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mais tradicionais do carnaval da cidade,como a Mangueira,a
Portela e a Salgueiro. Essa criação se deu no final dos anos
1920 e início dos 1930,concomitantemente aliás à criação do
respectivo concurso carnavalesco.
Por que o samba do Estácio foi tão influente? É difícil res-
ponder de forma cabal a essa pergunta, mas um fator parece
ter sido importante. Os compositores do Estácio rapidamen-
te atraíram a atenção de uma figura de enorme sucesso no
mundo da música profissional: o cantor Francisco Alves. No
final dos anos 1920, época em que começou a gravar sambas
de Bide e Ismael Silva, Chico Viola (como também era
conhecido) já era a estrela mais brilhante no firmamento do
rádio e do disco no país. Associando-se à turma do Estácio,
catapultou-a para um patamar de prestígio que só mais tarde
seria alcançado pelo pessoal da Mangueira e dos outros redu-
tos de samba. Não é de estranhar que estes tenham visto
naquela um modelo a ser imitado.
Os testemunhos sobre os desfiles de escolas de samba nos
anos 1930 indicam que eles não tinham muito em comum
com o que se vê hoje no Sambódromo. Cada escola cantava
três sambas, e não apenas um como a partir de 1940. Estes
não eram “sambas-enredo”pois o desfile não representava um
enredo, isto é, não contava uma história nem desenvolvia um
tema geral. Cada samba consistia de um refrão cantado em
coro, depois do qual um solista improvisava versos.
Evidentemente não havia amplificação, e os solistas tinham
que ter voz potente o bastante para ser ouvida em meio à
bateria. (Esta tinha muito menos integrantes que as de hoje,
mas mesmo assim precisava tocar baixinho nas partes dos
solistas.)
As transformações do samba na primeira metade do
século XX se deram em múltiplos planos: nos desfiles de car-
naval,mas também nos estúdios de gravação. Estes diferentes
planos eram controlados por forças sociais distintas: simplifi-
cando um pouco, pode-se dizer que, no desfile, quem manda-
va eram pessoas como Cartola ou Paulo da Portela, perten-
centes a camadas desfavorecidas da população;enquanto nos
estúdios,mandavam os diretores artísticos das gravadoras,ou
em última instância os próprios donos destas.O extraordiná-
rio relevo da música popular brasileira produzida naquele
período (e também posteriormente) está ligado sem dúvida a
que domínios sociais tão distintos tenham podido se entrela-
se, recebia em uma das línguas do tronco banto o nome de
“s emba”, suposta origem de “samba”...). Os dois dançavam no
centro da roda enquanto todos cantavam curtos refrões,
alternados com partes solistas também curtas e muitas vezes
improvisadas, e acompanhados por palmas e instrumentos
como o pandeiro, o prato-e-faca, o chocalho. Em seguida, a
pessoa que havia começado deixava o centro da roda e seu
parceiro escolhia segundo o mesmo procedimento um novo
par, e assim sucessivamente até que todos tivessem dançado
no centro.
Entre os freqüentadores destas festas baiano-cariocas
estavam músicos em vias de profissionalização, como os
depois famosos Pixinguinha, Sinhô e Donga. Eles se inspira-
ram, para suas composições, em muito do que ouviam por lá.
Donga,filho de uma baiana festeira,não foi o primeiro a usar
o nome “samba”como denominação de gênero para uma des-
tas composições; foi o primeiro a obter enorme sucesso popu-
lar ao fazê-lo, com o famoso “Pelo telefone”, de 1917. Mas
Sinhô é que iria se notabilizar, durante os anos 1920, como o
“Rei do Samba”,em composições como “Jura”,“Gosto que me
enrosco”e “A Favela vai abaixo”.
Esta bem sucedida atividade de compositores profissio-
nais iria modificar sensivelmente as conotações da palavra
samba no Rio de Janeiro, popularizando-a enormemente,
alargando cada vez mais a faixa da população capaz de iden-
tificar-se com ela.
No final dos anos 1920 são criadas as primeiras “escolas
de samba”. A origem da denominação é incerta. O que pare-
ce certo é que está ligada a um bloco carnavalesco do bairro
do Estácio de Sá,de nome “Deixa falar”. Este bloco teria sido
o primeiro a desfilar no carnaval ao som de uma orquestra de
percussões formada por surdos (tambores graves), tambo-
rins (tambores agudos) e cuícas (tambores de fricção), aos
quais se juntavam os já mencionados pandeiros e chocalhos.
Este conjunto instrumental foi chamado de “bateria”e presta-
va-se ao acompanhamento de um tipo de samba que já era
bem diferente dos de Donga, Sinhô e Pixinguinha.
O samba feito à moda do Estácio de Sá – cujos principais
criadores foram Ismael Silva, Nílton Bastos,Bide e Marçal –
firmou-se rapidamente como o samba carioca por excelência.
Foi seguindo suas pegadas que gente como Cartola e Paulo
da Portela criou as escolas de samba que viriam a tornar-se as