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No tocante aos viajantes, parte fundamental desse processo ex-
pansionista
9
, os seus discursos, quer sentimentais, quer científicos, se
localizam numa dimensão que Roland Barthes chamou de “mítica”
10
.
Para Barthes,
O mito possui um caráter imperativo, interpelatório: tendo surgido de
um conceito histórico, vindo diretamente da contingência, é a mim que
ele se dirige: está voltado para mim, impõe-me a sua força intencional;
obriga-me a acolher a sua ambigüidade expansiva.
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O discurso mítico para Barthes é um processo semiológico de
“roubo e restituição”, onde a realidade é capturada, reelaborada e restituí-
da com foros de verdade, uma “verdade melhorada”.
Este processo de constituição do mito não é dialógico, é impositi-
vo, e parte de um lugar de verdade como espaço de construção de repre-
sentações discursivas que se impõem sobre os seus objetos como mais
verdadeiras, portanto mais reais, que a própria natureza essencial destes
objetos.
À superfície da linguagem, algo se imobiliza: o uso da significação está
escondido sob o fato, dando-lhe um ar notificador; mas, simultaneamen-
te, o fato paralisa a intenção, impõe-lhe como que uma inconfortável
imobilidade: para a inocentar, gela-a. É que o mito é uma fala roubada e
restituída, simplesmente a fala que se restitui não é a mesma que foi
roubada: trazida de volta, não foi colocada em seu lugar exato. É esse
breve roubo, esse momento furtivo de falsificação, que constitui o as-
pecto transido da fala mítica.
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Assim, o discurso mítico é um enunciador impositivo de verda-
des, um construtor de realidades que se localizam não apenas em espaços
conceituais, mas também na definição de espaços naturais, culturais e
sociais.
9
Podem ser destacados, nessa linha, além dos relatos de Saint-Hilaire, os de Langsdorff,
Sellow, do Príncipe de Wied Neuewied, Spix, Martius, Schott, Raddi, Pohl, Burchell,
Gardner, Lund, Warming, Regnell, Huber, Dusén, Luetzelburg, Schlechter, Massart,
Bouillénne, Wettstein, Loegfren, Schenck, Usteri, Noack, Brade, Rawitscher, Schubart,
Silberschmidt e Maria Graham, dentre uma diversidade enorme de relatos de impressões
de viagem e de expedições científicas no Brasil nos séculos XIX e XX.
10
BARTHES, Roland. O mito hoje. In _____. Mitologias. São Paulo: Difel, 1985, p. 129-
178.
11
Idem, p. 145.
12
Idem, p. 146-147.