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ILLICH
IVAN
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Marcela Gajardo
ILLICH
IVAN
Tradução e organização
José Eustáquio Romão
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ISBN 978-85-7019-552-4
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de melhoria
da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal e não
formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos
neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as
da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
Elizabeth Tunes
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Gajardo, Marcela.
Ivan Illich / Marcela Gajardo; tradução e organização: José Eustáquio Romão. –
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
150 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-552-4
1. Illich, Ivan, 1926-2002. 2. Educação – Pensadores – História. I. Romão, José
Eustáquio. II. Título.
CDU 37
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SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Marcela Gajardo, 11
Origem e destino, 12
A obra de Ivan Illich no domínio da educação, 14
Crítica da escola e desescolarização da sociedade, 14
Os mitos ligados à escola, 16
1. O mito dos valores institucionalizados, 16
2. O mito dos valores mensuráveis, 17
3. O mito dos valores acondicionados, 17
4. O mito do progresso eterno, 18
A convivialidade, 20
Universo das alternativas, 23
Illich atual, 26
Textos selecionados, 29
Por que devemos desinstalar a escola, 29
Fenomenologia da escola, 54
A nova alienação, 63
Potencial revolucionário da desescolarização, 65
As escolas como falsos serviços públicos, 70
Concordâncias irracionais, 74
Teias de aprendizagem, 82
Uma objeção: quem pode servir-se
de pontes que não conduzem a lugar algum?, 83
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6
Características gerais
de novas instituições educativas e formais, 85
Quatro redes, 88
Serviço de consultas a objetos educacionais, 90
Intercâmbio de habilidades, 99
Encontro de parceiros, 104
Educadores profissionais, 110
Energia e equidade, 119
A convivencialidade, 121
Renascimento do homem Epimeteu, 122
Impactos da “desescolarização”
na educação brasileira, por José Eustáquio Romão, 137
Cronologia, 145
Bibliografia, 147
Obras de Ivan Illich, 147
Obras sobre Ivan Illich , 147
Obras de Ivan Illich em português, 148
Obras sobre Ivan Illich em português, 148
Outras referências bibliográficas, 148
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7
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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9
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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11
IVAN ILLICH
1
(1926-2002)
2
Marcela Gajardo
3
Apresentar um pedagogo como Ivan Illich não é coisa fácil.
Ele era, antes de tudo, um pensador que se situava em um contex-
to histórico particular, o dos anos 60 do século XX – período
caracterizado por uma crítica radical da ordem capitalista e de suas
instituições sociais, notadamente da escola.
Era, também, uma personalidade complexa. Dizia-se, à época,
que Ivan Illich era um homem inteligente, que gostava de se cercar
de gente inteligente e que lhe era difícil dissimular seu desprezo pelas
pessoas que considerava estúpidas. Ele podia tanto se mostrar extre-
mamente cordial, quanto pôr em ridículo, brutalmente, aqueles que
o interpelavam. Trabalhador incansável, poliglota, cosmopolita, pro-
fessava ideias, fosse sobre a Igreja e sua evolução, sobre a cultura e a
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée.
Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 23, n. 3-4, pp. 733-743, 1993.
2
Quando esta biografia foi publicada, Ivan Illich ainda estava vivo. Por isso, no texto
original do site do BIE da Unesco, não consta a data final. (Nota do tradutor)
3
Marcela Gajardo (Chile) é pesquisadora associada à Facultad Latinoamericana de
Ciencias Sociales (Flacso-Chile). Atualmente é diretora da Unidade de Pesquisa e Ava-
liação da Agência de Cooperação Internacional (Chile), consultora internacional para a
Revista Interamericana de Educación de Adultos e colaboradora do International Journal of
University Adult Education. Consultora do Escritório Regional de Educação para América
Latina e Caribe (Orealc), a Unesco, a OEA e o Centro de Pesquisa para o Desenvolvi-
mento (CRDI). Autora de vários artigos sobre educação de adultos e educação rural em
revistas especializadas. Entre suas publicações, cabe mencionar: Enseñanza básica em
lãs zonas rurales; Trabajo infantil y escuela. Las zonas rurales; La concientización em
América latina: uma revisión crítica; Docentes y docencia. Las zonas rurales.
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educação, sobre a medicina ou sobre os transportes nas sociedades
modernas, que suscitavam controvérsias, que acabavam por fazer
dele uma das figuras mais emblemáticas da época.
Entretanto, era o próprio Illich que provocava, em parte, a
polêmica, por sua personalidade, seu estilo, seus métodos de tra-
balho, ou pelo radicalismo de suas ideias. Para os especialistas da
educação, Ivan Illich é o pai da educação sem escola, o autor que
condena, imperdoavelmente, o sistema escolar, considerado, por
ele, como uma das múltiplas instituições públicas que exercem fun-
ções anacrônicas, que não se adaptam à celeridade das transfor-
mações e que não servem senão à estabilização e à proteção da
estrutura social que as produz.
Origem e destino
Ex-padre, Illich nasceu em Viena, em 1926. Realizou seus es-
tudos em estabelecimentos religiosos, de 1931 a 1941. Expulso
em virtude de leis antissemitas que o atingiam devido à sua ascen-
dência materna, terminou os estudos secundários na Universidade
de Florença para, em seguida, cursar teologia e filosofia na Uni-
versidade Gregoriana de Roma. Posteriormente, obteve seu dou-
torado em história na Universidade de Salzsburgo.
Quando o Vaticano o destinou à carreira diplomática, Illich
optou pelo simples desempenho sacerdotal e foi nomeado vigá-
rio de uma igreja irlandesa e porto-riquenha em Nova Iorque.
Permaneceu nessa cidade de 1951 a 1956, deixando Nova Iorque
para assumir a função de vice-reitor da Universidade Católica de
Ponse, em Porto Rico. O interesse que lhe despertava para o de-
senvolvimento do que chamava “sensibilidade intercultural” o le-
vou a criar, pouco tempo depois de sua nomeação, o Instituto de
Comunicação Intercultural.
Esse instituto, que funcionava somente nos meses de verão,
tinha por finalidade ensinar espanhol ao clero e aos leigos america-
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nos que seriam chamados para trabalhar com os porto-riquenhos
emigrados nas cidades norte-americanas. Ainda que a aprendiza-
gem do espanhol constituísse uma parte importante das atividades
do instituto, Illich insistia que o programa era essencialmente desti-
nado a desenvolver, entre as pessoas pertencentes a culturas dife-
rentes, a aptidão para perceber o significado das coisas.
Suas relações com a Universidade de Ponse terminaram em 1960,
como consequência de um desentendimento com o bispo da diocese
– que proibira aos católicos do lugar votar em candidatos ao cargo
de governador que se declarassem a favor do controle da natalida-
de. De retorno a Nova Iorque, aceitou uma cátedra de professor na
Universidade de Fordham. Simultaneamente, prosseguindo em sua
luta pelo desenvolvimento e fortalecimento das relações interculturais,
Illich fundou, em 1961, o Centro Intercultural de Documentação
(Cidoc), em Cuernavaca (México).
O Cidoc, concebido inicialmente para formar missionários ame-
ricanos para trabalhar na América Latina, se transformou, ao longo
do tempo, em um centro parauniversitário, onde foram colocadas
em prática as ideias de Illich sobre a educação desescolarizada. Des-
de o ano de sua criação até meados da década de 70 do século XX,
o Cidoc foi um lugar de encontro de numerosos intelectuais ameri-
canos e latino-americanos que refletiam sobre os problemas da edu-
cação e da cultura. O centro propunha cursos em espanhol, bem
como oficinas sobre temas sociais e políticos. Além disso, possuía
uma biblioteca prestigiosa e Illich coordenava pessoalmente seminá-
rios consagrados às alternativas institucionais na sociedade tecnológica.
São dessa época os famosos debates apaixonados entre Paulo Freire
e Ivan Illich sobre a educação, a escolarização e a conscientização,
assim como os diálogos entre Illich e outros especialistas da educa-
ção, todos preocupados em encontrar os meios educativos que per-
mitissem transformar cada momento da vida em uma ocasião de
aprender, geralmente e de preferência, fora do sistema escolar.
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A notoriedade de Illich, que remonta a esse período, está liga-
da, de início, à crítica que ele fazia à Igreja institucional, definida
por ele como uma grande empresa que forma e emprega profis-
sionais da fé para assegurar sua própria reprodução. Ele extrapolou,
em seguida, essa visão, aplicando-a à instituição escolar e desenvol-
veu a crítica que devia conduzi-lo, durante alguns anos, a trabalhar
sobre a proposição da sociedade sem escolas. Suas opiniões sobre
a desburocratização da Igreja no futuro e sobre a desescolarização
da sociedade fizeram do Cidoc, rapidamente, um lugar de con-
trovérsias religiosas, o que explica porque Illich secularizou o cen-
tro, em 1968, e abandonou o sacerdócio, em 1969.
Nesse período, Illich elaborou o que se poderia denominar de
seu pensamento educacional, publicando entre o fim dos anos 60
e meados dos anos 70 do século passado suas principais obras no
domínio da educação. Posteriormente, ele mudou de perspectiva
e passou da análise dos efeitos da escolarização sobre a sociedade
à análise dos problemas institucionais nas sociedades modernas.
Em meados dos anos 70 do século XX, ainda que continuan-
do a residir no México, Illich dirige seus escritos à comunidade
universitária internacional, distanciando-se progressivamente da
América Latina. No final desse decênio, o filósofo e pedagogo
deixa, definitivamente, o México para instalar-se na Europa
4
.
A obra de Ivan Illich no domínio da educação
Crítica da escola e desescolarização da sociedade
Os escritos de Ivan Illich em matéria de educação são, e uma
parte, coletâneas de artigos de intervenções públicas reproduzidas
em diversas línguas e, outra parte, obras que discutem temas como
4
O “instalar-se definitivamente na Europa” não deve ser entendido como “ter se mudado
definitivamente para o Velho Mundo”, porque, ao inaugurarmos a Cátedra Livre Paulo
Freire, na Universidade Autónoma de Morelos, em Cuernavaca, estabelecemos um
contato telefônico com Illich que aí residia e que, aliás, estava muito doente, tendo
falecido logo em seguida. (Nota do tradutor)
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15
a educação, a saúde, os transportes, bem como formas possíveis
de reorganização da sociedade futura – obras também difundidas
em escala internacional,
Seu famoso texto L’école, cette vache sacrée, (Illich, 1968)
5
, inaugu-
ra a série de seus trabalhos no domínio da educação. Contém uma
violenta crítica à escola pública, com a denúncia de sua centraliza-
ção, de sua burocracia interna e, sobretudo, de suas desigualdades.
Mais tarde essas ideias iniciais serão desenvolvidas e aprofundadas
na obra intitulada En América Latina, ¿para qué sirve la escuela? (1970)
Esses dois escritos encontram seu ápice na que é considerada uma
das obras maiores de Illich: Une société sans école
6
, que foi publicada
inicialmente em inglês (1970) e, mais tarde, em espanhol (1973).
Nesse livro, desenvolve quatro ideias centrais que impregnam o
conjunto de seu discurso sobre educação:
a) A educação universal pela escolarização não é viável e não o
será se se tentar alcançá-la pelo viés das alternativas institucionais
elaboradas sobre o modelo do sistema escolar atual.
b) Nem as novas atitudes dos professores com relação a seus
alunos, nem a proliferação de novos instrumentos e méto-
dos, nem uma extensão da responsabilidade dos educadores
a todos os aspectos da vida de seus estudantes, conduzirão à
educação universal.
c) À pesquisa atual de novos meios de superação , é necessário
opor outra pesquisa, que seja sua antítese institucional: a forma-
ção de redes educativas que aumentem as chances de aprender,
de partilhar, de se interessar.
5
Esse texto foi publicado em português nos livros: 1. Illich, I. Celebração da consciência.
Tradução de Heloysa de Lima Dantas. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1975a, pp. 99-109.
Vale destacar que a introdução do livro é de Erich Fromm, e 2. Illich, I. Libertar o futuro.
Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Publicações Dom Quixote, s.d. pp. 157-174.
(Nota do tradutor)
6
Publicado também em português: Illich, I. Sociedade sem escolas. Petrópolis, RJ:
Editora Vozes. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth, 1973. Infelizmente, o título em
português (como também em francês) não corresponde bem ao que lhe foi dado no
original, em inglês (Deschooling society). (Nota do Tradutor)
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16
d) Não é suficiente desescolarizar as instituições do saber; é
necessário também desescolarizar o ethos da sociedade.
O interesse de Illich pela escola e pelos processos de
escolarização aparece na época em que ele trabalha em Porto Rico
e, mais particularmente, quando ele se aproxima dos educadores
norte-americanos, inquietos quanto à orientação que percebem nas
escolas públicas de seu país. É o próprio Illich quem destaca esse
fato, assinalando, na introdução de Une société sans école que deve a
Everett Reimer o interesse pela educação pública:
Antes de nosso primeiro encontro em Porto Rico, em 1958, jamais me
viera à mente a ideia de por em dúvida a necessidade de desenvolver o
ensino obrigatório. Ora, estávamos juntos quando começou a insi-
nuar-se diante de nós uma visão diferente da realidade: o sistema
escolar obrigatório representa, no final das contas, para a maior parte
dos homens, um entrave ao direito à instrução. (Illich, 1971, p. 7.)
7
Escolarização e educação tornam-se, desde então, conceitos
antinômicos para o filósofo. Assim, ele inicia a denúncia da educa-
ção institucionalizada e da instituição escolar como produtoras de
mercadorias, que têm um valor de troca determinado, em uma
sociedade na qual aqueles que mais se aproveitam do sistema são
os que dispõem de um capital cultural inicial.
Os mitos ligados à escola
A partir desse postulado geral, Illich sustenta que o prestígio
da escola como provedora de serviços educacionais de qualidade
para o conjunto da população repousa sobre uma série de mitos
que ele define como se segue:
1. O mito dos valores institucionalizados
Esse mito, segundo Illich, está baseado na crença de que o pro-
cesso de escolarização produz algo que tem um valor e, por
7
As citações de trechos de obras de Ivan Illich foram traduzidas do artigo da autora e não
transcritas das traduções em português. Essa decisão deve-se ao fato de haver diferen-
ças importantes entre as traduções para o francês e para o português. (Nota do tradutor)
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17
consequência, gera uma demanda. Assim, pretende-se que a escola
produza aprendizagens e que sua existência engendre uma demanda
de escolaridade. Ainda de acordo com Illich, a escola ensina que o
resultado da frequência escolar é uma aprendizagem que tem um
valor; que o valor da aprendizagem aumenta com a quantidade de
informação que ela contém; que esse valor é mensurável e que ele
pode ser certificado por graus e diplomas. Para Illich, ao contrário, a
aprendizagem é a atividade humana que menos necessita da inter-
venção de terceiros; a maior parte da aprendizagem não é conse-
quência da instrução, mas o resultado de uma relação do aprendiz
com um meio que tem um sentido, enquanto a instituição escolar o
faz crer que o desenvolvimento cognitivo pessoal depende, necessa-
riamente, de programas e de manipulações complexas.
2. O mito dos valores mensuráveis
Segundo Illich, os valores institucionalizados com os quais a
escola impregna os espíritos são valores quantificáveis. Para ele,
contrariamente, o desenvolvimento pessoal não é mensurável pela
régua da escolaridade. Uma vez que os indivíduos aceitaram a
ideia de que os valores podem ser produzidos e medidos, eles
tendem a aceitar todas as classificações hierárquicas. Escreveu Illich:
Os homens que se remetem a uma unidade de medida definida por
outrem para julgar seu próprio desenvolvimento pessoal, nada mais
sabem do que serem medidos... Não é mais necessário colocá-los em
um lugar determinado, se eles aí se põem por si mesmos; eles se fazem
pequenos no nicho a que seu adestramento os conduziu. (Illich, op.
cit., p. 73.)
E vale dizer a respeito do mesmo processo, esses homens tam-
bém colocam seus semelhantes no mesmo lugar que lhes convem,
devendo “toda coisa e todo ser reunirem-se sem choques”.
3. O mito dos valores acondicionados
A escola vende programas, diz Illich, e o resultado desse pro-
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18
cesso de produção se aparenta ao de qualquer outra mercadoria
moderna de primeira necessidade. O distribuidor-educador en-
trega seu produto final ao consumidor (aluno), cujas reações são
cuidadosamente estudadas e tabuladas, a fim de se dispor de da-
dos necessários para a concepção do modelo subsequente, que
poderá ser “sem sistema de notação”, “concebido pelo aluno”,
“audiovisual” ou “agrupados em torno de centros de interesse”.
4. O mito do progresso eterno
Illich não fala somente de consumo, mas, também, de produ-
ção e de crescimento. Estabelece uma ligação entre esses elemen-
tos e a corrida pelas qualificações, pelos diplomas e pelos certifica-
dos, porque, quanto maiores são as qualificações educacionais,
maiores são as possibilidades de acesso aos melhores empregos
no mercado de trabalho. Para Illich,
eis o mito sobre o qual repousa, em grande parte, o funcionamento
das sociedades de consumo, sendo que sua manutenção exerce um
papel importante na regulação permanente. Se esse mito desaparecer,
não somente estará comprometida a sobrevivência da ordem econô-
mica, construída sobre a coprodução de bens e de demandas, mas,
também a da ordem política, construída sobre o estado-nação, no
qual os estudantes são (...) consumidores/alunos aos quais se ensi-
na a adaptar os seus desejos aos valores comercializáveis, sem que,
nesse circuito de progresso eterno, isso jamais conduza à maturida-
de. (Kallemberg, 1973, pp. 8-13)
Enfim, Illich observa que a escola não é a única instituição mo-
derna cuja finalidade primeira é de modelar a visão que o homem
tem da realidade. Para isso contribuem igualmente outros fatores –
origem social, meio familiar, mídias e modos difusos de socializa-
ção – que, entre outros, tem papel chave na formação dos compor-
tamentos e dos valores. Para Illich, entretanto, a escola é a instituição
que escraviza da maneira mais profunda e mais sistemática, uma vez
que é a ela que está designada a função de formar o julgamento
crítico, função que, paradoxalmente, ela tenta cumprir, fazendo de
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19
modo que a aprendizagem – seja do conhecimento de si, dos ou-
tros ou da natureza – dependa de um processo pré-fabricado.
Em seu estilo polêmico e provocador, Illich destaca que, a seu
juízo, “a escola nos atinge de maneira tão íntima que ninguém pode
esperar libertar-se por um meio que lhe seja externo” (Illich, 1975,
pp. 16-22). E acrescenta:
A escolaridade, a produção do saber, a comercialização do saber, todas
as coisas que constituem a escola, enganam a sociedade, fazendo-a
acreditar que o saber é higiênico, branco, respeitável, desodorizado,
produzido pelo cérebro humano e estocado. Não vejo nenhuma dife-
rença no desenvolvimento dessas atitudes, em relação ao saber, entre
os países ricos e os pobres. Em intensidade, sim, é claro. Mas, o que
me interessa bem mais é analisar a influência oculta da estrutura escolar
sobre uma sociedade. Ora, eu constato que essa influência é a mesma
ou tende a ser a mesma, para ser mais preciso. Pouco importa a estru-
tura dos programas explícitos, pouco importa se a escola é pública, se
se trata de um estado em que a escola seja exclusivamente pública, ou
de um estado em que as escolas privadas sejam toleradas, às vezes,
favorecidas. Essa influência é a mesma nos países ricos e nos países
pobres e ela pode ser descrita da seguinte maneira: se, em uma socieda-
de, pretende-se que esse rito, que é a escolaridade, sirva à educação (...),
os membros dessa sociedade em que a escolarização é obrigatória apren-
dem que o autodidata pode ser rejeitado, que a aprendizagem e o
crescimento das capacidades cognitivas passam pelo consumo de ser-
viços, que se revestem de uma forma industrial, planificada, profissio-
nal (...). Eles aprendem que a aprendizagem é mais do que uma ativi-
dade. É uma coisa que pode ser acumulada e medida e que permite,
também, medir a produtividade do indivíduo na sociedade. Dito de
outra forma, seu valor social ... (idem, p. 18).
É dessa análise que decorrem as estratégias que Illich propõe,
tendo em vista a desescolarização da educação e do ensino. Essas
estratégias, que ele mesmo experimentou com jovens e adultos no
âmbito das oficinas e das atividades do Cidoc, em Cuernavaca,
serão evocadas mais adiante.
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20
A convivialidade
As obras que se sucedem após Une société sans école transcendem a
educação para se inscreverem em uma perspectiva mais ampla de
reorganização da sociedade e do trabalho em função das necessida-
des do homem. Esse é o caso de La convivialité (1974)
8
, de Énergie et
équité (1974) e de Némesis médicale. L’expropriation de la santé (1975b)
9
.
Em seus dois últimos escritos, o autor sustenta que, do mes-
mo mesmo que a escola “deseduca”, a medicina institucionalizada
acaba por constituir um grave problema para a saúde. Némesis médicale
e Énergie et équité dão conta de seu pensamento nesse particular.
Com essas obras, Illich se distancia da educação e da escola para
abordar os problemas políticos e institucionais que atingem as so-
ciedades modernas altamente tecnicizadas e estratificadas e dos
quais não poderão escapar, no futuro, as nações que fundamen-
tam seu desenvolvimento no mesmo modelo utilizado pelos paí-
ses industrializados.
Na obra La convivialité, ao contrário, Illich enuncia uma teoria
sobre a limitação do crescimento nas sociedades industrializadas e
propõe uma nova organização pelo viés, entre outros, de uma nova
concepção do trabalho e de uma “desprofissionalização” das rela-
ções sociais que concernem igualmente à educação e à escola.
As instituições convivenciais, segundo a definição de Illich, se
caracterizam por sua vocação de servir à sociedade e pelo fato de
que elas são utilizadas espontaneamente por todos os membros
da sociedade que delas participam voluntariamente. Nessa ótica,
Illich chama de sociedade convivencial “uma sociedade em que a ferra-
menta moderna está a serviço da pessoa integrada na coletividade
e não a serviço de um corpo de especialistas”. E acrescenta:
8
Obra também traduzida para o português: A convivencialidade. Lisboa: Publicações
Europa-América, 1976. Tradução de Arsénio Mota. (Nota do tradutor)
9
Há também tradução em português: A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. Tradução de José Kosinski de Cavalcanti.
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21
“Convivencial é uma sociedade em que o homem controla a fer-
ramenta” (Illich, 1973, p. 13).
Uma sociedade convivial não implica que as instituições exis-
tentes sejam totalmente ausentes – instituições essencialmente
manipuladoras, segundo Illich –, ou que não se possa usufruir de
alguns bens e serviços. Illich propõe a busca de um equilíbrio entre
as instituições que geram as demandas que elas mesmas possam
satisfazer e as instituições que visam a responder às necessidades
do desabrochar e do desenvolvimento dos indivíduos.
Uma sociedade convivial, sustenta Illich:
Não deseja o desaparecimento de todas as escolas, mas somente
daquelas que fazem do sistema escolar um sistema que penaliza
aqueles que dele desertam. A escola é, para mim, um exemplo que se
repete em outros setores do mundo industrial (...). Apóio-me em
uma observação análoga àquela que fiz em relação às duas formas de
institucionalização existentes em uma sociedade. (idem, ibid.)
E acrescenta:
Em toda sociedade há duas maneiras de se atingir fins específicos,
como os transportes, a comunicação entre as pessoas, a saúde e a
aprendizagem. Uma que eu chamo de autônoma e a outra que deno-
mino de heterônoma. No primeiro caso, eu me mexo e, no segundo,
sou capturado por um veículo e transportado. No primeiro caso, eu
cuido do meu ferimento; no segundo, tu me assistes em minha
paralisia e eu te assisto em teu parto (...). Em cada sociedade e em
cada setor, a eficácia depende da interação entre o modo autônomo e
o heterônomo. (“Conversando con I. Illich”. Cuadernos de pedagogía,
s.d., p. 18.)
Convém ressaltar que Illich não ataca um sistema ou um regi-
me político determinado, mas o modo industrial de produção e
as consequências que ele provoca na humanidade. Sua tese central
a esse respeito é que:
os meios de produção apresentam características técnicas que tornam
impossível o seu controle pelo poder político. Somente uma socie-
dade que aceita um limite para certas dimensões técnicas de seus
meios de produção goza de alternativas políticas. (idem, pp. 19-20.)
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22
É sobre esses aspectos que ele chama a atenção dos países em
desenvolvimento e, a partir disso, formula os desafios que a educa-
ção deve enfrentar. Essa discussão resulta da tese da convivencialidade
proposta por Illich, na qual ele se apega particularmente a chamar a
atenção dos países em desenvolvimento sobre as vantagens e incon-
veniências que há em se adotar um modo de desenvolvimento se-
melhante ao dos países industrializados. À época em que ele expôs
suas ideias, a maioria desses países, notadamente na América Latina,
ainda não tinha atingido o estágio de desenvolvimento dos países
desenvolvidos. E, aos olhos de Illich, ainda era tempo de se retroce-
der, de redefinir objetivos e prioridades de desenvolvimento e de
optar por modelos mais equânimes, mais participativos e mais aber-
tos à preservação do equilíbrio natural e das relações convivenciais.
A esse respeito, afirma o autor:
... se souberem definir os critérios para limitar o conjunto de ferra-
mentas, os países pobres encaminharão mais facilmente sua recons-
trução social e, sobretudo, alcançarão diretamente um modo de pro-
dução pós-industrial e convivencial. Os limites que deverão adotar
são da mesma ordem que aqueles que as nações industrializadas
deverão aceitar para sobreviver: a convivencialidade acessível desde
agora aos “subdesenvolvidos” custará um preço exorbitante aos
“desenvolvidos”. (Illich, 1973, p. 157)
Essas palavras escritas por Ivan Illich em meados da década
de 70 do século passado são muito próximas das que ouvimos,
hoje, a propósito dos países do Norte e do Sul e dos países do
Leste e do Oeste que, a menos de dez anos do fim do século,
compreendem que eles formam uma unidade e tem mais coisas
em comum do que pensavam. Os problemas do meio ambiente
e os desequilíbrios ecológicos afetam, igualmente, uns e outros; a
degradação da qualidade da vida toca indistintamente os países
desenvolvidos e aqueles que ainda se esforçam para conseguir um
desenvolvimento sólido e estável. Todos estão preocupados igual-
mente pela qualidade e pertinência das aprendizagens oferecidas
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no interior e no exterior do sistema escolar. E não é mistério para
quem quer que seja que a escola e a educação estão longe de se
adaptarem rapidamente às mudanças científicas e tecnológicas, as-
sim como às necessidades imediatas daqueles a que elas devem
ajudar a enfrentar as dificuldades do mundo atual. É um fato que,
hoje, os países desenvolvidos não são mais os únicos a buscar
soluções para esses problemas e Illich não se engana nesse ponto.
No momento atual, os problemas mundiais se apresentam em
parte nos países em desenvolvimento e é deles também que de-
pende, em parte, sua solução. Talvez, a sociedade convivencial não
seja a resposta para esses problemas, mas ninguém contestará que
Illich tenha abordado esses temas há mais de quatro décadas. Seja
em razão do contexto ideológico no qual essas ideias surgiram e se
desenvolveram em razão da falta de um substrato teórico que as
alimentasse ou da própria personalidade de Illich, os temas da
desescolarização da sociedade e da construção de uma sociedade
convivencial não tiveram a repercussão que mereciam e também
não foram retomados e desenvolvidos por uma corrente de pen-
samento que poderia tê-las tornardo mais fecundas.
Universo das alternativas
Décadas mais tarde, mitigadas as paixões, é interessante cons-
tatar a que ponto chegaram certos postulados e proposições de
Illich. Os temas que ele abordou sob o prisma da mudança –
mudança de visão, de motivação e do que denominou instrumen-
tos, estrutura e meios materiais da produção – são, hoje, temas
recorrentes, uma vez que se evoquem os avanços científicos e
tecnológicos, o desenvolvimento da informática e seus efeitos na
vida cotidiana, ou a privatização dos serviços públicos, como os
da saúde, da educação e dos transportes. Mas reportemo-nos, por
um instante, ao contexto da época e lembremo-nos do que dizia
Illich a respeito das estratégias a ser adotadas:
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24
Sem excluir o debate sobre as boas motivações, as visões corretas, o
que é necessário suscitar, nese momento histórico, é a análise comu-
nitária e política dos materiais de produção. A alternativa social resi-
de, a meu juízo, em uma limitação consciente da técnica às aplicações
que são realmente eficazes. Quero falar da limitação da velocidade
dos veículos que criam mais distâncias do que suprimem, da limita-
ção do ato médico aos métodos que (...) não sejam mais nocivos do
que úteis à saúde, da limitação dos instrumentos de comunicação a
dimensões que não produzam, por definição, mais ruídos do que
mensagens úteis para o ato vital que chamo de conhecimento. En-
fim, não vejo por que a escola universal, instituição cuja necessidade
apareceu há cerca de 80 anos, deveria continuar a existir e a nos preo-
cupar. (Dossier Freire/Illich, 1975, p. 19)
É que, aqui, o que interessa a Illich, como a outros educadores da
época, não é a prática pedagógica em si mesma, mas o impacto da
escolarização na sociedade e o modo de se promover uma educação
que “ponha a questão do saber como despertar da curiosidade” (Apud
Oliveira, R. D. et al., Freire/Illich: pedagogía de los oprimidos;
opresión de la pedogogía.. Cuadernos de pedogogía, pp. 4-15).
A essa interrogação ele responde que um verdadeiro sistema
educacional deveria propor três objetivos: primeiramente, dar aces-
so aos recursos educacionais existentes a todos aqueles que que-
rem aprender, e não importa em que momento de suas vidas; em
segundo lugar, agir de modo que aqueles que querem partilhar
seus conhecimentos possam encontrar os que desejam adquiri-los
e, finalmente, permitir que os portadores de ideias novas que quei-
ram afrontar a opinião pública se façam ouvir.
Illich pensa que o máximo de quatro, talvez três, estruturas ou
redes de troca poderiam conter todos os recursos necessários a
uma verdadeira aprendizagem.
A primeira rede, que ele chama de “serviços encarregados de
permitir o acesso a objetos educativos”,
10
seria destinada a facilitar
10
Na obra em português (Sociedade sem escolas), o tradutor denominou as quatro redes
de: 1. Serviço de consultas a objetos educacionais, 2. Intercâmbio de habilidades, 3.
Encontro de colegas, e 4. Serviço de consultas a educadores em geral. (Nota do tradutor)
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o acesso às estruturas ou processos utilizados para a aprendizagem
formal. Entre os exemplos citados, figuram, notadamente, as bi-
bliotecas, os laboratórios e as salas de exposição (museus, salas de
espetáculos etc.), bem como elementos da vida cotidiana – usinas,
aeroportos, lugares públicos –, que poderiam ser acessíveis às pes-
soas que desejassem se familiarizar com eles, seja durante um pe-
ríodo de aprendizagem, seja durante seu lazer.
A segunda rede, que ele chama de “repertório de conheci-
mentos”, permitiria, aos que desejassem oferecer a outrem suas
competências, estabelecer a lista e indicar as condições nas quais
estariam prontos a comunicá-las.
A terceira fórmula proposta por Illich é um “serviço de par-
cerias”, ou seja, uma rede de comunicação que permitiria, a quem
desejasse aprender, indicar o domínio que lhe interessa e encontrar
um companheiro junto a quem poderia ser iniciado.
Finalmente, Illich propõe uma quarta rede chamada “serviços
de referências de educadores”, que consistiria em um anuário em
que os educadores profissionais, paraprofissionais ou outros indi-
cariam seu endereço, seu domínio de competência, bem como as
condições de acesso a seus serviços. Esses educadores poderiam
ser escolhidos a partir de referências de seus ex-alunos.
Hoje, certamente, essa proposta não está materializada no sis-
tema escolar, mas podem-se encontrar variantes na educação não
formal de jovens e adultos, na educação permanente e em outros
setores que aceitam a ideia de uma educação sem escola.
Além disso, na vida cotidiana, ouve-se falar, mais e mais fre-
quentemente, da existência de redes constituídas por pessoas dese-
josas de partilhar conhecimentos de ordem universal, de estreitar
laços pela troca de experiência ou de criar e formar capacidades
de desenvolvimento autônomo, de inovar e de se beneficiar da
experiência acumulada.
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Illich atual
O que constatamos hoje? Que existem incontáveis bancos de
dados, que se criaram, progressivamente, redes de pesquisa e de
troca de informações e que se utilizam, cada vez mais, as capacida-
des das pessoas que têm competências as mais diversas para resol-
ver os grandes problemas da humanidade.
Paradoxalmente, somente a escola parece conservar, tais e quais,
seus rituais e seus hábitos, denunciados por Illich e por outros
educadores de sua geração. Para transformá-la, seria necessária uma
verdadeira revolução. Talvez, ela terá lugar na sequência das mu-
danças que atingem o conjunto da sociedade, seja nos domínios
da economia, da agricultura, da energia, da informática, da saúde,
ou das condições de vida e de trabalho – e penso, aqui, na
superpopulação, no desemprego e na pobreza, que mostram quanto
interesse se teria em uma orientação no sentido de um desenvolvi-
mento harmonioso em que a sobrevivência da humanidade de-
penderia da capacidade de criação, de liberdade e de paixão que
cada um de seus membros consagraria a esse objetivo.
Esses elementos são encontrados na prática e nos escritos de
Illich. Talvez, seu erro tenha sido o de condenar a escola sem apela-
ção. O caráter radical de sua denúncia o impediu de construir uma
estratégia realista que permitisse aos educadores e aos pesquisado-
res se juntarem a seu protesto. Além disso, em seus textos, Illich
trabalhou de maneira essencialmente intuitiva, sem referências maio-
res à experiência acumulada no domínio das teorias socioeducacio-
nais ou de aprendizagem. Sua crítica surgiu e se desenvolveu em um
vácuo teórico, o que explica, talvez, o pequeno crédito dado a suas
teorias educacionais.
São numerosos os que acusam Illich de ser um pensador utó-
pico, que o acusam de ter se retirado precocemente do debate
geral sobre a educação. Certamente, uma inserção mais real no
mundo, a elaboração de estratégias exequíveis para por suas ideias
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27
em prática, e referências teóricas sólidas poderiam ter modificado
o itinerário de nosso autor.
Todavia, resta o fato de que Illich foi um dos pensadores da
educação que contribuiu para dinamizar o debate educacional dos
anos 60 do século XX e que lançou as bases necessárias a uma
concepção de escola mais atenta às necessidades de seu ambiente,
à realidade dos alunos e à transmissão de conteúdos educacionais
adaptados à vida social. Se o caráter radical de sua crítica impediu
que se tirasse proveito de algumas de suas ideias, universalmente
válidas, tanto em relação ao sistema escolar, quanto no que diz
respeito a outras instituições do serviço público, é forçoso reco-
nhecer que elas exerceram influência sobre um número considerá-
vel de educadores. Elas também contribuíram para o desenvolvi-
mento de uma corrente que defende a desescolarização da educa-
ção e, para além do contexto histórico em que nasceu o pensa-
mento de Illich, favoreceram a formulação de políticas e de pro-
gramas que visam a superar a crise endêmica dos sistemas escola-
res e extraescolares em geral.
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28
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TEXTOS SELECIONADOS
Por que devemos desinstalar a escola
11
Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem
intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para
confundir processo com substância. Alcançado isto, uma nova ló-
gica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os
resultados, ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse
modo, “escolarizado” a confundir ensino com aprendizagem, ob-
tenção de graus com educação, diploma com competência, fluên-
cia no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é
“escolarizada” a aceitar serviço em vez de valor. Identifica erro-
neamente cuidar da saúde com tratamento médico, melhoria de
vida comunitária com assistência social, segurança com proteção
policial, segurança nacional com aparato militar, trabalho produti-
vo com concorrência desleal. Saúde, aprendizagem, dignidade, in-
dependência e faculdade criativa são definidas como sendo mais
que um produto das instituições que dizem servir a estes fins; e sua
promoção está em conceder maiores recursos para a administra-
ção de hospitais, escolas e outras instituições semelhantes.
Nesses ensaios quero demonstrar que a institucionalização de
valores leva inevitavelmente à poluição física, à polarização social e
à impotência psíquica: três dimensões de um processo de degra-
11
Os subtítulos enumerados de 1 a 7.7 foram extraídos de: Illich, I. Sociedade sem
escolas. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1976, 3ed.
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dação global e miséria modernizada. Explicarei como este pro-
cesso de degradação se acelera quando necessidades não materiais
são transformadas em damanda por mercadorias; quando saúde,
educação, mobilidade pessoal, bem-estar, recuperação psicológica
são definidos como resultados de serviços ou “tratamentos”. Faço
isso porque tenho a impressão de que a maioria das pesquisas
realizadas atualmente sobre o futuro tendem a pleitear maior in-
cremento na institucionalização de valores e porque acho que de-
vemos definir condições que permitam acontecer exatamente o
contrário. Necessitamos de pesquisas sobre a possibilidade de usar
a tecnologia para criar instituições que sirvam à interação pessoal,
criativa e autônoma e que façam emergir valores não passíveis de
controle substancial pelos tecnocratas. Necessitamos de pesquisas
que se oponham à futurologia em voga.
Desejo levantar uma questão de ordem geral, isto é, a defini-
ção comum de natureza humana e a natureza das modernas insti-
tuições que caracterizam nossa mundividência e linguagem. Para
isso, escolhi a escola como paradigma. E só abordarei indireta-
mente outras instituições burocráticas do estado: a família-consu-
midora, o partido, o exército, a igreja, os meios de comunicação.
Minha análise do secreto currículo escolar poderá evidenciar que a
educação pública tiraria proveito da desescolarização da socieda-
de; da mesma forma que a vida familiar, a política, a segurança, a
fé e as comunicações tirarariam proveito de processo análogo.
Começo minha análise neste primeiro ensaio, tentando mos-
trar o que a desescolarização de uma sociedade escolarizada po-
deria significar. Neste contexto, será mais fácil compreender mi-
nha escolha dos cinco aspectos específicos pertinentes a este pro-
cesso dos quais tratarei nos capítulos subsequentes.
Não apenas a educação, mas também a própria realidade social
tornou-se escolarizada. Dá quase na mesma escolarizar pobres e
ricos nas mesmas dependências. O gasto anual por aluno seja numa
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31
favela ou em rico subúrbio de qualquer cidade dos Estados Unidos
está na mesma proporção, sendo às vezes favorável às favelas
12
.
Pobres e ricos dependem igualmente de escolas e hospitais
que dirigem suas vidas, formam sua visão de mundo e definem
para eles o que é legítimo e o que não é. O medicar-se a si próprio
é considerado irresponsabilidade; o aprender por si próprio é olha-
do com desconfiança; a organização comunitária, quando não é
financiada por aqueles que estão no poder, é tida como forma de
agressão ou subversão. A confiança no tratamento institucional torna
suspeita toda e qualquer realização independente. O progressivo
subdesenvolvimento da autoconfiança e da confiança na comuni-
dade é mais acentuado em Westchester do que no Nordeste do
Brasil. Em toda parte, não apenas a educação, mas a sociedade
como um todo precisa ser “desescolarizada”.
Departamentos de bem-estar reivindicam um monopólio pro-
fissional, político e financeiro sobre a imaginação social, estabele-
cendo padrões para o que é proveitoso e o que é possível. Este
monopólio está na raiz da modernização da pobreza. Qualquer
simples necessidade, para a qual foi encontrada resposta
institucional, permite a invenção de nova classe de pobres e nova
definição de pobreza. No México, há dez anos, era normal nascer
e morrer em sua própria casa e ser enterrado pelos amigos. Ape-
nas os cuidados pela alma eram assumidos pela igreja institucional.
Agora, começar ou terminar a vida em casa é sinal de pobreza ou
de especial privilégio. Agonia e morte passaram à administração
institucional de médicos e agências funerárias.
Tendo uma sociedade transformado as necessidades básicas
em demandas por mercadorias cientificamente produzidas, defi-
ne-se a pobreza por padrões que os tecnocratas podem mudar a
12
Jackson, P. B. Trends in Elementary and Secondary Education Expenditures: Central
City and Suburban Comparisons, 1965 to 1968. U.S.A.: U.S. Office of Education, Office
of Program and Planning Evaluation, Jun. 1969.
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bel-prazer. A pobreza se aplica àqueles que ficaram aquém de al-
gum ideal de consumo propagandizado. No México, pobres são
os que não frequentaram três anos de escola; em Nova Iorque, os
que não frequentaram doze anos.
Os pobres sempre foram socialmente impotentes. A crescente
confiança nos cuidados institucionais adiciona nova dimensão à sua
impotência: impotência psicológica, incapacidade de defender-se.
Os camponeses dos Altos Andes são explorados pelos donos da
terra e pelos negociantes; e, uma vez estabelecidos em Lima, passam
a depender tembém dos chefes políticos e são desqualificados por
causa da falta de escolarização. A pobreza moderna combina a falta
de poder sobre as circunstâncias com a perda de força pessoal. Esta
modernização da pobreza é um fenômeno universal e está na raiz
do subdesenvolvimento contemporâneo. Manifesta-se, obviamen-
te, de formas diferentes nos países ricos e pobres.
É mais fortemente sentida nas cidades norte-americanas. Em
nenhum outro lugar a pobreza é objeto de cuidados mais
dispendiosos. Em parte nenhuma também o tratamento da po-
breza produz tanta dependência, angústia, frustração e ulteriores
demandas. E em parte alguma ficou tão evidente que a pobreza –
uma vez modernizada – tornou-se imune a um simples tratamen-
to em dólares. Requer uma revolução institucional.
Hoje em dia, nos Estados Unidos, os negros e mesmo os
migrantes podem aspirar a um nível de atendimento profissional
inimaginável há duas gerações passadas, o que parece ridículo à
maioria das pessoas do Terceiro Mundo. Por exemplo, os pobres
nos Estados Unidos, podem contar com um funcionário que pro-
videncia a volta de seus filhos “gazeteiros” à escola até que tenham
dezessete anos, ou com um médico que lhe providencia um leito no
hospital e que custa sessenta dólares por dia – equivalente ao ganho
de três meses para a maioria das pessoas no mundo. Mas este cuida-
do somente os torna dependentes de mais atenções; torna-os pro-
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gressivamente incapazes de organizar suas próprias vidas, a partir de
suas experiências e recursos, dentro de suas próprias comunidades.
Os pobres, nos Estados Unidos, melhor do que ninguém, po-
dem falar sobre a situação que ameaça todos os pobres do mundo
que se moderniza. Estão descobrindo que nenhuma quantia de dó-
lares pode remover a inerente destrutividade das instituições de bem-
estar, uma vez que as hierarquias profissionais dessas instituições con-
venceram a sociedade de que seu trabalho é moralmente necessário.
Os pobres dos bairros urbanos dos Estados Unidos podem de-
monstrar, por experiência própria, a falácia sobre a qual está
construída a legislação social numa sociedade “escolarizada”.
Um magistrado da Corte Suprema, William O. Douglas, ob-
servou que a “única maneira de estabelecer uma instituição é finan-
ciando-a”. O corolário que se segue também é verdadeiro. So-
mente tirando os dólares das instituições que atualmente cuidam
da saúde, educação e bem-estar, pode ser sustado o progressivo
empobrecimento que resulta de seus destrutivos efeitos colaterais.
Devemos ter isto em mente quando avaliamos os programas
de ajuda federal. Para ilustrar, de 1965 a 1968 foram gastos nas
escolas dos Estados Unidos mais de três bilhões de dólares para
compensar as desvantagens que afetavam a seis milhões de crianças.
Conhecido como Título Um (Title One), foi o programa compensa-
tório em educação mais caro que já se realizou em qualquer parte do
mundo, ainda que não se conseguisse perceber significativa melhoria
na aprendizagem dessas crianças “em desvantagem”. Comparados
com seus colegas, provindos de famílias de renda média, permane-
ceram mais atrasados ainda. Como se isso fosse pouco, durante a
execução do programa, profissionais descobriram mais dez milhões
de crianças que estavam em condições econômicas desvantajosas.
Existem agora razões para solicitar mais verbas federais. Esse total
fracasso no incremento da educação dos pobres, apesar das inten-
ções bem dispendiosas, pode ser explicado de três formas:
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a) Três bilhões de dólares são insuficientes para melhorar o
rendimento, em quantidade mensurável, de seis milhões de
crianças; ou
b) O dinheiro foi incompetentemente gasto; eram necessários
e teriam resolvido o caso, diferentes currículos, melhor admi-
nistração, ulterior concentração das verbas sobre a criança mais
pobre e mais pesquisas; ou
c) A desvantagem educacional não pode ser sanada confiando
na educação ministrada nas escolas.
A primeira forma é verdadeira na medida em que este dinhei-
ro tiver sido aplicado pelo orçamento escolar. O dinheiro, na rea-
lidade, foi para as escolas que possuíam mais crianças “em desvan-
tagem”, mas não era gasto com as crianças pobres como tal. Essas
crianças para as quais foi destinado o dinheiro eram apenas meta-
de dos componentes das escolas que tiveram seus orçamentos
aumentados pelos subsídios federais. O dinheiro foi gasto, portan-
to, com inspetores, ensino e seleção vocacional, bem como com
educação. Todas essas funções diluem-se inextricavelmente em ins-
talações, currículos, professores, administradores e outros com-
ponentes-chave dessas escolas e, portanto, de seus orçamentos.
Essas verbas extras fizeram com que as escolas provessem
desproporcionalmente as necessidades das crianças relativamente
mais ricas que também estavam “em desvantagem” por terem
que frequentar a escola em companhia dos pobres. No máximo
uma pequena fração de cada dólar destinado a remediar as des-
vantagens educacionais de uma criança podia atingi-la através do
orçamento escolar.
Poderia ser verdade também que o dinheiro fosse gasto in-
competentemente. Mas nenhuma incompetência, por mais crassa,
pode competir com a incompetência do próprio sistema escolar.
As escolas, por sua própria estrutura, opõem-se à concentração de
privilégios naqueles que estão, de outra forma, em desvantagem.
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35
Currículos especiais, classes separadas, ou aulas mais longas consti-
tuem mais discriminação, a um custo mais elevado.
Os contribuintes fiscais não se acostumaram a permitir que
desapareçam três bilhões de dólares na saúde, educação e bem-
estar – como é o caso do Pentágono. A atual administração pode
crer que vai arcar com a ira dos educadores. Os americanos de
classe média nada perdem se o programa é extinto. Os pais po-
bres acham que eles perdem, e desejam inclusive, um controle das
verbas destinadas a seus filhos. Maneira lógica de cortar o orça-
mento e – esperamos – aumentar os benefícios é o sistema de
bolsas de estudo, da forma como foi proposto por Milton
Friedman e outros. Seriam destinadas verbas ao beneficiário que
poderia comprar à vontade sua parte de escolarização. Se tais cré-
ditos fossem limitados a compras pertinentes a um currículo es-
colar, tenderiam a garantir maior igualdade de atendimento, mas
não fomentariam com isso, a igualdade das necessidades sociais.
É óbvio que mesmo com escolas de igual qualidade, uma
criança pobre raras vezes poderia nivelar-se a uma criança rica.
Mesmo frequentando idênticas escolas e começando na mesma
idade, as crianças pobres não têm a maioria das oportunidades
educacionais que naturalmente uma criança da classe média possui.
Essas vantages vão desde a conversação e livros em casa até as
viagens de férias e uma diferente idiossincrasia; isto vale para as
crianças que gozam disso, tanto na escola como fora dela. O estu-
dante pobre geralmente ficará em desvantagem porquanto de-
pende da escola para progradir ou aprender. Os pobres necessi-
tam de verbas para poderem aprender, não para se certificarem
pelo tratamento, de suas pretensas deficiências desproporcionais.
Isto vale para nações pobres e ricas, mas naquelas aparece de
maneira diferente. A pobreza modernizada, nos países pobres, afeta
mais pessoas e de forma mais visível, mas também – ao menos
até agora – de maneira mais superficial. Dois terços das crianças
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na América Latina abandonam a escola antes de concluírem o grau
fundamental, mas esses “desertores” nem por isso se arranjam tão
mal, como aconteceria nos Estados Unidos.
Poucos países permanecem hoje vítimas da clássica pobreza
que era estável e dificilmente vencível. A maioria dos países da
América Latina atingiu o ponto de arrancada (take-off) para o de-
senvolvimento econômico e consmo competitivo, e, portanto, para
a pobreza modernizada; seus habitantes aprenderam a pensar como
ricos e viver como pobres. Suas leis prescreveram seis ou dez
anos de obrigatoriedade escolar. Não só na Argentina, mas tam-
bém no México e Brasil, o cidadão médio define a educação ade-
quada pelos padrões norte-americanos, mesmo que a possibilida-
de de conseguir escolaridade tão prolongada fique restrita a uma
pequena minoria. Nesses países, a maioria já está amarrada à esco-
la, isto é, está escolarizada num sentido de inferioridade para com
os mais escolarizados. Seu fanatismo pela escola possibilita serem
explorados duplamente: por um lado, permite uma crescente apli-
cação de verbas públicas para a educação de uns poucos; e por
outro, permite uma crescente aceitação de controle social.
Parodoxalmente, a convicção de que a escolarização universal é
absolutamete necessária, mantém-se mais firmemente nos países em
que menos pessoas foram e serão servidas pelas escolas. Na Améri-
ca Latina, a maioria dos pais e crianças ainda podem tomar diferen-
tes rumos em relação à educação. As somas governamentais investidas
nas escolas e professores podem ser desporporcionalmente mais
elevadas do que nos países ricos, mas estes investimentos são total-
mente insuficientes para atender à maioria, nem mesmo para possi-
bilitar quatro anos de frequência escolar. Fidel Castro fala como se
intencionasse caminhar para a desescolarização quando promete que,
por volta de 1980, Cuba estará em condições de acabar com sua
universidade, uma vez que toda a vida em Cuba será uma experiên-
cia educacional. Ao nível da escola primária e secundária, porém,
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Cuba – como qualquer outro país latino-americano – age como se
a passagem por um período definido como “idade escolar” fosse
um objetivo inquestionável para todos, retardado apenas por uma
carência temporária de recursos.
[...]
A escola se apropria do dinheiro das pessoas e da boa vonta-
de disponível. Para então desencorajar outras instituições a que
assumam tarefas educativas. O trabalho, o lazer, a política, a vida
na cidade e mesmo a vida familiar dependem da escola, por causa
dos hábitos e conhecimentos que pressupõem, em vez de conver-
terem-se nos meios de educação. E ainda, tanto as escolas como
as outras instituições que dela dependem atingem custos vultosos.
[...]
A escolarização obrigatória, igual para todos, deve ser reco-
nhecida como impraticável, ao menos economicamente. Na Amé-
rica Latina, a quantia de numerário público, gasta com cada estu-
dante de grau universitário, é de 350 e 1.500 vezes a quantia gasta
com um cidadão médio (isto é, o cidadão que está na faixa
intermédia entre os mais pobres e os mais ricos. Nos Estados
Unidos, a discrepância é menor, mas a discriminação é mais refi-
nada. Os pais mais ricos, uns 10%, podem oferecer a seus filhos
educação em estabelecimentos particulares e conseguir que se be-
neficiem das verbas de fundações. E, além disso, obtêm dez vezes
a quantia “per capita” do erário público se fizermos a compara-
ção com a média “per capita” gasta com os filhos dos 10% mais
pobres. As principais causas são que as crianças ricas permanecem
mais anos na escola, que um ano numa universidade é despropor-
cionalmente mais caro que um ano no secundário e que a maioria
das universidades particulares depende – ao menos indiretamente
– do dinheiro arrecadado pelos impostos.
A escolarização obrigatória polariza inevitavelmente uma so-
ciedade; e também hierarquiza as nações do mundo de acordo
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com o sistema internacional de castas. Países cuja dignidade educa-
cional é determinada pela média de anos-aula de seus habitantes
estão sendo classificados em castas, classificação que está intima-
mente relacionada com o produto nacional bruto e é muito mais
dolorosa que esta última.
O paradoxo das escolas é evidente: quanto maiores os gastos,
maior sua destrutividade, dentro e fora de casa. Este paradoxo
deve tornar-se assunto público. Admite-se geralmente, agora, que
o ambiente físico será em breve destruído pela poluição bioquími-
ca, a não ser que invertamos as tendências atuais de produção de
bens físicos. Dever-se-ia reconhecer também que a vida social e
pessoal está ameaçada igualmente pela poluição saúde, educação e
bem-estar, o inevitável subproduto do consumo obrigatório e com-
petitivo de bem-estar.
A escalada das escolas é tão destrutiva quanto a escalada
armamentista, apenas que menos visível. Em toda parte do mun-
do os custos escolares aumentaram mais rapidamente que as ma-
trículas e que o produto nacional bruto; em toda parte os gastos
escolares permanecem sempre mais aquém das expectativas dos
pais, mestres e alunos. Em toda parte esta situação desencoraja
tanto a motivação quanto o financiamento de um plano em gran-
de escala para a aprendizagem não escolar.
Os Estados Unidos estão provando ao mundo que nenhum
país pode ser suficientemente rico para manter um sistema escolar
que satisfaça as demandas que este mesmo sistema cria pelo simples
fato de existir; porque um sistema escolar bem-sucedido escolariza
pais e alunos para o valor supremo de um sistema escolar mais
amplo cujo custo aumenta desproporcionalmente quando graus mais
elevados estão em damanda e se tornam mais escassos.
[...]
A igualdade de oportunidades na educação é meta desejável e
realizável, mas confundi-la com obrigatoriedade escolar é confun-
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dir salvação com igreja. A escola tornou-se a religião universal do
proletariado modernizado, e faz promessas férteis de salvação aos
pobres da era tecnológica. O estado-nação adotou-a, moldando
todos os cidadãos num currículo hierarquizado, à base de diplo-
mas sucessivos, algo parecido com os ritos de iniciação e promo-
ções hieráticas de outrora. O estado moderno assumiu a obriga-
ção de impor os ditames de seus educadores por meio de inspe-
tores bem intencionados e de exigências empregatícias; mais ou
menos como o fizeram os reis espanhóis que impunham os dita-
mes de seus teólogos pelos conquistadores e pela Inquisição.
[...]
A escolaridade não promove nem a aprendizagem e nem a
justiça, porque os educadores insistem em embrulhar a instrução
com diplomas. Mistura-se, na escola, aprendizagem e atribuição
de funções sociais. Aprender significa adquirir nova habilidade ou
compreensão, enquanto que a promoção depende da opinião for-
mada de outros. A aprendizagem é, muitas vezes, resultado de
instrução, ao passo que a escolha para uma função ou categoria no
mercado de trabalho depende, sempre mais, do número de anos
de frequência à escola.
Instrução é escolha de circunstâncias que facilitam a aprendiza-
gem. A atribuição das funções exige uma série de condições que o
candidato deve preencher se quiser atingir o posto. A escola forne-
ce instrução, mas não aprendizagem para essas funções. Isto não é
nem razoável, nem libertador. Não é razoável porque não vincula
as qualidades relevantes ou competências com as funções, mas
apenas o processo pelo qual se supõe sejam tais qualidades adqui-
ridas. Não é libertador ou educacional porque a escola reserva a
instrução para aqueles cujos passos na aprendizagem se ajustam a
medidas previamente aprovadas de controle social.
O currículo sempre foi usado para consignar um posto social.
Às vezes podia ser pré-natal: o karma lhe determina uma casta e a
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linhagem o insere na aristocracia. Podia tomar também a forma
de um ritual, de uma sequência hierarquizada de ordenações sa-
cras; ou consistia numa sucessão de feitos na guerra ou caça; e
posteriomente podia até depender de uma série escalonada de
favores do príncipe. A escolaridade universal visava a separar a
atribuição de funções da história pessoal individual. Visava a dar a
cada um igual oportunidade para qualquer emprego. Ainda hoje
em dia há pessoas que erroneamente creem que a escola faz de-
pender a confiança pública das realizações relevantes da aprendi-
zagem. Contudo, ao invés de igualar as oportunidades, o sistema
escolar monopolizou sua distribuição.
Para separar competência de currículo, as investigações sobre
o histórico da escolaridade de uma pessoa deveriam ser proibidas,
da mesma forma como o são sobre credo político, frequência à
igreja, linhagem, hábitos sexuais ou “background” racial. Leis de-
vem ser promulgadas que proíbam a discriminação baseada na
escolaridade prévia. Obviamente as leis não podem acabar com
os preconceitos contra os não escolarizados, nem pretendem for-
çar alguém a casar-se com um autodidata, mas podem desencorajar
a discriminação injustificada.
O sistema escolar repousa ainda sobre uma segunda grande ilu-
são, de que a maioria do que se aprende é resultado do ensino. O
ensino, é verdade, pode contribuir para determinadas espécies de
aprendizgem sob certas circunstâncias. Mas a maioria das pessoas
adquire a maior parte de seus conhecimentos fora da escola; na esco-
la, apenas enquanto esta se tornou, em alguns países ricos, um lugar
de confinamento durante um período sempre maior de sua vida.
A maior parte da aprendizagem ocorre casualmente e, mesmo
a maior parte da aprendizagem intencional não é resultado de uma
instrução programada. As crianças normais aprendem sua primeira
língua casualmente, ainda que mais rapidamente quando seus pais se
interessam. A maioria das pessoas que aprende bem outra língua
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consegue-o por causa de circunstâncias especiais e não de aprendi-
zagem sequencial. Vão passar algum tempo com seus avós, viajam
ou se enamoram de um estrangeiro. A fluência na leitura é também,
quase sempre, resultado dessas atividades extracurriculares. A maio-
ria das pessoas que lê muito e com prazer crê que aprendeu isso na
escola; quando conscientizadas, facilmente abandonam esta ilusão.
Mas o fato de grande parte da aprendizagem parecer dar-se
ocasionalmente e ser um subproduto de alguma atividade, defini-
da como trabalho ou lazer, não significa que a aprendizgem plane-
jada não se benificie da instrução planejada e que ambas não ne-
cessitem de aperfeiçoamento. O aluno, fortemente motivado, que
se defronta com a tarefa de adquirir nova e complexa habilidade
pode benificiar-se muito da disciplina, atualmente associada com
o mestre do passado que ensinava a ler hebraico, catecismo e tabuada.
A escola tornou este tipo de ensino desusado e desacreditado, ain-
da que haja muitas aptidões que um estudante motivado e com
capacidade normal possa assimilar em poucos meses, se ensinado
nesta maneira tradicional. Isto se aplica tanto para aprender uma
segunda ou terceira língua, como para ler ou escrever; para apren-
der as linguagens especiais da álgebra, programação em computa-
dores, análise química, bem como para aprender habilidades ma-
nuais para ser datilógrafo, relojoeiro, encanador, consertador de
televisão; ou também dançar, dirigir carro e mergulhar.
Em certos casos, a admisssão a um programa de aprendizagem
que vise determinada habilidade pode pressupor competência em
outra habilidade, mas não deverá jamais depender do processo pelo
qual tais habilidades pressupostas foram adquiridas. Consertar um
aparelho de televisão pressupõe saber ler e alguma matemática;
mergulhar exige saber nadar; dirigir carro, bem pouco de ambos.
O progresso na aprendizagem de habilidades é mensurável. Não
é difícl precisar quais os melhores recursos necessários, em tempo e
material, para um adulto médio motivado. O custo de ensinar uma
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segunda língua da Europa Ocidental, atingindo um nível elevado de
fluência fica entre quatrocentos a seiscentos dólares nos Estados Uni-
dos; para uma língua oriental, o tempo de instrução necessário po-
derá ser o dobro. Isto seria ainda muito pouco, comparado com o
custo de doze anos de escola na cidade de Nova Iorque (condição
para admitir um trabalhador ao Departamento de Saúde) – quase
quinze mil dólares. Não há dúvida de que tanto o professor como o
tipógrafo e o farmacêutico protegem seu comércio mediante a ilu-
são pública de que seu treinamento é muito caro.
Atualmente as escolas têm o direito sobre a maioria dos fun-
dos educacionais. O treinamento intensivo que custa menos que a
escolarização correspondente é, atualmente, privilégio dos sufici-
entemente ricos para dispensar a escola e daqueles que são envia-
dos pelo exército ou grandes firmas para se formarem no seu
campo de trabalho. Num programa de gradativa desescolarizaçãoo
da educação nos Estados Unidos, haverá, no início, uma limitação
dos recursos disponíveis para o treinamento intensivo. Mas, poste-
riormente, ninguém teria obstáculos para, em qualquer época de
sua vida, escolher um tipo de instrução entre centenas de habilida-
des possíveis, às custas do erário público.
Já agora poderia ser providenciado um sistema de crédito
educacional em todo e qualquer centro de capacitação, com quan-
tias limitadas, para pessoas de todas as idades, e não apenas para
os pobres. Eu imagino este crédito sob a forma de um passaporte
educacional ou uma carteira “edu-crédito” (“edu-credit card”) entre-
gue a cada cidadão ao nascer. Para favorecer os pobres que pro-
valmente não usariam cedo seus subsídios anuais, poderia haver
uma cláusula dispondo que haveria certas vantagens para usuários
tardios dos “direitos” acumulados. Esses créditos vão permitir
que a maioria das pessoas adquiram as habilidades mais demanda-
das quando quiserem, melhor, mais rapidamente, com menor cus-
to e menos efeitos colaterais indesejáveis do que na escola.
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Já não faltarão por muito tempo professores potenciais de
habilidades porque, por um lado, a demanda por uma habilidade
se desenvolve com sua prática dentro de uma comunidade e, por
outro, uma pessoa exercendo determinada habilidade também
poderia ensiná-la. Mas, atualmente, os que exercem habilidades
que estão em demanda e que exigem um professor humano são
desencorajados a partilharem essas habilidades com outros. Isso é
feito por professores que monopolizam os registros de ensino ou
por sindicatos que protegem seus interesses de classe. Centros de
habilidades que fossem julgados pelos fregueses não pelas pessoas
que empregam ou pelo processo usado, mas pelos resultados,
abririam insuspeitas oportunidades de trabalho, muitas vezes até
mesmo para aqueles considerados, agora, inimpregáveis. Não há
razão para que tais centros não possam estar no próprio local de
trabalho, onde o empregador e sua força de trabalho fornecessem
instrução, bem como empregos, para aqueles que escolhessem usar
seus créditos educacionais desta maneira.
[...]
Os instrutores tornam-se escassos por causa da crença no va-
lor dos registros. O certificado constitui uma forma de manipula-
ção mercadológica e plausível apenas a uma mente escolarizada. A
maioria dos professores de artes e comércio são menos hábeis,
menos inventivos e menos comunicativos que os melhores artesãos
e comerciantes. A maioria dos professores de espanhol e francês
que lecionam no secundário não falam a língua tão bem quanto
seus alunos o fariam depois de meio ano de adequado treinamen-
to. Experiências feitas por Angel Quintero, em Porto Rico, mos-
tram que muitos adolescentes, se tiverem incentivos adequados,
programas e acesso a instrumentos, são muito mais eficientes para
introduzir seus colegas nas explorações científicas das plantas, es-
trelas, matéria e na descoberta de como e por que um motor ou
rádio funciona do que a maioria dos professores escolares.
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Se abrirmos o “mercado”, as oportunidades de aprendizagem-
treino podem ser vastamente multiplicadas. Isto depende de conju-
gar o professor certo com o aluno certo quando bem motivado por
um programa inteligente, sem o constrangimento de um currículo.
A instrução livre e competitiva é uma blasfêmia subversiva
para o educador ortodoxo. Dissocia a aquisição de habilidade da
educação “humana” que as escolas associam intimamente e por
isso favorece uma aprendizagem não licenciada, bem como um
ensino não licenciado, por motivos inexprimíveis.
Está em voga atualmente uma proposição que parece, à pri-
meira vista, ser muito ajuizada. Foi elaborada por Christopher
Jencks, do Center for the Study of Public Policy, e endossada pelo Office
of Economic Opportunity. Advoga que os “direitos” educacionais ou
os subsídios educacionais sejam entregues aos pais ou alunos para
que os gastem nas escolas de suas escolhas. Esses direitos indivi-
duais poderiam significar importante passo na direção certa. Pre-
cisamos de uma garantia para o direito de cada cidadão à parte
igual dos recursos educacionais oriundos dos impostos, o direito
de fiscalizar esta parte, o direito de mover uma ação quando nega-
da. É uma forma de garantia contra taxação regressiva.
A proposição de Jencks começa, porém, com uma declaração
sinistra, de que os conservadores, liberais e radicais, todos se quei-
xaram, em uma época ou outra, que o sistema educacional ameri-
cano dá muito pouco incentivo aos educadores profissionais para
que eles possam fornecer à maioria das crianças uma educação de
alta qualidade. A proposição condena a si própria ao advogar sub-
sídios educacionais que deverão ser gastos em escolarização.
É o mesmo que dar a um coxo um par de muletas e recomen-
dar-lhe que só use amarradas uma na outra. Como a proposição
para subsídios educacionais se apresenta agora, ela favorece o jogo,
não só dos educadores profissionais, mas também dos racistas, dos
promotores de escolas religiosas e de outros, cujos interesses são
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socialmente segregacionistas. Enfim, restringir os “direitos” edu-
cacionais para uso exclusivo nas escolas favorece o jogo de todos os
que querem continuar vivendo numa sociedade em que o progresso
social está vinculado não a um comprovado conhecimento, mas a
uma genealogia de aprendizagem pela qual se supõe seja este adqui-
rido. Esta discriminação em favor das escolas que predomina nas
explanações de Jencks pelo refinanciamento educacional pode desa-
creditar um dos princípios mais necessários para a reforma do ensi-
no: a devolução ao educando ou ao seu tutor mais próximo da
iniciativa e responsabilidade financeira pela sua aprendizagem.
A desescolarização da sociedade implica um reconhecimento
da dupla natureza da aprendizagem. Insistir apenas na instrução
prática seria um desastre; igual ênfase deve ser posta em outras
espécies de aprendizagem. Se as escolas são o lugar errado para se
aprender uma habilidade, são o lugar mais errado ainda para se
obter educação. A escola realiza mal ambas as tarefas; em parte
porque não sabe distinguir as duas. A escola é ineficiente no ensino
de habilidades, principalmente, porque é curricular. Na maioria
das escolas, um programa que vise a fomentar uma habilidade está
sempre vinculado a outra tarefa que é irrelevante. A história está
ligada ao progresso na matemática; e a assistência às aulas, ao direi-
to de usar o campo de jogos.
A escola é ainda menos eficiente na concatenação das circuns-
tâncias que incentivam o uso franco e explorador das habilidades
adquiridas, para o qual reservo o termo “educação liberal”. A
principal razão disso é que a escola obrigatória e a escolarização
tornam-se um fim em si mesmo: uma estada forçada na compa-
nhia de professores que paga o duvidoso privilégio de poder con-
tinuar nessa companhia. Assim como o ensino de habilidades deve
ser liberto de cerceamentos curriculares, assim deve a educação
liberal estar dissociada da frequência obrigatória. Tanto a aprendi-
zagem de habilidades quanto a educação do senso inventivo e
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criativo podem ser favorecidos por disposições institucionais, mas
são de natureza diversa e muitas vezes opostas.
A maior parte das habilidades é adquirida e aperfeiçoada por
exercícios práticos, porque implica o domínio de um proceder
definido e previsto. O ensino de habilidades pode basear-se, por
isso, na simulação de circunstâncias em que será usada. Mas a edu-
cação do uso das habilidades criativas e inventivas não pode ba-
sear-se em exercícios práticos. A educação pode ser o resultado de
uma instrução, mas de um tipo de instrução totalmente distinto de
treino prático. Deriva de uma relação entre colegas que já possuem
algumas das chaves que dão acesso à informação memorizada e
acumulada na e pela comunidade. Baseia-se no esforço crítico de
todos os que usam estas memórias criativamente. Baseia-se na sur-
presa da pergunta inesperada que abre novas portas para o pes-
quisador e seu colega.
O instrutor de habilidades se apoia num conjunto de circuns-
tâncias que permitem ao aprendiz desenvolver respostas-padrão.
A função do orientador educacional ou do mestre está em ajudar
a que os aprendizes façam este encontro para que a aprendizagem
possa ocorrer. Junta algumas pessoas com outras, partindo de suas
próprias questões não resolvidas. No máximo, ajuda o aluno a
formular sua perplexidade, pois somente uma clara formulação
do problema lhe dará a possibilidade de encontrar seu compa-
nheiro, levado como ele, neste momento, a investigar o mesmo
assunto no mesmo contexto.
Reunir colegas para fins educacionais parece, à primeira vista,
mais difícil que encontrar instrutores de habilidades e parceiros de
um jogo. Uma das razões é o profundo medo que a escola im-
plantou em nós, um medo que nos torna severos. A troca não
autorizada de habilidades – mesmo de habilidades indesejadas – é
mais viável e por isso parece menos perigosa do que a ilimitada
oportunidade de reunir pessoas que compartilham um interesse
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que para eles, neste momento, é social, intelectual e emocional-
mente importante.
O professor brasileiro Paulo Freire sabe disso por experiência.
Descobriu que qualquer pessoa adulta pode começar a ler em ques-
tão de 40 horas, se as primeiras palavras que decifrar estiverem car-
regadas de significado para ela. Paulo Freire faz com que os
“alfabetizadores” se desloquem para algum lugarejo e descubram
palavras que traduzam assuntos importantes e atuais, como sejam, o
acesso a um açude ou as dívidas para com o patrão. À noite os
moradores se reúnem para discutir essas palavras-chave. Começam
a perceber que cada palavra permanece no quadro-negro mesmo
depois que o som dela haja desaparecido. As letras continuam a
revelar a realidade e a torná-la manejável como um problema. Cons-
tatei muitas vezes como os participantes dessas discussões cresciam
em consciência social enquanto aprendiam a ler e escrever. Parecia que
tomavam a realidade em suas mãos quando escreviam-na no papel.
Lembro-me de um homem que queixava do pouco peso do
lápis: era difícil manejá-lo porque não pesava tanto quanto uma
pá; lembro-me também de outro que no caminho para o trabalho
parou com seus companheiros e escreveu no chão, com a enxada,
a palavra que haviam discutido: água.
Os “encontros educacionais” entre pessoas que foram devi-
damente escolarizadas é outro assunto, mas os que não precisam
dessa ajuda são minoria, mesmo dentre os leitores de jornais sérios.
A maioria não poderá e nem deverá reunir-se para discutir um
“slogan”, uma palavra ou um quadro. A ideia, porém, é a mesma:
poderão reunir-se em torno a um problema escolhido e definido
por eles mesmos. A aprendizagem criativa e pesquisadora requer
que os participantes todos estejam igualmente perplexos perante
os mesmos termos ou problemas. Grandes universidades tentam
inutilmente alcançar esta aprendizagem multiplicando os cursos;
mas geralmente fracassam porque estão presos a currículos, estru-
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turas de curso e administração burocrática. Nas escolas, inclusive
nas universidades, gasta-se a maioria dos recursos tentado com-
prar o tempo e a motivação de um número limitado de pessoa
para que elas assumam determinados problemas e os resolvam
segundo um programa ritualmente definido. A mais radical alter-
nativa para a escola seria uma rede ou um sistema de serviços que
desse a cada homem a mesma oportunidade de partilhar seus inte-
resses com outros motivados pelos mesmos interesses.
Para esclarecer, tomemos um exemplo: como poderia fun-
cionar um encontro intelectual em Nova Iorque. Qualquer pessoa,
em qualquer momento e por um preço mínimo, poderia identifi-
car-se em um computador dando-lhe endereço, número de tele-
fone e indicando o livro, artigo, filme ou gravação sobre os quais
gostaria de discutir com um parceiro qualquer. Dentro de poucos
dias poderia receber pelo correio uma lista de outras pessoas que,
recentemente, tomaram a mesma iniciativa. Com esta lista poderia
combinar, por telefone, um encontro com pessoas que, a princí-
pio, se tornariam conhecidas apenas pelo fato de terem procurado
um diálogo sobre o mesmo assunto.
Congregar pessoas de acordo com seus interesses sobre de-
terminado assunto é muitíssimo fácil. Permite a identificação sim-
plesmente à base do mútuo desejo de discutir uma afirmação feita
por uma terceira pessoa, e deixa a iniciativa de combinar o encon-
tro ao indivíduo. Levantam-se normalmente três objeções contra
essa minha sugestão, que ainda está em estruturação. Vou apresentá-
las não só para esclarecer a teoria subjacente à sugestão – porque
elas ilustram a arraigada resistência à desescolarização da educação
e à separação da aprendizagem do controle social – mas também
porque podem ajudar a sugerir recursos existentes e que não são
atualmente usados para fins de aprendizagem.
A primeira objeção é: Por que a autoidentificação não pode
ser baseada também numa ideia ou num tema? Certamente, esses
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termos subjetivos também poderiam ser usados num sistema de
computador. Os partidos políticos, as igrejas, sindicatos, clubes,
associações de vizinhos e sociedades profissionais já organizaram
suas atividades educacionais dessa maneira e, na realidade, atuam
como escolas. Congregam pessoas para examinar certos “temas”;
estes são tratados em cursos, seminários e currículos em que os
presumíveis “interesses comuns” estão previstos. Tais congressos
temáticos são, por definição, professorizados (teacher-centered):
requerem uma presença autoritária que defina para os participan-
tes o ponto inicial de sua discussão.
Em contrapartida, nos encontros por motivo de título de livro
ou filme etc., na sua forma mais simples, deixa-se ao autor definir a
linguagem especial, os termos e a estrutura em que se coloca determi-
nado problema ou acontecimento; e isto possibilita aos que aceitam
este ponto de partida identificarem-se uns aos outros. Reunir, por
exemplo, pessoas em torno à ideia de “revolução cultural” leva, geral-
mente, à confusão ou à demagogia. Mas reunir interessados em aju-
dar-se mutuamente a entender determinado artigo de Mao, Marcuse,
Freud ou Goodman está dentro da vasta tradição de aprendizagem
liberal, desde os Diálogos de Platão – que se baseiam em presumíveis
afirmações de Sócrates – até comentários de Tomás de Aquino sobre
sentenças de Pedro Lombardo. A ideia de reunir-se em torno a um
título é, pois, totalmente diversa da teoria em que se baseou a criação
dos clubes de seleção de livros (Great Books): em vez de basear-se na
seleção de alguns professores de Chicago, quaisquer duas pessoas
podem escolher qualquer livro para análise mais aprofundada.
A segunda objeção: por que não incluir na identificação dos que
procuram parceiros informações sobre idade, antecedentes, visão
de mundo, competência, experiência, ou outra característica? Nova-
mente, não haveria razões contrárias à possível ou efetiva introdu-
ção dessas restrições discriminatórias em algumas das muitas univer-
sidades – com ou sem paredes – que poderiam usar os encontros-
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títulos como um instrumento organizacional básico. Posso imaginar
um sistema destinado a incentivar encontros de pessoas interessadas
em que o autor do livro escolhido esteja presente ou representado;
ou um sistema que garanta a presença de um competente orientador;
ou um sistema a que tenham acesso apenas os alunos inscritos num
departamento ou matriculados numa escola; ou ainda um sistema
que permita encontros apenas de pessoas que definiram sua posição
básica em relação ao livro a ser debatido. Poder-se-ia encontrar,
para cada uma dessas restrições, vantagens com fins específicos de
aprendizagem. Mas temo que, as mais das vezes, o motivo real de
propor tais restrições seja a desconfiança, oriunda da presunção de
que evitar que ignorantes se reúnem com ignorantes em torno a um
texto que eles podem não compreender e que eles leem apenas por-
que estão interessados nele.
A terceira objeção: Por que não dar, aos que procuram parcei-
ros, assistência incidental que facilitará seus encontros – espaço, horá-
rio, material e proteção? Isto é feito atualmente pelas escolas com
toda a ineficiência característica das grandes burocracias. Se deixar-
mos a iniciativa das reuniões aos que procuram parceiros, as organi-
zações que ninguém, hoje em dia, classifica de educacionais, prova-
velmente farão isto bem melhor. Penso nos proprietários de restau-
rantes, editores, serviços telefônicos, gerentes das secções de grandes
firmas comerciais, agentes de viagens que poderiam melhorar seus
serviços tornando seus recintos atrativos para reuniões educacionais.
Num primeiro encontro, digamos, num café, os parceiros po-
deriam identificar-se colocando o livro em discussão próximo a
suas xícaras. As pessoas que tomaram a iniciativa desses encontros
logo aprenderão quais itens abordar para encontrar as pessoas que
procuravam. O risco de que a discussão autoescolhida com um ou
mais estranhos possa levar à perda de tempo, desilusão ou mesmo a
enfado é, certamente, menor que o mesmo risco assumido por um
candidato à escola. Um encontro arranjado pelo computador para
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discutir um artigo que apareceu numa revista nacional, mantido num
café da Quarta Avenida, não obrigará a nenhum dos participantes a
ficar na companhia de seus novos conhecidos por mais tempo do
que leva para tomar uma xícara de café, nem estará obrigado a
encontrar-se com qualquer um deles uma segunda vez. Há grandes
oportunidades de que isso ajudará a descerrar a opacidade da vida
numa cidade moderna, a fazer novas amizades, a realizar trabalhos
autoescolhidos e fazer leituras críticas. (É inegável o fato de que o
FBI poderia fazer um registro das leituras e encontros das pessoas;
que isto ainda preocupe a alguém em 1970 é divertido para um
homem livre que, quer queira quer não, contribui com sua parte para
afogar os bisbilhoteiros nas mesquinharias que ficam coletando).
Tanto o intercâmbio de habilidades quanto o encontro de par-
ceiros baseiam-se na pressuposição de que educação para todos
significa educação por todos. Não é o recrutamento para institui-
ções especializadas que leva a uma cultura popular, mas, sim, a
mobilização de toda a população. O direito igual de cada pessoa
de exercer sua competência para aprender e instruir-se é, atual-
mente, pré-esvaziado pelos professores com certificado. Por sua
vez, a competência do professor é restringida ao que é permitido
fazer na escola. E mais, trabalho e lazer estão alienados um do
outro enquanto efeito: supõe-se que tanto o expectador quanto o
trabalhador cheguem ao local de trabalho prontinhos para ajustar-se
a uma rotina preparada para eles. A adaptação, na forma usada nos
projetos de produtos; a instrução e a publicidade molda-os para
suas funções tão bem quanto a educação formal, ministrada nas
escolas. Radical alternativa para uma sociedade desescolarizada exige
não apenas novos e formais mecanismos para aquisição formal
de habilidades e sua aplicação educacional, mas implica novo
enfoque da educação incidental ou informal.
A educação incidental não pode mais voltar às formas que a
aprendizagem teve nos povoados ou nas cidades medievais. A
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sociedade tradicional era mais parecida a um conjunto de círculos
concêntricos de estruturas significativas, ao passo que o homem
moderno precisa aprender a encontrar sentido em muitas estrutu-
ras às quais está ligado apenas marginalmente. Nos povoados, a
linguagem, a arquitetura, o trabalho, a religião e os costumes fami-
liares eram coerentes e se explicavam e se reforçavam mutuamen-
te. Crescer num deles implicava crescimento nos outros. Mesmo o
aprendizado especializado era subproduto de atividades especia-
lizadas, como fazer sapatos ou cantar salmos. Se um aprendiz ja-
mais chegasse a mestre ou perito, contribuía para fazer sapatos ou
para solenizar os serviços religiosos. A educação não competia em
tempo com o trabalho e nem com o lazer. Quase toda a educação
era complexa, durava a vida toda e não era planejada.
A sociedade contemporânea é o resultado de projetos cons-
cientes e neles devem ser projetadas oportunidades educacionais.
Nossa confiança na instrução especializada e de tempo integral pela
escola tende a diminuir; temos que achar outras maneiras de apren-
der e ensinar: a qualidade educacional de todas as instituições deverá
aumentar novamente. Este prognóstico é, no entanto, muito ambí-
guo. Pode significar que os homens da era moderna serão sempre
mais vítimas de um real processo de instrução e manipulação total,
uma vez privados da mais leve pretensão de independência crítica
que as escolas liberais agora ministram para, ao menos, alguns de
seus alunos. Pode significar também que os homens vão escudar-se
menos atrás de certificados obtidos em escolas, ganhando coragem
para “responder à altura” e desse modo controlar e instituir as insti-
tuições de que participam. Para assegurar isto devemos aprender a
medir o valor social do trabalho e do lazer pela permuta educa-
cional que eles ensejam. Participação efetiva na política de uma rua,
de um lugar de trabalho, de uma biblioteca, de um programa noti-
cioso ou de um hospital é, portanto, a melhor medida para avaliar
seu nível como instituição educacional.
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Recentemente, falei a um grupo de alunos do 2º grau que esta-
vam organizando um movimento de resistência contra a obriga-
toriedade de terem que ingressar na série seguinte. Seu lema era
“participação, mas não simulação”. Estavam decepcionados por-
que isto fora interpretado como exigência para menos e não para
mais educação. Lembrei-me da resistência que Karl Marx opôs a
um item do programa Gotha que – há cem anos – queria proibir
o trabalho de crianças. Opôs-se porque achava que a educação
dos jovens só poderia dar-se no trabalho. Se o melhor fruto do
trabalho humano for a educação que dele provém e a oportunida-
de que dá ao homem de iniciar a educação de outros, então a
alienação da sociedade moderna no sentido pedagógico é ainda
pior que sua alienação econômica.
O maior obstáculo para chegar a uma sociedade que realmen-
te eduque foi muito bem definido por um amigo meu, negro, em
Chicago. Disse-me que nossa imaginação estava “totalmente escola-
rizada”. Permitimos que o estado ausculte as deficiências educa-
cionais universais de seus cidadãos e crie uma repartição espe-
cializada para tratá-las. Partilhamos, portanto, da ilusão de que é
possível distinguir entre o que é educação necessária para os ou-
tros e o que não é; exatamente como as gerações passadas que
faziam leis para definir o que era sagrado e o que era profano.
Durkheim dizia que o fato de se dividir a realidade social em
dois campos foi a verdadeira essência da religião antiga. Há, dizia
ele, religiões sem o sobrenatural e religiões sem deuses, mas ne-
nhuma que não subdivida o mundo em coisas, tempos e pessoas
que são sagrados e outros que, consequentemente, são profanos.
A constatação de Durkheim pode ser aplicada à sociologia de
educação, pois a escola é, também, numa perspectiva bem seme-
lhante, absolutamente divisória.
A simples existência da escolaridade obrigatória divide qualquer
sociedade em dois campos: certos períodos de tempo, processos,
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serviços e profissões são “acadêmicos” ou “pedagógicos”, outros
não. O poder de a escola dividir a realidade social não tem limites: a
educação torna-se não-do-mundo e o mundo torna-se não educativo.
A partir de Bonhoeffer, os teólogos contemporâneos chama-
ram a atenção para a confusão hoje existente entre a mensagem
bíblica e a religião institucionalizada. Apelam para experiência quan-
do dizem que a liberdade cristã e a fé, geralmente, tiram proveito
da secularização. Suas afirmações, evidentemente, soam blasfemas
para certos eclesiásticos. Sem dúvida, o processo educacional se
beneficiará da desescolarização da sociedade, mesmo que esta exi-
gência soe para muitos escolarizantes como traição ao iluminismo.
Mas é o próprio iluminismo que está sendo extinguido nas escolas.
A secularização da fé cristã depende da dedicação que a ela
têm os cristãos enraizados na igreja. De forma algo semelhante, a
desescolarização da educação depende da liderança dos que fo-
ram criados nas escolas. Não podem servir-se do currículo como
álibi para a tarefa: cada um de nós permanece responsável pelo
que foi feito dele, mesmo que nada mais possa fazer do que acei-
tar sua responsabilidade e servir como advertência aos outros.
Fenomenologia da escola
Algumas palavras tornam-se tão flexíveis que deixam de ser
úteis. “Escola” e “ensino” são palavras desse tipo. Elas se ajustam
dentro de qualquer interstício da linguagem como uma ameba. Os
russos aprenderão pelo ABM
13
, as crianças negras pelo IBM
14
; um
exército pode vir a ser a escola de uma nação.
A busca de alternativa na educação precisa começar com um
entendimento prévio sobre o que entendemos por “escola”. Pode-
se fazê-lo de diversas maneiras. Poderíamos começar pela enumera-
ção das funções latentes, exercidas pelos modernos sistemas escola-
13
ABM = Anti-Balistic Missiles
14
IBM = International Business Machines
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res como proteção, seleção, instrução e aprendizagem. Seria interes-
sante fazer uma análise clínica e verificar quais dessas funções latentes
prestam serviço ou desserviço aos professores, empresários, crian-
ças, pais ou profissões. Seria interessante também fazer um levanta-
mento da história da cultura ocidental e das informações reunidas
pela antropologia para descobrir as instituições que tiveram um de-
sempenho semelhante ao da escola atual. Seria interessante, enfim,
recordar as inúmeras afirmações normativas desde o tempo de
Comênio ou de Quintiliano, e descobrir de quais delas mais se apro-
xima o moderno sistema escolar. Qualquer dessas abordagens nos
obrigará a começar com certas suposições sobre relacionamento
entre escola e educação. Para criar linguagem que seja possível falar
da escola sem contínuas referências à educação, resolvi começar com
algo que poderia ser chamado de fenomenologia da escola pública.
Definirei, para tanto, a “escola” como um processo que requer
assistência de tempo integral a um currículo obrigatório, em certa
idade e com presença de um professor.
Idade – A escola agrupa pessoas com base nas idades. Esse
agrupamento fundamenta-se em três inquestionáveis premissas. O
lugar das crianças é na escola. As crianças aprendem na escola. Só
se pode ensinar as crianças na escola. Acho que essas intocáveis
premissas merecem sérias objeções.
Estamos acostumados com crianças. Decidimos que deverão
ir à escola fazer o que se lhes manda, não ter economias ou família
próprias. Esperamos que conheçam seu lugar e se comportem
como crianças. Recomendamos, com saudade ou tristeza, o tem-
po em que também éramos crianças. Supõe-se que toleremos o
comportamento infantil das crianças. A humanidade é, para nós,
uma espécie de instituição afligida e abençoada com a missão de
cuidar das crianças. Esquecemos, porém, que nosso atual conceito
de “meninice” desenvolveu-se apenas recentemente na Europa Oci-
dental e mais recentemente ainda nas Américas.
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A meninice, como algo distintivo da infância, adolescência ou
juventude, era desconhecida à maioria dos períodos históricos.
Algumas eram cristãs nem mesmo consideravam suas proporções
corporais. Artistas pintavam a criança como se fosse miniatura de
adulto, sentada nos braços de sua mãe.
As crianças aparecem na Europa justamente com os relógios
de bolso e os agiotas cristãos do Renascimento. Antes do nosso
século, pobres e ricos nada entendiam de roupas para crianças,
jogos de crianças ou de imunidade legal da criança. O ser criança
era coisa da burguesia. O filho do trabalhador, do camponês ou
do nobre, todos se vestiam como seus pais, brincavam como seus
pais e eram enforcados da mesma maneira que seus pais. Depois
que a burguesia descobriu “o ser criança”, tudo mudou. Apenas
algumas igrejas continuaram a respeitar, por certo tempo, a digni-
dade e maturidade dos jovens. Até o Concílio Vaticano II ensina-
va-se às crianças que o cristão chegava ao discernimento moral e à
liberdade aos sete anos e, a partir daí, era capaz de cometer peca-
dos, pelos quais poderia ser castigado com o inferno eterno. Pelos
meados do século atual, os pais da classe média começaram a
evitar o impacto dessa doutrina sobre seus filhos. Seu modo de
pensar sobre crianças prevalece atualmente na prática da Igreja.
Até o século passado, as “crianças” das famílias da classe média
eram formadas em casa com a ajuda de preceptores e escolas par-
ticulares. Só com o advento da sociedade industrial tornou-se possí-
vel e acessível às massas a produção intensa da “infância”. O sistema
escolar é um fenômeno moderno, ,assim como o é a infância que ela
produz. Uma vez que a maioria das pessoas vive, hoje, fora das
cidades industriais, já não experimenta a infância. Nos Andes, quan-
do a pessoa se torna “útil”, começa a arar o solo. Antes disso, guar-
da os rebanhos. Se for uma pessoa bem nutrida, torna-se útil aos
onze anos, caso contrário aos doze. Certa vez conversava com o
guarda-noturno, Marcos, sobre seu filho de onze anos que trabalha-
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va numa barbearia. Disse-lhe, em espanhol, que seu filho ainda era
“niño”. Marcos, surpreso, retrucou com sorriso franco: “Don Ivan,
acho que o Senhor tem razão”. Notei que, até esta minha observa-
ção, o pai pensava em Marcos apenas como seu “filho”; senti-me
culpado por ter descerrado o véu da infância entre duas pessoas
tão sensíveis. Se eu dissesse a um morador da favela de Nova
Iorque que seu filho, já empregado, era ainda “criança”, não se
mostraria surpreendido. Sabe perfeitamente que seu filho de onze
anos deveria gozar da infância e lamenta que assim não seja. O filho
de Marcos tinha ainda que ser sensibilizado para anelo pela infância;
o filho do nova-iorquino sente-se despojado dela.
A maioria das pessoas não quer ou não pode proporcionar
uma infância moderna a seus filhos. Mas parece também que a
infância é um peso para boa parte daqueles poucos que a podem
gozar. Muitos são forçados a passar por ela e não se alegram, de
forma nenhuma, por desempenhar o papel de criança. Passar pela
infância significa estar condenado a um processo de conflito
desumanizante entre a autoconsciência e o papel imposto por uma
sociedade que perverte inclusive a própria idade escolar.
Stephen Daedalus e Alexander Portnov não gostaram da in-
fância e, creio, muitos de nós não gostaríamos de ser tratados
como crianças.
Se não houvesse uma instituição de aprendizagem obrigatória
e para determinada idade, a “infância” deixaria de ser produzida.
Os jovens das nações ricas estariam liberados de sua destrutividade
e as nações pobres não tentariam rivalizar com a infantilidade das
nações ricas. Se a sociedade quisesse superar sua idade infantil, teria
que tornar-se suportável para os jovens. Já não poderia ser mantida
a atual disjunção entre uma sociedade adulta que pretende ser hu-
mana e o ambiente escolar que zomba da realidade.
A desinstalação da escola poderia acabar com a atual discrimi-
nação contra recém-nascidos, adultos e velhos e deixar de favore-
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cer apenas adolescentes e jovens. A decisão social de colocar
preferentemente recursos educacionais à disposição daqueles que
superaram a extraordinária capacidade de aprender dos quatro
primeiros anos e não atingiram o grau da aprendizagem automoti-
vada parecerá, retrospectivamente, um tanto bizarra.
A sabedoria institucionalizada nos diz que as crianças precisam
de escola. A sabedoria institucionalizada nos diz que as crianças
aprendem na escola. Mas esta mesma sabedoria institucionalizada
é produto de escolas, pois o sadio senso comum nos diz que ape-
nas as crianças podem ser instruídas na escola. Somente pela segre-
gação dos seres humanos na categoria infantil conseguimos
submetê-los à autoridade de um professor escolar.
Professores e alunos – Por definição, as crianças são alunos. A
demanda do meio infantil cria um ilimitado mercado para profes-
sores registrados. A escola é uma instituição baseada no axioma de
que a aprendizagem é o resultado do ensino. E a sabedoria institu-
cionalizada continua a aceitar este axioma, apesar da evidência em
contrário.
A maior parte dos nossos conhecimentos adquirimo-los fora
da escola. Os alunos realizam a maior parte de sua aprendizagem
sem os, ou muitas vezes, apesar dos professores. Mais trágico ain-
da é o fato de que a maioria das pessoas recebe o ensino da escola,
sem nunca ir à escola.
Todos aprendemos o como viver sem o auxilio da escola.
Aprendemos a falar, pensar, amar, sentir, brincar, praguejar, fazer
política e trabalhar sem interferência de professor algum. Mesmo
as crianças que estão sob cuidados, dia e noite, de um professor
não constituem exceção. Os órfãos, os excepcionais e os filhos de
professores escolares adquirem a maioria de seus conhecimentos
fora do processo “educacional” planejado para eles. Os professo-
res deram uma fracassada demonstração quando tentaram incre-
mentar a aprendizagem dos pobres. Os pais pobres que desejam
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que seus filhos frequentem a escola não se interessam pelo que vão
aprender tanto quanto pelo certificado e pelo dinheiro que irão
ganhar. E os pais da classe média confiam seus filhos aos cuidados
de um professor para resguardá-los de aprender o que os pobres
aprendem na rua. As pesquisas educacionais vêm, crescentemente,
demonstrando que as crianças aprendem a maior parte do que os
professores pretendem ensinar-lhes dos seus grupos de amigos,
das histórias em quadrinhos, de observações fortuitas e, sobretu-
do, da mera participação no ritual escolar. Os professores, na
maioria dos casos, obstaculizam esta aprendizagem de assuntos
pelo modo como eles os apresentam na escola.
Metade dos habitantes desse planeta jamais colocou os pés
numa escola. Não tem contato com professores e não usufrui do
privilégio de abandonar a escola antes de completar o curso (drep
out). Apesar disso aprendem com relativa eficiência a mensagem
transmitida pela escola: precisam da escola sempre e sempre mais.
A escola os institui na sua própria inferioridade, através da cobran-
ça de impostos escolares, ou através de um demagogo que cria
expectativas pela escola, ou através de seus filhos quando estes já
morderam o anzol. Desse modo os pobres são despojados de
sua autoestima pela submissão a um credo que garante a salvação
apenas pela escola. A Igreja lhes deu ao menos uma chance de
arrependimento na hora da morte. A escola lhes deixa a expectati-
va (uma esperança vã) de que seus netos o farão. Esta expectativa
refere-se, obviamente, a um maior aprendizado oriundo da escola
e não de professores.
Os alunos nunca atribuíram aos professores o que aprende-
ram. Tanto os mais brilhantes quanto os mais bobos sempre con-
fiaram na sorte, leituras e esperteza para passar nos exames, moti-
vados pela vara ou pelo desejo de fazer carreira.
Os adultos gostam de romantizar seu tempo de escola. Re-
cordando, atribuem o que aprenderam ao professor que com eles
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teve paciência. Estes mesmos adultos se preocupariam com a saú-
de mental de uma criança que viesse para casa e lhes contasse o que
aprendera de cada um dos professores.
As escolas criam empregos para seus professores, não impor-
ta o que os alunos aprendem deles.
Frequência de tempo integral – Todo mês vejo nova lista de pro-
posições feitas por alguma indústria norte-americana à Agência de
Desenvolvimento Internacional (AID) sugerindo a substituição dos
“mestres-escola” latino-americanos por monitores de ensino pro-
gramado ou, simplesmente, pela TV. Nos Estados Unidos vem
tendo aceitação a ideia do ensino como empreendimento conjun-
to de pesquisadores educacionais, planejadores e técnicos. Não
importa que o professor seja tradicional ou uma equipe de ho-
mens com uniforme branco. Não importa que tenha êxito ou fra-
cassem no ensinar as matérias relacionadas no programa. O pro-
fessor profissional cria um meio sagrado.
A incerteza sobre o futuro do ensino profissional coloca em
perigo a existência das salas de aula. Se os profissionais da educação
se especializam em promover a aprendizagem, terão que abandonar
um sistema que exige entre 750 a 1.000 reuniões por ano. Obvia-
mente os professores fazem muito mais. A sabedoria institucionalizada
das escolas diz aos pais, alunos e educadores que o professor que
quer ensinar deve exercer sua autoridade num recinto sagrado. Isso
também vale para professores cujos alunos passam a maior parte de
seu tempo escolar numa sala de aula sem paredes.
A escola, por sua própria natureza, tende a exigir o tempo
integral e todas as energias de seus frequentadores. Isso, por sua
vez, transforma o professor em guardião, pregador e terapeuta.
Ao representar esses diferentes papéis o professor baseia sua
autoridade em diferentes exigências.
O professor-guardião atua como mestre de cerimônias que dirige
seus alunos através de um ritual labirinticamente traçado. É árbitro
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da observância das normas e ministra as intrincadas rubricas de ini-
ciação à vida. No melhor dos casos, coloca os fundamentos para
aquisição de alguma habilidade, à semelhança daquela que os pro-
fessores sempre possuem. Sem pretensões de conduzir a uma apren-
dizagem profunda, treina seus alunos em algumas rotinas básicas.
O professor-moralista substitui os pais, Deus ou o estado. Dou-
trina os alunos sobre o que é certo e o que é falso, não apenas na
escola, mas também na grande sociedade. Está in loco parentis para
cada um dos alunos e, assim, garante que todos se sintam crianças
da mesma nação.
O professor-terapeuta julga-se autorizado a investigar a vida par-
ticular de seus alunos a fim de ajudá-los a tornarem-se pessoas.
Quando esta função é exercida por um guardião ou pregador,
normalmente significa que persuade o aluno a domesticar sua vi-
são do verdadeiro e seu senso do que é correto.
Dizer que a sociedade liberal pode apoiar-se na escola moder-
na é paradoxo. A salvaguarda da liberdade individual fica suspensa
no relacionamento de um professor com seu aluno. Quando o
professor reúne em sua pessoa as funções de juiz, ideólogo e mé-
dico perverte-se o estilo fundamental da sociedade pelo mesmo
processo que deveria preparar para a vida. Um professor que reúne
esses três poderes contribui muito mais para a distorção da criança
do que as leis que determinam sua minoridade legal e econômica,
ou que restringem seu direito à livre reunião e residência.
Os professores não são os únicos profissionais que oferecem
terapia. Os psiquiatras educacionais, os orientadores vocacionais e
mesmo os advogados ajudam seus clientes a decidir, a desenvolver
sua personalidade e a aprender. Mas o sentimento comum diz ao
cliente que esses profissionais se abstêm de impor sua opinião sobre
o certo e o errado ou de forçar alguém a seguir seus conselhos. Os
professores e os padres são os únicos profissionais que se acham
autorizados a imiscuir-se nos assuntos privados de seus clientes, ao
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mesmo tempo em que pregam para uma audiência cativa.
As crianças não têm proteção nem do primeiro e nem do
quinto mandamento, quando estão diante desse padre secular, o
professor. A criança se defronta com um homem que usa uma
invisível tríplice coroa, semelhante à tiara papal, o símbolo da tríplice
autoridade, reunida numa só pessoa. Para a criança, o professor
pontifica como pastor, profeta, sacerdote; ele é ao mesmo tempo,
guia, professor, e ministro do sagrado ritual. Reúne as pretensões
dos papas medievais numa sociedade que garante que essas pre-
tensões nunca serão exercidas juntas, por uma instituição estabe-
lecida e obrigatória, seja Igreja ou estado.
A definição das crianças como alunos de tempo integral permi-
te ao professor exercer uma espécie de poder que é muito menos
limitado por restrições constitucionais e consuetudinárias do que o
poder exercido por guardiães de outras áreas sociais. A idade cro-
nológica desqualifica as crianças das salvaguardas que são rotina para
os adultos num asilo moderno, seja manicômio, mosteiro ou prisão.
A frequência escolar preserva as crianças do mundo cotidiano
da cultura ocidental e as mergulha num ambiente bem mais primi-
tivo, mágico e muito sério. A escola não poderia criar tal ambiente
em que as normas da realidade comum ficam suspensas, a não ser
mediante o encarceramento dos jovens em recinto sagrado duran-
te muitos anos sucessivos. A lei da frequência obrigatória possibi-
lita à sala de aula servir de ventre mágico, donde a criança é liber-
tada periodicamente, ao final do dia ou ao findar do ano escolar,
até que seja, finalmente, expelida para a vida adulta. A infância
universal e a atmosfera carregada das salas de aula não poderiam
existir sem a escola. No entanto, as escolas como canais compul-
sórios da aprendizagem poderiam existir sem ambas e ser mais
repressivas e destrutivas que qualquer coisa conhecêssemos. Para
entender o que isso significa para a desescolarização da sociedade
e não apenas para a reforma dos estabelecimentos de ensino, pre-
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cisamos, agora, abordar o secreto currículo escolar. Não estamos
interessados aqui, diretamente, no secreto currículo que marca os
pobres nas ruas de um gueto, nem no secreto currículo das salas
de aula luxuosas que beneficia o rico. Estamos interessados, sim,
em chamar a atenção para o fato de que o cerimonial ou ritual da
própria escolarização constitui semelhante currículo. Nem o me-
lhor dos professores consegue dele resguardar totalmente seus alu-
nos. Inevitavelmente, este secreto currículo da escolaridade ajunta
preconceitos e culpa à discriminação que a sociedade pratica con-
tra alguns de seus membros e concede aos privilegiados um novo
título de condescenderem com a maioria. Também de maneira
inevitável, este secreto currículo presta-se como rito de iniciação
para a sociedade de consumo, orientada para o progresso, tanto
para ricos como para pobres (Illich, 1976, pp. 57-68).
A nova alienação
A escola não é apenas a nova religião do mundo. É também o
mercado de trabalho de mais rápido crescimento no mundo intei-
ro. A engenharia dos consumidores tornou-se o principal setor do
crescimento da economia. Enquanto decrescem, nos países ricos,
os custos da produção, há uma crescente concentração de capital e
trabalho na grande empresa de habilitar o homem para o consu-
mo disciplinado.
Na década passada os investimentos de capital diretamente
relacionados com o sistema escolar foram maiores que os gastos
com a defesa do país. O desarmamento apenas acelerará o pro-
cesso pelo qual a indústria da aprendizagem vai ocupar o centro
da economia nacional. A escola dá ilimitadas oportunidades para
o desperdício legalizado, enquanto sua destrutibilidade continua
irreconhecível e o custo dos paliativos aumenta.
Se somarmos os que dedicam tempo integral ao ensino aos que
assistem às aulas por tempo integral, perceberemos que a assim cha-
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mada superestrutura tornou-se o principal empregador da socieda-
de. Nos Estados Unidos, sessenta e dois milhões de pessoas estão
na escola e oitenta milhões trabalham em outros lugares. Isto é mui-
tas vezes esquecido pelos analistas neomarxistas que afirmam dever
o processo de desescolarização ser postergado ou posto entre pa-
rênteses até que outras desordens, tradicionalmente aceitas como
mais fundamentais, sejam corrigidas por uma revolução econômica
e política. A estratégia revolucionária poderá ser realisticamente pla-
nejada, unicamente, se a escola for considerada como indústria. Para
Marx, o custo de produção de demandas para os bens de consumo
era pouco significativo. Hoje em dia, a maior parte do esforço hu-
mano está engajado na produção de demandas que podem ser sa-
tisfeitas pela indústria que, por sua vez, requer sempre mais capital.
E a maior parte disso é feita na escola.
A alienação, na concepção tradicional, era consequência direta
do fato de o trabalho ter-se convertido em trabalho assalariado, o
que tirava do homem a possibilidade de criar e ser recriado. Ago-
ra, os jovens são pré-alienados pelas escolas que os isolam, en-
quanto pretendem ser produtores e consumidores de seus pró-
prios conhecimentos, concebidos como mercadoria que a escola
coloca no mercado. A escola faz da alienação uma preparação
para a vida, separando a educação da realidade e o trabalho da
criatividade. A escola prepara para a institucionalização alienante
da vida ensinando a necessidade de ser ensinado. Aprendida esta
lição, as pessoas perdem o incentivo de crescer com independên-
cia; já não encontram atrativos nos assuntos em discussão; fecham-
se às surpresas da vida quando estas não são predeterminadas por
definição institucional. A escola, direta ou indiretamente, emprega
a maior parte da população. A escola ou retém as pessoas por
toda a vida, ou assegura que se ajustarão a alguma instituição.
A Nova Igreja do Mundo é a indústria do conhecimento, ao
mesmo tempo fornecedora de ópio e lugar de trabalho durante
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um número sempre maior de anos de vida de uma pessoa. A
desescolarização está, pois, na raiz de qualquer movimento que
vise à libertação humana (Illich, 1976, pp. 85-87).
Potencial revolucionário da desescolarização
A escola não é, de forma alguma, a única instituição moderna
que tem por finalidade primordial bitolar a visão humana da rea-
lidade. O secreto currículo da vida familiar, do recrutamento mili-
tar, da assistência médica, do assim chamado profissionalismo, ou
dos meios de comunicação de massa têm importante papel na
manipulação institucional da cosmovisão humana, linguagem e
demandas. Mas a escola escraviza mais profunda e sistematica-
mente, pois unicamente ela está creditada com a função primor-
dial de formar a capacidade crítica e, paradoxalmente, tenta fazê-
lo tornando a aprendizagem dos alunos – sobre si mesmos, sobre
os outros e sobre a natureza – dependente de um processo pré-em-
pacotado. A escola nos toca tão de perto que ninguém pode esperar
ser dela libertado por meio de outra coisa qualquer.
Muitos revolucionários, que o são a seu modo, são vítimas da
escola. Consideram a própria libertação como produto de um pro-
cesso institucional. Somente o libertar-se da escola dissipará essas
ilusões. A descoberta de que a maioria da aprendizagem não requer
ensino jamais poderá ser manipulada ou planejada. Cada um é pes-
soalmente responsável por sua própria desescolarização; unicamen-
te nós temos o poder de fazê-lo. Ninguém será desculpado se não
conseguir se libertar da escolarização. As pessoas não conseguiram
libertar-se da Coroa até que, ao menos alguns, se libertaram da Igre-
ja estabelecida. Não conseguirão libertar-se do consumo progressi-
vo a menos que se libertem da obrigatoriedade escolar.
Todos estamos envolvidos na escolarização, seja pelo lado da
produção, seja pelo lado do consumo. Estamos supersticiosamen-
te convencidos que uma boa aprendizagem pode e deve ser pro-
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duzida em nós e que nós podemos produzi-la nos outros. Nossa
tentativa de afastar-nos do conceito de escola revelará a resistência
que em nós acharemos quando tentarmos renunciar ao consumo
ilimitado e à difundida presunção de que os outros podem ser
manipulados para seu próprio bem. No processo escolar, nin-
guém está totalmente livre de ser explorado pelos outros.
A escola é o maior e o mais anônimo empregador que existe.
Ela é o melhor exemplo de uma nova espécie de empresa, sucesso-
ra das corporações, fábricas e sociedade anônimas. As corporações
multinacionais que dominaram a economia estão sendo comple-
mentadas agora, e podem ser substituídas, algum dia, por agências
de serviços supranacionais. Estas empresas apresentam seus servi-
ços de tal forma que todos os homens se sintam obrigados a consu-
mi-los, redefinindo periodicamente o valor de seus serviços, obede-
cendo a um ritmo quase idêntico em todos os lugares.
O transporte que depende de novos carros e super-rodovias
serve à mesma necessidade, institucionalmente empacotada, de
conforto, prestígio, velocidade e outros artifícios, quer seus com-
ponentes sejam produzidos pelo estado, quer não. A aparelhagem
da assistência médica define um tipo peculiar de saúde, quer seja o
atendimento pago pelo estado, quer pelo indivíduo. A promoção
com vistas ao diploma ajeita o estudante para ocupar um lugar na
mesma pirâmide internacional do contingente humano qualifica-
do; não importa quem dirija a escola.
Em todos esses casos, o emprego é um benefício escondido:
o motorista de um carro particular, o paciente que baixa ao hospi-
tal, o aluno na sala de aula, todos devem ser considerados, agora,
como partes de uma nova classe de “empregados”. Um movi-
mento de libertação que começasse na escola e tivesse fundado na
conscientização dos professores e alunos de serem simultaneamente
exploradores e explorados poderia ser o protótipo da estratégias
revolucionárias do futuro; pois um radical programa de desesco-
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67
larização poderia treinar os jovens no novo estilo de revolução
necessário para desafiar um sistema social que apresenta como
obrigatórios a “saúde”, o “bem-estar” e a “segurança”.
Os riscos de uma revolta contra a escola são imprevisíveis,
mas não menos horríveis que os riscos de uma revolução que prin-
cipiasse em qualquer grande instituição. A escola ainda não está
organizada para a autoproteção tão eficazmente quanto um esta-
do-nação ou uma grande corporação. A libertação das amarras da
escola poderia acontecer sem derramamento de sangue. As repre-
sálias dos inspetores escolares e dos seus aliados nas cortes e agên-
cias de emprego poderão assumir formas cruéis contra o trans-
gressor individual, especialmente se for pobre, mas serão impo-
tentes contra o surgimento de um movimento de massa.
A escola tornou-se problema social; é atacada por todos os
lados. Cidadãos particulares e seus governos financiaram experiên-
cias não convencionais em todo o mundo. Recorrem a artifícios
estatísticos incomuns para manter a crença e salvar a aparências. O
ânimo de alguns educadores é semelhante ao dos bispos católicos
após o Concílio Vaticano II. Os currículos das chamadas “escolas
livres” se assemelham à liturgia das missas acompanhadas de músi-
cas folclóricas ou de rock. As reivindicações dos estudantes do nível
secundário, no sentido de terem voz na escola de seus professores,
são tão estridentes quanto as reivindicações dos paroquianos exigin-
do participação na escolha de seus pastores. Mas, para a sociedade,
a parada é bem maior quando uma significante minoria perde sua fé
na escolarização. Isto poria em perigo não só a sobrevivência da
ordem econômica, construída sobre a coprodução de bens e de-
mandas, mas também, da ordem política, construída sobre o esta-
do-nação, ao qual a escola entrega seus alunos.
Nossa opção é suficientemente clara. Ou continuamos a acre-
ditar que a aprendizagem institucionalizada é um produto que jus-
tifica investimentos ilimitados, ou redescobrimos que a legislação,
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planejamento e investimento – se for possível dar-lhes um lugar na
educação formal – devem ser usados principalmente para derru-
bar as barreiras que atravancam as oportunidades de aprendiza-
gem. Estas últimas são exclusivamente atividades pessoais.
Se não questionarmos a suposição de que o conhecimento é
uma mercadoria que, sob certas circunstâncias, pode ser infringida
ao consumidor, a sociedade será cada vez mais dominada por sinis-
tras pseudoescolas e totalitários gerentes da informação. Os terapeutas
pedagógicos doparão sempre mais seus alunos com a finalidade de
ensiná-los melhor; os estudantes tomarão mais drogas para se ali-
viarem das pressões dos professores e da corrida para os diplomas.
Número crescente de burocratas vai arvorar-se em professores. A
linguagem do homem da escola já foi escolhida pelo publicitário.
Numa sociedade escolarizada, a guerra e a repressão civil encon-
tram uma justificativa educacional. A guerra pedagógica, o estilo
Vietnã, será justificada sempre mais como única forma de ensinar
ao povo o valor supremo do interminável progresso.
A repressão será vista como esforço missionário para apressar a
vinda do Messias mecânico. Mais e mais países recorrerão à tortura
pedagógica para manter submissa a população. Esta tortura peda-
gógica não é usada para obter informações ou para satisfazer neces-
sidades psíquicas de sádicos. Estriba-se num terror ocasional para
quebrantar a integridade de uma população e fazer dela material
plástico, moldável aos ensinamentos inventados por tecnocratas. A
natureza totalmente destrutiva e sempre progressiva da instrução
obrigatória vai alcançar os últimos limites de sua lógica se não co-
meçarmos a libertar-nos, já agora, de nosso falso orgulho pedagó-
gico, de nossa crença que o homem pode fazer o que Deus não
pode, isto é, manipular os outros para sua própria salvação.
Muitas pessoas já estão acordando para a inexorável destrui-
ção que as tendências da atual produção representam para o meio
ambiente. Mas pessoas isoladas têm poder muito limitado para
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modificar essas tendências. A manipulação de homens e mulheres,
iniciadas na escola, alcançou igualmente um ponto sem saída e a
maioria das pessoas ainda não se deu conta disso. Ainda se incen-
tiva a reforma escolar, da mesma forma como Henry Ford III
propõe automóveis menos poluidores.
Daniel Bell diz que nossa época se caracteriza por uma extre-
ma disjunção entre estruturas culturais e sociais; a primeira devota-
da a atitudes apocalípticas, a outra a decisões tecnocráticas. Isto se
aplica a muitos reformadores educacionais que se sentem impeli-
dos a condenar quase tudo o que caracterize escolas modernas,
mas, ao mesmo tempo, propõem novas escolas.
Em seu livro Estrutura das revoluções científicas (The Structure of
Scientific Revolutions)
15
, Thomas Kuhn diz que tal dissonância prece-
de, inevitavelmente, o surgimento de um novo paradigma
cognoscitivo. Os fatos relatados por aqueles que observaram a
livre queda dos corpos, por aqueles que retornaram do outro lado
da Terra e por aqueles que usaram o novo telescópio não se ade-
quaram à visão de Ptolomeu. Bem depressa foi aceito o princípio
de Newton. A dissonância que caracteriza muitos jovens de hoje
não é tanto de ordem cognoscitiva, mas de ordem de atitudes –
um sentimento nítido sobre aquilo a que uma sociedade tolerável
não se pode assemelhar. O surpreendente dessa dissonância é a
capacidade de um grande número de pessoas de tolerá-la.
A capacidade de perseguir metas incongruentes requer uma
explicação. Segundo Max Gluckman, todas as sociedades possuem
determinados recursos para esconder essas dissonâncias de seus
membros. Sugere ele que é esta a finalidade dos ritos. Os ritos
podem esconder de seus participantes até mesmo discrepâncias e
conflitos entre os princípios sociais e a organização social. En-
15
Em 1995 já alcançara, no Brasil, a 3.ª edição, tendo sido publicado pela Editora Perspec-
tiva (nota do organizador deste volume).
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quanto o indivíduo não estiver explicitamente consciente do cará-
ter ritual do processo pelo qual foi iniciado às forças que mode-
lam seu cosmos, não poderá quebrar o encanto e criar a imagem
de um novo cosmos. Enquanto não estivermos conscientes do
rito pelo qual a escola modela o progressivo consumidor – o prin-
cipal recurso da economia – não poderemos quebrar o encanto
dessa economia e formar uma nova (Illich, 1976, pp. 87-93).
As escolas como falsos serviços públicos
À semelhança das rodovias, a escola dá impressão, à primeira
vista, de estar aberta igualmente a todos os aspirantes. Mas, de
fato, está aberta apenas aos que constantemente renovam suas cre-
denciais. Assim como as rodovias dão impressão de que seu atual
nível de custo por ano é necessário para que as pessoas se possam
locomover, assim também as escolas são consideradas essenciais
para atingir a competência exigida pela sociedade que usa a mo-
derna tecnologia. Já explicamos que as rodovias são serviços pú-
blicos espúrios, frisando o fato de dependerem dos automóveis
particulares. As escolas baseiam-se na hipótese, igualmente espúria,
de que a aprendizagem é o resultado do ensino curricular.
As rodovias resultam de uma perversão do desejo e necessi-
dade de locomover-se que se converte em demanda por carro
particular. As próprias escolas pervertem a natural inclinação de
crescer e aprender, convertendo-a em demanda pela instrução. A
demanda pela maturidade manufaturada é uma abnegação bem
maior da iniciativa própria do que a demanda por bens manufatu-
rados. As escolas não estão apenas à direita das rodovias e dos
carros; elas pertencem ao extremo do espectro institucional, ocu-
pado pelos asilos totalitários. Mesmo os produtores de quantida-
des de cadáveres matam apenas corpos. A escola, fazendo com
que os homem abdiquem da responsabilidade por seu crescimen-
to próprio, leva muitos a uma espécie de suicídio espiritual.
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As rodovias são pagas, em parte, por aqueles que as usam,
uma vez que o pedágio e os impostos da gasolina são cobrados
apenas dos motoristas. A escola, no entanto, é um perfeito siste-
ma de taxação regressiva, onde o privilegiado graduado está a
cavalo em todo público contribuinte. A escola fixa uma taxa por
cabeça, na promoção. O subconsumo de quilometragem das
rodovias está longe de ser tão dispendioso quanto o subconsumo
escolar. A pessoa que não possui carro próprio em Los Angeles
está quase imobilizada, mas se puder arranjar-se para atingir um
local de trabalho, pode conseguir e manter um emprego. Quem
abandona a escola antes de completar o curso não tem alternati-
va. O habitante suburbano, com seu Lincoln novo, e seu primo
provinciano que dirige uma “lata velha” fazem, essencialmente, o
mesmo uso da rodovia, ainda que o carro de um custe trinta
vezes mais que o do outro. O valor da escolarização de alguém
está em função do número de anos e custo da escola que fre-
quentou. A lei não obriga ninguém a adquirir carro, mas obriga
todos a irem à escola.
Hoje em dia, por exemplo, os sistemas escolares da Colôm-
bia, Grã-Bretanha, Rússia e Estados Unidos se parecem muito
mais entre si do que as escolas norte-americanas da década de
1890 se pareciam com as de hoje ou com as suas contemporâneas
da Rússia. Hoje em dia todas as escolas são obrigatórias, intermi-
náveis e competitivas. A mesma convergência no estilo institucional
afeta a saúde pública, a mercadologia, a administração de pessoal
e vida política. Todos esses processos institucionais tendem a aglo-
merar-se no extremo manipulativo do espectro.
Esta convergência de instituições vai causar uma fusão das bu-
rocracias mundiais. A moda, os sistemas de escalonamento e os aces-
sórios (desde o livro-texto até o computador) são estandardizados
pelos órgãos de planejamento da Costa Rica ou do Afeganistão,
segundo o modelo da Europa Ocidental.
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Em toda parte essas burocracias parecem centrar-se na mes-
ma tarefa: promover o crescimento das instituições da direita. Es-
tão dedicadas a fazer objetos, normas rituais, a produzir e remo-
delar a “verdade executiva”, a ideologia ou decreto que fixe o
valor corrente a ser atribuído a seu produto. A tecnologia provê a
essas burocracias com poder sempre maior no lado direito da
sociedade. O lado esquerdo parece definhar, não porque a
tecnologia seja menos capaz de aumentar um raio de ação humana
e providenciar o tempo necessário para o jogo da imaginação
individual e criatividade pessoal, mas porque tal uso da tecnologia
não aumenta o poder de uma elite que a administra. O chefe dos
correios não tem controle sobre o uso substancial da correspon-
dência, o operador e o diretor executivo da companhia telefônica
não têm o poder para impedir que sejam planejados em sua rede
o adultério, o assassinato ou a perversão.
Na escolha entre a direita e a esquerda institucionais está em
jogo a própria natureza da vida humana. O homem deve escolher
entre ser rico em coisas ou ser livre para usá-las. Deve escolher esti-
los alternativos de vida e programas de produção correspondentes.
Aristóteles já havia descoberto que fazer e agir são diferentes,
tão diferentes que nunca inclui o outro. “Porque nem o agir é uma
forma de fazer, nem o fazer é verdadeiro agir. A arquitetura (techné)
é uma forma de fazer... de trazer algo para a existência cuja origem
está no que faz e não na coisa. O fazer tem sempre um fim distinto
de si mesmo, agir não; pois a boa ação é ela própria seu fim. A
perfeição no fazer é arte, a perfeição no agir é virtude”
16
. A pala-
vra que Aristóteles usava para designar o fazer era “poiesis” e para
agir era “práxis”. Um movimento para a direita implica que a
instituição está sendo reestruturada para aumentar sua capacidade
de “fazer”, ao passo que um movimento para a esquerda significa
16
Ética a Nicômaco, 1140.
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73
que está sendo reestruturada para permitir maior “agir” ou “praxis”.
A tecnologia moderna aumentou a possibilidade de o homem
deixar o “fazer” das coisas para as máquinas. Aumentou seu po-
tencial de tempo para o “agir”.
“Fazer” as coisas necessárias para a vida deixou de consumir o
seu tempo. O desemprego é resultado dessa modernização: é a
ociosidade do homem que não tem nada para “fazer” e que não
sabe como “agir”. O desemprego é a triste ociosidade de um
homem que, ao contrário de Aristóteles, acredita que fazer as coi-
sas, ou trabalhar, é virtuoso e que a ociosidade é um mal. O de-
semprego é a experiência do homem que sucumbiu à ética protes-
tante. O lazer, conforme Max Weber, é necessário ao homem
para que seja capaz de trabalhar. Para Aristóteles, o trabalho é ne-
cessário para o homem ter lazer.
A tecnologia dá ao homem um tempo discricionário que ele
pode empregar para “fazer” ou para “agir”. A escolha entre triste
desemprego e alegre lazer está agora aberta para a cultura toda.
Depende do estilo institucional que a cultura escolhe. Esta escolha
era inimaginável numa sociedade antiga, estribada na agricultura
dos camponeses ou na escravidão. Tornou-se inevitável para o
homem pós-industrial.
Uma forma de preencher o tempo disponível é estimular cres-
centes demandas pelo consumo de bens e, simultaneamente, pela
produção de serviços. O consumo de bens implica uma econo-
mia que proporciona uma crescente ordenação de objetos sempre
mais novos que podem ser feitos, consumidos, desperdiçados e
reciclados. A produção de serviços implica a inútil tentativa de
“fazer” ações virtuosas que se transformam em produtos de insti-
tuições de “serviços”. Isto leva a identificar escolarização com
educação, assistência médica com saúde, assistência a programas
de diversão, velocidade com locomoção eficaz. Esta primeira
opção vem agora sob o nome de desenvolvimento.
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74
A alternativa radical para ocupar o tempo disponível é um cam-
po limitado de bens mais duradouros e o acesso a instituições que
podem aumentar a oportunidade e o proveito da intenção humana.
A economia de bens duráveis é exatamente o contrário de
uma economia baseada na obsolescência planejada. Uma econo-
mia de bens duráveis significa contenção na lista de bens. Os bens
de consumo têm que ser tais que permitam a máxima oportunida-
de de “agir” para com eles: artigos que possam ser recuperados e
recusados pelo mesmo.
O complemento para um catálogo de bens duráveis, reparáveis
e reusáveis não significa um aumento dos serviços institucionalmente
produzidos, mas uma estrutura institucional que constantemente educa
para a ação, participação e autoajuda. O movimento de nossa so-
ciedade atual – em que todas as instituições se inclinam para a buro-
cracia pós-industrial – para um futuro de convivencialidade pós-
industrial – em que intensidade da ação prevaleceria sobre a produ-
ção - deve começar com uma renovação de estilo nas instituições de
serviço e, antes de mais nada, com a renovação na educação. Um
futuro possível e promissor depende de nossa vontade de investir o
know-how tecnológico no crescimento de instituições conviviais. No
campo da pesquisa educacional, isto requer a inversão das tendên-
cias atuais (Illich, 1976, pp. 106-111).
Concordâncias irracionais
Creio que a atual crise da educação exige que revisemos a pró-
pria ideia da aprendizagem prescrita por lei pública e não apenas
os métodos nela empregados. O número de desertores – sobretu-
do de estudantes do secundário e professores do primário – indi-
ca uma demanda, oriunda da base, por um enfoque completa-
mente novo. O mestre-escola que se considera a si mesmo um
professor liberal sofre choques contínuos e renovados de todos
os lados. O movimento da escola livre, confundindo disciplina
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com doutrinação, representou-o como um autoritário destrutivo.
O técnico de educação insiste em demonstrar a inferioridade do
professor no que se refere a medir e modificar condutas. E a ad-
ministração escolar para a qual trabalha força-o a curvar-se tanto a
Summerhill quanto a Skinner, tornando óbvio que a aprendiza-
gem compulsiva não pode ser empreendimento liberal. Não há
por que admirar-se que o índice de deserção dos professores seja
maior que o de seus alunos
17
.
O compromisso da América do Norte com a educação com-
pulsiva de seus jovens mostra-se agora ser tão inútil quanto o pretenso
compromisso americano com a democratização dos vietnamitas. É
óbvio que as escolas convencionais não podem fazê-lo. O movi-
mento da escola livre reduz os educadores não convencionais, mas
em última análise está apoiando a ideologia convencional da escola.
E as promessas dos técnicos de educação, de que suas pesquisas e
progressos – se devidamente fundamentados – podem trazer uma
espécie de solução definitiva para a resistência dos jovens à aprendi-
zagem compulsiva, soam tão confiantes, mas provam ser tão ilusó-
rias quanto promessas análogas feitas por técnicos militares.
A crítica contra o sistema do ensino americano, feita pelos
behavioristas e pela nova geração de educadores radicais, parece
radicalmente oposta. Os behavioristas aplicam a pesquisa educa-
cional à “indução da instrução autotélica através de embalagens
individualizadas de aprendizagem”. Seu estilo choca-se com a assi-
milação não dirigida que leva os jovens para comunas liberadas e
estabelecidas sob a supervisão dos adultos. Numa perspectiva his-
tórica, essas duas posições são manifestações contemporâneas das
aparentemente contraditórias, mas realmente complementares metas
do sistema escola público. Desde o começo desse século, as esco-
17
Este capítulo foi originalmente apresentado num encontro de The American Educacional
Research Publication, em Nova Iorque, a 6 de fevereiro de 1971. Sociedade sem escola
– E-c) 2590-8
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76
las foram palco de controle social, por um lado, e de livre coope-
ração, por outro, ambos a serviço da “boa sociedade”, concebida
como uma estrutura corporacional altamente organizada e pacifi-
camente produtiva. Sob o impacto da intensa urbanização, as
crianças tornaram-se uma fonte natural a serem moldadas pelas
escolas e a servirem de alimento para a máquina industrial.
A crescente politização e o culto à eficiência convergiam no
crescimento da escola pública nos Estados Unidos
18
. A orientação
vocacional e a escola pré-secundária foram dois importantes re-
sultados desse modo de pensar. Parece, portanto que a tentativa
de produzir mudanças específicas de comportamento que podem
ser mensuradas e pelas quais é responsável o processador é apenas
um lado da moeda. O outro é a pacificação da nova geração
dentro de escravos especialmente projetados que vão atraí-la para
o mundo dos sonhos de seus antepassados. Esse pacificados na
sociedade são bem descritos por Dewey que deseja que “façamos
de cada uma de nossas escolas uma vida comunitária em embrião,
tendo atividades típicas que reflitam a vida da grande sociedade e
permeadas com o espírito de arte, história e ciências”. Nessa pers-
pectiva histórica, seria grave erro interpretar a atual controvérsia
trilateral entre estabelecimento escolar, os técnicos de educação e
as escolas livres como prelúdio para uma revolução na educação.
Essa controvérsia reflete antes um estágio de uma tentativa para
transformar um velho sonho numa realidade e, finalmente, fazer
de toda aprendizagem valiosa o resultado do ensino profissional.
A maioria das alternativas educacionais propostas converge para
metas imanentes à produção do homem cooperativo cujas neces-
sidades individuais são satisfeitas de acordo com a sua especializa-
ção no sistema americano. Elas estão orientadas para aquilo que –
por falta de melhor termo – chamo de sociedade escolarizada.
18
Ver Spring, J. Education and the rise of the corporate state. Cuernavaca, México:
Cidoc, 1971. (Cuaderno; 50).
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Mesmo os críticos aparentemente radicais do sistema escolar não
se dispõem a abandonar a ideia de que têm obrigação para com
os jovens e, especialmente, para com os pobres, uma obrigação
de prepará-los – pelo amor ou pelo medo – para uma sociedade
que necessita disciplinada especialização tanto de seus produtores
quanto de seus consumidores e de seu pleno engajamento na ideo-
logia que coloca o crescimento econômico em primeiro lugar.
As dissidências encobrem as contradições inerentes ao pró-
prio conceito da escola. Os sindicatos de professores, os feiticei-
ros da técnica e o movimento de libertação educacional reforça-
ram o engajamento da sociedade toda nos axiomas fundamentais
do mundo escolarizado; algo semelhante ao que acontece com
muitos movimentos de paz e protesto que reforçam a convicção
de seus membros – negros, mulheres, crianças ou pobres – de
procurar justiça no aumento da renda nacional bruta.
É fácil enumerar alguns dogmas que ainda não foram questio-
nados. Temos, em primeiro lugar, a difundida opinião de que o
comportamento adquirido sob as vistas de um pedagogo é espe-
cialmente valioso para o aluno e de particular benefício para a so-
ciedade. Relaciona-se isso com a suposição de que o homem social
nasce apenas na adolescência e nasce adequadamente só se amadu-
recer no útero escolar. Este, alguns o querem acolchoar dando maiores
regalias ao aluno, outros o querem encher de artefatos e outros ain-
da o querem envernizar com uma tradição liberal. Há, finalmente,
uma difundida opinião, acerca dos jovens, que é psicologicamente
romântica e politicamente conservadora. Segundo esta opinião, as
mudanças na sociedade devem ser efetuadas colocando sobre os
jovens a responsabilidades de transformá-la – mas só depois de sua
eventual soltura da escola. É fácil para uma sociedade baseada em
tais crenças erigir um senso de sua responsabilidade pela educação
da nova geração e isto, inevitavelmente, significa que algumas pessoas
vão fixar, especificar e avaliar as metas pessoais de outros. Numa
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“passagem de uma enciclopédia imaginária chinesa”, Jorge Luís
Borges procura evocar o desvario que tal tentativa deve produzir.
Diz que os animais estão divididos nas seguintes categorias:
a) os pertencentes ao imperador,
b) os embalsamados,
c) os domesticados,
d) os leitõezinhos,
e) as sereias,
f) os mitológicos,
g) os cachorros vadios,
h) os incluídos na presente classificação,
i) os que se tornam loucos,
j) os inumeráveis,
k) os pintados com finíssimo pincel de pelo camelo,
l) et cetera,
m) os que recentemente quebraram jugo,
n) os que de longe se parecem com moscas.
Semelhante taxionomia jamais terá vez a não ser que alguém a
julgue apropriada para seus intentos: neste caso, suponho que esse
alguém seja um coletor de impostos. Para ele, ao menos, essa taxionomia
dos animais deve ter sentido, da mesma forma que a taxionomia de
objetivos educacionais tem sentido para os autores científicos.
A visão de um homem com tal inescrutável lógica, autorizado
a ter acesso a seu gado, deve causar ao camponês um angustiante
senso de impotência. Os estudantes, por razões análogas, tendem
a sentir-se paranóicos quando seriamente submetidos a um currí-
culo. Estarão inevitavelmente ainda mais assustados do que meu
imaginário camponês chinês, pois são suas metas de vida e não seu
gado que estão sendo marcados com um sinal inescrutável.
Este trecho de Borges é fascinante, pois evoca a lógica da concor-
dância irracional que tornou as burocracias de Kafka e Koestler tão
sinistras mas tão representativas de nossos dias. A concordância
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79
irracional hipnotiza os cúmplices que se comprometem numa ex-
ploração mutuamente conveniente e disciplinada. É a lógica gera-
da pelo comportamento burocrático. E torna-se a lógica de uma
sociedade que exige que os administradores de suas instituições
educacionais sejam publicamente responsáveis pela modificação
comportamental que produzem em seus clientes. Os estudantes
que conseguem se motivar para valorizar os pacotes educacionais
que seus professores os obrigam a consumir são comparáveis aos
chineses que conseguem adaptar seus rebanhos à forma taxionô-
mica descrita por Borges.
Em certa época, no decorrer das últimas duas gerações, triun-
fou na cultura americana um compromisso com a terapia, a tal pon-
to que os professores começaram a ser vistos como terapeutas cujos
serviços eram necessários a todos que quisessem usufruir da igual-
dade e liberdade com que, segundo a Constituição, eram nascidos.
Agora os professores-terapeutas vão mais longe e propõem como
próximo passo um tratamento educacional que dure a vida toda. O
estilo desse tratamento está em discussão: será em forma de assistên-
cia às aulas pelos adultos? Será por intermédio da maravilha eletrô-
nica? Será por sessões periódicas de sensibilização? Todos os educa-
dores estão dispostos a derrubar as paredes das salas de aula, com a
finalidade de transformar toda a cultura numa grande escola.
A controvérsia americana sobre o futuro da educação, des-
contadas a retórica e a altissonância, é mais conservadora do que
as conjecturas em outras áreas da política nacional. Nas relações
exteriores, ao menos, há uma organizada maioria que sempre vol-
ta a frisar que os Estados Unidos devem renunciar a seu papel de
política mundial. Os economistas radicais e, agora também, seus
professores menos radicais, questionam a ideia de que o cresci-
mento acumulativo seja um objetivo desejável. Há grupos influen-
tes que já se inclinam no campo da medicina, a valorizar mais o
remédio preventivo do que o curativo e, no campo do transporte,
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mais o escoamento do que a velocidade. Só no campo da educa-
ção as vozes articuladas que exigem uma radical desescolarização
da sociedade permanecem tão dispersas. Há falta de argumentos
convincentes e de madura liderança para conseguir a desinstalação
de toda e qualquer instituição que esteja a serviço dos propósitos
da aprendizagem compulsiva. Por exemplo, a radical desescolarização
da sociedade é inda uma causa sem partido. Isto é muito surpreen-
dente num tempo em que cresce – ainda que caoticamente – a
resistência dos jovens de 12 a 17 anos contra todas as formas de
instrução institucionalmente planejadas.
Os inovadores educacionais ainda acham que as instituições edu-
cacionais funcionam como funis para os programas por eles empa-
cotados. Não afeta minha argumentação se esses funis têm a forma
de salas de aula, televisores ou de “território liberado”. Também
nada significa se as embalagens fornecidas são ricas ou pobres, quentes
ou frias, duras e mensuráveis – como é o caso da matemática avan-
çada – ou impossíveis de avaliar (como a sensibilidade). O que con-
ta é que a educação é considerada como resultado de um processo
institucional gerido pelo educador. Enquanto as relações continua-
rem a ser as de um fornecedor e consumidor, a pesquisa educacio-
nal permanecerá um processo circular. Reunirá argumentos científi-
cos em favor da necessidade de mais embalagens educacionais para
que sua entrega ao consumidor seja mais eficazmente mortal; exata-
mente como certo ramo das ciências sociais consegue provar neces-
sidade de maior tratamento militar.
Uma revolução educacional depende de uma dupla inversão:
nova orientação das pesquisas e nova compreensão do estilo edu-
cacional de uma contracultura emergente.
A pesquisa operacional procura, agora, otimizar a eficácia de
uma estrutura herdada – uma estrutura sintática de um funil por
onde passam as embalagens do ensino. A alternativa sintática é
uma rede ou teia educacional que permite a reunião autônoma de
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81
recursos sob o controle pessoal de cada aprendiz. Esta estrutura
alternativa de uma instituição educativa se encontra, agora, no ponto
cego conceitual de nossa pesquisa operacional. Se a investigação se
concentrasse nele, teríamos uma verdadeira revolução científica.
O ponto cego da pesquisa educacional reflete o preconceito
cultural de uma sociedade em que o crescimento tecnológico foi
confundido com controle tecnocrático. Para o tecnocrata o valor
do meio ambiente aumenta à medida que pode programar mais
contatos entre cada pessoa e seu meio. Neste mundo, as escolhas
convenientes ao observador e planejador condizem com as esco-
lhas possíveis do observado, o assim chamado beneficiário. Liber-
dade fica reduzida a uma escolha entre mercadorias empacotadas. A
emergente contracultura reafirma os valores do conteúdo semânti-
co sobre a eficácia da sintaxe que se torna cada vez maior e mais
rígida. Valoriza a riqueza de conotações mais do que o poder da
sintaxe de produzir riquezas. Valoriza mais os resultados imprevisíveis
de encontros pessoais livremente escolhidos do que qualidade dos
certificados de instrução profissional. Esta reorientação para surpre-
sas pessoais em vez de valores institucionalmente arquitetados rom-
perá a ordem estabelecida até que dissociemos a crescente disponi-
bilidade de instrumentos tecnológicos que facilitam os encontros do
progressivo controle, feito pelos tecnocratas, sobre o que acontece
quando as pessoas se encontram.
Nossas atuais instituições educacionais estão a serviço dos
objetivos do professor. As estruturas relacionais que precisamos
são as que capacitam todo homem a definir-se a si mesmo pela
aprendizagem e pela contribuição à aprendizagem dos outros (Illich,
1976, pp. 113-121).
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Teias de aprendizagem
Num capítulo anterior
19
apresentei as queixas comuns que se
ouvem contra as escolas; uma delas é a que vem mencionada num
recente levantamento da Comissão Carnegie: na escola, alunos
matriculados se submetem a professores diplomados para obter
também eles diplomas; ambos são frustrados e ambos responsa-
bilizam a insuficiência de recursos – dinheiro, tempo e instalações
– por sua frustração mútua.
Essa crítica leva muitas pessoas a perguntarem se existe outra
possibilidade de aprendizagem. Paradoxalmente as mesmas pes-
soas, quando pressionadas a especificarem como adquiriram o que
sabem e valorizam, prontamente admitem que o aprenderam, as
mais das vezes, fora e não dentro da escola. Seu conhecimento
dos fatos, sua compreensão da vida e do trabalho lhes adveio pela
amizade e pelo amor, enquanto assistiam televisão ou liam, pelo
exemplo de colegas ou por uma dissensão resultante de um en-
contro na rua. Ou talvez tenham aprendido o que sabem num
noviciado ritual que precedeu à sua admissão num grupo de bair-
ro; pela admissão em um hospital, no parque gráfico de um jornal,
na oficina de um bombeiro, ou no escritório de uma companhia
de seguros. A alternativa para nossa dependência das escolas não é
o uso dos recursos públicos para algum novo propósito que “faça”
as pessoas aprenderem; é ainda a criação de um novo estilo de
relacionamento educacional entre o homem e seu meio ambiente.
Concomitantemente com a promoção desse estilo devem mudar
as atitudes para com o crescimento, os instrumentos da aprendiza-
gem, a qualidade e a estrutura da vida cotidiana.
As atitudes já estão mudando. A orgulhosa dependência da
escola desapareceu. A resistência do consumidor aumenta na in-
dústria do conhecimento. Muitos professores e alunos, contribuin-
19
Com este texto, Illich inicia o Capítulo 6 e, portanto, está se referindo a menções feitas
nos capítulos anteriores, mormente no 5. (Nota do organizador)
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tes fiscais e empregadores, economistas e policiais preferiram não
mais depender de escolas. O que impede que sua frustração mo-
dele novas instituições não é apenas a falta de imaginação mas
também de linguagem adequada e autointeresse esclarecido. Não
conseguem visualizar uma sociedade desescolarizada ou institui-
ções educacionais numa sociedade que desinstalou a escola.
Neste capítulo pretendo mostrar que o inverso da escola é
possível; de que podemos depender de aprendizagem automo-
tivada em vez de contratar professores para subornar ou compelir
o estudante a encontrar tempo e vontade para aprender; de que
podemos fornecer ao aprendiz novas relações com o mundo, em
vez de continuar canalizando todos os programas educacionais
através do professor. Abordarei algumas características gerais que
distinguem escolarização de aprendizagem e apresentarei quatro
grandes categorias de instituições educacionais que podem chamar
a atenção não só de muitas pessoas individuais, mas também de
muitos grupos de interesse (Illich, 1976, pp. 123-124).
Uma objeção: quem pode servir-se
de pontes que não conduzem a lugar algum?
Estamos habituados a considerar a escola uma variável de-
pendente da estrutura política e econômica. Se conseguirmos mu-
dar o estilo da liderança política, promover os interesses de uma
ou outra classe, transferir a propriedade dos meios de produção
do domínio privado para o domínio público, supomos que tam-
bém mude o sistema escolar. As instituições educacionais que de-
sejo propor estão concebidas para servir uma sociedade que ainda
não existe, se bem que a frustração atual no tocante às escolas seja
grande força potencial para impulsionar a mudança que permita
novos arranjos sociais. Uma objeção óbvia foi levantada contra
essa abordagem: por que canalizar energias para construir pontes
que não levam a lugar algum, em vez de orientá-las primeiro para
mudar o sistema político e econômico e não as escolas?
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Esta objeção, contudo, subestima a natureza econômica e polí-
tica fundamental do próprio sistema escolar, bem como o potencial
político inerente a qualquer desafio que se faça a este sistema.
Basicamente, as escolas deixarão de ser dependentes da ideo-
logia professada por determinado governo ou organização mer-
cantil. Outras instituições básicas diferem de país para país: família,
partido, igreja ou empresa. Mas o sistema escolar tem sempre a
mesma estrutura em qualquer parte e seu currículo secreto tem o
mesmo efeito. Invariavelmente, bitola o consumidor que valoriza
as mercadorias institucionais mais do que a contribuição não pro-
fissional de um vizinho.
Em qualquer lugar do mundo o secreto currículo da
escolarização inicia o cidadão no mito de que as burocracias guiadas
pelo conhecimento científico são eficientes e benévolas. Em qual-
quer parte do mundo este mesmo currículo instila no aluno o mito
de que maior produção vai trazer vida melhor. E em qualquer parte
do mundo desenvolve o hábito de um consumo contraproducente
de serviços e de produção alienante, com a tolerância da dependên-
cia institucional e o reconhecimento das hierarquias institucionais. O
secreto currículo faz tudo isso apesar dos esforços em contrários
dos professores, não importando a ideologia que prevaleça.
Em outras palavras, as escolas são fundamentalmente seme-
lhantes em todos os países, sejam fascistas, democráticos ou socialis-
tas, pequenos ou grandes, ricos ou pobres. Esta identidade do siste-
ma escolar nos força a reconhecer a profunda identidade universal
do mito, o modo de produção e o método de controle social, ape-
sar da grande variedade de mitologias em que o mito é expresso.
Em vista dessa identidade, é ilusório dizer que as escolas são,
num sentido mais profundo, variáveis dependentes. Isto significa
que também é ilusão esperar que a mudança fundamental no siste-
ma escolar ocorra como consequência da mudança econômica ou
social convencional. Ao contrário, esta ilusão concede à escola – o
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órgão reprodutor de uma sociedade de consumo – uma imunida-
de quase inquestionável.
É neste ponto que o exemplo da China torna-se importante. Por
três milênios a China protegeu o estudo superior através de um total
divórcio entre o processo de aprendizagem e o privilégio do mandarim
de proceder aos exames. Para tornar-se uma potência mundial e uma
nação moderna, a China teve que adotar o estilo internacional de
escolarização. Somente a retrospecção nos fará descobrir se a Gran-
de Revolução Cultural acabou sendo a primeira tentativa bem-suce-
dida de desescolarizar as instituições da sociedade.
Mesmo a criação lenta de novas agências educacionais que
fossem o inverso da escola seria um ataque ao aspecto mais sensí-
vel de um fenômeno penetrante, organizado pelo estado em to-
dos os países. Um programa político que não reconheça explicita-
mente a necessidade de desescolarização não é revolucionário; está
demagogicamente pedindo mais escolarização. Todo programa
político da década de 70 deveria ser avaliado pela seguinte medi-
da: com que precisão afirma a necessidade de desescolarização e
com que precisão traça as linhas mestras da qualidade educacional
para a sociedade que preconiza?
A luta contra a dominação exercida pelo mercado mundial e
pela política das grandes potências pode estar além das forças de
comunidades ou países pobres, mas esta fraqueza é outra razão
para enfatizar a importância de libertar toda sociedade por meio
de uma invenção de suas estruturas educacionais – uma mudança
que não está além dos meios de qualquer sociedade.
Características gerais de novas instituições educativas e formais
Um bom sistema educacional deve ter três propósitos: dar a
todos que queiram aprender acesso aos recursos disponíveis, em
qualquer época de sua vida; capacitar a todos os que queiram par-
tilhar o que sabem a encontrar os que queiram aprender algo deles
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e, finalmente, dar oportunidade a todos os que queiram tornar
público um assunto a que tenham possibilidade de que seu desafio
seja conhecido. Tal sistema requer a aplicação de garantias consti-
tucionais à educação. Os aprendizes não deveriam ser forçados a
um currículo obrigatório ou à discriminação baseada em terem
um diploma ou certificado. Nem deveria o povo ser forçado a
manter, através de tributação regressiva, um imenso aparato pro-
fissional de educadores e edifícios que, de fato, restringe as chances
de aprendizagem do povo aos serviços que aquela profissão dese-
ja colocar no mercado. É preciso usar a tecnologia moderna para
tornar a liberdade de expressão, de reunião e imprensa verdadei-
ramente universal e, portanto, plenamente educativa.
As escolas estão baseadas na suposição de que há um segredo
para tudo nesta vida; de que a qualidade de vida depende do conhe-
cimento desse segredo; de que os segredos só podem ser conhecidos
em passos sucessivos e ordenados; de que apenas os professores
sabem revelar corretamente esses segredos. Um indivíduo de menta-
lidade escolarizada concebe o mundo como pirâmide, composta de
pacotes classificados; a eles só tem acesso os que possuem os rótulos
adequados. As novas instituições educacionais quebrarão esta pirâmi-
de. Seu objetivo deve ser facilitar o acesso ao aprendiz: se não puder
entrar pela porta, permitir-lhe que, pela janela, olhe para dentro da
sala de controle ou do parlamento. Ainda mais, essas novas institui-
ções devem ser canais aos quais o aprendiz tenha acesso sem creden-
ciais ou linhagem – logradouros públicos em que colegas e pessoas
mais idosas, fora de um horizonte imediato, tornem-se disponíveis.
Acredito que apenas quatro – possivelmente três – “canais”
diferentes ou intercâmbios de aprendizagem poderiam conter to-
dos os recursos necessários para uma real aprendizagem. A crian-
ça se desenvolve num mundo de coisas, rodeada por pessoas que
lhe servem de modelo das habilidades e valores. Encontra colegas
que desafiam a interrogar, competir, cooperar e compreender; e,
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se a criança tiver sorte, estará exposta a confrontações e críticas
feitas por um adulto experiente e que realmente se interessa por
sua formação. Coisas, modelos, colegas e adultos são quatro re-
cursos; cada um deles requer um diferente tipo de tratamento para
assegurar que todos tenham o maior acesso possível a eles.
Usarei o termo “teia de oportunidades” em vez de “rede” para
designar modalidades específicas de acesso a cada um dos quatro
conjuntos de recursos. A palavra “rede” é muitas vezes usada erro-
neamente para designar os canais reservados ao material seleciona-
do por outros para doutrinação, instrução e diversão. Mas também
pode ser usada para os serviços telefônicos e postais que são princi-
palmente utilizados pelos indivíduos que desejam enviar mensagens
uns aos outros. Oxalá tivéssemos outra palavra com menos
conotações de armadilha, menos batida pelo uso corrente e mais
sugestiva pelo fato de incluir aspectos legais, organizacionais e técni-
cos. Não encontrando tal palavra, tentarei redimir a que está dispo-
nível, usando-a como sinônimo de “teia educacional”.
O que é preciso são novas redes, imediatamente disponíveis
ao público em geral e elaboradas de forma a darem igual oportu-
nidade para a aprendizagem e o ensino.
Tomemos um exemplo: o mesmo nível tecnológico é empre-
gado na TV e nos gravadores. Todos os países latino-americanos
já introduziram a TV. Na Bolívia, o governo financiou uma esta-
ção de TV, construída há seis anos, e não existem mais do que sete
mil televisores para os quatro milhões de habitantes. O dinheiro
que foi empregado nas instalações de TV em toda a América La-
tina é tanto que poderia ter fornecido a uma pessoa entre cinco
um gravador. E mais o dinheiro teria dado também para fazer
uma biblioteca quase completa de fitas gravadas, bem como um
grande estoque de fitas virgens.
Esta rede de gravadores seria bem diferente da atual rede de
TV. Daria oportunidade para a livre expressão: letrados e iletrados
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poderiam igualmente gravar, guardar, difundir e repetir suas opi-
niões. O atual investimento na TV, porém, fornece aos burocratas,
sejam eles políticos ou educadores, poder para salpicar o conti-
nente com programas institucionalmente produzidos que eles –
ou seus patrocinadores – acham ser bons para o público ou que
são por ele demandados.
A tecnologia está à disposição ou da independência e da apren-
dizagem ou, então, da burocracia e do ensino.
Quatro redes
O planejamento de novas instituições educacionais não deve
começar com metas administrativas de um príncipe ou presidente,
nem com as metas de ensino de um educador profissional e nem
com as metas de aprendizagem de alguma classe hipotética de pes-
soas. Não deve começar com a pergunta: “O que deve alguém apren-
der?”, mas com a pergunta: “Com que espécie de pessoas e coisas
gostariam os aprendizes de entrar em contato para aprender?”.
Alguém que deseja aprender sabe que precisa da informação e
da crítica dos outros. A informação pode ser armazenada nas coisas
e nas pessoas. Num bom sistema educacional, o acesso às coisas
deve estar disponível ao simples aceno do aprendiz, enquanto o
acesso aos informantes requer, ainda, o consentimento de outros.
As críticas podem provir de dois lados: de colegas ou de pessoas
mais adultas, isto é, de aprendizes cujos interesses imediatos coinci-
dem com os meus, ou daqueles que desejam partilhar comigo suas
experiências mais amplas. Os colegas podem ser pessoas do mesmo
nível com as quais se discute um assunto, companheiros de leituras
amenas e agradáveis (ou árduas) ou de passeios, adversários em
qualquer tipo de jogo. As pessoas mais idosas podem ser consulto-
res sobre que espécie de aptidão aprender, que método seguir, que
tipo de companheiros procurar em dada época; podem ser guias
para indicar questões que devem ser discutidas entre os companhei-
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ros e para cobrir as deficiências das respostas dadas. A maioria des-
ses recursos existe em abundância. Mas não são comumente perce-
bidos como recursos educativos, nem é fácil ter acesso a eles para
fins de aprendizagem, sobretudo se o aprendiz for pobre. Deve-
mos pensar em novas estruturas relacionais, internacionalmente
montadas, para facilitar o acesso a esses recursos de todos os que
queiram procurá-los para melhorar sua formação. Devem ser to-
madas as providências administrativas, técnicas e, sobretudo, legais
para estabelecer essas estruturas tipo “teia”.
Os recursos educacionais são geralmente rotulados de acordo
com as metas curriculares dos educadores. Proponho fazer o con-
trário, rotular quatro diferentes abordagens que permitam ao estu-
dante ter acesso a todo e qualquer recurso educacional que poderá
ajudá-lo a definir e obter suas próprias metas:
(1.º) Serviço de consultas a objetos educacionais – que facilitem o acesso
a coisas ou processos que concorrem para a aprendizagem
formal. Algumas coisas podem ser totalmente reservadas para
este fim, armazenadas em bibliotecas, agências de aluguéis, la-
boratórios e locais de exposição tais como museus e teatros;
outras podem estar em uso diário nas fábricas, aeroportos ou
fazendas, mas devem estar à disposição dos estudantes, seja
durante o trabalho ou nas horas vagas.
(2.º) Intercâmbio de habilidades – que permite as pessoas relaciona-
rem suas aptidões, dar as condições mediante as quais estão
dispostas a servir de modelo para outras que desejem aprender
essas aptidões e o endereço em que podem ser encontradas.
(3.º) Encontro de colegas – uma rede de comunicações que possi-
bilite as pessoas descreverem a atividade de aprendizagem em
que desejam engajar-se, na esperança de encontrar um parcei-
ro para essa pesquisa.
4.º) Serviços de consultas a educadores em geral – que podem ser
relacionados num diretório dando o endereço e a autodescrição
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de profissionais, não profissionais, “free-lancers”, juntamente
com as condições para ter acesso a seus serviços. Tais educa-
dores, como veremos, podem ser escolhidos por votação ou
consultando seus clientes anteriores.
Serviço de consultas a objetos educacionais
As coisas são recursos básicos para a aprendizagem. A quali-
dade do meio ambiente e o relacionamento de uma pessoa com
ele irá determinar o quanto ela aprenderá incidentalmente. A apren-
dizagem formal requer acesso especial a coisas comuns, por um
lado e acesso fácil e seguro a coisas especiais, feitas para fins
educativos, por outro. Exemplo do primeiro caso é a licença es-
pecial de operar ou desmontar uma máquina. Exemplo do segun-
do caso é a licença geral de usar um ábaco, um computador, um
livro, um jardim botânico ou uma máquina retirada do uso e colo-
cada à inteira disposição dos estudantes.
Atualmente, a atenção está voltada para a disparidade entre as
crianças ricas e pobres no que diz respeito a seu acesso às coisas e
à maneira em que podem aprender. A OEO (Office of Economic
Opportunity) e outras agências, seguindo esta orientação, concen-
traram sua atenção, na igualdade de oportunidades, tentando pro-
videnciar mais material educativo para os pobres. Um ponto de
partida mais radical seria reconhecer que, nas cidades, pobres e
ricos são artificialmente mantidos longe das coisas que os rodei-
am. As crianças nascidas na era dos plásticos e dos peritos devem
vencer duas barreiras que impedem sua compreensão: uma ine-
rente às coisas e a outra ligada às instituições. O esquema industrial
cria um mundo de coisas que resistem à sua introspecção em sua
natureza; e as escolas impedem a entrada do aprendiz no mundo
das coisas, em sua estrutura significativa.
Após curta visita a Nova Iorque, uma senhora de aldeia mexica-
na contou-me que estava impressionada com o fato de as lojas ven-
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derem “apenas mercadorias altamente misturadas com cosméticos”.
No fundo, ela queria dizer que os produtos industriais “falam” a
seus consumidores pela aparência e não por sua natureza. A indús-
tria cercou as pessoas com artefatos cujo segredo íntimo apenas os
especialistas podem conhecer. O não especialista é desencorajado a
descobrir porque o relógio faz tic-tac, porque o telefone toca, por-
que a máquina de escrever elétrica trabalha, pois sempre há um aviso
dizendo que o aparelho pode estragar-se. Pode ser ensinado por
que o rádio transistor funciona, mas não pode descobri-lo por si
mesmo. Esse tipo de procedimento tende a reforçar a existência de
uma sociedade não inventiva em que peritos acham mais fácil es-
conder-se atrás de suas perícias e a salvo da avaliação.
O meio ambiente criado pelo homem tornou-se tão imperscru-
tável quanto o é a natureza para os povos primitivos. Ao mesmo
tempo, o material educativo foi monopolizado pelas escolas. Os sim-
ples objetivos educativos foram dispendiosamente empacotados pela
indústria do conhecimento. Tornaram-se instrumentos especializados
para educadores profissionais e seus custos foram inflacionados for-
çando-os a estimularem os meio ambientes ou os professores.
O professor é cioso do livro-texto que ele define como seu
instrumento de trabalho. O estudante pode chegar a odiar o labo-
ratório porque associa com as tarefas escolares. O administrador
racionaliza sua atitude protetora para com a biblioteca como uma
defesa do dispendioso equipamento público contra os que gosta-
riam de brincar com ela em vez de aprender. Nesta atmosfera o
estudante muitíssimas vezes usa o mapa, o laboratório, a enciclo-
pédia ou o microscópio só nos raros momentos em que o currí-
culo o obriga a tal. Mesmo os grandes clássicos tornam-se parte
do “segundo ano de faculdade” quando deveriam marcar uma
nova oportunidade na vida de uma pessoa. A escola tira as coisas
do uso cotidiano e as rotula como instrumentos educacionais.
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Se quisermos desescolarizar, devemos inverter ambas as ten-
dências. O meio ambiente físico geral deve tornar-se acessível e os
recursos físicos de aprendizagem que foram reduzidos a instru-
mentos de ensino devem tornar-se disponíveis a todos para a
aprendizagem autodirigida. Usar as coisas apenas como parte de
um currículo pode ter um efeito pior do que simplesmente remo-
vê-las do meio ambiente em geral. Isto pode corromper o proce-
dimento dos alunos.
Os jogos são um bom exemplo. Não falo dos “jogos” do de-
partamento de educação física (futebol ou basquete) que as escolas
usam para obter rendas e prestígio e nos quais fizeram um grande
investimento de capital. Como os próprios atletas bem o sabem,
esses empreendimentos que tomam a forma de torneios bélicos
minaram o espírito esportivo e são usados para reforçar a natureza
competitiva das escolas. Refiro-me antes aos jogos educativos que
podem oferecer-nos a única maneira de penetrar os sistemas for-
mais. A teoria dos conjuntos, a linguística, a lógica proposicional, a
geometria, a física e mesmo a química revelam-se com relativo pou-
co esforço a determinadas pessoas que praticam esses jogos. Um
amigo meu foi a um mercado mexicano com um jogo chamado
“Wff ’n Proof ” que consiste num jogo de dados em que estão im-
pressos doze símbolos lógicos. Mostrou às crianças como duas ou
três combinações constituíam uma sentença. Intuitivamente, no es-
paço de uma hora alguns observadores compreenderam o funcio-
namento. Em poucas horas de provas lógicas formais apresentadas
por um jogo, algumas crianças eram capazes de ensinar a outras as
provas fundamentais da lógica proposicional. Outras desistiram.
Para algumas crianças tais jogos são uma forma especial de
educação libertadora, pois aumentam sua consciência de que os
sistemas formais estão baseados em axiomas mutáveis e que as
operações conceptuais têm uma natureza lúdica. São também sim-
ples, baratos, e, em grande parte, podem ser organizados pelos
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próprios jogadores. Usados fora do currículo, são excelente opor-
tunidade para descobrir e desenvolver talentos especiais; ao passo
que os orientadores educacionais ou o serviço psicológico da es-
cola classificará, muitas vezes, os que possuem esses talentos como
estando em perigo de se tornarem antissociais, doentes ou dese-
quilibrados. Nas escolas, quando realizados sob a forma de tor-
neio, os jogos são tirados da esfera do lazer e tornam-se, muitas
vezes, instrumentos para transformar a ludicidade em competi-
ção, uma falta de raciocínio abstrato em sinal de inferioridade. Um
exercício libertador para pessoas com certo temperamento con-
verte-se em camisa de força para outras.
O controle escolar sobre o material educativo tem ainda outro
efeito. Aumenta consideravelmente o custo desse material barato.
Uma vez que seu uso é restrito a horas programadas, há profissio-
nais pagos para supervisionar sua aquisição, conservação e uso. De-
pois, os alunos descarregam seu descontentamento com a escola
sobre o material que, então, precisa ser comprado novamente.
A intocabilidade do material escolar é comparável à
impenetrabilidade da moderna sucata. Na década de trinta qualquer
rapaz que se prezava sabia consertar um automóvel, mas, agora, os
fabricantes de carros complicam o funcionamento, acrescentando
sempre mais fios, e restringem apenas aos mecânicos especializados
o acesso aos manuais. Antigamente, um rádio continha suficientes
bobinas e condensadores para construir um transmissor que fazia
chiar todos os rádios da vizinhança. Os rádios transistores são mais
facilmente portáveis, mas ninguém se atreve a desmontá-los. Mudar
essa situação nos países altamente industrializados será muito difícil,
mas, ao menos no terceiro Mundo, devemos insistir para que se
introduzam nas coisas qualidades educativas.
À guisa de ilustração, tomemos um exemplo: com um gasto
de dez milhões de dólares é possível conectar 40 mil aldeias num
país como o Peru, construindo uma rede de estradas de dois metros
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de largura, mantê-la e ainda dar ao país 200.000 “mulas mecâni-
cas” de três rodas, uma média de cinco para cada aldeia. Poucos
são os países, do tamanho do Peru, que gastam anualmente menos
do que esta quantia em carros e rodovias; ambos esses bens estão
restritos ao uso dos ricos e de seus empregados, enquanto as pes-
soas pobres permanecem isoladas em suas aldeias. Cada um des-
ses veículos, simples mas duráveis, custaria US$125 – a metade
dessa soma seria para pagar transmissão e um motor de 6 HP. A
“mula” poderia fazer 25 quilômetros por hora e carregar 425 qui-
los (isto é, a maioria das coisas, fora toras e barras de aço, que é
geralmente transportada).
O valor político de tal sistema de transporte para os campone-
ses é óbvio. Igualmente óbvia é a razão por que aqueles que têm o
poder – e com isso automaticamente possuem um carro – não
estão interessados em gastar dinheiro com estradas e ter rodovias
cheias de “mulas mecânicas”. A introdução da “mula mecânica” em
âmbito geral só poderia funcionar se os dirigentes de uma nação se
dispusessem a impor um limite nacional de velocidade, digamos de
40 km/hora e adaptar suas instituições públicas a isso. Esse modelo
não funcionaria se fosse considerado apenas um subterfúgio.
Não é oportuno discutir agora a viabilidade política, social,
econômica e financeira desse modelo. Quero apenas frisar que as
considerações educativas devem ocupar primazia quando se esco-
lhe uma alternativa desse tipo para transporte. Aumentando o cus-
to unitário por “mula” em 20%, seria possível planejar a produção
de todas as suas peças de tal forma que todo proprietário, na
medida do possível, gastasse um mês ou dois montando e estu-
dando sua máquina e, depois, fosse capaz de consertá-la. Com
este custo adicional seria possível também descentralizar a produ-
ção para diversas fábricas. Outros benefícios, que não apenas a
inclusão dos custos educacionais no processo construtivo, resulta-
riam daí. Um motor durável que praticamente qualquer um pode-
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ria aprender a consertar e que poderia ser usado como arado ou
bomba por quem o soubesse traria maiores benefícios educacio-
nais do que as ininteligíveis máquinas dos países desenvolvidos.
Não só a sucata, mas também os logradouros públicos das
modernas cidades tornaram-se impenetráveis. Na sociedade ame-
ricana, as crianças são proibidas de aproximarem-se da maioria
das coisas e lugares porque são propriedade privada. Mas até nas
sociedades que declararam o fim da propriedade privada as crian-
ças são afastadas desses mesmos lugares e coisas porque são con-
siderados domínio especial de profissionais e perigosos para os
não iniciados. Desde a geração passada, a estação ferroviária tor-
nou-se tão inacessível quanto o quartel de bombeiros. Com um
pouco de imaginação não seria difícil zelar pela segurança em tais
lugares. Desescolarizar os artefatos educativos significa tornar dis-
poníveis os artefatos e os processos e reconhecer seu valor educativo.
Certamente, alguns trabalhadores considerarão inconveniente es-
tar à disposição dos aprendizes; mas esta inconveniência deve ser
contrabalançada com os proveitos educacionais.
Os carros particulares poderiam ser proscritos de Manhattan.
Há cinco anos teria sido inimaginável. Agora certas ruas de Nova
Iorque ficam interditadas ao tráfego em certas horas e a tendência
provavelmente continuará. Na verdade, a maioria das ruas trans-
versais deveria ser fechada ao tráfego e o estacionamento proibi-
do em qualquer lugar. Numa cidade aberta ao povo, o material de
ensino que está atualmente trancado em depósitos e laboratórios
poderia ser exposto em locais adequados para que as crianças e
adultos pudessem vê-lo sem perigo de serem atropelados.
Se as metas de aprendizagem não mais fossem dominadas pelas
escolas e professores escolares, o mercado para os aprendizes seria
bem mais variado e a definição de “artefatos educativos” seria me-
nos restritiva. Poderia haver lojas de utensílios, bibliotecas, laborató-
rios e salões de jogos. Os laboratórios fotográficos e as impressoras
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“offset” permitiriam o florescimento de jornais da vizinhança. Al-
guns desses centros educativos poderiam ter cabinas de televisão de
circuito fechado; outros poderiam projetar equipamento de escritó-
rio para seu uso e conserto próprio. O toca-discos e o toca-fitas
seriam lugares-comuns. Alguns se especializariam em música clássi-
ca, outros em músicas populares internacionais e outros ainda em
jazz. Os clubes de cinema competiriam entre si e com televisão co-
mercial. As saídas dos museus poderiam ser redes de exposições
circulantes de obras de arte, antigas e novas, originais e reproduções,
talvez administradas pelos museus metropolitanos.
O pessoal necessário para esta rede deveria ser constituído de
guardas, guias de museu e bibliotecários, mas não professores. Uma
loja de biologia, situada numa esquina qualquer, poderia encami-
nhar os visitantes interessados a uma coleção de conchas no museu
ou indicar a próxima apresentação de vídeo-tapes em determinada
cabina de televisão. Poderiam fornecer guias para controle de pes-
tes, dietas e outras espécies de medicina preventiva. Poderiam en-
caminhar pessoas necessitadas de aconselhamento a “adultos” que
estariam capacitados a proporcioná-lo.
Pode haver duas modalidades de financiar uma rede de “ob-
jetos de aprendizagem”. Uma comunidade poderia determinar
um orçamento máximo para este fim e fazer com que todas as
partes da rede estivessem abertas a todos os visitantes em horário
razoável. Ou a comunidade poderia dar aos cidadãos limitado
número de bilhetes, de acordo com sua faixa de idade, para que
tivessem acesso especial a certos materiais mais caros e mais raros,
deixando o material mais comum acessível a todos.
Encontrar recursos para material especificamente educativo é
apenas um – e talvez o menos difícil – aspecto de construção de
um mundo educacional. O dinheiro atualmente gasto nos sagra-
dos acessórios do ritual escolar poderia ser empregado em dar a
todos os cidadãos maior acesso à verdadeira vida da cidade. In-
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centivos fiscais poderiam ser dados aos que empregassem meno-
res entre 8 e 14 anos por algumas horas diárias, isto se as condi-
ções de emprego fossem humanas. Deveríamos voltar à tradição
do bar mitzvah ou confirmação. Com isso quero dizer que deverí-
amos, primeiro, restringir e, depois, eliminar a privação de direitos
civis dos jovens e permitir que um rapaz de doze anos venha a
tornar-se um homem inteiramente responsável pela sua participa-
ção na vida da comunidade. Muitas pessoas “em idade escolar”
sabem mais a respeito de sua vizinhança do que os assistentes soci-
ais ou vereadores. Evidentemente, também fazem perguntas mais
embaraçosas e apresentam soluções que ameaçam a burocracia.
Deveríamos permitir que atingissem a maioridade de forma que
pudessem pôr em ação seus conhecimentos e sua habilidade de
descobrir fatos, a serviço de um governo popular.
Até há pouco tempo os perigos da escola eram facilmente
subestimados em comparação com os perigos da aprendizagem
na polícia, no corpo de bombeiros ou na indústria de diversões.
Era fácil justificar as escolas ao menos como meio de proteger a
juventude. Este argumento, muitas vezes, já não encontra validade.
Recentemente visitei uma igreja metodista no Harlem ocupada por
um grupo armado de Young Lords em protesto contra a morte de
Julio Rodan, um jovem porto-riquenho enforcado na cela da pri-
são. Eu conhecia os líderes do grupo que haviam passado um
semestre em Cuernavaca. Quando perguntei por que Juan, que era
um deles, não estava, recebi, surpreso, a resposta de que havia
“voltado para a heroína e para a universidade do Estado”.
O planejamento, os incentivos e a legislação podem ser usados
para liberar o potencial educativo, encerrado no enorme investi-
mento feito pela sociedade em instalações e equipamentos. Não
haverá pleno acesso aos objetos educacionais enquanto as firmas
comerciais tiverem a permissão de combinar as proteções legais
que a Declaração dos Direitos do Homem reserva à vida privada
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dos indivíduos com o poder econômico, conferido a elas por seus
milhões de consumidores, milhares de empregados, acionistas e
fornecedores. A maior parte do “know-how” mundial, dos pro-
cessos de produção e equipamento está encerrada dentro das pa-
redes das firmas comerciais, inacessível a seus consumidores, em-
pregados e acionistas bem como ao público em geral, cujas leis e
facilidades permitem que elas funcionem. O dinheiro atualmente
gasto em publicidade nos países capitalistas poderia ser reorientado
para a educação na e pela General Eletric, cadeia de televisão NBC
ou cervejaria Budweiser. Isto é, as instalações e escritórios deveri-
am ser reorganizados de modo que suas operações diárias pudes-
sem ser mais acessíveis ao público a fim de tornar possível a apren-
dizagem; e deveriam ser encontradas formas de pagar as empre-
sas pela aprendizagem que as pessoas obtivessem delas.
Um conjunto ainda mais valioso de objetos e dados científi-
cos pode ser mantido longe do acesso geral – e mesmo de cientis-
tas qualificados – sob a alegação de pertencer à segurança nacio-
nal. Até pouco tempo atrás a ciência era um fórum que funcionava
como sonho de anarquista. Toda pessoa capaz de fazer pesquisa
tinha mais ou menos igual oportunidade de acesso a seus instru-
mentos e a audiência de grupo de colegas. Hoje, a burocratização
e a organização colocaram a maior parte da ciência para além do
alcance público. O que costumava ser uma rede internacional de
informação científica fracionou-se numa arena de equipes rivais.
Os membros e os artefatos de comunidade científica foram en-
cerrados em programas nacionais e corporativos, orientados para
realizações práticas e para o empobrecimento radical dos homens
que sustentam essas nações e corporações.
Num mundo controlado e possuído por nações e corporações,
sempre haverá apenas um acesso limitado aos objetos educacio-
nais. Mas, se o acesso a esses objetos – que podem ser partilhados
com fins educativos – aumentar, ele nos pode esclarecer suficien-
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temente para rompermos essas últimas barreiras políticas. As es-
colas públicas transferem o controle do uso dos objetos educaci-
onais, tirando-o dos particulares e passando-o para as mãos pro-
fissionais. A inversão institucional das escolas poderia autorizar o
indivíduo a reclamar o direito de usá-los para a educação. Poderia
surgir uma espécie de verdadeiro domínio público se o controle
privado ou corporativo sobre o aspecto educacional das “coisas”
fosse levado até o desaparecimento.
Intercâmbio de habilidades
Diferentemente de uma guitarra, um professor de guitarra não
pode estar exposto num museu, nem ser propriedade pública e nem
ser alugado. Professores e habilidades pertencem a uma categoria de
recursos diferente daquela a que pertencem os objetos necessários
para aprender uma habilidade. Isto não significa que sejam sempre
indispensáveis. Posso tomar emprestado não só uma guitarra, mas
também lições gravadas em disco ou fitas magnéticas, guias práticos
ilustrados, e com isso posso aprender perfeitamente a tocar guitarra.
Isto pode ter suas vantagens: se as gravações disponíveis são melho-
res que os professores disponíveis, se o único tempo que tenho para
aprender é à alta noite, se as melodias que desejo tocar são desconhe-
cidas em meu país, se for tímido e preferir “arranhar” sozinho.
Os professores que ensinam certas habilidades devem estar
registrados e ser localizados por vias diferentes das dos objetos.
Um objeto está disponível – ou deveria estar – a pedido do usu-
ário, ao passo que uma pessoa torna-se formalmente um recurso
para aprender uma habilidade unicamente quando consentir em
sê-lo, e pode ainda delimitar o tempo, lugar e método.
Esses professores devem ser distinguidos dos companheiros
dos quais se pode aprender alguma coisa. Companheiros que de-
sejam fazer uma pesquisa em comum devem partir de interesses e
habilidades comuns: juntam-se para desenvolver ou exercitar uma
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habilidade que compartilhem: basquete, danças, construção de um
lugar de acampamentos, discussão das próximas eleições. O pri-
meiro ato de uma transmissão de habilidades, no entanto, requer o
encontro de alguém que possua a habilidade e de alguém que não
possua, mas deseja adquiri-la.
Um “modelo” é uma pessoa que tenha uma habilidade e está
disposta a demonstrá-la na prática. Uma demonstração dessa na-
tureza é muitas vezes recurso necessário para um aprendiz em
potencial. As invenções modernas permitem gravar essa demons-
tração numa fita, num filme ou num cartaz; muitos creem, porém,
que a demonstração pessoal será sempre solicitada, sobretudo em
se tratando de habilidades de comunicação. Perto de 10 mil adul-
tos aprendem espanhol em nosso Centro de Cuernavaca. Eram,
na maioria, pessoas altamente motivadas, as quais pretendiam ad-
quirir uma fluência bem próxima à do povo do lugar. Quando se
viam diante de alternativa de escolher entre instrução cuidadosa-
mente programada num laboratório ou entre sessões práticas com
dois outros estudantes e uma pessoa do lugar, seguindo rotina
preestabelecida, escolhiam em geral a segunda.
Para amplo compartilhamento de habilidades, o único recurso
humano que sempre precisamos e teremos é uma pessoa que de-
monstre esta habilidade. Seja no falar ou pilotar, no cozinhar ou no
uso de aparelhos de comunicação, mal nos damos conta que existe
uma aprendizagem e instrução formal, especialmente depois de nossa
primeira experiência com os materiais em questão. Não vejo por
que outras habilidades complexas, tais como os aspectos mecânicos
da cirurgia, tocar um violino, ler ou usar diretórios e catálogos, não
possam ser aprendidos da mesma forma.
Um estudante bem motivado que não trabalhe em condições
muito adversas não precisa, em geral, de outra assistência humana
que a de alguém que possa mostrar como fazer aquilo que o aprendiz
deseja fazer. A exigência de que as pessoas com alguma habilidade,
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antes de demonstrá-la, devam ter um certificado de “mestres” é re-
sultado da insistência de que as pessoas aprendam o que não querem
saber ou de que todas as pessoas – mesmo as que se encontram em
situações muito adversas – aprendem certas coisas num dado mo-
mento de sua vida, e, de preferência, em circunstâncias específicas.
O que torna raras as habilidades no mercado educacional de
hoje é a seguinte exigência institucional: os que poderiam demonstrá-
las não o podem fazer sem terem recebido a confiança pública atra-
vés de um certificado. Volto a frisar: os que ajudam outros a adquirir
uma habilidade devem também saber diagnosticar as dificuldades
de aprendizagem e ser capazes de motivar as pessoas a aprender
uma habilidade. Em resumo, exigimos que sejam “mestres”. Haverá
em abundância pessoas que saibam demonstrar habilidades se apren-
dermos a reconhecê-las fora da profissão de ensinar.
É compreensível – ainda que não defensável por muito tempo –
a insistência dos pais de que, quando se trata de ensino a principezinhos,
seja uma só pessoa o professor e o que ensina as habilidades. Mas é
utópico que todos os pais queiram ter um Aristóteles para o seu Ale-
xandre. É tão raro encontrar e tão difícil de reconhecer uma pessoa
que saiba, ao mesmo tempo, influenciar estudantes e demonstrar algu-
ma habilidade que até os principezinhos, as mais das vezes, se tornam
sofistas em vez de verdadeiros filósofos.
A demanda por certas habilidades raras pode ser rapidamente
satisfeita, mesmo que haja poucas pessoas para demonstrá-las; só
que essas pessoas têm que estar facilmente disponíveis. Na década
de 40, os consertadores de rádio – a maioria com nenhuma apren-
dizagem escolar em seu ofício – só ficaram dois anos atrasados em
relação à própria chegada dos aparelhos no interior da América
Latina. Lá ficaram até que os rádios transistores, fáceis de comprar e
impossíveis de consertar, puseram-nos fora de ação. As escolas téc-
nicas de hoje fracassam em conseguir o que os consertadores da-
queles rádios tão bons e mais duráveis faziam normalmente.
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Autointeresses convergentes conspiram agora para impedir que
uma pessoa partilhe com outra suas habilidades. Quem possui uma
habilidade tira proveito de sua escassez e não de sua reprodução. O
professor que se especializa em transmitir determinada habilidade tira
proveito do fato de o artesão não querer difundir largamente aquilo
que aprendeu. O público em geral foi doutrinado para acreditar que
as habilidades são valiosas e de confiança unicamente se forem resul-
tado de escolarização formal. O mercado de trabalho depende de
tornar as habilidades escassas e conservá-las assim, seja proscrevendo
seu uso ou transmissão não autorizados, seja fabricando coisas que só
podem ser manejadas ou consertadas por aqueles que têm acesso a
ferramentas e informações especiais, estas sempre escassas.
As escolas produzem deficitariamente pessoas com alguma
habilidade. Bom exemplo disso é a diminuição do número de
enfermeiras nos Estados Unidos, devido à exigência de 4 anos de
ensino superior. As mulheres de família mais pobres que se teriam
matriculado num curso de dois ou três anos estão, agora, total-
mente ausentes da profissão de enfermeira.
Outra maneira de manter escassas as habilidades é insistir no
certificado dos professores. Se as enfermeiras fossem incentivadas
a treinar mulheres para serem também enfermeiras, e se as enfer-
meiras fossem contratadas à base de sua comprovada habilidade
em aplicar injeções, preencher fichas, ministrar remédios etc.; cedo
desapareceria a falta de enfermeiras treinadas. Os certificados ten-
dem a abolir a liberdade de educação, convertendo o direito civil
de partilhar um conhecimento em privilégio da liberdade acadê-
mica, conferido apenas aos empregados das escolas. Para garantir
acesso a um efetivo intercâmbio de habilidades, precisamos de
uma legislação que generalize a liberdade acadêmica. O direito de
ensinar qualquer habilidade deveria cair sob a proteção da liberda-
de de falar. Uma vez removidas as restrições do ensino, serão tam-
bém e logo removidas da aprendizagem.
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O professor de habilidades precisa de certa garantia para po-
der oferecer seus serviços aos alunos. Existem ao menos duas for-
mas bem simples de canalizar fundos públicos para professores
sem certificados. Uma seria institucionalizar o intercâmbio de ha-
bilidades, criando centros livres, abertos ao público. Tais centros
poderiam e deveriam ser instalados em áreas industriais quando
certas habilidades ali aprendidas fossem requisitos fundamentais
para o setor industrial: leitura, datilografia, contabilidade, línguas
estrangeiras, programação de computadores, leitura de linguagens
especiais como circuitos elétricos, manejo de certas máquinas etc.
Outra forma seria dar a certos grupos vales educativos para que
participassem de centros de habilidades, onde outros clientes pa-
gassem taxas comerciais.
Uma forma bem mais radical seria criar um “banco” para
intercâmbio de habilidades. Cada cidadão receberia um crédito
básico para aquisição de habilidades fundamentais. Além desse
mínimo, ulteriores créditos iriam para aqueles que os ganhassem
ensinando, seja servindo de modelos num centro organizado, seja
ensinando em casa ou num campo de esportes. Somente os que
tivessem ensinado outros por um período de tempo teriam direi-
to a reclamar o tempo equivalente de professores mais adiantados.
Surgiria uma elite totalmente nova, uma elite que obteria sua edu-
cação partilhando-a.
Teriam os pais direito a créditos de habilidades para seus fi-
lhos? Isso traria maiores vantagens às classes privilegiadas, mas
poderia ser compensado mediante um crédito mais amplo aos
menos privilegiados. O funcionamento do intercâmbio de habili-
dades dependerá da existência de agências que facilitem a circula-
ção e uso gratuito de diretórios informativos. Tais agências pode-
riam também oferecer serviços suplementares de testes e com-
provações, influenciar na legislação para dissolver e impedir que se
formem monopólios.
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É fundamental que a liberdade de intercâmbio universal de
habilidades seja garantida por leis que permitam a discriminação
baseada unicamente em habilidades comprovadas e não em linha-
gem educacional. Esta garantia requer forçosamente controle pú-
blico sobre testes que serão usados na qualificação das pessoas
para o mercado de trabalho. Caso contrário, haveria quem, sub-
repticiamente, reintroduzisse uma série complexa de testes, no pró-
prio local de trabalho, e que serviria para uma seleção social. Há
muitas modalidades de tornar objetivo o teste de habilidades, por
exemplo, deixando que apenas seja testado o manejo de máquinas
ou sistemas específicos. Os testes de datilografia (velocidade, nú-
mero de erros, capacidade de datilografar ditado), de contabilida-
de, de manejo de registros hidráulicos, de motorista, de codificação
em Cobol etc., podem facilmente ser objetivos.
Muitas habilidades inatas que são de importância prática po-
dem ser assim testadas. Para fins de controle de mão de obra é
mais útil um teste de nível usual de habilidade do que a informa-
ção de que 20 anos atrás uma pessoa satisfez seu professor num
curso em que se ensinava datilografia, estenografia e contabilida-
de. A própria necessidade de testes oficiais de habilidade pode
ser questionada. Pessoalmente creio que o direito de não ser in-
dividualmente ferido em sua reputação por algum rótulo será
mais bem garantido ao homem pela restrição e não pela proi-
bição de testes.
Encontro de parceiros
No pior dos casos, as escolas reúnem os condiscípulos na mes-
ma sala e os submetem ao mesmo tratamento sequencial nas ma-
temáticas, na educação moral e cívica e na alfabetização. No me-
lhor dos casos, permitem ao estudante escolher, dentro de um
limitado número de cursos, um deles. Em ambos os casos, for-
mam-se grupos de parceiros ao redor das metas de professores.
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Um sistema educacional proveitoso deixaria cada um definir a
atividade para a qual procuraria um parceiro.
A escola oferece às crianças oportunidade de fugir de casa e
fazer novos amigos. Mas, ao mesmo tempo, este processo inculca
nas crianças a ideia de que deveriam escolher seus amigos dentre
aqueles com os quais foram juntados. Fazendo com que os jovens,
desde a mais tenra idade, procurem se encontrar, avaliar e procu-
rar os outros, vai interessá-los a procurar, a vida inteira, novos
parceiros para novos empreendimentos.
Um bom enxadrista fica sempre feliz ao encontrar um bom
adversário, da mesma forma um noviço ao encontrar outro. Os
clubes servem a esta finalidade. As pessoas que desejam discutir
determinados livros ou artigos, provavelmente pagariam para en-
contrar parceiros. As pessoas que desejam jogar, fazer excursões,
construir tanques de peixes ou motorizar bicicletas andariam gran-
des distâncias para encontrar parceiros. Sua recompensa pelo es-
forço será encontrar esses parceiros. As boas escolas tentam des-
cobrir os interesses comuns de seus alunos matriculados no mes-
mo curso. O contrário de escola seria uma instituição que aumen-
tasse as chances de as pessoas que, em dado momento, comparti-
lharam o mesmo interesse específico, pudessem encontrar-se –
não importa o que mais tenham em comum.
O ensino de habilidades não proporciona os mesmos benefíci-
os para ambas as partes, como é o caso do encontro de parceiros.
O professor de habilidade, como já frisei, deve receber outro incen-
tivo além da remuneração pelo ensino. O ensino de habilidades é
uma repetição contínua de exercícios e é tremendamente monótono
para os alunos que mais o necessitam. O intercâmbio de habilidades
precisa de dinheiro, crédito ou outros incentivos palpáveis para fun-
cionar, mesmo que para isso tenha que produzir uma moeda pró-
pria. O sistema de encontro de parceiros não precisa desses incenti-
vos, precisa apenas de uma rede de comunicação. Em muitos casos,
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fitas, sistemas eletrônicos de informação, instrução programada, re-
produção de formas e sons reduzem a necessidade de recorrer a
professores humanos, aumentam a eficiência dos professores e o
número de habilidades que alguém pode aprender durante a vida.
Paralelamente, surge maior necessidade de encontrar pessoas inte-
ressadas em deleitar-se na habilidade recentemente adquirida. Uma
estudante que houvesse aprendido grego antes das férias gostaria de
discutir, quando voltasse, a política de Creta, em grego. Um mexica-
no em Nova Iorque quer encontrar outros leitores do Jornal Siempre
ou de Los Agachados, o livro cômico mais popular. Outro gostaria de
encontrar parceiros que, como ele, desejassem aumentar seus co-
nhecimentos sobre a obra de James Baldwin ou de Bolívar.
O funcionamento de uma rede de encontros de parceiros será
simples, como já foi esboçado no capítulo 1. O candidato se iden-
tificaria, dando nome e endereço, e descreveria a atividade para a
qual procura um parceiro. Um computador lhe remeteria os no-
mes e endereços de todos os que tivessem dado a mesma descri-
ção. É interessante que este processo tão simples nunca tenha sido
usado, em larga escala, para alguma atividade pública de valor.
Em sua forma mais rudimentar, a comunicação entre o cliente
e o computador seria feita por resposta postal. Nas grandes cida-
des, os telex poderiam dar resposta imediata. A única maneira de
obter um nome e endereço do computador seria inserir a descri-
ção de uma atividade para a qual se procura um parceiro. As pes-
soas que usassem este sistema só ficaram conhecidas por seus par-
ceiros potenciais.
Um complemento de computador poderia ser uma rede de
boletins informativos ou anúncios classificados de jornais, enume-
rando as atividades para as quais o computador não conseguisse
arranjar um encontro. Não se precisaria de nomes. Leitores inte-
ressados poderiam, então, inserir seus nomes no sistema. Uma rede
de encontros de parceiros, publicamente mantida, seria a única
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maneira de garantir o direito à livre reunião e de treinar o povo no
exercício dessa atividade cívica mais fundamental.
O direito à livre reunião foi politicamente reconhecido e cultu-
ralmente aceito. Compreendemos agora que este direito está res-
tringido por leis que tornam algumas formas de reunião obrigató-
rias. É principalmente o caso de instituições que recrutam seus ele-
mentos de acordo com a idade, classe ou sexo e exigem grande
gasto de tempo. O exército é um exemplo. Outro exemplo, ainda
mais típico, é a escola.
Desescolarizar significa abolir o poder de uma pessoa de obri-
gar outra a frequentar uma reunião. Também significa o direito de
qualquer pessoa, de qualquer idade ou sexo, convocar uma reunião.
Esse direito foi drasticamente diminuído pela institucionalização das
reuniões. “Reunião” significa originalmente o ato individual de jun-
tar-se. Agora, significa o produto institucional de alguma agência.
A sagacidade das instituições de serviço para adquirir clientes
superou de longe a sagacidade dos indivíduos de serem ouvidos
independentemente dos meios institucionais que respondem aos
indivíduos somente se forem notícias vendáveis. A facilidade de
encontro de parceiros deveria ser tão grande para os que desejam
reunir pessoas, como o sino do povoado que, a um simples cha-
mado, reúne os moradores para o conselho. Os prédios escolares
– duvidoso valor para conversão em outros usos – poderiam
muitas vezes prestar-se a esta finalidade.
O sistema escolar vai em breve defrontar-se com o mesmo
problema que tiveram as igrejas: o que fazer com a sobra de espaço,
após a deserção dos fiéis. É tão difícil vender uma escola quanto um
templo. Maneira prática de conseguir que continuem a ser usadas é
franqueá-las às pessoas da vizinhança. Cada qual poderia marcar o
que deseja fazer na sala de aula, e quando; um quadro mural infor-
maria aos interessados quais os programas disponíveis. O acesso à
“sala de aula” seria franco ou comprado com comprovantes educa-
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cionais. O “professor” seria pago conforme o número de alunos
que conseguisse atrair para período integral de duas horas. Imagino
que os líderes bem jovens e os grandes educadores serão as figuras
mais proeminentes neste sistema. O mesmo procedimento poderia
ser adotado na educação de nível superior. Os estudantes receberi-
am comprovantes educacionais que lhes dariam direito a dez horas
anuais de consulta particular com o professor de sua escolha; o res-
tante de sua aprendizagem dependeria de bibliotecas, encontro de
parceiros e aprendizados.
Devemos reconhecer, obviamente, a probabilidade que esses
instrumentos de reuniões públicas serão aproveitados abusivamente
para fins exploradores e imorais, da mesma forma como aconte-
ceu com os telefones e correio. À semelhança desses, deverá haver
um regulamento de proteção. Já falei de um sistema de encontros
que só permitiria informação impressa pertinente, mais o nome e
endereço do interessado. Seria um sistema virtualmente à prova de
abusos. Outras modalidades poderiam ainda incluir algum livro,
filme, programa de TV ou demais itens constantes de um catálogo
especial. Os possíveis perigos do sistema não nos levam a perder
de vista os maiores benefícios que poderá trazer.
Certas pessoas que partilham meu ponto de vista sobre a li-
berdade de expressão e reunião dirão que o encontro de parceiros
é um meio artificial de reunir as pessoas, e que não será usado
pelos pobres – os que mais necessitam dele. Há pessoas que ficam
verdadeiramente agitadas quando alguém sugere promover en-
contros ad hoc que não estejam arraigados na vida da comunidade
local. Outras reagem à sugestão de usar-se um computador para
classificar e combinar os interesses dos clientes. Não se pode reu-
nir pessoas de forma tão impessoal; dizem elas. O interesse co-
mum deve estar fundado numa história de experiências partilha-
das em muitos níveis e deve nascer dessas experiências como, por
exemplo, o desenvolvimento de instituições de vizinhança.
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Simpatizo com essas objeções mas creio que não atingem
minha posição nem mesmo a delas. Em primeiro lugar, a volta à
vida de vizinhança como centro primário da expressão criadora
poderia realmente prejudicar o restabelecimento da vizinhança
como unidade política. Centrar a demanda na vizinhança pode,
de fato, negligenciar um importante aspecto libertador da vida
urbana: a capacidade de uma pessoa participar simultaneamente
de diversos grupos. Há que considerar também que muitas pes-
soas que não viveram juntas numa comunidade física podem ter,
casualmente, muito mais experiências a compartilhar do que as
pessoas que se conheceram desde a infância. As grandes religiões
sempre reconheceram a importância do encontro de pessoas dis-
tantes, e os fiéis sempre encontraram libertação neles; as peregri-
nações, o monaquismo, a manutenção conjunta de templos e san-
tuários são prova disso. O encontro de parceiros poderia ajudar
muito a tornar explícitas as inúmeras comunidades potenciais,
mas abafadas, da cidade.
As comunidades locais são valiosas. São também uma reali-
dade em desaparecimento, uma vez que os homens deixam que
as instituições de serviço definam, progressivamente, os círculos
de seu relacionamento social. Em seu mais recente livro, Milton
Kotler mostrou que o imperialismo dos “centros urbanos” des-
titui a vizinhança de seu significado político. A tentativa protecio-
nista de ressuscitar a vizinhança como unidade cultural é simples
apoio a este imperialismo burocrático. Longe de remover artifi-
cialmente as pessoas de seus contextos locais para juntá-las com
grupos abstratos, o encontro de parceiros vai reencorajar a res-
tauração a vida local nas cidades das quais está, agora, desapare-
cendo. Alguém que recupere sua iniciativa de convocar seus cole-
gas para uma proveitosa conversa também deixará de acomo-
dar-se ao fato de ser deles separado por protocolos oficiais ou
etiquetas suburbanas. Tendo-se uma vez convencido de que rea-
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lizar algo em conjunto depende apenas de decisão para assim
proceder, as pessoas insistirão que suas comunidades locais se
tornem mais abertas ao intercâmbio político criativo.
Devemos reconhecer que a vida da cidade tende a ser muitís-
simo cara, uma vez que os moradores das cidades precisam ser
ensinados a confiar, para cada uma de suas necessidades, em com-
plexos serviços institucionais. É extremamente dispendioso man-
ter uma vida apenas digna. O encontro de parceiros na cidade
poderia ser um primeiro passo para romper a dependência dos
cidadãos dos burocráticos serviços cívicos.
Seria também um passo essencial na procura de novos meios
para firmar a confiança pública. Numa sociedade escolarizada
chegamos a confiar sempre mais no julgamento profissional de
educadores sobre o efeito de seus próprios trabalhos para, então,
decidir em quais podemos ou não confiar. Vamos ao médico, ad-
vogado ou psicólogo porque confiamos que qualquer pessoa com
tanto tratamento educacional especializado, requerido por outros
colegas, merece nossa confiança.
Numa sociedade desescolarizada, os profissionais já não po-
derão exigir a confiança de seus clientes, baseados em seu diplo-
ma, ou confirmar sua reputação remetendo simplesmente seus
clientes a outros profissionais que certifiquem a escolarização dos
primeiros. Em vez de confiar em profissionais, deveria ser possí-
vel, a qualquer tempo e para qualquer cliente potencial, consultar
outros clientes de determinado profissional para ver se estavam
satisfeitos com ele. Isto poderia ser feito através de outra rede de
parceiros, facilmente estabelecida por um computador ou por
outros meios. Essas redes poderiam ser consideradas serviços pú-
blicos, nos quais os estudantes pudessem escolher seus professores
e os pacientes seus doutores (Illich, 1976, pp. 150-157).
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Educadores profissionais
Se os cidadãos tiverem novas escolas, novas oportunidades
para aprender, sua vontade de procurar lideranças vai aumentar.
Podemos esperar que sentirão mais profundamente tanto a pró-
pria independência quanto a necessidade de orientação. Liberta-
dos da manipulação por outros, aprenderão a tirar proveito da
disciplina que outros adquiriram durante a vida. A educação
desescolarizada vai incrementar – em vez de sufocar – a procura
de pessoas com conhecimentos práticos que estejam dispostas a
amparar o novato em sua aventura educacional. Se os mestres em
suas especialidades deixarem de reivindicar que são informantes
ou modelos de habilidades superiores, então suas reivindicações
de sabedoria superior começarão a soar verdadeiras.
Com a crescente demanda por mestres, seu suprimento tam-
bém crescerá. À medida que vai desaparecendo o mestre-escola,
surgem condições que farão aparecer a vocação do educador in-
dependente. Isto pode quase não parecer uma contradição nos
termos, tão estritamente se tornaram complementares as escolas e
os professores. O florescimento de educadores independentes será
o que há de sobrevir se desenvolvermos os três primeiros inter-
câmbios educacionais e o que for necessário para seu pleno funci-
onamento, pois tanto os pais quanto os “outros educadores” pre-
cisam de orientação, os autodidatas precisam de assistência e as
redes precisam de pessoas para operá-las.
Os pais precisam de orientação para dirigir seus filhos no cami-
nho que leva para a independência educacional responsável. Os apren-
dizes precisam de líderes experientes quando encontram terreno ári-
do. Essas duas necessidades são bastante distintas: a primeira é a
necessidade de pedagogia; a segunda, de liderança intelectual em
todos os demais campos do saber. A primeira necessita de conheci-
mentos sobre a aprendizagem humana e sobre recursos educacio-
nais; a segunda, de conhecimentos baseados na experiência em qual-
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quer tipo de pesquisa. Ambas as espécies de experiência são indis-
pensáveis para um efetivo esforço educacional. As escolas embru-
lham essas funções em uma só e tornam o exercício independente
de qualquer uma delas, se não vergonhoso, ao menos suspeito.
Pode-se distinguir, de fato, três tipos de competência educativa
especial: criar e manejar as espécies de intercâmbios educacionais
ou redes aqui descritos; orientar estudantes e pais no uso dessas
redes; agir como primus inter pares ao empreender jornadas
exploratórias intelectualmente difíceis. Somente os dois primeiros
poderão ser concebidos como ramos de uma profissão indepen-
dente: administradores educacionais e conselheiros pedagógicos.
Para planejar e manejar redes que descrevi antes não são necessári-
as muitas pessoas, mas isto requer pessoas com a mais profunda
compreensão de educação e administração, numa perspectiva bem
diferente e mesmo oposta à das escolas.
Uma profissão educacional independente dessa espécie há de
receber com satisfação muitas pessoas que as escolas rejeitaram,
mas também rejeitará muitas pessoas que foram qualificadas pelas
escolas. A instalação e o manejo de redes educacionais exigirão
alguns planejadores e administradores, mas não em tal quantidade
e do tipo requerido pela administração escolar. Disciplina estudan-
til, relações públicas, salários, supervisão e dispensa de professores
nunca terão lugar nem contrapartida nas redes que descrevi. Nem
terão vez a elaboração de currículos, a venda de livros-texto, a
manutenção de terrenos e materiais ou a supervisão de competi-
ções atléticas interescolares. Também não figurarão no manejo das
redes educacionais o cuidado com crianças, plano de aula, registro
de presenças, que consomem tanto tempo dos professores. Ao
invés, o manejo de teias de aprendizagem exigirá algumas habili-
dades e atitudes que se espera encontrar num “staff ” de museu,
biblioteca, agência de empregos ou num maître d´hotel.
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Os administradores de hoje estão empenhados em controlar
professores e alunos para satisfazer outros: membros do conselho
diretor, legislaturas e executivos de empresas. Os construtores e
planejadores de redes deverão ter a capacidade de não imiscuir-se e
não deixar que outros se imiscuam nas atividades das pessoas, capa-
cidade para facilitar encontros de jovens, de modelos de habilidades,
líderes educacionais e objetos educativos. Muitas pessoas atualmente
atraídas para o magistério são profundamente autoritárias e não têm
competência para assumir esta tarefa. Montar intercâmbios educaci-
onais significa facilitar às pessoas – especialmente aos jovens – perse-
guir objetivos que podem entrar em contradição com ideais de algu-
mas pessoas que, ao regular o tráfico tornam possível seu exercício.
Se as redes que descrevi acima podem emergir, cada estudante
seguirá seu próprio caminho educativo e apenas retrospectivamente
esse caminho assumirá as características de um programa determi-
nado. O estudante inteligente há de procurar, periodicamente, con-
selho profissional: assistência para fixar novo objetivo, esclareci-
mento para dificuldades encontradas, escolha entre possíveis mé-
todos. Mesmo agora, a maioria das pessoas admitiria que os servi-
ços importantes a elas prestados pelos professores foram os de
orientação e conselho, seja em encontros ocasionais ou em consul-
tas particulares. Também os educadores, num mundo desescolari-
zado, poderão realizar-se e fazer aquilo que professores frustrados
tentam hoje conseguir.
Enquanto os administradores das redes estarão voltados, so-
bretudo em assegurar aos estudantes as vias de acesso aos recursos
educativos, o pedagogo ajudará o estudante a encontrar o cami-
nho que mais rapidamente o levará à meta. Se um estudante qui-
sesse aprender cantonês com um vizinho chinês, o pedagogo esta-
ria pronto a julgar a eficiência de ambos, ajudá-los a escolher o
livro-texto e os métodos mais indicados a seus talentos, caráter e
tempo disponível para estudo. Poderia aconselhar o aspirante a
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mecânico de aviação a encontrar os melhores lugares de aprendi-
zagem. Poderia recomendar livros a alguém que quisesse encon-
trar colegas para discutir a história da África. Tanto o administra-
dor da rede, quanto o conselheiro pedagógico devem considerar-
se educadores profissionais. Os indivíduos poderiam valer-se de
bolsas de estudo para ter acesso tanto a um quanto a outro.
O papel de iniciador ou líder educacional, do mestre ou do
“verdadeiro” líder, é algo mais indefinível do que o do administra-
dor profissional ou do pedagogo. Isto porque é difícil definir a pró-
pria liderança. Na prática, alguém é um líder se as pessoas seguirem
suas iniciativas e tornarem-se aprendizes de suas progressivas desco-
bertas. Isto envolve, frequentemente, uma visão profética de pa-
drões totalmente novos – aliás quase incompreensíveis hoje – em
que o “errado” de hoje transforma-se no “certo” de amanhã. Uma
sociedade que respeitasse o direito de convocar reuniões através do
encontro de parceiros, a capacidade de tomar iniciativas educacio-
nais num determinado assunto seria tão ampla quanto o acesso à
própria aprendizagem. Mas é claro que há grande diferença entre a
iniciativa tomada por alguém de convocar um proveitoso encontro
para discutir este ensaio e a sagacidade de alguém de assumir a lide-
rança para exploração sistemática das implicações nele contidas.
A liderança não depende de estar ela certa. Diz Thomas Kuhn
que numa época de constantes mudanças de paradigmas a maioria
dos destacados líderes estão sujeitos a serem considerados falsos
pela análise a posteriori. A liderança intelectual depende de disciplina
intelectual superior, de imaginação e de querer associar-se com
outros em seu exercício. Um aprendiz, por exemplo, pode achar
que existe analogia entre o movimento abolicionista norte-ameri-
cano ou a revolução cubana e o que está acontecendo no Harlem.
O educador – no caso um historiador – pode mostrar a esse
aprendiz como analisar as imperfeições de tal analogia. Poderá
voltar sobre seus próprios passos como historiador, ou poderá
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convidar o aprendiz a participar de sua própria pesquisa. Em
ambos os casos vai introduzir o aluno na arte da crítica – muito
rara nas escolas – que não pode ser comprada por dinheiro ou
por qualquer espécie de favores.
O relacionamento do mestre e aluno não está restrito à disci-
plina intelectual. Tem sua contrapartida nas artes, na física, na reli-
gião, psicanálise e pedagogia. Cabe também no alpinismo, ourive-
saria, política, carpintaria e administração de pessoal. O que é co-
mum a todo verdadeiro relacionamento mestre-aluno é a certeza
de ambos que seu relacionamento é literalmente incalculável e, de
maneiras bem diversas, um privilégio para ambos.
Os charlatães, demagogos, proselitistas, mestres corruptos,
sacerdotes, simoníacos, embusteiros, milagreiros e messias prova-
ram ser capazes de assumir papel de liderança e, assim, mostraram
os perigos que existem numa dependência aluno-mestre. Diversas
sociedades tornaram distintas medidas para defender-se contra
esses falsos professores. Os hindus se firmam nas castas, os judeus
orientais no discipulado espiritual dos rabinos; o cristianismo dos
tempos antigos baseava-se na vida exemplar da virtude monástica
e o de outros tempos na ordem hierárquica. Nossa sociedade confia
nos diplomas expedidos pelas escolas. É duvidoso que este proce-
dimento faça melhor triagem, mas se alguém afirmar que real-
mente faz, então poderá objetar-se que o faz à custa do quase
desaparecimento do discipulado pessoal.
Na prática sempre haverá uma linha divisória imprecisa entre o
professor de habilidades e os líderes educacionais acima identifica-
dos. Não existem razões concretas por que o acesso a alguns líderes
não possa ser obtido mediante o descobrimento do “mestre”, no
professor de exercícios que inicia os estudantes na sua disciplina.
Por outro lado, o que caracteriza o verdadeiro relacionamento
mestre-aluno é seu caráter não mercantil. Aristóteles se refere a ele
como “um tipo moral de amizade que não possui termos fixos:
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dá um presente, ou faz qualquer coisa como se fizesse a um ami-
go”. Tomás de Aquino fala dessa espécie de ensino como sendo,
inevitavelmente, um ato de amor e caridade. Esta forma de ensino
é sempre um luxo para o professor e uma forma de lazer (em
grego “schole”) para ele e seu aluno: uma proveitosa atividade
para ambos, não tendo interesses ulteriores.
Mesmo em nossa sociedade, para se confiar numa liderança
intelectual, é necessário que as pessoas desejem oferecê-la; mas ainda
não é possível pôr isso na prática. Precisamos antes construir uma
sociedade em que os próprios atos pessoais readquiram um valor
mais elevado do que o de fazer coisas e manipular pessoas. Em tal
sociedade o ensino baseado na pesquisa, inventivo e criativo estará,
logicamente, entre as formas mais cobiçadas de “desemprego” oci-
oso. Não precisamos, no entanto, esperar até o advento da utopia.
Mesmo agora, uma das mais importantes consequências da
desescolarização e do estabelecimento das facilidades de encontro
dos parceiros será a iniciativa que os “mestres” poderão tomar para
reunir discípulos potenciais, como já vimos, ampla oportunidades
de compartilhar informações e selecionar um mestre.
As escolas são as únicas instituições que pervertem profissões
empacotando as funções de cada uma. Os hospitais tornam os
cuidados caseiros impossíveis e, então, justificam a hospitalização
como um benefício para o doente. Ao mesmo tempo, a
legitimação e capacidade do médico de trabalhar dependem mais
de sua vinculação a um hospital, ainda que seja bem menos depen-
dente dele do que os professores da escola. O mesmo vale das
cortes de justiça que sobrecarregam suas agendas à medida que
novas transações adquirem solenidade legal, e, assim, retardam a
justiça. É o caso também das igrejas que fazem de uma vocação
livre uma profissão cativa. O resultado disso tudo é menos servi-
ço a um maior custo e maiores proventos para os membros me-
nos competentes da profissão.
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Enquanto as profissões mais antigas monopolizarem as ren-
das mais altas e o prestígio, é difícil reformá-las. A profissão do
professor escolar seria mais fácil de reformar, não só por ser de
origem mais recente. A profissão educacional exige atualmente um
monopólio compreensivo; reclama exclusiva competência de ini-
ciar não apenas seus próprios noviços, mas também os de outras
profissões. Esse âmbito excessivo torna-se vulnerável a qualquer
profissão que queira reclamar o direito de ensinar seus próprios
aprendizes. Os professores escolares são tremendamente mal pa-
gos e frustrados pelo rígido controle do sistema escolar. Os mais
empreendedores e dotados certamente encontrarão outro traba-
lho adequado, mais independência e até maiores rendas especi-
alizando-se como modelos de habilidades, administradores de re-
des de comunicação ou especialistas em orientação.
Finalmente, a dependência de um estudante matriculado com
um professor titular pode ser mais facilmente rompida que a de-
pendência com outros profissionais, por exemplo, o doente hos-
pitalizado com relação a seu médico. Se as escolas deixarem de
ser compulsivas, os professores que encontram satisfação no exer-
cício da autoridade pedagógica na classe serão deixados apenas
com os alunos que se sintam atraídos por esse estilo. A desinstalação
de nossa atual estrutura profissional poderia começar pela evasão
dos professores escolares.
A desinstalação das escolas se dará inevitavelmente e acontecerá
muito em breve. Não pode ser retardada por muito tempo. É ne-
cessário promovê-la, vigorosamente, pois já começou a ocorrer. O
que vale é tentar orientá-la numa direção promissora, pois ela pode
encaminhar-se para duas direções diametralmente opostas.
A primeira poderia ser a expansão do mandato do pedagogo
e seu controle sempre maior sobre a sociedade, mesmo fora da
escola. Com as melhores intenções e com a simples expansão da
retórica atualmente empregada nas escolas, a presente crise pode-
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ria ser usada pelos educadores como desculpa para colocar todas
as vias de comunicação social à disposição das mensagens que têm
para nós e para nosso próprio bem. A desescolarização, que é
impossível deter, poderia significar o advento de um “corajoso
mundo novo”, dominado por administradores bem intenciona-
dos de instrução programada.
Por outro lado, a crescente certeza por parte dos governantes
empregadores, contribuintes fiscais, esclarecidos pedagogos e ad-
ministradores escolares que o ensino curricular para a obtenção de
certificados tornou-se prejudicial poderia oferecer a grandes massas
populares uma extraordinária oportunidade: a de preservar o direi-
to de igual acesso aos instrumentos de aprendizagem e de partilhar
com outros o que sabem ou em que acreditam. Mas isto exigiria que
a revolução educacional fosse orientada por certos objetivos:
1.º) Liberar o acesso às coisas, abolindo o controle que pesso-
as e instituições agora exercem sobre seus valores educacio-
nais.
2.º) Liberar a partilha de habilidades, garantindo a liberdade
de ensiná-las ou exercê-las quando solicitado.
3.º) Liberar os recursos críticos e criativos das pessoas, devol-
vendo aos indivíduos a capacidade de convocar e fazer reuni-
ões – capacidade esta sempre mais monopolizada por institui-
ções que dizem falar em nome do povo.
4.º) Liberar o indivíduo da obrigação de modelar suas expec-
tativas pelos serviços oferecidos por uma profissão estabelecida
qualquer – oferecendo-lhe a oportunidade de aproveitar a ex-
periência de seus parceiros e confiar-lhe ao professor,
orientador, conselheiro ou curador de sua escolha. A
desescolarização da sociedade inevitavelmente tornará impre-
cisa a distinção entre economia, educação e política sobre a
qual repousa a estabilidade da atual ordem do mundo e a es-
tabilidade das nações.
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Nossa revisão das instituições escolares leva a uma revisão da
imagem que temos do homem. As criaturas de que necessitam as
escolas como cliente não têm autonomia nem motivação para se de-
senvolverem por si mesmas. Podemos dizer que a escolarização uni-
versal é a culminância de uma empresa de Prometeu e que a alternati-
va é um mundo feito para o homem Epimeteu. Enquanto dizemos
que a alternativa para os funis escolásticos é um mundo tornado trans-
parente pelas verdadeiras teias da comunicação e enquanto sabemos
exatamente como poderiam funcionar, só podemos esperar que a
natureza epimetéica do homem reapareça; não podemos planejá-la,
muito menos produzi-la (Illich, 1976, pp. 158-167).
Energia e equidade
20
Na minha análise do sistema escolar assinalei que numa socie-
dade industrial o custo do controle social aumenta mais rapida-
mente do que o nível do consumo de energia. Tal controle é exer-
cido em primeiro lugar pelos educadores e médicos, pelas organi-
zações assistenciais e políticas, sem contar com a polícia, o exército
e os psiquiatras. O subsistema social destinado ao controle social
cresce a um ritmo canceroso, convertendo-se para a própria soci-
edade na razão da sua existência (Illich, 1973a, p. 21).
O homem é o ser consciente do seu espaço vital e da sua limita-
ção no tempo. Integra ambos por meio da sua ação, a aplicação da
sua energia às circunstâncias concretas em que se encontra. Utiliza
para isso instrumentos de vários tipos, alguns dos quais dão maior
efeito às energias metabólicas de que dispõe e outros lhe permitem
descobrir fontes energéticas que são exteriores ao seu próprio cor-
po. A energia, transformada em trabalho físico, permite-lhe integrar
o seu espaço e o seu tempo. Privado de energia suficiente, vê-se
condenado a ser um simples espectador imóvel num espaço que o
20
Extraído de Illich, I. Énergie et équité. Paris: Seuil, 1973a. Traduzido pelo organizador
deste volume.
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oprime. Utilizando as mãos e os pés, transforma o espaço, simples
território para o animal, em casa e pátria. Aumentando a eficiência
da aplicação da sua própria energia, embeleza-o. Aprendendo a usar
novas fontes de energia, expande-o e põe-no em perigo. Para além
de um certo ponto, o uso de energia motorizada começa inevitavel-
mente a oprimi-lo (Illich, 1973a, p. 29).
No momento em que uma sociedade se faz tributária do trans-
porte, não só para as viagens ocasionais, mas também para as suas
deslocações quotidianas, torna-se evidente a contradição entre a
justiça social e energia motorizada, liberdade da pessoa e mecani-
zação da estrada. A dependência em relação ao motor nega a uma
coletividade precisamente aqueles valores que se considerariam
implícitos no melhoramento da circulação (Illich, 1973a, p. 33).
O homem move-se com eficácia sem ajuda de qualquer apa-
relho. Faz caminho a caminhar. A locomoção de cada grama do
seu próprio corpo ou da sua carga, por cada quilômetro percorri-
do em cada dez minutos, consome-lhe 0.75 calorias. Comparan-
do-o a uma máquina termodinâmica, o homem é mais rentável
que qualquer veículo motorizado, que consome pelo menos qua-
tro vezes mais calorias no mesmo trajeto. Além disso, é mais efici-
ente que todos os animais de peso comparável. Só o vencem o
tubarão e o cão, mas apenas por pouco. Com este índice de efici-
ência de menos de uma caloria por grama, organizou historica-
mente o seu sistema de circulação, baseado principalmente no trân-
sito (Illich, 1973a, p. 69).
Os homens nasceram dotados de mobilidade mais ou menos
igual. Esta capacidade inata de movimento advoga em favor de
uma liberdade igual na eleição do seu destino. A noção de equidade
pode servir de base para defender este direito fundamental contra
toda e qualquer limitação (…). A mobilidade humana é o único
padrão válido para se poder medir a contribuição que qualquer
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sistema de transporte se vê restringido, então o transporte faz de-
clinar a circulação (Illich, 1973a, p. 73).
A convivencialidade
21
A medicina moderna faz que mais crianças atinjam a adoles-
cência e que mais mulheres sobrevivam a numerosos partos. En-
tretanto, a população aumenta, excede a capacidade de se acolher
ao meio natural, rompe os diques e as estruturas da cultura tradi-
cional. Os médicos ocidentais fazem ingerir medicamentos às pes-
soas que anteriormente tinham aprendido a viver com as suas
doenças. O mal que se causa é muito pior que o mal que se cura,
pois se provocam novas espécies de doenças que nem a técnica
moderna, nem a imunidade natural, nem a cultura tradicional sa-
bem como enfrentar (Illich, 1973b, p. 17).
Os sintomas de uma progressiva acelerada crise planetária são
evidentes. Por todos os lados se procurou o porquê. Antecipo,
por meu lado, a seguinte explicação: a crise radica no malogro da
empresa moderna, isto é, na substituição do homem pela máqui-
na. O grande projeto metamorfoseou-se num implacável proces-
so de servidão para o produtor e de intoxicação para o consumi-
dor (Illich, 1973b, p. 23).
Cada cidade tem a sua história e a sua cultura e, por isso, cada
paisagem urbana de hoje sofre a mesma degradação. Todas as
autoestradas, todos os hospitais, todas as escolas, todos os escritó-
rios, todos os grandes complexos urbanos e todos os supermer-
cados se assemelham. As mesmas ferramentas produzem os mes-
mos efeitos. Todos os policiais motorizados e todos os especialis-
tas em informática se parecem; em toda a superfície do planeta
têm a mesma aparência (...), ao passo que, de uma região para
outra, os pobres diferem. Sob pena de reinstrumentalizar a socie-
21
Extraído de Illich, I. A convivencialidade. Lisboa: Publicações Europa-América, 1973b.
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dade, não escaparemos à homogeneização progressiva de tudo,
ao desenraizamento cultural e à estandardização das relações pes-
soais (...). Eu não quero dar receitas para mudar o homem e criar
uma nova sociedade e não pretendo saber como vão mudar as
personalidades e as culturas. Mas tenho a certeza: uma multiplicidade
de ferramentas limitadas e de organizações convivenciais estimula-
riam uma diversidade de modos de vida, que teriam mais em
conta a memória, ou seja, a herança do passado, ou a invenção,
isto é, a criação (Illich, 1973b, p. 31).
Uma sociedade convivencial é uma sociedade que oferece ao
homem a possibilidade de exercer uma ação mais autônoma e
mais criativa, com auxílio das ferramentas menos controláveis pe-
los outros (Illich, 1973b, p. 37)
O imposto é um paliativo para os efeitos superficiais da con-
centração industrial do poder. O imposto sobre o rendimento
tem o seu complemento nos sistemas de segurança social, de sub-
sídios e de distribuição equitativa do bem-estar. É até possível que,
para além de um certo limiar, o capital se estatize, ou então se
resolva a reduzir o leque dos salários. Mas este gênero de controle
do rendimento privado não pode ser eficaz sem um controle pa-
ralelo do consumo, dos privilégios do indivíduo em razão da sua
função de produtor (Illich, 1973b, p. 92).
Renascimento do homem Epimeteu
Nossa sociedade parece-se à moderna máquina que vi, certa
vez, numa loja de brinquedos em Nova Iorque. Era um cofre
metálico que se abria ao ser acionado em um dos botões e mos-
trava uma mão mecânica. Dedos cromados se estendiam para a
tampa, puxavam-na e a fechavam por dentro. Era uma caixa; era
de se supor que algo pudesse ser retirado dela; mas tudo o que
continha era apenas um mecanismo para fechar a tampa. Esta in-
venção é o contrário da caixa de Pandora.
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A Pandora original, a doadora de tudo, era deusa da terra na
pré-história matriarcal da Grécia. Deixou escapar todos os males
de sua ânfora (pytos). Mas fechou a tampa antes que a esperança
pudesse fugir. A história do homem moderno começa com a de-
gradação do mito de Pandora e termina no cofre que se fecha a si
mesmo. É a história do esforço de Prometeu de criar instituições
que capturem todos os males dispersos. É a história da esperança
que desaparece e das expectativas que surgem.
Para entender o que isto significa, precisamos redescobrir a
distinção entre esperança e expectativa. Esperança, em seu sentido
mais genuíno, significativa, no sentido em que a emprego aqui,
significa confiança nos resultados que são planejados e controla-
dos pelo homem. A esperança concentra o desejo numa pessoa
da qual espera um donativo. A expectativa olha para a satisfação
de um processo previsível que há de produzir o que temos direito
de reclamar. Os “ethos” prometeico ofuscou, atualmente, a espe-
rança. A sobrevivência da raça humana depende de sua redescoberta
como força social.
A pandora original foi enviada à Terra com uma caixa que
continha só a esperança. O homem primitivo vivia neste mundo
de esperança. Confiava na magnanimidade da natureza, nos bene-
fícios dos deuses e nos instintos de sua tribo para sobreviver. Os
gregos clássicos começaram a substituir a esperança pelas expecta-
tivas. Em sua versão do mito de Pandora, ela havia soltado tanto
os males quanto os bens. Lembravam-se dela sobretudo pelos
males que havia soltado. E esqueceram que a “doadora de tudo”
era também a guardiã da esperança.
Os gregos contavam a história de dois irmãos, Prometeu e
Epimeteu. Prometeu sempre admoestava Epimeteu para que dei-
xasse Pandora em paz. Mas este acabou casando-se com ela. No
grego clássico, o nome Epitemeu, que significa “olhar para trás”, foi
traduzido por “bobo” ou “estúpido”. Na época em que Hesíodo
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recontou a história em sua forma clássica, os gregos haviam-se tor-
nado patriarcas moralistas e misógenos que se atemorizavam só em
pensar na primeira mulher. Construíram uma sociedade racional e
autoritária. Os homens planejaram instituições com que pretendiam
fazer frente aos males disseminados. Conscientizaram-se de seu po-
der de modelar o mundo e fazê-lo produzir serviços que eles mes-
mos aprenderam a esperar. Queriam que suas próprias necessidades
e as futuras demandas de seus filhos fossem modeladas por artefa-
tos. Tornam-se legisladores, arquitetos, autores, idealizadores de cons-
tituições, cidades e obras de arte que servissem de exemplo para
seus descendentes. O homem primitivo confiava na participação
mítica dos ritos sagrados para iniciar pessoas na doutrina da socie-
dade, mas os gregos da era clássica reconheciam como verdadeiros
homens apenas cidadãos que se houvessem adaptado, através da
“paideia” (educação) às instituições de seus maiores.
A evolução do mito reflete a transição de um mundo em que se
interpretavam os sonhos para um mundo em que se faziam oráculos.
Desde tempos imemoriais, a Deusa Terra foi cultuada no cimo do
Monte Parnasso, centro e umbigo da terra. Em Delfos (de delphys,
o ventre) dormia Gaia, a irmã de Chaos e Eros. Seu filho Python, o
dragão, vigiava seu luar e sonhos orvalhados, até que Apolo, o deus
Sol, o arquiteto de Troia, matou o dragão e apoderou-se da gruta
de Gaia. Seus sacerdotes apossaram-se do templo. Tomaram uma
virgem das redondezas, sentaram-na sobre a um tripé em cima do
umbigo fumegante da terra e entorpeceram-na sob o efeito da fu-
maça. Transformaram seus desvarios em hexâmetros de profecias
autorealizadas. De todo o Peloponeso, as pessoas traziam seus pro-
blemas ao Santuário de Apolo. O oráculo era consultado para op-
ções sociais, por exemplo, medidas para acabar com a praga ou
fome, escolher a acertada constituição para Esparta ou os lugares
propícios para construir cidades, que, mais tarde, foram Bizâncio e
Calcedônia. A flecha tornou-se o símbolo de Apolo. Tudo o que a
ele se relacionasse era significativo e útil.
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Quando Platão descreve, em A República, o estado ideal, exclui a
música popular. Só eram permitidas, nas cidades, a harpa e a lira de
Apolo porque apenas sua harmonia criava “o esforço da necessidade
e o esforço da liberdade, o esforço da valentia e o esforço da tempe-
rança que beneficiam o cidadão”. Os habitantes das cidades tremiam
ante a flauta de Pan e de seu poder de despertar os instintos. Somente
“os pastores podem tocar flautas (de Pan) e só nos campos”
O homem assumia a responsabilidade pelas leis sob as quais
desejava viver e pela adaptação do meio ambiente à sua própria
imagem. A primitiva iniciação pela Mãe Terra na vida mítica foi
transformada em educação (paideia) do cidadão que desejava sen-
tir-se em casa, quando no fórum.
O mundo, para o primitivo, era governado pelo destino, fatos
e necessidades. Roubando o fogo dos deuses, Prometeu transfor-
mou os fatos em problemas, trouxe à cena a necessidade e desa-
fiou o destino. O homem da era clássica forjou um contexto civi-
lizado para a perspectiva humana. Sabia que poderia desafiar o
destino, a natureza, o meio ambiente, mas correndo seu próprio
risco. O homem contemporâneo vai além; tenta criar um mundo
à sua imagem, construir um meio ambiente totalmente feito pelo
homem e depois descobre que só pode proceder assim se cons-
tantemente se reajustar para então nele se enquadrar. Temos que
encarar o fato de que o próprio homem está em jogo.
A vida, hoje, em Nova Iorque, dá-nos uma visão muito especial
do que é e do que pode ser, e sem esta visão a vida em Nova Iorque
é impossível. Uma criança, nas ruas de Nova Iorque, nada toca que
não seja cientificamente desenvolvido, traçado, planejado e vendido
a alguém. Até as árvores estão lá porque o Departamento de Par-
ques decidiu colocá-las aí. As piadas que ouve na televisão foram
programadas com elevados custos. Os objetos com que brinca nas
ruas do Harlem são restos de embalagens que se destinavam a al-
guém. Mesmo os desejos e temores são institucionalmente modela-
dos. A força e a violência são organizadas e controladas; os “gru-
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126
pos” versus a polícia. A própria aprendizagem é definida como
consumo de assuntos, resultado de programas pesquisados, planeja-
dos e promovidos. Qualquer bem existente é produto de alguma
instituição especializada. Seria loucura exigir algo que nenhuma insti-
tuição pudesse fornecer. A criança da cidade nada pode esperar que
esteja fora do possível desenvolvimento do processo institucional.
Até mesmo sua fantasia é instigada a produzir ficção científica. Con-
segue experimentar a poética surpresa do não planejado apenas através
do seu encontro com “a vileza”, tolice ou fracasso: a casca de laranja
na sarjeta, o lamaçal na rua, a quebra da ordem, do programa ou da
máquina são os únicos impulsos da fantasia criativa. “Dar mancada”
torna-se a única poesia disponível.
Uma vez que nada existe de proveitoso que não tenha sido pla-
nejado, a criança da cidade logo conclui que sempre podemos pla-
nejar uma instituição para qualquer desejo nosso. Aceita como certo
o poder do processo de criar valores. Se o objetivo for encontrar
um companheiro, integrar uma vizinhança ou adquirir prática na
leitura, deverá ser definido de tal maneira que sua consecução possa
ser arquitetada. Sabendo que tudo o que é demandado é produzido,
cedo o homem se acostuma a esperar que tudo o que é produzido
não pode deixar de ser demandado. Se um veículo lunar puder ser
produzido, também o poderá ser a demanda para ir à Lua. Não ir
a um lugar que se possa seria subversivo. Consideraria tolice a
superposição de que toda demanda satisfeita acarreta a descoberta
de uma demanda insatisfeita ainda maior. Tal perspectiva impediria
o progresso. Não produzir o que é possível poria em perigo a lei
das “expectativas emergentes”, como um eufemismo para o cres-
cente abismo de frustrações, que é o motor de uma sociedade cons-
tituída sobre a coprodução de serviços e aumento de demandas.
O estado de ânimo do moderno habitante das cidades aparece
na tradição mítica apenas sob a imagem do Inferno. Sísifo, que havia
por certo tempo acorrentado Thanatos (morte), tinha que rolar pe-
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127
sada pedra até o cume do Inferno, e a pedra sempre escapava quan-
do estava prestes a atingir o alto. Tântalo que fora convidado pelos
deuses a partilhar de sua comida e, na ocasião, roubara seu segredo
de preparar a ambrósia – que curava tudo e garantia a imortalidade
– foi condenado a sofrer eterna fome e sede, estando no meio de
um rio cujas águas fugiam quando as procurava tocar e sob árvores
com frutas cujas galhos se afastavam quando estendia as mãos para
elas. Um mundo de crescentes demandas não é apenas um mal – só
pode ser classificado como um inferno.
O homem desenvolveu uma força frustradora de demandar
qualquer coisa porque não pode imaginar algo que uma instituição
não possa fazer por ele. Cercado por instrumentos todo-podero-
sos, o homem é reduzido a um instrumento de seus instrumentos.
Cada uma das instituições destinadas a exorcizar um dos males
primeiros tornou-se para o homem um caixão cofre-falso que se
fecha a si mesmo. O homem está enrodilhado nas caixas que faz
para prender os males que Pandora deixou escapar. A escuridão
total da realidade no nevoeiro produzido por nossos instrumen-
tos envolveu-nos completamente. Subitamente encontramo-nos
na escuridão de nossa própria armadilha.
A própria realidade depende agora da decisão humana. O
mesmo presidente que ordenou a inútil invasão do Cambodja
poderia ordenar o uso eficaz do átomo. O “interruptor de
Hiroshima” pode agora cortar o umbigo da terra. O homem ad-
quiriu o poder de fazer com que o Caos oprima tanto a Eros
como a Gaia. Este novo poder do homem de cortar o umbigo
da Terra é constante lembrança que nossas instituições não só cri-
aram seus próprios fins, mas também podem colocar um fim a si
próprias e a nós outros. O absurdo das modernas instituições evi-
dencia-se no militarismo. As armas modernas só podem defender
a liberdade, a civilização e a vida aniquilando-as. Na linguagem
militar, segurança significa capacidade de acabar com a Terra.
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Não menos evidente é o absurdo subjacente às instituições não
militares. Não possuem interruptor para ativar seu poder destrutivo
e nem precisam dele. O grifo já está preso à tampa do mundo.
Criaram as necessidades mais rapidamente do que puderam prover
sua satisfação; e no processo de satisfazer as necessidades que cria-
ram, consomem a Terra. Isto vale para a agricultura e a indústria,
para a medicina e a educação. A agricultura moderna envenena e
exaure o solo. A “revolução verde” pode, mediante o emprego de
novas sementes, triplicar a produção de um acre, mas apenas com
aumento crescente de fertilizantes, inseticidas, água e energia. A fa-
bricação desses elementos e de todos os outros bens polui os ocea-
nos e a atmosfera, degradando recursos insubstituíveis. Se a com-
bustão continuar aumentando nas proporções atualmente verificadas,
consumiremos em breve mais oxigênio do que o reposto na atmos-
fera. Não temos motivos para esperar que a fissão ou fusão possam
substituir a combustão sem os mesmos ou superiores efeitos deleté-
rios. Os doutores substituem as parteiras e prometem transformar
o homem em algo distinto: geneticamente planejado, farma-
cologicamente adoçado e capaz de suportar doenças mais prolon-
gadas. O ideal contemporâneo é um mundo pan-higiênico; um
mundo em que todos os contatos entre os homens e entre os ho-
mens e seu mundo sejam resultado de previsão e manipulação. A
escola transformou-se no processo planejado – o principal instru-
mento de capturar o homem em sua própria armadilha. Pretende
modelar cada homem a um determinado padrão, para que faça sua
parte no jogo mundial. Inexoravelmente cultivamos, tratamos, pro-
duzimos e escolarizamos o mundo até acabar com ele.
A instituição militar é evidentemente absurda. O absurdo das
instituições não militares é mais difícil de identificar. São ainda mais
aterradoras porque operam inexoravelmente. Sabemos qual o
botão que não deve ser apertado para evitar um holocausto atô-
mico. Não há botão que detenha um Armagedão ecológico.
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Na antiguidade clássica, o homem descobriu que o mundo po-
deria ser feito conforme o planejamento humano, e esta descoberta
fez com que percebesse a precariedade, dramaticidade e comicidade
inerentes a esse mundo. As instituições democráticas evoluíram e
supunha-se que o homem era digno de confiança dentro dessa es-
trutura. As expectativas entre o devido processo e a confiança na
natureza humana se equilibravam. As profissões tradicionais se de-
senvolveram e com elas as instituições necessárias para seu exercício.
Sub-repticiamente, a confiança no processo institucional substi-
tui a dependência na boa vontade pessoal. O mundo perdeu sua
dimensão humana e readquiriu sua necessidade factual e fatídica,
característica dos tempos primitivos. Mas, enquanto o caos dos bár-
baros era constantemente ordenado em nome de deuses misterio-
sos e antropomórficos, hoje em dia só o planejamento humano é
apresentado como razão para o mundo estar assim como está. O
homem tornou-se joguete dos cientistas, engenheiros e planejadores.
Vemos esta lógica atuar em nós e nos outros. Conheço uma
localidade mexicana onde não passam mais que uma dúzia de car-
ros por dia. Um mexicano jogava dominó na nova estrada
ensaibrada, diante de sua casa – onde certamente se sentava e joga-
va desde a juventude. Um carro passou disparado e matou-o. O
turista que me contou o fato estava profundamente abalado e acres-
centou: “Tinha que acontecer”.
À primeira vista, a observação do turista em nada difere da
afirmação de um boximane primitivo que relata a morte de um
companheiro dizendo que colidiu contra o tabu (objeto sacro que
não podia ser tocado por profanos). Mas as duas versões têm
significados opostos. O primitivo pode culpar uma tremenda e
cega transcendência, enquanto o turista pasma diante da inexorável
lógica da máquina. O primitivo não sente responsabilidade; o tu-
rista a sente, mas nega-a. Em ambos os casos está ausente o clássi-
co tipo de drama, o estilo de tragédia, a lógica do esforço e revol-
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ta pessoais. O primitivo nunca tomou consciência disso; o turista
perdeu-a. O mito boximane e o mito do americano são produto
de forças inumanas e inertes. Nenhum deles experimenta a revolta
do trágico. Para o primitivo, o acontecido segue as leis da mágica;
para o americano, segue as leis da ciência. O acontecido coloca-o
sob o feitiço das leis da mecânica que, segundo ele, governam os
acontecimentos físicos, sociais e psicológicos.
O ânimo em 1971 é propício a uma grande mudança de dire-
ção na procura de um futuro promissor. As metas institucionais
continuamente contradizem os produtos institucionais. Os progra-
mas de combate à pobreza produzem mais pobres; a guerra na Ásia
mais vietcongs; a assistência técnica mais subdesenvolvimento. As
clínicas de controle da natalidade aumentam as taxas de sobrevivên-
cia e fomentam a população; as escolas produzem mais desertores;
quando diminui uma curva de poluição, aumenta outra.
Os consumidores defrontam-se com a realidade de que quan-
to mais podem comprar, mais decepções têm que engolir. Até há
pouco parecia lógico que as reclamações contra essa pandemônica
inflação de disfunções pudessem ser atribuídas à claudicância das
descobertas científicas que não atendiam à demanda tecnológica
ou à perversidade dos inimigos étnicos, ideológicos ou classistas.
Fracassou tanto a expectativa pelo advento de um milênio científi-
co como uma guerra que acabasse com todas as guerras.
Para o consumidor experiente não há regresso à ingênua con-
fiança na mágica tecnologia. Muitíssimas pessoas tiveram más ex-
periências com computadores neuróticos, infecções adquiridas em
hospitais e congestionamentos de tráfego terrestre, aéreo ou tele-
fônico. Há apenas dez anos a sabedoria convencional antecipou
uma vida melhor, baseada num incremento de descobertas cientí-
ficas. Agora, os cientistas fazem medo às crianças. Os disparos à
Lua demonstram espetacularmente que o erro humano pode ser
quase eliminado no caso dos operadores de sistemas complexos.
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Isto, porém, não mitiga nossos temores de que o fracasso humano
em consumir segundo instruções escape ao controle.
Para o reformista social não há regresso nem mesmo para as
suposições da década de quarenta. Desapareceu a esperança de eli-
minar o problema da justa distribuição dos bens pela produção abun-
dante dos mesmos. O custo do mínimo de embalagem capaz de
satisfazer os modernos gostos subiu astronomicamente; e o que tor-
na modernos os gostos é sua obsolescência antes de serem satisfeitos.
Os limites dos recursos da terra tornaram-se evidentes. Não
há progresso científico ou tecnológico que consiga prover todos
os homens do mundo com os bens e serviços de que usufruem,
atualmente, as pessoas pobres dos países ricos. Deveríamos, por
exemplo, extrair cem vezes mais ferro, estanho, cobre e chumbo
para atingir este objetivo.
Finalmente, os professores, doutores e assistentes sociais acham
que seus distintivos serviços profissionais têm um aspecto – ao
menos – em comum. Criam ulteriores demandas pelos tratamen-
tos institucionais que fornecem, mais rapidamente do que podem
oferecer instituições de serviços.
Não apenas parte, mas toda a lógica da sabedoria convencional
está ficando suspeita. Até as próprias leis da economia parecem não
convencer os que estão fora dos estreitos parâmetros das áreas soci-
ais e geográficas onde a maior parte do dinheiro está concentrada.
O dinheiro é, realmente, o tipo de câmbio mais barato, mas apenas
numa economia em que eficiência é mensurada em termos monetá-
rios. Tanto os países capitalistas quanto comunistas, em suas diversas
formas, estão compromissados a medir a eficiência em termos de
benefício-custo, expressa em dólares. O capitalismo alardeia sua su-
perioridade dizendo que possui padrão de vida mais elevado. O
comunismo se vangloria de maior índice de crescimento como pro-
va de sua vitória final. Mas sob ambas as ideologias aumenta geo-
metricamente o custo total da crescente eficiência. As maiores insti-
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tuições disputam mais violentamente os recursos não relacionados
em qualquer lista: o ar, o oceano, o silêncio, a luz solar e a saúde. Só
levam ao conhecimento público a escassez desses recursos quando
estes já se encontram quase totalmente degenerados. Em toda parte
a natureza é envenenada, a sociedade inumanizada, a vida interior
invadida e a vocação pessoal asfixiada.
Uma sociedade comprometida com a institucionalização dos
valores identifica a produção de bens e serviços com a demanda
pelos mesmos. A educação que nos faz necessitar do produto está
incluída no preço do produto. A escola é a agência publicitária que
nos faz necessitar do produto está incluída no preço do produto. A
escola é a agência publicidade que nos faz crer que precisamos da
sociedade tal qual ela é. Em tal sociedade o valor marginal tornou-se
sempre autotranscendente. Força os poucos grandes consumidores
a disputar o poder para esgotar a terra, a encher seus estômagos
inchados, a disciplinar os consumidores menores e paralisar os que
ainda encontram satisfação em arranjar-se com o que possuem. O
“ethos” da insaciedade está, pois, à raiz da depredação física, da
polarização social e da passividade psicológica.
Quando os valores foram institucionalizados em processos
planejados e arquitetados, os membros da moderna sociedade
acreditam que a vida boa consiste em ter instituições que definem
os valores de que eles e sua sociedade crêem necessitar. O valor
correspondente do homem é medido por sua capacidade de con-
sumir e esgotar esta produção institucional, e, assim, criar nova –
sempre maior – demanda. O valor do homem institucionalizado
depende de sua capacidade de incinerador. Diríamos numa ima-
gem: tornou-se o ídolo de suas manufaturas. O homem define-se
agora como a fornalha que queima os valores produzidos por
seus instrumentos. E aqui não há limites para sua capacidade. Seu
ato é o de Prometeu levado a extremos.
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A exaustão e poluição dos recursos da terra é, acima de tudo,
o resultado de uma corrupção na autoimagem do homem e de
uma regressão em sua consciência. Alguns gostariam de falar de
uma mutação na consciência coletiva que leva à concepção do
homem como um organismo dependente de instituições e não da
natureza e dos indivíduos. Esta institucionalização dos valores subs-
tanciais, esta crença de que um processo de tratamento planejado
traz, em última análise, resultados queridos pelo recipiente, este
“ethos” consumidor está no âmago da falácia prometeica.
Os esforços para encontrar novo equilíbrio no meio ambiente
global dependem da desinstitucionalização dos valores.
É comum a uma crescente minoria em países capitalistas,
comunistas e também “subdesenvolvidos” a suspeita de que algo
está estruturalmente errado na visão do homo faber. É a caracterís-
tica partilhada pela nova elite. A ela pertencem pessoas de todas
as classes, rendas, credos e civilização. Desconfiaram dos mitos
da maioria: utopias científicas, diabolismo ideológico, expectati-
va de distribuir os bens e serviços de certa forma igual. Parti-
lham com a maioria a certeza de que grande parte das novas
políticas adotadas pelo consenso geral leva a resultados eviden-
temente opostos às metas fixadas. Enquanto a maioria prometeica,
constituída por astronautas em potencial, foge do problema es-
trutural, a emergente minoria critica o deus ex machina científico, a
panaceia ideológica e a caça a demônios e feiticeiras. Esta maio-
ria começa a desconfiar que nossas constantes decepções pren-
dem-se às instituições contemporâneas da mesma forma que as
correntes prenderam Prometeu ao rochedo. A confiança espe-
rançosa e a clássica ironia têm que conspirar para denunciar a
falácia prometeica.
Diz-se que Prometeu, normalmente significa “previsão” ou
algumas vezes “o que fez progredir a Estrela Polar”. Roubou
aos deuses o monopólio do fogo, ensinou aos homens como
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usá-lo para forjar o ferro, tornou-se o deus dos tecnólogos e
acabou acorrentado.
A Pítia de Delfos foi substituída por um computador que
revoluteia sobre painéis e cartões perfurados. Os hexâmetros do
oráculo deram lugar aos códigos de instrução. O timoneiro hu-
mano entregou os remos à máquina cibernética. A máquina mais
moderna emerge para dirigir nosso destino. As crianças sonham
com voar para fora dessa terra crepuscular, em seus veículos
espaciais.
Do ponto de vista do homem na Lua, Prometeu poderia re-
conhecer na brilhante e azul Gaia o planeta da Esperança e a Arca
da Humanidade. Novo sentido da finitude da Terra e nova nostal-
gia podem, agora, abrir os olhos do homem para a escolha de seu
irmão Epimeteu de casar a Terra com Pandora.
A esta altura o mito grego torna-se profecia esperançosa por-
que nos diz que o filho de Prometeu foi Deucalião, o timoneiro da
Arca que, a exemplo da de Noé, flutuou nas águas do Dilúvio e
foi o pai da nova humanidade que ele criou da terra com Pyrra, a
filha de Epimeteu e Pandora. Estamos compreendendo melhor o
significado da Ânfora que Pandora recebeu dos deuses como sen-
do o inverso da caixa: nosso Barco e Arca.
Precisamos ainda encontrar um nome para os que valorizam
mais a esperança do que as expectativas. Precisamos de um nome
para os que amam mais as pessoas do que os produtos, os que
acreditam que
Ninguém é desinteressante.
Seu destino é semelhante à crônica dos planetas.
Nada há nele que não seja particular,
Cada planeta é diferente de outro.
Precisamos encontrar um nome para os que amam a Terra
onde cada um possa encontrar o outro.
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E se uma pessoa viver na obscuridade,
Fizer seus amigos nesta obscuridade,
A obscuridade não é desinteressante.
Precisamos encontrar um nome para os que colaboram com
seu irmão prometeico no acender o fogo e modelar o ferro. Mas
os que assim procedem devem empregar sua habilidade para se
inclinar, cuidar e esperar pelo irmão, sabendo que
Para cada um seu mundo é privado,
E neste mundo um excelente minuto,
E neste mundo um trágico minuto,
Estes são privados
22
.
Sugiro que estes irmãos e irmãs, cheios de esperança, recebam
o nome de homens epimeteus.
22
As três foram tiradas do poema People, escrito por Yevgeny Yevtushenko em:
Yevtushenko, Y. Selected Poems. New York: E. P. Dutton & Co Inc. 1962.
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IMPACTOS DA “DESESCOLARIZAÇÃO”
NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
José Eustáquio Romão
Mais do que Bourdieu e Passeron
23
, Illich levou o “Reproduti-
vismo” ao extremo e, a partir daí, propõe uma drástica redução
do espaço social da instituição escolar, propondo a “desescolari-
zação” da sociedade. O que parecia, inicialmente, uma simples
boutade de um pensador radical, na verdade traduzia uma firme
intenção de superar as análises sobre a escola que não ultrapassa-
vam os limites de sua institucionalização em nossas formações
sociais ocidentais. Ou seja, as propostas de Illich não se enquadra-
vam nas correntes pedagógicas que, mesmo críticas em relação à
escola, se limitavam a fazer propostas para sua reforma, para mu-
danças em sua estrutura e em seu funcionamento. Contrariamente,
a obra do pensador austríaco constitui um verdadeiro cerco –
para não dizer assalto – à própria instituição escolar.
Não se trata mais de transformar a pedagogia tradicional em uma
prática escolar direcionada sobre uma melhor organização da vida da
classe, mas antes de atacar o conjunto da instituição escolar, para
evidenciar os processos de formação que escapam a seu controle
(Idac, 1975, p. 3).
Além do trabalho de que foi extraída a citação, outros ensaios
sobre Paulo Freire e Ivan Illich foram escritos, como Pilgrims of the
obvious (Peregrinos do óbvio), também de 1975, por causa dos encon-
tros dos dois pensadores e da convergência de suas críticas à edu-
cação em vigor.
23
A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, em que Bourdieu e
Passeron denunciaram o caráter essencialmente reprodutivista da escola, foi publicada
em 1982. Illich publicara sua denúncia da instituição escolar em 1970.
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138
Estas aproximações acabaram por gerar uma confusão sobre
o pensamento de Paulo Freire e é sob esta perspectiva que quero
examinar os impactos do pensamento de Ivan Illich no pensa-
mento pedagógico brasileiro. Este, seguramente, é o aspecto do
pensamento de Ivan Illich que merece atenção por seu impacto no
universo das ideias pedagógicas no Brasil e, só por isso, já merece-
ria uma abordagem mais cuidadosa, ainda que sua proposta de
desescolatrização da sociedade não tenha repercutido concreta-
mente na estruturação dos sistemas educacionais nacionais.
Buscar as semelhanças e diferenças, as convergências e diver-
gências, as aproximações e distanciamentos, ou até mesmo a iden-
tidade de propósitos, entre o pensador austríaco e nosso educa-
dor maior, é importante, por causa das repercussões que a obra
de Paulo Freire provoca, seja positivamente nos ecos de seus sim-
patizantes e seguidores, seja negativamente nas diatribes de seus
críticos e detratores conservadores, como se poderá observar neste
sumaríssimo ensaio.
Contudo, é no universo da obras de caráter histórico que a
comparação aparece com mais frequência e acaba por cometer
um equívoco que, do meu ponto de vista, deve ser superado.
Vejamos, por exemplo, o que diz um historiador da educação,
cuja obra tem sido muito consultada nos cursos de formação de
professores no Brasil:
Neste clima de revisão radical
24
, dos processos educativos e do saber
pedagógico, vieram se afirmando alguns modelos “alternativos”
(como foram chamados) que se orientavam sobretudo para princí-
pios e valores “outros” em relação aos burgueses e capitalistas,
saturados de ideologia conformista-autoritária e repressiva. Foram
significativas sobretudo as pedagogias da autogestão na França, com
Georges Lapassade (1924), em particular; ou aquelas da deses-
24
O autor está se referindo à década de 60 do século XX, no item 4 (“1968: Crítica da
ideologia, desescolarização e pedagogias radicais”) do capítulo IV, da quarta parte de sua
obra (Cambi, 1999, pp. 617 e segs.).
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139
colarização, na América Latina e depois na Europa, com Ivan Illich
(1922) e Paulo Freire (1924-1998
25
), como também na Itália a expe-
riência de “contraescola”, representada de modo exemplar por Dom
Lorenzo Milani (1923-1967) e sua “escola de Barbiana”. (Cambi,
1999, p. 620)
A confusão está feita: segundo Franco Cambi, Paulo Freire,
como Illich teria proposto a desescolarização da sociedade.
Mais adiante, para não deixar qualquerdúvida quanto ao equí-
voco do que está registrado nessa prestigiada obra traduzida no
Brasil, o autor afirma:
Com Illich, Freire ou Paul Goodmann e Everett Reimer, estamos
diante de teóricos da desescolarização: é preciso des-escolarizar a so-
ciedade para afastar a aprendizagem e a formação das jovens gerações
da ideologia do poder e reportar tais processos dentro de toda a
sociedade, dando vida a uma pedagogia e a uma aculturação alterna-
tivas àquelas operadas pela escola, capaz de favorecer a independência
dos jovens e um melhor “treinamento” para o sentido da descober-
ta. (Cambi, 1999, pp. 621-622)
Alguns educadores brasileiros “embaracaram” no equívoco de
Cambi, como é o caso de Peri Mesquida, um grande estudioso de
Paulo Freire, mas que, neste particular, não soube distinguir as dife-
renças profundas dos dois pensadores no que diz respeito à escola:
Esse texto, relatório parcial de uma pesquisa sobre “As epistemologias
que fundamentam a teoria da educação de Paulo Freire”, procura
refletir sobre o pensamento de Ivan Illich e Paulo Freire, pois auto-
res que viveram na mesma época, dialogaram, aproximaram-se e se
distanciaram, mas deram uma importante contribuição para a refle-
xão sobre a escola e sobre a educação na América Latina. Procuramos,
aqui, sustentar a tese de que da mesma maneira que Ivan Illich defen-
deu a desescolarização da sociedade, Paulo Freire, por sua vez, bateu-
se pela desescolarização da educação, tendo como objetivo a liberta-
ção do homem e da mulher oprimidos, excluídos do sistema capita-
lista de produção. (Mesquida, 2007, p. 550)
25
Há, evidentemente, um engano do autor em relação à data de falecimento de Paulo
Freire: o ano é 1997.
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140
Paulo Freire propôs a substituição de uma educação de tipo
alienante, reprodutivista, “bancária”, como ele a batizava, por uma
educação conscientizadora, libertadora, emancipadora. E ambas
podem ocorrer no sistema escolar.
Sobre essa possibilidade de a educação legítima e necessária
ocorrer no sistema escolar, duas provas são mais que suficientes
para comprová-la no âmbito das ideias e das práticas freirianas:
1.º) São inúmeras as passagens na obra escrita de Freire em
que defende a escola pública popular.
2.º) Se não acreditasse no sistema escolar, Paulo Freire jamais
teria aceito ser secretário municipal de Educação da cidade de
São Paulo, no período de 1989 a 1991. E sua renúncia ao cargo,
antes do término do mandado do governo de Luiza Erundina
(1989-1993), não traduz uma descrença no sistema escolar, pois
as motivações que o levaram a tal ato ficaram bem explicitadas
em seu discurso de despedida dos colegas de Secretaria: queira
ter tempo para voltar a estudar e escrever. Certamente a partici-
pação como secretário fez parte de seu “reaprendizado do Bra-
sil”, como dissera quando de sua chegada do longo exílio.
Entender que Paulo Freire defendeu a desescolarização da
sociedade, como Ivan Illich o fez explicitamente, certamente teria
várias consequências no pensamento pedagógico brasileiro e, tam-
bém, nas práticas educacionais,, dada a força da influência freiriana
nos setores mais progressistas do sistema educacional brasileiro.
Certamente, teríamos tido, nem que de modo residual – o que
efetivamente não ocorreu – movimentos de desativação de esco-
las ou de absenteismo escolar estimulado.
A iconoclastia escolar de Illich não chegou sequer a arranhar o
sistema educacional brasileiro no sentido da desescolarização, em-
bora muito de sua crítica radical à alienação das instituições consti-
tuídas, dentre as quais se destaca a escola burguesa, tenha contri-
buído para a alimentação do que se poderia denominar “Pedago-
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141
gia Crítica”, em cujo universo Paulo Freire e outros educadores
brasileiros de renome transitam.
Tendo iniciado sua guerra no campo eclesiástico – ele come-
çou a atacar a Igreja Católica a cuja hierarquia pertencera –, acabou
estendendo a crítica a outras instituições, como a escola, e, no li-
mite, contestou o conjunto do que ele denominava “sociedade
industrial”. Como Lutero, propôs uma espécie de socialização do
ministério religioso, vociferando contra o monopólio da Igreja
sobre o sagrado.
Em seguida, voltou suas baterias para a escola e para os hospi-
tais, enquanto instituições da cura do corpo e do espírito. Mas como
explicar, apesar dos problemas levantados por Illich, o prestígio dessas
instituições nas sociedades modernas? Para ele, este prestígio se ba-
seia em mitos, criados e alimentados pelas próprias instituições.
No caso da escola, que nos interessa mais de perto, os mitos
são de várias ordens: o mito dos valores institucionalizados, o mito
dos valores mensurados e credencializados, o mito dos valores
mercantilizados. O primeiro se refere à educação como produto
do ensino que é dispensado pela escola. O segundo foi construído
em cima de indicadores resultantes de testes e medidas, que com-
põem os critérios de credenciamento (diplomação) dos estudan-
tes. Finalmente, a terceiro, é fruto de uma sociedade de consumo
(de títulos), portanto associando-se intimamente ao anterior. Neste
aspecto, o pensamento de Illich é profundamente atual, pois o
“furor avaliativo” que tomou conta dos sistemas nacionais de edu-
cação, os rankings em todos os graus de ensino têm servido muito
mais à discriminação social do que à promoção da aprendizagem.
Penso, porém, que a mais significativa contribuição de Ivan
Illich foi sua crítica radical à institucionalidade, que faz lembrar
Carroll Quigley (1963), com sua teoria dos instrumentos de ex-
pansão das formações sociais, que entram em decadência, quando
estes instrumentos se institucionalizam, isto é, deixam de atuar em
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142
benefício da sociedade, para se tornarem instrumentos de enrique-
cimento e prestígio apenas dos membros das respectivas intituições.
De qualquer modo, mesmo reconhecendo suas contribuições
críticas, não podemos concordar totalmente com as proposições
de Illich, que desconhecem, por exemplo, os espaços de contradi-
ção que existem dentro até mesmo das escolas tradicionais e que
têm permitido experiências educacionais (escolares!) criativas. A
educação nova, não nascerá do nada, como Minerva na cabeça de
Zeus, mas no ventre da educação tradicional superada; não nasce-
rá tampouco do espontaneismo, como quer Illich, até porque as
diversas ciências, como a psicologia e a biologia, trouxeram gran-
des contribuições à reflexão pedagógica, constituindo-se como
fundamentos multidisciplinares das “Ciências da educação”. Final-
mente, o mais vulnerável na teoria illichiana é a falta de fundamen-
to histórico de suas proposições, portanto o caráter não dialético
de seu pensamento, que acaba por gerar uma espécie de ambigui-
dade política. Seu pensamento, possivelmente por causa de suas
origens eclesiásticas, guarda certo ranço teológico, mesmo quando
dirigido às instituições leigas, seculares.
Tratando do mundo, do homem e das instituições em geral,
Illich não deixa de marcar seu pensamento por uma espécie de
metafísica crítica da “sociedade industrial”, mas renuncia a toda
forma de verificação das origens, dos fatores e da trajetória histó-
rica dos males que se introduziram nos sistemas escolares. Enfim,
ele não analisa criticamente a escola histórica, concreta, mas o siste-
ma escolar enquanto ente de razão.
No debate que travou com Paulo Freire, em setembro de 1974,
no Conselho Mundial de Igrejas, Illich afirmou:
A relação dialética entre o indivíduo, o grupo e seu meio, isto é, entre
a pessoa e aquilo que a condiciona, não é possível senão e quando a
intervenção tecnológica sobre o meio ambiente permanecer dentro
de certos limites.
[...]
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A política, a autêntica política, não é possível senão para os pobres;
os ricos, depois de certo ponto, não podem se engajar na política.
[...]
Quando os instrumentos da sociedade se expandem além de deter-
minada dimensão, a política ou a dialética cessam de ser eficazes.
Como se pode perceber nitidamente nessas afirmações cita-
das, Illich, não há saída política na “sociedade industrial”, que já
ultrapassou aquele ponto e aquelas dimensões limites.
Há, portanto, em Illich um descompasso entre denúncia e anún-
cio, entre crítica e possibilidade de ação, entre contestação e possi-
bilidade de ação.
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CRONOLOGIA
1926 - Nasce em Viena, em 4 de setembro, de ascendência iugoslava e judia;
Illich teve de abandonar a Áustria quando tinha cinco anos de idade, indo
morar em Roma.
1941 - É forçado a deixar a escola sob as leis nazistas, por causa das origens judias
da mãe dele.
1932 - 1946 - Estuda teologia e filosofia na Pontifícia Universidade Católica
Gregoriana do Vaticano.
1936 -1941 - Estuda histologia e cristalografia na Universidade de Florença.
1951 - É ordenado sacerdote e nomeado para uma paróquia em Nova Iorque,
onde defende as causas dos imigrantes porto-riquenhos. Faz seu doutora-
do em Salzburgo.
1956 - É nomeado vice-reitor da Universidade Católica de Porto Rico.
1960 - Migra para Cuernavaca (México), após ter desaprovado a intervenção do
bispo de Ponce nas eleições universitárias.
1961 - Funda o Centro Intercultural de Documentação (Cidoc), em Cuernavaca
(México), para a formação de missionários da América do Norte, mas que
viria a se tornar uma espécie de universidade aberta, voltada, particular-
mente, para as temáticas do Terceiro Mundo e da América Latina. Foi aí
que Illich realizou os famosos seminários de que resultou a maior parte de
sua obra.
1969 - Abandona a Igreja Católica por suas críticas radicais à ação missionária
tradicional.
1971 - Publica Sociedade sem escolas, seu livro mais famoso.
1973 - Publica A convivencialidade.
1974 - Publica Energia e equidade, em que aborda questões sobre consumo de
energia e transportes.
1976 - Publica A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina. Por causa de conflitos
com o Vaticano, o Cidoc é fechado.
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1990 - Faz constantes viagens ao México, aos Estados Unidos e à Europa, como
conferencista e professor.
1993 - Publica, em inglês, In the vineyard of the text. Etología de la lectura: A
commentary to Hugh’s “Didascalicon”, que considera sua melhor obra.
2002 - Morre em Bremen, em 2 de dezembro, tendo sido docente da universida-
de dessa cidade do norte da Alemanha.
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147
BIBLIOGRAFIA
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1152, jui. 1971.
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______. L’école, cette vache sacrée. Les Temps Modernes. Paris. v. 25, n. 280,
pp. 673-683, 1969.
______. En América Latina, ¿para qué sirve la escuela? Buenos Aires: Ediciones
Búsqueda, 1973.
______. En el viñedo del texto: etología de la lectura; un comentario al
“Didascalicon” de Hugo de San Victor. Tradução de Marta I. González García.
Mexico: Fondo de Cultura Economica, 2002.
______. Energie et équité. Paris: Seuil, 1973.
______. La escuela, esa vieja y gorda vaca sagrada: en América Latina abre un
abismo de clases y prepara una élite y con ella el fascismo. Cuernavaca, México:
Cidoc, 1968.
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______. Obras reunidas. Traducción Javier Sicilia. México: Fondo de Cultura
Económica, 2006, v. 1; 2008, v. 2.
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______ et al. Juicio a la escuela. Buenos Aires: Humanitas, 1974.
Obras sobre Ivan Illich
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Haye: Nuffic-CESO, 1973. (Doc. Ronéotypé).
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Solutions de rechange. Paris: Fleurus, 1972.
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Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1975.
______. A convivencialidade. Lisboa: Publicações Europa-América, 1973.
______. O direito ao desemprego criador: a decadência da idade profissional. Tradu-
ção de Joaquim Campelo Marques. Rio de Janeiro: Alhambra, 1978.
______. Energia e equidade. Lisboa: Sá da Costa, 1975. (Cadernos livres; 7).
______. A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina. Tradução de José Kosinski
de Cavalcanti. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975b.
______. Inverter as instituições. Lisboa: Moraes Editores, 1973.
______. Libertar o futuro. Tradução de Cardigos dos Reis. Lisboa: Publicações
Dom Quixote, s.d.
______. Sociedade sem escolas. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1973.
Obras sobre Ivan Illich em português
GINTIS, H.; NAVARRO, V. Sobre o pensamento de Ivan Illich. Porto: Nova Crítica,
1979.
RAMOS, M. S. Uma morte e um vírus. Jornal do Fundão, 20 dez. 2002.
Outras referências bibliográficas
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sistema de ensino. Trad. de Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1982.
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CAMBI, F. História da pedagogia. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: Ed.
Unesp, 1999.
IDAC. Freire et Illich: pédagogie dês opprimés; oppression de la pédagogie. [S.l.]:
Idac, 1975. (Idac Document; 8).
ILLICH, I. Obras reunidas. México: Fondo de Cultura Económica, 2006/2008. 2 v.
______. Sociedade sem escolas. 3.ed. Petrópolis. RJ: Vozes, 1976.
MESQUIDA, P. O diálogo de Illich e Freire em torno da educação para uma
nova sociedade. Contrapontos, Itajaí, v. 7, n. 3, pp. 549-563, set./dez. 2007.
QUIGLEY, C. A evolução das civilizações. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1963.
RISK. Pilgrims of the obvious. Genebra, v. 11, n. 1, 1975.
IVAN ILLICH EDITADO.pmd 21/10/2010, 09:26149
Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes
Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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