www.nead.unama.br
26
ciumenta e exclusivamente, o direito de tratar do quarto de Gregório. Certa vez a
mãe procedeu a uma limpeza total do quarto, o que exigiu vários baldes de água —
é claro que esta baldeação também incomodou Gregório, que teve de manter-se
estendido no sofá, perturbado e imóvel —, mas isso custou-lhe bom castigo. A noite,
mal a filha chegou e viu a mudança operada no quarto, correu ofendidíssima para a
sala de estar e, indiferente aos braços erguidos da mãe, entregou-se a uma crise de
lágrimas. Tanto o pai, que, evidentemente, saltara da cadeira, como a mãe ficaram
momentaneamente a olhar para ela, surpresos e impotentes. A seguir, reagiram
ambos: o pai repreendeu, por um lado, a mulher por não ter deixado a limpeza do
quarto para a filha e, por outro lado, gritou com Grete, proibindo-a de tomar a cuidar
do quarto; enquanto isso, a mãe tentava arrastar o marido para o quarto respectivo,
uma vez que estava fora de si. Agitada por soluços, Grete batia com os punhos na
mesa. Gregório, entretanto, assobiava furiosamente, por ninguém ter tido a idéia de
fechar-lhe a porta, para o poupar a tão ruidoso espetáculo.
Admitindo que a irmã, exausta pelo trabalho diário, se tivesse cansado de
tratar de Gregório como anteriormente fazia, não havia razão para a mãe intervir,
nem para ele ser esquecido. Havia a empregada, uma velha viúva cuja vigorosa
ossatura lhe tinha permitido resistir às agruras de uma longa vida, que não temia
Gregório. Conquanto nada tivesse de curiosa, tinha certa vez aberto acidentalmente
a porta do quarto de Gregório, o qual, apanhado de surpresa, desatara a correr para
um lado e para outro, mesmo que ninguém o perseguisse, e, ao vê-lo, deixara-se
estar de braços cruzados. De então em diante nunca deixara de Abrir um pouco a
porta, de manhã e à tarde, para o espreitar. A princípio até o chamava, empregando
expressões que certamente considerava simpáticas, tais como: Venha cá, sua
barata velha! Olhem-me só para esta barata velha do Gregório não respondia a tais
chamados, permanecendo imóvel, como se nada fosse com ele. Em vez de a
deixarem incomodá-lo daquela maneira sempre que lhe dava na gana, bem podiam
mandá-la fazer todos os dias a limpeza ao quarto! Numa ocasião, de manhã cedo,
num dia em que a chuva fustigava as vidraças, talvez anunciando a chegada da
Primavera. Gregório ficou tão irritado quando ela principiou de novo que correu no
seu encalço, como se estivesse disposto a atacá-la, embora com movimentos lentos
fracos. A empregada, em vez de assustar-se, limitou-se a erguer uma cadeira que
estava junto da porta e ali ficou de boca aberta, na patente intenção de só a fechar
depois de a abater sobre o dorso de Gregório.
— Então, não te aproximas mais?, perguntou, ao ver Gregório afastar-se
novamente. Depois, voltou a colocar calmamente a cadeira no seu canto.
Ultimamente, Gregório quase não comia. Só quando passava por acaso junto
da comida que lhe tinham posto abocanhava um pedaço, à guisa de distração,
conservando-o na boca durante coisa de uma hora, após o que normalmente
acabava por cuspi-lo. Inicialmente pensara que era o desagrado pelo estado do
quarto que lhe tirara o apetite. Depressa se habituou às diversas mudanças que se
haviam registrado no quarto. A família adquirira o hábito de atirar para o seu quarto
tudo o que não cabia noutro sítio e presentemente havia lá uma série delas, pois um
dos quartos tinha sido alugado a três hóspedes. Tratava-se de homens de aspecto
grave, qualquer deles barbado, conforme Gregório verificara um dia, ao espreitar
através de uma fenda na porta, que tinham a paixão da arrumação, não apenas no
quarto que ocupavam, mas também, como habitantes da casa, em toda ela,
especialmente na cozinha. Não suportavam objetos supérfluos, para não falar de