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FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO INFANTIL:
Perspectivas em Debate
Atenção:
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Rita de Cássia Coelho
Ângela Rabelo Barreto
(Orgs.)
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UNESCO 2004 – Edição brasileira pelo Escritório da UNESCO no Brasil
Esta publicação contou com o apoio financeiro do Fundo Fiduciário da UNESCO na Itália –
Projeto Ensino à Distância “Desenvolvimento da Macro Política para a Primeira Infância”.
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste
livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da
UNESCO, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a
apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de
qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer
país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco à delimitação
de suas fronteiras ou limites.
Education Sector
Section for Early Childhood and Inclusive Education/UNESCO – Paris
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FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO INFANTIL:
Perspectivas em Debate
Bernardo Kliksberg
Atenção:
substituir folha de rosto com Edson
Adeum Sauer
Ana Lúcia P.B. Pacheco
Anne Meller
Carla G. de Moraes Teixeira
Candido Alberto Gomes
Francisco das Chagas Fernandes
João Antônio C. de Monlevade
Jorge Abrahão de Castro
Maria Malta Campos
Maria Martha Cassiolato
Mariza Abreu
Paulo Sena
Soo-Hyang Choi
Valdete de Barros Martins
Rita de Cássia Coelho
Ângela Rabelo Barreto
(Orgs.)
edições UNESCO
BRASILBRASIL
BRASILBRASIL
BRASIL
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecilia Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Educação
Alvana Bof
Célio da Cunha
Candido Gomes
Maria José Feres
Marilza Machado Gomes Regattieri
Revisão: Reinaldo Lima
Revisão Técnica: Candido Gomes, Alessandra Schneider, Aidê Cançado
Almeida, Júlia Vasconcelos Buarque
Assistente Editorial: Rachel Gontijo de Araújo
Diagramação: Fernando Brandão
Projeto Gráfico: Edson Fogaça
© UNESCO, 2004
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,
Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 – Brasília – DF – Brasil
Tel.: (55 61) 2106-3500
Fax: (55 61) 322-4261
Coelho, Rita de Cássia
Financiamento da educação infantil: perspectivas em debate / Rita de Cassia
Coelho e Ângela Rabelo Barreto. — Brasilia: UNESCO Brasil, 2004.
262p.
ISBN: 85-87853-99-6
1. Educação Infantil 2. Financiamento Educacional I. Barreto, Ângela Rabelo
II. UNESCO III. Título.
CDD 372
SUMÁRIO
Apresentação .............................................................................................. 7
Abstract ......................................................................................................11
Introdução.................................................................................................13
Rita de Cássia Coelho
Ângela Rabelo Barreto
P
ARTE 1
O que mostram as pesquisas
1.1. Financiamento da educação infantil:
perspectiva internacional ................................................................19
Soo-Hyang Choi
1.2. Financiamento e custos da educação infantil ou
A corda arrebenta do lado mais fraco .......................................31
Candido Alberto Gomes
1.3. Metodologia de avaliação: relato de uma experiência
de pesquisa ........................................................................................73
Ana Lúcia P. B. Pacheco, Anne Meller e
Carla G. de Moraes Teixeira
1.4. Comentários sobre a pesquisa “Uma avaliação da
eficácia dos serviços de creches no município do
Rio de Janeiro” ................................................................................91
Maria Malta Campos
P
ARTE 2
Financiamento das políticas e programas federais e a educação infantil
2.1. A educação infantil no Plano Plurianual do
Governo Federal .............................................................................99
Maria Martha Cassiolato
2.2. O desafio da gestão compartilhada e a necessária
articulação entre assistência social e educação infantil ........... 111
Valdete de Barros Martins
6
PARTE 3
A educação infantil no financiamento da educação básica
3.1. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica – FUNDEB................................................ 125
Francisco das Chagas Fernandes
3.2. Estudo sobre as possibilidades de continuidade
do FUNDEF e o financiamento da educação
básica no país ............................................................................... 133
Mariza Abreu
3.3. O Fundo de Educação Básica e o
financiamento da educação infantil ....................................... 155
João Antônio C. de Monlevade
3.4. Financiamento da educação infantil: o FUNDEB
é a solução?................................................................................... 171
Paulo Sena
3.5. Contribuições da UNDIME ao debate do FUNDEB ...... 195
Adeum Sauer
3.6. Financiamento da Educação e questões
da Reforma Tributária .............................................................. 211
Jorge Abrahão de Castro
P
ARTE 4
Algumas Propostas de Emenda à Constituição em tramitação
no Congresso Nacional
4.1. PEC nº112/1999 – Câmara dos Deputados
– Iniciativa:.................................................................................... 229
Deputado Padre Roque e outros
4.2. PEC nº34/2002 – Senado Federal – Iniciativa: ................ 237
Senador Ricardo Santos
4.3. PEC nº37/2003 – Câmara dos Deputados
– Iniciativa:.................................................................................... 245
Deputado Severiano Alves
4.4. PEC nº105/2003 – Câmara dos Deputados
– Iniciativa:.................................................................................... 253
Deputada Janete Capiberibe
7
APRESENTAÇÃO
Miriam Abramovay
1
Não há sistema de instrução eficaz sem dispêndio de muito
dinheiro. Esta frase poderia ser pronunciada hoje,
reconhecendo a relação bilateral entre gastos e eficácia. Na
verdade, ela foi pronunciada por um jovem deputado há 133
anos atrás, na Assembléia Geral Legislativa do Império. Este
jovem foi Tavares Bastos que, em 1870, diante das modestas
proporções do orçamento, argumentava sobre a exigência de
ampla soma de recursos e a necessidade de distintos
procedimentos alocativos de verbas em favor da educação
do povo. Com isso, pensava ele, seriam favorecidas tanto a
sua autonomia enquanto sistema público de ensino, como a
instalação de uma capacidade real do Estado de enfrentar os
problemas cruciais da expansão e manutenção da rede escolar.
Já naquela época o Poder Legislativo atuava como fórum
das grandes questões e desempenhava o papel de despertador
da consciência nacional em face das soluções necessárias a
serem adotadas, mesmo contrariando as rotinas e os interesses
favorecidos. A Tavares Bastos juntaram-se outras vozes
famosas, como as de João Alfredo e de Rui Barbosa. Pioneiros
no caminho, inscreveram-se na história como críticos e
propositores de alternativas, antecedendo figuras também
saudosas como João Calmon e Darcy Ribeiro.
Quase um século e meio depois, a UNESCO, a
Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos
Deputados e o Ministério da Educação uniram esforços para
analisar, em perspectiva internacional, o financiamento da
educação infantil, suas necessidades e perspectivas, de modo
a alimentar as discussões dos senhores e senhoras
8
parlamentares e dos decisores em geral sobre a política
educacional e os meios mais importantes pelos quais ela se
concretiza: os orçamentos públicos.
É amplamente sabido que uma das metas do Fórum
Mundial de Educação, reunido em Dakar no ano 2000, é a
“expansão e aprimoramento da educação e cuidado da
primeira infância, especialmente para as crianças mais
vulneráveis e desfavorecidas”. Dez anos depois da Declaração
Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, as
organizações internacionais houveram por bem estabelecer
um conjunto simples de metas, cujas realizações sejam mais
facilmente tangíveis e mensuráveis. Por isso mesmo, a
UNESCO montou um sistema de acompanhamento em
escala mundial, para verificar como caminha cada país em
cada uma das metas. O primeiro relatório saiu em português
recentemente
1
e, apesar da falta de dados para avaliar o
progresso a partir de Dakar, informa que, no campo da
educação infantil, mudanças marcantes ocorreram em vários
países a partir de 1990, tanto para melhor como para pior.
Não por acaso, a primeira meta pactuada em Dakar
se refere ao cuidado e à educação da primeira infância. O
seu impacto é necessário e significativo para que as novas
gerações alcancem as metas ulteriores de Educação para
Todos. Em outros termos, o dinheiro que se gasta na
educação infantil retorna sob a forma de melhores
condições na escolaridade, ao mesmo tempo em que
proporciona resultados econômicos e sociais, sob a forma
de melhor nutrição, saúde e outros benefícios. O Brasil,
como é indicado nos textos que compõem este livro, não
1
UNESCO. Relatório de monitoramento global de EPT 2002: educação para todos: o
mundo está no caminho certo? São Paulo: Moderna, 2003.
9
se encontra numa situação invejável no concerto das
nações. Ao contrário, precisa dar passos decididos no
sentido de recuperar o tempo perdido, uma vez que, por
longo tempo, lutou para avançar na educação compulsória
de oito anos. A educação infantil ficou para trás, junto
com outros níveis e modalidades de ensino e educação.
Nada melhor, portanto, que um amplo debate não só sobre
os males, mas sobretudo acerca dos remédios que podemos
ministrar.
Expressamos, portanto, os nossos agradecimentos aos
co-autores, aos participantes do evento e aos parceiros, cuja
colaboração inestimável cabe reconhecer. São eles a
Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos
Deputados, o Ministério da Educação, a Undime, o Consed
e a Seção de Educação Infantil e da Família, da sede da
UNESCO em Paris.
Jorge Werthein
Representante da UNESCO
no Brasil
11
ABSTRACT
Miriam Abramovay
1
This book analyses and discusses the perspectives for
financing early childhood care and education in Brazil, aiming
to achieve the first goal of the Dakar Framework for Action,
i.e., expanding and improving comprehensive early childhood
care and education, especially for the most vulnerable and
disadvantaged children. Its chapters are based on papers read
at a two-day public seminar conducted by UNESCO, the
Chamber of Deputies Education Committee and the Ministry
of Education as a means to debate the federal budgeting
processes for the short and medium ranges. In the first part,
research reviews focus on the financing and costs of early
childhood care and education with national and international
perspectives. It also presents an evaluative survey on child
care centers. The second part discusses financing of early
childhood care and education in federal policies and
programs, whereas the third part studies different alternatives
for funding this level of education and care, particularly after
the tax system reform that is in progress at the Legislative
branch of the Government. In its final part, this book
presents four constitutional amendment proposals with
significant implications for the above-mentioned issue.
13
INTRODUÇÃO
Esta publicação é decorrência da importante iniciativa
de realização do Seminário Nacional sobre Financiamento da
Educação Infantil. Através de uma estreita colaboração entre a
UNESCO, a Comissão de Educação, Cultura e Desporto da
Câmara dos Deputados e o Ministério da Educação, foi possível
reunir nos dias 8 e 9 de setembro de 2003, em Brasília, na Câmara
dos Deputados, estudiosos, pesquisadores, dirigentes e
parlamentares para debater o financiamento da educação infantil
no contexto das políticas e programas sociais.
O Seminário foi aberto com as saudações do
Representante da UNESCO no Brasil, Jorge Werthein, da 2ª
Vice-Presidente da Comissão de Educação, Cultura e
Desporto, da Câmara dos Deputados, Deputada Federal
Raquel Teixeira, e do Ministro da Educação, Cristovam
Buarque que, de modo especial, destacou a educação como
o mais importante tema para o futuro do Brasil. Salientou,
ainda, que o Congresso Nacional deve formular estratégias
de financiamento, possibilitando a inclusão das crianças de
zero a seis anos no atendimento educacional.
Sob esse marco, do desafio da oferta da educação
infantil reconhecida como primeira etapa da educação básica,
organizaram-se as mesas-redondas dos dois dias,
contemplando uma análise da temática, através de enfoques
multidisciplinares e intersetoriais.
Da primeira mesa-redonda coordenada pela Deputada
Federal Raquel Teixeira, participaram Soo-Hyan Choi
(UNESCO, Paris) e Candido Alberto Gomes (UNESCO, Brasil
e Universidade Católica de Brasília). Foram apresentados dados
14
de pesquisas internacionais e nacionais que mostram por que
os países investem na educação infantil, como investem, quanto
custa o atendimento e o mapa de investimentos.
A segunda mesa-redonda tratou do financiamento das
políticas e programas federais para a criança de zero a seis
anos no Plano Plurianual (PPA) 2004/2007. Contou com a
participação de representantes dos Ministérios do
Planejamento, da Educação, da Saúde e da Assistência Social.
As perspectivas de financiamento da educação infantil,
no âmbito da educação básica, foram apresentadas e debatidas
pelo Diretor do Fundef, Francisco das Chagas Fernandes,
pelo Deputado Federal, Carlos Abicalil, pelo Assessor
Parlamentar, Paulo Sena, pelo Presidente da Undime, Adeum
Sauer, pela representante do Consed, a Secretária de
Educação do Estado de Minas Gerais Vanessa Guimarães
Pinto, sob a coordenação do Deputado Federal Gastão
Vieira, Presidente da Comissão de Educação, Cultura e
Desporto da Câmara do Deputados.
A seguir, a mesa-redonda coordenada por José
Marcelino de Rezende Pinto, do INEP, discutiu a relação entre
custo e qualidade na educação infantil, por meio da
apresentação da pesquisa “Qualidade em creches públicas
no Rio de Janeiro”, realizada pelo IPEA, sendo debatedores
Maria Malta Campos, da Fundação Carlos Chagas e Jorge
Abrahão de Castro, do IPEA.
Na última mesa-redonda, com a participação de Ângela
Barreto, da UNESCO, e de Rita de Cássia Coelho, da União
Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, foram
apresentadas a síntese das discussões e as principais
recomendações do Seminário.
Nessa perspectiva, o trabalho desenvolvido nos dois dias
apontou, com clareza, que discutir financiamento da educação
infantil implica disputar projetos políticos que estão diretamente
15
relacionados ao pacto federativo, à relação entre público e privado,
à estrutura de controle social, à definição de um padrão básico de
qualidade do atendimento à criança e às principais características
sociodemográficas da população de zero a seis anos.
Pode-se salientar, ainda, como pontos positivos dos
debates, o reconhecimento dos significativos benefícios
educacionais, sociais e econômicos da educação infantil e a
explicitação de consenso em relação à concepção de educação
infantil como direito à educação, como uma relevante necessidade
da sociedade e como responsabilidade governamental.
No que tange às recomendações, foram apontadas:
a exigência de aprofundamento das discussões sobre
financiamento da educação infantil, privilegiando as
diferentes propostas de estratégias de financiamento
da educação com o necessário detalhamento técnico-
financeiro;
a urgência de atuação da União, por meio do
Ministério da Educação, no estabelecimento de
parâmetros de qualidade da educação infantil;
a necessidade de definição do custo-aluno-qualidade
da educação infantil;
a importância de múltiplos esforços na realização
de estudos e pesquisas de custo e de demanda para
qualificar melhor as propostas de custo, de qualidade
e de expansão do atendimento;
a possibilidade de organização de uma publicação
que, a partir do Seminário, contribua para
potencializar e ampliar as discussões sobre
Financiamento da Educação Infantil.
Os artigos constantes deste volume, elaborados por
especialistas e dirigentes, reproduzem algumas das discussões
do Seminário e avançam na caracterização das estratégias de
financiamento da educação.
16
Organizada em quatro partes, na Parte I estão
agrupadas as pesquisas discutidas no Seminário.
Na Parte II, trata-se do financiamento das políticas e
programas federais para a criança de zero a seis anos,
destacando-se a polêmica interface com a política de
educação infantil.
Na Parte III, apresentam-se as diversas e mais
significativas propostas do debate atual sobre financiamento
da educação básica, suas conseqüências para a educação
infantil e questões da reforma tributária em curso no País.
Na Parte IV, são apresentadas algumas Propostas de
Emenda à Constituição, em tramitação no Congresso
Nacional, relacionadas ao financiamento da educação básica
que se destacam como representativas das diferentes
tendências, relacionadas ao financiamento da educação.
A presente publicação, editada pela UNESCO, e as
abordagens aqui apresentadas constituem uma contribuição
na qualificação do debate da tensão entre institucionalização
do atendimento da criança de zero a seis anos no setor de
educação e a insuficiência de recursos financeiros.
É inquestionável a oportunidade de lançamento desta
obra, que representa um passo adiante no conhecimento da
problemática do financiamento da educação infantil,
fornecendo insumos para o debate público da questão e para
o posicionamento dos diferentes atores.
Rita de Cássia Coelho
Ângela Rabelo Barreto
PARTE 1
O que mostram as pesquisas
19
1. INTRODUÇÃO
A Declaração Mundial de Educação para Todos (EFA),
firmada em Jomtien, declara que a aprendizagem começa
desde o nascimento e requer educação e cuidado inicial na
primeira infância. O Marco de Ação de Dakar, por sua vez,
enfatiza a importância deste período fundamental na vida de
cada criança e estimula a Educação e Cuidado na Primeira
Infância (ECPI) como a primeira de suas seis metas globais.
Em todo o mundo, várias iniciativas têm sido promovidas
especialmente no setor público, para garantir que todas as
crianças pequenas tenham acesso aos cuidados básicos e às
oportunidades de aprendizagem. O esforço dos países para
incluir a ECPI em seu plano nacional de Educação para Todos
é um bom exemplo. Contudo, o investimento governamental
nesta área ainda é pouco relevante, e este é um dos maiores
desafios enfrentados por muitos países, especialmente aqueles
em regiões em vias de desenvolvimento, onde a ECPI ainda é
vista como de domínio da vida privada.
FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO INFANTIL:
PERSPECTIVA INTERNACIONAL
Soo-Hyang Choi*
* Diretora da Seção de Educação Infantil e Educação Inclusiva. UNESCO –
Escritório Central, Paris, França.
Nota: Tradução Alexandre Toledo.
20
Manter gastos modestos em ECPI não representa uma
boa estratégia de investimento governamental, para o
desenvolvimento educacional, social e econômico de um
país. Este documento foi preparado precisamente para
fortalecer este argumento. No item 2, serão resumidas
constatações realizadas por meio de pesquisas sobre os
benefícios dos programas de ECPI, para mostrar como é
necessário o investimento em tais programas. No item 3,
serão revistas as tendências e os níveis de investimentos
governamentais em ECPI. Como os dados são restritos, os
exemplos limitam-se aos países desenvolvidos. Finalmente,
no item 4, será feito um esforço para comparar o Brasil com
outros países quanto ao seu investimento em ECPI, sendo
dedicada especial atenção à sua eficiência.
2. BENEFÍCIOS DA ECPI
1
Os benefícios da ECPI classificam-se em três
categorias: educacional, econômica e social. Estes três tipos
de benefícios não são mutuamente exclusivos. A seqüência
deles começa com o desenvolvimento integral da criança,
que facilita seu processo de aprendizagem nas escolas. Um
processo de aprendizagem continuado ajuda a criança a ter
um emprego mais bem remunerado no futuro e a promover
seu status social. As mães responsáveis pelo cuidado das
crianças, que são auxiliadas pela ECPI, também se
beneficiam, porque têm a oportunidade de trabalhar fora e
aumentar a renda familiar. Os benefícios da ECPI são de
1
Para uma pesquisa literária completa, veja CLEVELAND, G.; KRASHINSKY,
M. Financing ECEC services in OECD countries [Financiando serviços de ECPI
em países da OCDE]. Paris: OECD, [no prelo].
21
curto e longo prazos, além de multifacetados, influenciando
não só a vida da criança, mas também a da sua família. Vamos
considerar inicialmente os benefícios educacionais que
proporcionam estes efeitos.
Um dos efeitos imediatos, de curto prazo, da
participação da criança em um programa ECPI de boa
qualidade é a grande oportunidade que ela terá de ser bem-
sucedida no ensino fundamental. De acordo com o estudo
de impactos, muito bem divulgado, “Save the Children” [Salve
as Crianças] no Nepal (2003),
2
as crianças que participarem
de um programa de desenvolvimento na primeira infância
3
terão maior probabilidade de iniciar o ensino fundamental,
de freqüentar e permanecer nas escolas, de serem ativos em
sala de aula, passar nos exames e progredir. A probabilidade
de essas crianças repetirem o ano ou abandonarem a escola é
menor, quando comparadas com aquelas que não
participaram do programa.
Nos estudos de longo prazo, conduzidos nos países
desenvolvidos, demonstrou-se muito claramente que o bom
desempenho da criança na educação, facilitado por sua
participação nos programas de ECPI, teve uma influência
direta nas suas perspectivas profissionais futuras. De acordo
com o estudo da primeira infância “Abecedarian” (2003)
4
2
UNICEF. What is the different? An ECD impact study from Nepal. Save the Children
[O que é diferente? Um estudo de impacto do desenvolvimento infantil no
Nepal. Salve as Crianças]. 2003.
3
Programa baseado na comunidade, freqüentado por crianças de 3 a 5 anos.
Tratou-se de um programa integrado, combinado com aulas de orientação
para os pais. O dados foram coletados de 38 Centros de Desenvolvimento
da Primeira Infância, organizados e apoiados por Save the Children [Salve as
Crianças] no Nepal.
4
MASSE, L. N.; BARNETT, S. A benefit cost analysis of the Abecedarian Early Childhood
Intervention [Uma análise de custo-benefício sobre a Intervenção na Primeira
Infância “Abecedarian”]. Disponível em <www.nieer.org> Acessado em 2003.
22
nos EUA, por exemplo, as crianças que freqüentaram a pré-
escola
5
têm maior probabilidade de alcançar melhores
resultados em testes de raciocínio e de chegar até a educação
superior, do que aquelas que não participaram. Elas poderão
ser contratadas para empregos com melhor remuneração no
futuro, como conseqüência disso.
O projeto “Perry Pre-school”, bem conhecido nos
EUA, também relata resultados semelhantes. As crianças
que participaram de programas de qualidade na primeira
infância têm maior probabilidade de completar o ensino
médio, ingressar na educação superior, ter treinamento
profissional ou conseguir um emprego. O estudo também
mostra que os programas da primeira infância são eficientes
em prevenir que a criança se envolva em problemas sociais.
As crianças que participaram do projeto “Perry Pre-school”
tiveram menor probabilidade de serem classificadas como
portadoras de retardo mental, serem presas, acusadas de
cometerem crimes graves ou depender da assistência social.
Desta maneira, os benefícios foram múltiplos, nos âmbitos
educacional, econômico e social.
As vantagens de um bom programa para a primeira
infância também se estenderam aos pais. No caso do projeto
Abecedarian”, citado acima, as mães do grupo
experimental tinham maior probabilidade de estarem
empregadas e de obterem melhor remuneração. O benefício
alcançou, ainda, a comunidade. As comunidades com
escolas do grupo experimental tiveram menor necessidade
de investir em programas de recuperação, devido à reduzida
5
O serviço experimental começou em 1972 para crianças (desde bebês até 5
anos) de famílias de baixa renda. O estudo de impacto acompanhou 112
crianças do projeto e mediu seu desenvolvimento e realizações em diferentes
idades dos 8 aos 21 anos.
23
probabilidade de as crianças apresentarem problemas
sociais e educacionais. Em geral, o estudo calculou que,
para cada US$ 1 gasto, foram gerados US$ 4. Cleveland &
Krashinsky (1998)
6
também observaram que há uma
estreita relação entre o custo dos cuidados com as crianças
e o emprego das mães. Quando o custo aumenta, há uma
tendência de as mães reduzirem sua participação no
mercado de trabalho e de reduzirem as horas de trabalho,
com uma probabilidade maior de deixar o emprego.
Com respeito a esses estudos de impacto, há estudiosos
que recomendam cautela no momento de generalizar seus
resultados e implicações. As conseqüências observadas na
criança podem variar, em função da idade da criança,
antecedentes familiares, tipo e qualidade dos serviços
utilizados. Relata-se, especialmente, que os serviços de
baixa qualidade apresentam pequeno impacto. Os efeitos
sobre as mães também variam, dependendo do tipo de
emprego. Mães que trabalham em horário parcial costumam
ser mais atingidas pelas questões relativas aos cuidados com
as crianças do que as mães que trabalham em horário integral.
Mas essas preocupações não negam as evidências de que o
investimento na primeira infância é um dos esforços mais
benéficos, que provoca múltiplos impactos na criança, sua
família e na sociedade em geral.
6
CLEVELAND, G.; KRASHINSKY, M. The benefits and costs of good child
care: the economic rationale for public investment in young children – A
policy study [Os benefícios e custos de um bom cuidado da infância: a
razão econômica para o investimento público em crianças pequenas]. The
Childcare Resource and Research Unit, University of Toronto [Unidade de
Recursos e Pesquisa sobre Cuidado da Infância, Universidade de Toronto].
Toronto, 1998.
24
3. TENDÊNCIAS E NÍVEIS DE
INVESTIMENTO DO GOVERNO EM ECPI
Os investimentos governamentais em ECPI podem
ser categorizados em dois tipos, de acordo com sua
abordagem. O primeiro tipo consiste em financiar a oferta
dos serviços de ECPI. Esta oferta, por sua vez, pode ser
feita por instituições públicas de ECPI, ou por instituições
privadas apoiadas financeiramente pelo governo por meio
de doações ou subsídios.
O segundo tipo de investimento governamental é o
apoio financeiro aos pais. Geralmente, este é o método
pelo qual os países desenvolvidos apóiam os pais com
crianças menores de dois anos. Um dos bons exemplos são
os benefícios financeiros, tais como ajuda de custo por
criança. Sistemas de recebimento de vales (voucher) para a
compra de serviços de ECPI pelos pais podem também
ser agrupados nesta segunda abordagem. Benefícios fiscais
(por exemplo, isenções de taxas, deduções, ou créditos)
para os pais com crianças pequenas são outro exemplo.
Políticas de licenças remuneradas para os pais constituem
outro método por meio do qual os governos os assistem
na responsabilidade de cuidado das crianças.
A tendência, pelo menos nos países desenvolvidos,
é que os governos assumam a primeira alternativa – ou
seja, a provisão de serviços – para crianças com mais de
três anos de idade; enquanto, no que se refere às crianças
mais novas, eles optem pelo apoio aos pais, de forma que
estes possam cumprir, em casa, suas responsabilidades de
cuidado das crianças. Os países variam nas formas de apoio
à provisão dos serviços: alguns países procuram oferecer
serviços por meio de instituições públicas, enquanto outros
trabalham com o setor privado (não público). Neste último
25
caso, é essencial que o governo tenha um bom sistema de
monitoramento para assegurar a qualidade. A vantagem
da alternativa “apoio aos pais” é que ela confere liberdade
aos pais de escolherem o que é melhor para seus filhos.
Mas se a escolha dos pais não for adequadamente orientada,
pode-se ter como conseqüência o mau uso do apoio
governamental.
Enquanto a provisão universal da ECPI para crianças
na faixa etária da educação pré-escolar (de 3 a 5 anos) é
ainda uma meta a ser alcançada em muitos países, os países
desenvolvidos tentam prover serviços gratuitos de ECPI,
pelo menos no último ano, ou até dois ou três anos antes
de a criança ingressar no ensino elementar. Na Dinamarca
e Finlândia, por exemplo, crianças com 6-7 anos dispõem
de serviços gratuitos de ECPI, tanto nos jardins de infância
quanto nas pré-escolas de horário parcial. Na Itália,
crianças de 3 a 6 anos têm garantida a provisão gratuita de
ECPI, nas escolas públicas. Na Suécia, crianças de 5 anos
recebem educação pré-escolar gratuita. Mesmo nos Estados
Unidos, onde há pouco apoio público para a ECPI, muitos
distritos escolares oferecem atendimento gratuito no jardim
de infância para todas as crianças de 5 anos, como parte
do ensino fundamental. Na maioria dos países europeus, a
oferta de dois anos de ECPI, em tempo parcial e gratuita,
tornou-se padrão.
7
Nos países desenvolvidos, os gastos públicos com a
educação pré-escolar (EPE), como percentual do PIB,
variam de 0,4 % a 0,6 %, ficando a Dinamarca com o maior
índice, de 0,86%, e a Irlanda com o mais baixo, de 0%.
7
STARTING Strong – Early Childhood Education and Care [Educação e
Cuidado na Primeira Infância: grandes desafios]. Paris: OECD, 2001.
26
Entretanto, no que se refere aos serviços para crianças entre
0 e 3 anos de idade, a tendência geral daqueles países é
solicitar a contribuição dos pais, que normalmente varia de
25% a 30% dos custos dos serviços.
Nos países em desenvolvimento, os dados são
insuficientes, tornando-se difícil desenhar, a partir de números
exatos, o nível e a tendência de seus investimentos em ECPI.
Porém, parece claro que, apesar do movimento de Educação
para Todos, que confirma a ECPI como parte da educação
básica, merecedora de investimento público, a posição dos
países em desenvolvimento de considerar a ECPI como
domínio de investimento público ainda não é muito evidente.
Ao contrário do ensino fundamental, que é financiado
principalmente por gastos públicos, em muitos países em
desenvolvimento a educação pré-escolar ainda depende, em
grande parte, dos investimentos privados. Na Indonésia, por
exemplo, o gasto público na educação pré-escolar
corresponde a apenas 5,3%, sendo o restante financiado por
investimentos privados. Na Jamaica, o gasto público é um
pouco maior, porém limitado a aproximadamente 34%.
8
4. MAPEANDO O BRASIL COM RELAÇÃO
AO INVESTIMENTO EM ECPI
Se comparado aos países desenvolvidos, o investimento
do Brasil em ECPI – gastos públicos e privados – considerado
em termos percentuais do PIB, não é pequeno; mas, ainda
assim, seu resultado não parece alcançar o nível daquele
alcançado pelos países desenvolvidos. Veja a Tabela 1:
8
OECD. Education at a glance [Breve olhar sobre a Educação]. Paris: OECD, 2002.
27
TABELA 1 – Investimento em ECPI e Matrícula em Países
Selecionados
Fonte: FINANCING Education: Investments and returns. Analysis of the World Education Indicators
[Financiando a Educação: Investimentos e Retornos: Análise dos Indicadores Mundiais de Educação].
Paris: OECD/UNESCO, 2002.
* Percentual da população de crianças matriculadas em instituições públicas e privadas de horário integral
e parcial.
** Gastos em instituições de educação pré-escolar oriundas de fontes públicas e privadas.
*** Educação pré-escolar sobre ensino fundamental.
**** Gastos em instituições educacionais pré-escolares e de ensino fundamental, oriundos de fontes públicas
e privadas, por criança equivalente a período integral, em relação ao PIB per capita.
Medido em termos de gastos na educação pré-escolar
como percentual do PIB, o Brasil se iguala aos países da
OCDE, todos no nível de 0,4%. Mas a taxa de matrícula
das crianças de três a quatro anos na educação infantil no
Brasil (24,6%) atinge apenas a 40% da média dos países
da OCDE, de 63,8%. O índice de gastos da Tailândia
(0,2%) é a metade do índice do Brasil, porém corresponde
à taxa de matrícula de 61,5%, que é 2,5 vezes mais alta. A
Argentina gasta um pouco menos do que o Brasil, mas seu
índice de cobertura ainda é maior que o do Brasil. Entre
os países apresentados acima, somente o Chile gasta mais
do que o Brasil, mas registra uma taxa de matrícula menor.
O Brasil também é o único país, entre os apresentados,
em que o gasto por criança na educação pré-escolar excede
o gasto no ensino fundamental.
28
Esta aparente “ineficiência” de investimento do Brasil
em ECPI pode não ser um problema só de eficiência
propriamente dita, mas um reflexo do acesso desigual do país
aos serviços de ECPI. Isto significa que, embora os gastos
totais do Brasil em ECPI como percentuais relativos do PIB
possam equiparar-se aos dos países mencionados da OCDE,
sua composição de fontes dos gastos pode ser diferente desses
países. Se a proporção do gasto privado para um número
pequeno de crianças de famílias afluentes é maior no Brasil,
isso pode aumentar o gasto total do país no nível nacional,
mas sem contribuir muito para o aumento do índice de
matrículas.
Alguém pode mencionar o fato de que as crianças de
três anos de idade no Brasil estão em creches, e que não estariam
incluídas nestes dados. Isto pode explicar, em parte, a diferença
do país em relação aos países OCDE, onde as crianças de 3
anos provavelmente freqüentam serviços educacionais
supervisionados sistematicamente. Mas esse problema da
coleta de dados não ajuda a explicar as diferenças do Brasil em
relação aos outros países em desenvolvimento, onde os dados
sobre os serviços para crianças de 3 anos não são muito
diferentes do Brasil. Para verificar e discutir essa questão sobre
a eficiência do investimento no Brasil, será necessário um
estudo posterior que envolverá um esforço oportuno.
Enquanto isso, o Brasil é um dos países onde o gasto
por aluno no ensino fundamental é muito menor (aproxi-
madamente 14 vezes) do que no ensino superior (Figura 1).
O gráfico consta do relatório OECD/UNESCO WEI
9
.
9
FINANCING Education: Investments and Returns. Analysis of the World
Education Indicators. [Financiando a Educação: Investimentos e Retornos.
Análise dos Indicadores Mundiais de Educação]. Paris: OECD/UNESCO, 2002.
29
Em geral, o gasto por aluno no ensino superior é maior
do que no ensino fundamental. Duas razões podem ser
apontadas: uma delas é que um quadro de pessoal mais
especializado na educação superior apresenta custos mais
altos, e a outra, refere-se à economia de escala do ensino
fundamental. Porém, mesmo nos países desenvolvidos, onde
a educação superior é bem desenvolvida e há um apoio
significativo do governo para a área, o gasto por aluno no
ensino superior não excede mais de 2,3 vezes o do ensino
fundamental.
O que está implícito é que, no Brasil, o governo
federal, responsável pelo ensino superior,
10
apóia uma
educação extremamente cara neste nível. Embora a
FIGURA 1 – Diferenças nos gastos por aluno segundo nível
educacional, 1999.
Fonte: OCDE/UNESCO WEI.
10
58% do orçamento do ensino superior vêm do governo federal, enquanto
82% do orçamento para a educação pré-escolar, de fontes municipais.
30
provisão de educação básica, incluindo a ECPI, no Brasil,
seja de responsabilidade dos Estados e municípios, o
governo federal tem a responsabilidade de apoiá-los
financeira e tecnicamente. O pesado investimento do
governo federal na educação superior pode ter um impacto
na ECPI, devido, pelo menos, à sua reduzida capacidade
de investir na assistência aos governos locais, com relação
à educação infantil.
Deste ponto de vista, constitui um grande desafio o
atual esforço do Congresso Nacional no sentido de alocar
os recursos federais necessários para ECPI. Apesar da
divisão de responsabilidades, o envolvimento e o
investimento do governo federal na provisão de educação
básica, incluindo ECPI, têm sido reduzidos e a tendência
tem sido a de diminuir ainda mais o nível atual de 5%.
11
O
maior desafio será mudar esta ordem de prioridades e
conseguir a responsabilização do governo federal quanto à
ECPI. O futuro do País, no que se refere ao investimento
em ECPI, dependerá muito da vontade política para
redefinir as prioridades educacionais do país.
11
FINANCING Education: Investments and Returns. Analysis of the World
Education Indicators [Financiando a Educação: Investimentos e Retornos. Análise
dos Indicadores Mundiais de Educação]. Paris: OECD/UNESCO, 2002.
31
Este trabalho visa a apresentar uma visão do que se
conhece sobre o financiamento e os custos da educação
infantil no País. Trata-se de uma área particularmente
vulnerável, situada no âmbito da educação, que, em si, é
também uma área frágil quanto à alocação de recursos. Sua
trajetória relativamente recente foi propulsionada pela
urbanização, pela industrialização e pela crescente
participação da mulher na população economicamente ativa,
esta em parte resultante do desemprego masculino. Pelo
caráter recente e pela sua fragilidade, a produção publicada
sobre o assunto não chega a ser muito numerosa. Consultadas
FINANCIAMENTO E CUSTOS DA
EDUCAÇÃO INFANTIL OU
A CORDA ARREBENTA DO LADO
MAIS FRACO
Candido Alberto Gomes*
Com a colaboração dos Professores
Mara Lúcia Castilho e Ângelo José
Penna Machado
Mestrandos em Educação da
Universidade Católica de Brasília
À memória de João Calmon, que, graças à sua luta,
iniciada quando a redemocratização do Brasil era
ainda longínquo alvorecer, inscreveu em duas
Cartas Magnas a viga mestra do nosso
financiamento educacional.
* Consultor da UNESCO e Prof. da Universidade Católica de Brasília.
32
bases de dados nacionais, catálogos universitários e
bibliotecas eletrônicas e realizada uma “garimpagem” por
meio de contatos pessoais, chegou-se a um conjunto
selecionado de trabalhos. Os seus resultados, junto com a
apresentação e análise de alguns dados secundários, se
dividem em três secções: a primeira dedicada a um breve
panorama da educação infantil e da sua oferta; a segunda
sobre o seu financiamento e a terceira sobre custos e gastos.
1. FRÁGIL COMO A CRIANÇA PEQUENA
Ao contrário da educação compulsória, conquista das
Revoluções Americana e Francesa, a educação infantil tem
uma trajetória relativamente recente, inclusive no Brasil. Na
verdade, o “atendimento” se fazia até os meados da década
de 20 por meio de instituições particulares, com maior
freqüência de caráter caritativo e filantrópico. O Estado
passou a se preocupar efetivamente com a criança mais tarde.
Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública
e dez anos mais tarde o Departamento Nacional da Criança,
de tendências médico-higiênicas e individual-assistencialistas.
Em 1948 estabeleceu-se no Brasil uma entidade privada, a
Organização Mundial de Educação Pré-Escolar. Mantendo,
inclusive, contratos com a UNESCO, tornou-se grupo
influente na valorização da educação infantil (Kramer, 1982).
No campo governamental, no entanto, reinou no pós-
guerra e nos períodos seguintes, do nacional-
desenvolvimentismo e dos governos militares, um labirinto
de órgãos, que, fragmentados, tinham como um dos focos
a criança: os Ministérios da Saúde, da Educação, da Justiça,
da Previdência e Assistência Social (este com variadas
denominações) e a Legião Brasileira de Assistência. A
33
Coordenação de Educação Pré-Escolar do Ministério da
Educação só foi criada em 1975, numa época em que esse
nível educacional era visto por muitos como terapêutica
para carências sociais e culturais (Kramer, 1982). Lidando
sempre com poucos recursos, tem estado localizada em
modesta posição nos organogramas do Ministério e das
Secretarias de Educação.
Da mesma forma que ocupa posição apendicular nas
estruturas burocráticas governamentais, as suas citações na
legislação foram bastante restritas. Um marco significativo
foi a Constituição Federal de 1988, que situou como dever
do Estado o atendimento em creche e pré-escola às crianças
de zero a seis anos de idade. Todavia, a Carta Magna,
atendendo, inclusive, às críticas de Pontes de Miranda (1972),
elevou o ensino fundamental a direito público subjetivo,
exigível do Poder Público pelo cidadão. Com isso, foi fixada
uma prioridade clara em favor do ensino obrigatório, ficando
a educação infantil como direito programático. Todavia, a
criança de até seis anos apareceu expressamente como sujeito
de direitos. Anos depois, a Lei de Diretrizes e Bases, Lei
Darcy Ribeiro, inseriu-a na educação básica e dedicou-lhe
uma seção. Mais ainda, nas disposições transitórias, deu o
prazo de três anos, a partir da sua publicação, para que as
creches e pré-escolas se integrassem ao respectivo sistema
de ensino. Com isso, outro marco foi fincado: o da prevalência
dos objetivos educacionais, em vez dos assistenciais. Embora
o labirinto de órgãos governamentais ainda não tenha sido
totalmente superado até hoje, a Lei marcou um
posicionamento significativo na história da educação.
Essas mudanças legislativas vieram refletir
importantes mudanças que já se efetuavam no panorama
social e educacional. Com efeito, ainda que a uma grande
34
distância da demanda, a educação infantil veio crescendo
e tomando vulto, em especial na chamada década perdida,
quando a recessão econômica e o desemprego levaram a
mulher a incrementar a sua participação no mercado de
trabalho. Outros fatores, como novos arranjos familiares
e a própria corrosão da família pelas péssimas condições
econômicas e sociais do continente latino-americano (cf.
Kliksberg, 2001), têm também impelido à procura, senão
ao clamor, pelo cuidado e educação na primeira infância.
A partir do fim dos anos 70 e nos anos 80, quando
as dificuldades econômicas se acentuaram em sucessão ao
“milagre brasileiro”, dois fenômenos marcaram a expansão
da educação infantil: o incremento da matrícula municipal
e o novo papel das organizações não-governamentais (cf.
Vieira, 1986; Craidy, 1994; Demo, 1994; Gusso, 1994).
Paralelamente à distensão e à abertura políticas, as
administrações municipais se revelaram sensíveis aos
reclamos populares, de tal modo que um estudo considerou
o aumento da matrícula da educação pré-escolar e a
contribuição dos Municípios como fenômenos nacionais,
talvez os maiores da década (Brasil, 1989; Instituto de
Planejamento e UNICEF, 1990). Essa ampliação do
atendimento se fez de modo precário, com as redes
municipais concentrando o maior percentual de professores
sem formação específica. Ainda assim, as maiores
prioridades declaradas pelos estabelecimentos eram de
natureza pedagógica. Já as creches tinham caráter
assistencial, embora toda a educação até seis anos tivesse
modesto financiamento, com poucos recursos e
orçamentos instáveis. Como resultado, a participação
municipal nas matrículas da pré-escola tem aumentado
substancialmente, com retração da oferta estadual e do setor
particular, deste pelo menos até cerca de 1996 (tabela 1).
35
O setor privado, longe de ser homogêneo, inclui não
só os estabelecimentos pagos como os chamados
comunitários. Os primeiros têm a freqüência relacionada
diretamente à renda, de tal modo que, em 1982, segundo
dados da PNAD, a demanda supostamente era igual à
matrícula a partir do rendimento familiar mensal de cinco
salários-mínimos (Ferrari, 1988). Já o chamado setor
comunitário estava relacionado a movimentos de
comunidades, que, por sua vez, pelo menos em parte
estavam ligados a movimentos políticos e feministas. Como
o poder público deixava um vácuo de atuação e o
bipartidarismo restringia os grupos políticos, estes se
aproximaram das camadas populares por meio da demanda
por creches. No entanto, pelo menos no caso de Belo
Horizonte (Filgueiras, 1994), apesar do levantamento de
fundos comunitários, o movimento se ampliou graças às
subvenções governamentais, levando a um dilema: exigir
uma política de creches públicas e gratuitas gerida pelo
Estado ou defender a manutenção de uma política de
subvenção às creches comunitárias e o seu controle pela
população.
TABELA 1 – Educação Pré-escolar Matrícula por Dependência
Administrativa em Anos Selecionados (em %)
Fonte dos dados originais: MEC. 1972-1996 apud Amaral, 2000.
Observação: números absolutos em milhares.
36
No Município de São Paulo a procura também era
atendida, nos anos 80, por meio de repasse de recurso
público às ONGs, ligadas à emergência de movimentos
sociais urbanos desde os anos 70. As verbas públicas por
elas recebidas eram de tal montante que abarcavam mais
da metade das creches da cidade (Campos, 1988). Com
isso, se estabeleceu uma espécie de “terceirização” pelo
Estado em favor da sociedade civil, similar ao da educação
especial (Gomes e Amaral Sobrinho, 1996). Sendo de
elevado custo relativo, essa estratégia de oferta educacional
pesa nas finanças públicas, constituindo então vantagem
deixá-la no todo ou pelo menos em parte a cargo da
sociedade, com compromissos renováveis, dependendo da
flutuação dos orçamentos, e sem contratar funcionários
públicos ou adquirir móveis e imóveis. É uma questão a
discutir se essa é a melhor alternativa ou se constitui o
“tratamento pobre da pobreza” (Filgueiras, 1994), adiando
a inclusão dos setores mais pobres na clientela das
políticas públicas (Campos, 1988).
Ao fim dos anos 80, três ministérios ofereciam
subvenções para creches. Só a LBA, no projeto Casulo,
em 1987, tinha 1.709.020 crianças atendidas, com caráter
predominantemente assistencial. Entretanto, o valor per
capita repassado correspondia a apenas 20 por cento do
custo de manutenção de uma criança (Campos, Rosemberg
e Ferreira, 1995). Com isso, andando na corda bamba, as
ONGs faziam múltiplos convênios e ainda precisavam da
contribuição das famílias em dinheiro e/ou em serviços.
De qualquer forma, a trancos e barrancos, como
resultado dessa soma de esforços governamentais,
comunitários e, ainda, ligados à prestação de serviços
mediante pagamento de mensalidade, as taxas de
37
atendimento têm crescido com relativa rapidez. De 1,8 por
cento de atendimento para a faixa de zero a seis anos em
1970 passou a 5,9 por cento em 1980 e a 9,2 por cento em
1985 (Ferrari, 1988). Aparentemente nas Regiões
Metropolitanas cobertas pelas PNADs, a escolarização para
as crianças de até quatro anos de idade saltou de 2,3 por
cento em 1979 para 4,9 em 1986. Na faixa etária dos cinco
e seis anos, os mesmos valores foram de 14,1 e 27,1 por
cento (Rosemberg, 1989). Em 1991, segundo dados do
IBGE, os números eram de 5,1 por cento para o grupo
etário de zero a três anos e de 32,2 por cento de quatro a
seis anos (Barreto, 1994). Relacionando os Censos
Demográfico (IBGE) e Escolar (INEP/MEC) de 2000, a
taxa bruta de escolaridade para as creches (isto é,
relacionando o total das crianças matriculadas,
independente da idade, à população da mesma faixa), era
de 7,0 por cento. A taxa líquida (crianças de até três anos
em relação ao total do grupo etário) era de 4,2 por cento.
Na pré-escola, a taxa bruta (para quatro a seis anos) já
atingia 43,7 por cento e a taxa líquida, 37,9 por cento.
2. QUEM PAGA A EDUCAÇÃO INFANTIL?
Se a pré-escola se desenvolveu mais claramente no
âmbito educacional, a creche esteve historicamente
vinculada a diferentes órgãos públicos e fontes de
financiamento. Aqui está uma das maiores debilidades
das políticas sociais no Brasil: a compartimentação. Com
efeito, os programas para a criança de até seis anos de
idade continuam fragmentados (cf. Barreto, Almeida e
Coelho, 2003). Apesar de, na década de 90, o governo
38
federal ter-se concentrado mais nas funções de
coordenação que de execução (Castro, 1998; Chagas,
Silva e Corbucci, 2001), com a extinção de ministérios e
órgãos como a Legião Brasileira de Assistência, o
Ministério da Previdência e Assistência Social de 1999 a
2002 teve a média de 1.573 milhão de beneficiários do
Programa de Atenção à Criança, com atendimento em
creches e pré-escolas. A Secretaria de Assistência Social
repassava por mês ao setor privado sem fins lucrativos
R$ 8,51 para atendimento em creche, por criança, por
quatro horas diárias e R$ 17,02 para tempo integral (cerca
de oito horas). O Ministério da Educação, por sua vez,
prestava assistência às pré-escolas de municípios com
Índice de Desenvolvimento Humano menor que 0,005,
para aquisição de material didático-pedagógico. Os
recursos repassados somaram cerca de R$ 15 milhões
anuais. Ele também oferecia apoio técnico e financeiro
aos Municípios para a formação continuada de
professores. As pré-escolas públicas e filantrópicas
achavam-se contempladas pelo Programa Nacional de
Alimentação Escolar à base de R$ 0,06 por dia letivo,
por criança, ou seja, menos da metade do destinado aos
alunos do ensino fundamental público (R$ 0,13), o que
supunha complementação de outras fontes nos
estabelecimentos. Aproximadamente R$ 45 milhões eram
destinados anualmente a essa finalidade (Barreto, Almeida
e Coelho, 2003; Brasil, 2003). Em 2003 a merenda da
pré-escola passou para o mesmo valor do ensino
fundamental (R$ 0,13 por aluno/dia letivo). Ao mesmo
tempo, foram incluídas no programa as creches públicas
e filantrópicas, com um repasse de R$ 0,18 por criança/
dia letivo.
39
Supondo-se que a mesma fragmentação da área social
se verifique no nível de numerosos Estados e Municípios
(cf., p. ex., Sousa, 2000), cabe verificar como se distribuem
as responsabilidades entre os níveis de governo. A
Constituição e a LDB atribuem a educação infantil à
responsabilidade dos Municípios, que, por sua vez, devem
aplicar pelo menos 25 por cento da receita de impostos na
manutenção e desenvolvimento do ensino. Desses 25, 15
são subvinculados ao ensino fundamental regular por meio
do FUNDEF, restando, em princípio, dez por cento que
podem financiar a educação infantil e o ensino fundamental
via educação de jovens e adultos. As necessidades desta
última são notórias no Brasil, onde a média de escolaridade
da população situa-se em desvantagem quando comparada
a diversos países em desenvolvimento latino-americanos e
asiáticos. A tabela 2 caracteriza as mudanças recentes,
ocasionadas pela implantação do referido FUNDEF. Como
decorrência da apontada expansão dos anos 80, a
dependência municipal predominava na matrícula em
creches no ano de 1997, deixando à particular (parte
lucrativa, parte não-lucrativa) cerca de um terço da
matrícula. Em 1998, os Estados procuraram compensar as
perdas de receita acarretadas pelo FUNDEF reduzindo a
oferta da educação infantil. Com isso, a participação
percentual dos Municípios foi recuando, ao passo que a
dependência privada foi aumentando o seu quinhão. Na
educação pré-escolar, os Estados foram ainda mais drásticos
nos seus cortes, o que foi compensado pelas dependências
municipal e particular. No entanto, apesar da reação dos
Municípios, a participação do setor público recuou em
relação ao particular, o que significa que provavelmente o
primeiro não está atendendo satisfatoriamente ao
incremento da demanda.
40
Havendo uma controvérsia na literatura (cf. Guimarães
e Pinto, 2001; Banco Mundial, 2003) sobre a adequação, em
princípio, do mínimo de dez por cento da receita de impostos
para a educação infantil e outras finalidades, pelo menos dois
argumentos precisam ser considerados. Primeiro, os aumentos
salariais dos professores da educação infantil, após a
implantação do FUNDEF, foram idênticos aos dos professores
do ensino fundamental, inclusive por princípios jurídicos, como
o da isonomia (cf. Banco Mundial, 2003). Segundo, os
Municípios procuraram preencher o vazio deixado pelos
Estados, conforme mostra a tabela 3. Para isso devem ter
contribuído as demandas populares. Ainda assim, a dependência
municipal e o Poder Público como um todo perderam terreno
para o setor privado nas creches, embora os Municípios tenham
aumentado continuamente a sua participação na educação pré-
TABELA 2 – Brasil. Matrícula em Creches e Pré-escolas
segundo a Dependência Administrativa (em %) 1997-2003
Fonte dos dados originais: MEC/INEP/SEEC. Censo de 2003: resultados preliminares.
41
escolar, com exceção de uma freada do ritmo em 1998. Nesse
nível as dependências municipal e particular preencheram o
vácuo deixado pelos Estados, com a última tendo um ritmo de
avanço pouco maior que a primeira. Desse modo, a matrícula
da pré-escola voltou a crescer em 1999, ainda que apenas em
2000 tenha conseguido superar o número de 1997, anterior ao
FUNDEF.
Conforme os dados da referida tabela 3, quanto às
creches os Estados foram reduzindo gradativamente a sua
participação a partir da implantação do FUNDEF. Entretanto,
o maior ritmo de crescimento ficou com a iniciativa privada.
De modo geral, o aumento foi mais rápido, tendo em vista
sobretudo os modestos valores iniciais da matrícula em creches
na série histórica elaborada. No campo da educação pré-escolar
os Estados também se retraíram cada vez mais, enquanto os
Municípios mantiveram a ascensão, aumentando as suas
matrículas, em números absolutos, em proporção superior ao
recuo dos Estados. Todavia, a iniciativa particular cresceu a
um ritmo pouco mais elevado que a dependência municipal.
A tabela 3 merece uma palavra de precaução quanto
ao aparente crescimento da matrícula na educação infantil,
como é o caso da variação positiva de 117,9 por cento nas
creches entre 1998 e 1999. Obviamente tais estabelecimentos
não brotaram como cogumelos em todo o País. Ao contrário
da pré-escola, cujos dados eram anteriormente coletados pelo
sistema estatístico, as creches foram introduzidas nele após a
Lei de Diretrizes e Bases, isto é, no Censo de 1997. A princípio
foram coletados os dados de estabelecimentos que ofereciam
serviços de creche e outros níveis e modalidades de educação
e ensino e não exclusivamente de creche. Depois foi realizado
um esforço considerável de aperfeiçoamento dos cadastros,
inclusive com o Censo da Educação Infantil (2000), o que
levou a um aumento aparente de matrículas. Portanto, o
crescimento da educação infantil reflete em parte o
incremento de matrículas e em parte a inclusão, nas
estatísticas educacionais, de estabelecimentos que já existiam
antes, especialmente nas dependências municipal e particular.
42
Neste sentido, outras luzes foram trazidas pelo Censo
da Educação Infantil. Além das matrículas computadas ao
Poder Público, este também subsidia uma parte do setor
privado que se divide em estabelecimentos lucrativos e não-
lucrativos. Vinte e sete por cento do total de
estabelecimentos eram privados. Destes 69,8 por cento eram
particulares no sentido estrito, isto é, lucrativos; 8,4 por
cento, confessionais; 23,7 por cento, filantrópicos; 16,1 por
cento, comunitários; 1,7 por cento, mantido por empresa
do setor privado. Os estabelecimentos particulares no
sentido estrito concentravam-se na faixa de até 50 alunos,
enquanto os demais se situavam na de mais de 100 alunos.
Dentre os estabelecimentos privados, 7,2 por cento tinham
convênio ou parceria com a União; 10,1 por cento, com
Estados; 23,1 por cento, com Municípios, 4,4 por cento,
com empresas privadas; 5,7 por cento com instituições
privadas e ONGs. Quanto à principal fonte de
financiamento, 3,8 por cento declararam convênio com
órgãos públicos federais; 4,3 por cento, com órgãos públicos
estaduais; 11,3 por cento, com órgãos públicos municipais;
1,7 por cento, com instituições privadas; 62,8 por cento,
cobrança de mensalidades; 2,4 por cento, cobrança de taxas
e os demais, doações e contribuições monetárias, recursos
arrecadados por meio de bazares/bingos e venda de serviços
ou produtos. Não informaram 7,9 por cento. Portanto, mais
de dois terços aparentavam caráter lucrativo e outro terço
recebia a maior parte dos seus recursos do setor público e/
ou privado.
Além das crescentes responsabilidades no campo da
educação infantil, os Municípios ainda arcam com a
redistribuição das matrículas do ensino fundamental via
educação de jovens e adultos, cujo financiamento está
legalmente fora do FUNDEF, e, portanto, concorre
diretamente com o da educação infantil. Em 1997 os
43
Municípios eram responsáveis por 26,2 por cento das
matrículas dessa modalidade de educação, os Estados por
65,9 por cento e a dependência particular por 7,8 por cento.
Seis anos depois, embora a participação municipal no todo
seja pouco menor que na educação infantil, fica claro que
os Estados também estão transferindo as suas
responsabilidades, nos termos da Constituição e da Lei. Em
2003 as proporções das dependências estadual, municipal e
particular eram, respectivamente, de 39,4, 57,0 e 3,5 por
cento. Ou seja, os Municípios passaram a atender à maior
percentagem de alunos, enquanto a iniciativa privada
encolhia na oferta de uma modalidade de educação dirigida
em grande parte para camadas de baixa renda. O ritmo de
crescimento foi, todavia, expressivo: as matrículas no ensino
fundamental via educação de jovens e adultos como um
todo cresceram 42,1 por cento em 1997-2003; as matrículas
na dependência estadual diminuíram 16,4 por cento; na
dependência municipal aumentaram 216,4 por cento e na
dependência particular diminuíram 53,3 por cento.
Uma pesquisa abordou os impactos da implantação
do FUNDEF numa amostra de sete municípios paulistas
(Bassi, 2001). Esses entes federativos se encontram entre
os que contam com melhores condições financeiras e
institucionais para conduzir políticas públicas. No entanto,
como o Estado se dedicava amplamente ao ensino
fundamental regular, era de esperar que o aprisionamento
dos recursos subvinculados viesse a prejudicar a expansão
e a manutenção dos outros programas oferecidos. Com efeito,
foi constatada a contenção das matrículas de educação
infantil no ano da implantação do Fundo, mas as matrículas
de ensino fundamental via educação de jovens e adultos
continuaram a crescer. O gasto por aluno na educação
infantil recuou fortemente em dois Municípios e o gasto com
transporte e alimentação escolar se reduziu na amostra,
44
enquanto despesas de programas não-educacionais tiveram
que ser cortadas em três Municípios. A educação infantil
foi relegada a posição secundária, porém não se confirmou
a hipótese de que a prioridade ao ensino fundamental
redundaria em dificuldades orçamentárias naqueles
municípios em que a pré-escola se aproximava da
universalização da oferta. Igualmente foi rejeitada a hipótese
de que os Municípios com alto grau de dependência das
transferências governamentais seriam os mais afetados.
Por outro lado, Aguiar e colaboradores (2000)
constataram, numa amostra de Municípios do Ceará, a
aguda competição de recursos entre a educação infantil e
o ensino fundamental, sobretudo na área da educação de
jovens e adultos. Como resultado, apesar de despenderem
em média 34,8 por cento da receita líquida de impostos na
manutenção e desenvolvimento do ensino, só 4,0 por cento
eram dedicados à educação infantil, apesar de receberem
complementação federal do FUNDEF. Se fossem gastos
os dez por cento e acrescentada modesta contribuição
estadual da ordem de 14,1 por cento dessa receita, a
capacidade de atendimento dobraria e o custo criança/ano
poderia elevar-se para R$ 333.
Conclui-se, portanto, que os Municípios tiveram
capacidade de reação, o que, porém, não significa que eles
tenham capacidade de dar conta das metas do Plano
Nacional de Educação, como se verá depois. Seu fôlego
demonstrou ser forte, se bem que curto: seu quinhão, em
1997, era de cerca de 217 mil matrículas em creches e 2,7
milhões em pré-escolas (contra 12,4 milhões no ensino
fundamental) e, em 2003, de 748 mil em creches e 3,5
milhões em pré-escolas (contra 17,9 milhões no ensino
fundamental). No entanto, a cobertura da educação infantil
é muito menor proporcionalmente ao ensino fundamental.
Ao passo que a deste se aproxima dos 100 por cento, a
45
cobertura líquida até seis anos de idade era de 23,1 por
cento em 2000.
Outro ponto interessante para reflexão e estudos
ulteriores é que, se cotejarmos os Censos Escolares de 2002
e 2003 (este com resultados preliminares), a educação
infantil no País teve um aumento de 267.243 matrículas, ao
passo que o ensino fundamental teve uma redução de
430.856 matrículas, isto é, o recuo líquido foi de 163.613
alunos. Contudo, a matrícula municipal total cresceu 2,3
por cento, em virtude da assunção de responsabilidades na
própria educação infantil, no ensino fundamental regular e
via educação de jovens e adultos e na educação especial.
Fonte dos dados originais: MEC/INEP/SEEC. Censo de 2003: resultados preliminares.
TABELA 3 – Brasil. Matrícula em Creches e Pré-escolas
segundo a Dependência Administrativa e Variações
Percentuais Anuais 1997-2003
46
No que se refere à distribuição dos chamados gastos
públicos por nível de governo, estudos do IPEA indicaram que,
em 1995, 24,9 por cento ficaram a cargo da União; 47,7 por
cento, dos Estados e 27,4 por cento, dos Municípios (cf. Castro,
1998). Esses percentuais muito se aproximam da capacidade
estimada de financiamento público, que, compreendendo fontes
protegidas e flexíveis, foi de 24,4, 46,1 e 29,5 por cento,
respectivamente, para a União, os Estados e os Municípios
(Castro e Sadeck, 2003). Isso significa, em outros termos, que,
para uma receita de impostos em parte descentralizada, a
execução da educação é, proporcionalmente, também
descentralizada. Na educação infantil a participação da União,
dos Estados e dos Municípios foi, respectivamente, de 2, 23 e
75 por cento. Conforme a legislação, a educação infantil está
prioritariamente a cargo da esfera municipal e, com efeito, a
esta coube a maior parte do ônus. A questão, entretanto, é a
profunda assimetria da distribuição regional dos recursos, em
que o Estado de São Paulo realizou 92 por cento dos gastos da
Região Sudeste e 75 por cento do Brasil (World Bank, 2001).
Apesar das marcantes disparidades inter e intra-regionais, os
governos federal e estaduais, sobretudo o primeiro, não
chegaram a cumprir efetivamente o seu papel redistributivo,
haja vista a sua pequena participação.
Ainda que não se tenha dados ano a ano, é interessante
notar as diferenças entre o gasto público com educação por
governo de origem e de realização da despesa. Em 1996 no
programa orçamentário Educação da Criança de Zero a Seis
Anos, o governo federal aparentemente transferiu 13,1 por
cento dos seus recursos e os Estados, 3,0 por cento.
Enquanto isso, os Municípios, como receptores, tiveram uma
execução superior em 127,2 por cento aos seus recursos de
origem. Sem se considerar que os problemas de
redistributividade e correção das disparidades regionais
47
estejam solucionados no ensino fundamental, é interessante
cotejar os dados acima com os do programa Ensino
Fundamental: a União transferiu 70,8 por cento dos seus
recursos, os Estados tiveram uma execução superior em
127,2 por cento aos seus recursos de origem e os Municípios,
100,2 por cento (dados calculados a partir de Biasoto e
Semeghini, 1999). Fica claro, pelo volume de transferências,
que: 1) no ensino fundamental a União promoveu maior
distribuição de recursos, supostamente para corrigir as
distorções acima, o que não ocorreu na educação infantil;
2) também no ensino fundamental, naquele exercício, os
Estados foram mais aquinhoados que os Municípios. A esse
perfil certamente deve-se atribuir a distribuição do salário-
educação aos Estados, que, segundo a legislação, devem
tomar a iniciativa de aprovar lei estabelecendo critérios para
distribuí-lo com os Municípios, o que com freqüência não
tem acontecido.
Fica, portanto, evidente que o papel dos Municípios
se vem ampliando, não só com a expansão do ensino
fundamental regular e via educação de jovens e adultos, como
também da educação infantil. O ensino obrigatório conta com
um processo corretivo de financiamento, o FUNDEF, em
que a cada aluno corresponde certo valor. O mesmo não
ocorre com a educação infantil, embora a demanda
certamente continue intensa e crescente. Ela se reflete no
Plano Nacional de Educação, que estabeleceu as seguintes
metas de ampliação da cobertura por grupo etário: 1) em
cinco anos, 30 por cento da população de até três anos e 60
por cento da população de quatro a seis anos de idade; 2)
em dez anos, 50 por cento das crianças de até três anos e 80
por cento das de quatro e cinco anos. Eis aqui como a corda
arrebenta do lado mais fraco: de um lado, os Municípios,
excluindo a União, eram os que, em 2000, tinham a menor
48
capacidade de financiamento público para a educação. De
outro lado, o ensino fundamental está protegido pela
subvinculação, ao contrário da educação infantil.
Até o presente, portanto, os Municípios, segundo as
suas competências constitucionais e legais, têm financiado
a maior parte da educação infantil. Chegaram mesmo a
reverter a tendência ao decréscimo provocada pela
implantação do FUNDEF, que levou os Estados a perderem
cerca de R$ 2 bilhões para a esfera municipal e, portanto, a
transferirem encargos da educação infantil para os
Municípios. Pode-se afirmar ainda que a meta da matrícula
na educação pré-escolar do Plano Nacional de Educação
(PNE) para 2006 está perto de ser cumprida. A matrícula
facultativa no ensino fundamental aos seis anos de idade se
tem expandido em grande parte pelo incentivo financeiro
do FUNDEF: quanto mais crianças na escola fundamental,
maiores as transferências de verbas. Todavia, analistas
indicam que o cumprimento das metas do PNE esbarram
na limitada capacidade financeira municipal. O FUNDEF
veio constituir o meio financeiro de concretizar o direito
público subjetivo a que a Constituição elevou o ensino
fundamental. Com efeito, se tudo é prioritário, nada é
prioritário. Ocorre, porém, que o quadro hoje é diferente,
com a universalização do ensino compulsório prestes a ser
atingida, ao lado de demandas crescentes de educação e
cuidado para a primeira infância. A corda, portanto,
arrebenta do lado mais fraco: no conjunto dos níveis e
modalidades da educação básica, a educação infantil tem
fraco poder de barganha e cede o passo, tradicionalmente,
ao ensino fundamental e outros. Afinal, trata-se
predominantemente de crianças pequenas de baixa renda ,
enquanto o grau de prestígio de um nível educacional
costuma ser contaminado pelo status dos seus beneficiários.
49
Na esfera tributária o elo mais fraco em face das funções
usuais é o Município. Unem-se então duas vertentes de
vulnerabilidade: o Município e a educação infantil.
Segundo Guimarães e Pinto (2001), considerados os
recursos disponíveis e a universalização na faixa etária dos
seis anos no ensino fundamental, além de 20 por cento da
matrícula na rede particular, o valor disponível por
criança/ano na educação infantil seria de R$ 407 para o
Brasil, com o mínimo de R$ 178 para o Nordeste (valores
nominais de 1998). Em dez anos esse valor seria ainda
mais precário e insuficiente: pelas limitações municipais,
aqueles valores cairiam, respectivamente, para R$ 349 e
R$ 156. Tal decréscimo se deveria ao esforço de aumentar
a matrícula na rede municipal em 150 por cento em relação
a 1998 para atender às metas qüinqüenais do PNE e em
267 por cento para cumprir as metas decenais.
Barreto e Castro (2003), com base no financiamento
público mínimo para a educação, estabeleceram um cenário
conservador, em que o gasto per capita de 2006 seria o mesmo
de 2000, isto é, a qualidade estaria congelada no nível
daquele ano, renunciando aos objetivos e metas de melhoria
do PNE. Nesse caso, os Municípios teriam que passar os
gastos em educação infantil de R$ 3.270,8 milhões em 2000
para R$ 5.247,9 em 2006 e para R$ 7.746,0 milhões em 2011,
ou seja, 139 por cento dos recursos iniciais. Isso
representaria, respectivamente, 9,8 e 14,4 por cento da
receita de impostos municipal após transferências se
considerados os dados do ano 2000 (cf. Castro e Sadeck,
2003). A distribuição dos gastos também mudaria: enquanto
hoje os recursos para creches representam 13 por cento
do total e a pré-escola, 86 por cento, em 2011 as creches
passariam a 59 por cento do total e a pré-escola a 39 por
cento. Portanto, o esforço financeiro maior precisará ser
50
feito no atendimento em creches. Ademais, os Municípios
têm seus compromissos constitucionais com o ensino
fundamental via educação de jovens e adultos, que não
pode ser coberto pelo FUNDEF.
No segundo cenário, as disparidades regionais seriam
mitigadas, isto é, o gasto per capita médio seria considerado o
valor mínimo. Nesse caso os gastos em educação infantil
implicariam R$ 890 milhões a mais em 2006 e R$ 1.309,3
milhões em 2011, o que significaria 17 por cento a mais de
recursos ao fim do decênio. Esses incrementos supõem que
os Estados manteriam a sua participação nos gastos, o que é
pouco provável na prática. Tal esforço financeiro tende a ser
maior que a capacidade dos Municípios. Considerando as
receitas de 2000, esses valores representariam, respectivamente,
10,3 e 15,2 por cento. Eis aqui o nó górdio que limita a expansão
e a qualidade da educação infantil. E o maior problema é que
os Municípios variam entre si: em alguns a receita de impostos
poderia eventualmente bastar, ao passo que em outros as
carências seriam muito grandes. Ou seja, se aqui tratamos de
médias, são amplas as variações em torno delas.
3. QUANTO CUSTA?
Para se tratar de questões de acesso, qualidade e
democratização é preciso saber quanto custa a educação
infantil. Nessa área, além de escassas, as pesquisas são
pontuais e obedecem a variadas metodologias, de modo que
serão usados aqui trabalhos selecionados a título ilustrativo.
Para eventuais comparações, foi utilizada a conversão para
o dólar americano de 2001, o que causa uma série de
inconvenientes, tendo em vista a gangorra que tem marcado
o valor da moeda nacional em virtude das mudanças da
51
política cambial. O ano de 2001 foi escolhido por ter tido
menos oscilações que o de 2002, influenciado pela
campanha eleitoral. A correção de valores pelos índices de
preços a longo prazo apresenta também seus inconvenientes,
visto que o Brasil sofreu uma inflação anual superior a 40
por cento durante 19 anos, além de um período de
hiperinflação de quatro meses (taxa de inflação máxima de
6.821 por cento (Reinhart e Savastano, 2003).
Começando pelos custos, um trabalho pioneiro é o de
Franco (1988), que seguiu a metodologia do Programa ECIEL
e de pesquisa sobre o ensino técnico (Castro, 1972, 1980).
Um sumário dos resultados aparece na tabela 4, indicando
uma gama variada de creches comunitárias urbanas no
Distrito Federal e Recife, todas localizadas em áreas de baixa
renda. O custo por criança/ano variou de US$ 405,14 a
US$ 96,23 para tempo integral (12 horas) e de US$ 378,76
a US$ 46,78 por período parcial (quatro horas). A autora
considerou os dados incomparáveis entre si, visto que cada
experiência tinha características próprias. É interessante a
comparação com uma pesquisa nacional sobre custos de
funcionamento das escolas públicas de ensino fundamental
(Xavier e Marques, 1987), que podiam atender em dois ou
três turnos diurnos. Subtraindo os custos do terreno e prédio
das creches, verifica-se que o menor custo de creche em
tempo parcial foi 2,3 vezes menor que o custo do ensino
fundamental urbano (US$ 105 a preços de 1986), enquanto
o maior custo de creche em tempo integral foi 3,6 vezes
superior ao custo do ensino fundamental. Em outras palavras,
experiências de creche com maior ou menor qualificação
podiam situar-se muito acima ou muito abaixo do custo do
ensino fundamental, que à época se encontrava, aliás, em
patamar quase igual à metade do mínimo recomendado pela
UNESCO para países em desenvolvimento.
52
O perfil dos custos mostra que a percentagem do
pessoal variou de 32,2 a 91,4 por cento, dependendo das
instalações e da utilização de monitoras leigas, o que, em
muitos casos, segundo a autora, ocasionava deficiências do
atendimento pedagógico (só num caso havia supervisão).
Parece consagrar-se, assim, a educação pobre para o pobre.
Os custos de capital geralmente eram baixos em virtude da
modéstia dos prédios e do escasso grau de valorização dos
terrenos em áreas periféricas. Assim, a pesquisa mostrou
diferentes possibilidades de atendimento, às vezes de caráter
regressivo, sendo o valor menor encontrado nas creches-
lares de Mucuripe, Fortaleza, onde mães crecheiras reuniam
as crianças nas suas casas.
Em outra circunstância, numa municipalidade
relativamente bem aquinhoada, uma pesquisa apurou
aparentemente os custos diretos de funcionamento das
TABELA 4 – Custos de Creches Selecionadas
Fonte dos dados originais: Franco (1988).
Observação: A conversão do dólar norte-americano foi realizada pelo autor, com base no índice de preços
ao consumidor (International Financial Statistics, International Monetary Fund).
53
creches de Curitiba (Sebastiani, 1996). Os dados revelaram
que o custo por criança em 1992 foi de US$ 576
(aproximadamente US$ 718 em 2001).
Outra pesquisa pioneira (Distrito Federal, 1986),
sobre custos diretos de funcionamento da rede pública,
segundo a metodologia de Xavier e Marques (1987),
revelou que o custo criança/ano na pré-escola era de US$
229 (a preços de 1985), correspondente a 81,5 por cento
do custo/aluno nas séries iniciais do ensino fundamental
e a 71,0 por cento do custo/aluno nas séries finais, sempre
em escolas urbanas. O custo menor se devia à participação
de monitoras na pré-escola. Quanto à composição de custos,
o pessoal representava 81,8 por cento do total, menos que
as demais faixas analisadas. Numa época de alta inflação e
de recuperação do valor real dos salários, os custos de
capital se reduziram a pouco mais de 5 por cento.
Merchede (1998), mais de uma década depois,
analisou duas experiências singulares no Distrito Federal,
aplicando, com adaptações, a citada metodologia de Castro
(1972, 1980). Uma instituição pública (creche de tempo
integral e pré-escola de tempo parcial), caso isolado, com
elevada capacidade ociosa, atingia o custo criança/ano,
incluindo os custos das famílias (da ordem de 0,5 por
cento), de R$ 4.079. Segundo simulações para redução da
capacidade ociosa, esse valor poderia ser prontamente
reduzido para 48,7 e 87,1 por cento do valor inicial,
respectivamente nos casos da creche e da pré-escola, o
que indica a relevância da boa gestão. A outra instituição
pesquisada, uma creche comunitária alcançava o custo
total de R$ 1.738. Apesar dos altos valores, que refletem
em grande parte o elevado nível local de preços, a
conclusão do autor foi amplamente favorável à expansão
da educação infantil, uma vez que a quantia necessária
para prover creches corresponderia a apenas uma parte da
educação superior.
54
Situação muito diversa foi a retratada por uma pesquisa
por amostragem sobre o custo aluno/ano da rede estadual do
Rio Grande do Norte (Rio Grande do Norte e Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, 1997). A pesquisa utilizou
amplamente dados da contabilidade pública e o aluguel simulado
dos prédios (excluindo o valor dos terrenos). As estimativas
foram sensivelmente menos elevadas, com R$ 306 por criança
para a pré-escola urbana e R$ 237 para a pré-escola rural. No
caso da área urbana, esse valor correspondia a 89,7 por cento
do custo/aluno das séries iniciais do ensino fundamental e a
83,5 por cento no caso das séries finais. Para a área rural, o valor
da pré-escola equivalia a 86,6 e a 81,7 por cento, respectivamente,
da estimativa de custo/aluno para as séries iniciais e finais do
ensino obrigatório. Como na pesquisa sobre a rede do Distrito
Federal em 1986, o custo mais baixo da pré-escola se devia à
utilização de pessoal menos qualificado que o do ensino
fundamental. Parecia haver em geral uma pobreza franciscana
não só quanto aos salários, mas também quanto aos
equipamentos e material de consumo. Por outro lado, é
interessante notar que o custo unitário da pré-escola rural foi
igual a 77,6 por cento do mesmo custo na pré-escola urbana,
valor ligeiramente inferior ao dos outros níveis pesquisados.
Apenas para ilustração, cabe mencionar que, na pesquisa nacional
de Xavier e Marques (1987) sobre o ensino fundamental público,
o custo direto de funcionamento por aluno no ensino
fundamental rural era igual a 71,7 por cento do urbano.
Seguindo com adaptações à metodologia de Xavier e
Marques (1987), Aguiar e colaboradores (2000), com base numa
amostra de municípios do Ceará, estimaram o custo médio de
implantação de instituições de educação infantil em R$ 682,76
por criança/ano e o custo de manutenção variando de R$ 212,76
a R$ 598,22. Excetuando este último valor, o custo era inferior
ao do ensino fundamental público, no entanto, as condições das
instituições com freqüência eram muito modestas.
55
Se as pesquisas de custos são pontuais, o mesmo não
acontece com os estudos de gastos públicos. Porém, se eles
são abrangentes, cumpre recordar que o conceito contábil
de gasto não se confunde com o econômico de custo (cf.
Marques, 1995). Ademais, a inclusão dos gastos nos
diferentes programas e subprogramas da contabilidade
pública pode sofrer distorções por variados motivos (cf., p.
ex., Gomes, 1998, 2000). O principal deles é que sobretudo
a pré-escola muitas vezes funciona em instalações comuns
ao ensino fundamental, compartilhando recursos. Por isso,
o gasto pode ser subestimado para a pré-escola e
superestimado para o ensino fundamental.
Todavia, ao contrário de duas pesquisas precedentes,
os resultados de Castro (1998) indicam que o gasto por aluno
na educação infantil era, em 1995, 2,2 por cento superior
ao do ensino fundamental estadual (consideradas todas as
séries, o que certamente eleva o valor) e 35,9 por cento
mais alto que o do ensino fundamental municipal (tabela
5). Embora a média da educação infantil reflita sobretudo
a pré-escola de tempo parcial, a maior responsabilidade
sobre as creches recai sobre os Municípios, não sobre os
Estados. Daí porque, aparentemente, a disparidade era
maior no gasto municipal.
TABELA 5 – Gasto público médio por aluno/ano por nível de
educação e ensino segundo o nível de governo e a região
(em R$, valores correntes de 1995)
Fonte dos dados originais: IPEA/DISOC apud Castro (1998).
56
Outra constatação a partir dos resultados é a das
profundas disparidades regionais. O gasto/criança da
educação infantil na Região Sudeste era mais de três vezes
maior que o da região menos aquinhoada. Esse hiato era
pouco menor para o ensino fundamental e muito menor no
ensino médio.
Por outro lado, segundo a tabela 6, a diferença de gasto
unitário entre os níveis de educação parece ter aumentado
entre 1995 e 1998, já que os dados são até certo ponto
comparáveis. É possível que o aumento da matrícula em
creches, atendendo aos reclamos populares, tenha
contribuído para ampliar esse distanciamento. Por outro lado,
a diferença era marcante em face da educação superior. Com
efeito, com o gasto unitário nesse nível educacional era
possível manter mais de 14 alunos no ensino fundamental e
mais de 11 na educação infantil.
TABELA 6 – Gasto público médio por aluno/ano por nível de
ensino e educação segundo a região (em R$, valores correntes
de 1998)
Fonte dos dados originais: IPEA/DISOC apud Brasil (2002)
No que tange ao ensino particular, foram encontrados
dados de despesa média por criança/ano, a partir de planilhas
oferecidas pelas escolas às autoridades encarregadas de
controlar as mensalidades escolares (Verhine, 2002). Os
dados, de 1998, referentes à Bahia, informavam que os
57
valores, respectivamente, para a educação infantil, para o
ensino fundamental e para o ensino médio, eram de R$
1.451, R$ 1.312 e R$ 1.799. A despesa para a educação
infantil, acompanhando o setor público, era 10,6 por cento
superior à do ensino fundamental. Porém as médias para o
ensino fundamental e a educação pré-escolar na dependência
particular eram mais de quatro vezes superiores às da rede
escolar estadual, sugerindo fortes disparidades sociais entre
os grupos discentes.
Pode-se depreender, portanto, que, em média, a
educação infantil tende a ser mais cara que o ensino
fundamental e até que o ensino médio. Essa questão merece
ser mais pesquisada em trabalhos posteriores. Entretanto, uma
análise preliminar dos dados disponíveis evidencia que,
segundo o Censo do Professor, de 1997 (Brasil, 1999), os
salários de docentes da pré-escola e classes de alfabetização
eram mais baixos que os da primeira à quarta série do ensino
fundamental na dependência estadual e mais altos na
dependência municipal. Todos eram mais baixos em relação
à educação básica. Assim, a média foi de R$ 419,48 para a
pré-escolar, em valores correntes daquele ano, R$ 496,14 na
dependência estadual e R$ 365,09 na dependência municipal.
Para as séries iniciais do ensino fundamental, as médias foram
de R$ 517,84 e R$ 303,51 nas redes estadual e municipal,
respectivamente. No entanto, a desagregação regional dos
dados mostrou que os professores de pré-escola e classes
de alfabetização municipais tendiam a ganhar menos no
Norte e Nordeste na dependência municipal e mais que os
seus colegas das primeiras séries do ensino obrigatório em
todas as regiões, exceto no Centro-Oeste.
Os dados dos Censos Escolares (Brasil, 1998, 1999,
2000, 2001, 2002) indicam idêntica qualificação dos
professores das séries iniciais do ensino fundamental e da
58
pré-escola, o que sugeriria que os salários mais baixos nesta
última poderiam resultar da desvalorização desta etapa da
educação ainda que, tecnicamente, haja até necessidade de
maior competência para trabalhar com crianças pequenas.
Já a média de alunos por função docente (17,2 para as
creches em 1999, 18,7 para a pré-escola e 24,9 para o ensino
fundamental como um todo ) sugere que o gasto mais alto
na educação infantil se deve ao maior emprego de docentes.
Todavia, é discutível o quanto estas médias se distanciam
das condições pedagógicas ideais. A relação alunos/turma
para a creche foi de 17,6; para a pré-escola, de 19,6 e para o
ensino fundamental como um todo, 29,6 (1998). Cabe a
mesma discussão pedagógica relativa à média anterior. Já a
relação alunos/estabelecimento indica que as creches e pré-
escolas abrigavam em média 44,7 alunos (1999) e 52,6
alunos (1998), contra 190,9 no ensino fundamental (1998).
Em média, creches e pré-escolas não se diferenciam quanto
ao porte. Portanto, é possível que a educação infantil, com
estabelecimentos muito menores, não desfrute das mesmas
vantagens da economia de escala que o ensino fundamental,
elevando os gastos. Com efeito, considerando a relação
alunos/turma, cada estabelecimento de educação infantil
abrigava em média duas turmas. Esse ponto merece ser
considerado pelas políticas de expansão, respeitadas as
condições pedagógicas, inclusive porque as médias acima
pouco têm variado nos últimos anos.
O que se pode verificar, pelo Censo da Educação
Infantil (2000), é que não são abundantes os recursos dos
estabelecimentos de educação infantil, apesar de os maiores
terem infra-estrutura mais adequada. Desse modo, cerca de
15 por cento das crianças não eram atendidas em espaço
escolar, mas em casas de professoras, salas de empresas,
galpões etc. O espaço de lazer mais comum nas creches era
59
o quintal. Todavia, os brinquedos eram encontrados em mais
de dois terços das creches e livros didáticos eram utilizados
em quase dois terços dos estabelecimentos. O Censo não
focalizou a qualidade, variedade e adequação desses
brinquedos e livros, apenas a sua presença ou ausência dos
estabelecimentos.
Os dados financeiros aqui analisados deixam claro que
pode haver grandes variações em torno da média, visto que
são adotadas diversas combinações de recursos para creches
e pré-escolas. Como qualidade custa dinheiro (embora se
possa gastar muito dinheiro sem qualidade), os resultados
implicam variados níveis qualitativos. Assim, além da
regressividade regional, já observada, esse nível educacional
também pode caracterizar-se pela regressividade social, ou
seja, a tendência da educação pobre para o pobre. Se a
literatura indica que a educação infantil tem grande impacto
para a superação da pobreza, necessitando para isso de
qualidade (cf., p. ex., Barnett e Boocock, 1998), os dados
sobre o Brasil são preocupantes.
Portanto, em face das diferenças de gasto/aluno da
educação infantil, se tem as seguintes pistas:
Salários freqüentemente mais baixos na pré-escola
que no ensino fundamental, embora não
necessariamente em relação aos professores das
séries iniciais do ensino fundamental;
Relações alunos/função docente e alunos/turma
mais baixas na educação infantil que no ensino
fundamental como um todo;
Pequeno porte das instituições de educação infantil,
com a média de duas turmas por estabelecimento, o
que impediria desfrutar de vantagens da economia
de escala (embora se tenha que considerar fatores
pedagógicos).
60
4. CONCLUSÕES
Superado o fatalismo que supunha ser a educação
modelada irresistivelmente pela estratificação social, como
barro mole num rígido molde, reconhece-se que os sistemas
escolares são internamente diversificados e hierarquizados.
Não só os componentes curriculares têm status diferenciado,
como também os níveis e modalidades de educação e ensino
(cf. Morrow e Torres, 1995; Young, 1988; Gomes, 1994).
Em conseqüência dessas divisões, os sistemas escolares são
arenas de luta onde se disputam recursos, prestígio social e
poder e onde o valor dos diversos tipos de serviços
prestados influencia os meios obtidos, assim como as
instituições são contagiadas pelo status dos seus
beneficiários. À semelhança da educação de jovens e adultos,
destinada aos menos privilegiados que perderam a vez do
ensino regular, a educação infantil se caracteriza pelos
valores precários, isto é, sofrem de falta de nitidez e tendem
a não ser incorporados claramente a objetivos e padrões
existentes de grupos comprometidos (cf. o clássico Clark,
1978). Assim, a tradição assistencial da educação infantil é
um elemento perturbador: para que serve uma creche ou
uma pré-escola? Para guardar e alimentar crianças? Para
educar? Para ensinar a ler e escrever? Para exercer função
propedêutica em face do ensino fundamental? Ou tem ela
um caráter formativo? A Lei elimina essas ambigüidades,
o que não impede a persistência da confusão de valores
em muitos grupos sociais. Portanto, a educação infantil no
País se caracteriza por ser um setor frágil, o da educação
da criança pequena, sobretudo de menor renda, entregue a
um nível de governo também frágil, cuja receita tende a se
tornar cada vez menos suficiente para assumir plenamente
as competências que lhe cabem.
61
Seus principais problemas, resumidos no quadro 1,
começam pela insuficiência da capacidade de financiamento
municipal. Para esse mal a Constituição provê um remédio,
não regulamentado até hoje: o regime de colaboração
intergovernamental na organização dos sistemas de ensino e
o papel redistributivo e supletivo da União, “de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de
qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” (Constituição
Federal, art. 211, § 1º, na forma da Emenda Constitucional
nº 14/96). Todavia, embora a literatura assinale que a União
é relativamente o nível de governo que se encontra em
situação mais confortável, em termos tributários, seria
desejável que cumprisse mais efetivamente essa missão. Para
isso contribui o elevado gasto com a educação superior, que
se encontra dentro de casa e tem historicamente rivalizado,
de modo bem sucedido, com a colaboração com outras esferas
governamentais. Por sua vez, os Estados, apesar do seu
quinhão na receita tributária, se sentem sobrecarregados,
inclusive com a expansão acelerada do ensino médio e da
educação superior, além de manterem parte do ensino
fundamental, da educação de jovens e adultos, da educação
especial e da própria educação infantil.
A falta do regime de colaboração torna mais séria a
questão do progressivo aumento de recursos, ante a demanda
popular, sobretudo numa instituição, a creche, de custos
unitários mais elevados. Por envolver significativa participação
de gastos que, segundo a Lei, não se enquadram na manutenção
e desenvolvimento do ensino, deve ser financiada por uma
espécie de orçamento social, onde entrariam recursos
educacionais e de outras áreas sociais. No entanto, a tradição
brasileira, a ser superada, é a de compartimentar as políticas
sociais, com perda de eficiência e efetividade.
62
Esses males se distribuem desigualmente nos espaços
social e geográfico, onerando os estratos e as regiões que já
são por si mais onerados. A educação infantil constitui
poderoso instrumento de combate à pobreza, desde que
tenha qualidade. A mera guarda de crianças minora, disfarça,
ajuda, mas não combate a pobreza. Para isso há várias
alternativas, como o cumprimento da Constituição (“padrão
mínimo de qualidade”) e do Plano Nacional de Educação (entre
as normas, a adoção de padrões mínimos de infra-estrutura,
não estatuídos até hoje, embora o prazo legal tenha expirado
QUADRO 1 – Educação Infantil. Principais problemas e soluções.
63
em janeiro de 2002). A focalização na população de baixa
renda, quando se administram recursos escassos, e a
discriminação positiva são outras alternativas.
Por fim, as disparidades regionais podem ser combatidas
por meio de um fundo para a educação básica. Esse, porém,
não pode dividir o escasso bolo entre os numerosos
convidados, mas precisa conter mecanismos efetivamente
cumpridos de equalização, isto é, cumpre reduzir gradualmente
não só as desigualdades intra-estaduais, mas também as
interestaduais. De qualquer forma, a vinculação de recursos,
herança de João Calmon e de toda uma geração, é o pilar central
do financiamento. Fixando pisos (e não tetos) para o ensino, o
sistema precisa ser defendido e continuado por uma geração
que leve essa bandeira adiante e o aperfeiçoe. Se as deficiências
da educação persistem sendo tão graves, o que será dela se
não dispuser de um dique mínimo de proteção?
O País tem vivido situação difícil em suas finanças
públicas e, efetivamente, as metas do Plano Nacional de
Educação exigem aumento das verbas educacionais. Contudo,
a expansão e o aperfeiçoamento da educação infantil, bem
como a função redistributiva da União, não constituem
utopias inatingíveis. Para se ter uma idéia das proporções da
despesa federal executada no orçamento fiscal em educação
infantil pelo Ministério da Educação, é interessante observar
os dados abaixo, extraídos do Balanço Geral da União.
Participação da educação infantil sobre outras
despesas federais (2000):
0,4 por cento da despesa na função Educação
1,7 por cento da despesa em Educação Superior
6,4 por cento da despesa da maior universidade
federal (orçamentos fiscal e da seguridade social)
0,30 por cento do refinanciamento e serviço da
dívida externa
0,01 por cento do refinanciamento e serviço da
dívida interna
64
Comparando as estimativas da capacidade mínima de
financiamento protegido da educação (Castro e Sadeck, 2003),
isto é, recursos vinculados, com o gasto esperado para o
cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação para
2006 (Barreto e Castro, 2003), com despesas executadas pela
União em 2000, segundo o seu Balanço Geral, encontram-se
os resultados abaixo.
Relações entre o gasto projetado para o
cumprimento das metas da educação infantil para 2006 e
o cenário financeiro público em 2000 se, neste ano, fossem
atingidas aquelas metas
O gasto total seria equivalente a
10,7 por cento da capacidade mínima total de
financiamento protegido para a educação
(considerando que esse total correspondia a 25,9 por
cento da arrecadação total dos três níveis de governo)
8,2 vezes a despesa da universidade federal de despesa
mais elevada
37,4 por cento do refinanciamento e serviço da dívida
externa da União
1,4 por cento do refinanciamento e serviço da dívida
interna da União
Sem dúvida, na arena dos orçamentos cada centavo tem
seu pretenso dono. Todavia, a educação infantil, apesar de
exigente, parece liluputiana diante das proporções das finanças
públicas nacionais. Merece ser tema de séria reflexão em face
do compromisso assumido pelo Brasil ante as nações no Fórum
Mundial de Dacar (2000):
“Expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena,
especialmente das mais vulneráveis e em maior desvantagem”.
65
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73
1. INTRODUÇÃO
Atualmente a questão dos direitos infantis tem
suscitado preocupação e recebido atenção especial em muitos
países. Apesar de serem amplas as discussões a este respeito
e a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças ter
sido aprovada por unanimidade em 1989, é sabido que os
direitos das crianças continuam sendo sistematicamente
violados. No Brasil, a maioria das crianças vive em condições
bastante precárias e as iniciativas de proteção à infância não
têm sido eficazes no sentido da garantia de um padrão de
vida aceitável. Hoje, apesar dos avanços e direitos alcançados
na legislação do país com a criação, em 1990, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, garantindo o atendimento a
METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO:
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
DE PESQUISA
12
Ana Lucia P. B. Pacheco*
Anne Meller**
Carla G. de Moraes Teixeira**
* Professora e coordenadora do Laboratório de Práticas Sociais da UNESA
e Doutoranda do Programa EICOS da UFRJ.
** Auxiliar de pesquisa do Laboratório de Práticas Sociais da UNESA e
Mestranda no Programa de Psicologia Social da UERJ.
12
Este trabalho é um dos resultados do Projeto Metodologia de Avaliação de
Políticas Sociais/ IPEA, 2000, coordenado por Ricardo Paes de Barros
(DIPES/IPEA).
74
crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas, este
serviço, de fato, não é ainda acessível a todas elas. Por outro
lado, mesmo que o objetivo da igualdade de oportunidades
seja altamente desejável, é necessário que a discussão não
focalize apenas a necessidade da provisão do serviço, mas
se amplie e inclua a qualidade com que é ofertado.
Entretanto, o tema qualidade é bastante vasto e tem
sido abordado por diferentes áreas do conhecimento,
assumindo vários significados. Trata-se de um conceito
construído, a partir de crenças e valores, sobre as variáveis
de um determinado serviço/produto que se deseja avaliar e/
ou melhorar. Ou seja, o entendimento sobre o que é qualidade
e, conseqüentemente, sobre o que deve ser avaliado ou
melhorado, é determinado pelo referencial teórico adotado
e relativo a uma interpretação do real, e não referente a uma
realidade objetiva partilhada igualmente por todos. Assim,
quando se trata de avaliação de qualidade, é importante definir
de que perspectiva se está partindo e quais são as variáveis
componentes desse processo.
Então, quando falamos da qualidade do serviço
oferecido pela creche, sabemos que esta irá depender da visão
que se tem de educação e, conseqüentemente, de
desenvolvimento infantil. Neste sentido, acreditamos que a
creche deve ser um espaço que garanta à criança oportunidade
para o seu desenvolvimento físico, psíquico e social. Ou seja,
a criança deve ser vista como cidadã com direitos e
singularidades que devem ser respeitados. É necessária a
existência de uma educação libertadora, que não leve os
indivíduos à submissão, mas à construção criativa de
conhecimento.
No país, diversos estudos apontam que as creches
públicas, de maneira geral, têm o seu funcionamento
precário (escassez de recursos, falta de infra-estrutura,
75
despreparo de seus funcionários etc.) e interesse social
orientado para o assistencialismo. Conforme ressalta
Rossetti-Ferreira et. al. (1997):
na medida que o objetivo da creche se coloca como
assistência e guarda de crianças pobres, há uma tendência a
se atender ao maior número de famílias, de uma maneira
emergencial, sem garantia de alguns critérios mínimos da
qualidade desse atendimento (p.117).
Neste contexto, a criação de um sistema de avaliação é
importante para a promoção da qualidade dos serviços
oferecidos pela creche, pois ele nos fornecerá informações
sobre as práticas, os recursos, as rotinas, os objetivos e as
relações interpessoais, permitindo não só detectar
dificuldades, como também extrair experiências e soluções.
Além disso, promoverá maior transparência quanto aos
recursos existentes e sua aplicação e às práticas instituídas,
instrumentalizando funcionários e beneficiários para a
construção de uma ação mais democrática. Este trabalho tem
como objetivo principal discutir algumas questões sobre o
processo de avaliação na educação infantil e trazer
contribuições para a construção de uma metodologia de
avaliação e promoção de qualidade em creche, a partir de
uma pesquisa exploratória realizada com 109 creches da
Prefeitura do Rio de Janeiro.
2. METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO E
PROMOÇÃO DE QUALIDADE DOS
SERVIÇOS OFERECIDOS EM CRECHES
A importância de se discutir novas abordagens no
âmbito dos programas educacionais e de se adquirir um
76
conhecimento apropriado para solucionar os problemas da
infância pobre é reconhecida por diversos especialistas no
assunto
13
. As iniciativas na educação infantil necessitam ser
cada vez mais refinadas e as lições merecem ser coletadas no
sentido de acumular experiência. Nessa perspectiva, a
avaliação de políticas públicas ganha importância
fundamental. É necessário que seja difundida uma cultura
de avaliação sistemática que considere as diversas variáveis e
implicações do processo de avaliação.
Quando falamos em avaliação de políticas públicas,
podemos distinguir três tendências principais: 1) quanto à
sua efetividade – impacto relativo ao sucesso ou fracasso no
sentido de proporcionar efetivas mudanças sociais nas
populações atendidas por ela; 2) quanto à sua eficácia – que
pode ser traduzida como a relação entre as metas planejadas
e alcançadas pela política; e 3) quanto à sua eficiência – relação
entre o esforço empregado e os resultados alcançados, mais
especificamente, o custo/ benefício para maior racionalização
dos recursos públicos.
Entretanto, se de um lado consideramos que a avaliação
de uma política pública possui grande importância no que se
refere à construção de uma sociedade mais democrática, na
medida em que permite informações sobre seus resultados,
população atendida e recursos utilizados, por outro lado, essa
concepção de avaliação vem recebendo diversas críticas no
sentido de sua extrema objetividade, não levando em
consideração fatores contextuais que influenciam seus
resultados. Conforme Carvalho (1999),
13
Para maiores detalhes, ver Easton et al ,1994 e Blanc and contributors,
1994. Estes dois autores, a serviço da UNESCO, têm analisado programas e
projetos na área de educação para crianças pobres urbanas (de rua e
trabalhadoras) em países em desenvolvimento, sobretudo na África.
77
A avaliação tradicional tem sofrido fortes críticas (...) pela sua
incapacidade de apropriar-se do conjunto de fatores e variáveis
contextuais e processuais, que limitam ou potencializam
resultados e impactos. E, especialmente, pelo baixo grau de
relevância e de utilidade dos produtos avaliativos que não
respondem às necessidades de informações dos agentes sociais
envolvidos no programa (p. 87).
Assim, é importante que uma proposta metodológica
para a avaliação da qualidade de uma política pública, considere
a participação da comunidade envolvida. De acordo com a
perspectiva de Demo (1995), pode-se diferenciar entre a
qualidade formal, aquela referente aos instrumentos ou
métodos – à tecnologia em si – e a qualidade política, que diz
respeito à autonomia, participação, consciência crítica e política
e, principalmente, à qualidade de vida. Essa só poderá ser obtida
pela tomada de consciência do sujeito como ser histórico e
construtor da realidade, capaz de gerenciar sua própria vida
através de suas escolhas, não se permitindo ser massa de
manobra política. Neste sentido, todos os atores envolvidos
no programa, de forma direta ou indireta, deverão participar
do processo de avaliação no âmbito da qualidade política.
Com isto, não é a intenção afirmar que a avaliação no
âmbito da qualidade formal seja desnecessária. Ao contrário,
acredita-se que essa pode auxiliar na construção do retrato
objetivo de determinada política pública, pois trará uma
diversidade e uma quantidade enorme de informações sobre
o programa avaliado. Porém, conforme Pestana (1995), esta
avaliação formal deverá trazer mais do que um banco de dados
descritivo sobre o programa, possibilitando um diagnóstico
preciso da situação.
Avaliar só para constatar uma realidade não é avaliar, é
medir, é levantar dados. E dados são úteis quando se
78
convertem em informações, ou seja, significam uma
qualificação que permite o diagnóstico de uma dada situação
e a orientação da ação, trazendo, assim, a possibilidade de
correção de deficiências, por meio da eliminação ou
modificação de processos ou produtos indesejáveis
(PESTANA, 1995; p. 62).
Nesse sentido, os resultados devem ser levados à
comunidade, permitindo a ela uma apropriação reflexiva e
socializada daqueles para a decisão conjunta de quais rumos
seguir. Nesta perspectiva respeita-se, acima de tudo, a
singularidade da comunidade e de cada sujeito, tornando o
processo avaliativo uma prática emancipatória, conduzindo
a uma aprendizagem social (PEREZ, 1999). Então, para a
avaliação da qualidade dos serviços oferecidos nas creches,
considera-se importante incluir neste processo a participação
de pais, educadores e comunidade, tendo como compromisso
principal fazer com que os sujeitos envolvidos escrevam sua
própria história e criem suas próprias alternativas de ação.
3. RETRATANDO A EXPERIÊNCIA
Com objetivo de assegurar que a qualidade nos cuidados
e na educação das crianças seja aprimorada de forma contínua
nas creches é necessária uma estratégia de avaliação e de auto-
avaliação constante. A metodologia que foi construída
pretende oferecer, aos envolvidos no processo de avaliação
da creche, uma estratégia para ajudar a determinar o padrão
de qualidade oferecido pela instituição e, ao mesmo tempo,
visa identificar se existem mudanças necessárias no padrão
de serviço oferecido. Em caso afirmativo, o instrumental
construído poderá auxiliar a equipe da creche a identificá-
las, planejá-las e implementá-las. De fato, a metodologia
79
permite retratar as condições de serviço da instituição para,
a partir daí, identificar quaisquer áreas que necessitem de
melhorias, mostrando onde é necessário centralizar esforços
para obter melhor qualidade nos serviços oferecidos. Parte-
se, portanto, do princípio de que um sistema de avaliação
sistemático e contínuo é indispensável a qualquer serviço que
tenha compromisso com o pleno desenvolvimento da criança.
3.1. Procedimentos
Do universo das 450 creches atendidas pelo Programa
Rio-Creches da prefeitura do município do Rio de Janeiro
em 2000, foram escolhidas 111 creches. A escolha foi
realizada através de um processo de estratificação, seguindo
quatro tipos de critérios (área de localização, faixa etária das
crianças atendidas, tipo de convênio e capacidade de
atendimento). A estratificação gerou 40 grupos (substratos),
sendo que em três deles não se concentrou nenhuma unidade.
A partir dos 37 grupos estratificados foram selecionadas,
aleatoriamente, 3 creches por grupo, totalizando 111 creches.
Apenas 2 delas se recusaram a participar da pesquisa. O grupo
estudado ficou composto, então, por 109 creches públicas,
distribuídas por todas as regiões do município. A coleta de
dados foi feita através de observação direta e entrevistas no
local. Cada creche foi observada por 2 pesquisadores,
devidamente treinados, durante um período de 2 semanas.
Para a viabilização do trabalho foram feitas parcerias
com a Prefeitura, com as Coordenadorias Regionais –
responsáveis pela supervisão das creches – e com a direção
das creches, no sentido de mobilizar e implicar os diversos
atores na pesquisa. Entretanto, envolvê-los na avaliação não
foi uma tarefa fácil. Como estratégia de mobilização, foram
realizadas reuniões e seminários, onde eram apresentados os
objetivos e a metodologia de trabalho e discutidas algumas
80
questões relativas à qualidade de atendimento. Naquela
oportunidade, os responsáveis pelas instituições eram
convidados a participar da pesquisa, de forma a garantir a
participação voluntária e a implicação de todos no trabalho.
3.2. Instrumentos
O instrumental utilizado foi construído baseando-se
numa revisão bibliográfica sobre qualidade em práticas de
cuidado infantil e numa extensa consulta aos setores da área.
As variáveis selecionadas para o estudo foram organizadas
na forma de questionários, cobrindo basicamente seis
categorias: características gerais do serviço, características dos
educadores, estrutura da creche, mobiliário e objetos
pedagógicos, programa e práticas pedagógicas e percepções
dos pais sobre os serviços oferecidos. Estas informações
foram estruturadas de maneira dinâmica, visando facilitar os
procedimentos de avaliação, não só em termos de conteúdo
como também de processamento, preenchimento e digitação
dos questionários. Além disso, foi elaborado um manual de
instruções para cada um dos instrumentos utilizados.
3.2.1. C
ARACTERÍSTICAS GERAIS DA INSTITUIÇÃO
Este item buscou identificar as condições de acesso ao
serviço, os recursos humanos e financeiros existentes nas
creches e a abrangência do serviço oferecido, considerando
as seguintes variáveis: localização da creche, número de
crianças atendidas, número de educadores, fonte de recurso,
divulgação dos serviços e critério de admissão das crianças.
3.2.2. C
ARACTERÍSTICAS DOS EDUCADORES
Este bloco objetivou traçar o perfil profissional dos
funcionários da creche, visando verificar se as características
dos educadores correspondem à função desempenhada. Para
81
tanto, foram investigados os seguintes aspectos: sexo,
escolaridade, habilitação para a função, situação de trabalho
e renda, incluindo freqüência, vínculo empregatício e
remuneração.
3.2.3. E
STRUTURA DA CRECHE
Esta parte visou conhecer o espaço físico da creche,
ou seja, a sua organização, número de dependências, o seu
estado de conservação e de limpeza e as condições de
segurança e de saúde ambiental.
3.2.4. M
OBILIÁRIO E OBJETOS PEDAGÓGICOS
Neste item, pretendeu-se investigar a quantidade, a
disponibilização, condição e uso dos materiais existentes
na instituição, objetivando conhecer se atendem
adequadamente as necessidades das práticas pedagógicas.
3.2.5. P
ROGRAMA E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Na tentativa de abranger toda a complexidade relativa
ao programa e às práticas pedagógicas e viabilizar a avaliação
da sua qualidade, essa parte abordou os seguintes itens:
práticas de higiene, de saúde, de segurança e de rotina;
interações – criança/criança, adulto/criança, instituição/
comunidade; atividades – criativas, psicomotoras e de
comunicação – e as condições de trabalho dos educadores.
3.2.6. P
ERCEPÇÕES DOS PAIS SOBRE OS SERVIÇOS
Nesta seção, buscou-se analisar o grau de
conhecimento e satisfação dos pais com relação ao
atendimento prestado às crianças. Foram investigadas as
seguintes questões: aspectos relacionados ao ingresso da
criança na creche – motivo da matrícula, quem decidiu e
qual o objetivo da creche; condições de serviço – carga
82
horária, turno, limpeza, espaço físico, equipamentos
pedagógicos; percepção sobre a satisfação da criança;
participação e conhecimento sobre as atividades realizadas;
relacionamento da criança com o educador; percepção de
mudanças e/ ou melhorias no desenvolvimento infantil.
4. PRINCIPAIS RESULTADOS
Os resultados encontrados, de maneira geral, apontam
para um quadro bem precário em relação à qualidade dos
serviços que vêm sendo oferecidos pelas creches
pesquisadas. As creches apresentam carências em relação a
quase todos os itens avaliados. Das creches visitadas, 55%
estão localizadas em área favelada. A fonte principal de
recursos em 35% delas é o Governo, em 20% a Igreja, em
15% ONGs e em 8% as mensalidades dos pais. De fato, as
creches parecem sobreviver com poucos recursos pois, em
grande parte delas, a maior ajuda recebida é para a
alimentação – 41% recebe do governo apenas recursos
nutricionais – ficando os salários dos funcionários,
mobiliário, manutenção, entre outros, por conta da
solidariedade da comunidade em geral.
Em relação ao número de crianças atendidas, os
resultados mostram que é muito alto para o número de
educadores existentes (ver tabela 1). No Berçário (0 a 24
meses) a razão é de 6,4 crianças por educador e no Maternal
(24 a 48 meses ) é de 10,3 por educador. Isso cria a
necessidade do educador desempenhar muitas tarefas num
pequeno espaço de tempo; conseqüentemente, suas
atividades são realizadas de forma mecânica, automática e
massificada, impossibilitando um atendimento que respeite
a singularidade das crianças.
83
Quanto à formação dos educadores – aqueles que
cuidam diretamente da criança – a maioria (64%) não
possui habilitação para a função e 28% sequer ingressou
no ensino médio. Porém, o que mais chama a atenção é
que para eles o aumento da escolaridade não é percebido
como uma possibilidade real de aquisição de conhecimento
que os melhor instrumentalizem para a realização das
atividades com as crianças.
Apesar da falta de qualificação dos educadores para o
desempenho da sua função, as instituições estudadas, em
sua maioria (69%), não investem em cursos, material e
ambiente para os seus funcionários. Além disso, a média
salarial encontrada para os educadores (R$ 226,00) não é
suficiente para, além de garantir a sobrevivência, financiar
a própria qualificação.
Quanto à distribuição do espaço físico, observamos que
este é bastante restrito (ver tabela 2), principalmente no caso
das crianças do berçário. Nesse grupo, o espaço médio
destinado a cada criança é menor do que o equivalente ao de
um berço (0,46 m
2
). Em decorrência disso, a liberdade de
movimentação e interação entre elas é limitada,
permanecendo grande parte do tempo em seus berços. Os
TABELA 1 – Razão criança/educador
84
espaços físicos destinados às diferentes atividades das turmas
de maternal são, na maioria das vezes, reunidos em apenas
uma sala. Assim, as atividades de recreação, sono e alimentação
acontecem de forma alternada na mesma dependência,
cumprindo horários fixados de maneira rígida para evitar a
sobreposição das atividades. Desta forma, a escolha das crianças
quanto às atividades que desejam realizar, fica exclusivamente
centrada no educador e, portanto, limitada.
TABELA 2 – Distribuição de área
Nota: * Secretaria Municipal de Urbanismo, 2000: Manual para elaboração de projetos de creche na
cidade do R. J.
Nas creches avaliadas, as condições de segurança e
prevenção de acidentes, bem como de saúde ambiental,
foram consideradas adequadas em apenas 47% e 59%
respectivamente. Observou-se que somente 31% das creches
possuem extintores de incêndio dentro do prazo de validade.
Dos estabelecimentos que possuem escadas, em apenas 29%
existe corrimão para as crianças.
Em relação às práticas de higiene e de saúde dos
funcionários, estas não são muito valorizadas nas rotinas
da creche. Ou seja, o uso rotineiro de cabelos presos e a
utilização de toucas, a troca de uniforme, o hábito de lavar
85
as mãos, e a limpeza diária das salas do berçário, entre
outros, não são freqüentemente observados. Em somente
41% das creches, a higiene foi considerada adequada e as
práticas de saúde em 48%. Dentre os itens avaliados, o
que chama atenção é a falta de práticas de higiene por parte
dos funcionários, que foram consideradas inadequadas em
69% das creches. A higiene dos brinquedos obteve o
percentual mais baixo (10%), seguida a do berçário (32%).
A organização e a distribuição dos espaços e do
mobiliário das creches visitadas são feitas de forma
padronizada para possibilitar um maior controle das
crianças e das tarefas pelo educador. O arranjo das salas e
a organização e uso do material foram considerados
adequados em 36% e 51% respectivamente.
Conseqüentemente, o tempo que cada criança utiliza para
suas atividades, bem como os espaços necessários para cada
uma delas, não são determinados pelas suas necessidades
e particularidades, mas, fundamentalmente, em função de
uma organização que possibilite ao número escasso de
educadores com pouco conhecimento cuidar de muitas
crianças ao mesmo tempo.
Quanto ao programa e práticas pedagógicas (tabela
3), as atividades que obtiveram as menores porcentagens
foram: atividades criativas (38%), atividades psicomotoras
(42%) e comunicação oral (50%). Na realidade, as atividades
da creche raramente abrangem tarefas de faz-de-conta, livros
e figuras, blocos e material de construção ou adotam uma
perspectiva multicultural.
Pode-se pensar que o desconhecimento das
educadoras sobre as questões referentes à educação
infantil, mais especificamente as práticas educativas que
devem ser realizadas nas creches, pode estar contribuindo
para os baixos resultados encontrados, uma vez que as
86
práticas educativas que visam o desenvolvimento infantil
são substituídas por atividades voltadas para o
assistencialismo, ou seja, para a garantia da guarda e
proteção das crianças.
TABELA 3 – Programa e práticas pedagógicas
87
Apesar do quadro desfavorável, se a avaliação tivesse
sido realizada baseada unicamente na opinião dos
beneficiários do programa (as famílias atendidas), os
resultados teriam sido completamente diferentes. A grande
maioria dos pais (98%) está satisfeita com os serviços e 97%
deles observam mudanças favoráveis no desenvolvimento
das crianças após o seu ingresso na creche. Devemos
considerar, entretanto, que as famílias nem sempre
conhecem as necessidades de formação e do
desenvolvimento infantil e, portanto, não podem identificar
quais deveriam ser os objetivos e atividades da creche.
Apenas 38% acha que sua função é ensinar/educar. Além
disso, suas condições de vida são extremamente precárias e o
que a creche oferece, embora não tenha a qualidade
necessária, torna-se a única possibilidade de cuidado e ajuda
na sobrevivência dos seus filhos. Por fim, o não
questionamento a respeito da qualidade dos serviços
oferecidos deve-se, também, à posição de subalternidade que
ocupam na sociedade, pois consideram que estão recebendo
um favor e não tendo acesso a um direito adquirido.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em decorrência da adoção de um modelo mecânico, a
função das creches públicas/comunitárias tem sido,
prioritariamente, a de mediar a situação de miséria, sendo a
ação educativa relegada e abandonada. Ainda hoje, é
possível perceber que o tipo de atendimento dado à
população de baixa renda é extremamente precário,
necessitando contar com o apoio local para poder sobreviver
aos pequenos salários, à falta de material, às instalações
inadequadas e à ausência de orientação pedagógica
88
consistente. Essas iniciativas locais acabam por reforçar a
orientação de guarda e proteção das crianças, principalmente
nos aspectos ligados a alimentação, higiene e segurança.
Neste contexto, a dimensão educativa é relegada ao bom
senso ou a noções precárias sobre as atividades realizadas
com as crianças, o que resulta em um empobrecido e
distorcido significado do processo educacional.
Essas práticas educacionais instituídas acabam por
legitimar uma visão de educação desvinculada de seus
objetivos reais – a promoção do desenvolvimento infantil
e a melhoria da qualidade de vida – fazendo com que os
beneficiários deste tipo de programa acabem adotando tal
modelo como o desejado para o atendimento dos seus
filhos. Nesse sentido, é necessária a garantia das condições
adequadas de funcionamento referentes à proporção
adulto/criança, qualificação dos educadores, espaço físico,
programas e práticas pedagógicas, entre outros.
Desta forma, um sistema de avaliação e promoção
de qualidade que garanta as condições adequadas ao
desenvolvimento da criança torna-se essencial na educação
infantil, pois a avaliação é um instrumento fundamental
no processo de formulação, implementação e promoção
de qualidade do serviço. Não é uma tarefa fácil, pois é
necessário definir quais são os parâmetros que orientam a
política educacional, para então avaliar: como se chega, o
quanto se conseguiu realizar e aonde se quer chegar. Só se
poderá atingir este objetivo através de um estudo
aprofundado que considere medidas tanto quantitativas
como qualitativas, onde seja possível, além de construir
um diagnóstico preciso da situação, promover uma
aprendizagem social através da participação de todos os
atores envolvidos.
89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLANC, C. et al. Urban children in distress: global
predicaments and innovative strategies. Florence, Italy:
UNICEF, Gordon and Breach, USA, 1994.
CARVALHO, M. C. B. Avaliação participativa: uma escolha
metodológica. In: RICO, E. M. (Org.). Avaliação de políticas
sociais: uma questão em debate. 2. ed. São Paulo: Cortez
Editora, 1999.
DEMO. Avaliação qualitativa. São Paulo: Editora Autores
Associados, 1995.
EASTON, P. et al. Asserting the educational rights of street and
working children: lessons from the field. New York: UNICEF,
1994.
PEREZ, J. R. R. Avaliação do processo de implementação:
algumas questões metodológicas. In: RICO, E. M. (Org.).
Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. 2. ed. São
Paulo: Cortez Editora, 1999.
PESTANA, M. I. G. S. Avaliação educacional: o sistema
nacional de avaliação da educação básica. In: RICO, E. M.
(Org.). Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. 2.
ed. São Paulo: Cortez editora, 1999.
ROSSETTI-FERREIRA, M. C.; AMORIM, K.,;VITÓRIA,
T. Integração família e creche: o acolhimento é o princípio
de tudo. Estudos em saúde mental, p. 109-131, 1997.
91
Agradeço o convite para participar deste seminário
14
e especialmente a oportunidade de poder comentar os
resultados de uma pesquisa tão relevante e oportuna como
esta que acabou de ser aqui apresentada. Penso que este
diálogo entre economistas e uma pedagoga, como eu, pode
levar a questões interessantes para este seminário; nós, da
área de educação, geralmente nos detemos nos aspectos mais
abstratos e difíceis de medir, os fenômenos educativos e o
confronto com uma pesquisa que traz informações tão
pormenorizadas e objetivas, apresentando um retrato das
creches do Rio de Janeiro em toda sua concretude, pode ser
bastante provocativo para nossa discussão de hoje.
Para não fugir ao hábito, detenho-me primeiro numa
observação informal que foi feita pela equipe, relatando que
os pesquisadores se sentiram mal em alguns dos ambientes
das creches em que estiveram durante uma ou duas semanas.
COMENTÁRIOS SOBRE A
PESQUISA “UMA AVALIAÇÃO
DA EFICÁCIA DOS SERVIÇOS
DE CRECHES NO MUNICÍPIO
DO RIO DE JANEIRO”
Maria Malta Campos*
* FCC e PUC/SP
14
Seminário Nacional “Financiamento da Educação Infantil” – Brasília, 8 e 9
de setembro de 2003. Promovido pela UNESCO, Comissão de Educação e
Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados e Ministério da Educação.
92
Esse é um indicador muito forte, mas que é difícil de ser
identificado e não pode ser quantificado. Com efeito, essa
sensação costuma ser relatada por muitos observadores em
situações semelhantes, pesquisadores de classe média que vão
até um ambiente que é o da pobreza. A creche no Brasil é
um tipo de atendimento com essa marca da pobreza. A área
à qual sempre esteve vinculada – assistência social –, seu
histórico, o fato de ter sido sempre concebida como um
serviço focalizado nas crianças mais pobres, mais destituídas,
“em situação de risco”, como se diz, e não como atendimento
universal, como a escola, lhe conferem características muito
particulares e uma lógica diferente de outros níveis
educacionais. Esse é um dado que traz muitas conseqüências
para a qualidade desse atendimento, as quais não podem ser
esquecidas na interpretação dos resultados de pesquisa e
principalmente na definição de opções de políticas sociais
para essa faixa etária.
O segundo ponto que eu gostaria de comentar é o fato
de a pesquisa ter considerado, na medida de desenvolvimento
das crianças, parâmetros internos ao próprio grupo
pesquisado. Segundo entendi, as diferenças registradas quanto
aos estágios de desenvolvimento infantil foram estimadas em
meses. Quanto a isso, lembrei-me de uma pesquisa
15
realizada
na década de setenta em São Paulo, da qual participei,
coordenada por Ana Maria Poppovic, que comparou crianças
de 4 a 6 anos, matriculadas em pré-escolas municipais situadas
em bairros de periferia, com crianças de mesma idade de
15
Os resultados dessa pesquisa encontram-se publicados no artigo
“Marginalização cultural: subsídios para um currículo pré-escolar”, de Ana
Maria Poppovic, Yara Lucia Esposito e Maria Machado Malta Campos, no
número 14 da revista Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, de
setembro de 1975 (p. 7-73).
93
escolas particulares de bairros de classe média. Nessa
pesquisa, a diferença encontrada entre os resultados
apresentados pelas crianças dos dois grupos em um teste de
desenvolvimento cognitivo foi de cerca de 2 anos ( e não
meses). Ou seja, os resultados das crianças de 4 anos de pré-
escolas particulares eram, em média, equivalentes aos das
crianças de 6 anos das pré-escolas municipais. Note-se que
os dois grupos eram de crianças escolarizadas.
Adotar algum parâmetro externo seria importante, para
não se cair na mesma perspectiva das famílias dessas crianças,
que se mostraram aparentemente satisfeitas com aquelas
creches. Essa satisfação pode ser explicada talvez pelo
sentimento positivo de ter conseguido uma vaga para seus
filhos, em uma situação de pouca oferta de vagas e pelo alívio
que isso deve ter significado para a situação da família.
Sabemos, por outras pesquisas, que essas mães geralmente
possuem poucas informações sobre outros tipos de
atendimento diferentes daquele que está disponível no seu
bairro, para poder fazer comparações. São pessoas que, na
sua infância, viveram sua curta escolaridade em escolas ainda
mais precárias do que aquelas que seus filhos freqüentam.
Assim, embora a satisfação das famílias seja um indicador
importante, ele deve ser relativizado como critério de
julgamento da qualidade da creche.
Quanto às variáveis internas aos estabelecimentos
pesquisados, reparei que a existência de um plano ou
programa pedagógico não foi enfatizada. Esse é geralmente
um dos critérios de qualidade considerados em estudos
realizados em outros países. Por outro lado, a variável
“estrutura do programa” parece que pesou muito nos
resultados obtidos pelas crianças. Talvez ela esteja medindo
coisas parecidas, ou seja, se a creche formulou objetivos e
estratégias para sua ação, se organizou algum planejamento
94
para seu trabalho, se há algum conhecimento sistematizado
orientando seu cotidiano.
Esse aspecto liga-se a uma outra questão que,
aparentemente, não foi considerada nos custos das creches
computados pela pesquisa. São os custos indiretos, localizados
fora das unidades, ligados ao trabalho externo de supervisão
e suporte realizado por equipes das secretarias de governo
ou pelas instituições mantenedoras dessas creches. Cobrem
aquele trabalho de acompanhamento que é tão mais
necessário quanto menos qualificado é o pessoal que trabalha
nas unidades. Uma pesquisa pioneira realizada em 1983 sobre
creches supervisionadas pela LBA mostrava que esses custos
não eram desprezíveis, pois quanto mais despreparado o
pessoal da ponta do serviço, mais as equipes de técnicos,
muito melhor remuneradas, tinham de se desdobrar na
orientação e formação em serviço das equipes das creches
conveniadas com esse órgão federal
16
.
A formação em serviço também depende do trabalho
interno desenvolvido pelas equipes: os educadores se reúnem
para discutir seu trabalho? Estudam e discutem algum material
de orientação? Há uma pequena biblioteca de referência na
creche? Há um aporte externo que alimente esse trabalho da
equipe? Existem oportunidades de troca de experiência com
outras creches?
Evidentemente, tudo isso supõe que haja horas
remuneradas de trabalho além daquelas horas ocupadas
16
Trata-se de pesquisa realizada por Maria Aparecida Ciavatta Franco, cujos
resultados foram publicados pela autora no artigo “Lidando pobremente com
a pobreza: análise de uma tendência no atendimento a crianças ‘carentes’ de
zero a seis anos de idade”, no número 51 da revista Cadernos de Pesquisa da
Fundação Carlos Chagas, em novembro de 1984 (p. 13-32) e no livro Creche,
organizado por Fúlvia Rosemberg, editado pela Fundação Carlos Chagas e
pela Cortez Editora, São Paulo, 1989, p. 179-210 (Coleção Temas em Destaque).
95
diretamente com as crianças, o que representa um gasto
adicional, já incorporado na maioria das jornadas de trabalho
dos professores de ensino fundamental e até de pré-escolas.
Nesse ponto, retomo a pergunta inicial da pesquisa,
resultante daquele estudo anterior citado, que identificou um
efeito positivo da freqüência à pré-escola, no percurso dos
indivíduos, mas não identificou efeito equivalente da freqüência
à creche. Seria preciso verificar se houve um controle sobre o
nível socioeconômico das crianças, pois sabemos que a
população que freqüenta creche geralmente pertence a estratos
mais pobres do que aquela que freqüenta pré-escola (no caso
dos atendimentos serem paralelos, como foram até há pouco
tempo e continuam a ser, em muitos casos). Nesse caso,
teríamos dois fatores se sobrepondo: as condições mais
precárias de desenvolvimento no ambiente da família e no meio
social, combinando-se com as condições mais precárias do
atendimento de tipo creche em comparação com as pré-escolas.
Todas essas questões apontam para a necessidade de
se contextualizar os resultados da pesquisa sobre as creches,
levando-se em conta o lugar específico que esse atendimento
tem ocupado na educação e nas políticas sociais. O que seria
necessário garantir em um equipamento social, de caráter
educativo, que atende os segmentos mais pauperizados da
população? Quais seriam os padrões mínimos de qualidade
que representariam um gasto compatível com a cobertura da
população mais necessitada desse atendimento? E que ao
mesmo tempo garantiriam condições mais favoráveis ao
desenvolvimento infantil, do que se as crianças
permanecessem sem atendimento? Como encontrar esse
equilíbrio, nas condições presentes, entre o respeito aos
direitos das crianças e a priorização de recursos para as
creches, tradicionalmente um tipo de instituição
desprestigiada e até estigmatizada na sociedade?
96
Para avançar na discussão de questões como essas,
estudos de custo como esse realizado sobre as creches do
Rio de Janeiro são fundamentais, principalmente em um
quadro de restrição econômica como esse que atravessamos,
no qual diversos tipos de prioridade competem pelos mesmos
recursos na área social. Ao mesmo tempo, é importante que
os estudos de custo levem em conta, de forma crítica, os
parâmetros de atendimento adotados nos diversos tipos de
serviço, confrontando-os com os direitos e as necessidades
das crianças e de suas famílias. Sabemos que nem sempre
gastos mais altos correspondem a melhores condições de
funcionamento, como atestam, por exemplo, algumas
experiências municipais que priorizam a grandiosidade
arquitetônica dos prédios ou outros gastos não prioritários.
No entanto, sabemos também que muitos atendimentos
desenhados como “de baixo custo” comprometem
justamente aqueles fatores que são estratégicos para garantir
uma qualidade satisfatória de educação: formação do pessoal
que atua junto à criança, condições ambientais salubres e
estimulantes, oferta de material educativo suficiente,
existência de um projeto pedagógico, participação da equipe
e da comunidade.
PARTE 2
Financiamento das políticas e
programas federais e a educação infantil
99
O Governo Federal não vem apoiando de forma
adequada a Educação Infantil, seja em termos de formulação
de um programa específico, seja com o aporte necessário de
recursos para a sua expansão e melhoria. Aqui temos a intenção
de, neste pequeno espaço, apontar os equívocos e as lacunas
presentes na elaboração dos dois últimos Planos Plurianuais-
PPA do Governo Federal e apresentar sugestões para a
elaboração de um programa para a Educação Infantil. Pretende-
se resgatar as recomendações já encaminhadas ao Congresso
Nacional
17
e ressaltar a necessidade de ser aplicada, com maior
rigor, a metodologia oficial para a elaboração de programas.
1. O PROGRAMA ATENÇÃO À CRIANÇA NO
PPA 2000-2003
O atendimento de crianças em creches e pré-escolas se
inclui entre os direitos à educação desde a Constituição de
1988, e passou a integrar a primeira etapa da educação básica,
denominada educação infantil, quando da aprovação da LDB
A EDUCAÇÃO INFANTIL NO
PLANO PLURIANUAL DO
GOVERNO FEDERAL
Maria Martha Cassiolato*
* Técnica de planejamento e pesquisa do IPEA– Ministério do Planejamento.
17
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO – Relatório Anual de Avaliação –
Exercício 2001 – Plano Plurianual 2000-2003; p. 552.
100
em 1996. O Governo Federal, no entanto, na gestão passada
não contemplou a educação infantil com um programa
específico, mas concebeu um programa multissetorial com
ações da assistência social e da educação. O programa Atenção
à Criança, com vigência para o período de 2000 a 2003,
estabelecia como objetivo: assegurar o atendimento de crianças
carentes de até seis anos em creches, pré-escolas ou outras alternativas
comunitárias.” Esse programa acabou dando maior ênfase às
ações de cunho assistencial, deixando em segundo plano a
abordagem educacional que deveria marcar o conteúdo dessa
iniciativa. Algumas evidências podem embasar essa afirmação:
o programa ficou sob a gerência da Secretaria de Assistência
Social, uma vez que passou a fazer parte de seu Plano de Ação;
e as ações sob a responsabilidade do Ministério da Educação
foram implementadas de forma parcial, com recursos
financeiros representando 5% do total alocado ao programa, e
destinados apenas às pré-escolas.
Por outro lado, 85% das dotações orçamentárias do
Atenção à Criança, no período, destinou-se à ação
Atendimento à criança em creche ou outras alternativas comunitárias”,
que utiliza recursos oriundos do Fundo Nacional de Assistência
Social (FNAS), repassados aos Fundos Estaduais e Municipais
de Assistência Social para garantir o acesso de crianças carentes
a creches e pré-escolas públicas ou conveniadas. Caracteriza-
se, assim, como um serviço assistencial de duração continuada,
sendo executado de forma descentralizada pelos municípios,
estados e instituições com eles conveniadas, que recebem a
assistência financeira da União na forma de um valor monetário
fixo por criança atendida. Essa é uma antiga iniciativa do
Governo Federal que teve origem na década de 70 quando a
então Legião Brasileira da Assistência criou e implementou o
Projeto Casulo. Os recursos do FNAS também são utilizados
para “Construção, ampliação e modernização de creches”, outra ação
101
do programa executada por força de emendas parlamentares,
sob a supervisão do Ministério da Assistência Social.
As ações sob responsabilidade do MEC consistem na
assistência financeira aos municípios com IDH inferior a 0,50
para aquisição de material didático para as pré-escolas e na
assistência técnica e financeira para a formação continuada de
professores, visando à implementação do referencial curricular
nacional de educação infantil. Além de ser pequeno esse aporte
de recursos, as ações restringiram-se ao segmento das pré-
escolas e foram direcionadas a alguns municípios selecionados,
o que revela uma inconsistência de critério vis à vis a definição
do público alvo do programa que são todas as crianças carentes
de até seis anos de idade.
O Atenção à Criança é, no período 2000-2003, o único
programa federal que visa contribuir para ampliar o acesso à
creche e pré-escola de crianças de zero a seis anos, pertencentes
a famílias de baixa renda. Além da pequena abrangência (somente
16% do público alvo atendido), o fato de não se constituir em
programa da área de educação retira a centralidade educacional
que deveria marcar essa iniciativa do Governo Federal.
Anualmente, o Ministério do Planejamento elabora o
Relatório de Avaliação do Plano Plurianual” e no documento
encaminhado ao Congresso, em 2002, está registrada a
recomendação de que seja criado um programa de
Desenvolvimento da Educação Infantil no Ministério da
Educação, mantendo a concepção multissetorial, mas
trazendo para o âmbito deste novo programa as ações da
Assistência Social.
Tal recomendação também se justifica em resultados de pesquisas
internacionais que mostram o impacto positivo de um atendimento
de qualidade nesta etapa da educação sobre o desempenho nos demais
níveis de ensino, especialmente pela redução da repetência e da
defasagem idade-série. É necessário ampliar o apoio técnico e
102
financeiro aos municípios, responsáveis pela oferta, de modo a
garantir a expansão do acesso e a melhoria da qualidade, tornando-
a mais eqüitativa
18
.
Todavia, tal recomendação não foi considerada pelos
dirigentes dos Ministérios envolvidos, que não reformularam
seu programa de ações para aquele exercício nem na proposta
a ser executada em 2003.
2. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO PPA 2004-2007
Inaugurado o novo governo, o MEC promoveu, ao início
de 2003, uma ampla discussão interna para subsidiar o desenho
das ações na área de educação para o primeiro ano de governo
Lula, que, vale lembrar, integra o último ano do PPA definido
no governo anterior. Esse foi o passo inicial do planejamento
estratégico da Instituição, consolidado em documento
intitulado “Alinhamento Estratégico do MEC.” Tal documento
reorientou as ações vigentes e criou novas com vistas a alcançar
objetivos consoantes com a Missão de “Promover o processo de
mudança no Brasil, por meio da educação de Qualidade para Todos”.
Em continuidade, iniciando a formulação do PPA
2004-2007, o MEC definiu a Orientação Estratégica do
Ministério que teve como referência o desafio de Ampliar o
nível e a qualidade da escolarização da população, promovendo o
acesso universal à educação” que integra o Megaobjetivo de
“Inclusão Social e Redução das Desigualdades Sociais” da
Orientação Estratégica de Governo.
18
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO– Relatório Anual de Avaliação –
Exercício 2001 – Plano Plurianual 2000-2003; p. 552.
103
A Orientação Estratégica do Ministério da Educação
19
apresenta a Missão da Instituição, um breve diagnóstico dos
problemas da educação no país e define os objetivos setoriais que
irão nortear o desenho dos programas a serem implementados
para realizar a política educacional do novo governo.
Ao tratar da educação infantil, esse documento ressalta
a existência de problemas de qualidade e eqüidade na oferta
desta que constitui a primeira etapa da educação básica e
reconhece que:
Além da iniqüidade evidenciada no acesso a esse atendimento, muito
mais elevado para crianças de famílias de renda maior e com
escolaridade dos pais mais alta, as condições de oferta também são
desiguais. O espaço físico e as instalações, que muitas vezes são
compartilhados com escolas do ensino fundamental, são precários e
inadequados à faixa etária.
20
Após delinear um quadro do conjunto de problemas
atuais na área de educação, são definidos os Objetivos
Setoriais do Ministério. O primeiro apresentado é Assegurar
a assistência educacional à primeira infância” e para alcançá-lo,
serão implementadas “Iniciativas que assistem minimamente às
crianças de zero a 3 anos de idade, que não têm condições de estar
em creche ou escolas especializadas, como alimentação, brinquedo
pedagógico, formação para as mães, etc.”.
Essa opção, de cunho assistencial, pode ser mais bem
compreendida ao se analisar a justificativa do programa
Educação na Primeira Infância que integra o PPA do
MEC. Na justificativa, embora reconheça que “de acordo com
19
Documento disponível no site do MEC, acessível pelo link Elaboração do
PPA 2004-2007
20
Orientação Estratégica do Ministério da Educação, p. 3
104
a legislação vigente, as crianças de zero a três anos de idade têm o
direito de freqüentar uma instituição de Educação Infantil”, e que
89,4% delas não estão sendo atendidas (IBGE/Pnad 2001),
o texto ressalta a atual dificuldade de atender essa demanda
e apresenta uma proposta alternativa para a primeira infância,
sugerindo um programa “que visa não só subsidiar financeiramente
os pais na sua tarefa de educar e cuidar de seus filhos, como também
orienta-los na forma como fazê-lo”
21
.
Uma disposição geral do governo foi promover o
debate com a sociedade sobre as propostas elaboradas nos
Ministérios, e o MEC realizou várias audiências públicas para
apresentar diretrizes e objetivos da nova gestão e colher
sugestões. Em audiência de 17 de junho de 2003, da qual
participaram várias entidades governamentais e não-
governamentais, representantes do Movimento Interfóruns de
Educação Infantil, assim como vários outros participantes da
audiência, manifestaram sua discordância pela opção
assistencial da proposta apresentada pelo MEC para as crianças
de zero a três anos. A defesa de um programa específico para
a Educação Infantil, e não somente para a primeira infância,
composto por conjunto de ações que visem ampliar e
melhorar o atendimento de crianças em creches e pré-escola,
foi contraposto à idéia de implementar iniciativas que não
atendem a esse objetivo como a apresentada pelo MEC.
Uma crítica contundente foi feita por Fúlvia
Rosemberg, que distribuiu um documento onde se lê: “O
Brasil adota a menina dos olhos do Banco Mundial para a educação
infantil dos pobres: educar as mães ao invés de ampliar vagas em creches”
.
Mais à frente explica:
21
Espelho do Programa 1065 – Educação na Primeira Infância” –
SigPlan,Ministério do Planejamento
105
Minha crítica a essa proposta do PPA é que ela não promove a
eqüidade social, de gênero e raça, como prometem seus defensores, mas
redunda em atendimento incompleto, implantado como solução de
emergência, porém extensivo, o que redunda, via de regra, baixa
qualidade, e grande instabilidade, sendo destinado, exatamente, a
populações pobres que, da ótica de políticas afirmativas, necessitam e
têm direitos a programas completos e estáveis como medidas de correção
das injustiças que vêem sofrendo histórica e sistematicamente.
22
As críticas feitas a esse programa foram consideradas
pelo Governo durante o processo de formulação do novo PPA.
A tabela a seguir apresenta a evolução do desenho do programa
Educação na Primeira Infância, desde a proposta inicial do
MEC até seu formato final. A principal modificação, durante a
validação qualitativa do programa, realizada no Ministério do
Planejamento
23
, foi justamente a exclusão da ação “Bolsa
Primeira Infância”
24
por falta de amparo legal
25
e também
porque, na mesma época, estava sendo formulado um Programa
de Transferência de Renda com Condicionalidades, para unificar
todas as ações de transferência em um único programa, o que
retira o sentido de criação de uma nova modalidade de auxílio
financeiro a famílias. Com isso a natureza e o conteúdo da
22
idem
23
Participaram da etapa de validação de programas os técnicos da Secretaria
de Planejamento do Investimento Estratégico – SPI, técnicos da Secretaria
de Orçamento – SOF e técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
– IPEA, órgãos do Ministério do Planejamento
24
A Bolsa Primeira Infância tem por finalidade “proporcionar às famílias com
renda mensal per capita de até ½ salário mínimo e com crianças de 0 a 3
anos de idade condições de nutrição e meios de assegurar, por meio de
atividades lúdicas e pedagógicas, o desenvolvimento cognitivo de seus filhos,
necessário à preparação para a vida escolar”, Elaboração do PPA –
Programação Qualitativa, SigPlan, Ministério do Planejamento.
25
Propostas vinculadas à transferência de renda necessitam de legislação
específica.
106
proposta encaminhada pelo MEC foram completamente
alterados. Isto implicou mudança de objetivo, público alvo e o
redesenho das ações do Programa.
Em que pese tenha havido a concordância do MEC em
relação à proposta reformulada do programa Educação na
Primeira Infância durante a fase de validação no Ministério do
Planejamento, o Ministério da Assistência Social não a avalizou
e decidiu que as duas ações sob sua responsabilidade, destinadas
ao atendimento de criança em creche e construção de creches,
seriam incluídas em outro programa do próprio Ministério,
Proteção Social à Infância, Adolescência e Juventude. Nesse
programa as ações pré-existentes para as crianças carentes de
até seis anos são redefinidas. A nova ação “Serviços de Proteção
Socioassistencial à Infância e à Adolescência” tem por finalidade
assegurar o desenvolvimento integral da criança de até seis anos
em situação de pobreza e risco social, envolvendo o atendimento
em jornada integral ou parcial nas modalidades de creches, pré-
Fonte: SigPlan – Programação Qualitativa, Ministério do Planejamento
107
escolas, brinquedotecas, creches volantes e atendimento
domiciliar. Apesar de se manter próxima da finalidade da ação
anterior, o título atual sugere uma modificação do público alvo,
com a inclusão dos adolescentes, sem que haja uma descrição
dos serviços de proteção a esses jovens. O mesmo ocorreu com
a ação pré-existente para a construção de creches, que na nova
formulação passou a denominar-se “Construção, Ampliação e
Modernização de Centros Públicos de Atendimento a Crianças
e Adolescentes”.
O que importa ressaltar é que, com a exclusão das ações
sob a responsabilidade da Assistência Social, o programa
Educação na Primeira Infância do MEC ficou esvaziado e
as ações que agora o compõem são insuficientes para realizar
seu objetivo e a meta de ampliar a taxa de freqüência à escola de
crianças de 0 a 3 anos, passando de 10,6% para 34% em 2007.
No que diz respeito à pré-escola, as novas ações
programadas pelo MEC estão distribuídas em vários programas:
Brasil Escolarizado, Valorização e Formação de Professores
e Democratização da Gestão nos Sistemas de Ensino sendo
que, em alguns casos, trata-se de ações destinadas à educação
infantil que não foram desdobradas, e portanto também
beneficiam as crianças de 0 a 3 anos de idade.
3. A REVISÃO NECESSÁRIA
A metodologia oficial para a elaboração de programas
do PPA estabelece que:
Programa é o instrumento criado por Lei específica, de organização
da ação governamental que articula um conjunto de ações (projetos,
atividades, operações especiais e ações não orçamentárias), pessoas e
estruturas motivadas ao alcance de um objetivo comum. O programa
é o resultado do casamento entre a necessidade identificada na sociedade
108
(problema) e a vontade política expressa nas Orientações Estratégicas
de Governo. Seu objetivo é expresso em um resultado que é a solução
de um problema ou atendimento de demanda da sociedade e medido
pela evolução de indicadores no período de execução do programa,
possibilitando-se, assim, a avaliação objetiva da ação do Governo.
26
Em seu formato final, o programa Educação na
Primeira Infância não articula as ações necessárias e
suficientes para o alcance de seu objetivo que é “Ampliar o
atendimento à educação infantil de crianças de até três anos de idade”,
uma vez que ações relevantes e pertinentes estão em outro
programa da Assistência Social. Além disso, ações como
“Produção e distribuição de periódicos para a educação
infantil”, “Fomento à pesquisa e desenvolvimento da
educação infantil”, “Apoio à capacitação de professores da
educação infantil”, “Apoio à capacitação de profissionais
atuantes nas instituições de educação infantil”, que se
encontram em outros programas do MEC, também
contribuem para o alcance do objetivo do programa para a
primeira infância e também deveriam ali estar localizadas.
Porém essas ações destinam-se ao atendimento educacional
de crianças de até seis anos, compreendendo creche e pré-
escola, e não foram desdobradas para integrarem programas
diferenciados por faixa etária. Na realidade isso vai de
encontro ao que os profissionais da área defendem : formular
um programa que articule as ações para a expansão e melhoria
da Educação Infantil como um todo.
Nesse sentido, um novo programa poderia ser criado
aproveitando ações já programadas, conforme constam na
tabela a seguir.
26
Manual de Elaboração de Programas, Ministério do Planejamento.
109
Não cabe aqui neste artigo analisar se os recursos orçados
para o período 2004-2007 serão suficientes para cumprir as
metas estabelecidas pelo MEC para educação infantil: garantia
de matrícula na pré-escola de todas as crianças de 4 e 5 anos
até 2006 e ampliação da taxa de freqüência à escola de crianças
de 0 a 3 anos, passando de 10,6% para 34% em 2007. As
informações sobre os recursos orçados para o período do Plano,
contidas na tabela acima, foram apresentadas com intuito de
subsidiar a reflexão sobre a necessidade de financiamento para
a expansão e melhoria da educação infantil.
4. CONCLUSÃO
O processo de revisão do PPA 2004-2007, cuja
proposta deverá ser encaminha ao Congresso Nacional em
Valores em R$ 1,00
Fonte: PPA 2004-2007 – Projeto de Lei
110
abril de 2004, abre a oportunidade de se corrigirem as falhas
assinaladas durante a concepção do programa Educação
na Primeira Infância e pode ser o momento de resgatar
uma proposta de um programa que articule ações para o
desenvolvimento da Educação Infantil.
É importante salientar que programas multissetoriais
do tipo proposto para a Educação Infantil, que compreendem
ações desenvolvidas em Ministérios distintos, enfrentam o
desafio de equacionar deficiências de gestão em virtude da
inexistência de esquemas consolidados de coordenação
intersetorial. Isso impede a convergência e a sinergia das ações
implementadas em unidades separadas da Administração
Pública Federal. Contudo, para que se possa efetivamente
enfrentar um problema da sociedade que, em geral, necessita
de ações que não estão circunscritas a apenas uma área da
Administração Pública, é preciso avançar no aprimoramento
dos esquemas de coordenação.
111
É sempre importante registrar que os avanços mais
significativos no processo de democratização e,
conseqüentemente, de reconhecimento de direitos sociais no
Brasil ocorreram nas décadas de 80 e 90. A Constituição de
1988 demarcou um novo momento, resgatou para o Estado
o seu papel de provedor de políticas sociais, portanto,
incluindo significativo número da população brasileira até
então desprotegida do acesso aos direitos sociais básicos,
como educação, saúde, assistência social, entre tantas políticas
necessárias ao bem-estar da população.
Nessa direção, a regulamentação de leis específicas como
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que vem
reafirmar para as crianças brasileiras aspectos fundamentais já
assegurados nos tratados internacionais (Convenções e outros),
explicita as responsabilidades relacionadas com a família, a
sociedade e o Poder Público em geral, quanto à garantia dos
direitos das crianças e adolescentes.
O DESAFIO DA GESTÃO
COMPARTILHADA E A
NECESSÁRIA ARTICULAÇÃO
ENTRE ASSISTÊNCIA SOCIAL
E EDUCAÇÃO INFANTIL
Valdete de Barros Martins*
* Valdete de Barros Martins é Assistente Social, Mestra em Serviço Social, Diretora
de Acompanhamento da Política de Assistência Social do Ministério de Assistência
Social e a Atual Presidente do Conselho Nacional de Assistência Social.
112
O paradigma da proteção integral determina o
estabelecimento de um pacto entre a sociedade e o Estado,
impondo novas responsabilidades, afirmando, portanto, a
prioridade absoluta no atendimento a crianças e adolescentes,
no acesso e permanência aos serviços públicos. O ECA, ao
dar precisão e detalhar as garantias relacionadas a cada política
pública, não deixa dúvida de que, ao serem regulamentadas,
as mesmas deveriam expressar em seus conteúdos as ações e
as medidas dirigidas à criança e ao adolescente. Desta forma,
a política de saúde aprovada em 1990 (Lei nº 8.080), a de
assistência social em 1993 (Lei nº 8.742) e a de educação em
1996 (Lei nº 9.394) consolidam um novo arranjo no
atendimento dirigido às crianças e aos adolescentes.
Os princípios e as diretrizes, obedecendo a esse novo
pacto instalado na Constituição de 1988, que privilegia uma
relação cooperada entre as esferas de governo, estabelecem as
competências comuns, e as privativas de cada ente federado
preconizam ainda a relação do Estado com a sociedade, que
ganha uma dimensão especial fundada na participação social,
por meio de representações dos diversos segmentos envolvidos
com cada política, mediatizada pelos conselhos e fóruns no
decorrer do processo democrático instalado.
Dessa forma, a organização, a gestão, o controle social
e o financiamento das políticas de seguridade social, educação,
criança e adolescente, entre tantas outras, ganham um novo
modelo, passam a constituir sistemas próprios para o
desenvolvimento do seu conjunto de ações. Por outro lado,
pressupõe uma intrínseca articulação de modo a atender os
objetivos quanto à garantia dos direitos.
A intenção desta reflexão é resgatar brevemente o
tratamento dispensado pelo Estado, especialmente pelas políticas
de Educação e Assistência Social, quanto à responsabilidade na
condução da política de Educação Infantil, considerando o
113
processo, por um lado transitório, e de outro, a intersetorialidade
na responsabilidade do atendimento. É certo que desde a
Constituição Federal e as legislações complementares acima
citadas busca-se superar a visão assistencialista de não-direito,
que predominou por muitos anos no atendimento aos direitos
das crianças, particularmente, as mais pobres. Nessa direção, é
preciso reafirmar o compromisso ético, político, institucional e
técnico que busca encontrar caminhos na concretização de uma
efetiva política de Educação Infantil.
1. OS AVANÇOS NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
O inciso IV, do artigo 208 da Constituição Federal,
inovou ao definir “o atendimento em creche e pré-escola”
como dever do Estado, e concretiza, portanto, do ponto de
vista legal e político, a ruptura com a visão do não-direito e
assinala a responsabilidade da educação com a criança de
zero a seis anos. Os sistemas educacionais instituídos com
base no marco regulatório da política de Educação, trazem
para seu campo de atuação o debate e conseqüente
compromisso em pautar a educação infantil.
Na complementaridade dessa questão, a Constituição
Federal atribui que “os municípios atuarão prioritariamente
no ensino fundamental e pré-escola”, inclusive fixando
percentuais mínimos de recursos a serem destinados pela
União, Estados e Municípios. A Carta Maior, ao definir as
competências concorrentes entre União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, o faz com apoio no princípio do
respeito à colaboração recíproca, orientada na direção da
autonomia dos entes federados.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
no seu art. 89, define que as creches e pré-escolas existentes
114
ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos
a contar da publicação desta lei, integrar-se ao respectivo
sistema de ensino. Neste processo é enfatizado o
protagonismo da educação.
É importante destacar que as políticas sociais e, entre
essas, a Educação, devem constituir fundos especiais na
perspectiva da visibilidade, do controle social e da possibilidade
de qualificar as ações da área. No caso da Educação, ao criar o
Fundef, objetivou-se concentrar recursos para o
desenvolvimento do Ensino Fundamental. Nessa direção, o
financiamento da Educação Infantil deveria figurar entre as
ações financiadas por esse Fundo, o que não vem acontecendo.
Observa-se aqui um conflito de legislação: a LDB, ao ampliar
o conceito de Educação Infantil (creches e pré-escolas), avança.
Por outro lado, a imprecisão do financiamento por parte da
educação tem criado dificuldades enormes para a continuidade
e manutenção da rede já existente. E, mais grave, não possibilita
a ampliação da mesma.
Consta do Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172,
de 9/01/2001, o diagnóstico da Educação Infantil no Brasil.
O retrato desse estudo comprova que a prioridade dos
recursos está direcionada ao Ensino Fundamental, deixando
no prejuízo o desenvolvimento das ações referentes à
Educação Infantil. As dificuldades enfrentadas pela rede
(governamental e não-governamental), que realizam
atendimento de zero a seis anos, são inúmeras, tendo esse
fato gerado, inclusive, o fechamento de algumas instituições
que prestam atendimento às crianças de zero a seis anos.
O reconhecimento desse quadro exige dos gestores
públicos um aprofundamento do debate na perspectiva de
encontrar as “saídas” para garantir que a educação cumpra o
seu papel sem prejuízos a qualquer faixa etária. A construção
de outros instrumentos importantes para subsidiar a
115
estruturação da Educação Infantil, como componente da
Educação Básica, já foi elaborada, a exemplo das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, e das
Diretrizes Operacionais que orientam o processo de
integração das creches nos sistemas de educação municipais,
mas falta, no entanto, concretizá-las.
2. OS AVANÇOS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL: O PAPEL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
NO ATENDIMENTO À CRIANÇA DE ZERO
A SEIS ANOS
A Assistência Social, ao ser incorporada como política
de Seguridade Social de caráter não-contributivo, que deve
prover os mínimos sociais a quem dela necessitar, apresenta
com a regulamentação da Lei Orgânica de Assistência Social
– LOAS (Lei nº 8.742/93) princípios, diretrizes, finalidade e
objetivos que orientam a gestão da política, direcionando o
atendimento prioritário a alguns segmentos como está
elencado no art. 2° “A assistência social tem por objetivo: I –
proteção à família, maternidade, velhice; II – o amparo às
crianças e adolescentes carentes”. Por outro lado, o art. 23, reafirma
o ECA, ao estabelecer prioridade no atendimento dirigido a
crianças e adolescentes. Desta forma, a LOAS demarca em
seu conteúdo a relação intrínseca com outras políticas
setoriais para enfrentar as situações de vulnerabilidades sociais
(art. 2° da LOAS).
Nesse sentido, pode-se traduzir o papel que a política
de Assistência Social deve ter na garantia da inserção das
crianças ao direito à educação, à saúde, assim como a outros
serviços necessários à garantia da vida. É importante destacar
que na organização e gestão dessa política, operacionalizada
116
por meio do Sistema Descentralizado e Participativo –
constituído de Conselho, Órgão Gestor, Fundo e Plano –
dá-se ênfase à municipalização das ações. Essa atribuição
não desobriga os outros entes federados, União e Estados,
especialmente do co-financiamento das ações, o que hoje é
urgente para a implementação do atendimento integral à
criança de zero a seis anos.
É preciso registrar que a participação da Assistência
Social no atendimento às crianças de zero a seis anos,
especialmente na modalidade creche, é histórica, data da
criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), passando
pela Secretaria de Assistência Social (SAS), vinculada ao
Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS),
posteriormente, Secretaria de Estado de Assistência Social
(SEAS). Tem-se observado que,
a partir de 1995/96, ações do governo federal destinadas
ao atendimento a crianças em creches da Legião Brasileira
de Assistência Social (LBA) e da Fundação Centro Brasileiro
(FCBIA) foram assumidas não pelo MEC, mas pela SAS/
MPAS e avançou-se no processo de municipalização dos
serviços (Almeida, 2002).
Em documento intitulado “Proposta para Atendimento
de Criança em Creche e Pré-Escola na área da Assistência
Social no período 1996/1998”, a SAS declara que em 1996
firmou 5.767 convênios, realizados em 3.402 municípios. Das
9.499.363 crianças de zero a seis anos pertencentes a famílias
com renda per capita de até meio salário mínimo, a Secretaria
apoiou o atendimento de 16,25%, com valor per capita de
R$14,84 – prevendo, como uma das metas até 1998, que esse
valor deveria chegar a R$28,73 (vinte e oito reais e setenta e
três centavos) por meio de parceria com os Ministérios da
Educação e do Desporto e da Saúde. Na mesma direção, é
117
proposto como meta repassar 100% das creches para os
sistemas educacionais municipais. A gestão desse processo seria
conduzida em parceria com os referidos ministérios. Os
recursos transferidos em 1996 foram da ordem de
R$209.714.404,00, para atender a 1.543.629 crianças.
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS),
aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social, por
meio da resolução 207, de 1998, no item 4.1.1 – afirma que
o atendimento integral à criança de zero a seis anos de idade
é prestado em creches e pré-escolas e apoiado pelo Ministério
da Previdência e Assistência Social por meio da Secretaria
de Assistência Social, em estreita relação com os Estados e
municípios, entidades e organizações de assistência social.
Em 1999, o MPAS/SEAS publica cartilha “Ação
compartilhada das políticas de atenção integral à criança de
zero a seis anos”. O propósito do documento mais uma vez
está na direção de reafirmar o papel da Educação e explicitar a
responsabilidade da Assistência Social. As competências da
Assistência Social, junto às creches e pré-escolas, devem ser:
identificar no município as famílias com crianças de
zero a seis anos demandatárias da Assistência Social;
identificar e apoiar tecnicamente, em parceria com
a educação, as demandas existentes nas localidades
que não possuam as devidas estruturas (físicas, de
recursos humanos, pedagógicas e administrativas),
conforme normas emanadas dos conselhos estaduais
ou municipais de Educação;
apoiar as famílias destinatárias da Assistência
Social que possuem filhos em creches e pré-escolas,
por meio da inclusão em programas oficiais de
auxílio, de geração de renda, de mecanismos de
118
encaminhamento, de esclarecimento sobre acesso
a programas de enfrentamento à pobreza, garantido
às crianças inclusão e promoção social;
articular e planejar programas e cursos de apoio
socioeducativo às famílias;
garantir que os recursos oriundos da Assistência
Social, aplicados em creches e pré-escolas, sejam
destinados ao seu público-alvo.
Nesse sentido, em 2000, a SEAS, com a edição das
Portarias nº 2.854/00 e 2.874/00, busca compor novas ações
dirigidas à criança de zero a seis anos, apresenta
modalidades de atendimento assim denominadas:
atendimento em unidades de jornada integral ou parcial por
meio de creches e pré-escolas, brinquedotecas,
atendimentos domiciliares e ações socioeducativas de apoio
à família, inclusive estabelecendo novo per capita, que inclui
as três últimas modalidades.
Entretanto, nos anos de 2001/2002, a SEAS continua
a financiar ações dirigidas ao atendimento em creche,
registrando-se um pequeno aumento no número de metas.
Constata-se, ainda, que o orçamento da SEAS destinado às
crianças de zero a seis anos tem um importante peso dentro
do conjunto dos serviços assistenciais de caráter continuado
do Ministério. “Essas constatações reforçam a tese da
identidade historicamente assumida pela Assistência Social,
no campo de zero a seis anos” (Almeida, 2002).
A SEAS, ao regulamentar as modalidades de
atendimento, em nada inova: as ações propostas caminham
na direção da precarização dos padrões de serviços já
existentes na rede de creches. O debate não foi
suficientemente instalado nos municípios, a participação das
instâncias colegiadas (Conselhos de Assistência Social e
Educação) foi insuficiente, a desarticulação entre as esferas
119
de governo e dessas com a sociedade não contribui para
avançar-se na efetivação dos direitos devidos às crianças. O
acompanhamento na alteração da rede por parte da
Assistência Social pressupõe um processo de monitoramento
e avaliação que também deixou a desejar. Dados de 2003 da
gerência de zero a seis, indicam que das 1.669.322 metas
pactuadas, 156.956 estão na modalidade “ações
socioeducativas de apoio à família”, o que pressupõe que estas
crianças já estejam sendo atendidas na rede de educação.
A cobertura de provisões/serviços da Política de
Assistência Social, na realização do atendimento de zero a
seis anos, deve ser norteada por um padrão de inclusão social
que garanta a acolhida e eqüidade no desenvolvimento das
novas ações, afirme principalidade do direito, rompendo com
ações focalistas e de baixo padrão de qualidade. A primazia
do Estado evidencia-se já que este assume o compromisso
de conduzir um processo amplo, democrático e articulado
na direção de alcançar a dimensão de um atendimento digno,
legítimo e justo às crianças brasileiras.
3. O DESAFIO PERMANECE
Neste novo momento, com a criação do Ministério da
Assistência Social (MAS), é a oportunidade de se resgatar
todas as ambigüidades e indefinições que envolvem o
atendimento à criança de zero a seis anos. A tão urgente e
necessária articulação com o Ministério da Educação deve
ser retomada de imediato, no sentido de aprofundar o debate
e subsidiar intervenções acerca dos seguintes pontos:
o papel da assistência social, buscando resgatar os
princípios da convivência familiar e comunitária
(art. 4º da LOAS), da prioridade à infância em
120
situação de risco pessoal e social (art. 23 da LOAS),
na direção do cumprimento do art. 4º do ECA.
o desenvolvimento de estudos, de modo a
identificar a situação atual do co-financiamento
realizado pela assistência social no atendimento de
zero a seis anos. Nessa direção, torna-se necessário
rever os instrumentos que orientam esse processo,
especialmente as Portarias nº 2.584 e 2.874/2000;
a necessidade de instituir grupo de trabalho
permanente entre os Ministérios da Educação e da
Assistência Social, incluindo outros atores
fundamentais para avançar na direção da construção
de uma agenda mínima, de coordenação
intersetorial. Por outro lado, fica evidenciado que
a complexidade da questão colocada extrapola as
competências da Assistência e da Educação e não
se resolve de forma definitiva pelos mecanismos
de gestão compartilhada. É importante que se
coloque em perspectiva um tratamento mais
estrutural para o formato de planejamento das
ações do governo federal no atendimento da criança
de zero a seis anos, envolvendo também a Casa
Civil da Presidência da República e o Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Reconhece-se a complexidade desse debate, mas é
urgente uma definição que explicite as medidas/provisões
da Assistência Social nesse campo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, A. C. A política de assistência social e os
programas federais destinados às crianças de zero a seis anos:
121
avanços, constrangimentos e desafios, relatório final. In:
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA.
Crianças de zero a seis anos: suas condições de vida e seu lugar
nas políticas públicas.[Brasília]: Ipea, 2002. (Pesquisas do
Ipea). Mimeografado.
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1990.
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______. LOAS: Lei Orgânica de Assistência Social 8.742/
93. Brasília, 1993.
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Bases da Educação Nacional. 2. ed. Brasília: MEC/Centro
de Documentação de Publicações, 2001.
______. Plano Nacional de Educação. Brasília: MEC/Comissão
de Educação, Cultura e Desporto, 2001.
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compartilhada das políticas de atenção integral à criança de zero a
seis anos. Brasília: SEAS, 1999.
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escolas na área da assistência social no período 1996-1998. Brasília:
MPAS, SAS, 1996.
CAMPOS, M. M.; ROSEMBERG, F.; FERREIRA, I. M.
Creches e pré-escolas no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
PENSAR BH. Ed. temática. Política social, Belo Horizonte,
n.3, maio/jul. 2002.
PARTE 3
A educação infantil no financiamento
da educação básica
125
A questão da educação nacional, oferecida pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios, especialmente a
educação básica, constitui um dos grandes desafios a ser
enfrentado no contexto da política de inclusão social que
norteia as ações do atual governo. A ampliação do alcance
do FUNDEF – mais importante mecanismo de redistribuição
de recursos vinculados à educação – constitui a principal
medida a ser implementada no conjunto das prioridades
educacionais presentes, por promover a imediata e efetiva
redistribuição dos recursos da educação.
A implantação do FUNDEF a partir de 1998
contribuiu para a ampliação do atendimento apenas no
âmbito do ensino fundamental, deixando, porém, à margem
do processo de inclusão, as crianças em idade escolarizável
na educação infantil e os jovens que anualmente batem às
portas do ensino médio, numa escala crescente de demanda,
dentre outras razões, pelo impulso que o FUNDEF
promoveu no segmento do ensino fundamental público. E
desconsiderou a demanda de quase 50 milhões de jovens e
adultos que não têm o ensino fundamental completo.
FUNDO DE MANUTENÇÃO E
DESENVOLVIMENTO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA – FUNDEB
Francisco das Chagas Fernandes*
* Secretário de Educação Infantil e Fundamental do Ministério da Educação.
Ex-diretor do FUNDEF.
126
Na Educação Infantil apenas 18,5% da população de
zero a seis anos é atendida nas escolas públicas estaduais e
municipais, no ensino fundamental 97% das crianças de 7 a
14 anos estão matriculadas e no ensino médio cerca de 40%
dos jovens de 15 a 17 anos são atendidos. O descompasso
existente no atendimento dos três níveis de ensino que
compõem a educação básica, decorre da ausência de uma
política que concorra para a indistinta universalização do
atendimento, sustentada por mecanismos que assegurem
melhoria qualitativa do ensino oferecido, com valorização
dos profissionais da educação. O FUNDEB vem preencher
essa lacuna como mecanismo que incentiva, democratiza e
assegura o acesso à Educação Básica.
1. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO, ESTADOS
E MUNICÍPIOS
A Constituição Federal atribui à União uma
responsabilidade direta em relação à garantia do ensino
superior, ficando a cargo dos Estados, Distrito Federal e
Municípios o oferecimento da Educação Básica, contudo,
sob a ação normativa, supletiva e redistributiva da União,
que assegura assistência técnica e financeira a esses entes
federados, concorrendo, dessa forma, para a redução das
acentuadas desigualdades existentes e para a
universalização do ensino, com melhoria qualitativa. É
urgente a promoção da eqüidade no tratamento dado a
todos os segmentos do ensino que compõem a educação
básica, assegurando aos governos estaduais e municipais,
pela via da redistribuição dos recursos e pelo aporte de
verbas federais suplementares, igualdade na capacidade
financeira de promoção do atendimento em todos os níveis
127
de ensino que oferecem e, conseqüentemente, garantindo
a todas as crianças e jovens brasileiros igualdade de
oportunidades de acesso à educação, independentemente
da localização geográfica de suas residências e do ente
governamental a que se encontram vinculadas as escolas
públicas que irão atendê-los.
É importante destacar que a atuação dos Estados e
Municípios, no âmbito da Educação Básica, ocorre de
forma diferenciada, recaindo sobre os Municípios a quase
totalidade do atendimento nas Creches (98%), Pré-Escolas
(92%) e 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental (71%),
enquanto a atuação dos Estados concentra-se no Ensino
Médio (97%), 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental (64%)
e Educação Especial (57%), verificando-se um certo
equilíbrio apenas na Educação de Jovens e Adultos, em
que Municípios e Estados atendem, respectivamente, a
48% e 52% dos alunos matriculados, conforme dados do
Censo Escolar de 2002.
Essa diferenciação de participação no atendimento
decorre da própria divisão de responsabilidades dos entes
federados, imposta pela Constituição Federal em relação
à garantia dos diversos segmentos da formação básica do
cidadão. A proposta de criação do FUNDEB mantém essa
diferenciação de responsabilidades, nos aspectos
estruturais, organizacionais e de gestão dos respectivos
sistemas de ensino, entretanto promove uma ampla
redistribuição dos recursos financeiros vinculados à
educação básica, adotando como critério o número de
alunos matriculados por nível de ensino no âmbito de cada
rede (estadual ou municipal) e a garantia de um
investimento mínimo por aluno/ano, a ser fixado
anualmente, que assegure efetivas condições de se alcançar
um adequado padrão de qualidade do ensino.
128
2. ASPECTOS FÍSICO-FINANCEIROS
Atualmente são atendidos pelo FUNDEF 32 milhões
de alunos. Com a criação do FUNDEB, serão atendidos mais
de 47 milhões de alunos matriculados na educação infantil,
no ensino fundamental e médio das redes Estaduais e
Municipais, em todas as modalidades de ensino, inclusive
na Educação de Jovens e Adultos, não considerados na
redistribuição dos recursos do atual FUNDEF.
Para viabilizar o atendimento desse contingente de
alunos, no projeto de criação do FUNDEB devem ser
asseguradas:
a composição do Fundo com os recursos vinculados
à educação no âmbito dos Estados, Distrito Federal
e Municípios;
uma maior participação financeira da União na sua
composição, a título de complementação;
a fixação, no âmbito de cada Estado e do Distrito
Federal, de um valor por aluno/ano diferenciado
por nível e modalidade de ensino, associada à
garantia de um valor nacional mínimo de
investimento que assegure qualidade do ensino.
A equalização financeira promovida pelo Fundo, em
razão das diferenças, tanto nas participações no atendimento,
quanto na composição de custos por nível de ensino, provocará
diferenciados impactos financeiros junto aos Estados e
Municípios, em função do grau de participação de cada ente
governamental no atendimento do segmento do ensino em que
atua de forma predominante. Entretanto, é importante destacar
que serão beneficiados aqueles governos que, por um lado,
contam com uma reduzida capacidade de financiamento da
educação e, por outro, atuam com significativa participação
no atendimento aos alunos da Educação Básica.
129
Esse efeito financeiro que se verifica, tanto no atual
FUNDEF, quanto no novo FUNDEB, decorre da aplicação
do mecanismo redistributivo, baseado na transferência dos
recursos em função do número de alunos atendidos. A
equalização promovida em cada Estado, pela redistribuição
apenas dos recursos do Governo Estadual e dos seus
Municípios, entretanto, não é suficiente à promoção da
necessária redução das enormes desigualdades existentes e
da melhoria qualitativa do ensino. Por isso, é de fundamental
importância uma significativa participação financeira da
União, em caráter complementar ao Fundo, pela necessidade
natural de se aportar recursos adicionais que alavanquem a
melhoria e a universalização do atendimento na Educação
Básica e minimizem os efeitos da redução de receitas dos
entes governamentais “transferidores” de recursos do
âmbito do Fundo.
3. FUNDEB – INSTRUMENTO DE
VALORIZAÇÃO DOS TRABALHADORES
EM EDUCAÇÃO
A educação é um setor intensivo em mão-de-obra,
fazendo com que os custos com pagamento de pessoal
representem cerca de 70% dos custos do ensino oferecido
pelo poder público. Essa situação há de perdurar por muito
tempo, em que pese a evolução tecnológica que, de forma
célere, tem contribuído para a introdução de novos recursos
didáticos e o aperfeiçoamento dos métodos e técnicas
utilizadas no processo ensino-aprendizagem.
A presença do professor em sala de aula não apenas
continuará a ser necessária, como exigirá desse profissional
uma atuação, tanto mais interativa e participativa quanto
130
mais atualizada em relação aos avanços e conhecimentos
tecnológicos, além de um adequado nível de formação
acadêmica, consoante dispõe a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, ao estabelecer como meta qualitativa para o
docente a formação superior para todos aqueles que vierem
a ingressar na carreira do magistério.
De outro lado, a crescente complexidade das escolas
exige outros profissionais habilitados para a educação
alimentar, a administração escolar, a manutenção de infra-
estruturas operacionais e o manuseio pedagógico de novos
recursos tecnológicos.
O Governo Federal não assume a responsabilidade
de disciplinar a carreira, nem a remuneração dos
profissionais da educação nos Estados e Municípios.
Entretanto, estabelecer diretrizes é dever da União, em
parte já contemplado pelo art. 67 da LDB. Mais ainda: criar
condições e referenciais mínimos a serem observados
contribuirá para a concretização das medidas que
assegurarão a necessária valorização do magistério,
particularmente tornando condigna sua remuneração.
A legislação do atual FUNDEF prevê que pelo menos
60% dos recursos do Fundo sejam aplicados na
remuneração do magistério em efetivo exercício no ensino
fundamental. Essa parcela de recursos permitiu que
houvesse, sobretudo no âmbito dos municípios, uma real
evolução dos aviltantes e inadmissíveis níveis salariais
praticados no passado. Contudo, com a experiência do
FUNDEF, pode-se constatar que a questão salarial do
magistério não logrou êxito com a simples garantia de um
limite mínimo de recursos financeiros que assegure a
cobertura e a melhoria da remuneração praticada pelos
Estados, Distrito Federal e Municípios. É necessário que,
além do limite mínimo de recursos, seja garantido um piso
131
salarial para a categoria, assegurando importante
componente da valorização do magistério.
O FUNDEB deverá prever que pelo menos 80% dos
seus recursos sejam destinados à valorização dos professores
e demais profissionais da educação, criando condições de
propiciar para todos uma formação sólida de nível médio
ou superior e uma efetiva elevação da remuneração, pela
garantia de piso salarial nacional, a ser regulamentado em
Lei específica.
4. MEDIDAS PARA CRIAÇÃO
Para criação e implantação do FUNDEB faz-se
necessário aprovação de Emenda Constitucional, seguida de
regulamentação por meio de Legislação infraconstitucional. O
correspondente projeto de Emenda encontra-se em fase de
análise e conclusão no âmbito do Governo, por um Grupo de
Trabalho Interministerial criado por Decreto de 21.10.2003,
formado por representantes dos Ministérios da Educação, da
Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Casa
Civil, sendo prevista a conclusão dos trabalhos e a apresentação
do respectivo projeto, até o final do presente exercício.
133
1. LEGISLAÇÃO VIGENTE
1.1. Constituição Federal de 1988, com a redação dada
pela Emenda Constitucional nº 14, de 13 de setembro de 1996:
a) Vinculação constitucional de recursos (CF, art. 212,
caput): mínimo de 18% para a União e de 25% para Estados,
DF e municípios da receita resultante de impostos para
despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino
(MDE), definidas pela LDB (arts. 70 e 71).
b) Subvinculação de recursos para o ensino
fundamental (art. 60, caput, do ADCT): por dez anos (1997 a
2006), mínimo de 60% dos recursos dos Estados, DF e
municípios previstos no art. 212 da CF (= 15% dos impostos)
para o ensino fundamental público.
c) Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) (art.
60, § 5º): por dez anos (1997 a 2006), em cada Estado, Fundo
de natureza contábil, constituído por 15% do FPE, FPM,
ESTUDO SOBRE AS POSSIBILIDADES
DE CONTINUIDADE DO FUNDEF E
O FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA NO PAÍS
Mariza Abreu*
* Consultora Legislativa da Área XV Educação, Cultura, Desporto, Bens
Culturais, Diversões e Espetáculos Públicos
134
ICMS, IPI-Exp e recursos da Lei Kandir; redistribuição dos
recursos entre governo estadual e os municípios, de acordo
com a matrícula nas respectivas redes de ensino
fundamental, apurada pelo Censo Escolar do ano anterior,
realizado pelo Inep/MEC; complementação pela União dos
recursos dos Fundos, cujos valores anuais por aluno não
alcançarem um valor mínimo por aluno definido
nacionalmente; subvinculação de, no mínimo, 60% dos
recursos do Fundo em cada UF para o pagamento do
magistério do ensino fundamental público.
1.2. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996: dispõe
sobre a vigência automática do Fundo a partir de 1998 (art.
1º), a complementação da União e a fixação do valor
nacional por aluno (art. 6º, § 1º), a operacionalização do
Fundo (art. 3º), a diferenciação de valor por aluno,
considerando 1ª a 4ª série, educação especial e escolas rurais
(art. 2º), os conselhos sociais de acompanhamento e
controle social (art. 4º), a elaboração de novos planos de
carreira para o magistério (art. 9º), etc.
2. AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL
2.1. É amplamente majoritária, na sociedade, a
avaliação positiva do Fundef como mecanismo
redistributivo para financiamento do ensino fundamental
público.
2.2. Várias polêmicas verificadas na implantação do
Fundo foram superadas ou, ao menos, adequadamente
encaminhadas. Como exemplo, podemos citar as
possibilidades de utilização dos recursos subvinculados ao
magistério para o pagamento apenas dos docentes ou
também dos profissionais de educação em exercício das
135
chamadas funções de suporte pedagógico direto à docência
(hoje, poucos Tribunais de Contas mantêm a interpretação
mais restritiva).
2.3. As principais polêmicas não resolvidas referem-
se a: definição do valor mínimo nacional por aluno pelo
governo federal; diferenciação do valor por aluno para as
escolas rurais; e previsão de ajustes progressivos das
contribuições ao Fundo para garantir valor por aluno
correspondente a padrão de qualidade do ensino.
2.4. No Relatório Final do grupo de trabalho
instituído pelo MEC, neste ano, para realizar Estudo sobre
a Definição do Valor Mínimo Nacional por Aluno/Ano do
Fundef para 2003, conclui-se que o valor por aluno para
2003 não repõe a inflação de 2002 e foi fixado aquém das
possibilidades atuais. O documento apresenta alternativas
para aumento desse valor ainda este ano, considerando ou
a disponibilidade financeira atual para a complementação
da União (395,0 milhões de reais), ou a dotação
orçamentária (657,5 milhões de reais), ou, ainda, o
aumento dos recursos previstos no orçamento federal de
2003. O documento traz à luz a recomendação do TCU no
sentido de revisar, via projeto de lei ou medida provisória,
o dispositivo legal com a fórmula de cálculo do valor mínimo
nacional por aluno/ano do Fundef, de forma a
compatibilizar o valor da complementação nacional com as
condições financeiras da União.
2.5. Nesse Relatório, o GT do MEC reconhece a falta
de dados para fixar a diferenciação do custo-aluno e afirma
que, na segunda etapa de implantação do Fundef
(2002-2006), o valor mínimo deveria corresponder ao
custo-aluno-qualidade, tornando-se, portanto, mais
significativo, no contexto atual, a realização de estudos para
definir esse custo-aluno-qualidade do que a aplicação da
fórmula de cálculo da Lei nº 9.424/96.
136
3. PECs APRESENTADAS NO CONGRESSO
3.1. Após a aprovação da Emenda Constitucional nº
14, de 1996, novas PECs foram apresentadas no Congresso
Nacional, relativas ao financiamento da educação básica.
3.2. Várias dessas PECs evidenciam a preocupação
com o financiamento da educação infantil, prevendo a
inclusão dessa etapa da educação básica no Fundef sem
alterar sua composição – PECs n° 570/98 do Deputado
Severiano Alves (PDT/BA) e nº 342/01 da Deputada Ana
Maria Corso (PT/RS) – ou a subvinculação de recursos para
a educação infantil – PEC n° 415/01 do Deputado Inácio
Arruda (PCdoB/CE).
3.3. Outras PECs tratam especificamente da vigência
do Fundef – a PEC nº 467/01 do Deputado Armindo Abílio
(PSDB/PB) prorroga a vigência do Fundo por mais dez anos,
ou seja, até 2016, e a PEC nº 522/02, do Deputado Luiz
Carlos Hauly (PSDB/PR), transforma o Fundef em
mecanismo permanente de financiamento do ensino
fundamental público, ao transpor para os parágrafos do art.
212 da Constituição Federal o conteúdo do art. 60 do ADCT,
então revogado. No Senado Federal, foi apresentada a PEC
nº 29/02 pelo Senador Francisco Escórcio (PMDB/MA), que
inclui o § 8º no art. 60 do ADCT duplicando o prazo de
vigência previsto no caput do artigo, caso, ao seu término, persistam
as deficiências do ensino fundamental público, ou seja, prorroga a
vigência do Fundef também por mais dez anos.
3.4. Ao mesmo tempo, foi oferecida à apreciação do
Congresso a PEC nº 112/99 pelo Deputado Padre Roque
(PT/PR) e outros parlamentares do Partido dos
Trabalhadores, que cria o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb), desarquivada neste
137
início de nova legislatura e apensada à PEC nº 78/95, que
propõe a ampliação do percentual de recursos vinculados
da União de 18% para 25%.
3.5. No Senado Federal, foi apresentada a PEC nº 34/
02 pelo Senador Ricardo Santos (PSDB/ES), que modifica
o art. 212 da Constituição Federal, destinando o salário-
educação para a educação básica, acrescenta o art. 212-A,
criando o Fundeb (com definição dos recursos que o
compõem, que não a totalidade dos recursos vinculados dos
Estados e municípios, valor nacional por aluno não inferior
à razão entre a receita total do Fundo no País e a matrícula
nacional total da educação básica pública, redistribuição dos
recursos de acordo com a matrícula na educação básica e
60% dos recursos subvinculados para pagamento dos
professores da educação básica pública) e altera o art. 60
do ADCT, estabelecendo progressividade para atingir a regra
permanente para o cálculo do valor nacional por aluno (70%
no primeiro ano até chegar a 100% no quarto ano). Desde
28 de fevereiro deste ano, essa PEC encontra-se na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado, para parecer.
3.6. Entre as PECs já apresentadas em 2003, na área
da educação, a maioria delas refere-se ao financiamento do
ensino superior, mediante concessão de bolsa de estudo a
estudantes carentes e compra de vagas pelo Poder Público
em instituições confessionais ou comunitárias – PECs nº
12/03 do Deputado Oswaldo Biolchi (PMDB/RS), nºs 27/
03 e 28/03 do Deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB/
RS) e nº 55/03 do Deputado Wilson Santiago (PMDB/PB).
3.7. A PEC nº 37/03, do Deputado Severiano Alves
(PDT/BA), cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Infantil e de Valorização do Magistério, em
âmbito estadual e em caráter permanente, por meio de
modificação do art. 212 da Constituição Federal.
138
3.8. Lembre-se que outras PECs em tramitação no
Congresso Nacional tratam da ampliação da possibilidade
de utilização do salário-educação. A PEC nº 428/01, do
Deputado Eduardo Seabra (PTB/AP), prevê a possibilidade
de utilização do salário-educação na pré-escola. A PEC nº
232/00, apresentada pelo Executivo federal, propõe a
possibilidade de utilização do salário-educação no ensino
médio. Por fim, oriunda do Senado Federal, a PEC nº 23/03,
que altera o § 5º do art. 212 da Constituição Federal, para
estender a aplicação do salário-educação à educação infantil,
encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados,
apensada à PEC nº 428/01.
3.9. Sobre as propostas de extensão da aplicação do
salário-educação, por solicitação da Presidência da Comissão
de Educação, Cultura e Desporto, a Consultoria Legislativa
elaborou Nota Técnica.
Observação: Arquivada apenas a PEC nº 570/98.
139
4. A PROPOSTA DO FUNDEB
4.1. Embora conste do programa de governo do
Presidente Lula, das manifestações e documentos do ministro
da Educação, e dos pronunciamentos de vários parlamentares
do PT, até este momento o Executivo federal não apresentou
à sociedade brasileira Proposta de Emenda à Constituição
que institua o Fundeb.
4.2. Ao mesmo tempo, por intermédio da Secretaria
de Educação Fundamental/Departamento de
Acompanhamento do Fundef, o MEC encaminhou ofício a
várias entidades como a Confederação Nacional de
Municípios (CNM) e o Conselho Nacional de Secretários de
Educação (Consed), e provavelmente a União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE), também consultadas durante o estudo do valor por
aluno do Fundef para este ano, solicitando considerações e
sugestões acerca da criação e implantação do Fundeb, em
substituição ao Fundef, para avaliação e consideração pelos técnicos
que estão desenvolvendo o projeto no âmbito do MEC.
4.3. Nesse ofício, o MEC adianta que, considerada uma
das mais importantes medidas do atual governo em favor da
educação básica oferecida pelos Estados, Distrito Federal e
municípios, o Fundeb prevê a expansão do contingente de
beneficiários (alunos matriculados) que constitui a base para
distribuição e utilização dos recursos, de forma a incluir todo
o alunado da educação básica (e não apenas do ensino
fundamental, como ocorre no atual Fundef), bem como a
ampliação do percentual dos recursos da educação que
passarão a integrar o Fundo, além da base de incidência que,
necessariamente, será objeto de redimensionamento, de forma
a tornar o novo Fundeb compatível com o objetivo a que se
140
propõe, qual seja de concorrer para a universalização de
toda a educação básica, com qualidade do ensino e
valorização dos profissionais da educação.
4.4. Uma vez que o governo Lula ainda não apresentou
sua proposta de Fundeb, apresentamos a seguir uma síntese
da PEC nº 112/99, oferecida à apreciação do Congresso por
parlamentares do PT. Assim, esta proposta de alteração da
Constituição Federal:
(Art. 208) – Introduz progressiva universalização da
educação infantil.
(Art. 211) – Introduz a responsabilidade da União pelo
ensino superior e educação profissional tecnológica.
(Art. 211) – Inverte a ordem da atuação prioritária
dos municípios (no texto atual, ensino fundamental e educação
infantil; na PEC, educação infantil e ensino fundamental).
(Art. 211) – Substitui a colaboração entre Estados e
municípios na oferta do ensino fundamental pela colaboração
entre União, Estados, Distrito Federal e municípios na oferta
da educação básica.
(Art. 211) – Introduz, na CF, princípios presentes na
LDB – distribuição de recursos conforme demanda (definida
como população de 0 a 17 anos, mais jovens e adultos que não
completaram a educação básica) e receitas de impostos, e
assistência técnica da União para suplementar custo-aluno-
qualidade, cujas diretrizes serão definidas em lei complementar.
(Art. 211) – Cria o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de Valorização
dos Profissionais da Educação (Fundeb) com totalidade dos
recursos vinculados dos Estados, Distrito Federal e municípios.
(Art. 211) – Subvincula 80% do Fundeb para
valorização dos profissionais da educação (magistério ou todos
os trabalhadores em educação?).
141
(Art. 211) – Dispõe sobre conselhos gestores do
Fundeb, com representantes do poder público estadual e
municipal e da sociedade civil.
(Art. 212) – Amplia a vinculação de recursos da
União de 18% para 20% da receita de impostos.
(Art. 60 do ADCT) – Modifica as metas do período
de 10 anos – erradicação do analfabetismo, universalização
da educação básica e do ensino obrigatório, garantia de
permanência na escola.
(Art. 60 do ADCT) – Define prazo de cinco anos
para Estados e municípios retirarem financiamento do ensino
superior dos 25% vinculados à MDE pelo art. 212.
4.5. Em resumo, pela proposta de 1999, o Fundeb seria
constituído pelos 25% de toda a receita resultante de impostos
vinculados para despesas com MDE dos Estados e municípios,
e seria destinado ao financiamento de toda a educação básica,
incluindo a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
médio. Em outras palavras, o Fundeb consistiria em fundos
estaduais com a totalidade dos recursos vinculados para a
totalidade dos alunos da educação básica pública.
4.6. Ao mesmo tempo, a PEC n°112/99 prevê a
substituição dos conselhos sociais de acompanhamento e
controle social por conselhos gestores, a fixação de custos-
aluno-qualidade diferenciados para as etapas e modalidades
da educação básica, e destinação de 80% para pagamento de
professores e outros profissionais da educação.
5. CONSIDERAÇÕES SOBRE O FUNDEB
5.1. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que, em
decorrência de o Fundef ter vigência até 2006 e considerando
142
sua absoluta aceitação como mecanismo de financiamento
do ensino fundamental, será necessária a alteração da
Constituição Federal durante o atual governo, qual não seja
apenas para dar continuidade ao Fundef ou torná-lo
permanente.
5.2. Hoje, o debate centraliza-se na avaliação das
possibilidades de instituição do Fundeb, surgindo, entretanto,
iniciativas que apontam, no sentido da implementação de
Fundos diferenciados, para o financiamento das diferentes
etapas da educação básica.
5.3. Na comparação entre o Fundef e a proposta de
Fundeb, de acordo com a PEC nº 112/99, são centrais as
questões relativas aos beneficiários (alunos do ensino
fundamental público ou da educação básica pública) e dos
recursos constitutivos do Fundo (15% de parte da receita de
impostos, a saber, do FPE/FPM, ICMS, IPI-Exp e recursos
recebidos à conta da Lei Kandir, ou 25% da totalidade da
receita de impostos). Passamos a abordar estas duas questões.
5.4. Ao direcionar-se ao financiamento do ensino
fundamental, o Fundef promove redistribuição de recursos
entre os governos dos Estados e seus municípios em relação
a um nível de ensino que, pela Constituição Federal e pela
LDB, consiste em responsabilidade concorrente ou
compartilhada desses dois níveis de governo. No Fundeb, a
totalidade dos recursos vinculados às despesas com MDE
seria redistribuída entre os Estados e seus municípios, em
relação a etapas da educação básica, pelas quais eles não são
co-responsáveis, visto ser a educação infantil incumbência
apenas dos municípios, e o ensino médio, apenas dos Estados.
Sobre isso, Paulo Sena observa:
27
27
SENA, P. Os nós do financiamento à educação : nota técnica. Brasília: Consultoria
Legislativa da Câmara dos Deputados, abr. 2003.
143
A bem da transparência no debate, é preciso assinalar que
o aspecto positivo da proposta – ampliação para todos
os níveis do esquema redistributivo-equitativo do Fundef
– talvez não esteja sendo bem compreendido por algumas
prefeituras que esperam que o Fundeb estanque perdas
de recursos. Não é bem assim. Se, de um lado estas
prefeituras entrarão com suas matrículas de educação
infantil, todas as prefeituras de municípios pobres também
o farão. Além disso, o Estado entrará com as matrículas
do ensino médio. Haverá a necessidade do
aperfeiçoamento do controle sobre as matrículas-fantasma
e sobre as matrículas-“cometa” (o aluno que aparece uma
vez, faz a matrícula, conta para a base de cálculo do
Fundef e não freqüenta).
5.5. A inclusão de todas as etapas da educação
básica, em um mesmo Fundo, gera a necessidade de
definição de valores por aluno diferenciados por nível de
ensino. Lembre-se que o GT do MEC sobre o valor por
aluno do Fundef reconhece que os resultados das pesquisas
até então realizadas (em 2000 e 2002) não apontam uma
definição segura de diferenças, seja em relação ao custo-
aluno entre 1ª a 4ª série e 5ª a 8ª série, seja em relação ao
custo entre escolas rurais e urbanas. Sobre isso, Paulo Sena
(op. cit.) observa que a lei do Fundef prevê coeficientes,
para diferentes subníveis de ensino e tipos de
estabelecimento. Sua implantação não foi nem imediata,
nem consensual, nem plena – uma vez que as escolas rurais
permanecem excluídas da diferenciação, mesmo no governo
Lula. A definição por níveis promete um forte conflito de
interesses federativos. (...) (Já que no Fundef) muitas vezes
o regime de colaboração é substituído por conflitos
federativos abertos, como nos casos de fixação de
144
coeficientes e da definição pela responsabilidade do
transporte escolar.
5.6. Por fim, ainda sobre a questão dos beneficiários.
O Fundef foi instituído quando o atendimento educacional
no ensino fundamental à população de 7 a 14 anos
encontrava-se próximo da universalização. Como, neste
nível de ensino, a taxa de escolarização bruta ainda é
superior a 100% devido ao atraso escolar (que a sociedade
vem enfrentando com mecanismos como a aceleração de
aprendizagem e a redução das taxas de reprovação e
abandono), e como vem se reduzindo a taxa de crescimento
demográfico da população no País, no momento da
formulação do Fundef (1995/1996) já se previa a futura
redução da matrícula no ensino fundamental regular, o que
efetivamente começou a se verificar a partir do Censo
Escolar do ano 2000. Assim, assegura-se a tendência ao
crescimento do valor anual por aluno, pois mesmo na
hipótese irrazoável da estagnação da produção social e da
arrecadação de impostos, o Fundef implicava uma razão
na qual um mesmo volume de recursos seria dividido por
um número de alunos a cada ano menor. Na realidade, de
acordo com o GT do MEC, como de 1998 a 2002 a receita
do Fundef cresceu 76,5%, e as matrículas no ensino
fundamental público aumentaram 5,3%, o valor per capita
aluno/ano cresceu 67,6%.
5.7 Não é essa a realidade nem da educação infantil,
nem do ensino médio, cujas matrículas vêm crescendo ano
a ano e tendem, ainda, a um aumento significativo no
futuro próximo. Nesse caso, dividir recursos por matrículas
traz em si o risco de um valor por aluno decrescente, com
prejuízos evidentes para a qualidade do ensino, o que de
resto aconteceu na expansão do atendimento no ensino
fundamental.
145
5.8. Por exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul,
um estudo publicado na imprensa em 1999
28
demonstra que,
entre os governos de 1975/1978 e 1995/1998, a educação
não só perdeu participação relativa nas despesas do Estado,
como manteve seu montante de gastos praticamente
inalterado. Em 1975/1978, despendia-se por ano, em média,
um bilhão de reais com educação. Isso ocorreu mesmo com
a elevação da renda estadual e o crescimento das matrículas,
o que implicou a redução do valor de recursos públicos
disponíveis por aluno, com a conseqüente queda na
qualidade do ensino oferecido à população.
29
O que
aconteceu no Rio Grande do Sul deve ter sido repetido, em
maior ou menor medida, em todo o País.
5.9. Ainda, para tornar a questão mais complexa, são
diferentes as demandas e as condições de ampliação da
oferta na educação infantil e no ensino médio. Em primeiro
lugar, a demanda na educação infantil é mais facilmente
quantificável, pois no máximo corresponderia à totalidade
da população na faixa etária de zero a seis (ou zero a cinco)
anos, já que não se apresenta o problema do atendimento
fora da idade apropriada (para caricaturar, não há educação
infantil para jovens e adultos). Sem falar no fato de que o
28
BRUNET, J. E. G.; CALAZANS, R. B. Aonde vai a educação do Rio Grande
do Sul? Gazeta Mercantil, 28 jun. 1999.
29
A participação relativa média das despesas com educação no período 1975/
1978 foi de 25,1% no conjunto total da despesa, reduzindo-se para 13,9%
em 1995/1998, numa queda de 11,2 pontos percentuais. Em relação ao PIB
estadual, essa participação era de 2% contra 1,4% no período 1995/1998,
acusando queda de 0,6 ponto percentual. O Estado inverteu a ordem de suas
prioridades essenciais, canalizando recursos para assistência e previdência e
para os poderes Judiciário e Legislativo, em detrimento da educação e da
segurança. Considerando-se os mesmos períodos, os gastos com inativos
ampliaram-se de 12,5% em relação à despesa orçamentária global para 25,65%,
e nas funções legislativa e judiciária, os gastos cresceram de 4,2% para 9,5%.
146
número absoluto de crianças nessa faixa etária é, hoje,
decrescente no Brasil. Ao contrário, a demanda apresenta-
se mais elástica no ensino médio, pois trata não apenas de
assegurar o acesso a esse nível de ensino aos jovens entre
15 e 17 anos que tenham concluído o ensino fundamental,
mas também a todos os jovens e adultos que não
completaram sua formação nessa etapa da educação básica,
na chamada idade escolar. A meta nº 16 do Capítulo de
Educação de Jovens e Adultos do Plano Nacional de
Educação (PNE) consiste em: “Dobrar em cinco anos e
quadruplicar em dez anos a capacidade de atendimento
nos cursos de nível médio para jovens e adultos”.
5.10. Em segundo lugar, a sociedade não precisa, ou
não deve, colocar-se como objetivo de universalização do
atendimento em instituições educacionais na educação
infantil, especialmente à população na faixa etária de zero
a três anos (o que não dispensa o Estado e a sociedade da
responsabilidade pelo bem-estar e desenvolvimento integral
das crianças, mediante, por exemplo, ações de apoio e
assistência às famílias e iniciativas pedagógicas e
recreacionais na forma de atendimento em espaços públicos
como praças ou associações de bairro). Ao contrário, é
objetivo, das sociedades contemporâneas, a universalização
do atendimento no ensino médio, e mesmo a extensão da
obrigatoriedade a esse nível de ensino, hoje ainda definida
apenas em relação ao ensino fundamental. Em decorrência,
questiona-se a possibilidade de extensão, para as demais
etapas da educação básica, do critério vigente no Fundef
de redistribuição dos recursos entre os governos estadual e
municipais, de acordo com a matrícula existente a cada ano.
5.11. Sobre a mistura num mesmo fundo de recursos
para financiamento de toda a educação básica, Paulo Sena
(op. cit.) ainda observa:
147
(...) o ensino médio conta com cerca de 7,6 milhões de
matrículas públicas, está em expansão, e por suas
características tem o custo mais elevado – o que certamente
será trazido à Mesa pelos Estados quando das discussões
referentes (à definição dos coeficientes diferenciados por
nível de ensino) – enquanto a educação infantil tem cerca
de 4,4 milhões de matrículas públicas. Isto é, o
financiamento da educação infantil pode até ser prejudicado.
Há o risco de os municípios serem atropelados pelos
Estados neste debate.
5.12. Além da redução do valor por aluno, outras
conseqüências indesejáveis poderiam advir, como a indução à
escolarização de crianças de zero a três anos em situações
socialmente não recomendáveis (como na zona rural – também
para caricaturar, imaginemos o problema do transporte escolar
dessas crianças no trajeto residência–creche–residência). Ou,
em face do limite de crescimento do bolo de recursos, em
decorrência da também limitada capacidade de
complementação da União, o surgimento de obstáculos à
expansão do atendimento educacional no ensino médio.
5.13. Quanto aos recursos constitutivos do Fundeb,
duas considerações. Em primeiro lugar, é difícil acreditar que
governadores e prefeitos, e seus secretários de finanças,
independentemente de agremiação partidária, venham a aceitar a
capturação pelo Fundeb da totalidade dos 25% dos impostos
constitucionalmente vinculados às despesas com MDE. De
fato, esse procedimento limitaria os espaços de autonomia
dos entes federados e consistiria num mecanismo de
equalização absoluta dos recursos hoje disponíveis, o que
poderia implicar aporte significativo de novos recursos em
entes federados mais pobres mas também retração de recursos
disponíveis em entes federados mais ricos. Assim, embora
“pela média”, principalmente em municípios mais ricos
148
pareceria um nivelamento “por baixo”. Sobre isso, no
documento de apresentação do Fundeb assinado pelo
Deputado José Pimentel (PT/CE), afirma-se respeito à
autonomia estadual e municipal no uso em educação de recursos
vinculados acima de 25% (grifo nosso).
5.14 Em segundo lugar, a constituição de fundos com
a totalidade dos recursos vinculados implicaria um problema
de operacionalização do Fundeb. No Fundef, como integram
os Fundos apenas recursos de receitas de impostos já
compartilhadas entre os níveis de governo por determinação
constitucional, quando da transferência da receita-mãe, os
15% do Fundef são automaticamente capturados,
redistribuídos de acordo com os coeficientes de matrícula, e
diretamente depositados nas contas específicas do Fundef
de cada ente federado. Como será operacionalizada a
redistribuição da totalidade da receita de impostos entre o
governo do Estado e seus municípios?
5.15. Para termos idéia das dificuldades que poderão
advir, na Agenda Legislativa da Indústria, publicação de 2003,
na parte relativa à educação, a Confederação Nacional da
Indústria (CNI) posiciona-se de forma divergente à PEC n°
522/02 do Dep. Luiz Carlos Hauly, com a seguinte
argumentação:
Ocorre que a aquiescência dos Estados e Municípios à
vinculação de tais receitas se deu pelo seu caráter transitório.
Sua perenização comprometerá por tempo indeterminado
a autonomia de Estados e municípios na aplicação dos
recursos da arrecadação em conformidade com as
especificidades locais. Deste modo, a medida poderá ter,
como conseqüência, a necessidade de criação por parte dos
Estados e municípios de outras fontes de receitas, o que
repercutirá de forma negativa no setor produtivo. Por fim,
ainda não decorridos sete anos do prazo inicial estabelecido
149
pela EC nº 14/96, já se pretende tornar permanente
instrumento, que, a princípio, foi criado para alcançar
objetivos em determinado período de tempo, o que, na
verdade, é indício de insucesso.
5.16. Responda-se a essas considerações que, ao
contrário, é o sucesso do Fundef que torna a sua prorrogação
uma necessidade da educação pública brasileira. Isto porque
as desigualdades de riqueza e renda entre regiões e Estados
e, dentro de cada Estado, entre municípios podem ser
reduzidas, mas dificilmente eliminadas, o que implica a
necessidade do caráter permanente desse instrumento
redistributivo dos recursos vinculados a despesas com MDE.
6. A ALTERNATIVA DE TRÊS FUNDOS
6.1. Já indicada nas propostas de continuidade do
Fundef e de instituição de um fundo específico para a
educação infantil, essa possibilidade é apresentada por Paulo
Sena no trabalho já referido:
O Plano Nacional de Educação consagrou como
diretriz (Lei nº 10.172/2001, item 11.2) para o financiamento,
a gestão de recursos da educação por meio de fundos de natureza contábil
e contas específicas.
A proposta de gestão por fundos não é nova. Remonta
à Constituição de 1934, que previa fundos por esfera da
Federação, constituídos por sobras das dotações
orçamentárias. A Constituição de 1946 menciona um fundo
para o ensino primário, apenas na esfera da União. A antiga
LDB (Lei nº 4.024/61) previa fundos por nível (art. 92), mas
apenas na esfera federal. Destes fundos restritos à União,
apenas o referente ao então ensino primário prosperou,
150
tornando-se o gérmen do FNDE. Ficou abandonada a idéia
de fundos por níveis.
Pela primeira vez, com o Fundef, a questão dos fundos
parece estar concebida de maneira mais consistente. O
problema das tentativas anteriores era a sua vinculação a
fontes de recursos pouco expressivas (sobras orçamentárias
ou limitadas ao âmbito da União no exercício da função
supletiva). Daí a dificuldade de ‘saírem do papel’. Há a
necessidade da união dos mecanismos de vinculação genérica
de recursos com a gestão por fundos. Anísio Teixeira
30
teve
esta percepção e lutou por esta idéia, argumentando que, se
a Carta de 1946 recriara a vinculação de recursos à Educação,
“não seria forçar a Constituição afirmar que a mesma criou
deste modo fundos especiais para o ensino”, através da
Administração especial desses recursos”.
Se o Fundef trouxe estes benefícios, por que não
estendê-los aos demais níveis da educação básica? Esta é a
questão levantada pelos defensores do Fundeb, entre os quais
alguns dos mais sérios e notáveis estudiosos do financiamento
da educação. A partir da mesma preocupação, reapresento
esta velha nova idéia, inspirada em Anísio Teixeira: por que
não três fundos distintos, nos moldes do Fundef – para a
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio? Estes
teriam valores mínimos, complementação da União e contas
específicas e conselhos de acompanhamento.
Parece-me que três fundos (o Fundef-Pleno e os
fundos para a educação infantil e ensino médio) teriam
algumas vantagens em relação a um fundo único:
não haveria mistura, num mesmo fundo, de recursos
de entes diferentes, quando as competências são
30
TEIXEIRA, A. A municipalização do ensino primário. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 24-25, 1957.
151
diferentes, o que traz potenciais enfrentamentos
federativos, com risco dos entes politicamente mais
fortes (estados) sobrepujarem os mais fracos
(municípios). Entre as dificuldades, estaria a definição
de coeficientes por nível. Como indicado (antes), o
peso das matrículas do ensino médio pode beneficiar
este nível em relação à educação infantil;
menos burocracia, uma vez que o fundo da
educação infantil envolveria as esferas municipal
e, federal, como complementadora e o fundo do
ensino médio, apenas as esferas estadual e federal,
como complementadora;
acompanhamento de cada um dos três fundos por
(três) conselhos compostos de maneira mais
representativa de cada nível – um pai de aluno da
educação infantil é diferente de um pai de aluno
do ensino médio. Um professor do fundamental
pode ter interesses diferenciados de um professor
do ensino médio, etc.;
negociação separada com a União para o
estabelecimento dos mínimos de cada fundo que,
em meu entendimento, melhora as possibilidades de
ganhos;
melhor possibilidade de composição de fontes, isto
é, de trazer para o Fundo, da educação infantil,
vinculados recursos da saúde e assistência e, para
o fundo do ensino médio, recursos do trabalho –
setores que estariam representados nos conselhos
de acompanhamento.
Além dos fundos, entendo necessária a existência, com
recursos definidos, de dois grandes programas
complementares: a correção de fluxo e a diminuição dos
desníveis regionais.
152
6.2. Por Fundef-Pleno, Paulo Sena (op. cit.) entende:
É importante assinalar que o Fundef é um mecanismo de
financiamento cuja execução não se completou. A sua
abrangência focalizada não é um elemento interno do
mecanismo – Fundef, mas resultado da utilização que o
Executivo vem fazendo da “válvula” do valor mínimo –
contrariando, aliás, o disposto na lei. Para se ter o “Fundef-
Pleno”, tal como já previsto na legislação, são necessários:
aumento imediato do valor mínimo nacional, de acordo
com o que dispõe o art. 6º, caput e art. 1º da Lei nº
9.424/96;
ajuste do valor mínimo nacional a um padrão de
qualidade (art. 60, §4 º ADCT e Macroobjetivos da Lei
nº 9.989/2000 – PPA);
definição do coeficiente em beneficio da escola rural
(art. 2º, §2º, IV – Lei nº 9.424/96).
Com estes ajustes entendo que o Fundef – sem dúvida
um marco positivo na história do financiamento da educação
– pode ser mantido, ao lado de outros dois fundos, para os
demais níveis da educação básica.
7. CONCLUSÕES
7.1. Tanto a proposta de Fundeb quanto a de instituição
de três fundos diferenciados para a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio, não estão ainda
suficientemente aprofundados, do ponto de vista dos
municípios, dos Estados e das possibilidades de
complementação desses fundos pela União. Pois, de nada
adianta ampliar os mecanismos redistributivos hoje vigentes
se não existir, por parte do governo federal, a vontade
política e as condições reais de assegurar maior participação
153
da União, no exercício de suas funções constitucionais
supletivas e redistributivas, no financiamento da educação
básica pública em todo o País.
7.2. Especialmente, é necessário que essas propostas
sejam fundamentadas com simulações e análises
orçamentárias e financeiras, de forma a avaliar o impacto que
cada uma delas poderá ter nos Estados e municípios, nas
diferentes regiões brasileiras.
7.3. Por fim, afirmamos que o debate sobre as
possibilidades de financiamento da educação básica no Brasil
– se criação do Fundeb ou aperfeiçoamento do Fundef e
instituição de outros dois fundos específicos para a educação
infantil e o ensino médio – somente avançará quando o
governo federal apresentar, para a discussão com a sociedade,
sua proposta concreta de Fundeb.
155
I. ANTECEDENTES
Em junho de 1994, durante as discussões do Plano
Decenal de Educação para Todos, foi instalado o Fórum
Permanente de Valorização do Magistério e Qualidade da
Educação Básica. Eram integrantes do Fórum, o MEC, como
coordenador, o Ministério do Trabalho, o Consed, a Undime, a
CNTE, o Crub, a Anfope e o Fórum dos Conselhos Estaduais
de Educação. Seu objetivo era uma reflexão urgente sobre a
relação valorização do magistérioqualidade da educação
escolar. No horizonte, pensava-se na construção de um Acordo
Nacional para viabilizar mecanismos políticos, administrativos
e pedagógicos de valorização do magistério que resultassem
na melhoria da qualidade de todas as etapas da educação básica.
Havia já um acúmulo de diagnósticos que apontavam
a necessidade urgente da melhoria de qualidade da educação
como condição de inserção do País no mundo globalizado e
na sociedade do conhecimento, e se presumia que grande parte
das deficiências qualitativas do ensino derivavam do fraco
desempenho dos professores, causado por uma formação
deficiente e por jornadas estafantes de trabalho, frutos ambas
da deterioração salarial ocorrida nas últimas décadas.
O FUNDO DE EDUCAÇÃO
BÁSICA E O FINANCIAMENTO
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
João Antonio C. de Monlevade*
* Consultor Legislativo da Área da Educação do Senado Federal.
156
Foi este Fórum que construiu o Acordo Nacional, de
2 de setembro, e o Pacto Nacional, de 19 de outubro, que
continham vários compromissos dos governos federal,
estaduais e municipais – entre eles, a elaboração, em 1995,
de novos planos de carreira do magistério, com a implantação
do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) de R$ 300,00
para uma jornada semanal de tempo integral, ou seja, de 40
horas. Esse Piso – quantia abaixo da qual não se poderiam
fixar as remunerações iniciais dos professores com habilitação
de nível médio em início de carreira – seria viabilizado por
meio da instituição de Fundos Articulados nas esferas de
Poder, toda vez que o Município ou o Estado não tivesse
capacidade de pagamento com os recursos de impostos
vinculados à manutenção e desenvolvimento de ensino
(MDE). A União, para tanto, usaria de metade dos 18%
destinados à MDE por força do art. 212 da Constituição
Federal – calculada, à época, em R$ 3 bilhões.
O mais importante deste registro é enfatizar que todo
esse esforço político e financeiro era destinado a qualificar
não somente uma etapa da educação escolar, mas toda a
educação básica, incluindo a educação infantil, ou seja,
das crianças até seis anos de idade.
Talvez mesmo por essa ousadia, uma vez na Presidência
e no Ministério da Educação os novos mandatários do País,
o Acordo e o Pacto foram desfeitos, e substituídos pela pálida
proposta do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – Fundef
– que viria a afetar somente uma das três etapas da educação
básica, a sua modalidade mais “domável”, a da “oferta
regular” , que, grosso modo, se desenvolve na “idade própria”,
ou seja, dos sete aos catorze anos.
É importante que relembremos as datas: 1994 e 1995,
bem antes da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da
157
Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996. Só então o País passou a ter consciência, lentamente,
de que o ensino fundamental era somente uma etapa
provisoriamente obrigatória da educação básica a que todo
cidadão tem direito, antecedido pelos seis anos da educação
infantil e completados pelo ensino médio. Mais lentamente
ainda, está caminhando a tomada de consciência de que, como
integrante da educação básica, a educação infantil precisa ser
financiada pelo Poder Público e se integrar em suas políticas
macroeconômicas.
A PEC 233/95, que encaminhou o Fundef, se
converteu na Emenda à Constituição nº 14, de 12 de
setembro de 1996, após competentes debates, onde se
elogiou sua audácia distributiva e se denunciou sua timidez
inclusiva: e, no momento da sanção da Lei nº 9.424, em 24
de dezembro do mesmo ano, pela qual se regulamentou o
Fundef, cortou-se a participação no Fundo das matrículas
existentes (3 milhões) e potenciais (60 milhões) dos jovens
e adultos. Ou seja, a dívida social não cabia no financiamento
federal da educação.
O Fundef foi implantado no Pará em agosto de 1997 e
nos outros Estados em 1º de janeiro de 1998. No Distrito
Federal, não se implantou até hoje. Imediatamente se
percebeu que não só o passado tinha sido cortado; o futuro
também ficou comprometido.
Por que e como ?
Pela LDB, a responsabilidade pela oferta de creche e
pré-escolas – que compõem a educação infantil e que eram
encargos tanto das redes estaduais como das secretarias de
ação social – passou praticamente para os Municípios, mais
precisamente para as secretarias municipais de educação. Ora,
como dos 25% de impostos vinculados à MDE, os Municípios
tinham que destinar agora, obrigatoriamente, 60% (ou seja,
158
15% do total) para o ensino fundamental, sobravam 10%,
ou menos, quando os salários valorizados dos professores
ultrapassassem o “salário-médio” previsto pelo Fundef, para
dividir entre os encargos da educação infantil e da educação
de jovens e adultos. Isso, na melhor das hipóteses, porque
havia ainda a necessidade de acomodar o pagamento dos
inativos da educação em alguma rubrica “disponível” – quase
sempre a de MDE.
Além dos malabarismos para a acomodação da oferta
de creches e pré-escolas já existentes – que resultaram em
muitos casos na “derrapagem” do percentual orçado para
MDE para níveis bem acima do legal – os anos de 1998 e
1999 assistiram a uma escancarada “priorização” do ensino
fundamental, em detrimento da educação infantil, por meio
da “corrida pelas matrículas”, que representavam aumento
certo de recursos do Fundef para o próximo ano. Nesta onda,
celebraram-se também convênios de municipalização das
séries iniciais do ensino fundamental em vários Estados, com
cobertura legal da Lei do Fundef, que impuseram o ritmo de
“paralisia” na maior parte das redes de educação infantil do
País. Os Censos do Inep, a despeito da pressão da demanda
por creches e pré-escolas, só irão captar aumento de
matrículas na educação infantil a partir de 2000.
II. O FUNDO DE EDUCAÇÃO BÁSICA –
FUNDEB
Esses e outros desdobramentos da implantação do
Fundef – como a multiplicação dos casos de desvios de verbas
e ineficácia dos Conselhos, a lentidão no processo de melhoria
salarial dos professores, o não-cumprimento do Valor
Mínimo, a explosão das demandas por ensino médio sem
159
cobertura do Fundo – motivaram a que várias entidades e
partidos políticos resgatassem as idéias que haviam circulado
em 1994, no Fórum Permanente, e em 1995 e 1996, na
tramitação da PEC 233/95. Essas idéias se aglutinavam em
torno da sugestão do Fundeb, ou seja, de um Fundo de
Manutenção da Educação Básica.
A concepção central não é muito diferente da do Fundef:
em vez de se destinar 15% dos impostos mais significativos
(FPE, FPM e ICMS) dos Estados e Municípios a um Fundo
Estadual que redistribuísse suas receitas automaticamente ao
governo estadual e aos governos municipais de acordo com as
matrículas de ensino fundamental nas respectivas redes – o
Fundeb captaria 25% de todos os impostos estaduais e
municipais para redistribuí-los para os governos estadual e
municipais, segundo suas matrículas em todas as etapas e
modalidades da educação básica.
Por que 25% de todos os impostos ? Pelo simples fato
de que a nova demanda potencial (que incluiria as crianças
de creche e pré-escola, os adolescentes do ensino médio e
os jovens e adultos do ensino fundamental e médio)
acrescentaria às 33 milhões de matrículas do ensino
fundamental regular público, de imediato, 15 milhões de
matrículas das outras etapas da educação básica, e, mais à
frente, pelo mecanismo da inclusão automática na fonte
de recursos, de 30 a 40 milhões de alunos então fora da
escola. Ora, como seria indesejável, para não dizer
impraticável, pagar a expansão de matrículas com redução
de salários ou ampliação de carga horária dos professores,
o Fundeb teria que nascer com a perspectiva de usar todos
os recursos vinculados à MDE nos Estados e Municípios,
além de uma substancial complementação da União, pelo
menos enquanto subsistisse a demanda reprimida de jovens
e adultos.
160
Veio então à luz a PEC 112, de 1999, resultado da
mobilização de várias forças sociais, de autoria dos deputados
do Partido dos Trabalhadores. Esperava-se que sua tramitação
seria tumultuada – já que seus mecanismos afetavam o
financiamento da educação superior nos Estados e
provocariam protestos dos Municípios mais desenvolvidos,
cujos impostos próprios, frutos de penoso esforço fiscal,
seriam em parte “catapultados” em benefício dos estudantes
do ensino médio das redes estaduais e da educação infantil
dos Municípios menores.
Na realidade, não houve tumulto algum. No
Parlamento, o rolo compressor do Governo, que dispunha
da vontade da maioria e da má vontade do Presidente da
Câmara, impediu a tramitação da PEC. Nos Municípios,
prosperou um perverso e bem sucedido mecanismo de
acomodação: os pais e mães com crianças até seis anos as
matricularam em creches e pré-escolas privadas, formais e
informais, segundo sua capacidade financeira, restando para
os excluídos os esquemas precários de “mães crecheiras” ou
de entidades filantrópicas, muitas delas apoiadas com recursos
humanos ou financeiros públicos. As estatísticas da educação
infantil, a partir dos censos do MEC, cujos dados citamos
abaixo, revelam e escondem os fatos: revelam um pequeno
crescimento de matrículas na educação infantil municipal de
1998 a 2002; escondem um aumento maior de alunos nas
escolas privadas, formais e informais, de educação infantil.
Esses anos, seguramente, aceleraram a privatização da
educação infantil no País.
Atualmente, além da PEC nº 112, de 1999,
reapresentada na Câmara dos Deputados em 2003, existe a
PEC nº 34, de 2002, do Senador Ricardo Santos, tramitando
no Senado Federal, apensada à PEC 82/99. As três diferenças
básicas são:
161
a) a PEC 34/02 inclui a totalidade da receita do
salário educação de cada Estado no seu Fundo;
b) a PEC 34/02 destina somente 18% do FPE, ICMS
e IPI-Exportação estadual e 20% do FPM e ICMS
municipal para o Fundeb, deixando os outros
impostos estaduais (IPVA, ITCM e IRRFSE) e
municipais (ITR, IPVA, IPTU, ISS, ITBI e IRRFSM)
bem como os 7% e 5% restantes dos primeiros, para
aplicação em MDE fora do Fundeb;
c) a PEC 34/02 destina 60% para pagamento dos
professores, e não 80% para a remuneração de todos
os profissionais da educação, não garantindo o Piso
Salarial Profissional indicado pela PEC 112/99.
A PEC nº 34, de 2002, está ainda no Senado, em
compasso de espera pela aprovação da Reforma Tributária.
Ambas dependem, para sua aprovação, da apresentação
de detalhes fundamentais para sua operacionalização. Dois são
imprescindíveis, porque irão determinar os montantes de verbas
municipais, estaduais e federais necessários para a implantação
do Fundeb: quais os critérios de diferenciação de custos nas
várias etapas e modalidades da educação básica e quais as fontes
de financiamento da complementação federal.
Na realidade, é muito difícil se aprovar uma PEC desta
natureza a partir da iniciativa de um deputado ou senador, por
mais bem intencionado, bem informado e bem assessorado que
esteja. Pois o financiamento da educação é uma política pública
executiva, que depende de planejamento e se insere nos planos
globais da economia e do desenvolvimento. Neste sentido, é
fundamental que se exponham a demanda potencial e a demanda
ativa por educação infantil pública no País e se analise a oferta
atual e futura de recursos públicos, para se ter uma idéia clara da
viabilidade do Fundeb como mecanismo institucional de
financiamento da educação infantil.
162
Neste sentido, todos estão ansiosos pela apresentação,
por parte do atual Governo Federal, da proposta do Fundeb,
que consta da plataforma do Presidente Lula para a educação.
A seguir, apresentamos o que consideramos essencial
para a educação infantil no Fundeb: as fontes de
financiamento, os critérios de distribuição, os diferenciais de
custo-aluno- qualidade e os critérios para fixação do
Investimento Mínimo por Aluno.
III. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO FUNDEB
Para que esta seção do texto ganhe a dimensão próxima
de sua importância, convém que sejam expostos os números
aproximados das demandas por creche e pré-escola e as
estatísticas de atendimento.
Nos últimos anos têm nascido por ano entre 3.300.000
e 3.500.000 bebês no Brasil, representando entre 1,7% e 2,2%
da população total de cada Estado, dependendo de seu grau
de urbanização. Assim, nas quatro coortes de creche (0 a 3
anos de idade), existem cerca de 13.600.000 crianças. O Censo
Escolar de 2003 registrou 18.589 matrículas em creches
estaduais, 748.325 em creches municipais e 469.229 em
estabelecimentos privados, totalizando 1.236.143 alunos. Na
suposição (incorreta) de que todos tivessem até 3 anos, o
atendimento não alcança 10%. Dados da PNAD de 2001, que
se baseiam em declarações colhidas por amostra nas residências,
apontavam que 10,6% das crianças dessa idade são atendidas
em creches. O que mais importaria, entretanto, era descobrir a
demanda ativa, ou seja, o quantitativo de crianças que os
pais desejam de fato matricular em creches. Nos minicensos
que se têm realizado em Municípios que estão elaborando seus
Planos Municipais de Educação e que tenho acompanhado(MT,
163
PE, CE, DF) a demanda ativa na zona urbana varia de 60 a
80% da população infantil e na zona rural cai para até menos
de 30%, dependendo, neste último caso, da densidade
populacional e do tipo de trabalho dos pais.
De qualquer forma, é imperioso registrar que mesmo
os dados do censo escolar têm mostrado um forte
crescimento das matrículas em creche: em 1999 elas eram
16.593 nas redes estaduais, 522.703 nas municipais e 292.174
no setor privado – o que mais cresceu.
Registre-se também que as metas do PNE para o
atendimento em creche, no Brasil como um todo, são de 30%
da demanda em 2005 e 50% em 2010.
Focalizemos agora os números da pré-escola.
Como uma boa parte dos alunos matriculados na
primeira série ou ciclo do ensino fundamental ainda não
completou os sete anos – e, portanto, embora fossem da
demanda potencial da educação infantil, na realidade já a
superaram – podemos considerar 2,5 coortes etárias como
propriamente constitutivas da demanda por pré-escola, o que
soma 7.750.000 crianças no País. Esclareça-se: demanda ativa
quase igual à demanda potencial, porque a procura por
matrícula depois dos quatro anos é universal nas zonas
urbanas e crescente nas comunidades rurais. O Censo Escolar
de 2003 registra como matriculadas em pré-escolas estaduais
303.261 crianças, 3.538.060 em municipais e 1.317.679 em
particulares, totalizando 5.159.000, ou seja, 66,57 % da
demanda. A situação do atendimento é bem diferente: quanto
à pré-escola, a meta do PNE para 2005, de 60%, já estaria
ultrapassada e a de 80%, para 2010, já estaria quase atingida,
se considerarmos que em escolas privadas não-oficiais possam
estar matriculadas cerca de um milhão de crianças entre
quatro e seis anos: na verdade, já haveria pelo menos
6.000.000 de crianças matriculadas em educação infantil
164
(77,42% da clientela), sem contar outras 1.500.000
freqüentando o ensino fundamental.
Registre-se que os últimos números são fruto de
cálculos estimativos do autor e incluem uma margem de
erro considerável, principalmente em vista das metodologias
diferentes dos levantamentos e da dificuldade de estabelecer
os limites de idade nas pesquisas. Essas considerações são
fundamentais para entendermos melhor o problema de
financiamento da educação infantil. Se partirmos do princípio
de que ao Estado caberia financiar somente a parte já atendida
pelas redes públicas e as crianças cujas famílias não têm
condições de pagar mensalidades (mantendo mais ou menos
os percentuais de atendimento privado, como dá a entender
o PNE), poderíamos dizer que a demanda ativa por
educação infantil pública se resume a 8.000.000 de
crianças em creches e 5.000.000 em pré-escolas.
Considerando-se as metas finais do PNE, a demanda de
educação infantil pública seria ainda menor: 6.800.000 em
creches e 5.540.000 na pré-escola.
Passemos agora ao cerne da discussão: como financiar
uma educação infantil de qualidade para 13.000.000 de
crianças?
Em primeiro lugar é preciso repetir que a educação
infantil é uma política pública de atendimento da criança,
centrada na educação, sim, e não mais em assistência social
às mães trabalhadoras, mas que engloba ações de saúde,
de alimentação e de outras áreas sociais. Portanto, seu
financiamento não se esgota em verbas de “manutenção e
desenvolvimento do ensino” (MDE), disciplinadas pelos
artigos 70 e 71 da LDB. Sabiamente, a mesma LDB
nomeou a primeira etapa da educação básica de “educação
infantil” e não de “ensino infantil”, como nos casos do
fundamental e médio.
165
Em segundo lugar, embora possamos estabelecer
custos a partir de parâmetros do que atualmente se gasta
em creches e pré-escolas, não é proibido sonhar e desejar o
melhor para nossos filhos. No desenho de um Fundo, é
essencial estudarmos os componentes do serviço,
calcularmos o preço de cada um, para chegarmos a um
“Custo-Aluno-Qualidade” (CAQ).
No caso de uma creche de tempo integral em zonas
urbanas, a preços de 2003, computados todos os insumos,
permanentes e de custeio, o meu cálculo, desenvolvido em
estudos, cursos e seminários, é que o CAQ anual chegue a R$
3.000,00. Desse total, pode-se arbitrar que R$ 2.000,00 seriam
financiados por recursos de impostos vinculados à MDE.
No caso de uma pré-escola nas mesmas
circunstâncias, mas de tempo parcial, calculo que o CAQ
atinja R$ 1.700,00, dos quais R$ 1.500,00 se comporiam
da fonte de MDE.
Simulemos agora as contas: para manter 8.000.000 de
crianças em creches, o País gastaria no máximo R$ 24
bilhões em recursos públicos, R$ 16 milhões dos quais
oriundos da MDE; e para manter 5.000.000 de alunos de
pré-escola seriam R$ 8,5 bilhões, R$ 7,5 dos quais da MDE.
No total, para 13.000.000 de alunos, R$ 23,5 bilhões da
MDE – quantia bem superior à despendida hoje com
5.000.000 de crianças, cerca de R$ 8 bilhões da MDE.
Observe-se, contudo, que os custos-médios não são tão
diferentes: R$ 1.600,00 hoje e R$ 1.811,00 na simulação.
Para se ter a visão do conjunto do Fundeb, estamos
estimando o CAQ do ensino fundamental em R$ 1.500,00; o
do ensino médio em R$ 1.700,00 (tendo ambos um
financiamento de 90% da MDE); e o da EJA em R$ 1.400,00
– dos quais R$ 800,00 a cargo das verbas de MDE e
R$ 600,00 financiados pelos recursos da educação profissional.
166
Vamos, agora, examinar o potencial das fontes de
recursos previstas para o Fundeb: os 25% de todos os
impostos estaduais e municipais.
Nossa estimativa parte da observação da relação entre
a receita por aluno do Fundef e a receita total – estadual ou
municipal – das verbas de MDE. Com raras exceções (alguns
Estados do Nordeste, para menos, e S.Paulo, Rio de Janeiro,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, para mais), a receita
total representa o dobro da do Fundef. Ora, em 2003, a receita
geral do Fundef chegará a R$ 25 bilhões – portanto, a receita
total do Fundeb seria de aproximadamente R$ 50 bilhões,
sem contar R$ 4 bilhões do salário educação. Uma leitura
mensal do quadro de receitas do Boletim do Fundef,
publicado pela STN do Ministério da Fazenda e acumulado
desde janeiro de 1998 em seu sítio na internet permite afinar
estas estimativas Estado por Estado.
Quais seriam as demandas a ser financiadas pelos
recursos estaduais e municipais do Fundeb?
Em primeiro lugar, as matrículas atuais do ensino
fundamental, ensino médio, educação infantil e educação de
jovens e adultos nas redes públicas:
Matrículas e Gastos Aproximados na Ed.Básica Pública – 2003
Fonte: Cálculos do autor, aproximados a mais pela tendência
Obs: As matrículas da Educação Especial estão incluídas nas respectivas etapas.
Como se observa, se fosse garantido pelo governo
federal um Investimento Mínimo por Aluno (IMA) com valor
167
igual aos referenciados aos CAQ acima simulados para
creches e pré-escolas (R$ 2.000 e R$ 1.500, respectivamente),
a complementação da União não seria tão grande, a não ser
que persistissem enormes diferenças de arrecadação per capita
do Fundeb entre os Estados. Dependendo do valor do IMA
para as outras etapas, a complementação da União ao Fundeb
chegaria – com as matrículas atuais – a perto de R$ 6 bilhões.
Implantando-se o Fundeb (com a persistência do
critério de distribuição de recursos baseada nas matrículas
de cada rede no ano anterior), haveria, segundo meus cálculos
e estimativas, a seguinte dinâmica de evolução gradativa das
matrículas, considerando-se 2003 como “ano zero”:
1. As matrículas públicas de creche aumentariam pelo
menos 20% ao ano, passando de 1 para 4 milhões
em oito anos.
2. As matrículas públicas em pré-escolas aumentariam no
máximo 5% ao ano, de 4 para 5 milhões em cinco anos.
3. As matrículas públicas de ensino fundamental
diminuiriam 3% ao ano, de 32 para 29 milhões em
quatro anos.
4. As matrículas públicas de ensino médio aumentariam
3% ao ano, de 8 para 10 milhões em oito anos.
5. As matrículas de educação de jovens e adultos (EJA)
aumentariam 20% ao ano, de 4 para 17 milhões em
oito anos, desacelerando o crescimento dali em diante.
De qualquer forma, é preciso se entender que, para
ampliar o atendimento e melhorar a qualidade, é forçoso haver
um crescimento de gasto. O que houve por muito tempo foi
um aumento de matrículas em ritmo maior que o crescimento
de gastos – tendência que foi interrompida recentemente,
com a diminuição do número global de alunos no ensino
fundamental e regulação dos gastos pelo Fundef. É claro que
no ensino médio e no ensino superior estadual ainda persiste
168
esta tendência perversa, que tem motivado o aumento de
alunos por turma, a multiplicação de jornadas dos professores
e o arrocho salarial dos trabalhadores em educação.
Com os dados acima da provável evolução das
matrículas – continuando igual à capacidade de arrecadação
de impostos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios – a
complementação da União tenderá a crescer cerca de 10%
ao ano, atingindo a R$ 12 bilhões dentro de oito anos,
passando então a decrescer em decorrência da queda geral
de matrículas. Entretanto, tem-se observado durante os
últimos anos que a arrecadação de impostos estaduais e
municipais, mesmo com pequeno crescimento do PIB, tem
aumentado em termos reais, o que nos autoriza a prever uma
menor necessidade de complementação da União ao Fundeb.
Registre-se, contudo, que a previsão de matrículas em creches
públicas só incorpora metade da demanda ativa, por força
do baixo atendimento atual e do mecanismo do Fundeb que
limitaria seu crescimento anual a 20%.
Além disso, é preciso orientar a política tributária e fiscal
para diminuir as diferenças de arrecadação per capita dos
impostos, seja por uma melhor distribuição do FPE e FPM,
seja pelo incremento de receita dos impostos próprios dos
Estados e Municípios. Como a complementação do Fundef
varia de acordo com a variação dos gastos médios estaduais
por aluno em relação ao Valor Mínimo (igual ao valor médio
nacional), é de se esperar que uma política macrofiscal
contribua para a redução das desigualdades, dispensando aos
poucos uma excessivamente custosa intervenção da União.
Não podemos terminar este texto sem aludir a outras
hipóteses de financiamento da educação infantil com
desenhos diferentes do Fundeb. O primeiro é o que não inclui
os 25% de impostos municipais próprios no Fundeb e o
considera como política de financiamento somente das
169
matrículas a partir dos quatro anos, ou seja, excluindo as
creches. Essa alternativa procura resolver ao mesmo tempo
dois problemas: o da dificuldade de transferir impostos
arrecadados pelos Municípios para o uso do Fundeb e o das
perdas que os grandes municípios certamente teriam com
estas transferências. Outro é o da PEC 34/02 – que reduz os
percentuais aplicados no Fundeb, para resguardar os gastos
dos Estados com a educação superior e dos Municípios com
suas próprias redes. No primeiro desenho a educação infantil
volta ao dualismo que a LDB procurou superar; no segundo,
reduz-se demais a receita do Fundeb em cada Estado,
exigindo-se maior complementação da União, o que pode
complicar sua implantação – mesmo com o mecanismo,
previsto na PEC, de um Valor Mínimo que parte de 70% do
Valor Médio para atingir 100% em três anos.
IV. CONCLUSÃO
Embora tenha havido discussões interessantes entre
alguns acadêmicos, administradores e políticos acerca do
Fundeb, elas não têm atingido a profundidade necessária de
análise para se enraizar na sociedade como uma alternativa
de financiamento da educação básica como um todo, muito
menos da educação infantil, onde aumenta a complexidade
da questão. Tem circulado com intensidade a alternativa de
um fundo específico para a educação infantil.
A experiência do Fundef – desde seus antecedentes,
sua proposta, discussão e implantação – nos ensina que é
preciso ampliar o debate a partir de propostas concretas.
E, tal como no caso do Fundef, a proposta do Fundeb só
vai conquistar a necessária atenção se feita pelo Executivo.
A PEC 112/99 e a PEC 34/02 são ilustres desconhecidas,
170
mesmo porque, como estão, sem as regras de operação que
deverão ser baixadas por Lei ou Decreto, são quase
ininteligíveis. Esperamos com este texto ter propiciado uma
aproximação à questão. Para a abordagem e aprofundamento
do tema e do debate, resta torcer pela mobilização da sociedade
e por uma saudável ousadia do MEC e do Governo Lula.
171
I. INTRODUÇÃO
Decorridos nove meses do governo do presidente Lula,
cujo programa para a área da Educação previa a implantação
de um fundo único para a Educação básica – o FUNDEB, é
chegada a hora de enfrentar sem rodeios o debate : o
FUNDEB é a solução para o financiamento da Educação
Básica, em especial para a educação infantil?
Na contracorrente de grande parte dos mais respeitados
estudiosos de financiamento, entendemos que o FUNDEB
não trará vantagens financeiras para a educação infantil e pode
mesmo apresentar algumas dificuldades políticas e
operacionais para sua implantação. Não corresponde ao
mecanismo de financiamento ideal para a Educação brasileira.
Procuramos neste texto justificar nossa opção por um
fundo específico para a educação infantil e outro para o
ensino médio, com a manutenção do FUNDEF para o ensino
fundamental, com alguns ajustes.
FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO INFANTIL:
O FUNDEB É A SOLUÇÃO?
Paulo Sena*
* Consultor Legislativo da Área da Educação da Câmara dos Deputados.
172
II. RESPONSABILIDADES PELO
FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
1. O arcabouço legal
1.1. O F
INANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA
CONSTITUIÇÃO
A Constituição Federal define que a Educação é direito
de todos e dever do Estado(art.205), que será efetivado
mediante a garantia, entre outras ações, de “atendimento em
creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”(art.208,IV).
O Brasil é um Estado Federal. Daí a tendência dos
intérpretes mais apressados, ao referir-se ao financiamento da
educação infantil, de indagar qual esfera é responsável . Ao
verificar o disposto no art. 211,§2º – “os municípios atuarão
prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil’ – concluem
: a educação infantil é responsabilidade dos Municípios.
Trata-se de armadilha, que olvida que a Constituição
não é interpretada em retalhos, mas de forma sistemática e
integrada e desconsidera a concepção de federalismo
cooperativo. Desta forma esquecem que:
a) o art. 30,VI, da Carta Magna prescreve:
Art. 30.Compete aos Municípios:
.......................................................................................
VI – manter, com a cooperação técnica e
financeira da União e do Estado, programas de educação
pré-escolar e de ensino fundamental.”:
b) Conforme dispõe o art.211,caput, a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios devem organizar seus sistemas
de ensino em regime de colaboração;
173
c) A União exerce função supletiva e redistributiva,
em todos os níveis, mediante assistência técnica e
financeira (art.211,§1º).
Portanto deve-se indagar, não qual a esfera federativa
responsável por determinado (sub)nível de ensino, uma vez
todas o são – apenas com funções diferentes, mas em que
medida determinada esfera é responsável.
As esferas devem atuar prioritariamente em
determinada etapa ou (sub)nível. Não quer dizer que não
possam atuar nos demais – ao menos no nível de colaboração,
nem que devam fazê-lo sozinhas no nível sob sua
responsabilidade como função própria.
Identificam-se, portanto, cinco funções dos entes
federativos quanto ao financiamento da Educação:
a) Função própria – correspondente ao nível ou níveis
de atuação definido(s) como prioritário(s) pela Constituição
Federal. A União deve manter as instituições públicas federais,
atuando na educação superior e no nível médio-
técnico(art.211,§1º). Os Estados atuam nos níveis fundamental
e médio(art.211,§3º). Os Municípios, no nível fundamental e
na educação infantil(art.211,§2º) e o Distrito Federal, em toda
a educação básica(embora uma interpretação literal do §3º não
inclua a educação infantil, não é forçar demais a interpretação
considerá-lo como um híbrido de Estado e Município, e
portanto, abrangido também pelo §2º – o que foi notado pelo
legislador da LDB, que prevê que ao DF aplicam-se as
competências de Estados e Municípios referentes à organização
da educação– cf. art.10,parágrafo único);
b) Função supletiva – Exercida pela União, com
relação aos demais entes e pelos Estados em relação aos
Municípios, mediante a assistência técnica e financeira, para
suprir necessidades. Supletivo não se confunde com
residual. A função é exercida pela União, por exemplo, ao
174
complementar o valor do FUNDEF para que atinja o mínimo
nacional, ou ao financiar a compra de veículo para o
transporte escolar.
c) Função redistributiva – Exercida pela União, com
relação aos demais entes, pelos Estados em relação aos
Municípios( quando, por exemplo distribuem recursos da cota
estadual do salário-educação) e por estes com relação a suas
escolas( como determina o art.11,II da LDB), de maneira a
garantir um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil(art.3ºIII,in fine): reduzir as
desigualdades sociais e regionais. É exercida pelos
FUNDEFs nos âmbitos estaduais, ao redistribuir recursos
de acordo com as matrículas( vale dizer, também os
Municípios, ao contribuir para o FUNDEF, exercem a função
redistributiva, com relação aos demais Municípios e mesmo
com relação a seu Estado).
d) Função cooperativa ou de colaboração – que
garante a integração dos sistemas e a divisão da oferta no
caso de responsabilidade comum (nível fundamental, para
Estados e Municípios);
e) Função normativa – exercida pela União, no que
se refere às normas gerais ( por exemplo ao editar a Lei do
FUNDEF ou a lei nº9766/98,que determina que leis estaduais
fixem critérios de redistribuição dos recursos da cota estadual
do salário-educação)e por todos os entes ,no âmbito de sua
autonomia, para seu sistema de ensino.
Desta forma, no que se refere à educação infantil:
o Município exerce as funções próprias, de
cooperação, normativa e redistributiva( em relação
a suas escolas.Com a aprovação do FUNDEB ou
de fundo específico para a educação infantil passaria
a exercê-la também em relação aos demais
Municípios – e ao Estado no caso do FUNDEB, se
175
este ganhasse recursos do fundo em função das
matrículas nos níveis fundamental e médio) ;
os Estados e a União exercem as funções supletivas,
mediante assistência técnica e financeira, e de
cooperação. Com a aprovação do FUNDEB, o
Estado passaria, em alguns casos, a exercer a função
redistributiva, quando perdesse recursos para o
fundo. A União exerce função normativa, no que se
refere às normas gerais. Os Estados poderão exercer
a função normativa, se os Municípios se integrarem
ao sistema estadual (art.11, parágrafo único, LDB);
O DF exerce as funções próprias (em nossa
interpretação), de cooperação, normativa e
redistributiva (em relação a suas escolas).
Há ainda um dispositivo importante que corresponde
ao art.7º, XXV da Constituição Federal que inclui entre os
direitos sociais dos trabalhadores em suas relações individuais
de trabalho, a assistência gratuita a seus filhos e dependentes
desde o nascimento até os seis anos, em creches e pré-escolas.
Os direitos sociais dos trabalhadores são exercidos face ao
empregador. Desta forma, a responsabilidade para com a
educação infantil vai além do setor público.
1.2 O F
INANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
NA
LDB
A LDB contém alguns dispositivos importantes para o
financiamento da educação infantil.
O art. 11 da LDB dispõe:
Art. 11.Os Municípios incumbir-se-ão de:
.......................................................................................
II – exercer ação redistributiva em relação a suas
escolas
176
.......................................................................................
V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas,
e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação
em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas
plenamente as necessidades de sua área de competência e com
recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela
Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.”
Com essa redação a LDB faz algo que não está contido
no mandamento constitucional: hierarquiza prioridades entre
os níveis já definidos como prioritários pela Constituição,
colocando a educação infantil em segundo plano face ao
ensino fundamental, no que se refere à atuação do Município.
Para a Carta Magna a atuação municipal na educação infantil
é tão prioritária quanto no ensino fundamental. Para a LDB,
a prioridade municipal é o ensino fundamental.
A oferta da modalidade “educação especial” tem início
no nível educação infantil (art.58,§3º), caso em que é de
responsabilidade do Município.
Na LDB a responsabilidade do empregador é apenas
inferida, a partir da previsão do salário-educação e de outras
contribuições sociais como fontes de recursos destinadas
à educação (art.68,III).
O art.69, caput pretende limitar os recursos vinculados
ao ensino público.
Os artigos 70 e 71 da LDB indicam os gastos admitidos
ou não como despesas de MDE, e são válidos para todos os
níveis. No caso da educação infantil pode haver alguma
polêmica em torno da aplicação do art. 71,IV que dispõe:
Art. 71.Não constituirão despesas de manutenção e
desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:
.......................................................................................
IV – programas suplementares de alimentação.”
177
Na educação infantil, entendem alguns, a alimentação é
essencial e não suplementar, podendo ser considerada como gasto
de MDE. Seria inaplicável o dispositivo supramencionado, como
também a vedação constante no art. 212,§ 4º da Constituição,
porque este remete ao art.208,VII, que se refere apenas ao ensino
fundamental. Não partilhamos dessa visão, embora
reconheçamos ser uma interpretação engenhosa e válida. Trata-
se de questão que merece consulta aos Tribunais de Contas.
A União tem as funções normativa, redistributiva e
supletiva (art. 8º, §1º), devendo prestar assistência técnica
aos Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 9º, III) para
o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e
atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. Também
no que se refere ao exercício da função supletiva aparece,
nesse dispositivo, uma hierarquização que não está prevista
no art. 30,VI ou no art. 211,§1ºda Constituição Federal. O
art. 75 da LDB, entretanto, prevê, sem distinguir níveis, que
a ação supletiva da União e dos estados será exercida de
modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso
e o padrão mínimo da qualidade do ensino. O art. 76
condiciona o exercício das funções supletiva e redistributiva
ao cumprimento do beneficiário das disposições da LDB.
Assim, por exemplo, o não cumprimento das prioridades nos
termos do art.11 poderia ter como sanção a suspensão das
ações supletivas e redistributivas. Essa limitação da LDB não
está prevista na Carta Magna e nos parece inconstitucional.
1.3 O F
INANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO PNE
O PNE registra , no capítulo referente às diretrizes para
a educação infantil:
“Quanto às esferas administrativas, a União e os estados
atuarão subsidiariamente, porém necessariamente, em apoio
178
técnico e financeiro aos municípios, consoante o art.30,VI da
Constituição Federal”. Essa co-responsabilidade é
reafirmada nas metas, treze das quais contêm os dois
asteriscos, que na metodologia do PNE indicam a
necessidade de colaboração da União. A meta nº 5
indica a necessidade de colaboração da União em seu
texto. Duas metas contêm um asterisco, que indica a
necessidade de iniciativa da União.
Mesmo na ausência de asteriscos as metas de
responsabilidade dos Municípios – excluídas as de caráter
regulatório, no exercício de sua função normativa – devem
contar com o apoio de Estados e União, face ao disposto no
art.30,VI das Constituição.
O conjunto de metas estabelecidas neste capítulo do
PNE ( 25 em vigor e uma dependendo de análise do veto)
requer uma capacidade de financiamento condizente,
pressionando por mais recursos.
Neste capítulo, há cinco metas mais diretamente
relacionadas ao financiamento da educação infantil:
“1.3.Objetivos e Metas(Educação Infantil)
.......................................................................................
11.Instituir mecanismos de colaboração entre os setores
da educação, saúde, e assistência na manutenção,
expansão, administração, controle e avaliação das instituições
de atendimento das crianças de zero a três anos de idade.**
12.Garantir a alimentação escolar para as crianças
atendidas na educação infantil, nos estabelecimentos públicos
e conveniados , com a colaboração financeira da União
e dos estados.
.......................................................................................
179
20.Promover debates com a sociedade civil sobre o direito
dos trabalhadores à assistência gratuita a seus filhos e dependentes
em creches e pré-escolas, estabelecido no art.7º,XXV, da
Constituição Federal.** Encaminhar ao Congresso Nacional
projeto de lei visando a regulamentação daquele dispositivo.
21.Assegurar que, em todos os municípios, além de
outros recursos municipais, os 10% dos recursos de manutenção
e desenvolvimento do ensino não vinculados ao Fundef sejam
aplicados prioritariamente na educação infantil.
.......................................................................................
23.Realizar estudos sobre custo da educação
infantil com base nos parâmetros de qualidade, com vistas
a melhorar a eficiência e garantir a generalização da qualidade
do atendimento.**
.......................................................................................
25.Exercer a ação supletiva da União e do
Estado junto aos municípios que apresentem maiores
necessidades técnicas e financeiras, nos termos dos arts.30,VI
e 211,§1º,da Constituição Federal.**”
No capítulo referente ao financiamento são
estabelecidas as metas:
“11.3.1.Objetivos e Metas(Financiamento)
..................................................................................
6.Garantir, entre as metas dos planos plurianuais
vigentes nos próximos dez anos, a previsão de suporte
financeiro às metas constantes deste PNE.*
.......................................................................................
8. Estabelecer, nos municípios, a educação infantil como
prioridade para a aplicação dos 10% dos recursos
vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino não
reservados para o ensino fundamental.”
180
.......................................................................................
12. Ampliar o atendimento dos programas de renda
mínima associados à educação, de sorte a garantir o acesso e
permanência na escola a toda a população em idade
escolar no País.**
.......................................................................................
14.Promover a eqüidade entre os alunos dos
sistemas de ensino e das escolas pertencentes a um mesmo
sistema de ensino.
.......................................................................................
17.Assegurar recursos do Tesouro e da
Assistência Social para programas de renda mínima
associados à educação; recursos da Saúde e Assistência
Social para a educação infantil...........”
2. Os Recursos para a Educação Infantil
Com as metas fixadas pelo PNE passa à ordem do dia
a necessidade de definição de identificação dos recursos
disponíveis e – para usar uma expressão do plano – estratégias
de ampliação dos recursos, inclusive através de novas fontes.
2.1. R
ECURSOS DISPONÍVEIS
Os Municípios são responsáveis pelo financiamento da
educação infantil (como função própria), mas devem contar
com o apoio financeiro da União e Estados que exercem,
nesse nível de ensino, a função supletiva. Também aos
empregadores cabe colaborar com o esforço.
O Município conta, atualmente, com os seguintes
recursos para financiar a educação infantil :
a) até 10% da receita resultante de impostos próprios
(IPTU,ISS,ITBI) e transferências recebidas – A meta
181
nº 11.3.1.8 define que a aplicação desses recursos dar-se-á
prioritariamente na educação infantil. Há prioridade, mas
não vinculação, isto é, os recursos podem ser direcionados
ao ensino fundamental. Observe-se que os outros 15% –
mesmo os dos impostos não vinculados ao FUNDEF, estão
vinculados ao ensino fundamental, por força do disposto no
art.60,caput, ADCT. A meta nº 1.3.21 do PNE pretende
assegurar que sejam aplicados os 10% dos recursos de MDE
não vinculados ao FUNDEF. Na verdade, essa formulação
já está contida na anterior.
Relatório do Banco Mundial
31
mostra (tabela 1.3), que
em 2000,os Municípios gastavam 18,1% de seus recursos com
a educação infantil. Considerado o teto de gasto (10%, dos
25% = 40% sobre os recursos de MDE) os Municípios
aplicam pouco menos da metade do que pretende o PNE.
Isso não ocorre por desleixo dos Municípios, mas porque a
educação infantil disputa recursos com:
o ensino fundamental regular – é comum que o
FUNDEF cubra apenas a folha de pagamento desse
nível, sendo utilizados os 10% para outras despesas;
a educação de jovens e adultos – ainda que o PNE
tenha procurado direcionar para essa modalidade,
os 15% dos impostos próprios, que não integram a
cesta do FUNDEF ( meta nº11.3.1.10);
o pagamento dos inativos;
despesas administrativas da secretaria da educação,
que freqüentemente trata de outros temas como
esporte, cultura, turismo, lazer e juventude. Na
prática é difícil fiscalizar a utilização de recursos da
educação para ações administrativas destas áreas.
31
Educação Municipal no Brasil - BRA nº 24.413-BR, Banco Mundial.
182
b) recursos provenientes da cooperação financeira
da União e do Estado – esses recursos nem sempre estão
disponíveis para a totalidade dos Municípios. O PNE (meta
nº 1.3.25) indica o exercício da ação supletiva junto aos
Municípios que apresentem maiores necessidades técnicas e
financeiras. Também a Resolução nº 12/03 do FNDE prevê
a assistência financeira a projetos no âmbito da educação pré-
escolar, para formação continuada de professores e
distribuição de material didático. Há tetos de atendimento,
segundo o critério do IDH .
2.2. A
LTERNATIVAS PARA AMPLIAÇÃO DOS RECURSOS DA
EDUCAÇÃO INFANTIL
O aumento de recursos para a educação infantil, cuja
responsabilidade pelo financiamento como função própria é
do Município, pode se dar nas seguintes dimensões :
1) da arrecadação própria – O aumento da
arrecadação automaticamente beneficia a Educação, uma vez
que ela é financiada por recursos vinculados à receita de
impostos. Os caminhos para tanto são:
o aumento da carga tributária, que já é alta no Brasil
e implica custo político e social;
a melhor arrecadação através de uma gestão
tributária mais eficiente, que combata a sonegação
e a elisão fiscais. De acordo com a Lei de
Responsabilidade Fiscal -LRF esse objetivo deve
contar com o apoio técnico e financeiro da União
(art.64). A mesma lei estabelece que é requisito
essencial da responsabilidade fiscal, a efetiva
arrecadação de todos os tributos de competência
constitucional do ente. Pesquisas do IBGE e do
BNDES indicam que os Municípios não exploram
plenamente sua base tributária;
183
2) da participação da distribuição no bolo
tributário nacional, que depende da reforma tributária;
3) do aumento da participação do setor educacional
no bolo orçamentário municipal – Este depende da
negociação política interna do governo municipal. Pode-se
tentar previamente assegurá-la através do aumento, pela lei
orgânica municipal, do percentual mínimo previsto no art.212
da Constituição Federal, vinculado à manutenção e
desenvolvimento do ensino -MDE, que corresponde à
proposta aparentemente mais óbvia . A título de exemplo,
uma análise do comportamento dos gastos da União em MDE,
desde a aprovação da Constituição de 1988 mostra que esta
saída, apesar de demandar um enorme esforço de articulação
política, com a forte oposição da área econômica, teria um
resultado pífio. A partir de 1991, jamais a União aplicou menos
de 20%, superando freqüentemente o patamar de 25%
(1991,1992,1994,1995,1997,2000,2001 e 2002).É verdade que
a partir de 1994, com o Fundo Social de Emergência-FSE e
seus sucedâneos (Fundo de Estabilização Fiscal-FEF e
Desvinculação das Receitas da União-DRU), houve uma
redução da base de cálculo, que tornou ainda mais fácil o
cumprimento por parte da União. Entretanto, como indicado,
em 1991 e 1992 – antes do advento do FSE – a aplicação
superou os 25%, e em 1993 correspondeu a 23,8%. A situação
dos Estados e Municípios não é muito diferente. Há sempre
uma tendência a tentar inserir gastos no conceito de MDE,
inflando-o com gastos socialmente justos, mas que deveriam
ser atendidos por outras fontes. Em conclusão, rigorosamente
nada seria alterado, com o aumento do percentual da União,
de 18% para, por exemplo 20%, como propõe a PEC 112/99,
que propõe o FUNDEB. Essa mudança, ao contrário do que
se pode imaginar, não representa a geração de novos recursos
para a complementação da União ao FUNDEF ou FUNDEB.
184
Ademais, a tendência não tem sido de aumentar a
vinculação. No caso de Estados e Municípios, ao contrário,
as pressões na Reforma Tributária são para desvincular
também nos entes subnacionais. O projeto dos prefeitos nem
sempre coincide com o dos secretários de educação.
Outro caminho para aumentar a participação é a
garantia de previsão de mais recursos no plano plurianual do
Município;
4) do recebimento de recursos da União e dos
Estados no exercício de sua função supletiva – Proposta
recorrente é a criação de um mecanismo análogo ao salário-
educação, portanto uma contribuição social a ser criada,
denominada salário-creche, que seria repassada pela União
aos Municípios, já que, somente a União arrecada
contribuições sociais. Estas são vistas como possíveis fontes
de novos recursos para a educação, através de vinculações
de parte das contribuições já existentes.
É verdade que o PNE fixa como meta o
encaminhamento de projeto de lei que regulamente o art.7º,
XXV, que trata do direito dos trabalhadores à assistência a
seus filhos em creches e pré-escolas – o que pode
fundamentar o salário-creche. Entretanto, pode-se esperar
por parte do setor privado uma forte oposição, na linha do
que este considera “custo Brasil”
32
.
32
É interessante registrar a posição da Confederação Nacional da Industria-CNI,
em relação, por exemplo, à PEC nº522/02, que traz o FUNDEF para o corpo
permanente da Constituição: “ Ocorre que a aquiescência dos estados e
municípios `a vinculação de tais receitas se deu pelo seu caráter transitório. Sua
perenização comprometerá por tempo indeterminado a autonomia dos Estados
e Municípios na aplicação dos recursos da arrecadação em conformidade com
as especificidades locais. Deste modo, a medida poderá ter como conseqüência
a necessidade de criação por parte de Estados e Municípios de outras
fontes de receita, o que certamente repercutirá de forma negativa no setor
produtivo”(grifo nosso).Cf. Agenda Legislativa da Indústria,2003.CNI,p.146.
185
Outra proposta similar é a ampliação do campo de
abrangência do salário-educação. Estados e Municípios vêm
travando uma disputa em torno dos recursos do salário-
educação, no que se refere à possibilidade de aplicação nas
demais etapas da Educação Básica. No período do mandato
do presidente Fernando Henrique os Estados saíram na frente,
ao obterem apoio do governo federal, que foi o autor de PEC
nº232/00, que propõe a aplicação dos recursos no ensino
médio. Em resposta, os Municípios se articularam em torno
da PEC nº 2/02, que estende o alcance para a educação infantil.
O mais preocupante é que não há previsão de aumento
de recursos, isto é, esses recursos que financiam a qualidade no
nível fundamental seriam fragmentados. Desorganizar-se-ia o
financiamento de um nível, sem resolver o problema dos demais.
Cabe aos Municípios lutar, como preconiza o PNE,
pelo fortalecimento da função supletiva da União (e dos
Estados) necessária à construção de um autêntico regime de
colaboração. Essa temática remete aos fundos, sejam os
fundos por nível ou o FUNDEB. Em ambas as hipóteses há
necessidade de uma participação maior da União como ente
que complementa. Há espaço para tanto. Recente estudo do
Banco Mundial mostra que a participação da União no esforço
de gasto com educação vem caindo, enquanto crescem os
encargos municipais, segundo o quadro abaixo:
Fonte: IPEA(1995);FIPE(para gastos subnacionais de 1997-2000);PRODASEN, para gastos federais, de 1997-
2000 -Tabela2.2 do estudo “Educação Municipal no Brasil”, do Banco Mundial(Relatório nº 24413-BR)
bilhões
186
Com a criação do FUNDEB ou de fundo específico
para a educação infantil, haverá para alguns Municípios um
retorno, a exemplo do que ocorre atualmente com o
FUNDEF. Ao mesmo tempo outros Municípios perderão
recursos para o novo fundo.
5) da gestão educacional – Cabe, de um lado eliminar
eventuais desperdícios, e de outro fiscalizar a aplicação dos
recursos e punir os desvios.
III. MUNDOS E FUNDOS PARA A
EDUCAÇÃO BRASILEIRA
1. Mundos
No plano dos discursos e compromissos eleitorais
genéricos a Educação habita o melhor dos mundos. A medida
da prioridade que adquire dá-se, entretanto, a partir da
disposição de investimento dos governos das três esferas. Isso
pode ser imediatamente verificado nos planos plurianuais –
que deveriam dar suporte às metas do PNE e planos estaduais
e municipais de educação.
Nesse contexto foi um anticlímax a fixação do valor
mínimo do FUNDEF – indicador do esforço da União no
exercício da função supletiva – num patamar
proporcionalmente abaixo dos dois últimos anos do governo
anterior. A situação é mais desconfortável ao se verificar que
houve sobra na dotação orçamentária, isto é, mesmo que
se atribua ao governo anterior algum tipo de herança, era
possível estabelecer um valor maior. Para finalizar, o
contingenciamento atingiu essa dotação. Tudo isso a despeito
do bem elaborado e sério trabalho da equipe técnica do
FUNDEF, que apontou caminhos para a majoração do valor
187
mínimo
33
. Mas, infelizmente as posições da Fazenda e do
Planalto não coincidiram com a do grupo técnico do MEC.
Na proposta de PPA 2004-2007, há previsão de evento
acerca da preparação para implantação do FUNDEB (ação
6334, do programa gestão da política de educação).O tema
do FUNDEB não consta das orientações estratégicas. A
complementação ao FUNDEF (ação 0304 do programa Brasil
Escolarizado) equivale a R$ 2.250.986.103,00 – em quatro
anos, isto é cerca de 563 milhões/ano, que é o tamanho da
dotação atual. Somente em um ano, o cumprimento da lei
do FUNDEF requer cinco bilhões de reais.
Esse é um nó do sistema de financiamento. A condição
prévia para o estabelecimento do FUNDEB ou o
aperfeiçoamento do FUNDEF( para que possa ser mais
efetivo nas dimensões da eqüidade e qualidade) e criação de
dois novos fundos depende do montante de recursos da
complementação da União.
Não vislumbramos nos Estados e Municípios a
perspectiva de PPAs que aumentem significativamente os
recursos da educação.
2. Fundos
A idéia da criação de fundos para gerir os recursos
educacionais já estava contida na Constituição de 1934 (previa
fundos por esfera federativa). As tentativas anteriores ao
FUNDEF fracassaram porque as fontes de recursos eram
pouco expressivas ou limitavam-se ao âmbito da União, no
exercício de sua função supletiva. Com a união do mecanismo
33
O grupo de trabalho foi criado pela Portaria MEC nº71/03 e 212/03. Seu
relatório está disponível na internet, página do MEC.
188
de vinculação genérica à receita de todos os impostos e a
gestão por um fundo, o FUNDEF deu consistência à
concepção, passando a ser uma referência, de modo que o
PNE consagra como diretriz do financiamento a gestão da
educação por meio de fundos (no plural) de natureza
contábil e contas específicas.
Neste texto não discutiremos o funcionamento do
FUNDEF, suas virtudes e insuficiências ou seus impactos
nas dimensões do acesso (muito positivo), da eqüidade
(importante no contexto intra-estado, mas pouco
significativo na redução de desigualdade entre os Estados,
uma vez que vem sendo praticado um valor mínimo nacional
baixo) e da qualidade (na qual tem efeito apenas indireto).
Interessa-nos, no momento, a discussão dos Fundos –
três fundos, um para cada etapa da educação básica ou um
fundo único -FUNDEB .
Maria Malta Campos
34
considera a lei do FUNDEF
uma exceção no cenário de pobreza de idéias operacionais,
uma vez que “foi explícita e operacional o suficiente para permitir
sua aplicação em prazo surpreendentemente curto para nossa
tradição nesse terreno” . Recorde-se que esse prazo curto
requereu uma negociação política, com os governadores de
Estados que perdiam receitas para seus Municípios, que
adiou por um ano a implantação automática do fundo (art.
1º,lei do FUNDEF).
Apesar de seu sucesso neste aspecto o FUNDEF não
deixou de ter problemas operacionais, inevitáveis na medida
em que misturou recursos de Estados e Municípios. Mas, ao
34
CAMPOS, Maria Malta – A legislação, as políticas nacionais de educação infantil
e a realidade: desencontros e desafios, in – Encontros e Desencontros em Educação
Infantil.Org. MACHADO, Maria Lucia de A. Cortez Editora,2002,p.28.
189
menos o objetivo é financiar o nível que é de sua
competência comum. Mesmo assim, o regime de colaboração
é substituído por conflitos federativos. São exemplos:
a fixação de coeficientes de diferenciação por
(sub)níveis de ensino e tipos de estabelecimento,
prevista no art.2º,§1º da lei do FUNDEF . Os
Estados que se concentram nas últimas quatro séries
e na educação especial foram beneficiados, com o
coeficiente de 1,05 (embora a educação especial
reivindique um coeficiente maior). Para as quatro
primeira séries – nas quais se concentram em geral
os Municípios – foi fixado o coeficiente 1,00. O caso
em que os Municípios poderiam ser beneficiados –
escolas rurais – previsto na lei, não foi inserido nos
decretos. Aliás, mesmo as demais diferenciações
ocorreram apenas a partir do exercício de 2000.
a definição pela responsabilidade do transporte
escolar.
O FUNDEB é uma proposta importante quando se
olha para seu objetivo: a organização de um sistema
consistente de financiamento para toda a educação
básica. Nossa tese é de que este mesmo objetivo é atingido,
com vantagem, por três fundos específicos.
O aspecto operacional – lembrado por Maria Malta
Campos – é determinante para a nossa objeção ao FUNDEB.
Por outro lado, são normalmente apontadas as seguintes
fragilidades pelos críticos do FUNDEF :
a prática de valor mínimo baixo – esta não é uma
questão derivada do que prevê a lei – ao contrário –
mas da prática do executivo, que não vem
respeitando a lei, inclusive no governo atual;
a competição entre entes federativos – que pode
ocorrer no FUNDEB, talvez em maior grau;
190
a ineficiência dos conselhos de acompa-
nhamento e controle social – que independe de
ser o mecanismo de financiamento o FUNDEF ou
o FUNDEB, e pode ser corrigida em ambas as
alternativas.
O problema referente à não-cobertura pelo FUNDEF
da educação infantil e do ensino médio é sanada pelo
FUNDEB ou pela adoção de três fundos.
É importante assinalar que:
a) O FUNDEB mistura, num mesmo fundo, recursos
para o financiamento de ações cuja competência como função
própria não é do mesmo ente federativo.
Isso detonará uma guerra de critérios de fixação de
coeficientes. Se no sistema FUNDEF é reconhecido que o
segmento de 5ª à 8ª séries é mais caro, certamente os Estados
alegarão que o ensino médio, com seus equipamentos,
laboratórios, diversificação de disciplinas é mais caro.
O exemplo do FUNDEF é expressivo: fundos
lastreados por matrículas são indutores de matrículas.
Pode haver uma corrida de matrículas deflagrada, pelos
governos em busca de recursos, nos níveis médio e infantil –
níveis não obrigatórios – que sobrecarregarão o sistema de
financiamento;
b) Os governos estaduais reúnem maior poder de
pressão junto à União, como se infere, por exemplo, do fato
de ter esta assumido a autoria da proposta que permite a
utilização de recursos do salário-educação no nível médio.
O ensino médio conta com 8 milhões de matrículas
públicas, enquanto a educação infantil tem cerca de 4,6
milhões. É verdade que, segundo dados preliminares do censo
escolar – 2003, o número de matrículas nas creches aumentou
7,02% enquanto no nível médio o crescimento foi de 5,64%.
Ocorre que esse é um percentual sobre um número absoluto
191
que representa quase o dobro da educação infantil, e
principalmente, não considera a ação indutora dos governos
estaduais a partir da aprovação do FUNDEB e o grande
estoque de pessoas que poderão voltar ao ensino médio.
Estudo do IPEA
35
estima que as matrículas da educação
infantil devem chegar a cerca de 6,8 milhões em 2006 e 10,1
milhões em 2011 enquanto o ensino médio conterá com 10,2
milhões em 2006 e 15,1 milhões em 2011;
c) A implantação do FUNDEB vai requerer o aumento
da alíquota de recursos capturados de Estados e Municípios,
de 15% para, provavelmente, o total dos recursos vinculados
– 25%, incluindo os impostos que não compõem a cesta
do FUNDEF. Essa proposta tem escassa possibilidade de
ser assimilada pelos secretários de Fazenda/Finanças,
prefeitos e governadores dos entes que perderão recursos,
independentemente da agremiação partidária. Barjas Negri
costuma dizer que o FUNDEF representou uma
minirreforma tributária, com critério educacional. O
FUNDEB vai um pouco além, tendo que recomeçar as
negociações do zero, para aprovar emenda constitucional.
Como se verifica ao acompanhar as discussões da Reforma
Tributária , quando está em jogo o perde-ganha de recursos
a proposta tem grande chance de estacionar.
É necessário um esclarecimento a bem da transparência
no debate. Um aspecto positivo e ousado da proposta do
FUNDEB seria generalizar para todos os níveis o esquema
redistributivo-eqüitativo do FUNDEF. Isso talvez não esteja
sendo bem compreendido por prefeitos que vêem no
FUNDEB uma forma de deixar de perder recursos para o
35
CASTRO, Jorge Abrahão de e BARRETO, Ângela Rabelo – Financiamento da
Educação Infantil: Desafios e cenários para a implementação do Plano Nacional
de Educação. Texto para discussão nº 965.IPEA.Brasília, julho de 2003.
192
FUNDEF. Ocorre que, se os Municípios que perdem
recursos entrarão com suas matrículas de educação infantil
para ganhar, todos os demais Municípios, sobretudo os
pobres, também o farão e o Estado entrará com as matrículas
do ensino médio. Provavelmente o Município que perde,
continuará perdendo, sobre uma base maior. Daí serem
necessárias simulações para avaliar o impacto do FUNDEB.
Com este cenário seria necessário o aperfeiçoamento
do controle sobre as “matrículas -fantasma” e sobre as
‘matrículas-cometa” (nas quais o aluno é matriculado, conta
para a base de cálculo do FUNDEB, mas não freqüenta).
Com esses obstáculos, dificilmente a proposta do
FUNDEB teria uma aprovação rápida.
Parece-me que a manutenção do FUNDEF, com alguns
ajustes, e a criação de fundos específicos para a educação
infantil e o ensino médio, nos moldes do FUNDEF (com
valor mínimo nacional, repasse automático, complementação
da União, contas específicas e conselhos de acompanhamento
e controle social) teriam algumas vantagens em relação à
criação do FUNDEB:
o FUNDEF já está constitucionalizado, podendo os
ajustes ser feitos, conforme o caso, em lei
(aperfeiçoamento dos mecanismos de controle
social)ou simplesmente por decreto (caso da
majoração do valor mínimo de acordo com a lei e
da melhor definição de coeficientes, inclusive para
a educação rural) ;
com a criação de fundos específicos a União teria
apenas uma esfera federativa como interlocutora
(Estados para o ensino médio e Municípios para a
educação infantil). Não se misturaria na mesma
negociação entes subnacionais com interesses
conflitantes, para aprovar emenda constitucional;
193
não haveria mistura num mesmo fundo, de recursos
de entes diferentes, quando as competências são
diferentes, o que traz potenciais conflitos
federativos, com risco dos entes mais fortes
(Estados) sobrepujarem os mais fracos (Municípios);
haveria menos burocracia, na medida em que o
fundo da educação infantil envolveria as esferas
municipal e federal, como complementadora e o
fundo do ensino médio, apenas as esferas estadual e
federal , como complementadora;
negociação em separado com a União dos valores
mínimos de cada fundo, melhorando as
possibilidades de ganhos;
acompanhamento de cada um dos três fundos por
conselhos compostos de maneira mais representativa
de cada nível;
melhor possibilidade de composição de fontes,
isto é, de trazer para o fundo da educação infantil,
como preconiza o PNE, recursos da saúde e
assistência (que é uma janela importante para o
acesso a contribuições sociais) e para o fundo do
ensino médio, recursos do trabalho – setores que
poderiam estar representados nos conselhos;
a aprovação de novos fundos poderia se dar de
maneira mais célere.
Uma última questão merece alguns comentários. Trata-
se da suposta “fragmentação” de recursos que seria uma
desvantagem dos três fundos em relação ao FUNDEB, que
possibilitaria a integração da educação básica. Temos
dificuldade de entender essa objeção. Os recursos, seja qual
for o modelo de fundo adotado devem ser distribuídos,
segundo algum critério. Distribuição não é fragmentação.
Apenas vislumbramos a possibilidade de, com três fundos,
194
reduzir conflitos federativos no momento e no processo da
distribuição, além de abrir uma janela para a composição de
fontes, que pode ser inibida com a adoção de um fundo único.
Cabe ressaltar que, quando discutimos financiamento,
discutimos meios, e não fins. Não é a lei do FUNDEF ou a
lei do FUNDEB que realizará a integração – simplesmente
porque não é este seu papel. A integração deve ser feita a
partir dos planos de educação em todas as esferas. Estes
são os diplomas legais que contêm os fins, a partir das
diretrizes e metas positivados. Além disso faz-se com as ações
concretas dentro do espírito do regime de colaboração.
195
O problema do financiamento para a educação infantil
sempre foi uma constante nas reuniões da Undime e em seus
fóruns nacionais. As cartas dos 7º, 8º fóruns nacionais e do
Fórum Nacional Extraordinário da Undime, realizados
respectivamente em 1999, 2001 e 2002, atestam a gravidade
da situação. Em junho de 1999, a plenária exigia a definição
de novas fontes e mecanismos de financiamento para a
educação infantil.
Em 2001, a plenária denunciava que os “três anos de
Fundef mostraram seus limites e aprofundaram seus efeitos
colaterais (...). Dentre eles, a retenção do crescimento da
educação infantil é o mais angustiante, principalmente porque
o Fundef acelerou o processo de municipalização já existente,
apressando, com isso, a retirada dos Estados dessa faixa de
ensino, em que sua presença ainda era sentida”. E, também,
reivindicava que fosse promovida “uma rediscussão dos
mecanismos de financiamento da educação no Brasil,
garantindo fontes claras de financiamento da educação
infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de
jovens e adultos, educação indígena e educação especial,
revendo-se, principalmente, o papel supletivo da União”.
CONTRIBUIÇÕES DA UNDIME
AO DEBATE DO FUNDEB
Adeum Sauer*
* Dirigente Municipal de Educação de Itabuna-BA. Presidente da UNDIME.
196
Consta da carta do Fórum Nacional Extraordinário,
em 2002, que “a educação infantil é vista, atualmente, numa
concepção ampla, que envolve o cuidar e o educar, nas
diversas dimensões humanas – sociais, cognitivas, afetivas e
físicas – como fator de desenvolvimento e de formação para
o exercício pleno da cidadania. A educação infantil, que tem
uma especificidade própria, não deve mais ser tratada como
subordinada à escolarização do ensino fundamental,
concepção equivocada, ainda hoje, predominante. É
imprescindível a adoção de uma política que inclua o
necessário financiamento e considere, de fato, a criança como
sujeito de direitos, para reverter a grave situação em que
vivemos. ‘É preciso desmitificar a idéia da criança como
cidadã do futuro. A criança é no hoje, no aqui e no agora,
cidadã plena de direitos’”. O aumento do valor per capita da
merenda escolar para alunos da educação infantil também
foi reivindicado pela plenária do Fórum.
No discurso de abertura do 9º Fórum Nacional, no
mês de maio p.p., novamente foi abordada a expectativa
quanto a uma ação urgente do atual governo para o
financiamento da educação infantil e da educação de jovens
e adultos. A Undime aprova a idéia de um Fundo que englobe
toda a educação básica, cobrindo a lacuna de financiamento
da educação infantil, como a proposta do Fundeb. A
importância de recursos para a educação infantil é maior em
países como o nosso e em outros países da América Latina,
em que as condições de miséria de grande parcela da
população exigem atendimento social como pré-condição
para as crianças estudarem.
As creches têm o custo mais elevado das modalidades
de educação básica, equiparando-se à educação especial. A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, em
seus artigos 3º, 74, 75, estabelece a necessidade de a União,
197
em colaboração com os Estados e os municípios, definir o
custo-aluno-qualidade – CAQ. Mesmo assim, o CAQ ainda
é uma realidade muito distante da maioria dos municípios.
Pelo parágrafo quarto do Artigo 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, o prazo para definição do CAQ
expirou em 12 de setembro de 2001. O Tribunal de Contas
da União já recomendou ao Ministério da Educação a adoção
de providências para se discutir o cálculo do CAQ no
Congresso Nacional. A Campanha Nacional pelo Direito à
Educação – movimento que reúne mais de 120 entidades
educacionais, entre as quais a Undime, está capitaneando a
discussão do CAQ e acompanhando as ações governamentais
para tal definição.
Para a Undime, um padrão de qualidade deve
contemplar: democratização do acesso; inclusão educacional
tratando os alunos em sua singularidade; infra-estrutura
escolar agradável e adequada às necessidades da comunidade;
formação continuada dos trabalhadores em educação;
autonomia institucional, administrativa, financeira e
pedagógica das escolas; avaliação institucional de indicadores;
avaliação do desempenho; gestão democrática na construção
da proposta pedagógica da escola, na eleição de diretores, na
discussão e na elaboração dos planos municipais de educação,
na atuação dos conselhos municipais de educação – que
apesar de possuírem uma sistemática semelhante à dos outros
conselhos de educação federal ou estadual, devem assumir
uma feição própria que reflita a realidade de cada município,
com uma gestão autônoma.
A educação infantil tem uma especificidade própria, não
subordinada aos demais níveis, como geralmente se acredita.
A própria LDB diz que o desenvolvimento biopsicossocial da
criança é o objeto da educação infantil. Tanto é, que não se
pode falar propriamente, stricto sensu, em ensino infantil, como
198
se ouve ocasionalmente, porque a idéia não é de ensinar, ou
de se transmitir conhecimentos. Não se deve ter por objetivo
para a educação infantil essa visão antecipatória da escolaridade.
Não se deve ensinar a criança da creche ou da pré-escola a ler,
escrever, mas sim, tem-se de proporcionar a vivência da infância
em suas peculiaridades, como um direito de todos, tanto nos
grandes centros urbanos, quanto nas cidades menores.
No Brasil há desigualdades entre Estados quanto à
educação básica, sobretudo nas creches. Essa grande
desigualdade está na diferença de desenvolvimento
econômico e social, na distribuição de recursos, sobretudo, e
na arrecadação do ICMS. O prof. João Monlevade demonstra,
em um estudo, que sessenta por cento do financiamento da
educação provêm do ICMS, cuja distribuição difere de região
para região, de acordo com o desenvolvimento econômico
do país. A disponibilidade de recursos por aluno/ ano varia
de menos de R$ 300,00 para mais de R$ 1.300,00. É uma
disparidade muito grande. Para corrigir tais disparidades, há
a necessidade de o Estado intervir, repactuando acordos de
cooperação entre os diferentes níveis de governo.
O direito de todos à educação é uma obrigação
compartilhada com os três entes da federação. Alguns Estados
estão impingindo o processo de municipalização do ensino
fundamental, dizendo que a oferta às quatro primeiras séries
do ensino fundamental cabe aos municípios e não aos
Estados, a partir de uma compreensão totalmente equivocada
do artigo 211 da Constituição Federal. A municipalização
não significa o Município absorver, integralmente, as
matrículas de ensino fundamental e de educação infantil.
Municipalizar significa, a priori, a organização do Sistema
Municipal de Ensino.
O Fundef ocasionou um efeito colateral indesejado e,
em um ambiente de escassez de recursos, desestimulou os
199
municípios a aumentarem a oferta da educação infantil, ou a
expansão das vagas, em creches e pré-escola, pois essas
matrículas não geravam e não geram recursos, como ocorre
no ensino fundamental. O quadro se agravou com o não
cumprimento, pela União, do artigo 6º, da Lei 9424, ao fixar
um valor mínimo anual por aluno abaixo do valor legal. Isso
levou ao aumento das desigualdades que poderiam ter sido
corrigidas por esse mecanismo.
Além disso, quando os municípios integraram as
creches e/ ou as pré-escolas comunitárias no gerenciamento
da educação, apesar de a LDB ter previsto recursos adicionais,
não foram aportadas novas fontes, e os recursos da assistência
social que antes as sustentavam passaram a ser divididos com
outras modalidades de atendimento à criança. Houve
acréscimo da responsabilidade do município com a educação
e redução da capacidade de financiar.
Em 98, a complementação do Fundef que a União fez,
representou apenas 3,2% do total dos recursos do Fundef;
em 2002 a União complementava apenas 2,3%. Os gastos de
educação dos municípios passaram de 27,6% para 37,6%,
segundo Paulo Sena, e os da União minguaram de 24,9%
para 17,9%. Os Estados mantiveram uma certa estabilidade
de 47,7% para 44,6%. As incumbências dos municípios
aumentaram sem a necessária ampliação de recursos para
fazer frente a elas.
O Plano Nacional de Educação – PNE estabeleceu
como metas para creche, uma cobertura de trinta por cento,
em 2005 e uma cobertura de cinqüenta por cento, em 2010.
Comparando os dados do censo demográfico do IBGE de
2000 e os do censo escolar de 2000, isso significará mais de
três milhões de matrículas novas até 2006. Para a pré-escola,
as metas de cobertura são de sessenta por cento, em 2005 e
de oitenta por cento, em 2010. O que, seguindo os mesmos
200
parâmetros, significará mais de 1,4 milhão de matrículas até
2006. As desigualdades regionais também estão presentes no
quadro de matrículas de 2000. Na faixa de atendimento às
crianças de até três anos, Maranhão, Alagoas, Bahia, Rio
Grande do Sul e os Estados da Região Norte, exceto Roraima,
possuem cobertura menor de quatro por cento.
Para atingir essas e as outras metas propostas pelo PNE
e para que não haja solução de continuidade no processo de
universalização da educação básica é primordial equacionar
a questão do financiamento. Em relação ao financiamento
público global, o município é a instância com menor
capacidade de aporte, aproximadamente, trinta por cento da
totalidade dos recursos públicos.
Discute-se a idéia do Fundeb como mecanismo para
corrigir as imperfeições do Fundef e garantir a qualidade da
educação básica. Na preocupação e na escassez dos recursos
disponíveis para fazer frente a essa demanda social, ainda
não atendida, os municípios são adeptos políticos a uma
proposta que venha oferecer uma possibilidade de
financiamento de educação infantil. Assim, muitos aderiram,
do ponto de vista ideológico, à proposta de um Fundeb que
venha a oferecer um horizonte de financiamento para a
educação infantil.
Formular uma proposta de Fundeb, significa considerar
um substancial incremento nos recursos da educação por
parte da União. Sem isso, não é possível se pensar em um
Fundeb que venha a solucionar problemas e que seja aceito
politicamente pelos municípios. Apesar desse consenso, não
há previsão orçamentária para 2004 para o cumprimento do
artigo 6º do Fundef. Certamente em uma mudança de
governo, há um teste importante para que se mostre se a
prioridade da educação vai ser uma prioridade conseqüente.
Sem isso não é possível avançar.
201
A Undime vem fazendo estudos sobre o Fundeb para
subsidiar a discussão, tanto pelos municípios quanto pelos
prefeitos, com várias simulações. Foram levantadas,
primeiramente, cinco alternativas:
a) um fundo geral, aproximado à PEC 112/ 99 que
está em tramitação;
b) a criação de um Funcreche e de um Fundeb, sem
essa modalidade;
c) três fundos separados – educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio;
d) um Fundeb de menor abrangência e menos recursos,
por retirar de sua base de cálculo as despesas com creche e
educação de jovens e adultos;
e) um Fundeb com os recursos vinculados à educação,
excetuando-se os 25% das receitas municipais próprias.
Na primeira alternativa (PEC 112/ 99), 25% de todos
os impostos estaduais e municipais, incluídas as transferências,
seriam reunidos em um fundo contábil, no âmbito de cada
Estado, e redistribuídos para os governos estadual e municipais,
proporcionalmente às matrículas, ponderadas por valores
diferenciados dos custos-qualidade de creche, pré-escola,
ensino fundamental, ensino médio, ensino técnico, educação
especial, educação de jovens e adultos. O Estado cujo custo-
qualidade-médio não alcançasse um investimento mínimo por
aluno definido em nível nacional teria seu Fundo
complementado por recursos federais oriundos de parte dos
20% dos impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento
do ensino e, se necessário, de algum outro tributo.
Essa primeira alternativa tem por vantagem a superação
radical dos efeitos perversos oriundos da priorização do
ensino fundamental em detrimento dos outros níveis e
modalidades. Outra vantagem é a exigência de um maior
envolvimento e compromisso financeiro da União. A opção
202
garantiria uma escola unitária e um piso salarial profissional
unificado nacionalmente para os educadores estaduais e
municipais, sem colocar limites a possíveis ganhos nas
remunerações em Estados que arrecadassem mais ou
destinassem mais recursos à educação básica pública. Os
recursos seriam ampliados – com aumento do custo-aluno-
médio – para o atendimento das matrículas da educação
básica; além do mecanismo de redistribuição baseado nas
matrículas do ano anterior – caso se aplicasse, por força de
lei, a atual sistemática do Fundef – poder servir como torneira
reguladora tanto para limitar o crescimento das matrículas
globais no Estado como o aumento das matrículas em cada
rede, nível e modalidade de ensino.
Mas a alternativa também possui alguns problemas. A
exigência de novas fontes de financiamento para a educação
superior nos Estados, acima dos 25% de impostos que
ficariam comprometidos com a educação básica. Uma
mudança muito radical de redistribuição de impostos,
puxando 25% do IPTU, ISS, ITBI e IRRFSM cobrados em
um município para o Fundo Estadual e realocando-os para o
conjunto, provocando possíveis perdas e ganhos que podem
gerar conflitos. Problemas no controle da contribuição dos
impostos municipais próprios para o Fundo Estadual. Além
do risco, a médio prazo, de não se contar com suficiente
complementação da União para sustentar os aumentos
quantitativos e as exigências qualitativas da educação básica,
uma vez que a arrecadação dos impostos estaduais e
municipais nem sempre crescerá, em termos reais, em
proporção maior que as matrículas.
Para superar os problemas com os impostos municipais,
pode-se pensar em um Fundeb (segunda alternativa) com a
mesma concepção e os mesmos mecanismos da alternativa
anterior, mas que considere educação básica menos as
203
creches (crianças com até três anos) e fosse composto de
25% dos impostos estaduais e 25% das transferências
municipais (FPM, IPI-Exportação, ITR, ICMS, IPVA),
deixando-se exatamente os 25% dos impostos municipais
(IPTU, ISS, ITBI e IRRFSM) para atender às creches do
próprio município – por meio de um Fundo Municipal
composto por estes 25% da MDE e outras fontes oriundas
da saúde, justiça, assistência social, a ser complementado,
quando insuficiente para atender à demanda municipal, por
um Fundo Nacional de Creches (Funcreche) alimentado por
recursos da Cofins e PIS/ Pasep.
Essa alternativa também possui suas vantagens e seus
problemas. As vantagens seriam as mesmas da primeira
alternativa, embora se crie no âmbito dos municípios uma
possível diferenciação de tratamento das creches. Em
compensação, abre-se a possibilidade de ampliação dos
recursos locais por meio da sensibilização de outros atores e
da captação de verbas extra-educação. É preciso registrar que
os municípios, com mais demanda por creches, são os de
maior população e mais urbanizados – exatamente os que já
arrecadam ou podem arrecadar mais.
Porém com a segunda alternativa, também não se
resolve a questão do financiamento das universidades
estaduais. Outra dificuldade é que em muitos municípios
grandes, que já usam os quinze por cento de impostos
próprios para o ensino fundamental, haja um certo
desequilíbrio orçamentário para acudir a essas despesas sem
contar mais com esses recursos, mesmo sabendo-se que a
integração ao Fundeb estadual poderá suprir essa perda.
A terceira alternativa seria a de coordenar três fundos
específicos, mantendo-se o Fundef e criando-se mais dois:
um fundo para educação infantil e outro fundo para o ensino
médio. À semelhança do Fundef, seria estabelecido um
204
percentual de impostos vinculados para atendimento de
cada um dos dois níveis, bem como a complementação
necessária no caso de Regiões/ Estados com arrecadação
insuficiente para o atendimento dentro de um padrão de
custo exigido, a ser fixado.
Essa alternativa seria de fácil implantação, na medida
em que os fundos seriam adequados a cada um dos três níveis,
de acordo com as incumbências de municípios e Estados, já
existentes: as obrigações dos primeiros na oferta de educação
infantil e as dos Estados na oferta do ensino médio, além da
obrigação concorrente das duas esferas na oferta de ensino
fundamental – já regulado pelo Fundef. A vinculação
diferenciada do percentual de impostos, no âmbito dos
municípios para educação infantil, e no âmbito dos Estados
para o ensino médio, facilitaria o processo de redistribuição
dos recursos entre os entes federativos, inibindo eventuais
conflitos no processo; a regulação do financiamento
observando-se a incumbência já estabelecida provocaria
menos atritos, acarretando vantagens operacionais.
Porém, com a multiplicidade de fundos reforça-se uma
tendência já existente de fragmentação nos três níveis de
educação básica, que deveriam ser fortemente integrados.
Perde-se, também, a oportunidade de reformulação do
Fundef que haveria, no caso da constituição de um fundo
único para os três níveis, diante dos problemas já
experimentados em seu funcionamento.
Outra alternativa é a de um Fundeb com menor
abrangência e menos recursos. Dos atuais 25% dos impostos
estaduais, incluídas as transferências, cinco por cento seriam
destinados para a educação superior estadual e vinte por cento
integram o Fundeb estadual. Nos Municípios, dos 25% dos
impostos, dez por cento seriam gastos em suas creches e
quinze por cento ficariam livres para aplicação nas escolas
205
municipais de educação infantil e ensino fundamental; e 25%
das transferências se depositariam no Fundeb estadual. O
Fundeb estadual, por sua vez, atenderia a toda a educação
básica menos as creches e os programas de alfabetização de
jovens e adultos. As creches teriam um financiamento
adicional oriundo do Funcreche da segunda alternativa.
As vantagens dessa quarta alternativa é que diminuem
as desvantagens das alternativas anteriores e tornam mais
fáceis a transição gerencial e a aceitação política da proposta,
principalmente porque resguarda os recursos estaduais para
a educação superior em valores bem próximos aos
atualmente despendidos.
Entretanto, para se garantir um custo-qualidade maior
e o piso salarial nacional, o valor da suplementação da União
deverá ser bem maior que nas outras alternativas. Mesmo
elevando-se o percentual de MDE da União a 25% dos
impostos e se reservando 75% deles para a educação superior,
resultaria numa disponibilidade potencial de somente R$ 3,5
bilhões para o Fundeb – o que exigiria a destinação de
recursos de outra fonte. Além disso, o financiamento para
educação de jovens e adultos continuaria sem cobertura,
ficando dependente da captação de recursos em empresas e
sociedade em geral que se tem revelado muito pontual, ao
contrário do caráter universalista, como direito. Os
municípios que já têm dificuldades para financiar a educação
básica, especialmente a educação infantil, que não vem sendo
atendida na abrangência exigida, passariam, nessa alternativa,
a contribuir no financiamento do ensino superior, o que
provocaria, obviamente, rejeição por parte deles.
A quinta alternativa é a de se criar um Fundeb que
atendesse toda a educação básica, composto de 25% dos
impostos estaduais, incluídas as transferências, e de 25% das
transferências municipais: FPM, IPI-Exportação, ITR, ICMS,
206
IPVA. Os recursos próprios dos municípios – IPTU, ISS,
ITBI e IRRFSM – não ficariam, portanto, vinculados a
nenhum nível, ou modalidade de ensino, oferecendo margem
maior para atender os níveis mais necessitados.
A implementação dessa quinta alternativa dependeria
de um expressivo aumento na disponibilidade de recursos
por parte do governo federal – pois a carga sobre a União
aumentaria à medida que Estados, com menor capacidade
de arrecadação, passassem a se tornar dependentes das
complementações. Além disso, haveria a dificuldade no
controle dos recursos de impostos municipais próprios e
seriam exigidas novas fontes de financiamento para a
educação superior nos Estados.
Esses são os componentes para a discussão política da
implementação dos fundos e para a construção do pacto
necessário. Os Estados têm universidades estaduais e querem
recursos para elas. Os municípios já estão cheios de encargos
na área social e não querem ceder recursos próprios para a
participação nesse Fundo. Essa é a discussão política que
precisa ser pactuada. É preciso deixar bem claro para todos,
de onde podem provir esses recursos. São necessárias
simulações das diversas fontes – que as leis hoje consagram
como fontes para a educação – discriminando quem arrecada
quanto, e quanto cada um desses entes pode se
responsabilizar.
A explicitação das cinco alternativas mostra a
complexidade da tarefa de construção do Fundeb. Na
realidade, parte do problema deriva da questão federativa:
a demanda e os desafios são nacionais, mas diferenciados
regionalmente; e a oferta de soluções é federal, estadual e
municipal. Além disso, existem demandas reprimidas que
exigem uma excepcionalidade de tratamento no tempo:
um investimento maior durante cinco a sete anos para se
207
pagar a conta da “desescolaridade” dos jovens e adultos
e “desqualidade” do ensino fundamental e médio, seguido
de um tempo com mais estabilidade de gastos para
manutenção e desenvolvimento de um sistema educativo
público de qualidade.
Não há um consenso na Undime, em relação às
diferentes alternativas e possibilidades, mas, o maior pendor,
a maior inclinação é para o estabelecimento de um fundo
geral. A concepção mais integrada, de um só fundo, garantiria
uma escola unitária, no sentido da igualdade de condições e
de oportunidades da oferta na educação básica. Com a
multiplicidade de fundos, seria reforçada a tendência existente
de fragmentação entre os três níveis da educação básica, que
deveriam ser fortemente integrados, mas não o são. A criação
de três fundos separados, compartimentalizados, do ponto
de vista prático e político, é de implementação mais fácil,
mas do ponto de vista de concepção não é a melhor escolha.
Certamente, a criação de um Fundeb que contemple
todas as modalidades de ensino da educação básica
demandará mais tempo. Porém, com fundos específicos, a
educação básica não estará integrada. Um fundo único
permitirá o necessário remanejamento interno, devido às
tendências de crescimento de matrículas, pois no ensino
fundamental as matrículas vão decrescer, mas vão aumentar
as matrículas no ensino médio e na educação infantil. Na
educação básica, com a dinâmica, inclusive demográfica,
do crescimento e do decrescimento de matrículas em um
ou outro nível da educação, há a necessidade de um maior
remanejamento de recursos.
Com a tão falada era do conhecimento, a educação
básica deve ser um parâmetro de direito de todos. Deve ser
um parâmetro a ser atingido. A possibilidade de se retirar a
educação infantil do Fundeb e instituir um Funcreche, talvez,
208
politicamente, seja uma solução. Assim como deixar recursos
de fora para os Estados atenderem suas universidades, talvez
seja politicamente mais fácil, do ponto de vista da
implementação. Mas essas soluções isoladas ou fragmentadas,
em termos de concepção, não caminham na direção de uma
concepção mais global da educação básica.
Essa integração, como dito, exigirá um maior
comprometimento da União. Temos de aprender com a
experiência do Fundef. O Fundef foi um caminho, um
mecanismo de equalização que, devido ao seu não cumprimento,
além de não atingir seus objetivos primordiais, gerou um passivo
de cerca de onze bilhões da União para com os municípios e os
Estados. Muitos Estados e municípios estão entrando com ações
contra a União. Com o Fundef, pôde-se aprender muito e, o
que, certamente, possibilitará que se coloque em prática um
Fundeb melhor. A União tem de entrar com recursos, precisa
sinalizar no orçamento. Precisa dizer claramente, para dissipar
essa desconfiança que o Fundef gerou.
Do ponto de vista dos municípios, existem problemas
de implementação que precisam ser negociados. Não se pode
simplesmente encaminhar um projeto sem negociação. O
Congresso Nacional, certamente, será o espaço adequado para
essa discussão democrática, com todos os entes da federação,
dentro do que se considera regime de colaboração. Talvez a
discussão do Fundeb seja uma excelente oportunidade de
dar mais substância ao regime de colaboração. Os pactos daí
resultantes devem ser mais consistentes do que têm sido,
até então os pactos realizados no país em relação à educação.
Com os diversos fundos, esse “empurra-empurra” de
responsabilidades e de matrículas se acirraria ainda mais.
Há uma grande heterogeneidade na estrutura de
arrecadação tributária nos municípios. Essa discussão
demanda pactos políticos e discussão aprofundada. Alguns
têm dificuldade de arrecadação. Outros quase não
209
arrecadam IPTU. Tem de haver uma prática educativa de
arrecadação. Tem de haver mecanismos para garantir que
os municípios repassem recursos da arrecadação própria.
Essas hipóteses têm de ser discutidas, porque na
implementação política vão dizer “Não tem recursos” “De
onde vamos tirar?!”. Fundo específico? A realidade em
muitos Estados é a oferta da educação superior. Esses
recursos têm de ser considerados. Não é educação básica,
mas é educação.
Não se podem diminuir as expectativas e as
considerações referentes à educação. Não se pode abdicar
de um fundo mais amplo em função do pragmatismo da
aprovação política, renunciando cada vez mais, ficando com
migalhas, com aquilo que é viável politicamente. É
necessário sensibilizar a sociedade sobre quanto a educação
deve ser valorizada. Tem de se lutar politicamente para a
criação de fundo ideal para a educação. A educação básica
como direito do povo brasileiro, é importante para o
desenvolvimento político, econômico e social.
Há uma tensão com os recursos que são escassos. É
necessário se verificar como fazer para conseguir mais
recursos. Estudos mostram que, em épocas de crise, se os
recursos estiverem protegidos, a educação estará assegurada.
Evidentemente que a área social, com tanta carência, vai
ser a primeira a sofrer os prejuízos de recursos. Mas, é
importante que em um país como o nosso em que se fazem
reformas e se cumprem tarefas do século XIX, como a
universalização da educação, se privilegie a área social.
Proteger a educação com a vinculação é importante. A
Undime defende isso.
A discussão macropolítica também se faz necessária.
Realmente a reflexão que se deve fazer é essa, sobre o modelo
econômico. Evidentemente, não se tem mais recursos porque,
210
no modelo seguido, faz-se uma canalização da mais valia
social para pagar juros. A nação faz um esforço muito grande
e sobra muito pouco dinheiro. A pressão se dá em todos os
níveis. A discussão macropolítica deve ser feita em médio
prazo para responder melhor às necessidades, definindo-se
as prioridades diante das responsabilidades fiscal e social.
211
1. INTRODUÇÃO
Ao situar-se no âmbito das responsabilidades do Poder
Público, compondo o núcleo central dos atuais sistemas de
bem-estar social, a educação absorve quantidade expressiva
dos recursos orçamentários. A Constituição Federal de 1988
e a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (
LDB),
de 1996, atribuíram à União, aos Estados, ao Distrito Federal
(DF) e aos Municípios a responsabilidade pela administração
do sistema educacional brasileiro, tendo como fundamento
o regime de colaboração entre essas instâncias federadas.
Em momentos como o atual, em que se pretende
realizar uma Reforma Tributária, com inevitáveis impactos
para a área, é importante se identificar as competências e
responsabilidades das unidades federadas no tocante ao
financiamento das ações educacionais, de modo a se aferir
possíveis perdas e ganhos decorrentes das mudanças que uma
eventual reforma possa gerar.
Além disso, pretende-se com o presente texto
mensurar as disponibilidades orçamentárias, potencial
resultante do respeito às normas jurídico-institucionais
FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO E QUESTÕES DA
REFORMA TRIBUTÁRIA
Jorge Abrahão de Castro*
* Pesquisador da Diretoria de Estudos Sociais do IPEA e pesquisador
associado do Departamento de Contabilidade da UNB.
212
vigentes, apontar questões relevantes para o financiamento
da educação das propostas de reforma tributária, em
tramitação no Congresso Nacional e, por fim, apresentar
alguns dos principais itens da atual discussão a respeito do
financiamento da educação no Brasil.
2. ESTIMATIVA DA CAPACIDADE DE
FINANCIAMENTO PÚBLICO PARA
A EDUCAÇÃO
O financiamento público do gasto em educação estrutura-
se a partir de duas modalidades. A primeira que é aqui
denominada financiamento protegido, pois conta com respaldo
constitucional direto. Uma outra modalidade, de caráter flexível
e de natureza instável e incerta, depende de negociações políticas
e é fortemente condicionada por oscilações conjunturais, sejam
econômicas, sociais ou políticas.
36
A denominação financiamento público protegido diz
respeito à parcela das receitas públicas (impostos e
Contribuição Social do Salário-educação) arrecadadas pelas três
esferas de governo, que a Constituição brasileira assegura à
educação, mediante a aplicação de percentuais mínimos
incidentes sobre essa arrecadação
37
. Cabe ressaltar que essas
36
Esse tipo de financiamento público, no caso da União, é constituído de recursos
provenientes das Contribuições Sociais que financiam principalmente os programas
de Assistência ao Educando, operações de crédito realizadas com organismos
internacionais, pelos recursos diretamente arrecadados, principalmente pelas Ifes,
e por recursos de convênios, entre outros. No caso de Estados e Municípios, é
composto pelas operações de crédito realizadas com organismos nacionais e
internacionais, por recursos diretamente arrecadados, convênios e demais fontes.
37
A legislação Constitucional estabeleceu um teto mínimo, ou seja, um
delimitador inferior, o que não quer dizer que os dirigentes não possam
gastar mais do que esse valor.
213
disposições constitucionais já foram objeto de regulamentação
ordinária (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e
regulamentações do Salário-educação).
Os recursos provenientes das Contribuições Sociais, as
operações de crédito realizadas com organismos
internacionais, os recursos próprios que são arrecadados por
algumas instituições, entre outros, compõem o que se
denominou de financiamento flexível.
Para efeito da estimação dessa capacidade de
financiamento público associado à área de educação, admite-
se como premissa que os três níveis de governo respeitem as
disposições contidas no artigo 212 da CF, pelo qual a União
deve aplicar na área de educação 18% dos recursos oriundos
da receita de impostos federais a ela destinados, já
descontados os 20% da DRU, enquanto que aos Estados e
Municípios caberia a vinculação de 25% das receitas de
impostos que arrecadam e daquelas que lhes são transferidas.
A partir dos resultados da arrecadação das receitas de
impostos, em 2000 – assumindo-se a premissa de que as três
esferas de governo estariam atendendo ao dispositivo
constitucional supracitado –, da arrecadação do Salário-educação
e das receitas das demais contribuições sociais e das fontes
próprias, chegou-se aos valores apresentados na Tabela a seguir.
Conforme se observa na tabela que segue, a disponibilidade
mínima de recursos públicos protegidos para a área de educação,
em 2000, teria sido de aproximadamente R$ 48,8 bilhões, caso
estivessem sendo respeitadas as disposições legais vigentes
38
.
38
Para tanto, considera-se a existência do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(FUNDEF). Este fundo propiciou o reordenamento federativo dos recursos
destinados ao Ensino Fundamental, principalmente entre Estados e Municípios.
Prevaleceu a descentralização de recursos entre esses entes, de modo que um
conjunto de Estados perdeu recursos em favor dos Municípios. Em 2000,
essa perda foi da ordem de R$ 2,2 bilhões.
214
Os recursos que compõem a reserva de mínimos
orçamentários vinculados pela CF somaram cerca de R$ 46,1
bilhões, correspondendo a 94,4% do financiamento protegido
ou, ainda, a 87,0% de todo o potencial de financiamento, o
que evidencia a importância da vinculação constitucional para
a educação. No caso dos municípios, a totalidade do
financiamento protegido é proveniente dessa fonte.
TABELA 1 – Estimação da capacidade de financiamento público
protegido e flexível para a educação. 2000
Fonte: COTEPE e STN/MINFAZ
* O valor da Dev/ICMS e do IRRF dos servidores estaduais e municipais foram computados como recursos
arrecadados pela União e transferidos para Estados e Municípios.
Elaboração: Castro, J. A & Sadeck, F.
Em R$ milhões
A outra fonte de recursos que compõe o financiamento
protegido é o Salário-Educação, o qual correspondia aos
5,6% restantes do financiamento protegido global, mas com
215
participações diferenciadas entre as esferas de governo:
cerca de 10,0% dos recursos protegidos aplicados pela União
e 7,4% do volume de recursos dos Estados. Os municípios,
por sua vez, não contam com recursos dessa fonte.
Outro resultado que chama a atenção, na tabela anterior,
refere-se à participação majoritária dos estados na
composição do financiamento público mínimo global da área
de educação (50,1%). Aos Municípios caberiam cerca de
32,1% dessa capacidade de financiamento e, à União, apenas
17,8% do gasto público estimado.
Cabe ressalvar, no entanto, que o volume estimado de
recursos federais para a área de educação não incorporou o
que teria sido transferido aos governos do Distrito Federal e
de ex-territórios, bem como os gastos sob a responsabilidade
de outros Ministérios que desenvolvem ações na área de
educação, principalmente o Ministério da Ciência e
Tecnologia e os Ministérios militares. Além disso, a maior
parte dos recursos movimentados pelo MEC destina-se ao
financiamento da educação superior, principalmente nas
Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), conforme
previsto na CF, o que limita sua capacidade de intervenção
na educação básica.
Os dados relativos ao financiamento flexível revelam
que essa modalidade responde por apenas 8,0% do
financiamento da educação. Além disso, Castro e Sadeck
(2003) demonstram que apesar de ser proveniente de uma
certa diversidade de fontes, tem suas maiores expressões nos
recursos das Contribuições Sociais alocados ao MEC. Em
2000, foram cerca de R$ 2,5 bilhões, o que representa 58%
da capacidade de financiamento flexível. Nessa categoria, a
principal fonte é a Cofins (40,9%). Em geral, esses recursos
são alocados aos programas destinados à assistência ao
educando, principalmente para financiar a merenda escolar.
216
Outra fonte relevante salientada por esses autores foram os
Recursos Diretamente Arrecadados, com cerca de 24,3% do
total. Esses recursos são, em sua maioria provenientes das
Ifes, como resultado da produção de bens e da prestação de
serviços à comunidade, empresas etc. As demais fontes, como
Operações de Crédito, Títulos do Tesouro, crédito educativo
e convênios foram responsáveis por apenas 12,3%.
Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), em 2000,
o financiamento público da educação, sem considerar as
contribuições sociais, correspondeu a cerca de 4,5% daquele
total. Quando desagregados por esfera de governo, verifica-
se que os recursos do Estados representam cerca de 2,3%,
os dos municípios correspondem a 1,4% e os recursos do
governo federal a apenas 0,8% do PIB. Acrescendo-se as
receitas das contribuições sociais e as demais receitas próprias
desse percentual, a capacidade de financiamento público da
educação, em 2000, corresponderia a 4,9% do PIB.
Quando se comparam os valores do financiamento da
educação e a Carga Tributária Bruta que, em 2000,
representou 32,9% do PIB, observa-se que a capacidade de
financiamento da educação, composta apenas por fontes
dessa ordem, seria equivalente a 14,0% da arrecadação
tributária bruta, ou seja, algo em torno de 1/6 do total
arrecadado é destinado à educação em nível nacional.
Se a educação tem esse peso para o esquema de
financiamento tributário do Estado, isso se deve à vinculação
de recursos de impostos para a área. Historicamente, esse
dispositivo continua sendo uma das medidas políticas mais
eficazes de mobilização de meios para o cumprimento de
um vasto elenco de responsabilidades do Poder Público, na
área da educação.
A despeito das críticas que atribuem à vinculação de
impostos a responsabilidade pela rigidez e engessamento na
217
gestão orçamentária e financeira do Governo, segundo
Castro (1996), esse mecanismo foi determinante para que,
mesmo sob o impacto de crises econômicas, os gastos do
MEC tivessem ampliado sua participação no PIB, no período
1980-1989, de 1,2% para 1,9% do total.
3. FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
E QUESTÕES DAS PROPOSTAS DE
REFORMA TRIBUTÁRIA
A eventual adoção de mecanismos que venham a
reduzir a base de cálculo sobre a qual incidem as vinculações
constitucionais para a manutenção e o desenvolvimento do
ensino, algo como uma Desvinculação de Recursos para os
Estados, de cerca de 20%, no escopo do projeto de Reforma
Tributária, tem colocado sob alerta segmentos organizados
da área de educação
39
, para o risco que essa desvinculação
representaria, ou mesmo a redução da base de cálculo dos
percentuais a serem aplicados nos sistemas públicos de ensino.
Tal proposta tem sido motivada pelo fato de os estados e
municípios encontrarem-se endividados.
39
Em evento realizado na Câmara dos Deputados, denominado “Debate Público
em Defesa dos Recursos destinados à Educação”, reuniram-se representantes do
Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED), União Nacional
dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras (CRUB), Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE), Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais
de Ensino Superior (ANDIFES), Associação Brasileira de Universidades Estaduais
e Municipais (ABRUEM), Campanha Nacional pelo Direito à Educação entre
outras entidades e associações representadas. Deste encontro resultou a elaboração
da “Carta da Educação” e a montagem de uma comissão encarregada de monitorar
o processo de reforma tributária em curso no país.
218
No intuito de aferir os impactos que uma desvinculação
dessa monta traria consigo, foi realizada simulação, tendo-se
como referência o ano 2000, pela qual ficou evidenciado que
o orçamento da educação poderia ser reduzido em até R$ 8,9
bilhões, ou seja, os recursos disponíveis para a área poderiam
sofrer redução de 16,7%, o que corresponde a mais da metade
de tudo o que os municípios gastam com educação.
Esses mesmos segmentos argumentam que grande
parte dos avanços na educação é devida à vinculação de
recursos, introduzida pela Emenda Calmon e,
posteriormente, confirmada e ampliada pela Constituição
de 1988, assim como pela subvinculação estabelecida pela
Emenda Constitucional que criou o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério
(Fundef). Esses avanços são evidenciados na melhoria de
grande parte dos indicadores educacionais, principalmente
daqueles que se referem ao ensino fundamental.
Por sua vez, a reforma do sistema tributário nacional
poderá impulsionar o desenvolvimento econômico, com o
conseqüente aumento da arrecadação tributária. Desse modo, a
área de educação seria beneficiada, principalmente no caso de o
aumento da arrecadação ser devido ao recolhimento de impostos.
Mudanças na legislação que venham a inibir a evasão
fiscal e a aumentar a base de contribuintes, especialmente
pela incorporação daquelas empresas que se utilizam dessa
evasão como vantagem competitiva, também podem reverter-
se em ampliação de recursos para a área de educação. Do
mesmo modo, alterações que visem diminuir a guerra fiscal,
principalmente pela padronização da legislação do ICMS e a
redução das mais de quarenta alíquotas para cinco, podem
trazer como conseqüência diminuição da sonegação e maior
transparência e facilidades para que as empresas possam
recolher o tributo.
219
Caso a Reforma amplie recursos a estados e
municípios, mesmo que em detrimento de perdas para a
União, como é o caso da redistribuição da CIDE e da CPMF,
esse fato pode favorecer o financiamento da educação, uma
vez que são aquelas esferas de governo os principais
responsáveis pelo financiamento da educação, como
apresentado na tabela anterior
40
.
A despeito da importância que se atribui à desoneração
das exportações, para o aumento da competitividade externa
dos produtos brasileiros, deve-se ter em mente que a perda
expressiva de arrecadação via ICMS, principalmente nos
estados com maior poder exportador, também terá impactos
sobre o financiamento da educação. Vale lembrar que esse é
o principal imposto que financia a área. Como forma de
compensar eventuais perdas de arrecadação está sendo
discutida a montagem de um Fundo de compensação para a
educação. Neste caso, alerta-se para a necessidade de que os
recursos que venham compensar tais perdas também sejam
computados para efeito da vinculação, pois, do contrário, a
educação perderá 25% do volume de incentivos fiscais.
A proposta de se alterar a forma de recolhimento do
ICMS, da origem, como é realizado atualmente, para o
destino, também poderá afetar o financiamento da educação,
em virtude da existência de diferenças regionais e locais de
produção, o que poderá acarretar vantagens para alguns
entes federados e desvantagens para outros.
40
Isto porque o escopo e escala de cobertura dos bens e serviços sociais que
podem ser ofertados mediante Políticas Educacionais pelo Estado estão
diretamente relacionados às condições econômicas estruturais e conjunturais
que determinam a disponibilidade de recursos e ao arranjo político de uma
sociedade, pois é justamente a tensão entre o arranjo político e a escassez de
recursos que define opções de ação, direção e cobertura financeira às ações
sociais do Estado que resultam no Gasto Público Social.
220
Por fim, o interessante mesmo para a educação seria
uma reforma que reordenasse a relação impostos versus
contribuições sociais na estrutura de arrecadação tributária,
de forma que os impostos voltem a ganhar maior peso. Os
impostos federais não aumentaram sua arrecadação durante
os anos 90 (ficando em torno de 9,0%
PIB). Por outro lado,
as contribuições para a seguridade social, que representavam
9,2% do
PIB, em 1990, crescem constantemente na década
até chegar a 13,1% do
PIB, em 2002. Sendo uma das principais
responsáveis pela ampliação da Carga Tributária Bruta. No
entanto, grande parte deste esforço é retirada mediante a
Desvinculação de Receitas da União (
DRU) para outras
atividades de governo que não as sociais. Qualquer
rearticulação do sistema (não um aumento da carga) pode
favorecer a educação, uma vez que a grande fonte de
financiamento da educação são os impostos. Por exemplo,
qualquer reordenação que favoreça a arrecadação de impostos
que gire em torno de 1,0% do PIB pode gerar cerca de 0,2%
de recursos para a educação.
4. O DEBATE ATUAL SOBRE O
FINANCIAMENTO EDUCAÇÃO
Um dos requisitos para que não haja solução de
continuidade no processo de universalização da educação
básica com qualidade, refere-se ao equacionamento da
questão do financiamento. Indo de encontro ao que está
sendo veiculado acerca da Reforma Tributária, setores
organizados da área de educação defendem, por intermédio
da Carta da Educação, a derrubada dos vetos presidenciais
ao Plano Nacional de Educação (PNE); a ampliação dos
recursos públicos para a área, em cerca de 7% do PIB; o
221
cumprimento do valor mínimo por aluno, estabelecido pelo
Fundef; a definição do custo aluno/qualidade; o
atendimento da educação infantil e a progressiva
obrigatoriedade do ensino médio; bem como a aplicação
dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços
de Telecomunicações (FUST) na universalização das
tecnologias da informação e da comunicação nos
estabelecimentos públicos de ensino.
Grande parte dos atores sociais vinculados à educação
tem criticado a União que estaria contribuindo cada vez
menos na composição dos recursos do Fundef. Se, em 1998,
a complementação da União correspondia a 3,2% dos
recursos desse Fundo, em 2002, esse índice havia sido
reduzido a 2,3% do total. Esse declínio na participação da
União tem sido atribuído ao baixo ajustamento do gasto
mínimo per capita que, desde a sua implantação, não só deixou
de cumprir o que estabelecia a própria legislação de
regulamentação do Fundo, como também não acompanhou
o crescimento da arrecadação de estados e municípios. A
redução relativa, da participação da União na composição
do Fundef, configurou, para alguns, uma forma de
desobrigação do Ministério para com o ensino fundamental.
Devido a isto se estima a necessidade de uma correção
expressiva do valor mínimo, o que implicará um aporte
significativo de recursos por parte do MEC. Como esse aporte
adicional não está previsto no orçamento, resta saber se a
ampliação desse valor per capita será financiada pelo
remanejamento interno de fontes de recursos, com
implicações para o cumprimento de determinadas funções,
ou se o orçamento da educação será efetivamente ampliado.
A instituição de um Fundo para a Educação Básica
(Fundeb) constitui outra reivindicação de parte dos atores
sociais ligados à área de educação, principalmente daqueles
222
segmentos vinculados à educação infantil e ao ensino médio.
No entanto, um dos principais óbices à concretização dessa
idéia refere-se à disponibilidade de recursos financeiros
necessários à sua implementação. Algumas simulações
realizadas indicam que o financiamento desse Fundo
dependerá dos cenários que venham a ser configurados em
relação ao gasto aluno/ano mínimo que se adote. Por
exemplo, em um cenário de manutenção das estruturas de
gasto atuais – gasto aluno/ano no nível do que se esperaria
para o Fundef – o Fundeb deveria contar com cerca de 3,5%
do PIB, em 2003, com a complementação da União chegando
a 0,09% do PIB. Porém, sob um cenário de amplas melhorias
os recursos do Fundo deveriam ser de 5,09% do PIB e a
complementação de 1,73% do PIB, que é mais que o
orçamento atual do ministério [Cf. Castro (2003)].
Por outro lado, os resultados das estimativas mostram
que o Fundeb, assim como o Fundef, pode representar no
interior de cada estado uma mini-reforma tributária, que
deve gerar impasses e forçar negociações entre os dirigentes
dos executivos estaduais mais atingidos e os dirigentes do
MEC, visando à cobertura das perdas de recursos estaduais
mediante a alocação de recursos federais. No conjunto,
observa-se que em todas as regiões devem ocorrer
movimentos nas duas direções, predominando o processo
de descentralização de recursos dos estados para os
municípios, não ocorrendo processo de centralização.
Por fim, a instituição do Fundeb demandará grande
quantidade de recursos para fazer face à complementação,
pela União, assim como poderá acarretar transferência de
recursos financeiros dos estados para os municípios. Se, por
um lado, essa medida favoreceria a consolidação de um
volume razoável de recursos para a educação básica, por outro
poderia comprometer a capacidade de gasto dos estados.
223
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nestas considerações finais chama-se a atenção para
alguns aspectos da capacidade de financiamento público do
gasto em educação, em 2000: (i) a área de educação é bastante
importante no financiamento dos gastos públicos, cerca de
4,9% do PIB, reafirmando sua posição de constituir-se em
um dos pilares da proteção social brasileira; (ii) a distribuição
intergovernamental da capacidade de financiamento do gasto
é correspondente às competências específicas determinadas
a cada esfera do Poder Público, revelando o caráter
descentralizado das ações governamentais da área. Os
Estados e Municípios são as instâncias federadas que mais se
ocupam com a área, respondendo pela grande maioria do
poder de financiamento e comprometendo parcela razoável
de seus recursos não-financeiros; e (iii) a capacidade de
financiamento do gasto na área convive de fato com dois
tipos de financiamento, um que protege a área e outro incerto
e flexível. O tipo protegido é responsável por 91,9% da
capacidade de financiamento e os restantes são de
responsabilidade da parte flexível.
Considera-se, também que vincular recursos de
impostos é a medida política de maior peso na mobilização
de meios para o cumprimento das responsabilidades do poder
público na área de educação. Por isso, seria importante para
a área de educação um reordenamento da relação impostos
versus contribuições sociais na estrutura de arrecadação
tributária, de forma que os impostos voltem a ganhar
importância.
Apesar da opinião de alguns economistas sobre rigidez
e engessamento na gestão orçamentária e financeira do
governo, esse mecanismo é, de fato, uma forma de proteção à
área de educação que garantiu, mesmo nas crises econômicas
224
mais graves, os valores mais expressivos para a área. Qualquer
proposta para desvinculação de recursos comprometerá essa
proteção e reduzirá os recursos para educação.
Por outro lado, chama-se a atenção que qualquer
modificação que venha ocorrer na estruturação tributária
brasileira, principalmente se isso ocorrer no ICMS, vai atingir
a educação, dado o peso específico da área no esquema de
financiamento público brasileiro.
Por fim, argumenta-se que um dos requisitos para que
o Brasil possa continuar seu processo de expansão dos direitos
relativos à universalização da educação básica com qualidade
e a expansão da educação superior, é o equacionamento da
questão do financiamento. Nesse sentido, contrariamente ao
que está sendo ventilando na discussão da reforma tributária,
o que se faz necessário é justamente a ampliação dos recursos
para educação, de forma a permitir o enfrentamento dos
problemas educacionais brasileiros, sobretudo no que tange
à qualidade da educação. Além disso, a demanda por educação
vem crescendo em todos os níveis e modalidades de ensino,
tanto pelo desejo das famílias e dos próprios estudantes,
quanto pelas exigências de mais conhecimento e
competências num mundo competitivo e globalizado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AFONSO, J. R.; ARAUJO, E. A Capacidade de gasto dos
municípios brasileiros: arrecadação própria e receita disponível.
Brasília: BNDES, jun. 2001.
ARAUJO, E. Carga tributária: evolução histórica, uma tendência
crescente. Banco Federativo, Brasília: BNDES, n. 29, jul. 2001.
Disponível em: <http://www.federativo.bndes.gov.br>.
225
_____; OLIVEIRA, P. Tributação municipal : desigualdades
na carga tributária local, 1996. Banco Federativo, Brasília:
BNDES, n. 15, jul. 2000. Disponível em: <http://
www.federativo.bndes.gov.br>.
BOLETIM CONJUNTURAL TRIMESTRAL. Brasília:
IPEA, n. 52. jan. 2001.
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Estudos e Pesquisas Educacionais. Censo escolar, 2000. Brasília:
MEC, 2000. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>.
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do Conselho Nacional de Política Fazendária. Rosemberg.
Brasília: COTEPE, 2001. Disponível em: <http://
www.fazenda.gov.br/confaz/Cotepe/index.html>.
CASTRO, J.A. Financiamento da educação: necessidades e
possibilidades de financiamento. Brasília: out. 2003
(mimeografado).
_____; SADECK, F. Capacidade de financiamento do gasto público
em educação no Brasil. Brasília: TD, 2002. (TD; 955).
IBGE. Dados do censo demográfico. Brasília: IBGE, 2000.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.
_____. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Notas
Metodológicas. Brasília: IBGE, 1999.
PINTO, J. M. R. Os recursos para educação no Brasil no contexto
das finanças públicas. Brasília: Plano Editora, 2000.
PARTE 4
Algumas Propostas de Emenda
à Constituição em tramitação
no Congresso Nacional
229
Modifica os art. 208, 211 e 212 da Constituição
Federal e o art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, criando o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica Pública e de Valorização dos Profissionais
da Educação.
(Apense-se à Proposta de Emenda à Constituição
nº 78 de 1995)
As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal,
promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1º É dada nova redação ao inciso IV, do artigo
208 da Constituição Federal:
Art. 208 – ........................................................
.........................................................................
IV - progressiva universalização da educação infantil,
especialmente da pré-escolar, com atendimento em creche
e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
PROPOSTA DE EMENDA À
CONSTITUIÇÃO Nº 112, DE 1999
41
41
Proposição: PEC 112/1999 – Iniciativa: Deputado Padre Roque e outros.
Arquivada em 31/01/2003, nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno.
Última ação: 1/4/2003 – Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Desarquivada em razão do desarquivamento da PEC 553/1997.
230
Art. É dada nova redação ao art. 211 e seus
parágrafos da Constituição Federal:
Art. 211 - A União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios organizarão o sistema de ensino em
regime de colaboração.
§ 1º – A União organizará e financiará o sistema
federal de ensino e o dos Territórios, cabendo-lhe
oferecer prioritariamente o ensino superior e a
educação profissional tecnológica, além de exercer
função redistributiva e supletiva aos demais entes da
federação, de forma a garantir através de assistência
técnica e transferência de recursos financeiros, a
equalização de oportunidades de acesso e o padrão
mínimo de qualidade da educação.
§ 2º – Os Estados e o Distrito Federal atuarão
prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 3º – Os Municípios atuarão prioritariamente na
educação infantil e no ensino fundamental.
§ 4º – As disposições dos parágrafos 3º e 4º deste
artigo se aplicam ao Distrito Federal.
§ 5º – 0 sistema de ensino de educação básica será
organizado em colaboração entre a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios de modo a
assegurar a sua universalização e a garantia do ensino
obrigatório.
§ 6º A distribuição de responsabilidades e recursos
financeiros em educação básica entre a União, os
Estados e Municípios, na forma do disposto neste
artigo, tomará por base a população de zero a
dezesseis anos de idade mais a população de jovens e
adultos que não teve educação na idade própria, as
matrículas iniciais, a permanência do aluno na escola
e as receitas de impostos nos termos a serem
definidos em lei complementar e nos Planos
Municipais, Estaduais e Nacional de Educação.
231
§ 7º – A assistência financeira da União, referida no
§ 1º deste artigo, será feita aos Estados e ao Distrito
Federal de acordo com a necessidade de
suplementação e equalização dos custos-aluno-quali-
dade da educação básica, de modo a garantir o
padrão mínimo de qualidade.
§ 8º – As diretrizes para o padrão mínimo de
qualidade e para os custos-aluno-qualidade, serão
definidas na forma da lei complementar prevista no
parágrafo 6 deste artigo.
§ 9º – A totalidade dos recursos dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios previstos no caput
do artigo 212, assim como a suplementação da União
destinada ao cumprimento das responsabilidades
previstas neste artigo, constituirão Fundos Estaduais
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica Pública a de Valorização dos Profissionais de
Educação de natureza contábil.
§ 10 – Dos recursos do Fundo previsto no parágrafo
anterior, 80% deverão ser aplicados na valorização
dos profissionais da educação, de acordo com o que
estabelece o inciso V do artigo 206 da Constituição
Federal.
§ 11 – Os Fundos previstos no parágrafo 9º deste
artigo serão geridos por Conselhos Gestores
formados por representação do poder executivo
estadual e municipal e da sociedade civil, na forma
da lei complementar a que se refere o parágrafo 6º
deste artigo.
Art. É dada nova redação ao caput do artigo 212 da
Constituição Federal
Art 212 – A União aplicará nunca menos de 20%, e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 25%
ou mais, da receita resultante de impostos,
232
compreendida a proveniente de transferências na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
Art. 4º É dada nova redação ao artigo 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
Art. 60 – Nos dez primeiros anos da promulgação
desta Emenda Constitucional os Fundos previstos
no paragráfo 9º do artigo 211 da Constituição
Federal, com o aporte de outras fontes além daquela
estabelecida no caput do artigo 212 da Constituição
Federal, deverão garantir a eliminação do
analfabetismo, a universalização da educação básica
e do ensino obrigatório e a garantia da permanência
na escola.
§ 1º – Em igual prazo, as universidades públicas
descentralizarão e interiorizarão suas atividades, tendo
em vista a expansão de suas vagas.
§ 2º – Os Estados e Municípios que mantiverem ensino
superior, no prazo máximo de cinco anos, somente
poderão financiar este nível de ensino com recursos
que excederem o previsto no caput do artigo 212.
JUSTIFICATIVA
O Projeto de Emenda Constitucional que ora
apresentamos cria os Fundos Estaduais de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de
Valorização dos Profissionais da Educação Básica - Fundeb
- visando assegurar a todos os brasileiros o direito à cidadania,
corrigindo uma grave distorção na atual política de
financiamento da educação brasileira.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério criado
233
pela Emenda Constitucional 14 financia apenas o ensino
fundamental, distribuindo os recursos entre os estados e seus
municípios na proporção do número de matrículas oferecidas
no ensino fundamental, nas respectivas rede de ensino.
Inúmeros municípios vinham oferecendo, crescentemente,
o ensino infantil e a educação de jovens e adultos. A partir da
implantação do Fundef não tiveram outra opção a não ser a
oferta do ensino fundamental, em detrimento daqueles níveis
de ensino, sob pena de perder recursos para o Fundo.
Tem sido generalizada a grita por parte de estados e
municípios por uma distribuição de recursos mais adequada,
de tal forma a cobrir as necessidades de atendimento da
educação infantil, de jovens e adultos e do ensino médio.
Considerando a importância da educação infantil na
formação e desenvolvimento da criança, possibilitando um
melhor aproveitamento do ensino fundamental e seguramente
evitando a evasão e a repetência, nossa proposta prevê a
progressiva universalização deste nível da educação básica,
em especial da educação pré-escolar.
Para evitar a dispersão de esforços e garantir o
fortalecimento do sistema educacional brasileiro, propomos
a organização do sistema de ensino de forma solidária entre
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Esta
proposta implica na existência de um Sistema Nacional de
Educação que contemple as diversidades regionais e ao
mesmo tempo garanta a integralidade de um projeto nacional
para a educação brasileira.
Nossa proposta prevê também, a ampliação dos
recursos federais para a educação. Além de propiciar uma
justa distribuição de recursos entre estados e municípios, com
gestão compartida entre estes entes da federação, de tal modo
a atender às necessidades de toda a educação básica. Assim,
torna-se possível o planejamento em função da realidade
234
regional, permitindo atender as diferentes necessidades
existentes e eliminar as desigualdades presentes nos Estados,
além de evitar a competição entre os Estados e seus
Municípios na disputa por recursos, traduzidos na oferta de
matrículas.
A União ficará responsável pela suplementação
financeira do Fundeb para garantir a equalização dos
custos-aluno-qualidade de modo a garantir o padrão mínimo
de qualidade a ser definido em lei complementar. A proposta
se refere a “custos-aluno-qualidade” no plural, na medida
em que se faz necessário o atendimento das diferentes
necessidades de financiamento segundo os diferentes níveis
da educação básica.
Com a criação do Fundef, ficaram excluídos os
professores de educação infantil, do ensino especial e médio
e da educação de jovens e adultos além da total exclusão dos
servidores não docentes da área da educação, uma vez que
tal Fundo só prevê recursos para pagamento dos professores
do ensino fundamental. Nossa proposta pretende resgatar a
valorização de todos os professores da educação básica e dos
profissionais não docentes, entendendo que sua exclusão é
prejudicial à educação.
Finalmente, a criação dos Fundos de Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação vem resgatar o princípio constitucional da educação
que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Esta proposta de Emenda Constitucional contempla
também a questão da ampliação de vagas nas universidades
públicas federais e sua interiorização, no sentido de responder
a necessidade premente do ensino superior público e gratuito,
para que possa atender à crescente demanda.
235
Acreditamos que com esta Proposta de Emenda
Constitucional estaremos propiciando respostas aos grandes
desafios que a educação brasileira coloca.
Sala das sessões, em 2 de setembro de 1999 – Padre
Roque, Esther Grossi, Pedro Wilson, Iara
Bernardi, Fernando Marroni, Gilmar Machado,
Avenzoar Arruda, Babá, Maria do Carmo,
Professor Luizinho, Ben-Hur Ferreira.
237
Modifica o art. 212 da Constituição Federal,
acrescenta a seu texto o art. 212-A e altera o art.60
do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, de modo a dispor sobre o
financiamento da educação básica.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal,
promulgam a seguinte Emenda ao texto Constitucional:
Art. O caput do art. 212 da Constituição Federal e
seu § 5º passam a vigorar com a seguinte redação:
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de
vinte, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante
de impostos, compreendida a proveniente de transferências,
na manutenção e desenvolvimento do ensino.
..............................................................
§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional
de financiamento a contribuição social do salário-
educação, recolhida pelas empresas, na forma da lei.
PROPOSTA DE EMENDA À
CONSTITUIÇÃO Nº 34, DE 2002
42
42
Proposição PEC 34/2002 – Iniciativa: Senador Ricardo Santos.
Última Ação: 7/11/2003 – Subsecretaria de Coordenação Legislativa do Senado.
Agendado para o dia 19/11/2003 o requerimento n° 1076/2003 de tramitação
conjunta das PECs n° 82/99; 29 e 34/2002 e 45/2003.
238
Art. A Constituição Federal passa a vigorar
acrescida do seguinte art. 212-A:
Art. 212-A. A distribuição de responsabilidades e
recursos entre a União, os Estados e seus Municípios,
a ser concretizada com parte dos recursos definidos
neste artigo, na forma do disposto no art. 211 da
Constituição Federal, é assegurada mediante a criação,
no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização do Magistério, de
natureza contábil.
§º 1º Os Fundos de que tratam este artigo terão a
seguinte constituição mínima:
I – dezoito por cento dos recursos a que se referem os
art. 155, inciso II; e 159, inciso I, alínea a, e inciso II;
II – vinte por cento dos recursos a que se referem os
art. 158, inciso IV; e 159, inciso I, alínea b;
III – os recursos da complementação federal,
conforme disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo.
IV – a totalidade dos recursos da contribuição social
a que se refere o art. 212, § 5º.
§ 2º A União complementará os recursos dos Fundos
a que se refere este artigo sempre que, em cada Estado
e no Distrito Federal, seu valor anual por aluno não
alcançar o mínimo definido nacionalmente.
§ 3º O valor de que trata o parágrafo anterior será
fixado em lei, conforme cálculo do Tribunal de
Contas da União, e não será inferior à razão entre a
previsão da receita nacional total para os Fundos e a
matrícula nacional total da educação básica pública
no ano anterior, acrescida do correspondente total
estimado de novas matrículas, observadas as,
variações de que dispõe o § 4º.
239
§ 4º A totalidade dos recursos de cada Fundo de
que trata este artigo será distribuída, entre cada
Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao
número de alunos nas respectivas redes de educação
básica, observadas as variações de custo de cada uma
de suas etapas, bem como de suas modalidades.
§ 5º Uma proporção não inferior a sessenta por cento
dos recursos de cada Fundo referido neste artigo será
destinada exclusivamente ao pagamento dos
professores da educação básica pública em efetivo
exercício no magistério.
§ 6º A lei disporá sobre a organização dos Fundos, a
distribuição proporcional de seus recursos, sua
fiscalização e controle, bem como sobre a forma de
cálculo do valor mínimo nacional por aluno.
Art. Dê-se ao art. 60 do Ato das Disposições
Transitórias a seguinte redação:
Art. 60 A razão a que se re fere o § 3º do art. 212-A
será atingida gradualmente, observando-se setenta
por cento de seu valor, no primeiro ano de vigência
do Fundo, oitenta por cento no segundo ano, noventa
por cento no terceiro, até atingir sua integralidade
no quarto ano.
Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios ajustarão progressivamente,
em um prazo de cinco anos, suas contribuições aos
Fundos, de forma a garantir um valor por aluno
correspondente a um padrão mínimo de qualidade
de ensino, definido nacionalmente, nos termos do
Plano Nacional de Educação.
Art. Esta Emenda entra em vigor a primeiro de
janeiro do ano subseqüente ao de sua promulgação.
240
JUSTIFICATIVA
A presente Proposta de Emenda Constitucional tem em
vista estabelecer os fundamentos financeiros para uma nova
etapa de desenvolvimento da educação brasileira. A década de
90 e os primeiros anos do século XXI têm sido marcados pela
expansão quantitativa tanto da educação básica quanto da
educação superior. Na primeira, o ensino fundamental se
aproxima da universalização, com declínio das matrículas de
primeira à quarta série, obedecendo a fatores demográficos, e
incremento acelerado das matrículas de quinta a oitava série,
rumo ao cumprimento da escolaridade compulsória de oito
anos, no mínimo, e à conseqüente elevação do modesto nível
médio de escolaridade da população nacional.
Como conseqüência, inclusive, do desrepresamento dos
efetivos discentes pelo ensino fundamental, o ensino médio,
sobretudo público e estadual, tem alcançado elevadas taxas de
expansão, começando a despontar o caminho para que o
mesmo venha a alcançar a sua progressiva universalização. Ao
mesmo tempo, a educação infantil, depois do declínio das suas
matrículas, imediatamente após a implantação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (FUNDEF), tende a ganhar
fôlego, rumo à expansão reclamada pela sociedade.
Por sua vez, a educação superior tem sido o
desaguadouro de parte significativa dos concluintes do ensino
médio, cujo número continua crescendo e demandando
continuidade dos estudos. Ao contrário da educação básica,
a expansão desse nível educacional tem sido
predominantemente particular.
Pode-se afirmar que as grandes conquistas educacionais
brasileiras do período em tela foram marcadas antes de tudo
pela expansão quantitativa, embora a qualidade também tenha
241
sido alvo de inúmeras políticas nos diversos níveis e
modalidades de ensino e educação. Embora ainda mantendo
hiatos, a nossa velha pirâmide educacional ganhou contornos
novos e se aproximou do perfil educacional de vários países
latino-americanos. Foi tônica também a prioridade do
financiamento à escolaridade obrigatória, materializada pelo
FUNDEF, que tem concretizado a compulsoriedade do
ensino fundamental como direito público subjetivo. É
possível afirmar que, em especial pelas conquistas do acesso
e democratização, esse Fundo de natureza contábil é uma
experiência proveitosa, cujas limitações devem ser corrigidas
e cujas lições devem ser aprendidas.
Olhando para a frente, a educação nacional passa a viver
mais de perto os desafios da qualidade, que são
eminentemente caros e exigentes de políticas rigorosas. Não
basta aumentar o número de anos de escolaridade da
população, mas aumentar o proveito que se pode extrair do
tempo passado na escola, em favor dos indivíduos e da
coletividade. Ao mesmo tempo, cumpre preencher carências
importantes no ensino médio e, sobretudo, na educação
infantil, ou seja, construir a educação básica como um todo,
conforme as diretrizes e bases da educação nacional.
Embora educação de qualidade não se faça sem
dinheiro (embora se possa fazer educação ruim com muito
dinheiro), a Proposta de Emenda Constitucional procura
maximizar o aproveitamento de recursos num único Fundo
destinado à educação básica. Em vista das disparidades
regionais e da necessidade de se dar corpo ao pacto federativo
também na educação, é elevado o percentual dos recursos
federais destinados à manutenção e desenvolvimento do
ensino. Tal incremento, entretanto, situa-se ligeiramente acima
do nível médio de despesas já efetivamente realizadas,
tornando mais concreta a proteção constitucional ao setor.
242
Com essas providências, visa-se realisticamente a prover
os recursos necessários para uma educação que acompanhe
o cenário internacional. Se possível, assumindo a dianteira,
mas, pelo menos, acompanhando as tendências gerais.
Por isso mesmo, a presente Proposta de Emenda
Constitucional se caracteriza por atender à visão do século
XXI, de construir um País onde a sociedade tenha atendida
a sua demanda por educação infantil, com prioridade para as
crianças socialmente menos privilegiadas; onde o ensino
médio possa alcançar a maioridade que o seu contingente de
matriculados requer, sem ser um filho dependente e mais ou
menos enjeitado do ensino fundamental; onde os mecanismos
de financiamento não sejam transitórios, mas constituam
solução sólida para toda a educação básica, e, finalmente,
onde o padrão de qualidade da educação não seja letra morta
da Carta Magna.
A questão da qualidade está relacionada não só às
exigências da competição internacional, da corrida
tecnológica e econômica em que a América Latina está
ficando para trás, mas sobretudo às exigências da cidadania.
Por isso, a qualidade avulta cada vez mais nos horizontes da
educação brasileira. Coerentemente, esta Proposição situa
como alvo o padrão mínimo de qualidade do ensino, nos
termos do Plano Nacional de Educação. Este é, aliás, o Plano
de Estado que convém fortalecer, pela sua coerência entre a
duração de longo prazo e os frutos que a educação oferece.
Os planos de governo devem, coerentemente, seguir as suas
metas, dando a continuidade necessária ao setor.
Nesse sentido, a Proposta aqui apresentada abre
caminhos para a concretização dos compromissos assumidos
pelo Brasil em Jomtien (1990) e em Dacar (2000), rumo à
educação para todos, sob a égide da UNESCO. Cabe lembrar
que, entre esses compromissos firmados, inclui-se não só a
243
universalização da educação obrigatória, mas também a sua
qualificação, bem como o incremento da oferta e o
aperfeiçoamento da educação infantil. Aliás, a Declaração
Mundial de Educação para Todos, assinada em 1990, foi um
divisor de águas em face de documentos anteriores, que
fixavam metas de expansão de matrículas e de inclusão de
crianças e adultos na escola. De Jomtien em diante importa
não uma educação qualquer, mas uma educação de qualidade,
que atenda às necessidades básicas de aprendizagem. Eis
porque o País não pode ficar indiferente ante às exigências
de qualidade, inclusive por que todos os países presentes se
comprometeram a buscá-la. O custo de ficar para trás passa,
portanto, a ser muito maior.
No que tange à educação infantil, incluída com a
necessária qualidade nos sistemas de ensino e no bloco da
educação básica, cabe assinalar que esta Proposta de Emenda
Constitucional visa a dar uma resposta coerente à Carta-
Compromisso do Simpósio Educação Infantil: Construindo
o Presente, realizado no Senado Federal em 23 e 24 de abril
de 2002, promovido pela Comissão de Educação do Senado
Federal, pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da
Câmara dos Deputados, pela UNESCO, pelo Movimento
Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, pela Universidade
de Brasília, pela Confederação Nacional da Indústria e pelo
Serviço Social da Indústria, com o apoio, ainda, do Unicef,
do Conselho Nacional de Secretários de Educação e da União
Nacional de Dirigentes Municipais de Educação. A
teleconferência, que abrangeu todo o Brasil, envolvendo
milhares de participantes, frisou que a criança de zero a seis
anos “passou a ser reconhecida como sujeito de direitos,
destacando-se, em particular, seu direito a ser cuidada e
educada em um meio ambiente adequado e saudável, de poder
brincar, apropriar-se de sua cultura, construir sua identidade
244
como cidadã e ampliar seu universo de experiências e
conhecimentos em creches e pré-escolas, instituições inseridas
no sistema educacional”. Para isso, segundo ainda a Carta-
Compromisso firmada, é preciso alocação de recursos e a
transparência na aplicação dos mesmos.
Por outro lado, o estudo das metas do Plano Nacional
de Educação quanto a esse nível da educação básica revela
que, sendo ele de competência municipal, depende
intimamente da arrecadação municipal, cujas projeções
revelam ser a mesma insuficiente para as necessidades do
futuro. Cabe, portanto, na moldura do regime constitucional
de colaboração, que a União e os Estados exerçam a sua ação
supletiva e redistributiva, para que as demandas possam ser
atendidas. Deve ficar claro que, apesar de a Constituição e a
Lei clarificarem as competências por nível de governo, a
educação, pela sua natureza, tem previsto um sistema de
solidariedade, pelo qual níveis de governo diferentes devem
entrosar suas ações em favor do cidadão.
Em vista das razões expostas, solicitamos o apoio dos
Senhores Congressistas para a aprovação desta mudança
constitucional.
Sala das Sessões, Ricardo Santos, Presidente – Luiz
Pastore – Benício Sampaio – Chico Sartori _
Antero Paes de Barros – Juvêncio Fonseca –
Romeu Tuma – Lindberg Cury – Antônio Carlos
Júnior – Gilberto Mestrinho – Ney Suassuna –
Moreira Mendes – Bello Parga – Geraldo
Cândido – Romero Jucá – Tião Viana – Luiz
Otávio – Fernando Ribeiro – Nabor Junior –
Antonio Carlos Valadares – José Jorge _ Maria
do Carmo Alves – Emilia Fernandes – Geraldo
Althoff – Carlos Wilson – Gilvan Borges – Carlos
Patrocínio – Casildo Maldaner.
245
Modifica o art. 212 da Constituição Federal
44
.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, nos termos do art. 3º do art. 60 da Constituição
Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto
constitucional:
Art.1º São acrescentados ao art. 212 da Constituição
Federal os § § 6º,7º, 8º, 9º e 10º nos seguintes termos:
Art.212 ...........................................................
§ 6º Fica instituído, no âmbito de cada Estado, o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Infantil e de Valorização do Magistério,
de natureza contábil, constituído por cinco por
cento dos recursos a que se referem os arts. 158,
inciso IV; e 159, inciso 1, alínea b; inciso II, § 3º, da
Constituição Federal, e será distribuído entre os
Municípios de cada Estado, proporcionalmente à
população residente de O a 6 anos de idade e ao
PROPOSTA DE EMENDA À
CONSTITUIÇAO Nº 37, DE 2003
43
43
Proposição: PEC-37/2003 – Iniciativa: Deputado Severiano Alves.
Última Ação: 29/10/2003 – Comissão de Constituição e Justiça e de Redação
(CCJR) – Não Deliberado.
44
Explicação da Ementa: Criando o Fundo de Manutenção da Educação
Infantil e Valorização do Magistério, de âmbito estadual; alterando a nova
Constituição Federal.
246
número de crianças matriculadas nas respectivas
redes de educação infantil.
§ 7º A União complementará os recursos dos Fundos
a que se refere o § 6º sempre que, em cada Estado,
seu valor por criança não alcançar o mínimo definido
nacionalmente.
§ 8º Uma proporção não inferior a sessenta por cento
dos recursos de cada Fundo referido no § 6º’ será
destinada ao pagamento dos profissionais do
magistério em efetivo exercício de suas atividades nas
instituições municipais de educação infantil.
§ 9º A União aplicará na manutenção e no
desenvolvimento da educação infantil inclusive na
complementação a que se refere o § 7º, nunca menos
do que o equivalente a dez por cento dos recursos a
que se refere o caput deste artigo.
§ 10 A lei disporá sobre a organização dos Fundos
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Infantil e de Valorização do Magistério, a
distribuição proporcional de seus recursos, sua
fiscalização e controle social bem como sobre a
forma de cálculo do valor mínimo nacional por
criança na educação infantil
JUSTIFICATIVA
Estamos apresentando à apreciação do Congresso
Nacional Proposta de Emenda à Constituição Federal que
institui o Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Infantil e de Valorização do Magistério, desta
forma introduzindo um mecanismo redistributivo e
automático para financiamento da educação infantil à
semelhança do que representa para o ensino fundamental o
FUNDEF, instituído por emenda constitucional em 1996.
247
Inicialmente, não será demais lembrar a importância
decisiva para o indivíduo e para a sociedade do atendimento
adequado às crianças na chamada primeira infância. Estudos
desenvolvidos no Brasil e no mundo comprovam que
investimentos realizados na educação e na saúde da criança
pequena resultam, por exemplo, no aumento do número
médio de anos de estudos, na melhoria do nível de renda, da
produtividade e da saúde dos futuros adultos e de suas famílias
Ao mesmo tempo, contribuem para a redução dos índices de
fracasso escolar, de pobreza, de criminalidade e de pessoas
assistidas pelo serviço social.
O atendimento educacional às crianças pequenas cresce
de forma acelerada no mundo inteiro em função da
incorporação da mulher ao mundo do trabalho, que gera a
necessidade para a família de uma instituição que se encarregue
do cuidado e da educação dos filhos pequenos. Além disso,
as ciências que investigam o processo de desenvolvimento humano
indicam a primeira infância como período crítico desse
processo, fornecendo argumentos sobre a necessidade da
oferta de educação infantil.
No Brasil, a educação das crianças menores de sete anos
cresceu principalmente a partir dos anos 70 e vem se
acelerando. A Constituição Federal de 1988 constitui marco
decisivo na mudança de concepção do atendimento às
crianças pequenas. Na legislação vigente até 1988, o
atendimento às crianças até 6 anos não era concebido como
atividade de natureza educacional, e sim de caráter
assistencial.
A partir de 1988, consagra-se a concepção segundo a
qual o atendimento ás crianças de zero a seis anos de idade
inscreve-se entre os deveres do Estado para com a educação.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, a educação infantil consiste na primeira etapa da
248
educação básica. Apesar da reconhecida importância da
educação infantil, no Brasil, o atendimento educacional às
crianças na faixa etária de zero a seis anos ainda é insuficiente.
Conforme dados sobre população do IBGE e de matriculas
do Censo Escolar do INEP/MEC, no ano 2000, havia no
País 13 milhões de crianças entre zero e três anos e pouco
menos de um milhão de crianças matriculadas em creches.
Na faixa etária de quatro a seis anos, a situação é um pouco
melhor – numa população de cerca de 10 milhões de crianças,
pouco mais de cinco milhões encontravam-se matriculadas
na pré-escola ou em classes de alfabetização.
Na medida em que a Constituição Federal e a LDB
dispõem ser a oferta da educação infantil responsabilidade
dos Municípios, é nesta esfera de governo que tem se
verificado a expansão das vagas nas creches e pré-escolas.
Em conseqüência, é no âmbito dos Municípios que se vivem
os principais problemas relativos ao financiamento da
educação infantil.
De fato, os Municípios vêm enfrentando dificuldades
para ampliar a oferta de matrículas na educação infantil por
falta de recursos financeiros em quantidade suficiente, em
parte, como efeito do FUNDEF. Senão vejamos.
Em Municípios que ofereciam quase exclusivamente
atendimento em creches e pré-escolas e que, em decorrência,
perdem recursos com o FUNDEF – como a maioria dos
Municípios paulistas –, as Prefeituras passam a contar com
um volume bastante inferior de recursos para manter a rede
de instituições de educação infantil que mantinham antes
da implantação do FUNDEF.
Em Municípios que recebem uma quantidade
significativa de novos recursos por meio do FUNDEF –
como a maioria dos Municípios do Nordeste e do Norte,
mas também de Municípios grandes e pobres nas regiões
249
metropolitanas em todo o Pais –, as Prefeituras passam a
enfrentar dificuldades para financiar a educação infantil em
função da diferença de valor por aluno nessa etapa da
educação básica e no ensino fundamental.
Em conseqüência dessa situação, apesar do crescimento
ocorrido desde 1994, verificou-se, pela primeira vez na
história da educação brasileira, redução das matrículas na
educação infantil entre os Censos Escolares de 1997 e 1998,
voltando a crescer em 1999. De fato, as matrículas na pré-
escola decresceram de 4.292.208 em 1997 para 4.111.153 no
ano de 1998, correspondendo a – 4,2%.
Portanto, é urgente o encaminhamento de soluções para
o financiamento da expansão e manutenção da educação
infantil pelos Municípios brasileiros.
Com essa preocupação já havíamos oferecido, em 1998,
à consideração dos ilustres congressistas a PEC nº
570, que
“acrescenta parágrafo ao art. 208 e dá nova redação ao art.
60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Por
meio dessas alterações do texto constitucional, inscreve-se
entre os deveres do Estado para a educação a garantia de
que “o atendimento em pré-escola das crianças de 4 a 6 anos
de idade é obrigatório e gratuito”, e se transforma o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério – FUNDEF, instituído pela
Emenda Constitucional nº 14, de 1996, em Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
Entretanto, a PEC nº
570, de 1998, mantinha inalterados
os recursos que compõem o FUNDEF.
De fato, o mecanismo redistributivo introduzido pelo
FUNDEF no financiamento do ensino fundamental público
no País tem sido considerado positivo pelo conjunto das
forças políticas com representação na Câmara dos Deputados,
250
em sucessivos debates e seminários de avaliação do Fundo
promovidos nos últimos anos pela Comissão de Educação
desta Casa Legislativa.
Em conseqüência, há na sociedade a compreensão de
que o FUNDEF, instituído como mecanismo transitório pelo
prazo de dez anos, ou seja, de 1996 a 2006, precisa tornar-se
modelo permanente de financiamento público da educação
escolar, uma vez que as desigualdades entre Estados e regiões
do Pais e entre as redes de ensino estadual e municipais no
interior de cada Estado brasileiro não são passíveis de serem
eliminadas de forma definitiva.
Da mesma forma, a comunidade educacional vem
discutindo a necessidade de ampliar o mecanismo
redistributivo representado pelo FUNDEF para as demais
etapas da educação básica, a saber, a educação infantil e o
ensino médio.
Com esse propósito, foi apresentada na legislatura
anterior a PEC nº
112, de 1999, do Deputado Padre Roque
(PT/PR) e outros, que institui o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do
Magistério – FUNDEB.
Ao mesmo tempo, também na legislatura ora finda, a
Deputada Ana Corso (PT/RS) e outros, ofereceram à
apreciação do Congresso Nacional a PEC nº
342, de 2001,
com o mesmo conteúdo da PEC nº
no 570, de 1998, ou seja,
incluindo a Educação Infantil no FUNDEF, sem alterar sua
composição.
O FUNDEB reuniria em um único Fundo, formado
com recursos de Estados e Municípios, níveis de ensino que
não consistem em responsabilidade concorrente desses dois
níveis de governo. Em outras palavras, enquanto o FUNDEF
direciona-se ao financiamento do ensino fundamental que é
responsabilidade de Estados e Municípios, o FUNDEB seria
251
constituído pela totalidade dos recursos constitucionalmente
vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino e se
direcionaria para o financiamento também da educação
infantil, responsabilidade dos Municípios, e do ensino médio,
responsabilidade dos Estados.
Ao mesmo tempo, a proposta de FUNDEB ainda está
insuficientemente fundamentada em simulações e análises
orçamentárias e financeiras, do ponto de vista dos Municípios,
dos Estados e também da União.
Por essas razões, entendemos como mais pertinente a
proposta de instituição de um fundo específico para o
financiamento da educação infantil, nos moldes do que é
FUNDEF para o ensino fundamental.
Em conseqüência do exposto, apresentamos proposta
de emenda constitucional com as seguintes características:
1º Instituição de um Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Infantil e de
Valorização do Magistério, como mecanismo
redistributivo permanente para financiamento da
primeira etapa da educação básica – portanto, por
meio do acréscimo de parágrafos ao art. 212 da
Constituição Federal.
2º Constituição desse Fundo á semelhança do
FUNDEF concorrendo para sua composição
recursos provenientes das mesmas transferências
que integram o Fundo do ensino fundamental –
entretanto, somente os Municípios contribuirão
para o Fundo da educação infantil, instituído em
âmbito estadual.
3º Assim, constituição do Fundo da educação infantil
com cinco por cento dos recursos a que se referem
os art. 158, inciso IV (parcela do ICMS transferida
aos Municípios); e 159, inciso 1, alínea b (FPM);
252
inciso II, § 3º (parcela do IPE-Exp transferida aos
Municípios), da Constituição Federal.
Manutenção da mesma subvinculação de recursos
para o pagamento do magistério, com substituição
da expressão “professores do ensino fundamental
em efetivo exercício no magistério”, da Emenda
Constitucional nº
14/96, pela expressão
“profissionais do magistério em efetivo exercício
de suas atividades no ensino fundamental público”,
da Lei nº
9.424/96, de forma a uniformizar a
interpretação segundo a qual os profissionais em
funções de suporte pedagógico podem ser
remunerados com esses recursos.
Previsão da redistribuição dos recursos entre os
Municípios de cada Estado não apenas de forma
proporcional ao número de crianças matriculadas
nas respectivas redes de educação infantil mas
também à população residente de 0 a 6 anos de
idade.
Proposição de que a União destine à educação
infantil nunca menos do que o equivalente a dez
por cento dos recursos a que se refere o caput do
art. 212 da Constituição Federal.
Tal como ocorreu quando da instituição do FUNDEF,
após a aprovação e promulgação desta Emenda Constitucional,
o Congresso Nacional deverá desenvolver o trabalho legislativo
necessário à elaboração da lei prevista no parágrafo 10
acrescido ao art. 212 da Constituição Federal proposto pela
PEC que ora oferecemos á análise dos ilustres parlamentares.
Sala das Sessões,
Deputado Severiano Alves
253
Insere novos parágrafos no art. 212, instituindo
o Fundo Nacional da Educação Infantil
(FUNAEI) e fundos municipais para
atendimento a crianças de até três anos, e dá nova
redação ao art. 239 da Constituição Federal.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal,
promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1º Acrescentam-se ao art. 212 da
Constituição
Federal os seguintes parágrafos:
Art.212..................................................................................................
§ 6º Os Municípios instituirão fundos específicos
para a manutenção e o desenvolvimento da educação
infantil, com o objetivo de assegurar o atendimento
às crianças de até três anos de idade.
§ 7º Os fundos a que se refere o parágrafo 6º serão
constituídos, entre outros recursos, por não menos
de vinte e cinco por cento dos impostos a que se
refere o art. 156.
PROPOSTA DE EMENDA À
CONSTITUIÇÃO Nº105, DE 2003
45
45
Proposição: PEC-105/2003 – Iniciativa: Deputada Janete Capiberibe.
Apensados: PEC 160/2003.
Última Ação: 23/10/2003 Comissão de Constituição e Justiça e de Redação
(CCJR) – Parecer do Relator, Dep. Maurício Quintella Lessa, pela
admissibilidade desta, e da PEC 160/2003, apensada.
254
§ 8º O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Infantil, destinado a complementar os recursos municipais
voltados para o financiamento da educação infantil, será
constituído por:
I – um por cento da receita do imposto a que se refere o
art. 153, III;
II – um por cento da receita do imposto a que se refere o
art. 153, IV;
III – seis por cento dos recolhimentos das contribuições a
que se refere o caput do art. 239.
§ 9ºA lei disporá sobre os componentes, a gestão, a
fiscalização e os critérios de distribuição dos recursos
vinculados aos fundos a que se referem os §§ 6º e 8º. (NR)”
Art. O art. 239 da Constituição Federal
passa a
vigorar com a seguinte redação:
Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições
para o Programa de Integração Social, criado pela Lei
Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para
o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor
Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de
dezembro de 1970, passa a financiar, nos termos que
a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego, a
assistência em creches ao dependente de trabalhador
e o abono de que trata o § 3º deste artigo.
.......................................................................... (NR)”
Art. 3º Esta Emenda entra em vigor no primeiro dia
do exercício subseqüente ao de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A Constituição Federal, no capítulo dos direitos sociais,
em seu art. 7º, XXV, preceitua que “são direitos dos
255
trabalhadores urbanos e rurais (...) a assistência gratuita aos
filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de
idade em creches e pré-escolas”.
No capítulo da educação, cultura e desporto, estabelece,
no art. 208, IV, que “o dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de (...) atendimento em creche
e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”.
Tradicionalmente, as crianças em idade de creche que
necessitem de um cuidado extra-familiar são atendidas em
instituições públicas ou comunitárias, ligadas administrativamente
aos programas de assistência social, com apoio de autoridades de
outras áreas, como a saúde, a justiça e a educação.
Um pequeno número de crianças, geralmente de
estratos sociais superiores, tinha o privilégio de freqüentar
creches – na maioria privadas e, portanto, pagas – onde o
enfoque não era mais o da assistência à mãe trabalhadora,
mas o do direito da criança ao desenvolvimento integral,
dentro de um projeto pedagógico que incorporava
crescentemente os avanços científicos da puericultura, da
pediatria, da psicologia, da nutrição e de outras ciências.
Durante a tramitação dos projetos de lei de diretrizes e
bases da educação nacional, pouco a pouco se criou a
consciência de que todos os brasileiros, independentemente
de sua condição social ou familiar, têm direito à educação
básica integral, do nascimento à maioridade.
Assim, a educação infantil, destinada às crianças até seis
anos de idade, por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), Lei nº 9.294, de 20 de dezembro de 1996, passou a
integrar a educação escolar básica, na qualidade de sua primeira
etapa de oferta em estabelecimentos públicos e privados.
A mesma lei esclarece, em seu art. 4º, inciso IV, que “o
dever do Estado com a educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de atendimento gratuito em
creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”.
256
A educação infantil, pela primeira vez na história do
País, mereceu um capítulo próprio na lei máxima da educação,
com os seguintes artigos:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da
educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de
idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual
e social, complementando a ação da família e da
comunidade.
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças
de até três anos de idade;
II – pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos
de idade.
Art. 31. Na educação infantil, a avaliação far-se-á
mediante acompanhamento e registro de seu
desenvolvimento, sem objetivo de promoção, mesmo
para o acesso ao ensino fundamental.
Não obstante a importância que a Constituição e a LDB
dão à educação infantil, é muito tímido o avanço de matrículas
das crianças em estabelecimentos públicos, principalmente
nas creches. Em 2002, de aproximadamente 14 milhões de
crianças até três anos, somente 717.307 estavam matriculadas
em escolas públicas. Os dados sobre matrículas em
instituições privadas, inclusive comunitárias, são frágeis,
porque prevalece a oferta de serviços em instituições não
cadastradas no censo escolar do Ministério da Educação
(MEC). Calcula-se que mais de 2 milhões de crianças de até
três anos possam freqüentá-las. Os números oficiais do censo
escolar registram, porém, somente 435.204 matrículas.
257
Note-se que a competência de oferta da educação
infantil passou, por força do art. 11 da LDB, para a esfera
municipal, embora a responsabilidade por seu financiamento
caiba, de forma suplementar, aos Estados e à União.
Tornou ainda mais complexa a questão do dispositivo
das disposições transitórias da LDB:
Art. 89. As creches e pré-escolas existentes ou que
venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos,
a contar da publicação desta Lei, integrar-se aos
respectivos sistemas de ensino.
Na verdade, as creches administradas e financiadas pela
secretaria de ação ou assistência social dos Estados e
Municípios foram deslocadas para as estruturas das secretarias
municipais de educação, muitas vezes transferindo-se também
o ônus para as verbas vinculadas à Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino (MDE), previstas no art. 212
da Constituição Federal.
Ao mesmo tempo, pela Emenda à Constituição (EC)
nº 14, de 1996, que criou o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (Fundef), regulamentado pela Lei nº 9.424, de
24 de dezembro de 1996, 60% dos 25% dos impostos
vinculados à MDE nos municípios ficaram reservados
exclusivamente ao ensino fundamental.
Se foi bom para a etapa obrigatória da educação básica,
o Fundef acabou cortando ou limitando as fontes de
financiamento da educação infantil. Tanto isso é verdade que,
de 1997 para 2002, as matrículas em creches e pré-escolas
públicas pouco avançaram. Pior, deslocaram-se para as redes
municipais, comprimindo ainda mais seus gastos dentro dos
10% de impostos vinculados à MDE que, legalmente,
poderiam ser aplicados na educação infantil.
258
A Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que instituiu
o Plano Nacional de Educação, procurou contornar a
dificuldade, na meta nº 8 do capítulo sobre financiamento:
Estabelecer, nos Municípios, a educação infantil
como prioridade para a aplicação dos 10% dos
recursos vinculados à manutenção e desenvolvimento
do ensino não reservados para o ensino fundamental.
Esta proposta nem resolve a situação dos municípios
com melhor arrecadação, que já vivem os apertos da EC nº
14, de 1999, e das pressões da demanda da população por
ensino fundamental e dos professores por melhores salários,
nem muito menos a dos municípios pobres, cuja receita é
insuficiente diante das necessidades da educação de suas
crianças, jovens e adultos.
De outro lado, aumenta na sociedade a demanda por
educação infantil, por duas razões principais:
a) a urbanização e o ingresso das mulheres na força de
trabalho as obrigam a contarem com as creches para
o cuidado de suas crianças;
b) a crescente falta de qualidade no ensino fundamental
exige, em contrapartida, a matrícula das crianças na
rede escolar em idade cada vez mais precoce, sob
pena de aumentar o fosso das diferenças sociais que
aparecem gritantes no desempenho dos alunos na
alfabetização.
Essa situação, além de obrigar a difusão cada vez maior
de alternativas de educação e cuidado das crianças menores,
tem levado a vários tipos de propostas de financiamento.
Algumas são muito tímidas, como a extensão da aplicação
da receita do salário-educação à educação infantil. Calcula-
se que poderia haver uma injeção de no máximo R$ 500
259
milhões anuais, a serem retirados do ensino fundamental e
divididos entre 5.561 municípios, para atender às crianças
até seis anos. Outras são muito ousadas, como a extensão do
mecanismo do Fundef à educação infantil e ao ensino médio,
o que oneraria a União com altas suplementações financeiras,
dificilmente suportáveis, no momento, dentro dos recursos
dos 18% de seus impostos vinculados à MDE.
A solução que trago à consideração dos membros do
Congresso Nacional, por meio da presente Emenda à
Constituição, visa concentrar a aplicação do esforço fiscal
próprio dos municípios no atendimento de sua clientela de
creche e criar, em nível federal, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação Infantil (Funaei), que aglutine
recursos de diversas fontes para suplementar os municípios
no financiamento de suas creches.
Assim, dentro do marco tributário vigente, cada
município passaria a contar com 25% da receita do Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU), do Imposto sobre
Serviços (ISS), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis
(ITBI) e Imposto de Renda Retido na Fonte de Servidores
Municipais (IRRF-SM) para, obrigatoriamente, investir em
creches ou instituições equivalentes que matriculassem
crianças até três anos de idade. Esse dispositivo não somente
faria crescer as verbas específicas para as creches municipais
como criaria um vínculo mais imediato entre os contribuintes
dos tributos municipais e os beneficiados. Já as receitas
oriundas das transferências de impostos federais e estaduais
– Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto
sobre Produtos Industrializados-Exportação (IPI-
Exportação), Lei Complementar (LC) nº 87, de 1996, Imposto
Territorial Rural (ITR), Imposto Sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Veículos
Automotores (IPVA) – continuariam regidas pelas regras
260
atuais: 60% obrigatoriamente para o ensino fundamental e
40% para as duas primeiras etapas da educação básica,
incluindo toda a educação infantil e o ensino fundamental
de jovens e adultos.
O Funaei seria constituído, essencialmente, por uma
percentagem da receita bruta do Imposto sobre a Renda (IR)
e por outra que incide na arrecadação da contribuição social
que alimenta o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cuja
soma fosse suficiente não para a manutenção, mas para a
complementação do financiamento das creches nos
Municípios. Estes tributos, por sua natureza, se destinam às
políticas sociais e de superação das desigualdades sociais e
regionais, dentro do pacto federativo. No caso de 2003, 1%
do IR geraria aproximadamente R$ 650 milhões e 6% do
PIS alcançaria cerca de R$ 770 milhões, o que resultaria na
disponibilidade para as creches de R$ 1.420 milhões no
Funaei. A lei federal que regulamentará o Fundo poderá
ampliar as fontes de suas receitas – incluindo mesmo outros
tributos de arrecadação menor ou menos estável que não
cabem no texto constitucional – e, no âmbito de cada Estado
e do Distrito Federal, legislação própria poderá também
disciplinar sua participação específica no financiamento das
creches, cumprindo o princípio do regime de colaboração.
A participação de cada município nos recursos do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Infantil
dar-se-á por critérios objetivos, na proporção direta da
demanda ativa de cada um e na proporção inversa da
arrecadação, considerando, como preceitua a LDB, em seu
art. 75, § 1º, o esforço fiscal do ente federado, na forma da
lei que irá regulamentar o Fundo. É desejável que a receita
desse Fundo seja a maior possível – preservada a prioridade
do ensino obrigatório –, de forma a que não somente haja
uma significativa suplementação para aumento de cobertura,
261
como também de qualidade dos serviços de educação e
cuidado. Para tanto, observou-se o princípio de que a
educação infantil, como política pública, transcende a função
ensino e abrange uma gama mais ampla de setores de
responsabilidade social do Estado – e, portanto, merece
recursos de várias fontes.
Esperando de todos o acolhimento às idéias centrais
desta proposta, confio na sensibilidade das senhoras e dos
senhores parlamentares, para que transformem em realidade
o Fundo que poderá se tornar instrumento de inclusão efetiva
de todas as crianças não somente na sociedade brasileira mas
na comunidade escolar, a família ampliada que fundamenta
nossa cidadania.
Sala das Sessões,
Deputada Janete Capiberibe
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