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Carlos — Em meu lugar, outro qualquer abriria a janela, e deixar-se-ia escorregar
pela goteira. Eu fui sublime! Fiquei! Coloquei-me entre a mulher e o marido ultrajado,
e exclamei: “Perdoai-lhe, senhor! É de sangue que precisais! Aqui tendes o meu! É
vosso!”
Manuel de Souza — Foste muito nobre, mas um tanto estúpido...
Carlos — “Um escândalo, respondeu ele, para dar lugar a que, ainda em cima,
zombem de mim! Não! Minha vingança há de ser mais calma. Tranqüiliza-te. Tu és o
meu privado; continua a sê-lo, sê-lo-ás para todo o sempre!”
Manuel de Souza — Ora ali está um homem comedido!
Carlos — Ouve o resto. “Era teu amigo; de hoje em diante o serei mais que nunca,
porém...”
Manuel de Souza — Ah! temos um porém...
Carlos — “Algum dia te hás de casar... Emprazo-te para lá... Nesse dia, meu amigo,
ajustaremos contas, e então, dente por dente, olho por olho. Fizestes das tuas, eu
farei das minhas. Entendeste?” “Sim”. “Muito bem! Vai amanhã jantar comigo.
Seremos os mesmos um para o outro”. — Como de fato, desde esse momento, nem
mais uma palavra a respeito... “Diante do mundo, o sorriso das salas; no fundo. o
ódio e a vingança!”
Manuel de Souza — Tudo isso que me acabas de contar é muito interessante;
mas... Adeus. meu amigo, estou com muita pressa.
Carlos (Detendo-o.) — Bem sei o que me queres dizer: nesta situação restava-me
tomar um partido muito simples: não casar-me nunca..
Manuel de Souza — É verdade!
Carlos - Disso lembrei-me eu... Estava resolvido a ficar solteiro toda a minha vida,
ou toda a vida do Capitão-General, se fechasse o olho primeiro que eu...
Infelizmente, porém, o homem é um ser incompleto, que, por ser incompleto, cedo
ou tarde sente a necessidade de completar-se.
Manuel de Souza — E é hoje que te completas?
Carlos — Como vês. O meu casamento deve ser efetuado no mais profundo
segredo. Para mais segurança fiz com que alguns médicos de Porto Alegre me
recomendassem os ares do campo a um reumatismo que não tenho. Desde que
aqui estou, tenho escrito ao Capitão-General, dizendo-lhe que vou cada vez pior, a
fim de que ele não desconfie de minha prolongada estada em Viamão. Ontem
mesmo (vê tu que excesso e precaução!) mandei-lhe dizer que estava quase a bater
a bota. Tal é, Manuel de Souza, a narração exata e dolorosa que tinha a fazer.
Convirás que é absolutamente preciso que me sirvas de padrinho. Ficas, não é
assim?
Manuel de Souza — Homem... é que... Como já tive ocasião de dizer-te,
Gertrudes... Gertrudes não é nada, mas a chibatinha...
Carlos — Só uma hora!
Manuel de Souza — Uma hora! É muito, meu amigo, é muito!
Carlos — Vamos! Uma hora, Manuel de Souza!
Manuel de Souza — Pois vá lá! Ora adeus! Diga Gertrudes o que quiser! Fico!
Carlos — Ah! eu logo vi! Obrigado, muito obrigado! (Aperta-lhe a mão com efusão.)
Cena IX
Os mesmos, Bento, Beatriz, depois Castelo Branco, Gabriela e o mudo
Beatriz (Entrando com Bento, a Manuel de Souza.) — Está pronto o cavalo.