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assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia,
com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a
melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a
Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmo disse da gula,
que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope;
virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas
ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões
de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude,
quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em
grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o
Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do
Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das
mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude
principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir
todas as outras, e ao próprio talento.
As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes
golpes de eloqüência, toda a nova ordem de cousas, trocando a noção delas,
fazendo amar as perversas e detestar as sãs.
Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude.
Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía:
muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem
canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a
todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e
profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era
um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito
superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o
teu chapéu, cousas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo
caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua
palavra, a tua fé, cousas que são mais do que tuas, porque são a tua própria
consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no contraditório. Pois
não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte
do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos,
partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do
homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as
vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do
preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que
era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer
duplicadamente.
E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que
combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não
proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição,
ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma
expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum
salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito
foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro
social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma
exceção foi logo eliminada. pela consideração de que o interesse, convertendo o
respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.
Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a
solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à