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Na praia, a poucos metros da água, um como mercado pantopolista: sobre
mesas sólidas, de mármore, estendem-se alinhadas, com reflexos de aço, de prata,
de ouro, os peixes admiráveis do lagamar e do alto - as tainhas gordas, de focinho
rombo; os paratis que são diminutivos delas; as corvinas corcovadas, pardas; os
galos espalmados, magros; os pargos de dentes e de beiços redondos, carnudos; as
pescadas do alto, fulvas, enormes; os linguados, vesgos, delicados; as solhas,
linguados gigantescos, macias, chatas; as garoupas, de cor de ferrugem, de olhos
esbugalhados, atarracadas, escondendo sob formas brutas, um mundo de delícias
gastronômicas; as pescadinhas brancas, argênteas, com um fio de ouro verde a
sulcar-lhes os flancos os bugres lisos, visguentos, feios; os camarões, brancos,
arroxados, com longas barbas, em rodas, sobre tampas de vime; os caranguejos,
pelados, morosos, batendo uns nos outros a couraça sonora; os siris azulados.
Em torno a casa, sob os beirais do telhado, sob toldos de pano, ao ar aberto,
pilhas de laranjas, de ananases, de melancias, de goiabas, de cocos, de cachos de
bananas, mil espécies de frutas em uma abundância fastidiosa, desanimadora, com
um cheiro enjoativo de madureza passada; grãos, legumes, hortaliças, raízes, ervas
de tempero, tomates, pimentas; quadrúpedes e aves, domésticas e selvagens,
leitões, quatis, perus, tucanos; conchas, caramujos, esteiras, cordas, quinquilharias,
uma babel, um bricà-brac infernal.
Às três horas começa de cessar o movimento: a população emigra para São
Vicente e para a Barra. À tarde a cidade está silenciosa, deserta, morta. Há todos os
dias uma transição crua, brusca, da agitação para o marasmo, que dá tristeza.
Eu subi ao Monserrate.
É uma eminência de cento e sessenta e cinco metros, quase a prumo,
coroada por uma igrejinha branca, o que se pode imaginar de mais pitoresco, de
mais singelamente grandioso, de mais encantador.
Sobe-se por um caminho acidentado.
O que se vai desenrolando aos olhos durante a ascensão é simplesmente
maravilhoso. A planície estende-se ao longe, nivelada pela natureza, coberta de
uma alcatifa de mangue; a cidade, em quarteirões regulares, paralelogramáticos,
ocupa o sopé do morro, betada de ruas de calçamento pardo, manchado aqui e ali
por maciço verde de árvores, por uma palmeira esguia; ao fundo, de um e outro lado
a serra do continente; fronteiras as colinas abruptadas de Santo Amaro. O
ancoradouro, o pego do Canehu e outros largos do estuário semelham chapas de
aço polido, com as quais põem notas de vários tons os pontões desgraciosos, os
navios que estão sobre ferro. As canoas, os escaleres resvalam como insetos
ligeiros; uma outra vela pica de branco a escuridade metálica da superfície da água,
e o sol ilumina tudo com sua luz dourada muito suave.
Os esteiros embebem-se pela verdura fofa dos mangais, um deles, muito
sinuoso, afunda-se visível por espaço longo, fraldeia a colina cônica chamada Monte
Cabrão, some-se, reaparece muito longe, refletindo a luz do sol, torna a sumir-se. É
o canal histórico da Bertioga.
À direita uma imensidade azul que parece vir do infinito, que dir-se-ia um
desdobramento do horizonte, avança arfando, em estos chega, beija a praia, morre
em uma ourela de espuma alva, móvel, murmurosa... Salve, oceano, alma pater,
laboratório da vida terráquea, povoador do planeta!
Ah! Lenita.' imagine: o oceano — a força, o ataque; a terra — a firmeza, a
resistência; o ar — hematose, a vida; o sol — o calor, a luz, a fecundação,— tudo
em porfia de prodigalidades, a construir, a ornar um cenário vasto de struggle for life,
de luta pela existência, no qual se debatem, se fogem, se perseguem, se matam, se