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PESTALOZZI
JOHANN
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Michel Soëtard
PESTALOZZI
JOHANN
Tradução
Martha Aparecida Santana Marcondes
Pedro Marcondes, Gino Marzio Ciriello Mazzetto
Organização
João Luis Gasparin
e Martha Aparecida Santana Marcondes
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ISBN 978-85-7019-539-5
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de
melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal
e não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos
contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são
necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
Maria de Fátima Guerra Sousa
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Soëtard, Michel.
Johann Pestalozzi / Michel Soëtard; tradução: Martha Aparecida Santana
Marcondes, Pedro Marcondes, Ciriello Mazzetto; organização: João Luis Gasparin,
Martha Aparecida Santana Marcondes. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
Editora Massangana, 2010.
112 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-539-5
1. Pestalozzi, Johann Heinrich, 1746-1827. 2. Educação – Pensadores – História. I.
Gasparin, João Luis. II. Marcondes, Martha Aparecida Santana. III. Título. CDU 37
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SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Michel Söetard, 11
A experiência fundadora: o Neuhof, 12
O educador enquanto educador, 16
O “método” e seu espírito, 21
As ideias de Pestalozzi no Brasil, por João Luis Gasparin, 31
Textos selecionados, 41
Como Gertrudes instrui seus filhos, 41
Primeira carta, 46
Quinta carta, 62
Sexta carta, 65
O método, 73
A pedagogia de Pestalozzi, 89
Exercícios para o desenvolvimento dos sentidos,
a música como meio educativo, 92
Utilidade pedagógica do desenho e da modelagem, 97
Cronologia, 103
Bibliografia, 107
Obras de Pestalozzi, 107
Obras sobre Pestalozzi, 108
Obras sobre Pestalozzi em português, 109
Outras referências bibliográficas, 109
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COLEÇÃO EDUCADORES
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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ANTONIO GRAMSCI
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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9
COLEÇÃO EDUCADORES
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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COLEÇÃO EDUCADORES
JOHANN HEINRICH PESTALOZZI
(1746-1827)
1
Michel Soëtard
2
O nome de Pestalozzi é mencionado frequentemente, mas poucos
o leem e continuam conhecendo muito mal tanto sua obra quanto
seu pensamento: geralmente o relacionam à imagem calma “do co-
ração maternal grande” ou do “pai dos homens pobres”, visto que
Pestalozzi foi um pensador e sobretudo um apaixonado homem de
ação. Pai da psicologia moderna inspirou diretamente a Fbel e
Herbart e seu nome está vinculado a todos os movimentos de re-
forma da educação do século XIX
3
. Mas é certo que sua obra não é
de fácil acesso. Abundante, inacabada, escrita em todos os estilos e
registros, constitui um desafio permanente ao espírito cartesiano
4
.
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée.
Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n. 1-2, pp. 307-320, 1994.
2
Michel Soëtard (França) é professor de filosofia da educação e de história das ideias
pedagógicas na Federação Universitária e Politécnica de Lille. Professor convidado nas
universidades de Würzburg (Alemanha) e de Pádua (Itália). Membro do Conselho da
Associação Mundial das Ciências da Educação e do Comitê Executivo do Instituto para a
Formação Europeia. Autor de Pestalozzi ou “la naissance de l’éducateur”, Pestalozzi y
Rousseau (colección “Les Grands Suisses”). Colaborou em várias obras e escreveu
numerosos artigos sobre história da pedagogia e problemas atuais da educação para
revistas alemãs, suíças, francesas e italianas.
3
Centro de documentação e de pesquisa Pestalozzi, c.p 138, 1400 Yverdon, Suisse;
Revista Pestalozzianum de Zurich (Beckenhofstrasse 31-33, 8006 Zurich, Suisse) informa
regularmente acerca das publicações sobre o pedagogo suíço.
4
O único texto de referência é o da edição crítica das obras e as cartas: a) Pestalozzi,
Sämtliche Werke [Pestalozzi: obras completas] (denominado posteriormente SW); b)
Pestalozzi, Sämtliche Briefe [denominado posteriormente SB]. O Diccionario de F. Buisson
continha importantes artigos sobre Pestalozzi, suas experiências e seus principais colabo-
radores; em 1980, J. Guillaume publicou em 1890 um Étude biographique de Pestalozzi, de
notável qualidade para sua época, e a tradução de Darin de Comment Gertrude instruit ses
enfants foi um êxito editorial no princípio do século. Apesar de não dispormos de uma
biografia atualizada em francês (a melhor continua sendo a do alemão K. Silber, Johann
Heinrich Pestalozzi. Der Mensch und sein Werk [Johann Heinrich Pestalozzi: o homem e a
obra], publicada em 1957 e traduzida para o inglês em 1973), podemos remeter o leitor a
duas obras: J. Cornaz-Bensson, Qui êtes-vous, Monsieur Pestalozzi? [Quem sois vós,
Senhor Pestalozzi?], Yverdon, 1977: y G. Piaton, Pestalozzi, Privat, 1982. Indicaremos ao
longo das notas e na bibliografia que segue, as traduções francesas das obras disponíveis.
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ANTONIO GRAMSCI
Creio que para estabelecer a atualidade de Pestalozzi hoje de-
veremos nos esforçar por interpretar os momentos fundamentais
de sua existência de homem e pedagogo, à luz das preocupações
atuais. Isto ajudará o leitor redescobrir os sonhos e ilusões que
acompanharam a emergência do pensamento educativo e que ain-
da se fazem presente hoje. Mas encontraremos, sobretudo, uma
pessoa que, depois que seu sonho filantrópico se frustra em uma
primeira experiência, mas soube esforçar-se para captar toda di-
mensão histórica da ideia educativa e vinculá-la a uma atitude pe-
dagógica que se converteu na razão de ser de toda uma existência
5
.
A experiência fundadora: o Neuhof
No começo tudo se reduziu a uma experiência que terminou
catastroficamente. Pestalozzi adquiriu em Argóvia uma proprie-
dade chamada de Neuhof e no início dos anos de 1770 acolheu as
crianças pobres da vizinhança aos que faziam trabalhar na fiação e
tecelagem de algodão; o produto de seu trabalho serviria para
financiar a sua formação. Para essa época se tratava de uma em-
presa educativa absolutamente original, baseada no trabalho ad-
ministrado pelas próprias crianças. Para Pestalozzi esta experiência
foi o último avatar de um importante sonho de juventude.
Pestalozzi começou compartilhando os questionamentos e
agitações dos jovens ativistas na busca de uma nova ordem social.
O jovem Pestalozzi, rompendo com o sistema educativo de sua
cidade natal que, apesar de ser considerado um dos melhores da
Europa, estava muito comprometido com um regime político que
reservava os direitos essenciais aos habitantes da cidade e privava
completamente dos mesmos aos do campo, preferiu frequentar
5
Os argumentos que seguem retomam no essencial os resultados de nosso estudo:
Pestalozzi ou “La naissance de l’éducateur: Étude sur l’évolution de la pensée et de
l’action du pédagogue suisse” (1746-1827) [Pestalozzi e o nacimento do educador: estu-
do sobre a evolução do pensamento e da ação do pedagogo suíço (1746-1827)], Berna,
P. Lang, 1981, 671 páginas.
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COLEÇÃO EDUCADORES
os círculos estudantis onde se debatiam livremente os verdadeiros
problemas da cidade. Inclusive atacou ocasionalmente certas per-
sonalidades corruptas como consequência foi encarcerado por al-
guns dias no final de janeiro de 1767.
Vinculou-se estreitamente aos meios “pietistas” de Zurich, cujos
membros se esforçavam em viver um cristianismo prático, longe
da “religião do verbo”, das imposições dogmáticas e dos com-
promissos políticos. Teve especialmente presente as realizações dos
AnaBaptistas e dos Irmãos Moravos que em diversas regiões e
seguindo as trilhas deixadas em Halle pelo prestigioso Waisenhaus
de Francke, realizavam experiências de formação vinculadas com
o trabalho agrícola e industrial.
Mas foi seu compatriota Rousseau quem deu um impulso deci-
sivo a Pestalozzi, que durante toda sua vida teve o Emílio como livro
de cabeceira e que, um ano antes de sua morte, falava de seu autor
como o “centro de ação do antigo e do novo mundo em matéria de
educação”, o que “quebrou as correntes do espírito e devolveu a
criança a si mesmo, e a educação à criança e à natureza humana”
6
.
Por conseguinte, a empresa do Neuhof esteve movida por um
grande sonho de refazer uma humanidade autônoma, longe da civi-
lização urbana e das discussões estéreis dos jovens aristocratas.
Pestalozzi se converteu em um pobre entre os pobres e se ocupou
de fazê-los descobrir em sua própria condição os instrumentos de
sua libertação, neste caso o salário industrial: com consequência, a
propagação da fiação e tecelagem de algodão nos campos pro-
porcionava às famílias campesinas um meio de subsistência estável
que nunca puderam obter da agricultura. Mas era necessário que os
interessados soubessem dominar a nova fonte de benefícios e que,
uma vez rompido o vínculo com a natureza agrícola, os homens
assumissem toda a dimensão humana dessa emancipação. Assim o
6
Pestalozzi, J. H. Méthode théoriques et pratique. SW, v. 28, p. 319, 1767. (texto
publicado em francês por Pestalozzi).
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ANTONIO GRAMSCI
Neuhof se esforçou por obter simultaneamente um duplo objetivo:
introduzir as crianças na racionalidade econômica e, ao mesmo tem-
po, contribuir para que cada uma delas desenvolvesse sua personali-
dade autônoma em uma sociedade de liberdade e responsabilidade.
A experiência pedagógico-industrial logo enfrentou dificulda-
des insuperáveis e se declarou falida em 1780. Isto se deveu a
causas externas, mas isso equivaleria a esquecer que Pestalozzi rei-
vindicou sempre a responsabilidade de seu fracasso inicial e con-
duziria sobretudo, a não considerar um elemento decisivo para
compreender sua evolução ulterior que, até as “Investigações so-
bre o curso da natureza em desenvolvimento do gênero humano”
de 1797, a elaboração do método e o apogeu de Iverdon, pode
ser interpretado como um esforço para superar as contradições
que levaram ao fracasso a experiência do Neuhof. Ademais, no
curso desta experiência se levantaram a maioria dos problemas
que mais tarde não deixaram de ser objeto das preocupações da
educação chamada “nova”, em seus componentes mais notáveis,
em particular os que se vincularam ao trabalho industrial
7
.
Toda a empresa estava baseada no trabalho social, concebido
como o instrumento decisivo de desalienação do processo educativo:
ao financiar sua própria formação com o produto de seu trabalho,
as crianças não deviam nada a ninguém. Pestalozzi não tarda em
comprovar, não obstante, que na realidade esta visão filantrópica do
trabalho também deve considerar um meio socioeconômico que
impõem à pequena empresa exigências da rentabilidade e que estas
terminam por impor-se aos objetivos educativos da mesma. Quan-
do percebe que as crianças ignoram o tempo em que corriam livre-
mente pelo campo, o professor do Neuhof é forçado a rever o
conceito, segundo o qual o trabalho é algo natural ao homem.
7
Ver Pistrak, M.; Ray-Herne, P. A. Les problèmes fondamentaux de l’école du travail.
Paris: Desclée de Brouwer, 1973.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Aposta no interesse de seus discípulos em uma experiência
centrada no bem de cada e no de todos, mas logo terá que admitir
que o interesse continua sendo uma realidade relativa e enraizada muito
no desejo egoístico de cada um: assim, não pode impedir que em
qualquer momento os pais venham retirar o filho que recuperou forças,
vestido de roupa nova e principalmente, em condições de aportar à
família um salário que não tem por que alimentar a outrem.
Pestalozzi se acha então em uma posição institucional insustentável:
o que sinceramente ele quer dar a cada criança são os instrumentos
de sua autonomia e se vê constantemente forçado a impor a essas
mesmas crianças as exigências da rentabilidade, e seu discurso filan-
trópico, que move todos os meios da moral e da religião, finalmente
se percebe como uma insuportável chantagem em garantia da pro-
dutividade. É assim que o mais generoso dos homens, que investiu
na experiência toda a sua fortuna, é acusado pelos primeiros interes-
sados de buscar, em primeiro lugar… seu próprio interesse.
O objetivo básico de Pestalozzi era, como ele escreveu em 1774,
no seu diário sobre a educação de seu filho Jacob, “reunir novamente
o que Rousseau separou”: a liberdade e a obrigação, o desejo natural
e a lei que todos querem para todos. Mas o próprio Rousseau havia
destacado que essa coexistência ideal quebraria inevitavelmente a
primeira tentativa de realização. Pestalozzi também comprova em
seu fracasso o paradoxo exposto no Livro I do Emílio: que não
podem ser unidos em um mesmo projeto a educação do homem
(livre) e a do cidadão (utilizável). Pelo menos, se todos os discípulos
mais ou menos fiéis de Rousseau, Pestalozzi teve o mérito de haver
tentado realizar o Emílio em toda sua força paradoxal, e dessa ma-
neira esteve em condição de superar, chegado o momento, as fe-
cundas contradições da obra de Rousseau.
Pestalozzi deveria resignar-se então a ser a testemunha impotente
do fracasso de sua experiência devido a múltiplas manifestações de
egoísmo. Mas longe de renunciar ao seu projeto fundamental e de
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ANTONIO GRAMSCI
submeter-se pacificamente ao conformismo social, empreenderá um
esforço notável para enraizar, apesar de tudo, a vontade de autonomia
nessa realidade social que havia rejeitado em um primeiro momento.
Esta reflexão lhe fará apreciar com melhor clareza ainda a medida
do ato educativo, da educação como a ação no centro de uma soci-
edade que não está segura de quais são seus fins.
O educador enquanto educador
Os analistas da obra de Pestalozzi não se interessaram muito
pelo período que separa o fracasso de Neuhof (1780) da nova
experiência de Stans (1799). Não obstante, esse período se carac-
teriza por uma mutação decisiva de seu universo intelectual e de
sua ação que fará nascer das ruínas de sua primeira experiência, um
novo tipo de homem que se definirá como tal: o educador.
Esta reflexão não cessa de enraizar-se na experiência de seu
protagonista. Bem, é certo que a aventura do Neuhof o desacre-
ditou durante muito tempo perante os educadores sérios, mas a
escola que concebe em sua obra nos anos de 1780, Leonard e
Gertrude, e, posteriormente na versão modificada de 1790-1792,
se assemelha a uma espécie da experiência simulada
8
; experiência
também do destino dramático de seu filho Jakob, a quem havia
querido converter, no Neuhof, em uma caracterização histórica
do Emílio e que havendo se afastando de seu pai após o fracasso
do instituto, retorna em um dia de 1787, vítima de crises nervosas
e do paradoxo de Rousseau; assim como experiência da grande
comoção social de 1789, réplica macrocósmica do que Pestalozzi
havia querido fazer no Neuhof; sua consagração em agosto de
1792 como o cidadão honorário da Revolução Francesa; a im-
possibilidade de fazer ouvir sua voz de pedagogo; sua decepção
em face da manifestação dos egoísmos democráticos… através
8
Existe uma tradução francesa disponível da primeira versão em Éditions La Baconnière,
Broudry (Suíça).
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COLEÇÃO EDUCADORES
de todos estes acontecimentos Pestalozzi chega a um intenso
período de clarificação que alcança seu apogeu no texto teórico
primordial de 1797: Investigações.
Não é fácil resumir em poucas linhas essa efervescência do
pensamento. Felizmente dispomos de uma carta datada de 1 de
outubro de 1793 na qual Pestalozzi dirige a seu confidente dessa
época, Nicolovius, e onde, à luz dos acontecimentos passados e
presentes, ele resume a evolução que está vivendo
9
. Deste modo,
revela que no mais profundo de si mesmo, sua reflexão e sua ação
se encontravam sob a influência de duas forças contrárias:
1. Segundo disse, no começo foi vítima inconsciente de um “so-
nho de educação” que se nutria de “desacertos econômicos”,
que se explicavam realmente em um profundo “erro” sobre a
natureza do homem. Esse é o significado do que ocorreu no
Neuhof: uma ingênua confiança no milagre da indústria e, tam-
bém, na capacidade do homem para dominá-la espontanea-
mente; uma crença profunda em uma liberdade natural dos fi-
lhos de Deus e na virtude de uma educação que se limitaria a
acompanhar o movimento da natureza.
2. É interessante a maneira como se relaciona esse primeiro erro
com o segundo que o absorveu totalmente durante o período
seguinte. Em seguida, com a vontade apaixonada de conhecer
essa realidade humana que se havia imposto a sua grande ideia, se
dedicará à pedagogia científica: prova disso são essas cenas de
observações diárias e essa aritmética dos comportamentos com
que aconselha e dirige os trabalhos práticos do preceptor Petersen;
também o prova a atitude do mestre Gluphi que, de uma versão
à outra da obra, se mostra cada vez mais preocupado em conhe-
cer os homens tal como são e, como laico-positivista, remete ao
pastor seus sonhos de humanidade.
9
SB, v. 3, pp. 298-302, 1793.
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ANTONIO GRAMSCI
A estas duas concepções de homem se vinculam outros tantos
projetos educativos, precisamente os dois projetos que Pestalozzi
havia tratado de combinar em vão no Neuhof: a realização “da
dignidade interior mais pura do homem” por um lado e “sua boa
formação para as necessidades essenciais de sua vida terrestre”
por outro lado.
A novidade da reflexão de Pestalozzi nos anos de 1790 é que
ele percebe que esses dois objetivos, em realidade, se enraízam em
uma mesma ilusão: se pretende poder definir a priori, como se
fosse possível se colocar do ponto de vista de Deus, as “necessi-
dades essenciais” do homem neste mundo, e os critérios de sua
“dignidade interior” no outro. Mais profundamente, se pretende
moldar em sua dimensão interior assim como em sua expressão
exterior a liberdade do homem, uma vez que o desenvolvimento
autônomo da liberdade constitui a melhor oportunidade que se
pode apresentar à educação.
Com efeito, se a educação deve se satisfazer em realizar um
tipo de homem definido fora de si mesma, ela só pode ter um
sentido acessório. Pestalozzi se nega a que ela funcione como um
mero instrumento de modelagem a serviço de um mundo dado
seja real ou ideal: ela será uma forma de ação que permita a cada
um fazer-se a si mesmo, a partir do que ele é e no sentido do que
deseja ser, “uma obra de si mesmo”.
A educação encontra, assim, seu sentido no projeto de auto-
nomia. Mas Pestalozzi se apressa em insistir que o conteúdo pro-
fundo desta palavra, tão estimada pelo idealismo alemão, não se
esgota em um novo conceito humanista no nome do qual se
continuaria, na prática, escarnecendo a dignidade humana. Para o
autor de Investigações, a autonomia só é real na medida em que não
cessa de fazer-se entre as mãos dos interessados.
Do sentido assim enunciado nas Investigações, se deduzem al-
gumas consequências essenciais para a reflexão e a ação de Pestalozzi:
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COLEÇÃO EDUCADORES
1. Tanto a política quanto a religião, comprometidas em um con-
flito sem saída entre a defesa da dignidade do indivíduo e sua
necessária mutilação social, somente poderão superar seu confli-
to mútuo na obra de educação. Com efeito, na medida em que a
legislação se pratica como uma educação, o estadista saberá às
vezes evitar os conflitos sociais, cada vez mais ameaçadores à
medida que se agravam os interesses e criar uma vontade geral
indispensável o mais próximo possível da vontade de cada um.
Por sua vez, a religião, abandonando de uma vez por todas sua
pretensão de dominar ao mesmo tempo a carne e o espírito,
poderá recuperar seu papel do “sal da terra”, mas de uma terra
onde, como o escreve na carta a Nicolovius, “o ouro e as pedras
e a areia e as pérolas tem seu valor independentemente desse sal”.
A atitude do educador reduz desse modo o conflito entre a
política e a religião, situando cada um em seu próprio espaço.
2. Pestalozzi consegue assim também compreender seu erro do
Neuhof. Ao querer jogar simultaneamente o jogo da racionalidade
econômica e o do desenvolvimento pleno do indivíduo, se havia
colocado com toda inconsciência no centro do turbilhão que
estava deslocando a sociedade de então. Pestalozzi já não será
nem o duro empresário nem o bom pai do povo, mas um edu-
cador, situando-se a distância às vezes das exigências sociais como
do desejo dos interessados e lutará para conseguir a aproxima-
ção dos dois polos no sentido de constituir em cada um deles a
liberdade autônoma, uma liberdade comprometida às vezes com
o mundo social graças à aquisição do ofício, e se esforçando para
encontrar nessa realização o desenvolvimento pleno de si mes-
mo. A ação educativa permite, deste modo, superar o paradoxo
de Rousseau que estabelecia a impossibilidade de formar ao
mesmo tempo o homem e o cidadão.
3. Pestalozzi coloca assim as bases de um lugar privilegiado
que, entre a família, sempre mais ou menos envolvida em seus
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ANTONIO GRAMSCI
interesses privados, e a sociedade civil, cada vez mais acuada
pelas exigências desumanas da racionalidade econômica, de-
veria não só fomentar na criança a passagem de um universo
ao outro, mas também contribuir para a constituição dessa
liberdade autônoma que não pode estar garantida nem exclu-
sivamente pela natureza nem exclusivamente pelo direito. Esse
lugar é a escola. O ideal seria, por conseguinte que os pais se
tornassem educadores em iguais condições dos artesãos do
bem comum; mas sendo o que é a evolução da célula familiar,
a escola como lugar da educação deverá desempenhar uma
função cada vez mais importante na sociedade civilizada
10
.
4. Essa tarefa, a escola só a cumprirá realmente se aceitar fazer
um trabalho de pedagogia. Esta palavra cobra já seu pleno
sentido nos escritos de Pestalozzi. Tratar-se-á, com efeito, de
aplicar uma prática específica que não se conforme em trans-
mitir às jovens gerações as exigências da civilização mas que se
organize de tal maneira que os interessados possam construir
sua liberdade autônoma. Nem simples prolongação da or-
dem familiar, nem simples lugar de reprodução da ordem social,
a escola deverá manifestar sua ordem própria através da obra
pedagógica: este será todo o sentido do Método.
5. Mas a consequência mais importante da reflexão que chega a
seu ponto culminante nas Investigações de 1797 (uma
consequência que na realidade, Pestalozzi não expõe, mas que se
acha subjacente em toda a sua obra futura) é o fato de que o
pedagogo se coloca desde esse momento em uma posição tal
que pode compreender a criança e sua realidade por acontecer.
10
O que se associou ao nome de Pestalozzi no princípio da educação familiar (Wohnstube)
e à da mãe em particular, resulta de uma análise insuficiente dos textos do pedagogo e da
evolução de seu pensamento. É, de fato, certo afirmar que Pestalozzi luta com a realidade
de uma célula familiar em crise e que a educação, ao mesmo tempo em que a instituição
escolar, se desprende progressivamente em sua obra como o meio de superar a inevitá-
vel descolocação da primeira célula natural: a mãe está destinada, até certo ponto contra
sua natureza, a transformar-se em educadora.
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COLEÇÃO EDUCADORES
No Neuhof havia utilizado melhor a criança para a realização
de um sonho de adulto, o da aliança entre uma perfeita inserção
social e a salvaguarda da inocência natural. Em seguida, ao
reconhecê-lo em sua aptidão para “fazer-se uma obra de si
mesmo”, Pestallozi se aproxima à natureza infantil no que tem
de específico, a saber: seu poder de constituir-se de maneira
autônoma. Mais ainda, é a humanidade adulta supostamente
constituída, a que está chamada a regenerar-se através da criança
e pela maneira em que, favorecendo mediante a educação o
desenvolvimento de sua liberdade autônoma, se libertará por si
mesma de suas inércias e taras sociais. Educação, juventude eter-
namente necessárias para a humanidade: “A natureza fez a sua
parte: você deve agora começar a fazer a sua”
11
.
O “método” e seu espírito
As Investigações de 1797 são uma chamada à ação. E graças aos
transtornos políticos que se produzem na Suíça em 1798, “o edu-
cador do povo” volta a ter o vento em popa. Primeiro está a
experiência de Stans, iniciada em Janeiro de 1799 e que termina
bruscamente por causa da guerra, depois de alguns meses de exis-
tência. Logo Pestalozzi se instala no Burgdorf (Berthoud): o novo
instituto não resiste à queda da República Helvética em 1803. Por
último, o pedagogo é chamado a Yverdón, onde em 1 de janeiro
de 1805 inaugura no castelo um estabelecimento que rapidamente
se expandiu e adquiriu fama em toda Europa. Pessoas de todas as
partes foram observar este novo fenômeno pedagógico e apren-
dizes de professor foram em ondas (os prussianos, os franceses,
os ingleses) para serem treinados no método Pestalozzi.
O “método”, sem dúvida alguma, é o projeto pedagógico de
toda a obra de Pestalozzzi em seus três institutos. Na prática se iniciou
em Stans, mas seus grandes ensinamentos se estabeleceram na obra
11
SW, v. 12, p. 125, 1797.
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ANTONIO GRAMSCI
de 1801, “Comment Gertrude instruit ses enfants” (Como Gertrude
instrui seus filhos), ainda que seus diversos componentes seguiram
sendo elaborados durante as experiências de Burgdorfy de Yverdon
12
.
A questão da originalidade do “método Pestalozzi” (a expres-
são é de Herbart) está sempre posta. Alude-se com isso aos mate-
riais e as técnicas. Corremos o risco da decepção: o visitante do
castelo de Yverdon buscará em vão esses “truques pedagógicos”
que poderiam aplicar em sua prática. Tanto quanto as técnicas pe-
dagógicas se referem, poderia mesmo dizer que Pestalozzi não
inventou inventou nada, nem sequer a lousa escolar (quadro-negro)
e que tomou o que queria em toda parte: de fato, é necessário
recordar que sua experiência não se desenvolveu em um deserto
pedagogico, mas sim que se inscreveu em um vasto movimento
de renovação da educação que chegou até o mais humilde pastor
da aldeia. Além disso, o próprio Pestalozzi admitiu haver se equi-
vocado completamente ao elaborar determinadas técnicas, em
particular para a aprendizagem da língua, e não hesitou em intro-
duzir mudanças radicais no método de ensino em qualquer mo-
mento. Em síntese, a originalidade do seu método não se encon-
trava em seus aspectos materiais.
E não obstante, havia uma originalidade historicamente
verificada, e isso reside no fato que praticamente todos os pedagogos
práticos dos séculos XIX e XX consideraram esse trabalho como
se fora de uma fonte, e referiram-se a ela constantemente, a des-
peito de suas dificuldades e fracassos.
É possível dizer que a originalidade do método elaborado por
Pestalozzi reside fundamentalmente em seu espírito. Seu mérito é,
de fato, o seguinte: quando quase todos seus discípulos, declarados
12
O autor está preparando uma nova tradução francesa, com introdução e notas, da obra
pedagógica fundamental de Pestalozzi: Comment Gertrude instruit ses enfants, assim
como da Lettre de Stans. Para uma apresentação do conjunto do método, remeteremos
o leitor aos textos que publicou o próprio Pestalozzi em francês: Pestalozzi, J. H. Méthode
théorique y pratique de Pestalozzi pour l’éducation et l’instruction élémentaire. Paris,
1826. (SW, v. 28, pp. 287-319, 1801).
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COLEÇÃO EDUCADORES
ou o não, permitiram sistematicamente que sua intenção desapare-
cesse na materialidade de um conhecimento, uma técnica, uma con-
cepção apriorística do homem, e lutaram sistematicamente para que
não se confundisse o que eles queriam com o que havia realizado, o
próprio Pestalozzi compreendeu que o método e todos seus com-
ponentes não deviam ser mais do que instrumentos nas mãos do
pedagogo, a fim de que este produzisse “algo que não se encontra
no método e que resulta ser de uma natureza totalmente diferente
de seu processo mecânico: a liberdade autônoma.
O método é, sem dúvida, um instrumento necessário. Impor-
ta observar a natureza infantil, para extrair as leis próprias de seu
desenvolvimento, para criar meios favoráveis para esse desenvol-
vimento, levar em conta explicitamente a dimensão social da rela-
ção educativa, dar eficácia à capacidade da ação da criança… as-
pectos todos que Makarenko, Montessori, Freinet, Piaget
13
, conti-
nuaram elaborando e aperfeiçoando tecnicamente. Trata-se de in-
vestigar infatigavelmente o mecanismo da natureza humana em
suas diferentes manifestações: sem o conhecimento, é impossível
exercer algum poder sobre essa natureza.
Com base na versão em espanhol, a tradução seria um pouco
diferente: Porém, seria um erro considerar o conhecimento em si
mesmo, libertador. Como meio, é necessário, mas não suficiente O
método, com todo o seu conteúdo de conhecimentos positivos sobre
a criança, pode contribuir em igual medida mais para subjugar que
para liberar. Para que o processo se oriente na segunda direção, é
necessário desenvolver uma ação específica que mobilize os instru-
mentos do método de maneira tal que sejaefetivamente geradora da
liberdade autônoma. Aí começa realmente o trabalho pedagógico; e
é aí onde se intervém, além da letra, o espírito do método, um
espírito que usa as técnicas somente para que produzam o oposto
13
O leitor encontrará nesta série “Coleção Educadores” os perfis de Freinet, Makarenko,
Montessori e Piaget.
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ANTONIO GRAMSCI
de um resultado técnico: “Examinem tudo – disse Pestalozzi em
1826 – mantenham o que é bom e se algo melhor ir amadurecer em
suas próprias mentes, acrescentem verdade e amor a isso, assim como
tento passar com verdade e amor, o que falo nessas páginas
14
.
Obviamente a prática é essencial e se refere a uma atitude, e na
impossibilidade de elaborar a teoria dessa atitude sem correr o risco
de destruir a missão do processo metodológico, isto é, o que este
deve fazer surgir e sustentar em seu desenvolvimento. Pestalozzi
adiciona que há um limite além do qual o processo metodológico
deve ser invertido completamente para deixar a iniciativa à liberdade
autônoma: “Quem quer que se aproprie do método, seja uma criança,
um jovem, um homem ou uma mulher, chegará sempre em seus
exercícios a um ponto que solicitará particularmente sua individuali-
dade: ao captá-lo e desenvolvê-lo essa pessoa fará emergir em si
mesma, forças e meios que lhe permitirão superar, em grande me-
dida, a necessidade de ajuda e apoio em sua formação que nesta
etapa continua sendo indispensável para outros, e estará em uma
situação de percorrer e completar, com passos seguros e autôno-
mos, o caminho de sua formação. Não sendo assim, minha casa
não se manteria em pé, minha empresa teria fracassado
15
”.
Sem dúvida, se houvesse que explicar aos que praticam a pe-
dagogia como se aplicava esse espírito do método nos institutos
de Pestalozzi se poder-se-ia estudar de que maneira se articulam,
no centro do processo, três elementos: o coração, a cabeça e a
mão (Herz, Kopf, Hand). Não se trata de três “partes” do homem,
nem sequer de três “faculdades”, mas de três pontos de vista so-
bre uma mesma e única humanidade em ação de autonomia. Para
Pestalozzi, a cabeça representa o poder que tem o homem, graças
à reflexão, de separar-se do mundo e suas impressões confusas, e
de elaborar conceitos e ideias. Mas como indivíduo situado, o
14
SW, v. 28, p. 57, 1826. (trad. La Baconnière).
15
Geist und Herz in der Methode. SW, v. 18, p. 35, 1826.
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COLEÇÃO EDUCADORES
homem continua estando completamente submerso em um mundo
que, através da experiência, não para de requerer sua sensibilidade
e o vincula com seus semelhantes na luta empreendida para dominar
a natureza por meio do trabalho: essa é a dimensão do coração. O
homem, provocado deste modo pelo que é e requerido pelo que
deve ser não tem outra solução nesse conflito sempre aberto e
plenamente assumido, que fazer de si mesmo uma obra: essa é a
dimensão da mão.
Estes três elementos concorrem assim na produção da força
autônoma em cada um dos interessados: a parte razoável garante
a universalidade da natureza humana, a parte sensível garante sua
particularidade radical, ainda que a contradição entre ambas libere
por sua vez o poder essencialmente humano de levar a cabo uma
ação que constitua a personalidade autônoma. Cabe assinalar
também que este processo se desenvolve integralmente dentro do
contexto da sociedade, na medida em que esta modela a razão
humana e é objeto da insatisfação essencial dos interessados.
O professor, e muito antes o pai e a mãe atuam como educa-
dores, ocupam uma posição especial no ponto do encontro, entre
o desejo sensível e a razão social na criança. Nesse período decisivo,
têm o poder de estimular o desenvolvimento da força autônoma
ou de impedi-lo talvez para toda a vida. Tal é a imensa responsa-
bilidade moral do pedagogo.
Para que esta responsabilidade possa ser exercida será essencial
que o pedagogo, quaisquer que sejam a matéria e a época de sua
ação, seja qual for a matéria didática de que se ocupe, saiba manter o
equilíbrio entre os três componentes do método. Isto significa que
dentro da instituição escolar não basta distribuir harmoniosamente
as diferentes disciplinas entre o polo intelectual, o polo sensível (ar-
tístico) e o polo técnico; cada docente deverá se esforçar em aplicar,
em cada uma das etapas pedagógicas, os três elementos em torno
dos quais se articula o desenvolvimento da força autônoma: o
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ANTONIO GRAMSCI
professor de educação física prestará atenção ao domínio intelectual
dos exercícios ao mesmo tempo que a sua repercussão sensível na
criança, enquanto que o professor de matemática tratará de não
perder de vista a relação de sua matéria com a existência concreta
das crianças e de sua aplicação autônoma em um momento do
processo pedagógico… Pestalozzi não para de repetir que se trata
de um equilíbrio que nunca se adquire definitivamente e que pode
ser quebrado em qualquer momento para alimentar uma das três
“bestialidades” da cabeça, do coração e da mão.
Esta análise é válida não somente para as aquisições escolares do
saber, do “saber fazer” e do “saber sentir”, mas também e, sobretudo
para o andamento da instituição que, entre a cálida célula familiar e o
monstro frio do estado, tem como missão instituir a liberdade autô-
noma de maneira viva, reflexiva e prática. Mais que dar às crianças a
ilusão de uma democracia imediata, como havia ocorrido no Neuhof,
Pestalozzi, a partir de Stans e através do relato que nos deixou de sua
breve experiência, se esforçará por construir uma humanidade social
o mais próxima possível do desejo de cada um e no interesse de
todos mas que deve superar-se continuamente na ação: pobres entre
os pobres, as crianças de Stans sofrerão mais privações ainda para
poder acolher a outros mais pobres.
16
Consequentemente, o sistema educativo em suas diversas es-
truturas deverá ser organizado necessariamente de tal maneira que
a ação do pedagogo, tendo em conta o que deverá produzir, pos-
sa ser exercida em um clima da liberdade autônoma e responsável.
Cada uma das engrenagens institucionais deverá permanecer a ser-
viço do projeto que singulariza a ação pedagógica na relação com
o resto das ações humanas, um projeto cujo objetivo principal é a
humanidade que se está constituindo com caráter autônomo dentro
da relação pedagógica.
16
SW, v. 13I, pp. 1-32, 1826.
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COLEÇÃO EDUCADORES
O último debate: prática e teoria pedagógica
Pode-se avaliar a atualidade de Pestalozzi na maneira como sou-
be pensar a fundo a contradição entre a função de integração social
da escola e seu dever de realizar os indivíduos na liberdade: Durkheim
e Illich ficam igualmente refutados. Os partidários “da escola na
vida”, seguindo nisso a Pestalozzi, poderão perceber a magnitude
dos obstáculos que continuam levando ao fracasso suas experiênci-
as. Mas também atuam em vão os que querem tirar vantagem das
dificuldades de tais precedentes para restaurar o antigo humanismo
em torno da “ideia de educação”: Pestalozzi lhes responde com um
não categórico através de suas relações com o pastor de Niederer,
no início seu colaborador mais próximo em Yverdon, logo seu ad-
versário e finalmente seu inimigo encarniçado que queria destruir
uma empresa que não pode submeter à sua concepção.
Tende-se, em geral, a considerar que a controvérsia que ocorreu
em Yverdon, que alcançou tal profundidade que a experiência fracas-
sou pela segunda vez, não é mais que uma querela entre pessoas ou
um conflito dos temperamentos. Na realidade, no fundo desta disputa,
há um debate fundamental que continua sendo de profunda atualida-
de na pedagogia: o da relação entre a prática e a teoria. Se o educador,
diferentemente do filósofo e do cientista, é precisamente “um prático
na busca de uma teoria praticável de sua prática” (D. Hameline), po-
demos dizer que a existência de Pestalozzi foi a encarnação dessa
definição. Pestalozzi foi inteiramente prático no Neuhof, experiência
que quis que fosse uma manifestação da liberdade pura em ação.
Logo, as investigações de 1797 podem ser interpretadas como o fim
de um longo caminho que permitiu que Pestalozzi elaborasse a teoria
de sua prática eliminando dela tanto o discurso inoperante dos filósofos
como os procedimentos estéreis da “ciência do homem”.
Mas vimos que embora a reflexão das “Recherches” exigisse uma
prática, continuava havendo ruptura entre ambas: o método também
se estabelece como uma teoria “praticável” da prática desenvolvida
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ANTONIO GRAMSCI
em Stans, Burgdorf e Yverdon, e a vontade de autonomia subjacente
não têm porque buscar seus fundamentos fora de si mesmos. Esse
será o erro de Niederer que, imbuído pela filosofia de Fichte e Schelling,
e apresentando-se como o Platão de Sócrates da pedagogia, tenta
transformar em teoria a experiência que está sendo realizada ante seus
olhos. Pestalozzi, consciente da necessidade de tal explanação, seguirá
por um momento seu colaborador, mas não tardará em perceber
que o que está sendo elaborado é uma doutrina cada vez mais alheia
ao que ele intimamente deseja, e terminará em rejeitar brutalmente a
teoria de Niederer assim como sua influência dogmática no instituto.
A objeção fundamental que Pestalozzi faz a respeito dessa teoria
é que ao transformarem sistema o projeto da liberdade que a move,
torna esse projeto “impraticável”. Niederer, ao assumir a direção
do instituto, inspirou por certo uma prática, mas esta não tardou a
desenvolver-se em todos os níveis em detrimento do que era bus-
cado através dela: a realização efetiva da liberdade em cada um e
em todos. Concretamente, os professores preferiram passar a
maior parte de seu tempo em seminários, discorrendo sobre a
liberdade, a força autônoma da criança ou da pedagogia cristã,
preocupando-se cada vez menos do único que na realidade, po-
deria dar o sentido a essas belas ideias: as crianças presentes nesse
lugar, a realidade cotidiana do instituto, essas pequenas coisas que
alimentavam a força autônoma de cada um.
Pestalozzi que havia vinculado a educação com o projeto moral
do homem, evidente em sua atitude de expandir uma ação autô-
noma, considera insuportável esse desvio de sua própria intenção
e preferia fechar seu instituto ao invés de ceder em relação ao seu
projeto. Recuperando a calma no Neuhof, sua reflexão lhe permi-
tiu formular uma verdade educacional básica, da que fez a linha
central de seu testamento do educador: Canto do cisne
17 18
.
17
SW, v. 28, pp. 53-286, 1826. (trad. La Baconnière).
18
Último livro escrito por Pestalozzi e que foi publicado em 1826.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Esta verdade, que não deveríamos vacilar em denominar o
“princípio pestalozziano”, é formulada da seguinte maneira: o ato
educativo somente adquire e conserva seu sentido de ato educativo
na medida em que se estabelece uma diferença entre as leis gerais
do desenvolvimento da natureza humana em suas três dimensões
da cabeça, do coração e da mão, e a maneira em que referidas leis
são aplicadas em particular nas situações concretas e nas possibili-
dades das circunstâncias.
À primeira vista, este princípio pode parecer de uma trivialidade
surpreendente: qualquer homem que refletir um pouco terá plena
consciência da ruptura que separa as ideias das realidades concretas.
Mas quando observamos o esforço dos pedagogos que utilizam a
teoria para realizar em sua prática a síntese entre a teoria que tem em
mente e os seres sensíveis com os quais devem tratar, quando ademais
observamos seus estrondosos fracassos e o fato de que cada vez se
veem obrigados a viver sua utopia como seres marginais, chegamos
à conclusão de que o autor do Canto do cisne conseguiu, sem dúvida
alguma, resolver um dos problemas fundamentais da pedagogia: a
mão do pedagogo somente poderá cumprir seu trabalho na medida
em que se mantenha a distância – a distancia da mão e a distância um
do outro – o polo da inteligência universalizadora e o polo da sensi-
bilidade particularizadora. A este preço a liberdade autônoma pode-
rá constituir-se realmente nas crianças e não se evaporará na impo-
tência da teoria nem se fundirá em uma confusão de interesses. Esta
vontade de distinguir é tão forte que Canto do cisne, que pretende apre-
ender a essência da formação elementar, é um convite para que cada
indivíduo assuma a responsabilidade de sua ação e não vacile em
criar eventualmente outros meios e outras técnicas, uma vez que o faz
“com verdade e amor”, isto é, impulsionado pela vontade de que
em torno dele se criem outras forças autônomas
19
.
19
SW, v. 28, p. 57, 1826. (trad. La Baconnière).
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ANTONIO GRAMSCI
O procedimento de Pestalozzi revela deste modo sua profunda
atualidade pela maneira inigualada até nossos dias, em que soube
articular sua teoria e sua prática. E se é certo que a educação tem a
possibilidade de ser desenvolvida como processo de ação no que
a prática, a pesquisa científica e a teoria se fecundam mutuamente
(G. Mialaret), podemos dizer que Pestalozzi conseguiu realizar ao
mesmo tempo essa tríplice tarefa.
Pestalozzi se situa assim em uma posição a partir da qual pode
atuar sobre a natureza específica da criança. Ao romper a continui-
dade natural entre o enfoque teórico e o enfoque prático das ques-
tões pedagógicas, rompe também o recurso do mecanismo que, há
séculos, convertia a criança em um instrumento dócil de verificação
da legitimidade das teorias preconcebidas. Ao deixar aberta a brecha
entre a teoria e a prática, o autor do Canto do cisne libera no coração
da criança a força por meio da qual esta poderá fazer “um traba-
lho consigo mesmo”, e ao mesmo tempo põe as bases de uma
pesquisa científica de ordem especificamente pedagógica. A edu-
cação faz parte, sem dúvida das ciências humanas, mas não é uma
ciência humana como as demais: a relação dialética que mantém
com a prática, certamente em nome do respeito à liberdade no vir
a ser lhe faz rejeitar o esquema hipotético-dedutivo que determina
o procedimento das ciências do homem.
Pestalozzi deixa ao pedagogo a missão de viver e acentuar a
contradição que desenvolveu amplamente no Canto do cisne. Sem
dúvida haveríamos preferido que ao chegar ao fim de sua reflexão,
nos houvesse deixado uma verdadeira “teoria praticável de sua
prática” que cada professor pudesse utilizar. Sua grande fragilida-
de continua sendo o fato de que jamais conseguiu separar verda-
deiramente sua obra de si mesmo, de sua existência e de suas expe-
riências. Mas esta fraqueza se transforma em uma força devido a
que Pestalozzi nunca deixou de buscar desde o começo: a realização
da liberdade autônoma em cada um e em todos.
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COLEÇÃO EDUCADORES
O menino aprende, conhece, nomeia, quer saber mais coisas ainda,
quer conhecer outras palavras, assim incita a sua mãe a aprender com
ele. Ela aprende com ele e ambos crescem cada dia em luzes, forças e
amor. Ensaia com ele elementos fundamentais da arte, as linhas cur-
vas. Seu filho não tarda a sobrepujá-la, a alegria de ambos é a mesma;
novas faculdades se desenvolvem em seu espírito: o menino desenha,
mede, calcula. Sua mãe lhe mostra Deus no espetáculo do mundo; lhe
mostra Deus em seu desenho, em suas medidas, em seu cálculo, lhe
mostra Deus em cada uma de suas faculdades. Vê a Deus em seu
próprio aperfeiçoamento, a lei da perfeição é a lei de sua conduta, a
reconhece no primeiro desenho perfeito que traçou, em uma linha
reta, em uma linha curva. Sim, amigo, a primeira vez que ele pronun-
ciou perfeitamente uma palavra, principiou a germinar em seu peito a
lei: “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que esta nos céus” E
como o meu método repousa constantemente na aspiração da perfei-
ção em cada detalhe, continue vigorosamente e de maneira vasta a
imprimir profundamente desde o berço, no coração, o espírito dessa
lei (Pestalozzi, 1929).
Pestalozzi passou toda sua vida no meio de crianças pobres e
deserdadas que pretendia arrancar de sua infelicidade. Os livros
que nos deixou são sempre inspirados em sua longa experiência.
Sempre amou as crianças; a felicidade delas era a felicidade dele.
Acreditava na inocência e na bondade da natureza humana.
Apesar de seus empreendimentos mal aventurados em educa-
ção, tornou-se célebre por suas ideias pedagógicas e seu entusiasmo.
AS IDEIAS DE PESTALOZZI
NO BRASIL
João Luis Gasparin
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ANTONIO GRAMSCI
Fundou seus métodos no conhecimento da criança, adaptando-os
ao seu nível de desenvolvimento. Afirmava que para podermos
exercer uma ação efetiva sobre os educandos é necessário, antes,
descobrir as leis do mundo físico e psíquico que o regem. Reagiu
contra o intelectualismo da pedagogia tradicional, acreditando no
valor educativo do trabalho manual e na destreza prática, por isso
foi à ação, dedicando-se inteiramente à obra empreendida, acredi-
tando eficazmente em seu método a tal ponto que tinha certeza que
bastava aplicá-lo para que surtisse os efeitos desejados.
Buscou descobrir um método de ensino tão fácil, que po-
deria ser aplicado por qualquer um, até pela menos instruída das
mães. Afirma:
Eu creio que não se possa pretender obter, em geral, um progresso
na instrução do povo, até que não se tenha encontrado formas de
ensino que, ao menos durante todo o período da instrução elemen-
tar, façam do professor um mero instrumento mecânico de um
método, cujos resultados devem provir da natureza de seus proces-
sos e não da habilidade de quem o pratica. Eu sustento que um livro
didático é um bom livro somente quando pode ser usado tanto por
um mestre sem instrução quanto por um instruído. O livro deve ser
essencialmente composto de tal modo que tanto o homem inculto
quanto a mãe encontrem nele um guia para poder estar sempre um
passo adiante da criança no caminho pelo qual devem, com sua arte,
conduzi-lo progressivamente (Pestalozzi, 1929, p. 41).
Essa proposta pedagógica pode ser encontrada, em profun-
didade e em detalhes, em todas as suas obras, mas especialmente
nas cartas por ele escritas sobre a educação, que constituem o livro
Como Gertrudes instrui seus filhos. Todavia, quando procuramos saber
qual a influência que esse pedagogo exerceu na educação escolar
brasileira notamos que a prática está muito longe da teoria.
Saviani, ao prefaciar a obra A pedagogia na era das revoluções
20
:
20
A tese foi defendida na Unesp, campus de Araraquara, em 2001. Essa tese ultrapassa,
com grande profundidade, desmistificação e crítica, as superficiais referências a Pestalozzi
que perpassam as obras educacionais em nosso país.
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COLEÇÃO EDUCADORES
uma análise do pensamento de Pestalozzi e Fröbel, de Alessandra
Arce, assim escreve:
Pestalozzi e Fröbel. Dois clássicos do pensamento pedagógico. Duas
grandes referências da história da educação. Dois nomes amplamente
conhecidos de todos os educadores e, ao mesmo tempo, dois grandes
desconhecidos. Com efeito, seus nomes aparecem em quase todos os
manuais de história da educação, de psicologia da educaão, de pedagogia
e de didática. No entanto, isso ocorre, como dizem os franceses, en
passant, em menções passageiras sem que se tenha acesso ao contexto
de seu pensamento, vida e obra, nem à sua ambiência pedagógica e
nem mesmo aos seus principais textos. É essa lacuna que a presente
obra vem preencher (Saviani, prefácio, apud Arce, 2002).
Essa constatação, ao mesmo tempo que se apresenta como
denúncia, é também um anúncio, pois Saviani está se referindo à
tese de doutoramento de Arce, cujo título é o mesmo do livro.
Saviani, conclui sua apresentação:
Este é um livro ao mesmo tempo denso em seu conteúdo, relevante
pelo assunto de que trata, instigante pela forma que é escrito e pro-
fundamente educativo pela consciência crítica que o anima. Constitui
pois, uma leitura obrigatória a todos os educadores. Todas as disci-
plinas do currículo escolar se beneficiarão com o acesso a esse texto.
Oxalá os professores de todos os níveis de ensino lancem mão am-
plamente desta obra como um recurso educativo de primeira linha
para elevar o nível da educação ministrada em nossas escolas (Saviani,
prefácio, apud Arce, 2002).
As palavras de Saviani deixam explícita a importância da obra,
ao mesmo tempo em que anunciam um novo tempo para os clás-
sicos em educação: a necessidade de retomar seus textos originais
e analisá-los criticamente.
Este foi o desafio que se impôs Arce (2002, p.11) em sua tese
de doutorado ao analisar as obras de Fröbel e Pestalozzi, buscan-
do suas concepções de homem, educação, sociedade, no contexto
do “universo liberal e burguês do final do século XVIII e início do
século XIX, apontando os reflexos desse universo nas obras desses
educadores, bem como as consequências disso, em termos de
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ANTONIO GRAMSCI
alienação do trabalho educativo”. A pesquisadora buscou, critica-
mente, descobrir a riqueza educacional que esses pensadores
possuem, mas que é desconhecida de grande parte dos pedagogos
que, muitas vezes, se contentam com informações genéricas sobre
o pensamento desses educadores.
Entre as dificuldades encontradas na elaboração de sua pes-
quisa, a professora aponta a falta das obras desses educadores em
língua portuguesa, por isso afirma: “entendo que a tradução das
obras desses pensadores para o português é uma lacuna ainda a
ser cumprida no campo dos estudos educacionais e, principal-
mente, da história da educação” (Arce, 2002, p. 12).
Quanto aos resultados da pesquisa de Arce gostaríamos de
salientar os que se referem aos germens que se tornariam, posteri-
ormente, norteadores da pedagogia da escola nova:
A criança e seu desenvolvimento passam a ser o centro do
processo educacional, a espontaneidade infantil deve ser pre-
servada a todo custo através do simples guiar, pelo educador,
das forças espirituais imanentes na criança.
A atividade como ponto central de toda a metodologia de
trabalho, atividade esta que deve sempre se centrar nos interesses
e necessidades da criança, respeitando-se seu ritmo natural de
desenvolvimento, A educação escolar deve ser, portanto, ativa.
[...].
A substituição do uso da disciplina exterior pelo cultivo da
disciplina interior tão cara à moral protestante.
Um mínimo de matéria escolar em troca do máximo de
possibilidades de desenvolvimento das habilidades e capaci-
dades de cada criança com ajuda do trabalho, amor e alegria
(Arce, 2002, p. 216).
Neste sentido, tanto Fröbel quanto Pestalozzi podem ser consi-
derados pioneiros do movimento escolanovista, no qual se valoriza-
ria mais o indivíduo, a criança do que o conhecimento científico. Em
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COLEÇÃO EDUCADORES
consequência, o anterior status de professor, considerado o mestre-
ecola, “apresenta-se cada vez menos como uma tarefa intelectual e
cada vez mais próxima da maternidade mistificada. A atividade do
professor, ou melhor, da professora, aproxima-se da ideia de acom-
panhamento dos processos naturais, tanto que a escola para crianças
menores de seis anos torna-se um jardim de crianças e a professora
vira uma jardineira de crianças” (Arce, 2002. p. 218). Desta forma, o
conhecimento científico passa a ter menos valor do que a afetividade
e os sentimentos. Pestalozzi considerava a educação como um pro-
cesso que devia seguir a natureza, a liberdade, a bondade inata do
ser humano, unindo mente, coração e mãos.
As ideias de Pestalozzi marcam uma vertente da pedagogia tra-
dicional denominada pedagogia intuitiva, cuja base são os sentidos
por meio dos quais se estrutura toda a vida mental. Para Zanatta e
Souza (2010, p. 2) “a educação intelectual, resultante da organização
das impressões sensoriais obtidas na relação homem-natureza, trans-
forma as representações confusas em conceitos precisos e claros. O
meio essencial da educação intelectual é a intuição”. O método para
obter bons resultados no processo educativo deveria partir do co-
nhecido ao desconhecido; caminhar do concreto ao abstrato; acos-
tumar a criança a fazer; não dizer à criança aquilo que ela pode des-
cobrir por si mesma; seguir a ordem da natureza; dirigir a mente e
os sentidos do particular ao geral, passando da visão intuitiva à com-
preensão geral, desenvolvendo nos educandos a capacidade de per-
cepção e observação, mais do que a pura aquisição de conhecimen-
tos. O método didático, para ele, consistia em partir da prática, por
meio dos sentidos que deviam entrar em contato direto com os
objetos, para chegar depois ao pensamento, às ideias. Por isso a per-
cepção sensorial e a experiência sensorial como processo ativo são o
fundamento de todo o conhecimento. Nessa mesma direção, muito
antes de Pestalozzi, Comenius, em sua obra Didática magna, já afir-
mava que era necessário dar aos alunos, em primeiro lugar, a pró-
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ANTONIO GRAMSCI
pria coisa, depois oferecer o discurso sobre ela, isto é, partir dos
objetos por meio dos sentidos para chegar ao intelectual.
Por isso é que a base do método intuitivo de Pestalozzi é a “lição de
coisas”, acompanhada de exercícios de linguagem para se chegar às
ideias claras. O método da “lição de coisas” caracteriza-se por oferecer
dados sensíveis à observação, indo do particular ao geral, do concreto
experienciado ao racional, chegando aos conceitos abstratos. Daí a
ênfase ao contato direto com a natureza, à observação da paisagem,
ao trabalho de campo como pressupostos básicos do estudo. O
professor deve buscar seu material no próprio meio que envolve o
aluno, em situação real (Zanatta e Souza, 2010, p. 3).
Este princípio didático pestalozziano se refere a todos os tipos de
aprendizagem, mas tem uma aplicação direta para o ensino de geo-
grafia, tanto assim que é atribuída a Pestalozzi a primeira tentativa de
estabelecer o ensino desta área de conhecimento tendo como base a
intuição. “Ele inaugurou o ensino de geografia local, estabelecendo
como ponto de partida o pequeno mundo da criança para o estudo
dos fenômenos geográficos por círculos concêntricos em que pri-
meiro se apresentava aos alunos o “próximo” ou concreto, para em
seguida tratar das áreas distantes” (Zanatta e Souza, 2010, p. 3).
Para por em prática seu método de ensino de geografia,
Pestalozzi dispensou os esquemas, os mapas, o livro didático. A
geografia devia ser aprendida no livro da natureza, conforme rela-
ta um de seus discípulos:
Era no terreno que nós aprendíamos as primeiras lições de geografia.
Um estreito vale nos arredores de Yverdon, no fundo do qual corre o
Buron, era o ponto para onde de começo nos dirigíamos. Tínhamos,
então, de contemplá-lo no seu conjunto e nas suas particularidades a
que tivéssemos a intuição justa e completa do todo. Agora cada um de
nós ia tirar punhados de um barro que ali existia, e com ele enchíamos
as cestas que havíamos levado para esse fim. De volta ao castelo, tomá-
vamos os lugares que se nos haviam indicado diante de longas mesas,
para moldar em argila o vale que havíamos observado. Nos dias se-
guintes, novas excursões e novas explorações, cada vez mais extensas
que tinham como consequência a ampliação do nosso trabalho. Assim
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COLEÇÃO EDUCADORES
íamos indo até que ficasse terminado o estudo da bacia do Yverdon e
nós pudéssemos, do alto do Montéla, abarcar-lhe o conjunto. Dáva-
mos, então, por acabado o nosso mapa em relevo, e era tempo de
passarmos à carta geographica, para cuja compreensão nos havíamos
preparado ( In: Proença, [19..] p. 49 ( sic), apud Zanatta, 2010, p. 3).
Essa descrição detalhada do processo de ensino pestalozziano,
explicita bem o seu método de aprendizagem a partir dos sentidos,
do concreto, caminhando, posteriormente, para a representação
abstrata.
As ideias de Pestalozzi e seu método intuitivo difundiram-se
por toda a Europa. Nos Estados Unidos as práticas do método
intuitivo firmaram-se por volta de 1860, conforme pode ser cons-
tatado na obra Primary Object Lessons for a Graduated Course of
Development de Calklins. “No Brasil, as ideias de Pestalozzi foram
introduzidas pela tradução do manual e Calkins acima referido. A
tradução e adaptação às condições brasileiras foram feitas por Rui
Barbosa, em 1880. Este manual, intitulado Primeitras Lições de Coisas
foi aprovado pelo governo imperial como livro texto na formação
de professores e publicado em 1886” (Zanatta e Souza, 2010, p.
4). O objetivo de Rui Barbosa, ao traduzir a obra de Calkins, foi o
de prestar um auxílio aos professores diante das dificuldades que
estes encontravam para por em prática as ideias de Pestalozzi.
Segundo Zanatta ( 2005, pp. 177-178), “o objetivo de Rui Bar-
bosa não era trazer apenas a contribuição de um formulário de
lições de coisas, mas documentar uma nova orientação pedagógica
desenvolvida nos países mais adiantados e colocar, pela primeira
vez, os mestres brasileiros em contato com as ideias pestalozzianas”.
Rui Barbosa, com base nos princípios desse pensador, “criticou
severamente os manuais de geografia adotados nas escolas
primárias, considerando-os crimes pedagógicos”. Isso demonstra
que Pestalozzi, além das referências gerais que os manuais de psi-
cologia da educação e história da educação apresentam, tem pre-
sença no Brasil desde há muito tempo, influenciando a metodologia
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ANTONIO GRAMSCI
e a didática, especialmente na aplicação do método intuitivo no
ensino da geografia, tornando-a um assunto interessante para o
ensino elementar.
Ainda, conforme Zanatta (2005, p. 180):
As ideias pedagógicas de Pestalozzi, introduzidas no Brasil por Rui
Barbosa, demarcam a corrente pedagógica tradicional, denominada
pedagogia intuitiva. Seu aspecto característico é oferecer, na medida
do possível, dados sensíveis à percepção e observação dos alunos.
Essa pedagogia fundamentava-se na psicologia sensualista, cujos
representantes afirmavam que toda a vida mental se estrutura base-
ando-se nos dados dos sentidos, ou empregando um vocabulário
pedagógico, valendo-se do concreto.
Para Pestalozzi, os sentidos foram considerados a porta de
entrada de todo conhecimento. Essa visão opunha-se ao
verbalismo intelectual predominante na Idade Média e mesmo
no Renascimento. Foi um avanço no sentido pedagógico e didá-
tico. Todavia, a crítica que se faz a Pestalozzi centra-se no fato de
que a assimilação dos conhecimentos se efetiva de modo passivo
pelo aluno, uma vez que nem sempre existe a possibilidade de
tudo experienciar. A maioria das ações são desenvolvidas pelo
mestre, limitando-se os alunos a memorizá-las e repeti-las, nem
sempre chegando a formular o pensamento abstrato. Isto não
significa que seus princípios metodológicos não sejam válidos.
Ele trabalhou dentro das limitações sociais, filosóficas, educacio-
nais, políticas de seu momento histórico. As teorizações posteri-
ores sobre o desenvolvimento do pensamento abstrato realizada
por pedagogos e pensadores como Dewey, Piaget e Vigotski,
entre outros, em nada desmerecem as ideias de Pestalozzi, ao
contrário, as confirmam e enriquecem.
Pestalozzi acreditava, como a maior parte dos reformadores
educacionais renascentistas, que a educação devia ser o principal
meio das reformas sociais. Para ele a educação consistia no desen-
volvimento moral, mental e físico da natureza da criança, de todas
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COLEÇÃO EDUCADORES
as crianças, independentemente de suas condições sociais. Segun-
do seu método, a educação é o desenvolvimento natural, progres-
sivo e harmonioso de todos os poderes e faculdades, plantados
pela natureza, em todo ser humano. Para ele, a criança é um orga-
nismo que se desenvolve conforme leis definidas, ordenadas, como
se fosse uma planta enraizada no solo. Essa ideia era comum para
muitos pensadores da época,
Pestalozzi queria descobrir as leis de acordo com as quais a
criança se desenvolve. Segundo ele, essas leis são tão bem defini-
das como as do mundo físico. Afirmava que o organismo possui
três aspectos básicos: intelectual, físico e moral. Popularmente, es-
ses aspectos denominam-se: cabeça, mão e coração. Cada um se
desenvolve à sua maneira, conforme leis que podem ser compro-
vadas. Encontrar essas leis e usá-las adequadamente na instrução
das crianças é tarefa da escola. A partir deste desenvolvimento
orgânico, Pestalozzi deduz os princípios gerais de seu método de
formação e instrução, no qual os três aspectos devem se desenvol-
ver em harmonia. Contudo, a primazia é sempre da moral; os
dois outros lhe são subordinados.
A criança se desenvolve de dentro para fora como, natural-
mente, a semente se transforma em uma árvore; seus impulsos
são inatos. Assim, “toda a instrução educativa deve ser extraída
das próprias crianças e nascer dentro delas”.
O processo pedagógico de Pestalozzi é marcado pela gradua-
lidade, seguindo o desenvolvimento da natureza que não faz sal-
tos, mas procede lentamente por acréscimos imperceptíveis. As
matérias de estudo devem ser organizadas por etapas de transição,
partindo do mais fácil para o mais difícil, tudo conforme a capa-
cidade de realização da criança.
O método de toda educação consiste em um princípio muito
simples: seguir a natureza. O professor é um jardineiro, cuja tarefa
consiste em providenciar as condições para que a planta se desen-
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ANTONIO GRAMSCI
volva, pois o princípio de seu crescimento está dentro dela mes-
ma. O educador não acrescenta nada à criança, apenas vigia para
que seu crescimento não seja prejudicado, mas siga o curso de sua
própria lei.
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COLEÇÃO EDUCADORES
TEXTOS SELECIONADOS
Como Gertrudes instrui seus filhos
A obra de Pestalozzi Como Gertrudes instrui seus filhos é a publicação
de uma série de XII cartas dirigidas Gessner a partir do ano de 1801.
Come Gertrudis istruisce i suoi figli, recorda a heroína do romance Leonardo
e Gertrude elevada ao símbolo de pura e ativa maternidade, mas o
subtítulo: “uma tentativa de dar à mãe a possibilidade de instruir seu
próprio filho”, exemplifica a intenção de Pestalozzi (p. xii).
Nas primeiras três cartas, o conteúdo é extremamente biográ-
fico, onde expõe as suas ideias acerca da educação popular
21
.
Pestalozzi sente a sua vida dominada pela missão educativa: “na
crueldade dos eventos, dos erros e dos remorsos dos erros, da
violência e da inquietude, do amor e da incompreensão dos ho-
mens, existe uma única saída que é a vontade de libertar-se, por
meio da obra educativa, o povo da miséria e da ambição [...]”. O
método é o seu ideal educativo.
Na primeira carta Pestalozzi reapresenta o processo e o mé-
todo ainda em formação e em elaboração na escola pestalozziana
de Burgdorf. Quem descreve o método não e exatamente
Pestalozzi, mas um expectador imparcial, Fisher, de cujo méto-
do cita e comenta em uma carta a Steinmüller. Mas na carta se-
guinte o método não aparece mais sobre o aspecto de seu sim-
ples valor didático destacado de um observador simpatizante:
21
Lettera Prima, ao amigo Gessner, no ano de 1801. A segunda e a terceira são a
continuação das suas ideias a respeito de seu método, da percepção dos homens e de
seus valores e da fundação do Instituto, ocorrido em 1809.
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ANTONIO GRAMSCI
nas páginas autobiogáficas de Krüsi e de Tobler, primeiros entre
os colaboradores de Pestalozzi. Isso nos apresenta como uma
forma ideal de educação na qual o ardor educativo de um e a
sabedoria pedagógica do outro encontram a sua satisfação e jun-
tos o seu equilíbrio e a sua integração, mas mais ainda, o novo
método, é, na terceira carta, pelo espírito atormentado de Buss,
a descoberta da única via de redenção da humanidade, da misé-
ria e do aviltamento.
Na quarta carta, Pestalozzi retorna à luta na escola de Burgdorf,
às tentativas, às experiências, das quais, segundo ele, vimos envol-
vidos empiricamente determinados e ainda incertos, às exigências
metódicas fundamentais. Na carta seguinte, esta situação está mais
definida: o processo didático, por corresponder à organicidade
pessoal, ou como disse Pestalozzi, da necessidade físico-mecânica
no desenvolvimento da força intelectiva deve obedecer a uma
tríplice condição: partir de elementos simples adequar-se à
concretude sensível da experiência infantil, aderir à situação con-
creta de sua existência. Os elementos são, então, para descobrir na
intuição como os seus internos princípios de desenvolvimento em
torno da clareza de uma consciência conceitual.
A sexta carta apresenta a descoberta de três elementos da in-
tuição: a palavra, a forma e o número. As duas cartas sucessivas
são dedicadas ao método especial dos ensinamentos que a pala-
vra, a forma e o número se referem. Em primeiro lugar, se trata
dos estudos dos sons, da palavra e da língua em geral. Em segun-
do, da arte da medida, do desenho e da escrita, em terceiro lugar,
do estudo do cálculo que é o mais importante para formar, no
espírito a atitude do pensamento racional. Para confirmar as van-
tagens didáticas de tal método especial e interromper a exposição
minuciosa e fatigante, exigindo consciência dos fins superiores, à
qual visa a nova teoria educativa, a nona carta contém uma crítica
vivaz aos métodos de educação em uso nas escolas europeias.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Críticas que se referem, seja aos velhos métodos tradicionais, seja
aos novos introduzidos pela corrente iluminista: um e outro culpa-
dos de impor à criança um saber que a própria criança estranha, e
esteriliza nela a fonte de energia espiritual, da fé em si mesma: da fé
nos homens e do amor pela verdade.
A décima carta expõe a didática, indicando o processo de cone-
xão gradual dos vários estudos. Mas a eficácia do método no cam-
po do saber o convence que isto pode e deve ser aplicado no cam-
po da atividade técnica. Assim, Pestalozzi esboça na décima segunda
carta as linhas de uma didática elementar de um trabalho profissio-
nal, problema que, por razões intrínsecas se não existir, o professor
tentará em vão, alcançar suas metas. As duas últimas cartas se refe-
rem à educação moral ou religiosa, ou melhor, contém a interpreta-
ção de tal educação a partir do ponto de vista metodológicos/
metódicos. Os sentimentos de fé, de amor, de obediência que sur-
gem na criança através da mãe amorosa, são as formas elementares
de onde deverá desenvolver a consciência ética e religiosa. De mão
em mão que estendem aos outros homens e a Deus, criando, no
fundo da raiz da individualidade sensível, a personalidade espiritual.
A obra Como Gertrudes ensina seus filhos tem uma posição central
no desenvolvimento pestalozziano. É, em verdade, a primeira e
completa exposição das doutrinas pedagógicas de Pestalozzi.
Portanto, esta obra serve de referência aos educadores e esco-
lheram-se, assim, pequenos excertos para se ter uma noção da
forma de mensagem deste educador.
Para melhor compreender a contribuição de Pestalozzi para a
pedagogia, sugere-se que, a par de suas principais obras, nos re-
metamos a análise de uma série de cartas dirigidas a amigos, como
a Enrico Gessner, que era um editor de Zurique, e a um amigo
inglês James Pierpoint Greaves, estas últimas em número de 34, e
que constituem o livro Cartas sobre educação infantil, redigidas
nos anos de 1818 e 1819.
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ANTONIO GRAMSCI
Na primeira carta, datada em 1 de outubro de 1818, Pestalozzi
explica o propósito das cartas encomendada para expor suas ideias
sobre o desenvolvimento da alma infantil. A segunda, em 3 de
outubro de 1818, e intitulada “Atitudes da mãe para cumprir sua
missão” em que demonstra a importância da ação da mãe no de-
senvolvimento do seu filho; na terceira, de 7 de outubro do mes-
mo ano, intitulada “Primeiras manifestações do desenvolvimento
da criança” o autor expõe as suas ideias sobre o tema; na quarta
carta, “tomada de consciência da mãe a respeito da educação de
seu filho”, foi datada em 18 de outubro de 1818, mostra a preocu-
pação da mãe em saber como deverá direcionar as nascentes facul-
dades de seu filho e quais delas exige uma atenção mais cuidados e
quais podem ser deixadas ao seu curso natural; a quinta carta, de 24
do mesmo mês e ano, assinala a “importância do coração na con-
duta humana”; na sexta, de 31 de outubro de 1818, o autor trata do
tema “na criança aflora uma vida espiritual”; na seguinte, de 8 de
novembro do mesmo ano, escreve sobre a “Predisposição da cri-
ança à bondade”; na oitava carta, de 15 do mesmo mês e ano,
discute a tese contida na carta anterior; na nona carta – o pouco
valor da criança no primeiro período de sua vida, escrita em 20 de
novembro do mesmo ano. A décima carta, de 27 do mesmo mês
e ano, Pestalozzi aborda “os primeiros indícios da vida superior da
criança”; na décima primeira carta, de 5 de dezembro de 1818,
trata da “relação afetiva entre mãe e filho”; na décima segunda, 3
dias após, enfoca a “seriedade no modo de satisfazer as necessida-
des da criança”; a décima terceira carta, de 12 de dezembro do
mesmo ano, discorre sobre “o afeto, não o temor, constitui o meio
de dominar os impulsos instintivos da criança”; na décima quarta,
“a educação do sentimento de amor e confiança do filho à sua
mãe”, datada de 17 de dezembro; a décima quinta carta é intitulada
“Função superior do afeto da criança à sua mãe, atitude desta frente
o afeto de seu filho”, de 24 de dezembro; a décima sexta carta, de
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COLEÇÃO EDUCADORES
31 de dezembro, se refere “a função educadora da mãe exige
abnegação pessoal”; na décima sétima, de 7 de janeiro de 1819,
Pestalozzi discorre sobre “o verdadeiro amor materno implica cor-
rigir ao filho”; na décima oitava, sete dias após, trata da “vinculação
e desvinculação afetiva entre mãe e filho”; a décima nona carta, de
19 de janeiro, é intitulada “Como reagir frente às tendências naturais
da criança. Os primeiros passos que este dá”; a vigésima, de 25 de
janeiro, trata de como” começa a formação da inteligência.
Ampliação do circulo de relações”, na vigésima primeira, o autor
define educação, enfatizando que esta deve ter um princípio unitá-
rio, cuja carta denominou “Ideias sobre educação. Atenção que há
de se prestar ao desenvolvimento de todas as faculdades” e que foi
redigida em 4 de fevereiro de 1819.
Nas cartas seguintes, Pestalozzi trata da educação por meio das
disciplinas específicas. Assim, na vigésima segunda carta, de 10 de
fevereiro se refereA educação física pela ginástica”; na vigésima
terceira, de 18 do mesmo mês, se refere aos “exercícios para o
desenvolvimento dos sentidos. A música como meio educativo”; na
vigésima quarta, do dia 27, mostra a “utilidade pedagógica do dese-
nho e a modelagem”; na vigésima quinta, de 5 de março, retorna o
enfoque na família, abordando a “evolução social positiva em questão
de educação. Importância da função educativa na família”; na vigé-
sima sexta, de 15 de março, afirma que “toda mãe é primeira educa-
dora e instrutora de seu filho”; na vigésima sétima, de 20 de março,
mostra a “conveniência de que a mãe seja uma pessoa culta e for-
mada, ideias sobre a educação feminina”; na vigésima oitava, de 27
do mesmo mês, se refere a “superação da memorização mediante a
compreensão e a intuição das coisas”; na vigésima nona, de 4 de
abril, impõe que “ensinemos aos filhos a entender as coisas e a refletir
sobre elas”; na trigésima carta, de 10 de abril, o tema é sobre “o
interesse da criança pela aprendizagem. Meios adequados e meios
inadequados para suscitá-lo”, a trigésima primeira, de 17 de abril,
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ANTONIO GRAMSCI
recebe o título “O método da intuição com seus elementos de nú-
mero, forma e linguagem. Resultados excelentes a que dá lugar em
aritmética. A aprendizagem da língua materna”; a carta trigésima
segunda tem como titulo “O fim moral da educação. Importância
do caráter moral da pessoa. A felicidade humana”, datada em 25 de
abril. A trigésima terceira, de 1 de maio trata da “Crítica dos meios
de estímulo baseados no temor e na ambição pessoal da criança. A
educação da vida afetiva. O sentimento religioso” e, finalmente a
trigésima quarta carta, de 12 de maio de 1819, aborda o tema “O
cristianismo na educação da criança”.
Optamos por traduzir e transcrever apenas algumas cartas,
em vista do reduzido espaço de que dispomos o que não significa
que as demais cartas não tenham idêntica relevância.
Primeira carta
22
Burgdorf, início do ano de 1801.
Meu caro Gessner
23
.
Você me disse que já é tempo de eu expor publicamente as
minhas ideias sobre a instrução/educação popular.
É isso exatamente o que eu quero fazer, expondo-te o mais
claramente possível
24
essas minhas intuições, esses meus pensamentos
em uma série de cartas.
A instrução/educação popular apareceu aos meus olhos como
um imenso pântano: eu caminhei corajosamente em meio a este
barro, até que reconheci as nascentes das suas águas e as causas de
suas obstruções e o ponto onde teria sido possível abrir uma saída
dessas águas estagnadas.
22
Tradução de “Lettera Prima” por Dorothy Fraccalvieri e transcrita por Martha Ap.
Santana Marcondes, inverno de 2009.
23
Enrico Gessner, editor suíço, colega de Pestalozzi de antiga amizade.
24
Lavater e Zimmermann em suas “intuições na eternidade”. Lavater, teólogo e amigo de
Pestalozzi. Zimmermann, nativo de Brugg, notável por ser filósofo e médico.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Eu quero te conduzir um pouco através do labirinto no qual
eu encontrei a saída, mais por acaso que por um engenho de arte.
Por longo tempo, desde a minha juventude, o meu coração se
dirigiu com a força de uma irresistível corrente, sempre e só com
a finalidade de fechar a fonte da miséria na qual eu vi, em torno de
mim, afundado o meu povo.
Já se passaram mais de trinta anos que eu coloquei as mãos à
obra e que ainda estou realizando. As Efemérides de Iselin podem
testemunhar que o sonho dos meus desejos não é, neste momento,
mais vasto do que aquele que então eu não procuraria traduzir
agora
25
.
Eu vivi por muito tempo na companhia de mais de cinquenta
crianças miseráveis, dividi com elas na pobreza o meu pão, vivi
também como um mendigo para aprender viver como são os
mendigos homens
26
.
O ideal da educação deles compreendia a agricultura, a indús-
tria e o comércio. Para isto que diz respeito a este conjunto e ao
essencial deste plano, em todos os três ramos eu possuía um sentido
muito alto e seguro e hoje ainda eu não posso reconhecer neles
erros fundamentais. Mas não é menos verdadeiro que em cada um
destes ramos me faltassem os conhecimentos e as habilidades par-
ticulares aos quais meu espírito não sabia aplicar-se com firmeza.
Além disso, eu não era suficientemente rico e estava muito isolado
para suplicar por um pessoal que me faltava para isto, não havia
ninguém para ajudar. E o meu plano faliu.
Também na imensa fadiga de tal tentativa eu tinha aprendido
imensas verdades, nunca em nenhum tempo a minha confiança no
seu valor foi tão grande como no momento em que esta estava
25
Iselin foi filantropo iluminado, com ampla cultura, a quem Pestalozzi dedicou a segunda
parte de “Leonardo e Gertrudes”.
26
Menção ao primeiro instituto aberto em Neuhof no ano de 1774 e sua informação da
relação com a cidade e a carta a Iselin.
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ANTONIO GRAMSCI
falindo. O meu coração se dirigia de forma invencível em direção a
esse fim e caí, eu mesmo, na miséria, aprendi a conhecer sempre
mais profundamente – o que não é dado a um homem feliz – a
miséria do povo e as suas fontes
27
. Eu sofri aquilo que sofria o
povo, e esses se mostraram a mim – como a nenhum outro – igual
como eram eles. Eu vivi longos anos entre o povo como uma coru-
ja no meio de outros pássaros. Mas entre o sarcasmo dos homes
que me agrediram, entre os seus apóstrofos eles diziam: “Oh mise-
rável! Você que é tão inepto, é mais ínfimo entre os operários para
ajudar a si mesmo. Você vive sonhando em poder socorrer o povo!”,
e entre tanto sarcasmo que eu lia em todos os lábios, a irresistível
aspiração do meu coração não parou nunca de se dirigir para o fim
com a finalidade de fechar as fontes da miséria, na qual eu via, em
volta de mim, afundado o meu povo; aliás, a minha força cresceu
ainda mais. A minha desventura me trouxe novas e úteis verdades.
Aquilo que não enganava ninguém me enganou sempre, mas isso
que enganava a todos não me enganava mais.
Eu conheci o povo como nenhuma outra pessoa em minha
volta. O rápido bem estar produzido pela introdução da indústria
têxtil do algodão, a crescente riqueza, as casas novas pintadas de
branco, as colheitas abundantes, até mesmo o ensino socrático de
alguns mestres e os círculos de leitura dirigidos aos filhos dos em-
pregados pelos barbeiros não me podiam mais enganar; eu via a
miséria, mas não sabia colher a unidade dessas várias e separadas
causas, assim que a força prática direta para remediar os seus ma-
les era longa pelo estender-se quanto o meu conhecimento das
condições reais do povo. Até mesmo o livro no qual eu naquela
época expressei o meu íntimo e puro sentimento, ou seja, “Leo-
nardo e Gertrudes”, foi a obra dessa minha impotência interna e
restou entre os meus contemporâneos como um pequeno caule
27
Nota nº 1 do apêndice das variações da Edizione Cotta de 1820.
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COLEÇÃO EDUCADORES
marmóreo que fala da vida, mas não se priva dessa mesma vida.
Muitos concordaram com ela com um olhar, mas compreende-
ram os meus objetivos tão pouco, quanto pouco eu compreendi
aquelas forças e aqueles conhecimentos particulares que eram ne-
cessários para atuá-los.
Eu me abandonei e me perdi num turbilhão do impulso de
uma atividade exterior, antes de ter suficientemente colocado em
mim mesmo os seus fundamentos internos
28
.
Se eu tivesse podido antes fazer isto, em qual altura eu estaria
no íntimo elevado através desses fins que eram muito importantes
para mim quanto rapidamente eu teria podido alcançá-los. Mas eu
permaneci longe, porque eu não era digno disso, visto que ali eu
procurei só exteriormente; eu permiti que o amor pela verdade e
pela justiça me transformasse em uma cega paixão que me jogou
sobre as ondas da vida, como um arbusto que foi arrancado de
suas bases e dia a dia impediu que as minhas raízes, de novo, se
reforçassem sobre um sólido terreno e ali encontrassem aquele
nutrimento que era assim tão necessário para a finalidade que eu
tinha na vida. E era em vão esperar que outros arrancassem esses
arbustos das ondas e o recolocassem sobre o terreno em que eu
mesmo não sabia me manter.
Amigo! Quem tem nas suas veias só um pouco de sangue que
corre nas minhas, conhece agora o abismo onde eu deveria preci-
pitar-me. E você, meu Gessner, antes de ler, concede à minha
sorte ao menos uma lágrima.
Um profundo mal estar tomou posse então de mim: na minha
paixão aquilo que é a verdade eterna e eterno direito, se transforma-
va em quimeras. Eu me agarrei cegamente a palavras e aos sons que
em mim perdiam todo o sentido da verdade interna, e assim diari-
amente eu me tornava miserável sempre mais no culto dos lugares
28
Referência à participação aos acontecimentos revolucionários nos anos 1792-1799.
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ANTONIO GRAMSCI
comuns e naquelas insensatas receitas de charlatães, com os quais os
tempos novos pretendiam salvar o gênero humano
29
.
Também não era que eu não tivesse consciência desse meu
naufrágio e que eu não procurasse me proteger. Eu gastei três
infinitos anos para compor as “Pesquisas sobre o processo da
natureza do desenvolvimento do gênero humano”
30
, com a precisa
finalidade de esclarecer a mim mesmo a concatenação das minhas
ideias prediletas e de harmonizar os meus sentimentos naturais
com as minhas ideias em relação ao direito civil e a moralidade.
Mas essa minha obra é para mim só uma prova da minha interior
impotência, um simples jogo da minha faculdade de investigação,
unilateral, dominada pelas minhas tendências individuais, insufici-
ente para dar aquela força prática, que era tão necessária para as
minhas realizações. A desproporção entre a minha capacidade prá-
tica e as minhas intenções aumentou ainda mais e a lacuna que eu
devia preencher para alcançar os fins propostos se tornou sempre
maior e sempre mais difícil de superá-la.
E na realidade eu não colhi mais do que havia semeado. O resul-
tado do meu livro em torno de mim era o resultado de alguns
trabalhos meus. Ninguém me compreendeu e entre os meus conhe-
cidos não encontrei nenhum que me fizesse discretamente entender
que eles consideravam o meu livro como uma bobagem. E ainda
ultimamente um homem de valor, que também me ama, me dizia a
propósito com a desenvoltura própria dos suíços: “Não é verdade
Pestalozzi, que você hoje tem que reconhecer, que quando escreveu
aquele livro não sabia bem nem mesmo o que queria?”
31
. Também
esse era o meu destino: ser subestimado e sofrer injustiça; eu deveria
ter compreendido, mas não o fiz. Às adversidades se opuseram o
desdém e o desprezo para com os homens. Com tudo isso eu não
29
“Di tali tempi” é uma expressão característica da carta, de outubro de 1793, de
Pestalozzi a Nicolovius.
30
A preparação desta obra foi fundamental para o pensamento pestalozziano. Durou de
1794 a 1797, ano em que foi publicada.
31
Nota nº 1 do apêndice das variações da Edizione Cotta de 1820.
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COLEÇÃO EDUCADORES
me desviei do meu objetivo, mas este se obscureceu em determina-
ções parciais e viveu em uma fantasia desesperada em um coração
descontente. E sempre, cada vez, quis cultivar sobre um terreno já
desconsagrado a sagrada planta do bem dos homens.
Oh Gessner! Eu que nas minhas pesquisas tinha mostrado que
todas as exigências do direito civil, não eram exigências da minha na-
tureza animal e que as tinha, por isso, concebidas como um obstáculo
essencial aquilo que só tem valor para a humanidade: ou seja, a pureza
moral. Eu me abaixei até o ponto, sob o impulso da violência exterior
e da paixão interna para esperar que com o simples nome da verdade
e do direito se pudesse agir beneficamente sobre os homens do meu
tempo que, com a acepção de poucos, viviam de sentimentos super-
ficiais, aspiravam ao poder e procuravam as mesas bem postas, com
muita riqueza, com as benesses oriundas do poder
32
.
Com os meus cabelos grisalhos eu ainda era um menino, mas um
menino de alma profundamente perturbada. Também em meio à
tempestade daquela idade eu tinha fixado o ânimo para o objetivo da
minha vida, mas a minha concepção era tanto unilateral quanto escura.
Eu agora procurava o caminho para colocar a luz, em modo geral, às
antigas fontes da desordem civil, com a exposição apaixonada dos
princípios do direito e dos seus fundamentos, com o tirar vantagem
da potente reação contra alguns dos sofrimentos do povo. Mas se as
mais altas verdades que eu tinha em precedência afirmado tinham
sido só vãs palavras, para aqueles que viviam ao meu redor, com
maior razão o meu novo modo de ver as coisas não podia aparecer
para eles nada mais do que bobagem. Eles, como sempre, enlamea-
ram também estas ultimas verdades na própria lama deles e permane-
ceram como eram, e, aliás, se revoltaram contra mim. Eu deveria,
mas não soube prever, porque envolvido pelos sonhos das minhas
esperanças eu voava entre as nuvens e o egoísmo, não me abria os
32
Referência aos escritos e sobre a campanha política dos anos de 1797 a 1799.
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ANTONIO GRAMSCI
olhos sobre os homens que me circundavam. Eu me deixei enganar
não só pelos astutos, mas também pelos loucos, e permiti a cada um
deles que se apresentassem diante de mim com uma boa palavra, mas
também com bons sentimentos. Também eu conheci o povo e as
causas do seu embrutamento e da sua decadência melhor do que
qualquer outro. Eu queria só e simplesmente destruir essas causas, tirar
esse mal. Mas os homens novos (novos homens) da Elvezia, que ti-
nham objetivos mais vastos e não conheciam o povo, encontraram
naturalmente o que eu não fazia por ele. Esses homens que na sua
nova posição, como pessoas em meio a uma tempestade, pegavam
qualquer raminho para introduzir numa árvore principal a quem a
República pudesse apoiar-se para alcançar um porto seguro, conside-
ravam-me e só me consideravam como um pequeno ramo, a quem
nem mesmo um gato pudesse se agarrar. Sem saber e sem querer, eles
me fizeram bem, mais do que alguém poderia ter feito por mim. Eles
me reconduziram a mim mesmo, num estupor silencioso no qual eu
considerava os seus esforços para salvar um navio em perigo. Além
disso, não avaliaram em mim que o pensamento que eu tinha formu-
lado desde os primeiros momentos de insegurança: “Eu quero me
tornar um professor de escola”. Nesse ponto eu tive a confiança deles
eu me tornei um professor e desde então eu sustentei uma luta que me
obrigou mesmo contra o meu querer, a preencher as lacunas da capa-
cidade interna que me impedia de alcançar o objetivo da minha vida.
Amigo! Eu quero expor abertamente para você aquilo que eu
fui e aquilo que eu fiz a partir daquele momento. Por mérito de
Legrand, eu tinha obtido a confiança do primeiro Diretório para
aquilo que se relacionava à educação popular e estava ao ponto de
iniciar no cantão de Argovia um vasto plano de educação
33
, quando
explodiu o incêndio de Stans, e Legrand me suplicou de escolher
33
A atividade de Pestalozzi na Argóvia se desenvolve de maio a outubro de 1798. Em 25
de outubro apresentou ao diretório um projeto para a instituição de uma escola profissio-
nal para os pobres, que foi aprovado e sustentado por Stapfer, então ministro da Arte e
Ciência. A fundação do Instituto em Stans foi decidida em 18 de novembro de 1798.
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COLEÇÃO EDUCADORES
como centro de minha atividade aquele lugar desventurado. Fui até
lá. Eu teria descido até os mais ásperos barrancos das montanhas
para aproximar-me da minha finalidade, e eu me aproximei real-
mente. Mas pense em minha condição: sozinho, privado completa-
mente de qualquer ajuda e subsídio para a educação; ao mesmo
tempo, diretor, administrador, serviçal e, sobretudo vigia, em uma
casa quase que completamente destroçada, entre a ignorância, as
doenças e as novidades dos costumes. O número de crianças subiu
pouco a pouco até alcançar o numero de oitenta, todos de diferentes
idades, alguns arrogantes, outros habituados a pedir esmolas pelas
ruas, todos com poucas exceções absolutamente ignorantes. Mas
qual tarefa teria sido educá-los e desenvolver a alma deles?
[...]
E visto que eu fui obrigado, a instruir sozinho sem outras ajudas,
as crianças, aprendi a arte do ensino mútuo; e como eu não tive à
minha disposição outro meio além do da pronúncia em voz alta, me
surgiu naturalmente o pensamento de fazê-los escrever e trabalhar
durante o estudo dessas crianças. A desordem produzida pelo núme-
ro de crianças que repetiam em coro as minhas palavras me sugeriu a
necessidade do ritmo e pronúncia rítmica acrescentou a impressão
produzida pelo ensino. A absoluta ignorância de tudo me induziu a
pensar longamente sobre os princípios, e aquilo que me permitiu ex-
perimentar o rigoroso elevar-se das energias espirituais que conse-
guem o completamento dos primeiros graus de instrução e os bene-
fícios resultantes do sentimento de tal completamento e perfeição tam-
bém nos graus mais baixos de ensino. Então eu compreendi como
ainda eu estava conseguindo compreender a conexão entre os primei-
ros elementos e o sistema complexo de cada ciência. E tive consciên-
cia pela primeira vez, da imensa lacuna que o estudo confuso e incom-
pleto dos primeiros elementos produz em cada sistema do conheci-
mento. Os resultados que obtive na sequência dessas observações su-
peraram a minha própria expectativa. Rapidamente se desenvolveu
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ANTONIO GRAMSCI
nas crianças a consciência de força que elas ignoravam e principalmen-
te o sentimento geral da harmonia e da beleza. Elass adquiriram cons-
ciência de si e o sentido de peso da vida escolar desapareceu da minha
escola como que por encanto. Elas queriam, podiam e perseveravam,
conseguiam e sorriam contentes. O estado de ânimo delas não era
aquele de quem estuda, mas de quem sente que está desenvolvendo
em si as forças vivas ignoradas e o sentimento que eleva o espírito e o
coração nos quais se toma conhecimento de suas próprias forças.
As crianças instruíam as crianças. Eles realizaram os meus pro-
jetos. Também a isso me tinha conduzido a necessidade. Visto que
eu não tinha nenhum colaborador, eu coloquei um dos meus me-
lhores alunos entre dois dos que tinham maior dificuldade. Essa
criança ensinava-lhes o quanto podia e eles aprendiam a repetir
aquilo que não sabiam.
Gessner! Meu caro amigo você já ouviu o barulho desse estu-
do incomum, você já viu o entusiasmo e a alegria. Diga-me que
sentimento você experimentou com tal visão. Eu vi suas lágrimas e
meu peito ardeu de indignação por quem ousava ainda dizer que a
redenção do povo não era mais que um sonho.
Não, não é um sonho. Eu quero colocar a arte na mão da
mãe, na mão da criança e na mão da inocência, e o miserável vai
calar a boca e não poderá mais repetir: isso é um sonho!
Meu Deus! Como eu te agradeço pela minha miséria! Sem a
qual eu não poderia pronunciar essas palavras e impor silêncio
àquele homem.
A minha convicção agora é muito sólida. Por algum tempo eu
não fui assim. [...]
As crianças confusas ainda nessa ignorância a qual você pode
dar uma culpa, eu descobri uma viva força da intuição e uma
certeza na retenção daquilo que já tinha visto e conhecido do qual
os nossos fantoches escolares não tinham a menor ideia.
Deles eu aprendi e deveria ter sido cego por não aprender a rela-
ção natural que se deve dar entre o estudo do alfabeto e o conheci-
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COLEÇÃO EDUCADORES
mento dos objetos reais. Deles eu aprendi quanto o estudo exclusivo
do alfabeto e a confiança incondicional colocada nas palavras em si,
são puros sons e vozes e pode interferir na força efetiva da intuição e
na consciência concreta dos objetos que estão em volta delas.
Para saber isso é que cheguei a Stans. Eu sentia que as minhas
experiências eram decisivas para possibilidade de fundar a instrução
do povo em bases psicológicas de colocar no seu fundamento os
reais conhecimentos intuitivos e arrancar a máscara da validade de
sua superfície e ostentação de palavras. Eu sentia que frente aos
homens de engenho agudo e de fresca energia espiritual, eu teria
sido capaz de resolver o problema; mas visto que me era tão claro
para mim eu não podia persuadir a multidão escrava de prejuízos
semelhantes aos pintainhos que não haviam saído do ovo e que
cresceram dentro do galpão e da cozinha, e não perderam por
isso, a capacidade de voar e de nadar.
Era reservado a Burgdorf de me adestrar a isso na escola.
Mas você que me conhece, sabe com qual ânimo eu parti de
Stans. Quando um náufrago, depois de longas noites angustiantes
chega, finalmente, à terra, abre seu peito para a esperança da vida;
mas se de novo ele se vê conduzido pelo vento inimigo no seu
infinito mar, tremendo em todas as veias mil vezes ele invoca a
morte, mas não se precipita no abismo e fixa os olhos cansados e
olha em volta de si e procura de novo a margem. [...]
Assim, sem ter a clara consciência do princípio a que eu obe-
decia, eu comecei, nas explicações que eu dava às crianças, a consi-
derar os objetos de acordo com a relação com os quais eles eram
habituados entrar em direto contato com os seus sentidos e, deco-
rando até o limite extremo os elementos iniciais do ensinamento e
querendo determinar o tempo no qual esse tem princípio, cheguei
à convicção, que a primeira hora da aprendizagem é a hora do
nascimento. A partir do momento em que os sentidos da criança
podem receber as impressões da natureza, esta o educa. A própria
novidade da vida não é outra coisa que a faculdade de se desen-
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ANTONIO GRAMSCI
volver, de receber essas impressões, que o despertar dos germes
físicos levados à perfeição, os quais agora tendem com todas as
suas forças e com todas as suas energias a provocar tal desenvolvi-
mento interior, ou seja, o despertar, em suma, do animal já perfeito
que quer e deve se tornar homem.
Toda instrução não consiste, portanto senão na arte de favorecer
essa inclinação da natureza ao seu próprio desenvolvimento. E
essa arte repousa essencialmente sobre a natural relação da harmonia
que deve existir entre as impressões que suscita no aluno e o grau
de desenvolvimento da sua energia interior. Deve existir ali, por-
tanto, necessariamente, uma ordem segundo a qual as impressões
devem ser suscitadas na criança por meio do ensinamento, ordem
cujo princípio e cujo processo devem depender do princípio e do
progresso da energia interior da criança. Eu compreendi então
que a descoberta dessa ordem em todos os campos do conheci-
mento humano e, particularmente, nas noções elementares do qual
depende o desenvolvimento do espírito humano é o meio simples
e único para conseguir compor verdadeiros livros escolares instru-
tivos conforme a nossa natureza e as nossas necessidades. Eu re-
conheci, além disso, que na composição desses livros importa, antes
de tudo, dar uma graduação à matéria do ensino, em correspon-
dência ao grau de desenvolvimento das energias da criança em
todos os três campos. Determinar com a máxima precisão quais
noções convém às várias idades da criança para não tirar nada
daquilo que ela é capaz de compreender e de não confundi-la com
quanto supera a sua capacidade de entendimento.
Então se tornou claro para mim que a criança deve já ter adquirido
amplas noções, seja de coisas como de palavras antes que racional-
mente convenha ensinar a ela a dizer as sílabas e esse pensamento me
persuadiu que a criança seja, desde a primeira idade, conduzida com
um método psicológico a uma intuição das coisas, de acordo com
uma ordem racional. Mas, visto que tal direcionamento não pode
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COLEÇÃO EDUCADORES
conceber-se nos homens assim como hoje são, nem esperar deles sem
que haja uma concomitância com uma arte pedagógica eu tive, neces-
sariamente, que sentir a necessidade de livros de instrução que prece-
dessem o abecedário e que deixassem claro em antecipação às crian-
ças por meio de ilustrações bem escolhidas e bem feitas os conceitos
que se querem comunicar a eles com a palavra.
A experiência confirmou plenamente esse meu pensamento. Uma
ótima mãe confiou aos meus ensinamentos em particular a sua cri-
ança de somente três anos de idade. Por algum tempo eu lhe dei
aulas uma hora por dia e nessas primeiras eu apliquei esse método
de forma muito tímida. Eu recorri às letras do alfabeto, às figuras e
tudo aquilo que me caia nas mãos para lhe ensinar. Ou seja, para
formar nela com todos esses meios conceitos e expressões determi-
nadas. Eu fiz com que ela denominasse com precisão aquilo que ela
conhecia de cada coisa: a cor; os elementos; a posição, a forma e o
número. Mas eu tive bem cedo que deixar de lado as mal vistas
letras do alfabeto que eram o primeiro termômetro da infância. Ela
queria só imagens e objetos e depois de breve tempo ela pode ex-
pressar-se com precisão sobre as coisas que entravam naquilo que
ele conhecia, dentro da sua área de conhecimento. Pela rua, no jar-
dim e em seu quarto ela encontrou a confirmação das suas noções e
logo ela chegou a reconhecer na história natural do Buffon também
os animais menos conhecidos e a lembrar os nomes mais difíceis em
curso pela sua ordem e a fazer observações e distinções sutis sobre
os animais, sobre as plantas e sobre o homem.
Todavia, este experimento não era decisivo para determinar o
momento no qual tem início a instrução. Também essa criança
tinha atrás de si três anos perdidos. E eu estou convencido de que
a natureza deu à criança consciência determinada de um número
infinito de objetos. A nós não resta senão apropriar, com a arte
psicológica, as palavras destas cognições para elevar a um grau
mais elevado de clareza. Assim, as crianças chegarão a colocar nis-
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ANTONIO GRAMSCI
so também o que a sua própria natureza ensinou a eles: os
ensinamentos da arte e da verdade de inúmeras formas reciproca-
mente a usar os ensinamentos diretos e espontâneos da natureza
para esclarecer os princípios da arte e da verdade o que eles que-
rem aprender. Tanto a energia deles como as suas experiências são,
naquela idade, desenvolvidas suficientemente, mas as nossas esco-
las com seus procedimentos antipsicológicos não são [mais] que
um sistema artificioso para esterilizar aquela força e aquela
experiência à qual a própria natureza deu vida nas crianças.
Lembre-se, meu amigo, por um momento, do horror deste
delito. Até os cinco anos se concede às crianças a liberdade e o pra-
zer da natureza e se deixa que cada impressão que dela deriva aja
sobre eles. Eles têm consciência da própria força e aproveitam disso
com todos os sentidos da própria liberdade e dos os prazeres que
dela derivam. O livre processo da natureza, segundo o qual se de-
senvolve na satisfação da sua sensibilidade selvagem tem já adquiri-
do em nós uma direção bem determinada. Depois que eles apro-
veitaram bem os cinco anos dessa alegria, da vida sensível, abrupta-
mente a gente tira deles essa inteira natureza e se freia tiranicamente o
processo impulsivo da desenfreada liberdade, e eles se fecham em
fileiras em uma sala empesteada e se obrigam por horas, dias, sema-
nas, meses e anos inteiros sem piedade a contemplar a miséria, ári-
das e uniformes letras do alfabeto, e se condena a um modo de vida
que contrasta com aquela precedente [...].
Que deficiência é para nós a falta de um tal livro. Deficiência
não só porque temos que substituí-lo com a nossa arte, mas porque
este não pode ser de tal arte substituído. Mas a nós falta até mesmo
seu espírito, bem que esse, por obra da natureza, sem a nossa parti-
cipação, viva em tudo que nos circunda, tanto que temos que usar de
violência contra nós mesmos, quando em nossas escolas e quando
com seu exclusivo ensinamento alfabético sufocamos a última cha-
ma do fogo com a qual a natureza quis imprimir em nosso coração.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Mas eu volto ao argumento.
Enquanto, portanto, para definir o método a favor das crianças,
que já deveriam ter sido formados desde o berço, eu procurava
descobrir os primeiros elementos de cada estudo, de cada energia
espiritual com as crianças que, educadas fora de todo o método, eu
tinha agora em minhas mãos, seguia regras que pareciam feitas opostas
aos meus princípios e, particularmente, a ordem psicológica para a
aprendizagem dos conhecimentos reais e verbais, segundo a qual
deveriam ter se desenvolvido os conceitos das crianças. Na verdade
eu não devia fazer de forma diferente: eu deveria descobrir às cegas
o grau de energia alcançado por eles, pelo espírito deles, antes e fora
da minha intervenção. Eu me coloquei como me era possível em
todos, não obstante o abandono no qual eles tinham sido deixados,
encontrei um grau altamente superior dado à inconcebível falta de
qualquer método e ação educativa, eu teria considerado possível.
Onde se tinha exercitada a ação dos homens eu encontrei uma enor-
me enfraquecimento, mas isto não tinha conseguido eliminar a natu-
reza. A experiência me ensinou e eu devo dizer que ocorre muito
mais tempo do que se creia porque o erro e a ignorância dos ho-
mens sufocam completamente um coração infantil e a nossa nature-
za. Deus mesmo colocou contra tal loucura de destruição uma
incoercível força em nosso peito. Essa força atinge vigor pela vida e
pela verdade da natureza, que nos dá leveza à nossa volta e pela
bondade do Criador o qual não quer que aquilo que em nosso inti-
mo é santo e seja perdido por causa da nossa ingenuidade, mas que
todos os filhos dos homens cheguem com segurança ao conheci-
mento da verdade e da justiça de modo que eles não percam a
dignidade de sua natureza interior, ou seja, pela sua própria obra e
que eles não se percam no labirinto do erro e no abismo do vício;
que isso seja pela sua própria culpa e com plena consciência. Mas os
homens não sabem aquilo que Deus faz por eles e não dão alguma
importância à incalculável influência que a natureza tem sobre nossa
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educação. Levam, ao contrário, em grande conta, todas as pequenezas
que eles acrescentam, cegamente, à sua ação potente como se sobre
o gênero humano tudo pudesse sua arte e nada à natureza. Entretan-
to, só a natureza pode produzir o nosso bem; essa sozinha e
incorruptível e tem sustentação, nos guia para a verdade e para a
sabedoria. Quanto mais de perto eu seguir os seus passos, procu-
rando concordar a minha obra com a sua, quanto mais eu direcionei
a minha atividade para seguir-lhe passo a passo, tanto mais me pare-
ceu que seus passos eram gigantescos e a criança tem sempre em si a
força de segui-los. Eu não encontrei outro defeito senão no modo
de usar essas energias que estão em movimento na criança, eu mes-
mo percebia errar enquanto eu pretendia empurrar um vagão que
não era para ser empurrado, mas só para ser carregado porque era
capaz de se mover sozinho. Eu pensava bem nisso três vezes antes
de admitir que as minhas crianças fossem incapazes de determinado
trabalho. Eu pensava muitas vezes antes de dizer: esse é um trabalho
impossível. Eles conseguiam isso pela sua idade, o que me parecia
impossível. Eu fiz com que as crianças de três anos dissessem síla-
bas, as combinações mais complicadas só para trabalhar as absurdas
dificuldades deles. Você mesmo meu amigo, escutou crianças de
menos de quatro anos dizerem sílabas de memória, as frases mais
longas e as mais difíceis. Você teria acreditado que isso seria possível
se não tivesse visto? Assim eu expliquei para eles geografia; escritos
com abreviações, e ensinei a ler em idade que sabe só dizer sílabas e
pronunciar os vocábulos menos comuns, sugeridos somente com
um par de sílabas. Você pode detectar com absoluta exatidão a
importância com que liam aquelas folhas e a facilidade com que
aprendiam a decorar os nomes.
Eu procurei ainda esclarecer, pouco a pouco, às crianças mais
adultas algumas proposições das ciências naturais mais complexas
e para eles incompreensíveis. Eles aprendiam as proposições, de
memória, repetindo-as e lendo-as do mesmo modo que aprendi-
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COLEÇÃO EDUCADORES
am uma série de perguntas e repostas relativas a elas. Em princípio
foi – como acontece em todo ensinamento catequético – uma
repetição de palavras obscuras e incompreendidas. Mas a perfeita
distinção de simples conceitos; seu preciso ordenamento de acor-
do com essas distinções a própria consciência radicada na memó-
ria dessas palavras obscuras na própria obscuridade carente de
luzes e de significados, despertou neles o sentido da verdade e a
ideia dos objetos que eram colocados diante deles, uma ideia como
um raio de sol que se tornava, pouco a pouco, mais potente dentro
da densa neblina.
No curso dessas experiências vieram se desenvolvendo e se
determinando em mim, sempre com maior precisão os princípios
do meu método, e no conjunto me veio, dia a dia, mais claro que
nos primeiros anos não se deve raciocinar com as crianças, mas
limitar-se a aproveitar dos meios do desenvolvimento espiritual
que estão à disposição deles:
1. Ampliar gradualmente o campo de suas intuições;
2. Imprimir em suas mentes com caracteres precisos, seguros,
distintos as intuições nascidas em suas consciências;
3. Dar-lhes um conhecimento da língua tal como abraçar todas
as noções que a natureza e a arte lhes forneceram e fornecerão.
Enquanto, como dizia, estes três princípios me vinham à men-
te sempre mais ratificando, desenvolvendo em mim também estas
convicções:
1.Da necessidade dos livros de educação para a infância;
2. Da necessidade de uma explicação clara desses livros;
3. Da necessidade de exercitar as crianças a utilizar tais livros e
suas explicações, conhecer os nomes e as palavras que devem
se tornar familiares antes do momento da alfabetização
(silabação das palavras).
A vantagem de possuir com o tempo um vocabulário extenso é
incalculável para as crianças. A impressão viva da palavra faz com
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ANTONIO GRAMSCI
que o objeto se torne inesquecível para eles. Uma vez conhecido,
seguindo uma ordem exata preserva neles a consciência das relações
concretas entre eles, dos objetos. A utilidade que deriva disso é pro-
gressiva. E não se deve acreditar que o estudo de algo que a criança
não conhece por inteiro possa ser-lhe inútil. E certo que se ele estu-
dando o A, B ou C consiga apropriar-se de uma grande parte do
vocabulário cientifico e terá vantagem sobre as crianças que, sem
sair de casa, se familiarize com o nome de infinitos objetos.
Quinta carta
[...]
Eu te expus brevemente essas proposições, das quais eu creio se
pode tecer um método geral e psicológico de ensino. Mas essas não
me satisfazem; sinto de não poder ainda representar-me na sua sim-
plicidade e na sua extensão a essência da lei da natureza sobre a qual
se fundam. Parece-me que essas têm em comum uma tríplice fonte.
A primeira dessas fontes é a própria natureza, por obra da qual
o nosso espírito se eleva das intuições obscuras aos conceitos claros.
Dessa fonte derivam os seguintes princípios que devem ser re-
conhecidos como os fundamentos das leis eu pesquiso na natureza:
1. Todas as coisas que afetam os meus sentidos são, para mim,
meios para alcançar as ideias exatas, somente como as suas
imagens apresentam aos meus sentidos a sua essência invariável
e imutável, em vez de suas variações mutáveis ou os aspectos
particulares. Estes são, ao contrário, fonte de erros e de enganos
se as suas imagens apresentam aos meus sentidos as suas pro-
priedades acidentais em vez da sua essência.
2. A cada intuição profundamente, impressa no espírito humano
e fixada na memória, se liga com grande facilidade e quase
involuntariamente uma série de conceitos colaterais que estão
mais ou menos em relação com aquela intuição.
3. Quando à essência de um objeto é impressa no teu espírito
mais fortemente do que não nos seus aspectos particulares, o
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COLEÇÃO EDUCADORES
mecanismo da tua natureza espontaneamente, te guia, nos as-
pectos particulares deste objeto, dia a dia, de verdade em ver-
dade. Ao contrário quando os aspectos variáveis de um objeto
são impressos no teu espírito mais fortemente do que na sua
essência, esse organismo da tua natureza, dia a dia, nos aspec-
tos particulares deste objeto, te guia de erro em erro.
4. Aproximando objetos da mesma natureza, o nosso juízo sobre
a sua verdade interna adquire uma maior amplitude, essencialidade
e universidade, se faz mais penetrante e mais seguro; a impressão
parcial e predominante dos aspectos particulares se enfraquece
em benefício da impressão que deve fazer sobre você a essência
dos próprios objetos, o fascínio que exerce sobre o espírito a
força isolada de impressão particular dos aspectos particulares, é
vencido, e você é salvo do perigo de confundir ligeiramente a
aparência exterior dos objetos com a sua essência e então conce-
der uma exagerada importância e preferência para uma coisa que
a observação mais acurada se revelou inteiramente secundária, e
de encher inutilmente a mente com estas vaidades.
Não pode ser de outro modo. Quanto mais o homem possui
ideias extensas e gerais acerca das coisas, tanto menos é sujeito
à influência nociva de ideias limitadas e particulares das pró-
prias coisas; quanto menos, pelo contrário, ele é exercitado
pela ampla intuição da natureza, tanto mais facilmente as ideias
particulares de um aspecto mutável de um objeto podem nele
confundir e obscurecer a ideia essencial do mesmo objeto.
5. Também a intuição mais complexa consta de elementos
simples. Se tens este em teu poder, também aquilo que é
complexo se tornará simples.
6. Quanto mais sentidos você emprega ao indagar a essência
ou as qualidades fenomenais de um objeto, tanto mais exata se
torna o seu conhecimento sobre este.
Esses me pareciam ser princípio do mecanismo físico, que
derivam da natureza do nosso próprio espírito. A eles se conectam
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ANTONIO GRAMSCI
as leis gerais deste mecanismo, do qual apontam agora somente
esta: a perfeição é a lei máxima da natureza; tudo aquilo que é
imperfeito não é verdadeiro.
A segunda fonte dessas leis físico-mecânicas é a sensibilidade
da minha natureza, unida fortemente à faculdade da intuição.
A minha natureza, com efeito, oscila em cada uma de suas ope-
rações entre o desejo de conhecer e de saber tudo, e o desejo de
desfrutar de tudo, que sufoca o impulso ao saber e ao conhecimento.
Com a força física pura, a preguiça do homem é estimulada pela
curiosidade, e a sua curiosidade é moderada pela sua preguiça. Mas
tanto o estímulo de uma, como o freio imposto pela outra não tem,
em si mesmas, mais que um valor físico. Ao contrário, como funda-
mento sensível da minha energia de investigação, por um lado, e
como fundamento sensível da calma no juízo, por outro, tem um
valor muito superior. Somente por meio da infinita atração que a
árvore do conhecimento exerce sobre a nossa natureza sensível, nós
chegamos ao saber; somente pelo princípio da inércia que impõe
um fim preciso ao nosso superficial passar de uma intuição para a
outra, pode amadurecer em nós, segundo várias direções, a verdade,
antes que a demos expressão exterior.
Mas os nossos anfíbios pesquisadores de verdades não que-
rem saber desse amadurecimento interior; esses vão coaxando pela
verdade antes ainda de ter o pressentimento, nem mesmo o co-
nhecimento. Mas na verdade não podem fazer outra coisa. Falta a
eles tanto a força dos quadrúpedes para caminhar pela terra firme,
quanto as barbatanas dos peixes para nadar acima dos abismos,
quanto as asa dos pássaros para se elevar até as nuvens. Eles igno-
raram, da mesma forma que Eva, a intuição desinteressada da
realidade, e têm com ela em comum o destino de colher o fruto
da verdade antes ainda que esteja maduro.
A terceira fonte dessas leis físico-mecânicas está na relação da
minha condição exterior com a minha faculdade cognitiva.
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COLEÇÃO EDUCADORES
O homem é ligado ao seu ninho e quando o suspende por
cem fios e o circunda em cem voltas, que coisa ela faz a mais do
que a aranha que suspende o seu ninho a cem fios e o circunda de
cem voltas? E qual a diferença entre uma aranha um pouco maior
e uma pouco menor? O seu modo de viver é essencialmente o
mesmo: ambas estão no centro do círculo que elas traçaram. Mas
o homem não pode escolher por si o centro no qual suspender-se
e tecer a teia de sua vida; ele, como verdadeira natureza física, não
tem outro critério para a verdade se não aquela da maior ou me-
nor aproximação dos objetos que chegam à sua intuição, no cen-
tro da qual ele está (6) suspenso e tece a teia de sua vida.
Sexta carta
34
Amigo, vê ao menos a pena que me aplico para te explicar os
princípios teóricos de minha da minha empreitada. Valha esta para
poder me desculpar pela pouco resultado prático. Já que até aos
vinte anos renunciei ao estudo da filosofia no verdadeiro sentido
da palavra, e por sorte a atuação prática do meu projeto não ne-
cessitava de filosofia alguma daquele gênero que me parece um
tanto quanto vã e superficial.
No círculo da minha vida prática, vivia cada situação e cada
problema com toda a intensidade que minhas forças permitiam;
sabia que era isso que queria, não pensava no amanhã, mas sentia a
cada instante que era isso que o presente exigia. E se por vezes a
minha fantasia me levou muito além do terreno onde podia soli-
damente pousar os pés, logo refazia o caminho erroneamente per-
corrido. Isso me aconteceu milhares de vezes. Milhares de vezes
acreditei ter-me aproximado da meta, encontrei-me de repente
com o imprevisto e a meta que tinha a ilusão de ter sido alcançada
não era mais do que novo obstáculo contra o qual me defrontava.
34
Este capítulo refere-se às páginas 89 a 96.
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ANTONIO GRAMSCI
Isso me sucedia especialmente quando os princípios e as leis do
mecanismo físico começaram a tornar mais claras. Parecia-me agora
que tudo se reduzisse a aplicar estes princípios as várias disciplinas
que há milênios a humanidade considera come essenciais para o
desenvolvimento de suas faculdades e que acreditava como os
princípios de cada arte e de cada saber, isto é, ao escrever, ao ler,
ao fazer contas etc.
Mas paralelamente ao estudar para fazer tais aplicações, cons-
tatava sempre com mais precisão e segurança que essas matérias
de estudo não certamente os elementos de arte e de educação, mas
ao contrário devem vir organizados segundo um sistema de ensi-
no muito mais geral. Mas a consciência desta verdade muito im-
portante que em mim estava desenvolvendo enquanto procurava
aprofundar nas várias disciplinas escolares, permaneceu por muito
tempo uma série de intuição isolada, em relação à matéria especí-
fica de cada vez se referia a minha experiência.
Assim, ao ensinar a ler, descobri a necessidade de subordinar
esse estudo ao ensino da língua, e, ao procurar os meios para ensi-
nar as crianças a falar, achei ser sempre necessário o princípio pelo
qual esta arte deve desenvolver-se segundo a lei pela a qual a natu-
reza ascende do som à palavra, e desta somente gradualmente a
língua no seu complexo.
Ao esforça-me para ensinar a escrever descobri que essa arte deve
estar subordinada ao desenho, como, ao ensinar o desenho, me con-
venci que isso devia ligar-se e subordinar-se com a arte da medição.
O ensino do alfabeto despertou em mim a necessidade do
livro para a primeira infância com o qual esperava poder dar às
crianças de três ou quatro anos cognições concretas, superiores
àquela que hoje possuem as crianças de sete ou oito anos. Mas
essas mesmas experiências, que praticamente me conduziam a des-
cobrir novos caminhos para o ensino, faziam-me sentir que eu não
possuía o meu método na sua extensão total.
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67
COLEÇÃO EDUCADORES
Procurei bastante um princípio psicológico desses métodos
particulares, sendo persuadido que isto era somente o meio de
descobrir a forma pela qual a humanidade pudesse ser educada
pela mesma essência da natureza.
Era manifesto que essa forma é fundada na estrutura universal
do nosso espírito, a qual faz que nosso intelecto nos reconduza à
unidade, na representação, das várias impressões que a sensibilidade
recebe da natureza, que as sintetizam num conceito e que o desen-
volve até a sua plena clareza.
Dizia a mim mesmo: cada linha, cada medida, cada palavra é
um resultado do intelecto que vem produzido pela intuição junto
com o amadurecimento e que deve ser concebido como meio a
uma clarificação sucessiva dos nossos conceitos. E cada ensinamento,
na sua essência, não é mais que isto; por isso os seus princípios
devem ser extraídos de sua forma originária imutável da evolução
do espírito humano. Importa então, sobretudo, alcançar o conhe-
cimento mais exato nessa forma original. E por isso retomava
continuamente o exame dos princípios elementares pelos quais esse
conhecimento deveria ser obtido.
O mundo, dizia a mim mesmo, nas minhas meditações inte-
riores, está na frente de nós como um mar de intuições confusas
que se misturam umas às outras. A tarefa de ensinar e da arte
didática, se essas devem, realmente e sem algum dano para nós,
abreviar o processo do nosso desenvolvimento intelectual, que
entregue somente à natureza seria muito lento, apontou para tirar
a desordem desse material intuitivo, distinguir entre eles os obje-
tos, unificar na percepção aqueles que são semelhantes e coeren-
tes, torná-los para nós claros, e pela sua clareza sensível elevar o
espírito da criança para distinção intelectual dos conceitos. Esses
podem atingir esse resultado se, pondo sob os olhos cada uma
das intuições que seriam naturalmente confusas e desordenadas,
e então nos apresentariam tais intuições isoladas nos seus dife-
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ANTONIO GRAMSCI
rentes e variáreis aspectos, que no fim se conectariam com todo
círculo dos nossos conhecimentos.
Assim o nosso conhecer procede da dispersão à determina-
ção, da determinação à clareza, da clareza sensível à clareza e
discernimento intelectual.
Mas a natureza, no processo desse desenvolvimento, atém-se
absolutamente à grande lei de que depende a clareza do meu co-
nhecimento, a proximidade ou afastamento dos objetos que per-
passam os meus sentidos. Tudo aquilo que te rodeia parece aos
teus sentidos, igual aos outros, tanto mais confuso, e então tanto
mais difícil para tornar-se claro e distinto, quanto mais longe dos
teus sentidos e, ao contrário, parece mais determinado e, por
consequência, fácil de tornar-se claro e distinto, quanto mais próxi-
mo está dos teus sentidos.
Como natureza dotada de vida física, você não é mais que os
teus cinco sentidos; pois da clareza ou obscuridade dos teus con-
ceitos depende absolutamente e essencialmente da aproximação
ou afastamento na qual os objetos externos venham a atingir os
seus sentidos, isto é, você mesmo, ou seja, o centro no qual as tuas
representações se unificam.
Esse centro de todas as tuas intuições, isto é, você mesmo, é
um objeto da tua intuição. Tudo aquilo que você sabe, pode tor-
nar-se para você muito mais facilmente claro e distinto do que
aquilo que está fora de você, tudo aquilo que você sente, em si
mesmo, uma intuição determinada, somente aquilo que está fora
de você pode ser uma intuição confusa para você; depois do
desenvolvimento dos teus conhecimentos, no que diz respeito a
você mesmo, é mais breve do que quando objeto tem algo ex-
terno. De tudo aquilo que você está consciente, como de alguma
coisa relacionada à vida interior, você está consciente de modo
inteiramente determinado; tudo aquilo que você mesmo conhe-
ce, é para você e em si mesmo, por reflexo, perfeitamente deter-
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COLEÇÃO EDUCADORES
minado. Por isso, a direção ao caminho dos conceitos claros e
distintos se abre mais fácil e seguro do que qualquer outro, e
entre tudo o que é claro, nada pode ser mais claro do que a
clareza desse princípio, que o conhecimento da verdade procede,
no homem, do conhecimento de si mesmo.
Amigo, essas ideias vivazes, mas confusas sobre os elementos
da educação envolviam a minha alma, até que as expressei na mi-
nha relação, sem que nem mesmo agora me fosse possível de en-
contrar uma conexão continua entre elas e a lei do mecanismo
físico, e sem que conseguisse determinar com segurança os ele-
mentos primeiro pelo quais devesse desenvolver a série de artifíci-
os didáticos, se preferir a forma na qual fosse possível determinar
o desenvolvimento espiritual da humanidade segundo a essência
de sua própria natureza. Finalmente e, há pouco tempo, como um
Deus ex machina
35
, me veio a mente o pensamento que cada um dos
nossos conhecimentos deriva do número, da forma e da palavra,
parecia-me lançar novas luzes sobre o objeto de minhas pesquisas.
Um dia, enquanto trabalhava nos meus ensaios, ou melhor, e
deixava-me conduzir pelo sonho e pelas fantasias sobre o argu-
mento que me interessava, fez-me pensar no fato de qual deve ser
o procedimento de um homem culto que queira analisar para tor-
nar, aos poucos, claro um objeto que se apresenta num primeiro
momento confuso diante dos olhos.
Ele voltará e deverá dedicar o seu exame aos seguintes pontos:
1. Quantos são os objetos que estão diante dele e quais as
espécies;
2. Qual é o seu aspecto: qual a sua forma e o seu contorno;
3. Como se chamam, com qual som, com qual palavra podem
vir chamados à memória.
35
Nota do tradutor conforme Koogan Larousse, p. 1704: Um Deus (que desce) por meio
de uma máquina / expressão que designa uma intervenção, numa peça de teatro, de um
ser sobrenatural que surge no palco por meio de um engenho, e no sentido figurado,
desenlace, mais feliz do que verossímil, de uma situação trágica.
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70
ANTONIO GRAMSCI
Evidentemente, para que este exame tenha êxito é necessário
que esse homem possua plenamente estas faculdades:
1. a faculdade de compreender a forma de objetos diversos e
de representar o seu conteúdo;
2. a faculdade de distinguir estes objetos numericamente e de
representá-los de maneira determinada como unidade e como
multiplicidade;
3. a faculdade de acrescentar a impressão representativa de
um objeto, nas suas propriedades numéricas e formais, e de
fixá-la indelevelmente por meio da palavra.
Conclui então: número, forma e linguagem são ao mesmo
tempo os meios de ensino elementar como a soma das outras
propriedades externas, de um objeto que se reúne no círculo do
seu contorno e nas relações de suas propriedades numéricas, e que
são assimiladas pela minha consciência por meio da língua. A arte
didática deve, então, fixar como lei imutável do ensino aquela de
partir deste tríplice fundamento da seguinte forma:
1. Ensinar as crianças a considerar cada objeto do qual temos
consciência como unidade, isto é, como distinto daquele que
se parecem unidos.
2. Ensiná-las a reconhecer a forma de cada objeto, isto é, as
suas medidas e proporções.
3. Torná-las, o mais rápido possível, familiares com as palavras
e os nomes dos objetos por eles reconhecidos.
Se, portanto, o ensino das crianças deve partir destes três pon-
tos elementares, é claro que o primeiro cuidado da arte didática
deve ser revista (4) para dar a esses três elementos a máxima
simplicidade, extensão e harmonia recíproca.
A única dificuldade que permanecia para reconhecer o valor
destes três pontos elementares, era a seguinte: por qual razão todas
as propriedades das coisas, que nós percebemos por meio dos
cinco sentidos não são pontos elementares do nosso conhecimen-
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COLEÇÃO EDUCADORES
to, como o número, a forma e o nome? Mas não demorei a com-
preender que, enquanto todos os objetos possíveis têm incondici-
onalmente número, forma e nome, as outras propriedades que
são percebidas por meio dos sentidos não são comuns a todos os
objetos, mas essa é para um ou aquela para um outro; ao (5) se
adicionar tais propriedades é possível distinguir diferentes objetos
num primeiro olhar. Assim, reconheci entre a forma e palavra e as
outras propriedades das coisas uma diferença essencial e absoluta,
de modo que eu não podia assumir nenhuma destas últimas como
elemento do conhecimento humano. Descobri, ao contrário, que
todas as outras propriedades das coisas que são percebidas por
meio dos nosssos cinco sentidos se podem conectar a estes ele-
mentos do conhecimento humano, de modo que, no ensino infan-
til, os conhecimentos de todas as qualidades restantes do objeto
devem ser imediatamente ligadas à forma, ao número, ao nome.
Então vi, claramente, que com a consciência da unidade, da forma
e do nome de um objeto, o conhecimento que aí possuo se torna
realmente determinado; que com a consciência gradualmente de-
senvolvida de todas as suas propriedades essa se torna sensivel-
mente clara; que enfim para a consciência da conexão de todas as
suas propriedades essa se torna intelectualmente clara e distinta.
Nesse momento fui além e descobri que todo o nosso conhe-
cimento deriva de três forças elementares:
1. a faculdade de emitir sons, da qual se desenvolve a faculdade
da palavra;
2. a faculdade indeterminada e puramente sensível de represen-
tação, da qual se desenvolve a consciência de todas as formas;
3. a faculdade determinada e não mais puramente sensível de
representação, da qual se extraem a consciência da unidade e
com essa a faculdade da numeração e do cálculo.
Eu conclui, assim, que a educação do homem deve encontrar
o seu ponto de partida nos primeiros e mais simples resultados
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ANTONIO GRAMSCI
destas três faculdades fundamentais, no som, na forma e no nú-
mero, e que o ensino das noções singulares não pode atingir um
resultado que satisfaça a nossa natureza, considerada no sentido
mais universal, se estes três simples resultados das nossas faculdades
fundamentais não sejam postas na base de todo ensino como ele-
mentos comuns, apontados pela sua própria natureza, e se, em
seguida a tal reconhecimento da educação seja desenvolvida se-
gundo formas que, de modo universal e harmônico, sejam deriva-
das destes primeiros resultados das três forças elementares da nos-
sa natureza e essas para conduzir o curso de ensino, até o seu tér-
mino, nos limites de uma progressão continua, na qual sejam exer-
citadas harmonicamente e equilibradamente as três forças elemen-
tares. Somente assim se torna possível nos elevar, em todos esses
três campos, da intuição obscura à intuição determinada, desta à
clara representação e desta última a conceitos distintos.
Encontro assim unidas, essencial e intimamente, a arte didática
e a natureza, ou melhor, a forma originária como, em geral, nos
torna claros os objetos da realidade. De tal modo é dissolvido o
problema de um princípio de todos procedimentos didáticos, e
encontrada no próprio tempo a forma segundo a qual o desen-
volvimento intelectual do homem pode ser determinado pela es-
sência da nossa própria natureza.
Juntas são superadas as dificuldades de aplicação das leis me-
cânicas, que reconheço como fundamento da educação humana,
para as formas de ensinar, que a experiência milenar ofereceu à
humanidade para o seu primeiro desenvolvimento intelectual, isto
é ao escrever, ao calcular, ao ler, e assim por diante.
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COLEÇÃO EDUCADORES
O método
Toda mãe é a primeira educadora e instrutora de seu filho.
Pestalozzi, 15 de março de 1819
Uma memória de Pestalozzi
Trato de psicologizar a instrução humana; procuro pô-la de
acordo com a natureza de meu espírito e com a de minha situação
e minhas circunstâncias
36
. Não parto para isto de nenhuma forma
positiva de ensino como tal, mas simplesmente me pergunto: “O
que você faria se quisesse ministrar a uma só criança o conteúdo
total dos conhecimentos e destrezas que necessita para alcançar a
satisfação intima de si mesmo mediante uma boa direção de suas
disposições mais essenciais?”
Penso que a espécie humana necessita para fins semelhantes
o mesmo absolutamente que uma só criança
37
. Ainda penso mais.
A criança do pobre necessita maior refinamento ainda nos meios
de instrução do que a criança do rico. Certamente que a natureza
faz muito pela espécie humana; mas nós nos apartamos do ca-
minho: ao pobre se o arranca de seu ventre materno e os ricos se
perdem em seu peito transbordante com sua libertinagem e sua
frivolidade. A imagem é dura. Mas nunca o vejo, tão longe quan-
to pode ver, de outro modo; e neste sentido descansa o impulso
que nasce de mim, não apenas para aliviar o mal escolar que
36
A flutuação que se observa na terminologia de Pestalozzi faz, às vezes, confuso o
significado de alguns vocábulos. “Psicologizar” não tem para Pestalozzi o sentido que se
dá hoje à psicologia, como ciência da subjetividade, mas possui um sentido lógico,
objetivo, como se vê mais adiante quando diz “...pôr em harmonia os elementos de
qualquer arte com o ser do meu espírito pela observação das leis psicológico-mecânicas,
mediante as quais se eleva o nosso espírito das intuições sensíveis aos conceitos
exatos”. Estas leis que chama psicológicas são, em realidade as leis lógicas pelas quais
se regem nosso pensar.
37
Este é um dos princípios da psicologia social de Pestalozzi: semelhança de fins e meios
entre o homem e a comunidade humana, que formam uma unidade indivisa. Os discípulos
de Herbart, principalmente Ziller, desenvolveram depois desta ideia nos chamados graus
formais da instrução, estabelecendo um paralelismo demasiado absoluto entre o desen-
volvimento da espécie e o do indivíduo, e entre suas respectivas culturas.
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ANTONIO GRAMSCI
enerva à grande massa humana da Europa, mas para curá-lo em
suas raízes.
Mas isto não pode essencialmente ocorrer sem submeter as for-
mas de toda instrução às leis eternas, pelas quais se eleva o espírito
humano das intuições sensíveis aos conceitos exatos
38
. Conforme
estas leis, tratei de simplificar os elementos de todo saber humano e
de expô-los em uma série de representações cujos efeitos devem
agir psicologicamente para difundir, ainda nas classes sociais mais
inferiores, o conhecimento universal da natureza, a clareza geral nos
conceitos essenciais e o exercício frutífero das habilidades mais subs-
tanciais. Sei o que empreendo, mas nem as dificuldades do assunto,
nem minhas limitações em arte e inteligência devem impedir-me de
contribuir a um fim de que a Europa necessita tanto. Ao apresentar
a vocês, senhores, os resultados dos esforços que devoraram minha
vida, tenho que pedir-lhes uma só coisa: que separem aquelas de
minhas afirmações que podem ser postas em dúvida daquelas ou-
tras que são incontroversas. Quero fundar minhas conclusões últi-
mas inteiramente sobre uma completa convicção ou ao menos em
proposições perfeitamente justificadas.
O ponto de vista mais essencial do qual parto é este: a intuição
da natureza é o fundamento próprio e verdadeiro da instrução
humana, porque é o único fundamento do conhecimento humano
39
.
Tudo o mais é meramente resultado e abstração desta intuição;
38
Repetidamente empregou Pestalozzi em suas obras esta fórmula, que sintetiza seu
pensamento sobre a educação intelectual, advertindo que aqui “intuições” com o predicado
de “sensíveis” equivalem a representações. O essencial é, pois elevar a conceitos, isto
é, à exatidão, as representações flutuantes e inexatas por seu próprio caráter.
39
Há duas afirmações nessa passagem de uma importância enorme: primeira, a intuição é o
fundamento do conhecimento; segundo, a intuição é, por conseguinte, o fundamento da
instrução. O conceito de intuição é uma das principais descobertas pestalozzianas. Não há de
ser entendida em um sentido passivo, assim como a visão sensível, a compreensão dos
objetos, mas, principalmente como ativo: “a criação originária do objeto, segundo seu nume-
ro, sua medida, seus pontos e linhas, sua forma etc.”, sendo a função própria do pensar
conceitual. “O subseguinte dar-se conta dessa nossa própria atividade na configuração do
objeto”. A intuição é, portanto, igual à criação do objeto; não é, pois, posterior a uma possível
criação da sensibilidade, mas simultânea a ela: a atuação da inteligência nos sentidos (veja-
se Como Gertrudis enseña a sus hijos. Princípio de La carta IX, edic. L. Luzuriaga, La Lectura).
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COLEÇÃO EDUCADORES
porconseguinte, quando esta é incompleta, parcial e não sazonada,
também é aquele incerto, inseguro e duvidoso, e quando esta intuição
é inexata, será ilusão e erro.
Parto deste ponto de vista e me pergunto: que faz a natureza para
representar-me verdadeiramente o mundo que me rodeia? Isto é: com
que tipo de meios leva ela a intuição das coisas mais essenciais que
circundam em mim mesmo a um amadurecimento satisfatório? E
encontro: o faz mediante minha situação, minhas necessidades e mi-
nhas relações. Por minha situação determina os modos de intuir o
mundo; por minhas necessidades cria meus esforços, e por minhas
relações amplia minha atenção e a eleva à previsão e ao cuidado. Por-
tanto, com o primeiro funda as bases sensíveis de meu conhecimento;
com o segundo, minha vocação, e com o terceiro, minhas virtudes
40
.
E agora me pergunto: “Quem pôs nas mãos da espécie hu-
mana a experiência de muitos séculos quanto aos meios artísticos
de fortificar este influxo natural na educação de nossa espécie refe-
rente à inteligência, ao esforço e à virtude?” E descubro que estes
meios são: linguagem, desenho, escrita, cálculo e medida. E quan-
do depois investigo a origem comum de todos esses elementos da
arte humana a encontro no fundamento geral de nosso espírito,
mediante o qual nossa inteligência compreende – em sua represen-
tação – em uma unidade, isto é, em um conceito as impressões
que a sensibilidade recebeu da natureza
41
.
40
Aqui nasce a tripartição da obra educativa, sendo a primeira a situação determina a
visão do mundo, o conhecimento (educação intelectual em sentido amplo); segunda: as
necessidades criam o esforço, a vocação (educação estética); terceira: as relações
fundam a previsão, as virtudes (educação moral). Todas elas constituem as partes da
educação elementar, e como tais partes, só são sensíveis formando parte desta totalida-
de da educação básica, que é equivalente a educação elementar.
41
Os cinco meios artísticos de fortalecer a educação: linguagem, desenho, escrita,
cálculo e medida, os reduz depois Pestalozzi a três: linguagem, forma e número, desig-
nando-os com o nome de elementos. Estes elementos são, às vezes, da educação
(sentido individual) e da cultura (sentido objetivo). Isso é possível pela origem comum de
ambos: a consciência humana, de cujo cultivo são dois aspectos. Assim, é possível
estabelecer uma reciprocidade entre aqueles: a cultura é o conteúdo da educação, e a
educação é o elemento formador da cultura. Esta é a base da concepção idealista da
pedagogia, que nasce em Pestalozzi.
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ANTONIO GRAMSCI
Desta exposição se depreende que, no caso em que não ocorra
ao mesmo tempo a educação artística e a intuição real da natureza, a
arte, por sua ação apressada sobre o espírito humano chega a ser
fonte de um endurecimento sensível que tem como consequência
inevitável a unilateralidade, a parcialidade, a superficialidade e o erro
presunçoso. Cada palavra, cada número, cada medida é um resulta-
do da inteligência, que é criado por intuições maduras. Os graus
sucessivos, pelos quais as impressões sensíveis se elevam a conceitos
exatos vão até os limites da ação da inteligência, substantiva e inde-
pendente da sensibilidade, em uma marcha harmônica com as leis
do mecanismo físico. A mímica precede aos hieróglifos; os
hieróglifos aos idiomas formados, assim como o nomen proprium al
genus. Só por isto, também – pelo mecanismo da marcha harmo-
nizadora da sensibilidade – a cultura me converteria em intuições
precisas o mar flutuante das intuições confusas e depois criaria con-
ceitos claros das intuições precisas, e destas, mais tarde, exatas. Toda
arte dos homens é, pois, essencialmente, uma consequência de leis
fisicomecânicas das quais, as mais importantes são as seguintes: 1-
traga ao seu espírito todas as coisas essencialmente relacionadas na
precisa conexão em que se encontram realmente na natureza; 2-
subordine as coisas não essenciais às essenciais, e, em particular, a
impressão da visão artística de si mesmo à da natureza e à de sua
verdade real; 3- não dê a nenhuma coisa mais importância em sua
representação que a que tem relativamente para sua espécie na pró-
pria natureza; 4- ordene também, segundo sua semelhança todos os
objetos do mundo; 5- fortifique a impressão dos objetos importan-
tes em si mesmo, fazendo-lhes agir sobre si por distintos sentidos; 6-
trate de ordenar uma seriação em toda arte do conhecimento, na
qual cada novo conceito seja só uma adição pequena apenas percep-
tível a conhecimentos anteriores profundamente impressos e feitos
para si quase indeléveis; 7- aprenda a completar o simples até a maior
perfeição antes de avançar ao complexo; 8- reconheça em cada
amadurecimento físico o resultado da plenitude completa do fruto
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COLEÇÃO EDUCADORES
em todas suas partes e advirta que cada juízo exato há de ser um
resultado de uma intuição realizada em todas as partes do objeto a
julgar; tema a aparência de plenitude antes de seu amadurecimento
como a aparente porção de uma maça roída pelos bichos, 9- todas
as ações físicas são absolutamente necessárias e esta necessidade é
um resultado da arte da natureza, a proporção com a qual reúne
entre si os elementos aparentemente homogêneos de sua matéria
para a consecução de um fim. A arte que a imite deve, por isto,
tratar de elevar os resultados que persegue à necessidade física, reu-
nindo os elementos da arte a seu fim, por meio da proporção; 10 -
produza riqueza e pluralidade em estímulos e jogos, de modo que
os resultados da necessidade física levem em si mesmos a marca da
liberdade e da independência. Aqui também deve imitar a arte a
marcha da natureza e tratar pela riqueza e diversidade de estímulos e
jogos para que levem seus resultados a marca da liberdade e inde-
pendência; 11- reconheça em primeiro lugar a grande lei do meca-
nismo físico, a saber: o encadeamento geral e firme de suas ações as
relações da proximidade ou da longa distância físicas de seu objeto
a seus sentidos. Não esqueça nunca: esta proximidade ou distância
física de todos os objetos que o rodeiam determina o decisivo de
sua intuição, do desenvolvimento de sua vocação e de sua virtude.
Mas esta lei de sua natureza gira assim mesmo em toda sua
extensão ao redor de uma segunda; gira ao redor do ponto médio
de sua existência inteira, e este ponto central é você mesmo. Não o
esqueça, homem: tudo o que você é, tudo o que você quer, tudo o
que você deve, parte de você mesmo
42
. Tudo há de ter um ponto
central em sua intuição física e este é você mesmo. Em toda a sua
42
Esta afirmação é uma consequência lógica da que se falou anteriormente. Há duas
concepções na história da pedagogia, e também da filosofia: a realista ou psicologista, a
qual faz do espírito humano um produto passivo, isto é, das influências externas (Aristóteles,
Locke, Herbart), e a idealista que faz da consciência o criador, o ordenador do universo,
do cosmo (Platão, Kant, Fichte). Pestalozzi resume esta última direção na seguinte frase:
“Não as circunstâncias fazem o homem, mas o homem às circunstâncias”.
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ANTONIO GRAMSCI
atividade, a arte não acrescenta, essencialmente, à marcha sensível
da natureza a não ser isto: reúne em um estreito círculo o que a
natureza põe disperso à grande distância e coloca aos cinco senti-
dos em relações mais próximas que facilitam a memória; em espe-
cial, aumenta a sensibilidade dos próprios sentidos e, mediante o
exercício, torna fácil representar-se os objetos que rodeiam mais
numerosa, mais exata e mais duradoramente.
O mecanismo da natureza segue uma marcha elevada e sensí-
vel em toda a sua extensão: homem, imita-a! Imita esta atividade
da natureza excelsa que faz brotar da semente da maior árvore só
um germe imperceptível; mas que, depois, por meio de ações
igualmente imperceptíveis, renovadas a cada dia e a cada hora,
desenvolve primeiro os fundamentos do tronco; em seguida, os
dos galhos grandes, e, finalmente, os dos galhos pequenos até o
rebento mais extremo, do qual pende a passageira folhagem. Te-
nha em vista este fazer da elevada natureza, como cuida e protege
cada parte criada e como vincula cada parte nova à vida já afirma-
da do velho. Observe como sua brilhante floração se desenvolve
do botão perfeitamente formado. Olhe que rapidamente perde o
esplendor florido de sua primeira vida e como o fruto débil, mas
formado perfeitamente na extensão externa de seu ser, acrescenta
cada dia algo real ao que já tem. E assim, passa longos meses,
suspenso do galho que o alimenta, até que cai da árvore completa-
mente maduro e perfeito em todas as suas partes. Veja como a
mãe natureza desenvolve já o germe da raiz no crescimento dos
primeiros rebentos que ascendem e enterra profundamente no seio
da terra a parte mais nobre da árvore; como por sua vez tira o
tronco imóvel da essência íntima da raiz; os galhos grandes, da
essência íntima do tronco; os galhos pequenos, da essência íntima
dos galhos grandes, e como dota a todas as partes, ainda às mais
débeis e externas, de uma força suficiente e a nenhuma de um
vigor inútil, desproporcionado ou supérfluo.
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COLEÇÃO EDUCADORES
O mecanismo da natureza humana sensível está, em seu ser
submetido às mesmas leis, pelas quais desenvolve suas forças a
natureza física. Conforme estas leis, toda instrução deve gravar
profunda e imutavelmente no íntimo do ser humano o essencial
de sua matéria de conhecimento; depois unir lentamente, mas com
uma força ininterrupta, o menos essencial ao essencial, e manter
cada uma dessas matérias até o último limite de sua matéria em
uma relação vivente, mas proporcionada com o todo
43
.
Vou agora mais além, e pergunto: que fez a Europa para utilizar
em todos os ramos de sua educação popular estas leis do mecanis-
mo físico? Pergunto: que fez a Europa para por em harmonia os
meios elementares do conhecimento humano que nos pôs em nos-
sas mãos os esforços de milhares de anos, com o ser do espírito
humano e as leis concernentes ao mecanismo físico? Que fez nossa
época para por em prática, ao menos na organização de seus esta-
belecimentos de ensino, o ser destas leis na linguagem, escrita, dese-
nho, leitura, cálculo e medida? Eu não vejo nada. Não vejo na orga-
nização atual destes estabelecimentos, ao menos nos que se destinam
à humanidade das classes inferiores, nenhum sinal de uma referência
à harmonia geral do todo e à graduação psicológica que exigem
essencialmente estas leis. Não, isso é notório: nos meios atuais da
instrução das classes baixas do povo, não só domina um desconhe-
cimento geral destas leis, como também uma oposição bárbara uni-
versal e geral às mesmas. E quando volto a perguntar: quais são as
consequências inequívocas que produziu nas classes baixas da socie-
dade europeia o rude desconhecimento destas leis? Então não o
posso ocultar: o embotamento sensível, a parcialidade, a obliquidade,
43
Aqui se expressam as leis fundamentais do método, sendo a primeira: partir do essencial,
elementar; segunda: continuar uma marcha ininterrupta; e terceira: manter o todo em
unidade. Este proceder é semelhante ao da consciência, que Kant designou com o nome de
unidade sintética. Onde mais claro se observa é no proceder da numeração, a saber:
primeiro: formação de uma unidade; segundo: progressão indefinida da série 1+1+1+1;
terceiro: fechamento de uma nova unidade 3, que, por sua vez, pode servir de ponto de
partida para outra nova série, assim sucessivamente.
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ANTONIO GRAMSCI
a superficialidade e a vacuidade pretensiosa, que distingue à classe
popular de nosso tempo, são uma consequência evidente de desco-
nhecimento destas leis e do ensino parcial isolado antipsicológico
desprovido de fundamentos e de ordem, que desfruta a pobreza de
nossa espécie em nossas escolas inferiores.
O problema que tenho que resolver, portanto, é este: pôr em
harmonia os elementos de qualquer arte com o ser do meu espírito,
pela observação das leis psicológico-mecânicas, mediante as quais se
elevam nosso espírito das intuições sensíveis aos conceitos exatos
44
.
A natureza tem dois meios gerais de direção em toda arte, cujo
influxo há de preceder a todos os seus meios isolados, ou, pelo
menos, marchar ao mesmo passo: o canto e o sentimento de beleza.
Com o canto adormece a mãe a criancinha, mas nós não seguimos
nem mesmo aqui o passo da natureza. Apenas conta a criança um
ano emudece o canto de sua mãe; para a criança crescida, em geral,
já não é mãe; para este, como para tudo, é uma mulher distraída,
sobrecarregada de trabalho. Ah, que isto seja assim, que todos os
séculos de arte não hajam conseguido unir às canções que as amas
cantam às crianças uma série de cantos nacionais que, ainda nas ca-
banas do povo se elevam desde a terna canção da ama até o canto
majestoso de veneração a Deus! Sem dúvida, eu não posso preen-
cher estes vazios, tenho só que assinalá-los. Entretanto, o verdadeiro
com relação ao sentimento de beleza é este: a natureza inteira está
cheia de formas atrativas e elevadas; mas a Europa não fez nada
nem para despertar um sentimento a elas nem para colocar suas
formas em graduação, cuja intuição pudesse desenvolver justamente
este sentimento. Em vão se eleva o sol para nós, e em vão também
se põe. Em vão se estendem seus imutáveis encantos planos e cam-
pos, vales e montanhas; não são nada para nós. Muito menos aqui
44
“Conceitos exatos para criança são aqueles a cuja determinação não podem contribuir
ainda em nada sua experiência”. Come Gertrudis enseña á sus hijos, p. 217. Edición L.
Luziriaga, La Lectura.
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COLEÇÃO EDUCADORES
alcança minha influência, mas hão de preencher-se estes vazios se a
educação do povo houver de elevar-se da insensatez de sua barbárie
atual à harmonia com o ser da nossa natureza.
Abandono os meios gerais de direção da arte e me dirijo às
formas em que devem ensinar-se os meios particulares da arte: a
linguagem, a leitura, o desenho, a escrita, o cálculo e a medida. Ainda
antes que a criança pronuncie algum som está já nela formada uma
múltipla consciência de todas as verdades sensíveis, que lhe servirá
para proporcionar-lhe o círculo de sua experiência; sente, por exemplo,
que a pedra tem outras propriedades que a madeira, e a árvore,
outras que o cristal. Para se aclarar a criança esta consciência obscura
necessita a linguagem. Se lhe devem atribuir nomes para as distintas
coisas que conhece, assim como para as suas propriedades. Vinculo
sua linguagem aos seus conhecimentos e assim estendo seus conhe-
cimentos, estendo com isso, sua linguagem. Este esclarece à criança a
consciência das impressões que feriram seus sentidos. E este esclare-
cimento da consciência é o propósito geral de toda instrução, que se
divide essencialmente em duas formas. Ou se leva a criança pelo
conhecimento dos nomes ao das coisas, ou pelo conhecimento das
coisas ao dos nomes. A última forma é a minha. Eu quero fazer
preceder em todas as partes a intuição à palavra, e o conhecimento
exato ao juízo. Eu quero dar importância à palavra e ao discurso no
espírito dos homens, e, pelo contrário, assegurar à impressão real da
intuição física o predomínio essencial que, frente aos sons, tão evi-
dentemente lhe pertence. Quero introduzir a criança em seu mais
tenro desenvolvimento no círculo inteiro da natureza que o rodeia;
quero organizar sua aprendizagem do idioma com uma coleção
geral de todos os produtos naturais; quero ensinar-lhe logo a abstra-
ir as generalidades das particularidades físicas e quero colocar na sua
boca palavras e expressões para elas e substituir, sobretudo, as gene-
ralidades metafísicas com que começamos a instrução da nossa es-
pécie, pelas generalidades físicas e não começar obra de abstração
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ANTONIO GRAMSCI
do soletrar até que se tenha encaixado e assegurado o único funda-
mento do conhecimento humano: a intuição da natureza
45
.
Meu livro do A B C não é outra coisa senão uma coleção
destas narrativas, com as quais qualquer mãe, com o propósito de
soletrar, há de colocar-se em situação de ensinar ao seu filho o
essencial de sua natureza física em sua total extensão.
O apêndice primeiro contém a letra T do livro do A B C
46
.
Antes que a criança conheça pela vista a forma das letras, no mo-
mento em que começam seus órgãos a pronunciar sons determina-
dos, se lhe faz pronunciar cuidadosamente as formas originais de
todas as sílabas, conforme a natureza de seu desenvolvimento orgâ-
nico, até que as repita todas fácil e exatamente. Uma vez alcançado
isto, ponho diante de seus olhos as letras simples; depois, duas, três,
unidas à sua pronúncia, e quando tem em sua memória os laços de
sua união, lhe pronuncio duas, três e quatro letras como uma só.
Os exemplos da graduação, com o qual este objeto alcança, se
encontram no caderno número 2. Conto também, para isso, com as
ações físicas da plenitude e dei a este grau da intuição uma generali-
dade que não tinha. Põe-se na mesa letra por letra de umas e várias
sílabas; por exemplo, na palavra soldado, se coloca primeiro:
S, e se pergunta Como se chama? Resposta S
O, e se pergunta Como se chama? Resposta So
L, e se pergunta Como se chama? Resposta Sol
D, e se pergunta Como se chama? Resposta Sold
A, e se pergunta Como se chama? Resposta Solda
D, e se pergunta Como se chama? Resposta Soldad
O, e se pergunta Como se chama? Resposta Soldado
45
Intuição da natureza pode levar aqui ao erro de tomar a intuição como simples visão do
natural. Mas natureza em Pestalozzi não é só o físico; é, principalmente, oposição ao
artifício; é, em resumo, a verdade real.
46
Destes apêndices só publicou Niederer – primeiro editor desta Memória – alguns.
Em realidade não oferece muito interesse para serem traduzidos. Exercícios pareci-
dos aos contidos neles podem ser vistos em Come Gertrudis enseña à sus hijos e em
Libro de las madres (ediciones españolas de L. Luzuriaga, publicadas por La Lectura e
Jorro, respectivamente).
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COLEÇÃO EDUCADORES
É essencialmente necessário à criança para se fazer completa-
mente familiar à formação e expressão das palavras, a múltipla re-
petição da composição de vocábulos semelhantes. Quando as crian-
ças podem, com facilidade, expressar e formar a palavra se lhes há
de fazer pronunciar e repetir as sílabas até que eles mesmos sintam
que letras do quadro preto da escola correspondem a cada sílaba.
Numero as sílabas e pergunto: como se chama a primeira? e a se-
gunda? etc; e fora de sua ordem: a sexta? A primeira? A quarta? etc.
Depois, se as faço soletrar. Trocar as letras de uma palavra soletrada,
tornar uma só ou várias das que pertence a ela, somar outras e divi-
dir fingidamente as sílabas fortifica a atenção da criança e sua força
aumentada lhe põe em situação de ordenar por si mesma ainda as
palavras mais difíceis. Por este método se faz evidente às crianças a
composição das palavras em sua completa extensão; seus órgãos
vocais, exercitados perfeitamente, chegam à pronunciação fácil de
palavras mais difíceis; adquirem em pouco tempo uma facilidade
incrível neste trabalho, tão penoso de outro modo, e aprendem com
frequência em uma palavra várias existentes de per si, como, por
exemplo, nas acima indicadas.
Finalmente, se usam as letras isoladas como fundamentos ini-
ciais do cálculo – conteúdo no caderno 3º – segundo uma orde-
nação sistemática das relações numéricas.
Sem receio pela confusão e o engano, põe a natureza sua riqueza
completa ante os olhos do ser humano exercitado, e a criança olhe
nas grandes casas de comércio toda a riqueza da linguagem antes
que tenha o conceito de uma palavra; mas o ruído e o som lhe ficam
profundamente impressos e as uniões em que ordinariamente olhe
as palavras lhe dão logo uma consciência escura do que expressam.
Aqui imito também marcha da natureza. Meu primeiro livro de
leitura para as crianças é o dicionário: o testemunho sobre tudo o
que existe dos tempos passados; a linguagem em sua completa ex-
tensão é este primeiro livro de leitura, que depois, por uma série de
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ANTONIO GRAMSCI
repetições de adições gramaticais imperceptíveis, o converte em um
índice enciclopédico. O número 4 contém uma demonstração deste
livro de leitura em sua simplicidade primeira; o número 5, um exemplo
das adições gramaticais fácies; o número 6, a composição das pala-
vras pela semelhança de seu conteúdo; o 7, os exercícios de gramá-
tica em uma prática por sua vez, de verbos e substantivos; o 8,
alguns exemplos do registro enciclopédico de objetos.
A escrita não é outra coisa que um desenho linear referido a
formas convencionais; por isto deve estar subordinado essencial-
mente às regras gerais do desenho linear, também a natureza dirige a
palavra a este princípio; a criança é capaz de apropriar-se dos funda-
mentos do desenho linear antes de estar em situação de manejar
bem o frágil instrumento da pena. Eu ensino, pois, as crianças a
desenhar antes que saibam escrever, e segundo este método fazem
as letras com uma perfeição o que não se vê de outro modo.
O êxito completo descansa no sumamente fácil princípio de
que, quem pode dividir exatamente os ângulos e traçar justamente
sobre eles um arco, tem em suas mãos os fundamentos da exatidão
de todas as letras; por isto a figura abaixo contém em si mesma os
traços capitais da arte de escrever em toda a sua extensão.
O princípio de que parto é este: ângulos, paralelos e arcos
abraçam completamente a arte de escrever. Tudo o que é possível
desenhar é só uma determinação gradual destas três formas fun-
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COLEÇÃO EDUCADORES
damentais. Se pode pensar também uma graduação simples até a
perfeição que corresponda a esta três formas fundamentais, den-
tro da qual encontra uma medida exata todo desenho positivo, e
na que aparece a beleza estética de todas as formas como uma
mera introdução na essência destas três formas fundamentais. O
caderno número 9 contém alguns desenhos do ponto de vista
matemático e estético. O 10, determinações matemáticas das for-
mas fundamentais de todas as letras. O 11, gradações de modelos
com giz. Estão unidos imediatamente a estas ideias os fundamen-
tos iniciais da teoria da magnitude. No 12, se encontram os exem-
plos de como tratam de afinar a vista da criança. O 13, são ensaios
para explicar-lhe os fundamentos deste objeto.
Os números são, em essência, abstrações de magnitude; por
conseguinte, é necessário que precedam ou que acompanhem, ao
mesmo tempo, os elementos da aritmética com os fundamentos
iniciais do desenho. Aqui parto também de intuições e realizo as
primeiras divisões do número com representações, aumentadas
ou diminuídas, de objetos reais; depois, com pontos determina-
dos, nos quais não aceita a criança como número as formas reais,
mas que pode comprovar e experimentar na realidade dos pontos
mesmo da realidade das relações numéricas. No 14, se acham al-
guns exemplos deste método de cálculo.
Assim é, senhores, como trato de conseguir em todos os ele-
mentos da instrução as leis mecânicas, mediante as quais se eleva o
homem da intuição aos conceitos exatos. A natureza inteira se une
a esta atividade. Em geral, ele se une primeiro ao simples e ascende
depois de grau em grau. Eu sigo sua senda; quando a criança co-
nhece os corpos simples: ar, terra, água, fogo, lhe mostro a ação
destes elementos sobre os corpos conhecidos por ele, e enquanto
conhece o resultado da combinação de vários corpos simples lhe
ensino a ação recíproca dos corpos compostos entre si e lhe elevo
desta maneira em todas as partes aos limites das matérias técnicas
superiores, seguindo a marcha simples da intuição.
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ANTONIO GRAMSCI
Mas tudo isto há de ser dirigido de forma que torne possível e
fácil às mães racionais seguir esta classe de instrução. Com isto con-
sigo que minhas crianças educadas assim não se deixem enganar
mais pelas pretensões barulhentas do corpo de professores da esco-
la. Eu afirmo, assim, que meu método conseguirá que a criança,
ainda aos sete anos possa buscar em cada matéria o homem técnico
nela e julgar sobre ela livre e independentemente. Mas não se sabe
nem o que é a arte e nem o que é a criança. O detalhe das intuições
humanas, das quais provem seu saber é, sem dúvida, imperceptível
em si e caoticamente confuso, portanto se apresenta na natureza
desordenada. Mas a essência deste caos imenso é pequena em todas
as matérias, e, quando se a ordena rigorosamente, facilmente
abarcável. Por outro lado, a capacidade de compreensão da criança
é imensa, quando se a dirige psicologicamente; é evidente que deve-
mos utilizar em todas as matérias o trabalho dos tempos passados,
que não meramente se aproximou de nossa consciência, mediante a
linguagem, o singular de nossas intuições, mas que ordenou regular-
mente, com ideias precisas, este particular imenso e multiplamente
acumulado. É surpreendente; não podemos deixar inerte o trabalho
dos séculos, como se fôssemos monos e não quiséssemos eterna-
mente chegar a ser homens.
Indubitavelmente meu caminhar se eleva aqui a determinação
última da criança, mas só a concebo dentro dos limites do meca-
nismo físico, cujo círculo trato de investigar e seguir para ele e me
encontro de novo no ponto da lei natural que une minha intuição,
meus esforços e meus fins à proximidade ou distância física dos
objetos que determinam minha vontade.
É certo: a criança que corre mais de uma hora para buscar
uma árvore que cresce em sua porta, nunca conhecerá uma árvore.
A criança que em seu quarto não encontra nenhum encanto ao
esforço, não o encontrará depois facilmente no mundo e aquele
que não encontra nos olhos de sua mãe nenhum atrativo do amor
humano, não encontrará quando corra pelo mundo em nenhuma
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COLEÇÃO EDUCADORES
lágrima humana motivo para o consolo. O homem sensível chega
a ser um anjo quando utiliza o estímulo para a verdade e a virtude
que se acha próximade sua existência física, chega a ser um demô-
nio quando descuida e corre pelas montanhas para buscá-lo na
distância. Não pode ser de outro modo; quanto os objetos do
mundo se acham longe de meus sentidos tanto mais são para mim
fontes de engano e de erro e tanto mais também do vício.
Mas, repito, esta lei do mecanismo físico gira em torno de
algo superior, gira em torno do ponto central de sua existência
completa, e este é você mesmo. O conhecimento de si mesmo é,
portanto, o ponto central do qual deve partir o ser da instrução
humana completa. Mas esta em sua essência é dupla: 1ª, é conheci-
mento de minha natureza física (o caderno número 15 mostra
como trato de pôr esta como fundamento da instrução humana);
2ª, é conhecimento de minha personalidade, interior, consciência
de minha vontade de fomentar em meu próprio bem e ser fiel a
meu dever e às minhas ideias
47
.
Mas no círculo da experiência sensível da criança não se encon-
tram motivos suficientes, para este ponto de vista. Por isso, a nature-
za pôs na criança a confiança na mãe, e apoiou sobre esta confiança
a obediência voluntária, dentro de cujos limites a criança se acostu-
ma àquelas disposições cuja posse facilita a ele sua vida moral. Ali-
mentada no seio da mãe, lendo amor em cada uma de suas olhadas,
mas dependente também dela em cada desejo de sua vida, esta obe-
diência é para ele em sua origem necessidade física, fácil dever em
sua realização e fonte de suas alegrias em seus efeitos. De igual modo,
o homem. Não encontra ele motivos suficientes no torvelinho de
sua existência e nas experiências de sua sensibilidade para diferenciar
tudo o que exige dele sua moral. Para chegar a estes vazios a nature-
za infundiu em seu peito a confiança em Deus e apoiou nesta confiança
47
A realização, em parte, disto se encontra no Livro de las madres, ainda que nem todos
os exercícios são da própria mão de Pestalozzi (V. La edición española, Madrid, 1911).
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ANTONIO GRAMSCI
a obediência livre, dentro de cujos limites se acostuma diariamente
àquelas disposições cuja posse lhe faz possível unicamente uma ten-
dência constante a seu interior enobrecimento. Também é alimen-
tado no seio da natureza e encontra, descansando em seu regaço,
todas suas alegrias; mas ele depende também muito da dura neces-
sidade, e, por isto também a obediência à verdade e ao direito, a
obediência às causas não fatais por si de sua existência é em sua
origem necessidade física de sua situação, fácil dever em sua realização
e fonte de suas alegrias em seus efeitos.
Portanto, eu construo a chave da abóbada da instrução sobre
o imediato desenvolvimento do estímulo sensível ao temor a Deus;
pois ainda que esteja convencido de que a religião como exercício
de inteligência e matéria de instrução está mal empregada nas cri-
anças, estou, sem dúvida, persuadido também de que como as-
sunto do coração é, ainda na idade mais terna, uma necessidade de
minha natureza sensível, que como tal nunca pode ser suficiente-
mente exercitada, purificada e elevada
48
.
Desde Moisés até Cristo todos os profetas trataram de unir
este sentimento ao candor do espírito infantil e de alimentá-lo e
desenvolvê-lo com a contemplação da natureza inteira. Eu sigo
sua senda. Toda a minha instrução não é outra coisa que uma
sucessão de representações da sabedoria e magnificência do Cri-
ador e da sabedoria e magnificência de minha natureza, que não
se envilece em mim mesmo. Eu mostro o mundo à criança com
olhos abertos pela elaboração infinita da arte e ele não pressente
a Deus, ele o vê: vive em sua intuição e o reverencia. O caderno
número 16 contém um exemplo de minha ordenação de verbos,
por cuja simples união se explica o que de todas as ações que há
48
Das três soluções que se deu ao problema da educação religiosa: confessionalismo,
laicisismo e neutralidade confessional. Pestalozzi é um dos representantes da última, ao
educar religiosamente – mais intimamente que os confessionalistas –, mais sem dogma,
sem doutrina nem catecismo. Esta concepção é, talvez, a dominante hoje na educação
moderna: Sadler, Natorp, Zigler, F. Giner de los Rios.
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89
COLEÇÃO EDUCADORES
na natureza pertence propriamente ao homem, o que faz em
comum com a natureza morta e que o realizam juntamente com
os animais. Não creio que seja possível encontrar representações
com as quais o homem sensível possa ser elevado seguramente à
veneração a Deus e ao sentimento de si mesmo e de sua própria
dignidade: também é meu mais intimo desejo fundar minha ins-
trução sobre esta base da serenidade humana. Pois estou conven-
cido de que uma criança não elevada à confiança de Deus é um
órfão sem mãe, e uma criança desconhecedora desta confiança é
um filho infeliz que perdeu o carinho de sua mãe.
Mas já é tempo de que termine. Senhores, este é o curto esboço
dos fundamentos e meios, a cuja investigação e livre juízo lhes
convido
49
.
Burgdorf, 27 de junho de 1800.
A pedagogia de Pestalozzi
50
Toda filosofia leva consigo uma pedagogia; e o inverso, toda
pedagogia supõe uma filosofia. Tenho dito às vezes que a pedago-
gia de Pestalozzi corresponde ao sistema filosófico de Kant. Certa-
mente que isto é exato só no que se refere aos fins morais da educa-
ção, pois no demais, toda relação que queira ver-se não será mais
que escassa e analógica. Por outro lado, no tocante ao apelo da im-
portância da moral no que se refere ao ser do homem, lendo
Pestalozzi nos parece às vezes, ler Kant. Assim, por exemplo,
Pestalozzi entende a educação como a formação do homem enquanto
ser individual, escrevendo que “o homem não chega a ser homem a
não ser por meio da educação” e também: “me aperfeiçoo a mim
mesmo quando faço do que devo o que quero”. Típico de Pestalozzi
é que faz uma aplicação da moral ao social; para que a vida social
49
Esta carta foi redigida por Pestalozzi em Burgorf e datada de 27 de junho de 1800.
50
Cartas sobre educação infantil. Estudo preliminar e tradução de Jose Maria Quintana
Cabanas. Editorial Tecnos S.A. Madrid, España, 1988, p. xii-xv.
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90
ANTONIO GRAMSCI
não seja constritiva, mas que nela possa o homem ser independente
e livre, deve basear-se em uma aceitação dos vínculos sociais não
por meras conveniências práticas, mas por uma livre aceitação do
dever; a educação é o que deve levar o homem a adotar esta atitude,
com a que conseguirá sua autonomia espiritual. Fora disto estamos
longe de afirmar que a filosofia pedagógica de Pestalozzi seja a
kantiana, pois naquela não seria difícil assinalar a presença de correntes
tais como o sensualismo, o empirismo e o racionalismo; com o qual
talvez o mais adequado seja afirmar que o que há em Pestalozzi é
um ecletismo filosófico.
Pestalozzi quer que se dê à criança uma formação religiosa que
deverá entrar nela, sobretudo, pela via do sentimento; entre a fé
religiosa e amor aos pais existe certa continuidade. Identifica-se aqui
algum parentesco com a postura de Rousseau, que é tanto mais
evidente se temos em conta que nas concepções pestalozzianas não
é difícil rastrear alguns aspectos de deísmo e de naturalismo. É por
isto que o conceito que Pestalozzi tem da religiosidade não agradava
as confessões cristãs e lhe proporcionou, em seu tempo e mais tar-
de, bom número de adversários. De todo modo, é justo reconhecer
que, ainda em seus possíveis exageros, o que faz é clamar por uma
religiosidade autêntica que não foi sempre bem compreendida.
Talvez o mais notável de Pestalozzi – o mais característico, se se
quer – é seu método de educação intelectual, seu sistema de instrução,
sua didática, que se resume em sua doutrina da “intuição” dos objetos
aprofundada com base dos três famosos elementos de número,
forma e linguagem, que não vamos comentar aqui, por ser ampla-
mente conhecido, e que constitui o esquema que articula as diferen-
tes disciplinas. Acreditou Pestalozzi que, com isto reduzia o proces-
so de aprendizagem intelectual da criança pequena a seus elementos
mais simples, com o que, usado este método de um modo quase
mecânico, daria lugar a alguns resultados necessariamente satisfatórios.
É por isto que abrigou a ilusão de que, aplicando-o, qualquer mãe,
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por inculta que fosse se converteria em professora eficiente de seus
filhos. Este afã de esquematismo e práxis infalível seduziu alguns
outros pedagogos, especialmente a Fröbel, e mais recentemente tam-
bém um pouco a Maria Montessori.
Este espírito analista de Pestalozzi o leva igualmente a outras
inconveniências, como é o afã – sobretudo em desenho – de que
a criança decomponha as coisas em seus elementos simples, quan-
do em realidade parece que o globalismo tem maiores visos de ser
o processo natural de aprendizagem. Isto seria a maior objeção
que, a partir do desenvolvimento posterior dos conceitos pedagó-
gicos poderíamos fazer a Pestalozzi. Mas ficarão sempre em pé
uma série de princípios imperecedores e geniais que são os que
constituem sua maior glória, por haver-se incorporado ao que
poderíamos denominar “pedagogia perene”. Vamos tentar men-
cionar sucintamente os mais importantes.
A linguagem é o fundamento do conhecimento e, portanto, da
instrução. O saber puramente verbal e memorístico não é autêntico
saber, o qual estriba na compreensão das coisas e de suas relações; e
o chegar a isto há de ser trabalho mais da própria criança que se seu
professor. Como disse W. Schohaus, “o método de Pestalozzi, em
suas linhas gerais, tende a capacitar a pessoa para poder valer-se por
si mesma”. Isto se entende melhor se recordamos que Pestalozzi
preconiza a primazia da educação sobre a instrução, e do “saber
fazer” sobre o “saber” com o que deita as bases da pedagogia ativa.
Dentro desta linha tão moderna, recordemos que advoga por
uma educação integral que forme por sua vez o coração, a cabeça
e a mão; com o qual a educação escolar é um complemento da
educação doméstica e uma preparação à educação que irá dando
a vida. A instrução não é mais que parte desta tarefa, e certamente
nem a mais importante. Supera-a em valor a educação moral, que
é uma obra de amor e de fé que inspira na criança amor e respeito
a “ordem” estabelecida pelo Criador.
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ANTONIO GRAMSCI
Um acerto típico de Pestalozzi e que está muito de acordo com
as afirmações dos psicólogos atuais é o destacar o papel transcendental
e insubstituível que exerce a mãe na formação da personalidade da
criança, cujos mecanismos de reação se formam, para toda a vida, em
seus primeiros anos. Para Pestalozzi todo o ulterior desenvolvimento
espiritual da pessoa se baseia no vínculo natural (ou “animal”) entre
filho e mãe. Por isto insiste na influencia da família como fator de
educação e diz que a arte do educador é como o do jardineiro.
Para dar uma ideia acerca da influência exercida por nosso autor
sobre educação nos tempos que lhe seguiram, digamos que se lhe
considera como o promotor e reformador da escola popular. A
organização escolar e a didática (aplicação de métodos, elaboração
de programas) de todo o século XIX consideraram os princípios
deste insigne pedagogo, que alcançaram uma enorme difusão. O
nome de Pestalozzi exerce uma grande motivação e se converteu
em um símbolo de vocação educadora.
Dentre as trinta e quatro cartas que compõem o livro Cartas
sobre educação infantil, foram selecionadas as cartas XXIII e XXIV,
por que, apesar de produzidas por Pestalozzi no início do século
XIX, apresentam relevância com a educação atual
51
.
XXIII
Exercícios para o desenvolvimento dos sentidos, a música como
meio educativo
18 de fevereiro de 1819
Caro Greaves
A educação corporal não deveria, de modo algum, limitar-
se aos exercícios que hoje em dia conhecemos com o nome de
“ginástica”. Contribuem estes para intensificar, de modo geral, o
vigor e a habilidade dos membros do corpo; mas haveria de
51
Cartas sobre educación infantil. Estudo preliminar, José Maria Quintana Cabanas,
1988, pp. 87-99. Editorial Tecnos S.A. – Madrid, España.
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COLEÇÃO EDUCADORES
pensar também nos exercícios especiais que desenvolvem cada
um dos sentidos.
Tal ideia pode começar por nos parecer um refinamento supér-
fluo ou inclusive um desnecessário estorvo para o desenvolvimento
espontâneo. A verdade é que nós mesmos temos alcançado um pleno
uso de nossos sentidos sem esses métodos especiais, mas a questão de
que se trata não é a de se em alguns casos poderia se prescindir de tais
exercícios, mas a de se, às vezes, podem resultar proveitosos.
Quantos há entre nós cuja vista seja capaz de avaliar correta-
mente, sem valer-se de meios artificiais, as distâncias ou o relativo
tamanho dos diversos objetos? Quantos são os que reconhecem e
distinguem os belos matizes das cores sem ter que compará-los en-
tre si, ou que tem o ouvido suficiente para notar variações de tom
muito pequenas? Veremos que os que são capazes disso com certo
grau de perfeição devem sua habilidade ou a um talento inato ou a
uma exercitação constante e diligente. Fica claro, pois, que as facul-
dades provenientes de uma aptidão natural, e que não requerem
esforço algum, podem considerar-se como superiores; nem sequer
com o ensino mais esmerado se poderá jamais obter o que elas dão.
Mas ainda quando o exercício não possa fazer tudo, o certo é que
pode conseguir muito, e quanto mais cedo se comece com ele, mais
facilmente se alcançará o êxito e maior será seu nível de perfeição.
Haverá que começar por estabelecer um sistema regular de tais
exercícios. Mas não será difícil à mãe introduzir certo número deles
naqueles jogos de seus filhos que resultam apropriados para desen-
volver e aperfeiçoar a visão e a audição. Pois é de desejar que tal tipo
de exercícios sejam propostos mais como jogo
52
que como qual-
quer outra coisa. Deve reinar nisso a maior liberdade e tudo há de se
fazer com uma certa alegria, sem as quais todas essas atividades e a
própria ginástica se tornariam entediadas, mesquinhas e ridículas.
52
NT: o termo jogo aqui utilizado tem conotação com a atuação concepção de atividades
lúdicas.
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ANTONIO GRAMSCI
Faria bem em combinar, desde o início, esses exercícios com
outros, especialmente com aqueles que contribuem para a formação
do gosto. Não se presta suficiente atenção a que o bom gosto e os
sentimentos nobres guardam um estreito parentesco e se reforçam
mutuamente. Apesar de os antigos dizerem que o estudo das artes
liberais suaviza o caráter e retira a aspereza externa, muito pouco se
fez, sem dúvida, para que todos, e de modo especial também as
classes populares, possam usufruir dessas vantagens e desses saberes.
Ainda que não caiba esperar das classes inferiores que lhe seja fácil e
possível dedicar muita atenção a algumas inclinações próprias do
ócio que lhes ficam muito longe, já que esses indivíduos se encon-
tram intensamente ocupados em satisfazer as urgentes necessidades
cotidianas, não constitui isto, sem dúvida, um verdadeiro motivo
para que hajam de ficar excluídos de todo empenho e aspiração
superiores aos trabalhos e fadigas de suas ocupações habituais.
Entre tudo quanto pude ver, o quadro mais agradável foi o de
uma mulher pobre que irradia ao seu redor um espírito de alegria
calada, mas risonha, que é para seus filhos manancial perene de nobres
sentimentos, dando-lhes exemplo de como pode afastar-se tudo
aquilo capaz de ofender o gosto de uma pessoa acostumada a mo-
ver-se em um ambiente cultivado. E observei isto inclusive em algu-
mas circunstâncias tão difíceis que parecia isso impossível. Estou
firmemente persuadido de que só se pode chegar a isto graças a um
autêntico espírito de amor maternal. Este sentimento, do qual nunca
repetirei o bastante que é capaz de uma elevação só concedida aos
sentimentos humanos mais nobres, se acha em conexão intima com
um afortunado instinto que levará a um caminho situado a igual
distância da indiferença e da preguiça que do refinamento artificial.
Esses indivíduos de classe humilde, igualmente aos seres delicados,
podem chegar a muito se lhes der a constante atenção; sem dúvida
algo lhes faltará sempre de naturalidade e autenticidade de modo
que não deixará de surpreender, a qualquer observador, neles algum
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COLEÇÃO EDUCADORES
traço de pouca cordialidade que resulta incompatível com um clima
de comunidade de sentimentos.
E não quero agora deixar de mencionar um dos meios mais
eficientes que podem ajudar-nos na educação moral. Você sabe que
estou me referindo à música, e não só conhece minha opinião sobre
este particular, mas que pode também observar os resultados tão
satisfatórios que em nossas escolas temos obtido com a música. Os
esforços de meu ilustre amigo Nägeli, que, com tanto gosto como
acerto, soube reduzir os primeiros princípios de sua arte a seus ele-
mentos mais simples permitiram que nossas crianças fizessem al-
guns progressos que, segundo se vê pelas demais aprendizagens, só
puderam conseguir com um dispêndio de muito tempo e trabalho.
Mas não estou disposto a elogiar tais progressos como um inte-
ressante artifício para a educação. O mais importante que vemos na
música está na influência real e altamente benfeitora que exerce nos
sentimentos. Predispõe a alma para as mais nobres impressões e a
sintoniza com elas, por assim dizer. A deliciosa harmonia de uma
composição sublime ou a graça da interpretação de uma obra mu-
sical, podem proporcionar, a quem sabe apreciá-la, uma autêntica
satisfação; mas é o simples e natural encanto da melodia que fala ao
coração de todo o ser humano. Nossos hinos nacionais, que desde
tempos imemoráveis ressoam por todos os vales de nosso país,
levam numerosas lembranças das páginas mais luminosas de nossa
história e das cenas mais amáveis da vida doméstica. Mas o exercício
da música na educação não é unicamente o de manter vivo o senti-
mento nacional, mas é mais profundo: quando se a cultiva com o
devido sentimento, alcança as próprias raízes de todo sentimento
mau ou mesquinho, de todo impulso muito baixo e vulgar, de todo
movimento indigno da humanidade.
Neste espaço poderia acrescentar um testemunho que mere-
ce nossa consideração por provir de um homem cujo caráter e
espírito são de uma elevação pouco comum. Sabe-se que não
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ANTONIO GRAMSCI
houve nenhum representante dos valores morais da música mais
zeloso e ardente que o venerável Lutero. Mas, ainda que sua pos-
tura nesta questão tenha sido bem conhecida, e nós mesmos a
temos também ponderado, sem dúvida a experiência revelou de
modo ainda mais decisivo e indubitável a verdade da teoria que
ele foi um dos primeiros em defender. Desde sua época, a expe-
riência demonstrou que um sentimento baseado nos princípios
de uma comunidade de sentimentos seria imperfeito se não se
ocupasse também do cultivo do coração. As escolas ou famílias
nas quais a música manteve seu caráter puro e alegre, cuja con-
servação se faz tão importante, ofereceram todas elas o espetá-
culo de um sentimento moral vivo e, em consequência, uma au-
têntica felicidade, que retira a todo o gênero de dúvida o valor
próprio dessa arte que foi descuidado ou mal empregado unica-
mente em épocas de embrutecimento ou de corrupção.
Não é necessário demonstrar a você a importância da música
na produção e manutenção dos mais elevados sentimentos dos
quais o homem é capaz. Hoje em dia, quase todo o mundo co-
munga com Lutero em admitir que uma música carente de boato
artístico e de adorno desnecessário atua, em sua recolhida e im-
pressionante simplicidade, como um dos meios mais importantes
para sublimar e depurar os sentimentos de uma autêntica devoção.
Em nossos encontros sobre este tema, nos achávamos com
frequência perplexos na explicação que devíamos dar ao fato de
que no seu país, apesar de que, quase todos conheçam essas ideias
expostas, não se reserva sem dúvida à música, na educação geral,
um lugar destacado. Parece que aí predomina a ideia de que para
fazer com que a música desempenhe um papel na educação do
povo se requereria empregar nisso mais tempo e esforço do que é
possível dedicar a essa tarefa. E agora gostaria, com a mesma
confiança que me dirigi a você, perguntar a todas as pessoas que
percorreram diversos países se não lhes chamou por acaso a atenção
a habilidade e o êxito com que entre nós se cultiva a música. O
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certo é que não há sequer uma escola rural em toda a Suíça e talvez
nenhuma em toda Alemanha e Prússia nas quais não se estimule
seriamente a aprendizagem ao menos dos primeiros elementos da
música, segundo o novo método prático.
É este um fato que se pode comprovar facilmente e que não
cabe questionar. Quero concluir esta carta, manifestando uma es-
perança que temos em comum, isto é que este fato não haverá de
permanecer ignorado em um país que nunca esteve atrasado e no qual sempre se
buscou estimular e introduzir melhoras que pareceram ser avalizadas pelos
resultados da experiência.
XXIV
Utilidade pedagógica do desenho e da modelagem
27 de fevereiro de 1819
Caro Greaves:
No campo da educação, da qual me ocupei em minhas duas
últimas cartas, creio que aos elementos da música deveriam juntar-
-se os do desenho.
Todos sabemos, por experiência, que, ente as primeiras mani-
festações das faculdades de uma criança, tem lugar o impulso à
imitação. Só por essa necessidade se pode explicar a aprendizagem
da língua; é ela a que provoca a primeira e imperfeita produção
dos sons, que se realizam na maioria das crianças quando ouviram
algum tom de voz que lhe agrada. Os progressos que fazem de-
pendem, por um lado, do grau de atenção que as crianças põem
nas coisas que as rodeiam, e, por outro, da rapidez com que chegam
a captá-las. Da mesma maneira que para o ouvido e os órgãos da
fala, isto vale também para a vista e o emprego das mãos. Em
relação aos objetos que são mostrados às crianças, estas manifes-
tam curiosidade e logo põem em jogo toda sua agudeza e talento
para imitar o que viram. É assim que a maioria das crianças conse-
guirá construir uma espécie de edifício com todo o material que
lhes vem às mãos. Não deveria deixar despercebida esta neces-
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sidade inata nas crianças. Nela se esconde uma faculdade que, como
todas as demais, é suscetível de desenvolvimento. Por isso, haveria
de proporcionar brinquedos às crianças, pois servem para facilitar
suas experiências, e às vezes teríamos inclusive que ajudá-las nos
mesmos. Nenhuma de nossas intervenções resultará inútil, e nunca
deveria faltar nosso estimula à criança quando pode ser-lhe causa
de um prazer inocente e proporcionar-lhe uma ocupação provei-
tosa. Há de se evitar que os jogos das crianças, repetidos dia a dia
e a cada hora, tenham uma excessiva uniformidade, procurando
introduzir alguma variação em suas pequenas distrações. Com isto
se avivará seu interesse, se moverá sua fantasia e se afinará sua
capacidade de observação.
Com respeito a esta necessidade, nada há mais adequado que
exercitar as crianças no desenho, tão logo eles mesmos façam as
primeiras iniciativas. Você pode ver o curso de exercícios prepara-
tórios com os quais alguns de meus colaboradores conseguiram,
com tanto êxito, realizar isto em crianças muito pequenas. Seria
pouco razoável pretender que, com isto, as crianças devam come-
çar já a desenhar algum objeto por inteiro. O que é necessário é
que decomponham as partes e elementos dos que estão forma-
dos. Sempre que se procurou fazer isto, os progressos foram
assombrosamente notáveis, e igualmente o entusiasmo com que as
crianças realizavam exercícios que se convertiam em sua ocupação
preferida. Meus amigos Ramsauer e Boniface transformaram a
empreitada extraordinariamente útil de compor um curso deste
tipo, com uma natural progressão, do exercício mais fácil ao mais
complicado; e todas as escolas que se serviram deste método con-
firmam a experiência que nós mesmos, em Yverdon, fizemos da
obra de ambos os autores.
A todos são evidentes as vantagens gerais de uma prática inicial
do desenho. Sabido é que todos quantos possuem esta arte pare-
cem contemplar quase cada objeto com olhos distintos daqueles
do observador normal. Um botânico que se acha familiarizado e
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COLEÇÃO EDUCADORES
acostumado a fixar-se na estrutura das plantas descobrirá, em uma
flor, grande número de propriedades características que passariam
inteiramente despercebidas a quem não está versado em botânica.
Pela mesma razão também na vida ordinária uma pessoa que haja
desenhado muito, copiando da natureza, observará, por isto, as-
pectos que aos demais não lhes chamam a atenção. Acostumada
como está a fixar-se em tudo com exatidão, dita pessoa se forma-
rá dos objetos correntes uma impressão mais correta que outro a
quem nunca haja ensinado a olhar bem o que vê para sabê-lo
reproduzir em um desenho. A exata observação da forma do
conjunto e do relativo tamanho das partes, necessária para a com-
posição de um desenho perfeito, chega a converter-se em um há-
bito que, em muitos casos, resulta muito instrutivo e distraído.
Para formar-se este hábito, se faz muito necessário, mais ain-
da, quase imprescindível que as crianças não se dediquem a re-
produzir outros desenhos, mas que aprendam a desenhar da na-
tureza. A impressão causada pelo próprio objeto é muito mais
cativadora que sua imagem. A uma criança lhe proporciona mui-
to mais prazer exercitar suas habilidades tratando de reproduzir
aquilo que o rodeia que o elaborar uma cópia de algo que, por
sua vez, não é mais que uma simples cópia e aparece muito menos
vivo e atrativo que um objeto real.
Resulta também muito mais fácil expor algumas ideias sobre a
importância da luz e a sombra e dos primeiros princípios da pers-
pectiva, e sobre o papel que exerce na representação de um objeto
quando a este o temos diante nossa vista de um modo direto. De
modo algum devemos ajudar a criança a realizar diversos detalhes;
algo haveremos de deixar à sua busca, à sua paciência e à sua perse-
verança em seu empenho. A criança não esquecerá facilmente uma
solução encontrada por ela mesma entre algumas exitosas tentativas;
este achado proporciona muita satisfação e convida a fazer novos
esforços, pois o êxito final resulta, depois de haver experimentado
certo desengano, duplamente agradável.
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Aos exercícios de desenho seguem os de modelagem, feitos
com o material que seja mais adequado para esta finalidade. A mo-
delagem sói proporcionar um prazer ainda maior. Mesmo nas pes-
soas que carecem de um talento técnico especial, a alegria que, sem
dúvida, tem em poder criar algo constitui um estímulo suficiente.
Mas, tanto o desenho como a modelagem se são cursados segundo
um método natural, resultarão muito úteis aos alunos inclusive para
outras disciplinas.
Destas vou me referir unicamente a duas, a saber: a geometria e
a geografia. Os exercícios preparatórios mediante os quais temos
feito a introdução a um curso de geometria consistem em uma apre-
sentação analítica das combinações diversas nas que aparecem os
elementos formais e das quais consta cada figura. Estes elementos já
são conhecidos para o aluno a quem foi ensinado a saber decompor
um objeto em suas partes fundamentais e a desenhar cada uma de-
las. É lógico que o aluno não pode desconhecer os objetos cujas
combinações e relações se lhe ensina a ver em geometria. A com-
preensão das propriedades de um círculo ou de um quadrilátero
resultará muito mais fácil a quem não só lhe foram mostradas tais
figuras no momento da lição, mas que conhecia já seu modo de
estarem formadas. De igual maneira, a doutrina da geometria do
espaço, que não se pode ensinar satisfatoriamente sem alguns mode-
los intuitivos, se entende muito melhor e fica mais profundamente
gravada na inteligência se os alunos têm já alguma ideia de como
estão compostos os modelos e se são capazes de construir ao menos
os mais simples deles.
Em geografia, o desenhar contornos de mapas constitui um
exercício que não deveria ser omitido em nenhuma escola. Pois
dá uma ideia exata das relações de tamanho e da situação geral
dos distintos países; proporciona uma representação mais con-
creta que qualquer descrição, e deixa gravada na memória uma
impressão duradoura.
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CRONOLOGIA
1746 - Johann Heinrich Pestalozzi nasce em Zurique, Suíça, em 12 de janeiro,
membro de família de origem italiana que se estabelecera, desde o século
XVI, nesta cidade. Aos seis anos, perde o pai que era médico. É criado por
sua mãe (Hotze), e por uma babá (Babeli), encarregada da educação domés-
tica de crianças nobres. De religião protestante, Pestalozzi é aluno medío-
cre e encaminha-se, primeiro, para a vida eclesiástica, mas fracassa. Volta-
se, então, para o direito, mas é aconselhado a desistir, por fazer mais agita-
ção política do que preparar-se para a carreira oficial. Torna-se agricultor,
em Brugg, no cantão da Argóvia, onde constitui uma propriedade que
denomina Neuhof (nova granja) fracassando; torna-se, então, criador, mas
novamente não obtém êxito.
1774 - Escreve Diário de um pai, com intenções de estudos psicológicos, acom-
panhando durante várias semanas os progressos de seu filho Jacques, de
três anos.
1775 -1780 - Mantém seus intentos e instala em seus edifícios, na granja, uma
fiação de algodão, à qual se junta a manufatura de tecelagem, tinturaria e
estamparia. Reúne, nessa empresa, crianças pobres de ambos os sexos, que,
ao mesmo tempo em que aprendiam a ler e a escrever, se iniciavam nos
trabalhos domésticos, agrícolas e na tecelagem.
1780 - Após seis anos de existência, a escola de Neuhof faliu. Nesse mesmo ano
publica Vigília de um solitário e Legislação e infanticídio.
1782 - Publica Christopher e Alice.
1781-1790 - Publica o primeiro volume de Leonardo e Gertrudes, o mais popular de
seus livros, e o que exerceu maior influência. Em forma de novela pedagó-
gica de caráter popular, a obra descreve a vida simples do povo rural e as
profundas modificações que uma mulher (Gertrudes), por sua inteligência
e devotamento, ainda que ignorante, introduziu naquele meio. Por sua
habilidade e paciência na educação dos filhos, salva o marido (Leonardo),
da indolência e da embriaguez. A mulher aldeã conquista toda a vizinhança
por suas ideias, produzindo uma reforma em toda a aldeia. Isto, segundo
Pestalozzi, poderia ser feito em todas as demais aldeias. Esta foi sua missão:
elaborar em detalhes os métodos desta educação, acreditando, com isso,
regenerar toda a sociedade.
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Esta novela pedagógica foi escrita em três volumes. No último, publicado
em 1787, o papel central foi atribuído a um novo personagem que encarna
a função das escolas: Gulphi, um velho oficial aposentado que se torna
professor de escola elementar com o firme propósito de acabar com a
predominância do verbalismo, porque são as ações que instruem o homem.
1792 - É condecorado pela Assembleia da Revolução Francesa como Cidadão da
República Francesa. A Assembleia oferece-lhe cargos importantes, mas ele
declina com esta humilde e grande resposta: “Eu somente quero ser mestre-
escola”.
1798 - Escreve, por sugestão de Fichte, de quem se torna amigo, Minhas investi-
gações sobre o curso da natureza no desenvolvimento da raça humana. Este é o
trabalho mais maduro de seu pensamento sobre a essência e o destino da
humanidade.
1798 - O governo da Suíça (Helvécia) lhe confia o orfanato do distrito de Stans,
reunindo sessenta crianças órfãs em virtude do massacre do povo pelos
soldados franceses. Com esses órfãos, desenvolveu pela primeira vez, as
novas práticas educativas, combinado-as com o trabalho manual. Pestalozzi,
pretendendo introduzir uma vida de família, propõe-se a ser uma verdadei-
ra mãe para todos os internos. Mas a instituição fracassa após seis meses.
1799 - Obteve, como professor assistente, uma classe elementar em Burgdorf,
onde pôde realizar suas experiências pedagógicas, a partir da lição de
coisas como meio de desenvolvimento mental, afirmando que seu objeti-
vo era psicologizar a educação. Com esta experiência, seu trabalho adqui-
riu grande notoriedade.
1801 - Produz sua obra mais sistemática na qual estão os princípios de seu método:
Como Gertrudes ensina seus filhos, buscando responder quais as finalidades e
os meios da educação. Procura saber que conhecimentos e habilidades
práticas são necessários à criança e como poderiam ser oferecidos a ela pelo
professor ou, então, serem adquiridas por ela mesma. A obra constitui-se de
24 cartas sobre a instrução elementar dirigida ao seu amigo Gessner, editor
de Zurique. A falta de subvenções governamentais e o desacordo entre os
propósitos do instituto obrigam-no a abandoná-lo.
1804 - Deixa Burgdorf, transferindo-se para Yverdon, na extremidade sul do
lago de Neufchâtel, na Suíça Francesa. O Instituto de Neufchâtel, que
reune 150 pensionistas, durante alguns anos goza tanto na Suíça quanto
no estrangeiro de extraordinária celebridade, mas após dez anos de exis-
tência inicia seu declínio.
1814 - É condecorado por Alexandre, Czar da Rússia, como cavaleiro, enviando-
lhe uma carta autografada.
1825 - É fechado o Instituto de Neufchâtel.
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1827 - É publicada série de cartas endereçadas ao inglês Greaves que, em seguida,
são retraduzidas e publicadas em alemão com o título Mãe e filho. Essas
cartas compendiam sua doutrina. Nesse período escreve também Canto do
cisne, obra em parte biográfica e em parte meditação teórica.
1827 - Falece em Brugg, em 17 de fevereiro, aos 81 anos. Seus familiares plantam
um roseiral sobre o terreno em que foi sepultado.
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111
COLEÇÃO EDUCADORES
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes
Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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