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segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar
aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa
tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual
praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela
simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar,
uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens
bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa
Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação
deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim!
Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou
galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não
comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que
a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que
o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os
nossos, ao som de um tamboril nosso, como se fossem mais amigos nossos do que
nós seus. Se lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-se logo
para isso, de modo tal, que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não
levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco; a saber, o Capitão-mor, dois; e
Simão de Miranda, um que já trazia por pagem; e Aires Gomes a outro, pagem
também. Os que o Capitão trazia, era um deles um dos seus hóspedes que lhe
haviam trazido a primeira vez quando aqui chegamos — o qual veio hoje aqui
vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem
agasalhados tanto de comida como de cama, de colchões e lençóis, para os mais
amansar.
E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra
com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos
pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o
Capitão o sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo,
ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os
religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de
procissão. Eram já aí quantidade deles, uns setenta ou oitenta; e quando nos assim
viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao
longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de
besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a
cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado,
armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e
oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou
sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao
Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se
levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e
então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos
pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos
levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez
muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão,
comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros.
E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos
comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou
cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto