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da Educação
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alfabetizaçãocomoliberdade
Brasília, maio de 2003
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2 ©UNESCO 2003 Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil
alfabetizaçãocomoliberdade
Ministério
da Educação
edições UNESCO BRASIL
Conselho Editorial da UNESCO no Brasil
Jorge Werthein
Cecília Braslavsky
Juan Carlos Tedesco
Adama Ouane
Célio da Cunha
Comitê para a Área de Educação
Angela Rabelo Barreto
Célio da Cunha
Candido Gomes
Lúcia Maria Resende
Marilza Machado Regattieri
Apoio Técnico: Renato Mariani
Tradução: Patrícia Zimbres e Renato Mariani
Revisão: Jair Santana Moraes
Assistente Editorial: Larissa Vieira Leite
Diagramação: Paulo Selveira
Projeto Gráfico: Edson Fogaça
Fotografias da capa: UNESCO Photobank/Photodisc
©UNESCO, 2003
Alfabetização como liberdade.
– Brasília : UNESCO, MEC, 2003.
72 p.
1. Alfabetização 2. Educação 3. Desenvolvimento Social
I. UNESCO
CDD 370
Education Sector
Division of Basic Education
Section of Literacy and Non-Formal Education/UNESCO-Paris
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
SAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.
70070-914 - Brasília - DF - Brasil
Tel.: (55 61) 321-3525 • Fax: (55 61) 322-4261
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alfabetizaçãocomoliberdade
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APRESENTAÇÃO
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DISCURSO DO
SR. KOICHIRO MATSUURA, DIRETOR-GERAL DA UNESCO
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DISCURSO DA
SRª LOUISE FRÉCHETTE, VICE-SECRETÁRIA-GERAL DA ONU
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DISCURSO DO
SR. NATSAGIIN BAGABANDI, PRESIDENTE DA MONGÓLIA
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ALGUMAS IDÉIAS SOBRE
O DIA INTERNACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO – AMARTYA SEN
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ALFABETIZAÇÃO:
A PERSPECTIVA DA UNESCO
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A DÉCADA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALFABETIZAÇÃO: EDUCAÇÃO PARA TODOS.
PLANO DE AÇÃO INTERNACIONAL.
IMPLEMENTAÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 56/116, DA ASSEMBLÉIA-GERAL.
RELATÓRIO DO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU - KOFI ANNAN
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EDUCAÇÃO DE ADULTOS:
ALGUMAS REFLEXÕES – PAULO FREIRE
APRESENTAÇÃO
ALFABETIZAÇÃO PARA TODOS: UM GRITO DE GUERRA
Pode ser surpreendente dedicar atenção ao analfabetismo no Brasil. Conforme a
pergunta de Koichiro Matsuura, nesta obra, "a questão da alfabetização universal não deveria
ter sido resolvida no século passado?" Na verdade, como aqui se discute, a alfabetização se
revelou a meta de Jomtien mais difícil de ser alcançada. Poderíamos imaginar que os maiores
obstáculos se encontrariam no acesso a níveis mais avançados ou na qualidade da educação.
No entanto, a falha ocorre na própria base dos sistemas educacionais, comprometendo os
esforços ulteriores por não haver condições de aproveitamento dos estudos. Peca-se no
alicerce e compromete-se o edifício todo para um contingente significativo de pessoas
excluídas. As dimensões desse fato são realçadas, mais adiante, por Amartya Sen, que destaca
a consciência quanto aos problemas da insegurança que o mundo tem manifestado desde os
acontecimentos de 11 de setembro. Na verdade, porém, se uma pessoa é reduzida pelo
analfabetismo lingüístico e matemático, ela não apenas está insegura porque algo terrível pode
lhe suceder, mas também algo terrível já lhe aconteceu, que é essa grande privação.
O analfabetismo está comprometendo o futuro do Brasil. Em realidade, nos vários
Brasis persistem pessoas que não têm oportunidades adequadas para alfabetizar-se. Com o
analfabetismo freqüentemente enraizado nas circunstâncias da pobreza, em áreas rurais e
urbanas, não se pode esperar que esse grupo de excluídos caminhe para a morte, a fim de
que se reduza a sua presença nos indicadores estatísticos. A sua exclusão é um fato que não
pode ser ignorado.Trata-se daquela privação terrível para a qual não se pode fechar os olhos.
Por isso, o Brasil precisa engajar-se plenamente na Década da Alfabetização das Nações
Unidas, que começa este ano e se estende até 2012.Temos aqui os quatro motivos principais
que justificaram a sua aprovação pela 54ª Sessão da Assembléia-Geral, por meio da sua
Resolução A/RES/54/122. A alfabetização universal de crianças e adultos continua sendo um
desafio. E ela constitui um direito humano fundamental, uma necessidade básica de aprendiza-
gem e a chave para aprender a aprender, condição indispensável para o exercício pleno
da liberdade, que constitui o bem supremo de ser na vida. Além disso, a batalha pela alfa-
betização requer esforços sustentados, intensivos e focalizados, além de programas, projetos
e campanhas de curto prazo. Finalmente, a alfabetização favorece a identidade cultural, a
participação democrática, a cidadania, a tolerância pelos demais, o desenvolvimento social e a
paz. Daí porque, combinando-se os prazos curto e longo, precisamos estabelecer compromis-
sos de reflexão e ação seguindo os marcos tanto da Década da Alfabetização, dividida em
biênios, como do Dia Internacional da Alfabetização, celebrado a cada ano.
Na verdade, precisamos estar atentos para o fato de que o tempo e os desafios são
dinâmicos. Se, entre as Conferências de Jomtien e de Dacar, os esforços de alfabetização não
foram suficientes em face do crescimento demográfico e outros fatores, a complexidade da
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alfabetizaçãocomoliberdade
alfabetização hoje já não é a mesma do século passado. Aliás, desde a criação da UNESCO,
ao terminar a Segunda Guerra Mundial, verificam-se mudanças expressivas no conceito e no
modo de conceber a alfabetização. Esse é o espelho das complexas relações entre educação
e sociedade, que interagem entre si, em rua de mão dupla e tráfego intenso, num turbilhão
acelerado de mudanças. No pós-guerra, refletindo as concepções da época, a UNESCO
concebia a alfabetização como a capacidade de ler, escrever e fazer cálculos aritméticos.
Como indica um dos textos deste volume, os alunos adultos eram tratados como crianças na
prática da sala de aula e o currículo podia ter ou não conexões com a vida cotidiana. Era uma
educação em grande parte dissociada da sua circunstância, como se o aluno fosse uma
criança grande que havia simplesmente perdido as oportunidades educacionais e podia ser
introduzido numa espécie de máquina do tempo para recuperá-las.
No entanto, a perspectiva da alfabetização cresceu como uma árvore, tanto para
baixo como para cima. Numa direção, ela vitalizou-se, envolvendo competências e habilidades
que a vida social exigia cada vez mais, até porque a subescolaridade era resultado intrínseco
de determinadas situações sociais injustas. Noutra direção, aprofundou as suas raízes para
integrar-se e diversificar-se segundo as condições e necessidades dos alfabetizandos. Foi
desse modo que os anos 60 gestaram a visão funcional de alfabetização, como resposta às
demandas econômicas. Já emergindo a concepção ortodoxa de economia da educação, o
Congresso Mundial de Ministros da Educação sobre a Erradicação do Analfabetismo, realizado
em Teerã, em 1965, considerou o conceito de que a alfabetização era um aspecto fundamental
do treinamento para o trabalho e o aumento da produtividade. Por sua vez, nos anos 60,
a influência de Paulo Freire acrescentou dimensões políticas, situando o aluno não mais
como beneficiário, mero objeto, mas como sujeito de um processo de alfabetização crítica,
entendida como capacidade de participar. Os anos 80, afinal, trouxeram a distinção entre
alfabetização "autônoma" e "ideológica". Os efeitos modestos das campanhas massivas e
maciças despertaram a atenção cada vez mais para a necessidade de abordagens flexíveis,
com o enraizamento mais profundo nas diversificadas necessidades dos alunos. Verificou-se
que a alfabetização, embora correspondesse às necessidades de grandes segmentos
populacionais, não podia assumir uma escala "industrial", mas, sim, "artesanal", dotada de ampla
plasticidade para ser efetiva.
Os anos 90 foram inaugurados pela Conferência Mundial de Educação para Todos,
em Jomtien, que destacou a alfabetização e a aritmética básica como instrumentos essenciais
de aprendizagem para que cada pessoa possa se beneficiar das oportunidades educacionais.
Assim, ambas foram situadas como condições para satisfazer às necessidades básicas de
aprendizagem, que constituem o âmago da dimensão qualitativa da educação para todos.
Como desdobramento, a quinta Conferência Internacional sobre Educação de Adultos
(Confintea V), realizada em Hamburgo, definiu a alfabetização em termos amplos, consistindo
no "conhecimento e nas habilidades básicas necessários a todos num mundo em rápida
transformação", como "direito humano fundamental" e como capacidade necessária em si e
"um dos alicerces das demais habilidades necessárias para a vida". Desse modo, a alfabetização,
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
relacionada, ainda, com a luta contra a pobreza, foi inserida no contexto da educação de
adultos e da sociedade da aprendizagem. Foram aprofundadas preocupações primordiais
sobre as quais se debruçava o Instituto de Educação da UNESCO em Hamburgo, como a
sustentação do processo por meio da pós-alfabetização, evitando a regressão dos alfabetizados,
e a inserção do mesmo processo na perspectiva de educação continuada, do berço ao
mulo. A um mundo cada vez mais complexo e globalizado correspondiam exigências
maiores de educação, elevando o limiar das exclusões sociais. Acompanhando a trajetória
histórico-social, a árvore continuava se tornando cada vez mais frondosa e estendendo as suas
raízes mais profundamente.
Hoje a concepção que a UNESCO tem da alfabetização é, desse modo, mais ampla.
É ampla quanto ao tempo necessário ao domínio de conhecimentos e competências, no que
se refere às novas e variadas linguagens utilizadas modernamente, e quanto aos caminhos para
atingir os objetivos, assim como em relação à flexibilidade e à diversificação de públicos. Não
se trata de um processo rápido e determinado, mas que se estende ao longo da vida e que
pode levar seis ou sete anos de escolaridade para manejar o código da leitura e escrita,
embora um domínio pleno da última requeira 12 anos de escolaridade, segundo as estimativas.
Por outro lado, a alfabetização no mundo atual é plural em diversos sentidos. Pode haver a
bialfabetização, em situações de bilingüismo. Igualmente, com o desenvolvimento das lin-
guagens, ela abrange a representação multimodal de linguagem e idéias (texto, figura, imagem
em movimento, em papel, em meio eletrônico, etc.). Embora as comunicações eletrônicas não
tenham substituído a alfabetização impressa, o analfabetismo e o divisor digitais, separando
incluídos e excluídos das novas linguagens, são algumas das preocupações da UNESCO,
manifestadas em especial pelo documento A UNESCO e a Sociedade de Informação para
Todos (1995).As alfabetizações, como conceito plural contemporâneo, implicam também
a aceitação dos caminhos da educação formal e não-formal, assim como da educação
presencial e da educação a distância. Além disso, é aconselhável a diversificação de públicos
que apresentam características e necessidades diferentes: adolescentes e jovens, meninas e
mulheres, trabalhadores, etc.Também o seu enfoque precisa ser integrado e, ao mesmo tempo,
flexível para articular-se a todos os aspectos da vida, para além da comunicação tanto oral
como escrita, tendo uma visão da linguagem como totalidade (falar, escutar, ler e escrever).
Para isso, pode incluir, conforme o contexto, agrotecnologia, saúde, nutrição, cidadania,
pequeno comércio, artesanato, literatura religiosa e microcrédito, entre outras áreas.
Pode-se afirmar, portanto, que as raízes da árvore hoje são mais profundas, ao mesmo
tempo que se encontra uma profusão de ramos para atender ao leque de diversidades que
enriquecem o processo educacional. Se as nossas possibilidades de resposta cresceram, com
novos recursos, também aumentou o tamanho do desafio.Temos, assim, uma corrida em que
não há lugar para lamentar o tempo perdido, mas em que se pode perceber que teria sido
mais simples responder antes aos desafios. Afinal, voltando ao Diretor-Geral da UNESCO, a
questão da alfabetização não deveria ter sido resolvida no século passado? Diante desse
panorama de complexidade, urge, portanto, não só responder às necessidades dos jovens e
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alfabetizaçãocomoliberdade
adultos, por meio da modalidade própria de educação, como também dispensar a necessária
atenção aos que se alfabetizam na idade regular, uma vez que a alfabetização se estende e
se consolida ao fim de vários anos de escolaridade e não constitui responsabilidade de uma
área específica do currículo, mas de todo ele. São duas frentes básicas que não podemos
perder de vista: a de evitar que os excluídos continuem analfabetos e a de evitar a geração
de neoanafabetos.
Por outro lado, a criação da Década da Alfabetização pelas Nações Unidas coincide
com um fato histórico da vida nacional. Pela primeira vez, depois de tantas lutas, o Brasil elegeu
um Presidente da República – Luiz Inácio Lula da Silva – que veio do povo. Mais do que isso.
Um presidente que saído do agreste de uma das regiões mais sofridas do País, que é o
Nordeste, escolheu como palco de sua luta uma região de operários de um grande centro
urbano, fazendo o enlace entre as aspirações e problemas dos vários Brasis e edificando nessa
matéria-prima a plataforma de uma nova sociedade, mais justa e mais humana. Dessa forma, a
Década das Nações Unidas para a Alfabetização representa historicamente a grande oportunidade
para o Brasil resgatar uma dívida secular.
Todavia, há de se ter profunda consciência de que o mesmo povo que elevou um líder
operário à posição mais alta na hierarquia do Estado brasileiro precisa agora assumir um papel
protagonista na batalha para erradicar o analfabetismo, indignando-se por um lado com os
elevados índices de analfabetismo e, por outro, fazendo da alfabetização para todos um grito
de guerra, como sugeriu Louise Fréchette,Vice-Secretária-Geral das Nações Unidas, para que
o Brasil não perca essa oportunidade histórica. E se isso for mais uma vez adiado, poderá ser
tarde demais...
Cristovam Buarque Jorge Werthein
Ministro de Estado da Educação Representante da UNESCO no Brasil
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
DISCURSO DO SR. KOICHIRO MATSUURA
DIRETOR-GERAL DA UNESCO
Por ocasião do lançamento da Década das Nações Unidas para a Alfabetização
Nações Unidas – Nova Iorque, 13 de fevereiro de 2003.
Excelências,
Senhoras e Senhores,
O lançamento da Década das Nações Unidas para a Alfabetização (2003-2012)
é uma ocasião especial que nos traz diferentes emoções e pensamentos. Claramente, a Década
da Alfabetização deve ser muito bem recebida. É certamente um motivo de celebração o fato
de que a comunidade internacional continua a reconhecer o quão importante é a alfabetiza-
ção – como aspecto vital do direito à educação, como parte de um impulso maior em direção
à Educação para Todos, e como um instrumento de desenvolvimento econômico, social e
cultural. Entretanto, ficamos profundamente preocupados quando, no início do século 21, tal
Década seja mesmo necessária. A questão da alfabetização universal não deveria ter sido
resolvida no século passado? Este sentimento de indignação é tanto apropriado quanto
saudável; nós devemos deixar esta indignação alimentar e sustentar nossa motivação e nossas
ações nos próximos dez anos.
Tendo iniciado meus comentários desta forma, eu não quero parecer ingrato. Um
grande reconhecimento é devido, em particular, à Assembléia-Geral das Nações Unidas, que
votou por unanimidade a proclamação desta Década, e ao Presidente da Mongólia, que
preparou a Resolução estabelecendo a Década e por defendê-la tão efetivamente. Eu sou
muito grato pela sua presença hoje, Senhor Presidente. Gostaria também de agradecer ao
Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, por nos permitir organizar este evento. E a presença da
Vice-Secretária-Geral é mais do que bem-vinda, simbolizando o apoio da ONU para esta
empreitada.
A Década tem dois objetivos principais. Primeiramente, a Década buscará promover
a conscientização acerca do desafio da alfabetização. E, em segundo lugar, a Década servirá
como um estímulo para ação por uma grande quantidade de parceiros e outras partes
interessadas. Deixe-me examinar cada um destes objetivos detalhadamente.
No que diz respeito à conscientização, é certamente importante alcançar os líderes
mundiais, uma vez que, sem sua vontade política, pouco pode ser alcançado. Afinal, a respon-
sabilidade estatal pela educação básica não está confinada apenas à escola primária. Os
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alfabetizaçãocomoliberdade
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alfabetizaçãocomoliberdade
governos são os principais atores responsáveis pela alfabetização, mas necessitam do apoio de
instituições-chave nos âmbitos social e econômico, da sociedade civil e da opinião pública,
expressada e moldada pelos veículos de comunicação de massa. Além disso, parceiros do
desenvolvimento internacional devem ser persuadidos de que a alfabetização merece um
apoio maior. Sobretudo, os beneficiários devem ser atingidos para que se conscientizem de
seus direitos e para que estejam aptos a melhor articular suas necessidades. A Década deve
estimular as demandas por alfabetização entre aqueles que não gozam de seus benefícios.
Nestes esforços, nós devemos ter em vista a grande escala do desafio da alfabetização:
mais de 860 milhões de adultos, uma em cada cinco pessoas com mais de 15 anos, dois terços
das quais são mulheres. A enormidade do desafio da alfabetização não deve nos terrificar, mas
sim nos alertar contra expectativas demasiado ambiciosas. Em abril de 2000, o Fórum Mundial
de Educação em Dacar, no Senegal, estabeleceu como meta uma melhoria de 50% na taxa de
alfabetização de adultos até 2015. A Década da Alfabetização, não estabelecendo nenhuma
meta quantitativa própria, está dedicada a atingir este objetivo de Dacar, que seria um grande
resultado.
Evidentemente, não há meios fáceis e rápidos para se resolver os problemas
mundiais da alfabetização. A disseminação da alfabetização requer energia e perseverança
de todos os parceiros, mas uma aceleração também é necessária. A taxa de crescimento
da alfabetização mundial tem diminuído ultimamente; os anos pela frente requerem um
verdadeiro impulso.
Uma função importante da Década será a conscientização sobre a natureza da
própria alfabetização, e como este tema pode ser tratado da melhor forma. Não se requer
apenas mais esforços e maiores recursos; também há a necessidade para novas abordagens,
estratégias e metodologias revisadas. Campanhas de alfabetização tradicionais, verticalizadas,
dificilmente serão efetivas ou apropriadas. A mudança do significado da própria alfabetização
– seu caráter plural e diversificado, suas raízes no con-
texto do aprendiz, seus diferentes níveis e formas
deve ser reconhecida. Mas isto deve ser feito sem se
perder de vista a principal prioridade, a saber, alcançar os
mais pobres e os grupos marginalizados, cujo analfabetismo
ainda é muito severo.
A alfabetização também não deve se tornar paro-
quial. O desafio da alfabetização hoje tem duas dimensões: em uma direção, está a comu-
nidade, o contexto imediato do significado do trabalho em prol da alfabetização; em outra
direção, está o mundo mais amplo, no qual os aprendizes têm o direito de ganhar sua inserção
por meio das recém-adquiridas habilidades da alfabetização. Se a Década vai gerar uma visão
renovada da alfabetização, esta visão deve colocar o aprendiz e suas diferentes necessidades
no centro de toda a empreitada da alfabetização.
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Por meio da alfabetização,
os menos favorecidos podem encontrar sua voz.
Por meio da alfabetização, os pobres podem
aprender a aprender. Por meio da alfabetização,
os sem-poder podem se empoderar.
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alfabetizaçãocomoliberdade
Deixe-me agora voltar ao segundo principal objetivo da Década, a saber, a galvaniza-
ção dessas ações. O Plano de Ação Internacional, preparado pela UNESCO em colaboração
com seus parceiros e aprovado pela Assembléia Geral da ONU, identifica várias áreas de ação
fundamentais e estratégias associadas. Esforços em prol da mobilização de recursos nos níveis
nacional e internacional são imperativos. O tempo impede um tratamento expandido dessas
questões, mas gostaria de ressaltar quatro pontos.
Primeiro, ações no âmbito da Década da Alfabetização requerem, para sua efetivi-
dade máxima, uma estreita colaboração em todos os níveis. A UNESCO, como coordenadora
da Década em nível internacional, fará o seu máximo para construir o espírito e a prática da
parceria.
Segundo,a perspectiva de gênero deve atravessar todas as ações. A alfabetização
das mulheres deve receber apoio especial, mas a perspectiva de gênero também deve incluir
considerações mais amplas, como conteúdos de aprendizado, métodos e ambientes.
Te rceiro, as ações não devem se limitar aos canais tradicionais. Nós devemos
procurar abordar o que eu chamaria de "a dimensão da alfabetização", um conjunto de
políticas, programas e projetos que não são explicitamente sobre alfabetização. A alfabetiza-
ção não é uma panacéia universal para todos os problemas do desenvolvimento, mas, como
uma ferramenta do desenvolvimento, é versátil e testada.
Quarto, as ações devem ser informadas por evidências confiáveis e avaliações
cuidadosas e objetivas da experiência. A UNESCO, incluindo seu Instituto de Estatística,
atuará de forma próxima a seus parceiros na importante área da avaliação da alfabetização.
Senhoras e Senhores,
O conceito e a prática da alfabetização são parte de um debate mais amplo sobre
para que serve a educação. O slogan que a UNESCO adotou na Década – "Alfabetização
como Liberdade" – foi criado para encorajar abordagens para a aquisição e desenvolvimento
da alfabetização, que liberta as pessoas da ignorância, incapacidade e exclusão, e as liberta para
a ação, escolhas e participação. Por meio da alfabetização, os menos favorecidos podem
encontrar sua voz. Por meio da alfabetização, os pobres podem aprender a aprender. Por meio
da alfabetização, os sem-poder podem se empoderar.
À luz destas palavras, é claro que o movimento em prol da alfabetização universal é
indissociável da agenda de direitos humanos de nosso tempo. O projeto da alfabetização é liberar
o potencial de cada pessoa. Nós não podemos permanecer alheios a isso e ver este potencial
continuar a ser desperdiçado em tamanha escala.
Obrigado.
DISCURSO DA SRA. LOUISE FRÉCHETTE
VICE-SECRETÁRIA-GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
Por ocasião do lançamento da Década das Nações Unidas para a Alfabetização.
Nações Unidas – Nova Iorque, 13 de fevereiro de 2003.
Eu estou muito feliz em estar com os senhores no lançamento da Década das Nações
Unidas para a Alfabetização. Com a Década, nós inauguraremos uma nova fase nos esforços
globais para disseminar a alfabetização e seus benefícios para todas as pessoas e sociedades.
Deixe-me agradecer ao Presidente da Mongólia por ser a força impulsora por trás
desta iniciativa, e à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura por
organizar este evento.
A alfabetização continua sendo parte dos assuntos não-resolvidos no século 20. Uma
das histórias de sucesso do século 21 deve ser a extensão da alfabetização para incluir toda
a humanidade. Não há tempo a se perder se quisermos atingir o objetivo acordado pelos
governos nacionais em aumentar as taxas de alfabetização em 50% até o ano 2015.
Apesar de as campanhas de alfabetização terem sucedido em aumentar a alfabetiza-
ção ao redor do mundo, temos uma enorme tarefa pela frente. A escala do analfabetismo é
massiva: aproximadamente 860 milhões de pessoas – um adulto em cada cinco – não sabem
ler ou escrever. Dois terços destes são mulheres.
Isso significa que nós devemos ir além
dos esforços do passado, e aplicar lições aprendidas
a partir de erros do passado.
Nós devemos construir sobre as abor-
dagens de maior sucesso que conhecemos –
aquelas baseadas na ação comunitária e que
toma em consideração os contextos e as
condições locais.
Nós devemos trabalhar em parcerias
que unam governos, a sociedade civil, a família das Nações Unidas e outras organizações
internacionais para apoiar estas abordagens.
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alfabetizaçãocomoliberdade
A alfabetização não é apenas um objetivo em
si mesma. É um pré-requisito para um mundo
saudável, justo e próspero. É uma ferramenta
crucial em nosso trabalho para traduzir em
realidade as Metas do Milênio – acordadas
pelos governos de todo o mundo como um
guia para a construção de um mundo
melhor no século 21.
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
E nós devemos colocar as necessidades das comunidades aprendizes no centro de
nossos esforços. Estou gratificada hoje por ver um aprendiz e um tutor concordarem em vir e
expor suas experiências nesta ocasião.
A alfabetização é um direito humano. Cinco anos atrás, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos estabeleceu que todos têm o direito à educação. É inconsolável o fato de
que 20% da população adulta tenham este direito negado.
A alfabetização não é apenas um objetivo em si mesma. É um pré-requisito para um
mundo saudável, justo e próspero. É uma ferramenta crucial em nosso trabalho para traduzir
em realidade as Metas do Milênio – acordadas pelos governos de todo o mundo como um
guia para a construção de um mundo melhor no século 21.
Isso é especialmente verdadeiro para a alfabetização de mulheres. Nós sabemos a
partir de numerosos estudos que não há uma ferramenta mais efetiva para o desenvolvimento
do que a educação de meninas e mulheres.
Quando as mulheres são educadas e empoderadas, os benefícios podem ser vistos
imediatamente: famílias ficam mais saudáveis; melhor alimentadas; sua renda, poupança e
investimentos aumentam. As chances de se protegerem contra HIV/Aids também aumentam
– assim como as chances de educação para seus filhos.
E o que é verdadeiro sobre as famílias é verdadeiro sobre as comunidades –
ultimamente, na verdade, de países inteiros.
É por isso que os primeiros dois anos da Década serão focalizados na "alfabetização
e gênero".
A Década das Nações Unidas para a Alfabetização é uma oportunidade única para
um trabalho conjunto de modo sustentável por dez anos, de forma a causar uma diferença
real – colocando em prática todas as lições que temos aprendido sobre como promover
a alfabetização.
Esta é uma ocasião para concentrar as mentes da comunidade internacional e
assegurar que mobilizemos todos os recursos humanos e financeiros necessários para traduzir
nossas demandas e idéias em ações concretas. Façamos com que "alfabetização para todos"
seja nosso grito de guerra para a próxima década.
DISCURSO DO SR. NATSAGIIN BAGABANDI,
PRESIDENTE DA MONGÓLIA
Por ocasião do lançamento da Década das Nações Unidas para a Alfabetização.
Nações Unidas, Nova Iorque, 13 de fevereiro de 2003.
Sr. Presidente,
Sra.Vice-Secretária-Geral Louise Fréchette,
Sr. Diretor-Geral Koichiro Matsuura,
Senhoras e Senhores,
De início, eu gostaria, em nome do Estado e do Governo da Mongólia e em meu
próprio nome, de estender minhas sinceras saudações para todos os que estão presentes hoje
para celebrar o lançamento oficial da Década das Nações Unidas para a Alfabetização:
Educação para Todos. Deixe-me também expressar meu grande apreço e gratidão pelo convite
para participar desta cerimônia e me dirigir a este prestigioso encontro, que contribuirá significati-
vamente para a nobre causa de construção de um mundo mais iluminado e humano.
Faz muito pouco tempo que vimos o primeiro século do novo milênio se iniciar,
reconhecido universalmente como um século baseado no conhecimento e na informação.
Graças à alfabetização – um dos mais impressionantes e primordiais resultados da raça
humana –, todas as nações estão aptas a desenvolver e enriquecer seu domínio do conheci-
mento, da ciência e da cultura, além de partilhar seus valores culturais com outros. Entretanto,
depois de vinte séculos, a chave mágica da alfabetização ainda não é dominada por muitos.
Há pouco mais de um ano, a Assembléia Geral, em sua 56ª sessão, proclamou o período
de 2003 a 2012 como a Década das Nações Unidas para a Alfabetização. Como principal
autor da Década, a Mongólia está gratificada pelo fato de estarmos embarcando, hoje, em uma
jornada global de importância histórica, rumo a um mundo verdadeiramente alfabetizado e
educado.Temos a firme crença de que a família das nações irá formar uma parceria efetiva e
não poupará esforços para atingir plenamente as metas e os objetivos estabelecidos no plano
de ação internacional para a Década. A Mongólia, por sua parte, está se comprometendo a
fazer o máximo para contribuir com nossos objetivos comuns.
O espírito e o objetivo da Década das Nações Unidas para a Alfabetização não estão
apenas conectados com aqueles estabelecidos pela Declaração Mundial sobre Educação para
Todos e pelo o Marco de Ação de Dacar,adotados no Fórum Mundial de Educação em 2000,
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alfabetizaçãocomoliberdade
e da Declaração do Milênio, adotada pelos líderes mundiais nas Nações Unidas, em Nova
Iorque, mas também irão prover um novo ímpeto para a sua realização.
A Década das Nações Unidas para a Alfabetização visa a assegurar o bem-estar
presente e futuro dos seres humanos, uma vez que o interesse básico dos indivíduos é
sua preocupação central.A alfabetização serve como instrumento vital para permitir que uma
pessoa empregue conhecimento e informação para sua vida próspera e feliz, oferecendo,
portanto, uma oportunidade generosa para o exercício consciente dos direitos humanos
e liberdades fundamentais proclamados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Mongólia participou ativamente do Fórum de Educação de Dacar e seu seguimento,
organizando, conjuntamente com o Centro Regional da UNESCO em Almatu e o Unicef,
uma conferência sobre "Responsabilidades coletivas em prol da educação para todos", em
Ulaanbaatar em 2001, como forma de avaliar o atual estado de desenvolvimento do setor de
educação e identificar a estratégia nacional para implementar o Marco de Ação de Dacar.
Como resultado, outra importante reunião foi convocada em abril de 2002, com a participação
de órgãos do Estado e do Governo, organizações não-governamentais e internacionais,
para estabelecer o Fórum Nacional de Educação para Todos. A implementação dessa estratégia
está avançando.
Aproveitando a oportunidade de me dirigir a partir deste alto púlpito, gostaria de
partilhar com todos um provérbio dos Mongóis que mostra sabedoria e experiência ancestrais.
Os Mongóis costumavam ensinar a importância da alfabetização para suas crianças, dizendo
que "para um analfabeto, um livro não tem valor; mas para o alfabetizado, ele traz riqueza de
conhecimento". Graças a uma campanha de conscientização massiva e uma estratégia efetiva,
a Mongólia pôde reduzir drasticamente as taxas de analfabetismo durante um curto intervalo
de tempo. Eu não tenho dúvidas de que todas as nações têm provérbios similares.
Hoje, o significado do provérbio é ainda
mais relevante. É reconhecido universalmente
que a alfabetização é instrumental para
se atingir as necessidades dos povos para
trocar informações, acumular conhecimento,
promover o desenvolvimento e prosperar,
assim como para responder às necessidades
da curiosidade, compreensão e entendimento
recíproco.
Atualmente, a família humana, especialmente sua parte alfabetizada, é munida de uma
grande capacidade para acumular riqueza, despertar suas iniciativas com capacidade infinita,
que é mais rápida que a velocidade do som e além dos limites do espaço e da distância,
descobrir novas fontes de energia, encontrar curas para doenças, criar um ambiente para
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
A alfabetização serve como instrumento vital
para permitir que uma pessoa empregue conhecimento
e informação para sua vida próspera e feliz,
oferecendo, portanto, uma oportunidade generosa para
o exercício consciente dos direitos humanos e
liberdades fundamentais proclamados pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
resolução efetiva dos problemas enfrentados pelo mundo. Por outro lado, o analfabetismo leva
ao atraso, à pobreza e à desigualdade, e cria barreiras espessas que negam estas possibilidades
e põem em evidência as terríveis conseqüências dos conflitos armados e atividades terroristas,
alienando os povos uns dos outros.Assim, erradicar o analfabetismo torna-se uma questão
de magnitude global.
Apesar de a comunidade internacional ter envidado esforços consideráveis nos
anos recentes para erradicar o analfabetismo, há mais de 860 milhões de adultos que ainda
permanecem analfabetos, causando sérios problemas para os líderes mundiais. Além do
progresso e desenvolvimento, nós não conseguiremos garantir direitos humanos iguais para
todos enquanto aceitarmos a existência do analfabetismo entre nós. Assim, no marco da
Década das Nações Unidas para a Alfabetização, ações determinadas devem ser tomadas para
implementar o compromisso de Dacar, diminuindo pela metade o número de adultos analfa-
betos até 2015.A alfabetização representa não somente o requisito primário para o bem-estar
econômico, mas também uma base sólida para um investimento para toda a vida, de forma
a assegurar uma vida melhor e mais feliz em termos de um entendimento mais amplo
do desenvolvimento humano. Nós defendemos a visão de que, no novo século baseado na
informação, a eliminação virtual do analfabetismo requer uma parceria efetiva baseada
em esforços redobrados, mobilização de recursos e coordenação de políticas e estratégias
relevantes no nível global.
Sr. Presidente,
O povo da Mongólia tem orgulho de sua cultura e civilização milenares. Durante sua
longa história, o povo Mongol desenvolveu cinco ou seis alfabetos distintos, começando do
Rúnico, Kemu, e em seguida Square, Uigarjin, Soyombo e Tod, ou o alfabeto claro.
A história da educação na Mongólia data mais de dois mil anos, começando com o
desenvolvimento de antigos escritos até hoje, quando todas as crianças têm garantido seu
acesso à educação básica. Os Mongóis têm contribuído para a cultura e civilização mundiais
por meio de trabalhos monumentais como A História Secreta dos Mongóis, Altan Tobchi
(O Sumário de Ouro), Erdeniin Erhi (O Rosário da Sabedoria) – todas incluídas no patrimônio
intelectual mundial. Famosos poemas orais como Geser e Jangar também fazem parte desta
herança. Ao longo de sua extensa e turbulenta história, os Mongóis testemunharam tanto
progresso quanto atraso.
No início do século 20, mais de 90% de nossa população eram analfabetos. Com a
revolução de 1921, um ambiente propiciador ao desenvolvimento da educação secular foi
criado.Atenção prioritária foi dada à provisão de acesso livre à educação primária e secundária
para as crianças, sem considerações de sexo, nacionalidade, renda ou crença religiosa.
O sistema educacional moderno em meu país tem uma história de apenas oito
décadas. Em primeiro lugar, as escolas foram construídas e esforços dirigidos à eliminação do
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alfabetizaçãocomoliberdade
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
analfabetismo adulto. A criação da capacidade nacional para preparar e treinar especialistas e
profissionais foi um grande resultado destes anos. "Seja alfabetizado em primeiro lugar, e então
ensine aos outros" foi a ordem do dia, de forma que uma pessoa alfabetizada automaticamente
se tornava professora de outros 10 analfabetos. Como resultado desta estratégia, a taxa atual
de alfabetização da população com mais de 15 anos atingiu 97,8%, sendo 98% para homens e
97,5% para mulheres. Portanto, a missão de se atingir a universalização da educação primária
e secundária foi atingida. Apesar de a Mongólia ter uma taxa de alfabetização relativamente
alta, nós ainda enfrentamos os desafios relacionados não apenas com ensinar as crianças a ler
e escrever, mas também com a criação de um ambiente propício para que elas tenham
acesso à informação, adquiram habilidades de análise e as usem, especialmente para adquirir
alfabetização em relação aos computadores, tendo maior acesso às tecnologias da Internet
cada vez mais presentes em nosso mundo globalizado.
A receita por trás do "milagre Mongol" está na habilidade de massificar a alfabetiza-
ção universal em um curtíssimo intervalo de tempo, e a introdução com sucesso de um
sistema educacional moderno. O Estado e o Governo da Mongólia estão tomando medidas
decisivas para enfrentar questões sociais emergentes, incluindo a evasão escolar, desemprego
crescente, pobreza e desigualdade. Estas medidas incluem a aprovação de leis declarando a
educação como setor prioritário do desenvolvimento nacional, aumento considerável dos
gastos públicos, estratégias focadas para prover acesso igual à educação para crianças de
famílias pobres e vulneráveis. Na Mongólia, os pais são obrigados a enviar as crianças com
menos de 16 anos à escola para adquirir educação básica. A educação secundária é gratuita.
Em suma, a Mongólia está implementando uma estratégia efetiva direcionada à reforma do
sistema educacional, à eliminação do analfabetismo, incluindo analfabetismo funcional, de forma
que os indivíduos estejam aptos a lidar com as crescentes demandas da realidade presente.
A Mongólia está comprometida a não poupar esforços para cooperar ativamente com outros
membros e organizações internacionais na implementação dos objetivos e metas da
Declaração do Milênio e do Marco de Ação de Dacar, no âmbito da Década das Nações Unidas
para a Alfabetização.
Sendo a Década das Nações Unidas para a Alfabetização: Educação para Todos
oficialmente lançada, o dia de hoje ficará na história como um marco nos esforços de todos
os países para erradicar o analfabetismo e, por meio da educação, empoderar os povos, de
sorte que eles possam efetivamente superar o subdesenvolvimento, a pobreza e o desem-
prego, trazendo suas contribuições para o desenvolvimento sustentável e a democracia. Neste
dia promissor do lançamento da Década, a Mongólia reitera, solenemente, sua firme crença
de que a alfabetização irá nos ajudar a promover a confiança e o entendimento recíprocos,
por meio do compartilhamento dos resultados obtidos individualmente nos campos da
literatura, cultura e desenvolvimento intelectual. Ela também trará uma contribuição de peso
para a construção de uma vida melhor e mais segura para todos.
Muito obrigado por sua gentil atenção.
ALGUMAS IDÉIAS SOBRE
O DIA INTERNACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO
Mensagem gravada para as celebrações do Dia Internacional da Alfabetização
8 de setembro de 2003.
AMARTYA SEN
Existe um velho ditado bengalês que afirma que o conhecimento é um bem muito
especial: quanto mais você dá, mais você tem disponível. Prover educação não apenas ilumina
aquele que a recebe, mas também desenvolve aquele que a provê: professores, pais, amigos.
A educação fundamental é um verdadeiro bem social, o qual as pessoas podem dividir e
se beneficiar conjuntamente, sem ter que retirá-lo dos outros. É valido relembrar esta velha
idéia nesta ocasião maravilhosa: a celebração do Dia Internacional da Alfabetização.
Obviamente, eu me sinto pessoalmente privilegiado de poder, nesta ocasião, me
dirigir a todos vocês, com a ajuda da UNESCO, enquanto nos reunimos em diversos lugares
do mundo, nos unindo na garantia de nosso compromisso global para educação universal.
Quando H.G. Wells afirmou, em seu O Esboço da História,que "a história humana se torna
cada vez mais uma corrida entre educação e catástrofe", ele não estava exagerando. Se
continuarmos a negligenciar a educação fundamental, nós não estaremos aptos a suplantar
os tremendos problemas que nosso mundo precário enfrenta – nem a evitar potenciais
catástrofes, que hoje estão ainda mais presentes que no tempo de H.G. Wells.
Desde os terríveis acontecimentos de 11 de setembro de 2001 – e o que se seguiu
– o mundo tem estado muito consciente dos problemas da insegurança. Porém, a insegurança
se manifesta de diferentes formas – não apenas por meio do terrorismo e da violência.
É notável que, para praticamente todo tipo de insegurança humana, a educação tenha um
papel preventivo – uma contribuição construtiva a fazer. Enquanto a guerra contra o
terrorismo é travada ao redor do mundo, é extremamente importante não se subestimar
a natureza multidimensional da insegurança humana e a variedade de formas pelas quais
as vidas de populações vulneráveis em todo o globo tendem a ser ameaçadas, e a se tornar
profundamente inseguras.
A primeira – e talvez mais básica questão – se refere ao fato de que o analfabetismo
lingüístico e matemático são formas de segurança por si próprios.Não estar apto a ler ou
escrever, ou contar e se comunicar, é uma privação tremenda per se.E se uma pessoa é
reduzida por esses dois tipos de analfabetismo, nós podemos constatar não apenas que ela
está insegura porque algo terrível pode lhe acontecer, mas também que, para ela, algo terrível
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alfabetizaçãocomoliberdade
já aconteceu. O caso extremo na insegurança é a certeza da privação, a ausência de qualquer
chance de se evitar este destino. A privação básica representada pelo analfabetismo lingüístico
e matemático é, portanto, um caso extremo de insegurança.
Em segundo lugar, a educação básica pode ser muito importante para ajudar as pessoas
a conseguir trabalho e empregos lucrativos. Esta conexão, apesar de sempre presente, é
particularmente crítica em um mundo globalizado, no qual o controle de qualidade e a produção
de acordo com especificações estritas podem ser cruciais. Qualquer país que negligencia
a educação fundamental tende a fadar suas pessoas analfabetas ao acesso inadequado às
oportunidades do comércio global. Uma pessoa que não consegue ler instruções, entender
demandas apuradas, e seguir os pleitos de especificação estará com enormes desvantagens para
conseguir um trabalho no mundo globalizado.
Não é surpreendente que todos os casos do uso com sucesso das oportunidades do
comércio global para a redução da pobreza tenham envolvido a rota da educação fundamental em
uma base ampliada. Já em meados do século 19, esta tarefa pôde ser vista com notável clareza
no Japão. O Código Fundamental de Educação, publicado em 1872 (logo após a Restauração
Meiji de 1868), expressou o compromisso público para garantir que não houvesse "comunidade
com famílias analfabetas, nem famílias com uma pessoa analfabeta". Kido Takayoshi, um dos
líderes da reforma japonesa, explicou a idéia básica: "Nosso povo não é diferente dos
Americanos ou Europeus de hoje; é tudo uma questão de educação, ou da falta de educação".
Assim começou a notável tentativa japonesa de alcançar o Ocidente. Por volta de 1910, o
Japão estava quase completamente alfabetizado, pelo menos para os jovens, e em torno de
1913, ainda que bem mais pobre que a Grã-Bretanha ou a América, o Japão estava publicando
mais livros que o primeiro e mais do que o dobro dos Estados Unidos. A concentração na
educação determinou, em grande medida, a natureza e a velocidade do progresso econômico
e social do Japão.
Mais tarde, China,Taiwan, Coréia do Sul e outras economias do Leste Asiático seguiram
rotas similares e focalizaram firmemente na educação fundamental. Para explicar o rápido
progresso econômico destes países, geralmente se aponta, de forma correta, a vontade de fazer
uso da economia de mercado mundial. Mas o processo foi largamente ajudado pelas realiza-
ções destes países no campo da educação fundamental. Ampla participação na economia
global teria sido difícil de se atingir caso as pessoas não pudessem ler e escrever, ou produzir
de acordo com especificações e instruções.
Em terceiro lugar, quando as pessoas são analfabetas, sua habilidade de entender e
invocar seus direitos jurídicos pode ser muito limitada. Isso pode ser uma deficiência severa para
aqueles cujos direitos são violados, e tende a ser um problema persistente para pessoas na base
da pirâmide social, cujos direitos são geralmente alienados de forma efetiva, devido a sua
inabilidade para ler e perceber que têm direito a determinadas demandas.
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Esta é uma questão particularmente importante para a segurança das mulheres, uma
vez que estas são geralmente privadas de seus direitos, devido ao analfabetismo. Com efeito,
não estarem aptas a ler ou escrever é uma barreira significativa para mulheres desprivilegiadas,
uma vez que isto pode levar a sua falha em fazer uso dos direitos, mesmo aqueles muito
limitados, que elas podem ter legalmente (por exemplo, o direito de possuir terras e outra
propriedade, ou de recorrer contra julgamento ou tratamento injustos). Em geral, existem
direitos jurídicos em livros de regras, que não são entendidos porque as partes prejudicadas
não podem ler estes livros.
Em quarto lugar, o analfabetismo pode abafar as oportunidades políticas dos menos
favorecidos, reduzindo suas habilidades para participar na arena política e expressar suas
demandas de forma eficaz. Isso contribui diretamente para sua insegurança, uma vez que
a ausência de vocalização das demandas na política pode levar a uma severa redução de
influência e do tratamento justo.
A conexão entre vocalização das demandas e segurança pode ser muito poderosa, e
talvez eu deva abordá-la rapidamente. O fato observado de que a fome extrema e generalizada
não ocorre em democracias é apenas uma justa ilustração da efetividade da voz política e da
participação. É notável que, na longa história das fomes críticas do mundo, nunca tenha havido
uma crise de fome generalizada em um país democrático que dê voz política a todos. Isto não
é surpreendente, uma vez que é difícil ganhar eleições após um período de grave fome (se
as eleições ocorrem), e as críticas à falha do governo em evitar a fome generalizada são difíceis
de se rebater (se as críticas são politicamente permitidas, em vez de censuradas, e se a imprensa
livre existe). Estes reconhecimentos forçam o governo nas democracias a agir rápida e
efetivamente para prevenir a fome crítica. Estas crises de fome, portanto, nunca aconteceram
em democracias (mesmo nas mais pobres), mas ocorreram em lugares onde a voz política é
suprimida, por exemplo, por regimes coloniais (seja abertamente, como na Índia Britânica,
ou implicitamente, como na Irlanda da década de 1840), ou sob sistemas autoritários unipar-
tidários (como na União Soviética, na década de 1930, na China, entre 1958 e 1961, no Camboja
dos anos 70, ou na Coréia do Norte atualmente), ou regimes militares (como na Etiópia, Somália
e Sudão nas décadas recentes).A vocalização das demandas políticas faz com que a prevenção
da fome crítica seja um imperativo para políticas públicas.
Em quinto lugar, trabalhos empíricos nos anos recentes mostraram claramente como
o respeito relativo e a atenção ao bem-estar das mulheres são fortemente influenciados por
variáveis como a habilidade da mulher em receber um salário independente, encontrar
emprego fora de casa, ter direitos de propriedade, ser alfabetizada e educada como participante
nas decisões dentro e fora da família. Com efeito, mesmo a desvantagem de sobrevivência das
mulheres, em comparação aos homens, em muitos países em desenvolvimento (que leva a
fenômenos terríveis, como as dezenas de milhões de ‘mulheres perdidas’) parece estar
diminuindo drasticamente – e pode mesmo ser eliminada – com o progresso no empoderamento
das mulheres, do qual a alfabetização é um ingrediente básico.
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alfabetizaçãocomoliberdade
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Estes fatores diferenciais (como, por exemplo, alfabetização e educação feminina,
poder de compra das mulheres, o papel econômico que desempenham fora da família, seus
direitos de propriedade, e assim por diante) podem, em uma primeira instância, parecer
influências relativamente diversas e díspares que, de alguma forma, atuam juntas, mas o que
elas todas têm em comum é a contribuição positiva para a vocalização e atuação das mulheres,
por meio de uma maior independência e fortalecimento deste grupo.As diversas variáveis que
têm emergido de estudos estatísticos como fatores favoráveis à segurança das mulheres
(como alfabetização, oportunidade econômica, etc.) podem, portanto, ser vistas como uma
parte de um papel empoderado unificado. O poder das mulheres – independência econômica,
assim como emancipação social – pode ter impactos extensos nas forças e princípios organizadores
que governam as decisões dentro da família.
Também há evidências de que a educação das mulheres e a alfabetização tendem a
reduzir as taxas de mortalidade das crianças. A influência é sentida por meio de vários canais,
mas talvez o mais imediato seja a importância que as mães tipicamente dão ao bem-estar de
seus filhos, e a oportunidade que elas têm, quando seu papel é respeitado e fortalecido, de
influenciar decisões familiares nesta direção. Estas conexões entre educação fundamental da
mulher e o poder de atuação delas são centrais ao entendimento da contribuição da educação
escolar para a segurança humana em geral.
De fato, a natureza da educação é central à paz no mundo. Recentemente, a perspectiva
do "choque de civilizações" (prometido por muitos comentaristas, inclusive intelectuais e
líderes políticos) ganhou força, e o que é mais marcante nesta perspectiva não é a idéia da
inevitabilidade do choque (isso também, mas seria um fator posterior), mas a insistência
anterior em se enxergar os seres humanos em termos de apenas uma dimensão: exclusivamente
como membros de uma ou outra civilização.Ver as pessoas em termos dessa referida classificação
preeminente e exaustiva das civilizações pode contribuir para a insegurança política, uma vez
que, nesta visão, as pessoas são vistas como pertencendo simplesmente, digamos, ao "mundo
muçulmano", ao "mundo ocidental", ao "mundo hindu", ao "mundo budista", e assim por diante.
Como acontece, qualquer ser humano tem diferentes identidades, relacionadas com a
nacionalidade, linguagem, localização, classe, religião, ocupação, crenças políticas, e assim por
diante. Ignorar todas as características que não um meio singular, dito profundo, de se classi-
ficar as pessoas significa colocá-las em um campo de guerra. A melhor esperança para a
paz no mundo reside no reconhecimento simples, porém extensivo, de que todos nós temos
diferenças de associação e afiliação, e que nós não precisamos nos ver como rigidamente
divididos por uma categorização única de grupos sólidos que se confrontam uns aos outros.
Enquanto nós celebramos o poder da alfabetização neste dia maravilhoso, temos
razões para pensar também sobre o conteúdo da educação e o modo pelo qual a alfabetiza-
ção pode facilitar – em vez de ameaçar – a paz e a segurança. A importância de currículos
não-sectários e não-paroquiais que expandam, e não reduzam, o alcance da razão não
é exagerada.
25
alfabetizaçãocomoliberdade
Para concluir, devemos continuar lutando pela educação fundamental para todos,
mas também enfatizar a importância do conteúdo educativo. Temos que assegurar que
escolas sectárias não convertam a educação em uma prisão, sendo alternativamente um
passaporte para um mundo mais amplo (em seu pleno significado). A educação pode ser uma
grande libertadora da mente humana, trazendo benefícios indiretos – econômicos, políticos
e sociais (que eu discuti exaustivamente). Na maravilhosa ocasião do Dia Internacional da
Alfabetização, termino reafirmando nosso compromisso mútuo de trabalhar pela educação
fundamental para todos e pela importância crítica da liberdade do analfabetismo, lingüístico e
matemático. Eu me sinto muito privilegiado em ter tido a oportunidade de me unir a outros
neste trabalho extremamente importante, no qual estamos todos unidos.
Muito obrigado por me acompanharem.
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alfabetizaçãocomoliberdade
"ALFABETIZAÇÃO
A PERSPECTIVA DA UNESCO"
A alfabetização situa-se no cerne das atribuições da UNESCO – desde sua criação,
em 1946, a preocupação com a promoção da alfabetização vem recebendo alta prioridade em
sua agenda. A alfabetização é um instrumento de aprendizagem e também uma prática social,
cujo uso é capaz de reforçar a voz e a participação de comunidades e indivíduos na sociedade.
O fato de que, até os dias de hoje, um em cada cinco dos indivíduos que vivem neste plane-
ta sequer tem acesso à alfabetização é um escândalo e uma mácula para a humanidade.
Quando o mundo trabalha para implementar as metas da Educação para Todos (EPT)
e as Metas do Milênio (MDGs), o uso de práticas de alfabetização de qualidade ocupa um lugar
da maior importância. A Década das Nações Unidas para a Alfabetização (2003-2012) permite
que seja dada ênfase especial à intensificação dos esforços coletivos, consistindo, portanto,
numa oportunidade que não pode ser perdida.
Este livreto relata como a comunidade internacional ganhou ímpeto e traça o caminho
percorrido na evolução do conceito de alfabetização, situando assim o papel da UNESCO e
suas atividades relativas à alfabetização. Uma série de questões sociais e educacionais de
importância crítica está relacionada com a alfabetização e com a sua promoção, sendo aqui
apresentadas como a estrutura no âmbito da qual a UNESCO desempenha seu trabalho.
1. O interesse global pela alfabetização: um panorama
1.1. A situação da alfabetização no mundo
O Relatório de Acompanhamento Global da EPT de 2002 estima que, em termos
globais,o índice de alfabetização de adultos era de 79,7% em 2002 – 74,2% para as mulheres
e 85,2% para os homens. Os aumentos nos índices mundiais de alfabetização, tanto os passados
quanto os previstos são mostrados abaixo:
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Fonte: Relatório de Acompanhamento Global de EPT de 2002. Anexo, Tabela 2, pg 206 a 213.
Fonte: Relatório de Acompanhamento Global de EPT de 2002. Anexo, Tabela 2, pg 206 a 213.
Estas cifras mascaram grandes diferenças regionais, com o menor índice global ocor-
rendo na Ásia Meridional e Ocidental (55,3%) e o mais elevado, na Ásia Central (99,6%).
A África Subsaariana apresenta o maior aumento ao longo das duas últimas décadas.
O gráfico seguinte projeta para as tendências para 2015, com base na experiência passada:
Gráfico 1 – Índices mundiais de alfabetização de adultos
Gráfico 2 – Índices de alfabetização de adultos por região (1980-2015)
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alfabetizaçãocomoliberdade
O hiato entre gêneros, em termos de alfabetização, foi reduzido em todas as regiões
e, até 2015, espera-se que essa tendência venha a se manter:
Se essas tendências e projeções inspiram uma certa medida de esperança e de
otimismo com relação aos progressos alcançados na alfabetização, os números absolutos
de analfabetos mantêm-se persistentemente altos. Os esforços de alfabetização não
acompanharam o ritmo do crescimento populacional – na Ásia Meridional e Ocidental e na
África Subsaariana, o número de analfabetos aumentou desde 1990. A tabela seguinte
compara os números de analfabetos homens e mulheres por região, para 1990 e 2000:
Fonte: Relatório de Acompanhamento Global de EPT de 2002. Anexo, Tabela 2, pg 206 a 213.
Gráfico 3 – Hiato entre gêneros em termos de alfabetização, por região (2000-2015)
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
1.2. O Impulso internacional
Nos últimos quarenta anos, os encontros internacionais vêm pedindo um maior
compromisso para com a alfabetização. A UNESCO desempenhou os papéis tanto de
facilitadora quanto de participante em muitos dos eventos listados abaixo – cada um deles
consistindo numa oportunidade não apenas de traçar o perfil da alfabetização, mas também
de engajar um círculo cada vez mais amplo de partes interessadas e de agentes nos esforços
de alfabetização.
Fonte: Relatório de Acompanhamento Global de EPT de 2002. Anexo, Tabela 2, pg 206 a 213.
31
alfabetizaçãocomoliberdade
Congresso Mundial de Ministros da Educação sobre a
Erradicação do Analfabetismo,Teerã, 1965
À época em que o Congresso Mundial de Ministros da Educação sobre a Erradicação
do Analfabetismo teve lugar em Teerã, em setembro de 1965, já havia um consenso cada
vez mais amplo, no âmbito das Nações Unidas e em todas as regiões do mundo, quanto à
necessidade de algum tipo de ação em escala mundial para tratar do problema do analfa-
betismo. Uma visão universal da empreitada alfabetizadora aliou-se à preocupação de
promover uma integração plena da alfabetização no desenvolvimento econômico e, desse
modo, nasceu o Programa Experimental de Alfabetização Mundial (EWLP). Tomando como
base o conceito de que a alfabetização era um aspecto fundamental do treinamento para o
trabalho e para o aumento da produtividade, o Programa foi lançado em 11 países, por
um período de cinco anos. O encontro de Teerã criou também o Dia Internacional da
Alfabetização, que desde então vem sendo celebrado a cada ano, no dia 8 de setembro.
Simpósio Internacional sobre Alfabetização – Perseópolis, 1975
Dez anos mais tarde, a Declaração de Perseópolis, adotada pelo Simpósio Internacional
sobre Alfabetização, consistiu num reflexo das lições aprendidas com o EWLP, e também
de enfoques mais recentes sobre a alfabetização. Embora reiterando a preocupação de que a
alfabetização mantivesse vínculos estreitos com o desenvolvimento econômico, a Declaração
acrescentou a ela dimensões políticas e econômicas, reafirmando a alfabetização como um
direito humano fundamental.
Participação, mobilização, vontade política e atenção ao contexto eclipsaram a
produtividade e o treinamento para o trabalho como conceitos norteadores. A Declaração
de Perseópolis não resultou em iniciativas subseqüentes em escala global, embora tenha servido
para reorientar o discurso acerca da alfabetização.
Ano Internacional da Alfabetização, 1990
A decisão de designar o ano de 1990 como Ano Internacional da Alfabetização (AIA)
partiu de uma iniciativa dos Estados-Membros da UNESCO, tendo sido adotada pela
Assembléia-Geral da ONU. O objetivo dessa iniciativa foi a defesa e a mobilização de
parceiros na luta por uma sociedade plenamente alfabetizada.
1
Com seu secretariado sediado
na UNESCO, o AIA desenvolveu sinergias com outros integrantes do sistema da ONU, com
ONGs e com governos nacionais. No curto espaço de um ano, o AIA concentrou esforços no
levantamento do perfil das questões relativas à alfabetização, por meio de publicações, boletins
de notícias, meios de comunicação e outros canais de fluxo de informações.
1
Limage, L. 1999. Literacy practices and literacy policies: where has UNESCO been and where might it be going? International Journal of
Educational Development 19 (1): 75-89.
Conferência Mundial sobre Educação para Todos (WCEFA), Jomtien, 1990
A WCEFA tomou como foco a educação básica mais que a alfabetização em si,
porém a alfabetização, tanto por meio da escolarização para crianças quanto de programas
não-formais para adultos, assumiu importância crucial em sua mensagem. A Conferência foi
patrocinada por cinco organismos internacionais – o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud), a UNESCO, o Fundo das Nações Unidas para a População (Fnuap),
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Banco Mundial, marcando assim
um novo enfoque multilateral à educação básica. Colocando a educação básica no contexto
da Declaração Universal dos Direitos do Homem,a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos considerou a alfabetização e a aritmética básica como os instrumentos essenciais
de aprendizagem, para que "cada pessoa – criança, jovem e adulto – possam se beneficiar das
oportunidades de ensino oferecidas para o atendimento de suas necessidades educacionais
básicas".
Quinta Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, Hamburgo, 1997
Em 1997, o Diretor-Geral da UNESCO convocou a quinta Conferência Internacional
sobre Educação de Adultos (Confintea V), a ser realizada em Hamburgo, na Alemanha,
em parceria com 13 organismos multilaterais e regionais. Uma inovação significativa desse
encontro foi a plena integração das ONGs no processo da conferência – uma indicação da
importância crucial de seu papel na aprendizagem de adultos e no trabalho de alfabetização.
A Declaração de Hamburgo daí resultante definiu a alfabetização em termos amplos, como
consistindo "no conhecimento e nas habilidades básicas necessários a todos num mundo em
rápida transformação", como "um direito humano fundamental" e como uma capacidade
necessária em si mesma, e "um dos alicerces das demais habilidades necessárias para a vida.
A alfabetização foi colocada no contexto da educação de adultos, do aprendizado por toda a
vida e da sociedade do aprendizado. O compromisso com a alfabetização articulado na
Agenda para o Futuro tomou como ponto de partida concepções mais antigas para a formu-
lação de seus três compromissos específicos: vincular a alfabetização às aspirações de
desenvolvimento social, cultural e econômico dos alunos; elevar a qualidade dos programas
de alfabetização e enriquecer o ambiente da alfabetização, através da promoção da produção
local de conhecimentos e de seu vínculo com a sociedade de conhecimento global.
Fórum Mundial de Educação, Dacar, 2000
Dentre os preparativos para o Fórum Mundial de Educação, realizado em Dacar,
no Senegal, no ano de 2000, constou o mais aprofundado dos levantamentos da situação da
educação básica já realizado até hoje. Essa avaliação deixou claro que, tanto no tocante à
alfabetização quanto a outros aspectos, as ambiciosas metas de Jomtien não haviam
sido alcançadas, embora avanços significativos tivessem ocorrido. No decorrer dos dez anos
anteriores, o índice global de alfabetização de adultos em todo o mundo havia aumentado de
32
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
75% para 80%. No entanto, o número absoluto de adultos analfabetos havia apresentado
apenas um ligeiro decréscimo, de 879 milhões para 861 milhões. O Fórum reiterou a visão
ampliada da educação básica expressa em Jomtien e estabeleceu seis metas a serem alcançadas
até 2015. No tocante à alfabetização, essas metas significavam "alcançar, até 2015, um aumento
de 50% nos níveis de alfabetização de adultos, principalmente entre mulheres, bem como
acesso igualitário à educação básica e à educação continuada para todos os adultos". Tanto
no planejamento, no financiamento e na implementação da Educação para Todos, contudo, fica
patente a tendência a dar prioridade à escolarização formal para crianças, acompanhada do
correspondente descuido da alfabetização de adultos. O Relatório de Acompanhamento
Global da Educação para Todos de 2002 ressaltou o fato de que, entre as metas de Dacar, a
alfabetização é a que menor possibilidade apresenta de ser atingida na maioria dos países –
79 países encontram-se em situação de risco, 40 deles em risco grave, quanto a não atingir
as metas de Dacar para a alfabetização.
Este panorama dos eventos e compromissos internacionais relativos à alfabetização
revela dois focos de tensão: em primeiro lugar, embora a retórica de preocupação quanto
ao enfoque da questão da alfabetização tenha se mantido forte e clara, os avanços reais
foram frustrantes – diversas metas foram estabelecidas e não cumpridas, e nenhum aumento
significativo nos investimentos foi ainda verificado. Em segundo lugar, embora a alfabetização
permaneça no cerne das atribuições da UNESCO, e a ela tenha se engajado intensamente
no processo internacional, nada disso resultou na colocação da alfabetização no centro dos
debates internacionais sobre educação. A solução desses focos de tensão, necessariamente,
fará parte de toda e qualquer ação a ser adotada no futuro.
1.3. Alfabetização: um conceito em evolução
O breve resumo dos avanços na compreensão da alfabetização apresentado a seguir
traz um rápido panorama, que pode ajudar a situar melhor as ações da UNESCO, embora de
modo algum pretenda fornecer um histórico completo do desenvolvimento da alfabetização,
quer como conceito, quer como prática. Outras publicações, algumas das quais são citadas na
lista de leituras complementares, fornecem explicações e percepções mais aprofundadas.
À época da fundação da UNESCO, a alfabetização era vista predominantemente
como a capacidade de ler, escrever e fazer cálculos aritméticos. Promover a alfabetização
significava então dar aos indivíduos a capacidade de decodificar e codificar a linguagem em
forma escrita. Os adultos, naquela época, eram tratados de modo muito semelhante a crianças,
e o processo de aprendizado espelhava a prática de sala de aula: uma relação hierárquica
entre professor e aluno, pouca participação dos alunos e um currículo que poderia ou não
ter conexão com a vida cotidiana. O papel da UNESCO, naquela época, foi, portanto, o de
possibilitar que o máximo de pessoas fossem iniciadas na leitura e na escrita, com ênfase na
leitura. Teve então início o período de campanhas de alfabetização em massa, cuja influência
pode ser sentida até os dias de hoje.
33
alfabetizaçãocomoliberdade
34
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
À medida que se tornava evidente a falta de correspondência entre o ensino da
alfabetização e as necessidades dos adultos, os governos e a UNESCO passaram a adotar, na
década de 60, uma visão mais funcional da alfabetização. A alfabetização era promovida como
uma resposta à demanda econômica, com foco nas capacidades de leitura e escrita necessárias
ao aumento da produtividade, na agricultura, na produção industrial ou em outras atividades.
O Programa Experimental de Alfabetização Mundial (EWLP), do qual a UNESCO foi um
dos principais responsáveis – representou a expressão mais clara de um enfoque funcional à
alfabetização – análises de seu impacto tendo apontado a estreiteza do enfoque daí resultante,
que não levava suficientemente em conta o contexto sociocultural e lingüístico no qual
os alunos adquiriam e usavam a alfabetização. Esse enfoque estava estreitamente vinculado
às necessidades do desenvolvimento econômico nacional, e não às necessidades dos alunos
em seus contextos locais.
Na década de 70, Paulo Freire testou novas metodologias de alfabetização, partindo
de palavras-chave que continham significados imediatos para os alunos. Essa abordagem de
conscientização enfocava a alfabetização como um processo educacional, que ensina as
pessoas a perguntar por que as coisas são como são e a tomar iniciativas autônomas no
sentido de transformá-las. Os alunos deixaram de ser vistos como meros beneficiários – como
"objetos", na terminologia de Freire – passando a ser considerados como atores e "sujeitos".
Embora a abordagem de Paulo Freire a princípio fosse vista como um metodologia de
aquisição de alfabetização, seu impacto transferiu a alfabetização da sala de aula para a arena
sociopolítica. Em 1975, a UNESCO reconheceu esses avanços, concedendo a Freire um de
seus prêmios de alfabetização. Uma outra conseqüência do pensamento de Freire foi o desen-
volvimento do conceito de alfabetização crítica, entendida como a capacidade de participar,
como cidadão atuante, de uma democracia, de criticar as práticas institucionais, de reivindicar
direitos e de desafiar as estruturas de poder. Esses elementos estão incluídos, mas vão além
do âmbito no qual a UNESCO tradicionalmente vem operando. Mesmo assim, a "alfabetização
crítica" permite uma compreensão mais profunda dos usos e abusos da alfabetização,
merecendo, portanto, ser levada em conta por todos os que trabalham em sua promoção.
A década de 80 assistiu também a outros desenvolvimentos da teoria da alfabetiza-
ção, que tomavam o método de Freire como ponto de partida. Foi estabelecida uma distinção
entre alfabetização "autônoma" e "ideológica" – autônoma significando uma capacidade inde-
pendente de valores e de contexto, e ideológica na acepção de uma prática necessariamente
definida pelo contexto político e social. A alfabetização é uma das maneiras pelas quais o
poder opera na sociedade, sendo institucionalizada em modos de escolarização e em outros
padrões estabelecidos de transmissão de conhecimento.A UNESCO não tomou partido nesse
debate. Como mostra uma análise dos Prêmios Internacionais de Alfabetização,
2
os esforços
no sentido de promover a alfabetização continuaram tanto assumindo a forma de sistemas
2
UNESCO, a ser publicado. Rewarding Literacy: a study of the history and impact of the International Literacy Prizes. UNESCO: Paris.
padronizados de transmissão, que faziam lembrar as abordagens autônomas, quanto tentando
alcançar, de forma mais ou menos inconsciente, novos modelos mais flexíveis, mas ainda sem
um reconhecimento claro de suas implicações sociais e políticas.
Uma das razões para tal foi o caráter oficial das campanhas estatais de alfabetização.
Esses programas muitas vezes eram concebidos como abordagens padronizadas, modelos
a serem aplicados de forma indiscriminada. O conteúdo dos programas de alfabetização às
vezes incluía tópicos diversos – saúde, agricultura, tecnologia apropriada, geração de renda, etc.
–mas esses conteúdos eram passados a todos da mesma maneira. Os currículos e o material
adotados tendiam a promover estereótipos quanto aos gêneros – as mulheres eram
mostradas em papéis reprodutivos e domésticos, e os homens, como provedores da família –
ou a reforçar preconceitos étnicos e culturais. Programas dessa natureza continuam a existir
em determinados locais, mas a contribuição da UNESCO, quando solicitada, hoje põe em
xeque esses métodos padronizados.
A intervenção do Estado na alfabetização teve especial proeminência nos países
socialistas, onde as considerações ideológicas levaram a altos investimentos em alfabetização
em massa. Algumas dessas campanhas tiveram êxito, pelo menos inicialmente, como, por
exemplo, em Cuba, na Nicarágua, na União Soviética e na Tanzânia. Incentivos políticos e de
outros tipos – como, por exemplo, na China, onde ser alfabetizado era condição exigida para
a obtenção de uma licença para casamento; ou a rivalidade entre aldeias, que ambicionavam
ser a primeira comunidade "totalmente alfabetizada" da região – levou a que grandes números
de pessoas freqüentassem as aulas de alfabetização. No entanto, a falta de um ambiente de
alfabetização sustentável, as mudanças de regime e o colapso do planejamento centralizado
levaram, subseqüentemente, a um declínio do uso da alfabetização.
A visão da alfabetização como um direito humano deriva diretamente da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, que, em 1948, consagrou a educação como um direito
básico. Em tempos mais recentes, esse princípio foi reafirmado de duas maneiras. Por um lado,
a alfabetização é vista como um direito em si mesma, ou como parte da educação básica –
como na Declaração de Perseópolis (1975) e em pronunciamentos de teor semelhante
originários de Jomtien (1990), da Confintea V (1997) e do Fórum Mundial de Educação (2000).
Por outro lado, o discurso desenvolvimentista, hoje em dia, endossa uma abordagem
fundamentada em direitos, como, por exemplo, na Declaração do Milênio das Nações Unidas,
de 2000. O documento de planejamento da UNESCO para o período de 2004-2005 faz da
promoção da "educação como direito humano fundamental, de conformidade com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem",o primeiro parâmetro contextual de seu trabalho.
O foco cada vez mais intenso colocado sobre as práticas de alfabetização, o uso
da alfabetização e os contextos onde ela é transmitida levou ao reconhecimento de que a
alfabetização serve a propósitos múltiplos e é adquirida de diversas maneiras. A alfabetização,
portanto, passou a ser encarada não como um conceito único, mas sim plural: as alfabetizações.
35
alfabetizaçãocomoliberdade
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Tanto nas práticas individuais de alfabetização quanto no uso comunitário da alfabetização,
sua natureza plural ficou evidente: burocrática, religiosa, pessoal, cultural, na língua materna ou
em línguas oficiais, adquirida na escola ou fora dela. Esse enfoque dá ênfase ao fato de que
a alfabetização está sempre engastada em outras realidades sociais: trabalho, família, religião,
relações com o Estado, etc. Em termos de modos de transmissão, o método das "alfabetiza-
ções reais" tentou usar os padrões locais de comunicação escrita como fontes de material
didático, como, por exemplo, cartazes de cinema, em algumas regiões da Índia.
A dimensão lingüística da alfabetização, um conceito fundamentalmente embasado na
linguagem, é um dos aspectos mais salientes das alfabetizações múltiplas. O termo "bialfabeti-
zação"
3
foi calcado em "bilingüismo" – o uso de diferentes idiomas na comunicação escrita,
da mesma forma que na comunicação oral. No entanto, como prática socialmente enraizada,
a bialfabetização não se refere apenas ao uso da linguagem, mas também a como as alfabeti-
zações em idiomas diferentes são estruturadas em termos de relações de poder, de direito
a voz, de capacitação para o exercício dos próprios direitos e de participação social.
A UNESCO, recentemente, passou a dar atenção às alfabetizações múltiplas –
o documento de planejamento para o período de 2004-2005 visa a "cultivar uma melhor
compreensão das diversas alfabetizações", através de projetos demonstrativos e de informes
sobre políticas, aliados ao desenvolvimento de "modelos sustentáveis de alfabetização e de
educação não-formal". A UNESCO reconhece que o enfoque nas alfabetizações tem conse-
qüências para seus Estados-Membros, tanto em termos da promoção da aquisição da
alfabetização quanto da execução de avaliações da alfabetização. Este último tópico ocupa
um lugar de destaque na agenda, uma vez que os métodos de avaliação da alfabetização
atualmente empregados, bem como as estatísticas geradas por eles, não são confiáveis.
O reconhecimento das alfabetizações múltiplas torna essa avaliação ainda mais complexa,
que ele implica que a condição de alfabetizado será definida de formas diferentes, dependendo
das práticas locais e do contexto sociopolítico.
De que maneira a evolução progressiva da concepção de alfabetização se refletiu no
discurso da UNESCO sobre esse tema? Os comentários gerais do Júri do Prêmio Internacional
de Alfabetização representam um registro das referências à questão da alfabetização ao longo
de um período de 35 anos (1967-2001).
4
As primeiras referências colocavam a alfabetização
no contexto do desenvolvimento em geral (1967-1971), mas, a partir de 1972, o Júri passou
a adotar, em sua linguagem, imagens militares, que incluíam expressões como "o combate
ao analfabetismo", " a batalha decisiva contra a ignorância" e "a intensificação da luta contra o
analfabetismo". Essa linguagem desapareceu na década de 80, o termo "analfabetismo" sendo
3
Ver Hornberger, Nacy, (ed.). 2003. Continua of Bilateracy: an ecological framework for educational policy, research and practice in
multilingual settings. Clevedon: Multilingual Matters.
4
As informações a seguir foram extraídas de Rewarding Literacy: a study of the history and impact of the International Literacy Prizes.
UNESCO, Paris, em preparação.
usado pela última vez em 1988, embora continuando a aparecer em citações específicas,
referentes a ganhadores do prêmio.Termos como "luz", "esclarecimento" e "empoderamento"
(empowerment) marcaram a guinada, ocorrida na década de 90, em direção a um discurso
mais positivo, embora indicando que o Júri da UNESCO ainda encarava a alfabetização em
termos de preto-e-branco – as pessoas ou eram alfabetizadas ou não eram. Atualmente, o
planejamento da UNESCO integra perspectivas mais recentes, embora não se possa dizer
o mesmo com relação a boa parte da prática de seus Estados-Membros.
O conceito e a prática da alfabetização encontram-se em evolução constante e
dinâmica, com novas perspectivas que refletem as transformações societárias, a influência da
globalização na linguagem, na cultura e nas identidades, e também a expansão das comuni-
cações eletrônicas. Em meio a esses fatos novos, dois conceitos fundamentais já se tornaram
claros. Em primeiro lugar, a alfabetização, em si, é ambígua, nem positiva nem negativa, e seu
valor depende da maneira como ela é adquirida ou transmitida e do modo como ela é usada.
Ela pode ser um fator de liberação ou, na linguagem de Paulo Freire, de domesticação.
Nesse particular, a alfabetização se vê na mesma situação que a educação em geral, quanto
a seu papel e a sua finalidade. Em segundo lugar, a alfabetização se vincula a um vasto espectro
de práticas sociais de comunicação, só podendo ser tratada paralelamente aos demais meios
de comunicação, como rádio, televisão, computadores, mensagens de texto em telefones
celulares, imagens visuais, etc. O desenvolvimento maciço das comunicações eletrônicas não
substituiu a alfabetização impressa, embora forneça um novo contexto para ela: os gráficos
assumiram um papel importante como complementação de textos; o aprendizado e a
recreação computadorizados ocupam tanto crianças quanto adultos, tomando o lugar da leitura
de livros – todos esses fenômenos vêm transformando a maneira pela qual encaramos a
alfabetização. Essas transformações têm imensas implicações quanto ao papel desempenhado
pela UNESCO com relação à alfabetização.
2. O enfoque da UNESCO
A UNESCO situa seu trabalho educacional no contexto de três grandes elementos e
de cinco funções principais:
Elementos:
1. promover inovações, divulgar informações, estabelecer diálogo entre políticas;
2. aperfeiçoar a qualidade da educação, diversificar métodos e conteúdos, promover valores;
3. promover a educação como direito humano fundamental.
Funções:
1. laboratório de idéias;
2. estabelecimento de padrões;
37
alfabetizaçãocomoliberdade
3. banco de dados;
4. construção de capacidades;
5. catalização de cooperação internacional.
Reconhecendo que tanto as práticas de alfabetização quanto um ambiente alfabetizado
se beneficiam de uma aprendizagem iniciada em idade precoce e que perdure por toda a vida,
a UNESCO vê seu papel como o de promover a aquisição de alfabetização na escolarização
primária das crianças e através de educação não-formal para jovens e adultos.
Na área da educação formal, a UNESCO trabalha visando ao fortalecimento das
oportunidades de alfabetização das crianças na escola primária, partindo da firme convicção
de que todas as crianças que freqüentam a escola devem aprender a ler e escrever, reconhecendo
que a alfabetização é um instrumento de aprendizagem de importância fundamental – a
alfabetização continua sendo essencial para o bom desempenho ao longo de todo o ciclo de
escolarização primária e secundária. Os professores desempenham um papel de importância
capital na criação de um ambiente de aprendizado que realmente ensine a ler e a escrever.
Um ambiente como esse tem que ter como objetivos:
atender às necessidades das crianças com dificuldades de leitura;
conter experiências de ensino e aprendizagem suficientes e variadas;
ter material de leitura suficiente e variado;
oferecer oportunidades para que as crianças convivam entre si e trabalhem em conjunto;
oferecer oportunidades para que as crianças se expressem oralmente e por escrito;
oferecer experiências que se apliquem aos múltiplos tipos de inteligência das crianças;
possuir uma pequena biblioteca de livros infantis.
A resposta da UNESCO se dá em duas frentes: construir capacidade de ensinar
alfabetização e reforçar o ambiente alfabetizado. Em Uganda e na Tanzânia, a UNESCO
trabalha com os atores envolvidos na área (profissionais de treinamento de professores, dire-
tores, inspetores escolares e professores), a fim de identificar tópicos de leitura e desenvolver
material para o treinamento de profissionais de treinamento, de treinamento de professores
em especial. No tocante ao desenvolvimento de bons ambientes alfabetizados para as crianças
e famílias, a UNESCO dá assistência a Burkina Faso, Guiné, Malawi, Mongólia, Namíbia,Tanzânia
e Uganda, no sentido de reforçar as políticas de desenvolvimento editorial, de promover o
diálogo entre o setor público e o privado quanto ao fornecimento de livros e de criar
mecanismos nacionais para o acompanhamento do desenvolvimento editorial. Reduzir o custo
dos livros, garantir sua qualidade, acompanhar os mecanismos de distribuição e efetuar levan-
tamentos da capacidade nacional são as principais áreas enfocadas.
Em termos históricos, a atuação da UNESCO na área da alfabetização se concentrou
na alfabetização de adultos. Esse enfoque baseia-se em duas premissas inter-relacionadas: em
primeiro lugar, a alfabetização de adultos tem impacto na geração seguinte, uma vez que ela
faz com que seja conferido à educação um alto valor comunitário, que serve de reforço à
38
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
escolarização das crianças. Em segundo lugar, a educação de adultos representa um trampolim
para a cidadania participativa, para o reforço do direito a voz na sociedade em geral e para o
fortalecimento e expressão da identidade, principalmente quando a aquisição da alfabetização
vem enraizada em propósitos educacionais mais amplos. Paralelamente a programas dirigidos
a adultos, a UNESCO reconhece a necessidade de programas especiais para adolescentes e
jovens, principalmente para meninas e jovens do sexo feminino.
A UNESCO apóia também práticas inovadoras em alfabetização e educação não-
formal.Na década de 80, por exemplo, ela deu apoio a uma série de quatro projetos operacionais
de alfabetização e educação cívica para mulheres jovens na Índia, Peru, Cabo Verde e Síria,
contendo experiências de treinamento simultâneo das mulheres e de seus filhos. Esse projeto,
na Índia, por exemplo, testou o ensino paralelo das mulheres, no turno da tarde, e de seus
filhos, no turno da manhã, alcançando um resultado interessante: os filhos dessas mulheres,
tanto os meninos quanto as meninas, matricularam-se em escolas. A natureza integrada dos
conteúdos direcionados às múltiplas responsabilidades das mulheres foi bem recebida,
resultando numa maior motivação para o aprendizado por parte das alunas. Além disso,
verificou-se um aumento de sua qualidade de vida. Elas passaram a comer melhor, a alimentar
melhor suas famílias, a contribuir mais para a renda familiar, a consultar profissionais de saúde,
a desfrutar de mais poder de decisão dentro da família e a demonstrar uma maior auto-estima.
A natureza não-formal e mais participativa do projeto fez com que a aprendizagem se tornasse
mais prazerosa.Trechos das redações infantis, como, por exemplo, poemas sobre suas bonecas
e seus sonhos, comprovaram que os interesses das crianças estavam sendo levados em conta
no planejamento do ensino oferecido a elas. Na Índia, o projeto forneceu também um
programa de equivalência, através do qual as meninas participantes do projeto tinham a
oportunidade de prestar exames de ingresso na escola primária.
A onda de reconhecimento internacional da contribuição das mulheres para o desen-
volvimento e da evidente disparidade entre os índices de alfabetização para homens e
mulheres fez com que os países direcionassem às mulheres o foco principal dos trabalhos de
alfabetização. Incontáveis projetos e atividades foram organizados e apoiados pela UNESCO
em todas as regiões, dando prioridade às mulheres como grupo. As duas décadas que se
seguiram assistiram a uma transformação do enfoque que via as mulheres como meras
beneficiárias do desenvolvimento, passando a engajá-las no papel de promotoras desse
processo. A UNESCO adotou, como o princípio básico de seu trabalho de alfabetização, o
enfoque do "empoderamento" (empowerment). Simultaneamente, a consciência cada vez maior
de que a alfabetização tem que ir além de simplesmente ensinar a ler, escrever e fazer contas,
tendo que ser articulada com todos os aspectos da vida, deu ímpeto a um enfoque integrado
da alfabetização. Com base na identificação de necessidades, os programas de alfabetização
vinculam seus conteúdos a uma ampla gama de setores estabelecidos pelos alunos e por suas
comunidades. Desse modo, o quadro dos conteúdos da alfabetização, numa comunidade rural,
poderia incluir, além de leitura, escrita e cálculos aritméticos, noções de agrotecnologia, de
saúde e nutrição, de cidadania, de pequeno comércio, de artesanato e de literatura religiosa.
39
alfabetizaçãocomoliberdade
Não há currículos fixos, uma vez que estes são configurados pelas condições, necessidades e
aspirações dos alunos. No tocante ao microcrédito, em data mais recente, a UNESCO passou
a dar apoio a atividades que integram alfabetização e educação básica através de atividades
de microcréditos, na África, na Ásia e na América Latina, partindo do pressuposto de que
as populações carentes que se beneficiam de atividades econômicas podem se tornar menos
vulneráveis a abusos.
Ao longo dos dez últimos anos, a UNESCO vem concentrando esforços nas regiões
do mundo onde as necessidades de alfabetização são maiores e nos grupos mais vulneráveis.
A África Subsaariana, os nove países de alta população (E-9) e os países menos desenvolvidos
(LDCs) continuam a figurar com destaque nos planos da UNESCO.
Em meados da década de 90, foram implementados projetos especiais envolvendo
alfabetização e educação não-formal. O Projeto Especial para Mulheres e Meninas, na África,
dá forte ênfase ao uso da pós-alfabetização, aliada a programas de rádio voltados para a melho-
ria das capacidades de lidar com a vida, para modos de ganhar sustento econômico, adquirir
sentimento de si, conhecimentos sobre saúde, higiene e HIV/Aids e para as atitudes com relação
à educação de mulheres e meninas, facilitando a reformulação de atitudes e tradições lesivas
ao sexo feminino. As principais atividades do projeto, em termos de educação não-formal,
focaliza o treinamento de pessoal visando à integração de questões de gênero no material de
leitura e nas tarefas pragmáticas de preparação desse material. O material assim produzido
apresentou respostas a questões e problemas prementes no âmbito local. Alguns exemplos
significativos desses títulos são: Pais e Mães Devem Ir à Escola; Eu, Você e a Aids; Nosso Lar;
O Melhor Remédio; Homens de Verdade; Assumir Responsabilidades; Parem com essa Violência;
Dêem Sossego às Meninas; Cultivar Tomates para Ganhar mais Dinheiro; Das Lágrimas à
Alegria; Desmascarando as Bruxas; Higiene Geral; As Mulheres e o Direito de Propriedade.
Um outro projeto especial voltado para os jovens marginalizados tratou dos novos e
singulares problemas enfrentados por esses grupos. Em 1996, a UNESCO criou seu Projeto
Especial para a Melhoria das Oportunidades de Aprendizagem e de Treinamento para os
Jovens, com o objetivo de atender às necessidades educacionais de jovens excluídos e desen-
volver programas de aprendizagem alternativos e inovadores, direcionados a suas necessidades
específicas. O Projeto Especial para a Juventude trabalhou com os recursos dos próprios
jovens marginalizados, usando suas habilidades de origem para desenvolver maneiras susten-
táveis de ganhar a vida que, por sua vez, receberam o apoio de créditos e atividades de
geração de renda. A economia popular foi identificada como a esfera econômica mais
apropriada para atender às necessidades vitais mais imediatas dos jovens marginalizados.
O projeto trabalha com os valores das culturas locais, respeitando as línguas, as práticas e as
tradições das comunidades, buscando apoiar programas educacionais que facilitem a formulação
pelos próprios jovens de soluções para sua pobreza e privação. Com base nesses princípios,
uma vasta gama de projetos foi implementada em mais de vinte países, entre eles o Egito,
a Geórgia, a Guiné, o Haiti e a Índia.
40
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Em termos dos escalões superiores, o trabalho com políticas e planejamento incluiu
conferências e seminários, por exemplo, com os países do E-9, em 1993 e 2001, e o Seminário
Internacional para a Educação de Mulheres nos Países Menos Desenvolvidos, em 1995. Esses
encontros muitas vezes resultam em diretrizes políticas ou planos de ação. A formulação de
políticas e estratégias adequadas, tratando de gênero, aprendizagem de base comunitária e
questões lingüísticas, por exemplo, recebeu o apoio de pesquisas orientadas para a ação,
no Instituto de Educação da UNESCO (IEU). A UNESCO dá atenção ao treinamento em
todos os aspectos do trabalho de alfabetização, com ênfase no apoio ao treinamento de
profissionais de treinamento, nos Estados-Membros e nas organizações da sociedade civil.
Entre as áreas enfocadas constam o planejamento, a administração e a avaliação da alfabetização
e dos programas de educação não-formal, de abordagens pedagógicas e de desenvolvimento
de material.
A UNESCO, além disso, dá especial atenção às populações minoritárias. Na década
de 80, funcionavam, em todas as regiões do mundo, projetos abrangendo populações tão
diversificadas quanto os Hmong (Vietnã e norte da Tailândia), os Dai, os Xani e os Zhuang
(China), e os Kechua (Peru). Um projeto da UNESCO operando na província montanhosa
de Ha Tuyen, no Vietnã, oferece treinamento aos jovens das minorias locais, que recebem
treinamento pré-serviço para atuarem como professores em educação não-formal. Incluídos
nesse treinamento estão métodos e técnicas de alfabetização de adultos, bem como o
desenvolvimento de conteúdos programáticos que tenham relação com as condições, as
necessidades e as aspirações desses grupos populacionais especiais. Inicialmente, esse projeto
reduziu as qualificações exigidas dos treinandos, de modo a permitir a participação de um
maior número de pessoas. Essa foi uma providência importante, uma vez que a região não
podia mais contar com os educadores vietnamitas provenientes das terras baixas, que
freqüentemente abandonavam a região devido ao clima inóspito e à dureza das condições de
vida. Esse projeto promoveu também o que hoje é conhecido como participação comunitária
na educação não-formal, uma vez que os treinandos eram parcialmente sustentados pelas
comunidades servidas por eles.
Em tempos mais recentes, abordagens mais inovadoras à alfabetização e à educação
não-formal, tais como Centros Comunitários de Aprendizagem (CCAs), vêm recebendo
atenção cada vez maior. Por meio desse processo, a aprendizagem como um processo para
toda a vida é centrada na própria comunidade, que determina o que será ensinado e como.
Desse modo, o aprendizado sustenta-se mais facilmente, uma vez que ele pertence à própria
comunidade. Em colaboração como o Centro Cultural Asiático para a UNESCO, a UNESCO
deu início a um programa de aprendizado comunitário para mulheres, em nove países da Ásia
e do Pacífico. O projeto lançou fortes raízes e vem ajudando a aumentar a qualidade dos
CCAs, por meio de treinamento de pessoal para gerenciá-los e da produção de material
didático, principalmente para mulheres e meninas.Até o presente, 21 países da região participam
do sistema. Além disso, a UNESCO vem criando condições para a divulgação e o intercâmbio
dessa experiência com países do Sul da África.
41
alfabetizaçãocomoliberdade
Um dos obstáculos mais graves ao êxito da alfabetização e do trabalho de educação
não-formal é a falta de material de leitura adequado e interessante. Em termos mais amplos,
há pouco ou nenhum ambiente alfabetizado capaz de ajudar os novos leitores a praticar suas
habilidades recém-adquiridas. A falta de um ambiente alfabetizado representou, para os países,
um pesado custo em termos de investimentos perdidos, uma vez que os novos leitores não
contam com oportunidades de fazer uso da escrita e da leitura, recaindo, em pouco tempo,
no analfabetismo. Isso, em parte, se deve a um excesso de ênfase na leitura, que negligencia
a auto-expressão através da escrita. Reconhecendo esse grave problema, a UNESCO
desencadeou um grande esforço visando à promoção do desenvolvimento de material pós-
alfabetização, por meio de workshops intensivos, nos quais os participantes aprendiam juntos
a preparar material com base nos problemas da vida real dos alunos. Freqüentemente, esse
treinamento envolvia os próprios alunos, na qualidade de "pessoas-recursos". Uma vez que a
alfabetização está intimamente ligada ao gênero, esse treinamento inclui orientação quanto a
questões de gênero, princípios de desenvolvimento e atividades de preparação de material.
Ao final de cada sessão de treinamento, cada participante terá elaborado versões preliminares
de material de pós-alfabetização. Esse material será então revisto, testado e traduzido nas
línguas locais, para serem usados nos programas de alfabetização, em escolas noturnas das áreas
rurais ou como material de leitura suplementar, nas escolas primárias. O material resultante cobre
uma ampla gama de assuntos, uma vez que novas necessidades surgem em cada localidade.
Uma lição específica aprendida com essas atividades é que, apesar das diferenças superficiais
entre os diferentes países, as questões de gênero geralmente apresentam grandes similaridades.
Tem havido também um esforço conjunto e articulado com relação ao uso das
línguas maternas na alfabetização e nos programas de educação não-formal. Recursos didáticos
para treinamento, desenvolvimento de material nas línguas maternas, protótipos de alfabetização
e pacotes de recursos técnicos para educação não-formal fazem parte das ações atualmente
em curso na UNESCO, visando à elaboração, em seminários de treinamento e workshops de
produção, de suficiente material de boa qualidade, pertinente às especificidades locais, sensível
às questões de gênero e direcionado principalmente aos grupos insuficientemente atendidos,
como mulheres e meninas e populações minoritárias ou marginalizadas. Foi dada atenção
especial a questões de maior importância, tais como o HIV/Aids, através de workshops
realizados no Sul da África e em regiões da Ásia. O centro de documentação do Instituto de
Educação da UNESCO possui uma coleção significativa de material de alfabetização em
diversos idiomas locais, onde boa parte dos países do mundo encontram-se representados.
O Centro de Documentação do Setor de Educação abriga também uma grande variedade de
recursos didáticos, tanto impressos quanto audiovisuais. Exemplos de títulos cobrindo as duas
últimas décadas são: o Estudo Temático da Educação para Todos de 2000; Alfabetização e
Educação de Adultos (2001) ; Alfabetização, a Chave para Dar mais Poder aos Agricultores
(2001); Novos Enfoques da Alfabetização: Um Guia para os Professores (2000) ; Compêndio de
Estatísticas sobre Alfabetização (1995) ; Alfabetização e Analfabetismo no Mundo: Situação,
Tendências e Perspectivas (1990), publicado pelo International Bureau of Education; Teoria e
Prática de Trabalho: Políticas, Estratégias e Exemplos (1988).
42
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
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alfabetizaçãocomoliberdade
A educação a distância também abrange a promoção da alfabetização, tanto para as
populações rurais de regiões remotas quanto para as populações nômades, como, por exemplo,
as da Mongólia. A UNESCO oferece apoio ao desenvolvimento dos conteúdos de ensino
a distância, a serem veiculados pelo rádio e televisão, bem como para a formulação de boas
estratégias de ensino, como, por exemplo, a facilitação de grupos de escuta e aprendizagem
e o apoio prestado pelos centros comunitários de aprendizagem.
O apoio político ao trabalho de alfabetização nunca pode ser dado por certo, nem
no nível nacional nem na arena internacional. A UNESCO encontra-se posicionada de forma
única para conscientizar e angariar apoio à alfabetização. Entre os trabalhos de apoio à causa
da alfabetização constam os Prêmios Internacionais de Alfabetização (a partir de 1967 até o
presente), o Prêmio de Pesquisa sobre Alfabetização, concedido a cada dois anos, a comemo-
ração do Dia Internacional da Alfabetização e, mais recentemente, da Semana de Educação de
Adultos. A UNESCO produz e distribui material de apoio à cauda da alfabetização, para uso
nessas comemorações e para a conscientização do público, inclusive vídeos (por exemplo,
Educar para Dar Poder; Alfabetização como Liberdade), um website,filmes, apresentações em
Powerpoint, broches, cartazes, cartões-postais e calendários. Alguns poucos exemplos são o
recente Alfabetização Viva (2003); Trabalhando no Campo: Aventuras de Trabalhadores em
Alfabetização (2002); e Em Busca da Alfabetização: Doze Estudos de Caso de Programas
Premiados (1999).
Uma campanha recentemente lançada vincula a Iniciativa das Nações Unidas para a
Educação de Meninas (Ungei) à Década da Alfabetização, que, em si mesma, contém um forte
componente de atividades de defesa da causa da alfabetização. Mensagens e conferências
realizadas periodicamente nos níveis internacional e regional conclamam tanto os parceiros
quanto a UNESCO a intensificar seus esforços em prol da alfabetização. Exemplos dessas
iniciativas são as mesas-redondas sobre Alfabetização e Liberdade (2002), o Alfabetização:
Vale a Pena o Investimento? (2001) e o Alfabetização para o Empoderamento e a Redução da
Pobreza (1998).
Na construção de parcerias para a alfabetização, a UNESCO desempenha um papel
crucial, na qualidade de facilitadora de redes de contatos entre governos, sociedade civil,
ONGs, setor privado e entre organizações multilaterais e outros organismos da ONU.
O papel da UNESCO é o de assegurar que essas parcerias venham reforçar os compromissos
políticos, gerar intercâmbio e cooperação profissional e mobilizar suficiente apoio para a
alfabetização, como uma das metas internacionais da educação. Entre os grupos profissionais
estão as Consultas Coletivas a ONGs sobre Educação para Todos (CCNGO/EFA) e a Rede
de Documentação e Informação sobre Educação de Adultos (Aladin). Os mecanismos políticos
incluem o grupo dos E-9, o Grupo de Trabalho da Educação para Todos e o Grupo de Alto
Nível, bem como grupos consultivos interorganismos, como parte integrante da Ungei e da
Década das Nações Unidas para a Alfabetização.
A avaliação dos avanços alcançados em todo o mundo no tocante à alfabetização é
uma tarefa complexa e multifacetada. Sistemas de manutenção de registros, de coleta e análise
de dados, de elaboração de comparações entre países e regiões e de interpretação dos
resultados têm que ser construídos e mantidos. A UNESCO executa esse trabalho de forma
direta, através de seu Instituto de Estatística (UIS), que também oferece treinamento. Em parceria
com o Instituto de Estatística, o Instituto de Educação e outros organismos, a unesco possui
projetos que visam ao aperfeiçoamento da avaliação da alfabetização, como, por exemplo,
o Projeto de Avaliação da Alfabetização, tendo em vista o possível uso de levantamentos
domiciliares. A publicação do Instituto de Educação da UNESCO, Afiando Nossos Instrumentos,
representa um recurso de grande utilidade, e o Relatório de Avaliação Global da Educação para
Todos traz uma análise anual do progresso global alcançado em termos dos objetivos de Dacar
para a alfabetização.
3. Alfabetização – um fator crucial no desenvolvimento social
A alfabetização é um fenômeno social, não podendo ser promovida no vácuo. Parte
dos esforços da UNESCO, portanto, concentra-se na compreensão das melhores maneiras de
promover a alfabetização em face das questões novas e sempre mutáveis do mundo de hoje.
A comunicação é o elemento-chave para o desenvolvimento de cooperação de todos
os tipos e em qualquer contexto, de maneira que é de importância essencial examinar de que forma
a alfabetização – comunicação através de textos – se encaixa com outras formas de comu-
nicação.A UNESCO vê esses vínculos como de importância crucial para a maior eficácia do
trabalho de alfabetização e acredita que eles exijam atenção em termos de pesquisa e de
prática. Nenhum esforço no sentido da alfabetização pode se permitir ignorar esses aspectos.
A redução da pobreza, atualmente, é o principal paradigma institucional para o desen-
volvimento de relações, no âmbito de uma estrutura engajada nos direitos humanos.
A promoção da alfabetização vincula-se integralmente a esses processos, por meio dos objetivos
da Educação para Todos e das Metas do Milênio. No entanto, as circunstâncias variam
bastante no mundo como um todo, de modo que a implementação da alfabetização tem que
se adaptar a ambientes rurais, periurbanos e urbanos, à relação com a oralidade e as chamadas
culturas "orais" e à sua relevância para a vida dos agricultores, tanto homens quanto mulheres,
e para o setor informal da economia. Os benefícios diretos da alfabetização muitas vezes se
manifestam, primeiramente, em termos de fatores intangíveis, como uma maior auto-estima,
uma mobilidade mais ampla, participação mais intensa na vida comunitária e maior respeito
pelas mulheres – fatores esses que são de importância fundamental para as iniciativas locais
de combate à pobreza e à impotência.
Dois terços dos analfabetos do mundo são mulheres – situação essa que requer
atenção urgente e direcionada. Saúde materno-infantil, o bem-estar das crianças, a probabili-
44
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
dade de as crianças virem a freqüentar a escola, a redução dos níveis de fertilidade e papéis
políticos e produtivos de maior relevo na sociedade – tudo isso ganha maior expressão através
de melhores oportunidades de alfabetização e de outras formas de aprendizado. Há, contudo,
a necessidade de compreender melhor as barreiras à alfabetização das mulheres e, na
formulação de cada programa, deve ser dada atenção à situação específica, para que esses
programas sejam acessíveis e apropriados às mulheres. Meninas que não freqüentam escolas
e adolescentes do sexo feminino poderiam se beneficiar da alfabetização, obtendo nela
motivação e a esperança de uma vida melhor. Mecanismos de transmissão que enfoquem
especificamente as mulheres e material e pedagogia que sejam sensíveis às questões de gênero
farão parte da abordagem direcionada a todos os alunos – tanto de sexo masculino quanto
de sexo feminino.Tanto os homens quanto as mulheres, suas famílias e suas comunidades irão
se beneficiar dessa ênfase.
A escolarização deve fornecer a cada criança habilidades de alfabetização auto-
sustentáveis, como aspecto fundamental da qualidade da educação. Os vínculos entre a
educação de adultos e a escolarização de crianças já estão claros – numa comunidade de
aprendizado, onde tanto adultos quanto crianças tenham acesso a oportunidades de educação,
as ligações entre a escola e a comunidade são fortalecidas. Os métodos e o material de
alfabetização de adultos podem contribuir para o aprendizado das crianças, e as identidades
culturais podem ser fortalecidas pelas alfabetizações locais, que trazem o conhecimento local
para dentro do currículo escolar.
A alfabetização trata do conhecimento – sua criação, estocagem, recuperação, trans-
missão e uso – conhecimento proveniente dos ambientes locais e conhecimento proveniente
de outras partes do mundo, associados, ambos, à comunicação global. Numa era onde as
comunicações eletrônicas instantâneas fornecem o arcabouço no qual operam as estruturas
sociais e políticas, o papel da alfabetização, tanto em termos do diálogo global quanto da
validação das culturas locais, é de extrema importância. A alfabetização pode e deve servir
como expressão dos valores humanos universais, e também das identidades locais e das etnias.
A alfabetização – no papel ou na tela do computador; manuscrita, datilografada ou impressa;
em livro, panfleto, cartaz ou impresso – tem que servir a ambos os objetivos e estar disponível
a todos, e não apenas conferir poder a uns para ser exercido na dominação de outros.
O contexto cultural dá forma à alfabetização: uma das principais lições extraídas
da promoção da alfabetização de adultos nos últimos anos é que quanto mais próximo e
mais relacionado com as circunstâncias de vida dos alunos for um programa de alfabetização,
maior será sua eficácia. A sensibilidade ao contexto cultural local deve servir como base para
a formulação do material, representando os valores, as relações, as circunstâncias físicas, a
história, a dinâmica entre gerações e a herança cultural intangível das comunidades locais. Os
modos de aprendizagem – as relações entre animador e aluno, o ambiente de aprendizagem,
o horário, os modos de avaliar os progressos alcançados – devem refletir os padrões locais,
enviando aos alunos a mensagem de que o aprendizado pertence a eles.
45
alfabetizaçãocomoliberdade
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
A alfabetização é uma atividade que tem como base a linguagem, de modo que
a escolha do(s) idioma(s) em que a alfabetização irá ocorrer terá como conseqüência a
ampliação ou a limitação do acesso à alfabetização, e o uso da alfabetização irá promover
ou marginalizar o uso desses idiomas. O aprendizado inicial deve ser feito na língua materna ou
na língua que o aluno domina melhor, com o acréscimo posterior de novos idiomas, se
necessário. A maioria das situações de alfabetização exigem uma abordagem multilíngüe,
reconhecendo que as pessoas usam as alfabetizações em diferentes idiomas, para fins diferentes.
A alfabetização multilíngüe deve tomar como padrão o idioma oral existente, planejando o
aprendizado com base nele.
5
O HIV/Aids representa um imenso desafio, que a promoção da alfabetização deve
ajudar a enfrentar: embora a Aids não reconheça nem pobres nem ricos, quando ela afeta os
pobres, o tratamento nem sempre está disponível e a prevenção é mais problemática. O papel
da educação é da maior importância – combater tabus, estereótipos e informações equivo-
cadas, permitir que ocorra um diálogo aberto e desenvolver material que leve em conta a
cultura.A aquisição de alfabetização como processo educacional e como acontecimento social
é uma arena para o combate à HIV/Aids junto a todos o que são afetados pela doença:
pacientes e profissionais de saúde, bem como a sociedade em geral.
As muitas situações de conflito, emergência e de povos expulsos e refugiados apre-
sentam desafios particulares: como fazer que a alfabetização continue nessas circunstâncias, e
o que fazer para que ela tenha razão de ser? Por exemplo, que conteúdos levar a soldados
desmobilizados? Que idiomas usar com refugiados banidos de sua terra? Que materiais
poderiam ser usados quando a infra-estrutura e as linhas de abastecimento foram destruídas?
Essas situações exigem esforços especiais, tanto no sentido de adaptar o enfoque de maneira
correta quanto de fornecimento rápido dos recursos necessários (animadores, locais de
aprendizado, material). De que modo a alfabetização pode ser combinada com reabilitação
física e psicológica e com a reintegração na sociedade? Cada situação imporá uma resposta
diferente a essas perguntas, exigindo criatividade de pensamento e de ação.
A alfabetização é um dos instrumentos que podem conferir maior voz e participação
nos processos políticos, contribuindo assim para a paz, a democracia e para uma cidadania
atuante. Dada a natureza ambígua da alfabetização, já mencionada anteriormente, a alfabeti-
zação pode também resultar na situação oposta: domesticação e doutrinação. Para que a
alfabetização venha a ser útil para a criação de abertura e de democracia, o modo pelo qual
ela é adquirida – como, por exemplo, ênfase igual na escrita e na leitura – e os modelos
sociais de prática de alfabetização devem incluir a auto-expressão, o diálogo e o debate, bem
como leitura crítica e percepção dos diversos pontos de vista.
5
Cf. UNESCO Position Paper. Education in a Multilingual World. Outubro de 2002.
47
alfabetizaçãocomoliberdade
A alfabetização é parte integrante da expressão espiritual e religiosa,e a espiritualidade,
freqüentemente, é um fator poderoso na formulação de decisões e iniciativas, conferindo
senso de poder e esperança.
6
A alfabetização muitas vezes é associada a práticas religiosas,
como aprendizado, auto-expressão coletiva ou devoção pessoal. A alfabetização deve assumir
um caráter holístico, oferecendo oportunidades para a expressão espiritual e religiosa e, ao
mesmo tempo, permitindo que essas práticas sejam informadas por outros usos que podem
ser dados à alfabetização.
A alfabetização na primeira infância e na família é um aspecto importante de uma
sociedade de aprendizado e de um ambiente alfabetizado. A promoção das alfabetizações na
família e a vinculação dos esforços alfabetizadores aos cuidados dispensados à primeira
infância e às políticas de desenvolvimento voltadas a ela contribuirão para que seja lançada
uma base sólida para o aprendizado das crianças, aumentando sua capacidade de assimilar e
processar informações e de redigir de forma criativa, gerando nelas, também, o sentimento de
que a aprendizagem é uma prática para a vida toda.
É muito comum que os programas de alfabetização sejam concebidos como pacotes
padronizados, a serem transmitidos em sala de aula. Experiências recentes, contudo, mostraram
que a atenção dada aos métodos de ensino gera dividendos, no sentido de estimular o real
aprendizado na idade adulta. Com base em inovações recentes, tais como "as alfabetizações
reais" (mencionadas acima) e os diversos enfoques derivados do desenvolvimento participatório
(por exemplo, o "Reflect"), o aprendizado da alfabetização tem que ser reformulado, contando
com as contribuições dos alunos e centrando-se nas reais necessidades de aprendizado
verificados no nível local. Muitos desses métodos dependem do treinamento adequado e
do acompanhamento do desempenho em serviço dos animadores e professores de alfabetização
de adultos. Essa atividade de acompanhamento, entretanto, costuma ser negligenciada no
planejamento dos investimentos governamentais. Longe de ser um acréscimo às funções de
professores de escola primária, de instrutores religiosos ou de assistentes sociais, a facilitação
da alfabetização de adultos é uma atividade que requer treinamento específico.
À medida que as pessoas adquirem treinamento vocacional ou capacidades práticas,
dotadas de valor de mercado, o que o fator alfabetização passa então a significar? O uso da
alfabetização é necessário em inúmeras atividades produtivas, tendo como base tanto o
trabalho manual quanto o trabalho com informação. No entanto, alguns tipos de treinamento
vocacional, particularmente os que visam às chamadas atividades geradoras de renda,
costumam ser motivados pela oferta, e não pela demanda, sendo, portanto, de pouco valor
prático. A alfabetização não deve ter seu valor nem exagerado nem subestimado, em termos
de sua utilidade como parte desse treinamento. É necessário o desenvolvimento de políticas
6
CF. Ver Beek, Kurt A. 2002. Spirituality: a development taboo. In Eade, Deborah (ed). 2002. Development and Culture. Oxford: Oxfam.
pp.60-77.
48
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
nacionais flexíveis e, o que talvez seja de importância ainda mais crucial, operando no nível
dos empregadores e dos locais e instituições de trabalho, em cooperação com os fornecedores
de treinamento.
4. Desafios e oportunidades futuras
É de importância capital que os esforços alfabetizadores sejam implementados sobre
uma base sólida de compreensão e compromisso, e que as reais necessidades dos alunos do
mundo de hoje sejam atendidas através de medidas corretas, praticáveis e pragmáticas.
Falar da "sociedade do conhecimento" sugere que a empreitada humana, cada
vez mais, se caracteriza pela criação, pela estocagem e pela transmissão e uso do
conhecimento e da informação. Embora isso seja verdadeiro para as regiões mais
ricas e para os segmentos mais privilegiados da população dos países mais pobres,
esse fato não se aplica aos milhões de pessoas que não possuem nem os meios nem
a infra-estrutura para auferir benefícios da "revolução digital". Em face desse abismo
digital, quais seriam os tipos de alfabetização capazes de conferir maior poder às
pessoas? De que maneira as novas "alfabetizações eletrônicas" poderiam ser aliadas
às práticas mais antigas de alfabetização, para que esse abismo seja transposto? Que
vínculos têm que ser criados pelos alfabetizadores, para que sejam dadas às pessoas
mais carentes oportunidades máximas de entrar em contato e de fazer uso produtivo
da mídia digital?
A alfabetização tem apenas o valor do uso que a ela for dado – fato esse que
significa dar atenção a seu uso no contexto local, onde a percepção intuitiva dos
alunos serve de orientação à formulação dos programas. O uso local da alfabetização
não é estático, e permitirá que as pessoas venham acessar alfabetizações de outros
tipos – em outros idiomas, em outros meios, em novos contextos institucionais. Que
tipos de instituições locais serão capazes de levar adiante esse processo? A promoção
da alfabetização traz necessariamente à tona questões quanto aos modos de governo
e à descentralização: quais seriam as melhores estruturas e modos de governo para
assegurar espaço suficiente aos processos decisórios locais? Que tipos de estrutura e
de recursos os governos centrais deveriam fornecer, a fim de facilitar as alfabetizações
necessárias?
Os esforços importantes no sentido da alfabetização serão fruto de cooperação
multidimensional – entre comunidades, governos, sociedade civil e ONGs, setor
privado e indivíduos. Que fóruns serão necessários para facilitar o diálogo entre
esses parceiros? Que tipos de espaços sociais podem ser criados para assegurar
que a alfabetização se ligue de forma produtiva a outras esferas da atividade
humana?
49
alfabetizaçãocomoliberdade
A Década das Nações Unidas para a Alfabetização, no contexto dos esforços inter-
nacionais visando a implementar a Educação para Todos, representa uma arena onde
recursos podem ser angariados: verbas, conhecimentos especializados, intercâmbio de
experiências, construção de capacidade. Cada uma das metas da Educação para Todos
implica níveis suficientes de alfabetização, que permitam a qualidade dos resultados
de aprendizagem, em todas as idades. De que maneira pode ser gerado impulso
suficiente em relação à alfabetização nos fóruns da Educação Para Todos? Uma das
primeiras medidas a serem adotadas pela Década terá que ser a formulação de
estratégias praticáveis, para a implementação sustentável dos esforços alfabetizadores
nos níveis nacional e regional, contando com apoio internacional.
Nos anos mais recentes, a alfabetização vem sendo o filho rejeitado dos esforços
educacionais, recebendo minúsculas quantias de financiamento nacional e interna-
cional, se comparadas aos investimentos feitos nos sistemas escolares.Tanto em nível
nacional e regional quanto no internacional, as necessidades da alfabetização têm que
ser custeadas de forma realista, levando em conta o fato de que o trabalho de
alfabetização requer um sistema flexível de financiamento e de provisão de recursos.
A UNESCO e seus parceiros reconhecem o valor estratégico dos investimentos em
alfabetização, tanto para os adultos que atualmente estão se alfabetizando quanto
para as oportunidades educacionais da próxima geração.Verbas para a alfabetização
muitas vezes foram negadas em razão de não haver um sistema claro para sua
canalização – mas essa não pode ser uma desculpa para o não-desenvolvimento
de meios inovadores, flexíveis e corretos para a canalização dos recursos necessários
até o local onde a alfabetização é adquirida e utilizada.
5. Uma nova visão da alfabetização
A alfabetização contribui para a liberdade e para a igualdade, sendo parte integrante
de um projeto social que tem como objetivo uma sociedade mais justa e mais eqüitativa.
Os sistemas de governo livres e democráticos exigem canais de comunicação abertos e
apropriados. Nenhuma sociedade pode funcionar no mundo de hoje sem a dimensão escrita
da comunicação – texto sobre papel, na tela do computador, na televisão, acoplado a imagens
e ícones de toda a espécie. A alfabetização pode ser mais ou menos importante com relação
à comunicação visual e oral, mas ela é uma parte inevitável da vida no mundo atual. Em seu
livro Desenvolvimento como Liberdade,
7
Amartya Sen afirma repetidamente que a expansão
da alfabetização, em especial entre as mulheres, tem um efeito positivo sobre suas aspirações
básicas, tais como expectativa de vida e voz política.
7
Sen, Amartya. 1999. Development as Freedom. Oxford: Oxford University Press.
50
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Para a UNESCO e seus demais parceiros na promoção da alfabetização, as ações
pragmáticas têm que ser embasadas por uma visão – a visão de pessoas usando a comunicação
escrita de maneira que reforcem seu lugar na sociedade, dêem expressão a sua identidade,
facilitem o aprendizado e permitam diálogo aberto e respeitoso com os vizinhos da aldeia
local e da aldeia global. Isso implica múltiplos ambientes alfabetizados que sejam auto-sustentáveis
e entrelaçados, permitam a participação de todos e conduzam a:
alfabetização para a participação democrática: "voz para todos";
alfabetização para a realização de potencial: "educação para todos";
alfabetização para a expressão e o compartilhamento de identidades
e conhecimentos: "alfabetizações criativas e recíprocas".
EDUCAÇÃO DE ADULTOS
ALGUMAS REFLEXÕES*
PAULO FREIRE
No Brasil e em outras áreas da América Latina, a Educação de Adultos viveu um
processo de amadurecimento que veio transformando a compreensão que dela tínhamos poucos
anos atrás.A Educação de Adultos é melhor percebida quando a situamos hoje como Educação
Popular.Tratemos de comentar esta transformação que, a nosso ver, indica os passos
qualitativos da experiência educativa refletida por inúmeras pessoas/grupos latino-americanos.
O conceito de Educação de Adultos vai se movendo na direção da Educação Popular
na medida em que a realidade começa a fazer algumas exigências à sensibilidade e à
competência científica dos educadores e das educadoras. Uma destas exigências tem que
ver com a compreensão crítica dos educadores do que vem ocorrendo na cotidianidade do
meio popular. Não é possível a educadoras e educadores pensar apenas os procedimentos
didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos grupos populares. Os próprios conteúdos
a serem ensinados não podem ser totalmente estranhos àquela cotidianidade. O que acontece,
no meio popular, nas periferias das cidades, nos campos – trabalhadores urbanos e rurais
reunindo-se para rezar ou para discutir seus direitos –, nada pode escapar à curiosidade
arguta dos educadores envolvidos na prática da Educação Popular.
A Educação de Adultos, virando Educação Popular, tornou-se mais abrangente.
Certos programas como alfabetização, educação de base em profissionalização ou em saúde
primária são apenas uma parte do trabalho mais amplo que se sugere, quando se fala em
Educação Popular.
Educadores e grupos populares descobriram que Educação Popular é, sobretudo, o
processo permanente de refletir a militância; refletir, portanto, a sua capacidade de mobilizar
em direção a objetivos próprios. A prática educativa, reconhecendo-se como prática política,
se recusa a deixar-se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes.
Lidando com o processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada em possibilitar o
ensino de conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização.
Neste sentido, a Educação Popular, de corte progressista, democrático, superando o
que chamei, na Pedagogia do Oprimido, "educação bancária", tenta o esforço necessário de ter
no educando um sujeito cognoscente, que, por isso mesmo, se assume como um sujeito em
busca de, e não como a pura incidência da ação do educador.
51
alfabetizaçãocomoliberdade
*FREIRE, P. Educação de adultos: algumas reflexões. In: _____.Política e educação. São Paulo: Cortez, 1993. p. 27-30.Tal publicação se deve a cessão
de direitos por parte de Ana Maria Araújo Freire, detentora dos mesmos.
52
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Dessa forma são tão importantes para a formação dos grupos populares certos con-
teúdos que o educador lhes deve ensinar quanto a análise que eles façam de sua realidade
concreta. E, ao fazê-lo, devem ir, com a indispensável ajuda do educador, superando o seu saber
anterior, de pura experiência, feito por um saber mais crítico, menos ingênuo. O senso comum
só se supera a partir dele e não com o desprezo arrogante dos elitistas por ele.
Preocupada seriamente com a leitura crítica do mundo, não importa inclusive que
as pessoas não façam ainda a leitura da palavra. A Educação Popular, mesmo sem descuidar a
preparação técnico-profissional dos grupos populares, não aceita a posição de neutralidade
política com que a ideologia modernizante reconhece ou entende a Educação de Adultos.
Respeitando os sonhos, as frustrações, as dúvidas, os medos, os desejos dos educandos,
crianças, jovens ou adultos, os educadores e educadoras populares têm neles um ponto de
partida para a sua ação. Insista-se, um ponto de partida e não de chegada.
Crianças e adultos se envolvem em processos educativos de alfabetização com
palavras pertencentes à sua experiência existencial, palavras grávidas de mundo. Palavras e temas.
Assim compreendida e posta em prática, a Educação Popular pode ser socialmente
percebida como facilitadora da compreensão científica que grupos e movimentos podem e
devem ter acerca de suas experiências. Esta é uma das tarefas fundamentais da educação
popular de corte progressista, a de inserir os grupos populares no movimento de superação
do saber de senso comum pelo conhecimento mais crítico, mais além do "penso que é", em
torno do mundo e de si no mundo e com ele. Este movimento de superação do senso comum
implica uma diferente compreensão da História. Implica entendê-la e vivê-la, sobretudo vivê-
la, como tempo de possibilidade, o que significa a recusa a qualquer explicação determinista,
fatalista da História. Nem o fatalismo que entende o futuro como a repetição quase inalterada
do presente, nem o fatalismo que entende o futuro como algo pré-dado. Mas o tempo histórico,
sendo feito por nós e refazendo-nos enquanto fazedores dele. Daí que a Educação Popular,
praticando-se num tempo-espaço de possibilidade, por sujeitos conscientes ou virando
conscientes disto, não possa prescindir do sonho.
É preciso mesmo brigar contra certos discursos pós-modernamente reacionários,
com ares triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo
oportunista e negador da Utopia.
É possível vida sem sonho, mas não existência humana e História sem sonho.
A dimensão global da Educação Popular contribui, ainda, para que a compreensão geral do
ser humano em torno de si como ser social seja menos monolítica e mais pluralista, seja menos
unidirecionada e mais aberta à discussão democrática de pressuposições básicas da existência.
Esta vem sendo uma preocupação que me tem tomado todo, sempre – a de me
entregar a uma prática educativa e a uma reflexão pedagógica fundadas ambas no sonho por
um mundo menos malvado, menos feio, menos autoritário, mais democrático, mais humano.
A DÉCADA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALFABETIZAÇÃO:
EDUCAÇÃO PARA TODOS
Plano de Ação Internacional; Implementação da Resolução nº 56/116,
da Assembléia Geral.Relatório do Secretário-Geral da ONU - Kofi Annan
Resumo
O Secretário-Geral, por meio do presente documento, encaminha o relatório do
Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO),
de conformidade com a Resolução nº 56/116 da Assembléia-Geral, de 19 de dezembro de
2001, intitulada "A Década das Nações Unidas para a Alfabetização: Educação para Todos".
O relatório apresenta o Plano de Ação da Década das Nações Unidas para a Alfabetização:
Educação para Todos, consistindo de recomendações para o sucesso da implementação
dessa Década.
Em sua Resolução nº 56/116, a Assembléia Geral proclamou o período entre 2003-
2012 como a Década das Nações Unidas para a Alfabetização, com o objetivo de levar educação
a todos. Nessa Resolução, a Assembléia levou em conta a proposta preliminar e o plano
para uma Década das Nações Unidas para a Alfabetização (A/56/114 e Ad. 1 – E/2001/93 e
Ad. 1), que havia sido solicitado por ela, por meio da Resolução nº 54/122, decidindo que
a UNESCO deveria assumir o papel de coordenação, no incentivo e na catalisação das atividades
em nível internacional no âmbito da Década.
A minuta do Plano de Ação foi desenvolvida de conformidade com o parágrafo 11
da Resolução nº 56/116, no qual a Assembléia Geral solicitou ao Secretário-Geral que, em
cooperação com o Diretor-Geral da UNESCO, coletasse junto aos governos e às organizações
internacionais afetas à questão comentários e propostas sobre o plano preliminar para a
Década, de modo a desenvolver e executar um plano de ação direcionado e pragmático, a ser
submetido à Assembléia em sua qüinquagésima sétima sessão.
Introdução
A Assembléia Geral, em sua qüinquagésima sexta sessão, adotou a Resolução nº 56/116,
intitulada "Década das Nações Unidas para a Alfabetização para Todos", na qual proclamou
o período entre 2003-2012 como a Década das Nações Unidas para a Alfabetização, com o
objetivo de levar educação a todos. A proposta de uma Década das Nações Unidas para a
Alfabetização foi apresentada na qüinquagésima quarta sessão da Assembléia (ver Resolução
53
alfabetizaçãocomoliberdade
54
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
nº 54/122), endossada na mesa-redonda reunida no Fórum Mundial de Educação, realizado
em Dacar, em 2000, e reiterada pela Assembléia, em sua sessão especial, realizada em Genebra,
em 2000. A proclamação da Década das Nações Unidas para a Alfabetização pela Assembléia,
em sua qüinquagésima sexta sessão, foi saudada pela Comissão de Direitos Humanos, em
sua Resolução nº 23/2002, de 22 de abril de 2002, sobre o direito à educação.
No preâmbulo à sua Resolução nº 56/116, a Assembléia Geral afirma estar convencida de
que a alfabetização é de importância crucial para a aquisição, por todas as crianças, jovens e
adultos, de habilidades essenciais para a vida, que os capacitem a enfrentar os desafios que eles
podem vir a encontrar na vida, representando um passo essencial para a educação básica,
que consiste num meio indispensável para a participação efetiva nas sociedades e nas economias
do século 21. A Resolução apóia também o conceito de alfabetização para todos, em sua reafir-
mação de que a alfabetização para todos encontra-se no cerne da educação básica para todos,
e de que a criação de ambientes e sociedades alfabetizados é de importância essencial para
os objetivos de erradicação da pobreza, de redução da mortalidade infantil, de contenção do
crescimento populacional, de consecução da igualdade entre os gêneros e de estabelecimento
de um desenvolvimento sustentável, da paz e da democracia. A Década das Nações Unidas
para a Alfabetização, como parte integrante da Educação para Todos, irá fornecer tanto uma
plataforma quanto o impulso para a consecução de todos os seis objetivos do Marco de Ação
de Dacar.
1
Os seis objetivos de Dacar
1. Expansão e aprimoramento da assistência e educação da primeira infância, especialmente para as
crianças mais vulneráveis e desfavorecidas.
2. Garantir que em 2015 todas as crianças, especialmente meninas, crianças em situações difíceis e
crianças pertencentes a minorias étnicas, tenham acesso a uma educação primária de boa qualidade,
gratuita e obrigatória, e possibilidade de completá-la.
3.. Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam satisfeitas
mediante o acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada e a programas de capacitação para a vida.
4. Atingir, em 2015, 50% de melhora nos níveis de alfabetização de adultos, especialmente para as mulheres,
e igualdade de acesso à educação fundamental e permanente para todos os adultos.
5.. Eliminar, até 2005, as disparidades existentes entre os gêneros na educação primária e secundária
e, até 2015, atingir a igualdade de gêneros na educação, concentrando esforços para garantir que as
meninas tenham pleno acesso, em igualdade de condições, à educação fundamental de boa qualidade
e que consigam completá-la.
6. Melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar a excelência de todos, de modo
que resultados de aprendizagem reconhecidos e mensuráveis sejam alcançados por todos, especialmente
em alfabetização, cálculo e habilidades essenciais para a vida.
8
FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO. Dacar, Senegal, 26-28 abr. 2000. Relatório Final: anexo II. Paris: UNESCO, 2000.
A alfabetização é o elemento comum que une esses seis objetivos. De fato, a aquisição
por todos de habilidades de alfabetização estáveis e sustentáveis permitirá que as pessoas
participem ativamente, no decorrer de toda a vida, de todo um espectro de oportunidades
de aprendizado.A alfabetização para todos constitui-se a base do aprendizado por toda a vida
para todos, e da aquisição de poder pelos indivíduos e por suas comunidades.
O plano de ação parte de uma proposta e de um plano preliminares para uma
Década das Nações Unidas para a Alfabetização (A/56/114 e Ad. 1-E/2001/93 e Ad. 1) e
articula os requisitos essenciais e os focos de ação, visando ao êxito da implementação da
Década da Alfabetização, como impulso aos esforços no sentido de alcançar a Educação para
Todos. Esse plano tem como objetivo dar incentivo às medidas tomadas pelos governos
nacionais, pelas comunidades locais, por indivíduos, organizações não-governamentais (ONGs),
universidades, organizações públicas e privadas e pela sociedade civil, em sua coalizão ampla.
Um outro objetivo é mobilizar os organismos internacionais e os governos nacionais, no
sentido de forjar compromissos globais.
1. Alfabetização para todos: a visão
Nas rápidas transformações que caracterizam a sociedade do conhecimento dos
dias atuais, o uso progressivo de novos e inovadores meios de comunicação faz com que
as exigências em termos de alfabetização estejam em expansão constante. Para sobreviver no
mundo globalizado de hoje, tornou-se necessário, para todos, aprender novas habilidades e
desenvolver a capacidade de localizar, avaliar e usar informações de forma eficiente e múltipla.
Como ressaltado no parágrafo 8º da proposta e plano preliminar para uma Década das
Nações Unidas para a Alfabetização, "As políticas e os programas de alfabetização, atualmente,
exigem que se vá além da visão limitada da alfabetização que foi dominante no passado.
A alfabetização para todos requer uma nova visão da alfabetização..."
A visão a ser empregada na Década da Alfabetização situa a Alfabetização para Todos no
cerne da Educação para Todos. A alfabetização é de importância central para todos os níveis
educacionais, em especial para a educação básica, e para todos os modos de transmissão –
formais, não-formais e informais. A Alfabetização para Todos abrange as necessidades educa-
cionais de todos os seres humanos, em todos os ambientes e contextos, no Norte e no Sul,
nas áreas urbanas e rurais, incluindo tanto os que freqüentam escolas quanto os que se encontram
fora delas, adultos e crianças, meninos e meninas, homens e mulheres.
A Alfabetização para Todos tem que tratar das necessidades de alfabetização do indi-
víduo, bem como as da família, da alfabetização no trabalho e na comunidade, e também na
sociedade e na nação, em sintonia com os objetivos do desenvolvimento econômico, social e
cultural de todos os povos, em todos os países. A Alfabetização para Todos só será alcançada
de fato quando ela for planejada e implementada nos contextos locais de idioma e cultura,
55
alfabetizaçãocomoliberdade
assegurando a eqüidade e a igualdade entre os gêneros, atendendo às aspirações educacionais
das comunidades e dos grupos locais. A alfabetização tem que estar relacionada com as várias
dimensões da vida pessoal e social, e também com o desenvolvimento. Desse modo, os
esforços no sentido da alfabetização devem estar articulados a um conjunto amplo de políti-
cas econômicas, sociais e culturais, perpassando múltiplos setores. As políticas de alfabetização
devem também reconhecer a importância da língua materna na aquisição de alfabetização e
criar condições para a alfabetização em idiomas múltiplos, sempre que necessário.
2. Grupos prioritários
A Alfabetização para Todos concentra seu foco num espectro de grupos prioritários.
Nos países do Sul, particularmente, a alfabetização das mulheres deve ser providenciada com
urgência. Os grupos populacionais prioritários a serem atendidos são:
jovens e adultos não-alfabetizados, principalmente mulheres que não puderam
adquirir as habilidades necessárias para fazer uso da alfabetização em benefício de seu
desenvolvimento pessoal e para melhorar sua qualidade de vida;
crianças e jovens que se encontram fora da escola, em especial meninas, adolescentes do
sexo feminino e mulheres jovens;
crianças que freqüentam a escola, mas não tem acesso a ensino de qualidade, para
que elas não venham a se somar ao contingente de adultos não-alfabetizados.
Dentre os grupos prioritários mencionados acima, alguns, em situação de maior
desvantagem, exigem atenção especial, principalmente as minorias lingüísticas e étnicas, as
populações indígenas, os migrantes, os refugiados, as pessoas portadoras de deficiências,
os idosos e as crianças em idade pré-escolar – em especial aquelas que têm pouco ou nenhum
acesso a cuidados e educação no decorrer dos primeiros anos da infância.
3. Resultados esperados
Os governos nacionais, as autoridades locais, os organismos internacionais e todas as
partes interessadas devem assegurar que, ao final da Década da Alfabetização, a vertente de
Alfabetização para Todos da Educação para Todos tenha atingido os seguintes resultados:
a) Progressos significativos em direção aos objetivos 3, 4 e 5 de Dacar para 2015,
principalmente um aumento palpável nos números absolutos de pessoas alfabetizadas
entre:
56
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
– Mulheres – acompanhado por uma redução das disparidades entre os gêneros;
– Bolsões excluídos nos países que, nos demais aspectos, são vistos como possuindo
altos níveis de alfabetização;
– Regiões com os maiores níveis de carência, entre elas, a África Subsaariana, o sul da
Ásia e os países do E-9;
b) Obtenção, por todos os estudantes, inclusive as crianças que freqüentam escolas,
de um nível de domínio no aprendizado de leitura, escrita, aritmética, pensamento
crítico, valores positivos de cidadania e outras habilidades de capacitação para a vida;
c) Ambientes dinâmicos e alfabetizados, principalmente nas escolas e nas comunidades
dos grupos prioritários, de modo a que a alfabetização seja mantida e ampliada para
além da Década da Alfabetização;
d) Melhor qualidade de vida (redução da pobreza, aumento da renda, melhoria da
saúde, maior participação, conscientização sobre cidadania e sensibilidade para
questões de gênero) entre os que participaram dos diversos programas educacionais
abrangidos pela Educação para Todos.
4. Principais estratégias
A fim de alcançar os resultados acima citados, o processo de implementação da
Década da Alfabetização tem que se centrar nas seguintes medidas, vistas como estratégias
principais, que são de importância fundamental para a consecução e a manutenção dos
resultados, mas que, atualmente, costumam ser negligenciadas:
a) colocar a alfabetização no centro de todos os níveis dos sistemas educacionais
nacionais e de todos os esforços visando ao desenvolvimento;
b) adotar uma abordagem dupla, conferindo igual importância tanto às modalidades
de educação formal quanto às de educação não-formal, criando sinergia entre elas;
c) promover, nas escolas e nas comunidades, um ambiente que propicie os usos da
alfabetização e uma cultura de leitura;
d) assegurar a participação comunitária nos programas de alfabetização, bem como a
apropriação desses programas pelas comunidades;
e) construir parcerias em todos os níveis, particularmente em nível nacional, entre
governo, sociedade civil, setor privado e comunidades locais; e também nos níveis
sub-regional, regional e internacional;
57
alfabetizaçãocomoliberdade
f) desenvolver, em todos os níveis, processos sistemático de acompanhamento e avali-
ação, embasados por resultados de pesquisa e bases de dados.
5. Principais áreas de ação
Para que a implementação da Década da Alfabetização para Todos alcance êxito, as
principais estratégias acima mencionadas devem ser efetivamente postas em funcionamento,
em todos os níveis, através de medidas coordenadas e complementares entre si.As principais áreas
de ação são políticas, modalidades de programas, construção de capacidades, pesquisa, partici-
pação comunitária e acompanhamento e avaliação. Deve ser ressaltado que todas essas medi-
das devem tratar da perspectiva da igualdade entre os gêneros, em todas as suas ramificações.
Políticas
Desenvolver um ambiente de formulação de políticas, abrangendo comunidades,
setores, órgãos e ministérios, que dê preponderância à promoção da alfabetização, através
da adoção das seguintes medidas:
a) Desenvolver uma estrutura de políticas e sistemas de incentivo que assegurem
colaboração ministerial, bem como métodos de financiamento, a fim de fortalecer os
programas de alfabetização na educação formal, não-formal e informal, explicitando
os papéis a serem desempenhados pelo setor privado, pela sociedade civil e por
indivíduos;
b) Engajar as comunidades (inclusive organizações de base comunitária, famílias e
indivíduos), as organizações da sociedade civil, as universidades e os institutos de
pesquisa, os meios de comunicação de massa e o setor privado na oferta de subsí-
dios à política de alfabetização;
c) Fornecer uma estrutura que permita o desenvolvimento contextualizado de um
ambiente alfabetizado, como por exemplo:
promover educação multilíngüe e multicultural;
incentivar a produção literária local;
incentivar a participação do setor de publicação de livros e apoiar as bibliotecas
comunitárias no sentido de propiciar Leitura para Todos;
ampliar o acesso a instrumentos de expressão e comunicação, tais como jornais,
rádio, televisão e tecnologias de comunicação, bem como promover a liberdade de
expressão.
d) Assegurar que a alfabetização seja parte integrante de discussões amplas
sobre redução da pobreza, como, por exemplo, nos Documentos Estratégicos sobre
58
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Redução da Pobreza, na colaboração entre órgãos, tais como a Avaliação Comum
dos Países (Common Country Assessment)/Estrutura das Nações Unidas para a
Assistência ao Desenvolvimento; e também das discussões sobre educação, como,
por exemplo, no planejamento da Educação para Todos e na Abordagem de Setor
Total (Sector-Wide Approach);
e) Assegurar que a promoção da alfabetização seja parte integrante do planejamento
e da implementação de componentes educacionais relacionados com a saúde, a
agricultura, o desenvolvimento urbano e rural, a prevenção de conflitos e crises,
a reconstrução posterior a conflitos, a prevenção do HIV/Aids, o meio ambiente
e outros tópicos intersetoriais;
f) Colocar a alfabetização na agenda dos fóruns nacionais, sub-regionais, regionais
e internacionais sobre desenvolvimento e educação, como por exemplo as
Conferências de Cúpula das Nações Unidas, do G-8, da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as conferências de Ministros
da Educação, os mecanismos de parcerias regionais, tais como a Novas Parcerias
para o Desenvolvimento da África e os encontros sobre desenvolvimento nacional.
Modalidades de programas
De forma a alcançar os objetivos da Alfabetização para Todos e, por conseguinte, da
Educação para Todos, que englobam todas as faixas etárias freqüentando ou não a escola, os
programas de alfabetização devem abranger a totalidade do ciclo vital, a fim de possibilitar o
aprendizado durante a vida inteira, e ser sensível às questões de gênero, devendo ser fornecidos
tanto através de métodos formais quanto de métodos não-formais. Eles devem também tomar
como base os programas de alfabetização já existentes e, ao mesmo tempo, acrescentar programas
de alfabetização mais atualizados, prevendo as necessidades futuras relativas à alfabetização.
É, portanto, de importância essencial reconhecer a necessidade das seguintes medidas:
a) Desenvolver programas que objetivem usos significativos para a alfabetização,
além da aquisição das habilidades básicas de leitura, escrita, cálculos numéricos, e que
abranjam as diversas faixas etárias, da pré-escola à idade adulta.Tais programas poderiam
abarcar preparação para a alfabetização para crianças de pré-escola e também para a
família, e alfabetização para alunos de escola primária, para jovens que abandonaram
os estudos, para crianças que não freqüentam a escola e para jovens e adultos não-
alfabetizados, tratando de conteúdos como:
Alfabetização para a elevação do padrão vocacional e para o emprego;
Programas educativos pós-alfabetização e de educação continuada para toda uma gama
de clientelas, incluindo treinamento em tecnologia da informação e da comunicação;
Oferta de base informativa, incluindo cultura básica sobre meios de comunicação,
questões jurídicas e ciência.
59
alfabetizaçãocomoliberdade
b) Formular programas que confiram alta prioridade à motivação do aluno, atendendo
a suas necessidades específicas e apoiando um ambiente cultural. As seguintes medidas
são sugeridas visando a esse fim:
Desenvolver diversos modos de apresentação, incluindo o uso de tecnologias de
informação e comunicação;
Desenvolver conteúdos, material e metodologia sensíveis às questões de gênero,
partindo dos idiomas, dos conhecimentos e da cultura locais;
Integrar a instrução de alfabetização em outros setores, tais como saúde e educação,
educação de extensão em agricultura e métodos de geração de renda;
Te r, nas escolas e na comunidade, material de leitura disponível a crianças e adultos, na
língua materna e numa segunda língua.
c) Estabelecer vínculos e sinergia entre o ensino formal e não-formal, através dos
seguintes meios:
desenvolver programas de equivalência, a fim de vincular o ensino formal ao ensino
não-formal, criando, entre outros elementos, políticas, diretrizes e mecanismos de creden-
ciamento;
valorizar as credenciais dos facilitadores de alfabetização, através de treinamento
profissional, e conferir reconhecimento oficial aos facilitadores do ensino não-formal,
em condições de igualdade com os professores do ensino formal;
criar programas de ensino à distância, que possibilitem que pessoas que abandonaram
o ensino formal avancem em seu próprio ritmo, até serem capazes de reingressar no
sistema educacional formal;
incentivar vínculos entre as associações de professores e de facilitadores de ensino
não-formal.
Construção de capacidade
A fim de implementar programas educacionais como parte integrante da Década,
será necessário assegurar que os diversos parceiros e outras partes interessadas possuam as
capacidades exigidas para gerenciar esses programas de forma sustentada e em áreas tais
como as listadas abaixo:
a) Planejamento e administração: organizar atividades de construção de capacidade
para planejadores educacionais e para os responsáveis pela formulação de políticas
em níveis regional, sub-regional, nacional e local, inseridas nos programas educativos
já existentes, em áreas tais como angariação de verbas, formulação e implementação de
programas, cooperação multissetorial, documentação e redação de projetos.
b) Pesquisa: formular programas para o fortalecimento da capacidade das ONGs, das
organizações de base comunitária e das organizações da sociedade civil de conduzir
pesquisas práticas;
60
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
61
alfabetizaçãocomoliberdade
c) Treinamento de profissionais de treinamento: identificar e apoiar, nos níveis regional,
sub-regional, nacional e subnacional, um grupo-núcleo de profissionais de treinamento
capacitados para treinar o pessoal dos programas, inclusive professores e facilitadores
no nível local;
d) Sistemas de treinamento: desenvolver sistemas de treinamento que sejam sensíveis às
questões de gênero e que possam ser adaptados a diferentes contextos e propósitos,
e usados nos níveis subnacionais e locais;
e) Currículo: desenvolver estruturas curriculares de alfabetização nos níveis regional,
sub-regional e nacional, passíveis de serem adaptadas aos currículos locais, bem como plane-
jamento de aulas compatíveis com as necessidades de grupos específicos de alunos no
nível local.
Pesquisa
A fim de que os resultados das pesquisas sejam usados na formulação eficaz de políticas
de alfabetização, no aperfeiçoamento dos programas de alfabetização e na revisão periódica
dos avanços em direção à Alfabetização para Todos, serão necessárias, durante a Década da
Alfabetização, atividades de pesquisa específicas e bem planejadas, incluindo as seguintes:
a) Para fins de formulação de políticas: conduzir estudos básicos tendo em vista a
identificação, entre outros elementos, de grupos prioritários, níveis de alfabetização,
necessidades locais, disponibilidade de recursos, parcerias possíveis e mapeamento de
disparidades entre os gêneros.
b) Para aprimorar os programas das escolas primárias e do ensino não-formal: executar
pesquisas processuais, a fim de permitir que os planejadores e administradores
educacionais adotem correções ao longo dos processos já em curso, com base nos
resultados dessas pesquisas.
c) Para permitir uma compreensão mais aprofundada do conceito de Alfabetização
para Todos: conduzir estudos longitudinais sobre os usos da alfabetização nas escolas
e nas comunidades e mapear novas práticas de alfabetização surgidas no contexto das
tecnologias de informação e comunicação.
d) Para conferir maior poder às comunidades locais: conduzir pesquisas sobre
as maneiras pelas quais as comunidades locais podem participar dos programas de
alfabetização, deles auferindo benefícios.
e) Para a utilização das pesquisas: analisar de maneira crítica as pesquisas sobre o
tema, provenientes tanto do Norte quanto do Sul, para adoção e adaptação de seus
resultados, a serem usados, em outros contextos, na formulação de políticas e práticas.
62
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
São propostas as seguintes medidas, que têm como objetivo facilitar o desenvolvimento
das atividades de pesquisa acima mencionadas:
a) criar uma base de dados de estudos sobre alfabetização, inclusive estudos de
avaliação;
b) incentivar as universidades, as instituições de ensino superior e as instituições
de pesquisa a incluir a alfabetização em suas agendas de pesquisa;
c) criar redes de organizações de pesquisa visando à cooperação entre países
e regiões, assegurando a participação tanto do Norte quanto do Sul e incentivando
a cooperação entre os países do Sul.
Participação comunitária
O sucesso do programa Alfabetização para Todos dependerá do grau de participação
da comunidade local nesse programa, e também da disposição dessa comunidade a dele se
apropriar. É importante que o governo não busque a participação da comunidade como
uma estratégia de redução de custos, e devemos lembrar que campanhas e comemorações
esporádicas não garantem a participação da comunidade nos programas educacionais.Algumas
das medidas visando à participação comunitária são as seguintes:
a) documentar as experiências dos órgãos governamentais, das ONGs e do setor
privado, no tocante à participação comunitária nos programas de alfabetização;
b) oferecer apoio técnico e financeiro à manutenção de programas de alfabetização
de base comunitária;
c) criar redes subnacionais e nacionais de ONGs que trabalhem em alfabetização
junto às comunidades locais;
d) incentivar as comunidades locais a organizar centros de aprendizagem comunitários;
e) compartilhar entre os países as experiências bem-sucedidas de programas de
centros comunitários de aprendizagem;
f) desenvolver instrumentos adequados visando à comunicação entre os governos
e as comunidades, incluindo o uso de tecnologias de informação e comunicação.
63
alfabetizaçãocomoliberdade
Acompanhamento e avaliação
Para que o programa Alfabetização para Todos obtenha êxito, é necessário construir
sistemas de acompanhamento informatizados e funcionais, ligando os diversos programas e os
diferentes níveis (institucional/subnacional/nacional/internacional). Os sistemas devem ser for-
mulados de modo a fornecer informações confiáveis e significativas sobre a situação da alfa-
betização em meio à população, sobre os usos e o impacto da alfabetização e sobre o desem-
penho e a eficácia dos programas de alfabetização. As seguintes medidas são propostas para a
construção de um sistema eficaz de acompanhamento e avaliação:
a) refinar os indicadores e as metodologias de alfabetização a fim de permitir que os
países coletem e divulguem mais informações de melhor qualidade, dando atenção
particular a fornecer informações sobre as disparidades entre os gêneros;
b) promover um uso melhor e mais generalizado dos dados populacionais, através,
por exemplo, de censos e levantamentos demográficos, no acompanhamento da situação
da alfabetização e de seu uso e impacto em meio à população;
c) desenvolver métodos que tenham relação custo/benefício favorável, para a avaliação dos
níveis de alfabetização dos indivíduos, a serem usados nos levantamentos sobre alfa-
betização, bem como na avaliação de rotina dos resultados em termos de aprendiza-
do, no nível dos programas;
d) construir sistemas de informação para dar apoio às políticas e ao gerenciamento
do ensino não-formal, abrangendo agências, programas, alunos e educadores;
e) estabelecer sistemas de longo prazo para o acompanhamento dos recém-alfabetizados,
a fim de estudar o impacto da alfabetização na qualidade de vida.
6. Implementação em nível nacional
O Estado deve desempenhar um papel central e crucial no planejamento, na
coordenação, na implementação e no financiamento dos programas da Alfabetização para
Todos. Para tal, o Estado deve construir parcerias simbióticas com todo um espectro de partes
interessadas. É, portanto, necessário mobilizar as comunidades locais, as ONGs, as associações
de professores e os sindicatos de trabalhadores, as universidades e as instituições de pesquisa,
o setor privado e as demais partes interessadas, a fim de que elas contribuam e participem
em todos os estágios dos programas de alfabetização.
Para que a Década da Alfabetização seja implementada com êxito, é necessário que
a Alfabetização para Todos seja o foco central de todos os planos e programas da Educação
64
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
para Todos. É necessário, portanto, ter em mente que um plano para a Década da Alfabetização e
para sua implementação em nível nacional deve ser incluído no plano nacional de Educação para
Todos e em sua implementação. Nos casos onde o plano nacional de Educação para Todos já
tenha sido formulado, a componente Alfabetização para Todos pode ser adicionado de forma
suplementar. Nos casos em que o plano nacional de Educação para Todos esteja nas fases finais
de sua elaboração, seria apropriado incluir nele a componente Alfabetização para Todos.
No processo de incorporação de um componente de Alfabetização para Todos nos planos
de Educação para Todos, uma lista de checagem de questões e de elementos-chave pode ser
um guia útil. Um exemplo de lista de checagem consta do Anexo 1.
A Década da Alfabetização tem que ser vista como uma unidade, e não como o
somatório de dez anos sucessivos, tomados separadamente.Todos os países, portanto, para a
implementação da Alfabetização para Todos, devem executar seu planejamento partindo de
seu próprio horizonte de dez anos. Ao fazê-lo, deve-se ter o cuidado de assegurar que o
período inicial da Década seja dedicado à criação de bancos de dados amplos e confiáveis
sobre alfabetização. Um exemplo desse horizonte de dez anos consta do Anexo 2.
7. Mobilização de recursos
A intervenção Alfabetização para Todos não deve sofrer ou ser enfraquecida por insu-
ficiência de financiamento. Os governos têm que mobilizar recursos compatíveis para apoiar a
Alfabetização para Todos. As seguintes estratégias podem ser adotadas em nível nacional:
a) incorporar a componente Alfabetização para Todos nos orçamentos de todos os
níveis educacionais, da educação básica à educação superior;
b) atrair financiamentos adicionais através da coordenação e do compartilhamento
de recursos entre os diferentes ministérios e departamentos, nos quais a alfabetização esteja
presente nos programas de defesa, educação de extensão e redução da pobreza;
c) mobilizar o setor privado e a sociedade civil, tendo em vista o apoio ao programa
Alfabetização para Todos.
No nível internacional, o êxito da mobilização de recursos exigirá:
a) um processo contínuo de consultas entre os organismos das Nações Unidas, visando a
apoiar a Alfabetização para Todos, como parte integrante da Educação para Todos;
b) a participação de organismos bilaterais, no sentido da obtenção de apoio finan-
ceiro e de compromissos;
c) a mobilização da sociedade civil internacional em apoio à Alfabetização para Todos.
65
alfabetizaçãocomoliberdade
Um papel de especial importância deve ser conferido ao Banco Mundial, consistindo
na tarefa de integrar a Década nos Documentos Estratégicos sobre a Redução da Pobreza
e de elaborar um capítulo especial sobre financiamento, incluindo também a Educação para
Todos. Também em nível regional, é possível atrair recursos financeiros de organizações e
bancos regionais. A fim de atrair financiamento internacional, é de extrema importância que
sejam formulados projetos viáveis, corroborados por pesquisas e que apresentem justificativas
para o investimento em alfabetização. Esses projetos, além disso, devem conter uma formulação
cuidadosa dos custos e dos efeitos, tomando como base estudos factuais.
8. Apoio e coordenação internacional
O sistema das Nações Unidas como um todo coloca a promoção da alfabetização
no contexto dos direitos humanos, vistos como indivisíveis e interdependentes. O direito
à educação, contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem,dos quais a alfabetização
é tanto um elemento de importância máxima quanto um instrumento, vincula-se ao direito
à igualdade (especialmente à igualdade entre os gêneros), ao desenvolvimento, à saúde e
à liberdade de expressão. Os organismos das Nações Unidas engajados nesses diversos setores,
bem como o Banco Mundial, reconhecem esse vínculo e com freqüência incluem a alfabetização
dentre os problemas a serem tratados e solucionados, juntamente com o cumprimento
dos demais direitos. Na qualidade de organismo de coordenação internacional dos esforços
visando a atingir os objetivos da Marco de Ação de Dacar para a Educação para Todos,
bem como da Década da Alfabetização, a UNESCO irá trabalhar no âmbito dos mecanismos
de coordenação já estabelecidos para a Educação para Todos, com os quais serão identificados
os componentes relativos à alfabetização presentes nos programas de desenvolvimento ora
em curso nos diversos organismos internacionais e bilaterais, forjando mobilização conjunta e
o uso máximo dos recursos desses organismos, em apoio à Década.
Após consultar os organismos das Nações Unidas afetos à questão, a UNESCO irá
trabalhar para o estabelecimento de parcerias significativas e orientadas para metas específicas,
a fim de incentivar um planejamento inclusivo e a implementação da Década da Alfabetização.
Essas parcerias irão assegurar a eficiência do fornecimento das diferentes contribuições prestadas
pelos organismos das Nações Unidas. Um parceiro de importância capital será o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), o organismo que lidera a Iniciativa das Nações Unidas
para a Educação de Meninas. O Banco Mundial irá trabalhar conjuntamente com a UNESCO
na avaliação dos níveis de alfabetização e na análise dos custos e do financiamento dos pro-
gramas de alfabetização, nos quais a OCDE e a Unicef podem também ser parceiros importantes.
A UNESCO deverá facilitar a cooperação entre os demais organismos das Nações Unidas,
cujas incumbências e programas tenham forte relação com o sucesso da Alfabetização para
Todos, tais como os listados a seguir:
66
2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura: desenvolvi-
mento rural, programas de extensão agrícola;
Organização Internacional do Trabalho: aprendizado e treinamento para o trabalho,
eliminação do trabalho infantil;
Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos:
direito à educação, igualdade entre os gêneros, direito ao desenvolvimento, direito
à liberdade de expressão, povos indígenas (línguas, culturas, conhecimento);
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids: educação sobre HIV/Aids;
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: desenvolvimento rural,
cidadania participativa, governo democrático, redução da pobreza, sustentabilidade
dos meios de ganhar a vida;
Fundo das Nações Unidas para a População: treinamento de professores e desenvolvimento
de currículos relativos a saúde reprodutiva e população;
Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados: a educação
como uma questão fundamental no sustento das crianças refugiadas;
Programa Mundial de Alimentação: Alimentos para a Educação;
Organização Mundial de Saúde: Saúde para Todos, educação básica em cuidados
de saúde, acesso a informações sobre saúde, maternidade segura, prevenção do
HIV/Aids.
ANEXO I
Exemplo de Lista de Checagem para
a Implementação em Nível Nacional
Principais questões
Qual a situação atual da alfabetização no país?
Qual a situação dos programas de alfabetização nas escolas?
Que programas de alfabetização estão sendo implementados?
Quais são as relações entre esses programas e outros programas de desenvolvimento
econômico e social?
Quais são os problemas/gargalos na administração desses programas?
De que maneira a Alfabetização para Todos será incorporada aos planos da Educação
para Todos?
Quais grupos prioritários devem ser incluídos nos programas de alfabetização
durante a Década?
Que tipos de alfabetização devem ser incluídos nos programas de Alfabetização
para Todos?
Que tipos de dados são necessários para planejar insumos adicionais para esses
programas?
Que proporção do orçamento da educação deve ser destinado aos programas de
alfabetização?
Onde e como verbas suplementares poderão ser obtidas? (Por exemplo, setor
privado, fontes bilaterais, organismos regionais e internacionais.)
Que papéis devem ser desempenhados por quem no planejamento, na implemen-
tação e no acompanhamento e avaliação dos programas da Alfabetização para Todos?
67
alfabetizaçãocomoliberdade
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2003-2012 • Nações Unidas • Década para a alfabetização
Elementos essenciais
Políticas e planejamento: planejar a Década da Alfabetização incorporando um
componente de Alfabetização para Todos aos planos de Educação para Todos, com
um cronograma realista abrangendo a totalidade do período de dez anos da Década
da Alfabetização.
Defesa: traçar planos para as atividades de defesa em todos os níveis, em cooperação
com todas as partes interessadas, tais como funcionários do governo, ONGs,
sociedade civil, instituições, agências de financiamento, comunidades locais, governos
locais e alunos em potencial.
Construção de capacidade: desenvolver programas de treinamento para todas
as categorias de interessados, nas áreas de planejamento, pesquisa, treinamento, desen-
volvimento de currículos, desenvolvimento de material, acompanhamento e avaliação.
Parcerias: construir parcerias efetivas com outros ministérios, com ONGs, com a
sociedade civil, instituições, universidades, setor privado, agências de financiamento,
organismos internacionais, organismos das Nações Unidas e com os meios de
comunicação de massa.
Pesquisa: executar estudos de base para a identificação de prioridades; apoiar
pesquisas operacionais para o desenvolvimento de modelos alternativos e pesquisas
processuais para analisar a implementação dos programas.
Acompanhamento e avaliação: estabelecer e ativar mecanismos realistas de acom-
panhamento e avaliação; desenvolver bancos de dados e acompanhar a situação atual
da alfabetização.
Comemorações: planejar comemorações regulares da Década da Alfabetização
no Dia Internacional da Alfabetização, de modo a manter vivos o ímpeto e os
compromissos assumidos; planejar eventos de mídia regulares como parte dessas
comemorações.
Apoio a recursos: assegurar os recursos humanos e financeiros necessários.
69
alfabetizaçãocomoliberdade
ANEXO II
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