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A Arqueologia Histórica como o estudo das sociedades com es-
crita incorpora, assim, tanto a disciplina homônima norte-americana,
como as diversas disciplinas que lidam com sociedades com documenta-
ção escrita. Tem-se buscado mostrar que ela não é uma simples ancilla,
serva ou auxiliar da documentação escrita e da ciência da História, pois a
cultura material pode não só complementar as informações textuais,
como fornecer informações de outra forma não disponíveis e até mesmo
confrontar-se às fontes escritas. Nas últimas duas décadas, preocupados
com a análise da sociedade, os arqueólogos históricos têm, cada vez mais,
focalizado sua atenção nos mecanismos de dominação e resistência e, em
particular, nas características materiais do capitalismo.
A Arqueologia Histórica liga-se, de forma umbilical, às noções
de identidade, tratando de sociedades, de uma forma ou de outra, relacio-
nadas ao arqueólogo. Na Europa, a Arqueologia é encarada como o estu-
do de nossa própria civilização, sejam elas as grandes civilizações que
formariam o legado ocidental, sejam as anteriores à escrita, mas ainda
assim históricas, porque inseridas numa narrativa das fontes escritas,
como é o caso, por exemplo, da Arqueologia dos celtas (ou de Hallstadt e
La Tene). Nos Estados Unidos, a disjunção com a Pré-História estabele-
ce, à sua maneira, essa ligação da Arqueologia Histórica com a sociedade
americana, às expensas dos indígenas, encarados como o “outro”, o sel-
vagem contraposto à “civilização”, como ressaltou Thomas Patterson.
As disjunções entre letrado/iletrado, mito/história, primiti-
vo/civilizado têm sido, de forma crescente, criticadas por separarem ele-
mentos discursivos interligados, de forma a evitar, por exemplo, que sí-
tios indígenas não sejam objeto da Arqueologia Histórica, mesmo se
contemporâneos àqueles europeus. Outra dicotomia criticada tem sido
aquela que divide o mundo moderno, dominado pelo capitalismo, dos
períodos anteriores. Em primeiro lugar, porque grande parte das estrutu-
ras mentais e materiais modernas derivam e mantém, ainda que de forma
alterada, características de outras épocas e civilizações. O capitalismo
moderno funda-se no feudalismo, até mesmo naquilo que tem de contras-
tivo, as estruturas sociais modernas construíram-se a partir de contextos
medievais e antigos, tanto derivados do chamado ocidente, como do
chamado oriente. Em segundo lugar, mesmo quando não haja ligações
genéticas entre realidades modernas e as outras, a comparação entre situ-
ações pode fornecer elementos úteis para o conhecimento tanto da cultura
material antiga, como moderna, tanto do Oriente, como do Ocidente, de
qualquer maneira, criações discursivas, antes que realidades efetivamente
separadas, como alerta Said.