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de desprezar. Dissessem-no os rapazes que as levavam.
Ao saírem, começou a chover. O sr. Regueira e os dois
miúdos, porque o adivinhassem, levaram de casa o guarda-
chuva. O Toninho era o único que não tinha. A Florbela
comprometeu-se a abrigá-lo.
Caminharam pela estrada, sob a chuva fora de propósito.
Ela falava, falava e, quando se voltava, uma madeixa roçava a
face do seminarista numa carícia. Os outros iam à frente. Atrás
apenas ele e ela, muito encostados debaixo do guarda-chuva.
Mesmo assim, o Toninho via-se de batina molhada. O guarda-
chuva era pequeno para abrigar um indivíduo do clero e sua
acompanhante.
Entravam numa casa, Florbela ficava à porta. Depois
seguiam. Até que a chuva parou e forçoso foi abandonar a
companhia, não fossem as pessoas pensarem mal dela, que se
atirava ao seminarista, e dele, que não podia ver um rabo de
saia e assim punha em risco a sua vocação.
O Toninho agradeceu-lhe com dois beijos que o
sobressaltaram. Pele lisa e mimosa, quente. Viu-a durante a
tarde mais algumas vezes, noutras casas, nos caminhos, nalgum
largo. Cumprimentavam-se com o olhar, um sorriso.
Na casa do mudo, os seus companheiros entraram e
saíram logo. Ficou ele a aturar-lhe a maluqueira. Mostrou-lhe
a casa toda em grunhidos pouco perceptíveis (uma miséria de
ponta a ponta), a mulher com quem vivia (desgrenhada e suja),
os patos, as galinhas, o porco. O Toninho, quando finalmente
foi autorizado a ir-se, pensou que, nos últimos anos, deve ter
sido ele a dar mais atenção ao mudo. De qualquer forma, a
maior gorjeta que recebera naquele dia fora das suas mãos
sujas e calosas. E sentiu-se envergonhado.
Depois da chuva, a aldeia animou-se e, nas casas que
entrava, já não sabia quem tinha cumprimentado, pois andavam