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Mulher
e Trabalho
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A
o longo de sua história, o Brasil tem enfrentado o problema da exclusão social que
gerou grande impacto nos sistemas educacionais. Hoje, milhões de brasileiros ainda
não se beneficiam do ingresso e da permanência na escola, ou seja, não têm acesso a um
sistema de educação que os acolha.
Educação de qualidade é um direito de todos os cidadãos e dever do Estado; garantir o
exercício desse direito é um desafio que impõe decisões inovadoras.
Para enfrentar esse desafio, o Ministério da Educação criou a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad, cuja tarefa é criar as estruturas necessárias
para formular, implementar, fomentar e avaliar as políticas públicas voltadas para os grupos
tradicionalmente excluídos de seus direitos, como as pessoas com 15 anos ou mais que não
completaram o Ensino Fundamental.
Efetivar o direito à educação dos jovens e dos adultos ultrapassa a ampliação da oferta
de vagas nos sistemas públicos de ensino. É necessário que o ensino seja adequado aos que
ingressam na escola ou retornam a ela fora do tempo regular: que ele prime pela qualidade,
valorizando e respeitando as experiências e os conhecimentos dos alunos.
Com esse intuito, a Secad apresenta os Cadernos de EJA: materiais pedagógicos para o
1.º e o 2.º segmentos do ensino fundamental de jovens e adultos. “Trabalho” será o tema da
abordagem dos cadernos, pela importância que tem no cotidiano dos alunos.
A coleção é composta de 27 cadernos: 13 para o aluno, 13 para o professor e um com
a concepção metodológica e pedagógica do material. O caderno do aluno é uma coletânea
de textos de diferentes gêneros e diversas fontes; o do professor é um catálogo de ativi-
dades, com sugestões para o trabalho com esses textos.
A Secad não espera que este material seja o único utilizado nas salas de aula. Ao con-
trário, com ele busca ampliar o rol do que pode ser selecionado pelo educador, incentivan-
do a articulação e a integração das diversas áreas do conhecimento.
Bom trabalho!
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade – Secad/MEC
Apresentação
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Sumário
TEXTO Subtema
1. Mulheres em desvantagem Relicostumes
6
2. O caso Esmeralda 8
3. Vida nova aos 60 Diversidades regionais 10
4. Novos tempos Maturidade social 11
5. Conceição das crioulasMiscigenação 14
6. Um desenho Crítica social 16
7. A carregadora de pedras Trabalhadores 17
8. Aviso da lua que menstrua Cultura suburbana 18
9. Mulheres da terraa luta dos negros 20
10. A arte da guerra para mulheres Ambiente de trabalho 22
11. Acreditaram nele” Identidade nacional 23
12. Dupla jornada 24
13. O inevitável trabalho feminino 26
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14. Cuidado: mulheres trabalhandoImigração e culinária 28
15. O poder: masculino ou feminino? Direitos civis 30
16. Afinal, o que faz um primeiro-damo? Origens dos trabalhadores 32
17. BobagemÍndios do Brasil 34
18. Salários mais equiparados com os dos homens 35
19. Em busca de emprego Olhos da alma 36
20. Rendimentos desiguais Arte culinária 44
21. Homenagem a quem fazArte culinária 46
22. Mulheres e trabalho na história do BrasilArte culinária 48
23. A life of charity Arte culinária 51
24. “Ellas” Arte culinária 52
25. Um pouco da história do dia internacional da mulher Arte culinária 54
26. Fazem mais e ganham menos Arte culinária 56
27. Mensagem da baixa verde Arte culinária 63
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Mulheres, Trabalho e Vida
6
Desigualdade
TEXTO
1
DESVANTAGEM
D
entre os brasileiros que trabalham, as
mulheres são quase a metade (42%).
E são responsáveis pelo sustento de
aproximadamente um terço das famílias no
Brasil. Mas também são as mais atingidas
pelo desemprego. Entre a demissão de um
homem e de uma mulher, geralmente a
mulher é a demitida.
As mulheres que trabalham e têm suas
carteiras assinadas ocupam cargos ou pos-
tos de trabalho mais desqualificados do que
os homens e nas funções de menor prestí-
gio social. E, pior, mesmo que ocupem as
mesmas funções e com mais instrução,
recebem salários menores do que os ho-
mens, enfrentam barreiras imensas na hora
da contratação, ficam menos tempo num
determinado cargo, têm dificuldades para
serem promovidas e custam a chegar aos
postos de chefia.
Segundo as últimas pesquisas do IBGE,
a discriminação contra as mulheres aumen-
ta, se levarmos em conta a raça das
pessoas. Dentre todas as mulheres, 44% se
consideram negras. Desse contingente, as
que são chefes de família estão entre as
mais pobres (muitas, inclusive, abaixo da
linha da pobreza). A renda dessas famílias
chefiadas por mulheres negras chega a ser
74% inferior à renda dos domicílios chefia-
dos por homens brancos. Ou seja, enquan-
to a família do homem branco ganha 300
reais por mês, a família da mulher negra
recebe somente 78 reais.
Na maioria dos casos, as trabalhadoras
estão no setor de serviços, sem carteira assi-
nada e, portanto, sem direitos garantidos
pelas leis. As mulheres negras estão forte-
mente no trabalho doméstico, igualmente,
não registrado.
Elas são a metade da população brasileira, ainda assim
ganham menos do que os homens
MULHERES EM
Baseado em texto de Antonio Carlos Spis – secretário nacional de
Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Publicado
em 8 de março de 2004.
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Foto: Monica Zarattini / AE
Mulheres, Trabalho e Vida
7
Precisamos reduzir os salários em
50%. Infelizmente, vamos ter que
despedir um de vocês...
Fila de desempregados no centro de São Paulo (SP): mulheres são maioria.
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Mulheres, Trabalho e Vida
8
E
u estava a fim de sair da vida da rua e
das drogas, mas aquela vida tinha as
coisas que me ligavam. É como al-
guém que mora há trinta anos na Vila
Madalena e de repente, do nada, vai morar
na Freguesia do Ó. No começo vai se sentir
mal pra caramba. Eu sabia que tinha que
abrir mão dos meus amigos, tinha que arru-
mar pessoas diferentes, e aquilo me doía
pra caramba. Então entrava numa depres-
são, ficava direto na depressão, e comecei
a tomar remédio.
O terapeuta falava que eu estava viven-
do coisas novas, que o tempo ia conseguir
mudar. Eu sentia muita vontade de usar
droga, de roubar. Ficava fissurada e falava,
falava, era muito nervosa.
Eu falava da minha mãe, que eu tinha
muito ressentimento. Tinha muita raiva de
tudo, de todos. Era como uma bola dentro
de mim e um vazio do caramba. O Rafik
falava para eu mostrar os meus sentimen-
tos, botar as coisas para fora. Na terapia e
no Travessia, comecei a aprender a lidar
com os meus sentimentos, a lidar com o
passado.
Risco social
TEXTO
2
O CASO ESMERALDA
São Paulo, 23/5/2006 18h26.
Meninos de rua são cataloga-
dos por assistentes da prefeitu-
ra no centro da cidade. Na
foto, crianças na Praça da Sé.
Foto: Vidal Cavalcante / AE
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O Rafik se parece com o Enéas, aquele
político do “Meu nome é Enéas”. É barbu-
do, careca, nariz igual ao dele, alto, magro.
Mas, no primeiro dia que eu o vi, ele esta-
va todo sério. Ele tem uma fisionomia séria
e eu pensei: “Esse homem deve ser mó
estranho, mó esquisito”. Mas conversei
com ele e comecei a me identificar. Depois
comecei a me identificar com as idéias dele.
No começo eu não falei quase nada
com ele. Falei que era menor de rua, que
tinha ido pra Febem, falei meu nome, falei
minhas idéias, que eu não estava gostando
nada que o pessoal estava fazendo pra
mim, que eu queria mesmo era ir ficando
na Febem, ou na rua, em qualquer lugar.
Porque eu estava estranhando tudo. Falei
que eu era mais feliz na frente do Rafik. Às
vezes eu xingava, mas sem violência, não
chutava as coisas. Quando eu estava louca
de crack, eu dormia na sala dele.
A gente tocava no assunto de “ficar”
com as meninas quando eu estava na rua e
na Febem. Eu não me apaixonava por elas.
Só uma vez eu me apaixonei por uma
menina e fiz uma promessa pra ela: eu não
voltaria mais pra rua. E não voltei mais. O
nome dela era Roselaine, o apelido era
Nani. Eu falava só dela pro Rafik. Acho que
ela tinha 16 anos, eu tinha 17. Ela era
pequena, tinha 1,50 m mais ou menos, ca-
belo liso até os ombros. Ela era inteligente,
nem usava drogas. Nem sei por que ela
estava na Febem. Eu cheguei a gostar da
Nani. Ela me ajudou bastante, ela me disse:
“Você vai ter que sair da rua e vai largar
das drogas”. E foi por isso que, quando fui
pra Casa de Passagem, eu não fugi.
Mulheres, Trabalho e Vida
9
Fundação Projeto Travessia
Trecho extraído do livro Esmeralda, por que não dancei, de auto-
ria de Esmeralda do Carmo Ortiz (Editora Senac).
A fundação é uma organização social que
existe em São Paulo desde 1995 e traba-
lha com adolescentes e crianças em situa-
ção de risco, oferecendo nova perspecti-
va de vida ao buscar a garantia de seus
direitos fundamentais. Seus educadores
(psicólogos, médicos, professores e out-
ros profissionais especializados) promo-
vem, junto a cada menino e menina, uma
auto-reflexão sobre os riscos constantes a
que estão sujeitos, para reconstruir coleti-
vamente o sonho de um futuro melhor e
a capacidade de transformar suas históri-
as pessoais. Todo atendimento tem como
missão promover o retorno desses jovens
e crianças à escola regular, acompanhan-
do-os – e também aos seus familiares –
na reintegração ao convívio familiar e
comunitário.
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Mulheres, Trabalho e Vida
10
C
ansada de vender produtos de casa
em casa, ela foi à procura de estabili-
dade aos 60 anos de idade. Mas, pas-
sados os 45, não é fácil encontrar trabalho.
Segundo o Dieese (Departamento In-
tersindical de Estatística e Estudos Sócio-
Econômicos), profissionais na faixa de 25 a
34 anos passam, em média, treze meses
desempregados, aos 45 anos ou mais dedi-
cam dezoito meses em busca de uma vaga.
Odette Pohl Caneloi, 66, há três anos
trabalha em uma loja do supermercado
Barateiro, do Grupo Pão de Açúcar.
“Sei pelas minhas amigas que o precon-
ceito contra o idoso é grande, acho que tive
sorte. Fui muito bem recebida por aqui”,
diz ela, que atua como atendente e dá
informações para os clientes.
“Confesso que me achava improdutiva
e fiquei com medo no começo. Mas hoje
virei a conselheira da turma e fiz amigos
de outras idades, coisa que já não passava
mais pela minha cabeça”, comemora.
Ilustração: Alcy
VIDA NOVA AOS
Conquistas trabalhistas
TEXTO
3
60
Trecho adaptado de matéria publicada no Caderno Equilíbrio, Folha
de S. Paulo, em 11/3/2004. Adaptação: Página Viva.
Na terceira idade,
mulheres procuram
emprego que dê
estabilidade
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Caderno Trabalho e Meio Ambiente
11
A
o saber que está grávida, a mulher
não pode mais ser demitida arbitra-
riamente ou sem justa causa e tem
seus direitos garantidos pela lei desde a con-
firmação da gravidez até cinco meses após
o parto. O salário-maternidade é pago inte-
gralmente, pelo empregador – ressarcido
em seu imposto de renda – ou diretamente
nas agências da Previdência Social. Em
qualquer um dos casos, o período de
repouso pode ser aumentado em mais qua-
tro semanas – duas antes e duas depois do
parto – por razões médicas.
Mulheres, Trabalho e Vida
11
NOVOS TEMPOS
Empresas contratam mulheres durante a gravidez
Conquistas trabalhistas
TEXTO
4
Patrícia Cavalheiro, controller da Marketing
Store, de São Paulo, trabalhou até o oitavo
mês da gravidez.
Foto: Clayton de Souza / AE
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Texto 4 / Conquistas trabalhistas
Mulheres, Trabalho e Vida
12
É importante que a mulher esteja com o bebê até os
seis meses, porque o leite materno é recomendado
até esta idade, apesar de não haver um período
específico para a mãe deixar de amamentar. Há
crianças, por exemplo, que mamam até um ano de
idade. O leite materno é o alimento ideal para o bebê
porque não há risco de contaminação, como existe
com a mamadeira. Além disso, o custo é zero, e o
bebê pode aproveitar, ainda, o aconchego de contato
com a mãe. O leite materno é, com certeza, o melhor
alimento para o bebê, e não aquelas mamadeiras de
leite de vaca com maisena. O bebê que se alimenta
até os seis meses com o leite materno ganha imu-
nidade e terá menos riscos de ficar doente. Quando o
bebê deixa de mamar tanto porque a mulher precisa
voltar a trabalhar, diminui o estímulo para formação
de leite. A mulher que trabalha fora, o tempo todo,
perde a oportunidade de dar melhor alimento para o
seu bebê, indispensável no começo da vida. A
Sociedade de Pediatria está apoiando a ampliação da
licença-maternidade por considerar que será um
importante ganho para as mães e para seus bebês.
Licença-maternidade, a lei em vigor
Empregada registrada – A lei garante à
mulher o direito de não trabalhar quatro
semanas antes do parto e oito semanas
depois. O salário-maternidade, equivalente
ao último valor recebido pela empregada, é
pago durante todo esse período de licença.
Empregada doméstica – Possui direitos
semelhantes à empregada registrada, com
a diferença de ter que ir até uma agência
da Previdência Social requerer o salário e a
licença. O valor recebido é equivalente ao
último salário em que houve contribuição
previdenciária.
Mães adotivas – Ao adotar uma criança
ou ganhar sua guarda judicialmente, a
mulher adquire direitos iguais aos das
grávidas. O valor recebido varia de acordo
com o vínculo empregatício que essa mãe
tem e o tempo de acordo com a idade da
criança adotada.
Trabalhadora autônoma ou contribuin-
te facultativa – Nesses casos de contribui-
ção em períodos alternados, a contribuinte
deve pagar a Previdência por dez meses
para voltar a ter direito ao salário-mater-
nidade e à licença.
O valor recebido é equivalente à média
dos últimos doze salários (em um período
máximo de quinze meses).
Parto prematuro – A mulher passa a
ter direito à licença e ao salário-mater-
nidade no momento do parto e por mais
doze semanas.
Aborto espontâneo ou previsto em lei
– risco de vida para a mãe ou estupro de-
vem ser comprovados por atestado médico
e o salário-maternidade é pago por duas
O que dizem os pediatras
Extraído de matéria publicada no Jornal A Gazeta, Vitória (ES)
*Dr. Ronaldo Edwaldo Martins
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Mulheres, Trabalho e Vida
13
África do Sul: 12 semanas
Alemanha: 14 semanas
Argentina: 90 dias
Canadá: até 18 semanas
Chile: 18 semanas
Cuba: 18 semanas
Estados Unidos: 12 semanas
Itália: 5 meses
Líbano: 40 dias
Portugal: 98 dias
Reino Unido: até 18 semanas
Suécia: até 450 dias
Licença-maternidade no mundo
Saiba Mais
Mães ficam mais tempo ao lado dos filhos recém-nascidos
semanas, mesmo período em que a mulher
pode ficar em repouso.
Licença-paternidade – A licença-pater-
nidade entrou em vigor na Constituição de
1988 e representa, além de um conforto a
mais para os pais, um alívio para as mães.
Com essa lei, o trabalhador pode ausentar-
se de seu emprego por cinco dias, período
que não pode ser descontado de seu salário.
Essa licença também serve para o pai regis-
trar seu filho.
Texto adaptado de matéria publicada no Caderno Equilíbrio, Folha
de S. Paulo, em 11/3/2004. Adaptação: Página Viva.
A senadora Patrícia Saboya (PSDB – CE) apresen-
tou o projeto da Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP) no Senado, em agosto de 2005, estendendo
para seis meses a licença-maternidade. O projeto
agora tramita na Comissão de Direitos Humanos
da casa e o relator, senador Paulo Paim (PT – RS)
já declarou que vai dar parecer favorável.
Uma vez votado na comissão, segue para a
Câmara, e, se for aprovado, vai depender de
sanção presidencial.
A aprovação da lei não significa que todas as
empresas serão obrigadas a estender a licença-
maternidade das funcionárias para seis meses.
Somente aquelas que quiserem se inscrever no
Programa Empresa Cidadã. Como incentivo, vão
receber descontos em tributos federais”, explica
Ana Maria Ramos, presidente da SBP.
Arrecadação:
500 MILHÕES: É quanto a União deixaria de arreca-
dar se todas as empresas aderissem à proposta –
em caráter facultativo e mediante incentivos fiscais.
Esse é quase o valor gasto com o tratamento de
pneumonia de crianças até 1 ano.
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14
Da Comunidade Conceição
A vocês quero falar
Onde o povo descobriu
Um jeito novo de trabalhar
Fugindo da escravidão
As crioulas aqui chegaram
Fiaram aquele algodão
E seu patrimônio compraram
CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS
Discriminação racial
TEXTO
5
Não sabiam que assim estavam
Fazendo do seu artesanato
Povo simples de pequena cultura
O ofício que sempre desempenharam
Se antes alguém viu como insignificantes
Vejam agora um povo vitorioso
Que se assumem como negros
Bem felizes e importantes
Andreína Afonsina dos Santos
Conceição das Crioulas
A Comunidade Quilombola de Conceição das Crioulas
fica no sertão central pernambucano, a 550 quilôme-
tros de Recife. De acordo com o relato dos seus mais
antigos moradores, a comunidade se estabeleceu no
início do século 19, por iniciativa de seis negras livres.
Hoje, em parceria com a Universidade Federal de
Pernambuco e o Sebrae, seus moradores desenvolvem
o Projeto Imaginário Pernambucano: produção de
peças artesanais de barro, caroá, palha e imbira, que,
além de gerar renda, reafirmam a identidade étnica
da população.
A trabalhadora negra
“Na escala da discriminação, a mulher negra ocupa
posição ainda pior do que aquela ocupada pela mulher
branca e pelo homem negro.
A somatória das discriminações resultantes do racis-
mo e do machismo atinge em cheio a mulher negra, tor-
nando sua situação particularmente dramática.
O contingente de mulheres negras em atividades
domésticas é sempre muito grande em todas as capitais
pesquisadas. Em Belo Horizonte, por exemplo, o percen-
tual de negras em emprego doméstico (31%) é mais que
o dobro do percentual de brancas (14,2%).
No Distrito Federal, cerca de 45% das negras
encontram-se ocupadas em atividades consideradas
vulneráveis.
Em Salvador, 36,2% das mulheres brancas concluí-
ram o ensino universitário, contra apenas 10,9% de
negras que conseguiram alcançar esse nível de ensino.
Na escala da discriminação, a mulher negra ocupa
posição ainda pior do que aquela ocupada pela mulher
branca e pelo homem negro.
Mulheres, Trabalho e Vida
Mulheres, Trabalho e Vida
Extraído do Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho
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Mulheres, Trabalho e Vida
15
Foto: Ricardo Teles / AE Mapa: Infografe
Outros Quilombolas
Mulheres debulhando feijão na
comunidade do Mangal, município
de Sítio do Mato, na Bahia.
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Feminino x masculino
TEXTO
6
Mulheres, Trabalho e Vida
16
UM DESENHO
Guto Lacaz
Extraído da revista Caros Amigos
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17
Sonia Biondo
D
esde que conquistou o direito à jor-
nada dupla de trabalho, a chamada
mulher moderna ainda parece estar
longe de conseguir desfazer o mal-entendi-
do que provocou a briga pela igualdade
profissional com os homens. Não era bem
isso o que desejava. Mas, no afã de se libe-
rar de outras opressões, ela acabou partin-
do para o mercado de trabalho como se ele
fosse a solução de todos os problemas finan-
ceiros, conjugais, maternais e muitos outros
“ais”. E pagou o preço da precipitação,
claro. Agora não adianta chorar sobre o leite
derramado – até porque a maior parte das
vezes continua sendo ela que vai limpar, ah,
ah! Falando sério, todas nós sabemos que
há muito a fazer para promover alguns
ajustes e atualizações nessa relação de
direitos e deveres de homens e mulheres.
Como falar sobre isso ajuda, vamos lá.
Em primeiro lugar, a questão do tempo
livre. Que não existe, de fato. Aquele dita-
do “descansa carregando pedras” foi feito
para ela. Trabalhando fora ou dentro de
casa, a mulher dificilmente se livra da carga
das tarefas domésticas, mesmo que não se
envolva pessoalmente. Costuma ser dela a
responsabilidade pela arregimentação das
empregadas, faxineiras, babás, jardineiros,
lavadeiras, passadeiras, prestadores de
serviço em geral, sem falar no abasteci-
mento da casa. (...)
Depois, com o desaparecimento gra-
dual da parceria patroa/empregada do-
méstica, homens e mulheres terão, mais
cedo do que se pensam, que lidar com a
administração do caos doméstico. Sem pri-
vilégios. E a primeira providência para esse
futuro cor-de-rosa começa com a educação
progressista dos filhos, os novos maridos e
esposas que contarão com uma boa ajuda
de um arsenal de maravilhas eletrônicas –
entre elas, a de empregada-robô. Que não
enguiça. Porque, se enguiçar, já sabem
quem vai mandar consertar. Ou não?
A CARREGADORA
DE PEDRAS
Direitos trabalhistas
TEXTO
7
Ilustração : Alcy
Sonia Biondo é jornalista e escritora. Texto extraído do Jornal do Brasil.
Mulheres, Trabalho e Vida
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O que é ser mulher
TEXTO
8
Mulheres, Trabalho e Vida
18
AVISO DA LUA QUE MENSTRUA
Elisa Lucinda
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado, moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na “vera”
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
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Mulheres, Trabalho e Vida
19
ou sem os devidos cortejos.
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a “cidade secreta”
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.
Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica.
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
Elisa Lucinda é poeta, jornalista e atriz capixaba.
Do livro O Semelhante, Editora Record, 1998
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Trabalho no campo
TEXTO
9
Mulheres, Trabalho e Vida
20
MULHERES DA TERRA
ENSAIO
Xandra Stefanel
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E
ste ensaio fotográfico com mulheres
do Acampamento Terra sem Males, do
MST, foi feito dutante a gravação do
documentário Mulheres da Terra – da Lona
ao Concreto, que retrata de maneira poética
a vida daquelas que, ao lado dos homens,
lutam pela tão sonhada reforma agrária.
O objetivo do vídeo-documetário é
mostrar que as mulheres do Movimento
desempenham os mesmos papéis que os
homens: trabalham na roça, cuidam do
barraco, dos filhos e participam das decisões
do MST. Sob esse prisma, acampadas e
assentadas contam seus sonhos e histórias
que comovem e mostram como é difícil
morar debaixo de lonas para conquistar um
pedaço de chão para seus filhos.
O ensaio e o documentário foram
produzidos em Cajamar e Sumaré (São
Paulo), de março a setembro de 2003.
Mulheres, Trabalho e Vida
21
Xandra Stefanel é jornalista e locutora.
Publicado na revista Caros Amigos.
Foto: Oslaim Brito / AE
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P
or mais que os homens pensem no
quanto sabem a respeito das mu-
lheres, só uma mulher sabe como é
difícil ser mulher. Além da complexidade
de nossa compleição física e emocional,
como trabalhadoras, somos também prove-
doras que exercem múltiplos papéis na
família: esposa, mãe, cozinheira, faxineira,
gerenciadora de crises, contadora, profes-
sora, lavadeira, jardineira, motorista, enfer-
meira, psiquiatra, médica, lavadora de
louças e coletora de lixo.
Para competir nesse mundo dominado
por homens, nós, mulheres, sempre tive-
mos de ser duplamente boas em nossas
tarefas e ver homens com a mesma
competência que nós receberem salários
três vezes mais altos.
Depois da batalha dos sexos travada no
século anterior, as mulheres estão mais
seguras do que nunca em seu eu feminino.
Recentemente eu estava em Sydney,
na Austrália, e tive a atenção despertada
por um anúncio que dizia: “Antes, eu
queria me casar com um milionário.
Agora, quero ser milionária”. Esta não é
uma atitude expressa apenas na
Austrália e nos Estados Unidos; tornou-
se um fenômeno internacional – uma
corrente de feminilidade universal que
atravessa e ultrapassa culturas e fron-
teiras internacionais.
Conquistas femininas
TEXTO
10
Mulheres, Trabalho e Vida
22
A escritora Chin-Ning Chu nasceu na China, mas vive desde 1969
nos Estados Unidos. Trecho do livro A Arte da Guerra para
Mulheres, tradução de Venuza Capilo.
A ARTE DA
GUERRA
PARA MULHERES
Chin-Ning Chu
10•CA05T09P5.qxd 12/13/06 2:40 PM Page 22
O
gerente do setor em que eu traba-
lhava me chamou um dia na sala
dele e disse: ‘Você está prestes a ser
mandada embora, porque não serve mais
para a empresa. Se quiser manter o empre-
go, tem que dar uma saidinha comigo,
senão vai para o olho da rua’. Saí choran-
do da sala dele e fui falar com um colega.
Em seguida, ele me viu contando a esse
colega que fui assediada. Ele pegou com
força no meu braço e disse que eu ia pagar
caro por ter contado o que aconteceu. Os
meus colegas de trabalho viram, mas por
medo de represália não fizeram nada. A
história acabou chegando até a diretoria
do banco e fomos chamados para falar
sobre o assédio. Ele negou, disse inclusive
que era muito religioso, casado e que
jamais faria uma coisa dessas. Como eu
não tive como provar o assédio, ele come-
çou a me ameaçar, dizendo que faria de
tudo para me demitir. Ele conseguiu que
eu fosse demitida em maio deste ano. Com
dez anos de trabalho, o banco preferiu
acreditar nele do que em mim.
xxxxxxxxxxxxxx
TEXTO
XX
Mulheres, Trabalho e Vida
23
Assédio sexual
TEXTO
11
Desemprego e humilhação rondam as
vítimas, que muitas vezes preferem o
silêncio por causa da dificuldade em
provar a conduta criminosa do chefe
ACREDITARAM NELE”
“Trabalhei seis anos como operadora de telemarketing e, depois de ficar um
mês afastada por um problema de tendinite, fui transferida para a área
administrativa, em novembro do ano passado. Foi aí que minha vida no
trabalho se transformou num inferno.”
Vanessa Pessoa e Alfredo Luís Dolci
Fonte
P
Extraído do Diário de S. Paulo - 12 de outubro de 2003.
11•CA05T07P5.qxd 12/13/06 2:41 PM Page 23
Trabalho e família
TEXTO
12
Mulheres, Trabalho e Vida
24
O
dilema feminino deixou de ser a clássica
escolha entre dedicação à carreira ou à
família. O objetivo agora é encontrar a fór-
mula de se organizar para dar conta, e bem, das
duas funções. Esse é o resultado de uma pesquisa
realizada pela SEC, Secretary Search & Traininig,
empresa especializada no recrutamento de profis-
sionais de secretariado, com 270 executivas e
secretárias de todo o país.
Realizada via Internet, durante o mês de
fevereiro de 2002, a pesquisa mostrou que 71%
das entrevistadas tentariam organizar melhor o
seu tempo se a vida pessoal interferisse e causas-
se prejuízos à sua ascensão profissional; 19% se
preocupariam somente com a carreira; e apenas 1%
jogaria tudo para o alto e apostaria na família, casamento e filhos. Nove
por cento não saberiam o que fazer ou buscariam outras soluções.
A pesquisa mostrou também que 59% das mulheres acreditam ter pos-
sibilidade de administrar quase sempre as jornadas de trabalho na empre-
sa e em casa, enquanto 35% afirmam conseguir sempre. Somente 2,5%
admitem não conseguir. A maior parte das entrevistadas, 67%, diz receber
em todas as ocasiões o apoio de sua família (marido, filhos, pais), estimu-
lando novas conquistas profissionais.
Ilustração: Alcy
DUPLA
Estudo mostra que
administrar o tempo
hoje é a maior
preocupação da mulher
12•CA05T12P5.qxd 12/13/06 2:41 PM Page 24
Mulheres, Trabalho e Vida
25
E os filhos? – A última pergunta propõe
uma opção com apelo emocional; entre ir à
tradicional apresentação de final de ano do
filho na escola e comparecer a uma reunião
na empresa, 71% responderam que iriam à
reunião, 23% iriam à apresentação e 6% não
responderam.
“Não há como recuar diante das imposições
que o mercado de trabalho apresenta e das exi-
gências que a própria carreira tem estabelecido
à mulher executiva nestas últimas décadas”,
diz a headhunter Stefi Maerker, coordenadora
da pesquisa. “Os resultados apresentados pela
nossa enquete demonstram que as mulheres che-
garam a um ponto em que precisam mudar rotinas e se adaptar àqueles
que convivem ao seu lado se não quiserem abrir mão de suas conquistas.”
[...]
Para Stefi, na nova estrutura, a mãe não pode ser a única responsável
pelas tarefas familiares. “Sem a divisão de responsabilidades, a mulher
não consegue trabalhar.”
Adaptado de texto de Maura Campanilli publicado
no jornal Estado de S. Paulo, 9/5/2002
JORNADA
12•CA05T12P5.qxd 12/13/06 2:41 PM Page 25
Desigualdade
TEXTO
13
Mulheres, Trabalho e Vida
26
A
mulher pobre, cercada por uma mo-
ralidade oficial completamente des-
ligada de sua realidade, vivia entre
a cruz e a espada. O salário miúdo e regu-
lar de seu marido chegaria a suprir as
necessidades do mês só por um milagre.
Mas a dona de casa, que tentava escapar à
miséria por seu próprio trabalho, arriscava
sofrer o pejo da “mulher pública”.
Em vez de ser admirada por ser “boa
trabalhadora”, como o homem em
situação parecida, a mulher com
trabalho assalariado tinha de
defender sua reputação contra a
poluição moral, uma vez que o
assédio sexual era lendário. Uma
moça de 19 anos apresentou a quei-
xa de que na casa de sua madrasta era
muito maltratada: “até para comer [...]
concorria, pois trabalhava em uma fábrica
de louças”. Outra mulher, empregada
durante quatro anos em uma fábrica de
fiação de tecidos, foi obrigada a chamar
amigos para atestar que “tinha se compor-
tado muito bem na aludida fábrica” – nesse
caso, a situação virou contra seu marido,
pois o curador-geral perguntou “a razão
pela qual o requerido permitiu que sua
esposa trabalhasse numa fábrica”. As
mulheres que trabalhavam nas tarefas
caseiras tradicionalmente femininas, lava-
deiras, engomadeiras, pareciam correr
menos perigo moral do que as operárias
industriais, mas, mesmo nesses casos, sem-
pre as ameaçava a acusação de serem mães
relapsas. Vide a crítica insinuada por um
depoente: “para a requerente trabalhar, era
necessário que o menor ficasse em casa da
avó paterna ou outras pessoas, não
receber assim uma educação como
devia...”.
A norma oficial ditava que a
mulher devia ser resguardada em
casa, se ocupando dos afazeres
domésticos, enquanto os homens as-
seguravam o sustento da família trabalhan-
do no espaço da rua. Longe de retratar a
realidade, tratava-se de um estereótipo
calcado nos valores da elite colonial, e às
vezes espelhado nos relatos de viajantes
europeus, que serviam de instrumento
ideológico para marcar a distinção entre as
burguesas e as pobres. Basta aproximar-se
da realidade de outrora para constatar que
mulheres pobres sempre trabalharam fora
de casa. Com a industriali- zação, chega-
O INEVITÁVEL TRABALHO FEMININO
Acerva Iconographia
13•CA05T13P5.qxd 12/13/06 2:42 PM Page 26
Mulheres, Trabalho e Vida
27
ram, junto com as crianças, a compor mais
da metade da força de trabalho em certas
indústrias, notadamente nas de tecidos. As
estatísticas sobre o Rio Grande do Sul em
1900 mostram que cerca de 42% da popu-
lação economicamente ativa era feminina:
as mulheres trabalhavam principalmente
em “serviços domésticos”, mas sua atuação
era também importante nas “artes e ofíci-
os” (41,6%), na indústria manufatureira
(46,8%), e no setor agrícola. No censo de
1920, tanto “artes e ofícios” como “serviços
domésticos” tinham sido absorvidos dentro
da rubrica “diversas” – pessoas que vivem
de suas rendas, serviços domésticos, profis-
sões mal definidas –, mas ainda 49,4% da
população economicamente ativa (PEA) do
Estado e 50,8% da PEA em Porto Alegre
constavam como feminina. Na indústria, as
mulheres ocupavam 28,4% das vagas no
Estado, e 29,95% na capital.
Em nossos dossiês, apareceram poucas
operárias industriais, talvez porque as famí-
lias operárias acharam outras vias para
resolver disputas conjugais. Mas não faltam
exemplos de trabalho feminino: lavadeira,
engomadeira, ama-de-leite, cartomante.
Uma mulher vivia de sua banquinha no
mercado público, outra “fornecia comida
para fora a pessoas na zona” junto ao seu
amásio que distribuía as viandas (marmi-
tas). Ironicamente, apesar de ser evidente
que em muitos casos a mulher trazia o
sustento principal da casa, o trabalho femi-
nino continuava a ser apresentado pelos
advogados e até pelas mulheres como um
mero suplemento à renda masculina. Sem
ser encarado como profissão, seu trabalho,
em muitos casos, nem nome merecia. Era
ocultado, minimizado em conceitos gerais
como “serviços domésticos” e “trabalho
honesto”.
Trecho extraído do livro História das Mulheres no Brasil, de Mary
del Priore. Editora Contexto, 2004
13•CA05T13P5.qxd 12/13/06 2:42 PM Page 27
Competição profissional
TEXTO
14
Mulheres, Trabalho e Vida
28
Renato Pompeu
A
s mulheres sempre trabalharam, em
casa, na agropecuária e nas fábricas
– mas foi só no último século que elas
entraram para valer nas profissões que exi-
gem formação intelectualizada, até então
domínio exclusivo dos homens. Essa situa-
ção gerou, no campo da realidade concre-
ta, movimentos pelo direito das mulheres
ao voto nas eleições, pela igualdade nos
salários (a função igual deveria correspon-
der a salário igual) e pela liberação da mu-
lher adulta em relação ao pai, da mulher
casada em relação ao marido, com o esta-
belecimento da igualdade no direito de
família, já consagrada em grande parte dos
países. As mulheres, com o precioso auxílio
dos anticoncepcionais, alcançaram também
uma liberdade sexual nunca vista. Em
suma, essa situação gerou, na realidade
concreta, diferentes ondas de movimentos
feministas.
Em praticamente todos os campos os
movimentos feministas foram sendo vitori-
osos, a maioria da mão-de-obra, particular-
mente da mão-de-obra intelectualizada, é
hoje feminina. Elas, porém, ainda não são
representadas na proporção adequada nos
quadros de chefia e, embora seja crescen-
te, ainda não é grande a presença de
mulheres em cargos políticos, e, mais
ainda, em cargos militares.
Mas, principalmente, o campo em que
as mulheres estão menos avançadas é o da
igualdade salarial. Em todos os países e em
todas as profissões as mulheres na mesma
função ganham menos do que os homens.
Essa situação é atribuída por muitas mulhe-
res ao preconceito contra sua suposta
menor assiduidade por causa da menstrua-
ção, da gravidez, da amamentação e outras
características femininas. Mas na verdade
a desigualdade do salário entre os gêneros
tem origens materiais e históricas. Durante
milênios o homem foi considerado o
responsável pelo sustento da mulher e
filhos. Então, o salário a ele atribuído era o
necessário para sustentar, não apenas a si
próprio, mas também à mulher e os filhos.
Se alguma mulher se candidatasse a um
emprego, se supunha que ela já tinha um
CUIDADO: MULHERES
TRABALHANDO
Pesquisa conclui que é mais difícil trabalhar com elas
14•CA05T14P5.qxd 12/13/06 2:43 PM Page 28
Mulheres, Trabalho e Vida
29
pai ou marido que
garantia a sua sobre-
vivência básica e que
assim ela só necessitaria de
uma renda suplementar para
outras despesas que quisesse fazer.
Isso se mantém até hoje: quando
a mulher procura um emprego, se supõe
que já haja homens na sua família traba-
lhando e garantindo a renda familiar e que
ela precise apenas de um complemento. A
prova de que este raciocínio é correto está
na aceitação, por parte da mulher, de um
salário menor do que o atribuído ao
homem na mesma função, salário que o
homem não aceita e que, portanto, a
mulher também poderia não aceitar. Mas
ela aceita o salário menor exatamente
porque a situação pressuposta de fato refle-
te uma situação concreta que, se já foi mais
real no passado, continua a ser real no
presente: a mulher de fato, na maioria dos
casos, precisa de uma renda menor do que
a do homem, ainda considerado como
esteio da família.
Mas há quem diga que a carga emoti-
va feminina tanto pode ser positiva como
negativa: tanto pode gerar uma competiti-
vidade destrutiva maior do que entre os
homens como pode gerar colaboração
construtiva em grau maior, também, do que
entre os homens. É
preciso levar em
conta essas diferenças
para as mulheres, como os
homens, se darem melhor em
seus trabalhos.
No livro In the Company of Women:
Turning Workplace Conflict into Powerful
Alliances (Na Companhia Das Mulheres:
Transformando Conflitos No Trabalho Em
Alianças Poderosas) as autoras Pat Heim e
Susan Murphy sugerem que as mulheres
cultivam o hábito de torturar umas às
outras no ambiente de trabalho. Para
chegar a essa conclusão, elas pesquisaram
a rotina de cem das maiores multinacionais
dos Estados Unidos e entrevistaram mais
de mil homens e mulheres. Concluíram que
as mulheres são menos transparentes e
mais ardilosas que os homens, e não supor-
tam ver o sucesso de uma colega de equi-
pe. Dizem ainda que as mulheres não estão
satisfeitas com alguma coisa, têm mais difi-
culdades que os homens de dizer às claras
o que as está incomodando e acabam
apelando para táticas ou subterfúgios
obscuros. Ficam maquiando, articulando,
jogando verde e agredindo indiretamente.
São artíficios tipicamente femininos.
Renato Pompeu é escritor e jornalista.
Ilustração Alcy
14•CA05T14P5.qxd 12/13/06 2:43 PM Page 29
Moacyr Scliar
J
á tivemos e temos, no Brasil, vereado-
ras, deputadas, prefeitas, governado-
ras, ministras. Mas nunca tivemos,
como no Chile, uma mulher na presidên-
cia. Faria diferença?
Quando eu entrei na Faculdade de
Medicina de Porto Alegre, as moças repre-
sentavam menos que 10% da turma.
Naquela época, havia um hino, popular
entre os alunos, que dizia: “Medicina,
papa-fina/ não é coisa pra menina”. Hoje,
metade das turmas de estudantes de
medicina para as quais dou aula são do
sexo feminino. É uma proporção justa,
como é justa a composição do ministério
da presidenta do Chile, Michelle Bache-
let: 50% são mulheres. Afinal, as mulhe-
res são metade, ou mais, da população.
No passado, contudo, a realidade demo-
gráfica era sacrificada por causa de uma
suposta divisão de tarefas. Mulheres
tinham de ficar em casa, cuidando dos
filhos. Isso mudou. O casamento ocorre
mais tarde, quando ocorre, o número de
filhos é menor (em média 2,1 no Brasil)
e, muito importante, as mulheres entra-
ram no mercado de trabalho, o que cor-
responde tanto a uma necessidade pesso-
al como ao achatamento salarial que
tornou a renda familiar insuficiente.
Resultado: há mulheres em todas as pro-
fissões, inclusive nas militares.
Feminino x masculino
TEXTO
15
Mulheres, Trabalho e Vida
30
O PODER:
MASCULINO OU FEMININO?
Ilustração: Alcy
15•CA05T15P5.qxd 12/13/06 2:43 PM Page 30
Mas a política resiste. Já tivemos e
temos, no Brasil, vereadoras, deputadas,
prefeitas, governadoras, ministras. Mas
nunca tivemos, como no Chile, uma mu-
lher na presidência. Faria diferença?
A resposta não é tão óbvia, como mos-
tra o caso de Margaret Thatcher, a “Dama
de Ferro”. Aliás, só este apelido já é meio
amedrontador. Que homem namoraria
uma mulher feita deste duro metal? Só o
Superman, talvez, o Homem de Aço, e
mesmo assim do contato entre os dois sai-
ria muita faísca. A senhora Thatcher foi
duríssima no governo. Pôde ser duríssima,
porque o poder lhe permitia. Aí está a
coisa: o poder não é masculino nem femi-
nino. O poder – aquele poder consolidado
ao longo de séculos, aquele poder que se
traduz em uma verdadeira cultura – tem
seus mecanismos próprios, como o desco-
brem todos aqueles que, eleitos, chegam ao
governo. Porque o poder não se exerce no
vazio e sim em estruturas preexistentes,
que têm a tendência a se perpetuar. Como
dizem os americanos, “you think by the seat
of your pants”, você pensa conforme a
cadeira sobre a qual estão as suas calças
(notem o machismo: saia ou vestido não
são mencionados). É isso, a propósito, que
faz mudar a conversa de palanque.
Estamos falando de uma coisa que exis-
te, mas não estamos falando de inevitabili-
dade. O poder é assim, mas ele pode ser
transformado, como o mundo se transfor-
mou. Não se trata de substituir o poder
masculino por poder feminino; trata-se de
modificar o poder mediante as lições que
as mulheres, à custa de muito sofrimento,
aprenderam. Mulheres aprenderam a cui-
dar, e cuidar é a principal obrigação de
quem governa. Michelle Bachelet tem vá-
rias credenciais para isso: é mulher, é uma
política experiente. Ah, sim, é médica, espe-
cializada em saúde pública. Na faculdade,
deve ter ouvido dizer que medicina não é
coisa pra menina. Provou que é. E provará
também, assim o esperamos, que política
pode ser coisa para mulheres.
Mulheres, Trabalho e Vida
31
Foto: Beto Barata / AE
Moacyr Scliar é escritor gaúcho. Coluna do jornal Zero Hora
de Porto Alegre
A presidenta do Chile, Michelle Bachelet,
na foto durante a revista à guarda
presidencial brasileira, em 11 de abril de
2006, é a primeira mulher no cargo,
no país andino.
15•CA05T15P5.qxd 12/13/06 2:43 PM Page 31
Mulheres, Trabalho e Vida
32
Feminino x masculino
TEXTO
16
AFINAL, O QUE FAZ UM
“PRIMEIRO-DAMO”?
I
magine a cena: um presidente eleito pelo
povo concede uma entrevista coletiva.
Chega pronto para falar dos planos de
governo, mas uma das primeiras perguntas
foge completamente do assunto.
– Presidente, como o senhor pretende
governar sem ter um amor a seu lado?
Parece improvável, não é? Mas, em se
tratando de uma presidenta separada, os
limites entre público e privado são outros.
Tanto que a presidenta eleita do Chile,
Michelle Bachelet, ouviu exatamente essa
pergunta. E saiu-se bem:
– Espero que você faça a mesma per-
gunta aos meus ministros solteiros.
Para a deputada federal Yeda Crusius
(PSDB), essa possibilidade é remota:
– O homem não é inquirido, porque
normalmente ele é casado, e se tem um ou
mais amores, isso é muito aceito (risos). A
mulher é mais transparente: casa se quer,
não casa se não quer.
A vida amorosa das casadas também
atiça a curiosidade. Quando era ministra
do Planejamento, em 1993, Yeda surpreen-
deu-se com o interesse em saber como era
seu marido, o economista Carlos Crusius.
No dia da posse, ciente de que onde ia os
jornalistas o seguiam, ele brincou com um
amigo:
– Nasci para primeiro-damo.
No outro dia, a expressão estava cunha-
da nos jornais. Na ficção, a situação gerou
uma divertida saia-justa: no seriado Com-
mander in Chief (exibido no Brasil pelo
canal pago Sony), o marido da presidenta
americana Mackenzie Allen (personagem
encarnada por Geena Davis) levou um cho-
que quando conheceu seu gabinete, todo
rosa e feminino.
Mas a discussão vai além dos comen-
tários bem-humorados e da ficção. No
Chile, debateu-se seriamente como ficaria
o cerimonial de eventos oficiais, já que a
presidenta é separada. Quando o marido
existe também se pergunta: afinal, o que
faz um “primeiro-damo”? No caso dos
maridos das chefes de Estado hoje, o estri-
tamente necessário. Limitam-se a acompa-
nhar as mulheres em solenidades e algu-
16•CA05T17P5.qxd 12/13/06 2:55 PM Page 32
mas viagens e seguem com sua rotina de
trabalho normalmente.
– Quem sabe esse não é o primeiro
passo para libertar as primeiras-damas,
para que elas possam manter seu trabalho,
seguir suas vidas? – especula a deputada
federal Maria do Rosário (PT).
Quando os papéis se invertem na polí-
tica, não é o marido que causa constrangi-
mentos. Em casa, Maria do Rosário conta
com o apoio do marido para cuidar da fi-
lha, Maria Laura, 6 anos, quando está em
Brasília. Nas ruas, quem se aproxima são os
simpatizantes. Machismo mesmo só enfren-
tou dos próprios colegas, geralmente numa
atitude exageradamente protetora.
– Muitas vezes, quando colegas
querem discordar de mim, dizem “Mariazi-
nha...”. Não é preciso falar no diminutivo
com as mulheres – diz Maria do Rosário,
que não descarta a hipótese de disputar a
prefeitura da Capital em 2008. – Queremos
respeito e gentileza, mas também ser trata-
das como iguais.
Adaptado de texto publicado pelo Jornal Zero Hora, Porto Alegre (RS).
Caderno Donna, 5 de março de 2006. Adaptação: Página Viva.
Trabalho e Meio Ambiente
33
Ilustração: Alcy
16•CA05T17P5.qxd 21.01.07 12:42 Page 33
O que é ser mulher
TEXTO
17
Mulheres, Trabalho e Vida
34
BOBAGEM
Céu
minha beleza
não é efêmera
como o que eu vejo
em bancas por aí
minha natureza
é mais que estampa
é um belo samba
que ainda está por vir
bobagem pouca
– besteira
recíproca nula
– a gente espera
mero incidente
– corriqueiro
ser mulher
– a vida inteira
A compositora se apresenta,
orgulhosa do que a faz um
ser ímpar
17•CA05T18P5.qxd 12/13/06 2:56 PM Page 34
Ilustração: Alcy
Conquistas trabalhistas
TEXTO
18
Mulheres, Trabalho e Vida
35
A
diferença a mais da média salarial
nos homens do Brasil, em relação à
das mulheres, tem diminuído cada
vez mais rapidamente nas últimas déca-
das. A vantagem masculina no País era de
50% nos anos 1990, mas em março de
2006 o Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para a Mulher lançou o
relatório “O Progresso das Mulheres no
Brasil”, segundo o qual a diferença se tinha
reduzido para 30%.
Além disso, já faz alguns anos que as
mulheres constituem a maioria dos alunos
e dos formados nos cursos de todos os
níveis no País, fundamental, secundário e
superior. No ensino superior, os homens só
têm constituído maioria nos ramos de
Exatas, mas mesmo assim é crescente o
número de mulheres nessas disciplinas. De
acordo com o IBGE, 28% dos domicílios
são chefiados por mulheres.
Renato Pompeu é jornalista e escritor.
Mulher está
assumindo liderança no
mercado de trabalho
Renato Pompeu
SALÁRIOS
MAIS
EQUIPARADOS
COM OS DOS
HOMENS
18•CA05T16P5.qxd 12/13/06 2:57 PM Page 35
EM BUSCA DE
EMPREGO
Mulher e desemprego
TEXTO
19
Mulheres, Trabalho e Vida
36
A saga das mulheres
que procuram
subemprego
Plim-plim. Vassoura e pano nas mãos, toda terça-feira aparece a Marinete na
telinha esfregando um pouco, lavando um pouco, ao som da música-tema que
repete “ela é dona do jogo”, a personagem da Rede Globo: uma diarista. Daí a
idéia. Ver como é a rotina das mais de 5,3 milhões de pessoas, 93% mulheres,
que vivem de organizar, varrer, limpar, esfregar o que outros deixam pra trás.
Fui procurar trabalho.
Foto: Filipe Araujo / AE
1
o
Dia
O
templo sagrado da peregrinação
pelo emprego de baixa renda,
em São Paulo, é a rua Barão de
Itapetininga, Centrão da cidade. Chego
de manhã cedo. Cerca de vinte ho-
mens-sanduíche exibem anúncios de
trabalho, muitos deles com caixas aber-
tas de papelão aos pés, onde todo dia
centenas de pessoas, homens e mulhe-
res, atiram seus currículos. Eu, desavi-
sada, não tenho o que oferecer. A solu-
ção vem em pouquíssimo tempo:
“Fazemos currículo a 1,50” “Fazemos
currículo com foto”, são muitas placas,
um enxame, de todas as cores.
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 36
A
s agências de emprego, das mais picare-
tas às mais sérias, se espremem nas ruas
que cercam a Barão junto com oficinas de
xerox e “composição” de currículo, fotos
3x4, médicos laborais, advogados trabalhis-
tas e agências de empréstimo (“Sem dinhei-
ro? Resolva já o seu problema! Não precisa
de fiador”). Paro diante de uma parede for-
rada de anúncios de emprego, a maioria
escrita a mão, pedindo vendedoras, opera-
doras de telemarketing, secretárias bilín-
gües, motoristas. Faxineira, nada.
Um senhor, aparentemente o “guarda-
dor dos cartazes”, calvo e barrigudinho,
anda de um lado para outro, dizendo: “Tem
muita coisa aí que não é séria, eles cobram
para pegar seu currículo, vai nessa que é
séria, vai nessa, eu conheço”. Confio no
homem quando ele vem perguntar o que
estou procurando.
– Faxineira.
– Eu tenho um trabalho pra você. Um
amigo meu tem um escritório aqui perto,
mas é só pra o fim de semana, tudo bem?
– Tudo bem, eu preciso trabalhar.
– Então espera aqui que eu vou pegar
a chave com ele, te levo lá pra você ver...
Vou? Não vou? Ele volta já pegando no
meu braço:
– Vamos?
É quando aparece, não sei de onde,
uma negra corpulenta, elegante. Pula na
minha frente.
– Então eu vô junto. Não é trabalho de
faxinera? Eu também tô procurando.
Ele se afasta resmungando, e ela diz:
“Tá te enganando!” E estava. Desapareceu
na multidão.
“Todo mundo qué se aproveitá, fia,
olho aberto!” Agradeço demais e ela se
despede: “A gente se cruza por aqui”.
“Tomara que não, né?”
2
o
Dia
C
oloco um anúncio no Estadão, mais por
fidelidade à verdade do que por exibi-
cionismo: “Diarista bilíngüe com experiên-
cia internacional. Preço a combinar. Tel. ...”.
Afinal, na abertura de A Diarista não é atra-
vés de um classificado que a Marinete ofe-
rece sua força de trabalho?
Chovem ligações.
Só mulheres, algumas desesperadas,
procurando trabalho. Os recados não param
de chegar na caixa postal, e o que bate à
porta não é trabalho, mas o desemprego.
Não, essa reportagem não será sobre “a vida
de uma diarista”. Será sobre desemprego.
Segunda-feira volto à Barão, não sem
antes ligar para dezenas de agências de
serviço doméstico para ouvir que não há
trabalho de diarista. Todo mundo quer
empregada para dormir na casa. Em uma
delas recebo um tiquinho de esperança.
“...aparece aqui com currículo, RG, CPF,
comprovante de residência e atestado de
antecedentes criminais”. É assim: se quiser
Mulheres, Trabalho e Vida
37
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 37
Mulheres, Trabalho e Vida
38
Texto 19 / Mulher e desemprego
ser uma empregada “empregável”, tem de
provar que não é bandida, o que é no míni-
mo humilhante (o Congresso Nacional
aprovou em dezembro projeto de lei do
deputado federal Luiz Alberto, do PT da
Bahia, proibindo a exigência; agora está no
Senado).
Na Barão atiro currículos
em todas as caixas e começo
a peregrinação nas salinhas,
uma por uma, para ouvir jo-
vens recepcionistas repetindo:
“Mora onde? Fuma? É casa-
da? Tem filhos?”, até os pés doerem. Seis
horas, volto para casa. Arrasada. O cansaço
é físico e mental.
Não tenho muita simpatia por estatísti-
cas. Elas tentam colocar um sem-número
de angústias, vergonhas, desesperos, em
números. Em junho, uma pesquisa do
Ibope apontou que a maior preocupação
dos eleitores paulistanos, 66% deles, era o
desemprego. Viviane Forrester, uma france-
sa que nem botou os pés por aqui, em seu
livro O Horror Econômico, coloca de forma
melhor: pesa sobre os ombros de cada
desempregado a vergonha pelo próprio
desemprego.
Toca o celular: é de uma agência de
empregos.
– Você se interessa por uma vaga de
operadora de telemarketing? São mais de
cem vagas, pagam de 380 a 600 reais,
dependendo da firma.
– Claro que topo!
– Bom, você foi selecionada. Agora é só
trazer amanhã o seu RG, CPF, carteira de
trabalho, comprovante de residência e a
primeira parcela para o curso de treina-
mento, no valor de 49 reais.
– Como assim, primeira
parcela?
– É para o curso, que
dura cinco dias, e o valor é
de duas parcelas de 49 reais.
Olha, a vaga já está garanti-
da, mas o curso vai estar
dando todas a ferramentas...
– Esquece.
– Certeza?
Certeza. Pensando bem, nunca estive
na tal agência. Agora sei, pelo menos, para
onde vão os currículos atirados nas caixas
de papelão na Barão. Toca o telefone de
novo: currículo selecionado, auxiliar de
cozinha, amanhã às 9 com documentos.
3
o
Dia
N
o bufê, uma moça loira, gordinha e
decidida diz que não precisa ter expe-
riência, basta vontade de aprender e dis-
posição de ficar até tarde, porque no fim
do ano as encomendas dobram. O esque-
ma é 6 x 1, o que significa que só folgamos
no domingo, enquanto as horas extras são
amontoadas num “banco de horas” que dá
direito a folga, depois. O salário, 400 reais
– 330 com os descontos.
Agora sei, pelo
menos, para onde
vão os currículos
atirados nas caixas
de papelão”
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 38
Visto avental e touca branca no banhei-
ro dos empregados, um pardieiro: roupas
penduradas, o chão lodoso, a privada suja,
o armário de ferro entulhado de aventais.
Tudo fede a mofo, urina, umidade. Desto-
ando do nosso “cantinho”, a cozinha é
linda e limpíssima, toda azulejos brancos e
mesas de madeira, pilhas e
pilhas de fôrmas de bolo,
assadeiras, potes, panelas,
mais fornos e geladeiras in-
dustriais. Cinco mulheres ves-
tidas exatamente como eu.
Entretidas em sovar a massa,
conversam pouco. Me atrapa-
lho na primeira tarefa, penei-
rar uma bacia enorme de farinha de rosca,
que leva duas horas e algumas câimbras
para terminar. O suor escorre pelo rosto, os
braços doem e as histórias da simpática
Néia me embalam. O filho de 3 anos, cujo
pai “assumiu e sumiu”, fica com a mãe
enquanto ela trabalha até as 10 horas, às
vezes até perde o trem. Mas ficar longe do
filho tão pequeno dói. As outras, também,
cada uma dá um jeito com os filhos – são
cunhadas, avós, tias, parentes, os filhos
mais velhos cuidando dos mais novos – e a
saudade é unânime naquela cozinha.
Em pouco tempo, a mesa central vai
sendo coberta por travessas cheias de enro-
lados, esfihas, folhados, docinhos, salga-
dos, pães, tudo douradinho e cheirando um
absurdo, e a fome é maior porque não
podemos comer nenhum. Nosso almoço é
uma marmita fria e murcha – arroz, feijão,
frango, polenta.
Nem vinte minutos de- pois, retoma-
mos o serviço. Quando afinal batem 6
horas, já não me agüento em pé e mal
consigo disfarçar. Mas a supervisora diz que
eu posso voltar amanhã, é
só antes passar na agência e
assinar contrato, levando a
minha carteira de trabalho.
Não volto.
4
o
Dia
D
e novo na rua, chama a
atenção um cartaz escri-
to a mão: “Precisa-se moças com ou sem
experiência”. Ligo para o número, e um
carioca me explica que é pra fazer bijute-
ria. É na Liberdade, a “Chinatown” paulis-
tana. O tal me recebe de camisa aberta e
corrente no pescoço, olha de cima a baixo
e chama o menino: “Leva ela até a monta-
gem”. E pra mim: “Diz pra patroa que eu
mandei ela pegar você”. Atravessamos a
rua até um predinho baixo, de corredor
escuro, pintura descascando e lixo por todo
canto. A “patroa” vem me receber, os cabe-
los desgrenhados, baforando um cigarro.
“O trabalho é fácil, começa às 8 da manhã
e eu vou precisar que fique até tarde.
Domingo tem folga...” As janelas fechadas,
tacos soltos no chão, as paredes rabiscadas
por lápis de cor, e entramos num quartinho
Mulheres, Trabalho e Vida
39
“Um cartaz escrito a
mão: Precisa-se moças
com ou sem experiên-
cia. Ligo para o
número, e um carioca
me explica que é pra
fazer bijuteria”
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 39
onde seis rostos de meninas me olham,
curiosos. É onde vou trabalhar. Elas são
negras, mulatas, as mãos rápidas. A janela
que dá para a rua está coberta por um
papelão e a fumaça de muitos cigarros
nubla o ambiente.
A patroa explica que paga condução,
mas tem de levar marmita. Pra cada dúzia
de conjunto (doze colares e 24 brincos), ela
paga 1,50 real.
Dia seguinte chego cedo. Quem me
ensina o serviço é Shirley, com
dois brincos enormes de
semente, camiseta justinha,
batom, uma princesa de 21
anos. Cortar os fios de seloni-
te, amolecer em água quente,
prender o fecho com alicate,
e seguir a ordem, bolinha
prateada, pedrinha verde,
caninho verde, mais uma pedrinha, mais
um caninho, pingente, pedrinha, caninho,
bolinha. Vou seguindo como posso, é verda-
de que sou bem mais devagar que as outras
e minha mesa é uma bagunça. Ao som dos
berros da patroa:
– Suas lerdas!
Quando termino a primeira dúzia de
colares e brincos verdes, já são 10 e meia:
1 real e 50 ganhos.
Dia seguinte é tudo diferente. A patroa
não está e a casa fica nas nossas mãos.
Ouvimos volume máximo, a Rádio Suces-
so, que repete o refrão de Zeca Pagodinho:
“Você sabe o que é caviar? Nunca vi nem
comi, eu só ouço falar”. O menu: arroz,
feijão e macarrão, tudo misturado. Vou
fazendo meus colares, rosa, vermelho,
azul... Naiara, a cabeça cheia de cachaça e
vinho San Tomé, fala sem parar:
– Mó brisa, mano, tô brisada!
Conta que a mãe costumava bater sua
cabeça na parede quando ela dedurava ao
pai as escapadas noturnas – a mãe se pros-
tituía escondido. Como naquela noite em
que entregou a filha a um
homem: “Faz o que ele
mandar”. Naiara tinha 8 anos.
Na lembrança, ela grita, ri,
gesticula nervosamente.
Promete que vai matar a mãe.
Está “brisada”.
No terceiro dia decido ir
embora, quando a patroa chega
e avisa que seremos todas revistadas diaria-
mente, além de que trabalharemos “de
domingo a domingo”. A patroa me diz para
voltar outro dia, buscar meu dinheiro. O
total: 22,50 reais, que no terceiro dia
consegui fazer cinco dúzias. Jamais foi
resgatado, e é com pena que digo que ficou
com ela.
5
o
Dia
N
ão parei de procurar, aqui e ali, um tra-
balho temporário para o Natal. O
comércio fervia e me sorria com um cartaz
que dizia: “Você quer vencer na vida?
Mulheres, Trabalho e Vida
40
Texto 19 / Mulher e desemprego
A janela que dá
para a rua
está coberta por
um papelão e
a fumaça
de muitos cigarros
nubla o ambiente.
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 40
Venha fazer parte da nossa
equipe!” A loja de sapatos da
Teodoro Sampaio, agitada rua
comercial da cidade, pagava 5
por cento sobre o que eu ven-
desse, e mais nada. Nem o
transporte.
Começo numa sexta-feira
de sol. Chego à vitrine cheia
de variados sapatos, tênis,
chinelos, botas, e sou manda-
da para o fundo da loja, espe-
rar ao lado de duas meninas
tão ansiosas como eu, que o supervisor vai
falar com a gente, já está a caminho.
Dentro da loja é um corre-corre, dezenas
de vendedores com a camiseta verde,
uniforme da loja. Esperamos. Esperamos.
Esperamos.
Horas. Finalmente o tal supervisor dá
o ar da graça. Explica tudo de novo – 5 por
cento, das 8 às 18, marmita, temporário,
entusiasmo etc. – em cinco minutos, e nos
manda para o estoque. Que é um pesade-
lo. Na sobreloja, uma estreita sala, com
uma mesa de madeira, serve de refeitório,
enquanto o banheiro sujo com só um vaso
é a área privativa onde os vendedores se
trocam. Um grande filtro fornece água –
que é descontada dos salários, 2 reais de
cada vendedor por semana. Nas salas ao
lado, o estoque: um enorme labirinto escu-
ro de caixas, amassadas, abertas, coloridas,
velhas, novas, empilhadas pelo caminho,
onde couberem, o cheiro de
sapato novo ardendo o nariz. O
desafio, aqui, é saber onde está
cada sapato, e pegar rápido o
número certo antes que o clien-
te se aborreça. Por isso, ficamos
horas ali, decorando a posição
de cada marca. Antes de ir
embora, nossas bolsas são
revistadas.
Segunda-feira. Chego na
loja, marmita na mão, mas sou
barrada. O gerente me chama
de canto: lá no escritório não aprovaram
meus documentos. Como assim, se estão
todos em dia? Por quê? Nada. A única
resposta repetida e repetida era que eles,
no escritório, são assim mesmo.
É verdade que nem tudo estava negro
naqueles dias. Afinal, eu dispensara um
promissor posto de trabalho, numa clínica
de massoterapia onde a recepcionista,
educada, me explicou com a maior ciência:
– Trabalhamos com massagem tera-
pêutica, em que você vai estar massagean-
do o corpo do cliente. Ela é antiestresse,
relaxante, antinervosismo. E também faze-
mos a massagem tailandesa, conhece?
– Não.
– Também é massagem no corpo do
cliente, só que na tailandesa você vai estar
usando partes do seu corpo, coxas, náde-
gas, seios, para a massagem. Só de calci-
nha.
Mulheres, Trabalho e Vida
41
Chego na loja,
marmita na mão,
mas sou barrada.
O gerente me
chama de canto: lá
no escritório não
aprovaram meus
documentos. Por
quê? Nada. A única
resposta é que eles,
no escritório, são
assim mesmo.
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 41
Diante do meu constran-
gimento, ela avisa que a
tailandesa é obrigatória, não
pode fazer só da outra. Não
paga condução, mas dá refei-
ção.
– Ah, e no final da massa-
gem nós trabalhamos com
relaxamento manual.
– Como assim? – não
consegui segurar.
Ela faz o gesto: punheta.
O pagamento, por sessão, é
de 10 reais por meia hora (o cliente paga
80) e 20 reais para uma hora (o cliente
paga 110). Digo que vou ligar depois. Sem
perspectivas, sigo para a última alternati-
va: empresa de promoções.
6
o
Dia
S
ento às 7 da manhã na frente de um
sobrado branco, junto a uma centena de
meninas, sonolentas, na calçada. Elas vêm
de todos os cantos da cidade para aguar-
dar a sua vez de serem chamadas. Gisele, a
coordenadora, explica que o trabalho é só
para os fins de semana, e o pagamento, 20
reais, sai no dia 15 do mês seguinte.
– Topa?
– Topo.
Subo a escada até uma pequena sala
onde quarenta meninas se espremem de
frente para um homem de meia-idade. Ele
anda, impaciente, de um lado para outro,
vez ou outra se vira para o
grupo assustado e aponta:
– Você, você, você e
você.
O silêncio é total. Elas
evitam olhar para o homem:
a possibilidade de não ser
escolhida é terrível, significa
20 reais a menos no fim do
mês. Não demoro a ser
chamada, vou formar fila
junto às outras para receber
o uniforme – calça justa
azul, camisa branca de gola, boné azul. Sigo
para outra salinha onde pilhas e pilhas de
folhetos se misturam a outra dezena de
meninas, atrapalhadas, tentando vestir o
uniforme. Como a porta não fecha de tanta
gente, nos trocamos sob os olhares dos
motoristas.
Na perua, nove meninas entre 14 e 16
anos se espremem nos bancos de trás.
Quarenta minutos depois chegamos a São
Bernardo, município que faz fronteira ao
sul de São Paulo. Nossa tarefa, descubro
com surpresa, vai ser vigiar um banner. Isso
mesmo: ficamos o dia todo, cada uma em
uma esquina, paradas, olhando uma placa.
Para a fiscalização não levar, já que é proi-
bido pendurar banners naquela cidade.
Sozinhas, o sol forte na cabeça, de pé.
Sentar, nem pensar, nem ao menos encos-
tar num muro: são as regras.
42
Mulheres, Trabalho e Vida
Texto 19 / Mulher e desemprego
“Nossa tarefa,
descubro com
surpresa, vai ser
vigiar um banner.
Ficamos o dia todo,
uma em cada esquina,
olhando uma placa.
Para a fiscalização
não levar, já que é
proibido pendurar
banners naquela
cidade.”
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 42
– Se você passar mal, liga pra central
– avisa o motorista antes de me deixar,
abandonada, na minha esquina, e ali fico.
Reparo que ninguém me olha. Os olha-
res passeiam pela placa, param no número
de telefone, e simplesmente me pulam. Sem
exceção. Na paisagem urba-
na, não existo; o uniforme
me torna, de fato, invisível
– é a “invisibilidade públi-
ca”, fenômeno que o psicó-
logo Fernando Braga obser-
vou ao trabalhar junto com
os garis da USP.
7
o
Dia
D
omingo subo na Kombi
para o último dia dessa jornada. Vou
distribuir panfletos com duas alegres meni-
nas, ambas de 17 anos.
Paramos numa esquina da avenida
Rudge e nos dividimos por faixa. Vez ou
outra passa o supervisor na Kombi. Ali, no
farol, quem faz a propaganda dos condo-
mínios de luxo é a Thaís, do Capão Redon-
do, que dorme num cômodo com os sete
irmãos mais novos; é a Tatiane, de Paraisó-
polis, que também divide o quarto com os
irmãos, quatro, num andar erguido sobre a
laje da casa da mãe.
Chove torrencialmente, e na cidade
centenas de meninas como nós nem se
agüentam de felicidade porque podem
parar para descansar em algum abrigo. Nós
nos escondemos no banheiro do Sam’s
Club, e é ali que eu descubro que as duas
são evangélicas – Tatiane é da Assembléia
de Deus e Thaís, da Comunidade Evangéli-
ca Pleno – quando gritam, emocionadas,
“aleluia!” para a chuva que lava tudo à
nossa volta.
Na perua de volta elas
dormem, cansadas. Eu segu-
ro: quero ouvir Maria, 15
anos, muito empolgada,
contar como se divertiu com
os meninos que faziam mala-
barismo no farol.
– Eles ganharam tanta
coisa, bolacha, pão, pirulito,
refrigerante... e dividiram
tudo com a gente!
Só isso pra melhorar o dia, depois de
ela ter dado de cara com a professora de
matemática.
– Nem sei a cor que fiquei, não sabia
onde enfiar a cara. Que vergonha!
S
aindo da Kombi, as pernas bambas,
volto para casa devagar, na cabeça a
música-chiclete do programa de televisão:
“ela é dona do jogo...”. Ela, ela quem?
Mulheres, Trabalho e Vida
43
Natália Viana é jornalista. Extraído da reportagem “Os trabalhos e
os dias”, publicado na revista Caros Amigos, jan/2005.
“Chove
torrencialmente,
e na cidade centenas
de meninas como nós
não se aguentam
de felicidade porque
podem parar para
descansar em
algum abrigo.”
19•CA05T19P5.qxd 12/13/06 3:18 PM Page 43
Foto: Heitor Hui / AE
RENDIMENTOS
DESIGUAIS
Mulheres ganham,
em média, 60% do que
recebem os homens, pela
mesma tarefa.
Desigualdade
TEXTO
20
Mulheres, Trabalho e Vida
44
Trabalhadores e trabalhadoras
em linha de montagem na
indústria automotiva.
20•CA05T20P5.qxd 21.01.07 19:25 Page 44
E
m 1996, o rendimento médio das
mulheres brasileiras, de 585 reais
correspondia a 60% do obtido pelos
homens que era de 995 reais. Apesar da
recuperação observada após a contenção
da inflação, ainda não foi alcançado o
valor real de 1989, quando era apenas
30% inferior.
Se for considerado o rendimento por
hora trabalhada, esse diferencial também
persiste. Em 1996, as mulheres recebiam,
em média, 3,50 reais por hora e os homens,
5 reais. Isso demonstra que o menor pata-
mar de remuneração verificado para elas
não pode ser atribuído apenas, como se
poderia supor, a uma jornada menor de
trabalho (39 horas para mulheres e 46
horas semanais para homens).
As diferenças de rendimentos entre
homens e mulheres verificam-se em
todos os setores de atividade econômica,
por posição na ocupação e, inclusive, em
grupos de ocupações semelhantes.
Mulheres, Trabalho e Vida
45
Infografe
Adaptado de texto publicado no site do Dieese (www.dieese.org.br).
20•CA05T20P5.qxd 21.01.07 19:25 Page 45
Trabalho doméstico
TEXTO
21
Mulheres, Trabalho e Vida
46
HOMENAGEM
A QUEM FAZ
A escritora
lembra,
minuciosa,
cada pessoa
que a
homenageia
com seu
trabalho
Ana Miranda
B
enditos sejam os que fazem os trabalhos do cotidiano, o que
seria de mim se não tivesse o padeiro que assa o meu pão e o
caminhoneiro que traz o meu leite até o mercado, e o gari que
varreu a rua na frente da minha casa e o ciclista que traz o meu jor-
nal, o que seria de mim sem a minha faxineira e o lavador de meu
carro, e o japonês que cultivou as orquídeas da minha varanda, o
que seria de mim sem o marceneiro que fabricou esta mesa, o
operário que girou os parafusos da minha geladeira, o carteiro que
traz as minhas cartas, o balconista da loja de informática onde com-
prei esta tela, e a minha manicure e o sapateiro da esquina que tro-
cou a sola de meu sapato de estimação, o que teria sido de mim
sem a minha Irene, dona Irene acordava antes de todo mundo em
casa, vestia seu uniforme e avental, prendia os cabelos, pendurava
seus brincos de pingentes, passava batom, pintava as sobrancelhas
com lápis e ia para a cozinha, tomava seu cafezinho, preparava o
café da manhã, punha a mesa, ia buscar o jornal no portão, dava
comida aos cachorros, varria as varandas, parava a olhar uma flor-
zinha, aguava as plantas e gramados, sempre cantando, rindo, arru-
mava a casa varria limpava arrumava as camas, ia para a cozinha,
cantando, cozinhava, uma comida caseira dos deuses, se eu estava
fechada no escritório escrevendo e pensava Ah que vontade de
tomar um café, chegava nesse instante a Irene com um café fresco,
cantando, rindo, à uma e meia ela me chamava para um almoço
21•CA05T21P5.qxd 12/15/06 5:27 PM Page 46
dos deuses, depois Irene lavava a louça, sempre alegre, enxugava
e guardava, limpava a cozinha, lavava roupa a maioria a mão, e
passava a ferro, as camisas engomadinhas, guardava as roupas,
preparava um lanche, engraxava os sapatos, pregava os botões,
depois fazia um jantar dos deuses, lavava a louça enxugava guar-
dava, cantava cantava, pano de chão na cozinha, vidros limpos,
um trabalho incessante, valioso, precioso, cada dia uma em-
preitada, uma ordenação profunda do mundo, da sociedade, um
trabalho generoso, que me deu asas até a delicadeza dos confins,
me libertava deste mundo para ir em busca de outros, me liberta-
va do tempo e do espaço, de todo um emaranhado de vestígios
da minha memória, e minhas lágrimas não eram de cebola, mas
nessa liberdade eu deixava de viver algumas das coisas mais har-
moniosas e calmantes da vida, como por exemplo lavar folhas de
alface em água fria, no verão, ou derramar vinho no corpo de um
peru para a ceia de Natal.
Trabalho e Meio Ambiente
47
Publicado na revista Caros Amigos.
21•CA05T21P5.qxd 12/15/06 5:27 PM Page 47
Mulheres, Trabalho e Vida
48
TEXTO
XX
História do trabalho feminino
MULHERES E
TRABALHO
NA HISTÓRIA
DO BRASIL
TEXTO
22
(...) A presença feminina foi sempre
destacada no exercício do pequeno comér-
cio em vilas e cidades do Brasil Colonial.
Desde os primeiros tempos, em lugares co-
mo Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo,
estabeleceu-se uma divisão de trabalho
assentada em critérios sexuais, em que o
comércio ambulante representava uma
ocupação preponderantemente feminina.
A quase exclusiva presença de mulheres
num mercado onde se consumiam gêneros
a varejo, produzidos muitas vezes na
própria região colonial, resultou da conver-
gência de duas referências culturais deter-
minantes no Brasil. A primeira delas está
relacionada à influência africana, uma vez
Um mercado feminino
nas Minas Gerais
Mary del Priore
Iconographia
22•CA05T22P5.qxd 12/13/06 3:11 PM Page 48
que nessas sociedades tradicionais as
mulheres desempenhavam tarefas de
alimentação e distribuição de gêneros de
primeira necessidade. O segundo tipo de
influência deriva da transposição para o
mundo colonial da divisão de papéis sexu-
ais vigentes em Portugal, onde a legislação
amparava de maneira incisiva a participa-
ção feminina. Às mulheres era reservado o
comércio de “doces, bolos, frutos, melaço,
hortaliças, queijos, leite, marisco, alho,
polvilhos, hóstias, agulhas, alfinetes,
roupas usadas. Dessa forma, conjugam-se
dois padrões que irão atuar na definição do
lugar das mulheres no Brasil.
Pintores como o bávaro Rugendas e o
francês Debret captaram em vários de seus
desenhos e aquarelas nas viagens pelo
Brasil da primeira metade do século 19 a
presença das negras em torno de vendas,
em atividades ambulantes ou sob tendas
onde vendiam gêneros de consumo. Seus
pequenos utensílios, a presença das crian-
ças, formas de convívio, modalidades de
produtos estariam evidenciadas nessa
iconografia da vida urbana de algumas
cidades brasileiras desse tempo.
As vendas se multiplicariam indiscrimi-
nadamente pelo território. Estabelecimen-
tos comerciais dotados de grande mobili-
dade faziam chegar às populações traba-
lhadoras das vilas e das áreas de minera-
ção aquilo que importava ao seu consumo
imediato: toda sorte de secos (tecidos, arti-
gos de armarinho, instrumentos de traba-
lho) e molhados (bebidas e comestíveis em
geral). As vendas eram quase sempre o lar
de mulheres alforriadas ou escravas que
nelas trabalhavam no trato com o público.
O destaque da presença feminina no
comércio concentrava-se nas mulheres que
eram chamadas de “negras de tabuleiro”.
Elas infernizaram autoridades de aquém e
de além-mar. Todos os rios de tinta despe-
jados na legislação persecutória e punitiva
não foram capazes de diminuir seu ânimo
em Minas Gerais e pelo Brasil afora.
“Negras de tabuleiro” foi a designação
que acompanhou pelo Brasil colonial aque-
las mulheres dedicadas ao comércio ambu-
lante. Se aqui e ali há registros de que in-
comodavam as autoridades, seja porque
fugiam com facilidades às medidas fiscali-
zadoras, seja porque sua conduta moral
desagradava, foi nas Minas do século 18
que sua atuação alcançou dimensões mais
graves. (...) Este expressivo espaço da parti-
cipação feminina representou enormes
inconvenientes diante dos poderes ordena-
dores da capitania. Sua mobilidade e a
rapidez com que se multiplicavam como
opção de vida (uma vez que se exigiam
Mulheres, Trabalho e Vida
49
22•CA05T22P5.qxd 12/13/06 3:11 PM Page 49
para o negócio pouco capital e alguma cora-
gem) ameaçavam comprometer considera-
velmente os rendimentos da faina espera-
dos pela fazenda real e pelos proprietários
de minas.
(...)
A prostituição parece ter sido adotada
como prática complementar ao comércio
ambulante. No entanto, constituía atributo
das escravas, empurradas muitas vezes a
esse caminho pelos seus proprietários. Um
dos casos que se conhece aparece na denún-
cia feita pelo visitador episcopal contra Cata-
rina de Sousa, preta alforriada, acusada de
obrigar com castigo a suas escravas (...) que
lhe dêem jornal todos os dias de serviço e
domingos e dias santos dobrado jornal (...)
Se a prática do uso do sistema de jornais (o
escravo dispunha de relativa autonomia
para angariar rendimentos a serem pagos ao
seu senhor) regulando as relações entre
senhores e escravas pode sugerir uma situa-
ção mais amena, em se tratando das mulhe-
res escravas elas suportariam uma dupla
exploração: sexual e econômica. A escravi-
dão revelaria então uma de suas faces mais
perversas.
Mulheres, Trabalho e Vida
50
Texto 22 / História do trabalho feminino
As “negras de tabuleiro” marcam a presença femi-
nina no pequeno comércio das vilas e cidades do
Brasil colonial. A distribuição de gêneros e alimen-
tos a varejo, feita por mulheres, tornou-se vital
para o abastecimento da zona mineradora.
Extraído e adaptado do livro História das Mulheres no Brasil,
Editora Contexto, São Paulo, 2000.
Acervo Iconographia
22•CA05T22P5.qxd 12/13/06 3:11 PM Page 50
TEXTO
XX
TEXTO
XX
Mulheres famosas
TEXTO
23
S
he was born Agnes Gonxha Bojaxhiu
in 1910 in Skopie, Yugoslavia. Since
her father was a co-owner of a cons-
truction firm, her family lived comfortably
while she was growing up. In 1928 she
suddenly decided to become a nun and
traveled to Dublin, Ireland, to join the
Sisters of Loreto, a religious order founded
in the 17th century. After studying at the
convent for less than a year, she left to
join the Loreto convent in the city of
Darjeeling in northeast India. On May
24th, 1931, she took the name of Teresa
in honor of St. Teresa of Lisieux.
Mother Teresa is among the most
well-known and highly respected women
in the world in the latter half of the 20th
century. In 1948 she founded a religious
order of nuns in Calcutta, India, called
the Missionaries of Charity. Through this
order, she dedicated her life to helping
the poor, the sick, and the dying around
the world, particularly those in India. Her
selfless work with the needy brought her
much acclaim and many awards, including
the Nobel Peace Prize in 1979.
Mother Teresa died of a heart attack
on September 5th, 1997.
A LIFE FOR CHARITY
If we really want to love we must learn
how to forgive. (words by Mother Teresa)
Mulheres, Trabalho e Vida
51
GLOSSARY
Among. entre.
Co-owner. segundo dono / sócio.
Dying. moribundo.
Highly. altamente.
Latter. último, mais recente.
Needy. necessitado.
Nun. freira.
Selfless. generoso, não egoísta.
Sick. doente.
Suddenly. de repente.
Well-known. conhecido.
Extraído de www.ewtn.com/motherteresawords.htm
Foto: Algiberto Lima / AE
23•CA05T23P5.qxd 12/13/06 9:43 PM Page 51
52
Mulheres, Trabalho e Vida
TEXTO
XX
TEXTO
XX
o que é ser mulher
TEXTO
24
Nadie sabe cómo hacen con el tiempo
trabajan y trabajan
lavan planchan cosen barren limpian cocinan
bañan
peinan sacan piojos hacen camas buscan precios
amasan
educan llevan los chicos a la escuela van al
trueque,
buscan los chicos de la escuela, compran amasan
cocinan lavan planchan y
trabajan y trabajan
el día se convierte en noche sin parar de
trabajar.
Ellas sueñan con otro mundo para sus hijos
sueñan algo mejor
mucho mejor
sueñan
para ellos
y con ellos
No se quedan…
saben que el hambre no tiene espera
y salen
tímidamente porque creen que no saben que no
pueden
que no deben
con miedo
porque presienten que si les pasa algo nadie va a
poder hacer todo lo que hacen ellas
Ellas con los sueños escondidos
Ellas con las ganas apretadas
con los permisos contados
con las prisiones de los mandatos
Les han dicho que en la casa es donde deben
estar
“ELLAS”
Nancy Slupsky
Ilustrações: Alcy
24•CA05T25P4.qxd 12/13/06 3:13 PM Page 52
pero nadie les ha regalado nada como para seguir
aguardando ahí sentadas
Mientras las panzas de sus hijos aúllan de
hambre
los sueños están
Pero hay que escarbarlos detrás de tanto
cotidiano
Primero el ahora
el ahora urgente
el ahora presente
y por eso salen
porque sus hijos les ponen alas
Motores
sus hijos impulsan las pocas fuerzas que el
escaso
alimento les socava.
Pero esas fuerzas se juntan
un sueño despierta al otro.
Salen a la calle
a reclamar
a decir presente
a marcar que no son fantasmas ni cifras ni seres
perdidos en lugares perdidos
a descubrir que valen y a aprender a gritarlo
a mostrar que la dignidad es una actitud de vida
Y salen
Y se juntan y se juntan
en los barrios en las calles en las rutas.
Y construyen…
esos sueños que tanto sueñan para ellas
Y para sus hijos.
Mulheres, Trabalho e Vida
53
Ilustrações: Alcy
Nancy Slupsky es poeta y activista argentina.
24•CA05T25P4.qxd 12/13/06 3:14 PM Page 53
Conquistas femininas
TEXTO
25
Mulheres, Trabalho e Vida
54
Renato Pompeu
O
Dia Internacional da Mulher, come-
morado desde o início do século
XX, é uma data que remete a todo
um período de lutas por melhores condi-
ções de trabalho, diminuição da jornada de
trabalho, principalmente das trabalhadoras
americanas, pelo direito à educação e ao
voto feminino. As trabalhadoras america-
nas vinham comemorando um Dia da Mu-
lher para marcar um calendário de lutas.
Em 1911, em Nova York, dezoito dias de-
pois do Dia da Mulher, em março, houve
um grande incêndio numa conhecida in-
dústria têxtil, a Triangle Schirwaist Com-
pany, cujo patrão, como era comum fazer
à época, trancou a porta de saída à chave,
o que num andar alto e num ambiente sem
ventilação e com materiais inflamáveis, tor-
nou-se fatal. Quando os bombeiros chega-
ram 147 operárias já haviam morrido. Após
essa tragédia a solidariedade entre as tra-
UM POUCO DA HISTÓRIA DO
DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Primeiro congresso feminista
realizado no Brasil, 1922.
25•CA05T28P5.qxd 12/13/06 3:14 PM Page 54
balhadoras estreitou-se e suas
lutas deram origem às primei-
ras leis de proteção à vida e
aos direitos das trabalhadoras.
Mas, já em 1910, Clara
Zetkin, socialista alemã, pro-
pôs que o Dia da Mulher se
tornasse “uma jornada especi-
al, uma comemoração anual de
mulheres, seguindo o exemplo
das companheiras americanas”.
Sugeria ainda que o tema principal fosse a
conquista do direito ao voto. Surge, então,
o Dia Internacional da Mulher. A partir daí,
as operárias européias e russas assumiram
essa data que, em 1914, foi comemorada
no dia 8 de março. Consolidando essa data,
em 1917, no dia 23/02 no calendário
gregoriano (ou 8 de março) as operárias
russas desencadearam uma greve geral,
cujas manifestações precipitaram a Revolu-
ção Russa.
Depois das grandes guerras, na década
de 1960, os movimentos de libertação das
mulheres em todo o mundo retomaram
essas comemorações. No Brasil, em plena
ditadura, a partir dos anos 1970 o movi-
mento de mulheres ressurge colado às lutas
pela democracia e em 1975, quando a ONU
organizou uma Conferência Mundial de
Mulheres, o movimento de mulheres reto-
ma as lutas coletivas mais abertamente.
Renato Pompeu é jornalista e escritor.
Mulheres, Trabalho e Vida
55
Em reconhecimento dessas lutas, o dia 8 de
março foi instituído pela ONU, em 1977, como
Dia Internacional da Mulher o que nos dá a
oportunidade de fazer um balanço dos pro-
gressos e conquistas a respeito do lugar ocu-
pado pelas mulheres e dos obstáculos à sua
cidadania e levar o conjunto da sociedade e
dos governos a refletirem sobre as formas de
enfrentar as desigualdades de gênero, ou seja,
entre homens e mulheres, em diversas áreas, e
elaborarem políticas públicas anti-discrimina-
tórias, além de promover ações para a conquis-
ta da cidadania plena das mulheres, melhoran-
do a qualidade de vida de todas e todos e
construindo uma sociedade mais justa.
Calendário oficial
Comício feminista
realizado na Esplanada
do Castelo, RJ, em 1933.
Acervo Iconographia
25•CA05T28P5.qxd 12/13/06 3:14 PM Page 55
Desigualdade
TEXTO
26
Mulheres, Trabalho e Vida
56
FAZEM MAIS
E GANHAM MENOS
Ilustração: Alcy
26•CA05T29*P5.qxd 12/15/06 5:24 PM Page 56
A
conquista do espaço feminino no
mercado de trabalho fez com que as
mulheres hoje representem uma par-
cela superior a 45% da população economi-
camente ativa em cada uma das regiões pes-
quisadas. Embora uma parte significativa
dos trabalhadores de ambos os sexos te-
nham baixo nível de escolaridade, as
mulheres têm um perfil educacional mais
elevado que a parcela masculina e a propor-
ção daquelas que concluíram o 2
o
grau ou
alcançaram o ensino superior é maior que a
verificada entre os homens.
A presença da mulher no mercado de
trabalho reproduz o padrão de incorpora-
ção que se registra entre os homens. A
mais intensa participação ocorre na faixa
etária entre 25 e 39 anos, quando percen-
tuais que viriam entre 65% e 78% das
mulheres estão ocupadas ou mostram
disponibilidade para trabalhar. Essa parti-
cipação demonstra que os papéis de mãe e
de principal responsável pelos afazeres
domésticos não têm sido impedimento
para parcela significativa das mulheres,
ainda que seja necessário desdobrar-se
para conciliar ambas as atividades.
Dificuldades iguais
Homens e mulheres enfrentam, atual-
mente, dificuldades para obter uma ocupa-
ção, tanto que as taxas de desemprego são
elevadas para ambos. No entanto, embora
ainda estejam em menor quantidade no
mercado de trabalho, as taxas de desem-
prego feminino são sempre superiores às
registradas para os homens. Assim,
enquanto entre as mulheres as taxas de
desemprego ultrapassam o patamar de
18,2%, para os homens esse percentual cai
para 12,3%. As peculiaridades de cada
região determinam grandes diferenças
entre o nível de desemprego de homens e
mulheres: a taxa de desemprego feminino
chega a ser 48% superior à registrada entre
os homens e, mesmo onde essa diferença
se reduz, ainda é de 21%.
Ao se combinar sexo e idade, verifi-
ca-se que as maiores dificuldades para
obtenção de um emprego ocorrem para
Mulheres, Trabalho e Vida
57
A situação das mulheres
em mercados metropolitanos
26•CA05T29*P5.qxd 12/15/06 5:24 PM Page 57
as mulheres jovens. Mais de 30% destas
mulheres, com idade entre 16 e 24 anos,
em todas as regiões analisadas, encontram-
se desempregadas. Entre os rapazes na
mesma faixa etária o patamar reduz-se
para 22,4%. No entanto, a mais intensa
presença de homens e mulheres com idade
entre 25 e 39 anos na força de trabalho faz
com que sejam maiores os diferenciais
entre as taxas de desemprego de ambos os
sexos para essa faixa etária, justamente a
mais produtiva.
Maior nível de escolaridade costuma
ser um fator que aumenta a possibilidade
de obter um trabalho, tanto que as taxas de
desemprego tendem a diminuir para ho-
mens e mulheres que têm mais anos de
estudo. No caso das mulheres, porém, a
importância desse fator precisa ser relativi-
zada, uma vez que o maior grau de instru-
ção do sexo feminino – as mulheres, em
todo o país, tendem a estudar mais que os
homens – não implica menor taxa de de-
semprego que para os homens. Dessa for-
ma, as taxas de desemprego para as mulhe-
res com nível universitário são, no mínimo,
30% superiores às dos homens com esse
nível de instrução.
O mercado de trabalho, aparentemen-
te, define determinadas funções como
mais femininas. Assim, os postos de traba-
lho ocupados pelas mulheres estão, em
grande parte, relacionados às atividades
antes desempenhadas no interior do domi-
cílio, tais como serviços pessoais, educa-
ção, alimentação e saúde, que, juntos,
ocupam mais de 22% do total das mulhe-
res que trabalham nas diversas regiões
metropolitanas estudadas. Além disso,
entre 16% e 21% do total das ocupadas
nessas regiões estão diretamente ligadas
aos serviços domésticos, como emprega-
das mensalistas e diaristas.
Terra dos homens
Os empregos na indústria e na constru-
ção civil são essencialmente masculinos,
sendo insignificante o percentual das vagas
ocupadas pelas mulheres, em particular,
neste último setor. No setor industrial, a
presença feminina é bem menor que a
masculina e apenas no ramo têxtil – onde
a presença da mulher é, historicamente,
significativa – há relativamente mais mu-
lheres que homens trabalhando. A partici-
pação da mulher no setor industrial,
porém, cresce e se diversifica na medida em
que a indústria tem mais peso econômico
para a região. Nesse caso, há inclusive
redução das diferenças entre os gêneros.
A absorção de trabalhadores de ambos
os sexos é bem mais equilibrada no comér-
cio. A proporção de mulheres ocupadas
neste setor é, em geral, levemente menor
que as respectivas parcelas observadas
entre os homens, diminuindo essas diferen-
ças naquelas regiões onde esse setor tem
maior peso relativo.
Texto 26 / Desigualdade
Mulheres, Trabalho e Vida
58
26•CA05T29*P5.qxd 12/15/06 5:24 PM Page 58
No que se refere à forma de relação
de trabalho, as mulheres, da mesma forma
que os homens, trabalham, em sua maio-
ria, como assalariadas. A proporção, po-
rém, é menor. Apenas o emprego domés-
tico é uma forma de relação de trabalho
preenchida quase exclusivamente por
mulheres. Só na região metropolitana de
Recife o percentual de mulheres que
trabalham no serviço doméstico é inferior
ao de autônomas, em geral a segunda
forma de relação de trabalho mais encon-
trada nas diferentes regiões metropolita-
nas, quando não se leva em consideração
o sexo. Entre as mulheres também é rele-
vante – ao menos em parte das regiões
pesquisadas – a participação do trabalho
não remunerado em negócio de parentes.
A atuação como empregadora, porém, é
uma alternativa bastante restrita para as
mulheres.
O detalhamento das formas de contra-
tação do trabalho assalariado mostra que a
concentração pelo setor público é muito
mais importante entre as mulheres que
entre os homens, embora o setor privado
seja o principal empregador para ambos os
sexos. A contratação com carteira assinada
representa a maior parcela dos assalaria-
dos de ambos os sexos nas empresas priva-
das, ainda que exista uma proporção não
desprezível de homens e mulheres contra-
tados sem carteira, e portanto sem as
garantias trabalhistas mínimas contempla-
das pela CLT. Essa forma de desproteção
afeta mais relativamente o trabalhador
assalariado do sexo masculino.
Um outro aspecto importante, que
evidencia as desigualdades entre gêneros,
são as ocupações exercidas como assala-
riados por ambos os sexos. As mulheres e
os homens assalariados exercem ocupa-
ções com diferentes níveis de qualificação
e hierarquia, e a maior parte desses ocupa-
dos está em funções semiqualificadas na
execução, isto é, são trabalhadores direta-
mente vinculados a atividades-fim da em-
59
Mulheres, Trabalho e Vida
Linha de montagem de
fábrica de chuveiros.
Foto: Monica Zaratini / AE
26•CA05T29*P5.qxd 12/15/06 5:24 PM Page 59
presa, mas que exercem funções repetiti-
vas e de pouca complexidade.
As diferenças entre os gêneros se mani-
festam quando se levam em consideração
os diversos subgrupos de ocupações. Entre
as mulheres, o peso das ocupações qualifi-
cadas na execução das atividades de escri-
tório e serviços gerais, nas áreas de apoio,
e das atividades de planejamento e organi-
zação, dentre as funções de direção e
planejamento, é maior que entre os home-
ns. Para estes são relativamente mais reser-
vadas ocupações de direção e gerência,
ocupações de execução semiqualificadas e
não-qualificadas, bem como atividades de
apoio classificadas como não-operacionais.
Essas diferenças evidenciam que, se de
um lado as mulheres assalariadas têm tido
acesso a postos de trabalho mais qualifica-
dos, ainda têm menores possibilidades de
ocupar posições hierarquicamente superio-
res (direção e gerência), situação que
também é refletida na sua pouca expressão
como empregadora.
As jornadas médias de trabalho, embo-
ra altas, são bem menores que as executa-
das pelos homens, tanto para o total de
ocupados como entre os assalariados. Entre
estes últimos, porém, as distâncias entre o
tempo de trabalho de homens e mulheres
tendem a diminuir. As jornadas médias de
trabalho das mulheres, em todas as re-
giões, estão próximas a quarenta horas
semanais e cerca de 30% das ocupadas e
de 20% a 32% das assalariadas trabalham
mais que 44 horas por semana.
Texto 26 / Desigualdade
Mulheres, Trabalho e Vida
60
Trabalhadoras
no Estaleiro
Barcas-Rodriquez,
em Niterói – RJ
Foto: Fábio Motta / AE
26•CA05T29*P5.qxd 21.01.07 19:28 Page 60
1
Os maiores diferenciais, entre ambos
os sexos, do acesso às ocupações
segundo níveis de qualificação e
hierarquia são verificados em São Paulo e
Porto Alegre, regiões onde o setor indus-
trial e o trabalho assalariado no segmen-
to privado têm maior peso, enquanto as
menores desigualdades estão em Recife e
Salvador, onde o mercado de trabalho é
menos diversificado. A situação do Distri-
to Federal aproxima-se da registrada nas
duas primeiras regiões, mas em conse-
qüência do peso do setor público; e Belo
Horizonte registra pontos assemelhados
aos encontrados em Salvador e Recife.
2
Quanto maior o peso das ocupações
industriais nos mercados metropolita-
nos, maiores são os percentuais de
mulheres ocupadas no setor, bem como
mais diversificadas suas funções. Com isso,
as diferenças entre gêneros se reduzem. Nos
mercados de trabalho metropolitanos de
São Paulo e Porto Alegre, 15% das mulhe-
res estão ocupadas na indústria, o que
corresponde a, aproximadamente, 60% do
percentual de homens que trabalham no
setor. Já em Recife, Salvador e Distrito Fede-
ral, essa proporção entre as mulheres cai
para 2% a 6% e não chega nem à metade
do total de homens ocupados neste setor.
Mulheres, Trabalho e Vida
61
MAIS POR MENOS
O
rendimento médio das trabalhado-
ras é, em todas as regiões analisa-
das, menor que o dos homens, quer
atuem como ocupadas, quer como assala-
riadas. Esse dado resulta das diferenças nas
características dos postos de trabalho
ocupados por ambos os sexos e de possíveis
discriminações de gênero na hora da fixa-
ção dos rendimentos.
Além de diferenças entre o desempre-
go, a ocupação e os rendimentos de homens
e mulheres, os dados evidenciam a desi-
gualdade existente no mercado de traba-
lho das seis regiões pesquisadas. De manei-
ra sintética, os principais aspectos a serem
destacados são:
Ilustração: Alcy
26•CA05T29*P5.qxd 21.01.07 19:28 Page 61
3
A crescente precariedade dos postos
de trabalho é denominador comum a
ambos os gêneros em todas as regiões
metropolitanas, da mesma forma que as
altas taxas de desemprego. Nos mercados
menos estruturados (Recife e Salvador) são
verificados os maiores percentuais de homens
e mulheres em postos de trabalho conside-
rados mais vulneráveis, e ocorrem as maio-
res diferenças entre os gêneros. Nessas duas
regiões, o patamar de mulheres em situa-
ções vulneráveis está em torno de 50%,
enquanto entre os homens situa-se em 35%,
o que representa uma diferença acima de
14 pontos percentuais. Nas regiões de Porto
Alegre e Distrito Federal, o patamar de
vulnerabilidade para cada sexo é bem
menor, bem como se reduz a diferença entre
eles. Entre as mulheres este patamar está
em torno de 35% a 36%, e entre os homens
vai de 24% a 27%. Para São Paulo e Belo
Horizonte verifica-se uma situação interme-
diária com proporções de 42% entre as
mulheres e de 30% para os homens.
Em Recife e Salvador, entre 25% e 30%
das mulheres estão desempregadas, en-
quanto para os homens estas taxas perma-
necem em torno de 18% e 25%. Nas de-
mais regiões, as taxas de desemprego das
mulheres, ainda que altas, caem para valo-
res entre 18% a 23%. Porto Alegre, Recife
e São Paulo registram as maiores desigual-
dades das taxas de desemprego de homens
e mulheres, enquanto em Salvador e Belo
Horizonte estão as menores diferenças. O
Distrito Federal apresenta-se numa situa-
ção intermediária.
Os rendimentos também apresentam,
ao lado da disparidade encontrada entre os
dois sexos, acentuadas diferenças inter-
regionais. Mulheres e homens, nas regiões
metropolitanas de Recife e Salvador, têm
rendimentos significativamente menores
que os registrados para os trabalhadores de
São Paulo e do Distrito Federal.
4
Finalmente, apesar das diferenças
indicadas por este estudo, fica claro
que existem denominadores comuns
a ambos os gêneros, uma vez que,
enquanto força de trabalho, estão inseri-
dos em mercados marcados pela falta de
oportunidades de emprego, pela desestru-
turação e pela crescente precariedade dos
postos de trabalho ocupados.
Texto publicado no Boletim Dieese – Edição Especial Março/2006 –
A situação das mulheres em mercados de trabalho metropolitanos.
Texto 26 / Desigualdade
Mulheres, Trabalho e Vida
62
26•CA05T29*P5.qxd 21.01.07 19:28 Page 62
“Nós, mulheres do grupo Baixa Verde,
Queremos em nosso livro uma mensagem deixar.
Contar como vivem as mulheres da família Reca,
Lutando, trabalhando, os filhos educando, cozinhando e lavando,
No roçado plantando sementes e árvores,
Para que, onde uma mata morre, outra irá crescer.
Plantando o SAF para nos alimentar e também para vender
E, assim, podermos viver.
Preservar as matas para respirar um ar mais puro.
Sem falar nos remédios naturais que a mata nos oferece.
O cantar dos pássaros, o perfume das flores, esta tranqüilidade,
Tudo isso e muito mais que segura a gente longe do agito da cidade.
As mulheres do nosso Reca e as de todo o nosso Brasil lutam pelos direitos iguais.
Mulheres simples, de um coração bondoso,
de uma simplicidade no olhar, com mente administradora,
Mas que, por ser caipira, muitas vezes não consegue se expressar.”
Grupo Mulheres da Baixa Verde
Trabalho no campo
TEXTO
27
Mulheres, Trabalho e Vida
63
MENSAGEM DA BAIXA VERDE
Do livro Nosso Jeito de Caminhar – projeto RECA - 2003
Foto: Cláudio Facchini
27•CA05T30P5.qxd 21.01.07 19:34 Page 63
Expediente
Comitê Gestor do Projeto
Timothy Denis Ireland (Secad – Diretor do Departamento da EJA)
Cláudia Veloso Torres Guimarães (Secad – Coordenadora Geral da EJA)
Francisco José Carvalho Mazzeu (Unitrabalho) – UNESP/Unitrabalho
Diogo Joel Demarco (Unitrabalho)
Coordenação do Projeto
Francisco José Carvalho Mazzeu (Coordenador Geral)
Diogo Joel Demarco (Coordenador Executivo)
Luna Kalil (Coordenadora de Produção)
Equipe de Apoio Técnico
Adan Luca Parisi
Adriana Cristina Schwengber
Andreas Santos de Almeida
Jacqueline Brizida
Kelly Markovic
Solange de Oliveira
Equipe Pedagógica
Cleide Lourdes da Silva Araújo
Douglas Aparecido de Campos
Eunice Rittmeister
Francisco José Carvalho Mazzeu
Maria Aparecida Mello
Equipe de Consultores
Ana Maria Roman – SP
Antonia Terra de Calazans Fernandes – PUC-SP
Armando Lírio de Souza – UFPA – PA
Célia Regina Pereira do Nascimento – Unicamp – SP
Eloisa Helena Santos – UFMG – MG
Eugenio Maria de França Ramos – UNESP Rio Claro – SP
Giuliete Aymard Ramos Siqueira – SP
Lia Vargas Tiriba – UFF – RJ
Lucillo de Souza Junior – UFES – ES
Luiz Antônio Ferreira – PUC-SP
Maria Aparecida de Mello – UFSCar – SP
Maria Conceição Almeida Vasconcelos – UFS – SP
Maria Márcia Murta – UNB – DF
Maria Nezilda Culti – UEM – PR
Ocsana Sonia Danylyk – UPF – RS
Osmar Sá Pontes Júnior – UFC – CE
Ricardo Alvarez – Fundação Santo André – SP
Rita de Cássia Pacheco Gonçalves – UDESC – SC
Selva Guimarães Fonseca – UFU – MG
Vera Cecilia Achatkin – PUC-SP
Equipe editorial
Preparação, edição e adaptação de texto:
Editora Página Viva
Revisão:
Ivana Alves Costa, Marilu Tassetto,
Mônica Rodrigues de Lima,
Sandra Regina de Souza e Solange Scattolini
Edição de arte, diagramação e projeto gráfico:
A+ Desenho Gráfico e Comunicação
Pesquisa iconográfica e direitos autorais:
Companhia da Memória
Fotografias não creditadas:
iStockphoto.com
Apoio
Editora Casa Amarela
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil)
Mulher e trabalho / [coordenação do projeto
Francisco José Carvalho Mazzeu, Diogo Joel Demarco,
Luna Kalil]. -- São Paulo : Unitrabalho-Fundação
Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho ;
Brasília, DF : Ministério da Educação. SECAD-Secretraria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007,
-- (Coleção Cadernos de EJA)
Vários colaboradores.
Bibliografia.
ISBN 85-296-0061-4 (Unitrabalho)
ISBN 978-85-296-0061-1 (Unitrabalho)
1. Livros-texto (Ensino Fundamental) 2. Mulheres -
Trabalho I. Mazzeu, Francisco José Carvalho.
II. Demarco, Diogo Joel. III. Kalil, Luna. IV. Série.
07-0417 CDD-372.19
Índices para catálogo sistemático:
1. Ensino integrado : Livros-texto :
Ensino fundamental 372.19
eja_expediente_Mulher_2380.qxd 1/26/07 3:27 PM Page 64
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