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A ventura de Leandrinho tinha um único senão: havia na casa um cãozinho de
raça, um bull-terrier, chamado Black, que latia desesperadamente sempre que
farejava a presença daquele estranho.
Dir-se-ia que o inteligente animal compreendia tudo e daquele modo exprimia
a indignação que tamanha patifaria lhe causava.
Entretanto, o inconveniente foi remediado. A poder de carícias e pão-de-ló, a
pouco e pouco logrou o afortunado Leandrinho captar a simpatia de Black, e este,
afinal, vinha aos pulos recebê-lo à porta da rua, e acompanhava-o no corredor,
saltado-lhe às pernas, lambendo-lhe as mãos, corcoveando, arfando, sacudindo a
cauda irrequieta e curva.
As mulheres viciosas e apaixonadas comprazem-se na aproximação do
perigo; por isso, dona Candinha desejava ardentemente que Leandrinho travasse
relações de amizade com o senhor Martins.
Tudo se combinou, e uma bela noite os dois amantes se encontraram, como
por acaso, num sarau do Clube Familiar da Cancela. Depois de dançar com ele uma
valsa e duas polcas, ela teve o desplante de apresentá-lo ao marido.
Sucedeu o que invariavelmente sucede. A manifestação de simpatia do
senhor Martins não se demorou tanto como a Black: foi fulminante.
Os maridos são por via de regra, menos desconfiados que os bull-terrier.
O pobre homem nunca tivera diante de si cavalheiro tão simpático, tão bem
educado, tão insinuante. Ao terminar o sarau, pareciam dois velhos amigos.
À saída do clube, Leandrinho deu o braço a dona Candinha, e, como,
“também morava para aqueles lados”, acompanhou o casal até a rua do Pau-Ferro.
Separam-se à porta da casa.
O marido insistiu muito para que o outro aparecesse. Teria o maior prazer em
receber a sua visita. Jantavam ás cinco. Aos domingos um pouco mais cedo, pois
nesses dias a cozinheira ia passear.
— Hei de aparecer, prometeu Leandrinho.
— Olhe, venha quarta-feira, disse o senhor Martins. Minha mulher faz anos
nesse dia. Mata-se um peru e há mais alguns amigos à mesa, poucos, muito
poucos, e de nenhuma cerimônia. Venha. Dar-nos-á muito prazer.
— Não faltarei, protestou Leandrinho.
E despediu-se.
— É muito simpático, observou o senhor Martins metendo a chave no trinco.
— É, murmurou secamente dona Candinha.
Black, que os farejara, esperava-os lá dentro, no corredor, grunhindo,
arranhando a porta, corcoveando, arfando, sacudindo a cauda irrequieta e curva.
Na quarta feira aprazada Leandrinho embonecou-se todo e foi à casa do
senhor Martins., levando consigo um soberbo ramo de violetas.
O dono da casa, que estava na sala de visitas com alguns amigos,
encaminhou-se para ele de braços abertos, e dispunha-se a apresentá-lo às
pessoas presentes, quando Black veio a correr lá de dentro, e começou a fazer
muitas festas ao recém chegado, saltando-lhe às pernas, lambendo-lhe as mãos,
corcoveando, arfando, sacudindo a cauda irrequieta e curva.