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CADERNOS SECAD 2
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Brasília – DF março de 2007
Educação do Campo:
diferenças mudando
paradigmas
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Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário Executivo
José Henrique Paim Fernandes
Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Ricardo Henriques
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC)
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, sala 700
CEP 70097-900, Brasília, DF
Tel: (55 61) 2104-8432
Fax: (55 61) 2104-8476
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CADERNOS SECAD
Educação do Campo:
diferenças mudando
paradigmas
Brasília, Fevereiro de 2007
Organização:
Ricardo Henriques
Antonio Marangon
Michiele Delamora
Adelaide Chamusca
©2007. Secad/MEC
Ficha Técnica
Realização
Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania
Armênio Bello Schmidt
Coordenação-Geral de Educação do Campo
Antônio Marangon
Redação
Coordenação: Marize Souza Carvalho
Pesquisa: Yonaré Flávio de Melo Barros
Eduardo D’Albergaria Freitas, Gildete Dutra Emerick, Joana Célia dos Passos,
Raquel Alves de Carvalho
Edição
Coordenação: Ana Luiza de Menezes Delgado
Carolina Iootty de Paiva Dias, Christiana Galvão Ferreira de Freitas, Shirley Villela
Projeto Gráfico
Carmem Machado
Diagramação
José dos Santos Pugas
Educação do Campo
5
Apresentação
Os Cadernos Secad foram concebidos para cumprir a função de documentar as
políticas públicas da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
do Ministério da Educação. O conteúdo é essencialmente informativo e formativo, sen-
do direcionado àqueles que precisam compreender as bases históricas, conceituais,
organizacionais e legais – que fundamentam, explicam e justifi cam o conjunto de pro-
gramas, projetos e atividades que coletivamente compõem a política posta em anda-
mento pela Secad/MEC a partir de 2004.
Procuramos contemplar informações úteis a gestores, professores e profi ssionais
da educação que atuam nos Sistemas de Ensino e a parceiros institucionais, tais como o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigen-
tes Municipais de Educação (Undime) e demais organizações com as quais a Secad/MEC
interage para consolidar suas ações.
Os temas abordados compreendem as questões da diversidade – étnico-raciais,
de gênero e diversidade sexual, geracionais, regionais e culturais, bem como os direitos
humanos e a educação ambiental. São analisados do ponto de vista da sustentabilidade
e da inclusão social por meio de uma educação que seja efetivamente para todos, de
qualidade e ao longo de toda a vida. Para isso, pressupõe-se que: i) a qualidade é
possível se houver eqüidade isto é, se a escola atender a todos na medida em que
cada um precisa; e ii) todas as pessoas têm direito de retornar à escola ao longo de sua
vida, seja para complementar a Educação Básica, seja para alcançar níveis de escolari-
dade mais elevados ou melhorar sua formação profi ssional.
O grau de envolvimento dos movimentos sociais nessas temáticas é intenso e,
em muitos casos, bastante especializado, tendo em vista que o enfrentamento da dis-
criminação, racismo, sexismo, homofobia, miséria, fome e das diversas formas de vio-
lência presentes na sociedade brasileira foi protagonizado, por muito tempo, por tais
movimentos. Assim, o Estado, ao assumir sua responsabilidade em relação ao resgate
das imensas dívidas sociais, dentre elas a educacional, precisa dialogar intensamente
com esses atores a fi m de desenvolver políticas públicas efetivas e duradouras.
As políticas e ações relatadas nesses Cadernos estão em diferentes patamares
de desenvolvimento, uma vez que algumas dessas agendas estavam incluídas, pelo
menos, nos instrumentos normativos relacionados à educação (e.g. Educação Escolar
Indígena e Educação Ambiental), enquanto outras ainda estavam em estágio inicial de
discussão e desenvolvimento teórico-instrumental (e.g. Relações Étnico-Raciais e Educa-
ção do Campo). No caso da Educação de Jovens e Adultos, as intervenções necessárias
eram – e ainda são – de ordem estratégica, abrangendo escala, metodologia e amplia-
ção do investimento público em todos os níveis de governo.
Esperamos, com esses registros, contribuir para o enraizamento e o aprofunda-
mento de políticas públicas que promovam a igualdade de oportunidades na educação,
a inclusão social, o crescimento sustentável e ambientalmente justo, em direção a uma
sociedade menos desigual, mais compassiva e solidária.
Ricardo Henriques
Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Ministério da Educação
Educação do Campo
7
Índice
1. INTRODUÇÃO 9
2. MARCOS INSTITUCIONAIS 10
2.1. Um breve histórico sobre a Educação do Campo 10
2.2. Educação do Campo: conceitos e princípios envolvidos 13
2.3. Organizações que marcaram a Política Educacional para o Campo 14
2.4. A legislação brasileira e a Educação do Campo 15
3. A EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL BRASILEIRO: DIAGNÓSTICO 18
4. ESTRATÉGIAS PARA O FORTALECIMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO DO CAMPO 24
5. PROGRAMAS, PROJETOS E AÇÕES DA SECAD PARA A EDUCAÇÃO DO
CAMPO 27
5.1. Saberes da terra 27
5.2. Plano nacional de formação dos profi ssionais
da Educação do Campo 34
5.3. Revisão do Plano Nacional de Educação - Lei nº 10.172/2001 38
5.4. Fórum permanente de pesquisa em Educação do Campo 40
5.5. Apoio à Educação do Campo 42
5.6. Licenciatura em Educação do Campo 45
ANEXO 1 - Parecer CEB 36/2001 e Resolução CEB 01/2002 50
Institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo
ANEXO 2 - Parecer CEB 01/2006 71
Recomenda a Adoção da Pedagogia da Alternância em
Escolas do Campo
CADERNOS SECAD
8
Anotações
Educação do Campo
9
1. INTRODUÇÃO
O reconhecimento de que as pessoas que vivem no campo têm direito a uma
educação diferenciada daquela oferecida a quem vive nas cidades é recente e inovador,
e ganhou força a partir da instituição, pelo Conselho Nacional de Educação, das Diretri-
zes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
1
. Esse reconhecimento
extrapola a noção de espaço geográfi co e compreende as necessidades culturais, os
direitos sociais e a formação integral desses indivíduos.
Para atender a essas especifi cidades e oferecer uma educação de qualidade, ade-
quada ao modo de viver, pensar e produzir das populações identifi cadas com o campo
agricultores, criadores, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas,
seringueiros – vem sendo concebida a Educação do Campo.
Os dados ofi ciais disponibilizados pelas instituições federais de pesquisa – IBGE,
INEP e IPEA, entre outras – demonstram uma diferença acentuada entre os indicadores
educacionais relativos às populações que vivem no campo e as que vivem nas cidades,
com clara desvantagem para as primeiras. Isto indica que, no decorrer da história, as
políticas públicas para essas populações não foram sufi cientes para garantir uma eqüi-
dade educacional entre campo e cidade.
Esse documento se destina a contribuir com o debate e a compreensão dos
mecanismos e implicações que têm caracterizado as intervenções do Estado e as ações
da sociedade civil para a educação dos povos do campo. Parte da compreensão das
nuances conceituais e metodológicas intrínsecas à sua natureza político-pedagógica
e tem por nalidade informar e esclarecer os gestores públicos sobre a sua dimensão
política.
Apresenta-se organizado sob os aspectos considerados relevantes para a com-
preensão do que denominamos Educação do Campo. Primeiramente, é apresentado
um breve relato histórico sobre o tema, em seguida são identifi cadas as principais re-
ferências conceituais e organizações públicas e populares relacionadas à educação vol-
tada para as populações identifi cadas com o campo; bem como os marcos legais e
legislação em vigor.
Na seqüência é apresentado um diagnóstico que trata da relação entre a deman-
da e o atendimento educacional dessas populações, tanto nos seus aspectos quantita-
tivos quanto qualitativos. São apresentadas as principais difi culdades enfrentadas pelas
escolas, tais como: infra-estrutura, formação e remuneração de professores, acesso e
permanência dos alunos na escola, entre outros.
Por m, são apresentados os programas e ações desenvolvidos pelo Ministério
da Educação (MEC) para implementar uma Política Nacional de Educação do Campo,
por intermédio da Coordenação-Geral de Educação do Campo (CGEC), vinculada ao
Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania (DEDC) da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad).
1 Resolução CNE/CEB nº 1, de 03/04/2002.
CADERNOS SECAD
10
Anotações
2. MARCOS INSTITUCIONAIS
2
2.1. Um breve histórico sobre
a Educação do Campo
No âmbito das políticas públicas para a educação, pensava-se - e muitos pensam
ainda - que o problema a ser resolvido para a educação das populações que vivem fora
das cidades decorria apenas da localização geográfi ca das escolas e da baixa densidade
populacional nas regiões rurais. Isso implicava, entre outras coisas, a necessidade de se-
rem percorridas grandes distâncias entre casa e escola e o atendimento de um número
reduzido de alunos, com conseqüências diretas nos gastos para a manutenção do então
denominado ensino rural.
Paralelamente, o modelo escravocrata utilizado por Portugal para colonizar o
Brasil e, mais tarde, os adotados pelos próprios brasileiros para a colonização do interior
do país - de exploração brutal pelos proprietários de terra dos trabalhadores rurais, aos
quais eram sistematicamente negados direitos sociais e trabalhistas - geraram um forte
preconceito em relação aos povos que vivem e trabalham no campo, bem como uma
enorme dívida social.
Ao mesmo tempo, a suposição de que o conhecimento “universal”, produzido
pelo mundo dito civilizado deveria ser estendido ou imposto - a todos, de acordo
com a “capacidade” de cada um, serviu para escamotear o direito a uma educação
contextualizada, promotora do acesso à cidadania e aos bens econômicos e sociais,
que respeitasse os modos de viver, pensar e produzir dos diferentes povos do campo.
Ao invés disso, se ofereceu, a uma pequena parcela da população rural, uma educação
instrumental, reduzida ao atendimento de necessidades educacionais elementares e ao
treinamento de mão-de-obra.
Em 1932, foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
3
, que buscava
diagnosticar e sugerir rumos às políticas públicas de educação e preconizava a organiza-
ção de uma escola democrática, que proporcionasse as mesmas oportunidades para to-
dos e que, sobre a base de uma cultura geral comum, possibilitasse especializações para
as atividades de preferência intelectual (humanidades e ciências) ou de preponderância
anual e mecânica (cursos de caráter técnico) agrupadas em: extração de matérias-pri-
mas - agricultura, minas e pesca; elaboração de matérias-primas - indústria; distribuição
de produtos elaborados - transportes e comércio. Nessa proposta, as demandas do
campo e da cidade eram igualmente consideradas e contempladas.
2 Esta seção do Caderno Temático foi baseada no Relatório da Conselheira Edla de Araújo Lira Soares, que funda-
menta as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, aprovado em 4 de dezembro de
2001.
3 Escola Nova é um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Euro-
pa, nos Estados Unidos e no Brasil, na primeira metade do século XX. Os primeiros grandes inspiradores do movi-
mento foram o escritor Jean-Jacques Rousseau e os pedagogos Heinrich Pestalozzi e Freidrich Fröebel. No Brasil, as
idéias da Escola Nova foram introduzidas já em 1882 por Rui Barbosa e ganharam especial força com a divulgação
do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, quando foi apresentada uma das idéias estruturais do
movimento: as escolas deviam deixar de ser meros locais de transmissão de conhecimentos e tornar-se pequenas
comunidades, onde houvesse maior preocupação em entender e adaptar-se a cada criança do que em encaixar
todas no mesmo molde. O documento foi assinado por: Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, A. de Sampaio
Doria, Anísio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita
Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldão
Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão,
Cecília Meirelles, Edgar Sussekind de Mendonça, Armanda Álvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nóbrega da Cunha,
Paschoal Lemme e Raul Gomes.
Educação do Campo
11
Entretanto, a separação entre a educação das elites e a das classes populares não
só perdurou como foi explicitada nas Leis Orgânicas da Educação Nacional, promulga-
das a partir de 1942. De acordo com essas Leis, o objetivo do ensino secundário e nor-
mal seria “formar as elites condutoras do país” e o do ensino profi ssional seria oferecer
“formação adequada aos lhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos
afortunados, aqueles que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho”.
4
Na década de 60, a m de atender aos interesses da elite brasileira, então preo-
cupada com o crescimento do número de favelados nas periferias dos grandes centros
urbanos, a educação rural foi adotada pelo Estado como estratégia de contenção do
uxo migratório do campo para a cidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal de 1961, em seu art. 105, estabeleceu que “os poderes públicos instituirão e ampa-
rarão serviços e entidades que mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer
a adaptação do homem ao meio e o estímulo de vocações profi ssionais”.
O mesmo enfoque instrumentalista e de ordenamento social veio a caracterizar a
formação de técnicos para as atividades agropecuárias. Em meados da década de 1960,
por ocasião da implantação do modelo Escola-Fazenda no ensino técnico agropecuário,
os currículos ofi ciais foram elaborados com enfoque tecnicista para atender ao processo
de industrialização em curso.
No mesmo período, ocorreu um vigoroso movimento de educação popular. Pro-
tagonizado por educadores ligados a universidades, movimentos religiosos ou partidos
políticos de orientação de esquerda. Seu propósito era fomentar a participação política
das camadas populares, inclusive as do campo, e criar alternativas pedagógicas identi-
cadas com a cultura e com as necessidades nacionais, em oposição à importação de
idéias pedagógicas alheias à realidade brasileira. (RIBEIRO, 1993:171)
Em 1964, com a instauração do governo militar, as organizações voltadas para a
mobilização política da sociedade civil entre elas o Centro Popular de Cultura (CPC),
criado no ano de 1960 em Recife-PE; os Centros de Cultura Popular (CCP), criados
pela União Nacional dos estudantes em 1961 e o Movimento Eclesial de Base (MEB),
órgão da Confederação Geral dos Bispos do Brasil sofreram um pesado processo de
repressão política e policial. Essa repressão resultou na desarticulação e na suspensão
de muitas dessas iniciativas.
Ao mesmo tempo em que reprimiu os movimentos de educação popular, o go-
verno militar, diante da elevada taxa de analfabetismo que o país registrava, buscando
atingir resultados imediatamente mensuráveis, instituiu o Movimento Brasileiro de Alfa-
betização Mobral, o qual se caracterizou como uma campanha de alfabetização em
massa, sem compromisso com a escolarização e desvinculada da escola.
No processo de resistência à ditadura militar, e mais efetivamente a partir de
meados da década de 1980, as organizações da sociedade civil, especialmente as ligadas
à educação popular, incluíram a educação do campo na pauta dos temas estratégicos
para a redemocratização do país. A idéia era reivindicar e simultaneamente construir um
modelo de educação sintonizado com as particularidades culturais, os direitos sociais e
as necessidades próprias à vida dos camponeses.
4 Leis Orgânicas do Ensino Secundário (Decreto-Lei n.º 4.244/42), do Ensino Industrial (Decreto-Lei n.º4.073/42);
do Ensino Comercial (Decreto-Lei n.º 6.141/43); do Ensino Primário (Decreto-Lei n.º 8.529/46), do Ensino Normal
(Decreto-Lei n.º 8.530/46) e do Ensino Agrícola (Decreto-Lei n.º 9.613/46).
CADERNOS SECAD
12
Anotações
Nesse ambiente político, aliando mobilização e experimentação pedagógica,
passam a atuar juntos sindicatos de trabalhadores rurais, organizações comunitárias
do campo, educadores ligados à resistência à ditadura militar, partidos políticos de es-
querda, sindicatos e associações de profi ssionais da educação, setores da igreja católica
identifi cados com a teologia da libertação e as organizações ligadas à reforma agrária,
entre outras. O objetivo era o estabelecimento de um sistema público de ensino para
o campo, baseado no paradigma pedagógico da educação como elemento de perten-
cimento cultural.
Destacam-se nesse momento as ações educativas do Movimento Nacional dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Confe-
deração Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e do Movimento Eclesial
de Base (MEB).
Outras iniciativas populares de organização da educação para o campo são as
Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Casas Familiares Rurais (CFRs) e os Centros Fami-
liares de Formação por Alternância (CEFAs). Essas instituições, inspiradas em modelos
franceses e criadas no Brasil a partir de 1969 no Estado do Espírito Santo, associam
aprendizado técnico com o conhecimento crítico do cotidiano comunitário. A propos-
ta pedagógica, denominada Pedagogia da Alternância, é operacionalizada a partir da
divisão sistemática do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente fa-
miliar. Esse modelo tem sido estudado e elogiado por grandes educadores brasileiros e
é apontado pelos movimentos sociais como uma das alternativas promissoras para uma
Educação do Campo com qualidade.
A partir desse contexto de mobilização social, a Constituição de 1988 consoli-
dou o compromisso do Estado e da sociedade brasileira em promover a educação para
todos, garantindo o direito ao respeito e à adequação da educação às singularidades
culturais e regionais. Em complemento, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei n° 9.394/96) estabelece uma base comum a todas as regiões do país, a ser
complementada pelos sistemas federal, estaduais e municipais de ensino e determina
a adequação da educação e do calendário escolar às peculiaridades da vida rural e de
cada região.
Em 1998, foi criada a “Articulação Nacional por uma Educação do Campo”,
entidade supra-organizacional que passou a promover e gerir as ações conjuntas pela
escolarização dos povos do campo em nível nacional. Dentre as conquistas alcança-
das por essa Articulação estão a realização de duas Conferências Nacionais por uma
Educação Básica do Campo - em 1998 e 2004, a instituição pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE) das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo, em 2002; e a instituição do Grupo Permanente de Trabalho de Educação do
Campo (GPT), em 2003.
A criação, em 2004, no âmbito do Ministério da Educação, da Secretaria de Edu-
cação Continuada, Alfabetização e Diversidade, à qual está vinculada a Coordenação-
Geral de Educação do Campo, signifi ca a inclusão na estrutura estatal federal de uma
instância responsável, especifi camente, pelo atendimento dessa demanda a partir do
reconhecimento de suas necessidades e singularidades.
Educação do Campo
13
2.2. Educação do Campo: conceitos
e princípios envolvidos
Para se conceber uma educação a partir do campo e para o campo, é necessário
mobilizar e colocar em cheque idéias e conceitos muito estabelecidos pelo senso co-
mum. Mais do que isso, é preciso desconstruir paradigmas, preconceitos e injustiças, a
m de reverter as desigualdades educacionais, historicamente construídas, entre campo
e cidade.
A visão urbanocêntrica
5
, na qual o campo é encarado como lugar de atraso,
meio secundário e provisório, vem direcionando as políticas públicas de educação do
Estado brasileiro. Pensadas para suprir as demandas das cidades e das classes domi-
nantes, geralmente instaladas nas áreas urbanas, essas políticas têm se baseado em
conceitos pedagógicos que colocam a educação do campo prioritariamente a serviço
do desenvolvimento urbano-industrial.
A constituição de núcleos escolares para as populações camponesas nos perí-
metros urbanos, locais onde em geral estão concentrados os bolsões de pobreza das
cidades, associada à organização de um sistema de transporte de estudantes da zona
rural para esses núcleos, revela a idéia subjacente a essas políticas de que as crianças
e adolescentes do campo possuem os mesmos interesses, motivações e necessidades
daqueles que vivem nas áreas urbanas e que devem ser educados para uma futura vida
na cidade.
No paradigma da Educação do Campo, para o qual se pretende migrar, preconi-
za-se a superação do antagonismo entre a cidade e o campo, que passam a ser vistos
como complementares e de igual valor. Ao mesmo tempo, considera-se e respeita-se a
existência de tempos e modos diferentes de ser, viver e produzir, contrariando a preten-
sa superioridade do urbano sobre o rural e admitindo variados modelos de organização
da educação e da escola.
Esse pensamento tem como orientação o cumprimento do direito de acesso uni-
versal à educação e a legitimidade dos processos didáticos localmente signifi cados,
somados à defesa de um projeto de desenvolvimento social, economicamente justo e
ecologicamente sustentável. Neste projeto de desenvolvimento, a escola do campo tem
um papel estratégico.
A necessidade de mudança do paradigma da educação rural para o da educação
do campo se dá não só pela análise crítica da escola rural como também das propostas
desenvolvimentistas para o campo, em geral centradas no agronegócio e na exploração
indiscriminada dos recursos naturais.
Os conceitos relacionados à sustentabilidade e à diversidade complementam a
educação do campo ao preconizarem novas relações entre as pessoas e a natureza e
entre os seres humanos e os demais seres dos ecossistemas. Levam em conta a susten-
tabilidade ambiental, agrícola, agrária, econômica, social, política e cultural, bem como
a eqüidade de gênero, étnico-racial, intergeracional e a diversidade sexual.
5 O termo urbanocêntrico é aqui utilizado para se referir a uma visão de educação na qual o modelo didático-peda-
gógico utilizado nas escolas da cidade é transferido para as escolas localizadas nas zonas classifi cadas como rurais,
sem que sejam consideradas as reais necessidades das populações identifi cadas com o campo.
CADERNOS SECAD
14
Anotações
Nesse contexto, as escolas do campo são aquelas que têm sua sede no espaço
geográfi co classifi cado pelo IBGE como rural, assim como as identifi cadas com o cam-
po, mesmo tendo sua sede em áreas consideradas urbanas. Essas últimas são assim
consideradas porque atendem a populações de municípios cuja produção econômica,
social e cultural está majoritariamente vinculada ao campo.
2.3. Organizações que marcaram a
política educacional para o campo
Mapear as organizações públicas que ao longo da história têm se incumbido da
educação para as populações rurais é um exercício de identifi cação de intenções e ex-
pectativas colocadas pelos diversos governos brasileiros para com o povo do campo.
No início do século passado, o Governo brasileiro estimulou a criação de institui-
ções educativas patronais no meio rural para atender crianças (especialmente meninos)
órfãs ou oriundas de famílias pobres, sem meios para custear uma educação profi s-
sional satisfatória, assim como meninos-de-rua oriundos das cidades. De acordo com
Boeira (2006)
O ensino prático agrícola e a criação de agências como os patrona-
tos agrícolas serviam como um paliativo na relocação da pobreza
dos centros urbanos na primeira República. Inicialmente rurais e
agrícolas, por necessidade e também por conveniência, os patro-
natos destinavam-se a prestar assistência à infância desvalida das
cidades.
Os patronatos estavam vinculados ao Serviço de Povoamento, este
inserido no MAIC
6
. O Patronato Agrícola assumiu o binômio trans-
formação e controle do espaço rural inseridos na colonização es-
tatal.
A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1930, apesar de apon-
tar para a organização de um sistema nacional de ensino, não contemplou uma estrutu-
ra organizacional para a educação rural, a qual continuou subordinada ao Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio. A partir daquele momento, a população camponesa
passou a ser alvo de campanhas educativas dispersas que tinham como objetivo xar
homens e mulheres no campo, sendo o ensino primário e o aprendizado agrícola de
nível elementar incluídos nas estratégias dos projetos de colonização agrária.
Nesse contexto, foram criadas, a partir do fi nal da década de 1950, agências de
desenvolvimento regional - tais como a Superintendência do Desenvolvimento do Nor-
deste (Sudene) e a Superintendência do Desenvolvimento do Sul (Sudesul) - e órgãos
federais de colonização e reforma agrária - Superintendência da Política da Reforma
Agrária (Supra), Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda) e Instituto Bra-
sileiro de Reforma Agrária (Ibra), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra). Das ações educativas desses órgãos podemos destacar o Programa Intensivo de
Preparação de Mão-de-obra Rural (Pipmoa), iniciado em 1963 e retomado em 1972.
No âmbito do Ministério da Educação, com o objetivo de reunir em um só órgão
todas as unidades federais de ensino agrícola, foi criada, em 1973, a Coordenação
6 O autor se refere ao então Ministério da Agricultura Indústria e Comércio.
Educação do Campo
15
Nacional de Ensino Agrícola (Coagri), vinculada ao então Departamento de Ensino Mé-
dio. Essa coordenação tinha como função prestar assistência pedagógica e nanceira
a todos os estabelecimentos federais de ensino técnico agrícola e adotava uma política
centralizada e padronizada para todas as regiões do país.
No período nal do regime militar, as políticas públicas para a educação do cam-
po continuaram a seguir a mesma lógica dos projetos integrados que somavam assis-
tencialismo
7
e preparação elementar de mão-de-obra agrícola. A elaboração pelo MEC
do II Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto, em 1980, resultou na criação de
programas dessa natureza, tais como o Programa Nacional de Ações Sócioeducativas
e Culturais para o Meio Rural (Pronasec) e o Programa de Extensão e Melhoria para o
Meio Rural do Nordeste (Edurural-NE).
Em 1998, foi instituído o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária
(Pronera) junto ao Ministério Extraordinário da Política Fundiária (MEPF), hoje Ministério
de Desenvolvimento Agrário (MDA). Este programa representa uma parceria estratégica
entre Governo Federal, instituições de ensino superior e movimentos sociais do campo
para elevação de escolaridade de jovens e adultos em áreas de reforma agrária e forma-
ção de professores para as escolas localizadas em assentamentos.
Para ampliar e institucionalizar a participação dos movimentos sociais na formu-
lação de políticas públicas para o campo foram criados, no âmbito do MDA, em 1999,
o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável para Agricultura Familiar
(Condraf); e do MEC, em 2003, o Grupo Permanente de Trabalho de Educação do
Campo (GPT). Esses colegiados trabalham com o Governo Federal para a institucionali-
zação, disseminação e enraizamento das políticas públicas para a Educação do Campo,
entre outras.
A criação da Coordenação-Geral de Educação do Campo, no âmbito da Secre-
taria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação,
é também um marco organizacional que demonstra a vontade do Governo Federal de
consolidar a Educação do Campo como política pública permanente.
2.4. A Legislação Brasileira e
a Educação do Campo
Somente a partir da Constituição de 1988 foi que a legislação brasileira relativa
à educação passou a contemplar as especifi cidades das populações identifi cadas com
o campo. Antes disso, a educação para essas populações foi mencionada apenas para
propor uma educação instrumental, assistencialista ou de ordenamento social.
8
7 O termo assistencialismo é aqui utilizado em contraponto à assistência social. Segundo Marcos Rolim, “Na As-
sistência Social, procura-se garantir àqueles que se encontram em situação de fragilidade as condições para que
alcancem os seus direitos, a começar pelo direito ao amparo. Parte-se do princípio que os segmentos desfavoreci-
dos são igualmente titulares de direitos e que esses direitos lhes têm sido sonegados. [...] Já o assistencialismo, ao
praticar a atenção às populações desfavorecidas, oferece a própria atenção como uma ‘ajuda’, vale dizer: insinua,
em uma relação pública, os parâmetros de retribuição de favor que caracterizam as relações na esfera privada. É
pelo valor da ‘gratidão’ que os assistidos se vinculam ao titular das ações de caráter assistencialista. O que se perde
aqui é a noção elementar de que tais populações possuem o direito ao amparo e que, portanto, toda iniciativa
pública, voltada ao tema da assistência caracteriza dever do Estado”. (ROLIM, Marcos. Crônicas. Assistência Social
e Assistencialismo. Disponível em: http://www.rolin.com.br/cronic5.htm. Acesso em: 25/01/2007.)
8 Considera-se como instrumental as iniciativas educacionais nas quais o ensino se restringe ao necessário para
a vida cotidiana e para realização de tarefas laborais simples; assistencialista, aquelas que possuem conotação
lantrópica, nas quais a responsabilidade do Estado para com a oferta de educação em áreas rurais é transferida
para a iniciativa privada em troca de incentivos scais; e, de ordenamento social, aquelas em que o Estado utiliza a
CADERNOS SECAD
16
Anotações
A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a destinar recursos para a educa-
ção rural, atribuindo à União a responsabilidade pelo nanciamento do ensino nessas
áreas, mas as políticas públicas necessárias para o cumprimento dessa determinação
nunca foram implementadas.
A relação de submissão da educação às necessidades inerentes à industrialização
foi afi rmada na Constituição de 1937, a qual vinculou a educação ao mundo do tra-
balho, obrigando sindicatos e empresas privadas, inclusive rurais, a ofertarem o ensino
técnico nas áreas a eles pertinentes, aos seus liados e funcionários e aos fi lhos destes.
Constava ainda a garantia de que o Estado contribuiria para o cumprimento dessa obri-
gação. No entanto, esse dispositivo nunca foi regulamentado, conforme exigia a Carta
Constitucional e as ações não foram postas em prática.
A Constituição de 1946 conferiu importância ao processo de descentralização
do ensino, sem desresponsabilizar a União pelo atendimento escolar. Vinculou recursos
para as despesas com educação e assegurou a gratuidade do ensino primário. Entre-
tanto, apesar de determinar o incremento do ensino na zona rural, transferiu à empresa
privada, inclusive às agrícolas, a responsabilidade pelo custeio desse incremento. No
que diz respeito à aprendizagem para o trabalho, estabeleceu a obrigatoriedade das
empresas industriais e comerciais em ministrarem a aprendizagem aos seus trabalhado-
res menores, mas deixou de fora as empresas agrícolas.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1961 (Lei nº 4.024/61) revelava
uma preocupação especial em promover a educação nas áreas rurais para frear a onda
migratória que levava um grande contingente populacional do campo para as cidades,
gerando problemas habitacionais e estimulando o crescimento dos cinturões de pobre-
za hoje existentes nos grandes centros urbanos.
Já a LDB de 1971 (Lei nº 5.692/71), sancionada em pleno regime militar, fortale-
ceu a ascendência dos meios de produção sobre a educação escolar, colocando como
função central da escola a formação para o mercado de trabalho, em detrimento da
formação geral do indivíduo. A educação para as regiões rurais foi alvo dessa mesma
compreensão utilitarista ao ser colocada a serviço da produção agrícola.
A Constituição de 1988 é um marco para a educação brasileira porque motivou
uma ampla movimentação da sociedade em torno da garantia dos direitos sociais e
políticos, dentre eles o acesso de todos os brasileiros à educação escolar como uma
premissa básica da democracia. Ao afi rmar que “o acesso ao ensino obrigatório e gra-
tuito é direito público subjetivo” (Art. 208), ergueu os pilares jurídicos sobre os quais
viria a ser edifi cada uma legislação educacional capaz de sustentar o cumprimento des-
se direito pelo Estado brasileiro. No bojo desse entendimento, a educação escolar do
campo passa a ser abordada como segmento específi co, prenhe de implicações sociais
e pedagógicas próprias.
A LDB de 1996 reconhece, em seus arts. 3º, 23, 27 e 61, a diversidade socio-
cultural e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a defi nição de diretrizes
operacionais para a educação rural sem, no entanto, romper com um projeto global de
educação para o país. A idéia de mera adaptação é substituída pela de adequação, o
que signifi ca levar em conta, nas fi nalidades, nos conteúdos e na metodologia, os pro-
educação para manipular o comportamento da sociedade, a fi m de atender a interesses econômicos ou políticos,
em geral restringindo a liberdade de expressão e o acesso à informação.
Educação do Campo
17
cessos próprios de aprendizado do estudante e o que é específi co do campo. Permite,
ainda, a organização escolar própria, a adequação do calendário escolar às fases do
ciclo agrícola e às condições climáticas.
Por meio da Emenda Constitucional nº 14 e da Lei 9.424/1996, foi instituído
o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (Fundef). Esse fundo acelerou o processo de universalização do acesso
ao ensino fundamental, redistribuindo recursos nanceiros para o fi nanciamento dessa
modalidade de ensino em todo o país. Esses recursos variam em função do número
de alunos efetivamente matriculados em cada sistema de ensino, defi nindo valores
diferenciados para as modalidades em que os gastos são maiores, o que benefi ciou a
educação nas escolas localizadas em zonas rurais, mas não o sufi ciente para reverter o
quadro de abandono em que estas se encontravam
9
.
Em 2001, foi promulgado o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), o
qual, embora estabeleça entre suas diretrizes o “tratamento diferenciado para a escola
rural”, recomenda, numa clara alusão ao modelo urbano, a organização do ensino em
séries, a extinção progressiva das escolas unidocentes e a universalização do transporte
escolar. Observe-se que o legislador não levou em consideração o fato de que a uni-
docência em si não é o problema, mas sim a inadequação da infra-estrutura física e a
necessidade de formação docente especializada exigida por essa estratégia de ensino.
Por outro lado, a universalização do transporte escolar, sem o necessário esta-
belecimento de critérios e princípios, gerou distorções, tais como: o fechamento de
escolas localizadas nas áreas rurais e a transferência de seus alunos para escolas urba-
nas; o transporte de crianças e adolescentes em veículos inadequados e sucateados; e a
necessidade de percorrer estradas não pavimentadas e perfazer trajetos extremamente
longos.
Finalmente, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do
Campo
10
, aprovadas também em 2001 pelo Conselho Nacional de Educação, represen-
tam um importante marco para a educação do campo porque contemplam e refl etem
um conjunto de preocupações conceituais e estruturais presentes historicamente nas
reivindicações dos movimentos sociais. Dentre elas o reconhecimento e valorização da
diversidade dos povos do campo, a formação diferenciada de professores, a possibilida-
de de diferentes formas de organização da escola, a adequação dos conteúdos às pecu-
liaridades locais, o uso de práticas pedagógicas contextualizadas, a gestão democrática,
a consideração dos tempos pedagógicos diferenciados, a promoção, através da escola,
do desenvolvimento sustentável e do acesso aos bens econômicos, sociais e culturais.
9 Maiores informações sobre esse quadro podem ser encontradas nos diagnósticos sobre a educação do campo
disponíveis na página eletrônica www.inep.gov.br do INEP/MEC, bem como na seção 3 deste documento.
10 Parecer 36/2001, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, aprovado em 04/12/2001.
CADERNOS SECAD
18
Anotações
3. A EDUCAÇÃO NO MEIO RURAL
BRASILEIRO: DIAGNÓSTICO
11
Ainda que permaneça a tendência de urbanização da população brasileira, dados
do IBGE constatam um expressivo contingente de pessoas que vivem no campo. Além
disso, conforme documento elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação:
[...] se considerarmos como critérios de ruralidade a localização dos
municípios, o tamanho da sua população e a sua densidade demo-
gráfi ca, conforme propõe Veiga (2001), entre os 5.560 municípios
brasileiros, 4.490 deveriam ser classifi cados como rurais. Ainda de
acordo com esse critério, a população essencialmente urbana seria
de 58% e não de 81,2%, e a população rural corresponderia a,
praticamente, o dobro da ofi cialmente divulgada pelo IBGE, atin-
gindo 42% da população do país. Dessa forma, focando o univer-
so essencialmente rural sugerido pela proposta do pesquisador, é
possível identifi car em torno de 72 milhões de habitantes na área
rural”. (BRASIL. MEC/Inep, 2006: 07-08).
As pesquisas realizadas pelo Inep têm apontado como principais difi culdades em
relação à educação do campo:
insufi ciência e precariedade das instalações físicas da maioria das escolas;
difi culdades de acesso dos professores e alunos às escolas, em razão da falta
de um sistema adequado de transporte escolar;
falta de professores habilitados e efetivados, o que provoca constante rotati-
vidade;
falta de conhecimento especializado sobre políticas de educação básica para o
meio rural, com currículos inadequados que privilegiam uma visão urbana de
educação e desenvolvimento;
ausência de assistência pedagógica e supervisão escolar nas escolas rurais;
predomínio de classes multisseriadas com educação de baixa qualidade;
falta de atualização das propostas pedagógicas das escolas rurais;
baixo desempenho escolar dos alunos e elevadas taxas de distorção idade-série;
baixos salários e sobrecarga de trabalho dos professores, quando comparados
com os que atuam na zona urbana;
necessidade de reavaliação das políticas de nucleação das escolas e de imple-
mentação de calendário escolar adequado às necessidades do meio rural.
No que diz respeito ao perfi l socioeconômico da população rural, os indicado-
res mostram que é grande a desigualdade existente entre as zonas rural e urbana e
entre as grandes regiões. Segundo dados organizados pelo Inep, em 2004, cerca de
30,8 milhões de cidadãos brasileiros viviam no campo em franca desvantagem social.
Apenas 6,6% da população rural economicamente ativa apresentava rendimento real
médio acima de 3 SM. Na zona urbana, nessa mesma faixa de renda, concentrava-se
24,2% da população. Na Região Sul, a faixa de rendimento acima de 3 SM concentrava
11 Esta seção do Caderno Temático foi baseada no documento elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) intitulado Panorama da Educação do Campo. Brasília: Inep/MEC,
2006.
Educação do Campo
19
13,6% da população rural, enquanto na Região Nordeste este percentual correspondia
a 1,7%, sendo que ¾ da população tinha rendimento médio inferior a 1SM.
Para os especialistas, estamos diante da vulnerabilidade da população do campo,
decorrente do desamparo histórico a que vem sendo submetida, a qual se refl ete nos
altos índices de analfabetismo e no baixo desempenho escolar. Assim, conforme tabela
abaixo, 25,8% da população rural adulta (de 15 anos ou mais) é analfabeta, enquanto
na zona urbana essa taxa é de 8,7%. Observe-se que, em regiões onde as condições
socioeconômicas são controladas e igualadas ao grupo urbano, o desempenho dos
alunos é igual.
Ainda segundo a mesma fonte, conforme tabelas a seguir, em 2004, a taxa de
freqüência de crianças entre 7 e 14 anos nas escolas do ensino fundamental das áreas
urbanas foi de 97,5% e de 95,5% para as crianças da zona rural, demonstrando que,
em termos de universalização, a escola urbana e a rural estão muito próximas. No en-
tanto, a taxa de distorção idade-série na zona rural se manifesta elevada desde as séries
iniciais do ensino fundamental, com cerca de 41,4% dos alunos com idade superior à
adequada. Essa distorção se refl ete nas demais séries, fazendo com que esses alunos
cheguem às séries nais do ensino fundamental com uma defasagem de 56%. Nas
zonas urbanas, essas taxas são de 19,2% para as séries iniciais e de 34,8% para séries
nais.
2000 2004 2000 2004 2000 2004
13,6 11,4 10,3 8,7 29,8 25,8
16,3 12,7 11,2 9,7 29,9 22,2
26,2 22,4 19,5 16,8 42,7 37,7
8,1 6,6 7,0 5,8 19,3 16,7
7,7 6,3 6,5 5,4 12,5 10,4
10,8 9,2 9,4 8,0 19,9 16,9
Fonte:IBGE - Censo Demografico 2000 e PNAD 2004; Tabela elaborada pela DTDIE.
Sul
Centro-Oeste
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Tabela 2 - Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais por situação do
domicílio - Brasil e Grande Regiões - 2000/2004
Regiões Geográficas Total Rural
Urbana
Taxa de Analfabetismo (%)
CADERNOS SECAD
20
Anotações
No caso do Ensino Médio, entre os jovens de 15 a 17 anos, quando considerada
a taxa de freqüência líquida, o quadro é muito crítico na área rural: pouco mais de um
quinto dos jovens nessa faixa etária (22,1%) estão freqüentando esse nível de ensino
contra 49,4% na zona urbana, como demonstra a tabela abaixo:
A rede de ensino da educação básica na área rural, em 2005, possuía 96.557
estabelecimentos, correspondendo a cerca de 50% das escolas do país. Essa rede aten-
dia a 5.799.387 alunos do ensino fundamental, sendo 4.146.638 matrículas nas séries
iniciais e 1.652.749 alunos nas séries nais. O Ensino Médio na área rural, em que pese
o aumento registrado de 2000 a 2005 pelo Censo Escolar, conta ainda com uma rede
2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004 2000 2004
Brasil 89,5 93,8
91,4 94,4
83,0 91,6 90,5 97,1 92,4 97,5 83,5 95,5
Norte 83,1 92,1
89,4 92,8
70,9 90,6 86,0 94,9 91,2 95,8 74,3 93,0
Nordeste 87,1 91,6
89,5 92,5
82,5 89,7 89,4 96,1 91,1 96,5 86,1 95,2
Sudeste 91,8 95,4
92,4 95,5
87,6 94,4 92,3 98,1 93,5 98,2 82,3 96,7
Sul 92,7 95,5
93,3 95,4
90,5 95,6 90,8 97,8 92,4 97,9 84,8 97,5
Centro-Oeste 90,1 94,2
91,1 94,4
84,2 92,6 91,0 97,2 92,5 97,5 81,0 95,4
Fonte:IBGE - Censo Demográfico 2000 e PNAD 2004; Tabela elaborada pela DTDIE.
Total
Taxa de freqüência líquida no Ensino Fundamental
(%)
Total
Taxa de freqüência à escola na faixa de 7 a 14 anos (%)
Tabela 3 - Taxa de freqüência líquida ao Ensino Fundamental e taxa de freqüência à escola na faixa
de 7 a 14 anos por situação do domicílio - Brasil e Grandes Regiões- 2000/2004
Urbana Rural Urbana Rural
Regiões
Geográficas
2000 2005 2000 2005 2000 2005 2000 2005 2000 2005 2000 2005
Brasil 29,0 19,2 56,3 41,4 47,5 34,8 66,5 56,0 54,8 46,0 63,1 59,1
Norte 43,6 30,6 63,5 53,7 62,4 46,6 76,9 65,2 73,3 65,6 76,7 73,1
Nordeste 48,0 30,8 63,1 44,5 67,6 52,0 79,7 63,4 70,8 64,4 76,7 71,6
Sudeste 15,9 11,8 35,0 23,8 35,7 24,0 53,2 38,4 48,3 34,9 54,4 43,6
Sul 15,3 11,5 20,4 15,0 31,1 23,8 36,6 27,5 39,9 29,7 39,9 31,5
Centro-Oeste 26,9 18,4 41,8 31,4 53,1 36,4 63,0 48,9 57,4 44,1 57,7 53,6
Fonte: MEC/Inep; Tabela elaborada pela DTDIE.
Urbana RuralUrbanaRuralUrbana Rural
Tabela 4 - Taxa de Distorção idade-série por nível de ensino e localização
Brasil e Grandes Regiões - 2000/2005
Ensino Médio
Taxa de distorção idade-série
Ensino Fundamental
Regiões
Geográficas
Até a série De a série
Educação do Campo
21
insufi ciente. Neste há 206.905 matrículas em 1.377 estabelecimentos em todo o Brasil.
Isso signifi ca que 71,5% dos alunos das escolas rurais estão no primeiro segmento do
ensino fundamental, 28,5% no segundo segmento e apenas 2,5% no ensino médio.
2000 2005 2000 2005 2000 2005 2000 2005
Ens. Fundamental - a 60.849 61.068 14.896.653 14.318.867 110.853 88.955 5.314.853 4.146.638
Até 50 alunos 9.233 8.323
268.221 255.08
7
78.076 64.097
1.974.642 1.562.184
51 a 100 alunos 9.480 10.756
703.035 800.995
21.971 16.454
1.518.489 1.142.068
101 a 150 alunos 7.459 8.233
927.938 1.020.456
6.323 4.803
761.474 577.905
151 a 300 alunos 16.323 16.761
3.583.834 3.656.896
3.740 2.945
746.119 585.693
mais de 300 alunos 18.354 16.995
9.413.625 8.585.433
743 656
314.129 278.788
Ens. Fundamental - a 37.734 41.952 14.392.191 13.416.307 11.012 15.764 1.114.251 1.652.749
Até 50 alunos 3.279 3.555
94.007
106.913
4.134 5.440
95.143 145.431
51 a 100 alunos 4.253 5.504
320.96
3 416.558
2.935 4.669
215.899 342.658
101 a 150 alunos 3.692 4.858
460.162 605.264
1.694 2.418
206.988 294.482
151 a 300 alunos 8.084 10.388
1.784.365 2.284.617
1.683 2.385
344.988 491.527
mais de 300 alunos 18.426 17.647
11.732.694 10.002.955
566 852
251.233 378.651
Ensino Médio 18.777 22.184 8.093.173 8.824.397 679 1.377 99.775 206.905
Até 50 alunos 1.592 1.825
47.389 56.628
149 290
4.779 9.166
51 a 100 alunos 2.401 2.872
181.826 216.385
191 378
14.272 28.098
101 a 150 alunos 2.152 2.397
268.196 297.440
144 258
17.663 31.808
151 a 300 alunos 4.040 4.848
877.904
1.062.772
120 285
25.181 59.30
0
mais de 300 alunos 8.592 10.242
6.717.858 7.191.172
75 166
37.880 78.533
Fonte:MEC/Inep;Tabela elaborada pela DTDIE.
Estabelecimento Matrícula
Nível de ensino/Tamanho da
escola
Tabela 6 - Estabelecimentos e de matriculas por localização segundo o nível de ensino e tamanho da escola - Brasil - 2000/2005
Estabelecimento
Urbana
Matrícula
Rural
Quanto aos recursos disponíveis, 28,5% dos estabelecimentos não possuem
energia elétrica, apenas 5,2% dispõem de biblioteca e menos de 1% oferece laborató-
rios de ciências, informática e acesso à internet.
2002 2005 2002 2005 2002 2005
2002 2005
Biblioteca
58,6 48,2 5,2 6,1 65,4 51,5
15,5 16,9
Laboratório de Informática
27,9 36,1 0,5 1,4 32,7 43,2
2,2 5,3
Laboratório de Ciências
18,3 19,2 0,5 0,7 23,3 23,8
1,7 2,3
Quadra de Esportes
50,7 53,8 4,0 5,6 63,0 65,0
12,2 15,2
Sala para TV/Vídeo
38,6 40,3 2,2 2,6 44,0 44,1
7,3 7,5
TV/Vídeo/Parabólica
56,1 45,9 10,0 9,0 71,3 56,6
30,4 24,2
Microcomputadores
66,0 75,9 4,2 7,4 75,4 84,3
14,3 22,4
Acesso à Internet
29,6 43,6 0,4 1,1 36,0 51,9
1,6 4,3
Água
99,8 100,0 96,4 98,9 99,9 100,0
97,7 99,4
Energia Elétrica
99,8 99,9 58,3 71,5 100,0 100,0
77,9 86,8
Esgoto
99,6 99,8 78,3 84,5 99,7 99,9
88,0 92,3
Sanitário
97,2 99,5 79,2 87,0 97,5 99,7
87,6 93,7
Fonte: MEC/Inep; Tabela elaborada pelo Inep/DTDIE
Tabela 7 - Percentual de estabelecimentos e de matrículas do Ensino Fundamental por localização segundo a infra-estrutura disponível na escola -
Brasil - 2002/2005
Infra-Estrutura disponível na
escola
Ensino Fundamental
Estabelecimentos (%) Matrículas (%)
Urbana Rural Urbana Rural
Segundo o tipo de organização, temos 59% dos estabelecimentos do ensino
fundamental rural formados exclusivamente por turmas multisseriadas ou unidocen-
tes, as quais concentram 24% das matrículas. As escolas exclusivamente seriadas
correspondem à cerca de 20% e concentram pouco mais de metade das matrículas
(2.986.209 alunos). As mistas (multisseriadas e seriadas ) respondem por ¼ das matrí-
culas (1.441.248 alunos).
CADERNOS SECAD
22
Anotações
Como refl exo dos programas de transporte escolar ou de modelos de nucleação
inadequados, observa-se que, em 2005, foram transportados para escolas localizadas
em áreas urbanas 42,6% dos alunos das séries iniciais do ensino fundamental, residen-
tes na zona rural e atendidos pelo transporte escolar público, o mesmo acontecendo
com 62,4% dos matriculados nas séries fi nais.
As escolas multisseriadas e unidocentes são um desafi o às políticas públicas do
campo, uma vez que apresentam historicamente um quadro da ausência do Estado
e de gestão defi citária. Por essa razão, têm sido constantemente criticadas pela baixa
efi ciência e qualidade:
[..] o problema das turmas multisseriadas está na ausência de uma
capacitação específi ca dos professores envolvidos, na falta de ma-
terial pedagógico adequado e, principalmente, a ausência de infra-
estrutura básica material e de recursos humanos que favoreça
a atividade docente e garanta a efetividade do processo de ensino-
aprendizagem. Investindo nestes aspectos, as turmas multisseria-
das poderiam se transformar numa boa alternativa para o meio ru-
ral, atendendo aos anseios da população em dispor de uma escola
próxima do local de moradia dos alunos, sem prejuízo da qualidade
do ensino ofertado, especifi camente no caso das séries iniciais do
ensino fundamental. (Inep, 2006:19)
Os professores da área rural enfrentam as conseqüências da sobrecarga de tra-
balho, da alta rotatividade e das difi culdades de acesso e locomoção. Além disso, re-
cebem salários inferiores aos da zona urbana e estão entre os que têm menor nível de
escolaridade.
A proporção de professores leigos, embora tenha declinado, de 2002 a 2005,
de 8,3% para 3,4%, ainda é elevada, já que 6.913 funções docentes são exercidas por
professores com até o ensino fundamental e apenas 21,6% dos docentes
das séries
iniciais do ensino fundamental cursaram nível superior.
Nas séries nais do ensino fundamental, o percentual de docentes com apenas
o ensino médio corresponde a 46,7% e, com formação superior, 53,1%. Já no ensino
médio, 11,3% do professorado está atuando no mesmo nível de sua formação. Este
percentual é signifi cativo devido ao reduzido número de estabelecimentos de escolas
deste nível de ensino na zona rural. Segundo o Inep/MEC:
Educação do Campo
23
[...] é evidente a necessidade de uma política que valorize os pro-
ssionais da educação do campo. É oportuno destacar as necessi-
dades de ações efetivas focadas na expansão do quadro, na forma-
ção profi ssional adequada e na formação continuada considerando
projetos pedagógicos específi cos e uma melhoria salarial que esti-
mule a permanência de profi ssionais qualifi cados em sala de aula
nas escolas rurais. (Op. Cit. :28)
Os dados e informações constantes dos estudos e diagnósticos produzidos nos
últimos anos pelo Ministério da Educação confi rmam as análises produzidas pelos mo-
vimentos sociais e justifi cam suas demandas. Os desafi os para uma oferta de educação
de qualidade para as populações identifi cadas com o campo foram discutidos e siste-
matizados na I e na II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizadas
em 1997 e em 2004, respectivamente. O documento nal da II Conferência apresentou
as seguintes demandas:
12
1. Universalização do acesso à Educação Básica de qualidade para a população
brasileira que trabalha e vive no e do campo, por meio de uma política pública
permanente que inclua como ações básicas: o m do fechamento arbitrário
de escolas no campo; a construção de escolas no campo que sejam do campo;
a construção de alternativas pedagógicas que viabilizem, com qualidade, a
existência de escolas de educação fundamental e de ensino médio no próprio
campo; a oferta de Educação de Jovens e Adultos (EJA) adequada à realidade
do campo; políticas para a elaboração de currículos e para escolha e distribui-
ção de material didático-pedagógico, que levem em conta a identidade cultu-
ral dos povos do campo e o acesso às atividades de esporte, arte e lazer.
2. Ampliação do acesso e permanência da população do campo à Educação
Superior, por meio de políticas públicas estáveis.
3. Valorização e formação específi ca de educadoras e educadores do campo por
meio de uma política pública permanente.
4. Respeito à especifi cidade da Educação do Campo e à diversidade de seus su-
jeitos.
12 Declaração Final da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo. 2004.
CADERNOS SECAD
24
Anotações
4. ESTRATÉGIAS PARA O FORTALECIMENTO DA
POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO
As ações da Secad para promover a construção de uma política nacional de
Educação do Campo têm sido fundamentadas pela compreensão de que esta é uma
reivindicação legítima dos movimentos sociais e sindicais do campo.
Para a formulação dessa política, a Coordenação-Geral de Educação do Campo
da Secad/MEC conta com a participação de diferentes fóruns democráticos, em especial
do Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), cuja representati-
vidade política, institucional e pedagógica está alicerçada em sua trajetória, que tem
fomentado o debate entre Estado e sociedade, proporcionando a multiplicidade de
interlocutores e o respeito às singularidades do campo.
As diferentes ações implementadas de 2004 a 2006 - com seus avanços, limites
e possibilidades - são uma constatação de que esta singularidade está sendo respeita-
da. O primeiro passo para a construção das bases para essas políticas foi dado com a
publicação do caderno Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo,
sobre a realidade da educação no meio rural brasileiro, em 2003. A partir dele e dos
subsídios apontados pelo GPT, a Secad realizou 25 Seminários Estaduais de Educação
do Campo.
Os Seminários tiveram o papel de provocar a mobilização, estadual e municipal,
defl agrando ações conjuntas entre o setor público, os movimentos sociais e organiza-
ções não-governamentais em torno da elaboração co-participativa de políticas públicas
de Educação do Campo. Serviram também como um canal privilegiado para a divul-
gação e disseminação das Diretrizes Operacionais da Educação Básica nas Escolas do
Campo.
Para dar continuidade ao processo, institucionalizar, fortalecer e enraizar esse
novo paradigma em todas as esferas de governo, foram criados, durante os Seminários,
os Comitês Estaduais de Educação do Campo, os quais passaram a subsidiar a imple-
mentação da política de Educação do Campo nos estados e a atuar em parceria com o
MEC para disseminá-la junto aos municípios.
Exercendo o seu papel de indutora e coordenadora da política de Educação do
Campo, em âmbito nacional, a Secad/MEC, ao longo dos dois últimos anos, vem em-
preendendo programas, projetos e atividades, que contribuem para a superação do
quadro de precariedade em que se encontram as escolas do campo. Essas ações são
dirigidas:
à melhoria da infra-estrutura física e de equipamentos das escolas do campo;
à formação continuada de professores, técnicos e gestores que atuam no
Governo Federal, nos estados e municípios, bem como nas instituições de
educação ligadas aos movimentos sociais;
à complementação e revisão das normas legais em vigor que dizem respeito
à Educação do Campo;
ao fomento à pesquisa e à produção acadêmica sobre a temática nas univer-
sidades brasileiras.
Educação do Campo
25
No âmbito da política de formação inicial e continuada, temos ações em dife-
rentes níveis. Na Educação de Jovens e Adultos, a referência é o Programa Saberes da
Terra, proposta de elevação de escolaridade com qualifi cação profi ssional socialmente
referenciada para jovens agricultores familiares, associado à formação dos educadores
em serviço, em parceria com 12 estados da Federação.
Para o ensino superior, em consonância ao Plano Nacional dos Profi ssionais da
Educação do Campo, temos três ações em curso:
Curso de Especialização em Desenvolvimento Territorial Sustentável, com a
Universidade Federal de Campina Grande;
Cursos de Licenciatura em Educação do Campo, envolvendo universidades
públicas federais, para realização de experiências-piloto;
Curso à distância, realizado em parceria com a Universidade de Brasília, des-
tinado a professores, técnicos e gestores dos sistemas públicos de ensino e
sociedade civil organizada, voltado para a temática da diversidade na educa-
ção.
Partindo do pressuposto de que essa política pública, de caráter nacional, está
em construção com princípios, ações e nanciamento articulados ao Sistema Nacional
de Educação temos atuado para estabelecer um patamar de qualidade social, política
e pedagógica, sustentada pela indissociabilidade das funções públicas do Estado. Por
essa razão, a integração interministerial tem sido exercida de forma inovadora, como
no caso do Programa Saberes da Terra, que é executado, de forma articulada, por seis
Secretarias de três diferentes Ministérios - Educação, Desenvolvimento Agrário e Traba-
lho e Emprego - e conta ainda com a colaboração dos Ministérios do Meio Ambiente
e da Cultura.
A relação institucional entre o MEC e entidades que estão articuladas diretamen-
te aos Sistemas Públicos de Ensino como é o caso do Conselho Nacional de Secretá-
rios de Educação (Consed); da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime); dos comitês, programas e fóruns da Educação do Campo assim como a
presença e colaboração de membros dessas entidades no GPT e em várias instâncias
do MEC, representam um avanço para a implementação da política de Diversidade e
Educação do Campo.
13
Para reforçar ainda mais o enraizamento dessas políticas, am-
pliou-se também a relação entre os movimentos sociais organizados do campo, o MEC
e as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.
Os resultados obtidos permitem-nos afi rmar que: a) houve ampliação da cons-
ciência do direito por parte dos indivíduos que vivem no campo e, paralelamente, do
cumprimento do dever público por parte de seus gestores; b) temos no país um pro-
cesso de ampliação da democracia participativa através da organização da sociedade
para o controle social; c) a política de gestão compartilhada entre governo e sociedade
está sendo afi rmada, nas três esferas públicas, para condução da Política Pública do
Campo.
Dessa forma, podemos inferir que a implementação dessa agenda está a via-
bilizar uma alteração signifi cativa no que se refere à oferta da Educação do Campo
e à consolidação dos princípios rmados pelas Diretrizes Operacionais para Educação
13 Essa relação foi fi rmada na carta-compromisso do encontro do CONSED em Cuiabá, ocorrido em 2006.
CADERNOS SECAD
26
Anotações
Básica nas Escolas do Campo. E, ainda, que está sendo criada uma política de universa-
lização, com ênfase na formação de qualidade, no acesso e na permanência, bem como
na expansão do sistema no ambiente do campo.
Contudo, não podemos esquecer que essa expansão não se sustenta se for en-
tendida apenas como ampliação do número de escolas, sendo mantidas as atuais con-
dições pedagógicas e de infra-estrutura. Também não podemos incorrer no equívoco
de tentar transpor para o campo o modelo de escola que predomina nas cidades. É
preciso garantir uma proposta de organização do trabalho pedagógico, de formação do
professor e de organização curricular que seja do campo, para o campo e no campo.
Assim, os próximos passos para a consolidação e enraizamento desta política
dizem respeito a um maior aporte nanceiro para as ações em curso, à mobilização
das estruturas públicas e reformulação das normas em vigor. Qualquer ação de política
pública a ser desenvolvida, seja pelo MEC ou pelos sistemas de ensino, precisa apre-
sentar alternativas efi cazes para a atual situação educacional do campo que inviabiliza
a permanência das crianças, jovens e adultos nas escolas, comprometendo seriamente
qualquer projeto de nação.
Educação do Campo
27
5. PROGRAMAS, PROJETOS E AÇÕES
5.1. Saberes da Terra
Introdução
Aproximadamente 32 milhões de brasileiros e brasileiras vivem no campo. Para
essa população, o acesso à educação escolar continua sendo um desafi o. O Saberes
da Terra: programa nacional de educação de jovens e adultos integrada à qualifi cação
social e profi ssional para agricultores e agricultoras familiares, foi criado pelo Governo
Federal para enfrentar as desigualdades educacionais entre o campo e a cidade. Sua
metodologia reconhece as necessidades próprias e a realidade diferenciada da popula-
ção do campo.
O programa estimula e apóia o fortalecimento e a ampliação das iniciativas de
acesso e permanência de jovens agricultores familiares na rede pública de ensino. É
uma parceria entre os Ministérios da Educação, do Trabalho e Emprego, do Desenvol-
vimento Agrário e da Cultura e envolve parcerias locais entre as Secretarias Estaduais
e Municipais de Educação, organizações não-governamentais e movimentos sociais e
sindicais do campo.
Objetivo Geral
Elevar a escolaridade de jovens e adultos agricultores familiares, proporcionando
certifi cação correspondente ao ensino fundamental, integrada à qualifi cação social e
profi ssional.
Objetivos Específi cos
Estimular, mediante transferência de recursos técnicos, materiais e nancei-
ros, a oferta de cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) às populações
que vivem no campo;
Promover a qualifi cação profi ssional de jovens e adultos que vivem no campo
integrada à Educação Básica;
Fortalecer o desenvolvimento de propostas pedagógicas e metodológicas ade-
quadas à EJA para o campo, integrada à formação social e profi ssional;
Realizar formação continuada em metodologias e princípios político-pedagó-
gicos voltados às especifi cidades do campo para os educadores envolvidos no
programa;
Fornecer e publicar materiais pedagógicos apropriados ao desenvolvimento
do programa;
Promover o desenvolvimento sustentável, tornando viável a vida digna, o tra-
balho e a cidadania para os povos do campo.
CADERNOS SECAD
28
Anotações
Justifi cativa
A desigualdade entre os níveis de escolaridade dos indivíduos que vivem no cam-
po e os que vivem nas cidades está claramente demonstrada nas pesquisas popula-
cionais e educacionais. Em todos os indicadores sociais e educacionais as populações
do campo estão em desvantagem, sejam eles relativos à matrícula, ao desempenho
educacional dos alunos, à formação dos profi ssionais de educação ou à infra-estrutura
física das escolas.
Essa realidade aponta para a necessidade de adoção de políticas que revertam a
situação da educação oferecida aos indivíduos em idade escolar - a m de se impedir
que esse quadro se perpetue - e que, ao mesmo tempo, resgatem a dívida histórica da
sociedade brasileira para com os jovens e adultos que vivem no campo e não tiveram a
oportunidade de freqüentar a escola.
Para tanto, deve-se enfocar tanto o problema da escolarização quanto da qua-
lifi cação profi ssional, fortalecer e ampliar o acesso e a permanência de agricultores
familiares no sistema formal de ensino, oferecendo oportunidades de elevação de esco-
laridade, qualifi cação profi ssional e desenvolvendo a solidariedade e a cidadania.
É preciso, ainda, superar a dicotomia histórica entre a Educação Básica (funda-
mental, média e de jovens e adultos) e a formação profi ssional. Para isso, deve-se atuar
na formação continuada de educadores, professores e coordenadores, de modo a, efe-
tivamente, promover a sua integração e fortalecer o desenvolvimento de metodologias
adequadas às especifi cidades da Educação de Jovens e Adultos para o campo.
A importância histórica, social e econômica da agricultura familiar para o campo
brasileiro é outra variável que deve ser considerada. É preciso dar ênfase a essa forma
de organização do trabalho, que mantém na família o controle sobre as decisões que se
referem à cultura e à atividade a ser explorada. O trabalho, exercido pelo grupo familiar,
destina-se prioritariamente ao sustento da própria família, mas não exclui a produção
de excedentes para comercialização e criação de renda.
O Censo Agropecuário 1995/1996, realizado pelo IBGE, revela que, naquele pe-
ríodo, aproximadamente 85% do total de propriedades rurais do país pertenciam a
grupos familiares. A atividade agrícola, para 13,8 milhões de pessoas representava,
praticamente, a única alternativa de vida, em cerca de 4,1 milhões de estabelecimentos
familiares, o que correspondia a 77% da população ocupada na agricultura. Cerca de
60% dos alimentos consumidos pela população brasileira vêm desse tipo de produção
rural (GUANZIROLI
, 2000).
A base legal para a instituição de políticas públicas diferenciadas para o atendi-
mento escolar das pessoas que vivem e trabalham no campo prescreve a adequação
do calendário escolar às condições climáticas e ao ciclo agrícola, bem como a contex-
tualização da organização curricular e das metodologias de ensino às características e
realidades da vida dos povos do campo. O programa Saberes da Terra se orienta ainda
pelos seguintes pressupostos:
A Educação de Jovens e Adultos é um direito dos povos do campo, um instru-
mento de promoção da cidadania e deve ser uma política pública dos sistemas
federal, estaduais e municipais de ensino;
Educação do Campo
29
O trabalho e a qualifi cação profi ssional é um direito dos povos do campo;
A Educação de Jovens e Adultos é uma estratégia viável de fortalecimento do
desenvolvimento sustentável com enfoque territorial;
A educação é afi rmação, reconhecimento, valorização e legitimação das di-
ferenças culturais, étnico-raciais, de geração, de gênero, da diversidade de
orientação sexual e sócioambiental;
Existem sujeitos sociais que possuem projetos poticos e pedagógicos próprios.
Metas
O biênio 2005 - 2006 foi de implantação do projeto-piloto. Para essa fase, esti-
pulou-se as seguintes metas: 1) promover a formação de cerca de cinco mil educandos,
com certifi cação correspondente ao ensino fundamental e qualifi cação profi ssional;
2) capacitar cerca de seiscentos profi ssionais da educação professores, educadores,
instrutores, técnicos e gestores para implementação do Programa; 3) construir, em
parceria com estados, municípios e movimentos sociais, uma metodologia de Educação
de Jovens e Adultos, integrada à qualifi cação profi ssional, que possa ser contextuali-
zada às diferentes realidades e necessidades regionais e culturais; e, 4) construir uma
metodologia para elaboração de material didático-pedagógico que possa ser replicada
de acordo com o contexto.
Benefi ciários
Jovens e adultos que atuam na agricultura familiar, residentes no campo, que
não concluíram o Ensino Fundamental ou que tenham freqüentado apenas
programas de alfabetização;
Profi ssionais da educação - professores, educadores, instrutores, técnicos e
gestores - vinculados aos sistemas federal, estaduais e municipais de educação
e aos movimentos sociais;
Sistemas públicos de ensino que atuem na Educação do Campo.
Forma de Implementação
O Programa Saberes da Terra é coordenado, no âmbito federal, por três instân-
cias que constituem a Coordenação Nacional :
Comitê Interministerial - formado por representantes do MEC, Secad e Se-
cretaria de Educação Profi ssional e Tecnológica (Setec); do Ministério do Tra-
balho e Emprego (MTE), Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) e
Secretaria de Políticas Públicas e Emprego (SPPE); e do Ministério do Desenvol-
vimento Agrário (MDA), Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) e Secretaria
de Desenvolvimento Territorial (SDT). Esse Comitê conta, ainda, com a cola-
boração de representantes do Ministério da Cultura (MinC) e do Ministério do
Meio Ambiente (MMA). Suas competências são: i) articular o Programa junto
aos diferentes ministérios e poderes públicos; ii) promover a articulação das
ações do Programa com o conjunto de políticas de educação; iii) defi nir as me-
tas e critérios para seleção de projetos e respectivos proponentes; iv) aprovar
os projetos a serem nanciados; v) garantir e orientar a gestão dos recursos
necessários para o desenvolvimento do Programa; e vi) articular ações que
CADERNOS SECAD
30
Anotações
garantam a representatividade dos movimentos sociais no Programa.
Comitê Pedagógico - composto pela equipe técnica dos Ministérios parcei-
ros e representantes pedagógicos dos movimentos sociais, compete a ele: i)
construir o referencial pedagógico e metodológico do Programa, defi nindo
diretrizes e subsídios para a formação inicial e continuada; ii) realizar estu-
dos, análises, avaliações e monitoramento das experiências pedagógicas dos
Estados a partir do referencial pedagógico e metodológico das diretrizes do
programa; iii) identifi car e disseminar as “boas práticas” desenvolvidas no âm-
bito do programa nos Estados; iv) realizar a análise pedagógica dos projetos,
durante a seleção; v) promover a articulação das ações do programa com o
conjunto das políticas de educação; e, vi) convidar eventuais colaboradores
para o debate de temas pedagógicos.
Coordenação Executiva - é feita pela Secad, a qual é responsável: i) pelo pla-
nejamento e execução das atividades de coordenação nacional; ii) pela gestão
da política nacional, mediante planejamento, acompanhamento, e avaliação
dos projetos e respectivos proponentes; iii) pelo acompanhamento in loco da
implementação do programa, no que diz respeito à gestão política, nanceira
e pedagógica do programa; iv) pela articulação do programa junto ao Comitê
Interministerial, ao Comitê Pedagógico Nacional e às Coordenações Estaduais;
v) pela articulação nos estados junto aos comitês, universidades, movimentos
sociais, secretarias estaduais e municipais de educação, União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime); e, vi) pela análise técnica dos
projetos e da capacidade técnica dos proponentes.
A Coordenação Nacional, com o objetivo de aprofundar a compreensão meto-
dológica do Programa, realiza Seminários Nacionais de Formação com os integrantes
das equipes estaduais do Programa.
No âmbito estadual e municipal, o Programa é executado, mediante convênio,
com os seguintes entes: estados ou municípios representados pela Undime ou asso-
ciações de municípios juridicamente constituídas em parceria com as organizações da
sociedade civil, sem fi nalidades lucrativas, com experiência em EJA do campo.
O apoio nanceiro a estados, municípios e outros entes para a implementação
do Programa em suas regiões é defi nido em edital publicado pelo MEC, contendo as es-
pecifi cações técnicas para a apresentação de projetos e qualifi cação dos proponentes.
Em cada estado, região ou município as parcerias são confi guradas de acordo
com a existência de entidades que tenham experiência em EJA e/ou trabalhem com a
agricultura familiar, e cuja orientação seja compatível com os princípios que regem o
Programa. Os interessados elaboram os projetos básicos de EJA com elevação de esco-
laridade e qualifi cação social e profi ssional a serem implementados junto às redes pú-
blicas de ensino, para análise e aprovação pelas instâncias que coordenam o Programa
em âmbito federal.
Metodologia do programa
A Coordenação Nacional do Programa elaborou o projeto básico que serve de
referência para a construção, pelas equipes estaduais, dos percursos pedagógicos a
serem desenvolvidos em cada estado.
Educação do Campo
31
Nos Seminários Nacionais, as equipes estaduais de formação aprofundam, junto
à coordenação nacional, as diretrizes pedagógicas do Projeto e trabalham metodologias
que poderão ajudar na formação dos educadores nos estados. Essa formação é inicial e
continuada e nela as equipes estaduais trabalham as metodologias a serem desenvolvi-
das em sala de aula pelos educadores.
A organização curricular do programa Saberes da Terra proposta no projeto-base
respeita o ciclo de produção e as culturas das populações identifi cadas com o campo
e possibilita ao aluno (jovem ou adulto) elevar sua escolaridade, ao mesmo tempo em
que se qualifi ca profi ssionalmente, segundo os princípios da Pedagogia da Alternância
14
e tendo o trabalho como princípio educativo.
Sua proposta pedagógica está fundamentada no eixo curricular articulador Agri-
cultura Familiar e Sustentabilidade, que dialoga com os eixos temáticos: 1) Agricultura
familiar: etnia, cultura e identidade; 2) Desenvolvimento Sustentável e Solidário com
Enfoque Territorial; 3) Sistemas de Produção e Processos de Trabalho no Campo; e
4) Economia Solidária e Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas. Os eixos
temáticos agregam conhecimentos da formação profi ssional e das respectivas áreas
temáticas para a elevação da escolaridade.
A carga horária obrigatória do curso é de 3.200 horas, dividida em 2 anos - das
quais 2.400 horas, no mínimo, devem corresponder a atividades pedagógicas presen-
ciais envolvendo os estudantes, professores e educadores. As 800 horas não-presenciais
correspondem à preparação dos estudos e à aplicação prática dos novos conhecimen-
tos, pelo estudante, em suas atividades na família ou na comunidade.
Cada estado constrói o material pedagógico contextualizado à realidade local.
A metodologia de construção dos materiais pedagógicos tem por princípio a pesqui-
sa participativa. Dessa forma, os formadores, educadores e educandos desenvolvem e
aprofundam os princípios propostos no programa nacional, trazendo para o contexto
social e ambiental da região.
Tem direito à certifi cação o educando que concluir com aproveitamento o pro-
cesso formativo e obtiver a freqüência mínima de 75% da carga horária. Os concluintes
receberão certifi cação em Ensino Fundamental com Qualifi cação Profi ssional Inicial em
Produção Rural. A certifi cação estará sob responsabilidade das Escolas Agrotécnicas
Federais (EAF), escolas estaduais e Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET),
seguindo a regulamentação da instituição certifi cadora.
Resultados
A primeira etapa de execução do Saberes da Terra se iniciou em dezembro de
2005, com a seleção de entidades executoras em 12 Unidades da Federação (BA, PB,
PE, MA, PI, RO, TO, PA, MG, MS, PR e SC). São Secretarias Estaduais de Educação, re-
presentações da UNDIME nos estados e uma associação de municípios que organizam
suas formações em parceria com as entidades e movimentos sociais do campo.
Durante o ano de 2006, a Coordenação-Geral de Educação do Campo organi-
zou, em colaboração com os Ministérios parceiros, 3 seminários nacionais para formar
14 A pedagogia da alternância se constitui em um processo educativo em que o aluno alterna períodos de apren-
dizagem na família com períodos na escola. Os ambientes e os tempos escolar e comunitário são interligados por
meio de instrumentos pedagógicos específi cos capazes de constituir um conjunto harmonioso entre as comuni-
dades e a ação pedagógica.
CADERNOS SECAD
32
Anotações
as equipes dos doze estados participantes do programa. O primeiro deles, de 8 a 10 de
março de 2006, teve por objetivo trabalhar as questões que dizem respeito à gestão.
Nos outros dois seminários, realizados em abril e setembro do mesmo ano, em Brasília,
com duração de 40 horas semanais cada um, foram focados aspectos pedagógicos, a
m de aprofundar conceitos e construir coletivamente a metodologia a ser desenvol-
vida para o Saberes da Terra nos Estados. Está sendo planejada a realização de novos
seminários nacionais para o ano de 2007.
Para a implementação do projeto, no biênio 2005/2006 destinou-se cerca de R$
10.000.000,00 (dez milhões de reais), sendo R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais)
provenientes da Secad/MEC (Ação 09507 Apoio a projetos especiais para oferta de
Educação Básica para Jovens e Adultos), R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), prove-
niente do MTE, e R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), proveniente do MDA.
Esses recursos foram transferidos, mediante convênio, a projetos a serem execu-
tados em 2 anos, os quais benefi ciarão 5.060 jovens agricultores familiares, conforme
resumo abaixo:
Bahia
Executor: Seduc Alunos atendidos: 300
Parceiros: Escola Agrotécnica de Ribeira do Pombal, Escola de Agricultura da Região de
Irecê, Semear.
Municípios: Conceição do Coité e Ribeira do Pombal.
Paraíba
Executor: Seduc Alunos atendidos: 600
Parceiros: Seec, Serviço Nacional da Agricultura (Senar), Comissão Pastoral da Terra,
Universidade Estadual da Paraíba, Escola Agrotécnica de Sousa, Escola Agrotécnica de
Bananeiras.
Municípios: Arara, Areia, Bananeiras, Barra de Santa Rosa, Boqueirão, Borborema, Ca-
malau, Cruz do Espírito Santo, Cuité, Duas Estradas, Esperança, Fagundes, Gado Bravo,
Itabaiana, Itatuba, Natuba, Pilar, Pitimbu, Pocinhos, Rio Tinto, Salgado de S. Felix, Santa
Rita, São José dos Ramos.
Pernambuco
Executor: Seduc Alunos atendidos: 800
Parceiros: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), Federação dos Trabalhadores da
Agricultura de Pernambuco (Fetape), Comunidades Quilombolas.
Municípios: Região Metropolitana Sul, Sertão do Araripe, Sertão do Alto Pajeú, Sertão
do Moxotó Ipanema, Litoral Sul, Agreste Centro Norte, Sertão do Submédio São Fran-
cisco, Agreste Meridional, Vale do Capibaribe, Mata Norte, Mata Sul, Sertão do Médio
São Francisco, Sertão Central, Mata Dentro.
Educação do Campo
33
Maranhão
Executor: Seduc Alunos atendidos: 500
Parceiros: Universidade Federal do Maranhão, Escola Agrotécnica Federal de São Luís,
entidades que compõem o Comitê Executivo Estadual da Educação do Campo.
Municípios: Mirinzal, Central do Maranhão, Cedral, Curupuru, Guimarães, Alcântra,
Turiaçu, Barreirinhas, Presidente Juscelino, Cachoeira Grande, Axixá, Morros, Humberto
de Campos, Primeira Cruz, Santo Amaro, Água Doce do Maranhão, Tutóia, Santana
do Maranhão, Paulino Maranhão, Paulino Neves, Pedreiras, São Luiz Gonzaga, Lago do
Junco, Lagoa Grande, Peritoró, Codó, Capinzal do Norte, Bom Jesus das Selvas, Bom
Jardim, Estreto, Imperatriz.
Piauí
Executor: Seduc Alunos atendidos: 400
Parceiros: MST, Fetag, Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf/PI),
Associação Regional das Escolas Família Agrícola do Piauí (Aefa/PI), Colégio Agrícola de
Teresina, da Universidade Federal do Piauí, Fundação Pe. Antônio Dante Civeiro (Funa-
ci), Fundação Santa Ângela.
Municípios: Lagoa do São Francisco, Domingos Morão, Milton Brandão, Brasileira, Bata-
lha, Barras, Nossa Senhora dos Remédios, Porto, Água Branca, Agricolândia, São Gon-
çalo, Angical, Palmeiras, Altos, Demerval Lobão, Lagoa Alegre, José de Freitas, Santa
Cruz dos Milagres, São Félix, Elesbão Veloso, Valença, Pimenteiras, Santa Rosa do Piauí,
Tanque do Piauí, São Francisco do Piauí, Wall Ferraz, Campinas do Piauís, Floresta do
Piauí, Simplício Mendes, Dom Expedito Lopes, Paquetá, Santa Cruz do Piauí, Coronel
José Dias, João Costa, Pedro Laurentino, Canto do Buriti.
Rondônia
Executor: Undime Alunos atendidos: 300
Parceiros: Universidade Federal de Rondônia, Escola Sindical Chico Mendes, Centro de
Pesquisa de Populações Tradicionais Cuniã (CPPT-Cuniã).
Municípios: Porto Velho, Candeiras do Jamari, Itapuã do Oeste, Cujubim, Campo Novo
de Rondônia, Monte Negro, Buritis, Machadinho do Oeste.
Tocantins
Executor: Seduc Alunos atendidos: 300
Parceiros: Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), Escola Agrotécnica Federal de
Araguatins.
Municípios: Araguatins, Augustinópolis, Buritis do Tocantins, Carrasco Bonito, Esperan-
tina, Sítio Novo do Tocantins, São Bento do Tocantins, Cachoeirinha, Campos Lindos.
Pará
Executor: Undime Alunos atendidos: 760
Parceiros: Universidade do Estado do Pará, Universidade Federal Rural, EFA/PA, Fata/
PA, Geperuaz/PA, Densa – Nova Amafrutas/PA, FVPP/PA, Mova/AJURI/PA, Issar/PA, Ce-
denpa, Arcafar/PA, Fetagri/PA.
Municípios: Breve, Belterra, Concórdia do Pará, Igarapé Mirim, Ipixuna, Jutiti, Marabá,
Maracanã, Medicilândia, Moju, Pacajá, Paragominas, Portel, Santa Luzia, São Sebastião
de Boa Vista, Uruará, Viseu, Xinguará.
CADERNOS SECAD
34
Anotações
Minas Gerais
Executor: Undime Alunos atendidos: 300
Parceiros: CAA – NM – Centro de Agricultura Alternativa, CEFET.
Municípios: Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha: Montes Claros, Almenara, Portei-
rinha, Teófi lo Otoni, São João da Ponte.
Mato Grosso do Sul
Executor: Seduc Alunos atendidos: 300
Parceiros: CPT, Fetragri, MST, UFMS, UEMS.
Municípios: Itaquari, Ponta Porã, Dourados, Sidrolândia, Nioaque, Anastácio, Dois Ir-
mãos do Buriti, Corumbá, Nova Andradina.
Paraná
Executor: Assoc. de Municípios de Cantuquiriguaçu Alunos atendidos: 400
Parceiros: Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Laranjeiras do Sul, As-
sociação de Pequenos Produtores Rurais de Porto Barreiro, CESAP, Escola Agrotécnica
de Rio do Sul.
Municípios: Rio Bonito do Iguaçu, Nova Laranjeiras, Laranjeira do Sul, Reserva do Igua-
çu, Porto Barreiro, Candói, Virmond, Goioxim, Marquinho, Pinhão.
Santa Catarina
Executor: Seduc Alunos atendidos: 400
Parceiros: Escola Agrotécnica Federal de Rio do Sul, Empresa de Assistência Técnica
(Epagri), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e Via Camponesa.
Municípios: Rio do Sul, Itajaí, Joinville, Aranguá, Canoinhas, Concórdia, São Miguel do
Oeste, Lages, Joaçaba, São Lourenço do Oeste.
5.2. Plano Nacional de Formação dos
Profi ssionais da Educação do Campo
Introdução
A formulação de um Plano Nacional de Formação dos Profi ssionais da Educação
do Campo é uma demanda histórica dos professores das escolas do campo e uma
das prioridades defi nidas pelo Grupo Permanente de Trabalho da Educação do Cam-
po (GPT)
15
. Por essa razão, está sendo construída pela CGEC/Secad/MEC uma política
nacional de formação, que contempla um sistema nacional articulado e integrado, de
formação inicial e continuada de profi ssionais de Educação do Campo, buscando pos-
sibilitar o atendimento efetivo dessas demandas e a diversidade de sujeitos e contextos
presentes nas escolas do campo. A estratégia de implementação deve estabelecer um
processo institucional que aproxime instituições de ensino, pesquisa e extensão, em
especial as Universidades, das redes de ensino do campo e de suas reais necessidades.
15 Colegiado criado pela Portaria MEC n° 1.374/03, para subsidiar a formulação de políticas públicas para a Edu-
cação do Campo.
Educação do Campo
35
Objetivo
Estabelecer uma política nacional de formação permanente e específi ca dos pro-
ssionais da Educação do Campo que possibilite o atendimento efetivo das demandas
e necessidades dos alunos, educadores, redes de ensino e comunidades do campo.
Objetivos específi cos
Promover a valorização dos pro ssionais que atuam na Educação do Campo;
Financiar ações de formação inicial e continuada de profi ssionais da Educa-
ção do Campo;
Estimular parcerias entre poder público, universidades e organizações so-
ciais para a formação inicial e continuada de profi ssionais de Educação do
Campo;
Promover convênios com as universidades públicas para a realização de cur-
sos de formação continuada para pro ssionais de Educação do Campo.
Justifi cativa
A educação escolar constitui um direito social e cabe ao Estado garantir as condi-
ções e os recursos para a sua efetivação. Isto pressupõe, entre outras condições, realizar
no campo a inclusão de milhares de crianças, jovens e adultos na formação básica em
condições igualitárias de acesso e permanência, rompendo com formas seletivas de
privilégio ainda vigentes na educação escolar.
Dados coletados pelo INEP demonstram as diferenças no grau de formação dos
professores da zona rural em relação aos da zona urbana. De acordo com o Censo Esco-
lar de 2005, no ensino fundamental de 1ª a 4ª série, apenas 21,6% dos professores das
escolas rurais têm formação superior, enquanto nas escolas urbanas esse contingente
representa 56,4% dos docentes. O que é mais preocupante, no entanto, é a existência
de 6.913 funções docentes sendo exercidas por professores que têm apenas o ensino
fundamental e que, portanto, não dispõem da habilitação mínima para o desempenho
de suas atividades. A maioria desses professores leigos atua nas Regiões Nordeste e
Norte.
Um aspecto positivo a ser considerado é que a proporção de professores leigos
atuando nas séries iniciais do ensino fundamental na área rural declinou acentuada-
mente no período de 2002 a 2005, diminuindo de 8,3% para 3,4% do total de profes-
sores em exercício nas escolas rurais.
O nível de formação dos docentes que atuam no ensino médio também demons-
tra a desigualdade entre a educação básica oferecida à população da zona rural e a da
zona urbana. De acordo com o mesmo Censo, apesar de uma rede física bastante redu-
zida, com 14.822 docentes, que atuam em apenas 1.377 estabelecimentos, 11,3% têm
escolaridade de nível médio. Na zona urbana, esse índice é de apenas 4,2%. Observe-se
que, de acordo com a legislação em vigor, esses professores não estão habilitados para
atuar no ensino médio.
Verifi ca-se ainda a existência de 354.316 professores atuando na Educação Bá-
sica em escolas localizadas na zona rural, eles representam 15% dos profi ssionais em
exercício no país e são, em média, os que possuem menor grau de qualifi cação e tam-
bém os que recebem os menores salários.
CADERNOS SECAD
36
Anotações
A Educação do Campo conta hoje com respaldo legal para exigir um tratamento
diferenciado e específi co. O art. 28 da LDB (Lei 9.394/96) estabelece o direito da
população rural a um sistema de ensino adequado às suas peculiaridades regionais e
de vida. Com isso, a política de atendimento escolar não deve mais se satisfazer com a
mera adaptação, o processo escolar deve se adequar e reconhecer a diversidade socio-
cultural e o direito à igualdade e à diferença.
A Resolução CNE/CEB 01/02
16
, art. 12, § único, recomenda que os sistemas
de ensino desenvolvam políticas de formação inicial e continuada, habilitando todos
os professores leigos e promovendo o aperfeiçoamento permanente dos docentes. Re-
comenda, ainda, em seu artigo 13, que sejam observados o respeito à diversidade e
o protagonismo de estudantes, educadores e comunidades do campo, bem como de-
senvolvidas propostas pedagógicas que valorizem a diversidade cultural, os processos
de transformação do campo, a gestão democrática, o acesso aos avanços científi cos e
tecnológicos e os princípios éticos que norteiam a convivência solidária.
Nesse contexto, a formulação de uma política nacional de formação específi ca
para a Educação do Campo é aspecto central na consolidação de uma abordagem
concebida a partir do campo e para o campo, que rompe com a visão urbanocêntrica
desenvolvida para resolver os problemas da cidade, ou mesmo no intuito de urbanizar
o campo.
Essa proposta de formação implica, em última instância, a reestruturação das es-
colas para que estas participem de um novo projeto social de campo, economicamente
justo e ecologicamente sustentável. Uma escola que implemente e consolide, como
local privilegiado de sistematização do conhecimento, um espaço de discussão onde se
debatam os fundamentos de uma nova ordem social, que leve em conta a sustentabi-
lidade ambiental, agrícola, agrária, econômica, social, política e cultural, bem como a
eqüidade de gênero, étnico-racial, intergeracional e a diversidade de orientação sexual.
Essa escola deve se orientar não para o cumprimento do direito de acesso universal
à educação como também para a legitimação de processos didáticos, localmente sig-
nifi cados.
Benefi ciários
Professores, gestores e pedagogos em exercício na rede pública de ensino
municipal e estadual, nas escolas comunitárias de Pedagogia da Alternân-
cia, nos programas governamentais nacionais e estaduais de Educação do
Campo;
Técnicos em gestão escolar, em multimeios didáticos, em infra-estrutura e
ambiente escolar e em alimentação escolar;
Educadores e educadoras que atuam com educação não escolar em orga-
nizações não-governamentais e movimentos sociais do campo.
Estratégia de implementação
Em dezembro de 2005, foi instituída uma Comissão de Formação no âmbito do
Grupo Permanente de Trabalho em Educação do Campo, composta por representantes
16 Resolução CNE/CEB 1, de 03/04/07, que institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo.
Educação do Campo
37
da Secad, da Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário (SDT/MDA), do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma
Agrária (Iterra), pesquisadores e professores universitários, para elaborar uma propos-
ta preliminar de um Plano Nacional de Formação para Profi ssionais da Educação do
Campo. A proposta preliminar foi apresentada ao coletivo do GPT (Consed, Undime,
movimentos sociais e sindicais) em março de 2006.
De acordo com a referida proposta, o Plano estrutura-se em duas linhas de ação:
1) política de formação inicial e continuada e 2) produção de material didático-pedagó-
gico e pesquisa. A primeira linha contempla a formação em nível médio, bem como a
formação superior em nível de graduação e pós-graduação. Para a formação em nível
médio, será promovida a implementação de cursos normais e de cursos técnicos de
acordo com as demandas locais. A formação superior em nível de graduação dar-se-á
por meio da promoção de cursos de licenciatura plena em educação do campo. Para o
apoio à pós-graduação, serão promovidas a implementação de cursos de especializa-
ção em educação do campo e a criação de linhas de pesquisa para estabelecimento de
cursos de mestrado.
A formação continuada e o aperfeiçoamento profi ssional deverá ocorrer por
meio do intercâmbio de experiências, com estabelecimento de redes de pesquisadores,
realização de seminários, criação ou fortalecimento de fóruns virtuais, promoção de
cursos para aperfeiçoamento técnico-pedagógico para os profi ssionais em exercício.
A segunda linha contempla a formulação e publicação de material didático-pe-
dagógico específi co, bem como a realização de pesquisas e o mapeamento de informa-
ções que subsidiem a implementação das políticas e a implementação de experiências
pedagógicas alternativas.
Devido à complexidade das ações, será preciso criar estratégias e planos de tra-
balho com as demais secretarias do MEC e dos ministérios envolvidos, bem como dis-
cutir democraticamente com as secretarias de educação dos estados e universidades a
forma de implantação deste plano.
Situação do projeto
A proposta preliminar e as estratégias para implementação de cada ação estão
sendo debatidas nas bases dos movimentos sociais com representação no GPT
17
e serão
incorporadas ao plano fi nal.
A ação 1, relativa à formação inicial e continuada diz respeito à Licenciatura em
Educação do Campo e teve seu processo de formulação concluído em âmbito interno,
a partir de amplos debates com o GPT, nos quais foram defi nidas diretrizes, princípios,
metodologia, público-alvo e forma de implementação. Os projetos-piloto serão execu-
tados por universidades públicas em parceria com a Secretaria de Educação Superior
(Sesu) e a Secad.
17 Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA), Comissão Pastoral da Terra (CPT),
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede de Educação do Semi-Árido (RESAB), Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB), Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Pastoral da
Juventude Rural (PJR), Movimento de Pequenos Agricultores (MPA).
CADERNOS SECAD
38
Anotações
5.3. Revisão do Plano Nacional de
Educação – Lei nº 10.172/2001
Introdução
A criação do Plano Nacional de Educação (PNE) foi determinada pelo art. 214
da Constituição Federal e tem por objetivo articular as ações voltadas para o desen-
volvimento do ensino em seus diversos níveis e modalidades, capazes de conduzir à
erradicação do analfabetismo, à universalização do atendimento escolar, à melhoria da
qualidade do ensino, à formação para o trabalho e à promoção humanística, científi ca
e tecnológica do país.
Por ocasião da formulação do atual PNE, a educação para as populações iden-
tifi cadas com o campo foi tratada de modo inadequado e insufi ciente. Educadores e
representantes dos movimentos sociais do campo apontam equívocos e omissões em
grande parte do diagnóstico e nas metas defi nidas, as quais não correspondem às de-
mandas reais dessas populações.
Considerando-se que o próprio Plano determinava a avaliação de sua implemen-
tação pelo Congresso Nacional e o seu aperfeiçoamento, a CGEC/Secad, em parceria
com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), elaborou uma
proposta para corrigir as distorções apontadas.
Objetivo
Tornar o diagnóstico, as diretrizes e as metas do PNE condizentes com uma
Educação do Campo de qualidade, referenciada nas experiências e contextos de suas
populações e segmentos.
Justifi cativa
A construção e realização de um projeto de desenvolvimento nacional alicerçado
em princípios de justiça social e eqüidade implicam a garantia de acesso para as po-
pulações do campo à educação de qualidade, pública e gratuita, referenciada em suas
diferentes experiências e contextos.
O Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei nº 10.172/01, estabelece
metas a serem cumpridas em dez anos, contados a partir da data de sua aprovação.
Para cada um dos níveis e modalidades da educação, assim defi nidos na LDB, o PNE
apresenta um diagnóstico, diretrizes e metas.
Alguns dos capítulos do PNE se referem à educação para as populações que vi-
vem e trabalham no campo, de forma imprecisa e por vezes imprópria. Seria esperado
que as localidades rurais recebessem tratamento diferenciado e específi co, porque são
elas as que apresentam de forma mais acentuada os problemas cuja solução o Plano
considera prioritária; entretanto, isso não aconteceu.
Educação do Campo
39
Nas diretrizes estabelecidas para o Ensino Fundamental, encontra-se um exem-
plo claro desse tratamento equivocado, segundo o Plano,
A escola rural requer um tratamento diferenciado, pois a oferta de
ensino fundamental precisa chegar a todos os recantos do País, e
a ampliação da oferta de quatro séries regulares em substituição
às classes isoladas unidocentes é a meta a ser perseguida, conside-
rando as peculiaridades regionais e a sazonalidade. (BRASIL. PNE,
2002)
A recomendação de que a “oferta de quatro séries regulares” deve substituir as
“classes isoladas unidocentes” parte de uma compreensão equivocada porque atribui
valor negativo a esse tipo de organização escolar, a qual, em condições favoráveis de
formação e remuneração do professor e de infra-estrutura adequada, permitiria a ofer-
ta de ensino em áreas de população muito rarefeita.
Além disso, a mesma diretriz se limita a estabelecer como meta a ser perseguida
a oferta de apenas quatro séries do ensino fundamental, em descumprimento ao pre-
ceito constitucional, que estabelece o Ensino Fundamental de oito anos como obrigató-
rio e gratuito, além de direito público subjetivo.
A transformação aventada reforça práticas de nucleação escolar que se efetivam
pela reunião de várias pequenas escolas em unidades escolares maiores, com o corres-
pondente transporte de alunos para longe de suas localidades. Pior ainda, reforça a
tendência de fechamento das escolas do campo e a transferência de seus alunos para
escolas localizadas na periferia das cidades. Cabe salientar que o transporte escolar tem
sido apontado como um dos principais problemas da educação oferecida às populações
do campo, pois tem sido feito de maneira inadequada e, na maioria das vezes, condu-
zindo crianças das localidades rurais para as urbanas.
Como conseqüência de tudo isso temos a estigmatização dos alunos por parte
dos colegas da cidade e, conseqüentemente, a redução de sua auto-estima, com
prejuízos para a vida escolar e pessoal e altas taxas de evasão e abandono.
Para a Educação de Jovens e Adultos, o diagnóstico estabelece:
Como face da pobreza, as taxas de analfabetismo acompanham
os desequilíbrios regionais brasileiros, tanto no que diz respeito às
regiões político-administrativas como no que se refere ao corte ur-
bano/rural. Assim, é importante o acompanhamento regionalizado
das metas, além de estratégias específi cas para a população rural.
(Op. Cit)
No entanto, nos objetivos e metas traçados, não aparece expresso o meio rural,
mas apenas
Estabelecer programa nacional, para assegurar que as escolas pú-
blicas de ensino fundamental e médio localizadas em áreas carac-
terizadas por analfabetismo e baixa escolaridade ofereçam progra-
mas de alfabetização e de ensino e exames para jovens e adultos,
de acordo com as diretrizes curriculares nacionais. (Op. Cit.)
Uma outra questão importante que não foi aventada no plano é a formação
de profi ssionais de educação voltada especifi camente para as populações do campo.
Entre as metas propostas para o Magistério da Educação Básica essa necessidade não
é sequer mencionada.
CADERNOS SECAD
40
Anotações
Em virtude de todas estas considerações, constatou-se a necessidade de elabo-
ração de um diagnóstico preciso das defi ciências e necessidades da educação para a
realidade do campo, tendo em vista sua diversidade, bem como o estabelecimento de
objetivos e metas pertinentes, que garantam o direito à educação para as populações
identifi cadas com o campo.
Benefi ciários
Toda a população do campo, em particular educadores e alunos das escolas do
campo, envolvendo segmentos como pescadores artesanais, trabalhadores da pesca,
agricultores familiares, agricultores assalariados, trabalhadores rurais temporários, as-
sentados, ribeirinhos, caiçaras.
Estratégias de implementação
A CGEC, em articulação com o GPT, elaborou uma proposta de alteração do PNE
para ser apresentada ao Congresso Nacional, em conjunto com as demais propostas
do MEC. A dinâmica dos trabalhos realizou-se por meio de reuniões de uma comissão
composta por representantes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime) e de movimentos sociais e sindicais de diferentes segmentos do campo orga-
nizados em âmbito nacional Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag), Rede de Educação do Semi-árido Brasileiro (Resab), Via Campesina e Centros
Familiares de Formação por Alternância (Ceffa). As discussões foram pautadas pelas
Diretrizes Operacionais da Educação Básica nas Escolas do Campo e por uma orientação
de educação voltada para a inclusão e a diversidade. A proposta de alteração do PNE
está em tramitação no Ministério da Educação para ser encaminhada ao Congresso
Nacional.
5.4. Fórum Permanente de Pesquisa
em Educação do Campo
Introdução
No período de 19 a 21 de setembro de 2005, foi promovido em Brasília o
Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo, em parceria com o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O encontro teve como objetivo
debater com pesquisadores de 24 estados brasileiros as principais questões teóricas e
práticas enfrentadas pelos atores da Educação do Campo. O debate foi estruturado a
partir de 4 eixos temáticos: 1) O Campo da Educação do Campo; 2) A Produção Peda-
gógica dos Movimentos Sociais e Sindicais; 3) Escola do Campo e 4) Pesquisa do Cam-
po. A m de dar continuidade a esse debate foi instituído o Fórum Virtual de Pesquisa
em Educação do Campo, espaço de convergência, troca e articulação de pesquisas e
refl exões teóricas.
Objetivo
Promover, por meio da instituição de uma rede virtual de pesquisadores, o de-
bate acerca da Educação do Campo, bem como a articulação dos pesquisadores e a
divulgação das pesquisas em andamento nesta temática.
Educação do Campo
41
Objetivos específi cos
Criar uma biblioteca virtual para divulgação de artigos, textos, disserta-
ções, teses, entre outros materiais;
Criar salas de bate-papo para debate on-line (fóruns virtuais) de temas
relativos à Educação do Campo.
Justifi cativa
Diversas questões teóricas e práticas têm desafi ado o governo e os movimentos
sociais a avançar na construção da Educação do Campo, especialmente no campo teóri-
co e metodológico. Para atingir o modelo almejado de escola do campo são necessários
estudos e pesquisas que contribuam para o conhecimento da diversidade cultural e das
especifi cidades da docência, entre outros aspectos.
O Professor Bernardo Mançano, em palestra proferida no I Encontro Nacional de
Pesquisa em Educação do Campo (2005), estabeleceu 1996 como o ano em que come-
çou a se estruturar a refl exão e o debate a respeito da Educação do Campo. Segundo
ele, até então predominava o paradigma do Ensino Rural, no qual o campo é visto como
apêndice produtivo da cidade. Nesse paradigma, a educação oferecida à população
rural ou é implementada a partir de um viés urbanocêntrico e instrumentalista, a m de
resolver questões urbanas - tais como contenção de migração, exploração dos recursos
naturais - ou com o objetivo de urbanizar o campo.
As políticas públicas construídas a partir dessa concepção fundamentam-se em
conceitos pedagógicos que colocam o campo como a faceta atrasada da cidade e a
educação prioritariamente a serviço do desenvolvimento urbano-industrial. Esta pers-
pectiva do campo como meio secundário, atrasado e provisório cou incrustada nas
políticas públicas de educação do Estado brasileiro até recentemente.
O paradigma da Educação do Campo, diferentemente do Ensino Rural, designa
o campo como espaço de vida, espaço geográfi co onde se realizam todas as dimensões
da vida humana e não apenas um espaço de produção de mercadorias. As formulações
teóricas da Educação do Campo preconizam a superação do antagonismo entre a cida-
de e o campo. Campo e cidade são vistos como partes mutuamente complementares.
Ao contrário da pretensa superioridade do urbano sobre o rural, a teorização da
Educação do Campo considera e respeita a existência de tempos e modos diferentes de
ser, viver e produzir, admitindo diferentes modelos de organização da educação.
Para isso, é necessária a construção de uma nova base conceitual sobre o campo
e sobre a Educação do Campo. O que pressupõe ações focadas na perspectiva de se
instalar nas instituições de pesquisa e produção de conhecimento, ligadas aos meios
acadêmicos ou aos movimentos sociais, uma agenda de pesquisa na temática do cam-
po e da Educação do Campo, cuja estratégia tem sido a de mobilizar pesquisadores e
instituições para o tema.
Metas
Implementar o Fórum Virtual de Pesquisa, iniciado com 79 participantes do I
Encontro Nacional de Pesquisa em Educação do Campo.
CADERNOS SECAD
42
Anotações
Público-alvo
Pesquisadores e pesquisadoras em Educação do Campo;
Gestores públicos;
Professores das escolas do campo;
Universidades;
Sistemas de Ensino.
Estratégia de implementação
O projeto foi desenvolvido em parceria com a Secretaria de Educação à Distância
(Seed) do MEC, a qual cou responsável pela capacitação de técnicos da CGEC para o
desenvolvimento e administração do Fórum, além do fornecimento de suporte técnico
para a plataforma e-ProInfo. Essa plataforma é um ambiente colaborativo de aprendiza-
gem, desenvolvido pela SEED, que utiliza a tecnologia internet e permite a concepção,
administração e desenvolvimento de diversos tipos de ações, como cursos a distância,
complemento a cursos presenciais, projetos de pesquisa, projetos colaborativos.
Resultados alcançados
A partir da divulgação da criação do Fórum, foram cadastrados 70 pesquisado-
res e abertos dois fóruns, um para discussão da proposta de Licenciatura em Educação
do Campo e outro para discussão da proposta de revisão do Plano Nacional de Educa-
ção. Foi também criada uma Biblioteca Virtual, na qual foram disponibilizados textos
sobre Educação do Campo.
5.5. Apoio à Educação do Campo
Introdução
O apoio à educação do campo é realizado por meio da transferência voluntária
de recursos fi nanceiros a projetos de capacitação de profi ssionais de educação, reforma
e construção de escolas, elaboração ou aquisição de material didático e apoio técni-
co, relativos a todos os níveis de educação. São enfocadas as demandas específi cas e
diferenciadas das populações campesinas, tais como: ribeirinhos, pescadores, agricul-
tores familiares, assentados, caiçaras, extrativistas, dentre outros, em cumprimento às
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, instituídas pela
Resolução CNE/CEB nº 01/02.
Objetivo geral
Promover, mediante apoio técnico e nanceiro, a melhoria da qualidade do en-
sino ministrado nas escolas do campo, prioritariamente as de ensino fundamental, com
vistas ao desenvolvimento de práticas voltadas para uma educação do campo contex-
tualizada.
Educação do Campo
43
Objetivos específi cos
Promover a capacitação dos profi ssionais da educação do campo pro-
fessores, técnicos e gestores das secretarias estaduais e municipais de
educação com vistas ao desenvolvimento de práticas orientadas pela
valorização do campo em todos os processos da aprendizagem escolar;
Estimular a elaboração, impressão, reprodução, aquisição e distribuição
de materiais didáticos e pedagógicos, que considerem as especifi cidades
do ambiente do campo e a diversidade social e cultural que os constitui;
Estimular a inclusão de atividades curriculares e pedagógicas contextuali-
zadas ao campo.
Justifi cativa
São muitos os elementos que demonstram a desigualdade de tratamento entre
as escolas públicas urbanas e rurais, com claro prejuízo para as últimas. No entanto,
no que se refere aos aspectos sobre os quais incide o presente projeto, as principais
questões dizem respeito à adoção de práticas voltadas para a valorização do ambiente
do campo, em sua complexidade histórica, cultural, social e econômica, no processo de
aprendizagem.
Neste sentido, são elementos importantes a estruturação curricular, a organiza-
ção do tempo e espaço de aprendizagem e a adoção de materiais didático-pedagógicos
em que o campo seja compreendido como elemento dinâmico, expressão da riqueza e
complexidade da realidade brasileira.
A legislação educacional apresenta uma vasta base para a instituição de políticas
públicas voltadas às pessoas que vivem e trabalham no campo. A LDB
18
, em seu art. 28,
estabelece que a oferta de educação básica para a população rural seja adequada às
peculiaridades da vida rural de cada região. Já o art. 5º da Resolução CNE/CEB nº 01/02
exige que as propostas pedagógicas das escolas do campo contemplem a diversidade
do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gê-
nero, geração e etnia.
Em relação à formação de professores, o § único do art. 12 da referida Resolu-
ção determina que os sistemas de ensino desenvolvam políticas de formação inicial e
continuada, habilitando todos os professores leigos e promovendo o aperfeiçoamento
permanente dos docentes.
A capacitação do educador tem sido considerada uma das variáveis mais rele-
vantes para a progressão e o aprendizado dos alunos, dada a importância deste profi s-
sional no processo de aprendizagem. Essa compreensão foi confi rmada nos Seminários
Estaduais de Educação do Campo, realizados pela SECAD/MEC em 25 estados entre
2004 e 2006.
A inadequação do material didático-pedagógico utilizado nas escolas, no qual
não se faz referência ao campo ou seu ambiente e suas populações são representadas
de forma estereotipada e preconceituosa, é um aspecto ressaltado nos mesmos semi-
nários e em diversos fóruns voltados para essa discussão.
18 Lei nº 9.394/96, que institui as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
CADERNOS SECAD
44
Anotações
Metas
As metas para este projeto são estipuladas anualmente, tendo como benefi ciário
nal os alunos matriculados nas escolas pertencentes aos sistemas de educação con-
templados com os recursos conveniados.
Benefi ciários
São benefi ciários fi nais os alunos matriculados no ensino fundamental em esco-
las do campo das redes municipais e estaduais de ensino ou em instituições comunitá-
rias, confessionais ou lantrópicas que desenvolvem atividades na educação do campo.
os benefi ciários diretos são as escolas apoiadas técnica e nanceiramente e os profi s-
sionais, professores e técnicos capacitados.
Forma de implementação
Anualmente são publicadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-
ção (FNDE) resoluções que regulamentam a transferência voluntária de recursos da do-
tação orçamentária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad), por meio de convênios. O apoio nanceiro pode ser pleiteado por instituições
federais, estaduais, municipais ou por entidades da sociedade civil sem ns lucrativos
que apresentem projetos educacionais sob a forma de Plano de Trabalho (PTA), con-
forme disposições constantes no Manual de Orientação para Assistência Financeira a
Programas e Projetos Educacionais, publicado pelo FNDE.
Os projetos são analisados pela Coordenação-Geral de Educação do Campo
(CGEC) que utiliza como critérios para a análise e aprovação os princípios e diretrizes
preconizados pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Cam-
po. No caso de propostas de entes públicos, é conferida prioridade aos municípios ou
estados com maior número de matrículas nas escolas do campo em relação ao total da
matrícula no ensino fundamental.
Para a elaboração de material didático-pedagógico, a seleção leva em conta a
pertinência do conteúdo em relação à realidade local, tendo em vista a valorização
da cultura dos diferentes segmentos do campo e sua incorporação nas atividades de
aprendizagem. Como forma de otimizar o alcance dos recursos é também conferida
prioridade aos projetos provenientes de territórios, regiões e outros recortes histórico-
geográfi cos priorizados por programas que demandam ações integradas do Governo
Federal.
Parceiros Institucionais
Fundo Nacional de Desenvovimento Educacional
O FNDE tem o papel de agente nanceiro. Operacionaliza a execução dos projetos
de iniciativa dos entes públicos e privados para obtenção de fi nanciamento, desde
a publicação da Resolução até a fi nalização da prestação de contas.
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação
São os executores dos projetos conveniados. Funcionam também como parceiros
na implementação de projetos-piloto e de experiências pedagógicas inovadoras.
Educação do Campo
45
Organizações não-Governamentais
Atuam como executoras dos projetos, parceiras na experimentação de propostas
pedagógicas inovadoras e interlocutoras da Secad com os movimentos sociais.
Financiadores
O projeto é nanciado com recursos da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Edu-
cação e de Projetos de Cooperação Internacional.
Resultados alcançados
Em 2004, foram alocados pela Ação 0946 Apoio à Educação do Campo, R$
2.027.756,69 e rmados 14 convênios com entidades não-governamentais e Secreta-
rias Estaduais de Educação, que apresentaram projetos nos termos da Resolução CD/
FNDE 46/2004. Como resultado da execução desses projetos foram benefi ciadas
4.702 escolas, nas quais estavam matriculados cerca de 44.243 alunos, sendo capacita-
dos 700 técnicos e 9.226 professores.
No ano de 2005, foram benefi ciadas 2.377 escolas estaduais e municipais de
ensino fundamental, nas quais estavam matriculados 282.747 alunos, sendo capacita-
dos 338 técnicos e 10.690 professores. Os projetos foram elaborados nos termos da
Resolução CD/FNDE Nº 15/2005, tendo sido celebrados 165 convênios, que totalizaram
valores da ordem de R$ 9.330.613,07, provenientes da Ação 0946– Apoio à Educação
do Campo.
Ainda no ano de 2005, por meio da Ação 09CW Apoio à Reestruturação da
Rede Física Pública, e da Ação 09EV – Apoio à Aquisição de Equipamentos para a Rede
Pública, ambas pertencentes ao Programa 1061- Brasil Escolarizado, foram fi nanciados,
mediante convênio, 47 projetos de construção, ampliação e/ou aquisição de equipa-
mento para escolas, sendo benefi ciadas 81 escolas, 15.661 alunos e 536 professores.
Foram investidos recursos da ordem de R$ 5.580.880,66.
Em 2006, foram realizados 71 convênios com prefeituras, secretarias estaduais e
entidades não-governamentais de todo o país, sendo aplicados R$ 6.500.000,00 (seis
milhões e meio de reais). Os projetos que deram origem aos convênios foram apresen-
tados em conformidade à Resolução CD/FNDE 16/2006, sendo benefi ciadas 5.952
escolas do campo, nas quais estavam matriculados 414.074 alunos, com capacitação
de 389 técnicos e 19.986 professores.
5.6. Licenciatura em Educação do Campo
Introdução
O Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciatura em Educação do Cam-
po é uma iniciativa da Secad/MEC e da Secretaria de Educação Superior (Sesu), cujo
objetivo é apoiar programas integrados de licenciaturas que proponham alternativas
de organização do trabalho escolar e pedagógico e viabilizem a expansão da educação
básica para o campo, com a qualidade exigida pela dinâmica social e pela necessidade
de se reverter a histórica desigualdade que sofrem os povos do campo.
CADERNOS SECAD
46
Anotações
A proposta é apoiar experiências-piloto de formação em nível superior de profes-
sores especializados para atuarem em escolas do campo, defi nidas como aquelas que
têm sua sede no espaço geográfi co classifi cado pelo IBGE como rural, e mais ampla-
mente as que, mesmo tendo sua sede em áreas consideradas urbanas, por atenderem
a populações de municípios cuja produção social e cultural está majoritariamente vin-
culada ao campo, têm sua identidade defi nida nesta relação.
Objetivo
Promover a formação de educadores para atuar nas diferentes etapas e moda-
lidades da educação básica dirigidas às populações que trabalham e vivem no campo,
através do estímulo à criação, nas universidades públicas de todo país, de cursos regu-
lares de Licenciatura em Educação do Campo.
Objetivos específi cos
Formar e habilitar professores para a docência multidisciplinar em escolas
do campo, nas seguintes áreas do conhecimento: Linguagens, Artes e Li-
teratura; Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática;
e Ciências Agrárias.
Promover a construção de projetos de formação de educadores que sir-
vam de referência para políticas públicas e cursos regulares de formação,
tendo em vista a expansão da educação básica de qualidade.
Justifi cativa
De acordo com o INEP (2006:24), em 2005, apenas 21,6% dos professores de
a série das escolas rurais possuíam formação superior, contra 56,4% dos docentes
de escolas urbanas. Além disso, 6.913 funções docentes eram exercidas por professores
que tinham apenas o ensino fundamental, a maioria deles atuando nas regiões Nor-
deste e Norte. Embora essa situação seja grave, os dados revelaram também um aspec-
to positivo, a proporção de professores leigos atuando nas primeiras séries do ensino
fundamental na área rural declinou acentuadamente no período de 2002 a 2005, com
uma redução de 8,3% para 3,4% do total de professores em exercício.
A disparidade entre o nível de formação dos docentes do ensino médio que
atuam na zona rural e os da zona urbana também é grande. Ainda segundo o INEP,
apesar da rede física na zona rural ser bastante reduzida, com 14.822 docentes que
atuam em 1.377 estabelecimentos, 11,3% dos docentes possuem escolaridade de nível
médio, enquanto na zona urbana esse percentual é de 4,2%.
De acordo com o Censo dos Profi ssionais do Magistério da Educação Básica
realizado pelo Inep em 2003, a remuneração dos professores das áreas rurais era bem
inferior à dos que lecionavam em escolas urbanas. Nas séries iniciais do Ensino Funda-
mental, o salário médio era de R$ 452,00 na área rural e de R$ 766,10 na área urbana.
Já nas séries fi nais, os professores de escolas rurais recebiam, em média, R$ 558,60, ao
passo que os das escolas urbanas recebiam R$ 907,00. A situação só se equiparava no
ensino médio, onde os salários eram praticamente equivalentes: R$ 1.077,40 na área
rural e R$ 1.059,40 na área urbana.
Educação do Campo
47
Em resumo, existem 354.316 professores atuando na educação básica do cam-
po, os quais representam 15% dos profi ssionais em exercício no país. Esses professo-
res, em sua grande maioria, são os menos qualifi cados e os que recebem os menores
salários.
Esse quadro de problemas da educação do campo, associado à demanda por
uma qualifi cação específi ca para os educadores, tem sido constantemente debatido nos
encontros que a Secad vem promovendo nos últimos anos, especialmente nos 25 Semi-
nários Estaduais de Educação do Campo, promovidos entre 2004 e 2005, em parceria
com Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, Conselhos Estaduais de Educação,
sociedade civil organizada, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Un-
dime) e Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).
A proposição de uma licenciatura específi ca para a Educação do Campo está
respaldada na Resolução nº 03/97, do Conselho Nacional de Educação (CNE), que fi xa
Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e Remuneração para o Magistério dos Es-
tados, do Distrito Federal e dos Municípios, e recomenda que os sistemas de ensino
implementem programas de desenvolvimento profi ssional dos docentes em exercício,
inclusive a formação em nível superior, bem como no PNE
19
, que destaca a formação
inicial e continuada dos professores e demais servidores da educação como condição
para elevação da qualidade do ensino.
Metas
O presente projeto tem por meta, no primeiro ano, apoiar 5 universidades e, nos
anos posteriores, 10 novas universidades a cada ano, a m de que cada uma desenvolva
a licenciatura com 50 alunos. Dessa forma, ao nal de 4 anos, estima-se que 35 univer-
sidades estarão desenvolvendo a licenciatura nos seus cursos regulares.
Público-alvo
As propostas de Licenciatura Plena em Educação do Campo apresentadas pelas
universidades deverão se destinar, prioritariamente, para educadores que tenham o
ensino médio concluído e ainda não tenham formação de nível superior, nas seguintes
situações:
professores em exercício nas escolas do campo da rede pública;
outros profi ssionais da educação com atuação na rede pública;
professores e outros profi ssionais da educação que atuem nos centros de
alternância
20
ou em experiências educacionais alternativas de Educação
do Campo;
professores e outros profi ssionais com atuação em programas governa-
mentais de educação;
jovens e adultos que desenvolvam atividades educativas não-escolares nas
comunidades do campo.
19 Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172/2001.
20 A pedagogia da alternância é um processo educativo em que o aluno alterna períodos de aprendizagem na
família com períodos na escola. Os ambientes e os tempos escolar e comunitário são interligados por meio de
instrumentos pedagógicos específi cos capazes de constituir um conjunto harmonioso entre comunidades e a ação
pedagógica.
CADERNOS SECAD
48
Anotações
Estratégia de implementação
Em dezembro de 2005, com a colaboração de consultores, especialistas, repre-
sentantes de secretarias do MEC e membros do Grupo Permanente da Educação do
Campo (GPT) foi elaborada uma proposta preliminar para o Plano Nacional dos Pro-
ssionais da Educação do Campo. Esse Plano apresenta diferentes ações dirigidas à
universalização e expansão no atendimento escolar no campo.
A primeira ação proposta é a Licenciatura em Educação do Campo, a qual foi
aprovada, em abril de 2006, pela Câmara Temática de Formação de Professores do
MEC
21
e por representantes das Universidades Federais de Minas Gerais, Santa Catari-
na, Pernambuco, Bahia, Paraná, Roraima, Pará, Universidade de Brasília, Universidade
Regional do Nordeste, do Estado do Rio Grande do Sul e UnB e pela Universidade Esta-
dual da Bahia, bem como por representantes da UNDIME, CONSED.
Em novembro de 2006, a SECAD e a SESU, em reunião extraordinária do GPT,
divulgaram a decisão de implementar projetos-piloto de Licenciatura em Educação do
Campo em universidades públicas, mediante apresentação de propostas a serem ana-
lisadas pelas referidas Secretarias. O acompanhamento dos projetos se dará por meio
da análise de relatórios de atividades, parciais e fi nal, apresentados pelas universidades
e pela verifi cação in loco.
O projeto encontra-se em fase de implementação das atividades de proposição,
análise e aprovação das propostas para descentralização de recursos.
21 Instância criada por meio da Portaria MEC nº. 695/2004.
Educação do Campo
49
Referências Bibliográfi cas
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2004.
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Brasília: MEC/CNE, 2003.
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nais Anísio Teixeira. Panorama da Educação do Campo. Brasília: Inep/MEC, 2006.
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uma trajetória, 2005. Disponível em: <http://www.tvbrasil.com.br/salto>. Acesso em:
dez. 2006.
CALDART, R. S. Elementos para Construção do Projeto Político e Pedagógico da
Educação do Campo. In: MOLINA, M. C; JESUS, S. M. Por uma Educação do Campo.
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coberto. Brasília: Projeto de Cooperação Técnica Incra/FAO, 2000.
RIBEIRO, M. L. S. História da Educação Brasileira: a organização escolar. 13ª Edição.
Campinas: Autores Associados, 1993.
CADERNOS SECAD
50
Anotações
Anexo I
Diretrizes Operacionais da Educação Básica nas Escolas
do Campo, Parecer CEB nº 36/2001, do Conselho Nacional
de Educação, aprovado em 04/12/2001.
22
I – RELATÓRIO
Na longa história das comunidades humanas, sempre esteve bem
evidente a ligação entre a terra da qual todos nós, direta ou indire-
tamente, extraímos nossa subsistência, e as realizações da socieda-
de humana. E uma dessas realizações é a cidade ...
(Wiliams Raymond, 1989).
A Câmara da Educação Básica – CEB, no cumprimento do estabelecido na Lei
9.131/95 e na Lei 9.394/96 LDB, elaborou diretrizes curriculares para a educação
infantil, o ensino fundamental e o médio, a educação de jovens e adultos, a educação
indígena e a educação especial, a educação profi ssional de nível técnico e a formação
de professores em nível médio na modalidade normal.
A orientação estabelecida por essas diretrizes, no que se refere às responsabili-
dades dos diversos sistemas de ensino com o atendimento escolar sob a ótica do direi-
to, implica o respeito às diferenças e à política de igualdade, tratando a qualidade da
educação escolar na perspectiva da inclusão. Nessa mesma linha, o presente Parecer,
provocado pelo artigo 28 da LDB, propõe medidas de adequação da escola à vida do
campo.
A educação do campo, tratada como educação rural na legislação brasileira, tem
um signifi cado que incorpora os espaços da fl oresta, da pecuária, das minas e da agri-
cultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos
e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não-urbano, é um
campo de possibilidades que dinamizam a ligão dos seres humanos com a própria pro-
dução das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana.
Assim focalizada, a compreensão de campo não se identifi ca com o tom de nos-
talgia de um passado rural de abundância e felicidade que perpassa parte da literatura,
posição que subestima a evidência dos confl itos que mobilizam as forças econômicas,
sociais e políticas em torno da posse da terra no país.
Por sua vez, a partir de uma visão idealizada das condições materiais de existên-
cia na cidade e de uma visão particular do processo de urbanização, alguns estudiosos
consideram que a especifi cidade do campo constitui uma realidade provisória que ten-
de a desaparecer, em tempos próximos, face ao inexorável processo de urbanização
que deverá homogeneizar o espaço nacional. Também as políticas educacionais, ao tra-
tarem o urbano como parâmetro e o rural como adaptação, reforçam essa concepção.
22 Homologado pelo Despacho do Ministro da Educação, publicado no Diário Ofi cial da União de 12/03/2002.
Educação do Campo
51
os movimentos sociais do campo propugnam por algo que ainda não teve
lugar, em seu estado pleno, porque perfeito no nível das suas aspirações. Propõem mu-
danças na ordem vigente, tornando visível, por meio das reivindicações do cotidiano, a
crítica ao instituído e o horizonte da educação escolar inclusiva.
A respeito, o pronunciamento das entidades presentes no Seminário Nacional
de Educação Rural e Desenvolvimento Local Sustentável foi no sentido de se considerar
o campo como espaço heterogêneo, destacando a diversidade econômica, em função
do engajamento das famílias em atividades agrícolas e não-agrícolas (pluriatividade), a
presença de fecundos movimentos sociais, a multiculturalidade, as demandas por edu-
cação básica e a dinâmica que se estabelece no campo a partir da convivência com os
meios de comunicação e a cultura letrada.
Assim sendo, entende a Câmara da Educação Básica que o presente Parecer,
além de efetivar o que foi prescrito no texto da Lei, atende a demandas da sociedade,
oferecendo subsídios para o desenvolvimento de propostas pedagógicas que contem-
plem a mencionada diversidade, em todas as suas dimensões. Ressalte-se nesse con-
texto, a importância dos Movimentos Sociais, dos Conselhos Estaduais e Municipais de
Educação, da SEF/MEC, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação
(CONSED), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), das
Universidades e instituições de pesquisa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Rural Sustentável, das ONGs e dos demais setores que, engajados em projetos direcio-
nados para o desenvolvimento socialmente justo no espaço diverso e multicultural do
campo, confi rmam a pertinência e apresentam contribuições para a formulação destas
diretrizes.
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo: Proposi-
ção Pertinente?
Esta cova em que estás,
com palmos medida,
É a conta menor que tiraste em vida,
É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
É uma cova grande
para teu pouco defunto,
Mas estarás mais ancho
que estavas no mundo
É uma cova grande
para teu defunto parco,
Porém mais que no mundo
te sentirás largo.
É uma cova grande
para tua carne pouca,
Mas à terra dada
não se abre a boca.
(Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto)
No Brasil, todas as constituições contemplaram a educação escolar, merecendo
CADERNOS SECAD
52
Anotações
especial destaque a abrangência do tratamento que foi dado ao tema a partir de 1934.
Até então, em que pese o Brasil ter sido considerado um país de origem eminentemen-
te agrária, a educação rural não foi sequer mencionada nos textos constitucionais de
1824 e 1891, evidenciando-se, de um lado, o descaso dos dirigentes com a educação
do campo e, do outro, os resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma economia
agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo.
Neste aspecto, não se pode perder de vista que o ensino desenvolvido durante
o período colonial, ancorava-se nos princípios da Contra–Reforma, era alheio à vida
da sociedade nascente e excluía os escravos, as mulheres e os agregados. Esse modelo
que atendia aos interesses da Metrópole sobreviveu, no Brasil, se não no seu todo, em
boa parte, após a expulsão dos Jesuítas 1759, mantendo-se a perspectiva do ensino
voltado para as humanidades e as letras.
Na primeira Constituição, jurada a 25 de março, apenas dois dispositivos, os
incisos XXXII e XXXIII do art.179, trataram da educação escolar. Um deles assegurava a
gratuidade da instrução primária, e o outro se referia à criação de instituições de ensino,
nos termos do disposto a seguir:
Art.179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros,
que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garan-
tida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
[..]
XXXII. A instrução primária é gratuita a todos os Cidadãos.
XXXIII. Colégios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das
Sciencias, Bellas Letras e Artes.
A Carta Magna de 1891 também silenciou a respeito da educação rural, restrin-
gindo-se, no artigo 72, parágrafos 6 e 24, respectivamente, à garantia da laicidade e à
liberdade do ensino nas escolas públicas:
Art.72 A Constituição assegura aos brasileiros e a estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança indivi-
dual e à propriedade nos termos seguintes:
[...]
§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
[...]
§ 24 É garantido o livre exercício de qualquer profi ssão moral, intelectual e
industrial.
Além disso, uma dimensão importante do texto legal diz respeito ao reconhe-
cimento da autonomia dos Estados e Municípios, imprimindo a forma federativa da
República. No caso, cabe destacar a criação das condições legais para o desenvolvi-
mento de iniciativas descentralizadas, mas os impactos dessa perspectiva no campo da
educação foram prejudicados pela ausência de um sistema nacional que assegurasse,
mediante a articulação entre as diversas esferas do poder público, uma política educa-
cional para o conjunto do país.
Neste contexto, a demanda escolar que se vai constituindo é predominantemen-
te oriunda das chamadas classes médias emergentes que identifi cavam, na educação
escolar, um fator de ascensão social e de ingresso nas ocupações do embrionário pro-
cesso de industrialização. Para a população residente no campo, o cenário era outro.
A ausência de uma consciência a respeito do valor da educação no processo de cons-
Educação do Campo
53
tituição da cidadania, ao lado das técnicas arcaicas do cultivo que não exigiam dos
trabalhadores rurais nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetizão, contribuiu para a
ausência de uma proposta de educação escolar voltada aos interesses dos camponeses.
Na verdade, a introdução da educação rural no ordenamento jurídico brasileiro
remete às primeiras décadas do século XX, incorporando, no período, o intenso debate
que se processava no seio da sociedade a respeito da importância da educação para
conter o movimento migratório e elevar a produtividade no campo. A preocupação das
diferentes forças econômicas, sociais e políticas com as signifi cativas alterações consta-
tadas no comportamento migratório da população foi claramente registrada nos anais
dos Seminários e Congressos Rurais realizados naquele período.
É do 1º Congresso da Agricultura do Nordeste Brasileiro - 1923, por exemplo, o
registro da importância dos Patronatos na pauta das questões agrícolas que deveriam
ser cuidadosamente estudadas.
Tais instituições, segundo os congressistas, seriam destinadas aos menores po-
bres das regiões rurais e, pasmem, aos do mundo urbano, desde que revelassem pen-
dor para a agricultura. Suas fi nalidades estavam associadas à garantia, em cada região
agrícola, de uma poderosa contribuição ao desenvolvimento agrícola e, ao mesmo tem-
po, à transformação de crianças indigentes em cidadãos prestimosos.
A perspectiva salvacionista dos patronatos prestava-se muito bem ao controle
que as elites pretendiam exercer sobre os trabalhadores, diante de duas ameaças: que-
bra da harmonia e da ordem nas cidades e baixa produtividade do campo. De fato, a
tarefa educativa destas instituições unia interesses nem sempre aliados, particularmente
os setores agrário e industrial, na tarefa educativa de salvar e regenerar os trabalhado-
res, eliminando, à luz do modelo de cidadão sintonizado com a manutenção da ordem
vigente, os vícios que poluíam suas almas. Esse entendimento, como se vê, associava
educação e trabalho, e encarava este como purifi cação e disciplina, superando a idéia
original que o considerava uma atividade degradante.
Havia ainda os setores que temiam as implicações do modelo urbano de for-
mação oferecido aos professores que atuavam nas escolas rurais. Esses profi ssionais,
segundo educadores e governantes, desenvolviam um projeto educativo ancorado em
formas racionais, valores e conteúdos próprios da cidade, em detrimento da valorização
dos benefícios que eram específi cos do campo. De fato, esta avaliação supervalorizava
as práticas educativas das instituições de ensino, que nem sempre contavam com o
devido apoio do poder público, e desconhecia a importância das condições de vida e de
trabalho para a permanência das famílias no campo.
A Constituição de 1934, acentuadamente marcada pelas idéias do Movimen-
to Renovador, que culminou com o Manifesto dos Pioneiros, expressa claramente os
impactos de uma nova relação de forças que se instalou na sociedade a partir das
insatisfações de vários setores cafeicultores, intelectuais, classes médias e até massas
populares urbanas. Na verdade, este é um período de fecundas reformas educacionais,
destaque-se a de Francisco Campos, que abrangia, em especial, o ensino secundário e
superior e as contribuições do citado Manifesto. Este, por sua vez, formulou propo-
sições fundadas no estudo da situação educacional brasileira e, em que pese a ênfase
nos interesses dos estudantes, pautou a discussão sobre as relações entre as instituições
de ensino e a sociedade.
CADERNOS SECAD
54
Anotações
A propósito, o texto constitucional apresenta grandes inovações quando compa-
rado aos que o antecedem. No caso, rma a concepção do Estado educador e atribui às
três esferas do poder público responsabilidades com a garantia do direito à educação.
Também prevê o Plano Nacional de Educação, a organização do ensino em sistemas,
bem como a instituição dos Conselhos de Educação que, em todos os níveis, recebem
incumbências relacionadas à assessoria dos governos, à elaboração do plano de educa-
ção e à distribuição de fundos especiais. Por aí, identifi cam-se, neste campo, as novas
pretensões que estavam postas na sociedade.
À Lei, como era de se esperar, não escapou a responsabilidade do poder público
com o atendimento escolar do campo. Seu nanciamento foi assegurado no Título de-
dicado à família, à educação e à cultura, conforme o seguinte dispositivo:
Art. 156 A União, os Estados e os Municípios aplicarão nunca menos de dez
por cento e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento da renda re-
sultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas
educativos.
Parágrafo único. Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará,
no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo
orçamento anual.
Como se vê, no âmbito de um federalismo nacional ainda frágil, o nanciamento
do atendimento escolar na zona rural está sob a responsabilidade da União e passa a
contar, nos termos da legislação vigente, com recursos vinculados à sua manutenção e
desenvolvimento. Naquele momento, ao contrário do que se observa posteriormente, a
situação rural não é integrada como forma de trabalho, mas aponta para a participação
nos direitos sociais.
Para alguns, o precitado dispositivo constitucional pode ser interpretado como
um esforço nacional de interiorização do ensino, estabelecendo um contraponto às
práticas resultantes do desejo de expansão e de domínio das elites a qualquer custo, em
um país que tinha, no campo, a parcela mais numerosa de sua população e a base da
sua economia. Para outros, no entanto, a orientação do texto legal representava mais
uma estratégia para manter, sob controle, as tensões e confl itos decorrentes de um mo-
delo civilizatório que reproduzia práticas sociais de abuso de poder. Sobre as relações
no campo, o poeta Tierra faz uma leitura, assaz interessante e consegue iluminar, no
presente, como o faz João Cabral de Melo Neto, em seu clássico poema Morte e Vida
Severina, um passado que tende a se perpetuar.
Os sem-terra afi nal
Estão assentados na pleniposse da terra:
De sem-terra passaram a
Com-terra: ei- los
enterrados
Os sem-terra afi nal
Estão assentados na pleniposse da terra:
De sem-terra passaram a
Com-terra: ei- los
enterrados
desterrados de seu sopro de vida
aterrados
terrorizados
terra que à terra torna
torna
Pleniposseiros terratenentes
de uma vala (bala) comum
Educação do Campo
55
Pelo avesso afi nal
Entranhados no
Lato ventre do
latifúndio
que de improdutivo
revelou-se assim ubérrimo (...)
(Campos,1998)
Em 10 de dezembro de 1937, é decretada a Constituição que sinaliza para a im-
portância da educação profi ssional no contexto da indústria nascente. Esta modalidade
de ensino, destinada às classes menos favorecidas, é considerada, em primeiro lugar,
dever do Estado, o qual, para executá-lo, deverá fundar institutos de ensino profi ssional
e subsidiar os de iniciativa privada e de outras esferas administrativas. Essa inovação,
além de legitimar as desigualdades sociais nas entranhas do sistema de ensino, não se
faz acompanhar de proposições para o ensino agrícola.
Art. 129 [...] É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera
da sua especifi cidade, escolas de aprendizes, destinadas aos lhos de seus
operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e
os poderes que caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os auxílios,
facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público.
Por outro lado, o artigo 132 do mesmo texto ressalta igualmente a importância
do trabalho no campo e nas ofi cinas para a educação da juventude, admitindo inclusi-
ve o nanciamento público para iniciativas que retomassem a mesma perspectiva dos
chamados Patronatos.
Art. 132 O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às
fundadas por associações civis, tendo umas e outras por m organizar para
a juventude períodos de trabalho anual nos campos e ofi cinas, assim como
promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepa-
rá-la ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da
Nação.
No que diz respeito ao ensino primário gratuito e obrigatório, o novo texto ins-
titui, em nome da solidariedade para com os mais necessitados, uma contribuição mó-
dica e mensal para cada escolar.
Cabe observar que, no período subseqüente, ocorreu a regulamentação do en-
sino profi ssional, mediante a promulgação das Leis Orgânicas. Algumas delas emergem
no contexto do Estado Novo, a exemplo das Leis Orgânicas do Ensino Industrial, do
Ensino Secundário e do Ensino Comercial, todas consideradas parciais, em detrimento
de uma reestruturação geral do ensino. O país permanecia sem as diretrizes gerais que
dessem os rumos para todos os níveis e modalidades de atendimento escolar que deve-
riam compor o sistema nacional.
No que se refere à Lei Orgânica do Ensino Agrícola, objeto do Decreto-Lei
9.613, de 20 de agosto de 1946, do Governo Provisório, tinha como objetivo principal
a preparação profi ssional para os trabalhadores da agricultura. Seu texto, em que pese
a preocupação com os valores humanos e o reconhecimento da importância da cultura
geral e da informação científi ca, bem como o esforço para estabelecer a equivalência
do ensino agrícola com as demais modalidades, traduzia as restrições impostas aos que
optavam por cursos profi ssionais destinados aos mais pobres.
CADERNOS SECAD
56
Anotações
Isto é particularmente presente no capítulo que trata das possibilidades de aces-
so aos estabelecimentos de ensino superior, admitidas para os concluintes do curso
técnico-agrícola.
Art. 14 A articulação do ensino agrícola e deste com outras modalidades de
ensino far-se-á nos termos seguintes:
[...]
III - É assegurada ao portador de diploma conferido em virtude da conclusão
de um curso agrícola técnico a possibilidade de ingressar em estabelecimentos
de ensino superior para a matrícula em curso diretamente relacionado com o
curso agrícola técnico concluído, uma vez verifi cada a satisfação das condições
de admissão determinadas pela legislação competente.
Além disso, o Decreto reafi rmava a educação sexista, mascarada pela declaração
de que o direito de ingressar nos cursos de ensino agrícola era igual para homens e
mulheres.
Art. 51. O direito de ingressar nos cursos de ensino agrícola é igual para ho-
mens e mulheres.
Art. 52. No ensino agrícola feminino serão observadas as seguintes prescrições
especiais:
1. É recomendável que os cursos de ensino agrícola para mulheres sejam da-
dos em estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüência feminina.
2. Às mulheres não se permitirá, nos estabelecimentos de ensino agrícola, tra-
balho que, sob o ponto de vista da saúde, não lhes seja adequado.
3. Na execução de programas, em todos os cursos, ter-se-á em mira a natureza
da personalidade feminina e o papel da mulher na vida do lar.
4. Nos dois cursos de formação do primeiro ciclo, incluir-se-á o ensino de eco-
nomia rural doméstica.
Com isso, o mencionado Decreto incorporou na legislação específi ca o papel da
escola na constituição de identidades hierarquizadas a partir do gênero.
A Constituição de 1946 remonta às diretrizes da Carta de 1934, enriquecida
pelas demandas que atualizavam, naquele momento, as grandes aspirações sociais.
No campo da educação, está apoiada nos princípios defendidos pelos Pioneiros
e, neste sentido, confere importância ao processo de descentralização sem desrespon-
sabilizar a União pelo atendimento escolar, vincula recursos às despesas com educação
e assegura a gratuidade do ensino primário.
O texto também retoma o incremento ao ensino na zona rural, contemplado na
Constituição de 1934, mas, diferentemente desta, transfere à empresa privada, inclu-
sive às agrícolas, a responsabilidade pelo custeio desse incremento. No inciso III do art.
168, fi xa como um dos princípios a serem adotados pela legislação de ensino a respon-
sabilidade das empresas com a educação, nos termos a seguir:
Art. 168. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.
Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade hu-
mana.
[...]
III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalham mais de
cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus
servidores e para os fi lhos destes;
Educação do Campo
57
Esclareça-se, ademais, que o inciso transcrito, em sendo uma norma de princípio,
tinha efi cácia jurídica limitada, desde que dependia de lei ordinária para produzir efeitos
práticos. Ao contrário, o artigo 156 da Constituição de 1934, a que acima nos referi-
mos, era uma norma de efi cácia plena, que poderia produzir efeitos imediatos e por si
mesma, não necessitando de lei ordinária que a tornasse operacional.
Registre-se, enfi m, que, também como princípio balizador da legislação de ensi-
no, a Constituição de 1946, no inciso IV do mesmo artigo 168, retoma a obrigatoriedade
de as empresas industriais e comerciais ministrarem, em cooperação, a aprendizagem
de seus trabalhadores menores, excluindo desta obrigatoriedade as empresas agrícolas,
como já havia ocorrido na Carta de 1937, o que denota o desinteresse do Estado pela
aprendizagem rural, pelo menos a ponto de emprestar-lhe status constitucional.
Na Constituição de 1967, identifi ca-se a obrigatoriedade de as empresas con-
vencionais agrícolas e industriais oferecerem, pela forma que a lei estabelece, o ensino
primário gratuito de seus empregados e dos fi lhos destes. Ao mesmo tempo, determi-
nava, como nas Cartas de 37 e 46, que apenas as empresas comerciais e industriais,
excluindo-se, portanto, as agrícolas, estavam obrigadas a ministrar, em cooperação,
aprendizagem aos seus trabalhadores menores.
Em 1969, promulgada a emenda à Constituição de 24 de janeiro de 1967, iden-
tifi cava-se, basicamente, as mesmas normas, apenas limitando a obrigatoriedade das
empresas, inclusive das agrícolas, com o ensino primário gratuito dos lhos dos empre-
gados, entre os sete e quatorze anos. Deixava antever, por outro lado, que tal ensino
poderia ser possibilitado diretamente pelas empresas que o desejassem, ou, indireta-
mente, mediante a contribuição destas com o salário-educação, na forma que a lei
viesse a estabelecer.
Do mesmo modo, esse texto determinou que as empresas comerciais e indus-
triais deveriam, além de assegurar condições de aprendizagem aos seus trabalhadores
menores, promover o preparo de todo o seu pessoal qualifi cado. Mais uma vez, as
empresas agrícolas fi caram isentas dessa obrigatoriedade.
Quanto ao texto da Carta de 1988, pode-se afi rmar que proclama a educação
como direito de todos e, dever do Estado, transformando-a em direito público subje-
tivo, independentemente dos cidadãos residirem nas áreas urbanas ou rurais. Deste
modo, os princípios e preceitos constitucionais da educação abrangem todos os níveis
e modalidades de ensino ministrados em qualquer parte do país.
Assim sendo, apesar de não se referir direta e especifi camente ao ensino rural
no corpo da Carta, possibilitou às Constituições Estaduais e à Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDB - o tratamento da educação rural no âmbito do direito à
igualdade e do respeito às diferenças.
Ademais, quando estabelece no art. 62, do ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), mediante
lei específi ca, reabre a discussão sobre educação do campo e a defi nição de políticas
para o setor.
Finalmente, que se registrar na abordagem dada pela maioria dos textos cons-
titucionais, um tratamento periférico da educação escolar do campo. É uma perspectiva
residual e condizente, salvo conjunturas específi cas, com interesses de grupos hegemô-
CADERNOS SECAD
58
Anotações
nicos na sociedade. As alterações nesta tendência, quando identifi cadas, decorrem da
presença dos movimentos sociais do campo no cenário nacional. É dessa forma que se
pode explicar a realização da Conferência Nacional por uma Educação Básica do Cam-
po, que teve como principal mérito recolocar, sob outras bases, o rural e a educação
que a ele se vincula.
A propósito, se nos ativermos às Constituições Estaduais, privilegiando-se o pe-
ríodo que se segue à promulgação da Carta Magna de 1988, marco indelével do mo-
vimento de redemocratização no país, pode-se dizer que nem todas as Cartas fazem
referências ao respeito que os sistemas devem ter às especifi cidades do ensino rural,
quando tratam das diferenças culturais e regionais.
1 Educação Rural nas Constituições Estaduais Brasileiras
Em geral, as Constituições dos Estados abordam a escola no espaço do campo
determinando a adaptação dos currículos, dos calendários e de outros aspectos do en-
sino rural às necessidades e características dessa região.
Alguns Estados apontam para a expansão do atendimento escolar, propondo,
no texto da Lei, a intenção de interiorizar o ensino, ampliando as vagas e melhorando
o parque escolar, nessa região.
Também está presente, nas Constituições, a determinação de medidas que valo-
rizem o professor que atua no campo e a proposição de formas de efetivá-la.
Na verdade, os legisladores não conseguem o devido distanciamento do para-
digma urbano. A idealização da cidade, que inspira a maior parte dos textos legais,
encontra na palavra adaptação, utilizada repetidas vezes, a recomendação de tornar
acessível ou de ajustar a educação escolar, nos termos da sua oferta na cidade às condi-
ções de vida do campo. Quando se trata da educação profi ssional igualmente presente
em várias Cartas Estaduais, os princípios e normas relativos à implantação e expansão
do ensino profi ssionalizante rural mantêm a perspectiva residual dessa modalidade de
atendimento.
Cabe, no entanto, um especial destaque à Constituição do Rio Grande do Sul. É
a única unidade da Federação que inscreve a educação do campo no contexto de um
projeto estruturador para o conjunto do país. Neste sentido, ao encontrar o signifi cado
do ensino agrícola no processo de implantação da reforma agrária, supera a aborda-
gem compensatória das políticas para o setor e aponta para as aspirações de liberdade
política, de igualdade social, de direito ao trabalho, à terra, à saúde e ao conhecimento
dos(as) trabalhadores(as) rurais.
2 Educação Rural e Características Regionais
Alguns estados apenas prevêem, de forma genérica, o respeito às características
regionais, na organização e operacionalização de seu sistema educacional, sem incluir,
em suas Cartas, normas e/ou princípios voltados especifi camente para o ensino rural.
É o caso do Acre, que no art. 194, II, estabelece que, na estruturação dos currículos,
dever-se-ão incluir conteúdos voltados para a representação dos valores culturais, artís-
ticos e ambientais da região.
Educação do Campo
59
Com redações diferentes, o mesmo princípio é proclamado nas Constituições do
Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná e Pernambuco. Em outros Estados, tal diretriz tam-
bém está expressa nas Constituições, mas juntamente com outras que se referem, de
forma mais específi ca e concreta, à Educação Rural. É o que se observa, por exemplo,
nas Cartas da Bahia, de Minas Gerais e da Paraíba.
Ao lado disso, observa-se que algumas Cartas estaduais trazem referências mais
específi cas à educação rural, determinando, na oferta da educação básica para a po-
pulação do campo, adaptações concretas inerentes às características e peculiaridades
desta. É o que ocorre nos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Sergipe e To-
cantins, que prescrevem sejam os calendários escolares da zona rural adequados aos
calendários agrícolas e às manifestações relevantes da cultura regional.
O Maranhão, por exemplo, inseriu, no § do artigo 218 de sua Constituição,
norma determinando que, na elaboração do calendário das escolas rurais, o poder pú-
blico deve levar em consideração as estações do ano e seus ciclos agrícolas. o Estado
de Sergipe, no artigo 215, § da Carta Política, orienta que o calendário da zona rural
seja estabelecido de modo a permitir que as férias escolares coincidam com o período
de cultivo do solo.
Essa orientação também é identifi cada nos Estados do Pará, Paraíba, Roraima,
Santa Catarina, Sergipe e Tocantins, que determinam a xação de currículos para a
zona rural consentâneos com as especifi cidades culturais da população escolar.
Neste aspecto, a Constituição paraense, no artigo 281, IV, explicita que o plano
estadual de educação deverá conter, entre outras, medidas destinadas ao estabeleci-
mento de modelos de ensino rural que considerem a realidade estadual específi ca. A
Constituição de Roraima, no art. 149, II, diz que os conteúdos mínimos para o ensino
fundamental e médio serão fi xados de maneira a assegurar, além da formação básica,
currículos adaptados aos meios urbano e rural, visando ao desenvolvimento da capaci-
dade de análise e refl exão crítica sobre a realidade. A Constituição de Sergipe, no art.
215, VIII, manda que se organizem currículos capazes de assegurar a formação prática
e o acesso aos valores culturais, artísticos e históricos nacionais e regionais.
3 Expansão da Rede de Ensino Rural e Valorização do Magistério
Alguns Estados inseriram, em suas constituições, normas programáticas que pos-
sibilitam a expansão do ensino rural e a melhoria de sua qualidade, bem como a valori-
zação do professor que atua no campo.
Neste caso, temos o Estado do Amapá, que, no inciso XIV do artigo 283 de sua
Carta, declara ser dever do Estado garantir o oferecimento de infra-estrutura necessária
aos professores e profi ssionais da área de educação, em escolas do interior; a Cons-
tituição da Paraíba, no artigo 211, prescreve caber ao Estado, em articulação com os
Municípios, promover o mapeamento escolar, estabelecendo critérios para a ampliação
e a interiorização da rede escolar pública; o Rio Grande do Sul, no artigo 216 de sua
Carta, estabelece que, na área rural, para cada grupo de escolas de ensino fundamen-
tal incompleto, haverá uma escola central de ensino fundamental completo, visando,
com isto, assegurar o número de vagas sufi cientes para absorver os alunos da área.
Essas escolas centrais, segundo o § 4º do mesmo artigo, serão indicadas pelo Conselho
CADERNOS SECAD
60
Anotações
Municipal de Educação; Tocantins, no artigo 136 de sua Constituição, assegura ao pro-
ssional do magistério da zona rural isonomia de vencimentos com os da zona urbana,
observado o nível de formação.
4 O Ensino Profi ssionalizante Agrícola
Enfi m, de se destacar que um conjunto de Estados-membros enfatizam, em
suas Constituições, o ensino profi ssionalizante rural, superando, nos mencionados tex-
tos, a visão assistencialista que acompanha essa modalidade de educação, desde suas
origens. Eis alguns deles, como se verifi ca nas Cartas a seguir:
a) Amapá, no inciso XV do artigo 283 de sua Constituição, estabelece, como
dever do Estado, promover a expansão de estabelecimentos ofi ciais aptos a oferecer
cursos gratuitos de ensino técnico-industrial, agrícola e comercial. No parágrafo único
do artigo 286, esta mesma Carta determina que o Estado deverá inserir nos currículos,
entre outras matérias de caráter regional, como História do Amapá, Cultura do Amapá,
Educação Ambiental e Estudos Amazônicos, também Técnica Agropecuária e Pesquei-
ra.
b) A Constituição do Ceará, no § do artigo 231, determina que as escolas
rurais do Estado devem obrigatoriamente instituir o ensino de cursos profi ssionalizan-
tes. O § do mesmo artigo, norma de característica programática, prevê que, em cada
microrregião do Estado, será implantada uma escola técnico-agrícola, cujos currículos e
calendários escolares devem ser adequados à realidade local.
c) A Carta do Mato Grosso do Sul, em seu artigo 154, dentre os princípios e
normas de organização do sistema estadual de ensino, insere a obrigatoriedade de o
estado fi xar diretrizes para o ensino rural e técnico, que será, quando possível, gratuito
e terá em vista a formação de profi ssionais e trabalhadores especializados, de acordo
com as condições e necessidades do mercado de trabalho.
d) Minas Gerais, no artigo 198 de sua Lei Maior, determina que o poder públi-
co garantirá a educação, através, entre outros mecanismos, da expansão da rede de
estabelecimentos ofi ciais que ofereçam cursos de ensino técnico-industrial, agrícola e
comercial, observadas as características regionais e as dos grupos sociais.
e) O Pará, no artigo 280 de sua Constituição, diz que o Estado é obrigado a
expandir, concomitantemente, o ensino médio através da criação de escolas técnico-
agrícolas ou industriais.
f) O Rio Grande do Sul proclama, em seu texto constitucional, artigo 217, que o
Estado elaborará política para o ensino fundamental e médio de orientação e formação
profi ssional, visando, entre outras nalidades, auxiliar, através do ensino agrícola, na
implantação da reforma agrária.
g) Rondônia, no artigo 195 de sua Carta, autoriza o Estado a criar escolas téc-
nicas, agrotécnicas e industriais, atendendo às necessidades regionais de desenvolvi-
mento. O mesmo artigo determina, em seu parágrafo único, seja a implantação dessas
escolas incluídas no plano de desenvolvimento do Estado.
Como se vê, em que pese o esforço para superar, em alguns Estados, uma visão
assistencialista das normas relativas à educação e formação profi ssional específi ca, nem
Educação do Campo
61
todas as Constituições explicitam a relação entre a educação escolar e o processo de
constituição da cidadania, a partir de um projeto social e político que disponibilize uma
imagem do futuro que se pretende construir e a opção por um caminho que se preten-
de seguir no processo de reorganização coletiva e solidária da sociedade.
Nos dias atuais, considerando que a nova legislação aborda a formação profi s-
sional sob a ótica dos direitos à educação e ao trabalho, cabe introduzir algumas con-
siderações sobre as atuais diretrizes para a educação profi ssional no Brasil elaboradas
pela Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Essas diretrizes
traduzem a orientação contida nas Cartas Constitucionais Federal e Estadual, se não em
todas, no mínimo, na maioria delas, incorporando, ao mesmo tempo, os impactos das
mudanças que perpassam incessantemente a sociedade em que vivemos. Aprovadas
em 05 de outubro de 1999, tais normas estabeleceram 20 áreas e formação profi ssio-
nal, entre elas a de agropecuária, como referência para a organização dessa modalida-
de de atendimento educacional.
Lembre-se ainda que, não sendo possível, no momento, consultar todas as Leis
Orgânicas Municipais, torna-se necessário proceder a sua leitura com o propósito, em
cada Município, de ampliar as assimilações específi cas sobre a matéria.
5 Terririo da Educação Rural na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
[...] A Liberdade da Terra não é assunto de lavradores.
A Liberdade da Terra é assunto de todos.
Quantos não se alimentam do fruto da terra.
Do que vive, sobrevive do salário.
Do que é impedido de ir à escola.
Dos meninos e meninas de rua.
Das prostitutas. Dos ameaçados pelo Cólera.
Dos que amargam o desemprego.
Dos que recusam a morte do sonho.
A liberdade da Terra e a Paz do campo tem um nome.
Hoje viemos cantar no coração da cidade para que ela ouça nossas
canções...
Pedro Tierra
A Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, resultou de um debate que se
prolongou durante 13 anos, gerando expectativas diversas a respeito do avanço que
o novo texto viria a representar para a organização da educação nacional. O primeiro
anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade ao acirrado em-
bate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema. O anteprojeto, elaborado pelo
GT indicado sob a orientação do ministro Clemente Marianni, representou o primeiro
esforço de regulamentação do previsto na Carta Magna – 1946. Este, além de reforçar
o dispositivo constitucional, expressa as mudanças que perpassavam a sociedade em
seu conjunto. Logo em seguida, diversos substitutivos, entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda, redirecionaram o foco da discussão. Enquanto o pri-
meiro anteprojeto se revelava afi nado com as necessidades educacionais do conjunto
da sociedade, dando ênfase ao ensino público, a maior parte desses substitutivos, em
nome da liberdade, representavam os interesses das escolas privadas.
Em resposta, os defensores da escola pública retomaram os princípios orientado-
res do anteprojeto inicial, apresentando um substitutivo elaborado com a participação
de diversos segmentos da sociedade.
CADERNOS SECAD
62
Anotações
Quanto ao ensino rural, é possível afi rmar que a Lei não traduz grandes
preocupações com a diversidade. O foco é dado à integração, exposta, por sua vez, no
artigo 57, quando recomenda a realização da formação dos educadores que vão atuar
nas escolas rurais primárias, em estabelecimentos que lhes prescrevam a integração no
meio. Acrescente-se a isso o disposto no artigo 105 a respeito do apoio que poderá ser
prestado pelo poder público às iniciativas que mantenham na zona rural instituições
educativas orientadas para adaptar o homem ao meio e estimular vocações e atividades
profi ssionais. No mais, a Lei atribui às empresas responsabilidades com a manutenção
de ensino primário gratuito sem delimitar faixa etária.
Art. 31. As empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem
mais de 100 pessoas, são obrigadas a manter o ensino primário gratuito para
os seus servidores e os fi lhos desses.
Com vistas ao cumprimento dessa norma, são admitidas alternativas tais como:
instalação de escolas públicas nas propriedades, instituição de bolsas, manutenção
de escolas pelos proprietários rurais e ainda a criação de condições que facilitem a
freqüência dos interessados às escolas mais próximas.
Por último, resta considerar que o ensino técnico de grau médio inclui o curso
agrícola, cuja estrutura e funcionamento obedecem ao padrão de dois ciclos: o pri-
meiro, o ginasial, com duração de quatro anos e o segundo, o colegial, com duração
mínima de três anos.
Nada, portanto, que evidencie a racionalidade da educação no âmbito de um
processo de desenvolvimento que responda aos interesses da população rural em sinto-
nia com as aspirações de todo povo brasileiro.
Em 11 de agosto de 1971, é sancionada a Lei 5.692, que xa diretrizes e bases
para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências.
A propósito da educação rural, não se observa, mais uma vez, a inclusão da
população na condição de protagonista de um projeto social global. Propõe, ao tratar
da formação dos profi ssionais da educação, o ajustamento às diferenças culturais. Tam-
bém prevê a adequação do período de férias à época de plantio e colheita de safras e,
quando comparado ao texto da Lei 4.024/61, a 5.692 reafi rma o que foi disposto em
relação à educação profi ssional. De fato, o trabalho do campo realizado pelos alunos
conta com uma certa cumplicidade da Lei, que constitui a referência para organizar, in-
clusive, os calendários. Diferentemente dos tempos atuais, em que o direito à educação
escolar prevalece, e cabe ao poder público estabelecer programas de erradicação das
atividades impeditivas de acesso e permanência dos alunos no ensino obrigatório.
Mais recentemente, os impactos sociais e as transformações ocorridas no campo
infl uenciaram decisivamente nas diretrizes e bases da oferta e do nanciamento da
educação escolar.
À luz dos artigos 208 e 210 da Carta Magna 1988, e inspirada, de alguma
forma, numa concepção de mundo rural enquanto espaço específi co, diferenciado e,
ao mesmo tempo, integrado no conjunto da sociedade, a Lei 9.394/96 LDB - es-
tabelece que:
Art. 28. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiari-
dades da vida rural e de cada região, especialmente.
Educação do Campo
63
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e ás condições climáticas;
III -adequação à natureza do trabalho na zona rural.
Neste particular, o legislador inova. Ao submeter o processo de adaptação à ade-
quação, institui uma nova forma de sociabilidade no âmbito da política de atendimento
escolar em nosso país. Não mais se satisfaz com a adaptação pura e simples. Reconhece
a diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a defi -
nição de diretrizes operacionais para a educação rural sem, no entanto, recorrer a uma
lógica exclusiva e de ruptura com um projeto global de educação para o país.
Neste sentido, é do texto da mencionada lei, no artigo 26, a concepção de uma
base nacional comum e de uma formação básica do cidadão que contemple as especi-
cidades regionais e locais.
Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base na-
cional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabeleci-
mento escolar, por uma base nacional comum, a ser complementada, em cada
sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversifi cada, exigi-
da pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia
e da clientela.
Além disso, se os incisos I e II do artigo 28 forem devidamente valorizados, po-
der-se-ia concluir que o texto legal recomenda levar em conta, nas nalidades, nos
conteúdos e na metodologia, os processos próprios de aprendizagem dos estudantes e
o específi co do campo.
Ora, se o específi co pode ser entendido também como exclusivo, relativo ou
próprio de indivíduos, ao combinar os artigos 26 e 28, não se pode concluir apenas por
ajustamento. Assim, parece recomendável, por razões da própria Lei, que a exigência
mencionada no dispositivo pode ir além da reivindicação de acesso, inclusão e perten-
cimento.
E, neste ponto, o que está em jogo é defi nir, em primeiro lugar, aquilo no qual
se pretende ser incluído, respeitando-se a diversidade e acolhendo as diferenças sem
transformá-las em desigualdades. A discussão da temática tem a ver, neste particular,
com a cidadania e a democracia, no âmbito de um projeto de desenvolvimento onde as
pessoas se inscrevem como sujeitos de direitos.
Assim, a decisão de propor diretrizes operacionais para a educação básica do
campo supõe, em primeiro lugar, a identifi cação de um modo próprio de vida social
e de utilização do espaço, delimitando o que é rural e urbano sem perder de vista o
nacional.
A propósito, duas abordagens podem ser destacadas na delimitação desses es-
paços e, neste aspecto, em que pese ambas considerarem que o rural e o urbano cons-
tituem pólos de um mesmo continuem, divergem quanto ao entendimento das relações
que se estabelecem entre os mesmos.
Assim, uma delas, a visão urbano-centrada, privilegia o pólo urbano do continuem,
mediante um processo de homogeneização espacial e social que subordina o pólo rural.
No caso, pode-se dizer que o rural hoje pode ser entendido como um continuum
CADERNOS SECAD
64
Anotações
urbano. O meio rural se urbanizou nas últimas décadas, como resultado do processo de
industrialização da agricultura, de um lado, e, do outro, do transbordamento do mundo
urbano naquele espaço que tradicionalmente era defi nido como rural.
Mais forte ainda é o pensamento que interpreta o fi rmar-se do campo exclusiva-
mente a partir da cidade, considerando urbano o território no qual a cidade está fi sica-
mente assentada e rural o que se apreende fora deste limite. No bojo desse pensamen-
to, os camponeses são apreendidos, antes de tudo, como os executores da parte rural
da economia urbana, sem autonomia e projeto próprio, negando-se a sua condição de
sujeito individual ou coletivo autônomo.
Em resumo, há, no plano das relações, uma dominação do urbano sobre o rural
que exclui o trabalhador do campo da totalidade defi nida pela representação urbana
da realidade. Com esse entendimento, é possível concluir pelo esvaziamento do rural
como espaço de referência no processo de constituição de identidades, desfocando-se
a hipótese de um projeto de desenvolvimento apoiado, entre outros, na perspectiva de
uma educação escolar para o campo. No máximo, seria necessário decidir por iniciativas
advindas de políticas compensatórias e destinadas a setores cujas referências culturais e
políticas são concebidas como atrasadas.
Mas essa é apenas uma forma de explicar como se a relação urbano-rural em
face das transformações do mundo contemporâneo, em especial, a partir do surgimen-
to de um novo ator ao qual se abre a possibilidade de exercer, no campo, as atividades
agrícolas e não-agrícolas e, ainda, combinar o estatuto de empregado com o de traba-
lhador por conta própria.
O problema posto, quando se projeta tal entendimento para a política de educa-
ção escolar, é o de afastar a escola da temática do rural: a retomada de seu passado e
a compreensão do presente, tendo em vista o exercício do direito de ter direito a defi nir
o futuro no qual os brasileiros, 30 milhões, no contexto dos vários rurais, pretendem
ser incluídos.
Na verdade, diz bem Arroyo que o forte dessa perspectiva é propor a adaptação
de um modelo único de educação aos que se encontram fora do lugar, como se não
existisse um movimento social, cultural e identitário que afi rma o direito à terra, ao
trabalho, à dignidade, à cultura e à educação.
Isso é verdadeiro, inclusive, para o Plano Nacional de Educação - PNE, recen-
temente aprovado no Congresso. Este - em que pese requerer um tratamento dife-
renciado para a escola rural e prever em seus objetivos e metas formas exíveis de
organização escolar para a zona rural, bem como a adequada formação profi ssional
dos professores, considerando as especifi cidades do alunado e as exigências do meio -,
recomenda, numa clara alusão ao modelo urbano, a organização do ensino em séries.
Cabe ressaltar, no entanto, que as formas fl exíveis não se restringem ao regime seria-
do. Estabelecer entre as diretrizes a ampliação de anos de escolaridade, é uma coisa.
Outra coisa é determinar que tal processo se realize através da organização do ensino
em série.
É diretriz do PNE:
[ ...] a oferta do ensino fundamental precisa chegar a todos os recantos do País
e a ampliação da oferta das quatro séries regulares em substituição às classes
Educação do Campo
65
isoladas unidocentes é meta a ser perseguida, consideradas as peculiaridades
regionais e a sazonalidade.
De modo equivalente, o item objetivos e metas do mesmo texto remete à orga-
nização em séries:
Objetivos e metas
16. Associar as classes isoladas unidocentes remanescentes a escolas de, pelo
menos, quatro séries completas.
É necessário, neste ponto, para preservar o eixo da exibilidade que perpassa a
LDB, abrindo inúmeras possibilidades de organização do ensino, remeter ao disposto
no seu art. 23 que desvela a clara adesão da Lei à multiplicidade das realidades que
contextualizam a proposta pedagógica das escolas.
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de estudos, grupos não-seriados, com
base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de
organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o
recomendar.
Por outro lado, uma segunda abordagem na análise das relações que se estabe-
lecem entre os pólos do continuum urbano-rural, tem fundamentado no Brasil a defesa
de uma proposta de desenvolvimento do campo à qual está vinculada a educação esco-
lar. É uma perspectiva que identifi ca, no espaço local, o lugar de encontro entre o rural
e o urbano, onde, segundo estudos de Wanderley, as especifi cidades se manifestam no
plano das identifi cações e das reivindicações na vida cotidiana, desenhando uma rede
de relações recíprocas que reiteram e viabilizam as particularidades dos citados pólos.
E, neste particular, o campo hoje não é sinônimo de agricultura ou de pecuária.
traços do mundo urbano que passam a ser incorporados no modo de vida rural,
assim como traços do mundo camponês que resgatam valores sufocados pelo tipo
de urbanização vigente. Assim sendo, a inteligência sobre o campo é também a inteli-
gência sobre o modo de produzir as condições de existência em nosso país.
Como se verifi ca, a nitidez das fronteiras utiliza critérios que escapam à lógica
de um funcionamento e de uma reprodução exclusivos, confi rmando uma relação que
integra e aproxima espaços sociais diversos.
Por certo, este é um dos princípios que apóia, no caso do disciplinamento da
aplicação dos recursos destinados ao fi nanciamento do ensino fundamental, o disposto
na Lei 9.424/96 que regulamenta o FUNDEF. No art. 2º, § 2º, a Lei estabelece a dife-
renciação de custo por aluno, reafi rmando a especifi cidade do atendimento escolar no
campo, nos seguintes termos:
Art. 2º Os recursos do Fundo serão aplicados na manutenção e no desenvolvi-
mento do ensino fundamental público e na valorização de seu magistério.
[...]
§ A distribuição a que se refere o parágrafo anterior, a partir de 1998, deve-
rá considerar, ainda, a diferenciação de custo por alunos segundo os níveis de
ensino e tipos de estabelecimentos, adotando-se a metodologia do cálculo e
as correspondentes ponderações, de acordo com os seguintes componentes:
I – 1ª a 4ª séries;
II – 5ª a 8ª séries;
III – estabelecimento de ensino especial;
IV – escolas rurais.
CADERNOS SECAD
66
Anotações
Trata-se, portanto, de um esforço para indicar, nas condições de nanciamento
do ensino fundamental, a possibilidade de alterar a qualidade da relação entre o rural
e o urbano, contemplando-se a diversidade sem consagrar a relação entre um espaço
dominante, o urbano, e a periferia dominada, o rural. Para tanto, torna-se importan-
te explicitar a necessidade de um maior aporte de recursos para prover as condições
necessárias ao funcionamento de escolas do campo, tendo em vista, por exemplo, a
menor densidade populacional e a relação professor/aluno.
Torna-se urgente o cumprimento rigoroso e exato dos dispositivos legais por
todos os entes federativos, assegurando-se o respeito à diferenciação dos custos, tal
como já vem ocorrendo com a educação especial e os anos nais do ensino fundamen-
tal.
Assim, por várias razões, conclui-se que esse Parecer tem a marca da provisorie-
dade. Sobra muita coisa para fazer. Seus vazios serão preenchidos, sobretudo, pelos
signifi cados gerados no esforço de adequação das diretrizes aos diversos rurais e sua
abertura, sabe-se, na prática, será conferida pela capacidade de os diversos sistemas
de ensino universalizarem um atendimento escolar que emancipe a população e, ao
mesmo tempo, libere o país para o futuro solidário e a vida democrática.
II – VOTO DA RELATORA
À luz do exposto e analisado, em obediência ao artigo da Lei 9.131/95,
que incumbe à Câmara de Educação Básica a deliberação sobre Diretrizes Curriculares
Nacionais, a relatora vota no sentido de que seja aprovado o texto ora proposto como
base do Projeto de Resolução, que xa as Diretrizes Operacionais para a Educação Bá-
sica nas escolas do campo.
Brasília (DF), 04 de dezembro de 2001
Conselheira Edla de Araújo Lira Soares – Relatora
III – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto da Relatora.
Sala das Sessões, em 04 de dezembro de 2001
Conselheiro Francisco Aparecido Cordão – Presidente
Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury – Vice-Presidente
Educação do Campo
67
RESOLUÇÃO – CEB Nº 01, 03 DE ABRIL DE 2002
23
Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo.
O presidente da Câmara da Educação Básica, reconhecido o modo próprio de
vida social e o de utilização do espaço do campo como fundamentais, em sua diversi-
dade, para a constituição da identidade da população rural e de sua inserção cidadã
na defi nição dos rumos da sociedade brasileira, e tendo em vista o disposto na Lei
9.394, de 20 de dezembro de 1996 LDB, na Lei 9.424, de 24 de dezembro de
1996, e na Lei nº 10.172/2001 - PNE, e no Parecer CNE/CEB nº 36/2001, homologado
pelo Senhor Ministro de Estado da Educação em 12 de março de 2002,
RESOLVE:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas escolas do campo a serem observadas nos projetos das instituições que inte-
gram os diversos sistemas de ensino.
Art. 2º Estas Diretrizes, com base na legislação educacional, constituem um con-
junto de princípios e de procedimentos que visam adequar o projeto institucional das
escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino
Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a Educa-
ção Indígena, a Educação Profi ssional de Nível Técnico e a Formação de Professores em
Nível Médio na modalidade Normal.
Parágrafo único. A identidade da escola do campo é defi nida pela sua vinculação
às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes
próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de
ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa
de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade
social da vida coletiva no país.
Art. 3º O Poder Público, considerando a magnitude da importância da educação
escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de um país cujo
paradigma tenha como referências a justiça social, a solidariedade e o diálogo entre
todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a
universalização do acesso da população do campo à Educação Básica e à Educação
Profi ssional de Nível Técnico.
Art. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho
compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da educação
escolar com qualidade social, constituir-se-á num espaço público de investigação e arti-
culação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como
para o desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente sustentável.
Art. As propostas pedagógicas das escolas do campo, respeitadas as dife-
renças e o direito à igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23, 26 e 28 da Lei 9.394/96, contemplarão a diversidade do campo em todos
os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.
23 CNE. Resolução CNE/CEB 1/2002. Diário Ofi cial da União, Brasília 09 de abril de 2002. Seção 01, p. 32.
CADERNOS SECAD
68
Anotações
Parágrafo único. Para observância do estabelecido neste artigo, as propostas
pedagógicas das escolas do campo, elaboradas no âmbito da autonomia des-
sas instituições, serão desenvolvidas e avaliadas sob a orientação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Básica e a Educação Profi ssional de Nível
Técnico.
Art. O Poder Público, no cumprimento das suas responsabilidades com o aten-
dimento escolar e à luz da diretriz legal do regime de colaboração entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, proporcionará Educação Infantil e Ensino
Fundamental nas comunidades rurais, inclusive para aqueles que não o concluíram na
idade prevista, cabendo em especial aos Estados garantir as condições necessárias para
o acesso ao Ensino Médio e à Educação Profi ssional de Nível Técnico.
Art. 7º É de responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino, através de seus
órgãos normativos, regulamentar as estratégias específi cas de atendimento escolar do
campo e a exibilização da organização do calendário escolar, salvaguardando, nos
diversos espaços pedagógicos e tempos de aprendizagem, os princípios da política de
igualdade.
§ - O ano letivo, observado o disposto nos artigos 23, 24 e 28 da LDB, poderá
ser estruturado independente do ano civil.
§ - As atividades constantes das propostas pedagógicas das escolas, preserva-
das as fi nalidades de cada etapa da educação básica e da modalidade de ensino
prevista, poderão ser organizadas e desenvolvidas em diferentes espaços peda-
gógicos, sempre que o exercício do direito à educação escolar e o desenvolvi-
mento da capacidade dos alunos de aprender e de continuar aprendendo assim
o exigirem.
Art. As parcerias estabelecidas visando ao desenvolvimento de experiências de
escolarização básica e de educação profi ssional, sem prejuízo de outras exigências que
poderão ser acrescidas pelos respectivos sistemas de ensino, observarão:
I - articulação entre a proposta pedagógica da instituição e as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a respectiva etapa da Educação Básica ou Profi ssional;
II - direcionamento das atividades curriculares e pedagógicas para um projeto de
desenvolvimento sustentável;
III - avaliação institucional da proposta e de seus impactos sobre a qualidade da
vida individual e coletiva;
IV- controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva partici-
pação da comunidade do campo.
Art. 9º As demandas provenientes dos movimentos sociais poderão subsidiar os
componentes estruturantes das políticas educacionais, respeitado o direito à educação
escolar, nos termos da legislação vigente.
Art. 10 O projeto institucional das escolas do campo, considerado o estabelecido
no artigo 14 da LDB, garantirá a gestão democrática, constituindo mecanismos que
possibilitem estabelecer relações entre a escola, a comunidade local, os movimentos
sociais, os órgãos normativos do sistema de ensino e os demais setores da sociedade.
Educação do Campo
69
Art. 11 Os mecanismos de gestão democrática, tendo como perspectiva o exer-
cício do poder nos termos do disposto no parágrafo do artigo da Carta Magna,
contribuirão diretamente:
I - para a consolidação da autonomia das escolas e o fortalecimento dos conse-
lhos que propugnam por um projeto de desenvolvimento que torne possível à popula-
ção do campo viver com dignidade;
II - para a abordagem solidária e coletiva dos problemas do campo, estimulando
a autogestão no processo de elaboração, desenvolvimento e avaliação das propostas
pedagógicas das instituições de ensino.
Art. 12 O exercício da docência na Educação Básica, cumprindo o estabelecido
nos artigos 12, 13, 61 e 62 da LDB e nas Resoluções n° 3/1997 e n° 2/1999, da Câmara
da Educação Básica, assim como o parecer do Pleno do Conselho Nacional de Educa-
ção, a respeito da formação de professores em nível superior para a Educação Básica,
prevê a formação inicial em curso de licenciatura, estabelecendo como qualifi cação mí-
nima, para a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
o curso de formação de professores em Nível Médio, na modalidade Normal.
Parágrafo único. Os sistemas de ensino, de acordo com o artigo 67 da LDB de-
senvolverão políticas de formação inicial e continuada, habilitando todos os pro-
fessores leigos e promovendo o aperfeiçoamento permanente dos docentes.
Art. 13 Os sistemas de ensino, além dos princípios e diretrizes que orientam a
Educação Básica no país, observarão, no processo de normatização complementar da
formação de professores para o exercício da docência nas escolas do campo, os seguin-
tes componentes:
I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos
jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e
coletiva, da região, do país e do mundo;
II - propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversi-
dade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão demo-
crática, o acesso ao avanço científi co e tecnológico e respectivas contribuições para
a melhoria das condições de vida e a delidade aos princípios éticos que norteiam a
convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas.
Art. 14 O nanciamento da educação nas escolas do campo, tendo em vista
o que determina a Constituição Federal, no artigo 212 e no artigo 60 dos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias, a LDB, nos artigos 68, 69, 70 e 71, e a regu-
lamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério - Lei nº 9.424/1996, será assegurado mediante cumprimento
da legislação a respeito do fi nanciamento da educação escolar no Brasil.
Art. 15 No cumprimento do disposto no § 2º do art. 2º da Lei nº 9.424/96, que
determina a diferenciação do custo-aluno com vistas ao nanciamento da educação
escolar nas escolas do campo, o Poder Público levará em consideração:
I - as responsabilidades próprias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios com o atendimento escolar em todas as etapas e modalidades da Educação
Básica, contemplada a variação na densidade demográfi ca e na relação professor/alu-
CADERNOS SECAD
70
Anotações
no;
II - as especifi cidades do campo, observadas no atendimento das exigências de
materiais didáticos, equipamentos, laboratórios e condições de deslocamento dos alu-
nos e professores apenas quando o atendimento escolar não puder ser assegurado
diretamente nas comunidades rurais;
III - remuneração digna, inclusão nos planos de carreira e institucionalização de
programas de formação continuada para os profi ssionais da educação que propiciem,
no mínimo, o disposto nos artigos 13, 61, 62 e 67 da LDB.
Art. 16 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, cando revo-
gadas às disposições em contrário.
Conselheiro Francisco Aparecido Cordão
Presidente da Câmara de Educação Básica
Educação do Campo
71
Anexo 2
Parecer CEB nº 01/2006, do Conselho Nacional de
Educação, aprovado em 01/02/2006.
1
Recomenda a Adoção
da Pedagogia da Alternância em Escolas do Campo
I – RELATÓRIO
O Secretário da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
do Ministério da Educação (SECAD/MEC) encaminha detalhada e rica exposição de
motivos, na condição de responsável pela Educação do Campo, no governo federal,
para exame e manifestação desta Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, sobre os dias considerados letivos para a Pedagogia da Alternância, pois esse
entendimento tem se apresentado como um dos principais elementos que vêm difi cul-
tando o reconhecimento dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEEFA)
para a certifi cação de seus alunos.
A exposição de motivos encontra-se muito bem amparada por extenso parecer,
em grande parte fundamentado na tese de Doutorado, apresentada na Universidade
de Brasília, em 2004, por João Batista Queiroz.
A matéria é altamente relevante, pois a Educação do Campo é assunto estratégi-
co para o desenvolvimento socioeconômico do meio rural e a Pedagogia da Alternância
vem se mostrando como a melhor alternativa para a Educação Básica, neste contexto,
para os anos nais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profi ssional
Técnica de nível médio, estabelecendo relação expressiva entre as três agências educa-
tivas – família, comunidade e escola.
Essa alternativa de atendimento à população escolar do campo surgiu na década
de 1930, na França, nas Casas Familiares Rurais, estendendo-se na Europa pela Bélgica
e a Espanha, na África pelo Senegal e na América Latina pela Argentina, Brasil, Chile,
Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai...
No Brasil, a denominada Pedagogia da Alternância foi introduzida, em 1969, no
Espírito Santo Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo / MEPES a
partir de Anchieta, encontrando rápida expansão com a orientação dos Padres Jesuítas.
Nesse estado e em mais quinze unidades da Federação brasileira, a alternância mais
efetiva é a que associa meios de vida socioprofi ssional e escolar em uma unidade de
tempos formativos. Tais são as Escolas Famílias Agrícolas (EFA).
A expansão dos Centros Familiares de Formação por Alternância alcançou esta-
dos brasileiros do Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, sendo possível identifi -
car oito formas de organização, algumas das quais não oferecem educação escolar.
A seguir, caracterizamos experiências da Pedagogia da Alternância, sempre com
base em Queiroz (2004), destacando as que se organizam como escolas e as que não
oferecem educação escolar:
1 Homologado por Despacho do Ministro, publicado no Diário Ofi cial da União de 15/03/2006.
CADERNOS SECAD
72
Anotações
a) Escolas Famílias Agrícolas (EFA), com 123 centros, presentes em 16 estados
brasileiros, desenvolvendo os anos fi nais (segundo segmento) do Ensino Fundamental,
Ensino Médio e Educação Profi ssional Técnica de nível médio.
b) Casas Familiares Rurais (CFR), com 91 centros, presentes em seis estados, de-
senvolvendo os anos fi nais (segundo segmento) do Ensino Fundamental, Ensino Médio
e Educação Profi ssional Técnica de nível técnico.
c) Escolas Comunitárias Rurais (ECOR), com 03 centros no Espírito Santo desen-
volvendo os anos fi nais (segundo segmento) do Ensino Fundamental.
d) Escolas de Assentamentos (EA), com 08 centros no Estado do Espírito Santo,
desenvolvendo os anos fi nais (segundo segmento) do Ensino Fundamental.
e) Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais (PROJOVEM), com 07 cen-
tros no estado de São Paulo, atuando somente com cursos de qualifi cação profi ssional.
f) Escolas Técnicas Estaduais (ETE), com 03 centros localizados no Estado de São Paulo.
g) Casas das Famílias Rurais (CDFR), com 03 centros situados nos Estados da
Bahia, Pernambuco e Piauí, desenvolvendo os anos fi nais (segundo segmento) do Ensi-
no Fundamental.
h) Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (CDEJOR), com 04 centros em
estados do sul do Brasil, atuando somente com cursos de qualifi cação profi ssional.
A rede dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA), que se or-
ganiza em três associações UNEFAB, ARCAFAR–SUL e ARCAFAR-NORTE-NORDESTE
congrega as EFA, CFR e ECOR, somando 217 escolas que adotam a Pedagogia da
Alternância. O presente parecer refere-se especifi camente a essa rede.
Os pilares dos CEFFA foram sendo construídos até os dias atuais e se constituem
em: a) Pilares meios – associação local (pais, famílias, profi ssionais, instituições) e Peda-
gogia da Alterncia (metodologia pedagógica); e b) Pilares ns – formação integral dos
jovens e desenvolvimento sustenvel do meio (social, econômico, humano, político...).
Os objetivos dos CEFFA vão, portanto, desde a formação integral dos jovens
do meio rural, adequada à sua realidade, incluem a melhoria da qualidade de vida
das famílias pela aplicação de conhecimentos técnico-científi cos e o estímulo no jovem
do sentido de comunidade, vivência grupal e desenvolvimento do espírito associativo
e solidário, até a introdução de práticas relacionadas às ações de saúde, nutrição e
de cultura das comunidades. Após a conclusão do curso, o aluno recebe o histórico
escolar (Ensino Supletivo ou Fundamental, Médio ou Profi ssional de nível técnico) e o
diploma de formação profi ssional (Ensino Médio) ou de qualifi cação como profi ssional
da agricultura (Ensino Fundamental). É conveniente substituir a terminologia “Ensino
Supletivo”, ainda ali utilizada, por “Educação de Jovens e Adultos – EJA”.
Segundo Queiroz (2004), é possível encontrar três tipos de alterncia nos CEFFA:
a) Alterncia justapositiva, que se caracteriza pela sucessão dos tempos ou períodos
consagrados ao trabalho e ao estudo, sem que haja uma relação entre eles.
b) Alternância associativa, quando ocorre uma associação entre a formação geral e a
formação pro ssional, veri cando-se portanto a existência da relação entre a ativi-
dade escolar e a atividade pro ssional, mas ainda como uma simples adição.
Educação do Campo
73
c) Alternância integrativa real ou copulativa, com a compenetração efetiva de
meios de vida socioprofi ssional e escolar em uma unidade de tempos formati-
vos. Nesse caso, a alternância supõe estreita conexão entre os dois momentos
de atividades em todos os níveis individuais, relacionais, didáticos e institu-
cionais. Não há primazia de um componente sobre o outro. A ligação perma-
nente entre eles é dinâmica e se efetua em um movimento contínuo de ir e
retornar. Embora seja a forma mais complexa da alternância, seu dinamismo
permite constante evolução. Em alguns centros, a integração se faz entre um
sistema educativo em que o aluno alterna períodos de aprendizagem na famí-
lia, em seu próprio meio, com períodos na escola, estando esses tempos inter-
ligados por meio de instrumentos pedagógicos específi cos, pela associação,
de forma harmoniosa, entre família e comunidade e uma ação pedagógica
que visa à formação integral com profi ssionalização.
João Batista Queiroz, na tese de doutorado já citada, conclui:
Numa concepção de alternância formativa, não é sufi ciente a apro-
ximação ou a ligação de dois lugares com suas lógicas diferentes
e contraditórias, ou seja, a escola e o trabalho. É necessária uma
sinergia, uma integração, uma interpenetração rompendo com a
dicotomia teoria e prática, abstrato e concreto, saberes formaliza-
dos e habilidades (saber fazer), formação e produção, trabalho
intelectual e trabalho físico (manual).
Nos CEFFA, a duração das atividades de formação varia de três a quatro anos: o
método de alternância ocorre por meio de períodos em que os alunos passam na famí-
lia/comunidade, duas semanas, alternando com outro período de uma semana (CFR) ou
duas semanas (EFA) no centro de formação, isto é, na escola.
O calendário escolar, quando de sua elaboração, tem presente os aspectos: so-
ciocultural, participativo, geográfi co e legal.
A carga horária anual ultrapassa os duzentos dias letivos e as oitocentas horas
exigidas pela Lei de Diretrizes a Bases da Educação Nacional. Os períodos vivenciados
no centro educativo (escola) e no meio socioprofi ssional (família/comunidade) são con-
tabilizados como dias letivos e horas, o que implica em considerar como horas e aulas
atividades desenvolvidas fora da sala de aula, mas executadas mediante trabalhos práti-
cos e pesquisas com auxílio de questionários que compõem um Plano de Estudo.
O Plano Curricular ou Plano de Formação é formulado com base nos conteúdos
defi nidos em nível nacional para o Ensino Fundamental ou Ensino Médio e ou Ensino
Supletivo (Educação de Jovens e Adultos) mais as matérias de ensino técnico, de acordo
com as características de cada unidade educativa.
No desenvolvimento metodológico em que o aluno executa um Plano de Estudo,
temos o período das semanas na propriedade ou no meio profi ssional, oportunidade
em que o jovem discute sua realidade com a família, com os profi ssionais e provoca
refl exões, planeja soluções e realiza experiências em seu contexto, irradiando uma con-
cepção correta de desenvolvimento local sustentável; enquanto isso, no período em que
o aluno permanece em regime de internato ou semi-internato no centro de formação,
isto é, a escola, tem oportunidade de socializar sua realidade sob todos os aspectos,
embasada em pesquisas e trabalhos teóricos e práticos que realizam nas semanas em
que permaneceram com suas famílias. Tudo isso é desenvolvido com o auxílio de mo-
CADERNOS SECAD
74
Anotações
nitores (formadores), de forma que o aluno levante situações vivenciadas na realidade
familiar, busque novos conhecimentos para explicar, compreender e atuar, partindo do
senso comum para alcançar o conhecimento científi co.
O projeto educativo de cada CEFFA contribui, assim, para a constituição de um
novo tecido social e econômico no contexto local. Ocorre a inserção no próprio meio
de origem com a geração de emprego, de renda e de riquezas. A relação entre teoria e
prática desenvolve as pessoas e estas, por sua vez, desenvolvem seu meio. É o aprender
a aprender! É a Educação do Campo em seu conceito mais atual e consentâneo com
a realidade.
Equipe de monitores e professores é responsável pela organização, dinamização
das atividades docentes e pela elaboração, conjuntamente com a Associação de Pais,
Jovens Formados e Entidades Parceiras, do Plano de Formação, sempre respeitado o ca-
lendário agrícola da região em que a unidade educativa está situada e com apoio e as-
sessoramento técnico e pedagógico de entidades locais, regionais e nacionais. O jovem
também é orientado na elaboração do seu projeto profi ssional de vida, especialmente
por meio de visitas às famílias durante os períodos de alternância.
Os Centros Familiares de Formação por Alternância Escolas Famílias Agrícolas
(EFA), Casas Familiares Rurais (CFR) e Escolas Comunitárias Rurais (ECOR) adotam os
seguintes instrumentos pedagógicos:
Plano de Formação;
Plano de Estudo;
Colocação em Comum socialização e organização dos conhecimentos da
realidade do aluno e do seu meio, que servem de base para o aprofundamento
articulado nas várias áreas do saber; interdisciplinaridade;
Caderno de Síntese da Realidade do Aluno (VIDA);
Fichas Didáticas;
Visitas de Estudo;
Intervenções Externas – palestras, seminários, debates...
Experiências / Projeto Profi ssional do Aluno;
Visitas à Família do Aluno;
Caderno de Acompanhamento da Alternância; e
Avaliação – contínua e permanente.
Com a nalidade de esclarecer e fundamentar os CEFFA, quanto ao cumprimen-
to dos dispositivos legais que tratam do calendário escolar e duração do ano letivo, a
Exposição de Motivos da SECAD/MEC anexou três planos curriculares que comprovam
a duração do ano letivo e da carga horária em obediência aos dispositivos legais:
1) EFA Escola da Família Agrícola Chico Mendes Conselheiro Pena, Minas
Gerais: 204 dias letivos anuais e 960 horas de carga horária total por ano;
2) EFA Escola da Falia Agcola do Soinho Socopo, Piauí: Curso cnico em
Agropecuária, com duração nima de 03 anos, com integração do Ensino dio
com o Ensino Técnico duração total de 3.500 a 4.200 horas, sendo o esgio
cnico de 470 horas, compreendendo o mínimo legal de 200 dias letivos anuais;
Educação do Campo
75
3) CFR – Casa Familiar Rural – Chopinzinho, Paraná: Ensino Supletivo (Educação
de Jovens e Adultos) 210 dias letivos anuais com a carga horária anual de
826 horas (terceiro ano).
Apreciação: Legislação e Normas
A legislação aplicável à matéria de que trata este parecer Centros Familiares de
Formação por Alternância (EFA, CFR e ECOR), pode ser assim resumida (Lei n° 9.394/96
- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional):
Artigo 22 A Educação Básica tem por nalidade desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e forne-
cer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
Artigo 23 – A educação Básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com
base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organiza-
ção, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
§ 1° - ...
§ - O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive
climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso
reduzir o numero de horas letivas previsto nesta Lei.
Artigo 24 A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organiza-
da de acordo com as seguintes regras comuns:
I a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um
mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado
aos exames fi nais, quando houver;
Artigo 28 Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas
de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da
vida rural e de cada região, especialmente:
I conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.
Artigo 34 – a jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos qua-
tro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o
período de permanência na escola.
O Conselho Nacional de Educação, no exercício de sua função normativa, mani-
festou-se pelo Parecer CNE/CEB n° 05/97 em termos apropriados ao assunto de que es-
tamos a tratar: quando a Lei se refere ao mínimo de “oitocentas horas distribuídas por
um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, está se referindo a oitocentas
horas de sessenta minutos, ou seja, um total anual de 48.000 minutos”.
CADERNOS SECAD
76
Anotações
O mesmo Parecer, ao tratar de trabalho efetivo em sala de aula, assim se manifesta:
As atividades escolares se realizam na tradicional sala de aula, do
mesmo modo que em outros locais adequados a trabalhos teóri-
cos e práticos, a leituras, pesquisas ou atividades em grupo, treina-
mento e demonstrações, contato com o meio ambiente e com as
demais atividades humanas de natureza cultural e artística, visando
à plenitude da formação de cada aluno. Assim, não são apenas os
limites da sala de aula propriamente dita que caracterizam com
exclusividade a atividade escolar de que fala a Lei. Esta se caracteri-
zará por toda e qualquer programação incluída na proposta peda-
gógica da instituição, com freqüência exigível e efetiva orientação
por professores habilitados. Os duzentos dias letivos e as oitocentas
horas anuais englobarão todo esse conjunto.
É oportuno destacar que o Parecer CNE/CEB 10/2005, homologado pelo Se-
nhor Ministro da Educação, conforme publicação no Diário Ofi cial de União de 6/9/2005,
ratifi ca plenamente o que contém o parecer supracitado.
Finalmente o Artigo 7° da Resolução CNE/CEB n° 01, de 03/04/2002, afi rma:
É responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino, por meio
de seus órgãos normativos, regulamentar as estratégias específi cas
de atendimento escolar do campo e a exibilização da organiza-
ção do calendário escolar, salvaguardando, nos diversos espaços
pedagógicos e tempos de aprendizagem, os princípios da política
da igualdade.
Análise do mérito
A educação para o meio rural brasileiro, isto é, a Educação do Campo, conside-
rando-se as dimensões do país, a imensa diversidade que o caracteriza e a extrema de-
sigualdade entre as oportunidades educacionais oferecidas no meio urbano e no meio
rural, está a merecer uma atenção prioritária.
Não faltam alternativas de solução propostas e em execução, entre as quais po-
deríamos citar:
o Projeto Escola Ativa, desenvolvido pelo FUNDESCOLA/FNDE/MEC nos esta-
dos do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, centrado nas denominadas escolas multisse-
riadas localizadas no meio rural e que se contam por milhares; segundo conhecimento
específi co do relator o projeto tem sido avaliado positivamente;
a Escola Estadual Fundamar, localizada no município de Paraguaçu, em Minas
Gerais, que oferece Educação Infantil e Ensino Fundamental, experiência premiada pela
Fundação ABRINQ em 2002;
o Projeto Semeando Educação e Saúde na Agricultura Familiar, desenvolvido
pelo município de Três Passos, no Rio Grande do Sul que, devidamente avaliado por
uma comissão de notáveis, recebeu na área de educação o “Prêmio Objetivos de De-
senvolvimento do Milênio – ODM BRASIL”, promovido pelo governo federal em acordo
com a ONU/PNUD (dezembro de 2005).
Mas é indubitável que os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA),
nas formas de Escolas Falias Agrícolas (EFA), Casas Familiares Rurais (CFR) e Escolas Comu-
nitárias Rurais (ECOR), pela sua expansão 217 escolas em perto de vinte estados brasileiros,
apresentam-se como uma alternativa bem-sucedida e bem avaliada, uma vez que a introdu-
ção da EFA no Brasil, pelo Estado do Espírito Santo, data de 1969.
Educação do Campo
77
Também é de se dizer que a variação da Pedagogia da Alternância na forma de
Alternância Integrativa Real ou Copulativa, também conhecida como Alternância For-
mativa, é, sem sombra de dúvida, a alternativa mais consistente, como bem o reconhe-
ce João Batista Queiroz em sua Tese de Doutorado (UnB/2004), cuja leitura parece-me
altamente recomendável.
Evidenciou-se, também, no Relatório, que a Pedagogia da Alternância cumpre
perfeitamente dispositivos da Lei nº 9.394/96, quando analisados em conjunto, inclusi-
ve quanto à duração do ano letivo anual em dias e quanto a sua duração em horas. No
particular, os pareceres CNE/CEB 05/97 e 10/2005 também são esclarecedores em
sua interpretação, quando o Conselho Nacional de Educação faz uso de suas funções
normativas e de supervisão do artigo da LDBEN) e, de modo especial, o Parecer
CNE/CEB nº 30/2001 e a Resolução CNE/CEB nº 1/2002, que “institui Diretrizes Opera-
cionais para a Educação Básica nas escolas do campo”.
II – VOTO DO RELATOR
1 É imprescindível que todas as unidades educativas, de qualquer grau, nível,
etapa ou modalidade, vinculadas a um dos sistemas de ensino, cumpram a legislação
e as normas educacionais em sua totalidade, inclusive quanto à duração do ano letivo
em dias e horas de sessenta minutos. É mister enfatizar que esse cumprimento é um
direito dos alunos.
2 No corpo do Relatório deste Parecer constam observações e sugestões impor-
tantes para que se defi na um determinado padrão de qualidade e de funcionamento
para a Pedagogia da Alternância.
3 Os CEFFA cumprem as exigências legais quanto à duração do ano letivo, pois
integram os períodos vivenciados no centro educativo (escola) e no meio socioprofi ssio-
nal (família/comunidade), considerando como dias e horas letivos atividades desenvolvi-
das fora da sala de aula, mas executadas dentro do Plano de Estudo de cada aluno.
4 Cada Centro Familiar de Formação por Alternância deverá organizar sua
proposta político-pedagógica nos termos da LDBEN, seja na forma de Escola Família
Agrícola, Casa Familiar Rural ou Escola Comunitária Rural, submetendo-a ao sistema de
ensino competente.
5 Recomenda-se que o Projeto Político-Pedagógico de cada CEFFA adote as
características da Pedagogia da Alternância na concepção de alternância formativa, isto
é, alternância integrativa real ou copulativa, de forma a permitir a formação integral do
educando, inclusive para prosseguimento de estudos, e contribuir positivamente para o
desenvolvimento rural integrado e auto-sustentável, particularmente naquelas regiões/
localidades em que prevalece a agricultura familiar.
6 Os Conselhos Estaduais ou Municipais de Educação, que ainda não se ma-
nifestaram sobre os dias considerados letivos para a Pedagogia da Alternância, o que
vem difi cultando a certifi cação de conclusão de curso dos Centros Familiares de For-
mação por Alternância (EFA, CFR ou ECOR), são encorajados a examinar/reexaminar os
Projetos Político-Pedagógicos a eles submetidos pelas instituições educacionais, sob a
ótica do presente Parecer e das conclusões dos seminários e simpósios que vêm sendo
realizados sob o patrocínio do MEC, ou de outros organismos, sobre a Educação do
Campo.
CADERNOS SECAD
78
Anotações
É o Parecer que submeto à consideração da Câmara de Educação Básica, com o
esclarecimento de que todos os destaques, em itálico ou negrito são do relator.
Brasília (DF), 1º de fevereiro de 2006
Conselheiro Murílio de Avellar Hingel– Relator
III – DECISÃO DA CÂMARA
A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto do Relator.
Sala das Sessões, em 1º de fevereiro de 2006
Conselheiro Cesar Callegari – Presidente
Conselheira Clélia Brandão Alvarenga Craveiro – Vice-Presidente
Educação do Campo
79
Cadernos Secad
Educação Ambiental: aprendizes de sustentabilidade
Educação do Campo: diferenças rompendo paradigmas
Educação Escolar Indígena: diversidade sociocultural
indígena ressigni cando a escola
Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer
diferenças e superar preconceitos
Proteger para Educar: a escola articulada com as Redes de
Proteção de Crianças e Adolescentes
Educação em Direitos Humanos: democracia, liberdade e
justiça social
Diversidade Étnico-Racial: políticas a rmativas na educação
Integração entre Instituições de Educação e Comunidade:
caminhos para o exercício da cidadania
Educação de Jovens e Adultos: a construção de uma política
pública
CADERNOS SECAD
80
Anotações
Educação do Campo
81
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