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as outras escravas para o cafezal, ficando ele quase a sós com Isaura no meio
daqueles vastos e desertos edifícios.
— Dir-me-ão que, sendo Isaura uma escrava, Leôncio, para achar-se a sós
com ela não precisava de semelhantes subterfúgios, e nada mais tinha a fazer do
que mandá-la trazer à sua presença por bem ou por mal. Decerto ele assim podia
proceder, mas não sei que prestígio tem, mesmo em uma escrava, a beleza unida à
nobreza da alma, e à superioridade da inteligência, que impõe respeito aos entes
ainda os mais perversos e corrompidos. Por isso Leôncio, a despeito de todo o seu
cinismo e obcecação, não podia eximir-se de render no fundo d'alma certa
homenagem à beleza e virtudes daquela escrava excepcional, e de tratá-la com
mais alguma delicadeza do que às outras.
— Isaura, — disse Leôncio, continuando o diálogo que deixamos apenas
encetado, — fica sabendo que agora a tua sorte está inteiramente entre as minhas
mãos.
— Sempre esteve, senhor, — respondeu humildemente Isaura.
— Agora mais que nunca. Meu pai é falecido, e não ignoras que sou eu o
seu único herdeiro. Malvina por motivos, que sem dúvida terás adivinhado, acaba de
abandonar-me, e retirou-se para a casa de seu pai. Sou eu, pois, que hoje
unicamente governo nesta casa, e disponho do teu destino. Mas também, Isaura, de
tua vontade unicamente depende a tua felicidade ou a tua perdição.
— De minha vontade!... oh! não, senhor; minha sorte depende unicamente
da vontade de meu senhor.
— E eu bem desejo - replicou Leôncio com a mais terna inflexão de voz, —
com todas as forças de minha alma, tornar-te a mais feliz das criaturas; mas como,
se me recusas obstinadamente a felicidade, que tu, só tu me poderias dar?...
— Eu, senhor?! oh! por quem é, deixe a humilde escrava em seu lugar;
lembre-se da senhora D. Malvina, que é tão formosa, tão boa, e que tanto lhe quer
bem. É em nome dela que lhe peço, meu senhor; deixe de abaixar seus olhos para
uma pobre cativa, que em tudo está pronta para lhe obedecer, menos nisso, que o
senhor exige...
— Escuta, Isaura; és muito criança, e não sabes dar ás coisas o devido
peso. Um dia, e talvez já tarde, te arrependerás de ter rejeitado o meu amor.,
— Nunca! - exclamou Isaura. — Eu cometeria uma traição infame para com
minha senhora, se desse ouvidos às palavras amorosas de meu senhor.
— Escrúpulos de criança!... escuta ainda, Isaura. Minha mãe vendo a tua
linda figura e a viveza de teu espírito, — talvez por não ter filha alguma, — desvelou-
se em dar-te uma educação, como teria dado a uma filha querida. Ela amava-te
extremosamente, e se não deu-te a liberdade foi com o receio de perder-te; foi para
conservar-te sempre junto de si. Se ela assim procedia por amor, como posso eu
largar-te de mão, eu que te amo com outra sorte de amor muito mais ardente e
exaltado, um amor sem limites, um amor que me levará à loucura ou ao suicídio, se
não... mas que estou a dizer!... Meu pai, — Deus lhe perdoe, – levado por uma
sórdida avareza, queria vender tua liberdade por um punhado de ouro, como se
houvesse ouro no mundo que valesse os inestimáveis encantos, de que os céus te
dotaram.
— Profanação!... eu repeliria, como quem repele um insulto, todo aquele
que ousasse vir oferecer-me dinheiro pela tua liberdade. Livre és tu, porque Deus
não podia formar um ente tão perfeito para votá-lo à escravidão. Livre és tu, porque
assim o queria minha mãe, e assim o quero eu. Mas, Isaura, o meu amor por ti é
imenso; eu não posso, eu não devo abandonar-te ao mundo. Eu morreria de dor, se