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doçura/ Já fui à Bahia, já passei no mar,/ Coisinhas que
vi me fazem babar”.
No final do setecentos, literatos e cronistas
portugueses diferenciavam a modinha portuguesa
da brasileira e atribuíam a esta características próprias
advindas da colônia, no caso, o Brasil. O pesquisador
português Manuel Morais descreve algumas delas:
melodia ondulante, cromatismos melódicos
e acompanhamento singelo (Morais, 2000). Poderíamos
acrescentar: melodias entrecortadas e compostas
de motivos sincopados, ora em retardo, ora em
antecipação, abuso de cadências femininas, porém,
sempre primando por uma certa delicadeza
(Lima, 2001).
O etnomusicólogo Gerard Béhague, em seu
pioneiro artigo sobre o manuscrito Modinhas do Brasil,
que se encontra na Biblioteca da Ajuda em Lisboa
(Béhague, 1968), destaca ainda aspectos poéticos que
considera característicos do estilo brasileiro
e, sobretudo, de Caldas Barbosa. Identifica dois
poemas utilizados nas modinhas desta coleção como
sendo de sua autoria: Eu nasci sem coração e Homens
errados e loucos. Domingos Caldas Barbosa, padre,
também conhecido pelo nome árcade de Lereno
Selinuntino, foi poeta, cantor de modinhas, exímio
improvisador e, naturalmente, tangia sua própria
viola-de-arame. Migrou para Lisboa e lá viveu
no último quartel do século XVIII até sua morte.
Tornou-se muito popular na corte por sua atuação
como poeta e cantor de modinhas.
Seu livro, Viola de Lereno, uma coletânea
de poemas em dois volumes, sugere letras de modinhas
e lundus de sua própria lavra. Teve várias publicações
em Lisboa entre 1798 e 1823 e uma na Bahia, em 1813.
Nele, podemos encontrar o estilo que Caldas Barbosa
utilizou em seus poemas e que muito se assemelham
ao estilo de vários textos encontrados no manuscrito
Modinhas do Brasil acima citado: neologismos
afro-brasileiros, como “mugangueirinha”, além
de diminutivos como “enfadadinha” e “negrinho”;
também os vocábulos “sinhá” e “nhanhá”, tratamento
que os escravos dispensavam às senhoras e senhoritas
nessa época, bem ao gosto do vocabulário popular
praticado na colônia. Caldas Barbosa gozou de grande
sucesso no período em que viveu na corte onde era
muito comum apresentar-se acompanhado por sua
viola e cantando modinhas.
Com base na análise poético-musical efetuada no
manuscrito da Biblioteca da Ajuda e da obra de Caldas
Barbosa, Béhague sugere que, se não todas
as modinhas da coleção, grande parte delas é de
Domingos Caldas Barbosa. Destaca as características
musicais consideradas brasileiras presentes em muitas
modinhas desse manuscrito, sobretudo a frase
sincopada, que no caso dessas peças, aparece
totalmente incorporada ao estilo musical, indicando
uma prática adquirida naturalmente, ou seja,
pela convivência, e não pelo resultado de estudos
técnico-analíticos.
No estágio em que se encontram as pesquisas
sobre a modinha e o lundu, tanto no Brasil quanto
em Portugal, encontramos vários poemas de Domingos
Caldas Barbosa musicados por compositores de
renome, tais como Marcos Portugal (1762-1830),
compositor lisboeta que se transferiu para o Brasil
em 1811 e aqui permaneceu até sua morte;
e Antônio Leal Moreira (1758-1819), outro músico
português de renome em Lisboa no final do século
XVIII, só para citar alguns nomes. Outras tantas
modinhas sobre poemas seus, não trazem assinatura
do compositor da melodia, porém é muito provável
que Caldas Barbosa compusesse música de “ouvido”,
e por isso não tivesse o hábito de assinar suas
composições, pois consta que não era iniciado
nos cânones musicais (Sandroni, 2001).
Fato é que, na documentação pesquisada até
o presente momento, há uma grande quantidade
de modinhas que se destacam por possuir uma
musicalidade muito própria: melodias sinuosas de
poucos compassos e compostas por pequenos motivos,
a presença da síncopa melódica, o acompanhamento
em arpejos de quatro colcheias, parafraseando
as batidas do nosso atual pandeiro ou ganzá. Insisto
nestas características pois elas serão associadas
ao universo afro-brasileiro e estão na base de gêneros
como o choro, o maxixe e samba (Béhague, 1968).
Neste aspecto, o manuscrito Modinhas do Brasil
é de fundamental importância, pois, das trinta