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ROBERTO AMARAL
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© UNESCO 2003 Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil
Natural Sciences Sector
Division of Science Analysis and Policies
As autoras são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas
opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a
Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livro não implicam
a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer
país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras
ou limites
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Edições UNESCO BRASIL
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Ciência e Meio Ambiente
Celso Schenkel
Bernardo Brummer
Ary Mergulhão
Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira
Revisão: DPE Studio
Assistente Editorial: Rachel Gontijo de Araújo
Diagramação: Paulo Selveira
Projeto Gráfico: Edson Fogaça
© UNESCO, 2003
Amaral, Roberto
Ciência e tecnologia: desenvolvimento e inclusão
social / Roberto Amaral. – Brasília: UNESCO, Ministério da Ciência
e Tecnologia, 2003.
128p.
1. Ciências—Desenvolvimento Sócio-Econômico—Brasil
2. Tecnologia—Desenvolvimento Sócio-Econômico—Brasil
3. Inclusão Social—Ciências—Tecnologia—Brasil 4. Desenvolvimento
Tecnológico—Desenvolvimento Sócio-Econômico—Brasil
5. Transformação Social—Tecnologia—Brasil I. UNESCO II. Título
CDD 338.9
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 – Brasília-DF – Brasil
Tel.: (55 61) 2106-3500
Fax: (55 61) 322-4261
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SUMÁRIO
Uma Nova Política de Ciência e Tecnologia ............................................9
Política de Ciência e Tecnologia.............................................................29
Discurso à Diretoria e membros da ABDIB..............................................29
Aula-Magna Universidade do Rio de Janeiro, UNI-RIO.......................... 35
Aula inaugural na PUC-RJ .......................................................................45
Solenidade de Posse dos Novos Membros da ABC....................................53
Inclusão Social ........................................................................................69
Abertura da 55ª SBPC..............................................................................69
Conferência Online Educa Barcelona .......................................................80
Temas Técnicos Específicos ....................................................................99
Bioética
Pronunciamento de Abertura do Fórum Global de Biotecnologia.............99
Projeto Aeroespacial
Solenidade de Posse do Novo Presidente da AEB....................................107
Cosmologia, Relatividade e Astrofísica
Solenidade de Abertura da X Marcel Grossman Meeting- MG10 ...........116
Centro de Tecnologia Mineral
Discurso por ocasião do 25º Aniversário do CETEM.............................124
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UMA NOVA POLÍTICA
DE
CIÊNCIA E TECNOLGIA
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O governo que se instala tem um compromisso indeclinável com a
mudança. Trata-se de mandato imperativo, outorgado pela soberania popular,
expressa de forma inquestionável na memorável manifestação de outubro
passado. Ao eleger Luiz Inácio Lula da Silva, estava, o nosso povo, conscien-
temente, optando por um específico programa de governo, fundado na
mudança, no compromisso de construção de uma nova sociedade. A
cidadania elegeu novas prioridades: o povo e a pátria, o humanismo e o
desenvolvimento, a riqueza a serviço da justiça social. Saberemos honrar
esse compromisso e corresponder a essa confiança.
Sim, neste governo, povo e pátria serão a razão e a finalidade.
Nada nos fará abdicar do nosso projeto de fazer deste país uma nação
livre e respeitada.
A eleição do Presidente Lula é a consolidação do largo processo
histórico que deita raízes nas primeiras manifestações da nacionalidade e da
cidadania brasileira. Este não é um processo autônomo, fenômeno isolado
ou puro produto das circunstâncias. Pelo contrário, é o somatório e a resul-
tante de todas as lutas sociais desenvolvidas em nosso país. Assim, rendemos
homenagens aos que, antes de nós, dedicaram suas vidas à construção de
um país menos injusto. Lula ergue a tocha de seus antecessores, para dizer
que vale a pena dedicar nossa existência à construção de um sonho.
Este é o primeiro governo de esquerda eleito em 500 anos de
dominação de uma elite perversa sobre os interesses do povo e do país.
UMA
NOVA POLÍTICA
DE
CIÊNCIA E TECNOLGIA *
* Solenidade de Transmissão do Cargo de Ministro de Estado de Ciência e Tecnologia, Brasília, 2 de janeiro de 2003.
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Antes de nós, os herdeiros de Zumbi e de Frei Caneca, os abolicionistas, os
republicanos, os federalistas, os democratas, os progressistas, os anarquistas,
os trabalhistas, os socialistas, os comunistas – cada um com seu projeto
histórico ou sua utopia – lutaram pela pátria, pela liberdade, pela democra-
cia, pela igualdade social, pela paz e pela soberania nacional. Antes de nós e
nos desvendando o caminho, os pioneiros da utopia industrialista do século
XIX, os que enfrentaram a questão social no século XX, os que lutaram em
todos os tempos contra todas as ditaduras. Antes de nós, lutaram aqui os
que não abdicaram do sonho de construir nesta terra uma civilização: a
civilização da liberdade, da igualdade, da justiça social, enfim, dos direitos
fundamentais de todas as dimensões. Uma civilização sempre próxima da
fraternidade e do homem solidário e sempre longe do egoísmo e do indi-
vidualismo que se converteram nos principais valores de uma elite alienada
e forânea, enclausurada nos limites de seus próprios interesses. Nosso
preito e nossa saudade aos que não puderam chegar até aqui, para conosco
partilhar da festa cívica e do grande desafio de realizar o primeiro governo
popular da história republicana.
Permitam-me três evocações pessoais:
Abro o coração para recordar a memória de meu comandante Mário
Alves de Souza Vieira, líder da resistência revolucionária à ditadura militar,
assassinado numa das câmaras de tortura instaladas no quartel da PE na
Tijuca, na minha cidade do Rio de Janeiro.
Evoco a memória do militante socialista Antônio Houaiss, exemplar
insubstituível de intelectual orgânico, primeiro presidente do Partido
Socialista Brasileiro em sua segunda fase. Choro sua ausência.
Por um mau fado do destino, uma dessas peças que a vida nos prega,
não está aqui conosco, como prometera, meu jovem amigo Evandro Lins e
Silva, fundador do meu partido e patrono dos advogados brasileiros.
Ambos, Antônio Houaiss e Evandro Lins, foram tragados pela
tragédia biológica, pouco tempo antes de poderem fruir da grande quadra
de esperança que vivemos agora.
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Senhor ministro Sardenberg. Tenho muita honra em sucedê-lo.
V. Exa. dignificou a Pasta e abriu sendas que serão percorridas.
Minhas senhoras, meus senhores.
Tem-se falado constantemente – a ponto de tornar-se consensual –
que o complexo ciência-tecnologia desempenha função estratégica no
desenvolvimento dos países e da sociedade. É preciso, no entanto, explicitar
que essa função estratégica deriva do fato de que, no decorrer da história –
e de modo mais evidente a partir da Revolução Mercantil, e sobretudo a
partir da Revolução Industrial – , a tecnologia e o conhecimento científicos,
entranhados estão no cerne dos processos por meio dos quais os povos são
continuamente reordenados em arranjos hierárquicos: em suma, a ciência e
a tecnologia, isto é, o conhecimento, usado politicamente, comanda a
hierarquização dos povos. Da revolução industrial emergiram, seja precoce,
seja tardiamente, os atuais países ricos do chamado primeiro mundo,
caracterizados exatamente por economias de alto padrão tecnológico, e os
países pobres, os outros, nós, ou, no dizer de Darcy Ribeiro, “a periferia
neocolonial de nações estruturadas menos para atender às suas próprias
necessidades do que para prover aqueles núcleos de bens e serviços em
condições subalternas”. Este é legado que devemos à perversidade de nossas
seguidas elites dirigentes.
Desenvolvimento tecnológico, ou, o que é a mesma coisa, inovação
continuada, é uma forma de expressão da ciência aplicada. Permitam-me,
pois, o truísmo: não há ciência aplicada se previamente não há ciência.
Assim, o decisivo continua sendo a livre criação do conhecimento que
viabiliza a produção de tecnologia. É esse o terreno que países ricos, deten-
tores de conhecimento científico – e, inclusive, determinadas formações
empresariais, que, por serem tão grandes, quase alcançam a posição de
verdadeiros países –, se esforçam por preservar, de modo a perpetuar sua
dominação. Não refaço essas observações, que perigosamente se aproximam
da obviedade, para lamentar a perversidade dos outros. Mas é sempre útil
tê-las em mente, para conscientizar-nos da nossa posição atual, de países
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periféricos, e estimular-nos a superar a condição de subalternidade. A
consciência da necessidade é a metade da libertação. Desta forma, nosso
destino está, antes de tudo, em nossas mãos. Isto pode ser uma utopia. Todo
plano de largo prazo o é. A questão é que não se trata de fantasia, porque é
objetivamente realizável. A experiência coreana está aí para ser revisada. São
conhecidas muitas experiências positivas de políticas governamentais
voltadas para o uso da ciência e tecnologia em prol do desenvolvimento
econômico em países como o Brasil, a Índia, a Irlanda, entre outros. Nem
seremos os primeiros, pois simplesmente estaremos percorrendo caminhos
desbravados por outros viajantes, como os Estados Unidos e a China dos
séculos XIX e XX, então países periféricos. Cada um a sua vez e segundo sua
história, construiu o bom êxito a partir do momento em que ousou recusar
o lugar que lhe havia sido consignado pela globalização da sua época. Ou
a ordem natural das coisas da cantilena liberal. Mas não foi de graça nem foi
fácil. Além dos constrangimentos impostos pelos países dominantes,
Estados Unidos e China tiveram de dedicar extraordinário esforço, do qual
participaram suas sociedades, para investir em educação e dominar a ciência
e a técnica dos países desenvolvidos. Por trás de tudo isso estava um projeto
coletivo de nação que, embora sem formalização, apontava para a necessi-
dade de rompimento com as agendas – e as pautas e os conceitos e os
preconceitos e os condicionamentos de curto prazo – impostos de fora para
dentro, e sempre com a ajuda das elites locais.
Nosso desafio é conquistar a sociedade brasileira, nosso povo, para
a convicção de que este país não conhecerá alternativa ao subdesen-
volvimento se não investir em conhecimento: educação, cultura, ciência e
tecnologia.
Não há possibilidade de nação soberana, sem autonomia científica
e tecnológica. Não há possibilidade de inserção justa na sociedade
internacional, na globalização, como se diz agora, sem soberania. Não
possibilidade de desenvolvimento econômico-social, de crescimento,
de distribuição de renda, de superação de nossa pobreza e de superação dos
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dramáticos desníveis sociais, pessoais e intra-regionais, sem altos e constantes
investimentos em ciência e tecnologia.
Não haverá democracia entre nós enquanto não assegurarmos a todos
os cidadãos igualdade de oportunidades no acesso à educação e aos benefí-
cios do conhecimento científico e tecnológico, enquanto não prestigiarmos
adequadamente nossos mestres, cientistas e técnicos. Prestigiar não é apenas
oferecer salários adequados, em conformidade com o valor que agregam às suas
produções, mas é, também, assegurar condições de trabalho, produtividade
e realização profissional.
Socialistas, interessa-nos a fundo tudo o que é humano. A função da
técnica, dizia-se já no começo da era moderna, é a de aliviar as canseiras
humanas. Por isso, defendemos o desenvolvimento científico e tecnológico
como instrumento de melhoria da qualidade de vida das pessoas, de todo o
povo brasileiro, enfim. A nova política brasileira de ciência e tecnologia,
assim, será orientada para a mudança social, a qual se configura, neste
momento, como um esforço de toda a sociedade em favor da democratização
do conhecimento científico, da técnica e dos benefícios que ela propicia.
Se não fizermos isso, o ciclo neoliberal, embora derrotado nas urnas, sobre-
viverá em nosso tempo. Para esse projeto de mudança, o papel da C&T
será fundamental, em duas vertentes: a primeira configurada pela busca ao
atendimento às carências sociais mais graves do nosso povo, definidas como
prioridade pelo governo Lula; a segunda, no desenvolvimento de instru-
mental técnico-científico-estratégico contributivo para a sustentabilidade
do desenvolvimento nacional em largo prazo.
Não estamos, desde logo, estabelecendo prioridades precisas, mas é
evidente que algumas ações cobram nossa atenção. Assim, precisamos
avançar em áreas estratégicas como o programa espacial, a tecnologia da
informação, as mudanças climáticas, o uso sustentável da biodiversidade e
as relações entre ciência e tecnologia e defesa nacional. Precisamos enfrentar
todos os campos em que se revelar mais aguda nossa dependência. É o caso,
por exemplo, da energia. A história do Oriente Médio, dilacerado por
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invasões, pelo colonialismo, por guerras passadas, guerras presentes, guerras
prometidas e guerras futuras, expõe, para nossa oportuna reflexão, o caráter
dramático, ou trágico, da combinação de recursos estratégicos e sociedades
atrasadas. A iminência da guerra imperialista, e esta com data marcada,
pode expor, de forma escandalosa, nossa vulnerabilidade, com a escassez seja
de combustível, seja de insumos básicos, seja até de remédios. A proximi-
dade do fim do ciclo do petróleo – ainda na raiz de guerras, dominação e
saques –, deve nos encaminhar para a pesquisa de fontes alternativas, como
a energia eólica, a energia solar, a bioenergia, enfim, uma nova matriz
baseada em fontes renováveis.
A Amazônia, por seu potencial hídrico, energético, alimentar, mineral
e genético, pela riqueza de sua flora e fauna e pela sua importância geopolítica,
cobra nossa preocupação permanente.
Como a biotecnologia, a política nuclear e espacial, a produção de
fármacos, fertilizantes, alimentos, fibras, resinas e outras matérias-primas
industriais, baseadas na diversidade biológica e na informação genética.
Os países que conseguiram construir parques industriais e tecnológicos
dependeram da mobilização de suas sociedades, do papel de suas lideranças
sociais e políticas empenhadas em criar as condições objetivas necessárias
ao desenvolvimento da produção do conhecimento. Quer isso dizer que o
desafio colocado diante de nós será enfrentado e vencido se conseguirmos
mobilizar e liderar a sociedade brasileira para esse enfrentamento. Não será
tarefa de um só ministério ou só do governo Lula.
Para nós, a política de C&T deve ser vista como questão de Estado.
Será comandada pelo MCT, mas em articulação com todo o Governo Federal,
com os estados, com a comunidade científica, com o empresariado e com os
trabalhadores. Esperamos contar com os meios de comunicação de massa.
O governo Lula tem metas objetivas, às quais devemos dar sustentação.
Da meta central – o homem – derivam o crescimento e a desconcentração
de renda, como meios de combater a miséria e a exclusão social. Até por
que, essa concentração exacerbada é insustentável mesmo a médio prazo. E
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nada pode ser mais ético do que orientar as pesquisas para o atendimento
das necessidades maiores de milhões de homens e mulheres segregados das
riquezas materiais e culturais que o capitalismo vem produzindo. Obstrui
os fluxos de consumo, trava, ciclicamente, a reprodução do capital e conduz
à estagnação, à crise e à descontinuidade do crescimento e da democracia.
O MCT pode aportar contribuição decisiva para oferecer à meta do
combate à fome, anunciada como prioridade pelo presidente Lula, princi-
palmente nas condições de sustentabilidade da produção agrícola e da
agroindústria. Precisamos aumentar a produção de alimentos, melhorar sua
qualidade e dar eficiência à sua distribuição. Esta questão é estratégica
também do ponto de vista planetário, diante do esgotamento do modelo
baseado na utilização intensiva das terras agriculturáveis, de insumos quími-
cos e venenos, com a conseqüente destruição de solos e dos recursos naturais,
o aumento da poluição e dos danos à saúde e o consumo exagerado de recursos
e de energia, cada vez mais escassos. A crise ambiental anunciada sinaliza
por mudanças favorecendo nossa opção pelo desenvolvimento de linhagens
de microorganismos que fazem a fixação biológica do nitrogênio atmosférico,
eliminando a necessidade de fertilizantes nitrogenados, chave de uma futura
agricultura sustentável e de alta produtividade, como demonstram nossas
experiências com a produção de soja e da cana-de-açúcar.
O MCT será companheiro do presidente Lula no seu esforço de fazer
a economia brasileira voltar a crescer, gerar os empregos necessários e, ao
mesmo tempo, distribuir a renda gerada pelo desenvolvimento. Por isso, a
ciência e a tecnologia serão usadas para elevar os níveis de educação e saúde
do povo, agregar valor a nossos produtos, aumentar-lhes a competitividade
no mercado internacional, democratizar o acesso à informação e ao conheci-
mento, expandir a oferta de postos de trabalho, promover um desenvolvi-
mento que respeite o meio ambiente, enfim, promover a melhoria continuada
da qualidade de vida de nosso povo. Sem ter cerceada a indispensável auto-
nomia da pesquisa científica e a demanda espontânea, que estimularemos e
fomentaremos, faz-se necessário estabelecer uma vinculação efetiva entre
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desenvolvimento científico e tecnológico e as prioridades do Governo nos
campos da produção e dos serviços, aprofundando e indo para além daquelas
áreas nas quais o Brasil possui excelência, como, exemplificativamente, a
exploração de petróleo em águas profundas, engenharia civil e informatiza-
ção bancária. Isso implica conferir atenção especial a questões como educação,
saneamento, alimentação, saúde, habitação e conservação ambiental e busca
de novas tecnologias que permitam agregar valor à produção brasileira em
geral, ampliar o emprego no país, contribuir para o equilíbio da balança
de pagamentos, eventualmente suportado por uma política de substituição
de importações, para cuja implementação será convocado o empresariado
brasileiro.
A pesquisa básica, realizada quase exclusivamente nas universidades e
instituições públicas, atravessa um bom momento a despeito do desalento
que se abateu sobre professores em anos recentes, motivado, em grande
parte, pela falta de recursos adequados, bem como pela redução de seu
horizonte de expectativas.
Tanto é assim que conseguimos sair da situação constrangedora em
que nos encontrávamos alguns anos atrás, quando o volume de trabalhos
publicados em revistas científicas de primeira linha estava abaixo da pro-
dução do Irã e do Iraque. Hoje, ela representa cerca de 9.000 publicações
originais por ano em revistas internacionais indexadas, o que corresponde ao
17º lugar em todo o mundo. Este número, embora promissor, representa
apenas 1,3% do total mundial, e nos coloca atrás da Coréia do Sul, da
Suécia, da Holanda e da Austrália. A Suécia, por exemplo, com uma
população de 8,8 milhões de habitantes, publicou, em 2002, perto de 14
mil trabalhos. Mas, e eis um dado animador, já estamos formando cerca
de seis mil doutores por ano, número comparável ao de países como
Itália, Canadá e China.
Esses números, contudo, embutem uma grave anomalia, qual seja, a
concentração, tanto de publicações originais como de novos doutores, nas
áreas Sul e Sudeste, com o Estado de São Paulo detendo 50% dos novos
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cientistas, enquanto a região Norte detém cerca de 10% do total. Isto mostra
a que distância nos encontramos da integração nacional.
Seja como for, a situação está longe de corresponder às necessidades
atuais do país e muito menos às suas potencialidades. Para começar, se
tomarmos por base uma referência combinando o tamanho de nossa população
com o tamanho da economia brasileira no quadro mundial, deveríamos
estar publicando, pelo menos, o dobro do número de trabalhos e formando
cerca de 10 mil doutores por ano. E Esta será nossa meta mínima até o final
do governo Lula.
No que diz respeito, entretanto, à ciência aplicada, a situação é vexa-
tória, pois ocupamos o 43º lugar numa classificação elaborada pela ONU,
abaixo do Panamá e da Costa Rica. Para compreender rapidamente tal
situação basta lembrar que enquanto a Coréia do Sul registrou 3.472 patentes
nos Estados Unidos, em 2002, não passamos do inexpressivo número
de 113 registros. Aplicando apenas algo como 1% do PIB em Ciência e
Tecnologia, o Brasil fica, também, abaixo da Coréia do Sul, que aplica 2,5%.
Além de aumentar os investimentos, a União precisa investir no
registro de patentes.
Do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, nossas limitações
são muito grandes e a fragilidade no domínio da inovação é evidente. O
modelo substituidor de importações, praticado no Brasil entre os anos de
1940 e 1970, não substituía a importação de tecnologia. De outra parte, o
modelo de industrialização dependente não ensejava a pesquisa industrial
privada, basicamente concentrada nas matrizes das multinacionais. O
empresariado nacional ou não tinha fôlego para grandes investimentos ou
não tinha compreensão para sua importância,; pragmaticamente, optou, de
forma recorrente, pela aquisição de tecnologia estrangeira porque represen-
tava um custo privado menor que o incorrido no desenvolvimento interno.
O formato do setor industrial brasileiro, fortemente oligopolizado, também
não tinha porque exercitar a competição via inovação. Como fazer pesquisa
científico-tecnológica desligada do seu entorno industrial, econômico e
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social? O processo de privatização predatório, adotado pelo governo passado,
foi outro fator de desmobilização, com a destruição dos centros de pesquisa
das empresas estatais privatizadas, como foi o caso exemplar do CPqD da
Telebrás. As exceções, ao modelo inibidor, ainda se devem unicamente a
investimentos estatais, como é o caso da Petrobras, da Embrapa, do ITA –
a quem verdadeiramente se deve o sucesso da Embraer privatizada – como a
tecnologia nacional de enriquecimento de urânio, desenvolvida pela Marinha.
A incipiência da pesquisa aplicada, se confrontada com a escala de
nossas carências, representa o maior entrave à conquista, pelo país, de sua
autonomia tecnológica, consequentemente da conquista das condições de
atendimento às nossas emergências sociais e de ampliação da competitivi-
dade brasileira no mercado globalizado.
A principal causa desse problema reside no fato de que a empresa
privada brasileira, e particularmente a indústria, ainda está muito longe
de desempenhar todo o papel que dela se espera no campo da inovação
tecnológica. Em países desenvolvidos, mais de 70% dos resultados das
pesquisas têm aplicação tecnológica, e grande parte dos recursos destinados
à inovação é sustentada pela própria indústria. No Brasil, a situação é
rigorosamente inversa: o governo, além de sustentar a pesquisa básica, tem
de prover os meios para execução da pesquisa aplicada.
Como resultado, é insuficiente nossa capacidade de produzir e expor-
tar produtos e serviços competitivos e de alta qualidade que ostentem as
inovações permanentemente exigidas pelos mercados internacionais. Esses
setores praticamente não despertaram – ou não atentaram tanto quanto
poderiam – para a necessidade de manter um esforço sistemático de inves-
tigação que conduza não só ao domínio de todos os processos de produção
em si, como ao aperfeiçoamento e desenvolvimento de novos métodos
e produtos. Assim, com raras exceções, contentam-se ambos em utilizar
conhecimentos de segunda mão pelos quais pagam não só pesados royalties
como o alto preço da permanente dependência à criatividade e visão de
grandes empresas internacionais.
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Daí decorre estarmos condenados a tentar acompanhar as referências
internacionais empregando, em escalas variáveis, componentes fabricados
noutros países, ou optar pela alternativa de fabricar produtos abaixo desses
padrões, com reflexos negativos tanto para o nosso desenvolvimento indus-
trial como para a balança de pagamentos.
Pelas mesmas razões, a população brasileira deixa de ter acesso a bens
e serviços de alto valor tecnológico, ainda restrito a uma minoria dotada de
condições para pagar por seus custos de importação.
Mudar esta situação, em médio prazo, e desenvolver a parte específica
que lhe cabe no processo, é uma das responsabilidades que a nova adminis-
tração do MCT quer assumir.
O conhecimento deste quadro tem levado, nos últimos anos, os gestores
da ciência e tecnologia em nosso país a privilegiar a aplicação de recursos na
área de pesquisa aplicada, parte deles subtraída de recursos e fontes antes
destinados à pesquisa básica. Esta opção, completamente equivocada,
desconhece que os cientistas que atuam em áreas aplicadas são formados
através de cursos de pós-graduação cuja excelência decorre, exatamente, da
qualificação de professores dedicados, em tempo integral, à pesquisa básica,
e de sua participação nas mesmas em situação real de trabalho. Negligencia,
também, o fato de que o sucesso de projetos nas áreas aplicadas impõe a
existência de vínculos permanentes com aquelas áreas acadêmicas de
que depende, tanto para receber pessoal qualificado, quanto para a solução
de problemas nas respectivas esferas de conhecimento. Nossa visão, neste
particular, é que a pesquisa pura, ou básica, e a pesquisa aplicada, ou tec-
nológica, são parte de um mesmo conjunto e se constituem manifestações
de uma mesma e indissociável atividade, não havendo como priorizar uma
delas sem prejudicar a ambas.
O sucesso da Petrobras na pesquisa de petróleo em águas profundas,
em que realizou inovações tecnológicas de importância estratégica e assumiu
posição de destaque internacionalmente reconhecida, resultou, em grande
parte, do suporte fornecido por especialistas de centros de pesquisa básica.
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A geologia brasileira está entre as melhores do mundo e esse status, diga-se
de passagem, se deve aos investimentos, feitos a partir de 1955, na criação
de centros de excelência no setor, e à formação de pessoal. A Embrapa,
considerada a maior e mais bem-sucedida empresa de tecnologia
agropecuária aplicada às condições tropicais, inclusive no campo da biotec-
nologia, recrutou seu pessoal de centros universitários de excelência, com os
quais mantém estreita cooperação. A Embraer, que introduziu nosso país na
sofisticada indústria da aviação civil e militar, teve suas bases no Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA), um dos mais respeitados centros de
formação de pessoal da América Latina nas áreas das engenharias. Estes
sucessos pontuais poderiam ter sido estendidos a muitas outras áreas,
inclusive à de produção de medicamentos, setor em que o Brasil continua
dependente da importação até de sais destinados a simples analgésicos. Esses
comentários, também, podem ser referidos à biotecnologia, aos semicondu-
tores, à engenharia genética, física nuclear, nanotecnologia, à ciência da
computação e a muitos outros campos nos quais, a despeito de todas as
dificuldades, já conseguimos estabelecer uma base promissora. Por exemplo,
somos detentores de conhecimento e tecnologia originais no setor do álcool
da cana-de-açúcar e capazes de, a qualquer momento, revitalizar o Pró-Álcool
com tecnologia competitiva.
A Universidade e os centros isolados de pesquisa acadêmica devem-se
constituir em base de qualquer programa de ciência e tecnologia, posto que
a eles corresponde a missão não só de formar pessoal como de criar novas
idéias e apoiar todos os esforços no campo das inovações tecnológicas. No
Brasil, entretanto, estas instituições estão cada vez menos aparelhadas para
cumprir sua missão, os valores de bolsas e salários estão defasados e, como
dissemos, o horizonte de expectativas de seus pesquisadores encontra-se não
só extremamente limitado como povoado de ameaças de toda a sorte.
Mesmo assim, o governo passado pretendeu criar uma alta tecnologia,
inclusive em áreas de importância estratégica e de grande complexidade,
sem consideração a essas premisssas, sem projeto de formação de pessoal,
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sem o concurso por todos os títulos indispensável, de instituições satélites
básicas e tecnológicas. É o caso, por exemplo, do Sistema de Vigilância
da Amazônia, Sivam. Embora reconhecido como um dos mais amplos e
complexos projetos do mundo ocidental, seus formuladores negligenciaram
o fato de que, sem um vasto quadro de profissionais muito bem treinados
nas técnicas de detectar e analisar dados, esse belo sistema pode se tornar
completamente inútil. Forçoso lembrar que enquanto o Sivam, cuja
importância não se discute, repetimos, foi instalado a um custo de um
bilhão e quatrocentos milhões de dólares, instituições de respeitadas
tradições de trabalho científico, como o INPA, não puderam pôr em
prática seus programas, à falta de cinco bilhões de dólares.
As dimensões continentais do Brasil nos colocam diante da necessi-
dade de realizar estudos e pesquisas permanentes não só sobre a Amazônia,
mas, também, sobre outras regiões, como o semi-árido e o cerrado, que
precisamos melhor conhecer para desenvolver e preservar, cada uma delas
com agudos e complexos desafios que não podem ser enfrentados senão
pela via do trabalho científico multidisciplinar e integrado.
As Forças Armadas, que já deram provas de capacidade para criar
e desenvolver atividades de pesquisa da mais alta qualificação e valor
estratégico, como é o caso dos centros de pesquisa nuclear da Marinha, do
Instituto Militar de Engenharia e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica,
precisam não só ser apoiadas como inseridas neste conjunto integrado.
Formou-se entre nós um bolsão de riqueza imerso num mundo de
pobreza, miséria, atraso e marginalidade. A concentração econômica – inerente
à reprodução ampliada do capital, mas que ciclicamente exacerba-se e agride
o próprio sistema que constrói – impôs no Brasil a exclusão social e o desequi-
líbrio regional, aumentando a pobreza daquelas regiões que não conseguiram
acompanhar o projeto industrial. A exclusão econômica tem repercussão
na exclusão política, na exclusão cultural, na exclusão da informação, do
conhecimento, da ciência e da tecnologia. Os absurdos desníveis regionais,
resultantes do modelo de desenvolvimento capitalista pelo qual optaram
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nossas elites dirigentes, fazem parte do processo geral de concentração e exclusão
socioeconômica. Quando esse desnível se aplica ao ensino, à ciência e à
tecnologia, transforma-se em instrumento de reprodução do modelo.
Em uma só região brasileira, o Sudeste, se concentram 64% dos
cursos de mestrado em P&D; 80% dos cursos de doutorado; 71% dos
professores com pós-graduação; 63% dos bolsistas da Capes em cursos de
mestrado; 80% dos bolsistas da Capes em cursos de doutorado, 86% dos
bolsistas do CNPq em cursos de doutorado. Nessa área, foram aplicados
66% dos recursos do CNPq.
Como muito bem observaram os companheiros da equipe de transição
que cuidou do setor C&T, fazer hoje o discurso do prêmio à competência esta-
belecida e ignorar as origens das diversidades apontadas na distribuição compe-
titiva dos recursos federais é cristalizar uma situação de injustiça histórica.
Sem que isso signifique qualquer ameaça de subtração de recursos,
precisamos encontrar meios de fomentar o ensino, a pesquisa e a inovação
tecnológica em todas as regiões do país, fixando o pesquisador em sua uni-
versidade de origem.
É preciso destacar o mérito do MCT na criação dos fundos setoriais,
como novo mecanismo, não orçamentário, para gerar recursos para a área de
C&T provenientes do sistema produtivo. Eles precisam, porém, ter revistos
seus métodos de administração e gestão, que devem ser mais democráticos,
com maior participação da sociedade, inclusive dos trabalhadores, e contem-
plar a pesquisa básica. Mas, afirme-se desde logo, sua existência não pode
continuar sendo usada como justificativa para a não-alocação de recursos
orçamentários para o fomento do CNPq e da Finep.
Os salários dos professores e pesquisadores atingem os mais baixos
níveis da década, e as bolsas de estudos não conhecem reajuste e praticamente
estão fechadas a novos alunos e pesquisadores, que não conseguem ingressar
no sistema do CNPq. Atualmente, apenas 16% dos alunos de mestrado e
30% dos alunos de doutorado são bolsistas. Uma política irresponsável
de privatização, de par com a desestruturação do ensino público, degradou
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MA NOVA POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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o ensino médio e compeliu 70% do alunado brasileiro, no geral os mais
pobres, a procurar as escolas superiores privadas. Esse ensino, de qualidade
quase sempre discutível, despreza as áreas científicas e não investe em
pesquisa. O ensino médio, sem laboratórios, se ressente de professores de
ciências, física, química, matemática e biologia, que a universidade não
forma. Assim, retardatários, caminhamos na contramão da experiência
dos países centrais, nos quais o sistema de ensino em geral e a universidade
ocupam lugar especial nas políticas públicas.
O governo Lula não será um arquipélago. Vamos integrar nossos
esforços aos esforços do Ministério da Educação, visando à formação de
professores de ensino médio. Uma das primeiras ações do governo do
Presidente Lula, mediante a articulação do MCT e do MEC com os governos
estaduais, será, no prazo de quatro anos, dotar todas as escolas públicas de
ensino médio de laboratórios para o ensino das ciências.
O Presidente da República reitera os compromissos de campanha.
O governo aumentará progressivamente o percentual do PIB para a nossa
área, que hoje está em torno de 1% do PIB, para algo próximo de 2% do
PIB até o final de seu mandato, incluindo aí o apoio a segmentos específicos
de pós-graduação que forem definidos como prioritários. Nossa primeira
preocupação será uma ação em conjunto com o Ministério da Educação
visando à revisão do valor das bolsas da Capes e do CNPq. O Presidente
recuperará e fortalecerá o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, como
instrumento de formulação de políticas e estratégias. Reestruturado, o
Conselho deverá ter a participação dos Presidentes de importantes órgãos
federais e de empresas, como BNDES, Petrobras e representação significativa
da comunidade científica, das classes empresariais e dos trabalhadores.
O Estado recuperará seu papel indutor e o MCT terá fortalecido seu papel
como formulador e coordenador das políticas de C&T. Esta ação não
pode ser terceirizada.
Nossa administração será democrática e transparente e acima de
tudo, participativa, envolvendo os mais variados setores da sociedade, da
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SOLENIDADE DE TRANSMISSÃO DO CARGO DE MINISTRO DE ESTADO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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comunidade científica, do empresariado e dos trabalhadores. Transparência
que compreende a administração dos fundos e a execução orçamentária.
Nenhuma decisão fundamental será adotada sem a prévia audiência social.
A sociedade deverá influir na nova regulamentação dos fundos, nas priori-
dades científicas. Queremos discutir com a sociedade, entre outras, a proposta
da lei de inovação.
Pretendemos realizar, com a participação efetiva de todos os setores
interessados, conferências periódicas, precedidas de conferências estaduais.
Estimularemos os fóruns de secretários de ciência e tecnologia e dos presi-
dentes das FAPs a buscar novos mecanismos de financiamento em parceria
com os Estados, adotando o princípio da contrapartida da União a cada
investimento estadual. O CNPq e a Finep deverão se articular com os
Estados e publicar editais conjuntos.
Discutiremos com nossos colegas de Ministério a cooperação de nossas
pastas em todas as questões. Menciono a questão ambiental, a política de
tecnologias limpas, a política de patentes, a política de padrões, a política
aeroespacial, a pesquisa e produção de alimentos, o reequipamento dos
laboratórios públicos, a participação dos hospitais-escola no esforço de
desenvolvimento científico-tecnológico.
Da maior importância será a área de intercâmbio internacional.
Os acordos atuais serão aprofundados e novas prioridades serão criadas,
compreendendo o intercâmbio científico como mão dupla. Interessa-nos
uma maior aproximação com a Comunidade Européia, tanto quanto o
fortalecimento de C&T em nosso continente, que não pode ficar restrito
aos esforços de Brasil, Argentina e Chile. Relativamente ao Mercosul, é
oportuno lembrar que a ciência e a tecnologia desempenharam papel
fundamental em sua linha evolutiva: o processo de integração só se tornou
possível com o fim das disputas entre Brasil e Argentina em torno do
aproveitamento hidroelétrico das usinas de Itaipu e Corpus, de que se
seguiu o Protocolo de Cooperação Nuclear entre os dois países. Os mais
recentes desenvolvimentos de monta no âmbito da integração são os acordos
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MA NOVA POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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de cooperação visando à integração energética; além dos quatro membros
do Mercosul, já participam a Bolívia (membro associado) e a Venezuela. É
preciso colaborar com os demais países do continente, como é fundamental
colaborar com a África do Sul e as ex-colônias portuguesas de África e
Ásia. Nosso intercâmbio com China, Cuba e Índia deve crescer, o mesmo
acontecendo com a Rússia e a Ucrânia. O Brasil procurará auferir o máximo
de recursos dessa diversidade de parcerias.
Prioridade daremos à popularização das questões da ciência e da
tecnologia. Trata-se de tarefa da maior importância política e ideológica.
Precisamos levar a ciência para o dia-a-dia de cada brasileiro, para que cada
cidadã e cidadão, cada contribuinte, entendendo a importância da pesquisa
e da inovação na qualidade de sua vida, se transforme em seu defensor.
Mobilizaremos todas as forças disponíveis.
Vamos rever a estrutura do MCT, que deve prever uma Secretaria de
Tecnologia para o desenvolvimento socioambiental e integrar num complexo
harmônico as unidades que compõem nossa estrutura. O CNPq, fortalecido,
ampliará seu apoio à pesquisa básica em todas as áreas do conhecimento.
Cabe à Finep dedicar-se à promoção do desenvolvimento tecnológico, apoiando,
sobretudo, as micro e pequenas empresas e retornando ao tradicional apoio
à infra-estrutura de instituições de pesquisa em todas as áreas, inclusive as
sociais, responsável pela consolidação de nossas principais instituições.
O governo conta com a estreita colaboração do Poder Legislativo,
que já discute o uso soberano da Base de Alcântara e a lei de inovação.
Com ele, queremos discutir a lei da propriedade industrial, cujos termos
foram impostos ao país e que não servem aos interesses nacionais.
Lutaremos, finalmente, por uma política de planejamento estratégico
que contemple o médio e o longo prazos e que tenha como fundamento
a continuidade das ações, de projetos, programas e investimentos.
É preciso superar todas as amarras, todos os condicionantes, objetivos
e ideológicos, para que o velho não sobreviva no novo. Daí a importância
que as ciências humanas terão no CNPq.
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SOLENIDADE DE TRANSMISSÃO DO CARGO DE MINISTRO DE ESTADO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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Nosso compromisso é com a mudança.
Quero, de forma muito comovida, agradecer à confiança de meu Partido.
Agradeço a todos os militantes, mas de forma particular ao presidente
Miguel Arraes, liderança que admiro, uma das colunas da luta social-
popular brasileira, e ao companheiro Anthony Garotinho, que pude conhecer
melhor na campanha presidencial, e de quem tanto espera a militância de
nosso Partido.
Quero agradecer a confiança – que honra e enaltece – do presidente
Lula, que aprendi a admirar nos idos de 1988, quando, quixotes retardatários,
intentávamos, com Jamil Haddad, José Dirceu e Gusiken, a construção da
Frente Brasil-Popular, fonte e ponto de partida para a inesquecível campanha
de 1989, raiz da vitória de 2002.
É uma honra histórica participar deste Ministério.
Nosso dever é servir ao governo do presidente Lula. Servindo-o com
competência e lealdade, estou certo de que estarei servindo ao meu Partido,
ao meu país e ao povo brasileiro, meio, fonte e fim.
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MA NOVA POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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TECNOLOGIA
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DISCURSO À DIRETORIA E MEMBROS DA ABDIB
(Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base),
BRASÍLIA, 10 DE ABRIL DE 2003.
Senhor presidente, minhas senhoras, meus senhores, membros da
Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base,
Posso dizer, senhor presidente, que as palavras com as quais acaba de
me saudar poderiam constituir o discurso de qualquer membro do governo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, particularmente do ministro da
Ciência e Tecnologia. Queremos o diálogo, buscamos o diálogo, mais do
que o diálogo, a interação, o companheirismo. Queremos que os senhores
partilhem não apenas das discussões, mas, igualmente, do processo decisório.
Movem-nos razões políticas, razões ideológicas e razões de necessidade.
Compreendemos ser impossível administrar a política de Ciência e
Tecnologia em nosso país se não dispusermos de uma política industrial a
ela contemporânea. É igualmente impossível pensar em uma coisa sem a
outra, pois elas são interdependentes e reclamam a participação ativa do
setor produtivo do país.
Alguns dos senhores, com os quais tive o prazer de me reunir
comparecendo a outras associações e entidades de classe, já devem ter ouvido
minha proposta de diálogo e cooperação. Permitam-me, pois, o risco de
repetição. A primeira entidade que visitei foi a Fiesp. A segunda, outra
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POLÍTICA DE
CIÊNCIA
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TECNOLOGIA
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instituição de classe, a Firjan. E a terceira também seria uma instituição de
classe, a CNI. Essas visitas não se fizeram ao acaso, nem as entidades
foram escolhidas ao azar. A escolha meditada reflete nossa preocupação,
do nosso governo e de nosso ministério e deve ser recebida como uma
sinalização para o empresariado e a sociedade.
Qual a linha que permeia nosso ministério? A necessidade de
contribuirmos para o processo de desenvolvimento do país. De um lado,
agregando valor aos itens atuais da nossa pauta de exportações, de outra
parte participando do processo de substituição seletiva de importações,
sem a retomada de incentivos fiscais ou o apelo a políticas de reserva de
mercado, mas, por meio da inovação tecnológica, de novo agregando valor,
contribuindo para que a indústria brasileira possa substituir produtos, peças
e equipamentos cuja importação hoje se faz necessária. De uma forma e de
outra, aumentando nossa competitividade em um mercado ao mesmo
tempo globalizado e seletivo, aberto e protecionista.
Para esse esforço será fundamental a participação da universidade
brasileira. E nós todos precisamos romper com nossos preconceitos mútuos.
A universidade não pode perder de vista que o investimento público que
gera o ensino, a pesquisa e a tecnologia é financiado por toda a sociedade,
pelos cidadãos-contribuintes que não têm filhos na universidade e que
sequer passaram pelas calçadas das universidades e que não têm a menor
esperança de verem seus filhos na universidade. Portanto, essa pesquisa e
essa inovação precisam estar disponíveis ao desenvolvimento do país.
A empresa privada e o empresariado precisam compreender que somos
aliados nesse esforço e que eles devem participar – permitam-me a observação
– com mais cumplicidade, com mais dispêndio, com mais dedicação do
esforço criativo de tecnologia e de inovação, seja na área industrial, seja na
área agrícola, seja na área de bens; seja investindo em pesquisa científica.
Há, neste país, uma distorção que não vem de hoje. Possivelmente
temos visões distintas do modelo de importação capitalista e industrial do
nosso país. Sou crítico desse modelo. Permitam-me que eu o seja. O processo
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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de substituição de importações que herdamos dos anos 50 não foi
produtor de inovação nem ensejou transferência de tecnologia. Mais que
um exemplo, um paradigma desse modelo é a indústria automobilística
brasileira. Alimentada pela reserva de mercado, ela se caracterizou pela
importação de máquinas e equipamentos ajustados à produção de modelos
obsoletos em suas matrizes. A industrialização se fez mediante a importação
de fábricas, produtos e modelos.
Esse paradigma da dependência tecnológica, num mercado que
desconhecia a concorrência, dispensava o investimento em inovação.
Por isso, o país não investiu e agora investe muito pouco em ciência
e tecnologia. E ainda se trata de investimento desequilibrado, porque não
conta com a participação correspondente da empresa privada brasileira.
Os Estados, governos e iniciativas municipais, isto é, o poder público, é
responsável por mais de 80% dos recursos aplicados em Ciência e Tecnologia.
São as universidades públicas federais e estaduais responsáveis por mais
de 90% da pesquisa universitária brasileira. Essa pirâmide é exatamente o
contrário do que ocorre na Europa desenvolvida, inclusive na Espanha, e
nos Estados Unidos. Naquele país, a iniciativa privada responde por quase
90% dos investimentos. Na Europa, esses investimentos chegam perto dos
80%, e na Espanha, cujo estágio de desenvolvimento pode ser considerado
equiparável ao nosso, os investimentos privados estão em torno de 60%. É
preciso lembrar, porém, que nosso país vive, há pelo menos 20 anos, em um
regime econômico permanentemente beirando a recessão, enquanto a carga
tributária faz do Estado sócio privilegiado dos lucros empresariais e as
elevadas taxas de juros fazem do setor financeiro um sócio privilegiado dos
lucros empresariais. Tudo isso de par com a instabilidade econômico-
financeira, a crise crônica da dívida pública e da balança de pagamentos.
Como apostar em inovação tecnológica?
Faço essas observações para dizer que temos de cobrar da iniciativa
privada mais participação, mas, ao mesmo tempo, assegurando-lhe mais
oportunidade de participação. Principalmente da média empresa, da pequena
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DISCURSO À DIRETORIA E MEMBROS DA ABDIB
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e média empresa de base tecnológica, aquela que mais sofre com o alto custo
do capital.
O desenvolvimento científico e o desenvolvimento tecnológico são
desafios que dizem respeito ao futuro do país. Temos projeto de futuro,
projeto de construir nesse país uma civilização à altura de nosso povo. Temos
de dar saltos. Não nos basta simplesmente crescer na área tecnológica.
Precisamos dar saltos. Precisamos crescer com urgência. E sem esse cresci-
mento não conseguiremos o desenvolvimento do país, nem a médio nem a
longo prazos. Não aplacaremos a violência desse país, que é resultado da
exclusão social, que é resultado da pobreza do povo de um país – talvez o
maior exportador de grãos do mundo, e ao mesmo tempo, com 40, 30 milhões
de pessoas sem o direito a uma refeição por dia. Nós, os que não podemos
nos orgulhar deste quadro, temos um compromisso, acima de tudo, ético de
mudar essa realidade. Mas já sabemos que nada faremos se não associarmos
a vontade política ao desenvolvimento científico e tecnológico deste país.
O quadro internacional, já de anos deteriorado, associa, ao fim da guerra-
fria, a emergência da unipolaridade e, dela decorrente, a paz americana,
qual a conhecemos no Oriente Médio, e a globalização do mercado, e da
vida, com a hegemonia do hemisfério Norte. Nesse quadro, é fundamental
compreender quanto é crucial para nós o domínio da tecnologia.
Nosso país, desse ponto de vista, revela várias fragilidades. É alta nossa
dependência de insumos básicos, de tecnologias, de conhecimento. É ainda
relativamente pequena nossa produção científica; ao invés de produzir
patentes, pagamos royalties. Precisamos de uma política de desenvolvimento
e de desenvolvimento autônomo. Não se veja nisso qualquer dose de xeno-
fobismo. Se no quadro internacional não há mais espaço para desenvolvimento
absolutamente autóctone – nenhum país é uma ilha – é preciso que
saibamos, hoje mais do que nunca, que, se não dominarmos a tecnologia
de que carecemos, senhores do nosso próprio desenvolvimento, continuaremos
por muitos anos como um país permanentemente emergente, permanente-
mente candidato ao desenvolvimento, permanentemente candidato à
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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realização de seu projeto de potência. Permanentemente postergando o
futuro.
Espero que o debate que se seguirá seja possibilitador da troca de
idéias e o esclarecimento mútuo de nossas posições, ensejando a construção
do consenso necessário sobre o projeto do país. Com vistas a tal objetivo este
é apenas um primeiro encontro, o primeiro momento de nossa parceria.
A partir desses consensos setoriais, entendimento por entendimento,
precisamos construir nosso projeto de sociedade, nosso projeto de futuro,
nosso projeto de nação. Que civilização pretendemos construir nestes
trópicos? Que país pretendemos para nossos filhos? Estas respostas consti-
tuem o projeto nacional. Não se trata de programa de Estado, mas de
projeto a ser construído por toda a sociedade.
Desconhecemos na história moderna, em nossos países, a construção
de um projeto de país que não tenha partido de um projeto de nação. Trata-
se de projeto anterior ao Estado, que, sem derivar da institucionalidade,
seja seu condicionante, um projeto que alimente o Estado, que alimente
a política e que a política seja dele servidora. Este é o ensinamento que
recolhemos dos Estados Unidos no século XIX. Este é o exemplo que
recolhemos no século XX da China e, mais recentemente, da Coréia.
Precisamos construir na sociedade brasileira a convicção de que é preciso
construir esse país, que é possível desenvolver esse país, que temos todas as
condições de fazer desse país o território de um povo feliz. Que dispomos
de todas as condições necessárias, dispomos, como poucos, de recursos
naturais, dispomos de recursos científicos e tecnológicos. Precisamos apenas
que esse projeto deixe de ser um projeto de grupo, um projeto de elites, de
elites governamentais, de elites empresariais e se transforme num projeto da
sociedade brasileira. E que nos transformemos em servidores desse projeto.
Quando conseguirmos construir esse projeto, quando a sociedade brasileira
assumir essa bandeira da construção social, aí, sim, teremos apontado para
uma linha clara no horizonte e num horizonte próximo.
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DISCURSO À DIRETORIA E MEMBROS DA ABDIB
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Senhor presidente, estou aqui para dizer aos senhores que queremos o
diálogo, queremos conversar. Estamos permanentemente dispostos a con-
versar. Estamos abertos a aumentar a participação empresarial na
administração, na gestão e no processo decisório do Ministério da Ciência
e Tecnologia. Convido os senhores a participar do nosso esforço no
Ministério da Ciência e Tecnologia. Não sou dono nem candidato a dono
da verdade. Ao país é que cabe ditar regras para a administração pública.
O administrador público é servidor do país e enquanto estiver no cargo
deve-se sentir como funcionário público, com muita honra por estar pre-
stando serviço ao seu país.
Quero estender a mão para convidá-los à integração conosco.
Muito obrigado.
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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AULA MAGNA, UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO,
UNI-RIO, RIO DE JANEIRO, 28 DE ABRIL DE 2003.
Minhas senhoras, meus senhores,
Agradeço à alta direção da UNI-Rio o convite para participar deste
evento e, em nome do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, falar
sobre a política de Ciência e Tecnologia adotada pelo seu governo de
mudanças. Professor universitário, há longos anos partícipe desta comunidade,
sei da força e da carga de significação de suas instituições e dos seus símbolos.
As considerações que aqui farei não configuram, exatamente, uma
aula magna, na tradição medieval do termo; nem mesmo uma aula inaugural,
que não se pretende maior que outras, não se realiza sob o clima autoritário
do magister dixit, tampouco impõe ao auditório a presença de alguém que
transporta a grande verdade a ser revelada. É, antes de tudo, um chama-
mento ao diálogo e uma homenagem de um colega de vocês à Universidade,
como instituição que precisa transitar do conformismo, da continuidade,
da reprodução, para a renovação, a inovação, a criação e a mudança.
O compromisso da Universidade é com o pensamento criador. O
compromisso do cientista é com a construção do novo. O passado só nos
interessa como lição para revolver o presente e construir as bases de um novo
futuro.
Estamos aqui, tão-somente, para enunciar e discutir, no início de um
ciclo acadêmico – e todo ciclo acadêmico é, deve ser, um novo ciclo aca-
dêmico, temas nacionais de interesse da nossa contemporaneidade e da per-
manência do Brasil como nação. Mas pensando sempre na construção de
um novo amanhã. Estamos aqui, pois, para trilhar um caminho de inda-
gações, formular questões e buscar construir respostas substantivas.
Precisamos duvidar, duvidar do presente, duvidar do statu quo, duvidar das
verdades que nos ensinam, das rotinas que nos querem ver repetindo.
A dúvida como método especulativo e como instrumento de trabalho.
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Questionarmo-nos sempre se o que estamos fazendo poderia ser feito
de forma diversa. Se a sociedade que herdamos poderia ser diferente, portanto,
ela pode ser modificada. Eventualmente poderemos nos confrontar com a
perplexidade de não podermos responder imediatamente a algumas das nossas
próprias indagações, talvez até as que se ligam aos aspectos mais centrais do
nosso rol de preocupações. Nesses momentos, a perplexidade deve ceder à
alegria verdadeiramente científica de conhecer o ignorado, de caminhar por
trilhas ainda não desbravadas. Menos manuais explicadores do conhecido,
relatórios do pensamento estratificado, guias de procedimentos consagra-
dos; mais dúvida, mais especulação, mais insubordinação, mais inovação.
O papel da academia é, deve ser, nestes termos, anticonformista e
revolucionário.
Como tudo mais no universo e na sociedade, a tecnologia ou discurso
da arte – lembremos que a raiz de tecnologia deriva de téchnë, arte, habilidade,
talvez uma premonição grega – é conceito que pode ser examinado de vários
aspectos, dependendo da ótica do observador e do universo de interesses
que a condicionam. Na acepção mais simples, tecnologia é apenas conheci-
mento aplicado à produção social de bens, que servem – ou deveriam servir,
em última instância – para diminuir as canseiras humanas, tornar o mundo
mais confortável e sempre menos penoso o exercício de viver em sociedade.
É pelo menos assim que se pensava no início da modernidade, época
de notável avanço técnico, em que foram criados aparelhos e instrumentos
– como os óculos, a relojoaria, o tear, o torno mecânico, o locomóvel a
vapor – cuja utilização massiva alterou completamente o rumo da história
humana, com a destruição de velhos estamentos e a criação de novas classes
sociais, novas relações de produção, novos formatos de estado, enfim, nova
formação social, nova cultura, nova civilização. Enfim, novas provocações,
novas áreas a serem conhecidas, novos problemas a serem solucionados.
O conhecimento em que se baseia a geração de novos entes tecnológi-
cos não precisa, necessariamente, ser conhecimento científico, no sentido
estrito da expressão: pode resultar da experiência individual, da observação
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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direta da realidade, assistemática, exercida pelo criador independente e de
talento, não associado ao establishment acadêmico ou científico.
Isto era mais comum há cem ou duzentos anos, no começo da
era moderna ou na fase de maturação da Revolução Industrial. De fato,
nenhum dos homens sobre cujos inventos assentaram-se as bases dessa
grande revolução veio da academia. Todos eles foram simplesmente artesãos
de talento: Gutenberg, com sua tipografia manual; Thomas Newcomen,
com seu tear mecânico; Jacob Watt, com sua máquina a vapor; Thomas Alva
Edison, com sua lâmpada elétrica.
E o nosso Santos Dumont, certamente o mais bem-sucedido dos
inventores brasileiros, era antes de tudo um amador, um pesquisador
isolado, quase um diletante.
Ocorre que a formação econômica capitalista, que se apóia na base
técnica oferecida pelo industrialismo, leva em conta fatores e condições
sobre os quais as formações sociais anteriores jamais cogitaram: o tempo,
a produção em massa, a competição entre produtores, o rebaixamento
persistente dos custos de produção, a eficiência dos produtos, a redução
da incerteza – enfim, a necessidade da inovação técnica sistemática, por
meio da qual cada competidor se aparelha para enfrentar a luta darwiniana
pela sobrevivência no mercado.
O invento – a criação em sua acepção mais larga, inclusive a criação
social – deixa de ser produto quase exclusivo, de pura vocação, de pulsões
pessoais, insights, para se converter em resposta a necessidades criadas pela
nova economia, num círculo vicioso ou virtuoso de demandas que determi-
nam novas demandas.
Sai de cena o artesão para que o proscênio seja ocupado pelo cientista.
Se a racionalidade é fundamental para a demonstração das descobertas
e para sua aplicação à realidade, o ato da descoberta científica, que é
absolutamente idêntico ao da criação artística, resulta sempre de um insight,
ou seja, de uma visão no nevoeiro, e representa sempre uma quebra de
simetria, uma invasão no escuro e uma ruptura com o que, até então, se
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AULA MAGNA, UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO – UNI-RIO
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pensava a respeito. Copérnico, Galileu, Newton, Einstein, César Lattes,
a mecânica quântica.
O maior inimigo do capitalismo é a incerteza. A concorrência, que é
o motor da destruição e da reconstrução permanente do modo de produção
capitalista – e da formação social burguesa que lhe corresponde –, não pode
esperar, no seu devir/devenir, a ocorrência aleatória do artesão de talento e
da inovação revolucionária: o sistema tem de produzir com regularidade
esse talento e essa inovação. Já em 1847, Marx e Engels escreviam, no
atualíssimo Manifesto Comunista – que Marshall Berman banalizaria 140
anos depois: “Sob o capitalismo tudo que é sólido se desmancha no ar”. Esta
sentença é a síntese completa dessa volatilidade inerente à reprodução capi-
talista, desse fazer-se e desconstruir-se para reconstruir-se outra vez.
A solução para que essa incerteza sistêmica seja suportável pode ser
encontrada na geração artificial do talento pela capacitação técnica das pes-
soas comuns, no alargamento sistemático das fronteiras do conhecimento
pela pesquisa pura e na instrumentalização das propriedades da natureza e
do pensamento em entes tecnológicos úteis, em inovações, via pesquisa
aplicada, a primeira filha da pesquisa básica ou pura.
Essa apropriação da ciência pelo sistema produtivo, sob o capitalismo
maduro, trouxe implicações profundas para a ciência e para o capitalismo:
a principal delas é que a produção de ciência – que no passado foi território
livre do especulador independente –, assim como a produção de utilidades
técnicas em que essa ciência resulta, converteu-se em um setor de produção
social específica, regido pela disciplina industrial e subordinado a todos os
demais ritos e cânones da produção capitalista de mercadorias.
Qualquer tecnologia – sirva ela para fabricar sorvete, adestrar pessoas
no domínio de línguas ou construir satélites artificiais – é mercadoria,
para o bem ou para o mal. Mercadoria que serve para produzir outras
mercadorias. Logo, mercadoria que configura bem de capital.
Isto nos autoriza a dizer que tecnologia – gerada sob o modo de
produção capitalista, dentro de um setor de produção social bem delimitado
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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e criando objetos de conhecimento apropriáveis privadamente – é capital
em estado puro. Não capital sob a forma dinheiro – que hoje é até rara de
se encontrar – mas, de qualquer forma, capital.
A digressão tão longa para chegar a essa conclusão singela – que mal
ocupa uma linha em letra de forma – pode ser longa demais, e até cansativa,
mas se presta a produzir clareza em nossa consciência de cidadãos. Assim,
quando afirmamos que o Brasil é país dependente do capital estrangeiro,
podemos não estar dizendo, na maioria das vezes, que o país é dependente
do capital-dinheiro, mas do capital sob a forma de tecnologia, cuja utilização
implica custo para o usuário e cujos proprietários e titulares têm sede e
domicílio fora do país.
Daí, derivamos duas outras asserções: primeira, a acumulação nacional
de tecnologia corresponde a uma acumulação de capital; e, segunda, o
desenvolvimento nacional depende, no que diz respeito à ação do Estado,
de uma política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico voltada
para as demandas sociais do país. Se permanecer dependente ad aeternum
do capital tecnológico externo, o país terá, no muito, o desenvolvimento que
conseguir alcançar no marco das restrições impostas desde o estrangeiro;
o terá, necessariamente, o desenvolvimento que o seu povo precisa e quer.
O setor de atividade econômica que, nos últimos 250 anos, arrastou
e deu formato à sociedade ocidental, foi a indústria. E a mercadoria indus-
trial que acabou se tornando a essência do industrialismo – embora, diante
do senso comum, não seja, por óbvio, a de maior visibilidade – é a tecnologia.
País de industrialização tardia, nada espanta que o Brasil seja,
também, um produtor mercantil tardio do capital tecnológico. E tardio,
também, no incorporar aos seus valores culturais a noção de que a
pesquisa aplicada conforma um setor de produção social, economicamente
valorável – não uma geradora de erudição científica pura e simples –, e
que a acumulação de tecnologia é, para todos os efeitos, uma forma de
acumulação de capital. A mais efetiva, aliás, para fins de aceleração do
desenvolvimento nacional.
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A criação dessa cultura, que valoriza e favorece o desenvolvimento
científico e tecnológico, inseparável do desenvolvimento econômico e social
do país, é objeto de uma política de Estado no Brasil: a Política Nacional de
Ciência e Tecnologia. Ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) cabe,
na liderança da comunidade científica e tecnológica brasileira, formular,
propor e coordenar a execução dessa Política. Quais fundamentos e
prioridades conferem significado social à Política Nacional de Ciência
e Tecnologia é o que discutiremos a seguir.
A Política Nacional de C&T (chamemo-la assim, daqui por diante,
com alguma intimidade) funda-se em demandas e carências brasileiras,
estruturais e conjunturais, reveladas pela sociedade e pelo Estado, por inter-
médio dos vários mecanismos de participação democrática de que dispomos
hoje, como os movimentos sociais, as organizações da sociedade civil, os
sindicatos, os partidos políticos, o Congresso, dentre outros.
A política brasileira de C&T, liderada, como disse, pelo Ministério da
Ciência e Tecnologia, é estratégica para o governo do Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e para o País, na medida em que um dos seus compromissos
fundamentais é a retomada do crescimento da economia nacional. Cres-
cimento que nada significa por si só, mas sim pelo fato de que é requisito
necessário para a expansão do emprego, a melhoria da distribuição de renda
e a elevação geral da qualidade de vida dos brasileiros.
E, assim, enunciamos o primado orientador de nossa política: sua
fundamentação ética. No governo do presidente Lula, o complexo ciência
& tecnologia não constitui um fim em si, uma categoria autônoma, que se
justifica e se auto-abona, per se. Ao contrário, ela persegue fundamentos
humanistas e encontra justificativa, tão-só, em um quadro de valores: o
compromisso de alterar a realidade em benefício do ser humano, em bene-
fício da igualdade, da eqüidade, do bem-estar.
Subjacente à retomada do crescimento e à sua instalação como processo
continuado e sustentável está, pois, o desenvolvimento científico e tecnológico,
materializado em inovações – de produtos, de processos, de manejo, de
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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marketing – capazes de potencializar a produção e elevar a produtividade da
economia, contribuir para a ampliação das exportações brasileiras, para a
substituição seletiva de importações de bens e serviços estratégicos para o
desenvolvimento nacional e para o fortalecimento da base produtiva com
que atender às carências mais agudas de nossa sociedade.
Vista de uma perspectiva mais esquemática, a política de fomento à
pesquisa científica e à inovação tecnológica que se propõe para o país, sob o
governo Lula, orienta-se segundo dois eixos de atuação: o estratégico, que
busca assegurar a soberania política do Brasil, reduzir significativamente a
dependência tecnológica do país em relação aos países desenvolvidos e
garantir sustentabilidade técnica ao desenvolvimento nacional a médio e
longo prazos.
Em torno desse eixo estratégico, situam-se ramos tecnológicos chama-
dos estruturantes, ou elos condutores do sistema econômico em seu estado
de desenvolvimento contemporâneo, como energia – especialmente a de
fontes renováveis e de baixo impacto ambiental –, tecnologia da informação,
tecnologia aeroespacial, biotecnologia, nanotecnologia.
No segundo eixo, de natureza ainda mais pragmática, procura-se
apoiar, por meio de inovações baseadas no conhecimento científico, os
programas de governo voltados para o atendimento às carências sociais mais
imediatas do sistema produtivo e da sociedade brasileira, refletidas nas
prioridades definidas pelo programa do governo de mudança do presidente
Lula. Dentre elas: (i) segurança alimentar e combate à fome; (ii) agregação
de valor aos produtos e ampliação das exportações brasileiras; (iii) forta-
lecimento das micro, pequenas e médias empresas, visando a acelerar a ger-
ação de empregos, melhorar os padrões de distribuição de renda e do
abastecimento interno; (iv) melhoria da infra-estrutura social básica e de
serviços públicos (água, esgoto, habitação, transporte urbano, segurança),
da educação e da saúde da população; (v) eliminação das desigualdades
sociais e inter-regionais; (vi) conservação do meioambiente e contribuição
para a manutenção do equilíbrio ecológico global.
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Como já enunciei, aqui, a tecnologia, como forma de expressão do
capital, é fator de produção, insumo. Com a peculiaridade de que à área de
produção desse insumo cabe a missão, senão de produzir, de, pelo menos,
aperfeiçoar os insumos que recebe de áreas conexas – como da educação,
por exemplo. Assim, neste governo, será reforçada a articulação do MCT,
por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e o MEC, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), com o objetivo de desenvolver a formação de
força de trabalho de alta qualificação – especialmente mestres e doutores –,
com que apoiar o processo que visa a reduzir a dependência tecnológica e
atender à demanda dos sistemas educacional e produtivo em expansão.
Atéo final do governo do presidente Lula, estaremos formando, pelo menos,
10 mil doutores, contra os seis mil atuais. Com esse propósito, já nos
primeiros 30 dias de atuação deste governo, foi ampliado em cerca de
14 mil o número de bolsas de pesquisa e de docência concedidas pelo
CNPq. Essas bolsas estão sendo objeto de estudo orçamentário-financeiro,
visando à atualização dos seus valores reais, irresponsavelmente congelados
há sete anos, bloqueando a formação de novos cientistas.
A nova política de C&T leva em alta conta a necessidade de incorporar,
eqüitativamente, a contribuição de todas as universidades e centros de
pesquisa do país, promovendo a pesquisa e a inovação em todas as regiões,
diminuindo o fosso que estabelece e reforça – na economia, na política, na
educação, na cidadania, na pesquisa & desenvolvimento tecnológico – as
desigualdades inter-regionais e intra-regionais.
A esse propósito, é significativo registrar a desigualdade abissal que
se observa entre o Sudeste, onde estão nossos centros de excelência mais
numerosos e destacados, e o conjunto das demais regiões brasileiras. Somente
o Estado de São Paulo – ao qual, aliás, a ciência brasileira tanto deve –
investe em ensino universitário e pesquisa & desenvolvimento algo como
R$ 4,5 bilhões por ano, o que corresponde a cerca de duas vezes o orçamento
de investimento do MCT e do seu complexo administrativo.
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O esforço de investimento que essa política requer, todavia, não pode
ficar apenas ao encargo do poder público, que hoje responde por cerca
de 80% dos recursos aplicados em ciência & tecnologia. Para que o Brasil
chegue ao final do mandato do presidente Luiz Inácio da Silva, aplicando
pelo menos 2% do PIB na área de C&T, como é de seu compromisso, será
necessária a participação efetiva do empresariado, da iniciativa privada em
geral – mas particularmente da universidade privada, que deverá integrar-se
nesse esforço com recursos próprios.
O compromisso do governo e da sociedade brasileira, que a política
de desenvolvimento científico e tecnológico pressupõe, não pode prescindir
de uma nova estratégia de proteção do produto nacional. Estratégia que
não reabilitará fórmulas já esgotadas, como sistemas de incentivos
fiscais, reservas de mercado ou outros instrumentos de construção de
cartéis de atraso”.
A proteção de que estamos falando, aqui, até com alguma licença
de linguagem, baseia-se em esforço lícito de atribuição de qualidade e
competitividade aos produtos brasileiros, mediante o desenvolvimento
tecnológico, de modo a atender à demanda nacional – efetiva ou
reprimida – por produtos, bens e insumos que ainda importamos por falta
de capacidade instalada para criá-los no país. É o caso, dentre outros, de
bens das indústrias aeroespacial e de microeletrônica – responsável, esta
última, em 2002, por um déficit de US$ 8 bilhões, em nossa balança
de pagamentos.
Precisamos, também, superar a timidez colonial (de colonizados) e
assumir, na América do Sul, o papel que os irmãos hispano-americanos nos
cobram. Além de aprofundar nosso intercâmbio com a Argentina, é dever
do Brasil colaborar com os demais países do subcontinente, inicialmente
com os integrantes do Mercosul, colaborando no desenvolvimento
científico e tecnológico. Um dos instrumentos dessa política de cooperação
bem pode ser uma política de vagas nos nossos cursos de mestrado e
doutorado e de bolsas de pesquisa.
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Nossa preocupação com a América do Sul, e com os povos irmãos
da África – depredada desde sempre pelo colonialismo e pela guerra
estimulada, arrasada pela fome e pela Aids –, não afasta nem substitui o
fortalecimento de nosso intercâmbio tradicional com os Estados Unidos,
com a França, com a Alemanha, para só mencionar os mais destacados
países desenvolvidos, com os quais mantemos tradicionais linhas de
cooperação científica e tecnológica. Estamos avançando no fortalecimento
do intercâmbio com esses países e abrindo novas frentes de cooperação,
entre outros, com a Ucrânia, a China e a Rússia, na área aeroespacial, e
com a China e a Índia na pesquisa comum de fármacos e na exploração
da biodiversidade, em que nossos países são tão ricos. Estamos, igualmente,
desenvolvendo novas parcerias com Israel, particularmente na transferência
de tecnologia sobre o semi-árido, e com a Espanha, com quem estamos
trabalhando em projeto de defesa da latinidade.
Finalmente, o grande desafio ao MCT e à nova política de Ciência e
Tecnologia é este: trabalhar o presente e instrumentalizar-se para o futuro.
Atualizar a pesquisa e o conhecimento científico e tecnológico, contribuir
para o atendimento às carências sociais brasileiras e, ao mesmo tempo,
antecipar os caminhos que deveremos trilhar amanhã. Tudo isto para que
nossos sucessores não tenham de lamentar o tempo perdido, como fazemos
ainda agora, embora nosso lamento induza à ação e não ao conformismo
ou à quietude.
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AULA INAUGURAL NA PUC/RJ
(Pontifícia Universidade Católica),
RIO DE JANEIRO, 16 DE MAIO DE 2003.
Senhoras e senhores,
Este encontro reúne inumeráveis significados que não são, apenas, o
encontro de acasos. Destaco, na ordem pessoal, estar aqui, antigo professor da
PUC, magistério que me ensinou a estimar e respeitar esta instituição, na quali-
dade de Ministro do governo de mudanças do presidente Lula, com o encargo
e a responsabilidade de gerir a estratégica pasta da Ciência e Tecnologia.
O fato de esta não ser uma universidade pública, no sentido estrito
da acepção jurídica, não anula sua característica fundamental que é a de ser
uma instituição de espírito público, de vocação pública, de responsabilidade
pública. E como seria proveitoso para a educação brasileira se esse exemplo
da PUC – sua marca de proficiência e ética – pudesse ser padrão observado
por todas as universidades do chamado setor privado do ensino... É para
mim agradável estar na minha cidade, que me adotou desde 1965, quando
o Golpe Militar me impediu de permanecer em minha cidade natal, Fortaleza.
Minha formação social, minha formação ética, minha concepção revolucionária
tudo isso me dizia que eu deveria retornar ao meu Estado e, respeitadas
minhas limitações, oferecer a contribuição possível para as transfor-
mações necessárias em região tragicamente marcada por profundas e ina-
ceitáveis injustiças sociais. No entanto, a vontade individual é muito pouco
determinante em face da realidade objetiva. Somos, fundamental-
mente, nossas circunstâncias, e foram elas que ditaram meu caminho e
me mandaram para o Rio de Janeiro. Foi essa terra que me deu abrigo,
casa, emprego. E eu sou, também, desde então, fluminense e carioca.
Tenho aqui meus filhos, minha família e meu destino político.
Mas estou aqui para falar sobre o programa de ciência e tecnologia
do governo de mudança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É a
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segunda vez que, nesta ainda breve intervenção, me utilizo do termo
mudança. E vou repeti-lo outras vezes. Porque este é o desafio que encon-
tramos em face de qualquer iniciativa, sob todos os aspectos, em todos os
momentos, no dia-a-dia, no cotidiano, na atividade política e na atividade
administrativa. Este é o nosso enfrentamento. Realizar as mudanças é
combater o Estado conservador. Todos sabemos que esta é uma sociedade
perversamente autoritária, apropriada pelos interesses de suas elites, expro-
priadora do público, donatária do Estado. E não podemos, os combatentes
da democracia, deixar de registrar, por lamentável oportunidade, a perda
com que fomos atingidos ontem, de um dos mais notáveis intérpretes, não
sei se eu diria, da civilização brasileira, da história brasileira ou da tragédia
brasileira. Refiro-me a Raymundo Faoro.
Aos mais jovens, principalmente àqueles que foram poupados pelas
circunstâncias do tempo que minha geração teve de viver, e sofrer, eu teria
de dizer por que aprendemos a admirar Raymundo Faoro, uma espécie
de cavalheiro andante da liberdade, percorrendo este país como louco e
desatinado como todos os revolucionários. E obsessivo como todos aqueles
que têm uma utopia e que pretendem realizá-la. A utopia de Raymundo
Faoro era a liberdade, a redemocratização, a reconstitucionalização deste
país então entregue ao arbítrio. Presidente do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil em momento crucial de nossa história recente,
desempenhou papel insubstituível na retomada do processo democrático,
ainda hoje em construção. Faoro era intelectual multifacetado, orgânico na
melhor acepção gramsciana, extraordinário intérprete de Machado de Assis,
advogado, procurador do Estado, historiador e sociólogo. Mas o permanente
de sua obra será a revelação, desde as entranhas, do processo de apropriação
do Estado pelas elites de sempre, da perversidade da elite brasileira, dona do
poder. E foi para mudar esse processo de dominação e apropriação patrimo-
nialista que a cidadania brasileira elegeu um homem do povo, operário metalúr-
gico a quem as circunstâncias negaram o direito à vida universitária, após
lhe haverem imposto a migração, como alternativa para a sobrevivência.
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Obedecendo a todas as regras constitucionais, no mais estrito e rigoroso
respeito às regras do jogo, estamos implantando o processo de mudança.
Dificílimo. Falo das resistências que nosso Ministério enfrenta. Não se trata
de resistência a esta ou àquela mudança, mas de resistência à mudança,
qualquer mudança, como tese. Porque, neste país, qualquer mudança, não
falo sequer em reforma, a mais insignificante, a mais irrelevante, atinge
privilégios – não falo de direitos – insuportáveis na República. São privilé-
gios enraizados, que dominam a estrutura burocrática, que monopolizam
as instituições do País. Esta visão dos donos do poder, e eles estão em todas
as instâncias, é que organiza a resistência à mudança. Isso porque qualquer
mudança, que não seja aquela sugerida pelo Príncipe de Lampeduza, isto é,
a mudança necessária para que fique tudo como está, esbarra em privilégios.
Inclusive na área acadêmica. Quantas vezes nos julgamos donos da verdade,
intérpretes dos interesses do país e, portanto, titulares de direitos que não
são partilhados com o conjunto da sociedade? Mas, em regra, nosso discurso
não tem correspondência em nossa prática. Movendo essa malha há algo
mais resistente que as próprias estruturas. Todo dia, e sistematicamente,
temos de repetir que a mudança é necessária, que a mudança é possível.
Mas há uma força que domina e leva mesmo o quadro de esquerda a pensar
de forma conservadora. Em determinados momentos, parece que há uma
força superior à força da concepção filosófica. Eu me refiro ao apelo corpo-
rativo que encontra na estrutura burocrática do Estado aliado extraordinário.
Estou fazendo essas observações para ressaltar que precisamos de
apoio. As transformações, as mudanças necessárias não serão alcançadas se
dependerem pura e exclusivamente do entendimento político-institucional.
Essas mudanças dependem do pronunciamento, do apoio, da clareza da
sociedade civil, da Universidade brasileira, que tem responsabilidade
histórica de que não sei se ela tem consciência, e não sei mesmo se ela está,
do ponto de vista humano, preparada para responder a este desafio. Há,
inclusive, uma questão sobre a qual nós todos, estudantes, professores e
instituição, teríamos de nos debruçar um pouco para refletir: nossa respon-
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sabilidade ética, pessoal e coletiva, diante do mundo e do País. Às vezes, é
difícil nos mantermos lembrados, neste país de desigualdades, de que só
estamos aqui – a minoria que somos – graças à grande massa que permanece
lá fora. São as grandes massas que estão financiando a Universidade brasileira.
Hoje, os investimentos em educação, ciência e tecnologia são suportados
pelo poder público em algo como 80%. E o poder público são os impostos
pagos por aqueles que jamais entraram e entrarão em uma universidade e
cujos filhos também jamais entrarão em uma universidade, pois, por serem
pobres, estão em escolas públicas depredadas, pela vontade dos donos do
poder. Como esquecer que o Estado leva de 14 a 15 anos para formar um
doutor? Que um doutor custa ao poder público algo como 250 mil dólares?
Será que depois de receber esse ensino, público, com o acesso a informações,
freqüentando mestrado e doutorado e pós-doutorado, nós nos lembramos
ainda de que estão lá fora e lá permanecerão aqueles que financiaram nossa
formação? É a partir dessas reflexões que pensamos a ciência e a tecnologia
da mudança. Queremos uma política de C&T a serviço do País.
Para não me estender demasiadamente, tentarei resumir em cinco
mudanças as diretrizes de nossa política.
Mas, antes, quero reiterar o apelo, o termo exato é este, apelo, ao
diálogo com a Universidade, com a comunidade científica universitária. Eu
diria o apelo às sugestões, à colaboração na administração e no processo
decisório. Quero chefiar uma administração participativa. Faço um apelo à
crítica. Precisamos da crítica para errar menos. Porque neste governo não
temos o direito, e nem tempo, de errar. Agora já nem digo mais a “nossa
política”, mas sim a nossa proposta de política de ciência e tecnologia que
apresento para ser discutida, comentada, criticada, corrigida.
A primeira mudança já foi, de certa forma, iniciada: é a mudança ético-
humanística. Não sei se o termo exato é “mudança ética” ou identificar o
elemento ético na política de ciência e tecnologia. Quero dizer que, para
nós do governo do presidente Lula, a ciência e a tecnologia não são uma
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categoria per se, não se auto-homologam, não se autolegitimam, mas se
justificam, se legitimam quando podem responder a que vieram, a que e a
quem servem, a que projeto de País, a que projeto de sociedade. Do nosso
ponto de vista, C&T são o instrumento fundamental para a construção de
uma nova sociedade, livre da concentração, da injustiça social e do autori-
tarismo. Sociedade na qual o orgulho de sermos os maiores exportadores de
grãos do mundo não seja anulado pelo fato de o nosso presidente ser obrigado
a eleger como projeto-síntese de seu governo, o combate à fome.
Poderíamos, nos perguntar: quantos de nós, na Academia, na Univer-
sidade, nos institutos vêm pensando a fome como problema brasileiro? Quantos
de nós já pararam para pensar qual é a contribuição de cada um (cientistas,
professores, pesquisadores, pensadores, filósofos e instituições) para a questão
da fome no País, estudando, pesquisando e construindo alternativas?
A segunda mudança, um pouco decorrente desta visão ética, huma-
nística, da ciência e da tecnologia, é a transformação do projeto de exclusão
no projeto de inclusão.
A exclusão, neste país, atingiu parâmetros tais que ninguém mais
pode pensar que seja obra do acaso ou das circunstâncias. Ela deriva do projeto
de sociedade de nossas elites, apartadas da história do povo, dos interesses
da nação. Elites que podem viver muito bem, ainda que o país vá mal.
A exclusão percorre todos os aspectos da vida nacional: exclusão
social, econômica, exclusão da renda, do emprego, da saúde, da cidadania.
E agora, começamos a construir a pior delas, a mais perversa, porque
alimentadora de todas as demais: a exclusão da informação, matéria-prima
do conhecimento, o mais importante fator de produção da economia do
terceiro milênio. Conhecimento da formação de recursos humanos, do
acesso à informação e de sua difusão.
A terceira mudança é a desconcentração.
O que ocorre neste país, em termos de concentração de renda – e
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quantas vezes diremos e quantas vezes ouviremos que este país tem um dos
piores índices de concentração de renda do mundo – se reproduz na
concentração da economia nacional, construindo e alimentando os perigosos
desníveis regionais. É insustentável para o futuro do pacto federativo, a
manutenção da atual distância entre o desenvolvimento do Sudeste e o resto
do país, fosso que tenderá ao alargamento se permitirmos o aprofundamento
do apartheid tecnológico. Se não tivermos engenho, arte e competência para
mudar esse modelo, estaremos construindo – fala-se em bolsão, eu diria –
uma ilhota de desenvolvimento cercada de pobreza por todos os lados. E este
será o último dos apartheids, tornando impossível, no horizonte de nossas
gerações, a recomposição do país. O desafio é, ao tempo em que devemos
garantir a continuidade do desenvolvimento dos atuais centros de excelên-
cia, promover o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas.
A quarta mudança é pensar o Brasil de hoje.
Cabe-nos a árdua tarefa de, a um só tempo, promover o desenvolvi-
mento científico e o desenvolvimento tecnológico, e ensejar a mais rápida
introdução das inovações ao processo produtivo. Esta é tarefa de urgência.
Porque aquele fosso antes denunciado, que está separando o Sudeste do
restante do País, é a reprodução fractal do fosso que está separando nossos
países do chamado primeiro mundo. Ou reunimos todas as nossas forças
neste investimento – e nos cabe cobrar permanentemente a participação
do empresariado privado e da Universidade de um modo geral – ou nós,
que já perdemos a revolução comercial e a Revolução Industrial, assumire-
mos o papel de eternos coadjuvantes, de eternos reprodutores, realizando a
sina, a má sina, de país reflexo, com ciência reflexa, tecnologia dependente.
É verdade que nossa elite continuará bem, seus filhos fazendo cursos em Nova
York, mas o país continuará dependente, sem oportunidade de futuro.
E a quinta mudança é realmente pensar o futuro.
Eu já usei uma imagem, uma metáfora, que vou repetir aqui. Estamos
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num avião que identificou, em pleno vôo, uma pane gravíssima, que não tem
informação de qualquer aeroporto por perto; portanto, tem de consertar a
pane em pleno vôo. Enquanto estamos nos esforçando para assegurar
o desenvolvimento do país, temos de pensar lá na frente, do contrário
estaremos, uma vez, mais aceitando o papel de reprodutores das linhas de
pensamento, de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico ditadas pelo
primeiro mundo. Precisamos saber hoje de que profissional, que doutor,
que mestre, de que professor precisaremos daqui a 14, 15 anos. Cumpre-nos
pensar, hoje, o que será o genoma dos anos 20, o que será a nanotecnologia
dos anos 20, para começarmos a formar agora aquele profissional capaz
de responder a estes desafios. Precisamos começar a formar hoje aquele
profissional capaz de enfrentar os desafios do Estado, da sociedade que
queremos daqui a 20 anos.
Para não dizer que não falei em ciência e tecnologia, devo dizer que a
meta geral do Ministério de mudança é agregar valor à cadeia produtiva.
Devemos contribuir para o processo que visa a agregar valor aos itens da atual
pauta de exportações. Exportar menos matéria-prima, menos grãos e mais
inteligência, mais conhecimento agregado. No desdobramento dessa política,
pretendemos contribuir para uma política seletiva de importações, fundada
de novo num processo que visa a agregar valor à nossa produção. Con-
tribuindo, a partir do conhecimento universitário, da pesquisa desenvolvida
na universidade, para a criação de protótipos que possam suprir o mercado
interno. Para tanto, devemos continuar investindo o máximo possível na
política de bolsas. Estamos formando, hoje, cerca de seis mil doutores por
ano. Mas o presidente Lula tem o compromisso de, até o final de seu
governo, formar 10 mil doutores. Hoje, estamos investindo em ciência e
tecnologia algo entre 1% e 1,2% do PIB. O presidente da República reafirma
o seu compromisso de chegar no final de seu governo aplicando 2% do PIB
por ano em C&T. É a nossa parte. Nossa parte limitada, que não pode
ficar só no poder público. Precisamos estimular os Estados a uma maior
participação. Precisamos cobrar do empresariado sua maior participação.
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É preciso lembrar aos empresários que esse esforço de agregar valor ao seu
produto, de introduzir inovação deve ser encarado como um imperativo de
sobrevivência. Se nós não agregarmos valor e inovação tecnológica aos
nossos produtos, perderemos o mínimo de competitividade no mercado
internacional. Num segundo momento, perderemos competitividade mesmo
no mercado interno, pois nossos produtos não terão mais condições de
concorrência com os produtos importados, com as barreiras abertas, com o
mercado internacionalizado. Precisamos, nós da Universidade, olhar a
colaboração com a empresa com menos dúvida e menos preconceito. E o
empresário precisa ver na Universidade um aliado, respeitar os que estão na
chamada pesquisa pura porque não existe pesquisa aplicada, porque não se
aplica o que não se tem, o que existe é ciência. O papel da Universidade é
produzir ciência. Quanto mais ciência ela produzir, ciência básica, ciência
abstrata, o que quer que seja ciência, mais espaço ela estará criando para a
aplicação. Não sei de nenhum país que usufrua de uma política de pesquisa
aplicada que não tenha feito antes ciência.
Fecho aqui este ciclo fazendo apelo a uma grande discussão, em nosso
país, em torno da necessidade da mudança. A mudança necessária não se fará
num ato de poder. Ela depende de uma coisa que nós não temos e que não
poderá ser construída pelo governo Lula e nem por nenhum governo.
Precisamos de um projeto nacional. Um projeto de nação, construído pela
nação. Não sei se os senhores conhecem – eu desconheço – uma nação
moderna que tenha realizado o seu projeto desenvolvimentista senão a
partir de uma visão nacional, de um projeto de nação. Porque só quem pode
fazer isso é a sociedade brasileira.
Muito obrigado.
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SOLENIDADE DE POSSE DOS NOVOS MEMBROS DA ABC
(ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS),
BRASÍLIA, 04 DE JUNHO DE 2003.
O imponderável existe – a ação das circunstâncias costurando acasos
aparentes – mas nossa geração, em grande parte, quis fazer a própria hora.
Estava ansiosa para fazer acontecer as mudanças. E é nessa condição, de
participante da intervenção nos acontecimentos sociais – e pensávamos,
naquela época, que fazíamos ciência e preparávamos a revolução –, que
construímos esta história. Antigo militante do movimento social, encontro-
me aqui, hoje, como Ministro de um longo processo de transformações,
representando o Excelentíssimo Senhor Presidente da República neste
ato em que a Academia Brasileira de Ciências, que reverencio desde sempre,
recebe seus novos membros titulares. E não podendo dirigir-me a todos
individualizadamente, permitam-me que, de logo, saúde a todos, saudando
o maior pensador brasileiro vivo, nosso maior humanista, nosso sempre
professor Celso Furtado, professor de Brasil, paradigma de minha geração,
que em sua obra encontrou caminho, luz e norte.
Obrigado, professor Celso Furtado, pelo que fez pela nossa geração,
pelo Brasil, pela nova visão de nossa formação que ultrapassou fronteiras
e fez o mundo ver nosso país com nossos olhos.
Senhor Presidente Eduardo Krieger,
Permita-me dizer-lhe que me sinto em casa. Logo após convidado
pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para este honroso posto de
Ministro de Estado do governo popular e democrático de mudanças, foi esta
Academia a primeira instituição que procurei, para aconselhar-me, para
pedir diálogo e colaboração. E em seus quadros fui recolher meus principais
colaboradores. Nada menos de 10 dirigentes do MCT são membros titu-
lares da Academia Brasileira de Ciências.
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Minhas senhoras, meus senhores, senhores e senhoras acadêmicos,
Peço licença para que minhas primeiras palavras sejam referidas à saga
que domina minha gestão à Frente do Ministério da Ciência e Tecnologia:
a necessidade de promover mudanças e as dificuldades, de toda ordem,
interpostas a qualquer processo de mudança. Falo do nosso enfrentamento
de todos os momentos, do dia-a-dia, do cotidiano, na atividade política e na
atividade administrativa. Liderar mudanças é combater o Estado conservador,
é ferir privilégios, travestidos de direitos. E nunca se trata de direitos
populares. São sempre interesses dos donos do poder, em sociedade perver-
samente autoritária, Estado apropriado pelos interesses de suas elites, expro-
priadoras do público, donatárias do poder econômico.
Permitam-me um necessário registro de dor.
Porque não podemos, os combatentes da democracia, deixar de
registrar, por lamentável oportunidade, a perda com que fomos atingidos
com o silêncio de um dos mais notáveis intérpretes, não sei se diria da
civilização brasileira, da história brasileira ou da tragédia brasileira. Refiro-
me a Raymundo Faoro.
Aos que, pelas circunstâncias do tempo, foram poupados dos anos que
minha geração teve de viver, e sofrer, eu diria que aprendemos a admirar
Raymundo Faoro como uma espécie de cavalheiro andante da liberdade,
percorrendo este país como louco e desatinado como são todos os revo-
lucionários, aqueles que acreditam na utopia e forcejam por realizá-la. Sua
utopia, nos anos de trevas, era a luz da liberdade, a redemocratização, a
reconstitucionalização. Mas o permanente de sua obra será a revelação,
desde as entranhas, do processo de apropriação do Estado pelas elites de
sempre, da perversidade da elite brasileira, dona do poder. E foi para mudar
esse processo de dominação e apropriação patrimonialista que a cidadania
brasileira elegeu um homem do povo, operário metalúrgico a quem as cir-
cunstâncias negaram o direito à vida universitária, após lhe haverem imposto
a migração, como alternativa para a sobrevivência.
Obedecendo a todas as regras constitucionais, no mais estrito e rigoroso
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respeito às regras do jogo, estamos implantando o processo de mudanças.
Dificílimo, porque neste país, qualquer mudança, não falo sequer em reforma,
a mais insignificante, a mais irrelevante, atinge privilégios. São privilégios
enraizados, que dominam a estrutura burocrática, que monopolizam as insti-
tuições do País. Porque a única mudança permitida é aquela sugerida pelo
príncipe de Lampeduza: a mudança necessária para que tudo fique como está.
A resistência sobrevive mesmo na área acadêmica.
Quantas vezes nos julgamos donos da verdade, intérpretes dos interes-
ses do País e, portanto, titulares de direitos que não são partilhados com o
conjunto da sociedade? Mas, em regra, nosso discurso não tem correspondên-
cia em nossa prática. Movendo essa malha há algo mais resistente que as
próprias estruturas. Todo dia, e sistematicamente, temos de repetir que a
mudança é necessária, que a mudança é possível. Mas há uma força que
domina e leva, mesmo o quadro de esquerda, a pensar de forma conservadora.
Em determinados momentos, parece que há uma força superior à força
da concepção filosófica. Eu me refiro ao apelo corporativo que encontra
na estrutura burocrática do Estado aliado extraordinário.
Faço essas observações para ressaltar que precisamos de apoio. As
transformações, as mudanças necessárias não serão alcançadas se dependerem
pura e exclusivamente do entendimento político-institucional. Essas mudan-
ças dependem do pronunciamento, do apoio, da clareza da sociedade civil,
da responsabilidade histórica da Universidade.
Quero sugerir a reflexão sobre nossa responsabilidade ética, pessoal
e coletiva, diante do mundo e do país.
Às vezes nos esquecemos de que, neste país de desigualdades, só
estamos aqui – a minoria que somos – graças à grande massa que permanece
lá fora. São as grandes massas que estão financiando a Universidade brasileira.
Hoje, os investimentos em educação, ciência e tecnologia são suportados
pelo poder público em algo como 80%. E o poder público são os impostos
pagos por aqueles que jamais entraram e entrarão em uma universidade
e cujos filhos também jamais entrarão em uma universidade pública.
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SOLENIDADE DE POSSE DOS NOVOS MEMBROS DA ABC
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Como esquecer que o Estado leva de 14 a 15 anos para formar um doutor?
Que um doutor custa ao poder público algo como 250 mil dólares? Será
que, depois de receber esse ensino, público, obtendo o direito ao aceso a infor-
mações, freqüentando mestrado e doutorado e pós-doutorado, nós nos
lembramos ainda de que estão lá fora e lá permanecerão aqueles que financia-
ram nossa formação? É a partir dessas reflexões que pensamos a ciência e
a tecnologia da mudança. Queremos uma política de C&T a serviço do país.
Aproveito esta ocasião exemplar, em que tenho o privilégio de dirigir-
me à sociedade científica brasileira no que ela tem de mais representativo, para
expor-lhes as cinco mudanças que norteiam a atual administração do MCT.
A primeira de todas é a mudança ético-humanística.
Quero dizer que, para nós, do governo do presidente Lula, a ciência e
a tecnologia não são uma categoria per se, não se auto-homologam, não se
autolegitimam, mas se justificam, se legitimam quando podem responder a
que vieram, a que e a quem servem, a que projeto de País, a que projeto de
sociedade. Do nosso ponto de vista, C&T são o instrumento fundamental
para a construção de uma nova sociedade, livre da concentração, da injustiça
social e do autoritarismo. Sociedade na qual o orgulho de sermos os maiores
exportadores de grãos do mundo não seja anulado pelo fato de o nosso
presidente ser obrigado a eleger como projeto-síntese de seu governo o
combate à fome.
Poderíamos, nos perguntar: quantos de nós, na Academia, na Univer-
sidade, nos institutos, vêm pensando a fome como problema brasileiro? Quantos
de nós já pararam para pensar qual é a contribuição de cada um (cientistas,
professores, pesquisadores, pensadores, filósofos e instituições) para a questão
da fome no País, estudando, pesquisando e construindo alternativas?
A segunda mudança, decorrente desta visão ética, humanística da
ciência e da tecnologia, é a transformação do projeto de exclusão no projeto
de inclusão.
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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A exclusão neste País atingiu parâmetros tais que ninguém mais pode
pensar que seja obra do acaso ou das circunstâncias. Ela deriva do projeto
de sociedade de nossas elites, apartadas da história do povo, dos interesses
da nação. Elites que podem viver muito bem, ainda que o país vá mal.
A exclusão percorre todos os aspectos da vida nacional: exclusão
social e econômica, exclusão da renda, do emprego, da saúde, da cidadania.
E agora começamos a construir a pior delas, a mais perversa, porque
alimentadora de todas as demais: a exclusão da informação, matéria-prima
do conhecimento, o mais importante fator de produção da economia do
terceiro milênio.
A terceira mudança é a desconcentração.
“A desigualdade econômica, quando alcança certo ponto, se institu-
cionaliza.”
Leio texto de junho de 1959, escrito por Celso Furtado. Acrescenta
o mestre:
“Tal fato, que observamos nas sociedades humanas – a tendência das
desigualdades a formar classes – também pode ocorrer entre as regiões do
mesmo país. E quando um fenômeno dessa ordem obtém sanção institu-
cional, sua reversão espontânea é praticamente impossível. Além disso, como
os grupos economicamente mais poderosos são os que detêm o comando
da política, a reversão, mediante a atuação dos órgãos políticos, também se
torna extremamente difícil.”
Conclui Celso Furtado:
“Se tal fenômeno vier a ocorrer no Brasil, país de grande extensão
geográfica, a formação de grupos regionais antagônicos poderá ameaçar a
maior conquista de nosso passado: a unidade nacional.”
A formulação desses juízos, lamentavelmente quase proféticos, estava
referida às disparidades entre os níveis de desenvolvimento do Centro-Sul e
do Nordeste brasileiros. Na época, os valores numéricos dessas disparidades
indicavam que a participação do Nordeste na formação do produto bruto
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SOLENIDADE DE POSSE DOS NOVOS MEMBROS DA ABC
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da nossa economia fôra de 30% em 1939, mas se reduzira a 11% nos vinte
anos seguintes.
Passados mais de 40 anos, as desigualdades sociais e regionais brasileiras
alteraram-se em alguns aspectos quanto à forma, mas até se aprofundaram
quanto à essência.
É insustentável, para o futuro do pacto federativo, a manutenção da
atual distância entre o desenvolvimento do Sudeste e o do resto do país,
fosso que tenderá ao alargamento se permitirmos o aprofundamento do
apartheid tecnológico. E este será o último dos apartheids, tornando impos-
sível, no horizonte de nossas gerações, a recomposição do país. O desafio
é, ao tempo em que devemos garantir a imprescindível continuidade do
desenvolvimento dos atuais centros de excelência, promover o desenvolvi-
mento das regiões menos desenvolvidas.
A quarta mudança é pensar o Brasil de hoje.
Cabe-nos a árdua tarefa de, a um só tempo, promover o desenvolvi-
mento científico e o desenvolvimento tecnológico, e ensejar a mais rápida
introdução das inovações ao processo produtivo. Esta é tarefa de urgência.
Porque aquele fosso antes denunciado, que está separando o Sudeste do
restante do País, é a reprodução fractal do fosso que está separando nossos
países do chamado primeiro mundo. Ou reunimos todas as nossas forças
neste investimento – e nos cabe cobrar permanentemente a participação
do empresariado privado e da Universidade de um modo geral – ou nós,
que já perdemos a revolução comercial e a Revolução Industrial, estaremos
assumindo, por desídia coletiva, o papel de eternos coadjuvantes, de eternos
reprodutores, realizando a sina, a má sina, de país reflexo, com ciência
reflexa, tecnologia dependente.
E a quinta mudança é realmente pensar o futuro.
Enquanto trabalhamos para assegurar o desenvolvimento do país, temos
de pensar lá na frente, do contrário estaremos, uma vez mais, aceitando o papel
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de correntes de transmissão das linhas de pensamento, de pesquisa, de desenvolvi-
mento científico e tecnológico ditadas pelo primeiro mundo. Precisamos
saber hoje, de que profissional, de que doutor, de que mestre, de que professor
precisaremos daqui a 14, 15 anos. Cumpre-nos pensar, hoje, o que será o genoma
dos anos 20 anos, o que será a nanotecnologia dos anos 20, para começarmos
a formar, hoje, aquele profissional capaz de responder a estes desafios. Preci-
samos começar a formar, a partir de agora, aquele profissional capaz de
enfrentar os desafios do Estado, da sociedade que queremos daqui a 20 anos.
Mudar é possível.
Como instrumento de indução ao reequilibro inter-regional dos
investimentos em C&T, a implantação dos novos centros de pesquisa depen-
dentes de recursos da União, sempre considerando o prêmio à excelência, já
obedece a critérios de desconcentração da Ciência e Tecnologia: o Centro
de Biotecnologia da Amazônia, em Manaus; o Instituto Internacional de
Neurociências, em Natal; o Centro de Ciências Nucleares, em Recife,
ampliado para exercer o papel de pólo de desenvolvimento científico do
Nordeste, em rede com as demais instituições da região.
Um Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada
(CEITEC) está sendo instalado em Porto Alegre, enquanto se discute com
a Universidade Federal do Ceará a possível implantação de um Centro
de Farmacologia em Fortaleza, em rede com o Lika (Laboratório de
Imunopatologia Keizo Asami), do Recife. O Instituto Nacional de Pesquisas
do Semi-Árido será instalado ainda este ano.
Para o Presidente Lula, ciência é recursos humanos, recursos humanos
e mais recursos humanos. Estamos estruturando o Conselho Nacional de Ciência
e Tecnologia, habilitando-o a desempenhar seu grande papel de formulador,
e, em muitos casos, também, executor, das grandes diretrizes para a atividade
científica em todas as áreas e em todos os ministérios. A definição das
grandes linhas de ação do MCT, porém, resultará da ampla participação da
comunidade científica. O Plano Plurianual para 2004 e 2007 vem receben-
do contribuições as mais significativas. Agradeço o empenho com que esta
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Academia Brasileira de Ciências vem discutindo nossas propostas.
Mantemos intenso diálogo com os governadores dos Estados, com
as secretarias estaduais de C&T e com as Fundações de Amparo à Pesquisa,
com o objetivo de atuarmos de forma cooperativa, induzindo os estados
a participar de forma mais efetiva do esforço de ampliação dos investimen-
tos em C&T.
O mesmo movimento está sendo feito em relação a inumeráveis
municípios. Vários programas e editais serão lançados nos próximos meses
como resultado deste esforço de cooperação, envolvendo, por parte do MCT,
recursos, para os próximos três anos, da ordem de R$ 140 milhões, e que
exigirão um acréscimo de, no mínimo, 50 % por parte das FAPs.
O apoio à pesquisa básica em todas as áreas do conhecimento é
prioridade do governo do Presidente Lula. E repitamos mil vezes: rejeitamos
a disjuntiva, pesquisa básica versus pesquisa aplicada. Há ciência, e tão-só
ciência. Neste sentido, podemos hoje afirmar que, com os recursos descon-
tingenciados na semana passada, o CNPq executará, pela primeira vez em
muitos anos, o seu orçamento integral, que será de cerca de R$ 600 milhões.
Ampliamos em cerca de 10 % todas as modalidades de bolsa do CNPq.
Introduzimos novos programas.
Destaco, inicialmente, o retorno às taxas de bancada para os 6.400
bolsistas de doutorado do CNPq. Todos estes alunos estão recebendo, a
partir deste mês, o equivalente a um terço de sua bolsa, para auxiliar no
desenvolvimento do seu projeto de pesquisa. Este programa terá ainda o
mérito de fazer com que, desde cedo, nossos pós-graduandos aprendam a
administrar recursos, a tomar conhecimento dos custos dos reagentes e as
dificuldades em obtê-los.
Voltamos a contar com as taxas escolares, suspensas pelo CNPq em
março de 2002, para os cursos de pós-graduação de boa qualidade mantidos
por instituições privadas e que não cobram mensalidades de seus alunos de
pós-graduação. Quero destacar, ainda, a introdução da bolsa prêmio, que
concede recursos mensais de mil e trezentos reais para o auxílio à manutenção
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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dos laboratórios onde trabalham os 1.040 pesquisadores de nível 1A do
CNPq. Graças à compreensão que o governo tem tido com a área de C&T
e a política que estamos executando, de priorizar todas as ações que levem
a que os recursos cheguem aos grupos de pesquisa, estamos, neste momento,
autorizando o CNPq a implementar, imediatamente, programa semelhante
para os 870 pesquisadores de nível 1B.
Cabe ressaltar que apenas com estes programas o CNPq estará liberando
para os grupos de pesquisa mais recursos dos que os previstos no edital universal.
Prosseguiremos nesta política fazendo com que, nos próximos anos, todos os
pesquisadores e alunos de pós-graduação vinculados ao CNPq contem com
recursos mínimos para manutenção de suas atividades básicas. O CNPq já
saldou todas as dívidas do governo passado, inclusive antecipando as liberações
referentes à última parcela do Programa de Núcleos de Excelência (PRONEX)
de 2003.
Já autorizamos o CNPq, desta vez em cooperação com as Fundações
de Amparo à Pesquisa dos Estados, a lançar novo edital do Pronex,
assegurando recursos da ordem de R$ 75 milhões que se somarão a outros
R$ 75 milhões a serem alocados pelas FAPs, nos próximos três anos. O
CNPq já dispõe das condições para liberação imediata dos recursos do
edital universal, aguardando apenas o resultado do seu julgamento pelos
comitês assessores.
Não poderia deixar de mencionar o novo programa de Iniciação
Científica Júnior, que conta com 3 mil bolsas para permitir estágios nos melhores
laboratórios de pesquisa para alunos do nível médio das nossas escolas públi-
cas. É o incentivo ao despertar da vocação científica dos nossos jovens.
A Finep vive uma reforma estrutural necessária para que possa voltar
a desempenhar seu importante papel no apoio às instituições de pesquisa.
Seu insubstituível papel de apoio ao desenvolvimento e à inovação tec-
nológica será reforçado.
Foi necessário priorizar sua recapitalização, uma vez que a encontramos
afetada seriamente, nos últimos 10 anos, por operações desastrosas. Estamos
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negociando um aporte de R$ 80 milhões, para capital de giro, proveniente
do BNDES, e um empréstimo de R$ 200 milhões a ser tomado ao Fundo
de Assistência ao Trabalhador (FAT).
Nos últimos cinco meses, procedemos à reavaliação dos fundos seto-
riais, cuja importância é reconhecida por todos. Constituímos Grupo de
Trabalho, que contou com a participação dos gestores do MCT, de membros
da comunidade acadêmica, inclusive da representação desta Academia, de
representantes do setor empresarial e dos trabalhadores, que analisou o
funcionamento dos fundos e apresentou importante relatório contendo uma
série de sugestões, as quais, adotadas, tornarão os fundos setoriais mais
efetivos no apoio à atividade científica e tecnológica e à inovação.
Enquanto essa comissão realizava seu trabalho, o MCT e a Finep
analisaram a situação financeira de cada fundo. É importante que todos saibam
que, para o corrente ano, contamos com recursos de cerca de R$ 660 milhões.
No entanto, somente as dívidas que herdamos, boa parte resultante do não-
pagamento de projetos em 2002, é da ordem de R$ 454 milhões. Restam,
pois, cerca de R$ 206 milhões para novas aplicações no corrente ano.
Os comitês gestores já estão se reunindo, e tenho o prazer de comunicar
que o comitê gestor do fundo de infra-estrutura, reunido no último dia 3,
em Brasília, decidiu abrir uma série de editais para apoio à infra-estrutura
para jovens doutores, para a manutenção de equipamentos de grande porte,
para a ampliação do portal Capes e do programa de educação a distância
do MEC, entre outros, destinando recursos da ordem de R$ 30 milhões
para liberação integral ainda no corrente ano. Enquanto isto, a Finep vem
trabalhando intensamente no sentido de honrar as dívidas do passado.
Recursos de cerca de 200 milhões foram empenhados nestes cinco meses
do novo governo.
Permitam-me destacar nossa firme defesa do papel da Universidade,
relevante e insubstituível, de zelar pelo avanço da ciência, sem compromissos
imediatistas. Cabe aos centros de pesquisa e desenvolvimento das empresas
a responsabilidade maior pela inovação tecnológica.
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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Estas afirmativas, no entanto, não impedem que determinados setores
da universidade façam inovação tecnológica ou que os centros de desenvolvi-
mento das empresas façam pesquisa fundamental. Criaremos mecanismos
que permitam às empresas brasileiras se engajarem de forma mais intensa
com a inovação tecnológica, criar seus centros de pesquisa e desenvolvimento
e reforçar seus quadros com os doutores que estamos formando em número
crescente.
A nova política do governo do presidente Lula contempla uma
determinação vigorosa no sentido de dessacralização da C&T, mediante a
implantação de mecanismos de difusão de informação, para que, no futuro
próximo, a cada mudança significativa do paradigma tecnológico, cada
cidadão comum tome conhecimento da influência que essa mudança terá
sobre sua vida.
Para fins de realização de um dos braços dessa política, já temos
formulado – em parceria com os governos estaduais – um projeto de capaci-
tação laboratorial de escolas públicas de nível médio, para que a juventude
não só ganhe intimidade com o instrumental tecnológico, quanto ofereça
a massa de talentos em meio à qual serão identificadas as novas vocações
para a pesquisa.
As perspectivas de desenvolvimento nacional a longo prazo exigem
a presença do Brasil na nova fronteira universal – o espaço – aberta à
humanidade na segunda metade do século passado. Deste modo, a busca
da autonomia do Brasil no setor espacial é objetivo nacional. O ciclo
completo da tecnologia aeroespacial brasileira envolve o desenvolvimento
de satélites, a fabricação de veículos lançadores, a manutenção e operação
de bases de lançamento – a começar, e destacadamente, pela consolidação
da Base de Alcântara, inclusive com prestação de serviços de lançamento em
caráter comercial, respaldados em acordos de salvaguarda.
Não podemos deixar em segundo plano a área nuclear. Reafirmando
nossas convicções do uso pacífico da área nuclear, incentivamos o domínio
do ciclo do combustível, fundamental para nossa autonomia energética, bem
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SOLENIDADE DE POSSE DOS NOVOS MEMBROS DA ABC
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como a produção de radionuclídeos, tão importantes na medicina, na agri-
cultura e na indústria.
Todas essas linhas de atuação contemplam, na verdade, metas bem
menos ambiciosas do que aparentam ter, mas necessitam de mecanismos de
financiamento adequados aos objetivos.
Entretanto, as restrições de financiamento talvez não sejam os obstáculos
maiores às mudanças favorecedoras do desenvolvimento científico e tecnológi-
co do País.
A resistência à mudança, interposta por alguns agentes da própria
comunidade científica – acomodados ao status quo e beneficiários do
modelo de desenvolvimento excludente, sob o qual formaram seus valores –
impõe aos gestores da política de C&T um desperdício de tempo e energia
tão grande que chega a inviabilizar políticas públicas e prejudicar substan-
cialmente a população cliente das ações de C&T, que necessita e poderia
melhor beneficiar-se do desempenho fluente desses gestores.
Finalmente, senhoras e senhores acadêmicos, desejo registrar que a
administração da Política Nacional de Ciência e Tecnologia espera desta
Academia e das mulheres e dos homens que a integram o apoio que
puderem propiciar a esta espécie de cruzada nacional, que é fazer deste País,
com apoio no seu patrimônio de conhecimento e na capacidade de realiza-
ção do seu povo, uma sociedade soberana e justa. Abro-me ao diálogo com
a Academia, e dela espero sugestões e a vigilância crítica.
Quero, em nome de sua excelência o senhor presidente da República,
e em meu próprio e em nome de todos os meus colaboradores, parabenizar
um a um os novos acadêmicos. O ingresso nesta Academia representa a
colheita do maior troféu a que pode aspirar um cientista: o reconhecimento
dos seus pares pela contribuição dada às diferentes áreas do conhecimento.
Presidente Eduardo Krieger, professor Celso Furtado e demais acadê-
micos hoje empossados, minhas senhoras, meus senhores.
Encerrando, formulo mais um apelo, aquele que me é mais grato.
Encerro apelando para que todos nos comprometamos em promover uma
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OLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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grande discussão, em nosso país, em torno da necessidade da mudança. A
mudança necessária não decorrerá pura e simplesmente de ato de poder.
Ela depende da construção de um projeto nacional, nossa mais dramática
carência. Carência cuja persistência poderá ser fatal aos nossos sonhos de
futuro. Clamo por um projeto de nação construído pela nação, resultante
do debate de toda a sociedade, que nos guie para além da sociedade política,
para além dos limites do Estado, para além dos limites dos mandatos, mas
que nos governe a todos, nos oriente a todos, governantes, empresários,
cientistas, trabalhadores, para que nós, o povo brasileiro, estejamos unidos,
para além de nossas eventuais divergências políticas, partidárias e mesmo
filosóficas, em torno de um projeto nacional que encerre nossos sonhos,
que revele o que queremos, que sociedade queremos para a civilização
brasileira, e, acima de tudo, significa um pacto, nosso compromisso, pela
realização do sonho.
Muito obrigado por me haverem ouvido.
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SOLENIDADE DE TRANSMISSÃO DO CARGO DE MINISTRO DE ESTADO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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INCLUSÃO SOCIAL
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ABERTURA DA 55ª SBPC
(Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência),
RECIFE, 13 DE JULHO DE 2003.
Senhoras e senhores,
Com grande prazer e muita honra, compareço – na condição de
ministro da Ciência e Tecnologia e representando o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva – a esta 55ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, pela qual mantenho admiração e respeito, há muitos
anos. A rigor, desde os dias já distantes de formação universitária e ao longo
de toda a vida profissional e política.
O governo do presidente Lula, que integro com muito orgulho, é
governo de mudança.
Mudança não apenas em face dos governos nossos antecessores, mas
mudança na visão de sociedade que queremos construir, na visão de país, na
visão de Estado e, acima de tudo, na visão de civilização e de futuro.
Por isso que se esforça por levar ao alcance de todos os cidadãos,
sem discriminações e sem postergações desnecessárias, a fruição do bem-
estar, da segurança, das oportunidades e dos valores próprios da sociedade
democrática, democracia pela qual todos aqui, intelectuais, cientistas e
instituições, tanto lutamos por construir, e lutamos, agora, por aprofundar
e preservar.
INCLUSÃO
SOCIAL
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A mudança fundamental, se posso resumir nosso projeto, é a decisão
de inaugurar a era da inclusão: inclusão na cidadania, inclusão na economia,
inclusão na fruição dos bens coletivos, dos bens simbólicos, dos serviços da
saúde e do conhecimento.
Mudança que não ocorrerá se não desenvolvermos este país, e não
haverá desenvolvimento se não investirmos maciçamente em educação,
ciência e tecnologia.
Sinto-me em casa quando lhes falo em mudança e em inclusão,
porque, simplesmente, estou realçando a vocação congênita da SBPC de
servir ao país como agente ativo das transformações sociais. De fato, desde
sua fundação – no final dos anos 40 e às vésperas do salto industrialista
dos anos 50 –, a SBPC esteve sempre sintonizada com os grandes câmbios
experimentados pela sociedade brasileira, animando-os, tanto nas áreas da
ciência e da tecnologia, propriamente ditas, quanto nos campos da economia,
da política e da cultura.
Deve ser lembrada, sempre com reverência, a participação desta
sociedade de homens e mulheres envolvidos com a expansão do conheci-
mento científico, nas lutas pelo restabelecimento da democracia. Preciso
ressaltar, também, sua indomável resistência, sua inquebrantável inde-
pendência durante todo o período da ditadura. Como tem sido notável seu
papel na formulação de políticas públicas que resultaram – por assim dizer
– na formação do Brasil moderno.
A emergência de um governo de mudança como o do presidente Lula,
portanto, muito deve à comunidade científica.
E o tema-síntese desta reunião é CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA
A INCLUSÃO SOCIAL – testemunhando a sensibilidade da SBPC para as
questões críticas da sociedade brasileira e a disposição de nossa comunidade
em lutar por removê-las.
Repitamos: não há possibilidade de projeto nacional sem uma
política de investimentos sistêmicos e maciços em educação, ciência e
tecnologia.
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I
NCLUSÃO SOCIAL
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Agora, mais uma vez, e talvez mais do que nunca, é requerida a
participação da SBPC e de cada um dos seus membros na tarefa de pensar
estratégias de desenvolvimento nacional no contexto de uma nova sociedade
que haveremos de construir, exigente em termos de eqüidade social, de defesa
do ambiente planetário e apoiada na instrumentalização maciça do conhe-
cimento.
O programa de governo do presidente Lula, na área de Ciência &
Tecnologia, se norteia por cinco mudanças ou princípios diretores.
A primeira dessas mudanças é de natureza ético-humanística. No
governo do presidente Lula, ciência e tecnologia não são uma categoria per
se, não se auto-homologam, não se autolegitimam, mas se justificam, se
legitimam quando podem responder a que vieram, a que e a quem servem,
a que projeto de país e a que modelo de sociedade.
Assim, o Estado retoma sua responsabilidade estratégica enquanto
as prioridades nacionais serão democraticamente estabelecidas com a
comunidade, bem como serão estabelecidos os grandes projetos axiais, que
merecerão apoio financeiro prioritário, beneficiando-se da mobilização
da comunidade de C&T e da proteção às atividades industriais correlatas.
Os gastos em C&T serão tratados não como custos correntes, mas como
investimento num futuro melhor para o país. A grande meta instrumental
dessa política será dobrar o percentual do PIB aplicado em C&T.
Do nosso ponto de vista, C&T são o instrumento fundamental
para a construção de uma nova sociedade, livre da concentração iníqua, da
injustiça social e do autoritarismo. Sociedade na qual o orgulho de sermos
os maiores exportadores mundiais de certas commodities não tenha de
conviver com a necessidade de um programa de combate à fome, que se
nos engrandece pelo espírito de solidariedade que representa, e a coragem
de nosso presidente em empunhá-lo, é a denúncia da absurda desigualdade
social em que os brasileiros foram mergulhados.
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ABERTURA DA 55ª SBPC
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A segunda mudança é o projeto de inclusão, nosso compromisso,
desde o primeiro momento, para dar fim à exclusão social.
A exclusão, neste país, atingiu níveis de tal magnitude que a ninguém
mais é permitido imaginar que tamanhas desigualdades sejam obra do acaso
ou das circunstâncias. Ao contrário, é necessário ter em mente que elas derivam
do projeto de sociedade de nossas elites hegemônicas que, desde a formação
colonial, se apartaram da história do povo, dos interesses da nação.
A exclusão social, que percorre praticamente todos os aspectos da vida
brasileira – exclusão da renda, do emprego, da saúde, da cidadania – começa
a construir sua forma a mais perversa: a exclusão da informação, matéria-
prima do conhecimento, o mais importante fator de produção na economia
do terceiro milênio.
A nova política do governo do presidente Lula contempla uma
determinação vigorosa no sentido de dessacralização da C&T, mediante
a implantação de mecanismos de difusão de informação tais que, no futuro
próximo, a cada alteração significativa do paradigma tecnológico, cada
cidadão comum tome conhecimento da influência que essa mudança terá
sobre sua vida.
A terceira mudança com a qual nos comprometemos, é a desconcen-
tração do desenvolvimento científico e tecnológico no espaço geopolítico
brasileiro.
A concentração de renda nacional, sob o aspecto das desigualdades
entre grupos sociais, se reproduz na concentração que alimenta os perigosos
desníveis regionais, os quais podem inviabilizar, a médio e longo prazos, o
pacto federativo.
A distância, em termos de desenvolvimento, entre as regiões brasileiras
mais ricas e as menos favorecidas coloca diante de nós o risco de consoli-
dação e de aprofundamento de um certo apartheid tecnológico – que seria,
aliás, o último dos apartheids, na medida em que tornaria impossível,
no horizonte de nossas vidas, a recomposição do país.
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NCLUSÃO SOCIAL
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O desafio que cabe à nossa geração – no campo que nos é próprio, o
da Ciência & Tecnologia – é garantir a continuidade do desenvolvimento
dos atuais centros de excelência, consolidar os avanços já realizados e, ao
mesmo tempo, promover o desenvolvimento acelerado das regiões mais
atrasadas. Se este não é desafio novo, devemos convir que nunca tivemos
antes instrumentos tão eficazes nem disposição tão firme para enfrentá-los
como temos agora.
Exemplo disto é a implantação de centros de pesquisa – sempre
considerando o reconhecimento à excelência e comprovação de sua oportu-
nidade – nas diversas regiões do país, como instrumento de indução ao
reequilibro inter-regional dos investimentos em C&T. Entre eles, o Centro
de Biotecnologia da Amazônia, em Manaus; o Centro de Ciências Nucleares,
aqui no Recife e beneficiando toda a região, e o projeto do Instituto
Internacional de Neurociências, em Natal.
Um Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada
(CEITEC) está sendo instalado em Porto Alegre, em colaboração com
o governo estadual, a prefeitura daquela cidade e as universidades gaúchas,
enquanto se discute com a Universidade Federal do Ceará a possível implan-
tação de um Centro de Farmacologia Aplicada, na cidade de Fortaleza,
capaz de dar respaldo ao desenvolvimento de tecnologias de farmacotécnica
e apoiar o surgimento de um novo centro de produção de medicamentos. O
Instituto Nacional de Pesquisas do Semi-Árido será instalado no Nordeste,
ainda neste semestre, para coordenar todos os esforços visando a conhecer
melhor os recursos da região e manejá-los adequadamente no sentido de sua
redenção econômica e de sua inclusão social.
A quarta mudança consiste em pensar o Brasil de hoje.
Cabe-nos, quanto a este aspecto, a árdua tarefa de, a um só tempo,
promover o desenvolvimento científico e tecnológico e ensejar a mais
rápida introdução das inovações ao processo produtivo. Esta é tarefa de
urgência. Porque aquele fosso, antes denunciado, que distancia o Sudeste
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brasileiro do restante do país, é a reprodução fractal do fosso que está
separando nosso país do chamado primeiro mundo.
Ou reunimos todas as nossas forças neste investimento – e devemos
cobrar permanentemente a participação do empresariado privado e da
Universidade nessa missão – ou nós, que já perdemos a revolução comercial
e a primeira Revolução Industrial, nos conformaremos com o papel de eternos
coadjuvantes, de eternos replicadores de idéias alheias, realizando a sina – a má
sina – de país reflexo, com ciência reflexa e tecnologicamente dependente.
Nunca será demasiado repetir. Rejeitamos a disjuntiva ciência básica
x ciência aplicada. O papel da Universidade – de zelar pelo avanço da ciência,
sem compromissos com a aplicação imediata, mas nem por isso alienada do
interesse social – é relevante e insubstituível. Cabe aos centros de pesquisa e
desenvolvimento das empresas, que apoiaremos, a responsabilidade maior
pela inovação tecnológica.
Mas a divisão social do trabalho criador não se pode dar em compar-
timentos exclusivos da realidade. Logo, as afirmativas precedentes não
significam impedimento de que determinados setores da universidade
façam inovação tecnológica ou que centros de desenvolvimento das empresas
façam pesquisa fundamental. Significam apenas que fortaleceremos os
mecanismos disponíveis e criaremos novos mecanismos que permitam às
empresas brasileiras se engajarem de forma mais intensa com a inovação
tecnológica, criar centros de pesquisa e desenvolvimento e reforçar seus
quadros com os doutores que estaremos formando em número crescente –
cerca de 10 mil por ano, até o término do mandato do presidente Lula.
E a quinta mudança é pensar o futuro.
Enquanto trabalhamos para assegurar o desenvolvimento do país de
agora, temos de pensá-lo lá na frente; do contrário, estaremos reincidindo
no papel de reprodutores de linhas de pensamento, linhas de pesquisa,
linhas de desenvolvimento científico e tecnológico, ditadas todas pelo
primeiro mundo.
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NCLUSÃO SOCIAL
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Conhecemos o aforismo de Leibnitz, segundo o qual “o futuro é,
antes de tudo, o presente mal percebido”, ou seja: pouca coisa haverá no
futuro previsível que já não esteja, pelo menos em germe, habitando o
presente. E também já dominamos com alguma perícia as ferramentas
da prospecção científica e tecnológica, o que nos permite identificar mega-
tendências e definir objetivos nacionais para o futuro, traduzindo-os em
projetos conseqüentes ou, pelo menos, em utopias viáveis.
O fato é que precisamos saber, hoje, com razoável grau de aproxi-
mação, de que profissional, de que doutor, de que mestre, de que professor
precisaremos daqui a 15, a 20 ou 25 anos. Que profissional precisamos
formar hoje, que pesquisa precisamos iniciar hoje para podermos ter amanhã
a universidade e a sociedade que queremos construir.
Neste particular, já iniciamos um processo de futuro a começar pela
base. Objetivamente, já temos formulado – em parceria com governos
estaduais -, um projeto de capacitação laboratorial de escolas públicas de
nível médio, para que a juventude não só ganhe intimidade com o instru-
mental tecnológico atual, quanto ofereça a massa de talentos em meio à qual
serão identificadas as novas vocações para a pesquisa futura.
É o projeto Ciência nas escolas que, até o final do governo do presi-
dente Lula, deverá instalar um kit-laboratório em cada uma das escolas
públicas de ensino médio do país. Neste segundo semestre, se encerrará o
experimento-piloto, com a instalação de 400 laboratórios.
Cumpre-nos, assim, investigar hoje – com o auxílio dos instrumentos
de prospecção disponíveis – o que será o genoma da década de 2023, o que
representará a nanotecnologia, os semicondutores, e um sem número de
atividades científicas estratégicas, de daqui a um quarto de século, para
começarmos a formar hoje o profissional capaz de responder a estes desafios.
Estou certo de que a SBPC é o fórum privilegiado, o sítio fértil a partir do
qual essas indicações começarão a tomar corpo.
Passando em revista a lista de trabalhos que serão apresentados ao
longo desta Reunião Anual da SBPC e as preocupações que afloram em
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ABERTURA DA 55ª SBPC
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todas as discussões, vê-se que a agenda de investigação da ciência brasileira
não é, de modo algum, alheia a estes princípios diretores da nossa política de
desenvolvimento científico e tecnológico. Esta congruência de preocupações
nos informa que os propósitos de mudança que nos orientam são consensuais
e viáveis, embora eu não tenha o direito de negligenciar os altos interesses
que essas mudanças poderão contrariar e, conseqüentemente, os obstáculos
de toda ordem que serão interpostos a essas transformações.
Sejam quais forem os obstáculos a vencer, o certo é que, de parte do
Ministério da Ciência e Tecnologia já está em curso um amplo espectro de
mecanismos de suporte à qualificação de recursos humanos, incremento à
pesquisa & desenvolvimento e apoio à pesquisa básica. Assim, os fundos
setoriais, cuja importância é reconhecida por todos, tiveram seu funciona-
mento reavaliado por Grupo de Trabalho integrado por representantes da
comunidade acadêmica, representantes do empresariado e dos trabalhadores,
e medidas administrativas foram tomadas no sentido de torná-los mais
efetivos e transparentes.
A propósito dos Fundos Setoriais, é importante informar que, para o
corrente ano, contamos com um orçamento de cerca de R$ 660 milhões;
no entanto, somente as dívidas que herdamos, boa parte resultante do não-
pagamento de projetos em 2002, importam R$ 454 milhões. Restam,
pois, R$ 206 milhões para novas aplicações neste exercício. Já foram
empenhados, nestes primeiros seis meses, R$ 230 milhões.
Os Comitês Gestores já estão se reunindo, e tenho o prazer de comu-
nicar que o comitê do Fundo de Infra-Estrutura decidiu, no último dia 3,
abrir uma série de editais para apoio à infra-estrutura para jovens doutores,
para a manutenção de equipamentos de grande porte, para a ampliação do
portal da Capes e do programa de educação a distância do MEC. São recur-
sos da ordem de R$ 30 milhões, só para este semestre.
Quero destacar – uma vez que esta informação interessa a muitos dos
presentes– que ampliamos em cerca de 10% todas as modalidades de bolsa
do sistema CNPq e, também, introduzimos novos programas, como a bolsa
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prêmio, que concede recursos mensais de mil e trezentos reais para o auxílio
à manutenção dos laboratórios onde trabalham os 1.050 pesquisadores de
nível 1A do CNPq. Há um mês, autorizamos programa semelhante para os
774 pesquisadores do nível 1B e estamos prestes a anunciar a implantação
do mesmo programa para os 1.286 pesquisadores do nível 1C. No conjunto,
com estes programas, estaremos alocando cerca de R$ 40 milhões por ano no
apoio a projetos de pesquisa. Adicionalmente, não posso deixar de aludir ao
novo programa de Iniciação Científica Júnior, que conta com 3 mil bolsas
para permitir estágios nos melhores laboratórios de pesquisa para alunos
do nível médio das nossas escolas públicas. É o incentivo ao despertar da
vocação científica da juventude. E estes foram apenas passos iniciais.
Na linha da descentralização e atuação em parceria, autorizamos o
CNPq a lançar novo edital do Programa Nacional de Apoio a Centros de
Excelência (PRONEX), desta vez em cooperação com as Fundações de
Amparo à Pesquisa dos estados, assegurando a essa iniciativa recursos da
ordem de R$ 75 milhões, aos quais se somarão outros R$ 75 milhões a
serem alocados pelas FAPs, nos próximos três anos.
O mesmo CNPq executará em 2003, pela primeira vez em muitos
anos, o seu orçamento integral, que é da ordem de R$ 600 milhões.
Por sinal, neste momento, o CNPq e a Finep estão lançando um conjun-
to de editais do Fundo Setorial de Infra-Estrutura, com alocação de recursos
de cerca de R$ 75 milhões para programas de manutenção de equipamen-
tos, apoio a jovens pesquisadores, a biotérios, a programas de educação à
distância e à criação de novos Núcleos de Pesquisa nas regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste. Lançaremos, em seguida, o Programa de Núcleos de
Excelência, em parceria com as Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa.
Nesta Reunião da SBPC, estamos apresentando a Rede Brasil de
Tecnologia, com o objetivo de promover a articulação institucional do
Governo Federal, de modo a propiciar a interação eficiente entre a adminis-
tração pública, a universidade brasileira, as empresas e os agentes financeiros,
para o desenvolvimento tecnológico dos setores produtivos locais.
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ABERTURA DA 55ª SBPC
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Ela se insere, ao lado de outras iniciativas, no esforço de nossa política
que visa, de um lado, a agregar valor aos nossos atuais itens de importação,
e de outro, promover uma política seletiva de substituição de importações,
estimulando, com o concurso da universidade e centros de pesquisa, a
produção, entre nós, de insumos, bens e serviços ainda importados.
Nas próximas semanas estaremos assinando, com o BNDES,
convênio que viabiliza o Criatec, programa cujo objetivo é a criação de
mil pequenas empresas de base tecnológica, tirando das prateleiras univer-
sitárias muitos inventos e inovações que estão no aguardo de empreende-
dorismo. Vamos nos associar com capital de risco.
Mas ainda há muito o que fazer, e não podemos realizar sozinhos.
Todos nós lemos o último Índice de Desenvolvimento Humano publicado
pela ONU, e lá nos encontramos na 65ª colocação. Para cada milhão de
habitantes, o Brasil possui 180 cientistas. A Argentina 700 e os Estados
Unidos 3.800.
Não passou desapercebida a esta administração a necessidade de criar
uma base científica e tecnologia que permita ao país realizar, no menor
tempo possível, um salto em direção à modernidade, nos colocando em pé
de igualdade, para começar, com países emergentes como a Coréia. Embora
tal objetivo possa parecer demasiado audacioso – e é o que pensa dele a
maioria da sociedade.
Nos Estados Unidos, 74% das mil maiores empresas investem mais de
5% de seu faturamento em qualificação continuada de seus recursos
humanos.
O poder público brasileiro é responsável por 86% dos investimentos,
e emprega mais de 90% dos doutores que forma. Nos Estados Unidos, mais
de 90% são absorvidos pela iniciativa privada.
Faço essas observações para acentuar o óbvio: a nova política de
Ciência e Tecnologia deve ser tratada como uma questão de Estado, que
afeta toda a sociedade. As universidades, as instituições de pesquisa, as
empresas, as organizações sindicais e da comunidade científica, e o governo
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como um coletivo, deverão estar envolvidos de maneira permanente na
discussão e na proposição das políticas de Ciência e Tecnologia, buscando-
se a execução de ações integradas à base de uma interação permanente entre
todas as esferas de governo e deste com a sociedade civil organizada.
Tenho muito orgulho em afirmar a consolidação do programa espacial
brasileiro, a consolidação soberana da Base de Alcântara, a viabilização de
nosso veículo lançador e do satélite CBERS-2 em cooperação com a China,
que será lançado em setembro próximo.
Graças ao nosso acordo com a Ucrânia, vamos nos associar na
produção do terceiro estágio do Ciclon-4, a ser lançado de Alcântara.
Com satisfação, anuncio a criação do Instituto do Milênio para
Segurança Alimentar e da Rede Nacional de Nano Ciência e Nanotecnologia.
Finalmente, senhoras e senhores, desejo saudar – em nome do governo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da comunidade governamental de
Ciência & Tecnologia e do meu próprio – a direção da SBPC, os membros
da Sociedade e a todos que participam desta Reunião, registrando que
a administração da Política Nacional de C&T espera beneficiar-se, na
formulação dos seus programas de ação, das idéias e propostas aqui apre-
sentadas e discutidas. Ao mesmo tempo, reitero a convocação do apoio que
puderem propiciar a esta espécie de cruzada nacional, que é a de fazer
deste país, com base no seu patrimônio de conhecimento e na capacidade
de realização do seu povo, uma sociedade soberana e justa. No marco da minha
esfera de competência, abro-me ao diálogo com a Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência e, dela, espero sugestões e vigilância crítica.
Muito obrigado.
ABERTURA DA 55ª SBPC
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CONFERÊNCIA ONLINE EDUCA BARCELONA – Tercera
Conferencia Internacional de la Educación y de la Formación
basada en las Tecnologias / Punto de encuentro entre Europa y
Latinoamérica de los Professionales de E-Learning – ESPANHA,
BARCELONA, 6 DE MAIO DE 2003.
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – PERSPECTIVA DE UM
PAÍS EM DESENVOLVIMENTO
Sociedade da informação: uma nova ordem internacional
A ‘Sociedade da Informação’ emerge no cenário internacional como
tema novo, que consolida, em uma mesma perspectiva, diversos aspectos da
revolução digital, a partir da qual o mundo começa mais uma vez a trans-
formar-se. Uma vez mais, assimetricamente.
As grandes potências antecipam-se ao resto do mundo, dando início
a processos de formulação política e regulamentação, antes que muitos países,
hoje em desenvolvimento, tenham plena noção das mudanças em curso.
Não há novidade nessa política de pré-condicionantes.
A Europa, de acordo com sua tradição, parece reagir a tais desafios
mediante enfoque predominantemente humanístico e social. Para europeus,
majoritariamente, a Sociedade da Informação deve ser implantada e estimu-
lada com vistas à melhoria efetiva da qualidade de vida das populações.
Nos EUA, também de acordo com sua tradição, predomina tendência
a realçar os ganhos econômicos da assimilação dessas novas tecnologias pelo
setor privado. Isto é, o mercado.
Ferramenta para a competição desequilibrada ou instrumento de
desenvolvimento humano, o fato é que, do ponto de vista dos países em
desenvolvimento, a conformação de uma sociedade da informação encerra
desafios consideráveis.
Segundo algumas avaliações, os avanços nas tecnologias digitais
permitirão que os países do Sul dêem salto qualitativo de desenvolvimento,
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superando etapas que não conseguiram queimar no contexto da Revolução
Industrial. Por outro lado, na medida em que tais tecnologias se tornam
fatores estratégicos de competição na economia internacional, aqueles países
que ficarem à margem do processo estarão, talvez definitivamente, afastados
do progresso.
O “hiato social” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,
característico do período da Revolução Industrial, alimentar-se-ia de um
novo apartheid digital, certamente ainda mais injusto em termos da repartição
internacional dos benefícios e oportunidades do desenvolvimento.
Contudo, a despeito de suas profundas implicações políticas, o debate
sobre a sociedade da informação está sendo transplantado para a agenda
internacional sob manto, nada surpreendente, de esterilidade ideológica.
Analista atento perceberá o cuidado tomado para evitar que fossem
suscitadas antigas polarizações Norte-Sul. Nos debates do G-8, disseminou-
se a tese da convergência de interesses entre os que possuem e os que não
possuem tecnologia. Ambos os lados (antagônicos durante os anos de
reivindicação de uma Nova Ordem Econômica Internacional) passariam
a ter interesse comum na promoção das TICs e na expansão da sua infra-
estrutura conexa de telecomunicações. Suposta convergência de interesses
passaria a ser afirmativamente defendida junto aos países da América Latina,
Ásia e África. Segundo a tese, o acesso às TICs propiciaria o almejado salto
de desenvolvimento, que sempre se verificou ilusório para esses países, ao
longo da história.
Elemento importante dessa nova retórica terá sido a perspectiva com
que se defrontam as empresas dos países desenvolvidos, que terão possivel-
mente apostado alto demais na capacidade de absorção dos mercados
consumidores no chamado “primeiro mundo”, de onde vinham extraindo o
essencial de seus ganhos, durante a primeira fase de implantação e expansão
da indústria de informática e computação.
Exemplo indicativo desse possível superdimensionamento estaria
hoje refletido no mercado de computadores pessoais, na queda das ações
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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – PERSPECTIVA DE UM PAÍS EM DESENVOLVIMENTO
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das empresas “ponto.com”, bem como no esfriamento relativo do mercado
das operadoras de telecomunicações. Em alguma medida, diante dos sinais
de saturação nos mercados dos países desenvolvidos, o setor passa hoje por
reajuste de expectativas de ganhos. Novas alternativas, em mercados ainda
pouco explorados dos países em desenvolvimento, constituem nova opção,
estimulada inclusive pela política de privatizações, encorajada, para dizer o
mínimo, pelas agências financeiras internacionais.
O método de operação das empresas também está mudando. Algumas
das maiores, como Microsoft, HP, Toshiba e Siemens, passaram a canalizar
recursos para abertura e desenvolvimento de novos mercados não-tradi-
cionais, mediante fundos e organizações sem fins lucrativos, alguns ditos
filantrópicos.
No âmbito da Força-Tarefa para a Oportunidade Digital do G-8,
os nove países em desenvolvimento convidados a participar da imple-
mentação de programa de expansão das TICs dividiram o foro com
representantes de empresas privadas e de organizações sem fins lucrativos
de países desenvolvidos.
O diálogo tripartite sobre uma nova agenda de cooperação para o
desenvolvimento, baseada na expansão das TICs (governo, setor privado e
ONGs) tem envolvido não só a parte material (computadores, celulares,
redes digitais, nódulos, interconexões, banda, backbone) como conteúdos
(educação, cultura, comércio eletrônico, governo eletrônico, cidadania). Ou
seja, TICs e Sociedade da Informação são temas transversais, que dizem
respeito a praticamente todos os setores da vida dos países e de suas
sociedades. Claramente, não podem ser tratados de forma apolítica.
As alterações produzidas após o atentado às torres gêmeas em Nova
York deverão, ademais, realçar o tratamento conferido à questão da segu-
rança da informação e ao direito à privacidade no meio digital. O esforço
internacional de combate ao terrorismo poderá criar desafios adicionais
para a afirmação dos direitos individuais, da privacidade e a defesa do
multiculturalismo, que reafirmamos.
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Os interesses anteriormente apontados estão fazendo com que a
sociedade da informação receba tratamento diferenciado nos foros em que
vem sendo debatida, com indícios de redução da representatividade e margem
de atuação dos Governos no processo decisório – o que não é necessaria-
mente bom. A Internet, que constitui espaço de evidente interesse público e
influenciará o mundo rumo a nova divisão internacional de trabalho, recursos
e poder, permanece inacessível à ação normativa dos Estados, especial-
mente dos países em desenvolvimento, suscitando questões complexas de
governabilidade, democracia e, principalmente, soberania no espaço virtual.
O desafio para países em desenvolvimento
A revolução digital está gerando uma transformação do modelo de
desenvolvimento em diversos planos: social, cultural, econômico, político,
científico e tecnológico. Os países desenvolvidos, que alcançaram níveis
mínimos de universalização do ensino, inclusão e assistência social, atingin-
do média de atendimento ao bem-estar de suas populações muito acima
daquela vigente nos países em desenvolvimento, preparam-se para novo
salto qualitativo.
“Economia do conhecimento”, “sociedade da informação” são expressões
que procuram captar a essência da mudança no domínio da ciência e da tec-
nologia. A digitalização da informação, conjugada à relativa democratização
dos meios de comunicação e transmissão de dados, com reduções drásticas
nos custos e nas barreiras de acesso a esse novo mundo em rede, altera tudo
de uma só vez, produzindo o fenômeno da convergência.
Equipamentos anteriormente individualizados em função de suas
aplicações e finalidades utilitárias, como o rádio, a televisão, o telefone, a
máquina de escrever e até mesmo o livro, convergem para uma plataforma
única, multiutilitária e unidimensional no que se refere à tecnologia empre-
gada. Esses elementos materiais da vida moderna evoluem no sentido de
uma megaintegração. A Internet, com seus servidores, direcionadores,
arquivos e bases de dados, contendo de tudo, desde notícias, informações
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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – PERSPECTIVA DE UM PAÍS EM DESENVOLVIMENTO
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comerciais, música, a livros-texto, cultura, cursos, ensino e programas
audiovisuais, parece ser o embrião dessa superplataforma.
Naturalmente, a convergência dos meios, no plano tecnológico,
tenderá a produzir convergência equivalente de conteúdos, que estarão mais
e mais sujeitos à massificação e ao controle ideológico exercido pela tecnologia.
Haverá predomínio das informações produzidas, veiculadas e processadas,
em maior quantidade, pelos países tecnologicamente mais aptos.
Se um extraterrestre desembarcasse hoje em qualquer país da América
Latina e fosse conhecer esse país e o Planeta pelas vias da Internet, teria diante
de si um mundo anglófono, ocidentalizado, branco e consumista. Ora, a
grande promessa de democratização da informação transforma-se em instru-
mento de afirmação de uma só nação, de uma só cultura, de uma só língua,
de uma só visão de mundo, agindo na direção centro-periferia, onde uma
vez mais é veículo de elitização da cultura, da informação e da política.
Passados tantos anos e tantas turbulências, inclusive institucionais,
renasce, com dramática contemporaneidade, o pleito por uma nova ordem
internacional da comunicação, agora não mais adstrita à necessidade de
democratização dos meios massivos. Há que cuidar para que a Internet, nascida
como rede de informação democrática, pela sua capacidade de difusão capilar,
não se transforme no refinamento da concentração, construindo mais um,
talvez o último dos apartheids de nossa era: o apartheid do conhecimento.
Nesse quadro, é fundamental assegurar visão social e humana,
respeitosa das diversidades culturais, étnicas, religiosas, ideológicas e políticas.
É necessário lutar contra o risco da homogeneização associado às caracterís-
ticas intrínsecas da revolução digital, voltando-se para a exploração das
novas janelas de oportunidades que a mudança de paradigma oferece em
termos de viabilização, na prática, de modelo de democracia participativa
e social e economicamente inclusiva.
Essa visão é particularmente importante para países em desenvolvi-
mento, punidos pela inserção tardia e negativa no processo da revolução
industrial, determinando um destino imediato, que forcejamos por romper,
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NCLUSÃO SOCIAL
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de subalternidade e indigência. O já insuportável hiato social entre países
em desenvolvimento e países desenvolvidos, típico do período da industrializa-
ção, não deve e não pode alimentar-se de novo ciclo de desigualdades, refleti-
do no chamado “hiato digital”, tendência sobressaltante, capaz de ampliar o
fosso entre aqueles que têm muito e os que pouco possuem, condenados a
nada possuírem por lhes haver sido negado o direito ao conhecimento.
Ciência e tecnologia – uma visão humana e socialista
Com a eleição histórica de um Governo de esquerda no Brasil, repre-
sentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo Partido dos
Trabalhadores e coalizão de partidos aliados, como o Partido Socialista
Brasileiro, que represento, o Governo assume a responsabilidade de aplicar
às políticas públicas uma visão de esquerda, tanto social quanto humana.
No campo da ciência e tecnologia, essa meta é particularmente desafi-
adora. A cultura prevalecente no âmbito da ciência orienta-se por visão pura,
apolítica e desnacionalizada da pesquisa. O universo do cientista e o seu mundo
de investigação nem sempre estão associados à vida nacional de um país.
No caso brasileiro, essa situação é cada vez mais incompatível com a
natureza estatal do financiamento e apoio aos esforços de desenvolvimento
científico e tecnológico. Os recursos disponíveis são escassos e a sociedade
cobra, com legitimidade crescente, resultados que produzam aumento
real da qualidade de vida.
É, também, incompatível com a urgência e gravidade dos problemas
nacionais de exclusão social, de busca por um modelo de desenvolvimento
justo e sustentável. Oitenta por cento da pesquisa realizada no Brasil
são financiados com recursos públicos, em geral por intermédio da rede de
universidades, laboratórios e institutos de pesquisa criados e mantidos
pelo Governo. É preciso que a ciência e a tecnologia integrem-se ao projeto
político nacional e contribuam para o desenvolvimento socioeconômico
brasileiro de modo mais efetivo e perceptível para a sociedade. Sem isto, o
Brasil terá dificuldades para vencer gargalos no seu desenvolvimento, para
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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – PERSPECTIVA DE UM PAÍS EM DESENVOLVIMENTO
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alcançar um nível de distribuição de renda mais compatível com o que se
espera de uma sociedade moderna. Na verdade, se esse desafio não for vencido,
o Brasil não conseguirá superar as amarras do atraso e da estagnação.
O programa do Ministério da Ciência e Tecnologia visa justamente a
preparar o Brasil para a superação de suas deficiências históricas em termos
científicos e tecnológicos, mediante o fortalecimento do sistema nacional de
ensino da ciência e de formação de pesquisadores. Pretende-se reabilitar o
sistema nacional de ensino superior da C&T, desenvolver mentalidade
voltada para a inovação com função social e de mercado, e levar a pesquisa
e a tecnologia para todos os quadrantes do país, permeando, inclusive,
segmentos menos favorecidos da sociedade, promovendo equalização de
oportunidades e acesso a um mundo melhor.
As metas são quantitativas e qualitativas, pois será necessário difundir
cultura ainda inexistente, segundo a qual a ciência deve adquirir significado
e serventia para a população. A promoção do acesso universal às tecnologias
da informação e, em particular, seu emprego como ferramenta propulsora
e instrumento de desconcentração do ensino e da educação no Brasil,
constituem objetivos estratégicos. Nesse propósito, teremos muito a ganhar
se países como a Espanha, e, em particular, se uma instituição como a
Universidade Aberta da Catalunha, centro notório e prestigioso de ensino
superior a distância, estabelecerem canais aprofundados de diálogo e coope-
ração com vistas à troca de experiências e a ações conjuntas.
A centralidade da educação
Não é possível exagerar na afirmação do papel central do ensino e da
educação. São divisores de águas entre aqueles países ou sociedades que
vencerão e aqueles que fracassarão em seus intentos de desenvolver-se com
igualdade e solidariedade. Conforme interessante análise do historiador
e demógrafo Emmanuel Todd, em sua obra Após o Império, seriam dois os
principais fatores de transformação das sociedades ao longo da historia
moderna: a alfabetização e a queda na taxa de fecundidade.
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NCLUSÃO SOCIAL
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O autor, que se notabilizou por escrever sobre a “decomposição da
esfera soviética”, em 1976, alega ser comprovável a relação entre o que
chama de “modernização mental”, de um lado, e o aumento no nível de
alfabetização e a queda das taxas de fecundidade, de outro.
Curiosamente, porém, períodos de ampliação acelerada dos níveis
de educação de populações anteriormente sem acesso ao ensino, tendem a
gerar, num primeiro momento, turbulências sociais vinculadas à tomada
de consciência de sua posição relativa na sociedade. Com o advento da
sociedade da informação, ainda restrita ao Hemisfério Norte, se tanto, essa
tomada de consciência dar-se-á, hoje, de forma ainda mais marcante nos
países em desenvolvimento. O acesso à educação, que já não será mais
possível realizar sem recurso às tecnologias da informação e das comunicações,
constituirá caminho para a tomada de consciência de indivíduos excluídos
não só vis-à-vis suas respectivas sociedades nacionais, mas vis-à-vis o mundo.
A noção de assimetria e distância entre o próprio nível de bem-estar e aque-
le acessível para sociedades desenvolvidas será tanto maior quanto maior
for a penetração das tecnologias da informação nas comunidades excluídas.
Exclusão social
A promessa do novo sistema, de realizar o ideal da democratização da
informação, rompendo com as barreiras que afligem ainda hoje os meios de
comunicação de massa, ameaça ruir por terra. Antes, pode reconstruir uma
“nova Idade Média”, transformando a informação em mercadoria para poucos
iniciados. Num mundo de cinco bilhões e 600 milhões de habitantes (algo
como nove bilhões em 2030), apenas 150 milhões são usuários de PCs.
Menos de 10% dos usuários de computadores pessoais, no mundo, têm
correio-eletrônico conectado à Internet; menos de 7% de usuários de PCs,
no mundo, têm acesso direto à Rede; menos de 5% dos lares do mundo
têm PCs; e, finalmente, menos de 1% da população mundial tem algum
tipo de acesso à Internet (dados do Morgan Santley & Co.) o que,
todavia, não tem causado qualquer tipo de preocupação aos teóricos e
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prógonos da socialdemocracia, pois, como afirmam John Perry
Barlow, da Eletronic Frontier Foundation, “O problema de quem terá
acesso à informação não é um problema da Internet, mas uma
questão de defasagem entre riqueza e pobreza”. Defasagem que, sabe-
mos nós, só tende a crescer.
Estudo divulgado em fevereiro último apresenta quadro ainda muito
negativo da pobreza e desigualdade no Brasil: dos 5.507 municípios
brasileiros, apenas 200 apresentam índices aceitáveis de distribuição de renda
e padrão de vida. Esse desnível reflete-se com a mesma contundência em
termos regionais: 86% dos municípios com maior índice de exclusão social
estão na faixa que vai do Estado da Bahia ao Estado do Acre, abrangendo as
regiões Norte e Nordeste do Brasil, exatamente as mais pobres.
De acordo com este “mapa da exclusão social”, mais de 25% dos
brasileiros vivem em condições precárias, com baixa renda, sem emprego
e reduzido acesso à educação.
O estudo também procurou traçar relação entre pobreza e aumento
da violência e criminalidade no Brasil, nos últimos anos. Uma das suas
conclusões é que não existe associação direta entre os dois, pois são relativa-
mente baixos os índices de violência em regiões pobres; enquanto essa
taxa se verifica mais alta nas cidades mais ricas, como Rio e São Paulo.
A desigualdade, mais que a pobreza em si mesma, é o que estaria determi-
nando o aumento da criminalidade e violência em pontos do Brasil.
Estudos como este são fundamentais para orientar as ações do
Governo brasileiro no que se refere às políticas de educação e de desen-
volvimento científico e tecnológico de impacto social. As políticas anteriores
não foram capazes de contribuir de forma mensurável para uma melhora
da distribuição da riqueza no país e do nível da educação do povo. Alguns
programas, importantes e necessários, ainda exigem aprimoramentos e
maior efetividade, sobretudo melhor aproveitamento dos recursos escassos
com que conta o Governo. Nesse panorama desafiador, em que educação
constitui elemento central de transformação da sociedade brasileira, com
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I
NCLUSÃO SOCIAL
PAPER MCT17x24 OK 10/7/03 10:35 AM Page 88
vistas a um salto qualitativo em termos econômicos, culturais e de
cidadania, as ferramentas das tecnologias da informação emergem como
instrumentos novos, modernos e de amplo alcance, que precisam ser
incorporados com seriedade e racionalidade nas ações públicas do Estado.
No caso brasileiro, é urgente a necessidade de reduzir disparidades e de
encontrar o caminho do desenvolvimento sustentado. Políticas e modelos
historicamente consagrados, que não produziram o efeito desejado, precisam
ser revistos e modernizados sem dogmas ou preconceitos.
Com seu quadro de desigualdades, o Brasil, talvez mais que outros
países, precisa implantar projetos amplos de inclusão, buscando nas ferra-
mentas propiciadas pelas tecnologias digitais e programas de ensino a
distância, entre vários outros, o caminho para a promoção de maior
equilíbrio e igualdade sociais.
Exclusão digital
No cômputo total, o Brasil ainda está longe de viver a democratização
do acesso aos computadores e à Internet. Cerca de 87% do total da popu-
lação não possui computador ou tem acesso a ele, e somente 8,3% se
conecta à Internet.
Estudo da Fundação Getulio Vargas, divulgado em abril passado,
procurou desenhar o “mapa da exclusão digital” no Brasil. O número de
brasileiros com acesso ao computador estaria aumentando em um milhão a
cada quatro meses. O ritmo de expansão, porém, esconde fosso que divide
o acesso às tecnologias da informação no país, em linha com as desigual-
dades de distribuição de renda, reproduzindo assimetrias em termos étnicos,
de nível de escolaridade e de desenvolvimento regional de cada Estado
da Federação.
Estima-se que nove em cada dez brasileiros não têm acesso a
computador.
As diferenças de acesso ao computador e à Internet também
seguem desníveis estaduais. No Distrito Federal, onde fica a capital do país,
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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – PERSPECTIVA DE UM PAÍS EM DESENVOLVIMENTO
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centro da política e da alta burocracia, 25% da população hoje tem acesso a
um computador. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, 22% e 18%, respecti-
vamente. Quanto ao acesso à Internet, os valores para essas cidades seriam:
19%, no Distrito Federal; 15%, em São Paulo; e 13% no Rio. Mas no Estado
do Maranhão, um dos mais pobres, apenas 2,4% possuem computador
em casa e 1,5% se conectam à Internet. No Piauí, os percentuais são de 3,5
e 2%, respectivamente. A assimetria nacional se reproduz nos Estados, nesses
entre seus municípios, e nesses entre seus bairros. No Estado do Rio de
Janeiro, na capital e na cidade de Niterói, no Grande-Rio, 23,6 e 34,16%
da população, respectivamente, possuem computador em casa. Na cidade
do Rio de Janeiro, no bairro da Lagoa, Zona Sul, 59,23% de sua população
possui computadores. Já na periferia, esse índice cai para 3,78%
(Complexo do Alemão).
A despeito de o Brasil haver atingido o estado da arte em alguns campos
da aplicação das tecnologias da informação, característica das sociedades
assimétricas, como no caso da votação eletrônica, do processamento do
Imposto de Renda via Internet e do sistema de banco eletrônico e auto-
atendimento, no geral, o país ainda se encontra pouco aparelhado para
aproveitar o potencial da revolução digital no campo da educação básica e
do ensino superior. Vale dizer, como instrumento de cidadania. Os dados
indicam que quanto mais tempo de estudo o brasileiro tem, maior é seu
acesso ao computador e à Internet. Dos que possuem 12 anos de estudo
ou mais, 30% têm computadores. Entre aqueles com menos de um ano
de instrução, somente 4,5% têm acesso a computadores. Esse grupo corres-
ponde a 24% da população brasileira.
Como em tantos outros campos, os desafios a vencer se devem a um
quadro de desigualdades e assimetrias com que o país precisa lidar de forma
mais eficaz. A exclusão digital, comprova o estudo, caminha junto com a
exclusão social e atinge mais as pessoas de menor escolaridade, negros e as
áreas menos desenvolvidas do país. Entre os negros, apenas 4% têm com-
putador em casa. Entre a população branca, o percentual sobe para 15%.
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NCLUSÃO SOCIAL
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Mesmo quando consideradas parcelas brancas e negras da população
que tiveram as mesmas condições de educação e emprego, a probabilidade
de um branco ter acesso à Internet seria 167 vezes maior que a de um não-
branco. A pesquisa revela uma superposição de apartheids racial, social,
regional e digital. E, agora, o apartheid digital a serviço do aprofundamen-
to de todos os outros.
Educação a distância no Brasil
Ao transmitir visão brasileira das transformações em curso no campo
das tecnologias da informação, espero haver realçado a importância crítica
do ensino e da educação como solução para os problemas mais graves e
urgentes com que se defronta o país. A educação a distância constitui, do
ponto de vista das ações do Governo, ferramenta de grande potencial.
Porém, como se vê dos diferentes mapas das exclusões sociais e digitais, uma
política de ensino a distância no nível superior, depende de desconcentração
de recursos e das oportunidades nacionais, de modo que permeiem seg-
mentos mais amplos da sociedade e atinjam regiões e comunidades menos
favorecidas. O Brasil ainda necessita melhorar o nível e abrangência do ensino
fundamental. A aplicação das tecnologias educacionais modernas, presen-
ciais ou não, pode ser o caminho em muitos casos, especialmente relevante
para o projeto de ressuscitar o ensino da ciência nas escolas, perdido ao
longo dos tempos em razão dos custos relativamente mais altos envolvidos
na manutenção de laboratórios e professores de ciência, bem como da queda
generalizada nos níveis e eficiência dos investimentos públicos na educação,
sob Governos anteriores.
Diante desse quadro, não surpreende que o ensino a distância ainda
seja tratado no Brasil como alternativa para situações emergenciais. No
passado, foram muitas as tentativas de utilização dos meios de comunicação
de massa para resolver gargalos educacionais, por meio de experiências
como o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) ou o Telecurso do
Segundo Grau. Tratar educação apenas pelo ângulo assistencialista, contudo,
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não mais atende ao modelo educacional voltado para o futuro, para a
inserção do indivíduo na “sociedade da informação”, na qual os recursos da
tecnologia serão não apenas um instrumento de trabalho ou de ensino, mas
representarão a própria essência do “como fazer”, sem cujo domínio não será
possível alcançar uma inserção produtiva na sociedade moderna.
O quê fazer?
Na última década – principalmente na última década – dois fenô-
menos interligados, e que farão história, nos pegaram no contrapé do
desenvolvimento tecnológico: a abertura dos mercados nacionais – o que
se chamou de globalização – e a emergência, em escala planetária, da
sociedade do conhecimento. Ou da “nova” economia.
O desafio colocado pelo que se resolveu identificar como globalização,
consiste na transformação completa do ambiente econômico que conhecemos
no passado recente, submetendo-o às regras de um novo jogo: a hipercom-
petição global nos mercados locais. Já sabemos que tal modelo, externalizador
de decisões, é incapaz de propiciar a via segura mediante a qual se alcançaria
o desenvolvimento do país, com crescimento pleno, competitividade,
emprego e eqüidade distributiva. Em suma, crescimento economicamente
viável e socialmente justo.
O valor agregado dos produtos também já não resulta, na generalidade
dos casos, do custo da matéria e da energia envolvidos na produção de cada
item de mercadoria. Na atualidade, o valor de cada bem resulta – sem que
isso implique qualquer circunlóquio – do valor do conhecimento técnico
(ou da “tecnologia”) que esse bem embute. Assim, na maioria absoluta das
vezes, pode-se dizer, diante de cada bem ao alcance das nossas vistas, que ele
contém, em valor, muito mais conhecimento do que matéria. Daqui se parte
para uma conclusão que é crucial para nós: no mundo contemporâneo,
o elo da corrente que arrasta o desenvolvimento econômico já não é a
produção de bens materiais, senão a produção de bens simbólicos. Bens
de informação, bens de conhecimento, bens de cultura.
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I
NCLUSÃO SOCIAL
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Se o fator de produção determinante da sociedade do terceiro milênio
é o conhecimento – e não vai nisso qualquer novidade – é igualmente certo
que conhecimento é informação acumulada. Deter, controlar as fontes e meios
de informação é controlar o conhecimento, é exercer sobre as sociedades o
monopólio do poder, do poder científico que será a matéria-prima do
poder político. Não mais os mil olhos/tentáculos do gigante onipresente da
fábula orwelliana. Já agora pura e simplesmente o controle da informação.
Ao monopólio – que já se instala em outras áreas da atividade humana,
sob, aliás, a proteção jurídica de tratados e a administração de organismos
multilaterais –, ao anunciado monopólio da informação, nosso único instru-
mento é sua disseminação, por meio de investimentos maciços, de nossos
Estados e de nossas sociedades, em ciência da informação e da computação,
em robótica e informática, em software e hardware, em tecnologia, visando
a popularização do meio e seu acesso universal por nossas populações.
O Brasil investe, presentemente, não só na criação de seu próprio
modelo de televisão digital, voltada para seus interesses e as necessidades de
sua população, como na produção de computadores pessoais populares,
visando à universalização do seu emprego, inicialmente na escola, em segui-
da em ambientes públicos e populares, interligados à rede da Internet.
Desenvolvemos pesquisa em setores estratégicos, como o aeroespacial,
energia, nanotecnologia, microeletrônica e a área de fármacos, na qual é
fundamental capacitar o país na produção dos princípios ativos indispen-
sáveis para a saúde da população. O Governo criou uma secretaria dedicada
à pesca, área subaproveitada em nação que possui 7.500 quilômetros de
costa, e que receberá grande impulso por meio de investimentos em
pesquisa marinha e biológica.
Temos a expectativa de provocar com isto mudanças necessárias para
colocar o país na rota do desenvolvimento. O esforço não é isolado de
um único Ministério. Conta com a contribuição de todos os setores do
Governo, cada qual em sua área de competência, promovendo parcela de
mudança que se somará e criará as bases de um novo Brasil.
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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – PERSPECTIVA DE UM PAÍS EM DESENVOLVIMENTO
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Será dada à ciência e tecnologia importância maior. As políticas
nacionais deverão ser integradas às ações de Governo em matéria de edu-
cação e desenvolvimento industrial. Será necessário incorporar visão clara
do desenvolvimento científico e tecnológico à política econômica nacional,
com vistas a produzir efeito de modernização do setor produtivo e a habili-
tar a sociedade a realizar sua transição rumo à democracia com justiça social
e crescimento.
A exclusão é vista como violação dos direitos humanos. Tanto maior
se considerarmos que 50% dos conhecimentos de um profissional se reve-
lam obsoletos no período de 3 a 5 anos; que o conhecimento universitário
tem uma vigência média de 4 anos. Na Europa, 60% dos futuros empregos
requerem formação que apenas 20% dos atuais trabalhadores possuem.
Ciência e tecnologia são elementos críticos da política de Governo.
Mais ainda na chamada “nova” economia. A criação de uma sociedade da
informação, igualitária e acessível, a melhora do desempenho do Estado em
todas as áreas sociais, a promoção da indústria e do comércio, a melhoria na
prestação de serviços assentam-se sobre base de informação e conhecimen-
to, cujo acesso para vasta parcela das populações do terceiro mundo ainda
não está assegurado. Pelo contrário, vimos que, no plano internacional,
pairam ameaças de novas assimetrias, hipercompetitividade e barreiras ao
desenvolvimento igualitário. São ainda graves e significativas as margens de
exclusão nas sociedades do mundo em desenvolvimento.
O Governo brasileiro, o governo do presidente Lula, tem a convicção
de que não é mais possível trilhar o caminho do progresso pela via do iso-
lamento. A prioridade será, portanto, a inserção brasileira em sua própria
região e o convívio íntimo, entre iguais, com nossos vizinhos e irmãos da
América Latina. Mais que mera inserção, a determinação do Governo é de
provocar mudanças estruturais que levem a sociedade nacional a sentir-se
efetivamente parte de uma esfera regional unida pelo sentimento comum
de pertencer a uma mesma cultura, luso e hispano-americana, para cujo
aperfeiçoamento e difusão precisamos contar com a cooperação das nações
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NCLUSÃO SOCIAL
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matrizes e afins da Península Ibérica, nossos irmãos da Catalunha, da
Espanha e de Portugal.
O propósito brasileiro da união latina pelo aprofundamento de uma
identidade comum buscará afirmação máxima no contexto do surgimento
dessa “sociedade da informação”, de que tanto falamos. Será uma cruzada
pela preservação da nossa história, cultura e linguagem.
Esperamos criar a “sociedade da informação” e a “nova” economia
ibero-americanas, constituídas não pelo viés da guerra ou da intolerância,
mas sobre o eixo da ciência, da pesquisa e da cooperação.
Desejamos contar com a participação ativa da Espanha e de Portugal
nesse processo, na convicção de que nosso esforço conjunto pavimentará
o caminho para a plena realização do ideal de uma sociedade pujante,
culturalmente rica, pacífica, próspera e, sobretudo, justa.
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SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – PERSPECTIVA DE UM PAÍS EM DESENVOLVIMENTO
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TEMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS
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99
TEMAS
TÉCNICOS ESPECÍFICOS:
BIOÉTICA; PROJETO AEROESPACIAL;
C
OSMOLOGIA, RELATIVIDADE E ASTROFÍSICA;
CETEM – CENTRO DE TREINAMENTO MINERAL
PRONUNCIAMENTO DE ABERTURA, FÓRUM GLOBAL
DE BIOTECNOLOGIA, REUNIÃO REGIONAL
CONSULTIVA DA AMÉRICA LATINA E CARIBE,
BRASÍLIA, 22 A 25 DE JULHO DE 2003.
Excelentíssimas Autoridades dos Países da América Latina e Caribe,
Excelentíssimos Senhores Representantes do Governo brasileiro,
Excelentíssimos Senhores Representantes da comunidade acadêmica,
do meio científico e pesquisadores,
Excelentíssimos Senhores Representantes da Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial – UNIDO,
Senhoras e Senhores,
É para mim motivo de grande satisfação inaugurar a Reunião
Regional Consultiva da América Latina e Caribe sobre Biotecnologia, fruto
da colaboração entre o Governo brasileiro e a Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial – UNIDO.
Quero estender a todos os meus agradecimentos por haverem podido
aceitar o convite do Brasil e da Unido para tomar parte deste encontro.
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Aos que vieram do exterior, aos representantes dos países irmãos da América
Latina e do Caribe, aos palestrantes e especialistas internacionais, desejo
ótima estada em meu país, e que, além de reunião frutífera, possam
aproveitar a ocasião para conhecer um pouco do Brasil.
Desejo assinalar a importância desta reunião. Em especial, o desafio
da substância a ser tratada, qual seja, o uso da biotecnologia como instru-
mento para o desenvolvimento econômico e social. Devemos examinar e
refletir sobre uma nova agenda, que vincula ciência, ética, moral, economia,
comércio e direito, mesclando-os em uma única rede complexa de questões
que precisam ser objeto de políticas públicas prioritárias de parte dos
governos da região.
Gostaria de deter-me sobre a importância e complexidade das
decisões que os dirigentes de hoje estão tendo de enfrentar, com vistas
a inserir as sociedades nacionais que representam no mundo do amanhã.
Um mundo novo, em que o dia-a-dia das nações será dominado não só
por questões econômicas, comerciais e sociais, como também pela evolução
da ciência e tecnologia e a necessidade concomitante de sobre elas impor
os limites da ética e da moral.
Estamos apenas começando a sentir as conseqüências políticas de um
surto no desenvolvimento das ciências da vida, as quais tornam viável o que
antes era tratado como ficção: a possibilidade de alterar, salvar, estender,
manipular, enfim, a vida de todos os seres, inclusive os humanos.
Esse panorama, que se descortina rapidamente em nosso horizonte,
oferece elementos para resolver problemas fundamentais no campo da
alimentação, da saúde, da proteção do meio ambiente, da geração de
energias alternativas, entre várias outras oportunidades para a melhora da
qualidade de vida do homem na terra.
Também apresenta riscos. A manipulação genética permite que o
homem exerça sobre os seres vivos influência muito maior que antes,
alterando as características que tipificam cada espécie, de forma cada vez
mais irrestrita.
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T
EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: BIOÉTICA
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Esse novo poder, até faz pouco tempo inimaginável, estará nas mãos
de poucos países tecnologicamente avançados? Estará a serviço exclusiva-
mente dos interesses comerciais, do grande capital, dos proprietários das
tecnologias? Ou poderá fazer-se disponível para o bem da humanidade,
sujeito a regras construídas por consenso, que levem em conta o interesse
público e a diminuição das desigualdades entre os Estados e em suas
sociedades?
Trata-se de assunto de fronteira, objeto de primeiro esforço de regu-
lamentação multilateral, como evidenciam as iniciativas no marco da
Convenção sobre Biodiversidade e do Protocolo de Cartagena, que procura
criar mecanismo de troca de informações sobre os fluxos internacionais
de produtos geneticamente modificados. São igualmente ilustrativos da
emergência de novo quadro regulatório, os avanços na OMC, que
resultaram na incorporação dos seres vivos entre os campos passíveis de
patenteamento, atendendo a interesses de empresas do setor farmacêutico
e biotecnológico. Durante cem anos de vigência da Convenção de Paris
sobre patentes, a comunidade internacional aceitava, sem maiores questio-
namentos, que os seres vivos não deveriam ser objeto de proteção pro-
prietária. A natureza desse processo legislativo, portanto, desafia os parâmetros
conhecidos das sociedades industriais, havendo espaço para novo conjunto
de propostas e acordos relativos à distribuição e uso dessas tecnologias, em
bases que espero sejam democráticas, consensuais e sustentáveis.
É necessário avançar na difusão do conhecimento relacionado à
biotecnologia e ao compartilhamento de seus benefícios, mantendo-nos
dentro dos limites da prudência no que diz respeito à sua aplicação em
grande escala. A propriedade não pode avançar desmesuradamente sobre o
reino das espécies vivas e, em particular, sobre os elementos constitutivos ou
definidores do próprio homem, como seu código genético ou as formas de
expressão desse código, por meio de complexas interações físico-químicas.
A exploração de organismos geneticamente alterados deve ocorrer dentro
de normas rígidas, que resguardem margem de cautela em preservação do
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PRONUNCIAMENTO DE ABERTURA FÓRUM GLOBAL DE BIOTECNOLOGIA, REUNIÃO REGIONAL CONSULTIVA DA AMÉRICA LATINA E CARIBE
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homem e do meio ambiente. O conhecimento científico necessário para que
os Governos acompanhem, incentivem e fiscalizem o uso dessas tecnologias
de manipulação da vida precisa, claramente, ser de domínio público. As
informações pertinentes devem estar ao alcance das sociedades. A ciência
precisa desenvolver-se e aplicar-se segundo códigos reforçados de conduta
ética, caso queiramos evitar as distorções de um "Bravo Mundo Novo",
sobre o qual refletia Aldous Huxley, há mais de cinqüenta anos.
O desbravamento de novas fronteiras científico-tecnológicas, em par-
ticular no campo das ciências da vida, constitui matéria de crescente
importância para a organização das sociedades, merecendo, portanto, trata-
mento mais detido na esfera da política dos Estados e nas relações interna-
cionais. Não podemos ignorar a repercussão, em nossas sociedades, dos
impactos da biotecnologia sobre a longevidade, os tratamentos inovadores
que influem sobre o estado de espírito e a auto-estima do homem, a repro-
dução de órgãos e a clonagem. Esses avanços científicos imporão novos
desafios aos esquemas nacionais de previdência, alterando os mercados de
trabalho, criando um diferencial etário crescente entre sociedades desen-
volvidas e sociedades em desenvolvimento.
Outras tantas teses e obras estarão sendo escritas a respeito do avanço
da biotecnologia no campo da agricultura, da pecuária, da produção industrial,
da geração de energia renovável, e na produção de alimentos e exploração
da biodiversidade.
Senhoras e Senhores,
Estamos aqui para traçar juntos os caminhos que levam ao desen-
volvimento sustentado, que permitam usufruir, com segurança, o potencial
da biotecnologia para o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos.
Vale destacar que oito dos 14 países mais ricos em biodiversidade,
entre eles o Brasil, pertencem à América Latina e Caribe. O Pantanal, o
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: BIOÉTICA
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Semi-Árido, o Cerrado, a Amazônia, o Chaco, os Pampas, por exemplo, são
verdadeiros bancos de recursos naturais e de recursos genéticos, que ainda
estão sendo descobertos.
A maior parte da biodiversidade do mundo encontra-se nos países em
desenvolvimento, que são justamente os mais dependentes de tecnologias
desenvolvidas e apropriadas nos países do Norte. Preocupa-nos, pois, que a
prática da biopirataria possa expandir-se em nossos países, configurando
novo ciclo de expropriação de riqueza ao sul do equador, numa repetição
odiosa de ciclos anteriores a que nossas sociedades foram submetidas
durante o período das guerras de conquista e da colonização. Espero que a
biopirataria seja substituída por acordos de cooperação e regulamentação
internacional baseados no princípio da simetria entre Estados, na mutuali-
dade de interesses e na preponderância do interesse público e social sobre o
interesse comercial e econômico.
A propriedade intelectual, instrumento importante tanto para o
desenvolvimento quanto para o controle da tecnologia, precisa ser trabalha-
da de forma mais intensa, de modo a garantir maior distribuição de riqueza
entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. É necessário assegurar o
equilíbrio entre o direito ao monopólio que o Estado concede ao detentor
da patente e a defesa do interesse público e social, mediante adequada divul-
gação do conhecimento tecnológico e a exploração da patente.
A biossegurança precisa ser mais amplamente debatida e compreendida
pelas nossas sociedades, de forma a dirimir dúvidas quanto aos riscos
envolvidos na liberação de organismos geneticamente modificados. O
Estado precisa construir consensos, envolvendo o meio político, a comunidade
acadêmica, os pesquisadores, os formadores de opinião e os elementos
interessados da sociedade civil organizada. Dessa forma democrática, sem
açodamento, deve construir posição clara a respeito do tratamento jurídico,
social e econômico a ser dado aos produtos da biotecnologia moderna. O
Estado precisa capacitar-se para implementar política confiável de fiscalização
e controle desses organismos – no campo, na área da saúde, na mesa do
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PRONUNCIAMENTO DE ABERTURA FÓRUM GLOBAL DE BIOTECNOLOGIA, REUNIÃO REGIONAL CONSULTIVA DA AMÉRICA LATINA E CARIBE
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consumidor e mesmo nas doações de alimentos (questão que suscita debate
no contexto da assistência ao desenvolvimento).
Os países latino-americanos enfrentam algumas importantes limitações:
os recursos para investimentos em P&D, que são inferiores aos desejados e
muito aquém dos níveis de investimento praticados nos países desenvolvidos.
Carecemos de incentivos à pesquisa eficazes, como aqueles subsídios estatais
diretos e indiretos normalmente praticados pelos países desenvolvidos no
contexto de seus sistemas nacionais de inovação. Cabe mencionar, inclusive,
que esses sistemas tendem a amparar-se em investimentos maciços aplicados
na área militar e de defesa.
São também vitais, nesse contexto, a existência de universidades com
centros de pesquisa bem financiados e programas de formação de cientistas
e pesquisadores, em nível e número que atendam a uma demanda efetiva
do setor produtivo. É importante dominar os mecanismos de indução ao
empreendedorismo alimentados por sistemas de administração de patentes
e de divulgação da informação científica.
Em suma, a inovação tecnológica, dependente da ciência e tecnologia
e de mecanismos sofisticados de apoio, torna-se fator cada vez mais impor-
tante na determinação das oportunidades e desigualdades, tanto entre países
quanto dentro deles.
A economia e o comércio internacional podem acentuar ainda mais
essas assimetrias, se continuarem a admitir níveis díspares de subvenções e
de acesso a mercados entre os países ricos – que subsidiam o agronegócio e
sustentam onerosos sistemas nacionais de inovação –, e os países pobres –
que mal conseguem manter em dia o custo de operação da máquina
administrativa e do funcionalismo público (mesmo após sucessivas rodadas
de reformas estruturais do Estado). Nossos países acabam presos a níveis
insatisfatórios de desenvolvimento, com exploração insustentável de riquezas
naturais. A exclusão social aparece como conseqüência e entrave adicional,
autoperpetuando-se na ausência de acesso à educação, ao trabalho, ao
conhecimento e à tecnologia.
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T
EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: BIOÉTICA
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Senhoras e Senhores,
Faz-se necessária a adoção de políticas concretas para o desenvolvi-
mento científico-tecnológico e para a inovação, que sejam socialmente
inclusivas e abrangentes do ponto de vista do seu alcance nacional. É
imprescindível a criação de mecanismos que garantam o fortalecimento
do mercado interno, capaz de sustentar, por menor que seja, fluxo nacional
de produção científica, tecnológica e de inovação.
O capital de risco, a formação de empresas conjuntas, as incubadoras,
a interação universidade-empresa, todos esses instrumentos, que facilitam
o desenvolvimento tecnológico, para serem de fato eficientes, exigem políticas
adequadas de formação de cientistas e de financiamento da pesquisa.
Outro aspecto importante para o desenvolvimento da biotecnologia
na América Latina está relacionado à reduzida participação do setor empre-
sarial nos esforços nacionais de pesquisa e inovação. Fatores macroeconômicos,
como variações cambiais e o custo elevado do crédito, exercem efeito restritivo
nesse campo. Mas não podem ser considerados isoladamente. É, também,
relevante a ausência de uma cultura da inovação, bem como a inexistência
de mecanismos adequados de apoio ao empreendedorismo, nas universidades
e no mercado, que levem à efetiva aplicação da ciência.
Estas são questões que os países latino-americanos precisam enfrentar.
A nosso favor, contamos com elevado grau de entendimento mútuo e
uma tradição de cooperação fraterna na superação de desafios comuns.
Nossos valores estão assentados em uma mesma cultura e história. Temos
consciência crescente de que o futuro depende da integração regional
profunda, abrangendo os campos da política, da cultura, do comércio,
da economia, das políticas sociais e, cada vez mais, do desenvolvimento
científico e tecnológico.
Faço votos de que o diálogo e as reflexões neste Fórum resultem úteis
para a conformação de uma política em biotecnologia, que venha a contribuir
para o desenvolvimento harmônico de nossa região. Uma política que
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PRONUNCIAMENTO DE ABERTURA FÓRUM GLOBAL DE BIOTECNOLOGIA, REUNIÃO REGIONAL CONSULTIVA DA AMÉRICA LATINA E CARIBE
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articule a participação do Estado, o setor empresarial, as agências de fomento
nacionais e internacionais, o setor acadêmico e a sociedade organizada.
Os resultados desse diálogo constituirão importante contribuição da
América Latina e Caribe ao Fórum Global de Biotecnologia, que se realizará
no Chile, em 2004, e que, tenho certeza, será coroado de êxito.
Muito obrigado a todos.
106
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: BIOÉTICA
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SOLENIDADE DE POSSE DO NOVO PRESIDENTE
DA AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB,
BRASÍLIA, 02 DE ABRIL DE 2003.
Dr. Márcio, professor Bevilacqua, brigadeiro Reginaldo de Santos,
que aqui representa o Ministério da Defesa, professor Wanderley de Souza,
secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, demais colegas
e companheiros do MCT, minhas senhoras e meus senhores.
Professor Márcio, minhas primeiras palavras lhe são dirigidas, como
colaborador exemplar. Quero, agora de público, manifestar meu agradeci-
mento pelo seu trabalho. Tenho o dever de ressaltar sua competência e
sua lealdade nesses três meses durante os quais trabalhamos juntos. O
Ministério lhe é muito grato e confiamos que não perderemos sua colabo-
ração. Muito obrigado.
Ao professor Bevilacqua, antes de tudo, os agradecimentos do presi-
dente Lula e meus, por haver aceito o desafio de presidir a Agência Espacial
Brasileira. Trabalhamos muito para que nosso convite obtivesse acolhida
favorável, foram meses de esforços. Em determinado momento, desconfiei
de que meus apelos não seriam suficientes e pedi o concurso de amigos
comuns. Festejo a vitória de nosso empenho, pois conseguimos trazê-lo
para essa equipe, que ainda está em formação, mas da qual já muito me
orgulho. É uma equipe, um grupo que se vai construindo e crescendo no
trabalho, no caminhar e no enfrentar dos desafios, nada desprezíveis.
Somos uma só unidade político-administrativa. Somos um só coletivo. O
Ministério da Ciência e Tecnologia é um todo, um só continente. Para trás,
aterrada, a idéia de arquipélago. Somos uma unidade política, somos uma
unidade de propósitos inteiramente dedicada à missão histórica de realizar
o programa de mudanças do Presidente Lula. Recolho com alegria a
convicção – da que o professor Beviláqua não tem a menor dúvida –,
quanto a essa unidade e quanto ao nosso firme propósito de contribuir para
a execução do programa de mudanças de nosso presidente. Essa convicção,
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PAPER MCT17x24 OK 10/7/03 10:35 AM Page 107
da qual jamais duvidei, daí nosso convite, recolho de seu discurso, tão belo
quanto emocionante. E é bonito tanto contemplar a emoção dominando um
homem de Ciência, quanto é bonito ver que a emoção não foi destruída pela
política. Ela sempre sobreviverá para nos dar ânimo nos momentos de
incerteza, para nos dar forças para enfrentar o estabelecido, o pronto, o acabado,
o consumado. Ela nos dará ânimo para sonhar, pois só os sonhadores, os
que não se estabelecem limites, podem mudar, realizar o novo.
Mas o que eu queria mesmo meu caro professor e meus caros amigos,
o que preciso ressaltar, falando também para meus companheiros de trabalho,
é que vale a pena abandonarmos nossa tranqüilidade doméstica, nossos
projetos pessoais, as preferências que enlevam nossos espíritos, nossos
sonhos pessoais, para dedicarmos toda a nossa capacidade de sonhar e desafiar
o difícil e o impossível, reunirmos todas as nossas forças, o melhor de nossa
dedicação e de nossa competência, para contribuir com o governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, convencidos mesmo de que não estamos
a serviço de um projeto puramente partidário, de cada um dos nossos
partidos que compõem a base do governo. Nosso desafio é estarmos à altura
do compromisso histórico.
Não são poucas as dificuldades que nos azucrinam o dia-a-dia, todos
os dias. Não suponha serem desprezíveis as dificuldades que aguardam o
novo comando da Agência Espacial Brasileira. Se não duvido das dificul-
dades, estou animado pela certeza de que estamos, como profissionais e
como equipe, à altura da confiança do presidente Lula. As dificuldades exis-
tem para nos provar, para serem enfrentadas e superadas.
Não nos iludamos, porém, quanto ao desafio da mudança. Mudar
intranqüiliza, mudar desestabiliza, mudar põe em questão hábitos, conceitos,
normas. Mudar arruína alicerces de verdades constituídas, instaura o novo e
a dúvida e derroga o estabelecido. Tão difícil quanto o consenso em torno
do programa de mudanças é a operação do projeto de mudanças. A
resistência tem múltiplas fontes, múltiplas origens, múltiplas motivações,
diversificados interesses. Ela age, ostensiva, como um polvo de mil tentácu-
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: PROJETO AEROESPACIAL
PAPER MCT17x24 OK 10/7/03 10:35 AM Page 108
los, ela age na surdina, silenciosa, simulada, escondida nas entranhas do
aparelho burocrático, nas entranhas principalmente do aparelho ideológico
do Estado, como o caruncho que ataca a solidez da viga mestra que sustenta
o edifício de nossas idéias.
Essas reflexões me ocorreram provocadas pelo discurso do novo pre-
sidente da AEB, pois entendi como um desafio à resistência sua metáfora
sobre a necessidade de ousar, a necessidade de romper condutas, a necessidade
de mudar paradigmas, a necessidade de pensar diferente, a necessidade de
duvidar. A dúvida como método de reflexão, a dúvida como método de inter-
venção na realidade, a dúvida como método de ação. Para construirmos a nova
sociedade, deitar as raízes da nova civilização que haveremos de construir,
precisamos romper com o papel que o establishment nos quer impor, de correias
de transmissão do estabelecido, do factual, da ordem natural das coisas.
Tenho a convicção de que esse é o primeiro e não menos significativo
desafio que temos de enfrentar. Esse desafio, tenho dito e repetido e me
permitam que a ele retorne, não está apenas nas estruturas do aparelho buro-
crático do Estado, nem sua existência e força nos surpreende; todos os que
aqui estamos, que temos uma convivência com o poder público – servidores
públicos e da respública por opção –, sabemos desde sempre que essas
estruturas existem e se reproduzem fractalmente, no macro e no micro para
assegurar sua reprodução tal qual e impedir a emergência do novo, o desafio
do diferente; é assim que a estrutura arcaica sobrevive no moderno e na
mudança, uma estrutura arcaica do ponto de vista da funcionalidade e da
destinação, arcaica em termos de O&M, arcaica do ponto de vista ideológico,
é arcaica do ponto de vista político, porque concebida no Estado autoritário,
originalmente autoritário, larvarmente autoritário e colonizado, isto é, repro-
dutor dos conceitos e valores do colonizador e porque – colonizado – não
soube nem aprendeu a caminhar com seus próprios pés, tornando-se assim,
nas relações internas mero reprodutor do processo externo de dominação.
Autoritário e alienado, está sempre à espera da verdade colonizadora.
Não lhes conto novidades. Nenhum de nós pode alegar a reserva da
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SOLENIDADE DE POSSE DO NOVO PRESIDENTE DA AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB
PAPER MCT17x24 OK 10/7/03 10:35 AM Page 109
ignorância sobre esses obstáculos. Sempre atacamos esses obstáculos, seja no
plano teórico da denúncia do autoritarismo e da alienação, seja no plano
fático, como administradores públicos. O que trazemos à baila como novo
desafio, que se soma a todos os demais, é a resistência no plano das idéias.
Parece mais fácil mudar as estruturas burocráticas do Estado neoliberal
conservador do que alterar as estruturas do pensamento conservador, que,
desgraçadamente, não é apanágio da direita, nem monopólio da social-
democracia conservadora. Às vezes, quando a depressão me ameaça, sou
tentado a admitir que, ganhando as eleições fomos derrotados pela social
democracia conservadora no plano político-ideológico. Não é raro identificar
em reações – ou inações – da “melhor” esquerda brasileira a reprodução dos
cacoetes da dominação ideológica do pensamento conservador. Mudança e
conservadorismo constituem uma disjuntiva irreconciliável, mas não impos-
sível. É preciso dizer e repetir, repetir à exaustão, ser preferível correr o risco
de errar, a ficarmos reproduzindo rotinas (formas e fórmulas do pensamento
conservador) para aplacar o medo de errar. Repetindo rotinas consagradas,
sendo cuidadosamente sensatos, talvez nos tornemos menos alvo de críticas,
mas nada faremos por esse país, por essa humanidade, por esse povo.
Está na hora de pensarmos se o modelo cartesiano é modelo ensejador
da inventiva. Se o modelo da pura racionalidade é um modelo propiciador
do invento e da inovação. Ouso mesmo duvidar se a certeza científica como
ponto de partida para a reflexão é inovadora. Temo que certos cânones,
ao contrário, contribuam para a harmonia do status quo. É apenas um temor
desprovido de certeza, mas um forte temor que quero compartir com nossa
comunidade.
Nos anos 50, a racionalidade e o conhecimento científico até então
acumulado diziam que neste país não existia petróleo. E realmente não
existia, tratava-se, portanto, de conhecimento científico correto, pois se
considerava apenas a prospecção continental. Mas a irracionalidade de
um projeto nacional que ignorava as potencialidades de nossa plataforma
oceânica – uma ignorância que se antepunha ao conhecido –, uma certeza
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: PROJETO AEROESPACIAL
PAPER MCT17x24 OK 10/7/03 10:35 AM Page 110
que transitava do campo da abstração, do sonho, do imaginário a um
voluntarismo puramente ideológico dizia que neste país tinha petróleo.
Um romancista empresário falido dos anos do Estado Novo – Monteiro
Lobato –, um militar ousado – o general Horta Barbosa –, intelectuais,
estudantes liderados pela gloriosa UNE, trabalhadores, jornalistas sem
jornal unificados na ABI, meia dúzia de militares – e tenho que mencionar
os comunistas, os socialistas que, por isso, foram para a cadeia – insistiram
em afirmar, contra todas as evidências, que neste país tinha que ter petróleo.
A Bolívia tem, porque aqui não haveria?
Que Deus seria esse?
O método científico recomendava às nossas autoridades a ouvida
de cientistas estrangeiros, pois entre nós, naquele então, a geologia sequer
engatinhava. Contratou-se famoso geólogo norte-americano, Mr. Link, que,
a partir do mapeamento geológico do nosso território demonstrou, cientifi-
camente, que nosso país não possuía petróleo em quantidade que justificasse
sua exploração comercial. Era uma insensatez, portanto, pensar em petróleo.
Dupla insensatez era pensar na Petrobras.
Tripla insensatez pensar em monopólio estatal do petróleo. Não pos-
suíamos petróleo nem recursos técnico-científicos nem recursos econômicos.
Mas os insensatos continuaram pensando de forma não lógica e o Congresso
Nacional terminou criando a Petrobras, uma empresa estatal, vale dizer
uma ‘empresa que deveria ser mal administrada pelo Estado – patrimo-
nialista e predador, assistencialista e fisiológico – que, passados 49 anos, é hoje
responsável pelo abastecimento de petróleo em nosso país. O Brasil que
não tinha petróleo, que não tinha tecnologia, que não tinha recursos
econômicos, construiu uma base científica e de produção, descobriu a tecnolo-
gia de pesquisa e prospecção em águas profundas, criou a geologia brasileira
e, hoje, exporta gasolina fina, produz 80% do petróleo que consome, tem
autonomia do refino e, por força disso tudo, construiu uma respeitável
indústria petroquímica.
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SOLENIDADE DE POSSE DO NOVO PRESIDENTE DA AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB
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Que seria deste país hoje – mercê da dependência de combustível
fóssil, da permanente crise do Oriente Médio –, se a sensatez dominante nos
anos 50 tivesse vingado?
Essa ‘insensatez’ foi considerada como “o maior dos disparatados
exemplos de nacionalismo econômico entre os jamais vistos no hemisfério”,
segundo o New York Times, de 3 de maio de 1953, convenientemente
reproduzido por um grande vespertino brasileiro.
Por essa época – permitam-me um segundo recurso histórico –,
o Nordeste era ainda mais pobre do que o é hoje e em país que tão tardia-
mente havia ingressado na Revolução Industrial, aquela região – 18,30%
do território nacional e 34,60% da população brasileira – praticamente
ainda era iluminada pelas luzes dos lampiões. O fornecimento de energia
elétrica, privatizado e entregue à multinacional Light, era intermitente,
insuficiente mesmo para o consumo doméstico, mesmo nas capitais. O
Nordeste havia chegado aos anos 40 e 50 sem energia elétrica e as usinas
arcaicas eram alimentadas por lenha; e à lenha eram alimentadas as caldeiras
dos trens “Maria-fumaça” que ligavam o litoral ao interior, umas e outras
contribuindo para a desertificação regional.
Pensando em indústria, ou no que quer que seja, as autoridades
brasileiras – retomando a saga de um antigo mercador de peles – decidiram
represar o mítico e flagelado São Francisco e ali construir uma barragem, a
partir da qual uma usina produziria energia. Era a promessa da redenção.
Os estudos técnicos, todavia, desaconselhavam o projeto. Consultores
norte-americanos demonstraram sua inviabilidade. Mas o curso do rio foi
desviado, a barragem erguida, a hidroelétrica construída, as turbinas acionadas
e hoje a CHESF alimenta com energia elétrica quase toda a região nordestina.
E um político “insensato” do Ceará, absolutamente insensato – vou
mencionar seu nome – o então deputado Virgílio Távora, inventou, contra
todos os pareceres técnicos, que aquela energia, cuja rede parara no sul
daquele Estado, poderia chegar até Fortaleza, a 600 quilômetros de distância.
Todos os pareceres técnicos desaconselhavam a extensão denunciada como
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: PROJETO AEROESPACIAL
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desaconselhável economicamente e inviável tecnicamente. No entanto,
felizmente, a insensatez predominou mais uma vez. Dispensável assinalar o
que essa desobediência técnico-científica, destruindo uma racionalidade de
custo-benefício prevalecente, contribuiu para o desenvolvimento de nossa
tecnologia, de nossa ciência e indústria na construção de barragens e geração
de energia; ocioso assinalar o que essa ‘insensatez’ significou para a quali-
dade de vida e para a cidadania das populações beneficiadas.
Essas reflexões – e não mais do que isso, mero exercício do livre-
pensar – têm, por igual, o objetivo de pôr em evidência, uma vez mais, a
necessidade de construirmos um projeto nacional, não um mero projeto de
Estado ou programa de governo, mas um projeto de nação, nosso projeto de
uma nova sociedade, de uma nova civilização –fundada na esperança e na
igualdade neste pedaço do hemisfério Sul. E nenhum outro momento pode-
ria ser tão favorável quanto o espaço ensejado pelo governo do Presidente
Lula, mobilizando toda a nação em torno daqueles valores que a unificam.
Permitam-me agora que trate de forma mais específica do nosso
projeto aeroespacial, prioritário para o governo Lula, prioritário para a
atual administração do MCT.
Temos urgência em transitar, no menor prazo possível, entre a Ciência
e a aplicação tecnológica. Já avançamos nos últimos anos, consideravelmente,
no plano científico. Mas ainda estamos atrasados, bastante atrasados, em
termos absolutos e em termos relativos, na inovação tecnológica. Este é o
desafio! Mas desafio que não justifica a retomada clássica e errada, do meu
ponto de vista, da disjuntiva pesquisa pura – pesquisa aplicada, entre ciência
pura e ciência aplicada. Só existe ciência, até porque ninguém aplica o que
não conhece ou não domina.
Despido desse receio, sem abandonar a aplicação, sem medo de
pesquisar por pesquisar, de estudar por estudar, de dar asas à reflexão, temos
de encontrar aquele meio-termo, que será o responsável pelo progresso.
Este o desafio que deixamos nas mãos seguras do professor Luiz Beviláqua
e de sua equipe. O desafio de fechar o ciclo aeroespacial, o desafio de – nos
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SOLENIDADE DE POSSE DO NOVO PRESIDENTE DA AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA – AEB
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quase quatro anos de que dispomos – consolidar a Base de Lançamento de
Alcântara, privilegiando o interesse nacional. Nada que diga respeito à Base
de Alcântara, que queremos autônoma e funcionando, com segurança e
sustentabilidade política e econômica, será alcançado ao preço de nossa
independência, de nossa autonomia e sob o risco da segurança nacional.
É desafio desse governo concluir, ainda no atual mandato, o programa
do nosso Veículo Lançador de Satélites – VLS, a partir da tecnologia que
está sendo produzida por nossos técnicos. Mas não teremos dúvidas em nos
associar a outros países que dominem essa tecnologia, na medida em que
for possível a transferência de conhecimento sem condicionamentos de
ordem política ou econômica.
É nosso desafio consolidar a indústria de satélites, aumentando seu
índice de nacionalização.
Para país que se orgulha de sua política de paz, que tem orgulho de estar
em paz com todos os povos que participam da sua vasta fronteira, para país que
é pacífico, o único país do mundo que permite vistoria de suas instalações
militares, para país cujo projeto de paz está cravado na sua Constituição
como cláusula pétrea, para país com tais credenciais, que poucos países do
hemisfério Norte podem ostentar, são indeléveis obrigações com sua
segurança, com a defesa e proteção de seu território e de suas riquezas.
O desenvolvimento do projeto aeroespacial brasileiro é decisão de
Estado. Integra, de forma destacada, o projeto nacional. É fundamental o
efeito científico multiplicador desse esforço, pois nada nessa área será desen-
volvido sem concurso de matemáticos, químicos, físicos e engenheiros.
Nada faremos sem o concurso da universidade brasileira. Também não
avançaremos se, ao mesmo tempo, não desenvolvermos a indústria nacional.
O Estado brasileiro toma a iniciativa, cumpre com seu papel indutor, mas é
preciso uma estrada paralela a ser percorrida pela empresa brasileira, que
vamos valorizar. Já estamos estudando medidas de proteção, como uma
política de compras preferenciais para a produção nacional. Mas é preciso
que se cobre do empresariado sua participação nesse esforço que é de toda
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: PROJETO AEROESPACIAL
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a sociedade, que é da Nação. A empresa privada brasileira ainda contribui
muito pouco para o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia em nosso
país. Hoje, 90% dos recursos investidos em C&T são públicos. Nos Estados
Unidos, 75% dos pesquisadores e engenheiros estão na iniciativa privada.
No Brasil, 80% estão na universidade brasileira. Formados pelo poder
público – a maioria dos pós-graduados em instituições de excelência – não
têm condições de ser absorvidos pelo mercado. Temos, também, de enfrentar
esse desafio.
Nosso desafio é o processo de mudança. Este desafio é a opção pelo
próprio processo de mudança. Vamos mudar este país. Temos o compromisso
de construir, nessa terra que recebemos e com esse povo que herdamos, uma
civilização nova, uma civilização fundada na fraternidade, que busca a
igualdade e a superação das diferenças. Nosso papel é contribuir com o
desenvolvimento científico e tecnológico para que, ao final do governo do
presidente Lula, não tenhamos a vergonha que temos hoje de dizer que
somos um país dividido entre os que comem, e comem muito bem, e os
muitos que quase nada comem ou que de vez em quando comem.
Renovando meus agradecimentos ao professor Márcio, desejo ao
professor Bevilacqua todo sucesso possível. Estaremos torcendo pelo seu
bom êxito. Estaremos à sua disposição para colaborar numa empreitada que
não é minha, não é sua, porque é de todos nós.
Muito obrigado.
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SOLENIDADE DE ABERTURA DA X MARCEL GROSSMAN MEETING – MG 10
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SOLENIDADE DE ABERTURA
DA X MARCEL GROSSMAN MEETING – MG10,
RIO DE JANEIRO, 21 DE JULHO DE 2003.
Excelentíssimo professor Remo Ruffini, presidente do Icra interna-
cional, professor Mário Novello, do CBPF e presidente nacional do Icra;
meu querido amigo Fernando Peregrino, secretário de Estado de Ciência e
Tecnologia, que aqui representa a governadora Rosinha Matheus; Marcos
Vales, secretário municipal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro; meu
companheiro de governo professor Luiz Pinguelli; professor Ennio
Candotti, presidente da SBPC, aqui representando dignamente a
comunidade acadêmica e científica brasileira; professores Leite Lopes e
Jayme Tiomno; quero saudá-los pela resistência democrática, graças a qual
pudemos superar os tempos tristes e sombrios. Estamos agora tentando
construir uma nova democracia fundada na justiça social.
Minhas senhoras e meus senhores,
O honroso convite para participar da solenidade de abertura desta
Conferência colocou-me no desagradável dilema de atendê-lo ou viajar
ao exterior, para responder a compromisso de Estado anteriormente esta-
belecido para esta mesma data.
Em ocasiões assim, em que nosso caminho se bifurca, oferecendo
alternativas igualmente atrativas – e, no caso presente, igualmente
importantes – lamentamos nossa incapacidade de mudar as circunstân-
cias e até mesmo a impossibilidade de percorrer os dois cursos ao
mesmo tempo, o que resolveria o problema, por evitar o dilema da opção
necessária.
Por enquanto, porém, somente as partículas da mecânica quântica
podem realizar semelhante proeza, seja porque, na opinião de uma certa
escola de físicos, uma mesma partícula pode deslocar-se por duas trajetórias
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: COSMOLOGIA, RELATIVIDADE E ASTROFÍSICA
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diferentes simultaneamente, ou porque, na opinião de outra escola, ainda
mais estonteante, pelo menos para mim, enquanto uma das partículas
observa um dos caminhos, sua cópia perfeita, vinda de um universo muito
distante, segue justamente o outro caminho.
Mas no mundo newtoniano, em que vivemos, terminamos tendo
mesmo de enfrentar os fatos, elegendo uma das opções com base em razões
suficientemente justas que nos permitam assumi-la com determinação e sem
sentimento de culpa.
Três foram as razões que me levaram a seguir o caminho que traz a
esta solenidade.
A primeira delas decorre do propósito de compartilhar, com os físi-
cos brasileiros, a honra que representa a indicação de meu país para sedi-
ar encontro de tanto significado e magnitude e que, pela primeira vez, se
realiza no hemisfério Sul.
Isto porque o motivo da escolha não poderá ter sido outro senão o
da representatividade e qualificação da comunidade de cosmólogos,
astrofísicos e físicos relativistas brasileiros aos quais presto, neste momento,
as homenagens do governo e, muito especialmente do Ministério da
Ciência e Tecnologia, na pessoa do ilustre professor Mario Novello, incan-
sável organizador local do evento.
Sei muito bem que o reconhecimento da importância e oportunidade
dessas áreas de pesquisa para país emergente como o Brasil, encravado nestes
tristes trópicos, tem sido negada, ao longo de muitos anos, sob o pretexto
de que seria muito mais apropriado investir em campos menos abstratos,
cujos trabalhos produzissem efeitos mais diretos e palpáveis para nosso
desenvolvimento.
O Brasil enfrenta desafios gravíssimos em todas as frentes do conhe-
cimento e da atividade humana. Os mais diversos problemas sociais,
econômicos e políticos cobram a intervenção do Estado. Muitos problemas
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SOLENIDADE DE ABERTURA DA X MARCEL GROSSMAN MEETING – MG 10
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estruturais nos quais radicam freqüentemente o atraso que o governo do
presidente Lula quer enfrentar para superar, integrando na sociedade os
milhões de brasileiros excluídos, excluídos da informação, excluídos do
conhecimento, excluídos da educação, da assistência médica, da terra para
plantar, excluídos do trabalho, excluídos, enfim, do direito à alimentação.
Não são outras as razões que tornam lícito ao Governo brasileiro e às
suas agências, eleger, para propósitos de investimento ou incentivo, áreas
prioritárias dentro do campo das tecnologias, para que possa atender às
necessidades dos grandes projetos nacionais. Assim procedem também as
nações que ostentam melhor desempenho no que concerne ao domínio de
tecnologias de ponta e à inovação de produtos e processos industriais.
Mas estender este critério ao campo da ciência propriamente dita
constituiria erro grosseiro, no qual esta administração de forma alguma
incorrerá, porque é parte de nossa missão lutar para que o conhecimento
como um todo, e não frações do saber científico, seja incorporado ao
patrimônio cultural do nosso povo.
Sei igualmente que ramos da ciência, como a cosmologia, despertam
preconceitos e ainda mais forte incompreensão, seja pelo cunho eminente-
mente teórico de sua abordagem, seja pelo emprego de matemáticas complexas
e abstratas, seja pelo lidar com os mais intrigantes problemas da fronteira
do conhecimento, que parecem levar a física a explorar temas que sempre
foram do domínio da metafísica.
Para mim, é justamente isto que torna não só a cosmologia e a
astrofísica, mas, também, a relatividade e a física quântica, ramos os mais
sedutores do conhecimento humano.
Como o objetivo da física é a descrição do tudo, seu campo de investi-
gação não pode ter fronteiras, muito menos determinadas por uma visão
estreita da natureza, do papel e do propósito da ciência.
Se, no final, o físico vai encontrar a singularidade ou um universo
eterno e sem limites, se vai decifrar o que Stephen Hawking chamou a
mente de Deus, ou demonstrar sua função de onda ou, ainda, enunciar uma
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: COSMOLOGIA, RELATIVIDADE E ASTROFÍSICA
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equação capaz de explanar a criação da ordem e da complexidade a partir do
caos, só o tempo dirá. Até lá, os físicos e pesquisadores, que já reinventaram
o tempo e o espaço e descobriram como o vácuo pode ser fonte de energias
assombrosas, eles que explicaram como o infinitamente grande foi conden-
sado no infinitamente pequeno, continuarão tentando decifrar toda a
profundidade das riquezas do universo. E enquanto descobrem os buracos
negros e os mistérios da gravitação, a volta no tempo e o tecido da realidade,
paralelamente, desenvolvem novos formalismos matemáticos, desvendam
outros segredos e princípios e terminam por suscitar possibilidades sem fim
no campo da física e também das imediatas aplicações da ciência.
Os senhores certamente perceberam que a segunda razão de minha
presença neste ato está ligada ao desejo de reafirmar, perante auditório tão
representativo, que a ciência básica continuará sendo tratada como fonte de
conhecimento, de experiência e de qualificação, sem a qual nenhuma política
de incentivo às áreas aplicadas e à inovação de produtos e processos industriais
produzirá os frutos esperados.
E nós, nosso país e nossos cientistas, nossa ciência, enfim, não pode
estabelecer a si mesma limites teóricos ou experimentais.
Senhoras e senhores congressistas,
Esta nova visão da ciência e da tecnologia é parte de um modelo de
gestão inspirado por mudanças de atitudes e de políticas muito mais amplas,
porque derivadas de uma nova visão de mundo e de um novo projeto de
sociedade. O governo do Presidente Luiz Inácio da Silva Lula, governo de
mudanças do qual tenho a honra de participar, está comprometido com
mudanças profundas que conduzam não só ao desenvolvimento do país
como à democratização de seus frutos. Isto eqüivale a assumir a necessidade
de investir maciçamente em educação, ciência e tecnologia e, ao mesmo
tempo, democratizar os frutos do desenvolvimento e de todas as nossas
conquistas.
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SOLENIDADE DE ABERTURA DA X MARCEL GROSSMAN MEETING – MG 10
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Isto nos conduz a defender uma nova era, a era da inclusão da
cidadania, inclusão na economia, na participação dos bens coletivos, nos
bens materiais e nos bens simbólicos, nos bens intangíveis, nos bens da
saúde e no bem-estar social e, naturalmente, nos bens do conhecimento.
Ao assumir objetivos tão audaciosos quanto urgentes e ingentes, nossa
administração concentra todos seus esforços na estratégia de descentralizar
oportunidades, fomentar a reunião de talentos e incrementar os meios para isso.
Com tais observações, quero significar o reconhecimento da
administração mudancista do MCT de que a única forma de remir o tempo
e multiplicar recursos se baseia na opção por duas estratégias comple-
mentares: i) democratizar as oportunidades de trabalho, estendendo-as a
todas as regiões do país onde haja condições e talentos que justifiquem os
investimentos correspondentes; ii) concentrar – por meio de critérios de afini-
dade e complementaridade – em grupos homogêneos e interdisciplinares os
melhores talentos, hoje dispersos em equipes pequenas e independentes,
A primeira estratégia busca multiplicar as fontes de produção cientí-
fica de forma a aproveitar o talento e a vocação de um maior número de
brasileiros de todas as regiões e, pela mesma via, promover a inclusão social
mediante a democratização do acesso às oportunidades de criação e apli-
cação de conhecimentos.
A segunda, que é corolário da primeira, supre a necessidade de criar,
pela via mais rápida, econômica e racional, os novos centros de excelência
de que o país necessita. Por suposto, esta segunda linha de ação deverá ter
papel importante, também, no processo de ingresso de novos pesquisadores
na comunidade científica nacional e no desenvolvimento de tecnologias
capazes de responder aos desafios do desenvolvimento industrial.
Colocar estas idéias em prática não imporá rupturas, quebra de com-
promissos e muito menos redistribuição pura e simples de recursos para
pesquisa em favor de regiões hoje mais deprimidas, nem tão pouco impor-
tará a aplicação de uma política de aglomeração de pesquisadores em estru-
turas artificialmente estabelecidas pelo Governo, de cima para baixo. Elas
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EMAS TÉCNICOS ESPECÍFICOS: COSMOLOGIA, RELATIVIDADE E ASTROFÍSICA
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serão viabilizadas, justamente, por meio de uma gestão participativa e
democrática, conciliadora e criativa, que conduza a decisões inspiradas por
valores elevados e respaldadas por consenso.
A concentração de talentos e meios, como equipamentos e instalações,
ocorrerá sem burocracia, mediante simples processo de fusão operacional,
consórcio ou redes, meios pelos quais pesquisadores e técnicos se interligarão
por objetivos comuns e pela socialização, entre eles, dos meios materiais
disponíveis, sejam equipamentos, recursos bibliográficos e insumos,
sejam bens intangíveis representados por memórias científicas, experiência,
tradição e representatividade. Aplicando esta estratégia poderemos fazer
surgir, em todo o Brasil, novos e importantes centros de excelência que,
de outra forma, não entrariam em atividade senão ao longo de muitos anos
de trabalho e prospecção de recursos.
Embora a ciência seja a religião da mudança, como disse certa vez
Grey Walter, um dos criadores da cibernética, ela nem sempre é bem-vinda,
mesmo nos meios acadêmicos, pois sua missão é, muitas vezes, romper com
a inércia, a rotina, o statu quo que acomoda privilégios e, quantas vezes, ter-
ríveis anéis de poder!
Mas, passo a passo, essas mudanças estão sendo absorvidas, apoiadas
e já começam a dar frutos.
Senhoras e senhores congressistas,
A terceira das três razões que me trouxeram a este evento está ligada
ao prazer de anunciar, pessoalmente, a decisão do Governo Federal, portanto
do Ministério da Ciência e Tecnologia, relativa à criação, no Rio de Janeiro,
de mais um Centro Internacional de Astrofísica Relativística, sob o
patrocínio do Icra e com o apoio da UNESCO, instituição com a qual man-
temos a mais estreita e frutífera cooperação.
Trata-se de empreendimento que reputamos da maior impor-
tância não só para a cosmologia e a astrofísica como para o desenvolvi-
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SOLENIDADE DE ABERTURA DA X MARCEL GROSSMAN MEETING – MG 10
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mento da ciência brasileira, para a qual se tornará, certamente, uma
referência.
Permitam-me, finalmente, render minhas homenagens à memória do
patrono desta Conferencia, o prof. Dr. Marcel Grossmann, matemático e
cientista húngaro, colaborador de Einstein, que lhe deve a descoberta do
papel do cálculo tensorial para a teoria da relatividade.
Estou certo de que desta Conferência muito se beneficiará a ciência
brasileira e fico feliz porque o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do meu
Ministério, a está sediando.
Mas, acima de tudo, quero falar de meu orgulho como brasileiro e
como Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia ao tomar conhecimento
de que o Comitê Organizador desta X Conferência Internacional Marcel
Grossman decidiu outorgar ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o
CBPF, uma das mais destacadas dentre as unidades de pesquisa deste
Ministério e do país, o Prêmio Marcel Grossmann Institucional, com a
citação “por seu desempenho como uma instituição de ensino e pesquisa
e como um lugar que tem originado idéias físicas fundamentais para a
exploração do universo”. Permito-me dizer que a homenagem é merecida.
Professor Remo Rufinni,
O voto de confiança dado pelo Icra à ciência brasileira, em cuja
direção o senhor exerceu os melhores esforços, não foi em vão, pois o
Ministério da Ciência e Tecnologia vai fazer tudo o que estiver ao seu
alcance para colocar nas mãos dos físicos brasileiros os instrumentos de que
necessitam para corresponder a esta distinção.
Ainda esta manhã estarei me reunindo com o professor Rufinni e com
o professor Mário Novello para traçar as diretrizes preliminares destinadas a
orientar nossas mútuas responsabilidades na concretização deste projeto.
Em nome do governo e do povo brasileiro, desejo aos ilustres cientis-
tas aqui presentes, uma reunião sob todos os títulos proveitosa e produtiva,
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fazendo votos de que sejam celebrados novos programas de cooperação e
integração científica e desfrutados momentos do mais agradável companhei-
rismo nesta nossa maravilhosa cidade do Rio de Janeiro.
Muito obrigado.
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DISCURSO POR OCASIÃO DO 25º ANIVERSÁRIO DO CETEM
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DISCURSO POR OCASIÃO DO 25º ANIVERSÁRIO
DO CETEM (Centro de Tecnologia Mineral), RIO DE JANEIRO,
25 DE ABRIL DE 2003.
Senhoras e senhores,
O ministro da Ciência e Tecnologia e a direção do Centro de
Tecnologia Mineral sentem-se extremamente honrados com a presença dos
que aqui estão promovendo e prestigiando as comemorações do 25º aniversário
desta instituição de pesquisa.
A criação do Cetem, realizada em meio a uma conjuntura de crise em
que era muito baixa – criticamente baixa, por sinal – a nossa capacidade de
importar, resultou de uma política de substituição de importações de bens
minerais, estratégicos para o desenvolvimento do país. Com destaque espe-
cial – já que ainda estávamos sob o efeito dos dois choques do petróleo –
para a substituição de importações contributivas para uma indústria
nacional de insumos energéticos.
Entretanto, essa criação não teria atendido de maneira eficaz a essa
necessidade contingente, se o país não contasse com a competência técnico-
científica e a capacidade de realização já disponível no Brasil. Isto é, disponi-
bilidade de uma massa crítica apta a implantar um empreendimento desta mag-
nitude e assegurar a sua factibilidade técnica e material ao longo dos anos.
Estabelecido, primeiro, na área de atuação do Ministério de Minas
e Energia, o Cetem migrou, em 1988, para o âmbito do Ministério da
Ciência e Tecnologia, que era – convenhamos – o lócus governamental mais
adequado à natureza dessa unidade de pesquisa e desenvolvimento.
Em sua trajetória, o Cetem, apoiado na excelência dos seus quadros
científicos e administrativos, desenvolveu trabalhos que lhe propiciaram o
reconhecimento dos brasileiros e o respeito internacional, até porque a instituição,
ao planejar sua atividade, soube captar o que os intelectuais chamam de “espírito
do tempo” e nós, políticos, denominamos de demandas sociais emergentes.
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Refiro-me, precisamente, à dimensão ecológica da atividade minero-
metalúrgica (de pouca visibilidade até os primeiros anos da década de 1970).
Dimensão esta que orientou o foco de investigação do Cetem para o
campo da tecnologia ambiental, movido pela percepção dos efeitos adversos
do mercúrio nas áreas de garimpo.
Mais tarde, essa preocupação ambiental se estenderia a todos os
demais segmentos do setor mineral e metalúrgico, fazendo avançar o estado
da arte e estimulando a implantação, dentre outros, de processos de otimiza-
ção do aproveitamento de recursos minerais, com reciclagem de desperdícios
e rejeitos, segundo os princípios do desenvolvimento sustentável.
É, também, gratificante constatar que, entre os objetivos estratégicos
que conformam a missão institucional deste Centro de Tecnologia Mineral,
se destaca o de apoiar a iniciativa privada nacional, especialmente a pequena
a média empresas, geradoras de mais da metade dos novos empregos que
se criam no país.
Substituição de importações de bens estratégicos para o desenvolvi-
mento, conservação do meio ambiente e apoio às micro, pequenas e médias
empresas nacionais são ainda demandas sociais emergentes e três focos ori-
entadores da política de Ciência e Tecnologia que estamos tentando – e
vamos conseguir – consolidar neste país, a despeito de toda resistência
à mudança que este governo de mudanças, liderado pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, venha a enfrentar.
No desenvolvimento de mais de 700 projetos e da assistência oferecida
a 180 empresas dos setores de mineração, metalurgia, química e materiais,
o Centro de Tecnologia Mineral, tornou-se um jovem porém bem construído
exemplo da grande capacidade de realização dos pesquisadores, técnicos e
administradores de Ciência e Tecnologia brasileiros. Capacidade de realização
que não me canso de reconhecer e exaltar, inclusive porque não me constrange
nem um pouco ser repetitivo nessa exaltação.
Na atualidade, para uma entidade pública ou paraestatal, completar
25 anos é um marco importante: no ciclo de políticas governamentais encer-
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DISCURSO POR OCASIÃO DO 25º ANIVERSÁRIO DO CETEM
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rado em 1º de janeiro deste ano, a privatização do Estado e a mortalidade
de instituições alcançaram níveis inusitados no Brasil. Para o Cetem, o
marco do jubileu de prata é ainda mais valorizado, em face da magnífica
folha de serviços prestados por este Centro à economia e à sociedade
brasileiras, nesse lapso.
Contudo, o sucesso acumulado no último quarto de século não autoriza
ao Cetem qualquer tipo de quietude. Os desafios que o Brasil enfrenta
hoje são, sob muitos aspectos, muito mais graves do que os enfrentados na
quadra histórica em que este Centro foi criado. O fenômeno da globalização,
surgido no imediato pós-guerra, mas acelerado na década de 1990, corrói o
instituto do Estado-Nação, enfraquece a noção de desenvolvimento nacional
e estabelece um tipo de competição econômica que enche a todos de incerteza.
A concorrência internacional, agora aprofundada até o nível dos
mercados locais de cada país, colocou o incremento constante e acelerado da
produtividade – e, logo, a inovação tecnológica continuada – como único
instrumento efetivo de defesa da empresa nacional, qualquer que seja a mag-
nitude do seu capital.
O Brasil é um dos maiores detentores de reservas e exportadores de
bens minerais do mundo. E, também, um usuário importante de bens de
produção baseada em recursos minerais. Nem por isso tem assegurado o
domínio do seu mercado interno ou a estabilidade da sua posição no mercado
internacional, a menos que realize um esforço ingente de desenvolvimento
tecnológico – e, assim, de aumento da produtividade – no setor. Aliás, esse
esforço deverá ser até maior do que o realizado por nossos concorrentes,
porque além de manter a posição no mercado planetário, necessitamos,
ainda – para que o país volte a crescer –, de alargar dramaticamente a pauta
e o quantum das exportações brasileiras nos próximos anos.
É para esse esforço, que devemos realizar com o mesmo empenho de
uma cruzada nacional, que o Centro de Tecnologia Mineral será chamado a
contribuir daqui para frente.
Uma diferença essencial – e saudável – entre uma pessoa mortal e uma
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instituição é a de que, por uma pessoa, um desafio deste tipo seria encarado
como um castigo; por uma instituição de pesquisa – que, para muitos
efeitos, é movida a sonho e paixão – será encarado como um belo presente
de aniversário.
Meus parabéns a todos que compõem o corpo funcional do Cetem
e que fazem deste Centro de Tecnologia Mineral a instituição que ele é.
Muito obrigado.
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