. As possibilidades pedagógicas
de encaminhamento da questão não se realizam ao mesmo tempo
em que se fortalece a perspectiva de exames antidoping nas escolas
para identificar alunos usuários. (Ascselrad, 2000: 173)
Para a compreensão do fenômeno das drogas, assim como
de qualquer outro, é passo indispensável a sua contextualização,
principalmente com ênfase nos processos socioculturais que
estão presentes tanto nas motivações que levam ao consumo
de drogas como no agravamento dos efeitos do mesmo
(Hopenhayn, s/d). Todas as tentativas de explicações genéricas,
baseadas em premissas fisiológicas e psicológicas, tenderam a
ficar no nível da rotulação e da estigmatização, sendo
fundamental considerar o diálogo social e cultural para a
compreensão de tal problema.
Remetendo-se à construção de algumas percepções
inovadoras e/ou alternativas nos modelos de prevenção ao
uso indevido de drogas, ressalta-se que essas não pregam a
permissividade. Ao contrário, fundamentam-se na
compreensão da fragilidade individual e coletiva socialmente
construída. Seu principal objetivo é educar para a autonomia,
tornar o sujeito capaz de reflexão e ação (idem, 2000: 166), em
que o jovem seria chamado a participar desde a elaboração à
execução dos projetos relacionados ao consumo de drogas
no ambiente escolar.
Neste sentido, vários depoimentos coletados mostram a
existência e a efetiva implantação da experiência da autonomia
pedagógica, atuando, também, como modelo preventivo, por
parte de alguns estabelecimentos escolares, refutando a idéia
de que os educadores não estariam preparados para atuar em
situações que envolvessem o consumo de drogas por alunos:
123
Nós temos dois casos no ensino médio que os meninos são viciados
em droga, mas eles foram orientados e quando nós descobrimos,
isso já foi no início do ano, eles já chegaram na escola viciados.
Então, quando nós percebemos isso, a diferença física deles, então
o vice-diretor chamou os pais, conversaram, orientaram, eles estão
em tratamento médico. Esses meninos a gente acompanha com
eles, com os pais, como é que está o andamento. Eles estão sempre
sobre nossos auspícios, exatamente, com esse cuidado, porque eles
estão em tratamento, estão se cuidando, mas não deixa de ser um
risco para a escola ter viciados conosco. (Entrevista com
inspetor, escola particular, Brasília)
Embora haja uma percepção crítica sobre a escola como
espaço de aprendizagem, esta também se sobressai no
imaginário dos alunos como lugar apreciado por outros
atributos (Abramovay; Rua, 2002). De fato, na opinião destes
e de outros atores, a escola aparece, também, como um local
privilegiado de socialização, formação de atitudes e opiniões
e desenvolvimento pessoal. Os depoimentos enfatizam a
sua capacidade de ensinar os jovens a se relacionarem com
as pessoas, de desenvolver um discurso mais elaborado ou
mais concatenado, de opinar sobre um determinado assunto:
o estudo serve para saber conversar, também (....) falar sobre vários
assuntos, saber conversar. Podemos, assim, usar em várias
necessidades.
A escola ainda afigura-se aos estudantes tanto como uma
efetiva via de acesso ao exercício da cidadania como, ao
contrário, um mecanismo de exclusão social. Na primeira
perspectiva, a escola, a educação e o processo de ensino-
aprendizagem funcionam como uma espécie de salvo-
conduto moral, um passaporte para a entrada na sociedade
e para oportunidades de uma vida melhor. A exclusão, por
124
sua vez, é gerada nos meandros do econômico e do político,
ou seja, do social em suas múltiplas dimensões, tendo
desdobramentos específicos – mas nem sempre coincidentes
– na cultura, na educação, no trabalho, nas políticas sociais,
na etnia, na identidade societal e em outras esferas. Assim,
com a finalidade de contribuir para a construção de uma
cultura contra violências, faz sentido lidar com
discriminações, intolerâncias e exclusão no espaço escolar,
ainda que essas não se consubstanciem em violências físicas
propriamente ditas.
Insiste-se, aqui, na construção conceitual que se vem
apresentando em trabalhos promovidos pela UNESCO, em
que se entende a exclusão social como a falta ou a
insuficiência da incorporação de parte da população à
comunidade política e social (Abramovay et al., 1999). Ou
seja, ao situar sujeitos à margem do contrato social negam-
se, formal ou informalmente, os seus direitos de cidadania
- como a igualdade perante a lei e as instituições públicas -
a proteção do Estado e o seu acesso às oportunidades
diversas, quais sejam, de estudo, profissionalização, trabalho,
cultura, lazer, entre outros bens e serviços do acervo de
uma civilização.
Vale reconhecer, contudo, que o conceito de exclusão
social é polêmico. Acata-se a crítica que lhe faz, por exemplo,
Castel (1999: 26), por sugerir uma perspectiva “estanque;
designar um ...estado de privações”, omitindo “processos que
engendram essas situações”. Na perspectiva aqui adotada,
porém, a exclusão social é entendida como mais que
desigualdade econômica, abarcando dimensões e processos
culturais e institucionais, por intermédio dos quais
numerosas parcelas da sociedade se tornam e permanecem
125
alheias ao contrato social, privadas do exercício da
cidadania, desassistidas pelas instituições públicas,
desamparadas pelo Estado.
Ressalta-se, ainda, que os modos de vida dos sujeitos em
interação, dentro do cenário escolar, fornecem as trocas
materiais e simbólicas, criando as condições necessárias para
que os processos sociais encontrem expressão possível. O
ambiente propiciado pela escola, favorecendo não só os
processos informativos, mas, também, os de comunicação,
produz um amplo universo simbólico, estimulando
configurações de sentidos e significados, possibilitando, desse
modo, a constituição de subjetividade e a construção de
identidades.
Neste sentido, o desafio nas escolas é justamente trabalhar
para inverter esse discurso de modo a que nos apropriemos da
curiosidade juvenil, da necessidade de pertencer a grupos, e as
transformemos em algo que não se canalize para o uso de drogas, o
que realmente pode complicar (Carlini-Cotrim, 2000: 78). A
participação do jovem deve ocorrer como agente da sua
própria ação e com capacidade de construir seus próprios
mecanismos alternativos às drogas, cabendo àqueles que
se lançam na tarefa da prevenção criticar ações
domesticadoras e autoritárias em relação à prevenção ao
uso de drogas.
4.3. CARACTERIZAÇÃO DOS JOVENS
Sob a perspectiva da caracterização dos alunos pesquisados
neste estudo, tende a predominar o sexo feminino e, no que se
refere à sua idade, prevalece a faixa etária de 15 a 17 anos,
seguindo-se a de 11 a 14 anos. (Tabela 1)
126
TABELA 1 – ALUNOS, POR CAPITAIS DAS
UNIDADES DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO SEXO
E FAIXA ETÁRIA, 2000 (%)
Fonte: Avaliação das Ações de Prevenção de DST/Aids e Uso Indevido de Drogas nas
Escolas, UNESCO, UN ODCCP, UNAIDS, USAID, CN-DST/Aids, 2001.
No que se refere ao uso de drogas lícitas, observa-se que os alunos
se mostram mais afeitos ao uso de bebidas alcoólicas do que ao
consumo de tabaco (Tabela 2). De fato, mais da metade consome –
regular ou eventualmente – bebidas alcoólicas, chegando a 62% em
Porto Alegre e Salvador, 61% em Florianópolis, 59% no Rio de Janeiro
e 58% em São Paulo. Já o uso regular ou eventual de cigarros comuns
é de três a cinco vezes mais baixo que os de consumo de bebidas
alcoólicas, sendo 18% em Porto Alegre, 14% em Belém, 13% no Rio
de Janeiro e 12% em Manaus, Fortaleza, São Paulo e Florianópolis.
127
TABELA 2 – ALUNOS, POR CAPITAIS DAS
UNIDADES DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO USO
DE DROGAS LÍCITAS (TABACO* E BEBIDAS
ALCOÓLICAS**), 2000 (%)
Fonte: Avaliação das Ações de Prevenção de DST/Aids e Uso Indevido de Drogas nas
Escolas, UNESCO, UN ODCCP, UNAIDS, USAID, CN-DST/Aids, 2001.
(*) Perguntou-se: “Você costuma fumar cigarro comum?” A resposta afirmativa
compreende os que disseram fumar cigarros todos os dias ou eventualmente.
(**) Indagou-se: “Com que freqüência você bebe bebidas alcoólicas?” A resposta afirmativa
agrega os que bebem bebidas alcoólicas todos os dias, quase todos os dias, nos finais de
semana e/ou em festas familiares, Carnaval, Ano-Novo.
128
Em relação às drogas ilícitas (Tabela 3), destacam-se os
altos índices de consumo relatados nas cidades de Porto Alegre
e Rio de Janeiro (15%), seguindo-se Florianópolis e Distrito
Federal (8%), São Paulo, Vitória e Cuiabá (7%), cerca de
metade do percentual observado nas duas primeiras capitais
mencionadas. O menor percentual de jovens que registraram o
consumo de drogas ilícitas ocorre em Fortaleza (2%), seguindo-
se Maceió e Goiânia (3%).
TABELA 3 – ALUNOS, POR CAPITAIS DAS
UNIDADES DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO USO
DE DROGAS ILÍCITAS*, 2000 (%)
Fonte: Avaliação das Ações de Prevenção de DST/Aids e Uso Indevido de Drogas nas Escolas,
UNESCO, UN ODCCP, UNAIDS, USAID, CN-DST/Aids, 2001.
(*) Perguntou-se: “Com que freqüência você usou ou usa...?”, seguindo-se a indicação das seguintes
drogas: “maconha, crack, merla, cocaína (pó), cola, inalantes, drogas injetáveis”. Não foram incluídos
os calmantes, anfetaminas e xaropes, posto que podem ser consumidos sob orientação médica.
Considerou-se que usam ou usaram uma ou mais dessas drogas todos os que responderam: todos
os dias, quase todos os dias, nos fins de semana e/ou já usou mas não usa mais.
129
Ocorrem, também, significativas variações na idade média
2
do
primeiro contato com drogas. Quando se trata das drogas lícitas,
(Tabela 4), a idade média do primeiro contato varia do mínimo de
13,3 anos, em São Paulo, e 13,4 anos, em Porto Alegre; já os
estudantes de Fortaleza e de Belém experimentam fumo e álcool
um pouco mais tarde: a idade média é de, respectivamente, 14 e
14,5 anos. Ao transferir o foco para a idade média do primeiro contato
com as drogas ilícitas, observam-se alguns aspectos significativos.
Primeiramente, esse contato inicial ocorre cerca de um ano mais
tarde do que com as drogas lícitas, variando do mínimo de 14,4
anos, em São Paulo, e 14,5 anos, em Goiânia, ao máximo de 16,6
anos, em Manaus, e 15,5 anos, em Fortaleza. Segundo, a capital de
São Paulo aparece como aquela em que mais cedo os estudantes
entram em contato tanto com drogas lícitas como com as ilícitas.
2 Vale lembrar que, no estudo de idade médias, pequenas variações no resultado final
assumem grande significado e que, por decisão da Coordenação da Pesquisa, a idade
mínima levada em consideração, em quaisquer casos, foi de 11 anos.
TABELA 4 – ALUNOS, POR CAPITAIS DAS
UNIDADES DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO IDADE
MÉDIA DO PRIMEIRO CONTATO COM DROGAS
LÍCITAS* E ILÍCITAS**, 2000 (EM ANOS)
130
TABELA 4 (CONT.) – ALUNOS, POR CAPITAIS
DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO
IDADE MÉDIA DO PRIMEIRO CONTATO COM
DROGAS LÍCITAS* E ILÍCITAS**, 2000 (EM
ANOS)
Fonte: Avaliação das Ações de Prevenção de DST/Aids e Uso Indevido de Drogas nas
Escolas, UNESCO, UN ODCCP, UNAIDS, USAID, CN-DST/Aids, 2001.
(*) Perguntou-se: “Com quantos anos você experimentou pela primeira vez...?”, seguindo-
se a indicação de “cigarro comum; bebida alcoólica”.
(**) Perguntou-se: “Com quantos anos você experimentou pela primeira vez...?”, seguindo-
se a indicação das seguintes drogas: “maconha, crack, merla, LSD ou ecstasy, cocaína (pó),
cola, inalantes, drogas injetáveis”. Não foram incluídos os calmantes, anfetaminas e
xaropes, posto que podem ser consumidos sob orientação médica.
Avançando um pouco mais na análise do problema das
drogas entre os estudantes, os dados mostram que o
percentual de estudantes que declarou estar usando ou ter
usado drogas injetáveis varia do mínimo de 1%, em Cuiabá,
Fortaleza, Recife, Maceió, Salvador e São Paulo, e o máximo
de 4%, em Porto Alegre, e de 3%, no Distrito Federal e Rio
de Janeiro. Cabe chamar a atenção para o fato de esses dados
se referirem estritamente ao procedimento de aplicação e não
descrevem as substâncias usadas, que tanto podem ser lícitas
131
quanto ilícitas
3
. Por outro lado, mesmo que esses percentuais
aparentem ser baixos, são muito significativos, já que, entre
todos os tipos de drogas consumidas, as injetáveis são
aquelas cujo consumo apresenta mais dificuldades
operacionais e, talvez por isso, atingem a menor parcela da
população no Brasil
4
.
4.4. CONSUMO DE DROGAS LÍCITAS E
ILÍCITAS NAS ESCOLAS BRASILEIRAS
É sabido que o homem já fazia uso de diversos tipos de
substâncias psicotrópicas desde tempos mais remotos, seja
voltado para rituais religiosos ou em eventos socioculturais.
Porém, na atualidade, variando de acordo com os valores
político-sociais, bem como visando a uma melhor qualidade
3 Tais como esteróides, anfetaminas, tranqüilizantes, ansiolíticos, cocaína e heroína.
4 Em 1997, o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID)
realizou o quarto levantamento, de uma série iniciada em 1987, abrangendo o mesmo
público-alvo (estudantes de primeiro e segundo graus da rede estadual de ensino) e os
mesmos locais dos outros três estudos epidemiológicos (Belém, Belo Horizonte, Brasília,
Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo). Comparando
os resultados desses levantamentos (1987, 1989, 1993 e 1997) quanto à tendência ao uso
freqüente de drogas em geral (uso de drogas seis ou mais vezes nos trinta dias que antecederam
à pesquisa), observou-se, dentre outras coisas, tendência de aumento estatisticamente
significativo do uso freqüente de drogas em Belém (de 1%, em 1987, para 3,6%, em 1997),
Fortaleza (de 1,4%, em 1987, para 3,7%, em 1997) e Porto Alegre (de 3,2%, em 1987, para
5,2%, em 1997). O contrário, ou seja, diminuição da tendência do uso freqüente, pode ser
percebido em Recife (de 3,4%, em 1987, para 2,9%, em 1997), Rio de Janeiro (de 2,6%, em
1987, para 2,4%, em 1997) e São Paulo (de 2,8%, em 1987, para 2,4%, em 1997). A comparação
dos quatro levantamentos mostra, também, que houve tendência de aumento do uso
freqüente de maconha, ansiolíticos, anfetamínicos e cocaína no conjunto das dez capitais.
Os levantamentos disponibilizados pelo Cebrid focalizam os tipos de substâncias utilizadas
e a freqüência do seu uso, mas não discriminam os procedimentos de uso (ingestão,
aspiração, inalação, injeção, aplicação em mucosas, etc.). (IV Levantamento sobre o Uso
de Drogas entre Estudantes de 1
o
e 2
o
Graus em 10 Capitais Brasileiras – 1997 – José
Carlos Galduróz, Ana Regina Noto, E. A. Carlini). Cf. (www.cebrid.nom.br).
132
de vida da população em geral, as substâncias que teriam o
potencial causador de dependência começaram a ser
classificadas como drogas lícitas ou ilícitas.
Observa-se que o consumo de drogas pelos jovens pode ser
estimulado pela curiosidade ou, simplesmente, pelo fato de ter
sido oferecido por amigos, e não aceitar as regras do grupo seria
correr o risco de perder a amizade de todos. Enfatiza-se que andar
em grupo é assumir para si as atitudes e os trejeitos do mesmo.
Segundo a definição do Cebrid, drogas é um nome genérico
de substâncias químicas, naturais ou sintéticas, que provocam alterações
psíquicas e podem causar danos físicos e psicológicos a seu consumidor.
Tentando-se entender por que os jovens estão consumindo
cada vez mais drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, não se pode
deixar de considerar as colocações de Ascselrad (2000: 172) no
seu artigo intitulado A Educação para a autonomia: a construção de
um discurso democrático sobre o uso de drogas. Na busca de um caminho
para a compreensão do referido problema, a autora propõe que:
O modelo de sociedade individualista e competitivo, a restrição dos
espaços de prazer, o mercado de produção crescente de substâncias
psicoativas somam-se negativamente no sentido de fortalecer a tendência
a resolvermos nossos problemas preferencialmente pela via química.
Nesse quadro, cria-se um impasse nas relações humanas, porque
competir significa ultrapassar, eliminar o outro. Até que ponto a
generalização do uso de drogas não seria, então, a forma possível de
suportar esse modelo de realização?
4.4.1. Consumo de tabaco no ambiente escolar
Como regra geral nas escolas, fumar é proibido aos alunos,
principalmente no turno diurno. Por outro lado, apesar de
existir uma lei federal que proíbe o uso do tabaco em ambientes
133
fechados, os diretores, professores e demais funcionários das
escolas e mesmo os alunos relatam o consumo. No entanto,
observa-se que os profissionais do ensino não sofrem as
mesmas restrições que os alunos que, com isso, se ressentem e
se queixam das diferenças de tratamento.
Tem um professor (....), ele fumava na sala de aula, na maior cara-
de-pau, de Biologia, o (....) ele fumava. Aí o aluno fica: “Porque
ele pode, eu também posso, não é porque ele é professor que ele tem
mais direito”. Mas se ele fuma, por que a gente não pode fumar?
(Grupo focal com alunos, escola pública, Belém)
Muitos diretores se queixam, também, da dificuldade
no cumprimento da regra relacionada à proibição de fumar,
considerando que há servidores que a desrespeitam,
principalmente os professores: Eu peço para os professores
evitarem fumar na frente dos alunos porque eu acho antididático.
Com certeza, a gente vem falar contra o fumo, e, no entanto, o
professor está dando aula fumando dentro de sala, isso eu não
permito!
Por outro lado, depoimentos de funcionários e de pais de
jovens informam que, apesar de teoricamente ser proibido fumar,
os alunos fumam, principalmente em banheiros, o que dificulta
o controle por parte da escola:
É proibido fumar dentro da escola, mas, às vezes, os alunos
acabam fumando. Já fizemos várias tentativas, já procuramos
proibir e não proibir; não adiantou. Todas as duas formas
que a escola colocou, todas as medidas que tentamos colocar,
os alunos sempre tentam um jeito de burlar as regras. Eles
fumam dentro do banheiro. (Entrevista com coordenador
de disciplina, escola pública, Vitória)
134
É, foi proibido, mas aqui dentro eles estavam fumando no
banheiro. Não, aqui é proibido, foi proibido fumar. Eles
queriam que fosse liberado para eles fumar, mas a escola não
permitiu. E eu concordei também. Eu fumo, mas antes de
entrar no portão da escola, eu apago o cigarro. (Grupo focal
com pais, escola pública, Porto Alegre)
Com efeito, segundo os roteiros de observação (Tabela 5),
os pesquisadores de campo constataram que em 18% das escolas
havia alunos fumando cigarros nos pátios e/ou corredores e em
10% delas os professores fumavam diante dos alunos.
TABELA 5 – COMPORTAMENTO EM
RELAÇÃO AO FUMO, POR DEPENDÊNCIA
ADMINISTRATIVA DAS ESCOLAS, 2000 (%)
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.
Foi perguntado ao informante: “Você viu alunos fumando nos pátios ou nos corredores?”
e “Os professores fumam diante dos alunos?”. Os percentuais se referem apenas às
respostas afirmativas obtidas no roteiro de observação.
Na tabela 6, em que são consideradas as observações dos
pesquisadores de campo, pode-se observar que 8% dos alunos
se encontravam nos corredores ou no pátio da escola, fumando,
bebendo ou usando drogas ilícitas, durante o horário de aulas.
135
TABELA 6 – SOBRE COM QUEM ESTAVAM E O
QUE OS ALUNOS FAZIAM NOS CORREDORES
OU NO PÁTIO DA ESCOLA DURANTE O
HORÁRIO DE AULAS, POR DEPENDÊNCIA
ADMINISTRATIVA DAS ESCOLAS, 2000 (%)
Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.
Foi perguntado ao informante: “Se você viu alunos vagando no pátio durante o horário
de aulas, como eles estavam?” e “Estavam fazendo o quê?”.
Ressalta-se, no entanto, que em algumas escolas existem
lugares determinados que podem ser usados como “fumódromos”,
mas apenas para professores e funcionários, constituindo-se em
um local apropriado para fumar, longe dos olhares dos alunos:
Quando eles fumam, se retiram para uma área em que eles estão fora do
alcance dos alunos; raramente passa um aluno ali quando o professor está
fumando. Por outro lado, alguns diretores estipulam determinados
136
espaços para que alunos também fumem, deixando a critério do
jovem a responsabilidade pelas conseqüências de tal ato:
Na sala de aula não, ele [aluno] sai do recinto escolar,
ele vai lá fora, onde nós montamos um local, ele fuma.
Por exemplo, houve um índice já de redução porque ele
controlou, porque ele está perdendo conteúdo na sala
de aula. Houve uma conscientização, ele é livre, mas
com uma liberdade que ele está perdendo aula.
(Entrevista com diretor, escola pública, Manaus)
Os alunos observam, também, que há uma diferenciação, em
relação ao cigarro, entre os alunos dos ensinos fundamental e médio
e, ainda, entre aqueles do diurno e do noturno, o que estaria
associado ao fato de se tratar de pessoas mais velhas. Neste sentido,
diretores informam que se sentem limitados para recriminar tal
tipo de ação, uma vez que o período noturno abriga pessoas adultas,
que retornaram aos estudos, após anos, com muita dificuldade:
É porque se é proibido no turno diurno, porque são alunos
considerados menores. No noturno, a gente não proíbe, a gente
entende que aqui já são profissionais de um modo geral, pessoas
que trabalham, o pessoal que, em princípio, tem mais de 18 anos,
então, a gente não vai mais implementar regras porque senão
tornaria a escola uma rigidez tão grande que poderia espantar
aquelas pessoas que já tiveram dificuldade e não tiveram
oportunidade de estudar durante a sua vida de adolescente, etc.,
então, quem vem procurar a escola, principalmente a escola pública
à noite, é porque já trabalha e precisa de um apoio para melhorar
a sua vida. Agora a gente vai proibir, porque ele já tem, já fuma,
a gente vai proibir fumar, uma pessoa casada e mãe ou pai de
família, fica incompatível. Então, a escola tentando preservar a
individualidade da pessoa respeita esse ponto. (Entrevista com
diretor, escola pública, Distrito Federal)
137
4.4.2. Consumo de álcool no ambiente escolar
No tocante ao consumo de bebidas alcoólicas, observa-se
que, assim como o cigarro, este tem sido um dos grandes
problemas enfrentados pelas escolas, especialmente as públicas.
Os depoimentos evidenciam que os jovens estão, cada vez mais
precocemente, tendo contato com o álcool e tornando-se
consumidores freqüentes dessa substância:
Porque os nossos adolescentes de 12 anos, um pouco mais para
cima, todos tomam bebida alcoólica. Não existe nenhuma punição
para isto. Aqui em Brasília, é muito à vontade. A lei de menores
aqui não é cumprida, cada vez mais cedo eles bebem. (Entrevista
com diretor, escola pública, Distrito Federal)
A grande maioria dos jovens bebe. Eu fico abismada de meninos de 12,
13 anos bebendo e muito (....) o hábito, está fazendo uso desde a pré-
adolescência. (Entrevista com diretor, escola pública, Cuiabá)
Percebe-se, ainda, que os jovens utilizam “estratégias” para facilitar
o seu ingresso nas dependências da escola portando bebidas alcoólicas,
tais como, transportá-las em recipientes de refrigerante ou escondidas
nas mochilas. Os diretores de escola também alertam para o fato de
não haver fiscalização em relação à venda de bebidas para os alunos.
Realmente as turmas organizam assim, tal pessoa está de
aniversário, a turma inteira traz bebidas, mas a gente disfarça.
É assim, coloca dentro da garrafa de refrigerante, mistura com
Coca-Cola, ninguém percebe. (Grupo focal com alunos,
escola pública, Florianópolis)
Eles colocam cerveja no frasco da Pepsi, da Coca, do Guaraná
(....), ou dentro da mochila. Sempre tentam nos enganar.
(Entrevista com diretor, escola particular, São Paulo)
Ressalta-se que o consumo de álcool é mundialmente difundido
e que, no Brasil, quando da sua venda, não são observadas grandes
138
restrições. É um hábito socialmente aceito e sedimentado no seio
da própria instituição familiar. Os dados de um levantamento
realizado pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas
(GREA) – do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (São
Paulo) indicam que cerca de 15% da população brasileira é alcoólatra.
Com o desenvolvimento de pesquisas comprovando as
implicações que o tabaco e o álcool têm para a saúde humana,
os governos de diversos países, juntamente com ONGs e
organismos internacionais, engajaram-se em campanhas,
principalmente contra o cigarro.
4.4.3. CONSUMO DE MACONHA E OUTRAS
DROGAS ILÍCITAS NO AMBIENTE ESCOLAR
De acordo com os depoimentos coletados, os alunos
afirmam que há drogas na escola, fornecidas por jovens
estudantes e não-estudantes que transitam livremente pelos
pátios internos. Os meios de se conseguir drogas ilícitas dentro
do ambiente escolar são variados, havendo casos em que os
próprios professores são os facilitadores da entrada da droga.
Eu conheço bastante cara que, até professor, que também
estava ligado a esse negócio. (Grupo focal com alunos, escola
pública, Brasília)
O consumo da maconha, por exemplo, se dá nas
dependências da escola sob o testemunho silencioso de colegas,
imperando, neste caso, a “lei do silêncio”. Existem, ainda,
aqueles que não manifestam as suas preferências de consumo,
no entanto, é de conhecimento de todos:
Há muitos que estudam aqui que cheiram, que usam mas não
falam. (Grupo focal com alunos, escola pública, Cuiabá)
Já foram pegos não sei quantos quilos de maconha para
contrabando dentro da escola. Olha, num sábado que eu vim
139
aqui estudar, no primeiro ano, eu já vi neguinho fumando maconha
dentro do colégio, o que a gente pode fazer? Vai mandar tirar o
bagulho? (Grupo focal com alunos, escola pública, Belém)
Dentre os tipos de drogas ilícitas consumidas pelos jovens
no ambiente escolar, são variadas as substâncias citadas, quais
sejam: a maconha, o clorofórmio (loló ou lança-perfume) e a
cola, uma vez que, segundo os depoentes, são mais baratas e
mais acessíveis, e, em menor escala, o haxixe, os entorpecentes,
a benzina e a cocaína. Porém, tratando-se da merla ou “pasta”
- uma substância altamente tóxica derivada da cocaína de baixo
valor comercial -, os relatos partiram quase que exclusivamente
dos jovens de Brasília e de Goiânia e o seu consumo é menos
difundido entre os jovens.
O consumo de drogas, lícitas e ilícitas, é percebido, pelos
próprios jovens e por outros envolvidos com o processo
educacional, como um dos mecanismos deflagradores da
violência ou como fuga, de algum modo, de sentimentos e
problemas com relação a outras pessoas.
Os jovens dizem consumir droga por prazer, por hábito,
por revolta. A droga é tida, ainda, como a única forma de fugir
da realidade do mundo. No entanto, mesmo demonstrando ter
conhecimento sobre o mal que as drogas lhes causam, muitos
jovens continuam consumindo, embora acreditem que a
informação seja a melhor arma contra o consumo de drogas.
Eu cherei assim, de chega r a um ponto de ir a um pronto-socorro,
porque eu não me contentei. Porque eu cherei tanto que eu fiquei
assim, eu fiquei bêbada, eu acho que tomei, eu tomei, e cortou meus
lábios. (Grupo focal com alunos, escola pública, Maceió)
Eles utilizam mil e uma formas, aqueles que não têm dinheiro
e que não trabalham (....) muitos trabalham em parte, meio
140
período, e com o próprio dinheiro consomem, outros, infelizmente,
usam de outros artifícios. Roubam, pega dinheiro do pai, do
irmão mais velho, vê um dinheirinho dando sopa em casa, pega
para poder sustentar o vício. (Entrevista com agente de
segurança, escola pública, São Paulo)
4.5. O ENTORNO DA ESCOLA: A PRESENÇA
DE BARES E DO TRÁFICO DE DROGAS
4.5.1. O tráfico de drogas
Entre as diversas manifestações de violência, que são trazidas
de fora para dentro das escolas, tornando-as “sitiadas”
(Guimarães, 1998), destacam-se as gangues e o tráfico de drogas.
O clima de insegurança, nos arredores de determinadas escolas,
tem como agravante a formação de gangues, as quais vão dos
grupos de amigos, turmas de bairro, de quadra, até o grupo de
bandidos (traficantes, assaltantes e ladrões) e que, em muitos
casos, contam com alunos como seus membros.
Ao observar as escolas in loco, em apenas um caso o
pesquisador percebeu claramente a existência de ponto de
venda de drogas nessas imediações: Existem muitos pontos de
venda de drogas e facilidades para sua aquisição. (Roteiro de
Observação, escola pública, Cuiabá)
Cabe lembrar que o comércio de drogas pode estar diluído
em diversos estabelecimentos (Abramovay; Rua., 2002),
estando disperso no espaço urbano, em geral, o que torna mais
preocupante – em se tratando da violência – a sua vizinhança
com as escolas.
Vale assinalar, porém, que o movimento das ruas,
principalmente daquelas com múltiplos estabelecimentos
comerciais, torna difícil identificar os pontos de venda de
drogas e os traficantes em busca de consumidores. Há, ainda,
141
os próprios alunos da escola que participam da rede de tráfico,
fazendo com que a mesma fique mais exposta à violência das
disputas com grupos rivais ou com o próprio grupo, devido à
desobediência às ordens dos chefes do tráfico.
Numa rua onde passa gente de tudo quanto é tipo pra um lado
e pro outro, nós ficamos muito expostos. Aqui você vê que se
houver algum problema de algum aluno nosso envolvido com
tráfico, que porventura faça alguma coisa que desagrade lá o
grupo de traficante, lá de fora da rua, ele vê o aluno aqui dentro
com a maior facilidade, sem problema nenhum. E o que nos
separa da rua é apenas uma gradinha, quando deveria ser um
muro e um muro alto. (Entrevista com inspetor, escola
pública, Rio de Janeiro)
Os alunos, de um modo geral, lembram que a presença
constante de traficantes nos arredores das escolas – e, às vezes,
até dentro dela – e a própria abordagem dos mesmos, facilitam
e ampliam o acesso dos jovens às drogas e, por conseguinte,
aumentam a probabilidade do seu consumo. A gravidade da
situação decorre do fato de essa presença ser muito bem
disfarçada – já que os traficantes ou os “aviões se passam por
alunos, o que dificulta a sua descoberta.
Um aluno relatou que um rapaz que estudava em sua
escola, por repetir tantas vezes de ano, acabou por despertar
a atenção. Tempos depois, confirmou-se ser esse rapaz um
traficante. A partir desse depoimento, não se obtém a certeza
de que tal rapaz repetia o ano a fim de traficar na escola, mas
a relação entre o tráfico de drogas e a repetência aparece, no
mínimo, como suspeita. O traficante, ao que tudo indica, se
encontrava infiltrado na escola – portanto, extremamente
próximo dos jovens – e, durante alguns anos, conseguiu
conduzir o tráfico em seu interior sem ser percebido. Vê-se,
142
assim, a dificuldade existente para perceber a atuação dos
traficantes junto aos jovens:
Essa escola é muito famosa, também, por causa disso aí. Tinha um
rapaz aqui nessa escola, há muito tempo atrás. Aí ele ficou cinco anos
estudando, ele sempre, todo ano ele reprovava. Só teve dois anos que
ele passou, ele passou do primeiro para o segundo, reprovou, e aí
depois ele passou pro terceiro, porque estava ficando muito na pinta.
(....) esse rapaz ele vendia droga aqui dentro da escola, até que descobriu.
(Grupo focal com alunos, escola pública, Vitória)
Um diretor confirma o depoimento anterior, de que há
pessoas que se inscrevem no colégio com o único propósito de
traficar drogas, fato este que denota a disseminação do tráfico
entre os jovens, o que tende a aumentar o consumo de drogas.
Alguns diretores abordaram a questão do fornecimento
dentro das escolas, relatando que houve uma época em que as
drogas eram passadas pelo muro – então eles enfiavam coisas pelo
muro. Aí eles faziam um buraco no muro, a gente fechava o buraco, eles
abriam o buraco, fechava o buraco, abriam o buraco, depois melhorou.
Nas escolas onde os alunos são mais velhos, os mesmos
mantêm uma relação mais próxima com o tráfico, como ocorre,
por exemplo, com algumas alunas que são casadas com
traficantes, colaborando para o esquema daquele. Também,
segundo depoimentos de coordenadores de disciplina,
aparecem muitos filhos de traficantes, o que poderia ser um
problema para a escola: existe, existe traficante, inclusive, filhos
de traficantes estudavam aqui, agora esse ano não tem mais.
Alguns professores e coordenadores também confirmam o
tráfico de drogas dentro das escolas. Em alguns casos, são os
próprios alunos responsáveis pelo repasse de drogas:
143
A droga aqui ela é distribuída pelos próprios alunos, eu conheço
aqui um grupo de 1º ano, 1º ano pela manhã, e o grupo traz,
tem gente do grupo que traz a droga e distribui. (Grupo focal
com professores, escola pública, Maceió)
Um policial afirma ter encontrado em uma escola a
distribuição da droga pelos próprios professores: É porque, em
raros casos, existem casos que o próprio professor leva droga para a
escola, trabalhando aqui com entorpecentes. Nós já lidamos com vários
casos assim.
Diretores e alunos informam ser extremamente fácil o
contato com traficantes ou repassadores de drogas:
É, outro dia eu entrei lá, lá no (....) e a pessoa me perguntou:
“Quer de cinco ou quer de dez?”. Aí o outro disse assim: “Você
não sabe que ela é diretora da escola?” A droga é oferecida
livremente. É muito fácil ter acesso. (Entrevista com diretora,
escola pública, Rio de Janeiro)
A abordagem dos traficantes é ostensiva e muito atraente,
bastando lembrar que a primeira oferta de drogas feita aos
alunos, em geral, é gratuita. Um aluno ainda frisou que alguns
traficantes dão a droga não só na primeira vez, mas até perceber
que o aluno já se encontra dependente:
Tem uma coisa, tem uma coisa interessante é que quando você
não é usuário da droga, não usa, não curte, aí vem várias pessoas
lhe oferecer para você. Aparece maconha, cocaína, cigarro, álcool,
tudo, qualquer lugar de graça para você. Quando você está
viciado, dependente, não tem aquela pessoa que lhe ofereça:
“Rapaz compra o seu negócio aí!”. A pessoa vai. (Grupo focal
com alunos, escola pública, Salvador)
144
Muitos diretores se mostraram alertas quanto à presença de
traficantes nos arredores das escolas – donos, funcionários e
freqüentadores dos bares, bem como “baleiros/bombonzeiros”
que trabalham nas portas das escolas. Na concepção dos diretores,
todos esses merecem atenção justamente pela proximidade que
têm aos alunos. Esses diretores estão conscientes de que há a
possibilidade de tais baleiros serem traficantes:
A gente sabe que aqui do lado tem um cara que, às vezes, está
ali e vende do lado de uma carrocinha de churros. Eu já soube
que lá na freguesia tem uma loja que tem um rapaz que trabalha
lá e os garotos procuram esse rapaz e compram. (Entrevista
com diretor, escola particular, Rio de Janeiro)
Muitos professores também acreditam ser extremamente
fácil o acesso às drogas não só pela existência de pontos de
venda de droga em vários locais das cidades, o que possibilita
ao jovem a compra de drogas a qualquer momento, mas também
pela presença de traficantes nas proximidades das escolas: eu
acho que é porque não pode fazer na escola, por isso é que não tem, mas
eu já observei ali na esquina, pode ser um ponto também.
Os coordenadores de ensino também se referiram com
desconfiança aos “baleiros” que trabalham nas portas das escolas
e aos donos de bares nas imediações das escolas. Há, entre os
entrevistados, uma forte suspeita de que esses vendedores atuam
em prol do tráfico de drogas. Em alguns casos, a presença desses
vendedores chega a ser proibida pelas escolas por conta da
dificuldade de controle da atuação dos traficantes:
Não, já proibimos carrinho de lanches, cachorro-quente na frente
da escola. Tem até uma lei municipal que proíbe isso. Já houve
tentativa e proibimos já para evitar essa conexão [que] usa essa
pessoa às vezes ali disfarçado de vendedor [que] está exercendo
145
o tráfico ali, e isso tomou uma proporção incontrolável.
(Entrevista com coordenador, escola pública, Cuiabá)
Além da oferta gratuita e constante de drogas, alguns diretores
percebem ainda outros recursos utilizados pelos traficantes a
fim de atrair os jovens para as drogas. Há casos em que os
traficantes fazem uso dos mais variados artifícios, tais como
colocar menininhas bonitinhas na porta das escolas para traficar:
Sim é o seguinte, toda frente de colégio tem uma galera, uma
rapaziada de boné, com aquele kit de malandro, de boné, com
aquela calça frouxa, e não sei o quê, e eles utilizam as menininhas
bonitinhas para passar para os outros, porque ela é o elo de ligação.
(Entrevista com diretor, escola pública, Distrito Federal)
Nos depoimentos ressalta-se ainda a participação de gangues
organizadíssimas – na comercialização de drogas e armas feitas
no bairro. Esse mesmo informante dá a entender que a
organização dessas gangues é tal que a escola, por si só, é
impotente para solucionar tal problemática: Ao redor da escola não
tem traficantes, mas o bairro todinho tem pontos. São quatro gangues
organizadíssimas, porque normalmente é uma gangue por bairro, aqui
nós temos quatro. Essas quatro têm seus pontos, com a arma, com droga.
A escola é impotente para resolver esse problema.
Por outro lado, alguns seguranças informam que ao redor da
escola é um ponto de tráfico, sendo constantes as brigas entre
traficantes, que chegam a envolver até tiroteio. Percebe-se, assim,
como os membros dessa escola ficam, freqüentemente, expostos
a um quadro de extrema violência: Dentro da escola não temos
confrontos entre grupos, mas ao redor tem, de vez em quando, tiroteio,
porque aqui tem muito ponto de tráfico, por isso tem muitas brigas e tiroteios.
Em algumas escolas, segundo alguns informantes –
professores, coordenadores e seguranças –, a disputa entre
146
traficantes ou, ainda, a “vingança” de traficantes resultou em
mortes, chegando a envolver alunos, como atestam os
depoimentos a seguir:
Um fato recente que teve foi um assassinato, o ano passado, na
porta da escola. Ao lado aqui tem um ponto de drogas, do lado
aqui da escola é um matagal, ponto de drogas. Acho que há
cinco anos atrás, os usuários, as pessoas iam ali para se drogar.
(Grupo focal com professores, escola pública, Vitória)
Já houve morte, traficante matando aluno aqui dentro, aqui na porta
do colégio, na escola. Isso ocorreu no ano passado. (Entrevista com
coordenador de disciplina, escola pública, Rio Grande do Sul)
Olha, vou te falar a verdade, [sobre] um que eu conhecia, que
era traficante mesmo, que morava, que não saía daqui da escola.
Ele não era aluno, mas ele ficava na redondeza. Mataram ele,
deram tiro na barriga dele, mataram ele. (Entrevista com
segurança, escola pública, São Paulo)
Um fator que inibe a investida contra os traficantes é o
medo generalizado de denunciá-los. As ameaças – não raras
vezes, de morte – feitas por esses infratores aos seus potenciais
delatores constituem, certamente, um obstáculo à denúncia
da ocorrência do tráfico nas escolas.
Sim [há traficantes transitando dentro da escola], e eu te repito parece
teve até medo de ver quem recebeu. Quem passou não era de dentro,
alguém de fora da escola, mas não quis é perceber quem recebeu.
(Entrevista com diretor, escola pública, Rio de Janeiro)
Há, também, o “receio” que a direção da escola tem em
tomar atitudes para combater as gangues e traficantes no ambiente
escolar, não punindo para não sofrer maiores danos. Alguns
alunos, todos de escolas públicas, fizeram menção ao auxílio
prestado pela polícia às escolas quando da ocorrência de
147
problemas com drogas, coibindo a marginalidade nas
proximidades da escola. Porém, por outro lado, foi apontado o
despreparo da polícia no seu convívio com os jovens. A baixa
remuneração, a falta de cursos de qualificação e aperfeiçoamento
são alguns dos fatores que agravam ainda mais a deficiente
conduta dos policiais.
Em certos casos, como ilustra o depoimento a seguir, os
policiais atuam, durante determinado período, dentro das
escolas. Um aluno informou que, em sua escola, houve uma
época em que os policiais, a pedido da própria escola,
trabalhavam dentro do estabelecimento a fim de descobrir um
grupo de jovens suspeito de estar envolvido na comercialização
de drogas. Segundo esse mesmo depoimento, os policiais
traziam cachorros para auxiliar na descoberta de drogas na
escola, o que quebrava a rotina escolar dos alunos – cachorro na
sala para tirar, ver se tem drogas.
Houve, no começo do ano, um boato de alguns alunos [que]
estavam vindo muitos policiais, estava tendo reuniões de
policiais, professores e coordenação, e saiu um boato na
sala da diretoria, que havia uma turma dentro do colégio,
agindo (....) drogas, trazendo drogas para dentro do colégio,
para distribuir para os alunos. Por isso que os policiais
estavam aqui dentro, para tentar descobrir quem eram, mas
acho que eles não descobriram nada e deixaram para lá,
ficou por isso mesmo. A escola, ela toma providências assim,
por exemplo, a briga foi hoje, aí amanhã eles mandam
policiais, aí eles ficam olhando, aí tem os cachorros que ficam
procurando drogas, aí ficam assim observando se a gente
briga. (....) Cachorro na sala para tirar, ver se tem drogas.
(Grupo focal com alunos, escola pública, Vitória)
Para as escolas situadas, sobretudo, em “zonas de risco” –
pela atuação do tráfico, gangues ou marginalidade –, os alunos
148
sustentam que a polícia deveria dar segurança máxima e
permanecer por período integral, em vez de passar na escola,
como faz a Ronda Escolar. Considerando casos em zonas
de risco, teceram-se os seguintes comentários em grupos
focais de alunos:
Policiamento, acho que na porta da escola porque às vezes fica bastante
gente na porta da escola que não é aluno, está cheirando o quê? Se não
é aluno, deixa ficar para lá, deixa quem está aqui dentro e fiquem
para nos proteger. (Grupo focal com alunos, escola pública,
Cuiabá)
4.5.2. Existência de bares/botequins nas
proximidades da escola
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990,
estabelece restrições para publicações destinadas ao público
infanto-juvenil, que não poderão conter ilustrações, fotografias,
legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco,
armas e munições. Proíbe, principalmente, a venda de bebidas
alcoólicas às crianças e aos adolescentes.
Entretanto, segundo os Roteiros de Observação aplicados
pelos pesquisadores, nas proximidades de 16% das escolas há
bares, lanchonetes ou similares que vendem bebidas alcoólicas
para os alunos, ignorando o artigo 234 do ECA, que caracteriza
essa prática como crime. Esse tipo de estabelecimento
comercial pode afetar a rotina escolar, pois, segundo entrevistas
com diretoras, o nosso único ponto fraco está bem ali em frente, veja, é
aquele bar. É uma dificuldade manter a garotada fora dali,
principalmente os que são recentes na escola e ainda não assimilaram o
nosso sistema aqui.
Geralmente, os bares próximos às escolas são freqüentados
por alunos em grupos ou turmas que, quando consomem
bebidas alcoólicas, podem se envolver com práticas violentas:
149
É, tem vários barzinhos por aqui perto (....) Então os alunos
bebem desde seis horas da manhã, bebem (....) No ano passado
eles quebraram a vidraçaria toda de uma sala, quebraram as
cadeiras, quebraram as portas, bateram em gente, bateram no
diretor da escola, eles bateram mesmo, porque tava todo mundo
bêbado. Então é aquela coisa, vou sair do colégio, estou bêbado,
eu num tenho nada a perder, eles não podem fazer nada comigo,
eu vou bater, eu vou brigar com todo mundo que eu não gosto.
(Grupo focal com alunos, escola particular, Salvador)
Segundo os depoimentos de pais e alunos, principalmente,
essa “oferta” acaba incentivando mais o consumo do álcool,
pois os jovens, antes de entrarem na escola, vão a esses
estabelecimentos para consumirem álcool e, em alguns casos,
até saem nos horários do intervalo de suas aulas: É, tem vários
barzinhos por aqui perto do (....) então os alunos bebem desde as seis
horas da manhã. Quando dá a hora do intervalo a galera toda sai e
vai para lá.
Nos relatos de professores e inspetores de escolas públicas,
percebe-se que os alunos aproveitam a proximidade dos bares
com a escola para consumirem álcool, chegando a assistir às
aulas alcoolizados: muitos saem do trabalho, vão nesses bares aqui
perto e bebem até a hora da aula. (....) chegam no segundo horário já
alcoolizados.
Assim como o cigarro, os alunos mencionam que
facilmente podem adquirir bebida nas proximidades da escola,
em bares e “banquinhas”: Ali tem uma “banquinha”, e o pessoal,
os meninos aqui eles se juntam e vão fumar e beber. Observe-se
que, por lei, também é proibida a compra de cigarro por
menores de 18 anos, entretanto, na prática, a lei é ignorada e
o acesso a esse tipo de droga é algo comum: Meu irmão de oito
anos vai lá e compra se ele quiser.
150
4.6. CONCLUSÃO
Os dados apresentados nas pesquisas da UNESCO
realizadas até então, principalmente no âmbito escolar,
vêm comprovando que a situação de risco dos jovens
diminui na proporção em que eles são expostos às
atividades de prevenção, sugerindo que uma das formas
mais eficazes de conter o avanço no uso de drogas se refere
aos esforços amplos, consistentes e permanentes de
formação de atitudes e comportamentos seguros entre os
adolescentes e jovens.
Nesse esforço junto a uma população potencialmente
mais vulnerável, num país de dimensões continentais e
dotado de acentuada diversidade cultural, todas as instituições
devem ser envolvidas, com especial destaque para as escolas.
De fato, as escolas representam um espaço onde, por
um lado, os jovens se reúnem, estabelecem e compartilham
códigos de comportamento, iniciam namoros e desenvolvem
relacionamentos amorosos. Por outro lado, é onde recebem
informação, onde podem contar com possibilidade de
tratamento esclarecido e expressar suas dúvidas, com menor
constrangimento, em espaços coletivos. Por tudo isso, as
escolas representam uma via privilegiada para os esforços
de prevenção de uso indevido de drogas e outros temas.
Entretanto, segundo Schall (2000: 196), o modelo de
prevenção que vigora na maioria das escolas não contempla
os aspectos afetivos no processo de construção do
conhecimento, centrado quase exclusivamente nos aspectos
cognitivos, priorizando o acúmulo de saber, a memorização, sem a
necessária contextualização e envolvimento pessoal do indivíduo. As
estratégias informativo-educativas desenvolvidas na escola
devem superar as metodologias centradas no estereótipo
151
negativo das drogas e suas conseqüências, sobretudo do
ponto de vista da criminalização.
Nesse sentido, os estudos desenvolvidos pela
Organização primam em recomendações aos diretores,
professores e alunos, voltadas a uma pedagogia dialógica (Pey,
1988), a fim de contribuir para o melhor aproveitamento
desse potencial, destacando-se algumas referentes às
atividades a serem desenvolvidas:
i) estimular questões voltadas à crítica da realidade, por
meio de estudos comprometidos com sua
transformação;
ii) desenvolver atividades que esclareçam as diferentes
formas do uso de drogas lícitas e ilícitas, levando os jovens
a uma reflexão acerca dos riscos, sob uma perspectiva
preventiva;
iii) ampliar o tratamento dos temas, incluindo auto-estima,
afetividade, prazer, etc.;
iv) utilizar novas linguagens – concursos, festivais, teatro,
música, dança, cultura em geral – para atrair os jovens;
v) oferecer palestras de maneira planejada e sistematizada,
sob a forma de ciclos de palestras, que envolvam todos
os alunos das escolas.
Ressalta-se, no entanto, que para que essas ações sejam
implementadas efetivamente torna-se necessária a
participação da família, no sentido de ampliar o diálogo em
casa entre os jovens e os pais, por meio da conscientização
da importância desse tipo de informação para os filhos. Ao
152
mesmo tempo, faz-se primordial o incentivo e consolidação
das parcerias, tanto de instâncias federal, estadual e
municipal, como de entidades comunitárias, chamando a
atenção para a construção de um projeto mínimo de gestão
das ações de prevenção do uso indevido de drogas, uma
vez que esse desafio se torna coletivo.
Os problemas relativos ao consumo de drogas entre os jovens
escolarizados têm sido objeto de preocupação em todas as
instâncias federativas, provocando apreensão igualmente no setor
público federal, estadual e municipal, todos mobilizados na busca
de soluções novas e efetivas. Dessa forma, a UNESCO pretende
avançar no aprofundamento da compreensão sobre esse
problema por meio da publicação específica sobre drogas na
escola – a ser lançada em breve –, procurando, como em todas
as suas pesquisas, respostas capazes de contribuir para melhor
orientar os esforços na definição de políticas públicas na área.
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