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os seminários estão [desertos, e há anos que não se dá uma só ordenação nesta
diocese, pôr não haver mais vocações para o estudo sacerdotal.
Ao voltar do abalo, perguntei a mim mesmo se há razão para censurar o
bispo, quando ele escolhe para as freguesias padres estrangeiros. Onde não há, el-
rei o perde. Entretanto, admirado da falta [absoluta de vocações eclesiásticas, e
cogitando nas conseqüências que E daqui vos podem vir, tratei de ver se achava no
discurso alguma [razão explicativa de um tal fenômeno, além do que, por mim
mesmo, t e fora dele, pareceu-me haver achado.
E dei com outra no discurso. O Sr. Alves dos Santos disse, de passagem, que
o Sr. bispo reformou os estudos, e dificultou um pouco mais a ordenação, "por
querer um clero, não ignorante, mas com a ilustração necessária para combater as
perigosas idéias do século." Deus me defenda de debater nesta coluna brincalhona,
e com tão graves personagens, a questão de saber se o perigo é das idéias ou dos
sentimentos do século, limito-me a concluir da reforma dos estudos, que em pouco
tempo estará o Sr. bispo sem ter quem mande para as freguesias, a não querer por
lá os jornalistas que o censurarem. Aí está um resultado com que se não contava há
vinte anos, e, por menos que se espalhe a todo 0 Brasil, teremos este singular
contraste: um povo católico, em que ninguém quer ser padre... Mas eu tenho pressa
de chegar à segunda sacudidela.
A segunda foi esta: "O padre, em geral, (disse o Sr. vigário Santos) procura as
melhores freguesias, nas quais possa subsistir sem o grande ônus de cura d'almas."
Desta vez caí no chão. Ao levantar-me, reli o trecho, era aquilo mesmo, sem
perífrase. A perífrase é um grande tempero para essas drogas amargas. Se eu
chamar tratante a um homem, ele investe para mim, mas se eu Lhe disser que o seu
procedimento não é adequado aos princípios corretos e sãos que Deus pôs na
consciência humana para o seguro caminho de uma vida rigorosamente moral—
quando o meu ouvinte houver desembrulhado o pacote, já eu voltei à esquina. Foi o
que o Sr. vigário Santos não fez, e podia fazê-lo.
Que o padre, em geral, procure as melhores freguesias, em que possa
subsistir, vá; nem todos hão de ser uns S. Paulos, nem os tempos comportam a
mesma vida. Mas o que me fez cismar, foi este acréscimo: "sem o grande ônus de
cura d'almas". Isto, se bem entendo, quer dizer ganhar muito sem nenhum trabalho.
Mas, vigário meu é justamente o emprego que eu procuro, e não acho, há uns vinte
e cinco anos, pelo menos. Não cheguei a pôr anúncios, porque acho feio; mas falo a
todos os amigos e conhecidos, obtenho cartas de recomendação, palavras doces, e
mais nada. Se tiver notícia de algum escreva-me pelo correio, caixa n. 1712.
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"Há alguém, disse o Sr. Senador João Alfredo, citando um velho dito
conhecido, há alguém que tem mais espírito que Voltaire, é todo o mundo.''
Não sei se já alguma vez disse ao leitor que as idéias, para mim são como as
nozes, e que até hoje não descobri melhor processo para saber o que está dentro de
umas e de outras,—senão quebrá-las.
Aos vinte anos, começando a minha jornada por esta vida pública que Deus
me deu, recebi uma porção de idéias feitas para o caminho. Se o leitor tem algum
filho prestes a sair, faça-lhe a mesma coisa. Encha uma pequena mala com idéias e
frases feitas, se puder, abençoe o rapaz e deixe-o ir.