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MAR
JOSÉ
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Ricardo Nassif
MAR
JOSÉ
Tradução e organização
José Eduardo de Oliveira Santos
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ISBN 978-85-7019-548-7
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de
melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal
e não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos
contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são
necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
Maria Abádia da Silva
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Nassif, Ricardo.
José Martí / Ricardo Nassif; Eduardo Santos (org.). – Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
138 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-548-7
1. Martí, José, 1853-1895. 2. Educação - Pensadores – História. I. Santos, Eduardo. II.
Título.
CDU 37
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SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Ricardo Nassif, 11
O professor, 11
Suas ideias pedagógicas, 16
A ideia da educação, 16
Educação como ato de criação, 19
Educação e desenvolvimento infantil, 19
A dimensão social e política da educação, 20
Educação científica, 21
A presença da concepção ético-política de Martí
na educação brasileira, por Eduardo Santos, 27
Martí atual, 39
Textos selecionados, 43
Um projeto de instrução pública, 43
Aprender nas fazendas , 46
Educação científica, 48
Escola de mecânica, 50
Escola de eletricidade, 53
Mente latina, 56
Escola de artes e ofícios, 58
Trabalho manual nas escolas, 59
Mestres itinerantes, 62
A escola de artes e ofícios de Honduras, 67
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6
Reforma essencial no programa das universidades
americanas. Estudo das línguas vivas., 69
Gradual abandono do estudo das línguas mortas, 69
As escolas nos Estados Unidos, 73
A universidade dos pobres, 81
Fragmentos, 88
Prólogo aos Contos de hoje e de amanhã,
de Rafael de Castro Palomino, 94
El Poema del Niágara, 96
Correspondência a El Partido Liberal, de México, 98
Nuestra América, 1891, 98
Cartas inéditas de José de la Luz, 100
Rafael Maria de Mendive, 101
As segundas da Liga, 103
Julio Rosas, 107
O colégio de Tomás Estrada Palma
em Central Valley, 108
Formosa noite de “A Liga”, 115
Eusébio Guiteras, 119
Cronologia, 121
Bibliografia, 125
Obras de José Martí, 125
Obras sobre José Martí, 126
Obras sobre José Martí em português, 136
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7
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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11
JOSE MARTÍ
1
(1853-1895)
Ricardo Nassif
2
A vida, a obra e o pensamento de Jose Martí podem ser anali-
sados de muitos e diversos ângulos. Nossa intenção aqui é apresen-
tar seu perfil como educador e evidenciar suas principais ideias pe-
dagógicas, tarefa para a qual não temos as vantagens daqueles que
investigam ou analisam Martí do privilegiado ângulo do excepcional
escritor que ele foi. A grandeza de seu estilo revela-se em tudo o que
produziu, dos versos simples (versos sencillos) ao mais apaixonado de
seus discursos revolucionários. O pedagógico, por sua vez, disperso
aqui e ali, emerge dos mais inesperados lugares. Contudo, embora
na maioria das vezes se ocultem em seus trabalhos literários ou entre
suas ideias políticas, tem tamanha importância que justifica exame.
O professor
Martí foi mestre e professor, no sentido “escolar” desses ter-
mos, apenas por acidente, ainda que seja preciso esclarecer que sua
personalidade era tão estruturada que, nele, o que era contingente
expressava o permanente.
Teve grandes mentores como José de la Luz y Caballero, que
não conheceu pessoalmente, e Rafael María Mendive, que nele plan-
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée.
Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n. 1-2, pp. 107-119, 1994.
2
Ricardo Nassif (Argentina) foi professor das universidades de Tucumán e La Plata, e
membro do quadro da Unesco. Autor de numerosas obras, entre as quais cabe mencio-
nar: Dewey: seu pensamento pedagógico (1968) e Teoria da educação (1980). Seus
interesses em educação direcionam-se à teoria da educação no âmbito da América
Latina. Faleceu em 1984.
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12
tou as sementes de uma vocação humanística que jamais deixaria
de crescer. José de la Luz foi o professor da geração anterior à de
Martí e, como o próprio Martí admite, ensinou a ele uma lição
fundamental: “Sentar-se para produzir livros, que é coisa fácil, é
impossível quando se é consumido pela intranquilidade e ansieda-
de e não há tempo para a tarefa mais difícil de todas, que é produ-
zir homens” (Martí, 1953, v. 1, p. 854). Entretanto, enquanto De la
Luz foi uma figura lendária, Mendive foi para Martí um exemplo
diário de poeta e professor.
Martí iniciou sua escolarização em uma pequena escola distrital
de Havana, mas fez progressos tão rápidos que quando chegou
aos dez anos de idade seus pais decidiram enviá-lo a uma escola
mais importante, para estudar inglês e contabilidade. A pobreza
de sua família fez com que, muito cedo, seu pai decidisse que “ele
já sabia o suficiente” e o levasse consigo para trabalhar no campo.
Nesse ponto, um padrinho protetor insistiu em apresentar o jo-
vem José Julián a Mendive que, nesse ano de 1865, passava a diri-
gir a Escola Secundária para Meninos de Havana. Nessa escola,
Mendive criou tal clima de poesia e sabedoria que Martí viu satis-
feitas todas as suas mais profundas aspirações acerca desses temas,
revelando-se ali “sua atividade criativa, que vai tomando consciên-
cia de si mesma graças a contatos tão fecundos”
3
. Nesse ambiente
ele não só respondeu com entusiasmo à vida de sentimento e inte-
ligência como também atuou ocasionalmente como professor, res-
ponsabilizando-se pela escola nas ausências do diretor.
Em razão do apoio de Mendive ele pôde completar os pri-
meiros dois anos de curso da escola secundária, concluindo sua
certificação mais tarde na Espanha, o que também aconteceria com
seus estudos universitários. Assim, em Madri, iniciou seus estudos
de direito, filosofia e letras e, para suprir recursos financeiros, exer-
3
Lizaso, F. Martí, El místico del deber. Buenos Aires: Losada, 1940.
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ceu suas primeiras experiências como professor particular de duas
crianças quando mal completara 18 anos de idade.
De Madri foi a Zaragoza, onde se diplomou em direito civil e
canônico, filosofia e letras. De Zaragoza seguiu para Paris e, de-
pois, para a Inglaterra, dali partindo para o México. Neste país
entrou em contato com o enfrentamento entre romantismo e positi-
vismo, assistindo aos debates que em 1875 se realizavam no Liceu
Hidalgo, caixa de ressonância intelectual das reformas de Benito
Juárez e Lerdo. Martí interveio nesses debates sublinhando algu-
mas das ideias que viria a aprofundar mais tarde.
Deteve-se no México até fins de 1876, quando se dirigiu à
Guatemala, onde se tornou professor de literatura e composição
na Escola Normal Central (Central Teacher Training Center College),
cujo diretor era seu compatriota Izaguirre, e onde também ensi-
nou literatura alemã, francesa, inglesa e italiana na universidade.
Não obstante seu êxito nessa experiência docente, a mais sistemá-
tica que pode cumprir, em setembro de 1878 retornou a La Habana,
onde obteve permissão temporária para ensinar no Colégio Her-
nández e Plasencia de educação primária e secundária, tarefa que
desempenhou simultaneamente ao trabalho num escritório de ad-
vocacia. Um ano mais tarde sua permissão de ensino era revogada
e ele se viu forçado a contentar-se com uma posição menor na
atividade jurídica. No entanto, como infatigável conspirador em
nome da independência de Cuba, foi preso pela segunda vez (a
primeira havia sido quando ele tinha apenas dezesseis anos). Como
consequência, voltou à Espanha, em seguida passou por Paris e,
em 1881, chegou a Nova Iorque.
A Venezuela o recebeu em 1881 e ali, logo após sua chegada,
o Colégio de Santa Maria o encarregou das aulas de língua e litera-
tura francesas, enquanto Guillermo Tell Villegas lhe cedeu aulas
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nas quais o prócer cubano vivia cercado por estudantes que, nas
palavras de Lizaso
4
, sentiam-se cativados por uma espécie de ma-
gia. Isso também teria precoce fim, pois desagradou o presidente
Guzmán Blanco aquele apaixonado cubano que pregava com tan-
ta energia a liberdade.
Retorna uma vez mais a Nova Iorque, onde começou a traba-
lhar pela independência de seu país com incrível potência combativa,
que corria paralelamente à infinita ternura que resultaria na publica-
ção de A idade de ouro (La edad del oro), “uma publicação mensal para
entretenimento e instrução das crianças da América”, como se lê na
capa de sua primeira edição, que apareceu em julho de 1889. A
linguagem de Martí não perdia em beleza nem descia à puerilidade
ou ao sentimentalismo para dirigir-se às crianças. Isso está visível nos
cativantes estudos biográficos como Três heróis (Tres héroes San
Martin, Bolívar e Hidalgo); em gemas poéticas como Dois milagres
(Dos milagros); em estórias como a do homem que tinha sua vida
narrada pelas casas em que havia morado; em traduções de contos
como Meñique ou O camarão encantado (El camarón encantado); em adap-
tações da Ilíada e muitos outros trabalhos.
O que Martí buscava alcançar com A idade de ouro? Ele próprio
proclama sua intenção ao dirigir-se aos destinatários daquela pu-
blicação, que era escrita
4
Segundo Saul Flores (In Martí educador, Arquivo José Martí, ed. F. Lizaso, Ministério da
Educação, Havana, vol. VI, n. 1-4, janeiro-dezembro, 1952), teria sido Ernesto Morales,
comentarista de La edad de oro, quem chamou a atenção para a teoria educacional de
Martí. Por sua parte, Fernández de la Vega (Arquivo José Martí, op.cit, vol. IV, n. 1, janeiro-
abril, 1943) adere à opinião de Isidro Méndez, para quem as ideias martianas constituem
“um programa completo de educação popular”. Contudo, a maioria dos que estudaram o
tema concorda que sabemos pouco de Martí como pedagogo, afora alguns estudos como
o de Diego Ortega (Los valores educacionales en José Martí, Arquivo José Martí, vol. V, n.
1, janeiro-junho, 1950), ou os breves artigos de Saul Flores ou Cordeiro Amador (José
Martí, educador, Arquivo José Martí, vol. V, n.3, janeiro-junho, 1951). Encontram-se so-
mente referências dispersas nas várias biografias escritas sobre José Martí, ainda que seja
possível existir estudos mais recentes que não tivemos condições de consultar. Esclareça-
se que estamos falando de Martí como um “teórico” da educação, e não do Martí “educa-
dor”, tema este que recebeu tratamento mais amplo, possivelmente por ser mais acessível.
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para que as crianças americanas saibam como as pessoas costuma-
vam viver e como elas vivem atualmente na América e em outros
países; de que modo muitas coisas são feitas como vidro e ferro,
máquinas a vapor, pontes suspensas e luz elétrica; para que quando
uma criança vir uma pedra colorida saiba porque a pedra tem cores.
Falaremos de todas as coisas que são feitas nas fábricas, onde aconte-
cem coisas mais raras e interessantes que nos contos de magia e são
magia de verdade, mais linda que a outra (...). Trabalhamos para as
crianças porque são elas que sabem amar, porque são elas a esperança
do mundo. (II, 1207-8)
A idade de ouro deixou de ser publicada em outubro de 1889.
Contudo, a ternura militante de Martí não se extinguiu, e se as
crianças tinham sido o objeto de sua atenção, agora o eram os
humildes. Converteu-se no motor da Liga da Instrução (League for
Education) de Nova Iorque, voltada aos trabalhadores negros, e
retornou ao ensino como professor de Espanhol na Escola Se-
cundária Central (Central High School).
Foi dessa forma que, sem renunciar a seu combate pela liber-
dade de Cuba, transcorreu sua vida durante o agitado período de
1890 a 1895. Finalmente, em 31 de janeiro de 1895, ele saiu de
Nova Iorque para uma viagem da qual nunca retornaria. Lutando
por sua pátria na Batalha de Boca de Dois Rios, morreu em 19 de
maio de 1895. Sua morte parece ter sido quase um ato criativo e
voluntário, tal como ele sempre desejara: “Como um homem bom,
com meu rosto ao sol”.
Não pretendemos, aqui, apresentar uma biografia plena do
“apóstolo cubano”, mas simplesmente indicar os momentos de
sua vida nos quais ele foi, ou pôde ser, um mestre e professor
sistemático, “escolar”. Feito esse balanço, compreende-se que não
teve tempo para o tipo de magistério encerrado entre as quatro
paredes de uma sala de aula. A América foi a sua verdadeira sala
de aula, na qual exerceu o supremo magistério dos libertadores de
povos, apesar de sempre ter existido, em seu íntimo, o outro pro-
fessor, que só emergia de tempos em tempos.
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Suas ideias pedagógicas
Dois fatores incidiram na escassa atenção que tem sido dis-
pensada às ideias pedagógicas de Martí. Em primeiro lugar – uma
característica que ele compartilha com quase todos os construtores
da América –, o homem de ação foi obscurecido pelo homem de
pensamento, e é difícil não se deixar levar pelo encanto de seu
perfil humano e poético. A segunda razão relaciona-se a um deter-
minado modo de compreender o pedagógico a partir da relação
que hoje se estabelece entre a educação e a vida. Neste enfoque,
alheio às teorias educacionais de então, sem romper a unidade hu-
mana que foi Martí, tudo o que nele há de expressão literária ou de
preocupação política nos ajuda a compreendê-lo como educador
e teórico da educação.
De fato, ele escreveu comparativamente pouco sobre a peda-
gogia, embora o suficiente para que não seja possível proceder a
uma análise exaustiva num breve perfil como este.
A ideia da educação
Entre as múltiplas definições que Martí ofereceu de educação,
escolhemos as seguintes: “A educação [...] habilita os homens para
obter, com desafogo e honradez, os meios indispensáveis de vida
no seu tempo de existência, sem desdenhar, por isso, as aspirações
delicadas, superiores e espirituais que representam a melhor parte
do ser humano” (II, 495).A educação tem um inescapável dever
para com o homem [...]: conformá-lo ao seu tempo, sem aliená-lo
da grande e final tendência humana” (II, 497). “Educar é depositar
no homem toda a obra humana que o antecedeu; é fazer de cada
homem síntese do mundo vivente (...) colocá-lo ao nível de seu
tempo (...) prepará-lo para a vida” (II, 507). “Educar é dar ao
homem as chaves do mundo que são a independência e o amor, e
preparar suas forças para que a elas recorra por si, no passo alegre
dos homens naturais e livres.” (I, 1965)
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Nessas definições encontram-se duas ideias centrais da con-
cepção pedagógica de Martí: a educação é “preparação do ho-
mem para a vida”, sem descuido de sua espiritualidade, e a “con-
formação do homem ao seu tempo”, podendo-se interpretar que
a educação representa para o indivíduo a conquista de sua autono-
mia, naturalidade e espiritualidade.
Martí estabelece clara distinção entre a educação e a instrução.
A primeira se refere ao sentimento, enquanto a segunda é relativa
ao pensamento. Reconhece, no entanto, que não pode haver boa
educação sem instrução, já que “as qualidades morais se ampliam
em valor quando são realçadas por qualidades inteligentes” (I, 853).
Essa diferenciação ajuda-nos a entender o significado da educação
como o propósito de “depositar no homem toda a obra huma-
na”, de “fazer de cada homem uma síntese do mundo vivente em
seu próprio tempo”. A educação como recapitulação não é possí-
vel se não for acompanhada da instrução. Mas, para conformar o
homem à sua época e capacitá-lo para a liberdade e a espiritualidade,
a educação não se cumpre a não ser pelo que ela é essencialmente:
um cultivo integral de todas as faculdades humanas.
Na teoria pedagógica de Martí, nenhuma das ideias acima sin-
tetizadas tem tanta força quanto a de que a educação deve confor-
mar o homem ao seu tempo. Ao expressá-la dizendo que “é cri-
minoso o divórcio existente entre a educação recebida numa de-
terminada época e a época em si” (II, 507), ele de fato impõe dois
sentidos à educação. Um é direto e literal, no qual a época é vista
como o tempo que nos cabe viver, comum a todos os homens
que nesse tempo desenvolvem sua existência, o que revela a aguda
consciência histórica que permeia todo seu pensamento pedagógi-
co. Cada tempo exige instituições e formas educativas que lhe se-
jam adequadas, e isto fica claramente disposto com relação à edu-
cação superior: Ao mundo novo corresponde uma nova univer-
sidade” (II, 507). O outro sentido que atribui à ideia é mais figura-
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do e indireto, embora tão real quanto o sentido literal, e implica
projetar a categoria tempo à de espaço histórico, de modo que
ambas se fundem. A época, além de um tempo, é um contexto.
Em artigo publicado em Pátria (2 de julho de 1883), Martí diz:
O perigo de educar as crianças fora de sua pátria é quase tão grande
quanto a necessidade, nos povos incompletos e infelizes, de educá-
los onde adquiram os conhecimentos necessários para orgulhar seu
país nascente (...) É grande o perigo porque não se há de criar laran-
jeiras para plantá-las na Noruega nem plantar macieiras para que
frutifiquem no Equador, mas sim que da árvore transplantada deve-
se conservar a seiva nativa, para que quando retorne ao seu rincão
possa deitar raízes (I, 1863).
Referindo-se aos motivos para publicar A idade de ouro, escre-
veu ao mexicano Manuel Mercado:
A revista traz pensamento profundo, e como me encarreguei dela
(...) há de ser para ajudar no intento a [que] me propus, que é o de
encher nossas terras de homens originais, criados para serem felizes
na terra em que vivem e a viver em harmonia com ela, sem dela
divorciar-se como cidadãos retóricos ou estrangeiros desdenhosos,
nascidos por castigo nesta outra parte do mundo. (II, 1201)
Sua concepção não é xenófoba, pois eram poucos os que, como
ele, acreditavam na solidariedade entre os povos. Tampouco arbi-
trária porque o próprio desenvolvimento natural do homem é con-
dicionado pela atmosfera existente em uma sociedade particular, já
que “o fim da educação não é formar um homem nulo, pelo des-
dém ou pela impossibilidade de se adaptar ao país em que há de
viver, e sim prepará-lo para lá viver uma vida boa e útil” (I, 864), isto
é, formar pessoas de acordo com o ideal que Martí reclama para a
América: “Homens bons, úteis e livres” (I,866).
Mas como formar homens virtuosos, se não pelo amor? Como
fazê-los livres, se não permitindo que vivam em liberdade? Como
concebê-los úteis sem o conhecimento científico da natureza?
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19
Educação como ato de criação
Martí concebia a educação como um ato de amor, conforme
se pode comprovar pelo exemplo de sua própria vida e pelas
ideias que manifestou sobre o tema. Para ele, o ato pedagógico era
uma relação concreta entre seres humanos alimentada pelo amor,
crença que esteve por trás de seu clamor pelo estabelecimento de
um corpo de professores “missionários” capazes de “instaurar
uma campanha de ternura e de ciência” (II, 515), de professores
itinerantes comprometidos com o diálogo (“dialogantes”), e não
de pedantes mestres-escola.
Mais especificamente, todavia, a educação é um constante ato
criativo e seu agente principal, para Martí, o professor. Ele expressou
isso poeticamente quando recordava sua estadia na Guatemala: “Che-
guei há alguns meses a um bonito povoado; ao chegar, era pobre,
desconhecido e triste. Sem perturbar meu decoro, sem dobrar mi-
nha firmeza, aquele povo sincero e generoso deu abrigo ao peregri-
no humilde: fizeram-no professor, que é fazê-lo criador.” (II, 205)
Educação e desenvolvimento infantil
Assim, Martí via o ato pedagógico, da perspectiva do educador,
e, por concebê-lo “ao mesmo tempo como uma relação”, também
o via do ponto de vista do aluno, que é o outro termo da relação.
Bastariam as quatro edições publicadas de A idade de ouro para com-
provar seu profundo conhecimento da alma infantil. No entanto, ele
foi muito além disso, oferecendo em seus textos uma série de ideias
sobre o desenvolvimento da criança e da educação. Para ele, à edu-
cação não caberia perturbar esse desenvolvimento, e as escolas de-
veriam ser “casas da razão” onde, sob judiciosa orientação, a criança
se habituaria a desenvolver seu próprio pensamento.
O princípio da individualidade como fator básico da educação
constitui, precisamente, uma das ideias-chave de seu pensamento
pedagógico. Com efeito, ele descreve individualidade como aquilo
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20
que os pedagogos europeus do começo do século XX chamariam
de “elemento regulador” da educação. Argumentava Martí que “ o
estudo é o trilho, mas o caráter, a individualidade da criança, essa é a
máquina” (I, 1961). Por essa via, nosso autor chegou a formular um
conceito geral de autoeducação: “Educação é o estudo que o ho-
mem aplica para guiar as próprias forças” (II, 737), e, com evidente
reminiscência rousseauniana, chega a compreender a educação em geral
como “crescimento” a partir de dentro, que “começa com o nasci-
mento e só acaba com a morte” (II, 1261).
A dimensão social e política da educação
José Martí também tinha uma percepção muito clara da di-
mensão social tanto do fenômeno quanto dos processos educativos.
Isso ele explicitou em algumas ideias sobre sociologia da educa-
ção, que em si mesmas constituem verdadeiros princípios para
uma política educativa. “De todos os problemas hoje considera-
dos capitais, de fato apenas um o é, e de tal importância que todo
tempo e zelo pouco fariam para conjurá-lo: a ignorância das clas-
ses que têm a justiça a seu lado” (I, 737). Essas palavras nos pro-
porcionam a chave de seu pensamento sociopolítico sobre a edu-
cação. Se o mostramos elaborado em categorias de ação, amor e
criação, agora o descortinamos em termos mais diretamente socio-
lógicos, políticos e democráticos.
Nessa linha, Martí detectou plenamente uma das ideias que
caracterizaram a democracia liberal da América Latina na segunda
metade do século XIX: a de “educação popular”. Quase todas as
suas reflexões sociopedagógicas partem desse tipo de educação
como a base do progresso dos povos, definindo-a, no entanto,
com grande amplitude: “Educação popular não quer dizer exclu-
sivamente educação da classe pobre, e sim que todas as classes da
Nação, que é o mesmo que povo, devem ser bem-educadas” (I,
853). De outro lado, essa educação é o único meio para chegar à
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democracia porque, segundo suas palavras: “Um homem igno-
rante está a caminho de se tornar um animal, ao passo que um
homem instruído na ciência e na consciência está a caminho de ser
Deus, e não há que duvidar entre um povo de deuses e um povo
de animais” (I, 854). A fé de Martín na educação como remédio
para os males sociais era ilimitada, pois ele estava convencido,
“como homem de seu tempo”, que apenas nela residia a força,
sobretudo, por seu objetivo ser o de despertar nos homens o sen-
tido da solidariedade (cf. II, 510).
A política educativa, em Martí, não passou de um pensamento
ou um ideal sonhado por um permanente exilado, já que não che-
gou a integrar nem a influenciar o governo de seu país.
Em sua concepção de política educativa, ele conferiu preponde-
rância aos princípios de “educação nacional”, “liberdade de ensino”
e “ensino obrigatório”, propondo uma sugestiva inversão na ordem
dos dois últimos termos. Para ele, seria prioritária a obrigatoriedade
em relação à liberdade de ensino, na medida em que considerava que
“aquela tirania saudável vale ainda mais que essa liberdade”.
Educação científica
Numa sociedade educada, que para Martí é o mesmo que
dizer “um povo livre”, forma-se para a liberdade, do mesmo
modo que um homem bom é formado para o amor. No entanto,
além de formá-los para ser bons e livres, ele exigia homens úteis;
para atingir tais fins, propôs a educação científica como via para o
desenvolvimento da inteligência, instrumento da autonomia indi-
vidual e pilar do progresso dos povos.
Martí insistia constantemente na importância da e ducação
científica, opondo-a, ou distinguindo-a, da educação que ele de-
nominava “clássica”, “literária”, “formal” ou “ornamental”. Nes-
sa abordagem, não deixou de sofrer a influência de Herbert Spen-
cer, ainda que, para o cubano, o sentido mesmo da educação se
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visse ampliado por um amor lírico à natureza. Seu naturalismo era
espiritualizado, não biológico ou materialista, mais próximo de
Rousseau que de Spencer.
De todo modo, sua visão de educação não era a meramente
formal ou retórica, mas aquela que se apoia no estudo da natureza.
Esta facilita o progresso social porque “estudar as forças da natu-
reza e aprender a manejá-las é a maneira mais acertada de resolver
os problemas sociais” (I, 1076). A ciência era o caminho obriga-
tório que leva à natureza, e era imprescindível implantar a educa-
ção científica “pela qual há de se forjar o homem novo.” (I, 1829)
Martí contrapõe o “humanismo científico” ao “humanismo
clássico”, sob o argumento de que a educação fundamentada nes-
te último não é atual e só proporciona “ornamento e elegância”
(II, 495-96). Em 1883, comentando a reunião de diretores dos
colégios de Massachussetts, ele anotou que
A educação antiga, apoiada em poemas gregos e livros latinos, ou
nas histórias de Lívio ou Suetônio, trava agora seus últimos comba-
tes contra a educação que assoma e se impõe como expressão legíti-
ma da impaciência dos homens, já livres para aprender e produzir,
que necessitam saber como é feita, se move e se transforma a terra
que hão de melhorar e da qual hão de extrair, com as próprias mãos,
os meios do bem-estar universal e do sustento próprios (II, 496).
E para refutar o argumento que defendia o estudo das línguas
mortas como estímulo ao exercício mental, pergunta se “a ordem
admirável e nunca contraditória da natureza não seria mais benéfica à
mente que aquela caprichosa inversão das palavras nas sentenças lati-
nas
5
, ou o estudo comparativo dos vários dialetos gregos” (II, 496).
O curioso é que Martí não considerava inútil o estudo do grego
ou do latim; aos que afirmavam sua total inutilidade, dizia que eles
“não saborearam as delícias do grego nem do latim, nem aqueles
5
Em vez de utilizar o termo original, hipérbato, preferimos grafar sua definição, para
melhor esclarecer o leitor. (N.E.)
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capítulos de Homero que parecem a primeira selva da terra, de
monstruosos troncos, sequer as perfumadas e discretas epístolas do
amigo de Mecenas” (II, 496). Não obstante, ele tinha poderosas
razões para combater o ensino clássico. A primeira estava em não
querer somente retóricos e estetas para a América, mas homens ca-
pazes de extrair da terra a felicidade de seus povos. A segunda razão
era de índole nitidamente política: ele entendia que essas línguas con-
tribuiriam para a formação de castas e que continuar a ensiná-las
exclusivamente seria encorajar aqueles que ainda sustentavam “a ne-
cessidade de, formando-se uma classe impenetrável e ultra ilustrada,
impor um abismo às novas correntes impetuosas da humanidade
que, por todos os lugares, penetravam e triunfavam” (II, 593).
Essa profunda confiança na educação científica explica porque
Martí exigia constantemente uma reforma radical da educação de
seu tempo, assim como seu entusiasmo quando visitou a escola de
mecânica em Saint Louis, nos Estados Unidos, ou quando escre-
veu o plano de estudos das escolas de eletricidade; ou quando
informava que a Nicarágua, numa celebração de aniversário, abrira
sua escola de artes e ofícios, na mesma linha das existentes em
Guatemala, Honduras e Uruguai, e prestes a se constituir no Chile
e em El Salvador (II, 507-510). Isso também permite entender o
rigor reformista que ele empenhou para o estabelecimento de es-
colas de agricultura (II, 501) diretamente nos campos; ou quando
insiste para que cada escola tenha uma oficina anexa; ou quando
sustenta o valor educativo do trabalho manual (I, 1969 e II, 510);
ou quando fala da importância da educação física (II, 537); ou
quando aspira elevar a mulher à condição de força espiritualizadora
da sociedade por meio da educação (II, 500-501); ou quando se
apaixona pelos métodos de uma escola mexicana para surdos-
mudos (II, 814); ou quando compara e enfrenta a velha educação
com aquela que sonha: “A escola era de memorização e açoites; o
ir a ela pela neve era a melhor escola” (II, 97).
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Teria sido estritamente “cientificista” a pedagogia martiana? De
onde provém seu aparente “cientificismo”? Já dissemos que toda
importância que ele atribuía à educação científica nasce de seu desejo
de formar americanos úteis e independentes. Entretanto, é inegável a
influência de Spencer: Martí conhecia sua obra e nos deixou um
esboço geral sobre seu pensamento (I, 952), atribuindo-lhe um pa-
pel preponderante na liberação intelectual da América (II,101). To-
davia, não aceitou seu sistema como um dogma e rejeitou o
positivismo por considerá-lo “uma imoral negação da existência
melhorável e permanente (II, 1777). Em todo caso, o seu foi um
positivismo temperado por uma personalidade criativa.
Também fizemos menção ao pragmatismo de Martí, influen-
ciado por John Dewey. Saul Flores
6
, um dos defensores dessa
tese, não encontra outra forma de explicar o fato de que Mar
defendesse a substituição das “escolas do abecedário” (escolas da
memorização) pelas “escolas do fazer”. Sem embargo, não há na
obra martiana menção alguma a John Dewey nem a seus
antecessores Pierce e William James. Por outro lado, embora as
ideias de Dewey tivessem passado a circular durante o período
em que o cubano esteve em Nova Iorque (entre 1880 e 1895, com
interrupções), os primeiros livros importantes de Martí, Meu credo
pedagógico (Mi credo pedagógico) e A escola e a sociedade (La escuela y la
sociedad), não apareceram antes de 1897 e 1900.
Mais acertada é a opinião de Diaz Ortega
7
, que sustenta que os
Estados Unidos e a Europa proporcionaram a Martí os funda-
mentos de uma cultura educativa que lhe serviu para criticar e com-
parar a política educacional da América Latina. Foi esta, no entan-
to, que estabeleceu o cenário em que ele pôde ver e viver os pro-
blemas medulares de educação enfrentados por seus povos. Ain-
da que existam convergências entre Martí e Dewey, não é arrisca-
6
Flores, op. cit.
7
Humanismo y amor en José Martí, Arquivos José Martí, vol.5, janeiro-junho, 1951.
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do afirmar que as ideias pedagógicas de nosso autor estão im-
buídas de um princípio intrínseco de explicação que as levaria a
enquadrar-se no que podemos denominar “ativismo espiritualista.”
8
Santovenia disse que Martí é, por excelência, “o homem das har-
monias”, e que essa sua habilidade de harmonização e totalização
também é perceptível em sua concepção pedagógica, a qual des-
creve um círculo que vai do útil americano ao humano espiritual,
passando pela natureza e a liberdade.
O pensamento educativo de Martí incorporou as ideias avança-
das de seu tempo. Trata-se, na perspectiva da história latino-ameri-
cana, de um pensamento precursor no qual assomam princípios tão
atuais quanto os da educação nacional como instrumento da auto-
nomia dos povos; da educação científica e crítica; da relação da
educação com o trabalho; do princípio da participação ativa do
sujeito como fundamento da aprendizagem. Como outros grandes
educadores latino-americanos da época que, como ele, foram gran-
des escritores e políticos, Martí abriu um caminho pedagógico cuja
considerável distância ainda teremos de percorrer.
8
Muito recentemente, uma interessante interpretação da espiritualidade de Martí foi
publicada por Adalberto Ronda Varona em seu ensaio “La unidad de la teoria y la práctica:
rasgo característico de la dialéctica en José Martí” (Revista Cubana de Ciências Sociais,
Centro de Estudos Filosóficos da Academia de Ciências de Cuba, Universidade de La
Habana, n. 1, 1983, pp. 50-64.
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26
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27
A PRESENÇA DA UTOPIA ÉTICO-POLÍTICA DE
MARTÍ NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Eduardo Santos
9
Não constitui tarefa fácil perscrutar os eventuais impactos das
ideias pedagógicas de Martí na realidade da educação brasileira. Os
motivos para tal não são prosaicos. No tempo em que o cubano
desenvolvia suas ideias e as difundia em artigos e discursos, as rela-
ções entre o Brasil e a América Latina eram, na melhor das hipóte-
ses, frágeis e inconstantes, e o passar dos anos não reverteria tal
situação, antes a tornaria mais presente. E ela se deve a inúmeros
fatos e percepções, entre eles: a bipartição do empreendimento co-
lonial das nações ibéricas em terras americanas, da qual resultou a
implantação de matrizes culturais que, embora próximas, eram dife-
rentes, estabelecendo-se territórios dominados pela perspectiva e lín-
gua lusitanas e outros sob a égide de Espanha e de sua língua; a
influente e poderosa presença do grande irmão do Norte como
modelo de sociedade, produção e conhecimento, além de represen-
tar à perfeição o paradigma, a ser imitado, de nação livre e soberana;
a demorada republicanização do Brasil, convivendo ao lado de um
conjunto de nações de fala espanhola que, independentes, constituí-
ram repúblicas; as especificidades geográficas e geopolíticas da na-
ção brasileira comparativamente às de seus vizinhos.
Visto com desconfiança pelas novas repúblicas de países re-
cém-libertos da opressão colonial, o Brasil constituiu, durante boa
9
Graduado em Ciências Sociais (1987) e Mestre em Geografia Humana (2002) pela
FFLCH da USP, e doutor em Educação (2007) pela FE-USP, na linha Educação, Cultura
e Organização. É professor de história da Ordem Internacional no curso de pós-graduação
Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de S.Paulo.
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28
parte da vida de Martí, uma monarquia nacional ocupada por uma
dinastia portuguesa, exibindo laços comerciais e políticos de duvi-
dosa autonomia em relação à Europa, ademais de possuir um
extenso litoral atlântico que aponta para o Velho Mundo. Detentor
de território de continental extensão e o único de fala portuguesa,
nosso país também parecia configurar um estado com veleidades
expansionistas, sem apreço pelas jovens nações autônomas que
elegiam os países europeus como inimigo maior.
Passado esse período contemporâneo ao da vida do intelectual
cubano, e já no âmbito de um regime republicano, os estratos da
intelligentzia e do poder político e econômico brasileiro estiveram
voltados na direção de relações mais próximas com a cultura, a
economia e a geopolítica europeia e estadunidense. A criação e
atuação de movimentos políticos de esquerda, que geralmente
enfatizavam a importância de se ter como referência política nos-
sos vínculos históricos com as outras nações sul-americanas, não
foram suficientes para estimular relações políticas e intelectuais que,
além de propiciar uma alternativa de organização da economia e
do poder, pudessem estimular interesses mútuos e concertação
política entre latino-americanos. Durante e depois dos grandes
conflitos mundiais do século XX, consolidada a flagrante afirma-
ção das estratégias imperialistas dos Estados Unidos neste canto
do mundo, o Brasil, assim como praticamente todas as demais
nações americanas, curvou-se aos objetivos de política externa
daquele país e passou gostosamente a consumir suas mercadorias
e cultura, aumentando o recíproco desconhecimento.
Assim, língua, dimensão geográfica, regime político e situação
geopolítica representaram impedimentos suficientes para uma rela-
ção mais amistosa e cooperativa, pautada na reciprocidade política e
complementaridade econômica, entre hispano-americanos e luso-
americanos. Mantivemo-nos como porções continentais política e
culturalmente separadas, uma voltada de costas para a outra, ambas
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29
destituídas das condições intelectuais, políticas e econômicas que cada
nação deveria exibir para participar com alguma soberania da or-
dem internacional conforme definida pelos países hegemônicos, o
que teria permitido aos nossos estados nacionais reconhecimento
mútuo como partícipes de similar história e destino.
Esses “distanciamentos”, evidentemente, interfeririam na di-
fusão e recepção da obra martiana em terras brasileiras, em espe-
cial de seus textos pedagógicos. A produção de Martí no campo
da educação é tributária de uma conjuntura histórica que carrega
indeléveis marcas do contexto político sul-americano, do qual o
Brasil estaria, em boa medida, apartado. Caberia, portanto, antes
de uma análise dos impactos do pensamento pedagógico de Martí
no Brasil, identificar e qualificar essas marcas, para que se possa
entender as postulações do pensador cubano nessa matéria.
No contexto educativo, o desafio das novas nações de Nuestra
América, conforme vislumbrados por Martí, estava em buscar, no
confronto com as perspectivas e interesses herdados do coloniza-
dor europeu, a autonomia intelectual de seus povos e de suas ins-
tituições, neste passo forjando uma identidade cultural própria,
uma forma específica de ser-estar no mundo, que seria natural-
mente diferente dos quadros culturais instituídos pelos coloniza-
dores e aqueles apontados pelos estadunidenses. Tratava-se de in-
corporar e habilitar à cidadania, no uso dos termos de Darcy Ri-
beiro
10
, o “povo novo” que se gestava entre indígenas autóctones
(“povos-testemunho”) e negros oriundos da escravidão, com suas
tradições e culturas específicas, e entre europeus colonizadores e
seus descendentes miscigenados (criollos, na América espanhola),
normalmente representativos de interesses ambíguos e perspecti-
10
Retiramos esses termos de Ribeiro, Darcy. Configurações histórico-culturais dos po-
vos americanos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, que nos parece ecoar, de
modo mais sistemático, alguns pontos de vista focalizados por Martí em sua defesa da
especificidade dos povos de “Nuestra América”.
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30
vas socioculturais estrangeiras, vistas como modernas. Ao lado disso,
convivia-se com uma permanente desconfiança em relação ao
eventual apoio dos Estados Unidos da América aos projetos de
soberania nacional daqueles países jovens e às influências intelectuais,
econômicas e políticas deste país e das nações europeias.
É exatamente nesse sentido que podemos falar de uma pers-
pectiva utópica de natureza ético-política que informou a reflexão
pedagógica martiana e gerou um conjunto de ideias e proposições
educativas que se difundiria, de modo mais direto, nas repúblicas
hispano-americanas, e de modo mais indireto, no Brasil. Tratava-
se, para ele, de instituir processos educativos que contribuíssem
para formar os indivíduos americanos para serem “homens bons,
úteis e livres”, que significa “preparar o homem para a vida”, “dar
ao homem as chaves do mundo que são a independência e o amor,
e preparar suas forças para que a elas recorra por si, no passo
alegre dos homens naturais e livres”; “colocá-lo ao nível de seu
tempo”, como destacado por Ricardo Nassif. E isso num am-
biente de constituição de nações independentes que implicava, ne-
cessariamente, a formação de povos culturalmente autônomos,
para se posicionar no mundo e escolher livremente seus caminhos,
sem deixar de se beneficiar da transmissão dos conhecimentos
acumulados pela humanidade, missões estas que caberiam à edu-
cação. Martí identificaria claramente os perigos que rondavam os
povos novos da América ibérica no caminho da construção e afir-
mação de suas características culturais, intelectuais e políticas pró-
prias: por um lado, os tigres de afuera (“inimigos” externos), por
outro, os tigres de adentro (“inimigos” internos).
Externamente, um dos perigos decorria da fragmentação po-
lítica que adveio das lutas bolivarianas de libertação – as lutas que
resultaram no primeiro processo de independência –, que não lo-
graram unidade político-administrativa, nem levaram à coopera-
ção, antes geraram estranhamento e obnubilaram a percepção de
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31
interesses comuns e uma desejável atuação política conjunta. Tal
fragmentação ampliava os temores provocados pela outra ameaça
externa de peso: a política expansionista dos Estados Unidos, no
cumprimento de seu autoproclamado destino manifesto, que com-
preendia a submissão daquelas recentes entidades políticas aos seus
interesses estratégicos. Inicialmente impressionado com o pujante
progresso urbano-industrial norte-americano, em meio a uma
institucionalidade política aparentemente democrática, cedo Martí
denunciaria as intenções expansionistas dos estadunidenses às
expensas dos territórios latinos: “Eu vivi no interior do monstro e
conheço suas entranhas”. E assim como Alexis de Tocqueville
11
alertara, cerca de cinquenta anos antes, para o desenvolvimento de
uma possível tirania das maiorias naquele país, o que levaria a
desconsiderar as posições minoritárias discordantes da cultura ofi-
cial já marcadamente wasp (white anglo-saxon protestant), e dos artifí-
cios utilizados para a formação de uma opinião pública nacional
favorável aos projetos de suas elites plutocráticas, Martí
denunciou uma verdadeira campanha armada nos meios de impren-
sa norte-americanos. Não se cansava de citar uma sequência de mani-
festações e artigos de norte-americanos “ilustres”, que corriam de
jornal em jornal, carregados da ideologia do destino manifesto e outras
do gênero expansionista. Não faltou quem propusesse constante-
mente que tais ideias ou tais ideologias se materializassem em proje-
tos e planos políticos concretos.
12
(grifos no original)
Essa percepção de Martí não era especulativa nem tomada de
algum sentimento xenófobo; ela derivava de uma longa estada nos
EUA e de sua participação direta, na qualidade de delegado de ou-
11
A estada de Tocqueville nos Estados Unidos transcorreu entre os anos 1831 e 1832, e
a publicação de seus estudos em livro se deu em 1835. A edição brasileira aqui referida
é: Tocqueville, Aléxis de. A democracia na América, leis e costumes: de certas leis e
certos costumes políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu
estado social democrático. Tradução Eduardo Brandão; prefácio, bibliografia e cronologia
François Furet – 2 ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2005.
12
In Carvalho, Eugênio Rezende de. Nossa América: a utopia de um Novo Mundo. São
Paulo: Anita Garibaldi, 2001, p.33.
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32
tros países latino-americanos, na Conferência de Washington de 1889-
1890, na qual os representantes daquele país não quiseram se com-
prometer com a anulação de conquistas territoriais realizadas sob
ameaça de guerra ou pressão armada, além de buscarem a anulação
dos laços comerciais diretos das outras nações com o continente
europeu. Analogamente, na Conferência Monetária Internacional
Americana de 1891, representando o Uruguai, Martí defendeu
a autonomia dos povos para terem a própria moeda, em con-
traposição à proposta norte-americana de uma moeda comum para
todos os países americanos. Isso causaria, segundo ele, uma vinculação
exclusiva das economias latino-americanas aos Estados Unidos e,
consequentemente, diminuiria o campo de ação das frágeis econo-
mias do sul da América. (Streck, 2008, p. 21)
O momento era de afirmação, tanto pelo colosso da América
do Norte quanto pelas potências europeias do período, de um
padrão de política externa que conformaria a ordem internacional
à estratégia imperialista das nações hegemônicas, devidamente
embaladas na exportação de capitais e dos mecanismos produti-
vos e tecnológicos da revolução industrial.
Internamente, os inimigos eram vários. Martí alertava para os
perigos do provincianismo (“espírito aldeão”) dos povos que so-
freram o processo de colonização, que oscilavam entre a adesão
pura e simples aos modelos estrangeiros e a passividade cultural e
política informada por um exclusivismo cultural de base local,
desinteressado, ou apenas desconfiado, das tecnologias alienígenas;
investia contra “los dormidos” – o índio mudo, o negro marcado,
o camponês marginalizado –, que pouco ânimo e interesse de-
monstravam pela atuação político-institucional e pela construção
de uma via própria de desenvolvimento, algo que extravasasse a
originalidade e identidade que haveria de nascer do homem natu-
ral da terra. A esses atores seria preciso sacudir, retirá-los do esta-
do de letargia em que se encontravam, “(...) devolver ao concerto
humano interrompido a voz americana, que se congelou em hora
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33
triste na garganta de Netzahualcoyotl e Chilam (...) descongelar,
com o calor do amor, montanhas de homens (...)”. Aqui já se
pode perceber que, para Martí, trabalho educativo de tal enverga-
dura – como de resto toda atividade que se queira pedagógica –
não se esgota nos conteúdos disciplinares, técnicos, científicos, mas
estende-se ao uso dos meios e recursos didáticos, e entre estes um
dos mais importantes é o amor.
O apóstolo cubano também não aceitava a crítica dos “civili-
zadores”, ou “modernizantes”, que viam tal condição do povo como
inerente à sua natureza acomodada e avessa ao progresso, ou a dos
“biologistas” que explicavam a ausência de ânimo empreendedor à
rudeza do clima equatorial e/ou à miscigenação com “raças” impu-
ras. Essa crítica era dirigida, entre outros, às lideranças criollas, pro-
prietários de terras e comerciantes, nos quais Martí encontrava mui-
to mais interesse nas relações com a Europa do que qualquer indício
de solidariedade para com as populações de sua terra nativa, des-
providas que eram de qualquer perspectiva de projeto nacional. Nessa
mesma direção, polemizou com aqueles intelectuais que chamava de
“redentores bibliógenos”, ou “letrados artificiais”, que correspondiam
àqueles membros da elite pensante que se nutriam de ideias livrescas
e posições retóricas importadas, obviamente desvinculadas dos reais
problemas a enfrentar e de seus destinatários concretos. Rejeitou
veementemente o encantamento do exilado argentino Faustino
Domingo Sarmiento
13
com o tipo de desenvolvimento levado a
efeito no norte do continente, destituído de relações orgânicas com
os homens da terra, suas necessidades e com a própria terra, assim
13
Sarmiento (1811-1888) foi o mais influente representante desta corrente, que Martí
nomeou ironicamente de “civilizadores”. Publicou Facundo, em 1848, obra na qual avali-
ava que “A América do Sul ficará para trás e perderá sua missão providencial de sucursal
da civilização moderna. Não detenhamos os Estados Unidos em sua marcha: é o que
definitivamente propõem alguns. Alcancemos os Estados Unidos. Sejamos a América,
como o mar é o Oceano. Sejamos como os Estados Unidos” (In Sarmiento, Domingos
Faustino. Conflicto y armonia de las razas em América (conclusiones). México D.F.
Universidad Nacional Autónoma de México, 1978, p. 18 – tradução nossa.)
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34
como recusou a contradição que ele estabelecia entre civilização ou
barbárie:
Por isso o livro importado foi vencido na América pelo homem
natural. Os homens naturais venceram os letrados artificiais. O mes-
tiço autóctone venceu o criollo exótico. Não há batalha entre a civiliza-
ção e a barbárie, mas entre a falsa erudição e a natureza.
Martí também postou-se contrariamente àqueles que apenas
importavam as criações teóricas de fora (evolucionismo spenceriano,
positivismo comtiano, biologismo social extraído de Darwin), pois
elas levavam ao estabelecimento de princípios de interpretação e
ação política, cultural e educativa que não respondiam aos interesses
e necessidades dos homens novos da América. Não eram mais que
uma perspectiva estritamente eurocêntrica, a travestir em ciência os
conteúdos ideológicos, para enxertar as visões da cultura ocidental
nos povos da Nossa América. Mais do que isso, induziam à propo-
sição de hierarquizações culturais artificiais entre os povos. Com re-
lação à teoria da evolução, o escritor e poeta cubano avaliou que
“Darwin (...) teria visto apenas “a metade do ser”, e não o todo em
sua complexidade e desenvolvimento simultâneo. Unidade não é
identidade, mas diversidade. A homogeneidade é morte; a vida está
na diversidade”; para o caso de Spencer, “ele dirá que este olhou o
fluxo da vida nos povos como o anatomista vê o fluxo do sangue”
(Streck, 2008, p. 45). No entanto, deve-se dizer que, mesmo que
vejamos Martí como exemplo de autonomia intelectual, no sentido
de não ter se filiado estritamente a nenhuma corrente de pensamen-
to (marxismo, positivismo, liberalismo etc.), é possível verificar, no
seu encantamento com o desenvolvimento técnico-científico e com
a “iluminação” proporcionada pelo escrutínio da razão, a presença
de uma visão de progresso tipicamente positivista a inundar suas
posições pedagógicas: “Em tempos teológicos, universidade teoló-
gica. Em tempos científicos, universidade científica.”
De todo modo, a análise crítica de Martí sobre a realidade
da Nossa América o levou a propor a existência de um novo
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homem nas Américas. E esse novo homem seria forjado no pro-
cesso educativo, a educação cumpriria um papel de redenção da
ignorância e de habilitação política:
Quando todos os homens souberem ler, todos os homens saberão
votar, e como a ignorância é a garantia de extravios políticos, a cons-
ciência própria e o orgulho da independência garantem o bom exer-
cício da liberdade.
Caberia perguntar sob qual identidade de cultura se assenta a
proposição de um novo homem? Quais elementos propiciariam
alguma unidade à “raça” mestiça americana - o bloco geográfico, o
bloco cultural, o espírito dos povos? Sua história, cultura, constitui-
ção mestiça, sua condição de novidade institucional? Para o pensa-
dor cubano, América, Nossa América, só pode ser a América indí-
gena, a negra, a mestiça, a criolla, a América do século XVI, a Amé-
rica ibérica. Os Estados Unidos são de Norte-América, uma cultura
anglo-saxã notoriamente distinta da nossa e que cultuava valores que
não eram – ou que não deveriam ser – os nossos: “Como ter como
modelo uma sociedade que coloca o pragmatismo e as razões de
mercado acima de tudo?”
14
Demarcou de modo contundente as
diferenças culturais entre essas matrizes civilizatórias, criticando as
posições que tendiam a recomendar a imitação:
Nossa vida não se assemelha à sua. A sensibilidade entre nós é mui-
to veemente. A inteligência é menos positiva, os costumes são mais
puros. Como, com leis iguais, iremos reger povos diferentes? As leis
americanas deram ao Norte alto grau de prosperidade e o elevaram
também ao mais alto grau de corrupção (...) Maldita seja a prosperi-
dade a tanto custo!
No contraponto à invasão de uma cultura notoriamente estran-
geira, em desarmonia com a natureza dos homens e mulheres que se
formavam nos novos países, Martí não exploraria a ideia de latinidade,
pois para ele a América, a Nossa América, deve procurar em suas
raízes, no autóctone, sua cultura, seu governo, seu progresso. Para
14
Eugênio Rezende Carvalho, obra citada, p. 73.
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referir-se a essa porção do continente que vai do Rio Bravo, no
México, ao Estreito de Magalhães, no extremo sul do continente,
Martí preferiu os termos América, Nossa América e Madre Améri-
ca, jamais tendo a ela se referido como América Latina
15
.
O pensamento pedagógico de Martí, como não poderia dei-
xar de ser, é contemporâneo de seu tempo e das condições espe-
cíficas em que se encontravam as jovens repúblicas independentes,
instadas, em nome do interesse de seus povos, a criar os novos
caminhos de seu desenvolvimento, sem a adoção irrefletida e acrítica
dos modelos da civilização ocidental, que as desfavoreceria; ao
contrário, a via haveria de ser a do homem natural, que na
cosmologia martiana relacionava-se com o homem da terra.
Para Martí, a educação, na quadra histórica em que viveu e es-
creveu, teria de atualizar o homem em relação a todo conhecimento
técnico e tecnológico produzido pelo engenho humano, e em estrei-
ta correspondência com a vida e o tempo histórico, pois, dizia ele,
“É criminoso o divórcio entre a educação que se recebe em uma
época e a época.” Educar-se é condição para que o homem seja
livre e pessoalmente soberano, para que possa atuar de forma autô-
noma na produção e reprodução da vida e ser útil àquela sociedade
que é sua e está em construção, numa obra que ele realiza com os
outros homens e mulheres imbuídos do mesmo espírito. Enfatiza
que esses conhecimentos devem ser tratados na sua ligação mais
direta com a vida social e com sua utilidade para o trabalho, dimi-
nuindo o peso das demonstrações teóricas e ampliando o tempo de
aprendizado empírico nos laboratórios e oficinas, coerentemente
com a ideia de que “A educação há de ir aonde vai a vida (...) há de
15
Sobre a “invenção” desse termo: “Realmente, o nome de América Latina, independen-
temente das razões ideológicas e políticas que envolveram seu nascimento, veio para
rebatizar um continente que tinha perdido seu nome originário. Se atribui aos franceses
esta invenção. Não obstante, a invenção foi de dois sul-americanos, o argentino Carlos
Calvo e o colombiano José Maria Torres Caicedo” (In Bruit, Héctor. A Invenção da América
Latina. In: Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC, Belo Horizonte – 2000. ISBN
85-903587-1-2), respectivamente, em 1864 e 1865.
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dar os meios de resolver os problemas que a vida vai apresentar”.
Ele saúda o advento de criações e conhecimentos humanos que
descortinam os belos e bem guardados segredos da natureza e me-
lhoram o conforto e o bem-estar. Por esse motivo, recomenda que
a cada escola seja anexada uma oficina e que a educação vá onde as
pessoas estão e dela precisam, realçando o papel das escolas de agri-
cultura implantadas diretamente nos campos e dos mestres itinerantes
que ministrariam suas aulas nas comunidades.
Mas isso não era tudo: ao mister educativo focado na trans-
missão do conhecimento, caberia acrescentar o amor, que é a energia
fundamental que liga o homem à vida natural e aos outros ho-
mens
16
. Tal posição se evidencia em texto-comentário sobra a edu-
cação nas escolas dos Estados Unidos: à pergunta: “De onde e de
que maneira se atinge como resultado geral o formar crianças tor-
pes e frias (...)?, ao que ele mesmo responde:
Vem do falso conceito de educação pública! Vem de um erro essencial
no sistema de educação: da falta de espírito amoroso entre o corpo
docente, vem, como todos esses males, da ideia mesquinha da vida
que é aqui a corrosão nacional.
E aqui, paralelamente à dimensão utópica de seu projeto polí-
tico, revela-se, por assim dizer, a dimensão utópica de seu pensa-
mento antropológico, ao lado de uma certa crença espiritualista,
embora não religiosa: a fé que ele depositava na criação do ho-
mem novo em Nossa América, produto das condições naturais
da terra nativa e de uma especial conjuntura política, e que haveria
de brotar de uma energia comum que a tudo move, o amor, ener-
gia esta que se concentraria no trabalho educativo:
Os artigos da fé não desapareceram, mudaram de forma: os relacio-
nados ao dogma católico foram substituídos pelos ensinamentos
da razão; o ensino obrigatório é um artigo de fé do novo dogma.
16
Segundo a interpretação de Fina García Muniz (2004, p. 304, apud Streck, 2008, p. 45):
“O amor não tem em Martí um fundamento psicológico, mas cosmogônico. No universo,
tudo é análogo, tudo se corresponde – a ordem da natureza, a ordem humana –, não por
derivação unilateral, mas por ter uma raiz comum no amor”.
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O ensino obrigatório, entendido como aquele que deveria ser
comum a todos os homens americanos, constituía para Martí o
cerne daquilo que hoje poderíamos denominar “educação cida-
dã”, ou de uma “educação para ler o mundo”, cujos ecos encontra-
mos em Paulo Freire; seria o patamar mínimo de uma “educação
integral”, ao estilo da paideia grega, aliando ensino teórico e prático
e trabalho manual; promoveria a “educação para todos”, única e
íntegra, ideia que o aproximaria daquelas que seriam posteriormente
desenvolvidas por Gramsci debaixo do conceito de “educação
unitária”. A educação obrigatória seria para ele a educação popu-
lar, representando o momento em que a utopia de uma sociedade
de iguais seria provida, a partir da mais tenra idade, a todos os
cidadãos, informada por um ideal político de afirmação da auto-
nomia pessoal e da criação cultural, da preparação para o trabalho
e para a vida. Esses aspectos encerravam a concepção de Martí
sobre educação popular: “Educação popular não quer dizer ex-
clusivamente educação da classe pobre; mas que todas as classes
da nação, que é o mesmo que o povo, sejam bem-educadas”.
Pobres ou ricos, mesma educação, essa a utopia educativa martia-
na que se conjugava estreitamente com as outras dimensões utópicas
presentes em seu pensamento: a antropológica, baseada na crença
de um novo homem, munido de uma nova cultura criada pelo pró-
prio homem no âmbito de sua vida concreta e cotidiana, e a política,
sustentada no ideal de formação de indivíduos solidários e coope-
rativos habilitados a desempenhar papel protagônico no processo
de construção da cidadania nacional. E o ensino popular obrigató-
rio, não excludente nem exclusivo de uma classe social, nivelaria a
educação de todo o povo, a educação popular - uma mesma e
única educação para todos, em que conteúdos científicos, humanistas
e cívicos concorreriam na mesma direção da formação de um sujei-
to arraigadamente histórico, porque focado em seu tempo, e utopi-
camente generoso, pois visando o bem de toda a sociedade. Esses
seriam os homens “bons, úteis e livres”.
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39
Martí atual
A essa altura torna-se possível identificar elementos da raciona-
lidade pedagógica de Martí na educação brasileira, que como disse-
mos se deu por vias indiretas, isto é, as ideias do apóstolo cubano
sobre educação não foram, no Brasil, objeto de teses e dissertações
acadêmicas nem constituíram a linha de força de uma escola martiana
de pensamento no país, como também não encontraram uso for-
mal no planejamento escolar. Esboçamos os motivos logo no início
deste texto: desconhecimento mútuo das duas matrizes coloniais
ibéricas, desconfianças de natureza geopolítica, o problema da lín-
gua e a umbelical ligação das concepções educativas martianas com
os desafios das recentes formações nacionais da América do Sul,
nas quais o Brasil, tanto para Martí quanto anteriormente para Bolívar,
mal se incluía. Além disso, deve-se lembrar que a produção pedagó-
gica do pensador cubano não se fez numa sequência ordenada e
lógica, já que não se destinava, em princípio, a gerar uma teoria pe-
dagógica de referência, mas se encontra espalhada em escritos sobre
os mais diversos assuntos.
Em sua dissertação de mestrado, defendida em 2004, no pro-
grama de pós-graduação em literatura da Universidade Federal de
Santa Catarina, Maria Angélica Guidolin dos Santos, ao tomar como
objeto de estudo a revista infantil La edad de oro, produzida por
Martí em Nova Iorque, apresentou um capítulo de fortuna crítica
em que arrolava não mais que sete trabalhos que têm o pensador
cubano e sua obra como assunto. Seu levantamento informa que
“Os primeiros estudos registrados no Brasil datam de 1995 e 1997,
sendo que a temática voltada para a obra de Martí reaparecerá
somente a partir de 2000, inclusive com estudos em andamen-
to.
17
Recenseamos abaixo tais estudos, incluindo os que, à época,
17
Santos, Maria Angélica Guidolin dos. José Martí: um olhar cosmopolita em La edad de
oro. (Dissertação de mestrado). Programa de pós-graduação em literatura da Universi-
dade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2004, p. 28. Disponível em
www.tede.ufsc.br/teses/PLITO163.pdf. Acesso em 2009.
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40
estavam em produção, sendo que as referências bibliográficas com-
pletas estão apontadas no fim deste trabalho.
Nesse levantamento, evidencia-se, para o caso brasileiro, que
Martí é mais analisado por seu pensamento e atuação políticos e
por sua produção literária, mesmo assim em número ínfimo de
publicações. Do aspecto político, dão conta os trabalhos – dois
livros completos e diversos artigos e comunicações publicados
em anais de encontros acadêmicos de história – de Eugênio
Rezende Carvalho, professor vinculado à área de história da Amé-
rica Latina e do Caribe da Universidade Federal de Goiás, cuja
produção pioneira foi realizada em meados e fins dos anos 1990.
Pouco depois, em 2000, Patrícia Ghelli Carvalho defendeu disser-
tação de mestrado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
sob o título “José Martí e a independência de Cuba no contexto
das relações internacionais”, acentuando o Martí ativista e ideólogo
do pan-americanismo de base sul-americana. No ano 2001, Suely
da Fonseca Quintana utilizou José Martí como referência literária
de representação da identidade cultural na defesa de sua tese de
doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, na área de
estudos literários. Em 2007, outro trabalho de mestrado, este de-
fendido no Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universi-
dade Federal do Espírito Santo, tematizaria a incorporação do
indígena na construção da identidade da América Latina com base
nas ideias do prócer cubano.
No que se refere às contribuições pedagógicas do cubano, es-
pecialmente na temática da educação popular, tem-se dois traba-
lhos muito recentes de Danilo Streck e a dissertação de mestrado
de Cheron Moretti, todos publicados em 2008 e produzidos sob
os auspícios da Universidade do Vale do Rio dos Sinos; a estes se
soma a dissertação de mestrado de Jair Reck, da Universidade
Federal do Mato Grosso, defendida em 2000 e publicada em livro
em 2005. Em 2003, Fábio Inácio Pereira defendeu dissertação de
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mestrado no Programa de Educação da Universidade Estadual
de Maringá com o tema da formação do homem latino-america-
no a partir da revista La edad de oro, de Martí.
Para além de um impacto direto de Martí no campo educa-
cional brasileiro, seja no processo de formulação pedagógica, seja
no de política educacional, a presença do cubano no Brasil se vale,
sobretudo, de sua aura revolucionária. E ela deriva menos da leitu-
ra de suas obras nas escolas e universidades, e muito mais do fato
de nele se ter reconhecido, quando em vida, o ativista político com-
prometido com a causa da libertação de Cuba e, de modo mais
geral, dos povos de Nossa América que ele percebia imersos no
destino dos oprimidos, e de ele ter representado, depois de sua
morte, a fonte maior de inspiração dos esforços revolucionários
da década de 1950 em Cuba.
18
Os militantes do Movimento Sem-
Terra costumam citá-lo como fonte de legitimação de estratégias
políticas e de posicionamentos ideológicos, ao lado de nomes como
Mariátegui, Guevara e Gregório Bezerra; utilizam-no como mo-
delo de militante revolucionário comprometido com a causa dos
oprimidos. Mas, como não poderia deixar de ser, tomam-no como
referência de seus trabalhos educativos, particularmente pela in-
corporação de seu conceito de educação popular, de sua concep-
18
Essas palavras do revolucionário dão uma clara dimensão dessa inspiração: “Martí foi
o mentor direto da nossa Revolução, o homem a cuja palavra se recorria sempre para dar
a interpretação justa dos fenômenos históricos que estávamos vivendo e o homem cuja
palavra e cujo exemplo havia que recordar cada vez que se quisesse dizer ou fazer algo
transcendente nesta Pátria... porque José Martí é muito mais que cubano: é americano;
pertence a todos os vinte países de nosso continente e sua voz se escuta e se respeita
não só aqui em Cuba, mas em toda América” (Che Guevara, 1960, Cf. Costa, Diogo
Valença de Azevedo. Pensamento anticolonial e educação popular em José Martí. In:
Revista Espaço Acadêmico, Ano VII, n. 79, Dez. 2007. ISSN 1519.6186. Disponível em
www.espacoacademico.com.br. Acesso em 2009). Para uma referência nacional, diz
Florestan Fernandes de Martí: “Ele está presente de corpo inteiro, em sua integridade e
humanidade (...) identificado com os pobres, os excluídos e explorados (...) objetivo e
realista a ponto de combinar a intuição do poeta à sensibilidade do jornalista e à precisão
do cientista social; acima de tudo um lutador e um educador, pronto a servir, a colocar o
seu talento e o seu ardor revolucinário a serviço de Cuba e da emancipação de Nossa
América (a América de origem indígena, africana e ibérica).” (In Fernandes, Florestan. As
faces humanas de José Martí. In: Leia livros, Ano VII, n. 67, abril de 1984, p. 5).
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42
ção de ação docente direta (mestres itinerantes, que vão aonde o
povo está) e da ideia de uma necessária e radical proximidade da
educação com a vida e o trabalho. O MST adota a perspectiva de
um modelo de educação popular, com foco nos trabalhadores
do campo, que pesquise e se adapte às necessidades concretas des-
sas populações, buscando fugir do paradigma da educação esco-
lar, na medida em que as escolas são vistas como lugar de repro-
dução das desigualdades sociais e culturais e de expressão de sabe-
res muitas vezes desligados das verdadeiras necessidades dos tra-
balhadores. De todo modo, é possível identificar, no seio dos edu-
cadores brasileiros, a influência dos princípios que Martí estabele-
ceu para a educação popular, conforme a avaliação de Streck
19
:
São identificados em sua obra quatro princípios da educação popu-
lar: a valorização da pluralidade de saberes; a relação interpessoal
como ambiente para o aprender-ensinar e base para a transformação
social; o conhecimento da realidade a partir de uma perspectiva
emancipatória como ato político; e a educação como processo
autoformativo da sociedade.
Em resumo, mais do que referências a suas reflexões pedagógi-
cas, Martí se impõe pela força de sua utopia ético-política, na qual
fulgura, intrinsecamente ligada, a concepção de educação popular,
vinculada à vida e à consciência cidadã. E dessa forma, suas visões
de mundo, pátria, sociedade e homem articulam-se e orientam as
teorizações que formulou para a área da educação. No Brasil, no
entanto, não seria desperdício ou coisa extemporânea introduzir seus
pensamentos em educação, pois eles apresentam caminhos teóricos
e práticos para um processo educativo pautado na autonomia dos
indivíduos e num projeto de sociedade mais igual.
19
Cf. Streck, Danilo. “José Martí e a educação popular: um retorno às fontes”. In:
Educação e Pesquisa. São Paulo,v.34 nº. 1 São Paulo jan./ abr. 2008. ISSN 1517-9702
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43
TEXTOS SELECIONADOS
20
Um projeto de instrução pública
Revista Universal
, México, 1875, pp. 35-38 (CNCU)
Ontem foi aberta na Câmara dos Deputados uma bela cam-
panha. O deputado Juan Palácios prepara-se para expor os funda-
mentos do projeto de instrução pública que ele vem organizando
e estudando há mais de dois anos. A inteligência e a imaginação
têm qualidades de essências distintas: o estudo reflexivo, que preju-
dicaria a imaginação, é necessário e proveitoso à inteligência.
A Comissão muito estudou e debateu o projeto, amadurecen-
do-o. Poderá ser – e seguramente o é – falível o projeto, mas será
sempre respeitável.
Vem a revolucionar a organização atual do ensino, mas
revolucioná-la quer dizer estabelecer a ordem. Comove duramen-
te o atual sistema, no entanto o faz pelo bem do país e sob o
amparo da lógica e da prática em outras nações.
Não quero me fixar nos defeitos do projeto. Creio que ele os
tem, mas suas qualidades são maiores e mais importantes.
Estabelece dois grandes princípios, e ainda que o projeto como
um todo fosse inaceitável, estaria a salvo por esses princípios que o
20
Os textos selecionados para esta antologia foram extraídos das seguintes obras: a)
Comisión Nacional Cubana de la Unesco. José Martí: precursor de la Unesco. Edición y
prólogo de Félix Lizaso. La Habana, Cuba: Comisión Nacional Cubana de la Unesco, 1953,
e b) Editorial Nacional de Cuba. Martí, obras completas: Cuba, mujeres, letras, educación,
pintura y música en casa. La Habana: Editorial Nacional de Cuba, 1963. Para referenciá-las
no corpo do texto utilizamos, ao fim de cada título, as siglas CNCU, para a primeira obra,
e ENC, para a segunda, em seguida às respectivas páginas.
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apoiam e o engendraram: liberdade de ensino e ensino obrigató-
rio, ou melhor, ensino obrigatório e liberdade de ensino, isto por-
que aquela tirania saudável tem mais valia que esta liberdade.
Cabe apresentar uma razão em prol do ensino obrigatório?
Não, não cabe lembrar mais que um povo, a Alemanha, e um
propagador, Tiberghien.
Toda ideia é avalizada por seus bons resultados. Quando to-
dos os homens souberem ler, todos os homens saberão votar, e
como a ignorância é a garantia de extravios políticos, a consciência
própria e o orgulho da independência garantem o bom exercício
da liberdade. Um índio que saiba ler pode ser Benito Juarez; um
índio que não foi à escola terá perpetuamente no corpo frágil um
espírito adormecido. Até essas palavras me parecem inúteis, tão
invulnerável e útil é para mim o ensino obrigatório. Os artigos da
fé não desapareceram, mudaram de forma: os relacionados ao
dogma católico foram substituídos pelos ensinamentos da razão;
o ensino obrigatório é um artigo de fé do novo dogma.
Aqui é preciso interromper essas reflexões e assinalar com re-
gozijo um fato que é uma verdadeira garantia. Em si, é rápido, em
seus resultados, será frutífero. Quis lembrar os artigos de fé cató-
licos: minha memória, com a contemplação de todas as religiões,
esqueceu-se de suas formas. Perguntei a redatores, funcionários,
servidores, oficiais gráficos. A revista La Voz vai sofrer com isso,
mas aqueles que amam o México ficarão contentes: não há um
único indivíduo na revista que saiba os artigos da fé. Sabem um
artigo, o gerador e o salvador, o que nos reconstrói e vigoriza, o
Messias de nosso século livre – o trabalho.
Esse fato levaria a considerações distintas das que começaram
este boletim.
Fala-se do ensino obrigatório. A brutalidade da Prússia venceu
porque é uma brutalidade inteligente. O ministro informou ao
Parlamento que todo prussiano sabe ler e escrever.
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45
E que forças não seriam descobertas em nós mesmos se pre-
cipitadas as luzes de Victor Hugo sobre nossos oito milhões de
habitantes, assim como em todos nós da América do Sul? Não
somos ainda suficientemente americanos. Todo povo deve ter sua
expressão própria – temos uma vida legada e uma literatura bal-
buciante. Há na América homens especializados na literatura
europeia, mas não temos um literato exclusivamente americano.
Há de existir um poeta que assoma sobre os cumes dos Alpes de
nossa serra, de nossos altivos rochosos; um historiador potente,
mais digno de Bolívar que de Washington, porque a América é o
inesperado, a brotação, as revelações, a veemência, e Washington é
o herói da calma, formidável mas sossegado, sublime mas tranquilo.
O que não fará entre nós o novo sistema de ensino? Os indí-
genas nos trazem um novo sistema de vida. Nós estudamos o que
nos trazem da França, mas eles nos revelarão o que receberem da
natureza. Desses rostos acobreados brotará nova luz. O ensino vai
revelá-los a si mesmos. Não nos dará vergonha que um índio ve-
nha a beijar nossas mãos; teremos orgulho de que se aproxime
para nos dar as suas.
Isso não é um sonho – é o resultado positivo da lei. Que
meios, pergunta-se, serão utilizados para cumprir a obrigação? A
prisão ou a multa.
O hábito cria uma aparência de justiça; os avanços não têm
inimigo maior que o hábito: uma compaixão, às vezes, constitui
um grande obstáculo. E como esses homens do campo, que ga-
nham tão pouco, poderão pagar a multa? Pagariam porque prefe-
rirão isso a deixar de trabalhar alguns dias, e como não vão mais
querer pagá-la, enviarão seus filhos à escola. Explora-se a única
coisa sensível: o interesse diário, o alimento diário. O índio os verá
ameaçados e fará o que manda a lei.
Um projeto de instrução pública é um viveiro de ideias; cada
mirada ao projeto suscita pensamentos novos. Pois os tempos en-
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sinam, e eu, jornalista noviço, aprendi que as informações devem
ser simples e expeditas. Obedeço à prática, e deixo para docu-
mentos próximos as reflexões que irão me despertar as discussões
desse projeto no Congresso.
Aprender nas fazendas
La América
, Nova Iorque, agosto, 1883, pp. 39-42 (CNCU)
Nossas terras muito férteis, ricas em todo gênero de cultivos,
dão pouco fruto e menos do que deviam por causa dos sistemas
rotineiros e antigos de arar, semear e colher que ainda são utiliza-
dos em nossos países, e pelo uso de equipamentos ruins.
Disso surge uma necessidade imediata: há que introduzir em
nossas terras os novos equipamentos; há que ensinar aos nossos
agricultores os métodos provados com que os outros povos, dos
mesmos frutos, conseguem resultados surpreendentes.
Que cerca ficará em pé, que competência não será vencida,
que rivais manterão seus privilégios quando os equipamentos mo-
dernos e as melhores práticas, já em curso, fecundarem as comarcas
americanas? Buenos Aires sabe disso, tanto que tem retirado a cada
mês, destes portos, quatro ou seis navios carregados de equipa-
mentos agrícolas.
Mas não são todos os nossos povos que gozam da mesma
condição próspera que os da bacia do Prata nem é possível em
todos eles introduzir uma grande quantidade dos novos e genero-
sos – dado o tempo e o trabalho que poupam – equipamentos
agrícolas, tampouco sua mera introdução em terras não prepara-
das para recebê-los e torná-los úteis basta para mudar, como por
mágica, o estado rudimentar de nossos cultivos.
Não se tem em todas as partes os capitais vultosos que a compra
de novos equipamentos de cultivo necessitam; não é suficiente espa-
lhar as máquinas pelas terras se não estiverem acompanhadas de quem
as maneje e prepare o solo para seu aproveitamento; nem mesmo
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com os especiais “afagos” com que nos brindam as exposições levam
seus fabricantes a enviar seus produtos a povos em relação aos quais
se teme que as vendas não compensem os custos de envio.
Assim, se os equipamentos não vêm, é preciso ir buscá-los.
Mas já dissemos: ainda quando os equipamentos vêm, não se-
guem com eles as novas práticas que os fazem fecundos. Isso não se
aprende, ou se aprende mal, nos livros; isso não é exibido nas expo-
sições. Isso, apenas em parte e com grande dispêndio, poderia ser
ensinado nas escolas de Agricultura. Há que aprender isso onde se
encontre em pleno exercício e em prática. Enviam-se – acaso louca-
mente – as crianças hispano-americanas a colégios afamados desta
terra, para que troquem a língua que mal sabem pela língua estranha
que nunca aprendem bem; e para que – no conflito da civilização
infantil, porém delicada que vem com eles, e a civilização viril, mas
brusca, peculiar e estranha que aqui os espera –, saiam com a mente
confusa e cheia de recordações do que trouxeram e de reflexos
imperfeitos do novo que assoma, já inábeis para a vida espontânea,
ardente e de extraordinárias qualidades de nossos países, e todavia
inábeis para a rápida, tempestuosa e arrebatada existência desta ter-
ra. As árvores de um clima não crescem em outro, a não ser raquí-
ticas, descoloridas, disformes e enfermas.
Pois assim como se mandam as crianças da América espanhola
para aprender o que em suas terras, por elementares que sejam,
aprenderiam melhor, com risco de perder aquele aroma de terra
própria que provê perpétuo encanto e natural e saudável atmosfera
à vida; assim como nos escritórios de comércio se aprende, depois
de longos anos, um punhado de práticas comuns que cabem em
uma casca de noz, e que de igual modo se aprendem na própria
casa, sem perder o que sempre se perde no estrangeiro, assim, sem
tanto risco e com maior proveito, devem os governos enviar agri-
cultores já versados; e os pais, aos filhos aos quais queiram trazer
benefício verdadeiro, ao ensiná-los, no cultivo da terra, a única fonte
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absolutamente honrada de riqueza; e os fazendeiros, aos homens
capazes de levar logo às suas fazendas as melhorias que venham
daqui, a estudar a agricultura nova nos cultivos prósperos, a viver
durante a época de uma ou várias colheitas nas fazendas onde se
adotam os sistemas recentes, a adquirir, em todos os seus detalhes –
sem o que não é frutífero –, o conhecimento pessoal e direto das
vantagens dos métodos e instrumentos modernos.
Urge cultivar nossas terras do modo como nossos rivais culti-
vam as suas.
Esses modos de cultivo não viajam.
Há que vir a aprendê-los, posto o largo chapéu e a blusa fol-
gada do lavrador ao pé dos labores.
Esse é o único meio fácil, fecundo e perfeito de importar para
nossos países as novas práticas agrícolas.
Enviem-se aprendizes às oficinas de máquinas, o que está bem;
mandem-se, o que será melhor, aprendizes às fazendas.
Educação científica
La América
, Nova Iorque, setembro, 1883, pp. 43-46 (CNCU)
Como não veríamos com prazer que aquilo que La América
advoga há meses está, hoje, sendo confirmado pela calorosa dis-
cussão e especial atenção dos mais notáveis jornais de Indústria,
Mecânica e Comércio dos Estados Unidos?
Formaram-se dois campos: num, maltratados e pouco numero-
sos, entrincheiram-se os homens enriquecidos e tranquilos, seguros de
prazeres nobres e plácidos que lhes dão direito de amar com fervor o
grego e o latim; no outro, os homens novos, tumultuosos e ardentes,
limpam as armas, agora que se encontram no meio da luta pela vida e
tropeçam por toda parte com os obstáculos que a velha educação,
num mundo novo, acumula em seu caminho, e têm filhos, e querem
libertar os seus dos azares de trabalhar em oficinas do século XX com
os equipamentos rudimentares e imperfeitos do século XVI.
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De todos os lugares se eleva um clamor, todavia ainda não
bem definido nem reduzido a proporções concretas, no entanto,
já alto, imponente e unânime: pede-se urgentemente a educação
científica. Não se sabe como deve acontecer, mas todos convêm
que é imprescindível e improrrogável que aconteça. Não se acha
remédio para o mal, mas todos já sabem onde ele reside e estão
buscando com expressa diligência o remédio.
Bradstreetts, o mais confiável e sisudo periódico de Fazenda e
Comércio que Nova Iorque publica; Mechanics, o mais lido pelos
que se dedicam à arte do ferro; The Iron Age, excelente revista dos
misteres mecânicos e metalúrgicos dos Estados Unidos, defen-
dem neste mês de agosto, com vivíssimo empenho, que se proce-
da de modo que chegue a ser geral, comum, vulgar a educação
técnica. O orador de uma festa de universidade, dessas muito ani-
madas em que os colégios celebram em junho a abertura dos cur-
sos, disse, com palavras que de toda nação receberam aplausos,
algo semelhante a isto: em vez de Homero, Haeckel; em vez de
grego, alemão; em vez de artes metafísicas, artes físicas.
E essa demanda é hoje como palavra da moda e contrassenha da
época em todo bom diário e toda notável revista. Sabe-se de um fato
que basta para decidir o debate sobre o tema: de cada cem crimino-
sos presos nas cadeias, noventa não receberam educação prática. E é
natural: a terra, plena de gozos, acende o apetite. E o que não se
aprendeu numa época que só paga bem aos conhecimentos práticos,
artes práticas que produzam o necessário para satisfazer seus apetites,
em tempos suntuosos facilmente estimulados ou luta heroica e infru-
tiferamente e morre triste, se é honrado, ou se desespera e se mata, se
é fraco, ou busca um modo de satisfazer seus desejos, se esses são
mais fortes que seu conceito de virtude, na fraude e no crime.
Nas batalhas, os recrutas novatos pouco lutam contra os aguer-
ridos veteranos: quem precisa batalhar, deve aprender muito cedo
e com suma perfeição o exercício das armas.
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Sente-se a necessidade, mas ainda não se encontra o remédio. A
Inglaterra já nomeou suas Comissões Reais para o estudo da educa-
ção técnica e já estabeleceu suas produtivas escolas científicas. Con-
tudo, que existam boas escolas onde se possa aprender ciência não é
o bastante: deve-se trocar o espírito da educação do escolástico para
científico; que os cursos do ensino público sejam preparados e gra-
duados de modo que, do primário ao superior, a educação pública
vá desenvolvendo, sem prejuízo dos elementos espirituais, todos
aqueles que se requerem para a aplicação imediata das forças do
homem às da natureza. Divorciar o homem da terra é um atentado
monstruoso, e esse divórcio é meramente escolástico. Às aves, asas;
aos peixes, nadadeiras; aos homens que vivem na natureza, o conhe-
cimento da natureza: essas são suas asas.
E o único meio de colocá-las é fazer com que o elemento
científico seja como o osso do sistema de educação pública.
Que a educação científica vá, como a seiva nas árvores, da raiz
ao topo da educação pública. Que a educação básica já seja ele-
mentarmente científica que em vez da história de Josué ensine-se a
da formação da terra.
Isso é o que pedem os homens a vocês: armas para a batalha!
Escola de mecânica
La América
, Nova Iorque, setembro, 1883, pp. 47-51(CNCU)
Para que aprendam pequenas artes de oficina e a ciência de um
balconista do comércio, que cabe em um grão de anis, não parece
natural que se retire os jovens de nossas terras de América debaixo
das asas paternas, a correr as ruas, desamar sua pátria e habituar-se a
viver sem ela em terra alheia, que não o ama nem o adota. Da Amé-
rica espanhola não se deve vir à América do Norte para isso, que é
fútil e pernicioso, e sim para aprender a cultivar nas fazendas (...),
aprender mecânica nas oficinas, aprender, ao lado de hábitos de tra-
balho dignos e enaltecedores, o manejo das forças reais e permanen-
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tes da natureza, que asseguram ao homem que o conhece um susten-
to permanente e real – para isso se deve vir aos Estados Unidos.
Por isso chamamos a atenção para uma Companhia de San
Luis, “The Excelsior Manufacturing Co.”, que educa bem aos apren-
dizes de mecânica. Merece ser conhecida. Em nossos países há de
se realizar uma revolução radical na educação, se não se quiser ver
sempre, como ainda se vê agora a alguns, os irregulares, atrofiados
e deformados, como o monstro de Horácio: cabeça colossal e
coração imenso, pés que se arrastam frouxos e secos, e braços
quase em osso. Contra teologia, física; contra retórica, mecânica;
contra preceitos de lógica – que, a rigor, a consistência e conexão
das artes melhor ensina que os degenerados e confusos textos teó-
ricos das escolas -, preceitos agrícolas. Como quem sinaliza, pois,
um caminho, assinalamos a Companhia Excelsior de San Luis. A
despeito da resistência que opõem aos aprendizes os trabalhado-
res maduros, receosos de ficar sem trabalho, é coisa fácil para
aqueles encontrar oficinas em que sejam recebidos de boa vontade
e completamente ensinados.
Na Companhia Excelsior de San Luis todos os trabalhos são
feitos pelos aprendizes. Todo jovem que deseja aprender a arte da
fundição é recebido na fábrica, contanto que possua a necessária
robustez. Como os que vivem longe de seus pais tendem a gostar
demais dos privilégios vulgares e caros de andar soltos, a fábrica
preferem os que vivem com seus pais, ou que têm quem deles
cuide. Os que ainda não têm idade suficiente entram em aprendi-
zagem regular; os que já a têm obrigam-se por contrato a traba-
lhar na fábrica durante três anos. Cada novo aprendiz é posto a
trabalhar ao lado de alguém adiantado no ofício, o que muito
auxilia as explicações teóricas e práticas dos instrutores. Estes são,
ali, um corpo perfeito, regido por um superintendente que lidera e
organiza esse departamento de mestres e cuida da qualidade do
ensino e da relação com os aprendizes. Se em duas semanas o
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principiante demonstra boas condições, já se o coloca entre os
trabalhadores regulares, com contrato que o incorpora plenamen-
te na febril e saudável atividade de trabalho dessas grandes fábri-
cas, cujo movimento, que em princípio produz assombro, logo
cobre de confiança e ousadia os que o vivenciaram. O espetáculo
do grande modela o espírito para a produção do grande.
Se ao cabo de oito semanas notam-se no aprendiz boas dis-
posições, passam a lhe encomendar pequenos trabalhos e a pagar
por eles. Como a fábrica deseja e necessita que os aprendizes cedo
se convertam em bons mecânicos, é regra muito apreciada que em
tudo se facilite e em nada se estorve a educação do aprendiz. O
instrutor está obrigado a satisfazer sem demora e extensamente
todas as consultas que lhe faça o principiante, cujos progressos vão
sendo anotados, como em nossas públicas, pelos mestres e sub-
metidos ao superintendente, autorizado a premiar com distinções
e aumento de salário os aprendizes que se destacam.
Nesse quadro de notas de cada instrutor, algo semelhante às
folhas de serviço dos militares, há cinco colunas diferentes, em
cada uma das quais se apõe uma nota. Na coluna “Pontualidade”,
aponta-se o número de vezes que o aluno faltou ao trabalho. Na
coluna “Evolução”, cujas notas se baseiam na avaliação dos traba-
lhos, registram-se os méritos progressivos de sua obra. Em outra
coluna vai a nota de conduta. Em outra, avalia-se se cuida bem ou
não de seus instrumentos. E em outra se cuida bem dos modelos
e do espaço da oficina sob sua responsabilidade. O aprendiz que
alcança o número um em cada coluna se sobressai. Aquele que ao
fim de seis ou oito semanas não alcança a média três a quatro é
despedido e substituído por outro que possa ser mais apto.
A fábrica exige especialmente a pontualidade dos alunos. Quer
que o trabalho seja, para eles, não uma carga, mas uma natureza:
que no dia em que não trabalhem sintam-se sós, descontentes e
como que culpados. A cada semana se examinam e se qualificam
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os trabalhos. E contam que é bonito ver como zelam, e nobremente
rivalizam, os aprendizes para fazer um trabalho melhor.
Quase todos os aprendizes têm de dezoito a dezenove anos,
ainda que haja alguns de dezesseis.
Quanto aos salários, a fábrica não abusa: paga quatro pesos e
meio por semana aos principiantes, e cinco e seis depois, até que,
como geralmente acontece ao fim de dois meses, possam fazer
peças que valham um pagamento maior. Os livros da Companhia
mostram que há muitos entre aqueles aprendizes que completados
sete meses produzem tal quantidade de trabalho como o mais
antigo fundidor. Bons mestres, vigor da juventude, estímulo e
acúmulo de ensino fazem o milagre.
E por esse tipo de oficina, onde a tarefa é rude e a maior
dificuldade é vencida, devem passar todos os que aspiram a uma
sólida educação mecânica.
Escola de eletricidade
La América
, Nova Iorque, novembro, 1883, pp. 52-56 (CNCU)
Ao mundo novo corresponde a universidade nova.
A novas ciências que tudo invadem, reformam e minam, no-
vas cátedras.
É criminoso o divórcio entre a educação que se recebe em
uma época e a própria época.
Educar é depositar em cada homem toda a obra humana que
a antecedeu; é fazer de cada homem a síntese do mundo vivo até
o dia em que viva; é colocá-lo ao nível de seu tempo, para que
flutue sobre ele, e não deixa-lo abaixo de seu tempo, com o que
não poderá seguir a flutuar. É preparar o homem para a vida.
Em tempos teológicos, universidade teológica. Em tempos
científicos, universidade científica. Pois o que significa ver uma coi-
sa e não saber o que ela é? Agrupar silogismos e “Baralicton” e
declamar “Quousque tandem” não habilitam os homens para
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marchar mundo acima ao lado desses cavaleiros dos novos costu-
mes que montam em máquinas de vapor e levam como hastes de
suas lanças um feixe de luz elétrica.
Para tais empreendimentos necessita-se de escolas de eletricidade.
Quando os pensadores se põem a pensar na capacidade de
evolução permanente e real – que é coisa distinta do brilhante,
postiço e passageiro – de cada povo, e na relativa solidez e força
medular das nações da terra, a Inglaterra os assombra. Ela domina
os mares. De suas pedras carboníferas semiexaustas ela esparrama
pelo mundo colossais carregamentos de produtos úteis e baratos.
Ela vai do velho mundo ao novo com passo mais seguro que o de
qualquer povo vivo. Ela fabrica facas e recita os clássicos. Ao de-
senvolver a arte industrial e a indústria artística espalha o amor pela
beleza, que é melhorar homens. Assim como uma habitação espa-
çosa convida à majestade, um objeto belo convida à cultura. A
alma tem seu ar, e os objetos belos o aspergem de si.
Inglaterra, prudente e ativa, que não vocifera, anda.
E ao lado de cada descobrimento funda uma escola.
Londres, Cambridge, Liverpool, Bristol. Nottingham, Glasgow
há tempos oferecem em suas universidades cursos especiais para o
ensino minucioso e prático dos novos agentes físicos e dos apara-
tos que ao utilizam. Viena, Munique, Berlim, S. Petersburgo, todas
já estabeleceram cursos semelhantes. Nem todos fazem esforços
de fechar suas portas à luz que vem!
Há povos de morcegos e boa cópia de morcegos em todo
povo que vivem à sombra, e dela são reis. Mas a esta luz formosa,
que ultrapassa muros, é em vão que se fecham as portas!
E não está completa a reforma com a inclusão de cursos sepa-
rados de ensino científico nas universidades literárias: é preciso criar
universidades científicas sem nunca derrubar as literárias; levar o amor
ao útil e a abominação do inútil às escolas de letras; ensinar todos os
aspectos do pensamento humano em cada problema, e não – o que
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representa aleivosa traição – um único aspecto; levar solidez científi-
ca, solenidade artística, majestade e precisão arquitetônicas à literatu-
ra. Somente essas letras foram dignas de tais homens!
A literatura de nossos tempos é ineficaz porque não é a ex-
pressão de nossos tempos. Já não é Velleda que guia as batalhas,
mas uma espécie de Aspásia!
Há que se levar sangue novo à literatura.
Essas que vimos chamando universidades científicas começam
a ser chamadas na Europa “escolas técnicas”.
Darmstadt tem uma perfeita, da qual se sai graduado em toda
ciência nova – não para levar, como acontece em tantas de nossas
universidades, existência de advogados usurpadores ou de trova-
dores alienados – mísero destino de grandíssimas almas! –, mas
para ocupar, por direito natural de produtores úteis, um assento
em nossa idade criadora.
Para ser recompensado é preciso ser útil.
A essa boa escola de Darmstadt agregou-se agora uma subes-
cola eletrotécnica. O que ela ensina? O que diz o nome: ciências
elétricas. Em quatro anos dela se sairá mestre. Os alunos emprega-
rão os dois primeiros anos a estudar, na escola matriz, ciências
naturais e matemáticas. Nos dois anos restantes, pelos quais conhe-
cerão todos os aparelhos e máquinas elétricas que existem ou pas-
sem a existir, aprenderão, em teoria e prática, doutrina e aplicação,
tudo que importa saber sobre o novo agente.
Quer ler o programa da nova escola? Os nomes serão desco-
nhecidos para os homens que gozam espalhada fama de ilustrados:
nem os nomes sabemos das forças que atuam em nosso mundo!
Eis aqui o programa:
“Magnetismo e eletrodinâmica.
Máquinas magneto e dinamoelétricas: transporte da força.
Iluminação elétrica.
Princípios de telegrafia e telefonia.
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Teoria de potência com aplicação especial à ciência da eletrici-
dade.
Sinais elétricos para ferrovias.
(...)
E essas não são mais que as matérias do primeiro exercício do
programa. Parecemos viajantes perdidos em um bosque imenso e
por tantos homens habitados!
Mente latina
La América
, Nova Iorque, novembro, 1883, pp. 57-59 (CNCU)
Entre os muitos livros que vieram a favorecer a pauta do mês
de La América, há um que traz orgulho, nada mais que um catálogo
de um colégio.
Não nos comove o catálogo porque nos traga assunto para
fáceis e vazias celebrações das novas conquistas, que com árduos
trabalhos se celebram melhor que com palavras sem conteúdo,
que apenas repetidas já vão aportando prestígio e energia às ideias
que envolvem, e sim porque nas páginas do pequeno livro ressalta,
gloriosa, numa prova humilde e eloquente, a inteligência latina.
Não foi em vão que a natureza nos deu as palmas para nossos
bosques e o Amazonas e o Orinoco para regar nossas terras: desses
rios a abundância, daquelas folhas a eminência, tem a mente hispano-
americana; pelo que conserva o índio, corda; pelo que vem da terra,
faustosa e vulcânica; pelo que de árabe traz o espanhol, preguiçosa e
artística. Oh, o dia em que começar a brilhar, brilhará perto do sol!;
O dia em que entendermos terminada nossa existência de aldeia!
Academias de índios; expedições de cultivadores aos países agríco-
las; viagens periódicas e constantes com propósitos sérios às terras
mais adiantadas; ímpeto e ciência nas terras de cultivo; oportuna
apresentação de nossos frutos aos povos estrangeiros; copiosa rede
de vias de transporte dentro de cada país, e de um país a outros;
absoluto e indispensável respeito ao pensamento alheio. Eis aí o que
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já chega, ainda que em algumas terras apenas se veja distante; eis aí,
em forma e pronto, o espírito novo.
Brios não nos faltam. Veja-se o catálogo do colégio. É um
colégio norte-americano no qual apenas uma sexta parte dos
educandos é de raça espanhola, mas não em premiações: ali a par-
te cresce, e se, para cada aluno de fala espanhola há seis que falam
inglês, para cada seis americanos do Norte premiados há outros
seis americanos do Sul.
Nessa simples lista de classes e nomes, pela qual o olhar comum
passa descuidado, La América dilata sua visão. Nessa imensa soma
de analogias que compõem o sistema universal, em cada pequeno
fato há um resumo, já futuro ou passado – um grande fato.
Não temos de ficar alegres por ver que onde entre a disputar
uma criança de nossas terras, pobre de carne e de sangue aquoso,
contra carnudos e sanguíneos rivais, vence?
Nesse colégio de que falamos apenas os alunos de raça espa-
nhola frequentam mais que as aulas elementares e as de comércio.
Pois, no elenco das aulas de comércio, de cada três alunos favore-
cidos dois são de nossas terras. O melhor consumidor de livros é
um Vicente de La Hoz. O que arrebanhou todos os prêmios de
sua turma, sem deixar migalha para os formidáveis yanquezinhos,
é um Luciano Malabet. E os três prêmios de composição em in-
glês não são para um Smith, um O’Brien e um Sullivan, e sim para
um Guzmán, um Arellano e um Villa!
Oh, se se pusessem essas nossas inteligências ao nível de seu
tempo! Se não fossem educadas para dândis e doutos de casaca, se
não as deixássemos, em seu desejo de saber, nutrir-se de vaga e
galvânica literatura de povos estrangeiros meio mortos, se se fizesse
o consórcio venturoso da inteligência que se há de aplicar a um país
ao país ao qual se há de aplicar, se se preparassem os sul-americanos
não para viver na França, já que não são franceses, nem nos Estados
Unidos, que é a mais fecunda dessas modas ruins, já que não são
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norte-americanos, nem nos tempos coloniais, já que estão vivendo
fora da colônia, em competição com povos ativos, criadores, vivos,
livres, e sim para viverem na América do Sul!... Mata o seu filho na
América do Sul o que lhe dá mera educação universitária.
Abrem-se campanhas pela liberdade política; deveriam ser
abertas com maior vigor campanhas pela liberdade espiritual, pela
acomodação do homem à terra em que há de viver.
Escola de artes e ofícios
La América
, Nova Iorque, novembro, 1883, pp. 60-61 (CNCU)
Nicarágua acaba de bem festejar o aniversário de sua indepen-
dência: nele, abriu uma escola de artes e ofícios. Guatemala já tem
a sua. El Salvador virá a tê-la. Chile anda buscando modelos para
uma. A de Montevidéu ombreia-se às mesmas da Europa.
As Escolas de Artes e Ofícios ajudam a resolver o problema
humano que se estabelece agora com novos dados, desde que têm
faltado aquelas árvores antigas, monarquia e Igreja, sob cujas fo-
lhas tantos homens teriam vida cômoda. Não mais cortesões nem
frades. Os tempos estão revoltos, os homens estão atentos, e cada
qual há de lavrar com as próprias mãos a cadeira em que a Fortuna
se senta para a festa. Não há mais aquelas classes estáveis e perfei-
tas por onde entravam as vidas como por canais abertos; já não há
legiões de descalços mendigos, nem colmeias de pretendentes –
mesmo que ainda haja estes –, nem regimentos de cavaleiros de
matar, de furtar damas e servir, nem manadas de lacaios.
Agora cada homem, ao nascer, pode ver como flutua sobre
sua cabeça uma coroa: a ele cabe cingi-la. Aos povos previdentes
cabe prover os meios do coroamento ao alcance desses novos
exércitos de reis.
Um ofício ou uma arte, mais que trazer ao país aonde se pro-
fessa a honra da habilidade dos que nela se sobressaem; mais que
dar aos que estudam conhecimentos práticos de especialíssima uti-
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lidade para povos semidescobertos, quase virgens; mais que asse-
gurar aos que os possuem, por ser constante o consumo do que
produzem uma existência folgada, é mister apoiar com firmeza
tudo quanto afirme a independência pessoal, a dignidade pública.
A felicidade geral de um povo descansa na independência in-
dividual de seus habitantes.
Uma nação livre é o resultado de sua população livre.
De homens que não podem viver por si, mas apegados a um
caudilho que os favorece, usa e abusa, não se fazem povos respei-
táveis e duradouros.
Quem quiser nação viva, ajude a estabelecer as coisas de sua
pátria de modo a que cada homem possa cultivar, num trabalho
ativo e aplicável, uma situação pessoal independente.
Que cada homem aprenda a fazer algo de que necessitem os
demais.
Trabalho manual nas escolas
La América
, Nova Iorque, fevereiro, 1884, pp. 62-66 (CNCU)
Os colégios de agricultura dos Estados Unidos acabam de apre-
sentar informes sobre seus trabalhos do ano anterior. Em todos eles
o que se vê é que não são tanto as leis teóricas do cultivo as que se
ensinam nessas escolas, e sim o manejo direto da terra, que oferece
em primeira mão, claramente e com inimitável amenidade as lições
que sempre saem confusas dos livros e dos professores.
Vantagens físicas, mentais e morais advêm do trabalho manual.
E esse hábito do método, saudável contrapeso, sobretudo em nos-
sas terras, da veemência, inquietude e extravio em que nos enreda,
com sua espora de ouro, a imaginação. O homem cresce com o
trabalho que sai de suas mãos. É fácil ver como empobrece e
envilece, em poucas gerações (...) enquanto aquele que deve seu
bem-estar a seu trabalho, ou ocupou sua vida em criar e transfor-
mar forças, e em empregar as próprias, tem o olho alegre, a pala-
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vra pitoresca e profunda, os ombros largos e a mão segura. Vê-se
que esses são os que fazem o mundo, e engrandecidos, acaso sem
sabê-lo, pelo exercício de seu poder de criação, têm certo ar de
gigantes ditosos, e inspiram ternura e respeito. Mas, se mais de cem
vezes entrar num templo, comove a alma ao entrar, em madrugada
com este frio de fevereiro, em um dos carros que levam dos bair-
ros pobres às fábricas artesãos de vestes manchadas, rosto são e
curtido, mãos calejadas – nas quais, àquela hora, brilha um jornal.
Eis aqui um grande sacerdote, um sacerdote vivo: o trabalhador.
O diretor da Escola de Agricultura de Michigan defende calo-
rosamente as vantagens do trabalho manual nas escolas. Para o
diretor Abbot não há virtude agrícola a que não ajude o trabalho
manual na escola. O agricultor precisa conhecer a natureza, as enfer-
midades, caprichos, travessuras mesmo das plantas para dirigir o
cultivo de modo a aproveitar as forças vegetais e evitar suas per-
das. Precisa enamorar-se de seu trabalho e encontra-lo, como é,
mais nobre que qualquer outro, ainda que seja apenas porque ele
permite o exercício mais direto da mente e proporciona, com
seus resultados férteis e abundantes, uma renda fixa que permite
ao homem viver com dignidade e independência. Oh, ao ouvir
nosso voto, junto de cada berço de hispano-americano se poria
um canteiro de terra e uma enxada. Ademais, precisa o agricultor
conhecer intimamente, em seus efeitos e modos de operar, as ci-
ências que hoje ajudam e aceleram os cultivos. E como a natureza
é rude, como todo o verdadeiramente amante, o agricultor, por
questão de saúde, cuida para que o sol não aqueça e não reflita a
chuva, o que só o habituar-se a esta e àquele pode conseguir.
Com o trabalho manual na escola de Agricultura, o agricultor
vai aprendendo a fazer o que mais tarde terá de fazer em sua
própria terra: enternece-se com seus descobrimentos das teimosi-
as ou curiosidades da terra como um pai de seus filhos; apega-se
tanto a seu terreno que o conhece, cuida, deixa em repouso, ali-
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menta e cura, de tal modo e de similar maneira à que um doente se
afeiçoa ao médico. E como se vê que para trabalhar inteligente-
mente o campo necessita-se de ciência diversa e complexa, às ve-
zes profunda, perde todo desdém por um trabalho que lhe per-
mite ser ao mesmo tempo um criador, cuja alma se alegra e se
levanta, e um homem culto, versado em livros e digno de seu
tempo. O segredo do bem-estar está em evitar todo conflito entre
as aspirações e as ocupações.
Páginas poderiam ser preenchidas com a enumeração das van-
tagens deste trabalho manual nas escolas de Agricultura, como de-
monstra o informe.
Para que esse trabalho dos estudantes de agricultura seja du-
plamente útil, ele não é aplicado, nas escolas, somente ao trato
com a terra por métodos já conhecidos, mas se põem à prova
todas as reformas que a experiência ou a invenção vão sugerindo.
Assim, as escolas de Agricultura convertem-se em grandes benfei-
toras das gentes do campo, a quem legam o conhecimento já pro-
vado e evitam arriscar recursos e perder tempo que poderia lhes
custar a experimentação por conta própria. Com isso, além de
tudo, a mente do aluno se mantém viva e contrai o saudável hábito
de desejar, examinar e por em prática o novo. Hoje, com a colos-
sal afluência de homens inteligentes e ansiosos em todos os cami-
nhos da vida, quem quiser viver não pode parar para descansar
nem deixar em repouso uma hora sequer o bordão de viagem:
quando se quer levantar e retomar a rota, o bordão já é pedra.
Nunca, nunca foi maior e mais pitoresco o universo. Só que custa
trabalho entendê-lo e colocar-se no seu nível, pois muitos prefe-
rem falar dos males e desfazer-se em queixas. Trabalhar é melhor,
e procurar compreender a maravilha ajuda a acabá-la.
Numa escola, a de North Carolina, são analisados os adubos, os
minerais, as águas, o poder germinador das sementes, a ação de dife-
rentes substâncias químicas sobre elas e a dos insetos sobre as plantas.
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Em geral, os trabalhos práticos das escolas se dirigem ao estudo e
melhoramento dos grãos e tubérculos alimentícios; à aplicação dos
vários e melhores métodos de preparar o terreno, semear e colher; à
comparação dos adubos diversos e à criação de outros; ao modo de
bem alimentar os animais e as plantas, de regar e preservar os bosques.
Além disso, têm cursos nos quais os alunos aprendem as artes
mecânicas, não de modo imperfeito e isolado, em que de soslaio e
casualmente o agricultor atento e habilidoso, mas com planifica-
ção e sistemática, de modo que uns conhecimentos vão comple-
tando outros, estes saindo daqueles. A mente é como as rodas dos
carros e como a palavra: se acende com o exercício e corre mais
ligeira. Quando se estuda sob um bom planejamento dá gosto de
ver como os dados mais diversos se assemelham e se agrupam, e
dos mais variados assuntos surgem, tendendo a uma ideia comum,
alta e central, as mesmas ideias. Se o homem tivesse tempo para
estudar tudo que seus olhos veem e ele deseja, chegaria ao conhe-
cimento de uma única e conclusiva ideia, sorriria e repousaria.
Essa educação direta e saudável, essa aplicação da inteligência
que inquire a natureza que responde, esse exemplo despreocupa-
do e sereno da mente na investigação de tudo que a ela ocorre, que
a estimula e lhe dá modo de vida, esse pleno e equilibrado exercí-
cio do homem, de modo que seja como de si mesmo pode ser, e
não como os demais já foram, essa educação natural queremos
para todos os países novos da América.
Por trás de cada escola uma oficina agrícola, na chuva ou ao
sol, onde cada estudante semeie uma árvore.
De textos secos e meramente lineares não nascem as frutas
da vida.
Mestres itinerantes
La América
, Nova Iorque, maio, 1884, pp. 67-73 (CNCU)
“Mas como você estabeleceria esse sistema de professores
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ambulantes do qual não vimos menção em livro algum de educa-
ção, e que você aconselha em um dos números de La América do
ano passado?” – Esta a pergunta de um entusiasta cavalheiro de
Santo Domingo.
Em breve diremos a ele que o que importa é a coisa, e não a
forma em que se dispõe.
Há um monte de verdades essenciais que cabem nas asas de
um colibri, e são, sem embargo, a chave da paz pública, a elevação
espiritual e a grandeza da pátria.
É necessário manter os homens no conhecimento da terra e
da perduração e transcendência da vida.
Os homens hão de viver no gozo pacífico, natural e inevitável
da liberdade, como vivem no gozo do ar e da luz.
Está condenado a morrer um povo no qual não se desenvol-
vem por igual a inclinação à riqueza e o conhecimento da doçura,
necessidade e prazeres da vida.
Os homens necessitam conhecer a composição, fecundação,
transformação e aplicações dos elementos materiais de cujo traba-
lho advém a saudável arrogância do que trabalha diretamente na
natureza, o vigor do corpo que resulta do contato com as forças
da terra e a fortuna honesta e segura que produz o cultivo.
Os homens necessitam de quem os levem com frequência a
compaixão ao peito e as lágrimas aos olhos, e que lhes faça o supre-
mo bem de se sentirem generosos: por maravilhosa compensação
da natureza aquele que se dá, cresce; o que guarda para si mesmo
vive de pequenos prazeres, teme compartilhá-los com os demais e
só pensa avaramente em beneficiar seus apetites, vai se transforman-
do em homem solitário, leva no peito todas os rigores do inverno,
e chega a ser por dentro, e a parecer por fora, um inseto.
Os homens crescem, crescem fisicamente, de uma maneira
visível crescem, quando aprendem algo, quando passam a possuir
algo e quando fazem algum bem.
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Só os néscios falam de desditas, ou os egoístas. A felicidade
existe sobre a terra e é conquistada com o exercício prudente da
razão, o conhecimento da harmonia do universo e a prática cons-
tante da generosidade. Aquele que a busca em outra parte, não a
achará: depois de ter gozado todas as delícias da vida, só nelas se
encontra sabor. Uma lenda das terras da América hispânica diz
que, no fundo das taças antigas, estava pintado um Cristo, e que
quando encontram uma, exclamam: “Até ver-te, meu Cristo!” Pois
no fundo daquelas copas se abre um céu sereno, perfumado, inter-
minável, transbordante de ternura.
Ser bom é o único modo de ser ditoso.
Ser culto é o único modo de ser livre.
Pois, no comum da natureza humana, necessita-se ser próspe-
ro para ser bom.
E o único caminho aberto à prosperidade constante e fácil é o
de conhecer, cultivar e aproveitar os elementos inesgotáveis e infa-
tigáveis da natureza. A natureza não tem temores de infidelidade,
como os homens. Não tem ódios nem medo como os trabalha-
dores. Não fecha as portas a ninguém, pois a ninguém teme. Os
homens sempre necessitarão dos produtos da natureza. E como
em cada região só são gerados determinados produtos, sempre
serão mantidos os intercâmbios ativos que asseguram a todos os
povos a comodidade e a riqueza.
Não há, portanto, que empreender agora a cruzada para re-
conquistar o Santo Sepulcro. Jesus não morreu na Palestina, segue
vivo em cada homem. A maior parte dos homens passou ador-
mecida pela terra. Comeram e beberam, mas não conheceram a si
mesmos. Agora, a cruzada há de ser empreendida para revelar aos
homens sua própria natureza e para lhes dar, com o conhecimento
da ciência acessível e prática, a independência pessoal que fortalece
a bondade e fomenta o decoro e o orgulho de ser criatura amável
e coisa vivente no grande universo.
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É isto, pois, o que nós devemos levar aos campos. Não somen-
te explicações agrícolas e instrumentos práticos, mas também a ter-
nura que tanta falta faz aos homens e tanto bem lhes proporciona.
O camponês não pode deixar seu trabalho para conhecer as
geométricas e incompreensíveis sendas cultivadas nem os cabos
e rios das penínsulas da África, e prover-se de vazios termos
didáticos. Os filhos dos camponeses não podem distanciar-se
léguas e dias após dias da fazenda paterna para ir aprender decli-
nações latinas e divisões abreviadas. E os camponeses, sem em-
bargo, são a melhor matéria nacional, a mais sadia e substanciosa,
porque recebe de perto e integralmente os eflúvios e a amável
correspondência da terra em cujo trato vivem. As cidades são a
mente das nações, mas seu coração, onde se aglutina e se distri-
bui o sangue, está nos campos. Os homens são, todavia, máqui-
nas de comer e relicários de preocupações. É necessário fazer de
cada homem uma tocha.
Pois nada menos propomos que a nova religião e os novos
sacerdotes! Nada menos estamos descrevendo que as missões com
que a religião começará a difundir a nova época! O mundo está em
mudança, e as púrpuras e paramentos, necessários nos tempos mís-
ticos do homem, estão estendidas no leito da agonia. A religião não
desapareceu, ela se transformou. Para além do desconsolo que o
estudo dos detalhes e o gradual envolvimento da história humana
impõem aos observadores, vê-se que os homens crescem e que já
trilharam a metade da escalada de Jacó: que formosas poesias traz a
Bíblia! Se, agachado no alto de um monte, pomos os olhos repenti-
namente sobre a marcha humana, ver-se-á que nunca os povos se
amaram tanto como agora, e que apesar da dolorosa desordem e
abominável egoísmo que a ausência momentânea de crenças finais e
fé na verdade do eterno traz aos habitantes desta época transitória,
jamais a benevolência e o ímpeto de expansão que alcança a todos
os homens os preocupou tanto. Puseram-se de pé, como amigos
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que sabiam um do outro, e desejavam conhecer-se, e marcham to-
dos a um ditoso encontro.
Andamos sobre as ondas, e com elas giramos e nos chocamos;
por isso é que não vemos, e nem aturdidos com o golpe nos detemos
a examinar as forças que as movem. Mas quando este mar se acalmar
pode-se assegurar que as estrelas estarão mais próximas da terra. E,
no fim, o homem descansará sob o sol sua espada de batalha.
O que até aqui foi dito é o que definiríamos como alma dos
professores ambulantes/itinerantes. Que júbilo dos camponeses
quando vissem chegar, de tempos em tempos, o bom homem
que lhes ensina o que não sabem e que lhes deixa no espírito, com
as efusões de um tratamento acolhedor, a calma e elevação que
sempre ficam ao se ver um homem amante e saudável! Em vez
de conversar sobre criações e colheitas, se falará de vez em quan-
do, até que por fim se fale sempre, daquilo que o professor ensi-
nou, da curiosa máquina que trouxe, do modo simples de cultivar
a planta que eles com tanto trabalho vinham explorando, da gran-
deza e bondade do professor e de quando virá – que agora já têm
pressa – para que perguntem a ele sobre o que o crescimento
constante de sua mente lhe fez pensar, sobre o que tem acontecido
desde que começaram a conhecer algo! Com que alegria não iriam
todos, deixando seus instrumentos de trabalho, refugiar-se na ten-
da de campanha cheia de novidades de seu professor!
Claro que não se poderiam oferecer cursos extensos, mas, bem
estudadas pelos propagadores, poderiam difundir-se e impregnar
as ideias germinais. Poderia abrir-se o espírito do saber. Dar-se-ia
o impulso.
Esta seria uma doce invasão, feita de acordo com o que está
guardado na alma humana, pois como o mestre lhes ensinaria com
modos suaves as coisas práticas e proveitosas, se iria disseminan-
do, com gosto e sem esforço, uma ciência que começa a lisonjear
e servir a seus interesses. Quem quer que busque melhorar o ho-
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mem não pode prescindir de suas más paixões, mas contá-las como
fator importantíssimo; não trabalhar contra elas, senão com elas.
Não enviaríamos pedagogos aos campos, mas conversadores.
Dominadores não enviaríamos, e sim gente instruída que pudesse
responder as dúvidas que os ignorantes lhes apresente, ou as per-
guntas que foram preparadas para quando viessem, observando
em que aspectos se cometiam erros de cultivo ou se desconheciam
riquezas exploráveis, para que revelassem estas e demonstrassem
aquelas, com o remédio ao lado da demonstração.
Em suma, é necessário abrir uma campanha de ternura e de
ciência, criar para ela um corpo – que não existe – de professores
missionários.
A escola itinerante é a única que pode remediar a ignorância
camponesa.
Nos campos e nas cidades urge substituir o conhecimento in-
direto e estéril dos livros pelo conhecimento direto e fecundo da
natureza.
Urge abrir escolas normais de professores práticos, para que
cedo se dirijam aos vales, montes e rincões. Como contam os
índios do Amazonas que, para criar os homens e as mulheres, o
Pai Amalivaca regou toda a terra com as sementes da palma moriche.
Perde-se tempo no ensino básico literário e se criam povos de
aspirações perniciosas e vazias. O sol não é mais necessário que o
estabelecimento do ensino básico científico.
A escola de artes e ofícios de Honduras
La América,
Nova Iorque, junio, 1884, pp. 74-76 (CNCU)
Honduras já tem sua escola de artes e ofícios.
Honduras tem um povo generoso e simpático, em que se deve
ter fé. Seus pastores falam como acadêmicos. Suas mulheres são
afetuosas e puras. Em seus espíritos há substância vulcânica. Tem
acontecido em Honduras revoluções nascidas de conflitos mais ou
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menos visíveis entre os enamorados de um estado político superior
ao que naturalmente produz o estado social, e os apetites feudais
que de maneira natural se acendem em países que, apesar de ter a
capital universitária encravada, são patriarcais e rudimentares.
Mas os olhos dos homens, uma vez abertos, não mais se fe-
cham. Os mesmos sofrimentos pela conquista da liberdade mais
se afeiçoam com elas. E o repouso que dá o poder tirânico permi-
te acender e fortalecer os espíritos à sua sombra. Honduras não
sofreu tanto com tiranos por terem seus filhos da natureza, com
uma natural sensatez que há de acelerar seu bem-estar definitivo,
certo brio indômito que não os deixa acomodar-se a um freio
demasiado rude.
Ali, como em todas as partes, o problema está em semear. A
escola de artes e ofícios é invenção muito boa, no entanto só se
pode ter uma, o que não basta para fazer um povo novo. O ensino
da agricultura é ainda mais urgente, não em escolas técnicas, e sim
em estações de cultivo onde não se descrevam as partes do arado, a
não ser diante dele e em seu manejo. E não se explique em fórmula
no quadro-negro a composição dos terrenos, e sim diante das ca-
madas da terra. E não se desvie a atenção dos alunos com meras
regras técnicas de cultivo, rígidas como as letras de chumbo em que
foram impressas, mas que se os entretenha com as curiosidades,
desejos, surpresas e experiências que são o saboroso pagamento e o
animado prêmio dos que se dedicam por si mesmos à agricultura.
Quem quer formar povo, há de habituar os homens a criar. E
quem cria, respeita-se e se vê como uma força da natureza contra
a qual atentar ou privar de seu arbítrio torna-se ilícito.
Uma semente que se semeia não é apenas a semente de uma
planta, mas a semente da dignidade.
A independência dos povos e seu bom governo apenas vêm
quando seus habitantes devem sua subsistência a um trabalho que
não está à mercê de um provedor de postos públicos, que o que
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dá também tira, e que mantém sempre em alerta, quando não
armados contra ele, aos que vivem do seu trabalho. Essa é gente
livre no nome, mas que no seu interior, já antes de morrer, está
inteiramente morta.
A gente de peso e visão desses nossos países há de trabalhar
sem descanso pelo estabelecimento imediato de estações práticas
de agricultura e de um corpo de mestres itinerantes que andem
pelos campos ensinando aos lavradores e aldeões as coisas de alma,
governo e terra que necessitam saber.
Reforma essencial no programa das universidades americanas.
Estudo das línguas vivas.
Gradual abandono do estudo das línguas mortas
La América
, Nova Iorque, janeiro, 1884, pp. 77-83) (CNCU)
A Inglaterra é famosa por seus colégios, seus costumes e sua gente
sábia. Todavia, os irônicos representam Massachussetts com gorrinhos
e espelhinhos para indicar que a posição histórica de Bunker Hill e de
Concord ainda se encontra apaixonada pelo velho. No entanto, é cer-
to que por essa natural e simples arrogância conferida pela superiori-
dade legítima da inteligência, e pelo melhoramento que ao espírito traz
o contato com ideias e pessoas que gostam delas, distingue-se dos
demais habitantes da nação, sem grande dificuldade, um bostoniano.
De Massachussetts veio Motley, o historiador profundo e pitoresco
cujas inolvidáveis obras deveriam enriquecer toda boa livraria; de
Massachussetts, Emerson, um amoroso Dante que mais que viver na
terra, viveu sobre ela, pois a viu com toda abertura e certeza e escreveu
Bíblia humana; de Massachussetts, Longfellow, o melodioso poeta
que forjou um novo formato para a dureza do inglês e o tornou
redondo e sonante, que disse em límpidas estrofes pensamentos sen-
síveis, melancólicos e puros; de Massachussetts, Ripley, o crítico, Dana,
o jornalista, Lowell, o poeta da língua yanque, agora embaixador da
Inglaterra, onde o elegeram, em desusada mostra de carinho, reitor
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do Colégio de San Andrés. De Massachussetts são, como de raça
depurada em que a faculdade de meditar foi se purificando, os me-
lhores “divinos”, como aqui são chamados os sacerdotes, casta digna
de atenção nesta terra, por ser considerada culta, generosa e útil; os
novelistas sagazes e delicados como Howell, cuja fama principia; os
versificadores elegantes, que não poetas, porque ainda que Whittier, o
quaker, e Holmes, rei do álbum, e Lowell, o embaixador, vivem mais
que os rugosos livros e as douradas cadeias de academias – desde a
morte do pobre Sidney Lanier não há mais poetas nos Estados Uni-
dos que Walt Whitman, um admirável rebelde que quebra ramos dos
bosques e neles encontra poesia. De uma academia é membro Walt
Whitmann, seu presidente está sentado no céu.
E como seguem os professores, desde há séculos atrás, viven-
do em Boston, ali estão as maiores universidades, que aqui cha-
mam colégios: ali Harvard e Yale, que são a Oxford e a Cambridge
dos Estados Unidos; ali, em número igual ao de bandos de passa-
rinhos negros que andam alegres a bicar e a se banhar na neve,
abundam, sob sisudos diretores, os bons colégios – lugares até
agora, por desdita similar à de todas as partes da terra, da mente
clássica. Pois acaso ensinar aos homens que vão viver nestes tem-
pos línguas, sentimentos, paixões, deveres, preocupações e cultos
de outros, e nutri-los de madrigais, epopeias passadas e melindres
cortesãos, são torpeza e delito menores que passar a lutar com es-
cudo de couro retorcido e pesado casco (...) contra soldados que a
outros vão combater munidos de máquinas ruidosas, armados de
rifles e cartucheiras (...) ou do sabre afiado de Solinger?
Neste mês reuniram-se os diretores de todos os colégios de
Massachussetts para ver se – como quer Charles Francis Adams – se
ensina menos grego e latim nos colégios; ou se – como prega o
diretor da velha escola de Amherst, boa em línguas, e a de Darmouth
– se deve reconhecer que, para viver a existência arrebatada, luxuosa
e diretamente individual destes tempos, o grego e o latim são o mais
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necessário. Dissemos “diretamente individual”, e não vida de castas
como antes, porque antes, quando havia reis apoiadores, o fato de
frequentar a antessala do poder e saudar o favorito induzia à carrei-
ra; ou, como se andava sempre em guerra, entrar no exército era a
via para ambições e honrarias; ou fazer-se frade, porque dele cuida-
va a igreja. Hoje, no entanto, diante desses velhos poderes, desapare-
cidos em algumas partes e mal postos em outras, o homem não pode
aprumar-se à sua sombra e viver dela como parasita. O homem tem
que sacar de si mesmo os meios de vida. A educação, pois, não é mais
que isto: a habilitação dos homens para que obtenham, com desafogo
e honradez, os meios de vida indispensáveis ao tempo em que vivem,
sem que com isso sejam rebaixadas as aspirações delicadas, superiores
e espirituais da melhor parte do ser humano.
Essa questão do grego e do latim tem sido tratada atualmente.
Debate-se sobre ela e nela se concretizam os diversos sistemas de
ensino. Mais: concretizam-se duas épocas – a que morre e a que
nasce. A educação ornamental e florida que nos séculos de definidas
aristocracias bastava aos homens cuja existência provia a organiza-
ção injusta e imperfeita das nações; a educação literária e metafísica,
último refúgio dos que creem na necessidade de levantar, com uma
aula impenetrável e ultrailustrada, uma cerca às novas correntes im-
petuosas da humanidade que em todos os lugares pontificaram e
triunfaram; a educação antiga, de poemas gregos, livros latinos e
histórias de Lívio e Suetônio, trava agora seus últimos combates
contra a educação que assoma e se impõe, filha legítima da impaci-
ência dos homens, já livres para aprender e trabalhar, que necessitam
saber como é feita, se move e se transforma a terra que hão de
melhorar e da qual hão de extrair com suas próprias mãos os meios
do bem estar universal e da sua sobrevivência.
Gostaríamos de ter uma revista para tratar desse tema com a
amplitude e variedade de modos que as revistas permitem e o
assunto requer. Mas temos que seguir apenas indicando.
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Uns sustentam que o grego e o latim são, do começo ao fim,
inúteis. Os que afirmam isso não saborearam o grego nem o latim;
nem aqueles capítulos de Homero que parecem a primeira seiva
da terra, de monstruosos troncos; nem as perfumadas e discretas
epístolas do amigo de Mecenas. Pois esse é um saber de luxo e
regozijo das mentes destinadas às letras e nascidas para elas; esse é
um saber aristocrático e de desocupados, e aquele que esteja pre-
disposto a adquiri-lo o perseguirá porque desejará tê-lo; e aquele
que não lhe dedica natural afeição não conseguirá retê-lo, pois as
tumultuadas paixões modernas o terão subtraído de sua memória,
onde malgrado está.
O problema é este: Deve empregar-se a maior parte do tem-
po de colégio na aprendizagem de duas línguas que só ajudam –
se bem o fazem – na fixação das raízes da língua?
O conhecimento da linguagem é a principal necessidade do
homem moderno?
Devem ser educados os homens contra suas necessidades, ou
para que possam satisfazê-las? Como exercício e disciplina da mente,
a ordem admirável e nunca contraditória da natureza não será mais
benéfica à mente que o caprichoso do hipérbaton latino, ou o con-
traste dos vários dialetos gregos?
Se a gota de essência, se o sumo, se o remanescente científico, se
a utilidade definitiva do estudo das línguas latina e grega vem a ser –
descartado o da ginástica mental por ser, para isso, preferíveis e mais
adequadas as ciências físicas – o conhecimento verdadeiro e inega-
velmente útil dos radicais da língua, e os canais por onde ela anda, e
os eixos sobre os quais gira, por que não abreviar, compendiar,
apenas semear esses conhecimentos já claros e adquiridos, fazendo
perder-se um precioso tempo dos alunos no adquirir diretamente
um conjunto de coisas desnecessárias e labirintos de inúteis regras
que não haverão de levá-los mais que à evidencia do que já está
apreendido? Semelhante sistema vale tanto quanto ter à mão uma
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cesta de frutos maduros e deixá-los sem comer a um lado, esperan-
do que a árvore que se acaba de semear dê frutos!
Uvas existem em um cacho, não mais que argumentos contra
esse predomínio de um estudo de resultados mínimos no sistema de
ensino de uma época que requer resultados máximos e essencialmen-
te diversos dos mínimos que propicia o estudo que agora predomina.
A educação tem um dever iniludível para com o homem –
não cumpri-lo é crime, conformá-lo a seu tempo –, sem desviá-lo
da grandiosa e final tendência humana. Que o homem viva em
analogia com o universo e com sua época, para a qual não lhe
servem o latim e o grego.
Por isso se reuniu em congresso os diretores dos colégios mais
importantes dos Estados Unidos, para definir como reduzi-los
em seus programas.
As escolas nos Estados Unidos
N. Iorque, 23 de setembro, 1886, pp. 105-116 (CNCU)
Senhor Diretor de La República,
Setembro é mês animadíssimo na vida norte-americana. Aos
banhos de mar sucedem os prélios de caça; os concertos acompa-
nhados de salvas de canhão às margens das ondas são substituídos
pelas comédias de Mrs. Langtry, esta inglesa de vaporosa formo-
sura, de um busto que parece um cálice de flor, de olhos cambian-
tes e profundos como as águas do mar. Os amores encetados
durante o verão nos passeios pelas montanhas, nos corredores
dos hotéis, nos abandonos da praia, agora apertados pelo frio,
passam a consagrar-se nos templos das populações, elegantes como
uma “casa de comédias”, que é como graciosamente os aragoneses
designam o teatro. As que em Narragansett Píer e em Bay Harbor
ensaiavam sem medo, de manhã à tarde, trajes de banho mais
atrevidos e vistosos, agora com enfeites mais modestos voltam a
seus lugares na cidade, a se perder nas vulcânicas festas de inverno,
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nas “cenas de champagne”, nas merendas, nos bailes suntuosos, as
rosas que devolveram a suas faces os ares do oceano e do campo.
A política, que preparou sua campanha nos meses pacíficos de
veraneio, volta com todo o fogo do estio as suas eleições e com-
bates. As escolas, fechadas desde junho, abrem novamente suas
generosas portas, estreitas para os enxames de meninos e meninas
que a elas acorrem. As mais comoventes são as escolas noturnas,
onde se vão fortalecer para a vida os jovens de alma forte que não
se abatem com o trabalho pesado do dia. Rejuvenesce vê-los des-
filar; não são numerosos, mas valem por muitos cada um deles.
Têm o rosto luminoso dos edificadores; andam apressados e pi-
sam firme, como quem não tem medo de por a mão
domesticadora sobre o futuro.
Não é necessário mais que sair à primeira hora desta manhã
para compreender que a vida norte-americana está em mudança.
(...) Como abelhas coloridas saiam das ruas bandos de criaturas que
iam cheias de livros tomar seus lugares nas escolas. Muitos paravam
para ver nos cartazes das esquinas os anúncios gigantes dos teatros
(...) Mas esse espetáculo, que encolhe o pouco que aqui resta de alma
nos peitos tropicais, parece dilatar e reviver os dos filhos do país. E
já se ouve nas vozes alegres o ruído das sinetas dos trenós que, às
primeiras neves, inundam a cidade como pássaros de inverno. Já se
vê brilhar no ar os penachos vermelhos, amarelos e azuis com que
se adornam os cavalos. As escolas, os teatros, as eleições de outono
para juizes e governadores de estado e corregedores – essas são as
grandes festas do mês de setembro. As escolas nos interessam: ali se
formam ou se deformam os homens.
São muitas as escolas, porém não bastam aos que nela buscam
assento. Nas classes que aqui se chamam altas, ainda que entre nós
passassem por elementares, sobram vagas, porque aqui, depois dos
catorze anos, são poucas as crianças que vão às escolas. É nas classes
menores que se aglomeram os filhos de irlandeses e alemães, que
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aqui compõem o grosso da população escolar; nessa idade ainda
não podem trabalhar nem seus padres se atrevem a servirem-se
deles. Cento e cinquenta mil postos existem nas escolas de primeira
instrução em Nova Iorque; mais cinco escolas serão construídas este
ano, quatro milhões por ano gasta a cidade em ensino e, cada ano,
ficam sem vaga de quatro a seis mil crianças.
Como se educa aqui? Devemos imitar cegamente esse siste-
ma? O que parece, de fato o é? Quais os defeitos dessa maneira de
educar? Que lições podem nossos países tirar dos erros que nesse
sistema se comete?
Grande benção seria essa afluência numerosa às escolas públi-
cas se a educação que as crianças nelas recebem se assemelhasse à
solidez, amplidão e generoso espaço de seus edifícios. Grande
benção seria se as escolas daqui fossem como as da Alemanha,
casas de razão onde, com judicioso guia, a criança se habitua a
desenvolver pensamento próprio e se lhe oferecem, de modo or-
ganizado, os objetos e ideias pelos quais possas deduzir por si
mesma as relações diretas e harmônicas que a enriquecem com
suas informações, ao mesmo tempo em que a fortificam no exer-
cício e prazer de tê-las descoberto. Nesse desenvolvimento regular
e próprio da inteligência está o segredo da ductilidade e do êxito
com que os alemães se põem à frente no mundo, apesar de sua
dureza e lentidão nativas.
No entanto, aqui as escolas, com seus belos textos e suas gran-
des facilidades, suas lousas e lápis, suas gramáticas e geografias, são
meras oficinas de memorização onde se enfraquecem as crianças
ano a ano em estéreis soletrações, mapas e contas; onde se autori-
zam e se usam castigos corporais; onde os alunos repetem em
coro lições prontas sobre montes e rios; onde não se ensinam os
elementos vivos do mundo em que se habita nem o modo pelo
qual a criatura humana pode melhorar e servir na sua inevitável
inter-relação; onde nunca se acende, entre professores e alunos,
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aquele calor do carinho que agiganta nos educandos a vontade e a
atitude de aprender, e que se deposita docemente em suas almas,
como uma visão do paraíso que lhes conforta e alegra na rota nos
inevitáveis desfalecimentos da vida.
As coisas não haverão de ser estudadas somente nos sistemas
que as dirigem, mas também na maneira como se aplicam e nos
resultados que produzem. O ensino é uma obra de infinito amor.
As reformas só são fecundas quando penetram no espírito dos
povos e sobre ele resvalam sem tocá-los, como a areia seca nas
rochas inclinadas; quando a rudeza, a sensualidade ou o egoísmo
da alma pública resistem ao influxo de melhoria das práticas que
só se acata em forma e nome.
De onde e de que maneira se atinge como resultado geral o
formar crianças torpes e frias que, depois de seis anos de estudos
– e a despeito do evidente cuidado que aqui se observa em relação
à instrução pública, de tão nobres e sedutores os textos, de tão
numerosos e bem distribuídos os professores, de tão amplos e
bem providos os edifícios escolares –, deixam os bancos sem con-
trair gostos cultos, sem a graça da infância, sem o entusiasmo da
juventude, sem a afeição aos conhecimentos, sem que comumente
saibam, quando muito, mais que ler e escrever vulgarmente, fazer
cálculos em aritmética elementar e copiar mapas? Vem do falso
conceito de educação pública! Vem de um erro essencial no siste-
ma de educação: da falta de espírito amoroso entre o corpo do-
cente, vem, como todos esses males, da ideia mesquinha da vida
que é aqui a corrosão nacional!
Vê-se, aqui, a vida não como um consórcio discreto entre as
necessidades que tendem a rebaixá-la e as aspirações que a elevam,
mas como um mandato de fruição, como uma boca aberta, como
um jogo de azar no qual triunfa apenas o rico. Os homens não se
dedicam a se ajudar, a se consolar. Ninguém ajuda a ninguém.
Ninguém espera algo do outro. Não há povo a premiar, pois não
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há estímulo que o solicite. Todos marcham, empurrando-se, mal-
dizendo-se, abrindo o caminho a trancos e cotoveladas, levando
tudo e todos de roldão, para chegar primeiro. Apenas em alguns
espíritos finos subsiste, como uma pomba entre ruínas, o entusias-
mo. Não é malevolência, não, mas a dura verdade que por aqui as
crianças sequer notam, geralmente, outros desejos que não os de
satisfazer seus apetites e vencer os demais quanto aos meios de
usufruí-los. E isto será invejável? Deve-se temer isto!
Para isso segue o homem feito, para isso se dirige a mulher,
para isso vão seus filhos. O que vem de fora? O que aumenta esse
enorme caudal de egoísmo? Que influxo tem a imigração na edu-
cação pública?
Vêm de fora gerações famintas de homens abandonados a si
próprios, que ansiosamente empregam a segunda metade de sua
vida para livrar-se da miséria que experimentaram na primeira
metade dela. Aqui eles não têm pátria própria que alimenta com
sua tradição e aquece com suas paixões o espírito do mais miserá-
vel de seus filhos. Não têm aqui o círculo familiar que conserva o
homem em sua força, com a certeza de não se ver abandonado na
obra da angústia. Não têm aqui o povo nativo cuja estima ajuda a
viver e cuja censura espanta. Sem renda, sem descanso, sem auxílio,
sem mais prazer que a solidão da casa, envenenado pelo esforço
que custa para mantê-la e pela raiva de nunca ver o céu da pátria, o
homem endurece no medo dos demais e na contemplação de si,
em engendrar nesse estado de personalidade exaltada e enferma
os filhos que se criam na presença de suas ambições e sustos, no
desconhecimento dos agentes nobres que dão à natureza humana
sua energia e encanto. Colossais fileiras de dentes são essas massas
de homens. Aqui morre a alma por falta de uso.
Assim é, por aqui, o conceito da vida, e dele derivam e a ele se
acomodam os conceitos fracionários sobre sua condução. Encur-
ralado por essa constante invasão de homens ávidos e diversos,
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debalde procura o espírito puritano dominar as rédeas que lhe vão
escorrendo das mãos. Debalde pretendem os homens previden-
tes, que sabem que não há árvores sem raízes, dirigir pela cultura e
pelo senso religioso esta massa pujante que busca sem freios a
rápida e ampla satisfação de seus apetites. Debalde, os inovadores
generosos e os professores interessados discorrem sobre planos
para aperfeiçoar a instrução pública e prolongar seus cursos em
níveis superiores. O espírito cru da massa envolve essas tentativas
de refinamento, neutraliza ou anula seu influxo, invade e passa a
corromper os próprios encarregados de dirigi-la.
De que vale a lei ter um espírito se os encarregados de realizá-
la têm outro? De que adianta melhorar a forma externa e os recur-
sos materiais da instrução pública – que é obra de ternura apaixo-
nada e constante – se as professoras que a transmitem, e não pelo
fato de serem mulheres, não puderem se salvar do influxo ma-
ligno dessa vida nacional sem expansão e sem amor? De que vale
organizar regras, graduar cursos, repartir textos, levantar prédios,
acumular estatísticas, se as que se ocupam desse trabalho são mu-
lheres vencidas na dura e agreste batalha da vida, ou jovens des-
contentes e impacientes que chegam como os pássaros de fora da
escola, e têm seu emprego nela como um castigo imposto por sua
pobreza, como aborrecida prisão de sua juventude, como uma
carga incômoda?
Daquela concepção descarnada da vida nasce o modo imper-
feito de preparar as crianças para ela. Não só se vê aqui a existência
principalmente pelo aspecto da necessidade de seu trabalho ser o
suficiente para suas necessidades, mas pelo fato de ver exclusiva-
mente sob esse aspecto. Essa é a preocupação de todos, o medo,
a fadiga. Disso padeceram sem cessar, e disso padecem o legisla-
dor que organiza os cursos, o especialista que os aconselha, a pro-
fessora que irá ensinar. E isso eles proveem para evitar a angústia
que têm sentido, para dar à criança os meios elementares de lutar
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pela vida com algum êxito. Enganam-se com os meios, mas ten-
tam. Ler, escrever, contar: isso é tudo que a eles parece que as
crianças precisam saber. Mas o que ler se não se instila a afeição
pela leitura, a convicção de que ela é saborosa e útil, o prazer de ir
erguendo a alma com a harmonia e a grandeza do conhecimento?
A quem escrever se não se nutre a mente de ideias nem se aviva o
gosto por elas? Contar sim, isso ensinam aos montes. Todavia, as
crianças não sabem ler uma sílaba, enquanto já se ensinou às criatu-
ras de cinco anos a contar de memória até cem.
De memória! Assim raspam os intelectos, como as cabeças.
Assim sufocam a personalidade da criança, em vez de facilitar o
movimento e a expressão da originalidade que cada criatura traz
em si. Assim, produzem uma uniformidade repugnante e estéril,
uma espécie de desocupação das inteligências. Em vez de por
diante dos olhos das crianças os elementos vivos da terra em que
pisam, os frutos que ela cria e as riquezas que guarda, os modos
de fomentar aqueles e extrair estas, a maneira de livrar a saúde
do corpo dos agentes e influências que o atacam, e a beleza e
superior conjunto das formas universais da vida, assim inoculan-
do, no espírito das crianças, a poesia e esperança indispensáveis
para levar com virtude a faina humana, em vez disso os empan-
turram nestas escolas com limites de estados e fileiras de núme-
ros, de dados ortográficos e definições de palavras! E assim,
com uma instrução meramente verbal e representativa, poderá
sequer afrontar a existência, a difícil existência entre este povo
egoísta, que é toda de atos e fatos? Não é vão que andam tími-
dos e desorientados pelas ruas, reduzidos a balconistas do co-
mércio, a maior parte das crianças que sem mais dote que umas
poucas letras e leituras e contas saem das escolas públicas aos
treze ou catorze anos.
Dos que chegam de fora, com o impulso da necessidade, dos
que se formam e trabalham no campo, com a pujança que dá o
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trabalho direto, desses vem a esta terra seu crescimento e ímpeto,
e não dessas hordas impotentes, criadas por pais ansiosos e pro-
fessores coléricos em escolas da mera palavra, onde apenas se
ensina mais que o modo aparente de satisfazer as necessidades que
vêm do instinto.
Há que transformar esse sistema pela raiz. A escola é a raiz da
república. Um povo que será governado por todos os seus filhos
necessita tê-los constantemente capacitados para governá-los. Criar
um povo de egoístas é criar um governo despótico. Um povo
não pode ser livre, nem do estrangeiro nem de si mesmo, se não
ensina a seus filhos nas escolas, para que se tornem homens enérgi-
cos, entusiastas e de juízo livre.
Isso começa a ser visto aqui de modo confuso. Vem o fracas-
so e busca-se o remédio. “Ponham a criança por inteiro na esco-
la!”, acaba de dizer com muita razão em Saint Louis um defensor
da educação industrial, no entanto não é o bastante. O remédio
está em desenvolver a inteligência, de uma só vez, a inteligência da
criança e suas qualidades de amor e paixão com um ensino orga-
nizado e prático dos elementos ativos da existência em que há de
combater e a maneira de mobilizá-los e utilizá-los. O remédio está
em mudar corajosamente a instrução primária de verbal para ex-
perimental, de retórica para científica, em ensinar à criança, ao lado
do abecedário das palavras, o abecedário da natureza; em extrair
disso – ou em dispor as coisas de modo que as crianças o façam,
esse orgulho de ser homem e essa constante e sadia impressão de
majestade e eternidade que vêm como das flores o aroma, do
conhecimento dos agentes e funções do mundo ainda na tenra
infância em que o haveriam de reduzir à educação elementar.
Homens vivos, homens diretos, homens independentes, ho-
mens amantes! Isso há de se fazer nas escolas, que agora não se faz.
Isso fez aquele santo Peter Cooper, que sofreu a ignorância e o
abandono e levantou escola onde se aprendia a prática da vida em
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suas artes usuais e formosas, e na religiosidade e moralidade que
surgem espontaneamente do conhecimento delas. Isso, tateando
ainda, foi o que quiseram aqui fazer com o sistema de escolas
públicas os reformadores mais judiciosos: reconstruí-lo de modo
que não apague o homem e possa luzir ao sol todo seu ouro.
A universidade dos pobres
Nova Iorque, 19 de agosto, 1890, pp. 120-130
La Nación
, Buenos Aires, 22 de outubro de 1890 (CNCU)
Senhor Diretor do La Nación:
O patriota, se quer bem a sua pátria, não começará a ler o jornal
pelo editorial, que retrata uma opinião, e sim pelos anúncios, que
retratam o que se faz. Ver todos a trabalhar é mais belo que ver um
a pensar. Só existe um espetáculo mais imponente que o das cabeças
dos homens tomadas pela palavra do orador justo e bom: é a tarde
na cidade quando os trabalhadores voltam para casa. “Qual a coisa
mais bela que viste na montanha?”, perguntaram de surpresa a um
pobre montanhês que estava a pensar onde pudesse voltar a espa-
lhar flores e a estender os braços até onde se pode tocar o céu. “Pois
nem a tempestade, nem as cataratas, nem o pico dos pinheiros me
tocaram a alma como o vagão da rabeira do trem no qual voltava o
trabalhador, a olhar o teatro de montes, sentado ao entardecer em
meio às ferramentas e provisões que levava para casa, até que, sob o
claro das estrelas, chegou a seu vale, com a casinha branca ao fundo,
e de um: adeus!, desceu do vagão”. Pelos anúncios se vê a vida
pública, o bem e a pessoa de todos, que é a base de cada um,
porque não há prazer a não ser onde todos o têm, e cada qual é
criador e corresponsável por si, e vê crescer seus frutos em abun-
dância e ordem. Do trabalho contínuo e cadenciado nasce a única
felicidade, porque é o sal das demais venturas, sem o qual todas as
demais cansam, ou não se parecem nem têm a liberdade de todos
mais que uma raiz, e é trabalho de todos. Aqui, no verão, as revistas
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mensais são uma verdadeira festa porque aos anúncios de produtos
[...] se juntam os anúncios das escolas, que nestes meses vão da mon-
tanha ao litoral aprendendo a verdade natural, ao ar livre. Uma pá-
gina é para livros, e para as escolas a página da frente. “Quem for ao
campo leve a novela de Howells, A sombra de um sonho, na qual se
ensina calmamente que não é bom que com os casados viva a toda
hora um amigo de fora, que foi o que disse um argentino de Buenos
Aires que anda pela Alemanha num fragmento de Pensamentos”. “Leve
os livros de Thoreau quem for ao campo, se for onde haja peque-
nos roedores; os de Thomson vão onde existir rios; os de Burroghs
onde existir flores os de Lubbock se quer saber de microfísica e
estudar nos escaravelhos e nas aranhas o universal que há no peque-
no”. “O que tiver filhos e os retira dos ventos da montanha, compre
para eles o melhor romance, que é o livro de Arabella Buckley, no
qual a ciência nova irradia e entretém, e se aprende o quanto de fato
se sabe, na Breve história da ciência natural, ou nos Contos de magia da
ciência”. E na página de frente convidam-se os estudiosos a irem à
escola de “Curtis”, “porque a formação do caráter é o primeiro”; à
“Casa e Escola”, que é “lugar seguro e original”; ao “Instituto de
Amigos”, “onde cada qual pode adorar o deus que lhe agrada”; à
“Escola de Crianças Carentes”, que “fortalece a inteligência dos que
a têm naturalmente frágil”; ao “Colégio de Cayuga”, “que veste seus
alunos de uniforme cinza e botões dourados”; à “Academia de
Greenwich”, com “aquecedor a vapor e luz elétrica”.
Mas há uma escola que não se faz anunciar nos diários, não
gasta recados, não tem cercas e muros, nem ensina aos yanques
contemporâneos – e às mulheres yanques – a viverem como médi-
cos enfermiços ou advogados de salão, e sim a que, às margens do
lago e ao sopé do monte, do florescimento das árvores em junho
ao amadurecimento dos frutos em outubro, explica em plena luz
do sol como o raio de luz flutua e ondula, e pinta ou retrata, e
estuda o céu nas próprias estrelas, e na pedra que há um mês caiu
de uma estrela apagada, e fala sobre as nuvens aos pés delas.
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Cozinhando, ensina a cozinhar. Andando, ensina a desenhar. Ensina
a assar batatas e a medir as ondas da luz. É a Escola Livre de
Chantanqua
21
, que no verão abre suas avenidas, seu templo de filo-
sofia, suas cátedras itinerantes, seu lago e seu anfiteatro silvestre a
quantos queiram, por centavos que cabem nas mãos de uma mu-
lher, viver naquelas casas pitorescas, e estudar, recordar e ensinar ou
ginástica, ou comércio, ou habilidades caseiras, ou pintura, ou músi-
ca. Ali não há mais matrícula que a vontade, nem mais lista que o afã
de saber, nem mais obrigação que as de uma boa criança. É a uni-
versidade do povo, aberta no seio da natureza. Muitos homens e
mulheres, quando querem dizer “madre”, dizem “Chantanqua”.
Chantanqua é uma vila camponesa, com seus dez mil habitantes
nesses meses de calor, e o colégio está por todo o povoado, pois os
que não assistem os cursos os leem em suas casas, e os mil transeun-
tes diários vão onde gostam, para ver os prédios, o vapor do lago
onde se dá a aula de meteorologia, à avenida Palestina, onde se
juntam e descrevem as folhas os cem alunos de botânica. A profes-
sora vai à sala de professoras para aprender como se domesticam
os alunos intratáveis, o aficionado vai à aula de declamação que tem
um professor para os comediantes e outro para os oradores políti-
cos. Ao cair da tarde, todos se dirigem ao anfiteatro encravado em
uma clareira natural, onde um filólogo que não crê em Miller fala
das origens das línguas, ou um evolucionista explica ao Mivart
22
que
as espécies são obra preconcebida do plano divino do universo, ou
um entomólogo demonstra que é certa aquela observação de Emer-
son de que aquele que vive engarrafando animais acaba por engarra-
far a si mesmo. Porque do que ele fala não se encontra luz nem dado
21
“Chantanqua foi um sistema de educação popular que iniciou com uma assembleia de
professores de Escola Dominical, em 1874, que se encontraram na cidade de Fair Point
às margens do Lago Chantanqua, no oeste do estado de Nova York. A escola foi
organizada por John Heyl Vincent (1832-1920), um bispo da Igreja Metodista e em pouco
tempo se transformou num local de conferências e estudos” (Streck, 2008, pp. 85-86).
22
Referência ao naturalista inglês Saint George Mivart (1827-1900), que publicou, em 1871,
texto em que, em meio a intensa controvérsia científica, polemiza com Charles Darwin.
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próprio sobre a formação das novas espécies, ainda que o
entomólogo conheça algo como cento e cinquenta mil insetos, mas
o que ele conta da astúcia dos insetos, pela mesma aspereza, como a
história mais divertida, e os ouvintes se põem atentos, porque o
professor “está falando de insetos ou de homens e mulheres?”.
“Obrigado, senhor” – disse um homenzinho careca e ossudo,
do alto da galeria –, “eu sempre disse em meu povoado que os
poetas veem a verdade antes de todos, e esta conversa prova isso,
porque os homens não são mais que larvas crescidas, que foi o que
disse Emerson antes de Darwin, quando luta para ser homem, a
larva sobe, de figura em figura, até que fique ossudo e careca como
eu, ou passa a vida como você, engarrafando outras larvas”. E
então outro fica de pé e recita, entre o alvoroço dos pássaros à
porta, a poesia inteira de Emerson. Logo o coro voluntário da
plataforma rompe em um hino cantado por cinco mil ouvintes. O
anfiteatro, com seus bancos de cedro, postos em círculo no estrei-
to da terra dura, vai de fila a fila ficando vazio. E os que os vê sair
escondido à porta, como lacrimejam os olhos! Noivos e noivas
são, entre os honrados, que trabalham antes de casar-se e juntos
aprendem o que não sabem, para que seu amor não acabe por
ignorância ou miséria. São os filhos dos camponeses, de espelhinhos
e costas redondas, que vêm aprender Horácio e Virgílio e sobre o
tempo em que eram considerados magos na Itália, antes que saia a
lua dupla, a lua que se junta ao sol na semana da colheita. São
ombros de pouca roupa e olhos enfiados na cabeça que vêm com
umas poucas moedas de meio peso para estudar mecânica, guar-
da de livros, política, declamação, estilo, fotografia. São criados de
hotel que trazem um livro de Goethe, ou um tomo amarelado de
Ibsen, ou a gramática hebraica. É a multidão de mulheres de toda
idade, mães que vieram a passeio, prostitutas, professoras em des-
canso, gente elegante do povoado, mulheres empavonadas, feias
de óculos. Levam cadernos de notas, bolsas de bordar, romances
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de verão, caixas de aquarela. Vê-se um provérbio alemão, uma
palavra francesa, um verso de Homero, uma citação latina.
Um marido plenamente feliz beija a bochecha de sua mulher,
cujos olhos brilham de felicidade: “Mulher, valemos mais do que
valíamos!” Os trajes são de algodão ou de lã rude. As mãos, curtidas.
Depois de comer, vão ao lago, porque com setenta e cinco
centavos que paguem para vir ao povoado, já podem passear,
num lindo vapor, por entre as curvas rodeadas de verde do sere-
no Chantanqua. Ou está aberto, para plásticas cenas da vida grega,
o templo da filosofia por onde passeia o auxiliar de arquitetura
ensinando a seus discípulos de cabelos brancos sobre as colunas
dóricas. Ou vão, aproveitando a lua cheia, conhecer o colégio de
artes liberais, que é coisa maior, com mais cúpulas bizantinas do
que as que emolduram o teto flamenco, e um pêndulo de claustro
sobre outro de quiosque. Casualmente, de braços dados com sua
mulher, passa o filho do bispo Vincent, que desde que o pai se
tornou bispo preside todo aquele trabalho, como se fosse um di-
vertimento. Dá gosto vê-lo ir de lá para cá, com sua esposa ao
lado, entrando no vizinho, tirando uma margarida do chão, marte-
lando a madeira de uma cerca. A rua é como família, as pessoas
conversam e trocam de grupo. Nem cantinas, nem bilhares. Os
homens o são; e as mulheres, o são mais. Umas cochicham; outras
falam de Tolstoi, criticando-o uma delas, que “não quer nem ne-
cessita de intimidades com o varão grosseiro e despótico”; outra
fala baixo, sobre física, com seu companheiro; outra indica a um
grupo uma receita de pastéis. Gritam os garotos, a plenos pul-
mões, o conteúdo do jornal do povoado: “Comprem, comprem
a chegada dos professores de filosofia natural, comprem a festa
do templo das crianças no Assembly Herald”.
Cada um paga seu próprio jornal, como tudo o que consome
para seu uso e prazer, ainda que ali haja poucas tentações para a
gastança, porque a comunidade que possui e administra o povoado
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não quer “competições saudáveis” que criem rusgas entre barra-
queiros ou facções entre os compradores, nem admitem mais bar-
racas que as necessárias e uma de cada espécie de produto. Percebe-
se que a comunidade tem recursos porque o vapor anda e não há
folhas mortas no caminho; as ruas são como as da cidade, não há
desperdício de água e gás nem custam pouco os professores e os
famosos que realizam conferências. Mas o que pode o coração só o
sabe quem o põe a trabalhar. Um pressentimento vale uma dinhei-
rama. Para o bem de todos, está implantada Chantanqua, e todos a
ajudam. Aquele que ali tem uma casa de veraneio paga o aluguel; o
que toma aulas, paga um pouquinho por cada uma delas. O que
faltar para cobrir todos os gastos vem dos alunos que não se vê – da
universidade onipresente, que tem cadeira à cabeça do enfermo e à
mesa de jantar do trabalhador –, dos “cinquenta mil” afiliados ao
círculo literário e científico de Chantanqua, ao círculo doméstico.
Escreve-se para a caixa de correio 194 a John Vincent, em Buffalo,
Nova Iorque, que toma seu lugar como um entre os demais matri-
culados do círculo. De Buffalo dirige os estudos, que cada um faz
em sua casa, com duração de quatro anos: ciências, história, mate-
máticas, literatura. Os livros indicados pelo círculo são comprados
por cada um onde lhe aprouver. Ao fim do curso, o círculo manda
as provas, com perguntas que o matriculado responde, para apro-
vação ou não. O círculo acompanha o estudante, aconselhando-o
sobre o que ler, indicando novas leituras, respondendo sem demora
a suas consultas e dúvidas, enviando o programa da universidade, o
Chantanqua, no qual o que se publica mensalmente está conforme
as leituras gerais recomendadas para o mês pelo círculo. E a matrí-
cula da universidade do povo, da universidade doméstica, custa, por
ano, cinquenta centavos.
Há um interesse por trás dessa boa obra – o poder incisivo e
sutil do dogma – que inibe, nos cursos, o maior benefício que
resultaria aos educandos de estudar sob a supervisão daqueles que
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não tiveram “machado para amolar” nem escada para subir aos
palácios do mundo, a não ser o ensino desinteressado, sem por
nem tirar quanto à substância do que sabem, sem cair na tolice da
formiga que se declarasse proprietária do monte, que é o que fa-
zem os homens que cuidam de Deus na terra. A Igreja Metodista,
que em outros lugares fenece, em Chantanqua floresce, porque ali
se juntou aos humildes e abriu-se aos tempos, não querem palma-
tória dominical nem porta fechada, nem compartilham das guer-
ras dos poderosos, por maior ou menor crença, e apenas pedem
à natureza os seus segredos. E encontram na comunidade inteli-
gente e livre um prazer mais digno e penetrante, mais humano e
religioso que aquele que, para engrandecer a igreja, traz aos ho-
mens o aborrecimento e a destruição. As igrejas daqui, para não
perecerem, participam com a comunidade. Antes prosperava a
mais intolerante, agora só a tolerante prospera. Cada uma, em
surdina, arremete suas vanguardas e procura disputar com suas
rivais o novo povo, a cadeira vazia, ou o milionário moribundo.
Em seu coração sabem, no entanto, que morrerão se não se uni-
rem; são como os advogados, que disputam no tribunal e em
seguida, no restaurante do hotel, sentam-se à mesma mesa e to-
mam champagne juntos. Assim é que em Chantanqua não se pede
aos que a ela acorrem que sejam metodistas como o bispo Vincent:
entende-se que cada igreja tem seu templo e todas se unem na
crença comum da revelação. E no domingo, dia de descanso no
povoado, não há outra tenda a não ser a divina, nem teatros que
não os religiosos, com seus cantos e conclaves, com oratórios pú-
blicos e domésticos; no anfiteatro repleto, de teto rústico e aberto
aos céus, não predica um clérigo na acepção do termo, apegado à
superioridade de sua palavra, mas um notório orador, de espírito
aberto e sagaz, que comove e mobiliza pela simpatia de sua pala-
vra, e não ofende, nestes tempos em que alvorece a religião natu-
ral, ao que seja menos livre e belo que a natureza, e a deforme,
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rebaixe ou contradiga. Pois, o dia em Chantanqua que gente dos
lugares mais afastados chega para ver, o dia da religião suprema,
em que os homens parecem filhos naturais das montanhas do en-
torno, é o de reconhecimento dos diplomas, quando de todos os
cantos da República vêm os alunos para pegar nas mãos daqueles
que, da santa lagoa, trouxeram as luzes do livro de uma forma que
não lhes machucasse os olhos, a sua cadeira de inválido, à sua mesa
de aldeão, a seu púlpito de clérigo pobre, às caixas de costura da
trabalhadora, a sua bancada de ferreiro, a sua cabana de negro do
Sul, a sua cela de prisioneiro. E no dia do reconhecimento, no
anfiteatro aberto aos céus, todos recebem seu diploma, chorando.
Fragmentos
Revista Universal
, México, 1875, pp.131-132 (CNCU)
Comenta a imprensa a mobilização que fazem algumas pensio-
nistas do colégio das Vizcaínas, mal faladas por força do regime ver-
gonhoso que nos dizem ainda viger no colégio, para que se reforme o
sistema interno do estabelecimento, que as faz sentirem-se oprimidas.
Tal reclamação não merece zombarias nem frases passageiras. Se a
educação dos homens é a forma futura dos povos, a educação da
mulher garante e anuncia aos homens que é dela que eles deverão
surgir. O ser se desenvolveu no calor da casa, antes que uma atribuição
de Ser se desenvolva no contato com os livros. Estes reformam, não
formam; e se as mães trazem à casa esse costume de servilismo, esse
bem – conviver com a opressão, que nos povos escravos e nas insti-
tuições tirânicas se adquire –, a educação do temor e a obediência
estorvará, nos filhos, a educação do carinho e do dever. Dos sistemas
opressores não nascem mais que hipócritas ou déspotas.
Violentando as forças nobres no espírito das crianças não se
formam filhos fortes para as comoções e grandeza da pátria.
Devem ser cultivadas na infância, preferencialmente, os sentimen-
tos de independência e dignidade.
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Como chefes de família, os diretores de colégio têm o direito
de administrar livremente e regulamentar conforme sua opinião,
desde que esta opinião não corrompa as forças naturais, não vio-
lente a dignidade de seus administrados, não tenda a ofender com
escravização e opressão autoritárias vontades nascidas para o cul-
tivo da liberdade.
A liberdade é uma força espontânea: uma vez desenvolvida,
não se pode comprimi-la.
Responda quem de direito às reclamações que se fazem con-
tra o vergonhoso sistema a que estão sujeitas as meninas que rece-
bem educação no colégio das Vizcaínas.
Revista Universal,
México, 1875, pp. 132-135 (CNCU)
Os homens devem ter plena consciência de si mesmos: como
o domínio do monarca necessita do púlpito misterioso do Espíri-
to Santo – o irracional buscando apoio no maravilhoso –, a um
povo de homens livres é preciso que se multipliquem e se difun-
dam as cátedras, e sobre elas estenda suas asas o Espírito Santo do
direito, a pomba branca da liberdade e da justiça.
Um povo não é uma massa de criaturas miseráveis e dirigidas.
Não conquista o direito de ser respeitado até que não tenha a
consciência de ser regente. Eduquem-se os homens nos conceitos
de independência e dignidade própria. O organismo humano é o
compêndio do organismo nacional. Assim, não haverão de faltar
estímulos para a defesa da dignidade e da independência da pátria.
Um povo não é independente quando se livra das correntes
de seus amos: começa a sê-lo quando arranca de seu ser os vícios
da vencida escravidão; quando conquista e forma, para a pátria e
um novo viver, conceitos de vida radicalmente opostos ao hábi-
to de servidão passado, às memórias de debilidade e de lisonja
que as dominações despóticas usam como elementos de domínio
sobre os povos escravos.
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90
(...) ser homem na terra é tarefa dificílima e poucas vezes re-
presenta uma carreira conquistada.
A variedade deve ser uma lei no ensino de matérias áridas. A
atenção cansa de se fixar durante muito tempo em uma mesma ma-
téria, e o ouvido aprecia que distintos tons de voz o surpreendam e
cativem ao longo de um discurso. A maneira de falar realça o valor
do que se diz, tanto que, algumas vezes, supre esse mesmo valor.
Uma leitura, mais que induzir, distrai a atenção. A natureza
humana e, sobretudo, as naturezas americanas, necessitam que aquilo
que se apresente ao seu escrutínio tenha algum caráter imaginativo;
gostam de um discurso vivo e acidentado; necessitam que alguma
forma de brilho envolva o que em essência é árido e grave. Não
quer dizer que as inteligências americanas rechacem a profundida-
de, mas que precisam ir a ela por um caminho brilhante.
Vive-se nas aulas da animação e incidentes. A atenção cansada
necessita, às vezes, ser sacudida e reanimada. Grava-se melhor na
inteligência os conceitos que se expressam no cotidiano e de for-
ma natural do que os que se apresentam envoltos na forma diluí-
da, sempre severa e naturalmente detalhada dos discursos escritos.
Aquele que escreve o que se vai ler sabe que escreve o que, pelo
fato de não ser uma improvisação, será submetido ao juízo; por-
tanto, quer que o juízo não encontre nada de censurável nele.
Não deve ser este o caráter de uma aula.
Em nossas terras a educação tem maior desafio: a educação é
a aplicação que o homem se impõe para guiar suas próprias for-
ças, e tanto mais trabalhosa será sua obra quanto mais potentes e
rebeldes forem as forças que queira conduzir e encaminhar.
Guatemala, 1878, pp. 135-139 (CNCU)
E como vivia antes oligarquicamente governada esta vasta re-
pública de extensões tão férteis e espíritos tão ricos! E míseras esco-
las ensinavam-se apenas princípios de doutrina, e Fleury, e moral
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cristã, e santos cristãos, e um certo tanto e algo supérfluo de leitura e
escrita. Minha missão aqui não é lastimar nem poetizar, minha mis-
são é contar. Hoje, cada aldeia tem escola; com suas mãos os pais
fabricam a casa do professor; do trabalho de seu rebento se priva o
camponês para que ele vá aprender as letras. Aumentam nas cidades
os institutos de caráter grave; estende-se, na universidade, o progra-
ma já repleto; aprende-se na Escola Politécnica, com hábitos milita-
res, matemáticas; ensina a Escola Normal, por um sistema prático
de razão e juízo próprio, a ser professor; quinhentos estudantes po-
voam os salões do extenso Instituto Nacional. Bem se ensina em
São Francisco: do estrangeiro foram trazidos professores e profes-
soras que ensinam tolerância religiosa, dão instruções realmente úteis,
popularizam os mais recentes sistemas americanos e europeus.
Estava madura a espiga naquelas inteligências. Nas terras de
América a maturidade não dá muito trabalho. Com modos de
índios, descalços, rudes, carrancudos, bruscos, chegam crianças das
solidões interiores, e logo, por íntima revelação e obra maravilho-
sa do contato com a distinção e o livro, o cabelo desgrenhado se
assenta, o pé encurvado se afina, a mão dura se perfila, o aspecto
mofino se enobrece, a espada alquebrada se levanta, o olhar esqui-
vo desperta – a miserável larva se fez homem.
Pouco depois assaltam a tribuna, os livros históricos e de agri-
cultura, a flauta e o piano. Põem-se a pensar em coisa séria, a duvi-
dar, a perguntar, a examinar. Falam de Bolívar, dos homens pátrios,
do bom governo que os educa. Do vasto futuro que aguarda a
sua – como dizem eles – querida Guatemala! Eu os vejo, os im-
pulsiono, dou-lhes alento. Desses homens sairão, mais tarde, al-
guns grandes homens.
A universidade, que é espaçosa e bonita, acaba de reformar
suas faculdades, melhorar sua medicina, liberalizar seu direito, esta-
belecer sua faculdade de letras e filosofia, o grande estudo dos
embriões, das esperanças, dos desenvolvimentos e das analogias.
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(...)
E os jovens se animam. Discutem com o professor sobre o
texto, o livro de consulta. Têm certo espírito voltairiano que faz
bem. Recusam a magistral imposição, o que também é bom. De-
sejam saber para crer. Desejam a verdade pela experiência, manei-
ra pela qual se fazem sólidos os talentos, firmes as virtudes, enérgi-
cas as personalidades.
Mas nos povos está a grande revolução. A educação popular
acaba de salvara França. Eu a vi há três anos e vislumbrei com
segurança o que poucos acreditavam: seu triunfo sobre qualquer
nova reação.
A reação veio e a França triunfou.
A educação popular mantém respeitada no exterior, e no inte-
rior honrada, à risonha Suíça.
A educação popular, tão densa quanto rigorosa, deu à Alema-
nha seu atual grande poder.
Saber ler é saber andar. Saber escrever é saber ascender. Pés,
braços, asas, tudo isso os humildes livros da escola trazem ao ho-
mem. Assim enfeitado, vai ao espaço. Conhece o melhor modo
de semear, a reforma útil a fazer, a invenção aplicável, a receita
inovadora, a maneira de tornar boa a terra má; a história dos he-
róis, os motivos fúteis das guerras, os grandes resultados da paz.
Semeiem-se química e agricultura e se colherá grandeza e riqueza.
Uma escola é uma forja de espíritos: Ai dos povos sem escola! Ai
dos povos espíritos sem têmpera!
De cinco anos para cá vem esse renascimento salvador. É obra
exclusiva do governo liberal. Não se aproxima de Barrios uma
mãe aflita que em seguida não tenha para seus filhos uma cama,
um vestido, um livro. Na cidade, nas periferias, a Escola Politécni-
ca, na Escola Normal, em todos os lugares Barrios, mais que pen-
sar o bem, o pressente. Sabe que essa é a redenção e naturalmente,
sem qualquer esforço, irrita-se com os que oprimiram e liberta.
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Muito é gasto com escolas; remunera-se bem aos professores;
não chega um trem que não venha carregado de utilidades, de
produtos revigorantes, de aparatos astronômicos, de livros, de
coleções, de modelos. Entra-se no Instituto Nacional e se ouve
uma excelente banda. Vai-se à Escola Normal e, com espírito de
amor hispano-americano, vê-se um notável instituto nova-iorquino.
Formação de homens, feita na mente, pela contemplação dos
objetos, e na moral, pelo exemplo diário.
Triunfante, a revolução vinha repleta de bons desejos. Abun-
davam criações. Estendeu telégrafos, contratou ferrovias, abriu
caminhos, solicitou educadores, subvencionou empresários, fun-
dou escolas. Neste aspecto, seu ardor não esmoreceu, nem es-
morecerá, pois seus frutos são visíveis, são os mesmo frutos que o
alimentam. Que retorno o do jovem professor à aldeia distante,
onde, para recebê-lo, sua mãe cingiu ao cabelo a mais formosa
trança, e ao colo, seus melhores colares, e vestiu o bom velho,
índio ou ladino, sua mais alva camisa de algodão! Veio com seus
farrapos e voltou com seus sonhos, com seus bancos, seus instru-
mentos de alma, suas riquezas espirituais, seus livros. Chegou rústi-
co e se tornou fino. Chegou tartamudo e voltou eloquente.
Antes sonhava com vacas, hoje pensa no futuro, no trabalho
maior, na glória, em céus. É o redator de todas as cartas, o diretor
de todos os amores, o sábio respeitado, o juiz provável, o alcaide
seguro, o constante professor. De seu labor, sem alienar-se do
delicioso lar, crescerão novas almas...
Ele foi feito à semelhança de outras almas e fará outras à sua
semelhança. A educação é como uma árvore: planta-se uma se-
mente, abrem-se muitas folhas. Seja a gratidão do povo que se
educa a árvore protetora, nas tempestades e nas chuvas, dos ho-
mens, que hoje lhes faz tanto bem. Homens recompensarão quem
semear escolas.
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Prólogo aos
Contos de hoje e de amanhã
, de Rafael de Castro Palomino
La América
, Nova Iorque, 1883, pp.139-142 (CNCU)
De todos os problemas hoje considerados capitais, apenas um
deles é assim, e de tão tremendo modo que todo tempo e zelo
seriam insuficientes para conjurá-lo: a ignorância das classes que
têm a justiça a seu lado. O parco cultivo que essas classes dedicam
a sua mente humana, artística e aristocrática as leva a recusar am-
plamente e sem demora qualquer reforma que contenha elemen-
tos brutais e injustos. A educação suaviza mais que a prosperidade;
não essa educação meramente formal, de escassas letras, cifras de
números e contornos de terras que se tem nas escolas muito cele-
bradas, mas na verdade estéreis. Trata-se daquela outra, mais sadia
e fecunda, buscada não apenas pelos homens, que a estes revela os
segredos de suas paixões; os elementos de seus males, a relação
forçosa dos meios que hão de prepará-los para o tempo e nature-
za tradicional das dores que sofrem – a obra negativa e reacionária
da ira, a obra segura e incontrastável da paciência inteligente.
Por educação se tem entendido a mera instrução, e por propa-
gação da cultura o imperfeito e moroso ensino de modos de ler e
escrever. Um conceito mais completo da educação poria os trilhos
para esta máquina incendiada e fumegante que já se vê rugindo pelas
selvas, como que a trazer em suas entranhas as dores reais, desneces-
sárias e injustas de milhões de homens. E seria então mensageira de
vida aquela que – guarde-nos Deus! – vem de cima, ao som do
tambor de ódio, com todos os arreios selvagens da guerra.
Definir é salvar. Por o homem só consigo mesmo; deitar-lhe
no ouvido, com a solicitude de um mensageiro celeste, seus pró-
prios pensamentos; despregar, diante de seus olhos e com mão
piedosa, as cruzes melancólicas, os lagos de sangue, o tenebroso
descanso, o retardamento da liberação com que a razão universal
castiga os impacientes que querem violentar seu firme e progressi-
vo desenvolvimento; encurvar-se sobre a sela em que medita, com
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seu pão negro e sua vasilha de barro entre as mãos, cercado por
sua mulher adormecida e já sem beleza, e de seus filhos enfermiços
e vestidos de misericórdia, para explicar-lhes que a terra fermenta
tal como o mosto da uva na vasilha e a farinha na moenda – que a
verdade, uma vez despertada, não volta a dormir –, que o espírito,
mais vasto que o mar, não seca nem evapora, não cessa de querer
nem cede no que quer, e voltado à conquista de um direito desgas-
ta, como a onda salgada do mar desgasta as rochas, esses direitos
de convenção fortalecidos ao longo dos séculos e enrijecidos nos
corações que o amor ao luxo e ao desentendimento criminoso das
dores alheias petrifica; explicar a eles que, sem que seu trabalho
rude lhe dê ocasião ou tempo de entendê-lo, ou sua solidão de vê-
lo, ou sua ira de reconhecê-lo, está em pé e carrega o estandarte da
vitória o exército que breve há de redimir de sua melancólica sorte
aqueles brotos abandonados que nele crescem como da parreira
cansada crescem pálidos bagos de uvas; mostrar-lhes, como que
mostra o formidável alvorecer, todo cheio de cinturões de batalha
e espíritos alegres a série de homens generosos, ungidos com o
óleo branco das guerras santas, alçados de uma vez, com esse
ardente ímpeto humano que parece divino, ao justo gosto de uma
vida espiritual, feliz e sensata que acelera na obra do universo a
morte da fera e o triunfo da asa; revelar – oh, que motivo de
orgulho e sinal de esperança! – a esses ardentes trabalhadores do
amor a cujo impulso generoso, como aquele malvado do Fausto
nas cercanias da colina da festa, bamboleiam, escavam a terra e
desaparecem em giros diabólicos os carcereiros da alma, gozadores
ociosos de uma riqueza imerecida; ensiná-los (oh, que espetáculo
soberbo, digno de novos Dantes, novos Tassos!) sobre esses ana-
listas do corpo social, descobridores de leis universais, ministradores
de remédios eficazes – ainda que, a princípio, de efeito invisível,
reveladores da natureza complexa dos povos, verdades que sur-
gem da marcha simultânea de seus elementos diversos, e necessi-
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dade de ajustar a elas – para que não morram como feto sacado
do seio materno – as reformas mais urgentes; revelar, em suma, a
lei iniludível, a razão triunfante, o futuro seguro, a esterilidade da
precipitação, a reação que ocasiona a rebelião inculta, o triunfo
definitivo da calma ativa – é ser cavaleiro dos homens, operário
do mundo futuro, cantor da alvorada e sacerdote da nova igreja.
Soldado desse exército e obreiro dessa igreja é o autor desse
livro santo, generoso, útil. Se não fosse generoso não seria útil. No
fim, todas as árvores da terra se concentrarão em uma única, o que
resultará num eterno e suave aroma: a árvore do amor, de folhas tão
robustas e copiosas que à sua sombra se abrigarão sorridentes e em
paz todos os homens. Já se ouvem os sons das liras com as quais os
habitantes dessa formidável Arcádia celebrarão a chegada aos céus!
El Poema del Niágara
, 1883, pp. 143-144 (CNCU)
Mas quanto trabalho custa encontrar-se a si mesmo!
O homem, nem bem entra no gozo da razão que desde o
berço lhe privam, tem que se desfazer para entrar verdadeiramente
em si. É um movimento hercúleo contra os obstáculos lançados
em seu caminho por sua própria natureza e os que se acumulam,
em miserável hora e por impiedoso conselho e culpável arrogân-
cia, nas ideias convencionais de que ela se alimenta. Não há tarefa
mais difícil que esta de distinguir, em nossa existência, a vida
introjetada e pós-adquirida da espontânea e pré-natural; aquilo que
vem com o homem e aquilo que lhe acrescentam, com suas lições,
legados e ordenações, os que viveram antes dele. Sob o pretexto
de completar o ser humano, o interrompem. Nem bem nasce e já
estão à sua frente, junto a seu berço, com grandes e fortes vendas
prontas e à mão, as filosofias, as religiões, as paixões dos pais, os
sistemas políticos. E o prendem, o enfaixam, e o homem se con-
verte, por toda sua vida na terra, em cavalo domesticado. Assim é
a terra, agora uma vasta morada de hipócritas. Vem à vida como
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cera e a sorte os esvazia nos modelos pré-formatados. As conven-
ções criadas deformam a existência verdadeira e a verdadeira vida
se torna uma corrente silenciosa que desliza invisível sob a vida
aparente, às vezes sequer sentida por aquele em quem se faz sua
obra precavida, do mesmo modo que o misterioso Guadiana
23
percorre, silenciosamente, um longo caminho sob as terras andaluzas.
Assegurar o arbítrio humano; deixar aos espíritos sua própria for-
ma; não eliminar a graça das naturezas virgens com a imposição de
preconceitos alheios; estimular a aptidão de decidir por si sobre o
útil, sem ofuscá-las nem impeli-las a um caminho marcado. E aqui
o único modo de povoar a terra de uma geração vigorosa e cria-
tiva que lhe falta! As redenções vêm sendo teóricas e formais; é
necessário que sejam efetivas e essenciais. A originalidade literária
não tem espaço nem a liberdade política subsiste enquanto não se
assegura a liberdade espiritual. O primeiro trabalho do homem é
reconquistar-se. Urge devolver os homens a si mesmos; urge tirá-
los do mal governo da convenção que sufoca ou envenena seus
sentimentos, acelera o despertar de seus sentidos e sobrecarrega
sua inteligência com um caudal pernicioso, alheio, frio e falso. Só o
genuíno é frutífero. Só o direto é poderoso. O que outro nos lega
é como alimento requentado. Cabe a cada homem reconstruir a
vida: o pouco que olhar para dentro de si, a reconstruirá.
Assassino pérfido, ingrato a Deus e inimigo dos homens é aque-
le que, sob o pretexto de dirigir as novas gerações, ensina a elas um
conjunto de saberes isolados e absolutos de doutrinas e predica-lhes
ao ouvido não a doce conversa do amor, mas o evangelho bárbaro
do ódio. É réu por traição à natureza aquele que impede, de uma ou
outra forma, e de qualquer maneira, o livre uso, a aplicação direta e
o emprego espontâneo das magníficas do homem.
23
Grande rio de Portugal, localizado a sudoeste, de histórica importância, desde os
romanos, na estruturação do território da Península Ibérica. (N.A.)
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Correspondência a
El Partido Liberal
, de México, Nova Iorque, 1887,
pp. 145-146 (CNCU)
Aquilo que disse Rabelais, séculos atrás, sobre os maus professo-
res que indicaram a Gargântua, a quem mais valeria não ter tido tais
mestres porque seu saber não era mais que torpeza, e debalde sua
maestria, que abastardava os nobres talentos e corrompia toda a flor
de juventude, foi o mesmo que disse James ao recomendar a eficácia
dos exercícios industriais na escola, e confirmou Anthony com brio,
sustentando a importância nacional e a verdadeira urgência de ensinar
as ciências físicas nas escolas públicas. Para onde vai com suas capaci-
dades de ler, escrever e contar, sua gramática que não entende nem
aplica, sua geografia que aprendeu de memória, o americano que dei-
xa a escola aos quinze anos? Desdenha o trabalho real, ou não sabe,
por falta de conhecimentos básicos, como aproximar-se deles. É um
cavaleiro envergonhado, que não vale para si nem para os demais, que
termina como escrevente pobre, advogado ruim ou clérigo estéril.
Disse James que a criança perde ao aprender letras inúteis e prejudici-
ais a seu país, e que melhor faria aprendendo, ao lado do que é útil nas
letras, aqueles fundamentos gerais de todas as artes, que em si mesmos
constituem ciência acumulada, e aquela destreza das mãos que lhe
trará confiança em si, disposição para o ofício que depois escolher,
caráter e disciplina em relação àquilo a que se dedique – ainda que não
seja um ofício -, e afeição, em vez de desdém, às indústrias, que hoje
os mesmos filhos de operários vêm como emprego inferior e torpe.
Nuestra América
, 1891, pp. 147-149 (CNCU)
Em povos compostos de elementos cultos e incultos, os in-
cultos governarão, dado seu hábito de agredir e resolver as pen-
dências com as próprias mãos, justamente nos lugares em que os
cultos não aprendam a arte do governo.
A massa inculta é preguiçosa e tímida nas coisas da inteligência,
e quer que a governem bem; mas se o governo lhe impõe danos,
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ela se movimenta e governa. Como hão de sair governantes das
universidades se não há universidade na América na qual se ensi-
nem os rudimentos da arte de governar, que é a análise dos ele-
mentos peculiares dos povos da América? Os jovens saem ao
mundo a adivinhar, com óculos yanques ou franceses, e aspiram a
dirigir um povo que não conhecem. Na carreira política caberia
negar a entrada daqueles que desconhecem os rudimentos da po-
lítica. O prêmio dos certames não há de ser para a melhor ode, e
sim para o melhor estudo dos fatores do país em que se vive.
No jornalismo e na academia deve-se levar adiante o estudo
dos fatores reais do país. Conhecê-los basta, sem vendas nem rodei-
os, porque aquele que põe de lado, por vontade ou esquecimento,
uma parte da verdade, cai frequentemente pela verdade que faltou,
que cresce na negligência e derruba o que se levanta sem ela.
Resolver o problema depois de conhecer seus elementos é
mais fácil que resolver o problema sem conhecê-los. Vem o ho-
mem natural, indignado e forte, e derruba a justiça acumulada dos
livros, porque ela não é administrada de acordo com as necessida-
des patentes do país. Conhecer é resolver. Conhecer o país e
governá-lo conforme o conhecimento é o único modo de livrá-lo
da tirania. A universidade europeia há de ceder à universidade
americana. A história da América, dos incas aos dias de hoje, há de
ser ensinada em detalhes, ainda que não se ensine a dos arcontes da
Grécia. Nossa Grécia é preferível à Grécia que não é nossa. Para
nós ela é mais necessária. Os políticos nacionais hão de substituir
os políticos exóticos. Enxerte-se o mundo em nossas repúblicas,
mas o tronco haverá de ser o de nossas repúblicas.
Cale-se o pedante, vencido; não há pátria em que um ho-
mem possa ter mais orgulho que em nossas dolorosas repúblicas
americanas.
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100
Cartas inéditas de José de la Luz
El Economista Americano
, N. Iorque, março de 1888, pp. 249-250
(ENC)
Os cubanos veneram e todos os americanos conhecem a fama
do homem santo que, dominando as dores profundas da alma e do
corpo, dominando a palavra que pedia, por sua excelência, aplausos
e auditório, dominando, com a fruição do sacrifício, todo amor a si
mesmo e às vãs pompas da vida, nada quis ser para sê-lo todo, pois
foi professor e converteu, em uma única geração, um povo educa-
do para a escravidão em um povo de heróis, trabalhadores e ho-
mens livres. Poderia ser advogado, com respeitável e rica clientela, e
sua Pátria foi sua única cliente. Poderia fazer brilhar na academia,
sem esforço, sua copiosa ciência, e só mostrou o que sabia da verda-
de quando se fazia indispensável defendê-la. Poderia escrever obras
imortais – pelo menos para sua Pátria – que, ajudando a soberania
de seu entendimento com a piedade de seu coração, aprendeu nos
livros e na natureza sobre a música da criação e o sentido do mun-
do, e não escreveu nos livros, que recompensam, senão nas almas,
que não se esquece. Soube o quanto se sabia em sua época, mas não
para ensinar o que sabia, senão para transmiti-lo. Semeou homens.
O nobre ancião que, pouco antes de morrer, colocou nas mãos
de El Economista as cartas que hoje se publica não as ofertou como
coisa comum, mas como quem, ao se despedir da vida, lega a quem
saberá guardá-lo seu melhor tesouro. “Vivi muito”, dizia, “de tanto
esperar em vão a justiça no mundo e a liberdade para minha Pátria,
fugiu-me o entendimento”. Em país algum jamais tratei com ho-
mem tão sábio e tão bom. Meu coração às vezes se desfazia em
lágrimas quando o ouvia falar. Perdoar: não conheço, depois de Je-
sus, quem tenha sabido melhor perdoar! Saber: oh, era um grande
saber cristão, que não se contentava em repetir o último livro lido,
nem recusar o que não condizia com seu critério, mas estudava mais
o mais difícil, e de uma mirada deparava com toda a verdade! Quan-
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do o afligia a feiura da vida, consolava-se embelezando as almas, para
que ficasse patente a beleza universal. Eu era um pobre, era muito
pobre e infeliz diante dele, que me tratou sempre como a um irmão
e como a um rei. Amo a vida porque me foi permitido conhecê-lo.
Rafael Maria de Mendive
El Porvenir
, Nova Iorque, 1 de julho de 1891, pp. 250-252 (ENC)
Sr. Enrique Trujillo
Meu generoso amigo:
Como querer que em algumas linhas eu diga tudo de bem e
novo que posso dizer daquele enamorado da beleza, que a queria
tanto nas letras quanto nas coisas da vida, e nunca escreveu a não
ser sobre as verdades de seu coração ou sobre os sofrimentos de
sua pátria? De sua vida de homem não hei de falar porque pouco
conhece de Cuba quem não sabe como ele lutou por ela desde sua
juventude, com seus sonetos clandestinos e suas sátiras impressas;
como deu o exemplo em Espanha, mais necessário hoje do que
nunca, de adquirir fama em Madri sem sacrificar a fé patriótica;
como empregou sua riqueza, mais de uma vez, para embelezar a
vida ao seu redor, de modo que tudo que o rodeava era obra de
arte, e encontravam a mesa posta a toda hora os cubanos fiéis e os
espanhois generosos; como reuniu, com o carinho que emanava
de sua pessoa, a todos aqueles, sinceros ou mal agradecidos com
ele, como ele amavam pátria, e como ele escreviam sobre ela. Da
Revista de la Habana nada direi aqui; nem de sua tradução de Melodi-
as de Tomás Moore; nem de seu carinho de filho para com José
de la Luz e de irmão para Ramón Zambrana; nem da terna amiza-
de que lhe professaram, ainda quando as contrariedades apresen-
tavam um caráter um tanto deslucido, os homens, jovens e idosos,
que levavam Cuba no coração e a viam, fiera e elegante, naquela
alma fina de poeta. Não recordo daquelas noites da rua do Prado
quando um colégio foi chamado San Pablo porque la Luz chama-
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va o seu de Salvador? José de Armas y Céspedes, fugindo da
polícia espanhola, estava escondido no quarto de Rafael Mendive;
no pátio, ao pé dos plátanos, nós rapazes recitávamos o soneto do
“Senhor Mendive” para Lersundi; na sala, sempre vestido de dril
branco, ele ouvia, como se conversassem em voz baixa, a comédia
recitada para ele por Tomás Mendoza; ou mudava o verso de
Francisco Sellén na elegia a Miguel Angel, onde o censor rascu-
nhou “De Bolívar e Washington a glória” ele retificou, sem que o
censor se desse conta, “De Harmodio y Aristógiton a glória”; ou
ditava, a propósito de um ou outro Sedano, umas sextilhas sobre
“os pancistas” que estalavam como chicotadas; ou defendia dos
hispanófobos e dos literatos de saias, a glória cubana que queriam
retirar de Avellaneda; ou, com o engenheiro Roberto Escobar e o
advogado Valdés Fauli e o fazendeiro Cristóbal Madan e o estu-
dante Eugenio Entenza, seguia, de cotovelos ao piano, a marcha
de Céspedes no mapa de Cuba; ou me dava o relógio para empe-
nhar e com isso poder emprestar seis onças a um poeta necessita-
do. E logo eu lhe trouxe um relógio novo que compramos nós,
seus discípulos, que o queríamos – e eu lhe dei, chorando.
Um pouco antes pude lhe falar, quando acabara de ser desig-
nado diretor do colégio e estava noivo em segundas núpcias, com
uma casa que era toda de anjos. Os anjos se sentavam de noite
conosco, bordando e cochichando, a ouvir a aula de história que
nos dava Rafael Mendive, por gosto de ensinar; ou nos ouviam
detrás das persianas, quando então eram expulsas por travessas, o
que – diante do tribunal de Valdés Fauli, Domingo Arosarena,
Julio Ybarra, o conde Pozos Dulces e Luiz Victoriano Betancourt
– tínhamos que dizer sobre o funesto “Alcebíades” ou sobre o
magnânimo “Artaxerxes”, ou sobre os sublimes “Gracos”. Era
maravilhoso – e isso diz quem não usa em vão a palavra maravilha
– aquele poder de entendimento com que, de uma olhada, Mendive
surpreendia o real de um caráter; ou como, sem saber muito de
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ciências, sentava para falar-nos das forças nas aulas de física, quan-
do não aparecia o pobre Manuel Sellén, e nos embelezava. De
tarde, antes que chegassem seus amigos, ditava a um terno escritu-
rário as cenas de seu inédito drama A nuvem negra, ou capítulos de
sua novela da sociedade habanera (...).
Vou pintá-lo preso no calabouço do castelo do Príncipe, ser-
vido por sua Micaela fiel, seus filhos e discípulos? Ou em Santander,
onde os espanhóis o receberam com palmas e banquetes? Ou em
Nova Iorque, para onde veio fugido de Espanha, para mudar a
sorte dos cubanos e celebrar em seu verso alado e caloroso o
herói que caia no campo de luta e ao bom espanhol que não quis
lançar-se contra a terra que lhe deu o pão e a quem deu filhos? Ou
em Nassau, vestido de branco como em Cuba, mal-humorado e
silencioso, até que a voz de Vitor Hugo se levantou, chicote a mão,
contra Os Dormidos? Ou em Cuba, depois da trégua, quando res-
pondia a um discípulo ansioso: “Acreditas que, se por pelo menos
dez anos houvesse alguma esperança, eu estaria aqui?” Para que
voltar a dizer o que todos sabem, ou pensar como passaram esses
dez anos? Prefiro recordá-lo a andar pelo passeio quando, emude-
cida a casa, da luz da noite e do ruído das folhas fabricava seu
verso; ou quando, falando dos que caíram no cadafalso cubano, se
levantava irritado da poltrona e lhe tremia a barba.
As segundas da Liga
A Liga” – As aulas – As reuniões familiares às segundas
Pátria,
26 de março de 1892, pp. 252-255 (ENC)
A Liga” de Nova Iorque é uma casa de educação e carinho,
ainda que quem diz educar já diz querer. Na Liga, depois da fadiga
do trabalho, reúnem-se os que sabem que só há felicidade verda-
deira na amizade e na cultura. Os que sentem dentro de si ou veem
por si mesmos o fato de ser de uma cor ou de outra não diminui
no homem a aspiração sublime; os que não creem que ganhar o
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pão no exercício de uma profissão dê ao homem menos direitos
e obrigações que as dos que o ganham em qualquer outro ofício;
os que ouviram a voz interior que pede que se mantenha acesa a
luz natural e o peito, como um ninho, quente para o homem; os
filhos das duas ilhas que, no segredo da criação, amadurecem o
novo caráter por cuja justiça e firme prática há de garantir a Pátria.
Conquistá-la será mais fácil que mantê-la, e junto com a arma que
há de resgatá-la se levará o espírito da república e o habitual exer-
cício de práticas livres que por cima de todas as discórdias a salva-
rá. E se “A Liga” merecesse alguma menção especial nas coisas de
nosso país seria a de se ver ali, sem suspeitas, a fama ou o pão da
mesa, os que vem do país oprimido e os que fora dele abrem seus
braços; seria a de reunir-se ali, apagadas pelo desejo do saber to-
das as marcas do cansaço diário, os que dos livros não querem
conhecer a simples retórica pedante, mas deles extrair o espírito
com as luzes e os embates da conversação, ou ensinar aos que
sabem menos a aprender mais do que sabem; seria a de juntar-se
ali, sem lisonja de alguns nem humilhação de outros (...) os filhos
dos que foram injustos e os filhos dos que sofreram a injustiça.
Com os cotovelos à mesa, se fia o amor e se suaviza o livro.
Põe-se de lado a verve, e se cria um modo sóbrio de dizer em que
a mesma música, útil à verdade, não vem como numa literatura
emprestada do uso fanfarrão de palavras sem raiz, nem da escala
sonora de vozes retumbantes, e sim da boa composição do pensa-
mento e do hábito inflexível de por no ponto a voz única e pró-
pria. Em uma mesa, uns aprendem a ler e escrever, e outros, estu-
dando e corrigindo os trabalhos, navegam no mais fundo do cora-
ção humano e buscam, para a luz do juízo e o bem do país, o
oculto e verdadeiro que apenas se entrevê nas páginas da história.
Não é uma casa de crentes por profissão nem de rebeldes por
ofício, mas o lugar aonde se vai com a modéstia e de onde se sai
com a verdade; onde os homens, em vez de se engalfinharem por
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cargos, os deixam de lado, para poder aprender mais livremente,
ou assumem de propósito o encargo mais difícil. Onde os poupa-
dos do dia nem ao jogo vão, pois que é do gosto de gente incapaz
e egoísta (...) nem a esses muitos fazeres frívolos, cansativos e custo-
sos que não os dos afetos e do entendimento; devotam-se a manter
acesa a chama do desejo, a ter um rincão grato e honrado onde as
mentes se põem a acalentar em torno do fogo, e não as mãos
inúteis, a comprar vinhos e doces para as amantes companheiras.
Às segundas, “A Liga” emprega alguém para receber as famí-
lias dos membros, e aqueles bons homens, mais alegres e saudá-
veis que aqueles que vivem com menor virtude, atendem com
exemplar fineza seus deveres de cavaleiros servidores.
Ali Rafael Serra, que em todos os lugares se destaca, e Juan
Bonilla, altivo em tudo, e seu irmão Gerônimo, senhor de seu juízo;
ali Manuel González, que nasceu privilegiado de coração e de men-
te; ali Miguel González, com seus verso floreado, sua brava juventu-
de e seus carinhos de ouro; ali Arturo Beneche, o entusiasta baracoeño
que vê com seus olhos e deixa de amar a gente indecisa e vaidosa.
Ali, dignos de toda festa, Pedro Calderín, que guia e vive verdadei-
ramente porque para ele não há vida sem a elegância e o contínuo
melhoramento por onde o homem elabore seu destino e contribui
com os demais. E Justo Castillo, que há pouco tempo era pessoa de
mais anos que de letras, e agora, por obra da Liga, emociona com o
que escreve. E Enrique Sandoval, que de seu bom pai Germán apren-
de a virtude do trabalho e a de empregar no cultivo dos homens seu
tempo livre. Ali, sempre entusiasta, Francisco Padrón e Ruperto Bravo,
Magín Courduneau e Martín Cárdenas e Joaquín Gorozabe.
Em outros dias, já descritos em Pátria, A Liga” é escola de
letras necessárias, ínfimas e resumidas, e não só de amenidades so-
ciais como às segundas. Um ensina Aritmética e decompõe os nú-
meros para que se vejam seus desdobramentos, modo melhor que
o das simples regras. Outro, com a mão que esteve na grande glória,
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guia o homem feito que vem pedir as letras. Outro, com a mão que
esteve em grande glória, guia o homem feito que vem pedir as letras.
Outro, em conversa e passeio, e mantendo um com os outros, trata
dos primeiros conhecimentos e inocula no principiante a curiosida-
de maior. Outro senta à mesa de perguntas, cheia de escritos sem
assinatura, e vai falando sobre cada um deles, responde questões,
aponta os méritos do escritor, indica suas faltas, predica a sincerida-
de da forma que tanto enaltece quanto vicia o caráter, sem sentir, a
forma insincera. Outro é gramático, que constrói e desconstrói o
artifício da linguagem, de modo que a frase adquira sentido, e das
palavras se busque a etimologia e o parentesco, que é a melhor esco-
la para quem deseja bem pensar. Por trás do professor, aberta a
todos, está a livraria, em sua estante colorida.
Às segundas, a escola é de artes sociais, e “A Liga” se reúne
para ouvir boa música, ler poesias da alma e dar andamento às
conversas. Os corações não devem estar assim, exasperados com
a pequenez do mundo, sem mais sombra a que abrigar-se que a
do próprio nariz. A vida rebaixa e há que levantá-la. Para todos os
sofrimentos, a amizade é remédio seguro. Com um amigo, o
mundo o é. No compadrio vive bem a comadre: o homem por
inteiro vive fora dele. E “A Liga”, em sua segunda semana, foi
isso: a noite das famílias, com a noiva que recita, o noivo que
destaca o novo discurso e a filha que canta.
O programa não atrapalha a agradável festa, apenas ergue a
vontade, e uma criança perde o medo, outra recita um romance,
outra brilha ao defender-se, outra paródia um orador conhecido.
Nesta última segunda, com a simplicidade de quem conversa, foi-
se urdindo um serão feliz. Como um pássaro que exibe suas asas,
disse seu conto em rimas uma filha a quem o pai ensina a ler o
nome dos heróis: a filha de Federico Sánchez.
Uma criatura tocou, como música natural em ambiente de
desterro, a melodia queixosa e imortal do mujik, que observa a
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larga estepe negra. “La Bayamesa” de lábios de Mariana Calderín
mostrou como são irmãos, do frio russo ao sol tropical, todos os
povos tristes.
Fornaris foi o poeta da noite, porque Benech o vestiu todo na
memória, com a paixão de quem nele vê (...) o pintor criollo e filho
da natureza de Cuba. Às vezes com a voz erguida, outras vezes
com a voz pesarosa, a companheira de Benech diz “As belezas de
Cuba”: América Fernández entoa cantos e versos; Serra leu com o
ensino do modo de ler; González, tímido como os fortes, recitou
da maneira que dá ao intérprete direitos de autor da obra; Bonilla
trouxe uns parágrafos seus, nos quais se podem admirar os bons
modelos que, pelo vigor de quem os ama, chega igualá-los; Manu-
el Barranco, cuja alma de professor não conhece fraquezas, tirou
de seu coração a prosa ardente, e sustentou a conversação útil com
robustas décimas; José Martí falou do bem mais entusiasmante da
vida, os bons amigos. E entre sorvetes e doces criollos, falando de
pátria e lugar e poesia, as horas passaram rápido.
Julio Rosas
Pátria
, 11 de junho de 1892, pp. 255-256 (ENC)
Os que chegam de Cuba nos falam de um professor solitário
que, nas margens de seu Orinaguabo, não sente que vive a não ser
quando recorda ou espera. Ele, Julio Rosas, é daqueles criollos de
mérito indígena que extraem do coração novo e dolorido de sua
terra a fé criadora que talvez se debilitasse na contemplação e nos
estudos assíduos das terras saudosas que, nas horas de desfale-
cimento, socorre o mesmo gênio impaciente. Sairá o sol! E o pas-
seio brilhante da nova guerra desmantelará esses mantos de neve
que, na hora da inércia, nada mais é que a veste de um nobre
desespero! Julio Rosas não encontra livro alheio que valha o lava-
pés de nossa selva, o conselho de uma planta. Passeis só entre as
palmas. Foi ele que, quando seu povo de vestiu de gala para cele-
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brar a memória de Heredia, saudou com eloquência genuína ao
grande poeta, e ao grande orador que em seus discursos insere ao
mesmo tempo a mente judiciosa e a estrofe arrebatada do infeliz
santiaguero, a Manuel Sanguily. Da pasta de um amigo indiscreto
que traz de Cuba muito trabalho inédito de Rosas, elegemos, com
fé profunda na virtude e com paixão por nossas glórias, o esboço
biográfico do cubano que levanta, em meio às ruínas, a cabeça
indômita; que nutre o fogo de sua oratória, com infatigável avare-
za, na sabedoria verdadeira do mundo; que tem lar aberto em
todo lar cubano – de Manuel Sanguily.
O colégio de Tomas Estrada Palma em Central Valley
Pátria
, 2 de julho de 1892, pp. 259-264 (ENC)
Rodeado de montes por sobre cujas mansas curvas ou súbita
elevação corre o céu, está, às portas de Nova Iorque, um vale feliz,
cultivado pelas mãos de prósperos quakers e filhos de alemães,
onde um cubano edificador levanta a pulso, como filhos fossem,
aos discípulos dos povoados de América que a ele chegam para
preparar-se no estudo de profissões úteis. Aquele homem a quem
amam ternamente os alunos, que o veem próximo da virtude;
aquele companheiro que nas conversas de todos os instantes mol-
da, purifica e fortalece para a verdade da vida o espírito de seus
educandos; aquele homem atento que sempre sabe onde está e o
que faz cada aluno seu, que lhes extirpa na raíz os vícios, com a
mão suave ou enérgica que se faça necessária; aquele professor que
de todos os detalhes da vida encontra a oportunidade para ir eli-
minando os defeitos da soberba e da indisciplina que só fazem
enfear a infância de nossos povos, e criando o amor ao trabalho e
o prazer constante pelos gostos moderados da vida; aquele educa-
dor que só tem a memória como frescor do entendimento e não
a põe, como tantos, em lugar do entendimento, mas ensina em
conjunto, relacionando uma coisa com as outras, sacando de cada
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voz todas as origens, empregos e derivações, e de cada tema toda
sua lição humana; aquele republicano cavalheiresco e austero que
incute nas crianças da América as virtudes fundamentais do Norte,
as virtudes do trabalho pessoal e do mérito, sem sufocar no edu-
cando o amor reverente por seu país de nascimento, o único país
onde poderá viver feliz e onde não poderia aplicar com êxito as
virtudes se houvesse perdido o amor e o conhecimento da terra
nativa; aquele guia, ao mesmo tempo amoroso e enérgico, que
com paternal esforço, no exemplo e benefício do vale saudável e
majestoso, converte prontamente a criança mimada da cidade ou
à criança desatendida da aldeia, ao cubano mimado ou ao bonae-
rense afrancesado, ao mexicano rebelde ou ao tranquilo hondurenho,
em um jovem que fala um inglês puro, diverso do vil jargão que se
aprende em muitos colégios pomposos de uniforme, que pensa
por si e ama a leitura, e dela descansa em jogos viris, que compõe
suas ideias corretamente em castelhano, inglês ou francês, e estuda
álgebra e sabe medir os campos e semeá-los; aquele cubano ágil
nos anos, de organização exemplar, meticuloso e constante, que
ontem governou uma república e hoje governa seu afamado colé-
gio com todos os ensinamentos e práticas necessários para o bem-
estar independente do homem trabalhador na dignidade republi-
cana – é o patriota que ao chamado de seu povo deixou o senho-
rio de sua fazenda e o calor de sua adorada mãe pela batalha e o
perigo da revolução; é o presidente prisioneiro que recusa retomar
seus bens porque os senhores de seu país lhe exigem que compre
o que é seu com a dor de passar debaixo da bandeira da capitula-
ção; é o criollo fundador que há poucos anos saiu de um castelo de
Espanha para o garrote do desterro, sem mais riqueza que a saúde
de sua mente e o poder de seu coração, e hoje compra, para sua
família feliz e a família de seus educandos, um nobre edifício, com
lago e bosque, que no coração do monte yanqui ostenta um nome
cubano: é Tomás Estrada Palma.
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O perigo de educar as crianças fora de sua pátria é quase tão
grande quanto a necessidade, nos povos incompletos ou infelizes,
de educá-los onde adquiram os conhecimentos necessários para or-
gulhar seu país nascente, ou de onde não se lhes envenene o caráter
com a rotina do ensino e a moral confusa em que caem, pela
inapetência e ócio da servidão, os povos que padecem na escravi-
dão. É grande o perigo de educar os filhos fora de sua pátria, por-
que só dos pais advém a contínua ternura com que se há de ir regan-
do a flor juvenil e aquela constante mescla de autoridade e carinho,
que não são eficazes pela mesma justiça e arrogância de nossa natu-
reza, e sim quando ambas veem da mesma pessoa. É grande o
perigo porque não se há de criar laranjas para plantá-las na Noruega,
nem maçãs para que deem frutos no Equador, mas que da árvore
deportada há de se conservar o suco nativo, para que ao voltar ao
seu rincão possa deitar raízes. A natureza do homem é por todo o
universo idêntica, e tanto erra o que supõe um homem do Norte
incapaz das virtudes do meio-dia quanto o de coração enfermo que
acreditasse que ao homem do Sul falta uma única das qualidades
essenciais do homem do Norte. Hábitos poderão lhe faltar, porque
os espanhóis não nos criaram para que servíssemos a nós mesmos,
mas para servi-los; e nossa ânsia de mudar de vida, com o heroísmo
indômito e progresso visível do mais infeliz de nossos povos, só
poderá ser lançada em nossa cara pelo estrangeiro desrespeitoso e
ignorante, ou pelo irmão apóstata. E não é em todos os casos que
nos faltam hábitos, pois nos pessoais vamos já muito mais adiante
que nos políticos, e não precisamos de aula alguma quanto a honra-
dez, dinamismo e inteligência no emprego de nossas personalida-
des, já que os hábitos prolongados criam nos homens e nos povos
tal modificação na expressão e funções da natureza que, sem mudá-
la no essencial, chegam a tornar impossível ao homem de uma re-
gião, com certa concepção da vida e certas práticas, a sorte da felici-
dade e o êxito do trabalho em outra região de práticas e conceitos
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de vida diferentes. A mesma língua estranha, que equivocadamente
se vê apenas como uma nova riqueza, é um obstáculo ao desenvol-
vimento natural da criança, porque a linguagem é o produto, em
forma de voz, do povo que lentamente a agrega e a cunha, e com
ela vão entrando, no espírito flexível do aluno as ideias e costumes
do povo que o criou. Um país muito povoado e frio, onde a agreste
necessidade aguça e exaspera a competição entre os homens, cria
neles costumes de egoísmo necessário que não se coadunam com a
franqueza e desinteresse próprios e indispensáveis nas terras abun-
dantes, onde a escassa população ainda permita a aproximação e a
grata obrigação da vida de família. O fim da educação não é anular
o homem, pelo desdém ou pela acomodação impossível ao país
em que há de viver, e sim prepará-lo para que seja bom e útil nele. O
fim da educação não é infelicitar o homem, pelo emprego difícil e
confuso de sua alma estrangeira no país em que vive, e do qual vive,
mas fazê-lo feliz sem dele retirar, como sua dessemelhança com o
país lhe tiraria, as condições de igualdade na luta diária com os que
conservam a alma do país. É um lamentável espetáculo o do ho-
mem errante e inútil que nunca chega a assimilar o espírito e os
métodos do país estrangeiro em grau suficiente para competir com
os naturais que sempre o olham como um estranho, e que no entan-
to assimilou deles o bastante para fazer-se impossível ou ingrata a
vida num país que reconhece diferente, ou no qual tudo lhe ofende
a natureza orgulhosa e superior. São homens sem bússola, partidos
ao meio, anulados para os outros e para si, que não beneficiam ao
país em que hão de viver e que não saber dele beneficiar-se.
E esse perigo da educação no estrangeiro, sobretudo na tenra
idade, é maior para a criança de nossos povos nos Estados Uni-
dos, por haverem criado, sem essência alguma preferível à de nos-
sos países, um caráter nacional inquieto e esforçado, consagrado
com excesso inevitável ao avanço e segurança da pessoa e necessi-
tado do estímulo violento dos sentidos e da fortuna para equili-
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brar a tensão e veemência constantes da vida.Um povo cria seu
caráter em razão da raça de que procede, da comarca em que
habita, das necessidades e recursos de sua existência e de seus hábi-
tos políticos e religiosos. A diferença entre os povos fomenta a
oposição e o desdém. A superioridade do número e do tamanho,
em consequência dos antecedentes e das oportunidades, cria nos
povos prósperos o desprezo pelas nações que pelejam numa luta
desigual, com elementos menores ou diversos. A educação dos
filhos desses povos menores, em um povo de caráter oposto e
riqueza superior poderiam levar o educando a uma oposição fatal
ao país nativo onde há de servir-se de sua educação – ou à pior e
mais vergonhosa das desditas humanas, que é o desdém de seu
povo. Não se pode desenvolver a sua educação em um país es-
trangeiro com as práticas e conhecimentos inexistentes ou mal de-
senvolvidos no país natal, sem lhe ensinarem com atenção contí-
nua em que se relacionam com ele de forma a manter o educando
no amor e respeito ao país onde deverá viver.
A água que se beba, que não seja envenenada. Para que adquirir
uma língua se se vai perturbar a mente e tirar do coração a raiz?
Aprender o inglês para voltar como um pedante a seu povoado,
como um estranho a sua casa, como inimigo de seu povo e de sua
casa? Esse é o colégio de Estrada Palma: uma casa de família onde,
sob os cuidados de um padre, adquirem-se os conhecimentos e
práticas úteis do Norte sem perder nossas virtudes, caráter e nature-
za. Esse é o Colégio de Estrada Palma: a continuação da pátria e o
lugar da educação estrangeira. Ali não se troca o coração pelo inglês,
e se entra na vida nova do Norte pelas virtudes que o mantêm, e
não, como em tantos outros colégios, pelos vícios que o corroem;
ali completam sua cultura nativa com nossa língua e nossa história,
uma vez que aprendem o bom e aplicável da cultura do Norte; ali se
preparam, com o benefício de uma educação paternal e de um
ensino para o pensar, para estudar as carreiras especiais nos colégios
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onde o educando, pronto para a liberdade do trabalho e do decoro,
não cai na tentação da liberdade descuidada e excessiva; ali talvez
seja o nobre recanto da montanha aonde podem nossos pais man-
dar a salvo os seus filhos. E essa é a verdade, e que se há de dizer.
Aos vinte e oito de junho o Colégio Estrada Palma encerrou
seu curso. Em seus exames, de rara verdade e simplicidade, mos-
travam aqueles cubanos, hondurenhos, mexicanos, bonaerenses,
yanquis a firmeza, liberdade e sensatez dos educandos que o pro-
fessor cria para serem homens. O exame público não é prova
definitiva do saber do aluno, ao qual se adestra com arte para essas
ou aquelas respostas, e a quem se há de adestrar, porque é árdua a
improvisação, tanto nos exames quanto no todo, e pode pecar
pela vergonha o aluno de mais gênio e poder. Mas o sistema não
pode ser dissimulado, e pelo exame se percebe se o professor é
daqueles que leva os alunos no cabresto e na informalidade, que
trata de qualquer jeito as pobres criaturas, ou se é pai dos homens,
que tem prazer em dar voo às asas da alma.
Desde a manhã, que estava nublada, como nasce a liberdade,
era um encanto a sala do colégio, onde não há diretor pedante nem
porteiro maroto, mas um ar de prazer, como uma terna família. O
professor de álgebra, que prepara seu Ayrshire e possui honrosos
diplomas, arejava seu traje de luxo. A professora de desenho, cujas
obras enchem a casa do colégio, e é exímia linguista, punha em or-
dem os desenhos de pontes e caminhos, de frutas e flores. A profes-
sora de música ensaiava o hino infantil, com o coro que ia de a a z,
desde um hondurenho a um alemão. Os filhos do colégio voltavam
da montanha com arranjos de flores. Os leais graduados de anos
anteriores, vindos para a festa da agricultura de Cornell, do comér-
cio de Peekskill, da engenharia, da medicina e da metalurgia da Uni-
versidade de Columbia, punham as flores em vasos e enchiam as
paredes de bandeiras. E a mãe de todos, a que com suavidade de
pomba sentinela, adorada, pela saúde e felicidade daquele vasto lu-
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gar, a hondurenha que ligou sua vida puríssima à do professor, pu-
nho no peito de seus filhos as três cores da liberdade.
Na hora do exame o senhorio todo do povoado aplaudia aque-
les exercícios desusados, aquela leitura sentida, pelos quais se perce-
be o livre critério do aluno; aquela escritura sem flores, como con-
vém a um caráter leal em tempos ocupados; aquela geografia apa-
rentada a todos os conhecimentos em que os nomes dos lugares
servem de ensejo para explicar, com sua geologia, biografia e his-
tória, a vida do mundo; aquela história de causas e resultados, mais
que de fatos mudos; aquela gramática móvel em que se tiram e
põem as palavras, como num tabuleiro de xadrez, e ficam armadas
como um esqueleto; aquela aritmética viva e efetiva, como os coro-
néis de outros tempos, e a álgebra, a geometria e a agrimensura em
análise na lousa, como uma novela; aquele inglês e aquele francês,
não de meras palavras, mas de construção e entendimento, de modo
que o aluno fala o outro idioma como se fora nativo; e aquele
espírito de ordem, repouso e liberdade que fazia dos simples exer-
cícios uma verdadeira festa humana. E a firmeza e rapidez daque-
les resultados? Os Quirós, saídos de Honduras há três anos, não
realizaram todo o preparatório em inglês, francês e castelhano, e
conservaram em terra alheia seu amor pátrio e sua alma pura?
Campillo, de Buenos Aires, que chegou há oito meses, não fala
inglês e já se educa nessa língua? Irabien, recém-chegado de Mérida,
brilhou na língua estrangeira. Os filhos de José Pujol, o industrial
habanero, liam mapas e problemas como se estivessem em casa, no
idioma que ontem ignoravam. Um filho do generoso Manuel Bar-
ranco, gentil como um pajem da corte de amor, arrancou, com
seus nove anos, aplausos volumosos com sua animada geografia.
Outro Barranco, ontem tímido, manejava os números como se
fossem obedientes títeres. Os dois filhos de Estrada, já com a alma
de milícia, na análise da língua, na pintura de um país, no recitar de
uma ode, mostravam, pequeninos como são, aquele brio pelo qual
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o homem entusiasta e decidido rege ao mundo. E quando o coro
cantou a despedida, em inglês, como todos os exercícios da escola,
era para ser visto pelos pensadores generosos, debaixo daquele dossel
de bandeiras livres, o grupo que cantava a virtude e a glória, ameri-
canos do Norte e de mexicanos, yucatecos e centro-americanos,
hondurenhos livres e cubanos aprendem a sê-lo. Levantou-se o re-
verendo do lugar e saudou, em nome do povo, o colégio que o
honra e o homem virtuoso que educa seus discípulos como filhos,
que “empreende a educação de seus filhos para que sejam homens
bons, úteis e livres”, a Tomás Estrada Palma.
Formosa noite de A Liga”
Pátria
, 4 de novembro de 1893, pp. 267-270 (ENC)
A Liga” de Nova Iorque, a casa de carinho e ensino onde se
junta, ao calor da lareira paga pelos pobres, um grupo tenaz de
homens verdadeiros, teve uma bela reunião na quinta. Retomadas as
aulas, o salão ficou cheio. As mulheres foram, anciãs recém-chega-
das de Cuba, e patriarcas dos povoados do Oriente e moços em
cuja fronte altiva brilhava a liberdade. O trabalho das oficinas termi-
na às seis, e aqui em Nova Iorque mora-se muito longe do local de
trabalho, mas às oito já estavam na casa do carinho aquelas almas
disciplinadas. A Liga” – não sabe por quantos tem compaixão? – é
o lugar de ideias que há anos pagam, com o sacrifício de seus difíceis
salários, uns quantos trabalhadores cubanos, operários de cor. Des-
ses nossos operários que, ainda que pareça burla a algum inútil, têm
aberto em sua mesa de trabalho, na qual se ganha o pão feroz e
independente, a Educação de Spencer, ou o Bonaparte de Iung, ou o
Vida de Plutarco. Aquele que não tem medo dos degraus escuros,
que ponha a camisa nos braços e vá vê-lo. Salão mais cortez que o
da “Liga” não há nem de gente mais sincera e elegante.
A casa, deveras, invade o coração. Até a placa da porta, na rua
pobre que dá no arco de Washington (72 Third Street), em que se lê
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“Razão”, funciona como um templo daquele amigável recanto. Ao
entrar parece que se deixa o mundo atrás: o mundo mau. A amiza-
de, a cultura, a sinceridade não são os únicos prazeres da vida e sua
força? O resto é pesadelo, fausto de sabonete e náusea. Um recanto
de corações é a glória do mundo, santuário e oficina da liberdade,
sorriso da vida. A gente ínfima, ou cega, se compara, se mede e se
distribui por currais, de acordo com os graus de riqueza, que é coisa
que leva o rompimento à família, ou aos descendentes, sem perce-
ber que as honras mundanas veem mais comumente da vilania que
da virtude, ou aos de cor, que gerou a Confúcio na China, a Falucho
em Buenos Aires e a Juárez no México. Intimida-se a gente ínfima,
que põe a cabeça sobre o cercado, como cavalos infelizes que não
sabem o que fazer na hora da tempestade, e voltam sós e desanima-
dos ou se despedaçam uns contra outros. Os soberbos dão pena.
O mundo nunca se deteve. É em boa hora que se vai em ordem,
como se deve ir – na ordem sadia e buliçosa, e sempre juvenil, da
liberdade. Mas na marcha do mundo, fica para trás aquele que se
mete em currais, ou o mundo o arrasta, em seu destino de marchar:
há que seguir o caminho e beber água de cipó, e vestir sandálias – é
boa a natureza! É esse o encanto de “A Liga”, que é boa e natural. O
piano à esquerda, cadeiras novas e de cor de luz, ao fundo; à cabe-
ceira, uma estante de livros; nas paredes, retratos de agradecimento
de amigos da Liga. Muito acesa na terra estrangeira a lareira paga
pelos pobres! Nunca há poeira ou maldade na casa, toda cheia de
quadros e abnegação: de sua semana penosa, da semana em que
pode faltar o da própria casa, esses bons homens separam fielmente
o aluguel do lugar de almas.
Nas aulas mesmo, como no dito e no escrito pelos filhos da
casa, vê-se a força e realidade daquela gente generosa. Estão volta-
dos ao útil, e não ao ornamental; aos resultados, e não às pedago-
gias; a perguntar com a alma e a responder com ela. Enquanto hou-
ver quem aprenda, há mestres de sobra. Reúnam-se alunos e já terão
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professores. Ali, ano a ano, ia um comerciante enfermiço para ensi-
nar gramática viva, como uma anatomia da língua, nas noites mais
cruas de inverno. Ali tem ensinado inglês, a altas horas da noite, um
médico de muita bondade e ocupação. Ali ia um amigo da casa,
para dizer o que dele se quisesse saber, e na ampla mesa eram postas
perguntas anônimas sobre a formação dos povos, ou sobre a física,
ou a história, ou os ódios humanos, ou as profundezas da alma. E o
amigo lia em voz alta os textos, cuja forma ia direcionando e corri-
gindo, para que adviesse a ideia lúcida na expressão simples e forte;
e logo, ao voo do pensamento, com a ideia central da bondade e
identidade do mundo, respondia as perguntas, muito profundas e
sutis às vezes, concordando aparentes diferenças e baseando a opi-
nião na prova ordenada e visível dos detalhes. Um deseja saber do
Senado e de sua necessidade nas repúblicas; outro, que está lendo
Marco Aurélio, não se dá por satisfeito e inquire sobre a ânsia de
religião da alma humana; outro pede o motivo de os arbustos se-
rem pelados e vermelhos no deserto do Atacama; outro sofre, de
amor ou de amizade, e propõe, sob o disfarce de uma dúvida co-
mum, a pena de sua alma; outros levam, para correção, os ensaios
que, por conselhos do amigo, escrevem sobre as leituras que os
comove ou interessa. E daquele exercício a casa vai criando um
modo de dizer, ainda confuso dada a súbita massa das ideias novas,
e a busca tenaz de sua substância e razão, mas concisa e pujante, e
imerso em terno amor aos homens e à natureza.
Assim foi a bela noite de quinta, com as perguntas sobre a
mesa e o hino no piano. E as mulheres que dos afazeres cruentos da
casa, frequentemente escura e estreita, veem para ouvir ideias, pala-
vras cordiais e versos, ou para recitá-los, com graciosa modéstia e
paixão antilhana. Antes de começarem as aulas, houve visitas, e o
primeiro a agradecê-las era um venezuelano, manco ilustre, que não
perdeu a mão arrancando aos homens a liberdade, como tanto
soldado vil, mas lutando para garanti-la. Era o general Julio Sarría,
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herói famoso e romântico que, momentos depois, ao agradecer a
saudação da Liga, com comovente eloquência, levantou a voz que
tantas vezes não titubeou no campo de luta nem nos conselhos da
pátria. A outra visita, também de Venezuela, era Andrés Alfonso,
valente como sua ilha de Margarita, apoio de Bolívar em uma de
suas infelizes provas e terra de mulheres que davam todas as suas
pérolas à guerra da pátria. Andrés Alfonso voltou a mostrar a alma
generosa que lhe valeu o aplauso incansável do povo do dez de
outubro. Como filho de Cuba e irmão da Liga também agradeceu.
Porque há homens que não estão talhados para irmãos, e outros
que o estão. Logo se formou uma classe como as anteriores: em
fila, diante do amigo, estavam as perguntas e as composições; ele as
foi vendo, com a luz que emana do carinho, e deu as respostas da
verdade da vida e de seu coração. Dessas composições, Pátria pu-
blica três, sacadas da mesa de quinta, composições de trabalhado-
res cubanos, alguns de extrema juventude, pelo que foram rapida-
mente demonstrando, de muitas ambições e capacidade, da mente
fácil e harmoniosa daqueles homens exemplares. O entusiasmo e
dignidade da noite acenderam no bravo coração baracoano a voz de
quem poucas vezes fala, a que vem perfeita e altiva da nobreza
iluminada da alma: com sua arte e força, falou em viril improviso
Severiano Urgellez, homem do novo tempo: “Há pouco ouvi di-
zer de um esforçado jovem branco de Cuba que a juventude de
hoje rivalizaria com a de 68: a juventude negra de 93 não deixará só
na luta da pátria a juventude branca! E Francisco Marin, em obe-
diência ao mandato do carinho, “César a quem não se pode deso-
bedecer”, falou, com unção verdadeira, da “casa onde o assento só
é negado à inimizade, à entrega e ao ódio”. Em seguida, recitou
versos de sua autoria, de pena misteriosa, com as fagulhas de sua
poesia marcial, para depois sentar ao piano de América Fernández,
sua professora, e de Juan Bonilla, e diante dos corações mudos de
amizade e esperança tocou o hino de Bayamo.
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Eusébio Guiteras
Pátria
, 28 de dezembro de 1893, pp. 270-271 (ENC)
Em sua casa de humilde patriarca, ao pé da igreja onde ia cons-
tantemente buscar, com a fé da imaginação, consolo e repouso que
escasseiam na vida, morreu, longe de sua pátria (...) o professor Eusébio
Guiteras. Em seus livros, nós cubanos aprendemos a ler: a mesma
página serena, e sua letra espalhada, era como uma mostra de sua
alma ordenada e limpa. Seus versos simples, de nossos pássaros e
nossas flores, e seus contos sadios da casa e da infância criollas foram,
para muitos filhos de Cuba, a primeira literatura e fantasia. Tinha
perpetuamente o pensamento em Cuba, sempre triste; havia algo de
amoroso em seus modos, um tanto altivos na mansidão, quando
recordava os tempos prósperos do colégio da Empresa, onde aju-
dou a criar jovens tão bons, ou se evocava aos Suzartes e Peolis e
Mendives que dele foram grandes amigos, ou falava da amizade
piedosa de Raimundo Cabrera e de Gabriel Millet, que com a visita e
os presentes criollos trouxeram um raio de sol a sua velhice, ou com a
mão apagada ia folheando as folhas daquele álbum de autógrafos
que guarda escondidas páginas de Plácio e de Milanês, e cartas e
assinaturas do mais honrado e fundador de Cuba. Ah, que grande é
a culpa de não amar, e mimar, a nossos anciãos!
Pátria foi ver Eusébio Guiteras há poucos meses. E ainda era
ele mesmo, o maestro da lenda, com algo de eslavo no corpo
arrogante, os brancos da barba e o cabelo realçando o belo rosto,
o traje austero e fino, e por gravata a cinta de seda negra, e nos pés
calçados baixos. Um Cristo na parede nua era o que mais aparecia
no quarto, e a Virgem de Guido. Na mesa, de mogno lustrado,
tudo estava como se ele fosse começar a trabalhar, sem papel
sobrante nem livro vagabundo. À direita da carteira uma velha
crônica do México aguardava a mão penosa do fiel tradutor; tra-
balhava em silêncio até os últimos dias de sua vida. Na sala severa,
junto a seu quarto de escrever, as duas gravuras, muito boas, da
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chaminé, uma de Quintana, outra de Las Casas. Mas o que ele
ensinou como sua joia , e com mãos trêmulas alçou até a luz para
que melhor se visse, fui uma tela em que estava pintando uma
paisagem de Cuba, uma paisagem que lhe enviou de presente
Raimundo Cabrera. Oh, que bem faz o que consola aos anciãos!
E caiu, como uma ânfora de prata em que se extingue o per-
fume. Dormiu, com as mãos ao peito. Uma família ilustre, de
homens capazes e bons, de mulheres fiéis e cultas, chora na casa
vazia. Eusébio Guiteras não mais irá pelas manhãs, como dizem
que ia, ver na luz do sol a paisagem cubana. Agora, ao levantar a
cortina sempre branca, não se verás as trepadeiras no portão, nem
as folhas de outono, nem a neve. Seu povo lhe deve luz e virtude,
e o tem em seu coração, lá onde não se sentam os cansados nem
os homens de ódio, onde se sentam os pais. Feliz de quem, antes
que se fechassem aqueles nobres olhos, pôde neles ver brilhar uma
vez mais a luz de Cuba, e reanimou, com o agradecimento da
pátria, o coração desterrado do ancião!
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CRONOLOGIA
1853 - Nasce, a 28 de janeiro, na cidade de Havana, em Cuba, última colônia
espanhola ao lado de Porto Rico, José Julián Martí y Perez, primogênito
de pais espanhóis emigrados. O pai, Mariano Martín Navarro, natural de
Valência, havia aportado ao país como sargento de artilharia do exército
espanhol, ingressando posteriormente na polícia municipal de Havana
como zelador de bairro; a mãe, Leonor Pérez Cabrera, natural de Tenerife,
Ilhas Canárias, e filha de um militar aposentado, procurou acompanhar as
emigrações do filho mais velho e sobreviveu à sua morte.
1857 - 1859 - Passa parte desses anos em viagem à Espanha com os pais; Ainda
em 1859, inicia seus estudos básicos na escola de bairro.
1860 - O pai de Martí perde seu posto na polícia, sendo readmitido apenas em
fins de 1868.
1866 - 1867 - Inicia seus estudos de primeiro ano de bachirelatto (nível médio) na
Escola Superior Municipal; no ano seguinte, com apoio financeiro de seu
padrinho Francisco Arazosa, transfere-se para o Colégio San Pablo, no
qual, orientado por seu fundador, o poeta e patriota cubano Rafael María
Mendive, adquire consciência de seu nacionalismo.
1868 - Martí e seu amigo Fermín Valdez Domingues são detidos em outubro. A
revolução liberal em Espanha põe fim ao regime monárquico para os
próximos seis anos e instaura um clima independentista em Cuba; Sob a
condução de Carlos Manuel Céspedes, latifundiário educado na Europa e
defensor dos princípios liberais iluministas é decretado o Grito de Yara,
manifesto contra a opressão espanhola, dando início à Guerra dos Dez Anos,
ou Grande Guerra (1868-1878), entre Cuba e a metrópole espanhola.
1869 - Com seu amigo Fermín Valdés Domingues e outros, Martí publica o único
número que sairia a público da revista de sátira política El Diablo Cojuelo;
em seguida, com apoio de Mendive, funda o periódico Pátria Libre, que
em sua primeira e única edição publica seu poema dramático Abdala, de
forte caráter nacionalista; Mendive é detido e o Colégio de San Pablo,
fechado; Após seis meses de detenção, sob acusação de autoria de uma carta
que reprovava um companheiro de colégio por ter abandonado a causa
cubana, Martí e Fermín são julgados pelo Conselho de Guerra: Fermín
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recebe a pena de seis meses de prisão e Martí, que assumiu a responsabilida-
de exclusiva pela missiva, seis anos de prisão e trabalhos forçados; ingressa
em 4 de abril, aos 16 anos, no presídio de San Lázaro, em Havana, onde os
ferros e grilhões lhe deixarão doridas marcas até o fim da vida; Em 10 de
abril, na região de Guáimaro, sob a presidência de Carlos Manuel de
Céspedes, chefe do governo provisório do Oriente da ilha, aprova-se a
primeira constituição cubana, parcialmente vigente até o fim da Grande
Guerra da Independência (1868-1878).
1870 - Em 5 de setembro, gravemente debilitado, recebe indulto da pena de seis
anos e é transferido para a Ilha de Pinos, onde cumpriria a pena durante
os três meses seguintes; em 18 de dezembro deixa Pinos e volta ao cárcere
em Havana; a Prússia derrota a França e instaura o Segundo Reich,
unificando a Alemanha.
1871 - Após muitos apelos da família, a pena é comutada de condenação a depor-
tação para a Espanha; Martí chega a Cádiz em janeiro e em março, a Madri,
onde rapidamente entra em contato com o grupo de exilados cubanos e
colabora com jornais locais, intensificando suas prédicas em favor da liber-
dade de seu país; para viver, faz traduções do inglês e dá aulas particulares
na casa de D. Leandro Alavarez Torrijos e na da viúva do General Ravenet,
Barbarita Echeverría. Publica El presídio político em Cuba, denunciando as
condições do cárcere cubano e a brutal repressão espanhola, e os artigos A
questão cubana, em Sevilla, e A soberania nacional, em Cádiz. Com ajuda de
amigos, faz cirurgia para mitigar os ferimentos da prisão. Em Madri, matri-
cula-se no colégio Ateneu, de orientação liberal, para completar os estudos
do ciclo médio, e na Universidade Central, para iniciar sua formação supe-
rior. Repressão a manifestação de estudantes pelas forças espanholas deixa
vários mortos em Havana. Completa-se a unificação italiana.
1872 - Em julho, seu amigo Fermín Valdez chega a Madri.
1873 - O rei da Espanha renuncia e é proclamada a República, em 11 de feverei-
ro. Entusiasmado, publica o ensaio La república española ante la revolución
cubana, exortando as lideranças republicanas, e o panfleto A meus irmãos
mortos em 27 de novembro, um desagravo à morte de estudantes cubanos em
1871. Conclui o curso médio. Vai a Zaragosa com o amigo Fermín Valdez.
A Espanha amplia seu contingente militar em Cuba e Céspedes é deposto.
1874 - Passando dificuldades em Cuba, os pais de Martí mudam-se para o México.
Em junho, Martí gradua-se em direito civil e canônico, e em outubro
licencia-se em filosofia e letras, estudos certificados pela Universidade de
Zaragosa. No fim do ano, passa rapidamente por Paris, onde tem oportunida-
de de visitar museus e galerias de arte. Dá-se a reforma liberal na Guatemala.
1875 - Martí desloca-se para o México, recebendo no caminho a notícia da morte de
sua irmã Ana, com quem tinha forte relação afetiva. Apoiado por Manuel A.
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Mercado, vizinho de seu pai e funcionário do governo do presidente Lerdo
de Tejada (1872-1876), ingressa na redação de La Revista Universal. Traduz
Mes fils, de Victor Hugo, compõe o drama Adúltera e, para teatro, o texto
Amor com amor se paga. Em Cuba, insurretos experimentam êxitos militares.
1876 - Porfírio Diaz (1876/1880; 1884/1911) toma o poder no México e Martí
abandona o país.
1877 - Toma o vapor Ebro em Vera Cruz, México, e desembarca em Cuba a 6 de
janeiro; em 28 de fevereiro volta a Vera Cruz, trasladando sua família de
volta à terra natal, onde ficaria 48 dias, sob o uso de seus segundos nome
e sobrenome – Julián Pérez. Em março, chega à Guatemala, onde é auto-
rizado a lecionar história e literatura por indicação de seu amigo José
Maria Izaguirre, que dirigia a Escola Normal daquele país. Preside a
sociedade literária El Porvenir. As pressões desencadeadas por correntes
inimigas da ciência laica ocasionam a demissão de Izaguirre, levando
Martí a se demitir em solidariedade ao companheiro. Volta ao México e,
em 20 de dezembro, casa-se com a cubana Carmen Zayas Bazán;
1878 - Firmado em 10 de fevereiro, o Pacto de Zanjón põe fim à Grande Guerra
com Espanha, negando a independência da ilha e estabelecendo termos
pouco favoráveis à rendição dos insurretos cubanos. Em maio, ainda na
Guatemala, Martí escreve o drama político Morazón e o folheto Guatemala,
abandonando o país em setembro. Anistiado, chega a Havana em 31 de
agosto, mas não consegue autorização para advogar. Em 22 de novembro
nasce seu filho, José Francisco, o adorado Ismaelillo. Tropas espanholas
retomam o controle da Ilha; Ferdinand de Lesseps, construtor do Canal
de Suez, obtém concessão para a construção do Canal do Panamá.
1879 - Em 29 de janeiro, consegue autorização para ministrar aulas por três
meses, anulada em julho. Trabalha no escritório de advocacia de Nicolás
Azcárate e Miguel Viondi e atua como professor no ensino médio. Reto-
ma a campanha pela independência de Cuba, conforme acordo do Comitê
de Nova Iorque contrário ao Pacto de Zanjón. Como consequência, em
17 de setembro, Martí é preso e novamente deportado para a Espanha.
Inicia-se a segunda guerra da independência cubana, a chamada Guerra
Chiquita (1879/1890). Morre em Southampton, Inglaterra, o ex-presi-
dente e ditador argentino Juan Manuel Rosas. Inicia-se a Guerra do Pací-
fico, que oporá Chile a Bolívia e Peru entre 1879 e 1881;
1880 - Após breve passagem pela França, embarca para Nova Iorque, onde chega
a 31 de janeiro e assume a presidência do Comitê Revolucionário Cubano,
decidido a preparar estratégias para o que denominava Guerra Necessá-
ria. A abolição da escravatura começa a ser aplicada em Cuba.
1881 - Martí cumpre rápida estada em Venezuela, retornando a Nova Iorque. O
Chile invade o Peru.
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1882 - Em Nova Iorque, publica Ismaelillo e o prólogo ao Poema del Niágara.
Torna-se correspondente de vários jornais locais. Instaura-se a ditadura
de Santos no Uruguai.
1884 - Por divergências sobre as estratégias de guerra, Martí rompe com o
General Máximo Gómez, com quem voltará a aliar-se mais tarde para
retomar a luta em Cuba.
1887 - É nomeado cônsul do Uruguai em Nova Iorque. Peru e Equador assinam
tratado de limites territoriais.
1888 - É nomeado representante da Associação de Imprensa de Buenos Aires nos
Estados Unidos e no Canadá.
1889 - Publica La edad de oro, revista destinada a crianças. Participa da Conferên-
cia Interamericana de Washington. Fracassam as reformas em Cuba. No
Brasil, é proclamada a República,
1890 - Publica Versos sencillos. É designado cônsul, em Nova Iorque, da Argen-
tina e do Paraguai. É eleito presidente da Sociedade Literária Hispano-
Americana. Pellegrini na Argentina e Herrera y Obes no Uruguai assu-
mem a Presidência.
1891 - Escreve Nuestra América. Verifica-se nova onda repressão aos indepen-
dentistas em Cuba. Participa, como representante do Uruguai, da II Con-
ferência Interamericana de Washington, na qual denuncia com vigor a
política expansionista dos Estados Unidos para o continente americano.
1892 - Em Nova Iorque, com outros compatriotas, cria o Partido Revolucioná-
rio Cubano, reconcilia-se com o general Máximo Gómez e funda o jornal
partidário La Pátria. Com os generais Máximo Gómez e Antonio Maceo,
participantes da Grande Guerra cubana, dedica-se à preparação das estra-
tégias militares voltadas à independência de seu país.
1894 - Até este ano, para divulgar os ideais autonomistas e conquistar adeptos,
visitará Haiti, Jamaica, São Domingos, Costa Rica e México, além de
colônias de cubanos na costa atlântica dos EUA. Organizado pelo Parti-
do Revolucionário Cubano, fracassa o Plano Fernandina, nome do barco
que realizaria o frustrado desembarque de tropas de insurretos na Ilha. O
Chile se apossa de Tacna e Arica.
1895 - Martí escreve o Manifesto de Montecristi, no qual estabelece os princípios de
um regime republicano desejado para sua terra natal e exorta os apoiadores
na ilha à desobediência civil e militar. É designado Major General do
Exército Libertador. Desembarca em Cuba com as forças insurretas em
janeiro. Em 19 de maio, nas cercanias da vila de Dois Rios, é surpreendido
pelas forças repressivas espanholas e morre em combate, aos 42 anos de
idade. Soldados espanhóis mutilam seu corpo e o exibem à população,
sendo sepultado a 27 de maio, em Santiago de Cuba.
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes
Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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