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- SAÚDE, BEM-ESTAR E ENVELHECIMENTO -
O PROJETO SABE
NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO:
uma abordagem inicial
Organização: Maria Lúcia Lebrão
Yeda A. de Oliveira Duarte
2003
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1ª Edição – 2003
É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.
Oganização Pan-Americana de Saúde - OPAS/OMS
Setor de Embaixadas Norte, Lote 19
CEP 70800-400, Brasília-DF - Brasil
www.opas.org.br
Produção Gráfica:
Athalaia Bureau
Tiragem: 2.000 exemplares
Impresso no Brasil/
Printed in Brasil
Athalaia Gráfica Ltda.
Lebrão, Maria Lúcia.
SABE – Saúde, Bem-estar e Envelhecimento – O Projeto Sabe no município
de São Paulo: uma abordagem inicial/Maria Lúcia Lebrão, Yeda A. de Oliveira
Duarte. – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003. ssssss
255p. : il.
ISBN: 85-87943-30-8
1. Promoção da saúde – Brasil. 2. Envelhecimento – São Paulo. I. Título. II.
Organização Pan-Americana da Saúde.
NLM: WA 100
Ficha catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação da Organização Pan-Americana de Saúde
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- SAÚDE, BEM-ESTAR E ENVELHECIMENTO -
O PROJETO SABE
NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO:
uma abordagem inicial
Organizadoras
Maria Lúcia Lebrão – Professora Titular do Departamento de
Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo
Yeda Aparecida de Oliveira Duarte – Professora Doutora do
Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo
Agradecemos ao Sr. Fernão Dias de Lima, Analista
de Sistemas do Departamento de Epidemiologia da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo que, com
sua competência e empenho, providenciou as análises
necessárias para os capítulos.
Prefácio
Uma das mais importantes mudanças demográficas que o Brasil experimentou
ao encerrar o século XX foi o acentuado envelhecimento da estrutura etária da
população, o que trouxe como conseqüência uma maior presença relativa e absoluta
da população de 60 anos e mais no País.
Com efeito, a proporção de idosos do Brasil, que vem aumentando
paulatinamente, representará 10% da população total ao terminar a primeira década
do século XXI. Trata-se de um importante contingente populacional que, certamente,
tem experiência de vida, qualificação e potencialidades a oferecer à sociedade.
Em termos absolutos, a proporção acima citada significa, ao mesmo tempo, que
o País deve estar preparado para atender, já, demandas sociais, sanitárias, econômicas
e afetivas – de magnitudes muitas vezes desconhecidas – de uma população que
se incrementa anualmente em meio milhão de idosos ao longo da primeira década
deste século e de mais de um milhão ao chegar a 2020.
A Organização Pan Americana da Saúde, em convênio interagencial integrado
pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), o Fundo de
População das Nações Unidas (FNUAP), o Programa de Envelhecimento das Nações
Unidas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e com a colaboração de diversos países da região,
desenvolveu a Pesquisa SABE (Saúde, Bem-estar e envelhecimento) sete cidades.
O objetivo foi preencher a urgente necessidade de informação especializada e de
indicadores sobre as diversas esferas da vida de um segmento populacional que,
além de apresentar as maiores taxas de crescimento, aumentará a uma velocidade
poucas vezes vista. O SABE é um dos primeiros esforços para coletar sistematicamente
informações sobre condições de vida do idoso (sociais, econômicas, de saúde, redes
de apoio, acesso aos serviços públicos etc). No caso do Brasil, isto foi possível
graças à participação fundamental da USP, FAPESP e Ministério da Saúde.
Este relatório apresenta, pela primeira vez de uma forma abrangente, os resultados
da Pesquisa SABE realizada no município de São Paulo, oferecendo um claro perfil
das condições de vida do idoso e de suas necessidades. Espera-se que seja ponto
de reflexão para os tomadores de decisão e que os achados, aqui descritos, estimulem
a tão necessária produção de maiores e mais profundos conhecimentos sobre a
situação do idoso.
Martha Peláez
Assessora de Envelhecimento
Organização Pan Americana da Saúde
Contéudo
Prefácio – Martha Peláez
1. Histórico e natureza do estudo. ........................................................... 13
Alberto Palloni & Martha Peláez
2. O Projeto SABE em São Paulo: uma visão panorâmica. ................. 33
Maria Lúcia Lebrão
3. Aspectos metodológicos. ..................................................................... 45
Processo de amostragem. ................................................................................. 47
Nilza Nunes da Silva
Trabalho de campo para coleta de dados. .............................................................. 59
Clarissa de Lacerda Nazário
Elaboração do banco de dados................................................................................. 69
Fernão Dias de Lima
4. Condições de saúde. ................................................................................... 73
Maria Lúcia Lebrão & Ruy Laurenti
5. Estado nutricional e capacidade física. ................................................. 93
Maria de Fátima Nunes Marucci & Aline Rodrigues Barbosa
6. Saúde bucal: a autopercepção da mutilação e das incapacidades..119
Paulo Capel Narvai & José Leopoldo Ferreira Antunes
7. Deterioração cognitiva e depressão. .................................................. 141
Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira
8. Análise de sobrevida sem incapacidades. ............................................. 167
Jair Lício Ferreira Santos
9. Desempenho funcional e demandas assistenciais. ............................... 183
Yeda Aparecida de Oliveira Duarte
10.Arranjos domiciliares e transferências de apoio informal. .............. 201
Paulo M. Saad
11.Uso dos serviços de saúde. ................................................................. 225
Chester Luís Galvão Cesar & Sérgio Márcio Pacheco Paschoal
12.Situação de ocupação e renda. ........................................................... 239
Antonio Carlos Coelho Campino & Denise Cavallini Cyrillo
Histórico
e natureza
do estudo
14
15
Histórico e natureza do estudo
Alberto Palloni*
Martha Peláez**
1 - O processo de envelhecimento na América Latina e no Caribe e
a natureza do estudo
Este capítulo situa o estudo SABE no contexto do rápido crescimento da população
mais idosa na região
1
. Ele explora a condição demográfica que é responsável por um
processo de envelhecimento que está ocorrendo mais rapidamente do que em muitos
países desenvolvidos e que possui características únicas. Essas, combinadas com um
contexto institucional instável e um ambiente econômico desfavorável, geram condições
que fazem o processo muito mais complicado que em outras áreas do mundo.
1.1.Demografia do envelhecimento na América Latina e no Caribe
O momento demográfico de envelhecimento na região está baseado em padrões
de crescimento populacional experimentado nos últimos 50 anos, mais ou menos. Esses
padrões têm levado a contínuos aumentos na taxa de crescimento das populações idosas
(60 anos e mais), a significativas mudanças em outros indicadores de envelhecimento,
tais como a idade média da população e, finalmente, a aumentos na velocidade de
envelhecimento na região. O perfil desse processo, agora e nos próximos 10 anos, mais
ou menos, é atribuível, principalmente, ao brusco declínio da mortalidade experimentado
depois de 1940. Embora seja concebível que esse processo possa ser revertido por súbitas
mudanças nos eventos vitais, o cenário mais provável é aquele onde o envelhecimento
será reforçado por níveis de fecundidade em queda em direção a baixos níveis completando
uma transição que começou, de forma importante, somente após 1970. Assim, o
envelhecimento na região é regido por duas forças: uma é imutável pois é resultado
da história demográfica passada e a outra, é improvável que seja maleável uma vez que
é o resultado de amplos macroprocessos com uma dinâmica própria poderosa.
*
Centro para Demografia e Saúde e Envelhecimento. Universidade de Wisconsin-Madison
**
Consultora Regional em Envelhecimento e Saúde./Organização Pan-Americana da Saúde.
1
Neste documento, o termo “região” se refere à América Latina e Caribe.
16
Embora haja outras alternativas úteis, três indicadores de envelhecimento foram
focalizados: a proporção da população de 60 anos e mais C(t), a idade média da população
A(t) e um indicador da disponibilidade de apoio entre as gerações mais jovens, L(t).
O primeiro indicador é uma medida convencional e necessita pequena introdução.
O segundo é, também, direto, embora muito menos usado, mas de extrema utilidade
para compreender padrões de crescimento das populações mais idosas. O terceiro, L(t),
definido como uma razão entre adultos e adultos idosos, é um indicador bruto da
disponibilidade familiar e de restrições nos padrões dos arranjos domésticos de pessoas
idosas
2
. Embora esses indicadores sejam frouxamente inter-relacionados, a relação se
enfraquece ainda mais quando as populações se afastam do equilíbrio estável. De modo
geral, esses indicadores são suficientes para caracterizar a natureza demográfica do
crescimento da população mais idosa. (Palloni et al., 2001)
a. Regimes demográficos na região e indicadores de envelhecimento
Populações com persistentes níveis altos de fecundidade terão valores mais
baixos em C(t) e A(t) mas, valores mais altos em L(t) do que populações com níveis
mais baixos de fecundidade. A mortalidade tem efeito ambíguo em todos os indicadores.
Em sociedades com altos níveis de mortalidade, um aumento nas condições de sobrevida
leva a valores mais baixos de C(t) e A(t) e é um tanto neutro para L(t) porque aqueles
que se beneficiam mais do aumento tendem a ser crianças e muito menos os adultos e
pessoas mais idosas. Nessas sociedades, níveis de mortalidade decrescentes têm o mesmo
efeito que um aumento da fecundidade, ou seja, aumenta o tamanho relativo das coortes
que são mais jovens do que 5 anos. No entanto, em sociedades com níveis menores de
mortalidade, crescimentos na sobrevida tendem a beneficiar mais os adultos e os adultos
mais velhos, pendendo, assim, a distribuição etária em outra direção. Como resultado,
se duas sociedades com níveis similares de fecundidade, mas diferentes níveis de mortalidade
são comparadas, aquela com um nível mais baixo de mortalidade terá valores mais altos
de C(t) e A(t) e valores mais baixos de L(t) do que sociedades com mortalidade mais
alta, se e quando os níveis de mortalidade são relativamente altos no início. Como uma
conseqüência dessas relações, a associação entre todos os três indicadores, em populações
2
Outro indicador de envelhecimento é a clássica “razão de dependência”, que não é discutida neste relatório.
17
com regimes similares de mortalidade e fecundidade é fechada. De fato, nesse quadro
comparativo estático, o conhecimento de mais do que um indicador dá uma informação
redundante. No entanto, em sociedades com regimes demográficos instáveis onde
fecundidade ou mortalidade ou ambos vêm mudando rapidamente, a relação entre
indicadores não será sempre fechada e o exame de cada um deles merece atenção separada.
Nenhum país na região pertence a uma forma estável de população. Os regimes
atuais de instabilidade são quase heterogêneos, mas admitem uma simples, talvez grosseira,
caracterização. Com poucas exceções (Argentina, Barbados, Cuba, Porto Rico e Uruguai),
os países na América Latina e Caribe experimentaram altos níveis de fecundidade até
cerca de 1965-1970, quando um abrupto declínio começou a se espalhar em todas as
nações com algumas exceções (principalmente América Central, Bolívia, Paraguai, Peru
e Equador). Diferentemente da fecundidade, a mortalidade começou a declinar antes
de 1950, embora o tamanho dos ganhos na sobrevida tivesse lugar durante a era pós-
Segunda Guerra Mundial. Na Argentina, Cuba, Porto Rico e Uruguai, os níveis de
fecundidade pré-transição eram mais baixos do que no resto da região e começaram a
declinar antes de 1945. A partir de 1990, as estruturas de idade de todos os países na
região refletem regimes demográficos desestabilizados, na maior parte uma combinação
de reduções recentes e acentuadas da fecundidade e de reduções menos recentes, mas
igualmente acentuadas em mortalidade.
A tabela 1 contém estimativas de C(t), de A(t), e de L(t) para 1950-55 e para
1990-95, e valores projetados para 2020-25 para países na América Latina e Caribe e,
para fins de comparação, nos Estados Unidos e Japão.
O momento de envelhecimento na região é evidente nessa tabela porque as
distribuições empíricas para todos os indicadores convergem para os valores associados
com o aumento do envelhecimento. Simultaneamente, há um aumento na variação regional
devido à heterogeneidade no sincronismo das transições da mortalidade e da fecundidade
na região. Enquanto C(t) estava abaixo de 10 ou 12 por cento em toda parte em 1950,
as últimas estatísticas para 1990 indicam que Argentina, Cuba, Barbados, Porto Rico
e Uruguai superaram esse valor e as projeções para 2020-25 sugerem que somente em
quatro países a C(t) será abaixo de 12 por cento. A fração da população acima de 60
18
anos em outros países da região aumentará acentuadamente e aproximará os valores
similares àqueles alcançados pelos Estados Unidos e pelo Japão.
Durante longos períodos de tempo – suficientes para invalidar irregularidades
devidas aos fenômenos transientes – a taxa de mudança em A(t) é um indicador da
velocidade do envelhecimento inerente a um regime demográfico. Nas sociedades da região, onde
a diminuição da mortalidade e da fecundidade está concentrada em poucos anos, a
velocidade do envelhecimento é muito mais elevada do que em áreas como a Europa
Ocidental e América do Norte, onde a diminuição da mortalidade e da fecundidade
ocorreu mais gradualmente, em períodos de tempo mais prolongados. Os contrastes
entre a velocidade do envelhecimento na América Latina e no Caribe, de um lado, e
América do Norte, Oeste dos Estados Unidos e Europa Ocidental, por outro lado, é
surpreendente. (UN: Envelhecimento da População Mundial 1950-2050). De fato, indicam
que a velocidade do envelhecimento na região será ao menos duas vezes mais elevada
que em outras regiões do mundo e, na maior parte do tempo, levam a completar a passagem
de uma sociedade jovem a uma mais idosa. A principal implicação dessa regularidade
é que a transição para sociedades mais idosas nos países da região se acelera quando
suas distribuições de idade ainda estão relativamente jovens (Palloni et al., 2001).
L(t) é um indicador determinante porque reflete a disponibilidade de membros
de gerações mais jovens para adultos mais velhos. Em muitas sociedades os arranjos
familiares de idosos e a qualidade e quantidade de transferências para pessoas idosas
são fortemente influenciados pela magnitude de L(t). Durante o período 1950-2020
o valor médio de L(t), na região, declinou de, aproximadamente, 4,65 para 3,25 enquanto
sua variação aumentou, refletindo diferenciais inter-regionais no sincronismo da transição
para uma população mais idosa. Com exceção de reversões de tendências da fecundidade,
o valor de L(t) continuará seu forte declínio e irá, rapidamente, aproximar-se de níveis
de 1,5 ou menos. Assim como outros indicadores do envelhecimento, as mudanças
relativamente grandes em L(t) aparecem em período de tempo muito curto. Na Europa
Setentrional e Ocidental e na América do Norte a transição para uma população mais
idosa envolve mudanças de valores que não excedem 3,5 para valores em torno de 1,5,
enquanto os países da região vivenciam mudanças muito grandes, como a redução no
valor absoluto de L(t) que é quase duas vezes maior, de valores em torno de 5,5-6,0
19
TABELA1 – Valores da proporção da população com 60 anos e mais [C(t)], a
idade média da população [A(t)] e a razão entre adultos e adultos
mais velhos [L(t)] para 1950 – 2025: Países da América Latina e
Caribe, Estados Unidos e Japão. (Calculados usando base de dados
das Nações Unidas, 1999)
20
para, aproximadamente, 2,5 (Palloni et al, 1999). Segundo, se as tendências futuras
confirmarem as projeções, a mudança de níveis de L(t) de, aproximadamente, 3 para
valores em torno de 1,5, ocorrerá na metade do tempo em que ocorreu a transição em
lugares como a América do Norte e Europa Setentrional e Ocidental. As diferenças
são surpreendentes e sugerem que o impacto do envelhecimento na região será sentido
mais subitamente.
b. A taxa de crescimento da população mais idosa na região
Como no caso de populações totais, uma importante característica da população
acima de 60 anos é sua taxa de crescimento, R(t). A tabela 2 mostra valores de R(t)
para, aproximadamente, os mesmos períodos revistos anteriormente. Para se ter uma
idéia de magnitude, note-se que com uma taxa de crescimento constante de 0,020, o
tempo necessário para dobrar uma população é da ordem de 35 anos, enquanto com
uma taxa de crescimento de 0,040, isso ocorre na metade desse tempo. Conseqüentemente,
a população de 60 anos e mais, durante o período 1980-2025 na região, terá, na média,
dobrado pelo menos uma vez, e, em mais da metade dos casos, triplicado antes do ano
2025. Duas regularidades associadas com esses padrões são importantes: a taxa de
crescimento da população mais idosa na região e a trajetória da taxa de crescimento
da população mais idosa.
c. Crescimento relativo da população idosa
As dimensões sociais e econômicas do processo do envelhecimento dependem
também da dinâmica da população mais jovem que 60 anos: se esta população crescer
tão ou mais rapidamente do que a população mais idosa, algumas questões como o
apoio às pessoas idosas pode ser menos urgente, mesmo que o crescimento absoluto
da população mais idosa tenha suas próprias conseqüências econômicas. O que importa
é o crescimento relativo dos dois segmentos da população: à medida que a população de
60 anos e mais cresça mais rapidamente do que a população abaixo de 60 anos, haverá
um maior envelhecimento. A pressão ascendente na fração da população com 60 anos
e mais dependerá de R(t) e da taxa de crescimento da população mais nova. Note-se
que aumentos na fração da população com 60 anos e mais C(t) continuarão em um
ritmo mais rápido, quanto maiores forem as diferenças entre estas taxas de crescimento
21
TABELA 2 – Valores da taxa de crescimento da população de 60 anos e mais [R
(60+, t)] e a taxa de crescimento da população total [R (t)] durante
1950-2025. Países na América Latina e no Caribe, Estados Unidos e
Japão.
Fonte: Cálculos usando a base de dados das Nações Unidas, 1999.
e a manutenção desse regime por um longo tempo. Similarmente, esses fatores podem
ser responsáveis pela diminuição no valor de L(t).
22
Uma vez que é provável que a fecundidade na região continue a cair para valores
muito baixos e a mortalidade também mantenha um curso em declínio, embora desacelerado,
serão observados valores da taxa global de crescimento constantemente em declínio.
Entretanto, devido aos fatores examinados abaixo, os valores de R(t) continuarão a aumentar.
A conseqüência dessas duas tendências fortalecidas será o grande aumento em C(t) e
grandes diminuições em L(t). A tabela 2 mostra que, com algumas exceções, as taxas
de crescimento da população com 60 anos e mais durante os períodos mais recentes
são mais elevados do que a taxa de aumento da população total. Além disso, as diferenças
entre taxas de crescimento para a população acima de 60 anos e para população total
aumentam regularmente durante o período de tempo examinado. Mais uma vez, isso
mostra que as sementes de um envelhecimento rápido na região têm estado presentes
por um longo tempo. Esse fenômeno tem sido observado previamente mas, até esta
data, não foi estudado adequadamente.
d. A trajetória da taxa de crescimento da população idosa, R(t)
A taxa de crescimento da população idosa é uma função de três características:
a) mudanças nas taxas de nascimento no passado, b) mudanças no passado na mortalidade
de 0 a 60 anos e, finalmente, c) mudanças na mortalidade acima de 60 anos. Isto tem
implicações importantes para a perspectiva do estado de saúde das pessoas idosas na
região. Demonstra-se, assim, o fato de que o crescimento atual e futuro da população
idosa é devido ao declínio da mortalidade no grupo de 0 a 60 anos de idade no passado,
e não ao aumento da mortalidade para adultos mais velhos (60 anos e mais).
A caracterização de tendências demográficas anteriores na região sugerida acima
e os fatores mais importantes que determinam R(t) apenas aqui esboçados conduzem
a duas conseqüências. Primeiramente, a população que alcançará seu 60º aniversário
entre 2000 e 2025 pertence à coorte inflacionada por um leve surto de fecundidade
nos anos 1950-1965. Assim, a taxa de crescimento do grupo de 60 anos e mais aumentará,
em parte por causa desses breves picos nos níveis de fecundidade. Segundo, e mais
importante, esses mesmos grupos foram os beneficiários de grandes e incomuns melhorias na
sobrevivência, particularmente durante a infância. Por exemplo, os indivíduos nascidos em
1960 vivenciaram níveis mais baixos de mortalidade infantil precoce do que aqueles
23
nascidos em 1955. Isso aumenta o tamanho da coorte que alcançará os 60 anos em
2025, em comparação ao tamanho das coortes que alcançarão a mesma idade no ano
de 2020.
A dedução chave dessas descobertas é que o crescimento de populações mais
velhas, atuais e futuras, é mais uma função dos progressos havidos na mortalidade (e
menos na fecundidade) e depende, em muito menor extensão, das condições da mortalidade
em idosos. Isto vai contra a opinião popular. (Palloni et al., 2001).
e. Implicações: o estado da saúde de adultos idosos é uma função de regimes
anteriores de mortalidade
Uma fração substancial de futuros crescimentos em R(t) e, conseqüentemente,
do envelhecimento refletido nas mudanças em C(t), L(t), e A(t), é atribuída às mudanças
da mortalidade vivenciadas durante o período de 1930-1990. A magnitude dessa mudança
é devida a transformações na mortalidade associadas com as doenças infecciosas nos
primeiros dez anos de vida. Esta é uma estatística reveladora: ela sugere que o cronograma
relativamente comprimido do envelhecimento na região pode, em parte pelo menos, ser traçado pela
revolução médica e de saúde pública que provocou o declínio da mortalidade há quase meio século.
Por que deve ser relevante essa característica do crescimento da população idosa?
De que maneira ela representa uma herança do passado com implicações para a saúde
e o estado de incapacidade futuros das pessoas idosas? Primeiramente, as grandes melhorias
na sobrevivência, particularmente aquelas concentradas nos primeiros anos após o
nascimento, provavelmente induziram mudanças importantes na média e na variância
da frágil distribuição da população mais velha. É bem conhecido que esse fato sozinho
poderia explicar o aumento da prevalência de condições mórbidas assim como melhorias
mais lentas na mortalidade em idades mais velhas, o que poderia ser o caso. (Barker
DJP, 1998; Eriksson JG, et al, 2000; Shiell AW, et al, 2000). Segundo, uma linha emergente
de pesquisa está encontrando fortes evidências de que a exposição a doenças e a contração
da morbidade ou condições deletérias precocemente na vida podem ter efeitos fisiológicos
permanentes que podem exaurir e ter forte influência na vida adulta. As considerações
anteriores indicam que os grupos de pessoas mais velhas que irão alcançar os 60 anos
depois de 2000 são aqueles que vivenciaram todos os benefícios da tecnologia médica
24
introduzida durante o período pós-Segunda Guerra Mundial. Seus ganhos de sobrevivência
são menos o resultado de saltos nos padrões de vida e mais o resultado da redução bem-
sucedida da exposição, do melhor tratamento e de recuperações mais rápidas. Pode essa
combinação de eventos aumentar a expressão dos efeitos negativos da exposição precoce
a condições deletérias e manifestar-se em uma prevalência mais elevada das doenças e
incapacidades das etapas tardias da vida?
1.2. Estado da saúde e o contexto institucional na América Latina e Caribe
Essas considerações conduzem à seguinte conjectura: na América Latina,
particularmente entre as coortes que estão alcançando os 60 anos no período de 2000-
2020, é provável que haja piores distribuições do estado de saúde do que aquelas observadas
entre pessoas idosas de outros lugares, mesmo quando desigualdades relevantes nas
condições socioeconômicas são controladas. Se esse fato provar ser verdadeiro – e evidências
a seguir parecem confirmá-lo – o processo de envelhecimento na região é caracterizado,
não só por uma velocidade sólida e sem precedentes, mas, também, por uma grande
demanda potencial por serviços de saúde.
Em resumo, a região está envelhecendo “prematuramente”, a composição por
estado de saúde e incapacidade pode piorar e tornar-se desfavorável mais cedo do
que tarde e as redes familiares e domésticas estão perdendo terreno antes que mecanismos
sociais para efetuar as transferências institucionais sejam colocados no lugar, com
segurança (Palloni, 2000). Uma diferença importante entre países da região e países
mais desenvolvidos é a relação entre a velocidade e o tamanho da força para o
envelhecimento, de um lado, e os contextos sociais e econômicos das sociedades onde
o processo está ocorrendo, por outro. O processo de envelhecimento nos países
desenvolvidos ocorreu muito tempo depois de eles terem adquiridos padrões elevados
de vida, reduzido desigualdades sociais e econômicas e implementado um número
de estratégias institucionais para compensar os efeitos das desigualdades residuais,
ao menos na área de acesso aos serviços de saúde. O desenvolvimento social e econômico
na América do Norte e Europa Setentrional e Ocidental já estava determinado, quando
as demandas de uma sociedade que envelhecia (e mesmo as preocupações sobre isso)
25
foram reconhecidas. Nenhum país na região apresenta uma história e um contexto
institucional similares. Ao contrário: em quase todos os casos, um processo de
envelhecimento altamente comprimido começa a ocorrer no meio de economias frágeis,
crescentes níveis de pobreza, expandindo mais do que diminuindo as desigualdades
sociais e econômicas, e contraindo mais do que expandindo o acesso aos serviços e
recursos coletivamente financiados.
Em um panorama desanimador das condições na região, Kliksberg (2000) apresenta
evidências que sugerem que os níveis de pobreza têm aumentado drasticamente desde
1985, assim como os níveis de desigualdade econômica; as taxas de desemprego têm
aumentado, particularmente entre o segmento mais jovem e mais pobre da população;
os déficits nos orçamentos associados à saúde pública têm inflado feito balão e, finalmente,
o setor informal da economia tem expandido consideravelmente. Essas tendências agregadas
traduzem-se em efeitos drásticos no nível individual. Particularmente, o grosso da população
vive uma diminuição na renda real, um acesso mais pobre aos serviços de saúde e uma
erosão de sua capacidade para reivindicar recursos públicos para aposentadoria e bem-
estar. Mas, os grupos mais vulneráveis são as pessoas mais velhas e as crianças, e é nesses
grupos que o impacto dos efeitos deletérios será visto.
O estudo SABE foi planejado, em parte, para tentar testar a conjectura anteriormente
mencionada e colocar, assim, luz na carga das demandas de saúde que provavelmente
emergirão de uma população rapidamente idosa. O estudo também foi motivado pela
necessidade percebida de antecipar o que se encontrará adiante, de modo que os países
possam se planejar adequadamente para prevenir conseqüências mais negativas do processo
do envelhecimento na região. Os países incluídos finalmente no SABE são uma combinação
daqueles que trazem uma boa representação dos vários estágios do envelhecimento na
região, por um lado, e daqueles que, em tempo, podem propiciar recursos materiais e
humanos requeridos para o levantamento, por outro. Quatro dos países incluídos –
Argentina, Barbados, Cuba e Uruguai – estão em estágios muito avançados do processo
de envelhecimento, enquanto os outros três – Chile, México e Brasil – estão ligeiramente
atrás dos precursores, mas, irão transpor, nessa ordem, uma escala inteira que vai de
uma maior a uma menor velocidade de envelhecimento. Pode-se argumentar que esses
sete países não incluem nenhum cuja transição demográfica está ainda em estágios iniciais,
26
tais como Bolívia, Peru, Guatemala ou Honduras. Este é certamente o caso. Com recursos
limitados, a escolha teve que ser feita entre uma pura e completa representação de todos
os estágios demográficos observáveis, ou somente daqueles que irão transpor uma velocidade
de envelhecimento de moderada para elevada.
2 - Organização do SABE e suporte institucional
2.1. Países participantes do SABE
Embora a seleção de países no estudo tenha sido um assunto resolvido por
uma multiplicidade de fatores, alguns deles não relacionados com o tema em estudo
responderam, pelo menos minimamente, pelas preocupações estratégicas relacionadas
à natureza do processo. De fato, uma consideração fundamental que esteve fortemente
nas discussões iniciais foi a necessidade de representar bem todos os regimes demográficos
que estão produzindo taxas de velocidade de envelhecimento médias para altas. Assim,
Argentina, Cuba, Uruguai e Barbados são países onde o processo de envelhecimento
tem progredido mais e em velocidades que são mais comparáveis ao processo experimentado
por regiões industrializadas. México e Chile permanecem em uma compressão intermediária,
equilibrada para suportar um processo mais rápido que começou a ganhar força somente
durante os últimos cinco ou dez anos. Finalmente, o Brasil representa um conjunto
de países no continente onde o processo de envelhecimento irá ocorrer mais rapidamente,
mas cujo pico será em algumas décadas no futuro. Esse raciocínio é puramente demográfico
e não pretende atribuir dominância a fatores culturais ou sociais, nem garante minimamente
que a informação recuperada irá representar todos os ângulos do espectro social e econômico
na América Latina e Caribe. Mas, a disposição foi iluminar o retrato de vários estágios
sintéticos do processo mesmo se, na realidade, cada país possa acabar seguindo um processo
que seja parecido, minimamente, com aquele que pode ser reconstruído de vários estágios
experimentados por diferentes países em diferentes épocas.
2.2 Organização do SABE
O Projeto SABE foi um grande empreendimento e é devido somente à contribuição
de muitas pessoas e instituições é que provê informações que, é esperado, irão influenciar,
27
de forma duradoura, tanto pesquisadores quanto formuladores de políticas. O que segue
é uma breve identificação de colaboradores e suas filiações. Essa enumeração não faz
justiça ao trabalho de cada pessoa ou instituição nem pode recuperar o universo inteiro
de pessoas que, às vezes, em silêncio, muitas vezes sem pagamento ou pouco remuneradas,
tonaram isso possível.
a. Bases institucionais do SABE
O inquérito sobre Saúde, Bem-estar e Envelhecimento (SABE) foi inicialmente
financiado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) como um inquérito
multicêntrico sobre saúde e bem-estar de pessoas idosas em sete centros urbanos na
América Latina e Caribe. Ele foi iniciado e coordenado em nível regional pela OPAS/
OMS
3
. O Centro para Demografia e Ecologia da Universidade de Wisconsin-Madison
financiou a realização do SABE provendo idéias para o desenho do estudo, o plano de
amostra, questionários, operações de campo, assim como a captação, limpeza e organização
dos dados. Além disso, em diversos estágios, SABE se beneficiou da inspiração e orientação
oferecidas por um corpo de consultores externos que trabalharam na coordenação com
a OPAS/OMS e o Centro para Demografia e Ecologia.
O inquérito foi conduzido em Bridgetown (Barbados); Buenos Aires (Argentina);
São Paulo (Brasil); Santiago (Chile); Havana (Cuba); Cidade do México (México) e
Montevidéu (Uruguai), durante o período de outubro de 1999 a dezembro de 2000.
b. Pessoal e equipe de coordenação regional
A equipe de pesquisadores que realizou o SABE teve múltiplos componentes.
O primeiro foi o pessoal locado na OPAS em Washington, DC. O segundo foram uns
poucos pesquisadores do Centro para Demografia e Ecologia, Universidade de Wisconsin-
Madison que, juntamente com a OPAS, desenharam o estudo e dirigiram sua logística.
O terceiro componente foi constituído pelas equipes de consultores, tanto nos Estados
3
SABE é o segundo inquérito multicêntrico patrocinado pela Organização Pan-Americana de Saúde. O primeiro
foi o ENA (Encuesta de Necesidades de los Ancianos) desenvolvido durante a década de 80 em 12 áreas urbanas
da América Latina e Caribe.
28
Unidos como nos países envolvidos. Finalmente, o quarto componente, sem dúvida o
mais importante, foi o local, as equipes baseadas nos países e constituídas pelo investigador
principal e seus associados. Segue uma descrição dos colaboradores individuais na realização
do SABE, por componentes.
i. Escritórios da OPAS
Martha Peláez, Assessora Regional em Envelhecimento e Saúde, Programa de Saúde
Familiar e População, Divisão de Promoção e Proteção da Saúde, OPAS.
Rebecca de los Rios, Assessora Regional em Pesquisa em Saúde Pública, Coordenação
de Pesquisas, Divisão de Saúde e Desenvolvimento Humano, OPAS.
Guido Pinto, Consultor Técnico, Unidade de Envelhecimento e Saúde, Programa
de Saúde Familiar e População, Divisão de Promoção e Proteção da Saúde, OPAS
foi responsável pela administração dos dados.
Iveris Martinez, Casey Wisecarver e Tina Le foram assistentes de pesquisa junto à
Unidade de Envelhecimento e Saúde, Programa de Saúde Familiar e População, Divisão
de Promoção e Proteção da Saúde, OPAS durante diferentes fases do estudo, e proveram
suporte técnico para a equipe de coordenação e aos Investigadores Principais dos
países.
ii. Universidade de Wisconsin
Alberto Palloni, Professor de Sociologia e Demografia, Centro para Demografia e
Ecologia, Universidade de Wisconsin-Madison. Dr. Palloni foi responsável por prover
o quadro conceitual e metodológico para o desenho e análise do estudo.
iii. Consultores Independentes
Javier Suarez, Programador, Berumen e Associados, México D.F, foi responsável pelo
programa de entrada de dados.
Elizabeth Arias, Demógrafa e Estatística, foi responsável pela preparação dos programas
de análise e colaboração técnica na análise da pesquisa.
29
iv. Comissão Assessora
As seguintes pessoas participaram das reuniões da pesquisa e foram consultadas
em vários aspectos do inquérito:
Eduardo Arriaga, International Programs Center, US Bureau of the Census.
Laurence G. Branch, National Center for Health Promotion and Disease Prevention,
Duke University, North Carolina.
Jorge Bravo, CELADE (Latin American and Caribbean Demographic Center), Santiago,
Chile.
Jacob Brody, School of Public Health, University of Illinois, Chicago.
Ana Luisa Dávila, Escuela de Salud Pública, Universidad de Puerto Rico, Recinto
de Ciencias Médicas.
Gerda Fillenbaum, Duke University Medical Center, Center for the Study of Aging
and Human Development, North Carolina.
Richard Havlik, Director of Epidemiology, Demography and Biometry, National Institute
on Aging, Bethesda, Md.
Albert I. Hermalin, Population Studies Center, University of Michigan, Ann Arbor,
Michigan.
Kevin Kinsella, International Programs Center, Aging Studies Branch, US Bureau
of the Census.
Armando R. Levinson, International Programs Center, US Bureau of the Census.
Len Nichols, Health Policy Center, the Urban Institute, Washington, D.C.
Melba Sánchez, Escuela de Salud Pública, Universidad de Puerto Rico, Recinto de
Ciencias Médicas.
Robyn Stone, Georgetown University, Washington, D.C.
30
Kathy Terrazas, Survey Research Center, University of Michigan, Ann Arbor, Michigan.
Robert B. Wallace, Professor of Preventive and Internal Medicine, University of Iowa,
Iowa City.
Beth Soldo, Population Studies Center, University of Pennsylvania.
V. Equipes dos países
Argentina
Edith Alejandra Pantelides, Investigador Principal
Martin Moreno, Pesquisador Associado
Paola Pacífico, Pesquisadora Associada
Centro de Estudios de Población/CENEP
Marta Messere, Instituto Nacional de Estadística
Barbados
Anselm Hennis, Investigador Principal
Heidi Broome, Pesquisadora Associada
Henry Fraser
Farley Brathwaite
Chronic Disease Research Centre, School of Clinical Medicine and Research
University of the West Indies
Brasil
Ruy Laurenti, Co-Investigador Principal
Maria Lúcia Lebrão, Co-Investigadora Principal
Nilza Nunes da Silva, Pesquisadora
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo
Chile
Cecilia Albala, Investigadora Principal
Fernando Vio del Río, Pesquisador
31
Carola García Ghiringhelli, Pesquisadora
Instituto de Nutrición y Tecnología de los Alimentos (INTA), Universidad de Chile
Pedro Paulo Marin, Pesquisador
Programa de Geriatría, Facultad de Medicina, Pontificia Universidad Católica de Chile
Cuba
Juan Carlos Alfonso, Co-Investigador Principal
Esther María León Díaz, Co-Investigadora Principal
Clara Marín Dominguez, Pesquisadora
Centro de Estudios de Población y Desarrollo (CEPDE), Oficina Nacional de Estadística
Jesús Esteban Menéndez, Pesquisador
Centro Iberoamericano de la Tercera Edad (CITED), Hospital Universitario “General
Calixto García”
México
Roberto Ham-Chande, Co-Investigador Principal
El Colegio de la Frontera Norte, Tijuana, Baja California.
Yolanda Palma, Co-Investigadora Principal
Investigación en Salud y Demografía (INSAD), México, D.F.
Luis Miguel Gutierrez, Pesquisador
Instituto Nacional de la Nutrición “Salvador Zubirán”, México, D.F.
Uruguai
Omar Pratts, Investigador Principal
Comisión Salud Cardiovascular y Universidad de Uruguay.
Jorge Argulla, Pesquisador
Ministerio de Salud Pública, Dirección General de la Salud, Montevidéu
32
c. Fontes dos recursos
A Organização Pan-Americana de Saúde providenciou o financiamento inicial
via mecanismo de iniciativa de inquérito multicêntrico. O Diretor da OPAS ofereceu
suporte em vários estágios, o que permitiu ao SABE ser estendido em vários pontos,
até alcançar sua maturidade plena.
O Instituto Nacional do Envelhecimento (National Institute on Aging) através
de Acordo Inter-Agências com a OPAS, parcialmente financiou a limpeza dos dados e
a organização e preparação das bases de dados.
O Auxílio R03 AG 15673 do National Institute on Aging para Alberto Palloni
permitiu o desenho de várias partes do inquérito e financiou a análise preliminar dos
dados. A Graduate School of the University of Wisconsin, assim como as generosas contribuições
do Center for Demography and Health of Aging (CDHA) of the University of Wisconsin, permitiram
a total participação do Dr. Palloni.
Além dessas fontes gerais de financiamento, o SABE foi financiado pelas generosas
contribuições de diferentes instituições internacionais e nacionais em cada país.
Os principais parceiros financiadores em cada país foram: na Argentina, o Banco Inter-
Americano de Desenvolvimento (BID); em Barbados, o Banco Caribenho de
Desenvolvimento;
no Brasil, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP) e Ministério da Saúde; no Chile, o Ministério da Saúde e BID; em Cuba, o
Centro Populacional do Instituto Nacional de Estatística e o Ministério da Saúde; no
México, o Ministério da Saúde e Eli Lilly, Inc. e, no Uruguai, o Ministério da Saúde e
BID. Ainda, em cada um desses países as Universidades e Instituições envolvidas proveram
muitas contribuições.
33
O projeto SABE
em São Paulo:
uma visão
panorâmica
34
35
O projeto SABE em São Paulo:
uma visão panorâmica
Maria Lúcia Lebrão*
Este livro é resultado da aplicação do Projeto SABE (Saúde, Bem-estar e
Envelhecimento)
a
na cidade de São Paulo, dentro do Estudo Multicêntrico coordenado
pela Organização Pan-Americana de Saúde e levado a efeito em sete países da América
Latina e Caribe. Ele mostra uma parcela dos resultados dentro da imensidão de informações
que um estudo dessa natureza permite.
Dos primeiros resultados tabulados, emergem informações interessantes. Algumas
já conhecidas por meio dos Censos Demográficos e das Pesquisas Nacionais por Amostra
de Domicílios (PNADs) realizados pelo IBGE e outras, totalmente novas.
Assim, como tem sido visto nos últimos censos e contagens populacionais, também
este inquérito mostrou uma parcela maior de mulheres do que de homens entre a população
idosa. No caso da pesquisa SABE, as mulheres representaram 58,6% do universo estudado
de idosos paulistanos contra 41,4% dos homens. Isso, nas duas faixas etárias consideradas,
como pode ser visto na tabela 1. A estrutura etária das mulheres é mais envelhecida
que a dos homens: uma em cada quatro tem 75 anos ou mais e no caso dos homens
essa proporção é de um para cada cinco. A razão de sexos
b
é igual a 70,6% e o índice
de feminilidade
c
de 142, sendo de 133 entre os de 60 a 74 anos, aumentando para
179 entre os idosos de 75 anos e mais. Como se vê no quadro 1, o mesmo acontece nos
outros países que participaram do projeto, chamando a atenção Santiago do Chile e
Montevidéu no Uruguai, pelos valores mais altos. Dessa forma, poder-se-ia dizer que
a velhice é feminina, pois a maior longevidade da mulher ocasiona esse diferencial na
composição por sexo.
*
Professora Titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública/USP – [email protected].
a
O questionário encontra-se disponível, na íntegra, na página da Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo na Internet: www.fsp.usp.br/sabe, assim como outros artigos e matérias relativos a esse projeto em São
Paulo.
b
Razão de sexos é a razão entre a população masculina e feminina.
c
Índice de feminilidade é o número de mulheres para cada 100 homens.
36
Cidades Idade média Índice de Feminilidade
Bridgetown 71 142
Buenos Aires 70 162
Havana 70 144
Cidade do México 63 129
Montevidéu 70 176
Santiago 70 192
São Paulo 68 142
TABELA 1 Distribuição dos entrevistados segundo sexo e idade.
Fonte: Projeto SABE
QUADRO 1 Idade média e índice de feminilidade entre idosos nas
cidades participantes do Projeto SABE.
Dos idosos entrevistados, 91,3% nasceram no Brasil, sendo que os 8,7% procedentes
de outro país vieram principalmente de Portugal (38,7%), Japão (16,8%), Itália (16,5%)
e Espanha (11%). Esses percentuais se concentram nas faixas etárias mais elevadas, pois
enquanto dentre os de 75 anos e mais, 17,0% são imigrantes, entre os de 60 a 75 anos
a porcentagem é de, apenas, 6,3.
Quando perguntados em relação à cor, 70,2% se disseram brancos, 12,9% mulatos,
8,2%, mestiços e, o restante, negros, asiáticos e índios. O Censo de 2000
(1)
encontrou
para o Estado de São Paulo, na zona urbana, para essa mesma faixa etária, valores bem
semelhantes: brancos, 78,6% e mulatos, 13,6%.
Idade Feminino % Masculino % Total %
Sexo
60 – 74 57,0 43,0 100,0
75,8 80,8 77,9
75 e + 64,1 35,9 100,0
24,2 19,2 22,1
Total 58,6 41,4 100,0
100,0 100,0 100,0
37
Estado conjugal Homens Mulheres Total
Com relação ao estado conjugal, a maioria dos idosos é casada (57,0%), sendo
uma parcela significativa, viúva (29,5%). Apenas 8,5% dos idosos aparecem como separados
ou divorciados e 4,9% como solteiros. Ao se comparar os dois grupos de idade, encontra-
se uma queda de 40% de casados entre os mais idosos. O estado conjugal é uma das
características demográficas da população idosa com diferenciais por sexo mais expressivos.
Considerando-se que, em geral, as mulheres têm uma esperança de vida maior do que
os homens, que estes se casam mais tardiamente e têm maior facilidade de recasamento,
é comum, entre os idosos, a predominância de casados entre os homens e viúvas entre
as mulheres. No caso da pesquisa SABE-São Paulo, a proporção de casados é praticamente
o dobro entre os homens – 79,2% contra 41,3% entre as mulheres – enquanto a proporção
de viuvez é quase quatro vezes maior entre as mulheres – 42,6% contra 10,9% entre
os homens (tabela 2).
Conforme pode ser depreendido da tabela 2, 95% em algum momento da sua
vida tiveram um casamento ou uma união e 89% permaneceram com uma única união,
sendo que 11% tiveram duas ou mais uniões; 6% declararam que suas uniões aconteceram
de forma livre e 57% ainda permaneciam unidos no momento da entrevista.
TABELA 2 – Estado conjugal segundo sexo.
Nesse aspecto, chama a atenção a cidade de Bridgetown, onde 17,6% dos idosos
nunca tiveram uma união, e a Cidade do México com apenas 1,9%, enquanto os outros
países apresentam valores que oscilam ao redor dos 5% de São Paulo, conforme pode
ser observado no quadro 2.
Fonte: Projeto SABE
casados/unidos 79,2 41 57,0
Viúvos 10,9 43 29,5
divorciados/separados 5,4 10,8 8,5
Solteiros 4,4 5,2 4,9
Total 100,0 100,0 100,0
38
A maioria vive acompanhada (87,0%), sendo que 30,9% vivem com outra pessoa;
37,2% com 3 ou 4; 13,8% com 5 ou 6 e 4,9% com 7 ou mais pessoas. Os 13,1% que
vivem sozinhos representam no município de São Paulo, aproximadamente 130.000
pessoas. Entre os mais idosos (80 anos e mais), a porcentagem dos que vivem sós é
mais alta: 21,5%. Independentemente da idade, os homens vivem muito menos sozinhos
do que as mulheres - 7,7% e 17,1%, respectivamente. Há cinco anos, apenas 6% viviam
sós. As principais razões apresentadas para não mais morarem com alguém foram o
falecimento do cônjuge ou casamento do filho ou filha.
Nas outras localidades do projeto SABE encontram-se importantes contrastes.
Enquanto em Buenos Aires e Montevidéu os níveis de “viver só” entre as mulheres
excedem os 25%, em cidades tais como Havana e São Paulo a prevalência é abaixo
de 15%. De qualquer maneira, os valores nas sete cidades do projeto são menores
do que nos Estados Unidos e Europa Ocidental, mas maiores do que aqueles encontrados
na Ásia
(2)
.
Há 5 anos, 15% moravam em outro local e as razões para a mudança foram o
custo da moradia em 29,2% e para estar perto dos filhos em 18,3%.
QUADRO 2 – Porcentagem da população de 60 anos e mais por estado civil segundo
cidades.
Fonte: Projeto SABE
Cidades Nunca unido Separado/ Viúvos Unido/Casado
Divorciado
Bridgetown 17,6 13,6 23,2 44,3
Buenos Aires 5,4 7,2 32,0 55,3
Havana 3,0 24,2 32,5 39,9
Cidade do México 1,9 5,4 15,8 75,8
Montevidéu 3,5 11,4 36,1 48,4
Santiago 7,3 13,1 35,4 43,0
São Paulo 4,9 8,6 29,5 56,9
39
A escolaridade dessa faixa etária mostra a falta de oportunidades nesse sentido,
dessa população, pois 21,0% deles nunca freqüentaram a escola, sendo que 46,4% tinham
menos de 4 anos de estudo. Esses valores são os mais altos dentre os países participantes,
estando próximos apenas da Cidade do México. Em todos esses casos, as diferenças por
sexo são marcantes, com as mulheres apresentando níveis mais reduzidos de educação.
É interessante acentuar os contrastes entre os países. Enquanto Cuba apresenta mais
de 50% dos idosos no grupo de mais alta educação, independentemente de idade e
sexo, o Brasil possui menos de 20% nessas condições.
Quanto à religião, também 70,9% se disseram católicos, 18,3%, protestantes
ou evangélicos, sendo os demais distribuídos entre as outras religiões, tendo apenas 2,3%
respondido que não tinham nenhum credo religioso, igualmente entre os dois grupos
de idade. A religião é importante para 88,6% dos idosos, sendo que o grupo mais velho
(75 anos e mais) tinha mais católicos e o mais jovem (60 a 74 anos), mais protestantes
ou evangélicos; as mulheres são quase quatro vezes mais religiosas do que os homens.
A qualidade da moradia foi considerada boa em 96,3% dos casos. Os critérios
adotados para essa classificação foram presença ou ausência de água encanada, sistema
de drenagem de esgoto, piso de terra dentro do domicílio, cômodo para cozinhar e
banheiro.
Essas residências eram, na sua maioria – 88,5% – casas, em 10,1%, apartamentos
e 0,9%, barracos. As condições da habitação incluíam em 99,8% das vezes, luz elétrica;
99,2%, água encanada dentro de casa; 94,4% drenagem de esgoto conectado à rede
pública, 97,3% cômodo específico para cozinhar (sendo que 93,2% dessas residências
utilizavam gás de botijão) e, 94,9% banheiro dentro de casa.
O quadro 3, a seguir, mostra os bens existentes na moradia dos idosos.
Os assuntos incluídos neste livro foram escolhidos por seu interesse mais emergente,
pela possibilidade de oferecer subsídio imediato aos formuladores de políticas sociais,
e foram subdivididos como segue.
40
No capítulo 1 encontra-se uma descrição detalhada das bases históricas e da
natureza do projeto SABE, com todas as equipes participantes. Nele pode-se ver a motivação
do projeto e as diversas fases por que passou.
No capítulo 3 é oferecida toda a descrição do projeto em São Paulo, da maneira
como foi planejado e organizado o processo amostral, como se deu o trabalho de campo
(embora nenhuma descrição, por pormenorizada que seja, mostre as dificuldades e percalços
de um inquérito domiciliar) e, finalmente, todo o processo de gerenciamento do banco,
bastante complexo e, por essa razão, bastante difícil.
No capítulo 4 discute-se a auto-avaliação de saúde e suas conexões com algumas
variáveis socioeconomicas e a referência, pelos idosos, de doenças crônicas e outros agravos
importantes nessa faixa etária, como as quedas.
No capítulo 5 as autoras analisam o estado nutricional dos idosos e as diferenças
entre os sexos em relação à antropometria e às variáveis referentes à capacidade física
e/ou motora, encontrando resultados que mostram que homens e mulheres apresentam
diferenças significativas em relação aos compartimentos e dimensões corporais. Mostram,
QUADRO 3 – Bens existentes na casa dos entrevistados.
Bens %
Geladeira 98,1
Televisão 96,2
Aparelho de som 91,5
Telefone 79,1
Máquina de lavar 74,5
Ventilador 70,0
Videocassete 49,2
Forno microondas 46,3
Automóvel 44,5
Bicicleta 14,1
Aquecedor de água 4,7
Motocicleta 1,7
Aquecimento central 1,3
41
também, diferenças entre os sexos em relação ao estado nutricional, com as mulheres
apresentando maior prevalência de obesidade e os homens, maior prevalência de baixo
peso. Também com relação às diferenças entre sexos, vê-se que ele é fator determinante
no desempenho físico, sugerindo que as mulheres são fisicamente mais limitadas do
que os homens.
No capítulo 6 os autores mostram a precária situação dental dos idosos, em
que menos de 1% tem todos os dentes e que, apesar dessa medida, eles não têm uma
percepção negativa das condições bucais. Por outro lado, 86% dos entrevistados apresentam
próteses, o que os faz declarar, em 92% dos casos, que nunca deixaram de sair às ruas
ou conversar por causa de suas condições dentárias.
No capítulo 7 encontra-se discussão fundamental quando se aborda a questão
do envelhecimento, que são a deterioração cognitiva e a depressão. Nele a autora disseca
as dificuldades em relação aos instrumentos disponíveis para esses diagnósticos e as
diferenças encontradas em relação à idade e escolaridade. A deterioração cognitiva é
encontrada em 6,9% dos entrevistados, aumentando progressivamente com a idade,
sendo que a escolaridade interfere nesses resultados, tendo os analfabetos valores elevados
(16,8%) que diminuem à medida que aumenta a escolaridade. A prevalência de sintomas
depressivos é da ordem de 18,1%, com evidente diferença entre homens e mulheres.
No capítulo 8, em que o autor analisa a sobrevida sem incapacidade, vê-se
que os homens morrem mais (é bastante conhecida a expectativa de vida maior das
mulheres), mas os que sobrevivem detêm menor chance de incapacidade, e que a escolaridade
teve pouca ou nenhuma influência nesse aspecto, ao contrário da variável renda, que
aumenta a probabilidade de sobrevida sem incapacidade.
Nos capítulos 9 e 10 os autores discutem a questão da rede de apoio dos idosos,
com visões diferentes, mas ambos ressaltando a necessidade e a premência de se atentar
para esse aspecto importante nas políticas públicas em relação ao envelhecimento no país.
No capítulo 11 se estuda a utilização dos serviços de saúde, em que pode ser
visto que, embora universal no Brasil, o SUS só foi lembrado por cerca de 60% dos
42
entrevistados, sendo o seguro ou plano privado o segundo mais citado. Interessante
pontuar que a existência dos seguros público ou privado diminui ou aumenta,
respectivamente, na dependência da escolaridade. A análise continua em relação a outras
fontes de atenção à saúde, sempre segundo idade e escolaridade.
Finalmente, no capítulo 12 se analisa a situação de ocupação e renda do idoso,
encontrando que a grande maioria sempre desenvolveu alguma atividade e, de modo
preponderante, remunerada. Além disso, uma parcela não desprezível ainda continuava
trabalhando à época da pesquisa, justificando esse fato pela necessidade da renda.
Principalmente, os autores concluem que o sistema de seguridade social não tem se
constituído na principal instituição a garantir a subsistência da população que já contribuiu
ao longo da vida para a produção social do país.
Dessa forma, acredita-se ter sido dada a largada para a análise dessa grande
base de dados que é o SABE, que poderá mostrar muito de como vive esse idoso do
município de São Paulo, oferecendo informações para os formuladores de políticas
nessa área.
43
Referências biliográficas
1. IBGE – Censo Demográfico de 2000. Rio de Janeiro. Disponível em: www.ibge.gov.br
2. Palloni A., Peláez M. SABE: Survey on Health and Well-Being of Elders: preliminary
report. Washington D.C.: Organización Panamericana de la Salud; 2002.
44
45
Aspectos
Metodológicos
46
47
Processo de amostragem
Nilza Nunes da Silva*
A amostra final de 2.143 pessoas de 60 anos e mais é composta por dois segmentos:
o primeiro, resultante do sorteio, corresponde à amostra probabilística formada por
1.568 entrevistas. O segundo, formado por 575 residentes nos distritos em que se realizaram
as entrevistas anteriores, corresponde ao acréscimo efetuado para compensar a mortalidade
na população de maiores de 75 anos e completar o número desejado de entrevistas nesta
faixa etária.
O processo de amostragem descrito a seguir refere-se ao primeiro segmento,
cuja distribuição esperada, constante da quinta coluna da tabela 1, foi calculada a partir
do número mínimo, fixado no projeto geral inicial, em 1.500 entrevistas. Essa tabela
descreve, ainda, o processo de definição dos grupos ampliados.
* n2 = n1x2,5 n2 = grupos etários femininos
*
Professora Associada do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública/USP – [email protected]
GRUPO(h) SEXO POP f1 n1 n2 f2
60-64 MASC 119.066 0.0018 213,5 214 0,0018
65-69 MASC 95.938 0.0018 172,0 172 0,0018
70-74 MASC 64.834 0.0018 116,2 116 0,0018
75-79 MASC 36.112 0.0018 64,77 258* 0,0071
80 ou+ MASC 30.271 0.0018 54,29 273* 0,0090
60-64 FEM 150.884 0.0018 270,6 271 0,0018
65-69 FEM 27.926 0.0018 229,4 229 0,0018
70-74 FEM 92.614 0.0018 166,1 166 0,0018
75-79 FEM 57.641 0.0018 103,3 258* 0,0045
80 ou+ FEM 60.937 0.0018 109,3 273* 0,0045
TOTAL 836.223 1.500 2.230
TABELA 1 – Tamanho das amostras segundo sexo e grupo etário.
Aspectos Metodológicos
48
Amostra de idosos
A população de estudo é composta pelos indivíduos de 60 anos e mais residentes
no ano de 2000, na área urbana do município de S.Paulo. Segundo o último recenseamento
realizado pela Fundação IBGE, o seu tamanho em 1996 era igual a 836.223 habitantes,
correspondendo a 8,1% do total da população.
Para atender ao plano de análise estatística proposto, o tamanho inicial da amostra
– 1.500 idosos – foi distribuído segundo os estratos definidos por sexo e grupo etário.
O critério de partilha proporcional levou aos resultados apresentados na quinta coluna
da tabela 1, onde n1 = (f x POP), (f = n/N) e POP é o número de idosos em cada
h-ésimo estrato.
Devido à baixa densidade na população, ampliaram-se as amostras dos grupos
etários de 75 anos e mais, multiplicando os números obtidos em n1 por 2,5. Ainda,
para compensar o excesso de mortalidade em relação à população feminina, ajustaram-
se as amostras do sexo masculino para número igual ao do sexo feminino. As duas últimas
colunas da tabela 1 apresentam o número mínimo esperado de entrevistas (n2) e as
respectivas frações finais de amostragem (f2) em cada estrato.
Amostra de domicílios
A amostra foi alcançada através de dois procedimentos: sorteio da amostra de
1.500 idosos e composição livre da amostra para os grupos ampliados.
A expressão [d = (1500 * 10/3)*(0,85)
-1
] foi usada para calcular o número
mínimo de 5.882 domicílios a ser sorteado para obtenção das 1.500 entrevistas desejadas.
A razão 10/3 é o inverso de 3 idosos para cada 10 domicílios e 0,85 é a taxa esperada
de sucesso da operação de localização e realização das entrevistas nos domicílios particulares
permanentes sorteados.
Para sorteio dos domicílios usou-se o método de amostragem por conglomerados,
em dois estágios, sob o critério de partilha proporcional ao tamanho (PPT)
(1)
. O cadastro
permanente de 72 setores censitários, disponível no Departamento de Epidemiologia
49
da Faculdade de Saúde Pública, foi considerado a amostra de primeiro estágio. A figura
1 apresenta a distribuição dos setores censitários por zonas geográficas do município
(2)
.
Essa amostra foi tomada do cadastro da PNAD 1995, composto por 263 setores
censitários sorteados sob o critério de probabilidade proporcional ao número de domicílios.
A fração de amostragem do primeiro estágio é, então, calculada pela expressão f1 =
[(263*D
i
)/D] * (72/263)], resultando em f
1 =
(72*D
i
)/D ), onde D
i
é o número de
domicílios de cada setor (i) e D é o total de domicílios existentes no município de São
Paulo no ano de 1991.
FIGURA 1: Amostra mestra, município de São Paulo (1995-2000) Setores
censitários distribuídos segundo zonas geográficas
Limite de Município
Limite de Distrito Administrativo
ZONA NORTE
ZONA LESTE
ZONA OESTE
ZONA SUL
CENTRO
50
QUADRO 1 – Plano de amostragem e resultados. (Projeto SABE)
O número mínimo de domicílios sorteados no segundo estágio, calculado pela
média (5882/72= 81,69), foi aproximado para 90. A fração de amostragem do segundo
estágio é igual a f
2
= 90/D
i
1998
e a fração final de amostragem expressa por (f = f
1
*f
2
),
corresponde à probabilidade de um domicílio pertencer à amostra sorteada
2
. A atualização
dos endereços foi realizada pelas listas da PNAD 1998, adquiridas na Fundação IBGE.
Dividiu-se o total de endereços de cada setor censitário em segmentos de 10
domicílios e, em cada setor, sortearam-se 9 segmentos. Noventa domicílios foram visitados
e todos os indivíduos considerados elegíveis segundo os objetivos da pesquisa, foram
identificados e convidados a participar das entrevistas. Ao final da primeira fase do
trabalho de campo foram realizadas 1.568 entrevistas decorrentes do processo de sorteio
de domicílios. O quadro 1 apresenta a composição da amostra segundo estágios de sorteio
e os resultados que se mantiveram dentro dos limites fixados na fase de planejamento.
Ponderação
para compensar probabilidades desiguais
A atualização das listas de endereços introduziu alterações nas probabilidades
de sorteio no segundo estágio (f
2
), resultando em diferentes frações de amostragem (fj)
51
entre os 72 setores censitários. Esse problema foi compensado pelo uso de pesos calculados
pelo inverso de (fj), obtidos pelo uso da expressão a seguir
(3)
:
; onde D
j
e D
j
’ são, respectivamente, o número de domicílios
registrados no censo de 1991 e na operação de contagem dos domicílios realizada
na ocasião do sorteio da amostra, em cada j-ésimo setor censitário. A tabela do anexo
1 apresenta o procedimento de cálculo, as frações de amostragem e os pesos para cada
setor censitário.
para compensar ausência de resposta
Para ajustar a distribuição da amostra à composição da população segundo
faixa etária e sexo, foram calculados pesos (p
h
), para cada estrato, usando-se a expressão:
; onde N
h
é número de elementos no h-ésimo estrato registrado pelo
último censo demográfico. O denominador é a soma dos pesos amostrais (p
j
),
efetuada sobre o total de elementos registrados em cada estrato h. O anexo 2 apresenta
o processo de cálculo e os resultados obtidos por estrato.
peso final agregado ao arquivo de elementos
A tabela 2 apresenta um trecho do arquivo contendo a amostra final de elementos
(idosos), os campos referentes ao plano de amostragem, e os pesos finais obtidos pelo
produto (p
j
. p
h
). Cada cinco registros do arquivo têm o mesmo peso correspondente
ao efeito do delineamento (setor) mas, dependendo do estrato a que pertence esse fator,
é alterado pelo peso correspondente. Na última coluna encontram-se os valores do peso
final (p
f
), os quais deverão sempre ser considerados no cálculo das estimativas finais e
seus respectivos intervalos de confiança.
p
D
D
d
D
j
j
j
j
j
=
72
1
'
=
j
h
h
h
p
N
p
,
52
Efeitos do delineamento (deff)
O plano de sorteio da amostra define o setor censitário como unidade primária
de amostragem
(4)
. Como mostram os resultados das tabelas 3 e 4, há variabilidade entre
o número de entrevistas alcançadas em cada setor, e entre os resultados estimados para
TABELA 2: Trecho do arquivo, com campos do plano de amostragem, pesos parciais
(p
j
, p
h
) e o peso final (p
f
).Efeitos do delineamento (deff)
Num.Id. Setor sexo faixa etária p
j
p
h
p
f
104201081 1042 2 75-79 445.35 0.575 256.076
104201082 1042 1 75-79 445.35 0.698 310.854
104201101 1042 2 60-64 445.35 1.615 719.240
104205081 1042 2 60-64 445.35 1.615 719.240
104208011 1042 2 60-64 445.35 1.615 719.240
200202021 2002 1 60-64 486.07 1.365 663.485
200202041 2002 1 80 E + 486.07 0.693 336.846
200202061 2002 2 60-64 486.07 1.615 785.003
200202081 2002 2 75-79 486.07 0.575 279.490
200202082 2002 1 70-74 486.07 1.052 511.345
300103021 3001 2 80 E + 702.54 0.503 353.377
300103081 3001 1 60-64 702.54 1.365 958.967
300103082 3001 1 80 E + 702.54 0.693 486.860
300112011 3001 2 60-64 702.54 1.615 1134.60
300112081 3001 1 65-69 702.54 1.228 862.719
404202011 4042 1 70-74 410.34 1.052 431.677
404202071 4042 1 60-64 410.34 1.365 560.114
404202081 4042 1 75-79 410.34 0.698 286.417
404202101 4042 1 70-74 410.34 1.052 431.677
404206011 4042 1 60-64 410.34 1.365 560.114
407808011 4078 1 80 E + 369.49 0.693 256.056
407808021 4078 1 80 E + 369.49 0.693 256.056
407808031 4078 1 60-64 369.49 1.365 504.353
407813031 4078 2 60-64 369.49 1.615 596.726
407813032 4078 2 60-64 369.49 1.615 596.726
53
56 4 5.6% 5.6%
7–13 13 18.1% 23.6%
14 –20 15 20.8% 44.4%
21 – 27 21 29.2% 73.6%
28 – 34 11 15.3% 88.9%
35 – 41 5 6.9% 95.8%
42 – 44 3 4.2% 100.0%
algumas variáveis sociodemográficas. Alterações significantes (vícios e ou perda de
precisão) podem modificar as inferências elaboradas a partir dos dados dessa amostra
(5)
.
Como indicam os resultados, apenas para sexo os valores de deff são próximos
de 1, pois a composição da população de idosos dentro do setor censitário, quanto a
essa característica, é natural e não sofre impacto de influências culturais ou econômicas.
Entretanto, para as demais variáveis, todos os resultados apresentam deff maiores que
1, indicando possíveis semelhanças nas distribuições internas e diferenças entre os setores
censitários. O valor extremo para a variável econômica é confirmado por diversos trabalhos
realizados sobre o efeito do delineamento em inquéritos epidemiológicos nacionais e
internacionais
(3)
.
TABELA 3 – Distribuição do número de entrevistas (bj) segundo setor censitário.
TABELA 4 – Valores do efeito de delineamento para variáveis sociodemográficas.
VARVEL DEFF (sem peso) DEFF ( com peso)
SEXO 0,847 1,011
GRUPO ETÁRIO 1,388 1,814
TRABALHO 1,349 1,293
ECONÔMICA 3,691 3,653
BGRUPO Freq. Percent. Cum.
TOTAL 72 100.0%
54
Referências bibliográficas
1. Silva, N.N. Amostragem probabilística:um curso introdutório. 2.ed São Paulo: Edusp; 2001.
2. Silva, N.N.; Cunha, T.N.; Quintanilha, J.A. -: uso de tecnologias para reciclar endereços
em inquéritos domiciliares. Rev. Saúde Pública 2003; 37(4):494-502.
3. Kish L. Selected papers. New York: John Wiley and Sons; 2003 .
4. Kish L. Survey sampling. New York: John Wiley; 1965.
5. Skinner, C.J.; Holt, D.; Smith, T.M.F. Analysis of complex surveys. Chichester: John
Wiley and Sons; 1989.
55
Continua..........
ANEXO 1 – Cálculo do Peso (pi) para compensar efeito do delineamento.
REC SETOR DOMIC91 DOMIC98 f1 f2 f pj
1 BELA VISTA 349 372 0.00989 0.2406417 0.0023799 420.1775
2 BELEM 201 210 0.005696 0.4390243 0.0025006 399.89076
3 BELEM 92 95 0.002607 0.9183673 0.0023941 417.67889
4 BRAS 313 271 0.008870 0.2556818 0.0022678 440.93699
5 CAMBUCI 269 300 0.007623 0.2912621 0.0022202 450.39135
6 CONSOLACAO 211 248 0.005979 0.3345724 0.0020004 499.89779
7 REPUBLICA 219 272 0.006206 0.3308823 0.0020534 486.98392
8 AGUA RASA 243 301 0.006886 0.3260869 0.0022454 445.34804
9 ARICANDUVA 344 389 0.009748 0.2500000 0.0024370 410.34058
10 ARICANDUVA 416 482 0.011788 0.2295918 0.0027064 369.49063
11 ARTUR ALVIM 591 90 0.016747 1.0000000 0.0167470 59.712187
12 CARRAO 348 367 0.009861 0.2445652 0.0024116 414.65255
13 ITAQUERA 433 484 0.012270 0.1666666 0.0020450 488.99755
14 ITAQUERA 409 448 0.011590 0.2142857 0.0024835 402.64595
15 JARDIM HELEN 304 377 0.008615 0.2493074 0.0021477 465.59618
16 JOSE BONIFAC 232 241 0.006574 0.3734439 0.0024550 407.32853
17 MOOCA 265 290 0.007509 0.3050847 0.0022908 436.51322
18 PENHA 198 216 0.005611 0.4205607 0.0023597 423.77076
19 SAO MIGUEL 418 400 0.011845 0.2419354 0.0028657 348.95173
20 SAO MIGUEL 316 431 0.008955 0.1533219 0.0013729 728.33302
21 SAPOPEMBA 423 612 0.011987 0.1401869 0.0016804 595.08912
22 VILA CURUCA 175 270 0.004959 0.3383458 0.0016778 595.99829
23 VILA CURUCA 301 301 0.008530 0.2903225 0.0024764 403.80356
24 VILA MATILDE 469 522 0.013290 0.1796407 0.0023874 418.86129
25 VILA MATILDE 261 306 0.007396 0.2912621 0.0021541 464.21489
26 VILA PRUDENT 283 282 0.008019 0.3214285 0.0025775 387.96746
27 VILA PRUDENT 229 238 0.006489 0.3797468 0.0024641 405.81496
28 BRASILANDIA 450 506 0.012752 0.2073732 0.0026444 378.15418
56
Continua..........
REC SETOR DOMIC91 DOMIC98 f1 f2 f pj
ANEXO 1 – Continuação .......
29 BRASILANDIA 373 436 0.010570 0.2839116 0.0030009 333.22821
30 CACHOEIRINHA 265 277 0.007509 0.3249097 0.0024397 409.87851
31 CACHOEIRINHA 276 348 0.007821 0.2486187 0.0019444 514.28490
32 SANTANA 249 257 0.007056 0.3515625 0.0024806 403.12421
33 TREMEMBE 218 235 0.006178 0.3409090 0.0021061 474.80306
34 VILA GUILHER 457 438 0.012950 0.2132701 0.0027618 362.07636
35 VILA MARIA 277 372 0.007849 0.2272727 0.0017838 560.58096
36 VILA MARIA 428 517 0.012128 0.1727447 0.0020950 477.31603
37 VILA MARIA 347 359 0.009833 0.2472527 0.0024312 411.31337
38 VILA MEDEIRO 219 243 0.006206 0.3658536 0.0022704 440.43398
39 VILA MEDEIRO 420 333 0.011902 0.2662721 0.0031691 315.53987
40 ALTO DE PINH 292 369 0.008275 0.2486187 0.0020573 486.06915
41 ANHANGUERA 221 396 0.006263 0.2272727 0.0014234 702.53871
42 CASA VERDE 177 82 0.005016 0.4787234 0.0024012 416.44515
43 FREGUESIA DO 321 324 0.009096 0.2884615 0.0026238 381.11990
44 JARAGUA 313 05 0.008813 0.5056179 0.0044560 224.41595
45 PERDIZES 320 398 0.009068 0.2261306 0.0020505 487.67338
46 PIRITUBA 272 250 0.007708 0.3461538 0.0026681 374.79098
47 PIRITUBA 454 613 0.012865 0.1461038 0.0018796 532.02055
48 RIO PEQUENO 245 223 0.006943 0.3688524 0.0025609 390.48122
49 RIO PEQUENO 310 376 0.008785 0.2380952 0.0020916 478.08764
50 CAMPO GRANDE 352 474 0.009975 0.1910828 0.0019060 524.64494
51 CAMPO GRANDE 291 314 0.008246 0.3169014 0.0026131 382.67712
52 CAMPO LIMPO 489 601 0.013857 0.1863354 0.0025820 387.28921
53 CAMPO LIMPO 189 229 0.005356 0.3688524 0.0019755 506.18205
54 CAPAO REDOND 279 335 0.007906 0.2528089 0.0019987 500.32324
55 CIDADE ADEMA 178 208 0.005044 0.4326923 0.0021825 458.19014
56 CIDADE ADEMA 221 361 0.006263 0.2000000 0.0012526 798.33945
57 CIDADE DUTRA 352 397 0.009975 0.2542372 0.0025360 394.31913
57
58 CURSINO 315 381 0.008926 0.2278481 0.0020337 491.69716
59 CURSINO 359 390 0.010173 0.2393617 0.0024350 410.67313
60 GRAJAU 396 716 0.011222 0.1960784 0.0022003 454.46444
61 ITAIM BIBI 338 496 0.009578 0.2068965 0.0019816 504.62866
62 JABAQUARA 352 358 0.009975 0.2465753 0.0024595 406.57198
63 JARDIM SAO L 258 287 0.007311 0.3529411 0.0025803 387.54388
64 JARDIM SAO L 265 367 0.007509 0.2795031 0.0020987 476.46527
65 JARDIM SAO L 292 304 0.008275 0.2272727 0.0018806 531.72205
66 PARELHEIROS 313 429 0.008870 0.1935483 0.0017167 582.48778
67 SACOMA 363 468 0.010286 0.1931330 0.0019865 503.38107
68 SAUDE 275 308 0.007793 0.2922077 0.0022771 439.14053
69 SAUDE 283 290 0.008019 0.3260869 0.0026148 382.42507
70 VILA MARIANA 247 305 0.006999 0.2950819 0.0020652 484.19615
71 VILA MARIANA 291 508 0.008246 0.2601156 0.0021449 466.21931
72 VILA MARIANA 323 408 0.009153 0.2295918 0.0021014 475.86098
ANEXO 1 – Conclusão.
ANEXO 2 – Pós-estratificação - Calcular Pesos (P
)
REC SEXO GETARIO SOMAPESO N
h
p
h
1 1 60-64 110575.50 150884 1.365
2 1 65-69 104134.70 127926 1.228
3 1 70-74 88040.50 92614 1.052
4 1 75-79 82524.20 57641 0.698
5 1 80E+ 87975.40 60937 0.693
6 2 60-64 73740.00 119066 1.615
7 2 65-69 60256.50 95938 1.592
8 2 70-74 56160.20 64834 1.154
9 2 75-79 62754.30 36112 0.575
10 2 80E+ 60225.80 30271 0.503
REC SETOR DOMIC91 DOMIC98 f1 f2 f pj
h
58
59
Trabalho de campo para coleta de dados
Clarissa de Lacerda Nazário*
O trabalho de campo para a coleta de dados da pesquisa foi realizado de
janeiro de 2000 a março de 2001. A equipe foi composta por três coordenadoras de
campo com jornada de 20 horas semanais cada. Outros quatro profissionais foram
incorporados à equipe nas funções de codificador, digitador e crítico de digitação. Além
deles, duas farmacêuticas realizaram a codificação da parte específica de medicamentos.
A equipe de entrevistadoras foi composta por 25 enfermeiras e assistentes sociais, que
passaram por um período de treinamento de 20 horas. Os dados antropométricos foram
tomados por 12 profissionais de saúde e estudantes de nutrição, que foram capacitadas
mediante um treinamento de cerca de 16 horas.
Os domicílios selecionados para a amostra foram visitados pelas pesquisadoras
com a finalidade de localizar os moradores com 60 anos e mais, explicar os objetivos
da pesquisa e realizar a entrevista. Numa segunda visita a equipe responsável pela
antropometria retornava à residência para a realização das medidas.
Os setores censitários sorteados para compor a amostra foram mapeados através
da utilização de um software de geoprocessamento (Mapinfo) que permitiu que as
entrevistadoras fossem a campo munidas dos mapas nos quais estavam marcados, nas
respectivas ruas e faces de quadra, os domicílios a serem visitados (Anexo 1).Os endereços
eram listados na folha de arrolamento (Anexo 2), na qual os pesquisadores anotavam
o número de idosos residentes e data da visita; uma folha complementar continha as
informações sobre as idades dos entrevistados, assim como a data da realização da pesquisa
(Anexo 3).
* Socióloga - Supervisora do trabalho de campo – [email protected]
60
REGIÕES SETORES
As entrevistadoras visitavam as residências munidas de crachás de identificação,
folder informativo sobre o estudo (Anexo 4) e um folheto que era deixado na residência,
no caso de estar fechada, informando que a moradia havia sido sorteada e que os
entrevistadores iriam retornar em outra data. No caso de domicílios sorteados em edifícios,
cartas foram enviadas com antecedência de uma semana para informar aos zeladores
os objetivos do estudo, visando a facilitar o acesso da equipe aos moradores dos apartamentos.
Os setores censitários foram distribuídos às entrevistadoras de acordo com a
proximidade da região de moradia das mesmas e, nos locais mais distantes, por questões
de segurança e melhor aproveitamento do tempo, um serviço contratado de transporte
auxiliava no deslocamento da equipe. A equipe responsável pela antropometria, em
função do peso e volume dos equipamentos transportados, utilizava,sempre, o serviço
de transporte.
Os setores censitários sorteados estavam distribuídos pelas regiões do município
de acordo com a tabela abaixo.
NORTE 12
SUL 23
LESTE 20
OESTE 10
CENTRO 7
TOTAL SETORES 72
TABELA 1 – Setores censitários segundo regiões do município de São Paulo.
A complementação da amostra de pessoas de 75 anos e mais foi realizada através
da localização de moradias próximas aos setores selecionados ou, no máximo, dentro
dos limites dos distritos aos quais pertenciam os setores sorteados. Nessas moradias
foram entrevistados os idosos nessas faixas etárias que concordaram em participar do
estudo; os cônjuges nem sempre foram entrevistados e não foram considerados como
recusas. As informações relativas a essas entrevistas, assim como os endereços dos domicílios,
61
eram anotados pelas pesquisadoras numa folha denominada “amostra extra” (Anexo 5),
para que a equipe de coordenação pudesse monitorar o campo e não exceder o número
de entrevistas previstas.
Nos domicílios sorteados foram identificados 1.852 idosos e no total foram
entrevistados 2.143 idosos, incluindo a complementação da amostra. Foram consideradas
perdas de entrevista os casos em que, após pelo menos três visitas ao domicílio, incluindo
um dia no final de semana, além de contatos telefônicos, a pessoa não concordou com
a entrevista ou não pôde ser encontrada. O percentual de perdas foi de 15,4%, dentro,
portanto, do esperado estatisticamente.
Com relação à antropometria foram realizadas medidas em 1.893 idosos, ocorrendo
perdas de 11,7% do total de entrevistas. Na tabela abaixo estão apresentados os motivos
dessas perdas.
MOTIVO N %
Institucionalização 2 0,1
Internação 3 0,1
Mudança 43 2,0
Óbito 41 1,9
Recusa 161 7,5
TOTAL 250 11,7
TABELA 2 – Motivos para não realização da antropometria.
Os questionários devolvidos pelas entrevistadoras eram contabilizados através
dos instrumentos de controle do trabalho de campo e passavam por uma crítica de
preenchimento e consistência inicial. Aqueles nos quais eram detectados problemas
eram discutidos com as entrevistadoras para esclarecimentos. Em alguns casos havia
necessidade de novos contatos com os idosos, via telefone ou pessoalmente, para esclarecer
as dúvidas. Após a crítica o questionário passava pela codificação e, a seguir, era digitado.
62
ANEXO 1: Mapa do Setor Censitário
SAMPLING SEGMENTS
63
ANEXO 2 - Exemplo de Folha de Arrolamento
DISTRITO 67 RIO PEQUENO SETOR 014 SEGMENTO 08
ENTREVISTADOR_________________________________________
ARROLAMENTO DE DOMICÍLIOS
ENDEREÇO
R. ARAPORÃ , 35
AV. OTACILIO
TOMANIK, 513
ALTOS
AV. OTACILIO
TOMANIK, , 481
FRENTE
AV. OTACILIO
TOMANIK, ,
481FUNDOS
AV. OTACILIO
TOMANIK, , 453
R.MARTINS
RODRIGUES , 38
R.MARTINS
RODRIGUES , 42
R. MARTINS
RODRIGUES , 44
R. MARTINS
RODRIGUES , 48
R. MARTINS
RODRIGUES , 56
DOMICÍLIO OCUPADO
ATENDEU - OA
FECHADO - OF
DOMICÍLIO VAGO - V
COMERCIAL - C
(V ou C
encerre)
D
O
M
I
C
Í
L
I
O
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
1ª VISITA 2ª VISITA 3ª VISITA
DATA DATA DATA
IDOSOS
(60 ANOS
E MAIS)
OBSERVAÇÕES
OF OA 1
22/ 05 25/ 05
V
21/ 05 ———-
C
21/05 ———-
0A
21/ 05 2
64
N º 60 - 64 60 - 64 65 - 69 65 - 69 70 - 74 70 - 74 75 - 79 75 - 79 80 ou+ 80 ou+
DOMICÍLIO MASC FEM MASC FEM MASC FEM MASC FEM MASC FEM OBS
DATA DATA DATA DATA DATA Nº DATA Nº DATA DATA DATA Nº DATA
ANEXO 3. Folha para Controle das Faixas Etárias
DISTRITO _________________________ SETOR _________________
SEGMENTO ENTREVISTADOR _________________________________
CONTROLE FAIXA ETÁRIA / SEXO ENTREVISTADOS
65
Quem é responsável pelo estudo?
O estudo é realizado pela Organização Pan-
Americana da Saúde (OPAS) em
colaboração com outras instituições e
organizações nacionais e internacionais.
A OPAS é o escritório regional da
Organização Mundial da Saúde.
Os participantes serão contatados por uma
entrevistadora. Nossas entrevistadoras
terão identificação com fotografia. Por
razões de segurança, os participantes
deverão pedir essa identificação antes de
admiti-las em sua casa. Elas estão
treinadas para atendê-lo.
Para obter mais informação, por favor
escreva ou telefone para:
Departamento de Epidemiologia da
Faculdade de Saúde Pública/USP
Av. Dr. Arnaldo, 715 - Cep: 01246-904
São Paulo - SP
Telefone: 3066-7724, 3066-7744
Fax: 282-2920
– o –
Estudo SABE
Saúde, Bem-estar e Envelhecimento
Coordenação do Projeto
Martha Peláez
Organização Panamericana de Saúde
Washington (EUA)
Alberto Palloni
Universidade de Wisconsin (EUA)
Investigador Principal para o Brasil
Prof. Ruy Laurenti
Departamento de Epidemiologia
Faculdade de Saúde Pública/USP
Outros Investigadores
Profa. Maria Lúcia Lebrão
Departamento de Epidemiologia
Profa. Maria de Fátima Nunes Marucci
Departamento de
Nutrição
Informações sobre o
Estudo SABE
Saúde, Bem-estar e
Envelhecimento
Organização Panamericana da Saúde
Faculdade de Saúde Pública/USP
ANEXO 4 – Folder de Apresentação
66
Por que é importante o estudo?
Na América Latina e no Caribe tem havido
importantes mudanças demográficas com um
rápido crescimento dos grupos de pessoas de
60 anos e mais. O crescimento da população
idosa continuará avançando com uma rapidez
sem precedente algum na história. Urge que
tenhamos informação sobre as condições de
saúde e a qualidade de vida dos idosos para
embasar o desenvolvimento de políticas e
programas tendentes a promover o
envelhecimento ativo e saudável.
As metas principais do estudo SABE são:
descrever as condicões de saúde dos idosos;
avaliar o acesso e o uso pelos idosos dos
serviços de saúde;
• analisar as diferenças entre as fontes de apoio
dos idosos; e
analisar e fazer predições sobre a saúde e
as condições sociais dos idosos para
estabelecer políticas públicas e para
propósitos de futuras investigações.
Os resultados do estudo proverão uma melhor
compreensão de como as pessoas envelhecem,
as opções que escolhem e os recursos
econômicos disponíveis aos idosos. Com a
informação que os participantes forneçam, será
possível oferecer subsídios para o
desenvolvimento de novas políticas.
Quem financia o estudo?
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo, em colaboração com a Organização
Pan-Americana da Saúde e outras instituições
e organizações nacionais.
A quem se pede que participe?
A amostra foi desenhada cuidadosamente para
alcançar um grupo representativo de domicílios
e indivíduos específicos de 60 anos e mais.
Este estudo espera a participação de mais de
12.000 pessoas em 8 países diferentes da
América Latina e do Caribe. A entrevista
só poderá ser feita com as pessoas selecionadas.
Como serão feitas as entrevistas?
Todas as entrevistas serão realizadas com pessoal
treinado pela Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo. As pessoas
escolhidas para o estudo serão contatadas por
telefone, por carta ou pessoalmente.
Que tipo de perguntas serão feitas?
As perguntas da entrevista cobrirão um amplo
espectro de temas: atividades diárias, bem-
estar econômico, cuidados médicos, informação
geral sobre a família, características do emprego
e experiências no trabalho.
Há uma opção de participar ou não no
estudo?
Sim, a participação é completamente voluntária.
Os entrevistados podem negar-se a responder
a qualquer pergunta em particular. Porém,
a colaboração de todos os que tenham sido
selecionados é importante para que nosso
estudo represente corretamente toda a
população.
Esta é uma oportunidade única para fazer saber
àqueles que tomam decisões no governo o
que vocês pensam sobre sua situação diária.
Esperamos que todos aproveitem esta
oportunidade para participar deste estudo.
O que acontece com as respostas?
Todas as respostas serão estritamente
confidenciais. A identidade dos participantes
não será revelada a nenhuma pessoa. Aos
participantes será enviado um informe
baseado nos resultados uma vez que se
complete o estudo para mantê-los informados
sobre como estão sendo utilizados os
resultados.
67
DOMICÍLIO
OBS
75 - 79 75 - 79 80 ou+ 80 ou+
MASC FEM MASC FEM
DATA DATA DATA DATA
ENDEREÇO
ANEXO 5 – Folha Controle para “Amostra Extra”
DISTRITO _________________________ SETOR _________________
SEGMENTO ENTREVISTADOR _________________________________
AMOSTRA EXTRA - FAIXAS ETÁRIAS ACIMA DE 75 ANOS
68
69
Elaboração do Banco de Dados
Fernão Dias de Lima*
A elaboração do banco de dados do projeto SABE iniciou-se em dezembro de
1999. O primeiro passo para a montagem do banco de dados foi escolher o software
que seria utilizado para a entrada (digitação) dos dados. Dentre os vários disponíveis
no mercado e no âmbito universitário (EPIINFO, FOXPRO, SPSS, entre outros), optou-
se pela utilização do EPIINFO, devido ao fato de ser um software de domínio público,
apresentar uma interface com o usuário bem amigável, ser de fácil manipulação e dispor
de recursos de checagem de dados de fácil manuseio.
Isso foi feito tendo como base o questionário aplicado na pesquisa e a nomenclatura
das variáveis determinada pelos consultores da OPAS em Washington.
A nomenclatura das variáveis obedeceu, em sua totalidade, à identificação da
letra da questão no questionário, blocos A até H, J, K e L, seguidas pela ordem numérica
(1 até n) dentro de cada bloco, o que facilita muito a recuperação das informações.
A montagem das telas de entrada de dados no EPIINFO teve como ponto de
partida o documento em WORD elaborado para a confecção dos questionários. O conceito
inicial para a montagem dessas telas, devido à complexidade do questionário, era o de
deixar a tela com o máximo de indicativos em relação ao questionário aplicado, visando
à facilidade da digitação, ou seja, ela guardou semelhança com os questionários aplicados.
O tamanho dessas telas no EPIINFO é limitado, sendo que o arquivo de questionário
(extensão QES) é limitado a 500 linhas, motivando a divisão do questionário em várias
telas.
*
Analista de Sistemas do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP – [email protected]
70
A divisão das telas de entrada de dados ficou assim determinada:
SABEA-C: arquivo contendo as seções A a C;
SABED-F: arquivo contendo as seções D a F;
SABEGP1: arquivo contendo parte da seção G, perguntas 01 a 31;
SABEGP2: arquivo contendo parte da seção G, perguntas 32 a 57;
SABEH-J: arquivo contendo as seções H a J;
SABEK-L: arquivo contendo as seções K e L.
O bloco G (o mais complexo) foi dividido em duas partes devido à possibilidade
de serem obtidas informações de até dez pessoas. Nesse bloco foram criadas variáveis adicionais
que indicavam se existia ou não outra entrevista a ser digitada, ao final de cada um dos
blocos comuns. Foram considerados blocos de perguntas comuns às seguintes variáveis:
G02 a G16, G17C a G17E, G18A a G31, G33 a G43, G44B a G51, G52 a G57.
Montadas as telas de entrada de dados, foram então gerados os arquivos de
consistência intervalar das variáveis. Esses arquivos, denominados CHECK, foram também
construídos no EPIINFO e visam a evitar a entrada de dados errados pelo digitador.
Assim sendo, se em uma determinada variável só forem permitidas as entradas dos códigos
1 e 2, caso o digitador tente entrar com o código 3 o programa emite um alerta de
que o valor está errado. O CHECK também permite que sejam feitos os “pulos lógicos”
(jumps) na entrada de dados como, por exemplo, a de que uma série de questões referentes
a idosos do sexo feminino seja pulada quando o respondente é do sexo masculino. Neste
módulo também foi introduzida a ligação (linkage) entre os diversos blocos de digitação,
levando sempre do primeiro bloco (A a C) a informação de identificação do questionário
aos outros blocos.
Testadas as telas de entrada de dados e os programas que visavam ao controle
dessas entradas, iniciou-se a digitação dos dados. Inicialmente essa digitação foi feita
por um só profissional e logo depois um outro foi agregado a esse trabalho. Após
aproximadamente 25% da digitação, foi feita uma redigitação de dados de 10% do
71
que já havia sido digitado. Os questionários sorteados para essa redigitação foram invertidos
em relação ao digitador que havia feito a digitação original. Esse processo foi feito no
sentido de captar possíveis vícios de digitação.
Com a redigitação realizada, através do programa VALIDATE do EPIINFO,
foi realizada a comparação entre a amostra redigitada e os questionários já digitados.
Poucos erros foram encontrados e os casos positivos foram discutidos entre os digitadores.
Ao se detectar alguma inconsistência mais grave em alguma variável, ela foi levantada
em todos os questionários já digitados. Finalizada essa etapa, o trabalho normal de
digitação teve sua continuidade.
Terminada a digitação, os bancos de dados foram convertidos do EPIINFO para
o STATA e enviados aos consultores da OPAS que haviam elaborado rotinas de consistência.
Os relatórios dessas rotinas foram enviados a cada sede da pesquisa e devidamente analisados.
Quando constatado algum erro de lógica em relação à digitação, a mesma foi refeita.
Um dos profissionais que trabalhou na digitação foi devidamente treinado e,
sob orientação, procedeu à documentação das variáveis. Esse processo é feito em diversas
etapas em relação aos nomes das variáveis (Var Labels), em relação às categorias das
variáveis (Value Labels) e em relação aos valores considerados ausentes (Missing Values).
A documentação das variáveis em relação aos seus nomes foi extremamente simples,
pois foram utilizadas as telas de entrada elaboradas para o EPIINFO que mantinham
uma certa semelhança com o questionário, como já citado anteriormente.
A fase seguinte foi relativa à produção de tabelas que permitissem a análise
dos dados. Embora o programa STATA tenha sido o escolhido pela consultoria da OPAS,
para esta fase, optou-se, localmente, pela utilização do SPSS for Windows, pela ampla
experiência anterior na sua utilização.
Posteriormente foram enviados pela OPAS os programas contendo as rotinas
para a apuração de dados, que foram traduzidas para o SPSS for Windows.
72
73
Condições de saúde
74
75
Condições de saúde
Maria Lúcia Lebrão*
Ruy Laurenti**
As avaliações de saúde auto-referidas hoje não são mais consideradas meramente
impressões relacionadas a condições reais de saúde. Muitos estudos recentes têm mostrado
que os indivíduos que relatam condições de saúde escassa ou pobre têm riscos de mortalidade
consistentemente mais altos que aqueles que reportam melhor estado de saúde
(1)
.
Nesta pesquisa, à pergunta de como o entrevistado considerava a sua saúde –
excelente, muito boa, boa, regular ou má – obteve-se o resultado de 53,8% para regular
ou má e 46,2% para excelente, muito boa ou boa. Essa avaliação se repete na maioria
dos países onde foi realizada a pesquisa SABE, fazendo exceção Buenos Aires e Montevidéu,
que apresentam valores acima de 50% para as referências positivas
(2)
.
Esses números, no entanto, variam de acordo com o sexo e a idade do entrevistado.
Ao aumentar a idade, a auto-avaliação, quanto a ser muito boa ou boa, cai para 43,2%
entre aqueles que têm 75 anos e mais. Entre os sexos, a mulher tem pior auto-avaliação,
sendo entre as de 75 anos e mais, a mais baixa - 42,9% de muito boa ou boa (tabela 1).
* Profa. Titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública/USP – [email protected]
** Professor Emérito da Faculdade de Saúde Pública/USP e Diretor do Centro Colaborador da OMS para a Família
de Classificações Internacionais para os Países de Língua Portuguesa.
TABELA 1: Auto-avaliação de saúde segundo sexo e idade.
Fonte: Projeto SABE
76
Em todos os países do Projeto SABE a proporção de homens que reportam boa
saúde é mais alta que a proporção de mulheres que o fazem. As diferenças são acentuadas
na maioria dos casos, com exceção do Brasil. Em Havana por exemplo, a diferença entre
sexos é de 40,6% e em Santiago, 31,2%. Considerando-se que os resultados obtidos
possam refletir diferenciais reais no estado de saúde, dever-se-ia esperar uma maior
mortalidade para as mulheres do que para os homens, resultado incoerente com os padrões
de mortalidade em pessoas idosas. Uma interpretação alternativa é que as respostas
das mulheres incluem uma consideração de limitações e condições não fatais que
comprometem a validade das medidas baseadas nas proporções que reportam estar em
boa saúde como indicador das condições que prognosticam a mortalidade a curto prazo
(3)
.
Outras condições podem alterar a percepção das pessoas em relação à sua saúde.
A escolaridade é uma delas, pois os idosos sem escolaridade têm uma avaliação de regular
ou má, 1,2 vezes maior do que aqueles com 7 a 12 anos de estudo (65,7%/29,2%,
respectivamente) e a mulher sem escolaridade sobrepassa o homem, nas mesmas condições,
em 6,7% (68,1%/61,4%, respectivamente).
Ao se perguntar se o entrevistado “considera ter dinheiro suficiente para suas
necessidades diárias”, encontra-se que, aproximadamente, dois terços deles (67,5%)
referem não considerar ter o suficiente. Esse fato prejudica a avaliação da saúde, pois,
dentre eles, a saúde regular ou má é referida por 59,9%, diferentemente dos 54% já
anotados para os idosos em geral. Para as mulheres, a limitação financeira tem um peso
ainda maior do que para os homens, pois, encontram-se 62,0% e 56,8%, respectivamente,
referindo saúde regular ou má. Se essa análise é ainda mais detalhada, verifica-se que
a idade não altera essa avaliação, a não ser para os homens depois dos 75 anos, em que
62,0% passam a ter essa percepção.
Viver só favorece a auto-avaliação pois, dos que estão nessa condição, 51,8%
consideram a sua saúde muito boa ou boa. Essa melhor avaliação se repete em todas as
faixas etárias, exceto entre os homens de 75 anos e mais, em que essa situação se inverte,
caindo para 44,8%. Isso pode ocorrer pelo fato de aqueles que vivem sós, realmente
estarem em melhores condições.
77
Por outro lado, a presença de incapacidade parece ser um fator determinante
na auto-avaliação de saúde pois, ter, pelo menos, uma incapacidade para as atividades
básicas de vida diária, reduz à metade a disposição de considerar a sua saúde muito
boa ou boa: 23,8%. O gráfico mostra as diferenças existentes entre as auto-avaliações
de saúde e a existência de incapacidades entre os sexos e as idades.
Os resultados obtidos reforçam a necessidade de se considerar as incapacidades,
na avaliação das condições de saúde das pessoas em geral e dos idosos em especial, para
o dimensionamento da atenção adequada a essas pessoas.
Uma proporção elevada dos entrevistados declarou sofrer de três ou mais doenças,
sendo esse fato muito mais comum entre as mulheres (48%) do que entre os homens
(33%). Levando em consideração o fato de que foi perguntado se “algum profissional
de saúde alguma vez lhe disse que tinha determinada doença”, é necessário lembrar
que estudos têm mostrado que as mulheres tendem a procurar mais os serviços de saúde
e, portanto, têm mais informações a respeito de suas doenças.
Apenas 26,5% dos idosos realizaram atividade física regularmente nos últimos
12 meses, sendo mais freqüente no grupo de 60 a 75 anos do que no de 75 anos e
%
GRÁFICO 1 – Auto-avaliação de saúde (boa/muito boa), segundo sexo, idade e
presença de incapacidade para as atividades básicas de vida diária.
78
mais (30,2 e 13,7%, respectivamente). É interessante notar que os homens, em qualquer
idade, fazem mais exercícios do que as mulheres (tabela 2).
Doenças crônicas
A prevalência de doenças crônicas (DC) também se baseia na resposta às perguntas
sobre se “um médico ou outro profissional de saúde lhe disse que tem determinada
doença?” É preciso, portanto, ficar claro que as freqüências representam a ponta do
iceberg, um mínimo, na realidade, visto que várias circunstâncias poderiam fazer com
que não se tivesse o conhecimento do total dos casos, como a dificuldade de acesso
aos serviços de saúde ou o não desejo de ir ao médico.
O questionário se limitou às oito condições crônicas que estão apresentadas
na tabela 3: pressão alta; diabetes; problema cardíaco; tumor maligno; embolia/derrame;
doença crônica pulmonar; artrite/reumatismo/artrose e osteoporose.
Verifica-se haver consistência nos resultados pois, todas as doenças crônicas
aumentam do grupo etário de 60 a 74 anos para 75 anos e mais, sendo que algumas,
que se sabe predominar no sexo feminino, aparecem dessa maneira, particularmente a
osteoporose com 22,3% e 2,7%, respectivamente nos sexos feminino e masculino. Da
mesma maneira as artrites/reumatismo/artrose: 39,6% e 20,6%. Por outro lado, as doenças
crônicas pulmonares predominam no sexo masculino.
Fonte: Projeto SABE
TABELA 2 – Realização de atividades físicas segundo idade e sexo.
79
TABELA 3 – Respostas positivas (%) à pergunta sobre doenças crônicas,
segundo idade e sexo.
80
A doença de maior prevalência foi a “pressão alta”, que chegou a 53,3%, sendo
56,3% e 49,0%, respectivamente, nos sexos feminino e masculino. Trata-se de uma
freqüência realmente alta e, levando-se em conta o envelhecimento populacional, é de
se prever o aumento de recursos necessários para o tratamento e prevenção das complicações
dessa doença na população.
Quanto ao fato de tomar medicamentos para controlar a pressão, observou-se
que 80,6% dos hipertensos estavam nessas condições, contra 19,4% que não tomavam
medicação. Quanto ao sexo, 84,8% das mulheres e 73,5% dos homens hipertensos tomavam
medicação. Apenas 45,1% dos hipertensos informaram que nos últimos 12 meses perderam
peso intencionalmente ou seguiram uma dieta especial. Quanto a controlar a pressão
arterial isso ocorreu em 79,7% dos idosos, variando de 80,3% nas mulheres e 78,8%
nos homens.
A existência da hipertensão pode aumentar a presença de sintomas e sinais
como dor no peito (69,6% dos hipertensos contra 48,7% dos não-hipertensos), inchaço
nos pés ou tornozelos e falta de ar, como pode ser visto na tabela 4.
TABELA 4 – Presença de alguns sintomas e/ou sinais (%) em idosos hipertensos
e não-hipertensos.
81
Chama a atenção a nítida diferença para alguns sintomas ou sinais que foram
referidos com muito maior freqüência nos hipertensos. É claro que a existência de qualquer
uma dessas manifestações não permite afirmar haver associação com hipertensão mas,
tão somente estar presente. Entretanto, a diferença observada entre os hipertensos e
os não-hipertensos é bastante sugestiva de uma associação por meio da possível existência
de cardiopatia hipertensiva, o que explicaria, por exemplo, a “dor no peito”, o “inchaço
e a falta de ar”.
Vários estudos longitudinais e transversais confirmam que, mesmo nos idosos,
hipertensão sistólica por si ou combinada com a pressão diastólica elevada segue sendo
um importante fator preditivo da mortalidade e morbidade cardiovascular
(4)
. Nos idosos,
a incidência de doenças cardiovasculares se relaciona mais estreitamente com a pressão
sistólica do que com a diastólica
(5)
e não há dúvidas de que a pressão arterial elevada é
o fator de risco mais importante para os acidentes vasculares cerebrais, isquêmicos ou
hemorrágicos
(6)
.
Nos idosos, particularmente os mais idosos, é descrita uma relação inversa entre
níveis da pressão arterial e a sobrevivência, o que, provavelmente, reflete um efeito de
confusão devido à concomitância de outras doenças nessas idades
(7,8)
. No município
de São Paulo, atualmente, os acidentes vasculares cerebrais representam uma das principais
causas de morte entre os idosos, particularmente acima de 75 anos. Um antigo estudo
feito na cidade de São Paulo mostrou uma associação de hipertensão arterial e acidente
vascular cerebral (todos os tipos); de fato, nos óbitos estudados, em 66,1% dos casos
com hipertensão arterial informada, havia, também, acidente vascular cerebral. A associação
com doença isquêmica do coração foi bem menor, 29,3%
(9)
.
Existem muito poucos estudos no Brasil sobre prevalência de hipertensão arterial
em idosos, e os estudos geralmente atingem a população até 69 anos ou 74 anos.
No município de São Paulo, em 1987, na população de 15 a 59 anos, 15,8%
e 7,8%, respectivamente homens e mulheres, eram hipertensos
(10)
; em Pelotas, de 20 a
69 anos, 18,3% e 21,2%, homens e mulheres, eram hipertensos
(11)
. Em Porto Alegre,
para maiores de 18 anos essas proporções foram 13,1% e 12,1%
(12)
; em Araraquara,
82
para 15 a 74 anos, 32,0% e 25,3%
(13)
e em Piracicaba, acima de 15 anos, 33% e 32%
(14)
.
Estudos que mostrem especificamente os idosos acima de 60 ou de 65 anos não são referidos.
A hipertensão arterial, não resta dúvida, é a mais freqüente das doenças crônicas
não transmissíveis em todo o mundo. Nos idosos sua freqüência aumenta bastante, o
que leva a uma grande demanda à assistência médica, diretamente ou pelas suas complicações,
particularmente os acidentes vasculares cerebrais.
Segundo informe de um “Grupo de Estudo da OMS
(4)
...” a prevenção das doenças
cardiovasculares nos idosos (incluindo a hipertensão arterial) apresenta fatos e desafios
diferentes do que em adultos mais jovens. Há maiores variações na saúde física e mental
dos idosos do que dos mais jovens; entretanto, a idade, por si só, não deve constituir
um obstáculo para promover a saúde e prevenir e postergar as doenças, a incapacidade
e a morte”... “O reconhecimento da importância da prevenção das doenças cardiovasculares
em idosos, bem como da possibilidade de isso ser feito, é um fenômeno recente, ainda
não aceito universalmente, a que nem é dada alta prioridade”... ...”A atitude dos idosos,
bem como dos profissionais de saúde, do público em geral e dos responsáveis pelas
políticas públicas pode constituir obstáculos para colocar em prática as medidas destinadas
a prevenir as doenças cardiovasculares nas pessoas de idade”.
Segue-se à hipertensão, quanto à magnitude da freqüência, a prevalência da
artrite/reumatismo/artrose, com 31,7%, predominando bastante no sexo feminino - 39,6%,
contra 20,6% entre os homens. Ao juntar essas três condições a pesquisa pretendeu
identificar a presença de dores articulares, muitas vezes incapacitantes, o que vem ao
encontro do descrito no capítulo de “Avaliação das incapacidades” no qual se mostra
que, embora tendo maior sobrevida, a mulher tem uma proporção menor dessa, sem
incapacidade.
Difícil identificar em morbidade referida tratar-se de artrite, artrose ou algum
outro tipo específico de reumatismo. Infere-se a existência por meio de queixas como
dores articulares, limitação de atividades ou, particularmente neste inquérito, pelo fato
de ter sido um médico a fazer o diagnóstico. Em nosso meio, o leigo geralmente refere-
se como tendo “reumatismo” ou, algumas vezes, “artrite”.
83
“Reumatismo” foi referido por 31,7% dos idosos, sendo essa freqüência bem
maior no grupo de 60 a 74 anos (74,8%) contra apenas 25,1% no grupo de 75 anos
e mais.
A freqüência no sexo feminino foi 39,6%, bastante superior à observada no
sexo masculino, 20,6%.
Daqueles que referiram “artrite/reumatismo/artrose”, 48,2% consultaram médico
por esse problema nos últimos 12 meses e 39,9% tomavam medicamento. Apenas 1,1%
dos homens e 4,6% das mulheres referiram ter feito algum tipo de cirurgia devido ao
problema.
Quanto à limitação de atividades, 22,1% informaram ter muita limitação e
40,5% pouca limitação; o restante não referiu nenhuma limitação. A questão da limitação
de atividades é bastante importante no idoso e o conjunto “artrite/reumatismo/artrose”
é um dos principais responsáveis por esse quadro. A demanda aos serviços de saúde,
particularmente aqueles de reabilitação, vem crescendo bastante nos países em
desenvolvimento. Esse é um aspecto que chama a atenção e, cada vez mais, os profissionais
desses serviços necessitam fazer avaliações dessa limitação para efeito de pagamento
de benefícios. Nesse sentido a OMS aprovou em 2001 uma “Classificação de Funcionalidade,
Incapacidades e Saúde” que se constitui em importante instrumento para a avaliação
das incapacidades.
Perguntas específicas sobre “problemas cardíacos”, tais como “ataque do coração”,
“angina”, “doença congestiva” ou outras tiveram respostas positivas de 19,5% dos idosos,
sendo que esse valor foi de 18,2% naqueles com 60 a 74 anos, elevando-se para 24,3%
a partir dos 75 anos de idade.
Quanto ao sexo, verificou-se aqui o que tem sido observado em outros estudos,
isto é, maior freqüência nos homens, 20,5% contra 18,8% nas mulheres. É interessante
que essa ligeira predominância seja devida ao ocorrido no grupo 60-74 anos, pois a
partir dos 74 anos não se verifica diferença: 24% em ambos os sexos.
84
A predominância de problemas cardíacos no homem tem sido observada ser
bastante maior no adulto, sendo que vai diminuindo e se equiparando com o evoluir
da idade. No caso, como se comentou, não houve diferenças a partir dos 75 anos de
idade. Não chamou a atenção nas respostas a freqüência de sintomas ou sinais como
dor no peito, falta de ar, inchaço nas pernas ou vertigens.
Segue-se o diabetes, que foi referido em 17,88% da amostra, com ligeiro
predomínio no sexo feminino. Chama bastante a atenção o fato de o diabetes ser a única
doença crônica, aqui analisada, que teve a prevalência diminuída do grupo 60 – 74
anos para o de 75 anos e mais. Isso ocorreu no total e em ambos os sexos, e poder-se-ia
pensar que as complicações da doença, em muitos casos, levariam à morte antes de os
idosos completarem 75 anos. Entretanto, pode parecer paradoxal o fato de isso não
acontecer com a hipertensão arterial.
A menção da presença do diabetes melliltus (DM) nos idosos apresentou-se
em quarto lugar (tabela 3). Foi mais alta a prevalência referida no sexo feminino e o
DM foi a única doença crônica cuja freqüência diminui, em ambos os sexos, do grupo
etário 60-74 anos para os de 75 anos e mais.
Dos que informaram ter DM, 64,3% referiram controle com medicação oral e
12,7% o faziam com insulinoterapia. Verificou-se, também, que 61,7% dos que referiram
ter DM perderam peso por orientação médica ou seguiram dieta especial, sendo que
isso foi ligeiramente superior naqueles com idades entre 60-74 anos (62,3%) em relação
aos de 75 anos e mais (59,4%).
Quanto ao fato de o DM estar, geralmente, controlado, foi afirmativo para 79,7%
dos casos. Comparando com o que ocorria 12 meses antes da entrevista, 53,2%, 29,5%
e 8,7% informaram que o DM estava, respectivamente, melhor, igual ou pior (5,5%
não sabiam informar e 0,4% não responderam).
Na tabela 5 podem ser vistos alguns sinais e/ou sintomas referidos na presença
ou ausência de DM.
85
TABELA 5: Presença de alguns sintomas e/ou sinais (%) em idosos segundo
referência de Diabetes Mellitus.
É bastante conhecido o fato de o diabetes ser importante fator de risco para
doenças cardiovasculares, sendo que sua prevalência se eleva abruptamente com a idade
(15)
.
A forma predominante de diabetes nos idosos é a não insulino-dependente e
a aterosclerose é a complicação mais comum e causa de 75% das mortes por essa doença
(4)
.
Estudo de mortalidade realizado no município de São Paulo (todas as idades)
mostrou alguns tipos de associação de outras doenças com o DM
(9)
. Assim, na amostra
de óbitos estudada verificou-se que, quando havia diabetes declarada, existiam,
concomitantemente, 33,7% dos casos com hipertensão arterial; 33,1%, doença isquêmica
do coração; 42,8% com doenças cardiovasculares e 44,1% com doenças arteriais periféricas.
A prevalência do DM nos Estados Unidos e em vários países europeus é de,
aproximadamente, 8%, para todas as idades
(16)
. No Brasil foi feito um inquérito populacional
em nove capitais de estados, tendo sido observada uma prevalência média de 7,6%,
variando de 2,7% para aqueles de 30 a 39 anos até 17,4% para aqueles de 60 a 69
anos
(17)
. Os resultados do projeto SABE para São Paulo se assemelham ao citado inquérito
para a população de 60 a 69 anos.
Quanto às doenças crônicas pulmonares, a pergunta indicava ao entrevistado
as doenças “asma, bronquite ou enfisema”. Verificou-se que 12,2% responderam
afirmativamente e não houve diferenças nos dois grupos etários: 60 a 74 anos e 75
anos e mais, quando se analisa no conjunto dos sexos.
86
A freqüência no idoso (14,3%) foi maior do que na idosa (10,7%), e é interessante
que no homem com 75 anos e mais a freqüência é maior (16,4%) do que na mulher do
mesmo grupo etário (10,7%).
Ainda que a freqüência observada no sexo masculino tenha sido mais alta
do que no sexo feminino, seria de se esperar que a diferença fosse bem maior. Isso
porque o hábito de fumar, particularmente no nosso meio, é bem maior nos homens
(tabela 6).
Fonte: Projeto SABE
Verifica-se que, independentemente da idade, 70,4% das mulheres nunca fumaram
contra apenas 26,1% dos homens, sendo que 22,6% destes são fumantes atualmente
contra 11,0% das mulheres. Digno de nota é que 51,3% dos homens “já fumou e parou”,
contra apenas 18,4% das mulheres. Portanto, a proporção de homens que fumam ou
fumaram é bastante superior ao observado nas mulheres, o que poderia explicar a maior
freqüência de doenças crônicas pulmonares.
Dos entrevistados, 39,9% informaram que estavam recebendo tratamento para
doença pulmonar e apenas 3,9% estavam recebendo oxigênio; 6,8% estavam com
fisioterapia.
No entanto, apenas 17,8% informaram ter muita limitação de atividades, 27,6%
pouca limitação e o restante informou que a doença não provocava limitação de atividades.
Verificou-se que 38,3% dos que apresentavam doenças pulmonares crônicas
tiveram dor no peito (contra 19,6% daqueles sem doença pulmonar); inchaço nas pernas
TABELA 6 – Freqüência (%) do hábito de fumar segundo sexo e idade.
87
32,6% e 27,4%; 46,5% e 12,1% com falta de ar; fadiga, 39,3% e 19,7%. Tosse persistente
foi referida por 56,6% dos portadores de doenças pulmonares contra 18,0% daqueles
que não referiram essa doença.
As complicações circulatórias relativas aos acidentes vasculares cerebrais foram
investigadas por meio da pergunta “teve uma embolia, derrame, ataque, isquemia ou
trombose cerebral?” Em nosso meio a terminologia mais usada e conhecida pelo leigo
é “derrame” e é sempre facilmente identificável na morbidade referida.
Foi verificado que 7,2% dos inquiridos responderam afirmativamente, sendo
um pouco maior naqueles com 75 anos e mais, 8,2%, contra 6,9% dos 60 aos 74 anos.
A freqüência também foi um pouco maior nos homens (8,9%) do que nas mulheres
(6,0%) e em ambos os sexos aumenta com a idade, chegando nos homens a ser 10,5%,
acima dos 75 anos (na mulher, neste grupo etário, a freqüência foi 6,9%).
Foi observado, ainda, que 68,9% dos que apresentaram “derrame” consultaram
médico nos doze meses precedentes à entrevista, sendo um pouco mais freqüente nas
mulheres (71,5%) do que nos homens (66,4%). 75,3% dos que tiveram “derrame”
apresentaram seqüelas, valor pouco maior no homem (78,2%) do que na mulher (72,4%).
A freqüência referida de “derrame” é relativamente baixa quando comparada
à hipertensão arterial, diabetes e problemas cardíacos. Entretanto, é mais que o dobro
do observado para tumores malignos. Isso é compreensível tendo-se em vista que a
alta letalidade para os derrames é apenas para os acidentes vasculares hemorrágicos,
sendo muito menor para as embolias e tromboses, e estes, na prática, são muito mais
freqüentes, levando assim a uma maior sobrevida para o conjunto dos derrames.
A pergunta sobre “tumores malignos” excluía tumores ou cânceres de pele.
De todas as doenças crônicas inquiridas foi essa a que apresentou a menor proporção
de respostas positivas: 3,3%, não havendo, praticamente, diferenças entre homens e
mulheres. Em relação à idade, mesmo sendo baixa a freqüência após os 75 anos (5,0%)
ela foi 66,6% maior do que aquela observada entre 60 e 74 anos (3,0%).
88
Essa baixa freqüência da morbidade referida para câncer contrasta com a
mortalidade por esse grupo de doenças, bem como com a morbidade hospitalar ou mesmo
inquéritos com outra metodologia, que apresentam taxas bastante elevadas nos idosos.
Entretanto, isso é compreensível visto que, sendo alta a letalidade, a duração da doença
é relativamente curta, não dando oportunidade de aparecer em inquéritos de morbidade.
Por outro lado é preciso lembrar que, por fator cultural, nem sempre a pessoa é informada
de ter câncer.
Outros agravos
As quedas constituem uma importante ocorrência nos idosos, sendo que elas
têm como principal conseqüência as fraturas, em particular do fêmur (colo ou outras
partes). No entanto, a questão que, geralmente, se coloca é saber se a fratura antecedeu
a queda, como no caso de osteoporose ou, mais raramente, metástases ósseas de tumores,
ou a queda foi responsável pela fratura.
As fraturas nos idosos podem levar a vários tipos de complicações, particularmente
pós-cirúrgicas, e têm como conseqüência mais grave a morte. Nesses casos é necessário
considerar se a fratura foi patológica ou pós-queda. Nesse último caso configura-se
uma “causa externa” de morte e, em numerosos países, como no Brasil, a lei obriga
que o caso passe para a alçada do médico legista. Com o envelhecimento populacional
essa questão se torna cada vez mais freqüente.
Verificou-se que 28,6% dos idosos referiram “quedas”, sendo que essa freqüência
aumentou com a idade: 26,2% naqueles com 60 a 74 anos e 36,9% acima de 75 anos.
É interessante o fato de que as quedas são mais freqüentes nas mulheres (33,0%) do
que nos homens (22,3%). Possivelmente essa maior freqüência nas mulheres seria um
indicativo de, nesse sexo, ocorrer mais a fratura e depois a queda, visto que em 22,3%
delas o médico informou que tinham osteoporose, o que ocorreu em apenas 2,7% dos
homens.
89
Na amostra estudada a freqüência de fraturas foi pequena – 0,4% e 0,7%,
respectivamente – informadas como do quadril e do pulso. Pode-se conjeturar que devam
ter ocorrido outros casos, provavelmente nos idosos em velhice avançada, nos quais as
complicações tendem a ser mais graves, levando a óbito e, dessa forma, não aparecerem
como morbidade referida.
É um conhecimento já bem estabelecido e antigo, não só do leigo mas, também,
do profissional da saúde, a ocorrência de incontinência urinária no idoso, sendo ela
mais freqüente na mulher. Esse conhecimento se confirmou no inquérito. De fato, 20,2%
dos idosos tinha incontinência urinária, sendo 16,5% e 33,2%, respectivamente, nos
grupos 60 a 74 anos e 75 anos e mais. No sexo feminino esse valor foi de 26,2%, bem
maior do que no sexo masculino que foi 11,7%.
Concluindo, pode-se dizer que é preocupante a avaliação do estado de saúde
nos níveis encontrados pois isso, provavelmente, está diretamente relacionado a uma
baixa qualidade de vida, influenciada pelo gênero, escolaridade, idade, condição econômica
e presença de incapacidade. Além disso, é alta a presença de três ou mais doenças crônicas,
principalmente nas mulheres, o que, associado à baixa avaliação da sua saúde, levará a
um provável aumento na demanda aos serviços de saúde, não sendo desprezível a cifra
de algumas doenças específicas, tal como a hipertensão em 55,1% das pessoas de 75
anos e mais. Essa realidade deve alertar os planejadores de saúde, a fim de ser adequada
a oferta de serviços à demanda representada pelos idosos de hoje e os que virão.
90
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92
93
Estado nutricional
e capacidade física
94
95
Estado nutricional e capacidade física
Maria de Fátima Nunes Marucci*
Aline Rodrigues Barbosa**
Em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, o aumento no número de idosos,
observado nas últimas décadas, tem gerado grande interesse em relação às alterações
fisiológicas que afetam a conformação física e o declínio da capacidade funcional dos
vários órgãos e sistemas, à medida que a idade avança.
A interação de fatores endógenos e ambientais, que ocorrem durante toda a
vida dos indivíduos, influencia essas alterações, que não obedecem à mesma idade cronológica
e acontecem em ritmos diferentes nos vários sistemas
(1)
, o que torna o grupo dos idosos
bastante heterogêneo, principalmente em relação aos aspectos da saúde.
As condições de saúde dos idosos brasileiros são pouco conhecidas. Ainda são
escassos os estudos epidemiológicos, de base populacional, realizados no Brasil
(2,3,4,5)
,
principalmente abordando aspectos relacionados ao estado nutricional
(6,7)
e à capacidade
física dos idosos para realizar as atividades diárias.
O conhecimento do estado nutricional e da capacidade física dos indivíduos
de 60 anos e mais poderá servir para a proposição de estratégias de promoção da saúde,
prevenção e tratamento de algum problema, visando à melhoria da sua qualidade de
vida. Além disso, os dados apresentados poderão ser usados para facilitar a comparação
e interpretação de medidas antropométricas e da capacidade física de idosos brasileiros.
Os objetivos deste capítulo são: analisar o estado nutricional dos idosos,
correspondentes a 1894 indivíduos; as diferenças entre sexos em relação à antropometria
e às variáveis referentes à capacidade física e/ou motora.
*
Professora Doutora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública/USP – [email protected]
**
Doutoranda do Programa Interunidades em Nutrição Humana Aplicada FCF/FEA/FSP/USP (PRONUT)
96
Em relação à antropometria, são apresentados os valores de massa corporal (MC);
estatura (Est.); circunferências da cintura (CC), do quadril (CQ), do braço (CB) e da
panturrilha (CP); dobra cutânea tricipital (DCT); índice de massa corporal (IMC),
circunferência muscular do braço (CMB) e razão cintura/quadril (CC/CQ).
Quanto à capacidade física e/ou motora, são apresentados resultados referentes
à força muscular (preensão manual e de membros inferiores), flexibilidade e equilíbrio.
Antropometria
Dentre as várias formas de avaliação do estado nutricional, em estudos clínicos
e principalmente em estudos populacionais, as medidas antropométricas (massa corporal,
estatura, circunferências e dobras cutâneas) são as mais utilizadas, podendo estimar a
gordura subcutânea ou a reserva muscular, em determinados locais do corpo, de forma
razoavelmente acurada
(7)
.
Essas medidas apresentam baixo custo e são de fácil execução, quando comparadas
a outros métodos de avaliação (radioabsorciometria de feixes duplos - DEXA, pesagem
hidrostática, entre outras), sendo amplamente empregadas em estudos com indivíduos
idosos
(8,9,10)
.
Os estudos têm mostrado que, com o avanço da idade, a massa corporal (MC)
e a estatura apresentam alterações. Para os homens, de acordo com a Organização Mundial
de Saúde
(11)
, a MC tende a alcançar um platô por volta dos 65 anos de idade, diminuindo
a partir daí. Nas mulheres, geralmente, o aumento persiste até cerca dos 75 anos, quando,
então, a MC começa a apresentar redução.
Não existe consenso quanto ao valor da redução da estatura com a idade, que
parece ser de 0,5 a 2 cm/ década, após os 60 anos, acentuando-se nas idades mais avançadas,
em ambos os sexos
(11)
. Além disso, em algumas situações como, por exemplo, em problemas
posturais, incapacidade ou o fato de algum indivíduo estar acamado ou em cadeira de
rodas, pode ser difícil ou até mesmo impossível medir a estatura da forma convencional.
97
Neste caso, pode-se estimar a estatura a partir da medida da altura do joelho, utilizando-
se equações específicas para o sexo
(12)
. Contudo, no presente estudo, isso só foi verificado
em 6 (seis) indivíduos, que foram então excluídos da amostra.
Nesse estudo, a MC foi medida com o uso de balança portátil, marca SECA
(Alemanha), com 150 kg de capacidade e sensibilidade de 1/2 kg, com o indivíduo
vestindo o mínimo possível de roupa e descalço. A estatura (Est) foi medida segundo
as técnicas de Frisancho
(13)
, utilizando-se um talímetro (marca Harpender - Inglaterra),
sendo escolhido, na casa do examinado, local adequado como parede ou batente de
porta, sem rodapés, de maneira a formar ângulo reto com o piso.
Com os valores de massa corporal e estatura, foi calculado o índice de massa
corporal (IMC = massa corporal(kg)/estatura (m)
2
), que é um dos indicadores mais utilizados
em estudos epidemiológicos, associado ou não a outras variáveis antropométricas, para
identificação de indivíduos em risco nutricional
14
e vem sendo usado inclusive em idosos
com idade mais avançada.
Esse índice é apontado como mais vantajoso pela facilidade de cálculo, pouca
correlação com a estatura e boa correlação com o percentual de gordura, além de apresentar
relação com a morbi-mortalidade. Segundo a WHO
(11)
, nos países industrializados, os
indivíduos tendem a apresentar aumento do IMC a partir da meia- idade, mantendo-
se estável até por volta dos 65 anos nos homens e 75 anos nas mulheres, quando se
observa redução nessa medida.
Além das alterações na MC e estatura, outras modificações ocorrem nos
compartimentos corporais, sendo verificado aumento progressivo e redistribuição na
gordura corporal (GC). Há maior deposição da GC na região do tronco, com acúmulo
de gordura corporal na região abdominal. Geralmente, essa deposição ocorre mais
precocemente nos homens, provavelmente por volta da meia-idade, e nas mulheres após
o período da menopausa
(15)
. A medida da circunferência da cintura (CC) e a razão cintura/
quadril (CC/CQ) têm sido utilizadas para identificar adiposidade visceral (fornecendo
informações dos estoques de GC) e risco para doenças cardiovasculares e distúrbios
metabólicos
(16)
.
98
Além disso, ocorre internalização da gordura subcutânea
(17)
, cuja quantidade
diminui nos membros inferiores e superiores
(16)
e pode ser estimada com medidas de
dobras cutâneas (DC).
Com o envelhecimento, observa-se, também, declínio na massa corporal magra
(MCM), principalmente em relação à diminuição da massa muscular (MM)
(9,18)
, que é
a maior reserva de proteínas do corpo. A redução da MM pode ser verificada através
da diminuição na circunferência da panturrilha e da circunferência muscular do braço,
que fornecem estimativas das reservas protéicas
(11)
.
Nesse estudo, as medidas das circunferências foram feitas, utilizando-se fita
métrica inelástica. A dobra cutânea tricipital foi medida com compasso LANGE, que
tem pressão constante de 10g/mm
2
. As medidas de circunferências e dobra cutânea
foram realizadas de acordo com a padronização de Lohman et al
(19)
.
A CB e a DCT foram obtidas no braço direito dos entrevistados que relataram
ser destros e no braço esquerdo dos indivíduos que relataram ser canhotos. A medida
da CP foi feita na perna considerada, pelo entrevistado, como dominante. A circunferência
muscular do braço (CMB) foi calculada de acordo com a seguinte fórmula: CMB (cm)
= CB (cm) - p x DCT (cm); e a razão cintura/quadril (CC/CQ) foi obtida através da
divisão da CC pela CQ.
Todas as medidas (MC, Est., CC, CQ, CB, CP e DCT) foram realizadas em triplicata
e a média dos valores de cada uma delas foi utilizada para as análises.
As medidas de MC, Est., CC e CQ foram realizadas nos indivíduos deambulantes,
e as demais medidas foram feitas também em sujeitos acamados. Em alguns idosos,
determinadas medidas não foram realizadas devido à recusa dos mesmos ou alguma
incapacidade.
As tabelas 1 e 2 apresentam os valores médios das variáveis antropométricas
para mulheres e homens, respectivamente, mostrando diferenças significativas, entre
os sexos, para quase todas elas (exceção à CP).
99
1
n= número de indivíduos
2
DP= desvio padrão
Diferença estatisticamente significativa entre os sexos (p=0,000)*
e **(p=0,044); (teste “t de student”).
TABELA 1 – Médias, desvios padrão e percentis das variáveis antropométricas
das mulheres idosas.
O sexo feminino apresentou valores superiores para IMC, circunferências do
quadril e do braço, para dobra cutânea tricipital, enquanto os indivíduos do sexo masculino
mostraram valores superiores em relação à MC, Est., CMB e circunferência da cintura,
definida como gordura de padrão andróide, que é considerada de maior risco para doenças
cardiovasculares e distúrbios metabólicos.
Vale ressaltar que a medida da circunferência do quadril reflete, não somente
gordura localizada, mas também as diferenças estruturais da pélvis entre os sexos, e
pode superestimar as diferenças na distribuição de gordura
(20)
.
100
TABELA 2 – Médias, desvios padrão e percentis das variáveis antropométricas
dos homens idosos.
Alguns autores propõem, como pontos de corte para CC/CQ, relacionados a
riscos de doenças cardiovasculares e distúrbios metabólicos 0,8 para mulheres e 1 para
os homens. Contudo, outros autores consideram a CC indicador melhor do que a CC/
CQ, no que se refere aos riscos mencionados, propondo outros valores, iguais ou superiores
a 88 e 102 cm para mulheres e homens, respectivamente
(20)
.
Com base nos valores considerados indicativos de riscos para doenças
cardiovasculares e distúrbios metabólicos (0,8 para mulheres e 1 para os homens), os
dados do presente estudo indicam que aproximadamente 25% dos homens idosos podem
apresentar riscos cardiovasculares, de acordo com a CC/CQ e a CC. Para as mulheres,
os riscos são para mais de 75% das idosas, de todos os grupos etários, em relação à
CC/CQ e para mais de 50% em relação à CC. Contudo, esses resultados devem ser
interpretados com cautela, pois dados pertinentes a indivíduos idosos ainda são escassos
e não está claro se eles apresentam os mesmos riscos que indivíduos mais jovens
(21)
.
1
n= número de indivíduos
2
DP= desvio padrão
Diferença estatisticamente significativa entre os sexos (p=0,000)* e **(p=0,044);
(teste “t de student”).
101
Em relação à circunferência do braço, pode-se verificar, nas tabelas 1 e 2, que
os valores, superiores para o sexo feminino, sugerem maior quantidade de gordura
subcutânea para esse sexo, visto que as mulheres apresentam maior valor em relação à
dobra cutânea tricipital e menor valor para a circunferência muscular do braço.
Quanto à CMB e à CP, que estimam a reserva muscular (a primeira estima o
tecido muscular do braço e a segunda representa o tecido muscular da perna), são consideradas
bons indicadores de desnutrição em idosos e têm sido recomendadas como medidas
sensíveis da perda de massa muscular em idosos, especialmente se a redução se dá em
função da diminuição da atividade física
(11)
. A medida da CP não mostrou diferença
estatisticamente significativa entre os sexos.
Os valores de MC e estatura, de acordo com o esperado, foram superiores para
o sexo masculino e estão de acordo com as diferenças maturacionais e hormonais ocorridas
na adolescência, e de acordo com observado em outros estudos populacionais
(10,11)
.
Neste estudo, os valores de IMC mostraram-se superiores para o sexo feminino,
assim como o verificado pela Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN/1989),
realizada no Brasil em 1989. Além disso, os valores médios (± DP) de IMC, para ambos
os sexos, são maiores para os idosos de São Paulo, quando comparados com o observado
na PNSN/89
(7,11)
. Esse aumento do IMC, em relação aos dados de 1989, pode refletir
mudanças culturais e melhoria na qualidade de saúde e nutrição da população, assim
como pode ser decorrência das diferenças na amostragem, uma vez que a PNSN envolveu
número maior de indivíduos, oriundos das diferentes regiões do país.
Quando comparados os valores de IMC dos idosos deste estudo, com dados
do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III)
(10)
, referentes a
idosos dos Estados Unidos, verifica-se que a distribuição em percentis para esse índice,
assim como os valores de MC, são inferiores aos apresentados pelos idosos norte-americanos,
de ambos os sexos.
102
1
FA = freqüência absoluta
2
FR = freqüência relativa (%)
TABELA 3 – Distribuição dos idosos do município de São Paulo, segundo IMC e
sexo.
O maior IMC verificado para o sexo feminino parece refletir maior quantidade
(proporcional) de gordura corporal, pois as mulheres apresentam valores de massa corporal
e estatura inferiores aos homens. Sabe-se que elas apresentam maior quantidade de gordura
corporal do que os homens, em todas as idades, e isso se dá, principalmente, às custas
da gordura essencial, que no sexo feminino é, aproximadamente, quatro vezes superior
à dos indivíduos do sexo masculino
(22)
.
A classificação do estado nutricional de idosos segundo IMC é, ainda, bastante
discutida, havendo divergência, entre vários estudos, quanto aos valores empregados
(7,18,23)
.
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
(24)
recomenda a seguinte
classificação para ser usada na Pesquisa SABE: IMC < 23 = baixo peso; 23 < IMC < 28
= peso normal; 28 d” IMC < 30 = sobrepeso; IMC ³ 30 = obesidade.
De acordo com a classificação sugerida pela OPAS
(24)
, os resultados apresentados
na tabela 3 mostram que a prevalência de baixo peso é maior no sexo masculino,
quando comparada à das mulheres, enquanto maior percentual de mulheres apresenta
obesidade.
103
A maior prevalência de obesidade, para o sexo feminino, tem sido verificada
em outros estudos populacionais realizados no Brasil
(6,7)
, com utilização de classificação
diferente e, também, em algumas cidades onde a Pesquisa SABE foi desenvolvida
(18)
.
Dados preliminares da Pesquisa SABE
(24)
mostraram que na cidade do México
(México), Bridgetown (Barbados), Montevidéu (Uruguai) e Santiago (Chile), o percentual
de indivíduos com obesidade é maior para as mulheres. Enquanto a maior prevalência
de baixo peso foi verificada para homens em Brigetown e Montevidéu, em Santiago e
na cidade do México, os percentuais foram aproximados para ambos os sexos.
Vários fatores tais como genéticos, étnicos, geográficos, ambientais e
socioeconômicos, muitos dos quais refletem as diferenças no estilo de vida, podem justificar
a diferença nos valores do IMC, observada entre os países da América Latina, abrangidos
pela pesquisa SABE.
Deve-se ter cautela na comparação antropométrica entre populações distintas.
Apesar de algumas modificações, tais como diminuição estatural, redução no peso, alterações
na textura da pele e perda de tecido muscular, serem consideradas universais, sua expressão
e incidência podem variar consideravelmente dentro e entre os grupos de idosos de
genética similar ou não
(16)
.
Capacidade física e/ou motora
As capacidades físicas necessárias para a execução das atividades diárias normais,
de forma segura e independente, envolvem variáveis fisiológicas como força muscular,
flexibilidade, equilíbrio, entre outras. É importante que haja adequada reserva fisiológica
para que a realização das atividades rotineiras seja realizada sem fadiga excessiva
(25)
.
Para a execução de qualquer tarefa física faz-se necessário que a massa corporal
seja suportada e movida pelo sistema esquelético através de ações musculares. Alterações
na cognição e no processamento do sistema nervoso central; alterações nas habilidades
visuais, vestibulares e proprioceptivas; os efeitos da inatividade física; das patologias
104
neurológicas e musculoesqueléticas; das medicações; e os efeitos da motivação e medo,
todos podem repercutir no desempenho das tarefas físicas
(15)
.
Alguns estudos mostram que indivíduos com pouca força, pouca flexibilidade
e pouco equilíbrio não estão aptos a executar várias atividades que são importantes
na determinação da sua independência
(26,27,28,29)
.
Testes de desempenho físico, relacionados à capacidade física dos membros inferiores
(mobilidade) e teste de preensão manual, vêm sendo usados em vários estudos clínicos
e epidemiológicos
(23,25,30,31,32,33)
, como medidas capazes de identificar as variáveis físicas
(força muscular, flexibilidade e equilíbrio), envolvidas na capacidade para realizar as
tarefas diárias. Estes testes podem oferecer vantagens no que se refere à validade,
reprodutibilidade, sensibilidade às mudanças e na habilidade de caracterizar os níveis
de capacidade
(34)
.
Na pesquisa SABE, a capacidade física envolvida nas atividades diárias foi avaliada
por quatro testes: força de preensão manual e três testes envolvidos com os membros
inferiores: “sentar e levantar” (força de membros inferiores), “agachar e pegar um lápis
no chão” (flexibilidade) e equilíbrio.
Os indivíduos que se recusaram ou que foram incapazes de compreender as
instruções, devido a algum problema cognitivo, não realizaram os testes, referentes à
força de membros inferiores, flexibilidade e equilíbrio. Foram também excluídos: indivíduos
que dependessem de cadeira de rodas, muletas ou aparelhos para caminhar ou que
necessitassem de ajuda para manter-se de pé; indivíduos que tivessem paralisias em
alguma extremidade dos membros superiores ou inferiores; indivíduos que possuíssem
prótese em alguma das pernas e indivíduos que não conseguissem manter o equilíbrio.
Verificou-se que, dos 1894 indivíduos entrevistados, 152 indivíduos (8,0%)
foram incapazes de realizar qualquer teste de capacidade motora de membros inferiores
(força muscular de membros inferiores, flexibilidade e equilíbrio), sendo 7,9% e 8,1%
de homens e mulheres, respectivamente.
105
Força muscular
A força muscular é necessária para a realização de qualquer tarefa física, em
graus variados e para membros específicos.
Nos indivíduos idosos, a diminuição da força é um fenômeno que pode levar
ao declínio na execução das atividades diárias normais (levantar-se de uma cadeira, do
vaso sanitário, carregar compras e outras) e/ou na intensidade dessas atividades
(27)
.
Essa
redução também está relacionada à alta prevalência de quedas e dificuldades na mobilidade
dos indivíduos
(28)
, podendo conduzi-los à dependência de terceiros para a realização
das tarefas do dia-a-dia.
Alguns estudos apontam para redução da força muscular com o avanço da idade,
diferenciada entre os membros inferiores e superiores, devido às alterações diferenciais
nos padrões de movimento no envelhecimento
(9,18,25,35,36)
, sendo necessários testes específicos
aos membros.
A forma mais utilizada em estudos clínicos e epidemiológicos para verificar a
força de membros superiores é através da preensão manual (dinamometria), que também
foi utilizada com os idosos de São Paulo.
A força de preensão manual foi medida por meio de dinamômetro (TAKEI
KIKI KOGYIO TK 1201, Japão), ajustado para cada indivíduo de acordo com o tamanho
das mãos. O teste foi realizado utilizando o braço considerado, pelo entrevistado, como
de maior força, sendo esta informação anotada no formulário. Durante a execução do
teste, o indivíduo permanecia sentado, com o cotovelo apoiado em uma mesa, antebraço
estendido à frente, palma da mão para cima e exercia a maior preensão possível
(36)
. Esse
procedimento foi realizado duas vezes, com pequeno intervalo entre as execuções (1
minuto). Os indivíduos submetidos a alguma cirurgia no braço ou na mão nos três
meses anteriores à coleta dos dados, foram excluídos do teste.
Os resultados apresentados na tabela 4 mostram os valores médios (± DP) e
distribuição em percentis, referentes ao maior valor obtido nas duas tentativas do teste
de força de preensão manual. Pode-se observar que os valores (média ± DP e percentis),
apresentados pelo sexo feminino, foram inferiores aos do sexo masculino.
106
1
DP= desvio padrão
* (p=0,000) diferença entre os sexos (teste “ t de student”)
Observando que a potência máxima da extensão das pernas era correlacionada
com a velocidade de levantar-se de uma cadeira, Bassey et al
(27,37)
foram os primeiros a
demonstrar o valor prático da manutenção da força muscular nas tarefas diárias.
Posteriormente, vários estudos epidemiológicos têm utilizado o tempo gasto pelo indivíduo
idoso para levantar-se e sentar-se em uma cadeira (número de vezes seguidas) como
uma medida da força de membros inferiores em indivíduos idosos
(29,31,32,33)
, assim como
neste estudo.
A força e a resistência muscular dos membros inferiores foi verificada através
de medida tempo dependente. O indivíduo iniciava o teste na posição sentado, braços
cruzados sobre o peito, devendo se levantar cinco vezes, o mais rápido possível, sem
fazer nenhuma pausa. O tempo gasto para a realização do teste era anotado no formulário.
O teste era considerado concluído com êxito quando realizado em tempo igual ou inferior
a 60 segundos.
Foram utilizados cronômetro (marca Casio) e cadeira sem apoio para os braços,
com espaldar alto e duro, formando ângulo reto com o assento, para a realização do teste.
Antes da realização do teste, após demonstração pelo entrevistador, era perguntado
ao entrevistado se ele se sentia confiante para levantar-se rapidamente de uma cadeira
cinco vezes seguidas. No caso de resposta afirmativa, era pedido a ele para demonstrar.
TABELA 4 Médias, desvios padrão e percentis do teste de força de preensão
manual dos idosos residentes no município de São Paulo, segundo
sexo.
107
Após esse procedimento, perguntava-se ao entrevistado se ele sentia confiança
para levantar-se de uma cadeira e sentar-se cinco vezes seguidas, com os braços cruzados
à frente do peito. No caso de resposta afirmativa, era, então, realizado o teste. Se o indivíduo
demonstrasse cansaço, era dado um pequeno intervalo (1 a 3 minutos) entre a verificação
da capacidade de o entrevistado realizar o teste e a execução do teste propriamente dito.
Os dados apresentados na tabela 5 mostram o tempo médio (±DP) e a distribuição
em percentis, gasto pelos idosos de São Paulo, na realização do teste de força de membros
inferiores. Pode-se observar que o melhor resultado foi obtido pelo sexo masculino.
TABELA 5 – Médias, desvios padrão e percentis do tempo despendido para execução
do teste de força de membros inferiores dos idosos residentes no
município de São Paulo, segundo sexo.
Flexibilidade
A flexibilidade pode ser definida como a capacidade de movimentar as diferentes
partes do corpo através de uma grande amplitude de movimentos
(38)
. Essa variável é
um importante componente da capacidade física e relaciona-se com a execução de tarefas
específicas do dia-a-dia, tais como amarrar sapatos, enxugar-se, pentear-se
(15)
.
Não existe uma medida geral da flexibilidade como um todo. Ela é específica
a cada articulação e as limitações impostas à amplitude de movimentos, em determinadas
articulações, têm sido associadas com incapacidade e desconforto em idosos, podendo
repercutir no baixo desempenho nas atividades diárias
(15)
.
1
DP= desvio padrão
* (p=0,000) diferença entre os sexos (teste “ t de student”)
108
A relação entre flexibilidade e desempenho nas tarefas diárias pode ser verificada,
claramente, no estudo de Badley et al
(26)
, envolvendo 95 indivíduos voluntários, com idade
entre 28 e 84 anos. Os autores verificaram que a habilidade de se mover em um ambiente
correlacionava-se de forma significativa com a extensão do movimento de flexão do joelho;
a habilidade de curvar-se para o chão correlacionava-se com a flexão do quadril; e as habilidades
que requeriam o uso de mãos e braços correlacionavam-se de forma significativa com a
extensão de movimentos das extremidades superiores do corpo.
Procurando medidas simples de flexibilidade, que correspondessem aos movimentos
de várias atividades relacionadas à manutenção da independência, Reuben e Siu
(39)
propuseram o teste “agachar e pegar uma caneta no chão”, como forma de verificar a
flexibilidade dos músculos posteriores da perna, que vem sendo utilizada em alguns
estudos populacionais
(40)
, inclusive no presente estudo.
Para a execução do teste de flexibilidade (“agachar e apanhar um lápis no
chão”), o indivíduo permanecia em posição ereta, com os pés juntos, e ao ser informado
sobre o início do teste, deveria abaixar-se para pegar um lápis, colocado no chão, 30
centímetros à frente da ponta dos pés. A partir do momento em que o entrevistado
relatava estar pronto para começar o teste, o cronômetro era acionado e verificava-se o
tempo gasto entre abaixar-se e voltar à posição inicial, com o lápis na mão. O teste era
considerado concluído, quando o indivíduo conseguisse terminar o exercício, sem apoiar-
se, em tempo igual ou inferior a 30 segundos. Os idosos submetidos à cirurgia de catarata
ou de retina, nas seis semanas anteriores à entrevista, foram excluídos desse teste (0,9%
dos indivíduos).
Na tabela 6, os dados mostram o tempo médio (±DP) e a distribuição em percentis,
que os idosos de São Paulo levaram para realização do teste de flexibilidade. Pode-se
verificar que o melhor resultado foi obtido pelo sexo masculino, com diferença significativa
em relação ao tempo gasto pelo sexo feminino.
109
TABELA 6 – Médias, erros-padrão e percentis do tempo despendido para a
execução do teste de flexibilidade dos idosos residentes no município
de São Paulo, segundo sexo.
Equilíbrio
Com o envelhecimento, verifica-se diminuição progressiva no controle do equilíbrio
postural, que parece ocorrer devido às alterações nos sistemas neural, sensorial e músculo-
esquelético, entre outros
(15,41,42)
. Essa redução parece ser maior nas mulheres idosas, quando
comparadas aos homens da mesma idade, possivelmente devido às diferenças na composição
corporal
(15)
.
Em estudos populacionais
(31,32,33,40)
, as alterações no equilíbrio vêm sendo observadas
através de medidas do equilíbrio estático. Essas medidas têm demonstrado ser capazes
de identificar as limitações na habilidade de uma pessoa idosa controlar seus movimentos,
além de serem úteis para determinar o risco de quedas em idosos
(41)
.
Neste estudo, o equilíbrio foi verificado por meio de quatro medidas de equilíbrio
estático, realizadas em seqüência. Caso o entrevistado não conseguisse realizar a primeira,
ele não deveria realizar a 2ª e assim sucessivamente. Cada medida foi realizada apenas
uma vez, permanecendo o indivíduo na posição indicada em cada medida por 10 segundos:
- 1ª) o indivíduo devia permanecer em pé, mantendo os pés juntos e os olhos abertos;
2ª) o indivíduo devia permanecer em pé, colocando o calcanhar de um pé na frente do
outro, mantendo os olhos abertos; 3ª) o indivíduo devia permanecer em pé, com uma
das pernas levantada (ex: direita), apoiando-se na outra perna (esquerda), sem utilizar
qualquer outro tipo de apoio e; 4ª) exercício semelhante ao anterior, mas trocando a
posição das pernas.
1
EP= erro padrão
* (p=0,01) diferença entre os sexos (teste “ t de student”)
110
1
FA = freqüência absoluta
2
FR = freqüência relativa (%)
Cada medida era considerada concluída com êxito, quando o indivíduo conseguisse
ficar 10 segundos na posição mencionada. As alternativas possíveis para este teste foram
as seguintes: 0 = inabilidade, não conseguiu realizar nenhuma medida no tempo estipulado;
1 = ruim, realizou uma medida no tempo estipulado; 2 = regular, realizou com êxito
duas medidas; 3 = bom, realizou com êxito três ou quatro medidas
31
.
Os resultados apresentados na tabela 7 mostram que 0,8% da população dos
idosos de São Paulo não conseguiu realizar qualquer das medidas que compõem o teste
de equilíbrio. Observa-se ainda, maior percentual de indivíduos do sexo masculino
com melhor resultado no teste (52,8%), enquanto 44,8% das mulheres apresentaram
esse escore.
TABELA 7 – Desempenho dos idosos do município de São Paulo no teste de
equilíbrio, segundo sexo.
Uma observação importante, em relação a todos os testes, pode ser vista a partir
dos resultados apresentados: o sexo masculino teve o melhor desempenho. Os homens
foram mais rápidos nos testes avaliados por tempo (força muscular de membros inferiores
e flexibilidade), mostraram-se com maior percentual de indivíduos com melhor resultado
nos testes de equilíbrio e exibiram maior força de preensão manual do que as mulheres,
sugerindo que estas são fisicamente mais limitadas.
Os testes de desempenho físico, apesar de serem considerados melhores para
caracterizar a situação atual da aptidão funcional dos idosos, do que as medidas indiretas
111
ou auto-referidas
(34)
, também apresentam algumas limitações. Todos os testes estão sujeitos
à disposição dos indivíduos, que não estando suficientemente motivados ou estando
até mesmo deprimidos, podem não se esforçar ao máximo e assim, confundir os resultados.
Outro problema dos testes objetivos é a dificuldade em escolher medidas que
possam ser aplicadas e executadas, tanto para indivíduos ativos quanto para idosos
debilitados
(43)
. Dessa forma, a execução de algumas medidas (ex: equilíbrio em uma
perna) pode ser mais difícil para indivíduos mais frágeis, enquanto a de outras (ex:
sentar e levantar de uma cadeira, com braços cruzados ao peito) pode ser mais fácil
para sujeitos muito ativos
(43)
. Na pesquisa SABE, o teste “agachar e pegar um lápis no
chão” (flexibilidade) pareceu ser de mais fácil execução pelos idosos, de ambos os sexos.
Isso se deve ao fato de que, apesar de o tempo máximo para a realização desse teste ser
de 30 segundos, a maioria (75%) dos idosos completou o teste em até 3 segundos.
Além dessas dificuldades, há que se ressaltar aquela relacionada à utilização
ou seleção, especialmente em estudos populacionais, de testes que sejam de baixo custo
(não requeiram instrumentos caros) e de fácil aplicação pelos entrevistadores.
Chama a atenção o percentual (7,9% e 8,1% para homens e mulheres,
respectivamente) de idosos incapazes de realizar os testes relacionados aos membros
inferiores.
A diferença entre os sexos, em relação à capacidade física, é bem conhecida, e
algumas explicações têm sido apresentadas para justificá-las. O sexo feminino é considerado
como fator de risco independente para o declínio funcional: como as mulheres apresentam
maior expectativa de vida, estão sujeitas a maior número bem como a diferentes doenças
crônicas, resultando em limitações funcionais
(32,40)
.
Alguns autores
(30)
argumentam que não há diferença entre os sexos na prevalência
de doenças crônicas, mas mulheres com severa incapacidade sobrevivem mais tempo
do que os homens. Outra justificativa apresentada é com relação ao nível socioeconômico
que atuaria, limitando o acesso aos cuidados e aos comportamentos de saúde
(32)
. Assim,
como as mulheres apresentam menores níveis de instrução e de rendimentos, mas
112
predominam entre os idosos e entre os que apresentam mais doenças crônicas, os problemas
relacionados à pobreza na velhice atingiriam mais o sexo feminino
(44)
.
Outra explicação que tem sido apontada para explicar as diferenças entre os
sexos e a redução do desempenho com a idade, refere-se ao estado nutricional e/ou diferenças
e alterações na composição corporal.
Conclusões
Os resultados encontrados mostram que homens e mulheres apresentam diferenças
significativas em relação aos compartimentos e dimensões corporais. Mostram, também,
diferenças entre os sexos em relação ao estado nutricional, com as mulheres apresentando
maior prevalência de obesidade, e os homens, maior prevalência de baixo peso.
De acordo com os resultados, o sexo é fator determinante do desempenho físico,
sugerindo que as mulheres são fisicamente mais limitadas do que os homens.
113
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119
Saúde bucal:
a autopercepção da
mutilação e das
incapacidades
120
121
Saúde bucal: a autopercepção da
mutilação e das incapacidades
Paulo Capel Narvai
*
José Leopoldo Ferreira Antunes**
Introdução
A mutilação dentária é uma das características mais marcantes da prática
odontológica em todo o mundo. As extrações dentárias, decorrentes da cárie e das doenças
periodontais, produzem incapacidades importantes que nem sempre são percebidas como
problemas funcionais relevantes
(1)
. Um dos principais desafios neste campo é conseguir
que as pessoas mantenham ao longo da vida o maior número possível de dentes naturais.
Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Federação Dentária Internacional
(FDI) estabeleceram, em 1981, cinco metas em saúde bucal a serem atingidas até o
ano 2000
(2)
. Uma dessas metas refere-se ao grupo etário de 65-74 anos, considerado
pela OMS como um grupo etário-índice, representativo dos idosos em geral
(3)
. Embora
venha tendo aceitação em nível mundial, esta definição de grupo etário (65-74 anos)
para caracterizar “idoso” com finalidade de investigação científica é bastante controvertida,
uma vez que há sobre isso grande diversidade entre os pesquisadores, conforme evidenciado
por
(4)
, após analisar estudos publicados no período 1979-1989.
Apesar do crescente interesse sobre condições de saúde de idosos – inclusive
de saúde bucal – a maior parte das investigações sobre este grupo populacional refere-
se a populações institucionalizadas
(5)
. São ainda poucos no Brasil os estudos epidemiológicos
de base populacional, voltados às condições de saúde bucal. Trabalhos focalizando idosos
vêm sendo feitos principalmente em alguns países europeus, nos Estados Unidos da
América, Canadá e Austrália
(6)
.
*
Professor Associado da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. – [email protected]
**
Professor Doutor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.
122
Quanto à população paulistana, o primeiro registro de informações sobre condições
de saúde bucal do conjunto da população de mais de 50 anos de idade, data de 1986.
Naquele ano, o Ministério da Saúde realizou o Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal:
Brasil, zona urbana, 1986
(7)
. A pesquisa, multicêntrica, foi desenvolvida em 16 capitais
brasileiras, inclusive São Paulo.
A partir desse trabalho pioneiro, seguiram-se os estudos de Rosa e col. a respeito
da saúde bucal de idosos institucionalizados e não-institucionalizados no município
de São Paulo
(8,9)
. Estes autores avaliaram a saúde bucal de idosos com 60 anos de idade
ou mais (n=257) funcionalmente independentes, parcialmente dependentes, e totalmente
dependentes.
Em 1998 um outro estudo abrangente nesta área foi feito pela Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo, em parceria com a Universidade de São Paulo (Faculdades
de Saúde Pública e de Odontologia). Na ocasião foram examinados 107 indivíduos,
com idade entre 65 e 74 anos, observando-se a experiência de cárie dentária (índice
CPO-D), a condição periodontal, e o uso e necessidade de próteses dentárias.
No Projeto SABE o bloco de questões de saúde bucal foi dirigido à captura
da autopercepção das condições e funções dentárias, considerado o período de 12 meses
anteriores à realização da entrevista. As respostas foram classificadas em uma das seguintes
categorias: sempre, freqüentemente, algumas vezes, raramente e nunca. Sempre corresponde
à ocorrência de um determinado evento nos 7 dias da semana; Freqüentemente eqüivale
à ocorrência do evento em 3 a 6 dias da semana; Algumas Vezes significa uma a duas
vezes por semana; e Raramente corresponde à ocorrência do evento em algumas ocasiões
mas menos de uma vez por semana.
Assim, em nenhum momento foram realizados exames clínicos, nem se registrou
qualquer detalhe biológico das estruturas da cavidade bucal, desde o ponto de vista
de um profissional dessa área. As informações aqui apresentadas e analisadas tiveram
origem, portanto, exclusivamente nos depoimentos dos idosos entrevistados e se referem
estritamente à percepção que tiveram de suas condições bucais.
123
Silva
6
considera essencial entender como a pessoa percebe sua condição bucal,
pois o seu comportamento é condicionado por essa percepção e pela importância dada
a ela. O autor sublinha, apoiando-se em ampla literatura científica, que mesmo nos
países que mantêm programas dirigidos a idosos (ainda raros no Brasil), a principal
razão para estes não procurarem o serviço odontológico é a não percepção de sua necessidade.
Para Silva
6
, estudos sobre a autopercepção mostram que ela está relacionada com alguns
fatores clínicos, como o número de dentes cariados, perdidos ou restaurados e, também,
com fatores subjetivos, como os sintomas de doenças e a capacidade da pessoa em sorrir,
falar ou mastigar sem problemas, além de ser influenciada por fatores como a classe
social, idade, renda e sexo. Com base nas investigações de Reisine e Bailit
(10)
e Drake e
col.
(11)
, Silva
(6)
admite que as pessoas conseguem perceber sua condição bucal com alguma
precisão, mas pondera que a concordância entre o exame clínico e a autopercepção ocorre
geralmente nos casos dolorosos e estéticos, enquanto outros problemas bucais são
subestimados.
Rosa e col.
(9)
e Saliba e col.
(12)
argumentam que embora problemas como diminuição
da capacidade mastigatória, dificuldade de deglutição, secura na boca, modificações
no paladar e perda de dimensão vertical não possam ser associados a um envelhecimento
normal, com freqüência essas condições, quando presentes, “têm efeitos cumulativos
negativos que podem ser devastadores sobre o indivíduo”.
Saúde bucal
A saúde bucal é, conforme a I Conferência Nacional de Saúde Bucal, parte integrante
e inseparável da saúde geral do indivíduo. A expressão “saúde bucal” assume, de modo
geral, um significado equivalente a um conjunto de condições, objetivas (biológicas)
e subjetivas (psicológicas), que possibilita ao ser humano exercer funções como mastigação,
deglutição e fonação e, também, pela dimensão estética inerente à região anatômica,
exercitar a auto-estima e relacionar-se socialmente sem inibição ou constrangimento.
Essas condições devem corresponder à ausência de doença ativa em níveis tais que permitam
ao indivíduo exercer as mencionadas funções de modo que lhe pareçam adequadas e
lhe permitam sentir-se bem, contribuindo desta forma para sua saúde geral.
124
Pode-se admitir, portanto, que, diante da impossibilidade do exercício de uma
ou mais dessas funções, estar-se-á diante de um quadro de incapacidade bucal transitória
ou permanente, cujo grau, abrangência e evolução serão variáveis, de indivíduo para
indivíduo, segundo o tempo, as características clínicas, as possibilidades terapêuticas
e a inserção social de cada um.
Mutilação dentária e edentulismo
Nesta pesquisa, à pergunta “faltam-lhe alguns dentes?”, 99,4% responderam
afirmativamente, sendo que 83,8% haviam perdido “a metade ou mais” dos dentes. Embora
não tenha sido possível obter informação precisa quanto ao edentulismo, é altamente
expressivo que apenas 0,6% dos entrevistados tenham respondido ter todos os dentes.
A mutilação dentária (perda de um ou mais dentes permanentes) é uma característica
básica de muitas incapacidades bucais. O edentulismo (ausência total de dentes) é a
expressão máxima da mutilação dentária. Para Pucca Jr.
(5)
, o edentulismo é um quadro
de seqüela derivado de um processo de desgaste do corpo, sendo que os componentes
de desgaste se sobrepuseram aos demais. Afirma que o edentulismo é “aceito pela sociedade,
pelos odontólogos e pelas pessoas adultas (...) como algo normal e natural com o avanço da idade,
o que evidentemente é falso”. Para o autor, quando o edentulismo se manifesta é porque
inexistiram ou fracassaram integralmente as medidas de atenção à saúde bucal.
No IV Congresso Mundial de Odontologia Preventiva, a OMS e a Federação
Dentária Internacional (FDI) estabeleceram uma meta para o ano 2010, relativa ao grupo
de idosos: no máximo 5% das pessoas desse grupo populacional poderão estar edêntulas
(13)
.
A meta OMS-FDI número 5 para o ano 2000 é: “na faixa etária de 65-74 anos,
50% das pessoas devem apresentar pelo menos 20 dentes em condições funcionais.” Segundo Narvai
(4)
esta meta pode ser redefinida como “50% das pessoas apresentando Pd”12", de modo a
permitir o emprego de um dos componentes do índice CPO-D (o componente “P”=dente
permanente extraído) para avaliar esta característica. O valor obtido será, de modo geral,
uma razoável aproximação ao objetivo.
125
Frare e col.
(14)
observaram que em Pelotas, RS, os idosos apresentavam, em média,
nove dentes, enquanto Rosa e col.
9
encontraram, em média, dois dentes em idosos paulistanos.
Com base nos dados da pesquisa Condições de saúde bucal no Estado de São Paulo,
1998
(15)
para a Região Metropolitana de São Paulo, observa-se no quadro 1 que o valor
do índice CPO-D foi de 29,4 indicando que, em média, cada indivíduo dispunha de
aproximadamente dois dentes permanentes livres de cárie. O componente “C” do índice
CPO-D, correspondente aos dentes cariados, registrou 0,6, enquanto o componente
“O” (dentes obturados ou restaurados) correspondeu a 0,8; o componente “P” (dentes
perdidos, ou extraídos), com média de 28,0 completava o valor 29,4.
Os valores do CPO-D indicam que apenas cerca de 8% dos dentes dos idosos
da região metropolitana de São Paulo estavam livres da doença. Dentre os 92% dos
dentes atingidos pela cárie em algum momento da vida, 2,0% apresentavam lesão cariosa
no momento do exame; 2,7% estavam restaurados; e 95,3% tinham sido extraídos. Esta
porcentagem (95,3%) expressa a dramática magnitude da mutilação dentária nesse grupo
populacional.
Fontes: a) Ministério da Saúde 1988; b) Rosa e col. 1992; c) Rosa e col. 1993; d, e) SES-SP/USP/NEPESS 1999;
f) Carneiro 2001; *) Município de São Paulo; **) Região Metropolitana de São Paulo.
QUADRO 1 – Índices CPO-D e componentes e composição percentual, em
levantamentos realizados com idosos do município de São Paulo,
SP, Brasil.
126
Observa-se no quadro 1 que, embora a amostra para o município de São Paulo
tenha sido relativamente pequena no levantamento de 1998 (n=107), os valores para
os componentes do índice CPO, bem como seu valor global, são semelhantes aos observados
para a Região Metropolitana de São Paulo, na mesma pesquisa (n=496).
Considerando-se a meta de “50% das pessoas com, pelo menos, 20 dentes em condições
funcionais”, observou-se, no estudo da SES-SP
(15)
, de 1998, que apenas 10,3% dos idosos
paulistanos apresentavam pelo menos 20 dentes funcionais.
Rosa e col.
(8)
, observaram que em 1989 o edentulismo atingia 65% entre os
idosos do município de São Paulo examinados nos domicílios e 84% entre os
institucionalizados. Na pesquisa de 1989, os mesmos autores encontraram ainda edentulismo
em 85% dos idosos de baixa renda e 39% entre os de alta renda
(9)
. Entre os idosos
funcionalmente independentes o edentulismo foi de 66%, aumentando para 81% entre
os parcialmente dependentes e para 90% entre os idosos totalmente dependentes.
Porcentagens expressivas de edentulismo foram observadas em vários outros
estudos brasileiros, corroborando o quadro observado em São Paulo. Frare e col.
(14)
observaram que, em Pelotas, RS, 64,6% dos idosos (55 anos ou mais; n=182) eram
edentados totais; Padilha
(16)
encontrou 43,1% entre idosos (n=102) institucionalizados
de Porto Alegre, RS e Saliba e col.
(12)
constataram 62,2% na faixa de 40 anos ou mais
institucionalizados (n=90) em Araçatuba, SP.
Analisando a prevalência de cárie e necessidade de prótese dentária em pessoas
de 54 anos e mais (n=151) em Piracicaba, SP, Pereira e col.
(17)
encontraram edentulismo
em 80,2% dos indivíduos.
Santos e col.
(18)
relataram 32% de edentulismo em indivíduos de 60 anos e
mais (n=41), usuários do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte, MG, em 1995.
O índice CPO-D foi de 25,9 com o componente “P” registrando 22,9 (C=1,4; O=1,6).
Avaliando as perdas dentárias entre idosos dos Estados Unidos, Burt e col.
(19)
observaram edentulismo em 46% das pessoas entre 65 e 74 anos de idade.
Pucca Jr
(5)
observou (n=1.108) que 56% da população de 65 anos ou mais,
do subdistrito da Saúde, município de São Paulo, referiram a ausência total de dentes.
127
Carneiro
(1)
estudou idosos de 65 anos ou mais (n=293), institucionalizados
em 1999 no município de São Paulo, e observou edentulismo em 68,3%. No arco dentário
superior o edentulismo foi de 83,6% e de 73,4% no arco dentário inferior.
Bourgeois e col. analisaram dados de 21 países europeus, relativos à população
de 65-74 anos, do Global Oral Data Bank da Organização Mundial da Saúde, para o
período 1986-96. Constataram que o edentulismo variou de 12,8% na Itália a 69,6%
na Islândia, ficando acima de 50,0% em cinco países (além da Islândia, Holanda=65,4%;
Dinamarca=60,0%; Reino Unido=57,0% e Hungria=53,3%).
Segundo Silva
(6)
uma característica comum a vários estudos é que a prevalência
de edentulismo é maior entre as mulheres que entre os homens.
Pinto
(20)
considera que as extrações dentárias são aceitas como a solução mais
prática e econômica para o paciente porque os problemas bucais acumulados desde a
infância tornam-se cada vez mais complexos e dispendiosos.
Analisando as possíveis causas das perdas dentárias, Bailit e col.
(21)
apontam a
cárie dentária como principal razão, seguida da extração para a confecção de aparelhos
protéticos. Mas, aqueles autores destacam, também, a importância dos valores culturais
e comportamentais, tanto dos pacientes quanto dos profissionais, argumentando que,
com poucas exceções, geralmente a cárie está associada, mas não é o fator determinante
para a extração pois, na maioria dos casos, há possibilidade de o dente ser restaurado.
Assinalam, ainda, que as exodontias devidas às cáries severas são predominantes em
pacientes com baixa escolaridade e renda e que isso sugere uma relação entre mutilação
dentária e condição socioeconômica.
Próteses Dentárias
As próteses dentárias (ponte, dentadura e dentes postiços) foram referidas por
63,0% dos entrevistados, nos quais faltavam de quatro à metade dos dentes, estando
presentes em 86,0% dos que têm mais da metade dos dentes ausente.
Em conseqüência da expressiva severidade da cárie – e também em decorrência
de problemas periodontais – 80,4% usavam alguma prótese dentária no arco superior
128
e 56,1% no arco inferior. Quanto à prótese dentária total (dentadura) cabe enfatizar
que nem todos os que a necessitam conseguem acesso a esse recurso e/ou adaptar-se a
ele. Assim, 62,6% usavam-na no arco superior e 38,3% no arco inferior. Necessitavam
de dentadura, respectivamente, no arco superior e no arco inferior, 17,8% e 20,6%.
Na pesquisa de 1986, no grupo de 50-59 anos, 72,9% das pessoas necessitavam desse
recurso protético.
No estudo de Pucca Jr.
(5)
84,8% dos entrevistados relataram o uso de próteses
dentárias. Este valor é semelhante ao observado na Pesquisa SABE: 81,1% dos entrevistados
referiram o uso de “ponte, dentadura ou dentes postiços”. Entre os analfabetos, essa
porcentagem foi de 72,3%; entre os alfabetizados aumentava para 83,3%.
Em Pelotas, RS, Frare e col.
(14)
observaram que 73,4% dos idosos faziam uso
de aparelhos protéticos, sendo que mais da metade (50,1%) usava prótese total superior.
Registraram, ainda, que a data da última consulta ao dentista, conforme relato dos
examinados, coincidia com a colocação da prótese e que, isto, na maioria das vezes,
ocorrera bem antes de os entrevistados terem alcançado a terceira idade.
Não é suficiente, contudo, o acesso episódico aos serviços odontológicos, sobretudo
quando o idoso é portador de prótese dentária. Rosa e col.
(8)
observaram que, dentre
os idosos portadores de prótese dentária total, 38% dos examinados no domicílio
apresentavam lesões de mucosa bucal provocadas pelo uso do aparelho. A porcentagem
se elevava para 53% entre os internados em instituições. A falta de acesso à assistência
odontológica periódica, após a colocação da prótese, foi admitida pelos autores como
associada ao surgimento das lesões.
Avaliando lesões bucais em idosos paulistanos não-institucionalizados (n=170),
Birman e col.
(22)
observaram que 28,2% apresentavam candidose eritematosa palatina
e 17,1% hiperplasias fibrosas inflamatórias, ambas associadas ao uso de próteses dentárias.
Frare e col.
(14)
relataram como achado freqüente a presença de candidíase provocada
pelo uso da dentadura, bem como a candidíase pseudomembranosa aguda, provocada
pela falta de higiene. Referiram, também, a periodontite severa, a hiperplasia no palato
devido ao uso de dentaduras com câmara de sucção, manchas melânicas e, eventualmente,
129
língua saburrosa, língua fissurada, leucoplasia, hemangioma de lábio e trombose no
lábio, esta devido ao atrito constante (hábito de morder o lábio).
Apesar desses inconvenientes, o acesso ao recurso da prótese dentária total
(dentadura) parece ter importante significado para os idosos, conforme se observa na
tabela 1. Situações indesejadas, como p. ex., “ficar insatisfeito ao ver os dentes no espelho”
ou “sentir que os dentes não estão bem” ocorrem, significativamente, menos entre os
que usam o mencionado aparelho protético.
Adicionalmente, observa-se na grafico 1 que o uso da prótese dentária total
parece contribuir de modo expressivo para minorar o grau de comprometimento das
funções bucais. A visão de conjunto das variáveis permite afirmar que o benefício
proporcionado pela prótese é consistente, não se restringindo a uma ou outra variável,
mas abrangendo o conjunto das condições analisadas.
TABELA 1 – Porcentagem de idosos com restrições relativas à saúde bucal segundo
o tipo de restrição e o uso de dentadura.
130
GRAFICO 1 – Comprometimento de funções bucais e uso de prótese dentária
total em idosos.
Chama a atenção, neste aspecto, o fato de que, na maioria dos estudos, e também
no SABE, os idosos apresentarem porcentagens elevadas de uso de prótese. Combinando-
se com os dados sobre extrações dentárias, com porcentagens igualmente sempre elevadas,
configura-se um quadro sugestivo de alto grau de acesso aos serviços odontológicos –
independentemente de considerações sobre a qualidade dos serviços prestados. Esse
quadro parece contrastar com afirmações correntes sobre dificuldades de acesso da população
de idosos aos serviços odontológicos
(1,5,6,8,20,23)
. Cabe, também, ponderar que este “alto
grau de acesso” não deve ser confundido com a complexidade da atenção recebida
(atendimentos de nível secundário e terciário) nem com a oferta de serviços públicos
fica insatisfeito ao ver os dentes no espelho
sente dificuldades em mastigar comida dura
sente que os dentes não estão bem
não come o que quer
come menos ou muda a alimentação
sente dificuldade em falar bem
fica nervoso por problemas nos dentes ou dentadura
não come como queria diante de outras pessoas
sente dificuldade para engolir bem
deixa de sair à rua ou falar
tem dor ao ingerir alimento frio ou quente
usa remédio para aliviar dor de dente
não usa dentadura usa dentadura
45
30
15
0
%
131
para esse tipo de reabilitação. Extrações dentárias e instalação de próteses constituem
serviços odontológicos básicos, cuja orientação está em nítida oposição à abordagem
preventiva e conservadora de órgãos e tecidos, preconizada em modelos de atenção de
base epidemiológica e ações integrais.
Dor e irritação
A “dor ao comer alimentos quentes ou frios” foi mencionada por 11,1% dos idosos:
1,2% disseram que isso aconteceu “sempre” no último ano; outros 1,2% mencionaram
ter sentido dor “freqüentemente” e 3,6% “algumas vezes”; 5,1% relataram que esse tipo
de dor ocorreu “raramente”. Mas 81,9% responderam que comer alimentos quentes ou
frios não lhes causou dor de dente, no último ano; 6,9% não souberam ou não responderam.
As perdas dentárias estão associadas com não ter, ou ter poucos, problemas de
saúde de origem bucal: embora 14,5% dos idosos tenham referido o uso de “remédio”
nos últimos 12 meses para “aliviar a dor ou problemas na boca”, 8,5% disseram que isso
ocorreu “raramente” e 4,4% “algumas vezes”. O uso de “remédio” com essa finalidade
foi feito por apenas 1,6%: 0,6% “sempre” e 1,0% “freqüentemente”. Enquanto 1,0%
não soube responder, 84,5% declararam que, no último ano, “nunca” precisaram usar
“remédio” para aliviar a dor ou problemas na boca.
Irritação (“nervosismo”) decorrente das condições dentárias foi referida por 18,1%
dos idosos. Isto aconteceu “sempre” para 2,1%; “freqüentemente” para 2,6% e “algumas
vezes” para 5,7%. “Raramente” foi mencionado por 7,7%. Mas 81,2% declararam que
isso (“nervosismo”) “nunca” lhes aconteceu, no último ano.
Mastigação e deglutição
Comer menos ou mudar a alimentação em decorrência das condições dentárias
ocorreu, nos últimos 12 meses, para 25,3% dos entrevistados. Desses, 8,9% relataram
ter de fazê-lo “sempre” (5%) ou “freqüentemente” (3,9%). Contudo 74,5% afirmaram
“nunca” ter de alterar sua rotina alimentar nesse período (um ano). Mas, perguntados
sobre “problemas para mastigar comidas duras”, apenas 58,0% responderam não ter
132
tido nenhum problema nos últimos 12 meses. “Sempre” (15,6%) e “freqüentemente”
(6,3%) corresponderam a 21,9%; “algumas vezes” correspondeu a 10,1% e “raramente”
registrou 9,3%.
As dificuldades mastigatórias foram, entretanto, contornadas com o objetivo
de facilitar a deglutição: 94,5% dos entrevistados declararam ter conseguido engolir
bem, no último ano: isso ocorreu “sempre” (91,3%) ou “freqüentemente” (3,2%). Relataram
“nunca” ou “raramente” ter conseguido “engolir bem”, 2,0% e 0,9%, respectivamente.
É expressiva a diferença produzida pelo uso de dentadura quanto à dificuldade
para mastigar “comida dura”. Entre os usuários da prótese dentária total, 19,4% referiram
sentir essa dificuldade sempre ou freqüentemente. Mas entre os que não usam o aparelho
protético, a porcentagem dos que sempre ou freqüentemente sentem dificuldades para
mastigar eleva-se para 32,2% (tabela 1). Quanto a “comer o que quer”, as porcentagens
foram, respectivamente, 8,3% e 18,3%, corroborando o observado com “comida dura”.
Entre os que usam dentadura, 7,0% “comeram menos ou mudaram a alimentação” sempre
ou freqüentemente nos últimos 12 meses; mas entre os que não a utilizam essa porcentagem
aumentou para 16,8%.
Fonação
A função fonética “nunca” foi prejudicada pelas condições dentárias para 84,3%
dos idosos entrevistados, segundo sua percepção. Para 4,1%, entretanto, essa função
foi prejudicada, nos últimos 12 meses: isso aconteceu “sempre” para 2,0% e “freqüentemente”
para 2,1%. Para 4,9% houve “algumas vezes” dificuldades para falar, no último ano; e
5,5% responderam que “raramente” não conseguiram falar bem por causa das suas condições
dentárias; 1,1% não soube opinar ou não respondeu.
Entre os idosos que perderam menos da metade dos dentes, 1,4% declararou
que sempre ou freqüentemente sentiram dificuldades para falar bem; entre os que perderam
mais da metade dos dentes essa porcentagem sobe para 4,6% (tabela 2).
133
TABELA 2 – Porcentagem de idosos segundo o tipo de restrição relativa à saúde
bucal e à intensidade das perdas.
Para a grande maioria dos idosos, perder dentes não implica maiores dificuldades
fonéticas, uma vez que é pouco expressivo o percentual dos que relataram alguma
dificuldade. Sabe-se, entretanto, que perdas dentárias contribuem para aumentar a
dificuldade de fonação.
Nesse caso, pode-se admitir que o uso de prótese dentária total altera
significativamente para melhor a capacidade de fonação, em relação aos edêntulos. Entre
os que usam dentadura, por exemplo, apenas 3,2% referiram sempre ou freqüentemente
sentir dificuldade para falar bem. Essa porcentagem eleva-se, por outro lado, para 7,9%
entre os que não usam o aparelho.
134
Os dados evidenciam, porém, que a falta de dentes contribui para aumentar
as dificuldades de fonação. Entre os que perderam mais da metade dos dentes 4,6%
mencionaram dificuldade para falar bem (tabela 2). Esse achado corrobora a conhecida
dificuldade dos edêntulos em pronunciar fonemas linguodentais.
Auto-estima, constrangimento e relações interpessoais
Entre os entrevistados, 16,8% disseram que “nunca” (11,9%) ou “raramente”
(4,9%) estavam contentes com a aparência dos seus dentes, nos últimos 12 meses;
59,3% declararam-se “sempre” contentes com a aparência dos dentes, enquanto 12,2%
referiram que isso ocorreu “freqüentemente”; 7,0% ficaram contentes “algumas vezes”.
Com efeito, apenas 11,3% declararam ter percebido que seus dentes “não estavam bem”:
5,8% disseram que isto ocorreu “sempre” no último ano; para 5,5% isto ocorreu
“freqüentemente”.
Problemas com os dentes não representaram problema estético significativo
(a ponto de interferir nas relações interpessoais) para a maioria dos entrevistados: 91,9%
declararam que “nunca” deixaram de sair à rua ou falar, por causa de suas condições
dentárias; 4,0% afirmaram que “raramente” isso ocorreu; apenas 1,8% mencionou que
isto ocorreu: “sempre” (0,7%) ou “freqüentemente” (1,1%).
“Não comer como queria diante de outras pessoas, no último ano” foi referido por
19,5% dos idosos. Tal constrangimento, vergonha ou sentimento semelhante ocorreram
“sempre” para 2,1%; “freqüentemente” para 3,3%, “algumas vezes” com 6,3% e “raramente”
com 7,8%. Para 79,6%, contudo, “nunca” aconteceu de não comer como queria diante
de alguém, por causa de suas condições dentárias.
O uso da dentadura parece contribuir também de modo importante para melhorar
a auto-estima e as relações interpessoais e diminuir as situações de constrangimento
em público: 4,1% dos que não utilizam dentadura mencionaram que sempre ou
freqüentemente “deixavam de sair à rua ou conversar”; essa porcentagem diminuiu para
135
1,4% entre os que a utilizam. Não comer como queria diante de outras pessoas ocorreu
sempre ou freqüentemente para 5,0% dos usuários de próteses dentárias totais e para
7,8% dos que não faziam uso da dentadura (tabela 1).
Dor e irritação
O uso de “remédio” para alívio de dor ou problemas na boca foi referido por
um percentual relativamente pequeno de idosos: apenas 1,6%. Esta aparente boa situação
bucal quanto à dor e irritação, levando a pouca utilização de medicamentos, é alentadora,
pois significa menor dispêndio com tais produtos, desonerando os idosos e permitindo-
lhes direcionar seus gastos com medicamentos para outras condições e agravos, próprias
dessa faixa etária.
Acesso
Para Dini & Castellanos
(24)
, a possibilidade de acesso aos cuidados odontológicos,
juntamente com a manutenção de uma boa saúde geral, são fatores fundamentais para
se conseguir um estado aceitável de saúde bucal.
Pucca Jr
(5)
considerou que idosos não usufruem de possibilidades de acesso a
serviços de saúde bucal, opinião compartilhada também por Pereira e col.
(17)
.
Analisando as condições de idosos dos Estados Unidos, Dolan e col.
(25)
concluíram
que carências físicas, psíquicas e/ou econômicas e sociais estavam associadas a menor
acesso a cuidados odontológicos e a mais problemas de saúde bucal.
Silva
(6)
refere que os estudos disponíveis no Brasil mostram um grupo com
quase todos os dentes extraídos, grande quantidade de bolsas periodontais, lesões da
mucosa bucal e com o uso de próteses inadequadas. Para o autor, os programas dirigidos
a essas pessoas são raros, pois elas, ainda hoje, apresentam baixa prioridade nos serviços
públicos, mesmo com todos os problemas bucais acumulados e com a forte mudança
demográfica verificada no país.
136
Quanto às condições periodontais, a pesquisa da SES-SP/USP
15
, de 1998, revelou
uma situação precária. O alto grau de edentulismo nesse grupo populacional não o
impediu de exibir também um elevado comprometimento das estruturas periodontais
remanescentes: apenas 15,9% dos idosos estavam com as gengivas saudáveis; 8,4%
apresentavam bolsas periodontais (infecções gengivais crônicas que podem levar à perda
dentária) em um ou mais dentes
(15)
. Na pesquisa de 1989, Rosa e col.
(9)
observaram
que 2,8% não apresentavam doença periodontal.
Embora na presente investigação não tenham sido realizados exames clínicos,
os achados de autopercepção coincidem com essas afirmações.
Baldisserotto e col.
(26)
assinalam que as principais barreiras ao acesso dos indivíduos
idosos ao tratamento odontológico não estão associadas com seu estado de dependência
física, mas com os custos, representados não apenas pelos procedimentos per se mas,
também, pelo custo do paciente em termos de necessidade de deslocamentos, ajuda
de terceiros e tempo de espera entre consultas quando os tratamentos não são de urgência.
Considerações finais
Menos de 1% dos idosos têm todos os dentes. A essa medida da mutilação
dentária não corresponde, entretanto, uma autopercepção negativa das condições bucais.
Embora as dificuldades para mastigar tenham sido mencionadas por 22% dos idosos e
3% tenham admitido dificuldades para engolir bem, o amplo emprego de vários tipos
de próteses dentárias parece contribuir para minimizar os efeitos da mutilação e para
uma autopercepção positiva.
Com efeito, 86% dos idosos que perderam mais da metade dos dentes utilizam
algum tipo de prótese. Assim, o acesso aos serviços odontológicos no município de
São Paulo parece ser suficientemente amplo, para atendimentos básicos, a ponto de os
serviços produzidos terem impacto significativo na autopercepção das condições de
137
saúde bucal dos usuários. Ainda que se possa questionar a prática mutiladora e essencialmente
reabilitadora dessas ações odontológicas, é preciso considerar que apenas 12% dos idosos
declararam-se insatisfeitos com a imagem dos seus dentes no espelho e que 92% afirmaram
que nunca deixaram de sair à rua ou conversar por causa de suas condições dentárias.
Não obstante, é sensível, também, o relato de melhor condição bucal por parte
daqueles que usam dentes postiços, ponte ou dentadura, o que antes de ser um indicativo
de satisfação com a mutilação, parece indicar a capacidade da assistência odontológica
em prover algum bem-estar para idosos nessa condição de quase totalmente desdentados.
Assim, pode-se admitir que as incapacidades relacionadas às funções de mastigação,
fonação e estética não vêm se constituindo num problema cuja magnitude seja percebida,
pelos atingidos, como algo suficientemente relevante a requerer providências especiais.
Ademais, cerca de 99% dos idosos sofreram a perda de um ou mais dentes e mesmo
assim não se percebem como mutilados dentários.
Agradecimento
Os autores agradecem ao prof. Dr. Roberto A. Castellanos pela revisão do original
e pelas valiosas sugestões.
138
Referências bibliográficas
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141
Deterioração
cognitiva
e depressão
142
143
Deterioração cognitiva e depressão
Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira*
Estudar as condições de saúde e bemestar da população idosa implica,
necessariamente, dar uma atenção especial à sua saúde mental, investigando, particularmente,
a demência e a depressão, doenças que têm suas incidências e prevalências aumentadas
com o avanço da idade e que podem levar o idoso à perda de sua autonomia, aumentando
os anos de vida vividos com incapacidade.
O Relatório sobre a Saúde do Mundo de 2001
(1)
considera que: "os dados
epidemiológicos são essenciais para a determinação de prioridades no âmbito da saúde
mental, bem como para projetar e avaliar intervenções de saúde pública. Ainda assim,
é escassa a informação disponível sobre a prevalência e a carga dos grandes transtornos
mentais e comportamentais em todos os países e especialmente nos em desenvolvimento"
(p. 141).
Assim sendo, o Projeto SABE teve entre seus objetivos calcular a prevalência
de deterioração cognitiva e sintomas depressivos entre idosos não institucionalizados,
que vivem em grandes áreas urbanas, e entre elas, a cidade de São Paulo.
Deterioração cognitiva
Com o envelhecimento populacional dos países em desenvolvimento, entre eles
o Brasil, é crescente a preocupação com a demência, síndrome clínica cuja principal
característica é o comprometimento cognitivo que traz como conseqüência a perda da
capacidade funcional que sobrecarrega a família, exige cuidadores por longos períodos
e pode levar à institucionalização os idosos portadores dessa deficiência.
* Psicóloga, docente do Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu
144
Ainda que se reconheça a importância de investigar a prevalência da demência
na comunidade, são raros os estudos disponíveis no Brasil, América Latina e Caribe e
nos países em desenvolvimento em geral, havendo pouco consenso sobre o impacto
desse transtorno mental sobre a população idosa desses países
(2)
. Estima-se que cerca
de 66% dos casos de demência no mundo estejam nos países em desenvolvimento e,
no entanto, apenas 10% das pesquisas populacionais sobre esta doença dirigem-se às
populações desses países
(3, 6)
.
Instrumentos e critérios utilizados para o rastreamento da
deterioração cognitiva
Para a avaliação do estado cognitivo dos idosos no Projeto SABE, utilizou-se
uma versão modificada e validada no Chile, por Icaza e Albala, em 1999
(7)
, do Mini
Exame do Estado Mental (MEEM), desenvolvido por Folstein et al
(8)
.
O MEEM é um instrumento de rastreamento de deterioração cognitiva, utilizado
internacionalmente, que fornece informações sobre diferentes dimensões cognitivas,
tais como orientação, memória, cálculo e linguagem.
Para a validação da versão reduzida, desenvolvida especialmente para o Projeto
SABE, foram utilizados os dados obtidos no Chile, em estudo da Organização Mundial
da Saúde sobre "Demências Associadas à Idade" no qual foram avaliados, com a versão
completa do MEEM
(8)
, 2.318 pessoas com mais de 60 anos, e para cuja validação utilizou-
se o exame clínico como padrão ouro. Visto que os resultados desse estudo indicaram
um forte viés educacional com o uso do instrumento em sua versão completa, optou-
se por validar uma nova versão. Essa nova versão pretendeu eliminar, ou minimizar,
possíveis efeitos da escolaridade sobre os resultados do MEEM na sua forma original,
efeitos esses já descritos por Fillenbaum et al
(9)
; O´Connor, Pollitt e Treasure
(10)
, Herzog
et al.
(11)
e, em nosso meio, por Bertolucci et al
(12)
; Herrera et al
(13,14)
; Almeida
(15)
e Scazufca
et al
(6)
. Para esta nova versão (anexo1), estabeleceu-se um ponto de corte de 12/13, com
o qual se obteve uma sensibilidade e especificidade de 93,8 e 93,9 respectivamente,
segundo Icaza e Albala
(7)
, sendo a deterioração cognitiva indicada pela pontuação igual
ou inferior a 12.
145
O resultado no MEEM foi utilizado como filtro para a aplicação do questionário
desenvolvido por Pfeffer et al
(16)
, o QPAF (Pfeffer Functional Activities Questionnaire
- Questionário de Pfeffer para Atividades Funcionais), destinado a avaliar a autonomia
funcional da pessoa no que se refere às atividades da vida quotidiana. O objetivo de
se usar o QPAF foi verificar se a deficiência cognitiva encontrada acompanhava-se de
limitações da capacidade funcional. O ponto de corte utilizado foi o proposto pelos
seus autores: pontuação igual ou superior a 6 para indicar que o indivíduo necessita
de ajuda para desenvolver atividades quotidianas denominadas instrumentais. Pessoas
que obtiveram pontuação 12 ou menos no MEEM, e 6 ou mais na QPAF, puderam contar
com um informante substituto para a realização da entrevista, e aqueles que obtiveram
13 pontos ou mais no MEEM e 5 pontos ou menos na QPAF puderam ter um informante
auxiliar, no restante do questionário.
Depressão
A depressão é uma das doenças que também pode levar à perda da autonomia
funcional. Estudos já clássicos, como os de Blazer e Williams
(17)
e Blazer et al
(18)
têm
evidenciado uma prevalência alta de sintomas depressivos na população idosa, variando
de 10 a 15%. Inquérito populacional, realizado por Veras
(19)
, no Brasil, também apresentou
resultados que indicam uma prevalência alta e variável segundo sexo, escolaridade e
nível socioeconômico.
Beekman et al
(20)
demonstraram, a partir de um estudo de revisão sobre a prevalência
da depressão entre idosos, que esta doença afeta uma em cada oito pessoas com mais
de 65 anos. Além de freqüente, a depressão pode resultar em incapacidade para seu
portador, o que se evidencia na afirmação de Copeland
(21)
: "a depressão é amplamente
aceita como uma doença comum em todos os períodos da vida adulta e uma poderosa
destruidora da qualidade de vida" (p.304). Assim sendo, refere esse autor, impõe uma
enorme sobrecarga econômica e social à sociedade.
Instrumento utilizado para o rastreamento de sintomas depressivos
Para avaliar sintomas depressivos empregou-se neste inquérito a Escala de Depressão
Geriátrica (GDS), desenvolvida por Sheikh e Yesavage
(22)
. Esta escala contém, na sua
146
forma abreviada, 15 itens, e é dos instrumentos mais utilizados para detecção de sintomas
depressivos graves e leves do idoso, tendo sido validada para essa população. Essa validação
não foi feita especificamente para a América Latina, mas a GDS é usada freqüentemente
na prática clínica. No Brasil, Almeida
(23)
desenvolveu um estudo de confiabilidade da
versão brasileira da GDS, a mesma aqui empregada, verificando que, embora entre os
itens individuais da escala a estabilidade tenha sido baixa, há uma relativa estabilidade
para o escore total da GSD-15, sendo este um indicador relativamente estável do humor
do entrevistado.
Neste estudo, a GDS não foi aplicada às pessoas que apresentavam evidente
deficiência cognitiva. Considerando que esta escala não se aplica a informantes substitutos,
o estudo da prevalência de sintomas depressivos em pessoas com prejuízo cognitivo
exigiria uma avaliação clínica, o que não foi incluído nesta pesquisa.
Utilizou-se como ponto de corte, a pontuação 6, convencionalmente usada para
sintomas depressivos leves, e 11 para sintomas depressivos graves.
Deterioração cognitiva
Em todo o mundo, estudos da prevalência de demência na comunidade têm
mostrado resultados variáveis, sendo essa variabilidade atribuída, por diversos autores,
às características da população estudada e à metodologia empregada, destacando-se
nesse aspecto, as dificuldades decorrentes do uso de diferentes critérios diagnósticos
e de diferentes instrumentos de avaliação, nem sempre adequados para populações com
características demográficas e culturais diversas
(6,24,27)
. Prince
(27)
afirma que os estudos
epidemiológicos de demência nos países desenvolvidos têm sido feitos com uma metodologia
padronizada, com critérios diagnósticos bem estabelecidos e instrumentos de rastreamento
válidos e fidedignos para as populações estudadas. Para esse autor, este fato resulta na
obtenção de taxas de prevalência com pequena variabilidade, indo de 3%, ao redor
dos 70 anos, até 20% ou 30% aos 85 anos. Tem sido apontado por vários autores que
essas taxas duplicam a cada cinco anos, após os 65 anos
(24,25,28)
. Recentemente, Lopes e
Bottino
(29)
apresentaram uma revisão de relatos de pesquisas realizadas no período de
1994 até 2000 e publicadas após as revisões de Jorn et al.
(24)
e Hoffman et al
(25)
, nos
147
quais constataram uma grande variabilidade na prevalência de estudos realizados entre
diferentes países e regiões e mesmo dentro do próprio país. Embora apontem um avanço
nas metodologias empregadas, Lopes e Bottino
(29)
indicam que as prevalências constantes
nos artigos por eles revistos variaram de 1,1%, em um estudo africano, a 14,9% em
um estudo europeu.
Prince
(27)
salienta que são ainda escassos os estudos de prevalência de demência
nos países em desenvolvimento, apesar de se estimar que, em 2025, 71% das pessoas
com mais de 60 anos estarão vivendo nesses países e do avanço da idade ser o principal
fator de risco para a demência.
Atualmente, na América Latina, há poucos estudos epidemiológicos que avaliem
a magnitude ou os fatores de risco para a demência
(30)
. Segundo Mangone e Arizaga
(30)
,
há dados publicados sobre a prevalência de demência no Chile, Uruguai e Brasil, variando
as prevalências estimadas por essas investigações nesses países entre 6,0%, 0,4% e 7,1%,
respectivamente.
Scazufca et al
(6)
analisando as investigações epidemiológicas sobre demência
realizadas nos países em desenvolvimento, apontam que, tanto no Brasil como em outros
países em desenvolvimento, elas são raras, não havendo estimativas precisas da sua incidência
e prevalência. Esses autores, considerando uma prevalência uniforme de 3%, extraída
das prevalências por faixas etárias, observadas em países desenvolvidos, e o número de
pessoas com 60 anos ou mais, estimaram para o Brasil no ano 2000, a existência de
390 mil pessoas com demência e, conseqüentemente, salientaram a relevância de se
desenvolverem estudos populacionais para se investigar a epidemiologia da demência.
Os resultados do estudo da deterioração cognitiva dos idosos da cidade de São
Paulo, conforme a metodologia descrita, foram analisados segundo as diferenças entre
faixas etárias, sexo, escolaridade.
Obteve-se neste estudo, segundo os resultados do MEEM, uma prevalência de
deterioração cognitiva de 6,9%, sendo de 4,2% a prevalência para as pessoas na faixa
etária de 60 a 74 anos e de 17,7% para aquelas com 75 anos ou mais. Analisando-se
as porcentagens de pessoas que obtiveram pontuação igual ou inferior a 12 no MEEM,
verificou-se um aumento progressivo dessas com o aumento da idade (tabela 1).
148
Essa progressão assemelha-se à de dados previamente relatados na literatura
internacional
(24,25,31)
e brasileira
(13-14
).
Herrera et al
(13,14)
realizaram um estudo epidemiológico, entrevistando 1.656
pessoas com mais de 65 anos, na cidade paulista de Catanduva, e obtiveram uma prevalência
de demência de 7,1%. Utilizaram um desenho de três fases, selecionando, na primeira
fase, 34,3% dos sujeitos a partir dos resultados do MEEM, com pontos de corte diferenciados
para diferentes níveis de escolaridade
(12)
. Associando os resultados do MEEM aos do QPAF,
reduziram para 14,1% as pessoas selecionadas para a fase II do estudo, quando foram
submetidos a exame físico geral e neurológico e testes neuropsicológicos. Por fim, aqueles
que preencheram os critérios diagnósticos do DSM IV para demência foram para a fase
III, que constituiu de exames laboratoriais e radiológicos para diagnosticar os diferentes
quadros de demência. Ao final desses procedimentos, chegou-se à prevalência de 7,1%.
Comparando-se os resultados obtidos no Projeto SABE com os desse estudo
brasileiro, constata-se que, levando-se em conta apenas o resultado do MEEM na forma
abreviada, obteve-se uma porcentagem bastante inferior (6,9%) àquela obtida por Herrera
et al
(13,14)
com a aplicação do MEEM, na sua forma completa e pontos de corte diferenciados
por níveis de escolaridade (34,3%). Isto permite supor que a versão desenvolvida por
TABELA 1 – Distribuição de freqüência dos idosos, segundo o resultado do MEEM,
por faixa etária
Fonte: SABE
149
Icaza e Albala
(7)
, talvez tenha, efetivamente, minimizado os efeitos da escolaridade sobre
os resultados do teste. Ressalte-se, porém, que, na amostra estudada por Herrera et al
(13,14)
era mais alto o número de sujeitos não-alfabetizados (35,6%) em relação à amostra dos
idosos não-alfabetizados de São Paulo (19,9%). A prevalência de deterioração cognitiva,
utilizando-se o MEEM e o QPAF, foi de 3,4% no estudo SABE na cidade de São Paulo
e de 14,1% no estudo de Catanduva.
Outro estudo brasileiro, realizado por Veras
(19)
entre idosos de três distritos
do Rio de Janeiro, utilizou o Short-CARE(32) para avaliar o estado cognitivo e encontrou
prevalências que variaram de 5,9, em Copacabana, a 9,8% no Méier, até 29,8% em
Santa Cruz. O autor desse estudo analisa que o questionário por ele utilizado meramente
detecta deficiência cognitiva e pode superestimar a prevalência de demência. Assim,
propõe que uma explicação possível para os altos níveis obtidos poderia ser a instrução
e o nível socioeconômico da sua amostra, uma vez que em Santa Cruz e, em menor
grau, no Méier, as amostras abrangiam predominantemente pessoas de baixos níveis
de escolaridade.
Observando-se a tabela 2, verifica-se que entre os idosos sem nenhuma escolaridade
há uma alta porcentagem (16,8%) com pontuação inferior ou igual a 12, porcentagem
que diminui à medida que aumentam os anos de escola. Este dado evidencia uma influência
da escolaridade na prevalência da deterioração cognitiva, conforme demonstrado em
estudos anteriores
(6,9-15)
, sugerindo que se mantém o viés educacional do instrumento
utilizado e estimulando que outras causas para esta associação sejam pesquisadas.
Fonte: SABE
TABELA 2 – Resultados do MEEM segundo escolaridade.
150
O gráfico 1 indica que a porcentagem de homens e mulheres com deterioração
cognitiva, segundo o MEEM, é bastante semelhante até os 74 anos, quando a porcentagem
de mulheres com pontuação igual ou inferior a 12 aumenta acentuadamente. O resultado
geral obtido, uma prevalência de 7,5% para as mulheres e de 6,0% para os homens,
não reflete a grande diferença verificada entre eles após os 85 anos (37,7% de mulheres
e 18,4% de homens com pontuação igual ou inferior a 12 no MEEM).
Resultados de 12 estudos europeus sobre prevalência de demência, analisados
por Hofman et al
(25)
, indicam um padrão similar ao aqui verificado da prevalência por
gênero, estimando-se, porém, que a prevalência seja um pouco maior para os homens
até os 75 anos e um pouco maior para as mulheres após os 75 anos.
Combinando-se o MEEM com o Questionário de Pfeffer para avaliação de atividades
funcionais, as taxas de prevalência de deterioração cognitiva diminuem acentuadamente,
- de 6,9%, só com o MEEM para 3,4% com o MEEM + QPAF - podendo indicar que o
GRÁFICO 1 – Entrevistados (%) com MEEM com pontuação igual ou menor que
12 segundo sexo e faixa etária.
PORCENTAGEM
Faixa etária
40.0
35.0
30.0
25.0
20.0
15.0
10.0
5.0
0.0
60 65 70 75 80 85 ou +
Mulheres
Homens
151
QFAF consegue dar maior especificidade para a medida de deterioração cognitiva mais
grave, especialmente após os 75 anos, como se vê no gráfico 2.
Tendo em vista o viés produzido pela baixa escolaridade nos resultados do MEEM,
parece ser adequada a associação do QPAF para se obter a confirmação do declínio cognitivo
acompanhado de limitações na capacidade funcional do indivíduo, sugerindo a presença
de demência ou outros transtornos associados.
Examinando-se as prevalências de deterioração cognitiva obtidas com a associação
desses dois instrumentos, com relação à escolaridade, verifica-se, no gráfico 3, que esses
resultados parecem sofrer menos agudamente o efeito da escolaridade (de 6,9 % de
deterioração cognitiva para aqueles sem escolaridade a 0,5% para aqueles com sete ou
mais anos de escola) não se observando a queda abrupta da porcentagem de idosos sem
escolaridade com pontuação inferior ou igual a 12 no MEEM (16,8%), em relação àqueles
que têm mais de sete anos de escola (1,2%).
GRÁFICO 2 – Porcentagem de idosos com deterioração cognitiva, segundo o
resultado MEEM e do MEEM + QFAF, por faixa etária.
PORCENTAGEM
35.0
30.0
25.0
20.0
15.0
10.0
5.0
0.0
60 65 70 75 80 85 ou +
Faixa etária
MEEM
MEEM+QFAF
152
GRÁFICO 3 – Porcentagem dos idosos com deterioração cognitiva segundo o
resultado do MEEM e o MEEM + QPAF, por escolaridade.
No quadro 1, comparando-se as prevalências de deficiência cognitiva por faixas
etárias, obtidas na cidade de São Paulo, apenas por meio do MEEM, com as prevalências
de demência de estudos internacionais, revistos por Jorn et al
(24)
e Lopes e Bottino
(29)
e
com as do estudo brasileiro de Herrera et al
(13,14)
verifica-se que elas são bastante superiores.
Este achado parece indicar que o uso isolado do MEEM superestima essas prevalências,
provavelmente pela influência que a baixa escolaridade da população estudada exerce
sobre esse resultado, indicando uma limitação metodológica do MEEM para essas populações.
QUADRO 1 – Porcentagem de deterioração cognitiva de idosos de São Paulo e
prevalência de demência de outros estudos.
1 - 6 anos
sem escolaridade
> 7anos
PORCENTAGEM
18.0
16.0
14.0
12.0
10.0
8.0
6.0
4.0
2,0
0,0
MEEM
MEEM+QPAF
Faixa etária
153
Essa limitação se evidencia quando os resultados da prevalência de deterioração
cognitiva aqui verificados são comparados com os mesmos resultados de outros três países
integrantes do Projeto SABE*, obtidos com a mesma metodologia (quadros 2 e 3).
QUADRO 3 – Porcentagem de idosos com deterioração cognitiva segundo o MEEM,
por nível de escolaridade, em diferentes cidades integrantes do Projeto
SABE.
Verifica-se que São Paulo e Santiago (Chile) foram as cidades que apresentaram
as maiores porcentagens de idosos com deterioração cognitiva, segundo os dois critérios
adotados, enquanto em Havana (Cuba) e Buenos Aires (Argentina) ocorreram as prevalências
mais baixas. Ressalta-se que as amostras dos idosos de Havana e Buenos Aires, estudadas
Fonte: SABE (São Paulo e OPAS, 2003)
QUADRO 2 – Porcentagem dos idosos com deterioração cognitiva, segundo
resultados do MEEM e MEEM +QPAF, em diferentes cidades
integrantes do Projeto SABE (%).
Fonte: SABE
Fonte: OPAS, Relatório preliminar SABE, 2001, p.38
154
pelo Projeto SABE, foram as que apresentaram as porcentagens mais baixas de idosos
sem nenhuma escolaridade (menos que 5%), apresentando ainda as maiores porcentagens
de idosos com educação secundária e superior. Em contraste com esses dados, em São
Paulo e em Santiago foram constatadas porcentagens mais altas de idosos sem nenhuma
escolaridade (21,0% e 11,3%, respectivamente) e porcentagens mais baixas, em relação
a Havana e Buenos Aires, de idosos com níveis secundários e superior de escolaridade.
Esta constatação permite supor o efeito da escolaridade, sobre a prevalência de deterioração
cognitiva. Assim sendo, o impacto da escolaridade sobre esta e outras condições de
saúde deve ser investigada, uma vez que o nível educacional da população é decorrente
de contextos sociais que podem ser modificados.
Sugere-se diante desses dados e da relevância dos estudos populacionais sobre
a demência que, como recomendam também Scazufca et al
(6),
novas pesquisas sejam feitas
com metodologias que levem em conta as diferenças socioculturais entre as populações
estudadas. Metodologia para a investigação de demência, como a desenvolvida por Prince
et al
(5)
, em 2003, para os países em desenvolvimento, poderá contribuir para o avanço
do conhecimento sobre esse transtorno que afeta tanto seu portador, como sua família
e o Estado.
Sintomas depressivos
É comum o transtorno da depressão entre os idosos e, nesse sentido, a atual
Política Nacional de Saúde do Idoso do Brasil, que tem como uma de suas finalidades
básicas a manutenção e melhoria da capacidade funcional dos idosos, destaca a dependência
mental decorrente da demência e depressão como objeto de atenção especial.
Há evidências de que, em termos da carga global das doenças, a depressão está
se tornando uma das principais causas de incapacidade no mundo. Segundo o Relatório
de Saúde no Mundo
(1)
, de 2001, a depressão já é a quarta causa de anos de vida ajustados
para incapacidade, gerando um ônus de doença muito elevado e mostrando uma tendência
ascendente nos próximos 20 anos.
Stoppe Jr. e Louzã Neto (1999)
(33)
apresentam dados de prevalência de quadros
depressivos em idosos na comunidade que indicam uma variação de 10% a 35,1% para
os sintomas depressivos, sendo o valor máximo resultante do estudo brasileiro de Veras
(19)
155
em 1994. Com relação à depressão maior, aqueles autores referem uma variação que
vai de 0,8%, no estudo de Blazer et al
(18)
em 1987 a 11,57%, entre os idosos de Santa
Cruz, no Rio de Janeiro
19
.
Beekman et al
(20)
, revendo 34 estudos europeus sobre prevalência de depressão
em idosos na comunidade, identificaram que entre esses a depressão maior é relativamente
mais rara (média de 1,8%), sendo mais alta a prevalência média dos sintomas depressivos
clinicamente relevantes (13,5%). Esses autores afirmam, ainda, que há evidências de
que é mais alta a prevalência de depressão entre as mulheres e entre os idosos que vivem
sob condições adversas.
Neste estudo, com os resultados obtidos entre idosos sem deficiências cognitivas
evidentes, que responderam às perguntas da GDS, verificou-se uma prevalência de 18,1%
de sintomas depressivos, sendo esta de 12,7% entre os homens e de 22% entre as mulheres.
Constatou-se, ainda, que foi mais alta a prevalência de sintomas depressivos entre as
pessoas com 60 a 64 anos de idade (19,5%) atingindo 13% a prevalência para aqueles
com 75 ou mais anos de idade. Observa-se que essas porcentagens estão dentro dos
limites apontados na literatura
(20,21,34)
.
Na tabela 3 pode-se observar que as porcentagens de depressão grave (pontuação
igual ou superior a 11 na GDS) foram ligeiramente mais altas para aqueles com idade
de 60 a 64 anos, sendo também mais alta, nesta faixa, a prevalência de depressão leve
(15,7%).
TABELA 3 – Distribuição da freqüência dos idosos segundo os resultados da escala
de depressão geriátrica (GDS), por idade
Fonte: SABE
156
Comparando-se esses dados com os de Veras
(19)
, que utilizou a escala de depressão
do Short Care
(32)
para estudar idosos residentes também em uma grande área urbana,
nota-se que em São Paulo foram inferiores as porcentagens de depressão. Veras
(19)
observou
7,6% de depressão grave e 25,8% de depressão leve.
A prevalência entre as mulheres foi superior à dos homens, tanto para depressão
grave como para depressão leve. Esses dados assemelham-se aos da literatura nacional(19)
e internacional(
1,20,33)
(gráfico 4). Evidencia-se, também nestes dados, uma diminuição
da prevalência dos sintomas depressivos, leves e graves, entre homens e mulheres com
75 anos ou mais, dado também verificado na revisão de Beekman et al
(20)
. Esses autores
indicam que a literatura tem explicado a predominância de depressão em mulheres
por questões metodológicas (viés de relato: mulheres costumam relatar mais sintomas),
psicopatológicas (as mulheres são mais vulneráveis e estão mais expostas a fatores etiológicos)
e sociais (os papéis femininos na sociedade são mais conflitivos e sem reconhecimento).
Acrescenta-se que as mulheres podem estar mais expostas a condições socioeconômicas
mais desfavoráveis, e associações têm sido descritas entre depressão e baixos níveis de
escolaridade e renda e precária situação profissional
(20)
.
Homens Mulheres Homens Mulheres
60-74 75 ou +
Faixa etária
25
20
15
10
5
0
PORCENRAGEM
11,0
2,3
19,2
5,0
8,2
1,5
11,2
3,2
GRÁFICO 4 – Porcentagem dos idosos em relação a sintomas depressivos, medidos
pela GDS, por idade, gênero e gravidade dos sintomas.
Depressão leve
Depressão grave
157
BGRUPO Freq Percent Cum.
Embora se constate uma tendência semelhante à dos dados da literatura examinada,
chama a atenção a variação dos índices de sintomas depressivos no mundo
(20)
. Essa variação,
segundo alguns autores(20,34), decorre das diferentes metodologias para identificar
esse transtorno, das diferentes definições e medidas utilizadas, que podem obscurecer
diferenças relevantes já identificadas, como a de ser mais freqüente entre pessoas que
vivem sob circunstâncias socioeconômicas desfavoráveis.
Recentemente, Scott e Dickey
(35)
apontaram que, apesar da constatada sobrecarga,
inclusive econômica, da depressão, ela ainda é pouco diagnosticada. Lima(34), discutindo
dados epidemiológicos sobre depressão, salienta que, apesar dos transtornos depressivos
serem crônicos, são tratáveis. Copeland
(21)
, no entanto, alerta que isto raramente acontece,
apesar de cerca de 80% dos pacientes com depressão já terem recebido atendimento
médico para doenças físicas. Dados da presente investigação demonstram que apenas uma
pequena parcela dos idosos identificados como tendo sintomas depressivos, leves ou graves,
referiram o uso de medicação antidepressiva, como está apresentado na tabela 4.
TABELA 4 – Grau de depressão (medido pela GDS) segundo sexo e o uso de
antidepressivos.
Verificou-se que apenas 18,4% das pessoas com depressão leve ou grave utilizam
terapêutica medicamentosa para depressão. Observa-se, na tabela 4, que entre os homens
com sintomas depressivos leves, está a menor porcentagem (3,7%) de uso de antidepressivos,
e que apenas cerca de 10% de homens e mulheres com depressão grave referiram o
uso de medicação específica para depressão.
Fonte: SABE (São Paulo, 2003)
Normal 98,7 96,2 1,3 3,8
Leve 97,3 90,7 3,7 9,3
Grave 90,0 88,6 10,0 11,4
Antidepressivos
Não Usa Usa
Depressão
Homens Mulheres Homens Mulheres
158
Sendo a depressão prevalente entre os idosos, e com alto impacto sobre seus
portadores e cuidadores, revela-se sua importância para a saúde pública, tanto no sentido
de produzir dados sobre seus fatores de risco, como de estimular a identificação de
casos, garantindo o tratamento adequado dos mesmos. Como apontam Wagner et al
(36)
,
desenvolver programas para prevenir, identificar e tratar a depressão entre idosos pode
contribuir significativamente para reduzir custos, diminuir incapacidade, morbidade
e mortalidade.
159
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163
ANEXO 1 – Seção B - avaliação cognitiva
Continua......
164
ANEXO 1 – Continuação......
165
ANEXO 1 – Conclusão.
166
167
Análise de
sobrevida sem
incapacidades
168
169
Análise de sobrevida sem incapacidades
Jair Lício Ferreira Santos*
Uma das alterações funcionais freqüentes que ocorre com o envelhecimento é
a perda de habilidades para executar determinadas ações. As de maior relevância, e
por isso mesmo sempre presentes nas avaliações de qualidade de vida, são as referentes
à capacidade para executar as atividades básicas do dia-a-dia, tais como se alimentar,
banhar-se, deslocar-se pela residência, etc.
Neste capítulo será apresentada uma avaliação quantitativa das incapacidades
apresentadas pelos entrevistados no Projeto SABE – São Paulo, através do estudo
da proporção de incapacitados e da vida média sem incapacidades. Possíveis fatores
desencadeantes de iniqüidades tais como idade, sexo, instrução e renda serão tomados
em consideração, assim como variáveis associadas às condições de convivência
do idoso: estado marital atual e presença de outra pessoa na vida diária (viver
só ou não).
Cada entrevistado foi considerado como portador de alguma incapacidade, se
respondesse afirmativamente a pelo menos uma das questões referentes às atividades
básicas da vida diária. As questões, que constam na seção D do questionário, são as
que seguem:
D12c- O(a) senhor(a) recebe a ajuda de alguém para atravessar um cômodo caminhando?
D.13b- O(a) senhor(a) recebe ajuda de alguém para se vestir?
D.14c- O(a) senhor(a) recebe a ajuda de alguém para tomar banho?
D.15b- O(a) senhor(a) recebe a ajuda de alguém para comer?
*
Professor Titular do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
170
D.16c- O(a) senhor(a) recebe ajuda de alguém para deitar ou levantar da cama?
D.17c- O(a) senhor(a) recebe a ajuda de alguém para usar a privada ou o vaso sanitário?
Quanto à renda, os entrevistados foram classificados como pertencentes à categoria
“Renda Alta” se o total de seus rendimentos correspondesse aos valores acima do segundo
quintil da distribuição. Aos entrevistados sem renda, ou classificados nos dois primeiros
quintis, foi atribuída a categoria “Renda Baixa”. As informações sobre rendimentos
dos entrevistados foram obtidas através das várias perguntas incluídas na seção H do
questionário.
Igualmente, foram construídas duas categorias de escolaridade: “Baixa”, para
aqueles entrevistados que nunca freqüentaram escola ou estudaram até a terceira série.
Os que chegaram além da terceira série foram classificados como pertencentes à categoria
“Alta”.
Para a variável relativa ao estado marital foram construídas duas categorias:
“casado e “não-casado”. À primeira categoria correspondem todas as situações de existência
de união conjugal no momento da entrevista: união livre, casamento civil, casamento
religioso. Na outra categoria estão contempladas todas as situações que originaram o
término da última união: separação, viuvez e divórcio e, ainda, os solteiros. As informações
necessárias para a construção da variável são obtidas na seção A do questionário, perguntas
13 a 17.
Para a condição de compartilhamento da vida diária, foram utilizadas as respostas
à pergunta 7 da seção A do questionário que indicam, por ocasião da pesquisa, se o
entrevistado vive só ou acompanhado.
A distribuição relativa do número de incapacidades para cada grupo de idades
e sexo consta da tabela 1.
171
TABELA 1 – Porcentagem de incapacidades por idade e sexo
É nítido o efeito do envelhecimento no aumento da porcentagem de indivíduos
com alguma incapacidade: a porcentagem de 94,8 % sem incapacidades no grupo etário
60 a 75 anos decresce para 83,8 % no grupo etário de 75 anos e mais. A incapacidade
múltipla (3 e mais incapacidades) mais do que triplica ao se passar de um para o outro
grupo de idades. A diferença entre sexos é praticamente inexistente quando se considera
o total das idades. Quando se considera cada grupo, entretanto, ocorre uma inversão
na hierarquia dos valores: enquanto no grupo etário 60 a 75 anos as mulheres apresentam
maior porcentagem sem incapacidades, (95,5%) no grupo etário seguinte é o sexo masculino
que detém porcentagem maior (86,6 % contra 82,3%).
Na tabela que segue, a relação entre ausência de incapacidade e as variáveis
de interesse para a análise está explicitada sob a forma de porcentagem de pessoas sem
incapacidade.
172
TABELA 2 – Porcentagem sem incapacidades por idade, sexo, renda e escolaridade.
Verifica-se na tabela a aparente maior importância da variável renda do que a
escolaridade. Esta se mantém com poucas alterações ao se passar de uma categoria para
outra. Já para a variável renda há diferenças que chegam quase até os dez pontos percentuais,
como por exemplo, na idade de 75 anos e mais. Novamente se observa que a idade,
mais do que qualquer outra variável, é a maior determinante da presença de incapacidades.
As eventuais diferenças provocadas pelas variáveis idade, sexo, renda e escolaridade
podem ser mais bem apreciadas através da porcentagem da vida média que será vivida
sem incapacidades. Para isso, inicialmente, calcularam-se as tábuas de sobrevivência
por sexo para o município de São Paulo no ano 2000.
173
Fonte para população e óbitos: http://www.datasus.gov.br - Acessado em 20/10/2002.
TABELA 3 – Tábua de sobrevivência para o sexo feminino. Município de São
Paulo – 2000
174
Para o cálculo das esperanças de vida livre de incapacidades, utilizou-se a técnica
de Sullivan
(3)
. Por essa técnica, as medidas de prevalência de incapacidades são aplicadas
aos anos-pessoas vividos (
n
L
x
) em cada grupo de idades da tábua de sobrevivência. Desta
Os ajustes da população para o meio do ano, e dos óbitos para grupos etários
qüinqüenais, necessários para a construção das tábuas, foram realizados por interpolação
com polinômios de Lagrange
(1)
. Na construção das tábuas seguiu-se o procedimento
demográfico usual
(2)
.
Fonte para população e óbitos: http://www.datasus.gov.br - Acessado em 20/10/2002
TABELA 4 – Tábua de sobrevivência para o sexo masculino. Município de o
Paulo – 2000.
175
forma, pode-se obter os anos-pessoas vividos sem incapacidades a partir de cada idade
x e, subseqüentemente, as esperanças de vida livre de incapacidades. Essas informações
podem ser ainda mais bem apreciadas computando-se a porcentagem da esperança de
vida que deverá ser vivida livre de incapacidades.
Os valores da esperança de vida relevantes para este estudo encontram-se na
tabela a seguir:
Aos 60 anos as mulheres têm uma esperança de vida de 22 anos, quase seis a
mais do que o sexo masculino. Aos 75 a esperança de vida é de cerca de doze anos no
sexo feminino, caindo a diferença entre os sexos para pouco mais de três anos. Que
parte dessa vida média restante pode ser vivida livre de incapacidades é o que a técnica
de Sullivan pode responder, o que será abordado a seguir. A utilização da proporção
(ou porcentagem) da vida média restante que se espera viver livre de incapacidades
no lugar de seu valor absoluto (em anos) tem a vantagem de prescindir da comparação
com a esperança de vida total (com e sem incapacidades). Os resultados por sexo e idade
são apresentados na tabela 6.
TABELA 5 – Esperanças de vida aos 60 e aos 75 anos, por sexo.
TABELA 6 – Porcentagens das esperanças de vida aos 60 e aos 75 anos livres de
incapacidades, por sexo.
176
Nota-se que, embora o sexo masculino tenha menores esperanças de vida, as
proporções desses anos que deverão ser vividos sem incapacidades são maiores do que
no sexo feminino. A seguir será verificado como as variáveis renda e escolaridade podem
influenciar nas eventuais diferenças.
Na tabela 7 constam as porcentagens livres de incapacidade das esperanças
de vida das mulheres de 60 anos de idade. Verifica-se, pelos resultados, que a escolaridade
não teve nenhuma influência na porcentagem da vida média livre de incapacidades,
tanto em cada faixa de renda como no seu total, quando vista isoladamente. Já a renda
aponta, sistematicamente, uma diferença de cerca de 5 pontos percentuais na porcentagem
da esperança de vida sem incapacidades.
Sexo Feminino ( e
60
= 22,1anos)
TABELA 7 – Porcentagem da esperança de vida aos 60 anos livre de incapacidades.
Aos 75 anos as diferenças relativas à renda são mais acentuadas, como se pode
observar na tabela 8: há uma diferença de mais de 8 pontos percentuais nos valores
relativos a cada classe de renda.
TABELA 8 – Porcentagem da esperança de vida aos 75 anos livre de incapacidades.
Sexo Feminino ( e
75
= 11,9anos)
177
Na categoria de baixa escolaridade o efeito da renda atinge quase dez pontos
percentuais de diferença (77,9% contra 87,5%). Para a classe de renda baixa aparece
algum efeito da escolaridade. Nesta classe há diferença de mais de 4% entre os valores
da escolaridade baixa e alta.
O mesmo padrão verificado para o sexo feminino repete-se para o sexo masculino
aos 60 anos: nenhuma diferença de importância para a variável escolaridade, enquanto
a variável renda aponta diferenças em torno de 5 pontos percentuais, conforme informações
na tabela 9. Para os resultados aos 75 anos (tabela 10) novamente os efeitos decorrentes
da renda são ainda mais acentuados, chegando a quase oito pontos percentuais no total
e a 14 na categoria de alta escolaridade.
Essa variável, aliás, apresenta um resultado que deve ser notado: as porcentagens
da vida média livre de incapacidades para o sexo masculino aos 75 anos são maiores
na categoria de baixa escolaridade do que na categoria alta.
Sexo Masculino ( e
60
= 16,1anos)
TABELA 9 – Porcentagem da esperança de vida aos 60 anos livre de incapacidades.
TABELA 10 – Porcentagem da esperança de vida aos 75 anos livre de incapacidades.
Sexo Masculino ( e
75
= 8,5 anos)
178
Observam-se maiores porcentagens de vida média livre de incapacidades para
as mulheres que mantêm algum vínculo matrimonial do que para as não-casadas. As
diferenças são de 4 a 5 pontos percentuais nas duas idades em estudo. De forma curiosa,
o padrão não se repete no sexo masculino, como se pode constatar na tabela 12: não
há diferença nas porcentagens aos 60 anos e é de apenas dois pontos percentuais aos
75 anos.
A possível influência do estado marital sobre a vida média sem incapacidades
é abordada nas tabelas 11 e 12.
TABELA 11 – Porcentagem da esperança de vida aos 60 e aos 75 anos livre de
incapacidades, segundo condição marital - Sexo feminino.
TABELA 12 – Porcentagem da esperança de vida aos 60 e aos 75 anos livre de
incapacidades, segundo condição marital - Sexo Masculino.
Os efeitos da vida diária com ou sem companhia permanente são pesquisados
nas tabelas 13 e 14.
179
TABELA 14 – Porcentagem da esperança de vida aos 60 e aos 75 anos livre de
incapacidades, segundo presença de acompanhante - Sexo masculino.
TABELA 13 – Porcentagem da esperança de vida aos 60 e aos 75 anos livre de
incapacidades, segundo presença de acompanhante - Sexo feminino.
São grandes as diferenças nos percentuais de vida sem incapacidades entre as
duas categorias. Claro é que não se deve entender pelos resultados que a presença de
companhia permanente propicia menos vida livre de incapacidades. A causalidade ocorre
no sentido inverso, isto é, há menos incapacitadas entre as que vivem sós justamente
porque suas aptidões e capacidade lhes permitem essa independência.
O mesmo padrão de diferença se observa no sexo masculino. Aparentemente,
a condição de viver só indica fortemente a ausência de incapacidade. A tal ponto que
as porcentagens das esperanças de vida livre de incapacidades aos 60 e aos 75 anos
ficam muito próximas na categoria “vive só” - como que até anulando o possível efeito
de idade, para ambos os sexos.
180
De forma sumária, os resultados encontrados apontam para as seguintes
considerações:
O diferencial de mortalidade entre os sexos assume sentido oposto quando
se considera a proporção da vida restante sem incapacidades. É possível que
uma eventual associação entre incapacidade e mortalidade propicie uma
“seleção” dos indivíduos no tocante à incapacidade. Assim, os homens morrem
mas, porémos que sobrevivem detêm menor chance de incapacidade.
A escolaridade, tal como medida neste trabalho, teve pouca ou nenhuma
influência na proporção de vida restante sem incapacidades. As considerações
para o sexo masculino aos 75 anos (tabela 10) merecem atenção. Um fenômeno
seletivo semelhante ao mencionado para a diferença entre os sexos pode ocorrer
na variável escolaridade.
A variável renda tem influência na ocorrência de incapacidades, para ambos
os sexos, nas várias idades. Aparentemente, o efeito aumenta com o aumento
da idade.
A variável estado marital tem alguma influência para o sexo feminino, mas
muito pouca para o sexo masculino.
A condição de viver só ou acompanhado apresenta diferenças nas porcentagens
de vida média livre de incapacidades, decorrentes justamente da maior
independência e aptidões no grupo dos que podem viver sós.
É importante notar que todas as considerações sobre esperanças de vida livre
de incapacidades foram realizadas sob o pressuposto de igual mortalidade
para as categorias de renda, escolaridade, estado marital e condição de vida
com ou sem companhia, já que não se dispõe de informações de óbitos específicas
para estas variáveis.
181
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182
183
Desempenho
funcional e
demandas
assistenciais
184
185
Desempenho funcional e demandas
assistenciais
Yeda Aparecida de Oliveira Duarte*
As mudanças demográficas decorrentes do processo de envelhecimento populacional
são acompanhadas pelas mudanças epidemiológicas, e são essas as responsáveis pela urgente
necessidade de reorganização da atenção à saúde do idoso no país como um todo, e no
município de São Paulo em especial. Tal afirmação se deve a dois pontos importantes: o
primeiro, relacionado ao aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas,
acompanhadas muitas vezes por seqüelas limitantes de um desempenho funcional ótimo
e, portanto, geradoras de diferenciadas demandas assistenciais e, por outro lado, às sucessivas
modificações estruturais relacionadas às famílias que, estando cada vez mais nucleares e
com expressivas modificações nos papéis desempenhados por seus membros, encontram-
se cada vez mais com dificuldades de assistir adequadamente a tais demandas, o que pode
vir a contribuir para uma maior vulnerabilidade dos idosos mais incapacitados.
Assim considerando, este capítulo visa a apresentar descritivamente os resultados
encontrados pelo estudo SABE no que tange ao desempenho funcional dos idosos no
município de São Paulo e suas conseqüentes demandas assistenciais, contribuindo dessa
forma para o planejamento e a organização das políticas públicas voltadas ao atendimento
dessa faixa etária específica. Outras considerações, como as relacionadas com a sobrevida
com ou sem incapacidade ou, por outro lado, com os arranjos familiares, serão discutidas
em outros capítulos desta publicação.
Envelhecimento e desempenho funcional
Significativo contingente de pessoas com 60 anos e mais é portador de múltiplas
doenças coexistentes, em sua maioria de natureza crônico-degenerativa associadas ou
* Enfermeira, Gerontóloga, Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Universidade
de São Paulo – [email protected]
186
não com limitações de desempenho decorrentes dessas ou de suas seqüelas. Na área de
Gerontologia, o desempenho funcional dos idosos, ou seja, sua capacidade de vivenciar
as atividades cotidianas sem a necessidade de auxílio, mostra-se mais significativa na
vida dos mesmos do que a presença de doenças, sinais clínicos ou, até mesmo, questões
biomecânicas
(1)
. Assim considerando, parece ser mais indicado verificar em que nível
tais doenças impedem o desempenho, de forma autônoma e independente, das atividades
cotidianas dos idosos e, por outro lado, que demandas assistenciais decorrem da presença
de limitações, subsidiando, dessa forma, um planejamento assistencial mais adequado.
Indicadores de morbidade que incluam as incapacidades parecem ser mais adequados
para demonstrar o impacto da doença/incapacidade sobre a família, o sistema de saúde e
a qualidade de vida dos idosos. A avaliação funcional dos idosos torna-se, assim, essencial
para estabelecer um diagnóstico, um prognóstico e um julgamento clínico adequados,
que servirão de base para as decisões sobre os tratamentos e cuidados necessários. É um
parâmetro que, associado a outros indicadores como morbidade e mortalidade, pode ser
utilizado para determinar a eficácia e a eficiência das intervenções propostas.
Avaliação funcional foi definida por Lawton, em 1971
(2)
, como “uma tentativa
sistematizada de mensurar objetivamente os níveis nos quais uma pessoa está funcionando
numa variedade de áreas tais quais integridade física, qualidade da automanutenção,
qualidade no desempenho dos papéis, estado intelectual, atividades sociais, atitude
em relação a si mesmo e ao estado emocional”. Para Granger, em 1984, citado por Willis
et.al.
(3)
ela “é um método para descrever habilidades e atividades em ordem de mensurar
o uso individual de uma variedade de habilidades incluídas no desempenho de tarefas
necessárias na vida diária, nos compromissos vocacionais, nas interações sociais, nas
atividades de lazer, e outros comportamentos requeridos”.
Baseia-se no conceito de função definido por Araoz
(4)
como a capacidade do
indivíduo para adaptar-se aos problemas de todos os dias, apesar de possuir uma
incapacidade física, mental ou social. Envolve aquelas atividades que são desenvolvidas
diariamente e estão diretamente relacionadas ao autocuidado, ao cuidado de seu entorno
e à participação social, constituindo, portanto, um fato crítico para a saúde e o bem-
estar dos idosos. Denominam-se “atividades de vida diária” e estão subdivididas em:
187
a) Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) - envolvem as atividades de
autocuidado como alimentar-se, banhar-se, vestir-se, arrumar-se, mobilizar-
se, manter controle sobre suas eliminações, deambular;
b) Atividades Instrumentais de Vida Diária(AIVD) - indicam a capacidade de
um indivíduo em levar uma vida independente dentro da comunidade como,
por exemplo, realizar compras, manipular medicamentos e administrar as
próprias finanças, utilizar meios de transporte, etc
(4,5)
.
A avaliação funcional busca a identificação da capacidade funcional do idoso
no desempenho de suas atividades cotidianas. Essa pode ser compreendida como a habilidade
de executar atividades cotidianas em um padrão normal, de acordo com comportamentos
socialmente construídos e envolve as funções física, mental e psicossocial tendo por
objetivos:
a) detectar situações de risco;
b) identificar áreas de disfunção/necessidade;
c) monitorar o declínio funcional do idoso;
d) estabelecer uma plano de cuidados adequado às demandas assistenciais
identificadas;
e) identificar a necessidade de utilização de serviços especializados;
f) estabelecer elos para a compreensão multidimensional dos casos.
A diminuição da capacidade funcional dos idosos, tornando-os, de alguma forma,
dependentes de assistência, ainda não teve seus mecanismos determinantes finais
completamente estabelecidos. Devido ao impacto de seu resultado na assistência à saúde,
a Organização Mundial de Saúde propôs uma nova classificação a ser associada à Classificação
Internacional de Doenças (CID), denominada Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF). Ela verifica a relação entre a doença/desordem nas funções
do organismo, seu impacto no desempenho das atividades dos indivíduos e,
conseqüentemente, sua influência em sua participação na sociedade, considerando ainda
188
o contexto envolvido (fatores externos e pessoais). Seguindo esse raciocínio, verifica-
se que uma doença/desordem pode gerar um déficit em um ou mais sistemas específicos
do organismo. Tal(is) déficit(s) pode(m) levar a limitações de desempenho em determinadas
funções. É a partir das limitações estabelecidas e da(s) competência(s) apresentada(s)
pelo indivíduo que será estabelecido um determinado grau de incapacidade sobre o
qual deve ser traçado um plano de tratamento baseado em evidências, visando à melhoria
ou abolição dos sinais e/ou sintomas e à modificação de hábitos buscando uma adequação
ao novo desempenho.
Da avaliação da capacidade funcional resulta, portanto, uma classificação na
qual o idoso aparecerá como independente ou dependente (em maior ou menor grau).
É, necessariamente, o grau de dependência que determinará os tipos de cuidados que
vão ser necessários, e como e por quem os mesmos poderão ser, mais apropriadamente,
realizados.
Dado o aumento nas perdas e incapacidades, os idosos poderão vivenciar
debilidades que necessitam ser compensadas e, se possível, eliminadas ou evitadas.
Compensar perdas significa, freqüentemente, permitir que uns façam coisas para outros,
assim como a administração seletiva das próprias energias e competências. Diante desse
quadro, o idoso pode reagir de forma a desconsiderar tais déficits, compensá-los ou
permitir-se ser dependente nos domínios em que ocorreram perdas, com o objetivo de
liberar energia para poder alcançar suas metas em outros domínios e atividades. Assim
colocado, o problema fundamental da velhice parece ser, portanto, o que foi denominado
por Motlis
(6)
como “balança geronto-geriátrica” que consiste em chegar a um equilíbrio
entre as necessidades e as exigências mínimas dos idosos e os interesses da coletividade.
Estudo desenvolvido por Ramos
(7)
, na cidade de São Paulo, mostrou que num
inquérito domiciliar multidimensional, 86% dos idosos encontrados referiram ao menos
uma doença crônica e 46% necessitavam de alguma ajuda para realizar, ao menos, uma
das atividades básicas e/ou instrumentais de vida diária. Em 7% dos entrevistados foi
observado elevado grau de dependência, em termos de ajuda parcial ou total ,demandando
cuidados específicos, o que, na prática, impossibilita que esse indivíduo permaneça
em sua residência sozinho.
189
Verifica-se ainda o comprometimento funcional por sexo e idade, conforme
pode ser observado na tabela 1:
TABELA 1 – Capacidade funcional dos idosos segundo faixa etária e sexo, São
Paulo, 1993.
Fonte: Epidoso, 1993
Já nesse estudo observa-se que o comprometimento do desempenho dos idosos
nas AVDs está, por um lado, associado ao avançar da idade e, por outro, está ligado a
uma questão de gênero, em especial o feminino. Chama a atenção, sobremaneira, o fato
de cerca de 30% dos idosos apresentarem comprometimento em 7 ou mais AVDs, o
que está diretamente associado a uma carga sobre a família e sobre o sistema de saúde,
demandas essas desconhecidas até então.
Com o objetivo de identificar as atuais demandas assistenciais relacionadas
aos idosos no município de São Paulo, no que tange ao seu desempenho funcional, a
análise aqui desenvolvida foi realizada com base no capítulo D do questionário SABE
relativo a “estado funcional”. Cabe ressaltar que a lógica dessa análise baseou-se em
dois pontos principais:
1. se o idoso sente dificuldade no desempenho da atividade questionada (básica
ou instrumental);
2. uma vez estabelecida a dificuldade, se ele recebe ajuda para desempenhá-la.
Assim considerando, é possível verificar, por um lado, o grau de limitação
apresentado pelos idosos (considerando ainda os dois principais grupos etários preconizados
190
Observa-se que, felizmente, a maioria dos idosos (80,7%) não apresenta limitações
funcionais que impeçam o seu autocuidado. Porém, 19,2% deles as apresentam, e é
para esses idosos que deve ser desenvolvido um planejamento assistencial adequado
às suas demandas, uma vez que suas limitações estão relacionadas a uma questão de
sobrevivência.
Quando essa análise é estratificada por faixas etárias, observa-se o demonstrado
na tabela 3:
TABELA 3 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no desempenho
das ABVDs, segundo grupos etários.
pelo SABE – 60 a 74 anos e 75 anos e mais) e o auxílio disponível para compensá-lo.
A sua inexistência demonstra, indiretamente, o grau de sofrimento vivenciado por essas
pessoas que, necessitando de auxílio, não o encontram e, para sobreviver, utilizam recursos
outros, infelizmente não identificados neste primeiro momento.
A tabela 2 demonstra o número de idosos que apresenta dificuldade no
desempenho das Atividades Básicas de Vida Diária (ABVDs) tendo essas sido agrupadas
em: sem dificuldade (0), dificuldades em 1 e/ou 2 atividades, dificuldades em 3 ou
mais atividades:
TABELA 2 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no desempenho
das ABVDs.
191
Observa-se que entre os idosos em idade avançada (75 anos e mais) há uma
queda no desempenho funcional e conseqüente aumento no grau de limitações funcionais.
Logo, sendo necessária a otimização de recursos, esse grupo parece ser prioritário.
Quando essa mesma coorte é observada considerando a questão de gênero, encontra-
se o mostrado na tabela 4:
Observa-se que as mulheres apresentam um nível de dificuldade no desempenho
das ABVDs mais acentuado que os homens e, portanto, com maior sofrimento.
Ao se analisarem as ABVDs separadamente, verifica-se o demonstrado no
quadro 1:
QUADRO 1 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no
desempenho das ABVDs, segundo tipo de atividade, grupo etário
e gênero.
TABELA 4 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no desempenho
das ABVDs, segundo grupo etário e gênero.
1
Locomoção = atravessar um quarto caminhando
2
Vestir-se = inclui calçar sapatos e meias
3
Mobilização = deitar e levantar da cama
192
O quadro 2 mostra o desequilíbrio entre a demanda dos idosos por auxílio e
aquele efetivamente recebido. Observa-se que, em nenhuma das dificuldades apresentadas,
a ajuda oferecida aproximou-se de 100%. Observa-se ainda que, apenas na alimentação,
os percentuais foram, como um todo, mais elevados; provavelmente, por esta atividade
estar diretamente ligada à questão de sobrevivência do idoso. Todas as outras atividades
relacionam-se a bem-estar e conforto e conseqüentemente qualidade de vida, e estão
muito aquém das demandas apresentadas. Todos os percentuais aumentam de forma
expressiva com o avançar da idade e entre as mulheres, o que nos leva a concluir que o
envelhecimento feminino parece ser mais sofrido e “desassistido”, quadro esse inaceitável
Observa-se que as atividades de vestir-se, locomoção e mobilização apresentam
maior índice de dificuldades (à exceção da primeira) mais expressivas entre as mulheres
que entre os homens e, no grupo etário, entre os idosos em idade avançada.
Dado que os idosos apresentavam dificuldades, foi-lhes perguntado se recebiam ajuda
de alguém para desempenhá-las. Os resultados podem ser observados no quadro 2.
4
Locomoção = atravessar um quarto caminhando
5
Vestir-se = inclui calçar sapatos e meias
6
Mobilização = deitar e levantar da cama
QUADRO 2 – Porcentagem dos idosos que apresentam dificuldade e recebem
ajuda para o desempenho das ABVDs segundo tipo de atividade,
grupo etário e gênero.
193
num país em que os direitos dos idosos estão garantidos por uma política pública, a
Política Nacional do Idoso
(8)
, aprovada desde 1994, e por um estatuto recentemente
aprovado (2003).
Quando se verifica o desempenho dos idosos nas denominadas Atividades
Instrumentais de Vida Diária (AIVDs) ou seja, naquelas atividades que o mantêm ligado
ao seu entorno, observa-se o mostrado na tabela 5:
Como nas ABVDs, observa-se que a maioria dos idosos não apresenta dificuldades
no desempenho das AIVDs, porém em menor proporção que nas primeiras. Como outros
estudos já mostraram, existe uma relação hierárquica de perda de habilidades funcionais
com o processo de senescência, e esta direciona-se normalmente das AIVDs para as ABVDs.
Assim, observa-se que 26,6% dos idosos apresentam dificuldades no desempenho das
AIVDs, necessitando portanto de auxílio de outras pessoas que atuem como elo de ligação
entre o idoso e seu entorno social.
TABELA 5 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no desempenho
das AIVDs.
Quando essa análise é estratificada por faixas etárias, observa-se o demonstrado
na tabela 6:
Observa-se que entre os idosos em idade avançada há um pior desempenho
nas AIVDs, o que muito provavelmente contribui para seu maior afastamento do entorno
social e conseqüente tendência ao isolamento em sua residência. Considerando os estudos
que relacionam os quadros de isolamento com os quadros depressivos, tal achado merece
atenção diferenciada.
194
Verifica-se que os homens mantêm, por mais tempo, um melhor desempenho
nas AIVDs, quando comparados às mulheres nos mesmos grupos etários.
Ao se analisarem as AIVDs separadamente, verifica-se o demonstrado no quadro 3:
Na atividade “preparo de refeições” cabe uma observação. Dadas as nossas raízes
culturais, os homens apresentam uma tendência a não desenvolver esta atividade. Isto
pode ser observado em 36,7% deles, contra 4,1% das mulheres. A mesma observação
pode ser colocada junto à atividade “manejo de dinheiro”, em que 5,45% das mulheres
Quando essa mesma coorte é observada considerando a questão de gênero, encontra-
se o mostrado na tabela 7:
TABELA 7 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no desempenho
das AIVDs, segundo grupo etário e gênero.
TABELA 6 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no
desempenho das AIVDs segundo grupos etários
195
QUADRO 3 – Porcentagem dos idosos que apresentaram dificuldades no
desempenho das AIVDs, segundo tipo de atividade, grupo etário
e gênero.
e 2,63% dos homens referem não ter por hábito o desempenho desta atividade. Isto é
bem mais acentuado quando se trata do desempenho das tarefas domésticas. Nas leves,
verifica-se que 40,3% dos homens não costumam desempenhá-las, enquanto apenas
4,4% das mulheres não o fazem; e nas pesadas, verifica-se que 55,4% dos homens não
as realizam, e apenas 14,3% das mulheres não o fazem. É importante ressaltar que 9%
dos idosos referiram, dificuldades para ingestão de medicamentos, o que é muito preocupante
quando se considera que a portadora deles é maioria de doenças crônicas que exigem
o uso de medicamentos contínuos.
Dado que os idosos apresentavam dificuldades, foi-lhes perguntado se
recebiam ajuda de alguém para desempenhá-las. Os resultados podem ser observados
no quadro 4.
Excetuando-se o manejo financeiro, observa-se que, de modo geral, os homens
recebem mais auxílio que as mulheres no desempenho das AIVDs, e isto se acentua
conforme a idade avança. É ainda interessante observar que, apenas para os homens, o
196
percentual de ajuda chega a atingir 100%. Os percentuais de auxílio mais baixos referiram-
se às mulheres em relação às tarefas domésticas leves, seguidas pelas pesadas, do que
se pode concluir serem essas consideradas inerentes às funções femininas. Embora o
envelhecimento e o declínio no desempenho funcional atinjam a ambos os gêneros,
aparentemente a sobrecarga feminina perdura por maior tempo, uma vez que o auxílio
às mulheres é proporcionalmente menor que para os homens. Tais respostas também
podem estar sendo influenciadas pela maior sobrevida feminina pois estas, certamente,
continuam a cuidar de seus cônjuges.
A questão preponderante em relação à velhice, atualmente, parece relacionar-
se a um equilíbrio entre as necessidades e as exigências mínimas dos idosos e a capacidade
assistencial disponível para atendê-las (quer em nível familiar ou coletivo). A velhice
em si não cria ou desenvolve enfermidades; porém, nesta fase da vida, as pessoas adquirem
características especiais. Esforços devem ser desenvolvidos no sentido de obtenção de
cura até onde for possível, de reabilitação para readaptação dos idosos às suas atividades
diárias, de acordo com o meio a que pertencem, e da garantia de uma assistência digna
às suas necessidades até o momento de sua morte
(9)
.
QUADRO 4 Porcentagem dos idosos que apresentam dificuldade e recebem
ajuda para o desempenho das AIVDs segundo tipo de atividade,
grupo etário e gênero.
197
Até muito recentemente, a figura do denominado “cuidador”
a
centrava-se quase
que exclusivamente nos elementos familiares que se disponibilizavam, voluntariamente
ou por exclusiva ausência de outras opções, a atender as demandas emanadas por seus
parentes idosos. Diante delas, esses cuidadores, muitas vezes pertencentes às gerações
mais novas, passavam então a atender àqueles que, no passado, proporcionaram-lhes
proteção, ajuda e cuidado
(10,11)
.
Nos últimos 30 anos, muitos estudos e planos têm surgido sobre o histórico
e tolerante papel da família como cuidadora de seus membros idosos. Atualmente, nos
EUA, as famílias provêm 80 a 90% dos cuidados aos idosos na comunidade
(12)
.
Numericamente, 2,7 milhões de filhos respondem pelos, cuidados de seus pais idosos
incapacitados
(13)
. Contudo, muitas esposas, quando existentes, assumem essa função.
Esse fato também pode ser aqui observado, conforme demonstrado em estudo desenvolvido
por Karsch
(14)
.
Historicamente o suporte familiar e o cuidado do idoso têm sido sempre voluntários
ou conjunturais e, nesse caso, em decorrência da inexistência de outra alternativa. Usualmente
era esperado que um filho permanecesse na casa dos pais quando eles envelhecessem.
Filhos únicos e mulheres não-casadas são particularmente vulneráveis a assumir essa
função.
Quando um cuidador está disponível, a carga sobre ele pode ser muito significativa.
Esposas idosas freqüentemente encontram-se disponíveis, mas em muitas ocasiões não
são fisicamente capazes de atender à demanda constante de cuidados de seus cônjuges.
Enfermidades físicas e psiquiátricas desses cuidadores têm gerado muitos estudos
(15)
.
Assim, é importante que outras opções assistenciais sejam oferecidas às famílias
com o objetivo de adequar a assistência às necessidades emanadas pelos idosos. Há, no
entanto, poucos estudos que avaliem a efetividade desses serviços. Nielsen et.al.
(16)
afirmam
que a institucionalização do idoso é decorrente da inexistência de serviços suficientemente
a
O termo “cuidador(es)” é utilizado em gerontologia para se referir aos familiares ou outros indivíduos que prestam
auxílio direto ao idoso em suas atividades básicas
(13)
.
198
capazes de assistir às necessidades tanto dos idosos quanto de seus membros familiares.
Parece que a maioria das famílias assiste aos idosos pelo maior período de tempo e tão
bem quanto possível, porém, quando a institucionalização é necessária, os cuidadores
alegam ter chegado ao fim de sua capacidade “cuidativa” relacionada a seus parentes
idosos. O planejamento programado para a manutenção da saúde dos cuidadores e das
famílias dos idosos necessitados tem sido freqüentemente negligenciado.
Diante das transformações nas estruturas familiares, questionamentos quanto
ao impacto causado pela presença de idosos com limitações importantes na dinâmica
de funcionamento das famílias, bem como das conseqüências disto no equilíbrio da
estrutura familiar, passam a ser cada vez mais presentes. Supõe-se que, em condições
de disfuncionalidade
b
, as famílias poderiam ter sua capacidade assistencial prejudicada
e assim não conseguiriam prover adequadamente o atendimento sistemático das necessidades
de cuidados de seus parentes idosos. A capacidade de identificar essas demandas de
forma adequada pode estar prejudicada e, conseqüentemente, o reconhecimento de que
cuidados se fazem necessários e quem pode, mais apropriadamente, realizá-los
(17)
.
Em frente do exposto, compreende-se ser cada vez mais necessária, na assistência
aos idosos, a compreensão que estes estão inseridos num contexto familiar em um contínuo
processo de interação. A identificação e a intervenção nas demandas isoladas dos idosos,
sem considerar seu contexto familiar, podem assim, mostrar-se ineficazes.
b
Uma família disfuncional é aquela que não cumpre suas funções de acordo com a etapa do ciclo vital que se encontra e
em relação às demandas que ocorrem em seu entorno
(12)
.
199
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Universidade de São Paulo.
201
Arranjos domiciliares
e transferências de
apoio informal
202
203
Arranjos domiciliares e transferências
de apoio informal
Paulo M. Saad
*
Introdução
O envelhecimento da população mundial é um fato incontestável. É praticamente
consenso, também, que o ritmo desse processo nas próximas décadas será particularmente
acelerado em países que, como o Brasil, se encontram em vias de desenvolvimento
(1)
.
Se, por um lado, esta situação reflete avanços importantes destes países em
questões relacionadas principalmente às áreas médica e social, por outro lado ela passa
a ser motivo de preocupação, à medida que se evidenciam deficiências graves em setores
diretamente relacionados à proteção social do idoso, como a Saúde Pública e a Seguridade
Social. A falta de apoio formal, na verdade, faz com que uma parcela significativa dos
idosos nas regiões menos desenvolvidas dependa parcial ou exclusivamente do apoio
informal prestado, principalmente, pela família.
Paralelamente, diversas transformações sociais atualmente em curso no Brasil
e outras regiões em desenvolvimento parecem estar afetando – ou tenderiam a afetar
no futuro – a capacidade da família em prestar apoio a seus membros idosos.
A disponibilidade da mulher, por exemplo, a quem tradicionalmente tem sido delegada
a tarefa dos cuidados básicos dos idosos, vem diminuindo sensivelmente à medida que
aumenta a sua participação no mercado de trabalho. A queda significativa da fecundidade,
por outro lado, representa uma redução sensível da rede potencial de apoio para as
futuras gerações de idosos. Além disso, é de se supor que a situação de carência em
que sobrevivem parcelas importantes da população adulta, venha inviabilizar um apoio
mais efetivo a seus parentes idosos, especialmente em termos materiais.
Tal conjuntura evidencia a necessidade de se conhecer os mecanismos informais
através dos quais se processa o intercâmbio de apoio entre o idoso e a família nas regiões
em desenvolvimento, incluindo-se aí as diferentes formas de arranjos domiciliares.
*
Divisão de População das Nações Unidas – [email protected]
204
Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo é apresentar uma visão dos arranjos
domiciliares e das transferências de apoio dos idosos residentes na cidade de São Paulo
a
,
tomando por base os resultados da Pesquisa SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento)
recentemente realizada em diversas cidades latino-americanas
b
. Através de um conjunto
de análises estatísticas multivariadas, o estudo procura, mais especificamente, identificar
os fatores que contribuem de forma mais significativa na estruturação dos arranjos
domiciliares e no processo de transferências de apoio.
Considerações Preliminares
Os arranjos domiciliares dos idosos costumam ser analisados sob o prisma dos
custos e benefícios, em um contexto de inter-relação entre preferências e limitações
(3)
.
A preferência por determinados arranjos resultaria do balanço entre custos e benefícios
associados à co-residência, podendo, por vezes, ser fortemente influenciada por valores
e normas culturais. A concretização de tais preferências, no entanto, estaria permanentemente
condicionada à presença ou ausência de fatores limitantes.
Os benefícios da co-residencia tanto para os idosos quanto para a família variam
de companhia e apoio emocional até ajuda física e financeira
(4)
. Quanto aos custos, poderiam
citar-se a perda de privacidade de ambas as partes, a diminuição do status social do
idoso e a sobrecarga física e emocional que idosos com deficiências físicas e/ou mentais
podem representar aos familiares
(5)
.
Quanto às limitações, uma primeira e decisiva fonte tem a ver com o tamanho
e composição da rede familiar do idoso. Estudos relativos a diferentes regiões do planeta
apontam de forma consistente para uma associação positiva entre o tamanho da prole
do idoso e sua probabilidade de morar com filhos
(6,7,8,9,10)
. Mais ainda, mostram como
a composição por sexo, idade e estado conjugal dos filhos também costuma influenciar
de forma decisiva a estrutura residencial do idoso.
a
Considera-se como idosa, neste estudo, a população de 60 anos e mais.
b
Para maiores detalhes a respeito da Pesquisa SABE ver Palloni e Peláez (2002)
(2)
.
205
Um segundo conjunto de fatores limitantes está relacionado à viabilidade física
e financeira. São diversos os estudos nesta área que apontam para uma tendência por
arranjos domiciliares independentes
c
, tanto nos países desenvolvidos
(11,12)
, quanto nos
países em desenvolvimento
(13,14)
. As explicações vão desde a queda da fecundidade até
a elevação do nível socioeconômico dos idosos, passando por transformações culturais
que tendem a valorizar o individualismo. Seja como for, algumas condições mínimas
de saúde e rendimento parecem ser necessárias para o idoso poder viver de forma
independente.
Quanto às transferências de apoio entre os idosos e a família, estudos prévios
mostram que a intensidade e direção do fluxo de apoio entre pais idosos e filhos adultos
costumam estar fortemente associadas ao estado conjugal de ambas as partes. Os idosos
viúvos, em geral, são os que tendem a receber mais assistência de seus filhos adultos,
enquanto os casados são os que tendem a dar mais assistência
(15,16)
. Filhos casados, por
outro lado, são menos propensos do que os não-casados a se envolver em alguma forma
de intercâmbio de apoio com seus pais idosos.
Além do estado conjugal, outras características familiares aparecem freqüentemente
associadas com diferentes padrões de suporte. Espera-se, por exemplo, que um maior
número de filhos vivos aumente substancialmente as chances de o idoso receber algum
tipo de apoio familiar
(17)
. Da mesma forma, a importância do gênero, tanto de pais quanto
de filhos, na definição dos fluxos de suporte, transparece em diversos estudos. Desde
a perspectiva dos idosos, por exemplo, as mulheres aparecem, muito mais freqüentemente
do que os homens, engajadas em fluxos de apoio, o que costuma ser atribuído não só
às suas maiores necessidades financeiras, mas também ao fato de serem elas mais apegadas
emocionalmente aos filhos.
Outros resultados comuns na literatura sobre transferências de suporte familiar
se referem à importância dos recursos físicos e financeiros e da coabitação, no que diz
respeito ao balanço nas trocas de apoio entre o idoso e a família. Diversos estudos mostram
que quanto menor a renda e piores as condições de saúde dos idosos, maiores as suas
c
São considerados arranjos domiciliares independentes aqueles em que idosos não-casados moram sozinhos e que
idosos casados moram somente com o cônjuge.
206
chances de receber ajuda informal e, logicamente, menor a sua habilidade em prover
algum tipo de apoio
(18,19)
. Por outro lado, a co-residência aparece, em outros estudos,
como fator determinante do intercâmbio de certas ajudas, principalmente aquelas que
mais claramente demandam a presença física de uma ou outra geração
(20)
. Um ponto
importante que vem sendo observado em estudos recentes sobre a população idosa brasileira
é a existência de um importante e crescente fluxo de apoio no sentido que vai do idoso
à família, fluxo este que, muitas vezes, chega a se equiparar em intensidade ao fluxo
no sentido inverso
(21,22)
.
Redes de apoio informal
Os idosos residentes na cidade de São Paulo ainda contam com uma rede potencial
de apoio bastante significativa, o que pode ser constatado pela quantidade expressiva
de filhos vivos e de pessoas coresidentes – duas das mais importantes fontes de apoio
da população idosa.
TABELA 1 – Redes de apoio da população idosa (%).
Fonte: Pesquisa SABE
1
Exclui 1 caso sem informação sobre número de pessoas na família
2
Exclui 5 casos sem informação sobre filhos vivos
Redes de apoio Homens Mulheres Total
Nº. de pessoas no domicílio
1
1 7 17 13
2303231
3-4 42 34 37
5+ 21 17 19
Total 100 100 100
Nº. de filhos vivos
2
08109
1-2 32 35 34
3-4 34 30 32
5+ 26 25 25
Total 100 100 100
207
Como mostram os dados da tabela 1, mais da metade dos idosos reside em
domicílios com 3 ou mais moradores, sendo que aproximadamente um quinto dos casos
se refere a domicílios com 5 ou mais moradores. Da mesma forma, mais da metade possui
3 ou mais filhos vivos, sendo que um quarto possui 5 ou mais filhos. Aqui também as
diferenças por sexo são importantes em favor dos homens que, em média, residem em
domicílios de maior tamanho e contam com um maior número de filhos do que as mulheres.
Arranjos Domiciliares
São inúmeras as formas possíveis de se classificar os arranjos domiciliares dos
idosos, sendo que, em geral, a opção por um tipo específico de classificação depende
dos objetivos da análise que se pretende realizar. Neste estudo, no qual as transferências
de apoio informal se constituem no tema de maior interesse, os arranjos foram classificados
em cinco categorias: a) morando só; b) com cônjuge, sem filhos (inclui outros parentes
ou não-parentes); c) com filhos não-casados (inclui outros parentes ou não-parentes);
d) com filhos casados (inclui filhos não-casados e outros parentes ou não-parentes); e
d) com outros parentes ou não parentes. Esta classificação dá precedência à presença
no domicílio dos filhos e do cônjuge, pelo fato de serem eles que com maior freqüência
participam de transferências de apoio com os idosos. A distinção que se faz entre filhos
casados (ou em união consensual) e filhos não-casados se deve à idéia de que, ao contrário
da co-residência com filhos não-casados, a co-residência com filhos casados responde
primordialmente à necessidade do idoso de receber algum tipo de ajuda.
Arranjos domiciliares segundo características demográficas dos
idosos
De acordo com a tabela 2, mais da metade dos idosos na cidade de São Paulo
reside com filhos – não-casados na grande maioria dos casos – enquanto apenas 13%
moram sós. Um quarto aproximadamente reside com cônjuge sem filhos, e pouco menos
de 10% moram com outro parente ou não-parente. Conforme aumenta o grupo etário,
aumenta também a proporção de idosos que moram sós, com filhos casados ou com
outros, e diminui a proporção dos que residem com filhos não-casados. A proporção
dos que moram com cônjuge sem filhos aumenta até um grupo de idade intermediário,
passando a diminuir a partir de então.
208
Dado o grande diferencial por sexo que existe em relação ao estado conjugal
nas idades mais avançadas, a proporção de idosos que moram com cônjuge sem filhos
é significativamente maior entre os homens (35%) do que entre as mulheres (20%).
Em contrapartida, a proporção dos que moram só é quase que duas vezes e meia maior
Fonte: Pesquisa SABE
1
Exclui 1 caso sem informação sobre estado conjugal
2
Exclui 5 casos sem informação sobre filhos vivos
TABELA 2 Arranjo domiciliar dos idosos segundo características demo-
gráficas (%)
Total
Características
Total 13 26 41 11 9 100
Idade
60-64 8 25 50 10 7 100
65-74 13 28 41 10 8 100
75+ 21 24 29 15 11 100
Sexo
Homens 7 35 42 10 6 100
Mulheres 17 20 41 12 10 100
Sexo (não-casados)
Homens 35 1 20 14 30 100
Mulheres 29 0 38 16 17 100
Estado conjugal
1
casado(a)/unido(a) 1 46 46 7 0 100
viúvo(a) 29 0 41 18 12 100
divorciado(a) 24 6 32 9 29 100
separado(a) 29 0 32 17 22 100
Solteiro 36 0 1 1 62 100
Nº. de filhos vivos
2
0 30 26 0 0 44 100
1-2 16 29 36 11 8 100
3-4 9 30 48 9 4 100
5+ 8 20 53 16 3 100
Com Com filho Com filho Com
cônjuge não-casado casado outros
Sozinho
209
entre as mulheres (17%) comparativamente aos homens (7%). A proporção dos que
vivem com filhos é praticamente igual entre homens e mulheres. Ao considerar-se, porém,
apenas os idosos não-casados – que, em última análise, são os que estão expostos ao
risco de morar só – este quadro muda totalmente de figura. Neste caso, a proporção
dos que moram sós passa a ser significativamente maior entre os homens (35% contra
29% entre as mulheres), enquanto a proporção morando com filhos passa a ser muito
maior entre as mulheres (54%) do que entre os homens (34%).
Ainda com relação ao estado conjugal, chama a atenção, na tabela 2, a proporção
significativamente maior de idosos que moram sós entre os solteiros, comparativamente
aos viúvos, separados e divorciados, e a proporção significativamente menor dos que
moram com filhos entre os idosos separados e divorciados, comparativamente aos viúvos.
Finalmente, os dados da amostra parecem indicar a existência de uma possível
relação entre o número de filhos e o arranjo domiciliar do idoso, no sentido de que
quanto maior a prole, maior a proporção de idosos que moram com filhos – especialmente
filhos não-casados – e menor a proporção dos que moram sós ou com outros parentes/
não-parentes.
Características socioeconômicas e de saúde dos idosos nos diferentes
arranjos domiciliares
Tomando por base alguns indicadores socioeconômicos e de saúde, os idosos
em condições mais favoráveis parecem ser os que vivem com cônjuge sem filhos, enquanto
os que moram com filhos casados são os que costumam apresentar as condições menos
favoráveis. Comparando-se esses dois grupos a partir da tabela 3, por exemplo, a proporção
com educação secundária é mais do que duas vezes maior entre os que vivem com cônjuge
sem filhos (16% contra 7%), enquanto a proporção dos que declaram possuir três ou
mais doenças ou que apresentam dificuldade em exercer atividades básicas da vida diária
é significativamente maior entre os que moram com filhos casados.
210
TABELA 3 Características socioeconômicas e de saúde dos idosos segundo o
arranjo domiciliar (%).
Sozinho Com Com filho Com filho Com
cônjuge não-casado casado outros
Características
Educação
1
Nenhuma 21 17 20 36 22
Primária 63 67 68 57 65
Secundária 16 16 12 7 13
Total 100 100 100 100 100
Bens no domicílio
2
0-1 51 23 20 12 40
22320211623
31726272817
4 9 31 32 44 20
Total 100 100 100 100 100
Nº de doenças declaradas
3
Nenhuma 20 20 21 22 18
1-2 40 44 34 35 43
3+ 40 36 45 43 39
Total 100 100 100 100 100
Dificuldade em ABVD
Sim 20 16 19 29 17
Não 80 84 81 71 83
Total 100 100 100 100 100
Recebe ajuda em ABVD
4
Sim 17 34 44 53 45
Não 83 66 56 47 55
Total 100 100 100 100 100
Fonte: Pesquisa SABE
1
Exclui 19 casos sem informação sobre educação
2
Exclui 4 casos sem informação sobre bens no domicílio
3
Exclui 36 casos sem informação sobre doenças
4
Entre os que apresentam dificuldade
211
Vale ressaltar, no entanto, que são os idosos que moram com filhos casados os
que recebem, com maior freqüência, ajuda nas atividades básicas da vida diária e os
que apresentam um maior número de bens no domicílio. Com relação a esses dois itens,
os idosos morando sós são os que aparecem em situação mais desfavorável.
Fatores determinantes dos arranjos domiciliares dos idosos não-
casados
Com a finalidade de estimar o peso de determinados fatores na configuração
dos arranjos domiciliares dos idosos não-casados residentes na cidade de São Paulo,
ajustou-se um modelo estatístico multivariado através de uma regressão logística
multinomial com variável resposta de quatro categorias. Como categoria de referência
considerou-se os idosos “morando sós” e como categorias de contraste os idosos morando
“com filhos não-casados”, “com filhos casados” e “com outros parentes/não-parentes”.
Os covariantes incluídos no modelo foram o sexo, a idade, o número de filhos, o número
de bens no domicílio, a condição de atividade, o nível de educação, o fato de receber
renda não-familiar, o número de doenças declaradas, e o fato de possuir dificuldade
em alguma atividade funcional ou instrumental da vida diária
d
. Com exceção do número
de bens no domicílio, todas as variáveis incluídas no modelo, inclusive a variável resposta,
foram transformadas em dicotômicas (variáveis que assumem somente os valores zero
ou um), a fim de facilitar a interpretação dos resultados.
Os resultados da regressão logística estão resumidos na tabela 4, onde coeficientes
positivos indicam um efeito direto (no mesmo sentido) do contraste sobre os diferentes
arranjos domiciliares, enquanto coeficientes negativos indicam um efeito inverso (em
sentido contrário).
d
Ver definição das atividades básicas e instrumentais da vida diária em outro capítulo deste livro.
212
TABELA 4 – Coeficientes da regressão logística multinomial dos arranjos
domiciliares dos idosos não-casados sobre variáveis selecionadas.
Com relação às distinções entre sexos, a única diferença que se mantém significativa
após controlar-se as demais variáveis diz respeito à maior probabilidade das mulheres
idosas em morar com filhos não-casados. Como seria de se esperar, a probabilidade de
residir com filhos não-casados diminui sensivelmente conforme aumenta a idade do
idoso. No entanto, a probabilidade de residir com filhos casados ou com outros parentes/
não-parentes parece independer da idade.
Sexo (homem) Mulher 0.50* 0.17 0.06
Idade (60-64) 65-74 - 0.81** - 0.45 - 0.23
75+ - 1.46** - 0.77 - 0.39
Filhos (1-2) Nenhum - - 0.99**
3-4 0.29 0.03 - 0.50
5+ 1.19** 1.27** - 0.49
Bens no domicílio 0.80** 1.48** 0.51**
Atividade (não) Trabalha - 0.71* - 0.41 0.31
Educação (primária) Nenhuma 0.57** 0.94** 0.39
Secundária - 0.54 - 1.89** - 0.54
Renda (sem renda) Tem renda 0.34 - 0.52 - 0.32
Doenças (1-2) Nenhuma - 0.28 - 0.18 - 0.36
3-4 0.03 - 0.05 - 0.41
5+ 0.37 0.25 0.38
ABVD (sem ) Tem 0.24 0.79** 0.25
Tem 0.23 0.52 0.01
AIVD (sem dificuldade) dificuldade
Arranjo Domiciliar
Variável (referência) Contraste
Com filho
não-casado
Outro
Com filho
casado
Fonte: Pesquisa SABE
Nota: A regressão está baseada em um total de 981 observações, apresentando
um pseudo R2 igual a 0.22.
Nível de significância: * p < 0.05; ** p < 0.01.
213
Um maior número de filhos aumenta significativamente a probabilidade de
morar com filhos, sejam casados ou não, mas não afeta de maneira significativa a
probabilidade de co-residir com outros parentes/não-parentes. O fato de não ter filhos
vivos, porém, aumenta de forma importante a chance de o idoso residir com outros
parentes/não-parentes em lugar de morar sozinho.
Quanto ao efeito das variáveis socioeconômicas, o fato de o idoso receber algum
rendimento não-familiar parece não influir sobre sua estrutura familiar, ao contrário do
que ocorre com relação aos níveis de educação, inversamente associado à probabilidade
de co-residência com filhos, particularmente casados. Embora este efeito negativo da educação
sobre a coabitação com filhos pareça estar indicando uma preferência por um arranjo
domiciliar independente (morar só, neste caso), o fato de morar com filhos ou com outros
parentes/não-parentes em lugar de morar sozinho aumenta significativamente as chances
de residir em domicílios mais bem equipados (ou seja, com maior número de bens).
No caso das variáveis de saúde, tanto o número de doenças declaradas quanto
o fato de o idoso apresentar ou não dificuldade em atividades instrumentais da vida
diária tem pouca influência sobre seus arranjos domiciliares. A probabilidade de residir
com filhos casados, no entanto, aumenta significativamente no caso de o idoso apresentar
dificuldade na execução de alguma atividade funcional, ressaltando, de certa forma, a
importância da co-residência como forma de assegurar o apoio necessário aos idosos
com debilidades mais sérias de saúde.
Transferências informais de apoio
No presente estudo, foram consideradas separadamente duas importantes
dimensões do apoio informal entre os idosos e a família, sendo a primeira delas a ajuda
recebida em atividades básicas e instrumentais da vida diária, e a segunda a ajuda recebida
e/ou prestada em termos de dinheiro, serviços, bens, companhia, cuidado de crianças
e outros. Como atividades básicas da vida diária (ABVD) foram consideradas: andar
dentro de casa, tomar banho, vestir-se, comer e utilizar o banheiro. Como atividades
instrumentais da vida diária (AIVD) considerou-se: preparar comida, cuidar do próprio
dinheiro, fazer compras, tomar remédios, e fazer serviços domésticos leves.
214
Características demográficas dos idosos que apresentam dificuldade
e que recebem ajuda em atividades básicas e instrumentais da vida
diária.
Praticamente um quinto dos idosos declarou possuir dificuldade em exercer
alguma atividade funcional da vida diária, sendo que, destes, apenas 40% receberam
algum tipo de ajuda. Quanto às atividades instrumentais da vida diária, quase um terço
dos idosos declarou possuir dificuldade em ao menos uma delas. Neste caso, porém, a
grande maioria (91%) recebeu ajuda (tabela 5).
TABELA 5 Proporção de idosos com dificuldade e que receberam ajuda em
atividades básicas (ABVD) e instrumentais (AIVD) da vida diária
segundo características demográficas (%).
Fonte: Pesquisa SABE
1
Entre os que apresentam dificuldade
Total Idade 19 40 32 91
60-64 15 22 18 89
65-74 16 40 29 91
75+ 32 50 56 93
Sexo
Homens 15 51 20 94
Mulheres 22 34 40 91
Estado conjugal
casado(a)/unido(a) 17 36 25 92
viúvo(a) 23 45 44 93
divorciado(a) 16 0 15 50
separado(a) 23 41 35 83
Solteiro 16 41 36 98
ABVD AIVD
Características
Tem
Dificuldade
Recebe
Ajuda
1
Recebe
Ajuda
1
Tem
Dificuldade
215
Uma proporção significativamente maior de mulheres que de homens declarou
possuir dificuldade em exercer atividades tanto básicas quanto instrumentais da vida
diária. No entanto, uma proporção maior de homens que de mulheres recebeu ajuda,
principalmente em se tratando de atividades básicas. Tanto em relação aos que declaram
dificuldade quanto aos que recebem ajuda, a proporção aumenta, significativamente,
com a idade. Os viúvos são os que apresentam dificuldades com maior freqüência,
principalmente em relação às atividades instrumentais e, também os que recebem ajuda
com mais freqüência nas atividades básicas. Os solteiros, por sua vez, são os que recebem
em maior proporção ajuda nas atividades instrumentais.
Efeito de alguns fatores sobre o risco de apresentar dificuldade e a
probabilidade de receber ajuda em atividades básicas e instrumentais
da vida diária
Para estimar o efeito de certos fatores sobre o risco de o idoso apresentar dificuldade
em alguma das atividades básicas ou instrumentais da vida diária, ou sobre a probabilidade
de receber auxílio para efetuar tais atividades, quatro modelos estatísticos multivariados
foram ajustados através de regressões logísticas binomiais em que as categorias das
variáveis resposta foram “não” (referência) e “sim” (contraste). Como variáveis explicativas
considerou-se o número de filhos, o tamanho do domicílio, o nível de educação, o fato
de receber renda não-familiar e o número de doenças. Serviram como variáveis de controle
o sexo, a idade e o estado conjugal. A exemplo da variável resposta, todas as variáveis
explicativas nestes modelos foram transformadas em dicotômicas.
Os resultados da análise multivariada se encontram resumidos na tabela 6,
no qual razões de risco (“odds ratio”) acima da unidade indicam um efeito direto
(no mesmo sentido) do contraste sobre o risco de apresentar dificuldades em atividades
da vida diária, e razões de risco abaixo da unidade indicam um efeito inverso do
contraste.
216
Comparativamente aos homens, as mulheres, de fato, parecem ser mais propensas
ao risco de apresentar dificuldades instrumentais e ter menos chances de receber ajuda
em atividades básicas. Conforme aumenta a idade do idoso, por outro lado, aumenta o
risco de apresentar dificuldades tanto básicas quanto instrumentais, assim como a
TABELA 6 Razões de risco (“odds ratio”) associadas às regressões logísticas da
dificuldade e da ajuda recebida em atividades básicas (ABVD) e
instrumentais (AIVD) da vida diária dos idosos sobre variáveis
selecionadas.
Sexo (homem) Mulher 0.99 0.51* 1.93** 0.77
Idade (60-64) 65-74 1.08 2.01 2.04** 1.14
75+ 2.77** 2.58** 6.72** 1.37
Est. conjugal (não casado) Casado 0.74* 0.45** 0.67** 0.85
Flhos (1-2) Nenhum 0.93 0.48 0.84 1.39
3-4 1.26 0.81 1.08 1.52
5+ 1.03 0.81 1.12 1.87
Pessoas no domicílio (2) 1 0.84 0.29** 0.87 0.98
3-4 1.23 1.53 1.26 1.91
5+ 1.28 1.66 1.14 1.42
Educação (primária) Nenhuma 0.98 1.28 1.70** 1.51
Secundária 0.80 0.49 0.70 5.92
Renda (sem renda) Tem renda 0.69 0.83 0.61** 0.82
Doenças (1-2) Nenhuma 0.27** 0.97 0.37** 1.52
3-4 2.29** 0.78 1.81** 0.75
5+ 4.24** 0.68 3.20** 0.30**
Observações 2080 478
1
2080 818
2
Pseudo R2 0.14 0.10 0.20 0.08
ABVD AIVD
Variável (referência) Contraste
Dificulade
Modelo 1
Dificulade
Modelo 3
Ajuda
Modelo 4
Ajuda
Modelo 2
Fonte: Pesquisa SABE
1
Referem-se aos idosos que receberam ajuda em alguma ABVD
2
Referem-se aos idosos que receberam ajuda em alguma AIVD
Nível de significância: * p < 0.05; ** p < 0.01.
217
probabilidade de receber ajuda funcional. A probabilidade de receber ajuda instrumental
independe da idade.
Curiosamente, o fato de estar casado parece atuar como um fator de proteção
contra condições limitantes de saúde entre os idosos, como indica a diminuição considerável,
entre os casados, da propensão de apresentar qualquer tipo de dificuldade funcional
ou instrumental. Entre os que possuem dificuldade, no entanto, o fato de estar casado
reduz significativamente a probabilidade de receber ajuda funcional.
Contrariamente ao que se poderia esperar, a maior disponibilidade de filhos
não aumenta a probabilidade de receber ajuda em atividades básicas ou instrumentais
da vida diária. Por outro lado, a probabilidade de receber ajuda funcional diminui
sensivelmente no caso de o idoso morar sozinho (domicílios com uma pessoa), o que
vem ratificar a importância da presença física para que se estabeleça este tipo de ajuda.
Com relação às variáveis socioeconômicas, tanto o nível de educação quanto a
renda própria parecem não exercer influência mais expressiva no caso das atividades
da vida diária, exceto no caso das dificuldades em atividades instrumentais, cuja
probabilidade aumenta consideravelmente entre os que não possuem nenhuma instrução,
e diminui sensivelmente entre os que possuem rendimento não-familiar.
Finalmente, como seria de se esperar, a probabilidade de apresentar algum tipo
de dificuldade, seja funcional ou instrumental, está diretamente associada ao número de
doenças declaradas. Um maior número de doenças também aumenta a probabilidade de
receber ajuda instrumental, sem afetar, porém, a probabilidade de receber ajuda funcional.
Intensidade das transferências informais de outras formas de apoio
A informação contida na tabela 7 fornece uma idéia geral das transferências
informais de apoio em que se envolvem os idosos residentes na cidade de São Paulo.
Além de ilustrarem a forte intensidade dessa prática, os dados caracterizam de maneira
inequívoca as transferências como um processo de via dupla, em que os idosos não apenas
recebem mas, também, fornecem apoio com bastante freqüência. Levando-se em conta
todas as formas de ajuda consideradas na pesquisa, 93% dos idosos declararam haver
recebido ao menos uma, enquanto 88% declararam haver prestado ao menos uma.
218
Entre os diferentes tipos de apoio considerados, a ajuda em serviços é a que
aparece com maior freqüência (78% receberam e 64% forneceram), seguida de perto
pela ajuda com bens (65% receberam e 56% forneceram) e da ajuda em dinheiro (61%
receberam e 49% prestaram). Também se mostraram relativamente importantes as proporções
de idosos que receberam ajuda na forma de companhia (20%) e que prestaram ajuda
cuidando de crianças (23%) – netos em geral. Proporções igualmente importantes de
idosos (aproximadamente um terço) também declararam haver recebido e fornecido
‘outro’ tipo de ajuda. Infelizmente, porém, não é possível identificar as formas específicas
de apoio contidas nesta categoria.
Com relação às pessoas que prestam ou que recebem a ajuda dos idosos, são os
membros do domicílio os que o fazem com maior freqüência (praticamente 80% em
ambos os casos), secundados pelos filhos que moram fora do domicílio (49% dos que
prestam ajuda ao idoso e 38% dos que recebem ajuda do idoso). As transferências
de apoio com irmãos(ãs) ou outros parentes/não-parentes se mostraram bem menos
freqüentes (tabela 7).
TABELA 7 – Proporção de idosos que recebeu e que prestou ajuda informal, segundo
o tipo de ajuda e o prestador / recipiente da ajuda (%).
Fonte: Pesquisa SABE
1
Residente em outro domicílio
Ajuda Informal Recebeu ajuda Prestou ajuda
Tipo de ajuda
Dinheiro 61 49
Serviço 78 64
Bens 65 56
Companhia 20 7
cuidado de criança - 23
outro 35 34
Prestador / Recipiente
Membro do domicílio 80 79
filho(a)
1
49 38
irmão (ã)
1
13 14
outro
1
57
Total 93 88
219
Fatores associados à probabilidade de receber e prestar apoio
financeiro
Dois modelos estatísticos multivariados foram ajustados para estimar o efeito
de fatores demográficos, socioeconômicos e de saúde sobre as transferências de ajuda
em dinheiro envolvendo os idosos: o primeiro relativo à probabilidade de receber ajuda
e o segundo relativo à probabilidade de fornecer ajuda. Ambos os modelos foram ajustados
através de regressões logísticas binomiais, com variáveis resposta assumindo os valores
“não” (referência) e “sim” (contraste). As características do idoso incluídas nos modelos
foram o sexo, a idade, o estado conjugal, o número de filhos vivos, o tamanho do domicílio,
a condição de atividade, a escolaridade, a renda própria, o número de doenças e o fato
de receber ajuda em atividades básicas ou instrumentais da vida diária. Assim como a
variável resposta, todas as demais variáveis foram transformadas em dicotômicas.
Os resultados da análise multivariada estão apresentados na tabela 8, em que,
assim como no caso anterior envolvendo as atividades da vida diária, as razões de risco
acima da unidade indicam efeitos diretos dos contrastes sobre a probabilidade de receber
ou fornecer ajuda financeira e as razões de risco abaixo da unidade indicam efeitos inversos
dos contrastes.
Em comparação aos homens, as mulheres apresentam uma probabilidade
significativamente maior de receber e significativamente menor de prestar ajuda financeira.
Por outro lado, tanto a probabilidade de receber quanto de fornecer ajuda financeira
é significativamente maior entre os idosos casados do que entre os não-casados. Enquanto
o número de filhos parece afetar pouco as transferências monetárias, a co-residência
tende a aumentar significativamente o fluxo de ajuda, como pode ser apreciado pelos
valores muito abaixo da unidade das razões de risco dos idosos em domicílios unipessoais
em ambos os modelos.
Quanto aos efeitos dos fatores socioeconômicos, os resultados mostram, em
primeiro lugar, que o fato de o idoso trabalhar não exerce influência importante sobre
as transferências de ajuda financeira. Em segundo lugar, fica claro o papel crucial da
renda não-familiar no sentido de aumentar a probabilidade de receber ajuda entre os
220
que não a possuem e de fornecer ajuda entre os que a possuem. Um maior nível de
educação, no entanto, diminui apenas ligeiramente a probabilidade de se receber ajuda
em dinheiro.
TABELA 8 Razões de risco (“odds ratio”) associadas às regressões logísticas
da ajuda em dinheiro recebida e prestada pelos idosos sobre variáveis
selecionadas.
Fonte: Pesquisa SABE
Nível de significância: * p < 0.05; ** p < 0.01.
Variável (referência) Contraste
Ajuda em Dinheiro
Sexo (homem) Mulher 2.84** 0.36**
Idade (60-64) 65-74 1.02 1.33
75+ 0.83 0.81
Est. conjugal (não casado) Casado 1.92** 1.58**
Flhos (1-2) Nenhum 0.70* 1.06
3-4 1.18 1.21
5+ 1.13 1.14]
Pessoas no domicílio (2) 1 0.43** 0.21**
3-4 1.39** 0.94
5+ 1.28 0.73*
Atividade (não trabalha) Trabalha 0.79 1.26
Educação (primária) Nenhuma 1.11 0.82
Secundária 0.67* 1.39
Renda (sem renda) Tem renda 0.38** 4.14**
Doenças (1-2) Nenhuma 1.07 0.99
3-4 1.15 1.04
5+ 1.22 1.15
ABVD (sem ajuda) Recebe ajuda 1.01 0.91
AIVD (sem ajuda) Recebe ajuda 0.93 0.91
Observações 2080 2080
Pseudo R2 0.12 0.18
Recebida Prestada
Modelo 1 Modelo 2
221
Finalmente, os resultados ilustram o impacto reduzido que as condições de saúde
exercem sobre as transferências de ajuda em dinheiro. Em particular, a inexistência de
um efeito inverso significativo entre o fato de receber ajuda em atividades da vida diária,
e o fato de fornecer ajuda financeira, parece dirimir a suspeita, sempre presente, da existência
de um efeito de compensação entre essas duas formas de transferência de apoio.
Conclusões
Antes de tudo, este estudo deixa clara a existência de um processo intenso de
transferência informal de apoio envolvendo os idosos residentes na cidade de São Paulo.
Tanto as transferências de apoio quanto os arranjos domiciliares aparecem geralmente
mediados pelas características, recursos, oportunidades e necessidades dos idosos.
Com relação aos arranjos domiciliares, embora os resultados pareçam indicar,
por um lado, uma certa preferência por arranjos independentes, por outro lado, eles
mostram que a co-residência com filhos aumenta substancialmente a probabilidade
de receber ajuda em determinadas atividades da vida diária, bem como a de residir
em residências com um maior número de equipamentos.
Com relação às transferências de apoio, um resultado que chamou
particularmente a atenção foi o importante fluxo de apoio prestado pelo idoso em
termos de dinheiro, bens, serviços e outros, indicando claramente tratar-se de um
processo de via dupla. Outro aspecto de destaque foi o papel importante da co-residência
no processo de transferências de apoio, especialmente em se tratando de ajudas que
requerem uma proximidade física maior com o idoso, como no caso das atividades
básicas da vida diária.
Um resultado surpreendente é o que sugere ser o fato de estar casado, uma
espécie de “fator protetor”, entre os idosos, contra o risco de apresentar dificuldades
em exercer atividades da vida diária, além de aumentar significativamente a sua
probabilidade tanto de receber quanto de prestar ajuda financeira. Igualmente surpreendente
foi o efeito diminuto do número de filhos sobre as transferências de apoio, evidenciando
a importância da co-residência dentro do processo.
222
As condições socioeconômicas e de saúde dos idosos também apresentam efeitos
importantes sobre as transferências de apoio. Níveis socioeconômicos mais elevados,
por exemplo, diminuem significativamente a probabilidade de o idoso apresentar dificuldade
em atividades instrumentais da vida diária e aumentam, de forma expressiva, as suas
chances de fornecer ajuda monetária. Um maior número de doenças, por sua vez, incrementa
sensivelmente o risco de o idoso apresentar dificuldades na execução de atividades básicas
e instrumentais da vida diária.
Por último, vale ressaltar o caráter exploratório desta análise e a dimensão da
tarefa que ainda falta por se cumprir, no sentido de aproveitar o potencial da informação
sobre transferências de apoio oferecida pela pesquisa SABE como fonte de subsídios
para a formulação de políticas públicas voltadas ao idoso, na cidade de São Paulo.
223
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225
Uso dos serviços
de saúde
226
227
Uso dos serviços de saúde
Chester Luís Galvão Cesar*
Sérgio Márcio Pacheco Paschoal**
Os inquéritos de saúde de base populacional são uma boa fonte de informação
sobre o acesso e a utilização dos serviços de saúde, principalmente em sistemas de saúde
complexos como o brasileiro, em que diversas fontes de pagamento utilizam várias
instituições públicas e privadas na prestação de serviços, tornando praticamente impossível
um conhecimento compreensivo da situação por meio de dados secundários. As informações
coletadas, a partir dos inquéritos, permitem a descrição do padrão de uso dos serviços,
segundo várias características dos usuários e dos próprios serviços, constituindo-se em
elemento importante para o planejamento de políticas públicas e mesmo de avaliação
de programas e de serviços
(1,2)
. Embora os inquéritos venham sendo realizados há longa
data nos países desenvolvidos e mesmo em alguns em desenvolvimento
(3,4,5,6)
, eles ainda
têm um caráter acadêmico no Brasil, onde vários deles ocorrem como iniciativas conjuntas
de serviços de saúde e universidades
(7,8,9,10)
, freqüentemente como estudos locais ou regionais.
A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) tem incluído em alguns anos
um suplemento de saúde, fornecendo dados para o país como um todo como, por exemplo,
ocorreu com a PNAD de 1998.
Um dos temas estudados na pesquisa “Saúde, Bem Estar e Envelhecimento
– SABE”, foi o acesso e a utilização dos serviços de saúde pelos idosos residentes no
município de São Paulo, sendo essa uma questão fundamental quando se analisa a qualidade
de vida na terceira idade. Diversos aspectos contribuem para isso; em primeiro lugar
o processo de envelhecimento associa-se a um aumento dos riscos de incidência de inúmeras
doenças, quer pelo próprio processo biológico, quer pelos longos períodos de exposição
a agentes patógenos. A maior incidência e prevalência de eventos mórbidos nos idosos
resultam em uma demanda relativamente maior aos serviços de saúde, com maior número
*
Professor Titular do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública/USP – [email protected]
**
Coordenador do Programa do Idoso da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo. – [email protected]
228
de consultas, atendimento por especialistas e maior tempo médio de internação, quando
comparada com a de outros grupos etários. Além disso, as especificidades dos quadros
clínicos desse grupo requerem, com freqüência, a utilização de serviços de saúde de
maior complexidade e custo. Assim, o acesso a serviços adequados às suas necessidades
é um importante fator na sua qualidade de vida em saúde.
Com relação ao acesso e à utilização de serviços de saúde, os entrevistados
responderam a questões sobre a sua cobertura por seguro ou plano de saúde, sobre
as características desses serviços, bem como sobre os serviços utilizados em diferentes
circunstâncias. Os serviços foram caracterizados quanto ao tipo, seu caráter público
ou privado e a forma de pagamento pelos serviços utilizados. A pesquisa incluiu
também avaliação da cobertura vacinal e o consumo de medicamentos pelos
entrevistados.
Alguns dos dados foram analisados segundo a idade e sexo, sendo que a
análise por idade considerou dois grupos; 60 e 74 anos e 75 ou mais anos de vida.
A maior diferença, no entanto, com relação ao acesso e uso dos serviços de saúde
decorreu do grau de escolaridade do entrevistado, expressa por meio dos anos de
escolaridade. A categorização da escolaridade agrupou os entrevistados naqueles com
até 4 anos de escolaridade, de 5 a 8 anos, de 9 a 11 anos e em um último grupo com
12 e mais anos de escolaridade. Os anos de escolaridade, no Brasil, são uma boa
aproximação das condições socioeconômicas e, além disso, são uma informação
relativamente fácil e precisa de ser obtida, principalmente em inquéritos domiciliares.
Conforme pode ser observado na tabela 1, uma grande proporção dos idosos entrevistados,
77,9%, referiram até quatro anos de escolaridade, 9% declararam ter freqüentado
escola por 5 a 8 anos, 7,6%, por 9 a 11 anos e, somente 5,5% freqüentaram escola
por 12 anos ou mais. Esses dados mostram a grande concentração de idosos com baixa
escolaridade e, provavelmente, vivendo em precárias condições socioeconômicas. O
diferencial na utilização de serviços de saúde, decorrente das condições de vida, tem
sido exaustivamente estudado nas últimas décadas, tanto nos países desenvolvidos
quanto naqueles em desenvolvimento
(11,12,13,14)
.
229
TABELA 1 – Distribuição da população de idosos segundo anos de escolaridade.
A maioria dos entrevistados, cerca de 60%, informou estar vinculado ao seguro
público de saúde, Sistema Único de Saúde. Embora o SUS ofereça cobertura universal,
um número expressivo de entrevistados não fez menção a ele, talvez pelo fato de não
utilizá-lo. A referência ao SUS diminuiu com os anos de escolaridade, passando para
42% para o segundo grupo de escolaridade, 5 a 8 anos; 19,7% para o grupo de 9 a 11
anos e 15% para o último grupo, de 12 ou mais anos de escolaridade, conforme pode
ser visto na tabela 2. O Plano de Saúde Privado foi a segunda forma de seguro de
saúde mais citada, sendo que a sua cobertura aumentou com a escolaridade, passando
de 28,6% no primeiro grupo para 49,7% no segundo, 64,5% no terceiro e 61,7% no
último grupo, o de escolaridade mais alta. A proporção ligeiramente menor de cobertura
pelo Plano de Saúde Privado, no grupo de escolaridade mais alta, deve decorrer de este
grupo ser o que fez maior uso de “Outro Seguro Público de Saúde”, com 26,1%, cuja
cobertura foi de 7,5% para os entrevistados com até 4
anos de escolaridade e de 11,1%
para os dois grupos de escolaridade intermediária, 5 a 8 e 9 a 11 anos. Esse padrão de
uso de outros serviços públicos deve ser explicado por incluírem os serviços destinados
aos diferentes funcionários públicos e serem utilizados mesmo por aqueles com escolaridade
intermediária ou mesmo alta, diferentemente do que ocorre com o Sistema Único de
Saúde – SUS. As proporções dos entrevistados que referiram Seguro Privado de Saúde
foram bem menores que as das duas modalidades acima citadas e muito semelhantes
entre si, variando de 6,1 para o grupo de menor escolaridade a 9,5 para o grupo de 9
a 11 anos. Um número muito pequeno dos idosos entrevistados referiu não estar coberto
por nenhum tipo de seguro de saúde.
230
Os entrevistados foram questionados sobre quais os serviços procurados quando
se sentiram doentes ou quando necessitaram fazer uma consulta de saúde, no período
de 12 meses anteriores à entrevista. Uma maior proporção dos idosos com até 4 anos
de escolaridade – 33,6% – indicou Hospital Público, seguida de Clínica Pública, com
29,7%, mostrando claramente os serviços públicos como sua principal alternativa e,
além disso, o acesso direto a serviços hospitalares. Uma proporção de 25,1% deles procurou
Consultório Privado e, 15,1%, Hospital Particular. Nos casos da procura hospitalar,
tanto por hospitais públicos como particulares, uma parcela muito pequena dos entrevistados
recorreu aos serviços de pronto-socorro. Nos demais grupos de escolaridade o tipo de
serviço mais procurado foi o Consultório Privado, seguido de Hospital Particular, conforme
pode ser visto na tabela 3. O grupo de escolaridade mais alta, embora tenha feito uma
procura maior de serviços privados, tanto consultório, com 63,2%, como hospitalar,
com 25,1%, referiu, também, em uma proporção expressiva – 19,5% – a procura por
Hospital Público, de forma distinta dos grupos de escolaridade intermediária em que
esta procura foi de 13,5% e 11%, respectivamente para os grupos de escolaridade 5 a
8 anos e 9 a 11 anos. A freqüência dos que responderam não terem adoecido no período
de 12 meses e nem procurado serviços de saúde variou de 13,5% no grupo com escolaridade
até 4 anos a 19,9% no grupo de 5 a 8 anos, e apresentou valores intermediários nos
dois outros grupos. Poucos entrevistados referiram outras alternativas para resolver
seus problemas de saúde, como farmácias ou curandeiros, refletindo o padrão de uso
de serviços de saúde de área urbana e industrializada, mesmo com uma grande parcela
da população vivendo em condições precárias e com dificuldades de acesso aos serviços.
TABELA 2 – Tipo de seguro de saúde segundo escolaridade.
231
A proporção dos entrevistados que referiu ter procurado algum serviço de saúde
nos quatro meses anteriores à entrevista foi de aproximadamente 77%, sendo que essa
proporção variou de forma discreta conforme o sexo e o grupo etário do idoso. Para
ambas as idades as mulheres referiram a procura de serviços numa maior proporção
conforme a tabela 4.
TABELA 4 – Procura por serviço de saúde nos 4 meses anteriores à entrevista,
segundo idade e sexo.
Os entrevistados responderam, também, sobre o último serviço de saúde utilizado
num período de quatro meses, sendo que o padrão do uso foi muito semelhante àquele
já descrito para o período de 12 meses. Contudo, sobre este último serviço, foram detalhadas
algumas outras questões, entre elas o pagamento pelo serviço utilizado, bem como o
pedido, realização e pagamento de exames complementares e, ainda, a indicação de
medicamentos, a forma de obtenção e o seu consumo.
1
Emergência de Hospital ou Hospital
2
Inclui Farmácia, Curandeiros, Outros e os que não procuraram serviços de saúde.
TABELA 3 – Tipo de serviço de saúde procurado para morbidade de 12 meses,
segundo escolaridade.
232
Para os idosos com até quatro anos de escolaridade, as instituições públicas
foram a principal fonte pagadora pelos serviços utilizados, em uma proporção de 57,5%.
Para os demais grupos estudados esta proporção caiu com o aumento da escolaridade,
com valores de 31,6% para o segundo grupo de escolaridade (5 a 8 anos), 17,6 para o
grupo de 9 a 11 anos e finalmente com 13,4% para o último grupo (12 ou mais anos).
O Seguro privado teve valores inversos caindo com o aumento dos anos de escolaridade,
conforme pode ser visto na tabela 5. O menor valor, de 35,4% correspondeu ao grupo
de menor escolaridade e o maior valor, de 71,5%, ao grupo de escolaridade 9 a 11 anos.
O grupo de escolaridade mais alta apresentou um valor um pouco abaixo deste último,
com 66,6%, mas por outro lado foi o que referiu em maior proporção (22,4%) pagamento
direto pelo entrevistado do serviço de saúde utilizado, sendo que somente uma parcela
muito pequena dos entrevistados pertencentes aos demais grupos referiu pagar diretamente
pelos serviços utilizados, correspondendo a cerca de 5% e 6% deles.
As solicitações de exames complementares, nas consultas realizadas, foram
diferentes conforme a escolaridade do entrevistado, o que está descrito na tabela 6.
A menor proporção, 63,5%, foi para os idosos com até 4 anos de escolaridade, e a
maior, 82,9%, foi para o grupo com o nível de escolaridade mais alta; os outros dois
grupos apresentaram valores intermediários. Essas diferenças podem refletir tanto
uma demanda reprimida para exames complementares, no caso da população usuária
TABELA 5 – Pagamento do serviço de saúde utilizado na última vez que necessitou
de atenção médica, segundo escolaridade.
1
Emergência de Hospital em Hospital
233
dos serviços públicos, como um número excessivo de exames solicitados no setor privado.
Foi pequena a diferença entre os grupos com relação a já terem realizado os exames
solicitados ou estarem com eles agendados.
Com relação aos exames realizados, o padrão de pagamento foi muito semelhante
ao descrito para os serviços utilizados, conforme está descrito na tabela 7. O Seguro
Privado foi o principal pagador dos exames realizados, com exceção do grupo de menor
escolaridade, para o qual as instituições públicas pagaram em uma proporção um pouco
maior do que o Seguro Privado. Os valores correspondentes ao Seguro Privado foram
de 67,6%, 73,7% e 68,6%, respectivamente, para os grupos de 5 a 8 anos, 9 a 11 e 12
ou mais anos de escolaridade, sendo que para o grupo de até 4 anos o valor foi de 45,1%.
As proporções em que as Instituições Públicas pagaram pelos exames realizados variaram
de 49,7% para os entrevistados de escolaridade mais baixa, até 14,2% para os de escolaridade
igual a 12 ou mais anos. Este último grupo foi o que, em maior proporção (23,2%),
pagou diretamente pelos exames complementares.
TABELA 7 Pagamento de exames complementares solicitados e realizados,
segundo escolaridade.
TABELA 6 – Solicitação e realização de exames complementares a partir da última
consulta, segundo escolaridade.
234
Para um de total de 62,4% dos indivíduos que fizeram alguma consulta médica,
no período de quatro meses, foi receitado algum medicamento. A variação segundo
a escolaridade foi pequena, sendo que a menor porcentagem observada foi para o
grupo de 9 a 11 anos, com 57,7%, e a maior para o grupo de 12 anos ou mais, com
68,1%. Para os dois outros grupos, até 4 anos e 5 a 8 anos, os valores foram de 61,9%
e 65% respectivamente. Cerca de 84% deles conseguiram os medicamentos receitados,
sendo também pequena a variação entre os grupos de escolaridade, de 83,6% a 87,8%.
A grande maioria dos idosos entrevistados referiu que pagou pelos medicamentos
receitados e consumidos, mesmo os grupos de baixa escolaridade, que corresponde
aos segmentos socioeconômicos menos favorecidos, como aqueles com até 4 anos de
escolaridade, dos quais 69,7% pagaram diretamente. Para este grupo, o cônjuge ou
filhos assumiram o pagamento dos medicamentos receitados em 12,8% e 19,8%,
respectivamente (tabela 8).
A cobertura vacinal dos idosos teve um padrão diferente da utilização dos
serviços de saúde até aqui descritos, sendo muito semelhante para todos os grupos
estudados e variando de 32% a 36,3% os entrevistados que referiram nenhuma
cobertura para gripe ou tétano (tabela 9). Na realidade, houve uma cobertura
ligeiramente maior para os entrevistados de baixa escolaridade do que para os demais,
o que pode refletir um trabalho de proteção de saúde a partir dos serviços públicos,
já que as vacinas são oferecidas gratuitamente na rede pública de serviços de saúde.
Com relação à vacina contra a gripe, é necessário levar em consideração que sua
1
Emergência de Hospital ou Hospital
TABELA 8 Pagamento dos medicamentos receitados na última consulta, segundo
escolaridade.
235
introdução na rotina dos serviços é relativamente nova em comparação com as
tradicionalmente utilizadas, principalmente para crianças, podendo ainda não ser
valorizada a sua importância pelos próprios usuários.
Uma outra questão estudada foi o pagamento da última internação referida
pelos entrevistados. Para o grupo de até 4 anos de escolaridade, as Instituições Públicas
foram responsáveis por 61,6% do pagamento das internações e o Seguro Privado por
36,8% delas (tabela 10). Para os demais grupos, a maioria dos pagamentos foi feita
pelo Seguro Privado, sendo que 100% dos entrevistados pertencentes ao grupo de
escolaridade de 9 a 11 referiram esta fonte de pagamento da internação. O grupo de
escolaridade mais alta referiu que 24,8% das internações haviam sido assumidas por
Instituição Pública, refletindo, como já foi discutido anteriormente, uma parcela deste
grupo que utiliza “Outro Serviço Público”.
TABELA 9 – Cobertura vacinal, segundo tipo de vacina e escolaridade.
TABELA 10 – Pagamento da última internação, segundo escolaridade.
236
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238
239
Situação de
ocupação e renda
240
241
Situação de ocupação e renda
Antonio Carlos Coelho Campino*
Denise Cavallini Cyrillo**
Os gastos com saúde são uma preocupação em todos os países do mundo. Não
importa se esses serviços essenciais sejam providos exclusivamente pelo mercado ou
pelo sistema público ou, ainda, de forma mista, a tendência dos gastos per capita foi
crescente nas últimas décadas da segunda metade do século XX. Nos Estados Unidos,
onde o sistema é essencialmente privado, os gastos totais com saúde cresceram de pouco
mais de 4% do Produto Interno Bruto, nos anos 1950, para 14% no segundo qüinqüênio
dos anos 1990
(1,2)
. Na Grã-Bretanha, onde o sistema público de saúde era visto como
de boa qualidade, a proporção dos gastos também apresentou tendência crescente em
período semelhante, embora menos acentuada. Em 1960, essa proporção era de 3,9%,
chegando em meados dos anos 1990 a 5,8%
(3)
. No Brasil, os dados disponíveis mostram
uma proporção do PIB gasta em saúde, pelo governo, de apenas 3,3%, para o ano de
2000.
Nos países em desenvolvimento, grande parcela dos custos sociais da saúde
está associada a doenças infecciosas e parasitárias e doenças do aparelho respiratório,
ao passo que nos países desenvolvidos os avanços tecnológicos da medicina e dos setores
que fornecem os instrumentos e aparelhos médico-cirúrgicos e de diagnóstico, bem
como o envelhecimento da população, são os principais responsáveis pelos custos crescentes.
Nos Estados Unidos a proporção da população com 65 anos e mais representava
4% da população total, na virada do século XX, tendo triplicado ao longo dos 40 anos
seguintes, constituindo 6,8% dos americanos em 1940 e mais de 11% em 1980. Rice
(4)
projetava para o ano de 2030 a existência de um idoso para cada cinco americanos.
* Professor Titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração/USP
** Professora Associada do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração/USP
242
No Brasil, em 1999, essa população correspondia a 5,3% dos brasileiros, variando entre
as regiões de 3,3% (região Norte) a 5,7% (Sudeste), enquanto em 1994 essa proporção
era de apenas 4,8%. Em São Paulo a proporção de idosos elevou-se de 5,0% em 1994
para 5,5% em 1999. Esses números evidenciam o processo de envelhecimento da população
brasileira à semelhança dos países desenvolvidos, apesar do baixo nível de renda per
capita do país.
O presente capítulo tem por objetivo realizar um diagnóstico da situação de
emprego e renda do idoso, relacionando-o à sua condição de saúde, em São Paulo.
A fonte dos dados primários é o projeto SABE e outras fontes de dados secundários,
como FIBGE e SEADE, para contextualizar os aspectos demográficos e econômicos do
idoso dentro da população total. Os métodos empregados foram os testes de hipótese
e aplicação de modelos de análise de regressão.
Condição de Emprego e Renda da População Idosa
A população do Estado de São Paulo, em 2000, era da ordem de 37 milhões
de pessoas, das quais 51% eram mulheres. A PEA, população economicamente ativa,
que considera a população de 10 anos ou mais, alcançava naquele ano, 30,6 milhões
de pessoas
a
A pesquisa SABE, no que diz respeito ao emprego e renda da população idosa,
investigou um conjunto extenso de variáveis, das quais selecionamos as seguintes: 1)
Se alguma vez na vida o idoso teve trabalho remunerado; 2) Se alguma vez na vida o
idoso teve trabalho não-remunerado; 3) Se trabalhou na semana anterior à pesquisa;
4) a última ocupação ou ocupação atual; 5) se trabalhava na época da pesquisa; 6) Razões
de nunca ter trabalhado; 7) Razões para continuar trabalhando; 8) Total dos ganhos
de trabalho; 9) Outras receitas (aposentadoria, ajuda de familiares, aluguel e/ou aplicações
bancárias, ajuda de bem-estar social).
a
Fonte: Censo Demográfico de 2000, site: www.ibge.gov.br, cap. População.
a
Fonte: Censo Demográfico de 2000, site: www.ibge.gov.br, cap. População.
243
História de Emprego
Na sociedade capitalista, o homem é socialmente reconhecido pelo trabalho
b
.
Assim, não surpreende que, na amostra estudada, apenas 8,3% tenham declarado que
nunca tiveram um trabalho remunerado, sendo que praticamente a totalidade era do
sexo feminino (97,8%) e, mesmo assim, 27% dessas mulheres haviam trabalhado sem
remuneração. Dentre as razões de nunca ter trabalhado, mais de 55% declararam cuidar
da família
c
. Cabe mencionar que, dos que nunca trabalharam apenas 5,6% nunca o
fizeram por razões de saúde, sendo esta a única razão apontada pelos homens da amostra
nesta condição (tabela 1).
Condição de Emprego Atual/Último
Em relação à condição de emprego atual, observa-se que 28,6% dos idosos da
amostra continuavam trabalhando na época da pesquisa, enquanto as principais razões
de não estarem trabalhando eram estar aposentados (71,1%) ou realizando afazeres
domésticos (21,9%), como se pode verificar pela tabela 2.
A tabela 3 mostra a distribuição da condição de emprego atual segundo sexo,
faixas de idade e origem do nascimento, dentre aqueles que haviam trabalhado ao longo
da vida. A proporção de mulheres que continuam trabalhando (19,1%), é bem menor
do que a dos homens (40,6%). No que diz respeito à idade, é importante notar que
42% dos idosos com menos de 65% continuavam trabalhando na época da pesquisa.
Cabe ainda notar que quase 30% dos brasileiros continuavam trabalhando na época
do levantamento, enquanto para os estrangeiros essa proporção era 4,6 p.p. menor.
Quanto ao tipo de ocupação, verifica-se que as ocupações ligadas à Manufatura
e ao Comércio e Serviços aparecem com elevada proporção entre os idosos da amostra,
26,0% e 17,3% respectivamente. No entanto, proporção mais significativa dos idosos
foi classificada como trabalhador não-qualificado (31,6%). A maior parcela das mulheres
foi classificada nessa categoria (41,5%), enquanto a maior parte dos homens como operários
b
Trabalho aqui tomado em sentido de contribuição para a produção social.
c
Incluindo nessa categoria a justificativa de ter casado jovem.
244
TABELA 1 – História de emprego segundo sexo e faixas de idade.
ou envolvidos em atividades artesanais (26,5%). De acordo com a nacionalidade, verifica-
se que a proporção de estrangeiros comerciantes e/ou operários artesãos era maior do
que a dos brasileiros, 58,3% e 42,9%, respectivamente (tabela 4)
Fonte: Projeto SABE
245
TABELA 2 – Condição de Emprego atual.
TABELA 3 Condição de emprego atual segundo sexo, faixas de idade e
nacionalidade.
Fonte: Projeto SABE
Fonte: Projeto SABE
246
Renda e seus componentes
Os idosos da amostra reportaram diversas fontes de renda, das quais destacam-
se os rendimentos provenientes de aposentadoria, aluguéis e do trabalho remunerado,
além de ajuda de filhos e/ou parentes no país ou no exterior e outras ajudas, todas
agregadas na categoria outros.
A tabela 5 apresenta a renda média total per capita segundo sexo, faixas de
idade e nacionalidade. A renda média mensal foi calculada em R$ 319,15, um pouco
mais de 2 salários mínimos, com uma dispersão elevada retratada por um coeficiente
de variação de 2,68. Um aspecto que chama a atenção é o fato de que grande parte
TABELA 4 – Tipos principais de ocupação dos idosos que trabalharam ao longo
da vida (%).
Fonte: Projeto SABE
247
dos idosos era responsável por um grupo familiar, pois a renda per capita é apenas 44%
da renda média total. Dos idosos considerados nesta análise, 47% não tinham renda
monetária alguma. Desconsiderando-se esse segmento dos idosos, a renda média daqueles
que tinham renda era bem superior, da ordem de R$ 830,16 (5,5 salários mínimos).
Examinando-se o valor da renda média, segundo sexo, verifica-se que as mulheres
auferiam um rendimento bem inferior ao dos homens, cerca de 35%. Dentre elas, a
proporção que não dispunha de qualquer renda era significativamente maior do que
entre os homens, 63% contra 38%.
No que diz respeito às faixas de idade, constata-se que não apenas a renda
decresce com a idade (os mais idosos tinham uma renda média de apenas 57% da renda
média do grupo), como também aumenta a proporção dos que não tinham renda alguma
(47%, 52% e 63%, respectivamente).
Quanto à nacionalidade, constata-se que os idosos estrangeiros auferiam quase
TABELA 5 – Rendimento médio mensal e renda média per capita, segundo sexo,
faixas de idade e nacionalidade.
248
TABELA 6 – Rendimento médio mensal e renda média per capita, segundo freqüência
a escola e ocupação (Valores correntes).
o dobro da renda dos brasileiros, destacando-se a menor dispersão, medida pelo coeficiente
de variação de 2,3, inferior à dispersão da renda dos brasileiros de 2,8. Aliás, verifica-
se a elevada dispersão da variável renda: o coeficiente de variação é bastante elevado
(2,7), fortemente influenciado pela variação da renda entre os brasileiros (que representam
quase 90% da população de idosos).
Tomando-se como indicador da escolaridade a freqüência à escola (tabela 6),
verifica-se, como esperado, que o rendimento dos idosos com algum grau de escolaridade
é superior em quase 114% ao dos que não tiveram essa oportunidade, enquanto a proporção
dos sem renda é semelhante entre os dois grupos e varia entre 50% para os que tiveram
alguma educação e 58,5% para os demais. Este fato reflete-se nos níveis de renda conforme
249
d
O índice de Gini para o Brasil era em 1999 de 0,567, conforme o IBGE (site www.ibge.gov.br).
e
A curva de Lorenz relaciona a proporção da população com sua respectiva participação na renda total. Quanto
mais distante estiver a curva da diagonal do gráfico (que representa a distribuição eqüitativa), mais concentrada
é a distribuição estudada (45)
a ocupação. Observa-se que os idosos que trabalharam em funções que exigem maiores
níveis de escolaridade como as ocupações relacionadas aos Poder Executivo e Legislativo,
científicas e intelectuais, apresentavam as rendas mais elevadas, ao passo que o nível
mais baixo foi estimado justamente para os idosos que reportaram trabalho na agricultura/
agropecuária e não-qualificado.
Examinando-se a distribuição da renda entre os idosos da amostra, constata-
se uma repartição fortemente concentrada em que, considerando-se inclusive os que
não têm renda, os 40% mais pobres respondiam por apenas 9,5% da renda dos idosos
e os 10% mais ricos por 48%. Um índice de Gini de 0,54 está associado a essa distribuição,
um pouco abaixo do índice de concentração da distribuição de renda nacional
d
. A curva
de Lorenz construída com os dados de renda total dos idosos da amostra consta do
gráfico 1, no qual a forte concentração da distribuição da renda dos idosos pode ser
visualizada.
e
GRÁFICO 1 – Curva de Lorenz - Renda dos Idosos.
250
Na tabela 8, observam-se os rendimentos médios das diversas fontes, segundo
escolaridade e ocupação. A maior escolaridade, representada aqui pelo fato de que o
idoso freqüentou a escola, mostra impacto significativo sobre o rendimento dos idosos,
em qualquer das fontes. Este aspecto também pode ser percebido segundo as ocupações,
Como mencionado, são diversas as fontes de renda dos idosos, sendo que a maioria
é de assalariados (em torno de 21% possuem esse tipo de rendimento). Por outro lado,
9% dependem de aluguéis para a sua subsistência e, muitas vezes, de sua família. A proporção
dos que recebem aposentadoria é a menor das quatro categorias de fontes, menos de 7,5%.
O salário médio dos idosos era 7,5% acima do salário mínimo da época, enquanto o nível
das demais categorias era bem inferior a esse padrão (tabela 7). Examinando-se o salário
médio segundo sexo, as mulheres recebem apenas 25% do valor médio recebido pelos
homens. Segundo a idade, como esperado observa-se uma relação inversa entre idade e
salário e, enquanto a soma de outras rendas é igual entre os idosos das diferentes faixas
de idade, são os idosos na faixa intermediária os que têm maior rendimento sob a rubrica
dos aluguéis (R$ 93,11) e da aposentadoria (R$54,27), depois dos salários. No que tange
à nacionalidade, não se verifica diferença quanto ao nível dos salários, ao passo que os
estrangeiros recebiam quase 4 vezes mais o valor dos aluguéis dos brasileiros.
TABELA 7 – Rendimento médio mensal, segundo fontes de renda, sexo, faixas
de idade e nacionalidade (Valores correntes).
251
pois naquelas que demandam maior nível de educação, como as científicas e intelectuais,
os níveis das quatro fontes são relativamente altos, sendo superados apenas pelos salários
dos ocupados em funções do Executivo e Legislativo. Os gráficos 1 a 4 mostram a
importância, em termos percentuais, de cada fonte de renda segundo as variáveis
consideradas. Segundo sexo, a ajuda de familiares é mais importante para as mulheres
do que para os homens, embora os salários sejam os mais importantes tanto para elas
como para eles – mais para estes.
TABELA 8 – Rendimento médio mensal, segundo fontes de renda, sexo, freqüência
à escola e ocupação (R$ correntes).
Fonte: Projeto SABE, 2000.
Notas: *Valores referentes a 2000 . Salário mínimo vigente = R$150,00.
**Inclui-se: ajuda de familiares que estão em outro país, ajuda de familiares que estão no país,
ajuda do bem-estar social e outras não especificadas.
252
Brasileiros Estrangeiros
Nacionalidade
GRÁFICO 2 – Composição da renda dos idosos, segundo sexo.
GRÁFICO 3 – Composição da renda dos idosos, segundo faixas de idade.
GRÁFICO 4 – Composição de renda dos idosos, segundo nacionalidade.
120,00
100,00
80,00
60,00
40,00
20,00
0,00
Mulher Homem
Sexo
Outras
Aposentadorias
Aluguéis
Salários
Outras
Aposentadorias
Aluguéis
Salários
Outras
Aposentadorias
Aluguéis
Salários
60 a 64 65 a 74 75 e mais
(%)
120,00
100,00
80,00
60,00
40,00
20,00
0,00
120,00
100,00
80,00
60,00
40,00
20,00
0,00
(%)
Faixas de idade
(%)
253
No que tange às faixas de idade, percebe-se claramente a perda de importância
dos salários à medida que se envelhece, e o aumento do peso dos aluguéis e de ajuda
de familiares, na renda total (gráfico 3). Em relação à nacionalidade, constata-se que
os salários respondem por maior proporção da renda dos brasileiros e os aluguéis para
os estrangeiros (gráfico 4). Finalmente, verifica-se que o rendimento do trabalho remunerado
é o responsável por mais da metade do rendimento dos idosos - quase 24% são aluguéis
– e o restante divide-se entre aposentadoria e outras rendas.
Em resumo, os resultados até aqui analisados sugerem que os idosos possuem
uma renda média baixa composta basicamente por rendimentos provenientes de salários,
e que os idosos com alguma escolaridade apresentam níveis de renda significativamente
mais altos do que aqueles que não freqüentaram a escola.
À guisa de conclusão
Os dados relativos à condição de emprego e à renda da população idosa amostrada
em São Paulo revelam, em primeiro lugar, que a grande maioria sempre desenvolveu
alguma atividade e, de modo preponderante, uma atividade remunerada. Em segundo
lugar, uma parcela não-desprezível ainda continuava trabalhando à época da pesquisa,
justificando esse fato pela necessidade de ter remuneração.
No que diz respeito à renda total, constatou-se nível relativamente baixo, 2,1
salários mínimos. Além de a renda média ser baixa, verificou-se que o perfil da distribuição
de renda entre os idosos repete o perfil da distribuição em nível nacional, ligeiramente
melhorada, mas, ainda, uma distribuição fortemente concentrada. Esse fato sugere que,
entre essa população, há segmentos com níveis de rendimento insuficientes para uma
vida digna ao final do ciclo vital, na realidade mais de 50% dos idosos relataram não
ter renda. Como esperado, as mulheres auferiam níveis de renda inferiores aos dos homens,
enquanto os indivíduos das duas primeiras faixas de idade tinham em média maior
renda do que os da última faixa.
As rendas provenientes da remuneração do trabalho apareceram como sendo
a principal fonte de renda dos idosos, seguida dos aluguéis.
254
Um aspecto que não foi explorado neste capítulo foi a relação entre a oferta
de trabalho e a condição de saúde. Estudo preliminar a esse respeito, também baseado
nos dados empíricos aqui analisados, apontam que o estado de saúde é condicionante
da oferta de trabalho do idoso
(6)
, bem como é esperado que a história de emprego determine
a condição de saúde do indivíduo na terceira idade
(7)
.
De qualquer modo, os resultados aqui obtidos mostram que o sistema de seguridade
social não tem se constituído na principal instituição a garantir a subsistência da população
que já contribuiu ao longo de sua vida para a produção social do país pois, grande
parcela dessa população depende de remuneração do trabalho e do patrimônio que acumulou
durante a vida. Considerando que a época atual vem se caracterizando pelo aumento
do desemprego, é de se esperar que os idosos futuros, aqueles que em 10 ou 20 anos
estarão acima dos 60 anos, não terão essas duas principais fontes de renda para complementar
e mesmo garantir sua sobrevivência e, assim, o aumento da expectativa de vida alcançado
graças aos avanços da medicina não estará associado a maior bem-estar social.
255
Referências bibliográficas
1. Williams S.J.; Torrens. P.R. Introduction to health services. Albany: Delmar; 1993.
2. Levit K.R.; Lazemby H.C.; Braden B.R. “National health spending trends in 1996”.
National Health Accounts Team. Health Affairs, 1998; 17(1):35-51.
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1998; 51:210-6.
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The Johns Hopkins University Press; 1993 .
5. Karmel P.H.; Polasek M. Estatística geral e aplicada para economistas. São Paulo: Atlas;
1972.
6. Campino, A.C.C.; Cyrillo, D.C.; Waltenberg, F.D.; Batista, N. “Saúde e oferta de
trabalho de idosos na cidade de São Paulo”. In: VI - Encontro Nacional de Economia
da Saúde: Equidade e Economia na Saúde
Nova Friburgo, Rio de Janeiro 9 e 10 de
dezembro de 2002
7. Parker S. “Elderly health and salaries in the Mexican labor market.” In: Savedoff
WD, Schultz TP, editors. Wealth from health. Linking social investiments to
earnings in Latin America. Washington, D.C: Inter-American Development Bank;
2000. Chapter 3.
256
Esta obra foi composta em Garamond 3 e impressa
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