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TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 621
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E
MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA
DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
Ana Amélia Camarano
*
Ricardo Abramovay
**
Rio de Janeiro, janeiro de 1999
*
Da Diretoria de Pesquisa do IPEA.
**
Do Departamento de Economia e Procam/USP.
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O IPEA é uma fundação pública
vinculada ao Ministério do
Planejamento e Orçamento, cujas
finalidades são: auxiliar o ministro na
elaboração e no acompanhamento da
política econômica e prover atividades
de pesquisa econômica aplicada nas
áreas fiscal, financeira, externa e de
desenvolvimento setorial.
Presidente
Fernando Rezende
Diretoria
Claudio Monteiro Considera
Luís Fernando Tironi
Gustavo Maia Gomes
Mariano de Matos Macedo
Luiz Antonio de Souza Cordeiro
Murilo Lôbo
TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultados
de estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA,
bem como trabalhos considerados de relevância para disseminação
pelo Instituto, para informar profissionais especializados e
colher sugestões.
ISSN 1415-4765
SERVIÇO EDITORIAL
Rio de Janeiro – RJ
Av. Presidente Antônio Carlos, 51 – 14º andar – CEP 20020-010
Telefax: (021) 220-5533
Brasília – DF
SBS Q. 1 Bl. J, Ed. BNDES – 10º andar – CEP 70076-900
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© IPEA, 1998
É permitida a reprodução deste texto, desde que obrigatoriamente citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são rigorosamente proibidas.
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SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
1 – APRESENTAÇÃO................................................................................1
2 – A DESRURALIZAÇÃO PROGRESSIVA..............................................2
2.1 – Rural, Urbano....................................................................................6
3 – PRINCIPAIS TRAJETÓRIAS REGIONAIS ..........................................6
3.1 – Anos 50: o Modelo Pau-de-Arara......................................................8
3.2 – Anos 60: a Aceleração do Declínio Caipira.......................................9
3.3 – Anos 70: o Sul em Busca do Norte.................................................10
3.4 – Anos 80: no Centro-Oeste, Crescer e Expulsar..............................11
3.5 – Anos 90: o Fim de um Ciclo?..........................................................12
4 – MIGRAÇÕES: O PREDOMÍNIO JOVEM E FEMININO .....................13
4.1 – O Celibato Camponês: a Experiência Internacional........................15
4.2 – Brasil: Gradual Predomínio Masculino entre
os Jovens Rurais.............................................................................16
4.3 – Algumas Diferenças Regionais.......................................................16
5 – CONCLUSÕES E ALGUMAS PERSPECTIVAS................................19
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................21
RESUMO
O trabalho apresenta um conjunto de estimativas de saldos e taxas líquidas de
migrações rural-urbanas por sexo e grupos qüinqüenais de idade para o Brasil
como um todo e as cinco regiões para as décadas de 50, 60, 70, 80 e o primeiro
qüinqüênio dos anos 90. Estas estimativas serviram de base para que fosse
analisado o papel desempenhado pelas várias regiões brasileiras a cada década no
processo de desruralização da população brasileira.
Os movimentos migratórios respondem pelo processo de esvaziamento da
população rural. Em termos nacionais, a intensidade do movimento de desrurali-
zação parece não se ter atenuado muito nos últimos 50 anos. Entre 1950 e 1980, as
áreas rurais das regiões Sudeste e Sul forneceram um volume expressivo de
migrantes para as áreas urbanas.
Nas duas últimas décadas, é do Nordeste que saem do campo os maiores
contingentes populacionais. Também neste período, áreas de expansão de frontei-
ra agrícola como as regiões Centro-Oeste e Norte constituíram-se em expulsoras
de população rural. Entre 1950 e 1980, as áreas rurais das regiões Sudeste e Sul
forneceram um volume expressivo de migrantes para as áreas urbanas.
Nos fluxos de origem rural predominaram as mulheres, com exceção dos anos 60.
A magnitude da sobremigração feminina foi diferenciada temporal e regional-
mente. Uma conseqüência do fenômeno da migração diferencial por sexo é o
aumento da razão de sexos rural e uma redução desta razão nas áreas urbanas,
levando a uma crescente masculinização do meio rural brasileiro.
ABSTRACT
This paper presents a series of rural urban net migration by age and sex for Brazil
as a whole and the five major regions. They refer to the 50s, 60s, 70s, 80s and the
first hald of the 90s. Based on this, it was possible to analyse the importance of the
rural urban migration of each major region on the Brazilian total migration.
Rural-urban migration has been responsible for the reduction of rural population.
At national level, this reduction has continued over the last 50 years. During
1950/80, most of the national rural urban areas was originated in the Southeast
and the South regions. In the last two decades, it was the rural areas of the
Northeast the most important out migration region. Also in this period, areas of
agricultural frontier as the Mid West and the North became out migration area.
Female predominate on the rural-urban migration but it has varied according to
regions and time periods. One consequence is an increase of the rural sex ration
and a reduction of the urban ones.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
1
1 - APRESENTAÇÃO
É bastante difundida — e não só entre os especialistas da área — a informação de
que, entre 1960 e 1980, o êxodo rural brasileiro alcançou um total de 27 milhões
de pessoas. Poucos países conheceram movimentos migratórios tão intensos, quer
se considere a proporção ou a quantidade absoluta da população rural atingida.
Curiosamente, entretanto, desde então, o êxodo rural deixou de traduzir-se em
cifras. A publicação do Censo de 1991 não foi suficiente para que se tivesse uma
idéia precisa do que ocorreu a respeito durante a década de 80. Se os 27 milhões
de migrantes do período 1960/80 estão na ponta da língua de qualquer estudioso
sobre o meio rural, até aqui não se conhecia o êxodo dos anos 80.
É verdade que os resultados do Censo Demográfico de 1991, que permitem a
estimação de saldos migratórios, só foram disseminados em 1996 e isto foi feito,
primeiramente, por meio de CD-rom, o que para a sua leitura exigem-se técnicas e
equipamentos que, na maior parte dos casos, estavam acessíveis apenas a uma
minoria de pesquisadores. Talvez, porém, mais importante que as dificuldades
técnicas de acesso aos dados seja o fato de que o êxodo rural deixou de estar entre
os interesses prioritários dos estudiosos do tema, a começar pelos demógrafos. O
surgimento de novos temas (mortalidade por violência nas grandes cidades,
desemprego urbano, envelhecimento populacional etc.)
responde em parte por esta
situação e o estudo do êxodo rural aparece como assunto pouco promissor. Tudo
se passa como se o esvaziamento social, demográfico e econômico do campo
fosse uma fatalidade inerente ao processo de desenvolvimento ou como se se
acreditasse que o fenômeno estudado já tivesse perdido importância quantitativa.
A importância do êxodo rural é confirmada quando se examinam os dados dos
últimos 50 anos: desde 1950, a cada 10 anos, um em cada três brasileiros vivendo
no meio rural opta pela emigração. Os anos 90 não arrefeceram em muito esta
tendência: se as taxas de evasão do meio rural observadas entre 1990 e 1995
persistirem pelo restante da década, quase 30% dos brasileiros que então viviam
no campo em 1990 terão mudado seu local de residência na virada do milênio.
Por outro lado, entretanto, há ao menos três fatores que desmentem o caráter de
profecia realizada associado com freqüência ao estudo do êxodo rural. Nos países
desenvolvidos, cerca de 1/4 da população vive no meio rural — embora seja muito
minoritária a parcela deste total que exerce atividades agrícolas. Nos Estados
Unidos a população rural está em crescimento e o potencial econômico das áreas
rurais — associadas às cidades que as circundam — vem suscitando interesse cada
vez maior. A própria Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) possui hoje um “serviço de desenvolvimento territorial” [ver Von Meyer
(1998)]. As dinâmicas demográficas do meio rural não estão associadas apenas a
seu esvaziamento, mas também à descoberta de seus novos trunfos.
O segundo fator que torna interessante o estudo da situação demográfica do meio
rural brasileiro é a diferenciação regional quanto aos ritmos dos movimentos
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
2
migratórios ao longo do tempo, cuja expressão mais importante é o
declínio nas
taxas de saída do campo nas regiões Sudeste e Sul nos anos 90.
A terceira novidade associada ao estudo dos movimentos migratórios rurais está
no
envelhecimento e na masculinização
da população que vive no campo. São
cada vez mais os jovens que vêm deixando o meio rural e entre estes é
preponderante a participação das mulheres.
O objetivo deste artigo é apresentar uma série histórica de estimativas de saldos e
taxas líquidas de migrações rural-urbanas por sexo e grupos qüinqüenais de idade
para o Brasil como um todo e as cinco regiões para as décadas de 50, 60, 70, 80 e
o primeiro qüinqüênio dos anos 90. Estas estimativas foram obtidas por métodos
indiretos utilizando-se dados censitários e a Contagem Populacional realizada em
1996. Após um rápido panorama da dinâmica demográfica observada para o Brasil
como um todo (Seção 2), o texto explora, na Seção 3, a hipótese de que as várias
regiões brasileiras foram desempenhando a cada década papéis diferenciados no
processo de
desruralização
.
1
A Seção 4 do trabalho analisa, de maneira sucinta, as implicações demográficas
sobre o meio rural dos deslocamentos populacionais. Esta análise está baseada na
evolução da razão de sexo nas diferentes regiões por faixa etária. Nas conclusões
(Seção 5) são sugeridas algumas perspectivas para a continuidade da pesquisa.
Ressalta-se que este é um trabalho preliminar, primeiro resultado de uma pesquisa
em andamento sobre a evolução histórica dos movimentos migratórios rural-
urbanos e, de maneira mais geral, sobre as condições de vida no campo.
2 - A DESRURALIZAÇÃO PROGRESSIVA
A população rural brasileira atingiu seu máximo em 1970 com 41 milhões de
habitantes, o que correspondia a 44% do total. Desde então o meio rural vem
sofrendo um declínio populacional relativo e absoluto,
chegando em 1996 com um
total de 33,8 milhões de habitantes, ou 22% do total nacional. A redução da
importância da população rural deve-se, fundamentalmente, aos movimentos
migratórios. Mais recentemente, a queda de fecundidade rural contribuiu também
para a diminuição do ritmo de crescimento desta população (ver Tabela 6).
Os movimentos migratórios respondem pelo processo de esvaziamento da
população rural. A Tabela 2 mostra a evolução histórica dos saldos líquidos
migratórios rural-urbanos e as taxas líquidas de migração para as décadas
1
A saída do meio rural não implica, necessariamente, o acesso às condições mínimas próprias da
vida urbana:
desruralização
nem sempre é sinônimo, neste sentido, de
urbanização
[ver
Abramovay e Sachs (1996)].
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
3
compreendidas entre o período 1950/95
2
apresentados em outros trabalhos como o
de Martine (1990, p. 22).
Tabela 1
Brasil — População Rural
Total da População Participação da População Rural no
Total da População (%)
Taxa de Crescimento (%)
1950 38.291.775 63,8 0,12
1960 38.767.423 54,6 0,57
1970 41.054.053 44,1 -0,64
1980 38.509.893 32,4 -0,81
1991 35.213.268 24,5 -0,77
1996 33.879.211 22,0
Fonte: IBGE (vários censos demográficos).
Tabela 2
Estimativas de Saldo Líquido Migratório Rural-Urbano e Taxas Líquidas de
Migração: Brasil — 1950/95
(Em mil hab)
Saldo
Período Homens Mulheres Total Taxa Líquida de
Migração (%)
a
1950/60 -4.839 -5.984 -10.824 -33,0
1960/70 -6.318 -5.146 -11.464 -29,9
1970/80 -6.959 -7.453 -14.413 -34,1
1980/90 -5.621 -6.814 -12.135 -31,4
1990/95
b
-2.696,0 -2.959,4 -5.654,4 -29,3
Fonte dos dados brutos: IBGE (vários censos demográficos). Estimativas realizadas pelos autores.
a
O denominador é a população do começo do período.
b
Taxa decenalizada para permitir
a comparação.
Observa-se, até 1980, um crescimento absoluto do saldo populacional que deixou
as áreas rurais. Aproximadamente 40% da população que vivia nas áreas rurais no
começo dos anos 70 migraram nessa década. O fluxo que deixou o campo nos
anos 80 também foi expressivo: 1/3 de todos os que viviam no meio rural em 1980
dali saiu durante o período, o que representou aproximadamente 13 milhões de
pessoas.
Entre 1990 e 1995 este movimento migratório superou os 5,5 milhões de habitan-
tes. Isto significa que, se esta taxa persistisse durante toda a década, 28% da
população rural que vivia no meio rural em 1990 terão mudado sua residência no
ano 2000. Em outras palavras, o Brasil da virada do milênio persiste no
movimento de desruralização cuja intensidade parece não se ter atenuado muito
2
O saldo líquido migratório rural-urbano é a diferença entre a população rural esperada apenas em
função do crescimento vegetativo (natalidade menos a mortalidade) e a população realmente
encontrada no momento do censo.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
4
nos últimos 40 anos em termos nacionais. Como será visto adiante, nos anos 90,
entretanto, este êxodo concentra-se sobretudo na região Nordeste e
reduz-se de
maneira significativa no Sudeste e no Sul
.
“As mulheres migram mais que os homens”, esta é uma das mais famosas “leis
das migrações rurais” expostas em 1885 por Ravenstein (1885/1980, p. 65),
clássico da literatura demográfica. No entanto, o exame da situação brasileira
mostra que o predomínio feminino nos processos migratórios rural-urbanos só não
aconteceu no Brasil nos anos 60, para quando se estimou uma sobremigração
masculina de aproximadamente 1.200 homens (ver Tabela 2). Nas outras décadas,
a migração feminina superou a masculina mas em magnitude diferenciada. A
maior sobremigração feminina nos fluxos migratórios foi verificada nas décadas
de
50
e 80. Nos anos
50, aproximadamente 1,2 milhão a mais de mulheres, ou seja,
uma
sobremigração
de
19%,
deixaram as áreas rurais. Nos anos 80, este diferencial
absoluto foi de 1,5 milhão de pessoas e o relativo de 22% (ver Tabela 2).
Uma conseqüência do fenômeno da migração diferencial por sexo é o aumento da
razão de masculinidade rural e uma redução desta razão nas áreas urbanas
conforme mostrado no Gráfico 1. É portanto crescente a
masculinização
do meio
rural brasileiro: a razão de sexos cresceu de 1,04 em 1950 para 1,09 em 1996. No
meio urbano, o que se observa é o predomínio crescente da população feminina. A
razão de sexos foi de 0,91 e 0,94 em 1950 e 1996, respectivamente, no meio
urbano.
3
As particularidades regionais e por grupo etário destas diferenças serão
examinadas adiante.
Gráfico 1
Razão de Sexos da População Brasileira por Situação de Domicílio
0,9
0,95
1
1,05
1,1
1950 1960 1970 1980 1991 1996
Urbana
Rural
Outra característica importante é o rejuvenescimento do fluxo migratório rural.
São cada vez mais jovens os que têm deixado o campo. As taxas decenais específi-
cas de migração líquida rural-urbana para o período 1950/95 estão apresentadas nos
Gráficos 2 e 3, para a população masculina e feminina, respectivamente.
3
O aumento da razão de masculinidade rural, principalmente para a população idosa, já foi
mostrado por Bercovich (1993).
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
5
Observando o Gráfico 2, verifica-se um deslocamento do ponto máximo da
distribuição. Na década de 50, o ponto máximo da migração ocorreu no grupo etário
de 30 a 39 anos. Já nos anos 90, este ponto deslocou-se para o grupo de 20 a 24
anos.
Gráfico 2
Estimativas das Taxas Líquidas Migratórias Rurais
(Brasil: População Masculina)
-0,6
-0,5
-0,4
-0,3
-0,2
-0,1
0
0,1
0,2
^
0-4
^
5-9
^
10-14
^
15-19
^
20-24
^
25-29
^
30-39
^
40-49
^
50-59
^
60-69
70 E
MAIS
1950-60 1960-70 1970-80 1980-90 1990-95
Tendência semelhante foi observada para a população feminina. O Gráfico 3 mostra
um deslocamento do ponto máximo da migração do grupo 30 a 39 anos nos anos 50
para 15 a 19 anos no primeiro qüinqüênio da década de 90. A tendência observada
nos anos 90, em relação aos anos 80, é a de um decréscimo das taxas de migração da
população maior de 20 anos e um acréscimo naquelas com idade inferior.
Gráfico 3
Estimativas das Taxas Líquidas Migratórias Rurais
(Brasil: População Feminina)
-0,6
-0,5
-0,4
-0,3
-0,2
-0,1
0
0,1
0,2
^
0-4
^
5-9
^
10-14
^
15-19
^
20-24
^
25-29
^
30-39
^
40-49
^
50-59
^
60-69 70 E
MAIS
MAIS
1950-60 1960-70 1970-80 1980-90 1990-95
Por outro lado a emigração rural, aliada à mais alta fecundidade no campo, levou
também a que a
razão de dependência rural
fosse mais alta do que a urbana.
4
Em
1996, esta variou de 0,74 nas áreas rurais a 0,55 nas áreas urbanas, onde tem
decrescido ao longo do tempo em virtude da queda da fecundidade que reduz o peso
da população jovem no total da população.
4
A razão de dependência relaciona a população considerada demograficamente dependente
(menor de 15 anos e maior de 64) com a demograficamente considerada ativa (entre 15 e 65 anos).
Quanto mais alta a razão maior é a carga que recai sobre a população ativa.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
6
Tabela 3
Razão de Dependência por Situação de Domicílio: Brasil — 1960/96
1960 1970 1980 1991 1996
Rural 0,89 0,91 0,86 0,73 0,73
Urbana 0,66 0,67 0,59 0,52 0,55
Fonte: IBGE (vários censos demográficos).
2.1 - Rural, Urbano
Não existe critério universalmente válido para a delimitação das fronteiras entre o
rural e o urbano. Na Espanha, em Portugal, na Itália e na Grécia, são rurais os
habitantes que vivem em assentamentos humanos com menos de 10 mil habitantes
— e que guardam, bem entendido, uma certa distância dos centros metropolitanos
[Bartolomé (1996, p. 55)]. Na França este limite é estabelecido em 2 mil
habitantes. Vários países latino-americanos (Argentina, Bolívia, México,
Venezuela, Honduras, Nicarágua, Panamá) adotam igualmente um limite
populacional que varia entre mil e 2,5 mil habitantes na definição de população
rural. Na Costa Rica, no Haiti, Uruguai e em Cuba são rurais as localidades com
“características não-urbanas”. No Chile, além do patamar populacional a
localidade rural deve ter menos de 50% de sua população ativa ocupada em
atividades secundárias [Dirven (1997, p. 79)].
No Brasil, bem como no Equador, na Guatemala, na República Dominicana e em
El Salvador, o critério tem natureza mais administrativa que geográfica ou
econômica. O que vale não é a intensidade ou certas qualidades dos assentamentos
humanos, mas o fato de serem considerados administrativamente como urbanos
ou não pelos poderes públicos municipais. Segundo a definição do IBGE (1997),
“na situação urbana consideram-se as pessoas e os domicílios recenseados nas
áreas urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas
(sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. A situação rural abrange a
população e os domicílios recenseados em toda a área situada fora dos limites
urbanos, inclusive os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os
núcleos”. Este critério contribui para uma certa subestimação da população rural:
sedes municipais e mesmo distritais com algumas poucas centenas de residências
são consideradas urbanas.
3 - PRINCIPAIS TRAJETÓRIAS REGIONAIS
Esta seção examina o comportamento dos fluxos migratórios nas cinco grandes
regiões brasileiras a partir de duas perguntas:
a) Qual a participação de cada região do país no total de migrantes rurais? A
Tabela 4 mostra que é do Nordeste, por exemplo (com exceção dos anos 60), que
saem do campo os maiores contingentes populacionais. Do êxodo rural de 5,8
milhões de habitantes nos anos 90, mais da metade é composta de nordestinos.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
7
Tabela 4
Estimativas de Saldo Líquido Migratório por Regiões e sua Distribuição
Proporcional —1950/95
(Em mil hab e %)
1950/60 1960/70 1970/80 1980/90 1990/95
Norte -297,2 2,7 -362,7 3,2 125,1 -0,9 271,6 2,2 -467,1 8,1
Nordeste -5.009,9 46,3 -3.083,9 27,0 -4.912,0 34,1 -5.419,5 44,6 -3.154,10 54,6
Sudeste -3.895,0 36,0 -6.011,4 52,7 -4.512,2 31,3 -3.126,5 25,7 -1.043,10 18,0
Sul -1.397,5 12,9 -1.624,3 14,2 -4.184,8 29,0 -2.695,0 22,2 -808,4 14,0
Centro-Oeste -224,5 2,1 -329,9 2,9 -929,1 6,4 -1.175,1 9,7 -308,6 5,3
Brasil -10.824,1 100 -11.412,2 100 -14.413,0 100 -12.144,5 104 -5.781,30 100
Fonte dos dados brutos: IBGE (vários censos demográficos).
b) Qual a incidência do êxodo sobre a população rural de cada região do país ? É
verdade que são os nordestinos que fornecem — com exceção dos anos 60 — a
grande maioria dos migrantes rurais brasileiros. Em termos regionais, entretanto, é
somente nos anos 50 e agora nos anos 90 que a taxa de desruralização nordestina é
superior à das outras regiões do país, como se vê na Tabela 5. Apesar da
magnitude absoluta do êxodo nordestino, sua perda de população rural é
proporcionalmente menor que a do Sudeste e do Sul entre 1960 e 1970, menor que
a do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste entre 1970 e 1990, e é somente nos anos
90 que o Nordeste volta a perder, em termos relativos, mais população rural que as
outras regiões do país.
Tabela 5
Taxa Líquida Migratória — 1950/95
1950/60 1960/70 1970/80 1980/90 1990/95*
Norte -18,5 -22,6 6,3 9,6 21,5
Nordeste -30,8 -14,9 -20,1 -22,4 31,1
Sudeste -30,6 -46,5 -40,6 -35,2 25,9
Sul -18,9 -22,0 -45,5 -37,7 -30,2
Centro-Oeste -11,6 -17,0 -35,2 -48,8 -38,5
Brasil -25,4 -26,5 -31,6 -28,4 -29,3
Fonte: Tabela 4.
* Taxas decenalizadas.
As respostas a estas duas perguntas nos permitem sugerir sucessivos
ciclos
regionais
de movimentos rural-urbanos, detalhados a seguir.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
8
3.1 - Anos 50: o Modelo “Pau-de-Arara”
Dos 11 milhões de migrantes rurais brasileiros dos anos 50, quase metade (46,3%)
vinha do Nordeste.
5
Isto não é surpresa pois a década é conhecida como o período
de maior migração
inter-regional
: a construção da estrada Belém-Brasília, da nova
capital federal, as grandes migrações para as áreas metropolitanas e mesmo as
migrações para o trabalho na colheita de café em São Paulo e no norte do Paraná,
além de grandes secas no Nordeste brasileiro, estão entre as principais explicações
do fenômeno. O contingente populacional que deixou as áreas rurais nordestinas
correspondeu a pouco menos de 1/3 (30,6%) da população que vivia no Nordeste
no início da década (ver Tabelas 4 e 5).
O Sudeste aparece também com números expressivos: quase 4 milhões de
habitantes deixam o campo, o que corresponde a 30,6% da população rural do
início da década, engrossando, provavelmente, as áreas metropolitanas da própria
região, então em franco crescimento. Neste momento — e isso perdura até
certamente o início dos anos 80 — o êxodo rural contribui para a expansão
populacional das áreas metropolitanas de maneira mais importante que o seu
crescimento vegetativo.
Aproximadamente 19% da população da região Norte deixaram as áreas rurais nos
anos 50. Sua participação no fluxo total de migrantes rurais brasileiros é irrisória
(2,7%), dado o baixo contingente populacional da região. O mesmo pode ser dito
do Centro-Oeste (ver Tabelas 4 e 5).
O êxodo rural da região Sul nos anos 50 (boa parte intra-regional) atinge 18,9% da
população rural no início do período e contribui com apenas 13% dos migrantes
rurais brasileiros. Como estas cifras se referem ao saldo migratório, ou seja, ao
balanço entre entradas e saídas de migrantes, não permitem identificar provavel-
mente dois tipos de movimentos em sentido contrário observados na região:
algumas regiões do Rio Grande do Sul expulsam população em direção às cidades,
enquanto outras (oeste de Santa Catarina, sudoeste do Paraná e norte do Paraná)
estão recebendo novos habitantes rurais, em geral vindos do Alto Uruguai gaúcho.
As altas taxas de crescimento vegetativo observadas em todas as regiões rurais
brasileiras, resultado de taxas de fecundidade crescentes e mortalidade decrescente
(ver Tabelas 6 e 7), contribuem para explicar por que, apesar da magnitude do
êxodo rural, a população do campo mantém-se estável, em termos absolutos.
Durante todo o período considerado, a região Nordeste apresentou taxas de
5
Esta estimativa deve ser vista com cautela, já que seu resultado é obtido através da comparação
dos Censos de 1950 e de 1960. O Censo de 1960 apresentou vários problemas e na sua publicação,
feita apenas a partir de 1976, não se encontram todas as informações. Por exemplo, os dados que
permitem medir as taxas de fecundidade e mortalidade por situação de domicílio não foram
publicados. As estimativas aqui apresentadas utilizaram a função fecundidade e mortalidade da
década, tendo as diferenças por situação de domicílio sido corrigidas usando-se os diferenciais
dios observados entre 1940/50 e 1960/70. A dificuldade causada pelo Censo de 1960 levou a
que Martine (1990, p. 22) observasse: “Por incrível que possa parecer, não se encontra facilmente
na literatura uma estimativa global da emigração líquida do campo para a década de 50”.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
9
fecundidade bem mais altas do que as demais regiões. Muito embora a
mortalidade desta região, medida pela menor esperança de vida ao nascer, também
seja mais alta, o seu crescimento vegetativo era mais elevado do que o das demais
regiões. No entanto, isto não explica a sua maior parcela de população rural, pois
as taxas de migração rural-urbanas desta região são relativamente mais baixas do
que as das demais regiões. Por outro lado, explica o elevado contingente popula-
cional (em termos absolutos) que deixa as áreas rurais nordestinas.
Tabela 6
Taxas de Fecundidade Total:
*
Brasil Rural — 1940/85
1940/45 1960/65 1970/75 1980/85
Norte 6,08 7,28 6,75 5,82
Nordeste 7,93 7,78 7,29 6,24
Sudeste 7,17 7,04 5,64 4,31
Sul 6,78 6,96 5,42 3,69
Centro-Oeste 6,39 6,87 6,00 4,08
Brasil
Fonte dos dados brutos: IBGE (vários censos demográficos). Estimativas dos autores.
*
Média de filhos tidos por mulher no final do período reprodutivo dadas as condições vigentes de fecundi-
dade.
Tabela 7
Esperança de Vida ao Nascer:
*
Brasil Rural — 1945/85
1945 1955 1975 1985
Homens
Norte 37,6 51,4 60,9 62,8
Nordeste 34,8 43,3 49,9 53,8
Sudeste 42,5 54,3 60,5 65,8
Sul 49,9 53,7 65,3 69,1
Centro-Oeste 45,1 56,0 62,2 66,4
Brasil
Mulheres
Norte 41,5 55,6 66,2 69,8
Nordeste 37,5 46,4 55,2 61,5
Sudeste 46,5 58,2 67,6 72,9
Sul 52,9 57,9 71,3 76,2
Centro-Oeste 48,9 60,1 67,7 73,2
Brasil
Fonte dos dados brutos: IBGE (vários censos demográficos). Estimativas dos autores.
*
Número médio de anos que um recém-nascido espera viver dadas as condições vigentes de mortalidade.
3.2 - Anos 60: a Aceleração do Declínio Caipira
Essa é a única década em que a maior parte dos migrantes rurais brasileiros não
teve origem no Nordeste. Nenhuma região brasileira, em qualquer momento de
sua história, sofreu uma emigração tão importante quanto o Sudeste rural dos anos
60: nada menos que 6 milhões de pessoas deixam o meio rural da região, metade
de toda a migração rural nacional e 46,5% dos que habitavam o meio rural do
Sudeste em 1960 (ver Tabelas 4 e 5).
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
10
Martine (1990, p. 22) atribui esse movimento às mudanças técnicas por que passa
a agricultura da região (sobretudo São Paulo), bem como aos chamados “fatores
de atração”, que já estavam operando durante os anos 50 com a expansão das
grandes cidades da região. A erradicação de cafezais, sua substituição por
pastagens e a dissolução das “colônias” de fazendas que se seguiu à maneira como
a legislação trabalhista foi usada em situação de regime militar contribuíram para
este impressionante movimento populacional do Sudeste. O resultado é que,
apesar das altíssimas taxas de fecundidade [que passam de 7,17 a 7,04 entre
1940/45 e 1960/65 (ver Tabela 6)], observou-se uma redução absoluta da
população rural regional de 800 mil pessoas — contrariamente às outras áreas do
país onde a população continuou a crescer. É durante os anos 60 que ocorre, então,
a grande desruralização da região Sudeste.
Os 3,1 milhões de migrantes rurais nordestinos dos anos 60 correspondem a 27%
do total nacional e a 1/5 da população rural nordestina do início do período. A
redução das secas, o caráter relativamente tardio que teve a expulsão dos
trabalhadores rurais para a “ponta de rua” no Nordeste (que se intensifica na
década seguinte com a não aplicação das conquistas obtidas com o Estatuto do
Trabalhador Rural) e a redução das oportunidades de trabalho derivadas tanto da
erradicação dos cafezais no Sul como do menor crescimento econômico nacional e
da inexistência de grandes obras como as da década anterior contribuem para
explicar este menor nível migratório do Nordeste. A partir de então, como nos
anos 50, o migrante rural brasileiro será antes de tudo um nordestino (ver Tabelas
4 e 5), embora, como já foi assinalado, é somente durante os anos 90 que a taxa de
desruralização nordestina ultrapassa as das regiões Sul, Sudeste mas não
ultrapassa a do Centro-Oeste.
3.3 - Anos 70: o Sul em Busca do Norte
Os anos 70 são a maior testemunha de que nem sempre o êxodo rural está
associado à transformação na base técnica dos sistemas produtivos na agricultura.
As duas regiões fornecedoras de migrantes rurais ao Brasil são o Nordeste
(provavelmente numa retomada das migrações inter-regionais) com quase 5
milhões de pessoas e novamente o Sudeste com apenas 500 mil a menos. Neste
último caso, é bastante verossímil que a mecanização (aliás subsidiada), a
pecuarização e a continuidade da dissolução das colônias de fazenda tenham se
associado a um mercado de trabalho urbano em expansão para provocar, depois
dos 6 milhões dos anos 60, mais um fluxo de quase 4,5 milhões de pessoas no
Sudeste (ver Tabela 4).
No caso do Nordeste, entretanto, essa nova leva de 5 milhões de migrantes pode
estar influenciada por um certo nível de pecuarização, mas relaciona-se antes de
tudo com a expulsão generalizada de “moradores” dos engenhos e com as
oportunidades ainda maiores de migrações inter-regionais, voltadas para trabalhos
assalariados de baixa qualificação durante a época do milagre econômico (ver
Tabela 4).
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
11
A grande novidade com relação aos anos anteriores, entretanto, está no Sul.
Durante os anos 70, quase metade (45,5%) da população rural que residia nesta
região no início da década sai do campo e vem daí nada menos que 29% de todos
os migrantes rurais do país (Tabelas 4 e 5). Nestes 10 anos, sua população rural
tem uma redução de 2 milhões de habitantes. Os subsídios, os incentivos
econômicos e o aparato institucional mobilizados para estimular a adoção de
técnicas produtivas e culturas altamente poupadoras de mão-de-obra são
certamente a razão principal de um êxodo tão rápido.
6
Além disso, numa região em que é muito importante o peso social da agricultura
familiar, as taxas de fecundidade das décadas anteriores foram suficientemente
altas para que se reduzissem significativamente as possibilidades de criação de
novas unidades produtivas na própria região para aqueles (ainda numerosos) que
desejavam continuar na profissão dos pais [ver Abramovay
et alii
(1997)]. As
chances de expansão da fronteira agrícola do próprio Sul eram pequenas e a região
Norte começa a representar para muitos agricultores do Paraná e Santa Catarina o
que o oeste destes estados representou anteriormente para seus pais, vindos do Rio
Grande do Sul.
É daí que virão os chamados “gaúchos”, fundamentais na ocupação da Transama-
zônica e que vitalizaram as áreas rurais do Norte do país durante os anos 70 e 80,
transformando-as em zonas de crescimento da população rural. O saldo migratório
líquido regional do Norte é positivo neste período e a população rural ganha entre
1960 e 1980 um total de 1,2 milhão de pessoas.
Durante os anos 70, o Centro-Oeste passa por importante processo de expulsão da
população rural (35,2% da população de início do período), mas nacionalmente
pouco expressivo. Sua população rural, contrariamente ao que ocorreu na década
anterior, já começa a reduzir-se em termos absolutos, o que vai acentuar-se
durante
os
anos
80,
a
década
da
desruralização
do
Centro-Oeste (ver Tabelas 4 e 5).
Foi também neste período que a fecundidade das áreas rurais iniciou um processo
de redução acentuada, que se manifestou mais claramente nas regiões Sudeste, Sul
e Centro-Oeste. A redução da fecundidade contribui, no curto prazo, para a
desaceleração no ritmo de crescimento populacional e, no médio, para uma
diminuição do êxodo rural em termos absolutos.
3.4 - Anos 80: no Centro-Oeste, Crescer e Expulsar
O padrão que imperou na expansão da fronteira agrícola em direção ao Centro-
Oeste (e que determinou a importância da região na oferta nacional de grãos)
responde em grande parte pelo seu nítido esvaziamento demográfico rural nos
6
As políticas brasileiras do período são citadas por especialistas do Banco Mundial — juntamente
com as do Paquistão, do Sudão e da Etiópia — como responsáveis pela distorção nas relações de
preços entre os fatores produtivos e, conseqüentemente, pela eliminação de inúmeras unidades
produtivas familiares que explicam boa parte do êxodo massivo da região Sul no período
[Binswanger e Von Braun (1993, p. 181)].
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
12
anos 80. A soja no cerrado (estimulada não só por um poderoso e eficiente aparato
de pesquisa agrícola, mas pelo oferecimento de garantias de preços em que
pesados subsídios públicos estavam embutidos) junta-se à tradição pecuária para
construir um meio rural cujas atividades econômicas demandam pouca mão-de-
obra. Durante os anos 80, quase a metade (48,8%) da população rural do Centro-
Oeste toma o caminho da migração. Como em termos absolutos esta população
era pequena, o impacto no total nacional de migrações é baixo: apenas 9,7% (ver
Tabelas 4 e 5).
Mais uma vez, como já foi assinalado, é do Nordeste que vem a grande maioria
dos migrantes rurais: 5,4 milhões de nordestinos deixam o campo durante a
década. Mas eles são pouco menos de 1/4 da população rural regional. Há
indicações de que a grande mudança com relação à década anterior é que este
êxodo rural adquiriu um caráter predominantemente intra-regional. Estimativas do
saldo líquido migratório inter-regional (rural e urbano) apontam para uma redução
de 2,3 milhões do saldo líquido migratório dos anos 60 para 1,1 milhão nos anos
80 [ver Camarano
et alii
(1997, p. 14-15)]. Além de uma redução na emigração
regional há indicações de que o fluxo oriundo das áreas rurais teria se concentrado
mais nas cidades de pequeno e médio portes (ver Tabelas 4 e 5).
Nos anos 80, a população rural nordestina apresentou, pela primeira vez, um
declínio absoluto de mais de 5 milhões de pessoas. Este fenômeno é resultado da
combinação da elevada taxa de migração rural-urbana com uma queda nas taxas
de fecundidade, que passou de 7,3 filhos para 6,3 filhos no período (ver Tabela 6).
A mortalidade, medida pela esperança de vida ao nascer apresentada na Tabela 7,
decresceu no período mas num ritmo menor do que nas demais regiões do país.
3.5 - Anos 90: o Fim de um Ciclo?
Mais que nunca o êxodo rural brasileiro dos anos 90 é um fenômeno nordestino.
De todos os migrantes rurais do país, 54,6% saíram do Nordeste entre 1990 e 1995
(ver Tabela 4), o que representou 31,1% da população que vivia na zona rural da
região no início da década. A população rural nordestina apresentou uma redução
absoluta de 1,2 milhão de pessoas nesses cinco anos como resultado do êxodo
rural e da queda da fecundidade. Mas foi o Centro-Oeste a região brasileira que
mais se desruralizou durante a década (ver Tabela 5).
A primeira grande novidade dos anos 90 parece estar nas regiões Sudeste e Sul. O
êxodo rural do Sudeste vem declinando em termos absolutos e relativos desde
1970. As taxas líquidas de migração nos anos 90 (se as atuais taxas forem
mantidas ao longo da década) estarão pela primeira vez abaixo de 30% (contra
uma seqüência histórica bem superior, como se vê na Tabela 5). A população rural
do Sudeste (que havia perdido, em termos absolutos, quase 1,4 milhão de
habitantes entre 1980 e 1991) foi reduzida entre 1990 e 1995 em apenas 357 mil
pessoas. No Sul a taxa de migração — que fora de quase 40% nos anos 80, (ver
Tabela 5) — cai agora para aproximadamente 30%. A perda populacional rural
absoluta
dos
anos
80,
de
pouco
mais
de
1,5
milhão
de
habitantes,
é agora
de
334
mil.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
13
A outra novidade importante vem da região Norte, que entre 1970 e 1990 atraiu
mão-de-obra e agora, durante os anos 90, assiste também a uma perda populacio-
nal de mais de 20%.
Em suma, apesar de sua magnitude global, os anos 90 parecem apontar em duas
direções diferentes: por um lado, regiões em que o êxodo é ainda muito
significativo (sobretudo o Nordeste, mas também, embora com população rural
menor, o Centro-Oeste). Por outro, o Sudeste e o Sul, em que há uma emigração
importante mas onde não se deve esperar um declínio tão significativo da
população hoje residente no campo, dado, inclusive, ao fato de se observar um
reduzido contingente populacional residindo lá atualmente.
O que ocorre sim é a mudança na composição etária e por sexo do êxodo rural,
que vai incidir sobre o tipo de população que habita o campo. É o que será visto a
seguir.
4 - MIGRAÇÕES: O PREDOMÍNIO JOVEM E FEMININO
O estudo histórico do êxodo rural parece contradizer aquilo que, no final do século
passado, Ravenstein (1885/1980) apontou como lei dos processos migratórios: na
verdade, “num primeiro período do êxodo rural, são os homens que partem para
trabalhar fora, em migração sazonal ou definitiva. As mulheres não têm razão para
partir, pois não encontram emprego fora do campo e elas permanecem integradas
na vida social e familiar do povoado (
village
) tradicional, da qual elas têm mais
dificuldade de escapar” [Mendras (1976/1995, p. 235)]. Henri Mendras cita
inúmeros exemplos históricos deste fenômeno, já a partir do século XVIII,
quando, na Europa, o êxodo rural é um movimento fundamentalmente masculino.
O próprio desenvolvimento do êxodo rural contribui para mudar esta situação. A
partir de um certo momento “(...) são as mulheres que partem mais rapidamente e
em maior número, pois os homens ficam retidos por seu ofício e sua unidade
produtiva, enquanto as mulheres são mais atraídas pelas atividades terciárias
urbanas” [Mendras (1976/1995, p. 236)].
Num sentido bastante semelhante, Durston (1996
b
, p. 50) levanta a hipótese de
que “(...) num primeiro estágio da transição demográfica/ocupacional jovens
rapazes pouco qualificados emigram, em geral temporariamente, para suplementar
a escassa renda da família, especialmente nas etapas iniciais de formação de seus
próprios lares, quando têm pouco capital, terra herdada ou trabalho para permitir
sua sobrevivência no interior de sua própria unidade produtiva. Num estágio
seguinte desta dupla transição, as moças estão mais expostas a alternativas à vida
numa cultura ‘machista’ tradicional e alcançam mais anos de educação formal que
podem servir como passaporte para trabalhos qualificados e freqüentemente não
manuais, num novo ambiente”.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
14
Se a hipótese levantada por Mendras e por Durston for verdadeira, então o meio
rural brasileiro encontra-se na segunda fase dos processos migratórios: os
migrantes rurais brasileiros são cada vez mais jovens e, entre eles, é crescente a
proporção de moças.
Por que razão as moças migram mais e por que esta tendência se manifesta de
maneira desigual em diferentes regiões e períodos históricos?
Somente pesquisas regionalizadas podem responder de maneira precisa a esta
pergunta. Três hipóteses básicas devem ser levantadas neste sentido:
a
) As migrações estão relacionadas diretamente à oferta de trabalho no meio
urbano e o predomínio de moças vincula-se à expansão do setor de serviços, tanto
em empresas como em residência. Em 1995, aproximadamente 19% da PEA
urbana brasileira estavam ocupadas em atividades domésticas [ver Melo (1998)].
7
b
) Em algumas situações, o caráter seletivo das migrações está ligado a dinâmicas
intrafamiliares em que as moças têm uma carga de trabalho pesada no interior das
unidades de produção familiar, sem qualquer contrapartida que lhes indique
horizontes em que sua permanência no campo possa ser valorizada. Deixar a
residência paterna é o caminho mais curto para a independência econômica, apesar
dos inconvenientes ligados ao trabalho de doméstica. A própria família estimula
esta migração, uma vez que são bem reduzidas as chances de as moças poderem se
estabelecer como agricultoras ou esposas de agricultores [Abramovay
et alii
(1997)].
c
) Outro caminho a ser explorado quanto à explicação do êxodo rural feminino e
jovem e que não é incompatível com o que acaba de ser mencionado) está na
ligação entre processos migratórios e formação educacional
. A tradição latino-
americana [da qual o Brasil não é exceção, como mostra o relatório da FAO
(1995)] neste sentido é que fica no campo o filho ao qual “
la cabeza no le dá para
más
” — assim, valoriza-se mais o estudo das moças (com a perspectiva de que
saiam do campo) que o dos rapazes.
8
Dados da Cepal [Durston (1997)] mostram
que no Brasil rural 55% dos rapazes têm menos de quatro anos de estudo. A
precariedade da situação educacional das moças também é grave, mas menos que
a dos rapazes: 42% das jovens rurais têm menos de quatro anos de estudo. Para
que se tenha uma idéia da posição do Brasil na América Latina quanto a este
aspecto, no Chile apenas 5% dos rapazes (e 4% das moças) estão nesta situação e
mesmo no México as cifras são bem menos graves que no Brasil: 27% dos rapazes
e 21% das moças.
7
Segundo ela,
a categoria trabalhadores domésticos é essencialmente feminina: mais de 90% dos seus
trabalhadores foram e são mulheres. Em 1985 havia cerca de 3,5 milhões (93,57%) de mulheres para apenas
cerca de 250 mil (6,43%) homens, e em 1995 são 4,8 milhões (93,16%) de mulheres para 350 mil (6,84%)
homens empregados nesse tipo de atividade.
8
Vários exemplos são citados neste sentido na mais importante publicação latino-americana a
respeito: Cepal (1996). Ver, ainda, Cepal (1995) e FAO (1995).
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
15
O desenvolvimento destas hipóteses virá numa etapa posterior da pesquisa. O
objetivo aqui é bem mais modesto: serão expostas, em primeiro lugar, algumas
informações internacionais sobre envelhecimento e masculinização do meio rural
para
em
seguida
serem
examinadas as principais informações brasileiras a respeito.
4.1 - O Celibato Camponês: a Experiência Internacional
Uma das preocupações explícitas da União Européia ao reformar sua política
agrícola em 1992 foi evitar aquilo que na França é conhecido como “desertifi-
cação rural” [Abramovay (1994)]. Por mais que haja um certo exagero no termo, o
fato é que hoje nos países capitalistas centrais quase ninguém encara o esvazia-
mento social do campo como uma contrapartida natural (e no limite desejável) do
progresso. Ao contrário, há inúmeras políticas públicas na Europa e nos Estados
Unidos voltadas ao povoamento do meio rural.
O envelhecimento e a masculinização do meio rural são, talvez, a expressão mais
flagrante de seu declínio. É bem verdade que, nos últimos anos, as migrações de
retorno de populações aposentadas e com um bom nível de renda têm contribuído
para inverter processos de desagregação que pareciam irreversíveis [Cromartie e
Calvin (1997)]. Mas é claro que a ausência de jovens e a desproporção entre os
sexos acabam por comprometer as próprias chances desta retomada.
Nos últimos 20 anos, na França, o número de aposentados vivendo no meio rural
aumentou 60%. Em 1982, havia 58 pessoas com mais de 65 anos para cada grupo
de 100 jovens com menos de 20 anos [Hervieu (1993, p. 40)]. Ainda na França,
nos grupos de idade entre 26 e 27 anos, 54% dos homens (mas apenas 31% das
moças) moram em suas comunas de nascimento. Neste mesmo grupo de idade,
30% dos rapazes e somente 15% das moças moram ainda com os pais [Kayser
et
alii
(1994, p. 81)].
A conjugação destes dois fatores (envelhecimento e masculinização) está na raiz
de um fenômeno conhecido na França como “
célibat paysan
” [Bourdieu (1979)].
Em 1990, entre os homens que exerciam a profissão agrícola 1/3 não se tinha
casado até a idade de 35 anos e 1/6 até a idade de 45 anos [Insee (1993, p. 47)].
Em alguns países europeus há inclusive agências matrimoniais especializa das no
tema. Uma pesquisa realizada em 1987 na Bavária mostra que apenas 4% das
jovens rurais querem casar com agricultores, sendo que 41% não o fariam em
nenhuma circunstância [Gasson e Errington (1993, p. 147)].
A única informação agregada latino-americana a respeito está num trabalho da
Cepal (1995, p. 8): em 1995 havia 5,2 milhões de homens a mais que mulheres na
zona rural latino-americana. Nos grupos entre 15 e 29 anos, esta diferença chegava
a 1,8 milhão — há 12% a mais de jovens homens, não muito distante da situação
média do Brasil, como será visto a seguir.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
16
4.2 - Brasil: Gradual Predomínio Masculino entre os Jovens Rurais
O principal instrumento estatístico para estudar o tema proposto é a razão de sexo,
já mostrada anteriormente. Este indicador foi calculado para o Brasil como um
todo, para as cinco regiões e também por faixas etárias como se vê no Gráfico 4.
Gráfico 4
Razão de Sexos da População Rural por Grupos de Idades por Grupos
de Idade: Brasil
0,80
1,00
1,20
1,40
0 A 4 5 A 9 10 A 14 15 A 19 20 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 59 60 A 69 70 +
1950
1960
1970
1980
1991
O que mais chama a atenção nesse gráfico é a coerência da evolução da razão de
sexo nas faixas situadas entre 15 e 29 anos. Em 1950, há mais moças que rapazes
no meio rural brasileiro. Em 1960, a proporção entre os sexos é praticamente a
mesma para ir aumentando a cada década o predomínio populacional dos rapazes.
Em 1996, o número de rapazes na faixa de 15 a 24 anos foi superior em 14% ao
número de moças.
Esses dados são bastante coerentes com a impressão transmitida por alguns
(poucos) trabalhos de campo que abordaram o tema e que falam, durante os anos
90 (sobretudo no Sul do país), de um êxodo predominantemente jovem e feminino
[Deser/Unijuí/Assesoar (1992), MMA/Deser (1994) e Abramovay
et alii
(1997)].
Apesar da importância dessas informações nacionais, seu nível de agregação
praticamente impede a elaboração de hipóteses que expliquem esta tendência à
predominância masculina entre os jovens rurais. Somente o estudo regional
permite avançar neste sentido.
4.3 - Algumas Diferenças Regionais
O aumento no predomínio masculino entre os jovens rurais é nítido, sobretudo, no
período mais recente em todas as regiões brasileiras, como mostram os Gráficos 5
a 9. O primeiro contraste interessante a ser observado neste sentido refere-se ao
Nordeste, que é a região cuja área rural apresenta o menor grau de masculinização,
com uma razão de sexo de 1,06 em 1995, inferior à média nacional.
Razão de Sexos da População Rural por Grupos de Idades Brasil
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
17
Gráfico 5
Razão de Sexos da População Rural por Grupos de Idade: Região Norte
0,8
0,9
1
1,1
1,2
1,3
1,4
1,5
0 A 4 5 A 9 10 A 14 15 A 19 20 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 59 60 A 69 70 E
MAIS
1950
1960
1970
1980
1991
Gráfico 6
Razão de Sexos da Popula
ç
ão Rural por Grupos de Idade:
Re
g
ião Nordeste
0,8
0,9
1
1,1
1,2
1,3
1,4
1,5
0 a 4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70+
1950
1960
1970
1980
1991
Gráfico 7
Razão de Sexos da População Rural por Grupos de Idade: Região Sudeste
0,8
0,9
1
1,1
1,2
1,3
1,4
1,5
0 A 4 5 A 9 10 A 14 15 A 19 20 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 44 50 A 59 60 A 69 70 E
MAIS
1950
1960
1970
1980
1991
E
MAIS
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
18
Gráfico 8
Razão de Sexos da População Rural por Grupos de Idade: Região Sul
0,8
0,9
1
1,1
1,2
1,3
1,4
1,5
0 a 4 5 A 9 10 A 14 15 A 19 20 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 59 60 A 69 70 E
MAIS
1950
1960
1970
1980
1991
Gráfico 9
Razão de Sexos da População Rural por Grupos de Idade:
Região Centro-Oeste
0,8
0,9
1
1,1
1,2
1,3
1,4
1,5
0 A 4 5 A 9 10 A 14 15 A 19 20 A 24 25 A 29 30 A 39 40 A 49 50 A 59 60 A 69 70 E
MAIS
1950
1960
1970
1980
1991
Apesar dessa diferença — que puxa a média brasileira para baixo —, o que chama
a atenção no Nordeste é a rápida evolução na razão de sexo na população entre 15
e 30 anos. Até 1970, a razão de sexo nas faixas de 15 a 30 anos era menor do que
um no meio rural do Nordeste, corroborando as hipóteses citadas anteriormente de
Mendras e Durston. Em 1980, no grupo de 15 a 20 anos a situação começa a se
inverter, mas entre 20 e 30 anos o predomínio é feminino. Em 1991, a tendência
ao predomínio dos rapazes permanece e, em 1996, a razão de sexo na faixa entre
15 e 24 anos praticamente alcança a média nacional e aquela entre 25 e 29 fica um
pouco abaixo.
A segunda região rural menos masculinizada do Brasil é o Sul, com uma razão de
sexo equivalente à do país como um todo. O processo de masculinização começou
nesta área bem mais cedo que no Nordeste e esta situação vem desde 1960. O que
chama a atenção, mesmo assim, é a progressão da razão de sexo nas faixas entre
15 e 30 anos, sobretudo naquela entre 15 e 19 anos que passa de 1,03 em 1960
para 1,13 em 1995.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
19
Desde os anos 50, a razão de sexo no Sudeste é superior a um. Mas também nessa
área observa-se um aumento considerável nas faixas jovens, sobretudo nas de 15 e
24 anos. Em 1950, a razão de sexo entre 15 e 19 anos era de 1,03 e entre 20 e 24
anos de 1,04: passam em 1996 a 1,13 e a 1,11, respectivamente.
Na região Norte, esta tendência recente ao predomínio dos rapazes no meio rural é
ainda mais acentuada. O Centro-Oeste é, em 1996, a região rural mais masculini-
zada do país. Sua razão de sexo é de 1,21 nesse ano. Na faixa de 25 a 29 anos
chega a 1,23.
5 - CONCLUSÕES E ALGUMAS PERSPECTIVAS
A desruralização continua marcando a organização territorial brasileira na virada
do século. Mas há diferenças regionais importantes neste sentido: se o movimento
massivo
e generalizado de
êxodo
ainda marca o Nordeste, as regiões Sudeste e Sul
conhecem agora a emigração em escala bem mais reduzida que em períodos
anteriores de sua história.
A Contagem Populacional mostrou que em 1996 ainda residiam nas áreas rurais
da região Nordeste mais de 15 milhões de pessoas, o equivalente a 46% da
população rural nacional. As taxas de fecundidade aí vigentes são muito altas,
apesar de decrescentes. Em 1991/96, a taxa de fecundidade total era de 3,8 filhos
por mulher, em comparação com 2,6 filhos para a região Sudeste. Isto por si só já
assegura um potencial de crescimento vegetativo elevado para a região e um
horizonte onde o êxodo rural deve ter um lugar de destaque. Mas também nas
demais regiões o êxodo dos anos 90 é muito grande.
Até que ponto o meio rural pode ser um espaço propício na construção da
cidadania e de condições de vida capazes de promover a integração econômica e a
emancipação social das populações que aí vivem? A resposta a esta questão
supõe, antes de tudo, que se abandone a idéia conservadora de que é necessário
“fixar o homem ao campo”. O êxodo predominantemente jovem mostra, ao
contrário, que o campo se abre cada vez mais para o contato com as cidades. Resta
saber se esta abertura dará lugar a laços construtivos e interativos ou se levará à
desagregação do tecido social existente hoje no meio rural.
A resposta a estas questões exige a formulação de um programa de pesquisa que
enfrente quatro temas básicos:
a
) Qual a
estrutura social dos processos migratórios
? É bem provável que a maior
parte dos assalariados rurais brasileiros já não seja considerada pelo IBGE como
pertencente à população rural. Ela reside, em geral, em pequenas cidades com
poucas características que podem ser consideradas urbanas e trabalhando em
atividades agrícolas. Se isso é verdade, são as unidades familiares de produção
que estão ainda fornecendo os grandes contingentes da migração rural brasileira.
Isso poderá ser aprofundado no confronto com os dados do Censo Agropecuário e,
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
20
se confirmado, colocará obviamente uma questão crucial para a política governa-
mental de assentamentos.
b
) O predomínio jovem e feminino no êxodo rural não pode ser visto simples-
mente como “lei objetiva” dos processos migratórios: é fundamental que se
examinem as razões que fazem do meio rural um lugar ainda menos propício para
as moças do que para os rapazes. Isso supõe não só um estudo mais desagregado
das informações aqui apresentadas e seu cruzamento com os dados do Censo
Agropecuário, mas também pesquisas localizadas e qualitativas.
c
) É necessário discutir o que se entende exatamente por “meio rural” e
aprofundar as comparações internacionais neste sentido. Os contrastes referem-se
não só às definições, mas sobretudo às situações sociais: enquanto no caso
brasileiro é da
agricultura
que depende fundamentalmente a população rural, nos
Estados Unidos apenas 1/10 dos trabalhadores rurais é agrícola [Hill (1993, p. 25)]
e na França apenas 13% dos que vivem nas comunas com menos de 2 mil
habitantes são considerados agricultores [Abramovay (1994)]. Embora se possa
dizer que a percentagem de brasileiros hoje vivendo no campo (22% da
população) é menor que a de americanos (24%) ou a de franceses (27%), esta
informação só toma sentido se for bem definido o que se entende em cada caso
por população rural.
d
) A relação entre êxodo rural e acesso aos serviços básicos da cidadania é
decisiva: os indicadores educacionais do meio rural brasileiro são, como se sabe,
ainda mais precários que os do meio urbano; por sua vez, um dos piores da
América Latina. O maior acesso e a melhor qualidade da educação no meio rural
podem ampliar as chances de o campo ser um espaço que desperte nos jovens o
interesse de aí realizar seus projetos de vida? Ou, ao contrário, o acesso à
educação é a antecâmara da partida em direção às cidades?
Em outras palavras, mais que estudos sobre migrações, trata-se de aprofundar o
conhecimento das condições de vida e do potencial de desenvolvimento embutido,
hoje, no meio rural. Se o ceticismo quanto à fertilidade de um programa nesta
direção é compreensível, a sensibilidade da opinião pública, as políticas
governamentais e sobretudo os movimentos sociais que procuram fazer do campo
um espaço propício na luta contra a exclusão social são sinais de que pode existir
aí um horizonte promissor para a pesquisa.
ÊXODO RURAL, ENVELHECIMENTO E MASCULINIZAÇÃO NO BRASIL: PANORAMA DOS ÚLTIMOS 50 ANOS
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