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de artistas e intelectuais,que começavam a olhar para a cultu-
ra afro-brasileira com uma curiosidade quase científica. Ao
aparecer no palcos cariocas e fazer furor com a população,
danças “remexidas” como fandangos, fados, batuques, e jon-
gos,eram na maioria das vezes apresentadas como intermezzos
ou no final de peças teatrais como elemento cômico. Desta
forma, contrastando com árias de ópera e canções líricas de
cunho Europeu, o elemento negro era caracterizado como
exótico e deviante da cultura européia “civilizadora.”
A música popular que emergiu no final do século XIX,
portanto, refletia a síntese das músicas apresentadas nos tea-
tros da capital,e era o resultado das aspirações artistícas, inte-
lectuais, e políticas da nova burguesia brasileira.
O início da carreira musical de Chiquinha Gonzaga
(1847-1935) serve como exemplo. Reconhecidamente uma
das personalidades mais importantes da música brasileira no
final do século XIX e começo do século XX, Chiquinha foi
aluna do imigrante português Arthur Napoleão,um pianista
virtuoso e prolífico compositor de peças de salão. Napoleão,
que fez do Rio de Janeiro a sua moradia desde 1868, atuou
também no comércio e publicação de música,e como organi-
zador de concertos de música clássica na capital brasileira. A
sua atuação nos meios musicais e artísticos cariocas era reco-
nhecida não somente nas altas rodas sociais, mas também
pelo imperador, que lhe concedeu a Ordem da Rosa.
Chiquinha iniciou sua carreira seguindo as pegadas de seu
professor; ela atuou como pianista em salões e escreveu um
grande número de composições para piano no estilo europeu
que eram tocadas em reuniões sociais e familiares das classes
média e alta Carioca. Napoleão se engarregou da publicação
e distribuição das primeiras composições de Chiquinha,
como as valsas para piano Plangente e Desalento, que apare-
ceram numa colecão de danças para piano, Alegria dos
Salões, ao lado de peças de Strauss, do Italiano Luigi Arditi, e
dos franceses Henri Hertz e Joseph Ascher.
Ao mesmo tempo que Chiquinha Gonzaga publicava
valsas, ela também se ocupava escrevendo peças para o tea-
tro,como tangos e habaneras no estilo das danças trazidas ao
Rio de Janeiro por companhia espanholas de zarzuela (e com
sucesso em Paris). Mesmo assim, seus tangos Seductor e
Sospiro, publicados por Arthur Napoleão na década de
1880, apareceram em coleções para piano ao lado de peças
sta proliferação de atrações teatrais e musicais tradu-
ziam o caráter nitidamente cosmopolita do Rio de
Janeiro nas últimas décadas do século. Gêneros e
estilos musicais de várias partes do mundo chegavam à cida-
de em grandes números,e especialmente aqueles em voga em
Paris. Os compositores brasileiros deste período que hoje são
caracterizados como “populares” saíram dessa tradição urba-
na e eminentemente cosmopolita; suas obras refletem os gos-
tos de uma classe média emergente que procurava um meio-
termo entre a tradição operistica e de concerto européia, e as
músicas das ruas da capital, particularmente aquela derivada
da tradição afro-brasileira. No final do século, portanto, a
linha divisória entre a música popular, música tradicional e
música “erudita” ainda não estava totalmente delineada; a
música “não erudita” era aquela que circulava em grandes
números e por publicações baratas,arranjadas e simplificadas
para atender um número grande de consumidores. Mas esta
distinção não se aplicava claramente ao gênero ou estilo musi-
cal: um tango, uma valsa ou uma canção operistica em italia-
no agradavam igualmente ao público carioca.
As danças em voga nos palcos do Rio de Janeiro neste
período eram as mesmas danças de sucesso nos teatros pari-
sienses, como a polca,o tango, e a habanera – as duas últimas
chegavam à capital brasileira pelo circuito Espanha-Paris-
Rio
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.Portanto,a popularidade do tango neste período não
refletia necessariamente uma tendêcia para a nacionalização
da música popular, mas refletia o gosto da burguesia carioca
que acatava amplamente as modas musicais provenientes de
Paris. Fora do teatro,estas danças entravam nas salas de visi-
tas da burguesisa através do piano,e lá subiam de status como
música digna de admiração e respeito.
Nos palcos do Rio de Janeiro a música e dança européias
confluiu com estilizações locais da música negra que permea-
va as ruas da cidade. É importante ressaltar que o elemento
negro dessa emergente música popular não era advindo das
autênticas rodas de batuques e de capoeira Afro-brasileiros,
mas de adaptações desta música para o palco,feitas para agra-
dar uma burguesia predominantemente branca, cujo gosto
musical era constantemente regido por ditames parisienses.
Na realidade, a inclusão de danças de origem Afro-brasileira
nos teatros cariocas refletia o momento político do pais, a
eminente abolição da escravatura, e um interesse particular
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