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Edições UNESCO Brasil
América Latina:
uma região de risco pobreza, desigualdade e
institucionalidade social
Bernardo Kliksberg
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O autor é responsável pela escolha e pela apresentação dos fatos contidos nesta publicação e
pelas opiniões aqui expressas, que não são necessariamente as da UNESCO e não comprome-
tem a Org anização. As designações empreg ada seaapresentação do material não implicam a
expressão de qualquer opinião que seja, por par te da UNESCO, no que diz respeito ao status
legal de qualquer país, território, cidade ou área, ou de suas autoridades, ou no que diz respeito
à delimitação de suas fronteiras ou de seus limites.
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América Latina:
uma região de risco pobreza, desigualdade e
institucionalidade social
Bernardo Kliksberg
Cadernos UNESCO Brasil
Série Desenvolvimento Social
Volume 1
Conselho Editorial
Jorge Werthein
Maria Dulce Almeida Borges
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Ciências Sociais e Desenvolvimento Social
Julio Jacobo Waiselfish
Carlos Alberto Vieira
Maria das Graças Rua
Stelio Dias
Tradução e Revisão: Norma Guimarães Azeredo
Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite
Capa: Edson Fogaça
Editoração Eletrônia: Fernando Brandão
© UNESCO, 2002
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,
Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, andar.
70070-914 Brasília DF Brasil
Tel.: (55 61) 321-3525
Fax: (55 61) 322-4261
E-mail: UHBRZ@unesco.org
Kliksberg, Bernardo
América Latina : uma região de risco, pobreza, desigualdade e
institucionalidade social / Bernardo Kliksberg; tradução de Norma
Guimarães Azeredo Brasília : UNESCO, 2002.
78p. (Cadernos UNESCO Brasil. Série desenvolvimento social; 1)
1. Problemas Sociais América Latina. 2. Desenvolvimento Social
América Latina. 3. Pobreza América Latina 4. Desigualdade Social
América Latina I. Azeredo, Norma Guimarães. II. UNESCO III. Título.
IV. Série.
CDD 362
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SUMÁRIOSUMÁRIO
SUMÁRIOSUMÁRIO
SUMÁRIO
Apresentação.........................................................................................7
I. Uma realidade inquietante ...................................................... 11
II. Quadro da situação social ....................................................... 15
III. Novas idéias sobre desenvolvimento e política social ..... 31
IV. Em busca da institucionalidade social necessária ............. 53
V. Reflexão final .............................................................................. 67
Sobre o autor ...................................................................................... 71
Bibliografia ......................................................................................... 73
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APRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
Como afi r ma Ber nardo Kliksberg log o no início desse
inquietante estudo sobre a América Latina uma Região de
Risco, Pobreza e Iniquidade a questão social se apresenta
hoje no centro do cenário histórico da região. Por isso mesmo,
são inúmeras as advertências feitas não somente por
especialistas, porém oriundas dos mais diversos segmentos
sociais, inclusive da própria elite, de que a redução da pobreza
no continente sobressai como o problema mais urgente da
atualidade.
Essa urgência decorre, como salienta Kliksberg, das
medições mais recentes da pobreza na América Latina: uma
estimativa das Nações Unidas para a região informa que entre
1970 e 1980 havia 50 milhões de pobres e indigentes e que em
1998 se elevou para 192 milhões.
O impacto desse quadro é visível nas áreas de educação,
saúde e saneamento, onde são verdadeiramente alarmantes as
carências e penúrias de milhões de pessoas. Ele se vincula
também com o desemprego e a infor malidade. A taxa média
de desemprego subiu de 7,2% em 1997 para 9,5 em 1999.
Por outro lado, os impactos dessa pobreza crônica se
fazem sentir em diversos outros setores. Na família, por
exemplo, constata-se o seu prog ressivo debilitamento. Segundo
o autor, cresce o númer o de famílias incompletas e se obser va
uma renúncia em for mar famílias. É crescente a dificuldade da
família humilde em proporcionar uma infância nor mal, o que
tem efeitos diretos na educação. Em termos de aumento de
criminalidade, a situação é das mais g raves. Depois da África,
a América Latina é a região do mundo com mais homicídios,
chegando a 28,4 por 100.000 habitantes. Acrescente que a
violência latino-americana tem a sua maior taxa de incidência
entre os jovens.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
8
Destaca-se ainda como impacto da pobreza estr utural, o
surgimento de um novo g rupo, denominado “os novos pobres”
representado por famílias da classe media que não conseguiram
suportar os ef eitos da recessão.
Face a esse quadro, Ber nardo Kliksberg apresenta um
conjunto de novas idéias sobre desenvolvimento e política
social com a preocupação sobretudo de mostrar que os
objetivos do desenvolvimento não podem restringir-se a uma
única direção. As metas macroeconômicas precisam cada vez
mais ser compatibilizadas com o desenvolvimento social,
equidade, preservação do meio ambiente, estabilidade e
aprofundamento da democracia. A compatibilização das
políticas econômicas e sociais coloca-se desta forma, como o
eixo norteador de um novo marco da política social.
Nesse novo marco conceitual, “a política social tem uma
clara legitimidade ética”. A qualidade da população passa a
ser um dado decisivo para potencializar as possibilidades de
“alcançar o progresso tecnológico, competir e crescer”. As
economias mais bem sucedidas do mundo, afir ma Kliksberg,
adotaram esse marco mediante a implementação de uma
enérgica política social nas áreas de educação e saúde, destinada
a obter melhorias per manentes de seus recursos humanos. Além
disso, o investimento nessas áreas evitam custos altíssimos
posteriores decorrentes das distorções e ônus gerados pelas
omissões.
Em decorrência dessas omissões em sua história, a
América Latina está pagando hoje um preço muito alto em
função da desigualdade g erada. Com a desigualdade, obser va
Ricardo Lag os (citado por Kliksberg), cresce a fr ustração, o
desalento, o desconsolo. Cr esce também a delinqüência e se
debilitam a solidariedade, o respeito e a coragem.
O trabalho de Kliksberg sobre a América Latina como
uma região de risco não se encerra no plano das críticas, porém,
apresenta e discute alternativas concretas para a reorientação
da política social, o que lhe confere credibilidade e alcance
público.
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A Unesco e a Secretaria de Gestão do Ministério do
Planejamento ao decidirem publicar esse texto de um estudioso
credenciado sobre a situação social da América Latina estão
convictas de que ele poderá vir ao encontro dos esforços que
se desenvolvem no Brasil no âmbito dos Municípios, dos
Estados e do Governo Federal - no sentido de re pensar a
política social e colocá-la entre as prioridades mais urg entes.
Céres Alves Prates Jor ge Werthein
Secretária de Gestão do Ministério de Diretor da UNESCO no Brasil
Planejamento, Orçamento e Gestão
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II
II
I
UMA REALIDADE INQUIETANTE*UMA REALIDADE INQUIETANTE*
UMA REALIDADE INQUIETANTE*UMA REALIDADE INQUIETANTE*
UMA REALIDADE INQUIETANTE*
O tema social encontra-se, atualmente, no centro do cenário
histórico da América Latina. As advertências sobre a magnitude e a
profundidade dos problemas que abalam a região no campo social
têm como orig em as mais variadas fontes. A maior reunião de
presidentes do continente, a Cúpula Hemisférica (Santiago do Chile,
1998) registrou em sua declaração final, assinada por todos os
mandatários, que “superar a pobreza continua sendo o maior desafio
a ser enfrentado por nosso Hemisfério”. Ao analisar alguns dos
principais problemas existentes, os presidentes declararam:
“Estamos decididos a remover barreiras que impeçam os pobres de
ter acesso à alimentação adequada, aos serviços sociais, a um meio
ambiente saudável, a créditos e títulos legais sobre sua propriedade”.
O Secretário geral da CEPAL, José A. Ocampo, afirmou (1998)
que “continuam aumentando os níveis de pobreza absoluta, os níveis
de desigualdade não mostram melhoria e continua aumentando o
emprego no setor informal”. O pr esidente do BID, Enrique V.
Iglesias assinalou (1997) que “o processo de mudanças deixou sem
solução, na grande maioria dos países, um tema central: a pobreza
críticaeamádistribuição de rendas”. O Banco Mundial fez
contínuas advertências sobre a gravidade do problema: A América
Latina é famosa como uma região em que a pobreza, principalmente
a pobreza absoluta, não registra nenhuma melhora” (Burki, 1996),
e afirmou em recente conferência internacional sobre a região (Chile,
1999), os riscos que cor ria a democracia naquelas condições. A
Secretária de Estado dos Estados Unidos, Madeleine Albright,
* As opiniões expressas neste trabalho são de responsabilidade do autor e não
representam, necessariamente, a opinião das instituições em que trabalha.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
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lamentou em discurso a líderes empresariais das Américas (1999),
as desigualdades de salários e de educação na América Latina,
assinalando que são maiores que em qualquer outro continente e
avisou que “nem a democracia nem a prosperidade podem durar, a
menos que tenham uma base ampla”. Um respeitado economista,
Celso Furtado (1998), previu que “a governabilidade estará em risco
se não for revertido o processo de concentração de rendas e a
exclusão social”. A essas vozes de líderes políticos, organismos
internacionais, governos estrangeiros e pensadores, soma-se um
profundo clamor que surge das bases da sociedade. A principal
preocupação que hoje aflige os latino-americanos encontra-se,
segundo pesquisas de opinião, nos temas sociais. Interrogados por
Latinobarómetro (1998), pesquisa que cobre a maioria dos países
da região, sobre os problemas mais importantes em seus países, os
entrevistados responderam apontando como os principais, vários
problemas sociais: desemprego 21%, educação 18%, baixos salários
8%, pobreza 7%, instabilidade no emprego 6%. Somou-se a esses a
corrupção, com 7%.
A advertência proveniente de fontes tão variadas, e o clamor
da população por soluções, tiveram influência numa mudança radical
na presença do tema social na grande agenda que discute a região.
A problemática social tinha, até poucos anos, limitada presença
nessa agenda. Era preciso fazer lobby para conseguir que fizesse
parte da temática das reuniões presidenciais, e para que estivesse
presente de forma significativa nos meios de comunicação de massa.
Hoje aparece, obrigatoriamente, na ordem do dia dessas reuniões,
transformando-se na questão central das campanhas eleitorais diante
da qual os candidatos de todas as tendências sentem que devem se
posicionar, e é uma matéria de informação cada vez mais priorizada
pelos meios de opinião. A grande maioria dos setores percebe a
situação de risco em que toda a região se encontra devido ao que
está ocorrendo na área social. Verifica-se, então, uma tentativa de
refor mar as idéias tradicionais a respeito, de cultivar novas
interrogações e de buscar de forma acurada soluções mais efetivas
diante do claro fracasso das convencionais. São duas as grandes
áreas em que a discussão está começando a tomar r umos
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renovadores. A primeira é a das políticas sociais. novas e
importantes maneiras de enfocá-las em andamento sobre seu próprio
papel, sua inter-relação com as políticas econômicas e seus
conteúdos. A outra, é a dos problemas gerenciais e institucionais
que exige a execução de políticas sociais de cunho diferente. Este
trabalho tem por objetivo abordar alguns dos temas cruciais que
devem ser analisados e enfrentados nessas duas áreas para dar novos
rumos à ação no campo social. Dessa forma, em primeiro luga r
refaz um quadro de situação sobre alguns dos principais problemas
sociais que a região enfrenta, para poder dispor de um ponto de
referência concreto sobre a problemática aberta. Em segundo lugar,
apresenta e analisa linhas do novo debate que está surgindo sobre
as políticas. Em terceiro, faz uma reflexão sobre a institucionalidade
social que seria necessária para permitir a implementação efetiva
de políticas renovadoras. Finalmente, apresenta uma reflexão sobr e
o conjunto.
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IIII
IIII
II
QUADRO DA SITUAÇÃO SOCIALQUADRO DA SITUAÇÃO SOCIAL
QUADRO DA SITUAÇÃO SOCIALQUADRO DA SITUAÇÃO SOCIAL
QUADRO DA SITUAÇÃO SOCIAL
A inquietação pelo social que domina o continente tem razões
muito concretas em que se basear. Amplos setores da população
sofrem dificuldades e carências que afetam fortemente suas
condições básicas de existência. A seguir serão enumerados
resumidamente nove problemas sociais-chave de grande impacto
na região. Vários outros problemas sociais deveriam ser
acrescentados a essa lista, mas os nove abordados permitem uma
aproximação do que constitui a “vida cotidiana” de muitos latino-
americanos.
1. O aumento da pobreza
divergências metodológicas significativas sobre como
medir a pobreza. Entretanto, a maior parte das fontes internacionais
concorda a respeito de uma constatação básica sobre a região: a
pobreza cresceu consideravelmente nas duas últimas décadas nessa
área. O Gráfico 1 mostra os resultados obtidos quando se adota um
critério de uso freqüente que considera como pobres aqueles que
ganham menos de dois dólares por dia. O cálculo por meio de outros
critérios como a cesta básica, nor malmente obtém resultados
maiores. Porém, mesmo utilizando esse critério “conservador” da
pobreza, é possível verificar nitidamente a tendência:
Como é possível observar, com flutuações menores, a pobreza
cresceu bastante na região a partir do início dos anos 80. Devido às
condições econômicas recessivas dos dois últimos anos, 1998 e
1999, é provável que a situação tenha se deteriorado ainda mais
nesse período.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
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Algumas das medições nacionais recentes permitem que se
tenha uma idéia da magnitude do problema. O informativo “Estado
de la región” (PNUD-União Européia, 1999) afirma, com relação à
América Central, que são pobres 75% dos guatemaltecos, 73% dos
hondurenhos, 68% dos nicaragüenses, e 53% dos salvadorenhos.
Nos setores indígenas os números podem ser ainda piores. Assim,
na Guatemala, 86% da população indígena é pobre, enquanto que
dos não-indígenas, apenas 54% o são. Na Venezuela, as estimativas
oficiais assinalam que 80% da população é pobre. No Equador
calcula-se que 62,5% da população está abaixo do limite da pobreza.
No Brasil, 43,5% da população ganha menos que dois dólares por
dia e 40 milhões de pessoas vivem em estado de pobreza absoluta.
Na Argentina, a taxa de pobreza das províncias do nordeste é de
48,8%, e a das províncias do noroeste, 46%. Segundo uma estimativa
recente (1999), 45% das crianças menores de 14 anos do país são
pobres. Uma estimativa das Nações Unidas para toda a região
assinala que, entre 1970 e 1980, havia 50 milhões de pobres e
indigentes, mas em 1998 seriam 192 milhões (Ver rier, 1999).
Diante dessas cifras torna-se quase trivial o tipo de
argumentação utilizada por alguns setores para tornar o problema
relativo: “existem pobres por toda parte”, “sempre houve pobres”.
É verdade que existe pobreza em várias sociedades. Mas, enquanto
nos países desenvolvidos a tendência é estar abaixo de 15% da
GRÁFICO 1 Evolução da Pobreza na América Latina 1970-1995
FONTE: BID. Informe de progresso econnomico e social, 1998.
NOTA: Linha de pobreza de 2 (ppp ajustado) em dólares de 1985 per capita.
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população, em diversos países da América Latina, essa cifra triplica,
quadruplica ou quintuplica. O parecer de uma Comissão regional
presidida por Patricio Aylwin (1995) estima que se encontra na
pobreza “quase a metade dos habitantes da América Latina e do
Caribe”. Isso significa outro tipo de problema totalmente diferente.
Não se trata de “bolsões de pobreza”, mas de amplos setores nesta
situação. Por outro lado, como vimos, as cifras marcam uma
tendência para o aumento da pobreza na região.
2. Alguns impactos da pobreza
Os números sobre crescimento da pobreza brevemente
assinalados transformam-se em necessidades e miséria
angustiantes na vida diária. Mais de 10 milhões de centro-
americanos (29% da população) não têm acesso aos serviços de
saúde, e dois de cada cinco não têm água potável e saneamento
básico. Um terço da população da América Central é analfabeta.
Um terço das crianças menores de cinco anos apresenta tamanho
inferior ao nor mal devido a processos de insuficiências
nutricionais na mãe e na criança.
Na Venezuela, calcula-se que 10 milhões de pessoas vivem
em pobreza extrema (FUNDACREDESA, 1999). Um estudo
mundial do UNICEF sobre famílias sem acesso a instalações
sanitárias (banheiros) põe o Brasil entre os países nos quais 50% da
população é atingida por esse problema básico. Segundo números
oficiais, na Grande Buenos Aires, a zona de maior população da
Argentina, uma em cada cinco crianças apresenta desnutrição.
Essas e outras expressões da pobreza repercutem nas
dimensões fundamentais da vida. Criam dificuldades muito
grandes para o que Amartya Sen chama de “as capacidades
básicas de funcionamento das pessoas”, deterioram a qualidade
de vida e diminuem a esperança de vida com relação às cifras
esperadas em condições normais. Cumpre-se em amplos setores
da região a previsão feita por um pesquisador do tema social no
mundo desenvolvido, Peter Townsed: “a pobr eza mata”.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
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GRÁFICO 2 Taxa de Desemprego, Total, Zonas Urbanas
FONTE: CEPAL, Panorama Social da América Latina, 1998.
3. Desemprego e inf ormalidade
A pobreza está fortemente ligada aos difíceis problemas que
se apresentam no momento à população que busca um trabalho
estável. A região tem, antes de mais nada, uma taxa de desemprego
muito alta que vem crescendo. No Gráfico 2 pode ser observado
como nos países de maior população (Brasil, México, Arg entina,
Colômbia, Venezuela) as cifras de 1997 er am acentuadamente
superiores às de 1989.
O problema acentuou-se nos anos mais recentes. De acordo
com as estimativas de Tokman (1998), a taxa de desemprego médio
subiu de 7,2% em 1997, para 8,4% em 1998 e calcula-se para 1999,
uma taxa de 9,5%. Quando se separa por idade, o problema é ainda
mais grave para os jovens. É o que pode ser observado a seguir.
Em todos os casos, as taxas de desemprego dos jovens dobram
as elevadas taxas gerais. Existe, também, um problema de gênero.
O desemprego entre as mulheres jovens é maior do que entre os
homens jovens.
Ao problema do desemprego soma-se o crescimento dos
trabalhos informais. Embora seu universo seja heterogêneo, uma
porcentagem majoritária é, segundo o PREALC, composta de
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trabalhos sem estabilidade, sem apoio tecnológico e creditício, e
sem cobertura social. Um trabalho na economia informal tem de
um terço a um quarto da produtividade de um emprego na economia
formal. Segundo os cálculos de Tokman, em 1980, trabalhava na
economia informal 40,6% da mão-de-obra não agrícola ocupada e,
atualmente, a cifra subiu para 59%.
QUADRO 1 Taxas de desemprego entre os jovens de zonas
urbanas
FONTE: CEPAL, “Panorama Social de América Latina, 1996” (mencionado por Minujín, A., “Vulnerabilidad
y exclusión en América Latina”, em Bustelo e Minujín, Todos entran, UNICEF, Santillana, 1998).
As ocupações infor mais implicam, em muitos casos,
empregos frágeis, de baixa qualidade, e suas rendas são
comparativamente cada vez menores em relação aos empregos da
economia formal. De acordo com a CEPAL (1997), os que trabalham
na economia informal ganham em média 50% daqueles que o fazem
em empresas modernas, além de trabalhar mais horas. As diferenças
salariais entre os profissionais e os técnicos e os trabalhadores em
setores de baixa produtividade aumentaram entre 40 e 60% entre
1990 e 1994. Um terceiro problema, atualmente,éodaprecarização
das condições de trabalho. Aumentam os trabalhadores sem contrato,
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
20
ou sob contra tos temporários. Calcula-se que cerca de 35% dos
assalariados encontra-se nessa situação na Argentina, Colômbia e
Chile, e 74% no Peru .
4. Déficits em saúde pública
Assinalam-se avanços consideráveis nas condições de saúde
da região. No entanto, quando se desmembram os dados, observam-
se brechas consideráveis entre os países e no seu interior. Sua
presença é clara em três dos principais indicadores de saúde pública.
No que diz respeito à expectativa de vida, enquanto na Costa Rica
ela é de 76,3 anos, no Haiti chega a apenas 56,6, e na Bolívia a
59,3. Quanto à mortalidade infantil, na Costa Rica morrem 13,7
crianças de cada mil, antes de completar um ano de idade. no
Haiti essa taxa chega a 86,2, na Bolívia a 75,1, no Brasil a 57,7, no
Peru a 55,5. As taxas de mortalidade materna são inferiores a 28
por 100 mil mães por ano na Costa Rica. Em alguns bairros de
Lima esses números chegam a 286 e, em comunidades indígenas
mapuches, a 414.
Várias análises mostram que, além desses números
assustadores em diversas áreas geográficas e grupos da população,
existem, entre outros, acentuados déficits em aspectos cruciais
para a saúde pública. O acesso à água potável, instalações
sanitárias, esgotos e energia elétrica, é limitado para amplos
setores, o que cria fatores de risco de muito peso para a saúde.
Calcula-se que 130 milhões de pessoas não têm água potável. Por
outro lado, o custo da água para os pobres é muito mais alto que
para as classes média e alta. Um relatório recente da Comissão
Mundial da Água (Banco Mundial, 1999) mostra que para adquirir
um metro cúbico de água um habitante dos bairros pobres de Lima
tem que pagar 20 vezes o valor pago por um habitante da cidade,
de classe média ou alta, que apenas abre a torneira em sua casa. A
falta de água potável e de instalações de esgoto é essencial em
todas as espécies de riscos para a saúde, especialmente para a
população infantil, sobretudo por meio das infecções intestinais.
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Em 11 países da região, a diarréia é uma das principais causas de
morte em crianças de menos de um ano. Além disso, a falta de
água potável facilitou a expansão da cólera nos anos 90, elevando
os números a 811 mil casos em três anos.
Também se obser vam na região impor tantes problemas
alimentares de alta incidência na saúde. Assinala um documento
conjunto da Org anização Pan-americana da Saúde (OPAS) e da
CEPAL (1998):
“Observa-se em quase todos os países da região um aumento
de doenças não transmissíveis crônicas associadas à
alimentaçãoeànutrição... as medidas de ajuste implementadas
pelos países atingiram a disponibilidade nacional de alimentos
e tiveram repercussões negativas sobre o poder de compra
dos grupos mais pobres, ameaçando a segurança alimentar”.
Os fatores anteriores constituem-se em riscos consideráveis
à saúde de diversos setores da população. Por sua vez a cobertura
de saúde é limitada para as áreas mais atingidas por esses fatores de
risco. A OPAS calcula que 130 milhões de latino-americanos carecem
de acesso consistente a serviços de saúde.
5. Problemas em educação
Registram-se importantes progressos na área de educação na
região. Aumentou bastante a taxa de matrícula nas escolas primárias
e a grande maioria das crianças inicia a escola. Também caíram as
taxas de analfabetismo. Mas, ao lado dos bons resultados,
apresentam-se vários problemas que provocam muita preocupação.
O primeiroéodaevasão escolar. Cerca de 50% das crianças que se
matriculam na escola primária não terminam o curso. Também as
taxas de evasão no curso secundário são muito altas. Assim, apenas
uma faixa reduzida da população completa o segundo grau. O
segundo problema é a repetência. O Banco Mundial (1995) calcula
o nível de repetência como “um dos mais altos do mundo em
desenvolvimento”. Quase a metade das crianças repete o primeiro
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
22
grau e, 30%, cada um dos níveis seguintes. Puryear (1997) calcula
que uma criança latino-americana média fica cerca de sete anos na
escola primária, ali completando somente quatro séries. No Gráfico
3 pode ser avaliada a dimensão do problema da repetência:
GRÁFICO 3 Tempo necessário para completar o Ensino Primário
1988-1992
FONTE: Várias publicações do Banco Mundial. In: PIRAS, Cláudia. Una herramienta para mejorar la
educación: mayor poder para las escuelas. Políticas de Desarollo: Boletín de Investigación, BID,
mar. 1997.
Em todos os países assinalados a criança média demora mais
de seis anos para cursar seis séries. Na Nicarágua, mais de 11 anos,
no Peru , 9, na Venezuela mais de 7. O peso da elevada taxa de
evasão e de repetência determina que a taxa de escolaridade média
de toda a região seja de 5,2 anos. Os latino-americanos estão
chegando ao novo século sem a educação primária completa.
Uma análise do BID (1998) sobre a situação em 15 países da
região estabeleceu que, de cada 100 crianças matriculadas no ensino
fundamental, na Bolívia, Brasil, Colômbia e Peru, apenas 15 chegam
a terminar 9 anos de escolaridade. Na Guatemala, Haiti e República
Dominicana a cifra é ainda muito menor 6.
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O desmembramento dos dados mostra que os números não
são os mesmos para todos os setores sociais. O Gráfico 4 apresenta
algumas das disparidades:
GRÁFICO 4 Porcentagem de crianças de7a14anos atrasadas
nos estudos por Residência e Quartis de entrada em
países selecionados - 1990
FONTE: CEPAL, 1993. In: CELADE, BID. Impactos de las tendencias demográficas sobre los sectores
sociales en América Latina, 1996.
As cifras de evasão e de repetência são muito maiores entre
os estratos sociais desfavorecidos e nas zonas rurais. No Brasil, por
exemplo, de cada 100 crianças dos 25% mais pobres da população,
45 abandonam ou repetem, enquanto que nos 25% mais ricos, a
cifra se reduz a 9. Na análise do BID citada (1998) determinou-se
que, nos 15 países analisados, os chefes de família dos 10% mais
ricos da população têm 12,1 anos de escolaridade. os chefes de
família dos 30% mais pobres têm apenas cinco anos de escolaridade.
uma lacuna de 7,1 anos, que é ainda maior no México 9 anos,
e no Brasil, Panamá e El Salvador–8a9anos.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
24
As cifras mostram profundas desigualdades nas oportunidades
educativas, que se agravam ainda mais quando se considera a
qualidade da educação recebida. As escolas públicas freqüentadas
pelas crianças das camadas desfavorecidas têm condições muito
piores para o ensino. A deterioração que ocorreu em muitos casos
com r elação a investimentos em prédios, manutenção, métodos
modernos de educação e salários colocou-as em posição bastante
desvantajosa. Calcula-se, assim, que numa escola particular as
crianças recebem 1.200 horas/aula anuais, numa escola pública
urbana, 800, e numa pública rural, 400. Os salários médios dos
professores das escolas particulares tendem a ser muito superiores
aos da escola pública.
Os processos de evasão escolar, repetição e as falhas de
qualidade estão criando sistemas de educação que, apesar dos
esforços, são profundamente desiguais. Um conhecido pesquisador
sobre o assunto, Puryear (1997), descreve com precisão a situação:
“Os sistemas de educação primária e secundária da América
Latina estão fortemente segmentados em função do status
econômico das pessoas, ficando as mais pobres relegadas ao
sistema público, enquanto que os ricos e a maioria da classe
média freqüentam escolas particulares . Como resultado existe
um sistema profundamente segmentado, no qual os pobres
recebem uma educação que é claramente inferior à que
recebem os ricos. Uma quantidade desproporcional daqueles
que repetem e dos que abandonam os estudos é constituída
de pobres. Além disso, quando os pobres permanecem na
escola, tendem a aprender menos”.
6. Os “novos-pobres”
À denominada pobreza estrutural, que corresponde a grupos
da população nos quais a pobreza se perpetua gerações, soma-
se atualmente um g rupo diferente, chamado de “os novos-pobres”.
Trata-se de famílias que não eram pobr es alguns anos e nas
quais, em muitos casos, os avanços meticulosamente obtidos pelas
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gerações anteriores se perderam. São setores das classes médias
dos países que entraram em for te crise diante de vários problemas.
Entre eles se encontram: pequenos comerciantes e industriais que
tiveram que fechar suas empresas, pessoal despedido do setor
público, profissionais cujas oportunidades e salários se deterior aram
profundamente, funcionários públicos que perderam parte
significativa do valor real de seus salários, muitos trabalhadores
infor mais que, como foi assinalado, apresentam uma situação
instável e com baixos salários, aposentados cujos salários
diminuíram muito em termos reais. São setores em forte conflito
interno. Por um lado, eles têm vários atributos próprios das classes
médias: cultura, educação, em alguns casos, propriedades herdadas,
aspirações próprias a esse setor social. Por outro lado, o nível de
seus salários e sua instabilidade trabalhista os localizam abaixo
do limite da pobreza.
A amplitude desses setores parece ser considerável. Na
Venezuela calcula-se que a classe média tenha se reduzido a uma
proporção limitada num período muito curto. Na Argentina, Minujín
(1997) assinala que “os novos-pobres eram praticamente inexistentes
em 1974, passaram de 4,2% em 1980 a 18,4% em 1990”, e o
processo continuou a se acentuar. A mesma realidade pode ser
observada no Brasil, México e em outros países.
7. A destruição da família
A unidade familiar está sendo redescoberta atualmente pelas
ciências sociais. Ao lado das funções fundamentais, espirituais e
afetivas, várias pesquisas destacam as funções-chave que a família
desempenha em vários aspectos do desenvolvimento. Sabemos agora
que boa parte do rendimento escolar das crianças é bastante
influenciado pelas características da família (CEPAL, 1997). O grau
de organicidade da família, o capital educacional dos pais, a
possibilidade e o interesse dos pais em dedicar horas ao
acompanhamento dos estudos dos filhos, o nível de superlotação
da casa, mostram uma relação direta com o desempenho na escola.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
26
A organicidade da família e os modelos de relação entre os
pais, e deles com os filhos, incidem também em aspectos-chave
como o desenvolvimento da inteligência emocional (Goleman,
1995), o desenvolvimento da capacidade crítica e da criatividade
(N. Kliksberg, 1999). A segurança da família influencia também a
saúde. K aztman (1997) resume estudos sobre o Ur uguai que
afirmam que as crianças de relações extra-conjug ais têm uma taxa
de mortalidade infantil muito maior, e que as crianças que não vivem
com seus pais apresentam maiores problemas no desenvolvimento
psicomotor. Bordieau e Darbel (1999) destacam o peso da família
nas atitudes relacionadas à cultura e à arte.
Esta unidade eixo da história humana, e como se
atualmente, fundamental para o desenvolvimento está atravessando
graves problemas na região devido ao choque da pobreza.
Os indicadores disponíveis mostram os vários processos de
enfraquecimento. Cresce o número de famílias incompletas com
mães pobres, sozinhas, chefes de família. Calcula-se que seu número
seja superior a 20%. Observa-se, ainda, uma resistência para formar
famílias. Diante das incertezas econômicas, Filgueira (1996) mostra,
no caso do Uruguai, uma clara correlação entre a queda do salário
real e a diminuição do número de casamentos. Aumentam os
nascimentos ilegítimos. Cresce o número de mães adolescentes que,
dificilmente, vão formar famílias organizadas.
A família humilde tem cada vez mais dificuldades para
proporcionar uma infância nor mal para seus filhos. Está
aumentando de maneira significativa o número de crianças
menores de 14 anos que trabalham. Segundo a OIT (Organização
Inter nacional do Trabalho), na América Latina mais de 17
milhões de crianças que trabalham, o que as transfor ma em
candidatas naturais à evasãoeàrepetência escolar. Tem
aumentado também bastante o número de crianças que vivem
nas ruas, na mais absoluta miséria, e submetidas a toda espécie
de riscos. Elas são a expressão máxima da incapacidade do núcleo
familiar de contê-las de forma apropriada e do fracasso de toda
a sociedade nesta função básica. A tudo o que foi exposto vem
somar-se o aumento da violência doméstica na região. Segundo
estimativas de Buvinic, Morrison e Schifter (1999), entre 30 e
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50% das mulheres da região sofrem violência psicológica em seus
lares, e entre 10 e 35%, violência física. Um dos fatores
incidentes é o tremendo stress socioeconômico por que vêm
passando numerosas famílias diante do avanço da pobreza.
8. O aumento da criminalidade
A região registra uma gravíssima tendência para o aumento
da criminalidade. É, atualmente, a zona do mundo com o maior
número de homicídios, depois da África Subsaariana. A taxa média
da América Latina aproxima-se de 28,4 homicídios para cada 100
mil habitantes por ano, o que é quase o dobro da taxa média mundial.
A Organização Pan-americana de Saúde calcula que a taxa de
homicídios da região cresceu mais de 44% durante o período 1984-
94. A criminalidade se expandiu na grande maioria das cidades. No
Rio de Janeiro, em 1996, uma em cada três crianças havia sido
assaltado e a metade havia presenciado um assalto. No Distrito
Federal do México, em 1990, eram roubados 40 car ros por dia, e,
em 1996, 157 veículos. A situação se deteriorou inclusive em
cidades que, no passado, tiveram bons níveis de segurança, como é
o caso de Buenos Aires.
A violência latino-americana surge, nitidamente, como uma
violência jovem. Os delinqüentes são, normalmente, jovens. Vários
estudos indicam significativas correlações entre as taxas de violência
e fatores como a organicidade da família, as taxas de desemprego
juvenil e os níveis de escolaridade. Pesquisando os menores
internados no Instituto Nacional do Menor, no Uruguai, Kaztman
(1997) descobriu que apenas um de cada três menores fazia parte
de uma família normal. Sugestivamente, um estudo de amplo alcance
sobre a criminalidade nos Estados Unidos identificou que 70% dos
jovens em centros de detenção juvenil do país se originavam de
famílias com pai ausente (Dafoe Whitehead, 1993). O aumento da
violência parece também ter fortes laços com a mencionada
elevadíssima taxa de desemprego dos jovens na região, que, em
muitos países supera 20% e dobra as médias nacionais. Os números
mostram também vínculos com a educação. Em El Salvador, onde
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
28
60% dos presos são menores de 30 anos, 45% não completou a
escola primária. Embora o tema seja de grande complexidade e sofra
a influência de múltiplos fatores, os dados indicam, em geral, a
existência, na região, de um grande contingente de jovens que, por
meio dos processos descritos, está ficando fora do sistema
educacional e do mercado de trabalho. Conseqüentemente
apresentam um alto nível de conflito e podem ser objeto de
manipulação por parte de grupos do crime organizado.
9. O círculo perverso da exclusão
Os problemas enumerados não ocorrem isoladamente. Têm
profundas inter-relações que vão formando “círculos perversos”
reg ressivos. O fato de per tencer a um lar pobre aumenta as
probabilidades de que a criança tenha que trabalhar e deixe a escola.
As baixas taxas de escolaridade vão marginalizá-la da economia
formal. Terá, ainda, dificuldade para formar uma família que possa
superar essas condições. O destino de pobreza terá tendência a se
repetir. Um aspecto-chave, a probabilidade de vir a ser
desempregado, vai variar substancialmente de acordo com a camada
social a que pertencer, como pode ser visto no Quadro 2, a seguir:
QUADRO 2 Distribuição dos desempregados por decis de rendas
(porcentagens)
FONTE: CEPAL, baseado em dados de pesquisas em lares. In: Jiménez e Ruedi (1998).
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Como se nos primeiros dados do quadro os mais pobres
as cifras de desemprego atingem mais de 10 vezes, em quase todos
os casos, o número das que estão registradas nos últimos dados, ou
seja, os 10% com rendas mais elevadas.
O círculo perve rso: “família pobre, educação incompleta,
desemprego, pobreza”, vai interagir com outros círculos perversos,
como o da “falta de acesso a bens essenciais como água potável,
instalações sanitárias, eletricidade, saúde, dificuldades
profissionais”, ou o de “delinqüência, impossibilidade posterior de
encontrar trabalho para reintegrar-se, probabilidade de reincidir na
delinqüência”. No conjunto da situação vai sendo produzido um
acentuado processo de exclusão social. Um extenso setor da
população encontra-se de fato excluído do acesso a uma educação
adequada, da possibilidade de trabalhos estáveis, de participar da
cultura, de dispor de uma cobertura de saúde. Os velhos eixos
problemáticos de outros tempos que ainda subsistem na região, rural/
urbano, sociedade dual, são agora superados em importância pela
problemática da inclusão/exclusão.
Como enfrentar o quadro social descrito? Por que o fracasso
das abordagens tradicionais? No capítulo seguinte iremos explorar
algumas linhas do novo debate em andamento sobre o
desenvolvimento e as políticas sociais.
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IIIIII
IIIIII
III
NOVAS IDÉIASNOVAS IDÉIAS
NOVAS IDÉIASNOVAS IDÉIAS
NOVAS IDÉIAS
SOBRE DESENVOLVIMENTOSOBRE DESENVOLVIMENTO
SOBRE DESENVOLVIMENTOSOBRE DESENVOLVIMENTO
SOBRE DESENVOLVIMENTO
E POLÍTICA SOCIALE POLÍTICA SOCIAL
E POLÍTICA SOCIALE POLÍTICA SOCIAL
E POLÍTICA SOCIAL
O Banco Mundial apresentou recentemente seu Relatório
Mundial sobre Desenvolvimento, 1999. Não estamos ganhando a
batalha contra a pobreza, assinalou o presidente da Instituição, James
Wolfensohn. A pobreza continua aumentando no mundo. O número
de pessoas que ganham menos de um dólar por dia passou de 1.200
milhões em 1987 para 1.500 milhões atualmente. As previsões são
de que no ano de 2015 chegarão a 1.900. Essa renda irrisória significa
padecer, de várias formas, de pobreza crítica. Aqueles que ganham
menos de dois dólares por dia, que também são pobres, são 3 bilhões,
ou seja, a metade da população mundial. Por outro lado, as lacunas
de desigualdade também cresceram.
O Banco afir mou que muitas políticas aplicadas foram
er rôneas, e conclamou a uma nova colaboração no futuro. A
necessidade de novas idéias sobre o social foi estabelecida com
muita firm eza como conseqüência dos fracassos, tanto mundiais
como latino-americanos. Apr esentamos, a seguir, algumas das
principais áreas de pesquisa de que começa a emergir a proposta de
políticas de desenvolvimento e de políticas sociais renovadoras.
1. A política tem importância sim
A política social teve, na América Latina, nas últimas
décadas, um papel menor, o que se expressa em indicadores
concretos tais como: orçamentos limitados, fragilidade
organizacional dos respectivos Ministérios, carência de serviços
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
32
civis profissionalizados, não participação dos Ministérios Sociais
nas decisões macroeconômicas básicas. A política social surg e
como uma política de categoria inferior, o que tem nítidas
expressões institucionais.
Este pensamento faz parte de uma concepção mais ampla
do desenvolvimento. O pensamento econômico convencional
tem a visão de que a única política que interessa é a econômica.
O social virá como conseqüência do econômico. Ao gerar
mudanças nas variáveis macroeconômicas gerará crescimento
que se “derramará” na população pobre e a retirará de suas
dificuldades. Os recur sos e energias devem concentrar-se no
campo econômico. A política social tem, nesse enfoque, funções
bem restritas. Atenuar os impactos mais g raves do período de
ajustes. Para tanto deveria atuar de for ma focalizada sobre os
setores com problemas mais graves para reduzir os problemas a
eles causados. Como se diz freqüentemente na região, é “a
assistência pública que recolhe os mortos e os feridos deixados
pela política econômica”.
Essa visão chocou-se pr ofundamente com os fatos. O
crescimento sustentado não chega de maneira mágica a partir de
algumas receitas técnicas. Parece ser um processo muito mais
complexo e difícil. Mesmo tendo crescimento não pode se
espalhar sozinho. Em várias experiências latino-americanas
ocorreram taxas de crescimento significativas e os dados sociais
não variaram e, em algumas, como a do Chile durante a ditadura
militar, de acordo com as pesquisas, pioraram, aumentando
bastante a porcentag em de população na pobreza . Por outro lado,
as políticas sociais sem hierarquia realizaram de forma muito
limitada seu papel de “assistência pública”. Eram muito frágeis
para enfrentar a demanda crescente por respostas sociais e, no
enfoque puramente assistencial, tinham um papel bastante
limitado.
Os resultados contrastaram na América Latina e em outras
regiões com os previstos pela visão convencional. Suas promessas
de melhoria das condições da população em um período razoável
não for am cumpridas. Diante disso surgiu uma for te cor rente de
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pensamento que exig e a revisão de todo o pr ojeto. O vice-
presidente e economista-chefe do Banco Mundial, Joseph Sitglitz
(1998), afir ma: “Eu diria que a experiência latino-americana
mostra que deveríamos reexaminar, refazer e ampliar os
conhecimentos sobre a economia de desenvolvimento tidos como
verdades, enquanto planejamos a próxima série de ref or mas”.
Ele propõe em vários trabalhos recentes a revisão do Consenso
de Washingtoneoavanço em direção a um novo consenso pós-
Washington. Sua proposta implica uma reestr uturação integ ral
da concepção de quais são as metas do desenvolvimento e as
conseqüentes variações substanciais nos instr umentos. É a
seguinte a sua síntese:
“O Consenso de Washington defendeu o uso de um
pequeno conjunto de instrumentos (incluindo a
estabilidade macroeconômica, comércio livre e a
privatização) para atingir uma meta relativamente
limitada (o crescimento econômico). O consenso pós-
Washington reconhece que um conjunto mais amplo
de instr umentos é necessário e, além disso, que nossas
metas são também mais amplas. Buscamos melhorias
nos níveis de vida, inclusive nas áreas de saúde e
educação, e não apenas incrementos no Produto Inter no
Bruto que se calcula. Buscamos o desenvolvimento
sustentável que inclui a preser vação dos recursos
naturais e a manutenção de um ambiente sadio.
Buscamos o desenvolvimento justo que garanta que
todos os grupos da sociedade, não apenas as altas
camadas, desfr utem dos benefícios do desenvolvimento,
e buscamos o desenvolvimento democrático, no qual
todos os cidadãos participem de várias for mas nas
tomadas de decisões que atinjam suas vidas”.
O Prêmio Nobel Amartya Sen (1999) afir ma que devem
ser feitas revisões profundas na visão convencional de
desenvolvimento, pois, em inúmeros planos é possível ver que
somente o crescimento necessário e desejável não soluciona
os problemas sociais. Essa afir mação é feita com apoio em ampla
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
34
base de dados e medições econométricas, a maneira por que
variáveis fundamentais como a mortalidade e a morbilidade não
reagem mecanicamente diante do aumento do pr oduto br uto per
capita, desmentindo concepções cor rentes. A situação real é
assim descrita por ele: A exemplo de outros fatores, uma renda
mais elevada torna o indivíduo ou a comunidade mais capaz de
evitar a mortalidade prematura ou a morbilidade evitável”. Mas
assinala que tr ata-se de um cenário fictício. Destaca: “Em g eral,
os demais fatores não são iguais. Por conse guinte, as rendas
constituem um fator de influência positiva e, todavia, devido à
variação de outros fatores (ser viços médicos, atenção de saúde
pública, condições do ensino etc.), freqüentemente, as pessoas
mais ricas têm vidas muito mais curtas e são superadas pelos
mais pobr es em ter mos de proporções de sobrevivência (refere-
se a países com per ca pita maior que outros e, em oposição, com
expectativa de vida menor)”. E conclui: “Seria tão estúpido achar
que uma renda elevada não é um fator que favoreça a boa saúde
e uma vida prolong ada quanto afir mar que é o único fator a
contribuir”.
As novas idéias indicam a revisão de planos-chave. Os
objetivos do desenvolvimento não podem ser unidimensionais.
Procuram-se metas macroeconômicas, mas ao mesmo tempo
metas de desenvolvimento social, de equidade, de preservação
do meio ambiente, de estabilidade e fortalecimento da
democracia. Os instrumentos não podem estar amar rados a uma
única meta devem ser válidos para que sejam atingidas, de
maneira coor denada, todas elas. Não podem ser compatíveis com
umas, à custa da incompatibilidade com as outras. Tudo isso
complica bastante o tema do desenvolvimento. Maséoque
importa, pois, para conseguir melhores resultados, os fracassos
exigem sua complexidade.
Neste novo contexto, a política social tem uma posição
muito diferente daquela posição semimarginal que ocupava na
concepção convencional. Surge a necessidade de articular
estreitamente as políticas econômicas e sociais, para gerar
resultados conjuntos em ter mos das metas dos dois campos.
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Acredita-se que sendo imprescindível que haja crescimento não
haverá derrame a não ser que haja uma política social agressiva.
Os vínculos entre crescimento econômico e desenvolvimento
social não são lineares. As inter-relações são muito mais
complicadas, especialmente em sociedades com altos níveis de
desigualdades. A dimensão social é a penas uma das funções
potenciais da política social, desempenha papéis úteis, mas exige
uma política social com maiúscula que não “tape buracos”,
mas também mobilize capacidades latentes. Na concepção
renovada, a política social tem importância, sim.
2. A redescoberta do potencial produtivo da política
A política social tem uma clara legitimidade ética. É
inadmissível, moralmente, que amplos setores da população de
um continente tão rico em recursos naturais como a América
Latina estejam submetidos a g raves privações. Mas a isso se soma,
atualmente, uma “legitimidade macroeconômica”. A “qualidade
população” de um país é, no final do século XX, um dado decisivo
para atingir o prog resso tecnológico, para concor rer e par a
crescer. As mudanças fundamentais nos padrões tecnológicos
de produção de bens e serviços puseram num lug ar central as
capacidades humanas disponíveis em cada país. As inovações
tecnológicas mais significativas num espectro amplo de campos
das comunicações à eletrônica –, têm em comum o fato de se
apoiarem no conhecimento e nas competências dos seres
humanos para dirigi-las. Portanto, as possibilidades que um país
tem de obtê-las, de utilizá-las de forma adequada, de usá-las em
sua economia estão profundamente ligadas ao “estoque” de
qualificações de sua população. Contar com um capital humano
saudável, bem nutrido e bem preparado é um pré-requisito
essencial para o desenvolvimento e a competitividade.
As economias mais bem-sucedidas do mundo fizeram bom
uso dessas constatações. Le vam adiante uma enérgica política
social nas áreas de educação e de saúde, com o objetivo de
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
36
melhorar continuamente as qualidades de seus recursos humanos.
Os resultados são bastante concretos. Expor tam cada vez mais
“tecnologia de ponta” com base em tais qualidades.
Esses processos têm amplo reflexo microeconômico. As
empresas de vanguarda caracterizam-se por realizar crescentes
investimentos em treinamento e desenvolvimento de seu pessoal,
e a área de “desenvolvimento dos recursos humanos” foi
restabelecida em suas estr uturas org anizacionais, localizando-
se em sua cúpula. Verificaram, na prática, que o investimento
em “capacitação de pessoal” é um dos que têm maior retorno na
economia.
A educação “compensa”, da mesma forma que a atribuição
de recursos para a saúde e o fortalecimento das respectivas
políticas. Dar água potável e instalações sanitárias para a
população, fatores decisivos para a saúde pública, pode prevenir
enor mes gastos posteriores em infra-estr utura hospitalar e
assistência médica.
Além disso, é possível, por meio da política social, desfazer
“círculos virtuosos” otimizantes, pela combinação das políticas
de saúde e educação. Assim, entre outras áreas, considera-se que
um dos investimentos mais rentáveis do planeta, atualmente, é
gastar com a “educação de meninas”. Os resultados
macroeconômicos medidos são espetaculares. Dar às meninas
de famílias pobres mais e melhor educação, significa dar-lhes
material educativo que utilizarão mais tarde na diminuição da
gravidez adolescente, no melhor preparo dos períodos de pré-
parto e par to, e na administração adequada da alimentação de
seus filhos. O papel multiplicador desse g asto pode ser muito
relevante. Dessa for ma, as relações entr e nível de educação e
g ravidez adolescente são muito íntimas, conforme pode ser visto
no Quadro 3, a seguir:
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QUADRO 3 América Latina (12 países): mulheres entre 20 e
24 anos com filhos sobreviventes tidos antes dos
20 anos, de acordo com o nível de escolaridade,
1994 (porcentagens)
FONTE: CEPAL. Panorama Social de América Latina, 1997.
Como se vê, em todos os países observa-se que, ao elevar o
nível educacional da mulher, cai bastante o número de filhos que as
jovens têm antes dos 20 anos. Para toda a região, calcula-se que a
porcentagem de mães adolescentes, entre as jovens de centros
urbanos com menos de seis anos de escolaridade, é de 40%.
Quando o número de anos de escolaridade sobe de6a9,a
redução é de 30%. No grupo que tem 10 a 12 anos de estudo, é
menor que 15%.
O nível de escolaridade é decisivo numa questão que vai afetar
profundamente a vida pessoal, a constituição de famílias e a
economia.
Além disso, o fato de dispor de mais conhecimentos vai se
refletir profundamente nas taxas de mortalidade infantil. Segundo
estimativas, se as mulheres da América Latina tivessem mais um
ano de escolaridade, a taxa de mortalidade infantil cairia para nove
por mil.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
38
Em geral, a política social pode reforçar capacidades
produtivas que, do contrário, ficarão sem uso na economia, e pode
também contribuir para elevar significativamente os níveis de
produtividade presentes.
Nas novas idéias afirmamos que existe um erro conceitual
principal. A política social é vista, na concepção convencional, como
distratora de produtos utilizáveis para a produção, puro gasto, e
fala-se em “gasto social”. Atribuir recursos para áreas como
educação, alimentação e saúde, quando bem administradas, não é
um “gasto” mas um “investimento” produtivo e multiplicador.
3. Um tema em completa revisão: as relações entre igualdade
e desenvolvimento
No pensamento econômico convencional, a igualdade não é
um tema central. Surge como uma variável “neutra” com relação
ao crescimento, não incidindo sobre ele. Em algumas de suas
vertentes é vista como outro aspecto que o próprio crescimento iria
“organizando”. Pode-se esperar, de acordo com a conhecida figura
do U invertido, que nas primeiras etapas do esforço pelo crescimento
haja desigualdade, a ser corrigida mais tarde. Pesquisa recente jogou
por terra essas conjecturas. Vários estudos nacionais e comparados
demonstraram que a realidade funciona de forma bem diferente.
Benabou (1996) detalha 23 pesquisas de campo realizadas, 20 delas
a partir de 1992, que estabelecem que a desigualdade é prejudicial
para o crescimento e identificando vários efeitos de atraso dela sobre
o desenvolvimento. Entre outros aspectos, as grandes desigualdades
reduzem as possibilidades de formação de poupança nacional;
reduzem a escala do mercado nacional impedindo processos
produtivos e tecnológicos que utilizariam os recursos de forma mais
otimizante; têm um impacto negativo fundamental sobre os sistemas
educativos ao criar circuitos muito diferenciados que, por sua vez,
acentuarão, em seguida, as desigualdades por meio de suas
repercussões nas possibilidades de acesso ao mercado de trabalho e
nas suas remunerações. Circuitos diferenciados definem as
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oportunidades. A desigualdade destrói a credibilidade nas
instituições e enfraquece, assim, os níveis de governabilidade
democrática. Tem um papel-chave no aumento das tensões sociais.
Cor nia (1999) afirma que: A desigualdade entre classes sociais,
étnica, grupos religiosas ... tem demonstrado ser uma das causas
mais importantes do aumento de conflitos civis observados desde
meados dos anos 80. A desigualdade horizontal pode referir-se à
distribuição de rendas, empregos públicos, oportunidades
educacionais, executivos e rendas estatais. A recente e ampla
expansão da desigualdade pode ter levado não apenas à estagnação
do crescimento como também a tensões sociais”.
As conclusões dos estudos mostram que deve fazer parte
central das políticas de desenvolvimento a busca de melhoria na
igualdade, o que leva a uma reavaliação do papel e das funções da
política social.
O tema tem a mais absoluta vigência naquela que é
considerada a região mais desigual do mundo: a América Latina.
Como pode ser visto nos gráficos5e6(BID, 1998), a região é a
área do planeta em que os 5% mais ricos têm a maior porcentagem
da distribuição de renda, e os 30% mais pobres têm a menor.
GRÁFICO 5 Renda dos 5% mais ricos (porcentagem da renda total)
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Os números da América Latina nos dois gráficos mostram
que ela tem a maior polarização social. É o lugar do mundo em que
os mais ricos ganham mais, e os mais pobres, menos. A polarização
é ainda pior na África. Cardozo (Banco Mundial, 1999) assinala
que os 10% mais ricos recebem na América Latina 45% do Produto
Nacional Bruto e os 20% mais pobres, recebem apenas 4%.
A evolução das últimas décadas tem sido no sentido de uma
contínua deterioração neste aspecto crucial. Os elevados indicadores
de desigualdade histórica do Continente se acentuaram. Segundo
afirma Stallings (Diretora de Desenvolvimento Econômico da
CEPAL, 1999): As reformas econômicas aplicadas nos últimos anos
no Continente latino-americano agravaram as desigualdades entre
a população... Pode-se afirmar sem dúvida alguma que os anos
noventa são uma década ‘perdida’ quanto às reduções das
alarmantes diferenças sociais existentes na região que tem a maior
desigualdade do mundo”.
A região está pagando caro por seus níveis de desigualdade.
Está reduzindo a taxa de economia nacional ao prejudicar seriamente
as pequenas e médias empresas urbanas e rurais, uma de suas mais
GRÁFICO 6 Renda dos 30% mais pobres (porcentagem da renda
total)
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importantes fontes de renda. Reduz o volume dos mercados internos
com toda espécie de complicações. Pesa decisivamente sobre cada
um dos sérios problemas sociais caracterizados no capítulo anterior
desse documento. Birdsall e Londoño (1997) afir mam que a
desigualdade tem uma responsabilidade central no crescimento da
pobreza. Fazendo projeções econométricas estabelecem que o
aumento da desigualdade nas últimas décadas dobrou a pobreza na
América Latina com relação ao que poderia ter sido em sua ausência.
vimos as íntimas relações entre a desigualdade e os níveis
de desemprego na região. Os vários mecanismos por meio dos quais
a desigualdade desvia as oportunidades educativas (crianças que
trabalham, incidência da desnutrição, qualidade da escola, famílias
desarticuladas etc.) deter minam destinos educacionais muito
diferentes que, por sua vez, vão ser determinantes no mercado de
trabalho, permitindo a ampliação das lacunas empreg atícias e
salariais entre qualificados e não-qualificados. A desigualdade tem,
como vimos, reflexos muito fortes no acesso diferenciado a fatores
básicos para a saúde tais como água potável, infra-estr utura
sanitária, luz elétrica, cuidados médicos. Aqueles que são mais
vulneráveis em matéria de saúde devido à pobreza, são também os
mais carentes nessas áreas, criando-se um “circuito perverso”. A
desigualdade leva a profundas diferenças quanto às oportunidades
de formar uma família normal. Os altos níveis de desemprego, as
incertezas quanto a assegurar uma renda estável para a família, agem
como incentivos negativos para a formação de famílias. Os choques
da pobreza criam, também, tensões extremas que dissolvem as
famílias existentes. A formação e subsistência de famílias entre os
pobres torna-se muito mais difícil que entre outras camadas sociais,
perdendo aqueles uma base de desenvolvimento decisiva.
Obser vam-se ainda na região, como foi comprovado
internacionalmente, relações entre o crescimento da desigualdade
e o avanço da criminalidade. Esta relação age silenciosamente de
várias formas.
Nas novas idéias, combater a desigualdade na região é uma
frente importantíssima. Ricardo Lagos (1999) fez recentemente
avaliações muito concretas sobre os custos da desigualdade que,
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
42
embora referentes à realidade de seu país, o Chile, podem ser
aplicadas para as realidades da região. Ele afirma: ... o desafio
do momento é combater as desigualdades... queremos terminar
com a desigualdade antes que a desigualdade acabe com a família
chilena. Com as desigualdades sociais crescem a fr ustração, a
desilusão e o desconsolo. Cresce também a delinqüência. E
enfraquecem a solidariedade, o respeito, a coragem... Não são
morais e não são decentes as desigualdades que existem entre os
chilenos... as desigualdades de renda, educação, segurança, saúde,
acesso à Justiça... as desigualdades entre homens e mulheres,
entre jovens e adultos, entre regiões e comunidades... o
tratamento das minorias étnicas... a discriminação de que são
objeto os desfavorecidos”.
O papel da desigualdade como obstáculo ao
desenvolvimento é considerado de tal importância que, em
recentes declarações, o presidente do Banco Mundial, James
Wolfensohn (1999) declarou: “O objetivo central de nosso
trabalho é conseguir uma melhor distribuição da riqueza”.
4. O capital social, o capital esquecido
Uma tendência atual das pesquisas está explorando alguns
dos “tesouros escondidos” numa for ma de capital impor tância
excluída do pensamento econômico convencional, aquele que é
chamado de “capital social”. Os trabalhos pioneiros de Robert
Putnam e James Coleman verificaram, no início dos anos 90, a
influência sobre o desenvolvimento de fatores “intangíveis”, não
visíveis aos olhos, mas de presença diária ativa nas sociedades e
de alto peso em sua evolução. Em sua conhecida obra “Para
hacer que la democracia funcione” (1994) , Putnam, depois de
sérios estudos sobre a evolução histórica da Itália, encontrou
algumas das principais causas do desenvolvimento do norte do
país, com relação ao sul, em variáveis não consideradas pelas
abordag ens macroeconômicas convencionais. Não se trata de
meras especulações tanto Putnam como muitas outras pesquisas
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43
recentes “medem” esses elementos. Os avanços em metodologia
da pesquisa nas ciências sociais permitem que, atualmente, essas
avaliações possam ser realizadas.
O capital social se integra pelos seguintes elementos
básicos:
O clima de confiança existente entre os membros de uma sociedade:
Tal clima incide profundamente em múltiplos aspectos como:
o grau de coesão social, as expectativas mútuas, o nível de
pleitos (quanto melhor é o clima de confiança, menores os
custos em que uma sociedade incorre para criar instâncias
arbitradoras e sancionadoras de conflitos), a capacidade de
entendimento entre Estado e sociedade civil.
O grau de associatividade: À medida em que os membros de uma
sociedade fazem todos os tipos de associações, participam
delas ativamente, têm capacidade para criar esforços
associativos de toda espécie e de desenvolver sinergias.
O nível de “consciência cívica”: As atitudes básicas dos membros
de uma sociedade com relação ao coletivo, que vão desde
cumprir corretamente suas obrigações até seguir as regras
sobre a manutenção da limpeza nos locais públicos.
A estes componentes se somaram outros no ativo processo
de exploração em marcha sobre esse amplo conceito:
Os valores que pratica e em que crê uma sociedade.
A cultura que modela suas percepções, tabus, mitos, for mas
de raciocínio, compreensão do mundo e da realidade.
A pesquisa comparada mostrou evidências muito fortes
com relação a como esses fatores atuam sobre o desenvolvimento
econômico, o desenvolvimento social, a estabilidade política e a
governabilidade democrática.
Entre outros aspectos foram estabelecidos os seguintes
vínculos:
Existe relação econométrica importante entre um clima de
confiança e as normas de cooperação cívica, por um lado, e o
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
44
crescimento econômico no médio e no longo prazos, pelo
outro (Knack e Keefer, 1996).
Existe profunda relação comparativa internacional entre o
clima de confiança e fatores como eficiência judicial, ausência
de cor r upção, qualidade da burocracia, e o pag amento dos
impostos (La Porta, López de Sillanes, Shleifer e Vishny,
1997).
O capital social acumulado numa família influi no rendimento
escolar nas crianças (Teachman, Paasch e Carver, 1997).
A família, unidade básica do capital social, influi, como
assinalado, em múltiplas dimensões, desde a absorção de
imigrantes (Hagan, Mac Millan e Wheaton, 1996), até a
criminalidade (Wilson, 1994).
O grau de associativismo, a participação, ou não, em
organizações, influi no rendimento econômico diferenciado
de microempresas de pobres (Narayan e Pritcher, 1997).
O trabalho científico nesta área acha-se ainda no início.
inúmeras ambigüidades, imprecisões e um longo caminho
metodológico e e pistemológico a ser percor rido. Existem,
também, ao lado das infinitas for mas de capital social positivo,
formas de capital social negativo, como as associações de
delinqüência, mas essas não invalidam as enormes possibilidades
das primeiras. Apesar dessas restrições, a presença de toda essa
área e as possibilidades de não discuti-la de maneira especulativa,
mas de medi-la, insere nas análises sobre desenvolvimento
econômico uma multiplicidade de variáveis subestimadas ou
ignoradas anteriormente, que ampliam de f or ma total a ag enda
usual. Pela noção de capital social, esses fatores, muitas vezes
intuídos incidentalmente, têm agora plena legitimação. O
pensamento econômico convencional mostra à luz desses fatores,
com maior intensidade, suas fraquezas em termos de limitações
e unidimensionalidade. A perspectiva puramente economicista
não mostra os problemas reais do desenvolvimento. Explicá-los
de forma razoável exig e que, com os fatores econômicos, as
tentativas de análise integrem dimensões como as que exige a
idéia de capital social.
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Aceita essa ordem de raciocínio que começa a ter peso nos
organismos internacionais, como todas as “idéias novas” expostas
em fortes debates internos, a pergunta que deve ser feita é:
“Como constr uir capital social?”
Tal pergunta tem gr ande relevância na América Latina. A
pesquisa sobre o capital social na r egião está no início. Uma
pesquisa pioneira, sólida cientificamente e com surpreendentes
descobertas, foi o recente estudo do PNUD “Desarollo Humano
en Chile, 1998” (Desenvolvimento Humano no Chile, 1998).
Os paradoxos da “modernização”, que apontou sérios problemas
de destr uição em alguns dos fatores que constituem o capital
social, chamaram a atenção sobre a necessidade de políticas para
abordá-los. Podem ainda ser encontr ados trabalhos recentes, a
partir da visão de capital social, sobre as causas de sucesso de
algumas experiências sociais mais famosas da América Latina,
como Villa El Salvador do Peru (Kliksber g, 1999). Começa a
parecer na região, em toda esta linha de novos estudos, a visão
de que a pobreza e a desigualdade destr uíram significativamente
o capital social. Destr uíram o clima de confiança, agiram contra
o interesse em associar-se e par ticipar, destr uíram bases da
consciência cívica, em crise, como vimos, destr uíram a família
em amplos setores, e criaram climas anômicos e niilistas com
relação a valores. Basta pensar no que significam as enor mes
migrações forçadas por razões econômicas ou de insegurança,
que ocorrera m em vários países da região em termos da destruição
do capital social acumulado pelas famílias durante muitos anos,
em aspectos básicos como propriedade, associações, identidade,
acer vo cultural.
Reconstruir capital social implicará processos muito
amplos de trabalho em várias esfera s. Entre elas, a política social
tem um g rande papel, tanto indireto, enfrentando a pobreza e a
desigualdade, como direto, promovendo em suas iniciativas e
programas, como um objetivo deliberado e sistemático, o
desenvolvimento das enormes potencialidades que têm as
sociedades latino-americanas em ter mos de capital social.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
46
5. Desenvolvimento distorcido e desenvolvimento integrado
Todas as frentes de “novas idéias” anteriores e outras a elas
acrescentadas estão em pleno debate nos países, na universidade e
em diversos organismos internacionais em cujo interior
importantes discussões e revisões. Tudo se junta na reformulação
do pr ojeto global de desenvolvimento. Stiglitz (outubro, 1998)
resume da seguinte forma algumas lições aprendidas dos er ros
cometidos:
Aprendemos na última metade de século que o
desenvolvimento é possível, mas também que não é inevitável.
Aprendemos que o desenvolvimento não é apenas um tema
de ajustes técnicos, mas uma transformação da sociedade.
Eu me referi às desilusões com o Consenso de Washington,
que previu um conjunto de prescrições que falharam em
impulsionar as transformações para o desenvolvimento. O
consenso foi muito limitado, tanto em seus objetivos como
em seus instrumentos”.
O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1999, do
Banco Mundial assinala na direção de que os padrões de ação para
o desenvolvimento nos últimos 50 anos tiveram tendência a se
concentrar demasiadamente em uma única chave para o
desenvolvimento. Quando uma chave falhava, segundo o Relatório,
em todos os lugares, era imediatamente afastada e procuravam-se
outras. Aponta, entre outros erros, que “tampouco funcionou a
prática de reduzir impostos para os ricos com a esperança de os
pobres seriam beneficiados”.
O sistema das Nações Unidas questionou a fundo as metas
propostas pelo projeto de desenvolvimento convencional por meio
de seu paradigma de Desenvolvimento Humano. A p roposta da
ONU afir ma que é er rado medir se estamos prog redindo em
desenvolvimento por meio de indicadores tão ambíguos como o
produto bruto per capita. É necessária uma avaliação muito mais
integral. A meta final do desenvolvimento não é essa; esse é um
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meio, deve ser focalizado e observado se realmente avançam as
metas finais que dizem respeito ao prolongamento dos anos de vida
das pessoas, com melhor qualidade de vida, mais liberdades, acesso
à educação, acesso à cultura e a outras áreas.
Começa a surgir a idéia de que muitos esforços se
concentraram em conseguir um desenvolvimento que, na prática,
se transformou num “desenvolvimento distorcido”. Apenas alguns
setores da sociedade se beneficiaram com ele, tendo aumentado as
diferenças internas, com vários setores excluídos e o próprio perfil
da sociedade tendo-se ressentido em aspectos básicos. A proposta
é o encaminhamento em direção a um “desenvolvimento integrado”.
Nesta concepção trata-se de avançar de forma harmônica e integrada
nos campos do desenvolvimento econômico e social a idéia básica
é que é imprescindível que uma sociedade cresça economicamente,
tenha condições de estabilidade, progresso tecnológico,
competitividade, o que não exclui, pelo contrário, exig e um
desenvolvimento social profundo e políticas sociais agressivas. A
idéia de atingir bons resultados econômicos que, em seguida se
espalharão, é considerada irreal e substituída pela idéia de que o
desenvolvimento social não pode ser adiado, devido ao sofrimento
que está provocando, mas também pela concepção de que sem esse
desenvolvimento não bases para um crescimento sustentado.
Dessa forma, a mobilização do capital humano e o capital social de
um país são essenciais para um desenvolvimento econômico
sustentado de longo prazo. Os dois planos devem ser coesos e com
eles deve ser buscado o desenvolvimento sustentável em termos
de meio ambiente, assim como o aprofundamento democrático. A
igualdade surge como uma das bases estratégicas de toda a
concepção. Como assinalou a Cúpula Social Mundial de Copenhague
(1994), trata-se de conseguir um “crescimento compartilhado”.
Essa idéia seria viável? É possível ver que essa é a direção
que seguiram algumas sociedades mais bem-sucedidas do mundo
no longo prazo, simultaneamente nos aspectos econômico e social,
e que essa é uma das razões centrais de seu sucesso. É o caso, entre
outros, de países líderes das estatísticas de progressos econômicos,
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
48
tecnológicos e sociais como Norueg a, Suécia, Canadá, Dinamarca,
Holanda, Bélgica, Israel e outros.
Na nova visão que está emergindo procura-se um enfoque
holístico do desenvolvimento. Wolfensohn (1999) assinala: “Não
podemos adotar um sistema em que a macroeconomia e as
finanças sejam consideradas par te dos aspectos estr uturais,
humanos e sociais, e vice-versa.
As inter-relações entre variáveis de cunho muito diferente
no pr ocesso de desenvolvimento não são uma especulação. São
a pura realidade. Ali acontece, realmente, o processo. Se essas
inter-relações se perdem e tendência a reducionismos, essa
realidade escapa, e as políticas resultantes podem ser altamente
ineficientes. Em outros campos, pesquisas recentes conseguiram
reconstr uir um jogo de inter-relações muito especial. K awachi,
Kennedy e Lochner (1997), pesquisadores da escola de saúde
pública de Harvard, verificaram a existência de for tes vínculos
entre desigualdade, clima de confiança e esperança de vida.
Segundo suas obser vações estatísticas, nos Estados Unidos, a
“saúde” nas relações interpessoais, a existência de relações
sociais freqüentes e verdadeiras, a proteção interg eração, todos
eles elementos do clima de confiança numa sociedade, incidem
nos anos que a pessoa vive. Por outro lado, o clima de confiança
e a expectativa de vida mostram relações profundas com o nível
de desigualdade. Quanto maior ele é, destrói o clima de
confiança, quebra a coesão social, gera tensões consideráveis e
a expectativa de vida é a menor possível. De acordo com suas
simulações econométricas, o aumento de um ponto na
desigualdade provoca dois ou três pontos de degradação na
expectativa de vida com relação à que teria tido essa sociedade
de acordo com suas outras características. Nos g ráfico s7e8,a
seguir, os pesquisadores reconstroem os dados relativos a cada
um dos Estados dos EUA. Obser va-se no primeiro (Gráfico 7)
que, quando as pessoas desconfiam mais umas das outras
(indicador de clima de confiança), a expectativa de vida diminui,
e no segundo gráfico (Gráfico 8) como um índice pior de “Robin
Hood” (de desigualdade), age contra o clima de confiança.
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GRÁFICO 7 Capital Social e Taxa de Mortalidade
GRÁFICO 8 Desigualdade de Renda e Confiança Social
FONTE: KAWACHI, I., B. KENNEDY and K. LOCHNER (1997). "Long live community. Social capital as public
health." The American Prospect (November-December).
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50
Na visão que geralmente leva ao desenvolvimento distorcido,
as inter-relações desse tipo entre variáveis de desigualdade, de
coesão social, culturais e as cifras vitais foram ignoradas. O mesmo
aconteceu com muitos outros padrões de inter-relação. Tal fato levou
a resultados que provocam interrogações profundas, como as que
fez Birdsall (1998) com relação à América Latina, destacando as
conseqüências em termos de desigualdade de vários ‘círculos
perversos’: “É possível que as taxas de crescimento na América
Latina não possam estar distantes mais que 3 ou 4% das necessárias,
para o que devem contar com a participação e a contribuição da
metade da população que está compreendida nas mais baixas
porcentagens de renda”.
6. A revalorização das políticas públicas e do papel do Estado
A discussão sobre o papel do Estado parecia quase terminada
alguns anos. Sob uma intensa carga de questionamentos a respeito
de suas funções e capacidades surgiu com força a idéia central de
minimizar sua presença, e aumentaram os esforços para seu
desmantelamento. Agora está estabilizada. Não para trás, mas para
a frente. Na nova concepção não se prega a volta do Estado que
existiu algumas décadas, que atuava nas mais diversas áreas e à
ilusão de que o Estado sozinho podia resolver todos os problemas.
Essa idéia está afastada. Vê-se, como faz o Banco Mundial (1997)
em seu relatório especial sobre o papel do Estado, que o extremo
oposto também demonstrou ser errado e ineficiente. O
desenvolvimento, segundo o relatório, exige um Estado de fato e
ressalta que “sem um bom governo não desenvolvimento
econômico e social”. Os dois extremos: o Estado onipotente e o
Estado ausente deram lugar a outra maneira de ver o problema. Ela
parte do núcleo central de idéias do enfoque de desenvolvimento
integ rado recém-exposto. Se interesse em atingir de f or ma
simultânea e coordenada o desenvolvimento econômico, social,
sustentável e político, necessidade de políticas públicas ativas e
administradas com bastante eficiência.
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uma ampla série de papéis não tradicionais que se
espera do Estado. Têm a ver com áreas como a melhoria da
igualdade, assegurar a saúde pública e a educação para todos, o
ajustamento, a integ ração econômica regional, o impulso ao
progresso tecnológico e à competitividade, um sistema jurídico
que seja g arantia para todos, entre outros. O perfil que se não
é o do Estado do passado. Surg e a imag em de um Estado com
um serviço civil profissional, bem administrado, transparente,
descentralizado, monitorado pela comunidade e estreitamente
articulado com a sociedade civil em sua ação.
No centro de suas atividades devem encontrar-se na
América Latina as políticas públicas sociais. Os g raves déficits
em aspectos elementares que vão desde o abastecimento de
água potável, as altas taxas de evasão escolar, até a falta de
atendimento para a saúde em muitas áreas, exigem políticas
sociais agressivas administradas por gerência social de alta
qualidade. A ação pública é imprescindível em áreas como a
América Central onde, de acordo com documento das Nações
Unidas (Brito,1999): “Cerca de 17 milhões de pessoas (num
total de 34 milhões) vivem em extrema pobreza, em
assentamentos humanos precários, em condições de alta
vulnerabilidade aos efeitos dos desastres naturais, sem água
nem energia elétrica, sem nada”. E até mesmo num dos países
de maior desenvolvimento econômico do Continente, o Chile,
obser va Lag os (1999): “Nós, os chilenos, sabemos que quando
o Estado se enfraquece acaba predominando a lei do mais forte.
Ficam de apenas aqueles que possuem meios próprios para
defender-se e comprar sua saúde, comprar a educação dos
filhos, a casa, a previdência e até a segurança de sua família.
Os outros estão condenados a se salvarem como puderem com
seus próprios recursos”.
As novas idéias estão no cenário. Sur gem do fracasso do
pensamento convencional em cumprir suas promessas, e das difíceis
realidades que vivem amplos setores da população em áreas
essenciais. Encontram-se em pleno debate em inúmeros foros.
Falam, como se viu, de um projeto de desenvolvimento integrado,
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
52
de políticas sociais agressivas como um de seus eixos, das
contribuições para o desenvolvimento econômico que a política
social pode dar, de melhorar a igualdade, mobilizar o capital social
e de um novo perf il de Estado, com funções renovadas e aliado
com a sociedade civil. Ao que se acrescentam outras orientações
inovadoras em vários planos. No centro encontra-se a preocupação
com o risco social que sofre a região devido a seus graves problemas
de desigualdade e de pobreza. Estão começando a influenciar nos
projetos de políticas dos países e em organismos internacionais. No
entanto, devem ser feitas várias perguntas. Como desenvolver
possibilidades institucionais e g er enciais que permitam que essas
novas políticas de cunho inovador possam ser implementadas com
efetividade? Em que direções devemos trabalhar no plano do
redesenho institucional e a gerência? O que pode ser aprendido
com relação aos erros cometidos e à experiência comparada?
Examinaremos, a seguir, esses assuntos.
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IVIV
IVIV
IV
EM BUSCA DA INSTITUCIONALIDADEEM BUSCA DA INSTITUCIONALIDADE
EM BUSCA DA INSTITUCIONALIDADEEM BUSCA DA INSTITUCIONALIDADE
EM BUSCA DA INSTITUCIONALIDADE
SOCIAL NECESSÁRIASOCIAL NECESSÁRIA
SOCIAL NECESSÁRIASOCIAL NECESSÁRIA
SOCIAL NECESSÁRIA
Como reformar as áreas sociais?
Quais seriam os métodos apropriados?
Por que muitas reformas fracassaram?
Quais são as causas do sucesso de programas sociais latino-
americanos considerados como referência internacional, como
Villa El Salvador no Peru , EDUCO em El Salvador, as Feiras
de Consumo Familiar na Venezuela, e tantos outros?
Perguntas como essas não podem ser respondidas com
“receitas”. É preciso que seja feita uma busca “heurística” que
entre na complexidade dos problemas institucionais e gerenciais
subjacentes. Por outro lado, cada realidade nacional tem sua
própria história e características nesse plano que devem ser
respeitadas. Como assinala Hood (1998), com bastante
propriedade, referindo-se à reforma da administração pública em
geral, prevenindo sobre as ‘soluções generalizáveis’: “Os fatores
históricos e culturais deter minam as categ orias de refor mas
disponíveis para cada governo”.
Vamos tentar dentro dessas coor denadas, do respeito à
complexidade do tema e suas particularidades nacionais, delinear
algumas propostas de trabalho que poderão ser úteis no caminho
de busca que deve ser percorrido em cada realidade. Tais propostas
têm como origem a observação e o estudo dos problemas de gestão
que se apresentam continuamente na execução das políticas sociais
da América Latina e também da análise de erros típicos que são
cometidos nas tentativas de reforma dessas áreas.
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1. Cuidado para não marginalizar a importância da gerência
e também considerar a gerência como ‘panacéia’
Houve uma forte tendência na região por parte de atores-
chave no traçado de políticas públicas como os políticos,
planejadores e economistas para subestimar o problema
g erencial. Todo o esforço se concentrava no traçado da política
e dava-se pouca atenção ao que se chamava de “implementação”.
A própria palavra empregada, “implementar”, transmitia a idéia
de que era uma espécie de processo mecânico que o projeto
seguiria. A implementação é, de fato, muito diferente na realidade.
Levar adiante políticas requer fazê-lo por meio de organizações
existentes, ou a serem criadas. Nas org anizações um mundo
complexo onde convivem tecnologias, normas, ações culturais,
interesses em conf lito, lutas pelo poder etc., que deter minam
comportamentos organizacionais que, com freqüência, se afastam
do “manual”. Grande parte dos avanços na gerência avançada
surgem da constatação destas realidades e procuram agir a partir
delas. A “política” não termina na etapa do projeto, continua na
vida organizacional sob outr as denominações. É o que ocor re
no campo social como em outros campos e determina que, em
definitivo, a política que resulta, de pois, do processo de g erência
pode ser bastante dif erente da política que se decidiu empreender.
Há, em outras palavras, uma política “pós-gerência” que é a única
real (Sulbrandt, 1997). Afastar a “viabilidade institucional” e,
além disso, a complicada dinâmica dos processos de g estão, pode
destr uir políticas bem intencionadas, como ocor reu com
freqüência na região.
O outro extremo também apresenta riscos e está na moda.
Declara-se que o problema social da região é basicamente um
problema de gerência, que pela instituição de uma gerência moderna
nas ár eas sociais será solucionado; transforma-se a boa gerência
numa “panacéia” que resolverá os g raves problemas sociais. A
realidade não comprova o discurso a respeito. A boa g erência é
imprescindível, sem ela as soluções, por mais bem pensadas que
sejam, não se materializarão, mas foge ao seu alcance resolver
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problemas que advêm de r azões estruturais. As causas centrais da
pobreza e a desigualdade têm a ver com processos intrínsecos que
podem ser corrigidos com políticas adequadas. A gerência não
pode mudar no próprio projeto de desenvolvimento.
Entre esses dois extremos sua marginalização ou sua
idealização –, encontra-se o verdadeiro papel que a gerência pode
desempenhar e que é fundamental para a reforma social. As
modificações no projeto de desenvolvimento e as políticas
renovadoras poderão transfor mar-se em realidade a penas se for
possível contar com uma institucionalidade social e uma gerência
da melhor qualidade possível.
2. Gerenciar no campo social não é o mesmo que fazê-lo em
outras áreas da economia
A gerência não é um fim em si mesmo. É um meio para obter
determinados objetivos. A “missão” organizacional condiciona o
tipo de gerência necessário. As metas perseguidas no campo social,
quando se empreendem políticas e programas sociais, têm
características singulares. Entre elas, estão objetivos que,
normalmente, não são atingíveis no curto prazo. Diminuir a evasão
na escola primária, o número de mães adolescentes, reduzir a
criminalidade jovem, são, por natureza, objetivos que podem ser
atingidos no médio ou longo prazos. O que quer dizer, entre outros
aspectos, que será preciso manter ações continuadas durante longos
períodos e prever como manter o apoio a elas, apesar da não
visibilidade imediata de seus resultados. Por outro lado, os objetivos
são, em vários casos, claramente qualitativos. Por exemplo, melhorar
a auto-estima de uma comunidade pobre, desenvolver elementos
de capital social, como o clima de confiança ou a consciência cívica,
fortalecer as relações familiares, são múltiplos fatores a mobilizar
para obter objetivos desta ordem. Nunca irão depender de um
prog rama único, ou de uma determinada instituição. Além disso,
não serão avaliados por meio das mesmas tecnologias aplicadas a
objetivos quantitativos. Exigem abordagens diferentes.
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A essas outras singularidades soma-se o fato de que no campo
social qualquer programa, distribuição de leite, água potável para
zonas rurais, saneamento urbano em bairros, queda da repetência
escolar, tem que cumprir ao lado de suas metas específicas certas
metas-objetivos. Atualmente espera-se que todos os prog ramas
sejam eficientes, isto é, façam uso excepcional dos recursos a eles
atribuídos. Ao mesmo tempo, que contribuam efetivamente para
melhorar a igualdade. Se o modelo gerencial não é adequado para
chegar a populações carentes, pode ocorrer–ejáocorreu na região
em várias oportunidades que o programa seja cooptado por setores
com maior educação e poder, como camadas médias da população,
desvirtuando-se suas metas e não cumprindo-se os objetivos de
melhorar a igualdade. Os programas de vem desenvolver, além disso,
bases para sua auto-sustentação. Avaliações inter nas do Banco
Mundial (Blustein, 1996) mostram que cerca de 50% de seus
projetos não passavam em seu próprio teste. Depois de terminado
o projeto, em cinco ou seis anos, os benefícios para os países
recebedores não continuavam. Os programas devem desenvolver
esforços no sentido de sua auto-sustentação, o que leva diretamente
ao quarto objetivo: espera-se que os programas sociais sejam
participativos. A comunidade assistida deve ter neles um papel ativo.
A experiência comparada mostra de forma definitiva que esse é um
caminho central para estabelecer a auto-sustentabilidade. Deve ser
ainda acrescentado que a participação traz muitos benefícios para
o desenvolvimento do capital social e o crescimento das pessoas, e
vantagens gerenciais bastante concretas.
As políticas e programas sociais têm, pelo visto, metas com
conteúdos próprios a elas. Não é possível transplantar para cumprir
metas desse tipo, modelos g erenciais que possam ser altamente
eficientes para outras metas mas são estão adequados a estas. Entre
fracassos comuns no campo social encontram-se os casos em que
tentou-se copiar receitas de business administration, imitando
modelos da empresa privada, traçados para metas bem diferentes:
maximização de aproveitamento, rotação do capital, captação de
clientes etc. Também se observam as tentativas de repetir modelos
da administração pública tradicional, que podem ser apropriados
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em processos rotineiros mas não são válidos para as características
muito diferentes da ação no campo social.
Surge a necessidade de uma “gerência social” que deve assumir
todos aqueles aspectos de outras gerências que lhe possam ser úteis,
mas que deve ter um perfil próprio relacionado a suas metas
par ticulare s.
A proposta para que se respeitem as singularidades não é feita
apenas no campo da gestão social. Goodard e Riback (1999), depois
de analisar governadores e prefeitos que tiveram sucesso nos Estados
Unidos, afirmam que “os que prestam o melhor serviço a seus
concidadãos, atualmente, são aqueles que reconhecem as nítidas
diferenças entre o objetivo do governo e o objetivo dos negócios”.
Krugman (1996), ao analisar pedidos para que seja traçada uma
política econômica e para administrar empresas privadas, conclui
que elas são muito difer entes. Assinala que “um país não é uma
corporação de negócios”. Chama a atenção para os erros cometidos
ao se tentar extrapolar da administração privada para a gerência da
economia.
3. Deve ser montada uma institucionalidade forte,
hierarquizada e profissionalizada
A dimensão dos problemas sociais da região exige respostas
de acordo para que não continuem causando sofrimentos e vítimas,
o que é moralmente inadmissível, e os graves prejuízos que estão
impondo ao desenvolvimento e à democracia. Tais respostas devem
ser dadas por mudanças nas políticas mas também devem ser
registradas nos instrumentos institucionais. É o que não se observa
na maioria dos países. A realidade se caracteriza, entre outros
aspectos, por: atribuição de recursos a áreas como saúde, educação,
habitação, família, que, embora tenham melhorado em alguns países,
continuam sendo inferiores às médias internacionais, e em outros
são muito escassas; forte tendência por causa de problemas
financeiros a cortar, em primeiro lugar, esses recursos; Ministérios
sociais sem acesso aos foros de decisão macroeconômica cujas
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resoluções terão enormes conseqüências sociais; inexistência de um
serviço civil profissionalizado; falta de cuidados com a preparação
de uma gerência de alto nível especializada e estável.
O’Donell alerta sobre a magnitude das perdas institucionais
provocadas ao setor social recentemente:
“... os salários, as condições de trabalho e as perspectivas
profissionais dos funcionários da área social que estão em
contato direto com os pobres e lhes prestam ser viços
(trabalhadores da área sanitária, professores, assistentes
sociais), deterioraram profundamente. O mesmo pode
ser dito dos funcionários da burocracia central que
trabalham na política social tanto no plano nacional quanto,
e sobretudo, no local. Não é novidade que essas esferas
do Estado foram, freqüentemente, bastiões de clientelismo
e ineficiência, mas a blitzkrieg instalada contra elas com o
objetivo de reduzir o déficit fiscal, ou puramente por
antiestatismo, não fez nada par a melhorar a situação. Pelo
contrário, em vários países essa ofensiva praticamente
amputou o braço do Estado mais necessário para
empreender as políticas sociais razoavelmente eficazes”.
As condições que O’Donell focaliza com precisão devem ser
superadas com urgência. É preciso estabelecer na região uma
institucionalidade social adequada ao papel prioritário que, de acordo
com as exigências da população, os problemas correspondentes
devem ter. O investimento no assunto deve se dar de acordo com a
magnitudeeaprofundidade dos problemas vistos. Os cortes deverão
considerar os efeitos devastadores que eles produzem no campo,
não devem perder de vista seu caráter prioritário, e devem procurar
saber como gerar recursos por outras formas, como o melhor controle
da evasão fiscal. Deverá ser estabelecido um ser viço civil
profissional nas instituições sociais, com remunerações adequadas,
possibilidades de crescimento, treinamento contínuo e, no seu topo,
uma gerência especializada e estável. O papel das entidades
ministeriais e d e suas respectivas agências deverá ser hierarquizado,
levando-se em consideração seus pontos de vista no traçado das
políticas econômicas.
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4. Otimizar resultados no campo social requer,
necessariamente, abordagens intersetoriais
A coordenação é desejável com freqüência na gerência. Porém,
na gerência social é imprescindível. Os programas sociais buscam
metas que, pela própria configuração do problema, não são atingíveis
por apenas um agente organizacional. Aumentar o número de crianças
que terminam a escola primária num município, por exemplo, não
significa trabalhar apenas no âmbito da escola. Ela é fundamental,
mas as causas da evasão vão além dela. Será preciso utilizar um enfoque
que aja sobre a unidade familiar, criando incentivos para que ela se
empenhe em manter a criança na escola, devem ser melhoradas suas
condições alimentares que, em m uitos casos são fatores de evasão,
facilitar o transporte da criança para a escola, sensibilizar os pais sobre
as vantagens que implicará terminar os estudos e outros fatores . Será
preciso que exista o trabalho conjunto de instituições de vários tipos
que possam agir sobre essas variáveis: de saúde, no que diz respeito à
nutrição, de apoio à família, de habitação, de transporte. Por isso,
programas como o de Brasília que reuniu incentivos para a família,
com a ação da escola, além de outros elementos, obtiveram resultados
significativ os em prazos reduzidos . O mesmo acontece com a maioria
dos programas sociais . P ara melhorar a saúde prev entiva, por exemplo,
é indispensável que haja um trabalho muito bem articulado entre as
áreas de saúde e de educação. Programas como o que foi desenv olvido
alguns anos na Costa Rica, pelos dois Ministérios, preparando os
professores para desenvolver unidades for madoras em saúde
preventiva na sala de aula podem conseguir resultados muito
importantes nos índices de saúde pública.
As causas da pobreza são múltiplas e inter-relacionadas.
Combatê-las efetivamente exige, assim, abordagens inter-setoriais.
A ação combinada multiplica a possibilidade de êxitos de cada um
dos atores organizadores. A coordenação em gerência social é
obrigatória caso se deseje eficiência, porque uma dependência
estrutural entre os atores. Os melhores programas serão, em muitos
casos, programas imaginativos quanto a viabilizar essas
interdependênciaseatransformá-las em manifestações comuns.
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60
Na América Latina predominou, no campo social, um enfoque
quase oposto, com for te ênfase setorial. Cada área social fez quase
um ponto de “honra organizacional” de sua autonomia, e saúde,
educação, família, juventude, trabalho se estabelecem como “feudos”
separados que e vitam a inter venção de “estranhos” em suas
operações. Esse comportamento leva, necessariamente, a resultados
limitadoseagravesineficiências.
5. É preciso aprender gerência interorganizacional
Uma das habilidades que uma nova institucionalidade social
na região deve desenvolve réadagerência interorganizacional. Os
prog ramas deverão ser, como foi dito, prog ramas de que
participem vários Ministérios, diversas agências públicas, governos
estaduais, municípios e a sociedade civil por meio de várias
representações. Gerenciar a operação conjunta de várias
organizações o é o mesmo que levar à frente uma determinada
organização. São necessárias impor tantes possibilidades para
sensibilizar permanentemente quanto às vantagens do trabalho
conjunto, desenvolver processos de negociação para conciliar as
diferenças, capitalizar as forças e limitar as fraquezas de cada
organização, compreender as diferentes culturas organizacionais,
construir pontes entre elas, desenvolver uma linguagem comum,
aproveitar as oportunidades que podem surgir para a ação conjunta.
6. É necessário superar as falsas oposições entre Governo,
de um lado, e ONGs e sociedade civil, de outro
O problema social latino-americano não pode ser atribuído
exclusivamente ao Estado. Todos os setores da sociedade deveriam
assumir responsabilidades e participar de sua solução. Devem ser
armadas extensas redes de colaboração permanente que englobem
os atores sociais possíveis, orientadas para atacar importantes
problemas concretos.
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Atualmente a situação é muito diferente. g r upos da
sociedade civil que não reconhecem ter responsabilidades a respeito.
Permanecem indiferentes. freqüentemente desconfiança e
conflitos entre a ação do Estado e a das ONGs. amplos setores
que teriam muita disposição para o trabalho voluntário e que não
encontram caminhos apropriados para canalizar suas contribuições.
Existem importantes oportunidades organizacionais para
superar tais situações. Estado e ONG de vem aliar-se estreitamente
aproveitando os pontos fortes de cada um e minimizando suas
limitações. As ONGs têm um importante potencial em termos de
flexibilidade, agilidade, compromisso, aproximação com a
comunidade. Mas devem ter consciência de que, sozinhas, não
produzirão mudanças profundas: para isso devem contar com o apoio
das políticas públicas. A realização de alianças estra tégicas entre
ambos e a adesão a elas de igrejas, comunidades vizinhas,
associações de interesse público, universidades, setores empresariais
dispostos a serem solidários, sindicatos operários e outros grupos,
poderá ampliar consideravelmente os reais recursos humanos e
materiais para a ação social e incr ementar sua eficiência. Veja-se,
por exemplo, o papel desempenhado por um dos atores potenciais
dessas alianças, o voluntariado, em diversos países. Na Espanha,
pouco tempo, um grande movimento de opinião originado da
juventude exigiu e conseguiu compromissos formais para aumentar
de forma substancial os r ecursos dos países para a solidariedade
internacional. Em Israel, o país do mundo com maior porcentagem
relativa de tra balhadores voluntários, eles produzem em serviços
sociais, principalmente, 8% do Produto Nacional Bruto.
7. Uma chave para a eficiência: descentralização mais
par ticipação
A descentralização dos programas sociais surge como uma
possibilidade muito concreta de aproximá-los da comunidade, ter
contato direto com suas necessidades, obrigá-los a maior
transparência, desburocratizá-los, gerar maior agilidade, poder
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
62
realizar um monitoramento sobre o andamento de sua execução e
outras vantagens org anizacionais. Entretanto, a experiência
internacional e a prática da região, também demonstraram apresentar
riscos. Um dos principais é que, se os níveis de polarização social e
de assimetria no poder são muito amplos nos Estados e nos
municípios para os quais os programas são descentralizados, os
grupos mais poderosos poderão cooptar em seu favor os processos
descentralizados, “capturando” os prog ramas. Outro é que o
processo seja ambíguo em algumas de suas dimensões. Transferem-
se recursos limitados em relação às responsabilidades atribuídas,
não se delimitam com precisão os papéis que deve ter o poder central,
as delegações são facilmente reversíveis. Pode ocorrer também a
situação de que as organizações regionais e locais para as quais é
descentralizado o programa não tenham capacidade institucional
suficiente para gerenciar os programas a elas confiados. Em todos
esses casos, a situação pós-descentralização pode chegar até mesmo
a ser pior do que a prevista, que os serviços que o poder central
prestava com ineficiência, mas com certa segurança, agora podem
ser suspensos.
Tudo isso não invalida o enorme potencial da descentralização
como arma de g estão social. Obriga a tomar providências que
possam contornar esses riscos. Será preciso, entre outros aspectos,
traçar com clareza os termos da descentralização e fazer com que
sejam viáveis para as esferas regionais e locais, desenvolvendo a
sua capacidade institucional. A “combinação vencedora” parece
surgir, de acordo com a experiência, quando se juntam a
descentralização e a verdadeira participação da comunidade. Um
dos campos em que a participação considerada atualmente uma
das vias principais para a maior eficiência em todo tipo de
organizações públicas e privadas é mais positiva, é o dos processos
de descentralização
1
. Se a comunidade organizada co-administra os
1
O tema das novas descobertas sobre as possibilidades da participação é tratado em
Bernardo Kliksberg, “Seis tesis no convencionales sobre participación”, 1998, Revista
Instituciones y Desarollo, Instituto Internacional de Gobernabilidad, Barcelona,
2, dezembro.
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programas sociais descentralizados, eles se ajustarão estritamente
às demandas reais: haverá um feed back contínuo sobre seus efeitos
que permitirá corrigi-los no decorrer do processo, haverá uma pressão
por transparência e retidão no uso dos recursos que erradicará a
corrupção e limitará as práticas clientelistas. Os programas receberão
contribuições permanentes de idéias para que melhorem, e haverá
um contrapeso efetivo para a possibilidade de cooptação por parte
das “elites” locais.
Assim como a descentralização requer par ticipação, cria
também oportunidades importantes para essa última, e os
“círculos virtuosos” que uma participação verdadeira pode
desencadear são extraordinários. As comunidades carentes têm
muito a oferecer aos prog ramas sociais a elas dirigidos. Os
aspectos que as desvalorizam, a partir de sua própria pobreza,
são por elas desmentidos. Os programas sociais de maior
rendimento comparado são aqueles em que foram abertas
autênticas possibilidades de participação. Entre eles, um estudo
de Narayan (1994) sobre a contribuição da participação popular
mostra sua potencialidade. A pesquisa analisou 121 projetos de
fornecimento de água potável a trabalhadores rurais pobres em
49 países da África, Ásia e América Latina. Os projetos com
elevada par ticipação tiveram um alto rendimento, em 80% dos
casos, e um rendimento médio em 20% do restante. Nenhum
teve baixo rendimento. Os de baixa participação tiveram alto
rendimento apenas em 2,7% dos casos, rendimento médio em
40% e baixo, em 5,3%.
As mesmas constatações podem ser encontradas na América
Latina. O apelo maciço e genuíno à participação foi a base de
algumas das experiências sociais mais bem-sucedidas na América
Latina e famosas internacionalmente, como Villa El Salvador do
Peru, as escolas públicas administradas pelos pais, no Brasil (MG)
e o Orçamento Participativo de Porto Alegre. Em todos esses casos
a participação mobilizou profundamente o capital social latente na
comunidade. Em Villa El Salvador, a comunidade per uana auto-
administrada, tantas vezes premiada, com cerca de 300 mil
habitantes, os pobres não tinham nenhum tipo de bens e ergueram
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
64
um município completo com suas próprias mãos num período
histórico muito cur to. Não tinham patrimônio econômico mas
tinham ca pital social muito rico. Vinham das serras peruanas e
possuíam uma bagagem muito grande de valores, atitudes solidárias,
experiência de vida comunitária e outros elementos culturais,
cultivados durante séculos pela cultura andina. No ambiente propício
da participação tais elementos se mobilizaram ativamente e foram
decisivos em seus ganhos.
2
8. É preciso fazer pactos e acordos sociais de apoio para
possibilitar uma gerência social eficiente
Os programas sociais devem contar com amplos respaldos da
sociedade para poder cumprir com eficiência suas metas. Como
assinalado, existem setores que, quase por princípio, desconfiam
dos programas. Consideram que o gasto social é “ilegítimo”. Os
programas devem procurar contestá-los explicando detalhadamente
à opinião pública suas possíveis contribuições, tanto do ponto de
vista ético como do produtivo, e devem procurar, no contexto dos
mecanismos democráticos, acordos sociais em seu apoio. Esses
acordos lhes serão fundamentais para “agüentar” os longos períodos
que, com freqüência, são precisos para conseguir objetivos tangíveis
no campo social. Permitirão também mantê-los diante das ameaças
de cortes destinados a solucionar desequilíbrios financeiros em outras
áreas. Além disso, serão vitais se forem precisas novas etapas para a
consolidação e o prolongamento dos programas.
Todos esses aspectos são fundamentais para que possa ser
desenvolvida nos programas sociais uma gerência eficiente com
planejamento no médio e no longo prazos. Nessa, como em outras
áreas de desenvolvimento, a dimensão política é essencial. Se, por
2
Sobre Villa El Salvador ver: FRANCO, C. La experiencia de Villa El Salvador. In:
KLIKSBERG, B. (comp.). Pobreza: un tema impostergable, nuevas respuestas a
nivel mundial. 4. ed. Fundo de Cultura Econômica, 1997.
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exemplo, programas dirigidos ao fortalecimento da escola pública
contam com associações de pais organizadas para defendê-los, os
resultados serão muito diferentes se os defenderem os
profissionais que os executam.
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VV
VV
V
REFLEXÃO FINALREFLEXÃO FINAL
REFLEXÃO FINALREFLEXÃO FINAL
REFLEXÃO FINAL
Em recentes declarações públicas, o Papa João Paulo II
(1999) disse que “o problema da pobreza é urgente e não pode ser
deixado para amanhã”, pois, de todo o mundo “ergue-se o lamento
dos pobres, o grito das crianças, das mulheres, dos velhos, dos
refugiados, das vítimas da guerra, dos desempregados”. Além disso,
assinalou que “o desenvolvimento e o progresso econômico nunca
devem chegar para o home m e a mulher, dificultando a tarefa de
satisfazer suas necessidades fundamentais, o progresso não pode
vir a qualquer preço”.
Suas afirmações parecem muito sug estivas para os dilemas
latino-americanos. Os problemas que examinamos neste documento
não admitem demoras. O custo para qualquer adiamento será muito
alto. No campo social, diferentemente de outras áreas, os prejuízos
que o adiamento das soluções pode produzir são, em muitos casos,
irreversíveis. Assim, entre muitas outras conseqüências das demoras
em dar respostas, verificou-se que se uma criança não recebe uma
alimentação adequada nas primeiras etapas da vida, suas capacidades
cerebrais ficam afetadas e, depois, não volta possível. Em outra
área, a da mortalidade materna, a região tem uma taxa cinco vezes
maior que a dos países desenvolvidos. Considerando-se o estado
atual dos avanços da medicina, isso quer dizer que muitas dessas
mortes são “gratuitas” e que elas não ocorreriam se houvesse
atendimento médico apropriado para todas as mães.
Torna-se urgente dar o salto para uma visão integ rada do
desenvolvimento que atinja um tipo de equilíbrio diferente entre as
políticas econômicas e as sociais, e que reconheça o papel
imprescindível dessas últimas para chegar a um desenvolvimento
que tenha bases realmente sustentáveis. Como afirma Touraine
(1997): “Em vez de compensar os efeitos da lógica econômica, a
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
68
política social deve ser concebida como condição indispensável do
desenvolvimento econômico”.
Argumenta-se com freqüência que tudo isso é assunto de
recursos econômicos e que, na falta desses, não é viável obter
resultados muito diferentes dos atuais. Afir ma-se ainda que
enquanto não houver mais recursos a situação não poderá mudar.
É importante contar com mais recursos econômicos e todos os
esforços devem ser feitos para melhorar o crescimento, a
produtividade e a competitividade da economia. Mas o assunto
não par ece r eduzir-se a tal afirmação. Em recente trabalho sobre
a mortalidade como indicador do fracasso ou êxito econômico,
Sen (1998) rebate o argumento dos recursos escassos com dados
empíricos muito sugestivos. Compara a situação de uma série de
países de acordo com dois indicadores: Produto Bruto per capita
que, acredita-se, mede prog resso econômico, e expectativa de vida,
indicador decisivo para constatar o êxito integral de uma sociedade.
Os resultados são os seguintes:
GRÁFICO 9 Produto Nacional Bruto e Expectativa de vida em
alguns países, 1992
FONTE: SEN, A. Mortality as indicator of economic success and failure. The Economic Journal. jan. 1998.
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As três primeiras sociedades do quadro: o Estado de Kerala,
na Índia, de mais de 30 milhões de habitantes, China e Sri Lanka, têm
um PNB per capita baixíssimo, inferior a 550 dólares por ano. As
outras três: África do Sul, Brasil e Gabão têm um PNB que é entre 5
e 10 v e zes maior . Entretanto , nas três primeiras, as pessoas vivem
mais tempo que nas segundas: 71, 69 e 72 versus 63, 66 e 54.
Têm influência fatores como o grau de igualdade, que é
consideravelmente melhor nas primeiras, e os acordos sociais que
foram organizados para a saúde pública: água potável, instalações
sanitárias, luz, educação e assistência médica. Além disso, assinala
Sen, por exemplo, os custos relativ os de alguns insumos essenciais
dos sistemas de saúde, como pessoal médico e paramédico , são muito
mais baixos nos países em desenvolvimento que nos desenv olvidos.
Países como os mencionados e Costa Rica, “registraram uma redução
muito rápida nas taxas de mortalidade e uma melhora nas condições
de vida, sem grande crescimento econômico”.
O que está em jogo, finalmente, não são apenas os problemas
de recursos, mas também os de prioridades, de graus de igualdade e
de organização social. O tema das prioridades é crucial. Não apenas
na atribuição de recursos mas também nos ajustes. Por que cortar
com tanta freqüência o orçamento das áreas sociais? Por que não
revisar cuidadosamente os custos que implicam esse tipo de cortes
para as metas finais da sociedade, para a coesão social e para o
próprio crescimento? Sobre o assunto afirmou diante da Assembléia
Mundial da Saúde o Prêmio Nobel de Economia (Sen, 1999):
“Uma demonstração de que vivemos num mundo ao inverso
é o fato de que o médico, o professor ou a enfermeira se
sintam mais ameaçados pelo conservadorismo financeiro que
um general de exército. Para sanar essa anomalia é preciso
não penalizar a prudência financeira mas levar mais em conta
os custos e benefícios das diferentes opções”.
Enfrentar a pobreza e a desigualdade na região exige uma
revisão profunda do papel das políticas sociais, de seu modo de
serem pensadas e da estratégica dimensão institucional e gerencial.
série DESENVOLVIMENTO SOCIAL volume 1
70
Tal atitude deve ser tomada não apenas à luz das considerações
técnicas mas tendo como base das metas do desenvolvimento a
busca de vias compatíveis com elas, e as prioridades e urgências na
atribuição de recursos.
Destas discussões pode sair o novo modelo de política social
exigido por amplas maiorias na região, por meio dos mais variados
canais da democracia. A política social agressiva e ativa de que se
precisa, que deve ser administrada pelo Estado e pela sociedade
civil, deverá contar com uma institucionalidade social renovada,
com as capacidades gerenciais apropriadas, e deve ser transparente,
aberta e participativa.
O tema não admite adiamentos. É um “escândalo mor al”
existirem, no final do século XX, milhões e milhões de latino-
americanos que vivem com suas famílias no meio de privações que
cerceiam seus direitos humanos mais essenciais.
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SOBRE O AUTORSOBRE O AUTOR
SOBRE O AUTORSOBRE O AUTOR
SOBRE O AUTOR
BERNARDO KLIKSBERG escreveu 32 livros e centenas
de trabalhos traduzidos para diversas línguas. Prestou assessoria
a mais de 30 países em gestão pública, desenvolvimento e
gerenciamento social. Assessor, entre outros, da ONU, OIT, OEA,
Unicef, UNESCO, Diretor do Projeto Regional para a América
latina de Moder nização Estatal da ONU. É hoje Coordenador do
Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social do
BID(Washington).
Reconhecido pioneiro do gerenciamento social, recebeu
múltiplas distinções, entre as quais: Professor Honorário da
Universidade de Buenos Aires, Condecoração Andres Bello do
Gover no da Venezuela, Professor Emérito da Unive rsidade de
Congreso (Mendoza, Argentina),
Doutor Honoris Causa da Universidade Nacional del Zulia
(Venezuela). Várias de suas obras foram traduzidas para o português
e publicadas no Brasil, entre elas: Repensando o Estado para o
desenvolvimento social (Cortez/UNESCO); O desafio da exclusão
(Fundap); Pobreza: uma questão inadiável. Novas respostas em nível
mundial (Fondo da Cultura Econômica/Enap/Unicef); Como
transformar o Estado (Fondo da Cultura Econômica/Enap).
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