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A Política Externa de Direitos Humanos
Marco Antônio Diniz Brandão*
Ana Candida Perez**
1. O Brasil é o primeiro país a discursar na abertura das
sessões anuais da Assembléia Geral das Nações Unidas, e
neste pronunciamento de particular importância são
enunciados princípios, objetivos e preocupações de nossa
política externa. A primeira vez que o tema dos direitos
humanos foi abordado no discurso brasileiro foi em 1977,
na XXXII AGNU, pelo Chanceler Azeredo da Silveira,
que anunciou o ingresso do Brasil no rol dos membros da
Comissão de Direitos Humanos (CDH), com a finalidade
declarada de "contribuir de maneira mais efetiva, no plano
da normatividade internacional, para a promoção desses
direitos".
2. A iniciativa correspondia ao projeto interno de abertura
"lenta, segura e gradual" do governo Geisel em direção à
redemocratização, e às aspirações de setores
representativos da sociedade brasileira pela melhoria da
situação dos direitos humanos no país. Do ponto de vista
da diplomacia, o Brasil procurava superar os problemas
decorrentes das críticas internacionais sobre violações de direitos através da participação
ativa e construtiva no principal foro mundial de direitos humanos. Desde então são traços
característicos de nossa política externa de direitos humanos a interação entre as aspirações
internas pelo contínuo aperfeiçoamento das garantias dos direitos e liberdades, a afirmação
da nossa identidade democrática e da interdependência entre direitos humanos e
democracia, e a promoção de uma nova inserção internacional do país, que responda aos
desafios contemporâneos, nos planos interno e externo.
3. Alguns anos depois do pronunciamento do Chanceler Silveira, a evolução política interna
permitiu que o Presidente José Sarney afirmasse, em 1985, na abertura da XL sessão da
Assembléia-Geral da ONU, que "O Brasil acaba de sair de uma longa noite. (...) Com
orgulho e confiança, trago a esta Assembléia a decisão de aderir aos Pactos Internacionais
das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos, à Convenção contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, e sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. Com essas decisões, o povo brasileiro dá um passo na afirmação
democrática do seu Estado e reitera, perante si mesmo e perante toda a Comunidade
Internacional, o compromisso solene com os princípios da Carta da ONU e com a
promoção da dignidade humana."
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4. O processo de redemocratização foi coroado com a adoção da Constituição Federal de
1988, que afirmou que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado
democrático de direito que tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais de trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político.
A Constituição fixou como primeiro objetivo da República a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, e determinou que a prevalência dos direitos humanos é um dos
princípios que regem as relações internacionais do Brasil. A Constituição assegura o mais
amplo e detalhado elenco de direitos e liberdades individuais, coletivos e sociais. O
legislador conferiu ao cidadão as garantias contra o arbítrio e a discriminação, assegurou os
direitos civis e políticos, e reconheceu os direitos sociais à educação, saúde, trabalho, lazer,
segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância. Afirmou e protegeu
os direitos da mulher, da criança, dos portadores de deficiência, e dos indígenas.
5. A Constituição fixou os dispositivos que garantem os direitos humanos como cláusulas
pétreas, insusceptíveis de emendas restritivas, e previu que aos direitos e garantias nela
expressos se somam todos aqueles decorrentes dos tratados internacionais celebrados pelo
Brasil. A intenção do legislador foi a de ampliar ao máximo o horizonte dos direitos, de tal
forma que está também previsto que a interpretação da Carta nesse particular deve ser a
mais progressista e abrangente, já que o elenco de direitos e garantias não exclui a
incorporação de outros decorrentes do regime e dos princípios da Carta (Artigo 5o.,
LXXVII, parágrafo 2o.).
6. A diplomacia brasileira pauta-se na Constituição ao erigir como uma de suas prioridades
a proteção internacional dos direitos humanos, e ao atuar nesse campo em permanente
diálogo com a sociedade e com os organismos internacionais e organizações não-
governamentais. A Constituição explicita o papel fundamental da cidadania na condução do
Estado; a sociedade é instada a participar, por exemplo, das políticas públicas de educação,
proteção do meio ambiente, proteção da criança e do adolescente, assistência social. A
parceria governo-sociedade encontrou sua formulação mais precisa no Artigo 204 da Carta
Magna, que diz que as ações governamentais de assistência social terão como uma de suas
diretrizes a "participação da população, por meio de suas organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis".
7. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo presidente eleito por sufrágio direto e
universal após a redemocratização, norteou sua administração pelos princípios da
democracia e participação cidadã, e respeito dos direitos humanos. Em seu primeiro ano de
mandato, o Presidente escolheu a data simbólica do 7 de setembro, Dia da Independência,
para reafirmar seu compromisso pessoal e o engajamento de seu governo "na luta sem
trégua" pelos direitos humanos, pela igualdade, e contra todas as formas de discriminação.
O Presidente disse que, no limiar do século XXI, a luta pela liberdade e pela democracia
tem um nome específico: Direitos Humanos. Reconheceu "essa vontade do nosso povo, de
não apenas falar de direitos humanos, mas de garantir a sua proteção", a "vontade imensa
de participação", e a capacidade de organização da sociedade brasileira para defender a
natureza, os direitos humanos, os direitos da mulher, o direito do consumidor, e para lutar
contra a discriminação.
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8. O Presidente Fernando Henrique Cardoso recordou o papel especial do Brasil na
Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena - na pessoa do Embaixador Gilberto
Saboia, exercemos a Presidência do Comitê de Redação, que elaborou a Declaração e
Programa de Ação de Viena (DPVA)- e decidiu que o Brasil seguiria a recomendação do
Programa de Ação de Viena e adotaria um plano nacional de ação para os direitos humanos.
No ano seguinte, também em data simbólica - dia comemorativo da Abolição da
escravatura- o Presidente lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos. O programa,
elaborado a partir de ampla consulta à sociedade, segue em suas linhas gerais as
recomendações de Viena, e reforça o compromisso do Brasil com a implementação das
metas da Conferência.
9. Em perfeita sintonia com a orientação do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e no
esteio de uma longa tradição jurídico-diplomática que sempre se norteou pelo
universalismo, pela solidariedade entre os povos, e pelo empenho na construção de
garantias para a paz e a equidade nas relações internacionais, o Itamaraty pauta sua atuação
em matéria de direitos humanos pelos seguintes princípios:
a. Reconhecimento da legitimidade da preocupação internacional com a situação dos
direitos humanos em qualquer parte do mundo. O Brasil tem a firme convicção de
que todos os Estados membros das N.U. tem a obrigação do respeito e da promoção
dos direitos e liberdades enunciados na Declaração dos Direitos Humanos de 1948,
e tem o compromisso, decorrente da Carta de São Francisco, de cooperarem entre si
e com a ONU para a proteção e promoção desses direitos. Juridicamente, decorre da
Carta das N.U. a legitimidade da preocupação e da cooperação da comunidade
internacional com a situação dos direitos humanos em qualquer lugar. A
legitimidade da atuação da comunidade internacional em questões de direitos
humanos funda-se também em valores éticos que fazem parte da identidade
permanente do Brasil.
b. Universalidade dos direitos humanos. O Brasil acredita que os direitos e liberdades
consagrados na Declaração de 1948 tem validade universal e não aceita a tese de
que os particularismos históricos, religiosos e culturais limitariam ou relativizariam
esses direitos. O que não significa que devam ser ignoradas as peculiaridades de
cada país ao considerar-se a respectiva situação de direitos humanos; as
peculiaridades são fatores que enriquecem e conferem objetividade e complexidade
à compreensão das situações, possibilitando uma cooperação efetiva em prol dos
direitos humanos.
c. Indivisibilidade e interdependência de todos os direitos. Não é possível dissociar a
realização dos direitos civis e políticos dos sociais, econômicos e culturais, nem
hierarquizar os direitos. Embora a falta de desenvolvimento não justifique as
violações, nem possa ser utilizada como argumento para limitar as garantias de
direitos e liberdades, é fato que a pobreza e a escassez de recursos materiais e
humanos dificulta a realização dos direitos. A Conferência de Viena reconheceu a
inextricável interrelação entre democracia, desenvolvimento e o respeito dos
direitos humanos. Nessa linha de raciocínio, o Brasil sempre ressaltou a importância
do direito ao desenvolvimento
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realização integrada de todas as categorias de direitos.
A Conferência de Viena reconheceu os elementos coletivos necessários à realização do
direito ao desenvolvimento - políticas públicas de desenvolvimento sustentável, relações
econômicas internacionais equitativas e ambiente econômico internacional favorável - mas
não logrou avançar na sugestão de medidas para dar-lhe significado concreto. A partir do
consenso obtido em Viena sobre o reconhecimento do direito ao desenvolvimento, a
Comissão de Direitos Humanos tem progredido na criação de mecanismos que visam dar
operacionalidade ao conceito. O Brasil vê com satisfação os progressos nesse sentido e
apóia a intenção da Alta Comissária das N.U. para Direitos Humanos, Mary Robinson, de
dar mais destaque, com a finalidade de equilibrar o tratamento das categorias de direitos,
aos direitos econômicos, sociais e culturais, e em particular ao direito ao desenvolvimento.
d. Necessidade da cooperação internacional para a proteção e promoção dos direitos
humanos. O Brasil acredita que o reconhecimento da interrelação entre democracia,
desenvolvimento e direitos humanos tem como decorrência lógica a necessidade da
cooperação internacional. O Brasil tomou a iniciativa, acolhida na Declaração e
Programa de Ação de Viena (DPAV), de propor a criação de um programa de
assistência técnica e financeira das N.U. para auxiliar os Estados na tarefa de criar
ou fortalecer estruturas nacionais adequadas, com impacto direto sobre a
observância geral dos direitos humanos e a manutenção do estado de direito.
Conforme a DPAV, "o programa deve ajudar os Estados na implementação de
planos de ação e na proteção e promoção dos direitos humanos". O Brasil tem
buscado essa cooperação, sobretudo a partir da adoção do Programa Nacional de
Direitos Humanos, em 1996. Na Comissão de Direitos Humanos, e em outros foros
especializados, o Brasil tem ressaltado que as atividades de monitoramento e exame
crítico devem ser acompanhadas pari passu por iniciativas concretas de cooperação
com os Estados.
e. Transparência e diálogo franco e construtivo com outros Estados, organismos
internacionais, organizações não-governamentais e pessoas interessadas em
questões de direitos humanos, sempre que esse diálogo seja buscado por interesse
genuíno na causa dos direitos humanos e conduzido com respeito mútuo. A
diplomacia brasileira encara com naturalidade os questionamentos sobre a situação
dos direitos humanos no Brasil, desde que o objetivo visado seja a cooperação, e
que não se incorra em distorções e inverdades. O vigor interno da democracia no
país reflete-se em críticas e exigências da sociedade que, como é natural, almeja a
contínua melhoria da proteção e promoção dos direitos. As críticas e demandas
frequentemente ecoam nos foros internacionais de direitos humanos porque as
ONGs nacionais e internacionais atuam no país com independência e liberdade.
f. Recusa da seletividade e politização no tratamento dos direitos humanos. O sistema
internacional de proteção dos direitos realizou notáveis avanços, não apenas no seu
esforço de codificação jurídica, mas também na criação de mecanismos de
monitoramento da situação geral dos direitos humanos, ou de direitos específicos. O
Brasil participa ativa e construtivamente desse processo, e colabora para o
fortalecimento do sistema internacional de proteção de direitos, tendo co-
p
atrocinado diversas iniciativas nesse sentido. No entanto
,
o Brasil considera
q
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sistema ainda se ressente de elevado grau de politização, que resulta em seletividade
na escolha das situações monitoradas, com evidente desequilíbrio Norte-Sul.
10. O Brasil tem apontado para a necessidade de que o sistema internacional de
monitoramento dos direitos humanos busque maior objetividade e procure salvaguardas
contra a seletividade. Nos foros internacionais de direitos humanos nossa diplomacia é
reconhecida pela capacidade de promover consensos e fazer a ponte entre posições
divergentes, notadamente nas dicotomias Norte-Sul. O Brasil foi escolhido para presidir o
Comitê de Redação da Conferência de Viena pela sua vocação de mediador, como país que
compartilha valores do mundo ocidental desenvolvido e ao mesmo tempo compreende e
vivencia a problemática dos países em desenvolvimento.
11. O esteio de nossa política externa de direitos humanos, como tem afirmado o Chanceler
Luiz Felipe Lampreia, é a democracia, a qual "(...) constitui um instrumento fundamental
para a inserção internacional do Brasil, uma qualidade que nos dá força moral em nosso
relacionamento com outras nações e legitimidade em nossa ação externa. A democracia (...)
é hoje o principal traço de identidade do Brasil no exterior." Para o Brasil, a democracia e
os direitos humanos são um binômio inseparável. Decorrência natural dessa concepção é a
feitura da política externa em diálogo permanente com a sociedade, seja através das
lideranças políticas, seja através da imprensa, seja através do contato direto em seminários
e encontros com a academia e as organizações não-governamentais, como salienta o
Chanceler Lampreia. "O Itamaraty não cria interesses nacionais, ele os identifica e os
defende, com um mandato da sociedade, à qual presta contas, inclusive através do
Congresso Nacional."
12. As posições que a diplomacia brasileira defende em foros de direitos humanos refletem
os interesses e preocupações de nossa sociedade. A Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados, instituições acadêmicas (como, por exemplo, o Núcleo de Estudos
da Violência da Universidade de São Paulo, e a Universidade de Brasília) e as ONGs são
interlocutores frequentes do Itamaraty. Desde a Conferência do Rio de Janeiro sobre
Desenvolvimento e Meio Ambiente (1992), e em seguida na Conferência de Viena sobre
Direitos Humanos (1993) e nas demais grandes conferências da década sobre temas
humanos e sociais, o Itamaraty buscou a participação ativa de todos os órgãos
governamentais envolvidos no assunto, e de entidades representativas da sociedade para a
definição das posições oficiais. A própria composição das delegações brasileiras às
conferências espelhou essa interação governo-sociedade.
13. Não é o realismo, o pragmatismo, que levaram o Brasil a eleger como uma das mais
altas prioridades de sua política externa a promoção da democracia e dos direitos humanos,
e sim, como salientou o ex-Chanceler Celso Lafer, a convergência entre a Política e a Ética
característica das democracias. As forças antitéticas que hoje conformam o sistema
internacional são a força centrípeta da globalização (finanças, investimentos, comércio,
informação, e o novo tratamento dos temas da segurança coletiva, meio ambiente e direitos
humanos) e as forças centrífugas da fragmentação, exclusão e marginalização- às vezes
como subprodutos da globalização. A síntese deve ser buscada na "associação positiva
entre direitos humanos e democracia"
,
como
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reconiza Celso Lafer
,
de
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ermitir a
manutenção da paz. Nessa concepção, os direitos humanos, vistos de uma perspectiva
integrada e abrangente (direitos civis, econômicos, políticos, sociais, e culturais, direito ao
desenvolvimento) são componente essencial da governabilidade, no plano interno e
externo, e da manutenção da paz.
14. A Carta de São Francisco colocou as questões humanitárias e de direitos humanos sob o
signo da cooperação, o que foi reafirmado pela Conferência Mundial de Viena. O Brasil
acredita que essa cooperação deve manifestar-se em gestos concretos de promoção dos
direitos humanos integrais - incluindo o direito ao desenvolvimento - de todos os povos.
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* Marco Antônio Diniz Brandão, Ministro da Carreira de Diplomata, é Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais
(DHS) do Ministério das Relações Exteriores desde maio de 1997. E-mail: mbranda[email protected].br
** Ana Candida Perez, Conselheira da Carreira de Diplomata, é Assessora do Diretor-Geral do DHS. E-mail: candida@mre.gov.br
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