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Meu espírito recua em frente desta desonra: mas venho salvar a honra... e tu
vens perder a tua...
— Que mal vos fazem, serpentes — víboras vis, — não direi homens assim
(Aponta para Carvalho.) que bem sei vos procuram imprudentes; porém a esposa,
que vive da confiança do esposo, e perde da alma o repouso ao mais ligeiro declive
da sua felicidade?!
É o filho, cujo futuro ‘stá no respeito seguro do pai pela sociedade?...
— Tua mulher nunca teve brilhantes. Nunca lhos deste, e contudo os dá a
peste que na corte te reteve, enquanto lá na fazenda o obrigação te esperava e ao
deus-dará tudo andava!...
— Que o que digo não te ofenda; mas o teu procedimento, compadre, não
tem desculpa!
Não lava tão grande culpa sincero arrependimento!
— Vamos! nem mais estejamos em casa desta mulher!
Amanhã, se Deus quiser, o trem de ferro tomamos. (Pegando na jóia.)
A jóia! ninguém a pilha!...
Sou eu que a quero guardar. (Abrindo a caixa.)
Olha, isto fica a matar na orelha de tua filha...
(Guarda a jóia na algibeira.)
Como hás de ficar contente —- parece-me estar a ver — quando Laura
agradecer um tão bonito presente.
Ouve os meus conselhos sábios: de Laura os beijos na testa, certo valem
mais que o que esta mendiga te dá nos lábios.
Vamos! Anda! (Dá-lhe o chapéu e o sobretudo.)
Carvalho (Vestindo o sobretudo e pondo o chapéu.) — Não discuto sobre a verdade
dos fatos, que não sei se são exatos, nem mentirosos reputo.
Vamos embora, mas quero que, antes de irmos, te convenças desses boatos
que ofensas me parecem.
Sousa— Pois espero
Nós aqui, com alguma arte, tudo havemos de descobrir; tomara que eu possa
rir de maneira que me farte. (Dispondo-se a sair.)
Espera-me alguns instantes,
Em casa desta jibóia não há de ficar a jóia.
Confia-me os teus brilhantes. (Sai)
Cena II
Carvalho, só
[Carvalho]— Zombaram do compadre! Aquele coração não pode alimentar tamanha
perversão!
Valentina é um anjo: as lágrimas que chora não se podem fingir. Não digo que
me adora, mas ama-me, decerto. Um anjo, que me diz:
“Se tu não fosses rico, eu era mais feliz!”
Eu não lhe pago o amor; apenas eu lhe pago as cadeiras, o leito, o canapé
que estrago e os quadro que desfruto. O mal, o grande mal foi vê-la e gostar dela. É
muito natural que um velho feio, achando uma mulher que o ame que, sem saber se
é rico, o seu amor reclame, sinta que lhe desperta o morto coração. (Pausa.)
Mas o compadre... Não! Não é possível! não!
O compadre... Ora adeus! Até causou-me tédio!