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pelo mal em que eu só sou tão culpado,
a Amanhas afrontas, tantas penas.
Por mim, Senhor, no mundo reputado
por falso e por quebrantados da lei
a fama de ti se põe do meu pecado.
Eu, Senhor, sou ladrão; tu, justo Rei;
eu, só furtei; tu, com ladrões padeces;
a pena a-ti se dá do que eu pequei.
Eu, servo sem valor; tu, sumo preço,
em preço vil te pões, por me tirares
do cativeiro eterno, que mereço.
Eu, por perder-te; e tu, por me ganhares,
te dás aos homens baixos, que te vendem,
só para os homens presos resgatares.
A ti, que as almas soltas, a ti prendem;
a ti, sumo Juiz, ante juizes te acusam,
polo error dos que te ofendem.
Chamem-te malfeitor, não contradizes;
sendo tu dos Profetas a certeza,
dizem que quem te fere profetizes.
Ri-se de ti; tu choras a crueza
que sobre eles virá. A gente dura,
por quem tu vens ao mundo, te despreza.
O teu rosto, de cuja formosura
se veste o Céu e o Sol resplandecente,
diante de que muda está a Natura,
com cruas bofetadas da vil gente,
de precioso sangue está banhado,
cuspido, arrepelado cruelmente.
Aquele corpo tenro e delicado,
sobre todos os Santos sacrossanto,
de açoutes rigorosos flagelado;
depois, coberto mal de um pobre manto,
que se pegava às carnes magoadas,
para dobrar-lhe as dores outro tanto.
Magoavam-no as chagas não curadas,
um tormento causando-lhe, excessivo,
ao despir pelas mãos cruéis e iradas.
As santíssimas barbas de Deus vivo,
de resplendor ornadas lhe arrancavam,
para desempenhar Adão cativo.
Com cordas pelas ruas o levavam,
levando sobre os ombros o troféu
das vitórias que as almas alcançavam.
O tu que passas, homem Cireneu,
ajuda um pouco este Homem verdadeiro,
que agora como humano enfraqueceu!
Olha que o corpo, aflito do matreiro
e dos longos jejuns debilitado,
não pode já co peso do madeiro.