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KERSCHENSTEINER
GEORG
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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Hermann Röhrs
KERSCHENSTEINER
GEORG
Tradução e organização
Danilo Di Manno de Almeida
Maria Leila Alves
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ISBN 978-85-7019-550-0
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo
a contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de
melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal
e não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos
contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são
necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
Pedro Demo
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Röhrs, Hermann.
Georg Kerschensteiner / Hermann Röhrs; Danilo Di Manno de Almeida e
Maria Leila Alves (orgs.). – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora
Massangana, 2010.
142 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-550-0
1. Kerschensteiner, Georg, 1852-1932. 2. Educação – Pensadores – História. I.
Almeida, Danilo Di Manno de. II. Alves, Maria Leila. III. Título.
CDU 37
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SUMÁRIO
Apresentação por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Hermann Röhrs, 11
Um pioneiro da educação popular, 11
A renovação do sistema educativo, 19
Métodos de ensino da competência profissional, 23
Educação cívica, 27
A formação da personalidade, 33
A recepção da “escola do trabalho” no contexto brasileiro,
por Danilo Di Manno de Almeida e Maria Leila Alves, 39
Alguns traços do modelo pedagógico de Kerschensteiner, 41
Em direção ao Brasil, 46
a. Uma aplicação da metodologia no Brasil, em 1927, 47
b. O ideário do escolanovismo – Fernando de
Azevedo, 48
Kerschensteiner atual, 51
Textos selecionados, 53
Introdução, 53
Essência e valor do ensino científico-natural, 54
1. Ensino, 54
A alma do educador e o problema da formação do professor, 84
2. Formação de educadores, 84
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ANTONIO GRAMSCI
História da pedagogia, de F. Cambi, 123
3. Escola do trabalho: educação pela ação, 123
Pedagogia geral pelo estudo das doutrinas pedagógicas, de J. Leif
e G. Rustin, 128
3. Escola do trabalho: educação pela ação, 128
História geral da pedagogia, de F. Larroyo, 131
3. Escola do trabalho: educação pela ação, 131
História da pedagogia, de R. Hubert, 133
3. Escola do trabalho: educação pela ação, 133
Cronologia, 135
Bibliografia, 139
Obras de Kerschensteiner, 139
Obras sobre Kerschensteiner, , 139
Obras de Kerschensteiner em português, 140
Outras obras e referências
sobre Kerschensteiner em português , 140
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7
COLEÇÃO EDUCADORES
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
ANTONIO GRAMSCI
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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ANTONIO GRAMSCI
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11
COLEÇÃO EDUCADORES
GEORG KERSCHENSTEINER
1
(1852-1932)
Hermann Röhrs
2
Um pioneiro da educação popular
Da mesma forma que Comenio, Pestalozzi e Grundtvig, Georg
Kerschensteiner foi um educador popular no verdadeiro sentido
da palavra. Em todas as variadas atividades de professor, diretor
de escolas públicas, político e professor universitário que desem-
penhou, este educador deu provas de um constante interesse em
levar à prática suas crenças teóricas. Em que pese sua originalidade
e singularidade como indivíduo e como pedagogo, era profunda-
mente consciente de suas raízes históricas, das quais se originavam
sua reflexão e suas aspirações. Seus principais pontos de referência
foram a filosofia educativa de Johann Heinrich Pestalozzi, a ampla
visão sociológica da educação de John Dewey e a perspectiva cul-
tural-histórica de Eduard Spranger. Suas conquistas baseiam-se em
três importantes objetivos interdependentes: o ensino profissional
e a responsabilidade cívica como elementos primordiais da educa-
ção geral; daí derivando um conceito que fortalece os vínculos
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée.
Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 23, n. 3-4, pp. 831-848, 1993.
2
Hermann Röhrs (Alemanha) é historiador e especialista em educação comparada. Foi
diretor do Departamento de Educação da Universidade de Manheim, diretor do Instituto
de Educação da Universidade de Heidelberg e do Centro de Pesquisas em Educação
Comparada de Heidelberg. Autor de várias obras de história e educação comparada,
dentre as quais Tradition and reform of the university under an international perspective
(Tradição e reforma da universidade em uma perspectiva internacional, 1987) e Vocational
and general education in Western industrial societies (A educação vocacional e geral nas
sociedades industrializadas ocidentais, 1988). Seus livros foram traduzidos em inglês,
grego, italiano, japonês e coreano.
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ANTONIO GRAMSCI
entre educação e vida; e a tentativa de firmar este conceito no
contexto mais amplo de uma filosofia da cultura.
Quando qualificamos de clássico o trabalho de toda a vida de um
homem, o que queremos dizer, provavelmente, é que conseguiu dar
forma e representar de modo coerente um conjunto de ideias consi-
deradas, ao mesmo tempo, uma resposta aos problemas emergentes
e uma manifestação da constante preocupação com os problemas
fundamentais, não limitados ao presente. Se aceitarmos esta definição,
podemos considerar que as obras de Kerschensteiner fazem parte do
cânone clássico dos escritos sobre a educação (Röhrs,1991).
Gerações sucessivas podem adotar diferentes valores de edu-
cação, mas ninguém põe em dúvida que os trabalhos de
Kerschensteiner marcam um novo caminho do pensamento
educativo. Isto pode ser afirmado tanto sobre o seu zelo transfor-
mador em relação ao princípio da educação popular, quanto de
suas ideias sobre a formação profissional, o ensino de trabalhos
manuais e o papel da educação na promoção da consciência cí-
vica. Os escritos de Kerschensteiner são fonte de inspiração para
cada nova geração, enfrentando a eterna tarefa de acompanhar as
jovens mentes sem experiência, pelos caminhos que conduzem à
maturidade intelectual e à integridade moral.
De modo semelhante ao ocorrido com todos os grandes edu-
cadores populares, as ideias de Kerschensteiner não se constituem
em propriedade de nenhuma nação em particular, uma vez que
adquiriram uma validade universal no mundo da educação. Seus
principais trabalhos foram traduzidos em quase todos os grandes
idiomas e seguem inspirando um vivo debate nos círculos educa-
cionais. Mesmo nos anos difíceis que se seguiram à Segunda Guer-
ra Mundial, com o ambiente de ressentimento antialemão que pre-
valecia naquela época, a validade e a importância da obra de
Kerschensteiner nunca foram postas em dúvida, como constatou
o autor destas linhas nas várias viagens de estudo fora da Alema-
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COLEÇÃO EDUCADORES
nha. Os escritos de Kerschensteiner são considerados, em geral,
um exemplo brilhante da vontade pedagógica de renovar a edu-
cação na Alemanha, a partir da prática.
No curso de sua carreira, Kerschensteiner passou por todos
os níveis da atividade docente. Após um período em que foi mes-
tre de escola elementar, estudou matemática e física, o que lhe
permitiu chegar a ser professor de Gymnasium (escola secundária
seletiva). Entre 1895 e 1919, ocupou o cargo de diretor de escolas
públicas de Munique e foi nessa época que adquiriu renome mun-
dial. Em Munique, desenvolveu a Fortbildungsschule (literalmente, “es-
cola de aperfeiçoamento”), convertendo-a em uma escola de for-
mação profissional por direito próprio, e estimulou os trabalhos
práticos nas escolas, de acordo com sua ideia de Arbeitsschule (“es-
cola de trabalho”). A partir de 1919, foi professor na Universidade
de Munique.
Neste contexto prático, tomou forma sua obra escrita. Em seu
primeiro livro, Betrachtungen zur Theorie des Lehrplans (Reflexões sobre uma
teoria dos planos de ensino, 1899), critica o sistema educativo de Herbart
pelo que chamou de seu “formalismo”. Kerschensteiner estava plena-
mente convencido de que as escolas deveriam ver-se a si próprias
como elementos produtivos da sociedade, opinião que desenvolveu
em seu trabalho Die staatsbürgerliche Erziehung der deutschen Jugend (A edu-
cação cívica da juventude alemã, 1901), com o qual participou de um con-
curso organizado pela Academia de Ciências de Erfurt. A ideia essen-
cial em sua concepção do papel da educação foi ampliada mais tarde
em seu tratado Der Begriff der staatsbürgerlichen Erziehung (O conceito da
educação cívica, 1907). Neste mesmo ano, Kerschensteiner publicou seu
detalhado estudo dos problemas de organização derivados da neces-
sidade de garantir aos jovens que ir à escola significa participar em um
âmbito que reflete as necessidades e as realidades da vida. Este estudo
foi publicado com o título Grundfragen der Schulorganisation (Questões
básicas da organização escolar). Cinco anos depois, em 1912, publicou seu
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ANTONIO GRAMSCI
estudo Der Begriff der Arbeitsschule (O conceito da escola do trabalho), no qual
examinava as atividades necessárias para a organização interna das es-
colas e as reformas metodológicas e didáticas necessárias para que
esta organização seja levada a cabo de forma adequada.
Os objetivos e métodos do ensino de disciplinas científicas, ques-
tão que particularmente o interessava, foram analisados em Wesen
und Wert des naturwissenschaftlichen Unterrichts (Natureza e utilidade do ensi-
no das ciências, 1914). Em sua obra Die Seele des Erziehers und das Problem
der Lehrerbildung (A alma do educador e o problema da formação do professor
1921), publicada no momento mais frio do debate que se seguiu à
Primeira Guerra Mundial sobre a reforma de ensino do pessoal
docente, examinou diversas questões fundamentais da organização
interna e externa da escola e da educação dos adolescentes.
Os escritos posteriores de Kerschensteiner, que constituem sua
contribuição à filosofia da educação, foram invariavelmente pro-
duto da reflexão sobre sua própria atividade pedagógica e suas
consequências pragmáticas. O primeiro deles intitulou-se Das
Grundaxiom des Bildungsprozesses (O axioma básico do processo educativo,
1917). Kerschensteiner sistematizou seu pensamento, de modo mais
completo, em seu importante livro Theorie der Bildung (Teoria da for-
mação, 1926), fruto de um profundo estudo das obras e das ideias
principais da teoria e da filosofia da educação e, em particular, das
de Pestalozzi e dos neokantianos Spranger e Dewey.
A obra completa de Kerschensteiner é a expressão de uma
ideia da educação que, depois de demonstrar suas possibilidades
na própria atividade educativa do autor, alcançou um grau supre-
mo de coerência crítica e autocrítica, com sua profunda reflexão
sobre a filosofia da educação. A influência internacional da obra
de Kerschensteiner tem sua origem no considerável êxito de sua
experiência prática como educador.
A sugestiva imagem de Herder, segundo a qual os ramos de
uma árvore dão mais sombra se suas raízes estão em solo nativo, é
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COLEÇÃO EDUCADORES
uma ilustração eloquente de um aspecto essencial da natureza do
trabalho desse estudioso. Kerschensteiner era bávaro, e a natureza
dotou os bávaros de um forte sentido de humor e de uma atitude
positiva ante a vida, o que ajudou nosso autor a superar os tormen-
tos e os contratempos, muito frequentes, que conheceu no curso de
sua carreira. Uma de suas virtudes (infelizmente muito escassa em
geral) era a capacidade de resolver uma situação aparentemente sem
saída com uma observação humorística, que, com seu sólido senti-
do comum, conseguia reconciliar os adversários mais ferrenhos. Esta
virtude lhe foi especialmente útil para negociar situações delicadas
nas quais se corria o grande perigo de defender as partes. Em certa
ocasião, um sobrinho de Kerschensteiner, Nico Wallner, dirigiu-se a
ele com a proposta, talvez prematura, de organizar uma Festschrift
(publicação comemorativa) em honra do quinquagésimo aniversá-
rio de Eduard Spranger. Registrou-se uma correspondência entre
este último e Kerschensteiner que é um notável exemplo do que
dissemos. Diante de uma descrição humorística das intenções de
Wallner, Kerschensteiner escreveu: “Eu não sei o que pensará você
de tudo isto, mas não me incomodo em dizer que sou totalmente
contrário a esta novidade. Em outros tempos, era preciso comple-
tar 70 anos para receber uma homenagem deste tipo; mais tarde, o
limite baixou para 60 anos, e hoje em dia basta ter 50. Creio que é
uma bobagem, e você sabe que isso não tem nada a ver com minha
admiração e meu afeto por você. Todos nós esperamos que com-
plete seus 60 e seus 70 anos com plena saúde, para maior glória de
nossa amada pátria. E o que se supõe que temos que fazer, então?
Organizar outras duas Festschrifte; valha-nos Deus!”
A reação de Spranger, que era de natureza sensível – e, por que
não dizer?, suscetível – foi surpreendentemente imparcial: “Quanto à
Festschrift planejada, penso exatamente o mesmo que você. E mais, me
desgostaria muito que não pudéssemos abortar esta iniciativa antes
que seja posta em prática. Meu quinquagésimo aniversário não merece
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ANTONIO GRAMSCI
mais que uma boa ceia, ou talvez, no máximo, uma excursão no cam-
po com os amigos, se fizer bom tempo. Sendo assim, faça-me o
favor de dizer-lhes que, tendo me sondado sobre o assunto, a moção
foi rechaçada sem mais discussões” (Englert, 1966).
A amizade entre estes dois célebres especialistas da educação e
a repercussão na vasta correspondência que trocaram é um exem-
plo excepcional do modo como a teoria educacional pode ama-
durecer e alcançar uma dimensão verdadeiramente humana no
curso de uma relação pessoal deste tipo. Deste ponto de vista, esta
correspondência ilustra mais que algumas das teorias educativas
impostas em termos puramente abstratos.
Um fato significativo do conceito de educação de Kerschensteiner
é que, para ele, o aspecto humanizador da educação é, pelo menos,
tão importante como a teoria. Não duvidou em nenhum momento
que sua contribuição às relações humanas é o que confirma ou re-
futa uma teoria. O valor de toda reflexão pedagógica depende da
medida em que promove os valores autênticos da humanidade, e
sua consolidação. Esta concepção reflete-se tanto na faculdade de
pensar, como na realização vocacional ou na expressão criativa nos
diversos campos das artes e ofícios.
Seu amor pelas artes e seus critérios universalistas fizeram com
que Kerschensteiner se interessasse profundamente pela vida inte-
lectual de sua época. Sua sensibilidade estética se expressa no estu-
do Die Entwicklung der zeichnerischen Begabung (O desenvolcimento do
talento do desenho, 1905) que, mesmo metodologicamente superado,
contém tantas comparações e interpretações acertadas dos dese-
nhos de milhares de crianças, que se constitui, efetivamente, em
um manancial de informação e inspiração para os professores de
arte. Ao mesmo tempo, esse estudo é um soberbo exemplo da
orientação prática dos critérios pedagógicos de Kerschensteiner.
Kerschensteiner adquiriu suas ideias e experiências pedagógicas
não só nas aulas, mas, também, em intercâmbios, debates e encon-
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COLEÇÃO EDUCADORES
tros fora da atmosfera enclausurada da escola, em suas prolonga-
das viagens de estudo e em suas discussões sobre a filosofia e a
estética com Adolf Von Hildebrand. Na casa deste último, em
São Francisco, nas encostas dos montes Apeninos, com seu amplo
panorama sobre as cidades de Florença e Fiesole, Kerschensteiner
conheceu Aloys Fischer, que depois seria seu colega na Universi-
dade de Munique. Aprendeu muito do debate político com seus
camaradas Theodor Barth e Friedrich Naumann, quando foi no-
meado membro do Parlamento de Munique (1912-1918), e tam-
bém em suas viagens aos Estados Unidos, realizando o curso em
que conheceu John Dewey, ainda que brevemente.
Como diretor de escolas públicas de Munique, Kerschensteiner
empreendeu uma série de conferências pelos Estados Unidos, a
convite de Charles R. Richards, presidente da Associação Interna-
cional para o Fomento da Educação Industrial. No outono de
1910, Kerschensteiner foi aos Estados Unidos com a intenção ex-
pressa de conhecer Dewey, a quem tanto devia sua reflexão. Em
29 de novembro de 1910, os dois destacados especialistas da edu-
cação conheceram-se e mantiveram um intercâmbio de opiniões
no Centro Acadêmico da Universidade de Columbia, em Nova
York (Knoll, 1993, p. 32).
É, pois, uma vida rica de acontecimentos a quem se propõe
ao trabalho de biógrafo. Kerschensteiner movia-se com muita
desenvoltura, tanto no terreno da estética, como na atmosfera menos
especializada da política ativa, para nos referirmos apenas às duas
esferas mais contrastantes de sua atividade. A carreira de
Kerschensteiner é um exemplo incomum do modo como dife-
rentes experiências da vida cotidiana podem se juntar para formar
uma unidade orgânica. Suas atividades – como professor da esco-
la elementar, professor de Matemática e Física no Gymnasium, dire-
tor de escolas públicas de Munique, membro do Parlamento e, a
partir de 1919, professor de Pedagogia, na Universidade de Muni-
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ANTONIO GRAMSCI
que – inspiraram-se todas no princípio diretivo da educação po-
pular, com a determinação de proporcionar educação suficiente
às grandes massas da população trabalhadora que não tinha os
recursos necessários para ir à escola durante o longo período do
ensino secundário, a fim de que pudessem ter uma ideia mais con-
creta de sua verdadeira vocação.
Estas atividades estavam firmemente arraigadas na ética
educativa global que era o elemento central do pensamento de
Kerschensteiner, induzindo-o a dedicar toda sua atividade – polí-
tica ou de organização – ao serviço de objetivos educativos. Na
análise que fez, em 1921, sobre as características do verdadeiro
educador (A alma do educador e o problema da formação do pessoal docente,
1949), Kerschensteiner considera que o professor pertence à cate-
goria das vocações de serviço, e nesta ideia pode-se discernir, se-
guramente, elementos de uma profissão pessoal de fé.
A imagem de Kerschensteiner que primeiro nos vem à mente
é a do diretor das escolas públicas de Munique, um educador po-
pular no sentido pestalozziano da palavra, criador de escolas de
educação profissional e de bibliotecas públicas, defensor do pro-
longamento do período de escolaridade obrigatória, que home-
nageou Pestalozzi com o memorável discurso de 1908 sobre os
métodos da educação popular: Die Schule der Zukunft – eine
Arbeitsschule (A escola do futuro: uma escola do trabalho, 1912).
Frente a tudo isto, as críticas essencialmente acadêmicas dirigidas
contra Kerschensteiner por Gauding – no primeiro Congresso de
Investigação da Juventude e a Educação dos Jovens, que ocorreu
em 1911, na cidade de Dresden – perdem grande parte de sua
validade, ainda que as limitações dos escritos teóricos posteriores
de Kerschensteiner também apareçam mais claramente. Os traba-
lhos de Kerschensteiner que se constituem em parte do acervo
mundial do pensamento sobre a educação derivam, sem exceção,
de suas atividades práticas.
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COLEÇÃO EDUCADORES
A renovação do sistema educativo
Agora devemos tratar de encontrar uma resposta à questão de
uma relação autêntica existente entre teoria e prática na obra de
Kerschensteiner. Ambos os elementos dessa relação estão
inextricavelmente vinculados entre si: a atividade pedagógica que propor-
ciona, invariavelmente, o material para a reflexão teórica e lhe dita o
caminho a seguir. Só depois que Kerschensteiner havia reformado o
sistema da escola elementar de Munique e criado a escola de forma-
ção profissional apareceram seus primeiros escritos teóricos de au-
têntico peso, as Reflexões sobre uma teoria do programa de ensino (1899,
1931) e A educação cívica da juventude alemã (1901). Se estes escritos con-
servaram a maior parte de sua originalidade, da mesma forma que o
desenvolvimento do debate e a pertinência constante dos problemas
que delineia, isto reflete excepcionalmente e de forma eloquente o
interesse imediato e comprometido do autor pelos problemas do
ensino universal e profissional das grandes massas da população.
O leitor destas obras aprecia de imediato o rico acervo de
experiências em diversos tipos de práticas educativas que embasam
as reflexões do autor. Nestes escritos teóricos iniciais, já figuram as
principais questões que Kerschensteiner tratou com mais detalhes
em sua obra posterior. Nas primeiras obras, aparece uma ou outra
vez a preocupação com o problema da organização da educação
nacional, baseada no ideal da responsabilidade cívica e de uma
autêntica ética do trabalho.
A segunda fase das atividades de Kerschensteiner teve início
quando ele foi nomeado professor em Munique, em 1919. Inspi-
rando-se em Spranger e nos escritos de Rickert e Windelband,
Kerschensteiner começou a buscar uma base filosófica para suas
teorias pedagógicas. Esta busca culminou em sua obra Teoria da edu-
cação (1926). Considerando o trabalho tão claramente teórico que é
o Axioma básico do processo educativo, primeiro fruto de seus estudos
sobre a filosofia da educação, escrito em 1921, é notável o equilíbrio
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ANTONIO GRAMSCI
autêntico que trata de manter em sua proposta do tipo de educação
orientada pelos interesses e possibilidades do indivíduo.
Se o que se deseja é que a essência de nosso patrimônio cultu-
ral seja incorporada na educação do indivíduo, a configuração in-
telectual dessa essência deverá ser totalmente, ou pelo menos em
parte, compatível com a estrutura intelectual do indivíduo
(Kerschensteiner, 1924, p. 9).
Kerschensteiner faz distinção entre a energia potencial e a ener-
gia cinética dos materiais didáticos, o que mostra que seu pensa-
mento nunca abandonou a busca científica. No devido tempo, ele
confirma sua lealdade à concepção dinâmica da educação como
valor do conhecimento, que está exclusivamente em função de que
possa estabelecer e ativar os poderes de argumentação e ação res-
ponsável. O conhecimento só será educativo na medida em que
seja pertinente para a vida do indivíduo e tenha um valor formativo.
A realização principal de Kerschensteiner para os especialistas
em educação é a fundação da escola de formação profissional e a
consequente reorganização da Volksschule (escola primária e primei-
ros anos da escola secundária). A instrução cívica e o ensino de tra-
balhos manuais práticos são princípios metódicos complementares,
que se diferenciam somente no grau de importância que se lhes atri-
bui em ambos os níveis. Esta concepção integra diversos critérios
que refletem o espírito da época, sobretudo a concentração em ques-
tões psicológicas e sociológicas e o interesse pela ética do trabalho.
Nenhum outro especialista da educação aproveitou tanto em
seu trabalho o legado de Pestalozzi como Kerschensteiner, e ne-
nhum outro educador, interessado principalmente nos aspectos
práticos da educação, examinou tão a sério a aplicação das ideias
de Pestalozzi às épocas posteriores. Sprangler estava especialmente
consciente disso, quando escreveu a Kerschensteiner: “[...] depois
de seu discurso em Zurique, creio que você é o autêntico herdeiro
de Pestalozzi” (Bähr, 1978, p. 55).
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COLEÇÃO EDUCADORES
O mesmo espírito inquieto e indagador que induziu Pestalozzi a
buscar um método para educar as grandes massas da população quan-
do se iniciava o fenômeno da industrialização está presente na obra de
Kerschensteiner. Também Kerschensteiner reconhece que a priorida-
de absoluta do conceito humanista da educação deve se conciliar com
a necessidade de relacionar as operações educativas com a situação do
indivíduo. Baseando-se nos progressos obtidos no campo da psico-
logia juvenil, na década de 1890, Kerschensteiner confere mais preci-
são psicológica aos termos “situação individual” e “espontaneidade”
aplicados à criança. Suas conclusões referem-se ao fato de que a crian-
ça, por instinto, tem inclinação motora, e sua tendência primária é
antes o concreto, o contato manual com coisas concretas.
Esta ideia explicita-se de modo mais completo no discurso de
Zurique. Nos primeiros anos de vida, a criança que brinca encon-
tra-se em sua primeira oficina da mente. Múltiplas impressões e estí-
mulos combinam-se para formar a primeira imagem infantil do
mundo. Em consequência, Kerschensteiner afirma que, para as
crianças mais crescidas, a escola deve se converter na oficina central
da mente. Toda operação de promoção do intelecto deve ter em
conta, fundamentalmente, esta conformação da mente da criança
e o modo como passa dos interesses práticos aos interesses teóri-
cos. No Discurso em honra de Pestalozzi, Kerschensteiner expõe assim
esta ideia: “Apesar da nossa concentração da aprendizagem esco-
lar nos livros, 90% dos jovens de ambos os sexos preferem muito
mais a atividade prática ao pensamento e à reflexão imóveis e
abstratos. Ponham-nos em oficinas e cozinhas, hortas e campos,
estábulos e barcos de pesca, e os verão sempre desejosos de tra-
balhar” (Kerschensteiner, 1912, p. 106).
E sua lacônica conclusão é: “A escola do livro precisa se trans-
formar na escola da atividade.
Esta convicção influiu naturalmente nos princípios da forma-
ção do pessoal docente, segundo os concebia Kerschensteiner. Junto
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ANTONIO GRAMSCI
com Spranger, e em oposição a Aloys Fischer e outros,
Kerschensteiner se opõe a que professores da Volksschule devam
cursar a universidade (Englert, 1966, p. 268). Isto não tem nada a
ver com o nível social ou com o temor de perder a qualidade
acadêmica do ensino superior. Tanto Spranger como
Kerschensteiner estavam interessados nos elementos específicos de
formação do pessoal docente e na necessidade de prever, na fase
de formação, as características do trabalho que depois realizariam
os docentes na escola. Educação pelo exemplo é a palavra de
ordem; e a experimentação de um conjunto orgânico exemplar da
teoria e da prática em ação é a única base convincente para obter
resultados positivos na vida cotidiana da escola. Kerschensteiner
escreve: “A escola da aldeia mais pobre que se possa conceber,
administrada de acordo com os princípios de Pestalozzi, pode ser
uma instituição educativa mais valiosa que uma escola da cidade,
esplendidamente equipada e dotada de um corpo docente com-
posto de graduados de nível universitário.” De acordo com sua
defesa da formação específica dos professores da escola elemen-
tar na natureza essencialmente social da tarefa que lhes espera, sua
conclusão com respeito ao plano de estudos do pessoal docente é
a seguinte: “O farol que há de guiar a Volksschule não é Kant nem
Goethe, mas Pestalozzi” (Kerschensteiner, 1949, p. 155).
Aqui, Kerschensteiner não propunha uma restrição do desen-
volvimento intelectual do indivíduo, mas uma acurada orientação
social do professor, que reflete mais sua dedicação a serviço dos
alunos do que as qualificações acadêmicas. As honras acadêmicas a
expensas da ética pedagógica supõem um empobrecimento da
vida escolar: esta é a convicção de Kerschensteiner. Mesmo consi-
derando que ele é produto, também, do clima intelectual de sua
época, seus princípios baseiam-se na necessidade de manter um
desenvolvimento equilibrado, tanto para o professor, como para
seus alunos.
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COLEÇÃO EDUCADORES
A conclusão pedagógica óbvia é a necessidade de se ater aos
princípios de Pestalozzi, como requisito prévio da reforma educativa
(não como mero capítulo na história da educação), para assentar
mais firmemente a teoria educativa na prática pedagógica real. A
este respeito, os três especialistas da educação que mais se preocupa-
ram em manter o verdadeiro espírito da Volksschule – Kerschensteiner,
Spranger e Fischer – são unânimes, em que pesem todas as suas
diferenças acerca da formação do professor. Graças a isto, os três
figuram entre os fundadores da educação popular moderna.
Métodos de ensino da competência profissional
Desde que Kerschensteiner o criou, o termo Arbeitsschule tem
sido um dos mais frequentemente citados e um dos menos enten-
didos do vocabulário do movimento de reforma educativa. Já
em 1911, no congresso da Federação para a Reforma Escolar de
Dresden, Gaudig acusou Kerschensteiner de ter eliminado o fator
intelectual da escola. Não obstante, estas objeções são unilaterais e
passam longe do significado pedagógico específico atribuído por
Kerschensteiner ao trabalho manual na escola, por exemplo, sua
afirmação de que o trabalho manual promove a verdade e que no
trabalho concreto não há engano possível, porque não há nada
que ocultar. Por conseguinte, o que lhe interessa não é que o traba-
lho seja considerado uma fase preliminar de uma formação pro-
fissional posterior, mas a aprendizagem de métodos respeitáveis,
meticulosos e circunspetos, a fim de promover um espírito de
responsabilidade através da atividade autossuficiente.
O encontro com Gaudig, a influência da Wertphilosophie (filo-
sofia dos valores) alemã e o pensamento de Spranger são outros
tantos fatores que influenciaram Kerschensteiner. De modo cres-
cente, foi vendo na escola do trabalho um instrumento para a aquisi-
ção independente e automotivada de conhecimento, no sentido
propriamente educativo do termo. A importância atribuída ao
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ANTONIO GRAMSCI
manual e, depois, ao prático vai além da simples habilidade técnica e
da competência e se incorpora ao princípio pedagógico de uma
atividade independente e responsável. Todavia, devemos ter em
conta que, apesar do respeito que Kerschensteiner sentia pelo tra-
balho prático, sua ideia da escola do trabalho nunca se concentrou
exclusivamente neste conceito. Kerschensteiner não foi, de manei-
ra unilateral, um “defensor do prático” nem propugnou mais tar-
de uma “espiritualização do conceito do trabalho”, porque conhe-
cia muito bem os requisitos reais da prática, que invariavelmente
são práticos e teóricos. A espiritualização de seu conceito do tra-
balho foi uma evolução gradual, como demonstra convincente-
mente Wilhelm (1957, p. 39).
Frequentemente, coloca-se a interessante questão da relação
existente entre a inovação e a reflexão filosófica. Felix Von Cube
(1960, p. 18) foi um dos que estudou este problema. Sua teoria de
que a claridade e o impulso dos primeiros anos do reformador
Kerschensteiner foram contaminados por sua fase filosófica pos-
terior é rechaçada por Wehle (1956, p. 178). Mesmo sendo inegá-
vel que os primeiros conceitos reformistas da escola profissional,
da escola do trabalho e da educação cívica não encontraram
complementação suficiente na obra posterior de Kerschensteiner,
não cabe dúvida de que constituem parte essencial do substrato
prático em que se sustenta o pensamento filosófico de nosso autor
(Wilhelm, 1957, p. 161).
Em última análise, é fato confirmado por todas as instituições
que, em fases de profunda reflexão, a aspiração a uma atividade
prática tende a ser menos forte. No caso de Pestalozzi, o espólio
de Neuhof, assim como Stans, também constituíram o pano de
fundo de seu estudo filosófico Meine Nachforschungen über den Gang
der Natur in der Entwicklung des Menschengeschlechts (Minhas investigações
sobre o curso da natureza no desenvolvimento do gênero humano). Como
pensador, Kerschensteiner foi um pestalozziano autêntico, e foi a
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COLEÇÃO EDUCADORES
obra de Pestalozzi que mais o ajudou a abordar as questões filosó-
ficas (Niklis, 1960).
Estas considerações são igualmente válidas em relação à ideia
da escola ativa. O trabalho manual, se levado a cabo adequadamen-
te, desenvolve a faculdade para o pensamento lógico que pode
aplicar-se a qualquer outra classe de atividade, para, depois,
aprofundar-se. Existe uma inteligência manual – esta é a primeira
ideia importante de Kerschensteiner –, que deve ser fomentada na
escola, já que forma parte integrante do caráter de cada criança.
Este é um aspecto importante do significado do ser humano, e
não deve permitir-se que decaia e desapareça.
No entanto, para Kerschensteiner, o trabalho manual sem um
esforço intelectual é uma coisa mecânica, e mais: “Só poderá con-
siderar-se trabalho no sentido pedagógico do termo, se for prece-
dido do esforço intelectual efetuado anteriormente, e renovado
durante a execução... (Kerschensteiner; 1950, p. 55). Assim, pois,
a característica essencial do trabalho manual no sentido pedagógi-
co é seu planejamento e sua execução independente. Kerschensteiner
acredita que só uma coisa pode fazer com que a escola seja uma
escola do trabalho no sentido próprio da palavra: é a “crescente
adequação da atitude do aluno à tarefa que se lhe apresenta, base-
ada na possibilidade da autoavaliação” (Kerschensteiner, 1950, p.
55). Em consequência, mais importante que a matéria de estudo –
seja prática, seja teórica – é o modo como a ética do trabalho
determina a atitude do aluno. É o interesse em fazer a tarefa desig-
nada, junto com a liberdade de executá-la do modo que o aluno
acredite ser o mais oportuno.
Vista assim, a ideia da escola do trabalho configura-se como
um princípio metodológico, e esta é a segunda noção importante
de Kerschensteiner, que se evidencia já em seus primeiros escritos.
É aplicável a todos os níveis, como se demonstra em O conceito da
escola do trabalho (1957) com referência ao aviário, ao alarme de
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ANTONIO GRAMSCI
incêndio do vilarejo e à ode de Horácio como exemplos de temas
manuais, morais e acadêmicos, respectivamente.
O que mostram estes exemplos? Que o essencial não é a disci-
plina de estudo, mas o espírito e a mentalidade do trabalho inde-
pendente e responsável, já que a adequação à tarefa designada é sinônimo
de moralidade. O fundamento último desta atitude ética antes do
trabalho é a organização do trabalho individual independente den-
tro de uma comunidade trabalhadora, na qual o professor ajuda
os alunos com seus conselhos e sua assistência prática, como um
artesão supervisiona a trabalho de seus aprendizes.
Todos os elementos da concepção de Kerschensteiner estão re-
lacionados entre si. No centro, encontra-se a educação, considerada
como processo e como fim em si mesma (ainda que no fim último
haja apenas uma conclusão temporal de determinada fase de desen-
volvimento). “A educação é um sentido do valor, da amplitude e da
profundidade determinadas individualmente, suscitada pela matéria
de estudo e organizada diferentemente por cada indivíduo”
(Kerschensteiner, 1926, p. 15). Esta é a definição geral que figura na
Teoria da educação, do ponto de vista axiológico (e por analogia com
o conceito de centro educativo pessoal, de Spranger).
Neste sentido, a educação é, por sua vez, uma reativação do
potencial cultural imanente à matéria de estudo e uma função do
cultivo paulatino da personalidade do indivíduo. Ainda que este
processo não termine nunca, invariavelmente adota uma estrutura
própria: “A educação é o funcionamento da mente que persiste
quando já se esqueceu tudo o que o engendrou”, afirma
Kerschensteiner mais tarde, na sua Teoria da educação.
A educação é um processo dinâmico, que depende de proce-
dimentos de ensino do trabalho que possam provocar com a
máxima eficácia a reativação cultural antes indicada. A atividade
autossuficiente como forma individual deste princípio da aquisição é
o modo mais eficaz de assegurar que a energia educativa potencial se
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COLEÇÃO EDUCADORES
transforme em energia educativa cinética. Em síntese, o potencial
educativo passa por um processo de ativação.
O marco social adequado para a aplicação pedagógica destas
ideias é o grupo de trabalho, que é o mais idôneo para infundir e
praticar as normas básicas da vida coletiva e as virtudes cívicas
principais. É esta combinação de uma autêntica ética do trabalho e
de uma responsabilidade cívica, com a correspondente influência
recíproca entre o indivíduo e a coletividade, na busca de uma maior
maturidade moral, o que justifica a persistência de Kerschensteiner
de que o objetivo último do processo educativo é o estabeleci-
mento do estado baseado na cultura e no império da lei. A
autoavaliação no marco da instrução sobre o trabalho culmina em
um grau de integridade pessoal que contribui para transformar
em uma educação verdadeiramente formativa o ensino das virtu-
des cívicas no marco do trabalho. Esta consumação, como costuma-
va dizer Kerschensteiner, lembra até certo ponto o traço de
ascetismo que caracteriza o pensamento de Aloys Fischer, ainda
que o próprio Kerschensteiner tenha certas reservas a este respeito.
Educação cívica
A realização mais original de Kerschensteiner é a criação da es-
cola de formação profissional, um cruzamento entre a aprendiza-
gem e a educação formal. Kerschensteiner propunha o ensino das
atividades práticas no próprio lugar de trabalho, paralelamente à sua
consolidação teórica no entorno escolar, preferindo este sistema ao
sistema das écoles professionelles d’apprentissage que existiam na França e
em outros países onde a formação profissional tem lugar exclusiva-
mente na escola. Kerschensteiner inspirou-se para isso em ideias do
século XIX, com o objetivo de conseguir uma síntese entre o ensino
de tipo geral que se desenvolvia nas escolas dominicais – dirigidas,
em sua maior parte por professores da escola primária – e a for-
mação mais especializada em trabalhos concretos.
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ANTONIO GRAMSCI
A busca da relação adequada entre o conhecimento geral e o
ensino profissional é um elemento central desta concepção.
Kerschensteiner analisou o contexto sociológico da sociedade in-
dustrial, em que a vida de cada indivíduo gira em torno do traba-
lho, enquanto a meditação e a contemplação só adquirem seu sig-
nificado mais profundo como momentos de exceção em uma
existência dominada pelo trabalho. Kerschensteiner insiste em que
o indivíduo ideal só pode derivar-se do indivíduo útil. Apenas no con-
texto da atividade profissional pode o conhecimento geral alcan-
çar seu verdadeiro significado como instrumento de formação da
personalidade, formação do indivíduo na comunidade. Trata-se
de garantir que o indivíduo alcance a maturidade, demonstrando
seu valor no setor da atividade que as circunstâncias lhe tenham
destinado. Só assim poderá chegar a uma verdadeira humanidade.
Este é o real motivo do ceticismo de Kerschensteiner acerca
do conhecimento geral como um fim em si mesmo. Por isto, sua
defesa de um prolongamento da educação obrigatória, além dos
nove anos de escolaridade, estava condicionada à instrução de tipo
profissional, idealmente desenvolvida em uma escola de forma-
ção profissional. A vida em uma comunidade trabalhadora que
promova constantemente os valores do companheirismo ativo e
do afeto aos demais, assim como a subordinação dos interesses
próprios ao bem comum, são mais importantes para ele que a
instrução teórica. Assim, Kerschensteiner via na educação cívica
menos um instrumento para inculcar nos alunos conhecimentos
acerca da comunidade democrática que um veículo para lhes incu-
tir uma mentalidade política que, antes de tudo, deveria se afirmar
no nível mais elementar, no trabalho conjunto dentro do grupo e
na participação responsável na vida coletiva da escola.
Segundo a ideia de educação cívica de Kerschensteiner, o ensi-
no dos deveres do cidadão tem proeminência sobre o ensino dos
direitos. Estes deveres devem ser praticados na vida cotidiana. Em
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COLEÇÃO EDUCADORES
consequência, a escola tem que ser um microcosmo do Estado e
ensinar aos alunos toda uma série de tarefas sociais: “O único meio
de preparar os jovens para a vida na comunidade é fazer que par-
ticipem da vida social desde o princípio” (1950, p. 49). Em com-
pleto acordo com seu mentor Dewey, Kerschensteiner sublinha a
necessidade de um trabalho ativo e responsável dentro de uma
comunidade trabalhadora e a autossubordinação voluntária aos
representantes eleitos pelos alunos na administração escolar como
condições imprescindíveis da educação cívica.
A interpretação unilateral de Dewey por parte de Kerschensteiner
foi objeto de frequentes críticas, em particular de Wilhelm, ao negar
que a maturidade política, colocada como objetivo da educação,
venha a ser uma consequência natural da maturidade social. Podem
surgir tensões e conflitos, derivados das diferenças de condição so-
cial e as consequentes divergências nos objetivos políticos. Deste
ponto de vista, a tradução que Kerschensteiner (1950, p. 18) faz do
termo “vida comunitária embrionária” de Dewey – Staatsleben im
Kleinen (literalmente, vida comunitária no pequeno) – é uma simplifi-
cação excessiva. Kerschensteiner passa ao largo do fato de que a
perspectiva de Dewey parte do espírito pioneiro da época colonial
e da coesão característica da vida comunitária neste contexto, per-
manecendo ocultas as diferenças entre ricos e pobres, brancos e
negros. Inclusive nesta fase preliminar da escola, a instrução cívica
deve refletir a dimensão política de um modo que vá se tornando
mais sistemática e aparente à medida que os alunos vão crescendo.
A principal diferença entre Kerschensteiner e Dewey, apesar
da admiração mútua e da similaridade de suas opiniões sobre os
aspectos práticos e a filosofia da educação, revela-se claramente na
controvérsia sobre o ensino profissional. Kerschensteiner propu-
nha uma escola de educação contínua em que se ensinassem co-
nhecimentos teóricos junto com os aspectos práticos da educação
profissional, sendo que a aprendizagem aconteceria como um com-
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ANTONIO GRAMSCI
plemento. Em troca, Dewey reafirma a importância da escola
como base de uma atividade profissional posterior, formando a
faculdade de juízo nos jovens de forma a equipá-los para suas
vidas profissionais (Knoll, 1993). A visão de Kerschensteiner da
educação como apelo ao natural egoísmo dos jovens e ao seu
desejo de promoção pessoal, e sua insistência em que a educação
geral deve estar estreitamente relacionada com o ensino profissio-
nal, ainda que em condições análogas às da vida cotidiana, repre-
senta um ponto de desacordo entre os dois educadores. Dewey,
entretanto, não foi bem-sucedido ao examinar esta questão.
Kerschensteiner insiste no que chama de “lei da proliferação dos
interesses”, graças à qual o trabalho prático permite apreciar melhor
os problemas teóricos comuns às ciências naturais e às ciências hu-
manas. Para ele, a vantagem deste procedimento consiste em que
tudo se situa em um contexto prático, assegurando-se, assim, a aten-
ção completa dos participantes ao ativar seu desejo egoísta natural
de êxito profissional. Desta hipótese procede a sua definição, em
1911, da “lei fundamental de todo desenvolvimento mental, que
invariavelmente passa dos interesses práticos ao plano teórico” (1957,
p. 28). Dewey, por sua vez, propunha o ensino profissional no âm-
bito escolar, como uma opção a mais entre as muitas que podem
proporcionar as escolas de caráter suficientemente flexível e diferen-
ciado. Este critério tem origem em sua experiência com o Sistema
Gary de William Wirth, à qual dedica um capítulo intitulado “A rela-
ção da escola com a comunidade”, notável pelo vigor pedagógico,
em sua obra Schools of tomorrow (Escolas do amanhã) (Dewey, 1915, pp.
167-206; Röhrs, 1977, pp. 88-92).
É pouco justificada a acusação que se faz frequentemente a
Kerschensteiner de que seu conceito de educação cívica peca por
nacionalismo. Para Kerschensteiner, é necessária uma base firme
em âmbito nacional para a transição a uma atitude mais internaci-
onal, o que recorda de novo a imagem de Herder de que a árvore
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COLEÇÃO EDUCADORES
firmemente enraizada em solo nativo está em melhores condições
para estender seus ramos sobre o jardim do vizinho. Quanto mais
firmes sejam as bases no plano nacional, menos probabilidade
haverá de que se enfraqueça a postura cosmopolita. A afirmação
de Rickert de que “o caminho até os fatos que não estão sujeitos a
transformações históricas” passa invariavelmente “pelos fatos his-
tóricos” (Rickert, 1910-11) encontra-se em várias versões no pen-
samento de Kerschensteiner, que conhecia a fundo a obra de
Rickert. A respeito da educação cívica, Kerschensteiner escreve:
“O caminho para um forte cosmopolitismo passa invariavelmen-
te por uma forte cidadania” (1950, p. 34).
A vida do indivíduo está caracterizada por enfrentamentos e
conflitos, e o mesmo se pode dizer da convivência das nações.
Totalmente de acordo com o pensamento de Kant, em suas obras
Conceito de uma forma de história que fomente uma atitude cosmopolita e
Sobre a paz eterna, Kerschensteiner expõe o dever histórico como
um processo de humanização que pode conduzir a uma atitude
genuinamente cosmopolita: “Ainda que não nos tivessem ensinado
nada mais, há uma verdade que encontraremos em quase todas as
páginas da história: a vida humana é uma sucessão constante de
conflitos e reconciliações. É nesses conflitos e reconciliações que se
formam a cultura e, sobretudo, a civilização política. A paz eterna só
poderá ser alcançada quando só sobrar um ser humano no mundo.
O objetivo da educação cívica não é mais que tornar o conflito mais
humano e a reconciliação mais voluntária” (1950, p. 42).
Kerschensteiner refuta explicitamente a falácia de que sua ver-
são da educação cívica não é senão o ensino da cultura política ou
a inculcação dos deveres cívicos (1950, p. 15). De outra parte, se é
certo que sua perspectiva orienta-se principalmente pelas obriga-
ções de um cidadão responsável, seu enfoque não é de modo
algum dogmático ou formalista, considerando-se que, para ele, as
obrigações cívicas resultam de uma forma de escolaridade que
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introduz conscientemente nos alunos a necessidade de uma ética
do trabalho e de uma autêntica e indispensável consciência cívica.
Como é natural, a escolha de uma perspectiva que se concen-
tre nos deveres do cidadão pareceria formalista se não refletisse o
aspecto de pertinência imediata destes deveres para a vida da co-
munidade. Mas não cabe dúvida de que uma democracia não pode
funcionar sem um razoável catálogo de deveres e obrigações cívi-
cas e as consequentes virtudes sociais que delas derivam. A pala-
vra-chave neste contexto é racionalidade. Para que possam ser acei-
tos e assumidos, é preciso que os deveres constituam parte viva do
funcionamento da comunidade. O mesmo se pode dizer da ética
do trabalho. Estes princípios metódicos não perderam em nada
sua pertinência e, portanto, não podem ser considerados como
um capítulo ultrapassado da história da educação. Aqui é onde
Kerschensteiner, com sua atitude prática e racional, parece-nos hoje
em dia uma figura exemplar e digna de ser emulada.
Neste sentido, fica clara a estreita afinidade entre a ideia da
escola do trabalho e a ideia da educação cívica. É impossível incul-
car nos alunos o sentido de responsabilidade social se não foi pre-
parado o terreno na primeira infância. Portanto, o método de um
trabalho independente e responsável é condição prévia de todo
tipo de educação cívica, e disto, por sua vez, derivarão os impul-
sos educativos mais frutíferos da ação e da reflexão no contexto
social da vida escolar cotidiana.
Depois de um início promissor na década de 1920, a educa-
ção cívica nas escolas alemãs caiu no descrédito. Ao mesmo tem-
po, emergiram críticas à ideia do ensino do trabalho, por se enten-
der que só fomentava um tipo de atividade que refletia a inquietude
daquela época tão agitada, ficando completamente desprovida de
importância educativa autêntica. Ambos os juízos não fazem mais
que demonstrar o quão mal foi sempre entendido Kerschensteiner,
inclusive em seu tempo.
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De fato, Kerschensteiner tratou de manifestar por todos os
meios sua atitude crítica ante os “apóstolos da espontaneidade”,
como os chamava pejorativamente. Prova disso é sua afirmação
de que “a ideia da escola do trabalho consiste em se utilizar um
mínimo de disciplina de estudo para criar o máximo de aprendi-
zagem, capacidade e entusiasmo pelo trabalho, tudo a serviço da
consciência cívica” (1957, p. 99). Vemos como Kerschensteiner
realça de novo os vínculos recíprocos diretos entre a escola do
trabalho e a educação cívica. O trabalho realizado com indepen-
dência e responsabilidade em uma comunidade trabalhadora, que
representa o fruto de um esforço concentrado de planejamento,
execução e avaliação, é de caráter necessariamente cívico. Organi-
zado deste modo, realça o aspecto social do trabalho efetuado e,
por conseguinte, contribui para o estabelecimento e a consolida-
ção da comunidade, enriquecendo o conceito do Estado com uma
dimensão moral mais profunda.
A formação da personalidade
Toda análise da obra de Kerschensteiner conduz inevitavelmen-
te à consideração da personalidade deste educador exemplar, já que
quase todas as suas exposições teóricas refletem sua própria vida.
Kerschensteiner é um representante de rara espécie de pedagogo
imaginativo, experimentado e de talento prático. Seus dois provér-
bios favoritos, que repetia sempre, como síntese de sua atitude pe-
rante a vida, são os seguintes: “Para o diligente, o mundo não é
mudo” e “O desespero é a falta de confiança em Deus”.
Este otimismo reflete as características que, no seu modo de
ver, devem estar presentes no bom professor e que expõe em seu
livro A alma do educador e o problema da formação do professor (1949): uma
natureza compreensiva; a capacidade de emocionar-se profunda-
mente; a sensibilidade e o tato como condição prévia de empatia
com os demais, ou, em termos resumidos, uma atitude verdadeira-
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mente humana, em vez de um conhecimento enciclopédico. A des-
crição que faz Spranger de seu amigo Kerschensteiner, em seu pre-
fácio à obra que acabamos de evocar, é surpreendente: “O pessi-
mismo em qualquer de suas formas lhe era totalmente estranho, mas
não por falta de sofrimento em sua vida. Desde os contratempos
mais mundanos e cotidianos ante a profundidade da dúvida religio-
sa e o conflito espiritual, Kerschensteiner conheceu toda a variedade
de sofrimento e de dor humana. Mas este sofrimento o sentia um
homem de constituição sólida e robusta que nunca renunciou à par-
te prazerosa da vida. Ele pertencia à velha geração, que sabia que a
vida significa luta e conflito, que a vida é dura e insensível. Se quere-
mos que os jovens adotem uma atitude verdadeiramente vital e se-
jam capazes de afrontar as vicissitudes, é preciso mostrar-lhes que
isto só é possível quando se conta com certa reserva de riqueza
espiritual. Não há outro caminho mais fácil.”
O conhecimento como um fim em si mesmo, isolado e indi-
gesto, não deixará nunca de ser um elemento adicional externo. Só
quando é considerado em sua relação com o indivíduo o conheci-
mento poderá enriquecer o acervo de experiência adquirida e for-
mar parte do motor central da personalidade.
Este desenvolvimento da personalidade é a tarefa central do
processo educativo. Em síntese, Kerschensteiner trata de conseguir
uma transformação pedagógica do axioma de Goethe, “a persona-
lidade é o tesouro humano supremo”, entendendo por “tesouro” a
vontade e a capacidade de assumir a responsabilidade como um
dos pilares fundamentais de uma comunidade humana autêntica.
Na opinião de Kerschensteiner, a personalidade vem determi-
nada por três características. A primeira é uma “singularidade espe-
cial do eu espiritual” (1926, p. 84). Apesar de toda sua atividade, a
personalidade não fica submersa em uma multiplicidade de tarefas
não coordenadas nem se perde no trabalho que realiza, mas, pelo
contrário, deixa uma marca inconfundível em tudo o que faz. Em
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COLEÇÃO EDUCADORES
segundo lugar, a personalidade se expressa em forma de uma “res-
posta constante e independente a seu entorno” (1926, p. 84), repre-
sentando uma fonte de equanimidade e ordem, graças à responsa-
bilidade pessoal e política de suas ações dentro de seu ambiente
social. A terceira característica é a “competição constante por me-
lhorar-se interiormente” (1926, p. 84). Esta vontade de perfeição
(ainda que nunca a expensas da responsabilidade social e política) é
o núcleo vivo da personalidade, em si e no outro. É o verdadeiro
motor do desenvolvimento. É de importância fundamental, para
os três critérios, que se adaptem a valores que garantam a integrida-
de do perfil moral da personalidade, assegurando assim a continui-
dade do efeito no ambiente social e o próprio desenvolvimento
interno. Aqui, as virtudes tradicionais da força de caráter, a diligên-
cia e o juízo desempenham um papel fundamental.
O objetivo último é “o aperfeiçoamento moral da comunida-
de” (1926, p. 189) graças ao efeito da personalidade. Um passo
importante frente a este objetivo é a “educação profissional”, já que
“o caminho para a educação passa pelo trabalho” (1926, p. 189).
Vemos aqui dois aspectos essenciais unidos. Em primeiro lu-
gar, a importância fundamental que Kerschensteiner atribui ao tra-
balho no processo educativo; em segundo, a natureza sociopolítica
da tarefa que espera a personalidade individual e a consciência de
que o objetivo geral da educação consiste em assentar bases viá-
veis para a sociedade humana mediante o aprimoramento do in-
divíduo. O êxito (ou o fracasso) deste processo recíproco depen-
de da riqueza espiritual da pessoa, e por isto é tão importante o
cotejo com os valores estabelecidos, os juízos de valor fidedignos
e a fé no sistema de valores. Trata-se de conseguir uma “mentali-
dade orientada pelos valores” (1926, p. 80).
O senso de humor de Kerschensteiner nutria-se desta riqueza espi-
ritual. Recordemos, por exemplo, os Sermões de maio, pronunciados
por Kerschensteiner com o pseudônimo de “Pater Hilaricus”, por
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ANTONIO GRAMSCI
ocasião das visitas que todos os anos, no mês de maio, o clube
Gesellschaft der Niederländer (Sociedade dos Holandeses) fazia à
residência do Conde Pappenheim. Mesmo o título dos sermões re-
flete o humor de Kerschensteiner, sua predileção em tratar temas
sérios com leveza: De stultitiae beneficio (Sobre as bênçãos da estupidez), De
pulcibus mentalibus (Sobre as pulgas mentais) ou então De nincompoopitate
generis humani. O matemático Kerschensteiner qualifica a matemática
de “ciência do ponto” e define o “ponto de vista” como “uma pers-
pectiva com um raio zero” (Kerschensteiner, 1954, p. 220).
Este tipo de humor permitia a Kerschensteiner contemplar
com maior indiferença os problemas cotidianos e liberava a sua
imaginação sem inibições para resolver problemas importantes.
“O humor é o fundamento mesmo do espírito” (1949, p. 74), e
constitui um elemento importante no êxito pedagógico. Weniger
descreve esta característica de Kerschensteiner do seguinte modo:
“O melhor de Kerschensteiner é seu senso de humor, uma produ-
tiva combinação de ascetismo realista e fé idealista, o humor da
verdadeira sabedoria, sem a qual a existência do educador seria
intolerável” (Weniger, 1979, p. 211).
Kerschensteiner, às vezes, dava rédea solta ao seu senso de hu-
mor, nas reuniões sociais que dava em sua casa, em Bogenhausen,
distrito de Munique. Nestas ocasiões, também a música desempenha-
va importante papel. Kerschensteiner era um consumado pianista e
gostava muito de tocar com seus amigos, em particular com a mulher
de Aloys Fischer, a violinista Paula Fischer-Thalmann, depois assassi-
nada como judia no campo de concentração de Theresienstadt. Estas
reuniões acabavam frequentemente em vigorosos debates sobre ques-
tões filosóficas e educativas, com “o vizinho e amigo” de
Kerschensteiner, Aloys Fischer (Kerschensteiner, 1954, p. 222).
Nesta atitude de grande mestre da pedagogia, apartado das pe-
quenas preocupações da vida cotidiana e livre, por conseguinte,
para meditar de sua torre de marfim, de nenhuma maneira
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COLEÇÃO EDUCADORES
Kerschensteiner abandonou sua atitude prática nem sequer em sua
obra teórica. Em toda a sua vida, enfrentou a luta para encontrar as
respostas corretas aos problemas cotidianos, que sempre o preo-
cuparam, inclusive quando foi nomeado diretor das escolas públi-
cas e, mais tarde, professor universitário. Para Kerschensteiner, os
problemas de ensino e a educação eram fontes de inspiração das
quais extraía a inventividade típica de todo pedagogo merecedor
deste nome. Sua personalidade encarnava na prática o que propu-
nha na teoria: força de caráter na busca dos objetivos próprios,
diligência no pensamento, ação e responsabilidade política. Estas
características aparecem uma ou outra vez em seus trabalhos. Por
isto, a obra de Kerschensteiner nos parece relevante para o futuro e
a conservação do seu legado é um imperativo para o presente.
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ANTONIO GRAMSCI
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COLEÇÃO EDUCADORES
A RECEPÇÃO DA “ESCOLA DO TRABALHO”
NO CONTEXTO BRASILEIRO
Danilo Di Manno de Almeida e Maria Leila Alves
Cecília Meireles deixa registrada, no Diário de Notícias, sua rea-
ção à notícia telegrafada que recebera informando sobre a morte
de Georg Kerchensteiner, em 17 de janeiro de 1932.
Faleceu ontem aqui o professor Georg Kerschensteiner, famoso
pedagogo, professor da Universidade de Munich e antigo membro
do Reichstag, que se tornou conhecido como autor de importantes
reformas de ensino. E nessas poucas linhas vai uma perda imensa
para o mundo moderno, que dia a dia vai fazendo mais claro o seu
conceito e o seu desejo de uma vida melhor, através da obra indis-
pensável da nova educação. Entre os investigadores das possibilida-
des pedagógicas, Kerschensteiner sempre se distinguiu por uma sen-
sibilidade particular de coração, um sentido evangélico da obra de
educar, e uma aspiração idealista de fazer de cada professor uma
personalidade inteiramente integrada no seu destino, certa da sua
responsabilidade, gloriosa nessa certeza e humilde, na sua glória,
daquela humildade que só conhecem os santos e os heróis. Depois
de árduas conquistas do pensamento, saindo da investigação psico-
lógica, insistente, e exaustiva, apesar de bela, encontra-se na obra de
Kerschensteiner uma doçura forte de inspiração que era como o so-
nho depois do pensamento, e o poema, depois da palavra. Seus
livros traziam uma seiva de sabedoria, fervorosa e viva, que, como
seiva, ia elevando o leitor sempre mais alto, para uma inquietação
mais ardente da finalidade humana e uma visão mais límpida da
necessidade e da relevância de agir. Enquanto a maioria conquistava
brilhantemente espaço mais amplo no estudo da criança e dos cami-
nhos que a ela conduzem, Kerschensteiner procurava na formação
do próprio mestre o segredo de utilizar as realidades admiráveis
aparecidas ou sonhadas cada dia. Sua figura definiu-se de um modo
raro entre as que se empenham no mesmo trabalho de orientação
educacional. Outros deixaram, morrendo, um vazio da admiração
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ANTONIO GRAMSCI
decepcionada, a angústia da colaboração perdida, a amargura do tra-
balho interrompido. Kerschensteiner deixa tudo isso, e deixa mais.
Sua obra era, principalmente uma obra de amor [...]
3
.
Esse sublime testemunho laudatório remete, sem dúvida, tanto
à concepção educativa como à produção de um modelo pedagó-
gico que iria se expandir em maior ou menor grau pela Alemanha.
De um ponto de vista da amplitude e do emprego ou utiliza-
ção da proposta, Kerschensteiner terá reduzido impacto direto
sobre a educação brasileira, influenciando, contudo, seu ambiente
educacional escolanovista.
Kerschensteiner exerceu influência sobre a educação do co-
meço do século XX, destacando-se, neste cenário, como criador
da escola do trabalho (Arbeitschule). A ideologia da Escola Nova res-
pira esse ambiente e se inspira nessa temática. No âmbito mais
restrito, propriamente falando, da sua recepção no contexto brasi-
leiro, salvo raras exceções, será por meio de Fernando de Azevedo
que Kerschensteiner terá presença entre nós – no que diz respeito
a concepções gerais da educação, como na elaboração de mo-
delos educacionais
4
. Na dimensão deste trabalho, pressuporemos
esta apropriação do educador brasileiro, mas não faremos da
mesma nosso objetivo único de análise, nem mesmo a
aprofundaremos tanto quanto mereceria.
Outro provável fator da restrita influência de Kerschensteiner,
no Brasil, diz respeito ao acesso a sua obra. Em relação a isto, con-
sidere-se que foram traduzidos apenas dois livros do autor nos anos
1920, muito pouco divulgados, levando-nos a pensar que ele tenha
sido pouco estudado nos currículos de pedagogia do país.
3
MEIRELES, C. Kerschensteiner. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 17 jan. 1932. Ver
(STRANG, 2003).
4
Considerar as reformas feitas por Fernando de Azevedo, no período de 1920 a 1940
(SILVA, ; NOMA, 2008). Segue adiante o registro de uma experiência de implantação do
método de Kerschensteiner no Brasil que nos foi possível identificar.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Por outro lado, extrapolar o campo da educação, procurando
por sua influência em outras áreas, colocaria-nos novas dificuldades.
Haja vista que, na primeira metade do século XX, no Brasil, projeta-
-se a diversidade de posições e ideias que tangenciam as de
Kerschensteiner, que tem, como sói acontecer, origens e finalidades
distintas. Temas como cultura, valores, cidadania, civismo, nacionalis-
mo, liberdade, individualidade, coletivo, são evocados por diferentes
grupos da intelectualidade brasileira, relacionados com o momento
vivido pelo país. Desmembrar tudo isso, distinguindo o que se refere
à autoria de Kerschensteiner e à de outros pensadores, seria um tra-
balho árduo, com forte probabilidade de resultados parcos.
Última consideração concernente à condução deste ensaio.
Sabe-se que os seus aportes teóricos e seu modelo educacional, embora
mutuamente dependentes, podem ter ganhado vida própria e sido
assimilados independentemente, quando de sua recepção no Bra-
sil. Levaremos isto em conta, guiando-nos sempre pela busca de
situações que revelem sua indissociação.
Alguns traços do modelo pedagógico de Kerschensteiner
Voltemo-nos inicialmente ao modelo organizacional de
Kerschensteiner. Para termos uma ideia sobre sua ação pedagógi-
ca, imaginemos que estamos no final do século XIX, e vemos as
meninas do último ano do ensino fundamental se preparando para
ir à aula de “culinária” na escola. Já sabemos que elas não estão se
dirigindo a uma aula complementar do currículo, fora do horário
regular. De forma alguma. Elas estão prestes a participar de uma
matéria central do currículo, em torno da qual receberão todos os
ensinamentos de matemática, fisiologia, química! Imaginemos ain-
da que os meninos também terão ensinamentos disciplinares fun-
damentais, trabalhando em oficinas com madeiras, metais, animais.
Tomemos como exemplo um currículo escolar destinado a
estudantes de 12, 13 anos, em Munique, no ano de 1896, de classes
separadas de meninos e de meninas:
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ANTONIO GRAMSCI
Para meninos/matérias/horas-aula
Religião 2
Língua alemã 2
Leitura e literatura 2
História 2
Matemática prática – inclui caderno de contas 4
Medição de sólidos 2
Ciência natural (a) teoria 2
Ciência natural (b) laboratório 2
Física 2
Química 2
Trabalho manual – madeira e metal (4 horas semestrais) 4
Desenho 5
Ginástica 2
TOTAL 33
Meninas/matérias/horas-aula
Religião 2
Língua alemã 3
Leitura e literatura 3
História 4
Matemática prática – inclui caderno de contas 4
–––––-
Economia doméstica (teoria) 4
Economia doméstica (prática) 4
Canto 1
Costura 4
Desenho 2
Ginástica 2
TOTAL 25
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COLEÇÃO EDUCADORES
As tarefas práticas estão relacionadas a tipos variados de ativida-
des: culinária, horticultura, apicultura, psicultura e mecânica (Lima,
1969, p. 16). No ultimo ano da escola elementar, e somente neste
ano, ocorre uma intensificação de atividades práticas: (a) meninos –
Matemática Prática; Ciências, Trabalho de Laboratório; Desenho e
Treinamento Manual, chegando a 21 horas das 32 horas estabelecidas;
(b) meninas – dedicarão 14 horas, das 25 estipuladas, ao trabalho de
Economia Doméstica, Costura e Desenho.
Estamos em plenas atividades da Arbeitschule, escola do tra-
balho de Kerschensteiner.
As preocupações com a formação de valores humanos, cultu-
ra, cidadania, civismo e sentimento nacional, fariam Kerschensteiner
avançar para além da escola elementar. E é isso que o levou a
receber o prêmio oferecido pela Real Academia Alemã de Ciênci-
as Úteis, de Erfurt, que propunha como tema para o ensaio “Como
educar a juventude masculina de forma adequada aos fins da sociedade desde a
saída da escola primária até o serviço militar?”. Advém daí o segundo
modelo educativo de Kerschensteiner: a escola continuada. Esta
temática apontava para um problema social relativo a jovens que
ficavam ociosos, desde o fim da escola elementar, aos 14 anos, até
seu ingresso no exército do Grande Império alemão, chefiado pelo
chanceler Bismark (Bennett, 1937, pp. 197-198).
Sendo, portanto, o fim principal da educação, o desenvolvi-
mento de eficiência ocupacional e o amor ao trabalho, a escola
continuada teria importante papel no crescimento da nação (Bennett,
1937, p. 198)
5
.
Mas, como Bennett explica, Kerschensteiner não tratava do
assunto da continuidade da educação industrial como um especia-
lista desta área, mas como um estadista-educador empenhado em
produzir um tipo elevado de cidadão para a nação industrializada,
5
Importante diferenciação entre os objetivos da escola elementar e os da escola continua-
da. Naquela, o trabalho manual não tinha finalidade de prover conhecimentos profissionais,
portanto, não se tratava de preparar na escola elementar mão de obra para o trabalho.
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ANTONIO GRAMSCI
que acreditava na educação vocacional como um meio para atin-
gir essa finalidade (Bennett, 1937, p. 198).
É interessante conhecer um programa típico semanal de um cur-
so para carpinteiros, com 11 horas semanais (distribuição em horas).
Religião 1
Aritimética, inclui livro de contas 1
Estudos sobre a vida e a cidadania 1
Desenho 6
Tecnologia prática: madeira, ferramentas,
máquinas, métodos e trabalho ativo 2
Sem nos alongarmos muito nestes aspectos, notemos apenas
que essa foi a reorganização escolar que Kerschensteiner, como
Superintendente das Escolas Públicas, conseguiu estabelecer em
Munique, na Alemanha
6
.
Antes de passarmos a examinar como e quanto Kerschensteiner
influenciou a educação brasileira, lembremos a distinção entre edu-
cação manual e educação industrial, tal como a encontramos na
nervura de sua produção pedagógica, que faz parte do contexto
de preocupação alemã com a educação nacional. De um lado, essa
preocupação é precedida pela centralidade que assumiu o nacio-
nalismo nos Discursos à nação alemã, de G. Fichte. Por outro lado,
destaca-se a determinação implacável e contemporânea do
chanceler Bismark na consagração da unificação dos estados
germânicos, ocorrida em 1871.
Explicitando alguns aspectos deste contexto nacionalista, Gil-
da Cesar Nogueira de Lima (1969) observa os impactos que essa
re-estruturação cultural e política teria exercido sobre a produção
pedagógica e as instituições educacionais:
6
Ver BENNET, C. History of manual and industrial education, 1870-1917, p. 184 e seg.
Este autor observa que, por volta de 1909, havia muito poucas cidades alemãs que
incluíam essa metodologia em seus currículos.
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COLEÇÃO EDUCADORES
A reformulação das instituições nacionais, sobre o regime monárquico-
constitucional dos Hohenzollen, a par da reestruturação econômica,
financeira e administrativa do império unificado, teve profundas
consequências com a inevitável repercussão sobre a morfologia e os
conteúdos culturais da sociedade alemã em fins do século XIX, tra-
zendo à tona, entre outros, o problema dos fins e dos meios da
educação nacional (Lima, 1969, p. 5).
De fato, precisamos considerar que os princípios e procedi-
mentos da escola do trabalho tem como pano de fundo essa aspi-
ração nacional. Neste momento, Kerschensteiner, nas palavras da
referida autora, “advogou como solução para o problema da re-
organização das instituições escolares, a introdução de atividades
práticas no currículo, vendo aí a forma de atender aos reais inte-
resses da juventude” (pp. 5 e 6).
Distanciados no tempo, ainda que não esteja completamente dis-
sipada a bruma do nacionalismo, e caminhando em direção à ques-
tão da recepção de Kerschensteiner no Brasil, não há porque perder
de vista este contexto determinante de sua produção pedagógica.
Primeiramente, a sua luta contra o “conhecimento teórico e
livresco” de Herbart, contra a falta de utilidade da ciência à vida
profissional (que seria sentida, sobretudo, pelos jovens), não deveria
nos levar rapidamente à ideia de uma valorização idêntica entre teo-
ria e prática – ou entre um saber erudito e um saber prático. Ainda
que se volte à inserção do trabalho no âmbito estrutural da forma-
ção educacional, isto não equivaleria a uma transformação radical
da pedagogia. O que surge em primeiro lugar, parece-nos, é a ade-
quação da estrutura educacional à demanda nacional de formação,
nos termos expostos acima. Pode-se considerar remota qualquer
tentativa de construção de uma pedagogia do trabalho naquele momen-
to, o que implicaria uma revolução da educação e da pedagogia.
Efetivamente, como observa Gilda Cesar Nogueira de Lima,
Kerschensteiner está interessado em adequar a educação à situação pre-
sente, como expressa no seu livro A ideia da escola industrial : “a habilidade
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das massas está mais voltada para o trabalho manual que o mental”
(apud Lima, 1989, p. 6). Essa expressão, que poderia chocar aqueles
que esperavam a identificação entre o trabalho “manual” e “mental”,
em Kerschensteiner. Talvez, antes de chegar a esse ponto de unificação
epistemológica – uma exigência demasiadamente avançada para épo-
ca – havia questões mais concretas e pragmáticas que moviam o edu-
cador alemão. Talvez seja sobre a plataforma deste posicionamento
político e epistemológico que, unido à filosofia deweyana a escola do
trabalho de Kerschensteiner será recepcionada no Brasil.
Em direção ao Brasil
A Arbeiteschule, escola do trabalho, fazia parte das característi-
cas das “escolas novas”, como havia sido estabelecido em Calais,
França, no ano de 1919 (Lourenço Filho, 1978, pp. 162-165). En-
tre eles, a organização de trabalhos regulados manuais, durando
uma hora e meia, jardinagem, criação de pequenos animais; traba-
lhos livres para despertar o espírito inventivo; no que respeita ao
trabalho, o ensino passa a ser baseado na prática do trabalho ma-
nual. Os trabalhos individuais, coletivos, atendem tanto à forma-
ção intelectual, como à formação moral.
É certo que, neste sentido amplo, Kerschensteiner influenciaria
a educação brasileira nas suas linhas gerais, sobretudo após os anos
1930, quando a Escola Nova brasileira se faz conhecer em seu
Manifesto de 1932.
Dispensando um estudo comparativo, nos limites deste en-
saio, com outros educadores escolanovistas, temos que reconhe-
cer, Kerschensteiner não exerceu influências na mesma amplitude
que seu contemporâneo Dewey, nem teve ligado a seu nome, por
exemplo, escolas ou laboratórios, como Maria Montessori e Alfred
Binet, respectivamente.
E, contudo, podemos identificar com mais precisão alguns
momentos em que se nota pontualmente sua influência, bem como
explica aspectos ligados à sua recepção no Brasil.
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COLEÇÃO EDUCADORES
a. Uma aplicação da metodologia no Brasil, em 1927
Em uma breve referência à experiência de aplicação da
metodologia de Kerschensteiner no Brasil, no começo do século
XX, remetemo-nos à criação, em 1926, da Associação Pelotense
da Educação, seção local da Associação Brasileira da Educação
(fundada no Rio de Janeiro, em 1924)
7
.
A reforma educacional de Pelotas foi realizada durante o go-
verno municipal de Augusto Simões Lopes (1924-1928) e, poste-
riormente, no governo de João Py Crespo (1929-1932). No go-
verno de Simões Lopes foi criada a Diretoria da Instrução Públi-
ca, além de outras medidas renovadoras como a criação da assis-
tência e inspeção médico-escolar e dentária e os Pelotões de Saúde
nas escolas, a instituição do Copo de Leite e das Caixas Escolares.
Havia, ainda, a preocupação com a educação física e moral, por
meio da ginástica pedagógica, da ginástica racional e do escotismo.
Afirmam Peres e Cardoso que as ações no campo educacional
“estavam em consonância com as discussões escolanovistas caracte-
rizadas como renovadoras e modernizadoras em franca ascensão em todo
o país. [...] A referência do processo de renovação pedagógica
pelotense, a partir de 30, é a reforma de Fernando de Azevedo no
Distrito Federal” (Peres; Cardoso, 2004, p. 97). Esse dado será con-
firmado logo mais, quando tratarmos da importância do sociólogo
brasileiro para a recepção de Kerschensteiner no Brasil.
A escola experimental “Grupo Escolar Joaquim Assumpção”
foi instalada em 1927, como um “laboratório para as demais escolas muni-
7
PERES e CARDOSO (2004) escreveram este artigo, que traz os resultados parciais da
investigação, O Movimento da Escola Nova e seus desdobramentos na Região Sul do Rio
Grande do Sul, desenvolvido junto ao Centro de Estudos Investigação em História da
Educação, Universidade Federal de Pelotas, destacando a criação do Grupo Escolar Joaquim
Assumpção. De acordo com as autoras, essa pesquisa indicou, desde o início, que no bojo
do movimento renovador nacional, uma das ações mais importantes em Pelotas, nos anos
20, Joaquim Luiz Osório, uma importante figura da política local, convocou uma Assembleia
em outubro de 1926 onde propôs a criação da Associação Pelotense da Educação, seção
local da Associação Brasileira da Educação, fundada no Rio de Janeiro, em 1924.
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ANTONIO GRAMSCI
cipais, o campo de experimentação, eram Decroly, Ferrière, Kercheinsteiner
e Vera Kovarsky” (Peres; Cardoso, 2004, p.104).
No relatório do intendente Augusto Simões, de 1928, pode-se ler
que, além do Grupo Escolar Joaquim Assumpção, foram criados o
Grupo Escolar Dª. Antônia e mais dez escolas entre a zona urbana e
a rural, com o objetivo de ampliar a ação renovadora da escola
8
.
Referindo-se às influências recebidas do reformador de Mu-
nique Georg Kercheinsteiner e de seu princípio do trabalho como
a atividade fundamental do homem e que, como tal, deve ser pos-
to no centro da educação infantil, Peres e Cardoso assim se mani-
festam: “Talvez isso explique, em parte, a grande importância que
alcançaram os trabalhos manuais na reforma educacional de Pelotas,
inclusive com as exposições culminando com a venda dos traba-
lhos produzidos pelos alunos” (Peres; Cardoso, 2004, p.105).
Posteriormente, a questão da renovação pedagógica ganha força
no ensino municipal com especial ênfase no Grupo Escolar Joa-
quim Assumpção, motivada principalmente pela visita de estudos
de Salis Goulart, assessor do novo Diretor da Instrução Pública
Simão Lopes Filho, em 1930, ao Distrito Federal, para “estudar na
capital da República o ensino primário, o qual concretiza a notável reforma do
sr. Fernando de Azevedo”. (Peres; Cardoso, 2004, p.103, Ver O Diário
Popular, 26 mai. 1931).
b. O ideário do escolanovismo – Fernando de Azevedo
No que tange às concepções gerais, referimo-nos à assimi-
lação da obra de Kerschensteiner pelo movimento escolanovista
brasileiro, que inclui em seu ideário pedagógico a relação educação
e trabalho. O grau de influência deste educador no Brasil estará,
8
Nota-se a implantação de novos programas de ensino comuns ao ideário escolanovista,
como a adoção de testes de medida de inteligência, dentre outras inovações propagadas
entusiasticamente neste período pelos jornais locais.
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COLEÇÃO EDUCADORES
consequentemente, dependente da influência que for atribuída ao
próprio escolanovismo no Brasil
9
.
Dado que o escolanovismo brasileiro apresenta tendências di-
versas no seu interior, um dos caminhos possíveis seria aprofundar
as análises da temática educação e trabalho no interior do Movimento
de 1932. No entanto, não adotaremos esse caminho. Em função
de seu trabalho sistemático e, até mesmo, da tentativa de empregar
a metodologia de Kerschensteiner no projeto político-educacional
brasileiro, restringimo-nos a apresentar a assimilação deste autor
por Fernando de Azevedo.
Sabe-se da importância deste sociólogo e intelectual reformador
no processo de transformação da sociedade capitalista brasileira.
A este respeito, destacamos o estudo feito sobre o projeto políti-
co-educacional em Fernando de Azevedo (1920-1940) por Silva e
Noma (2008), no qual discutem a sua inserção no processo da
transição do modelo político-econômico agrário exportador para
um modelo de ordem industrial.
As autoras trazem o posicionamento de Fernando de Azeve-
do sobre o papel da educação nessa transição: uma reforma na
educação, do seu ponto de vista, teria o efeito de desencadear uma
reforma na sociedade em geral. Consideram que o surgimento
das classes trabalhadoras, ou seja, as novas características que as
classes dominadas assumiram no processo de transição, foi um
dos motores das formações ideológicas e dos ideais de democra-
9
Ver SAVIANI, D. Escola e democracia. 33. ed.Campinas: Autores Associados, 2000. pp.
7-11. Estamos cientes da leitura que reconhece no Movimento da Escola Nova a incapa-
cidade de alterar o panorama organizacional dos sistemas escolares. Ademais, sua
organização na forma de escolas experimentais ou como núcleos muito bem equipados
ficou circunscrita a pequenos grupos de elite. Por outro lado, o ideário deste Movimento,
amplamente difundido, chegou a exercer grande influência entre os educadores. Por
consequência, “acabou por rebaixar o nível de ensino destinado às camadas populares,
as quais, muito frequentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento
elaborado. Em contrapartida, a ‘Escola Nova’ aprimorou a qualidade do ensino destinado
às elites” (p.10). As consequências do Movimento contrariam, ao menos em princípio, o
projeto cívico e nacionalista de Kerschensteiner.
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50
ANTONIO GRAMSCI
cia e progresso defendidos pelos intelectuais escolanovistas, em
particular por esse sociólogo (Silva; Noma, 2008, p. 3).
Referindo-se especificamente ao projeto político educacional,
lembram elas que a ideia de circulação das elites foi cara ao soció-
logo. A partir de sua crença no poder da ciência, seu projeto pau-
tava-se na preparação das elites, na educação popular e na sociali-
zação da escola. Para ele, existia uma relação direta entre a demo-
cratização da escola e a democratização da sociedade, que seria
provocada pela educação. Tratava-se, assim, de formar elites pelas
universidades, “preparando os mais aptos” “para conduzir as
massas.” (Silva; Noma, 2008, p. 11).
Com efeito, seu projeto de educação popular deveria promo-
ver uma adaptação ao meio social, utilizando o princípio da escola
ativa. É neste ponto que a sua perspectiva alinhava-se mais à pers-
pectiva de Kercheinsteiner. Como afirma o próprio Azevedo, “a
escola do trabalho é a escola em que a atividade é aproveitada
como instrumento ou meio de educação. Nada se aprende, senão
fazendo; trabalhando. Além de aproveitar a atividade como um
meio de ensinar, além de fazer trabalhar para ‘aprender’ (ensinar
pelo trabalho), ensina a trabalhar, procura despertar e desenvolver
o hábito e a técnica geral do trabalho. (Azevedo, s.d., p. 73, apud
Silva; Noma, 2008, p. 123, nota 4).
É significativo notar que seu projeto de escola, pensada nos
moldes escolanovistas, fundamentava-se nos ideais
kerschensteinerianos: trabalho em cooperação, escola-comunida-
de ou a escola socializada. A aplicação dos princípios da escola do
trabalho visava, entre outras coisas, como afirmava na sua obra
Novos caminhos e novos fins; à nova política de educação no Brasil, “a
formação do sentido social, do sentido da comunidade [...] a solu-
ção, pela escola, de um dos mais graves problemas das sociedades
modernas: a harmonia entre as classes” (Azevedo, s.d., pp. 84-85;
Silva; Noma, 2008, p. 13).
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COLEÇÃO EDUCADORES
Em busca de encontrar saída para as questões postas pela nova
configuração social resultante da desintegração da economia agrá-
rio-exportadora, Fernando Azevedo “elaborou seu projeto políti-
co-educacional, recorrendo a doutrinas filosóficas e científicas para
justificá-lo e lhe dar legitimidade [...] o arcabouço teórico-prático de
escolanovistas como Dewey, Kercheinsteiner, Pestalozzi, Decroly,
mas também de outros sistemas explicativos como os de Durkheim,
Pareto, Marx, entre outros” (Silva; Noma, 2008, p. 15).
Vamos encontrar também em Fernando de Azevedo um espí-
rito nacionalista, que se associa à sua concepção educacional elitista.
De fato, dirá na obra A educação e seus problemas “só os homens
superiores são capazes de se guiarem por princípios e por ideias
puras; o povo, em geral se conduz por interesses e por sentimen-
tos. [...] É preciso saber exaltar as forças do sentimento para que
os homens nos sigam, se quisermos dirigir os destinos da nação”
(Azevedo, 1948, p.152; Silva; Noma, 2008, p. 13).
Kerschensteiner atual
As escassas informações sobre Kerschensteiner no Brasil dei-
xam em aberto outras investigações que poderiam nos levar a uma
melhor compreensão dos impactos de sua teoria e de seus mode-
los sobre a educação brasileira.
A obra de Fernando de Azevedo acabou sendo uma fonte
importante para detectar os poucos indícios de sua influência en-
contrados no Brasil.
No entanto, a assimilação que Fernando de Azevedo faz da
obra de Kerschensteiner, não compromete necessariamente os
fundamentos da proposta do educador alemão. Por outro lado,
só um trabalho posterior de análise e estudos comparativos pode-
rá nos esclarecer o quanto da obra de Kerschensteiner está latente
na concepção educacional de Fernando de Azevedo. Quer dizer,
as similitudes entre Fernando de Azevedo e Georg Kerschensteiner,
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ANTONIO GRAMSCI
no que diz respeito a temas como o princípio moral, a reforma
educacional, a concepção antropológica, o nacionalismo, o papel
das instituições educacionais, podem revelar uma exacerbação por
parte do educador brasileiro ou então, apenas a tradução brasileira
da concepção educacional do pensador alemão.
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COLEÇÃO EDUCADORES
TEXTOS SELECIONADOS
Introdução
Para compor a antologia de Georg Kercheinsteiner, elegemos
três grandes eixos temáticos: Ensino, Formação de educadores e Escola
do trabalho: educação pela ação, sendo que os dois primeiros
correspondem, respectivamente, às obras Essência e valor do ensino
científico natural e A alma do educador e o problema da formação do professor.
Tendo em vista que essas duas obras apenas tangenciam a temática
do trabalho, entendemos que, em se tratando de Kerschensteiner, o
pedagogo da escola do trabalho, seria injustificável deixar de lado essa
questão que, vista hoje, com maior distanciamento, tem centralidade
no conjunto de sua vida e obra. Considerando ainda que a maior
parte de seus estudos está publicada em sua língua de origem, assim
como as obras de seus comentadores ou seguidores
10
e, consideran-
do ainda, o pequeno número de estudos do autor traduzidos para o
português, recorremos a estudiosos da História da Educação. Os quatro
compêndios escolhidos por nós foram elaborados por ilustres e res-
peitáveis historiadores, sendo um italiano, três franceses e um espa-
nhol. Trata-se, respectivamente, de História da Pedagogia, de Franco
Cambi; Pedagogia Geral pelo estudo das doutrinas pedagógicas, de J. Leif e G.
Rustin; História da Pedagogia, de Renê Hubert; e História Geral da Peda-
gogia, de Francisco Larroyo. Encontram-se nesses tomos inúmeras re-
ferências à Kerschensteiner, com informações e análises que consti-
tuem-se em um acervo significativo de sua contribuição pedagógica.
10
Até a data da publicação de estudo de Agustsson, La Doctrine d’éducation de G.
Kerschensteiner, 1936, não havia obras do autor traduzidas para o francês.
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ANTONIO GRAMSCI
Podemos afirmar, no entanto, que, das quatro obras, fez a dife-
rença para a nossa antologia a obra Pedagogia Geral pelo estudo das
doutrinas pedagógicas, de J. Leif e G. Rustin, traduzida por Luiz Da-
masco Penna e J. B. Damasco Penna, pelo fato de trazer a maior
parte de suas referências a Kerschensteiner, acompanhadas de ci-
tações de trechos de seus livros.
As obras de História da Educação por nós consultadas trazem
diferentes enfoques da vida e da obra de Kerschensteiner,
complementando a instigante análise que faz o historiador Hermann
Röhrs sobre o autor, no seu texto “Georg Kerschensteiner: um pioneiro
da educação popular”
11
.
Destaque-se, por fim, nesta justificativa, que a produção teóri-
co-prática do educador Kerschensteiner, no nosso modo de ver,
tem o mérito de articular o pensamento de estudiosos da educa-
ção do passado com as ideias de educadores de sua época, cuja
síntese é uma obra vigorosa que aponta para um novo modelo de
sociedade, o que procuramos demonstrar na seleção dos textos
que compõem a antologia.
Essência e valor do ensino científico-natural
1. Ensino
1.1 Propus-me a realizar a investigação que este livro encerra em
virtude de uma conferência que pronunciei, na Páscoa de Pentecos-
tes, convidado pela junta local, por ocasião da XXII Assembleia da
Associação para fomento do ensino matemático e científico-natural
de Munique. Trata-se da descoberta de valores. Todos nós conhe-
cemos as antigas contendas constantemente renovadas e nem sem-
pre retóricas – que se travaram a propósito da questão dos valores
espirituais não só no terreno da instrução primária, como em todos
11
A tradução do texto “Georg Kerschensteiner: um pioneiro da educação popular”, que faz
parte desta obra, foi realizada por Maria Leila Alves com a colaboração de Frank Roy
Cintra Ferreira.
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COLEÇÃO EDUCADORES
os domínios da cultura. Quanto menos segura é a incondicionalidade
ou a aplicação geral de um valor, quanto maior é o número de
estimações e fórmulas subjetivas por ele permitidas tanto mais
violento é o fragor da luta e menos se vislumbra a possibilidade de
uma paz final.
Por essa razão, proponho-me, no presente trabalho, tratar ex-
clusivamente dos valores necessários e de utilidade geral, já verifi-
cados pelo método crítico de investigação. Com esse objetivo, é
bem compreensível que tenha excluído de todo, em minhas consi-
derações, um grupo de valores: os valores do conhecimento. Um
dos sinais característicos da superficialidade de muitos dos nossos
doutos consiste em julgar as organizações de ensino de tal forma
que nunca se consideram satisfeitos em sua procura de massas de
conhecimentos. Essa superficialidade é bem patente nos planos de
ensino das nossas escolas e, justamente porque cada representante
na ciência assegura que o aluno deverá possuir “alguns conheci-
mentos” da matéria por ele ensinada, é que se pretende chegar a
ser um homem “instruído”. Não me é possível dizer até que ponto
detesto esse grito de combate, pois nele reside a causa da impossi-
bilidade em que nos encontramos de desenvolver os verdadeiros
valores do ensino (pp. 5-6).
1.2 [...] Existem ou não valores verdadeiros, valores gerais e
necessários, valores absolutos? Em minha opinião, existem. Acho,
por exemplo, que “pensar” é um desses valores. Cogito, ergo sum. Era
esse o ponto de partida da filosofia cartesiana. Não me foi possível
comprovar, no presente trabalho, afirmação de que se trata de um
valor absoluto, mas parto, tacitamente, da evidência desse valor.
Se é certo que o pensamento não é apenas um valor absoluto,
mas, antes, um valor bastante absoluto e elevado nesse caso, não
há dúvida de que deverão ser cultivados com maior atenção todos
os setores do ensino que mais poderosamente possam desenvol-
ver no aluno essa capacidade de pensar e mais diretamente contri-
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ANTONIO GRAMSCI
buam para a educação intelectual ou, usando da antiga expressão,
para a instrução formal.
Objetar-se-á, é certo, que não é preciso nenhum livro novo para
demonstrar o extraordinário valor das ciências naturais para a ins-
trução formal. Mas, se assim fosse, eu não teria resolvido escrever o
presente livro. A prova palpável de que tal não sucede está na cir-
cunstância de que, ainda hoje, os mais eminentes filólogos clássicos
reclamam, especialmente para o seu setor didático, uma instrução
perfeita do processo lógico de pensar. Essa exigência não pode ser
negada pelo simples fato de não ser conhecida. Semelhante luta não
pode ser decidida sentimentalmente: exige uma investigação científi-
ca rigorosa sobre a essência do ensino filológico e do científico na-
tural, ou de outro qualquer. Se essa investigação tivesse sido feita,
não haveria razão para continuar a luta clamorosa que se trava entre
a filologia e as ciências naturais, ao menos no que se refere ao pro-
cesso lógico de pensar, e para permanecerem nessa situação certos
homens que afirmam ter aprendido a discutir (pp. 6-7).
1.3 Se bem que a presente investigação aspire a pôr termo à luta
[entre a filologia e as ciências naturais], não pode deixar, naturalmen-
te, de considerar outros valores, aos quais não quero referir-me no
prólogo. Questão muito diversa é a de saber se tais valores apare-
cem no ensino público. É evidente que nem sempre isso acontece e
é por isso que um dos objetivos deste trabalho seria também inves-
tigar as causas de tal fato. Quero, pois, distinguir dois grupos de
causas: as que se referem ao objeto da educação – o educando, e as
que dizem respeito ao meio educativo – o ensino. Não trato, con-
tudo [...] do terceiro grupo principal – o próprio educador, o pro-
fessor de escola pública (p. 7).
1.4 [...] Em toda crítica, esquece-se uma coisa muito importante,
a saber: que nenhuma classe escolar se compõe de um conjunto de
alunos igualmente interessados e que, justamente nas classes inferio-
res, está longe de haver um interesse manifesto por certos setores de
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COLEÇÃO EDUCADORES
ensino que constituem parte essencial do programa do estabeleci-
mento. Se dispuséssemos de um núcleo de alunos igualmente esti-
mulados por interesses intelectuais positivos, muitas qualidades pes-
soais do professor desempenhariam um papel extremamente restri-
to. Talvez lhe bastasse, então, atuar como uma espécie de máquina
auxiliar aplicada à ciência que se devesse estudar e que oferecesse, já
preparada, a matéria prima a ser manipulada pelo aluno. Observa-
mos, com frequência, no ensino universitário, que um professor fas-
tidioso, pedante, cheio de todos os defeitos imagináveis, mas severo
e metódico em seu mister e que explique em um centro especial:
concorrido por indivíduos interessados por determinado estudo,
consegue interessar os alunos de forma satisfatória. Isso, porém,
está longe de suceder nas escolas secundárias, e ainda menos nas
primárias. Estas escolas exigem professores que não só dominem a
matéria e não sejam meros gramofones técnicos, mas requerem,
também, homens decididos, vivos, ardentes, verdadeiros artistas
capazes de aproveitar o momento propício para o ensino, educa-
dores que saibam cativar o aluno mesmo quando este dá mostras de
indiferença ou desatenção pela matéria.
Costuma-se dizer que, entre os professores de filologia, exis-
tem muitos que não dão nenhuma importância a essa condição,
transformando-se em coveiros da brilhante organização dos giná-
sios humanistas. Mas, esperemos! Quando esses ginásios caírem
por terra, tanto pela pressão dos seus inimigos como pela falta de
energia dos seus amigos e partidários, e quando todos os estabele-
cimentos adquirirem uma orientação francamente realista – como
é, por exemplo, o caso da Suíça – então, como o desaparecimento
do ginásio não tenha afastado as causas do fracasso, vergastarão as
Erimias com maior furor ainda, ou, pelo menos, com a mesma
obstinação, atacarão os centros realistas até que os seus professo-
res desapareçam como os do ginásio humanista e das suas ruínas
se levantem novas instituições. Esse espetáculo irá se repetindo in-
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ANTONIO GRAMSCI
definidamente, até que os homens se tornem inteligentes e acabem
compreendendo que nem certa dose de ciência nem o pensamen-
to e o saber científico os capacitam como professores das escolas
elementares, e que a qualificação de verdadeiros mestres não pode
ser adquirida mediante um simples exame que atenda exclusiva-
mente à mentalidade do candidato, mas, também, ao seu coração
e a outras vísceras. As nossas universidades precisarão, então, de
outras instituições muito diversas das que hoje possuem para a
preparação do magistério superior e deixarão de manifestar o seu
soberbo desprezo por tudo quanto se chama pedagogia.
Não sei se na Alemanha chegará esse dia. Os Departamentos de
Educação, que constituem, hoje, uma parte integrante das melhores
e mais antigas universidades norte-americanas, precisarão ensinar ainda
alguma coisa aos nossos Ministérios de Instrução e às nossas facul-
dades. É verdade, por outro lado, que nunca se conseguirá resolver
esse núcleo de questões de forma totalmente satisfatória. A perfeita
aptidão do mestre (não aptidão para ensinar) é tão frequente e tão
rara como qualquer outra capacidade artística. Poderíamos, porém,
ir tão longe que as instituições encarregadas de fornecer à sociedade
os professores e educadores não deixariam ao acaso, como até ago-
ra acontece, a possibilidade do candidato possuir, além da necessá-
ria capacidade científica, as indispensáveis qualidades humanas para
tornar-se educador e mestre.
Por outro lado, desejo que este livro encontre maior número de
leitores críticos do que de adeptos. Renuncio, de bom grado, a toda
simpatia que não seja precedida de crítica. Já se falou demais dos
valores instrutivos para que nos preocupemos em voltar de novo
aos juízos de simpatia e sentimento. Nunca chegaremos a converter
os charlatães da instrução: em compensação, os que encaram seria-
mente os problemas da educação – problemas tão importantes como
a construção de aeroplanos e de encouraçados... (pp. 7-9).
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COLEÇÃO EDUCADORES
1.5. A nova edição desta obra, que há mais de dois anos se
esgotara, não me encontra disposto a sanar as grandes falhas que
encerra na opinião de diversos críticos, pelo fato de ter estudado e
destacado a essência e o valor do ensino científico natural na ins-
trução “formal” do espírito, que dimana daquele ensino.
Na Schweizerische Pädagogische Wochenschrift, manifesta D.
A. F. que, acima da educação formal, se acha o conteúdo de cada
setor de estudos como supremo valor instrutivo. Meu
respeitabilíssimo colega H. Wieleitner afirma que apenas falo dos
valores do conhecimento, e “não quero saber deles e que, para os
que desejam adquirir certa orientação geral (do conjunto das ciên-
cias naturais), só encontro palavras duras”. Ainda um terceiro, o
Dr. A. Müller-Bonn afirma que não esclareci suficientemente os
valores específicos do ensino científico natural; que minhas aspira-
ções se deixaram influenciar de modo notável pelo exercício cien-
tífico das Ciências naturais das Universidades, e que se adaptam
melhor ao trabalho espiritual do que ao sentido da vida.
Na Physikalische Schrift, assinala o articulista, Sr. Behrendsen, que o
temor à “epidemia de enciclopedismo” me levou a tal extremo, que
me atrevo a “negar a utilidade de adquirir conhecimentos positivos”.
Poderia, ainda, aumentar esta série de exemplos, porém tais
afirmações não me afetam e não me conduzem, também, a mo-
dificar a parte essencial da obra (pp. 13-14).
1.6 As instituições que denominamos “escolas” são consequências
do processo da divisão do trabalho que impera em todas as evolu-
ções orgânicas. Devem, em geral, a sua origem ao propósito de
subministrar à geração que se forma certo número de conhecimen-
tos e hábitos, em especial a leitura, a escrita e o cálculo, que nem a
família nem o lar estão em condições de transmitir à criança. No
começo a sua missão era exclusivamente didática. Na Grécia antiga,
como no antigo Egito, estas necessidades elementares de conheci-
mentos e habilidades eram satisfeitas por mestres particulares que,
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para tal fim, armavam suas tendas nas praças dos mercados ou em
ruas públicas. A verdadeira educação continuou sendo assunto do
lar ou, como em Esparta, graças a determinadas instituições nacio-
nais, os pais ficaram desincumbidos de proporcioná-la. Os pedagogos
ou guias dos meninos eram escravos que não podiam ser utilizados
em nenhum outro trabalho que não fosse o de atender, em suma,
aos exercícios de leitura e escrita que os meninos executavam.
Com o desenvolvimento da cultura, as escolas tiveram de en-
carregar-se igualmente de certos fins educativos. Ainda em pleno
século XVIII, na Alemanha, era muito pouco o que se pensava dar,
como finalidade educativa aos ensinos escolares, excetuada a instru-
ção religiosa, ou indicar-lhes como eficácia educativa. Por fim, ao
cobrar força à tendência realista da escola alemã, à tendência
humanista, que em forma de neo-humanismo empreendeu luta contra
o realismo, chegou a compreender claramente o valor educativo de
suas instituições de ensino, acentuando antes de tudo o valor do
ensino do latim e do grego como uma incomparável ginástica inte-
lectual, que tornava os alunos cada vez mais destros e seguros no
uso e domínio do pensamento. Da antiga escola de latim, surgiu o
ginásio moderno (pp. 17-18).
1.7 Nos princípios do século XIX, concebeu Herbart a expres-
são de “instrução educativa”. Em sua introdução à Pedagogia Geral,
publicada pela primeira vez em 1806, diz ele: “Devo declarar, quanto
a este ponto, que não posso conceber educação sem instrução, assim
como inversamente [...] não reconheço instrução alguma que não
eduque. As habilidades e destrezas que um jovem chegue a adquirir,
sem finalidade ulterior, de um mestre escola, são para o educador
tão indiferentes como a cor que possa escolher para o seu traje. O
que, sobretudo, preocupa o educador é a forma pela qual o aluno
estabelece seus círculos de ideias, já que estas dão lugar a sentimentos,
e daí se deduzem princípios e maneiras de agir.
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Logo se compreende o fim a que Herbart visa com a sua ins-
trução “educativa”: a perfeição do círculo de ideias. Não presta
atenção aos valores educativos que fazem parte de cada verdadeira
ocupação, de todo trabalho intelectual em determinado setor cien-
tífico isolado, ou de cada trabalho corporal com certa técnica, quando
a posição espiritual do trabalhador tem como único alvo a máxima
perfeição da obra. Seu propósito era dar ao ensino uma forma tão
geral que, por meio do círculo fechado de ideias que produzia,
obtivesse um influxo permanente no desejo e, portanto, na ação do
educando, conseguindo assim que a vontade do educando tendesse
para a moral por meio daquele círculo de ideias. Sobre isto, o autor
insiste: [...] “Precisamente isto me incita a afirmar de novo que só se
chega a dominar a educação quando se logra estabelecer na alma
do menino um amplo círculo de ideias cujas partes permaneçam
intimamente enlaçadas e possam sobrepor-se aos elementos desfa-
voráveis do meio ambiente, a fim de aproveitar-se dos favoráveis e
incorporá-los”. Ainda o formula mais rigorosamente no livro III,
quando diz: “Quem deseja desenvolver por si mesmo as reflexões
precedentes (quer dizer, as relativas ao influxo do círculo de ideias
sobre o caráter) chegará forçosamente a convencer-se de que a
parte mais essencial da educação é a formação do círculo das ideias”.
É sabido que este equívoco do ponto de vista de Herbart é uma
consequência necessária da sua psicologia, que não se limita a deter-
minar a vontade por meio de representações e ideias, mas que a faz
proceder delas, assentando todo o querer em conjuntos de ideias e
desenvolvendo-se sobre estas (pp. 18-19).
1.8 É bem conhecida, igualmente, a série de opiniões especiais
a que deu lugar esta interpretação da “instituição educativa” de
Herbart, na organização do ensino, por seus discípulos Stoy, Zilier,
Rein, Ziflig e outros, durante o século XIX, sobretudo no terreno
da instrução primária. Para engendrar tal círculo fechado de ideias,
romperam a unidade natural nele encerrada, que formavam os
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setores de ensino, e adaptaram os fragmentos isolados ao curso
natural de uma parte isolada do dito ensino, isto é, da parte ou
setor que devia constituir o núcleo do círculo fechado de ideias, o
ensino da Religião e da História, e deram a este ensino central –
que devia proporcionar o máximo de sentimento e pelo qual de-
via pautar-se toda a ação – o nome de educação do espírito.
Talvez isso não fosse perigoso nos graus inferiores e médios
da escola primária, se não fosse levado ao exagero. Mas, logo que
o ensino, nas classes superiores, tenha de ser dividido em “matéri-
as” que possuam uma estrutura espiritual fechada, como a Geo-
metria, a Geografia, a Zoologia, a Botânica, a Física, pode a maté-
ria central de ensino, que se desenvolve de conformidade com
uma evolução genética, com suas massas de ideias ordenadas me-
todicamente, conduzir a uma ação educadora da sua estrutura es-
piritual. Desta sorte, os setores do ensino que foram desagrega-
dos, para formar com os fragmentos a matéria central, ficarão
despojados de seus valores instrutivos mais essenciais.
Este movimento não teve acolhida nas escolas superiores, apesar
da posição espiritual dos alunos de suas quatro classes inferiores se-
rem a mesma que a das quatro classes superiores da escola primária.
No primeiro momento, não possuiu o Ginásio humanista ne-
nhum círculo fechado de ideias no conceito herbartiano, oferecen-
do, em compensação, um setor fechado e de certo modo unitário
nas Literaturas grega e latina e na História da Antiguidade clássica.
Pelo menos nessa escola, não se havia manifestado a necessidade
da unificação do plano de ensino. Em compensação, aparecia cada
vez mais poderosamente a tendência oposta, consistindo em in-
cluir as atuais matérias de ensino, juntamente com as do passado,
dentro da antiga escola. Onde, porém, mais se apresentava a ne-
cessidade da unificação era – e ainda o é no momento atual – no
Ginásio Real e na Escola Real Superior; aí um interesse muito dis-
tinto do pedagógico agitava as mentes: a luta pela igualdade de
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direitos. De modo indireto, em consequência de tal luta, os que
disputavam se viram obrigados não só a colocar no prato da ba-
lança as suas aspirações, mas, também, a considerar e demonstrar,
com mais ou menos felicidade, a equivalência da ação puramente
educadora das línguas modernas e das ciências naturais com a das
línguas mortas. Isto acontecia com tais mostras de exaltação e de
ardente fantasia que nenhuma só das matérias de ensino, que tives-
se conquistado ou pudesse conquistar um posto nas instituições de
ensino realista, deveria ficar postergada com relação às demais
quanto a seus valores educativos e instrutivos; chegou-se até ao
extremo de conceder ao desenho exatamente o mesmo valor para
a educação intelectual e moral que o dos estudos das Literaturas
grega e romana e, finalmente, no Congresso celebrado em Lon-
dres, no ano de 1908, para o ensino do desenho e da arte, alguns
dos seus paladinos assinalaram o desenho como uma raiz da for-
mação do espírito e do caráter.
Os efeitos desta nobre luta não foram satisfatórios de maneira
nenhuma. Em momento algum daquela discussão se chegou a tra-
tar da conexão hermética daquele círculo de ideias. Que importa-
va aos representantes de uma matéria o que se referia às demais?
Para que haveria de preocupar-se com isso, por outro lado, se
lograria tudo com a matéria de sua preferência? Desta forma, os
planos de ensino das instituições realistas foram tornando-se mais
vastos e incoerentes, acomodados de pretensões quanto à quanti-
dade de matérias e tempos de ensino, cada vez mais abastardados
e, como já tive ensejo de dizer em outra ocasião, comparáveis a
um cão que mostrasse as características das raças mais diversas em
vez de parecer-se com um cavalo de raça que estivesse disposto a
levar-nos com segurança através da vida (pp. 20-22).
1.9 Extinguiu-se a luta empreendida pela igualdade de direi-
tos, terminando com o triunfo das duas novas espécies de escolas.
Mas, para que esta vitória represente um verdadeiro triunfo da
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cultura e não somente das ambições de escola, a igualdade de di-
reitos deverá apoiar-se não só no brilho da lei, mas, também, à
verdadeira equivalência destas escolas com o antigo ginásio
humanista; além disso, cumpre investigar antes de tudo, funda-
mentalmente, se o estudo das Ciências naturais e das línguas mo-
dernas tem um valor igual ou que se aproxime do das línguas
mortas. Se o resultado desta investigação for positivo, ficarão sem
resolver outras questões como, por exemplo, a forma por que
estas escolas terão de se organizar, a fim de alcançarem seu com-
pleto desenvolvimento não só os valores instrutivos deste setor
científico como, também, os valores educativos; essencialíssimo é
o problema de como se organizar nas ditas escolas os planos de
ensino, para que não tenham a aparência da palheta de um princi-
piante e, sim, melhor se assemelhem à pintura de um mestre, isto é,
não proporcionem os conhecimentos desordenados com que se
adorna hoje o escolar, mas busquem o caminho para a formação
efetiva do aluno, dentro de um setor fechado e por meio do tra-
balho, tal como se consegue atualmente no Ginásio humanista,
quando guiado por um seguro critério.
Neste ponto, sim, acho-me completamente de acordo com
Herbart: a instrução geral há de pôr-se ao serviço da formação do
caráter. O afã de acumular conhecimentos, obrigando a tão dura
luta as nossas escolas superiores reais, não proporciona nem uma
educação intelectual nem uma educação moral. Já o sabia Heráclito,
quando disse: Polymathie noon oy dídaskei !
A diferença que me separa dele e, também, de seus discípulos
está em que a educação da vontade não é consequência do círculo
de ideias acabadas, mas, antes, do trabalho inerente à aquisição do
círculo fechado de ideias; que este não gera a vontade e, sim, lhe dá
uma direção e a determina; que a mesma vontade determinada
não exige o desenvolvimento de uma ação correspondente e, fi-
nalmente e antes de tudo, não se pode obrigar ninguém a aceitar
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uma finalidade ulterior, perfeitamente determinada, para um setor
de ensino ou para um ensino geral, mas, pelo contrário, cada setor
de ensino tem em si valores educativos particulares cujo desenvol-
vimento é a suprema missão da escola. Dirigir intencionalmente
uma disciplina para um dos seus valores não imanentes é coisa
totalmente diversa de facilitar a possibilidade de se tornarem efica-
zes seus valores substanciais e genuínos. Por outro lado, posto que
Herbart nunca falasse dos valores educativos imanentes de cada
um dos diversos ramos de ensino, estava longe de forçar as disci-
plinas ao leito de Procusto da instrução intelectual para extrair de-
las valores educativos. Cabe exclusivamente esta “glória” a seus
continuadores, já que Herbart nada disse a respeito. Nem em sua
Pedagogia geral, derivada do fim da educação, que publicou no ano de
1806, nem em seu livro Bosquejo de lições pedagógicas, dos anos de
1835 e 1841, chegou a propor, de modo algum, uma concentra-
ção tão decisiva do ensino como o intentam os herbartianos. Na
terceira parte da última obra mencionada, cujos primeiros pará-
grafos são dedicados exclusivamente a expor observações peda-
gógicas referentes ao emprego de matérias especiais de ensino,
entre as quais inclui Religião, História, Matemáticas, Ciências na-
turais, Geografia, Linguagem, Grego e Latim, ele nos dá instruções
essenciais para manejar metodicamente, do melhor modo pos-
sível, cada uma das diversas matérias. Somente observa, a respeito
da Geografia, que, como ciência associativa, deve ser aproveitada
para criar a união entre diversos conhecimentos que não devem
manter-se desligados (ao que está fadada por sua própria natureza,
segundo minha opinião) (pp. 22-24).
1.10 Nem sequer em seu escrito Ideia de um plano pedagógico de
ensino para as escolas elementares, do ano de 1801, que, de resto, aparece
debaixo da influência de sua mesquinha experiência como professor
particular, fala em desmembrar o conjunto de matérias correspon-
dente a uma disciplina com o fim de colocar o ensino ao serviço da
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ANTONIO GRAMSCI
educação do caráter. Muito pelo contrário; [...] expressa claramente
e distintamente uma nova sugestão: “Da mesma forma que os dife-
rentes estudos que a Literatura antiga alcança representam um con-
junto cujo centro é o interesse do homem, assim também os conhe-
cimentos naturais (acerca dos quais opina carecerem de uma integri-
dade enciclopédica, o que mais adiante poderemos demonstrar que
é uma necessidade imprescindível) devem ordenar-se entre si, em
um conjunto análogo, para fundamentar o interesse pela natureza,
com o que se acha em relação íntima o interesse pelas Matemáticas”.
O que nos fins do século XIX me animou à luta contra os
“herbartianos” foi o fato de não terem visto, desprezarem ou não
reconhecerem de maneira alguma os valores educativos imanentes a
cada setor de ensino (exceto os que denominavam matérias de
ideação), julgando-os inaplicáveis aos alunos de 6 a 14 anos de idade
e preferindo conduzir os escolares a cada um dos valores de ensino,
mediante o completo desmembramento das unidades naturais psi-
cológicas e lógicas. Especialmente compreendi, então, o perigo
imanente que corriam os valores educativos do ensino científico na-
tural, tão conhecidos da minha longa experiência (pp. 24-25).
1.11 [...] Meu propósito, enfim, é demonstrar, baseado em
algumas investigações teóricas suficientes, que o ensino científico-
natural possui valores que, em parte, são comuns a ele e a outras
disciplinas, ou lhe pertencem de modo exclusivo, e analisar, além
disso, as condições sob as quais se manifestam, só e exclusivamente,
estes valores educativos.
Não julgamos necessário insistir em que nunca se fala de “va-
lores educativos” de uma matéria de ensino isolada, com exceção
do denominado valor instrutivo formal das Matemáticas, da Filo-
sofia e das línguas mortas, que, como indicamos, achou aceitação
nas escolas elementares alemãs desde os tempos do neo-humanismo.
Do valor educativo das Ciências naturais não se falou até o sex-
to decênio do século passado. Quando, graças ao progresso do
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COLEÇÃO EDUCADORES
realismo, incluíram-se as Ciências naturais no plano de ensino das
escolas elementares, a primeira consequência a que este fato deu lu-
gar foi que se colocasse em primeiro lugar o princípio de utilidade.
[...] A febre enciclopédica de todos os planos de ensino que
oferecem às escolas secundárias de nove graus e que prevalece,
ainda em grande número, das primárias, mostra, não menos
eloquentemente, a elevada temperatura dos tempos passados; o
que ninguém poderá pretender é que os doutores das escolas se-
cundárias tenham tratado de fazê-las desaparecer. Enquanto tal
febre persistir, nunca será possível que as Ciências naturais pro-
curem competir com a instrução lógica, fato que se produz no
estudo das línguas mortas. Eis uma grande verdade: jamais che-
garão a ser capazes de desenvolver profundos valores do conhe-
cimento – nem sequer os valores educativos ulteriores – que são
precisamente peculiares ao cultivo das ciências naturais.
É uma antiga crença, mantida obstinadamente em nossos dias,
que não há instrumento mais adequado para a instrução formal, em
nossas escolas secundárias, do que o estudo das línguas mortas, La-
tim e Grego. Como indubitavelmente a instrução formal ou – o que
neste caso especial é mais evidente – a educação do pensamento
lógico é e será em todos os tempos a finalidade essencial, não das
escolas secundárias com grande organização educativa, mas do en-
sino secundário como parte principal dessa organização, seria im-
procedente, caso isso se demonstrasse, ir pondo fora de uso tal
instrumento. O que deduzi até agora, como prova dessa afirmação,
pelos textos didáticos para as escolas secundárias e as assembleias
dos filólogos, me proporcionou pouca força convincente. Tam-
bém não quero ocultar que as opiniões contrárias ao valor instrutivo
formal das ciências naturais carecem de suficiente fundamento. Leia-
-se o que dizem Waítz, Paulsen, Wiilmann ou qualquer outro didata
sobre o valor e a importância que o Latim, o Grego, as Matemáticas
e as Ciências naturais têm para o ensino; aí se encontrarão, sem dú-
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ANTONIO GRAMSCI
vida, interessantes opiniões, mas, em grande número de casos, uma
razão de menos que convença.
Se atendermos à essência destas ciências em si, prescindindo de
sua aplicação como meio didático nas escolas para alunos de ambos
os sexos, e de 10 a 19 anos de idade, poderemos estabelecer imedia-
tamente a afirmação seguinte: quanto mais rigorosa for uma ciência,
mais rígida será a disciplina exigida, no espírito e no caráter, de quem
quer estudá-la. Se esta disciplina intelectual e moral não se mostra de
forma semelhante em todas as atividades do investigador, isso se deve
a outras qualidades da complexa natureza humana. Foi, sem dúvida,
esta ideia que moveu os antigos gregos a dar um lugar tão proemi-
nente às Matemáticas, à Filosofia e, sobretudo, à Lógica, em seus pla-
nos educativos. Como, então, não se falava de línguas mortas, nada se
diz contra o menosprezo delas como meio educativo, segundo tra-
tam de fazer ver os adversários do seu ensino. Motivo importante de
tal fenômeno foi a falta de uma valiosa literatura estrangeira no
florescimento do helenismo. A educação dos romanos pertencentes
às classes poderosas não se concebia sem o estudo da Língua e Litera-
tura gregas. Outra razão das mais importantes deveu ser que o conhe-
cimento do Grego e, muito mais tarde, o do Latim era suficiente para
percorrer todo o mundo conhecido na época (pp. 25-28).
1.12 Penetrar o espírito dos clássicos não obriga os alunos a se
submeterem a uma disciplina intelectual menor do que o
aprofundar o “espírito na Natureza”. Quanto mais a fundo tratei
de investigar este problema, durante os últimos meses, tanto mais
adquiri a convicção de que todo ensino científico-natural requer
uma ampla transformação, se se pretende proporcionar com ele a
mesma infinita quantidade de motivos de exercício para a instru-
ção lógica que a dos que derivam da tradução direta e inversa de
um idioma, pelo menos de uma das duas antigas línguas clássicas.
Isto não se origina da essência das Ciências naturais, segundo
podemos ver logo, mas do processo incompleto que se segue no
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COLEÇÃO EDUCADORES
ensino dessas ciências, do tempo insuficiente que se lhes dispensa
no presente, do seu decantado processo enciclopédico e, por ou-
tro lado, também, da necessidade do exercício indutivo, que tanto
tempo consome na iniciação às diversas leis naturais.
Permitimo-nos fazer esta asseveração com tanto mais razão
quanto ao ensino científico-natural correspondem outros valores
educativos muito importantes, aos quais não pode aspirar nenhu-
ma outra disciplina. Apesar do que muito e tão obstinadamente se
ignora, cada matéria de ensino possui não só seus valores
cognoscitivos, como, também, seus especiais valores educativos.
Sobre os valores especiais do conhecimento, a humanidade ad-
quire facilmente uma ideia clara: acham-se amplamente desenro-
lados ante nossos olhos, no sistema de instituições, representações e
conceitos da ciência correspondente. O único erro susceptível neste
sentido é o de que, de maneira muito notável, se confunde o conhe-
cimento com as simples ideias ou noções. A excessiva sobrecarga de
matérias em nossas escolas é uma consequência desta fatal confusão.
O que se conhece tem sempre um valor, porque sua aquisição está
ligada a um trabalho intelectual intenso. As simples noções, pelo
contrário, que às vezes são aprendidas sem trabalho graças a uma
memória feliz, podem carecer de valor e até algumas vezes não
compensam sequer o tempo empregado em adquiri-las. Se, de for-
ma análoga e a respeito dos valores de conhecimento e compre-
ensão, se têm acendido entre os mestres as lutas mais violentas, no
discutir a maior ou menor importância que esses valores encerram
para a futura vida moral e prática do aluno, temos de procurar o
ponto de partida e o fundamento destas posições na concepção que
da vida e do universo possuem os contendores. Nunca se chegará a
gozar de paz eterna neste terreno, sempre que se ventile o problema
da ordenação subjetiva dos valores. Tanto Thomaz Huxley, em seus
ensaios sobre Science and Education, como Herbert Spencer, em seu
livro Education, tentaram repetidamente a ordenação objetiva desses
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valores do conhecimento, para estabelecerem, assim, a gradação das
matérias de ensino. Em minha opinião, tais esforços resultarão inú-
teis enquanto for diversa a compreensão do sentido e valor da vida
intelectual, assim como da vida coletiva (pp. 29-31).
1.13 Para que o ensino científico natural suscite valores
educativos, terá de ser precedido de certas condições que foram
demasiadamente descuradas durante longo tempo. Nos últimos
anos, a atenção se tem dirigido cada vez mais para esses valores.
No ensino, à parte a matéria própria do mesmo, é preciso que
existam quatro coisas: educando, mestre, método e instituições. É,
pois, aí que tais condições devem ser procuradas.
Acha-se, entretanto, muito difundida a crença de que o Latim
e o Grego representam, para todos os alunos que se inclinam para
as profissões intelectuais, uma excelente escolha do pensamento
lógico. Mas, com isto, atende-se unicamente ao objeto do ensino e
não ao assunto; considera-se exclusivamente o instrumento e não
o material. E, coisa estranha: quando o material não reage sobre o
instrumento, não é este o que se considera imprestável, mas aquele.
Os detentores absolutos da lógica depreciam a norma fundamen-
tal desta ciência, isto é, a lei da razão suficiente, e, ao suprimi-la,
destroem também toda a vida ulterior da própria razão. Supondo
que o trabalho dedicado às línguas estrangeiras, segundo mostrei
anteriormente, possa desenvolver os mais elevados e importantes
valores instrutivos, é natural que o objeto da educação deva ser
adequado para isso ou, por outras palavras, que devam existir con-
dições naturais e interesse.
É muito notável, e cada vez mais se atente a isso, a necessidade
de que, para o bom resultado do ensino, exista um interesse instin-
tivo com raízes nas aptidões e necessidades naturais do educando.
Isto não tem a menor conexão com a crença de pensar que se
pode despertar, superficial e artificialmente, um verdadeiro e efe-
tivo interesse pelas línguas mortas em meninos e meninas de 10 a
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COLEÇÃO EDUCADORES
14 anos, aplicando métodos apropriados. Talvez não exista ne-
nhum outro setor de ensino que ofereça, sob este aspecto, maiores
dificuldades que as antigas línguas clássicas, quando, graças a uma
grande capacidade retentiva, não é fácil fazer nascer, dos primei-
ros bons resultados, certas inclinações para os estudos iniciais da
linguagem. O aluno dessa idade não tem, em geral, nenhuma ideia
do verdadeiro fim desses estudos, a não ser que se deixe prender
facilmente pela valiosa finalidade de tal ensino. Neste particular, as
condições mais favoráveis se dão nas línguas vivas, nas Ciências
naturais e mesmo na Aritmética e na Geometria. Só pode desper-
tar um interesse permanente aquilo que corresponde a uma neces-
sidade interior – não somente a um atrativo passageiro – e que, ou
é em si mesmo um bem para o qual nos sentimos impelidos ou se
nos apresenta como um meio necessário para consecução de uma
finalidade. Para a juventude normalmente dotada, é suficiente, muitas
vezes, o sentimento consciente do desenvolvimento e da capaci-
dade espiritual. Sob este ponto de vista, não se podem evitar ao
aluno os trabalhos que lhe sejam desagradáveis. Contanto que pos-
sam existir dentro de sua esfera de interesses e valores, ou ser tra-
zidos a ela, poderemos exigi-lo do aluno, com êxito. O triunfo
sobre a própria personalidade é um fim educativo tão importante
como a alegria que o trabalho proporciona.
É certo que se veem meninos e meninas que, já na idade de 10
a 14 anos, mostram condições e interesse pelas línguas, e certamente
só para elas; para esses, o Latim, o Grego ou o Francês supõe um
instrumento importante, conveniente à instrução lógica. Há outros
meninos que se interessam e manifestam dotes tanto para o estudo
das línguas como para o científico-natural; para eles, é indiferente a
escolha de instrumento. Existe, entretanto, um terceiro grupo: de
meninos e meninas que, na idade duvidosa, não manifestam ne-
nhum interesse pelas línguas, faltando-lhes, além disso, a necessária
capacidade retentiva, mas que oferecem dotes e inclinações mani-
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ANTONIO GRAMSCI
festas para as questões científico-naturais. Sua instrução lógica é
somente possível por meio do ensino científico natural. As bio-
grafias dos grandes investigadores proporcionam curiosos exem-
plos destes três tipos de manifestação, e as observações que a
cada momento temos oportunidade de experimentar, em nossas
escolas superiores, podem ensinar-nos, se o desejamos, quão ne-
cessário é que prestemos a máxima atenção a essas três formas
da capacidade individual. A primeira condição fundamental para
o desenvolvimento dos valores educativos das Ciências naturais
será, por conseguinte, dispor de alunos interessados e capazes
para estes estudos.
A segunda condição fundamental corresponde aos mestres. O
espírito e o método da investigação só poderão ser ensinados pe-
los mestres que possuam esse espírito. Seria pueril esperar grandes
resultados instrutivos dos mestres que, depois de passarem por
seus últimos exames, não mostrem interesse ulterior pela investiga-
ção pessoal autônoma.
Não posso imaginar que exista um mestre efetivo que possa
ensinar Zoologia, Botânica e Mineralogia sem se esforçar por co-
nhecer, cada vez mais detalhadamente, a fauna, a flora e a natureza
do terreno do povoado onde se acha instalada a escola, ou, então,
quando a extensão da cidade lhe crie, para isso, um grande inconve-
niente, realizar em miniatura sua quimera científico-natural. Quando,
há quarenta anos, encarreguei-me do ensino da Biologia no Ginásio
Gustavo Adolpho, da pequena cidade de Schwejnfurt, não deixava
passar nenhuma quarta-feira ou sábado, durante a primavera, verão
e outono, sem fazer alguma excursão botânica e, depois, faunística,
sozinho ou acompanhado pelos alunos ou com outros companhei-
ros. E quando, mais tarde, ao tomar a meu cargo outra empresa
análoga, as grandes distâncias e os terrenos cultivados e cercados me
impediam de satisfazer minha antiga predileção, foram pouco a pouco
enchendo-se os peitoris das minhas janelas com o cultivo de algas.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Ter-me-ia sido impossível viver sem praticar, em ponto pequeno,
uma modesta atividade investigadora. Mais difíceis são estas cir-
cunstâncias entre físicos e químicos; não obstante, o preparo de
demonstrações e de exercícios escolares oferece tal quantidade de
estímulos que só poderemos pensar na falta de espírito de investi-
gação, desse espírito que, com atividade febril, nos impele a formu-
lar continuamente novas perguntas, quando de tais excitações não
resulta uma pequena atividade investigadora, embora de natureza
teórica. O espírito de investigação não é senão o desejo inquieto, que
nos leva a introduzir mais ordem e sistema no mundo das próprias
ideias. Infelizmente, isso não pode ser ensinado; deve nascer das
necessidades íntimas de cada indivíduo e aparece logo que exista em
nós algum instinto para isso, especialmente quando permanecemos
durante muito tempo, como alunos, sob o influxo de um verda-
deiro investigador. Essa sede de compreensão do mundo que nos
rodeia, esse desejo de alcançar a própria clareza interna é, como
qualidade docente, muito mais precisa do que o conhecimento de
fatos, assim como é também um fim mais elevado de todo ensino
do que a simples acumulação de conhecimentos. O espírito de in-
vestigação não é, naturalmente, a única particularidade que faz do
homem um educador; mas não posso imaginar um professor de
Ciências naturais que não possua este espírito.
A terceira condição fundamental é proporcionada pelas instituições
e pelos métodos. Tal como hoje está organizado o ensino científico
natural em nossas escolas de nove graus, parece-me impossível que
estas possam desenvolver o máximo de seu valor educativo da for-
ma que é possível atualmente para o Latim e o Grego no antigo
Ginásio humanista bávaro. Digo expressamente no antigo Ginásio
bávaro, visto que as chamadas novas reformas estão paralisando len-
tamente, mas de forma segura, a potência educativa da antiga escola.
Não são os naturalistas os inimigos do Ginásio humanista, mas os
próprios filólogos. Não se suponha necessariamente imprescindível,
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ANTONIO GRAMSCI
para a formação do pensamento lógico, o ensino científico natural
ministrado no Ginásio humanista. Apenas deve ser tomado em con-
sideração neste ponto e para aquele fim. Mas, é necessário no Ginásio
realista e em alto grau na Escola realista superior. De certo modo, tem
sido esse ensino tomado em consideração nestes centros de cultura
realista, mas, em ambos os gêneros de escolas, podia e devia alcançar
muito maior eficácia educativa.
As razões da pouca eficácia do ensino científico-natural são
bem patentes. Pense-se na quantidade de tempo que se consagra,
em todas estas escolas, ao ensino de idiomas. A abundância de
tempo permite, por exemplo, que o Ginásio humanista mantenha
a iniciação nas regras gramaticais de Latim e Grego até ao segun-
do grau. Nos três últimos anos e, em parte, também nos dois
precedentes, o aluno pode seguir o caminho da descoberta, com
todas as consequências da satisfação do descobridor, na leitura e
tradução dos clássicos gregos e latinos. É um trabalho produtivo e
livre o que aí se estimula com todas as infinitas variedades da ativi-
dade lógica, que já descrevi e que não é o resultado apenas da
incomensurabilidade conceitual das palavras dos dois idiomas, mas,
também, da pura satisfação estética de haver achado na tradução
das ideias a perfeita expressão artística atrás do ajuste final de
todas as conclusões (pp.163-168).
1.14 Bem diversas são as circunstâncias no ensino científico
natural. A infinita variedade do mundo dos fenômenos que, no
curso da cultura humana, deu lugar às onze ciências – Física, Quí-
mica, Zoologia, Botânica, Anatomia, Fisiologia, Mineralogia, Geo-
logia, Paleontologia, Geografia Física e Astronomia – deve ser
aproximada à compreensão dos alunos. Isto, em si, já seria exces-
sivo, mesmo quando nos limitássemos aos valores de conheci-
mento destas disciplinas, e, para cada um destes objetos de ensino,
seria preciso dedicar duas horas semanalmente, quando poderiam
ser estudados de acordo com a relação que entre eles existe. Que
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COLEÇÃO EDUCADORES
extraordinária quantidade de leis e formas, mesmo quando se
realiza uma cuidadosa seleção. Pois bem: o ensino não pode ser
totalmente dogmático nestas leis e conceitos de formas, e, sim,
estabelecido por indução. Mas, para que este caminho, juntamente
com um escrupuloso exame, possa proporcionar uma instrução
lógica, terá de contar com material variado, realizar um exame
experimental variável e dispor de muito tempo (p.168).
1.15 Já sei que é este um juízo severo sobre as enérgicas e
meritórias aspirações em prol do fomento do ensino científico
natural, para o qual tendemos, na Alemanha, há trinta anos. Mas,
quanto mais atentamente sigo estas aspirações, tanto mais claro se
me revela o divórcio que existe entre o que se deseja e o que se
realiza. Enquanto se persistir em converter a teoria em prática,
sentar-se-á no trono o Moloch da “própria disciplina”, disposto a
devorar seus filhos. Enquanto, nas assembleias dos professores de
História natural, cada um exigir “duas horas no mínimo”, em to-
das as classes, para uma matéria, e enquanto nenhum renunciar, em
sua própria disciplina, à chamada visão de conjunto, todas essas
disciplinas não passarão de palavras e nenhum mestre terá direito
de queixar-se das autoridades escolares que estimulam quanto po-
dem estas tendências. Nos trabalhos referentes à questão do en-
sino científico natural nas escolas primárias superiores, lamenta M.
Verworn que “a preparação escolar dos alunos que abandonam o
Ginásio, em geral, não passe de uma instrução livresca, escolástica
e filológica”, e vê nisso a chave de todos os defeitos que se podem
observar no preparo do jovem médico.
[...] Não tenho base alguma para duvidar das observações des-
tes dois investigadores, embora saiba que justamente Helmholtz acei-
tava, de preferência, em seu laboratório, alunos da Great Public
Schools inglesa, e que, em sua época, se navegava no oceano das
antigas Grammar Schools, com práticas intensivas de Latim e Gre-
go. Chegariam a modificar-se em alguma coisa estas observações se
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as escolas primárias superiores percorressem todo o reino das Ciên-
cias Naturais com a velocidade de um trem rápido, em lugar de
obrigarem o aluno a caminhar passo a passo, lutando valentemente
com todos os incômodos de uma viagem a pé? Por outro lado, não
haverá o perigo de se destruírem, também, os valores instrutivos do
Ginásio humanista, se à custa de seu ensino hermético (p.170-171).
1.16 Naturalmente, consegui despertar a atenção de meus alu-
nos sobre indivíduos de outras classes, ordens e famílias; e, assim,
tratava de iniciá-los na comparação. Em compensação, não eram
objeto de um trabalho coletivo direto, e meus ajudantes escolares
tinham grande trabalho para auxiliar-me no curso do ano escolar
com o fim de estudar duas famílias, por exemplo, as rosáceas e as
liláceas, de forma que cada estudante (que eu chamava de “ofici-
ais”) voltava a ensinar subfamílias especiais a um grupo de alunos,
e ele, com seus ajudantes (os chamados “soldados”), tinha de ob-
servar e contribuir para o ensino com exemplares adequados.
Se nos quisermos libertar da miséria do ensino científico natu-
ral e do próprio engano em que vivemos, é preciso que não nos
separemos um ápice deste princípio fundamental. Só um
alheamento radical do enciclopedismo que ainda hoje domina em
nosso ensino, da epidemia da visão de conjunto de que todas as
escolas padecem, permitirá converter o ensino científico natural
em um valioso fator educativo, tão proveitoso como o estudo das
línguas latina e grega. Isto pode aplicar-se não só ao Ginásio
humanista, que, para não destruir a unidade e plenitude de seu
aparelho instrutivo, concederá um tempo limitado, de duas ou três
horas, ao ensino científico natural, mas, também, aos estabeleci-
mentos realistas atuais, ao Ginásio real e à Escola real superior,
podendo mesmo chegar a um ginásio matemático-científico-na-
tural, tal como o concebo, cujas bases assentem exclusivamente
nas matemáticas e Ciências naturais. Precisamente nestes três esta-
belecimentos realistas, devemos organizar o ensino científico-na-
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tural, da mesma forma por que aparece nos centros humanistas o
ensino psicológico-histórico, isto é, de modo tal que possa estabe-
lecer-se, nas duas classes superiores destas escolas de nove graus,
uma livre atuação no trabalho produtivo, na investigação, na des-
coberta e na organização do descoberto, da mesma maneira que,
no ensino filológico-histórico, onde nenhuma matéria nova se ex-
ponha ao aluno com novas leis e conceitos, mas se aproveite o
tempo para guiar a um trabalho independente, apoiando-se nas
ideias adquiridas pelo aluno das classes anteriores. Este trabalho
independente pode e deve ser fatigante. Sem suor, não há prêmio;
sem exercício permanente e prática na solução de dificuldades
mentais, não é possível instrução lógica nenhuma. Nossas escolas
elementares não devem tratar de evitar que o aluno trabalhe muito,
mas, ao contrário, de evitar que dirija a atenção para múltiplos
objetos. A multiplicidade é não só a fonte do superficialismo como,
também, do excesso de carga mental.
Só pude dedicar, infelizmente, três anos ao meu ensino, por
ter sido chamado para o Ludwigs-gymnasium, de Munique. Mas,
apesar da extraordinária limitação e mesmo para aprofundar o
mais possível minha matéria de ensino, pude verificar, com grande
satisfação, que o interesse natural do aluno pelas Ciências bioló-
gicas não diminuía com o adiantamento das classes, pois que, já
nas aulas do terceiro grau, havia cada vez mais grupos de alunos
preparados para continuar investigando famílias conhecidas ou co-
meçar o estudo de outras diferentes (pp.172-173).
1.17 Ainda me lembro de que, no segundo grau, a terça parte
da classe de 32 alunos trabalhou voluntariamente, durante um se-
mestre, na decomposição de óxidos metálicos por meio do maçarico.
Isto me ofereceu ocasião para infiltrar nos alunos a ideia da inves-
tigação; tudo o mais me era indiferente e não me importavam as
objeções. Se me tivesse sido possível continuar o ensino até ao grau
superior do Ginásio, tenho a convicção de que os meus alunos não
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teriam passado para a Universidade com a ideia que hoje domina
geralmente os que abandonam as Escolas reais e à qual se deve
atribuir a falta de interesse, tantas vezes lamentada, pelas lições ini-
ciais das Ciências naturais, isto é, com a ideia vazia de “já saber tudo”,
e, sim, com o desejo inquieto de dedicar-se a outro setor parcial
dentro da matéria pela qual começaram a interessar-se durante o seu
período ginasial, animados pelo mesmo carinho e o mesmo amor
com que procederam para conseguir dominar um setor parcial.
O melhor meio seria, seguramente, que nos preocupássemos
com seriedade da instauração de um verdadeiro Ginásio matemá-
tico naturalista, em que as línguas estrangeiras, se possível, só uma
delas tivesse um papel acessório, semelhante ao que desempenham
as Ciências naturais no Ginásio humanista. Poderia ser uma escola
que correspondesse ao segundo grande grupo de aptidões dos nos-
sos alunos. Seria uma escola cujo ensino científico natural, graças ao
tempo bastante que se lhe consagraria, fosse amplamente baseada
nas práticas de laboratório e que, longe de todo caráter enciclopé-
dico, tão em voga hoje em dia, mas atendendo às inclinações espe-
ciais do aluno por um dos cinco principais setores científicos, pelo
estudo profundo da História natural e iniciando o aluno na vida, no
trabalho e vicissitudes dos grandes investigadores, não só lhe abrisse
os olhos para compreender o mundo orgânico, a sua regularidade e
a sua ordem, a importância do trabalho científico e os limites de
nosso conhecimento, como, também, despertasse esse respeito, esse
amor à verdade, esse sentimento da responsabilidade que represen-
tam os melhores fundamentos de todo trabalho espiritual ulterior.
Não é difícil dar uma imagem clara de como poderia ser o
plano de ensino de semelhante escola, ou melhor, de como deve-
ria ser. No que diz respeito às matérias do grupo filológico-histó-
rico, que [...] são imprescindíveis a toda escola secundária, deveri-
am elas limitar-se ao mínimo que pudesse assegurar seu completo
valor instrutivo. Ao mesmo tempo, no Ginásio científico natural,
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ser-lhes-ia concedido um tempo maior do que o consagrado às
Matemáticas e às Ciências naturais no Ginásio humanista, visto que
a prática fundamental com um só idioma estrangeiro não pode
imaginar-se com uma média semanal inferior a quatro horas de
ensino. Assim, além dos primeiros anos consagrados à iniciação
rápida, ser-lhes-iam concedidas, de conformidade com a experi-
ência, pelo menos seis horas semanais de trabalho. Além disso, nos
dois primeiros cursos, deve excluir-se o ensino da História para os
alunos de 10 a 11 anos, visto que, para o estudo pragmático desta
matéria científica, não possuem eles suficiente madureza, e as sim-
ples narrações podem figurar nas aulas de linguagem. Em média,
não se podem obter resultados satisfatórios em Linguagem e His-
tória sem um mínimo de cinco horas semanais. Como, por outro
lado, seriam dedicadas duas horas semanais para a Religião e três
para a Ginástica, pode-se contar, em média, com 14 horas semanais
do horário escolar para os restantes ensinos matemáticos e cien-
tífico-naturais (pp.173-175).
1.18 Se, no interesse da saúde e do princípio fundamental de
toda organização escolar, quiser traçar um plano pelo qual cada
aluno possa dispor de tempo suficiente e de energia para ocupar-
-se de coisas sérias, de acordo com suas inclinações pessoais, ex-
cluídas as tarefas escolares, não deveremos ultrapassar as 28 horas
semanais de ensino obrigatório. Restam, assim, para o ensino ma-
temático e científico natural, 14 horas semanais. Nas classes infe-
riores, as matemáticas se movem no terreno do cálculo geral e,
em virtude disso, terão, de acordo com antigas e amplas experi-
ências: no Ginásio humanista, três horas semanais, e, nos graus
médios e superiores, quatro horas. São estas as exigências que
podemos estabelecer para os casos normais. Ao ensino do dese-
nho, que nos dois últimos graus deve ter a seu cargo a Geometria
descritiva, podem ser dedicadas duas horas semanais, que são
suficientes para resolver todos os fins que lhe cabem como meio
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ANTONIO GRAMSCI
instrutivo para a observância de relações formais e para o aper-
feiçoamento da intuição especial.
A dificuldade consiste na forma por que deverão ser distribu-
ídas e ordenadas, em cada um dos cursos, as seis matérias princi-
pais, a saber: as Ciências naturais (Zoologia, Botânica e Fisiologia),
por um lado, e Física, Química e Mineralogia, por outro, assim
como a Geografia, que se torna necessária para certos conceitos
zoológicos, botânicos, mineralógicos, químicos e físicos.
O primeiro princípio fundamental da teoria do plano de ensi-
no exige concentração. Uma só atuação certa proporciona maior
instrução do que um mediano labor em cem medianas atuações
diversas. Em consequência, teremos de começar, naturalmente,
pelas disciplinas que são mais facilmente acessíveis aos alunos de
10 a 11 anos, tratando, desde o início, não só de proporcionar
conhecimentos, mas, também, de praticar exercícios, exercícios es-
colares adequados. Na etapa inicial, seria preferível evitar qualquer
graduação das matérias científico-naturais isoladas. A princípio, seria
muito mais conveniente iniciar o aluno no âmbito geral das Ciên-
cias naturais, na compreensão dos fenômenos por suas relações
recíprocas, precisamente os fenômenos mais accessíveis à percep-
ção dos sentidos e que, sem esforço, podem ser representados
com o auxílio de alguns conceitos e elementos de ordem. [...] A
questão mais importante é conseguir a máxima concentração de
matéria tão extraordinariamente ampla.
No terceiro ano, inclui-se a Zoologia em substituição da Botâ-
nica, isto é, volta-se a estudar uma só matéria científico-natural
com a mesma quantidade de tempo. No quarto ano, os alunos se
acham suficientemente preparados para iniciar o estudo da Física,
como ciência fundamental que ensina a investigar a matéria mais
simples por meio dos métodos mais exatos. Ao chegar ao quinto
ano, entra-se na Química, à qual está naturalmente ligado o estudo
da Mineralogia. No sétimo curso, dão-se as lições de Geografia,
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COLEÇÃO EDUCADORES
relacionando-as com considerações de caráter geológico, assim
como a Física e a Química finalizam a iniciação das leis e formas
mais importantes.
O ensino durante os dois últimos anos deve ser consagrado à
aplicação das práticas e conhecimentos que o aluno realizará por sua
conta. O oitavo curso proporciona novos conceitos relativos à Bio-
logia (Fisiologia), em cujo ensino se necessita de conhecimentos mais
profundos de Física e Química. Mas, mesmo neste setor, que signi-
fica o resumo e a culminação de toda a instrução biológica, fica
destinado o nono ano exclusivamente aos exercícios individuais
independentes. Ao mesmo tempo, realiza-se o ensino teórico da
história da evolução das leis e conceitos científico-naturais mais
geralmente conhecidos, e com isso se dá inicio à propedêutica
filosófica, enquanto que a vida dos grandes investigadores, suas
criações e preocupações, são incluídas no ensino da história, nas
duas classes superiores. Também no ensino das línguas estrangei-
ras, podem utilizar-se trabalhos científicos de escritores antigos e
modernos, constituindo um objeto de leitura no idioma corres-
pondente. Nos primeiros sete anos, destina-se a metade do tempo
aos exercícios, e, nas duas classes superiores, os dois terços.
Para a preparação nos exercícios escolares de Física e Quími-
ca, servem os objetos de oficina usados nos três primeiros anos
escolares juntamente com a Botânica e a Zoologia, com duas ho-
ras semanais, exercícios que imediatamente satisfazem o impulso
ativo geralmente existente nos alunos de 10 a 13 anos de idade, ao
mesmo tempo em que são iniciados praticamente na técnica do
trabalho em madeira, metal e cristal, trabalho esse que lhes permite
também educar-se em um trabalho mais cuidadoso e exato.
À instrução geral acrescento, a partir do terceiro ano, uma aula à
tarde, de duas a três horas de duração, dedicada a ocupações diver-
sas; os alunos serão obrigados a comparecer, embora cada um pos-
sa escolher o trabalho que esteja mais de acordo com suas predile-
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ANTONIO GRAMSCI
ções, quer se trate de uma matéria interrompida por alguns anos
para a ampliação e continuação de seus estudos, quer de alguma
disciplina ensinada facultativamente na escola, como, por exemplo,
o estudo de um segundo idioma estrangeiro. Por minha parte, con-
sidero completamente indispensável uma instituição semelhante. A
escola obtém os mais favoráveis resultados quando favorece os in-
teresses naturais do aluno, apoiados em disposições pessoais. Ne-
nhum plano de ensino com estrutura rígida chega a conseguir isso
em regra geral, apesar das matérias prescritas e esboçadas com toda
a minuciosidade. Por este motivo, nas duas classes superiores, não
obrigo nenhum aluno a resolver exercícios independentes, tanto em
Física como em Química e Biologia. Deixo-o, no oitavo ano, esco-
lher livremente entre a Física e a Química, e, na nona classe, entre as
três matérias. Também é muito possível que as predileções do aluno
se desenvolvam exclusivamente no sentido teórico, já no sentido
filológico, já no histórico ou filosófico, e neste caso podem levar-se
em conta os interesses do aluno e, ao mesmo tempo, os verdadeiros
interesses da própria escola como instituição educadora.
De tudo isto se deduz que, não se perdendo de vista os princí-
pios fundamentais de uma teoria do plano de ensino, na qual se
tenham em conta os problemas educativos, fica sumamente reduzi-
da a vontade de quem forma o plano. Do mesmo modo que, na
solução de uma equação diofântica, existem várias, mas, de forma
alguma, muitas soluções, assim também se estabelecem forçosamente
divisões do horário e seriações das matérias de ensino. Podem ser
introduzidas pequenas variações, mas qualquer modificação essen-
cial deve ser excluída. Para o Ginásio humanista, eu não poderia
oferecer nenhum plano de ensino melhor do que o aceito, há pouco,
pelos institutos bávaros, com a diferença de que o ensino científico
natural devia desenrolar-se, em todas as classes, ao menos em duas
horas, para o que bastariam pequenas modificações. Infelizmente,
os filólogos clássicos não parecem dispor de bastante energia para
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COLEÇÃO EDUCADORES
vencer a resistência oposta pelos representantes de outras disciplinas.
Isto significa a falência segura desta escola admirável para desen-
volver as aptidões filológico-históricas (pp. 175-180).
1.19
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ANTONIO GRAMSCI
1.20 A arte de ensinar, mãe de todas as artes, costuma ser consi-
derada como a arte de fixar na memória alguns conhecimentos. No
entanto, a arte de ensinar não é outra coisa senão a iniciação na arte
de pensar. Em benefício do pensamento é que ensinamos e apren-
demos, e só pode gozar de uma educação intelectual elevada quem
é mestre na arte de pensar e possui liberdade lógica. Já sabemos que
esta exige muitas instituições educativas além do simples exercício
dos idiomas e das Ciências naturais, pela associação de todo pensa-
mento com a vaidade, a ambição, o egoísmo, a dor, o amor, o ódio,
o temor, a esperança, a opinião pública e os ensinos tradicionais.
Aprendemos todos esses exercícios por meio da didática, com cujo
auxílio chegamos a dominá-los mais facilmente. Se é certo que a
completa liberdade lógica é inexequível, como também a liberdade
moral perfeita, isso não impede que toda educação seleta caminhe
nesse sentido. A investigação precedente deve servir para demons-
trar que o ensino científico natural pode assumir a direção de forma
tão favorável como as línguas estrangeiras, desde que se cumpram
todas as condições para desenvolver suas forças educadoras e com
isso estejam de acordo as disposições dos alunos (p. 185).
A alma do educador e o problema da formação do professor
2. Formação de educadores
2.1 São várias as significações da palavra “educador” e, por
isso, será nosso propósito investigar o sentido e alcance que dare-
mos à mesma. Entre as significações que obtivemos, encontra-se a
de que é objeto este tratado. Com este fim analisaremos o empre-
go da palavra “educador”.
Desde que apareceu a obra de Langbehn Rembrandt como Edu-
cador que provocou a deliciosa sátira Höllenbreughel como educador,
foram apresentados numerosos trabalhos, mais ou menos pro-
fundos, que intentam estudar, as grandes figuras da cultura alemã,
sob o ponto de vista da educação. Bastará recordar diferentes es-
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COLEÇÃO EDUCADORES
tudos como Fichte como educador, Goethe como educador, e ainda Stein
ou Bismarck como educador. Em nosso tempo, aproveitam-se geral-
mente as datas de diversos aniversários para tais considerações.
Tratar apenas de assinalar pode ser objeto de um mal enten-
dido. As grandes personalidades que têm sempre consigo valo-
res infinitos e aos quais a filosofia reconhece uma força de ação
permanente, tendem à expansão. Quando nos aprofundamos no
ser elevado destas personalidades, deixamos-nos seduzir pelos
valores, preparando o caminho que nos leve ao domínio deles.
Desta forma apresenta-se a possibilidade de que sejamos sedu-
zidos pela elevada existência dos grandes homens ou por uma
parte da mesma e que aquela existência ou parte dela nos seja
transmitida total ou parcialmente, segundo a estrutura da nossa
própria natureza. Desta forma se oferecem como exemplos as
grandes individualidades com sua vida e fatos, que podem ou
devem ser por nós imitados.
Se ampliamos suficientemente este sentido do modelo, pode-
mos dizer que cada homem é educador de outros, seja para o
bem ou para o mal. Nenhuma existência transcorre por completa
sem causar influência sobre o meio que a cerca e a posteridade.
Nosso ser e nossos próprios atos são, por isso, consequência da
relação do passado e do presente, da mesma forma que é uma
causa da existência e atos de nossos sucessores. Na corrente viva
da existência humana está arraigada fortemente a vida extinta dos
“anônimos” como a dos imortais, com a única diferença de que,
nos primeiros, a influência é exclusivamente imediata, isto é, deter-
minada por contato direto de homem a homem, sendo sempre
incompreensível, enquanto, nos últimos, a mesma influência ime-
diata se associa à distância das obras em que sua obra se encarnou,
que esta influência imediata da existência passada aparece, quase
sempre, com maior força depois da morte do criador, do que
imediatamente depois da vida efetiva (pp. 7-9).
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2.2 [...] Alcançamos já o conceito geral do educador: o homem
que, voluntária ou involuntariamente, influi na vida espiritual de seu
semelhante, elevando-o a um estado mais perfeito. O que denomi-
namos, geralmente, “educadores ocultos”, está diretamente neste
conceito geral.
Uma ideia completamente distinta se une à dita palavra, quan-
do falamos de “Herbart como educador”, em oposição a “Herbart
como filósofo” ou, também, “Schleiermacher como educador”,
diante de “Schleiermacher como teólogo”. Neste caso, não de-
vemos confundir a significação. Ambos são admitidos como in-
vestigadores e mestres da teoria da educação. Não se trata que
amplie e aprofunde, por meio de seu ser, influindo ou tendo de
influir no presente ou no passado, no sentido de uma propagação
de valores, quer dizer, de conhecer a influência exercida por seus
ensinamentos, como de estudar até que ponto logrou por meio de
ditos ensinamentos o objeto de educação.
O conceito abstrato se desenvolve neste caso, a expensas de
outras categorias de nossa aspiração objetiva, e, se nos casos antes
mencionados adotamos uma posição prática, no último, é prefe-
rível a situação teórica.
A escassa relação que existe, essencialmente, entre estas duas
aceitações da palavra “educador” prova que o professor de Peda-
gogia pode estar muito distante de ser um professor pedagógico.
Um dos enganos mais ingênuos e correntes são o de se supor que
os maiores pedagogos são aqueles que escreviam livros cheios de
erudição sobre matéria pedagógica. Enquanto nas ciências mate-
máticas, ou em Filosofia, se acredita com razão que o autor de
uma obra importante deveria ter sido um grande filósofo ou um
grande matemático, pode-se considerar como uma falsa dedução
em Pedagogia, posto que o educador, propriamente dito, é sem-
pre um homem ocupado na prática. Também não se deve supor
impossível a existência de um teórico, que, embora penetrando
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COLEÇÃO EDUCADORES
tão profundamente na natureza de seu objeto, possa encerrar grande
valor como homem prático. Apenas seriam de temer as objeções,
se afirmássemos que, entre aqueles homens que viveram anônimos,
se encontrariam figuras pedagogicamente melhor dotadas do que
entre os que são apontados pela História da Pedagogia como estre-
las de primeira, segunda ou terceira grandeza. Se o valor pedagógi-
co fosse unido indissoluvelmente à erudição, ou somente à ciência
pedagógica, há muito tempo que a Humanidade se teria declarado
em bancarrota. A negação universal de Schopenhauer não o impe-
diu de fazer afirmações universais práticas, e, do mesmo modo que
o professor de Psicologia não necessita ser um verdadeiro conhece-
dor de alma nem um professor de Pedagogia conhecido como um
professor Pedagógico, isto é, como um Pedagogo. Se se deseja acla-
rar suficientemente esta diferença, bastará estabelecer um paralelo
entre o “Emílio” de Rousseau e a vida do dito autor. A confusão
frequente do educador teórico e prático, ou falando mais propria-
mente, a distinção insuficiente entre capacidade teórica e prática em
matéria educativa, representa um papel essencial no problema da
preparação do mestre; por isso, vemos-nos obrigados a voltar fre-
quentemente sobre este ponto (pp. 9-11).
2.3 [...] Chegamos à terceira significação que vai unida à palavra
“educador”. Alcançamos isso ao falar de Pestalozzi como educador
do povo. Então pensamos menos no homem como portador de
valores, em cujo sentido cada qual une educador para o bem ou
para o mal, embora menos no homem como investigador teórico
da Pedagogia, e, antes de tudo, no educador ativo, que por sua capa-
cidade especial não faz se não consagrar sua vida à ação Pedagógica.
Assim, encontramos na própria natureza do educador como na
do homem que, não somente influi no ser de seus semelhantes ou
sucessores, criando neles determinados valores culturais, como tam-
bém possui, ainda, certa inclinação de sentido prático para mantê-
-los em atividade. Talvez pudéssemos pensar em encontrar a ima-
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ANTONIO GRAMSCI
gem pura da alma do educador, levando a cabo uma cuidadosa
análise da incomparável personalidade de Pestalozzi, sua vida e suas
obras. Mas, as dificuldades de determinar a natureza geral do educa-
dor, baseando-se em uma só, embora tão perfeita personalidade,
são insuperáveis e muito grandes os perigos de generalizar indivi-
dualidades, pois toda a perfeição humana é unicamente a finita per-
feição da ideia infinita, existindo a possibilidade de acreditar chegar-
-se à realização total da ideia da dita perfeição finita (p.11).
2.4 O próprio Pestalozzi tinha grandes defeitos como educador
prático, e sobretudo como mestre de escola, sendo certo que nenhum
de seus colaboradores e observadores o sentiu mais profunda e hu-
mildemente que ele mesmo. Definitivamente, seu impulso pedagógi-
co não lhe motivava tanto o desejo de elevar individualidades isoladas
ao tipo intelectual, como a ideia de salvar a sociedade da ruína moral,
elevar a classe dos deserdados, dos pobres abandonados, até a um
puro conceito da humanidade. Seria conveniente distinguir, entre os
verdadeiros educadores que se orientam praticamente, daqueles que
se ocupam unicamente da formação, elevação e salvação de indiví-
duos isolados – os altruístas – dos que tendem de preferência ao
conjunto, à sociedade, à coletividade nacional e à humanidade – edu-
cadores sociais. Esta diferença entre altruístas e socialistas nos parece,
em geral, adequada. Aquele que se dirige exclusivamente ao terreno
social se presume a si mesmo como sócio e membro da comunidade
sobre que influi. O altruísta, em troca, tem presente somente aos de-
mais, e sua atuação não proporciona, necessariamente, vantagens dire-
tas. Nos casos em que se trata unicamente de situações ético-sociais,
isto é, da realização de valores da moralidade, não tem importância
essa distinção. Portanto, referiremos-nos sempre à situação moral. No
primeiro grupo figura, antes de tudo, a mãe; no último, determinados
organizadores do ensino de uma coletividade. É uma classificação
teórica que põe em relevo a situação fundamental; mas, deve-se ter
em conta que, em cada um dos grupos, influi também, de certo modo,
a tendência do outro (pp.12-13).
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COLEÇÃO EDUCADORES
[...]
2.6 Quem descobre em si a capacidade de lograr despertar e
impulsionar estes valores deverá decidir-se por si mesmo à for-
mação de sua própria pessoa ou estranha, com que a atitude peda-
gógica fica determinada em um sentido mais amplo. Se tratarmos
de provar, agora, porque entre as realizações e direções possíveis,
o homem elege sempre aquelas em que ele pode unir-se ao mate-
rial das pessoas estranhas, não será muito difícil persuadir-se de
que tudo depende de sua atração natural para o homem, como tal,
isto é, de uma tendência básica do sentimento e da vontade, e de
uma forte impressão em sua disposição espiritual por dois senti-
mentos elementares, a saber: simpatia e inclinação para o homem.
Assim mesmo se torna compreensível, que tal disposição pedagó-
gica fundamental, que persegue a realização de valores em pessoas
estranhas, não pode manter-se sem uma tendência contínua à rea-
lização de valores na vida pessoal.
[...] Mas, a essência da simpatia e o fundamento emocional de
todo ato pedagógico é a compenetração. Compenetrar-se quer
dizer viver em outro. Portanto, não é possível conseguir a realiza-
ção de valores nos demais, sem haver logrado realizá-los, de ante-
mão, em nós mesmos, e, em troca, quando queremos levar a cabo
a realização, em nossa própria pessoa, não será preciso chamar a
uma atividade pedagógica aos outros.
Assinalamos, agora, um indivíduo no qual domina um senti-
mento fundamental de simpatia e inclinação (amor) para seus seme-
lhantes: uma pessoa orientada socialmente, mantendo-nos, assim, na
forma mencionada do homem altruísta. A alma do educador per-
tence a um tipo social; mas cada indivíduo orientado socialmente
não precisa possuir de um modo imprescindível uma natureza de
educador ainda que toda verdadeira natureza de educador deve,
forçosamente, pertencer ao tipo social (pp.16-18).
2.7. Um dos maiores erros da organização de nossa instrução
pública é cuidar de educar primeiramente o homem, quer dizer,
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realizar sua formação geral, e, unicamente depois disso consegui-
do, entrar no terreno especial, como lhe será preciso na vida pro-
fissional. O ponto de partida deste erro, está exclusivamente em
que, na maioria dos casos, não sabemos com precisão para que
setor ativo está chamado o aluno, e nem temos o trabalho de
averiguá-lo, quando o educando tiver chegado a um estudo ama-
durecido, nos seria permitido conhecê-lo. Se pudéssemos deter-
minar, de antemão, no menino, a profissão para que tende, por
efeitos de suas aptidões, e para qual dos inumeráveis setores da
atividade humana tendem suas atividades manuais e espirituais,
poderíamos estabelecer adiantadamente o gênero de educação que
fosse adequada, sem que tivéssemos de descuidar por isso a pre-
paração geral do indivíduo, e sem ter que deixar desaparecer, no
profissional, o homem (pp. 20-21).
[...]
2.9 Onde existe, pois, a especial estrutura social que diferencia
o educador de todos os outros tipos de profissão social?
Sua profissão é, indubitavelmente, a que mais se aproxima da
mãe. Também a atividade benéfica dela se dirige ao corpo e à alma
do homem em formação, igualmente nascem seus fatos de amor
ao homem. Mas isto é sua própria carne e sangue, e o amor mater-
no obtém com ele um acúmulo de sentimentos naturais, que falta
necessariamente no educador. Comumente nada tem que ver com
o amor sexual; isto é uma elucubração de certos psicanalíticos. Mas
a simpatia, para não dizer compaixão pela necessidade de assistência
física da criança, o sinal primordial da maternidade, aparte do senti-
mento de propriedade de seu filho, a forte necessidade de amor
recíproco, a ânsia desconhecida de ver realizada a felicidade terrena
na futura vida da criança, desempenha na mãe um papel decisivo.
Estes sentimentos dão ao mesmo amor materno seu parti-
cular matiz, podendo-se assinalar nele o amor pedagógico, para desig-
nar esta modalidade de algum modo, que conduziu ao triunfo
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determinadas mães, que sobressaíram espiritual ou moralmente.
O educador vê no menino o futuro portador de seus valores, dos
valores da humanidade, e como ama esses valores e reconhece,
mais ou menos, neste caso sua própria imperfeição, ama a sua
obra, o educando, em cuja alma penetra com fé, esperança, amor
e veneração. Assim como todo indivíduo criador ama a sua obra
espiritual, como portador dos valores que enchem sua alma, suce-
de com o mestre e seus alunos. Mas, no educador que cria, existe
uma possibilidade de amor por sua obra, que falta em toda outra
obra criadora: a matéria a que ele dá forma é sua própria matéria.
A alma se constrói, imediatamente, à semelhança e dentro da alma
do outro. Quanto maior seja a afinidade de valores e alternativas
inferiores, tanto maiores serão as possibilidades de compenetra-
ção. Quanto mais forte seja esta, tanto mais perfeito será o unís-
sono de nossa alma para com a alma estranha. Eis aqui uma das
tendências fundamentais do amor pedagógico, que, naturalmente,
às vezes pode produzir, também, outras mesclas emocionais.
O amor não é, de forma alguma, um sentimento unitário: se
oferece em mil aspectos entre os homens, e nenhum deles é igual
aos outros. Por ele nunca foi possível, nem o será, dar uma expli-
cação que especifique perfeitamente a essência do amor.
Todo educador pode considerar-se um sacerdote: mas o sacer-
dote em seu sentido restrito, o simplesmente religioso se diferencia
dele, pelo menos enquanto tende a desenvolver no educando os
valores religiosos, por meio de determinados bens. Separa-o do
educador, ainda, a circunstância de que quase sempre se dirige, ex-
clusivamente, à vida espiritual do aluno, mas não de igual modo ao
portador orgânico desta vida espiritual, isto é, ao corpo.
Frequentemente deixa entrever este grande defeito, sobretudo
nas escolas dos conventos para meninas, se bem comece a tender,
nestes tempos, para uma melhor inteligência. Existe também a di-
ferença na particularidade que predominam os valores religiosos
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sobre todos os outros, com o qual se dificulta, em muitas ocasi-
ões, a compreensão necessária dos peculiares valores de persona-
lidade que devem se desenvolver no educando.
Existem, certamente, verdadeiras naturezas sociais educadoras,
do tipo sacerdotal, quer dizer, educadores cuja própria organi-
zação estimativa culmina nos valores religiosos. Correspondem,
por seu ministério, à interessante forma do tipo de educador social
ao qual concedi sempre a maior admiração.
Do mesmo modo que se diferencia do sacerdote, distingue-se
também do médico e da enfermeira, embora quando pertençam
à natureza do tipo social, dominada pela lei do amor para com o
gênero humano. A simples experiência demonstra que estas for-
mas do tipo social podem apresentar-se enlaçadas com a natureza
do educador (pp. 35-38).
2.10 A definição da forma de vida que é própria do educador
contém quatro caracteres que serão assinalados e estudados se-
paradamente. Primeiro: a simples tendência para a formação do
homem como individualidade, que destaca de todas as outras in-
clinações, de tal forma, que na realização de dita tendência encon-
tra o educador seu máximo prazer. Segundo: a capacidade para
perseguir dita inclinação de forma proveitosa, quer dizer, chegar a
conseguir a formação da alma particular do educando na medida
em que é permitido por sua capacidade. Terceiro: a tendência es-
pecífica dirigida precisamente para o homem futuro, isto é, à per-
sonalidade que desperta, ou melhor ainda, a alma infantil como
portadora de valores. Quarta: a decisão permanente da influência
durante o desenvolvimento, ou o que é o mesmo, do desejo de
estimular aquela formação de valores que em princípio já está deter-
minada na alma do indivíduo. A quinta condição que deve possuir
todo educador quando está ao serviço espiritual de uma comunida-
de de valores, a qual pertence, não queremos estudá-la neste lugar. O
fim almejado de toda educação é conseguir a personalidade de moral
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autônoma, e o caminho que ela conduz encontra-se sobre os meios
da comunidade, à qual o educador também está ligado, quer dizer, a
sociedade familiar, a sociedade religiosa, a profissional e nacional,
etc. Como verdadeiro educador, vê-se forçado a seguir o caminho
que esses meios assinalam, consagrando-se ao seu serviço. No en-
tanto, o último e mais elevado ofício que o educador pode levar a
cabo, dentro de uma coletividade, é conduzir o educando a uma
determinada liberdade moral, sentindo-se obrigado a colaborar na
moralização sempre imperfeita da coletividade, embora quando se
corra o risco de ser sacrificado por ela mesma.
Esta última posição pedagógica do educador é tirada da ideia
da Humanidade, ou melhor, da moralização da Humanidade. Este
é o maior serviço social que deve levar a cabo, de tal forma, que se
está penetrado do mesmo, pode considerar-se consagrado real-
mente como educador (pp. 45-46).
[...]
2.13 Esta sensibilidade psicológica, que torna possível a com-
preensão da situação individual de um homem, proporciona tam-
bém, no curso do tempo, bases para a compreensão intuitiva do
ideal de personalidade, que existe já, em germe, no educando. É
impossível determinar de um modo meramente racional este ideal,
pois, para tal fim, é demasiadamente irracional a alma humana. Por
outro lado, não deve abandonar-se o educador simplesmente à sua
capacidade intuitiva, irracional, quando busca tal objeto. Prescindin-
do totalmente dele, o mestre deve criar de antemão, em seu espírito,
a imagem típica da humanidade ideal, com ordem a cujo tipo geral
poderá educar-se possivelmente a personalidade especial do aluno;
em uma palavra, a imagem criada pela intuição exige uma investiga-
ção racional, e deve ser provada por meio de uma observação cons-
tante e orientada pedagogicamente, e uma experimentação cuida-
dosa de sua possibilidade e precisão. Neste ponto, é muito impor-
tante para a característica do educador a terceira condição de nossa
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análise da atividade educadora, a atenção ao homem futuro, ou
melhor, à personalidade em formação. A capacidade de formação
que aqui se apresenta como uma exigência não é, em si, nenhuma
característica da profissão do educador, ainda que sejam muitos os
ofícios para os que disso necessitam. Em nosso caso, trata-se de um
objeto especialíssimo que deve ser formado, uma alma humana que
se vai formando – quer dizer – que se modifica, sendo objeto de
uma constante evolução; da observação e compreensão de um fe-
nômeno psíquico total, que apresenta continuadamente novas facetas,
na sua particularidade concreta, e da relação incessantemente modi-
ficada desta manifestação especial com o ideal típico de formação
de um aluno determinado. Nele radica a personalidade mais sutil do
educador; uma particularidade que nunca poderá existir em forma
perfeita e total em um homem; quero aplicar-lhe o nome de capaci-
dade para o diagnóstico da personalidade. Problemas semelhantes, em-
bora distintos quanto à sua dificuldade, porque são de formas ex-
clusivamente fisiológica ou somente anatômica, são os que têm que
resolver o médico, que se vê obrigado a seguir o processo compli-
cado e pouco transparente de uma enfermidade. O interesse pelo
homem futuro, a tendência mencionada a manter contato com a
juventude, uma grande sensibilidade, o tato pedagógico: todas estas
peculiaridades reunidas, não fingem nenhuma garantia para cumprir
a última condição, embora por meio das mesmas se facilita extraor-
dinariamente. É certo que ele finge um dom de observação, não
comparável com o do naturalista e, sim, com o do investigador de
almas, posto que o olhar do primeiro se dirige ao geral, e a do
segundo, ao particular; um dom de observação que, como sucede
com o naturalista, é inato e para cujo estudo não dispomos – e talvez
nunca possamos dispor – de uma instituição especial (pp. 59-61).
2.14 [...] A dignidade do educador, que vislumbramos neste
momento, é muito distinta: não aspira redimir a Humanidade e, sim,
a este ou aquele homem, isolado e concreto, e por isso mesmo sua
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posição é muito diferente. Esta posição não tende para o geral, e já
está dada em seus valores indubitáveis, senão ao especial, e à relação
do especial com o geral. Seu pensamento se move no intuitivo e este
movimento especial, em união com a compreensão intuitiva, do
curso irracional da futura alma, é um dom muito particular, que nos
é permitido ver melhor na ideia desse conjunto, do que em sua
realização total. O que torna difícil o diagnóstico da personalidade e
o faz destacar claramente de todos os demais diagnósticos, quero
dizer, diferenças, observações e juízos, é sua forte possibilidade de
influência por parte da simpatia e da antipatia, assim como pela
própria estrutura dos valores. Situar-se objetivamente diante de uma
coisa, ainda quando seja um corpo humano e vivo, é relativamente
fácil, se bem que, neste caso, os prejuízos, as sugestões e as intuições
tradicionais possam turvar bastante nosso olhar observador. Para
conservar a objetividade, diante da alma dos indivíduos mais distin-
tos, finge não somente a posse de um dom especial, e sim, por cima
de todos os dotes, uma perpétua luta consigo mesmo. O amor para
o educando, por si só, não pode obter nada, nem sequer para o
aluno, como futuro portador de valores. Não existe nada mais natu-
ral, do que sejam as naturezas atrevidas, as que nos despertam maior
simpatia do que as lentas, e que as naturezas chamadas diligentes,
pacíficas; obedientes e vivas obrigam a uma inclinação maior do que
as denominadas vagarosas, turbulentas, desobedientes, inanimadas e
melancólicas. E, sem embargo, o mestre, como educador, deve che-
gar a elas com a mesma objetividade. Para isto, necessita de uma
disposição de ânimo ou uma capacidade de adaptação espiritual,
que me permito pôr em comparação com a que o diretor de um
jardim zoológico tem que mostrar diante de seus animais. Para isto,
existem animais que são preciosos e raros, assim como particulari-
dades que não estão no ser do animal, sem levar em conta a beleza
ou fealdade do mesmo. O mais insignificante deles pode parecer-
-lhe tão valioso como o mais maravilhoso; entretanto a questão eco-
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nômica não se mistura, cuida de todos, sem exceção, com a mesma
atenção e amor (pp. 61-63).
2.15 [...] A finalidade fundamental de toda educação é determinar
cada vez mais claramente a vontade do aluno, para proporcionar-lhe
um caráter firme, disposto para o costume e regido por princípios
concretos. Mas quem deseja exercer um determinado influxo, e so-
bretudo um influxo de eficácia duradoura – posto que nele somente
radica o conceito de educação –, deve saber, antes de tudo, o que
deseja; deve ter um fim, uma direção de sua própria vontade, mas,
também, tratará de possuir os meios para chegar a conseguir real-
mente o que intenta. O educador trata, por um lado, de subordinar a
vontade variável do educando à sua, que é constante fazer coincidir a
vontade estranha com a própria, dirigida por uma tendência única;
esta é, naturalmente, a característica fundamental do homem autori-
tário. Por outra parte, deve mostrar sua vontade uma direção fixa; o
educador deve possuir um caráter definido, ou bem a capacidade e a
aspiração inflexível de possuir um caráter firme, se não quiser que a
influência permanente que deverá exercer seja sempre variável.
Somente de uma personalidade forte, de uma vontade firme,
dirigida exclusivamente por si mesma, pode se esperar uma influ-
ência constante e duradoura.
Ninguém mostrou melhor que Ribot, que nem todos os ho-
mens possuem uma capacidade da qual se possa desenvolver um
caráter próprio, efetivo e interessante.
“É certo, que entre inúmeros indivíduos, existe um grande gru-
po que não possui unidade de tendência nem constância nem se-
quer um modo peculiar. São: a) Os amorfos, que a natureza dotou
de uma capacidade desmedida de formação, e que se subordinam
a qualquer influxo, ainda seja contraproducente; b) Os instáveis, a
quem falta, sobretudo, uma finalidade, que se mantêm na incerteza
e falta de cálculo, que atuam da mesma forma sob diversas cir-
cunstâncias, e em casos iguais se manifestam de modos diferentes,
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de tal maneira que se assemelham a uma perfeita interrogação. No
conceito de Ribot, ambos os grupos alcançam a maioria dos indi-
víduos. Podem acomodar-se às mais diversas profissões, mas, não
são aptos para educadores (pp. 65-67).
2.16 Mas onde existe uma submissão voluntária, pode-se falar
da lei da força, em seu sentido figurado. A autoridade que o verda-
deiro educador emprega, é a força do amor, a da superioridade
espiritual e moral, a autoridade dos valores morais. Unicamente na
primeira infância representa um papel importante a autoridade, a
superioridade física e o temor diante dela. Por isso, tem pouca razão
Elsa Voigtlander, quando, em seu artigo A psicologia do educador assi-
nala como uma de suas características “a tendência de governar,
dominar e ordenar”. É certo que, até uma determinada idade do
educando, o educador domina, governa e ordena. Mas se esta ca-
racterística se desdobra como simples inclinação ao domínio, se não
se determina, muito amiúde, em sentido contrário à sua tendência a
ordenar, experimentará prontamente quão perigosa é a dita tendên-
cia, para o fim da educação. Os melhores educandos reúnem muito
depressa as naturezas dominadoras e os homens autoritários: tais
naturezas servem melhor para qualquer fim distinto da profissão
educadora. É indubitável que a autoridade é, na matéria de educa-
ção, uma conditio sine qua non. Nos primeiros anos da vida do educan-
do, o desenvolvimento, a idade, a força, o olhar, a voz, o porte e o
poder dos castigos dos mestres são bases suficientes de sua autori-
dade. Mas incluindo neste momento, seria perigosa uma inclinação a
dominar e ordenar, pois quem ordenasse, por simples vontade de
mandar, converteria em fim um dos meios que em matéria de edu-
cação deve usar-se com maior cautela.
Não obstante rapidamente, não bastam já as condições físicas
do educador: desde o momento em que o educando conhece ou
pressente as debilidades sempre inevitáveis do educador, e este
não dispõe então de outros meios, talvez as formas amorfas si-
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gam resistindo à opressão da autoridade externa, mas não o su-
portarão aquelas que são capazes de uma formação própria do
caráter. Então, no educando, o sentido de autoridade deve nascer
crescentemente da consciência, do amor e da superioridade espi-
ritual e moral do educador (pp. 68-70).
[...]
2.19 A necessidade de que o mestre de escola primária ou o
professor científico da escola superior sejam também artistas for-
madores pressupõe uma exigência que, em regra geral, se afasta do
possível, e que a mim se assemelha excessiva . Ernest Weber solicita
em seu livro Aestetik als pädagogische Grundwissenschaft o seguinte:
“O mestre, no que atinja à sua preparação teórica, é erudito, e
científico; respeito à sua atividade prática é, de uma parte, artista, e
de outra, pedagogo, no sentido restrito. Dessas três atividades se
deduzem as bases que se devem requerer em sua preparação”.
Recentemente, o professor Dr. Schneider, de Munstermafield, exi-
giu, para o magistério, talento artístico junto a inteligência, ativi-
dade e boa vontade. Mas, enquanto acredita possível que “dado a
raridade de talento pedagógico inato”, em um grande número de
mestres, pode-se prescindir desse dom, exige talento artístico como
uma necessidade imperiosa.
Efetivamente, é muito certo que o mestre nato tem algo de
artista criador na exposição de seu ensino, de um modo parecido
ao com que a avozinha alcança ao narrar aos seus netos contos em
forma sugestiva, ou como o próprio menino, que na ilusão de
seus brinquedos, chega a fantasiar uma história completa. A comé-
dia de uma lição, por exemplo, teria sempre algo de elevado e
fascinador, para mim. Algo da felicidade de um adágio beetoviano
que inundava minha alma se por sorte estranha conseguia levar a
cabo tal comédia que faria emudecer a toda a ciência metodológica,
ainda no caso de que a lição não fosse esplanada de acordo com
as regras “da arte pedagógica”. Incluindo o mestre mais capaz,
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conta tais horas como um presente dos deuses, e inevitavelmente,
o encanto da lição repousa mais entre o contato total entre mestre
e discípulos na santidade e elevação da corrente de amor que na
realização superficialmente estética de uma lição bem polida.
Não, mil vezes não! O mestre de escola primária não é nem um
erudito nem um artista no sentido literal da palavra; não é tampouco
um homem do tipo teórico, nem do estético, nem o deve ser em
absoluto. Dai-lhe uma alma nobre, cheia de amor e bondade, com
sensibilidade profunda e atenção para todos os valores possíveis, e
especialmente para os valores da personalidade infantil, junto ao
imprescindível domínio, e encontrará a força de formação que pre-
cisa, para administrar brilhantemente sua santa profissão.
O poder escravizador e a fortaleza do mestre têm suas raízes no
sentido estimativo próprio, e no amor e respeito diante do aluno
como portador de valores, e toda a formação do mestre desmo-
rona, quando trata de educar científicos e artistas, embora quando
seja na preparação de professores de ciências, artes ou algum ramo
técnico, e muito mais ainda se se orientam para a escola primária
certamente que um professor deve dominar a ciência a que se de-
dica, pois que ela lhe proporciona a base única para a formação de
seu método de ensino, e seus valores devem falar a seu coração. E,
ainda assim, o mestre de uma arte ou técnica deve estar instruído,
tanto técnica como esteticamente em todos os aspetos, posto que
nisto se estriba seu saber. Mas, o professor científico não precisa ser
um sábio, quero dizer, investigador produtivo, e o artístico ou téc-
nico, tampouco se lhe deve exigir o ser produtor no sentido pro-
fundo, isto é, criador de novos valores. Em geral não pode ser, se
não pertence às naturezas completamente estranhas e nas quais se
une estreitamente a natureza do homem teórico, o estético com a do
social. O científico se transforma à compreensão objetiva do fundo
do fenômeno, enquanto artista tende à formação subjetiva do as-
pecto do dito fenômeno, mas o mestre, e especialmente o mestre
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escola, deve viver do amor para com o educando como futuro
portador de valores. Eis aqui três posições psíquicas fundamentais,
totalmente diferentes (pp. 89-91).
[...]
2.21 Com as três particularidades da natureza do educador, que
assinalamos anteriormente, quero dizer, a capacidade para um de-
terminado ensinamento, a dupla adaptação ao material do setor di-
dático, de uma parte, à diversa personalidade da massa de escolares,
de outra, e, finalmente, a faculdade de viver os valores intensamente,
ficam assinalados os caracteres principais que devem concorrer na
dotação espiritual do educador, para que seja possível operar com
êxito na profissão de mestre de uma classe; desta forma, consegui-
remos dar, em certa forma, um fundamento seguro, embora não
forme base completa, pois, para isso, não bastam estas condições. A
última delas, que pode compensar muitos defeitos das condições
anteriores, apesar dos defeitos determinados nos supostos restantes,
é o sentimento de satisfação que produz o sentir-se intimamente
chamado para a profissão de mestre.
[...] Em geral, exige-se ainda do mestre um talento retórico es-
pecial ou facilidade de expressão; isso está em manifesta oposição,
tanto no meu critério, como com a minha experiência prática. Co-
nhecimento da matéria e plenitude dos valores são exigências indis-
pensáveis, e ambas unidas representam as raízes de toda verdadeira
eloquência. O conhecimento da matéria proporciona o conteúdo
de sua ordenação lógica; a plenitude de valores facilita a expressão
oral e mímica. Eloquência própria é um dom de deuses, e até esse
dom é insuficiente quando não está apoiado na profunda base espi-
ritual. Outra análise do trabalho docente como tal, na forma una
que deseja Hylla, pode dar lugar a outras condições próprias da
personalidade do mestre. São, antes de tudo, condições que guar-
dam estreita relação com a construção viva da una matéria de ensino
e, portanto, com a denominada forma artística da dita construção.
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Mas, é minha opinião que esta análise somente descobrirá outras
peculiaridades subordinadas, com respeito a condições já mencio-
nadas, ou que os caracteres assinalados possam referir-se somente às
potências espirituais mais simples. Desta forma, o interesse aplicado
e aplicável à preparação de um tema qualquer é urna necessidade
imprescindível para o mestre. Mas, a capacidade para a expressão
metódico-estética de uma lição ou de um sucesso isolado não é de
forma alguma um produto da dita atividade e, sim, uma habilidade
particular que não pode ser engendrada nem pela plenitude de va-
lores, nem pelo domínio total da matéria. A escola deve limitar-se à
formação, metódica e livre, que se exige pela natureza da matéria
mesma, sobretudo nos bens teóricos, seguindo para isso o caminho
do pensamento científico. Este princípio é também aplicável à es-
cola primária, ainda que sua finalidade seja educar hábitos para o
pensamento lógico. Unicamente quando não intenta, deverá seguir-
-se o conselho da E. Weber: “O mestre da escola primária não pode
avançar nunca objetiva e cientificamente quando quiser atrair o es-
pírito do menino. Também o emprego da autoridade e disciplina
depende, em sua plenitude e em suas variedades, de certas particula-
ridades irracionais do mestre; assim a forma em que reage o aluno
diante da personalidade do educador, e diante de cada uma de suas
medidas pedagógicas e instrutivas, não depende exclusivamente da
natureza dos escolares, e sim também do modo como destaca a
pessoa do mestre. Mas, a análise destes fenômenos nos voltará a
levar às condições fundamentais do mestre e educador, que já assi-
nalamos anteriormente” (pp. 95-97).
2.22 Se tratarmos de perguntar agora, quem deve ser mestre,
poderemos contestar mais acertadamente, ajustando-nos às inves-
tigações anteriores, que resolvendo a questão em seu aspeto
organizador. Se existe alguma profissão que exija uma vocação
profunda, é a do mestre e educador, mas, por sua vez; em nenhu-
ma profissão se chegou a fazer mais difícil experimentar se somos
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chamados interiormente para ela, que na profissão de professor,
e, sobretudo, na de professor acadêmico, ou como o designare-
mos no sucessivo mestre especial das escolas superiores.
Quem aspira a ser mestre, deve ser, antes, aprendiz e oficial.
Onde está a época de aprendiz e oficial na vida do mestre escola?
Uma vez já contestei a pergunta de quem deve ser mestre escola, na
forma seguinte: somente aquele que sente constantemente a facilida-
de de operar na formação espiritual e intelectual dos demais; que
sente viver em si a fé imperturbável do poder supremo dos valores
ilimitados do gênero humano; que chegou a experimentar em si,
ainda que ensine a um exército de almas juvenis, evoca em uma lição
uma vida espiritual comum, e que, finalmente, leva dentro de si uma
juventude tão pura, que todo o peso dos anos e toda a madureza de
sua existência não chegam a obstruir seu ardoroso manancial.
Portanto, é possível encontrar instituições nas quais os aspiran-
tes consigam tornar efetiva, em si mesmos, a consecução das três
primeiras condições. Unicamente, quanto à quarta exigência, pode
decidir a vida posterior: sua vitoria será verdadeira. [...]
[...]
2.25 A ilusão das denominadas reformas escolares persistirá por
grande tempo, enquanto a congregação escolar – termos correntes
com que a vamos designar – não esteja baseada na fé dos valores
eternos. Se o educador quer formar o aluno tornando-o portador
de valores devem ser estes de tal categoria que possam ser eficazes
por cima de tudo, tempo e individualidade. Existem tais valores?
Não podemos deter-nos neste ponto, com a investigação da teoria
dos valores. Desejamos, unicamente, dirigir-nos exclusivamente ao
conhecimento daqueles que são suscetíveis de uma adaptação obje-
tiva. O que Kant afirma sobre a justiça, no sentido de que se não é
valor ilimitado de interesse geral, não há razão para que a huma-
nidade exista, pode ser aplicado a todos os valores ideais. Justiça,
verdade, moralidade, fidelidade, bondade, misericórdia, beleza e re-
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denção são valores que existem na essência daqueles que denomi-
namos consciência ou natureza espiritual do homem. Se não são
respeitados mil vezes no transcurso da história do homem, pelos
indivíduos isolados como pelos povos, pelos soberanos como
pelos súditos, não se demonstra com isso coisa alguma contra sua
eficácia ilimitada. Houve tempos, nos quais não tinham realidade
em nenhum ser humano de um povo.
Novos tempos chegarão em que se possa festejar sua ressur-
reição. A história que afirma sua relatividade e considera igualmente
variáveis aos organismos isolados da natureza pode persistir em
seu erro, porque confunde continuamente o meio ou bem em que
o valor se apoia, com o mesmo valor. Sem dúvida esses mesmos
meios, como as verdades independentes, formas de justiça e ma-
nifestações da fidelidade, não são, por fim, mais que finitas reali-
zações da ideia infinita da verdade, justiça e fidelidade. A realiza-
ção finita é variável, assim como é invariável a ideia em sua total
possibilidade dos valores, posto que está dada com a estrutura do
conhecimento. Esse foi o antigo pensamento fundamental de Platão;
esta foi também a posição filosófica kantiana (pp.110-111).
2.26 Se o estabelecimento de preparação dos educadores e
mestres aspira penetrar a seus alunos com a indestrutibilidade da
vontade de pôr suas vidas ao serviço dos valores eternos, tratando
de realizar seus valores nas gerações futuras, deverá aferrar-se à
dita vontade, precisamente porque deve ser indestrutível, na fé dos
valores eternos e, com isso, em um princípio espiritual e religioso.
Isto é completamente indispensável, porque em caso contrário, o
educador e mestre não terá a chave para compreender a natureza
religiosa entre seus educandos, natureza que viverá sempre enquanto
a humanidade existir.
É a segunda necessidade que se impõe na reforma dos centros
de ensino para mestres. Não exijo, com isso, a fundação de centros
separados propositalmente, e sim peço somente que possuam um
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verdadeiro espírito religioso. Onde quer que queira que vejamos rea-
lizada com certa perfeição a ideia formadora, mesmo nos nossos
dias, advertimos que se acha arraigada neste espírito. O malogrado
criador da ideia do centro de educação simultânea, doméstica e es-
colar (laderziehungsheim), Dr. Hermann Lietz, manteve-se neste ter-
reno de toda cultura, tão firmemente como os grandes reformadores
ingleses e americanos Mathew e Thomas Arnold, Cecil Redime,
Horace Manu, ou como nossos grandes pedagogos Pestalozzi, e
Froebel. O que Lietz, lembrando a Abbotsholme, denominava a
“capela” ou “coro” de cada manhã e todas as noites reunia a todos
os educandos, era mantido em forma imediata pelo espírito do
sentimento religioso. Quem quiser conhecer de perto este livre es-
pírito religioso e não tenha oportunidade de estudá-lo sobre o pró-
prio terreno, remeterei à atraente descrição, feita pelo Dr. J. Grunder,
de Landerziehungsheim da comunidade escolar livre (pp. 113-114).
2.27 Junto à exigência social e religiosa, no seu aspecto mais
amplo, tal como se concebe na ideia educativa, aparece uma ter-
ceira condição que eu encontro compreensível em um povo são: é
a organização segundo a ideia nacional. Em primeiro lugar, a ideia
coletiva é um fundamento da educação moral. Simpatia e inclina-
ção são as raízes subjetivas às quais o trabalho dá, na coletividade,
a direção para o grande conjunto. A comunidade mais ampla seria
a comunidade da humanidade, mas, isso é simplesmente uma ideia,
uma realidade de consciência mas sem realidade fora dela.
Uma coletividade real é sempre estimativa. A vida coletiva, o
cultivo comum dos valores, e recíproco cumprimento na realiza-
ção dos mesmos, mantendo unidos os homens, levando-os a uma
organização, isto é, a uma conformação da coletividade. Nisto se
diferenciam as coletividades daquelas agrupações que chamamos
associações. Estas são estabelecidas para chegar a um fim qual-
quer, enquanto as coletividades são uniões para um fim espiritual.
As associações podem conter homens dos mais diversos valores e
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motivos. Se é este o caso, falta totalmente a união interna. As asso-
ciações de valores, ou coletividades pelo contrário, sentem-se
enlaçadas por seus valores espirituais ou, melhor ainda, pelos meios
de cuja estrutura espiritual servem de base esses valores. Conside-
rações racionais são as que enlaçam os homens para a vitória de
um fim, por intermédio das convenções estipuladas.
Quão certa é esta diferença entre a coletividade e a sociedade,
pode-se observar facilmente, no fato de que a saída de uma cole-
tividade ou associação de valores, por exemplo, de uma comuni-
dade religiosa ou nacional e ainda política, supõe para os perten-
centes à mesma um defeito maior ou menor, enquanto em se tra-
tando de uma sociedade, isto é, de uma simples associação de fins,
não supõe para quem dela sai, a menor mancha.
A coletividade real acessível, a que pode pertencer cada indi-
víduo e virtualmente pertence, é a nacional coletividade popular.
Nela é possível viver valores espirituais em bens comuns, e pode-
-se pensar no cultivo comum desses bens, e existem organizações
para completar-se reciprocamente, na realização dos valores. Jun-
taremos ainda mais que a união nacional é, incluindo quando coin-
cide com uma associação religiosa, a única portadora de valores
essenciais, que em qualquer forma individual pode fazer viver na
instrução do educando. Em linguagem comum da coletividade
nacional que, por sua vez, se desenvolveu a expensas do caráter
próprio da nação e se oferece como meio de captar ainda bens
mais elevados, fazendo-os compreensíveis para todos. A suprema
força moral alcança a comunidade nacional quando seus mem-
bros compreendem a significação desse portador coletivo de va-
lores, e sentem o estímulo de contribuir para a perfeição moral.
Isto é o que designo “sentimento nacional”. Marcha paralela-
mente à aspiração dos valores morais da personalidade; ambos se
acham em um ambiente de contínuo intercâmbio efetivo. Nada
vence o seu valor pessoal, mais ainda pelos bens comuns da nação
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e nenhuma nação chega ao conhecimento de sua finalidade especial,
sem uma consciência nacional de todos seus membros isolados.
Muito diferente desta consciência nacional é a política. O esta-
do é uma organização jurídica soberana da coletividade com o
fim de compensação de interesses conforme a justiça e a equidade.
O convencimento de que tal sistema de direito é indispensável
para a coletividade nacional, e a boa disposição de colaborar dire-
tamente ou indiretamente para dar a este sistema estrutura mais
justa, constitui o que chamamos consciência política. A educação
orientada neste sentido é a essência da educação cívica.
A necessidade da educação cívica não é impugnada, hoje em
dia, quase por ninguém. Eis porque posso prescindir neste ponto,
de toda outra direção, com respeito ao fim de organização dos
estabelecimentos de preparação do magistério. Muito diferente é
o que sucede quanto à necessidade da educação nacional. E esta é
a terceira questão que assinalo.
A instrução total do educador e mestre deve ser animada pelo
espírito nacional. O que eu compreendo sob esta indicação, fica
esclarecido suficientemente nos meus argumentos anteriores. Não
se trata neste caso do nacionalismo do poder e da glória, tão injus-
tamente condenado por todos e que mais ou menos tarde arruína
todos os povos, como também o sonho ideal da fraternidade de
um internacionalismo ignorante de povos e raças. Pelo contrário,
trata-se aqui da terceira das três formas do nacionalismo que eu
designei como conhecimento por parte da Nação de sua particular missão
moral em si mesma. Seria um disparate se não quiséssemos reconhe-
cer que, neste assunto, temos muito que aprender de um grande
número dos significados portadores do sentimento nacional na
Inglaterra e dos Estados Unidos. Este nacionalismo é um bem
ideal. Nele vê o social democrata Engelbert Pernerstorffer, de Viena,
um enriquecimento da humanidade mediante uma forma especial
de manifestação. É exatamente um enriquecimento da humanidade,
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do mesmo modo que cada personalidade supõe um enriqueci-
mento da cultura.
Já assinalei de antemão que esta terceira condição é naturalíssima
em todo povo são. Mas a Alemanha atualmente não pode conside-
rar-se como tal e, sim, como um povo enfermo. Com grande pres-
teza trataram os mestres alemães em suas escolas primárias de tirar
no que fosse possível, durante os anos de 1929 e 1930, tudo o que
pudesse obstar o cultivo do sentimento nacional. Grande número
de livros de leitura, histórias e de canções das escolas primárias e
secundárias foi submetido à depuração de desaforos nacionais.
O trabalho iconoclasta, contra retratos e bustos, começou: o
culto de que eram objeto muitos heróis foi anatemizado como
manifestação reacionária. Contudo, em 1926, deu-se um caso de
que, por motivo de ter-se utilizado um retrato de Frederico o
Grande em um selo postal, a Administração Nacional dos Cor-
reios fosse objeto de violentos ataques. Se tratamos de levar este
espírito às novas instituições de preparação do mestre, não tere-
mos de nos esforçar muito mais por conseguir a educação da
nação alemã, pois que será prontamente um povo que pertencerá
ao passado. Não discutirei a necessidade de uma revisão dos livros
escolares de História. Em troca, todo aquele que se pode consi-
derar como verdadeiramente nacionalista, e que se oferece em nos-
sos cantos e poesias patrióticas, nas imagens e representações dos
grandes homens e mulheres, sejam operários ou príncipes, deve
viver eternamente no espírito dos centros preparatórios do mestre
e ser objeto, antes de tudo, do mais solícito cuidado e veneração.
Podemos suprimir sem temor os hinos reais; nunca me foi possí-
vel suportar sua falta de veracidade. Mas as verdadeiras imagens
imperecedouras dos grandes príncipes alemães, como as figuras
de outros grandes homens, devem viver sempre na alma dos nos-
sos futuros educadores e mestres, e por meio deles em nosso povo.
Igualmente, o cúmulo dos cânticos patrióticos, começando pelos
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de Ernesp Moritz Arndt, Henrion Lersch (“acredito na Alemanha
como em Deus”) e o do célebre escritor social democrata Karl
Broger; “Sempre temos conhecido um profundo amor por ti,
mas nunca lhe demos um nome. Em forma grandiosa se mostrou
no maior de teus perigos, que teu filho mais pobre, foi por sua vez
o mais fiel. Alemanha!”, e o arrebatador canto com o qual milha-
res de pessoas marcharam para a morte: “Deutschland, Deutschland
über alies”. Todas as manifestações patrióticas devem existir eter-
namente no coração de nossos mestres. Se não encontrarem um
cuidado mais solícito em nossas diferentes escolas, é que merece-
mos sucumbir ao destino que nos foi traçado.
Não acentuo estas possibilidades como em uma fantasia
enfermiça, posto que já foram realidades. Certamente, nossos me-
lhores cantos nacionais nasceram nos tempos mais difíceis de nossas
situações guerreiras. Mas o hino nacional da França, A Marselhesa,
não o é menos; foi o canto dos voluntários marselheses, quando, em
1792, entraram em Paris. Quem se atreveria a tirar dos livros esta
canção de guerra e das escolas francesas? Quem ousaria fazê-lo na
Inglaterra com seu hino nacional?
[...] Se, em troca, se chega a perder o sentimento nacional por
parte do magistério de um povo, se não está guiada toda instrução
por dito sentimento, pode também considerar-se perdido para a
nação. Ninguém compreendeu isso melhor do que Raymond
Poincaré, cuja preocupação essencial se dirigia a elevar até a exaltação
o sentimento nacional de todo o magistério francês (pp. 114-120).
2.28 Desta forma chegamos à quarta condição indispensável,
que pode aplicar-se não somente à preparação do mestre, e, sim, à
toda formação. Evitar toda acumulação de ciência e conhecimen-
tos, favorecendo, em troca, no possível, a educação espiritual e,
sobretudo, a capacidade de viver os valores. Não existe, por outro
lado, uma profissão que a respeito desta condição ofereça maiores
perigos que a formação do mestre escola. Não é por causa disso,
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somente, que esses ensinamentos da escola primária oferecem co-
nhecimentos de todos os ramos da ciência (zoologia, botânica,
mineralogia, física, química, geometria, matemática, história, geo-
grafia, religião, literatura e gramática); deve-se ter em consideração
um elevado número de manifestações técnicas, trabalhos manuais,
canto, etc. que continuamente se apresentam novas demandas
introduzidas em Breslau por Hake, e que consiste também em que
os mestres, incluindo os dos graus superiores nas escolas das gran-
des cidades, se obstinam em manter o sistema de mestres de grau.
Unicamente, em casos isolados, adotam uma discreta divisão do
trabalho; na forma em que se costuma nas escolas anglo-saxônicas.
Das ilimitadas enciclopédicas, condições que ao mestre se exi-
gem, ocupou-se acertadamente Hermann Itschner no quarto vo-
lume de seu “tratado de ensino” da mesma forma que Eduardo
Spranger se manifestara contra o dito enciclopedismo, em sua obra
Pensamentos sobre a formação do mestre. Opinava o sábio e competente
ministro da instrução pública da Saxônia, Dr. Seyfert, que era ne-
cessário opor-se ao múltiplo emprego do mestre escola. Não é
sem dúvida esta multiplicidade que deve assinalar o ponto de par-
tida na preparação do mestre, e sim a ideia da formação. Mas esta
supõe uma limitação nas possibilidades individuais e certa profun-
didade da dita limitação. Querer dominar profundamente o reino
total do terreno infinitamente variado do conhecimento, e tratar
de levar a técnica científica, manual, artística e econômica ao mes-
tre de escola primária, será a morte de todos os esforços que ten-
dem a elevar a preparação do magistério, embora predominem
nas Academias pedagógicas. Por isso, solicitei em todos aqueles
lugares, em que mais se pode aprofundar o ensino, como no caso
das grandes cidades com respeito à escola unitária rural, que o
mestre das classes superiores se proponha uma determinada di-
visão do trabalho, dedicando-se uns de preferência às ciências exa-
tas e naturais, e outros, ao terreno literário histórico.
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ANTONIO GRAMSCI
Requeri, por isso, que especialmente das matérias de ensino téc-
nico, como desenho, canto, ginástica, trabalhos manuais, economia
doméstica, sejam encarregados professores técnicos especiais. Se a
escola rural unitária se vê obrigada a renunciar a isto, deve continuar
a escola graduada de grande cidade, no diletantismo que até agora
cultivou? Quanto mais se prefere o desenvolvimento da escola pri-
mária dentro de uma sã realização da ideia escolar do trabalho, e
quanto mais se afaste do princípio da simples transmissão de ciência
e da iniciação dos diferentes ramos da técnica, e a criação de conhe-
cimentos lhe faça entrar no caminho da experiência, tanto mais ne-
cessária será a divisão do trabalho entre os que ensinam. Ainda mais,
acontece que os técnicos, sejam científicos, manuais ou artísticos,
necessitam, não somente qualidades especiais, senão uma prepara-
ção de muitos anos. O domínio dos métodos científicos mais essen-
ciais, procedimentos artísticos e formas de trabalho, unicamente pode
conseguir um gênio universal, que chegou a se familiarizar, jogando
com a técnica ou alguém que não possua técnica alguma.
Um dos sinais mais patentes da média instrução, da ilusão e da
falta de sentido autocrítico, é acreditar que podemos alcançar to-
dos os conhecimentos técnicos, simultânea e rapidamente. O físi-
co trabalha na universidade de quatro a oito meses no laboratório
de física; o operário manual que intenta dominar a técnica de um
ofício complicado, como carpintaria, serralheria mecânica de pre-
cisão, precisa de longos anos de trabalho; o músico, o desenhista, o
pintor, o escultor empregam toda a sua juventude na aprendiza-
gem de suas receptivas técnicas e, limitando-se a estas, seguem
aprendendo embora, durante todo o curso da vida. Pode existir,
pois, a crença de que será mais fácil obter a técnica da investigação
filológica, histórica ou matemática, e é possível que não se tenha
ideia de que, precisamente, cada uma das especialidades exige um
homem completo? Se possuímos verdadeira instrução, mostre-
mos sobretudo que sentimos profundo respeito diante do domí-
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COLEÇÃO EDUCADORES
nio efetivo de qualquer setor espiritual, artístico, econômico ou
industrial; respeito que brota da experiência própria de adquirir
um domínio efetivo em qualquer setor limitado, e da compreen-
são dos bens que nascem de tal capacidade. Com o domínio da
técnica científica, artística ou manual, se estabelece, por sua vez, a
metodologia especial da escola do trabalho, ao menos em suas
características essenciais, pois toda a metodologia se apoia, em ul-
timo ponto, na lógica imanente de cada ciência, arte ou ofício. É
impossível, em troca, conseguir o domínio de uma matéria, se não
se domina de antemão sua lógica imanente.
Muito diferente é o caso que diz respeito ao espírito pedagógi-
co, que também se deve exigir ao técnico quando quer ser mestre.
Esse espírito pedagógico não é mais do que o espírito pestalozziano:
não é do homem teórico e sim correspondente ao homem social.
Tampouco necessita o técnico completo ser um educador e, sem
dúvida, enquanto não apresente um certificado, de aptidão neste
respeito, não lhe deve ser permitido atuar como professor, ao me-
nos nas instituições de formação. Eu desejaria ampliar esta exigên-
cia, não somente na escola primária, como em todos os estabele-
cimentos de ensino, sem exceção. As consequências que deles se
depreenderiam não podem ser objeto de estudo neste trabalho.
Somente desejo fazer uma objeção, a mesma que Seyfert assinalou
diante de Spranger:A escola unitária rural necessita de mestres que
possuam muitos e diversos conhecimentos”. Neste ponto choca-
mos com uma das maiores antinomias práticas de toda a preparação
do mestre primário; mas não há possibilidade de resolver de um modo
exaustivo o problema, sem que nos ponhamos em contraposição
com a essência da instrução. Portanto, devemos aceitá-lo, ainda que
seja à custa da verdadeira instrução, porque a preparação efetiva do
mestre, não aparente do in omnibus aliquid, é a força primordial de toda
instrução pública. Existem milhares de composições; mas, prefiro
abandoná-las à meditação própria do leitor (pp. 121-126).
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ANTONIO GRAMSCI
(...)
2.30 O mestre primário deve possuir uma grande quantidade
de conhecimentos no terreno intelectual e técnico; o professor da
escola secundária pode aprofundar com toda a sua alma no setor
do saber, idêntico ao mestre de uma arte ou de um ramo técnico.
Desde o momento em que um destes últimos elegeu o terreno no
qual suas qualidades fundamentais se ajustam, mediante o cultivo
de sua própria natureza, contanto que mantenha estreita união com
sua formação social, religiosa e nacional, e graças ao desenvolvi-
mento de sua individualidade especial, consegue encontrar por si
mesmo o caminho que conduz à sua personalidade. Seguindo este
caminho pode ainda acumular abundante quantidade de conheci-
mentos, caso não tenham precisamente valor formativo para ele
mesmo. Quanto aos grupos de professores científicos das escolas
superiores, de artes e técnicas, fica já determinado nesta forma
qual o caminho a seguir, em sua formação. Um compreende a sua
preparação intelectual graças à sua ciência, outro por sua arte, e
outro pelo ramo da técnica cuja estrutura se acomoda à sua pró-
pria estrutura espiritual. Quando seus dotes são suficientes, encon-
tram, logo partindo desta origem, a entrada ao reino daqueles va-
lores que se diferenciam dos nacionais religiosos ou sociais. O que
precisam como mestres, para sua preparação, é a instrução teórica
e prática sobre as possibilidades de influir no ser humano, uma
instrução que podemos limitar, em geral, ao estudo do ensino, ou
Pedagogia, e ao estudo da alma ou psicologia, em união com os
exercícios práticos. Também pode ser comum sua preparação, mas
não deve ser. Exigir a todo custo ao professor de desenho, ou de
qualquer outra arte liberal, como de um ramo elevado da técnica,
a da formação em uma escola superior de nove anos, é um para-
doxo incrível. Que este requisito não esteja evidenciado como ab-
surdo se deve à circunstância da sobrecarga de todas as profissões,
e à necessidade de colocação da maior parte dos técnicos e artistas
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COLEÇÃO EDUCADORES
com diversa e abundante capacidade teórica, que lhes permite se-
guir os estudos em um ginásio de nove anos.
Para o mestre de uma arte técnica, igual do que para o profes-
sor de uma ciência, é imprescindível, junto a qualidades sociais, o
domínio de sua técnica, arte ou ciência, que por sua vez supõe a
posse de uma qualidade espiritual. Um homem tal que, junto a
uma intensa disposição social, que de antemão se lhe deve exigir,
possua qualidades poderosas em todos os setores da vida cultural,
se consideraria tão raro como um corvo branco. Um gênio tão
universal como Goethe nunca pode vencer a compreensão pro-
funda das obras do herói supremo da musica alemã; Goethe pas-
sou adiante de Beethoven, que por sua parte o admirava – e com
maior anelo procurou uma relação pessoal em Teplitz – como
diante de um homem vulgar. O olhar de Goethe não podia pe-
netrar a profundidade infinita da arte beethoviana (pp. 128-130).
2.31 O mestre primário pertence aos operários intelectuais,
exatamente igual aos professores de um setor científico. O centro
de gravidade de seu dom, segundo o temos visto, está mais na
tendência ao que é pessoal que na direção ao terreno material.
Quanto mais cedo intervém na formação das gerações vindouras,
tanto mais difícil é que passe ao primeiro lugar qualquer terreno
material com sua estrutura. Mas compreender e julgar os fenôme-
nos da vida pessoal necessita um estudo espiritual muito intenso,
embora poucas vezes o fator nacional e muito mais frequente-
mente a estrutura irracional da própria personalidade, proporcio-
na a chave para tal compreensão e juízo. O homem pobremente
dotado no aspecto intelectual não pode ser nunca um bom mes-
tre. Ainda, sucede que a inclinação para ser educador, pelo menos
nos homens, aparece dificilmente antes dos 17 ou 18 anos. Na
mulher aparece muito mais cedo (o instinto maternal, com
frequência, é poderosamente desenvolvido em meninas ainda). Em
todo o momento será mais conveniente, ainda, que as instituições
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sejam, em geral, comunidades de vida, trabalho e educação, se-
gundo venho exigindo desde muitos anos, posto que tão só nelas
será possível descobrir o dom social.
De tudo isso se deduz que os estabelecimentos de preparação
para o magistério, como profissão intelectual, devem ser análogos
aos das demais profissões intelectuais. Os três anos da escola pre-
paratória, somados com os da primária, com sua característica de
porte memorista de conhecimentos, nunca foram centros de for-
mação, nem sequer para o Magistério e, se por uma parte eram
tardios para os estudos intelectuais, eram demasiado prematuros
para a eleição de uma profissão.
As escolas construtivas, tão recomendadas hoje em dia, apre-
sentam as mesmas falhas e ainda quando tratam de entrar em com-
petência com os preparatórios de nove anos estabelecidos para os
operários intelectuais, apenas o podem oferecer os mesmos resul-
tados que estas, ao menos nos casos normais, pois, não em vão, se
deixam escapar quatro anos de disciplina espiritual na idade juvenil
de homens e mulheres. A escola pública não pode assumir tão
oportunamente esta missão como as escolas especiais para operá-
rios intelectuais. Sempre há exceções, mas as escolas construtivas
não devem ser uma exceção e sim verdadeiras regras. Sobre os
perigos que tais escolas encerram, sobretudo quando aspiram a ser
escolas para indivíduos bem dotados, se ocupou muito acertada-
mente M. Vaerting.
Em tudo que se refere à preparação do mestre, pode encomen-
dar-se à escola secundária de nove anos. Os seminários de mestres
existentes com seus três anos podem ser assinalados como uma
continuação dos ginásios humanistas, ou científicos naturais e mate-
máticos, incluindo-os na série dos anteriores tipos de centro de pre-
paração. Dez anos atrás fiz já tal proposição. Se existissem institui-
ções educadoras semelhantes ao Landerichungsheirne, à base de um
ensino de seis cursos, completados por mais três, parecidos aos de
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COLEÇÃO EDUCADORES
nossos seminários para mestres, ensino organizado tendo em conta
as necessidades dos estudos superiores se fossem tais centros, ver-
dadeiras comunidades de vida, trabalho e educação, com abundân-
cia de possibilidades de práticas para desenvolver as propriedades
pedagógico-sociais ao educador, não somente as preferiria para a
formação do mestre primário e sim para a preparação de todo o
magistério. Podiam apresentar um caráter linguístico ou matemático
naturalista. Escuso-me de dar aqui mais pormenores sobre este ponto.
É uma leviandade deixar intactos os atuais centros de preparação
do magistério, que sem dúvida, graças à sua forma de internatos,
poderiam mudar-se em institutos pedagógicos, que não fossem becos
sem saída como os estabelecimentos de agora. Uma vez mais repe-
tirei: “o espírito pedagógico é o espírito humanista”.
Se existissem, ainda mais, como continuação nas universidades
alemãs, instituições análogas às dos Colégios de Oxford, Cam-
bridge, Harvard, Yale, que eu admirei como verdadeiras comunida-
des de vida, trabalho e educação, com caráter científico, teríamos
conseguido a organização total da formação do magistério, se-
gundo eu a concebo.
2.32 Chegamos ao final de nossas considerações teóricas so-
bre a organização da preparação do mestre, e não somente do
mestre primário. Na Alemanha, pode considerar-se como decidi-
do, em forma geral, quando se refere à preparação do mestre
nacional. Em termos gerais sem encomenda na Prússia, Saxônia,
Hessen, Turíngia e Hamburgo, às escolas superiores de nove anos.
Os demais estados deveriam seguir este exemplo. Com ele conse-
guiu alcançar a preparação dos mestres alemães, um terreno que,
mais ou menos tarde, havia de alcançar e se realizou um suspirado
anelo que os mestres primários sentiam, há muito tempo. O futu-
ro nos fará ver se o desenvolvimento real deverá ser continuado
neste sentido: se não teremos de aceitar a escola preparatória de
seis anos, que embora não exija menos requisitos que as de nove,
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apesar de toda opinião contrária, continuará sendo uma escola que
acumulará numerosos conhecimentos, mas nunca uma instituição
para uma verdadeira disciplina espiritual. O ponto de partida da
ideia pura da instrução o tem tão pouco presente, como na escola
elementar de nove anos com sua nova forma; nesta, outros moti-
vos formaram o elemento impulsivo. As escolas construtivas fo-
ram idealizadas originariamente para os alunos sobressalentes das
escolas primárias, que devido a sua situação econômica ou por
escassez de possibilidades ulteriores de preparação no lugar em
que se acha estabelecida a escola deviam permanecer mais quatro
anos na escola primária. No norte da Alemanha, apareceram já
estas escolas em tão grande número, que para poderem existir, se
verão obrigadas, muito depressa, a renunciar à sua primitiva fina-
lidade; neste caso não poderão marchar no mesmo passo que as
escolas de nove anos. Com as instituições preparatórias de nove
anos que, ao mesmo tempo, abriram caminho, na Alemanha, para
toda profissão intelectual, terminou o beco sem saída em que se
encontravam os mestres alemães uma vez que proporcionaram
aos alunos o instrumento para uma instrução profissional eficaz.
Agora se apresenta a difícil questão da contextura e o lugar desta
preparação profissional cuja sorte ainda não está decidida. Inaugu-
raram Universidades e Escolas Técnicas superiores; fundaram Aca-
demias pedagógicas, a semelhança das de Música e Artes plásticas.
A qual destas instituições haveremos de conceder nossa preferên-
cia? Aqui está uma contestação que unicamente o futuro poderá
responder: tratar de resolvê-la teoricamente só poderá dar alguma
luz a respeito da parte fundamental. Segundo nossas anteriores
manifestações sobre a alma do educador e mestre, o princípio
deverá se levar à sua realização prática a lei do amor que existe no
aspirante, e tão somente partindo dessa realização, ir remontando-
-se nas questões teóricas, encaminhando-as para uma solução ra-
cional. A escola profissional superior deve basear-se na totalidade
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do homem social. Esta é uma posição bem diferente da que mos-
tram as atuais Universidades alemãs. Não têm presente de maneira
alguma, ao homem completo; dirigem-se exclusivamente à sua
parte intelectual, supondo, sem dúvida, que por sua vez do ho-
mem teórico, se forma o prático social e que simultaneamente se
desenvolve nele um ethos profissional que tende à totalidade. A
experiência nos demonstra, sem dúvida, que esta crença geral não
pode ser mantida, posto que o homem social somente se desen-
volve na atividade social, crescimento tanto mais favorável, quanto
melhor penetrado esteja de conhecimentos científicos. Mas toda a
peculiar ação pedagógica, que não se desenvolve precisamente,
com o simples curso das ideias, como sucede nas Ciências Jurídi-
cas, a Medicina ou a Técnica, é em muito distinta forma, funda-
mento da formação profissional. Não necessita o jurista, conside-
rar com amor, ao acusado, nem o médico a seus enfermos, nem o
técnico à uma máquina, para que possam falar com justiça, emitir
um diagnóstico ajustado, ou construir uma máquina que funcione
economicamente. O educador em troca não poderá obter ne-
nhum proveito sem uma contribuição de amor, por muita sabe-
doria que haja acumulado em sua inteligência: “Eu sou o que sou,
por meu coração” – disse Pestalozzi a seu neto, e esta forma tem
validade para os pedagogos de todos os tempos e países.
Portanto, poder-se-ia dizer: as Universidades alemãs devem
adaptar-se mais, em seu ideal de formação, à totalidade do ho-
mem. Isto não é aplicável somente aos mestres primários, e sim
também aos professores científicos das escolas superiores, isto é, a
todos os homens que adquirirem nelas sua preparação científica e
sua ética profissional. Esta objeção é bem justificada; por minha
parte, sempre deplorei que as Universidades alemãs não tratem de
alcançar, pouco a pouco, o ideal inglês. Nunca tive ocasião de ouvi-
lo declarar, como por ocasião do Congresso universal pedagógi-
co de Edimburgo, no ano de 1925, pelos reitores das Universidades
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da mencionada cidade e a de Glasgow. Quero referir-me agora
somente à dissertação de Sir Donald Macalister, reitor da Univer-
sidade de Glasgow, na abertura da junta da seção de Educação
Universitária. Em todas as partes deveriam estabelecer-se – dizia –
edificações especiais, não somente para residência comum, como
também em união com campos adequados para realizar exercíci-
os corporais, concursos atléticos, jogos, etc. Os clubes e as associ-
ações dos colégios cuidarão das relações espirituais e sociais du-
rante as horas de ócio. Todo ele seria um grande progresso das
universidades escocesas, que tendem a uma realização total de seus
deveres para com o Estado. Que estes deveres não se suponham
cumpridos com a simples produção de eruditos, por elevada que
seja sua sabedoria, e sim, antes, por cidadãos perfeitamente dis-
postos intelectual, moral e fisicamente, com suficiente instrução
em matéria científica, educados por meio de sua vida em comum
e por seu próprio esforço para a vida de relações recíprocas; por
um contato bem orientado, com seus camaradas, e pela ideia do
bem da comunidade nacional. Neste sentido, dirige-se segundo
sua convicção o desenvolvimento das universidades escocesas. Se
desta forma – terminou – às condições peculiares do estudante
escocês, quer dizer, à constância no trabalho intenso, à perseve-
rança de seu esforço mental, à própria responsabilidade, se unem
as outras propriedades de caráter cidadão e social, então o incre-
mento da assistência às Universidades, que alguns olham com re-
ceio, se traduzirá, antes de tudo, na eficácia de um governo mais
perfeito da comarca, do Estado, e do mundo e, em uma solução
mais rápida dos grandes problemas que não somente ajudem à
Nação como também às Universidades. Assinalo com prazer estas
manifestações, ainda que considere as Universidades alemãs ainda
muito longe de tal compreensão de seus problemas, sendo muitos
os professores que rechaçam francamente toda finalidade educativa
das Universidades, aparte da simples instrução.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Mas, todos estes grupos de bens têm uma dinâmica em seu
desenvolvimento, na qual as séries de evolução não permitem a con-
vergência e sim a divergência. Quando, no começo do século XIX,
alcançou seu novo sonho o ideal das Universidades alemãs, com o
neo-humanismo, podia alcançar-se a totalidade do homem, apesar
de sua tendência literário-estética embora não no sentido inglês
moderno, que assim mesmo revolucionou durante centenas de anos.
C. H. Becker descobriu, em um de seus papéis, um fundamento
essencial “Diante do constante afã de especialização e, ainda, do afã
técnico da Ciência está a filosofia, como ponto unitário de cristali-
zação, e toda a Ciência de nosso período idealista, de onde procede
nossa moderna ideia sobre a Universidade, tem seu centro de gra-
vidade na Filosofia e não na ciência isolada. O santo serviço da
ciência, seria santo para o fato de ter, antes de tudo, consciente ou
inconscientemente, fins metafísicos, ou melhor, de concepção do
universo. Este já não é o caso atual. Desde esse tempo a Universi-
dade, em sua organização externa, ficou como supremo centro de
preparação, ainda que seu aspecto interno modificou-se converten-
do-se exclusivamente em uma escola científica profissional. Não
houvesse seguido, sem dúvida, tal curso de evolução, se desde o
princípio não houvesse posto o germe à maneira alemã. Tanto as
antigas como as modernas Universidades inglesas, Oxford,
Cambridge, Edimburgo, Aberdem, se mantiveram fiéis ao seu ideal
de totalidade apesar do afã de especialização da Ciência e da Téc-
nica, e da redução da Filosofia à teoria do conhecimento, apesar do
pragmatismo e positivismo tão poderosamente desprezados na
Inglaterra e das variações na estrutura econômica, técnica e social
esquecida na segunda metade do século passado.
As antigas Universidades, tanto alemãs como inglesas, conti-
nuaram involuntariamente a dinâmica de sua evolução, e nenhum
mandamento externo pode originar modificação neste desenvol-
vimento, ao menos imediatamente. A modificação brotará do
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espírito de quem ensina e aprende, e terá que ser uma troca que
associe ao inapreciável bem de nossas Universidades alemãs a in-
flexível elevação dos métodos científicos em todos os centros,
com o tesouro de uma preparação prática, social e cidadã. Até que
seja levado à cabo esta inovação, não poderá se considerar as
Universidades como a forma mais justa para a preparação profis-
sional do mestre primário. Com isto não se quer dizer que nas
Universidades modernas não se devam realizar ensaios aceitando
também tal finalidade. Quando for possível encontrar professo-
rado idôneo, imposto pelo espírito da Pedagogia e não somente
da Ciência; quando esse espírito social-pedagógico viva nas novas
Faculdades de Pedagogia, não se poderá excluir a possibilidade de
que lentamente se estenda às restantes Faculdades. Ao menos isto é
de desejar no interesse da preparação científica do mestre de pro-
fissão. Entretanto, vão aparecendo na Prússia as Academias peda-
gógicas, estabelecidas sob a direção de seu ministro de Instrução
Pública C. H. Becker, e de acordo com a ideia assinalada e requerida
pelo professor Eduardo Spranger, tão insistentemente, desde 1920,
ao considerar-se tais estabelecimentos como os mais indicados para
resolver este novo problema. São, estas novas instituições, livres
do lastro que supõe um passado mais ou menos curto. Podem se
organizar como comunidade de trabalho e de vida, dirigidas à
formação total do aluno, e sua tarefa científica pode basear-se
imediatamente na prática pedagógica, da mesma forma que as
Academias de música têm seu fundamento na prática musical, e as
Academias de Artes plásticas na pintura, escultura e arquitetura.
Nos casos em que o número de alunos está suficientemente limita-
do, podem se desenvolver como verdadeiras comunidades de
formação, que alcancem na mesma forma de animado intercâm-
bio, tanto aos professores como aos estudantes, e que sirva de
exemplo, quando o jovem mestre entre na prática de sua profis-
são. O problema mais difícil é de momento, encontrar professo-
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res e diretores capacitados, isto é, pessoal docente que sinta,
indestrutível em si, os erros pedagógicos, e que esteja animado, ain-
da, pelo espírito do verdadeiro método científico. Mas com a ideia
de que estas instituições especiais de preparação, e com a exposição
do espírito que os deve animar, não está resolvido ainda o proble-
ma, posto que ainda resta por assinalar o tempo que a preparação
deve durar e o alcance dos meios de ensino. As opiniões se acham
divididas sobre este ponto. Enquanto Eduardo Spranger, na obra
repetidamente mencionada, exige três anos de especialização, tal como
foi ensaiado em Hamburgo, conformando-se as Academias
prussianas com dois anos, de acordo com a Memória publicada,
em agosto de 1925, pelo Ministério de Instrução Pública e Belas
Artes. A decisão a respeito da necessidade da proposição de Spranger
e a do decreto ministerial depende do alcance dos bens de ensino no
qual há de ser iniciado o aspirante. Se, se limitam essencialmente
simples teorias da Pedagogia e às noções elementares de suas ciênci-
as auxiliares, são suficientes dois anos para sanar essa necessidade; se,
em troca se exige o estudo de outras ciências não serão suficientes
três anos sempre que tal estudo tenha de produzir mais frutos que o
simples conhecimento do trabalho de investigação científica. Incluso
será insuficiente cursar durante dois anos os estudos da Escola pro-
fissional superior, se se aspira a proporcionar uma suficiente prática
pedagógica. A variedade do trabalho pedagógico, na prática, e o
acesso imediato ao mesmo são tão necessários, que se pode consi-
derar resolvido, tão somente com este, o tempo de três anos. O
Teacher Training College, recentemente organizado na Universidade
de Cincinnati, amplia seu profissional “teaching”, depois de cursado
seis ou sete anos de preparação, a três anos, dos quais o último curso
de Colégio (quinto) se dedica exclusivamente a práticas de ensino
nas escolas públicas de Cincinnati.
Somente a aqueles que conseguem o grau de bacharel em Ciên-
cias de Educação, por um exame prestado na terminação do 2.°
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ano, dos dois dedicados à preparação profissional, se lhes permite
efetuar tais práticas no 3.° ano. Sem estas práticas anuais, dirigidas e
inspecionadas pelo mesmo Colégio, ninguém pode obter o certifi-
cado de mestre examinador. Eu creio que pese a toda limitação do
campo de ensino que todas as Academias pedagógicas mostram
(até nos casos em que não se exige outras ciências, fora da Pedago-
gia sistemática, Psicologia Ética, História da Pedagogia, História da
Filosofia, Didática, das diversas matérias de ensino na escola pri-
mária, tal como a idealidade da escola do trabalho exige) apresenta
uma quantidade quase insuperável de matéria teórica.
Ajunte-se, ainda (segundo a Memória do Ministro prussiano),
educação musical, plástica e técnica em trabalho manual, que, quando
não conduzem a um diletantismo pernicioso, exigem uma porção
considerável do tempo dedicado ao estudo. Deve-se estabelecer
um 3° ano dedicado à prática da Pedagogia, se não nos quisermos
ver na necessidade de assistir à ressurreição do espírito dos antigos
seminários de mestres em um grau ainda mais elevado. Assim mes-
mo, ainda com a exagerada limitação de matérias de ensino científi-
co desses cursos, se ocultam extraordinários perigos, o mesmo para
a escola que para a formação do magistério. Não necessito determi-
nar estes perigos, posto que quem fez conscientemente esta investi-
gação os encontrará sem esforço. Tratarei somente de assinalar um
deles: a perda do que denominei adaptação pessoal, a transição do
homem social ou teórico, que pode acontecer muito facilmente en-
quanto se manifestem potentemente, no indivíduo, essas tendências.
Isto podemos afirmá-lo perfeitamente: o trabalho mais inquieto e
batalhador é o do homem social, e, a seu lado, o trabalho do inves-
tigador produtivo ou do artista equivalem a um pacífico passeio
sob palmeiras. Igualmente teremos de ajuntar que o grandioso en-
canto que para um talento teórico supõe o aprofundamento de es-
sência, e o ser das coisas levadas ao ponto de gravidade da forma
de vida social à forma de vida do homem teórico. Muito facilmente
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aparece um desinteresse que, apesar da máxima perfeição na for-
mação do mestre, impede chegar à salvação da escola primária;
pude observá-lo durante minha longa vida, e não somente nos de-
mais, como em mim próprio. Não foi só a consequência de minha
própria vida a explicação dada na Conferência da Escola Nacional,
em Junho de 1920, e que ao ser subscrita por mestres e professores
de todas as categorias, me evidenciaram quantos eram os que par-
ticipavam de minha preocupação. Dele se deduz que “o germe”
essencial do mestre primário, como educador, não consegue seu
desenvolvimento perfeito com a simples preparação intelectual, e
que se não encontrarmos novas instituições capazes de desenvolver
esse germe (segundo solicitei no princípio) será muito possível que,
com a ordem atual das coisas, disponhamos de melhores “instruto-
res”, mas não de educadores mais aptos. É de temer que, com a
preocupação exclusiva da preparação intelectual, pereçam as condi-
ções peculiares de todo educador, destruindo-as mais que desenvol-
vendo-as. O que com a maior urgência necessitamos, o expressou
em outra forma (aplicável aos mestres de todos os centros) e na
mesma conferência o representante juvenil alemão, Walter Matthey,
ao terminar assim “Dai-nos homens que possuam, graças à Vossa
preparação, corações ardentes para a juventude; dai-nos as pode-
rosas personalidades que a juventude anseia”.
A preocupação dos antigos coincide neste aspecto com a an-
siedade da juventude. Somente na plenitude da forma social da
vida deveremos buscar o ideal do mestre e educador.
A salvação da escola primária não está em Kant nem em
Goethe, e sim em Pestalozzi (pp. 133-143).
História da pedagogia,
de F. Cambi
3. Escola do trabalho: educação pela ação
3.1 A educação prática objetiva três aspectos fundamentais: a
habilidade (como “característica da mente”), a prudência (que deve
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124
ANTONIO GRAMSCI
ser seguida nas relações com os outros) e a moralidade (é uma
característica interior, ligada à “moderação”).
Nas páginas dedicadas à educação prática retornam as caracte-
rísticas fundamentais da ética kantiana: o apelo ao dever, exaltação
de virtudes destinadas à sublimação do eu (autocontrole) ou à valo-
rização de comportamentos empenhados e produtivos (a tenaci-
dade), o papel central das regras como meio de formação moral.
Retornam, portanto, não só o formalismo, como, também, o
rigorismo do pensamento ético de Kant, que fazem do filósofo
alemão, como foi dito por muitos, o maior teórico da ideologia
burguesa na fase da sua decolagem europeia. Kant fala de “deveres
para consigo” e “para com os outros”, da centralidade do “direito”
e da “razão” e remete, enfim, a uma educação religiosa, a iniciar-se
já na idade infantil, que conjugue “Deus e dever” e que sirva para
preparar as crianças para compreender e viver a “lei do dever”.
O modelo pedagógico elaborado por Kant, embora exclusiva-
mente teórico e desprovido de remessas à experiência concreta da
vida infantil e da vida escolar, afirma-se como uma das maiores
elaborações da pedagogia iluminista, confiante nas reformas e, em
particular, na reforma da sociedade através da educação, mas tam-
bém como uma concepção original (pela forte conotação ética que
o distingue) assim como orgânica (ainda que esquemática). Isso jus-
tifica a longa influência que esse modelo terá, especialmente na
área alemã, durante todo o curso do século XIX, mas chegando,
de formas diversas, a atingir também alguns setores da pedagogia
do nosso século (desde a “escola do trabalho” de Kerschensteiner,
tão atenta aos “valores”, até o próprio “ativismo” deweyano, tão
sensível ao chamado “primado” da educação e ao problema da
formação ética do homem) [pp. 364-365].
3.2 Entre o último decênio do século XIX e o terceiro decênio
do novo século, afirmam-se na pedagogia mundial algumas experi-
ências educativas de vanguarda, inspiradas em princípios formativos
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125
COLEÇÃO EDUCADORES
bastante diferentes daqueles em vigor na escola tradicional. Na base
dessa consciência educativa inovadora estavam não só as descober-
tas da psicologia, que vinham afirmando a radical “diversidade” da
psique infantil em relação à adulta (a qual, em geral, era sempre assi-
milada), como também o movimento de emancipação de amplas
massas populares nas sociedades ocidentais, que vinha inovar pro-
fundamente o papel da escola e seu perfil educativo, rejeitando deci-
sivamente seu aspecto exclusivamente elitista. Embora as “escolas
novas” nasçam e se desenvolvam como experimentos isolados, li-
gados a condições particulares e a personalidades excepcionais de
educadores, elas, justamente porque tiveram imediatamente ampla
ressonância no mundo educativo, propiciaram uma série de pes-
quisas no campo da instrução, destinadas a transformar profunda-
mente a escola, não só no seu aspecto organizativo institucional, mas
também, e talvez, sobretudo, no aspecto ligado aos ideais formativos
e aos objetivos culturais (p. 514).
3.3 Kerschensteiner elaborou um modelo de escola nova que
chamou “escola do trabalho”. A formação pedagógica de
Kerschensteiner ocorre através de Dewey e seu recurso ao aspecto
manual da educação. Na obra O Conceito da escola do trabalho, propu-
nha renovar o currículo tradicional dos estudos, especialmente o
elementar, com a introdução do trabalho. O trabalho é de fato a
atividade fundamental do homem e como tal deve ser posto no
centro da educação infantil, mas deve ser um trabalho preciso e
sério, desenvolvido coletivamente e cotado de valor real (isto é, pro-
dutivo, mesmo que não-econômico). Para desenvolver tal trabalho,
as escolas precisam ser dotadas de laboratórios e oficinas aparelha-
das (como o próprio Kerschensteiner fez em Mônaco, quando foi
encarregado de iniciar uma reforma orgânica das escolas profissio-
nais pós-elementares).Todavia, o trabalho não é fim em si mesmo;
ele deve “cuidar para que as representações dos fins da ação produ-
zam uma reação de natureza objetiva, uma reação voltada para um
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126
ANTONIO GRAMSCI
valor objetivamente apreciado ou eterno, a um valor de verdade, de
moralidade, de beleza, de liberação, em suma, um valor de ordem e
de coerência espiritual em si mesmas”. O trabalho resulta, portanto,
educativo quando é plenamente consciente das próprias finalida-
des globais. A escola pública renovada sobre a base do trabalho
deve tentar atingir uma formação profissional, uma formação
moral e uma educação social da criança e do jovem. Assim a for-
mação social é vista como objetivo fundamental da escola po-
pular, enquanto esta deve ser aos rapazes, como ideal da vida, o
colocar-se a serviço dos outros, mediante o mesmo empenho que
cada um deve assumir para desenvolver com precisão e responsa-
bilidade o próprio trabalho (p. 517).
3.4 A ligação que a pedagogia vem estabelecer com a ética
12
faz a disciplina assumir um caráter mais estritamente filosófico e,
portanto, “científico”. De fato, de “uma arte aperfeiçoada por
muitas gerações”, substancialmente “mecânica” (isto é, “sem pla-
no subordinado a circunstâncias determinadas”), deve tornar-se
“ciência”, ligando-se a uma antropologia, individual e social, de
base “racional”. “O mecanismo na arte educativa deve transfor-
mar-se em ciência, caso contrário jamais será possível uma empre-
sa coerente, e uma geração poderia destruir o que a outra fez.”
Para que isso aconteça, é necessário inspirar-se em dois princípios:
educar para um “estado melhor no futuro, segundo a ideia da
humanidade e da sua destinação” e desenvolver “um plano
educativo cosmopolita”. E aqui estão o Kant iluminista, teórico da
história como progresso, e o Kant político, teórico da “paz perpé-
tua”, a imiscuir-se na obra pedagógica (p. 363).
3.5 A característica comum e dominante dessas “escolas no-
vas”, que tiveram difusão predominantemente na Europa ocidental
e nos Estados Unidos, deve ser identificada no recurso à atividade
12
Essa relação é essencial na pedagogia de Kerschensteiner, e suas reflexões sobre a
questão da ética ocupam um espaço significativo em sua obra.
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127
COLEÇÃO EDUCADORES
da criança. A infância, segundo esses educadores, deve ser vista como
uma idade pré-intelectual e pré-moral, na qual os processos cognitivos
se entrelaçam estreitamente com a ação e o dinamismo, não só motor,
como psíquico da criança. A criança é espontaneamente ativa e ne-
cessita, portanto, ser libertada dos vínculos da educação familiar e
escolar, permitindo-lhe uma livre manifestação de suas inclinações
primárias. Em consequência desse pressuposto essencial, a vida na
escola deve sofrer profundas mudanças: deve ser, se possível, afas-
tada do ambiente artificial e constritivo da cidade; a aprendizagem
deve ocorrer em contato com o ambiente externo, em cuja desco-
berta a criança está espontaneamente interessada, e mediante ativida-
des não exclusivamente intelectuais, mas, também, de manipulação,
respeitando desse modo a natureza “global” da criança, que não
tende jamais a separar conhecimento e ação, atividade intelectual e
atividade prática. Na base das “escolas novas” existe, portanto, um
ideal comum de educação “escola ativa”
13
(como a definiu aguda-
mente o genebrino Pierre Bovet) do qual essas experiências serão, ao
mesmo tempo, porta-bandeiras e modelos. As “escolas novas” são,
também, uma voz de protesto, às vezes de sabor quase tardo-ro-
mântico, contra a sociedade industrial e tecnológica. Elas se nutrem
predominantemente de uma ideologia democrática e progressista,
inspirada em ideais de participação ativa dos cidadãos na vida social
e política, de desenvolvimento no sentido libertário das próprias
relações sociais, ainda que ligadas a uma concepção fundamental-
mente individualista do homem, segundo a qual as relações de co-
municação com os outros são certamente essenciais, mas sem que
venham prejudicar a autonomia da consciência e a liberdade pessoal
de escolha (pp. 514-515).
13
Kerschensteiner se identifica inteiramente com o princípio de atividade, que procura
voltar à inserção das crianças ao conhecimento/ação relacionados ao mundo do trabalho.
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128
ANTONIO GRAMSCI
Pedagogia geral pelo estudo das doutrinas pedagógicas,
de Leif, J.
e Rustin, G.
3. Escola do trabalho: educação pela ação
3.1 Em nossas sociedades modernas, nas quais os aparelhos
de produção e de administração apresentam desenvolvimento
considerável, que se vai alargando e complicando dia a dia, fomos
levados a criar e ampliar um ensino técnico de vários ramos, que
toma as crianças relativamente cedo. Nas sociedades mais desen-
volvidas nesse sentido, o ensino primário básico é cada vez mais
imbuído de preocupações utilitárias dessa ordem. Vimos Dewey
e Kerschensteiner organizar já o ensino primário como uma espé-
cie de ensino pré-técnico mais ou menos polivalente e diretamente
em função do ensino técnico propriamente dito que vem depois.
Até na França vê-se cada vez mais claramente aparecer a preo-
cupação da orientação profissional. Pode-se prever que se chegará
a investigar as aptidões que permitam cada qual desempenhar me-
lhor o ofício a que se destine, a fim de oferecer à sociedade a
melhor garantia de eficiência e rendimento. Já se propõe levantar
estatística de oferta e procura e regrar, assim, a distribuição dos
moços nos empregos. Quando a orientação for praticada cedo e
quando for assaz imperativa, a exigência social tornar-se-á absolu-
tamente preponderante; ela é que determinará, então, a atividade e
a vida da criança
14
(pp. 131-132).
3.2 Se [...] regrarmos a educação segundo os imperativos so-
ciais, se reconhecermos que cumpre integrar a criança na nação e na
humanidade, fique bem claro que são indivíduos, pessoas morais
que assim queremos socializar. Os fins individualistas permanecem,
para nós, essenciais. Kerschensteiner, cuja pedagogia, como vimos,
tem na mais alta conta a necessidade de adaptação social, e que in-
14
O historiador lembra aqui que encontraremos divertida e angustiosa antecipação dessa
situação, no romance de Huxley Admirável mundo novo, em que, literalmente, fabricam-se
as crianças, segundo as necessidades, para a destinação precisa. (Nota 47, p.132)
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COLEÇÃO EDUCADORES
troduz muito cedo o ofício na escola, reconhece, todavia, que é “a
formação do homem que primeiro se deve ter em vista”, e não convém, pois,
fazer da escola elementar uma escola profissional (p. 136).
3.3 A diferença entre as escolas que acabamos de nos ocupar
15
e
a de que nos ocuparemos não é, certamente, radical. Encontrare-
mos, ao contrário, bom número de semelhanças, não apenas nas
atividades que propõem, como no espírito que as anima. Enquanto
as escolas do tipo decrolyano são principalmente baseadas na curio-
sidade, no desejo de saber, enquanto a escola de Freinet se dirige
quase primordialmente à expressão, Dewey e Kerschensteiner centram
toda sua pedagogia na fabricação, na produção de objetos. A ativi-
dade não lhes basta; querem educar e instruir pela ação (p. 347).
3..4 Kerschensteiner não teve a mesma liberdade de Dewey
para conduzir suas experiências e não pode, como ele, dispor de
meios importantes. Foi na qualidade de Schulrat (Diretor se En-
sino) da cidade de Munique que obteve autorização para agir em
certo número de escolas públicas. Foi, entretanto, apenas nas
Forbildungsschulen, ou cursos pós-escolares, que pode operar segundo
suas ideias; nas classes propriamente ditas sua liberdade foi sempre
assaz limitada (p. 351).
3.5 Kerschensteiner [...] não conhecia, de começo, os trabalhos
de Dewey. Verificou com alegria, mais tarde, que concordava feliz-
mente com ele, sem o saber, tanto quanto ao ensino, como quanto à
disciplina, e declarou que se reconfortava muito com isso. Pende,
todavia, mais que o pedagogista americano, para uma educação pré-
profissional. Há, nas suas classes, ensino regular do trabalho manual.
Previne contra a confusão entre o ensino de oficina e o simples
ensino por meio de atividades manuais. “Não há, escreve, a menor
relação com o espírito da Arbeitsschule, quando, no ensino da história, fazem-
se modelar ou desenhar a marcha das batalhas ou as formas de arquitetura,
15
O historiador refere-se ao Método Montessori e às pedagogias de Ferrièrre, Cousinet e
Freinet.
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130
ANTONIO GRAMSCI
quando, nas lições de língua materna, fazem-se ilustrar poesias ou descrições,
quando se substituem técnicas manuais, como escrever ou desenhar, por outras
técnicas, como enfileirar ervilhas, arranjar combinações de pauzinhos, etc.”
16
Nisso
há ensino pelo aspecto, ensino ativo ou ensino pelo jogo, de modo
algum ensino pelo princípio do trabalho manual. (pp. 351-352)
3.6 Kerschensteiner não tolera o mais ou menos, o trabalho
mal acabado, o amadorismo. Quer que as crianças defrontem di-
ficuldades verdadeiras, lutem com a matéria e com as ferramentas,
despendam esforços físicos e reflitam. É das dificuldades, das ig-
norâncias, dos embaraços que deve sair a verdadeira instrução, ao
mesmo tempo em que o caráter se forma e se afirma. Existe,
assim, uma ação formativa que brota do objeto, das coisas e é
uma provocação constante à inteligência, ao ensaio, à pesquisa, à
compreensão, à verificação. O projeto é, aqui, aprendizagem do
manejo da ferramenta e dos elementos do ofício. A criança que
nisso se aplica com alegria, porque gosta de manipular coisas, tra-
balhar “de verdade”, instrui-se por essa própria aplicação. Coser
bem, cortar bem a fazenda depois de bem havê-la escolhido, tri-
cotar bem, preparar bem os alimentos, nas próprias condições
dos ofícios, traz exigências morais, mas também problemas inte-
lectuais numerosos, cuja solução leva aos livros, aos laboratórios, à
instrução. Serrar bem, aplainar, trabalhar a madeira, efetuar traba-
lhos de jardim nas mesmas condições, traz os mesmos progressos
e conduz às mesmas aquisições. As faculdades intelectuais são, en-
tão, vigorosa e seriamente exercitadas; e, pelos trabalhos executa-
dos com reflexão e inteligência, penetra-se “no círculo de ideias e nas
maneiras de pensar de onde nasceram, por necessidade psicológica, os métodos de
trabalho empregados”. Assim se adquirem, de forma viva e pelo es-
forço (erarbeiten), os bens de civilização da comunidade humana:
“a língua, os usos e costumes, as constituições e os sistemas jurídicos, a religião,
as noções e as leis científicas, as próprias ciências, os valores artísticos, os recur-
16
BEGRIFF DER ARBEITSSCHULE, p. 70. (Nota 69)
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131
COLEÇÃO EDUCADORES
sos técnicos”[...] “É somente quando adquiridos pelo trabalho – isto é, a partir
da prática dos trabalhos manuais – que se desenvolvem os hábitos intelectuais e
morais a que conferimos valor tão alto no homem cultivado”.
17
História geral da pedagogia,
de F. Larroyo
3. Escola do trabalho: educação pela ação
3.1 A pedagogia contemporânea apresenta, por ser produto
de uma longa revolução histórica, características peculiares que se
traduzem em movimentos pedagógicos importantes.
O primeiro destes movimentos é o da renovação do naturalis-
mo, iniciado pela escritora sueca Ellen Key, com tão radicais pre-
tensões reformistas, que geralmente é conhecido sob o nome de
Pedagogia revolucionária.
Paralelo a ele corre o movimento das escolas novas, o qual muito
depressa se transforma na vigorosa corrente da Pedagogia da ação,
com seus grandes teóricos (Dewey, Kerschensteiner) e seus mé-
todos ativos e de reformas (Decroly, Montessori, Winnetka, etc.).
Tal movimento consegue dilatadas repercussões. Até mesmo a
doutrina da educação física e higiênica torna-se devedora desta nova
concepção educacional.
O notável desenvolvimento dos estudos psicológicos promo-
veu, por outra parte, uma cuidadosa consideração biopsíquica do
fato educativo (Stern, Claparède) levando avante os progressos da
Pedagogia experimental, iniciada no século XIX.
Contra a doutrina mecanicista e individualista também se pro-
duziu, por volta do século, um movimento a favor de uma concepção
social da educação (Natorp), que imediatamente, sob o signo das ideo-
logias da época, tomou os contornos da Pedagogia socialista (Pinkevich).
A chamada Pedagogia filosófica, isto é, a que sublinha a ideia de que
todo sistema pedagógico pressupõe determinada concepção do
mundo e da vida e que, por fim, vem fundamentar-se definitiva-
17
Idem, p. 66. (p. 351).
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132
ANTONIO GRAMSCI
mente na Filosofia, concebida esta como uma teoria da cultura e da
existência, tem notáveis representantes nos movimentos da Pedagogia
da vida (Diltey) [...] No tocante a realizações, com referência às já
decorridas do século XX, foram postos em prática diversos siste-
mas de educação pública acordes com as ideologias políticas reinan-
tes em cada país, mas tratando de unificar o ensino (pp. 699-700).
3.2 Na Alemanha, a Pedagogia ativa nasceu da doutrina e prá-
tica educativa de Georg Kerschensteiner (1854-1932). Diferentemente
de Dewey, os antecedentes históricos do pedagogo alemão se en-
contram no Neo-humanismo e, particularmente, em Pestalozzi.
O ponto de partida da doutrina de Kerschensteiner em sua
concepção anti-intelectualista e criadora do ensino é: a “educação
memorista” se opõe à “escola do trabalho”. Esta, com efeito, trata
de obter com um mínimo de matéria instrutiva um máximo de
habilidades, a serviço de um caráter cívico.
A educação pode ser considerada sob dois aspectos: como
“processo” e como “estado”. Como processo, a educação é fato
por obra do qual o homem penetra no mundo dos tesouros cul-
turais (Ciências, Arte, Religião, Direito, Língua, Economia, Indús-
tria, etc.). A educação como estado é o grau ou nível formativo de
cada um, a disponibilidade, a união e a ordem multíplice anímicas
desenvolvidas por bons meios dos bens da cultura.
A educação como processo é um apossar-se de valores e fins
culturais. Os bens culturais são comuns a todos e são o produto da
sociedade, mas o acesso aos bens e valores é individual. É preciso
conduzir cada um, com seus próprios talentos, aos valores comuns.
A maneira mais segura de proporcionar esta ajuda é despertar no
educando o gosto do trabalho coletivo, que, por sua vez, servirá
para prepará-lo em sua futura profissão.
A verdadeira e mais fecunda formação é adquirida quando o
sujeito assimila os bens culturais mediante um esforço ativo, no
qual toma clara consciência dos objetivos e resultados de sua ação,
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COLEÇÃO EDUCADORES
quando realiza um esforço por si mesmo, destinado à produção,
seja espiritual ou manual. Este conceito pedagógico do trabalho
ainda contém um claro desígnio ético e social. Nem todo trabalho
é valioso; só o é o socialmente valioso: o que enobrece o indivíduo
como membro de uma comunidade de homens benevolentes. O
verdadeiro trabalho escolar é o que se organiza por meio de uma
livre cooperação técnica e moral. (pp. 727-728).
3.3 Krschensteiner resumiu, assim, o conceito da escola do
trabalho: escola do trabalho é uma escola que enlaça, na medida
do possível, sua atividade educativa às disposições individuais
em seus alunos, e multiplica e desenvolve, para todos os lados
possíveis, estas inclinações e interesses mediante a uma atividade
constante nos respectivos campos de trabalho.
A escola do trabalho é uma escola que trata de conformar as
forças morais do aluno, destinando-se a examinar, constantemen-
te, seus atos de trabalho, para ver se expressam, com maior pleni-
tude possível, o que o indivíduo sentiu, pensou, experimentou e
desejou, sem enganar-se a si mesmo nem aos outros.
A escola do trabalho é uma escola de comunidade de trabalho
na qual os alunos, enquanto seu desenvolvimento é suficientemente
alto, se aperfeiçoam, se ajudam e se apoiam recíproca e socialmente,
a si mesmos e às finalidades da escola, para que cada indivíduo
possa chegar à plenitude de que é capaz, por sua natureza (pp.
728-729).
História da pedagogia
, de R. Hubert
3. Escola do trabalho: educação pela ação
3.1 Isso não quer dizer, entretanto, deva a criança começar
pela educação profissional especializada, em uma idade em que
suas aptidões são ainda vagas, maleáveis e, aliás, ignoradas da pró-
pria criança. A educação profissional na escola deve ser, prelimi-
narmente, tão variada quanto possível e, em qualquer caso, sempre
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ANTONIO GRAMSCI
relacionada com os interesses psíquicos, variáveis com a idade. É
progressivamente, quando as aptidões se precisarem e se fixarem,
que a cultura profissional se especializará. Ao mesmo tempo, cum-
pre que essa formação pelo trabalho não acabe por isolar o indi-
víduo do grupo, mas, ao contrário, contribua para integrá-lo cada
vez mais fortemente no grupo. Em outras palavras, resumir-se-ia
satisfatoriamente, neste ponto, o pensamento de Kerschensteiner,
dizendo-se que o fim da educação é chegar, pelo trabalho, à
moralização da profissão e, pela moralização da profissão, à
moralização da sociedade.
Nessas bases filosóficas gerais repousa a teoria da ação peda-
gógica. Ação pedagógica é aquela pela qual um ser é levado a certa
“forma de vida”, segundo a concepção de Spranger
18
, conforme
sua lei constitutiva e pela qual sua individualidade se realiza ascen-
dendo ao sistema de valores espirituais objetivos (p. 325).
3.2 [...] A escola livresca cede lugar à escola ativa, cuja tarefa
primeira é preparar para a profissão. A escola primária contribui
com a aquisição das técnicas elementares (ler, escrever calcular, etc.),
entre as quais figura, em primeiro plano, o trabalho manual. Deve
estar baseada no trabalho educativo dos alunos, porque é durante
o período escolar que a criança deve passar da atitude lúdica para
a atitude do labor. Ao mesmo tempo, toma por escopo final levar
a criança à atitude heterocêntrica pressuposta na dedicação aos
outros membros da sociedade (atitude social), à humanidade em
geral (atitude altruísta), às coisas (atitude objetiva) e, em todos os
casos, aos valores incondicionais atribuídos à sociedade, à huma-
nidade ou às coisas (pp. 328-329).
18
SPRANGER. Lebensformen, Geisteswissenschaftliche Psycologie und Eth’k der
Personalität. 6. ed. Halle,1927.
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135
COLEÇÃO EDUCADORES
CRONOLOGIA
1854 - Nasce em Munique, na região da Bavária (Alemanha), em 29 de julho,
filho de pais muito pobres. Pai Anton Kaufman e mãe Katharina
Kerschensteiner.
1860 - Frequenta a Escola Paroquial Espírito Santo em Munique.
1866 - Estuda nas cidades de Präparandenschule e Royal Lehrseminar.
1871 a 1873 - Trabalha como assistente das escolas das aldeias Forstinning e
Lechausen.
1874 - Estuda nas duas últimas classes de uma escola secundária e ganha a vida
como professor de música.
1877 a 1880 - Cursa matemática na Universidade Técnica de Munique.
1880 a 1883 - Cursa o doutorado na Universidade Ludwig Maximilians.
1881 - É aprovado no exame estatal (concurso) para professor do ensino secun-
dário.
1883 - Torna-se assistente da alta escola de matemática e física, no Melanchthon
- Gymnasuim, em Nuremberg.
1890 - Professor de matemática e física, no ensino secundário na escola Gustav
Adolf.
1893 - Torna-se professor do Colégio Ludwig, em Munique.
1895 - Torna-se diretor de escola pública em Munique. Estuda a reforma curricular
do ensino fundamental.
1899 - Publica Reflexões sobre uma teoria de currículo.
1901 - Escreve uma indagação sobre A educação cívica dos jovens da Alemanha.
1905 - Publica: Die Entwicklung der zeichnerischen Begabung, (O desenvolvimento
do desenho eskill, 1905), which, although now methodologically outdated,
contains such excellent habilidade).
1907 - Escreve: Der Staatsbürgerlichen Erziehung (O conceito de educação cívica).
1910 - Realiza, no mês de outubro, uma turnê de palestras nos Estados Unidos
a convite de Charles R. Richards, presidente da Sociedade Internacional
para a Promoção do Ensino Industrial. Em 29 de novembro, encontra-
se e dialoga com J. Dewey na Columbia University, em Nova Iorque.
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ANTONIO GRAMSCI
1911 - Recebe críticas acadêmicas no Primeiro Congresso da Juventude da Investigação
sobre: Educação e Juventude, em Dresden. Encontra-se com Garidig, no
Congresso da Federação para a Escola, em Dresden.
1912 - Escreve: Die Schule der Zukunf-eine Arbeitsschule, (A escola do
future: a work school, 1912). Futuro: um trabalho escolar, métodos de educação
escolar); Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt 2002 (Conceito
de trabalho escolar). ; Charakterbegriff und Charaktererziehung (Definições
e características da educação). Faz viagens para participar de discussões
sobre filosofia e estética com Adolf Von Hildebrand e com Aloys Fischer,
seu colega de universidade; e para participar de debates políticos com
Theodor Barth e Fredrich, colegas de partido político.
1912 - Filia-se ao Partido Progressista do Povo, que mais tarde se tornou o Partido
Democrata Alemão. Publica A escola do futuro: uma escola do trabalho e Ques-
tões fundamentais da organização escolar.
1913 - Publica a Ideia de uma escola industrial; Uma comparação de Educação Pública,
na Alemanha e nos Estados Unidos.
1914 - Escreve Natureza e valor da educação científica.
1917 - Com a publicação da Lei Federal Smith Hugles, publica escritos para
contribuir com a filosofia da educação: O axioma fundamental do processo
educativo.
1918 - Torna-se professor honorário de Teorias da Educação, na Universidade
de Munique. É influenciado pelas idéias de Dewey e Pestalozzi, e tem
profunda afinidade com Eduard Spranger. Publica inúmeros artigos e
livros.
1920 - Participa da escola Reino de Hugo Gaudig.
1921 - Realiza seminários e cursos de formação no Museu Deutsches. Publica o
livro A alma do educador e do problema da formação de professores.
1923 - Publica O conceito de educação cívica, em Berlim.
1924 - Publica O axioma fundamental do processo educativo e suas consequências para a
organização escolar.
1926 - Publica Teoria da educação. Leipzig; Berlin, 1926.
1932 - Morre em 15 de janeiro, em Munique.
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COLEÇÃO EDUCADORES
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ANTONIO GRAMSCI
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COLEÇÃO EDUCADORES
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes
Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
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