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MAKARENKO
ANTON
ANTON SEMIONOVICH MAKARENKO EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:541
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Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco
Coordenação executiva
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comissão técnica
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle,
Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Revisão de conteúdo
Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto,
José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva
Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceição Silva
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G. N. Filonov
MAKARENKO
ANTON
Tradução
Ester Buffa
Organização
Carlos Bauer e Ester Buffa
ANTON SEMIONOVICH MAKARENKO EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:543
ISBN 978-85-7019-549-4
© 2010 Coleção Educadores
MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no âmbito
do Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de
melhoria da equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal
e não formal. Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos
contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são
necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização.
As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação
não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.
A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prévia,
estará sujeita às penalidades da Lei nº 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana
Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleção Educadores
Edição-geral
Sidney Rocha
Coordenação editorial
Selma Corrêa
Assessoria editorial
Antonio Laurentino
Patrícia Lima
Revisão
Sygma Comunicação
Revisão técnica
Zóia Ribeiro Prestes
Ilustrações
Miguel Falcão
Foi feito depósito legal
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Filonov, G. N.
Anton Makarenko / G. N. Filonov; Carlos Bauer, Ester Buffa (orgs.). – Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
138 p.: il. – (Coleção Educadores)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7019-549-4
1. Makarenko, Anton Semonovich, 1888-1939. 2. Educação – Pensadores –
História. I. Bauer, Carlos. II. Buffa, Ester. III. Título.
CDU 37
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SUMÁRIO
Apresentação, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por G. H. Filonov, 11
Situação da obra de Makarenko, 11
Makarenko Educador, 13
As ideias pedagógicas de Makarenko, 13
A coletividade educativa, 17
Inserir-se na comunidade, 21
Os escritos de Makarenko, 22
A autogestão, 23
A herança de Makarenko, 25
A obra de Makarenko na visão brasileira,
por Carlos Bauer e Ester Buffa, 29
Textos selecionados, 45
Os objetivos da educação, 46
Metodologia para a organização do processo educativo
A estrutura orgânica da coletividade, 50
A autogestão no destacamento, 54
Os órgãos de autogestão, 60
O estilo de trabalho com a coletividade, 65
O trabalho cultural, 70
A perspectiva, 76
A perspectiva próxima, 77
A perspectiva em médio prazo, 81
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6
ANTONIO GRAMSCI
A família e a educação dos filhos, 85
A educação na família e na escola, 100
As minhas concepções pedagógicas, 114
Cronologia, 127
Bibliografia, 135
Obras de Makarenko, 135
Obras sobre Makarenko, 135
Obras de Makarenko em português, 136
Obras sobre Makarenko em português, 136
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7
COLEÇÃO EDUCADORES
O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa-
dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-
car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo
o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla-
nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos
nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante
para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prática pedagógica em nosso país.
Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti-
tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do
MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco
que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento
histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço
da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-
leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of
Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai-
ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.
Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo
Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAÇÃO
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8
ANTONIO GRAMSCI
Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores
*
, o MEC,
em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, como
também contribui para a união indissociável entre a teoria e a prá-
tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transição
para cenários mais promissores.
É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-
de com o 80º aniversário de criação do Ministério da Educação e
sugere reflexões oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, em
novembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-
ranças e expectativas alentadoras em decorrência das mudanças que
se operavam nos campos político, econômico e cultural. A divulga-
ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-
versidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, são alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tão
bem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposição ao país da Constituição de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vários anos a luta auspiciosa
do movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do século passa-
do, que só seria retomada com a redemocratização do país, em
1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanços definitivos como as várias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-
ção, após muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
começo da década de 1960. No entanto, as grandes esperanças e
aspirações retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tão bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, também redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidas
em 1964 por uma nova ditadura de quase dois decênios.
*
A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste
volume.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estágio da
educação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com o
tempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-
cação começou a resgatar muitos dos objetivos da política educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que não será
demais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cuja
reedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifesto
de 1959, é de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-
blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da
educação”. Esse lema inspira e dá forças ao movimento de ideias
e de ações a que hoje assistimos em todo o país para fazer da
educação uma prioridade de estado.
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
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ANTONIO GRAMSCI
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COLEÇÃO EDUCADORES
ANTON SEMIONOVITCH MAKARENKO
(1888-1939)
1
G. N. Filonov
2
Situação da obra de Makarenko
A evolução da teoria pedagógica e do sistema de ensino foi, na
URSS, estreitamente ligada às inovações científicas e ao trabalho prá-
tico de toda uma plêiade de eminentes educadores. Entre os gran-
des educadores soviéticos que lutaram ativamente para que as ideias
e os princípios democráticos fossem reconhecidos na teoria e na
prática pedagógicas, Anton Semionovitch Makarenko (1888-1939)
desempenhou um papel de primeiro plano. Seu nome figura, com
razão, no número de clássicos da pedagogia mundial e seus livros,
publicados em milhões de exemplares em todos os continentes,
desfrutam de imensa popularidade. Em numerosos países, reali-
zam-se pesquisas sobre suas atividades e tenta-se aplicar suas ideias à
práxis pedagógica. Todavia, não é raro que, nos estudos especializados
como nas obras destinadas ao grande público, o caso Makarenko
seja ainda apresentado de modo parcial e até mesmo errôneo.
Certos especialistas estrangeiros consideram Makarenko um “au-
todidata genial” e apresentam seu sistema pedagógico sem nunca se
referirem à tradição nem à atualidade pedagógicas progressistas. É
1
Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparée.
Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n. 1-2, pp. 83-96, 1994.
2
G.N. Filonov (Rússia) é membro da Academia de Ciências Pedagógicas da Rússia e do
Comitê de redação da revista Pedagoguika, além de possuir doutorado de estado. Por
mais de vinte anos foi membro do júri internacional dos prêmios literários da Unesco.
Suas numerosas publicações versaram notadamente sobre o homem em um mundo em
mutação e sobre as relações entre o indivíduo e a sociedade. Entre suas obras recentes
em russo, pode-se citar A formação da personalidade do aluno (1985) e A formação dos
cidadãos na escola (1990).
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ANTONIO GRAMSCI
verdade que, nas obras publicadas, muito célebres de Makarenko,
encontram-se relativamente poucas indicações sobre as relações com
a tradição da pedagogia mundial e com os grandes especialistas da
educação, soviéticos e estrangeiros, que eram seus contemporâneos.
Mas, pesquisas documentais recentemente realizadas por especialistas
soviéticos
3
mostram que, malgrado uma origem muito modesta e
uma juventude difícil — seu pai era pintor de parede e ele começou
trabalhar aos 17 anos, como professor primário em uma escola que
acolhia filhos dos empregados de estrada de ferro —, Makarenko
conhecia muito bem a história da pedagogia. Muitos dos grandes
princípios que estabeleceu em teoria e verificou na prática inspiram-
se nas ideias de Pestalozzi, Owen, Uchinski, Dobroliubov e em ou-
tros grandes nomes da história da pedagogia democrática mundial
4
.
Além disso, se forem estudados seus escritos não publicados —
obras literárias, ensaios sobre a vida política e social, tratados de pe-
dagogia, correspondência, documentos relativos aos estabelecimen-
tos que dirigiu etc. — constata-se que seguiu, com grande atenção, os
trabalhos dos pedagogos soviéticos de seu tempo, notadamente N.
K. Krupskaia, A. V. Lunatcharski, P. P. Blonksi e S. T. Chatski
5
. Antes
mesmo da revolução e, sobretudo após, sua visão de mundo e suas
concepções pedagógicas foram fortemente influenciadas pelo pen-
samento de Marx, Engels e Lenin, assim como pelos livros de Maximo
Gorki. Assim, fica claro que o maior educador soviético está longe
de ser, como pretendem alguns, “o cimo que domina o deserto”.
Falou-se também que as iniciativas e as ideias de Makarenko per-
maneceram, durante muito tempo, “isoladas” das correntes do pen-
samento progressista em geral e da ciência pedagógica em particular;
3
NT: este texto foi escrito à época em que a União Soviética ainda existia como país
socialista.
4
As biografias de Pestalozzi, de Owen e de Uchinski (Ouchinski) figuram na coleção de
quatro volumes sobre os cem pensadores da educação, obra publicada pelo Bureau
International d´éducation, de onde foi extraída esta biografia, traduzida por Ester Buffa.
5
As biografias de Blonski e de Krupskaïa também figuram na mesma coleção.
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COLEÇÃO EDUCADORES
não é nada disso. Antes mesmo da segunda guerra mundial, quando
Makarenko era ainda vivo, Korczak e Freinet, que são hoje tão co-
nhecidos quanto ele, foram influenciados por suas concepções esti-
mulantes e otimistas. Foutchik, Herriot e muitas personalidades es-
trangeiras que estiveram na União Soviética nos anos 1930 falaram
do sucesso da pedagogia aplicada na comuna Dzerjinski. O legado
teórico e prático de Makarenko não perdeu nada de sua atualidade.
Makarenko educador
É impossível dissociar a notável ação pedagógica que ele reali-
zou na colônia Gorki (1920-1928) e na comuna Dzerjinski (1927-
1935) da que foi desenvolvida nas escolas e em outros estabeleci-
mentos de ensino dos anos vinte, dirigidas por eminentes e talentosos
pedagogos tais como Chatski, Pistrak, Pogrebinski, Soroka-Rossinski
etc. Dito isso, é preciso destacar a originalidade qualitativa da expe-
riência e das ideias de Makarenko. Sabe-se que começou sua obra
com outros pedagogos adeptos, tanto na teoria como na prática, da
educação pelo trabalho na escola única. Mas, em relação a numero-
sos pontos concernentes à teoria e à metodologia da educação co-
munista, ele ultrapassava seus contemporâneos porque tinha da es-
cola e da pedagogia socialistas uma visão de futuro.
Entre as questões atuais da pedagogia socialista que o ensino
teórico de Makarenko particularmente marcou, convém citar, antes
de tudo, os problemas de metodologia, como, por exemplo: a pe-
dagogia e a política; a pedagogia e as outras ciências; a lógica peda-
gógica; a essência da educação: a relação entre a teoria e a prática da
educação; o modo de vida e a educação; a ação educativa paralela; a
educação e a vida.
As ideias pedagógicas de Makarenko
As ideias de Makarenko sobre as relações que existem entre a
pedagogia e as outras ciências sociais (filosofia, moral, estética, psico-
logia) e naturais (biologia, fisiologia) merecem um exame atento.
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ANTONIO GRAMSCI
Tendo compreendido perfeitamente a essência das relações
morais que regem a nova sociedade socialista, Makarenko extraiu
daí uma regra de ouro: “exigir o mais possível do homem, com a
maior reverência a seu respeito”. Certos pedagogos, às vezes, cri-
ticaram este princípio em que no binômio “exigência-respeito”, a
exigência é posta como mais importante. Mas, o próprio
Makarenko sublinhava que, de um ponto de vista verdadeiramen-
te humano, não se trata de duas categorias diferentes, mas de dois
aspectos dialeticamente ligados de uma só e mesma atitude.
As ideias de Makarenko sobre a interdependência entre, de
um lado, a pedagogia e, de outro, a psicologia e a biologia, a fisio-
logia em particular, e sua crítica às posições metodológicas da
pedologia revestem-se de uma importância considerável para o
tratamento dos problemas teóricos da pedagogia. A pedologia se
colocava como ciência marxista pura da criança, pretendendo re-
alizar a síntese dos dados de todas as ciências sociais e naturais
relativas à formação desta última; quanto à pedagogia, disciplina
técnica aplicada, devia fundar-se sobre dados teóricos da pedologia
para recomendar métodos aplicáveis à prática escolar. Nos seus
diferentes estudos e comunicações (“Conferência no Instituto
ucraniano de pesquisas pedagógicas”, 1928; “Experiência
metodológica numa colônia de educação pelo trabalho”, 1931-
1932; “Os educadores levantam as espáduas”, 1932 etc.),
Makarenko criticou a parte excessiva dada pelos pedólogos à so-
ciologia e à biologia, suas concepções vulgares da primazia do
ambiente e da hereditariedade, sua doutrina fundada sobre o res-
peito passivo do que chamam a “natureza” que os aproxima dos
teóricos da “educação livre”, o pedocentrismo e a subestima do
papel educativo do mestre, da coletividade das crianças e da per-
sonalidade em gestação da própria criança.
Se ele lutou por uma pedagogia digna deste nome, que cons-
truísse o homem e fosse responsável perante a sociedade pelos
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COLEÇÃO EDUCADORES
resultados da educação, Makarenko, entretanto, não seguiu os ma-
terialistas franceses que afirmavam, na sua visão estreita, que a “edu-
cação tudo pode”. Segundo ele, a força da educação, na sociedade
socialista, está na utilização judiciosa, pelos pedagogos, dos dados
da psicologia, da biologia, da medicina, em suma, de todas as
ciências do homem, chamadas a desempenhar um papel na orga-
nização prática do processo educativo e na pesquisa pedagógica.
Quanto à lógica pedagógica, ela está estreitamente ligada à
compreensão da razão de ser da educação. Sendo a pedagogia “a
ciência mais dialética”, ele parte do princípio de que
a educação é um processo social no sentido mais amplo do termo
(...). No interior da realidade ambiente, prodigiosamente complexa,
a criança entra numa infinidade de relações em que cada uma se de-
senvolve sem cessar, se relaciona com os outros e se complica devido
ao seu próprio crescimento físico e moral. Todo este “caos” que
parece não ser suscetível de nenhuma quantificação não cria menos, a
cada momento, modificações na personalidade da criança. Orientar e
dirigir este desenvolvimento, tal é a missão do educador. (Makarenko,
1957a, p. 20)
Esta concepção de educação explica ainda a crítica que
Makarenko faz da lógica do pensamento pedagógico tradicional,
cujos erros se devem ao uso da proposição dedutiva, à utilização
de meios isolados e ao fetichismo ético. Daí, reflexões que se tor-
naram, hoje, clássicas:
A dialética da ação pedagógica é tão grande que nenhum meio pode
ter efeito positivo se toda uma série de outros meios não é posta em
prática simultaneamente (...). Em si, todo meio pode ser bom ou
mau, sendo o elemento decisivo não sua ação isolada, mas a de um
conjunto de meios harmoniosamente organizados. (Makarenko,
1957b, p. 258)
As ideias sobre a lógica pedagógica de Makarenko apresentam
uma atualidade particular na perspectiva pluridisciplinar do proces-
so pedagógico no seu conjunto; na sua base, a ideia de que a educa-
ção é um todo dialético complexo feito de elementos complemen-
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ANTONIO GRAMSCI
tares e integrado em um sistema equilibrado, funcionando harmoni-
osamente, graças ao esforço concertado de educadores que conhe-
cem bem as normas objetivas da formação da personalidade.
As opiniões de Makarenko sobre a relação entre a teoria e a
prática no sistema de educação socialista são também surpreen-
dentemente atuais. “Penso que vivemos numa época em que o
prático corrige sensivelmente os dados das teorias científicas”
(
Makarenko, 1957b, p. 261). Sabe-se que a tendência que consiste
em associar as massas laboriosas à solução dos problemas práti-
cos da edificação do socialismo sobre a base das realizações da
ciência e que apenas se desenhava na época de Makarenko, tomou,
hoje, uma amplitude considerável na sociedade socialista desen-
volvida. Tendo justamente percebido isso, Makarenko reagiu
vigorosamente contra as tentativas dos pedólogos que visavam a
estabelecer normas do desenvolvimento da personalidade da cri-
ança a partir de teses gerais, não verificáveis pela experiência, da
sociologia, da psicologia, da biologia e das outras ciências.
É a indução a partir da experiência que deve ser a base (...) da regra
pedagógica. Só a totalidade da experiência verificada no seu próprio
desenvolvimento e nos seus resultados e só a comparação de partes
inteiras da experiência podem nos fornecer os dados requeridos para
escolher e decidir. (Makarenko, 1957b, p. 13)
Mas, a indução não desempenha, no conhecimento das leis da
pedagogia, um papel exclusivo nem universal; ela é, para Makarenko,
indissociável da dedução. Na pesquisa pedagógica
como em qualquer outro domínio, a experiência decorre dos princí-
pios de dedução, cuja importância ultrapassa, de longe, os limites
dos primeiros elementos da experiência e que guia todo seu desenro-
lar. (Makarenko, 1957b, p. 14)
Estas ideias, definidas nas obras especializadas como a Noção da
unidade da educação e da vida das crianças e a Pedagogia da ação paralela,
apresentam um grande interesse para a teoria e para a prática da
educação atual. Trata-se, de fato, do tema geral das relações entre “o
modo de vida e a educação”. Na pedagogia mundial clássica, re-
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COLEÇÃO EDUCADORES
conheceu-se, há muito tempo, que o melhor educador era a própria
vida. Esta ideia fundamentalmente materialista inspirou, em certos
pedagogos, o princípio do respeito pela natureza na educação
(Comênio, Pestalozzi, Rousseau, Diesterweg). Mas, é a Makarenko
que se deve o mérito de ter edificado um sistema de educação fun-
dado sobre uma organização racional da vida da criança. Para isso,
ele não seguiu passivamente a “natureza”; escolheu favorecer, ao
máximo, em cada criança, o desenvolvimento de uma personalida-
de criativa e preparada para a vida sob todos os seus aspectos.
Tendo notado as potencialidades educativas extraordinárias que
oferece o conjunto do modo de vida das crianças e dos jovens na
União Soviética, Makarenko pensava que, em vez de esperar que a
vida trouxesse espontaneamente seus frutos, formando indivíduos
úteis à sociedade, seria melhor organizar os estudos de trabalho,
mas, também, a existência de jovens segundo um processo pedagó-
gico integrado. Esta teoria concretizou-se com o sucesso que se sabe
nos estabelecimentos que dirigiu. A passagem ao ensino secundário
universal e obrigatório, a realização do princípio de integração dos
estudos ao trabalho e a uma atividade criadora diversificada, a pers-
pectiva de estudos comuns a todas as escolas e a possibilidade conexa
de satisfazer às necessidades da população na organização da jorna-
da completa são características objetivas da escola socialista, de hoje
e de amanhã, permitindo afirmar que estão reunidas as condições
reais de uma larga aplicação à práxis educativa das ideias sobre a
organização racional da vida das crianças, que estão no centro do
pensamento de Makarenko.
A coletividade educativa
Assim, sublinhando a importância de sua contribuição à
elucidação de uma série de problemas metodológicos da pedago-
gia, é preciso notar que este aspecto merece ser analisado de modo
mais completo e mais profundo. Trata-se, antes de tudo, de sua
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ANTONIO GRAMSCI
reflexão sobre as características da coletividade educativa e do
método de organização do processo educativo.
Quando se pronuncia o nome de Makarenko, pensa-se imedi-
atamente na “coletividade educativa”, modo de organização am-
plamente reconhecido hoje na pedagogia progressista. Makarenko
a estudou em diferentes aspectos, como, por exemplo, a
indissociabilidade dos laços exteriores e interiores, a correlação entre
a coletividade geral e as coletividades primárias, os tipos de relações
intracomunitárias e os fundamentos organizacionais da coletivi-
dade, assim como suas tradições, seu estilo e seu tom. Ele incluiu
na vida da coletividade educativa todas as relações e tipos de ativi-
dade representativos da sociedade democrática. Suas ideias sobre
a evolução das funções educativas da coletividade, que se torna
objeto passivo sobre o qual se exerce a ação dos pedagogos, um
sujeito ativo que toma nas mãos a organização de sua própria vida
são extraordinariamente modernas.
Na mesma ordem de ideia, Makarenko está convencido que o
ensino propriamente dito não poderia ser dissociado da educação
no sentido amplo. Sabe-se que a pedagogia clássica estava fundada
no postulado de que a criança deve primeiramente aprender e que
somente, em seguida, é que se pode educar. As novas condições
sociais e os novos objetivos da educação das crianças e dos jovens
exigiram que este postulado fosse radicalmente revisto. O papel ino-
vador de Makarenko manifestou-se na sua concepção de uma
integração total dos dois processos, permitindo transformar pro-
fundamente as condições de existência da criança e agir sobre seus
conhecimentos, seus sentimentos e seu comportamento. O estudo
da criança, enquanto membro de um grupo e indivíduo, se torna,
então, um verdadeiro método de educação. A este respeito, notemos
que é errôneo supor que, para Makarenko, a coletividade era apenas
um instrumento de educação de massa; a unidade da pedagogia da
ação coletiva e individual é um traço característico de seu sistema.
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19
COLEÇÃO EDUCADORES
Certos especialistas têm uma visão limitada de sua concepção
de coletividade educativa, colocando a ênfase unicamente na im-
portância das relações entre alunos. É verdade que Makarenko
admitia a possibilidade de escolha nas relações intracomunitárias
no processo de formação da personalidade dos alunos. Nos pri-
meiros anos em que trabalhou na colônia Gorki, ele superestimou
um pouco o papel da coletividade, como ele próprio indicou mais
tarde. Mas, estas relações eram, para ele, indissociáveis dos laços
da coletividade com o exterior, cuja riqueza e diversidade são ca-
pitais. Com efeito, é nos laços exteriores com uma entidade social
mais vasta que o indivíduo encontra as influências indispensáveis a
seu desenvolvimento. A vida da sociedade em todas as suas mani-
festações deve ser a base da formação do indivíduo. As relações
intracomunitárias constituem um “mecanismo” original de trata-
mento das informações vindas de fora, que ajuda cada personali-
dade a reagir seletivamente à influência do mundo exterior e a
encontrar sua vida. Está aí a chave das concepções de Makarenko
sobre a vida coletiva enquanto método que, “sendo ao mesmo
tempo geral e particular, permite simultaneamente a cada um de-
senvolver suas particularidades e preservar sua individualidade”
(
Makarenko, 1957b, p. 37).
Às vezes, alegou-se que a teoria de Makarenko sobre a educa-
ção da criança na coletividade asfixiava a liberdade do aluno, in-
condicionalmente submetido às exigências e à vontade gerais. Se-
melhante interpretação deforma a concepção que Makarenko faz
das relações verdadeiras entre a coletividade e o indivíduo. Em
situações conflituosas, em que aquela se choca com este, que se
opõe à opinião geral, ignora seus deveres para com a comunida-
de, “faz caprichos” e tenta substituir a disciplina pela anarquia, a
questão do constrangimento se coloca de fato. Mas, nestas condi-
ções, a ação sobre o indivíduo é humana, inspirada por um misto
de respeito e firmeza. No funcionamento normal do processo, as
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ANTONIO GRAMSCI
relações coletividade-indivíduo são fundadas na comunidade de
interesses e com a garantia, pela coletividade, dos direitos de cada
um. Os grandes e fortes não podem ofender os pequenos e fra-
cos: tal era a regra imutável da comunidade e aquele que a infringia
incorria na reprovação coletiva. Assim, longe de impedi-la, a cole-
tividade garantia a liberdade de cada um.
Na vida da coletividade educativa, Makarenko destinou um lugar
particular ao trabalho, ligado ao estudo das bases das ciências e a uma
ampla educação cívica, política e moral. Suas ideias principais, no do-
mínio da educação pelo trabalho, podem assim ser resumidas: a) o
trabalho só se tornará um instrumento eficaz da educação comunista
se for integrado ao conjunto da organização do processo educativo;
além disso, este sistema não tem nenhum sentido se todas as crianças
e adolescentes não participarem das formas de trabalho socialmente
útil, adaptadas às suas idades; b) é preciso que estas diferentes formas
de trabalho, enquanto participação obrigatória da autogestão e do
trabalho produtivo, sejam organizadas sobre a base técnica mais mo-
derna possível e tendo por eixos uma criação técnica seletiva, assim
como um trabalho gratuito efetuado no interesse de todos: uma vez
preenchidas essas condições, as crianças e adolescentes tiram partido
da riqueza das relações que determinam o desenvolvimento harmo-
nioso e livre da personalidade; c) o coletivo, seus órgãos e seus dele-
gados devem se encarregar, em medida sempre crescente, de organi-
zar o trabalho e de tomar as decisões relativas à repartição dos bene-
fícios, à compatibilização dos salários, à utilização de diversos estimu-
lantes materiais e morais e à organização do consumo.
Convém ainda examinar, de modo crítico, as afirmações de
certos especialistas segundo os quais, na experiência pedagógica de
Makarenko, as despesas de estudos e da educação são cobertos
pelo produto da participação dos alunos no processo produtivo.
Makarenko nunca foi adepto de uma escola “que se autofinanciaria”,
pois acreditava que, o resultado econômico do trabalho dos alu-
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COLEÇÃO EDUCADORES
nos deveria ser integralmente subordinado à organização pedagó-
gica racional da vida da coletividade visando ao desenvolvimento
de seus membros. A participação na produção dos alunos da co-
lônia Gorki e da comuna Dzerjinski quatro horas por dia era, para
Makarenko, uma necessidade ligada às dificuldades encontradas
pelo país após a guerra civil. No programa, o trabalho era coloca-
do ao lado do estudo, das atividades esportivas, artísticas, recreati-
vas e sociais; o efeito econômico do trabalho dos alunos era parte
de sua iniciação nas relações de produção, de distribuição e de
consumo, sem nenhuma consideração de autonomia financeira.
Nas condições atuais, em que o problema da educação para o
trabalho e a preparação dos alunos dos estabelecimentos de ensi-
no geral para a vida, o trabalho e a escolha de uma profissão
conforme suas inclinações e suas capacidades individuais, mas tam-
bém respondendo às necessidades da sociedade, são questões
prioritárias, este aspecto do pensamento de Makarenko se reveste
de uma importância muito grande: de um lado, diretamente para a
prática dos grupos de alunos que se dedicam à produção; de ou-
tro, para a organização da pesquisa pedagógica.
Inserir-se na comunidade
Makarenko foi um dos primeiros pedagogos soviéticos a dis-
seminar, deliberadamente, a ideia de integrar a atividade das diver-
sas células educativas: escola, família, clube, organização social,
comunidade de produção, bairro etc. Insistiu, particularmente, sobre
o papel essencial da escola enquanto centro metodológico e peda-
gógico que mobiliza as forças educativas mais qualificadas e pro-
fissionalmente mais competentes.
Atualmente, certos pesquisadores retomam, excessivamente ao
pé da letra, tal ou qual ideia de Makarenko sobre a escola enquanto
“monocoletividade”; generalizam seu princípio que consiste em
reunir na coletividade educativa crianças e adolescentes de todas as
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ANTONIO GRAMSCI
idades e tentam copiar as formas de organização da colônia Gorki
e da comuna Dzerjinski. É preciso não esquecer que o próprio
Makarenko sublinhou que era necessário adaptar o método de
educação às condições concretas de organização do processo
educativo. É natural que as condições atuais de funcionamento do
estabelecimento de ensino geral e das outras instituições educativas
exijam métodos muito diferentes dos utilizados por Makarenko
na colônia e na comuna. “Um outro caminho é possível e se eu o
adotasse, pensaria de outra forma, ele próprio o indica” (
Makarenko,
1957b, p. 73).
É indispensável ter presente no espírito esse caráter relativo,
quando se analisa uma ou outra obra pedagógica de Makarenko.
O leitor deve saber aí distinguir o que permanece como uma regra
geral da teoria e da metodologia pedagógicas e o que vale para
uma época dada — aquela em que viveu o grande pedagogo — e
que corresponde unicamente às condições concretas nas quais sua
experiência se desenvolveu.
Os escritos de Makarenko
As obras literárias de Makarenko, em particular o Poema pedagó-
gico, As bandeiras sobre as torres e O livro dos pais merecem reter a
atenção. Seria errôneo querer separá-las de suas produções pura-
mente pedagógicas (artigos, conferências e discursos). Com efeito,
sua base conceitual é a mesma, assim como seu objetivo, isto é, a
educação de um homem verdadeiramente livre e feliz. Estas obras
contêm páginas em que o pensamento pedagógico de Makarenko
atinge os pontos mais altos. Além disso, se as analisarmos na ótica
de um estudo realizado na colônia Gorki e na comuna Dzerjinski,
seria preciso lembrar que, no Poema pedagógico, nas Bandeiras sobre as
torres e em outras obras, os fatos são frequentemente remanejados
para serem generalizados; são deslocados no tempo e a ficção por
vezes aí se mistura. Se as obras literárias de Makarenko não cons-
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COLEÇÃO EDUCADORES
tituem sempre uma base rigorosamente científica e objetiva para o
estudo de sua pedagogia em ação, elas não conservam menos seu
valor artístico e seu interesse para um conhecimento do sistema de
pensamento do grande educador.
A autogestão
A pedagogia tem por tarefa principal orientar a prática da
educação, não para a reprodução servil de tal ou qual forma con-
creta de atividade, mas para a aplicação livre das ideias dos gran-
des pedagogos de ontem ao mundo de hoje, ao funcionamento
da escola moderna, da família, dos clubes, das organizações soci-
ais, dos coletivos de trabalhadores que se dedicam à produção,
assim como às outras instituições educativas. Por exemplo, a obra
teórica e prática de Makarenko relativa ao desenvolvimento da
autogestão e sua concepção do papel do “nó ativo” na coletivida-
de educativa são, de novo, singularmente atuais. É preciso, eviden-
temente, se prender menos às modalidades concretas — sistema
de relações e rodízio das equipes de serviço na comuna, atividade
do conselho dos comandantes, assim como dos diversos comitês
permanentes e temporários etc. — que aos princípios, tais como,
por exemplo, a participação de todos os alunos sem exceção,
mesmo os mais jovens, no exercício das diversas funções de orga-
nização, na coletividade primária e na coletividade geral, a garantia
da responsabilidade real da coletividade e de seus órgãos para as
decisões tomadas, sua execução e o controle de sua aplicação.
Estima-se, acertadamente, que é preciso, hoje, aprofundar, sobre
bases científicas, o ensinamento de Makarenko. Com efeito, os
progressos realizados pela escola socialista e pela pedagogia desde
a época de Makarenko permitem separar de modo mais objetivo
a questão do valor conceitual universal de suas teorias.
Sem desejar submeter a uma crítica detalhada o que poderíamos
chamar de “makarenkismo”, notemos somente que o pensamento
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ANTONIO GRAMSCI
e o sistema de Makarenko resultam de um processo longo e com-
plexo de pesquisa criadora, marcado por descobertas felizes, mas tam-
bém, por hesitações, aliás, inevitáveis quando, em vez de seguir cami-
nhos já traçados, se constrói a própria via em direção à verdade.
Não é muito antigo o interesse pela gênese e evolução do sis-
tema de Makarenko. Primeiramente, seria falso acreditar que antes
da revolução, ou mesmo logo após, ele tinha atingido a maturida-
de pedagógica que hoje nele é reconhecida. Certamente, o jovem
professor primário já estava convencido do princípio da autogestão
dos alunos. Mas, durante seus primeiros anos de trabalho na colô-
nia Gorki, ele se interessava, sobretudo, por um pequeno número
de alunos, os maiores e os mais capazes, nos quais se apoiava para
a organização da coletividade. Assim, formaram-se na coletivida-
de, um “nó ativo” e uma “reserva”, como é, frequentemente, o
caso ainda hoje. Foi somente na segunda metade dos anos vinte,
que Makarenko começou a fazer participar do trabalho o conjun-
to dos alunos que constitui o órgão coletivo de autogestão mais
importante, onde cada um habitua-se a participar da organização
das diversas atividades da coletividade.
A formação de uma verdadeira coletividade também permi-
tiu a Makarenko descobrir tal ou qual modalidade de organização,
por exemplo, os destacamentos e as equipes de alunos criadas para
levar a bom termo tal ou qual tarefa concreta de interesse comum.
Como se sabe, aqueles que não faziam parte do nó ativo perma-
nente eram eleitos responsáveis por estes destacamentos. Esta fór-
mula permitia familiarizar, progressivamente, todos os alunos com
a organização da vida em coletividade e com o exercício de fun-
ções de responsabilidade, evitando que no nó ativo nasçam privi-
légios e o sentimento de pertencer a uma elite. Assim, a organiza-
ção da vida dos alunos revestia-se de um caráter ao mesmo tempo
verdadeiramente democrático e humano.
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COLEÇÃO EDUCADORES
A herança de Makarenko
O extraordinário interesse que as ideias de Makarenko susci-
tam atualmente se explica pela convergência de sua experiência
teórica e prática e pelas tarefas da escola soviética atual. Este lega-
do é não só acadêmico, mas também aplicado: um meio de agir
sobre a realidade. Se nos dez ou quinze primeiros anos que se
seguiram à morte do grande educador, os práticos da educação
não se interessaram senão por alguns aspectos de sua técnica peda-
gógica — limitavam-se essencialmente a copiar tal característica
exterior de seu sistema — é preciso notar que, há algumas déca-
das, os professores se esforçam, cada vez mais, para compreen-
der, num espírito criativo, a essência da teoria, da perspectiva e dos
métodos da coletividade educativa.
Esta aplicação criadora das ideias de Makarenko não data de
ontem. Por exemplo, na escola n.º 12 de Krasnodar, dirigida por
mais de trinta anos por S.S. Brioukhovetskii, diplomado em ciên-
cia pedagógica e professor emérito, a constituição e a formação
da coletividade dos pedagogos e dos alunos caracterizaram-se pela
aplicação judiciosa de certos princípios de Makarenko: desenvol-
vimento da autogestão, cultura da tradição da vida comunitária e
integração das atividades intelectuais, manuais, sociais, estéticas e
esportivas dos alunos, tanto na escola quanto fora dela, nas associ-
ações de bairro. Muitos estabelecimentos encontraram, assim, uma
maneira original de adaptar o ensinamento de Makarenko à práti-
ca da educação de crianças e adolescentes. Entretanto, nos anos
1960 e 1970, a aplicação destas ideias à prática pedagógica moder-
na adotou outras fórmulas.
Neste fenômeno, o que mais surpreende é que se trata de um
movimento de massa. Numerosas coletividades pedagógicas das
regiões de Rostov, Voronej e Lvov, do distrito de Stavropol e de
grandes cidades como Moscou, Leningrado e Kiev, realizam um
trabalho diversificado e apropriado sobre a base do estudo e da
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aplicação criativa do sistema de Makarenko. Esta atividade peda-
gógica nada tem de estereotipado. Por exemplo, numerosos esta-
belecimentos de Moscou se interessam particularmente pelo de-
senvolvimento da atividade intelectual coletiva; as escolas de
Stavropol reconheceram, com razão, a importância de grupos de
alunos que se dedicam ao trabalho produtivo; nas regiões de Voronej
e de Lvov, a experiência dos clubes onde crianças e jovens se
reagrupam em função de seus centros de interesse revelou-se mui-
to positiva. Tal adaptação seletiva das teorias de Makarenko apre-
senta outra vantagem: afasta o risco de ver copiar pura e simples-
mente o conjunto do sistema ou tal ou qual aspecto que poderia
ser também indevidamente privilegiado. A escola atual caracteriza-
se por uma vontade de preservar a diversidade do conteúdo e das
formas do processo pedagógico, a riqueza de suas orientações.
Na União Soviética, o legado de Makarenko foi estudado e
explorado em estreita ligação com a herança clássica e o contexto
contemporâneo da pedagogia nacional e mundial. Com efeito, a
experiência e as ideias do grande pedagogo só podem ser verda-
deiramente compreendidas e assimiladas de modo criativo se se
levar em conta suas raízes históricas, sua gênese e todos os seus
laços com a escola e a pedagogia da época, sua influência sobre a
teoria e a prática da educação.
Importa, aliás, notar que o estudo de Makarenko não é, mera-
mente, a atividade de um número restrito de pedagogos e de pes-
quisadores profissionais; ele ocupa uma multidão de grupos de
professores e de estudantes e de associações públicas; destacamen-
tos de jovens operários, empregados, estudantes e grandes alunos
que permitem organizar os lazeres das crianças e adolescentes do
bairro; seções pedagógicas que iniciam, nas teorias do grande arte-
são da pedagogia socialista, o imenso público composto de pais,
clubes escolares, museus e associações de amadores que levam o
nome de Makarenko etc.
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COLEÇÃO EDUCADORES
É claro que tal movimento de massa deve também ter a cau-
ção do trabalho de pesquisa especializado: pesquisa de novas fon-
tes, análise de textos, estudo aprofundado do conjunto dos fatos
que ajudam a compreender e a explicar a gênese do sistema peda-
gógico de Makarenko, sua formação e sua evolução no contexto
histórico. Todavia, convém não esquecer que se limitando a inte-
resses científicos específicos, separados da prática e da vida, tais
pesquisas arriscam-se a mergulhar numa escolástica estéril e numa
teorização excessiva. A unidade da teoria e da prática, que foi um
dos princípios metodológicos mais importantes do sistema de
Makarenko, permanece uma condição sine qua non do sucesso da
atividade dos pesquisadores, dos práticos da pedagogia e da soci-
edade em geral que completam hoje, juntos, as pesquisas criativas
de Makarenko aperfeiçoando o processo educativo.
A necessidade de aprofundar os ensinamentos de Makarenko,
a publicação de materiais de arquivos que ainda não foram cienti-
ficamente estudados na sua totalidade e jogam a luz sobre muitos
problemas teóricos e práticos importantes em matéria de educa-
ção, a preparação de uma nova edição das obras completas que
deveria estar concluída para o centenário de nascimento de
Makarenko, a continuação de pesquisas fundamentais que colo-
cam a experiência e as concepções do grande pedagogo soviético,
no quadro da história de nossa escola e da teoria da educação no
seu conjunto, todos estes projetos não retiram nada da importân-
cia do que já foi feito para explorar de diversos modos a ação e as
obras literárias e científicas de Makarenko, com vistas a desenvol-
ver a pedagogia socialista.
Como o mostraram as pesquisas realizadas nestes últimos anos na
União Soviética, notadamente por Frolov e Naumenko, os textos
inéditos de Makarenko são ainda muito numerosos. Encontram-se
dezenas deles nos arquivos nacionais de literatura e de arte da Rússia,
assim como nos arquivos de Moscou, Kharkov, Poltava,
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Krementchug e nos vários grandes museus e bibliotecas. Ao lado
das obras públicas de Makarenko, numerosas obras consagradas à
sua vida e às suas atividades e pesquisas especializadas permitem
aprofundar o estudo de seu legado
6
.
É preciso notar que as novas pesquisas não diminuem em nada
o valor do que foi feito anteriormente neste domínio. Citemos, por
exemplo, os importantes trabalhos de especialistas de Makarenko
como Koslov, Ter-guevondian, Medynski, Lianin e Sukhomlinski,
assim como a frutífera atividade do laboratório da Academia de
Ciências Pedagógicas, onde trabalharam Kaïrov, G.S. Makarenko,
Gmurman, Vinogradova e muitos outros eminentes educadores.
Convém ainda lembrar a importância das pesquisas efetuadas
sobre pontos particulares da teoria e da metodologia da educação
que estão diretamente ligados à reflexão de Makarenko — a disci-
plina escolar (Monoszon, Raskin), a coletividade e a autogestão
(Konnikova, Korotov, Malkova, Novikova) etc. Enfim, é preciso
notar o interesse e a importância dos estudos sobre Makarenko
realizados no estrangeiro, nos países com regimes sociais e políti-
cos diferentes, com tradições diferentes em matéria de educação e
as concepções mais diversas em matéria de pedagogia.
Este interesse universal é uma das manifestações do estreita-
mento dos laços que unem, no mundo contemporâneo, os indiví-
duos e os sistemas e onde a ciência bem como a arte é chamada a
desempenhar um papel de primeiro plano.
6
Ver Frolov, A. A. Os documentos de arquivos inéditos enquanto fontes de estudo da
experiência e das ideias pedagógicas de Makarenko. Pedagoguitcheskoïe nasledie A. S.
Makarenko i sovremennaia chkola, (O legado pedagógico de A .S. Makarenko e a educa-
ção moderna). Moscow: Voronej, 1981. pp. 81-86.
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COLEÇÃO EDUCADORES
A OBRA DE MAKARENKO
NA VISÃO BRASILEIRA
Carlos Bauer e Ester Buffa
O texto “Os objetivos da educação”, de acordo com Cecí-
lia da Silveira Luedemann, publicado em 1937, foi escrito por
Makarenko, inicialmente, como um dos capítulos da introdução
do livro A experiência da metodologia de trabalho na colônia de trabalho
infantil, em 1931. Esse projeto seria retomado no ano seguinte,
com um dos capítulos intitulado “O período organizativo”.
No início dos anos de 1930, vários projetos literários estavam
em andamento: uma série de reportagens sobre a vida na Comuna
Dzerjinski, em A marcha dos anos 30, a novela FD-1, em que relata a
fase de maior desenvolvimento da Comuna e a peça Tom Maior. So-
mente em 1933, Makarenko deu início a sua mais importante obra
literária, Poema pedagógico, concluindo nesse ano seu primeiro volume.
Ao que tudo indica, A experiência da metodologia de trabalho na colô-
nia de trabalho infantil teria sugerido a Makarenko um novo caminho
literário: expor a experiência que resultou na criação da metodologia
de organização do trabalho educacional na forma de uma narrativa
literária. E qual seria a experiência fundamental para a criação dessa
metodologia? Teria sido o “inglório começo” da Colônia Gorki. E
esse recurso literário de demonstração do nascimento e do desen-
volvimento de suas teses educacionais teria sido estimulado por Gorki,
em uma carta:
Você levou doze anos trabalhando e os resultados de seu trabalho não
têm preço. Mas o caso é que ninguém o conhece e não o conhecerá se
você mesmo não contar... Vá para qualquer lugar tranquilo e escreva
seu livro, querido amigo.
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ANTONIO GRAMSCI
Em lugar de um texto teórico, com a apresentação das teses e
sua demonstração, Makarenko percebeu a necessidade de apre-
sentar as condições particulares, concretas, do nascimento de sua
proposta educacional, para que pudesse explicitar cada passo, cada
decisão, cada criação pedagógica, no terreno fértil das determina-
ções concretas e particulares da história. Além disso, preocupado
com as críticas preconceituosas que o tomavam como “autoritá-
rio”, como “general de um quartel”, Makarenko resolveu colocar
o leitor em contato direto com os conflitos vividos pelos persona-
gens de sua epopeia pedagógica, os meninos e as meninas da Co-
lônia Gorki. A leitura de um “poema pedagógico”, no lugar de
um texto teórico, abrindo inúmeras possibilidades para a experi-
ência estética: a aventura de criação educacional.
Na realidade, Makarenko aprofunda as teses colocadas no li-
vro A experiência da metodologia de trabalho na colônia de trabalho infantil
em Poema pedagógico, com a preocupação de relatar o período
organizativo, como aparece logo no segundo capítulo de Poema
pedagógico, com o título “O inglório começo da Colônia Gorki”.
Objetivos da educação seria o plano geral de Poema pedagógico,
suas diretrizes gerais, sua tese central e sua argumentação, no plano
teórico. Embora sucinto, esse artigo apresenta, já em 1931, um qua-
dro analítico que seria desenvolvido em 1935 na obra Metodologia
para a organização do processo educativo. Seu tema é a educação comunis-
ta, seus princípios, seu objeto e as particularidades de seus métodos
e técnicas. Embora não faça uma referência direta a Lenin, é possível
visualizarmos as teses de estado e de sociedade socialista e comunis-
ta defendidas em O estado e a revolução. A educação é definida como
um processo racional de formação de indivíduos de diferentes per-
sonalidades de acordo com as necessidades da sociedade.
Critica tanto as concepções idealistas que supõem resolver o
problema educacional a partir de uma definição ideal de “homem”,
quanto as teses funcionalistas que procuram criar “moldes” para as
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COLEÇÃO EDUCADORES
personalidades de acordo com as “necessidades da sociedade”. Nem
fórmulas abstratas, nem determinações diretas da sociedade.
Makarenko defende a necessidade de os pedagogos discutirem as
várias possibilidades para se criar uma metodologia de educação
para a formação do homem comunista. Para afrontar os idealistas,
exemplifica a educação como um processo de produção de novas
personalidades, como uma “fábrica”, em que o material básico, a
criança, é produzido de acordo com as técnicas pedagógicas e os
conteúdos. Nesse processo, não há espaço para a mistificação da
educação: o indivíduo não se desenvolve naturalmente, como defi-
nem as concepções espontaneístas de educação, mas segundo uma
direção. Para Makarenko, a vida prática seria o critério do trabalho
vivo da pedagogia comunista. No lugar dos parâmetros ideais, eter-
nos e absolutos, Makarenko definiu as tarefas concretas: produto de
um planejamento consciente, racional, das necessidades sociais, sem-
pre em transformação, num processo dialético.
A dúvida: como educar para as necessidades da sociedade sem
cair na educação massificada? Como respeitar o indivíduo e res-
ponder ao princípio das exigências sociais? A hipótese de
Makarenko é a chave de todo seu sistema educacional. A única
saída para este problema é deixar de considerar a “criança”, ser
genérico, abstrato, como objeto da educação e tomar a “coletivi-
dade” como novo objeto da educação comunista. Aí, sim, todas
as diferentes personalidades estariam contempladas, sem que se
buscasse uma personalidade ideal, anulando as demais, como nos
moldes da educação jesuítica e espartana.
A coletividade como objeto da educação: esta é a grande re-
volução da pedagogia de Makarenko. A escola deixa de ter a sala
de aula como centro. O centro é a autogestão da coletividade,
assegurada por uma direção única, o pedagogo responsável.
O resultado da educação comunista seria a formação de ho-
mens felizes, de indivíduos realizados pessoalmente, ao contrário
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do velho antagonismo colocado pela psicologia e a sociologia
funcionalistas: indivíduo x sociedade. Uma metodologia única e
geral para a educação deveria contemplar todas as diferenças: físi-
cas, psíquicas, morais, sexuais, etárias etc.
No lugar de inúmeras escolas diferenciadas, uma escola orga-
nizada na forma de coletividade, capaz de combinar todas as dife-
renças com base nos direitos iguais ao desenvolvimento cultural. A
tese de Makarenko — a coletividade como objeto da educação
comunista — é realização concreta da escola única, em uma soci-
edade marcada pelo fim da propriedade privada e a pela garantia
da igualdade de direitos.
Considerada como uma das mais importantes obras de
Makarenko, Metodologia para a organização do processo educativo, con-
forme nos informa Cecília da Silveira Luedemann, foi escrita
entre 1935 e 1936, quando Makarenko trabalhava, em Kiev, como
auxiliar de direção das Comunas de Trabalho do Comissariado
do Povo do Interior da República Socialista Soviética da Ucrânia,
já afastado da Comuna Dzerjinski. Com o objetivo de discutir e
generalizar para as demais instituições de ensino as experiências e
as teses educacionais criadas na Colônia Gorki e na Comuna
Dzerjinski, Metodologia para a organização do processo educativo foi
publicada em 1936 com uma pequena tiragem.
A partir de sua experiência, Makarenko sistematizou a proposta
de constituição e desenvolvimento da coletividade escolar, discutin-
do a estrutura orgânica da coletividade, o funcionamento da
autogestão no destacamento e seus órgãos, o estilo de trabalho dos
educadores, o trabalho cultural e a criação das perspectivas da cole-
tividade. É um texto marcado por orientações concretas, particula-
ridades do dia a dia de sua experiência nas colônias infantis, para
serem discutidas e implantadas nas experiências do mesmo tipo.
No entanto, suas contribuições não podem ser entendidas ape-
nas como um receituário prático para a organização da escola como
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COLEÇÃO EDUCADORES
coletividade. Makarenko está preocupado em definir os parâmetros
científicos da pedagogia, os desafios da revolução socialista. Quais
as contribuições da sociologia e da psicologia como ciências auxi-
liares? De que forma os pedagogos poderiam entender os desafi-
os e lançar mão das contribuições dessas ciências sem se deixar
dominar pelos modismos?
A partir do terreno da pedagogia, Makarenko elabora um
projeto de sociologia educacional, tomando como referência os
princípios leninistas de O estado e a revolução: educar os novos co-
mandantes da sociedade comunista; educar para o fim das dife-
renças de classes; educar para que cada um entenda que deve tra-
balhar conforme sua capacidade e contemplar as suas necessida-
des. Uma educação de homens e mulheres com diferentes capaci-
dades e diferentes necessidades, mas com os direitos assegurados.
A preocupação com a criação de uma nova sociabilidade não
era uma preocupação exclusiva de Makarenko; já estava colocada
nos diferentes projetos dos escolanovistas. Makarenko demonstra a
necessidade de criar na escola um ambiente social propício para a
experimentação de novas relações sociais, mas mais que isso: era
preciso reinventar a escola como espaço central de participação so-
cial das crianças e dos jovens, criando novas tradições, numa rede de
subordinação entre os iguais. Os próprios educandos se educariam
junto com os educadores, numa verdadeira democracia operária.
De acordo com sua experiência, seria preciso tomar o traba-
lho produtivo como uma das atividades essenciais da escola, além
da instrução e da cultura. No lugar da sala de aula ou da organiza-
ção por dormitórios, como nas comunas, a organização principal
seria o destacamento, o grupo social primário, de contato, em que
estariam organizados de 7 a 15 educandos. Este seria o lugar da
participação de cada educando na vida da coletividade geral. Inici-
almente divididos por faixa etária, para o período de constituição
da coletividade, poderiam depois ter educandos de diferentes
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idades para o melhor acompanhamento das crianças menores. A
organização dos pioneiros e da juventude comunista deveria estar
espalhada nos destacamentos, como no modelo leninista da rela-
ção entre a vanguarda e a massa.
Makarenko estava preocupado com a transmissão de experi-
ências, de valores e a manutenção das tradições das gerações mais
velhas para as gerações mais novas, procurando não isolar os
educandos por faixa etária e nem por nível de consciência. Quanto
maior fosse a mistura das diferenças, melhor para a realização de
trocas, a manutenção das tradições com a participação de novas
gerações. A relação entre crianças mais novas e mais velhas auxili-
aria no desenvolvimento do sentimento de proteção, de humanismo
nos futuros homens e mulheres, que mais tarde desempenharão os
papeis de pais e mães.
O tempo social da educação excede o limitado tempo do
estudo, nas salas de aula, ou do trabalho, nos campos e nas ofici-
nas. Para Makarenko, o tempo de educar contempla todos os tem-
pos sociais, inclusive da cultura, do lazer, do descanso, até mesmo
quando as crianças estão se preparando para dormir. A educação
da coletividade, de todas as crianças, em suas diferentes personali-
dades, deve tomar tanto os diferentes momentos de suas vidas, os
espaços diferenciados, quanto o desenrolar do processo, não se
deixando enganar pela análise de um ou de outro episódio isolado
da ação dos educandos.
Ao abordar a autogestão no destacamento, Makarenko
aprofunda o princípio da criação de uma rede de subordinação
entre os iguais, revezando os papéis de comando e subordinação e
procurando por fim ao comando personalista. A designação dos
coordenadores dos coletivos primários, que Makarenko nomeia
como chefes de destacamentos, é um recurso para as coletivida-
des em período de constituição, geralmente utilizado pelo coletivo
pedagógico (direção e professores) para animar a participação da
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COLEÇÃO EDUCADORES
vanguarda nesse período organizativo. O ideal, no entanto, é a
eleição dos coordenadores na assembleia geral da coletividade.
A coletividade madura, na concepção de Makarenko, pode e
deve eleger seus coordenadores de acordo com os critérios esta-
belecidos pelos educadores e os educandos, tais como: ser fiel aos
interesses do coletivo, ser bom aluno e bom trabalhador etc. Esses
critérios seriam as qualidades concretas reclamadas por Makarenko
contra o homem “ideal” comunista. Todos poderiam se candidatar
a coordenador e, para isso, lutariam com todas as forças para se
desenvolver em todas as direções — desde o plano da instrução,
da cultura, da política, da ética, até o plano das relações afetivas.
Assim, ao ser eleito, o coordenador desenvolveria a responsa-
bilidade de levar à frente os objetivos da coletividade em cada
uma de suas tarefas. Sem autogestão a formação integral dos
educandos estaria prejudicada conhecida apenas na teoria e não na
prática. Segundo Makarenko, o educando deve vivenciar a experi-
ência de conquistar vitórias, com sua colaboração, mas também
de assumir as consequências das derrotas, caso não tenha conse-
guido desempenhar o seu papel. Mas, apenas a soma das diferen-
tes experiências de sucessos e fracassos poderá auxiliar em sua
formação contínua.
O desenvolvimento integral dos educandos de cada coletivo
primário será responsabilidade da direção de cada coordenador,
que poderá ter outros auxiliares para as atividades culturais e espor-
tivas do grupo. O coordenador será chamado para resolver os pro-
blemas cotidianos dos educandos do seu grupo, inclusive quando
estiverem indisciplinados na sala de aula e tiverem de ser convidados
a sair, mesmo se o coordenador não pertencer àquela turma.
No sistema social criado por Makarenko, o coordenador é o
elo fundamental entre o coletivo primário e a coletividade geral,
entre os educandos e a direção pedagógica. Diariamente, o coor-
denador informa a direção sobre as atividades desenvolvidas pelos
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ANTONIO GRAMSCI
educandos de seu coletivo. Na soma total dos coletivos, a direção
cria, dia a dia, um quadro geral da situação da coletividade, com
seus problemas, suas dificuldades, suas tensões, crises e supera-
ções. Todos os educandos são conhecidos pessoalmente. Nesse
sistema é impossível algum educando viver na coletividade des-
percebido. Com essas informações, a direção pedagógica pode
alterar seus planos, criar novas propostas, contemplar novas ex-
pectativas dos educandos.
A organização dos coletivos primários se dá a partir do funci-
onamento do Conselho da Coletividade, composto por coorde-
nadores dos coletivos primários. A eleição dos coordenadores
acontece de três a seis meses, garantindo o rodízio do comando e,
com isso, o desenvolvimento da iniciativa dos demais educandos,
segundo o princípio leninista da educação comunista.
Ao apresentar em seu sistema educacional os órgãos de
autogestão (a assembleia geral, o conselho da coletividade, a co-
missão sanitária e a comissão financeira), Makarenko discute a im-
portância da assembleia geral. Ela é o coração da coletividade,
responsável por manter a unidade, por estimular a participação
social, dar voz a todos os educandos e se envolver com a resolução
dos problemas enfrentados. Durante o período de organização
da coletividade, a assembleia deve acontecer semanalmente e sem-
pre que for preciso, para retomar normas, resolver problemas
urgentes, mas sempre muito rápida. Mas, já com o funcionamento
normal da coletividade, poderá ser quinzenal.
Das várias observações levantadas por Makarenko sobre o
funcionamento dos órgãos de autogestão, a mais importante é a
que destaca a não-intromissão da direção e dos professores nas
questões da esfera dos órgãos. Os educandos devem aprender a
resolverem sozinhos seus problemas, mesmo que os educadores
entendam que suas propostas são melhores. Makarenko deixa cla-
ra a necessidade de os educandos viverem situações concretas de
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COLEÇÃO EDUCADORES
responsabilidade para compreenderem o valor concreto, prático,
de cada princípio teórico da educação comunista.
Ao definir o tom da coletividade, Makarenko retoma os valores
de humanização pela educação ao longo da nossa história, desde os
conceitos de virtude da Grécia clássica até os de honra e de cortesia
desenvolvidas na educação do cavaleiro medieval, tomando cada
situação concreta como objeto de análise da atuação do coletivo e
do educando. No lugar da defesa dos movimentos militares dos
educandos, Makarenko defende a educação dos movimentos livres,
dando a cada educando a graciosidade de ser como é, cada um com
suas particularidades e seguro de si mesmo em suas qualidades.
O trabalho cultural tem lugar, no sistema educacional de
Makarenko, nos espaços e tempos de desenvolvimento espontâ-
neo, pessoal e integral dos educandos, sob direção de especialistas.
Em sua experiência, destacou os seguintes círculos culturais: coral,
teatro, literatura nacional e internacional, contos, música, pintura,
trabalhos manuais, dança, fotografia, pesquisas em ciências natu-
rais, física e química, radioamadores, esportes, xadrez e damas,
Nesse tipo de trabalho, os educandos passam a desenvolver a for-
ça criativa, espiritual, estética, descobrindo suas preferências e con-
tribuindo para o desenvolvimento cultural de toda a coletividade.
Ao destacar a importância do trabalho com as perspectivas da
coletividade, Makarenko retoma o princípio da educação como tra-
balho racional de formação. Tomando a educação como um pro-
cesso, as perspectivas deveriam ser criadas de acordo com as forças
da coletividade: a curto, médio e longo prazo. Deste modo, os edu-
cadores estariam criando, junto do coletivo, uma expectativa de vida
presente, mas com os olhos voltados para o futuro, com a certeza de
que poderia alcançar os objetivos estabelecidos. O dia seguinte e os
próximos anos devem ser imaginados, criados conforme as condi-
ções e as aspirações da coletividade. A direção e os educadores de-
vem auxiliar na criação dessas perspectivas, bem como na concretização
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ANTONIO GRAMSCI
de seus objetivos. O dia de amanhã pode apresentar a perspectiva
feliz de um passeio coletivo no campo, como pode também signifi-
car um dia difícil de trabalho, mas que significa a conquista de um
objetivo estabelecido pela assembleia da coletividade.
Para as perspectivas em longo prazo, Makarenko ressaltou a rela-
ção do indivíduo com a coletividade, com o seu país e com a huma-
nidade de forma geral. É preciso que os jovens conheçam a história
de seu país, da humanidade e possam entender os desafios históricos
e a sua contribuição pessoal nas lutas do proletariado internacional.
O texto “A família e a educação dos filhos” é resultado, con-
forme sinaliza Cecília da Silveira Luedemann, reduzido, de uma
conferência realizada, em julho de 1938, para os leitores de Anton
Makarenko na redação da revista Obschestvennitsa. Ele comenta as
inúmeras cartas que recebeu depois de publicar Poema pedagógico e a
dificuldade de os pais, de diferentes classes sociais, graus de instru-
ção e personalidades, educarem seus próprios filhos.
Makarenko retoma a segunda parte do livro dos pais e procura
mostrar o quanto é preciso separar a afetividade natural pelos filhos
de uma necessária medida racional para a educação de bom senso.
Para criticar os exageros do amor pelos filhos e seus resultados nega-
tivos, Makarenko apelará para o princípio da ética aristotélica do
“meio termo”, a educação sem excessos e sem carências. Nem co-
vardes, nem heróis que abdicam da felicidade pessoal. Para Makarenko,
se os pais soubessem determinar com clareza o tipo de homens que
gostariam de educar, poderiam educar homens honrados, que reali-
zem sacrifícios à sociedade, mas construindo uma vida feliz.
A disciplina também é discutida neste texto, mostrando que
no princípio da meia medida é preciso encontrar a harmonia entre
o carinho e a exigência, sem cair na severidade e no espontaneísmo.
Makarenko insiste na imagem da disciplina como conquista da
responsabilidade, em que a criança assimila regras, normas, mas
pode correr determinados riscos para desenvolver sua liberdade.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Por isso, ressalta a importância de os pais trabalharem sempre com
os movimentos opostos dos sentimentos: o desejo e a renúncia; a
expressão de carinho e a moderação dos gestos.
A concepção de educação de Makarenko requer um adulto
presente na vida das crianças, interessado em entender cada pro-
blema, analisando cada situação em particular, segundo a lógica da
ética aristotélica, de que os seres humanos, não devem se compa-
rar com seres ideais, inatingíveis, nem serem educados segundo
regras e normas eternas e abstratas. Cada educando, cada filho
deve ser entendido de acordo com sua história e em cada situação
em particular. O adulto deve assumir a direção da educação, casti-
gando ou não de acordo com cada necessidade, com a atitude
devida, O mais importante é que o filho sinta confiança que os
pais depositam nele e que possa superar os desafios colocados em
sua vida, com ou sem ajuda dos pais.
No artigo “A educação na família e na escola”, conforme nos
explica Cecília da Silveira Luedemann, resultado de uma conferên-
cia realizada por Makarenko, em 8 de fevereiro de 1939, na Casa
do Professor, no distrito de Frunze, Moscou, a relação entre a
família e a escola é analisada de acordo com a concepção de soci-
edade e do estado no socialismo. O texto expressa o tom infor-
mal e franco com que Makarenko conversava com pais e profes-
sores sobre a necessidade de levantar os objetivos claros da educa-
ção das crianças e de criar técnicas adequadas para isso.
Makarenko condena o modo pelo qual a escola relaciona-se
com as famílias. Geralmente, os pais são chamados quando os
alunos apresentam problemas de aprendizagem ou de disciplina e
nesses encontros são acusados de educarem mal os seus filhos.
Não seria a escola que estaria falhando na educação de seus alunos,
inclusive porque, ao invés de auxiliar os pais, estaria responsabili-
zando-os pelo fracasso dos filhos? Qual seria a esfera da educação
da escola? Qual seria a esfera da educação da família?
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ANTONIO GRAMSCI
De acordo com Makarenko, a educação familiar deveria ser
estruturada tomando a escola como princípio organizativo e como
representante da educação estatal. A escola deveria cumprir o papel
de orientar a família na sociedade socialista. De acordo com isso,
muitos dos objetivos comuns de formação da criança deveriam ser
discutidos entre pais e professores, criando, a cada momento, dife-
rentes estratégias educacionais, tanto em casa quanto na escola.
Mas, nesse período, a instituição escolar soviética encontrava-se
em crise de identidade: entre aquela proclamada pela Comissão de
Instrução Pública nos anos de 1920 e a que predominou nos anos de
1930 com o estalinismo. Embora Makarenko defendesse a transfor-
mação da velha escola em coletividade escolar, retirando a centralidade
da sala de aula e derrubando os seus muros para chegar à comunida-
de e às famílias dos alunos, na realidade, a escola estalinista tornara-se
ainda mais fechada à educação integral, politécnica, voltada para a
profissionalização em massa e para a inculcação ideológica.
Em consequência, muitas das orientações de Makarenko, como
educar a voz e as expressões faciais para assumir o papel de edu-
cador, seja como professor, seja como pai e mãe, aparecem de
forma estranha. Seria preciso conhecer a sua proposta integral de
organização da escola como coletividade para entender a impor-
tância de algumas atividades teatrais como técnicas educacionais. A
tarefa educacional não seria produto apenas da intuição e da
afetividade do educador, mas de uma ação racional, planejada, de
acordo com determinadas necessidades educacionais, o que exigi-
ria atitudes ensaiadas, como de um ator.
Makarenko tinha consciência de que essas técnicas, isoladas de
uma ação geral compartilhada por toda a sociedade, não resultari-
am em nada. Era preciso entender porque determinadas famílias
educavam mal, formavam jovens com problemas de caráter. E,
antes, era preciso entender as causas que levaram essas famílias a
educar as novas gerações com esses problemas. Por isto, ao tratar
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COLEÇÃO EDUCADORES
a questão do “sacrifício da felicidade” em nome dos filhos,
Makarenko mostra o quanto é preciso fazer os filhos, desde os 5
anos de idade, participarem da base econômica da família, de suas
necessidades, de suas possibilidades para que todos possam esta-
belecer as perspectivas de felicidade e a desfrutem com direitos
iguais: pais e filhos. A vida de sacrifícios dos pais não pode signi-
ficar a felicidade dos filhos, pois estariam sendo educados para
uma “felicidade egoísta”.
A família deveria ser analisada como instituição social, retiran-
do-lhe muitas das atribuições que lhe eram dadas como naturais,
como, por exemplo, o poder paterno, a submissão incondicional
da mãe e a ausência total de direitos dos filhos. Uma nova relação
de direitos iguais entre pai e mãe e entre pais e filhos deveria ser
criada na família socialista, destruindo antigos costumes, como o
castigo corporal, e cultivando novos sentimentos, como o carinho,
a sinceridade e o respeito.
Nos anos de 1930, Makarenko observava o surgimento de
novas gerações que continuavam sendo educadas de acordo com
os princípios da família burguesa e da escola que criava um molde
para a educação de massa e profissionalizante.
No artigo “As minhas concepções pedagógicas”, de acordo
com Cecília da Silveira Luedemann, foi publicado pela primeira
vez em 1941, pelo Instituto Pedagógico de Kharkov em Anotações
científicas do Instituto Pedagógico Estatal de Kharkov, e é resultado das
colocações de Makarenko em um sarau literário-pedagógico, em
9 de março de 1939. Na primeira edição das obras de A. S.
Makarenko, em 1947, o texto recebeu o título “As minhas concep-
ções pedagógicas” da redação da editora da Academia de Ciênci-
as Pedagógicas da URSS. Falando aos professores, pedagogos e
pesquisadores, Makarenko defende a tese de que, mesmo depois
de 20 anos de revolução, a educação comunista ainda não existia
na União Soviética. Em tom de autocrítica, explica que os pioneiros
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ANTONIO GRAMSCI
tendem a errar mais do que aqueles que herdaram das antigas ge-
rações as bases para a criação de uma nova educação.
Esta foi uma das últimas participações públicas de Makarenko,
pois viveria só até o final desse mesmo mês. Sua fala é
desmistificadora do imaginário que estava sendo criado no perío-
do estalinista sobre a sua figura de pedagogo e de escritor. No
lugar da mistificação, Makarenko procurava mostrar-se como um
homem de carne e osso, um professor e pedagogo com as mes-
mas dificuldades de todos os educadores. Para criar uma forte
identidade com o trabalho educacional naqueles que o ouviam,
Makarenko apresentou uma síntese de sua trajetória pedagógica e
literária, acentuando sempre sua relação com a educação geral,
não apenas com a de crianças delinquentes, e sua estreita relação
com a comunidade operária na primeira fase de sua experiência
pedagógica com filhos de operários.
Em sua fala, Makarenko desmistifica a imagem de herói da
educação, mas defende o direito de colocar-se diante dos ouvintes
como um importante pedagogo que havia desenvolvido um novo
método de educação em 32 anos de experiência profissional. Essa
argumentação demonstra o quanto ainda Makarenko era comba-
tido nos meios acadêmicos e burocráticos estalinistas, como ape-
nas um educador da frente prática e não como um teórico. Mas,
se por um lado, procura valorizar as suas contribuições, por outro
lado, desmistifica a tese do “talento inato”, afirmando que o seu
trabalho se desenvolveu com o compromisso de atender às neces-
sidades sociais da revolução e à missão educacional que havia rece-
bido do estado soviético. Dentre os elementos primordiais da
constituição de suas teses pedagógicas, destaca o importante papel
dos educadores e da autogestão, principal processo educacional
que funcionava como verdadeira educadora do coletivo.
Em seu relato sobre as visitas que realizou em várias escolas
soviéticas, criticou a hipertrofia do método individual: as escolas
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COLEÇÃO EDUCADORES
funcionam com experiências isoladas de professores, alunos, salas
de aulas, mas nunca como uma coletividade. Makarenko mostra-
va o quanto a escola soviética se parecia com a antiga escola, que
não havia conseguido organizar o processo educativo. A escola
era a somatória das iniciativas individuais originadas nas salas de
aula e suas atividades gerais, mas não era uma coletividade. A
inculcação ideológica era o centro das atividades educacionais, re-
dundando em uma educação livresca, sem relação direta com a
vida, nem com a criação de hábitos e costumes da vida comunista.
As escolas não expressavam uma unidade de objetivos e de
ações, não havia um centro comum em cada uma delas e a preo-
cupação com a disciplina acabava por reproduzir a antiga discipli-
na repressora, a disciplina da inibição, a velha arma do “não”. Para
Makarenko, as escolas não estariam servindo para organizar a ex-
periência infantil de acordo com as necessidades da sociedade so-
cialista. A escola soviética poderia e deveria ser, segundo Makarenko,
a instituição social de participação das crianças, lugar de formação
e de participação de criação de uma nova sociabilidade, da subor-
dinação entre iguais da autogestão. Para a formação de uma nova
geração, com personalidade comunista, deveria existir um traba-
lho de organização da coletividade, com um tempo relativamente
longo para que se pudesse avaliar os resultados.
A preocupação com os detalhes da vida coletiva era rejeitada
pela maioria das escolas visitadas por Makarenko. Se havia sujeira
nas salas de aula, os diretores e professores não se preocupavam em
fazer com que os alunos limpassem o que sujaram. O trabalho ma-
nual e a preocupação com os pormenores da vida cotidiana não
faziam parte dos objetivos educacionais da direção escolar. E é aí
que Makarenko vai chamar a atenção dos pedagogos: a diferença
entre instrução e educação e, na esfera da educação, na inculcação
ideológica e na formação de novos hábitos e novas tradições com
base na vida coletiva.
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ANTONIO GRAMSCI
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TEXTOS SELECIONADOS
A pedagogia, especialmente a teoria da educação, é, sobretudo, uma
ciência com objetivos práticos. Não podemos simplesmente edu-
car um homem, não temos o direito de realizar um trabalho
educativo, quando não temos frente aos olhos um objetivo polí-
tico determinado. Um trabalho educativo, que não persegue uma
meta detalhada, clara e conhecida em todos os seus aspectos, é um
trabalho educativo apolítico.
Essas palavras de Makarenko estão em sintonia com a premissa
de que era preciso construir, também, uma nova sociedade, em que
o coletivo prevalecesse sobre o individual; em que a ética burguesa
da busca do lucro e da ostentação, apoiada nas diferenças de classes,
desse lugar a uma nova, socialista, solidária e igualitária, em que não
houvesse exploração de uns sobre os outros e em que todos tives-
sem acesso às mesmas oportunidades em igualdade de condições.
Enfim, era preciso construir um “novo homem” e essa construção
deveria começar pela educação das crianças e dos adolescentes, pe-
los filhos dos camponeses que eram, invariavelmente, todos analfa-
betos como seus pais, avós e demais antepassados; pelos filhos dos
operários, com pouca ou nenhuma instrução e pelos menores aban-
donados; meninos e meninas — que, no Brasil, chamamos “de rua”,
boa parte já comprometida com o mundo da criminalidade e da
delinquência. Era por estes últimos que o pedagogo Anton
Semionovitch Makarenko deveria começar a por em prática a edu-
cação socialista com que tanto sonhava.
Os escritos selecionados — “Os objetivos da educação”,
“Metodologia para a organização do processo educativo”, “A família
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ANTONIO GRAMSCI
e a educação dos filhos”, “A educação na família e na escola e “As
minhas concepções pedagógicas” — tratam, é certo, do universo
soviético do início do século XX, e, ressalvando-se o seu desenvol-
vimento num contexto bem particular, que foi o da implantação do
socialismo na União Soviética, a experiência transmitida pelo autor
pode ser muito útil aos professores e educadores de hoje.
Os personagens juvenis e os pais que povoam as suas páginas
são tão humanos e complexos quanto àqueles que nos circundam
e o mesmo vale para os educadores, na maioria muito bem inten-
cionada, mas, muitas vezes, sem a formação profissional adequa-
da para lidar com questões de ordem teórico-metodológicas, a
organização da escola como coletividade ou, ainda, com tantos
problemas sociais que afligem nossos educandos e seus familiares.
Os educadores atuais enfrentam desafios e situações muito
semelhantes aos dos que foram protagonizados e registrados por
Makarenko. Por isso mesmo, esse grande educador oferece temas
para uma indispensável reflexão dos que trabalham na área de
educação.
Os textos de Makarenko que selecionamos foram original-
mente publicados no livro Anton Makarenko: vida e obra — a pe-
dagogia na revolução, de Cecília da Silveira Luedemann, editado
pela Editora Expressão Popular, de São Paulo, a quem somos
gratos pela cessão e autorização para que os mesmos pudessem
aparecer na presente obra. Também queremos agradecer a Jennifer
Lopes e Paulo Junior pelo trabalho voluntário que realizaram quan-
do da reprodução desses artigos.
Os objetivos da educação
Um aspecto de importância extraordinária no nosso traba-
lho consiste em que ele deve ser inteiramente racional. Devemos
educar tal indivíduo de que a nossa sociedade precise. Em certas
ocasiões, a sociedade coloca este imperativo com muita impaci-
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COLEÇÃO EDUCADORES
ência e exigência: necessitamos de engenheiros, de médicos, de
moldadores, de torneiros...
Não devemos falar apenas sobre a formação profissional da
nova geração, mas também sobre a educação e um novo tipo de
comportamento, de caráteres e de conjuntos de traços da perso-
nalidade que são necessários, precisamente no estado soviético. Os
objetivos do trabalho educativo só podem ser deduzidos das ex-
periências que a sociedade coloca.
Os objetivos do nosso trabalho devem ser expressos através
das qualidades reais das pessoas educadas sob nossa orientação
pedagógica. Cada pessoa por nós educada constitui o resultado
da nossa produção pedagógica. Tanto nós quanto a sociedade
devemos examinar nosso produto minuciosa e detalhadamente,
até à mínima peça. Como em toda produção, o resultado da nos-
sa pode ser estupendo, satisfatório, aceitável, parcialmente defeitu-
oso ou completamente defeituoso. O êxito do nosso trabalho
depende de uma quantidade infinita de circunstâncias: da técnica
pedagógica, dos conteúdos, da qualidade do material. O nosso
material básico, as crianças, é imensamente variado. Pergunta-se:
que percentagem desse material é necessária para formar “um in-
divíduo cheio de iniciativas”? — 90?, 50?, 10?, 0,05? E o que é que
se faz com o restante do material?
Se analisarmos deste modo a questão, torna-se completamen-
te inadmissível substituir a descrição exata do nosso produto por
alocuções gerais, exclamações patéticas e frases “revolucionárias”.
Tais exortações são tão “idealistas” que, na realidade, sua apli-
cação torna-se absolutamente impossível. O ideal abstrato como
objetivo da educação não nos convém, não só porque o ideal em
geral é inatingível, mas também porque, na esfera da conduta, as
relações entre ideais estão muito misturadas. A amabilidade ideal,
o administrador ideal, o político ideal constituem conjuntos muito
complexos, por assim dizer, de pequenas perfeições e determina-
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ANTONIO GRAMSCI
das predisposições e aversões. As tentativas para sintetizar os obje-
tivos da educação numa fórmula breve não demonstram mais do
que um absoluto divórcio com todo tipo de prática concreta e
específica. Por esta razão, é muito natural que semelhantes fórmu-
las não tivessem criado nada na vida real, no nosso trabalho vivo.
O projeto da personalidade como produto da educação deve
basear-se nas exigências da sociedade. Este princípio tira imediata-
mente do nosso produto os paramentos ideais. Nas nossas tarefas
não há nada eterno e absoluto. As exigências da sociedade são
válidas apenas para uma época cuja duração é mais ou menos
limitada. Podemos estar completamente convencidos de que à
próxima geração apresentar-se-ão exigências um tanto modifica-
das e estas modificações serão introduzidas gradualmente, à medi-
da que se desenvolve e se aperfeiçoa toda a vida social.
Por isso, na nossa tarefa de planejamento, devemos sempre ser
extremamente atentos e perspicazes em particular, ainda porque a
evolução das tarefas que a sociedade coloca pode se produzir na
esfera de pormenores pouco significativos.
Além disso, devemos ter sempre em mente que, por mais ín-
tegro que nos pareça o ser humano em se fazendo uma abstração
generosa, todos os seres humanos, em determinada medida, cons-
tituem um material muito diversificado para a educação e o “pro-
duto” que fabricaremos terá, necessariamente, de ser variado. As-
sim, reunindo muitas substâncias sob o conceito único de metal,
não nos passa pela cabeça fabricar facas de alumínio ou rolamen-
tos de mercúrio. Seria de uma superficialidade inaudita ignorar a
diversidade do ser humano e tratar de agrupar a questão relativa às
tarefas da educação numa estrutura comum a todos.
A nossa educação deve ser comunista e cada pessoa que edu-
camos deve ser útil à causa da classe operária. Este princípio,
generalizador e necessário, pressupõe precisamente formas distintas
para a execução da tarefa de acordo com a variedade do material
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COLEÇÃO EDUCADORES
e as suas diversas formas de aplicação na sociedade. Qualquer
outro princípio não é mais do que uma despersonalização.
Os traços comuns e individuais da personalidade formam
entrelaçamentos extremamente complexos e, por isso, a tarefa de
projetar a personalidade converte-se num assunto extraordinaria-
mente difícil e exige muita cautela. O aspecto mais perigoso conti-
nuará a ser, por muito tempo, o medo perante a diversidade hu-
mana, a incapacidade de construir um todo equilibrado na base
das diferenças. Por isso... cortar todos pelo mesmo molde, meter
o ser humano no chavão estereotipado, educar uma série reduzida
de seres humanos parece uma tarefa mais fácil do que a educação
diferenciada. A propósito, este erro foi cometido pelos espartanos
e pelos jesuítas na sua época.
A solução desse problema seria impossível se o resolvêssemos
de modo silogístico: para pessoas diversas — diversos métodos.
Era mais ou menos assim que pensavam os pedólogos quando
criavam instituições para “crianças difíceis” separadas das institui-
ções para crianças normais. E agora também erram quando edu-
cam separadamente as moças e os rapazes. Se continuarmos a
desenvolver esta lógica pela via da ramificação das particularida-
des pessoais (sexuais, etárias, sociais, morais), chegaremos rapida-
mente à singular individualidade que salta aos olhos da palavra
oculta pedagógica “criança”.
A única tarefa organizativa digna da nossa época pode ser a
criação de um método que, sendo comum e único, permita simul-
taneamente que cada personalidade independente desenvolva suas
aptidões, mantenha a sua individualidade e avance pelo caminho
das suas vocações.
É evidente que, ao dar início à resolução deste problema, já
não podemos nos ocupar com uma só “criança”. Perante nós sur-
ge a coletividade como objeto da nossa educação. A partir disso, a
tarefa de planejar a personalidade adquire novas condições para
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ANTONIO GRAMSCI
sua solução. Devemos entregar como produto, não apenas uma
personalidade que possua estes e aqueles traços, mas um membro
da coletividade, a coletividade com determinadas características.
Evidentemente que eu não tenho em vista e nem sequer tenho
forças para fazer este projeto. Parece-me que este tema é digno do
trabalho dos cientistas.
Grandes dificuldades nos esperam só no trabalho prático. Sob
este aspecto, tropeçaremos a cada passo nas contradições entre
certos pormenores e as condições da tarefa, por um lado, e entre
o princípio coletivo e o pessoal, por outro. Estas contradições são
muito numerosas e poderosas... Por isso, o planejamento da per-
sonalidade deve ser precedido de uma análise dos fenômenos
intracoletivos e pessoais.
Metodologia para a organização do processo educativo
A estrutura orgânica da coletividade
A organização da coletividade nas instituições infantis estrutura-
se segundo vários princípios. As crianças podem ser divididas em
grupos segundo o princípio que rege a escola: de acordo com este
sistema, nos internatos, classes inteiras ou parte delas distribuem-se
pelos dormitórios. Isto tem as suas vantagens, pois as crianças são da
mesma idade, do mesmo grau de desenvolvimento; é mais prático e
mais fácil para elas prepararem as tarefas de casa, utilizarem materiais
didáticos e manuais comuns, assim como ajudar os mais atrasados.
Mas este tipo de organização também tem as suas desvanta-
gens, porque as coletividades básicas organizadas desta forma fe-
cham-se rapidamente no círculo dos seus interesses estritamente
escolares e afastam-se do trabalho, da produção e da evolução
econômica de toda a instituição.
As coletividades básicas de educadores podem ser organizadas
segundo outros princípios, a saber: segundo a produção, segundo
a idade etc.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Na comuna Dzerjinski o critério básico de organização da cole-
tividade primária é o da produção. Com uma organização deste
tipo é preciso guiar-se pelas seguintes teses:
a) todos os educandos se dividem em destacamentos que tam-
bém vigoram na produção;
b) o número dos integrantes do destacamento deve estar entre
7 e 15. Não deve haver mais de 15 pessoas num destacamento.
Como demonstrou a experiência, a coletividade básica formada
por muitos membros subordina-se mal a quem a dirige e, por sua
vez, o dirigente não está em condições de controlar todos os mem-
bros do destacamento;
c) se os educadores trabalham na produção em dois turnos, é
preferível formar os destacamentos com crianças do mesmo turno;
d) se o grupo de máquinas é muito pequeno, podem ser for-
mados destacamentos que incluam educandos do primeiro e do
segundo turnos, mas esta forma é menos conveniente visto os
membros do primeiro turno não se contatarem durante o traba-
lho com os do segundo;
e) se as condições do trabalho o permitirem, é recomendável,
em alguns casos, formar destacamentos que garantam a fabrica-
ção das mesmas peças desde o início até o fim;
f) cada destacamento deve estar alojado num mesmo dormi-
tório ou num grupo de dormitórios contíguos;
g) no refeitório, os membros de um destacamento devem sen-
tar-se à mesma mesa.
Ao organizar a coletividade básica segundo o critério da produ-
ção, convém necessariamente levar em consideração as diferenças
etárias. Nas instituições onde não exista uma coletividade sólida e
bem organizada e onde ainda não tenha sido criada uma disciplina
correta, é absolutamente necessário que as coletividades básicas —
destacamentos para as crianças mais novas, entre 10 e 14 anos — se
organizem à parte; só como exceção se pode admitir que crianças
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ANTONIO GRAMSCI
pequenas sejam incluídas nos destacamentos dos mais velhos, mas,
neste caso, é necessário verificar do modo mais escrupuloso possí-
vel as particularidades individuais; levar em conta que tipo de influ-
ência afetará o aluno, a maneira de ele ser aceito no destacamento,
responsável pessoal pela sua vida no destacamento e no trabalho e a
pessoa encarregada de ocupar-se dele de um modo especial.
Se existir uma organização de pioneiros
7
é necessário que em
cada destacamento haja um núcleo de pioneiros. Se há um número
suficiente de pioneiros para todos os destacamentos dos menores,
é recomendável que se organizem destacamentos especiais com-
postos inteiramente por pioneiros.
Do mesmo modo, devem ser distribuídos os membros da
Juventude Comunista
8
nos destacamentos dos mais velhos. Só au-
toriza a organização de destacamentos constituídos unicamente por
membros da Juventude Comunista se nos destacamentos restan-
tes houver pelo menos de 25 a 30% de membros desta organiza-
ção. Isto também se refere aos militantes: eles não devem se fechar
em destacamentos e dormitórios separados, mas devem estar dis-
tribuídos por todos os destacamentos. É necessário distribuir os
militantes nos destacamentos atrasados.
Quando a coletividade estiver formada sob o aspecto orgâni-
co e disciplinar, quando tiver sido criado um bom ritmo de vida,
assim como tradições saudáveis, torna-se muito útil organizar des-
tacamentos com indivíduos de diferentes idades.
Na comuna Dzerjinski, as coletividades básicas — destaca-
mentos — foram organizadas segundo o princípio de agrupar
jovens de diferentes idades.
7
Nota: pioneiros eram membros de uma organização de crianças e adolescentes, de 9 a
14 anos, ligada ao Partido Comunista da União Soviética. Todos os pioneiros usavam um
lenço vermelho no pescoço e podiam participar de círculos ou de clubes, de acordo com
seus interesses, além de desenvolver atividades comunitárias.
8
Nota: União da Juventude Comunista (Kommunistitcheski Soiuz Molodioji) era uma
organização ligada ao Partido Comunista da União Soviética e congregava jovens a partir
de 15 anos. É também conhecida sua abreviação Komsomol.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Uma organização deste tipo proporciona um maior efeito
educativo, cria interação mais estreita entre os jovens de várias ida-
des e é uma condição favorável para a acumulação permanente de
experiência que pode ser transmitida pelas gerações mais velhas.
Os mais novos recebem informações variadas, assimilam os hábi-
tos de comportamento e de trabalho, aprendem a respeitar os
mais velhos. A preocupação e a responsabilidade dos mais velhos
pelos menores permitem que naqueles se formem qualidades in-
dispensáveis ao cidadão soviético, tais como a generosidade hu-
mana, a bondade e a exigência e, finalmente, as qualidades de futu-
ro homem de família e tantas outras.
Numa coletividade bem organizada, todo o processo educativo
é realizado sem esforços especiais, como uma assimilação inces-
sante de impressões, comportamentos e relações mais sutis e
diversificadas.
Mas este tipo de relação entre os mais velhos e os mais novos
constitui uma forma mais elevada na organização do processo
educativo e requer uma direção e uma influência pedagógica qua-
lificada e bem meditada.
É necessário cuidar sempre para que a composição do desta-
camento se mantenha inalterável, de maneira que os seus mem-
bros se unam numa coletividade amiga. As transferências frequen-
tes dos educandos de um local de trabalho para outro não só
prejudicam o processo produtivo, mas também desintegram as
coletividades básicas. Em geral, a permanência das mesmas pesso-
as na mesma coletividade básica por um período mais ou menos
prolongado é um fator decisivo em todo o processo educativo.
Por isso, as transferências das pessoas de um local de trabalho para
outro devem ser reduzidas ao mínimo.
Em todo caso, se a coletividade se divide segundo o princípio
da produção, a regra que se deve seguir é esta: se o educando muda
de local de trabalho também deve ser transferido de destacamento,
isto é: deve mudar de dormitório e de lugar no refeitório.
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ANTONIO GRAMSCI
Na escola, como é evidente, as crianças devem estar organiza-
das por classes ou por turmas. Na comuna Dzerjinski esta organi-
zação rege apenas na escola, durante o trabalho docente ou à tar-
dinha, quando se preparam às tarefas de casa.
A organização das coletividades básicas em forma de destaca-
mentos de produção deve gozar de prioridade.
É necessário lutar do modo mais decisivo para evitar a desorga-
nização do lazer da coletividade. Se os educandos se encontram
organizados na escola e no trabalho, mas nas horas livres lhes é per-
mitido um comportamento arbitrário, os efeitos educativos serão
sempre baixos. Nos internatos, os dormitórios não devem ser exa-
minados apenas como uma vivência em comum. O dormitório
deve ser um complemento da educação laboral, econômica e polí-
tica. O grupo de pessoas no dormitório deve estar ligado pelos seus
êxitos escolares, pelos seus sucessos produtivos, pelos seus insucessos,
pelo combate na produção ou pelas atualidades da produção, pela
própria evolução e progressos de toda a coletividade.
Se esta ligação não for organizada, o dormitório converte- se
num local de “deixa-andar” com as relações que geralmente se
desenvolvem segundo a linha de menor resistência e de menores
exigências: passatempos e diversões primitivos e por vezes liga-
ções e faltas antissociais.
Esta é a razão pela qual é indispensável prestar a mais séria
atenção à organização rigorosa do lazer e o motivo pelo qual se
recomenda hospedar, nos mesmos dormitórios, os membros de
um destacamento.
A autogestão no destacamento
O destacamento deve ser encabeçado por um chefe, que será
um dos membros do grupo. Existem duas vias para nomear o
chefe: designação e eleição.
1. É necessário designar os chefes em todos os casos em que
não exista uma coletividade forte e a organização da Juven-
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COLEÇÃO EDUCADORES
tude Comunista for ainda insuficientemente forte para dirigir
a opinião na coletividade.
Portanto, uma das tarefas primordiais da coletividade pedagógica
consiste em ajudar a reforçar a influência política da organização
da Juventude Comunista, tornar coesa a direção e entusiasmá-la
no desempenho de um trabalho enérgico na coletividade e a exercer
a autogestão. Os chefes de destacamentos devem ser designados
entre os membros e militantes mais influentes da Juventude Co-
munista mediante uma ordem do chefe máximo da instituição,
mas as candidaturas devem ser previamente discutidas no conse-
lho pedagógico, na direção da produção, na organização da Ju-
ventude Comunista e no Conselho dos chefes de destacamentos.
2. Nas coletividades bem organizadas com uma forte organiza-
ção da Juventude Comunista, deve ser adotado o sistema de
eleição dos chefes de destacamentos. Na comuna Dzerjinski, o
destacamento promove o seu candidato a chefe com a mais
estreita participação do bureau do Komsomol, da coletividade
pedagógica e do Conselho de chefes de destacamentos. As can-
didaturas são submetidas à consideração definitiva do chefe da
seção pedagógica. Caso o candidato não seja aceito, a questão
deve ser combinada com o destacamento. Os chefes de desta-
camentos são eleitos em pessoa na assembleia geral da coletivi-
dade. Só têm direito a voto os membros da coletividade que
tenham o nome de comuneiros. Os chefes de destacamentos
devem sentir constantemente a ligação com a coletividade que
os elege e a sua responsabilidade.
Para chefe de destacamento deve ser eleito um educando fiel
aos interesses da instituição, bom aluno, trabalhador de van-
guarda, com qualificação mais elevada do que os outros e
possuidor de qualidades pessoais tais como: delicadeza, energia,
capacidade para dirigir, preocupação pelos menores e hon-
radez. O trabalho do chefe de destacamento é considerado
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ANTONIO GRAMSCI
como a tarefa mais responsável e como uma prova de con-
fiança que a direção e a coletividade depositaram nele.
Na produção, o chefe de destacamento deve considerar como
seu objetivo básico o cumprimento do plano de produção e o
desenvolvimento da iniciativa. Para resolver este problema, o che-
fe de destacamento deve preocupar-se por todas as esferas decisi-
vas do trabalho como: a iniciativa no trabalho, a disciplina, o for-
necimento de materiais, a luta contra a perda de tempo e as faltas
no trabalho, a utilização de boas ferramentas, as boas instruções, a
organização do local de trabalho, a existência de uniformes aceitá-
veis, as normas adequadas e uma documentação correta.
Em relação a todas as avarias e insuficiências nestas esferas, o
chefe de destacamento deve consultar ao instrutor, o chefe de ofi-
cina, informar o dirigente da instituição ou o seu adjunto, discutir
na assembleia geral do destacamento ou na reunião de produção.
Não obstante, ele deve adotar as medidas mais enérgicas para
que estas discussões e reuniões não se realizem durante o horário
de trabalho, para que nem um só educando se afaste da sua má-
quina durante o trabalho.
O próprio chefe de destacamento deve ter o seu posto de
trabalho numa máquina. Pela sua atividade de chefe pode ganhar
mais 10 ou 12% sobre aquilo que ganha pelo seu trabalho.
O chefe de destacamento não deve substituir o instrutor res-
ponsável pela direção do processo tecnológico da produção. Se o
instrutor é um dos membros da coletividade — um educando —
ele deve cumprir na produção as mesmas funções que um instru-
tor assalariado, sem que estas funções se misturem com as do che-
fe de destacamento.
Na vida diária, no dormitório, o chefe de destacamento tam-
bém é responsável pelo destacamento. Entre os educandos que
fazem parte dum destacamento elege-se um para ajudante do che-
fe do destacamento. Também se elege outro membro que será o
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COLEÇÃO EDUCADORES
responsável pela organização do esporte. Estas candidaturas são
propostas por todo o destacamento, ou o chefe as apresenta pes-
soalmente e são depois ratificadas pelo dirigente pedagógico da
instituição e pelo Conselho de chefes de destacamentos.
Em cada destacamento deve haver um organizador da Juven-
tude Comunista.
A direção do destacamento encabeçada pelo seu chefe tem as
seguintes funções:
a) zelar para que todos os educandos cumpram rigorosamen-
te a ordem do dia, levantem-se à hora estabelecida, não che-
guem tarde à mesa, saiam a tempo para o trabalho ou para a
escola, cheguem pontualmente à instrução à noite e deitem-se
à hora assinalada;
b) zelar pelo estado sanitário do destacamento, que a limpeza
se realize a tempo e bem, que os guardas de dia cumpram as
suas obrigações, que se mantenha a higiene pessoal e a utiliza-
ção correta dos banhos, que os educandos andem bem pente-
ados, lavem as mãos antes das refeições. Habituar todos os
educandos a conservar tudo limpo, não derrubar nada nem
cuspir no chão, não fumar, cortar as unhas dos pés e das mãos,
não se deitar nas camas arrumadas, não brincar nas camas etc.;
c) zelar pelos êxitos dos educandos no trabalho escolar, orga-
nizar ajuda aos atrasados, manter no destacamento uma or-
dem que garanta a possibilidade de preparar as tarefas de casa;
d) fazer com que os educandos frequentem clubes e grupos
desportivos, leiam jornais e livros, participem na edição do
jornal de parede;
e) elevar o nível cultural dos educandos, eliminar do seu voca-
bulário as palavras grosseiras e os palavrões, regular as rela-
ções entre os camaradas, habituá-los a resolver os conflitos
sem discussões nem brigas, lutar decididamente contra os
mínimos atentados por parte dos mais velhos e mais fortes
contra os mais novos e mais fracos;
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ANTONIO GRAMSCI
f) lutar energicamente contra as tendências negativas de certos
educandos. Incentivar nos membros do destacamento o res-
peito pelo trabalho alheio, pelo repouso, pelo sono e pelas
atividades de outrem;
g) zelar pela formação no destacamento de agrupamentos e de
ligas de amizade, estimular e desenvolver os que sejam provei-
tosos (desportivos, de radioamadores e outros) e liquidar defi-
nitivamente os prejudiciais (antissociais). Interceder pela expul-
são dos membros especialmente nocivos do destacamento.
Na escola da comuna Dzerjinski funciona uma instituição de
chefes de classes. Estes chefes encontram-se à disposição da dire-
ção da escola e são assistentes dos responsáveis pelas classes.
Eles zelam pela disciplina na sala de aulas durante as aulas e nos
intervalos, pela ordem geral e limpeza na sala de aulas, pela conser-
vação de todos os bens. Os alunos de guarda na turma subordi-
nam-se ao chefe respectivo e este é responsável pelo trabalho deles.
Quando o professor exige, o chefe de turma expulsa da aula o
aluno que tenha violado a disciplina. Esta é a organização que domi-
na na escola durante a atividade docente. Fora da escola — na vida
diária e na produção — o chefe de turma subordina-se ao chefe de
destacamento onde ele está integrado. O sistema complexo das de-
pendências coletivas forma a capacidade para mandar e obedecer.
Os chefes dirigem os destacamentos com base nas reuniões ge-
rais do destacamento, na influência dos militantes do destacamento,
da atividade política da organização da Juventude Comunista e das
organizações político-instrutivas da instituição; e também dirigem o
trabalho desenvolvido por todos os órgãos de autogestão, em ple-
no acordo com a direção administrativo-pedagógica, sob a cons-
tante instrução e ajuda por parte do pessoal pedagógico.
Independentemente disto, na base dos mesmos processos e
organizações, deve ser sempre mobilizada a atenção dos membros
do destacamento para questões do trabalho produtivo, do cum-
primento dos planos industriais e financeiros, da elevação da quali-
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COLEÇÃO EDUCADORES
dade e do combate aos defeitos na produção; sobre o estudo na
escola e a disciplina na coletividade, sobre as vias gerais para o
crescimento e desenvolvimento da instituição.
O chefe do destacamento deve esforçar-se para que o seu
destacamento constitua uma coletividade unida. A sua autorida-
de deriva do melhor trabalho que realize, do comportamento
exemplar, da sua intransigência como membro da Juventude Co-
munista e da sua não conversão em “patrão”.
No fim do dia, a uma hora marcada e segundo uma determi-
nada forma, os chefes de destacamento informam o dirigente do
setor pedagógico sobre o estado em que se encontram os seus
destacamentos, sobre as faltas cometidas pelos seus membros e
sobre as violações ao regime estabelecido que se tenham registra-
do. Esta breve informação diária oferece ao dirigente um quadro
claro do estado em que se encontra a instituição em relação a cer-
tos educandos, assim como no que respeita a questões de organi-
zação geral. O fato de a direção estar sempre a par do que se passa
e poder reagir imediatamente aos acontecimentos e ações tem uma
grande importância educativa para a coletividade dos educandos.
Os chefes de destacamentos são eleitos por um período de 3 a
6 meses. Este prazo é o mais conveniente: em primeiro lugar, neste
breve prazo, os chefes de destacamentos sentem-se representantes
da coletividade sem que cheguem a converter-se numa espécie de
funcionários; em segundo lugar, passa um número maior de
educandos pelos postos de chefia; e, em terceiro lugar, as obriga-
ções do chefe de destacamento que exigem tensões adicionais não
chegam a converter-se, durante este período, numa carga demasia-
do pesada para os educandos. A revogação do mandato de um
chefe de destacamento antes do prazo estabelecido deve ser bem
motivada e aprovada pelo conselho de chefes de destacamentos. O
afastamento administrativo de um chefe de destacamento só pode
ser provocado por circunstâncias muito sérias e inadiáveis.
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ANTONIO GRAMSCI
Todos os chefes de destacamentos e de turmas constituem um
órgão central de autogestão — o Conselho da coletividade (o Con-
selho de chefes de destacamentos) — da instituição em questão.
Os órgãos de autogestão
O órgão fundamental de autogestão é a assembleia geral de to-
dos os educandos da instituição infantil. Ela deve se reunir uma vez
por semana no período de organização e de brechas no trabalho da
instituição e pelo menos duas vezes por mês no período normal.
Via de regra, a assembleia geral deve ser sempre aberta, isto é,
nela todos os membros da coletividade têm direito de estar pre-
sentes e de expressar-se. Em algumas questões é aceitável que vo-
tem todos os presentes como, por exemplo, naquelas que estão
relacionadas com o trabalho cultural, dos clubes etc.
O presidente do Conselho da coletividade preside a assembleia
geral, salvo naquelas assembleias em que este Conselho presta con-
tas do seu trabalho. Pode ser adotado outro meio de nomeação
do presidente da assembleia. Por exemplo, podem presidir todos
os membros da coletividade por turno. Isto é benéfico para incu-
tir em todos os educandos determinados hábitos sociais e atraí-los
para a vida social ativa.
É necessário recomendar a redução do tempo para a eleição
dos membros para a presidência. Geralmente, as assembleias ge-
rais das instituições educacionais devem ser muito dinâmicas a fim
de não “roubarem” muito tempo aos educandos. Por isso, para
elas deve existir um regulamento preciso elaborado pela parte
docente-educativa conjuntamente com o comitê da Juventude
Comunista e aprovado numa destas assembleias gerais.
Este regulamento é importante não só porque impede que as
assembleias gerais se estendam e “roubem” aos educandos tempo
de sono ou de leitura, mas também porque ensina os oradores a
limitarem-se a um tempo exato e a expressarem-se de modo con-
creto e conciso.
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COLEÇÃO EDUCADORES
No entanto, nas assembleias gerais da coletividade, nunca se deve
permitir que os debates sejam interrompidos, ou se reduza a lista de
oradores, visto que um dos objetivos das assembleias consiste em
atrair o maior número possível de educandos para a vida social ativa.
A direção da instituição educacional deve impor nas assembleias
gerais uma disciplina rigorosa, que fale um de cada vez, não haja
barulho, não andem pela sala nem saiam do local da reunião, não
gritem dos lugares. Por isso, todo aquele que preside as reuniões
deve ter o direito de fazer admoestações aos que violam a ordem
e de expulsar os reincidentes.
É necessário que as coletividades básicas da instituição (destaca-
mentos, brigadas, classes) sejam responsáveis por turnos em manter
a ordem na sala durante as assembleias gerais. Recomenda-se fazê-lo
da seguinte maneira: cada destacamento de educandos é responsá-
vel em manter a ordem na sala durante as assembleias gerais (con-
certos, cinema) por um período de duas semanas. Isto deve ser
anunciado através de uma ordem por escrito. O grupo de guarda
preocupa-se para que a sala esteja em ordem antes de a reunião
começar, que haja uma mesa para a presidência, uma jarra com
água, uma toalha de feltro na mesa etc. Entre os membros do des-
tacamento de guarda, para cada assembleia, devem ser escolhidos
vários chefes de guarda, que ajudarão a manter a ordem; para sua
identificação, usarão braçadeiras de uma determinada cor. Eles esta-
rão na entrada do local da reunião para que, durante a mesma ou
durante algum discurso, ninguém ande pela sala, não se amontoem
às portas, não se fume na sala. É preciso que nas reuniões todos
tirem os chapéus e não se vistam com uniformes de trabalho (salvo
nas assembleias de produção nas oficinas). Os chefes de guarda de-
vem também cumprir todas as ordens do presidente.
No início de cada semestre são eleitos, na assembleia geral, os
seguintes órgãos de autogestão: o conselho da coletividade, a co-
missão sanitária e a comissão financeira.
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ANTONIO GRAMSCI
Antes das eleições, devem ser elaboradas as listas de candida-
tos para estes órgãos pela seção de educação e ensino e pela orga-
nização da Juventude Comunista. Quando a organização da Ju-
ventude ocupa na instituição o lugar dirigente respectivo, é neces-
sário conceder-lhe o direito de elaborar as listas de candidatos.
A atividade de todos os órgãos de autogestão numa institui-
ção infantil deve decorrer em plena concordância com o plano
traçado, exceto a do órgão central — o Conselho da coletividade
(o Conselho dos chefes) — visto ter de resolver muitas questões
correntes, impossíveis de serem previstas por um plano.
A regularidade do trabalho dos órgãos de autogestão é um
fator decisivo. Todo órgão de autogestão que, por qualquer moti-
vo, não se reúna durante muito tempo perde a sua autoridade e, na
prática, é como que se não existisse.
A regularidade do trabalho dos órgãos de autogestão não é
assegurada por um calendário ou pela marcação de dias concretos
para a realização das reuniões.
A atividade dos órgãos de autogestão só será atual e impor-
tante se toda a vida da instituição educacional estiver de tal modo
organizada que a suspensão da atividade deste ou daquele órgão
se reflita imediatamente no trabalho da instituição e seja sentida
pela coletividade como uma deficiência. Para que os órgãos de
autogestão tenham precisamente essa importância de instituições
que funcionam regularmente é necessário o seguinte:
a) a administração da instituição, incluindo a pedagógica, não
deve substituir os órgãos de autogestão e resolver indepen-
dentemente as questões que são da competência destes ór-
gãos, mesmo que a decisão da direção possa parecer mais
correta e flexível;
b) cada decisão dos órgãos de autogestão deve ser cumprida
obrigatoriamente, sem demoras e sem adiamentos;
c) se a administração considera impossível o cumprimento da
decisão errônea de qualquer órgão de autogestão, deve recla-
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COLEÇÃO EDUCADORES
mar perante uma assembleia geral, e não simplesmente anular
a decisão;
d) o método fundamental para o trabalho da administração
deve ser a influência exercida nos próprios órgãos de autogestão;
aquele camarada que não goze desta influência e que provo-
que constantemente conflitos com estes órgãos não serve para
trabalhar nesta instituição;
e) a atividade nos órgãos de autogestão não deve ocupar muito
tempo aos educandos para que eles não sejam sobrecarregados
com as suas obrigações e não se convertam em “funcionários”;
f) não se podem sobrecarregar os órgãos de autogestão com
diversas ninharias que se pode resolver no trabalho adminis-
trativo corrente;
g) o trabalho realizado por todos os órgãos de autogestão
deve ser organizado com muita precisão e todas as suas deci-
sões devem ser registradas por escrito. É preferível que o con-
trole deste trabalho esteja centralizado num só local, por exem-
plo, junto ao secretário do Conselho da coletividade.
Este controle permite liberar os órgãos de autogestão da reda-
ção fastidiosa e desnecessária de atas, que imprime ao trabalho dos
órgãos de autogestão um caráter burocrático e sobrecarga a ativida-
de das crianças com uma demasiada quantidade de papel. Só para
as resoluções mais importantes relacionadas com a graduação dos
educandos é necessário um livro de atas. O controle quotidiano de
trabalho dos órgãos de autogestão deve ter características de um
diário geral em que se registrem as datas e as breves decisões adotadas.
Uma forma muito importante de autogestão, que não exige
tanto trabalho dos seus órgãos e que tem ainda muitos aspectos
educativos úteis, é a atividade de pessoas com plenos poderes pes-
soalmente responsáveis pelo trabalho que realizam. Esta forma
conduz, em determinada medida, a que o trabalho dos educandos
adquira os princípios de direção unipessoal, acostume os educandos
a serem pessoalmente responsáveis, reduza os debates e discus-
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ANTONIO GRAMSCI
sões, proporcione a toda a vida da coletividade um ritmo de tra-
balho indispensável.
Cada encarregado deve trabalhar em nome de um outro ór-
gão, prestar contas perante ele das suas funções e ter marcos bem
delimitados da sua atividade. Também pode haver jovens encarre-
gados pela assembleia geral.
Em cada instituição educacional deve haver uma ordem que
preveja um sistema de controle das resoluções dos órgãos de
autogestão e do cumprimento das mesmas. As funções de contro-
le podem ser confiadas a todas as coletividades básicas por turnos,
por um período de um mês.
Uma questão particularmente difícil é o controle do cumpri-
mento das resoluções concernentes às sanções e às medidas de
influência impostas a um ou a outro educando. É inadmissível que
se encarregue um colaborador assalariado de realizar esta função.
É especialmente difícil zelar pelos castigos que têm um caráter
prolongado, por exemplo, limitações de várias ordens. Frequente-
mente estes castigos são esquecidos pelos culpados e por toda a
coletividade e perdem, por isso, todo o significado.
A experiência demonstrou que a melhor forma de controle na
esfera das medidas de influência é aquela em que a função de con-
trole deriva de quaisquer outras obrigações. Por exemplo: é acon-
selhável, em cada coletividade, ter um grupo de educandos aos
quais se confia a guarda da instituição de fora ou de dentro. Este
destacamento de guardas pode ser ao mesmo tempo o de con-
trole e, em particular, as obrigações de controle podem ser res-
ponsabilidade do chefe deste destacamento.
Também se pode encarregar o chefe do destacamento (que se
encontra de guarda à instituição) desta função. Em outras palavras,
todos os chefes podem ser encarregados por turno.
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COLEÇÃO EDUCADORES
O estilo de trabalho com a coletividade
As instituições infantis diferem umas das outras pelo estilo ge-
ral dos trabalhos e pelo tom.
O tom normal só pode ser um. Em primeiro lugar, ele deve
distinguir-se por um vivo tom maior; no entanto, em caso algum
deve ter um caráter estridente, de efervescência constante, de ten-
são histérica que salta à vista desagradavelmente e ameaça rebentar
com o primeiro fracasso e converter-se numa desilusão.
O tom maior na coletividade deve ter um aspecto muito cal-
mo e firme. Isto é, antes de mais nada, a manifestação da serenida-
de interior confiante nas suas forças próprias, nas forças de toda a
coletividade e no seu futuro. Este firme tom maior deve adquirir
o aspecto de um ânimo constante, da prontidão para a ação, não
para uma ação de simples correria, de alterações desnecessárias,
não para uma ação desordenada, mas para uma ação calma e enér-
gica e, ao mesmo tempo, um movimento econômico.
Só uma coletividade que se exercita frequentemente no cum-
primento de diversas tarefas adquire tal ânimo. Evidentemente que
este cumprimento não é caótico, mas organizado, com a indicação
precisa das funções de determinados órgãos e indivíduos, com a
responsabilidade necessária e bem delimitada de diferentes pessoas
e de toda a coletividade.
Em geral, no tom deve sentir-se sempre que os distintos educandos
e a coletividade no total estão conscientes da sua dignidade como
pessoas que trabalham numa coletividade de produção soviética.
Esta dignidade se expressa, por um lado, por uma cortesia come-
dida em relação a um desconhecido, por ser um anfitrião amável, se o
desconhecido chegou à instituição para tratar algum assunto; e pela
disposição de oferecer a mais enérgica resistência se algum estranho,
não respeitando a coletividade, viola os seus interesses.
Com esta dignidade, os educandos sabem distinguir facilmente
indivíduos e fenômenos diferentes.
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ANTONIO GRAMSCI
É preciso que se eduque nas crianças uma capacidade de orien-
tação como esta, é necessário inculcar-lhes o hábito de sentir o que
acontece à sua volta, conhecer e definir a sua atitude em relação a
um desconhecido, a uma pessoa nova e estabelecer rapidamente
uma linha de comportamento que mais convenha aos interesses da
coletividade.
É evidente que os educandos não têm nenhuma dignidade quan-
do cercam todo aquele que acaba de chegar e seguem-no por todo
lado. Aqueles educandos que recebem uma pessoa nova fazendo
queixas da administração também não têm nenhuma dignidade.
Mesmo que estas queixas sejam justas, eles, de todo o modo,
mostram que a educação da instituição não serve para nada.
O sentido de dignidade surge nos educandos só quando as
instituições, a sua vida e o trabalho, em medida considerável, se
baseiam na responsabilidade da coletividade infantil compartilha-
da com o pessoal dirigente. Se a organização e o estado de coisas
na instituição são objeto da atenção geral e dos esforços gerais de
toda a coletividade, então cada êxito, por muito insignificante que
seja, originará este sentido de dignidade.
A cada passo, promovendo o espírito de autocrítica, desper-
tando a aspiração dos educandos em revelar as deficiências no
trabalho da instituição, mesmo que se tenha de criticar a adminis-
tração e certos camaradas, deve ao mesmo tempo formar o or-
gulho, o amor pela sua instituição, o desejo para que a sua fama
seja uma boa fama. Por esta razão revelar os fracassos e atritos
internos ao primeiro desconhecido que vier é, na opinião da cole-
tividade, um ato condenável. Além do mais, os educandos devem
suportar com dignidade algumas privações e não pedir a desco-
nhecidos que as resolvam para eles.
Só depois de conhecer uma pessoa, determinar o que preten-
de e que atitude tem em relação à instituição, fazendo-a inteirar do
esquema geral de seu trabalho, os educandos podem acolhê-la como
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COLEÇÃO EDUCADORES
amiga e valerem-se da sua ajuda. Este estilo de relações na instituição
forma o sentido de dignidade própria, do orgulho e da vigilância,
elementos necessários ao patriotismo natural.
Uma segunda qualidade muito importante do tom geral neces-
sária de ser formada na instituição é a unidade da coletividade, a
união estreita de todos os seus membros. Nas relações internas, no
trabalho quotidiano, os educandos podem “pressionar” um a outro
quando quiserem, criticar um a outro nas assembleias gerais, no
Conselho, e castigar um a outro, mas, fora destas formas especiais
de influência, eles devem fazer justiça a cada educando antes de mais
nada, porque ele é membro da mesma coletividade, defendê-lo dos
estranhos, não lhe causar desgosto algum, não o difamar. Esta uni-
dade da coletividade deve manifestar-se com maior incidência du-
rante trabalhos de urgência, de investida e durante uma grande luta
comum. Em tais situações não é preciso lembrar erros ou faltas
cometidas por alguns camaradas.
O terceiro indício de um tom geral normal deve ser uma ideia
de proteção bem determinada. Nenhum educando por menor ou
fraco que seja, por mais novato na coletividade não deve sentir-se
abandonado ou indefeso. Na coletividade deve vigorar uma lei rí-
gida segundo a qual ninguém tem direito nem sequer a possibilidade
de escarnecer, bazofiar ou exercer violência contra o membro mais
fraco da coletividade e ficar impune. Em primeiro lugar, a vítima
deve encontrar o apoio obrigatório por parte do seu destacamento
ou classe. Por isso é importante manter por muito tempo destaca-
mentos inalteráveis na sua composição.
Em segundo lugar, cada educando deve estar certo de que em
caso de necessidade será protegido por qualquer educando mais
velho, de que a direção da instituição também o protegerá da ma-
neira mais enérgica se disso houver necessidade. Todo tipo de tenta-
tivas de violência de educandos sobre outros deve ser reprimido da
forma mais decidida.
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ANTONIO GRAMSCI
O quarto indício importante do tom geral é o dinamismo. Isto
não significa de maneira alguma que ele se deva manifestar através de
uma correria ou gritaria desordenada, mas através de uma prontidão
e inclinação permanentes a uma atividade séria, mesmo que seja em
forma de jogo. O educando, durante todo o dia de trabalho, deve
encontrar-se racionalmente ocupado, ora com o trabalho, ora com
os estudos, ora com o jogo, ora com a leitura, ora com uma palestra
útil. Ele não deve apenas falar de coisas sem importância, matar o
tempo, olhar para o teto ou andar entre quatro paredes sem saber o
que fazer. Só numa atividade organizada formará nele o espírito dili-
gente, razoável e útil, o hábito e o gosto de um movimento benéfico.
O quinto indício importante do tom deve ser o hábito de saber
dominar-se; a direção da instituição infantil deve constantemente
desenvolver nos educandos a capacidade de serem moderados no
comportamento, nas palavras e nos gritos. É preciso exigir que se
mantenha o silêncio quando é preciso, ensinar os educandos a não
gritarem sem motivo, a não rirem em altas gargalhadas e a não se
excederem nos movimentos desnecessários. Na comuna Dzerjinski,
a coletividade proíbe os educandos de se encostarem às paredes, se
agarrarem aos corrimões das escadas; se deitarem nas mesas e
repimpar-se nos sofás. Esta moderação não deve ter o caráter de
adestramento, mas deve ser justificada logicamente com o benefício
direto para o organismo do educando, com as noções estéticas e as
comodidades para toda a coletividade.
Uma forma especial de moderação é a cortesia, a qual deve
ser insistentemente recomendada aos educandos sempre que seja
possível e exigida.
A educação do tom geral produz-se em todos os planos da
instituição infantil, em cada momento de trabalho, na vida quotidi-
ana, na escola, na produção, durante os jogos etc. Muito depende
do comportamento e do tom dos professores, do pessoal educativo,
dirigente e instrutivo. Este pessoal deve reunir com o seu compor-
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COLEÇÃO EDUCADORES
tamento todas as exigências acima citadas. Além do mais, todo o
pessoal da instituição infantil deve ter formadas tradições e normas
de comportamento especiais. Em relação aos educandos, o pessoal
pedagógico e dirigente deve sempre ser amável, cordial, à exceção
daqueles casos quando se exige, ou elevação do tom devido a no-
vas exigências, ou quando elevar o tom obedece à necessidade de
imprimir uma maior emoção — durante as assembleias gerais, tra-
balhos comuns ou determinadas rupturas na vida da coletividade.
Em todo caso, os pedagogos e a direção nunca devem comportar-
se frivolamente: zombaria, contar anedotas, nenhum excesso ver-
bal, imitações, trejeitos etc. Por outro lado, é absolutamente inad-
missível que os pedagogos e a direção, na presença dos educandos,
estejam taciturnos, irritados e gritantes.
Em certos casos de faltas graves, pode manifestar-se indigna-
ção, mas este tom deve ser obrigatoriamente justificado pela gra-
vidade da ação.
Tanto dos educandos quanto dos pedagogos e de outros fun-
cionários da instituição infantil é necessário exigir uma ordem e
limpeza completas nas roupas, cabelo, bigode e barba num estado
aceitável, o calçado limpo, as mãos lavadas, as unhas cortadas e
um lenço de mão.
Igualmente como os educandos, os pedagogos só devem fa-
lar quando for preciso e quanto for necessário, não se deve encos-
tar às paredes e deitar-se sobre as mesas, não se deve repimpar
nos sofás, não se deve cuspir, não atirar bitucas e sacudir a cinza no
chão, não andar pelas instalações com o sobretudo vestido e com
o chapéu na cabeça.
Nas instituições infantis não é preciso impor uma ordem mili-
tar. Também não é necessário que os educandos formem filas, a
não ser quando se trata de excursões, desfiles festivos, educação
física ou militar. Não deve haver nenhum adestramento militar
para as necessidades da vida diária. No dia a dia são necessárias a
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ANTONIO GRAMSCI
pontualidade e a disciplina, mas estes elementos são por si só
valiosos mesmo se não estão relacionados com assuntos militares
e muito menos deve haver dependências de tipo militar externas:
comando, posições etc. Os movimentos livres dão à pessoa uma
graciosidade, uma elegância e à nossa juventude de todas as idades
devem exigir-se precisamente um estilo e maneiras de comporta-
mento como estas. Isto torna- se completamente natural e habitual
só com a experiência e o exercício constantes desde a infância.
O trabalho cultural
Cada esfera do trabalho cultural tem a sua metodologia que
deve ser conhecida pelos especialistas que o dirigem. Neste capítulo
será apenas feita referência aos princípios gerais que se deve ter em
conta nas instituições infantis para organizar o trabalho cultural.
Estes princípios são:
1.A distribuição das crianças pelos círculos e clubes deve ser abso-
lutamente voluntária, com direito de abandonar o círculo ou o
clube em qualquer momento. No entanto, nos círculos também
deve haver disciplina, não se deve permitir que a composição
destas organizações se altere constantemente. Assim, por exem-
plo, pode-se ingressar numa banda voluntariamente, mas a saída
deve ser limitada. Caso contrário nunca se formará uma boa banda.
Habitualmente são frequentes os conflitos com os músicos que
tocam tambor ou contrabaixo... Frequentemente, é com prazer
que as crianças querem aprender a tocar estes instrumentos, mas,
ao se darem conta de que não têm grande futuro com esta espe-
cialidade, fazem todo o possível para abandonarem a banda.
Nestes casos, no ato de ingresso na banda é preciso explicar
aos interessados que o valor da banda reside no conjunto, que
a banda é importante não só como uma oportunidade de obter
uma determinada qualificação musical, mas também como um
organismo sério na própria coletividade.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Ao ingressar na banda, cada educando terá de assinar uma
obrigação segundo a qual se compromete a tocar durante cer-
to período e, quando desejar abandonar a banda, deve avisar
com pelo menos três meses de antecedência, para que seja
possível preparar um substituto.
Também devem existir algumas limitações para abandonar o
círculo dramático e o coro. Os membros destes círculos não
podem retirar-se até que termine a apresentação do espetácu-
lo ou do concerto para os quais se preparam.
Estas limitações disciplinatórias devem ser ratificadas pela
assembleia geral e todos os educandos que as infringirem te-
rão de responder como se tivessem violado a disciplina geral.
2. Nas grandes instituições, a organização do trabalho
extraescolar e de clubes deve estar a cargo de um especialista
efetivo neste ramo.
3. Cada círculo deve ter o seu dirigente responsável conhecedor
deste tipo de trabalho. Se forem os pedagogos desta instituição
a dirigirem estes círculos, é recomendável que cada pedagogo se
encarregue apenas de um círculo e receba por este trabalho su-
plementar uma determinada compensação financeira.
4. Podem ser recomendados os seguintes círculos: de coro,
dramático, de literatura russa, de literatura nacional, de instru-
mentos de sopro, de instrumentos de corda, de instrumentos
de percussão, de pintura, de trabalhos manuais, de dança, de
fotografia, de investigações em ciências naturais, de radioama-
dores, de física e química, de línguas estrangeiras, desportivo,
de contos, de xadrez e damas.
Ao iniciar a organização dos círculos deve partir-se do princí-
pio de que é preferível ter menos círculos, mas que se trabalhe
efetivamente naqueles que existem.
5. É desejável que cada círculo disponha, se possível, de um
local próprio. No entanto, é preciso zelar para que este local
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ANTONIO GRAMSCI
não se converta simplesmente num lugar de ociosidade, de
refugio de determinados grupos de educandos que se desvi-
am de assuntos sociais. Por esta razão, é necessário seguir mui-
to de perto o trabalho dos círculos e a sua composição.
6. Se a direção da instituição manifestar cuidados por eles,
nenhum círculo deixará de funcionar.
Esta preocupação deve consistir no seguinte: local, dirigente, ins-
trumentos, materiais, visitas às sessões de trabalho do círculo, in-
formação sobre o trabalho do círculo na imprensa da instituição.
A prestação obrigatória de contas de cada círculo em forma de
espetáculos, concertos, jornais murais, exposições, relatórios.
A prestação de contas oficial de cada círculo no conselho da
coletividade.
A competição geral entre todos os círculos com base em de-
terminados critérios elaborados no Conselho da coletividade.
Na comuna Dzerjinski é eleito um comitê de concursos para
questões relativas à arbitragem, prêmios, sequência de mostras
e organização dos concursos.
Premiação dos melhores círculos com instrumentos, materi-
ais, viagens, assim como a premiação de alguns dos seus mem-
bros mais destacados propostos pelos próprios círculos com
pequenos presentes especiais.
É necessário controlar como são atraídos os educandos para
o trabalho nos círculos, quais as circunstâncias que impedem
alguns deles de se inserirem na atividade dos círculos e tentar
eliminar estas razões. Acontece com frequência que os
educandos mais velhos aceitam de mau grado os membros
novos para os círculos, tentam limitar a sua composição a um
determinado grupo engajado. É o que não se pode admitir.
Ao atrair os restantes membros do círculo para o trabalho é
necessário prestar a maior atenção aos educandos que se ins-
creveram em vários círculos, mas não trabalham, servindo
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COLEÇÃO EDUCADORES
apenas de obstáculo. Geralmente trata-se de jovens propensos
à superficialidade e quase sempre preguiçosos. É necessário
limitar o direito de educandos de participarem em mais de
dois círculos, com uma resolução do Conselho.
7. Nenhum círculo deve ter privilégios e, em caso algum, ven-
der independentemente a sua produção, a quem quer que seja,
por dinheiro.
Só a administração pode autorizar esta venda única e exclusi-
vamente quando os fundos obtidos se destinarem a melhorar
o trabalho do próprio círculo, à compra de materiais etc.
Deve-se atuar com muito cuidado em relação à banda. Ou-
vem-se objeções de que os músicos necessitam de muito mais
tempo e por isso devem ser dispensados do trabalho produ-
tivo e de assuntos sociais; é preciso conceder-lhes dormitórios
independentes, enviá-los de vez em quando a tocar por di-
nheiro, assinar com eles condições especiais.
Em algumas instituições pode se observar uma “aristocracia
orquestrada”, passeando com trajes especiais, desprezando os
outros educandos e o trabalho produtivo. São mesmo alguns
dirigentes que contribuem para este estado de coisas, envian-
do a banda nos meses de verão para as estações balneárias e
de descanso, quando os músicos ganham dinheiro tocando
nos parques e jardins.
Esta “política” é a via mais curta para a decomposição da cole-
tividade e de certos dos seus educandos, dos quais, no melhor
dos casos, se formam arranjadores vulgares e ignorantes.
A melhor prova de que se pode prescindir dum método des-
tes é a banda da comuna Dzerjinski que, durante oito anos de
trabalho, não ganhou um único copeque, não gozou de privi-
légio algum e, apesar disto, é uma das melhores bandas de
Kharkov. A banda deve estar absolutamente convicta de que o
seu único privilégio consiste em que os músicos aprendem a
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ANTONIO GRAMSCI
tocar um determinado instrumento adicional. De resto, são
educandos comuns da mesma maneira que os outros; partici-
pam no trabalho, estudam na escola como os demais, têm as
mesmas obrigações e outros deveres que vigoram na comuna
etc. O orgulho da banda deve consistir em que ela serve, antes
de mais nada, à coletividade de educandos, ajuda-a a viver
mais alegre e formosa.
Fora da instituição, a banda só pode tocar segundo ordem da
direção ou do Conselho de chefes de destacamento e, obriga-
toriamente de graça. É evidente que dentro dos possíveis não
se deve sobrecarregar as bandas com encargos desta índole.
Em geral, a banda deve estar completamente subordinada ao
Conselho da coletividade e cumprir todas as suas disposições
sem objeção, mostrando aos outros educandos um exemplo
de disciplina.
Só em casos excepcionais é que se deve prestar uma atenção
especial à banda: se todos vão viajar, a banda deve ser a pri-
meira a partir; durante as excursões a pé é preciso ajudar os
músicos a transportar os instrumentos pesados; às vezes se
deve agradecer publicamente à banda pelo seu bom trabalho
e premiá-la.
Durante as jornadas de trabalho voluntário aos domingos e
de trabalhos de emergência, a orquestra pode, em vez de tra-
balhar, tocar para aqueles que trabalham.
Uma boa banda de música na coletividade tem uma enorme
importância educativa, unificadora e embelezadora. Convém
insistentemente recomendar à direção de cada grande institui-
ção infantil que organize uma banda. Os meios e esforços
empregados serão justificados pelos resultados de educação
da coletividade e, além do mais, da educação estética.
8. A oficina livre. Esta organização é de grande interesse e é criada
da seguinte maneira: arranja-se uma sala grande do tipo de uma
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oficina e convida-se um instrutor especial. Na sala instalam-se vá-
rias máquinas, podendo mesmo ser velhas, mas variadas, um tor-
no, uma furadeira, algumas bancadas, andaimes, morsas.
O mais importante não são as máquinas, mas os instrumentos.
Estes devem ser os mais variados possíveis: para trabalhar ma-
deira, metal, agulhas, serras, tesouras. E deve ser ainda mais va-
riado o material: madeira, aço, ferro, lata, estanho, vidro, algo-
dão, cola, gesso, cartolina, arame, papel, carvão, tintas e telas.
O círculo deve estar estreitamente ligado pelas suas obrigações
mútuas. Cada um se compromete trabalhar, cuidar dos bens do
círculo e observar a disciplina. Cada qual pode fazer o que dese-
jar: um modelo, uma máquina a vapor, um avião, um brinque-
do, objetos de madeira, mas deve informar o círculo dos seus
planos e este, por sua vez, deve aprovar as suas intenções. Só
neste caso ele receberá material e ajuda do instrutor.
Esta oficina atrai um grande número de pequenos que ainda
não têm idade para fazer parte de círculos mais sérios e que
sempre têm sonhos e capacidade para construir. A direção da
instituição deve ajudar com todas as forças um círculo deste
tipo, fornecer pequenas somas em dinheiro e materiais, todo o
tipo de restos da produção, retalhos e instrumentos usados.
O trabalho deste círculo deve terminar com uma exposição.
9. Um tipo especial de trabalho que se realiza no clube é o dos
murais. Para isto organiza-se também um círculo. Das várias
esferas da ciência, da vida, da história, da geografia, da prática
da produção etc., selecionam-se problemas anedotas, ques-
tões logogrifos desenhos e tudo isto, de um modo mais ou
menos artístico, é apresentado num grande painel. Todos os
educandos podem responder às perguntas por escrito. A cada
problema oferece-se um determinado número de pontos, tanto
pela solução quanto pela proposição. Durante o inverno fa-
zem-se várias séries destes murais com logogrifos. Na
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ANTONIO GRAMSCI
primavera, calcula-se quantos pontos obteve cada participante
e, em função disto, entregam-se pequenos prêmios numa
assembleia geral que se convoca especialmente para o feito.
Um mural deste tipo, bem decorado atrai centenas de
educandos e é muito benéfico. Na comuna Dzerjinski podem
ser obtidas explicações completas e modelos destes murais
com logogrifos.
É necessário organizar o trabalho extraescolar e dos círculos
de tal modo que ocupe os educandos nas horas livres e princi-
palmente aos domingos e dias festivos.
A perspectiva
Um verdadeiro estímulo da vida humana é a alegria do ama-
nhã. Na técnica pedagógica esta alegria do amanhã é um dos ob-
jetos mais importantes do trabalho. Primeiro, é preciso organizar a
própria alegria, fazê-la viver e convertê-la em realidade. Em se-
gundo lugar, é necessário ir transformando insistentemente os ti-
pos mais simples de alegria em tipos mais complexos e humana-
mente significativos. Aqui existe uma linha muito interessante: da
satisfação mais simples até o mais profundo sentido do dever.
O mais importante que nós habituamos a valorizar no ser hu-
mano é a força e a beleza. Tanto uma coisa quanto a outra determi-
nam-se na pessoa exclusivamente pelo tipo de atitude que ela assu-
me em relação ao futuro. A pessoa que determina o seu comporta-
mento em relação ao futuro mais imediato é a pessoa mais fraca. Se
ela se satisfaz só com a sua própria perspectiva, ainda que seja em
longo prazo, é capaz de ser forte, mas não nos despertará a sensação
de beleza da personalidade e do seu verdadeiro valor. Quanto mais
ampla é a coletividade cujas perspectivas se identificam com as pers-
pectivas pessoais do indivíduo tanto mais nobre e belo é este último.
Educar um ser humano significa formar nele capacidades para
que possa escolher vias com perspectivas. A metodologia deste
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trabalho consiste em organizar novas perspectivas, em utilizar as
existentes, em colocar, pouco a pouco, outras mais elevadas.
Pode-se começar com um bom almoço e com uma ida ao
circo, mas é preciso sempre animar toda a coletividade pela vida e
gradualmente alargar as suas perspectivas, enaltecê-las até o nível
dos objetivos de todo o país. Os fracassos em muitas instituições
infantis se devem às perspectivas fracas e mal definidas. Mesmo
em instituições infantis bem equipadas não se conseguirá um bom
trabalho e disciplina se não traçarem perspectivas claras.
A perspectiva próxima
Numa coletividade infantil em que os seus membros não são
ainda capazes de programar em longo prazo as suas aspirações e
interesses, o dia de amanhã deve ser obrigatoriamente melhor do
que o de hoje. Quanto maior é a idade tanto mais se distancia a
perspectiva otimista imediata. Para os jovens de 15-16 anos, a pers-
pectiva próxima já não tem tanto significado como tem para os
adolescentes de 12-13 anos. A um adulto é plenamente suficiente
ter apenas uma perspectiva em longo prazo, dependendo da sua
consciência e do seu desenvolvimento político.
No desenvolvimento do nosso processo educativo, umas das
tarefas essenciais é a transição das satisfações mais próximas para
as mais longínquas. No entanto, esta tarefa na esfera das perspecti-
vas é ainda insuficiente e, em princípio, não diferencia a nossa pe-
dagogia da pedagogia burguesa. O nosso trabalho no domínio da
perspectiva consiste ainda em que todo o tempo devemos educar
aspirações coletivas e não apenas pessoais. O indivíduo com pre-
domínio da perspectiva coletiva sobre a pessoal já pode se consi-
derar uma pessoa de tipo soviético.
Finalmente, a nossa tarefa consiste também em conjugar as
perspectivas pessoais e coletivas de maneira que o nosso educando
não sinta nenhuma contradição entre elas.
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Graças a esta complexidade, o trabalho neste domínio reves-
te-se de um significado descomunal e no campo da própria edu-
cação torna-se o mais importante.
A organização da perspectiva próxima deve, evidentemente,
começar pelas metas pessoais. A primeira fase deste trabalho é
indispensável em toda instituição suficientemente organizada. Lo-
cais e salas de aulas bem equipadas, quartos com aquecimento,
alimentação aceitável, jogos de cama limpos, proteção completa
das crianças contra as arbitrariedades e despotismo dos mais ve-
lhos, assim como uma atmosfera simples e cordial nas relações
constituem os objetivos mínimos necessários, sem os quais é difícil
imaginar um trabalho educativo correto.
No entanto, devemos contar com a circunstância de que exis-
tem jovens que já têm traçadas as metas imediatas de outro tipo:
demonstrar a sua força através dos companheiros mais fracos,
tratar de propósito grosseiramente as moças, contar anedotas
mórbidas; aquisições materiais através do roubo e bebidas alcoó-
licas são também aspirações que se encontram na linha das pers-
pectivas imediatas. Para tais jovens, a vida organizada na instituição
infantil não é assim tão atrativa para que possam ser esquecidas as
aspirações habituais. Mesmo nas condições mais confortáveis, pode-
se jogar cartas, beber, escarnecer dos outros.
Por esta razão, numa coletividade jovem pode originar-se uma
luta entre as perspectivas novas e as velhas. É precisamente nesta altura
que se deve prestar a máxima atenção à organização das perspectivas
próximas. Cinema, concertos, saraus, atividade dos círculos e clubes,
sessões de leitura e espetáculos de amadores, passeios e excursões
devem afastar os tipos primitivos de passatempos “agradáveis”.
No entanto, seria um grande erro edificar a perspectiva próxi-
ma unicamente no princípio do agradável, mesmo se neste agradável
houver elementos úteis. Por esta via, nós inculcamos nos jovens
um epicurismo completamente inadmissível.
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Desde os primeiros dias a perspectiva imediata deve edificar-
se segundo um plano coletivo. A maior parte dos educandos dis-
tingue-se pela sua atividade, por um amor próprio bastante notá-
vel, pela ambição de destacar-se entre a multidão e impor-se.
E necessário apoiar-se precisamente nestes aspectos dinâmi-
cos do caráter e dirigir os interesses dos educandos no sentido das
satisfações mais valiosas.
As perspectivas têm uma particularidade interessante. Elas atra-
em a atenção do indivíduo com o aspecto geral da satisfação, mas
esta satisfação ainda não existe. À medida que se avança para ela sur-
gem novos planos para amanhã, tanto mais atrativos quanto maiores
são os esforços despendidos para vencer os diversos obstáculos.
É preciso que se possibilite às crianças tentarem precisamente
alcançar as satisfações que exigem algum trabalho. Se no pátio há
lama, surge naturalmente a ideia de que é necessário fazer uma
trilha e então será agradável atravessar o pátio. Mas quando se
começa a trabalhar para a trilha, surge o desejo de se fazer um
caminho bem feito. Dá-se início a um trabalho muito mais com-
plexo, que requer grandes esforços. Grupos inteiros de jovens são
atraídos para este trabalho que se prolonga por vários dias. O
educador pode observar, neste caso, como uma simples perspec-
tiva inicial de um caminho mais cômodo é substituída por uma
perspectiva mais valiosa de executar o trabalho o melhor possível.
Se se propuser aos educandos realizarem uma pista de patinagem,
eles iniciarão com entusiasmo o trabalho, sentindo-se atraídos pela
perspectiva muito simples e pouco valiosa de divertimento. Mas, no
processo de trabalho, quando vão aparecendo tarefas diferentes, mais
interessantes, como, por exemplo, a construção de um local com
aquecimento, um banco para descansar, iluminação etc., esta pers-
pectiva do agradável vai sendo gradualmente substituída por um
tipo mais valioso de aspirações e êxitos laborais. Isto envolverá to-
dos. Durante este trabalho, alguns terão outras aspirações comple-
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mentares para um breve prazo: achados organizativos, esforços do
chefe. Quando a coletividade se aglutina como uma família muito
unida, só a imagem do trabalho coletivo interessa a todos como
uma perspectiva próxima de trabalho.
Uma das tarefas mais importantes da direção da instituição infan-
til consiste em organizar uma perspectiva próxima, isto é, uma aspira-
ção coletiva para o dia de amanhã repleto de esforço e de êxito cole-
tivos. Podem ser encontradas muitas possibilidades neste sentido no
trabalho escolar e no produtivo. O trabalho na oficina não deve ser
uma cadeia de procedimentos monótonos e aborrecidos. Em cada
oficina, em cada grupo de máquinas deve sempre existir uma tarefa
digna que cativa todos pelo seu significado no processo de desenvol-
vimento da instituição, pelo seu interesse técnico e benefício direto na
aquisição de hábitos de certos educandos. Se na instituição se conse-
gue criar um espírito e ânimo como este, os educandos levantam-se
de manhã já entusiasmados com a alegre perspectiva do dia de hoje.
É preciso que os planos de produção, as dificuldades de pro-
dução sejam do conhecimento de toda a coletividade e para isto é
necessária a emulação socialista. Mesmo se a produção ainda não
está bem organizada, se há poucas máquinas, ferramentas e instru-
mentos que deixam a desejar, a coletividade deve estar mobilizada
para a luta por uma produção melhor. Ela deve estar a par de
quais as máquinas e as ferramentas que fazem falta e onde se po-
dem comprar, quando as trazem, onde vão ser colocadas, quando
vão ser selecionados os educandos que vão trabalhar com elas. É
da mesma maneira que se deve formar as perspectivas próximas,
tanto na escola quanto no clube. O educando que aprendeu a lição
acorda sempre com uma boa perspectiva. É por isso que é im-
portante ajudá-lo a preparar esta lição. A mesma ideia feliz sobre o
dia de amanhã anima também o membro do círculo dramático
que participa numa peça teatral, assim como o membro do colé-
gio de redação se é bem sucedido com o jornal.
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A vida da coletividade deve ser cheia de alegria neste sentido,
não uma alegria de simples divertimento e satisfação no dado
momento, imediata, mas uma alegria provocada pelas tensões e
êxitos de trabalho do dia de amanhã.
O trabalho que visa a organização da perspectiva próxima deve
ser realizado regularmente das formas mais variadas. Esta ativida-
de é fácil e interessante e não exige sutileza alguma. É suficiente,
por exemplo, anunciar que dentro de duas semanas se realizará um
encontro de futebol entre a equipe da instituição e qualquer outra
equipe das redondezas, para que a coletividade seja animada pelo
otimismo da perspectiva.
Subentende-se que a formação das perspectivas próximas só
será real se alguém, em efeito, se preocupa com a coletividade, se
se tenta tornar a sua vida mais alegre, se não se engana a coletivida-
de mostrando-lhe perspectivas sedutoras que depois se verifiquem
ser irreais. Qualquer alegria perante a coletividade, por menor que
seja, torna-a mais forte, mais unida e mais animada. Às vezes é
necessário colocar diante dela tarefa difícil e digna; em outras oca-
siões é preciso proporcionar-lhe a satisfação infantil mais simples:
dentro de uma semana no almoço haverá sorvete.
A perspectiva em médio prazo
A perspectiva em médio prazo consiste em projetar um acon-
tecimento coletivo relativamente distanciado no tempo. Isto é ab-
solutamente indispensável. Mesmo os adultos têm sempre planos
de determinados grupos de acontecimentos mais ou menos agra-
dáveis: férias, uma viagem a uma estação balneária, promoção no
serviço etc. Para as crianças isto é ainda mais necessário.
Estes acontecimentos não devem ser muitos. Em outubro de
1935, foi anunciado na comuna Dzerjinski que ela era uma das
melhores instituições no gênero. Em 1° de maio de 1936, a comuna
iria a Kiev e participaria no desfile festivo dos trabalhadores.
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ANTONIO GRAMSCI
A direção da comuna não descansou desde então na manu-
tenção desta linha. O 1° de maio de 1936 deveria converter-se
para a coletividade na festa maior e mais alegre, todos deveriam
preparar-se para ela com muita antecedência, cada comuneiro de-
veria ter por diante esta perspectiva.
Esta viagem do 1º de maio só seria educativamente benéfica
se fosse vivenciada durante todo o inverno, em cada dia de traba-
lho de coletividade, reforçando e embelezando todas as perspec-
tivas próximas existentes.
Podem ser dispostas na linha da perspectiva em médio prazo
a participação em desfiles festivos e campanhas nacionais, a cele-
bração de datas revolucionárias, o dia do aniversário da instituição
infantil, da data comemorativa do seu chefe de honra, com o nome
do qual é batizada a instituição, o início e o fim do ano letivo, a
festa de finalistas, a conquista do primeiro lugar pela instituição, a
inauguração de uma nova oficina, o cumprimento da produção
projetada pela fábrica, as férias de verão.
A perspectiva em médio prazo só terá significado se se levar a
cabo uma preparação para estes dias muito antecipada, se se lhes con-
ferir uma importância especial, se ao conteúdo fundamental se juntar
os mais variados temas: prestação de contas, recepção de convidados,
premiações, novos locais e equipamentos, balanço da emulação anual.
A preparação para estes dias (não deve haver mais de 2 ou 3
por ano) deve sentir-se a princípio só como uma ideia coletiva,
considerações etc. É preciso com antecedência proceder à eleição
de diferentes comissões em que participará o maior número de
educandos possível. Estas comissões devem apresentar frequente-
mente relatórios em assembleia geral. Será bom se, por ocasião da
realização de uma festa, surgirem dois projetos e toda a coletivida-
de se dedicar à opção entre os dois.
As férias de verão devem ser um acontecimento especialmen-
te agradável, esperado com ansiedade. Elas devem ser examina-
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COLEÇÃO EDUCADORES
das não só como tempo de descanso, mas também como um
ponto de perspectiva adiante. A privação das férias aos educandos
é prejudicial não só porque os priva de descanso, mas também, e
fundamentalmente, por que lhes rouba uma perspectiva alegre.
As férias de verão, pelas suas características, devem corres-
ponder aos méritos da coletividade e ao desenvolvimento da pro-
dução. Quanto maiores forem as realizações da coletividade no
trabalho, quanto mais ela tiver avançado em organização e discipli-
na, tanto mais valiosas devem ser as férias a ela concedidas. Cada
coletividade deve aspirar a que os seus méritos sejam tão significa-
tivos e unânimes que no conjunto ela mereça as melhores condi-
ções de descanso. As melhores férias para a coletividade são as que
acontecem num acampamento perto da água.
A preparação do acampamento, o seu equipamento, a organiza-
ção do refeitório, das áreas desportivas, dos encontros, da atividade
cultural devem absorver com antecedência a atenção da coletividade.
Apesar de cada educando viver na instituição temporariamen-
te e, mais cedo ou mais tarde, a deixar, o futuro da mesma, a sua
vida mais rica e mais cultural deve manter-se sempre nos moldes
da perspectiva da coletividade com um objetivo sério e elevado
que transparece em muitos pormenores da vida atual. Como
mostrou a experiência, os jovens não são de maneira alguma indi-
ferentes em relação ao futuro longínquo da sua instituição se nela
se sentem bem e gostam dela.
Uma perspectiva em longo prazo desta natureza pode entusi-
asmar os jovens a realizarem grandes trabalhos e a suportarem
grandes tensões; pode, na realidade, ser para eles uma perspectiva
emocionante. Esta circunstância baseia-se no instinto natural de
cada educando como membro de uma família.
A coletividade da instituição é um grande agregado familiar e
para cada membro da coletividade o destino da instituição nunca
pode ser indiferente. Esta perspectiva adquire uma importância
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ANTONIO GRAMSCI
particularmente grande se a instituição não corta relações com os
seus egressos, mas mantém uma correspondência constante com
eles, convida-os e recebe-os durante as férias, como convidados.
A formação desta perspectiva constitui uma etapa muito im-
portante na ampla educação política visto servir de transição natu-
ral e prática para outra perspectiva mais ampla: o futuro de toda a
nossa pátria.
O futuro da União Soviética, o seu progresso constitui o grau
mais elevado na formação das perspectivas: não só saber deste
futuro, não só falar e ler sobre ele, mas experimentar com todos
os sentidos o avanço do nosso país, o seu trabalho, os seus êxitos.
Os educandos de uma instituição infantil soviética devem conhe-
cer os perigos, devem saber quem são os amigos e os inimigos da
sua pátria. Eles devem saber imaginar a sua vida precisamente como
uma parte do presente e do futuro de toda a nossa sociedade.
Para desenvolver este sentido de perspectiva é pouco estudar
apenas o país e o seu progresso. É preciso mostrar a cada passo
aos educandos que o trabalho e a vida deles são parte do trabalho
e da vida do país. É necessário mostrar-lhes as heroicas e gloriosas
datas soviéticas, não só em conhecimentos, mas através de sensa-
ções, na experiência, no trabalho e tensão. É muito importante
mostrar às crianças filmes revolucionários, conversar com elas so-
bre os acontecimentos mais significativos da União Soviética, com-
parar estes acontecimentos com os da instituição, receber na cole-
tividade e organizar palestras com destacados indivíduos do país,
manter correspondência com certas personalidades, assim como
com outras instituições de crianças e adultos.
No contexto de tal ampla perspectiva soviética, fácil e
comodamente se formam as perspectivas pessoais em longo prazo
dos diversos educandos. Assim que o educando de uma instituição
infantil inicia a sua aprendizagem na escola e na produção, interessa-
-se imediatamente pelo seu futuro.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Garantir este futuro constitui uma das tarefas mais importan-
tes da instituição infantil, a não falar de ser bastante difícil.
A família e a educação dos filhos
Eu gostaria nesta breve apresentação de falar dos principais
problemas que nos preocupam e, neste sentido, analisar algumas
questões fundamentais da educação. Nossa conversa poderá ser
útil para fixar posições de partida para suas reflexões nesta impor-
tantíssima área. Por quê? Pelo seguinte: depois de o Poema pedagógico
ser publicado começaram a visitar-me professores jovens e pesso-
as de mais idade, de diversas posições sociais, buscando conhecer
as novas normas da moral soviética, as quais desejavam seguir em
sua própria vida, perguntando-me o que deviam fazer para isso.
Em certa ocasião, veio consultar-me um jovem geólogo: “ofe-
receram-me um trabalho científico ou no Cáucaso ou na Sibéria.
Por qual devo decidir-me?” Eu lhe respondi: “Vá para onde o
trabalho seja mais difícil”. Escolheu Pamir, e não faz muito tempo
recebi uma carta sua agradecendo-me o conselho.
Porém, depois que lancei o Livro para os pais, começaram a
visitar-me pais desafortunados. Qual a razão para procurar- me
um pai cujos filhos são bons? Vêm, em compensação, pessoas
como esta mãe e este pai:
— Somos ambos membros do partido e ativistas sociais, eu
sou engenheiro e ela é professora. Nosso filho era um bom garo-
to, mas agora não sabemos o que se passa com ele. Diz grosserias
a sua mãe, sai de casa quando lhe dá vontade e nos desaparecem
coisas. Que fazer? Educamos e demos a ele atenção como se deve,
sempre teve tantos brinquedos quantos quis, vestimos e calçamos,
tem um quarto só para ele e lhe proporcionamos todo tipo de
distrações. Agora (tem 15 anos), não lhe proibimos que vá ao cine-
ma ou ao teatro. Se ele deseja uma bicicleta, a compramos. De
nossa parte, você está vendo: somos pessoas normais de não pode
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ANTONIO GRAMSCI
ter herdado nada de mal. Por que então, o meu filho é tão mau?
— Você faz a cama do garoto? Sempre? — perguntei à mãe.
— Sempre.
— Nunca lhe ocorreu propor-lhe que ele mesmo a faça?
Perguntei ao pai:
— Você limpa os sapatos de seu filho?
— Sim.
Terminei a conversa, dizendo-lhes:
— Vão tranquilos e não procurem mais ninguém. Sentem-se
em qualquer banco solitário de algum jardim e tratem de recordar
o que fizeram com seu filho. Perguntem a si mesmo quem tem a
culpa de que o garoto seja assim e encontrarão a resposta e os
procedimentos para corrigi-lo.
Efetivamente, se limpam os seus sapatos e a mãe faz a sua
cama todas as manhãs, que tipo de filho vão ter?
A segunda parte do Livro para os pais eu dedico a esta questão:
por que pessoas normais, que podem trabalhar e estudar bem,
que inclusive receberam instrução superior e, consequentemente,
têm mentalidade e capacidade normais, ativistas sociais que po-
dem dirigir instituições inteiras, um departamento, uma fábrica ou
qualquer outra empresa, que sabem manter relações normais de
camaradagem, amizade e quaisquer outras com diferentes pesso-
as, porque tais cidadãos, quando lidam com seu próprio filho,
transformam-se em pessoas incapazes de compreender coisas tão
simples? Porque, neste caso, ficam transtornados, esquecem a ex-
periência da vida, aquela forma de raciocinar e a própria sabedo-
ria que acumularam no transcurso de toda sua vida. Diante de seus
filhos se convertem em uma espécie de pessoas “anormais”,
incapazes de se orientar até ante os problemas mais simples. Por
quê? A única causa disso é o carinho por seu próprio filho. O
amor é o sentimento mais sublime que, em geral faz milagres, que
gera pessoas novas, que cria grandiosos valores humanos...
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COLEÇÃO EDUCADORES
Se tivéssemos que definir mais exatamente nossa conclusão
diríamos simples e abertamente: o carinho, como o jogo e a comi-
da, exige certa dosagem. Ninguém pode se gabar de ter comido
bem depois de engolir 10 quilos de pão. O carinho também exige
dosagem, necessita ser medido.
Qualquer que seja o aspecto da educação que tratemos, sem-
pre iremos nos deparar com este problema, o da medida, e se
querermos expressá-lo com mais exatidão, diremos meio termo,
palavra que nos soa desagradavelmente. O que é um meio termo,
o que é um homem mediano? Muitos professores que vivem e
pensam de maneira tão “admirável”, sempre assinalaram isto como
um erro meu: se você recomenda obter a média, educará uma
pessoa mediana, nem má nem boa, nem inteligente nem obtusa,
nem um nem outro. Essas objeções não me abalaram. Comecei a
testar se estava ou não certo, se efetivamente não educaria medio-
cridades e, já que afirmava que em meu método pedagógico de-
veria existir um meio termo, não sairiam de minha mão educado-
ra pessoas medianas, não interessantes, chatas, aptas para viver co-
modamente, mas incapazes de criar algo grande e de experimen-
tarem elevados e verdadeiros sentimentos espirituais humanos.
Comprovei isto na prática. Meus trinta e dois anos de trabalho
educacional e pedagógico e os últimos oito anos passados na
comuna de trabalho Dzerjinski confirmaram minha conclusão de
que este método é justo e aplicável à educação familiar.
A palavra “meio” pode ser substituída por outro termo, mas,
em princípio, devemos tê-la em conta para a educação das crian-
ças. Devemos criar um homem de verdade, capaz de realizar uma
façanha grandiosa e empreendimentos sublimes, com nobres
sentimentos. Um homem que possa, por um lado, ser o herói de
nossa época e, por outro, não ser de modo algum um “panaca”,
nem um homem que venha desprender- se de tudo e ficar sem
nada, posando de generoso. Inclusive em nosso ideal, a que nin-
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ANTONIO GRAMSCI
guém pode objetar, existe o princípio de certa linha média, de
certa medida, de certa dose. Compreendi então porque a palavra
“meio” não me preocupava. Será justo, naturalmente, se dizermos
que a média é uma miscelânea de branco e preto, pois misturan-
do-os se obtém um tom cinza. Essa média parece ser fatal. Po-
rém, se vocês não estão preocupados com palavras, mas pensam
sinceramente na pessoa, verão imediatamente qual homem consi-
deramos o melhor, o ideal, como devem ser também nossos fi-
lhos. Se seguirmos firmes na linha traçada, se não nos deixarmos
enredar por nenhuma “filosofia” de palavreado supérfluo, sem-
pre poderemos dizer como deverão ser nossos filhos. Cada um
estará em condições de expressar: quero que meu filho esteja ca-
pacitado para realizar qualquer façanha, que seja um homem de
verdade e de grandeza de alma, com grandes paixões, sonhos e
desejos, mas, simultaneamente, não quero que seja um mão-aber-
ta, que compartilha tudo a esmo porque é muito generoso, fican-
do na miséria ele, sua mulher e seus filhos e que, por esta mesma
bondade, dilapide até sua riqueza espiritual.
A felicidade humana que nossa grande revolução proletária
conquistou e que irá aumentando ano após ano, é uma felicidade
que deve ser patrimônio de todos, à qual eu, particularmente, tam-
bém tenho direito. Eu quero ser herói e realizar proezas, dar o
melhor ao estado e à sociedade e, ao mesmo tempo, quero ser um
homem feliz. Assim devem ser nossos filhos. Devemos dar tudo
de nós quando isto for necessário, sem parar para pensar se nosso
ato nos trará felicidade ou dor, mas, por outro lado, devemos
procurar ser felizes.
Lamento não haver comprovado plenamente, mas vejo que
os melhores filhos são aqueles cujos pais são felizes... Com a parti-
cularidade de que a felicidade desses pais não se deve porque dis-
ponham de um apartamento com gás, banheiro e todas as demais
comodidades. Isto não é assim. Eu vejo muitas pessoas que têm
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COLEÇÃO EDUCADORES
uma moradia de cinco aposentos, gás, água quente e fria, duas
empregadas domésticas e, entretanto, não têm sorte com os filhos.
Algumas vezes foi a mulher que abandonou o marido, outras o
marido que deixou sua esposa, ou as coisas não caminham bem
no trabalho, ou se deseja um sexto aposento, ou uma casa de cam-
po. Em troca, encontro muitas pessoas felizes que carecem de
muitas coisas materiais. Isto eu vejo em minha própria vida e, en-
tretanto, sou um homem feliz, cuja felicidade não dependeu de
nenhum bem material. Procurem lembrar-se de suas épocas mais
felizes, quando lhes parecia que precisavam disto e daquilo, mas a
força espiritual e a fortaleza de alma lhes empurravam para frente.
A plena possibilidade desta felicidade pura, sua necessidade e
obrigatoriedade, foram conquistadas por nossa revolução e garanti-
das pelo regime soviético. Na unidade de nosso povo e na fidelida-
de ao Partido reside a felicidade de nossos cidadãos. Eles devem ser
honrados, militantes do Partido em todos os pensamentos e atos, já
que o acessório necessário para a felicidade é a segurança de que se
vive corretamente, de que não se levam ocultos nem a indignidade,
nem a malandragem, nem a astúcia, nem o desejo de “passar rastei-
ras”, nem nenhuma outra má intenção. A felicidade de um homem
franco e honrado, não somente proporciona um grande benefício a
ele mesmo, mas também, antes de tudo, aos seus filhos. Permita-me
por isso dizer-lhes: se quiserem que seus filhos sejam bons, sejam
vocês felizes. Desdobrem-se se for preciso, utilizem todo seu saber,
suas capacidades, consultem seus amigos e conhecidos, porém se-
jam felizes, com uma autêntica felicidade humana. Às vezes ocorre
que a pessoa anseia pela felicidade e se aferra a certos princípios à
base dos quais crê que mais tarde construirá sua felicidade. Eu mesmo
cometi em certa ocasião este erro. Achava que, embora não tivesse a
felicidade, poderia construí-la mais tarde com o material de que
dispunha. Nada semelhante ocorreu. Estes não são mais que princí-
pios, sobre os quais depois se pode erguer ou não o palácio da
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felicidade. Se não se constrói a felicidade, tais princípios, frequente-
mente com o passar do tempo, se desmoronam e não são mais que
origem de desgraça.
Não é difícil imaginar que de pais felizes, felizes por sua ativida-
de social, por sua cultura, por sua vida, que sabem administrar esta
felicidade, sempre sairão bons filhos, pois sabem educá-los bem.
Nisto se baseia a formulação a que fiz menção desde o começo:
também em nosso trabalho pedagógico deve existir o meio termo,
situado entre nosso grande trabalho entregue à sociedade e nossa
felicidade, isto é, o que recebemos da sociedade. Qualquer que seja o
método de educação familiar que vocês adotem, devem encontrar
esse meio termo, razão pela qual devemos ter claro o seu sentido.
Falemos agora sobre a questão mais difícil (pois vejo que para
as pessoas isto se apresenta como o mais difícil), o problema da
disciplina. A severidade e o carinho é o mais difícil...
Na maioria dos casos, as pessoas não sabem conciliar o carinho
e a severidade, coisa absolutamente necessária na educação. Frequen-
temente vemos que as pessoas entendem esses problemas, porém
pensam: é justo que a severidade tenha um limite, que o carinho se
adapte a certas normas, contudo, isto será necessário quando a cri-
ança tiver seis ou sete anos; até esta idade, poderemos passar sem
normas. Na prática, as bases fundamentais da educação são
construídas até os cinco anos. O que vocês fizeram até essa idade
constitui 90% de todo o processo educativo; depois, a educação da
pessoa continua, sua formação prossegue, mas, em geral, vocês já
começam a colher os frutos, enquanto que as flores cuidadas dura-
ram até os cinco anos. Por isso, até os cinco anos o problema funda-
mental é dosar a severidade e o carinho. Frequentemente, permitem
à criança toda espécie de caprichos, até mesmo que passe o dia
gritando; outras vezes, proíbem a criança inclusive de chorar. Há
crianças que não param quietas um minuto, mexem em tudo que
alcançam, importunam com perguntas e não há jeito de nos deixa-
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rem em paz. Outras são obrigadas a fazer tudo o que lhes mandam,
como um fantoche, embora esse tipo de atitude seja mais raro.
Nos três casos poderão perceber que faltam normas de seve-
ridade e carinho. Está claro que, mesmo aos cinco, seis e sete anos,
deve existir sempre esta norma, este meio termo, certa harmonia
na distribuição da severidade e do carinho.
Neste aspecto, contestavam-me: você fala sobre a medida em
que se deve ser severo, mas também se pode educar uma criança
sem nenhuma severidade. Se fizermos tudo com ponderação e
carinhosamente, viveremos toda a vida assim e nunca teremos de
ser rigorosos com a criança.
Eu não entendo por severidade nenhuma espécie de raiva nem
de gritos histéricos. A severidade só é boa quando não tem ne-
nhum indício de histeria.
Na minha prática, aprendi a ser severo utilizando um tom muito
carinhoso. Eu podia, com absoluta amabilidade, cordialidade e
tranquilidade, expressar palavras que deixariam meus comuneiros
pálidos. A severidade não supõe que obrigatoriamente se tenha de
gritar ou grunhir. Isso não é necessário. Em compensação, sua
tranquilidade, sua segurança, sua firme decisão, expressadas cari-
nhosamente, resultam maior impressão. “Fora daqui” — isto im-
pressiona. Mas também surte efeito, e talvez maior, se dissermos:
“tenha a bondade de sair”.
A primeira regra é a adequada para certa norma, especialmente
no que se refere ao grau de sua ingerência na vida da criança. Esta é
uma questão de suma importância que, com frequência, é resolvida
pela família inadequadamente. Qual deve ser a independência e qual
a liberdade que se deve conceder à criança? Em que medida há que
“levá-la pela mão”? Até que ponto e o que pode ser permitido? O
que deve ser proibido e o que pode ser deixado a seu livre arbítrio?
O pequeno encontra-se na rua e vocês gritam: não corra nem
vá a tal ou qual lugar. Até que ponto isto é justo? Se imaginarmos
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uma liberdade desmedida para o pequeno, isso trará maus resulta-
dos. Mas, se a criança deve perguntar tudo o que deve fazer, se
sempre deve recorrer a vocês para pedir permissão e comportar-
se como vocês mandam, a ela não restará nenhum horizonte para
sua iniciativa, para sua criatividade e risco. Isto também é mau.
Eu pronunciei a palavra “risco”. A criança de sete a oito anos
deve também, às vezes, correr riscos e vocês devem ter consciência
desse risco, até permiti-lo, em certa medida, para que o menino seja
destemido e não acostumado a fazer tudo acobertado com a res-
ponsabilidade dos pais: mamãe disse, papai disse, eles sabem tudo,
são um poço de ciência e eu me conduzirei como eles disserem.
Com tal ingerência extrema por parte de vocês, o filho não se trans-
formará um homem de verdade. Em alguns casos, será um homem
de pouca vontade, incapaz de tomar qualquer decisão, de assumir
algum risco ou algum empreendimento; outras vezes, ao contrário,
se subordinará e acatará a pressão paternal até certo limite. Porém,
como nele existem forças que se movimentam e procuram saída,
chega um momento em que elas explodem violentamente, termi-
nando em escândalo familiar. “Era um menino excelente, mas de-
pois não sabemos o que lhe ocorreu.” — dirão vocês. Na realidade,
isto ocorria sempre, quando ele obedecia e escutava. Porém, as for-
ças que a natureza depositou nele desenvolveram-se à medida que
ele foi crescendo e aprendendo, puseram-se em ação e o menino
começou, primeiro por resistir silenciosamente e, depois, às claras...
É frequente também um outro extremo, quando certos pais
consideram que as crianças devem manifestar plena iniciativa e
comportar-se como melhor lhes pareça. Sem prestar atenção em
como vivem e o que fazem, deixam que elas se acostumem a uma
vida descontrolada, a pensar e resolver tudo por conta própria.
São muitos os que pensam que, neste caso, desenvolve-se no me-
nino uma grande força de vontade. Pois acontece justamente o
contrário. Em tais circunstâncias não se desenvolve nenhuma força
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de vontade, pois a verdadeira grande vontade não tem nada a ver
com saber desejar ou conseguir algo, mas em saber renunciar a
algo quando assim é necessário. A força de vontade não é simples-
mente um desejo e sua satisfação, mas sim o desejo e o freio, o
desejo e a renúncia simultâneos. Se seu filho se exercita somente
em satisfazer seus desejos e não pratica o saber contê-lo, nunca
terá grande força de vontade. Sem freio não pode haver máquina
e sem freio não pode existir nenhuma vontade.
Meus comuneiros conheciam bem este problema. “Por que
não se conteve, sabendo que não devia fazer isso?” — eu pergun-
tava. E lhes exigia, ao mesmo tempo: “Por que se conformou,
por que não se decidiu e esperou que eu lhe dissesse?” Nesse caso
também o menino é culpado. Deve-se educar as crianças para que
saibam conter-se, ainda, é claro, que isto não seja tão simples quan-
to parece. Em meu livro, eu trato deste problema detalhadamente.
Paralelamente, devemos propor a eles uma atitude extraordi-
nariamente importante, mas não muito difícil de se obter: a capa-
cidade de saber orientar-se, manifestada repetidamente em toda
uma série de pequenas coisas e pequenos detalhes. Acostumem seu
filho a orientar-se enquanto ele for pequeno. Ele sempre diz algo
na presença de alguém. E, mesmo que não seja um estranho, mas
alguém de seu círculo de amigos, de seu círculo familiar: visitante,
hóspede, a tia ou a avó, as crianças devem saber o que se pode e o
que não se deve dizer nestes momentos (Não se deve falar, por
exemplo, sobre a velhice na presença de pessoas de idade, pois
não lhes agradará. Primeiro deve-se escutar a pessoa e só depois
falar etc.). As crianças devem saber avaliar e analisar a situação em
que se encontram naquele momento. Isso é uma qualidade de
extraordinária importância, que devemos ensinar-lhes e que não
apresenta dificuldades. Basta que vocês tenham como exemplo
dois ou três casos e falem com seu filho ou filha, para que sua
observação exerça uma influência benéfica. A capacidade de saber
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discernir é muito útil e agradável, tanto para quem a domina e
aplica, quanto para quem está por perto.
Na comuna isto era para mim mais difícil do que na família,
pois na coletividade existiam muitas crianças e a situação era muito
mais complexa. Sempre havia muitas pessoas: tratávamos com as
nossas crianças e com as alheias, com engenheiros, operários, cons-
trutores. A comuna era sempre visitada por pessoas isoladas e por
delegações etc. E, não obstante, consegui neste aspecto ótimos
resultados, que na família podem ser obtidos com mais rapidez. A
criança deve saber perceber instantaneamente a situação em qual-
quer lugar: quando o pequeno atravessa a rua, deve saber por onde
os pedestres devem atravessar e a direção dos carros; igualmente,
no trabalho, deve saber onde se encontram os lugares mais peri-
gosos e os mais seguros. Esta capacidade de orientação ajuda-o a
escolher quando ser audacioso e quando deve se conter. Tudo isso
exponho hoje, grosso modo, porém na prática, a orientação deve
ser desenvolvida gradualmente, fixando-a de modo mais preciso
de acordo com as situações vividas.
Tomemos este exemplo. Seus filhos amam vocês e desejam
demonstrar este carinho. Também esta expressão “carinho” é regida
pela mesma lei da ação e do freio. Que desagradável, por exem-
plo, é ver duas mocinhas (às meninas isso ocorre com mais
frequência) amigas, uma estuda na oitava série de uma escola e a
outra, na mesma série em outra escola; não se viram mais que duas
vezes na vida, na casa de campo; ao encontrar-se de novo, beijam-
se e suspiram com mútuo carinho. Por acaso pensam que realmen-
te gostam uma da outra? Frequentemente, este é um sentimento
imaginário, um jogo com os sentimentos que, às vezes, chega a
tomar esta forma habitual de cinismo carinhoso, de expressão
insincera dos sentimentos.
Vocês conhecem famílias com filhos e sabem como estes ex-
pressam seu carinho pelos pais. Em algumas famílias, é uma cons-
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tante beijação, uso frequente de palavras carinhosas, uma manifes-
tação incessante de sentimentos, a tal extremo que nos faz suspei-
tar se essas expressões externas demonstram um carinho verda-
deiro ou se é apenas um hábito.
Em outras famílias, pode ser observado um comportamento
frio, como se todos vivessem separados. O filho chega, dirige-se
friamente ao pai e à mãe e vai direto aos seus assuntos como se
não existisse nenhum carinho pelos pais. Somente em situações
raras e agradáveis, podemos observar, como nessas relações exte-
riormente reservadas, se manifesta um olhar carinhoso que se apa-
ga em seguida. Este é um filho de verdade, que ama o pai e a mãe.
O saber educar, por um lado, um sentimento de carinho sincero,
autêntico, que sai do coração e, por outro, saber conter as manifes-
tações de carinho para que este não se vulgarize, não se transforme
em beijação, é uma qualidade de extraordinária importância. So-
bre a base dessa atitude carinhosa para com o pai e a mãe pode-se
educar uma magnífica pessoa.
Os comuneiros me queriam como a um pai, mas, ao mesmo
tempo, consegui que não existisse entre nós nenhuma palavra me-
losa, nenhuma manifestação de ternura. O carinho não era preju-
dicado por causa disso. Os comuneiros se acostumaram a mani-
festar seu carinho de forma natural, simples e medida. Isto não é
só importante porque educa o homem exteriormente, mas tam-
bém porque conserva a força do comportamento sincero. Serve
de base à moderação, necessária em qualquer situação da vida.
Neste aspecto, abordamos de novo o princípio fundamental:
a norma, o sentido da medida.
Esta mesma apreciação da medida se manifesta também numa
esfera tão complexa e difícil como a das relações práticas, materi-
ais. Recentemente vieram ver-me as mulheres de uma casa onde
viviam duas famílias, ambas com crianças, em que havia ocorrido
um drama. Suspeitavam que o menino Yura (que estudava na séti-
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ANTONIO GRAMSCI
ma série) havia levado algo de sua casa sem pedir: um objeto ou
dinheiro, os amigos conheciam o fato.
Certo dia, desapareceu um estojo de desenho desses amigos.
Yura os visitava com frequência e era considerado como da família.
Na casa não havia nenhum estranho, exceto esse menino, que pudes-
se ter levado o estojo de desenho. Suspeitaram dele. Pois bem, essas
duas famílias, muito cultas e plenamente responsáveis por seus atos,
imediatamente, e inesperadamente para elas mesmas, mergulharam
num processo de investigação: necessitavam, a todo custo, desco-
brir se Yura havia ou não roubado o estojo de desenho. Três meses
estiveram envolvidos no assunto. É certo que não recorreram a um
cachorro policial nem a qualquer ajuda de fora, mas, em compensa-
ção, testaram, interrogaram; buscaram e encontraram certos vestígi-
os. Realizaram conversações secretas e não pararam até que Yura
ficou doente. Por último, começaram a exigir-lhe:
— Diga a verdade, não iremos castigá-lo.
O pai batia no peito com os punhos:
— Tenha dó de mim, quero saber se meu filho é ladrão ou não!
O menino já não lhes importava muito. O pai se transformou
no principal objeto, aquele que devia ser livrado dos sofrimentos.
Vieram procurar ajuda comigo.
— O que fazer? Assim não podemos viver!
Pedi-lhes que me trouxessem o menino. Eu nem sempre adi-
vinho pelo olhar quem roubou ou não, porém lhe disse:
— Você não furtou nada. Você não levou o estojo de desenho
e não permita que lhe perguntem mais sobre esse objeto.
Com os pais falei particularmente:
— Deixem de falar sobre isso. O estojo de desenho
desapareceu; não importa quem roubou. O que os tortura é saber
se seu filho é ou não ladrão. Vocês imaginam que estão lendo uma
novela policial e querem conhecer o final: quem é o ladrão. Desis-
tam desta curiosidade. Trata-se da vida de seu filho. Antes o meni-
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COLEÇÃO EDUCADORES
no já havia furtado algo e, agora, bem pode ser que seja ele quem
roubou. Ele tem esta tendência, eduquem-no, mas esqueçam este
caso e parem de torturar-se e de torturar o menino.
Às vezes, é importante advertir o menino que eventualmente
tenha furtado algo; se vocês podem demonstrá-lo e sentem que
não devem se calar, digam a ele. Mas, se vocês não têm mais que
suspeitas, se não têm certeza de que ele roubou, defendam-no
contra todas as suspeitas alheias. Porém, sejam mais vigilantes e
prestem mais atenção a seu filho.
Na comuna de trabalho, uma mocinha que eu havia tirado da
prostituição, realmente roubou. Descobri que era ladra e que to-
dos os rapazes acreditavam nisso. Ela se fechava. A última palavra
devia ser dita por mim. Eu sabia que ela estava tão acostumada a
roubar e que para ela isso era tão rotineiro que, se tivéssemos dito:
“você não tem vergonha disso?”, teria permanecido tranquila. Por
isso, no conselho de chefes, e eram pessoas muito sérias, eu disse:
— Por que a acusam? Estou convencido de que não é ela a
ladra. Vocês não podem prová-lo.
Por mais que gritassem, minha opinião prevaleceu. Deixaram-
-na em paz.
E vocês, o que acham disso? No início, essa mocinha estava
preocupadíssima, olhava-me seriamente, desconcertada, pois
tampouco era tonta. Para ela havia dúvidas: como eu podia ter
acreditado tão cegamente? Como podia ser? Eu estava fingindo
ou acreditava cegamente? Além disso, quando era necessário reali-
zar uma tarefa de responsabilidade, eu a encarregava de fazer.
Assim, um mês se passou. A confiança que eu havia deposita-
do nela não a deixava viver. Até que, chorando, veio me ver:
— Não sei como agradecer-lhe. Quando todos me acusavam,
somente você me defendeu. Todos pensavam que eu era uma la-
dra e somente você acreditou em mim.
Não tive outra alternativa senão dizer-lhe:
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ANTONIO GRAMSCI
— Foi você a autora do furto, você e não outro, eu sei perfei-
tamente agora assim como sabia antes. Você não roubará mais.
Não se fala disso a ninguém, você não roubou, entre nós não
houve esta conversa.
Não preciso dizer que depois disso, ela jamais voltou a roubar.
Estes métodos, também reais, nos mostram o significado que
a regra tem e podem também ser aplicados na família. Nem sem-
pre podemos abusar da verdade na família. Devemos dizer sem-
pre a verdade às crianças; geralmente, esta é uma lei justa. Mas, em
alguns casos, devemos mentir-lhes. Quando vocês sabem que al-
guém é ladrão, mas não estão seguros, ocultem isso dos outros.
Ao contrário, quando estão convencidos e disso têm provas, re-
corram à confiança nele depositada. Isto não é nada mais que dar
significado à regra. Quando está em jogo a personalidade da cri-
ança, não podemos expressar sem medida o nosso sentimento, a
nossa indignação, o nosso pensamento.
Devemos educar as crianças para que não roubem. Isto é o
mais fácil. Muito mais difícil é formar um caráter: audácia, mode-
ração, domínio de si mesmo e saber superar os obstáculos. Fazer
com que respeitem os objetos (não levá-los) é o mais simples. Se
na família reina uma ordem constante e o pai e a mãe conhecem o
lugar de cada coisa, jamais faltará nada em seu lugar. Porém, se
vocês mesmos desconhecem onde se encontram os objetos, se
deixaram o dinheiro no armário ou no bufê, ou deixaram a cartei-
ra debaixo da almofada, ou se esqueceram dela, seus filhos po-
dem começar a roubar. Além disso, se na sua família há desordem
na administração da casa, é possível que a própria criança observe
isso. Ela vê que a arrumação de peças de roupas e objetos não
ocupa a atenção central de vocês e se convence de que, se pegar
qualquer coisa dessa bagunça, vocês não irão repreendê-la...
O primeiro furto infantil não deve ser classificado como roubo,
porém como se a criança tivesse “tomado emprestado”. Depois, se
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houver reincidência, se já houver costume, transforma-se em roubo.
Se seu filho sabe exatamente o que pode pegar sem necessidade de
permissão e para o que deve pedir permissão para pegar, isto quer
dizer que a criança nunca roubará. Qualquer quinquilharia, pedaço
de bolo, resto de comida ou agasalho de visita que ficou no armário
destrancado e que ninguém proíbe pegá-lo, se a criança o leva sem
permissão, às escondidas, já será um roubo. Mas, se na casa há o
costume de as crianças não pegarem bolo por conta própria, isto é
um bom costume. Mas também não será ruim se, mesmo se não
pedirem permissão, limitarem-se simplesmente a dizê-lo. Neste caso,
não se chegará ao furto.
Se vocês proíbem tudo e a criança, mesmo sabendo que vocês
podem negar ou não, pedir um pedaço de bolo, às vezes, esta
linha de conduta também pode levar ao roubo. Se vocês permi-
tem que a criança pegue qualquer coisa e a tire de casa ou, ao
contrário, quando ela não pode pegar nada, carece de qualquer
liberdade e para tudo precisa de consentimento, em ambos os
casos o roubo pode ser estimulado.
Além do que foi exposto, é muito importante que, na casa,
haja ordem e limpeza, que não haja poeira, que não estejam joga-
dos em nenhum lugar roupas ou objetos desnecessários ou estra-
gados. Tudo isso é um significado extraordinário, muito mais
transcendental do que parece. Se em casa há uma infinidade de
coisas que incomodam, mas das quais temos pena de nos desfazer
porque têm algum valor ou nos recordam algo, motivo pelo qual
também aparecem pedaços de roupa velha e algum tapete que
está ali porque vocês não sabem o que fazer com ele, tudo isso
não faz mais do que fomentar a desordem, a falta de responsabi-
lidade com as coisas.
Se, pelo contrário, em seu lar só existem objetos verdadeira-
mente necessários, úteis para algo e agradáveis; se não aparecem
em lugar alguns retalhos velhos, puídos e usados, muito dificil-
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mente se estimulará a afeição ao furto. Este espírito de responsabi-
lidade, expresso em sua atenção pelas coisas que vocês despreza-
ram ou jogaram fora quando já não são necessárias, esta responsa-
bilidade pelos objetos, é preciso inculcá-la na criança sob a forma
de respeito com as coisas e como prevenção contra o furto.
Eu falei do mais fundamental, do que considero importante
em nosso trabalho educativo: o sentido da medida no carinho e
no rigor, na carícia e na severidade, em sua atitude para com as
coisas e os bens. Este é um dos princípios fundamentais dos quais
eu não arredo pé.
Reafirmo que é com esse tipo de educação que podem ser
educadas pessoas de grande serenidade, incapazes de queixar-se e
chorar, mas capazes de realizar grandes coisas, porque esta educa-
ção forjará nelas sua força de vontade.
A educação na família e na escola
A educação das crianças na família e na escola é um tema tão
extenso que dele se pode falar várias tardes sem esgotá-lo por
completo. Em uma noite, somente poderemos tratar de alguns
problemas principais. Possivelmente eu não seja um especialista
com relação ao fundamental. Podem perguntar- me. Vocês mes-
mos verão. Contarei a vocês, em poucas palavras, minha vida.
Sou professor de escola desde os dezessete anos. Nos primei-
ros dezesseis anos de minha carreira fui professor em uma escola
de ferroviários. Sou filho de operário e fui professor na mesma
fábrica onde trabalhava meu pai. Era ainda o tempo do velho
regime, da velha escola.
Primeiro, fui professor e, depois, diretor de uma escola indus-
trial para os filhos dos trabalhadores de um povoado operário.
Eu mesmo pertencia à coletividade de trabalhadores; era membro
de uma família operária. Meus alunos e meus pais constituíam uma
pequena sociedade operária industrial única.
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Por conseguinte, eu dispunha de grandes possibilidades. Vocês
em Moscou terão menos possibilidade, pois agrupam as crianças
pelo princípio da circunscrição territorial.
Seus pais não estão ligados a uma coletividade operária única.
É possível que vocês tenham menos facilidades que eu para tratar
com as famílias. Mas, em compensação, vocês dispõem de um
fator tão magnífico como é o Poder soviético, condição de que eu
carecia naquele tempo, época da velha Rússia autocrática.
Depois da revolução, o destino me separou da família. Traba-
lhei 16 anos com pequenos órfãos, sem família. Encontrava-me
muito pouco com os pais.
Certamente que nos últimos anos aproximei-me novamente
da família, mas meu trabalho fundamental, durante o Poder sovi-
ético, ficou circunscrito a instituições nas quais viviam educando
que, “em princípio”, não reconheciam a família.
Ocorreu-me um caso célebre em circunstâncias muito interes-
santes.
Comissionado por uma organização cinematográfica, veio ver-
me um “cameraman” para filmar a Comuna Dzerjinski, em
Kharkov. Era um velhinho muito vivo, dos que querem ver tudo,
encontrar tudo: muito inteligente e muito disposto.
A comuna o entusiasmou; ele gostou de tudo. No momento
em que eu discutia com ele alguns problemas, entrou em meu escri-
tório, de improviso, um camarada de aspecto bastante distinto, cheio
de pó, que parecia ter acabado de chegar de trem, e me disse:
— Venho de Melitopol. Fiquei sabendo que em sua comuna
vive meu filho, Vassia Stoliarov.
— Sim, é certo.
— Pois bem, eu sou seu pai. Ele fugiu de casa e o estamos
procurando há seis meses. Fiquei sabendo que ele se encontrava
aqui e por isso vim.
Vejo que o homem está emocionado: sua voz treme.
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— Muito bem. Por favor, chamem Vassia.
Entrou Vassia, um menino de uns catorze anos, que estava há
seis meses na comuna. De uniforme, elegante, sabendo olhar e
apresentar-se como se deve, entrou no escritório e perguntou:
— Chamaram-me?
— Sim, seu pai chegou.
— Meu pai?
Nem é preciso dizer que desapareceu toda a etiqueta: abraça-
ram-se, beijaram-se com um carinho extraordinário. Via-se que o
pai amava o filho e este amava o pai etc.
Terminaram os abraços e os beijos. O menino voltou à sua
postura inicial e o pai me disse:
— Então, deixa-me levá-lo para casa?
— Não tenho nada contra. Seu filho é quem decide. O que ele
disser se fará. Se quiser ir embora com você, pode fazê-lo.
E o melhor veio agora. Este mesmo rapaz que acabava de
soluçar de alegria, ficou vermelho, se pôs sério, fixou em mim seu
olhar, moveu negativamente a cabeça e falou:
— Não vou.
— Por quê? Trata-se de seu pai.
— Mesmo assim, não vou.
O pai empalideceu.
— Como não vem?
— Foi como ouviu.
— Por quê?
— Não vou e já disse tudo.
— Mas, por que não quer ir? Este é seu pai.
— Não quero e basta.
O pai começou a indignar-se:
— Queira ou não queira, você vem comigo.
Nesse momento se meteram na conversa meus chefes de des-
tacamentos:
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—Você não pode levar ninguém daqui, ele é um comuneiro
dzerjinskiano; a única coisa que você pode fazer é pedir-lhe; se ele
quiser, ele irá; se não, ficará.
O pai deixou-se cair em uma poltrona, histérico. Preocupamo-
nos, tratamos de tranquilizá-lo e lhe demos água. Quando se acal-
mou um pouco, nos disse:
— Chamem Vassia.
— Não, agora já não o chamo.
— Só quero despedir-me dele.
Dei a ordem, advertindo:
— Pergunte se Vassia quer se despedir de seu pai.
Vassia entrou. Novamente começaram os soluços, os abraços
e os beijos. Quando tudo acabou, Vassia perguntou:
— Posso retirar-me?
— Sim.
O menino saiu e eu fiquei ainda duas horas falando com o pai,
observando-o. Sentado na poltrona suspirava, soluçava, acalma-
va-se e começava de novo a chorar. Até que se foi sem Vassia.
Porém, o mais “dramático” de toda esta história foi que meu
cameraman se entusiasmou tanto presenciando essa cena que, como
homem insensível à dor alheia, enquanto o pai e o filho soluçavam,
se beijavam e abraçavam, filmou esses momentos expressando
assim sua grande satisfação:
— Casos como este aparecem uma vez na vida para os meus
colegas operadores de cinema.
Neste ponto, quero abordar o problema da família e da edu-
cação familiar.
... Há famílias boas e más. Não se pode afirmar que a família
educa como deve ser, como tampouco podemos dizer que a família
pode educar como quiser. Devemos estruturar uma educação fami-
liar que tenha a escola como princípio organizativo e como repre-
sentante da educação estatal. A escola deve orientar a família.
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Cabe perguntar: como orientar? Chamar os pais e dizer- lhes
“Tomem medidas” isto não é orientar.
Citar os pais, abrir os braços e lamentar-se “Ai! Como educam
mal!” tampouco resolve.
Então, o que e como se pode ajudar? Um mau pai, isto é, um
pai que não sabe educar, sempre pode ser ensinado, da mesma
forma que o pedagogo pode ser ensinado.
Por certo, camaradas, muitos pais, como muitos professores,
não sabem falar com a criança. É necessário utilizar o tom correto
de voz, coisa que, infelizmente, tampouco dão atenção nas escolas
normais de professores e nos institutos pedagógicos. Deveria haver,
obrigatoriamente, em cada instituto e escola pedagógica, um bom
especialista que soubesse educar nosso tom de voz. Isto é muito
importante.
Eu mesmo, no princípio de minha carreira, não me saía muito
bem. “Queimava os miolos” pensando como consegui-lo, até que
decidi recorrer a um ator experiente.
— E necessário acostumar-se a dominar corretamente a voz.
— Como, educar a voz? Por acaso eu vou cantar?
— Não se trata de cantar, mas de falar.
Ensaiei com ele durante certo tempo até que compreendi que
grande coisa é dispor de uma voz adequada, quão transcendental é
falar no tom correspondente. Inclusive uma expressão tão simples
como “Pode retirar-se”, frase simples de duas palavras, pode ser
dita de 50 maneiras, com a particularidade de que cada uma delas
pode ser expressar com um acento que equivalha a uma gota de
veneno, se é que se necessita que assim alguém o sinta.
Isto é uma coisa muito complicada. Se vocês não dominam
sua voz, naturalmente, encontrarão dificuldades. Seria bom que os
dirigentes soubessem educar sua voz. Há pais e professores que se
dão ao luxo de deixar que seu tom de voz reflita seu estado de
ânimo. Isto é completamente inadmissível. Vocês podem estar
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não importa com que humor, mas sua voz deve ser verdadeira,
boa, firme.
O estado de ânimo não tem nenhuma relação com sua voz. Por
que vocês precisam saber com que disposição estou agora? Pode ser
que esteja aflito ou que sinta uma grande alegria, o que não é impe-
dimento para que eu fale de maneira que todos me escutem. Cada
pai e cada professor, antes de falar com a criança, devem controlar-
-se, de forma que seu estado de ânimo não se manifeste. E não
creiam que isto é muito difícil.
Depois de viver três anos no bosque rodeado de bandidos,
qual podia ser nosso estado de ânimo? Que liberdade de expressão
podia eu dar a meu estado de ânimo? Acostumei- me a dominar-
me, convencendo-me de que isto é muito fácil. É necessário que sua
fisionomia, seus olhos e sua voz sejam, em alguns casos, autônomos.
O professor está obrigado a ter um rosto de “estátua”. E seria
desejável que os pais também o tivessem.
Suponhamos que tenham recebido uma carta desagradável,
de uma pessoa amada. Deve-se deixar perder todo um mês de
trabalho pedagógico por culpa dessa desditosa carta, possivelmente
de uma pessoa querida que pode até ser que não valha nada e que,
inclusive, tenha feito bem em escrever tal carta?
Saber dar a sua voz o tom e a mímica adequadas, saber levan-
tar-se e sentar-se, tudo isto é transcendentalíssimo para o professor.
Cada minúcia tem um grande significado e os pais têm de acos-
tumar-se com esses detalhes.
Não faz muito tempo um pai me dizia:
— Sou comunista, operário. Tenho um filho que não me obe-
dece. Quando lhe falo fica como se estivesse olhando a chuva.
Falo-lhe pela segunda e terceira vez e não me dá atenção. Que
posso fazer com ele?
Fiz esse pai sentar-se ao meu lado e comecei a dialogar com ele.
— Vamos ver, mostra-me como fala com seu filho.
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— Assim.
— Experimente fazê-lo desta maneira.
— Não posso.
— Repita.
Ensaiei com ele meia hora até que aprendeu a ordenar. Tudo
residia no tom de voz.
A ajuda aos pais por parte da escola somente é possível quando
esta última representa toda uma coletividade única, que sabe o que
exige de seus alunos e que apresenta com firmeza estas exigências.
Este é um dos meios de ajudar os pais. Porém existem outros.
Deve-se estudar a vida familiar, averiguar as causas que determi-
nam o mau caráter. Não vou enumerar aqui todos os procedi-
mentos de ajuda à família.
Passo à seguinte questão: eu defendo a tese de que a verdadei-
ra família deve ser uma boa coletividade administradora. Tam-
bém a criança deve ser, desde a sua mais tenra infância, um mem-
bro desta coletividade administradora. Deve saber de onde pro-
cedem os meios de subsistência da família, o que se compra, por-
que se pode comprar isto, aquilo não etc.
É necessário acostumar a criança, desde os 5 anos, a participar
na vida econômica da coletividade; quanto antes melhor. Ela deve
sentir responsabilidade pelos bens de sua coletividade. Não de
maneira formal, mas sim de acordo com as oportunidades de sua
vida e da sua família. Se a família se administra mal, também ele
assim o fará na vida. Vale a pena ocupar-se deste problema.
E, finalmente, camaradas, uma última questão, possivelmente
a mais difícil, que corresponde à felicidade.
Normalmente se ouve dizer: como mãe e como pai damos
tudo ao nosso filho, sacrificamos tudo por ele, até a nossa própria
felicidade.
Este é o presente mais horrível que os pais podem dar aos
seus filhos. É um presente tão monstruoso que, se quiserem enve-
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nenar a vida de seus filhos, recomendamos que lhes deem em grande
dose sua própria felicidade e os envenenarão.
O problema deve ser colocado assim: jamais sacrificar-se por
nada. Pelo contrário, que seja o filho quem o faça por seus pais.
Vocês sabem que algumas jovens falam assim para suas mães:
— Você já viveu a vida, enquanto que eu ainda não vi nada.
Às vezes, tais palavras são ditas a uma mãe que não tem mais
de trinta anos.
— Você já gozou a vida, eu não. Por isso, tudo deve ser para
mim e nada para você.
Melhor seria que a jovenzinha pensasse:
— Tenho toda a vida pela frente, enquanto que a você, ma-
mãe, resta menos tempo.
Por isto escrevi sem rodeios no quarto tomo do Livro dos pais:
os vestidos novos devem ser, em primeiro lugar, para as mães.
Os filhos não se ofenderão se vocês os educarem com o ob-
jetivo de fazer felizes seus pais. Que os filhos pensem, em primeiro
lugar, na felicidade dos pais, sem se importar com o que pensam
seus pais. Vocês são adultos e sabem o que fazem.
Se vocês têm dinheiro sobrando e estão em dúvida para quem
comprar um vestido, se para a mãe ou para a filha, eu digo que
deve ser para a mãe.
O pai e a mãe devem fazer ver que têm direito à felicidade
antes de seus filhos. Não tem nenhum sentido para as mães nem
para as filhas, e menos ainda para o estado, educar consumidores
da felicidade materna. É horrível educar os filhos a custa do bem-
estar de seus pais.
Em nossa comuna gastávamos 200.000 rublos em excursões
e 40.000 rublos com entradas para o teatro. Não economizávamos
dinheiro para isso. Em troca, quando confeccionávamos roupas,
nos guiávamos por esta regra: para os pequenos passávamos as
roupas dos maiores. Os pequenos sabiam que não se fariam rou-
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pas novas para eles, que somente podiam contar com roupas re-
formadas. É verdade que podíamos esperar que as crianças maio-
res usassem as roupas até se acabarem. Mas não fazíamos assim;
os maiores vestiam durante certo tempo sua roupa e depois as
passavam para os menores.
O que vocês vão dar a uma jovenzinha de 17 a 18 anos, se aos
catorze já lhe deram boas roupas?
Para que isso faz falta? Que ambições terá no futuro esta mo-
cinha? À medida que passe o tempo, começará a pensar assim:
tenho um vestido, enquanto você (isto é, a sua mãe) tem três.
É necessário inculcar nos filhos a preocupação pelos pais;
educá-los no desejo simples e natural de renunciar à satisfação pró-
pria, enquanto não tenham satisfeito a do pai ou a da mãe.
E aqui, camaradas, vamos terminar.
Alguém quer perguntar algo?
Pergunta do plenário: “A comuna Dzerjinski, continua existin-
do? Quem a dirige e que ligação você tem agora com esta comuna?”
Depois que parti, a Comuna Dzerjinski funcionou ainda por
dois anos e depois foi fechada. Por quê? Porque os maiores foram
para os institutos e a fábrica que ali existia foi transferida para o
departamento do ramo correspondente. Todos os comuneiros
saíram dali homens feitos, mas continuo mantendo contato com
meus comuneiros.
Devo dizer que esta ligação pode me causar dificuldades, por-
que eles são muitos. Recordo-me deles, mas não posso me lem-
brar com quem se casaram e quem tem filhos e quantos. E o
problema é que tenho que falar sobre isso nas cartas.
Saibam, camaradas, que tenho de dedicar um dia da semana
para a correspondência. Isto me atrapalha bastante, ainda que, para
dizer a verdade, não tenho por que me queixar, pois, exceto a
mim, eles não têm ninguém. A quem vão se dirigir? Mas, às vezes,
passo grandes apuros pelo grande número de cartas.
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Quando algum de meus antigos alunos, por exemplo, vem a
Moscou, diretamente do trem ele vai para minha casa e, algumas
vezes, para ficar todo um mês. Apresenta-se com toda franqueza:
Anton Semionovich, venho passar um mês com você. Isto me
aterroriza, pois tenho pena de minha esposa. Ela não pode se con-
verter em empregada de pensão. Não é que me desgoste dar de
comer a meus hóspedes, não é essa a questão, mas sim porque
aumentam os afazeres domésticos.
— Muito bem, já que veio, fica. Galia, temos hóspede.
— Quem é?
— Vitia Bogdanovich.
— Salve, Vitia.
Depois de dois dias começam as conversações:
— Será melhor que eu vá para um hotel.
— Que lhe falta? Fica aqui.
Aos três dias novas palavras:
— Terei de ir a Leningrado.
— O que tens que fazer lá? É melhor que fique conosco.
E quando se vai, a separação é igualmente dolorosa:
— Se você mudar para Moscou, pode trabalhar na cidade e
alojar-se em minha casa.
Em sua maioria são bons rapazes. E ainda que estas relações
me causem transtornos, são, para mim, fonte de grande alegria e
de verdadeira satisfação. Por outro lado, não posso esconder, al-
guns deles se perderam de vista.
Pelo fato de eu ter sido condecorado, “Mitka Jeveli” passou-
me um radiograma da ilha Wrangel. Vocês o conhecem através do
Poema pedagógico.
Hoje também recebi uma carta de felicitação assinada pelo
“Engenheiro condecorado Orisenko (Gud)”.
Pergunta do plenário: “O que pensa você sobre as medidas de
castigo físico?”
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Continuo sendo inimigo dos métodos físicos de coerção. Em
geral, não admito o castigo físico como método. Não conheço uma
única família em que o castigo corporal tenha sido proveitoso.
É bem verdade que não me refiro aos casos em que a mãe dá
um par de palmadas em uma criança de dois ou três anos. O
pequeno não compreende nada e para a mãe não é tanto o castigo,
é mais uma manifestação da sua irritação. Porém, bater em uma
criança de 12 ou 13 anos significa reconhecer sua plena impotência
diante dela. Isto quer dizer que podem até se romper para sempre,
as boas relações com ela.
Na comuna Dzerjinski os rapazes não brigavam nunca. Recor-
do este episódio: regressávamos num barco de Batumi para Crimeia.
Ocupávamos toda a cobertura superior. Éramos muito queridos
por todos. Íamos bem vestidos, tínhamos uma magnífica banda de
música, dávamos concertos. Todo o resto dos passageiros, assim
como a tripulação, estavam encantados. Ocorre que, numa manhã,
depois do café, em frente ao mesmo Yalta, um comuneiro maior
golpeou a cabeça de seu camarada mais jovem com uma lata de
conserva. O caso era para nós completamente insólito. Eu fiquei
transtornado. Que fazer? Ouvi que tocavam o alarme geral.
— Por quê?
— O chefe que está de serviço assim ordenou. Com que ob-
jetivo?
— De qualquer forma, dê ordem de reunir a todos.
— De acordo.
Reunimo-nos, mas o que fazer? Propõe-se o seguinte: desem-
barcar o agressor em Yalta e separar-nos dele para sempre.
Vejo que ninguém é contra.
Tomo a palavra:
— Estão brincando ou falando sério? Por acaso isso é possí-
vel? Golpeou o outro, delinquiu, mas não se pode expulsar uma
pessoa da comuna.
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COLEÇÃO EDUCADORES
— Não vale a pena falar mais sobre isso. Votemos.
— Digo-lhes que esperem.
Neste momento o presidente da reunião me interrompe:
— Existe a proposta de retirar a palavra de Anton Semionovich.
O que vocês acham? Proibiram-me de falar. Dirijo-me à reunião:
— Encontramo-nos em excursão, sou o chefe e posso convocar
por cinco horas toda a assembleia geral. Aqui não estão na comuna,
onde eu dialogo com vocês. Como podem proibir-me de falar?
— Está bem. Fale.
Mas o caso é que não havia nada que dizer. Submeteu-se a
proposta à votação e foi aceita por unanimidade. E em seguida
outra proposta é apresentada: quem se atrever a acompanhá-lo
pode também ficar lá.
Uma delegação de passageiros e da tripulação pediu-nos que
perdoasse o menino.
— Não. Sabemos o que estamos fazendo — lhes responderam.
Quando chegamos em Yalta, nenhum comuneiro desceu do
barco.
Antes, todos esperavam impacientemente atracar em Yalta, que-
riam visitar a cidade, percorrê-la. Pois bem, nenhum comuneiro aban-
donou o barco. O chefe de serviço disse secamente ao culpado:
— Vá.
E este se foi.
Quando chegamos a Kharkov, ele estava nos esperando na
praça. Nossos meninos carregam suas bagagens. Ele anda de um
lado para outro, até que o chefe da guarda lhe diz:
— Saia da praça. Não subiremos enquanto você estiver aqui.
Ele se foi. Após três dias apresentou-se na comuna. A sentinela da
porta lhe disse:
— Aqui você não passa.
— Você deixa todos entrarem.
— Deixo todos, mas não você.
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ANTONIO GRAMSCI
— Avisa, então, a Anton Semionovich.
— Não tenho de avisar ninguém.
Apesar de tudo, chamaram-me.
— O que você quer?
— Convoque a assembleia geral.
— Perfeitamente.
Ele ficou em meu escritório até o fim da tarde, quando se
reuniu a assembleia geral. Abro a reunião. Todos nos olham e se
calam. Pergunto quem quer tomar a palavra. Ninguém. Rogo-
lhes que digam algo. Sorriem. Agora, penso, é certo que o deixa-
rão ficar. Peço que se ponha em votação. O presidente anuncia:
“Quem está de acordo com a proposta de Anton Semionovich
que levante o braço.” Nem uma só mão se levanta. “Quem está
contra?”. Todos.
No dia seguinte, ele voltou de novo.
— Não é possível que me castiguem com tanta crueldade. Con-
voque outra vez a assembleia geral. Pois quero que me esclareçam.
Reúne-se pela tarde a assembleia geral.
— Exige que lhe deem uma explicação.
— Está bem. Fala, Alekseiev.
Alekseiev toma a palavra.
— No barco, na presença de toda a União Soviética, pois
você sabe que a bordo iam representantes de todas as cidades,
diante de toda a tripulação, por uma besteira, você golpeou um
camarada na cabeça Isto não se pode perdoar e jamais lhe perdo-
aremos. Quando nós nos formos, virão outros meninos que
tampouco terão dó de você.
Ele abandonou para sempre a comuna. Muitos dos antigos
rapazes já haviam saído de lá e haviam chegado muitos novos.
E estes diziam sempre: “Tem de se fazer o mesmo que se fez
com Zviaguinets”. Nunca haviam visto Zviaguinets, mas co-
nheciam o fato.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Vejam camaradas, como os comuneiros entendiam a agressão
física Em meu espírito pedagógico, censurava-os pela sua cruelda-
de, mas, em meu foro íntimo, humano, dava-lhes razão.
Esta ação, com certeza, é uma crueldade, mas uma crueldade
provocada. É natural que em uma coletividade os maus tratos não
sejam admitidos. Pessoalmente, eu sou adversário irreconciliável
dos métodos físicos de castigo.
Pergunta: “Em sua comuna havia jovens, de ambos os sexos,
de dezessete e dezoito anos. Quais eram suas relações?”
A pergunta é muito difícil de responder. Teria de falar muito
tempo. Isto está no meu livro. Mas, de qualquer forma, procurarei
dizer-lhe em poucas palavras.
Naturalmente, não se pode proibir o amor, mas tampouco se
pode permitir namorar e casar aos dezoito anos, pois este matri-
mônio não proporcionará nenhuma felicidade. Entre nós, desem-
penhava um grande papel a unidade da coletividade e a confiança
em mim. Eu podia reunir as meninas e falar-lhes sobre o compor-
tamento de uma jovem de sua idade. Depois, reunia também os
meninos. A estes não só lhes ensinava, como lhes exigia sem rodei-
os: em primeiro lugar terão de responder isso ou aquilo, compor-
tar-se de tal ou qual maneira.
Apoiavam-me as organizações do Komsomol e do Partido e,
é claro, a organização dos pioneiros. Também contava com a aju-
da da assembleia geral.
Somente por isso, tudo caminhava bem em relação a este pro-
blema: não houve nenhuma tragédia, nenhum drama. Sabíamos, por
exemplo, que Kravtchenko amava Donia e que esta lhe correspondia.
Sempre andavam e passeavam juntos, mas não faziam nada repro-
vável. Cumpriram o prazo de sua permanência na comuna, depois
ambos ingressaram num instituto e somente depois, passados 3 anos,
se casaram. Antes de fazê-lo, vieram à comuna e expuseram ao con-
selho de chefes que queriam unir-se em matrimônio. Os rapazes os
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ANTONIO GRAMSCI
aplaudiram dizendo-lhes: “Já é tempo de se casarem. Vocês aguen-
taram cinco anos de amor.”
Outra pergunta: “De onde provém este conhecimento que
você tem da mentalidade dos meninos de idade pré-escolar?”
Eu não tenho filhos naturais, mas tenho filhos adotivos. Na
comuna, havia um jardim de infância para os filhos dos emprega-
dos. Eu o organizei e o dirigi. Conheço bem e amo profunda-
mente muitas crianças de idade pré-escolar. Minha experiência não
é muito grande, mas de qualquer modo, tenho alguma.
As minhas concepções pedagógicas
A nossa causa, a da educação comunista, é um empreendimen-
to novo a nível mundial. Se levarmos em consideração esferas do
conhecimento como a técnica, a literatura e outras, veremos que
sempre se recebe algo das gerações anteriores. No domínio da edu-
cação comunista, o assunto é ainda mais complicado, pois há apenas
vinte anos estas palavras — a educação comunista — quase não se
ligavam. E não nos envergonhamos absolutamente de dizer que, em
muitos pormenores do nosso trabalho, somos ainda imaturos, con-
tinuamos a ser e não pode ser de outro modo. Seria na verdade
presunção afirmar que em apenas vinte anos tivéssemos condições
de criar, finalizar e formar uma grande escola pedagógica comple-
tamente nova, a escola da educação comunista. Neste campo so-
mos autênticos pioneiros e é próprio dos pioneiros enganarem-se.
O mais importante é não temer os erros e atuar com audácia.
Eu sou literato, um pouco, o que significa que também devo
prestar contas dos meus assuntos literários. Mas sinto- me antes de
tudo pedagogo e não só antes de tudo, senão sempre e por toda a
parte. O meu trabalho literário não é mais que uma forma do
trabalho pedagógico. Por isso falarei muito pouco de literatura.
Farei um breve relato de minha biografia pedagógica e literária.
Sou filho de um operário ferroviário, que trabalhou mais de quaren-
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COLEÇÃO EDUCADORES
ta anos numa fábrica de vagões. Eu também trabalhei nessa fábrica
desde 1905, mas como professor, depois de ter obtido a mais rudi-
mentar formação pedagógica: terminei os cursos de um ano numa
escola pedagógica primária. Tenho a impressão de que atualmente
nem existe uma formação tão primária como essa. Era uma for-
mação tão pobre que só pude assumir o cargo de professor na
escola primária de categoria menor, com um salário de 25 rublos
por mês. Esta era uma escola magnífica, visto lá existir uma comu-
nidade operária muito unida. Eu mesmo era membro dessa comu-
nidade por ser filho de um operário da fábrica. Nessa escola traba-
lhei nove anos e essa experiência teve uma grande importância para
mim. Mais tarde, já em 1914, ingressei no instituto pedagógico, onde
terminei os estudos com uma medalha de ouro. Depois, destina-
ram-me à Colônia Gorki para delinquentes menores.
Durante dezesseis anos, de 1920 a 1935, dirigi a Colônia Gorki
e a Comuna Dzerjinski, que formavam uma só coletividade. Se
leram o Poema pedagógico, devem recordar-se de que da Colônia
Gorki me transferi para a Comuna Dzerjinski, aqui em Kharkov.
Nessa altura, nesta última, já havia 50 alunos meus procedentes da
Colônia Gorki. Depois, mais 100 alunos mudaram-se comigo para
a Comuna Dzerjinski. Isto significa que, na comuna, deu-se a con-
tinuidade na prática, não só à experiência da Colônia Gorki, mas
também à história de uma mesma coletividade humana. Isto tem
um grande significado para mim e para a obra que empreende-
mos visto que se conservaram e acumularam as tradições criadas
anteriormente na Colônia Gorki.
Foi, então, na comuna Dzerjinski que escrevi o meu primeiro
livro — A marcha dos anos 30.
Posteriormente, escrevi o Poema pedagógico, que foi publicado por
partes em 1933, 1934 e 1935, seguindo-se os romances A honra e
Bandeiras nas torres, tendo este último livro um significado
extraordinário para mim e para a formação das minhas concepções.
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ANTONIO GRAMSCI
Escrevi ainda o primeiro tomo do Livro dos pais. O que me mo-
tivou a escrevê-lo? Acontece que, durante os últimos dois anos, estive
organizando colônias de trabalho. Tive então de me ocupar menos
com as crianças abandonadas do que com as que “tinham famílias”.
Se para a Colônia Gorki eram enviados delinquentes menores, nos
últimos anos era mais necessário reunir as crianças “com família”...
Tive de indagar e interessar-me pelas famílias e pareceu-me
necessário escrever um livro destinado aos pais. No primeiro tomo
tratei do assunto relativo à família como coletividade. Neste mo-
mento, estou preparando o segundo tomo, que se refere à educa-
ção moral e política, principalmente na família, mas também te-
nho de focar a escola. O terceiro tomo será consagrado a questões
concernentes à educação através do trabalho e à orientação profis-
sional. E o quarto, o mais importante para mim, trata do seguinte
tema: como o homem deve ser educado para que seja feliz. Inte-
ressante, não é verdade?
Eis o meu breve informe sobre o assunto. Bem, que mais lhes
poderei dizer sobre os méritos e os defeitos dos meus livros? Há uma
questão que talvez tenha interesse para vocês. Dizem que no livro
Poema pedagógico não estão presentes nem a imaginação nem a fantasia,
que é uma pura cronologia. Um crítico chegou a escrever: “Uma
pessoa teve uma vida interessante e descreveu-a. Todo aquele que tem
uma vida interessante é capaz de escrever um livro como este, e por
esta razão Makarenko não é literato nem artista, mas um cronógrafo”.
É evidente que eu me ofendi. Como é isso: não sou literato,
mas escrevi um livro? Numa discussão perguntei-lhe: “Por que é
que diz que isto é uma simples cronologia?”. E o crítico respon-
deu-me: “Porque você escreveu tudo o que existia na realidade.
No seu livro não há invenção nem imagens sintetizadas”.
Então, fiz uma cara séria e lhe disse: “Desculpe-me, mas como
é que sabe que no livro não há invenção? Que provas tem de que
isto é tudo verdade?”. Ele contestou: “Mas isso vê-se. Pelo seu
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COLEÇÃO EDUCADORES
próprio Zadorov se vê que ele existiu e que você lhe bateu”. “Nada
disso! — disse eu. Nem Zadorov existiu nem eu lhe bati; tudo isso
é pura invenção”.
Ele pode ter acreditado ou não, é lá com ele. Mas não pôde
demonstrar-me que eu mentia. Tenho direito de inventar? Tenho.
E por isso ninguém me pode acusar se é invenção ou não. Nin-
guém tem direito de exigir-me que lhe preste contas disso. Mas a
vocês direi, a título de amizade, que não há invenção nem no Poema
pedagógico nem em Bandeiras nas torres, salvo alguns nomes e várias
situações...
Esta foi a única questão literária que considerei necessário
mencionar.
Agora, camaradas, passamos à pedagogia.
Que direito tenho eu de falar a vocês hoje? O direito adquirido
por ter trabalhado 32 anos como pedagogo, o de ter procurado
meditar sobre o trabalho pedagógico que realizei, por um lado, e
visto possuir, por assim dizer, certa maneira própria de ter levado a
cabo o trabalho pedagógico, por outro. Este método, não o devo
ao meu talento. Devo-o à necessidade, ao caráter da missão de que
me incumbiram. Tive a sorte de ter permanecido dezesseis anos
numa coletividade em companhia de camaradas, colaboradores e
colegas formidáveis. Graças a isto, as tarefas maiores e mais difíceis
foram-se cristalizando, gradualmente, numa espécie de sistema. À
medida que fui analisando esta experiência foi-se formando em mim
certa escala de valores que talvez diferisse do sistema geralmente
difundido e utilizado. É precisamente sobre estas minhas diferenças
que quero falar-lhes. Estas diferenças justificam-se pelo fato de eu
ter trabalhado, não numa escola comum, mas numa instituição espe-
cial e, neste aspecto, tive mais sorte que os outros.
Se quiséssemos caracterizar a minha sorte, teríamos de dizer
que ela foi muito grande. Basta dizer que, nos últimos anos, a
Comuna Dzerjinski existia com autogestão financeira. Isto não é
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ANTONIO GRAMSCI
uma bagatela. Vocês são capazes de imaginar uma coletividade
infantil com autogestão financeira? Isto é uma circunstância muito
importante: a comuna cobria não só as despesas orgânicas, os sa-
lários dos professores a manutenção dos gabinetes etc., mas tam-
bém todas as despesas relacionadas com a manutenção das crian-
ças. Além disso, dava ao estado um lucro líquido de vários milhões
de rublos. Isto é uma grande sorte, porque a autogestão financeira
é uma pedagogia formidável.
Tive sorte e por isso não me sinto coibido de expor a vocês
algumas ideias que, agora, podem parecer estranhas, mas que, den-
tro de alguns anos, disso estou certo, concordarão comigo.
As peculiaridades básicas das minhas concepções consistem
no seguinte: na prática da nossa escola (agora estou bem familiari-
zado com as escolas, porque não passa um dia sem que eu não
visite alguma) pode se observar o que eu denomino uma hipertrofia
do método individual. Em medicina há a expressão “hipertrofia
cardíaca”, o que quer dizer que o coração tem um tamanho maior
do que o normal. Pois bem, devido a semelhante fenômeno no
trabalho com as nossas crianças confiamos demais nos milagres
do método individual e nas bondades dessa pedagogia. Eu não
estou contra o método individual, mas considero que o decisivo
na educação (na educação propriamente dita, sem me referir às
questões da instrução) não é o método de um determinado pro-
fessor ou, inclusive, de uma escola, mas a organização da escola
como coletividade e a organização do processo educativo.
Hoje, por exemplo, participei da apresentação, num instituto
pedagógico, do relatório de um estudante sobre o tema “Como
se deve inculcar o patriotismo soviético”. O relatório foi interes-
sante, via-se que o estudante tinha trabalhado nele com afinco. Nele
se descrevia a experiência de uma boa escola e demonstrava-se
que o patriotismo se inculca, em primeiro lugar durante as aulas e,
em segundo lugar, no trabalho extraescolar. Foram citados casos
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COLEÇÃO EDUCADORES
de aulas exemplares em que se infundia o patriotismo e de um
bom trabalho extraescolar. Na segunda parte do relatório narra-
vam-se os resultados deste trabalho com os alunos da escola e
citavam-se conversas tidas com eles. Tomando unicamente como
base essas conversas, o estudante concluía que o patriotismo sovi-
ético inculcado foi o resultado da educação, demonstrando assim
que o método empregado foi válido.
Ouvi a leitura do relatório e formulei logo a seguinte pergun-
ta: “Bem, os métodos são excelentes e os resultados estão à vista.
Mas tentou comprovar as afirmações feitas pelas crianças que ci-
tou? Um dos alunos diz que os guarda-fronteiras devem ser valen-
tes e que ele também quer ser valente e considera que é necessário
sê-lo. Comprovou se esse aluno é valente ou é medroso? Porque
se na comprovação se verifica que o rapazinho é medroso, então
terei todo o direito de duvidar que se tenha inculcado o patriotis-
mo como é devido”. Admito a situação em que o escolar possua
noções adequadas sobre o patriotismo soviético mas não que se
tenham formado hábitos corretos.
Isto é especialmente importante quando se trata de formar
qualidades como a paciência, a habilidade para vencer dificuldades
prolongadas para superar os obstáculos, não de um salto, mas
mediante a pressão constante. Por mais que se esforce em formar
as noções corretas sobre o que é preciso fazer, mas não conseguir
inculcar os hábitos necessários para vencer as dificuldades mais
persistentes, tenho o direito de dizer que não se inculcou nada.
Resumindo, o que eu exijo é que a vida da criança seja organizada
como uma prática que forme determinados hábitos.
Insisto em que as nossas escolas não prestam a devida atenção
à organização da experiência infantil, da experiência de vida, da
experiência comunista.
Mais adiante, o estudante ficou embaraçado com outra
pergunta que eu lhe fiz: “Essas crianças, que considera correta-
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ANTONIO GRAMSCI
mente educadas, como se comportam no que diz respeito à co-
nhecida questão de não denunciar o companheiro perante o
pedagogo?” (Existe este problema, esta difícil questão).
Acontece considerarem-se as crianças perfeitamente educadas
no espírito comunista, mas se algum companheiro faz algo de
mal, o grupo não o denuncia ao professor. Se esta contradição
tiver lugar, tenho o direito de duvidar de que a linha seguida pelo
educador seja a adequada.
Insisto para que se duplique a atenção que se presta às formas
necessárias para organizar a atividade infantil.
Enumerarei apenas os pormenores do problema em que é
preciso concentrar a atenção. Trata-se, em primeiro lugar, do as-
sunto relacionado com a determinação do centro que orienta a
coletividade. Este é um problema muito importante. Durante o
meu trabalho, vi-me obrigado a envidar grandes esforços para
organizar este centro e não foi em pouco tempo que resolvi esta
questão. Para mim, isto tem uma importância excepcional. O cen-
tro é como uma ponte de comando de onde parte toda a direção
dos alunos e não um centro administrativo.
A questão do centro, da sua influência não foi resolvida por
completo, nem na teoria, nem na prática. Nas numerosas escolas
que visitei, este assunto é tratado de maneira diversa. Numa escola
é o diretor que decide tudo, mesmo a pintura do soalho e do teto.
Em outra é o subdiretor para assuntos pedagógicos que governa
tudo. Numa terceira escola dizem que é o organizador da Juventu-
de Comunista (Komsomol) que resolve todos os problemas; numa
quarta, o guia de pioneiros. Este é um dos aspectos do problema.
Outra questão de grande importância refere-se à estrutura da
coletividade, àquilo que eu denomino o corte transversal da coleti-
vidade. Eu distingo a coletividade de base formada pelas turmas e
a coletividade geral da escola. Que princípios nos guiam na
organização da coletividade? Por enquanto, podemos dizer que
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COLEÇÃO EDUCADORES
neste assunto não nos guiamos por princípio algum. Simplesmen-
te existem classes e é tudo. Cada classe vive separada: a 10ª classe
não sabe o que se passa na 9ª e o que acontece na 3ª e na 2ª classes
nem sequer quer saber! Como se relacionam as 2ª e 3ª classes com
as mais adiantadas? Com respeito, com estimação, com carinho?
Nada disso: as 2ª e 3ª classes não reparam na presença dos alunos
mais velhos e nem querem conhecê-los. Impera um divórcio ab-
soluto nas coletividades de base.
Outra questão de importância extraordinária é a disciplina que
a todos preocupa e inquieta. E apesar disso até agora na nossa
prática atual fala-se da disciplina como da disciplina de inibição.
Mas será esta a essência da disciplina soviética? A disciplina da
inibição exige: não faça isso, não faça aquilo, não chegue atrasado à
escola, não atire os tinteiros contra paredes, não falte ao respeito
ao professor; podem ainda ser acrescentadas mais algumas regras
com a partícula “não”. Esta não é a disciplina soviética. A discipli-
na soviética é uma disciplina que induz a vencer as dificuldades, a
disciplina da luta e do progresso, a disciplina da aspiração a algo, a
luta por algo. É deste tipo de luta que necessitamos na realidade.
Mas estará resolvida a questão relativa aos objetivos e às tare-
fas da educação? Este é outro problema que necessita ser particu-
larizado. Dizemos que o rapaz deve ser assíduo, desenvolvido,
ordenado, disciplinado, valente, honesto, firme e muitas outras
palavras boas. Esta formulação não define ainda os nossos objeti-
vos. Os nossos objetivos são especiais: devemos formar um com-
portamento comunista. Por outras palavras, os nossos objetivos
só podem ser expressos nas qualidades do caráter que definem a
personalidade comunista e estas qualidades devem formular-se
muito detalhadamente, com precisão.
Vejamos o que sabemos sobre as qualidades do caráter de
uma pessoa coletivista, de um indivíduo com um comportamento
comunista. Que ideias temos sobre tal pessoa? Se dissermos que é
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ANTONIO GRAMSCI
honesta, que deve ter força de vontade e ser enérgica, isto ainda
não quer dizer nada.
A nossa honestidade exige uma unidade positiva entre os tra-
balhadores, o respeito a cada trabalhador pela sua pequena coleti-
vidade e pela coletividade formada por toda a sociedade soviéti-
ca, o respeito pelos trabalhadores de todos os países.
Só neste contexto falamos da honestidade. Necessitamos de uma
instrumentação especial das qualidades morais. E são estas qualida-
des especiais da personalidade moral as que devemos formar.
Tomemos, por exemplo, uma qualidade tão importante como
a diligência. No nosso país, cada cidadão deve ser diligente; a dili-
gência de uma pessoa não pode prejudicar a de outra pessoa. Isto
significa que a nossa diligência é uma qualidade moral e que o
requisito da diligência é um requisito moral. E devemos educar
cada cidadão levando isso em conta.
Vejamos outro conceito, o da pontualidade. No nosso trabalho
educativo, a pontualidade, como qualidade de caráter de um verda-
deiro comunista, deve ser considerada quando a pontualidade do
chefe e a do subordinado constituírem uma mesma qualidade moral.
Vejamos outras qualidades do caráter, como a capacidade de
orientação, a habilidade para orientar com rapidez na situação mais
complexa, para atuar com a maior precisão e calma, com segurança,
sem gritos, sem histeria, sem pânico, sem chiadeiras, qualidades que
devemos obrigatoriamente trabalhar em nosso processo educativo.
Finalmente, tomemos outra importante qualidade do caráter,
qualidade puramente comunista, como a de saber subordinar-se
ao camarada — não ao rico, não ao patrão, mas ao camarada —
e a de saber dar ordens ao camarada. Somos camaradas, amigos,
mas há momentos em que eu tenho o direito de dar ordens. Neste
caso, eu devo saber ordenar e você deve saber obedecer, esque-
cendo que há um minuto éramos amigos. Esta qualidade do caráter
só pode ser desenvolvida no nosso país, onde não há classes ex-
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COLEÇÃO EDUCADORES
ploradoras, onde não há o poder emanado da força econômica,
da propriedade, da manipulação...
Devemos infundir todas estas qualidades nos nossos jovens.
Eu mencionei muito poucas qualidades, as muitas necessárias.
Agora perguntam: de que instrumentos dispomos para desen-
volver estas qualidades? Para o camarada aprender a dar ordens
não existe outra forma a não ser a de se exercitar no mando; e
exercitar-se não como se fosse um jogo, uma brincadeira, mas de
modo que o não cumprimento de uma ordem resulte em fracasso
e o camarada responsável deva explicar-se perante a coletividade.
É isto, camaradas, o mais importante que queria dizer- lhes. É
preciso organizar a coletividade de tal forma que se eduquem quali-
dades reais e verdadeiras da personalidade e não qualidades imaginá-
rias. É isto o que somos obrigados a fazer e, nestas condições, o
método individual terá um efeito muito mais forte, mais belo e ade-
quado. Se não houver coletividade e educação coletiva, com o méto-
do individual surge o risco de que eduquemos indivíduos e nada mais.
Não aborrecerei mais com outros pormenores sobre esta ques-
tão. Tenho a certeza de que, ao responder as perguntas, focaremos
novamente este tema.
Agora, só para resumir as minhas palavras de introdução, direi
que todas estas questões são extraordinariamente difíceis, visto que
as boas qualidades necessitam de anos para se formarem. Não se
pode formar um caráter sem método ou através do imediatismo.
Só se pode formar o caráter mediante a participação prolongada
da pessoa na vida de uma coletividade corretamente organizada,
disciplinada, forjada e orgulhosa de si mesma. Mas organizar uma
experiência deste gênero significa obrigatoriamente arriscar.
A questão do risco é a mais difícil de todas. O primeiro risco, o
primeiro perigo consiste em se decidir conduzir o trabalho da cole-
tividade num sentido, passados quatro meses perguntar-lhes-ão sem
falta: “Bem, o que é que se fez? Mostre-nos os caráteres comunistas
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ANTONIO GRAMSCI
prontos que formou”. E você não os poderá mostrar: só dentro
de cinco anos é que eles estarão formados. Como dentro de cinco
anos! É agora que há que mostrar aquilo que criou.
Este é um grande perigo, porque frequentemente a caça aos
dados para o relatório provoca situações verdadeiramente
anedóticas. Hoje, por exemplo, estive numa escola e encontrei lá
os professores aterrorizados. Dizem que assumiram o compro-
misso de conseguir um aproveitamento de cem por cento. Mas na
9ª classe há um aluno ao qual não se pode dar outra classificação
que a de “mal”. Não podem fazer nada com ele e não obtêm um
aproveitamento de cem por cento.
Então porque mantê-lo na 9ª classe sabendo de antemão que
não poderá assimilar o programa?
O segundo perigo é muito sério. Gostamos frequentemente
de dizer:
“Criaremos cidadãos temperados!” Bem, vamos criá-los. Mas
o que é ser temperado?
Poder-se-á temperar uma pessoa se a envolvermos em algodão
para que não se resfrie? É preciso arriscar conscientemente (é eviden-
te que eu estou falando no sentido figurado). Não se pode temperar
uma pessoa se não se colocarem perante ela tarefas difíceis nas quais
por vezes é capaz de fracassar. Se recearmos que a pessoa fracasse e
não lhe colocarmos tarefas difíceis não deixará de fracassar.
Valente não é o rapazinho que não tem medo, mas aquele que
é capaz de reprimir o seu medo. Não pode existir outro tipo de
valentia. Vocês pensam que caminhar em direção à morte sob as
balas, sob projéteis significa não experimentar nada, não temer
nada? Não, isto significa precisamente temer, experimentar emo-
ções e vencer o medo.
Vejamos um exemplo da vida da escola. Uma escola magnífi-
ca, um edifício recém-construído, com um só turno, com soalho
de madeira nos corredores, amplos corredores.
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COLEÇÃO EDUCADORES
“Por que é — pergunto eu — que o soalho está tão sujo? Os
carpinteiros não o forraram de madeira para que o cobrissem de
sujeira. Os carpinteiros colocaram os tacos de madeira para que o
soalho brilhe”. Respondem-me: “Mas o que é que podemos fazer?
Enceramo-lo duas vezes por mês, mas ele precisa ser primeiro
lavado e só depois encerado. Que fazer?” Então eu digo: “Deixem
que os alunos o encerem.” — “Como que os alunos?” — “Assim
mesmo. Pelas manhãs, antes das aulas, chega um grupo que está de
turno com o seu responsável e assume o trabalho.
Pensam que as crianças não vão gostar? Mas não chega apenas a
encerar; é necessário que dez minutos antes do toque de entrada
apareça um outro rapazinho de uma quinta classe, por exemplo,
com um emblema qualquer da cruz vermelha, o emblema da sani-
dade, e diga ao responsável da décima classe “Entrega o parquete.
Como enceraste? O que é isso? E aquilo? Não aceito o trabalho!” E
dirige-se com o relatório ao diretor: “O grupo tal, sob a direção do
aluno tal da décima classe não cumpriu a tarefa de encerar o soa-
lho”. Então, o diretor chama o aluno da décima classe e diz-lhe:
“Mas como é isso?” Assim já começa outro trabalho pedagógico.
Isto que é, temperar ou não? Claro que sim. Para isso é neces-
sário levantar-se uma hora antes e realizar outro trabalho. Trabalho
que é muito útil conhecer. É muito útil saber encetar o soalho.
Os membros de nossa comuna enceravam o parquete diaria-
mente e o trabalho era aceito com muito rigor, mas o soalho brilha-
va como um espelho. Dar lustre ao soalho é também temperar-se. É
difícil cuspir neste parquete ou no metrô de Moscou, onde ninguém
observa. Não se pode cuspir nem jogar bitucas no chão. Fisicamente
impossível: os músculos não agem! O mesmo se passará se todos os
escolares souberem pela própria experiência da sua escola que eles
mesmos diariamente enceram o seu parquete, ninguém jogará no
chão nem um pedaço de papel. E eu sei que sem um temperar deste
tipo não pode haver uma verdadeira educação comunista.
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CRONOLOGIA
Pensamos que não se pode separar a vida de um autor e sua obra dos
aspectos sociais e do contexto histórico nos quais essas tiveram oportuni-
dade de se desenvolver.
O caso de Anton Semionovitch Makarenko não constitui exceção. Esse
singular educador viveu apenas 51 anos. Nasceu no dia 13 de março de
1888, na cidade ucraniana de Belopólie e morreu no dia 1.º de abril de
1939, durante uma viagem de trem procedente da pequena cidade de
Golitsino, localizada nos arredores de Moscou. Foram anos de transfor-
mações sociais profundas e vertiginosas.
Foram os anos da revolução russa e de sua busca de consolidação política
e econômica em um mundo marcado, inexoravelmente, pelas guerras e
revoluções que imprimiram sua marca indelével à primeira metade do
século XX, influenciando o pensamento político até os dias atuais.
Durante os anos vermelhos da revolução bolchevique, Makarenko produ-
ziu a maioria dos seus escritos. Mas, foram os dias difíceis que a precederam
que forjaram a consciência social do autor do Poema pedagógico. É lá, em
meio aos combates contra o czarismo e as agruras enfrentadas pelo povo
russo, onde encontramos os fundamentos de suas concepções educacionais.
Fome, miséria, servidão e ausência dos mais elementares direitos sociais e
políticos caracterizavam o cotidiano da maioria da população da Rússia nos
primórdios do século passado. Em toda a Europa, esse era o país que menos
assegurava direitos sociais a seu povo, inclusive a educação, também negada.
O Czar Alexandre II, que governou o país entre 1855 e 1881, adotara
medidas de cunho imperialista, visando a retomar a hegemonia do conti-
nente que havia sido perdida para a França. No entanto, essas traziam o
agravamento das tensões sociais que se produziam por meio da combina-
ção de diferentes fatores, entre os quais, destacam-se: a forma de organi-
zação industrial em núcleos extremamente concentrados e dependentes
do capital externo; o constante aumento da carga de imposto sobre a
massa camponesa; a carência de terras e a sua baixa produtividade que
não atendia a uma população crescente e o empobrecimento da popu-
lação, em virtude da, praticamente inexistente, distribuição das rendas.
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Esses fatores contribuíram para aumentar a revolta e difundir a propa-
ganda revolucionária socialista em diversas camadas da população que
vivia oprimida pela autocracia czarista, na qual o poder exercido pelo
czar era absoluto. Nos governos seguintes, de Alexandre III (1881-1894)
e de Nicolau II (1894-1917), a situação não mudou muito, pelo contrá-
rio, agravou-se ainda mais com a violência da censura e da polícia política
contra as greves. Uma crescente onda de atentados terroristas levou a
insatisfação popular ao extremo. Mas, a situação tornou-se insustentável
quando o trigo, alimentação básica do povo, começou a ser exportado
visando ao pagamento da dívida externa.
À crise e à insatisfação interna somaram-se, de forma irreversível, os
fracassos russos no avanço imperialista e na presença do país na Primeira
Guerra Mundial, que somados às promessas não cumpridas de implanta-
ção de um regime constitucional, minaram os poderes absolutistas, cul-
minando com a derrocada do regime czarista e a eclosão vitoriosa da
Revolução de 1917.
É impossível pensar a vida e a obra de Makarenko desconsiderando a
epopeia e as jornadas revolucionárias do povo russo nos primórdios do
século XX. Mesmo porque, apesar de todas as dificuldades, a vida e a obra
desse autor é cheia de alegria e ludismo, de luminosidade e humor.
1888 - Filho de Semion Grigorievitch Makarenko e Tatiana Mikhailovna
Dergatchova, Anton Semionovitch Makarenko nasceu no dia 13 de mar-
ço. Em 1895, aos sete anos, ingressou na escola primária que tinha dura-
ção de dois anos. Todavia, desde os cinco, já sabia ler e escrever, transfor-
mando-se rapidamente em um dos melhores alunos da escola. Além disso,
cantava no coro infantil, desenhava, tocava violino e participava de con-
certos públicos na pequena cidade ucraniana de Belopólie, sempre incen-
tivado pelo seu professor. Era o segundo filho de uma família de operá-
rios; sua irmã mais velha chamava-se Alexandra e os irmãos mais novos,
Natália e Vitali.
1897 - Foi realizado o censo nacional, revelando que apenas 29% dos homens e
13% das mulheres eram alfabetizados. Quatro em cada cinco crianças
não tinham acesso á escola.
1899 - Nadejda Konstantínovna Krupskaia (1869-1939) escreveu o livro A mu-
lher trabalhadora, defendendo que a nova sociedade não somente deveria se
preocupar em garantir às crianças os meios indispensáveis para a existência,
como também, deveria criar condições materiais com tudo o que fosse
necessário para o seu desenvolvimento pleno, multilateral e harmonioso.
1901 - A família Makarenko mudou-se para perto do rio Dnieper, nos subúrbios
de Kriukov, na cidade de Krementchug que acabaria por desempenhar
um importante papel na juventude, na formação e mesmo na opção de
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Makarenko pela atividade pedagógica. Segundo suas próprias palavras,
seu pai era ferroviário, dispunha de salários muito baixos e, como na
maioria das famílias daquela época, o controle financeiro dos parcos
recursos de que dispunham era exercido pela sua mãe que se desdobrava
para poder garantir o sustento dos quatro filhos. Makarenko sempre
gostou de esportes, praticava ginástica rítmica com tanto afinco e dedica-
ção que o professor o nomeou seu assistente e, assim, diariamente, logo
nas primeiras horas da manhã, dirigia os exercícios físicos de sua turma.
Outra predileção de Makarenko era a literatura; conhecia não apenas os
autores ucranianos, como Gogol, mas também Puchkin, Tchekhov e Gorki.
Este último despertou-o definitivamente para a questão social. Muitos
anos depois, em 1936, ele traduziu essa influência decisiva da seguinte
forma: “após ter lido, na minha juventude, A canção do falcão e O anunciador
da tempestade, a minha vida decorreu sob o signo de Gorki”.
1904 - Finalizou os estudos ginasiais e decidiu tornar-se professor; tinha, então,
16 anos.
1905 - Makarenko terminou suas aulas pedagógicas e recebeu o certificado de edu-
cador; que lhe permitiu assumir, no dia 1.º de setembro, seu primeiro cargo
como professor de língua russa, na Escola Primária Ferroviária de Kriukov.
Foi também nesse ano, a 18 de outubro, que o governo czarista esmagou
uma manifestação popular, da qual participavam perto de 30 mil pessoas,
produzindo o conhecido Domingo sangrento de São Petersburgo, em que
foram mortas mais de 500 pessoas que haviam aderido ao protesto pacífico
contra as precárias condições de vida. Nesse mesmo ano, logo depois foi
lançando o primeiro jornal bolchevique de circulação nacional, o Novaia
jizn (Vida nova), criado por inspiração de Gorki e Lenin. Segundo o pró-
prio Makarenko, foi nesse jornal que conheceu os artigos críticos de Gorki,
especialmente, as polêmicas Notas sobre a pequena burguesia, que tanto o
influenciaram, assim como a leitura de obras como A terra, de Olga
Kobilianskaia e Germinal, de Zola, fundamentais para a compreensão de
que o fenômeno pedagógico é, na sua essência: uma prática política.
1906 - Foi o ano da criação do Primeiro Centro de Assistência Social de Moscou,
mais tarde, em 1918, oficializado com o nome de Primeira Estação Ex-
perimental de Educação Pública.
1910 - Em dezembro, por ocasião de uma homenagem a Leon Tolstoi, que havia
falecido no dia 20 de novembro, acusou o diretor-geral da escola em que
lecionava, de corrupto e monarquista e, em razão disso, foi transferido, pela
Direção Distrital de Instrução, para outra escola, distante pouco mais de
100 quilômetros ao sul de Kriukov, na estação de Dolinskaia.
1911 - Após esse incidente, Makarenko passou a ser muito respeitado pelos profes-
sores, o que lhe valeu a nomeação para inspetor da instrução pública. Com
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isso, pode iniciar sua experiência educacional em Dolinskaia, na qual intro-
duziu atividades teatrais, a leitura das fábulas de Esopo, Krilov, La Fontaine.
Em 1913, organizou um grupo de trabalhadores e intelectuais revolucioná-
rios preocupados com o estudo de novos valores democráticos.
1914 - Escreveu um pequeno conto sobre a presença da religião na educação e
enviou uma cópia manuscrita a Gorki, de quem recebeu, não muito tempo
depois, uma severa crítica, mas também um pedido para que continuasse a
escrever, afirmando: “Escreva novas histórias e remeta-as para mim”. Logo
após a chegada dessa carta, em agosto, Makarenko demitiu-se de suas fun-
ções docentes na pequena escola de Dolinskaia, com o objetivo de dedicar-
se à especialização de disciplinas próprias do ensino superior. Durante nove
anos, Makarenko dedicara-se integralmente à educação das crianças e co-
meçava a tomar consciência da complexidade e dos desafios que estavam
colocados a essa ciência, a pedagogia. Nesse mesmo ano, Makarenko iniciou
seus estudos superiores no Instituto Pedagógico de Poltava.
1917 - Em fevereiro, o governo provisório assumiu o poder na Rússia. Dois meses
depois, Lenin proclamou as Teses de Abril e, no mês de outubro, eclodiu a
revolução socialista, sendo que no dia 26, o país passou a chamar-se União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Nesse mesmo ano, é criado o
Comissariado do Povo para a Instrução Pública. Makarenko encontrava-se
em Kriukov e procurava acompanhar com entusiasmo e atenção os aconte-
cimentos revolucionários que transcorriam em Petrogrado. Por meio de
informações fornecidas pelo soviete da localidade, ficou conhecendo o teor
dos principais decretos elaborados por Lenin e aprovados pelo novo gover-
no: a paz universal, a reforma agrária e a educativa! Até o final desse ano
revolucionário, Makarenko participou na organização das equipes respon-
sáveis pela criação da docência operária na Ucrânia.
1918 - O soviete (ou conselho político) de Kriukov escolheu Makarenko para
dirigir a antiga escola ferroviária da qual ele fora afastado sete anos antes.
Mas esse é também o ano em que eclodiu a guerra civil na URSS que se
estendeu até 1920. Nesta guerra, o financiamento dos contrarrevolucio-
nários pelas potências estrangeiras, obrigou os soviéticos a mobilizar to-
das as forças humanas e materiais para a defesa da nação. Porém, mesmo
diante dessas condições adversas, o governo soviético determinou que o
segundo maior orçamento estatal fosse aplicado na educação pública;
somente o orçamento do exército era superior, dadas as despesas
provocadas pela guerra e suas sequelas devastadoras.
Em meio aos escombros catastróficos da guerra, foram editados 115
títulos das obras clássicas da literatura, com tiragens de milhões de exem-
plares e, no campo educacional, autores como Friedrich Fröebel (1782-
1852), John Dewey (1859-1952), Maria Montessori (1870-1952), Émile
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Durkheim (1858-1917), Jean Piaget (1896-1980), Édouard Claparède
(1873-1940), Célestin Freinet (1896-1966), Lev Semionovitch Vygotsky
(1896-1934), Ivan P. Pavlov (1849-1936) entre tantos outros. Suas obras
eram vivamente discutidas por todos aqueles que, como Makarenko,
almejavam a construção de uma sociedade socialista por intermédio de
uma ciência dialética chamada pedagogia, constituída como parte inte-
grante de um coletivo de produção social.
Outro acontecimento importante registrado em 1918 foi a aprovação,
pelo Conselho dos Comissários do Povo, instalado em Moscou, do decre-
to Sobre a separação da Igreja do Estado e a escola da Igreja, que buscou por
fim à intervenção eclesiástica nas relações educacionais.
1919 - Mudou-se, no mês de agosto, para a cidade de Poltava e assumiu a direção
do Departamento de Instrução Primária do Instituto de Educação dessa
localidade. Foi também nesse ano que Lenin assinou o famoso decreto
Sobre a liquidação do analfabetismo, obrigando todas as pessoas de 8 a 50
anos a se alfabetizarem. Para que todos pudessem estudar, a jornada de
trabalho foi reduzida em duas horas diárias, sem a redução dos salários e
as Casas do Povo, as igrejas, clubes, casas particulares, fábricas e reparti-
ções públicas foram transformadas em salas de aula. Foi nesse clima de
euforia do ensino popular que o então jovem educador A. S. Makarenko,
com 32 anos, começou a estabelecer os parâmetros de uma nova relação
epistemológica, entre a teoria e prática e a dialética do processo pedagó-
gico, pelo qual a escola passou a ser compreendida como uma coletivida-
de total e única, na qual têm que estar organizados todos os processos
educativos, ao mesmo tempo, em que cada integrante dessa coletividade
precisa reconhecer sua dependência com relação a ela. Assim, de acordo
com suas próprias palavras, “a prática pedagógica é a organização do
coletivo, para a educação da personalidade no coletivo e, somente, atra-
vés do coletivo”.
1920 - Recebeu, em setembro, a incumbência de dirigir uma colônia pedagógica
experimental que lutava contra a delinquência infantil. Mais tarde, suas
aventuras educativas no trato de crianças infratoras, socialmente
desajustadas e famintas, foram narradas nas páginas do Poema pedagógico e,
com isso, a Colônia Gorki ficou mundialmente conhecida.
1922 - Conheceu a pedagoga Galina Stakhievna Salko, dirigente do Comissariado
do Povo para a Instrução Pública da Ucrânia, sua grande incentivadora
intelectual e, com quem, em 1927, casou-se.
1924 - Instituiu um salário para os educandos, proporcionando uma nova pers-
pectiva pedagógica baseada na função produtiva da escola. A oficialização
dessa proposta, pelo Comissariado da Instrução Pública, trouxe uma gi-
gantesca onda de protestos e polêmica entre, praticamente, todos os
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docentes soviéticos, mas, para ele, era fundamental que os estudantes
administrassem seu próprio dinheiro: “a pessoa que começa uma vida
independente deve ter alguma experiência no controle da sua poupança,
calcular seu orçamento e saber gastar o que ganha. Não se pode entrar na
vida sem saber o que é o dinheiro”.
1925 - Recebeu do Comissariado do Povo para a Instrução Pública o título de
Herói Vermelho do Trabalho, uma das mais cobiçadas honrarias concedidas
pelo poder soviético. Como um complemento a tal distinção, as autorida-
des educacionais de Poltava resolveram premiá-lo com uma viagem a
Moscou e a Leningrado.
1927 - Elaborou um projeto de unificação das 18 colônias de trabalho então
existentes na região de Kharkov, para funcionar com um complexo peda-
gógico único. Esta proposta sociopedagógica não apenas foi aceita pelo
Comissariado do Povo para a Instrução Pública da Ucrânia, como serviu
de base para a criação da Direção Geral das Colônias Infantis, sob a
responsabilidade de Galina Stakhievna Salko e que tinha o próprio
Makarenko como diretor pedagógico. Nesse mesmo ano, ele e Galina se
casaram e produziram uma obra pedagógica conjunta, publicada com o
título de O livro dos pais.
1928 - Recebeu, no dia 8 de junho, a visita de Maximo Gorki na colônia que havia
sido batizada com seu nome. Logo depois, no dia 3 de setembro, Makarenko
deixou definitivamente os seus afazeres na Colônia Gorki e assumiu o
desafio de dirigir a Comuna Dzerjinski, transformando-a, em 1930, na
primeira escola pública em regime de autogestão econômica em todo o
mundo. Lá foram produzidas, unicamente por crianças de 13 a 15 anos, a
partir de 1931, as primeiras furadeiras elétricas soviéticas, além de outros
instrumentos de grande aceitação popular, como as máquinas fotográficas
FED, batizadas assim em homenagem a Felix Edmundovitch Dzerjinski. A
educação pelo trabalho transformou-se numa educação produtiva o que,
em outras palavras, significava o alcance de um patamar pedagógico bas-
tante elevado, na medida em que, simultaneamente, havia os estudos e o
trabalho. De acordo com Makarenko, o trabalho “tinha que ser um jogo”.
1929 - Krupskaia foi nomeada vice-comissária para a Instrução Pública — algo
semelhante ao cargo de vice-ministra da Educação. Suas obras completas
formam onze volumes, sendo considerada a principal, A instrução e a
democracia, escrita em 1936. Ela é considerada a precursora da pedagogia
pré-escolar russa.
1931 - A confiança de Gorki em relação ao trabalho de Makarenko despertou o
interesse no cineasta Nikolai Ekk. Após os primeiros encontros, que
resultou na leitura do manuscrito do Poema pedagógico de Makarenko, Ekk
decidiu transformar as páginas desse livro numa saga cinematográfica.
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COLEÇÃO EDUCADORES
Assim, filmou O caminho da vida, narrando os episódios vividos por
Makarenko e pelos gorkianos. Aliás, esse filme é considerado a primeira
película falada do cinema soviético, além de ter sido escolhido, pelo
público, como o melhor filme do Festival de Veneza de 1932. Com o
sucesso alcançado nessa cidade italiana, o filme percorreu praticamente o
mundo todo. Assim, ampliou-se, ainda mais, o prestígio de Makarenko.
1932 - Publicou o livro de reportagens A marcha dos anos 30 e finalizou a novela
FD-1, obra em que descreve aspectos da vida da Comuna Dzerjinski.
1933 - Escreveu a peça teatral Tom maior e participou de um concurso nacional
de obras teatrais, sendo muito elogiado pelos membros do júri. O traba-
lho foi publicado não muito tempo depois, em 1935. Ainda no final de
1933, terminou a primeira parte de seu Poema pedagógico, obra que o
tornou mundialmente conhecido e respeitado. O trabalho foi imediata-
mente publicado no Almanaque ano dezessete, dirigido por Gorki.
1934 - Concluiu e enviou a Gorki a segunda parte da sua épica trilogia pedagó-
gica, que foi publicada no Almanaque ano dezoito. Nesse mesmo ano, publi-
cou a novela A honra e, em 1.º de julho, ingressou como membro militante
na União de Escritores Soviéticos.
1935 - Encerrou, entre os meses de janeiro e setembro, a terceira e última parte
do Poema pedagógico e enviou o texto para publicação. No mês de julho,
chegou a Kiev e se instalou na localidade de Irpén, nos arredores da
cidade, onde procurou dedicar-se às questões metodológicas e teóricas da
educação. Esse trabalho havia se iniciado em 1931 e jamais foi concluído.
Até aquele momento, ele havia preparado o prefácio, os três primeiros
capítulos introdutórios e outro denominado “O período organizativo”.
Os manuscritos dessa obra ficaram conhecidos com o título: A experiência
metodológica na colônia infantil de trabalho.
1937 - Com a saúde extremamente debilitada, no mês de fevereiro, Makarenko
transferiu-se para Moscou com toda a sua família, a mulher Galina e o
filho adotivo Liodka, dedicando-se integralmente ao ofício literário e à
realização de palestras, conferências e participação em programas de rá-
dio. Seus artigos sobre temas educacionais passaram a ser publicados
regularmente em jornais como o Pravda e o Izvestia. As palestras, transmi-
tidas pelo rádio, depois de transcritas, transformaram-se num volume
particular de sua obra. Também foi nesse ano que Makarenko publicou
um dos mais polêmicos artigos, intitulado “A felicidade”, no qual citava
autores como Tolstoi, Puchkin, ou mesmo Shakespeare, para dizer que,
na literatura mundial, predominava “uma falação sobre a dor humana”, e
que nenhum autor havia se dedicado, em uma obra de vulto, à felicidade.
A conclusão de Makarenko expressava a ideia de que a felicidade indivi-
dual somente entraria pela porta da frente da literatura mundial numa
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época histórica na qual não fosse encarada como uma coisa fortuita e
quando não estivesse do lado oposto ao da injustiça social.
1938 - Permaneceu sob rígido controle e internação médico-hospitalar, mas,
mesmo assim, não deixou de se dedicar à literatura e anunciou que estava
escrevendo o romance Os anéis de Newton, no qual abordava os defeitos e
a dignidade do homem.
1939 - Recebeu, em 31 de janeiro, o título Ordem da Bandeira Vermelha do
Trabalho, “pelos seus destacados êxitos e realizações em prol da literatura
e da pedagogia soviéticas”. Publicou, nesse mesmo ano, o livro Bandeiras
nas torres, em que conta a história da Comuna Dzerjinski. Escreveu os
roteiros literários para os filmes Um caráter verdadeiro e Em comissão de
serviço, pois suas ligações com o cinema estavam cada vez mais estreitas
desde as filmagens de O caminho da vida.
No dia 9 de março de 1939, proferiu, no Instituto Pedagógico de Kharkov,
sua última conferência pública intitulada Minhas concepções pedagógicas e,
no dia 29 do mesmo mês, tornou público um relato versando sobre as
suas vivências profissionais, em um encontro de professores das escolas
ferroviárias de Iaroslavl. Nela, buscava estabelecer uma relação entre a
escola primária ferroviária em que havia um dia ensinado e a proposta de
edificação de uma coletividade com crianças que eram recolhidas das
ruas. Logo depois, em 1.º de abril, voltando de uma viagem à pequena
cidade de Golitsino, nos arredores de Moscou, faleceu. Pouco antes,
enquanto ainda podia observar a paisagem primaveril através da janela de
vidro do trem que o transportava, escreveu em seu caderno de notas: “A
felicidade é artesanal. Não é feita em fábrica (...) um claro dia de prima-
vera e, se há ainda neve, gelo, botas de feltro e golas de pele, os ribeiros e
os garotos, esses festejam a primavera. As bétulas cintilam com um clarão
primaveril e não se pode dizer o que brilha nelas e com que luz brilha. Mas
a fila que formam em Golitsino é verdadeira e luxuosamente real (...)
entre as bétulas, um pássaro canta delicadamente uma frase muito sim-
ples, a quatro tempos. Cala-se e depois recomeça...”.
O autor do Poema pedagógico tinha, então, 51 anos e uma confiança infindável
no homem. Seu otimismo humanista, não obstante os percalços, os pro-
blemas e as derrotas incidentais, sempre foi pleno de alegria, luminosidade
e busca da felicidade humana.
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COLEÇÃO EDUCADORES
BIBLIOGRAFIA
Obras de Makarenko
MAKARENKO, A. S. Obras, v. 1-7. Moscou: Editorial Progreso, [s.d.].
______. Oeuvres complètes. 2.ed. Moscou: [s.n.], 1957a. 7 v.
______. Oeuvres pédagogiques choisies. Moscou: [s.n.], 1957b. 10 v.
______. Socinenija/ 2, Mars 30 goda. FD-1. Mazor. Iz istorii kommuny imeni F. E.
Derzinskogo. Moskva: Izdat. Akad. Pedag. Nauk, 1957. (Socinenija/ 2, Mars 30 goda
(A marcha dos anos 30): livro-reportagem sobre o cotidiano na Comuna Dzerjinki,
escritas por volta de 1930. FD-1: novela escrita em 1932, em que a temática em
torno da vida na Comuna Dzerjinki é retomada).
______. La colectividad y la educación de la personalidad. Moscou: Editorial Progreso,
1977.
______. Problemas de la educación escolar soviética. Moscou: Editorial Progresso,
1986.
______. The road to life: an epic to education. Moscou: Foreign Languages
Publishing House, Marxists.org, 2002. Disponível em: <http://
www.marxists.org/reference/archive/makarenko/works/road1/>.
Obras sobre Makarenko
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(O legado pedagógico de A. S. Makarenko e a educação moderna). Moscow:
Voronej, 1981.
GOODMAN, W. L. Anton Simeonovitch Makarenko: russian teacher. New York:
[s.n.], 1949. 146 p.
KUMARIN, V. Anton Makarenko: su vida y labor pedagógica. Moscou: Progreso, 1975.
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ANTONIO GRAMSCI
Obras de Makarenko em português
MAKARENKO, A. S. Bandeiras nas torres. Lisboa: Horizonte Pedagógico, 1981.
2 v. (visão romanceada da experiência de Makarenko na Comuna Dzerjinki,
ocorrida entre os anos de 1928-1935, publicados originalmente em dois
volumes, em 1939).
______. Conferências sobre educação infantil. São Paulo: Moraes, 1981. (um pun-
gente tratado de orientação aos pais sobre a educação dos filhos. O texto
original foi redigido em 1937 e publicado em 1939).
______. A honra. Revista Outubro, 1937-1938.
______. Livro dos pais. Lisboa: Horizonte Pedagógico, 1981. 2 v. (obra de orien-
tação e de reflexões do papel da educação para a constituição da coletivi-
dade familiar, dividida em quatro volumes, assim distribuída: Volume I,
publicado em 1937; volume II, escrito em 1939, versando sobre questões
relacionadas à educação moral e política; esboços dos volumes III sobre a
educação pelo trabalho e a orientação profissional e IV sobre a importância
de educar o ser humano para ser feliz).
______. Poema pedagógico. São Paulo: Brasiliense, 1983. 3 v. (obra maior de
Makarenko em que suas experiências educacionais e humanas, desenvolvi-
das durante anos na Colônia Gorki, são descritas e analisadas em profundi-
dade e humanismo pelo autor. Foi escrito durante os anos de 1933 e 1935
e publicado por Gorki, entre 1934 e 1936, no Almanaque, assinalando que
se tratava de “Um livro inspirado na refeitura do homem!”).
______. Problemas da educação escolar soviética. Lisboa: Seara Nova, 1978.
Obras sobre Makarenko em português
BOLEIZ JUNIOR, F. Pistrak e Makarenko: pedagogia social e educação do trabalho.
São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2008.
CAPRILES, R. O caminho de um pedagogo soviético: centenário do nascimento
de Makarenko. Caderno Rio Arte, Rio de Janeiro, a. 1, n. 1, 1988.
______. Makarenko: o nascimento da pedagogia socialista. São Paulo: Scipione,
1989.
GONÇALVES, A. M. G. Makarenko: uma contribuição à discussão sobre educa-
ção e trabalho. Piracicaba: Universidade Metodista de Piracicaba, 1997.
LUEDEMANN, C. da S. Anton Makarenko, vida e obra: a pedagogia na revolução.
São Paulo: Expressão Popular, 2002.
______. Makarenko: a escola como coletividade. São Paulo: Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo, 1994.
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Este volume faz parte da Coleção Educadores,
do Ministério da Educação do Brasil,
e foi composto nas fontes Garamond e BellGothic, pela Entrelinhas,
para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco
e impresso no Brasil em 2010.
ANTON SEMIONOVICH MAKARENKO EDITADO.pmd 21/10/2010, 08:55138
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