www.nead.unama.br
4
Trinta fidalgos, flor da cavalaria, corriam à rédea solta pelas campinas de
Beja; trinta, não mais, eram eles; mas orçavam por trezentos os homens d'armas,
escudeiros e pajens que os acompanhavam. Entre todos avultava em robustez e
grandeza de membros o Lidador, cujas barbas brancas lhe ondeavam, como flocos
de neve, sobre o peitoral da cota d'armas, e o terrível Lourenço Viegas, a quem,
pelos espantosos golpes da sua espada, chamavam o Espadeiro. Eram formoso
espetáculo o esvoaçar dos balsões e signas, fora de suas fundas e soltos ao vento,
o cintilar das cervilheiras, as cores variegadas das cotas, e as ondas de pó que se
levantavam debaixo dos pés dos ginetes, como se levanta o bulcão de Deus,
varrendo a face de campina ressequida, em tarde ardente de verão.
Ao largo, muito ao largo, dos muros de Beja cai a atrevida cavalgada em
demanda dos mouros; e no horizonte não se vêem senão os topos pardo-azulados
das serras do Algarve, que parece fugirem tanto quanto os cavaleiros caminham.
Nem um pendão mourisco, nem um albornoz branco alvejam ao longe sobre um
cavalo murzelo. Os corredores cristãos volteiam na frente da linha dos cavaleiros,
correm, cruzam para um e outro lado, embrenham-se nos matos e transpõem-nos
em breve; entram pelos canaviais dos ribeiros; aparecem, somem-se, tornam a sair
ao claro; mas, no meio de tal lidar, apenas se ouvem o trote compassado dos
ginetes e o grito monótono da cigarra, pousada nos raminhos da giesteira.
A terra que pisam é já dos mouros; é já além da frontaria. Se olhos de
cavaleiros portugueses soubessem olhar para trás, indo em som de guerra, os que
para trás de si os volvessem a custo enxergariam Beja. Bastos pinhais começavam
já a cobrir mais crespo território, cujos outirinhos, aqui e ali, se alteavam suaves,
como seio de virgem em viço de mocidade. Pelas faces tostadas dos cavaleiros
cobertos de pó corria o suor em bagas, e os ginetes alagavam de escuma as redes
de ferro acaireladas d'ouro que só defendiam. A um sinal do Lidador, a cavalgada
parou; era necessário repousar, que o sol ia no zênite e abrasava a terra;
descavalgaram todos à sombra de um azinhal e, sem desenfrear os cavalos,
deixaram-nos pascer alguma relva que crescia nas bordas de um arroio vizinho.
Tinha passado meia hora: por mandado do velho fronteiro de Beja um
almogávar montou a cavalo e aproximou-se à rédea solta de uma selva extensa que
corria à mão direita: pouco, porém, correu; uma frecha despedida dos bosques
sibilou no ar: o almogávar gritou por Jesus: a frecha tinha-se embebido ao lado: o
cavalo parou de repente, e ele, erguendo os braços ao ar, com as mãos abertas,
caiu de bruços, tombando para o chão, e o ginete partiu desenfreado através das
veigas e desapareceu na selva. O almogávar dormia o último sono dos valentes em
terra de inimigos, e os cavaleiros da frontaria de Beja viram o seu transe do repousar
eterno.
— A cavalo! A cavalo! — bradou a uma voz toda a lustrosa companhia do
Lidador; e o tinido dos guantes ferrados, batendo na cobertura de malha dos ginetes,
soou uníssono, quando todos os cavaleiros cavalgaram de um pulo; e os ginetes
rincharam de prazer, como aspirando os combates.
Grita medonha troou ao mesmo tempo, além do pinhal da direita. — "Alá!
Almoleimar!" — era o que dizia a grita.
Enfileirados em extensa linha, os cavaleiros árabes saíram à rédea solta de trás da
escura selva que os encobria: o seu número excedia em cinco vezes o dos soldados
da cruz: as suas armaduras lisas e polidas contrastavam com a rudeza das dos
cristãos, apenas defendidos por pesadas cervilheiras de ferro e por grossas cotas de