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Li com surpresa e enternecimento na alma da embriagada a história do seu
passado e dos tormentos de sua vida.
Menina de coração angélico, mimoso tipo de sensibilidade, fora muito cedo
vitima do crime; era pobre e órfã e uma parenta corrompida preparou-lhe sinistro
sono, e vendeu-lhe a um monstro a inocência e a pureza; riram-se de suas lágrimas
e a arrastaram para o vício; mas em breve despertando no meio da perversão,
Esmeralda teve remorsos, detestou sua vida, foi mil vezes desgraçada; desejou
amar e ser amada, como ama e é amada a senhora honesta; era porém tarde: o
mundo já tinha marcado a sua fronte com o sinal negro da reprovação perpétua.
Então principiou para a mísera a vida do frenesi a que o desespero preside.
Na convicção tremenda do seu aviltamento embriaga-se todos os dias para
esquecer a sua miséria moral, e para matar-se; sabe e sente que o conhaque
queima-lhe as entranhas e lhe abrevia a vida; pelo sabor aborrece o conhaque,
pelos seus efeitos adora-o; beberia fogo vivo, se o fogo vivo se bebesse.
O seu rir contínuo é o delírio da dor, a antítese das torturas do coração em
convulsões dos lábios que fingem alegria.
Ninguém a despreza tanto como ela mesma se despreza, porque na pureza
dos seus sentimentos e de sua sensibilidade adora a virtude, compreende a
sublimidade do amor honesto, e se reconhece infame pela infâmia do vício.
Quando está só em casa, e vê passar uma jovem com o vestido branco e a
virginal coroa de noiva no carro que a conduz à igreja, Esmeralda se ajoelha, chora,
e reza; chorando por si, e orando pela noiva.
Fatal arruinadora dos ricos, que se tornam seus apaixonados, parece nadar
em mar de ouro, e nunca lhe sobra o dinheiro; porque ela alimenta e veste quantos
pobres a procuram; ou quantos pobres conhece; mas tem fama de dissipadora e
ninguém a chama caridosa.
Nos desvarios precipites da sua vida Esmeralda ganhou créditos de petulante,
interesseira, vil, desordenada, infrene e louca, incapaz de uma afeição, não
suscetível de amar, demônio de gelo, demônio de voracidade áurea, demônio de
corrupção; ela o sabe e ri com o seu rir que é mais amargo do que o pranto mais
doloroso.
Que falsa apreciação! Esmeralda é flagelada pelo seu pudor inato de mulher
que nasceu para ser santa; não tem ordem na vida maternal, porque abomina o
cálculo egoísta a ponto de esquecer os cuidados do futuro; o que chamam sua
loucura é como um castigo que ela se impõe na terra; sensível, dedicada,
extremosa, amando tão ardentemente a virtude, que nem concebe escusa,
desculpa, ou perdão para sua vida manchada e ignominiosa, tem uma coração que
é um abismo de amor exaltado e sublime.
Se fosse amada, esposa de um homem a quem amasse, seria tipo de
fidelidade, heroína pela abnegação, mártir pela paciência, anjo pela santidade dos
sentimentos e da vida.
Contemplando essa vítima do mundo, e dos homens, essa embriagada
adorável, essa virtude cheia de manchas, esse querubim profanado, essa mulher
formosa de corpo aviltado e alma pura, esse coração todo amor, essa Madalena que
se torturava no vício, que se atribulava na orgia, que se degradava na embriaguez,
que antes da morte e com severa consciência condenava o corpo à corrupção, à
podridão, as extremas e esquálidas misérias da terra, e tinha a alma arrependida já
metade no céu, tive ímpetos de correr a beijar-lhe os pés, e de bradar-lhe: "acorda!
surge do sono da embriaguez! eu te compreendo e te amo, eu te regenero, dando-te
o meu nome! "