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ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL
GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO
E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
Brasília, DF - 24 a 28 de Abril de 2006
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Livros Grátis
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Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro de Estado da Educação
Fernando Haddad
Secretário Executivo
José Henrique Paim
Secretário de Educação Básica
Francisco das Chagas Fernandes
Diretor do Departamento de Articulação
e Desenvolvimento dos Sistemas de Ensino
Horácio Francisco dos Reis Filho
Coordenador da Coordenação Geral de Articulação
e Fortalecimento Institucional dos Sistemas de Ensino
Arlindo Cavalcanti de Queiroz
Coordenador Geral do Seminário
Arlindo Cavalcanti de Queiroz
Coordenação Técnica e Operacional
Lêda Maria Gomes
Equipe Técnica e Operacional
Marcus Jessé Moreira
Wellinton Baxto da Silva
Equipe de Apoio
Josemam Silva
Luana Rocha Gomes
Desenhos dos Ambientes do Centro de Convenções
Ives Yokoyama
Organização e Revisão Técnica dos Anais do Seminário
Ana Luiza Oliva Buratto
José Carlos Dantas Meirelles
AVANTE EDUCAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL
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Apresentação
O Papel dos Conselhos Municipais de Educação e o Programa Pró-Conselho
no Fortalecimento da Gestão Democrática da Educação
Abertura Oficial
PAINEL
Educação, Democracia Participativa e Desenvolvimento
Econômico com Igualdade Social
PAINEL
Política Nacional de Gestão da Educação
PAINEL
Políticas Públicas da Educação e Planejamento
PAINEL
Organização da Educação Brasileira e Gestão Democrática
PAINEL
Movimentos Sociais na Construção da Gestão
PAINEL
Pedagogias Participativas e Qualidade Social da Educação
PAINEL
Gestão Democrática nas Escolas
Socialização das Oficinas Temáticas, Encaminhamentos de Sugestões
e Solenidade de Encerramento
Sumário
5
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11
19
29
69
105
147
175
197
215
No Brasil, uma das missões do Ministério da Educação é promnver a melhoria da qualidade da educação
básica como direito social. Em cumprimento a essa missão e diretrizes, o Ministério vem desenvolvendo
políticas públicas de articulação e fortalecimento dos sistemas de ensino, em parceria com diversas
instituições e entidades nacionais e internacionais.
Essas políticas têm como princípio e como preceito legal a Gestão Democrática da Educação, que se constitui
numa exigência ética. Ela possibilita a participação da sociedade civil na formulação, avaliação, definição e
fiscalização das políticas educacionais, implementadas pelos diversos sistemas de ensino do País.
Para viabilizar essa participação, torna-se necessária a criação e ressignificação de diversos mecanismos
institucionais de participação direta e representativa dos segmentos envolvidos com a educação, que
possam exercer o papel de articuladores e mediadores das demandas educacionais da sociedade.
Em virtude da necessidade de se obter insumos para tornar realidade essas políticas de valorização da
participação social e ainda, conforme lhe faculta a Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, bem como a Constituição Federal, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de
Educação Básica, objetivando fortalecer e subsidiar a participação da coletividade nos sistemas de ensino,
dentre as várias ações que desenvolve no âmbito da gestão democrática, está promovendo, por meio de
uma cooperação bilateral com o governo da Espanha, o Seminário Inter-nacional Gestão Democrática da
Educação e Pedagogias Participativas.
PÚBLICO-ALVO
Dirigentes federais, estaduais e municipais da educação e suas entidades; conselheiros da educação em
âmbito nacional, estadual e municipal; sindicatos dos trabalhadores em educação e sua entidade
confederada; líderes do movimento estudantil e sua entidade nacional; dirigentes escol!res e membros dos
conselhos de escola; representantes de organizações não-governamentais e líderes do movimento social;
representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; pesquisadores e professores universitários.
OBJETIVOS
Promover a participação dos sistemas de ensino e de entidades da sociedade civil na discussão das
políticas de gestão da aducação escolar.
Proporcionar intercâmbio de políticas de gestão da educação entre os Países participantes.
Analisar formas de participação social na gestão da educação em seus vários âmbitos (nacional,
estadual, municipal e escolar), bem como suas implicações na melhoria da qualidade social da
educação.
Buscar estratégias de articulação entre políticas educativas e outras políticas de promoção do
desenvolvimento com igualdade social.
Levantar subsídios para elaboração do Projeto de Cooperação Técnica Bilateral entre Brasil
e Espanha na área de gestão da educação para o desenvolvimento com igualdade social.
Apresentação
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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Centro de Convenções Ulysses Guimarães
Eixo Monumental Plano Piloto
Brasília DF
24 a 28 de abril de 2006
Brasil
Espanha
Argentina
Bélgica
Chile
Colômbia
Finlândia
Honduras
Japão
México
Portugal
Venezuela
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE
Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação - FNCE
Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação - UNCME
União Brasileira de Estudantes Secundaristas - UBES
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME
Câmara dos Deputados
Petrobrás
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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PERÍODO DE
REALIZAÇÃO
PAÍSES
PROMOTORES
PAÍSES
PARTICIPANTES
PARCEIROS
PATROCÍNIO
LOCAL
Secretaria de Educação Básica SEB/MEC
Esplanada dos Ministérios Bloco L - 5º Andar Sala 514
E-mail: cme@mec.gov.br
Fones:(61) 2104-8535 / 2104-9284 - Fax (61) 2104-833
Ministério da Educação
ORGANIZAÇÃO
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O Papel dos Conselhos Municipais de Educação
e o Programa Pró-Conselho no Fortalecimento
da Gestão Democrática da Educação
BREVE HISTÓRICO DOS CME E DO PRÓ-CONSELHO
A importância da criação de conselhos municipais de educação tem seus fundamentos calcados no
princípio da gestão democrática do ensino público (art. 206, inciso VI, da Constituição Federal), no art. 3º
inciso VIII, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n.º 9394/1996 e, de forma incisiva,
evidenciados no Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei n.º 10.172, de 09/01/2001. Em seu último
capítulo – Financiamento e Gestão a meta de número 21 estabelece o seguinte: estimular a criação dos
conselhos municipais de educação com o apoio das diferentes instâncias da federação, União, Estados e
Municípios.” Portanto, está claro e definido, como política e meta nacional, a implantação e o
fortalecimento dos conselhos, de acordo com os parâmetros que deverão ser estabelecidos em cada
sistema municipal de ensino.
Nessa perspectiva, o Ministério da Educação, atendendo ao artigo 211, da Constituição Federal de 1988,
que estabelece como estratégia de organização da educação nacional, o Regime de Colaboração entre os
sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e cumprindo o seu papel de
formulador de políticas nacionais para a educação em todos os entes federados, assumiu nesta gestão, de
forma incisiva, a tarefa de apoiar os sistemas de ensino, criando por intermédio da Portaria Ministerial n.º
3272/ 2003, de 06/11/2003, o Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação-
Pró-Conselho, como uma medida efetiva e indispensável para fortalecer a gestão democrática, para
assegurar o desenvolvimento de uma educação sintonizada com a sociedade, incentivar o fortalecimento
dos atuais conselhos e sobretudo para apoiar a criação de novos conselhos de forma representativa,
democrática, participativa, com base nos princípios da representatividade, legitimidade e autonomia.
Outras ações (tiveram seu valor) e complementaram o desenho do programa, com uma ressalva especial
para a criação e implantação de um Sistema Nacional de Informações sobre Conselhos Municipais de
Educação - SICME, idealizado com o objetivo de fornecer subsídios para caracterizar o perfil dos CME do
País, bem como para estudos e pesquisas no campo da gestão democrática e da formulação da política de
educação básica. O sistema desenvolvido, em forma de um cadastro, traz um diagnóstico do sistema
municipal de ensino e, ao mesmo tempo, constitui um instrumento que subsidiará as futuras ações do
Programa, observando a realidade regional e estadual, na qual cada município é tratado como ente
federado. Para dar suporte aos estudos das leis existentes sobre a ed5cação e complementar o
matdrial instrucional preparado e distribuído nos encontros de capacitação, foi realizada a assinatura
da revista Documenta, do Conselho Nacional de Educação, para todos os Conselhos Municipais de
Educação em funcionamento.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Os problemas que afetam o desempenho do aluno matriculado nos sistemas municipais de ensino estão
(em sua maioria) relacionados ao entendimento do que venha a ser a gestão de políticas públicas para a
educação. Hoje os sistemas municipais de ensino vêm investindo, sistematicamente, em ações públicas
para a superação de problemas estritamente ligados à universalização da matrícula, à qualidade e ao
fluxo, sem que esse investimento resulte em efetiva melhora dos indicadores educacionais e que o
esforçorealizado represente mudança no quadro de rendimento dos alunos. Este cenário explicita a
necessidade de ações que venham fortalecer o sistema público, dando-lhe condições de realizar um
trabalho compartilhado de acompanhamento que, de forma efetiva, contribua para aprimorar as
políticas públicas educacionais e seu gerenciamento. Os sistemas municipais de ensino carecem de
instrumentos eficazes de gestão que lhes permitam identificar com exatidão os problemas, formular,
implementar e monitorar as políticas desenvolvidas no âmbito do município.
A opção por um modelo de gestão comprometida com a conquista da qualidade da educação passa
necessariamente pela instituição de mecanismos mais eficazes de monitoramento das políticas públicas e
pela revisão e estabelecimento de nova postura de responsabilidade quanto ao desempenho qualitativo
dos sistemas municipais de ensino e das redes escolares.
A gestão e a implementação de políticas educacionais não prescinde de duas instâncias fundamentais,
sendo uma delas a escola como local de construção do saber da aquisição e interiorização de
conhecimentos, e a outra, os conselhos municipais de educação e os conselhos escolares. O País tem a
educação organizada de forma descentralizada; isto concorre para que a busca pela melhoria do padrão
de qualidade do ensino bem como outros encargos e atribuições passem a exigir, das escolas e do sistema,
um reforço quanto à busca incansável para a autonomia dos conselhos e das próprias escolas.
A instituição e o fortalecimento dos conselhos municipais de educação e conselhos escolares, propostos
pelo Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação - Pró-Conselho e pelo
Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, este último criado pela Portaria Ministerial
n.º 2896/2004, de 17/09/2004, implantados junto aos municípios e às escolas públicas, representam um
esforço decisivo do Ministério da Educação para que se estabeleça um processo forte de mudança de
padrões culturais, que demandam crédito, paciência e tempo, com ajustes necessários à sua execução.
Criando estes dois Programas de ponta, a Secretaria de Educação Básica - SEB aposta em estratégias de
gestão da educação nacional, reforça um processo que favorece a responsabilidade social compartilhada
entre entes federados e possibilita o fortalecimento institucional direcionado para uma prática
democrática e participativa no País. O papel desses conselhos vai muito além de apoio administrativo e de
controle junto aos gestores municipais da educação e aos diretores de escolas. A existência dos conselhos,
funcionando com todos os meios e instrumentos que lhes competem, trará, diante de si, o desafio de
praticar ações mais incisivas, no acompanhamento da execução dos projetos pedagógicos propostos no
município, no dia-a-dia das escolas e representa, na sua essência, um ponto de partida para a efetiva
participação da comunidade, numa gestão democrática e compartilhada da política educacional
assumida no município.
Um elemento importante que vem reforçar a necessidade da criação de novos conselhos e o fortalecimento
dos existentes diz respeito à matrícula no sistema de ensino público brasileiro, com uma repre-
sentatividade elevada nas etapas e modalidades de atendimento. Os números disponíveis de matrícula em
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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2004, segundo o INEP, espelham uma cobertura considerada significante de matrícula na rede escolar
municipal para a educação infantil, na ordem de 4.620.981 em relação à rede estadual que atende a
292.581 crianças. Algo semelhante acontece no 1º segmento do ensino fundamental, quando a rede
municipal de escolas atende a 12.488.045 e a rede estadual registra um atendimento de 4.495.912 alunos.
Este diferencial é um pouco revertido no 2º segmento quando a rede municipal atende a 5.472.355 contra
uma cobertura de 8.199.820 alunos prestada pela rede estadual. No entanto, no cômputo geral das
matrículas do ensino fundamental regular, a rede municipal ainda supera o atendimento escolar com
17.960.400 alunos, contra uma cobertura de 12.695.732 matrículas. O quadro de matrícula só é
inteiramente revertido no ensino médio, como era de se esperar, quando a rede estadual tem uma
matrícula de 7.800.983 estudantes contra 189.331 da rede municipal. Esta situação também se repete na
modalidade de EJA, quando a rede estadual atende a 3.310.791 e a rede municipal tem uma cobertura
cobertura de 2.092.825. Ao analisar estes números constatamos a real necessidade e importância da
criação de novos conselhos para apoiar o sistema e, sobretudo, para ser o guardião do processo educativo
no município (INEP Censo escolar de 2004).
O papel dos conselhos deve ser analisado num contexto em que novas dinâmicas sociais e econômicas
evidenciam a importância do conhecimento e da informação nas sociedades contemporâneas, colocando
também no Brasil novas exigências para as escolas, os sistemas escolares e seus profissionais.
Ao lado da democratização do acesso à educação básica, o convite à participação, o princípio da gestão
democrática, a colaboração recíproca entre os governos e a sociedade, repõem o papel dos conselhos, em
especial os de âmbito municipal, em outras dimensões. Com efeito, eles podem tamm se constituir em rede
com outros conselhos sociais, na perspectiva de garantir o acesso à escola e também a outros serviços públicos,
mobilizando-se para que a sociedade seja participativa, fiscalizadora e reivindicativa de seus direitos.
Diante do exposto, a SEB, por intermédio da Coordenação Geral de Articulação e Fortalecimento
Institucional dos Sistemas de Ensino Cafise, assumiu numa ação conjunta com a União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME, União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação -
UNCME, Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF, Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD, Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação, conforme estabelecido
na Portaria Ministerial n.º 3.272/2003, a elaboração de um programa de capacitação dos conselheiros
municipais de educação, com objetivos de assegurar a participação da sociedade no alinhamento da
gestão democrática da educação nos estados e municípios, bem como o fortalecimento e a criação de
novos Conselhos Municipais de Educação.
Na década de 1990 a educação foi movida por um acelerado processo de municipalização do ensino
fundamental e da educação infantil, com um crescimento contínuo de matrículas e, em decorrência, uma
gama de Programas foram criados de forma abrangente como o da merenda escolar entre outros. Com o
advento do FUNDEF, importante indutor e responsável pelo crescimento das matrículas no ensino
fundamental, e pelo condicionamento de outros programas no âmbito do Ministério da Educação que
colocava a matrícula como prioridade para o aporte técnico e financeiro, foi desencadeado um
movimento em prol da criação de diversos conselhos de acompanhamento e gestão. A própria lei do
FUNDEF faz referência ao Conselho Municipal de Educação. Com relação às atribuições dos sistemas
municipais de ensino, a LDB define no artigo 8º, parágrafo 1º: “caberá à União, a coordenação política
nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa,
redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias. Isto significa dizer que essas atribuições
incluem a função normativa, que é a de estabelecer normas complementares, fazendo pressupor a
existência de órgão normativo do respectivo sistema. Como já nos referimos, a meta 21 do PNE estabelece
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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a necessidade de se: estimular a criação dos conselhos municipais de educação com o apoio das diferentes
instâncias da federação, União, Estados e Municípios.
Um diagnóstico preciso sobre a organização dos sistemas municipais de ensino, como também sobre a
existência, o perfil e a organização/funcionamento dos conselhos municipais de educação foi realizado pelo
Sistema de Informações dos Conselhos Municipais de Educação , no decorrer do exercício de 2004.
O resultado deste cadastramento está apresentado em um documento denominado de Perfil dos
Conselhos Municipais de Educação que constitui a base nacional de cadastramento dos conselhos.
Para contextualizar o cenário atual dos conselhos, vamos nos valer de alguns indicadores que nos revela o
documento, com o intuito de fundamentar as ações que serão propostas para a continuidade do Programa.
Finalmente, cabe deixar claro que o processo de criação e implementação de órgãos dos sistemas
municipais e de órgãos no âmbito das escolas tem demonstrado, aos gestores da educação, o
reconhecimento do desafio e da urgência de se criarem novos programas que apóiem os municípios,
incluindo-se nesta empreitada não só os órgãos governamentais, não-governamentais e outros
organismos os mais diversos, dispostos à prática do exercício da gestão das políticas educacionais, na
perspectiva da participação e do controle com inclusão social.
A implementação de conselhos municipais de educação, em um País onde o sistema educacional é
descentralizado, com implicações e com prioridades de ações diversas para os diferentes entes federados,
constitui-se importante mecanismo para o estabelecimento de políticas que considerem e cumpram as
diretrizes de políticas nacionais e, ao mesmo tempo, respeitem o que existe de peculiar nas regiões, nos
estados, nos municípios e nas unidades escolares vinculadas a estes sistemas.
SICME
OBJETIVOS DO PROGRAMA PRÓ-CONSELHO
Partindo do entendimento básico de que a participação efetiva e criadora dos sujeitos é ertratégia
fundamental para a inclusão social e a melhoria da educação, o Pró-Conselho definiu inicialmente como
objetivos a serem alcançados:
capacitar conselheiros municipais de educação para o exercício de suas diferentes funções,
levando em conta a sua inserção institucional e a sua representação;
assegurar a participação da sociedade na gestão educacional, através da criação de Conselhos
Municipais de Educação e do seu fortalacimento como órgão de sistema de ensino;
contribuir para o fortalecimento dos sistemas municipais de ensino, motivando por meio de
estratégias variadas, a criação de conselhos municipais de educação com caráter normativo;
identificar e debater as tendências de organização, estrutura e funcionamento dos CME, seu papel
e suas funções;
contribuir para a criação de redes estaduais e regionais de competências, para a discussão,
organização e implementação de propostas de formação continuada de conselheiros de
educação, implicando suas instituições de origem;
ampliar a capacidade de compreender e interpretar a legislação educacional;
ampliar a capacidade de atuação dos conselheiros;
consolidar relações que propiciem tanto a intervenção organizada quanto atitudes preservadoras
de autonomia e de representatividade;
consolidar uma estrutura educacional que garanta a inclusão e permita, com eficiência, a
participação das ações pedagógicas e administrativas do poder municipal.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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Mestre de Cerimônias: Senhoras e Senhores, boa noite. Solicitamos a todos que ocupem os seus lugares
e que os telefones celulares fiquem desligados ou em modo silencioso para darmos início à solenidade de
abertura do Seminário Internacional Gestão Democrática da Educação e Pedagogias Participativas.
Convidamos para compor a mesa de honra as seguintes autoridades:
O Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação do Brasil, Senhor Francisco das Chagas
Fernandes, neste ato representando o Ministério da Educação do Brasil, Senhor Fernando Haddad;
O Embaixador da Espanha, Senhor Ricardo Peidró Conde;
A Secretária de Educação do Distrito Federal e representante do Conselho Nacional de Secretários
de Educação Consed, Senhora Wandercy Antonia Camargos;
O Coordenador da Campanha Mundial pelo Direito à Educação e Diretor da Internacional da
Educação, Senhor Elie Join;
A Presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação Undime, Senhora Maria
do Pilar Lacerda Almeida e Silva;
A Presidenta da Confederação dos Trabalhadores em Educação CNTE, Senhora Juçara Maria
Dutra Vieira;
A Presidenta do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação FNCE, a Senhora Alaídes
Alves Mendieta;
O Presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação Uncme, o Senhor Paulo
Eduardo dos Santos;
O Oficial de Projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância Unicef, o Senhor Sílvio
Kaloustian.
Registramos e agradecemos as presenças dos embaixadores, Deputados, dirigentes e representantes de
secretarias estaduais e municipais de Educação, organismos internacionais, dirigentes e representantes
de entidades da áre! de Educação, conselheiros da educação, conselheiros escolares, promotores
públicos, estudiosos de Educação da Argentina, Bélgica, Chile, Colômbia, Espanha, Finlândia, Honduras,
Japão, México, Portugal, França, Costa Rica e Venezuela, dirigentes e servidores do Ministério da
Educação do Brasil.
Neste momento, convidamos a todos os presentes para, de pé, ouvirmos a execução do Hino
Nacional Brasileiro.
Execução do Hino Nacional (DVD Eletronorte)
Mestre de Cerimônias: A questão da melhoria da qualidade do ensino vem sendo tratada como um
grande desafio para o desenvolvimento social e econômico do Brasil e do mundo. Uma das missões do
Ministério da Educação é qualificar a educação básica como direito social, promovendo, com os sistemas
de ensino e os movimentos sociais organizados, a democratização da gestão, do acesso e, principalmente,
a garantia da permanência nas escolas de crianças, jovens e adultos.
Para o Brasil, no campo da educação, o princípio da gestão democrática, além de ser um preceito legal,
constitui-se em uma exigência ética e política, possibilitando, cada vez mais, a participação da sociedade
Abertura Oficial
24 de abril de 2006 (segunda-feira) - 19 às 21 horas
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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civil na formulação, avaliação, definição e fiscalização das políticas educacionais, implementadas pelos
diversos sistemas de ensino do País.
Dentre as várias ações que o Ministério da Educação do Brasil tem desenvolvido no âmbito da gestão
democrática da educação, está a promoção, por meio de uma cooperação bilateral com o Governo da
Espanha, deste Seminário Internacional de Gestão Democrática da Educação e Pedagogias Participativas
e conta com as parcerias da:
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CNTE
Conselho Nacional de Secretários de Educação Consed
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação FNCE
Fundo das Nações Unidas para a Infância Unicef
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD
OEI
União Brasileira de Estudantes Secundaristas UBES
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação Uncme
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação Undime
Câmara dos Deputados
e patrocínio da Petrobras
Mestre de Cerimônias: Neste ato, ouviremos as palavras de acolhimento da anfitriã a Senhora Wandercy
Antonia Camargos, Secretária de Educação do Distrito Federal; ouviremos o Coordenador da Campanha
Munial pelo Direito à Educação e Diretor da Internacional da Educação, o Senhor Elie Join; ouviremos as
palavras do Embaixador da Espanha que falará representando todos os embaixadores e demais
autoridades internacionais presentes, o Senhor Ricardo Peidró Conde.
Falas
Mestre de Cerimônias: E neste momento, assistiremos a entrega do Perfil dos Conselhos Municipais de
Educação, relatório do SICME-2005, ao Presidente da UNCME, o Senhor Paulo Eduardo dos Santos.
O SICME Sistema de Informações dos Conselhos Municipais de Educação é um dos componentes do
Programa Nacional de Capacitação dos Conselheiros Municipais de Educação, o Pró-Conselho. Este
sistema coleta informações anualmente e permite a elaboração de indicadores importantes para o
monitoramento de políticas de fortalecimento deste órgão colegiado.
O Perfil 2005 registra mudanças positivas com o aumento do: número de municípios cadastrados no
sistema; número de leis municipais criando Conselhos e Planos Municipais de educação; número de
conselhos municipais em efetivo funcionamento no Brasil.
Senhoras e senhores, ouviremos agora o pronunciamento do Secretário de Educação Básica do Ministério
da Educação do Brasil, Senhor Francisco das Chagas Fernandes, neste ato representando o Ministério da
Educação do Brasil, Senhor Fernando Haddad.
Fala do Professor Francisco das Chagas Fernandes Secretário de Educação Básica
do Ministério da Educação Brasil
Este Seminário estava no nosso planejamento para ser realizado este ano dentrk da estratégia de um dos
eixos do desenvolvimento da política da Educação Básica do Ministério da Educação. A idéia inicial estava
pautada na realização de uma discussão em nível nacional, para aprofundar o tema da gestão democrática,
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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inclusive devido aos outros quatro programas que a Secretaria de Educação Básica (SEB) está
desenvolvendo.A idéia avançou e, na parceria com o governo da Espanha, chegamos a ter a parceria com
pelo menos dez países aqui presentes e que vão fazer parte das mesas de discussão e das oficinas.
Este Seminário representa um pouco daquilo que é diversidade, daqueles que fazem gestão pública da
educação, em nosso País. Temos aqui entidades sindicais, temos as entidades que representam os
conselhos, os que representam os entes federados.
Temos os organismos internacionais, temos promotoria pública, que vai apresentar experiência de como
tem trabalhado a gestão. Temos escolas que vão apresentar também uma experiência de gestão
democrática na escola, ou seja, nós temos aqui, neste Seminário, uma síntese da pluralidade e da
diversidade, que é fazer da gestão democrática, a forma de gestão pública em nosso País. Talvez até fosse
mais fácil fazermos um Seminário sobre gestão democrática, especificamente com os gestores, apenas
com os dirigentes, secretários estaduais, secretários municipais, ou seus representantes. Ou também o
contrário, fazer um Seminário apenas com os representantes da sociedade civil.
O Ministério da Educação tem trabalhado com a pluralidade, com a diversidade, é claro que não tem sido
fácil, porque não tínhamos a fórmula, e não temos a fórmula de como fazer a discussão e estamos
aprendendo dentro da diversidade e da pluralidade. Estou olhando aqui para vários consultores. Temos
vários consultores aqui, consultores que escrevem o material e, muitas vezes, vão lá na base ouvir daqueles
para quem o material está sendo escrito para ver se está certo. E assim nós fizemos com os conselhos
escolares, fizemos com os dirigentes municipais, ou seja, fizemos pilotos para poder ouvir deles a opinião
sobre o material. E os consultores estão aqui e vão participar inclusive das nossas mesas e das nossas
discussões e eles têm percebido como tem sido importante andar pelo País fazendo encontros presenciais,
discutindo com a sociedade, discutindo com essa pluralidade e com essa diversidade pelo Brasil todo.
A gestão democrática é um dos eixos que nós escolhemos para atuar na educação básica e nós estamos
atuando com quatro programas; um é o programa de apoio aos dirigentes municipais de educação,
programa presencial que também vai ser a distancia, onde nós discutimos a política de gestão com os
dirigentes municipais de educação; o segundo programa é um programa dirigido aos conselhos
municipais de educação ou para aqueles conselhos que existem e nós precisamos fortalecer com a
capacitação, com a formação continuada dos seus membros ou no sentido da mobilização para que
tenhamos constituído mais conselhos nos nossos municípios. Com esse programa temos avançado
bastante. Isto mostra que nós avançamos, tanto na formação de conselhos, como no seu funcionamento,
porque havia conselhos constituídos que não funcionavam. Agora temos tanto o quadro de conselhos que
funcionam como também o dos conselhos novos que foram criados. É importante a relação que existe dos
conselhos criados, ou em funcionamento, com os municípios que não eram sistema municipal de
educação e agora passam sê-lo. Um terceiro programa é o dirigido aos conselhos escolares. Temos, pelo
menos teoricamente, na formulação, que todas as nossas escolas devem ter seus conselhos escolares e nós
criamos um programa no sentido de ajudar a que esses conselhos funcionem e que eles tenham vida útil na
escola em nosso País. Um último programa da gestão democrática que estamos trabalhando, é o programa
escola de gestores voltado para os dirigentes das escolas. Portanto, esses quatro programas parece que
fecham um ciclo dos gestores na educação, daqueles que participam da educação básica, ou seja, são eles
os quatro segmentos que atuam mais diretamente na nossa educação. É claro que essa discussão da gestão
democrática não está voltada apenas para os educadores ou apenas para aqueles que estão na escola ou
para aqueles que fazem parte da escola, não apenas assistindo a aula, não apenas dando à aula, não
apenas vigiando a escola, mas aqueles que fazem a sociedade brasileira e que têm responsabilidade direta
ou indireta com a educação pública do nosso País.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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Esse eixo da educação democrática soma-se a três eixos que escolhemos para avançar na qualidade básica
da educação no País. Um é a redefinição do financiamento da educação e estamos na iminência de aprovar
o novo fundo para educação básica, no Congresso Nacional. Um segundo eixo é a valorização e a formação
dos profissionais da educação, por isso que na redefinição do financiamento da educação, com a proposta
do FUNDEB, trabalhamos na perspectiva de ter um piso salarial para os profissionais de magistério em
nosso País. Aquele tripé que compõe a valorização dos profissionais de educação tem mais dois níveis, o da
formação dos professores e o da carreira dos nossos profissionais. Temos vários programas para formação
de professores. Não é para formação do cidadão que vai fazer universidade, é a formação de professores
inclusive que estão dando aulas nos sistemas e não têm ainda formação para atuar em sala de aula, tanto
em nível básico, na educação infantil, como em licenciatura e no ensino médio. Por isso estamos atuando,
fortemente, na valorização e na formação de nossos profissionais, sem esquecer que entre os
profissionais da educação nós incluímos - e pela primeira vez o Ministério da Educação o faz - os
funcionários de escola, aqueles não docentes. E incluímos esse setor que está dentro da escola, com um
programa que já estamos também desenvolvendo, em conjunto com as entidades do movimento dos
trabalhadores em educação, CNTE, com os entes federados UNDIME e CONSED. O terceiro eixo que se
junta ao eixo da gestão democrática é o da inclusão educacional em que pese que temos 97% das crianças
matriculadas em ensino fundamental, de 7 a 14 anos, nesse nível ainda temos milhares de crianças fora da
escola. É por isso que nós estamos avançando em políticas de incluir e fazer com que as crianças se
matriculem, permaneçam e aprendam. Se nós não tivermos essa3 três dimensões na nossa educação
básica, nós ficaremos no meio do caminho. É preciso garantir todas as crianças nas escolas, mas é
necessário que ela permaneça na escola, e que permaneça aprendendo. Porque se não fizermos desta
maneira vamos ter, ou milhares de crianças fora da escola, ou milhares de crianças que se matriculam e
abandonam, ou milhares de crianças que chegam à quarta série com dez anos, no ensino fundamental, e
têm problemas de letramento, ou seja não sabem ler, e é isso que nossas pesquisas têm mostrado.
Então, da inclusão educacional existem vários programas que estamos desenvolvendo. Podemos citar
dois ou três para não estendermos muito. Por exemplo, transformar ou aumentar o ensino fundamental
que era de oito anos para nove anos, com a inclusão das crianças de seis anos é trabalhar na perspectiva de
incluir mais crianças, tanto na escola e aprendendo, porque são milhares de crianças no País que não
teriam condições de chegar na escola antes dos sete anos porque não tem política pública garantida para
educação infantil e a escolarização só era obrigatória a partir dos sete anos. Pois agora é a partir dos seis
anos. São milhares de crianças que vão para a escola, e são milhares de crianças que vão para a escola de
uma camada da sociedade menos favorecida e, além disso, nós estamos garantindo mais um ano
obrigatório de escolaridade a essas crianças, ao invés de oito, nove anos.
Outro programa que podemos citar é o do livro didático para o ensino médio. Nós temos o livro didático
para os 31 milhões de alunos do ensino fundamental, mas não tínhamos o livro didático para o ensino
médio. Começamos a colocar o livro didático para o ensino médio com português e matemática, para
todos os 7 milhões de alunos que estão matriculados no ensino médio público brasileiro e a tendência é
universalizar nas outras disciplinas. Então, são vários programas que, o Ministério da Educação, o
governo do presidente Lula, tem colocado em prática, para fazer com que a educação em nosso País
avance em termos de qualidade e a gestão democrática está inserida nessa meta. Dentro desses eixos
que nós definimos, portanto, eu tenho olhado a programação do Seminário todos os dias nessas
últimas duas semanas e tenho visto que há muito para ser discutido. Acho que há um temário muito
grande, acho que a corporação formada por todos que estão aqui nessa mesa organizou uma
programação muito interes-sante que dá conta da pluralidade, dá conta da diversidade e esperamos
fazer um bom Seminário durante esses quatro dias.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
15
Durante minha fala eu estava olhando para a plenária e vi dois companheiros de outros países e eu quero
citar os nomes deles porque comigo e com vários outros aqui do Brasil fizemos o movimento internacional
da educação nos anos passados. É o professor Jorge Pavês, do Colégio de professores do Chile e o
companheiro Fernando Rodao do Uruguai, que representa a Confederação de Educadores Americanos.
Eles vão falar em várias mesas, vão estar presentes nas oficinas e vão ter o prazer de debater com todos vocês
durante esses quatro dias. Um grande abraço a cada um de vocês e um bom Seminário para nós todos.
Mestre de Cerimônias: Neste momento será desfeita a composição da mesa de abertura. Solicita-
mos aos presentes que passem a primeira fila para assistirmos à apresentação cultural. Convidamos a Sra.
Lêda Gomes, coordenadora do Seminário que falará um pouco sobre a apresentação cultural que
assistiremos a seguir.
Acolhimento aos participantes
25 de Abril de 2006 (terça-feira)
EXPOSIÇÕES DA MANHÃ
Mestre de Cerimônias: Gostaria de desejar a todos um bom dia, convidá-los para tomarem seus assentos
para iniciarmos os nossos trabalhos no dia de hoje. É importante desligar ou deixar o celular no silencioso.
O Seminário vem de semente, vem de germinação. Por trás desta palavra está nascimento. O Seminário
sobre gestão democrática traz a discussão de questões que ao mesmo tempo são emergentes, sobre as
quais vamos discutir e tentar aprofundá-las. O Seminário é um Seminário temático, tem natureza
propositiva, trabalha três concepções abrangentes, interligadas na qualidade social da educação, que é
um conceito que vem se consolidando, que vem intercalado com a democracia participativa, uma
dimensão da democracia em que vem expressa a organização, a participação dos diversos interesses
sociais. Supõe o fortalecimento da sociedade civil e está embutido nesta inter-relação a idéia de que não é
possível qualidade social da educação sem democracia participativa, até porque a qualidade social supõe
identidades básicas de aprendizagem numa sociedade plural, socialmente e culturalmente. É a
democracia participativa que vai permitir a possibilidade de expressão da população e de construção da
qualidade, na pluralidade e na diversidade. Então, há uma relação entre qualidade social e democracia
participativa. Não é possível qualidade social sem emergência das necessidades básicas dos diversos
segmentos, dos diversos setores. Essa é nossa crença e nossa proposição.
O terceiro ponto é de que esses dois anteriores têm a ver com qualidade de vida, supondo que qualidade de
vida supõe igualdade social, e esta democracia participativa. Colocamos na pasta um texto mobilizador,
no sentido pedagógico, para que, durante o encontro, pudéssemos verificar a pertinência desta tese.
Chamamos o texto de teses para reflexão. Nessas teses está uma afirmação, que uma educação
participativa faz a diferença - no sistema de ensino, na escola, na sala de aula, na comunidade local. Até
que ponto isso é verdade? A qualidade social da educação só é possível com exercício da cidadania. Aí vem
também a afirmação de que isso se dá com aprendizagem, de ser e de escolher um bom governo, com
respeito e valorização da diversidade, com a prática da justiça social, com a efetivação dos direitos sociais.
Quatro indicadores mundiais denunciam a grave desigualdade social no mundo. Há uma relação direta
entre redução das desigualdades sociais e melhoria da qualidade de vida para todos. Há uma relação
direta entre melhoria da qualidade de vida e qualidade social da educação. Há uma relação direta entre
melhoria da qualidade social da educação e promoção da igualdade social. Por último, todas as dimensões
das políticas públicas, planejamento, execução, avaliação, regulação, formação humana, currículo etc.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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devem estar norteados pela concepção da democracia participativa e do Estado democrático de direito. No
último dia nós vamos distribuir um formulário com estas mesmas teses, com estas mesmas afirmações.
Sobre a forma de pergunta, para que cada um responda, se aquilo é falso, é parcialmente verdadeiro, ou é
contundentemente verdadeiro. Queremos tabular isso ainda durante o encontro. Vamos tentar aplicar
isso no penúltimo dia. E no último dia, na sexta feira, nós vamos projetar para vocês qual a opinião de todos
em relação a estas teses. Se elas são pertinentes, parcialmente pertinentes ou se são falsas, na opinião dos
participantes do Seminário.
Vocês vão perceber que a gente está trabalhando, no Seminário, a discussão desses temas de forma
transversal, que vai do governo central ao governo local, que vai da educação escolar à educação no
sentido mais amplo. Portanto, nós temos aqui conselheiros escolares, pais e alunos, funcionários de
escola, diretores de escola, professores. Os sindicatos dos trabalhadores em educação, os conselhos
municipais de educação, conselheiros organizados por Estado, conselheiros estaduais de educação,
dirigentes municipais de educação, secretários municipais de educação, representantes e secretários
estaduais de educação, estudantes. A UBES está em Recife no Fórum Mundial. Está acontecendo uma das
suas assembléias, mas está mandando um grupo que está chegando hoje, para se integrar à nossa
discussão. E ONGs. Aqui tem ONGs que trabalham nesse aspecto relacionado a educação. Então, tivemos
uma pluralidade de olhares sobre a educação e além do central ao local, do governamental ao
não-governamental, nós estamos também discutindo a participação das várias dimensões ou aspectos
da arte. Ontem vimos um trabalho de Antonio Nóbrega que mostra essa relação, mas nós vamos
ver também dentro do aspecto econômico. Teremos economistas aqui, pessoas que trabalham
nessa questão, desenvolvimento com igualdade social, desenvolvimento local. Vamos ver isto do ponto
de vista sociológico. Vai estar o cientista político Emir Sader que estará chegando para tratar essa questão,
nessa perspectiva. Vamos ver do ponto de vista do planejamento e da participação dos movi-
mentos sociais. Vamos examinar isto do ponto de vista da sala de aula, do pedagógico em si, do ponto
de vista da comunidade, da relação da participação escolar que vem com a educação comunitária, como
isto se relaciona.
Então, este Seminário vai permitir aprofundar o tema da gestão democrática com essas questões e com
esta riqueza. As oficinas serão momentos de trocas de saberes e de proposições. No encerramento teremos
uma mesa com relatores das oficinas, apresentando a síntese dos grupos. Tudo que está acontecendo aqui
está sendo gravado e filmado e resultará em documento e subsidiará materiais didáticos. Quero registrar
também a presença dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O Ministério Público acabou de dizer
que também está presente. O promotor está aqui também e vai relatar uma experiência na área de gestão
democrática e tinha um promotor também de São Paulo que se inscreveu e ainda não sei se ele está
presente. Se houver mais alguém de algum segmento que tenha me esquecido, pode se pronunciar. Toda
nossa agenda está confirmada, todos os palestrantes da nossa agenda já estão aqui ou estão chegando.
Então, estamos com o Seminário totalmente estruturado. Vou passar para a professora Lêda Gomes, para
que ela comente um pouco a pauta do Seminário e para prestar algumas informações sobre o material que
vocês receberam.
Professora Lêda Gomes: Bom dia a todos. Gostaria de fazer só um acompanhamento do material que
vocês receberam na pasta, para ver se todos estão com o material e depois falar um pouco do apoio
financeiro do Ministério da Educação para diversas entidades. Alguns estão com apoio e alguns não, tendo
em vista limites que não puderam ser estabelecidos. Vamos começar pela pasta. Com relação ao apoio
financeiro, houve o apoio financeiro do Ministério da Educação para diversas entidades. Houve um limite
de vinte e seis representantes.
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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A primeira exposição vai ser do professor Emir Sader, com a conferencia de abertura em forma de painel
com o tema Educação, democracia participativa e desenvolvimento econômico com desigualdade
social. Em seguida, apresentação da política de educação do Brasil e da Espanha e à tarde continuaremos
com o painel - Política nacional de gestão da educação- com Venezuela, Japão, Portugal e a Finlândia.
Amanhã a gente volta com políticas públicas e planejamento participativo. Tentamos trazer para vocês
personalidades, estudiosos, pesquisadores de diversas opiniões, para que fosse bem debatida e
aprofundada a questão. Não trouxemos pensamentos unilaterais, e sim pessoas com pensamentos
diversificados, com opiniões diversificadas e nos painéis a gente tem representantes nacionais e
internacionais.
Chamamos o professor Horácio Reis, diretor do Departamento de Articulação do Desenvolvimento de
Ensino, para coordenar a mesa e o professor Emir Sader, que é quem vai proferir a palestra de abertura –
Educação, Democracia e Desenvolvimento com Igualdade Social.
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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Professor Horácio Reis: Muito bom dia a todos e a todas, nós estamos iniciando a palestra de abertura do
Seminário, estamos aqui na mesa com muita satisfação com a presença do Emir Sader que é sociólogo,
cientista político e vai ter um tempo de quarenta minutos para sua exposição e gostaríamos de reforçar que
esta palestra ela não tem objetivo de ter um desdobramento com debates. É uma palestra reflexiva para
que possamos entender e então ter alguns eixos, algumas diretrizes para um aprofundamento de todo o
temário a que se propõe esse Seminário e que foi apresentado aqui para vocês. Então sem mais demoras,
com a palavra o professor Emir Sader.
Professor Emir Sader: Bom dia e muito obrigado pelo convite. É sempre uma responsabilidade falar
numa abertura como esta, ainda mais que ter o privilégio, e o monopólio de falar sem perguntas e sem
demoramentos, o que nos obriga a ser mais democráticos e pluralistas, e relativamente rigorosos. Devo
dizer que eu sou filósofo de origem, aquela coisa tal e qual, sem a qual o mundo não seria qual. Mas, se tem
algum sentido a filosofia, é o de discutir o sentido das coisas. Portanto, ela tem muito a ver com a educação,
com democracia, sobretudo numa época em que há uma massa brutal de informações jogadas em cima de
nós, mas pouca capacidade interpretativa, o que nos bloqueia de entender o significado das coisas. O
tema de hoje reúne vários enigmas tais como desenvolvimento econômico, igualdade social, democracia
participativa e educação. Vou começar pela parte final, desenvolvimento econômico e igualdade social.
A América Latina foi a região do mundo que mais se desenvolveu, relativamente, na metade do século
passado. No entanto, é a região do mundo mais desigual. Produziu maiores graus de desigualdade, não
por ser a mais pobre nem a mais rica, mas pela polarização entre um eixo de riqueza e um eixo de pobreza e
de miséria. Tudo isso, mesmo antes dessas duas épocas regressivas que tivemos, já entrado o século
passado e entrado o século atual, e sabemos que o Brasil detém o triste privilégio de ser o mais desigual
entre os desiguais. O Brasil é o País mais desigual do mundo segundo os dados da ONU, o que significa que
somos uma imensa ditadura social, a mesma elite repassa de geração a geração, o monopólio de bens
materiais e espirituais. É isso que quer dizer ser o País mais desigual do mundo. Seremos uma democracia
política maior ou menor, mas a questão de se o Brasil é uma democracia ou não, depende de como é
colocada a questão, se é colocada pelo liberalismo vigente, os critérios são muito claros - tem-se eleição a
cada dois anos, existe alternância no poder, existe separação de legislativo, executivo e judiciário, tem
imprensa livre e livre quer dizer privada. A definição imediata de livre é que livre quer dizer propriedade
privada, não importa que sejam monopólios privados, é privado não é estatal, então é democracia.
E o mais grave para a América Latina é que praticamente quase todos os países da América Latina são
caracterizados como democráticos. No entanto, reproduzem essa desigualdade. Se perguntar se o Brasil é
uma democracia, o liberal afirmará com convicção, porque ele atende somente a critérios políticos, não a
critérios sociais e econômicos ou culturais. As relações de poder não entram; são critérios puramente
formais e institucionais que contam. Mas para que serve uma democracia se ela não promove a igualdade
social, econômica e cultural? Se a maioria da sociedade latino-americana, inclusive a brasileira, não tem
carteira de trabalho assinada, quer dizer a rigor, não é cidadão. Porque o cidadão é o sujeito de direitos;
quem não tem carteira de trabalho não é sujeito de direitos, não tem a quem apelar se perde o emprego,
não tem os direitos fundamentais - décimo terceiro, férias, licença maternidade e tudo mais; vive na
chamada flexibilização, que é igual a precarização. Porque a palavra flexibilização parece boa. Vocês
querem um mundo rígido ou flexível? Flexível. O rígido é ruim, o rígido é impositivo, o rígido tem horário,
Educação, Democracia Participativa e
Desenvolvimento Econômico com Igualdade Social.
PAINEL
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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mas através da palavra flexibilização que significa precarização, desapropriação de direitos (é bom?). E o
neoliberalismo nada mais é do que uma maquina cruel de desapropriação de direitos. Nesse marco geral
então, nos perguntamos pelas questões culturais, sociais e econômicas. Vivemos em regimes
extremamente estatoriais; são muito reprodutores da desigualdade que se acentua nas duas últimas
décadas, claramente a chamada globalização neoliberal polarizou, em escala mundial, entre potências
centrais e potências periféricas; dentro de cada País, entre elites dominantes e massa da população, então
na verdade tivemos desenvolvimento econômico, que multiplicou a desigualdade social e continuamos a
ter, no neoliberalismo, esse mecanismo de maneira mais cruel porque se formos resumir os dois grandes
eixos promovidos pelo neoliberalismo são: do ponto de vista da economia, uma financeirização da
economia, quer dizer, hegemonia do capital financeiro e não do capital produtivo; e do capital financeiro
não como financiador de atividades produtivas, ou de pesquisa, ou de consumo, capital financeiro em sua
modalidade especulativa. Peguemos a lista de créditos e empréstimos do Itaú, do Bradesco etc. A maioria
esmagadora de investimento dos bancos, consiste em comprar e vender papéis da dívida pública. O quer
dizer, não são financiadores nem da pesquisa, nem do consumo, nem da multiplicação do emprego e nem
da produção. São parasitários. Trata-se de um mecanismo que só concentra renda. O mecanismo financeiro
não é um mecanismo redistributivo, ele remunera melhor quem tem mais dinheiro, quem investe melhores
condições e evidentemente penaliza quem está devendo, e acaba fazendo com que a maioria esmagadora
da cidade deva, a começar pelo Estado. Nossos Estados são Estados financei- rizados; arrecadam recursos
para pagar os juros da dívida, portanto, não são Estados que se contrapõem às desigualdades produzidas
pelo mercado, são Estados que reproduzem essas desigualdades, transfe- rindo recursos do setor
produtivo e do mundo do trabalho para o setor especulativo, superávit fiscal, expressão brasileira que tem a
ver com isso; pagamento de juros da dívida tem a ver com isso, altíssimas taxas de juros têm a ver com isso.
A taxa de juros é uma remuneração do capital especulativo, da mesma maneira que o salário é a
remuneração do trabalhador e o lucro teoricamente é a remuneração do capital reprodutivo. Aquela taxa de
juros explica porque os balanços dos bancos são ganâncias formidáveis; todo semestre e todo ano, nas
últimas décadas. É uma taxa de juros totalmente ociosa, ela produz absolutamente nada, porque, na
verdade, ela transfere recursos do setor produtivo, do setor do trabalho, para o setor especulativo.
E a financeirização não está somente no Estado, está no endividamento das pessoas, está no endividamento
da pequena e da média empresa e está no freio da tomada de crédito. Quer dizer, quem não está endividado
se guarda de endividar-se, porque sabe que a taxa de juros é muito alta, é porque sabe que se endividar não
sai mais, não costuma sair mais. Então, na verdade, ela funciona para quem está endividado, mas funciona
também como um sinal de alerta para que ninguém se preocupe. Poderia fazer tal coisa, mas não vou fazer
porque os juros são muito altos, então esse é o elemento que cruza o conjunto da economia, passou a ser a
espinha dorsal das nossas sociedades, do capital financeiro que se alastra pela sociedade.
Os brasileiros se lembrarão tristemente do PROER, o único projeto de apoio no setor, para defender o capital
financeiro, para quem mais ganhava. Ou aquele escândalo famoso, do Banco Fontes Cidan, em que uma das
senhoras, que supostamente cuidava no Banco Central, da saúde do setor bancário, está comprometida, no
governo tristemente famoso de Fernando Henrique Cardoso, por essa tramóia. Quer dizer, um banco
aparentemente inexistente, que teve um problema de credibilidade e que imediatamente o Banco Central e
o governo apoiaram, porque a idéia é que o sistema financeiro viva da credibilidade e um pequeno vírus que
entre nesse sistema fisiológico, pode se alastrar por toda a economia. Então, deu-se uma enorme ajuda a
um banco aparentemente inexistente, ou melhor, fraudulento, porque vivia numa fragilidade enorme,
tanto assim que economias nossas, são passiveis de ataques especulativos do dia para a noite. Basta eleger-
se, ou a possibilidade de ganhar um candidato que não agrade o capital financeiro, eles exercem fortemente
o seu direito de veto.
Vocês se lembram que nas últimas eleições presidenciais houve um ataque especulativo brutal, o chamado
risco Brasil que é um risco para eles e não para nós. Passou a se chamar risco Lula. A massa dos brasileiros
queria eleger um Presidente da República e essa minoria, que detém o capital financeiro, dizia: se o
elegerem vai haver uma desestabilização total da economia, porque o governo Fernando Henrique
Cardoso escancarou a economia e a deixou totalmente fragilizada com relação ao capital financeiro, ao
capital especulativo, então a financeirização é um dos fenômenos principais que precisamos entender.
Que se passa com a nossa sociedade? A economia cresce, mas na verdade quem mais se enriquece são os
bancos. O segundo tema que atinge a massa da população mais diretamente é aquilo que já mencionamos,
a precarização do trabalho. A maioria das pessoas não tem mais carteira de trabalho assinada. Portanto
não se pode associar, não pode apelar para a Justiça, não tem uma identidade jurídica, não pode se
organizar, fica fragmentada e isso dificulta a capacidade de organização, de resistência, da população.
É sabido que o neoliberalismo é forte, não pela economia, é forte pela ideologia que ele propaga. O
consumismo, o shopping center, as marcas. E é forte porque a capacidade de resistência das pessoas fica
dificultada pela fragmentação, pela dificuldade de organização. Quem vive no mundo da precariedade
não é só quem não tem carteira de trabalho, é quem muda de atividade, de função, de trabalho de um mês
para o outro, às vezes tem duas ou três atividades ao mesmo tempo, então não só não tem uma identidade
social como trabalhador, como tem dificuldade de se associar, de se agregar, e essa é uma vantagem para
eles. A Margareth Tatcher, em um dos seus grandes delírios, falou o que é a utopia do liberalismo, não há
mais sociedade, apenas indivíduos. É o que eles querem, a gente somente se encontra na hora do mercado;
comprou, vendeu, foi para casa, é o individuo, só que é um individuo fragmentado, atomizado, sem
direitos. Então essa que é a realidade concreta da emancipação dos indivíduos através do liberalismo. Isso
se explica até pelo desenvolvimento econômico, mesmo. Os marcos do neo-liberalismo: a Argentina
cresce, o Peru cresce, o Chile cresce, o Brasil relativamente voltou a crescer, com níveis mais baixos, mas
volta a crescer, mas crescer para onde? E por que não se promove a igualdade? Porque há um crescimento
basicamente voltado para do mercado, que não tem a ver com a massa da população.
Então, são duas coisas brutais. Primeiro, exportação. A exportação não precisa de mercado interno, não
precisa de que as pessoas tenham maior capacidade de consumo; precisa que lá fora exista demanda,
especialmente de soja, agro business, grande star” da economia latino americana é a soja com
transgênicos, frango etc. O que ganha o País com essas exportações, para quem vêm esses dividendos? E
se, pelo menos, o imposto o governo pudesse cobrar; eles pedem isenção para exportação, como se fosse o
Brasil que fosse exportar, como se fosse a seleção brasileira que está representada no saldo da balança
comercial do País. Temos saldo da balança comercial há quatro anos. Em alguns nichos cresce o número de
empregos, mas muito poucos, até porque tem tecnologia avançada, que não contrata muito e tudo mais.
Então, na verdade, a exportação, não significa distribuição de renda, é um privilégio excessivo do mercado
interno, com relação ao mercado externo, se nós quiséssemos distribuir renda, quais são os melhores
mecanismos de distribuição de renda? Expansão do mercado interno, do consumo popular. Através de
política de renda, salário mínimo, melhoria da qualidade de emprego, e assim por diante.
Não tem sentido o Estado dar créditos, subsídios, incentivo para empresários privados sem ter contra-
partida, e a contrapartida não é exportar mais e exportar menos, é nível de emprego, distribuição de renda,
nível de salário, direito dos trabalhadores e assim por diante. O Estado está aí não para fomentar o
empresariado; eles estão muito bem atendidos nos últimos dez anos mais ou menos, mas não tem
revestido nem sequer em contrato social, que significa distribuição de renda e melhoria da qualidade de
emprego. Então, na verdade exportação é um mecanismo muito unilateral, que privilegia um setor ou um
empresariado e não tem necessidade de expansão no mercado interno de consumo popular, que é a massa
absoluta da população. Os aumentos não muito significativos do salário mínimo representam alguma
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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coisa, essa imprensa onipotente, essa direita troglodita, não entende porque o Lula tem o voto dos pobres,
não entende porque eles não sabem o que é a vida de um pobre. Bolsa família por menos que seja, eleva a
renda de quem a recebe, em quarenta ou cinqüenta por cento. A eletrificação rural chegou aos setores da
população que nunca tiveram luz elétrica, com todos os milagres econômicos do Brasil, com todas as
dentaduras postiças, com os iogurtes, com tudo aquilo que o Fernando Henrique promoveu - estabilização
financeira, sem luz elétrica. Quer dizer, não entendem isso porque são uma burguesia que nem sequer
assistencialismo faz no Brasil, nem dona Ruth nem coisa nenhuma, então a popularidade do Lula
é uma denuncia do fracasso mesmo distributivo de maneira assistencialista dessas elites tradicionais, é
muito pouco mas significa uma melhoria mínima. Isso demonstra o que uma política muito mais genera-
lizada, universalisante de direitos, pode promover em termos de emancipação social, cultural,
política dos brasileiros.
Então, na verdade, a política de exportação tem sua contrapartida na precarização. O resto das pessoas
tem que se virar como possam, porque a própria política de exportação, não contrata necessariamente
com carteira de trabalho. O Estado brasileiro foi desmantelado, o Ministério do Trabalho não tem hoje
fiscais para controlar a contratação de trabalhadores nas cidades, nas periferias das cidades,
como vai ter no campo? Tem lugares de produção de soja a se cuidar. O momento econômico atual é
voltado de um lado para exportação.
O segundo eixo do dinamismo econômico nas sociedades é o consumo de luxo, a chamada alta esfera do
consumo, a sofisticação tecnológica, shopping center que fomenta a economia. O Brasil produz um
milhão de automóveis, exporta 600 mil, 400 mil não é nada, mas é suficiente para alimentar as cinco ou seis
produtoras de automóveis. A reprodução do capital está garantida, o resto da população que se dane, se
tem ônibus, se não tem, se tem metrô, se não tem metrô, o processo de acumulação de capital está
garantido com essa produção de um milhão de automóveis, que vai para um setor muito estreito da
economia. Mas tem uma coisa brutal também - eles sabem que se eu que tenho automóvel estou mais
próximo de comprar um segundo, do que quem não tem automóvel de comprar o primeiro. Então, o
consumo de luxo supõe a concentração de renda, é voltado não para aquele que não tem automóvel, mas é
para aquele que tem, para que ele dê um carro para a mulher, para que dê um carro para a filha. Ter um
segundo ou terceiro carro. Melhorar, comprar um importado, é um mecanismo vicioso que está voltado
para a concentração de renda. Se houver hoje o aumento de dez vezes o salário mínimo, provavelmente
ninguém vai comprar automóvel, vai pagar primeiro as dívidas, vai comprar alimento, vai comprar móvel,
vai comprar sapato, vai se divertir. São coisas dessa ordem. Então, a distribuição de renda não é funcional
no lucro do capitalismo brasileiro, que é elitista, que está ligado ao grande monopólio nacional,
internacional e assim por diante.
Na realidade é suficiente para alimentar o capitalismo. Para o capitalismo financeiro o Brasil tem gente
demais, a América Latina tem gente demais. Se houvesse uma peste totalmente segregadora e matasse
uma massa importante da população, haveria uma estabilidade social maior. Por que se mata, se chacina
jovens da periferia das grandes cidades impunemente? Porque são excedentes do capital de trabalho
capitalista, não são os operários qualificados do futuro, não são os professores para ensinar nas MBAs, não
são consumidores dos produtos de luxo que eles têm, não são os técnicos que eles necessitam. Eles
necessitam de pouca gente que eles forjam nos nichos de universidades privadas hoje em dia. Os outros são
dizimados porque são excedentes.
Aquilo que o ex-presidente e ex-sociólogo falou: há não sei quantos milhões que não podem ser
empregados no Brasil e não pisco. Esse senhor, formado em sociologia, não conseguiu aprender e fala
com boca cheia, como presidente do Brasil, com maioria absoluta no Congresso, apoio da imprensa,
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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apoios internacionais. Há milhões de pessoas que não podem ser empregadas no Brasil, quer dizer, que
não tem emprego. É a regra? É resto, é excedente, quase que ele disse isso. Quase que ele é um autor
intelectual das chacinas, está querendo dizer que não tem lugar, e é irrecuperável, não existe nenhum
aceno ideológico, um quem sabe. Nada disso, fale com a dona Ruth, nem isso.
É um capitalismo que não atende aos setores majoritários da política latino-americana. São crianças e
jovens da periferia das grandes metrópoles - essa é a maioria da nossa população - que estão abandonados,
que estão excluídos, que não estão nos nossos movimentos, não estão nos nossos partidos, não estão nas
nossas universidades, não costumam estar nos nossos movimentos sociais. Estão em um mundo
completamente separado da gente. No Brasil, freqüentemente, são negros e mulatos e assim por diante.
Esse setor social não é um setor funcional do capitalismo. Não precisam deles, tanto assim que não deixam
entrar nos shoppings centers, tanto assim que não é para eles que é dirigida a publicidade, ou é só
ideologicamente. Diz assim: olha se um dia você fosse rico o que você poderia comprar. E tem um efeito
extraordinário. A hegemonia neoliberal é sobretudo uma hegemonia ideológica, a incitação a um estilo de
consumo, mesmo para quem não tem capacidade de chegar a esse recurso. Essa que é a força norte
americana; ela está residindo num fato, que eles são o único projeto de mundo hoje. Disputa a cabeça das
pessoas, pobres, classe média e ricos.
A China que resistiu séculos e séculos à influência ocidental, em vinte anos se deixou influenciar de maneira
brutal, bem ou mal, pela arquitetura, pelo estilo de vida, pelas marcas, etc. Não nos enganemos: a força da
hegemonia imperial não é força do Bush, porque se assim fosse estaria liquidado. Não é nem a força militar
deles, nem tão pouco a força econômica, é a força ideológica, a força cultural. Vamos nos aproximando do
acordo educacional.
Com esse tipo de sociedade, que tipo de democracia é possível? Democracia em que os Estados se esvaziam
e são esvaziados da sua capacidade de governar. Na verdade são organismos internacionais que acabam
decidindo. São elementos determinantes, sobre o que o Estado pode ou não pode fazer. Falou-se, o gás
pode ir até tanto, tem que se cortar aqui, tem que se cortar ali, senão não renovamos empréstimos. Então
tem uma tutela internacional que também é financeira, que esvazia o Estado. Há governos que fizeram a
pregação do Estado mínimo para os pobres e Estado máximo, tipo PROER para as elites dominantes. A
ideologia geral é que o Estado se retira da regulação econômica, da afirmação dos direitos sociais, dos
direitos econômicos, dos direitos sociais, dos direitos culturais e assim por diante. Passa a ser um juiz para
arbitrar certos conflitos: é obviamente um Estado que está presente na segurança pública, está presente
naquelas coisas que interessam à ordem vigente, mas na verdade é um Estado que se esvaziou. Então, a
massa da população participa em que? Freqüente a idéia de que os governos vão ser iguais, vou votar em
um melhor, a situação não está boa, mas vai ser muito pior se voltar aquele outro. Um raciocínio de
infrapolítica, um raciocínio de impotência política, que é uma realidade. É como se a gente se esvaziasse da
capacidade de decisão sobre os destinos do País, sobre os destinos da sociedade em geral.
De outro lado, essa democracia é esvaziada pela mercantilização, porque o neoliberalismo abriu as portas
para que tudo seja mercadoria. Educação é mercadoria, saúde é mercadoria e assim por diante, ou seja, é a
sociedade do tudo tem preço, tudo se vende e tudo se compra, inclusive as pessoas e assim por diante. E a
política também passou a ser lugar da mercantilizaçao, do marketeiro, do outdoor, dos financiamentos
milionários de campanha, da presença da televisão que substitui a rua, que substitui a praça, que substitui
a presença popular. Quando eu vejo campanha por televisão eu não me sinto participante do povo, eu me
sinto participante da minha família, no máximo. Mas já estou fragmentado na minha privacidade. Ao invés
de estar na praça, gostando ou não, me sentindo um participante de um sujeito coletivo, um sujeito
popular, com pessoas que eu não conheço, mas que tem a ver socialmente com o destino da sociedade.
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Todos esses elementos esvaziaram o sentido da política. Parece que ela não conta muito; o único elemento
de democracia participativa forte que nós tivemos foi sabotado, e está sendo desqualificado e eliminado o
que foi - e eu espero que volte a ser - o orçamento participativo. É a maneira de a população decidir questões
fundamentais da sociedade. Se ele for plenamente colocado em pratica, significa não somente o que fazer
com o que é arrecadado, mas quem vai pagar imposto, quanto vai pagar em imposto, porque a tributação é
fundamental para redistribuir renda. Por que quem é rico tem que pagar mais? Quem deve ter isenção? E
quem deve pagar? E depois o acompanhamento de quais as prioridades sociais, prioridades políticas,
econômicas e culturais para que a cidadania acompanhe a decisão sobre os recursos fundamentais. Se não
houver um mecanismo dessa ordem as pessoas vão se afastar cada vez mais da política. O orçamento na
mão da tecnocracia, é isso que se vê por ai. Não, o orçamento é tentativo, o orçamento é interventório, não
liguem não! É claro que tem que ligar. Porque dá parâmetros do que é possível, do que não é possível, mas,
sobretudo, tira-se a possibilidade de a pessoa saber quais são as prioridades. Sempre falo de São Paulo que
teve a melhor televisão do Brasil que foi a TV Cultura. Ela está morrendo. Quando se vê, não se sabe se é TV
Cultura ou se é um comercial, uma publicidade atrás da outra. Então começa-se a condicionar quais
programas vão ao ar. O poder público entrega uma coisa pública, cultural, ao destino da publicidade
privada. Agora, se fosse submetido à população paulista a decisão sobre prioridades, pode ter certeza que
a TV Cultura receberia recursos muito importantes. Foi a melhor programa§ão infantil, foi a melhor em
debate político, foi a melhor política informativa, foi a melhor programação musical e assim por diante, foi
a melhor programação da TV brasileira. Eu não estou envolvendo as TVs privadas; elas estão envolvidas em
uma lógica de IBOPE, de mercado e se degradam cada vez mais. Se estivesse na mão da população
certamente opinaríamos mais; se estivesse na mão da população brasileira não estaria essa luta, não digo
inglória, porque está tendo resultados, mas está tão difícil para o Ministério da Cultura chegar a ter 1% no
orçamento brasileiro. Então, vamos submeter à massa da população. Sejam os que são beneficiados dos
pontos de cultura, ou os que não são, mas podem vir a ser, ou que sabem que cultura é importante. Vamos
ver quanto é que vai decidir, vamos ver se o superávit fiscal vai ser aquele que o finado ministro Palocci
decidiu ou se as prioridades do governo democrático têm que ser sociais e não econômicas, financeiras. O
Antonio Branch dizia que há dois tipos de político, o que procura diminuir o abismo entre governantes e
governados e o que procura aumentar.
O orçamento participativo é uma maneira embrionária, mas de socialização política, socialização do
poder. Onde ele foi aplicado, especialmente nas cidades do Rio Grande do Sul, aumentou a participação
política, aumentou a tributação. A população sabendo quem vai pagar imposto, sabendo o que vai ser
feito com os impostos, votou a favor de aumentar os impostos. Hoje em dia, qualquer político, seja chuchu
ou não, fala: vou diminuir os impostos e tem popularidade, não interessa quem está deixando de pagar e
quem está deixando de receber, porque a população não controla mesmo. Eu quero saber que o Estado não
me chateie; se puder, sonego, e quanto menos impostos melhor.
Aquele prefeito de São Paulo, depois governador e agora candidato a presidente da República se elegeu
assim. Destruiu a melhor política social que São Paulo já teve do governo anterior, para fazer o que tem
feito, você sabe em que limite esse cara chegou? Sabe que ele autorizou publicidade em uniforme de
crianças das escolas públicas. Sr. José Serra, eleito e renunciado prefeito de São Paulo, autorizou que se
coloque publicidade nos uniformes de crianças de escola pública que foram dados gratuitamente pelo
governo anterior. Como é uma pessoa conscienciosa tem duas proibições: não pode ser
bebida nem cigarro, todos os outros podem. É uma decisão totalmente inócua. Quem vai gastar
dinheiro para vestir uma criança parecendo um piloto de formula 1, cheia de publicidade, se ela vai andar
nas periferias onde ninguém está olhando? Mas, é para ganhar as graças da burguesia paulista, disputar
com Alkmin quem fazia a concessão maior. Terceirizar hospital, escolas. E isso foi feito. Uma coisa
que deveria ser impugnada; ter voto de indignidade, principalmente dos educadores.
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Fazer de uma criança pobre, que tem o ensino difícil, na periferia da cidade, objeto de marketing, entregá-
la nas mãos de um publicitário privado. Observa-se o grau de mercantilização dessa entidades, sem que a
população possa controlar e dizer que não. Se houvesse orçamento participativo, diz-se-ia não é assim
que se arrecada imposto, para pagar uniforme de criança. É na verdade, taxando a sociedade privada, é
fazendo pagar imposto quem não paga, para poder favorecer a sociedade e assim por diante. Ter uma
política transparente. Se não discutirmos democraticamente, de maneira transparente, a tributação, as
finanças públicas, quem vai discutir isso são os tecnocratas que não são formados nas universidades
públicas, ou se o foram, perderam essa visão há muito tempo. São formados na verdade em universidades
privadas, com mentalidade de fazer do Estado uma instituição privada. Empresário deu certo no setor
privado, vem dar um jeito no Estado, venha rentabilizar o Estado, como se o Estado fosse plano de custo
beneficio, é a mentalidade dominante.
Com essa mentalidade, não há participação política possível. Há desinteresses políticos. Vendo hoje, no
jornal, a quantidade de jovens de mais de 16 anos que poderiam ter votado. As inscrições terminam dia 03,
em alguns Estados. É justamente em São Paulo e Rio de Janeiro que a situação é a mais dramática, é onde os
jovens menos se interessam. Podem votar e não querem. Um fracasso na democracia conquistada a
sangue, suor e lágrimas, que foi pervertida rapidamente pela mercantilizaçao da visão privatista dos
partidos, do Estado, da política e assim por diante. Justamente o orçamento participativo é um
fortalecedor da esfera pública que o neoliberalismo fez desaparecer. Ele fez a polarização entre estatal e
privado. Primeiro se apropriaram de uma coisa muito importante que é o privado. Estão dando o nome
errado; os interesses que eles defendem são esses do mercado, mercantis, porque os indivíduos
privadamente perderam direitos nas políticas neoliberais. Não defendem o privado, na verdade as pessoas
hoje estão muito mais desvairadas. Quando se privatiza uma empresa não são os trabalhadores privados
que compram, são as grandes empresas multinacionais que devastam as cidades onde se privatizaram
grandes empresas. O nome real do pólo que eles defendem é mercado. A esfera mercantil e o pólo que nós
queremos é uma esfera pública, a de universalização de direitos.
O Estado, na verdade, é um espaço de disputa entre o público e o mercantil. Nossos Estados constumam ser
mercantilizados. Mas, como dizia o sociólogo Pierre, no Estado costuma sempre ter um braço direito e um
braço esquerdo, o braço direito são os direitos financeiros e econômicos que privatizam o Estado, o braço
esquerdo são setores em geral de educação, de saúde, que lutam pela universalização de direitos.
Então é um espaço de disputa que em geral a gente perde. O Estado não é um pólo em si mesmo,
é um pólo que pode ter hegemonia mercantilista, hegemonia pública e orçamento partici-
pativo. É justamente o instrumento de fundação democrática do Estado, centrado na esfera pública e isso
seria um instrumento de democratização. Sem esses instrumentos de participação cidadã, não há
democracia que possa ser participativa.
A educação é unanimidade nacional em época de campanha. A solução do País e do mundo é a educação,
não importa qual seja, porque ninguém pode estar contra a educação, embora possam vetar o FUNDEB,
atrasar, tirar dinheiro, etc. Na revista, um educador privado, mercantilista, fazendo colunas todas as
semanas. Não é sociedade, não é contradição social, não é a política, a solução é a educação. Países com
altíssimo nível educacional, são países justos, solidários, humanizados? Acho que não. Os globalizadores
mandam no mundo e têm um nível educacional relativamente alto comparado com o nosso. No entanto, o
que eles nos transmitem são políticas egoístas, exploradoras, contaminadoras e assim por diante. Não é
educação por si mesmo que leva à emancipação, que leva à democracia participativa, que leva ao
desenvolvimento econômico sem desigualdade social. Um dos grandes fenômenos do século XX
foi uma espécie de revolução educacional a extensão do sistema educativo para uma parte signifi-
cativa da humanidade. Mas a humanidade não é melhor do que antes.os poucos espaços existentes.
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Porque se a educação não é um instrumento de consciência de emancipação, ela não prepara as pessoas
para poderem lutar por um mundo melhor. A educação também está penetrada por um espírito liberal. A
educação hoje é preparadora para o mercado, para se saber o que profissão me dá e o que eu posso fazer.
Essa privataria, que tem o seu padrinho no Paulo Renato, é resultado disso, da multiplicação de
universidades privadas. A década Fernando Henrique, vergonhosamente, é a década da multiplicação
brutal da educação no Brasil. Mas, que tipo de educação? Educação de universidades privadas. Em geral,
gente pobre pagando estudos, para conseguir uma re inserção no mercado sonhada, e assim por diante. E
que conhecimento é gestado nessas universidade? Na verdade, a formação da cabeça das pessoas se dá na
mídia; não se dá na escola, tanto do pobre, quanto do classe media, quanto do rico. Os valores que chegam
lá não chegam através do professor, infelizmente. Até porque são poucas horas na escola, mais horas
dentro da televisão do que dentro da escola. Esses valores multiplicam essa mentalidade mercantilista,
privatista, consumista, que está vinculada com shopping center, com marca, com a Califórnia, com o Japão
etc. e não é essa educação que precisamos. E aqui vamos tomar uma palavra que saiu do vocabulário, que
há muito tempo não vejo escrita no jornal somente na parte psiquiátrica, que é a palavra alienação. É uma
palavra extremamente perigosa; alienação é a incapacidade de compreender que nós produzimos um
mundo em que vivemos. Tem uma relação espessa, uma relação de incompreensão de que o mundo é
produzido pelos homens e os homens também são produzidos pelo mundo. A palavra alienação vem da
expressão jurídica; alienar um bem é entregar para outro uma coisa que me pertence. Então nós
produzimos o mundo tal qual ele é, mas olhamos para o mundo não como quem olha para um espelho, mas
como quem olha pela janela, uma coisa alheia. Eu posso até fechar a janela porque eu não quero olhar e não
gosto e vou para o shopping center. Na verdade, alienação é isso, é um mundo produzido pelos homens,
pelas relações de trabalho, de produção, de pesquisa, de educação. Os homens, porém, não se
reconhecem nesse mundo e de fato a humanidade nunca teve tantos instrumentos tecnológicos de
conhecimento para ter um mundo conforme nosso desejo. Fazem-se coisas extraordinária como o DA. É
uma coisa formidável. Teoricamente ele permitiria coisas inimagináveis. Na verdade, entretanto, é a
primeira invenção da historia da humanidade que já começa apropriada pelos capitais privados. Não para
combater a malaria na África, não se precisa de DNA, precisa-se de dois dólares por dia. Não se vai nessa
direção, porém, porque lá não tem mercado. Vai-se fazer com que o cara da Escandinávia e da Califórnia,
que vive oitenta anos, viva noventa ou cento e cinco anos. É algo extremamente seletivo. Embora
produzido por investimento público, pelo conhecimento público. A África não existe, ela está
desmilinguindo. E não existe para nós. Entre Aids e malaria morrem na África 230 mil pessoas por dia, das
quais pelo menos 60 mil são crianças. Os laboratórios da Suíça dizem que não há mercado. Medicamentos
há, mas não se tem condições de comprar. Na verdade, a humanidade, hoje, pode superar uma
deformidade do feto na barriga da mãe. Coisas tecnologicamente extraordinárias, mas nunca a
humanidade se sentiu tão impotente de mudar o mundo conforme seus desejos. Uma acumulação de
tecnologia, uma capacidade de intervenção enorme, mas, na verdade, beneficia uma massa muito
pequena das pessoas que fazem plástica, que fazem isto e aquilo. Mas a humanidade no seu conjunto se
sente impotente diante do mundo, porque não se escapa ao nosso destino. Uma hora é o Fundo Mone-
tário que decide uma coisa, seja porque tem uma enchente, que é incontrolável, seja por um vírus,
seja por um assalto em termos de segurança pública. Isso não só é horrível pela impotência, mas
é horrível porque nos leva ao conservadorismo.O que quero é que não aconteça nada de ruim.
Em geral, quando mudam as coisas muda-se para pior, pela impotência política nossa. Cientifi-
camente, conseguimos transformar o mundo. Então, se a educação não serve para superar a alienação,
ela não serve para nada. Pode adequar melhor ao mercado de trabalho, quantos advogados são
necessários na próxima geração, quantos engenheiros, quantos juízes de futebol? Quem ficou
de fora,ficou de fora. Não consegue disputar os poucos espaços existentes. É uma reprodução do
sistema de uma economia que pode até crescer, mas multiplica a desigualdade social.Então, antes de tudo,
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a educação tem que ser um elemento de consciência social, principalmente daqueles que mais precisam da
consciência social. Um poeta alemão dizia, num texto chamado “As dificuldades para dizer a verdade” -
tem que saber pesquisar a verdade e conhecê-la, tem que saber quais são as verdades fundamentais e
assim por diante. O mais importante é fazer chegar a verdade para quem mais precisa da verdade, quem
mais precisa da verdade. São aqueles que são vitimas maiores, da exploração, da dominação, da
discriminação e da alienação. Esses têm que ser os parâmentros de uma educação democrática. Fazer com
que crianças e jovens da periferia das grandes cidades tenham capacidade de tomar consciência de quem
eles são e do que eles são no mundo, o que significam, quais são os outros, que potencial eles têm, porque
que o mundo é como é. Desnaturalizar a morte, a violência, a doença, a discriminação e assim por diante.
Fazer disso elementos históricos, culturais. E entender que não são coisas benditas, não são coisas que os
evangélicos não podem explicar para eles por mais que tenha que se respeitar a fé. Que não são os islâmicos
que podem explicar para eles, mas são explicáveis pelos fenômenos humanos, pelo humanismo, pela
compreensão das relações sociais da historia, da cultura, da ideologia, das relações de poder.
Ser humanista é isso, ajudar as pessoas a entender a situação a partir do conhecimento que nós temos. Nós
temos a bendição e o privilégio de trabalhar com idéias; são idéias a que a massa da população não tem
acesso. Nós não vamos dar de presente, de fora; nós temos que criar as condições para que eles possam
compreender a si mesmos no mundo, se humanizar de alguma maneira. Essa maneira violenta de
resolução das questões políticas, sociais, culturais e econômicas, é uma maneira de desumanização do
outro. Eu trabalhei na FEBEM. Muitos aqui sabem qual o grau de alienação em que as crianças são capazes
de entrar muito precocemente, muito dramaticamente, quando não são socializadas, na família, na
escola e assim por diante. Então, a busca da emancipação é a busca de, através do conhecimento, ajudar as
pessoas a se desalienarem.
O conhecimento na verdade é a capacidade de entender a presença do sujeito no objeto, a presença dos
homens no mundo, que tudo que está lá fora foi de alguma maneira reproduzido pelas relações humanas,
pelas relações sociais. Existem montões de instrumentos para ajudar a entender; tem os livros sobre o
Brasil para nós nos empaparmos disso e termos condições de não sermos, pelas teorias de alienação,
afetados. Eu recebi um processo do senador, banqueiro, ex governador, porque eu escrevi um artigo
acusando-o de racismo, a partir daquela frase que ele disse: vamos ficar livres dessa raça por trinta anos. Eu
sofri um processo, por injuria, calunia e difamação. O processo está correndo, amanhã vou ter que correr e
depor. Eu não quero solidariedade comigo, acho que a execração desse personagem que representa muito
bem a discriminação do povo, do negro, do mulato, sendo banqueiro, ariano de olhos claros, de Santa
Catarina, do PFL que foi o governador biônico Jorge Bornhausen, que se dá o direito de processar a mim e a
qualquer outra pessoa. Eu vou tentar provar amanhã que essa afirmação dele tem algum caráter racista,
ele usou essa expressão como a burguesia usa privadamente. Mas como acharam que tinham derrubado
esse governo e que voltariam nos séculos, se exarcebou e colocou para fora essa frase, que tem três
elementos básicos: acabar, dizimar com essa raça (é a maneira de tratar pobres), por trinta anos. Quer
dizer, gera uma idéia de que nos apropriamos do Brasil, para voltar a fazer a maravilha que ele sempre foi.
Não é questão minha, mas como algumas pessoas ficaram sabendo, eu quero dizer que o processo está
correndo e amanha vou ter que tentar provar que o Sr. Jorge Bornhousen é racista.
Mestre de Cerimônias: Vamos ter que substituir o debate por uma reflexão sobre as questões que foram
aqui abordadas pelo professor Emir Sader. Ele trouxe para nós a questão da necessidade da igualdade
social, da igualdade cultural, da igualdade econômica para, de fato, ter-se uma democracia. Apresentou
para nós alguns fenômenos do neoliberalismo, a 1uestão da financeirização da economia, que leva os
Estados a serem devedores. A questão do reforço com o individualismo. E também esboçou aqui um pouco
das dificuldades de crescimento do nosso País, que está voltado para exportação e para o consumo de luxo.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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Enfim, são questões que foram colocadas aqui. E, finalizando, a necessidade da participação popular
citando instrumento importante na democracia participativa, que é o orçamento participativo, e
concluindo com a necessidade de os jovens e adultos tomarem consciência do que é o mundo, o que é que
eles são, ter um pensamento crítico, para que a gente possa criar as condições para urbanização e para uma
educação emancipadora. Então, a gente só tem a agradecer essa contribuição dada pelo professor Emir
Sader. Obrigado.
INTERVALO
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
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Horácio Reis, Coordenador da Mesa: Bom, já estamos com a presença do Deputado Abicalil, do Sr.
Enrique Roca Cobo, do Ministério da Educação da Espanha, também do representante do Ministério da
Educação do Brasil que fará a sua apresentação.
Vamos convidar os participantes que estão no hall, tomando café para que entrem, para que possamos
reiniciar os trabalhos. Eu gostaria de iniciar convidando o Deputado Carlos Abicalil, para compor a mesa
na qualidade de debatedor deste Seminário, o Conselheiro da Embaixada da Espanha Jesus Martin
Cordeiro para compor a mesa, Sr. Enrique Roca Cobo, do Ministério da Espanha e o Professor Horácio Reis
para representar o Ministério da Educação do Brasil.
Nesta seqüência, ouviremos relatos de políticas públicas nacionais. Portanto, os expositores são sempre
representantes de governo e, nesta seqüência, seguiremos com Brasil e Espanha. Nesta mesa haverá
sempre um debatedor que apreciará a exposição e poderá fazer seus comentários. Teremos vinte minutos
para cada apresentação, podendo exceder por mais cinco minutos para conclusão. E, em seguida, teremos
também a participação do nosso debatedor. Vamos começar com o Ministério da Educação da Espanha, Sr.
Enrique Roca Cobo.
Sr. Enrique Roca Cobo, Ministério da Educação da Espanha : Bom dia e muito obrigado. Quero pedir
desculpas por não poder falar em português, e quero agradecer ao Ministério da Educação do Brasil o
convite e a oportunidade de compartilhar com vocês alguns temas acerca da questão democrática da
educação. Faz dois anos que o novo governo socialista se propôs a empreender uma reforma educativa
para dar resposta aos problemas da nossa educação, na Espanha. Apresentaram-se um documento, que
nós chamamos de educação para todos e entre todos, e propostas para o debate. O documento foi
discutido no nosso País desde setembro de 2004 até a primavera de 2005. Foi discutido entre os agentes
sociais nos centros educacionais, nas comunidades autônomas, ou seja, nos estados espanhóis, e o
documento resultado da reflexão foi convertido em projeto de lei, elaborado pelo governo, quase já no
verão de 2005. Ou seja, tivemos um período de mais ou menos um ano social no qual tivemos organizações
sindicais, representantes de pais de alunos, representantes dos próprios alunos, patronais, educação
privada, a própria Igreja e forças políticas.
Uma vez que o projeto de lei foi aprovado pelo governo e apresentado ao Parlamento, começou a sua
tramitação parlamentar no mês de setembro do ano passado. De setembro a dezembro foi discutido no
Congresso, com um grande debate político e, ao mesmo tempo, houve um grande debate político nas
ruas. O projeto de lei tinha aspectos que eram contestados pela oposição e pelo partido conservador -
alguns setores da Igreja, setores ligados à hierarquia eclesiástica e também associações de caráter
fundamentalmente católicos, algumas associações de pais e alunos e dos próprios alunos, e vinculados a
alguns setores da Igreja, mas não a todos. Tivemos debate político no Parlamento entre os meses de
setembro e dezembro. Em dezembro foi aprovado no Congresso. Depois tivemos um recomeço do debate
e já está no Congresso. Em 6 de abril deste ano nós tivemos aprovação definitiva pelo Parlamento espanhol
deste novo projeto de lei educacional que, com muitas criticas também, teve um grande apoio político
como outras leis sobre as quais eu vou falar para vocês agora.
E eu vou lhes falar, sobre como nós organizamos nosso País com relação à gestão democrática da
educação. Esse foi um debate democrático com a nova lei, e acreditamos que haja mais assuntos que sejam
do interesse de vocês.No começo da apresentação, eu falava sobre as propostas, falava sobre a educação
Política Nacional de Gestão da Educação
PAINEL
de qualidade para todos, nos entendíamos que era fundamental para que a educação fosse de qualidade, a
existência de igualdade,ou seja, todos os cidadãos devem desfrutar da educação. E falávamos também que
a educação deve ser entre todos, a gestão de educação deve ser participativa, deve ser democrática, deve
ser compartilhada, e a partir da concepção das normas que a regulam até a atuação cotidiana da prática
educacional nos centros, nas escolas e nos colégios. Vou apresentar alguns “slidese alguns dados que
talvez facilitam a compreensão do que vou dizer.
Eu vou dividir esta apresentação em três partes: a primeira, uma reflexão rápida sobre a transição
democrática na Espanha e as leis educacionais que entraram em vigor, os resultados que essas leis
educacionais e a gestão democrática do nosso País geraram até os últimos anos, e finalmente como eu
coloco aqui, olhando em direção ao futuro, alguns aspectos essenciais da lei educacional. Em um rápido
resumo das leis, tivemos várias criticas em nosso País com relação a que nos últimos anos tivemos muitas
mudanças de sistemas. Realmente não é bem assim. Tivemos uma primeira na época do franquismo nos
anos 70, no final da ditadura, a lei geral de educação, que teve como virtude fundamental reorganizar o
sistema educacional e estender a educação básica até os 14 anos, entre 6 e 14 anos. A educação na Espanha
é obrigatória e universal e eu vou mostrar um quadro onde podemos comprovar isso estatisticamente. Foi
aprovado na Constituição de 78 e é um marco fundamental que abriu a gestão democrática da educação no
nosso País e também da educação. O resultado do desenvolvimento da Constituição foram as duas leis
seguintes, a lei de 1995 e a lei de 1990.
A primeira desenvolve liberdades e direitos e a segunda, sistemas educacionais e volta a estender a
educação até os 16 anos, de forma que a educação legal da democracia é o conjunto dessas duas leis. A
segunda reforma foi do Partido Popular em 2002, que propôs uma lei, que não foi aprovada e que foi
substituída por essa que mostrei a vocês, de forma que depois da Constituição espanhola, nesses vinte e
cinco anos, em dois processos legislativos, um nos anos oitenta, outro nos anos noventa e o atual no qual
estamos agora. Rapidamente eu falava que a Constituição espanhola colocou o marco da gestão
democrática da educação. Vocês podem ver aqui que a Constituição garante o direito dos alunos à
educação e estabelece, como dizemos na Espanha, a dupla rede de centro, ou seja, da natureza legal à
dupla rede de centros educativos, educacionais, centros públicos que representam dois terços dos
conjuntos das escolas e institutos do País. E os privados, a maior parte dos quais são centros
subvencionados com fundos públicos, de forma que o ensino entre os seis e os dezesseis anos em todos os
centros é gratuito, mas um terço dos centros ou colégios são organizados com fundos públicos. Além
disso, a Constituição garantiu o direito dos pais a escolher a formação, mais afinada com suas ideologias,
com suas próprias convicções. E a Constituição garantia também a participação democrática - por um
lado, da comunidade educacional, professores, pais e escolas criando os conselhos escolares e, por outro
lado, distribuindo as competências educacionais no Estado autonomico ou no Estado Espanhol de forma
que o Estado tem a responsabilidade da educação e atribuiu aos governadores o desenvolvimento e toda
parte prática cotidiana, ou seja, as minúcias de educação no País de forma que divide as competências
entre o governo e os Estados. Além disso a lei estabeleceu um sistema pouco comum, no âmbito educativo,
que é o sistema de eleição dos diretores das escolas públicas, pela própria comunidade educacional. Como
eu falei, o segundo capitulo da lei regula direitos e estabelece o sistema educacional. Estabelece a
obrigatoriedade da educação entre os seis e os dezesseis anos, introduz o conceito de currículo (acho que
simplificaram demais o currículo). Estabelece um plano de objetivos e conteúdos que devem ser dados aos
alunos e como devem ser avaliados, de forma que temos uma organização por objetivo, que até então em
nosso País não existia. Ensino compreensivo entre os doze e dezesseis anos. Basicamente o ensino é comum
para todos os jovens, mas respeita a diversidade. A partir dos dezesseis anos temos o ensino médio, ou
formação profissional, temos educação secundária obrigatória. A partir daí temos a universidade. Essas
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duas leis são resultado do marco democrático estabelecido pela Constituição. São as duas leis que
introduzem uma organização democrática e participativa do ensino do nosso País.
Como evoluíram os dados que temos sobre a nossa educação nos últimos anos desde a Constituição, desde
a implementação dessas leis até hoje? Temos alguns dados preocupantes e um deles recente, que esteve
muito presente em decisão do Congresso, foi a diminuição da produtividade do aluno. A educação não
pode estar dissociada da economia, nem de costas à formação dos cidadãos, e educação é muito complexa
e temos que conseguir que os alunos obtenham os resultados desejados, o rendimento desejado. O
relatório de avaliação escolar mostrou alguns resultados não satisfatórios, resultados inferiores da média
da OCDE, com níveis de competência dos jovens que podem ser melhorados.
Temos alguns níveis de igualdade, temos uma alta taxa de jovens que não terminam a educação
obrigatória com sucesso. São escolarizados e não têm um bom rendimento - é o que a União Européia
chama de evasão escolar, abandono escolar de jovens que, quando chegam aos dezesseis anos, não
permanecem no sistema educacional. Este é o conceito que a União Européia tem hoje e que nós
compartilhamos, de abandono prematuro da escola. E, o objetivo que temos é eliminar uma boa parte da
evasão escolar, fazendo com que os jovens concluam a segunda parte que é o ensino médio. Rapidamente,
uma questão em números. Há muitos anos a educação em nosso País, desde que existe o sistema público de
educação, se preocupa basicamente com uma boa qualidade das escolas e com a alfabetização. São duas
variáveis fundamentais consideradas na história da educação no nosso País. Como vocês podem ver a
evolução foi significativa entre os cinco e quatorze anos. Quando nós chegamos à transição democrática,
somente 76% dos jovens estão escolarizados entre cinco e quatorze anos. Por isso a lei geral de educação
do franquismo se propôs escolarizar uma grande parte dos jovens, o que foi conseguido nos anos oitenta.
A taxa de alfabetização diminui notavelmente, apesar de que os analfabetos de maioridade ainda
permanecem em situação de analfabetismo. Temos taxas de alfabetização de 98% ou seja, temos algum
analfabetismo estrutural de pessoas mais velhas. A situação educacional não está muito boa, mas não
justifica algumas observações muito pessimistas em nosso País. Esses são dados indicadores da OCDE. Um
indicador que vemos é a porcentagem da população que completou pelo menos a educação secundaria
superior, ou seja, que acabou o ensino médio, e medimos esses dados com pesquisas nas populações com
diferentes idades. Quantos jovens hoje, entre os vinte e cinco, e trinta e quatro anos têm educação
secundária superior, ou seja, alcançaram este certificado.
A média da OCDE é de 75. Como vocês podem ver é muito insatisfatória. Agora, quando analisamos quais
são os dados educativos, nós não temos outra forma de saber onde estamos que utilizar pontos de
referencia comparativas, vendo como estávamos no passado com relação ao presente. Esses mesmos
jovens de vinte e cinco a trinta e quatro anos, há trinta anos, no começo da transição, os cidadãos que hoje
temos incluídos nesse grupo de idade (cinqüenta e cinco a sessenta e quatro anos) para esses jovens, os
dados na promulgação da Constituição eram o que nós temos aqui - cinqüenta e um. Os jovens tinham
estudo de educação secundária superior, referente a cinqüenta e um por cento da média da OCDE. Então,
era muito pior naquela época. Nós tivemos um longo caminho que percorrer, intenso caminho e frutífero.
Nós passamos do 19% a 60%, nós multiplicamos por três o número de jovens cidadãos que alcançaram
esses estudos, mas evidentemente não podemos ficar satisfeitos com isso. O objetivo europeu é chegar a
80% dos cidadãos dessas cidades alcançando o certificado. Então, não podemos ficar satisfeitos
enquanto tivermos dados de sistemas educacionais similares. Nós precisamos ainda de muito sucesso e
muito progresso na área da educação.
Temos um dado recente, que é este aqui - se nós consideramos o conjunto da população espanhola entre
vinte e cinco e sessenta e quatro anos, então ficamos numa média de dez anos no sistema educacional
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
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frente aos doze da OCDE e, se é assim, isso demonstra que nossa educação está melhorando, mas tem
algumas deficiências.Mas, olhando para o futuro, uma criança que é incorporada ao sistema de educação
do País tem uma esperança de escolarização de 17,3 anos, até mesmo acima da média da OCDE. Então,
demos passos importantes e esperamos que frutos desses passos sejam colhidos nos próximos anos. Hoje
as nossas crianças têm uma esperança superior à media da OCDE e, portanto, o resultado é positivo. Estou
colocando dados claros, satisfação, insatisfação, coisas que devem melhorar no sistema educacional.
Nada acontece por acaso. Temos uma evolução, um esforço feito pela sociedade, pela educação no nosso
País, nos últimos trinta anos, medido como nós costumamos medir com este indicador que permite fazer
uma comparação internacional - o esforço pelo dinheiro que é gasto com a educação, no nosso País. Veja
que nos anos 70 o gasto público em educação era de 1,7 do PIB, enquanto que nesses mesmos anos na
Europa OCDE, os países membros da União Européia naquela época, tinham uma media de 5,1 ou 5,2%.
Estávamos muito longe do esforço de investimento em educação quando os países tinham déficits
significativos. Então, vemos um grande esforço na transição democrática, entre os anos 60 e 90
conseguimos aumentar esse dado para 4,4%. Aproximamo-nos muito mais da União Européia e da OCDE.
Infelizmente nos últimos anos, esses anos coincidem com a gestão do governo anterior, eu não quero dizer
com isso que tenhamos criticas ao governo anterior, mas esses anos coincidem com o rompimento a essa
tendência. Nós tivemos não somente um crescimento, mas tivemos uma estabilização do crescimento da
educação no País. Se tivéssemos uma continuação do crescimento, teríamos um gasto público similar, mas
eu vou falar agora mesmo que esse não é o elemento único, não é só o gasto que vai garantir uma melhora
na educação. Eu vou comentar rapidamente os dados do PISA. Vocês devem conhecer esses dados, que
ocuparam várias horas de debate na Espanha e nos países da Europa. Nós temos aqui na Espanha uma
situação não satisfatória - está abaixo da média dos resultados PISA dos jovens da OCDE, um pouco abaixo
de países de longa tradição como França e depois Estados Unidos. Nós gostaríamos de estar pelo menos na
média dos Estados PISA. Se colocarmos aqui esses dados da OCDE em alguns países, vemos três setores: o
primeiro de países que têm melhores resultados; o segundo setor, daqueles países agrupados em torno da
média, pouco significativo; o terceiro setor seria dos países onde a diferença é menos favorável e significa,
como vocês podem ver, que eles estão no final do grupo de países - são aqueles que tem resultados menos
satisfatórios. Mas vou colocar aqui alguns Estados espanhóis que participaram dos resultados PISA, para
que vocês vejam que não somente mostramos uma realidade como ela é - uma realidade complexa como
temos aqui um resultado praticamente na média para os Estados de Castilla Leon, País Basco e Catalunha
que participaram e que estão na media dos Estados PISA. Nós temos também alguns Estados espanhóis que
estão um pouco abaixo da média, que justificam esse resultado insatisfatório.
Desculpem essa comparação com essa estrela do PISA que é a Finlândia. Mas, nesse primeiro quadro temos
a situação real dos alunos espanhóis e os alunos finlandeses. Os alunos, em todos os níveis de competência
matemática, estão abaixo dos resultados dos alunos finlandeses. Se conseguíssemos melhorar os
resultados de todos os alunos, não daqueles que não estão indo bem, mas também daqueles que estão
tendo bons resultados, se conseguíssemos aumentar em 20% os seus resultados nós teríamos aquela
imagem do exercício teórico, nós seriamos a Finlândia. Mas, infelizmente, não somos a Finlândia, não
podemos ser a Finlândia, mas queremos ter os melhores resultados possíveis. Temos que atuar em todo o
sistema educacional. Os nossos melhores alunos também têm que melhorar todos os seus resultados. A
melhoria do sistema deve afetar todo o sistema, não somente aqueles alunos com mais dificuldades, ou
aqueles alunos que abandonam a escola, mas o problema do sistema é melhorar todos os setores, todos os
níveis, até que os alunos alcancem o nível ótimo. Eu falo isso pela necessidade de uma educação pensando
também não somente nisso, mas nos resultados dos nossos alunos, ou seja, nós propomos que os alunos
alcancem resultados. Se não conseguem nós devemos continuar tentando e melhorando.
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Eu vou mostrar alguns dados PISA. Estou exibindo essa transparência para mostrar que nós não gastamos
o necessário em educação. Observem que nós temos países, como os Estados Unidos, que têm um elevado,
um altíssimo gasto por aluno e, no entanto os seus resultados são medíocres, estão abaixo da média e são
pouco parecidos com os da Espanha. No entanto, países com investimento menor, Finlândia, Países
Baixos, Bélgica têm investimento muito menor com resultados muito bons, de modo que temos que gastar
direito, de forma eficaz para conseguir os resultados propostos. Não é somente investir em educação,
dirigindo dinheiro para educação, mas conseguindo um resultado efetivo neste âmbito da educação.
Buscando soluções, temos linhas prioritárias de atuação no nosso País. Por um lado atuação de tipo
normativo, para estabelecer um novo marco que permita melhorar o nosso sistema, qualidade dos alunos
tendo uma melhor escolarização, mas também é importante definir os objetivos, planejando a educação.
E temos que fazer isso com relação à Europa, mas também temos que fazer isso com os próprios objetivos
espanhóis. Temos que melhorar o financiamento, educar para a sociedade do século XXI. Hoje nós
estávamos falando de cidadania e estávamos preocupados em educar para o próximo século, que tipo de
alunos teremos, como vai ser a educação do futuro e, finalmente, o último aspecto importante é que
compromissos com a sociedade, com grupos políticos, com grupos sociais, com representantes, com
professores, pais, nós estamos dispostos a assumir, para melhorar a educação dos nossos jovens. Que
compromissos compartilhados estamos dispostos a assumir?
Alguns dos objetivos prioritários que nos colocamos, e compromissos compartilhados - melhorar a
qualidade e os resultados, fomentar a aprendizagem ao longo da vida. Essa expressão talvez seja muito
categórica, utilizada pelos anglo-saxoes - é que todos os cidadãos melhorem os seus níveis de educação,
para que sejam cidadãos mais livres e mais conscientes e também, claro, mais felizes. Reforçar a igualdade
do sistema educacional. Um rápido resumo para terminar. Entre as medidas acadêmicas mais destacadas,
temos essa lei discutida, participada e votada pela maioria dos partidos do nosso País. Propõe a prevenção,
propõe detectar as dificuldades, desenvolvendo mecanismos de apoio e reforço para educação infantil,
secundária, superando os objetivos propostos, assim reduzindo os resultados baixos e prevenindo,
reforçando e ajudando atendendo à diversidade mas, tendo como norma que cada aluno tem uma
diversidade e que cada aluno requer um reforço especifico para obter os resultados desejados. Assim,
colocamos no currículo as matérias básicas, como a União Européia propõe, e temos que agora
desenvolver essas matérias. Nós estamos trabalhando nisso.
Vamos definir as competências básicas que os alunos devem alcançar quando saírem do sistema
educacional e trabalhar para que eles a adquiram ao saírem do colégio. Trata-se de flexibilização da
educação e fazer um controle do que está acontecendo, fazendo avaliação de diagnostico aos nove e aos
treze anos - da educação primária e da educação secundária, ou seja, ensino médio. Fazer uma prova para
saber como está o nível do sistema educacional, outras normas do tipo organizacional, reforço da
autonomia dos centros educacionais, revisão da formação, escolarização igualitária, e medidas de
política educacional, avaliação de sistema, prestação de contas ao Parlamento de forma anual, e
cooperação entre as comunidades autônomas.
Até aqui os dados e os números que temos mostram o seguinte. Eu gostaria de lembrar que nós tínhamos
um objetivo no Ministério da Educação da Espanha, do ponto de vista normativo, de tornar possível todos
os objetivos, porque temos alguns desafios. Mas não podemos parar por ai. Temos uma lei recém aprovada
e temos que fazer o possível para conseguir uma co-responsabilidade de todo o conjunto da sociedade em
favor da educação, fazendo com que a educação seja um instrumento fundamental de progresso social, de
progresso individual e até mesmo de felicidade individual.
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Nós temos que trabalhar para que todos os jovens tenham mais e melhor educação, obtendo melhores
resultados. Oscar Wilde falava que a educação é algo magnífico, mas que as coisas mais importantes da
vida não podem ser ensinadas, podem ser encontradas. Nós achamos que ele se confundiu, nós achamos
que sim, que quase todas as coisas importantes da vida podem ser ensinadas e seguidas pela educação,
mas se ele tiver razão, vamos trabalhar para que os nossos jovens alcancem resultados e estejam em
condições de ter uma boa educação e de encontrar as coisas boas na vida. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Vamos dar seqüência ouvindo agora o Ministério da Educação do Brasil,
professor Horácio Francisco Reis, por favor.
Professor Horácio Francisco Reis, Ministério da Educação do Brasil: Bom dia. Em primeiro lugar eu
gostaria de justificar a ausência do nosso secretário da Educação Básica, o professor Francisco das Chagas
que estava previsto para fazer esta apresentação. Sua ausência acontece em função de algumas atividades
que estão sendo desenvolvidas, como a marcha da Frente Nacional dos Prefeitos que está acontecendo
aqui em Brasília e o nosso secretário está acompanhando o Ministro nessas atividades. O secretário ontem,
na abertura, além da saudação que foi feita para vocês, ele, prevendo que estaria impossibilitado de estar
aqui já me apresentou e adiantou alguns programas, que estão sendo desenvolvidos pelo Ministério da
Educação, particularmente pela Secretaria de Educação Básica, no que se refere a gestão democrática da
educação. Evidentemente que nós vamos tentar detalhar aqui um pouco mais para vocês, mas antes desse
detalhamento eu gostaria de fazer um registro, sobre a prática democrática. Como nós temos seguido nas
discussões e nas definições dos programas e nas atividades da Secretaria de Educação Básica do Ministério
da Educação.
Em todos os programas, todas as atividades que foram, até aqui de forma superficial, apresentadas para
vocês, temos primado pela interlocução, com os atores envolvidos, na perspectiva de discutir o conteúdo,
metodologia de aplicação, enfim, todos aqueles programas vinculados a gestão democrática da
educação, que estão sobre a coordenação do professor Arlindo. Esse eixo da educação democrática tem
sido perseguido por todos nós, como também, não só nos programas referentes a gestão, mas no apoio
técnico e financeiro a projetos educacionais que são encaminhados pelos Estados e pelos Municípios ao
Ministério da Educação. Esses projetos têm sido tratados da forma mais democrática possível. Uma
coordenação especifica no nosso Departamento é responsável pela analise e pela definição desse apoio,
passando por uma discussão prévia, interlocutores, dirigentes regionais, estaduais e municipais, muito
antes de esses critérios serem normatizados em resolução e publicados no Diário Oficial. É uma prática que
nós temos mantido durante esses quase quatro anos de gestão no Ministério da Educação,
particularmente na Secretaria de Educação Básica. Esses critérios são discutidos e coordenados aqui por
nossa coordenadora Ana Pascoalini que está aqui presente e tem sido responsável por esse debate através
dos Seminários estaduais que nós temos realizado, com os secretários estaduais e municipais.
Antes de entrar no detalhamento, eu gostaria de tecer algumas considerações de cunho legal e político,
para que a gente possa fazer uma reflexão.
No aspecto legal, aí está uma legislação educacional aparentemente consistente. Porque, apesar de nós
termos uma legislação densa e cheia de princípios, de preceitos, de normas, essa legislação, eu estou
citando aí a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o FUNDEF e o Plano
Nacional de Educação, toda essa legislação apresenta para nós uma serie de pendências, que estão
colocadas não só para nós gestores, mas para todos aqueles envolvidos com educação no nosso País.
Pendências que têm dificultado, na realidade, essa convergência de competências dentro de um regime
federativo, que é o nosso, onde nós temos a União, os Estados, os Municípios, com suas competências e
com suas autonomias definidas na Constituição.
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Em relação à própria Constituição Federal, nós já estamos com pendências de quase duas décadas, a
exemplo do pacto federativo. No artigo 23 da Constituição Federal, definem-se as competências comuns
da União ou pelo menos coloca-se que essas competências comuns serão definidas na regulamentação
posterior, na forma da lei. Esta Constituição foi promulgada em 1988 e nós estamos já em 2006 e esse
pacto federativo ainda vem se arrastando em termos de sua regulamentação.
A própria LDB, no seu artigo oitavo, estabelece a necessidade de regulamentar o regime de colaboração no
sistema de ensino entre União, Estados e Municípios e nós estamos também com essa pendência há quase
dez anos, porque a LDB vem de 1996 e esse regime de colaboração tem se materializado, em ações, em
programas, em atividades, mas não está consolidado legalmente, não está regulamentado para que, de
fato, os gestores possam definir com mais consistência os seus planos educacionais. O FUNDEF, como
todos conhecem, é uma política de financiamento e apesar de alguns aspectos positivos, se apresenta para
nós como uma política limitada de financiamento, restrita ao ensino fundamental e isso tem dificultado
também toda essa evolução dentro do quadro do regime de colaboração necessário que está colocado.
O Plano Nacional de Educação, por sua vez, já é bem mais recente. Vem de Janeiro de 2001 e traz no seu
conteúdo, prazos e necessidades de se fazer uma avaliação e eventuais mudanças nas metas que o Plano
contém e com desdobramento também nos Estados, nos sistemas de ensino municipais e estaduais,
quando da elaboração dos seus planos educacionais, planos municipais e isso também se coloca como
pendência porque nós estamos, hoje ainda, com menos da metade dos municípios que têm já
regulamentado o plano municipal de educação. Então, tem um sistema municipal de educação
organizado diante das alternativas que a própria LDB apresenta.
Essas pendências têm trazido, para nós, algumas conseqüências. Não somente essas pendências mas,
paralelamente às políticas que foram implementadas, particularmente ao longo de décadas no nosso País
têm trazido sérias conseqüências que todos nós conhecemos. Não vou destacar muitas, mas apenas três,
para que possamos fazer uma reflexão sobre elas. Por exemplo, nós estamos diante de sistemas de ensino
com dificuldades na organização e nas demandas educacionais. Como eu falei, é uma pequena parte dos
nossos municípios. Mais de cinco mil municípios estão devidamente organizados, com seus planos
municipais e com seus sistemas organizados.
As funções docentes no nosso País nos sistemas municipais e estaduais ainda são exercidas por
profissionais não habilitados. Para que vocês tenham uma idéia, tendo como referência a educação
infantil e o ensino fundamental, estamos com cerca de 200 mil funções docentes sendo exercidas por
profissionais não habilitados. Isso é uma conseqüência de tudo isso que a gente vem observando. Aquelas
funções que estão sendo exercidas por profissionais habilitados, esses profissionais como todos nós
conhecemos ou sabemos, são profissionais que estão regulados a um quadro de remuneração bastante
preocupante que torna sempre como referencia o limite do salário mínimo. Talvez um pouco mais, em
termos dos professores, quando a média nacional atinge quinhentos e cinqüenta reais. Dentro desses que
compõem essa média, 80% estão numa média de remuneração de trezentos e setenta reais. É uma
situação bastante preocupante.
E uma outra conseqüência também para nossa reflexão é o fato de nós estarmos diante de uma realidade
cruel, que é as crianças chegarem à quarta série do ensino fundamental, concluírem a quarta serie do
ensino fundamental, com dificuldades na leitura, com dificuldades na escrita e conseqüentemente com
dificuldades de dominar conceitos básicos da matemática. O sistema de avaliação mostra isso, onde mais
da metade das crianças estão nessa situação no nosso País.
Evidentemente que, enquanto gestores, temos que enfrentar essas dificuldades, temos que enfrentar
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essas conseqüências e eu trouxe para nós alguns desafios que estão vinculados com os eixos norteadores e
políticos da Secretaria da Educação Básica do Ministério da Educação. Como o secretário ontem, na
abertura, já falou, a gestão democrática é um dos eixos, a questão da inclusão com qualidade social é outro
eixo norteador, a questão da redefinição da política de financiamento é outro eixo, como também a
questão da valorização dos profissionais da educação também é um outro eixo que norteia os programas e
as políticas da secretaria de Educação Básica.
Estamos diante de alguns desafios. Vamos focar apenas três: a garantia e o acesso a todas as etapas da
educação básica, com as crianças jovens e adultos aprendendo; consolidar políticas em busca da qualidade
social da educação; contribuir com o fortalecimento dos sistemas de ensino. Claro que podemos listar
dezenas de desafios que estão colocados. Eu apenas foquei esses três para que a gente possa fazer uma
reflexão mais consistente dentro do que estamos debatendo. Esses dois primeiros desafios, ampliação e
acesso a todas as etapas da educação básica como também consolidar políticas em busca da qualidade
social da educação, eles estão diretamente ligados aos eixos da redefinição da política de financiamento,
eixo da inclusão com qualidade social de educação. A partir do momento em que a gente sai de uma política
restrita, limitada, ao ensino fundamental, para uma política de financiamento que contempla toda a
educação básica, da educação infantil até o ensino médio, tem-se, senão de imediato, mais uma
perspectiva, mais uma caminhada em função de se ampliar esse acesso a todas as crianças, jovens e adultos.
O eixo da inclusão com qualidade social, simultaneamente a esse debate em todo o País está sendo
desenvolvido. Questões de políticas que reflitam essa inclusão com qualidade social, a exemplo da
educação infantil que foi discutida em todo o País, em encontros regionais, estaduais, não só a política em
termos do pedagógico, mas também os desdobramentos de uma política mais ampla nessa etapa da
educação básica, a discussão sobre o ensino fundamental de nove anos, a ampliação do ensino
fundamental de oito para nove anos, que hoje já é uma realidade, mas passou por um debate nacional,
onde os sistemas de ensino estão inclusive praticando e esse debate está sendo interessante porque não
significa a gente ter simplesmente as crianças de seis anos no ensino fundamental, mas principalmente em
um debate profundo sobre os métodos e a forma como essas crianças vão ser alfabetizadas.
Evidentemente, cabe a cada sistema de ensino, estados e municípios, definirem essa forma em função de
suas autonomias e de suas competências.
Quando falamos de contribuir com o fortalecimento dos sistemas de ensino, aí está um desafio
intimamente ligado ao eixo da gestão democrática da educação. Evidentemente que nos dois desafios
anteriores, além dessas políticas que citei aqui que estão sendo discutidas nacionalmente, o Ministério da
Educação definiu alguns programas, na perspectiva da formação inicial e continuada dos profissionais da
educação. Para isso, temos em fase de implementação: Pró-letramento, Pró-formação, Pró-licenciatura,
Pró-infantil. São eles programas de formação inicial e continuada dos professores como também temos,
dentro do Ministério da Educação, programas que estão sendo implementados na perspectiva da
formação inicial e técnica dos funcionários de educação. Vamos detalhar um pouco mais à frente. Esses
desafios fizeram com que o Ministério da Educação pensasse na perspectiva de criar um sistema nacional de
formação inicial e continuada para os profissionais de educação, como também criar o sistema nacional de
apoio à gestão democrática da educação, e é exatamente nesta perspectiva de criação do sistema nacional
de apoio à gestão democrática de educação, que nós definimos alguns programas. Acredito que todos já
foram um pouco apresentados ontem pelo secretário, mas nós vamos ver alguns detalhes sobre eles.
Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação - Esse programa visa fazer uma reflexão sobre o
papel estratégico do dirigente em processos voltados ao planejamento, à execução e à avaliação de
políticas educacionais. Visa ao fortalecimento da ação dos dirigentes municipais da educação frente à
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gestão pública e visa a contribuir com o avanço da democracia e da qualidade social de educação.É um
programa que não é nenhuma novidade, é uma reedição de um programa anterior chamado PRASEM, e
que hoje está denominado PRADIME, se identificando com os dirigentes municipais de educação mas
dentro de um novo contexto filosófico, dentro de uma nova concepção de discussão que está sendo
coordenada pelo Departamento de Projetos Educacionais DPE da nossa Secretaria e tem à frente o
professor Armando Simões que está coordenando, em todo o País, esta formação continuada com
momentos presenciais e atrelado também com a educação a distancia. É um programa que visa a fortalecer
também o sistema de ensino, na medida em que os dirigentes municipais de educação passam a discutir
instrumentos de gestão política a serem desenvolvidas com interferência direta no projeto político-
pedagógico da escola e também na gestão do sistema de ensino.
Programas de Articulação dos Sistemas de Ensino em função dos planos educacionais - Temos o Plano
Nacional de Educação com metas a serem atingidas, de responsabilidade da União, dos Estados, dos
Municípios. Não conseguimos ainda ter o desdobramento pleno na elaboração dos planos municipais de
educação, planos estaduais de educação e esse programa visa, exatamente, subsidiar o processo de
avaliação do Plano Nacional de Educação, que já está inclusive vencido. A lei determina quatro anos desde
Janeiro de 2001 até hoje.
Capacitação de gestores e não gestores para elaboração dos planos estaduais e municipais de educação.
Temos, dentro da competência do Ministério da Educação, de estimular, de induzir, de sugerir e apresentar
sugestões aos sistemas e colocar material institucional à disposição do sistema de ensino para que se
possa, a partir daí, desenvolver um trabalho de discussão sobre a elaboração de seus planos municipais de
educação, planos estaduais de educação, realizações de suas conferências educacionais, tanto a nível dos
estados como também dos municípios
O Programa Nacional de Capacitação dos Conselheiros Municipais de Educação - Temos aqui vários
conselheiros. Esse programa foi iniciado no ano de 2003 e o objetivo era ampliar a capacidade de
atendimento, de participação dos conselhos municipais de educação, incentivar e qualificar a
participação da sociedade na tarefa de avaliar, definir e fiscalizar políticas educacionais. Evidentemente
que esse programa tem basicamente dois vieses, um que passa pela capacitação dos conselheiros e o outro
passa pela mobilização social, na perspectiva de se incentivar a criação de conselhos nos municípios onde
esses conselhos não existem. Essa discussão foi muito boa em todos os estados da Federação; conselheiros
participaram efetivamente fazendo um debate não só legal, não só técnico, em termo de suas atribuições
enquanto conselheiro, mas uma discussão política da sua intervenção enquanto representante da
sociedade civil, enquanto representante do poder público, do Poder legislativo que compõe o conselho.
Tivemos, como ontem vocês perceberam, a entrega dos perfis dos conselheiros municipais de educação,
ao representante da UNCME e esse perfil só é possível de se obter em função de um sistema de informações
que temos com os conselhos municipais de educação, que nos permite verificar como é que esses
conselhos estão sendo criados, que tipo de legislação regulamenta esses conselhos, a participação da
sociedade civil. Estamos já constatando hoje, em 2006, um crescimento como já foi dito antes aqui. Já
como conseqüência desse trabalho e desse debate democrático que está acontecendo e que aconteceu em
todos os Estados do nosso País. Estamos nesse momento em uma fase que eu diria de desdobramento do
programa, depois dos encontros estaduais que foram realizados, por conselheiros municipais de
educação. Coordenações estaduais foram criadas e essas coordenações ficaram responsáveis de fazer um
aprofundamento dos conselhos, dar seqüência a esses trabalhos com apoio, evidentemente, do
Ministério da Educação.
Outro programa, o Programa de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, é uma estratégia de mobilização
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social. Não poderia ser diferente. Visa à ampliação da importância destes conselhos escolares. Fez-se um
debate muito rico, nada dentro de gabinete. Muito pelo contrário, os consultores, os elaboradores, que
foram convidados a trabalhar nesse programa, tiveram a preocupação de fazer uma interlocução com os
atores envolvidos, com os conselheiros. Para isso todo o material foi discutido, foi testado, num encontro
regional, no Rio Grande do Norte. A partir daí, pode-se ter as condições de disponibilizar todo o material
institucional para os sistemas de ensino, particularmente para todas as escolas com matricula superior ou
igual a 250 alunos receberão o kit e estamos dentro da perspectiva de não só fazer chegar o material, mas
além disso estamos capacitando gestores, técnicos, representantes dos sindicatos nos estados, na
perspectiva de eles darem continuidade a essa mobilização social. Em função dessa discussão, que para nós é
estratégica, para que a população ou a sociedade civil possa, de certa forma, ter ou visualizar as condições de
intervir, num processo político e pedagógico da escola e, também, na própria gestão de sistema do ensino.
Programa Nacional Escola de Gestores. Esse programa visa à formação de gestores, diretores de escolas,
tanto estaduais como municipais. Tem como eixo integrador a questão da educação básica com qualidade
social. Foi vivenciado de forma piloto em dez estados da Federação, atingindo um total de 400 gestores no
ano passado e, estamos este ano com uma meta de formar 12.400 diretores e gestores em exercício das
escolas públicas estaduais e municipais. Essa formação passa por cursos de aperfeiçoamento,
especialização, onde tudo isso está sendo discutido e preparado, bem trabalhado com as universidades,
com a participação de entidades representativas dessas universidades. Estão conosco e em parceria e com
certeza esse programa vai ser de uma importância política muito grande, porque, de certa forma, fechamos
o ciclo, enquanto discussão política da gestão. E também aliado a isso a discussão política da formação.
Têm-se os gestores, os dirigentes, secretários, conselheiros, representantes da sociedade civil participando
desse processo de discussão e isso, para nós, significa o fechamento de um ciclo que com certeza terá
desdobramentos positivos, nessa caminhada em busca da educação básica com qualidade social.
Não poderíamos falar de gestão democrática da educação ou falar de qualidade da educação básica se não
tivermos a clareza e a consciência do respeito, do reconhecimento que é necessário que se tenha de todos
aqueles que compõem a escola. Falo do diretor, do professor, mas também daqueles que trabalham dentro
dos espaços que a escola oferece em termos da alimentação, em termos do meio ambiente, da estrutura
física, do material didático, em termos da gestão nas secretarias. Esse segmento eu sei que é um segmento
que chamamos de funcionários de escola, ou funcionários da educação, que também estão sendo
reconhecidos e discutidos por todos nós. Evidentemente não só pelo Ministério, mas com a participação de
atores e parceiros importantes como o CONSED, a UNCME, o Conselho Nacional de Educação, o Fórum
Nacional dos Conselhos Estaduais, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação - CNTE, enfim
estamos com um programa que é chamado de Pró-funcionário e na realidade são cursos que estão sendo
oferecidos aos funcionários que estão lotados nas redes municipais e estaduais de ensino. Esse curso
apresenta uma formação de nível médio, com carga de mil duzentas e sessenta horas, para formar
funcionários nessas habilitações. Essas habilitações foram resultado de um processo de discussão interna
no Ministério. É bom que se diga, de forma inédita: nunca o Ministério da Educação pensou debater essa
temática. As ações, as atividades de formação inicial e continuada sempre estiveram focadas no professor
e estamos, desde o ano passado, com esse programa acontecendo em cinco estados da federação - nos
estados do Piauí, Tocantins, Paraná, Pernambuco e Mato Grosso do Sul.
A nossa pretensão é, agora em 2006, ampliar, sair de cinco para quinze estados e os cinco estados que estão
hoje vivenciando esse programa, estão oferecendo formação para cinco mil funcionários de escola e a
nossa pretensão é chegarmos a vinte mil funcionários de escola. Evidentemente que a participação nessa
ampliação está se dando pela adesão de cada instituição de ensino, estamos discutindo com as secre-
tarias estaduais de educação, com os conselhos estaduais, com os sindicatos, enfim, formando uma
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coordenação no Estado, que será responsável pela coordenação do programa no dia-a-dia do Estado. O
programa tem a coordenação geral do Ministério da Educação em parceria com a Universidade de Brasília,
onde estamos desenvolvendo todo o processo de capacitação dos tutores, dos professores, orientadores e
os cursos já estão na rua, com o material muito bem elaborado. Este é o reconhecimento e é a opinião que é
dada daqueles funcionários que estão fazendo curso lá na ponta. Evidentemente, significa uma ação
importante dentro do contexto que estamos vivendo hoje, com a mudança da política de financiamento
do FUNDEF para o FUNDEB. Estamos também, simultaneamente a isso, discutindo e apoiando iniciativas
parlamentares que estão tramitando no Congresso Nacional que passa pelo reconhecimento desse
segmento do profissional de ensino. Porque, hoje, a LDB coloca limitações para isso e nesse debate está o
projeto da senadora Fátima Cleide, de Rondônia, que está tramitando no Congresso Nacional. Dentro
desse debate também, da profissionalização e da valorização, projetos de lei estão tramitando no
Congresso, a exemplo do projeto que institui o Piso Salarial Profissional Nacional, como também as
Diretrizes de Carreira para o Profissional de Educação, que são projetos de um dos debatedores, que está
aqui, o nosso Deputado Federal Carlos Abicalil.
Enfim, é um projeto complexo. Essa discussão não tem sido uma coisa fácil, mas tem sido uma coisa muito
gratificante, porque estamos oferecendo as condições para que um debate seja possível dentro daquilo
que a gente entende, que significa relação democrática dentro da educação no nosso País. Então, estou
aqui à disposição de vocês para o debate. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Queria pedir ao professor Enrique Cobo, ao Deputado Federal Carlos Abicalil e a
Horácio, Jesus, que retomem, porque vamos ouvir agora uma apreciação, um debate, a partir de alguém
que está num outro lugar, na esfera da Federação que é o Poder Legislativo e alguém que também traz toda
uma experiência de liderança, de desenvolvimento de qualidade de educação, na liderança também desse
movimento em defesa dos trabalhadores em educação, o Deputado Federal Carlos Abicalil.
Deputado Federal Carlos Abicalil: Boa tarde a todos e todas. Eu desejo as boas vindas para quem nos
pôde contemplar com a participação internacional, em particular aos companheiros e companheiras da
América Latina, como também saúdo a Cooperação Espanhola, em poder, junto com o Governo Brasileiro,
Ministério da Educação, que está realizando este Seminário. Gostaria muito brevemente de colocar o
contexto nacional em que este Seminário ocorre, porque estamos nesse momento na Câmara dos
Deputados, com uma audiência pública de um dia inteiro em torno do Programa Nacional de Reserva de
Vagas para Alunos oriundos da Educação Pública Básica, nas universidades federais e nos centros federais
de educação técnico e tecnológica, que é um assunto que tem tudo a ver com a democratização da
educação particular, no universo público.
Em segundo lugar, aqui, hoje, em Brasília, se realiza a nona Marcha Nacional dos Prefeitos, representando
mais de cinco mil municípios que no nosso País têm autonomia federativa e que são entes federados,
distintamente dos Estados que são unitários, e que efetivamente têm uma grande interação com o tema
que estamos desenvolvendo em torno da organização de sistemas de ensino e da possibilidade da
democratização da sua gestão.
Ao mesmo tempo, nesta semana, amanhã, em torno da organização da Campanha Global pelo Direito à
Educação, também se realiza uma Marcha Nacional, pela Defesa do Direito à Educação e na Câmara dos
Deputados e no Senado, uma mobilização no interior do Parlamento, pela Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, que agrega organizações de diversos matizes, com interesses distintos, em torno da
educação e em particular da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, da União dos
Dirigentes Municipais de Educação e dos Conselhos de Educação, quando também estaremos reunidos
em audiência pública, que tem no ato, no interior do Congresso, em que conjuntamente com as diversas ,
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apresentações que teremos estaremos pressionando para que se vote o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica, que é uma alteração da Constituição Brasileira que interfere no
financiamento da educação, relativamente aos entes federados, aos municípios que são cinco mil e
seiscentos, aos Estados e Distrito Federal, que somam vinte e sete unidades federadas e ao poder público
central que chamamos aqui de União.
Em torno do tema exposto, tanto pela experiência espanhola dos últimos trinta anos, a partir dos anos 70,
da redemocratização espanhola e da experiência brasileira que foi exposta pelo nosso companheiro
Horácio, alguns temas ao meu juízo precisam merecer aprofundamento do debate em torno daquilo que
possamos conceituar como democratização, sistema e educação. Constitui um trinômio, evidentemente
cada uma das expressões tem um peso distinto diante as experiências nacionais, no interior de cada um dos
relatos feitos aqui e o que isso significa do ponto vista conceitual e prático para o amadurecimento na
oportunidade deste Seminário. Em primeiro lugar, há de se notar, que em ambas as exposições existe, de
maneira oculta, a coexistência de uma rede de educação privada em ambos os Países e tenho convicção que
isso não é peculiaridade espanhola ou brasileira.
E este Seminário internacional pode sequer tratar de um sistema. Precisa definir de que maneira observar,
ou desenhar, de que maneira a relação entre o poder público e as instâncias privadas, que afetam a
educação, se comportam dentro desse sistema, no caso dos brasileiros; a coexistência espanhola,
também, e as instituições públicas e privadas.
Há o estabelecimento de níveis, de ensino em que pese este Seminário, se concentrar em torno da educação
básica. É preciso distinguir que também há nível de educação superior, onde essas relações entre público e
privado, entre instituições públicas e privadas também se estabelecem e, não necessariamente, o sistema
tem a mesma incidência sobre a rede pública e a rede privada. No caso brasileiro a rede pública tem que ser
julgada no plural, em função de que temos, potencialmente, cada um dos municípios constituindo a sua
própria rede de ensino, com autonomias determinadas pela lei. Os Estados constituindo as suas próprias
redes de ensino, também com autonomias fundadas em lei e a União, que é o poder central constituindo,
mesmo na educação básica, só que com sua própria rede de ensino, que é a rede federal de educação
técnica, tecnológica e profissional.
As vinculações, portanto, entre essas dinâmicas das instituições públicas com a organização do poder,
instituições privadas com a organização do poder público e a relação que se deva fazer entre cada nível e
etapa de educação, ou cada nível de administração pública, importa complexidades, no caso brasileiro em
torno da autonomia federativa, no caso espanhol em torno das autonomias nacionais, naquilo que
compõe hoje o Estado Espanhol.
Temos origens distintas da organização do sistema de ensino. No caso brasileiro, profundamente
descentralizado, no que tange a educação básica desde a origem, cuja concepção colonial inclusive não
dava ao poder público obrigações sobre a educação básica. Ao contrário, a iniciativa era
fundamentalmente rigorosa, masculina e católica e só tardiamente republicana. Aqui, no caso brasileiro,
no final do século XIX é que se estabelece algum nível de responsabilidade em que se ponha como objetivo,
algum espectro de universalidade. Então, uma primeira pergunta que salta para o debate, uma vez que
minha condição aqui é de debatedor, é exatamente tentar observar com maior critério e um pouco mais de
cuidado, essas relações entre instituições privadas e públicas e entre as esferas nacionais e subnacionais de
organizações do sistema.
A segunda, que é recorrente em todos os ambientes em que se debate, no caso brasileiro, a organização da
educação nacional, é se tem ou não um Sistema Nacional de Educação. Este é um tema mal resolvido, no
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caso brasileiro, desde o ponto de vista acadêmico até o ponto de vista operacional. Basta observar ambas
as exposições que tivemos, onde a noção de sistema no quadro espanhol tem determinada natureza, é um
pouco mais fechada, mais organizada, mais sólida e, no caso brasileiro, a palavra sistema aparece na
própria exposição, com diversos conteúdos diferenciados. Isso significa que, pela experiência nacional, o
amadurecimento em torno de uma concepção nacional tem a ver com o projeto de Emenda Constitucional
que estaremos pressionando pela sua aprovação na manhã de amanhã. Precisa ganhar amadurecimento
em torno do artigo mencionado pelo expositor, pelo professor Horácio, que é o artigo 23 da Constituição
Federal, em torno da definição de competências e atribuições de cada esfera pública em relação a
organização da oferta educacional.
No caso espanhol, em torno das autonomias, no caso brasileiro, do pacto federativo, além da coexistência
do público e do privado; da segunda tensão que é das autonomias distintas das organizações do Estado em
cada caso. Há de se observar que no caso latino-americano, os pobres, em particular, os menos
escolarizados, os filhos e filhas de analfabetos, os indígenas, trabalhadores rurais, camponeses, estão
exatamente em escola pública e isso interfere profundamente nos quadros comparativos de desempenho
educacional que, muitas vezes, são orientadores, quase, em alguns casos, máximos, das políticas voltadas
às vias de democratização e a atenção que tem de ser dada quando nós tratamos de democratização como
segundo termo do trinômio. Democratização, no que tange a valores, a experiências pessoais e
comunitárias, a identidades territoriais que têm a ver com a noção de democratização muito mais
profunda do que a garantia mera e simples do acesso aos bancos escolares e, neste sentido, quando
estamos nos referindo ao termo democratização ou gestão democrática, o aspecto da diversidade, o
aspecto da pluralidade, o aspecto cultural da exclusão, das inúmeras formas de discriminação, que no
caso brasileiro têm uma forte característica étnica. Mas, eu desejo questionar se é só o caso brasileiro? Ou
se, por exemplo, a configuração do País Basco na dinâmica da Espanha também não interfere naquilo que
nominamos como democratização?
Posto que no próprio resultado expressado aqui, das comparações do PISA, se viu um resultado específico
para o País Espanha e três resultados distintos, se não estou enganado, melhores no desempenho de três
das autonomias: de Castella, País Basco e Catalluña se não estou enganado, na exposição que demonstra
que também na experiência espanhola, algumas características de natureza étnica, cultural, de tradições,
de costumes e construtivas da própria historia de conformação deste Estado Nacional, trouxe diferentes
ações no desempenho, mesmo sendo sucessivo à experiência de um Estado unitário, que foi o período
anterior à democratização espanhola.
Nesse sentido, a palavra democratização também deve ser confrontada com outros binômios. A
democratização, de que maneira interfere na relação entre centralização e descentralização (não
necessariamente toda descentralização é democrática) ela pode ser também autoritária. Não
necessariamente toda descentralização significa desconcentração de poder, ela pode ser profundamente
concentrada, às vezes num, estado unitário e totalitário. Objetivamente, o termo gestão, que é o terceiro
desse trinômio, tem a ver com a dinâmica em torno da qual a desconcentração e a descentralização se
associam ao fenômeno da democratização, no acesso, na permanência, na formulação e na concepção
pedagógica, na proposição dos planos e planejamentos e processos avaliativos e na definição, inclusive,
dos investimentos e recursos para que esses objetivos sejam alcançados.
Portanto, o trinômio Gestão Democrática do Sistema significa, por um lado, uma reivindicação histórica
de educadores, em particular de educadores progressistas, vinculados a movimentos que sejam
abrangentes e conformadores de direitos para a maioria das populações. Não necessariamente essa
reivindicação histórica é uma reivindicação geral, que pertence a todos os segmentos e a todas as opiniões
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no interior de cada País. E, por ser uma reivindicação histórica ela é tensionada, seja pela conformação
política que a cada turno se reveza na condução dos poderes no interior de cada País. Seja na correlação de
forças entre os interesses que se compõem para desenhar a história de cada uma das nações. Então, sendo
uma reivindicação histórica, ela incorpora as contradições no interior de cada sociedade e neste sentido
seria afirmativo se pudéssemos, do contexto espanhol, nos últimos quase quarenta anos, poder observar
de que maneira este confronto de interesses, inclusive aqui manifestados no período do Partido Popular,
quando conduziu o governo e depois a assunção de outros governos e, por isso, a mudança de legislação
que pudemos observar no cenário e, de que maneira esta mudança de legislação interferiu naquilo que é
principal ao nosso debate, a democratização.
Em ambos os casos é um principio legal e constitucional, mas o principio legal e constitucional tem mais ou
menos efetividade em função da correlação de forças que buscou estabelecer no interior da sociedade,
antes de se conformar como texto de lei e depois de se conformar como texto de lei, numa perspectiva de
movimento. E é necessariamente na experiência brasileira uma prática diversa. Nem todos os diretores de
escola são eleitos, nem todas as escolas têm conselhos, nem todos os conselhos têm as mesmas
representações, nem todas as mesmas representações comportam legitimidade, nem toda legitimidade é
representada num conselho com poderes e atribuições de definirem políticas, planos e investimentos.
Portanto, há na pratica diversa, plural. Também há as contradições típicas das sociedades desiguais e
capitalistas que necessariamente serão refletidas no interior da dinâmica própria destes conselhos, desde
a base da escola, do bairro, do município, do Estado e do poder público central. A condição de contradição
que movimenta, que dá nuances distintas, que prioriza, que seleciona, que aponta, portanto, caminhos
que, a cada tempo, representam mais ou menos possibilidades para as maiorias.
De que maneira estes conselhos se empenham, naquilo que chamamos de autonomia didática e de
concepção pedagógica? Qual é a diferenciação que se tem entre uma escola pública e outra escola pública
no mesmo município? Uma estadual e outra municipal, uma voltada para educação de jovens e adultos,
outra para educação infantil, no âmbito das modalidades das etapas da educação. De que maneira estes
conselhos e esta participação democratizada ou democrática se comporta frente a algum nível de
autonomia administrativa, seja com relação ao quadro pessoal, seja com relação aos insumos,
equipamentos e administração financeira, de que parcela do investimento? Quando estamos tratando de
um ambiente do sistema, em que a direção deste sistema é o olhar sobre a educação pública?? De que modo
os conselhos se articulam ou concorrem entre si? No caso brasileiro há nitidamente uma sobreposição de
atribuições entre diversos conselhos e, neste caso, não nos referimos especificamente aos conselhos
municipais e estaduais de educação, entre si, aos conselhos municipais entre eles, e aos conselhos
estaduais da educação, mas, mais do que isso, com o conselho que cuida do transporte escolar, com o
conselho que cuida da nutrição escolar, com o conselho que cuida dos direitos da criança e do adolescente,
com os conselhos tutelares, com as comissões de bairro, com os comitês de segurança, sejam eles comitês
de segurança pública, sejam aqueles comitês de segurança dos prédios, segurança humana de
convivência. Há, portanto, nesta multiplicidade, ocorrência de eventuais concorrências ou sobreposições
e há uma tensão conseqüente, entre um determinado democratismo, e é pouco tempo para que possa
discorrer sobre esse assunto. Apenas para colocá-lo como tema, porque cumpridas as leis e conformados
os conselhos, pouco importa o que vem depois; importa que as contas sejam prestadas com regularidade,
que os conselhos conformem suas atas e aquilo que se tem como movimento da educação, da prática
educadora nacional, do seu envolvimento com a formação de valores de cidadania, o seu envolvimento
com aquilo que é o entorno da própria escola, ou do sistema educacional e sua interação com outras
políticas públicas de seguridade, de saúde, de assistência social, de cultura, esporte e lazer, de referencia
comunitária, de comunicação e informação com o seu entorno, de mobilização social. Não ficam
contemplados quando há meras referências, seja a combinação do democratismo com o burocratismo,
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sem observar o que isso resultou na prática cotidiana, dos educadores, das educadoras, daqueles que são
diretamente conviventes no ambiente educativo, como alunos, estudantes, funcionários, funcionárias,
como do entorno do aparato escolar, os conselhos comunais, as câmaras municipais, as assembléias
legislativas, as associações de moradores, os grupos de juventude que estão no entorno da escola. De que
maneira isto tem interação, ou não, para se ter o reforço do aparato e do aspecto democrático da
conformação do processo de gestão? Isto necessariamente nos reporta a concepções de planejamento e a
métodos de concebê-los, a concepções pedagógicas que se vinculam às boas visões e à condição de
interferir na mudança da sociedade, posto que a tensão quanto mais democratizada for a educação, mais
contradições aparecerão no seu cenário do descortinamento, nas perspectivas de valores das relações
humanas, como também no procedimento conseqüente a este planejamento, nos métodos dos processos
de avaliação. Se há avaliação, apenas pelos resultados e pelas estatísticas ou se há uma avaliação de
processos e de movimentos que se dão no interior de períodos estabelecidos? Evidentemente, para
concluir, em função do tempo já estar se esgotando, a complexidade do fenômeno educativo no caso
brasileiro se dá no próprio texto da lei, na consideração de ambientes educativos, que são a família, a
sociedade, o trabalho, os movimentos sociais e a escola. E quando estamos falando de gestão democrática
do sistema ou gestão democrática escolar, estamos tratando de um aspecto reduzido da educação, que é o
aspecto da educação escolar, mas que não se separa do conjunto de outros ambientes educativos, aos
quais ele deve ser permeável e nos quais ele deve compor as perspectivas de mudança.
Por esta razão, creio que aquilo que pode ser o terceiro questionamento deste debate, na experiência
brasileira que é tão diversa, plural e recente, tal como demonstrou o companheiro Horácio e nas
estratégias que o Governo central se dispôs a realizar, estabelecendo parcerias com atores educativos
importantes, como é demonstrativo a própria realização deste Seminário entre muitos outros programas
que estão em curso, ou no caso espanhol. Quais são aqueles pontos de estrangulamento, para se
conformar de maneira objetiva, num aspecto em que a pluralidade, a repartição do poder, a diversidade de
experiências, tenham como centralidade, um direito que é um direito universal e que, no caso brasileiro,
esse direito universal, ainda está um tanto mais distante do caso espanhol de ser realizado? Mas, ao mesmo
tempo, não se pode a partir de diagnósticos parciais anular o processo de inclusão que o acesso escolar
promoveu. Mas, também não se pode reduzir ao acesso e à consideração do fraco desempenho, as
considerações em torno daquela abrangência de democratização. Era o cenário inicial que eu tinha
colocado e, por último, de que maneira a competência técnica, em torno da consideração de aspectos
específicos do processo de educação escolar, da legislação, dos instrumentos normativos de controle
burocrático, se confrontam, se combinam, se contradizem com a competência política dos agentes
representativos, que compõem um cenário diverso e plural, nas representações indispensáveis. Creio que
naquilo que me pôde caber, quinze minutos de exposição de um debate frente a duas apresentações de
experiências tão distintas, evidentemente é, no meu entendimento, o que nós poderíamos formular como
três questões dessa combinação trinomial que coloca sistema, gestão e democracia, como sendo uma
combinação indispensável para honrar aquela experiência histórica que eu mencionei. Um princípio legal e
por outro lado, as contradições do tempo presente. Com isso concluo. Esses assuntos são muito mal
resolvidos no caso brasileiro, do ponto de vista da sua articulação acadêmica e conceitual e isto se reflete
gravemente no aparato normativo e legislativo que ainda nos coloca na condição de termos o
patrimonialismo de Estado, muito acima da articulação democrática de sistemas públicos. E, por outro
lado, a experiência brasileira, o alcance da formulação dessas normativas sobre a rede privada de
educação, subvencionada ou não, particular, filantrópica, está ainda muito longe de transferir para estas
instituições, os princípios de gestão democrática que já estão vigentes, ainda que recentes e tênues, nos
ambientes das instituições públicas. Muito obrigado.
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Mestre de Cerimônias: Muito obrigado Deputado. Conseguiu realmente, sintetizar, apreciar e colocar
questões em relação às duas apresentações do Ministério da Educação da Espanha e do Ministério da
Educação do Brasil. Eu perguntaria ao Enrique e ao Horácio se eles gostariam de tecer algum comentário.
Enrique Roca Cobo: Eu não tive tempo, na minha apresentação, de falar sobre os dois ou três grandes
eixos de discussão e de dificuldades para harmonizar as políticas de educação no nosso País. Um aspecto
geográfico, que não é Norte, Sul, Leste e Oeste, entre as diversas competências, entre as comunidades e
regiões autônomas e o Estado. A partir das comunidades autônomas se reclama mais poder pela educação,
e o Estado quer garantir poderes atribuídos pela Constituição para criar a representatividade do sistema
educacional que é parte fundamental do nosso País. Está girando em torno desta questão, na medida em
que se cedem poderes e autonomia e se aciona o sistema educativo, e se criam dezessete e dezoito
princípios educativos. Esse foi o eixo de confrontação. O outro foi mais ideológico.
Com respeito a questão religiosa, o problema religioso no nosso País, como se sabe, tem centenas de anos e
é um problema muito complicado, batalhas de religião que nunca têm resultados positivos, e que
dependem muito do debate da educação, mas não é um debate sobre educação. É um debate estritamente
ideológico e com influência na questão educacional, mas não é fundamental no nosso País. Para as regiões
em que se pode discutir esse tema, o problema é o papel que a religião tem que cumprir no sistema
educacional, problema mais que educacional, religioso. Outro aspecto político e ideológico é o
enfrentamento entre a esquerda e a direita do Partido Popular com o Partido Socialista. Com o que foi
anteriormente a questão política, com respeito a esse que é um confronto que transcende o ambiente
educacional, a forma da mudança política na Espanha em 2004, como vocês sabem, depois dos atentados
de Madrid, provocou uma mudança inesperada que não foi aceita de bom grado pelo Partido Popular e
produziu um enfrentamento permanente que teve conseqüências, em assuntos que nada tinham a ver com
a questão educacional, porque era um debate ideológico. Virou uma questão no nosso País. Estávamos
discutindo sobre a concentração dos alunos em determinadas escolas. Sim, na Espanha temos um
crescimento tremendo e rápido que mudou muito as nossas estruturas, desencadeado pela questão dos
jovens imigrantes. Deseja-se que a imigração se escolarize e se escolarize nas escolas públicas, em
contextos socioeconômicos desfavoráveis, é verdade. Há uma concentração das escolas públicas das
cidades que sofrem o problema da imigração, numa concentração muito forte, sem os melhores resultados
educacionais. Se considerarmos o contexto desses alunos, que deve ser analisado não somente nos
resultados, eu insisto, se nós descontamos o efeito do contexto socioeconômico cultural do aluno, então
essa referência se reduz a zero, de maneira que o funcionamento do sistema é correto, é certo. A influência
do entorno familiar, é assim que as escolas primárias, (defeito na gravação), das classes médias altas, que
tem um contexto favorável para sua formação, então eu insisto que, se nós isolamos, há uma equiparação.
Há uma preocupação grande para produzir uma integração social no nosso País, então isso vale nesse
âmbito - dados separados, geográficos ou ideológicos, ou religiosos, ou econômicos sociais.
Horácio Francisco dos Reis: Um rápido comentário. Evidentemente que na nossa situação aqui do Brasil,
diante do sistema federativo, com as competências e autonomias defendidas na lei, para cada sistema,
para cada ente federativo, as pendências se colocam bem claramente, tanto no aspecto legal como no
aspecto político. Temos pontos, normas definidas na lei, que estabelecem acesso, controle social e isso não
tem se desenvolvido por conta de uma posição política dos gestores. Por exemplo, o artigo 69 da LDB
favorece e estabelece as condições, para que o gestor e o dirigente estadual e municipal da
educação,tenham condições de aplicar os recursos da educação. Isso é um dispositivo legal, mas na prática
essa situação, essa realidade, não se estabelece e, evidentemente, diante dessa separação federativa, a
gente tem a ausência de um sistema nacional articulado, que possa favorecer essa caminhada, em função
de uma gestão democrática da educação. Temos programas nacionais, políticas nacionais, mas não se tem
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um desenho claro, uma conceituação clara de como será o sistema de educação. Evidentemente que fica aí
uma grande dúvida, uma interrogação se isso vai vir através dos dispositivos legais, ou se vai vir através da
consolidação de experiências, de atividades próprias que, em um determinado momento, possam
caracterizar uma gestão com mecanismos democráticos para que no futuro isso possa se transformar
numa política democrática da educação. São esses breves comentários que gostaria de fazer.
Mestre de Cerimônias: (aplausos para a mesa) Estão aí comentários dos dois governos, comentários e
apreciação feitos por alguém que está na ordem do Legislativo, que nos ajudou a aprofundarmos. Enrique
Cobo continua à tarde, e no final da tarde juntando Finlândia, Portugal e Venezuela nós colocaremos
também para perguntas e esclarecimentos de quem está participando do Seminário.
Continuação do Painel: Política Nacional de Gestão da Educação.
25 de Abril de 2006 (terça-feira)
EXPOSIÇÕES DA TARDE
Mestre de Cerimônias: Eu gostaria de convidá-los para dar início ao painel da tarde, continuando a
apresentação de políticas nacionais, com representantes de governo de países que estão conosco neste
Seminário. Pela manhã tivemos o Ministério da Educação do Brasil e o Ministério da Educação da Espanha,
e agora à tarde nós teremos a oportunidade de analisar a política nacional de mais três países.
Eu vou convidar então, neste momento, o Embaixador da Finlândia, Hannu Uusi para fazer parte da mesa,
da Embaixada de Portugal, Adriano Jordão, da Embaixada da Venezuela, Wilfredo Machado. Como
debatedores, teremos o professor da UnB e também conselheiro do Conselho Distrital do Distrito Federal,
Genuíno Bordignon. Estamos aguardando também o Deputado Federal Paulo Delgado que ainda não
chegou. Considerando os compromissos com horário que tivemos que fazer até agora, iremos
imediatamente começar as nossas apresentações. Vamos começar, então, com o representante da
Finlândia, Hannu Uusi. Ele terá, para sua apresentação, trinta minutos.
Hannu Uusi, Embaixador da Finlândia: Boa tarde a todos. Primeiro eu quero agradecer ao Ministério da
Educação pelo convite para participar deste Seminário internacional, com um tópico extremamente
importante e atual. A Finlândia não aparece muitas vezes na mídia brasileira porque, para a imprensa, as
notícias más são as notícias boas. Contudo, nos últimos anos e meses, meu País alcançou renome positivo
no mundo inteiro por sua excelente classificação, nas comparações internacionais, sobre a qualidade do
ensino e educação no sistema escolar. As habilidades dos adolescentes finlandeses em matemática,
ciências e leitura são classificadas como as melhores entre os quarenta países associados, no mais recente
estudo internacional sobre crianças em idade escolar do mundo inteiro. PISA, o programa para avaliação
de estudantes internacionais é uma avaliação trianual de alunos de 15 anos dos principais países
industrializados, organizada pela OCDE, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Em 2000, o PISA enfatizou a alfabetização de leitura, em 2003 a concentração foi em matemática e
resolução de problemas e em 2006 deu-se atenção especial a ciências naturais. Segundo os resultados
mais recentes, publicados em Dezembro de 2004, os alunos finlandeses de 15 anos de idade ficaram
em primeiro lugar entre todos os países em proficiência em leitura, matemática e ciências;na resolução
prática de problemas os jovens finlandeses perderam somente um pouco da Coréia do Sul. De acordo
com uma pesquisa, a força escolar do finlandês é que ele garante oportunidades iguais de aprendizado,
não importando a classe social das famílias. Ao invés de comparação entre alunos, o foco é dar apoio aos
alunos e orientar os alunos com necessidades especiais. Poucas crianças na Finlândia precisam repetir a
série. O sucesso dos alunos finlandeses é explicado por uma série de fatores. A sensação de motivação e
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fato de que elas são ensinadas por um único professor e de que não se usam notas para a avaliação. As
relações entre professor e alunos são naturais e cordiais nas escolas finlandesas. Presta-se atenção à
criação de um ambiente escolar agradável e estimulante. Na minha palestra procuro explicar brevemente o
contexto cultural da educação finlandesa, a estrutura de ensino e a política de governo no fomento
da educação democrática e eqüitativa, os fatores que são chave para o sucesso individual e social,
no mundo globalizado de hoje.
Na história da Finlândia a Igreja desempenhou um papel muito importante no inicio do processo de
alfabetização. A lei da Igreja daquele tempo obrigou a todo jovem aprender a ler. O modelo de educação
adquirido em casa e na Igreja também conferiu ênfase especial à alfabetização das mulheres. No século
XVII, os níveis de alfabetização das mulheres eram iguais ou superiores à taxa de alfabetização entre os
homens. Em 1906, como o primeiro País do mundo, nesse aspecto, as mulheres finlandesas conseguiram o
direito de votar e de se candidatar em eleições. Hoje as mulheres têm um papel importante na sociedade
finlandesa. Pela primeira vez temos uma mulher como presidente da República. Algum dia, aqui também.
No ano de 1866, a Assembléia Legislativa aprovou uma lei que criou o sistema escolar público.
Contudo, para entrar na escola, era indispensável saber ler fluentemente. Por volta de 1880,
quase 98% da população conseguia ler. Após 1917, quando a Finlândia se tornou independente, já se
entendia que a educação era o fator mais importante da nação. Em 1921, a lei do ensino obriga-
tório reconheceu a toda criança, a partir dos sete anos de idade, o direito de receber instrução gratuita em
escolas públicas por um período de seis anos.
A escola abrangente finlandesa, equivalente ao ensino fundamental no Brasil, foi implementada no País
durante a década de 70, depois de uma reforma fundamental. No currículo foram enfatizadas as idéias de
pluralismo, pragmatismo, equidade e oportunidades iguais de ensino. Nos estágios iniciais da escola
abrangente, a implementação do princípio de igualdade correspondia a idéia de acesso igual à educação.
Mais recentemente começou também a ser vista como oportunidades iguais para aprender no contexto
escolar. Nas pesquisas de âmbito nacional, os finlandeses consideram como elevado o status da carreira do
professor, quase tão alto como as profissões de médico, advogado, ou professor universitário. No estudo
de PISA na Finlândia, a origem familiar do aluno não afeta a sua seleção para o ensino básico, uma vez que
todas as crianças freqüentam escolas de semelhante qualidade em todo o País. Desta forma, a situação
sócio econômica tem pouca influencia na seleção das escolas, ou no estágio da educação básica. O
desenvolvimento da escola finlandesa, a longo prazo vem sendo aprovado por um amplo consenso
cultural e político, a respeito das principais linhas da política nacional de educação. Os serviços
educacionais, no século XX, foram desenvolvidos uniformemente, obedecendo a necessidades de várias
regiões e distintos grupos populacionais. Graças a essa homogeneidade cultural e a ampla qualidade do
treinamento dos professores, qualquer escola em todas as regiões do País, oferece uma educação de alta
qualidade. Este fato se reflete mais uma vez nos resultados dos estudos PISA, numa muito pequena
margem de variação que a Finlândia apresenta entre as escolas.
Na Finlândia os gastos com educação são 5,8% do PIB, uma cifra não muito elevada entre os países
desenvolvidos e industrializados. O sistema é inteiramente custeado com recursos públicos. Todos os
níveis escolares são gratuitos para os alunos, incluindo as universidades. Na escola recebem, sem custo
nenhum para as famílias, ensino, materiais didáticos, merenda escolar, assistência médica e dentária e
quando necessário transporte e matrícula nos níveis primários, secundários e superior. Nos níveis
superiores, alguns dos encargos sociais da educação são repassados pelos próprios estudantes, mas o
governo, por meio de auxilio, apoio ao estudante e acomodação, busca, sempre que possível, que todos
tenham acesso igual à educação.
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A partir da década de 90 a política educacional começou a dar maior ênfase à individualidade e à liberdade
de escolha. Desde 1992 os livros não são mais analisados e aprovados pela Junta Nacional de Educação. As
escolas obtiveram a liberdade de incluir matérias e conteúdos opcionais em seus currículos.
Conseqüentemente as escolas começaram a redigir seus próprios programas, que eram baseados nas
estruturas nacionais mas construídos em cooperação com os professores e pais dos alunos. Tudo isso
requer um currículo flexível, planejado por professores e estudantes e um regime de instrução voltado
para o aluno, acompanhamento e ensino de recuperação. O ano escolar na Finlândia dura 190 dias.
Como conseqüências dessas premissas, os professores finlandeses gozam de uma considerável
independência pedagógica na sala de aula e da mesma forma as escolas desfrutam de uma confortável
autonomia para organizar seu trabalho dentro dos limites do currículo-base multicultural. Uma escola
multicultural, para funcionar bem, terá de operar como uma comunidade, cujos resultados dependem de
sua capacidade de empregar as competências individuais e especiais dos alunos para o beneficio de todos.
A rede escolar cobre todo o País, que tem uma população de cerca de 5,2 milhões de habitantes, e um
território geográfico igual ao território de Goiás. O Brasil é um continente, a Finlândia é um País. Na
Finlândia, antes da escola abrangente, crianças participam na educação pré-escolar com um ano de
duração. Geralmente ingressam na escola básica com sete anos de idade, que é um ano a menos que nos
países industrializados. Cobrem-se nove anos de ensino obrigatório. Normalmente nos seis primeiros
anos os alunos têm aula com um só professor para a turma, nos três últimos anos assistem às aulas com
professores especializados nas diversas matérias. Não há monitoramento, seleção de alunos na escola
abrangente. Todos seguem as mesmas disciplinas básicas e estão sujeitos a conteúdos similares de
instrução. Contudo, cerca de 20% das horas-aula são reservadas para estudos eletivos, profissionais,
livremente escolhidos pelo aluno e seus pais. O dia letivo é tranqüilo e pode ser flexível. Nas escolas
finlandesas, os alunos só precisam chegar à escola quando têm aulas e podem ir embora quando estas
terminam, não há toque de sirene para marcar o começo e o fim dos turnos.
Os alunos estudam em grupos heterogêneos ao terminar a escola fundamental sem qualquer exame final.
Estará garantido o certificado de conclusão. As notas são atribuídas com orientação do professor. O
certificado abre caminho para todas as opções de ensino secundário, ou seja, os diferentes tipos de
profissionalizante ou escola de ensino acadêmico superior. Após o ensino obrigatório que termina em seis
anos, os jovens finlandeses podem optar pela educação secundária geral ou superior profissionalizante. O
ensino secundário superior abrange o ensino superior geral, o acadêmico, e os programas iniciais de
estudos profissionalizantes. A educação secundária superior prepara os estudantes para o exame de
ingresso às universidades. O principal objetivo dos programas profissionalizantes é o ensino da
competência profissionalizante básica. Aproximadamente 95% de cada faixa etária inicia o estudo
secundário superior, com relação ao desempenho da vida, na vida de trabalho e no ensino ao longo da vida.
A conclusão do ensino superior secundário é considerada um requisito mínimo. Em 1999, cerca de 55%
iniciaram os estudos na escola secundária geral e 35% escolheram os ensinos profissionalizantes.
As escolas finlandesas incentivam o estudo de outros idiomas estrangeiros à parte dos dois idiomas
nacionais, o finlandês e o sueco (que só é falado por 6% da população). Mas esse fato, de sueco, reflete a
longa história conjunta da Finlândia e Suécia. O primeiro idioma estrangeiro é introduzido no terceiro ano
da escola abrangente e o segundo idioma no sétimo ano. Esses dois idiomas são o mínimo e além deles os
alunos podem, dependendo da gama oferecida pela escola, optar por estudos de diversos idiomas, de
forma que podem ter estudado até seis idiomas diferentes até a conclusão do nível secundário. Após a
conclusão da escola secundária superior geral, os alunos participam de um exame para entrada
universitária, que é elaborado em âmbito nacional. Há um órgão para preparar cada teste, seguindo
critérios uniformes. O sistema de ensino superior finlandês abrange dois setores paralelos, universidade e
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institutos politécnicos. São todos estatais ou, no caso de politécnicas, são mantidas pelos municípios ou
organizações privadas, com custeio básico provido pelo Estado.
A rede de universidades oferece uma vaga para quase um terço da faixa etária. As universidades selecionam
seus próprios alunos independentemente; é enorme a competição pelas vagas, pois existe uma cota anual
de entrada aplicável para todas as áreas e estudos nas universidades. Os diversos tipos de exames de
admissão representam uma parte fundamental do processo de seleção. A educação nas universidades e
politécnicas é também gratuita para todos os alunos. A heterogeneidade dos alunos é levada em
consideração no sistema educacional do País, embora os alunos não sejam divididos em diferentes tipos de
escola durante o seu ciclo do ensino obrigatório. Com 16 anos, praticamente todos os alunos já
terminaram a escola abrangente o que lhes dá a oportunidade de acesso aos estudos superiores, num nível
secundário. Durante a escola abrangente, não há monitoramento ou alinhamento de alunos em diferentes
níveis de curso. Ensinar a um corpo estudantil heterogêneo também pressupõe a existência de pequenos e
eficientes grupos de ensino, que na Finlândia contém, no máximo, 24 alunos por faixa etária.
O sistema escolar envida todos os esforços no sentido de atender às necessidades especiais dos alunos, no
âmbito do ensino escolar comum. O alinhamento ou inclusão e a estratégia geral adotada na escola
abrangente são altamente inclusivos por natureza. Desde a década de 90, também os alunos, com
profundas dificuldades mentais, passaram a ser incluídos na escola abrangente. Apenas 2,5% dos alunos
estão freqüentando escolas especiais, para crianças com deficiências. No nível secundário inferior,
qualquer aluno com problemas tem, normalmente, a possibilidade de ser ajudado pela professora especial
nas aulas regulares. Este sistema requer, naturalmente, um quadro de professores altamente qualificados
quanto aos aspectos pedagógicos, uma vez que cabe ao professor dedicar sua atenção para cada
estudante individualmente. O sistema de agrupamento heterogêneo beneficia especialmente os alunos
mais fracos. Na Finlândia, a idéia de formação acadêmica para todos os docentes conta com uma longa
tradição. Hoje, até os futuros mestres de Jardim de Infância recebem um grau de bacharel em educação nas
universidades, o que pode ser concluído em três anos acadêmicos.
A formação de professores de turma enfatiza os conteúdos teóricos da ciência educacional,
multidisciplinar e as disciplinas ensinadas na escola, bem como as suas aulas práticas. O objetivo é criar
vínculos, entre o ensino e o preparo para a pesquisa cientifica, no sentido de que os alunos se tornem
capazes de analisar e solucionar problemas educacionais de forma independente, bem como desenvolver
seus trabalhos por meio das pesquisas. O processo de formação do professor inclui o estudo em uma ou
duas disciplinas de ensino e estudos pedagógicos, como parte do curso de mestrado. O curso para
formação de professor de disciplina é oferecido pelas universidades. O treinamento para professores de
necessidades especiais e professores de turmas especiais leva ao mestrado em educação. Esse curso de
mestrado inclui pedagogia especial como a disciplina principal, estudos pedagógicos do professor, como
parte de disciplina principal, que é um módulo de estudo separado. Além de estudos em educação
para necessidades especiais, os jovens finlandeses consideram a carreira de professor uma opção
atraente. Assim os alunos que procuram seguir o magistério, geralmente formam um grupo excelente e
altamente motivado e seleto.
Nos programas de formação de professores, por exemplo, apenas 10% dos candidatos são admitidos. Na
área de educação obrigatória 70% dos professores são mulheres e praticamente todos os professores, de
qualquer nível de ensino, possuem as qualificações formais requeridas.
O Governo determina os objetivos nacionais para educação e o número de horas-aula alocados para a
disciplina. Tradicionalmente os objetivos educacionais enfatizam não só o patrimônio cultural como as
atividades intelectuais do individuo,no intuito de aumentar e renovar a cultura da comunidade e de todos.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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O relacionamento entre os alunos, deles com as outras pessoas, com a comunidade, com a sociedade, com
a religião, cultura, a natureza, constituem, campos explicitamente mencionados, como objetivos
prioritários do sistema escolar do País. O currículo se refere à capacidade de leitura como um enfoque
pragmático que enfatiza diversas situações de leitura - os textos autênticos e os diversos tipos de
estratégias de leitura. Também é central o papel do leitor como um aprendiz que entende, interpreta e
avalia o conteúdo dos textos.
O conhecimento básico em computação, que é entendido em grande parte como um meio para
comunicação, uma plataforma de fonte, novos e diversos tipos de teste. O alto desempenho dos
finlandeses na avaliação do PISA, em conhecimentos básicos de aritmética, pode ser explicado pelo fato de
que as tarefas deram grande ênfase ao uso e a aplicação do conhecimento. Este princípio, juntamente com
uma solução prática dos problemas, constitui uma parte central no ensino de matemática na Finlândia. Da
mesma forma na avaliação dos conhecimentos básicos em ciências, a ênfase ao pensamento experimental
e ao papel ativo do aluno em adquirir informação, são conceitos chave, básicos no currículo da Finlândia.
Uma excelente rede de bibliotecas centrais cobre todo o País e apóia o sistema escolar. Os estudantes são
usuários muito ativos nas bibliotecas, que oferecem gratuitamente não só literatura, como música, mas
também acesso a computadores com conexões de Internet. Em resumo, entre os fatores de sucesso do
sistema de educação finlandês pode ser destacado que os professores finlandeses estão entre os mais bem
treinados do mundo e gozam de alto grau de autonomia e prestígio no País. É que o sistema escolar se
baseia em uma cultura de confiança e não de controle. Segundo esse princípio, o sistema tradicional de
teste é evitado na escola fundamental e os alunos aprendem, sem se auto-avaliar. Cada aluno é incentivado
a estudar de maneira independente e alunos de aprendizagem mais lenta recebem apoio intenso na escola
A educação é a chave ao desenvolvimento econômico e social de todos os países. Graças à política
consistente do Estado finlandês na promoção da gestão democrática de educação que é o tema principal
deste Seminário, hoje, a Finlândia é um País altamente industrializado com tecnologia de ponta, entre
outras, nas telecomunicações, indústrias florestais e nos métodos da proteção do meio ambiente.
Segundo as comparações internacionais, a Finlândia é hoje o País mais competitivo e menos corrupto do
mundo, com o PIB de 28 mil Euros por pessoa. Estes são grandes êxitos para uma nação pequena no
extremo norte da Europa, que ainda no principio dos anos 50, foi uma sociedade agrária pobre. Todo País
tem que desenvolver a sua política de educação básica e superior com suas experiências históricas e seus
recursos humanos e materiais. O sistema de ensino finlandês não pretende ser perfeito. Contudo, acho
que as nossas experiências e modelos educacionais podem servir como inspiração e exemplo para outras
nações, outros países, na formulação das políticas nacionais de educação.
Por último quero mencionar que, fora desta sala, depois da palestra, estou disponibilizando, para os
participantes interessados, cópias de uma folha intitulada A Escola Finlandesa, uma fonte de habilidades
e bem estar, que explica as razões principais do nosso sistema. Também a Embaixada apresenta, fora
deste auditório, a exposição Visões Finlandesas, que oferece muita informação atualizada sobre a
sociedade, indústria e cultura da Finlândia. Muito obrigado por sua atenção.
Mestre de Cerimônias: Agradecemos ao embaixador Hannu Uusi e em seguida vamos passar para o
representante de Portugal, Adriano Jordão.
Adriano Jordão, representante de Portugal: Eu não sou técnico em educação. Foi por isso que pedi
para ficar mais para a esquerda, porque eu vou ser muito mais anárquico que o Sr. Embaixador. Depois
desta magnífica exposição, que me alegrou muito, sentimos que há países que dão uma força e um peso
tão importante à educação, como é o caso da Finlândia. Tenho que dizer que é com grande emoção que
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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estou aqui, hoje, porque há exatamente 32 anos, no dia 25 de abril, no meu País, eu era oficial do Exército (é
obrigatório o serviço militar) e participei ativamente de um processo revolucionário, que alterou um
sistema social autocrático que se refletia na escola. Porque a escola é a imagem da sociedade em geral; eu,
na minha formação, toda a minha formação acadêmica foi feita num regime autocrático, o que é uma
experiência que não aconselho às pessoas aqui presentes; não é um motivo de alegria, vivia sistematizada
na figura do chefe, e a gestão escolar era baseada no chefe e no diretor. Os professores eram ajudantes e
coadjuvantes do chefe. Se porventura minha família fosse chamada à escola, isto diria que eu tinha feito
qualquer coisa muito grave. Era a única forma que os meus pais podiam se envolver minimamente na minha
formação dentro da escola e isso aconteceu algumas vezes. Já sabia que era mau sinal meu quando era
chamado ao Liceu. Mas dentro desta concepção de vida que eu vivi como discente, hoje parece que são
coisas medievais. Recordo-me porque, na minha infância, o castigo corporal, por exemplo, era
perfeitamente admitido e havia uma palmatória com cinco buracos. E esta minha mão sofreu muitas vezes,
porque eu era muito indisciplinado. Este castigo corporal existia até aos seis, sete anos, na escola primária.
Hoje, faz 32 anos, estava no Serviço Militar, formado em uma estrutura autocrática e participei deste
processo de que me orgulho muito. Que alterou estruturalmente a sociedade portuguesa. Portanto, temos
que dividir para poder perceber a gestão na escola, temos que dividir os 40 anos do regime autocrático e os
32 que vêm depois do 25 de Abril de 1974.
A vida é pendular. Mesmo nós, que vimos isso por dentro, revolucionariamente, vemos que às vezes os
gestos de um lado passam, para o outro te ensinar o oposto; isto faz com que demore uns tempos, até
encontrar um equilíbrio. Estamos falando da gestão democrática da escola, equilíbrio que em Portugal, e
eu passei o dia estudando e lendo leis que não conhecia, da evolução, que foi encontrada finalmente
somente em 1996 com aquilo que foi chamado Pacto Educativo Pró-Futuro, feito no dia 2 de fevereiro de
1996. Desde lá muita coisa aconteceu. Por exemplo, com a pulverização da direção. Daí então passou a ser
pejorativa, era um crime, e quando eu saí da tropa em 1975, um ano depois. E eu sou músico, vivi no período
democrático não pelo lado discente, e me recordo porque as democracias não se adaptam às moções com a
facilidade que a gente imagina. Um dia convocado o diretor do conservatório, organizei uma reunião geral
de alunos, para saber quem era o diretor do conservatório. Ninguém sabia quem era, houve trinta e duas
pessoas que foram ao gabinete do Ministro para poder representar uma escola porque todos
representavam algo, ou alguma coisa, o tal pendular ao contrário. O primeiro decreto feito, pós-
revolucionário, foi um decreto que nunca se concretizou, porque alguma instituição não gostou ou alguma
parte do sistema docente o contestava, se agradava aos estudantes não agradava aos professores, se
agradava aos professores não agradava ao pessoal docente, se agradava ao pessoal docente não agradava
a quem tinha restos do passado. Houve um processo muito difícil de se encontrar uma gestão democrática
na escola. Mas encontramos, e embora Portugal esteja longe dos 28 mil Euros (renda per capita), nós temos
14.800. São 72% da média comunitária, mas é com muito orgulho que digo que Portugal está no topo dos
países europeus e aí estamos acima da Finlândia. Nós, em Portugal, usamos 6% do PIB para educação que,
em termos europeus, são dois pontos acima. Dois porque estamos no topo dos países europeus, em termos
de porcentagem do PIB. Na prática é menor; estamos, porém, no bom caminho.
No sistema de gestão escolar hoje em Portugal, de um modo geral, há uma participação ativa de todos os
elementos da escola; há um conselho administrativo, um conselho de gestão, um conselho ideológico. Em
termos genéricos, pode ser o órgão unipessoal na figura do diretor executivo porque depende obviamente
da comunidade. Há casos em que não se justifica um conselho, há uma participação ativa atuante da classe
discente - eu tenho muito a dizer e dizem com muita força, seriedade e respeito e participam na gestão por
mérito próprio; há uma participação das famílias, as famílias participam, são ouvidas e há também uma
alteração radical de gênero. A mulher tinha um papel secundarizado na sociedade portuguesa até 1974.
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Hoje são as mulheres que freqüentam as escolas, porque há mais mulheres do que homens em Portugal e
aqui no Brasil também. As mulheres foram das grandes revoluções! É o acesso feminino a todos os níveis
escolares em Portugal.
Houve outro fenômeno nesses trinta anos. Uma grande influência a nível da gestão escolar, que foi o
regresso massivo das colônias, de dezenas de milhares de pessoas, e numa população de dez milhões
representavam mais de cem mil pessoas que caíram num território. O Sr. Embaixador da Finlândia disse que
a Finlândia é Goiás. Eu acho que Portugal é o Piauí ou Sergipe, não sei dizer. Imagine o impacto de uma
sociedade recebendo isso de repente, uma porcentagem altíssima da população, de pessoas que vinham
desprovidas de bens materiais, mas que tinham uma formação que é muito mais importante que bens
materiais e que traziam muitos ressentimentos pessoais que, obviamente, a nível de uma gestão tem isso
sempre. Havia muitos ressentimentos pessoais, anti-revolucionários, pessoas que perderam tudo que
tinham, história de vidas destruídas e que foram refazer as suas vidas num Portugal pequenino e europeu,
onde se inseriu uma comunidade central no desenvolvimento do Portugal de trinta anos atrás. E a
influência escolar maciça fez com que se alterassem os sistemas internos dentro das escolas. Há dados que
julgo também muito importantes, se pensarmos que em 1964, 5,2% da população acima de sessenta anos
era analfabeta e que hoje não há analfabetismo em Portugal, portanto é para mim um grande motivo de
orgulho. Todos querem por defeitos na evolução do processo, para mim, para todos e para a sociedade em
geral, eles não são pessoais.
Eu não sou um técnico de educação, eu só quis fazer um pequeno tópico do que se passa em Portugal. De
um modo geral, o sistema de ensino hoje é uniformizado. Quando vi o Embaixador da Finlândia falar eu
diria que em Portugal o sistema é basicamente o mesmo. Tínhamos em 1974 três universidades em
Portugal. Hoje há uma pulverização universitária, com escolas públicas e privadas que originam
conseqüências pedagógicas diferentes. Antes a pessoa dizia eu sou licenciado em direito e isso bastava.
Hoje se disser que é formado em direito se perguntará. Por quem? Por qual escola? E em que data? Essa
pulverização das escolas tem o mérito, uma independência, autonomia e maior amplitude de acesso de
estudantes, criando também, negativamente, essa valorização das escolas que valem e das escolas que
não valem, os diplomas que valem e os diplomas que não valem e também essa autonomia que faz com que
a própria gestão dentro das escolas, apesar dos princípios genéricos serem os mesmos, também variar de
escola para escola. (Ia haver uma grande rotatividade estudantil dentro das universidades, muitas delas
não são de maus negócios e algumas são de excelente qualidade). E, para terminar, um problema que afeta
a todos, portugueses e brasileiros, justamente no dia vinte e um, em Lisboa, esteve reunida a subcomissão
acadêmica, que é uma coisa da maior importância para os nossos países. Se, finalmente, conseguimos
chegar a um acordo em que os títulos brasileiros valham em Portugal e os títulos portugueses valham no
Brasil. Precisamos saber que tipo e a que nível. Portanto, em breve teremos essa boa notícia, essa ligação
entre os nossos dois países. Encerro aqui minha participação anárquica, como disse. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Obrigado, Adriano Jordão, da Embaixada de Portugal. Agora, vamos ouvir, da
Embaixada da Venezuela, Wilfredo Machado, que traz também a sua apresentação.
Wilfredo Machado, da Embaixada da Venezuela: Boa tarde. Primeiro, gostaria de agradecer à
Secretaria de Educação Básica o convite para este importante Seminário internacional. Infelizmente vou
ter que usar o espanhol, porque o meu português não é muito bom. Então, vou ler devagar para que
possamos entender.
Uma das primeiras coisas que eu quero ler aqui é esse pequeno livro que tenho aqui na mão esquerda. Esta é
a Constituição da República Bolivariana da Venezuela. No último governo da Venezuela, no governo do
presidente Chavez, uma das primeiras coisas que o presidente fez foi convocar uma constituinte.Foi uma
coisa realmente muito importante porque significou o começo de um novo período, o começo de uma
direção para o País, para a Venezuela. Dentro desta Constituição tem o artigo 3 que diz o seguinte: vou
tentar aqui fazer uma tradução: o Estado tem como fins sociais, a defesa e o desenvolvimento das
pessoas, o respeito à sociedade, o exercício democrático da vontade popular, a construção de uma
sociedade justa, a marca da paz, a promoção da prosperidade, o bem estar do povo, e a garantia de
cumprimento dos princípios e direitos reconhecidos e consagrados nesta Constituição. Depois fala o
seguinte: a educação e o trabalho são os processos fundamentais para alcançar punhos firmes. Para mim
é importante porque, já no princípio, o Estado está declarando o fundamento para a sociedade, que o
Estado está querendo construir. Se estamos vivendo um processo de renovação, de mudança profunda na
Venezuela, este processo também está intimamente ligado à educação. Não há revolução, não há
mudanças no Estado, se não há mudança na educação. Acho que a Venezuela está entendendo isso e a
partir daí a Venezuela está começando também a entrar num processo de transformação educativa muito
interessante e muito importante.
Eu quero ler alguns indicadores sociais, de recente data, da Venezuela e, inclusive, em comparação com os
indicadores do passado. Os indicadores: A Venezuela aumentou o investimento na saúde, em educação e
infra estrutura de maneira substancial em 2004 e 2005, com crescimento de despesa pública para essas
atividades. É um fato significativo, particularmente por contar com maiores rendas provenientes do
petróleo. Desenvolveram-se conjuntos de programas denominados sociais, os quais orientam-se para
atividades de educação e saúde, alimentação, criação de postos de trabalho e financiamento de
microempresas e cooperativas. Existem sinais muito claros de um aumento substancial dos investimentos
na saúde. Em 1998 as despesas de saúde e de seguridade social eram de 2,8 % do PIB e em 2005 essa cifra
aumentou em 6% do PIB. Neste sentido durante o governo do presidente Chavez a despesa com a saúde,
com relação ao PIB, cresceu mais que o dobro. Nota-se que, comparando-se a média do gasto de saúde de
1992 até 1998, essa média era de 2,2% do PIB, enquanto que no período de 1998 a 2005 a média foi de 4,7
do PIB. Observemos alguns indicadores em matéria de saúde que normalmente são considerados de
grande importância pelos estudiosos do sistema. Em termos absolutos do UNICEF, estudo mundial da
infância em 2006, na Venezuela o índice de mortalidade infantil para crianças até um ano de idade desceu
de 21 por mil crianças vivas em 1998, para 16 por mil crianças nascidas vivas no ano de 2004. Nesta direção,
também o índice de mortalidade infantil até cinco anos de idade reduziu-se de vinte e cinco por mil crianças
nascidas vivas em 1998 até 19 por mil crianças nascidas vivas em 2004. Vale a pena fazermos uma
comparação em termos relativos. Para isto observemos o “ranking” do UNICEF que coloca por ordem os
Países, organizando os de valor menor até os de valor maior, ou seja, o País que tem o indicador maior de
mortalidade infantil, por crianças menores de cinco anos de idade, está colocado na parte de cima, que
depois define a sua posição de maneira ordinal. Conforme o UNICEF, no informe da infância mundial 2000,
no qual se concentram as estatísticas, até 1998 a Venezuela estava na posição de número 115 a nível
mundial e melhorou e está na posição de 125 num informe da infância 2006, o que recolhe as estatísticas
até 2004. A Venezuela melhorou dez posições com relação a outros países entre os anos de 1998 e 2004.
Quanto a esperança de vida ao nascer, a população venezuelana em 98 estava em redor de 72,2 e
aumentou para 73,4 anos para 2005. Com relação ao crescimento dos investimentos na educação, que é o
tema fundamental que nos interessa, vale a pena destacar os seguintes elementos: a despesa de educação
representava 3,7% do PIB em 1998 e aumentou de maneira continua até chegar ao nível de 6,1% do PIB em
2005. Podemos observar a média entre 1992 e 1998: a despesa em educação foi 3,6% do PIB e em 1999
e 2005 a média foi de 5,5% do PIB. Embora seja verdade que a despesa em educação tenha aumentado
com relação ao PIB é preciso observar alguns indicadores que refletem resultados e êxitos desse investi-
mento no campo da educação. Observemos, em primeiro lugar, que a Venezuela acelerou o programa de
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alfabetização chamado missão Robinson I, que permitiu o aprendizado da leitura a 1,5 milhões de
venezuelanos. Como reconhecimento ao êxito que teve essa missão, no mês de outubro passado, o UNICEF
declarou a Venezuela zona livre de analfabetismo. Ao mesmo tempo, as missões educacionais - missão
Robinson II, missão Ribas, missão Sucre - ofereceram a oportunidade para que pessoas tivessem
continuidade na educação primária, secundária e superior a mais de três milhões de venezuelanos, que
haviam renunciado estudar. Por outro lado, entre os jovens de idade escolar, o índice escolar melhorou de
maneira substancial. Em 1998, 18% das crianças em idade de receber educação primária haviam
abandonado as aulas; na educação secundária, 45%, ou seja, um número muito alto de crianças
adolescentes em idade escolar haviam abandonado as classes. E em 2004 esse índice foi reduzido a 30%.
Apesar da melhoria e da diminuição, isso não quer dizer que estamos satisfeitos; sabemos que nos resta
muito a fazer para que os níveis de escolaridade continuem crescendo, mas não há duvida que os
resultados positivos são consistentes; os programas educativos para a idade pré-escolar aumentaram o
número de matriculados de maneira importante; o número de crianças que freqüentam a escola é de
1.350.000, o que implica no aumento de 83% em relação ao número de crianças incorporadas à educação
pré-escolar a partir de 1998. O número de crianças que estão no nível médio aumentou de 621.716, o que
implicou no crescimento de matriculados de 34,4% como comparação ao número de estudantes
matriculados em 1998. Os resultados em termos educacionais são palpáveis. De fato o índice de
desenvolvimento humano, o IDH melhorou. O índice pondera fatores associados a níveis de renda, a
fatores de caráter educativo como a alfabetização, escolaridade e a fatores associados a saúde como taxa
de mortalidade infantil e a esperança de vida ao nascer. Em 1998, o IDH da Venezuela estava em torno de
0,69. A partir de então isso foi aumentando até chegar a 0,81 em 2005. É importante destacar que o IDH
alcançado em 1998 foi considerado, pelos especialistas, como um nível de desenvolvimento humano
médio e um nível acima de 0,80 de desenvolvimento humano é considerado um nível alto. Eu queria me
referir a estas cifras, porque realmente na Venezuela começou o processo de mudanças, de transformação
em todas as áreas e setores do País. Fundamentalmente na educação houve estas mudanças que foram
desenvolvidas na Venezuela. O investimento aumentou muito também no setor da infância mas, com
relação às universidades, o grande investimento que foi feito foi na educação infantil e média. Um dos
programas piloto, e básicos, que foram desenvolvidos, que o Ministério da Educação e Esportes
desenvolveu, se chama escolas bolivarianas. É um projeto que tem se desenvolvido desde 1999. Gostaria
de ler alguns elementos que estão profundamente relacionados com a criação das escolas, com as bases
conceituais e legais desse projeto. O compromisso do Ministério da Educação e Esporte consiste em que
todas as escolas venezuelanas se convertam, mais cedo do que tarde, em escolas bolivarianas.
E essa denominação representa uma grande responsabilidade por sua conotação histórica nacionalista e
internacionalista que evoca a referência ao libertador Simon Bolívar. Tem um profundo valor para os
venezuelanos. As suas idéias e ações constituem uma referência iniludível da nossa
nacionalidade.Ressaltar os aspectos bolivarianos orienta-nos para os aspectos melhores das nossas
tradições e para os fundadores da nossa Nação. Toda esta situação reivindica nossas potencialidades e
fortalezas como País e como povo. Conseqüentemente nos abre possibilidades para contextualizá-lo, dar
um novo significado na nossa realidade de hoje. E não se trata de vivermos no passado mas reconhecermos
nosso acervo, para assumir as responsabilidades a que correspondem e enfrentar nossos desafios atuais.
O reencontro com a idéia bolivariana corresponde à escola, que implica em primeiro lugar a idéia de
mudança, de ruptura, de persistência e de reflexão. O reencontro com Bolívar e o grande inovador
Simão Rodrigues serve para tomar seu exemplo que, contra todas as classes de dificuldades, susten-
taram suas idéias e pensaram com a própria cabeça, combinaram a reflexão com a ação, com todo
empenho, com o compromisso de enfrentar os desafios de seus tempos d precisamente por esse motivo
transcenderam a própria época.
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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E, em segundo lugar, nos lembra que um povo é muito mais que um grupo de pessoas num determinado
território. Uma nação reconhece sua história e sua referência comum mas, sobretudo, se constrói na sua
capacidade de assumir um projeto conjunto em função de desafios do momento. Esta idéia nos coloca em
frente à necessidade de construir uma nação de todos e não somente de alguns. A escola deve ser um dos
espaços onde os atores, que estiveram até então relegados, possam entrar na vida cidadã e na construção
de uma nação que se mantém à base do diálogo, dos direitos políticos e sociais, econômicos e culturais.
Nas maiorias e minorias devem ser também protagonistas nos espaços públicos. A participação deve ser o
símbolo da nova democracia, a participação a partir das diversidades, a partir do conhecimento e
aceitação das mesmas, não como aceitação verbal, estática e irremovível, mas como visão de construção e
possibilidade. O desafio que estamos assumindo é passar da democracia representativa à verdadeira
democracia participativa protagônica. De passar do discurso à ação. Do reconhecimento e da integração
da diversidade. Propomo-nos, a partir da educação, reconstruir o País, olhar para trás e olhar para diante.
O País não está feito e nem sempre é igual a si mesmo. A pátria, é preciso fazê-la continuamente para que
esteja viva. A pátria vive no momento em que nós recriamos a nação, a partir das nossas diferenças,
semelhanças e referências comuns. Fazer a educação é fazer do cidadão um novo cidadão bolivariano.
Fazer a democracia é construir um espaço para todos, ou seja, democratizar o espaço como um todo.
Em terceiro lugar, o caráter bolivariano das escolas nos lembra que somos latino-americanos e caribenhos.
Temos que ver e compreender, ver e observar e olhar ao Sul, em direção à América Central, em direção às
Antilhas, porque a nossa sorte está necessariamente compartilhada e as possibilidades para um futuro
comum estão atadas à nossa capacidade de integração.
Por último, assumir a nova escola venezuelana, uma escola bolivariana, significa que não podemos ficar no
discurso educacional. O compromisso tem que ser introduzido numa prática pedagógica aberta, reflexiva e
construtiva. Igualmente, numa relação ampla com a comunidade, marcada pela participação autêntica. A
mudança efetiva do sistema escolar, das suas concepções, procedimentos e estilos, conforme o propósito
de construir uma nova cidadania. A bolivariana é encontrada, então, na busca de referentes comuns, na
disposição para mudança, na disposição para reconstruir a Nação, bem a partir da escola. Nosso caráter é
americano e caribenho e o compromisso de converter ideais em realidades, palavras em fatos.
O projeto da escola bolivariana constitui uma política do Estado venezuelano, de medida a encarar e
enfrentar as limitações do sistema escolar. Assumir a educação como um contínuo, onde os jovens
freqüentem desde o primeiro ano até os seis anos, terminando a educação inicial e continuando a prestar
atenção na infância e nos adolescentes de seis até os doze anos, nos períodos da escola base. A proposta se
inscreve no processo de transformação da política social que dá alta prioridade à educação. Dentro deste
processo, da mesma maneira se supõe a concentração de recursos públicos e do conjunto da sociedade na
educação como a visão de longo prazo, inicia-se com uma proposta experimental que vai se estendendo a
todas as escolas venezuelanas. A experimentação é vista por um lado como um marco, que permite a
incorporação da jornada escolar completa, superação de problemas burocráticos e limitações de
organização, a flexibilização do currículo, bem como a articulação de esforços especiais do Estado. Por
outro lado, um processo que permita detectar necessidades, fortalezas e potencialidades, ao mesmo tempo
em que se desenvolvem as experiências de aprendizagem organizativa e fortalecimento institucional,
necessários para extensão desse projeto. Um novo paradigma da supervisão: da conduta punitiva para a
orientação, acompanhamento, controle e avaliação do projeto nacional, em cada instituição. A preparação
do pessoal de gerência para o exercício de uma administração escolar democrática e participativa. O projeto
parte da convicção de que as transformações de natureza educacional não são trabalhos de poucos, nem de
responsabilidade exclusiva do Ministério da Educação e Esporte.
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Está inserido na participação de todos os atores do processo. Fundamentalmente, na materialização do
esforço de articulação entre esforços plurais. Requer um debate sempre aberto, sem verdades absolutas e
nem respostas categóricas. Na contínua reflexão sobre questões sociais, políticas, institucionais e
conceituais que se colocam em um jogo de determinadas necessidades, fortalezas e potencialidades. Ao
mesmo tempo em que se geram experiências e dados organizativos, e fortalecimentos interinstitucionais
necessários para extensão desse projeto, na construção de uma nova escola democrática. É indispensável
que o Estado se comprometa a cumprir com o papel de criador das condições, para que se torne realidade
uma educação de qualidade para todos. Isto, porém, não é suficiente; são muitos os desafios a serem
enfrentados e para isso contamos com a experiência, reflexão, ânimo e força de professores e professoras,
famílias, alunos e comunidades que assumem um projeto de responsabilidade compartilhada com a
história. Para compreender e explicar o que se quer a partir do que se foi e não se quer mais. Quero concluir
minha intervenção com uma frase de Simão Rodrigues um eminente educador do século XIX,
venezuelano, que foi inclusive mestre do libertador Simão Bolívar. A frase é a seguinte: Ou inventamos ou
erramos!. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Quero agradecer ao conselheiro cultural Wilfredo Machado, por sua exposição.
Vamos passar para os comentários do que foi apresentado, a apreciação de Genuíno Bordignon, da
Universidade de Brasília.
Genuíno Bordignon, da Universidade de Brasília: Boa tarde a todos e a todas. Em primeiro lugar saúdo
os três palestrantes. Quero dizer ao Sr. Embaixador da Finlândia: o Senhor nos fez viajar para um País dos
sonhos, quem sabe um dia chegaremos lá. O assunto deste Seminário é a gestão democrática da educação
e pedagogias participativas e este painel especialmente é sobre políticas nacionais de gestão da educação,
obviamente associando a política nacional de gestão da educação com a gestão democrática. Da fala dos
três palestrantes, eu gostaria de destacar inicialmente dois pontos importantes.
Em primeiro lugar, a ênfase que foi dada por todos eles aos investimentos públicos em educação. O
conselheiro de Portugal se orgulha de estar no topo do PIB com 6%, a Finlândia chega próximo; a nossa
querida Venezuela não disse em quanto, mas também mostrou os índices significativos dos investimentos
na educação. Ou seja, educação para esses três países é fundamento de construção do próprio significado
da Nação, no próprio significado de ser cidadão e pertencer a todo um processo social.
O segundo aspecto tem a ver com a questão da gestão democrática da educação. Queria destacar que a fala
dos três expositores deixou bastante claro, que gestão democrática não é apenas um processo de políticas
públicas, não é apenas um processo administrativo da escola. Ela se insere profundamente na pedagogia
participativa para guardar o subtítulo do Seminário. Ou seja, gestão democrática começa na sala de aula,
começa na prática pedagógica do professor, porque é isso que transparece como fundamental,
especialmente da fala do nosso Embaixador da Finlândia. Ele situa um dos fundamentos da gestão
democrática: oportunidades iguais para todos, independente da situação das famílias. No dia que
conseguirmos que a situação dos pais não faça diferença na escola para os estudantes, teremos
efetivamente uma gestão democrática com os fundamentos que a Finlândia nos mostrou. Quero destacar,
da Finlândia, uma coisa que achei fundamental para a questão da gestão democrática, a não utilização da
nota. Por que a utilização da nota é um principio antidemocrático? E que é comum a todos os países e
permanece ainda muito forte no nosso sistema educacional brasileiro. Porque a nota classifica, inclui,
exclui, distingue e não contempla o respeito à diversidade. O diferente é diferente, não se compara. Não há
como você comparar um aluno frente a outro aluno. Dizer que um é melhor do que o outro. Então, esta
questão pedagógica fundamental da avaliação diz muito mais para a gestão democrática, do que questões
que para nós são relevantes, ou são escolhas de dirigentes e todas as questões participativas, por quê?
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Porque se trata de colocar o estudante como sujeito, cada um diferente, mas na mesma posição de
reconhecimento dos iguais, sem distinção.
E, então, vamos encontrar nas falas uma questão fundamental e difícil ainda nos sistemas de ensino, que é
a questão da autonomia da escola. Porque a autonomia das escolas aparece nas falas como fundamental à
gestão democrática. Gestão democrática é essencialmente dar poder à cidadania. Se uma escola não tem
poder, como os seus professores e os seus estudantes vão exercer democracia que é exercício de poder?
Ficou muito claro principalmente na fala do embaixador da Finlândia que um dos fatores, um dos suportes
essenciais da qualidade da educação é, a escola autônoma, professores autônomos e estudantes
autônomos; onde são estimulados os estudos independentes, onde prevalece a cultura da confiança e não
do controle. Isso é fundamental para o processo pedagógico.
E o compromisso do governo pela educação como assunto essencial de Estado, educação como questão de
Estado. Falando um pouco do nosso vizinho bolivariano, eu tentei entender um pouco a síntese da escola
bolivariana, mas eu a vi extremamente associada a um conceito de nação, a um conceito de cidadania, de
identidade cultural, de história e não há como não estar associado a um conceito de liberdade, de
construção de países livres e autônomos. Então, a prática pedagógica aberta, como o senhor dizia, uma
nova cidadania, uma responsabilidade compartida, constituindo a escola bolivariana e isso, traduzido em
outros termos, é a escola autônoma, com professores que assumem a responsabilidade pelo processo
educativo e com estudantes que se tornam autônomos. Porque, voltando um pouco mais longe, Alvin já
dizia há algum tempo e ele é de outra cultura, outro País, um pouco distante dos que estão aqui, que a
escola foi concebida para fábrica, a escola da obediência, e que não haveria educação enquanto a escola
não fosse concebida para o cidadão, ou seja, não se educa - e eu extraio isso das três falas - não se educa
para um projeto de indústria, para um projeto de trabalho, para um projeto de servir a alguma coisa.
Educa-se para ser cidadão, e no momento que ele o é na sua plenitude, como as falas transpareceram aqui,
capazes de elaborar seu próprio pensar, construir seu próprio conhecimento, no momento em que o
educando se torna um sujeito pleno, em si, ele é capaz de atuar na sociedade exercendo uma cidadania,
para construção de um País de cidadãos felizes, autônomos e independentes. Por isso que achei
interessante a comparação da Venezuela, da escola bolivariana que associa educação e trabalho, as duas
coisas não se distinguem. Como a Finlândia colocava, após a educação abrangente, o estudante tem o
caminho profissional ou universitário, mas ele tem essa escolha porque ele já completou, em si, a sua
capacidade de ser e de optar. Não é que a escola seja propedêutica para isso ou para aquilo, ela é
propedêutica para o ser cidadão e o ser cidadão é que avança.
São as três experiências de que vimos falando aqui. De Portugal também, nossa pátria mãe, falei pouco,
sobre a questão da participação dos discentes, das famílias, na gestão da escola. A coisa fantástica que os
três Países (a Finlândia não teve esse problema) mas Portugal e Venezuela tiveram que optar por um projeto
de nação, a superação do analfabetismo, mesmo dos analfabetos adultos, porque eles constituem a
cidadania, são coisas que revelam que você tem gestão democrática da educação, quando você tem
construção de cidadãos autônomos, por isso que eu volto ao começo, gestão democrática não é um
processo administrativo, é também; mas, antes de tudo, é um processo pedagógico, de construção de
autonomias, de sujeitos. Porque há uma contradição entre ter de exercer uma gestão democrática e
exercer uma pedagogia não emancipadora, uma pedagogia de controles, de sirenes, de nota
classificatória, de aluno aprendendo apenas os conteúdos que o professor quer; ou pensar como o
professor pensa, e assim por diante. Então, não sei se eu divaguei muito porque a primeira fala me fez viajar
em sonhos, é isso que eu extraí, gestão democrática, é no fundo, um processo de educação emancipadora a
partir da sala de aula.
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Mestre de Cerimônias: Na mesma ordem, começando pela Finlândia, vamos ouvir os comentários dos
três Países em função da intervenção, ou se há alguma coisa a esclarecer, ou aprofundar, a comentar
alguma coisa que não foi dita. Depois dos comentários, vamos ter um intervalo para o café, daí voltaremos
com o Enrique Cobo que já está ali à mesa. Então, vocês poderão perguntar diretamente a todos os Países,
curiosidades, em relação aos temas que estamos trabalhando aqui. Eles ficarão à disposição, para que
tenhamos um tempo de debate diretamente com os países que aqui estão.
Hannu Uusi, Embaixador da Finlândia: Muito obrigado para todos os palestrantes e especialmente aos
comentários interessantes sobre estas falas. Você mencionou que minha palestra foi sobre um País de
sonhos. Curiosamente, esta noite vou à Universidade de Brasília inaugurar uma exposição das Nações
Unidas, fotográfica, com o título: Conquistando Sonhos. Há dois anos, porque estou há poucos meses
aqui no País, a UNESCO pediu a cinco embaixadores para fazer uma propaganda de trinta segundos para
a televisão, explicando, em trinta segundos, porque o sistema finlandês de educação é o melhor do
mundo. Isso foi uma tarefa muito difícil, com quatro, cinco frases explicar os fatores de sucesso. Mas na
minha fala já expliquei a maioria deles. A chave para o desenvolvimento de cada País é a educação. Este
sempre foi o princípio do governo da Finlândia, do Estado. O País, hoje em dia, está entre os mais ricos do
mundo e, como mencionei, há cinqüenta anos atrás fomos um País pobre, agrário. Agora temos Nokia,
toda a alta tecnologia no País.
É claro que muita gente falou que é fácil em um País pequeno de cinco milhões, de fazer qualquer coisa, de
desenvolver a educação. Mas não é somente isso. Eu entendo que um País como o Brasil, que é um
continente de fato, os problemas e desafios são totalmente diferentes, começando com um nível muito
baixo dos habitantes do País. Na Finlândia a população é muito homogênea. Temos poucos estrangeiros
por lá. Acredito que também por clima não favorável, tanto como no Brasil. Então, pode-se dizer: sonhos
congelados. Temos a primavera agora e o verão já está chegando e se pode sobreviver na Finlândia. Cinco
milhões sobrevivem. Mas, realmente, não se pode subestimar a força da educação para os jovens e para
toda a sociedade, para a democracia no País.
Um dos fatores, na Finlândia, para o nosso sucesso em educação sempre foi a muito forte ética de trabalho.
Somos uma nação que tem uma consciência do “porque não fiz algo hoje?. Cada vez que me deito, fico
pensando no que não consegui. É a natureza, o caráter nacional finlandês. Por isso os jovens e também as
crianças têm uma responsabilidade muito grande de estudar. Eles entendem que a melhoria de vida só a
educação pode trazer. O comentarista falou sobre a independência das escolas e de alunos, de escolher e
decidir sobre currículo. Isso, pelo menos na Finlândia, segundo nossa experiência, tem sido muito
importante. O governo simplesmente faz as linhas gerais para educação para todo o País, mas depois cada
escola, conjuntamente com pais, alunos, pode planejar um conteúdo e formar maneiras de ensinar. Isso é
um fato importante que temos na Finlândia e naturalmente, como um País industrializado, desenvolvido,
de infra-estrutura, de escola excelente. Todas têm computadores para os alunos. Já mencionei as
bibliotecas públicas. Realmente, nosso sistema de bibliotecas é modelo para todo o mundo; tem uma
variedade enorme de material. E vou recomendar esse folheto que mencionei, para ser distribuído sobre a
escola finlandesa. À parte de explicar esses fatores de sucesso no sistema escolar finlandês, tem um artigo
muito interessante, prático, sobre um dia em uma escola fundamental. Explica como é um dia de trabalho,
como as crianças trabalham em pequenos grupos, dentro da aula, e isso também é independência.
Também vou mencionar que se tenha acesso à edição de março, que é uma variação americana. A versão
brasileira, de março, tem um excelente artigo de cinco paginas sobre a educação finlandesa e seus pontos
fortes. Muito obrigado.
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Mestre de Cerimônias: Vamos ouvir também os comentários do nosso Adriano Jordão, representante de
Portugal.
Adriano Jordão, representante de Portugal: Ouvindo uma experiência tão bem-sucedida, como é a
experiência finlandesa, nos sentimos um pouco eu diria ofuscados, subjugados. Isso tudo é o que nós
almejamos e esperamos; é uma experiência e eu, como europeu, me orgulho muito. A Finlândia é um País
que muitas vezes é citado como exemplo no campo da educação e obviamenpe com toda razão. El Portugal
temos praia, k sol é ótimo. Penso em relação aos meus netos e é difícil dizer: não vá à praia, vá para a
biblioteca ler um livro. Se tivesse -15°, e tremendo de frio, seria mais fácil levá-lo à biblioteca. Eu não quero
com isso dizer: o caminho é esse, o exemplo é esse. No mais, meu Embaixador, parabéns pelo seu País e por
ser esse exemplo tão bom que é a Finlândia, na educação.
Mestre de Cerimônias: Vamos esfriar o planeta, então. Por favor, Wilfredo Machado, Venezuela.
Wilfredo Machado, Venezuela: Quero falar muitas coisas que também têm uma profunda relação com a
educação. Acho que uma das coisas mais importantes, agora com o processo de mudança, que está
acontecendo na Venezuela, e com maioria de aprovação é que a Venezuela tem uma grande consciência
política do que está acontecendo, uma grande consciência política e social no continente. Temos uma
importante consciência agora da integração de nossos povos, não somente a integração, em matéria
econômica, mas também na matéria educativa e cultural, que são fundamentais para o nosso povo
também. O que tenho para falar é isso, a respeito das grandes mudanças que vêm acontecendo e vão
continuar a acontecer na Venezuela. Obrigado por tudo.
INTERVALO
Mestre de Cerimônias: Aqueles que quiserem escrever perguntas, a qualquer um dos expositores, o
façam. Se quiserem, também podem fazer uso do microfone sem fio. Vamos iniciar.
Juscelina Iva: Eu gostaria de parabenizar os expositores por suas falas, mas eu tenho duas curiosidades.
Uma comum aos três é com relação à remuneração dos professores, dos educadores em seus Países, em
termos de correspondência, salário mínimo, enfim remuneração. E uma segunda questão é que a gente
sabe que a Espanha, particularmente, tem uma experiência muito positiva em relação à educação de jovens
e adultos. Salvo engano, está intimamente articulada com a questão do trabalho. Eu gostaria que fosse
colocado algo sobre isso. No Brasil um dos problemas sérios que enfrentamos é o alto índice de abandono
da educação de jovens e adultos, e a gente tem uma avaliação que a associação de qualificação
profissional, a exemplo do que ocorre agora com o programa oriundo do governo federal, Pró-Jovem,
pode reverter um pouco esse quadro de abandono. Sabemos que a experiência da Espanha é muito positiva
nesse sentido, gostaria de conhecer um pouco mais, se possível. Obrigada.
Silvinha: Pergunta que eu faço a todos. Acho interessante que quase todos colocaram o percentual de
mulheres dentro do magistério; mais de 78% ou menor número. Não temos representação na mesa, mas é
simplesmente uma observação para pensarmos um pouco na educação. Pautado no tema educação
democrática e pedagogias participativas, quero aqui registrar que sou funcionária administrativa de
escola, ou seja, do interior da escola. Não estou na docência dentro da sala de aula, mas percebo que a
gestão democrática não pode ser fragmentada. Pensava em termos de aluno e professor. Ela é muito mais
ampla, dentro deste espaço escolar. Eu gostaria que se pautasse, se fosse possível, aos debatedores, um
pouco também dessa relação entre funcionários administrativos de escola, que alguns aqui no Brasil,
principalmente, vivem um processo de exclusão. A campanha nacional é para a erradicação do
analfabetismo, educação de jovens e adultos mas, aqueles que fazem a educação, muitas vezes ou na
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grande maioria, não tem política.Agora que o Ministério está desenvolvendo uma política de formação,
qualificação profissional, para os funcionários administrativos, um pouco insignificante do ponto de vista
de mais de um milhão de funcionários administrativos. Infelizmente, muitos governantes dos Estados
ainda não absorveram. Inclusive não aderiram a esse projeto que reconhece esses profissionais e que
qualifica a educação. Então, eu gostaria que pontuasse esse aspecto. Uma outra questão, e ai vai
direcionada ao representante Enrique, da Espanha, quando ele coloca que o investimento na educação é
educação melhor, temos que gastar bem. Ou seja, não é o financiamento que é preponderante, mas é a
forma de gastar direito esses recursos. Eu gostaria que detalhasse mais, o que é gastar bem? À vista de que
a discussão maior está pautada efetivamente na questão do financiamento e da valorização dos
profissionais, sejam professores, sejam funcionários administrativos, de escola. Muito obrigada.
Edson: Eu gostaria de saber do representante da Finlândia, como funciona a gestão democrática lá. Se
tem eleição de diretores, a questão de coordenadores, se esse processo também passa pela Finlândia. Uma
outra questão: quando se fala de professor, aqui a preocupação primeira é com a questão do salário.
Também, gostaria de saber, com relação aos funcionários, na questão salarial e como que são incluídos os
funcionários nesse processo democrático na Finlândia. Em relação ao nosso irmão Genuíno, quando ele
disse da questão da nota, que a nota é discriminatória, ficamos então a pensar. Quando foi implantada
certa vez uma escola chamada ciclada (em ciclos) e a mesma também foi implatada no Mato Grosso, esses
projetos na maioria das vezes chegam, e não se prepara o professor, não se prepara a escola, porque o
projeto já vai rolando e temos que dar conta desses projetos. Dessa forma, como foi encaminhado, caiu no
cotidiano dos alunos que eles não seriam mais reprovados. Porque a escola ciclada valoriza outra forma
como encaminhar essa questão toda, que não haveria mais essa nota, seria uma avaliação no conjunto. O
que percebemos, nós da sala de aula, é que a cada dia que passa, o interesse dos alunos é menor com
relação à aprendizagem, os alunos já não se interessam. Mesmo se tirar 0 ou 2 em uma prova, para ele,
tanto faz. Então, eu gostaria de saber como funcionaria a elevação da auto-estima desses alunos,
abolindo esses mecanismos, que você colocou como mecanismos até antidemocráticos dentro da escola.
Leocádia: Eu gostaria de dizer que é muito rico este momento de ouvir as experiências bem-sucedidas de
outros Países. Se bem que não podemos fazer uma comparação, entendo que é para que façamos uma
reflexão e para manter a utopia. Avaliando a situação no Brasil, acredito que nos últimos anos tenhamos
avançado em direção a melhorar o financiamento para a educação. O FUNDEB e todos os programas que
visam o fortalecimento da democracia no sistema escolar, nas escolas, acho que são passos importantes
que vêm na melhoria da qualidade da educação. O que eu gostaria de saber dos representantes que aqui
estão, como é que seus Países, cada um de forma diferente, enfrentou a disputa de projetos. Um saindo de
uma ditadura franquista. A Venezuela acompanhamos de perto. A disputa é todos os dias. Aqui no Brasil,
estamos vivendo também muito forte essas disputas de projetos políticos para a sociedade. A educação
está no centro disso. Não ficou muito claro, nas exposições, como é que vocês conseguiram superar as
dificuldades dentro de uma disputa de projetos? E por fim, em relação às pedagogias participativas, existe
um instrumento que é bem elementar, bem viável, que é o projeto político-pedagógico. Parece-me que,
dependendo da forma como ele for construído na escola, ele é o primeiro grande passo da democratização
e da autonomia. Porque a autonomia dos professores, dos alunos, da escola, ela tem que estar pautada em
alguma coisa construída coletivamente, porque do contrário não vai ser um por todos e todos por um. A
gente já sabe como funciona aqui a construção do projeto político-pedagógico, pode ser feito por uma
pessoa. Em Olinda, quando assumimos, a diretora trazia o que ela copiou do ano anterior e assim
por diante e estamos procurando o processo, porque demora fazer uma desconstrução, não é fácil.
Por isso temos que pensar muito no que vamos manter e no que vamos derrubar com a próxima eleição,
porque é muito difícil. Para desconstruir isso é muito difícil, há escolas que já conseguiram: fazem tão
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coletivamente que até as lideranças, os grupos de dança, de teatro, participam da construção do projeto, e
então a autonomia é discutida dentro da escola. Cada um dá limites para ela e suas dimensões. Já existem
escolas cuja participação é coletiva mas é menor. Assim, estamos caminhando. O que vocês pensam a
respeito disso, se existe essa experiência do projeto-político pedagógico e como que se dá nos países aqui
representados. Obrigada.
Rosangela Castro: Gostaria de fazer uma reflexão, em relação à terceirização dos funcionários. Estou
aqui pela CNTE, e eu me preocupo demais com essa questão da terceirização que está muito forte. Como
vamos falar em gestão democrática, quando estamos explorando nossos funcionários de escola; quando
esses não têm papel, atuação? Como, também, é essa questão nos Países? Essa troca de experiência
bastante rica. A questão da terceirização; uma outra questão para reflexão, nossa, que é de suma
importância, é a questão do papel desses gestores. Em Rio Branco, temos a experiência, o coordenador de
ensino e o coordenador administrativo. Gostaria de saber a experiência dos outros países, na questão da
direção desse planejamento participativo; a participação da comunidade como se dá? São essas questões.
Acredito que vamos crescer e conseguir uma educação em defesa da cidadania, da sociedade mais justa,
mais democrática, mais humana, sobretudo.
Honorina: Muitas questões que eu gostaria de fazer já foram feitas por outros companheiros, mas
gostaria de parabenizar pelo nível do debate e das exposições e gostaria de colocar uma questão única para
todos os Países. Sobre a questão da avaliação dos profissionais de educação. Como é feita, nos Países, essa
avaliação de desempenho dos profissionais? Como que é feita? Já que temos também aqui um grande
complicador e resistência muito forte da avaliação dos profissionais de educação, na educação brasileira.
A nível da Finlândia - foi muito importante sentirmos a experiência - os avanços e os sucessos da Finlândia,
mas eu não entendi muito bem a questão da educação da criança pequena, porque houve uma abordagem
muito forte sobre a obrigatoriedade a partir dos sete anos, e essa questão da criança pequena, como é que
o Estado assume na Finlândia e como a família é muito participante, não sei se a questão da licença
maternidade, não sei quanto tempo é na Finlândia, pode ser um processo que não ajuda a ter uma inserção
maior do Estado. É o que eu gostaria que fosse esclarecido. Com a relação à questão brasileira, eu inclusive
tinha conversado com ele. Acho que avançamos muito na legislação brasileira. Estamos caminhando, o
MEC está cumprindo seu papel de ser esse órgão articulador e norteador das políticas públicas no Brasil,
mas temos algumas preocupações. O Horácio colocou muito bem a questão das pendências legais, que
temos ainda a vencer, no Brasil. Uma dessas pendências, eu gostaria de destacar, é a questão da
organização dos sistemas. Precisamos ter uma fala única no Brasil, porque vivenciamos, o sistema dual no
Brasil até 1988. Nosso sistema não é único; temos três sistemas de educação no Brasil, federal, estaduais e
municipais. E os sistemas municipais ainda são muito relegados, em um processo de discussão e
afirmação, e de consolidação. Por exemplo, encontramos muita resistência em alguns secretários
municipais de educação, mesmo tendo um programa chamado PRADIME, de orientação para os
secretários, os dirigentes municipais de educação. Ainda encontramos resistência com relação à
organização dos sistemas próprios e aos apoios aos conselhos municipais de educação, ao funcionamento
desses conselhos. Os conselhos são estruturas ligadas às secretarias de educação, com independência e
autonomia. Mas, fazem parte do Poder Executivo, são estruturas ligadas ao Poder Executivo. As secretarias
não vêem assim. Vemos grandes contradições nesse processo. Precisamos ter uma fala única, vamos
defender sistemas municipais de educação ou não. Na Bahia, defendemos sim. O Conselho Estadual de
Educação está nessa jornada de defender para que os municípios se tornem autônomos. Mas é um
processo muito difícil, porque na outra ponta, onde está o dirigente municipal, que é indicado pelo
prefeito, ele tem muita resistência lá e muita dependência ao prefeito e não quer estabelecer esse processo
democrático. Temos essa contradição com relação à questão dos sistemas e gostaria de colocar a questão
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das parcerias. Essa questão da consolidação, nos estados brasileiros, de comissões ou de coordenações
estaduais, para que se estabeleça a gestão democrática. Isso é necessário e tem que sair deste Seminário
como um norte para o Brasil inteiro. Porque, de repente, cada um quer fazer as coisas invadindo espaço
que é de competência do outro. As parcerias têm que existir, todos têm que estar unificados, para
estabelecer esse processo, não cada um fazendo uma consulta isolada. Gostaria de pontuar sobre isso
para que o Horácio pudesse também nos ajudar nessa discussão.
Mestre de Cerimônias: Nós vamos ouvir da direita para esquerda, começando com Enrique Cobo. Em
relação às perguntas e aos comentários feitos pelos participantes do Seminário. Em seguida, Wilfredo,
Genuíno e assim por diante.
Enrique Cobo: Bem, obrigado. Responderei às questões e não tomarei muito tempo. Tem razão a pessoa
que disse que nesta mesa não há a representante das mulheres. Dos últimos cinco ministros, quatro foram
mulheres. É verdade que nos noventa anteriores havia somente homens. Portanto, ainda ficamos devendo
muito. Temos no sistema educacional um número muito elevado de professoras, sobretudo na educação
primária. Aproximadamente 75, 80% dos professores são professoras na educação primária. Na educação
secundária a proporção já supera 50% também e na universidade as cifras são pouco parecidas,
dependendo das carreiras. É verdade que quando olhamos para cima, os que exercem os diferentes ramos
do sistema educacional, diretores de escolas, diretores de colégios, instituições de ensino, a proporção
nesse caso inverte-se quase radicalmente e é significativa. Ou seja, há mulheres na área de educação mas a
responsabilidade ainda está dividida com os homens; é um dos desafios da sociedade do século XXI.
Nessas ocasiões diz-se em que sociedade, e que tipo de cidadão nós temos, na qual vivemos no passado, no
século XX. Apesar da incorporação, de direito, da mulher na vida social.
Estamos ainda por construir uma sociedade na qual também as cidadãs, igualmente com os cidadãos,
possam exercer essa cidadania moderna. Uma cidadania baseada em aspectos relacionados com a
democracia, a liberdade, a eleição, a escolha e não tanto com a raça, etnia e religião. Existe uma cidadania
de cidadão e eu estou totalmente de acordo com as observações que foram feitas. Em nosso País, conforme
os indicadores da OCDE, os nossos professores têm um nível de acesso razoável, um salário, um nível bom,
uma faixa pequena entre o salário de ingresso mínimo e os máximos salários no final da carreira da vida
profissional, de forma que os professores espanhóis têm rendas que superam inclusive a média da OCDE.
Quando ingressam, um mil de duzentos euros, dependendo muito dos níveis distintos de professores, e
chegam a alcançar uma proporção que está também ao redor da média dos números máximos da OCDE,
quando se aposentam. Mas, nesse caso, as carreiras são mais curtas em torno de dois mil e dois mil e
poucos euros. Isso é muito aproximado, estou levando em consideração que há muitas situações
profissionais diferentes. Não sei se isso esclarece e responde à pergunta.
Outro assunto é a formação profissional. Os nossos alunos, enquanto formação profissional superior, têm
uma inserção no segmento profissional superior. São requeridos, são pedidos, e todos encontram
trabalho praticamente ao terminar os estudos e começar o período prático de estágio. Igualmente na
formação profissional, temos um desafio também na formação profissional, porque nós não
conseguimos que um número importante de jovens, quando terminam a escola obrigatória, continuem a
estudar e fazer a sua formação profissional. Nós temos umas cifras de jovens escolarizados em educação
pós-obrigatória que se inclinam claramente a favor do caminho acadêmico, ou seja, os jovens que fazem a
licenciatura. Menos ainda, na proporção de 40%, fazem isso para sua formação profissional. É uma
proporção inversa com relação a União Européia. Nós temos interesse em nosso País de conseguir animar e
não reduzir o número de jovens, que continuem seus estudos de licenciatura, mas animando a outros
jovens a permanecerem estudando nos ciclos de formação profissional de nível médio. É um objetivo que
nós estamos colocando, para as comunidades autônomas, para responder aos objetivos profissionais do
País e da Europa.
Estamos convencidos que a sociedade deve demonstrar estar preocupada com a educação, inclusive
dando os recursos necessários para que se tenha a melhor educação possível. É absolutamente necessário
investir tudo que se possa investir, e tudo será insuficiente e sempre será aproveitado pelo País, sempre.
Investimento é absolutamente necessário. Destaquei que é necessário, absolutamente, mas não é
suficiente. É preciso investir, tentando investir onde os recursos sejam mais necessários e onde apresentem
mais resultados. Eu, por exemplo, sou professor do sistema educacional. Os professores geralmente têm
salários aceitáveis; poderiam ser melhores, mas são aceitáveis. Inicialmente há muito trabalho por ser
feito, é importante ter um esforço nesse sentido. Temos escolas relativamente bem equipadas, mas não tão
bem organizadas. É preciso aumentar e isso nós temos claro. A lei que foi aprovada recentemente
estabelece que temos que alcançar no mínimo a média dos Países mais avançados em despesa pública em
educação. Estamos convencidos que temos que fazer um esforço para que esses investimentos sejam mais
rentáveis. Para terminar, porque há muito o que falar, há perguntas especificas com relação a autonomia, e
aos projetos como são gerenciados. Em nosso País a autonomia pedagógica dos centros não é total, mas é
praticamente total. Atualmente o governo central decide do currículo, 55% das comunidades com língua
própria, 55% nas comunidades que usam a língua espanhola e o resto do currículo é definido pelas
unidades autônomas, pelas regiões. Definindo conteúdo, e com base na metodologia, as decisões
pedagógicas são adotadas nos projetos educacionais, projetos que são de exclusiva responsabilidade dos
conselhos escolares, integrados pelos professores, pais e alunos e pelo pessoal de serviços. Eles têm
responsabilidade e obrigação de adotar um projeto educacional que deve detalhar todas as ações
pedagógicas. A responsabilidade, fundamentalmente, recai sobre os professores, mas também sobre o
projeto de gestão da instituição ou sobre a concretização do currículo estatal ou da região.
De maneira que a autonomia pedagógica é notável. A decisão com relação aos aspectos pedagógicos e
metodológicos corresponde aos centros educacionais, à comunidade educacional. Nesse sentido,
entendemos que nós não temos déficits de participação ou de democratização. Tratando-se de maior
participação, participação real dos pais, por exemplo, e dos conselhos escolares ainda é muito baixa em
nosso País. Há uma elevada porcentagem de pais que se desinteressam pela eleição do conselho escolar.
Não, entre os alunos e os professores. Mas os pais, sim. Este talvez seja o problema mais importante que a
autonomia da própria instituição escolar. Nós estamos empenhados em projetos de avaliação que
permitam comprovar como se exerce essa autonomia mais eficaz. Mas do ponto de vista pedagógico nós
não temos nenhum problema.
Wilfredo Machado: O salário básico da Venezuela, o salário mínimo, está por volta ao equivalente a 420
reais. No caso de salário de professores, só vou dar cifras aproximadas. Tem escalas no salário dos
professores. Todos não têm o mesmo salário. Depende da história do professor. Se ele tem experiência, ou
uma hierarquia e estudo também. Têm um salário básico de 800.000 bolivares que é o equivalente a 800
reais e no caso mais alto na ordem de 1.800 reais aproximadamente. Claro que não posso falar muito do
sistema educativo brasileiro, porque não tenho muito conhecimento. Vou falar do sistema venezuelano.
A nova educação que está se implementando na Venezuela, a pretensão é que aumente a relação professor,
estudante, pessoal administrativo, comunidade. Toda a gente, que tem a ver com a escola. Claro que a
relação professor / estudante é uma relação que é mais que todas as relações que existem aí. A idéia é que as
escolas se convertam em centros de atração das comunidades, centros que vão atuar diretamente com a
comunidade. As comunidades têm o maior poder de decisão. Têm um maior poder de penetração nas
escolas. Antigamente essa relação não era certa. Claro que tem que haver metodologias para que as
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comunidades também comecem a ter um grande interesse no que está acontecendo nas escolas. Acho que
isso é muito importante.Com respeito às notas estudantis, a Venezuela continua praticando o sistema de
notas estudantis ainda. Acho muito interessante a proposta de fazer uma avaliação das notas estudantis.
Tudo isso tem que cruzar com um processo de reflexão em torno da avaliação. Qual o melhor método para
fazer uma avaliação do aprendizado, da relação do aluno com a escola, com respeito a projetos políticos
pedagógicos. Falei do projeto que tem a Venezuela, fiz uma leitura, infelizmente no Espanhol, sobre a
escola comunitária, a escola bolivariana que acho que tem também um fim, uma grande relação.
No caso da gestão democrática, com certeza que hoje na Venezuela estamos trabalhando e fortalecendo
os processos de gestão democrática, de participação. Não foi tratado nas escolas.
Genuíno Bordignon: Bem, rapidamente. Primeiro quero concordar inteiramente com a professora. O
processo pedagógico deve ser o cerne, o foco da gestão democrática. Eleição de dirigentes, conselhos
escolares, são mecanismos importantes, mas sem projeto pedagógico, sem a proposta de educação, nada
feito. E o projeto pedagógico tem que ter construção coletiva, e construção coletiva entende-se o que o
representante da Venezuela acabou de dizer. A comunidade escolar é entendida em um sentido amplo e
não somente dos profissionais da educação. Aí eu incluo os técnicos administrativos, os funcionários. São
profissionais da educação no mesmo nível dos professores. Mas não somente pais e estudantes, toda a
comunidade a que pertence a escola, a quem diz respeito aquela escola. Não é somente o seu público
interno, profissionais, pais e estudantes, é uma comunidade, é um projeto de sociedade.
Sobre projeto pedagógico, tenho que responder a esta questão da comunidade. Ter essa construção
coletiva. Somente para enfatizar a pergunta do meu amigo de Mato Grosso, neste projeto pedagógico a
avaliação precisa ter um foco essencial. E nota não é mecanismo de estimulo; a nota reproduz na escola a
divisão da sociedade em classes, a discriminação social. Não quer dizer que a não existência de nota queira
dizer que não existe a reprovação. Há um processo pedagógico em que se avança mais depressa e outros
avançam menos. Todos estão no processo, caminhando. Não pode demorar mais. O que vale é que cada
um está construindo os seus saberes segundo a sua identidade. Não se comparam identidades. Você pode
comparar arroz tipo 1, 2 ou 3, mas comparar alunos não é democrático, não é pedagógico, não é cidadão.
Para encerrar, conselhos de educação somente serão agentes de gestão democrática se forem órgãos de
estado, se forem a voz da pluralidade social falando ao governo, porque se for a voz do governo falando
através dos amigos do governo não é conselho e não é gestão democrática.
Hannu Uusi: Muito obrigado. Não sei se entendi bem todas as perguntas. Em primeiro lugar, devo
confessar que me sinto muito ignorante entre tantos especialistas em educação e pedagogia. Comecei a
escola primaria em 1954 e saí da universidade em 1966. Não tenho filhos, estou casado mas não tenho
filhos. Então, não tenho experiência de primeira mão da escola finlandesa de hoje. Sou um dos
responsáveis pelo fato de que a população da Finlândia que é 5,2 milhões agora, nunca vai chegar,
segundo prognósticos, a 6 milhões; porque o crescimento é igual 0,3%, mas em todo caso, vou responder
a algumas perguntas.
Em primeiro lugar, o papel das mulheres como já mencionei na palestra, é muito forte na sociedade.
Sempre as mulheres preferiram trabalhar fora de casa. Mais de 50% dos estudantes nas universidades são
mulheres. Dos professores, nas escolas básicas, 70% são mulheres e no Parlamento, por exemplo, na
política, 40% dos Deputados da Câmara são mulheres. Temos um governo de 18 membros, dez homens e
oito mulheres, portanto, as mulheres sempre foram importantes na Finlândia.
Perguntou-se sobre salários, acho que um salário de começo para um professor na escola primaria é algo
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como mil euros, igual a dois mil e quinhentos reais, e pode ir a três mil ou algo assim, mas isso é uma amostra
a mais da estima que se sente na sociedade finlandesa pela educação.
Na Finlândia, o governo sempre teve uma política muito forte de educação de toda vida. Não é somente
escola primária, secundária, universidade, mas se criou no País um sistema de dar educação, de dar ensino,
de línguas, em diferentes cursos, para pessoas de qualquer idade. Isso é muito importante no País.
Os professores no nosso sistema são empregados dos municípios. A responsabilidade principal da
educação está nos municípios. Acho que é um sistema democrático também, mas do financiamento da
educação a maior parte sai do governo central. O Estado está subvencionando os municípios sobre custos
de educação, como de saúde também.
Como os professores, outros funcionários administrativos são funcionários municipais. Eles têm todas as
vantagens. Digamos, plano de saúde. O sistema de saúde na Finlândia é gratuito, relativamente também.
Claro que temos doutores de clínicas privadas, mas o sistema básico é muito bom. Pagamos muitos
impostos na Finlândia, uma media de 40%, mas também temos serviços com esses impostos.
Perguntou-se sobre creches, sobre crianças, antes da idade de seis anos, antes de entrar para a pré-escola,
para praticar, como será a escola real. A idade para entrar é de sete anos, que é alta. Como na maioria dos
países industrializados, que normalmente começam com seis anos. Porque as mulheres trabalham fora de
casa. A maioria, a grande maioria. Então, o País tem o sistema de creches municipais ou privadas onde vão as
crianças de três anos em diante, até a idade escolar.
Temos na Finlândia (outra vez como não tenho filhos próprios) acho que a licença de maternidade é onze ou
doze meses, com o salário completo e depois as mulheres podem escolher três anos para ficar em casa
cuidando das crianças, com segurança de voltar a seu emprego anterior. Temos também licença paternal.
Então, a família pode dividir esse tempo, porque os pais, os homens também querem ficar um mês, dois meses
em casa, com salário completo no lugar da mãe. Acho que foi mais ou menos isso que entendi. Obrigado.
Adriano Jordão: Sr. Embaixador, acho que vai haver problema de visto, de tantas pessoas querendo ir para
a Finlândia. Vai ser complicado. Como disse, eu não sou de maneira nenhuma especialista em educação. Só
alguns comentários. Gostaria de salientar que, realmente, quando vejo esta assembléia, vejo enorme
discrepância das senhoras sentadas aí. Portugal é o País europeu onde já tivemos primeira ministra mulher.
Na Europa não é muito comum. Nos Países nórdicos, sim. Atualmente, no nosso governo, o Ministro da
Educação é uma mulher, como também é no Ministério da Cultura. E diversos outros membros do governo.
Em relação aos salários é por volta de 950 euros, chegando ao topo de carreira, isso com mais de vinte anos,
a 2.250 euros, passando por intervalos de 1000 euros e 1.500. Foi informação que obtive pelo telefone.
Outra questão que gostaria de colocar. É evidente que o projeto pedagógico é essencial, é a base de tudo,
mas eu ouvia falar e pensava que bom que se fala em discussão de projetos, que bom que haja projetos
alternativos, projetos opostos, que bom que se possa pôr em confronto idéias, porque quem viveu em
sociedades onde isso não é possível, o simples fato de dizer que há projetos merece parabéns. É evidente
que os projetos pedagógicos dependem obviamente dos projetos políticos. Em Portugal a autonomia é
muito grande. Muito obrigado.
Horácio Reis: Eu não acredito em discurso único, principalmente em um sistema federativo como temos
aqui no nosso País. Os gestores, sejam eles municipais ou estaduais, não estão dissociados de uma função
política. Podemos, inclusive, em um momento distante dos processos eleitorais, ouvir discursos que são
aparentemente semelhantes, mas quando passamos a discutir as questões estruturais, a essência da
necessidade de uma educação de qualidade no País, então facilmente identificamos, quem de fato tem
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compromisso com a educação brasileira. Estou me referindo aqui ao nosso País, porque em uma discussão de
financiamento por exemplo, o quanto foi difícil travar esse debate neste País envolvendo dirigentes
municipais, estaduais, governadores, prefeitos. Não se conseguiu conceituar uma proposta que unificasse
na perspectiva de todos os impostos, que estão dentro das receitas, dentro dos estados e municípios, para
que tivéssemos uma política de financiamento que contemplasse, não só a manutenção e o desenvolvimento
do ensino, mas que, de fato, jogasse para cima a questão da valorização profissional. Isso, realmente,
lamentavelmente a gente viu, nos interesses corporativos, a necessidade dos gestores de preservarem
gorduras orçamentárias, financeiras, para que não estejam disponíveis para serem aplicadas em educação.
A questão dos funcionários que foi colocada aqui. Temos muito que caminhar ainda. Vivenciamos,
durante séculos, um processo de exclusão muito sério. Aqui em Brasília, considerado o lugar com melhor
qualidade de vida que os estados da federação, mesmo assim se existe uma caixa d'água com água
contaminada na escola, qual é a primeira medida tomada pelo gestor? Vamos examinar os professores e os
alunos, para saber se eles foram contaminados. Isso eu vi em matérias públicadas aqui em Brasília.
Anunciaram água contaminada nas caixas d'água das escolas públicas daqui. Quer dizer, os funcionários
poderiam morrer. O movimento dos trabalhadores em educação nos estados, onde eles estão organizados
nos seus sindicatos, eles se reúnem em assembléia. Professores e funcionários decidem por uma greve, por
um motivo justo ou não. A medida é legitima, por uma greve. No outro dia sai uma greve dos professores,
os funcionários participaram, decidiram, mas não existem. Ainda dentro desta cultura de exclusão, os
funcionários são considerados invisíveis, para a grande mídia e para a sociedade como um todo. Vocês não
sabem o quanto tem sido difícil fazer esse debate, para tentar conseguir dos gestores esse
reconhecimento. Não podemos falar de gestão democrática de forma excludente, sem reconhecer os
profissionais de educação como um todo. Para que tenham uma idéia, definimos no Ministério da
Educação em conjunto com a CONSED, com UNDIME, com o CNTE que iríamos implantar o Pró-
funcionário. Que ofereceríamos cursos para cinco estados, um para cada região da Federação e foram
escolhidos: Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Goiás e Paraná. Quando chegamos em São Paulo, quando
chegamos em Goiás, fizemos toda a discussão e o retorno qual foi? Disseram que tinham dificuldades
orçamentárias. Quem sabe no próximo ano, e sabemos muito bem que o motivo da rejeição não é esse.
Estamos na expectativa, e vamos fazer nessa tentativa da pluralidade, de colocar na mesa a Secretaria
Estadual de Educação, a UNDIME, os sindicatos, os Conselhos Estaduais de Educação. Estamos
trabalhando nessa linha para que haja uma definição coletiva desse conjunto, para que o Pró-funcionário
seja implementado em todos os Estados da Federação. Vamos chegar em 2006 com mais dez, como havia
dito para vocês. Mas se no Estado a rede estadual se desinteressar em oferecer esse programa, não teremos
dúvida nenhuma em fazer uma discussão com os municípios através da UNDIME, com os sindicatos, para
que esse programa seja implementado. Essa é nossa meta e por isso vamos lutar.
Sobre a avaliação dos profissionais, eu me lembro muito bem e tem muita gente aqui que vai se lembrar
também, que em 2003 fizemos um grande debate nacional sobre avaliação dos professores. Fizemos
encontros em quase todos os Estados deste País. Fizemos um encontro aqui com delegados eleitos em
cada Estado e qual foi o resultado? A grande maioria, naquela ocasião, decidiu rejeitar qualquer tipo de
avaliação enquanto as condições de valorização profissional não tivessem sido dadas - Piso profissional
salarial que não se tem, diretrizes nacionais de carreira para o conjunto dos profissionais da educação
básica, uma política de financiamento que contemple a integralidade dos impostos, que tenha de fato um
percentual que dê conta de todos os profissionais de educação básica. Acho que essas condições foram
muito bem apresentadas, naquele momento de rejeição para os profissionais da educação.
Acho que teremos que ter um pouco de paciência pedagógica. Vai ter que acreditar, acima de tudo. Não
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tenho dúvida de que conseguiremos. Claro que para chegar no patamar colocado para a Finlândia é um
pouco difícil. Mas, dentro das características especificas do nosso País, eu acredito em um futuro muito
promissor, porque muita coisa está acontecendo, pela primeira vez neste País.Podemos inclusive citar
algumas. Hoje em dia, as denúncias são feitas e apuradas e a população está em condições de saber o que é,
para quem é, o que significa, a quem interessa. Isso nunca aconteceu. Pela primeira vez estamos tendo em
nosso País um negro como ministro da Cultura, coisa que nunca aconteceu. Uma mulher assumindo a
suprema corte da Justiça. E isso também nunca aconteceu. Já dissemos não ao FMI e muita gente
desgostou disso. Enfim, acho que é por esse caminho. Tem que formar os Conselhos Estaduais. Tem que
definir um processo de desconstrução nos Estados e de construção em outros, na perspectiva de
conscientizar o cidadão, o representante da sociedade civil para que os órgãos de controle social sejam de
fato autônomos, independentes e com representantes legítimos, com capacidade de fiscalizar e de
controlar não somente os recursos mas também de acompanhar e intervir nas políticas, no projeto
político-pedagógico como foi falado aqui. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Alguém sugeriu que o nome e endereço dos colegas fossem socializados, para
que, depois deste encontro, continuassem trocando informações. Vou pedir para a professora Lêda para
verificar a possibilidade de socializar os e-mails. Quero dizer para vocês que as transparências que estão
sendo aqui apresentadas já estão disponibilizadas. Quem quiser já pode ir gravar e quem não quiser vai
estar no site do MEC, no campo do Seminário internacional. Vamos disponibilizar isso. Vocês vão receber o
caderno de textos. Amanhã vamos ter o resumo de quase todas as palestras e vocês também terão acesso ao
material. Há uma pergunta aqui, bem pontual, e é sobre remuneração (que já foi falado) e carga horária.
Para que carga horária é a remuneração, o valor colocado, simplesmente especificar. E a outra a carga
horária mínima do aluno, se tem e qual é? Para a Finlândia, a carga horária máxima do professor, se ele tem,
qual é? Há outra pergunta considerando a situação da Finlândia. Qual é a perspectiva, desse País, de
diálogo, para um País que tem dificuldades em construir uma política educacional de qualidade. Vamos
fazer perguntas pontuais porque o Embaixador tem um compromisso, uma solenidade e vai ter que sair e
eu gostaria de abrir somente para perguntas pontuais, não comentários. Amanhã continuaremos nosso
debate. Vamos ter tempo e espaço para discussão. A sugestão do Embaixador é que façamos somente essas
perguntas, porque ele vai ter que sair por conta do compromisso. Ele responde o que foi perguntado.
Hannu Uusi: Tenho que ir à Universidade de Brasília, para inaugurar a exposição, às sete horas. As
perguntas foram sobre horário das escolas. Se falamos de escolas primárias, ficamos de sete a treze horas.
Começa geralmente oito, oito e meia, normalmente a duas e meia, três horas. Eles recebem almoço na
escola e o sistema escolar é muito especial, as classes são muito abertas. Os pais, se quiserem, podem
sempre visitar a escola para ver como está o ensino e todo ensino está baseado em grupos de trabalho.
Dentro das salas temos diferentes formas, diferentes grupos, três, quatro alunos por exemplo em algum
idioma e sempre é assim. São heterogêneos. Por exemplo, um aluno que está muito bom em francês, está
dirigindo um grupo de outros que estão não tão avançados.
Carga horária máxima do professor, algo de 24, 30 horas por semana, mais ou menos (mas já falamos de
professores de matemática de mais altos níveis). A Finlândia nesse estudo PISA, já ocupa o primeiro lugar
entre todos os países desenvolvidos. Vocês, provavelmente, sabem que o Brasil também tomou parte neste
estudo de quarenta países e alcançou o lugar quarenta. Graças a este titulo, temos muitas delegações de
diferentes países que chegam à Finlândia para observar como é diferente nosso sistema. Como se pode
aprender, fazer intercâmbio com vários países sobre educação.
Mestre de Cerimônias: Agradeço ao embaixador, que nos prestigiou, nos trouxe essa informação, essa
colaboração e se coloca à disposição para continuar esse intercâmbio e essa troca.
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Enrique Cobo: Quero agradecer a todos. Para mim foi muito ilustrativo esse dia de trabalho intenso com
vocês. Creio que não vale a pena que eu mesmo responda, a algumas questões que foram colocadas.
Parece que é interessante que outros respondam a algumas dessas perguntas. Agradeço a jornada de hoje,
que para mim foi muito produtiva, para conhecer e comparar as nossas decisões de política com a de vocês.
Espero que amanhã se possa também fazer uma discussão tão intensa e positiva como a de hoje.
Wilfredo Machado: Como são escolhidos os gestores de educação, alguém comentou. É uma decisão
fundamentalmente do Ministério da Educação. Vou falar, inclusive, sobre a escolha do Ministro de
Educação. Antigamente, os Ministros de Educação eram professores com um alto rigor. Pela primeira vez,
o Ministro de Educação é um professor de escola, e eu acho que é o homem mais inteligente e mais
brilhante do governo Chavez. Tenho conhecimento de como são escolhidos os diretores de escola.
Suponho que a escolha, fundamentalmente, com o currículo, com os méritos que tem o professor e com o
conhecimento e experiência que tem que ter de educação, a lógica me conduz a pensar isso. No caso da
outra pessoa que estava me perguntando sobre os cursos para professores. No Ministério da Educação
existe uma direção de melhoramento profissional, que trabalha fundamentalmente em detectar
carências, em detectar a falha, em detectar onde está falhando a educação para fazer as correções exatas,
os cursos necessários para otimizar a educação. E, finalmente, alguém falou sobre a relação do governo
com os movimentos sociais. Acho que a Venezuela, neste momento histórico, está vivendo e tem as
melhores relações do mundo com os movimentos sociais. Não somente da Venezuela, mas com os
movimentos latino-americanos.
Genuíno Bordignon: Quando eu chamei a atenção para o fato de que os três países demonstraram ter a
educação como questão de Estado, eu estava fazendo por trás uma leitura de que no Brasil a educação está
cada vez mais sendo questão de mercado. A proliferação de escolas particulares, a competição predatória
entre elas, a competição dos alunos, é preocupante. Porque a educação está deixando de ser como um
todo, questão de Estado, e está passando a ser negócio cada dia mais. Principalmente no nível superior.
Parece que o Estado somente cuida da educação pública e não do projeto educacional do País como um
todo. Esta é para mim uma questão preocupante. Os donos de instituições particulares não se chamam
mais educadores, eles próprios se classificam como empresários. Isso já se tornou comum. A educação
está deixando de ser negócio de Estado. Isso para mim é extremamente preocupante. Chamou-me a
atenção que um País desenvolvido, como a Finlândia, é negocio de Estado, não é de mercado. Tanto é que é
coisa pública e na Venezuela também parece que é negocio de Estado. Em Po2tugal, não tenho uma visão
muito clara de como é. Mas para mim isso é preocupante. Em segundo lugar, alguém fez referência ao
ensino noturno. Quero dizer que é urgente pensarmos em um projeto pedagógico para os jovens e adultos
que estudam no turno da noite, diferente do projeto pedagógico das crianças do dia.
Adriano Jordão: Eu serei muito breve, porque hoje eu aprendi mais do que falei, no sentido de que devo
agradecer a cada um de vocês que estão aqui. Aquilo que eu pude aprender da educação que é o essencial é
o sentido da aprendizagem, muito obrigado.
Horácio Reis: Primeiro, dirigentes indicados por políticos. Acho que isso é uma pendência que está
colocada no sentido da gestão democrática estar consolidada na nossa Constituição federal. Aí entra a
concepção de gestão de cada gestor que está à frente do poder público. Eu acho que as coisas sempre têm
um caminho para que possamos contribuir para a reversão desse quadro. Em um passado não muito
distante os municípios e os estados ficaram contemplados com apoio financeiro para os seus projetos
educacionais. A listagem vinha do Congresso para o MEC. Quais eram os municípios contemplados e o
MEC encaminhava o dinheiro, e isso hoje já não acontece mais. Os critérios são discutidos com o FNDE,
com a Educação Básica. Tudo é divulgado, discutido nos estados. Houve uma mudança, porque houve uma
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mudança na concepção de gestão. Aparecida acho que você tem toda razão. Acho que Mato Grosso foi o
que mais evoluiu nesse debate em termos de sistema, de se ter um sistema único, da educação básica
pública. Mas foi uma coisa que foi construída e definida muito mais pela força da representação da
sociedade civil e não pelos gestores. Acho, inclusive, que precisamos ter momentos de trocar algumas
experiências com o pessoal do Mato Grosso, sobre essas discussões do sistema de ensino, até porque a LDB
coloca três alternativas para que se crie sistema e dizer assim vamos ficar agarrados ao sistema estadual, ou
então ter um sistema único da educação básica pública. O Pró-Jovem é um programa e não é o único das
políticas de jovens e adultos. Existem outros programas. Tem a Escola de Fábrica que está mais diretamente
ligada ao MEC. O Pró-Jovem está ligado à Presidência da República. Não está ligado ao MEC. Foi criado um
Conselho da Juventude. A Secretaria Nacional da Juventude também foi criada e esses eixos e essas
diretrizes para a formação desses programas foi definido na discussão do Conselho Nacional da
Juventude, que tem participação nos Fóruns da Juventude dos estados. Acho que é uma oportunidade de
apresentar para o jovem algumas alternativas. Agora, realmente fica complicada, a utilização da
estrutura, como isso é trabalhado no Estado. Os Estados não estão bem estruturados e adequados para
manter alunos do Ensino Médio dentro da escola a não ser pelo processo da reprovação. O que o senso
apresentou-nos foi 10% de evasão e 15% de reprovação, em 2005. Isso é um absurdo. Não estamos
colocando a culpa no Estado. Todo o conjunto de pendências precisa ser trabalhado, enquanto tiver
condições suficientes e necessárias, para que o gestor estadual e o gestor municipal tenham consciência e
dimensão daquilo que lhe compete fazer com a educação. A gente vai viver sempre com esse “empurra-
empurrae o outro com o pé atrás. O plano municipal não sai, o plano estadual não sai. Temos um cenário
que está nos mostrando alguns pontos positivos, alguns projetos que estão tramitando no Congresso já
passaram por aprovações importantes. Temos que combinar a questão da mobilização para a questão da
normatização da lei e combinar com a mobilização social, articular a sociedade para que tenham
repercussão positivas naquilo que a gente quer.
Sobre os recursos internacionais, é outro aspecto importante que a gente precisa ter conhecimento. De
fato os empréstimos internacionais para a manutenção e implantação de programas no Ministério
Educação sempre tiveram uma cartilha para ser seguida. Tinha que ser operacionalizado dessa forma ou de
outra forma. Isso também está sendo discutido e sendo revisado. Um exemplo bem concreto disto é o
nosso programa Escola de Gestores que a gente está discutindo, construindo. Existe a possibilidade de nós
termos recursos internacionais para bancar esse projeto em uma dimensão, inclusive maior do que aquela
que foi apresentada aqui. Mas não vamos aceitar esse dinheiro se vier com o critério de mudar a concepção
filosófica e ficar a concepção política que estamos trabalhando dentro do programa. Essa questão está
bem discutida e bem esclarecida dentro do Ministério da Educação. Tenho certeza que esses resquícios,
que sempre aconteceram, vão declinando no processo. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Ontem tivemos um olhar artista ou da arte, da relação democrática. De manhã
tivemos um cientista político. Uns gostam, e outros não, dos estilos e dos temperamentos e da forma do
olhar. Hoje, pela manhã, tivemos um olhar de governos. Do governo do Brasil e de vários continentes e
governos de interesses políticos diferentes. Amanhã, entraremos com outros olhares, da área de
planejamento. Vai estar o prefeito do Recife; Ladislau que é o estudioso sobre desenvolvimento local, e
vamos continuar esta discussão sobre gestão democrática. Peço, encarecidamente, a todos que cheguem
amanhã às oito horas.
FIM DOS TRABALHOS
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Mestre de Cerimônias: Gostaria de desejar a todos e a todas um bom dia. Está amanhecendo. Marcamos
às oito, mas está demorando a amanhecer.
Precisamos iniciar os nossos trabalhos, vamos ao início progressivo, porque o dia é longo, a agenda está
cheia; um dia muito importante, eu sei também que é um dia de mobilização pela educação. Precisamos
estar aqui também, aprofundando, discutindo as várias dimensões da educação. Quero registrar a
presença do Secretário de Educação Básica, do Ministério da Educação, Professor Francisco das Chagas.
Está, conosco, o Diretor de Cooperação da Espanha, Pedro Flores Jesus Martins, adido cultural da
Espanha, entre outras autoridades internacionais e palestrantes de outros Países que estão conosco.
Quero dizer para vocês como é vista - e o Seminário insinua - a gestão democrática. Democracia é um
conceito polissêmico. Tem muitos sentidos. O Seminário nas suas entrelinhas anuncia que ela não se
resume a um colegiado escolar, a um colegiado municipal, a escolha de diretor, ou escolha dos
representantes de governo através do voto livre. A democracia vai muito além disso. Hoje vamos iniciar a
discussão de uma das dimensões que precisamos examinar - a dimensão do planejamento. Planejamento
em âmbito central, nacional, subnacional, local. Exatamente para examinar a democracia participativa no
âmbito do planejamento em suas várias dimensões, da escola aos governos centrais. Convidamos o
Presidente da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação, Professor César Callegari.
Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Professor César
Callegari: Bom dia a todos. Quero, antes de mais nada, cumprimentar o Professor Francisco das Chagas,
que é o Secretário Nacional de Educação Básica, o responsável maior por este encontro; o professor
Arlindo, que tem todo o mérito de ter conseguido costurar as várias possibilidades, a presença de todos
nós aqui, e a toda a sua equipe, para uma reunião tão importante como esta, que tráz luzes a respeito das
possibilidades do enfrentamento da questão educacional do nosso País. Gostaria, antes de mais nada,
chamar para compor a mesa os que farão as suas manifestações. Pela ordem do folheto, gostaria de
chamar o professor João Monlevade, que é assessor legislativo do Senado Federal, um pesquisador
importante da educação brasileira. Gostaria também de chamar o professor Ladislau Dowbor, professor
da PUC de São Paulo, e um especialista na área de planejamento.
Quero chamar também o professor Jorge Pavez Urrutia, presidente do Colégio de Professores do Chile.
Muito obrigado pela sua presença. Quero chamar também para compor a mesa o professor Henrique Roca
Cobo, do Ministério da Educação e Ciência de Espanha. Estamos aguardando para logo, já deve estar
chegando, não sei se já chegou, o prefeito da cidade de Recife, João Paulo, que logo vai se incorporar à
nossa mesa. Bem, conforme nosso planejamento do trabalho, esta nossa mesa deveria iniciar às 8h e já são
8h30. Nosso trabalho deve ir até às 10h30 aproximadamente, com um pouco mais de tolerância, entre
10h30 e 11h quando faremos um intervalo rápido. Depois, haverá a possibilidade de intervenções dos
presentes, e também possibilidades de troca, de perguntas e respostas entre os que compõem a mesa.
O tema do painel todos nós sabemos Políticas Públicas da Educação e Planejamento Participativo.
Políticas Públicas da Educação
e Planejamento Participativo.
26 de Abril de 2006 (quarta-feira)
EXPOSIÇÕES DA MANHÃ
PAINEL
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Apenas duas palavras de introdução. A questão do planejamento é, como todos nós sabemos, uma tarefa
importantíssima quando se trata de atuar e de formular políticas públicas em educação. Particularmente
no campo da educação, que são sempre políticas públicas de longo prazo, essa capacidade que todos
nós temos que ter de imaginação sociológica, imaginar o futuro, imaginar as relações possíveis, as
dificuldades, a mobilização de pessoas e de recursos para a superação dos obstáculos que possamos
prever, é de fato uma ferramenta indispensável nos vários níveis de concepção. Nesse painel vamos
procurar organizar exatamente as várias dimensões do processo de planejamento. As questões
relacionadas aos planos de educação no nosso País.
O Brasil tem certa história de planos de educação, e certa história de gavetas cheias de planos de educação,
muitos dos quais não saíram do papel. Um dos problemas relacionados a planos de educação são
problemas relacionados à própria gênese, planos de educação que carecem do processo efetivamente
participativo dos agentes educacionais, sejam os profissionais da educação, sejam os membros da
comunidade, enfim, os vários segmentos da sociedade. Esses planos freqüentemente acabam se
transformando em belas peças de relação de propósitos, de expectativas, mas freqüentemente não são
defendidos, e por não serem defendidos muitos deles não são colocados em prática.
Entretanto, os planos de educação mesmo com esses problemas, temos hoje no Brasil o Plano Nacional de
Educação plasmado em lei, é uma lei nacional, e em alguns estados já se encaminhou no sentido de
formular também, fixado em lei estadual, os planos estaduais de educação e alguns municípios já
avançaram na construção dos seus planos municipais da educação. Entretanto, o que vamos procurar
contar aqui um pouco, e reviver, são essas experiências e as 0reocupações.
Também, já em uma outra dimensão, a verificação sobre como é que planos de educação e planejamento da
educação devem ter um rebatimento e devem ter uma compreensão concreta do ambiente local e regional
da cidade, do contexto, enfim das manifestações todas, não apenas educacionais, mas aquilo que
acontece no meio urbano das cidades, enfim, no seu contexto um pouco mais amplo. Já em uma outra
perspectiva, a questão do planejamento participativo, tendo como base a própria escola e a sua
comunidade, que é exatamente sobre isso que o prefeito João Paulo virá aqui conversar conosco. Nós
teremos uma participação de dois conferencistas internacionais, no caso especificamente do Chile, o que
nós vamos verificar aqui é exatamente um movimento muito significativo que aconteceu no Chile, no
sistema educacional, um sistema fortemente centralizado, que passou e passa por um processo de
descentralização. Então, isso é um fenômeno, é uma experiência interessante, que será, portanto
desenvolvida aqui pelo professor Jorge Urrutia, que é do Colégio de Professores do Chile. No que se refere à
questão espanhola, o nosso conferencista vai aqui apresentar o quadro de mudanças e de características
em que se situa hoje o sistema educacional da Espanha. Com isso eu, procurando organizar com certa
lógica, do geral para o mais particular, passaria então a palavra no primeiro momento para o professor João
Monlevade, que vai nos falar aqui sobre a questão de plano e planejamento em educação e cada um dos
participantes terá um prazo de 30 minutos para fazer a sua exposição. Vou dar uma sinalização antipática
quando estiver perto. Gostaria de saber se o prefeito João Paulo já chegou. Com a palavra, então, o
professor João Monlevade.
Professor João Monlevade: Meus agradecimentos ao Ministério da Educação, meus cumprimentos à
mesa, em especial ao colega conselheiro Callegari que, ao mesmo tempo, é conselheiro e já trabalhou a
educação no Legislativo e no Executivo. Espero que, algum dia, no Judiciário.
Vou começar a minha colocação com uma historinha que eu vivi realmente no município de José de Freitas.
Alguém sabe onde é? Piauí, 60 km de Teresina, uma delícia lá, não é? Então eu fui convidado pelo João de
Deus que vocês conhecem, que é um eminente educador e Deputado Estadual, a ir abrilhantar uma
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formatura de alfabetizados. Logo no começo do governo Lula, lá por setembro ou outubro, o Ministro
Cristovam, na sua cruzada de alfabetização estava comemorando o primeiro resultado das suas ações, e lá
fomos nós, saímos de Teresina 6h30 da noite, não sei se tarde ou noite, acho que já era noite, e depois de 1
hora de viagem chegamos a José de Freitas e a primeira coisa que eu achei bonitinha era que a formatura
iaser num ginásio de esportes, e ao invés de haver carros estacionados só havia bicicletas e carroças. Eu
falei, pronto, aqui é Brasil mesmo, aqui não tem frescura, e aí começou a solenidade, etc. O João de Deus
fala, a Secretária de Educação fala, me pediram para dizer algumas palavras e aí chama-se cada um pelo
nome, todo mundo bate palmas, todo mundo fica feliz. Um dos alfabetizandos pede a palavra, e aí,
Callegari, ele realmente deu um banho de realismo em todos nós. Vocês estão pensando que nós
aprendemos a ler? Isso aqui tudo é uma farsa, nós ficamos seis meses aqui nesse programa, mas a pobre da
professora sabia um pouquinho mais que a gente e faltava demais. Então, eu vim falar aqui em nome de
todo mundo porque eu quero agora uma decisão de vocês para ver se a gente pode realmente ser
alfabetizado e vamos planejar isso aqui para ver se dá certo. Se a gente salva esse tempo e esse dinheiro.
Gente, mas foi uma coisa linda, foi aquele banho, ninguém sabia o que falar. Pela primeira vez uma
cerimônia que devia celebrar alguma coisa, estava revelando a realidade. Por que eu estou contando esse
caso? Porque eu acho que talvez essa seja a questão mais séria quando se fala de políticas e de
planejamento. Aqui, nesse texto que vocês todos receberam, tem uma tentativa de descrever o que seria
uma política, uma política seria um conjunto de intenções, leis, decretos, pareceres do conselho,
resoluções, e ações dos poderes públicos para responder a demandas sociais. Então, política não é a ação,
não é a estrutura, não é o funcionamento. Política é a intencionalidade e a ação do Estado, do poder
público. Pois bem, dois exemplos clássicos na história da nossa educação.
O primeiro é essa questão da erradicação do analfabetismo. Estamos começando o século XXI, já pelo 6º
ano, e que eu me lembre, eu tenho 64 aninhos, que eu me lembre, todo mundo quer acabar com o
analfabetismo, todo mundo, todo presidente, todo ministro, eu me lembro muito bem do dia D da
educação do Marco Maciel, me lembro do Chiareli no tempo do Collor, que teve aquele tal de PNAC, Plano
Nacional de Alfabetização e Cidadania. Todo mundo quer acabar o analfabetismo, é a intenção, só que a
meta nunca é atingida. Pelo contrário, a gente teve até que inventar uma distinção entre analfabetismo
absoluto e analfabetismo funcional, porque se a gente fosse pegar a coisa como pegou esse cidadão
brasileiro lá do Piauí, cujo nome eu esqueci, mas se o Chagas quiser dar uma medalha para ele, se quiser
chamar ele para uma cerimônia, ele não tem papa na língua, ele é do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. A
gente soube inventar até um conceito, analfabetismo funcional. Poxa, quem não sabe escrever, quem não
sabe interpretar um texto pequeno não sabe ler mesmo, a coisa é mais simples, não vamos ficar enganando.
A gente tem no Brasil hoje mais ou menos 40% de analfabetos, não vamos esconder. Pode ser até que essas
distinções funcionem, mas para a pessoa não funciona não, se ele for atrás de emprego, ele vai ser barrado,
se ele for atrás de um diploma de ensino fundamental, ele vai ser barrado. Então, o que acontece, é a
distância entre a intenção e a meta dentro das políticas, ela vai se reproduzindo. Vai se aprofundando e aí eu
imagino, ou pelo menos é assim que eu concebo, aí entra um outro conceito, que não é o conceito de
política, mas é o conceito de planejamento, conceito de plano.
E o conceito de plano, de planejamento, em todas as áreas, na saúde, na educação, ele está justamente
solicitado, exigido, na medida em que as políticas não conseguem realmente fazer com que os objetivos
sejam atingidos. No meu entendimento são os três elementos que caracterizam o plano como uma política
especial, que são: primeiro a visão de totalidade. A política pode ser solta, pode ser fragmentada, diga-se
de passagem, a gente reclama muito disso, todo mundo mexe com a coisa; tem dez ministérios mexendo
com o mesmo assunto, mas não se vê a noção de totalidade. Diga-se de passagem: a posição da questão do
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desenvolvimento local me parece talvez seja uma chave desse desafio. (Bem-vindo o nosso prefeito
maravilhoso, uma salva de palmas para nosso João Paulo. Peço desculpas por fazer o papel de coordenador).
A primeira questão é a totalidade, se a gente não tem a visão de totalidade, realmente a gente não chega
alugar nenhum, e aquele rapaz lá do Piauí ele tinha a noção de totalidade. A segunda coisa é a questão da
cientificidade. A humanidade cresceu muito. Ontem, aqui, a gente ficou babando com o relatório da
Finlândia, mas Finlândia e Ciência parece que são sinônimos, então o planejamento é a cientificização da
política. Numa política você responde a demanda anarquicamente. Como fez o nosso colega de Portugal,
uma fala bem anárquica mesmo, mas tão boa, tão de dentro, tão lusitana. Agora, plano precisa ser científico,
precisa ter diagnóstico, precisa ter visão da realidade, precisa ter estudo de recursos, senão não adianta. O
que adianta a gente ter uma meta, ter um objetivo e depois não ter recursos. Então, precisa ter cientificidade.
E finalmente, que é por isso que estamos aqui hoje, o plano precisa ter a participação dos atores. Não
adianta ter Ministério do Planejamento aqui, e o Ministério da Educação ali, se não houver participação de
todos os atores. Pode estar certo de que não se chega ao objetivo, ou à meta desejada. Portanto, eu não
tenho dúvida nenhuma sobre a questão da participação no plano. Não é que o plano tenha que ser
participativo, é um adjetivo do plano. Ou o plano é participativo ou não é plano, ou é só uma política, é um
fingimento, é uma carta de intenção, é um amontoado de desejos. Então a cientificidade, a totalidade e a
participação são inerentes ao conceito de plano.
Pois bem, vamos dar então dois exemplos que me parecem fundamentais. Vou desejar, me desculpando as
pessoas que me conhecem, no momento eu sou consultor do Senado. E hoje é um dia maravilhoso para a
sociedade brasileira e para os educadores. Hoje se tudo correr bem, a partir das 10:00h da manhã vai ser
aprovado o substitutivo do Senador José Jorge que aperfeiçoa a PEC 415 do FUNDEB. Espero que, depois,
na Câmara seja ratificado. Eu como consultor vou ter que estar lá, como uma espécie de ghost, de
fantasma da ópera. Peço desculpas por ter que me ausentar na hora do debate. Mas eu gostaria de colocar
dois exemplos da nossa realidade brasileira que eu imagino que sejam exemplos, também, de problemas da
sociedade do Chile e da sociedade espanhola, para mostrar esse abismo entre políticas e planos. Um deles é
essa questão mesmo da erradicação do analfabetismo. Eu considero, se vocês concordam comigo, eu
considero que a educação de jovens e adultos, a EJA, é, toda ela, um processo de alfabetização continuada,
pelo menos no que tange ao ensino fundamental. O ensino médio talvez seria já abusar dos conceitos.
Muito bem, estou lá em Belo Horizonte um dia, participando de um ENJA - eles chamam, Encontro Nacional
de Jovens e Adultos. Foi o quarto antes do de Cuiabá; 450 pessoas no SENAC ou SESC, um lugar maravilhoso
de Belo Horizonte. Gostoso, de tudo muito maravilhoso. Eu, na mesa, era para falar sobre financiamento.
Falei: bom, gente, aqui é um encontro de educação de jovens e adultos. Por favor, para eu saber quem é que
está aí, eu conhecia já educadores e professores acadêmicos, para eu saber quem está aí, levanta a mão
quem é estudante da EJA, estudante da educação de jovens e adultos. Uma senhora chamada Marli, na
última fila, levantou timidamente o braço. Eu falei: assim não dá; se a gente vai fazer um Encontro Nacional
da Educação de Jovens e Adultos e não tem jovem e adulto estudante, que coisa mais esquisita. Imagina o
Paulo Freire lá. Ia morrer de vergonha, ia pedir licença e ir embora. Ele iria falar: gente, eu dei certo no Chile,
dei certo em Genebra, dei certo em Guiné Bissau, mas no Brasil não dei certo, porque onde já se viu. Eu
coloquei isso, sabe o que uma pessoa me falou: João, o problema é que eles são pobres, não têm dinheiro
para vir. Eu falei: mas por que você não pegou a sua passagem de avião e não deu para um estudante, o que
você está fazendo aqui, menino, você é acadêmico e está fazendo doutorado.
O importante, se a gente quiser acabar com o analfabetismo no Brasil, os analfabetos é que têm que
planejar, gente. Este é o problema fundamental, a participação. Eles são plenamente capazes de planejar,
assim como em José de Freitas, o cara abriu a boca e eu tenho certeza que lá devem ter feito um adicional do
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convênio. Certamente alguma coisa aconteceu porque foi chocante. O João de Deus não sabia nem onde
me levar para comer o peixinho naquela noite. Pois bem, então a primeira questão que eu acho
fundamental é essa, é a participação efetiva no planejamento de quem faz; quem faz tem que planejar
equem planeja tem que fazer. Isso foi o que eu aprendi, inclusive com o Valter Bareli, naqueles trabalhos
que ele fazia de planejamento estratégico, etc.
Planeja quem faz, porque se um cara planejar para outro fazer, assim é muito fácil. Eu chego; pareço mais o
barão do Rio Branco: gostaria que você fizesse tal coisa, eu vou dar todo o planejamento para você. Ele fala:
não, eu não vou, eu não sou palhaço, não sou ator. Então, planeja quem faz. Não adianta a gente ficar
fazendo mil planejamentos e mil planos, se o ator, o analfabeto não for envolvido no planejamento, e pode
estar certo de que ele sabe planejar, sim. Eles não sabem escrever e ler, mas planejar, eles sabem, porque
isso é uma coisa inerente à humanidade.
Bem, o segundo exemplo que eu quero dar é mais complicado. Com isso eu vou fazer uma ligação com o dia
de ontem. O pessoal aqui ontem comemorou muito esse negócio de sonho, a Finlândia que é educação do
nosso sonho. Pelo amor de Deus, se alguém aqui está querendo imitar coisa da Finlândia, esquece, o
planejamento tem que ser científico, baseado na história, na realidade de cada um. A Finlândia é uma
belezinha, mas eles ficaram ricos, passaram de um País rural para o urbano vendendo as florestas deles lá, e
agora estão todos com um problema ecológico e trabalhando em uma tecnologia cujas conseqüências
eles não dominam. Por exemplo, se alguém disser para um finlandês que o Fernandinho Beira Mar usa
Nokia, o telefone celular dele, para comandar o tráfico, eles vão ficar talvez meio chocados. Poxa,
botamos o ovo e ao invés de sair galinha, sai o crime, ou seja, cada um tem um caminho.
A Finlândia não é uma maravilha, não, a Finlândia é a Finlândia, o Brasil é o Brasil e a Espanha é a Espanha, e
o Chile é o Chile, cada um é um País com uma história, com uma coisa. A mesma coisa é Portugal. O que os
portugueses fizeram aqui no Brasil, fizeram educação emancipadora? Que nada, fizeram educação
inovadora; substituíram o tupi pelo português, substituíram adoração à lua pela hóstia consagrada, o
mistério da natureza pelo mistério da epistemologia, e tudo bem. Com tudo isso, querendo abraçar o
mundo com as mãos, Portugal quis ser um País imperialista. Angola, Moçambique, Goa, Macau, Brasil.
Chegou a um ponto que não agüentaram mais. Ouviram o que ele falou, que tiveram que repatriar
100.000 angolanos. Ele mesmo era angolano. Então, Portugal é outra realidade, e se Portugal tem hoje um
PIB do dobro do Brasil, pode estar certo de que, em grande parte, eles se integraram na comunidade
Européia de nações e se contaminaram do progresso geral da Europa, que explora a nossa riqueza daqui.
Então, não vamos querer achar que vamos imitar Portugal, a Finlândia, e a Venezuela. Tenho grande
admiração por muita coisa na Venezuela, mas a Venezuela vive sabe como, de petróleo, e o Chávez não tem
vergonha de dizer: está barato ainda, eu quero é 100 dólares o barril, vocês já ouviram essa declaração
dele? O Chávez falou que o petróleo ainda está barato que enquanto não chegar a 100 dólares o barril, ele
não estará contente. Então, 2/3 do PIB venezuelano é da exportação do petróleo. Eu viajei por lá. Punha
gasolina no tanque, oito centavos a gasolina, porque 85% é exportado. Eles estão surfando na
necessidade de um monte de gente, inclusive dos inimigos deles. Os americanos é que sustentam eles.
Porque se os americanos fizessem um embargo, como fizeram com Cuba, o Chávez estava estrangulado,
ou então tinha que virar Estado do Brasil. Roraima ia crescer. Estou falando brincando, mas falando sério,
ou seja, plano depende de estudo da própria realidade, a realidade da Finlândia é uma, a de Portugal é
outra, e a da Venezuela é outra. Por que a gente está em um Seminário Internacional? É exatamente para a
gente desenvolver a capacidade de nos conhecermos, a gente conhecendo o outro e conhecendo as
diferenças, a gente é desafiado a conhecer a si mesmo, e aí eu chego nesse segundo exemplo que para mim
é a chave de toda a questão.
Talvez a palavra mais repetida em tudo quanto é encontro de educadores é a tal da qualidade de educação.
Quando eu fiz o concurso para consultor no Senado, caiu lá um texto, um texto do Paulo Renato, ex-
ministro, dizendo que era a hora de nós focarmos a qualidade porque quantidade a gente já tinhachegado,
já tinha resolvido, já tinha chegado a 97% de matrícula. Como se a educação de jovens e adultos a gente
tivesse abarcado algum percentual significativo, como se na educação infantil estivesse. Mas, tudo bem.
Ele focou no fundamental que é a meta do governo FHC de cobertura. Foi realmente atingida. Vamos,
porém, nos lembrar do Emir Sader, que educação a gente quer para as nossas crianças? Que é educação? É
jogar a criança dentro de uma escola que tem um muro de 2 metros de altura, arame farpado, que precisa
ter nota. Todos aqui, ontem, ficamos surpresos e gostamos de saber que na Finlândia a avaliação não é mais
classificatória, não tem nota, é claro. Porque no Brasil nós ainda temos nota por uma razão muito simples -
a educação nossa começou sendo elitista e depois passou a ser altamente seletiva. Olha só a briga lá na
porta do Congresso por causa de cota. Cota é uma idéia reparadora tão pequena, tão simples, mas está
dando a maior confusão porque o PSDB é contra, embora o primeiro projeto tenha sido do Antero Paes de
Barros. Esquisitíssimo. O projeto dele no Senado aprovado em 1999, depois o pessoal percebeu que não
era bem aquilo que queria. Agora estão contra a cota, porque a cota destrói a seletividade econômica e
social e coloca, de novo, as pessoas mais próximas da igualdade de direitos, diga-se de passagem.
Pena que eu não vou poder ficar para o debate, mas eu não sou a favor de cota. Eu sou a favor de sorteio.
Para mim, todo mundo terminava o ensino médio, tinha um exame de Estado, um ENEM, para obter uma
nota mínima. Quem quer fazer medicina, tem 3000 pessoas em Pernambuco querendo fazer medicina,
quantas vagas tem? 100, sorteia, são 100 que entram lá, que já têm os dois pré-requisitos, têm o ensino
médio e tem capacidade. Isso é idéia do Rubem Alves, uma idéia maravilhosa de um psicanalista e
educador. Se eu falo isso, tem gente que fala; e a qualidade? Como é que vai ficar a qualidade? E eu falo, é aí
que vai ficar bom, porque aí a Universidade vai receber, não filhinho de papai treinado, mas vai receber a
realidade, vai ser a mesma coisa do cara lá em José de Freitas. Eu não fui alfabetizado, eu quero ser, isso é
uma farsa. A Universidade, tendo um monte de gente desqualificada entre aspas, está qualificada mas ele
acha que não está, ela ia ter que ter um ciclo básico como tem na Argentina. Ela vai ter que pensar na
formação de professor.
Eu outro dia fiquei meio escandalizado porque meu filho (a gente não pode nem contar certas coisas em
público) mas tem que fazer como o cara lá de José de Freitas. Meu filho é licenciado em História por uma
Universidade Federal e, segundo a LDB e segundo o Conselho Nacional, a gente precisa ter no mínimo 300
horas de prática de ensino supervisionado, curso de pedagogia, curso de geografia, história, precisa ter
300 horas no mínimo. Está na LDB isso. Não está só no Conselho não. E agora fizeram mais ainda: 300 horas
de prática de ensino supervisionado. Sabem quanto ele teve? 2 horas. Ele deu duas aulas no cursinho pré-
vestibular, e com isso atestou-se, 300 horas no currículo; histórico escolar da Universidade Federal, 300
horas de prática. Não pensem que isso aconteceu só com meu filho. Estou procurando que nem o Diógenes
com a lanterna. Estou procurando algum aluno que tenha feito licenciatura, que realmente cumpriu 300
horas de prática de ensino. Aí começa o brasileiro a interpretar. Não, não precisa ser tudo de ensino, pode
ser de observação, depois pode ser participação, depois pode ser de projeto, depois um relatório. O
relatório vale 50 horas. No duro é um negócio esquisitíssimo.
Estou esperando pessoas, estou querendo que se apresente aqui no plenário, quem fez prática de ensino
mesmo, supervisionado. Sabe o que quer dizer supervisionado? Com um professor que acompanhe, que
saiba o que é que você está fazendo. Se fez besteira, corrige. Se foi coisa bacana, aplaude. Pois é, a
Universidade não recebe a realidade dentro dela. Ela recebe os eflúvios da classe média ascendente, como
dizia Anísio Teixeira.
O menino ou a menina faz o cursinho, passa e vê o nome dele ali. O que é que ele faz? Ele põe fogo nas
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apostilas. Vocês já viram como é que se comemora? Ele põe fogo em tudo aquilo e fala: agora eu estou na
UFPE, agora estou na UnB. Agora eu estou na UFMS. Eu estou não sei onde. E aí ele fica um todo-
poderoso.O Timothy, o nosso reitor da UnB, tem um estudo que não foi publicado, porque não deixaram,
onde mostra que os primeiros colocados nos vestibulares da UnB têm piores desempenhos que os últimos.
E isso não é só na UnB, não. Isso é meio geral, porque o cara passa a achar que ele é o dono da verdade, que
ele pode fazer meio ano do curso de medicina. Depois ele passa para comunicação. Depois para direito. E
quando vem o Deli Salvatico com um projeto dizendo assim: vamos ter eqüidade, vamos dar só uma
oportunidade para o cidadão de entrar em uma Universidade pública. Entrou, não vai ter mais. Onde já se
viu isso? É contra a igualdade de oportunidades.
Eu pretendia falar menos, mas me entusiasmei. A questão da qualidade é uma questão complexa demais,
uma questão muito complicada para ficar reduzida à SAEB. A SAEB é um indicador, é um diagnóstico mas
para a gente trabalhar a melhoria da qualidade, temos que fazer um planejamento participativo. A
professora, cujos alunos não estão conseguindo ser alfabetizados, tem que entrar no projeto de
participação, como dizia o Callegari, a partir da escola, um projeto participativo de planejamento.
O Programa de Livro Didático é uma maravilha. Agora, com todo o respeito! A minha esposa dá aula no
segundo ano. Segunda série, agora, chama B.I.A - bloco integrado de alfabetização, 6, 7, 8 anos. Ela está
com as crianças de oito anos. Mostrou-me o livro didático do MEC. Minha casa é o nome da lição. Minha
casa, fotografia de uma casa no bairro do Morumbi, em São Paulo, e outro apartamento na Avenida
Paulista, em São Paulo. Os alunos lá da Ceilândia não conseguem identificar; pensam que aquilo é coisa de
barão. Como é que está escrito minha casa, se ele nem tem casa, mora em um barraco. Então, por amor de
Deus, vamos descer desse pedestal. O Programa de Livro Didático, com todo o respeito, pode ter sido bem
intencionado, mas para mim virou uma muleta de professor que não quer organizar e planejar a sua aula.
Abre o livro na página 20, e aí o pessoal surfa no irreal. Daqui a pouco toca a sirene e vai fazer uma prova
maluca. Não aprendeu nada. Não aprendeu porque aquilo não é significativo para ele ou para ela.
Mestre de Cerimônias: Eu peço desculpa a todos, em função da necessidade da saída do Professor João
Monlevade para o Congresso. A gente sabe o quanto é importante, em função do que está sendo votado.
Um comentário rápido até por conta de experiências que a gente vive por aqui. Eu entendi muito bem o
que foi colocado em relação ao planejamento, mas a gente não deve levar a imagem de que aquela prá-
tica de ensino, pela qual o formando está passando, não se resuma ao momento de ministrar a aula.
Temos que considerar, como atividade de ensino, o planejamento, as observações da coordenação,
a pesquisa, a avaliação dele em relação aos alunos, todas essas atividades têm que ser consideradas
também como prática de ensino. (A gente vai ver aí o que aconteceu recentemente aqui, que o fato de você
sair de sala de aula para coordenação não é considerado como tempo de docência, ou para direção de
escola, por exemplo).
Professor João Monlevade: Eu realmente fico muito chateado por não poder ficar aqui para o debate.
Sei que a minha fala normalmente é provocativa e é assim mesmo, eu já sou uma provocação ambulante.
Com todo respeito ao colega, o currículo do curso de pedagogia tem três mil e tantas horas, para ele
planejar, para ele aprender um bocado de coisas, tem as outras disciplinas. Prática de ensino é prática e
ensino, e não é só de ensino não, é supervisionado. No curso de medicina você acha que pode ficar
planejando cirurgia? Desde o primeiro ano vai ter que pegar no cadáver, depois começa a pegar no vivo. O
importante é a pessoa terminar o curso formado, porque o que é que se planejou, se planejou que aquele
menino ou aquela menina vai ser um professor de séries iniciais. O que é fundamental? É a alfabetização.
Pergunta-se: Quantas pessoas recebem o seu canudo tendo alfabetizado alguém? É totalmente inseguro.
Assim como o médico já fez cirurgia antes de ser médico - é claro, do lado de um médico - então o supervisor
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de prática de ensino tem que estar ao lado do aluno para guiá-lo. Mas tem que ser de ensino, por amor de
Deus. Esqueça o que você falou; 300 horas é de ensino mesmo, você tem 3000 horas para fazer tudo isso
que você falou. Fechando, espero que eu tenha passado a seguinte mensagem: políticas educacionais nós
temos sempre, que são intenções e ações. Só que essas intenções e ações não dão conta de chegar até a
meta, até o objetivo. Para isso existe, então, a necessidade do planejamento, e o planejamento precisa ser
na visão de totalidade, científico e participativo. Se ele não tiver essas três qualidades intrínsecas, não é
plano, e é por isso que o Plano Nacional de Educação, não é plano, porque ele não teve essas três coisas. Sua
cientificidade foi uma cientificidade burocrática.
Há muitos diagnósticos, um monte de quadrinhos. Mas não nasceram de baixo para cima. A visão de
totalidade não houve, porque é um Plano Nacional de Educação que não está articulado com o resto. Tanto
é verdade que foi vetado. A primeira coisa que o FHC fez: vetou os 7% do PIB para educação. É claro, não
estava articulado com a economia. Os economistas riram, deixaram os educadores sonhar, sonhar, sonhar,
quando chegou a hora H. Veto. Não derruba o veto, não derrubou e não derruba, porque o Ministério da
Fazenda não tem a humildade de vir a um encontro desse aqui. Diga-se de passagem, de parabéns todo
mundo, mas enquanto a gente não tiver o Ministério da Fazenda e do Planejamento em nossas atividades,
nós estamos engatinhando. Observa-se na Finlândia e em Portugal o pessoal não está na mesma.
Lembram-se quem veio falar ontem aqui, para nós? O embaixador, o embaixador é representante do País.
Ele não é educador.
Termino, desejando o máximo de reflexão. Concluindo com o seguinte: o grande problema, no meu
entendimento, ficou muito claro com a intervenção do companheiro. O grande problema da educação
brasileira é que a escola tem dono. Escola não podia ter dono. A escola pública é do povo, é dos alunos, é da
comunidade. Infelizmente ela tem dono. Ás vezes é o diretor, às vezes é o prefeito, às vezes é o governador,
e às vezes - eu vou falar baixinho - é a corporação dos professores que, na hora de fazer uma eleição de
diretor, troca favor. Eu voto em você se você deixar que eu chegue atrasado. Eu voto em você se você deixar
que eu saia adiantado. Não estou brincando, isso é muito sério. Para provar e terminar, tempo esgotado,
para provar e terminar, tanto essa escola tem dono, que na hora de matricular um filho, o que é que faz o
diretor, o que é que faz o prefeito, o que é que faz o governador, o que é que faz o professor, não confia na
sua própria escola, vai colocar em uma escola da burguesia, naquela educação que não tem nada de
emancipadora, na educação opressora e dominadora. Obrigado.
Mestre de Cerimônia: Muito obrigado ao senhor João Monlevade, que já nos explicou os motivos pelos
quais em breve terá que sair para acompanhar a votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado,
do substitutivo do FUNDEB. Eu quero apenas fazer um rápido comentário. Não é sobre isso, mas em relação
à fala dele. Entre as funções do Conselho Nacional de Educação está a de avaliar o Plano Nacional de
Educação. Essa avaliação, conforme reza a própria lei desse Plano, foi realizada o ano passado. Até o
começo deste ano já que no quarto ano de existência dessa lei, o Brasil, o Congresso Nacional e o Conselho
Nacional de Educação, Ministério da Educação, deveriam preparar uma avaliação.
Quero apenas dizer e recomendar que apesar de todos os problemas de ter nascido como nasceu o Plano
Nacional da Educação, os vetos que aconteceram, é um documento que vale a pena ser visto, revisto, relido
e examinado. Uma das características importantes desse Plano Nacional de Educação é que ele diz respeito
também a objetivos e metas. Ele não para no diagnóstico. Porque se o diagnóstico - nos ensina aqui, João
Monlevade - ele é necessário, ou tem características científicas nessa obra de criação e de imaginação.
Apenas o diagnóstico, porém, não é suficiente. É freqüente que nos planos de avaliação e de educação as
pessoas parem no diagnóstico, e talvez seja o momento mais interessante, porque revela o nosso
conhecimento e tudo mais. Mas a fixação de objetivos, e mais do que isso, metas, no meu modo de
entender, é uma maneira pela qual se pode estabelecer o contrato social de sustentabilidade de um plano.
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Sem metas, sem objetivos quantificados, não sabemos onde vamos chegar. E não sabemos onde
chegamose por que não chegamos. O Plano Nacional de Educação tem como uma de suas qualidades,
esta. Verificamos, por exemplo, que parte significativa das metas e dos objetivos postos no Plano
Nacional de Educação não foram atingidos, mesmo considerando que são apenas quatro anos, ou não
foram atingidos nem parcialmente. Isso nos indica e coloca a todos nós o desafio de rever as condições, as
dificuldades para que aquelas metas e aqueles objetivos possam de fato ser alcançados. Porque, embora
tenha algumas coisas um pouco mais ousadas, as metas do Plano Nacional de Educação são até tímidas
para aquilo que o Brasil precisa de fato, em um horizonte de plano decenal.
Passo, sem maiores delongas, a palavra ao Professor Ladislau Dowbor, um homem de grande experiência
nas atividades de planejamento, que tem dado uma enorme contribuição às possibilidades de formulação
e implementação de políticas públicas em nosso País.
Professor Ladislau Dowbor: Bom dia a todos. Queria comentar essa divisão curiosa - todas as mulheres
estão aqui e os homens, ali. É interessante, é curioso o comportamento masculino, até os homens que
estão aí, estão em ilhas. Bolinha e Luluzinha atacaram. E alguns heróis ali que estão inseridos efetivamente
nas questões. Deixa-me comentar um ponto que me parece essencial. É o seguinte: eu sou economista,
trabalho com educação há mais de 30 anos. Participei curiosamente das primeiras experiências de
alfabetização do Gabão, com Paulo Freire, com Madalena Freire. Enfim, sempre tive esse lado, mas sempre
um pouco a visão do lado da economia e da viabilização organizativa ou organizacional, digamos assim,
desses processos, porque acho que todos nós queremos mudar e fazer avançar as coisas. Temos, porém,
imensa dificuldade em dar forma organizacional concreta. Digamos, de mudar o processo decisório sobre
as dinâmicas educacionais. E, de uma visão de economia de quem trabalha com o processo de
desenvolvimento de forma mais geral, o que está mudando é o seguinte: educação não é mais aquela
coisinha simpática, social. Enfim, igualar as chances dos pobres e coisas do gênero. Educação, hoje, é
trabalho com o conhecimento. Conhecimento está no centro das transformações sociais do planeta. E
econômicas. Ou seja, a educação se tornou vital não só para os educadores, para os meninos e para essas
coisas. A educação se tornou vital para a economia, para o desenvolvimento do País. A escola hoje, o
educador hoje, está no centro do furacão, e não está respondendo, em minha visão.
Tivemos uma reunião aqui em Brasília há uns tempos atrás com a diretora de comunicação e informação do
Banco Mundial. Ela trouxe a seguinte visão: a nossa agenda é bem simples; o problema central é
desigualdade e pobreza. Não se enfrenta pobreza sem desenvolvimento, não há desenvolvimento sem
participação. Esse negócio de projeto que chega de pára-quedas todo mundo já cansou. E não há
participação sem uma população informada, informada no sentido mais amplo, formada e informada.
Enfrentar desenvolvimento, participação e informação. Ou seja, quando tento ver a dinâmica da
educação, tento olhar essa conexão entre os processos de desenvolvimento, no seu conjunto, e as
dinâmicas educacionais. Na minha visão, acho que vai à linha do que o João Monlevade estava levando
aqui, a educação não se resolve de dentro da educação. Os objetivos não são puramente educacionais; os
objetivos são a dimensão de conhecimento do conjunto do processo de desenvolvimento.
Estamos evoluindo muito rapidamente para a sociedade do conhecimento, mas muito rapidamente. As
pessoas acham que essas coisas são do futuro. A conexão à Internet é só para poucos. Isso é tudo bobagem.
Vejam como se espalhou o telefone celular. É como o fogo. Temos a revista desta semana de New Science da
Inglaterra. Está mostrando sistemas que cidades pelo planeta estão adotando. É uma coisa super simples e
extremamente barata. São pequenas antenas retransmissoras em postes de luz. Fazem com que o sinal
banda larga e a Internet no espaço urbano circulem sem fio. Resultado: qualquer pessoa se conecta, no
parque, à Internet sem precisar ter fio, sem conexão nenhuma. Estamos falando de coisas que estão
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existindo na Pensilvânia, que estão existindo e estão sendo montadas em Washington. Em cidades da China.
E que implicam, por exemplo, em áreas que, em geral, são sistemas públicos. Onde são privadas, estão
disponibilizando acesso à Internet, banda larga a nove dólares por mês, para toda a população. Todo
mundo está conectado, ou seja, toda criança está conectada com essa coisa. E os computadores, vocês
estão vendo os programas que estão surgindo agora. Computador de cem dólares. Estamos evoluindo para
esse processo. Lembro de uma professora que me disse: professor, o senhor está sonhando, o senhor anda
muito pela Europa, nós ainda temos problema de ter o Aurélio na escola. É óbvio que em um País
extremamente desigual, a desigualdade é o problema chave do País. Estamos trabalhando em duas
velocidades. Resolvemos educação de luxo para um segmento da população, e de certa maneira estamos
muito parados com o processo de inserir, com honestidade e com reais oportunidades, a massa de jovens
que estão surgindo no País. Isso é muito latino-americano. Nós tivemos uma reunião há três meses atrás
com o presidente Lagos, no Chile, na reunião do CLAD. Levantaram-se justamente a tragédia que é a área
social, educação, saúde e cultura. Soluções de luxo para a minoria e marginalizamos o grosso da população.
O nosso eixo central é fazer a ponte nesse processo. Não queremos uma cidade com uma sociedade,
digamos, desarticulada. E nesse sentido a educação tem um papel obviamente fundamental.
Deixa-me trazer mais uma idéia que me parece básica. É a seguinte, que estava na linha do que o João
Monlevade estava levantando, quando ele falou em 40% de analfabetos funcionais. Na realidade, o que
está acontecendo é o seguinte: nós continuamos a medir analfabetismo como aquela capacidade de ler
frases simples, coisas do gênero e não estamos levando em consideração, pelo menos nas estatísticas, o
fato de que o nível de conhecimento que a pessoa precisa para não estar excluída é um limite móvel que está
subindo rapidamente. Qualquer um de nós já viu o desespero de uma pessoa com pouca formação,
tentando tirar dinheiro no caixa eletrônico. Ele tem 5 segundos para ler uma frase e verificar que botão deve
apertar. E a pressão de uma fila atrás dele, e xingando, às vezes. O que é que está acontecendo? Precisamos
de uma dinâmica de inserção da população no conhecimento.
Eu utilizo não mais o conceito de educação nesses processos, mas o conceito de conhecimento, de uma
maneira mais ampla. Eu vejo a escola um pouco menos como lecionadora e muito mais como articuladora
das dinâmicas de conhecimento no território onde ela está inserida.
É nesse sentido que eu queria apresentar algumas visões, que tenho. Vou resumir porque vocês têm isso
nesse caderno de textos. Fiz um pequeno texto chamado A Educação para o Desenvolvimento Local.
Gostaria que vocês vissem. Tem uma versão mais ampla desse texto, em um pequeno livro meu que se
chama Tecnologias do Conhecimento, os Desafios da Educação. Vocês podem pegar no meu site, que é
muito simples, dowbor.org.
Quando falamos do desenvolvimento do País, de maneira extremamente ampla, a gente vê os grandes
problemas. Mas este País tem 5.560 municípios. De certa maneira, construir a economia do País é construir
cada um dos blocos que constituem esses municípios. Precisamos construir a economia local a partir de
cada município.Da mesma maneira, a economia não vai funcionar se as empresas não funcionam. Ou seja,
nós temos que olhar para a base, e se estamos criando efetivamente o nível de formação dos recursos
humanos necessários para esse desenvolvimento, no nível local. Eu visitei uma região chamada São
Joaquim, no sul de Santa Catarina, que era a região com mais baixo IDH do Estado. Curiosamente, a gente
tem tendência a esperar que o desenvolvimento chegue. Vai chegar uma empresa, vai chegar um grande
projeto do Estado. E o pessoal cansou de esperar, arregaçou as mangas e disse: desenvolvimento não se
espera, se faz. Foram identificar o que é que é que se tinha, fizeram parcerias através das escolas com
universidades regionais e fizeram pesquisas do potencial econômico da região.Viram que pelo clima e pelo
tipo do solo, havia possibilidade de produzir frutas fora de estação e de boa qualidade e se lançaram nisso.
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Cooperativas, pequenos produtores. É uma das regiões que mais rapidamente cresce no País. É
impressionante. Houve uma apropriação, via conhecimento, da própria região, da dinâmica do
desenvolvimento. Não ficaram esperando que chegasse uma Sadia, que vai colocar todo mundo para
criar porco e vai poluir toda a região e esse tipo de coisa. Eles realmente se apropriaram do processo.
Isso é muito interessante.
Deixa-me dar outra versão dessa dinâmica. Fui visitar uma cidadezinha. Fiz um trabalho para o UNICEF,
problemas de crianças de risco. Fui visitar uma pequena cidade na Itália, que não me lembro o nome.
Estava visitando e passando por um pessoal na praça e pisei na água. O pessoal riu. Eles devem fazer isso
com tudo quanto é visitante. Na realidade, a praça inteira é em baixo relevo em relação à cidade. Eu tinha
pisado no rio. O que é que eles fazem. Eles trazem as crianças e mostram; olha cadê o teu bairro onde é que
estão as indústrias,como sopram os ventos aqui, aí botam um pouquinho de água colorida na parte
montante do rio e mostram, olha, vocês vão ver agora a poluição que faz aqui, onde é que ela vai penetrar.
O que eles estão fazendo? Estão fazendo a criança apropriar-se da realidade. Entender a realidade onde
vivem, entender do que se trata, do concreto, e estão dando uma dimensão teórica e cientifica à
compreensão fragmentada que está na sua cabeça. Ele conhece aquelas coisas, mas não entende. De
repente, coisas que ele conhece passam a ter sentido. Isso é construção de capacidade cientifica, isso é
prodigiosamente pedagógico. Portanto, o primeiro ponto que eu queria mencionar era essa dinâmica da
construção a partir do conhecimento local, e examinar o potencial que isso pode ter para modificação de
algumas visões pedagógicas, em particular do currículo.
O segundo ponto é o seguinte: todo mundo acha que a economia é coisa globalizada, e é realmente em
algumas áreas. Comunicação e finanças se globalizaram. Mas, na realidade, quando a gente pensa a
escola do meu bairro é uma coisa local. O médico da minha família é uma coisa local. O hortifrutigranjeiro
do meu café da manhã é local. As ruas, guias, qualidade do meu transporte são coisas locais. A segurança,
ou não, no meu bairro é local. A riqueza ou pobreza cultural da minha cidade é uma coisa local. Grande
parte das coisas mais elementares do nosso cotidiano, da nossa vida, são coisas locais e, em todas, a gente
pode interferir. Agora pensem o seguinte. Os cidadãos daquela cidade nunca receberam uma aula sobre a
sua própria cidade. Estudaram tudo sobre D. João VI, dona Carlota Joaquina, com todo respeito. E a
professora lhe explica. Você vai ver como é importante a dona Carlota Joaquina na tua vida. Um dia você vai
entender. Aqui, todo mundo entendeu a importância. Eu não sei de quem é o nome da minha rua; eu
não sei quais são as fontes de poluição da minha cidade; eu só aprendo alguma coisa sobre a minha cidade
a cada quatro anos porque tem a campanha eleitoral e um bocado de vereadores dizem: tal bairro
tem tantos analfabetos; tal bairro tem problema de saneamento, só então vem um pouco de informação
sobre a minha cidade.
Não temos um sistema organizado de informação que permita às pessoas exercerem a sua cidadania,
como Monlevade falou, quando você não conhece essa realidade, como é que você entende? Como é que
você é cidadão? Como é que você faz planejamento da educação, sem saber? Planejamento da educação
para quê? Sobre que realidade? Portanto, nem tudo se globalizou, o essencial das intervenções são
problemas locais e a gente pode inserir essa compreensão dos problemas locais no currículo local.
História, geografia, ciências sociais, as mais variadas áreas podem inserir esta dinâmica dentro da sua
análise e, digamos, reconstruir esse currículo.
Outra idéia importante, das nossas mudanças mais amplas, é o problema da urbanização. Quando
éramos, nos anos 50 para 60, 2/3 de população rural, a maioria da população era população rural de
espécie. Quando você tem população rural de espécie, as soluções são individuais, a família está ali na sua
casinha, a água está no poço ou no rio, o lixo é na valeta, enfim, o transporte é o jegue ou o caminhãozinho
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de segundo nível. Até a comida, muitas vezes, é a galinha, enfim, as soluções são individuais. Quando se
chega à cidade, e hoje o Brasil tem 82% de população urbana - essa população está agregada e tem que
resolver junto os seus problemas. Não posso sair fazendo poço. Quem faz poço é porque estava
acostumado. Era um tempo em que um fazia um poço, o outro faz latrina, cava outro buraco, poço, latrina,
poço, latrina, poço, latrina. Na cidade, vocês já viram o que é que acontece. Não é porque na cidade é
diferente. Tem que ter um sistema para trazer água, outro sistema para canalizar os esgotos. Tem que ter
redes de transporte, guias, sarjeta, etc. A construção da casa é até o de menos. Na realidade, o espaço
urbano é um espaço de consumo coletivo. Para vocês terem uma idéia de Países que se urbanizaram muito
anos antes de nós. A Suécia. Na Suécia, 72% de todos os recursos públicos são gastos localmente,
decididos pela comunidade. No Brasil é 13%. Qualquer cidade, hoje, tem o problema daquela periferia
pobre; problema de segurança, problema das escolas. Nós nos urbanizamos, em termos históricos de
maneira extremamente rápida. Essa mudança de 2/3 rural, para 82% urbano, se deu nos anos 60, 70 e 80
basicamente. Foi um gigantesco êxodo rural. Gerou essas periferias, insuficiência de segurança, de
escolas, etc. etc. etc. Todos esses escândalos que a gente está vivendo. O prefeito, que está na linha de
frente do problema, está no último escalão do recurso. Ou seja, com a urbanização se desenvolve
necessariamente o processo colaborativo de construção daquele espaço chamado cidade, e não adianta
eu combater a dengue e tirar as águas paradas, se o vizinho não tira. Porque isto é sistêmico, a cidade é
sistêmica. Ela exige um processo colaborativo. Como nós vamos ter um processo colaborativo se os
cidadãos não conhecem a sua cidade? Precisamos criar cidadãos que entendam a sua realidade, para poder
gerar processos colaborativos, processos de desenvolvimento. Em Porto Alegre fizeram uma coisa muito
simples. A Secretaria da Fazenda botou em mapas digitalizados, aquilo que tem como arquivo. Por
exemplo, alguém que vai abrir uma farmácia tem que ter um alvará de funcionamento, endereço com os
dados. Se pede um alvará para abrir uma farmácia, o funcionário dirá, você quer abrir uma farmácia onde?
Em tal lugar. Mostra-se o mapa da cidade, as farmácias, e mostra para ele e diz: aqui onde o senhor quer
abrir uma farmácia, já tem quatro. Aquele outro bairro não tem, a população está precisando, o senhor faz
um bom negócio para si e um bom negócio para a cidade, instalando a farmácia lá, não aqui. Não é obrigar
as pessoas a ver o plano, mas dar as informações para que a população possa, segundo os seus interesses,
tomar decisões que sejam sistematicamente úteis. Ou seja, criar a informação para a população é vital para
esses processos colaborativos funcionarem de maneira inteligente, para você ter cidadãos. Não basta só a
Secretaria da Fazenda ter mapeado os alvarás das empresas. Na realidade, temos que criar essa base de
conhecimento a partir da formação do jovem. É claro, assegurando que o professor tenha informações
para fazer isso. Como é que o professor pode fazer isso se não tem conhecimento da realidade?
Temos que transformar a escola em um sistema de parcerias. Temos uma professora, que trabalha no Paula
Sousa, Mariluce Alves. Está terminando o doutorado agora - educação em parcerias. Se a escola se articular
com o SEBRAE da região, com o escritório do IBGE da região, com o sistema, de maneira geral, com
empresas. Muitas delas têm pesquisas de marketing - pesquisas sobre a região, concentração ou não de
renda, etc. Se vocês olharem qualquer região, qualquer cidade tem um manancial imenso de informações
que estão dispersas, fragmentadas e desorganizadas. Se tem alguém que pode articular esses
conhecimentos e torná-los úteis para formar as pessoas é a escola. Não basta só a biblioteca ter lá o
Monteiro Lobato, etc. Tem que ter o conjunto do sistema de informação da região, que sirva de base para os
professores poderem trabalhar de outra maneira. Para dar um exemplo, em uma cidade americana,
Jacksonville, as ONGs locais organizaram um sistema de qualidade de vida da população - educação,
segurança, etc. O que é interessante. Porque a gente é chamado a votar segundo quantas camisetas cada
candidato distribui, ao invés de saber quais são os resultados efetivos em termos de avanço da nossa
cidade. Temos o cálculo do PIB que sai todo dia nos jornais, 3%, 2,5%, etc. Não temos uma informação
básica, se está evoluindo ou não em termo de qualidade de vida em nosso município.
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Há 22 municípios no Oeste paranaense, na região de Cascavel. Elaboraram um sistema municipal de
avaliação de qualidade de vida, de maneira mais modesta do que Jacksonville faz nos Estados Unidos.
Jacksonville tem um relatório anual de avaliação do progresso da qualidade de vida da cidade. Nesses 22
municípios cada um tem seu sistema. São 22 indicadores muito simples, definindo a periodicidade,
metodologia, responsabilidade etc. Permite à população saber se estamos melhorando, ou não. Ali se vota
muito menos a quantidade de camisetas e muito mais segundo resultados. E isso pode servir de base para
as próprias crianças aprenderem a avaliar como está evoluindo a cidade deles.
Piraí, no Rio de Janeiro, uma cidade pequena, não é Barra do Piraí, é Piraí, tem um prefeito muito invasivo,
muito pidão, que até chamam de Pezão (ele realmente usa 48). O Pezão fez um acordo com a Universidade
Federal Fluminense. Chamou Franklin Coelho e perguntou-lhe: Como é que a gente organiza um Piraí
digital? Fizeram um sistema simples. Pegaram aquelas torres de retransmissão de celular, fizeram um
convênio para colocar retransmissão de rádio e banda larga à Internet. A recepção é cara. Então, fizeram
um sistema híbrido. Em todas as regiões principais daquele espaço municipal, receptores, e a partir daí a
capilaridade veio por cabo. Começaram com as empresas, todas as escolas, hospitais, etc. As empresas
passaram a ganhar muito mais dinheiro, porque um pequeno comerciante, ao invés de comprar do
caminhão no preço que este estabelece, ele pesquisa preço. Ele vai vender para mais gente, atrair
empresas. Começaram a ganhar dinheiro. Como é um sistema público municipal, aumentaram o preço
para as empresas, o que não as desestimulou. Com esse aumento para as empresas, subvencionam acesso
banda larga à Internet para qualquer domicilio pobre. Ou seja, naquela cidade, todo mundo tem acesso a
banda larga e Internet por R$ 35,00 por mês, no nível de uso de pessoa física.
Ainda não chegamos aos preços de grandes cidades norte-americanas, onde está $ 9,00 ou da Franca,
onde todo esse processo é integrado com telefonia banda larga, etc., a preço realmente no chão. Isso
funciona, porque todo mundo trabalha de maneira mais econômica. Ao invés de a pessoa pegar o ônibus,
pegar o carro para ir ao hospital; perder meio dia para marcar uma consulta, quem viaja é a informação,
não é a pessoa. Para quem acompanha discussões de futebol, comenta-se na Europa que o Brasil é bom de
bola, porque entendeu que não são as pessoas que têm que correr, é a bola que tem que correr. Isso é mais
inteligente, a bola é mais leve e cansa menos. A informação tem que correr e não a gente correr atrás dela.
Em Piraí, todo esse investimento, todo esse negócio, custou cerca de R$ 300.000,00. É ridículo. Se a gente
pegar um FUST, Fundo de Universalização das Telecomunicações, dá para fazer um Brasil digital, e
melhorar a produtividade sistêmica de todo o mundo, de maneira radical. A escola tem a ver alguma coisa
com isso? A escola é o ponto de organização de conhecimento, dos fluxos, de tudo isso. Não basta a
educação batalhar pela sala de aula. Tem que batalhar a base, a infra-moderna do sistema de fluidez do
conhecimento. Isso se paga, porque todo mundo fica mais produtivo, gasta menos gasolina, menos carro,
menos isso e aquilo.
Para concluir. Acho que a compreensão dessa dinâmica está entrando muito rapidamente em Santa
Catarina. Trabalhei muito lá com Jacob Anderle, que é uma pessoa que morreu há alguns meses atrás, um
educador extremamente dedicado, que era Secretário de Educação. Montou um projeto que se chama
Minha Escola, Meu Lugar. A escola passa a ensinar as crianças a realidade da vida deles. O Ministério do
Meio Ambiente está montando um sistema, que são municípios educadores sustentáveis. Não dá para
você assegurar o equilíbrio ambiental das cidades e não formar as crianças na compreensão de quem polui,
como, por que e quais são as atividades responsáveis pelo meio ambiente. Isso o que é? É uma forma de
alavanca que você tem para inserir nas escolas, na educação, todos esses processos de conhecimento do
local. Com o SENAC, em São Paulo, estamos montando um projeto agora. O SENAC tem cerca de 60
unidades espalhadas em todo o estado de São Paulo. Tradicionalmente, como de nossa tradição em
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educação, eles tiram de prateleiras cursos e oferecem. E oferecem diplomas. Ou seja, o sistema de
educação por oferta e não por demanda. Se você não organiza a interação entre a escola e seus parceiros
locais, você vai estar sempre trabalhando por oferta. Você tem que organizar a pressão da sociedade para
dentro da escola, para esse sistema de interação passar a realmente existir. Vamos trabalhar assim. O
SENAC de uma região, Presidente Prudente, por exemplo, se tornou o articulador de todo o processo de
conhecimento da região. Inclusive fazendo acordos com a USP, com o IPT, com diversas instituições
internacionais, para puxar para aquela região as informações que necessita para o seu desenvolvimento.
Isso tudo está centrado na visão de uma escola menos lecionadora, bastante mais articuladora dos
conhecimentos de uma região, através de um conjunto de parcerias. Acho que são coisas simples, são
coisas que vão favorecer uma inserção melhor da escola na sua realidade nas diferenciações. O Monlevade
falou que Finlândia é Finlândia. Posso dizer: Cabaceiras é Cabaceiras. Quando vejo o currículo nacional, e
sei que há Países diferentes aqui dentro - e põe diferente nisso sinto que se necessita de muito mais
flexibilidade, muito mais ajuste para as realidades locais.
É uma proposta. Temos que discutir muito. Gostaria que lessem o texto, dessem uma olhada no meu site,
que tem textos complementares e que se interessassem pela idéia porque vale a pena tratá-la
carinhosamente. Muito obrigado!
Mestre de Cerimônias: Muito obrigado ao Professor Ladislau. Gostaria também, apenas para marcar e
frisar essa brilhante consideração feita pelo Professor Ladislau que, no Conselho Nacional de Educação,
que é um posto muito interessante de observação sobre a realidade brasileira, acho que as pessoas que ali
militam vão se tornando cada vez mais otimistas por termos a condição de reconhecer, em muitos lugares
do Brasil, experiências que são realmente extraordinárias de construção de uma escola cada vez mais
integrada com as relações sociais.
O território da escola, como todos nós sabemos, é um território que não é físico, é um território de relações
sociais e da maneira como as pessoas interagem entre si, nos seus diferentes segmentos, classes,
condições e também com a natureza. São várias as experiências no Brasil. Acho que temos até uma tarefa
cada vez maior de procurar socializar essas experiências muito bem-sucedidas, de fazer com que
esse reconhecimento das relações sociais possa significar a construção de fato, de pactos, para uma
educação de boa qualidade.
Recentemente deixei a condução da Secretaria de Educação de um município da região metropolitana de
São Paulo, município de Taboão da Serra, com 220.000 habitantes. Ali realizamos uma experiência muito
interessante, de fazer com que a escola seja de fato articuladora de todas as suas possibilidades, e o
ingrediente fundamental para que esse processo se desse como se deu. Foi o fato de ali desenvolvermos um
projeto, um programa, de que todos os professores visitem a família de seus alunos, e passem a ter um
conhecimento muito profundo dessa realidade. Estabelece-se ali um processo de articulação, porque a
questão da participação, não pode ser também formal. Não é apenas organizar periodicamente a
possibilidade de as famílias participarem e terem reuniões de pais. E terem esse processo formalmente
participativo. É um processo de mão dupla, é um processo muito sensível. Chamamos até ali de território
dos afetos, porque os agentes educacionais todos têm que se afetar e conhecerem profundamente a sua
realidade e com isso tivemos ali - e como acontece em outros lugares do Brasil - a possibilidade de construir
um processo profundamente participativo, integrado, de conhecimento dessa realidade.
Antes de passar para o prefeito João Paulo, gostaria de registrar a presença de 50 representantes dos 255
cursos pré-vestibulares para negros e pobres. Eu vi aqui o Frei David, coordenador, idealizador do
Educafro, que é uma das mais interessantes e bem-sucedidas experiências brasileiras. Posso dizer, que
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nasce como um curso pré-vestibular, para aumentar as possibilidades efetivas de participação desse
segmento nos cursos superiores no País, mas é um belíssimo exemplo de educação comprometida com o
desenvolvimento do nosso País e a liberdade do nosso povo.
Quero agradecer a presença de todos e dar-lhes as boas vindas. O Professor João Monlevade está deixando
a nossa mesa. O Prefeito João Paulo é o Prefeito de Recife. Vai focar a sua apresentação em uma experiência
muito interessante, muito ampla, de planejamento participativo, de gestão participativa do sistema
educacional da cidade de Recife.
Prefeito João Paulo: Eu quero dar o meu bom dia a todos os companheiros e companheiras. Quero
saudar aqui os nossos companheiros, João Monlevade, Ladislau, Jorge Pavez, Erick Rocha e o Antônio
César. Primeiro, queria agradecer ao convite, principalmente ao Arlindo que me procurou para que eu
pudesse participar deste encontro. Eu, talvez, me sinta aqui a pessoa em menor condição de participar
deste debate, mas já que fui convidado, vou aproveitar a oportunidade.
Eu estava ouvindo as exposições. Achei que o debate tinha muito a ver comigo, porque venho de uma
origem extremamente humilde. Na verdade, meu pai, para vocês terem uma idéia, se aposentou como
cobrador de ônibus. Fui operário de fábrica metalúrgica durante um bom tempo. Talvez eu tenha
aprendido com o meu pai e minha mãe. Eles me diziam sempre que o conhecimento é a maior riqueza que
um pai pode deixar para um filho. Hoje eu repito isso em nosso governo. Acho que o conhecimento, a
educação, é a maior riqueza que um governante pode deixar para o seu povo. Também, na minha vida,
sempre estive preocupado com o conhecimento, com aprender, poder fazer melhor. Para vocês terem uma
idéia, eu sonhava em ser padre. Mas como padre não podia casar, eu disse: eu estou fora desse negócio,
porque não vou resistir à tentação. Queria ser coerente. No mínimo para não assumir uma coisa que eu não
tinha condição de bancar. Minha mãe já dizia, que quem não pode com o balaio, não põe a rodilha na
cabeça. Então, não ia assumir uma coisa que eu não podia bancar. Queria ser padre porque achava que
poderia dar uma contribuição ao meu espírito.
Mas sou de tradição católica. Fui da Legião de Maria, fui da Cruzada. O meu grande problema era porque
que os apóstolos faziam milagres e eu não fazia. Não aceitava aquilo e tentava encontrar o caminho da
iluminação. Passei por diversas escolas secretas do conhecimento. Fui da Sociedade Teosófica, fui Rosa
Cruz, passei pela escola de iniciação dos magos e hoje faço meditação transcendental. Acho que foi onde
eu me encontrei. Faço meditação transcendental porque eu tenho uma ansiedade muito grande para
descobrir o caminho da iluminação, etc. porque quem é cristão diz que o homem é a imagem e semelhança
de Deus. Então se nós somos, somos tão importantes como qualquer ser humano e talvez tão poderosos
quanto. Eu não me convencia. Depois eu descobri o movimento de esquerda. Sou um socialista convicto.
Comecei a minha militância política na Juventude Operária Católica, na JOC. Fui militante de JOC durante
muitos anos, e, em 1978, já estava com 6 anos de movimento, fazia parte, nessa época, de um partido
comunista revolucionário, que era o PCR. Foi quando recebi um convite de Paulo Freire que estava no exílio,
que tinha um sonho de formar lideranças do movimento operário popular através do CEDAL. Fui
convidado e passei 6 meses na Europa. Ele chamava você para estudar desde o surgimento do homem até o
que denominávamos, naquela época, de Países em transição para o socialismo. Paulo Freire, inclusive, foi
um dos educadores de diversos grupos l`tino-americanos que foi estudar. Fizemos França, Itália, Espanha
e Portugal, durante seis meses.
Acho que, na verdade, estamos vivendo em um mundo que está se transformando cada vez mais
rapidamente, que está fugindo ao nosso controle, totalmente. A era do conhecimento - e eu vi que foi
colocado aqui - não se passa só na formação intelectual. Eu tinha um professor que dizia: a educação não é
só a intelectualidade, o conhecimento teórico, mas é também - é o que eu entendi que ele dizia - que eu era
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adolescente naquela época - mas eu acho que o conhecimento temos que estender para todas as áreas da
nossa vida. Por exemplo, eu montei uma estratégia para ganhar 20 anos de vida. Sou uma pessoa que faço
meditação para reduzir o estresse porque a política, você sabe como é, e no PT nem se fala extremamente
estressante. Então eu faço meditação transcendental. Nado, segundas, quartas e sextas de cinco horas
às seis horas da manhã. Estou nadando 1.900 metros de segunda a sexta-feira. Estava nadando antes
da campanha, 2.700. Na própria sexta-feira, eu saio de cinco às seis de casa. Depois, passo em casa, tomo
um banho e faço, de sete às oito, pilates; terça-feira, faço hidroginástica; quinta, faço uma hora
de osteopatia. Eu descobri, também, nessas minhas buscas, que se eu não cuidar de mim, não tem quem
cuide da minha fisiologia.
Acho que essa questão da educação e do conhecimento está ligada a todas as áreas da nossa vida, então
você vê muitas vezes um copeiro que tem muito conhecimento, mas não cuida absolutamente nada da
fisiologia dele e os problemas que isso pode trazer para a vida futura pela falta de cuidar do seu corpo. Tudo
isso, só para vocês me conhecerem um pouquinho e saberem com quem estão falando.
Venho do movimento de Igreja. Sou da fundação do PT. Fui presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Fui
vereador do PT. Dez anos deputado estadual, e o primeiro prefeito operário da cidade do Recife. O primeiro
prefeito reeleito da cidade do Recife. Estamos no sexto ano de gestão e na verdade temos um governo que
é um governo que inverte as prioridades. Cuida da cidade como um todo, até porque não tem como não
cuidar da cidade como um todo, de toda a população, mas com o foco centrado em uma cidade que tem
um milhão e meio de habitantes, mas um milhão e cinqüenta mil pessoas que vivem na pobreza ou
abaixo da linha da pobreza.
A partir desta gestão, entendemos que há necessidade de garantirmos a participação. Entendendo a
questão da participação como a construção de poder, sou um pouco conservador nessa linha. Gosto de
usar alguns termos mais clássicos e também deixar de usar. Vamos supor a questão da mais valia que é
produzida. O que estamos falando aqui é da produção dos trabalhadores, que cada vez mais estão
desempenhando um papel talvez menos importante nesse processo. A tecnologia chegou em um ponto
em que está inserindo, como a gente poderia dizer, o cérebro humano nas máquinas. Por exemplo, eu
trabalhei de fresador, torneiro. A minha profissão não existe mais, porque as máquinas essencialmente
fazem isso, e fazem três ou quatro vezes mais rápido que eu e talvez melhor do que eu. Você não tem a
perfeição, a perfeição que pode dar uma máquina em determinado momento.
Há um processo destruidor do ser humano. Vi um debate na televisão - e eu não sei quem falava - mas dizia-
se que, antigamente, as pessoas tinham um curso primário e conseguiam sobreviver com aquele curso,
porque tinham uma função para ela fazer. Hoje em dia a quantidade de pessoas que tem um curso superior
e não consegue mais ter a oportunidade de trabalho é uma coisa impressionante. Isso, quem chega ainda a
ter um curso superior.
Em nossa gestão, temos investido muito na participação popular. Hoje, Recife é a cidade que tem,
proporcionalmente, a maior participação popular do Brasil. Para isso, desde o início do governo, criamos uma
Secretaria de Orçamento Participativo e Gestão Cidadã, com secretário, com estrutura, com uma empresa de
informática à disposição da participação popular. As votações são on-line. Quer dizer, o cidadão está
votando e está acompanhando no painel o resultado da votação, e dedicamos quase que cem por cento dos
investimentos da cidade, através do orçamento participativo, são decididos através da população.
Tivemos, ao longo desses anos, mais de quinhentas mil pessoas participando. Já nos quatro primeiros anos
de governo do orçamento participativo, estamos fazendo um investimento na educação, um investimento
grande com a contratação de professores, com a formação de professores, mas se nós não tivermos um
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controle social, um prefeito ou um secretário não tem como controlar tudo o que acontece no governo. Ele
é responsável por tudo, ele e a mãe dele normalmente. Digo isso porque me sinto bastante à vontade
porque fui reeleito no primeiro turno com cerca de sessenta por cento dos votos válidos em todas as zonais
da cidade. Temos uma aprovação muito boa na cidade, mas o que é que acontece? Recife é também uma
das cidades mais desiguais do Brasil e temos que investir não só na participação popular, mas para garantir
também à população que possa avançar do ponto de vista do controle. Não só do prefeito, não só do
secretário, mas acima de tudo da gestão.
Temos exemplos, que foram dados aqui, de eleição de professores que apóiam candidatos que abonam as
faltas deles. Vocês sabem disso. É um processo que, muitas vezes, como dizia uma canção popular (o nosso
bloco anárquico que é o Quanta Ladeira; não vou cantar porque as músicas são muito pesadas) que diz o
seguinte: democracia é bom mas dá um trabalho grande.
No processo de construção democrático, as pessoas muitas vezes não têm o limite da liberdade. É uma das
coisas que vivo muito no meu partido porque, muitas vezes, para fazer mais oposição que a gente mesmo
não tem. Falta para nós um ritual do poder. Não é o autoritarismo, não. Na militância da minha geração,
que resistiu à ditadura militar, muitas vezes os companheiros acham que não têm limite, não tem
hierarquia. Pode prevalecer a vontade dele de todo jeito. Quando não é atendido, quer extrapolar nos
limites. Temos que ter algum tipo de hierarquia. Não podemos ter a ditadura, o autoritarismo, mas
também não podemos ter o democratismo e a falta de controle. Implantamos plano de carreira e demos os
maiores avanços em nossa gestão, coisa que os governos passados não tiveram. O que é que acontecia com
o movimento sindical? Eles estavam me tratando como a um inimigo de classe. Dizia-lhes: vou dizer uma
coisa aqui para vocês, se vocês quiserem me tratar como inimigo de classe, eu conheço isso bem, fui
dirigente sindical, fui presidente da CUT, fui da direção nacional da CUT, e venho de uma organização
revolucionária. Então, se o tratamento é de inimigo de classe, vamos para inimigo de classe, vocês não são
meus inimigos de classe, mas eu vou ter que reagir como se fossem.
Este é um processo que exige uma vigilância permanente da sociedade sobre todos nós. Mandei um
Projeto de Lei, já em 2002, que criou o Sistema Municipal de Ensino no Recife. Este projeto garantiu a
criação do Conselho Municipal da Educação, a obrigatoriedade da realização da Conferência Municipal
da Educação, as comissões regionais por região política e administrativa e o conselho escolar. Ainda mais a
eleição direta para diretores. Digo que é melhor ter uma eleição em uma escola, por mais problemas que
possa ter, por mais erro que possa ter, do que a indicação do vereador. É uma briga que tenho no governo.
Às vezes, no governo, as pessoas são, uma excelente liderança política, mas você as coloca para gerir
qualquer coisa e é um desastre. Não sei se já viveram um pouco essa experiência. A primeira coisa é que,
quando se chega ao poder, a pessoa se transforma completamente. Começa a tratar mal as pessoas,
começa a xingar, é um horror. Digo, porque vi isso dentro do meu Sindicato dos Metalúrgicos.
Companheiros que saíam da fábrica, que ficaram liberados no Sindicato, reproduziam a repressão da
fábrica nos trabalhadores. Isso é a mesma coisa dentro do governo também. Por outro lado, há também os
que dizem: sou do partido aliado, vou trabalhar, vou cumprir a minha responsabilidade, etc. Temos que ter
resultados, temos que prestar contas à população. Como é que eu posso ter uma escola, e, no final do ano,
todos os alunos terminam do mesmo jeito que entraram. Tem alguma coisa errada.
Tentamos corrigir a alimentação para as crianças durante o período todo. Temos que ter também alguma
aferição da qualidade do que estamos fazendo. Bastou ter um levantamento da quantidade de faltas
dos educadores, da nossa rede pública, para desmoralizar qualquer sindicato. O que a gente vê, é que
muitos professores faltam na rede pública, com atestado médico, e na rede privada eles não faltam. Posso
aceitar isso? Temos dentistas, que por qualquer problemazinho, ele não faz mais absolutamente nada. Vai
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embora. O ar-condicionado da sala do médico está com defeito, vai embora. Não estou generalizando.
Estou falando que existe isso.
Nessas coisas também temos que garantir o controle e a qualidade da gestão. Para nós que vivemos em um
mundo louco como esse, as oportunidades para as pessoas da população de baixa renda, a oportunidade
de ter um emprego, uma atividade econômica é cada vez mais difícil. Quando entrei na esquerda havia o
que gente chamava de uma esquerda talvez mais apaixonada. Por exemplo, o que é que é o capitalismo?
Basta pegar Peter Drucker. Gosto de ler esses homens porque gosto de ter o conhecimento para contrapor a
eles. Fazer o contraponto.
Hoje o capitalismo se apropriou da maioria das nossas bandeiras. Enquanto parte do movimento sindical
entrou na tendência corporativista, o que é que eles fizeram? Eles, hoje, não querem mais qualquer
trabalhador, eles querem trabalhadores que pensam, que trabalhem apaixonados, que criem,
diferentemente do meu tempo, quando comecei no movimento sindical. As empresas não pagavam hora
extra, não pagavam adicional de insalubridade, atrasavam pagamento e, quando você chegava para
conversar, colocavam um trinta e oito na mesa. E éramos obrigados a botar a mão dent2o do bolso e dizer, o
que foi? A gente demarcava o campo de classe.
Lembro-me, quando estava na condição de dirigente sindical, ou já na condição de deputado estadual,
quando não tínhamos celular, era a maior confusão do mundo para nos comunicarmos. Parava-se o carro.
Os orelhões, todos quebrados. Ia-se à padaria. Parava-se o carro, etc. etc. Era uma loucura.
Agora, como é que, essencialmente, nós vamos aplicar o conhecimento? Há um pedagogo romeno (não
me lembro agora o nome dele, vocês vão me desculpar, foi por isso que eu falei que eu não tinha muita
condição de falar aqui neste debate) que inclusive ajudou até no governo da Bahia. Ele dizia o seguinte:
muitas vezes, mais importante que o conhecimento, é a aplicação desse conhecimento. Às vezes você pode
ter um conhecimento mais relativo e aplicá-lo das mais diversas formas possíveis e imagináveis. E há outras
pessoas, que têm um grande conhecimento e não sabem aplicá-lo para resolver nada da vida. Citou-se aqui
o negócio d! casa. Outro exemplo: um dos grandes problemas, principalmente do Nordeste, do interior
de Pernambuco, era o Eva viu a uva. A uva está sendo plantada só agora no sertão do São Francisco. Na
maioria das cidades as pessoas nunca viram uma uva. Acho que tem uma coisa muito importante. Estou
falando dos avanços que tivemos do ponto de vista da participação, da eleição. Isso não foi um processo
fácil. Não imaginam como foi para convencer os vereadores a aprovar esse projeto. Foi uma briga árdua,
inclusive com parte de minha bancada. Tive que brigar para poder aprovar.
O problema é que vivemos uma deformação muito grande no movimento sindical e nos movimentos
populares. Muitas pessoas se apropriam de determinados conhecimentos e não querem repassar mais
para ninguém. Muitas vezes o líder sindical não quer formar outros companheiros para assumirem o
mandato sindical, porque eles temem perder parte do poder que ele tem. Fica se perpetuando no
movimento sindical a vida toda. A mesma coisa são os vereadores, deputados. Chega-se a uma situação em
que o nível de disputa para se manter no poder é uma coisa impressionante. Aquela cultura de preparar
novos dirigentes, novos quadros, para posições maiores com mais responsabilidade. Vivemos muito essas
deformações. As dificuldades para garantir esses instrumentos de participação e de controle popular são
grandds. Os vereadores diziam: quem quiser indicar diretores de escola, que se eleja vereador, para poder
indicar. Essa era a concepção.
A comunidade não podia indicar as suas obras prioritárias porque o vereador que se elegeu é quem
devia indicar as obras que deveriam ser feitas na comunidade. Vocês não têm a idéia do que essencialmente
nós modificamos na cidade com as indicações. Não é que nos furtamos dos nossos compromissos de ter
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projetos estratégicos integradores, mas isso em articulação com a sociedade. Gostaria que vissem
um projeto de integração de bairros e vias que fizemos, que modificou bairros onde se tinha que
andar três, quatro, cinco quilômetros para chegar no bairro vizinho. Enquanto você faz uma linha
de integração que, com quinhentos ou seiscentos metros, tem-se integração entre as duas comunidades
de dois bairros vizinhos.
Fizemos integrações em Casa Amarela. Bairros vizinhos, que viviam ilhados, porque tinha um morro de
lado, e a própria população pelo seu conhecimento encontrou diversas saídas que muitas vezes os nossos
técnicos não encontram. Por exemplo, temos um problema de ciclovia. Pagamos não sei quantos projetos
para fazer a ciclovia. O único que funcionou foi o que disse que era para fazer em Boa Viagem e em Pina.
Os demais, os técnicos foram fazer, mas eu disse não. Agora vamos construir com a população. Existem
determinadas situações que o povo tem o conhecimento muito maior. Agora, o problema é como
nós vamos romper também com a questão da visão corporativa, uma questão muito grave também. O nível
de despolitização também das nossas bases é um problema muito grande. O individuo só vê a ele, só
vê o salário dele.
Se for à Prefeitura, tem aquelas categorias que são as elites. O fisco, os auditores. E cada categoria perde a
perspectiva geral. Quando assumi, quase 42% dos funcionários da Prefeitura não recebiam nem um
salário mínimo. Quando se dá um aumento para chegar a um salário mínimo, recebe abono. Quando se dá
o aumento para começar no mínimo, como base no salário mínimo, só em torno de nove milhões de reais. É
só o reajuste do salário mínimo em nossa Prefeitura.
Acredito muito que, na verdade, temos que ter a compreensão que é um processo educativo, que essa
relação entre o poder e a sociedade civil é um processo também em construção. Então, determinados
erros, determinadas distorções, a meu ver, também fazem parte do processo de construção política. E a
participação e o controle social, para nós, são fundamentais nesse processo.
Eu queria, do fundo do coração, agradecer essa oportunidade de estar aqui. Espero ter contribuído, de
alguma forma, no mínimo que for, porque não tenho, na verdade, experiência nessa área educativa. Vivi
um processo de conhecimento a partir da vida e a partir de alguns cursos como este. Não tenho nenhuma
formação universitária. Na verdade, estou fazendo a graduação de economia agora. Digo sempre o
seguinte: tive uns problemas sérios porque quando fui deputado, vocês sabem que o salário de deputado é
um salário relativamente elevado e eu tinha muitos problemas. Porque, inclusive, alguns professores, que
me ensinaram, ganhavam menos que eu. Isso é uma grande distorção, é lógico. O salário de uma pessoa
que se dedica há vários anos e a remuneração é muito baixa, é fruto de um modelo de sociedade. A
sociedade capitalista é concentradora em riqueza e poder na mão de poucos.
Digo sempre o seguinte: na verdade, há um processo que estamos vivendo. Em nossa administração,
elevar a condição, a qualidade de vida, dos nossos trabalhadores e garantir também a participação.
Escutando, dialogando, e avançando acima de tudo, a fim de que esses controles possam também virar lei
para que, independente de quem seja o meu sucessor, possamos ter esses mecanismos assegurados para a
sociedade.
Queria !gradecer ao convite de Arlindo, e a nossa Secretária Malu que está aqui à minha esquerda, só
geográfica. Queria agradecer a vocês e desejar um bom dia e um bom Encontro.
Mestre de Cerimônias: Obrigado, Prefeito João Paulo que nos ensina, nos relembra que as mudanças
mais difíceis, são também as mais profundas. São as mudanças culturais. Mudanças que dizem respeito a
valores. E este talvez seja o maior de todos os sentidos do processo educativo. Na seqüência da nossa
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atividade, passaremos a palavra ao professor Jorge Pavez Urrutia que terá trinta minutos, e que vai trabalhar
aqui conosco a respeito das experiências de descentralização vividas no sistema educacional chileno.
Jorge Pavez Urrutia: Obrigado primeiramente pelo convite que nos fizeram para participar deste
Encontro, sem dúvida tão importante.
O que vou colocar aqui é fundamentalmente uma idéia que tenta explicar a situação chilena. Antes disso,
alguns comentários. Ontem, o Carlos Augusto colocava a necessidade de compreender que os processos
de planejamento deveriam contar com três componentes fundamentais. Por um lado, um olhar
democratizador efetivo; por outro, a existência real de um sistema educacional, e por outro, os espa-
ços reais também de participação. Ele dava ênfase à segunda parte, no sentido de que, muitas vezes, estão
formalmente estruturados todos esses espaços, mas na prática eles somente funcionam em um nível
mais burocrático e não de participação efetiva. Finalmente, colocava isso a partir de uma realidade
do Estado brasileiro que é muito diferente da realidade chilena no sentido de que esta é uma Nação,
um estado federativo, onde existe pelo menos a instância do governo central, a organização da auto-
ridade central e por outro lado os diferentes estados e também os diferentes municípios e tudo isso requer
um certo planejamento.
Então, desta forma eu perguntava se realmente seria possível pensar se existe ou não um Sistema Nacional
de Educação no Brasil. Eu acredito que é importante poder verificar as nossas experiências culturais,
históricas, que são de fato bem diferentes e que demarcam modelos de desenvolvimento que, no fundo, o
que pretendem é que a nossa sociedade, os nossos povos tenham a possibilidade de viver melhor, de viver
efetivamente numa democracia. De poder construir, portanto, a sua possibilidade de vida, de futuro, de
forma efetiva, e nesse sentido dizer que a situação chilena, com relação à organização do Estado é
absolutamente diferente. Tenho que dizer isso. O Chile é um estado historicamente centralizado,
unificado e a partir do processo de constituição do Estado chileno, tivemos uma clara preocupação com a
incorporação da educação, desenvolvendo-a como uma instituição de serviço público nacional.
A educação, historicamente, no meu País, foi vista como uma prerrogativa e função do Estado e essa
concepção foi integrada em toda jurisdição chilena a partir da Constituição e das diferentes leis que foram
sendo desenvolvidas ao longo da história. Além disso, a necessidade de consolidação da unidade
territorial e política, bem como a identidade nacional, implicou em estilos de governo e de administração
fortemente centralizados e isso é muito importante considerar. Ou seja, o Estado forjou um olhar
planejador desde o princípio, no sentido de compreender que a educação era um motor que unificava, que
dava identidade e que definitivamente ia exercendo uma linha muito clara de construção do País.
A partir do nível central, então, fomos tendo uma estruturação do sistema educacional nos seus níveis
primário, secundário, no nível universitário também, e foram sendo criados organismos e normas para o
seu funcionamento, a partir desse Estado, que nós chamávamos Estado docente. Assumimos a
responsabilidade em matéria de educação e a exercemos, por meio de um poder central verticalmente
hierarquizado com as suas próprias estruturas, com seus próprios recursos que foi se expandindo e foi se
massificando em todo o sistema educativo, principalmente na educação primária. Dessa forma, o Estado
chileno tem o papel protagonista na condução do desenvolvimento econômico e social, adotando
planejamento como estratégia ou um instrumento fundamental. Essa, portanto, é a história do Chile. Isso
foi o que significou a educação para o Chile.
O que acontece é que agora no meu País, que é uma das nações que têm uma economia que mais cresce,
e que tem um modelo de desenvolvimento diferente, um modelo neoliberal permanentemente, com
marcas de crescimento altas para o nível latino-americano e até mesmo mundial. No entanto, gerou uma
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redistribuição dessa riqueza absolutamente diferente e impulsionou a partir do próprio Estado, processos
de privatização absoluta com relação ao qual eu gostaria de destacar. Isso não é casual. Todos os governos
chilenos, até mesmo de diferentes partidos, propuseram educação nos termos que eu destaquei, ou seja,
como uma possibilidade de formação de cidadãos para o desenvolvimento do País e também para
formação de cidadãos críticos que fortalecessem a democracia.
O corte brutal é estabelecido exatamente com um golpe militar, de 11 de setembro de 1973. Ali acontece
uma ruptura brutal com a tradição educacional chilena e com a forma como entendíamos também os
modelos de desenvolvimento democrático. Assim, e depois de alguns anos, do começo da ditadura, já mais
ou menos em 79, pela primeira vez Pinochet coloca o que nós chamamos de primeira linha presidencial e,
nos anos 80, propõe a Constituição que é uma Constituição que muda fundamentalmente o papel do
Estado. Então, de ver o Estado tendo uma educação como responsabilidade central, que estava até mesmo
incluída dentro da Constituição, esta passa a ser responsabilidade e passa a ser simplesmente uma
responsabilidade de terceiros. Já não é responsabilidade do Estado. Dessa forma eu tenho que dizer que,
nos anos 70, o Chile marcou um processo muito importante de mudança de rumo, que é imposta ao País,
que impõe ao País um novo modelo de desenvolvimento que nós chamamos de neoliberal, caracterizado
por uma economia de mercado, onde o papel primordial é dado ao setor privado, onde todos os avanços do
desenvolvimento vão no ritmo do crescimento econômico interno e das possibilidades de abertura para as
economias, e da sua inserção nos novos contextos econômicos mundiais.
Atualmente, o meu País é o campeão dos tratados de livre comércio e isso que acontece, hoje, no século XXI,
tem a sua origem neste modelo de desenvolvimento que foi instaurado na ditadura. Por outro lado, essa
mesma concepção propõe a possibilidade de diminuir o tamanho do Estado, do poder do Estado, que agora
já não intervém, gerando assim mudanças tradicionais nas funções e atribuições antigamente em mãos do
Estado, para distribuí-las a diferentes entidades. Em geral, essa visão antiestado foi gerada na América
Latina e estabeleceu um certo consenso sobre a necessidade de gerar processos de descentralização.
Queremos considerar que, com relação à descentralização, é possível compreender três conceitos
diferentes. O primeiro deles está dentro da lógica neoliberal, que vê a descentralização como uma fórmula
de diminuir a contribuição do Estado para a educação, como um mecanismo de economia da dívida
externa e também como uma forma de diminuição da influência do Estado na educação. Claro que esta
poderia ser regularizada por mecanismos de mercado, possibilitando então um caminho que permitisse
debilitar as organizações ministeriais nas suas organizações sindicais. Depois do golpe em 73 tivemos a
Central Única de Trabalhadores atuando. Um mês depois ficou fora da lei também a Central Única
dos Trabalhadores de Educação. Excluíram as organizações de trabalhadores como fonte de perigo, de
conflito, diante deste modelo que começa a ser instaurado no nosso País. Então, primeiro temos uma
lógica neoliberal de compreensão da descentralização. Por outro lado, existe também uma lógica
tecnocrata, que considera que a educação é dependente do Estado central e consolida uma ges-
tão fundamentalmente burocrática, ineficiente, que não permite responder aos problemas educa-
cionais de base. Considera-se, portanto, que a delegação de funções para entidades autônomas locais
poderia favorecer uma gestão educativa mais eficaz, na medida, claro, que estes setores de base pudessem
dar melhores respostas.
Depois, existe também uma lógica, ou um olhar descentralizador, democrático, participativo, onde
concebemos a descentralização como um caminho necessário para favorecer tanto a participação
democrática da comunidade como também os processos educacionais, como o desenvolvimento de uma
adequação que deve responder às necessidades de aprendizagem de todos os alunos,
independentemente de serem de uma classe social ou de outra.
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O processo de descentralização no Chile, impulsionado pela ditadura, a partir de uma lógica neoliberal e
tecnocrata, teve concepções bem específicas. Teve características bem específicas e acontece a partir de
dois processos articulados. Por um lado, o impulso crescente para as privatizações e, por outro lado, o da
municipalização. Estes processos não somente significaram a transferência de funções financeiras,
administrativas e pedagógicas para entidades autônomas privadas, mas também mudaram,
substancialmente, o financiamento estatal e o papel do Estado na educação.
O objetivo de estimular a participação do setor privado na educação foi modificado. No sistema de
financiamento, através de um sistema de subvenções por aluno, o Estado entrega o mesmo montante
tanto à escola pública municipal como aquela que é gerida por uma entidade privada. Ou seja, o Estado dá
recursos para que a educação seja administrada pelos municípios, por um lado, e a mesma quantia de
subvenção é entregue ao setor municipal e ao setor privado, ao qual nós chamamos particular
subvencionado.
Este processo foi concebido em um marco de privatizações não somente por permitir a transferência de
estabelecimentos fiscais para corporações privadas, mas também porque tanto os mecanismos de
financiamento estatal como as condições contratuais dos professores foram assimiladas do setor privado.
Dessa forma, os professores, nós que tínhamos, nosso próprio estatuto, a nossa própria normativa
trabalhista esta ficou absolutamente apagada do mapa. Mudou, foi modificada, foi alterada. Por outro
lado, na municipalização no contexto da ditadura, que designava os prefeitos, não havia eleição. Isso
significou um processo de alto controle político. Não significava simplesmente descentralizar, mas, além
disso, significava controlar municipalmente, porque cada prefeito respondia pela política da ditadura.
Podíamos dizer que o papel do Estado, exercido por meio do Ministério da Educação, estava dentro deste
processo e financiava o ensino via subvenção e assistência por aluno. Controlava o cumprimento dos
requisitos para obtenção dessa regulação. Media o rendimento de aprendizagem com provas nacionais
padronizadas e dirigia e supervisionava os aspectos técnicos e pedagógicos. Nós somos os campeões em
resultados, e com provas padronizadas, que são aplicadas ano a ano em diferentes níveis e que, a princípio,
pretendem medir a qualidade da educação e que sempre dão o mesmo retrato. Supostamente, os melhores
resultados acontecem nos colégios particulares, ou seja, na escola privada e os piores resultados, claro,
acontecem na escola pública municipal. Além de que a escola pública municipal hoje atende àqueles
alunos que têm maiores carências econômicas, ou seja, a população pobre do meu País. A única
possibilidade que se tem de educar é nestes centros educativos, nessas escolas municipais.
Agora, em matéria de condições trabalhistas e também profissionais, com o começo dos acordos de
governo, quando pela primeira vez tivemos eleições, é implementado o estatuto docente que, em certa
medida, devolveu a qualidade de funcionário público aos professores que têm trabalho nos
estabelecimentos municipais com normas salariais comuns para todos eles.
Estes acordos aumentaram o orçamento educacional, designaram e alocaram recursos para diferentes
programas de melhoria de qualidade e igualdade na educação, mas, no entanto, este propósito que é
muito louvável, não gerou frutos. O que fez foi cada vez mais gerar um aumento da segmentação e da
fragmentação da educação chilena e do avanço da privatização da educação. Estes governos não
mudaram o financiamento da subvenção por aluno. Ao contrário, abriram diversas fórmulas, na busca por
obter maiores recursos financeiros com contribuições privadas. Mas, assumindo que a contribuição
privada não é a contribuição que o grande empresário ou grandas empresas podem dar, mas é contribuição
da família, dessa forma pelo que chamamos de lei de financiamento compartilhado, aumentou a
participação dos pais no financiamento da educação particular que já está alcançando, no meu País, a
metade da população escolar chilena. O que é mais grave, aumentou também algumas iniciativas que têm
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uma maior privatização, estimulando, pela primeira vez, a transferência de escolas públicas municipais
para as mãos de particulares, com ou sem fins lucrativos.
Temos dois argumentos centrais que estão fundamentando, de acordo com a lógica imperante no meu
País, este olhar privatizador. Por um lado, assume-se que a gestão privada e a utilização dos recursos seria
mais eficiente no setor privado que no público. Por outro lado, fala-se que o aporte econômico dos pais à
educação dos seus filhos pode ser vista também como uma forma de participação. Por outro lado, a relação
mais significativa existente entre uma contribuição econômica e a participação é que, se é difícil para os
pais, economicamente, escolher uma educação, ou ter uma educação, eles vão se interessar em saber
como os filhos estão, aprendendo a influenciar aqueles que estão ensinando os próprios filhos e saber
como as coisas funcionam. E saber como seu dinheiro está sendo gasto. Este argumento se baseia em que o
pagamento atuaria como um incentivo na participação nos colégios particulares, o que seria a evidência
de uma reação supostamente psicológica, segundo a qual, se valoriza mais aquilo que é pago do que
aquilo que é recebido gratuitamente.
Temos que dizer que os dezessete anos de ditadura significaram a mudança na consciência, nos valores dos
chilenos, de forma muito significativa. E este é um olhar, portanto, que vai exatamente nessa direção.
Agora, reflexões sobre o processo de centralização chilena. A partir da experiêncha chilena, o que
significou o processo de centralização, por um lado, foi uma grave conseqüência dessa forma de
descentralização relacionada com a subvenção por aluno como um mecanismo de financiamento. Por um
lado, permite que grandes fundos do Estado possam ser utilizados com fins lucrativos pelos
estabelecimentos particulares subvencionados, na medida em que a lei de subvenções, não regulamenta a
sua utilização. É muito comum, por exemplo, que uma empresa privada decida, que peça ao Ministério da
Educação para poder abrir um colégio. Tem algumas condições mínimas. Normalmente, recebe sim a
subvenção do Estado por trezentos ou quatrocentos alunos e no ano seguinte aumentou o número de
alunos a mil, dois mil e dois anos depois tem dois ou três estabelecimentos particulares, ou seja, está
criando uma empresa de lucro com dinheiro que está sendo dado pelo Estado. Além disso, esse dinheiro é
recebido realmente; recebe-se financiamento compartilhado da própria família.
Essa competência não é traduzida em uma preocupação pela qualidade dos processos de aprendizagem,
mas sim por uma preocupação com a venda de imagem aos pais e aos alunos. Ontem, eu conversava com a
representante espanhol sobre o interesse que eles têm nessas provas que medem a qualidade da educação
espanhola. Temos uma experiência catastrófica nesse sentido. As provas padronizadas medem, do
conjunto de aprendizagem, somente quatro conteúdos. São provas padronizadas, que são aplicadas
uniformemente no País inteiro e, portanto, os resultados significam um rankingno estabelecimento, e o
que revela, no final das contas, este “ranking? Revela que os melhores resultados acontecem naqueles
colégios privados. Não os subvencionados, mas os privados, onde o pai paga pela educação e são
caríssimos. Claro, as condições de trabalho dos professores são bem diferentes. Trabalham com doze ou
treze alunos por aula, têm todo tipo de possibilidades e onde é educada a elite da sociedade chilena.
Por outro lado, temos os colégios particulares subvencionados, que foi o que foi falado ontem, onde se
desagrega o componente da condição familiar das crianças e a condição social dessas crianças, e tem até
mesmo os resultados melhores que os colégios particulares. Por outro lado, midiaticamente, pelos meios
de comunicação, sistematicamente, é mostrado que a educação privada é melhor que a pública. Portanto,
o que temos que fazer é privatizar absolutamente todo o sistema educacional, porque dessa forma
elevaríamos a qualidade da educação no nosso País. O aumento da estratificação social mostrada no
campo educativo talvez seja o problema mais grave. Contra aquela história que mostra que devemos
entender a educação pública como um processo de integração, democrática e social.
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O colégio público chileno é onde foram formados grande parte dos políticos do nosso País. O Presidente
Lagos é produto da educação pública, do Liceu público chileno. A atual presidente estudou também em
uma escola pública e depois em um Liceu público gratuito. E lá conviviam, estavam integrados, chilenos,
tanto de família de poucos recursos como aquele chileno que tinha recursos médios, o pequeno
profissional, o filho do médico, do professor, como até mesmo aquele filho do grande empresário, e na
escola, no Liceu, tínhamos uma réplica da sociedade chilena e toda a sua diversidade. Isso agora já não
acontece mais. O que temos são estabelecimentos para pobres, onde vão somente alunos pobres.
Estabelecimentos onde existe, por outro lado, a possibilidade de o pai pagar alguma coisa e, por outro
lado, temos também estabelecimentos para estudantes que vêm de famílias muito ricas.
Essa política, em nossa opinião, vai provocar um sério problema na possibilidade de construção de uma
sociedade efetivamente democrática, com as características que nós já destacamos. O modelo chileno não
está reforçando as políticas públicas, na educação, nem mesmo abre caminho para planejamentos
efetivamente participativos. O que está sendo consolidado é um papel subsidiário do Estado, com um
desmantelamento da educação pública e uma participação dentro de um marco de mercado onde a
empresa, colégio, oferece produtos e os pais que neste caso seriam os clientes supostamente decidem,
neste mercado de ofertas, em que estabelecimentos vão poder ter a possibilidade de colocar o seu filho.
A integração nacional, que foi um valor, está sendo claramente colocada em risco, em jogo, com este modo
de ver da educação. E o que aconteceu nos últimos governos, com estes acordos, é muito dramático,
porque não foi possível, até então, mudar este modelo imposto pela ditadura há dezessete anos. Que
colocou, por meio da Constituição e da chamada Lei Orgânica da Constituição que marcam esta virada,
esse olhar ditatorial.
Desta forma podemos e queremos mudar essa política. Temos que dizer que os espaços de participação
que seriam abertos teriam dois problemas importantes: o primeiro, é que, ainda no sistema edu-
cativo chileno, é mantida uma estrutura muito hierarquizada, no sistema autoritário e no sistema escolar,
e o segundo é que, infelizmente os espaços democráticos que os governos abriram não foram aprovei-
tados suficientemente, por medo, desconfiança e por falta de práticas de participação democrática,
que ainda não superamos.
É muito forte viver dezessete anos de ditadura, como nós vivemos no Chile. Portanto, ainda existe medo,
medo de expressar a própria opinião. Temos que dizer que os governos da concertação têm medo de golpes
políticos, porque a saída do Chile da ditadura é feita dentro deste marco de ditadura na América Latina.
Então, toda possibilidade de conflito supõe pôr em risco, pôr em jogo a possibilidade do avanço
democrático. Nós, no entanto, vemos neste último governo, algum espaço um pouco diferente, que
oferece possibilidades de participação e isso nós, como Sindicato organizado, queremos aproveitar.
Somente mais um comentário. Um dos colegas falou que os professores estão no centro, no olho do
furacão e que os professores não estão respondendo.
Eu quero dizer, não somente aqui no Brasil, mas no Chile e, em geral, no mundo inteiro, estão exigindo da
escola uma grande quantidade de responsabilidades que a sociedade não foi capaz de resolver. Portanto,
nós continuamos trabalhando em péssimas condições de trabalho, em condições de instabilidade e de
flexibilização trabalhista enorme. Continuamos trabalhando sem uma formação adequada, que tenha
formado efetivamente os professores com rigor, sem processos de aperfeiçoamento por parte do Estado e
com o respeito social que vá além do falar, como os professores são ótimos, quando fazemos a
comemoração do dia do professor.
Na verdade, aqui nós temos um olhar muito mais profundo, nós estamos vivendo sociedades que apontam
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claramente a formação de guetos e onde educação, sem dúvida, deveria resgatar não as medidas do FMI ou
do BID, -as, na verdade, deveriam resgatar o melhor que temos. Nós, no nosso País, tivemos educadores de
luxo, e vocês, no Brasil, tiveram outros. Somente para nomear - Paulo Freire. Eu gostaria que o Paulo Freire
fosse o objetivo final que pudesse centralizar a educação chilena e não certas medidas que estão
orientando os sistemas educacionais em todos os Países do mundo, com um olhar claramente demarcado
em processos globalizadores, que estão aprofundando as diferenças, que estão tornando cada vez mais
difíceis a participação e que estão fazendo com que a democracia seja somente o processo formal, em que a
cada quatro ou cinco anos temos a possibilidade de votar em um partido ou outro. Obrigado.
Mestre de Cerimônias: Muito obrigado, Professor Jorge, que dá uma contribuição de fato importante,
porque como todos sabemos, o Chile, ao longo desses últimos anos, particularmente no período do
governo brasileiro anterior, foi sempre lembrado como uma experiência absolutamente bem-sucedida de
avanços generalizados na área de educação.
A sua análise, aqui, nos coloca com um contraponto crítico, absolutamente necessário para que nós
possamos entender não apenas as diferenças, e as possibilidades dessas diferenças entre os nossos Países,
a nossa realidade, mas, sobretudo, aquilo que nós temos de igual, porque no nosso País, nós continuamos
a repetir algo que foi plantado há alguns anos. Por exemplo, a respeito de procedimentos mágicos de
avaliações estandardizadas no País, como se isso pudesse estar produzindo políticas públicas, que, de
fato, não conseguiram ser produzidas a partir de uma avaliação crítica a respeito das realidades
particularizadas, como deveria estar acontecendo.
Muito obrigado pela sua contribuição, e passamos agora à última manifestação aqui da mesa. Exatamente
do professor Enrique Roca Cobo, do Ministério da Educação e Ciência da Espanha, que terá trinta minutos.
Faremos, depois da manifestação do Professor Enrique, um pequeno intervalo, e eu já pediria para aqueles
que pretendem se manifestar, que preparem as suas manifestações, mesmo que venham a fazer isso
verbalmente, mas que possam ajudar na sistematização para que possam já estar preparando, aqueles
que queiram se manifestar ao final.
Professor Enrique, portanto, durante 30 minutos.
Professor Enrique Roca Cobo: Estabeleceu-se um quadro legal sobre como se adotam essas políticas
educacionais, quais são os centros de decisões e como a sociedade participa nestas definições das
políticas, por um lado, e, por outro lado, o segundo tema seria como se produz a participação na gestão,
que nós denominamos de democrática, dos centros educacionais. Antes de entrar nesses detalhes, as
palavras do prefeito de Recife, me lembraram uma legenda que está no pedestal dedicada a Danton, um
revolucionário francês que diz: Depois do pão a educação é o principal alimento do povo. Após o pão a
educação é o principal alimento.
Os revolucionários franceses se dedicaram a isso e a constituição da escola pública na França também se
dedicou a isso e tem desempenhado esse papel fundamental. O Estado, na construção, não somente da
liberdade dos indivíduos, mas também na própria construção do Estado nacional. O professor chileno fez
também um relato que vai nesse sentido. Como este modelo prevaleceu através de um Estado
centralizado. Neste turbulento século XXI, chegamos, também de maneira turbulenta e pouco precisa, a
ver esse papel da escola como elemento fundamental para construir o Estado nacional, liberal, as
liberdades de educar os indivíduos livres. Também tivemos ditaduras muito mais prolongadas e quando se
construiu, no nosso País a escola democrática, fundamentalmente depois da Constituição, nós nos
encontramos com uma realidade muito diferenciada.
(Nossa Constituição e a evolução das instituições às quais pertencemos fundamentalmente - a União
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Européia representou um processo complexo no qual o Estado nacional ia perdendo o seu papel
tradicional e delegando competências particularmente no setor da educação, mas não somente
educacionais para a Europa, ou seja, delegava para o Norte, para cima e também delegava aos estados ou
comunidades autônomas, para esclarecer). Se alguém não conhece bem a nossa nomenclatura, o que
chamamos comunidades autônomas seriam o equivalente ao que vocês chamam de Estados. Os nossos
governos regionais, dezessete no total, com também uma cobertura diferente, maior na Andaluzia, com
oito milhões de habitantes e os menores como La Barra, com quatrocentos ou quinhentos mil habitantes,
correspondem a regiões que estão assumindo plenas competências em campos educacionais. De maneira
que estamos vivendo um processo duplo, no qual o estado delega ou transfere competências para a
Europa, decisões compartilhadas com a Europa para as comunidades também. Decisões compartilhadas
também com as comunidades, em um salto por cima dos municípios.
A própria comunidade educacional, os municípios na Espanha não têm responsabilidades educacionais.
As escolas, as comunidades autônomas e o Estado e a Europa, os municípios cedem terreno, os meios, mas
não tem competências educacionais explícitas no nosso País. Nesse panorama, nesse quadro, passo a falar
dos dois aspectos que eu queria trabalhar - como se decidem as políticas educacionais na Espanha. Já
ontem eu estava anunciando as competências do governo central do Estado que são, fundamentalmente,
os aspectos básicos, ou seja, na legislação e o desenvolvimento dessa legislação que estabelece os aspectos
básicos, a estrutura do sistema, o currículo, ou seja, o plano de estudo, estabelecido pelo governo central -
65% nos critérios de avaliação e nos conteúdos e questões que estão relacionadas com a avaliação inicial
dos professores com relação, por exemplo, ao horário geral das escolas e às condições gerais de trabalho
dos professores. Sempre aspectos básicos do sistema, enquanto que corresponde às comunidades
autônomas, ou sejam, os Estados, toda a gestão mesmo da educação. Mais que isso, se nós traduzirmos as
decisões políticas em valores, aproximadamente, as comunidades autônomas gerenciam, ou empregam,
ou gastam 94% do orçamento dedicado na Espanha à educação, enquanto que o governo central dedica,
gerencia 5, 6 ou 7% no limite do dinheiro que se aplica em educação no País.
Evidentemente, os parlamentos regionais distribuem os créditos suficientes para que as atividades
políticas possam ser levadas a cabo, ou seja, são responsabilidades compartilhadas no crédito. Mas no
momento de aplicar as políticas, como eu dizia, uma vez que o governo define as condições básicas, no
governo central, são os governos das comunidades autônomas que aplicam esses recursos, e como vocês
sabem, as principais decisões de política educacional são, precisamente, as que se adotam quando se
aprova os orçamentos dos Estados, como aqueles das autonomias. Este é o momento em que se decide
quantos professores e quanto vão receber de salário, quais são os meios que são destinados às escolas,
como serão distribuídos e quanto dinheiro há para novos investimentos, para reinvestimentos, para
manutenção das escolas, etc. Ou seja, as decisões que anualmente são tomadas pelo parlamento espanhol
e os parlamentos também regionais, assembléias regionais, com relação ao orçamento de educação, são
um dos elementos fundamentais de decisão de política educacional, de planejamento de política
educacional. É verdade que essa decisão vem acompanhada previamente pelas propostas que os
respectivos governos fazem, que por sua vez, como eu vou explicar em seguida, discutem por meio dos
órgãos correspondentes com a sociedade, mas como vêem, são os parlamentos os que tomam essas
decisões orçamentárias, os governos são aqueles que tomam as decisões de política educacional.
No nosso caso, o trabalho conjunto, uma vez que se estabelecem as leis, a política educacional em
conjunto dos Estados e das comunidades, é efetuada por meio de um organismo que se chama Conferência
Setorial. É um órgão que existe em todas as áreas do governo - Conferência Setorial de Educação,
Conferência Setorial de outras áreas do governo, que é a reunião do ministro do governo central e dos
conselheiros, ou sejam os ministros ou secretários, aqui no Brasil, das comunidades autônomas. A reunião
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que se chama Conferência Setorial de Educação ou Conferência de Conselheiros e os órgãos que dela
dependem é a instituição que tenta coordenar. As políticas, os aspectos diferenciados e concretos das
políticas que se realizam a partir do governo central e a partir dos governos autonômicos que tenham a
virtude e um importante inconveniente nesse funcionamento.
Virtude porque reúne a todos os responsáveis pela educação em cada uma das comunidades, e, portanto
permite tomar decisões de coordenação e colocar, em marcha, políticas como inconvenientes. Não é um
órgão de decisão, é um órgão de deliberação, mas não de decisão porque, como dizia a vocês, as decisões
são tomadas pelos próprios governos locais. Então, é um órgão consultivo de reflexão e de proposta.
De maneira que estamos obrigados, porque assim está estabelecido pela nossa legislação, a adotar
medidas conjuntas por meio da coordenação e da concertação. Se queremos que a educação na
Espanha siga em uma determinada direção, o Estado, o governo, marca por meio das leis, o seu
desenvolvimento, as políticas gerais, e as comunidades autônomas as aplicam, mas coordenadamente, se
somos capazes de chegar a esforços de coordenação. Essas políticas tomam um rumo semelhante ou
podem permitir levar a lugares parecidos.
Nesse sentido estamos trabalhando. Nesse sentido, o resultado não é negativo, os interesses das
comunidades, quando se trata de política educacional no final das contas, terminam sendo
compartilhados, sobretudo quando falamos de objetivos e de orientações do sistema e nesse saem muitas
questões que partem das decisões que são tomadas na Europa. Preferimos confiar que sejam tomadas na
Europa e não em outros lugares ocultos, como se fala no mundo globalizado, onde se tomam decisões que
nos afetam a todos. No campo da educação, pelo menos creio que, livremente, hoje os vinte e cinco
estados membros da União Européia tomamos algumas decisões de compromissos comuns, que
chamamos de objetivos compartilhados, os objetivos europeus para 2010. E isto permitiu que a Espanha
adotasse, com os outros Países em comum alguns compromissos. Com os outros Países, permitiu, por sua
vez, concretizar ou estar em um processo de concretização de objetivos espanhóis que vão nessa mesma
direção. Não há nenhuma comunidade que tenha manifestado uma opinião diferente de trabalhar em
distinto, com sentido diferenciado, de maneira que a Conferência, seus órgãos, nestes meses justamente,
estão vendo como abordamos os objetivos espanhóis no quadro desses objetivos europeus.
Falo, brevemente, que estamos trabalhando em duas ou três linhas fundamentais e há um acordo. O
planejamento, neste caso, é plenamente compartilhado pelo governo central e pelas comunidades. Há um
acordo em escolarizar antes e depois da educação obrigatória. Temos praticamente 100% das crianças e
jovens nas escolas no final dos 15 ou 16 anos, quando termina a educação secundária obrigatória.
E isso está compartilhado por todas as comunidades - a escolarização antes e depois da educação
obrigatória. Antes dos três anos estamos em uma cifra de, aproximadamente, 30% de crianças de 2 anos
nas escolas. O objetivo é aumentar esse percentual, não temos uma cifra precisa. Aumentar toda a
escolarização de crianças abaixo de 2 anos, no convencimento de que, sobretudo, as crianças, mais
desfavorecidas necessitam dessa escolarização precoce. Nessa mesma linha, outro objetivo
compartilhado com a Europa é escolarizar depois da educação básica. O objetivo é praticamente chegar a
cifras próximas a 90% dos jovens. Que os jovens permaneçam, quase 90% deles, no sistema educacional
após a educação básica, ou seja, entre os 16 e os 19 anos de idade. O objetivo para nosso País é conseguir
que, se possível, 90% desses jovens continuem estudando, fazendo cursos acadêmicos de bacharel ou
cursos profissionais que nós chamamos de nível médio. Além disso, vamos passar ao segundo grupo de
objetivos, não somente escolarizar mais e melhor, mas que todos os alunos tenham melhores resultados.
Primeiro, na ed5cação básica, o objetivo que queremos é o êxito de todos, o sucesso de todos, que todos os
alunos cheguem aos objetivos da educação básica. Segundo, que 85% dos jovens na Europa cheguem à
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educação secundária pós-obrigatória, o que vai ser difícil, quase impossível alcançar esse objetivo.
Estamos ao redor de 65% dos jovens que conseguem superar a educação média obrigatória e nós temos
que compartilhar esse objetivo - o governo e comunidades - para finalmente ter uma educação
profissional. Conseguir como eu dizia ontem, o maior número de jovens que continuem os estudos
profissionais e também elevar o número de jovens que continuem a estudar ciências nas universidades.
Temos uma porcentagem dos estudantes universitários que está acima da média, inclusive da União
Européia. É um número satisfatório, mas também temos que conseguir, como outros Países europeus, que
outros jovens continuem estudos científicos. O número é insuficiente ainda frente aos que fazem ciências
sociais e humanidades. Queremos inclinar um pouco a balança, em favor da Europa na questão da ciência,
dos estudos científicos, das ciências naturais.
Estamos trabalhando nesse sentido, estamos trabalhando, também coordenadamente, na tomadas de
decisões entre o governo central e governos autônomos em certas políticas de melhoria do ensino para
todos, políticas de coordenação de esforços, de coordenação de programas que denominamos programas
de reforço, orientação e apoio, para conseguir que todos os alunos que tenham dificuldades no nosso País
e estejam na comunidade, possam encontrar apoio e reforço suficiente para poder alcançar os objetivos.
Programas que permitem colaborar com o governo central e as comunidades com recursos e orçamentos,
programas de bolsas para fazer real a igualdade de oportunidades para todos, dentro de um projeto de
gratuidade dos livros de texto. É um projeto complexo, com conseqüências importantes e são políticas
desse tipo que são praticadas normalmente.
Qual a participação social nesse processo de tomada de decisões políticas? Em nosso País, a partir da Lei
Orgânica da Educação em 85, criou-se o chamado conselho. São reflexos desses, os Conselhos Escolares,
do Estado e autônomos. O Conselho Escolar do Estado está representado por sindicatos de professores,
associações de pais e mães, os sindicatos ou associações de alunos, grêmio de alunos, os conselhos
escolares das autonomias, os municípios e também representantes dos movimentos de renovação
pedagógica e inclusive um bloco específico que se chama personalidades de prestígio, que propõem, em
cada caso apresentado pelo parlamento, pelo governo, fazer consultas no próprio Conselho Escolar do
Estado e das comunidades. O Conselho Escolar do Estado com total de 920 representantes de todas as
instituições, são eleitos pelos respectivos órgãos - associações mais representativas do País e sindicatos
que escolhem os seus próprios representantes, como o de professores.
Os representantes no conselho escolar têm, como primeira e fundamental missão, fazer uma revisão de
todas as propostas de política educacional em forma de normas. Ou seja, o conselho escolar do Estado
deve analisar, discutir e propor emendas, aos projetos de lei, aos decretos, às normas que são elaboradas
pelo governo e o mesmo é feito pelos conselhos escolares das autonomias. A primeira tarefa geral na qual
ocupam o tempo normalmente e, além disso, têm a missão de elaborar um informe anual sobre a situação
do sistema educacional, no qual o conselho escolar faz todo tipo de considerações, todo tipo de análises
sobre como está funcionando a educação. Não é uma avaliação quantitativa mas, também, qualitativa
sobre o funcionamento da educação, em um âmbito de competência de cada organização de Estado.
E acompanhando este informe com propostas oportunas para melhorar o funcionamento do sistema,
de maneira que a decisão política, como vocês vêem, está compartilhada entre instituições euro-
péias, governos central e regional, parlamentos central e regional. Encontrou um controle consultivo
por meio de um executivo social, através de um conselho escolar de Estado. Vamos ao segundo nível:
as escolas. Nosso sistema de autonomias, também outorgou uma ampla autonomia para as escolas
infantis, escolas primárias e secundárias sejam obrigatórias como pós-obrigatórias no nosso País,
e também a universidade.
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A universidade espanhola goza de ampla autonomia. O conceito de autonomia foi levado às escolas de
maneira que, como escutava em alguma das intervenções aqui, a escola é essa comunidade educativa
representada na escola, ou seja, o conjunto dos professores, pais e alunos, representantes locais e pessoal
de administração e serviço reunidos no Conselho Escolar de Centro. É o nome que damos. É um órgão,
neste caso, não consultivo, mas executivo, é um órgão que toma as decisões fundamentais que são
adotadas pela escola, começando pela própria eleição dos diretores. É um órgão de peso, fundamental
para a eleição do diretor da escola e a equipe de direção, que depende da decisão deste conselho escolar.
Define o que chamamos projeto educacional, no qual se recolhem, sejam os aspectos de composição do
currículo, os programas didáticos, as decisões pedagógicas que correspondem a cada caso, diferentes
grupos de professores e os objetivos da escola. Além disso, esse conselho aprova também o que se
denomina o projeto de gestão, de gerenciamento do Centro. Deve aprovar esse programa de
gerenciamento dos orçamentos que são destinados a esses centros, que devem ser distribuídos, com
exceção dos salários dos professores que não correspondem a esse conselho. Todos os orçamentos de
organização e funcionamento ordinário do Centro deve ser decidido pelo conselho escolar. Também têm
que elaborar no conselho a programação anual, na qual se recolhem todos os aspectos concretos de como
se educa neste ano, como se aplicam os objetivos educativos que vêm das políticas gerais educacionais,
como se leva e como se aplica. É preciso trabalho de caráter ordinário do conselho escolar. Um exemplo
típico – pode-se, conforme a quantidade de pais e alunos em uma escola secundária média obrigatória,
estar composto, aproximadamente por, em média, (isso varia muito em vários centros) um número igual,
p!ritário de professores, pais e !lunos, por exemplo: 7 professores, 4 pais e 3 alunos, o diretor e o secretário
que atuam com voz, mas sem voto, e um representante da municipalidade. Esse é um número médio, de
maneira que um terço do peso no processo de decisões está nas mãos do professor. Um terço,
aproximadamente, do peso está nas mãos do conjunto pais e alunos e o terço restante corresponde a
órgãos de direção do centro e ao pessoal de serviços e à municipalidade.
Têm suas críticas e inconvenientes. Alguns dizem que há excesso de peso do pessoal, ou dizem que há pouca
representatividade dos alunos, ou os pais insistem que querem mais representação e mais poder de decisão,
ou então esta é uma fórmula de equilíbrio. Este conselho escolar, como eu dizia, não é o que participa da
gestão. As decisões que correspondem e que devem ser adotadas pela escola são as decisões de organização
de ensino e também a avaliação dos resultados que são obtidos e as medidas que devem ser tomadas que se
acreditam oportunas, que se devem tomar nos exercícios sucessivos com relação a estes centros.
O diretor é eleito pela comunidade. Até a aprovação da nova lei, era eleito como conseqüência da lei
orgânica de educação de 85, era eleito diretamente pelo conselho escolar. Ou seja, o conselho escolar
elegia, por votação livre e direta, membros e diretor, que se apresentavam com um programa para a
direção e propunham ao seu grupo, direção, secretário. Com a nova lei, mudou-se ligeiramente este
método. Há uma forte tensão entre as posições mais conservadoras do Partido Popular, que propunha o
sistema, sobretudo, de designação do diretor, nomeação por parte da direção administrativa e o lado
oposto, na esquerda, uma defesa forte do modelo democrático que foi estabelecido pela lei em nosso País.
Ou seja, uma eleição democrática. Na nova lei, nós adotamos um sistema que reconhece parte das virtudes
da profissionalização do diretor, mas que deixa a decisão do conselho escolar na mão do conselho escolar,
ou da comunidade o peso fundamental para escolha do diretor. Cria-se uma comissão para identificar os
diretores da qual participam em três partes com igual peso em número de votos na decisão final: os
professores do centro, o resto dos representantes da instituição e a administração educacional como
terceira parte. Isto é, ou a comunidade se põe de acordo sobre o diretor que vai querer, ou professores, pais
e alunos fazem um acordo sobre que tipo de diretor. Nesse caso, eles têm uma maioria clara, ou então, se
eles não se põem de acordo, a organização impõe uma decisão com critérios de profissionalismo,
avaliando os méritos profissionais, acadêmicos e de rendimento profissional dos candidatos e fazem uma
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pontuação que se converte numa votação. Se não há acordo na comunidade, é a administração que termina
por apoiar um ou outro candidato, no caso em que há um impasse. De maneira que também na eleição do
diretor nós mantemos um sistema democrático, e digo, manteremos porque este tema do sistema
democrático teve problemas para o seu funcionamento na Espanha. Foi contestado porque, como primeiro
inconveniente, de dez ou quinze anos para cá, houve poucos candidatos. Ser diretor eleito significa uma
grande responsabilidade, a compensação é ínfima e por essas razões havia poucos candidatos.
Encontramos como paradoxo que, depois dos primeiros anos de implantação da democracia na Espanha, e
da conquista do funcionamento democrático nas instituições de ensino, nos encontramos com o fato de
que ninguém queria cumprir o papel de direção que era difícil e complexo. O diretor sempre tem menos
poder do que necessita no meio caminho, entre a administração e a comunidade. Então, não havia
candidatos suficientes e, em muitos casos, os candidatos muitas vezes não reuniam os requisitos
indispensáveis de capacitação, de profissionalismo, especialização. No final adotou-se esse modelo de
direção democrática, porque a responsabilidade fundamental da decisão da eleição, corresponde à
comunidade educacional, mas ao mesmo tempo garantindo o profissionalismo.
Vou terminar, portanto, dizendo, que acreditamos que o nosso sistema garante uma importante
participação, seja na tomada de decisões das políticas educacionais, seja na organização dos próprios
centros educacionais. Mas temos desafios também. Vou citar esses desafios. Temos um desafio importante
que é um problema de que a participação das famílias é possível, mas é pouco exercida e mal exercida.
Temos que comprometer e envolver as famílias na gestão, e esse é um desafio importantíssimo para o nosso
País. Os pais se desentendem em muitas ocasiões e, curiosamente, quanto mais necessidades educacionais
tem a criança, há uma espécie de aumento das obrigações familiares, os pais vão pouco às instituições
quando são chamados, e as vezes não são chamados.
Temos que conseguir que os nossos alunos queiram estudar. Eles podem estudar. Hoje têm meios, têm as
políticas educacionais adequadas, mas encontramos um número muito alto de jovens que não estão
interessados em estudar. Um nível muito alto, 20% dos jovens gostariam de deixar a escola aos 13 anos.
Não estão confortáveis nesse sistema. Temos que convencer aos jovens de que a principal riqueza,
e além disso o principal prazer e gozo, que podem ter na vida, é desfrutar do estudo, da educação,
da cultura. Temos que conseguir que nossos professores estejam satisfeitos, exigimos muito dos
professores, paga-se relativamente bem, mas é pouco para o esforço que é exigido, que é enorme, e se
gratifica pouco socialmente.
O professor não está satisfeito no nosso sistema educacional. Temos que conseguir que o conjunto da
sociedade assuma, ela mesmo, essa prática, essa máxima de que a educação é fundamental. Todos os
políticos, se me perdoem, eu também me incluo nisso, dizemos que é fundamental, todos os políticos
quando querem alocar recursos colocam obstáculos a gastar dinheiro suficiente, no esforço suficiente.
E, finalmente, creio que a nossa obrigação como responsáveis - nós que temos responsabilidade por
sistemas educacionais - creio que todos nós, pais, professores, responsáveis, gerentes, adminis-
tradores das instituições, das escolas, responsáveis pelas autonomias dos estados, do governo central,
todos temos obrigação de ser humildes, para acertar, para fazer funcionar aquilo que não funciona
bem, ter a decisão de mudar aquilo que se pode mudar e talvez tomemos a medida certa para conseguir
esses objetivos. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Muito obrigado, Professor Enrique Roca. Eu gostaria também de prestar aqui
uma informação. O Prefeito João Paulo teve que se retirar porque ele é coordenador da Frente Nacional de
Prefeitos. Aliás, há uma grande concentração de prefeitos nesses dias aqui em Brasília, e eles estão
exatamente discutindo questões neste instante, tanto ligadas à questão do FUNDEB e FUNDEF, quanto às
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questões relacionadas à desoneração tributária da área de transporte coletivo. Então, ele foi chamado
com urgência para participar dessa reunião, e por isso agradece e pede desculpas por se retirar.
Nós, neste instante, temos uma programação de fazer um intervalo, mas como estamos nos aproximando
do horário previsto até para o término da nossa reunião, previsto para meio dia, eu consulto aos
participantes se podemos dar início imediatamente à parte destinada a perguntas e respostas dos
integrantes da mesa.
Eu faço a indagação, se preferem dar continuidade e encerrarmos por volta do meio dia, como estava
planejado, ou se fazemos um intervalo de dez minutos. Aqueles que pretendem continuar, para que
encerremos por volta de meio dia, permaneçam como se encontram. Aprovado.
O método para que possamos fazer isso. As perguntas podem ser encaminhadas por escrito aos
integrantes da mesa ou podem ser feitas inscrições através do seu crachá, para que eu possa ler os nomes e
indo pela ordem de inscrição aqui pela mesa.
Algumas pessoas estão saindo. Mas não faremos intervalo. Vamos terminar ao meio dia.
Peço para aqueles que estão inscritos e queiram dirigir perguntas, temos as nossas assistentes, que têm o
microfone sem fio. Pedindo concisão na manifestação de cada um, passo a palavra a Maria Luiza Alécio,
que é de Recife, Pernambuco. Maria Luiza eu peço que você nomine o destinatário da sua questão.
Maria Luiza Alécio: Eu gostaria de, sobretudo, me dirigir a Pavez, porque me emocionou muito o seu
depoimento, a coragem de vir aqui e dizer do problema concreto que está vivendo o seu País. Acho que
para nós tem um papel muito importante, porque nós conseguimos segurar muita coisa durante a
ditadura militar desse período, mas muita coisa se encaminhava para essa linha, e nós ainda temos, nas
nossas leis, o resultado disso. Quer dizer, a gente tenta impedir na prática. Acho que nós temos esse
exemplo, quem trabalhou como a gente trabalhou, na elaboração da LDB, que foi aprovada na Câmara e
diante de um projeto foi derrubada no Senado, onde incluiu lá dentro a possibilidade das duas
humanidades que se coloca ali.
A gente viu isso no Plano Nacional de Educação, que a gente elaborou com mais de um milhão de
assinaturas para o Congresso e que depois foi aprovado o Plano Nacional de Educação com todos os
limites. Então, o germe disso está na nossa legislação e cabe a nós tentarmos ver o que é que a gente perdeu
naqueles momentos, para retomar. Porque o projeto se tivesse continuado (graças a Deus faz três anos que
a gente conseguiu segurar um pouco) era desse Plano, porque os estados onde isso está ainda liberado
(como a gente vive em alguns estados) esse projeto de privatização da educação está sendo ainda
implantado, porque é norma do Banco Mundial.
Eu queria saber qual é a estratégia que vocês estão pensando, já que precisa haver e se existe essa vontade
da Presidente Bachellet de reverter isso. E como isso reverteu também na Universidade?
Estou colocando isso como provocação por conta da Universidade, porque acho que uma provocação que
o Monlevade colocou me bateu muito. É a história que ele falou do sorteio. Eu acho que primeiro tem que
se discutir o que é que a gente quer como projeto de Universidade, com conhecimento e garantia de
autonomia diante de um mundo globalizado. Não é simplesmente a democratização do acesso. É
significar o que é que sai da Universidade para a sociedade brasileira como um todo.
Gostaria só de dizer que estou à disposição se houver alguma dúvida com relação a alguma coisa. O
Prefeito me pediu que dissesse isso também, o que colocou em termos de gestão democrática.
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Mestre de Cerimônias: Obrigado à Professora Maria Luiza. Talvez possamos encaminhar de forma que as
perguntas sejam feitas e depois as respostas serão encaminhadas no seu conjunto.
Na seqüência da inscrição, Adauto da Silva.
Adauto da Silva: Bom dia, a minha pergunta vai para o Enrique, da Espanha. É sobre conselho escolar.
O conselho escolar, ele representa realmente, na Espanha, os segmentos? Porque vejo que no Brasil (eu sou
do Paraná) e o conselheiro lá, que representa os professores, representa os funcionários, representa os
alunos, representa os pedagogos. Ele nunca tem oportunidade de discutir primeiro com a base para
participar da reunião. Ele simplesmente representa aquilo que ele entende que é importante, e muitas
vezes ele representa ele mesmo.
E em cima disso, para a gente não se estender muito, eu gostaria de convidá-los para depois passar ali na
sala. Tem uma exposição da experiência que nós tivemos em nossa escola lá no Paraná, Colégio
Independência. Para resolver esses problemas, onde as reuniões de Conselho escolar não são feitas só pelo
Conselho escolar. É feito por quatrocentos, quinhentos, oitocentos, mil pais. É chamado todo mundo, o
Conselho se reúne, a comunidade tem direito a voz e a voto, e o conselho só assina embaixo do que a
comunidade decidiu. Foi a única solução que encontramos para que realmente o Conselho seja
significativo e realmente represente aquilo que a comunidade busca dentro da escola. Uma escola de
periferia, uma escola de pessoas pobres, onde muitas vezes o Conselho escolar é composto por pais que
têm melhores condições e os interesses são diferentes.
Eu só gostaria de fazer a pergunta, se realmente representa toda a comunidade escolar? Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Obrigado, na seqüência de inscrição, Xavier Carvalho de Sousa Neto.
Xavier Carvalho de Sousa Neto: Bom dia, gente. A minha pergunta a princípio seria para o Prefeito,
mas ele está ausente. Mas eu vou readaptá-la e poderia ser respondida também por qualquer um dos
senhores da mesa.
A pergunta vai no seguinte sentido. Tendo-se como base que todo País, toda nação, tem um órgão
centralizador de políticas educacionais. O órgão central, não sei se dentro do mesmo formalismo que
temos no Brasil, já que são do estado federalizado, mas deve ter um órgão na mesma linha do Ministério da
Educação que fomenta as políticas nacionais da educação, estaduais e municipais.
A gente fala aqui neste Seminário Internacional bastante sobre a questão da democratização, sobre a
questão de como criar políticas de forma democrática nas escolas, nos estados, no município, e desde
ontem eu estou observando um pouco algumas falas, eu sou funcionário do Ministério da Educação, recém
concursado, inclusive queria destacar que dentro desta Secretaria, me parece um evento dessa natureza,
parece ser algo como, não sei se uma exceção, mas talvez algo no sentido de ser algo um pouco diferente do
que a gente vive hoje, dentro do Ministério da Educação.
Nós temos um quadro de funcionários praticamente todo terceirizado. Cerca de 90% do nosso quadro de
profissionais vem de outros órgãos, de outras empresas. Os funcionários concursados, os especialistas,
sobretudo os de cargos efetivos são colocados em segundo plano, e às vezes nós recebemos um
telefonema de alguns municípios, onde as pessoas reclamam dessa falta de democracia que existe nos
municípios, nas escolas rurais. De repente, embora a gente não manifeste isso por uma questão de ética (e
aqui eu acho que é o fórum ideal para a gente falar um pouco disso) por uma questão de ética a gente não
diz, mas a gente vive isso em Brasília, dentro do Ministério da Educação, onde nós somos tratados, eu digo
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nós concursados, sobretudo, como cidadãos de segunda classe, como pessoas mal vistas dentro do
Ministério. Toda vez que a gente quer trabalhar, na verdade a nossa briga maior é por trabalho.
Eu venho há quatorze anos de uma empresa privada, estou há quase três meses lá no Ministério da
Educação, e o fato de estar querendo trabalhar, não sei como estão me vendo, mas só agora que eu estou
conseguindo um canal de negociação para que eu possa mostrar o meu trabalho, para que eu possa
trabalhar. Eu tomei posse no dia vinte de janeiro e até hoje eu não exercitei nenhuma das minhas funções
estabelecidas em edital. Estou me sentindo uma pessoa inútil. Agora, eu repito, está sendo aberto um canal,
mas para eu conseguir isso, eu tive que brigar, tive que ser uma pessoa chata, tive que ser uma pessoa nojenta
como alguns chamam, pessoas que querem somente tumultuar o Ministério da Educação. Não é só isso.
Eu estou agora representando, aqui, talvez a fala de dezenas, centenas, de colegas meus que gostariam de
ter esta oportunidade de falar.
Resumindo a pergunta, como pensar em democratizar os conselhos, as escolas, os municípios, os estados,
como fomentar a educação de qualidade se nós, (não quero nem entrar na questão salarial, que também é
uma coisa aberrante). Eu quero tratar só dessa questão da democracia dentro do órgão que é o maior
gestor de diretrizes, de toda essa questão que todos nós conhecemos. Parece-me, só resumindo, que há
democracia como o Prefeito colocou, a gente vive um grande problema.
Democratizar a democracia é muito complexo. A gente vive discutindo o tempo inteiro essa questão da
teoria democrática, mas a prática democrática de fato não tem. Eu acho que política de educação precisa
ser uma política de Estado, para, se houver troca de governo, e quando trocar, que a educação não sofra
com isso. É mais um desabafo que uma pergunta. Então, como isso é tratado? A questão dos funcionários
no órgão maior, no órgão gestor de políticas nacionais.
Mestre de Cerimônias: Eu gostaria de saber se tem mais alguém que queira fazer o uso da palavra.
Não havendo, passaria para o professor Jorge o primeiro questionado, pela professora Maria Luiza. Na
seqüência, para o professor Enrique e, depois, uma consideração a respeito da manifestação do Xavier.
Professor Jorge Pavez Urrutia: Xavier, a professora propõe duas questões. Uma que o panorama que
nós estamos vivendo em geral no nosso País, pode significar também uma forte flexibilidade nas políticas
educacionais brasileiras, isso por um lado, e por outro, que expectativa de mudança real, o que a nossa
presidente representa em termos de expectativas reais.
Inicialmente devemos dizer que, em geral, os chilenos e, particularmente, os trabalhadores e os
funcionários de magistério, criamos enormes expectativas quando o Lula chegou ao governo. Para nós
parecia na verdade uma lua de esperança no sentido de que poderiam ser feitas políticas não somente de
ordem educacional, mas nos modelos que atualmente estão sendo implementados no âmbito mundial.
Nós estamos absolutamente convencidos de que o atual modelo globalizador torna muito difícil a
realização das nossas expectativas, quando elegemos nossos governantes. Por outro lado, também
esperamos uma vontade política real que impulsione tudo isso que foi prometido ou pelo que havia de
esperança. No caso chileno, apesar de que também existiu uma ditadura no Brasil e na Espanha, a saída
desses países para um modelo democrático aconteceu de forma totalmente diferente do modelo chileno.
O modelo chileno, o modelo Pinochet, digamos, permite uma competição dentro do próprio modelo que
ele implementou. Portanto, depois de ser eleito, o outro governante para uma coalisão de governo,
um governo, de quatro anos, ele continuou como Comandante Chefe do Exército. Ou seja, se La Moneda
está aqui, o edifício das Forças Armadas está bem em frente. É simplesmente assim: ele saiu do prédio do
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Exército para o prédio da Presidência e de um lado para o outro.Desta forma ele era uma espécie de senador
vitalício. Se não tivesse sido assim, porque ele circunstancialmente foi preso na Inglaterra por um ano,
provavelmente a imagem pública histórica com a qual ele pretendia ficar na história do Chile, ele poderia
ser considerado como uma figura que havia ordenado a história política do Chile. Claro, havíamos tido uma
violação dos direitos humanos, mas isso não era o maior dos problemas. Além disso, sua honra, seu caráter
- era duvidoso e havíamos descoberto várias contas no exterior no seu nome. Enfim, era uma situação que
fica completamente fora da importância do debate nacional, do debate político.
A coalisão de governo, neste momento, é governada por uma mulher, uma socialista que tem um passado
claramente de esquerda. Seu pai foi um aviador, um colaborador direto do presidente Allende. Morreu na
prisão. A própria presidente foi presa, foi torturada juntamente com sua mãe, exilada. E voltou, e ela
continua se sentindo socialista, mas agora em um mundo diferente, no qual nós vivemos nos dias de hoje.
O que ela está colocando como possibilidade de mudanças reais? Em primeiro lugar, colocou a necessidade
de modificar o sistema de previdência do Chile. Ela propôs o sistema de privatização. Hoje, no Chile,
nós temos um sistema chamado de AFP, um sistema que permite um grande lucro somente para os donos
das empresas e as pensões são muito baixas. Essa medida é importante porque está gerando um processo
de discussão, de mobilização e a idéia de que existam maiores possibilidades e mudanças mais
consistentes. Por outro lado, está propondo uma mudança na política binomial e justa e quer permitir,
de forma mais paritária, outra possibilidade de poder. A direita e a concertação foram dois grupos que
dividiram o poder nesses quatro anos.
Pela primeira vez, nas últimas eleições, a concertação tem a maioria nas duas câmaras. Portanto, se
existisse vontade política de gerar mudanças importantes em diferentes matérias, principalmente se não
precisarem de um quorum qualificado. No Chile, precisamos de um quorum maior e, portanto, no Senado e
na Câmara, é requerido respaldo dos legisladores de direito.
A lei orgânica constitucional também requer um quorum qualificado e supõe, é claro, o apoio de
parlamentares da direita. Eu acredito que o mais importante que temos atualmente é a abertura dessa
discussão com relação à questão educacional, o que permitiria, pela primeira vez, espaços de mobilização
popular que, não haviam acontecido até então, suficientemente. Não sou da concertação. No entanto,
tenho respeito muito grande pela atual presidente. Acredito que apesar de que ela demarca sua
presidência num estilo de governo (não devemos ter esperanças muito grandes) acho que, pelo menos,
significa uma diferença com relação aos anteriores governos. Acho que isso é muito importante, e tenho
esperanças de que dentro de uma coalisão de governo, onde existem setores do próprio governo que
pensam como a direita, ou seja, que pensam que o melhor é privatizar absolutamente todo o sistema, e
outro que propõe que a educação pública deve ser resgatada, evidentemente processos de mobilização,
magistério, outros setores fazendo com que as mudanças aconteçam em uma direção mais
democratizadora, mais no sentido de mudanças profundas, acreditamos então que está acontecendo pela
primeira vez de um modo muito mais claro.
Mestre de Cerimônias: Obrigado. Passo a palavra então para que o Professor Enrique possa fazer suas
considerações.
Professor Enrique Roca Cobo: Com respeito à pergunta sobre representantes dos diferentes setores do
Conselho escolar, se eles representam realmente a base, eu creio que os professores são eleitos com pleno
conhecimento e participação do conjunto dos professores. A vida entre eles é cotidiana e intensa e eles
conhecem muito bem as eleições que são feitas a cada dois anos. Permite-se que os professores elejam os
representantes mais adequados, que se renovam a cada dois anos.
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E o professorado em geral responde muito bem ao conjunto da classe, apesar de que, é verdade, quando há
menor participação, quando há muitas tendências, uma conservadora e outra progressista, há
problemas, como com as guerras cotidianas nos âmbitos profissionais. Insisto, porém, que há uma boa
representação e também poderia dizer isso mesmo com relação aos alunos, apesar de as dificuldades
serem diferentes. Possivelmente, é muito mais importante a participação do aluno na aprendizagem de
uma escola democrática, de uma vida democrática. Creio que é importante porque os alunos se reúnem
nas próprias aulas, elegem os delegados, fazem jogos de participação democrática. E isso se vê na
televisão também. Creio que os alunos estão representados nas escola secundárias e nos cursos de
formação profissional, há uma eleição bastante livre e nem sempre muito comprometida. Há uma
tendência generalizada de nossos alunos no sentido de reduzir o interesse pelas questões públicas
aumentando o interesse por questões pessoais ou grupos reduzidos, mas, creio, que eles estão
representados. Também o pessoal da administração está representado. No caso dos pais, a participação
dos pais é muito baixa, é particularmente baixa em geral, todas as generalizações são falsas, inclusive essa.
Pode-se afirmar, no entanto, que os pais em nosso País participam pouco. De maneira que os seus
representantes são os pais mais comprometidos com a escola. Estamos falando de participações que são
de dez ou vinte por cento, na maior parte dos casos. Na escola primária a participação é maior. Há muitos
pais que não se interessam muito por estes processos de participação e, portanto, seus representantes são
os representantes que se aproximam da escola naturalmente. Esta é a realidade do nosso País. Muito
obrigado, professor Ladislau. Esse era o nosso comentário final.
Mestre de Cerimônias: Muito obrigado. O Professor Ladislau vai fazer um comentário, também final.
Professor Ladislau Dowbor: Deixa-me mencionar rapidamente, quer dizer, na linha econômica, o que
está acontecendo é o seguinte: o conhecimento está se tornando um fator de desenvolvimento
absolutamente fundamental, ou seja, tem um grande valor econômico.
Qual a principal guerra política que existe hoje no planeta? Nos séculos passados era sobre quem
controlava os meios de produção, as máquinas, a socialização dos meios de produção. Hoje é sobre quem
controla o conhecimento. Eu queria dizer que, hoje, vai muito além do problema da privatização. Temos
grandes universidades brasileiras que estão sendo compradas por grupos internacionais. São
universidades cotadas em bolsa. A principal briga mundial hoje é o chamado TRIPs, na Organização
Mundial de Comércio, sobre o direito de controle dos bens intelectuais, transformando a educação (como
as coisas estão acontecendo) em commodity, em bem comercial. Significa, por exemplo, que o País não
vai poder escolher os livros que quer na escola, ou coisas do gênero, porque se tem de entrar na
concorrência internacional, nesse processo.
Em uma Universidade americana um professor está sendo processado porque tirou xérox do artigo que ele
escreveu para seus alunos. Ele não podia, porque a revista da Universidade foi privatizada. Ele poderia
dizer aos alunos: comprem a revista, mas não ele tirar a xérox do próprio artigo que ele escreveu.
Eu queria levantar esse ponto, porque nós não estamos em uma situação neutra, entre as diversas
colocações, que vão desde a dinâmica política interna da educação até o que é levantado da Espanha.
Dessa extensão da escola cada vez mais, portanto, evitando que o jovem pressione o mercado de trabalho.
Na realidade, estamos espichando e adiando o problema. Nós não podemos mais ter educadores que só
olham para a escola. Quando a gente fala que o professor e o conhecimento estão no olho do furacão, é
porque realmente aqui está se dando o grande embate deste século. Quem vai controlar o conhecimento,
quem vai ter acesso à educação. É um, digamos, pano de fundo dos debates que a gente está travando na
área da economia.
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Mestre de Cerimônias: Obrigado ao Professor Ladislau Dowbor. Eu gostaria de fazer uma indagação se
tem mais alguém que queira fazer alguma manifestação.
Não havendo, e dentro deste nosso painel de Políticas Públicas e Planejamento Participativo, quero fazer
apenas uma consideração final. Como vimos, eu não vou nem pretender sintetizar a rica manifestação de
cada um dos integrantes da mesa, mas dos vários momentos e da importância do processo de
planejamento. Que sejam planejamentos fundados em bases democráticas, em bases participativas.
Todos nós sabemos que a educação não é e nem pode ser entendida apenas por um meio, mas ela é o
próprio fim de uma sociedade democrática. E da mesma maneira que a democracia também não é apenas
um meio de se chegar a alguma coisa, ela também é um valor maior da nossa sociedade. Portanto, a
democracia e as suas práticas, entre elas a questão da participação são, no fundo, uma possibilidade
extremamente rica para construirmos uma nova cultura, um novo compêndio de valores que sejam
abraçados pelo conjunto da nossa sociedade, das comunidades, e que, de fato, possam gerar
transformações profundas.
Pessoalmente, acredito muito no planejamento, sobretudo de políticas de longo prazo como são as
políticas educacionais que, necessariamente, extrapolam os limites e os marcos temporais de um governo
e, até, do processo de formulação e implementação de políticas públicas, dentro do marco de certa
governançia estabelecida pelo processo democrático de votações, de eleições, e de mandatos eletivos,
quer sejam mandatos de prefeitos ou presidentes da República. A educação depende sempre de um tempo
muito maior e, portanto, a ferramenta do planejamento é fundada exatamente naquilo que foi colocado
aqui hoje por vários painelistas. Ela é uma possibilidade efetiva de que a sociedade tenha um projeto
de País, de sua explicitação no projeto educacional. E esse projeto depende de uma visão clara a res-
peito da nossa realidade, dos meios que temos para que essa realidade possa ser sobrepujada e possa
evoluir e os problemas possam ser vencidos. Que signifique para nós a construção permanente de uma
pauta de luta política. Isso, é fundamental que se diga, não significa pensar nem o planejamento, nem a
educação, e muito menos a sociedade, como se ela pudesse apenas ser fruto de uma boa técnica de
planificação. Que pudéssemos, então, todo mundo certi.ho, colocar aqueles planos e aquelas nossas
idéias em prática. Verificamos isso com clareza. Em todo processo de planejamento há conflito.
Esse conflito surge exatamente das bases profundamente desiguais, sobre as quais costumam ser
construídos o nosso País, e a sociedade.
Então, esse processo político do planejamento tem que ser visto. É um processo de luta de poder, luta de
projetos, e ele é concretamente uma forma de nos envolvermos. Sobretudo setores populares que
dependem de uma educação pública de boa qualidade para todos, e que, portanto, devem ser sempre
trazidos na sua função de protagonista maior da construção das suas próprias possibilidades e do exercício
pleno da cidadania.
As observações apresentadas foram muito boas. Abriram várias luzes e perspectivas. Agradeço
imensamente aos integrantes da mesa, a todos, sobretudo aos nossos convidados internacionais, desejando
a todos um bom período de almoço e lembrando que, logo agora à tarde, às quatorze horas, temos um
encontro aqui marcado, a respeito da Educação Brasileira e Gestão Democrática do Sistema de Ensino.
Muito obrigado pela presença de todos, e até já.
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Mestre de Cerimônias: Boa tarde. Vamos dar início ao nosso painel, Organização da Gestão Brasileira e
Gestão Democrática no Sistema de Ensino. Com seis expositores, seis painelistas.
Eu gostaria de chamar o Professor Jamil Cury para compor a mesa, a professora Alaídess Alves Mendieta,
Presidente do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, Professora Maria Auxiliadora Seabra Resende,
Vice-Presidente do CONSED, Professor Evandro da Costa Sales, Professora Maria do Pilar Lacerda Almeida
e Silva, Presidenta da UNDIME, Professor Paulo Eduardo dos Santos, Presidente da UNCME.
Foi combinado assim: vinte e cinco minutos de exposição para cada painelista. Posteriormente a gente faz
um intervalo de acordo com a programação.
Acredito que as apresentações dos painelistas são dispensáveis porque já são bem conhecidos e acho que é
desnecessária essa apresentação para que possamos aproveitar mais o tempo do debate.
Vamos começar com o Professor Jamil Cury, que é um nosso grande parceiro no Pró-Conselho, um
programa dos Conselheiros Municipais de Educação. Um grande amigo, um grande companheiro, uma
pessoa que admiro bastante, um grande profissional, temos muito a aprender com ele.
Professor Jamil Cury: Muito boa tarde, prezados e prezadas participantes, deste Seminário Inter-
nacional de Gestão Democrática da Educação, com suas pedagogias participativas.
Quero, primeiramente, saudar o Professor Arlindo, a Lêda, e tantas outras pessoas. Certamente a minha
equipe se empenhou muito para que este Seminário Internacional viesse à luz, e com o maior sucesso,
contando com a experiência de vários Países da América Latina e da Europa.
É muito oportuno o acontecer deste Seminário em um momento em que a sociedade brasileira, por meio
de suas organizações interessadas, se empenha no sentido da aprovação do FUNDEB, o Fundo que poderá
nos ajudar a melhorar o padrão de qualidade das nossas escolas.
Todos hoje amanhecemos com as manchetes dos jornais dizendo da situação do Brasil em relação à
educação. Sobretudo nos quatro primeiros anos, situação de altíssima repetência. Manchete de primeira
página em praticamente todos os jornais do Brasil, no Correio Braziliense em letras garrafais, a situação de
extrema dificuldade dos professores das redes de ensino, de maneira que é muito oportuno pensarmos o
tema desta tarde - o da organização da educação brasileira e a gestão democrática nos sistemas de ensino,
no momento em que toda a nossa sociedade parece despertar para a efetiva importância da educação
escolar brasileira, e a participação da sociedade civil no aperfeiçoamento desta mesma educação.
Eu queria, finalmente, saudar os meus colegas aqui da mesa, Professora Alaídess, colega, companheira,
amiga, os conselhos, Professor Paulo, Professor Ivandro, e que são também parceiros, nessa busca via
organização da educação brasileira e de uma educação com maior qualidade.
Pois bem, como este Seminário tem um tom internacional, gostaria de principiar, com uma afirmação que,
Organização da Educação Brasileira
e Gestão Democrática nos Sistemas de Ensino.
26 de Abril de 2006 (quarta-feira)
EXPOSIÇÕES DA TARDE
PAINEL
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para todos nós, é sabida e consabida. Entretanto, cumpre, sobretudo dentro do quadro de um Seminário
internacional, repetir o que já é quase que um aforismo.
O Brasil é uma República federativa, a organização da educação nacional, é federativa. Não é uma
organização unitária, centralizada, como seria o caso, por exemplo, da França, ou do Uruguai. Também
não chega a ser uma organização federativa nos moldes bastante autonomistas, como ocorre com os
Estados Unidos da América.
Então, a nossa organização federativa, o regime federativo, contém, ao mesmo tempo, uma concentração
de poderes. De um lado, temos poderes concentrados na União, e, nesse sentido, tem-se para todos os
sistemas, orientação, diretrizes de caráter nacional e os estados, os municípios e o Distrito Federal, têm
poderes próprios autônomos, e que podem dar uma dimensão própria, mais ou menos adequada e
adequável às suas situações regionais, às suas situações locais. Então, é um pouco difícil para um europeu
entender que também a nossa organização da educação nacional, é federativa. O nosso País se nutre, na
sua organização, desta composição, entre certo grau de concentração de poderes na União e certo grau de
dispersão de poderes nos estados, municípios e no Distrito Federal, o que lhes dá uma margem de
autonomia para desenvolver, ao seu modo, determinadas características, aclimatadas à situação social, à
situação regional daquele município, daquele estado. Este é um ponto muito interessante. É verdade que o
Brasil tem um federalismo político e jurídico. Político porque nós somos divididos em estados e municípios,
como entes federativos junto com a União e o Distrito Federal. Jurídico porque nossa Constituição foi das
mais avançadas na forma de desenhar a República Federativa do Brasil. Ao invés de optar por aquilo que
geralmente a gente chama de federalismo centrífugo, isto é, um federalismo que beira a quase soberania
dos estados e das regiões. Lembro, por exemplo, que esse Seminário tem a co-participação da Espanha, e a
Espanha tem, em algumas das suas regiões, um sentido autonomista muito mais forte do que a autonomia
dos nossos estados. Por exemplo, a região da Catalunha ou a região basca, ou mesmo a região galega, há
um forte tom quase que de desejo de uma autonomia, a mais ampla possível. Neste sentido seria um
federalismo centrífugo, que foge do centro.
Os Estados Unidos da América em seus estados, tem um pouco essa dinâmica. Os estados lá têm mais
autonomia do que os estados aqui no Brasil. Mas também não é um federalismo centrípeto, em que tudo
está concentrado na União, no sentido de que tudo gira em torno da União, como foi o caso, por exemplo,
do Brasil durante todo o Império, que era monarquia. Era um País absolutamente centralizado, menos na
educação. A educação, desde o Ato Adicional de 1834 foi descentralizada para as províncias, e com
escasso poder do que eu vou falar em seguida, que é o federalismo fiscal. O Brasil, na sua composição
jurídico-política, optou pelo chamado federalismo cooperativo, ou para ficarmos no tom do nosso Painel,
um federalismo participativo. Mas, intervém aqui um outro olhar para vermos a questão da organização da
educação nacional. Como é que esse tipo de organização vai ter um impacto sobre a gestão democrática
nos nossos sistemas de ensino?
Se de 1824 a 1834 nós tivemos um regime centralizado; diga-se de passagem, a lei de 1827 era a primeira
lei geral de educação no Brasil. Ela é do dia quinze de outubro, por isso o dia do professor é dia quinze de
outubro. Ela previa, desde a Constituição de 24, que teriam acesso à educação apenas os cidadãos. Neste
sentido estavam declaradamente fora ou subrepticiamente fora os escravos; por razões de um sistema
patriarcal, boa parte das mulheres. Além disso, a lei falava que haveria a oferta da instrução primária
apenas nas vilas populosas. Isso significa que as zonas rurais estavam descartadas. O nosso sistema, então,
nasceu sob um signo, muito mais de uma seletividade oligárquica, do que sob o signo de uma abertura
democrática. Era o ponto de vista do acesso físico, que nós chamamos hoje de Censo, matrícula, presença,
acesso. Esse não-acesso não era somente um não-acesso físico, era um acesso oligárquico, em que o outro
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era considerado, como se dizia oficialmente, uma peça semovente, um escravo, uma peça. Como essa
invasão de privacidade, ou esse corpo, é uma peça semovente, que se move por si, como se fosse uma
engrenagem de uma máquina. Essa vertente patriarcalista, que via a mulher simplesmente como alguém
que deveria ficar absolutamente confinada no âmbito doméstico, e de um doméstico deprimido, e não de
um doméstico como hoje nós consideramos. De maneira que esse signo se confunde e se articula com
linhas políticas oligárquicas seletivas. Isto fez com que, por várias razões, as nossas populações tivessem
uma cultura de pouco apetite em relação à participação na gestão escolar. Qualquer um de nós, pai, mãe e
que participa minimamente das escolas, vê que se chama para uma reunião, vêm 3, 4 pessoas. Não é
simplesmente tomar o ano de 2006, dia 24, 25 de abril e dizer: olha não é isso. Isso tem uma longa história,
em que esta convocação foi impedida por mil razões. Seja por uma profunda questão de desigualdade,
seja por uma razão de discriminação étnica ou outras razões discriminatórias. Então, a gestão
democrática, à duras penas colocada na Constituição de 88, ainda é uma promessa de efetivação, e
certamente em um auditório como este e em muitos outros auditórios, representa uma vontade de
construir o aperfeiçoamento da educação escolar com a participação da cidadania.
Por mais que a população tenha consciência da importância da educação escolar para uma inserção cidadã
dos nossos filhos, das nossas filhas, nos destinos do nosso País, isso não tem tido a contrapartida de uma
abertura, quer nos conselhos escolares, quer na construção de um sistema municipal de educação, num
sistema estadual de educação que conte com a participação da sociedade civil, no sentido de aperfeiçoá-
la. Isto gerou na história da produção do nosso País, o que um autor chama, em oposição à cidadania, um
sentido de estadania. Ou seja, esperar que o Estado faça a parte dele. Nem sempre faz. E ao mesmo tempo
cubra o que deveria ser da sociedade civil. Não cobre. Fica uma lacuna sempre preenchida por um sistema
de raízes oligárquicas seletivas.
O desenvolvimento da cidadania no Brasil pede para que haja um peso e contrapeso entre estadania e
cidadania, em que estadania certamente é aquilo que nós esperamos do Estado. Se construirmos sistemas
de ensino, sistemas de educação nos estados e nos municípios, devemos cumprir nosso dever, enquanto
representante do dever de Estado, em oferecer educação de qualidade. Por outro lado, ainda somos
precários. Não é que não existam iniciativas, mas quando nós falamos do sistema, nós falamos do
conjunto. Isso não significa que não haja iniciativa, elas existem e são exitosas, promissoras, etc., mas não
é do conjunto, ou seja, a estadania não tem ainda um equilíbrio com estes lampejos, com estes indicadores
da cidadania presente na construção dos sistemas educacionais. Eu acho que a organização da educação
brasileira, em face da gestão democrática dos sistemas de ensino, tem que voltar-se para essa realidade,
que é uma realidade jurídico-política da organização brasileira, enquanto sistema federativo, mas
incompleto. O FUNDEB não foi ainda aprovado, não está nem em vigência e nem em vigor. Esperamos uma
complementação. Conseguir levar adiante tantas responsabilidades, como diz o artigo 205 da nossa
Constituição, do dever do Estado, quando assumirmos a busca de uma gestão democrática que está posta
no direito do cidadão. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Antes de passarmos para o próximo painelista, eu gostaria de convidá-los a
saudar a Professora Justina e a Professora Maria Auxiliadora Seabra, representantes da UNDIME e do
CONSED, e fazer uma observação. Estávamos até o momento com a mesa maciça de homens até a parte da
manhã. Quero só fazer um comentário em relação à saudação, porque é importante quando a gente
saúda, quando a gente bate palmas, a gente aproxima as mãos do coração.
Passando a palavra agora para a Professora Alaídess Alves Mendieta, que é Presidenta do Fórum dos
Conselhos Estaduais de Educação.
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Presidenta do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, Professora Alaídes Alves Mendieta:
Boa tarde a todos e a todas. Quero cumprimentar esta mesa, pedindo licença a todos para cumprimentar a
pessoa do nosso querido mestre, professor Cury, que além de amigo tem sido realmente o nosso guru,
principalmente no que diz respeito a conselhos. Quero cumprimentar o Professor Arlindo, o Professor
Francisco das Chagas e toda a sua equipe, também aqui na pessoa de Lêda, essa grande Lêda que correu o
tempo todo com a equipe para, evidentemente com o grupo todo unido, dar conta de organizar e fazer
acontecer este brilhante Seminário.
Diante da amplitude do tema, deste painel, em função da crescente complexidade do funcionamento do
sistema educacional brasileiro, não pretendo tratar de questões históricas ou conceituais com
profundidade. Porém, considero de fundamental importância fazer uma breve retrospectiva para
fundamentar algumas reflexões acerca do ensino, da organização da educação brasileira e o processo de
gestão democrática dos sistemas de ensino, focando os conselhos estaduais de educação como órgãos
integrantes dos sistemas estaduais de ensino.
Vou tentar traçar uma breve linha do tempo, na tentativa de evidenciar alguns fatos históricos que
determinaram a organização da educação brasileira em diferentes momentos, a partir de 1934 até a
gestão democrática que pretendemos nos sistemas de ensino dos dias de hoje. Nós traçamos aqui, de
1934, com a Constituição federal de 34, em 1961 com a Lei 4.024, em 1971 com a Lei 5692, em 1996 com a
LDB, Lei nº. 9394, até 2006, o momento atual, século XXI.
Em 1934, o Brasil com a Constituição Federal de 34, define a competência da União em relação
aos territórios e ao Distrito Federal, determinando organizar e manter os sistemas educativos.
Esses sistemas, porém, não são instituídos imediatamente, considerando a centralização do poder e o
próprio momento político.
Em 1961 entra em vigor a LDB, Lei nº. 4.024, que define a competência da União em relação aos territórios,
aos estados e Distrito Federal. A partir de 62, então, foram criados os Conselhos Estaduais de Educação
com caráter de órgãos normativos, consultivos e deliberativos, tendo como competência, estabelecer as
normas para seus respectivos sistemas de ensino entre outras. Nesse período a educação está organizada
em sistemas federal e estaduais de ensino. Vale ressaltar que três estados constituíram os seus conselhos
de educação anteriormente a 1962, sendo eles Bahia, Alagoas e o Rio Grande do Sul.
Os sistemas estaduais de ensino, bem como seus órgãos normativos, foram criados em praticamente todo o
País, em meio de uma crise política, social e econômica e de desorganização no campo educacional, como
forma de manutenção da ordem e do poder hegemônico vigente no País. Foram criados sob a égide de um
regime político autoritário, compostos por cidadãos de notório saber, indicados pelo governo, integrantes
na sua grande parte, ou na sua grande maioria das Secretarias de Educação, como órgãos burocráticos e
cartoriais de controle na oferta de ensino e com funções similares ao Conselho Nacional de Educação.
Em 1971, nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº. 5692, é aprovada e reafirma a
descentralização do poder em relação à educação e a existência dos sistemas federal e estaduais de ensino.
O artigo 71 dessa Lei, no capítulo 8 das Disposições Transitórias, estabelece que os Conselhos Estaduais de
Educação poderão delegar competências aos municípios, quando estes tiverem estrutura e tiverem como
receber as competências delegadas pelo Conselho Estadual de Educação.
Em 1988, a Constituição Cidadã, que determina uma nova ordem educacional, ou seja, a descentralização
do poder dos entes federados na União, nos estados e no Distrito Federal, atribuindo essa
responsabilidade também a novos atores, desta vez os municípios, dispondo sobre a liberdade de criarem e
utilizarem seus sistemas em regime de colaboração, pautados no regime ou no princípio da gestão
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democrática, dando além desta liberdade de organizarem seus sistemas, também, integrarem,
comporem ou criarem seus próprios sistemas.
Em 1996, vem nova lei de Diretrizes e Bases da Educação, é aprovada a Lei 9394, a partir de então o País
passa a ter um sistema federal, sistemas estaduais e municipais de ensino. Como esses sistemas de ensino a
partir dessa lei, são autônomos em termos de organização, devem ter um órgão normativo e a relação
entre eles é de cooperação e não de subordinação.
As competências, bem como as áreas de abrangência dos sistemas de ensino federal, estaduais e
municipais estão estabelecidas no artigo 9º, 10, 11, 16, 17 e 18 da LDB de 96. (Segundo Gadotti em Libânio
2003, páginas 229 a 230, há duas formas na construção de um sistema. A primeira é quando se destacam
os aspectos estático-harmônicos da organização, como a ausência de conflitos, e a segunda quando
se destacam o caráter dinâmico, as possibilidades de mudanças e as contradições são aceitas e trab-
alhadas com a participação coletiva, a fim de que as alterações necessárias sejam concretizadas. É de
fundamental importância que se considere o momento histórico, em que foram criados os sistemas
de ensino, bem como os órgãos e instituições de ensino que os compõem, a fim de que se possa entender a
atuação dos mesmos nos dias de hoje.
Não aprofundaremos aqui a questão dos sistemas municipais, porque certamente a Professora Justina o fará.
Praticamente todos os conselhos estaduais do Brasil foram concebidos com a mesma natureza, órgãos
colegiados com caráter normativo, consultivo, deliberativo e encontram-se hoje em diferentes estágios
de construção de suas identidades, com vistas às novas exigências legais, e sobretudo, aos interesses da
sociedade. Alguns são integrantes do Poder Público, e outros ainda mantêm a forma e a composição do
período em que foram constituídos. Embora revestidos de caráter democrático, por força da lei, muitos
conselhos ainda pautam suas ações em procedimentos burocráticos e cartoriais que não atendem aos
anseios da sociedade atual, cada vez mais exigente.
Os Conselhos Estaduais de Educação, como órgãos de Estado, integrantes do sistema de ensino, têm um
papel relevante na administração da educação, nas suas respectivas esferas. Por este motivo requerem a
ampliação da participação de novos atores, tornando-se mais abertos, mais plurais e representativos,
estabelecendo canais de comunicação permanente entre a sociedade e o governo, legitimando-se como
órgão de Estado e não de governo, ou seja, os conselhos, na minha visão, devem ser mediadores das
relações entre Estado e sociedade.
Em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) página 96, chega a dizer que os conselhos podem se
transformar em aliados potenciais, estratégicos, na democratização da gestão das práticas das políticas
sociais. A mudança de uma estrutura burocrática e cartorial, que reflete um modelo monárquico, com um
só centro de autoridade, que considera o conflito como ameaçador do Estado, para uma estrutura
democrática, não é tarefa fácil. O período de transição é sempre marcado por conflitos, incertezas,
inseguranças e conseqüentemente há necessidade de permanente reflexão pelo conjunto desenvolvido, a
fim de que se possa manter o equilíbrio institucional, na medida em que o novo papel vai se construindo. É
importante observar que muitos conselhos estaduais de educação ainda não romperam com essas
características ou com as características de órgão de governo.
Para pensarmos em conselhos estaduais de educação alicerçados e organizados nos pilares da democracia
participativa, necessário se faz um aprofundamento dos conceitos de legitimidade e representatividade.
Eu acredito que a representatividade dos diferentes segmentos nos conselhos para ter legitimidade deva
ser não somente qualificada, mas, sobretudo, ter como critério balizador a própria representatividade
e também a efetiva compreensão do direito como condição política, para não esvaziar a condição de
interlocutor no processo de ações de conselho paritário, governo e sociedade.
Com esse entendimento, os conselhos estaduais de educação como instância por excelência do fazer
político, não podem ser confundidos apenas como palco de conciliações ou como fórum de condições
sistemáticas. Eles devem ser considerados como instrumentos de ampliação da cidadania. Com esse
entendimento Genuíno Burdignon, no parecer 143, de 2002, nos ajuda a compreender o papel dos
conselheiros como cônsules, magistrados da educação, que dialogam com a sociedade, deliberam, dão
pareceres, falam publicamente ao governo em nome da sociedade, do Estado, em defesa dos direitos
educacionais da cidadania, fundados em ponderação refletida, prudente e de bom senso.
Diante dos inúmeros desafios é preciso lembrar que o processo democrático muitas vezes requer o
desequilíbrio da ordem estabelecida. Nesse sentido, Pedro Demo, em 1988, na página 44, faz uma
abordagem extremamente significativa para o entendimento mais claro dos processos democráticos:
democracia dá muito trabalho, onde todo mundo quer opinar, decidir junto, o que mais acontece é a
dificuldade enorme de gerir a balbúrdia, as discussões tornam-se intermináveis. Facilmente emerge o
cansaço e a decepção e até mesmo o reconhecimento afoito de que a democracia não leva a nada. A
insinuação de que em termos autoritários as coisas andavam melhor porque se decidia rápido, ou tudo já
estava decidido, todavia, é natural que assim comece.
Democracia é uma planta tão essencial quanto frágil, é extremamente mais fácil matá-la do que trazê-la
ao amadurecimento. Por isso mesmo é essencial evitar que os processos participativos degenerem
em sessões repetitivas, pouco produtivas, por inabilidade na condução do processo ou por incom-
petência técnica ou política. Demo relata exatamente o que acontece nos processos democráticos.
Evidentemente, a democracia não é remédio para todos os males, mas é muito salutar a participação
da comunidade nos sistemas de ensino, na elaboração das normas educacionais e demais ações, através
de canais de comunicação permanentemente abertos e interativos entre os cidadãos, o governo e as
próprias entidades representativas.
Na gestão democrática não basta que a democracia seja instituída por leis ou normas. A lei em si mesmo
não é educativa e não chega às mãos de todos os cidadãos. É preciso um trabalho permanente de discussão
de preceitos legais, visto que a cultura dos usos e costumes não é facilmente rompida e a democracia
pressupõe a participação efetiva do cidadão. A gestão democrática nos sistemas pressupõe uma estrutura
forte dos órgãos que a compõem do ponto de vista político, administrativo, financeiro para que, de
maneira autônoma e legítima possa construir novos cenários no quadro da educação brasileira. Conselhos
dessa natureza não podem ser confundidos com a diversidade de conselhos sociais que surgiram a partir
dos anos 80, como resultado das lutas sindicais e discussões sobre as políticas públicas nas grandes áreas
da saúde, assistência social, criança e adolescente, e também de programas governamentais que têm
funções de natureza eminentemente de controle social. Diferentemente, os conselhos de educação são
órgãos consultivos, deliberativos e normativos do sistema de ensino, e em grande parte de assessoramento
superior às políticas públicas, e devem zelar, entre tantas outras atribuições, pela gestão democrática dos
sistemas de ensino a que estão vinculados, conforme está previsto na Constituição federal.
Finalizando, vale ressaltar que os sistemas de ensino são legalmente autônomos em relação à organização
da educação nas suas esferas de governo. Portanto, os órgãos que os compõem necessitam de autonomia,
sobretudo financeira, para se auto-gerirem, descentralizando as suas ações, ou mesmo descartando
práticas que foram se arrastando ao longo dos anos e que não fazem mais sentido.
A autonomia garantida por lei aos sistemas e ao Conselho de educação não é suficiente. Cabe aos seus
gestores desencadearem ações efetivas e conseqüentes no sentido do fortalecimento dos conselhos como
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órgãos de Estado, desempenhando um papel mediador importante, com vistas à formulação e à
continuidade das políticas públicas.
Entendo que os conselhos de educação embora tenham claro o papel e a natureza que lhes são inerentes,
frente aos desafios que emergem da sociedade e, portanto, atuais, são espaços de representação e
referência da educação no âmbito de cada esfera, seja nacional, estadual ou municipal, e apontam para
uma necessidade de reestruturação organizacional com vistas a ampliar os espaços de participação e
intervenção social, com a finalidade de consolidar um projeto de educação cidadã, legitimada pelas
experiências e práticas vivenciadas no interior das escolas e nos diversos espaços sociais.
Os conselhos e conselheiros, como bem disse Bourdignon, são cônsules e magistrados. Peço permissão,
para fazer uma comparação com as Assembléias Legislativas. Como as Assembléias para o Poder
Executivo, assim estão os Conselhos de Educação, nos seus respectivos sistemas, com as Secretarias de
Estado da Educação. Órgãos parceiros, com toda a necessidade de construir as suas autonomias, tanto
administrativa e financeira, e principalmente financeira, para que possam dar conta da legitimidade que
os conselheiros e conselheiras devem à sociedade como representantes efetivos.
Vejo que, hoje, nos fóruns do Conselho trabalha-se em uma linha de consolidar essa autonomia. Que
os conselhos vêm construindo há mais de quarenta anos. Desde a sua constituição, desde sessenta e
um, sessenta e dois, vêm buscando construir essas autonomias, transformando esses conselhos, que
são órgãos de Estado, em órgãos parceiros, em órgãos que falem de igual para igual ao governo,
representando a sociedade, os anseios da sociedade. Eles que realmente fazem a educação acontecer lá
no seu espaço social.
Entendo, hoje que, nos Conselhos de Educação, o papel de conselheiros e conselheiras é eminentemente
de interlocutor entre sociedade e governo. Portanto, nós que temos a oportunidade de conviver mais de
perto e de fazermos valer e legitimar a nossa representatividade enquanto sociedade e temos a
oportunidade de conviver no chão da escola, no lócus onde acontece a educação de fato. Temos a
capacidade de fazer a intervenção necessária e de abrir as portas para que a sociedade possa se manifestar,
para que a sociedade possa contribuir na construção de políticas públicas que, de fato, garantam a
cidadania do povo brasileiro.
Eu penso que esse é o papel fundamental dos Conselhos de Educação, como órgãos que devem ser órgãos
fortes e órgãos que estão para garantir, através das normas, a construção de uma sociedade mais justa,
mais igual. E principalmente que essa construção seja feita com muitas mãos.
Utilizando, aqui, a fala de Jamil Cury, quando construiu a Resolução da Educação de Jovens e Adultos,
dizendo que a construiu a muitas mãos, penso que é assim, que nós devemos construir a educação neste
País com muitas mãos, e eminentemente de forma aberta, democrática, participativa, não de
subordinação mas de colaboração, de parceria. Muito obrigada.
Mestre de Cerimônias: Antes de passar a palavra para a Professora Justina, queria fazer um breve
comentário sobre as duas falas. O Professor Jamil coloca bem a situação do nosso sistema educacional
confederalista que nasceu de um ponto de vista oligárquico e não democrático. A Professora Alaídess
complementa com essa nossa estrutura dos conselhos estaduais, municipais e com a função realmente
principal do conselheiro.
Gestão democrática não é uma coisa fácil. Não é uma coisa bonita. É muito difícil. Quando nós convidamos
alguns Países para começar este trabalho, desenvolver esta proposta, um dos Países colocou uma coisa
muito forte. Olhei para o Embaixador, que fez essa colocação, e achei um tanto quanto arrogante.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
111
Começamos a conversar e ele a falar assim. Ficamos em primeiro lugar, no PISA, e vocês em último. A gente
pensou assim: puxa, nós estamos começando um trabalho democrático, um trabalho de parceria, e o que
ouvi foi uma coisa muito forte, então não é uma coisa assim, muito fácil de se fazer, tanto em nossos níveis
de sistemas municipais, sistemas estaduais, tanto na esfera do Executivo, como do Legislativo. Não é uma
coisa muito fácil de se fazer. É uma coisa nova para nós brasileiros e falta ainda muita coisa para
aperfeiçoarmos esse chamado regime de colaboração e esse sistema cooperativo de parcerias. Mas acho
que a gente está indo por um caminho muito bom. Eu queria só fazer este comentário, que às vezes a gente
leva uma paulada assim forte, e tem que se manter firme.
Com a palavra, a Professora Justina.
Representante da UNDIME, Professora Justina: Boa tarde a todos e a todas. É um prazer estar aqui
representando a UNDIME nesta mesa. Queremos agradecer o convite feito à entidade. A Professora Maria
Pilar que é a nossa presidente seria a pessoa a falar aqui. Teve, porém, que retornar ao seu Estado para
coordenar um processo de negociação salarial com os professores da Rede municipal, e essa conversa teria
que acontecer hoje, o que justifica a sua ausência neste momento.
Nós produzimos um texto em conjunto para apresentar. A partir do tema proposto, poderíamos nos deter
em vários aspectos, competências e obrigações de cada ente federado na oferta da educação pública,
regime de colaboração, constituição dos conselhos de educação, gestão democrática nas escolas e
elaboração dos planos municipais de educação, PME. Porém, considerando os trabalhos feitos pela
UNDIME nos últimos anos, em relação à formulação dos planos municipais de educação, preferimos
explicar e detalhar este último aspecto.
O Plano Nacional de Educação, PNE, Lei Federal 10.172, de 9 de janeiro de 2001, resultado do embate das
forças políticas do País, além de determinar que os estados, o Distrito Federal e os municípios também
elaborassem os seus respectivos planos plurianuais de educação, constituiu-se em um referencial de metas
e prioridades nacionais a serem observadas, quando da elaboração desses planos.
Diante desse desafio, a UNDIME vem mobilizando os municípios para a elaboração dos planos municipais
de educação, dentro de uma concepção de educação que promova a pessoa.
O Brasil é um País de profunda desigualdade e a educação tem um papel imprescindível para transformar a
realidade. Queremos, pois, planos inclusivos que reflitam essa visão nas políticas públicas de educação,
possibilitando-lhes promover a educação básica como direito público subjetivo, construindo a
universalização do atendimento, o ensino de qualidade e a escola pública comprometida com a inclusão de
crianças e jovens na sociedade.
O projeto de uma escola inclusiva deve ser discutido com a sociedade, para definir diretrizes, ações e
estratégias necessárias à construção dessa escola.
As iniciativas nessa direção devem integrar o PME, instrumento que articulará os esforços municipais e
viabilizará os meios para se atingir tais objetivos. Os planos de educação devem constituir-se em
instrumentos políticos que representem a vontade e os interesses da sociedade quanto à educação. Sua
construção requer, portanto, a participação de todos. Nesse planejamento de gestão, a Secretaria
Municipal de Educação deve, dentre outros estudos, levantar o número de crianças em idade escolar,
matriculadas ou não, prever campanhas de sensibilização da comunidade para a importância da educação
em uma vida cidadã, organizar materiais e destinar recursos para projetos que visem a uma educação
inclusiva para todos. Identificar organizações da sociedade civil que promovam a educação inclusiva e
que possam contribuir com o trabalho desenvolvido pelo Poder municipal. E devem proporcionar à
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
112
comunidade fácil acesso aos serviços públicos, um direito do cidadão.
Como afirmado, um dos instrumentos legais para promover a inclusão educacional e social é o Plano
Nacional de Educação, PNE. Nele são estabelecidas as prioridades no campo educacional. Se essas
prioridades forem bem escolhidas, de acordo com as reais necessidades, dentro de uma visão que
promova a inclusão social, fixando para isso, metas, estratégias e ações, o Plano poderá constituir-se em
um mecanismo para alcançá-las.
Para atingir a eqüidade na educação por meio da diversidade, o Plano deve conter políticas de educação
inclusivas e contra toda forma de discriminação. É importante esclarecer por oportuno, que o PME não é
um plano dos sistemas ou das redes de ensino. É, isso sim, um plano de educação do município,
envolvendo todas as redes do ensino estadual, municipal, federal e privada, que deve ser compatível com o
Plano Nacional de Educação e o Plano Estadual de Educação, respeitando-se as peculiaridades dos
cenários municipais.
As metas do Plano Nacional de Educação (PNE) só serão atingidas se cada estado e município se
responsabilizarem por alcançá-las ou por ultrapassá-las por meio de seus respectivos planos.
Eu vou fazer aqui um rápido parêntese para dizer da dificuldade dos municípios em fazer essa
compatibilização com os planos estaduais. Até hoje apenas dois estados brasileiros aprovaram os seus
planos, e daí a dificuldade dos municípios que fizeram os seus planos de uma forma muito mais
significativa ou com o percentual muito maior, poder fazer essa compatibilização.
Conforme informação passada hoje pela secretária do CONSED, apenas os estados de Pernambuco e Mato
Grosso do Sul tiveram os seus planos aprovados. Outros seis planos estão nas assembléias legislativas em
processo de discussão. Mesmo assim, os objetivos do Plano Municipal de Educação (PME) são de alçada do
próprio município, pois é necessário respeitar a sua trajetória política. Alguns possuem plano diretor,
outros, planos de desenvolvimento, outros, proposta municipal de inclusão. Assim, o meio para se
alcançar o objetivo do PNE para toda a sociedade brasileira, qual seja, o desenvolvimento sustentável ou o
combate à pobreza será determinado na elaboração de cada PME.
O PME não pode estar desconectado dos objetivos da população e dos administradores municipais,
embora deva transcender à perspectiva de um governo, pois sua vigência é de dez anos. Quanto mais
envolvimento dos atores e da população para definir os objetivos do PME de acordo com os municípios,
mais as mediações e relações entre ambos em uma cadeia lógica e científica têm que ser explicitadas e
concretizadas. Desse exercício, nascerá a essência do PME, que é a definição das estratégias que
garantirão a consecução ou o atingimento das metas. Dessa forma o PME deve, entre outras ações,
dimensionar os investimentos municipais na educação infantil e no ensino fundamental, a partir da
demanda não atendida da atuação estadual, e dos recursos financeiros envolvidos ou disponíveis. Devem
também definir políticas e estratégias de envolvimento das ações municipais no atendimento estadual ou
federal, na oferta da educação em nível médio, superior e profissional.
O PNE, o Plano Nacional, não estabelece um prazo para implementação dos PME ou PEE que são os planos
estaduais, mas se pode depreender de sua leitura da realidade educacional, a necessidade de urgência da
construção simultânea ou consecutiva dos planos estaduais ou municipais, sem o que os objetivos e as
metas da educação serão frustradas.
Vários estados já deflagraram o processo em regime de maior ou menor colaboração com os seus
municípios, mas não existiam ainda dados sobre quantos municípios possuíam PME elaborado ou
aprovado. Quantos tinham que adequar o seu PME ao PNE, quantos estavam em fase de discussão e
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
113
elaboração ou quantos nem mesmo haviam iniciado o processo. Essas informações são de extrema
importância para o estabelecimento de estratégias e ações da sociedade civil e dos governos estaduais ou
federal, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Para responder a essas perguntas e responder tais
informações à sociedade em geral, e para construir um retrato simplificado da realidade educacional dos
municípios brasileiros, em termos de planejamento, de aplicação prática do mesmo, e de suas derivações
previstas em lei, tais como sistema municipal de ensino, o plano de carreira e remuneração do magistério, o
conselho municipal de educação, e o plano municipal de educação, a UNDIME, em novembro de 2004, em
parceria com o UNICEF, promoveu uma pesquisa endereçada aos 5.560 municípios brasileiros. Essa
iniciativa teve por mérito, além de fomentar os debates sobre a necessidade de elaborar o plano municipal,
o PME, de forma democrática e participativa a apurar as ações municipais referentes ao tema.
A partir de uma amostra estratificada de 2.122 municípios que responderam espontaneamente à
pesquisa, os resultados apresentados, foram que 28,3% dos municípios brasileiros haviam concluído a
elaboração do Plano Municipal de Educação, enquanto que 21,8% estavam em processo de elaboração,
21,9% iam iniciar o processo, e 19,6% não previam a elaboração.
Os dados confirmam a necessidade de a UNDIME, juntamente com entidades da sociedade civil, o governo
federal, e os governos estaduais, esclarecerem as dúvidas quanto ao processo de formulação do plano
municipal de educação, do seu acompanhamento e de sua avaliação.
Nas respostas dos 600 municípios que possuem PME elaborados, observou-se que o dirigente municipal de
educação, em 98,7% nesses casos, os representantes das escolas municipais de ensino em 94,5% deles, e os
representantes da equipe técnica da Secretaria Municipal de Educação, em 86%, são os que mais estão
presentes na elaboração de planos. Representantes do Conselho Municipal, da Câmara de Vereadores e das
escolas da rede estadual de educação também têm participação expressiva na elaboração desses planos.
Outra questão proposta pela pesquisa foi sobre quem coordenou os projetos do Plano Municipal de
Educação. Com as respostas, constatou-se que o processo ainda está centralizado na figura do dirigente
municipal de educação. Quanto à abrangência dos PME, elaborado nos 600 municípios 98,3%
abrangeram as escolas municipais, 51,5% nas escolas da rede estadual, 32%, também as escolas de rede
privada e 8,2% as escolas da rede federal.
Entretanto, a esse respeito, observou-se um preenchimento deficiente dos questionários em muitos
municípios. É de se esperar, por exemplo, que o PME abranja 100% das escolas municipais, o que não
ocorreu nas respostas.
Dentre os aspectos considerados na elaboração do plano municipal, os mais assinalados foram os aspectos
socioeconômicos, culturais e políticos em 98,8% deles, seguidos do diagnóstico da educação infantil em
93,3% e do processo histórico da educação do município em 90%. Objetivos e metas do PME foram
considerados por 86%, e a ampliação da jornada escolar foi menos assimilada, 34,3%.
A terceira parte do questionário perguntou aos dirigentes municipais da educação quais seriam as
características mais importantes de um plano de educação inclusiva. A garantia de um ensino de qualidade
independentemente das diferenças sociais foi o mais indicado, com 76% de freqüência; a seguir, vem o
respeito às diferenças socioeconômicas, raciais, étnicas, religiosas e psicomotoras com 69,7% e a busca de
estratégia de atendimento às necessidade de aprendizagem das crianças, para o combate às causas de
reprovação e do atraso escolar com 67,8% das citações.
Incluir os indivíduos significa dotá-los de capacidades que promovam a participação social no uso de bens
e serviços que a sociedade oferece, entre os quais, a educação, assim como no exercício de seus direitos e na
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discussão e liberação dos investimentos sociais. Uma política de inclusão social deve ter por objetivo
também emancipar os munícipes por meios de ações articuladas entre as diversas esferas administrativas.
A inclusão social depende de atitudes que envolvam alunos, auxiliares de ensino, professores,
coordenação e comunidade. Cabe à Secretaria Municipal de Educação planejar suas ações e orientar sua
gestão, de modo a oferecer, a todo esse grupo um ambiente, que promova a tolerância, que respeite e
valorize a diferença e que promova os direitos da criança e do adolescente, considerando questões de raça,
etnia, gênero, necessidades educativas especiais, além de questões regionais e socioeconômicas.
A escola pública comprometida com a inclusão implica uma educação de qualidade, eficiente e difusora
de valores democráticos e de justiça social, aberta a todos. Implica mais especificamente na busca
permanente do atendimento às necessidades educacionais daquelas crianças, jovens e adultos, que se
encontram em situação de vulnerabilidade e risco de marginalização e exclusão social.
O projeto de uma escola inclusiva deve ser discutido com a sociedade, para definir diretrizes, ações e
estratégias necessárias à construção dessa escola. Essas iniciativas devem integrar o PME, instrumento
que articulará os esforços municipais e viabilizará os meios para se atingir tais objetivos.
Ainda é muito baixo o percentual de municípios que elaboraram os seus planos educacionais específicos,
tarefa fundamental para concretizar o engajamento desses entes federados com os compromissos
assumidos no PNE (Plano Nacional).
Os planos são instrumentos democráticos para estabelecer as prioridades, ainda mais dentro dessa
conjuntura de escassez de recursos, mas a elaboração dos mesmos não é o fator essencial para o
cumprimento das metas do PME. Falta resolver a questão do financiamento e da inexistência de um
Sistema Nacional de Educação que integre os sistemas federais, estaduais e municipais, hoje forte-
mente desarticulados.
Continuamos, portanto, com o nosso processo de esclarecimento, convencimento e mobilização, em
defesa da educação pública de qualidade .
Este é um texto que nós trouxemos como contribuição para esta mesa, mas eu não gostaria de concluir, sem
dizer com muita alegria (embora, por um lado entristecida porque são poucos ainda os municípios) que já
um percentual de 30% tem os seus planos elaborados e aprovados na forma de lei. Esses dados são de 2004
e esse número já cresceu significativamente. Eu gostaria de socializar com todos os companheiros da mesa
e do plenário que o estado do Rio Grande do Norte é o estado que tem o maior número de municípios com os
seus planos aprovados, 80% deles já têm um plano municipal aprovado na forma de lei. Obrigada.
Mestre de Cerimônias: Nós já temos, Professora Justina, um dado atualizado de 2005, que tem o perfil dos
Conselhos Municipais de Educação. Nós entregamos para todos os participantes. Só para complementar.
Com a palavra agora, a Professora Maria Auxiliadora Seabra Rezende.
Vice-Presidente do CONSED, Professora Maria Auxiliadora Seabra Rezende: Boa tarde a todas
e todos. Gostaria de parabenizar professor Arlindo e Professor Chagas pela iniciativa. Vou tentar
falar sentada, mas confesso que estou em uma agonia danada aqui para ficar em pé. Acho que é mania
de professora.
Enquanto o material fica pronto, gostaria de colocar que acho o tema bastante abrangente e bem
interessante porque a gente já deu vários olhares, e o CONSED congrega todos os Secretários Estaduais de
Educação dos 26 estados e do Distrito Federal. O CONSED tem estabelecido como prioridade, como foco, a
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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gestão, a gestão escolar e particular, e a gente vai ter a oportunidade de falar sobre algumas ações nossas
enquanto Conselho. Como foco, a preparação para a gestão.
Acho que o professor Cury fez um retrospecto bastante interessante mostrando as grandes ausências, a
falta de conexão do próprio sistema do ponto de vista legal. Vou falar a partir de um determinado contexto
de redemocratização, do período que vai dar a chance para a Constituição de 88. Um contexto histórico
que permitiu a organização de uma Constituição chamada Cidadã, que conseguiu avançar em muitos
pontos, e não é diferente na área da educação e, a partir daí, uma nova Lei de Diretrizes e Bases, a Lei
9394/96. A partir desse esforço da legislação, o Conselho Nacional nunca produziu tantos pareceres,
tantas orientações normativas também nesse sentido, estimulando um novo olhar para os sistemas
educacionais, para definição de responsabilidades, com essa preocupação, com um olhar para o sistema.
Na verdade há um conjunto de fatores que deram oportunidade para esse novo fazer, esse novo olhar da
educação. O movimento de redemocratização do País que eu acho que já foi até abordado e o processo de
reforma do Estado. As pressões sociais com certeza foram fatores importantíssimos nessa Constituição. Os
movimentos internacionais, a participação do Brasil nas grandes conferências para a discussão da
educação com foco na qualidade. A partir do que a gente chama de reforma da educação, um contexto que
poderia promover a reforma da educação. A educação assume como foco a busca da qualidade e da
eqüidade, a escola como foco e a aprendizagem também, e a busca da cidadania. O CONSED demarca
como foco a Constituição, a LDB, o PME, a preocupação que nós tivemos com o financiamento, com
FUNDEF e agora o FUNDEB, que tem implicações importantes nesse desenho, nesse conjunto, de um novo
olhar para a educação, e a busca da construção de um sistema.
Trabalhando na nossa legislação, na LDB, vamos perceber que, como princípios, a LDB chama a atenção
para a gestão democrática do ensino público, ou seja, o grande desafio, e acho que o foco, em espe-
cial nesta mesa, a busca de um padrão de qualidade para a escola. Como princípio traz a pluralidade
das idéias e concepções pedagógicas, a igualdade e o processo de permanência e a valorização
dos profissionais da educação.
Esse conjunto de princípios da LDB, pela própria natureza, pela variedade, pela diversidade do nosso País,
pela própria organização do nosso sistema, vai tomar desenhos diferentes em cada um dos estados.
Os direcionamentos que a própria legislação também coloca para os Estados e Municípios, o conceito de
Educação Básica, essa idéia de uma linha de formação, uma noção de conjunto, uma visão sistêmica da
educação, vamos observar pela primeira vez nessa legislação, na Lei 9394.
O estabelecimento de um foco, obrigatoriedade do ensino fundamental e a faixa de 7 a 14 anos,
entendemos também como um ponto importante que a 9.394 traz para os sistemas estaduais e municipais.
A necessidade e a preocupação é com a formação básica comum, o nosso País como um País federativo que
tem um dos maiores desafios que é de lidar com essa diferença, e com responsabilidades compartilhadas,
ações às vezes até superpostas e responsabilidades entre entes dos próprios municípios, Estados e a União.
Tem grandes desafios de definir prioridades e regras comuns, a importância do Plano Nacional, e aí reforço o
que a Justina colocou, vários estados estão com processos de discussão dos Planos Estaduais, e têm tentado
realizar esse trabalho em parceria com os municípios. Tamanho é o desafio que é colocado hoje para estados
e municípios, que tenham responsabilidade na construção da educação básica, responsabilidades e
desafios comuns. Às vezes o conversar, o olhar compartilhado, nem sempre é possível ser construído na
vivência e na prática, no âmbito de cada Estado e de cada município. As regras de financiamento, que
gostaria de destacar, tanto a importância do FUNDEF, que trouxe para o nosso País, ele conseguiu garantir o
acesso, em especial ao ensino fundamental que foi o seu foco. Hoje, a discussão foi travada de uma maneira
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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muito compartilhada - UNDIME, CONSED, MEC. Nós conseguimos construir um projeto, uma proposta,
que com certeza não foi uma proposta nem do CONSED, nem da UNDIME e nem do próprio MEC.
Existem pontos que os diferentes atores gostariam de ver incluídos na proposta, mas como ela foi fruto de
uma construção coletiva, ela assumiu hoje um olhar que é do conjunto, e com certeza a proposta hoje
aprovada em primeira votação na Comissão de Constituição e Justiça, ela atende em parte os interesses da
UNDIME, CONSED e MEC, mas com certeza ela busca dar organização para um Sistema Nacional de
Educação, em um sentido, não de execução ou de operacionalização, mas de concepção e de
responsabilidades. Cada ente tem clareza de suas atribuições, de suas responsabilidades, e também a
responsabilidade compartilhada no que se refere a financiamento.
Eu gostaria de destacar, e também chamar a atenção, para o grande desafio do regime de colaboração. O
governo federal, os governos estaduais, os governos municipais, os governos eleitos, têm autonomia
administrativa, financeira, para definir políticas públicas. Acho que hoje este é o maior desafio na
construção de um Sistema Nacional de Educação, que consiga atender a essa diversidade. Só vai ser
construído se conseguirmos estabelecer um regime de co-responsabilidade, um regime compartilhado de
responsabilidades, de atribuições, mas também de uma discussão coletiva.
Os encargos e as responsabilidades, a LDB conseguiu definir claramente. O que é responsabilidade dos
sistemas municipais, do sistema estadual, o que compete à União, do ponto de vista da legislação, da
definição de políticas públicas, de ser redistributiva, inclusive no que se refere a financiamentos mas, ao
mesmo tempo, os olhares devem ser compartilhados. Como Secretária de Educação a gente coloca, que,
na verdade, as crianças não têm carinho, não é porque ela está em uma escola do município ou do Estado
que ela passa a assumir uma identidade por natureza própria. É comum às vezes a confusão entre rede e
sistema. É comum tanto no âmbito das secretarias estaduais, quanto das secretarias municipais, esse
olhar da escola enquanto escola e rede, como se não fossem a mesma coisa.
Esse é um grande desafio para a construção de um projeto de educação compartilhado, um projeto de
educação que seja democrático, e até um olhar para a construção de um sistema do ponto de vista
democrático, esse olhar para superar a noção de rede e a noção de sistema.
Eu também não vou detalhar, porque acho que já foi colocado do ponto de vista, tanto da legislação em
termos de atribuições, e hoje em termos de financiamento. A proposta aprovada hoje na Comissão do
Congresso reforça as responsabilidades do município em relação à educação infantil e ao ensino
fundamental, e da rede estadual em relação ao ensino fundamental e ao ensino médio. E vai um pouco
adiante, porque do ponto de vista do financiamento a PEC do FUNDEB, assegura que os Estados e
municípios só receberão recursos correspondentes aos níveis de atendimento prioritário, ou seja, o
município que estiver atendendo ao ensino médio, ele está atendendo um nível de ensino que não é sua
responsabilidade. Na proposta que foi aprovada, ele não receberá o financiamento, o recurso per-capita
correspondente. A mesma coisa vai valer para os Estados em relação a educação infantil.
É lógico que a gente chama a atenção para o cuidado em relação a isso. Vamos ter que trabalhar,
logicamente, com regras de transição, de organização dos sistemas, e mais uma vez chamar atenção
para a diferença entre a política de execução e a política colaborativa, na definição da legislação, na
definição de ações comuns.
É importante chamar a atenção que, embora o Estado não seja responsável como executor da educação
infantil não pode dizer que não tem nada a ver com o que está sendo feito na educação infantil, ele
não pode dizer que não tem nada a ver com o que está sendo construído na educação infantil. O Estado tem
que entender que ele é gestor de políticas públicas e ele tem que ter um olhar mais amplo do que só cuidar
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
118
da rede. O Estado tem uma responsabilidade de olhar essa rede, assim como o município tem
enfrentamentos específicos junto a sua rede, mas é preciso superar esse estágio de olhar a rede para a
construção de políticas comuns.
Será impossível construir um processo de educação de qualidade se não conseguirmos superar esses
olhares tão compartimentalizados em relação à União cuidando do ensino superior e da formação de
professores, preparando professores para um sistema que não existe, preparando o professor para uma
escola que não é real. Os Estados trabalhando com as crianças de quinta a oitava e o ensino médio, sem
construir uma política comum em relação à primeira à quarta, em relação à educação infantil.
Acredito que o financiamento vai permitir a clareza das responsabilidades. Vai garantir que, pela primeira
vez, a gente tenha que definir um percentual de recursos para a Educação Básica como um todo, com um
olhar que vai desde a educação infantil até o ensino médio. Assegura uma contribuição definida em termos
percentuais da União, que são os 10%, que depois de muitas lutas, muitas brigas e acertos, conseguimos
assegurar isso à complementação da própria União, e o que é interessante, eu digo interessante sem
ter ainda clareza se isso é bom ou ruim, a proposta aprovada, embora seja de um Fundo único, estabelece
uma relação de travas em relação à questão financeira dos municípios, em relação a educação infantil e
ao ensino fundamental, e dos Estados em relação ao ensino fundamental e ao ensino médio. Então é
um Fundo único o qual traz umas travas que levam à perspectivas da construção dos três fundos no que
se refere a financiamento.
Eu gostaria só de retomar, em relação à questão das responsabilidades, das incumbências no que se refere
aos Estados e municípios, ao que está na legislação em termos de incentivo e no que se refere ao estímulo,
ao sistema e ao espaço para esse processo de construção democrática. Eu coloco como processo de
construção porque, pela própria diversidade, e a Justina colocou muito bem, entre os desenhos que nós
temos nos municípios e nos próprios Estados, e nós temos desenhos muito diferentes, desde o que se refere
às regras e funcionamento da própria escola, a como a escola está trabalhando o espaço de construção do
seu projeto pedagógico. Ou como o Estado, como a rede estadual ou como o sistema estadual, como os
sistemas municipais lidam com esse espaço de construção democrática, como cada Estado e cada
município também trabalha com a participação da comunidade escolar no processo de gestão. Nós temos
Estados em que a merenda é toda centralizada ainda. Em outros Estados, o recurso já vai direto para a
escola e a escola compra. Temos situações em que a própria associação de pais e mestres ou conselhos
escolares fazem esse tipo de aquisição. Já temos Estados que descentralizam recursos para as escolas, para
a sua manutenção. Temos Estados em que a escola é uma unidade executora com orçamento próprio e
definido. Como temos Estados em que esse sistema ainda está todo concentrado nas secretarias estaduais
ou municipais de educação.
O espaço de construção, a definição e as instâncias, acredito que é um processo de construção e que tem
desenhos diferentes na maioria dos Estados, inclusive no que se refere à própria forma de definição e da
escolha dos diretores das escolas.
Faço só uma referência, do ponto de vista da legislação, tanto na LDB quanto no Plano Nacional de
Educação, o estímulo, a atenção e todo o processo e contexto democrático se fizeram presentes no corpo
da lei, estimulando e definindo como responsabilidade, que cada sistema definisse os seus espaços
de construção democrática e de gestão democrática. Por isso, como ele está ali, genericamente, como
uma responsabilidade de Estados e municípios, nas leis, nos planos estaduais, ou basicamente nas leis
de sistema. Cada Estado deve definir como vão funcionar suas regras em relação à autonomia, com rela-
ção ao sistema, ao processo democrático e ao sistema de ensino. Temos estados também que têm
organizações bastante diferentes.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
119
Em relação ao que temos na prática já, o que está colocado na legislação, em relação à abertura e à
provocação, é que cada sistema defina as suas formas de construção democrática e de gestão.
Sobre a escolha de dirigentes escolares, vamos ter um quadro (e esse quadro está com a referência de
2003) já temos muitas mudanças. Inclusive estados que já estão com modelos mistos. Vamos detalhar
cada um deles, a criação dos conselhos escolares. Também é política do CONSED esse estímulo. O próprio
Ministério da Educação também tem um trabalho de incentivo, de formação e de preparação dos
conselhos escolares. Também não existe um modelo único de conselho escolar ou de organização escolar.
Vários Estados e municípios trabalham com estruturas, nomenclatura e composição diferentes, e com
responsabilidades diferentes também. O que a gente destacaria é que existe hoje uma provocação, desde a
União, os Estados e os próprios municípios, de estímulo à organização desses conselhos escolares, com
atribuições diferentes, mas buscando trazer para a escola esse processo coletivo de gestão.
Mesmo do ponto de vista da prática, mesmo um determinado Estado que tenha como política pública o
estímulo à criação dos conselhos escolares, essa gestão de maneira compartilhada, mesmo assim, é lógico
que no dia-a-dia nós vamos esbarrar nessa construção cotidiana desse espaço coletivo. Nós temos escolas
em que o conselho escolar é um conselho ativo, que realmente participa da gestão da escola. Ele se envolve
com a gestão da escola. E temos casos de conselhos escolares que são quase que de fachada. É um critério
para receber recursos, é um critério para receber algum tipo de financiamento ou para algum programa da
própria secretaria. Por isso, sinalizamos com uma política pública que tem muito a avançar, que passa
desde a formação da preparação e da organização cidadã, da própria comunidade escolar, e até do próprio
gestor da escola. Em alguns casos, o gestor se sente incomodado com o conselho. Por isso, trata-se de um
processo de construção, de preparação, tanto técnica, do gestor, quanto de incentivo do próprio
conselho, para que ele possa ocupar esse espaço dentro do gerenciamento da escola como um todo.
A mesma coisa se refere aos projetos pedagógicos das escolas. Embora exista do ponto de vista formal e
legal esse espaço, sabemos que no âmbito dos Estados e municípios ele tem diferentes estágios. No âmbito
de um mesmo Estado, e de um mesmo município também, porque passa pelo envolvimento de todo o
conjunto da escola, de como isso é estimulado, de como é preparado, como a comunidade é preparada
para esse processo de construção. Que tratamento e que utilidade esse processo político-pedagógico vai
ter. À medida que ele se constrói, que a escola tem condição de executar, que condição operacional essa
escola tem para colocar o seu projeto político-pedagógico para funcionar? Na minha opinião pessoal, o
próprio desenho e a funcionalidade do projeto político-pedagógico da escola passam também, pela
autonomia financeira. A escola tem condição de executar o que ela se propõe fazer?.
Formas de delegação - A própria legislação chama a atenção para os espaços e estimula os sistemas à
criação desse espaço, da autonomia pedagógica, operativa e financeira. Temos um número significativo,
no que se refere à construção da autonomia administrativa, da autonomia pedagógica, e acho que no caso
da autonomia financeira, é onde nós avançamos menos no Brasil. Mais que descentralização, e mais do
que desconcentrar recursos e responsabilidade, realmente descentralizar recursos e condições para que a
escola possa realmente construir e executar seu projeto pedagógico.
Na verdade, estou mostrando um quadro em relação à forma de escolha dos diretores. Nos números (como
disse, o último levantamento do Conselho foi de 2003) já temos várias mudanças. Vários que estavam no
grupo de eleição direta pela comunidade estão trabalhando e já passaram para o segundo grupo:
trabalhando uma eleição direta, mas com uma seleção técnica. Então, temos Estados que trabalham com o
processo de eleição direta. Alguns Estados começaram com esse processo da eleição direta e já migraram,
compondo primeiro, uma prova para uma avaliação técnica, em termos de competências e atribuições.
Depois os selecionados têm os seus nomes colocados à disposição para a eleição. Temos alguns Estados
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que trabalham com a seleção técnica, e aí a seleção técnica vai desde um concurso público como o
Estado de São Paulo. O cargo de direção é de concurso e é um cargo. Não é nem um concurso no sen-
tido temporário; é uma função de cargo definido. Há até a seleção com critério técnico e político
ainda. Infelizmente, o critério de seleção político ainda é muito presente na maioria dos municípios e em
muitos Estados também.
Concluindo, o papel do CONSED e da UNDIME, também como fruto desse contexto de participação e
redemocratização, é de tentar articular os sistemas como um todo. Acho que nosso grande desafio,
enquanto CONSED e UNDIME, é uma aproximação no sentido da construção de políticas públicas com esse
olhar de nação. Não estamos falando aqui de criar ou de organizar um sistema federal ou nacional no
sentido estrito, mas de concepção e de política pública que tenha esse olhar de conjunto, esse olhar da
grande tarefa que temos de, através do processo de gestão pública, de gestão do sistema, construir
políticas que tenham alcance e que busquem garantir qualidade e poder de romper o grande desafio que
temos. De garantir não só o acesso à escola, mas que esse acesso signifique o sucesso escolar, signifique
qualidade e cidadania. E eu gostaria de destacar esse papel que tanto o CONSED como a UNDIME têm. No
caso do CONSED, quando estabeleceu como foco a gestão, criamos comissões específicas que têm como
foco a gestão. Vou destacar ações de intercâmbio com vários Países, que o CONSED estabeleceu. Missões
de diretores escolares dos nossos estados têm feito trabalhos de intercâmbio, de estudo, e de compartilhar
documentos de estudos, modelos de gestão, com os Estados Unidos, com a Inglaterra, com a França. Os
nossos Estados também têm recebido missões de diretores, realizando Seminários com foco na área de
gestão e também promovido intercâmbio de equipes técnicas das Secretarias de Educação.
Internamente, também, o CONSED tem um programa que é o Renageste. Na verdade, é uma tentativa de
formação de uma rede, e que tem a gestão como foco. Temos uma publicação que é a revista Gestão em
Rede. É uma revista que se presta a socializar as diferenças de gestão, com os diferentes desenhos que
assumem os nossos Estados, e é lógico que a diversidade é o foco. Cada número da revista procura dar
espaço para que cada Estado e cada município possa contar o que vem realizando.
O Prêmio Gestão Escolar, que é um prêmio que o CONSED realiza em parceria com a UNDIME, com o UNICEF,
com a UNESCO e a Fundação Roberto Marinho. Mais do que um prêmio, na verdade, é um grande programa
de avaliação, que estimula a escola a realizar a auto-avaliação, a discutir qual o seu processo de gestão na
área de recursos humanos, na área administrativa, na área financeira. É um prêmio realizado para a rede
municipal e para a rede estadual. Existe um processo de socialização nas escolas, das experiências
vencedoras. Na verdade, o grande objetivo não é o prêmio mas as oportunidades de intercâmbio. Os
diretores têm oportunidade de conhecer o trabalho realizado em todos os Estados, e até em outros Países,
em relação à gestão. O que tem de mais forte em relação ao prêmio é a oportunidade da socialização, dos
olhares, da escola se auto-avaliar, da própria equipe e da comunidade escolar também conhecer o trabalho
que é realizado no âmbito do seu Estado, da sua região. Eu destacaria ainda o Progestão, que é um
programa de gestão que foi organizado pelo CONSED. Vou falar rapidamente, acho que muitos de vocês o
conhecem. O CONSED estabeleceu como foco a gestão, acreditando que qualquer que seja o modelo de
escolha de diretores, esse gestor e esse diretor de escola, ou seja, a equipe gestora da escola e não só o
diretor, precisa investir no seu processo de formação. A escola mudou muito, as demandas que são
colocadas para a equipe gestora da escola são muito diferentes da escola de dez, quinze anos atrás. Como
eu disse antes, tem escola que recebe recurso, e também o lidar, o dia-a-dia, as tarefas, os desafios que são
colocados para essa escola são desafios diferentes. Então, a partir da definição de algumas áreas centrais
com foco na resolução de problemas, o CONSED criou um programa de educação, de formação continuada
à distância. O Progestão hoje está em funcionamento em 25 estados e tem como foco não só a rede
estadual mas, em vários estados, já trabalha com as redes municipais.
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O Progestão é organizado em módulos. Tem fitas, tem um processo de formação em escala, e a idéia é
garantir que os gestores, e não é só diretor da escola, mas uma equipe da escola, tenha um processo de
formação em diferentes módulos, que vai desde a função social da escola até como construir o projeto
político-pedagógico da escola, como lidar com recursos humanos, como lidar com recursos financeiros. É
um curso em que o público-alvo são gestores, lideranças. Tem o foco na participação da equipe. É um
projeto que tem que ser desenvolvido na escola, tem uma estrutura curricular própria e a implementação
curricular é flexível. Cada estado assume um desenho diferente, desde Minas Gerais que tem uma escola,
hoje, que trabalha no desenho virtual on-line, até Estados que trabalham com o sistema todo
presencial. Tem diferentes desenhos de implementação.
De maneira geral, acho que o Progestão, como já falei em linhas gerais, tem o foco na gestão, e na
qualificação desse gestor. O que é importante, vários estados já fazem o curso desde o primeiro ano de
lançamento do programa. Ele tem 270 horas. Vários estados transformaram esse curso em um curso de
especialização e, a partir do Progestão, várias redes têm sido formadas, e já na escola não existe só uma
pessoa que foi qualificada, mas um grupo que consegue trabalhar e dar um suporte para construção e para
o processo de gestão dessas escolas.
São 11 Estados que estão em fase de implementação do programa. Em andamento são quatorze. E não
implementadas só dois: Mato Grosso do Sul e Paraná. É importante colocar que existem Estados que
começaram em 2001. Alguns já formaram. Mas é um programa permanente, está sempre à disposição de
Estados e municípios. Em alguns dos Estados, inclusive, a rede municipal, independente do Estado, está
fazendo a formação. Eles têm participado desse processo de formação e investimento, nesse foco da
própria gestão. Estamos falando de resultados: um alto índice de satisfação. Há mudança na lógica do
conjunto da escola. Muitos estados fizeram, a partir do Progestão, parcerias com universidades, e
transformaram em especialização. As próprias universidades reconheceram as 270 horas que tinham sido
feitas em uma fase inicial, e hoje o Progestão está, por definição do CONSED, passando por uma avaliação
externa da Fundação Carlos Chagas. Nós vamos monitorar todo o processo de execução do Progestão, com
vistas a atualizar o material e a criar instrumentos de avaliação do programa, condições de entrada, de
saída, e qual o impacto real do programa na gestão da escola. É um programa que para o gestor, para a
liderança é muito bem avaliado no que tange à formação. O CONSED quer saber o que é que essa formação
tem refletido na qualidade, na mudança de resultado na escola. Esse é o olhar que nós estamos, junto com
a Fundação Carlos Chagas, vamos implementar e definir padrões. Para saber até onde esse processo de
formação dos gestores está conseguindo produzir efeitos na qualidade.
Para finalizar, alguns desafios que eu coloco mais para o sentido da temática, o processo de
democratização de sistemas de ensino. O primeiro para que chamo a atenção é a questão do olhar. O
desafio que é colocado para nós da União, Estados e municípios, é o de conseguir olhar esse sistema e essa
diversidade da educação do Brasil. O desafio de ter a visão de conjunto e, ao mesmo tempo, entender as
responsabilidades específicas de cada um dos entes federados, que são eleitos, que têm
responsabilidades, que têm autonomia. Conseguir esse equilíbrio entre o conjunto, entre o que deve ser
compartilhado, aquilo que é política pública, que deve ser construída pelo conjunto e as suas
responsabilidades específicas, o equilíbrio entre financiamento e responsabilidade.
Quando o FUNDEF foi implantado, tivemos tanto em Estados, quanto em municípios, histórias, várias
histórias de disputas de espaço, de Estados e municípios, sempre com esses olhares - rede,
responsabilidade e financiamento. Hoje, estamos em um momento importantíssimo para o País. Uma
nova dimensão de financiamento está sendo dada, que não vai resolver o problema de financiamento da
educação. O FUNDEB tem muitos avanços mas o problema não vai ser resolvido com a aprovação do
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FUNDEB porque o cobertor é curto para o tamanho, é curto com certeza. O volume de recursos que estão
sendo colocados, aumentam significativamente, é um avanço enorme a contribuição da União definida.
Com certeza teremos grandes problemas, tanto no que se refere a educação infantil, tanto ao que se refere
ao ensino médio. Porque uma das travas que foi colocada no FUNDEB foi que não haja perda de recursos
para o ensino fundamental.Então, o per capita praticado hoje pelo fundamental, vai ser mantido.
Significa que tanto a educação infantil quanto o ensino médio vão ter que se organizar no âmbito de cada
Estado, de cada município, com o que sobra de recursos, e a gente sabe que não é o suficiente. Temos esse
grande desafio, e eu acho que o maior desafio para os sistemas de ensino é o processo de construção, de
maneira equilibrada, do processo de autonomia, que é um processo de construção da autonomia
administrativa, pedagógica e financeira para as escolas. O nosso grande objetivo de qualidade nós só
vamos conseguir alcançar na medida em que o sistema conseguir perceber esse grande desafio. E também
conse gui r que a esc ola perc eba e ocu pe esse e spaço no process o de cons tru ção.
Finalizando, no caso do processo de seleção dos diretores, a minha opinião é que falar em
gestão democrática em forma de escolha, de gestores democráticos, significa simplesmente fazer eleição,
e com isso a gente resolveria os problemas no que se refere a gestão, ao processo de escolha de
gestão democrática?.
Acho que temos um imenso desafio. Garantir ou construir no âmbito de cada Estado, de cada município,
um processo de escolha de gestores que consiga equilibrar competência técnica, formação, porque esse
diretor, esse gestor de escola, tem atribuições que o professor que fez formação regular, uma licenciatura,
não tem. É cobrado dele diferente desempenho e atribuições, e ele precisa ter uma competência técnica
para lidar com dinheiro, para lidar com recurso, para lidar com recursos humanos, para construir uma nova
relação com os seus servidores, lidar com essa relação, que às vezes caminha para o lado corporativo. Esse é
o desafio para o diretor, ao mesmo tempo em que ele precisa ter competências técnicas e atribuições e uma
formação específica, também precisa ter legitimidade, ele precisa também ter representatividade. Acho
que o desafio para os sistemas é conseguir construir processos de escolha de diretores que consigam
combinar a competência técnica, a formação específica e ao mesmo tempo a legitimidade, a
representatividade, e a credibilidade da comunidade escolar. Muito obrigada e estou à disposição.
Mestre de Cerimônias: A Professora começou a fala dela com a proposta de como compartilharmos
olhares. Vou fazer um breve comentário. O Ministério da Educação vem desenvolvendo um trabalho de
parcerias com as diversas entidades nesse sentido. De compartilhar olhares, de compartilhar ações. Em
seguida, ela coloca o processo coletivo de gestão, ou seja, como podemos trabalhar esse processo coletivo
de gestão no âmbito estadual, no âmbito municipal, no âmbito da escola.
Nós estamos trabalhando com diversas entidades a formação dos conselheiros municipais de educação,
a formação de gestores municipais da educação, a formação de conselheiros escolares, dentro desse
foco, no processo coletivo da gestão democrática. Ela coloca a questão da gestão democrática nas esco-
las. Funcionar como uma unidade, que não é a própria escola, sendo gestora dos recursos, uma uni-
dade executora que recebe recursos para gerenciar no âmbito da escola. Há um tempo atrás, nós
propusemos um trabalho no sentido de transformar essa unidade executora, a própria escola, para
receber o recurso diretamente. Porque não a escola receber? A escola já é a responsável por tantas
atividades, por tantos processos, e por que não receber o recurso diretamente? Seja do governo estadual,
seja do governo municipal, ou seja do governo federal. Acreditamos que o processo de descen-
tralização dos recursos foi muito importante. Passar o recurso diretamente para a escola, mas e por
que não a escola executá-lo diretamente? Porque esse recurso continuar com a unidade privada para
gerenciar um recurso que lhe cabe?
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Compartilhar um outro olhar, o Progestão. Há um programa da escola de gestores que está sendo
desenvolvido pelo Ministério da Educação e que buscou diversas parcerias, diversas ações que já estavam
sendo realizadas em níveis estaduais. Para, juntos, Ministério da Educação, estados e municípios
desenharmos um projeto de formação de gestores. E há pesquisas do INEP, tanto qualitativas quanto
quantitativas, que indicam a importância da formação do gestor e dos especialistas que compõem a
escola. Não só a formação do diretor, mas da equipe que compõe o colegiado. Muitos questionam. Porque
formar o diretor, por que um monte de diretores que são indicações políticas e passam um período e saem
da escola? Qual a importância de formar um diretor? Há pessoas que acreditam não ser importante formar
o diretor. Mas essa proposta de formação do diretor e da sua equipe, se deve a acreditarmos que o diretor
permanece na comunidade. Ele está no cargo de direção, mas ele retorna para a escola.
INTERVALO
Continuação do Painel: Organização da Educação Brasileira e Gestão Democrática.
Mestre de Cerimônias: Com a palavra o Professor Paulo Eduardo dos Santos, presidente da UNCME,
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação.
Presidente da UNCME - União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, Professor Paulo
Eduardo dos Santos: Boa tarde a todos e a todas. Quero cumprimentar este Plenário em nome de um
companheiro do Conselho Municipal de Educação, em um lugar bem distante e bem difícil para chegar até
Brasília, a capital do Brasil, que é o companheiro do município de Boca do Acre, Alcimar. Do meu ponto de
vista, esta é uma possibilidade de estabelecer diálogo, como diz a nossa colega do Conselho Estadual de
Educação, de estabelecer diálogo entre a sociedade civil e o Poder Executivo no município. Então, em seu
nome, Alcimar, eu quero cumprimentar e saudar a todos nesta plenária que é tão diversificada e representa
aqui todo o País. Pessoas que vêm de outra nacionalidade. Aproveito para cumprimentar o professor
Arlindo, e aproveito para parabenizar o Ministério da Educação por esse movimento, pela realização deste
Seminário. Nós, da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, entendemos que este espaço é
fundamental para que possamos discutir e aperfeiçoar alguns instrumentos democráticos que possam ser
viabilizados tanto nos municípios, quanto no Estado, quanto na União. É por isso que a UNCME Nacional se
faz presente e, inclusive, trouxemos toda a diretoria para participar. Há uma reunião ordinária da diretoria,
que está acontecendo simultaneamente a este encontro. Para nós é de extrema importância e queremos
parabenizar o Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Básica, pela organização deste Seminário.
Aproveito e externo aqui meus cumprimentos a Lêda, coordenadora desta mesa, companheira da UNCME,
apoiadora em todas as nossas ações. Destaco aqui também a Professora Alaídes, companheira do estado
de Mato Grosso, da qual nós somos vizinhos e parceiros naquele Estado, na discussão e na fomentação dos
trabalhos sobre os conselhos municipais de educação; a Professora e Secretária Justina que representa a
UNDIME, que é parceira nacional da UNCME e que tem prestado grandes serviços no sentido de criar e
consolidar o conselho democrático. Ao colega Ivandro que vai fazer o uso da palavra aqui neste painel, que
tem contribuído enquanto consultor do Pró-Conselho, tem feito um trabalho brilhante no que diz respeito
ao quadro de conselheiros, a capacitação e a formação desse segmento da sociedade. Ao CONSED, Maria
Auxiliadora, e por fim e em especial ao Professor Jamil Cury, que tantas oportunidades tem de estar
participando em um painel como este, e que tem contribuído com os conselhos municipais de educação,
tanto nas reflexões, nas discussões, nos debates que a gente tem promovido e, sem dúvida nenhuma, é
uma pessoa de referência para que se possa estar fazendo este debate.
Eu digo que é uma oportunidade discutir aqui este tema tão importante que é a gestão democrática
da educação e pedagogias participativas. Eu, que sou do município de Cuiabá, sou professor da rede
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pública municipal, e estou hoje presidente do Conselho Municipal de Educação, nesse processo,
nessacaminhada, a gente tem tido a oportunidade de participar de debates como este. Eu falo
oportunidade porque tem contribuído para a minha formação pessoal e para a minha formação
profissional.
Ao discutir gestão democrática, gostaria de dizer que nós não estamos falando de oportunidade, nós
estamos falando de direito, e é em cima dessa perspectiva que eu gostaria de trabalhar e entender que ao
falar que com a gestão democrática estamos querendo garantir o direito à educação a toda a sociedade
brasileira. Por isso que, para mim, é uma alegria participar deste painel, cuja motivação é a possibilidade da
participação social na gestão pública municipal. Outra coisa que eu estou muito tranqüilo em falar aqui,
agora e depois dos painelistas que me antecederam, sem medo de errar. O que eu quero dizer? Queremos
democratizar o ensino público, e isso é um consenso nas falas que estão aqui. Eu acho que há consenso
neste Plenário. Eu estava cochichando agora mesmo com o Jamil Cury e a gente dizia: talvez a gente precise
começar a falar para pessoas fora deste público. É como se diz no sermão nas igrejas. Estamos convertendo
os convertidos, precisamos é converter outros, porque aqui estão pessoas que acreditam em uma
possibilidade de gestão democrática. Ao falar sobre gestão democrática eu fico muito à vontade. Acho que
queremos democratizar, isso é um fato, ao menos para as pessoas que estão aqui. A outra coisa é que
sabemos que gestão democrática não combina com regime autoritário. São duas questões. Queremos
democratizar e sabemos que ela não combina. Ela não combina com o estado autoritário, não combina
com regime autoritário, com regime centralizador ou com regime excludente, que restringe a participação
da sociedade civil nos espaços de decisão coletiva, decisão política.
Porque continuamos há 18 anos, como diz o Professor Jamil Cury, discutindo a gestão democrática do
ensino? Entendo que reconhecemos como estão as coisas. Ainda não tivemos sucesso em relação ao que a
sociedade brasileira projetou para a educação pública no Brasil. Um olhar mais cuidadoso, mais atento
sobre os acontecimentos que cercaram o Brasil nas últimas décadas, nos leva a reconhecer que a
democracia recomendada e bem discutida na Constituição Federal de 88 precisa de fato ser objeto, tanto
da sociedade civil quanto da sociedade política, que deve propiciar espaços completos e maior
participação da população.
A Secretária Justina, representando aqui a UNDIME, dizia da experiência dos planos municipais de
educação e citava também os planos estaduais de educação. Infelizmente, a maioria dos planos ainda
deixa muito a desejar no que diz respeito a participação. Estamos perdendo uma grande oportunidade de
promover o debate, o diálogo da sociedade civil e da sociedade política para que possamos projetar
políticas públicas para a educação. O que nós queremos é restabelecer o controle da sociedade civil sobre a
questão pública, porque o estado democrático não convive com a exclusão, e muito menos com a restrição
à participação da sociedade civil nos espaços de decisão política.
Tem uma coisa que nos preocupa muito e tem preocupado a todos os movimentos presentes neste
Seminário. São os resultados qualitativos da educação no Brasil. Sabemos, e aqui foi apresentado, foi
anunciado na fala do Professor Jamil Cury, na fala do João Monlevade, e ontem na abertura dos trabalhos.
Os dados apresentados mostram avanços quantitativos, sobretudo no ensino fundamental, porém, não
caminham na mesma proporção a qualidade social da educação, sem mencionar aqui os velhos problemas
da falta de vagas nas demais etapas da Educação Básica, especialmente, na educação infantil, na educação
de jovens e adultos, no ensino médio. A adoção de princípios democráticos, aqui tão discutidos, prescritos
nos documentos jurídicos brasileiros, como a Constituição e posteriormente a LDB, não foram suficientes
para estabelecer uma prática democrática nas decisões das políticas públicas de educação. É preciso
mudar muitas coisas. Nem sempre damos conta da situação. Portanto, gestão democrática, como diz a
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Lêda, é bonita, é interessante, mas é difícil. Gestão democrática, não se instala num passe de mágica. A
Constituição foi um passo fundamental, um passo importante, foi uma estaca, vamos dizer assim, um
marco da discussão em um estado democrático. Mas, ainda é preciso avançar. Ela precisa ser vista como
um princípio que deve ser tomado em todas as discussões que se queira fazer, em qualquer instância da
atuação, na execução das políticas públicas brasileiras de educação. Esse mesmo aparato jurídico trouxe
responsabilidades, tanto à sociedade civil, quanto à sociedade política no processo de um estado
democrático. Eu diria que a aliança entre essa sociedade civil e a sociedade política, em meu ponto de vista,
é uma condição decisiva para o êxito da definição de políticas públicas. Hoje, o Monlevade dizia isso. Com
muita firmeza. Por essa razão é necessário criar uma cultura política que garanta a participação da
sociedade civil para além dos mecanismos e instrumentos burocráticos. É preciso criar, ainda, alguns
mecanismos de garantia de participação da sociedade. Temos mecanismos que precisam ser de fato
consolidados. Os painelistas que me antecederam falaram do conselho escolar, falaram do processo de
eleição de diretores, falaram dos conselhos de educação, falaram dos conselhos estaduais de educação,
porém, nós sabemos que esses espaços ainda precisam ser aperfeiçoados porque, na verdade, essa prática
democrática ainda não se consolidou em todos esses instrumentos. Esses instrumentos que estão à
disposição de alguns municípios. Em outros municípios, essas questões não foram ainda nem veiculadas.
Democratizar a gestão da educação pública, que implica a existência de espaço de participação da
sociedade, na formulação e acompanhamento das políticas públicas de educação, é necessário.
Sabemos que até 88 a Constituição Federal, o principal modo de a sociedade civil participar ou influenciar
nas decisões de governo, do Estado, e assegurar políticas comprometidas com os interesses da maioria da
população, foi através do voto. E hoje há uma grande possibilidade nos conselhos municipais, que se
tornaram um espaço possível para a população participar nas decisões e políticas públicas. A experiência
do Conselho Nacional de Educação, como órgão de Estado, geralmente deliberativo, consultivo,
fiscalizador, normativo, nos casos dos municípios que organizaram os seus sistemas de ensino e de
assessoramento superior à secretaria municipal da educação, tem se constituído nos últimos 18 anos, em
um espaço privilegiado, um fórum representativo da vontade plural de ter deliberação democrática,
inserido no processo de democratização da educação pública. Entretanto, não é ainda reconhecido pelas
atuais legislações. Um projeto da UNCME apoiado pela UNDIME, e assumido pelo Ministério da Educação,
tem se comprometido a fazer as alterações na LDB atual. Entende os conselhos de educação como órgãos
normativos dos sistemas que podem, de fato, estar inseridos na estrutura do Estado.
Diga-se de passagem que, antes de 88, alguns conselhos, em alguns municípios, já estavam criados. Nesta
época o Conselho Estadual da Educação delegava algumas funções a estes órgãos. Antes de 88 também
aconteceu um movimento dos conselhos municipais da educação, na perspectiva de já aprovar algum
debate, alguma aproximação entre a sociedade civil e o Poder Público Municipal.
Nesta última década, temos que destacar, então, que se registrou um aumento da criação dos conselhos
municipais da educação em todos os estados brasileiros, que passaram a ocupar um papel estratégico na
formulação da política nacional, quanto à sua implementação. Segundo um levantamento realizado pelo
Ministério da Educação, em todos os estados e municípios, há um interesse em criar o conselho municipal
de educação, e para isso, segundo o relatório, é necessário assistência técnica, é necessário assistência
pedagógica, é necessário assistência política, para que, de fato, haja consolidação desses espaços
democráticos. Nós, da União e do Conselho Nacional da Educação, estamos há algum tempo em um esforço
conjunto com algumas entidades, principalmente aqui a UNDIME, o Fórum de Conselhos e o próprio
Ministério da Educação, nesse esforço conjunto de tentar criar mecanismos de instrumentalização,
necessária para que os municípios possam criar os seus conselhos municipais de educação. Penso que esse é
um exercício, ainda muito incipiente, do regime de colaboração, pelo menos entre os órgãos normativos.
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Há no Brasil, segundo o cadastro da UNCME, atualizado até 2005, 1650 municípios com conselhos. Isso
significa 30% dos municípios brasileiros que optaram em criar os conselhos municipais de educação. De
forma que um dos desafios é a expansão dos conselhos em todos os municípios. Não é novidade que eles
apresentam problemas e dificuldades no seu funcionamento, mas não podemos perder de vista a trajetória
desses espaços, a trajetória desses conselhos, as lutas que estabeleceram e as lutas que estabeleceremos
para a sua implementação. A UNCME mostrou uma série de informações e vou destacar algumas. Fiz
questão de fazer a leitura, acho que vocês já têm acesso às informações no caderno que foi disponibilizado
no Ministério da Educação. Vale a pena fazer algumas reflexões, trazer à tona e inserir a pergunta: - porque
discutimos há 18 anos sobre a gestão democrática? E, por que estamos discutindo gestão democrática até
hoje? Para entendermos que apenas 60% desses mil e tantos conselhos funcionam regularmente e os
outros 40% não funcionam por falta de pessoal, espaço. Quero classificar, aqui, espaço, espaço físico. A
maioria dos conselhos funciona nas Secretárias Municipais de Educação. Há ainda uma necessidade de
criar mecanismos que garantam aos conselhos municipais de educação que participem efetivamente.
Como já foi dito, esses 40%, não funcionam também por conta da falta de formação de profissionais que
venham assumir e de conselheiros que venham participar efetivamente.
Uma outra questão é a questão da função que os conselhos têm assumido nesses últimos anos. A maioria
dos conselhos são consultivos, deliberativos, são fiscalizadores e em alguns casos assumem a função
normativa, quando assim organizado o sistema municipal de educação. É interessante a gente destacar
isso, porque o sistema para existir é necessário o conselho, mas o conselho para existir não,
necessariamente, precisa do sistema. É claro que a UNCME defende que todos os conselhos sejam
normativos, que todos os municípios constituam e organizem os seus sistemas.
Falei de algumas funções. Para que o conselho assuma essa função consultiva, deliberativa, fiscalizadora,
normativa, só é possível com autonomia. Caso contrário, a gente está brincando de democracia. Só é
possível deliberar se temos liberdade para tal. É preciso refletir sobre isso, e é por isso que essa mesa hoje é
muito importante. Temos aqui representantes de todas esferas do poder, a UNDIME, CONSED. É preciso tirar
daqui encaminhamentos. Que a gente, de fato, garanta essa participação efetiva dos conselhos municipais
de educação,na definição, no acompanhamento e no controle das políticas públicas municipais.
Outro dado importante com relação à composição, é que ainda se pergunta assim: qual é a melhor forma
para compor um conselho municipal de educação? Sempre digo que a melhor forma é de conselho
representativo, a melhor forma é um conselho participativo, a melhor forma é um conselho democrático, a
melhor forma é um conselho plural, para que a gente possa ter de fato uma participação efetiva e criar
mecanismo consistente para que seja de fato interlocutor. O conselho deve ser órgão interlocutor entre
sociedade civil e poder público municipal. Se a gente não garantir que esse espaço seja preenchido,
garantido, ou respeite alguns princípios, a gente não tem um estado democrático. Então, garantir
princípios na composição de conselhos municipais de educação é fundamental para assegurar, de fato, um
espaço democrático, para a participação da sociedade e sua representatividade. Participação, princípios
democráticos e pluralidade são fundamentais para que se possa ter um conselho participativo, um
conselho atuante, um conselho que de fato represente, no jogo político, os interesses políticos, e que
tenha um papel fundamental na implementação de políticas públicas.
Um outro dado importante é a questão da representatividade. Há quatro segmentos que estão presentes
na maioria dos conselhos municipais de educação. É o aluno, é o pai, é o poder executivo, são as escolas
privadas e são as escolas públicas. Variam outras entidades que venham integrar esse corpo. Por exemplo, a
Câmara Municipal. As pessoas me perguntam pode? Não pode? Deve? Não deve? Não, não deve. Na
opinião da UNCME, ela não defende essa posição, que a Câmara Municipal participe do conselho
municipal de educação. Tem que entender que ela já é um setor representativo da sociedade e o conselho
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municipal de educação não abre mão do espaço que pode ser muito bem articulado entre a Câmara, o
conselho e o Poder executivo. Mas falando da representatividade desses que foram identificados pelo
SICME, a gente observa, a gente vai ver lá na forma de escolha desses segmentos.Existem dois modelos na
verdade. Dois modelos de escolha, duas formas de escolha desses representantes. Uma delas é a indicação
do prefeito e a outra é por indicação ou eleição das entidades representativas. Se perguntarem qual é a
posição da UNCME, fica claro, qual que é a melhor forma. Um dos dados apresentados pelo SICME, aponta
um indicio de que estamos no caminho certo. Porque a grande maioria dos conselhos municipais de
educação adot!ram a segunda alternativa, que é a indicação ou eleição, através das suas entidades
representativas. É um avanço. Mostra uma perspectiva interessante dos conselhos municipais da
educação. Mas, temos um problema. Temos um problema com dois segmentos. Vejo no segmento de pais
e no segmento de alunos. Na maioria dos conselhos do3 municípios, esses segmentos não estão
organizados. E acentuam uma crise entre o representante e o representado. Se já temos problemas entre
as entidades que já são organizadas, o distanciamento entre os representantes e os representados, agora
imagine em uma entidade que não está organizada. O aluno representa quem exatamente no município?
Fica complicado se não tem essa organização. Os pais representam quem nesse município? E acabam,
então, acentuando o problema da representatividade desse segmento.
Nós, no município de Cuiabá, arrumamos uma alternativa, que talvez até outros municípios já tenham
adotado. A gente discute isso na diretoria da entidade. É a aproximação com o conselho escolar da
comunidade, ou os conselhos deliberativos. É preciso que os conselhos municipais de educação
estabeleçam essa ponte, estabeleçam essa articulação entre os conselhos comunitários e criem um fórum
permanente nos municípios, que possa discutir, avaliar, acompanhar e consolidar a política pública no
município. Então, é uma alternativa. Deve haver outras alternativas, mas eu cito esse município, porque é
onde os pais, e os segmentos de alunos, estão melhor organizados e essa não é a realidade em geral.
Uma outra questão, a última que quero apontar é com relação à presidência dos conselhos municipais de
educação. Se, de um lado, a escolha é apontada como um indício da consolidação dos processos
democráticos, na escolha da presidência dos conselhos municipais de educação temos dificuldades,
temos problemas. Já melhorou, na verdade. Eram 32%, hoje já estão 26%, mostrando que avançamos e
que vale a pena discutir sobre gestão democrática. Es4ou falando que 26% dos conselhos municipais de
educação são presididos, ou são indicados, pelo secretário municipal de educação. Então, isto mostra
porque nós estamos discutindo sobre gestão democrática ainda hoje. Estamos há 18 anos da Constituição
e é preciso aperfeiçoar algumas coisas. É preciso consensuar, é preciso estabelecer novos mecanismos, é
preciso romper com alguns paradigmas, é preciso ainda avançar nesse processo e consolidar de fato uma
prática democrática.
Por isso é necessário continuarmos refletindo sobre gestão democrática ainda nos dias de hoje. Temos, só
retomando aqui, que resgatá-la das mãos daqueles que têm maior poder e maior capacidade de
articulação. É preciso definir os critérios para sua composição representativa. Já disse e já apontei algumas
responsabilidades.A maioria dos conselhos só funciona com a anuência da personalidade mais, ou menos,
democrática dos dirigentes executivos da gestão municipal. Nessa dependência, os conselhos municipais
de educação não conseguem desenvolver a participação, a tal participação política de forma autônoma,
responsável e comprometida com os interesses da maioria da população. É nesse contexto que a União
Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, pautada em princípios da universalização do direito a
educação, da gestão democrática da política educacio.al, da inclusão social, da concepção dos conselhos
da educação como órgãos de participação social com caráter plural e de representatividade social, é que
temos reforçado a necessidade de aprimorar o mecanismo de participação política e de controle social,
permitindo, assim, a expansão com qualidade social na educação do município, mediante os princípios,
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
128
que propõe: 1. reconhecimento, na legislação educacional nacional, da existência dos conselhos
municipais da educação como parte de uma estrutura de organiz`ção da educação; 2. autonomia
financeira para os conselhos municipais de educação, assegurando junto ao órgão executivo, dotação
orçamentária própria e condições para manutenção e funcionamento; 3. compromisso e
responsabilidade dos conselhos municipais de educação na elaboração e implementação do plano
municipal de educação, construído com a participação democrática de diversos segmentos sociais; 4.
compromisso com a criação e fortalecimento dos conselhos municipais de educação como estrutura da
gestão, do controle social dos recursos financeiros e da organização do sistema municipal de ensino; 5.
(como não poderia deixar de ser) compromisso com a criação do FUNDEB, assegurando alguns princípios
que estamos apontando desde o final do ano passado e ainda continua preocupando. Ainda é preciso
manter vigilância com a mobilização para que se possa, de fato, garantir o FUNDEB; que a questão da
educação infantil, que é a questão do custo aluno com qualidade, que é o reconhecimento da competência
dos conselhos municipais da educação no controle e fiscalização da aplicação dos recursos da educação.
Terminando, queria dizer que a materialização da experiência dos conselhos municipais de educação se
insere no processo de gestão democrática da educação e na descentralização das funções do Estado,
preconizada pela Constituição.
Quero, agradecer a oportunidade e colocar-me à disposição no momento do debate. Obrigado.
Mestre de Cerimônias: Eu só vou dar uma notícia com relação aos conselhos municipais de educação. O
movimento do Pró-Conselho. Encaminhamos um projeto de lei para ser analisado pelo Conselho Nacional
de Educação, definindo o conselho municipal e estadual de educação como órgãos normativos do sistema
de ensino. Porque a LDB diz que os sistemas devem criar o seu órgão normativo, mas ela não diz que é o
Conselho municipal de educação. Defendendo essa bandeira, encaminhamos esse projeto de lei, e foi
aprovado pelo Conselho Nacional de Educação. Acho que foi uma vitória.
Agora, vou passar a palavra para o Professor Ivandro Sales, que é um grande amigo, é um grade consultor
do nosso Programa de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação, um grande filósofo. Vocês
vão gostar muito da fala dele.
Professor Ivandro da Costa Sales: Boa tarde a todos e a todas. Falar por último não é fácil. Fiquei
pensando. O que é que vai sobrar para mim? E assim, já no fim da tarde, eu que fico pregando para as
pessoas diminuírem a capacidade de agüentar muita coisa, vão me agüentar um pouquinho.
A primeira coisa que quero falar é agradecer ao convite para participar deste evento. Acho tão ousado, tão
oportuno, bastante grandioso. Eu conheço o tamanho da equipe. Quantas noites, quantos fins-de-
semana, para organizar tamanho evento. A outra é a satisfação de contribuir, poder ter a oportunidade de
compartilhar com pessoas tão representativas e tão importantes que estão aqui. São dirigentes
governamentais e civis, militantes de organizações governamentais e civis. Sabendo que tem essa
importância enorme, eu me preparei muito considerando a importância dessas pessoas que estão aqui. São
todas pessoas coletivas que representam muita gente deste País. Estou aqui com o maior respeito possível.
Sei que um convite desse me alegra muito por ser lembrado por amigos em momento muito importante. A
mim dá uma grande alegria e aumenta a minha responsabilidade, mas me dá um alento na minha luta.
Acho que eu estou mais aqui como militante da gestão democrática, mais do que da Universidade. E o que
eu vou conversar aqui é falar dos desafios que na minha militância em diferentes espaços, em diferentes
regiões, venho fazendo na direção da gestão democrática. Falar dos desafios, que é mais ou menos falar
dos meus sofrimentos, com relação à gestão democrática e dizer como é que estou tentando vivenciar,
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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como é que estou tentando pensar, como é que eu estou tentando conversar sobre a gestão democrática.
O primeiríssimo ponto é a própria concepção de Estado que temos atualmente. Houve um período em que
o governo era responsável por toda a gestão da sociedade. Não existiam as organizações da sociedade
civil. Com o surgimento, com o aparecimento, com a multiplicação das organizações da sociedade civil,
essa função de gerir a sociedade, ficou muito mais ampliada. Quando não existiam as organizações da
sociedade civil, tínhamos um Estado restrito, igual a governo, porque Estado não é uma coisa, um
governo. Estado é uma função de gerir interesses da sociedade. Quem estiver gerindo esses interesses é
Estado. Então, estou muito tentado a resgatar a função estatal e a função da sociedade civil. Neste
momento nós não temos mais um Estado restrito, igual a governo. Hoje temos um Estado ampliadíssimo.
O Estado tem dois braços, um governamental, com todos esses problemas que a gente já viu e o braço civil,
que são as organizações da sociedade civil. Quero redefinir o Estado, mostrar uma nova concepção de
Estado. Estado é como gestão, é como uma função. Todos nós aqui somos Estado, eu, pessoalmente, já fiz
a minha reforma da Constituição, a minha reforma pessoal. Quando se diz saúde, educação, direitos de
todos, dever do estado, como a minha concepção de Estado é muito mais ampliada, mudei o texto para
mim. Eu gostaria que mudasse para todo mundo. Direito de todos e dever de todos, e dever do Estado. O
Estado, entendido como do tempo passado, passou, porque o governo monopolizava a administração e a
gestão dos interesses e dos direitos da sociedade.
Uma outra concepção é a de gestão. Estou vivenciando isso muito claramente numa assessoria que faço em
um Conselho Municipal de Saúde. Tem o secretário que é chamado de gestor, o coletivo dos diretores é
chamado Conselho Gestor, e o conselho municipal de saúde ninguém sabe o que é. Uma hora é chamado
fiscalizador, outra hora é colaborador do governo, e ficamos perguntando se, por exemplo, a gestão
incluiria a definição de prioridades, a definição de ações, a definição de objetivos, de metodologias de
modelo de gestão. A gestão passa, desde a definição ao encaminhamento, à fiscalização e ao controle. A
definição de prioridades passaria pelas conferências e plenárias deliberativas, os conselhos. E nessas
conferências já tem um representante da sociedade civil e representantes governamentais. Os
encaminhamentos dessas decisões, dessas prioridades, das conferencias. Brinca-se muito nas conferências
neste País. Depois, ninguém sabe mais o que aconteceu, do investimento enorme. Tudo isso evapora.
Eu imagino que os conselhos deveriam encaminhar as decisões, para implementação, aos órgãos das
secretarias, implementarem. O poder passaria por essas instâncias e caberia às secretarias, aos órgãos
técnicos das secretarias fazer a implementação, o encaminhamento.
Minha batalha com os conselhos, com as organizações da sociedade civil, é a de que não é para ser assim.
Os fiscalizadores, controladores, são para ser co-gestores de políticas públicas. O secretário não é para ser
chamado de gestor. Ele faz parte, com a sociedade civil, da gestão. E a sociedade civil é co-gestora de
políticas públicas. Isso vai implicar em muitas coisas.
Quando fico pensando nos conselhos municipais de educação, nos conselhos escolares, que têm essa
função normativa e é bom que tenha. Mas, eu privilegiaria muito atualmente o olhar sobre o Conselho sob
o prima se está ajudando a criar um ambiente educativo nos municípios, ou nas escolas, se está ajudando a
bolar o projeto pedagógico das escolas. Queria muito ver uma coisa mais feliz, mais alegre, queria muito
ver conselho colocando bloco na rua. Porque lei nunca cria nada. As boas leis são aquelas que oficializam o
que existe. Oficializam o que nasceu da sociedade. Muito dificilmente lei cria alguma coisa. As práticas
criam as leis. Depois, vou começar a insistir no Pró-Conselho. Ter umas oficinas, ter umas discussões sobre
a criação de um ambiente educador, que é bem mais do que a relação professor-aluno. É a criação de um
clima, de uma cultura. Educação é justamente a modificação da cultura, é a criação de cultura. A educação
deve ser o aprofundamento de uma cultura e o conselho deve ser um instrumento desse aprofundamento,
de uma cultura pró-educação, que tem como grande objetivo a formação de gente. A educação é a
produção de gente, mais sabida e mais forte.
O que sinto, agora, é que existe uma forte tensão entre democracia representativa e gestão democrática da
sociedade. A democracia representativa parlamentar é essa que tem os Três Poderes - o Executivo,
o Legislativo e o Judiciário. Temos a importância teórica do Legislativo, esses mandatos universais de
quatro em quatro anos, ou de seis em seis. São mandatos gerais. Essa democracia representativa nasceu
com o capitalismo e em função dele e, com a continuação, ficou em função do capital e de grupos de
interesses. Não satisfaz mais aos grupos capitalistas. Ao povo nunca serviu muito. Não sei se vocês
participam muito das escolhas dos candidatos. É uma democracia muito calcada no voto. Já não sei quem
são os candidatos que meu partido escolhe. O voto não é grande poder. Controlar os eleitos é poder. Votar
apenas não é uma coisa importante.
Os conselhos nasceram na história, para substituir a democracia representativa. Era um novo modo de
gerir a sociedade. Um embrião de uma participação dos trabalhadores. Até um certo tempo, os
empresários estavam muito satisfeitos com a democracia representativa. Atualmente não tem mais um
grupo do Capital, nem um teórico grande do liberalismo que aceite bem a democracia representativa
parlamentar. Todos pregam uma gestão mais democrática, mas cada um do seu lado. Os empresários estão
fazendo a grande democracia deles. De fato eles têm poder. Queria discutir, muito rapidamente, a
concepção de participação. Houve uma época que dava cadeia. Depois de certo momento virou
obrigatório. As mesmas pessoas que prendiam, arrebentavam, falam que é estratégica a participação.
Falam que a salvação do mundo está na participação. E eu fiquei pensando. Engraçado, devem estar
utilizando muito bem a palavra participação para encobrir práticas autoritárias. Grande discurso de
participação, justificando práticas que não têm grande coisa de participação. Fico pensando - o que é
mesmo participação? Tem hora que é identificada com a fala, as pessoas falarem. Vamos observar - as
pessoas foram obrigadas a falar. Então, o primeiro conceito, desde que tenha obrigação, não tem
participação. Tem bem mais participação no silêncio, que eu decidi, por eu quero saber do que se trata (não
quero falar besteira antes do tempo) do que numa fala que me obrigaram. O mesmo no trabalho de grupo
com encenações, com dinâmicas. Porque se não fala oralmente, seu corpo fala. Então, quem está
organizando o evento acaba sabendo. Outra hora é assim: ter muita participação porque muitas pessoas
vieram à reunião. Você vai ver o que é, tem muita chantagem. Ou vem ou não recebe tal programa. De novo,
tem chantagem, não tem participação. Outra hora é assim, teve eleição, eles votaram e a maioria ganhou.
Um agricultor outro dia me falou: não gosto de ir para essas reuniões de vocês, porque eu já entro
interpretado, pouco importa o que eu diga. Então, é assim: muitas vezes não sabemos muito em quem
votar, porque dizem assim, olha, você fica de olho porque você vai votar em quem levantar o crachá, então
aquela é a nossa corrente, aquela é a nossa tendência, e o mais grave disso é porque se faz a eleição e depois
não cria um mecanismo para valer as decisões. Elas se evaporam. Do ponto de vista educativo, acho isso
muito grave. Porque desmoralizar decisões é desmoralizar quem decidiu. E este é um País em que se brinca
muito de votação. Desmoraliza-se o tempo todo quem votou. Do ponto de vista de uma educação mais
social, de formação de gente, é um faz de conta.
O que seria participação? É simples, de modo muito geral, vou dizer: participação para mim é ter poder, ter
poder de definir o que se quer e o modo de querer. Nesse sentido, a colaboração não é participação. Se eu
colaboro no que eu defini, no que a minha categoria definiu, é participação. Agora eu colaborar no que
outros definiram para mim, ai é negação da participação. Inclui, para mim, essa dimensão de poder. Estou
insistindo muito no termo eleição, para curtir mais um querer coletivo. Porque rápido se faz uma votação,
se acaba um debate, e depois as decisões se evaporam. Porque não foram criados mecanismos, não
sabemos fazer cobranças. Estou identificando muito também na democracia e na participação, até mesmo
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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por questão da disciplina, desde que foi decidido coletivamente tem que ser cumprido. E o que seria a
participação? A participação seria ter que se tomar em consideração, dar-se importância. O grave é que
não tem muita tradição democrática de poder, de definir as coisas. Para mim a participação seria tomar
gosto para ter poder, se fazer tomar em consideração, se dar importância, não entregar os destinos a
salvador da pátrianenhum, nem a governo, nem a marido, nem a mulher, nem a filhos, contra todas as
tiranias. Não entregar o destino a ninguém, não ter salvador da pátria, não ter governo, é ser governo, já
que todos somos Estado. Como querer ser governo e não ter governo. Agora, definindo bem de que poder
se está falando, porque ter o poder de gritar, de arrebentar, de proibir, de premiar, de fazer chantagem,
que é o baseado em forças armadas, em decretos, em leis, esse é um poder de quem se chama dominador.
Tem outro poder que é muito bom, que é reivindicar para nós, é o poder de interpretar um coletivo, de saber
o que está pedindo para nascer. De organizar um querer que está mais disperso. Tem uma diferença
enorme, quem tem aquele poder ditador, dominador, são os dirigentes, e acho que todos nós somos
chamados a ser dirigentes.
Estou lembrando de uma historinha no limite disso. Fui participar de um debate em um lugar onde quem
estava coordenando era alguém de uma ONG de muito prestígio. Tinha muito respeito das pessoas.
Colocaram em votação uma questão e não passou bem. Continuou o debate. Depois, teve uma encenação,
fizeram um teatrozinho. Passou por unanimidade. Logo depois, convidei os agricultores que estavam ali.
Vamos tomar um refrigerante ou uma cachaça. O que você achar melhor. Eu perguntei: Você jura pela
cruz de Deus que aquele voto foi sincero? Não precisa essa cruz de Deus toda, mas se a gente não vo-
tasse, aquela reunião não ia acabar nunca. Então, isso é de uma delicadeza. Tem outros que mandam,
e pronto. Agora, esses eram de uma delicadeza enorme, mas não interpretaram o que é o querer coletivo.
Tudo chamado de envolvimento comunitário, que é mais ou menos enrolação comunitária, mobili-
zação. Na hora que acertamos aquilo que interessa não vai mais existir mobilização. Acertou nos
interesses, só caberia ir para frente e aprofundar esses interesses. Sempre imagino o grande sucesso
da Globo, porque acerta no que interessa, e nós além de acertarmos no que interessa, vale aprofundar
no que interessa, na dimensão da educação.
Essa é a questão de ter poder, de aprender a ter poder, de tomar gosto para ser dono do poder. É muito
difícil participar se não mandamos no dinheiro, ficamos discutindo, mas o dinheiro é decidido fora. É por
isso que foi falado, hoje, da autonomia financeira. É praticamente impossível você ter poder se você não
define o recurso, não define a questão do dinheiro.
Um outro grande desafio já foi falado. Quero só repetir, a questão da representatividade e capacitação dos
representantes da sociedade civil. Enquanto os representantes governamentais têm um certo tempo, têm
uma remuneração, o representante da sociedade civil, não tem muito tempo, não tem muitos meios, são
mais ou menos os mesmos. Aí, justificamos que eles não têm remuneração. O representante da sociedade
civil precisa dedicar mais tempo. Muitas vezes não tem nem um ticket de transporte e é para ele um
sacrifício enorme. Além disso que já foi falado aqui, muita vezes eu já falei, já perguntei, já provoquei em
reunião de conselho, quando pergunto: essa sua opinião, você tirou de onde? Teve alguma assembléia?
Teve alguma reunião? A pessoa falou: não. Então você não está trazendo uma posição, você está dando
uma opinião, e é bom ter cuidado com isso, porque a nossa força vai ser a nossa base, se não trouxermos o
que as nossas bases disseram, o Poder executivo desmoraliza. Brincando. A base do poder é a base social, é
a relação com as bases. Se os conselheiros, representantes da sociedade civil, não estão em profunda
relação com as bases! Uma outra questão é a competência técnica, ter informações sobre orçamento,
sobre gestão. Quando se fala na capacitação de gestores, tem também a capacitação dos gestores
governamentais, que já têm uma certa capacitação, uma certa tradição.
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Outro sofrimento que tenho também, do ponto de vista governamental, é a tradição de monopolizar a
gestão. O bem comum não é entregue ao governo, representantes do bem comum são representantes
governamentais que ainda justificam: nós fomos eleitos. Mas os representantes da sociedade civil
também foram. Qual dos processos é o mais profundo, ou mais legítimo? De todo modo, tem uma
profunda desconfiança nossa, nós, representantes governamentais, com relação à capacidade e à
honradez da sociedade civil.
Muito rapidamente, o que queria colocar, para aprofundar, era a concepção de poder público, no nosso
direito. Assim, o que é governamental é público, o que é civil é privado. É uma concepção que eu acho que
não está correta. O público é o que se refere, é o que é discutido, o que é destinado para um grande número,
ou para a maioria. Então pode ser muito bem governamental e privado, pode ser civil e público, não está
ligado a uma questão administrativa, é uma dimensão do coletivo, o público é muito ligado a democracia,
o que é decidido coletivamente e o que é destinado para a coletividade. Se for o governo que faz isto, então
é uma atividade pública. Se for a sociedade civil é pública, nós somos de uma sociedade muito estatizante.
Fica parecendo que torná-la pública é torná-la governamental. Pode ter uma estatização profundamente
privada, e pode ter uma gestão da sociedade civil bastante pública.
Queria também voltar a uma questão. Educação eu acho que tem a ver com um projeto de organizar a
produção da sociedade, a questão do desenvolvimento local, do desenvolvimento nacional. Não pode
estar desligada. Todo projeto que não tem a ver com o mais profundo da vida fica meio no vácuo, fica com
um certo discurso meio abstrato. Não leva a grande coisa. Chamo muito a atenção para o fato de que nós
vivemos em um modo de produção capitalista. Dentro desse modo de produção, o grande objetivo é o
lucro e a acumulação, e o grande processo é a exploração. No capitalismo tudo é mercadoria ou pode virar
mercadoria, inclusive as pessoas. Suas forças de trabalho. Só que tem uma crise atual, como já foi discutido
anteriormente. Investe-se mais nas tecnologias. Estão dispensando as pessoas.
Se estivermos querendo uma coisa diferente, acho que tem que sair da lógica do capital, que reduz todo
mundo a mercadoria. Agora nem mais a mercadoria. Ficam tentando vender-se por qualquer coisa e não
tem quem compre, porque é um modo muito cruel. Seria bom pensarmos em que tipo de sociedade, em que
tipo de relações, é a missão política mesmo da educação. Que tipo de pessoas eu quero construir e quero
ajudar a formar? Pessoalmente, acho que no capitalismo vai ser disso a pior. Acho que já tem muita
experiência neste País que é bom pesquisarmos.
Acho que dentro desse desafio da gestão democrática, é necessário um conhecimento melhor da
conjuntura. Tomando a conjuntura como um jogo de forças de interesses. Há interesses que já estão
afirmados, privilégios que já estão afirmados, tentando por todos os meios se perpetuar, e tem interesses
mínimos não afirmados, querendo tentar se afirmar. Na sociedade, se eu não me situo nesse jogo de
convivência, confronto, oposições de interesses fica mais ou menos como a história que eu já ouvi. Um
rapaz, em uma cidade maior queria um emprego. Perguntaram: você sabe fazer o quê? E ele falou:
qualquer coisa, tenho que sobreviver, não é? Então, você vai irradiar uma partida de futebol. Entregaram o
microfone e ele passou uma hora e meia dizendo: lá vem a bola, lá vem a bola, lá vem, lá vem, lá vem,
tomaram, lá vai, lá vai, lá vai, de novo, lá vem, lá vem, e tem um homem vestido com uma roupa diferente
que corre com o apito atrás de todo mundo, para cima e para baixo. Na hora que eu ouvi essa história, eu me
tremi todo. Falei: pronto, somos nós, os assessores dos movimentos populares. Fico pensando: como os
empresários têm muito bons assessores, com muito tempo, com muita remuneração, que sabem
direitinho o jogo nacional, internacional, de interesses. Nós, hoje, ou não temos muita informação ou
não temos muito tempo. Fomos formados para isso, de se situar bem no jogo, porque senão estamos
fazendo parceria com o inimigo. No Nordeste, parceiro se chama pareceiro. Fica muito difícil termos como
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pareceiro inimigo. Como tratar muito bem as parcerias, que é quem está com a mão na massa, que é quem
come sal junto. Como os aliados são estratégicos em certo momento, e como tratar bem os opositores, não
pensar que estamos com o bem comum. Isso é um desejo maravilhoso mas, na realidade, é uma luta de
fazer afirmar os interesses. Então, acho que era muito bom vermos essas estratégias. Estou me lembrando
do Maquiavel que dizia sempre, em um capítulo metodológico dele. Não é nem uma frase qualquer. Ele
dizia que toda sociedade é regida por dois humores, o humor dos grandes, que tem sempre uma
perspectiva de poder, que não perdoam, que estão sempre se lembrando dos antigos poderes, e o humor
do povo que não quer tomar o poder de ninguém. Quem faz aliança com os grandes, está sempre
ameaçado de armadilhas de casca de bananas. Agora, quem confia no povo, não tenha medo. Ele dá muito
conselho de como conviver com parceiros, com aliados, e com inimigos. Se nós, nessa enorme luta da
educação, de formar gente sabida, forte, alegre, feliz, se estamos em uma dessas, saibamos que tem muita
gente que é contra isso, tem muita gente a quem convém esse horror dessa miséria deste País, essa tristeza.
Um dia, uma mãe de santo me falou; não somos pobres, empobreceram o nosso espírito, nós temos
espírito pobre. A educação é como criar espíritos ricos. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Bem, são seis horas, vamos começar aqui as perguntas. Já tenho aqui as
perguntas. Fazemos primeiro este bloco e depois fazemos um novo bloco. A mesa quer dar oportunidade
para todos falarem. Andréa Câmara.
Andréa Câmera: Boa tarde, já quase boa noite. Sou de uma organização não-governamental, fui
professora universitária, mas hoje sou presidente de uma organização não-governamental chamada
Apôitchá. Eu, ouvindo desde ontem algumas questões que estão circulando o tempo todo, conversei com
o professor Jamil na hora do intervalo, eu queria ouvir um pouco a opinião da UNDIME, da UNCME e
também do professor da UVA do Ceará. Tanto o representante da Espanha quanto outros representantes
trouxeram para a gente dados, índices de repetências, de evasão, de exclusão das crianças, dos
adolescentes e nós, na nossa comunidade em Lucena, a ONG tem feito isso junto às escolas, discutindo os
índices de repetência, de evasão, de distorção idade-série. Os nossos dados são dados que estão abaixo da
média da Paraíba e do Brasil. Conseqüentemente, isso tem nos preocupado bastante. Mas temos
percebido que para trabalhar nessa perspectiva do fortalecimento da escola pública, com o foco na
aprendizagem, na permanência com o sucesso, não é possível apenas analisar esses índices. Por que não é
suficiente analisar esses índices, apesar de fundamentais? Porque, para combatermos desigualdade
social, conseqüentemente a exclusão social, existem outros dados que precisamos considerar, além da
pobreza. Temos, talvez como conseqüência dela, essa violência doméstica que as nossas crianças e
adolescentes vêm vivendo. Em grande parte do município essa é uma realidade que nós vimos vivendo.
Trabalhamos com crianças que ficaram cegas pela mãe. São queimadas pela família. Então, ficamos
pensando que, do ponto de vista afetivo, essas crianças sofrem de um mal de não ter em quem confiar, não
têm atenção individualizada, não têm atenção integral. Pensando no SUAS, no Sistema Único de
Assistência Social, que prevê hoje a proteção integral de crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade grande, ficamos pensando se não é possível, como o Professor Jamil Cury falou, em um
Sistema Único Nacional de Educação. O que podemos fazer para oferecer, no campo da educação, não só
escolar mas também e principalmente escolar, um atendimento a essas crianças, que seja diferenciado e
individualizado? Estou colocando a questão de que não é possível tratar com crianças, vítimas de
violência, em situações tão graves, de abuso sexual, em classes de 45, de 40 alunos. Conversando com o
Professor Jamil, ele me falou: vocês são Sistema?Não somos Sistema, o canal é que o Conselho está criando
o Sistema Municipal de Ensino, e aí eu queria um pouco notícia e talvez o professor do Ceará possa dizer um
pouco como é lá nessa realidade que também é nordestina. Eu queria um pouco notícia da UNCME e da
UNDIME com relação a essa discussão. Sabemos que a intenção é a criação do sistema.Sabemos, mas o
nosso prefeito, por exemplo, diz que isso não é vantagem para o poder público a criação do sistema. Queria
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saber se vocês têm notícias. O que na Paraíba, a UNCME e a UNDIME vêm fazendo, discutindo com os
secretários, fortalecendo os secretários, na direção da criação dos sistemas? Muito obrigada.
João de Oliveira Filho: Boa tarde, eu queria saber antes, tem alguém do Ceará aqui? Eu gostaria de trocar
algumas figuras. Sei que vocês têm um avanço nessa parte de escolha de diretores. Seria interessante
até que depois tivéssemos a relação das pessoas. Essa conversa, essa troca de figuras, ajuda muito.
Em alguns municípios já está avançada essa questão da escolha de diretores. Outros ainda estão naquele
processo simplesmente de eleição, que é naquela parte do diretor fazer um exame prático para antes
concorrer à eleição.
Gostaria de parabenizar a mesa na fala do professor Ivandro, nessa forma tão brasileira de comunicar, de
passar a verdade para nós. Dói na gente. Foram recados diretos para a mesa, para o MEC e para nós também.
O conselho estadual e municipal de educação têm sua natureza consultiva, corporativa e deliberativa. Uma
prerrogativa do conselho é se legitimar órgão de Estado e não de governo. Então, pergunto. Sabe-
mos que tudo passa pela questão financeira - como esses conselhos estadual e municipal, se tornam
legítimos se eles têm essa dependência direta do secretário da educação ou do governo do estado?
E se eles fazem algum evento? Esse evento me parece que é mais para ser uma prestação de contas por
parte desse gestor e parece que para exaltar o gestor. Tanto é que ele quase não é interrogado e foi ele que
passou o recurso da própria conferência, do próprio Seminário. Qualquer evento que está acontecendo,
é nessa perspectiva! É o secretário que está aqui. Que bom, eles deram o recurso para executarmos e
é isso aí, então, a minha pergunta vai para a professora Alaídes, que é presidente do Fórum. Se vocês bus-
cam essa discussão, não sei como, logicamente, tornar esses conselhos estaduais independentes
financeiramente, porque o prefeito pode dizer, sim, está no orçamento, mas é a mesma coisa que acontece
a nível do governo federal, está no orçamento.
Adauto da Silva: Gostaria de me dirigir ao Professor Ivandro. Como o professor diz, vota-se em quem
levanta o crachá. Gostaria de contar, em dois minutinhos, uma experiência que tivemos e perguntar para o
professor se este é o caminho e se teríamos outras possibilidades, com relação ao conselho escolar.
No colégio Independência, do Paraná, na cidade de Sarandi, nós tínhamos esses problemas da não
participação da comunidade escolar. Percebemos que a comunidade escolar não participa. Se ela
estivesse, ou não, não faria diferença. Não podemos chamar as pessoas nas reuniões simplesmente para
levantar crachá ou abaixar crachá. Temos que dar oportunidades para ouvir essas pessoas, dentro das suas
limitações, com dificuldade em falar, com medo de expressar aquilo que sente. No conselho escolar do
Colégio Independência, definimos que os conselhos não são apenas os representantes (porque também
não acredito que há possibilidade de fazer as reuniões para realmente os conselheiros trazerem as opiniões
de seus segmentos). Então, convocamos a comunidade escolar através de bilhetinhos, e embaixo estava
escrito: o que for decidido será acatado por todos. Se você se fizer presente, você acatará a decisão. Nesses
conselhos escolares vamos decidir, por exemplo, sobre a violência na escola, a gravidez na adolescência, a
matrícula, o projeto político-pedagógico da escola, que é feito por 2600 pessoas. Participamos com os
pais e com os alunos e com os professores.
Na eleição de diretor da escola, tivemos críticas sérias dos professores. Diziam assim: vocês deram muito
poder para a comunidade. E onde tivemos dificuldades nas eleições foi com os professores. Fizemos 48%
dos votos, entre os professores que decidem metade das eleições; os professores e funcionários. Então,
não sei se esse é o caminho, porque quando nós do estado do Paraná, vamos decidir, por exemplo, por
entrar em greve ou não, os representantes saem das bases e vão para Curitiba decidir por unanimidade em
greve. Quando chega na base, as pessoas não querem entrar em greve. Então, representar quem? Foram
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em Curitiba, decidiram por quem?
A pergunta para o professor é se este é o caminho, ou se existe outra possibilidade. Porque no conselho
escolar, muitas vezes, as pessoas defendem os seus interesses e não o interesse da comunidade escolar. A
pergunta é se é mais representativa, com a comunidade, ou existe outra possibilidade de fazer o conselho
escolar apenas com os representantes.
Maria Luiza Alécio: Eu vou dirigir a minha pergunta ao Ivandro. Eu me senti muito satisfeita porque
quando a gente está discutindo a representatividade, a organização, as leis, as bases legais, eu percebo
que a gente vai ficando enrijecida. A expressão que me tocou mais foi quando você disse: as leis, elas
nascem daquilo que a gente faz e elas são vivas. Quem lutou pelo capítulo da educação, pela LDB, a gente
sabe que colocou lá o que a gente estava construindo e últimamente um sentimento que eu tenho, e não sei
se é um sentimento geral, é que a gente parou de ver, o que é que a gente quer, para onde é que a gente quer
ir, e está discutindo como é que a gente se encaixa na quantidade de leis que está colocada aí. Porque tem o
regime de colaboração para fazer, e eu tenho percebido que não funciona. Nesse sentido, eu queria
colocar, se não é o maior desafio a gente inclusive sair da educação, no sentindo de pensar na entidade,
porque a gente pensa, o conselho municipal de educação, o conselho escolar, e aí eu tenho conseguido
resolver e refletido, com a questão do orçamento participativo, e me pareceu assim, uma coisa que faz a
escola sair dela, porque a gente tem visto que é fato, ninguém deixa de saber, que o conselho escolar tem
um corporativismo até de desvio de merenda, e chega no final das contas, nem o conselho escolar vigia se o
professor está faltando ou não porque ele tem o apoio da diretora para muitas outras coisas. Como é que
eu estou resolvendo isso, lá? É que a gente está com o orçamento participativo. Eu discuto a educação por
dentro do orçamento participativo, porque as decisões do orçamento participativo, por exemplo, se vai se
construir uma escola ou não, têm que ser feitas e dadas uma satisfação ao final do ano. Ou a gente tem que
ir para uma reunião do orçamento participativo, para dialogar. Porque quando não é a escola que eles
votaram, tenho que ir lá e mostrar a demanda, a quantidade de crianças. Quem me deu esses dados não foi
a educação. Foi um atlas de desenvolvimento humano, feito pela Secretaria de Planejamento e Orçamento
Participativo, que fez o processamento da cidade com escolaridade, com tudo. A gente está com o material
para fazer o Plano Municipal de Educação, que não foi a Secretaria de Educação que fez. Foi a cidade como
um todo que fez, com participação. Então, tenho a impressão de que talvez a gente está tendo que
inventar a gestão de uma maneira diferente. Mas a educação (não sei se é isso que eu gostaria de ouvir de
vocês) se a gente não tem a tendência de achar que nós, da Secretaria de Educação, com todas as nossas leis
específicas, damos conta da educação, nesse sentido mais amplo que o Ivandro falou.
Francisca Freire: Boa tarde. Estou representando os conselhos municipais e, mais especificamente, a
coordenação da UNCME no estado do Ceará. A minha pergunta vai para a presidente do CONSED. É muito
pertinente o discurso da gestão democrática, da qualidade da educação. Com bastante objetividade, o
que é que o CONSED, como é que ele discute esse fato? Acho que, a nível de Nordeste, é tão comum nós
termos secretários de Educação que não são da área. Isso interfere, ou não, na qualidade da educação?
Artur Costa Neto: Sou coordenador da UNCME, em São Paulo. Em primeiro lugar, queria cumprimentar o
MEC, de modo especial o Pró-Conselho, na figura do Arlindo, da Lêda, de toda equipe, por estarem
proporcionando para nós, momentos como este, para que os gestores dos conselhos, a sociedade civil,
possam estar juntos, com uma equipe como essa do Ivandro, do Cury, do Genuíno, Monlevade e outros,
que tanto tem nos estimulado a pensar e questionar. Acho que é muito importante quando, quem está em
uma posição de gestor, consegue aproximar o que a gente chama (e o Monlevade falou sobre isso hoje)
a intenção da meta. Acho que a gente tem que aplaudir muito quando vê gestores tomando assim uma
proposta concreta tão rica, como acho que tem sido este Seminário e todos os outros momentos de
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
136
capacitação. Proponho uma salva de palmas para eles, porque acho que é maravilhoso o que eles têm feito.
Faço uma pergunta (porque acho que a gente tem que acabar com essa idéia de pergunta na hora do
debate). Vou fazer uma proposta, e depois o pessoal vai ponderar sobre ela.
O grande problema que temos no Brasil é a desigualdade social. Isso não tem dúvida. Então, é muito difícil
que o rico tenha problema de ter escola em todas as idades, e o pobre não tenha problema. A gente
pergunta: qual a diferença entre o básico e o fundamental? Para os engenheiros, não há diferença
nenhuma, o fundamento é a base, é a mesma coisa. No entanto, nós colocamos na nossa lei, que o
fundamental é de 7 a 14, e o básico, de 0 a 18. Isso a gente só pode assumir como um grande desafio para
que todo mundo tenha escola de 0 a 18. Eu queria sugerir, e tenho sugerido em todos os momentos, já que
aqui estão os secretários de Educação, que eles comecem a pensar em leis estaduais que aumentem a
obrigatoriedade de o Estado oferecer escolarização para o ensino médio, para que todos possam ter isso.
Não dá para esperar uma lei nacional. No máximo, a gente conseguiu passar de 8 para 9 depois de tanto
tempo. Então, onde houver possibilidade de dizer, que aqui em nosso Estado é obrigação do Estado e
direito do cidadão que qualquer um tenha escola até os 18 anos. Acho que o CONSED tem que avançar por
aí, e o município a mesma coisa no que se refere a educação infantil. Em nosso município, todo cidadão de 3
anos em diante, ou de 0 (zero anos) que é até melhor, tenha direito à escola, porque não dá para esperar o
nacional. Os municípios têm que começar por aí.
E outra proposta para o MEC, que eu também já fiz, que faça tm projeto de lei para acabar #om esse
negócio de creche e pré-escola. Creche já era. E pré-escola é um conceito do que é anterior à escola, não
cabe. Quando você está na escola chamar de pré-escola, então que chame, educação infantil, de 0 a 5 anos,
porque isso tem que acontecer e é fundamental, e tem que ser aprovado rápido, porque isso muda toda a
conceituação até dos profissionais que estão trabalhando de 0 a 3, de 4 a 6. É isso. Muito obrigado.
Alcimar Carvalho de Sousa: Gostaria só de retirar a minha pergunta, porque eu não queria ser repetitivo
e a pergunta que eu ia fazer já foi feita.
Leocádia da Silva Neta: Boa tarde. Sou da UNDIME, Pernambuco. Em primeiro lugar, eu percebi em um
determinado momento, a mesa hesitar em pronunciar a palavra político, quando dizia, projeto político-
pegadógico. Vou dizer minha posição e gostaria que comentassem.
Acredito que é fundamental a gente falar, projeto político-pedagógico. Primeiro, porque ainda há
educadores com restrição ao que é educação e política. Mistura-se, confundem-se e caminham juntas. E
depois, porque o projeto é um desenho de uma posição, e ele define um modelo de cidadão, de escola,
apontando para um modelo de País. Por isso, acredito que é um projeto político-pedagógico. Gostaria,
então, de saber a opinião de vocês.
Um outro comentário é em relação ao FUNDEB. Não quero repetir algumas coisas, mas como algumas
pessoas da mesa tocaram, vou falar aqui alguma coisa. Primeiro, dizer da minha alegria porque nós, da
UNDIME, sabemos o quanto já lutamos até agora, para conseguir o caráter republicano do FUNDEB, como
um fundo único, que atinge toda a educação básica, sem ficar separando as etapas, considerando uma
mais importante que outra. É um avanço muito grande, que se materializa em um fundo único. E a outra é a
inclusão das creches, ou melhor, da educação infantil, que foi uma luta muito grande para que realmente a
população de 0 a 3 anos fosse incluída no projeto. Quero dizer também que há muitas outras etapas, ainda.
Precisamos decidir a regulamentação, que vai estabelecer o piso salarial nacional. É um grande desafio,
porque a gente sabe que neste País de desigualdades, os pisos são muito diversos, e aí fala mais alto a
história do corporativismo. Quem já tem um piso lá em cima, evidentemente não quer discutir o caso dos
estados que arrecadam menos. É um grande desafio. Mas se neste País não houver um piso único salarial
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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para as categorias que fazem a educação, não vamos sair muito do lugar.
Outra questão na regulamentação é o controle social. Como vai ficar? Se, com o FUNDEF, que é um fundo
menor, sabe-se que há muitos problemas - aqueles que o Ministério Público descobre e os que ele não
descobre. Como é que fica o FUNDEB, mais amplo? Com a pulverização de conselhos? Como é que fica isso?
Não sei se Lêda falou alguma coisa que o Conselho aprovou. Não consegui pegar bem, mas o que queria
saber de vocês é se não cabe ao Conselho municipal, não apenas ficar fazendo normas e decidindo ações, e
também decidir ações em relação ao financiamento da educação, acompanhar, fazer o controle disso.
Hoje, houve uma audiência pública para discutir a semana da educação de qualidade, e foi apresentado
pela Campanha um estudo que já aponta para o custo aluno nas diversas etapas. Para debate. Então,
convoco todo mundo a aprofundar essa discussão. Acho que muitas coisas que foram ditas, eu concordo.
O tipo de democracia participativa que a gente tem é muito precário. Mas se não exercitarmos, a gente não
aperfeiçoa. Acho que o FUNDEB é um ótimo pretexto para discutirmos a educação. Eu mesma nunca
discuti tanto a educação (e olhe que eu me criei dentro de sindicato) mas nunca discuti tanto como agora,
porque o financiamento é um motor e faz a gente discutir um bocado de outras coisas.
Só para brincar com as palavras como o Ivandro brincou, porque “sociedade civil? Não tem mais o re-
gime militar. Eu não entendo muito bem porque sociedade civil. Gostaria muito que você, Ivandro,
me ajudasse. Obrigada.
Maria Elizabeth Gomes Ramos: Boa noite. Sou do Centro de Cultura Luiz Freire. É uma ONG de Olinda, e
também pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Quero parabenizar a iniciativa do MEC de
promover este encontro em um momento tão importante para a sociedade. Tem toda uma discussão do que
é a política, do que é o fazer político, que não é somente dos políticos profissionais, mas também da
sociedade civil como um todo. E aí a discussão se é sociedade civil ou se não é sociedade civil. Mas além
dessa oportunidade, há esta mesa com reflexões tão importantes e tão interessantes. Queria concordar
também com muitas das dúvidas do Professor Ivandro, no que diz respeito a essa questão da participação.
Não é só a questão da sociedade civil, organizada, a questão das dificuldades de participação, de fato, que
vêm da sociedade civil principalmente na gestão democrática. Acho que a questão, por exemplo, da
representatividade da sociedade civil, como o Paulo também colocou (ele fez um aparte muito importante),
as dificuldades de um modelo que o representante do Estado é remunerado, é qualificado, tem hora para
estar ali, tem tempo, tem disponibilidade, tem todo o investimento, é parte da sua função profissional estar
ali, e o representante da sociedade civil tem que vir na hora extra, no intervalo do trabalho, entre a tarefa de
casa e o trabalho, entre o filho que tem que deixar em algum lugar para poder ir lá. É muito complicado isso.
Acho que a gente precisa estar aprofundando essa reflexão. Por um lado, a gente que participa da ABONG,
que é a Associação Brasileira das ONGs, isso não quer dizer que a gente queira que a representação da
sociedade civil, principalmente nos conselhos, seja uma função remunerada. Existe uma questão muito
grande na ABONG a questão dos JETONs. Por exemplo, da participação. Esta é uma questão que a gente
precisa se aprofundar, porque, sem dúvida, é um problema. Não adianta tentarmos fazer milhões de
modelos, de conselhos de acompanhamento de FUNDEB, por exemplo.
É muito complicado cobrarmos. É importante existir a representação da sociedade civil. Mas, em geral, a
sociedade civil participa com muita dificuldade e muito pouca capacidade e competência técnica. Estar
fazendo aquilo, uma coisa que é extremamente importante quando, muitas vezes, nem os gestores sabem
interpretar planilhas de custo, de orçamento. Imagine-se a Associação de Moradores, a Associação de
Pais. Isso é uma questão que acho que a proposta política de gestão democrática precisa enfrentar. Como
melhorar as condições de participação? Que condições de participação? Que condições de participação
precisam ter? Só para finalizar, uma coisa que senti um pouco neste Seminário. Pouca problematização da
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
138
questão da gestão democrática. Temos um estado profundamente autoritário, profundamente
centralizador, não somente na União, mas também nos estados e nos municípios. Muito concentrador de
poder, muito centralizador e com os três poderes com muita dificuldade de cumprir o seu papel na gestão
democrática. Por exemplo, no Fórum Social Brasileiro, assisti uma mesa muito interessante. A discussão da
dificuldade de relação entre o controle social e o controle oficial, ou seja, a relação entre os Conselhos de
direitos da criança, Conselhos de educação com, por exemplo, Câmara de Vereadores ou Assembléia
Legislativa, Tribunal de Contas, Ministério Público. Acho que é um outro desafio importante, porque se a
gente está falando de gestão democrática, a gente também está falando em algum momento, sobre o
papel da gestão democrática no controle social das políticas públicas. São alguns desafios que temos que
pensar. Volto para o que Ivandro falou: no Estado, não mais como governo, mas Estado e sociedade,
pensando juntos nos desafios da democratização do nosso País, da nossa Nação. Obrigada
Valdener Costa Neto: Boa noite. Sou de São Luís do Maranhão, sou diretor de escola estadual. Fiquei
pensando nas colocações do professor Ivandro, quando colocou a questão dos conselhos como co-
gestores e não como maus fiscalizadores. O que a gente vê na prática é o contrário. Uma coisa me chamou a
atenção. Nos conselhos de educação, tanto a nível estadual, como municipal percebe-se o seguinte: a
ingerência política direta, pessoas que estão lá há vinte anos como conselheiros. Não se vê o conselho
como sendo parceiro da escola. Por exemplo, se é um órgão tão distante, burocrático, ou ele é fiscalizador
ou está distante da realidade. Gostaríamos de ver uma aproximação maior com a escola, com a ponta.
Aliás, temos dificuldade de sentir a presença dos órgãos oficiais, do MEC, por exemplo. Costumo dizer que
a Secretaria Estadual de Educação é um órgão tão distante da escola, que a gente só vai lá para receber
ordem, normas. A construção coletiva não se dá porque é para fazer. Só um exemplo: fomos chamados
para uma reunião, antes de vir para cá, para que pudéssemos nos inscrever em um curso interessantíssimo
sobre etnia africana, afro-etnia. Foi muito interessante. Agora, um dia para se inscrever. Ou se inscreve
hoje ou não se inscreve mais. Quando eu estava aqui recebi um telefonema. Não consegui para daqui a 10
dias. Falta essa interação, esse planejamento. Gostaria de saber como se pode ser co-gestor com uma
distância tamanha.
Mestre de Cerimônias: Começar por essa ordem aqui, da professora representante do CONSED.
Representante do CONSED, Professora Maria Auxiliadora Seabra Resende: Vou falar rapidamente.
Primeiro é sobre a pergunta em relação ao CONSED. O CONSED é um órgão plural. Temos dentro da
estrutura secretários de todos os partidos, de posições diferentes, de formações diferentes. O CONSED não
tem nenhum papel de influência direta em relação a uma definição política, de governo, em quem assume a
Secretaria de Educação. Esse é o papel do CONSED.
A segunda parte da pergunta se influencia ou não na qualidade. Aí é uma posição minha, de uma leitura
que faço. Acho que é lógico que, para compreender a educação, para mim tem que ter vivência de
educação e não é o fato de ser licenciado ou ter tido uma formação, um dia ter passado por um curso de
licenciatura, que dá à pessoa a condição de ser secretário de Educação. Acho que é uma questão de
vivência, comprometimento, de perfil, de respeito junto à própria comunidade escolar. É um conjunto de
coisas, não só a formação. Temos secretário formado em direito, tem médico, tem engenheiro, tem
arquiteto, tem tudo. Uma outra situação é em relação a universalizar o ensino médio e a tarefa que foi
colocada. É lógico que a meta dos estados é o processo de universalização da educação básica e acho que
esse comprometimento, que está explícito, inclusive, com a mobilização do CONSED, UNDIME, MEC. O
FUNDEB reflete isso.
É lógico que fazer isso depende de esforços de cada estado. Há estado que tem garantia do ensino
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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médio até na área indígena. Tem estados que, para a oferta do ensino médio, tem 20 mil concluintes do
fundamental. Faz um mini-vestibular porque tem oito mil vagas. Então, acho que são situações que só
reforçam essa discussão nossa. Da cobrança da sociedade civil, do comprometimento político, que vai
desde o governo do estado até o próprio olhar da Secretaria de Educação. Não é novidade para ninguém
que os anos de implantação do FUNDEF colocaram um peso significativo para municípios e para Estados,
no que se refere a atendimento da educação infantil e do ensino médio. Reforço que, embora o FUNDEB
tenha sido um grande avanço, acredito na sua aprovação, ele não resolve todos os nossos problemas no
que se refere a financiamento. O recurso, para a educação infantil, é insignificante. Para o ensino médio
também é insignificante. Se pensarmos que nem para o fundamental conseguimos garantir qualidade.
Simplesmente garantimos acesso e ainda tem um percentual de gente sem ser atendida, espalhada na
zona rural e, sobretudo, nas áreas indígenas. Quero também chamar a atenção, para o seguinte: quando
disse que esse fundo desenha o que saiu do Senado, que ele embora seja fundo único, assumiu uma
característica de três fundos, da forma como ficou o parágrafo 6° do artigo 3°. Diz que o dinheiro do
município vai ser aplicado só no infantil e no fundamental: o dinheiro do estado só no ensino médio e no
fundamental, então houve uma mudança significativa. Só para fechar, não me deram tempo ainda, acho
que não tem nenhum problema em projeto “político-pedagógico, embora a LDB trabalhe com o termo
projeto pedagógico. É lógico que ninguém tem essa ilusão, que há uma sub-postura.
Professor Ivandro da Costa Sales: Bom, depois que me concentro para falar, tenho a maior dificuldade
de entender as questões. Mas, em geral, quem faz questão, ou já tem a resposta ou ela está em gestação.
Quer mais ouvir um confronto, para se fundamentar melhor.
Essas idéias que eu lancei hoje, organizei em um livrinho, que está aí à venda na banca do MST. Tem poucos
exemplares. Amanhã, se conseguir mais eu trago Os Desafios da Gestão Democrática. Em parceria com
um autor que gosto muito, um autor italiano. Ele pensava muito essas questões a partir das complicações
do fascismo e do socialismo real da Rússia. Tentei organizar, usei, está lá.
Sobre a pergunta que eu não sei mais distinguir bem de quem foi, acho que é muito importante tentar
acertar no que interessa, de não ter um projeto para ninguém, não ter palavra de ordem, não ter verdade
para ninguém, é uma coisa mais orgânica, de como a educação para mim é isso, é de aprofundar o que está
nas pessoas, as inquietações e não encher de coisas, de conteúdos e, de novo também, muitas vezes pedir
às pessoas o que elas estão podendo e querendo dar. A mudança só é possível com quem está querendo e
podendo. Vejo que, às vezes, quanto à história da greve, posso muito bem votar (como eu já vi votar a favor
de uma greve) mas, pessoalmente, eu não tenho condições de fazer. É porque, muitas vezes, os dirigentes
estão pedindo o que as pessoas não estão podendo. Eu estou me lembrando de uma vez, de uma greve dos
servidores públicos federais lá em Recife. 98% eram a favor da greve e na hora da greve mesmo só 10%
foram. E eu perguntei a uma moça, que era servidora civil de um ministério, ela falou: o sindicato vai
segurar meu emprego? Aqui neste ministério militar amanhã eu estaria demitida. Será que o sindicato
sabe que eu sou uma mãe solteira com dois filhos, que só tem este salário na minha vida. Se você for
perguntar aos dirigentes, vão dizer: é alienada, é meio covarde, vota, mas não segura as coisas etc. Quer
dizer, é preciso saber, além de acertar no que interessa, saber as condições das pessoas, se elas estão
podendo, se elas estão querendo, porque ser mártir também não é para a gente pedir a todo mundo. Não
sei nem se é legítimo.
Sobre o que a Malu de Recife falou, que a educação na escola, ter a educação como formação de gente, que
tudo na vida é educador ou deseducador, tudo forma ou deforma, que há umas pessoas que têm a função
de educar, ganham para isso, vivem para isso, como tem uma instituição, que é a instituição escolar
de quem é cobrada a responsabilidade, todo mundo é educador, mas tem uma cobrança de uma
responsabilidade pela educação escolar que é a escola. Agora, acho que a escola só teria sucesso, só faria o
papel dela se ela considerasse questões importantes da vida das pessoas. Sobre a sociedade civil, acho que
no livrinho, Leocádia, de todo modo é assim a concepção de Estado e de governo. Marx dizia: - o governo
não é nada mais, nada menos, do que um comitê executivo da burguesia. O importante é a sociedade, o
importante é a luta das classes, é a convivência das classes, o governo é um serviço ás classes. Eu estou com
ele; o governo é um serviço às classes. E um governo na sociedade capitalista não pode deixar de servir ao
capital. O interessante é que pudesse servir a Deus e ao diabo, mas se vai servir só ao diabo, vai para o
inferno. De todo modo, a sociedade civil, nessa concepção que eu falei, é quem diretamente não está
dentro do aparelho de governo, nem diretamente nos aparelhos econômicos, são as organizações que se
juntam, que se aglomeram para o interesse público. Não é nada terceiro setor. Esse terceiro setor é uma
invenção muito estranha, como se governo fosse Estado. Tem uma coisa que se chama Estado, um primeiro
setor; um segundo que seriam os empresários e teria um terceiro que seria um outro vácuo, que não existe.
Muito obrigado pela atenção.
Professor Jamil Cury: Bom, eu vou tentar responder três questões que parecem ser pertinentes a mim.
A primeira é aquela trazida pela Andréia. Um conselho é um mediador, entre a sociedade civil e a sociedade
política, ele não é sociedade política e ele não é sociedade civil, ele é exatamente um mediador entre esses
dois pólos. Portanto, em caso de crianças com extrema vulnerabilidade, como é o caso do que a Andréia
citou, compete ao projeto político-pedagógico da escola, com a autonomia que a lei propiciou às escolas,
dentro dos seus projetos, estabelecer um regime próprio para essas situações. E se não houver condições
materiais nas escolas para isso, deve-se buscar, justamente nos conselhos, o apoio do Ministério Público
que tem que defender os direitos individuais das pessoas. É uma obrigação. E tem que se cobrar das
autoridades o apoio para esse tipo de situação; para isso tem o Ministério Público, o Conselho Tutelar da
Criança. Acionar o ECA.
A segunda questão é com relação à figura do conselheiro. Um conselheiro tem que ser um intelectual da
educação, no sentido a que se referia o professor Ivandro.
Sou absolutamente contra porque é pré-capitalista. Trabalhar sem receber, isto é escravatura. Por outro
lado, eu posso não pagar para trabalhar, como coordenador de despesas eu posso, não receber para
trabalhar. Por isso, é preciso distinguir remuneração salarial de remuneração compensatória. Se um
conselheiro é um intelectual, ele tem que estudar, ele tem que ler livros, ele tem que ter internet, ele tem que
ter computador, ele tem que se deslocar às vezes de um município para o outro, de um bairro para o outro.
Portanto, uma remuneração compensatória. Desde a constituição de 1824 (está lá prevista) e deram um
nome francês para isso JETON. Mas, é o que? Remuneração compensatória. Nós estamos vendo os
deputados gastarem 60 mil reais de compensação de gasolina, 41 milhões para dar não sei quantas voltas.
A título do quê? Remuneração compensatória. Agora um camarada vai pegar um conselho, vai ter que
fazer parecer, ele vai trabalhar sem receber, tudo bem. Agora ele vai pagar para trabalhar? Isso é
escravatura. Finalmente essa questão levantada pela colega de Olinda, do projeto político-pedagógico. A
escola tem duas grandes finalidades: uma primeira finalidade é transmissão de conhecimentos
acumulados pela humanidade. Muito mais interessante socializar verdades já conhecidas, do que ficar
descobrindo uma verdade minúscula, que é só para a elite, para um grupo pequeno. Verdades já
acumuladas pela humanidade devem ser socializadas para todos. Essa é a primeira função da escola e nesse
sentido é um projeto pedagógico. Por outro lado, a escola é também um local de socialização de valores. A
escola é um local que você tem que formar gente, formar pessoa humana, criar uma consciência do seu
contexto, etc. Por isso, professora, não vejo estranheza nenhuma se utilizar a expressão projeto político-
pedagógico, embora a LDB, utilize ora proposta pedagógica, ora projeto pedagógico.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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Presidenta do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, professora Alaídes Alves Mendieta:
Bem, acho que cada um já colocou o ponto de vista sobre as várias perguntas, que vou me ater a duas
perguntas que me parecem importantes. A primeira é com relação ao que o João perguntava, a respeito da
questão de legitimar os órgãos de Estado e não de governo. Ou seja, com relação à autonomia ele se referiu
especificamente à questão da autonomia financeira. Com relação aos conselhos de educação, eu acredito
que essa questão tem que estar estabelecida na lei do sistema. Porque se a Constituição Federal, e a LDB
confirma, a constituição desses temas e órgãos, e a LDB define quais os órgãos que estabelecem os
Sistemas, naturalmente os conselhos de educação, então, com certeza, esses órgãos tem que estar, de fato
e de direito, nas leis de Sistema e, evidentemente, com a respectiva autonomia financeira. A gente sabe que
é uma luta, como disse aqui. Os conselhos datam de 1962 e alguns anteriores a isso. Alguns conselhos
ainda não conquistaram essa autonomia financeira e essa autonomia financeira deve estar estabelecida
em lei, para que os conselhos tenham orçamento e efetivamente possam executar esse orçamento. Esse
deve ser um trabalho de todos nós, eu penso, da sociedade, porque, se é um órgão de sistema, se é um
órgão que, como eu disse e acredito, que deva responder e corresponder aos anseios da sociedade, que
deva ser interlocutor entre o estado e a sociedade, ele tem que ter o aval da sociedade e tem que ser uma luta
junto aos nossos parlamentares. Os estados ainda não conquistaram essa autonomia, nem os municípios.
Outra questão que a Maria Elisabete coloca, com relação à questão da representação dos conselheiros, que
fala sobre a questão do trabalho não remunerado, quer dizer, essa remuneração compensatória, eu
também entendo necessária, porque eu não trabalharia de graça, e acho que é um trabalho que tem que ser
compensado sim. Porque o nosso trabalho de conselheiros, nós levamos o trabalho extra para casa, pior é
pagar para trabalhar. Então, acredito também que deva ser uma luta de todos nós, que tenhamos
conselhos fortes, representativos, e legítimos.
Presidente da UNCME, Professor Paulo Eduardo dos Santos: Bom, eu quero começar com a fala do
João Monlevade e dizer não podemos jogar o bebê fora, com a água suja da banheira. Ainda que nós
tenhamos problemas com os conselhos, ainda que eles tenham problemas de funcionamento, precisamos
aperfeiçoar esse mecanismo para que de fato ele aconteça. Acho que nós temos problemas e acho que foi
denunciado aqui, desde o início, que os conselhos municipais de educação estão constituídos, ou
apresentam dificuldades na consolidação de um espaço democrático. Penso que devemos tomar cuidado
para que não fechemos os conselhos em função das dificuldades e do controle que tem exercido o Poder
Executivo sobre os conselhos de educação.
Com relação a experiências, o relato do Adauto sobre o conselho escolar, penso que esse é um desafio.
Acho que o professor Ivandro deixou muito claro o papel da educação na sociedade. Só que a gente
percebe que a questão da gestão democrática nas escolas acontece em momento muito estanque. Nos
municípios que avançam, nas escolas que avançam, tem-se um processo de eleição democrática, mas ele
pára aí. Não avança um pouquinho mais e constrói os seus conselhos escolares. Pára ali. A gestão
democrática vai de momentos em momentos, estanque. Penso que a gestão democrática tem que estar na
sala de aula. Enquanto a gente não entender que a gestão democrática é um princípio e deve estar em
todos os espaços da escola, a gente não está fazendo a gestão democrática. Estamos fazendo eleição de
diretores. Ainda que seja importante, é um processo, uma expressão da democracia. Não é a gestão
democrática. E a gente ainda tem um patrimonialismo dentro da própria escola. Se a gente for mais além
dentro da própria sala de aula (porque a gestão democrática não chega dentro da sala de aula) a maioria
dos alunos não tem acesso a isso. E como formar uma cultura de participação, Ivandro? De forma que as
crianças aprendam isso no cotidiano da escola? Com essa estrutura que temos de escola verticalizada, a
gente não vai discutir gestão democrática. A dificuldade vem depois, enquanto adulto. Porque que o pai lá
na frente não participa, ele não aprendeu a fazer isso, nós não criamos uma cultura para poder fazer isso.
Então, é preciso uma mobilização, uma inversão, um pouco dessa relação, dentro da escola, a partir da
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escola, é claro. Agora, tem outras questões. A sociedade política precisa rever os seus conceitos. Não tenho
dúvidas sobre isso. Com relação ao controle social, nós defendemos na UNCME que, na verdade, o controle
social dos recursos do FUNDEB, seja no conselho municipal de educação. Nós somos contra, nós olhamos
com muita preocupação essa avalanche de conselhos municipais, que se instalou, referente à educação.
Temos conselho de alimentação, conselho do FUNDEF, conselho de educação, conselho de direito, o que é
mais incrível é que, geralmente, são as mesmas pessoas. O que é mais incrível é que essas pessoas não
conversam entre si e o conselho não consegue fazer a interlocução. É preciso rever algumas questões
dentro do quadro desse conselho e aí nós defendemos que o conselho municipal de educação seja esse
órgão de controle social dos recursos. Como diz o Ivandro, como é que a gente vai ter poder, se a gente não
tem poder para poder decidir?
É complicado. Você discute financiamento, discute a alimentação, discute o processo pedagógico
equivocado, e a UNCME defende um outro projeto. Só, terminando com a colega Andréia, só para encerrar,
nós temos na Paraíba uma articuladora que tem feito um trabalho, ainda com dificuldades (não é Penha?)
Acho que vocês poderiam trocar um pouco de figurinha. Nós, a UNCME, realizamos alguns encontros
estaduais no estado da Paraíba, e realizamos em função das dificuldades que o Estado estava passando
naquele momento. O Encontro Nacional, em que o próprio Ministério da Educação, ainda investiu sobre
isso, inclusive no Pró-Conselho que aconteceu lá. Nós temos feito um trabalho no Estado, mas ainda vamos
encontrar essa situação, sim. Não tenha dúvida. Eu não vou falar dos encaminhamentos, acho que o
encaminhamento que o Jamil Cury deu, acho que é perfeito para essa situação. Agora o sistema não é
mágico. Nós defendemos o sistema, defendemos que os municípios instituam os sistemas, mas o sistema
por si só não vai resolver as mazelas sociais, mas contribui, sem dúvida nenhuma. Para ter o sistema exige-
se que os municípios se organizem, elaborem um projeto para o município. Acho que essa é uma grande
vantagem do sistema municipal. Obrigado
Professora Justina: Vou me referir a duas questões. A primeira, apresentada por Andréia, da Paraíba.
Andréia, na Paraíba vocês têm algumas pessoas que investiram muito em termos de estudos, em relação à
criação dos sistemas municipais de ensino. Nós, do Rio Grande do Norte, importamos essas pessoas da
Paraíba que deram uma grande contribuição. A UNDIME/RN fez três Seminários, para discutir exatamente
a organização dos sistemas municipais de ensino. Há, inclusive, um manual elaborado muito bom, para a
organização dos sistemas municipais de ensino. A UNDIME, na Paraíba, é a nossa companheira. Foi na
administração do Marcos, que era de Patos, na Paraíba, administração passada. Ele fez um bom trabalho.
Foi, inclusive, ao Rio Grande do Norte nos ajudar nessa tarefa.
Outra questão. Gostaria de socializar, com todos, algumas preocupações em relação à aprovação do
relatório no Senado, o relatório do FUNDEB. Temos motivos para estar um pouquinho mais alegres, mas há
preocupações. Primeiro, houve quatro emendas do senador Aloísio Mercadante, que não tinham
aparecido em nenhum momento. O relatório foi aprovado, mas ficaram quatro pendências para uma nova
discussão na quarta-feira. Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, mas não está finalizado
sequer naquela Comissão. Fui como representante da UNDIME nacional, acompanhada de outros
presidentes estaduais, dirigentes municipais, e nos preocupamos porque o artigo 239, por exemplo, que
na sua modificação proposta pelo relator, trazia recursos do PIS para financiar a educação infantil (e esta é
uma das emendas que o senador vai apresentar) retirando a educação infantil do financiamento através
deste recurso. Então, se inclui a educação infantil de 0 a 5 anos, e o artigo 139, que seria modificado
estendendo o recurso do PIS para financiar também a educação infantil.Essa emenda o senador
apresentou e vai ser discutida na quarta feira. A preocupação está posta. Quer dizer, não adianta dizer que
nós vamos agora financiar a educação infantil, ter financiamento e algo mais que foi posto, em função da
insuficiência dos recursos. Os municípios vão continuar sozinhos. Se a gente não conseguir chegar ao
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
143
senador Aloísio Mercadante para convencê-lo da retirada dessa emenda, é menos recurso para a educação
infantil no país.
A outra questão é o desrespeito aqui, ao parágrafo 6°, do artigo 60. Diz que o estado só vai financiar o
ensino fundamental e ensino médio. O município só pode financiar com os recursos vinculados, educação
infantil e ensino fundamental. Mais uma preocupação: este artigo apontava um recurso especial para a
educação infantil e a proposta do senador é retirar a educação infantil deste artigo. É muito preocupante.
Outra preocupação é que a questão do Piso ficou também como emenda e porque foi uma reivindicação da
CNTE, e nós tememos o que pode acontecer em relação a isso. Porque se definir um Piso Salarial Nacional,
inviável para 80% ou mais dos municípios brasileiros, isso vai ser uma brincadeira. Temos que pensar com
muita competência e seriedade essa questão do Piso. Não podemos pensar em um Piso elevado às alturas,
porque vai inviabilizar a educação. A maioria dos municípios, se assim for, mesmo com o aporte financeiro
da União, que também o senador vai propor que não seja como está no relatório, vai propor uma alteração.
Não chegaremos na proposta que ele apresentou, na hora não chegaremos aos 4 bilhões e meio no terceiro
ano. É muito sério, porque se a CNTE, que ia sentar hoje à tarde com o senador, e se chegar a uma
formulação de um Piso que os municípios não possam pagar, o que vai acontecer é que o
comprometimento da receita desses municípios vai ser basicamente com pagamento de pessoal e a
educação vai ao fundo do poço, porque você não pode manter a educação apenas pagando salário de
professor, então essa é outra preocupação. E a gente tem que chegar junto ao senador, até quarta-feira,
para mediar essa questão. Do contrário vai sair o tiro pela culatra, como se diz lá no Nordeste. Uma coisa
que é positiva. Porque essas questões são de FUNDEB, a gente aplaudiu sem ter clareza do que de fato
aconteceu lá, do que pode ainda acontecer até quarta-feira, e estou particularmente preocupada porque
acompanhei todo o debate. Inclusive, Lêda, em termos de grosseria a Finlândia lhe tratou muito bem,
porque o que nós vimos, hoje, lá, em relação ao tratamento dispensado aos professores foi: nós vamos
mandar evacuar, retirem-se e calem-se, foi assim que alguns senadores falaram. Dirigiram-se aos
professores e até a uma deputada federal que estava lá defendendo um projeto de lei que havia sido
aprovado na Câmara. Não, não queiram não, por favor. Querem que diga? Então, atendendo a pedidos,
vocês decidem, como na Globo Antônio Carlos Magalhães e Artur Virgílio, do Amazonas. Pois é, mas agride
demais. Uma outra coisa que acho que é positivo destacar é que a gente tem que tentar segurar, porque há
pressões sobre o inciso que é o 10. Diz-se o seguinte: é vedado o contingenciamento orçamentário dos
recursos a que se refere o inciso 5° (os recursos para a educação e os recursos da União). Há interesses em
retirar esse inciso. Isto é também muito sério, a gente tem que estar atento e acompanhando este processo
até quarta-feira para garantir que essas coisas não aconteçam. Muito obrigada.
Mestre de Cerimônias: Só um aviso antes. Avisar ao pessoal do conselho escolar para permanecer no
auditório. Só queria falar, também, os meus 3 minutos. Pedi assim, até umas desculpas, porque é a
primeira vez que eu coordeno a mesa redonda pelos meus encargos e até pelo tempo. Ainda mais nessa
categoria aqui. Só aceitei porque foram alguns integrantes da mesa que me convidaram para participar. Eu
concordei com a sugestão da professora Maria Elisabete. Gostaria até de conversar com ela para integrar
essa sugestão no nosso movimento do Pró-Conselho. Acho que foi bastante interessante, mas gostaria de
falar com ela à parte.
A colocação que o Artur fez, até na condução dos nossos trabalhos, que ele colocou que a gente oferece
para as pessoas fazerem as perguntas, acho que ele está corretíssimo, parece que quem está aqui em cima
sabe tudo e quem está aí em baixo, não sabe. Acho que ele está corretíssimo. Acho que temos que mudar, é
um pronunciamento, um debate, corretíssimo.
Outra coisa - o texto que a professora falou, Leocádia. Nós elaboramos um texto do grupo do Pró-Conselho
e encaminhamos ao Conselho Nacional de Educação para que ele avaliasse, se pronunciasse quanto ao
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
144
mérito que era transformar em lei,o Conselho Municipal de Educação, Conselho Estadual como órgãos
normativos dos sistemas de ensino e o Conselho Nacional aprovou. Agora, vamos encaminhar ao
Congresso em forma de projeto de lei.
A outra coisa era com relação a uma reunião. Gostaríamos de, agora à noite, conversar com os relatores, os
moderadores de oficina e os expositores, ou amanhã de manhã, para a gente conversar um pouco sobre a
condução das oficinas e para os relatores conhecerem os moderadores, porque eles não trocaram
figurinhas. Achamos que seria bom se conhecerem antes da oficina, até para ver como vai ser a
metodologia que a gente sugeriu e até já encaminhou para vocês. Queria agradecer, e o Arlindo quer falar.
Professor Arlindo: Primeiro, gostaria de parabenizar os presentes. Na realidade, o Seminário foi
organizado, com o apoio parcial do Ministério, pelo menos cento e noventa passagens e diárias para
fazermos essa discussão. Com pessoas importantes e representativas, estratégicas. Hoje eu contei cento e
dez pessoas no auditório. Sei que tem uma mobilização acontecendo, mas eu gostaria de parabenizar os
que estão aqui e pedir que amanhã a gente continue as discussões, que são muito importantes. Talvez a
gente não entenda que por trás da relação democrática, está um contexto, e aí não entenda, muitas vezes,
que ao discutir movimentos sociais e gestão da educação, estamos discutindo gestão democrática,
discutindo pedagogias participativas, ou ao discutir qualidade da educação e participação, estamos
discutindo gestão democrática. Então eu queria pedir o empenho de vocês amanhã para que a gente esteja
realmente aqui a partir das 8 horas, para aproveitarmos bem o dia. Boa noite.
27 de Abril de 2006 (quinta-feira)
Mestre de Cerimônias: Gostaria de desejar a todos um bom dia. Convidá-los para iniciarmos nossas
atividades do Seminário Gestão Democrática da Educação e Pedagogias Participativas, lembrando que
estão disponíveis materiais para tradução. Teremos nesta mesa um participante falando em espanhol e, na
parte da tarde, teremos alguém que fará sua fala em inglês.
Isso é importante para que possamos acompanhar bem o Seminário. Temos que estar bem aparelhados.
Gostaria de dizer que a questão da relação democrática ou do conceito de democracia, como já falamos, é
um conceito polissêmico, ou seja, há muitas abordagens, e o Seminário tenta dizer, pela sua organização,
pelos temas que escolheu, que Gestão Democrática da Educação e Pedagogias Participativas não se
resumem a um único foco ou a um único mecanismo.
Parece-me que há uma insinuação presente de que a questão da democracia está na forma de escolha dos
dirigentes escolares, mas está também, na organização dos conselhos escolares; na relação pedagógica
que se instala na sala de aula; nas relações sociais e políticas estabelecidas dentro da escola, entre
funcionários da escola e toda a comunidade escolar; na relação que a escola estabelece com a comunidade
local, com as organizações da sociedade civil como sindicatos, cooperativas, movimentos de proteção ao
meio ambiente; na relação interior à comunidade; na relação entre agentes dos movimentos sociais e sua
base; na relação entre esses vários agentes do movimento social; relação entre sociedade e governo.
Portanto, a idéia da gestão democrática não é singular do ponto de vista de se observar uma relação
restrita. Só ganha significado em um entendimento contextual, em que sociedade está e em que direção se
define e caminha essa relação.
Pelo que foi visto, a sociedade é uma correlação de forças, é um conjunto de interesses, alguns
prejudicados, alguns beneficiados, alguns organizados, outros desorganizados, uns claros, explícitos,
outros ocultos, falseados nessa grande luta na sociedade. É preciso que a gente defina e entenda o que é a
relação democrática. Caso contrário, a gente, talvez, teria uma visão restrita e limitada do que seria
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
145
democracia participativa. Está na relão entre governo e sociedade civil, dando idéia de Estado, e está no
movimento da sociedade para implementar políticas públicas de regulação, normatizão.
Este Seminário nos permite uma visão por vários ângulos. Ontem, tivemos à mesa um político profissional, um
prefeito de uma cidade que veio trazer sua abordagem. Estamos, aqui, conseguindo cercar vários ângulos.
Hoje, teremos de dar uma olhada nessa questão da Gestão Democrática da Educação e Pedagogia
Participativas, a partir da história do movimento da sociedade através dos movimentos sociais.
Eu queria passar para vocês, até mesmo antes de compor a mesa, um momento da história brasileira, uma
ação pedagógica com muitos limites, inclusive de sua época, mas que mostrou a pujança, a importância da
participação na formulação e no encaminhamento de políticas, em que pese toda discussão em torno do
mérito, da forma como se deu. Mostra que a implementação de políticas educacionais, com participação,
faz diferença.
Gostaria de retornar a, pelo menos, 1964 para que a gente conhecesse e alguém viesse nos falar
pessoalmente, ou através da mídia, sobre o que aconteceu neste País e que nos trás uma contribuição para
a compreensão do nosso tema.
Vou apresentar para vocês uma experiência de três minutos, antes mesmo de compor a mesa.
Capital de todos os potiguares,está hoje transformada em um teatro de uma verdadeira guerra santa. A
cruzada contra o analfabetismo. De pé no chão também se aprende a ler. Eis o lema, que pelos quatro
cantos da cidade, vão pregando as autoridades empregadas de corpo e alma em abrir uma frente pioneira
do programa de emergência do Ministério da Educação. Para 4 milhões de crianças brasileiras de 7 a 12
anos, não existem escolas. Enquanto se espera que surjam essas escolas, decidiram os responsáveis pelo
programa inaugurar, em Natal, uma experiência diferente. Em cada pedaço de favela, em cada canto de
praia, os voluntários dessa cruzada vão hoje plantando acampamentos-escolas, sem uniformes, sem
sapato ou chinela, os meninos pobres vão sendo conquistados por esses agentes revolucionários do
ensino que desejam mostrar ao Brasil inteiro, que de pé no chão também se aprende a ler.
Tão depressa nessa favela miserável do Nordeste o círculo vicioso pobreza-analfabetismo está
definitivamente rompido. O importante é que essas crianças aprendam a ler, a escrever e a contar agora,
enquanto esperam que se construam escolas.
Todos acodem ao toque de reunir, mesmo os que sempre chegam atrasados.
E para aqueles que andam de pé no chão vão se erguendo em toda parte galpões escola, multiplicam-se as
equipes de professores voluntários que recebem, por recompensa, a modesta indenização de dois mil
cruzeiros mensais. Revesam-se os turnos e a palavra de ordem fica sendo rendimento máximo. Mas o
objetivo essencial a ser atingido, sobre esses tetos de palha de coqueiro, uma geração de brasileiros vai se
despertando para o mundo do qual até agora estavam excluídos.
- Eva é uma menina; diz a professora.
- Eva é uma menina; repetem os alunos.
- Eva ganhou um ovo de páscoa; diz a professora. .
- Eva ganhou um ovo de páscoa; repetem os alunos.
- A Independência do Brasil foi proclamada em 7 de setembro de 1822. Por quem foi proclamada a
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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independência? Pergunta a professora.
-Dom Pedro I; respondem os alunos.
-Qual o nome da esposa de Dom Pedro I? Você sabe, Marinalva? Pergunta a professora.
-Teresina; reponde Marinalva.
-Viu Marinalva, você deve prestar atenção! Exclama a professora.
Os responsáveis pelo programa têm ainda o problema de garantir, por todos os meios, uma distribuição
regular da merenda escolar, e os mesmos educadores que ensinam a ler e a escrever também sabem
organizar brincadeiras.
Todos os recursos existentes são aproveitados pelo programa de emergência: salões de reunião, clubes de
bailes, cinemas, teatros, albergues noturnos, templos e oratórios de qualquer credo se transformam em
escolas fora de seus expedientes. Há 20 milhões de brasileiros analfabetos. Para que esse número não
continue aumentando, os responsáveis pelo programa, na impossibilidade de levar os analfabetos até
onde se encontram escolas, levam-se escolas aonde se encontram os analfabetos.
E a frente pioneira alcança até os filhos das lavadeiras, erguendo galpões escolas às margens das águas
onde as mulheres ficam batendo roupas de sol a sol.
Em uma campanha em que tudo é rigorosamente planejado, reúnem-se periodicamente os comandos para
uma análise geral da situação. Os professores expõem seus problemas aos seus orientadores de equipe. Os
pais de alunos também são convidados a dar seus palpites.
Vinte milhões de analfabetos estão condenados a não participar da vida social e política da nação e a viver
na penúria.
E nos encontros mais importantes, o prefeito Djalma Maranhão examina com seus colaborados a marcha
do programa em sua cidade.
Os primeiros resultados são realmente animadores. O número dos que aprendem a ler e a escrever nos
galpões escola e nas escolhinhas de emergência vai aumentando vertiginosamente. E as ruas da cidade
expõem suas estatísticas numa competição que empolga e comove. Mas à hora em que, ao som dos sinos
dos galpões escola da capital potiguar, partem as crianças na recuada de regresso aos seus casebres
miseráveis, nos pensamentos dos organizadores desfila a profissão interminável de milhares e milhares de
outras crianças as quais a nação ainda não concedeu, até agora, o privilégio de aprender a ler.
Para milhares e milhares de outros meninos pobres do Brasil essa caminhada de regresso ao lar significa
apenas a volta de um trabalho precoce em proveito daqueles que aprenderam a ler. Aqui nas favelas pobres
de uma capital do Nordeste com tão parcos recursos se consegue tão grandes resultados, por que não se há
de promover pelo Brasil inteiro uma mobilização de todos os homens responsáveis para que a educação
não continue sendo privilégio de uma minoria?
É isso que estamos fazendo em Natal, salvem os brasileiros do analfabetismo!.
Gostaria de pedir uma salva de palmas para esses brasileiros, estavam na luta como estamos hoje. Que
fique essa lição para nossa reflexão, também durante o Seminário.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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Mestre de Cerimônias: Gostaria de convidar para, compor a mesa, Cândido Grzybowski, Diretor do
IBASO; Maria Cristina Vargas, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Professora Maria Juçara
Dutra Vieira, presidente do CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação); Hugo Iaski,
Secretário Geral de CENTERA, Argentina.
Vou fazer uma proposta um pouco indecente, pela potencialidade que temos aqui. Teremos esta mesa
brilhante, e ao mesmo tempo, temos outras pessoas que irão participar das oficinas. Estávamos avaliando
ontem que, de repente, elas poderiam dar uma notícia, mesmo que breve, no final desta manhã para todos.
Falo de uma experiência em educação e desenvolvimento local, desenvolvida no México, pela COPEV, uma
ONG, e de uma ONG brasileira, o Banco de Palmas. Essas pessoas, além de cuidar do desenvolvimento
local, buscam uma nova alternativa, uma nova moeda, uma nova economia chamada moeda social que é
muito importante no entendimento da gestão democrática da educação.
A idéia é que a gente compacte as falas. Reduza-as, se possível. Para sobrar um tempinho na manhã para
ouvirmos uma síntese dessas duas experiências. Vocês concordam? Já que concordam, vamos socializar o
máximo possível.
Gostaria de convidar para, compor a mesa, Cândido Grzybowski, Diretor do IBASO; Maria Cristina Vargas,
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Professora Maria Juçara Dutra Vieira, presidente
do CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação); Hugo Iaski, Secretário Geral de
CENTERA, Argentina.
Vou fazer uma proposta um pouco indecente, pela potencialidade que temos aqui. Teremos esta mesa
brilhante, e ao mesmo tempo, temos outras pessoas que irão participar das oficinas. Estávamos avaliando
ontem que, de repente, elas poderiam dar uma notícia, mesmo que breve, no final desta manhã para todos.
Falo de uma experiência em educação e desenvolvimento local, desenvolvida no México, pela COPEV, uma
ONG, e de uma ONG brasileira, o Banco de Palmas. Essas pessoas, além de cuidar do desenvolvimento
local, buscam uma nova alternativa, uma nova moeda, uma nova economia chamada moeda social que é
muito importante no entendimento da gestão democrática da educação.
A idéia é que a gente compacte as falas. Reduza-as, se possível. Para sobrar um tempinho na manhã para
ouvirmos uma síntese dessas duas experiências. Vocês concordam? Já que concordam, vamos socializar o
máximo possível.
Cândido Grzybowski, Diretor do IBASA: Antes de tudo gostaria de agradecer muito ao Arlindo, ao
Ministério da Educação, por esta oportunidade de estar aqui. Não pude estar nos dias anteriores e nem
poderei ficar até o fim. Compromissos anteriores. Encontramo-nos no Fórum Mundial em Caracas. Até
mostrei minha agenda para o Arlindo. Este é talvez o único dia possível para estar presente, o dia 27.
Na verdade, já trabalhei muito com o tema da educação no passado e hoje estou mais como um ativista
meio maluco correndo o mundo. Então, não tenho tanto tempo para me dedicar a uma reflexão mais
Movimentos Sociais na Construção
da Gestão Democrática da Educação.
EXPOSIÇÕES DA MANHÃ
PAINEL
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
148
sobre um tema que já foi um tema muito importante, tanto a educação como os movimentos sociais. Não
sou de um movimento. Nesse sentido, me desculpem pela intromissão em movimentos sociais, mas sou um
defensor da sua importância para a democracia em qualquer lugar. Os processos democráticos são
fundamentais em qualquer lugar. Os atores organizados em movimentos sociais, os diferentes sujeitos da
sociedade, reivindicando, atuando, participando, empurrando as nossas instituições políticas para que a
gente consiga construir uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais livre, e mais solidária.
Vou, rapidamente, já que não pensava em ser o primeiro a falar, lembrar alguns pontos dessa reflexão.
Antes de entrar no tema proposto Movimentos Sociais na Gestão Democrática, quero simplesmente
reafirmar algumas coisas, que acho que vocês estão discutindo. Como vejo educação como um bem
coletivo e como os processos educacionais como forma de socialização dessas aquisições, desse bem
coletivo da humanidade e da sociedade em particular, de uma sociedade concreta. Como é que se faz esse
processo? Tendo no centro, quando nos colocamos em uma perspectiva democrática, e é disso que
estamos falando, o direito ao acesso ao saber, direito igual e universal ao saber. Aí estão as condições que
estamos discutindo quando falamos da construção da gestão democrática da educação. Como se dão
essas condições de acesso?
Penso a educação como um elemento fundamental. Daquilo que é “sine qua non” para as democracias,
que é a cidadania. Penso isso com três elementos fundamentais: Primeiro, não existe cidadania sem
identidade cultural. E identidade cultural tem a ver com educação; patrimônios de valores, idéias,
concepções, de princípios éticos, sem uma clara apropriação da idéia coletiva da relação social como
direito, porque o direito não é uma propriedade individual, é uma qualidade social, é uma relação. O
direito de um significa obrigações de outros. Direito é direito para todos, senão é privilégio. Portanto,
cidadania implica essa dupla relação de garantir que eu tenha direito, garantindo o direito dos outros. Esta
igualdade é que é fundamental. A educação tem a ver com isso nesse sentido. Também tem a ver com a
questão central das democracias. Nós nascemos iguais, talvez fisicamente diferentes; homens, mulheres,
brancos, negros, amarelos, etc. Humanamente somos iguais, mas a sociedade nos torna desiguais. A
educação entra, porém, nessa equação para igualizar socialmente, pela ação política consciente, o que se
tornou desigual. Nesse sentido ela é um instrumento essencial para que as sociedades tentem corrigir as
distorções que elas mesmas criam.
A questão da igualdade é uma questão central da educação. Igualdade aqui vista, igualdade de acesso ao
saber. Não, em si mesmo, o saber. O conhecimento cria igualdades, cria condições de corrigir
desigualdades. Nesse sentido, entra um terceiro elemento da cidadania que é a própria disputa do saber
escolar, disputa da educação.
Há uma questão de poder envolvida na educação.
Entrando em um segundo elemento, da gestão. Gestão é uma coisa complexa. Gestão social,
administração, envolve um saber fazer. Leigos, não necessariamente todos sabemos fazer tudo. Eu não
vou dizer que todos sabem tocar violão. O saber se distribui desigualmente, inclusive o saber gerir uma
escola, um sistema educacional, uma política pública. Então, há um lado do saber, há um lado técnico de
um saber que é social, mas que não é igualmente distribuído. Isso não quer dizer que, com base nisso, se
possa criar uma desigualdade. Mas, como democratizar essa gestão, esse saber? Isso levando em conta
que qualquer escola, qualquer sistema educacional, qualquer conjunto de leis e políticas públicas e de
recursos públicos destinados à educação, é objeto de disputa social intensa. É uma expressão de disputa
social. Algumas vezes mais, e menos, nas conjunturas de diferentes sociedades. Em função delas, isso não
dá para determinar previamente, mas é indiscutível que a escola está no centro de uma disputa
sociocultural essencial para a sociedade, de forma meio permanente, mudando um pouco os sentidos
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
149
dessa disputa, mas é condição “sine qua non” e a vigilância em torno a isso é indispensável. Conquistas
podem ser perdidas amanhã. Nada é garantido. A única garantia é participar para impedir que se volte
atrás e para que se avance. Em torno da educação, como em qualquer conjunto de políticas públicas, é
fundamental a ação permanente a vigilância, a participação, etc.
Vejamos a gestão de um bem público como a educação, em um contexto de diferenças e desigualdades.
Lembrando um filmezinho (dos anos 60): não estamos com uma miséria como aquela, mas estamos com
uma desigualdade maior do que tínhamos. Somos uma sociedade muito mais injusta hoje, porque uma
coisa é ter dois para dividir, entre muitos. Outra coisa é ter dois mil para dividir e alguns continuarem com
um. É um pouco a nossa sociedade. Estamos sofrendo em meio à abundância, que é diferente de sofrer na
carência. É uma sociedade profundamente injusta, a nossa, brasileira.
Mudou essa disputa de educação. Ela muda de qualidade exatamente porque estamos falando de uma
outra sociedade. Não podemos comparar com aquilo, mas é esse o problema que temos. Como gerir
educação, num contexto em que se acentuam as desigualdades. Acentua-se, porém, a consciência de que
esta é a nossa chaga. E se acentua a consciência de que igualdade não é homogeneidade. Igualdade é
respeito à diversidade, que talvez seja um novo que nos anos 60 também não existia.
Para mim é muito claro que estamos no contexto de uma geração. Aqui temos alguns da minha geração.
Fizemos essa história dos anos 60 e agora vamos continuando. Nesse contexto mudaram profundamente
os paradigmas de reflexão. Há, hoje, uma consciência de humanidade que torna inviável qualquer idéia do
não é que é justo. Não estou entrando na dimensão ética, mas o fato é que a sociedade justificava umas
coisas e eliminava outras.
Há setores dentro da sociedade, hoje. Isso se tornou complicado para todos. Essa dimensão, elemento
essencial a se considerar, como é essencial considerar essa dimensão da diversidade que, em particular,
os movimentos feministas não só nos trouxeram, mas as lutas contra a desigualdade racial e outras
formas também o fizeram. A não tolerância com a diversidade cultural nos trouxe uma consciência
de que afirmar diversidade não pode ser motivo de desigualdade, como afirmar desigualdade não pode ser
motivo para negar diversidade.
Essa equação é nova e a escola tem que tratar dela. Como a educação vai montar um sistema que tire
partido da diferença, da diversidade, tentando igualar.
Essa é a nossa disputa, hoje, em termos de inclusão social. Significa a escola participar disso. Vem a questão
de quem participa com as grandes mudanças, grandes projetos como condição sine qua non. As
sociedades não conseguem pensar sua educação fora de si mesmas como sociedade. Nunca esse debate é
isolado. Em uma sociedade autoritária, necessariamente a escola tende a ser autoritária. Em uma sociedade
mais livre e participativa, isso repercute no contexto escolar. Este é o pano de fundo que temos que ter
presente. O problema da educação não está somente dentro da escola, no meu ponto de vista. Está mais na
sociedade do que na escola. Porque eu não vou pedir que crianças tenham poder de interferir na gestão de
um diretor escolar. Isso também seria nos iludir. Mas podemos limitar o poder do sistema educacional, pela
sociedade, para que as nossas crianças e nossos netos, no meu caso, tenham uma escola adequada.
Temos, no caso da educação, como pontos limite, o domínio pelo saber ou emancipação pelo saber. E as
sociedades acabam se marcando nesse marco. Podemos dizer mais isso mais aquilo. Esta é a questão que
estamos falando. Pode ser que por dentro da escola seja uma escola conservadora, privada, muito bem
organizada, até participativa. Não quer dizer que seja uma escola democrática. Pode ser extrema-
mente elitista, excludente, negadora da diversidade, negadora da cidadania, negadora dos outros, etc.
Não vamos confundir forma com conteúdo. Por isso temos que sempre situar isso nesse contexto.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
150
Eu vejo uma relação intrínseca entre democracia e educação, até porque a educação é essa troca. Não
vamos entrar nesse assunto, pois não sou especialista nele, mas os métodos podem ser impositivos desde o
saber escolar em cima das nossas crianças, como podem ser métodos que dialogam suas vivências e
experiências com suas emoções.
Li, há pouco, um livro sobre os paradigmas científicos que nos dominam, que nós não estamos discutindo
radicalmente. Falo, em particular, dessa coisa, hoje, da informática nas escolas. Nada mais aberrante, do
meu ponto de vista em educação, do que a falta de emoção, a falta de encantamento e nada mais útil para
acabar com a emoção e o encantamento, que dar para uma criança um computador. Deixar de descobrir e
se encantar com o belo, é a coisa. Como resolver isso? Porque se trata de um saber instrumental
fundamental o uso da máquina.
Quando introduzir isso em nossas escolas? Porque com a máquina vem um saber dado. Vou até me limitar,
pois combatemos muito as grandes corporações, mas vamos falar sobre a Microsoft. O modo de pensar já
vem ordenado. A criança escreve mal dizendo: o computador corrige, pra que aprender direito o
português?. Essas questões são muito mais complexas do que imaginamos. Não é só aquela relação
pedagógica entre professor e aluno, é um conjunto de opções que são feitas totalmente a despeito desta
relação, que acabam afetando esta relação.
Adotar ou não o sistema de informática com o software livre ou com software proprietário. Estamos
falando de conhecimento. É radicalmente diferente em termos educacionais. E esse é um debate que não
estou vendo educadores envolvidos, em nenhum dos movimentos sociais. Existe um movimento de
software livre, mas não chegou até aí.
Entrando especificamente na questão movimentos sociais e educação, eu queria insistir em vários
aspectos. Considero os movimentos sociais fundamentais para a democracia. Acho que a relação com a
educação é mediada. Há alguns que são diretamente referentes à educação. Nós temos os atores
diretamente envolvidos. Os profissionais da educação podem ter movimentos estudantis, podem ter os
pais, dirigentes ou autoridades locais. Podemos ter uma associação aqui no Brasil. Podemos ter atores
diretamente envolvidos que, às vezes, são muito mais preocupados com os seus, e é a função deles, como
movimentos sociais, a sua defesa de interesses corporativos do que exatamente educação. Eles, também,
não necessariamente se organizam por causa de educação no sentido estrito da palavra. Temos que ter
cuidado quando falamos de movimentos sociais e educação, para não pensarmos que há uma relação
imediata. Existem, sim, movimentos sociais que incorporam a questão da educação e suas estratégias. Por
exemplo, o Movimento dos Sem-Terra, que conheço mesmo antes de serem chamados por este nome, no
início dos anos 80, quando começavam com as lutas, no Paraná, Santa Catarina, e os processos de tentar
juntar essas lutas. Mas, como a questão da educação se torna uma dimensão permanente para si mesmo?
Para formar-se a cidadania? Como pensar a escola dos filhos de sem terra? Essa é uma característica
desse movimento, porque está lidando em um tal contexto de exclusão, que não tem nada mesmo. Não tem
casa, nesse sentido poderíamos falar da carência de várias políticas como saúde, educação. A educação
não é especificidade nesse sentido, é uma contribuição fundamental do Movimento, mas pela natureza
dos seus participantes. Já não é o mesmo em certos movimentos como dos Sem-Teto Urbano. Não se coloca
do mesmo jeito a questão, na medida em que a escola, o equipamento existe, talvez exista um problema de
qualidade, mas não é como o MST que cria o seu sistema educacional.
Nós temos campanhas cívicas pela educação que chamamos de movimentos, mas na verdade são mais no
campo das ações públicas feitas em torno disso. Temos experiências no passado. Hoje foi mostrada uma.
Mas nós tivemos um MEB, que até hoje continua, toda experiência ligada à que se desdobrou de Paulo
Freire. Nós temos aqui, entre nós, os Viva La Cidadania, da Colômbia, que é um outro exemplo disso que eu
chamo de campanha pública de educação, que tem característica de movimento, mas que é uma
confluência de vários movimentos. Mas é uma confluência em torno de um projeto coletivo de intervenção
no campo educacional. É de outra natureza. São diretamente preocupados em como fazer cidadania a
partir da educação e, às vezes, ela tem uma dimensão de educação para adultos. Entra muito mais nesse
campo do que diretamente na educação escolar em si. Tem um caráter educativo de qualquer movimento.
Eu acho que qualquer movimento transforma sujeitos em cidadãos. Tem essa potencialidade, tanto
porque, no movimento social, há uma criação coletiva do saber que organiza a consciência coletiva, que
dá um conjunto de instrumentos de medida da sua própria situação e dá uma agenda de luta. Nesse
sentido, os movimentos criam identidades, propostas, organização e formas de luta e, com isso, eles estão
desenvolvendo uma cultura democrática na sociedade. Podem desenvolver um tecido associativo. Não
existe cidadania sem associações, sem organizações, sem formas de inclusão social, e capacidade de dar
incidência nos processos democráticos.
Para concluir, gostaria de expressar qual é a minha hipótese, a relação entre movimentos sociais e
educação. Acho que a radicalidade dos movimentos sociais é fundamental para que as sociedades
pensem, entre outras coisas, sua educação. Não necessariamente eu cobraria dos movimentos sociais que
eles em si mesmos pensem educação. Eles que cumpram o seu papel de defesa dos interesses dos grupos
específicos que os compõem. A sua contribuição é exatamente trazer para a agenda pública a exclusão que
está por trás. A forma de inclusão social que disputam. Trazer uma agenda dessa natureza, que nos leve,
enquanto sociedade, a pensar o conjunto de políticas públicas que montamos para resolver isso, entre elas
a educação. Acho que os movimentos sociais, na medida em que eles se intensificam, no Brasil, ficamos
meio encurralados. Temos um governo que deveria nos responder inteiramente. Ficamos esperando e
ficou o impasse. Mas a sociedade brasileira ao longo do período, até certo sentido até vibrante (não que
todos sem vozes e sem poder se organizassem em movimentos) não está mais naquela sociedade de total
exclusão. No mínimo, eu diria, a metade já dá sua cara. Já é uma sociedade diferente. Nós temos outra
possibilidade. Temos uma conjuntura de impasse, que temos que resolver, e voltar a conseguir empurrar o
nosso governo para que faça o que é necessário fazer. Porque o governo é expressão da sociedade e não o
contrário. Parte do problema da equação que vivemos em certas conjunturas, somos nós mesmos os
responsáveis. Temos que empurrar isso. Essa capacidade de empurrar me parece condição fundamental
para criar o contexto favorável a uma mudança e um avanço em termos de democratização da educação.
Nós podemos, sim, adotar métodos mais democráticos, formas mais inclusivas na própria escola, mas isso
não depende da boa vontade dos dirigentes e nem do conselho de pais e mestres locais. Depende desse
clima, desse contexto favorável na sociedade. E para esse contexto favorável, aí sim, os movimentos sociais
são “sine qua non. Se não existe mobilização, se não existe pressão, se não existe a democracia direta,
porque a forma desses movimentos sociais é ir para as ruas, enfim pressionar é fazer não existe espaço para
a sociedade se confrontar com seus problemas, inclusive os problemas da educação.
Adotar tanto as pedagogias mais participativas como programas que de fato visem à inclusão social, que
de fato sejam as políticas públicas participativas e que, portanto, criem as possibilidades de uma gestão
participativa na ponta, depende da sociedade como um todo e não só da boa vontade no interior da escola.
Os movimentos sociais criam essa vontade coletiva. É mais ou menos isso que gostaria de deixar para vocês.
Mestre de Cerimônias: Gostaria de agradecer à belíssima contribuição do Cândido, que traz essa discussão
toda e essa questão histórica da necessidade da construção da identidade cultural, associando isso à
própria cidadania de um mundo onde já se coloca em pauta toda a discussão da diversidade a que a escola
não está ausente. Está no centro destas disputas. Acho que ele coloca muito bem, também, o leque de
atores que estão no movimento social, entre aqueles que estão vinculados à educação escolar e aqueles
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que estão no campo das lutas dos interesses fundamentais da sociedade, dos diversos grupos sociais,
e diz ele que esse movimento, esta organização e esse ímpeto vai criar um clima indispensável para que a
própria escola, nesse contexto, sinta a possibilidade, interfira na possibilidade de desenvolver, com
desenvoltura essas disputas nas quais elas estão inseridas. Ou a escola está inserida. E coloca que a
radicalidade dos movimentos é importante para impulsionar esse movimento, da promoção de políticas
de promoção da igualdade.
Vamos passar agora, em seguida, dentro da ordem das apresentações, para Maria Cristina Vargas, do
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.
Maria Cristina Vargas, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra: Bom dia aos colegas da mesa,
educadores, embora muitos sejam gestores, mas com certeza, educadores da Nação.
Eu cumprimento o Ministério da Educação por estar trazendo aqui os movimentos sociais e dando
oportunidade nesta mesa para que possamos socializar essa realidade dos trabalhadores rurais sem-terra.
Falar em democracia é estar junto do movimento social, para um interessante aprofundamento. Mas
eu parto, para iniciarmos, dos anos 80, que o Cândido já colocou um pouco, quando o movimento inicia
suas ocupações e a luta primeira é a terra onde as pessoas, que estavam excluídas do processo, vão
para dentro de um acampamento lá na encruzilhada natalina, em busca da terra. Mas se deparam com
cercas que vão além da terra. Se deparam com a cerca da educação, com a cerca da saúde, com todos
os direitos que os cidadãos têm.
Nesse processo, naquele momento, a primeira indagação em relação à educação foi a falta de escola nos
acampamentos. Essa foi a primeira necessidade que se teve no momento.
Os acampados se organizam para articular a escola em torno dos acampamentos, o mais próximo possível.
E as suas crianças vão ter o direito à educação novamente.
Quando essas crianças vão para a escola, essa escola discrimina as crianças. Então, o movimento começa a
perceber que isso não acontece somente naquele local, mas também nas outras ocupações que estavam
tendo em outros estados do Brasil. E essa preocupação se dava porque as crianças voltavam para dentro do
acampamento e não queriam mais voltar para a escola porque eram filhos de invasores marginais. Eram
acusadas de muitas coisas, pelas quais elas nem entendiam o porquê.
Então começa uma pergunta que norteia todo o trabalho de educação do Movimento. Que escola nós
queremos para o Movimento Sem-Terra? Vocês percebem que é uma pergunta bem corporativa...mas no
momento era isso, essa era a necessidade. E se começa, sobre essa pergunta, a se levantar várias questões.
Quando discutíamos escola, então vimos que não era apenas escola, era a questão também de educação,
porque tu poderias até conquistar a escola para dentro do acampamento, do assentamento, que aí já teria
alguns pontos no decorrer da história. Mas não tínhamos uma educação. Vinham professores, inclusive de
fora, com uma mentalidade que desconhecia todo aquele processo, naquele local. Quais eram as
dificuldades, enfim? Daí vem a segunda pergunta, que educação queremos? E essa pergunta é a que até
hoje o Movimento Sem-Terra nasce todos os dias. Todo dia tem uma pessoa nova entrando no Movimento,
uma ocupação nova, que faz voltar sempre a mesma pergunta.
Essas perguntas foram gerando um outro imaginário, pois, quando o sujeito vai para o acampamento,
para o assentamento, ele é um sujeito desprovido de todos os direitos até então. Foi um sujeito despro-
vido de pensar e essa é a maior questão, é a maior dificuldade na inserção desse sujeito na luta social.
Ele não tem a capacidade, não desmerecendo os saberes, que todos temos, mas no sentido de pensar,
realmente o que ele quer.
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Se eu conquisto a terra, para que eu a quero? Se eu conquisto a terra e continuo plantando com veneno, se
eu continuo tendo uma má alimentação, para que eu a quero então? O movimento faz com que as pessoas
comecem a pensar, mais do que querer receber a política, e isso é o que foi feito na educação que se tornou
uma das principais lutas internas dentro do Movimento, o processo de educação. Quando colocamos para
uma família sem-terra, lá no acampamento ou no assentamento, a pergunta que educação quer, a
primeira indagação que vem é eu não sou professor, também mal sei escrever, como vou poder dizer que
tipo de educação eu quero?. Aí vem a pergunta que tipo de sociedade que você quere fazemos todo um
trabalho popular em torno dessas questões e mostramos que a educação está muito ligada àquilo que
queremos em termos de sociedade. Mas, o que mais nos preocupa, muitas vezes no processo, é que
quando o sujeito camponês, se coloca à disposição para discutir qual educação, que escola, o que
podemos desenvolver de diferente ou não dentro da escola, as primeiras pessoas que tentam inibir essa
iniciativa são os nossos educadores e, muitas vezes, os próprios gestores. Porque o que mais acontece, a
gente que acompanha esse processo em nossos 23 estados, quando os pais e a comunidade dizem assim:
Vai lá à prefeitura, no poder local, nós queremos uma escola que esteja mais próxima do nosso local,
gostaríamos de saber como poderíamos contribuir, o que queremos de educação em nosso
acampamento, a primeira pergunta que eles fazem é quem são vocês para dizer que tipo de edu-
cação vocês querem, se a maioria de vocês é analfabeta? Isso somos nós que temos que dizer. Aí enten-
demos que existem essas duas questões. Uma é aquilo que realmente cabe ao Estado e até nós temos
a palavra de ordem: Educação, direito nosso, dever do Estado. Entendemos que o sujeito tem que
pensar, pois ele sempre recebeu, sempre eu penso para você” e nunca eu penso de você, a partir do
sujeito. Essas são algumas situações que colocamos nesse processo e as nossas escolas, para o movi-
mento considerar a democracia um princípio pedagógico, que é um dos nossos princípios, significa
dizer que segundo a nossa proposta de educação, não basta os educandos e educadores estudarem sobre
ela. Precisa, principalmente, vivenciar a participação democrática. Então, as nossas escolas (hoje, à
tarde, terá uma oficina onde serão colocadas uma de nossas experiências) colocam que além de todo esse
processo de envolvimento da comunidade, onde a escola está localizada, também o processo de
organização dela, interna, faça com que as crianças, os jovens e os adultos participem daquele processo
de gestão, entendendo que tem gestão mais burocrática, que realmente cabe a um determinado
profissional, mas que a maioria das decisões e encaminhamentos são tomadas pelo conjunto dos
envolvidos naquela escola.
A direção coletiva de cada processo pedagógico vai além de seus participantes mais diretos, que são
os educadores e educadoras. Envolve os pais, as pessoas que não têm filhos naquela escola também
(porque entendemos que a escola dentro do acampamento não é apenas um espaço onde as crianças
participam, mas é um espaço onde se faz a comunidade ficar viva também). Um campo, um assenta-
mento sem escola tem um objeto a menos no sentido de se aglutinar em torno. A escola é, às vezes,
a vida do assentamento. É onde as pessoas discutem qual será a continuidade e as suas necessidades
atuais. Isso faz com que o assentamento gire em torno de um movimento. Se ele não se reconhece dentro
dela, ele não vai poder participar.
O envolvimento da escola é também com o coletivo do Movimento Sem-Terra.
Hoje estamos organizados em 23 estados. A necessidade que existe lá no Sul não é a mesma em proporção,
mas são muito próximas às necessidades comparando, por exemplo, com o Nordeste. A gente se organiza
em torno de coletivos. Temos coletivos locais, assentamentos e acampamentos; coletivos estaduais, os
quais aglutinam as regiões e estados; coletivo nacional onde se aprofundam grandes questões que são
comuns a todos os espaços onde está organizada a educação no Movimento.
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Há participação de todos os envolvidos no processo de gestão. Todos devem aprender a tomar as decisões e
respeitar as decisões tomadas em conjunto. Executar o que foi decidido, avaliar o que está sendo feito e a
repartir os resultados, tanto os positivos como os negativos de cada ação coletiva.
Em nosso entendimento, isso é que é a democracia. Desde os locais até o coletivo nacional, que é onde você
aprofunda as grandes decisões, aprofunda a realidade, o que pode ser decidido. E essa ação coletiva
tem que repartir os seus resultados. Nisso entendemos que é criado um outro imaginário na cabeça
do sujeito. Ele está entendendo que é o responsável pelas suas ações e decisões e faz com que avancemos
no processo da educação.
A democracia só acontece se o coletivo organizar instâncias de participação, desde a direção política ou
planejamento mais geral da atividade da educação até a esfera específica do aprender e ensinar ou da
relação de quem educa ou aprende.
Falamos que as escolas do MST são consideradas do MST, pois estão localizadas em seus territórios, mas
são escolas públicas tanto municipais como estaduais. Então, não são somente escolas do Movimento. É
uma escola que está naquele local, naquela realidade onde estão organizados os Sem-Terra. Ela é pública e
primamos por esse princípio.
Hoje, com todo esse trabalho de educação que temos realizado, estamos vivendo um momento muito
importante na organização onde a palavra de ordem é todo sem-terra deve estar estudando. Alguns
dirigentes vão até mais longe, e dizem que para ser Sem-Terra deve-se estar estudando, pela importância
que tem essa conjuntura, entendendo o processo pelo qual vivemos e entendendo o processo de
participação e gestão desses mecanismos onde estamos organizados.
Temos em torno de 2 mil escolas de 1ª à 4ª série. Quando vai para a 5ª a gente já reduz esse número, muito,
em torno de 300 escolas, e 200 escolas de ensino médio. Ou seja, vocês podem perceber que há uma queda
brusca em relação às escola de 1ª à 4ª série, e mais uma queda nas escola de 5ª à 8ª para o ensino médio. E
universidade, ainda não temos, mas temos parceria, com em torno de 50 universidades. Quando vamos
discutir com uma universidade um curso que atenderia pessoas que dão aula nos assentamentos e
acampamentos, a gente vai discutir qual o curso que iremos querer. Mas a maior discussão nisso tudo é
quando a universidade diz que dá o curso para nós, e nós dizemos que queremos discutir o que se deve dar
nesse curso, também. Queremos ver e conceber, entender. Pois, quem irá coordenar isso pelo Movimento
quer saber como está iniciando e aonde se quer chegar. Essa a maior questão, pois eles nos questionam
quem são vocês para dizer o que querem. Nós não estamos querendo discutir a questão do conteúdo,
somente. Queremos nos apropriar desse instrumento. Indagamo-nos muito no sentido de, ao invés de nos
questionarem por querer participar, deviam se perguntar por que mais pessoas não participam? Sempre
nos questionam por querer participar, querer se apropriar dos instrumentos, e é a grande questão. O MST
sempre quer ter uma educação diferente? Nós não queremos uma educação diferente. Nós queremos uma
educação que tenha qualidade, sim. Porque quando vão colocar escolas nos assentamentos ou oferecer
um curso na universidade ou vão se apropriar dos nossos materiais, as pessoas pensam assim: estamos
dando para desencargo de consciência, muitas das vezes dizem que possuem tantas escolas nos
municípios, mas não têm um vídeo, um computador, etc. Então dizemos que queremos isso também, mas
também queremos uma escola de qualidade. A questão, também, que mais nos interrogam é quando a
gente faz uma luta para que a gente possa garantir uma escola no local.
Muitas das vezes, isso não é generalizado, mas temos várias experiências nesse sentido, que o Poder
municipal vai para dentro do assentamento e para o acampamento discutir com os pais, com a comunidade
dizendo assim: Vocês não querem uma escola com mais qualidade de ensino? Então nós temos que dar o
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ônibus para levar as crianças lá para a cidade porque lá terão computador, quadra de esportes, cinema.
Quando a localidade está bem organizada ela responde que quer sim tudo isso, mas quer isso aqui no
campo porque o campo não é somente o espaço para produzir, é um espaço de direito, um espaço onde se
tem teatro, cinema, laboratório, quadra de esportes.
Tudo isso são contradições que vão ocorrendo dentro do processo que achei interessante estar
socializando, porque às vezes achamos que a democracia só basta no sentido de oferecer. Mas, se você não
constrói junto com a comunidade, não faz com que isso seja concebido no processo em conjunto, as
conseqüências também serão individualizadas. Quem vai bater, vai bater com mais força. Acho que, para
socializarmos, seriam essas as questões. Muito obrigada pela oportunidade.
Adelino: Gostaria de agradecer a contribuição trazida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
Terra que possuem como razão de seu movimento a terra, mas vêem a educação como um aspecto
estratégico. Coloca com muita clareza que entre as cercas que existem está a inacessibilidade à educação.
Não é apenas a escola, mas o tipo de educação que se quer, se quer discutir que qualidade é essa de
educação. E quando se fala em participação não é apenas discursar, mas é vivenciar, ou seja, colocar isso
em prática e que todo o processo do Movimento, já é um processo participativo, à medida em que se
participa dos coletivos, que assumem decisões em coletivo e também a repartição dos resultados do
coletivo. Certamente, essa lógica, que entra em diálogo com outras esferas, no caso a organização da
educação governamental, é uma lógica que precisa ter uma possibilidade de interlocução. É preciso que
haja o entendimento, que, quem vem com essa lógica precisaria também ter o acesso de estar trocando
essa lógica. Por isso reclama que o tipo de interlocução, seja de outra qualidade, para que haja um espaço
para que se pronunciem descortinando, no concreto, o que seria a diferença de qualidade padrão, que
todo mundo se encaixa e todo mundo tem que se satisfazer. Coloca, com muita clareza, que esta escola
atenta a esta especificidade, essa singularidade, não quer dizer que ela não seja pública. É uma escola
pública, mas que deve atender a essa identidade.
Acho que é esse o recado que o MST está trazendo para nós, aqui na questão democrática de gestão
participativa. Vamos então, seguindo a seqüência para a professora Juçara Maria Dutra do CNTE para
fazer sua exposição.
Juçara Maria Dutra: Gostaria de cumprimentar o Arlindo que está coordenando não só esta mesa, como
também este Seminário, cumprimentar o Cândido, a Cristina, o Hugo e todos os participantes do Seminário.
Representando a CNTE, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, evidentemente temos
uma fala muito tendenciosa. Acho até que legitimamente tendenciosa. Queremos evitar extrapolar esses
limites da visão tendenciosa de quem articula o movimento dos trabalhadores públicos da educação, da
educação básica, especialmente as redes estaduais, mas também redes municipais.
Organizei a minha fala tentando responder a quatro questões. A primeira questão: Por que gestão
democrática? Acho que a introdução, muito bem feita pelo Cândido, também responde. Gestão
democrática está estreitamente relacionada à idéia de cidadania. Evidentemente, um conceito amplo de
cidadania traduzido na apropriação e no domínio de condições materiais e culturais da vida em sociedade.
E esse exercício, no sistema capitalista, requer a presença do Estado para assegurar universalmente o
acesso a bens inatingíveis para grandes parcelas da população
A segunda coincidência que tenho com a fala do Cândido é de que, sendo a educação um bem de natureza
pública, evidentemente que a gestão democrática está intrinsecamente vinculada à idéia da cida-
dania e do direito. Porque o direito não é uma transferência, o direito é uma vivência e essa vivência só se
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concretiza com a participação ativa de todos os envolvidos. Dessa forma, nós entendemos a democracia
como um pressuposto que se materializa em instrumentos e mecanismos vinculados a processos
compatíveis com esse pressuposto, porque às vezes nós começamos o debate a partir dos instrumentos e
dos mecanismos. Acho que temos que começar os debates a partir do pressuposto que, depois, se
materializa nesses instrumentos e nos processos de gestão.
Na história recente do País nós tivemos dois grandes momentos para fazer esse debate envolvendo a
sociedade brasileira. Quando digo sociedade brasileira, digo setores organizados da sociedade. Foi no
final dos anos 80 com a elaboração da Constituinte e daquele primeiro projeto de LDB, e nos anos 90, com a
elaboração do Plano Nacional de Educação.
No contexto da Constituinte, nós tínhamos de um lado a pressão popular dos setores mais progressistas da
sociedade e de outro lado os setores conservadores que têm necessidade, de quando em quando, entre
aspas, se modernizarem e se atualizarem. São setores que acabam assumindo também esse discurso pela
necessidade de estarem se revitalizando, ainda que seja para que as suas práticas conservadoras
continuem, mas com outra forma.
Tivemos um espaço de debate onde foi possível ter uma certa interlocução, no processo da Constituinte, da
LDB e depois do Plano Nacional de Educação. Da LDB, nós incorporamos algumas questões muito
fragmentadas e do Plano Nacional de Educação, discutido pela sociedade brasileira, nós fizemos uma
disputa no Congresso Nacional e perdemos evidentemente. Nosso plano não foi o plano examinado pelos
congressistas ainda que tenha ingressado no Congresso em tempo hábil, no tempo legalmente previsto.
Ele foi substituído pelo projeto do governo. E o projeto do governo também se transformou em uma carta
de intenções porque todas as questões relacionadas ao financiamento da educação, que é a
concretização, digamos assim, das políticas através do financiamento foram vetadas. Nós achamos que
nesse momento nós temos a condição de retomar o debate nacional em outro patamar. Seja pelo fato de
que temos que superar pelo menos duas décadas de políticas neoliberais e seja pelo fato de que há um
deslocamento do debate sobre educação para sua comercialização. Hoje se discute educação na
Organização Mundial do Comércio. Claro que se discute educação na UNESCO, evidentemente. Mas não
com a mesma força como se discute na Organização Mundial do Comércio. Aqui no Brasil e na Argentina (o
Hugo também pode relatar) obtivemos, dos governos, dos respectivos ministros, na época do Ministro
Tarso Genro, um compromisso de não incluir a educação nos tratados comerciais de serviço. Ainda que o
problema fundamental seja a própria natureza dos tratados. Mas, enfim, devemos chamar a atenção para
que a educação não esteja entre os itens a serem comercializados e normalmente importados pelos Países
periféricos e dependentes. E que não seremos nós a exportar educação, no caso da comercialização.
Então, até para vencer esses dois desafios, nós precisamos recolocar a questão em um outro patamar. Nós
recolocamos o debate a partir de dois conceitos, também fundamentais, que são conceitos de direito.
Estava observando a película de alguns anos atrás que tratava a educação como um direito de todos. Nós
queremos eliminar a palavra privilégio, pois todos têm esse direito. E é a noção de serviço público que
também começa a ser deturpada.
Já temos idéia de que com o público não é bem isso. Tem uma idéia muito flexível de público, e nós achamos
que é mediado pela ação do Estado para ter essa garantia universal. A segunda pergunta que eu abordo
aqui no texto é onde situar o debate na perspectiva do direito, do papel do Estado, da idéia de cidadania, da
idéia de apropriação dos bens produzidos pela humanidade.
Acho que uma das falas aponta para isso. A grande distorção, o grande paradoxo que nós vivemos, é o fato
de que temos todas as condições técnicas e tecnológicas e materiais para a inclusão e temos um processo
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cada vez mais ampliado de exclusão. Diferentemente da época, talvez do Cândido, mas na nossa faixa
etária. Por exemplo, conheci a luz elétrica, já menininha. Isso significa que as condições não estavam
dadas, condições técnicas. Mas milhões de pessoas não têm acesso à luz elétrica. Então acho que esse é um
debate oportuno de se fazer.
Eu também gostaria de situar o debate na perspectiva da organização sistêmica da educação brasileira.
Um dos primeiros aspectos que gostaria de abordar é que o Brasil fez uma opção pela educação
escolarizada, muito inspirado na opção americana que teve condições de colonização diferenciada da
brasileira. Para a sociedade americana, a escola comunitária, da construção de um novo País por parte de
suas elites, tinha uma fundamentação. Para a realidade brasileira essa descentralização tem outra
fundamentação. Nós poderíamos, por exemplo, ter optado por um sistema centralizado de educação
básica. Nós temos a descentralização, a responsabilidade dos municípios para com a educação infantil e
fundamental e os estados com a fundamental e médio e suas modalidades.
A descentralização em si mesma pode não ser um problema. Agora, à descentralização devem
corresponder políticas em um País tão grande como o Brasil onde temos mais de 2 mil municípios que
sobrevivem de repasses federais, que não têm arrecadação própria e que têm que atender crianças de 0 a 6
anos, por exemplo, a maior parte delas fora das escolas e inclusive de outras formas de atendimento.
A descentralização, acho que é um aspecto importante dentro do pacto federativo. Que respostas nós
temos que encontrar para isso. Isso também implica uma segunda reflexão que é a noção de sistema. Acho
que para nós é essencial nós construirmos mecanismos, instrumentos e processos com vistas a um sistema
que realmente dê conta. Nos últimos meses ouvimos falar que é a condição republicana que todos nós
estamos reivindicando. De tempo em tempos nós vamos assimilando alguns conceitos.
Precisamos construir melhor uma idéia de sistema a fim de garantir igualmente o direito à educação, seja
para quem está em uma escola do assentamento ou uma escola no interior do Amazonas ou na capital de
São Paulo. O sistema é fundamental. Nós tínhamos instrumentos e mecanismos propostos. Um deles era a
criação de um Fórum Nacional de Educação que teria a condição de estabelecer políticas, debates, de
periodicamente avaliar, inclusive as prioridades nacionais. E esse fórum não desautorizaria o Conselho
Nacional de Educação, que tem uma responsabilidade normativa em relação ao sistema. Seria uma
participação muito mais direta da sociedade, coexistindo com outros instrumentos que o estado necessita
para oferecer a educação pública. Não logramos isto. Não logramos concretizar o Fórum Nacional de
Educação que foi retirado daquele projeto de LDB. Seria essencial nós termos conseguido esse espaço que
também se refletiria nos estados e nos municípios.
Na legislação ficamos com algumas estruturas como conselhos estaduais e municipais de educação,
conselhos escolares, processo seletivo para dirigentes escolares, conquistados mais pela luta do que pela
legislação, projetos político-pedagógicos. Tudo isso deveria ter uma amarração nacional. Temos alguns
mecanismos, alguns instrumentos previstos, mas precisaríamos encontrar nexos em um País tão grande e
tão diverso como é o Brasil.
E mesmo fora da legislação nós deveríamos ter espaços e, aqui, nós queríamos fazer uma cobrança ao
Ministério da Educação. Aqui a campanha está presente. Quase todos os grandes temas de interesse do
País foram objeto de conferências nacionais da saúde, da habitação, etc. Nós só não tivemos a Conferência
Nacional de Educação. Ainda é tempo. Talvez este Seminário seja indutor desse espaço que estamos
construindo. Porque, de conferências importantes, já participamos de várias. Ela cria discussões, espaços
de discussões, que vêm do local, a região, o estado confluindo na conferência. O seu produto final não é o
produto ideal, o que interessa é o que foi construído durante o processo. Muitas vezes é isso que fica como
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acúmulo para os sujeitos que participam desse processo.
A terceira questão que coloco aqui no debate, no texto, é qual o alcance da gestão democrática. Reflito que
se a democracia é um pressuposto para qualidade da educação pública, todas as estruturas, processos,
mecanismos devem constituir-se por meio e buscando sempre esse valor. Mesmo sem o aperfeiçoamento
das leis, que nós também queremos, vivemos um contexto em que nós precisamos recuperar leis. Incrível!
Há um tempo atrás dizíamos que o movimento tem força e não precisa da lei. Agora, as coisas estão tão
precarizadas que é preciso voltar a ter lei, ter legislação necessária para assegurar os direitos da cidadania.
Nós podemos construir esse espaço e o debate, sem ficar muito no nosso umbigo, mas aqui, na maioria,
somos brasileiros. Nós achamos que foram criados espaços de interlocução entre a sociedade e o governo.
Alguns espaços como um fórum de que participa a Campanha Nacional de Educação foram espaços que se
criaram, mas acabaram mais de ouvidoria do que de realização concreta de políticas. Precisamos fazer com
que esses espaços, de fato, produzam idéias políticas. Evidentemente que, sem caracterizar o papel do
agente público, ao mesmo tempo nós conseguimos criar alguns grupos de trabalho que, de fato, foram
operantes. Nós tivemos o Arlindo, que é um dos entusiastas, de um grupo do Pró-funcionário, Pró-
formação, que resultaram em políticas importantes de alcance numérico pequeno, mas de concepção
essencial para repensarmos, inclusive a função do poder público na profissionalização daqueles que são
responsáveis, em grande parte, pelo processo educacional.
Essas coisas não são nem oito e nem oitenta. Em algumas áreas, e com alguns interlocutores, nós temos
uma capacidade maior de interação. Com outras, não. Como também nas disputas que fazemos
relacionadas com os governos, não existem governos homogêneos. Sempre tem as suas diferenciações
ainda que com linhas políticas marcadas. Estou falando em âmbito nacional.
Nos estados e nos municípios há muitas experiências. Em geral, o nosso acompanhamento, nossa vivência
dizem que temos um longo caminho a percorrer. Por exemplo, temos conselhos de educação, poucos ainda
com a constituição igualitária. Poucos conselhos municipais de educação. A elaboração dos planos
municipais de educação tem sido muito mais burocrática do que participativa. Uma grande dificuldade
que os nossos companheiros têm encontrado.
Temos que conseguir fazer com que esses planos sejam, de fato, participativos e não burocráticos. Os
vários conselhos de representação social que nós temos FUNDEF, MERENDA, etc, têm muitas insuficiências
técnicas e muitas dificuldades políticas.
Às vezes temos uma representação da sociedade que não consegue incidir sobre aquela política e às vezes
nem exercer o seu papel fiscalizador.
Por outro lado, nós também temos freqüentes ataques à organização dos trabalhadores nas questões
sindicais e individualmente nas questões funcionais, que são agentes importantes nesse processo.
Tivemos um período mais democrático no País, mas também percebemos que há um grande refluxo em
muitos locais, nesse sentido de que a participação que não é demonizada, como o MST, mas também nós
sentimos grande dificuldade e retrocesso em muitos locais. Tanto que na comunidade escolar, com raras
exceções, é uma participação passiva, se é que esse conceito possa existir, pois a participação não pode ser
passiva. Há, inclusive, campanhas que subvertem o conceito de participação como a tal campanha
Amigos da Escola. Costumo dizer que amigo da escola é quem paga imposto, quem não sonega imposto
para a educação. Não aquele que vai estar no lugar de um profissional qualificado, que os alunos merecem.
Por que a pouca participação? Um dos problemas é que a comunidade escolar, às vezes não tem função na
chamada gestão democrática, seja pela não legitimação das vozes, como falava aqui a Cristina, pois a voz
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do aluno,do pai, não está legitimada, enquanto nós não tivermos processos que possibilitem ouvi-los.
Porque, se nós formos tratar de currículo de forma tecnicista nós já estamos dizendo que nessa escola
cinco pessoas vão falar sobre o assunto. Agora, se nós quisermos falar do projeto político-pedagógico
com a comunidade, perguntando, por exemplo, o que um pai espera do acúmulo do seu filho ao final da 8ª
série, ou ao final do 3º ano da educação média, certamente ele saberá dizer o que ele espera. Mas nós não
construímos isso. Temos um problema sério nas nossas escolas que é um problema de comunicação. Temos
uma capilaridade imensa, temos toda didática e metodologia à nossa disposição e temos uma grande
dificuldade de sermos, na escola, o fator de congregação e de irradiação da cultura, da informação, da
vida, dos problemas do seu meio.
A quem cabe lutar pela gestão democrática? Claro que nós que estamos envolvidos, os trabalhadores de
educação, os pais, estudantes, a comunidade escolar.
Agora, a gestão democrática é do interesse da sociedade e os gestores e agentes têm muita
responsabilidade nesse processo de promover, realmente, a democratização da educação, como uma
forma de atingir graus crescentes de democratização da própria sociedade. Por isso, o debate não pode
ficar circunscrito a nós, às eleições dos dirigentes. Tem que se ampliar esse debate para que a educação seja
um assunto tão interessante quanto os outros que a gente fala nos intervalos. A derrota de ontem, um
assunto interessante, futebol, a educação também deveria ser tão interessante para podermos falar em
qualquer lugar, no bar. Mas nós não tratamos a educação nesse patamar inclusive. A comunidade de um
bairro enxerga e se organiza com mais rapidez para reivindicar que se urbanize a rua ou se coloque luz no
poste, do que exigir um direito fundamental que é ter uma escola de qualidade. Isso porque as urgências
acabam se sobrepondo a esse direito fundamental. A sociedade tem muito clara a idéia de escola pública. E
é por isso que nem dez anos de políticas neoliberais conseguiram acabar com as escolas públicas.
Privatizaram muito, mas por dentro. Privatizaram recursos que deixam de ir para a educação pública. A
sociedade vê a escola pública como um valor. Infelizmente, ainda com um conceito de que a escola pública
é uma responsabilidade do Estado, mas não como um direito. Tem um conceito forte, mas não
internalizado ainda tão fortemente como o conceito à educação de qualidade, não como uma concessão,
mas como um direito.
A quarta questão que coloquei no texto é a gestão democrática para projeto de educação e sociedade.
O Brasil, no século XXI, no terceiro milênio, tem milhões de analfabetos. Na fita fala em 20 milhões.
Podemos usar a mesma cifra e dizer como aumentou a população, então, podemos dizer que,
proporcionalmente, o analfabetismo diminuiu.
O que se agravou foi o seguinte. Temos analfabetos numa população urbanizada 80% da população está
nas cidades. Falta de escola, de condição, não é razão, não é argumento. E também não é argumento dizer
que é muito caro atender aos 20% que não estão na zona urbana. O analfabetismo, hoje, é um fenômeno
muito mais grave, é um anacronismo porque estão dadas as condições técnicas de superação. A maior
parte das pessoas não precisa mais andar 20 km para chegar até a escola, ainda que em algumas regiões do
País seja preciso andar de barco, etc. Mas tem solução técnica para isso.
O analfabetismo é uma demonstração de que não é esse tipo de sociedade que a gente quer, convivendo
com o analfabetismo.
Agora não se trata mais de percentuais. Há alguns anos atrás era até legítimo pensar em diminuir o ana-
lfabetismo. Hoje tem que ter radicalidade. Hoje, o analfabetismo é incompatível com as possibilidades
técnicas de inclusão.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
160
Nós temos a grande maioria das crianças de 0 a 6 anos sem acesso à educação infantil. A educação infantil
é um direito. A criança, que tem condição de ter a educação infantil, tem um aproveitamento muito melhor
na educação fundamental. Isso é uma coisa óbvia. Mas, também, a educação infantil, transver-
salmente responde a uma situação que é a situação da classe trabalhadora brasileira. Não podemos
menosprezar a necessidade que têm as mães e pais trabalhadores de sair de casa e deixar a criança em um
lugar adequado, que é o ambiente escolar. Jovens de 15 a 17 anos que deveriam estar cursando a educação
média estão na educação fundamental.
A educação técnico-profissional neste País está em fase de construção. Absurdamente, começar de novo.
As universidades públicas dão conta de 30% das matrículas, os outros 70% estão nas universidades
privadas. O nosso percentual de inclusão da população de jovens na universidade está abaixo de todos os
percentuais dos Países da região, sabendo que a situação deles não é das melhores.
Os governos têm dito que a educação fundamental está universalizada, praticamente, 97%. Com dois
problemas. O primeiro é que não é na faixa etária correspondente. As crianças não ficam 8 anos (agora
são 9) na educação fundamental; permanecem 12 anos, quando conseguem. O segundo problema é
que as mesmas estatísticas dizem que há crianças na quarta série que não sabem ler. Essa é uma das for-
mas mais dramáticas de exclusão, que é excluir dentro da escola. Estar na escola e não aprender a ler
é a mesma coisa que ir para o hospital e ficar no corredor e não ter acesso à assistência à saúde que você foi
buscar lá no hospital.
Essa não é a sociedade que nós queremos. Temos que superar isso.
O nosso coordenador aí vai nos mostrar o papel com os tempos, então vou para os finalmente.
Os desafios para reverter esse quadro. Financiamento da educação, elevação do PIB, deixar de desvin-
cular recursos para tirar recursos para a educação. Tratar da dívida como dívida para a educação e
não para promover superávit primário. Agora foi aprovado o FUNDEB, que é um mecanismo
de redistribuição, imperfeito e limitado, mas que pode ter impacto sobre a qualidade da educação.
Valorizar os profissionais da educação. Às vezes eu nem uso essa terminologia porque parece uma
concessão. Apenas reconhecer que os profissionais de educação, para exercerem bem a sua função
e responder aos interesses da sociedade têm que ter salário, carreira, jornada, condições de trabalho e
não serem trabalhadores itinerantes que não conhecem nem sua comunidade escolar e nem seus alunos,
pela simples necessidade de sobreviver.
Um País que ainda tem que fazer um esforço de chamar aposentados para darem aula de química,
física, biologia e matemática porque não há mais pessoas habilitadas. O País tem que repensar a organ-
ização da sua escola. Esses profissionais não estão disponíveis, precisam sobreviver e o mercado
oferece outras opções.
Nós estamos discutindo, agora, no FUNDEB o Piso Salarial Profissional Nacional e um projeto de diretrizes
nacionais de carreira como direito a corporação e direito à sociedade de ter um corpo técnico qualificado
estável para não ficar à mercê das simpatias ou antipatias. Não vou citar, não dá mais para desenvolver o
papel da universidade pública, a necessidade de se democratizar a universidade. As cotas são um alento,
mas não resolvem, a universidade tem que inverter a lógica, tem que ser mais pública do que privada. A
educação básica como um direito de todos. A educação profissional, como garantia ao acesso ao mundo
do trabalho, a ampliação da educação superior são importantes para, juntamente com outras políticas de
cuidado social e econômico, sustentar um projeto democrático soberano do País.
Por último, vou deixar à disposição os nossos materiais sobre a 7ª Semana Nacional em Defesa e Promoção
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
161
da Educação que estamos realizando, que fazemos em todos os meses de abril. Ontem fizemos uma
ocupação no Congresso Nacional até conseguimos sair na Rede Globo. Saímos de camisa verde. Pensaram
que éramos integralistas. Ontem noticiaram. Nós fizemos um dia de vigília no Congresso porque também
quero assumir esse desafio que o Ângelo traz. Nós precisamos estar vigilantes. A democracia exige uma
vigilância permanente sobre os nossos governantes, sobre as esferas de poder e até sobre os nossos
processos internos. Precisamos, também, desenvolver o nosso mecanismo de autocrítica.
Passei alguns minutos do tempo. Agradeço pela oportunidade. Quero cumprimentar pelo Seminário que,
quem sabe, talvez, possa ser o motivo inicial para termos uma Conferência Nacional de Educação.
Arlindo Queiroz, Mestre de Cerimônias: Gostaria de agradecer à professora Juçara, pela belíssima
contribuição que está trazendo.
Vocês vejam a importância que tem, na discussão da gestão democrática, de ter a participação dos
trabalhadores de educação, sejam professores, funcionários de escolas, especialistas. Isso qualifica o
debate e nos permite ter mais clareza em relação à compreensão desse conceito. A professora Juçara
chama a atenção para a discussão a partir dos pressupostos, onde situa a questão de a democracia estar
relacionada à cidadania, que inclui as condições materiais e culturais, e ao papel de assegurar esses
direitos à cidadania.
Chamo a atenção para isso, mostrando que, no momento atual, a educação entra na rota da discussão da
associação, dos interesses diversos, muitas vezes vinculados ao mercado, e não da discussão da coisa
pública. Isso também nos chama a atenção para uma vigilância com relação a esse aspecto. Analisa a
questão da descentralização. Deve viabilizar direitos. Assim como os sistemas de ensino, organizando-os
na mesma perspectiva.
O espaço da pactuação entre governo e sociedade civil foi objeto de luta e se perdeu o foco na legislação.
Chama a atenção para a luta pela Conferência Nacional da Educação. Está ali, Denise Carrero que é uma
baluarte dessa liderança, desse movimento. Que o momento deste Seminário sirva como inspiração para
que a gente realize, ainda este ano, essa conferência. Acho que pode sair daqui a indicação da necessidade
urgente de instalarmos a Conferência Nacional da Educação.
Acentuo, aqui, nossa condição, por um lado vigilantes. Por outro, a lei, que vem assegurar direitos, coloca
a necessidade, em vários âmbitos do governo, de um espaço maior do movimento social e dos
trabalhadores da educação.
Os espaços se colocam quase na condição de ouvidoria. Em alguns casos a interlocução se dá com mais
facilidade, mas é uma necessidade de repensar essa interlocução com os movimentos sociais, de forma
mais efetiva. Os conselhos nem sempre são paritários. É preciso que a Organização dos Trabalhadores em
Educação esteja presente como uma voz que qualifica o debate. É preciso que a gente entenda que a
Organização dos Trabalhadores em Educação está na direção da promoção da qualidade da educação e da
igualdade e não os tome como adversários nessa luta. Chamo a atenção para a responsabilidade dos
agentes públicos com a gestão democrática. Pautar isso como um dado importante. Falo entre outras
coisas sobre a questão do analfabetismo, dizendo que temos todas as qualidades técnicas para superar
esse fenômeno, quer seja fora da escola, quer seja dentro da escola.
INTERVALO
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
162
Mestre de Cerimônias: Vou pedir aos participantes que voltem aos seus lugares e gostaria também de
pedir aos painelistas que tomem assento aqui também, nos lugares da mesa. Eu gostaria de agregar à mesa
já naquela perspectiva que eu coloquei de incluir mais duas noticias pelo menos dos dois programas e das
duas experiências que estão sendo desenvolvidas. Uma, aqui no Brasil, outra no México, que trata da
educação e desenvolvimento local. Eu pediria ao Joaquim Neto, do Banco de Palmas, e a Rocio Lombera que
sente aqui conosco na mesa. Após a fala de Hugo Yask uma notícia sobre a experiência. A experiência será
relatada na oficina, aqui um flashsobre o que eles estão desenvolvendo.
Vamos então dar continuidade à nossa mesa, agora com Hugo Yask, Secretário Geral do Ctera, Argentina.
Hugo Yask, Secretário Geral do Ctera, Argentina: Bom dia, companheiros e companheiras. Em
primeiro lugar, gostaria de começar agradecendo o convite dos colegas organizadores deste encontro.
Agradecendo também pela hospitalidade dos nossos companheiros da CNTE, com quem estivemos
compartilhando ontem um fato muito importante. No marco que a Juçara colocava anteriormente, a luta
pelo retorno de vinte anos de ofensa do neoliberalismo, vinte anos de destruição sistemática da escola
pública, vinte anos nos quais construímos uma relação de sindicato do CONE SUL com outros sindicatos da
América Latina, em que fomos aprendendo com nossas experiências nacionais e o contexto de resistência
em que acontecia no final dos anos 80, quando começamos a caminhar junto dos colegas brasileiros,
chilenos, uruguaios e também de outros países da América Latina.
Este caminho de resistência, como a Juçara falava, o meu olhar também é um olhar um pouco tendencioso.
Tal como acreditamos que não existe conhecimento neutro, tal como acreditamos que não existe a
educação como um bem social impregnada de neutralidade, da mesma forma entendemos como
militantes que somos em defesa dos trabalhadores e trabalhadores da educação e como militantes da luta
pela educação pública, que isso supõe um compromisso prático, um compromisso que se refere à
construção cotidiana.
Em primeiro lugar, três planos de uma ação que, de qualquer modo, se desenvolve de forma simultânea.
Mas, se pararmos para tentar fazer uma análise, na prática fazem parte, muitas vezes, de uma mesma
história. Em primeiro lugar para conseguir que a educação pública se converta em um direito social, sem
exclusões, acho que vivemos em um processo de amadurecimento político, com os trabalhadores e
trabalhadoras da educação. Um amadurecimento no âmbito da proposta das nossas organizações
sindicais há trinta anos atrás. Se lermos nos documentos históricos da década de 70, da década de 60,
vamos perceber que havia uma grande presença, naquela época, de um elemento corporativo na disputa
dos educadores por meio dos seus sindicatos. Houve um processo de amadurecimento público nos últimos
anos, que nos levou a gerar, a partir das organizações sindicais, movimentos que focalizam sua ação na
disputa pelo sentido da escola pública. Hoje vi um exemplo muito claro dado por um dos palestrantes,
quando falava que é possível existir escola pública que não seja uma escola de conteúdo popular e
democrático. Podem existir escolas públicas que tentam formar para o mercado, pode existir uma escola
pública que forma alunos para as novas condições de relacionamento social que temos hoje na nossa
sociedade e que não necessariamente tenha um conteúdo popular e democrático. Acho que é um campo
de disputa muito importante para as organizações sindicais. Um campo de disputa que na verdade tenta
definir, a partir de uma prática dos trabalhadores da educação na sala de aula, em um grupo escolar e no
coletivo mais amplo que é a organização social. O sindicato tem um compromisso social com a educação
por meio de um compromisso concreto com o seu povo, ou seja, não acreditamos naquilo que não formou
aquela imagem de que nós, educadores e educadoras, somos uma espécie de sacerdotes ou apóstolos que
temos que conservar uma espécie de pureza química e que nós não podemos nos contaminar com a
realidade. Que, além disso, temos que entender que o conhecimento é dado nesse tempo que é a escola e as
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
163
crianças que vêm a nós precisam de uma espécie de transmissão ascética dos conhecimentos, para não
influenciar na sua forma de ver a realidade ou de compreender o mundo. Não acreditamos nisso porque,
na verdade, esses apostolados fazem parte dos apostolados dos grupos dominadores que sempre
quiseram que os professores fossem uma figura ascética, que transmitisse de forma pura a ideologia à
cultura, a forma de entender o mundo daqueles que tinham, nesse momento, as ferramentas na mão para
que pudessem atuar.
Acredito que estamos avançando, que estamos caminhando a passos largos, no terreno da disputa para
sentir a educação. Existem movimentos pedagógicos que estão enraizados na prática coletiva das nossas
organizações sindicais. Coisa que estou falando de dez, quinze anos, poderia parecer uma autópsia. Hoje,
temos institutos de pesquisa funcionando nas nossas organizações sindicais, produzindo material teórico
e quebrando essa espécie de mito em que gostariam de nos converter. Em pessoas híbridas, mito segundo
o qual o saber educativo passa por aqueles que têm mestrado e doutorado, preferentemente muito
melhor, se forem a alguma universidade do norte dos Estados Unidos. Não acreditamos que a escola
pública tem dois sujeitos de direito, um o aluno e o outro é o educador, e esse sujeito de direito que é o
educador tem que conquistar a sua condição de sujeito protagonista, da construção das políticas
educacionais. Entendemos que não é possível continuar sendo, de alguma forma, cúmplices com o
silêncio das políticas educacionais, que na época dos anos 90 impunha reformas que eram praticamente
réplicas de um mesmo padrão e, frente os quais, o docente, o educador, era um simples objeto a mais a ser
reformado juntamente com os currículos.
O outro plano da disputa é o plano para eliminar o status da desigualdade. Hoje, isso foi colocado de forma
bastante clara, na intervenção da Juçara. Evidentemente, a ação dos sindicatos tem um movimento para
fora, que é a disputa contra os políticos hegemônicos; tem uma ação que tem como espaço a sociedade no
seu conjunto, uma ação que sistematicamente propõe a disputa cultural como elemento central. Não
podemos perder de vista que lutamos fundamentalmente para tentar ampliar o consenso na idéia de que a
educação pública deve ser um direito efetivo, deve ser um direito que não admite restrições, um direito que
não admite exclusões, um direito que não admite desigualdades, e essa é uma luta eminentemente
cultural. Hoje em dia estamos em uma etapa diferente daquela que vivemos, até a metade da década de 90,
até o final da década de 90. Um governo que tenta quebrar, com alguns modelos, a tradicional
governabilidade proposta em termos de que as políticas são definidas pelo mercado, que as políticas são
definidas a partir das hegemonias propostas no âmbito econômico, governos que tentam quebrar outras
regras que a da subordinação sistemática às políticas do imperalismo yankee, do setor hegemônico
chamado FMI, Banco Mundial, etc. Governo que tenta sair do circulo profundo que marcou todos aqueles
que governaram na América.
Sei que aqui podemos estabelecer contradições, categorias de maior ou menor avanço. Sei que podemos
(e é uma discussão que existe no campo popular) discutir até onde governos da Argentina, Chile, Brasil
representam a ruptura com a lógica do neoliberalismo imperante. Agora, o que não podemos colocar em
discussão é que esses governos representam uma mudança, uma tentativa de construir novos horizontes.
No entanto, uma tentativa de avanço de nossas definições - Brasil, Bolívia, Venezuela, Argentina, Uruguai
e Chile formam uma única região, que tenta começar a construir uma outra história e nesse cenário a
disputa pela educação pública é fundamental. Não achamos que a sociedade muda a partir da escola, mas
estamos convencidos de que não existirá nenhuma mudança sustentável, mudanças que tenham a
possibilidade de chegar a uma mudança real, se não existir uma escola capaz de interpretar a realidade
política e as lutas atuais. Acredito que há uma linha divisória muito clara. Até, praticamente, o final dos
anos 90, centralizavam nossa ação em resistência. Tentávamos organizar a resistência na reforma
educacional na Argentina, no Brasil e no Uruguai. Refiro-me à reforma educacional imposta nos setores da
direita, setores do neoliberalismo. Tentávamos resistir ao avanço das privatizações. Tentávamos resistir à
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
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164
retirada de direitos que tínhamos de forma permanente. Houve épocas de corte salarial, o corte do direito
à licença, à aposentadoria.
Essa perda de direitos era uma política sistemática a partir dessa nova realidade. Satisfazemo-nos dizendo
aquilo que queremos. Não basta que o sindicato dos professores, trabalhadores da educação, diga-nos o
que somos contra porque sabemos de cor tudo que não queremos. Agora, temos obrigação de começar a
propor, o que é mais ou menos o que falamos ontem no Congresso. Começar a propor quais são as políticas
públicas que nós exigimos, que propostas concretas nós propomos para desmoronar vinte anos de política
neoliberalista na educação pública. Acho que é uma etapa que estamos vivendo atualmente. Por isso não é
nenhuma casualidade que se dispute hoje, no Brasil, uma lei de financiamento educacional que é o que
surge da construção coletiva da Federação Nacional de Trabalhadores da Educação. Tanto não é
casualidade que, no ano passado, foi aprovado e colocado em prática a partir desse ano, um novo modelo
de financiamento educacional na Argentina, com base em uma lei pela qual lutamos por dez anos.
A minha organização, a CTERA é que permitiu, pela primeira vez na história do meu País, um piso salarial
nacional, financiado pelo Estado nacional e que seria aqui o Estado federal mandando fundos para os
estados. Porque na Argentina, tal como no Brasil, se aceitava como uma coisa natural que os estados mais
pobres recebessem menos. Tivessem mais pobres com salários menores, com alunos mais pobres e com um
produto educacional também mais pobre, diferenciado daqueles que poderiam existir em outros Estados.
Esse neoliberalismo tentou naturalizar tal como tenta naturalizar a pobreza, da mesma forma que tenta
naturalizar o analfabetismo. Isso eles falam que é inerente à condição humana. Sempre existirão os que
ganham e os que perdem. Sempre existiram ricos e pobres. Acredito que a função da escola é de
desmistificar essa suposta naturalização da desiguldade. A tarefa da escola é tornar insuportável a
desigualdade, é tornar insuportável o salário de miséria de qualquer trabalhador incluindo o docente.
Tornar intolerável a falta de liberdade. Essa é a função da escola e esta é a disputa que vamos levar adiante. É
claro que existe uma disputa no terreno coletivo, que é a sociedade, e quando a CNTE ou quando a CTERA
propõe um projeto de modelo de financiamento, é porque sabemos que a melhor idéia, sem recursos, se
converte em abstrações. Ontem, o prefeito que falou, disse: vamos falar em educação, estamos no século
do conhecimento, não podemos pensar num mundo, num País sem investimento em educação. Hoje esse
discurso é repetido por todos os progressistas, os da direita, os conservadores, todo mundo fala isso, todos
repetem esse mesmo discurso.
Os políticos em algum momento da sua campanha vão apelar para esse tipo de discurso. Agora, temos que
construir políticas públicas para que as palavras se convertam em realidades. Uma delas é a lei de
financiamento. Precisamos , além disso, de novas leis educacionais. Temos que acabar com as ofensas, que
são as leis de educação que provêm do neoliberalismo. Na Argentina, atualmente, estamos empenhados
em conseguir que este ano seja sancionada uma lei nacional de educação que permita acabar com aquela
que foi editada em 1992, durante o governo Menem. Temos que aproveitar esses tempos políticos, para
tentar erradicar toda espécie de praga. Tudo que o neoliberalismo construiu para tentar limitar o acesso à
educação, convertendo as escolas públicas em uma espécie de reservatório do assistencialismo. O
neoliberalismo colocava trinta, quarenta anos, para alcançar uma inclusão disciplinada. A partir dos anos
noventa começaram a transformar a escola em fábrica de mão-de-obra barata, de desocupados, para
promover uma idéia de uma exclusão disciplinada. Eles atuaram intensamente na escola. No meu País
existe um termo que eu não sei se existe aqui no Brasil. É clientelismo político. É a mesma palavra,
clientelismo político. Muitas escolas se converteram no foco da irradiação da ação do clientelismo político.
Muitos grupos políticos invadiram o espaço da escola para tentar utilizá-lo como plataforma de ação.
Tentaram nos convencer de que nós tínhamos que puxar o saco dos pobres. Para eles não tínhamos que
propor modificação em suas biografias; estas biografias que já estão reservadas em alguma rua sem nome,
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165
onde podem acabar prematuramente a sua vida, ou essa biografia que já existe antecipadamente, de ser
carne de canhão do cabo político, que ele vai dar o que quiser, porque essa é realidade que vivemos.
Hoje, precisamos recuperar o espaço da escola como espaço de construção de conhecimento, mas
conhecimento com vontade de mudança da sociedade, não qualquer conhecimento. Não podemos aceitar
que se possa trabalhar com conhecimento em algumas escolas de classe média e não nas escolas da
periferia. Temos que lutar contra a idéia de muitos docentes. Porque, também temos que dizer que muitos
educadores vão trabalhar nas periferias das zonas pobres, porque lá terão menos exigências. Mas mandam
seus filhos para escolas privadas. Temos que considerar isso e colocar em discussão, porque acredito que
nesse olhar critico para nós mesmos, para nossas práticas, que muitas vezes estão superadas no ato de boa
vontade. Muitas vezes existem professores que falam: eu, aqui com essas crianças, o que posso fazer por
elas? O que vou exigir dessas crianças? Por que vou agregar um problema a mais a todos? Se aqui, não
podemos construir conhecimento, se aqui é impossível mudar a realidade? Acho que essa forma de pensar
que muitas vezes se inspira num bom sentimento, tem que ser questionada. Havia teorias em voga há um
tempo atrás que falavam que as crianças, quando não têm proteínas até uma certa idade da sua vida, têm
um dano cerebral irreversível, que não poderá mais ser tratado. Isso que, aparentemente, era uma teoria
progressista, de denúncia, acabou sendo transformada, em uma espécie de teoria racista discriminadora.
Porque se a criança tem problema - podemos acreditar que não comeu suficiente proteína - temos que lutar
contra esse tipo de concepção, porque se realmente esse caminho de mudança está sendo iniciado em
nossos Países, se é isso realmente que estamos tentando construir, é que não sabemos. É muito difícil
imaginar o que vem depois do neoliberalismo, o que virá depois desses processos brutais de exclusão
social, o que virá depois da fome de milhões e milhões de latino-americanos. Temos que criticar os políticos
neoliberais, mas também muitas das políticas que acreditávamos, em determinado momento, corretas
para nós mesmos, ou às vezes políticas com as quais convivemos naturalmente. É muito difícil para aqueles
delegados de escolas, representantes, é muito difícil que nos escutem no recreio para explicar o que é a lei
de financiamento, o que é o FUNDEB. Imagino reunir e agrupar cinco ou dez professores para falar algum
tema concreto. Às vezes pensamos que podemos continuar como está, mas temos que propor esse tipo de
tarefa e acho que isso requer articulação social e nos coloca duas questões.
Primeiro, as nossas próprias organizações sindicais começam a se converter em movimentos sociais, elas
próprias. Porque não podemos construir um movimento em defesa da escola pública, se não se constrói
uma base de articulação. E não podemos nos articular se não colocamos limites à ação corporativa, se o
sindicato dos professores, se a única coisa que faz é reclamar do aumento de salário. Damos de bandeja aos
setores de direita a equação da luta de pobres contra pobres. Em meu País, muitas vezes, quando existe
uma greve de professores, a nossa Rede Globo da Argentina liga e fala: Sr. Chávez, outra vez os professores
estão deixando as crianças pobres sem escola. Porque ele chega e fala: o meu filho está em uma escola
particular e vai ter aula, mas o filho do funcionário, do peão, não terá aula porque ele está querendo
aumento de salário. E não estou falando com isso que temos que deixar a luta, de lado, pelo aumento de
salário. Porque a disputa pela riqueza vai alinhada com a disputa pelo conhecimento. Mas, o que estou
falando é que nós, conscientemente, temos que colocar limite em nossos anseios corporativistas porque
não vamos salvar o professor se não salvarmos uma escola pública. Porque não faria nenhum sentido ter
professores que vão à escola de ultimo modelo, com um aluno que está morrendo de fome. Porque se
chegarmos a esse ponto, estaremos traindo as nossas próprias convicções. Então, precisamos que os
avanços contenham as demandas justas, que representamos, e que possam ser incorporadas aos setores
excluídos na disputa pelo direito à educação. Para terminar, porque acho que não tenho mais tempo,
gostaria somente de ler um trecho curto de Galeano, porque acredito que todos compartilhamos as
mesmas incertezas, as mesmas convicções e Eduardo Galeano fala: Ainda que não possamos adivinhar o
tempo vindouro, sim, teremos pelo menos o direito de imaginar o que queremos que aconteça. Obrigado.
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Mestre de Cerimônias: Como eu falei para vocês, teríamos as duas contribuições ao final (e eu preferi,
fazer sem consultar), ou seja, ao invés de encerrar a mesa sem os debates, a gente acrescentaria os dois
depoimentos. Então, poderíamos ter o espaço para algumas perguntas, para alguns comentários e para
toda a mesa.
Eles vão resumir. Todos tinham vinte minutos, mas passaram para trinta. Cada um tem cinco minutos para
dar um aperitivo do que vão fazer hoje à tarde. Vamos começar já que o Hugo colocou muito bem a questão
de que a escola é um espaço, onde os embates, as forças, as desigualdades e discriminação são
combatidas. Vamos ver essa função social da escola, o sentido da educação. Experiências que estão
ocorrendo fora da escola, e como esses outros lugares de luta e aprendizagem se articulam com a
aprendizagem dentro da educação escolar. Vamos começar com o Joaquim, do Banco de Palmas.
Joaquim, do Banco de Palmas: A primeira pegadinha, é que minha oficina era à tarde. Disseram que eu
me apresentaria um pouco pela manhã e em quinze minutos. Daí me apavorei. Para cearense falar quinze
minutos, precisa de mais gente. Selecionamos algumas imagens do que será a oficina da tarde somente
para empolgar vocês. Eu sou de Fortaleza, de um bairro por sinal muito pobre economicamente, chamado
Conjunto Palmeiras. A grandeza desse projeto é que ele conseguiu se organizar, se estruturar e se
urbanizar. Conseguimos criar um banco próprio, um banco comunitário.
A partir de dois princípios: a sua grande capacidade de se organizar e de se comunicar com a educação
formal e informal e, principalmente, outra coisa importante (e a escola está bem dentro desse debate) que
é a questão da cultura. Todo o sucesso do nosso trabalho foi porque trabalhamos outra cultura e essa foi a
da solidariedade. Em detrimento da cultura da competição, da cultura da concorrência, da cultura da
disputa. Toda a filosofia do Banco de Palmas é dizer que há lugar para todos no mercado e não precisa
disputar, nem mesmo concorrer, não precisa digladiar-se um com o outro fazendo da vida um grande Big
Brother Brasil. A Globo nos deu o grande privilegio de ensinar o povo. Porque essa cultura da solidariedade
quer criar um território, quer criar uma escola, tem uma outra lógica, a da solidariedade. Foi mostrado o
BBB. O BBB é exatamente o contrário daquilo que queremos fazer. O BBB é uma experiência de família, que
tem 14 pessoas dentro de uma casa, e a cada dia uma destrói a outra. A tarefa de um é acabar com o outro.
Não se fazia outra coisa na vida a não ser pensar em destruir o outro. Com a nossa ajuda. Afinal somos nós
que votamos para matar. O Pedro Bial diz assim: salve, salve quem você não quer eliminar. Pronto. E paga
0,26 centavos para matar o sujeito. No final, aquele que matou todo mundo é o Big Brother, é o vencedor.
Essa é a idéia que passa da vida, de ter de disputar. Eu fui 18 anos professor de escola pública no meu bairro
e tinha uma frase que todos os professores da minha escola gostavam de dizer e para mim era a mais terrível
das frases que o educador pode dizer. Quando o aluno estava se dando mal na escola; meu filho, você
precisa estudar, não estude, não, para ver onde vai parar, lá fora é 19/20 por vaga. Quer dizer: coloca-se na
cabeça do estudante que tem que estudar para passar por cima dos 19. Para ele ter a vaga, porque a mesma
não existe para todos. Então, já o cria na cultura da competição. E eu dizia para que estudasse, pois lá fora
tinha vinte por vaga. Você tem que estudar, se juntar com os outros 19 para ver se vocês conseguem uma
saída coletiva. Essa é a lógica da sociedade pautada na solidariedade, na cultura da cooperação. (Mostra
imagens e as comenta).
Mestre de Cerimônias: Rocio, por favor.
Rocio Lombera: Trabalhar sobre sua própria realidade dentro deste vínculo de educação, realidade e
desenvolvimento, para criar cidadãos que melhorem sua prática social, no próprio lugar e onde vive, no
sentido de recuperar o que sabem que é melhor.
Ser analfabeto funcional, nessa lógica que dizia Candido, quando é o momento que possamos, como
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pessoas, discernir e optar pela informação e pela formação necessária que queremos, para poder
transformar nossa realidade. Uma coisa importante também que podemos informar sobre nossa
experiência é a questão da educação cidadã vinculada à identidade e ao elemento do poder.
Quem decide? Quem opina? E quem toma decisões?
Que educação queremos? Que educação necessitamos? E também diziam, companheiros do MST! Não fiz
uma síntese da imagem, como fez Joaquim. Somente vou apresentar a primeira parte que interessa expor,
que é a concepção estratégica na qual baseamos as escolas de governo e cidadania, na qual concebemos
essas escolas como espaço de construção e gestão de conhecimento crítico coletivo, com muitos atores.
Mas, com esforço sistemático e permanente, de governo e cidadania. É a perspectiva da construção do
poder local, da construção da participação cidadã, no aspecto público, no exercício do governo e na
construção das políticas públicas.
A origem desse esforço vem justamente do trabalho conjunto com movimentos sociais, embora não fosse
só a própria luta. Mas eles também trabalham com os governos locais, com movimentos sociais e com o
pacto de um governo local. Precisam, também eles, de uma formação superior, para poder levantar a
situação social, a situação pública
O importante também é que vimos a necessidade de que todos estes representantes sociais dos bairros,
funcionários públicos e cidadãos tenham conhecimentos, para aprofundar e qualificar os próprios
conhecimentos. As universidades, inclusive, outras ONGs fazem uma série de cursos mas que se referem a
outros temas, outros aspectos que não estão relacionados com o interesse e a necessidade e exigência
diretas de ação local, na vida local dessas pessoas, com conteúdos às vezes que são afetados, que são mais
técnicos, mais instrumentais, mais vinculados aos aspectos do mercado ou então onde o dinheiro e o
tempo não são suficientes para poder fazer um conhecimento e um saber enorme da realidade local, que
não é valorizado e não é sistematizado. Tudo isso nos leva a colocar, formalizar, propor essa iniciativa.
Este é o único slide que quero mostrar aqui na plenária. Depois, na oficina vamos trabalhar mais
propostas pedagógicas. Esta é a concepção estratégica que nos orienta na formação ou no tipo de
formação que nós estamos definindo nessa escola. Em princípio, a idéia da construção do poder local, a
construção de poder como capacidade de analisar, conhecer melhor a realidade concreta, a capacidade de
poder propor, atuar e transformar essa realidade. Para isso temos três eixos que articulam essa proposta de
construção do poder local. Evidentemente os sujeitos e os atores que, no aspecto local, vão da parte do
pessoal até as transnacionais que atuam diretamente naquela localidade.
Nós vemos isso na nossa vida cotidiana. Outro eixo mais importante é o território. Ladislau mencionava
essa vinculação importante das pessoas com o local onde vivem, o território a partir do lar, do aspecto mais
próximo da pessoa até o universo, em uma cosmovisão indígena que articula todos os elementos. As ações
que esses sujeitos realizam com outros sujeitos, no seu território e com as outras pessoas deste mesmo
território. São esses três eixos de construção de poder que geram também, por sua vez, planos de ação
muito importantes.
O social que é preeminente e determinante nesses planos, o sociocultural econômico que é o plano no qual
trabalhamos com o objetivo de melhorar condições materiais de vida e o desenvolvimento territorial
sustentável e como idéia chave, tendo o plano sociocultural que está relacionado com a construção das
identidades, das capacidades, dos valores, das habilidades dos sujeitos. Como palavra chave, como
objetivo estratégico, falamos de identidade e autonomia responsável destes sujeitos e do plano
sociopolítico que está relacionado com o objetivo estratégico, com as mudanças de relações sociais, com
as relações democráticas, onde colocamos como conceito chave a democracia participativa. E estes
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
168
planos exigem de nós três tarefas diferentes, três formações diferentes. Em princípio uma tarefa técnica,
uma ação técnica que é importante para poder agir e poder produzir condições materiais de vida, para
conseguir uma vida humana digna, ou atividade, ou uma tarefa de formação, e nos encontramos sós nessa
tarefa de formação pedagógica, onde a questão do aspecto subjetivo e ético é uma questão fundamental.
É uma tarefa organizativa e articuladora, é uma atividade política que gera modelos de convivência.
Há um projeto social, onde o público, a participação, a cidadania, são categorias importantes nessa
construção. Uma questão importante, também - o papel de todos nós para articularmos toda essa
informação, todo esse conhecimento, todas essas experiências e práticas. Então, há um desafio
estratégico em cada um dos eixos, para poder fazer uma vinculação social entre os atores, uma articulação
dos territórios e uma integração das nações.
Isto nos leva a concluir quase com esta questão. Com os três tipos de formação que devemos articular na
atividade cotidiana, para a construção de uma cidadania ativa e uma governabilidade participativa. A
capacitação técnica, a capacitação pedagógica e a formação política para fortalecer todos os atores locais
na planificação, na gestão do planejamento e na gestão democrática do desenvolvimento local,
sustentável, solidário e includente e tudo isso que foi mencionado, coincidentemente.
Finalmente, na escola temos duas intencionalidades estratégicas que é por um lado, formar novas
lideranças cidadãs e públicas e uma segunda, que é muito importante, é institucionalizar espaços para
formação de cidadania com programas de financiamento público.
Quero somente dizer para vocês que na escola do Distrito Federal, que é a capital da República, como aqui
também, que é uma população com mais de oito milhões de habitantes, conseguimos a partir do ano 2000,
até hoje, ter montado 70 escolas de diferentes caracteres. Começamos com uma de caráter geral, junto
com o governo da cidade, em 2004. Foram criadas 4 escolas regionais, depois 16 outras escolas em cada
um dos setores da cidade e, posteriormente, 43 escolas zonais. Agora também inauguramos um segundo
nível de escola. No primeiro nível, atualmente, já participaram, ou se diplomaram mais de 2.000 pessoas
das cidades e dos conjuntos das cidades. O governo assumiu a ação cidadã como parte da tarefa ou seja, de
alguma maneira, conseguimos colocar essa escola como programa de governo e, inclusive neste ano, está
se desenvolvendo a escola de segundo nível nas 16 regiões da cidade. Esperamos poder ampliar com
exposição mais detalhada desta proposta pedagógica, dos conteúdos curriculares e dos resultados que
nós obtivemos. A metodologia, por fim. Convidamos vocês a participarem desta oficina, que para nós é
muito importante. Seria um desafio que vocês teriam - ver como vinculamos esta possibilidade dos
professores da escola fundamental. Fizemos uma pequena experiência com crianças a partir também de
pensar nos direitos infantis. Fizemos em várias escolas, o que é uma experiência muito importante que
gostaria de compartilhar. Obrigado.
Mestre de Cerimônias: Bom, essas são noticias. Não tem como pensar em discussão da gestão
democrática e pedagogias participativas, num mundo de crises de perspectivas, se não se trabalhar em
projetos de vida, projetos locais, desenvolvimento com igualdade social e projeto político-pedagógico.
Essas três dimensões estão estreitamente articuladas e requerem que estejamos pensando no assunto.
Tem uma pergunta na mesa, e eu abri as perguntas mais pontuais, porque estamos com tempo curto.
Vamos fazer uma rodada com seis perguntas. Tudo isso vai desaguar nas oficinas, que serão um caldeirão
de fermentação de discussão. Teremos uma oportunidade enorme. Temos uma pergunta, já colocada, para
a representante do MST.
Valério: O que quero falar para vocês não é uma pergunta que vou fazer a mesa. É uma reflexão, e tam-
bém não é bem reflexão. Fico nervoso, porque quando falo sobre educação, fico um pouco emocionado.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
169
Professora Juçara, a senhora falou uma coisa que eu já venho lutando desde novembro do ano passado,
sobre a questão de Conferência da Educação. Estive aqui em novembro do ano passado para participar da
3ª Conferencia Nacional de Saúde do Trabalhador preocupado com isso, sendo eu presidente de Conselho
Escolar em Natal. Elaborei um documento chamado Carta Brasilque é um abaixo assinado, solicitando
ao Ministro Fernando Haddad. Vou ler para vocês: Excelentíssimo Senhor, Vossa Senhoria Ministro da
Educação. Nós, brasileiros preocupados com a nossa educação, pedimos que sejam realizadas
conferências sobre educação, nos municípios, Estados e União. Realizada por gestores, funcionários e
usuários, acreditamos que assim, com uma grande discussão, poderemos ter uma educação de qualidade,
a qual todos nós buscamos. Só com uma discussão ampla é que podemos demonstrar nossas adversidades
e almejar a tão sonhada educação de qualidade. Por tudo isso é que não somente pedimos que tais
conferências sejam realizadas. Já está tramitando no Ministério. Peço a vocês que me ajudem a realizar
essas conferências. Muito obrigado.
Adelino: A minha colocação aqui não é pergunta. É simplesmente reflexão. Será que não estamos vivendo
uma falsa democracia? Será que muitos conselhos não são uma farsa autoritária, onde não se constrói a
democracia? Em sala de aula, em gestão escolar, em gestão do sistema escolar? Em um conteúdo
programático, tem que ter uma perspectiva democrática. As relações interpessoais dentro da escola têm
que ter essa conotação. Tenho a impressão que muitos conselhos são o apêndice de uma apendicite, que
tem que ser extraído, e que não tem nada de democrático porque não representa as categorias que lá
estão. Muitas vezes são criticados justamente porque não são representativos de suas categorias. Gostei
muito, Sr. Hugo. Acho que o MST nos dá uma demonstração do que é uma escola de vida. Onde a escola não
é do aluno, nem do professor mas da comunidade, ela é pensada, é sonhada, é construída, com a
comunidade, e o Hugo dizia: vamos desmontar essas estruturas ainda arcaicas e ainda autoritárias que
temos. Acho que esse é um grande desafio que nós, dirigentes, temos. Começando pela base, e acredito
que se não fizermos esse desmonte, começando pela escola, não teremos gerações democráticas, porque
as ações que temos hoje são muito isoladas, são muito estanques e não têm muita democracia. Então,
vamos construir a democracia.
Maria do Perpetuo Socorro: Achei profundamente instigante a fala da representante do MST. Fiquei
curiosa de saber como é essa discussão sobre a participação do Movimento na gestão e no planejamento
das escolas? Eu gostaria que você esclarecesse um pouco, como é essa negociação com o sistema, como é
essa negociação com as universidades, onde que está dificultando? É o currículo? Porque tivemos ao
longo desses dias discutindo sobre a questão da incorporação do problema local e a incorporação dos
atores no planejamento e na gestão. E me parece que o cerne da questão é este. Como conseguirmos
incorporar? Ela falou na palestra justamente a dificuldade que eles têm de que esses atores participem no
planejamento e na gestão da escola do MST. Acho que esse é um ponto que está no cerne de nossa
discussão e eu pediria a ela que esclarecesse um pouco mais esse detalhamento, que ela deixou em aberto.
Jorge Pavez: Gostaria de parabenizar a todos pelas brilhantes exposições dos palestrantes. Eu tenho uma
pergunta para vocês e uma breve reflexão que eu fazia, que vai um pouco além da questão específica do
movimento social dentro do campo da educação.
Os movimentos sociais, em geral, estão surgindo como conseqüência de certa incapacidade dos partidos
políticos tradicionais de recolher determinadas demandas. Dadas as características da realidade atual
dessa nova fase do capitalismo que, no momento, chamamos neoliberalismo, que abre caminho para uma
nova realidade, para mudanças em matérias culturais, sociais, econômicas, de trabalho, etc, acredito que
este sujeito do liberalismo clássico, que nós entendemos como proletariado, se estendeu a muitos outros
setores que sofrem o modelo. Atualmente, estão majoritariamente alienados pelo sistema. Por outro lado,
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
170
o novo desenvolvimento da modernidade criou novas contradições que não estão somente ao redor do
capital e do trabalho, são novas contradições como as do meio ambiente, de gênero, de contradições
etárias, étnicas, etc. Toda essa realidade fragmenta as lutas sociais e dificulta a capacidade de evitar a
dispersão das demandas e o caráter político de cada uma delas nesses movimentos sociais. A pergunta é a
seguinte: Não seria necessário, no meio dessa realidade, que pode ser aceita ou não, a criação de um
instrumento político que canalize e dirija todas essas lutas dispersas, que comece a estruturar uma
alternativa política e social viável e confiável para nossos povos no mundo? Porque, vamos dizer a verdade,
nós chegamos por meio de movimentos sociais ao governo somente em dois países. Temos a experiência do
Brasil, com dirigentes sociais que chegam ao poder, por meio da criação de um instrumento social que
permitiu chegar à realidade e depois temos o caso do Morales, que cria um instrumento político que
finalmente o levou ao poder.
Hélio Henrique: A minha pergunta é no sentido, principalmente, do que o Hugo falou. Mas vai dirigida
a toda mesa. Vemos recorrentes, em algumas falas, a questão do neoliberal, que é um projeto não para
a educação do Brasil nem do mundo, mas é um projeto de civilização, já é uma forma de enxergar a
civilização. E vemos o que na América Latina temos nos movimentos sociais; em alguns governos
uma reação muito forte a esse projeto neoliberal muito recentemente. Então, pegando o que o colega
falou, com relação aos diversos presidentes latinos e aos movimentos sociais também na América Latina,
vemos reação. E sua fala, Hugo, é uma fala muito carregada dessa reação. A minha pergunta vai para toda
a mesa e principalmente a você, porque no Brasil vivemos uma situação um pouco diferente da América
Latina em relação a algumas especificidades. A língua é uma especificidade, porque falamos o português e
a maioria da América Latina fala o espanhol, e uma outra especificidade é a formação da sociedade
brasileira. Só que a minha pergunta é: Vemos que no Brasil tanto nos movimentos sociais quanto no
governo, o foco de resistência ao projeto neoliberal, é mais enfraquecido. Isso é verdade? E se é verdade
que, no Brasil, o projeto neoliberal é mais enfraquecido, por que isso se dá aqui? Como (principal-
mente você da Argentina e vocês que têm alguma experiência e a colega também da América Latina) vêem
essa questão no Brasil? Porque a crítica que se faz é que o Brasil está de costas para a América Latina, e na
sala de espera para entrar no capitalismo, aderir liberalmente ao neoliberalismo e usufruir dessa política
feita para a elite. Esta é minha pergunta.
Mestre de Cerimônias: Começando por Candido. Seus comentários, Candido. Já estamos finalizando
também. Temos pelo menos duas perguntas que foram dirigidas a toda mesa.
Candido: Eu juntaria três. A questão da falsa democracia na escola; essas questões dos movimentos
sociais, que eu compartilho a análise e esta última questão. Vejo que estamos descobrindo que o buraco é
mais embaixo. E que não basta ter um governo, que veio em um processo, como foi a experiência brasileira.
Tem muitos ainda invisíveis nessa sociedade, por mais que os movimentos sociais, por mais que tenhamos
construído, temos metade da sociedade que não sabemos quem são. Sabemos que estão fora, mas não
sabemos se não estão contando. Nós os religamos como na minha cidade, no Rio, com o tráfico. Porque nos
anos 80, estava melhor que agora. Nós degolamos lideranças nessas zonas urbanas e estamos hoje sem
interlocutor. Não é a associação, o traficante menos ainda, e o policial que fica entre os dois negociando,
entre a cidade e os traficantes e a população. Então, quem paga a conta é a população. Vocês sabem que no
Rio de Janeiro temos um índice nas zonas faveladas de mais de 200 jovens mortos para cada 100 mil
habitantes; que é mais ou menos três vezes mais do que está se matando na guerra do Iraque. Essa é
a sociedade que temos. Acho que mudar isso é extremamente complicado, mas acho que preci-
samos aprender com esses últimos anos, com o governo Lula em particular, o tanto que temos que voltar a
olhar para baixo. É de baixo para cima que se constrói a democracia. O exemplo que o MST nos traz, é muito
claro neste campo especifico da educação. Como construir movimentos desses, que ainda não têm
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
171
movimentos? Como construir atores desses que não têm atores? Como colocar a democracia direta na
frente da democracia representativa, como, inclusive, superar politicamente uma agenda que nos diz que
o problema está na reforma política meramente, quando o problema está na exclusão política,
simplesmente, da maioria dessa população que não consegue participar, não consegue interferir e alterar
essa relação de força. Nesse sentido eu queria aproveitar para lembrar a necessidade que temos de criar
uma nova onda, porque os impasses aparecem de forma diferente no mosaico que se tornou a América
Latina e todos têm alguma coisa interessante e todos têm limites. Eu não estou vendo um modelo que está
em curso, o modelo que todos revelam, que as políticas neoliberais não estão dando conta
fundamentalmente. E a população começa a reagir. Isso todos revelam. Temos ainda um impasse na
Colombia, mas temos capacidade de criar agenda. Porque não basta ser contra, porque nesse criar agenda
vai até, por exemplo, uma coisa que se discutiu aqui, que é a coisa da educação. Temos que voltar a discutir
fortemente projeto para essa sociedade. Que Brasil nós precisamos? Que Brasil o mundo precisa? Que
Argentina os argentinos precisam e que Argentina nós, brasileiros, precisamos, o que o mundo precisa?
Porque nós, hoje, estamos interdependentes. Não temos saída sozinhos nessa história, mas, ao mesmo
tempo, temos uma responsabilidade. Criar a agenda. A educação tem um lado central muito importante.
Nesse sentido, tenho a sensação de que no Brasil, estamos esgotando uma onda de democratização e
podemos, se não mudarmos a natureza do desenvolvimento que temos, acabar com a própria democracia.
Quem passou por prisão sabe que democracia, mesmo sendo limitada, é melhor que uma ditadura. Então,
estamos num impasse. Sermos corajosos e ousados como fomos, em certos momentos, em colocar
bandeiras de luta? Nesse sentido, o que a sociedade brasileira está reivindicando é criar um clima cultural
favorável a discutir-se a radicalidade da educação enquanto forma de enfrentar a exclusão. A radicalidade
da reforma agrária, a radicalidade da questão urbana, a radicalidade da questão ambiental. Enfim, a
radicalidade do nosso modelo de desenvolvimento é fundamental e isso entra em concepções, valores,
etc., onde o projeto educacional é fundamental. Pessoalmente, acho que essa oportunidade de uma
conferência nacional é um gesto de ousadia, hoje, porque na educação talvez tenhamos mais
possibilidades que em outros setores de começar a criar agenda diferente. Uma agenda que vá mais que
essa de que eu quero ver qual é mais corrupto. Obrigado.
Ester, MST: Bem, pelo tempo vou me ater. Chegaram duas questões mais ligadas ao Movimento. Uma com
relação a comunidades que têm resistência de ter escolas na própria comunidade, e outra que diz respeito
às negociações. Enfim, dessa relação do Movimento com outras áreas do Poder Público e universidades.
Sobre as questões das comunidades que ainda têm resistência, sem entender o processo educação, é
enfrentar isso. Estamos em um Movimento em que não podemos ver tudo linearmente, de que todos os
lugares estão em um mesmo estágio. O nosso esforço é fazer com que a sociedade se organize e que esta
organização permita discutir esses assuntos, inclusive educação, e todos os outros setores. Para que se
tenha uma idéia, o Movimento tem doze setores. Todos os setores criados a partir de necessidades. A
formação da consciência, sabemos que tem vários estágios também. O individuo entra para o Movimento
e a primeira coisa que ele quer é terra. Esse processo educativo, formativo, é com o tempo e com a
pedagogia do próprio Movimento. É na própria organicidade que a gente aprende, que desenvolve a nossa
consciência e em relação a essas dificuldades com as parcerias, temos vários jeitos também. No poder
público estadual, municipal, foi feita a base de pressão muitas vezes. Muitas vezes com diálogo, com
abertura do Poder público também se consegue avançar nesse processo. Mas, muitas vezes, a nossa forma
de pressão é começar. Quando entra em uma terra é construir uma escola e, naquele momento
conjuntural, a gente vê quem se disponibiliza a trabalhar naquele primeiro momento. Depois, vão se
construindo as condições necessárias. Mas, a nossa pressão é fazer. E isso faz com que a comunidade veja
que ela tem que fazer, ela tem sua parte e aí, sim, conjuntamente a isso, desenvolvemos uma ação de busca
para que seja de fato garantido aquele direito do cidadão naquele espaço. Muitas das vezes vêm criticas no
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
172
sentido de que o Movimento faz o trabalho do Estado. Na verdade, essa é a nossa forma de fazer. A lei
existe, para a reforma agrária. Se estivéssemos esperando a terra do lado de fora, com certeza não teríamos
milhares de pessoas assentadas hoje. O nosso jeito é entrar para a terra e começar a trabalhar. Isso a gente
faz no processo da educação. Entramos para a escola e fazemos a escola e começamos a trabalhar. E vamos
avaliar, no processo, o que dá certo e o que não dá. A nossa maior forma de pressão é desenvolver. E assim
funciona com as universidades também. Hoje, estamos com parceria com 82 cursos formais a nível
nacional. São mais de seis mil sem terra se escolarizando e entrando para universidade também, enquanto
Movimento. E em todas essas parcerias nós tivemos muita dificuldade de entrar. Porque tínhamos contato
dentro da universidade, pessoas que compartilham dos mesmos ideais, mas sempre falamos que fazemos
pactos com pessoas específicas que agarram a causa, mais do que propriamente com a instituição. Então,
depois que estamos dentro, criamos o fato e então conseguimos discutir. Mas isso, então, é uma das
grandes dificuldades que temos. Outra dificuldade, nada fácil de entender, é que temos uma identidade.
Então, na maioria das vezes, com o discurso de universalizar, de que não podemos ter uma turma do
Movimento, isso neutraliza o movimento social. Você colocar o movimento fragmentado dentro da
universidade. Você não colocou o movimento social para discutir, para esquematizar, para debater. Na
verdade, eles querem que entremos enquanto sujeito, individuo, mas não enquanto entidade, porque isso
não gera debate e não problematiza. Nós queremos, sim, que educação seja para todos e como diz Paulo
Freire, que bom que os Sem-Teto fizessem marcha, que todos os sempudessem marchar. Não é porque os
Sem-Terra querem, só nós queremos, queremos que todo mundo se envolva nesse movimento de
construção desse projeto popular que o Candido apontava e que compartilhamos. E como não vamos
poder aprofundar muito por conta do tempo, nós, enquanto Movimento, também participamos da
campanha e achamos fundamental a idéia de estar organizando essa Conferência Nacional, porque
pensamos que tem que estar vinculada a um projeto maior. E a campanha tem essa vinculação também,
que vai além do nacional. Achamos que está na hora de sentarmos e aprofundarmos essas questões,
enquanto sujeitos que fazemos essa historia.
Professora Juçara: Sobre os conselhos, na verdade a reflexão que temos é isto. Não podemos tratar
apenas como mecanismo, como instrumento. Se o conselho não representa uma repartição de poder, ele
tem uma funcionalidade para quem não precisa dos conselhos, fazer suas políticas. Temos que fazer a luta
pelo fortalecimento dos conselhos, mas conselhos que tenham realmente uma função e uma atribuição,
nas suas esferas. Sobre as lutas temáticas, evidente que elas chamam atenção. Agora a luta de quem
defende o meio ambiente porque é fruto de uma corporação internacional que estraga, corrói o meio
ambiente, é muito diferente da luta daqueles que entendem, por exemplo, que a água é um patrimônio, e
que é um patrimônio que está sendo já atingido e vai representar um problema para toda a humanidade.
Acho que se tem muita razão de chamar atenção sobre isso. As lutas temáticas, étnicas, por exemplo, são
diferentes para uma negra brasileira latino-americana do que para a Condoleezza Rice e ou para um ídolo
do futebol brasileiro. O que se tem atrás disso mesmo é um conceito de cidadania, de projeto nacional. São
importantes os espaços temáticos, mas eles podem, de fato, ser alienantes, porque é diferente a luta das
mulheres. Sobre a América Latina, talvez sejamos um continente que tenha mais compasso das suas lutas,
da superação das ditaduras, mas tem soluções sociais diferentes. O movimento social brasileiro não pode
agir como age o movimento social na Venezuela, porque não é útil ao processo de pressão no Brasil. Temos
algumas diferenças de métodos que devem ser fundamentais. E nesse sentido ficamos muito preocupados
no Brasil. Por exemplo, ontem tivemos a experiência de estar mesmo nas esferas do Poder. Fomos ao Palácio
do Presidente Lula, ao Congresso Nacional. O movimento tende a romper aquela lógica de que tudo se
concentra naquele pedaço. Há uma lógica que se instituiu, por uma idéia de governabilidade, que
realmente concentra muito poder em poucos metros quadrados. O papel do movimento é desconcentrar
esse poder, com a sua participação direta. Sobre a nossa audiência com o presidente Lula, acho que não
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173
podemos ser tão corporativos. Fomos dizer que estamos juntos na luta pelo financiamento da educação.
Pressionamos, fomos ao Congresso, fizemos uma organização de rua, mas também se precisar da nossa
colaboração até para intensificar uma luta interna no governo, faremos esse papel. Achamos que quem
deve gerir a política educacional, é realmente quem coloca a educação como política pública prioritária.
Se tivermos que fazer essa pressão que atinja em todas as esferas o governo, onde as políticas internas são
geridas pelos instrumentos da política econômica, nosso papel é fazer o governo brigar internamente,
porque ganha a sociedade com essa briga interna na nossa opinião. Por último, quero dizer para o Valério
que a sua intervenção emocionada sobre a Conferência mostra que realmente estamos pensando em um
lugar para nos reunirmos e cada um ouvir a sua voz. Estamos pensando em, de fato, nos ouvir e fazer com
que aqueles que têm parcelas maiores nos ouçam. Esse é o objetivo maior da Conferência. Acho que os
expositores todos já falaram e deve, sim, ser a resposta deste Seminário. Obrigada pelo espaço.
Hugo Yask: Na verdade, Juçara, Candido e a colega do MST deram contribuições e reflexões que, eu acho,
tentam mostrar um tema que gera uma interrogação. O papel dos governos que existem hoje na América
Latina, que margem de manobra existe se nós a entendermos somente, como a Juçara falou, como alguém
que está sentado em uma cadeira presidencial, ou com um grupo de pessoas de quem gostamos e a quem
delegamos mandatos. Acho que, hoje, Arlindo falou brilhantemente que as sociedades são uma relação de
forças entre disputas de interesses. Nós escolhemos um governo, na Argentina, vocês escolhem governos
no Brasil, mas acima desses governos existem outros que vão governar também, como a Organização
Mundial do Comércio, o FMI, o Banco Mundial, as alianças militares do grupo do G-7, que não foram
escolhidos. E esses governos governam acima dos governos dos nossos países. E o único que pode disputar
poderes reais é a organização da sociedade, a organização popular, a força popular organizada. Da mesma
forma como a única coisa que dá poder aos movimentos dos professores é a força social dos trabalhadores,
de forma organizada, é a força social dos trabalhadores na educação de forma organizada. Construir uma
relação de forças que torne possível que aquele que nós votamos tome a decisão de fazer alguma coisa,
possa avançar na conquista de maiores direitos. Mas é a base social organizada que vai definir até onde nós
podemos chegar ou até onde nós não vamos chegar na tentativa de mudanças.
Mestre de Cerimônias: Vamos ao almoço e voltemos rápido para começarmos os trabalhos da tarde.
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175
Mestre de Cerimônias: Gostaria de convidar todos os participantes a tomar assento nos seus lugares.
Chamo para coordenar a mesa o oficial de projetos do UNICEF, Silvio Kaloustian.
Silvio Kaloustian: Obrigado, Arlindo, toda equipe do MEC por esta oportunidade de termos agendado
esse tema crítico na área educacional hoje no Brasil. Participei da abertura, não pude comparecer nos dois
dias anteriores, mas hoje estou aqui para coordenar essa mesa. É um prazer, mais uma vez. O assunto de
nossa mesa é um dos mais importantes - Pedagogias participativas e qualidade social da educação. Vou
convidar os palestrantes. Primeiro lugar, Moacir Gadotti, diretor geral do Instituto Paulo Freire. Vou
convidar Beatriz Gonzáles Soto, da organização Viva la Cidadania, da Colombia, Eli Jowen, secretário
geral adjunto da Internacional da Educação. Bem, a orientação para nossa mesa é fazermos as três
exposições e, ao final, abrirmos para uma rodada de perguntas e comentários.
Moacir Gadotti, Diretor Geral do Instituto Paulo Freire: Boa tarde a todos e a todas. Quero, antes de
mais nada, agradecer o convite, Lêda, Horácio, que está aqui também, e ao MEC pela oportunidade de
estar com vocês aqui, conversando esta tarde, nesse encontro. Vou dizer que eu esperava há muito anos
isso. Sou professor há 45 anos e para chegar aqui ao Plano Piloto, em Brasília, demorou muito. Demorou
cinqüenta anos de educação popular, que é nossa tradição histórica. Estamos aqui reunidos, debatendo
pedagogias participativas, que está associada a educação, gestão democrática, porque por trás de nós há
uma história e não estamos aqui por acaso. É a primeira vez que um governo leva realmente a sério esta
questão. Não estou dizendo que não tenha nunca sido discutido, e com certeza com a forma e com a
qualidade dessa audiência que está aqui, da participação de todos, com inúmeras prefeituras que
certamente poderiam estar aqui na mesa, a maioria dos que estão aqui no auditório poderiam estar aqui na
mesa, contando suas experiências que podem ser até mais ricas, que as nossas. Estamos deste lado da
mesa. Acho que foi uma história que nos levou até aqui. E honramos essa história. Dizer também da alegria
de estar aqui com o Silvio. Desde a prefeitura da Erundina, em São Paulo, que a gente trabalhou junto no
Fórum Mundial de Educação e temos uma história longa de luta e de companheirismo, por causa da
democratização e da gestão democrática da educação, da desmercantilização da educação, desse
processo que culmina, que avança e que continuará daqui para frente também. Estar aqui com a Beatriz
também é uma alegria enorme. A gente tem trabalhado muito na Universidade Popular de
Desenvolvimentos Sociais, junto com o Boaventura Souza Santos, e também a Beatriz como secretária
executiva do Fórum Mundial de Educação. Tem uma grande trajetória de lutas apesar de ser jovem. Na
democratização e na América Latina. É um prazer estar aqui com você, Beatriz, e diga-se o mesmo dos
meus companheiros do Fórum Mundial de Educação. Eu situo um pouco as pessoas e a alegria de estar aqui
nesta tarde, aqui nessa mesa, e com vocês, porque acho que temos que reconhecer sempre na história o
que foi, porque não estamos aqui por acaso, porque há uma história que nos precedeu. Todos esses temas
que estão sendo debatidos, foram debatidos lá antes. Primeiro, eu diria nas prefeituras populares
democráticas, que trabalharam com a noção de democracia, de gestão democrática. Falavam com os
conselhos, pedagogias participativas, com a pesquisa participante, com orçamento participativo e outras
iniciativas que empoderam a população para se tornar soberana diante do Estado. E eu começaria por aí,
Pedagogias Participativas e Qualidade
Social da Educação.
27 de Abril de 2006 (quarta-feira)
EXPOSIÇÕES DA TARDE
PAINEL
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porque a pedagogia participativa está dentro de uma noção de Estado, está dentro de uma concepção de
Estado, onde se procura uma esfera pública de decisão não estatal, que empurre o Estado a avançar nas
suas políticas sociais, nas suas políticas públicas, políticas educacionais, aquilo que o Ademar chamava de
cidadã. O que quer dizer a democracia na visão do nosso amigo Boaventura. O que é democracia de alta
intensidade? É aquela em que soberano e povo, a distância entre o soberano e o povo vai diminuindo.
Democracia de baixa intensidade é quando o povo não enxerga o soberano, está tão longe. Então, a
pedagogia participativa tenta aproximar o soberano, até que o soberano seja o próprio povo e desaparece
o Estado na visão em que Marx coloca nas suas obras. A visão marxista, para nós, é um parâmetro de lucidez
da democracia, no sentido em que o povo tem que ser o soberano. Temos que educar o povo como
soberano, educar o soberano como povo. Acho que deveríamos destacar uma nova lógica de poder ligada
a essa nova concepção de Estado, em que o poder vira serviço, não tem nada a ver com a questão de Estado,
não tem nada a ver com o poder discricionário, de uma relação de mando e subordinação. Na relação de
uma pedagogia dialógica, freiriana, participativa, emancipatória não há lugar para pessoas arrogantes.
Engraçado que no último livro do Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, que eu li agora entrando neste
auditório, se vocês pegarem o último parágrafo do livro do Paulo Freire, ele fala exatamente do intelectual
arrogante,coisa que ele escreveu, parece que deixou uma mensagem para nós.
O homem e a mulher de direita podem ser arrogantes pela natureza de sua própria postura. Dentro da
esquerda não se tolera, segundo Paulo Freire, uma visão arrogante porque o arrogante de esquerda é um
arrogante por deformação.
Eu insisto nisso porque não dá para impor a democracia, não dá para impor a participação. É algo que se
pode testemunhar, trabalhar, dar o exemplo e você vai construindo, é uma conquista, como a autonomia
que não pode ser tutelada. Não se tem o curso de democracia, em cinco lições, para entrar um autoritário
na segunda e sair na sexta um democrata.
Portanto, existe uma outra lógica das relações de poder que precisamos colocar.
Existe uma nova cultura política que é tão difícil de aprender. Naquilo que chamo de nova esquerda, o que é
ser de esquerda, hoje? É ser democrata radicalmente, ser defensor dos direitos humanos, defensor do meio
ambiente, da eqüidade de gênero, aliás, tinha mais uma mulher, aqui, a Jane, mas não veio, mesmo assim
nós estaríamos em maioria. Você pode ver que sempre faz diferença. Os homens parece que sempre têm um
diferencial a mais, que tem mais homem do que mulher nos debates.
É engraçado, acho que nós temos que cuidar muito da eqüidade de gênero. Ser de esquerda hoje, é ficar
atento à eqüidade de gênero, à diversidade cultural e étnica, sexual e aprender com os desiguais.
Essa nova cultura política é estarmos atentos a coisas a que nós não estávamos atentos antes. A questão de
gênero, por exemplo. Nós fazemos muitas disputas, sem escuta. Acho que a escuta deve vir antes. Essa
nova cultura política realça a escuta. Como se pode fazer democracia não escutando o outro, o divergente?
Nós polemizamos muito. Confundimos politizar com polemizar.
Então, essa nova cultura política estaria dentro desse novo quadro da redemocratização e das construções
das pedagogias alternativas, participativas, da gestão democrática.
Há também uma nova cultura escolar. Acho que devemos insistir nela, que se chama instituto da educação
cidadã. Educação para e pela cidadania.
Isso remete às experiências que já tivemos no passado. Cito, por exemplo, a experiência de Porto Alegre,
dentre outras, que trata de desprivatizar o Estado.
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
177
Quando nós insistimos na democratização, trata-se de desprivatizar o Estado, apropriado por interesses
privados, seja de partidos, seja de empresas. Confrontar com políticas democráticas esse sistema que
exclui sistematicamente a decisão da população.
Vou dividir a minha fala em três momentos. No primeiro momento vou falar das escolas democráticas;
segundo, a qualidade social; terceiro, vou me referir ao meu texto.
O que é uma escola democrática? Primeiro, que não há escola democrática sem lideranças democráticas.
Portanto, a formação de gestores é importante. Porém, os gestores não são somente os diretores, são as
merendeiras, os funcionários, os alunos, os pais. Paulo Freire, quando começou a gestão democrática que
era a primeira prioridade entre três, começou por formar as merendeiras, depois os vigias, depois os
professores. Quando chegou nos diretores foi uma dificuldade. Imaginemos nós, ingênuos Paulo Freire
era sempre muito honesto, tranqüilo: Vamos propor aos nossos diretores lá do Anhembi, 2500 diretores,
vamos fazer eleição democrática para a direção da escola. Algumas foram indicadas. Mas a maioria tinha
passado num concurso público, eram vitalícias no cargo. Foi a primeira vez que Paulo Freire foi vaiado,
porque propôs a eleição democrática. E nós não conseguimos fazer a eleição para diretores, em São Paulo,
no município. Porque há uma tradição de concurso que acho bom também (podemos discutir isso). Prefiro
o sistema misto, porque o concurso mede a competência e a eleição mede a liderança. Um diretor tem que
ter as duas coisas. Nenhuma forma é perfeita, evidentemente. Depois do debate podemos discutir isso. O
importante é que não há escola democrática sem liderança democrática.
A forma da construção das lideranças democráticas é que envolva a população. No meu texto eu
destaquei, por exemplo, o que nós fizemos com os CEUS (Centros Educacionais Unificados), em São Paulo,
na gestão da Marta, que foi a escolha de gestores democráticos. A população participando dessa escolha.
Só que foi o último mês do ano antes da virada do novo governo e isso não foi implantado. Houve todo um
processo de construção de conselhos gestores para os CEUS. Nesse sentido é uma proposta de autogestão
que vai além da participação. Foi feito um concurso no primeiro ano, em 2004, e não acompanhei depois,
2005 nem 2006, o que vem acontecendo nos CEUS. Mas é uma proposta concreta que foi discutida
durante 2 anos com a população e que finalmente foram escolhidos os primeiros gestores. Não sei se
houve mudanças profundas.
A noção de escola democrática para mim alarga o conceito de escola. Além de ser um espaço de
aprendizagem também é um espaço de organização social. Isso é muito importante. A escola ainda não
descobriu a sua potencialidade para mobilização. A escola precisa formar o cidadão, mas não apenas para
ele entrar no sistema, mas para mudar. Para isso, ela não só precisa ensinar, mas aprender a ser
democrática, juntamente com a população. A escola não vai mudar o mundo, mas pode ser um ponto de
partida para a transformação social. Vou dar um exemplo. No Tennessee, uma das regiões mais pobres dos
Estados Unidos, na década de 30, o educador popular, que trabalhava em uma fábrica, Mays Horton cria a
Egypt Schools, com alunos negros nessas escolas, e começa a discutir o direito dos negros, o direito dos
trabalhadores negros. A partir daí, foi um centro importante para a discussão da questão dos direitos civis
nos Estados Unidos. Aquela escola foi um ponto de partida para uma transformação, para a conquista dos
direitos civis, especialmente dos negros. O Mays Horton se encontrou com Paulo Freire e escreveram um
livro, que está traduzido para o português. Os dois, já falecidos, dão um exemplo de que a escola pode
aproveitar um potencial transformador no campo da democracia, que não está sendo usado pela escola
cumpridora de ordens, a escola que só obedece, não inventa, não transforma. Nós, como gestores,
devemos confiar na capacidade da escola, realmente, de se autogovernar quebrando as resistências que
existem.Há um livro da CNTE sobre a Síndrome de Burnout, que depois de uma longa pesquisa com mais de
50 professores mostra que há muita resistência dos professores. E quando a gente quer fazer um conselho
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DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
178
de escola dizem: Ah, já tentei e não deu certo! Não adianta, já desisti, já tentei de tudo.
Nós fizemos uma experiência em uma escola em Osasco. Propusemos para a diretora construirmos o
conselho de escola. Disse que ninguém queria participar. Mas porque a população vai participar? Eu disse,
nós vamos fazer uma mobilização, chamar os pais, eles vão participar. Apareceram mais de 250 pais para
disputar 5 vagas no conselho de escola. Há uma potencialidade da escola que não está sendo usada por
descrença também, chamada pela CNTE de síndrome da desistência.
O segundo ponto que gostaria de abordar é qualidade social, pois o tema está aqui, posto para nós.
Inclusive vamos debater mais, um pouco depois.
Por que falar em qualidade social. Primeiro que nossos alunos da escola pública, são evidentemente alunos
de classe operária, pais desempregados. Se pensarmos que o resultado vem apenas de professor e aluno,
desconhecendo as condições, a gestão democrática tem custo. Tem que ser feito investimento. Qualidade
é um conceito político, não é um conceito ligado apenas à aprendizagem, é um conceito político, social,
que implica em condições reais de a população participar. Se a criança tem vergonha de vir descalça para a
escola, então vamos colocar uma sandália nela para ela se sentir bem na escola. Tem de ter uniforme,
transporte, saúde, esse conjunto de condições dá qualidade social para ela. Não é só o resultado professor
e aluno, claro que isso conta muito, a formação do professor faz a diferença, mas nós, como gestores,
temos que conversar com os pais, com a população e ver o que falta. Foi o que foi feito em São Paulo.
A maioria de nós éramos contra a utilização de uniforme, os pais foram a favor, então atendemos aos pais.
Daí, ouvimos críticas, pelo fato de darmos vestuário, transporte, enquanto tínhamos que cuidar da
formação dos professores. Deve-se fazer as duas coisas! Porque a nossa população é pobre, não dá para
lidar como se a população fosse de classe média. Não podemos ignorar que nossa situação é desigual.
Precisamos de políticas de eqüidade, políticas de ação afirmativa antes de começar com as políticas de
igualdade. Nós, da esquerda, sempre trabalhamos com políticas de igualdade achando que esse é o
problema. Mas deve-se trabalhar com as duas. Devemos lutar pelas duas. Igualdade e eqüidade, porque
tratar desiguais igualmente é uma injustiça. Nesse sentido, essas ações afirmativas são absolutamente
necessárias, nem que sejam transitórias, mas enquanto nós estivermos em uma época de desigualdade
devemos reafirmar o direito dos mais necessitados sobre os menos necessitados. Temos que começar
exatamente criando condições concretas para termos qualidade social e educação. Qualidade global,
integral, não podendo restringir-se a apenas um aspecto.
Com relação à aprendizagem é muito simples, todas as teorias insistem que é o sujeito que aprende, por sua
própria ação, por sua própria atividade. Eu sou um aluno que viajei em 74, por conta dos anos que tive
de sair do Brasil. Eu insistia muito nisso, é o sujeito que aprende, não é o coletivo. O coletivo pode ser
um grande motor da aprendizagem, mas é um sujeito que aprende por sua própria ação. A atividade,
a participação está na natureza mesma do ato de aprender. A atividade faz parte do ato de aprender,
faz parte do aprendente. O sujeito só sabe, realmente, aquilo que construiu autonomamente, essa
tese é fantástica, porque aquilo que impuseram que o sujeito saiba, será rejeitado. Piaget era um biólogo.
Hoje, todas as ciências neurolinguísticas, a biologia em particular, nos mostra como o cérebro aprende
de dentro para fora. Se não há o desejo de aprender e ação consciente e interna eu não aprendo e não sei
nada que é apresentado.
A noção de autopoiese é muito forte, do Humberto Maturana, nessa visão que também é piagetiana.
As pedagogias participativas têm a ver, também, com o específico do ensino-aprendizagem, porque
alguns dizem que pedagogia participativa serve para formar o cidadão, formação social e política. Não! A
participação tem uma finalidade epistêmica, que tem relação com a capacidade cognitiva das pessoas.
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Não é só ligada à questão democrática, da gestão democrática, da formação do cidadão. Está ligada,
mesmo, ao ato de ensinar e aprender. Sem a participação efetiva não há aprendizagem.
Eu realço muito isso, pois a maioria diz que a democracia é ótima, e é preciso formar o cidadão. Na hora de
ensinar tem que empurrar, exigir, ser autoritário. Quantos ainda defendem isso; Na minha sala ninguém
pia, todo mundo tem que aprender na minha sala. Eu sou rígido!. Como se o sucesso na aprendizagem
dependesse do uso de formas autoritárias de ensinar.
Vou encerrar, rapidamente. No meu texto eu separo três coisinhas. Vi que foi colocado em um caderno,
mas eu trouxe o texto que mandei.
Eu insisto, inicialmente, na história das idéias pedagógicas, o conceito de gestão democrática não está tão
explícito. Mas o conceito de autonomia está desde a antiguidade. Citei um pouco de John Locke, que
defendeu o autogoverno. As pedagogias de Makarenko, com a questão da auto-organização dos alunos.
Vocês sabiam que Piaget publicou um livro chamado, a Autonomia dos Alunos, dos aprendentes
escolares. (Não foi traduzido para o português) Para mostrar que tinha essa preocupação com a questão
da autonomia, sem citar o inglês Alexander Neill, e tantas tradições da pedagogia. Estudei com Michael
Fullan que defendia a pedagodia institucional que era uma pedagogia altamente autogestionária. Ele foi
nosso professor e dizia que quem assinasse a lista de presença uma vez no ano, passa de ano (... risos). Ele
acreditava radicalmente no sujeito. Bastava assinar uma vez a presença. Pensava que se não conseguisse
seduzir os alunos, não adiantaria nada eu ensinar.
A pedagogia institucional defende a autogestão, é o sujeito quem decide se quer ou não aprender.
Eu trabalhei um pouco com Paulo Freire na questão do sistema aberto e fechado. Isso nós usamos um
pouco na sua gestão, quando ele foi secretário e eu fui chefe de gabinete. Trabalhamos juntos. Lá na Av.
Paulista, a dois degraus abaixo da gente. Ele trabalhava com planejamento, com Paul Singer, mas ele era
mais importante. O Paulo Freire chegava em nossos secretários: você, do Planejamento, Singer, você é das
finanças. Vocês são das secretarias-meio. Saúde, educação é fim. Todos os secretários de Finanças deviam
dizer são secretarias-meio. Fim é saúde e educação. Secretário de Educação deve ser muito firme nessa
coisa. Paulo era muito firme, defendia muito a educação.
Sistema aberto tem diretrizes claras. Uma gestão democrática radical, tem comunicação direta. A
Secretaria deve se comunicar diretamente ao gabinete da escola. Às vezes, sobretudo em sistemas
burocráticos como São Paulo, quando chega a coisa na escola, chega completamente mudada. Tínhamos
até uma idéia de criar uma televisão direta, para falar com as escolas, todos os dias. Para deixar até que a
escola pudesse inovar, incentivar a inovação. A terceira característica seria a autonomia da escola para
elaborar seu projeto político-pedagógico, que chamamos de projeto Eco-Político-Pedagógico. Porque
tem também uma dimensão ambiental, socioambiental ao lado de outras dimensões do projeto
pedagógico e depois tem que fazer uma avaliação. O círculo se fecha. Decisões claras do Gabinete,
comunicação direta com a escola, a escola com seu projeto político-pedagógico, e a avaliação feita tanto
pelo Gabinete quanto pela escola quanto pela comunidade. Nesse sentido, fica claro que essa pedagogia
aplicada ao sistema de ensino encontra seus obstáculos. Quais são? Primeiro, a nossa pouca convivência
democrática. Segundo, a mentalidade que atribui aos técnicos, e somente a eles, a capacidade de
governar e que o povo é incapaz de exercê-lo. Terceiro, a própria estrutura do nosso sistema educacional,
que é vertical. Quarto, o autoritarismo que impregnou o nosso ethos educacional. Há um autoritarismo
enrustido em nossos hábitos, como dizia Bourdier. E quinto, o tipo de liderança que dominou, e ainda
domina, em algumas partes, a nossa atividade política no campo da educação. Mas há, também,
possibilidades enormes de como trabalhar isso. Porque eu estou preocupado menos com os princípios,
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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menos do que com festivais, do que em realizar coisas concretamente a partir do meu cotidiano, minha sala
de aula, na minha escola, na minha universidade. Como fazer isso? Com informação, evidentemente. Não
há democracia sem informação. Se eu estou desinformado não posso participar. Portanto, dentre os
elementos facilitadores, uma comunicação eficiente. A adesão voluntária. Essa coisa de obrigar a ser
democrata é muito ruim. Já vi diretores de escola chamando para o meio-dia, um calor desgraçado, aquele
pátio descoberto, duzentos alunos... Agora vamos discutir o projeto da escola. Ai de quem piar, quero
ouvir as moscas, diz a diretora, aí todas as crianças disseram... zzzzzz... O que é isso? Tem que haver um
ambiente, um clima. Tem que haver negociação, diálogo, condições concretas. Não dá para impor a
democracia. Portanto a decisão voluntária, suporte institucional e financeiro, controle,
acompanhamento e avaliação. Uma certa atmosfera, uma certa mística. O MST usa muito isso, às vezes até
exageradamente, em torno do tema. Credibilidade. Imagina se vem um autoritário e diz para a gente
vamos fazer gestão democrática? Ele tem que ter no mínimo credibilidade. Se todo mundo a acha uma
pessoa extremamente autoritária, não vai conseguir fazer nenhuma pedagogia participativa. Um
referencial teórico (isso na universidade, eu gostaria de insistir nisso) nós temos pouca experiência
democrática, referencial teórico ainda pequeno. Por isso um congresso como este, tão importante, eu vi
um monte de papel, minha pasta está até pesada. São importantes essas experiências que estão aí. Essas
oficinas são mais importantes até do que as nossas grandes falas porque mostram experiências concretas.
Há mais possibilidade de debater no tête a têteas dificuldades.
Eu destaquei duas experiências, a de Paulo Freire, com a Luiza Erundina, e depois com a Marta.
Para terminar. Insistir mais na necessidade educadora, educação cidadã que, já insisti bastante nisso, e
alguns de vocês devem conhecer. Sou apaixonado por elas. Eu acredito na democracia. Por isso eu ainda
continuo, depois de tantos anos, vindo aqui. A maioria não tinha nem nascido quando eu tinha começado
a discutir esse tema.
Acho que nós não devemos só formar o cidadão. Devemos formar o cidadão que quer mudar o mundo. O
que é perverso nesse sistema, nessa lógica desumanizadora do capitalismo que é, por essência,
autoritária, que prega o individualismo, que produz um modelo econômico cujas conseqüências estão aí
aos nossos olhos. Em qualquer ponto de ônibus, no final da tarde. Basta ir à periferia, não é aqui no Plano
Piloto, evidente, ver o estrago que esse capitalismo está fazendo. Portanto, devemos trabalhar com essas
populações, despertá-las para a sua capacidade de mudar o mundo, serem cidadãos desse mundo,
sonhando com essa utopia das cidades justas, cidades equânimes, produtivas, saudáveis, sustentáveis,
que é um modelo que vem sendo construído e está sendo construído num ritmo mais lento do que
esperávamos desde muitos anos na América Latina. Se hoje existe um Fórum Social Mundial, um fórum
mundial da educação, que estão dando alguma esperança na luta contra a desmercantilização da
educação, é porque nós tivemos por trás disso uma grande história.
Eu daria um exemplo, vou terminar com dois minutos de um vídeo mostrando o seguinte: perguntamos a
uma criança, em uma avaliação do orçamento participativo que, para mim, é uma nova forma de organizar
a gestão democrática. Às vezes, os conselhos, os grêmios não funcionam porque são muito burocráticos.
Mas nós temos que reinventar o OP Criança, inspirado em outras experiências como a de Recife, Barra
Mansa, que nós vimos. A de Goiânia, a de Porto Alegre, onde nós aprendemos muito. Perguntamos para
uma criança o porquê da importância da participação.
VÍDEO
Repórter: O que mudou na vida de vocês, mudou alguma coisa?
Criança: Na minha mudou. Porque a gente tem mais autonomia de fazer as coisas, fica mais à vontade.
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181
De todos os projetos que participei me fizeram uma pessoa bem mais crítica, consigo ver uma coisa que eu
não aceito, que não gosto e eu não guardo isso para mim, quero que as pessoas saibam que eu não estou de
acordo com aquilo. Porque muitas vezes as pessoas se calam diante de uma coisa que ela não é a favor, por
medo de se expor, por medo de levar um não na cara. Isso vai ser daquele jeito mesmo, pronto e acabou!
Temos que aprender a dizer não, eu não gosto e você mostra os seus argumentos, aí você vai poder
influenciar a vida de muitas pessoas, porque as pessoas vão te ver como espelho. Não é sempre que há
projetos como esse, principalmente na periferia. Todos nós viemos da periferia, é muito difícil. A gente tem
que se agarrar. Isso é pouco, mas podemos levar isso para muitas outras pessoas. Isso incentiva porque
cada vez mais você quer aprender, quero ver novos horizontes, novos educadores que me ensinem coisas
diferentes para poder passar para muitos outros jovens que, com certeza, haverá muitos resultados
positivos. Se você tem vergonha de falar de uma coisa, no OP Criança você pode soltar. É a OP Criança, não é
a OP Adulto, OP Jovem, é OP Criança. Não devemos ter medo de falar, como eu estou falando agora. Eu
tinha muita vergonha em falar para muitas pessoas. Eu tinha medo. Meu tio me chamou para ir no Fórum
Mundial, iriam várias crianças, e uma só seria escolhida para representar todas as crianças do mundo
inteiro. Eu falei, não tio, eu tenho vergonha. Então ele falou, não, agora você vai mostrar que você não tem
mais medo, eu falei tudo bem, eu vou, cheguei lá e só tinha adolescentes, apenas eu de criança. Disseram
que os adolescentes representariam o mundo inteiro. Tudo bem, não falei nada dentro da sala. Fomos lá
para a palestra. Disseram que quem achava que só deveriam falar os adolescentes deveria subir lá, aí vi
outras crianças em outra sala, falei com eles, tudo bem. Fizemos cartazes, eu subi no palco, perdi a
vergonha, perdi o medo, e falei. Nós crianças somos o quê? Vocês adolescentes podem ser alguma coisa, e
nós crianças? Somos lixo, somos nada? Somos um pedaço de papel que vocês jogam no chão, pisam e
jogam no lixo? Nós crianças também temos sentimentos. Temos que mostrar que temos capacidade de
fazer as coisas. Muitas pessoas falam que eu me acho. Me achoporque eu tenho capacidade de fazer as
coisas. Eu sei que tenho capacidade.
Obrigado.
Silvio Kaloustian: Obrigado Gadotti, aos participantes que chegaram agora, nosso auditório está cheio.
É um prazer estar aqui nessa plenária com um tema tão importante como este.
Dois pequenos destaques da fala do Gadotti.
Em primeiro lugar, essa questão de eqüidade e diversidade, como esses temas estão presentes na questão
educacional.
Hoje nós todos sabemos que, por trás desses indicadores educacionais tem a questão da cor, a questão da
raça, local de moradia, crianças com necessidades educacionais especiais, ou seja, todo cuidado que a
educação brasileira tem dedicado dentro da demanda da igualdade para enxergar mais deta-lhes; a
população infanto-juvenil, mais vulnerável, dentro desse contingente de vulnerabilidade.
Um segundo comentário que o Gadotti fez, um exercício de lembrança ao voltar a uma experiência de
trabalho nossa, na gestão da Luiza Erundina. Falou do Paulo Freire que sempre nos cobrava que a
educação, sim, que era a área fim. Agora, o Paulo Freire não conseguiu agüentar a burocracia também.
Acabou saindo da Prefeitura depois de menos de um ano.
Gadotti: Três quartos do mandato. Pois dizia que já tinha implantado suas idéias.
Silvio Kaloustian: Vou convidar agora o Elie Jouen, Secretário Geral Adjunto da Internacional da
Educação, que vai nos trazer essa perspectiva internacional. Todo esse campo de mobilização em favor da
melhoria da qualidade da educação. Elie.
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Elie Jouen: Eu fui convidado para fazer essa apresentação sobre a perspectiva global. Principalmente
sobre os desafios da educação no mundo, e é claro que o que está acontecendo em todos os Países e vai
acontecer em Brasília e no Brasil nos futuros anos. Nos últimos 20 anos nós vimos uma grande demanda de
reforma da educação, em todas as partes do mundo. Nos últimos 20 anos as iniciativas foram tomadas para
reformas da educação. Considerando este fato eu tenho aqui quatro perguntas. Por que uma demanda tão
forte de reforma emergiu? Por que os governos, as associações, setores de negócios, expressaram esta
demanda tão forte de reforma?
A segunda pergunta, no contexto dessa grande demanda de reforma: em que questões particulares tais
demandas foram expressadas? Em que problema concreto essa demanda foi expressada? A minha terceira
pergunta é: como essas demandas de reforma foram negociadas, e se foram de fato negociadas, e como
essa demanda de reforma foi também implementada? E quatro: qual é nossa avaliação a respeito desse
processo? De uma forte demanda de reforma que agora está em andamento há 20 anos?
A primeira pergunta, então. Por que a demanda foi expressada? Em primeiro lugar, por razões ideológicas.
Nós não podemos esquecer que nós estamos vivendo num contexto muito forte de neoliberalismo e que
estas ideologias, sem dúvida, estão tentando mudar a educação. Em segundo lugar, esta demanda foi
expressada por razões de eficiência. As nossas sociedades estão mudando e nós temos a obrigação de
preparar a juventude de acordo com a sociedade em mudança e eu vou dizer isso mais tarde. Mas não
podemos continuar a ensinar como ensinávamos há 20 anos atrás, porque o mundo é diferente hoje. E a
terceira razão para essa forte demanda de reforma é a pressão das forças privadas que influenciam o
conteúdo da educação e, além disso, investem financeiramente neste setor. Quarta razão, as finanças
sempre foram questões difíceis nessa questão da educação. É difícil em todo setor profissional. E o que
percebemos nas últimas décadas é o esforço para melhorar a produtividade dos setores profissionais, e
sem dúvida a educação não é um setor diferente. O ministro da Fazenda e os ministérios da Fazenda e os
governos em termos gerais estão tentando se sair melhor com menos dinheiro. É o que chamamos de
produtividade. O setor educacional não escapa a essa pressão. Outra razão dessa forte demanda de
reforma é a tendência favorecendo a descentralização. No Brasil, vocês têm políticas descentralizadas de
educação, que não é o caso em todos os Países. Mas a tendência está clara, que a gestão da educação está
descentralizada e isso implica, portanto, numa reforma, numa distribuição de tarefas e responsabilidades.
Outra área de reforma e talvez o Brasil ainda não tenha chegado lá, e vai acontecer. Chegará esse momento,
que é a pressão para abrir sistemas educacionais nacionais, principalmente de ensino superior para
investimentos estrangeiros possíveis e esse é o grande debate que temos hoje em dia no nível da
Organização Mundial do Comércio. Significa o seguinte: que o setor privado, os investidores estão
considerando a possibilidade de investir para ganhar lucros no setor de ensino superior. E outra razão para
a reforma. hoje em dia nós temos cada vez mais estudos internacionais no âmbito de desempenho de
sistemas educacionais nacionais. Talvez vocês não tenham percebido, mas essas organizações, como
OCDE, para cooperação econômica, que desde o começo foi uma organização para países
industrializados, para poder coordenar as políticas econômicas e sociais, estas organizações que estão
baseadas em Paris (no meu caso). Estas organizações estão fazendo pesquisas e estudos não somente nos
países industrializados, da OCDE, mas em Países como a África do Sul, Brasil, Chile, Singapura e outros. Isto
significa que fazem parte do clube, com vantagens e desvantagens, é claro. O que está acontecendo hoje
em dia? Há um mecanismo para medir o desempenho do sistema de educação no Brasil, comparando com o
desempenho de outros Países. Significa que, quando esses estudos são publicados, não é agradável para os
governos verem que, em termos de desempenho matemático no Brasil, estamos abaixo, no final da lista.
Então, quando o governo vê um estudo como esse, uma demonstração, uma declaração, não fica feliz.
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Então, é uma oportunidade para o governo modificar e fazer reforma na educação. Talvez existam outros
exemplos, mas foi para dar uma pincelada a respeito das razões diferentes pelas quais há essa interferência
na Organização. Espero que os exemplos se apliquem ao Brasil. Tenho certeza que alguns não, mas alguns
sim. Estou aqui simplesmente para dar para vocês uma visão mundial. Agora serei mais especifico.
Concretamente, sobre a pressão para reforma na educação. Fiz uma seleção de seis exemplos. O que nós
percebemos hoje em todos os processos de reforma no mundo todo é sempre dar mais consideração a
atividades cientificas em vez de atividades culturais, humanistas, nos âmbitos escolares.
É uma tendência e é claro que tem conseqüências. O segundo ponto, o que nós percebemos é que há uma
tendência geral para transferir o custo de educação do nível do Estado para o âmbito municipal e regional.
Obviamente que países são mais avançados que outros, mas a tendência está ali. O Estado está fazendo
menos. Até mesmo em alguns Países, como por exemplo o Brasil, há uma tendência de ter uma estratégia
diferente. No nível mundial a estratégia está muito clara.
Terceiro ponto, está claro hoje que, de acordo com a ideologia do Banco Mundial, temos governos, e
também setor privado, que estão ancorando competição entre escolas individuais e o setor privado e
público. Então, já que é uma competição, nós podemos perder ou ganhar.
Beatriz Gonzalez: Percebemos que há uma tendência geral para transferir o custo da educação do nível
do Estado para o âmbito municipal e regional. Alguns Países, são mais avançados que outros, mas a
tendência está ali. O Estado está fazendo menos em alguns Países, por exemplo, o Brasil. Há uma tendência
de ter uma estratégia diferente, mas, no nível mundial, a estratégia está muito clara. Hoje, de acordo com a
ideologia do Banco Mundial, temos governo e setor privado, que está ancorado, na competição entre
escolas individuais e o setor privado e público. Estão incentivando a competição entre escolas individuais e
entre o setor privado e público. Já que é uma competição, podemos perder ou ganhar. Nas competições
sempre temos ganhadores e perdedores e eu sei que nesse processo competitivo o setor público em alguns
Países específicos será perdedor, em outros vencedor. Estamos vivendo agora um sistema de competição e
a educação se transformou em um desafio de competição. É claro que para aqueles que promovem este
tipo de estratégia tem por trás, na cabeça, essa idéia de demonstrar que no setor privado dá mais
rendimento que o público. Não sei se é o caso do Brasil, mas há um incentivo à prática da avaliação nas
escolas ou até mesmo no âmbito individual. Por exemplo, nos Estados Unidos, hoje em dia, se uma escola
não está com um bom desempenho, ou não é boa o suficiente, depois de alguns anos as autoridades vão e
fecham a escola como se fecha uma empresa. Essa nova realidade faz parte dos nossos novos desafios.
Outro ponto que o Brasil está enfrentando é uma forte demanda para educação. Esse movimento que
favorece melhor acesso à educação e essa campanha do mundo pela educação, essa estratégia de dar
acesso à educação, mais crianças, mais escolas, significa que precisamos de mais professores? E qual é a
estratégia de alguns governos hoje em dia? É recrutar professores não profissionais ou recrutar professor
com contrato de duração limitada, sem treinamento real? Significa que a qualidade está caindo e, neste
contexto, é importante se tivéssemos um desafio, que fosse melhorar a qualidade da educação e,
especificamente, a qualidade da educação pública. Se, na opinião pública, a idéia existe, que a educação
pública não está obtendo um bom desempenho, ficaremos confrontados com um futuro difícil. Porque
não esqueçam que estamos em um sistema de competição e é um desafio para nós, é um desafio para
todos, incluindo o sindicato dos professores, que estão promovendo a educação pública. Já dei vários
exemplos de reformas que foram implantadas ou que serão implantadas e o problema é saber se essa
reforma é negociada, se ela é implantada. Claro que a situação difere de um País para outro, mas está claro
que em alguns não há dialogo algum.
Significa que o governo decide e pronto. E impõe a reforma porque tem medo do debate com a opinião
pública, com o sindicato dos professores. Às vezes a opinião pública é fraca, e também o sindicato dos
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184
professores, e não há uma confrontação. Felizmente, em outros Países, é claro que o diálogo existe e temos
um excelente exemplo de diálogo entre as autoridades educacionais e também outras organizações, como
o Sindicato dos Professores. Depois vou dar um exemplo sobre isso. O problema que está nos confrontando
é que os parceiros não têm visão forte a respeito da reforma. Temos, por exemplo, organizações que, de
acordo com a cor política, nem sempre é bom concordar com o governo. Às vezes, estar em oposição ao
governo, é o que eu chamo de sim, e não dizer sim, e dizer não. Então, para entrar num diálogo, para
discutir as oportunidades de reformas educacionais, para fazer emendas às propostas do governo, é
necessário trabalhar esta questão. É necessário ter especialistas. Não podemos apenas dizer não e sim a
uma reforma. É necessário argumentar contra propostas, emendas. É o que estamos tentando fazer no
contexto, digamos, de um processo de reforma forte que estamos fazendo com o Educacion
International. É ajudar os nossos membros que estejam melhor preparados para esse diálogo social. Eu
gostaria de falar, para vocês, minhas observações. As melhores reformas são aquelas que são entendidas
por parceiros diferentes, não apenas por sindicatos mas também associações de pais e mestres. Também a
opinião pública, em termos gerais. Acho que o pior é quando uma reforma, uma mudança não é entendida.
É claro que o diálogo social é a ferramenta para movimentar a idéia dos indivíduos, das organizações. É por
essa razão que eu falo a respeito do diálogo social. O diálogo social é muito importante, é necessário para
trazer diferentes parceiros do setor educacional. É verdade também que reformas são complexas. Então,
mais diálogo é necessário. Quanto mais complexo for a reforma mais diálogo será necessário. Alguns
colegas aqui podem compartilhar essa mesma opinião, mas às vezes os sindicatos dos professores são
vistos como se fossem forças conservadoras que se recusam a mudanças. No nosso caso não é verdade.
Somos favorecidos com as reformas, porque acreditamos que sem as reformas públicas a educação pública
não se transformará. Por essa razão somos favoráveis às reformas, mas reformas de acordo com nossos
valores e princípios e baseados nos mandatos que formulamos como membros da organização. Apenas um
exemplo de reforma bem-sucedida. A reforma que aconteceu na Suécia. Uma nova idéia de propagação
baseada na tecnocracia. É a idéia de um pensador neoliberal. Vincular os salários dos professores ao
desempenho das crianças essa é a idéia. Agora, posso dar para vocês um bom exemplo de como
transformar essa solicitação. Há alguns anos atrás, uma proposta como essa foi feita ao governo da Suécia
e ao sindicato. É claro que o sindicato era contra e não faz sentido para aqueles que conhecem a educação,
vincular o salário do professor com o desempenho das crianças, não faz sentido algum. Mas, depois de um
longo processo de negociação, no final das contas, conseguiram chegar a um acordo com o governo, nas
seguintes bases. os professores iam continuar recebendo os salários e as escolas receberiam um crédito de
5% do orçamento total da escola e com essa quantidade de dinheiro, 5% no âmbito da escola, haveria uma
redistribuição financeira para aqueles que tivessem papel ativo na organização da escola. Por exemplo,
para aqueles que tivessem organizado atividades para crianças, atividades extra-escolares ou professores
que tentassem passar por treinamentos. Ou seja, algumas condições. Os sindicatos estiveram envolvidos.
Foi decidido também que o Sindicato estaria envolvido nesta distribuição dos créditos. Apenas para
mostrar para vocês que, quando uma proposta de reforma é feita, é sempre possível estabelecer uma
negociação, um diálogo social e modificar, colocar emendas, nestas propostas de reforma. É claro, sem
dúvida nenhuma, é importante que aqueles que fazem parte do processo de administração, ou sejam os
políticos, o Sindicato dos Professores e outros, aceitem discutir para chegar a um consenso. Qual é a
avaliação do nosso processo educacional? Uma vez mais, gostaria de repetir que é importante incentivar
nossos membros quando necessário num processo de reforma educacional. Não simplesmente porque
amamos as reformas ou não, simplesmente, porque queremos fazer com que a vida dos professores fique
mais difícil. Não é esta a razão. É porque em uma sociedade em mudança é importante que a educação
reconsidere a sua forma de ensinar e de elaborar programas, currículos, etc.
Levamos também em consideração que uma reforma importante foi feita nos últimos vinte anos.Não
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produzimos carros hoje em dia como aqueles que eram produzidos há vinte anos. O sistema bancário não
se organiza hoje como costumava ser há vinte anos. Mudaram as tecnologias. Mudou a organização
dos setores profissionais. Então, o sistema educacional é um grande ponto de interrogação. Vamos falar
sobre as reformas do setor educacional. Por exemplo, sabemos, que estamos lidando com crianças e não é
fácil. E não com bens materiais. Sempre temos que tomar cuidado para implantar reformas porque a vida
de uma criança está envolvida. Temos que levar isso em consideração. Mas esse processo de reforma
educacional é necessário como mencionei. Porque é uma ferramenta para melhorar a visibilidade,
também da educação pública, para melhorar a eficiência da educação pública. Acho que ganhamos em
credibilidade se somos capazes de cumprir com essa tarefa, se estamos preparados. Sei que com os nossos
membros, na América Latina, no Brasil, estamos trabalhando nesse sentido. Queria simplesmente
compartir com vocês alguns pensamentos, algumas reflexões sobre esses desafios que estamos
enfrentando como organização de educação.
Silvio Kaloustian: Destacaria alguns temas que a colega levantou, na educação, no multiculturalismo.
Sobretudo, ela falou da educação formal e da educação informal que é um tema importante para nós que
discutimos a qualidade educacional. A minha incumbência é ordenar a mesa e organizar o debate. A nossa
flexibilidade vai se tornando menor a cada minuto que se passa. Temos vinte minutos. Vou sugerir o
seguinte procedimento. Objetividade e clareza. Negociamos isso e vamos às intervenções.
Adauto da Silva: Boa tarde. O problema da educação, hoje, é financeiro ou cultural? Se nós dobrarmos o
salário do professor, fizermos investimentos com recursos financeiros, resolvemos o problema da
educação? Ou é um problema cultural? Porque muitas vezes nós professores, queremos cobrar do aluno
aquilo de que não damos exemplo. Com relação a horário, chegar em sala de aula, atender celular na sala
de aula. Algumas coisas que eu analiso que podem ser culturais. O problema maior da educação hoje é
financeiro ou é cultural?
Luciene Medeiros: Prazer em encontrar o professor Gadotti depois de tanto tempo. O que vou fazer não é
uma pergunta. Eu fui instigada pelo apelo do OP Criança e tive a oportunidade de participar de um governo
popular democrático em Belém por oito anos e fui Secretária Municipal de Educação no último mandato
de quatro anos. Aprendemos muito com as crianças lá. Também concordo com o orçamento participativo.
Avançamos para uma experiência que chamamos Congresso da Cidade, onde reuníamos todos os
segmentos da sociedade.
As crianças, no orçamento participativo, quando os pais as levavam às plenárias, reinvidicaram o direito de
ter um Congresso de Crianças e foi muito interessante porque quando fizemos as primeiras reuniões com
elas, elas diziam o seguinte: não queremos um congresso chato como esses de vocês grandes. Não
queremos essa mesa com esse bando de gente grande falando que não para mais. Queremos falar e vocês
que vão nos escutar. E mais: queremos um congresso alegre, com muita cor, muita música, muita comida
gostosa e muitas crianças para fazer amizade.
E construímos com elas e realizamos quatro congressos de crianças com uma média de participação de seis
a oito mil crianças. Temos o que aprender com elas. O resultado dessa experiência foi que elas intervieram
na política, em todos os setores, da educação, da saúde, do transporte, enfim, elas pensaram a cidade dos
sonhos, para o futuro. Obrigada.
Helio, presidente da UNCME: A pergunta vai um pouco direcionada ao Gadotti, mas a mesa pode
resolver. Uma coisa que eu fico preocupado é recorrente. Eu fiz essa fala pela manhã e vou voltar a fazer. O
esgotamento do projeto neoliberal, na América Latina, tanto movimentos sociais como governos, têm
tido uma resistência grande a esse projeto neoliberal, um projeto que se apresenta esgotado e não tem
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dado respostas ao modelo de sociedade que a sociedade quer e não que meia dúzia de empresá-
rios desejam. Eu gostaria, Gadotti, que você falasse um pouco nessa perspectiva do esgotamento da polí-
tica neoliberal e de um novo modelo de escola que estamos debatendo aqui há quatro dias. Como
que um conceito que você tem, um texto importante que é da eco-pedagogia, como que esse conceito
de eco-pedagogia pode se inserir nesse projeto de uma escola que queremos, uma nova escola que a
gente deseja construir.
Adelino Ferrante: Minha pergunta é bem direta. Mas, antes quero fazer uma consideração. Acho que é
um luxo ter Moacir Gadotti aqui. Lamentamos profundamente que não tenha sido uma palestra dele aqui.
Mesmo assim é um prazer muito grande. Moacir, quais seriam os três nós principais na construção de
uma gestão democrática?
Genuíno Bordignon: Eu lamento, mas é para o Gadotti de novo. A sua fala, que é sempre um encanto,
ressuscitou duas questões bem diretas. A primeira, a que eu chamo democracia decretada, as normas
estaduais, municipais sobre conselhos, disciplinando tudo, quantos membros, quem vota, quem não
vota, a questão de autonomia da escola. E a segunda, você que mostrou esse vídeo tão fantástico do
menino que dizia, com lágrimas nos olhos, eu sou da paz, esse menino pode votar num conselho escolar?
Toda as leis impedem o aluno de votar, a não ser com 16 anos ou 14 anos ou outra idade.
Maria Aparecida Arruda: Boa tarde. Quero cumprimentar a mesa, e toda ela, pela brilhante exposição e
também parabenizar os promotores deste evento, que trouxe neste Seminário, os olhares diferentes, de
todos os lados. Talvez, Gadotti, já deixando a arrogância, já se começa a dialogar com quem faz a escola,
com os pares, que ele já tem costume de dialogar, que já tem uma interlocução e também chamando para
esse debate outras entidades diversas, de composições diversas, sem medo de ouvir o que essas entidades
têm para colocar. Ouvimos o CTERA, a Internacional de Educação. Penso que esse é um grande aprendizado.
No momento de abrir esse diálogo com os diferentes, eu queria perguntar para o Eli Jowen, a discussão da
Internacional de Educação, da descriminalização sindical, da fuga de cérebros, da discriminação de
imigrantes, dos professores imigrantes, principalmente dos Países mais pobres, depois dessa demanda e
que ele falasse um pouco mais. Ele apontou um dos seus eixos, o segundo ou o terceiro, de expressar essa
demanda para melhor negociar. Então, trabalhar um pouco isso para sairmos com mais clareza sobre isso. E
Gadotti, já nos encontramos várias vezes mas é sempre bom ouvi-lo, nesse exercício da democracia.
Silvio Kaloustian: Eu também tenho uma pergunta aos meus colegas da mesa.
Rosangela: Boa tarde, é um prazer estar aqui. Como estamos aprendendo e através dessa troca,
enriquecemos. Foi colocado pela mesa, entre os palestrantes, uma questão muito importante que é a
questão dos contratos temporários.
Acredito que nós, no papel de sindicalistas, e também de gestores, acho que devemos estar neste
momento, abraçar essa bandeira contra terceirização, contra esses contratos temporários, porque eles
vêm de uma sociedade selvagem, desigual, que estamos sempre falando. Acho que devemos ter coerência
nesse discurso na nossa prática. Levantarmos essas questões, e estão aí muitos jovens desempregados.
Essa função, que o Moacir Gadotti colocou com bastante competência, de ver esses trabalhadores, esses
atores, não somente os professores, mas os funcionários da escola, como educadores. Isso é muito
importante, acho que tem que estar em nosso dia-a-dia, construindo isso e fazendo essa diferença para
enriquecer, para que realmente a educação seja uma educação viva, alegre e dinâmica, o prazer e não o
desprazer, angústias e preocupações.
Edson Evangelista: Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui, de estar aprendendo mais e mais
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com todos. Acho que todos que vieram, tanto nós como os palestrantes, todos são importantes e
merecedores do nosso aplauso.
A outra questão, e eu gostaria de ver com o Gadotti. Ele nos traz a visão de uma escola que se pudermos unir
e participar, tornamos essa escola alegre e envolvente. Gostaria de saber como nós poderíamos fazer nessa
estrutura que estamos vivendo hoje, que cada vez mais os governantes estão construindo formas de fazer
com que essa participação se afaste cada vez mais. Temos os conselhos. É muito difícil, fazer com que haja
participação dos pais. Muitas vezes encontramos dificuldades muito grandes de constituir, nesses
conselhos, a participação dos professores. Às vezes chamávamos assim: o professor pego a laço, para
fazer parte dos conselhos escolares. Gostaria de saber como nós podemos mudar essa forma, diante das
políticas que cada vez mais são traçadas nos Estados forçando a participação dessa comunidade. Isso é um
fato verídico que a gente constata diariamente nas escolas.
Uma outra questão que eu gostaria de perguntar ao Eli, existe alguma possibilidade de Países como o
Brasil, da América Latina, empreender uma política educacional sem estar atrelada às idéias das grandes
potências?
Caetano Neto: Boa tarde a todos. Gostaria de perguntar ao Eli se a experiência que ele já vivenciou, dos
países que possam estar declarados de grande eficiência educacional. Se, nesses Países, há um forte
controle de natalidade e planejamento familiar e se isso tem verdadeiramente influência na eficiência e na
capacidade de gerenciamento do processo educacional na localidade.
Maria Marlene: O que fazer? O Ceará vive uma gestão democrática desde 1995. Infelizmente
percebemos, no nosso dia-a-dia, que embora o aluno votando (o aluno a partir de 13 anos tem direito ao
voto) para escolher o seu diretor, percebemos que não temos uma gestão democrática. Temos uma
ditadura às vezes disfarçada dentro de uma gestão democrática. Temos os conselhos escolares que não
atuam. Na verdade não exercem seu papel e quando a gente vai analisar os conselhos escolares, quem está
na presidência? 95% são professores e uma pequena minoria são os pais que assumem a presidência ou os
alunos. O que fazer para que aperfeiçoemos e possamos transformar a escola numa gestão democrática,
que ela realmente seja da comunidade e voltada para o interesse do trabalhador que está na escola pública?
Silvio Kaloustian: Eu vou fazer a última intervenção. Gadotti, eu gostaria de ouvir você. Nós enquanto
UNICEF, nessa busca de construir parcerias, temos ouvido sobre essa questão de produtividade, salário
adicional de professor vinculado a performance de aluno, e nós, enquanto UNICEF, estamos nos armando
pedagogicamente para fazer frente a essas idéias. De desrespeito ao profissional da educação. Eu lhe
pergunto: essa discussão não se inicia com uma remuneração digna do trabalhador da educação e a partir
daí podemos conversar sobre co-responsabilização, performance, avaliação. Gostaria de ouvir de você,
Gadotti, como entrar melhor preparado nessa discussão.
Beatriz Gonzalez: Este Seminário significa semente, como a Jandira falou. Eu agradeço muito pelo
convite que foi feito pelo Arlindo, pelo Ministério da Educação, para participar com uma experiência
modesta que nós estamos desenvolvendo, basicamente na cidade do México. Neste momento estamos
estendendo para outros dois estados da República, as Chiapas, que muitos conhecem. Dos estados mais
pobres do País, onde há população indígena, guerreira, com diferentes perspectivas, onde existe
problema de desigualdade e pobreza, muito acentuados. Eu também quero agradecer duplamente
porque temos um vínculo muito forte com o Brasil desde 89, do qual conhecemos a experiência do
Instituto Cajamar, justamente uma experiência importante de formação junto com os movimentos sociais
aqui no Brasil.
Estamos felizes de compartilhar, novamente, aqui com vocês a nossa experiência. Como se pode ver é uma
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escola. Vamos perguntar. Por qual escola nos vemos, de governo e cidadania? Por que e de onde vem essa
necessidade, essa situação? Creio que vários dos expositores, colocaram a importância da educação
cidadã. Falaram da grande importância de uma construção cidadã, e da necessidade de uma educação
cidadã, na construção de um sujeito autônomo, que possa conhecer, analisar e trabalhar, sobre sua própria
realidade, este vínculo de educação e de sociedade e desenvolvimento para criar cidadãos que melhorem a
sua prática social, no próprio lugar onde vive. Quem sabe se não é melhor ser analfabeto do que ser
analfabeto funcional, nessa lógica? Uma coisa importante também, que está relacionada com a nossa
experiência, é a questão da educação cidadã vinculada à identidade, vinculada também ao elemento
poder. Quem decide, quem opina, quem toma decisões etc.?
Moacir Gadotti: Depois desse convite amigável eu tenho que ser telegráfico com meus comentários.
Sobre se o problema é financeiro ou cultural, eu diria que os dois, e é financeiro também no sentido de que
muitos recursos são mal utilizados na educação. Existem três esferas de governo e elas não trabalham em
regime de colaboração. Normalmente, como está na Constituição de 88. Eu sou por um sistema único e
descentralizado de educação e defendo um pouco a idéia do Cristóvão, por uma espécie de federalização
da educação, no sentido de que todas as três esferas trabalhem de uma forma unitária, inclusive no Ensino
Básico. E é também uma questão cultural. Evidentemente que temos uma longa história de desacreditar na
educação e desacreditar porque muitos acham que para ganhar dinheiro vá ser jogador de futebol, não
precisa ter escola. Vejam os jogadores que ganham tanto, aparecem modelos culturalmente colocados na
sociedade, que não precisam de escola para isso.
Pesquisa feita pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República mostrou que a
população não precisa mais ser consultada sobre o valor da educação. Todo mundo, hoje, no Brasil, tem
plena consciência de que sem educação não se consegue avançar na sociedade. Então, culturalmente
estamos vencendo esse grande desafio.
Parabéns a Luciene, minha aluna. Eu tenho alunas importantes, secretárias de Educação, ex aluna da PUC
de São Paulo, fez mestrado com a gente. Parabéns pelo congresso das crianças, a sua exposição nos
convenceu a todos. Perguntaram sobre o modelo neoliberal. Só esse assunto levava a tarde inteira. A eco-
pedagogia. A pedagogia da terra está inspirada numa visão da cidadania planetária, uma participação
planetária. Tenho trabalhado muito com os textos do Antônio Negri e recomendo o livro “Como mudar o
Mundo sem tomar o Poder. Agora não esperem as respostas. Quando chega na última página ele termina
o livro Como mudar o Mundo sem tomar o Poder, você não sabe. Mas é muito bom o livro. Porque eu acho
que é a construção criativa neoliberal que começa na sociedade. Nos incitaram com três nós, nós da
construção da democracia. Primeiro, a inexperiência, temos quinhentos anos de autoritarismo, então está
no sangue isso, então não temos experiência, então quanto mais democracia tivermos mais democratas
nós seremos ao experimentar a democracia.
Eu respondi um pouco no meu texto também à questão das mentalidade. Nós temos uma mentalidade que
vem não somente da experiência de quinhentos anos, é uma mentalidade de certa invisibilidade do outro.
Não somos democratas porque não enxergamos o outro. Passamos do lado, às vezes anos e anos e não
sabemos quem é. Então temos que mexer com nossas entranhas para sermos democratas. Na família, às
vezes não enxergamos nossos filhos, não enxergamos os nossos pais, os nossos vizinhos, tornamos visíveis
muitas coisas em nossa vida por atos que viemos fazendo sem essa percepção da vida mesmo. Porque a
democracia, como a Beatriz colocou aqui, é um modo de vida, um modo de vida sustentável. Temos que
mexer um pouco com nossa cultura, aquilo que se chama sociologia dos ausentes. Tem muito ausente na
nossa história. Então, acho que precisamos de percepção da diversidade hoje. É muito importante
estarmos atentos a isso.
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E na educação, acho que não adianta introduzir uma reforma dos ciclos, da produção continuada, se os
pais, se os alunos, continuam com uma mentalidade do currículo antigo. Não adianta insistir num pro-
jeto democrático se os pais não tiverem a percepção que a democracia é importante. Isso responde
um pouco à idéia de que os conselhos de escola não funcionam. Também nós fizemos uma lei em São
Paulo de gestão democrática. 50% funcionou, outros 50% não, mas isso na época do Paulo Freire. Mas
apostemos nos 50% que funcionaram.
Eu acho que temos que apostar sempre nos conselhos embora haja formas novas, por exemplo o OP
Criança tem uma fórmula nova de participação. A Ângela que está aqui vai falar sobre isso na oficina.
Poderá desenvolver um pouco mais essa idéia de inventarmos formas novas de participação. Se as formas
burocráticas, estamentais, legais, não funcionam, inventemos coisas de que a população participe, que os
alunos possam participar. Inventando formas novas de participar, utilizando a mídia, utilizando o hip hop,
utilizando aquilo que os jovens sabem fazer. A pergunta está relacionada um pouco àquilo que o Genuíno
referiu. Ele me provoca muito com idéias. Esse menino pode votar ou não, pode votar realmente? Nas
assembléias legislativas há uma resistência a essa questão que me irrita profundamente, me irrita que um
advogado defenda que é tudo ilegal o que se faz em um conselho de escola porque tem lá um menor de 16
anos que nega a possibilidade de ele participar. Em São Paulo, quando instituímos o OP Criança, houve um
médico da nossa cidade, um médico psiquiatra que teve a ousadia de publicar no jornal dizendo que
criança não tem maturidade para votar. Amar uma criança é sobretudo respeitar a expressão dela. Que ela
tem direito de expressar-se sobre tudo que diz respeito a ela. Acho que é um pouco um debate
provincialesco, autoritário, legalista, que nega o direito de uma criança expressar-se em um conselho de
escola. Inclusive, em Minas, Walfredo, que hoje é ministro do Turismo, trabalhou, como secretário de
Educação pela legalização do conselho de escola, deliberativo, em Minas Gerais. Todos os atos foram
anulados porque eles não são atos legais, porque há menores de 16 anos decidindo o destino de recursos
públicos. Essa foi a grande sacada da Assembléia Legislativa de Minas, negando o direito de a criança
participar. Acho um absurdo porque que mal pode fazer uma criança de dez anos, que vai lá diz que quer
uma cantina, quero uma quadra, quero uma piscina na minha escola, que mal pode fazer uma criança?
Parece que tem gente que tem medo. Acho que temos que rechaçar profundamente esse argumento
legalista que impede de a criança participar de um conselho de escola. Isso me irrita e acho que a sua
questão foi uma provocação realmente. Não é possível que estejamos no início de um novo milênio. Com
essa mentalidade retrógrada ainda, com idéias, que já eram defendidas no começo do século XX sobre o
direito da criança. Há mais de cem anos que essa questão já foi superada nas idéias pedagógicas mas, na
prática, ainda tem gente discutindo se criança pode votar, se criança pode participar ou não. A Rosangela
nos provoca com a questão do trabalho terceirizado dos professores. Acho que a resposta que o Eli deu
muito bem, faz parte de uma estratégia mundial hoje de mercantilização da educação, de transformar,
como quer a Organização do Comércio. Não há valor a ser disputado no mercado, a posição dele foi muito
feliz e colocou como estratégia mesmo, transnacional. Aí o professor não vai ser mais necessário. Escrevi
inclusive, para o FECODE (Federação Colombiana de Educadores), uma análise de fomentos do Banco
Mundial que mostra claramente quais são as ameaças, hoje, à docência na América Latina. Mostrei dez
pontos destacando claramente que a maior ameaça é a desprofissionalização que nós temos. A maior
ameaça por trás disto é a mercantilização, que ele colocou sobretudo no ensino superior, e a
transnacionalização da educação. Temos que lutar contra isso e reivindicar, porque o capitalismo
neoliberal só quer medir os aspectos puramente ligados à competição entre as pessoas. O mercado quer
gente egoísta e quer formar gente egoísta. Esquece totalmente os aspectos solidários e os aspectos
humanistas. Entro na última pergunta do Silvio com relação aos prêmios e castigos, aos salários por
produtividade. O Elie colocou muito bem a idéia de pagar por mérito. Essa é uma estratégia neoliberal. Por
isso, sou contra esse negócio de prêmios. Primeiro que você premia uma pessoa e você descontenta todos
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os outros. Segundo, isto inclusive, individualmente, é ruim para a educação. A educação é um bem social,
um bem coletivo, então tem que se valorizar o coletivo. Sou contra ficar avaliando os professores com
notas e assim tentar premiar. Essa relação prêmio/castigo, acho que até tem méritos. Mas, ultimamente,
tem aparecido tanto prêmio, como se isso resolvesse o problema da educação. É prêmio para qualquer
coisa. Os bancos, principalmente, porque eles têm uma identidade bancária de jogar prêmios.
Convenhamos que isso não vai resolver o problema da educação. Está dentro de uma política neoliberal
que tenta valorizar a competitividade e o ranking. Tenho que classificar as pessoas, tenho que me
classificar dentro de uma certa ordem. Classificar minha escola, classificar meus professores. Embora eu
tolere, eu vejo que não é a estratégia correta. Começa a haver competitividade dentro da escola, você está
ganhando mais 10% porque você atende mais exigências do MEC, ou as exigências do currículo, ou você é
simpático para o diretor, etc.
Então, vai se criar um clima de competitividade. Isso para mim cheira um pouco a uma visão neoliberal, que
me preocupa. Desculpem-me se muitos aqui defendem os prêmios, mas tomem cuidado com aqueles que
promovem os prêmios, e pagam por produtividade.
Há múltiplas formas de premiar quem trabalha mesmo. Mesmo no exemplo que se falou da Suécia. Os sindi-
catos interferiram. Mudou a política de reforma, de individualista por coletiva, da escola. Eu achei isso um
ganho. Por exemplo, no Instituto a gente não escreve para ganhar prêmio, por quê? Tomamos a decisão de
não participar, de não participar desse tipo de política. Pode ser que amanhã alguém queira dar um prêmio,
mas acho que não é a forma melhor. Quanto mais a democracia avançar, historicamente, lentamente (para
nós ainda é muito lento o nosso processo) tem que avançar na base, indo, caminhando com todos juntos.
Encerro com Che Guevara, nosso grande educador latino-americano. Eu li os seis volumes que ele escreveu.
Na época era de graça, na época dos anos 60 a gente recebia de graça os volumes. A editora Progresso,
de Moscou, mandava tudo para a gente de graça. Bons tempos aqueles, dos stalinismos, que mandavam
tudo para a gente.
Eu recebi em espanhol seis volumes. Encantei-me com uma entrevista que ele deu, e perguntaram a ele:
como deve andar uma patrulha? E ele tinha tudo para falar bem das patrulhas. Então, o Che respondeu:
uma patrulha deve caminhar segundo o passo do mais lento, porque se todos tentarem caminhar pelo
passo do mais lento, todos vão começar a caminhar juntos. O importante não é eu chegar lá na frente
sozinho; o importante é nós todos chegarmos na frente, juntos. Obrigado.
Silvio Kaloustian: Obrigado, vou passar o comando do evento ao Arlindo daqui a pouco. Gostaria de
agradecer em nome das Agencias das Nações Unidas, UNICEF, PNUD. Parabenizar professor Horácio, Arlin-
do, e toda a equipe do MEC que, mais uma vez, nos abre essa oportunidade de vir aqui debater questões
importantes para a educação brasileira. Agradecer a meus colegas da mesa. Foi um prazer tê-los aqui.
E agora passamos ao Arlindo que passará as orientações para a próxima etapa do Seminário.
Arlindo Queiroz: Muito obrigado, Silvio. Uma salva de palmas para Silvio. Eu gostaria inclusive de
pactuar com vocês...
Silvio Kaloustian: Arlindo, só esqueci um aviso importante. Desculpe te interromper. Tem uma outra
reunião dos Conselhos Estaduais de Educação após a oficina. O Arlindo vai orientar, na sala dos
computadores, sala 07. Todos os representantes dos conselhos estaduais de educação. Uma reunião
rápida.
Arlindo Queiroz: Primeiro, pactuar com vocês, para amanhã. Nós temos ainda um painel e depois, com
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um encerramento para as conclusões, a entrega dos certificados, que já estão sendo rodados. Serão
entregues amanhã, impressos, assinados pelo ministro da Educação.
A idéia é que a gente faça uma compactação amanhã, de tal sorte que encerre tudo ao meio-dia, meio-dia e
meia. Se possível, até uma hora. Mas, que a gente encerre todo o primeiro expediente.
Para isso vou pedir a colaboração de todos. Que cheguem cedo, no horário, para começarmos no horário.
Em segundo lugar, quero parabenizar pela ampla participação hoje, no horário da tarde. Tem que
examinar e descobrir o que foi isso, não sei se foi o tema, os palestrantes, as oficinas.
Amanhã, o horário está previsto para as 8 horas da manhã.
A oficina é o espaço de troca. Aqui está colocado troca recíproca. É o lugar em que a gente vai ampliar
conversas, intercâmbios entre os participantes. E é também um momento de aprofundamento temático e
de levantamento de proposições. O Seminário não é deliberativo, mas terá um documento propositivo,
com diversas sugestões para os campos temáticos.
As proposições são livres, e em todas as dimensões. Ao coordenador caberá garimpar na oficina, e ao
relator registrar essas sugestões.
Nós propomos um roteiro. Fica a sugestão de cada oficina fazer a devida adequação. Qual o roteiro?
Primeira parte, uma entrevista simultânea, as duplas conversando em cima de um roteiro, que está aqui
neste papel que vocês receberam. Que experiências você já vivenciou sobre este tema? Uma reflexão sobre
o êxito dessa experiência, qual foi o papel? Que elementos contribuíram? Qual foi essa contribuição? E que
lição se tirou?
E, em seguida, nós teremos duas a três experiências que serão relatadas sinteticamente. O moderador abre
a discussão do grupo até que se fecha a oficina com as contribuições que surgirão, emergirão desse
processo.
A oficina não terá tradução simultânea, mas poderemos disponibilizar um tradutor. O espanhol é mais ou
menos comum, e dá para a gente trocar bem, devagar e com paciência.
INTERVALO E FIM DOS TRABALHOS
Saudação do Ministro de Estado da Educação.
28 de Abril de 2006 (sexta-feira)
Mestre de Cerimônias: Nós estamos aguardando o senhor ministro da Educação. Vem fazer uma
saudação aos participantes do Seminário Internacional Gestão Democrática e Pedagogias Participativas.
Estamos só aguardando a sua chegada. Após sua saudação daremos início à última mesa do nosso
Seminário. Todos os painelistas já estão presentes.
Como disse, vamos compactar o dia de hoje para terminar ainda no primeiro expediente.
Estamos tabulando também o resultado da avaliação e daquele material temático que a gente recolheu, e
pretendemos ainda hoje, se possível, apresentar, qual a percepção que a gente sai daqui em relação
àqueles aspectos que foram avaliados.
Anunciamos a chegada do ministro da Educação, Fernando Haddad. Uma salva de palmas para o
nosso ministro.
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Convidamos para compor a mesa o nosso ministro de Estado da Educação, o secretário de Educação Básica,
Francisco das Chagas; presidente da CNTE, Juçara Dutra; professora Alaídess Mendieta, presidente do
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais; representante do CONSED, secretário de Estado de Rondônia, a
vice presidente da UNDIME; Paulo Santos, da UNCME.
Vamos agora ouvir uma saudação do nosso ministro da Educação. Estão participando do Seminário, que
aprofunda tematicamente a questão da gestão democrática da educação e pedagogias participativas, 380
participantes, representativos. São presidentes ou representantes de conselhos estaduais de todo o Brasil,
de conselhos municipais de educação de todo o Brasil, das secretarias municipais de educação, das
secretarias estaduais, dos sindicatos, promotores públicos, representantes dos conselhos escolares,
ONGs, organismos internacionais. Tivemos a participação de dez Países, que trouxeram suas contribuições
da ótica da gestão de políticas nacionais, quer seja através de governos, quer seja através de organizações
não governamentais.
Teremos agora a saudação do excelentíssimo senhor ministro de Estado, Fernando Haddad.
Fernando Haddad Ministro da Educação: Muito bom dia a todos vocês. É um prazer poder participar
desta solenidade, dos trabalhos que estão sendo desenvolvidos. Eu vou me valer de uma nominata feita
rapidamente. Desculpem-me se esquecer de saudar alguém. Eu gostaria de saudar a Márcia Ângela,
presidente da ANPED, Fernando Rodal, da Confederação dos Educadores Americanos, Ana Vitar, da OI, da
Argentina, Alaídess Alves Mendieta, presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais, Paulo
Eduardo dos Santos, presidente da União dos Conselhos Municipais de Educação, Juçara Maria Dutra,
presidente do CNTE, Justina Iva, vice-presidente da UNDIME, Denise Carreira, presidente da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Reginaldo Lustosa, secretário de Estado e da Educação de Rondônia.
Vejo ali o deputado Carlos Abicalil, que sempre prestigia as nossas atividades; sua presença é constante e
freqüente no Ministério da Educação, muito obrigado, deputado.
Vocês têm, imagino, tentado acompanhar os esforços do Ministério da Educação, pelo que diz respeito à
Educação Básica, sobretudo Educação Básica no nosso País. Não é o único eixo de atuação do Ministério até
porque seria um contra-senso a opção exclusiva pela Educação Básica, com desafios na área da Educação
Continuada, na área da Educação Superior, e na área da Educação Profissional.
Esses foram os quatro eixos estabelecidos de comum acordo pelo Ministério da Educação, com o próprio
Presidente da República. E nós sabemos a importância que tem apoiá-los, no seu conjunto, porque o grau
de complementaridade desses níveis educacionais, dessas modalidades, dessas etapas educacionais é o
segredo do sucesso na educação. Imaginem vocês no Ensino Médio, sem a Educação Profissional, o que
estamos assistindo, alunos desmotivados, dificuldade de estruturação de currículos do Ensino Médio.
A Educação Básica sem o apoio das universidades públicas, no que diz respeito à formação inicial e
continuada dos professores, também dá no que assistimos. Falta de professores para o ensino médio, para
quinta e oitava séries, falta de compromisso da universidade pública, não por falta de vontade, mas por
falta de recursos financeiros e humanos, para estabelecer os nexos e as pontes para qualificação da
Educação Básica. Dificuldade de interiorizar Educação Superior pública. Enfim, à série de problemas que
também assistimos.
No que diz respeito à Educação Básica, ela mesma, quer dizer, o apoio e a prioridade que deve ser dada ao
ensino obrigatório não pode descomprometer o poder público com a Educação Infantil e o Ensino Médio que
são etapas que compõem a Educação Básica junto com o Ensino Fundamental, e não curiosamente,
obviamente, reforçam o Ensino Fundamental. Então, é o rompimento dessa visão fragmentada da educação.
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Hoje, todos os estudos, até da economia da educação, demonstram estatisticamente que o desempenho
escolar durante o ensino obrigatório depende da Educação Infantil. Quer dizer, o INEP fez um estudo
recente, apresentei em um Seminário internacional da GV, mostrando que o aluno que tem acesso à pré-
escola, tem em média quase dois anos a mais de escolaridade do que o aluno que não teve.
Tudo isso parece óbvio, mas as ações públicas não deram conta desta obviedade. Elas, na verdade,
enfrentaram essa obviedade, confrontaram essa obviedade.
E hoje nós estamos com esse grande desafio de reestruturar todo o sistema, sem negar os avanços que
efetivamente houveram no campo do acesso ao ensino fundamental, a matrícula que há mais de dez anos,
no início da década de 90, superou 90% na taxa de atendimento das crianças de 07 e 14 anos. Mas isso é
muito pouco perto do que o País precisa fazer.
Nós, nesse último ano de trabalho que temos pela frente, nosso terceiro ano de trabalho à frente do
Ministério, por ocasião da posse do ministro Tarso Genro, mas o último ano de mandato do presi-
dente Lula, nós estamos investindo fortemente em dois elementos centrais da nossa política, no que
diz respeito à Educação Básica - de um lado a questão da gestão democrática, e de outro lado a questão
da formação de professores.
Ontem, eu passei o dia em um Seminário que discutia alfabetização e letramento. Estamos com o Pró-
letramento, que acho que é de conhecimento de todos vocês, que mobiliza dez universidades,
alguns milhares de formadores e está capacitando praticamente 100 mil professores da primeira à quarta
série, a cada semestre. E isso da primeira à quarta série, sem aquela visão de dar apoio só para primeiro
ou para segunda série do Ensino Fundamental, mas tomando o bloco das séries iniciais e capacitando
professores por semestre.
Com o material de uma riqueza a toda prova, material confeccionado pelo que tem de melhor nas
universidades públicas que, a partir da rede de formação que a Secretaria de Educação Básica constituiu,
vão se aproximando da educação básica, construindo aquela ponte que foi de certa forma desconstruída
ao longo dos anos, até pelo desapreço à educação superior pública que o País viveu. Hoje não, hoje nós
resgatamos a auto-estima da universidade pública, com a contratação de professores, com o aumento de
custeio. Só para vocês terem uma idéia, em quatro anos, contratamos nove mil docentes nas universidades
públicas federais, contra quatro mil dos oito anos anteriores. Quer dizer, quatro vezes mais a média de
contratação por ano. Dois mil desses novos professores são professores que vão atuar nos novos quarenta
e dois campus universitários no interior do País, levando a universidade pública para o interior do País, ou
seja, aproximando do professor da Educação Básica.
A maioria desses campus contam com cursos de licenciatura, a grande maioria, quase a totalidade deles.
Ou seja, para permitir, ao professor em serviço, ter a oportunidade de completar a sua formação ou de
enfrentar um ciclo de formação continuada, de atualização permanente.
Nada disso é fácil. Vocês sabem a dificuldade de mexer com a educação. É muita insistência. Os frutos
demoram a ser colhidos. É um trabalho. Às vezes eu paro para pensar e falo: meu Deus do céu, como é difícil
colher os frutos. Mas nosso papel é plantar, plantar e plantar, insistentemente, até convencer o País que
esse é o único caminho. Hoje nós somos alguns milhões de educadores no País, mas nós vamos ser uma
nação digna desse nome, quando todos se sentirem educadores, todos, pais, mães, avós.
Todos se sentindo, de alguma forma, pertencendo a um grande empreendimento educacional, porque
educação começa em casa, começa com a leitura de uma história para a criança dormir. Começa com a
expansão desse universo lingüístico da criança, o carinho que se dá à criança em casa, as condições
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emocionais para ela poder obter um aprendizado adequado. Todo mundo sabe, quando uma criança tem
problema em casa, tem dificuldade para aprender em sala de aula.
Então, é longo, é lento, é difícil, em face das dificuldades de renda que a criança tem. Então, a importância
de um programa como o Bolsa Família que dá condições mínimas para a mãe de família pobre poder
comprar uma muda de roupa, poder comprar um caderno, um lápis de cor. Tudo isso tem tanta importância
que, muitas vezes, as elites não percebem, mas tudo isso é muito importante. O livro didático que chega no
Ensino Médio, a merenda que chega agora na creche. Coisas básicas que estão sendo feitas agora.
E a gestão democrática se insere dentro desse amplo contexto de grande esforço, mobilização que todos os
sistemas estão fazendo, de apoio aos conselhos municipais, aos conselhos escolares, aos gestores por
meio da Escola de Gestores, e para o apoio aos dirigentes municipais, pelo PRADIME. Ou seja, um leque de
ações da Secretaria de Educação Básica .
A educação básica tem um desafio tão grande, (a gente esquece o nome de tudo o que se faz ali) só para eu
decorar os quatro programas de formação, Pró-Infantil, Pró-Formação, Pró-Licenciatura e Pró-
Letramento. Para entender, porque não basta decorar o nome rápido, e agora o Pró-Funcionário, alguém
está me lembrando aqui. Decorar o nome é fácil, mas entender a lógica, a construção, o número de técnicos
que se debruçam sobre os vários modelos à disposição, percebem o que efetivamente iria impactar mais.
O próprio conceito do Pró-Funcionário é uma coisa muito recente. Nós não tínhamos o hábito de pensar na
merendeira e outros. Todo mundo que é envolvido na educação, que não fosse o professor, e na
importância desses profissionais da educação para o ambiente escolar, para forjar um ambiente saudável
dentro da escola.
E muitas vezes a ação do Ministério é uma ação mais exemplar, porque não há recursos para tudo. Mas essa
ação exemplar repercute nas redes, muda as mentalidades, sensibiliza prefeitos, governadores, dirigentes,
diretores, e a cultura vai mudando. A pressa é muito grande. Nós, agora, estamos com o projeto da
Universidade Aberta do Brasil que, do meu ponto de vista, vai ser uma revolução neste País, porque pelas
contas preliminares que nós fizemos, se nós instalarmos pouco menos de mil pólos de apoio presencial, nós
vamos poder fazer com que cada professor, dos dois milhões e tanto de professores que nós temos no País,
cada um deles tem a chance de passar sob um ciclo de educação continuada a cada cinco anos, no máximo.
Imaginem vocês se nós tivéssemos uma rede capilarizada por todo o País, Amazônia, no Norte, Nordeste,
Sul, Sudeste, a rede capilarizada, são 213 cursos já cadastrados de Universidades Federais. São 37
universidades federais, e 10 CEFETS que se estão propondo para oferecer cursos para esses pólos
municipais. O número de pólos já passa de 400 propostas. Agora, na primeira seleção, mais de 400
propostas, vocês imaginem se nós pudéssemos construir essa rede e então fazermos o casamento, aquele
até a morte nos separe” entre a Educação Superior e a Educação Básica. Esse casamento que nunca foi
celebrado, e que pode ser celebrado com vantagens, não só para a Educação Básica, mas para a Educação
Superior, que precisa aumentar o seu grau de porosidade, para ouvir o que está acontecendo no chão da
escola, porque muitas vezes o pesquisador não está ciente do que está acontecendo no chão da escola.
Essa experiência que vocês podem levar para os departamentos das Universidades, se sensibilizarem com
os problemas que vocês enfrentam na sala de aula, na escola, vai fazer mudar a qualidade da nossa
pesquisa na Universidade. Então é uma via de mão dupla que está tentando se estabelecer. Não há uma
posição imperial da Universidade, vamos ensinar vocês a ensinar. Não, vamos ensinar a quem se dispõe a
ensinar, a aprender um pouco do que acontece ali, as dificuldades que são vividas e mudar a cultura das
Universidades, aumentar essa interlocução para as pesquisas sobre pedagogia, sobre antropologia, sobre
psicologia, sobre neurociência, para que tudo isso sofra o impacto das nossas realidades, que são muito
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diversas. Se nós tomarmos o Rio Grande do Sul, o Acre, ou o Piauí, o País é muito diverso, e não dá para ter
uma ciência da educação sem o conhecimento dos problemas concretos que se passam e são muito
diferentes de lugar para lugar.
Para realizar um grande empreendimento junto com vocês, e não adianta a imprensa, não adianta cobrar,
se é prioridade, se não. Para o Ministério da Educação falar e priorizar a educação, o problema não é dessa
ordem, o problema é de natureza social, não é só governamental.
Os governantes são o reflexo do que pensa a população. Quem elege os governantes é a população. Em
grande medida o Congresso Nacional, Senado, Câmara, o Executivo, nos três níveis, prefeito, governador
e presidente da República, são expressão do pensamento médio. Nossa tarefa é a sensibilização de toda a
população, de um grande empreendimento, que não é de governo, é um empreendimento muito mais de
organização social. Nos Países onde a educação funciona, tudo partiu da sociedade. Não parte do
governo, parte da sociedade, é como democracia. Não houve democracia no mundo por desejo de rei. Já se
viu rei democrata? Rei é absolutista. A democracia se constitui a partir de pressão sobre o monarca.
Primeiro, criando o Parlamento forte, depois criando a figura do Primeiro Ministro. O presidencialismo
surgiu há pouco mais de 200 anos no mundo, eleição direta, sufrágio universal.
Isso é uma construção social, não é uma construção estatal, vem de baixo, e como democracia, que tem um
vínculo direto com a educação, nós estamos discutindo isso aqui hoje. Democracia e educação estão
imbricadas na modernidade de uma maneira indissociável. O grande John Dewey, escreveu um clássico
sobre educação, que sensibilizou o nosso maior educador, que era o Anísio Teixeira.
Então, essas relações estão estabelecidas. O desafio nosso, assim como estamos discutindo democracia e
educação na escola, é fazer a sociedade discutir democracia e educação, porque efetivamente não há
democracia sem educação. Você pode ter sufrágio universal sem educação, mas democracia sem
educação isso não existe, porque na hora em que o cidadão toma consciência dos seus direitos e vai
depositar seu voto, se ele não estiver formado e informado, vai votar mal.
A educação é elemento constitutivo, que dá substância ao ato formal, que é o ato de votar.
Parabéns ao Chagas, eu sou grato ao Chagas, por tudo o que ele vem fazendo no Ministério da Educação, o
nível de mobilização que nós conquistamos, muito elevado hoje, o número de oficinas. E tudo isso
funciona assim mesmo, e o pessoal critica: ah, o educador gosta de fazer Seminário. Gostamos mesmo,
gostamos de fazer Seminário, gostamos de nos reunir, porque é assim que se constrói um sistema coerente
de educação. É assim que se colhem os frutos na área de educação.
Conte conosco, agradeço a todos vocês por todo o empenho que fazem, por todo o entusiasmo, que
mantém essa chama acesa. A mudança na educação, que está acontecendo e vai vir com cada vez mais
força, só depende do nosso entusiasmo. Muito obrigado a todos vocês.
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Mestre de Cerimônias: Agradecemos ao Ministro de Estado da Educação. Pedimos que todos
permaneçam nos seus lugares enquanto a mesa se desfaz e convidamos a professora Justina Iva para
coordenar o painel Gestão Democrática da Educação na Escola.
Professora Justina Iva: Bom dia a todos e a todas. Vamos dar inicio ao nosso painel, cujo tema é Gestão
Democrática das Escolas. Nós vamos tentar cumprir rigorosamente o tempo destinado para
cada painelista, uma vez que estamos iniciando os nossos trabalhos com uma hora de atraso, e a inten-
ção explicitada ontem pela coordenação do Seminário é de que possamos terminar os nossos trabalhos
por volta das 12 horas.
Vamos convidar os painelistas, os expositores, professora Regina Vinhaes, professora da UNB, professor
Lauro Wittmam, professor na Universidade de Santa Catarina, professora Márcia Ângela, professora
presidente da ANPED, o senhor Fernando Rodal, da Confederação dos Educadores Americanos, e a
senhora Ana Vitar da OEI, da Argentina.
Vamos dar inicio aos trabalhos. Os expositores têm 20 minutos para apresentar o seu trabalho, e vamos
começar aqui, seguindo a ordem anunciada, pela professora Regina Vinhais Gracindo, professora da UNB.
Professora Regina Vinhais Gracindo: Muito bom dia a todos e a todas, é um prazer estar aqui nesta
mesa, discutindo a gestão democrática da educação, e recebendo também, como uma carioca brasiliense
que sou, recebendo todos nesta cidade que eu optei por viver.
Nessa mesa eu resolvi fazer um recorte da gestão democrática a partir de três considerações. A primeira
delas é a democratização da Educação Básica. O que vem a ser isso? Quer dizer, a temática em si e a
democratização da Educação Básica. E tentando inserir a democratização da educação dentro desse
conceito mais amplo de democratização.
E a parti daí nós vamos ter três momentos de reflexão. A primeira delas é democratizar a educação básica, o
que vem a ser isso. A segunda delas é a educação básica no Brasil; qual o seu retrato? E terceiro, as
possibilidades de mudanças. Por onde começar. São esses três momentos de reflexão que proponho que
façamos neste momento.
Democratizar a Educação Básica, o que vem a ser isso?
Bom, nós costumamos falar em democratização da educação como uma bandeira de movimentos
sociais há muitos anos. Quer dizer, democratizar a educação surge no cenário brasileiro há muitos anos.
Ressurge em meados da década de 80 quando nós redemocratizamos o Estado brasileiro. Após uma
ditadura de muitos anos, o Estado brasileiro se redemocratiza. E os setores sociais trazem também para si a
idéia de democratização do seu próprio setor. Nós, da educação, trazemos também essa idéia de
democratização da educação.
Como bandeira de movimentos sociais, é evidente essa luta pela democratização da educação, e quase
sempre como ampliação do atendimento educacional. O que se verifica é que, efetivamente, esse
atendimento do Estado (e aí estou chamando União, estados e municípios) ainda é um atendimento
tímido. Tímido por quê? Porque ele é focalizado e restritivo. O acesso, como estou falando nesse
Gestão Democrática nas Escolas.
EXPOSIÇÕES DA MANHÃ
PAINEL
momento, é focalizado. Como o ministro disse, nós atingimos há bem dez anos mais de 90% de acesso
das crianças de 07 a 14 anos na escola, ou seja, estamos democratizando sim, restritivamente, crianças
de 07 a 14 anos.
Há uma focalização no Ensino Fundamental e uma restrição dentro desse mesmo ensino fundamental para
crianças apenas de 07 a 14 anos. Com isso nós temos a falta de políticas considerando a educação de jovens
e adultos, a educação de crianças de 0 a 05 anos (Agora, já que nós temos a partir desse momento a inclusão
das crianças de 06 no ensino fundamental) e o Ensino Médio.
Imaginamos que com o FUNDEB, e mais tarde vou tratar desse assunto, ressurja a idéia da Educação Básica
como um todo, porque é através de um financiamento que a gente pode viabilizar efetivamente políticas
contundentes, tanto para Educação Infantil quanto para o Ensino Médio.
O segundo ponto dentro da democratização da Educação Básica vem a ser isso: eu gostaria de dizer que
democratizar a Educação Básica não pode, e todos nós sabemos isso, somos educadores, não pode se
restringir ao acesso. Garantir que todos estejam na escola é um primeiro passo para garantia da
permanência, do sucesso, e de tudo mais. O acesso é a primeira busca, políticas contundentes para que nós
tenhamos todas as crianças da Educação Infantil na escola, todas as crianças e jovens no Ensino Fundamental
e jovens no Ensino Médio, são políticas fundamentais. Mas elas não bastam, elas são um primeiro patamar
para se conseguir as outras etapas do que eu chamo democratização da educação. Quais são elas? Nós
discutimos isso sempre. É a manutenção dessa criança, desse jovem na escola, que a gente chama de
permanência, e não basta estar na escola, é importante que ela esteja na escola aprendendo, portanto, com
sucesso. Então são três, pelo menos, patamares de entendimento da democratização da educação.
E esquecemos isso, nas nossas discussões, de um quarto patamar. Estou me referindo ao primeiro patamar
o acesso, o segundo patamar, a permanência, o terceiro patamar, o sucesso, que só vem com a qualidade da
educação. Quer dizer a qualidade garante o sucesso, a falta de qualidade não garante o sucesso, garante a
expulsão da criança como já vimos aqui em outras falas e isso não garante sucesso. É a qualidade da
educação que garante o sucesso.
Mas esquecemos o quarto patamar que é, para democratizar plenamente a educação básica, nós temos
que garantir um espaço para o exercício democrático. Nós não temos que preparar os nossos alunos para a
sociedade, a escola é a sociedade. Portanto, ele precisa ter, e nós todos, professores, estudantes,
funcionários, pais e comunidade precisamos ter na própria escola, no interior da escola, espaços de gestão
democrática, espaços democráticos, onde a gestão surge como um instrumento muito eficiente e muito
eficaz para a construção das parcerias, da participação, do comprometimento.
Então, essa primeira parte são os quatro patamares que eu acabei de me referir, o acesso, a permanência,
o sucesso que é o reflexo da qualidade, e gostaria de ressaltar, aliás, essa questão, quer dizer, escola
de qualidade não é aquela escola que expulsa o aluno, que tem professores que são exigentes, que fazem
com que tenhamos um índice de reprovação altíssimo. Não é isso. Também não é escola de quali-
dade aquela que não se importa com a aprendizagem do aluno, que todos passam independentemente
do nível de aprendizagem.
Escola de qualidade, que garante o sucesso, é aquela que se empenha para que todos efetivamente
caminhem, e tenham sucesso na aprendizagem.
Quando chego no espaço para o exercício democrático, chego no toque desta mesa, quer dizer, na
especificidade dessa mesa, que é a gestão democrática. Todos os segmentos que compõem o processo
educativo participam, nesse momento, na definição dos rumos que a escola deve imprimir à educação e da
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maneira de implementar essas decisões, em um processo contínuo de avaliação de suas ações. Esse é um
movimento de um processo democrático na escola.
Quais são, portanto, os elementos constitutivos de uma gestão democrática? Estudos têm mostrado (e eu
tive um orientando na Universidade de Brasília, orientando de mestrado, Adilson, que fez um belo
trabalho de mestrado, tentando identificar na literatura, que foi um dos capítulos da dissertação dele) o
que a literatura entende como aspecto constitutivo da gestão. Ele identifica na literatura quatro aspectos
que são comuns nas vozes dos reivindicadores, nos movimentos, que são fundamentalmente a
participação, a autonomia, a transparência e a pluralidade, ou seja, participação como eixo básico,
indispensável para que uma gestão democrática funcione.
O segundo eixo, autonomia (e nós discutimos ontem na nossa oficina a questão da autonomia) é a busca, a
construção de uma autonomia na escola. Uma autonomia que tem duas facetas, ela é autonomia
institucional e ela é também uma autonomia dos sujeitos sociais que participam desse projeto. Não é
apenas a autonomia da escola dentro do sistema, mas uma autonomia desses sujeitos, para que eles se
construam autonomamente, de forma emancipada.
A terceira é uma transparência, que é uma condição básica de uma gestão democrática. Como trabalhar
em uma escola sem deixar transparecer para a sociedade o que fazemos nela, o que alcançamos, o que não
alcançamos. A transparência é fundamental.
E a quarta, a última é a pluralidade. O que vem a ser a pluralidade? É a garantia do espaço da diferença e da
diversidade na escola. Mas não como um mero respeito a essas diferenças, no sentido apático de res-
peito, mas de respeito ativo, de garantia, de construção de espaços para que essas diferenças surjam e, a
partr do surgimento das diferenças, a escola pode construir caminhos para que todos se emancipem
como cidadãos brasileiros.
A democratização da educação precisa ser entendida como uma postura que, assumida pelos dirigentes
educacionais e pelos diversos sujeitos que participam do processo educativo, vem inaugurar o sentido
democrático da pratica da educação. Eu vejo a importância de uma gestão democrática na construção de
uma sociedade efetivamente justa, democrática e tudo mais.
O segundo ponto que eu traria para reflexão (vou passar rapidamente para que a gente chegue ao terceiro)
a educação básica no Brasil. Qual o seu retrato? Nós temos um retrato, o IBGE. Vocês sabem que faz o seu
CENSO a cada dez anos. O último CENSO que nós temos do IBGE é de 2002, e foi um estudo bastante
interessante da questão educacional.
Existem dados de 2004, bastante atualizados, do INEP, com relação a algumas questões que eu coloco. Mas,
num panorama amplo, o IBGE nos traz algumas informões. Por exemplo, sobre os analfabetos nesse ano,
são 14 milhões e 600. A taxa de analfabetismo na área rural era quase três vezes maior do que na área urbana.
Taxa de escolarização de criaa de 07 a 14 anos, 97%. Mas restritivo e focalizado. Apenas um terço da
população brasileira estuda a essa altura; 36,5% das crianças de 0 a 06 anos freqüentavam creches ou pré-
escolas. No Nordeste 72% das crianças de 04 a 06 anos estavam na escola. Sendo que dessas crianças de 04 a
06 anos de idade, 26,8% dos 20% mais pobres estudavam, e 52,4% dos 25% mais ricos. Observem-se
diferenças evidentes de classe retratadas na escola. E assim por diante. Eu não gostaria de falar de todos, mas
está disponibilizado para quem se interessar.
O que nós vemos com esse dado, e tantos outros que as estatísticas educacionais nos mostram, é que há
efetivamente uma reprodução das diferenças sociais na escolarização brasileira. E essa repetição, esse reflexo
da exclusão social mais ampla, se reflete na exclusão escolar. Ela é um reflexo evidente nos dados que temos.
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Gostaria de chegar, então, no terceiro ponto, que eu acho que é aquele, o vir a ser, o possível, o desejável,
quer dizer, esse quadro, um quadro negativo da educação brasileira a par de uma série de ações que
evidentemente hoje mesmo o ministro sinalizou. Ações extremamente importantes que o Ministério da
Educação hoje em dia anda fazendo, principalmente na costura das políticas educacionais. Perguntamos:
por onde a gente começa a mudança desse quadro, da realidade educacional brasileira? E como que a
gestão se insere nisso aí? Eu diria que nós precisamos construir uma educação de qualidade, nunca
esquecendo que educação de qualidade não é uma concessão do Estado, ela é um direito da cidadania, e
sendo direito, nós todos da sociedade precisamos nos mobilizar para garantir esse direito, não só o acesso,
mas uma educação de qualidade com gestão democrática.
Quais são as duas principais frentes que eu vejo? Uma, são políticas de financiamento e a segunda, política
de gestão democrática. Porque as políticas de financiamento? Porque certamente essas primeiras darão as
condições concretas sob as quais se sustentarão as demais políticas. A segunda, que são as políticas de
gestão democrática, elas delimitam o caminho pelo qual o processo de democratização da educação
poderá ser alcançado.
Com relação às políticas de financiamento, acho que vale a pena a gente lembrar, a primeira é o FUNDEB.
Acho que é uma política extremamente positiva para oferecer condições mínimas para que, efetivamente,
a educação básica seja entendida como base da educação. Não é uma troca de palavras. Efetivamente, é
clarificar que ao chamarem os legisladores, ao chamar a Educação Básica de básica, eles quiseram dizer
que para a construção da cidadania brasileira, o básico é o conjunto da Educação Infantil, do Ensino
Fundamental e do Médio. Isso é o básico, por isso que se chama Educação Básica.
E o FUNDEB, certamente com a ampliação do seu funcionamento, poderá trazer condições mínimas para
que a gente alcance essa interlocução e essa relação fundamental.
A equação, nós precisamos conseguir uma equação que seja conseqüência de um projeto político-
pedagógico a ser implementado pela União, Estados, Distrito Federal, municípios e escola. O que estou
querendo dizer com isso? Eu estou querendo dizer com isso que o financiamento precisa estar
amalgamado, relacionado a essas demandas. Veja o que normalmente costuma acontecer é que a área
econômica dos governos estabelece o quanto de educação, o quanto de dinheiro. Claro que nós temos
uma verba já estabelecida, de manutenção. Nós temos uma vinculação. Mas é muito mais a área econômica
interferindo, do que a área pedagógica dizendo o quanto precisa.
Quer dizer, o financiamento tem que ser conseqüência da equação. Quanto precisamos para fazer uma
educação de qualidade? Uma educação básica ou uma superior e é esse financiamento que precisamos.
O Plano Nacional de Educação já mostrou. Vejo, no governo passado, o Plano Nacional de Educação, não o
plano nacional da sociedade civil, mas o plano nacional do Estado, que era do Fernando Henrique Cardoso.
Mesmo eles perceberam que 4% do PIB era absolutamente insuficiente. Por isso propuseram, na
organização do Plano Nacional de Educação, 7%, que não atinge os 10% que a sociedade brasileira mostra
que é o mínimo necessário para concepção de uma educação de qualidade. Mas, nem mesmo os 7% nós
conseguimos alcançar. Porque houve o veto presidencial do Fernando Henrique Cardoso, e nós nem
mesmo 7% conseguimos.
Os movimentos sociais mostram, desejam e demonstram que 10% é razoável para que se consiga edu-
cação de qualidade.
Nós não temos hoje a opção de querermos e não querermos gestão democrática. Nós estamos
caminhando, procurando rumos para fazer essa gestão democrática o melhor possível, e o mais
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democrática possível. Por quê? Porque a própria Constituição estabelece que a gestão nas escolas públicas é
uma gestão democrática.
E nós precisamos garantir esses espaços de participação. Entre esses espaços de participação eu gosto
sempre de trazer à baila, a idéia do Fórum Nacional de Educação, que foi abortada na nossa LDB, quando
chegou ao Senado. O Fórum Nacional de Educação é efetivamente uma bandeira que ainda deve continuar
nas nossas lutas, que é a possibilidade de a sociedade brasileira interferir nas políticas públicas de educação.
A revisão na composição e atribuições do Conselho Nacional de Educação é também e ainda continua uma
meta, para que ele seja efetivamente um órgão de Estado, não um órgão de governo apenas.
O fortalecimento dos conselhos estaduais, conselhos municipais de educação, bem como os conselhos
escolares - Esses são espaços que nós temos que conquistar como espaços de decisão, de deliberação
coletiva. Não apenas como espaços consultivos, mas como espaços deliberativos das políticas públicas
educacionais.
A escolha democrática de dirigentes - A gente está cansado de saber que só conselho não funciona. Só
eleição de dirigentes não funciona, mas elas certamente são instrumentos importantes para isso.
E a consolidação da autonomia das escolas é uma possibilidade importante para que efetivamente a gente
consiga a educação que queremos. Sabemos que sozinha, ela não resolverá os problemas estruturais do
Brasil. Mas sabemos também que sem ela esses problemas estruturais não serão resolvidos. Precisamos,
nesse sentido, construir uma sociedade mais justa através desse projeto educacional, em que a educação
passe a ser um dos alicerces da cidadania. Ela precisa ser necessariamente democrática e de qualidade para
todos. Muito obrigada.
Professora Justina Iva: Queremos agradecer à professora Regina pela belíssima contribuição, e fazer
um combinado com vocês. Evitar aquele comentário após a fala, para ganharmos tempo. No final faz-se
uma síntese.
A próxima intervenção é do professor Lauro Wittmam, professor da FURB, de Santa Catarina.
Lauro Wittmam: Prezadas colegas, parceiras e companheiras e prezados colegas, parceiros e compa-
nheiros, no desejo, no compromisso e na luta histórica da construção da gestão democrática nas escolas.
Em março de 1954, no milênio passado, um jovem universitário entrava na sala de aula para a sua primeira
mediação pedagógica, cheio de insegurança, mas carregado de esperança e de aposta no futuro.
Hoje, jovem há muito mais tempo do que naquela época, esse hoje já não tão jovem universitário tem a
alegria e a responsabilidade de participar deste Seminário Internacional, como expressão e impulso da
construção histórica da gestão democrática que é a gestão naquele espaço social que é o mais decisivo
para a construção do futuro justo e humanitário, que é onde se forjam as pessoas. Onde se formam as
pessoas oferecendo condições efetivas para a Educação Básica.
Portanto, gestão democrática nas escolas é apenas uma mediação para que aconteça o substantivo da
gestão, da democratização da educação, o substantivo da democratização da educação não é a gestão
democrática. É a garantia do respeito e da realização do direito subjetivo de cada cidadão ao bem público
da educação. Portanto, a universalização de uma educação de qualidade é o substantivo da
democratização da educação e a gestão democrática é uma mediação para que se construa isso.
E a democratização da educação no sentido de educação de qualidade social, só é possível, vinculada ao
processo amplo de democratização da sociedade e de construção da emancipação humana.
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Por isso, como cada um fala do seu mirante, eu vou tentar explicitar os fundantes e perspectivas da gestão
democrática nas escolas. Fundantes e perspectivas só fazem sentido dentro do contexto e construção da
emancipação humana. Portanto, vamos pensar gestão democrática a partir do interior do contexto socio-
econômico político-ideológico-cultural, no qual nós estamos vivendo e pensando o que é gente que se forma.
O conceito e o sujeito são a primeira parte do trabalho que eu vou apresentar, onde eu vou trabalhar o
desafio radical do contexto e o desvio amplo social. E a segunda parte revisitando a partir daí a função
inicial da escola.
Estamos vivendo em tempos de rupturas, em estado de mudança. O futuro já chegou, o novo já está posto,
e chega de massagear defunto. É preciso acompanhar o parto do novo. Eu sei que muitos pensam que o
pessimista é um otimista bem informado, mas eu sou um otimista inveterado, e acho que não pode ser
educador quem não é otimista, porque a educação é uma prática na fronteira do amanhã. E não podemos
ser meros carregadores do passado ou engordadores do presente. A função da educação é participar da
construção do futuro que já chegou, e por isso vamos pensar um pouco na gestão da escola no contexto.
Vejam a mudança do trabalho, a progressiva implosão do mercado de trabalho, e a construção de um
mundo do trabalho diferente. Sob a lógica do capital é precarização, é processo de exclusão, de
marginalização, mas sob a lógica do futuro, a construção do tempo livre, a construção da condição
humana em outro patamar.
E o conhecimento que nós temos hoje, com condições espetaculares e exponenciais e melhoria de
qualidade de vida que acaba sendo, na lógica do capital, um torniquete esmagador da condição humana.
Neste contexto nós estamos radicalmente desafiados porque faz parte deste contexto a educação. A
educação é o processo histórico de formação, de construção da existência humana.
Cada um de nós é o resultado de todas as relações das quais participou, estabeleceu. Cada um de nós foi
produzido historicamente. É o artefato humano. Nós não nascemos gente, nós nos produzimos
historicamente como gente. Vejam: ninguém sabe como vai falar, como vai sorrir, em que vai acreditar,
como vai amar, como vai comer uma criança que nasce hoje, a não ser se nós soubermos onde ela está se
produzindo como gente.
Pensem só quantas macaquices a gente faz, quantos carinhos para que a criança aprenda a sorrir,
a se alegrar. Ela não nasce preparada para isso, determinada para isso, como um gato nasce para miar,
ou um cachorro para latir. Se ela não tiver o contexto social e as relações, ela não aprende a falar,
não aprende nem a se alegrar. Portanto, gente é artefato, é produto histórico, e a educação é esse processo
de produção das pessoas.
Como houve uma complexificação progressiva da cultura, como houve uma complexificação da existência
material humana, objetiva, foi preciso construir, criar uma intervenção educativa, uma instituição
social para garantir a educação básica. Isso é que é a escola. Só que esta instituição e essa produção nossa,
dentro brejo, está suja. Por mais que você tome banho, se escove com escovão de aço, no brejo tudo é
sujo. Portanto, como o nosso contexto é um contexto injusto, desigual, desumano, e sob a lógica
devastadora do capital, profundamente acima da existência humana, nós vivemos em um mundo de
contradição e ambigüidade.
A contradição e ambigüidade, de um lado nos leva à lógica do capital. Mas não é única. O próprio capital,
na sua evolução, está dando, como nós vimos o professor Emir Sader falar, mostrando sintomas de
esgotamento, dadas as crises que está produzindo. Ninguém me convence que os oceanos crescentes de
marginalidade, de miséria, não vão engolir as poucas ilhas minguantes da fantasia, se nós não partirmos
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para uma nova organização social,e para isso é que a educação tem um papel indispensável e insubstituível
nas nossas escolas. Embora evidente, como Regina já apontou, não é a educação que vai fazer a mudança,
mas sem ela nenhuma mudança é possível. Portanto, nesse momento histórico de contradições nós temos
perspectiva social e antropológica contraditória. Veja, a dominante é a do mercado, a lógica é a do
mercado, a escola tem que celebrar festa para formar mercadorias para serem compradas e vendidas no
mercado de trabalho. E isso é a lógica do mercado. Não formar gente, formar recursos para o senhor nosso
deus, capital. Recurso é uma vassoura que se usa para varrer a casa, é um carro que se usa para andar mais
depressa, é um telefone que se usa para se comunicar à distância, é um computador. Isso é que é recurso;
gente não é recurso.
Quando você tem essa perspectiva no mercado você tem Ministérios de Educação, secretarias de escolas
preocupadas com reforma, porque a coisa está feita, então é preciso despiorarum pouco. Despi-
orar quer dizer reformar, e o que quer dizer reformar? Por uma mesma forma de um jeito menos estúpido,
mas não muda a fórmula, fica a mesma fórmula. Agora, nós educadores, estamos em uma luta que
tem que deixar de ser ingênua, tem que ser objetiva e enraizada nesse concreto doido que nós estamos
vivendo. E a nossa perspectiva não é a do mercado. Educador que merece o salário que come, pensa na
perspectiva da emancipação única, pensa na perspectiva do forjamento de gente, de construção de
autonomia, de liberdade.
Quem pensa em autonomia e liberdade não pode pensar em reforma, tem que pensar em transforma,
transforma, muda a forma, a forma do capital, a forma de uma estrutura assentada às regras da
exploração, dominação e opressão. Exploração econômica para a acumulação do senhor nosso deus,
capital. Dominação política para garantir a exploração econômica, e opressão ideológica para que todo
mundo ache que tem que ser assim, que Deus quer, assim seja.
E a outra visão, que é oposta a essa, visa à transformação. Transformação quer dizer mudança de estrutura,
mudança de regras, de relações na sociedade. As regras de exploração devem ser substituídas pela regra
da colaboração econômica. As regras de dominação política pela co-responsabilidade política, e as regras
de opressão ideológica, pela regra de solidariedade de ideologia.
Claro que na visão do mercado a gestão da escola pode ser gerencial, porque eu tenho que domesticar
o bichinho, eu tenho que integrá-lo, adaptá-lo à sociedade, então eu é que sei, eu que desmonto o cara
para ser aquilo que o capital quer. Agora, se for na perspectiva da transformação, o estudante é sujeito
e autor da sua história, e eu sou o mediador desse processo histórico de sua construção, e isso só pode
acontecer com gestão democrática, isto é, com compartilhamento, com processo autogestionário de
coordenação do processo.
Portanto, nós temos concepções antagônicas e opostas. Tem gente que pensa que conhecimento é saber
historicamente acumulado pela humanidade, que tem que ser passado para as crianças. Transmissão de
conhecimento é uma estupidez ao cubo. Não acontece isso, não existe transmissão de conhecimento. A
desgraça da educação é que nós, por mais que arrotemos outra coisa, comemos a mesma farofa. A gente
diz que faz mediação, mas tem uma prática de transmissão. Aí as crianças não aprendem. E o que
acontece, como um menininho me disse há poucos dias: professor Lauro, quando eu faço prova eu
respondo ligeiro, eu chuto, porque se eu penso, eu erro.
Vejam, tem jeito de entender conhecimento oposto, contraditório, como tem jeito conseqüentemente de
pensar a educação de contraditória. Então, não tem jeito de pensar diferente a sociedade, como tem jeito
de pensar a própria pessoa humana. Vejam, há concepções antagônicas, e a concepção do mercado
se opõe à concepção de emancipação. Por exemplo, quem pensa como o mercado, pensa o conhecimento
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204
como informação, como produto. Aquele monte de tralha que está no livro didático que tem
que ser passado.
Quem pensa conhecimento como processo, como construção, pensa na ampliação do conhecimento da
criança, na interlocução do conhecimento, e a educação da informação é domesticadora, adaptadora,
enquanto que do processo é emancipadora. A sociedade é de exclusão e marginalidade enquanto que na
emancipadora é de inclusão universal, e de convivência, e a pessoa na visão do mercado é recurso e na visão
da construção é sujeito. Portanto, nós temos concepções diferentes.
As pessoas são presenças ausentes no mundo, nós estamos no mundo, mas podemos nos distanciar dele e
transformá-lo. Portanto, nós não somos adaptados socialmente, nós nos inscrevemos socialmente. Para
tanto, é preciso desenvolver duas coisas fundamentais. Primeiro, a inscrição crítica na cultura, nos
apropriando da herança cultural, porque é evidente que você reinventa a roda toda vez. E, segundo, é
preciso construir as condições subjetivas para intervir originalmente, para ser sujeito autor, senhor,
protagonista da construção da história e do futuro.
Cada um de nós tem isso. Isso é um processo antropológico, cada um de nós se inscreve criticamente na
sociedade, se apropriando da herança cultural, e cada um de nós vai desenvolvendo essas aptidões. Esse
processo que é antropológico e individual é social também.
Fernando Rodal, Confederação dos Educadores Americanos: Antes de tudo manifesto a grande
alegria que tenho de participar desta mesa e agradecer o convite que foi feito à Confederação de
Educadores Americanos para participar deste evento. Lembro do que nós chamamos os últimos vinte anos
de ofensa neoliberal da educação. Eles se caracterizaram basicamente, na década de oitenta, pelo que nós
chamamos um grande esforço pela inclusão. Tudo começou com aquela idéia de que havia muitas crianças
fora da escola, muito fracasso escolar. Isso já não seria sustentável ao longo do tempo nem mesmo em uma
economia capitalista.
Chegamos então à década de noventa e surge, com muita clareza, o outro conceito, o conceito de
qualidade como aqui foi colocado, associado não somente à qualidade social, mas também a uma
qualidade de mercado onde nós nos encontramos e é bom lembrar isso. Onde tínhamos absurdos como,
por exemplo, a medida da quantidade de metros quadrados, pela necessidade de alunos sem, por
exemplo, considerar nem mesmo um conceito, o contexto, nem mesmo o lugar, a comunidade na qual
estava sendo desenvolvida a tarefa escolar e, como exemplo dessas grandes barbaridades, nós vimos
desaparecerem escolas rurais. Porque é muito mais interessante e econômico transferir todos os alunos
para uma escola, para um centro urbano. Neste caso prometiam, é claro, transporte econômico, que
nunca foi cumprido, nunca foi feito e que definitivamente acabaram fragmentando ainda mais e
impedindo que a escola, como motor de desenvolvimento social, pudesse no próprio local, e aqui também
no campo, desenvolver uma atividade central e fundamental. Temos que reconhecer que nessas duas
décadas, anos oitenta e anos noventa, tivemos alguns avanços, é claro. Nem tudo foi composto de
sombras, tivemos avanços e, dentro desses avanços, nós podemos reconhecer um grande esforço, não
suficiente mas importante, na área da alfabetização. Na América Latina, nessas duas décadas, a taxa
diminuiu quase nove pontos, o que não quer dizer um incremento tão grande, porque o que acontece de
analfabetismo funcional, que ultrapassa cem milhões de pessoas na América Latina, não seja, junto com os
ainda quarenta milhões de analfabetos totais, dados mais ou menos aproximados, uma grande ferida
aberta na América Latina.Outro esforço que a reforma desses últimos vinte anos fez foi dar destaque
à educação pré-escolar. Esse também é um elemento positivo mas, que não teve menos problemas.
Por exemplo, nós detectamos na América Latina uma grande colocação da questão pré-escolar mas, ao
mesmo tempo, dificuldades na formação para os respectivos docentes. Percebemos também uma grave
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dificuldade na educação para adultos. Lembrem-se que, em alguns Países, não foram criadas novas vagas
para professores nas escolas. O que foi feito foi transferir, para a educação pré-escolar, aqueles
professores que cumpriam, em alguns casos, a função de educação para adultos. Como já dizia um ex-
diretor da educação no meu País, de forma muito brutal, entre educar um velho que vai morrer e um jovem
que está nascendo, eu prefiro educar um jovem. Obviamente, isso é de uma crueldade, brutalidade, mas
ele falava desse jeito e dessa forma, era feito o gerenciamento neoliberal desses últimos vinte anos. Nesta
dinâmica também é gerado o fenômeno forte onde a competência individual dos trabalhadores se torna o
elemento central desses últimos vinte anos, no sistema educacional da América Latina. A busca por
certificados, a busca por pequenas qualificações para uma melhoria de salário. A discussão muito intensa
que existiu em toda América Latina, sobre como ensinar, principalmente na educação secundária ou
educação média, por meio de áreas e por meio de matérias, e eu posso falar isso com propriedade.
Chegamos a fragmentar o tecido docente a tal ponto que a comunidade escolar, principalmente no ensino
médio, sofreu uma grande crise e diríamos que a partir dos anos noventa até o ano 2000 nós tivemos cinco
anos de grande crise e de um enorme debate que ainda não foi solucionado. Como devemos e como vamos
educar? Por que estamos mostrando todo esse panorama? A partir do ano 2000 em diante, na América
Latina, alguns movimentos sociais através do que poderíamos chamar de ascensão ao governo de setores
populares, temos hoje um grande desafio, de como fazer para que um docente, para que um aluno ou um
professor, que foi educado em uma lógica de competência, de individualidade, assuma uma gestão
democrática que necessariamente deve ser coletiva, como colocava o Emir Sader. Eu aceito algum tipo de
rankingque possa existir porque é uma forma de ordenação, o que foi colocado também pelo professor.
Mas essa não é a essência e muito menos o motor para solucionar a qualidade social da educação.
Precisamos recuperar o espírito de que a educação, subjetivamente, internamente, é um elemento de
premiação pela capacidade transformadora, e não somente pelo fato de ir adquirindo, no ranking, um
maior número de pontos ou de qualificações. Temos que recuperar a mística de voltar a educar, temos que
recuperar os elementos subjetivos de transformação para que haja o que chamamos de emoção, para
poder sentir, já não de forma ingênua, mas sim sentir que nós podemos construir uma gestão mais
democrática.
E este não é um problema de menor importância. Aquele que se acostuma a estar permanentemente em
duas lógicas que são muito claras, ou seja, individualismo e não tendo responsabilidade, ou seja, falando
claramente, falar que sempre podemos ser oposição a tudo sem assumir a co-responsabilidade da
proposta, e aqui há uma questão que é central também para o movimento social. Fazer propostas não
significa aderir ao governo ou ao partido vigente, mas sim significa ser co-responsável pelo ato educativo,
porque não é nada transformador, simplesmente ter uma atitude de oposição permanente sem assumir a
responsabilidade que implica o ato educacional. Aqui existe uma necessidade de busca de equilíbrio, e eu
acredito que hoje, na América Latina, os movimentos sociais estão passando por essa etapa, como eu.
Educado em uma lógica neoliberal, individual, anticoletiva, como eu, educado para ser oposição a essa
lógica, que é a outra vertente hoje, eu não devo deixar de ser crítico, eu não devo deixar de ser opositor,
quando eu vejo que alguma coisa não está funcionando bem. Mas, ao mesmo tempo, eu devo ser
responsável pelo ato educacional, porque existe um limite muito tênue entre a responsabilidade é minha
ou é do outro, entre o professor que não trabalha bem, entre a escola que não funciona, entre o diretor que
não trabalha direito, e a escola que não funciona direito. É o governo que não tem bons planos de
educação, ou é a escola que não funciona direito e tudo isso pode ser correto, pode ser verdade, mas não é
a única verdade. Cada um tem uma parcela de responsabilidade, no âmbito coletivo, enorme, e às vezes em
um discurso aparentemente justificador de questões que têm que ser resolvidas. Uma gestão democrática
tem como eixo central o comprometimento, o participar na transformação, ou de ser ator direto daquilo
que está acontecendo na escola, na comunidade, no bairro, na sociedade e no País inteiro. Porque uma
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gestão democrática de uma escola não pode ser entendida se não tem um olhar para a sociedade. Se essa
gestão democrática não é somente participativa, mas, como falávamos hoje, comprometida. Eu posso
participar em muitas instâncias(e estamos cheios de exemplos de participação que eu chamo, com muito
respeito, de participação simulada). Quando a participação não tem o comprometimento é uma
simulação, seja por parte do governo, seja por parte de cada ator individual ou coletivo. Portanto, e para
fechar a minha idéia, nós precisamos construir elementos de transformação mas que tenham
características de permanência, que é outro elemento essencial no momento de produzir mudanças, que
sejam realmente mudanças profundas. Eu, nesses vinte e cinco anos, vi uma quantidade imensa de modas
diferentes no sistema educacional. A única que continua e a única que é mantida, e eu posso garantir com
total propriedade no sentido de demonstrá-lo, é a capacidade crítica de análise comprometida que
fazemos sobre todas essas questões que são propostas como novidades, reformas etc. Ou seja, acho que
chegou o momento, como foi falado ontem na Comissão. A escola pública da América Latina conseguiu
avanços extraordinários, mais em alguns Países do que em outros. Por exemplo, entendeu-se com caráter
de permanência que o Estado deve garantir a gratuidade, ainda que, em alguns casos, isso seja
questionável. Que deve garantir o caráter laico. Essas questões quando têm um caráter prolongado ao
longo do tempo têm um fruto que é também permanente, não somente no sistema educacional. Portanto,
nós temos que buscar mecanismos que sejam cotidianos, sustentáveis e que permitam no âmbito legal e
institucional e também no âmbito da subjetividade, que é um âmbito fundamental para a transformação,
não único, claro. Desse equilíbrio dos elementos subjetivos de transformação e os elementos objetivos
constitucionais, nós temos que encontrar este equilíbrio para conseguir fazer com que estes elementos de
permanência, não de grandes resultados, mas de resultados permanentes vão permitir, digamos, depois
de uma década, duas décadas, que o sistema educacional consiga eliminar o analfabetismo do sistema.
Garantir o acesso, mas também a permanência no sistema educativo, não tem uma visão corporativa.
Pertence e faz parte da sociedade e da comunidade e dessa forma nós vamos poder então afirmar que esses
elementos de permanência nos permitem ser transformadores da sociedade e do lugar, da comunidade em
que vivemos. Por isso a reflexão é esta. Acabo de terminar os meus vinte minutos e, como eu sou
disciplinado, porque o meu tempo vale como o de todo mundo, eu gostaria de agradecer a atenção. Espero
que possamos nos reencontrar e que possamos dizer que encontramos novos elementos de permanência,
mas não da permanência antiga, mas da nova permanência. É este futuro que nós sonhamos, com
realidade mas também com um pouco de sonho, para poder caminhar. Obrigado.
Ana Vitar, OEI da Argentina: Bom dia. Em nome da Organização dos Estados Ibero-americanos e em meu
nome próprio, quero agradecer aos colegas, da SEB, do Ministério da Educação, pelo convite para
compartilhar com vocês algumas das nossas preocupações ao redor da questão da democratização da
gestão escolar. É um objetivo que todos nós compartilhamos, mas que todos nós consideramos que
tem uma problemática. Gostaria de escutar a professora Márcia quando fez um chamado. Abandonar a
idéia mágica da gestão escolar. Diz que não é um ato de vontade individual. Gostei muito de ouvir isso
porque os argentinos normalmente colocam os problemas, tensões, complexidades. Eu disse que ia
aproveitar, aqui, a fala de uma companheira e irmã brasileira, de abandonar as idéias mágicas para dizer o
mesmo que o professor Lauro.
Eu também sou otimista com a possibilidade de democratizar os sistemas educacionais e as escolas. Creio
também que o contexto brasileiro tem muito para ensinar, com respeito aos movimentos sociais e aos
processos de democratização, mas creio também que sou uma otimista que gosta de observar os
problemas. Porque observar os problemas é olhar para onde estão os limites, as fronteiras e qual é o
caminho para chegar a ultrapassá-las. Tendo dito isso e pensando que existe pelo menos três questões que
definem a gestão escolar democrática, as quais foram faladas no início, hoje pela manhã, pela professora
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Regina. A gestão democrática implica numa questão de participação, de deliberação, de tomada de
decisões ampliadas, mas também a gestão democrática implica numa questão de igualdade e a gestão
democrática implica também numa questão de pluralidade de atendimento e valorização da diversidade,
da diferença, já que a igualdade não implica homogeneidade ou universalismo, que nega o aspecto
plural.Mas eu também acho que vou tomar essa discussão que foi citada ontem na oficina sobre gestão
escolar democrática. Creio que haveria que pensar que todos estes princípios vão concretizar-se, vão
permitir avançar para uma maior democratização, na medida em que possamos articular ou contribuir
para a articulação de processos, lógicas, decisões, práticas, discursos, que às vezes são muito diferentes e
que estão circulando na vida da escola. Levando em consideração esses princípios, este chamado da
Márcia, de não pensar na gestão como uma idéia mágica.
Eu vou colocar um conjunto de questões que creio que são, em alguns casos, tensões, em outros lugares
constatações empíricas, que podem nos ajudar a formular, continuar repensando sobre a questão da
escola democrática. Uma primeira questão que eu chamaria da ambigüidade da política, já que quando
falamos de gestão democrática, estamos pensando sempre, apesar de que podemos fazer alusões a
questões econômicas sociais ou culturais. Vou fazer referências a aspectos políticos da gestão
democrática. A gestão democrática não passa só pelo conselho de escola, não é só no conselho de escola
que se faz política, há política também nos pátios das escolas, no recreio dos alunos, mas nem tudo que
circula fora do conselho escolar, ou dentro do conselho escolar, é político e contribui para a democracia.
Vamos pensar que o que vai contribuir para a democracia é a possibilidade de um processo coletivo,
sobretudo um processo que tente atualizar uma massa igualitária, ou seja, tente avançar para uma maior
igualdade. Creio que isto é fundamental nas escolas. Uma constatação empírica é que há escolas que não
têm conselhos escolares, que são de pessoal único, que pratica um processo democrático. Conheci uma
professora do sertão da Bahia, que se chama Ninfa Freire. É uma pessoa que se dedicava a atividades
comerciais e vivia em uma fazenda no sertão da Bahia e abandonou sua loja, o seu comércio e criou uma
escola na fazenda. Uma escola, primeiro na sala da própria casa, depois ela lutou contra as autoridades
municipais, as organizações sociais e criou uma escola. E esta é uma gestão escolar democrática, é um
progresso com relação ao aspecto democrático mas também há outros processos de politização na escola
que não passam pelo conselho escolar. Há uma rede de capacitação que envolve as ONGs, as universidades
de que ainda a escola participa. Muitos desses processos são processos que contribuem para a democracia
porque se trabalha com conteúdos democráticos e porque há formatos e formas de participação que são
democráticas. Mas há muito desses processos que não permitem contribuir para uma maior
democratização.
Mesmo com relação à responsabilidade social das empresas, por exemplo, é um outro processo de
construção da escola. Há projetos que são levados a partir dessa lógica e nem sempre contribuem para uma
maior democratização. Às vezes há um sentido da filantropia. Mas as escolas também participam nesses
circuitos supranacionais do conselho da escola - as redes de escola do Mercosul, as redes virtuais da
internet. Creio que todas essas migrações dos processos políticos das escolas têm que ser articuladas a
vários circuitos nesse arquipélago. Circuito dos conselhos de escola, circuito do grupo de professores,
rede de escolas que atravessam o estado e Países. Creio que todas essas lógicas, que são diferentes, devem
ser articuladas. Na oficina de ontem, insistimos muito nessa necessidade de articulação. Outra questão
que apareceu ontem, surgiu na oficina, está relacionada à própria construção do sentido de gestão
escolar. Se nós aceitamos que o conceito de gestão escolar é uma noção estrelar, uma palavra emblema,
símbolo que convoca para um futuro comprometedor de maior justiça, maior democracia etc.
O que nós temos que pensar é que como noção, como palavra, como significante social, não é uma noção
surgida do nada. Não há o momento zero da questão da gestão escolar. No Brasil a idéia da autonomia e da
participação escolar tem já uma data muito antiga. Mas é certo que a idéia de autonomia e participação nas
escolas tem, como aderente, grupos que ideologicamente não pensam da mesma maneira. Pode-se pensar
que autonomia escolar implique em um processo de reabsorção do Estado dentro da própria sociedade,
mas a partir de um projeto conservador. Mas a autonomia escolar implica numa maior democratização, no
sentido da criação da participação social nos assuntos da escola. Nossa luta é uma luta de estabelecer, de
dar sentido às palavras, como dizia mestre Bourdieu. Estamos numa guerra de trincheiras, ou seja, a luta
pelo significado da noção de gestão escolar é uma luta que deve envolver a todos e da qual nós temos que
participar ativamente, para que a noção se fixe e se articule com um sentido democrático. Eu creio que isto
implique em outros processos de articulação sobre os quais devemos participar, já que não há uma única
forma para fixar o sentido de gestão escolar democrática.
Creio que outra questão importante está relacionada com o que poderemos chamar de as distintas formas
da gestão escolar democrática ou as distintas formas da política democrática, porque a palavra política tem
duas raízes. Um lado polis, que implica em criar uma escola democrática, uma escola de iguais e também
implica nessa construção, como destacaram muitos colegas que falaram antes de mim. É uma construção
coletiva e conflitiva, porque não há uma forma única de aplicação dos princípios gerais. Nós participamos
acompanhando e assessorando alguns municípios, na implementação de políticas educacionais
inclusivas, mas junto com a escola estava o imaginário da inclusão dos alunos com deficiência na escola
regular. Mas, no momento de designar uma sala, a escola, e distribuir as matrículas na rede municipal, os
critérios eram absolutamente díspares. Então, não só temos que construir o acordo dos princípios gerais,
mas também uma gestão democrática implica em um problema prático de definição de critérios que estão
relacionados com a vida cotidiana dos alunos e dos professores. Para chegar à conclusão, eu creio que outra
questão importante a destacar, com respeito à questão democrática, é retomar a velha discussão sobre se a
democracia é um assunto de procedimentos ou um tema de substância.
Eu creio que aqui é importante destacar que a distinção está muito clara. Nem sempre as decisões que a
maioria toma são as decisões mais razoáveis, mas também podemos objetar que as decisões de um
conselho escolar, da maioria, e é ampla a participação, podem também ser tomadas decisões que não
tenham democracia. Continuando com o exemplo da educação inclusiva, no qual se adota uma decisão
baseada em um paradigma de biólogo, que atribui à anatomia de um determinado sujeito, o destino da sua
trajetória escolar. Por mais que a decisão esteja avaliada por todo o conselho escolar, nós não podemos
dizer que é uma decisão altamente democrática, ou seja, que isto implica em voltar a articular essas duas
tensões. E, finalmente, o eixo da unidade da diversidade nos coloca outro conjunto de tensões que eu creio
que é necessário voltar a colocar e articular.
Nós dizíamos, no início, que a pluralidade é uma das características da gestão democrática e creio que a
reivindicação quanto à diferença de diversidades culturais, étnicas, de gênero, de sujeitos portadores de
deficiências, que foram tradicionalmente excluídos do sistema educacional, é uma questão que a gestão
democrática não somente deve acolher como também valorizar.
A tensão da diversidade cultural, uma infinidade de tensões, eu convido vocês a levarem em consideração.
Se me permitem tomar como exemplo uma escola indígena de Santa Catarina, uma experiência que eu
conheci por meio de um projeto que nós tínhamos, uma experiência muito interessante porque não
somente oferece a oportunidade de chegar a educação básica para um grupo de alunos de procedência
indígena, mas que também a própria modalidade arquitetônica da escola respeita as pautas culturais da
comunidade ou dos grupos originais radicados nessa região e com currículo intercultural, educação de
plurilínguas, plurilingüística etc. Eu quero ler o testemunho de um aluno indígena dessa escola. Diz: nosso
pai não queria mandar-nos à escola, porque dizia que nos transformaríamos em brancos, falaríamos
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somente português. Hoje nossa escola é uma escola de indígenas. Pergunto: trata-se de educação
intercultural ou de simples relativismo?Eu creio que a superação do universalismo homogeneizante que
nega e soterra a diversidade cultural é uma coisa contra a qual temos que lutar. Vou usar uma frase de um
paraguaio que vive atualmente no México que diz: cuidado com o reverso da mudança, porque pode nos
levar a um apartheid de sinal progressista, de caráter progressista. Se a interculturalidade é um dever,
podemos prescindir de certos marcos de universalidade? Como podemos fazer para combinar igualdade
com diversidade? Sem que uma aniquile a outra. Porque o culturalismo, o localismo ao extremo, não vai
levar a um modelo de sistema educacional e a uma escola que singularize e falem de aspectos que a
singularizem em detrimento dos aspectos e características que possam igualar com o conjunto de escolas
de um Estado, um País, uma região, que nós estamos tentando construir que é a região da América do Sul.
Eu creio que voltar a articular uma unidade que seja complexa, que valorize, acolha a diversidade, mas que
não esqueça que todos somos iguais e que o público, o dever da escola pública, é ajudar-nos a igualar e a
nos sentir iguais. Todos, apesar das diferenças e, juntos, valorizando as diferenças que nos separam. Mas o
público consiste naquilo que é comum. Construir uma escola de iguais, construir uma escola democrática
que implica não somente em valorizar as diferenças, mas valorizar aquilo que nos une, e aquilo que
possamos ter construído em comum.
Eu quero tomar as palavras que ontem, na oficina, foram pronunciadas por uma colega de uma escola no
Maranhão. Ela disse com clareza: você não vai implementar a gestão democrática escolar, você vai
construir a gestão democrática escolar. Eu creio que o ministro Haddad, hoje pela manhã, disse a mesma
coisa: a gestão democrática é a construção de demos. A monarquia deixou de ser monarquia, passou a ser
república quando os conjuntos dos povos lutaram. Creio que, nesse sentido, nós temos que continuar
lutando, porque a gestão escolar democrática é uma luta coletiva que jamais vai cessar. Muito obrigada!
Mestre de Cerimônias: Obrigado a Ana Vittar. Gente, há uma orientação de que nós acolhamos três
perguntas apenas de todos vocês. Porque há o desejo de encerrar os trabalhos, de fato, até o meio dia. O
que parece que já está comprometido e há ainda um intervalo para o café e após teremos apresentação dos
relatórios. Então antes do café três pessoas farão as indagações e são elas a Maria Luiza, secretária de
Recife, o Almir e o João.
João: Eu acho esse momento essencial. Todo mundo, logicamente, tem suas perguntas. Acho que o
evento fica prejudicado, mas tudo bem. Eu gostaria de levantar uma questão que acho fundamental. São
duas frentes na conquista de uma educação de qualidade. A política de financiamento e a política de
gestão democrática, todas elas fundamentais. Outra questão colocada, pelo ministro, é que o problema é
de natureza social e que deve partir da sociedade. Quero destacar um ponto que é o compromisso
daqueles que fazem a educação e aí eu trago essa questão porque muitas vezes o sindicato faz um discurso
de direitos e esquece de fazer um discurso de deveres.
Pensar em uma escola democrática é pensar no compromisso dos seus atores. Possivelmente os pro-
fessores e, logicamente, os diretores. A gente percebe que muitos professores simplesmente faltam.
Como se vai construir uma escola democrática se o cara não vai dar aula e depois o cara que não foi dar
aula dá um jeitinho brasileiro e esse jeito é um jeito político. Sabemos que esse jeito funciona e que
funciona muito bem. Será que não está na hora de a gente pensar em trazer o ponto para os profissionais
na entrada da escola.
Almir: Bom dia. Sou o professor Almir, município de Indaial, em Santa Catarina, membro da executiva
nacional da UNDIME. Primeiramente, parabenizar a mesa. Acho que o Seminário teve momentos
altos e baixos na discussão. Mas não poderia encerrar de forma melhor, nessa mesa de debate e aí,
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particularmente, a começar pela coordenação da mesa, nossa querida Justina que é secretária de Natal.
Quero parabenizar também o MEC pelo encontro de ontem. Tivemos a possibilidade de participar de um
debate sobre alfabetização e me surpreendeu a participação do ministro que participou do inicio ao fim no
debate e em momentos até brincávamos lá no debate, que ele está se alfabetizando em alfabetizar, tanto
que ele questionava, perguntava, o interesse dele de saber e isso demonstra uma evolução bastante grande.
Hoje aqui, nesta mesa, uma mesa que me trouxe algumas indagações e algumas preocupações.
Particularmente a fala do professor Lauro, não por ser bairrista. Tocaram-me algumas questões que o
professor argumenta. Olho para a nossa realidade, do estado de Santa Catarina, e vejo que muitas ações
estão sendo feitas e outras desfeitas. Penso com relação ao debate sobre a eleição de diretores, que é um
debate velho. Um debate, porém, que tem que estar iniciando a cada momento, porque ele não é bem visto
em muitas situações e tem municípios que, inclusive, estão abolindo o processo de eleição de diretores, o
que me preocupa. Municípios nossos, catarinenses, que têm uma tradição de pioneiros na eleição de
diretores e hoje estão falando em abolir o processo de eleição, o que me deixa bastante preocupado. Da
mesma forma com relação aos conselhos municipais de educação (e aqui tem um time bastante grande) e
me preocupa também porque muitos municípios, estou fazendo um papel que posso até ser ovacionado,
pois estou dirigente municipal da educação e estou fazendo uma certa denúncia, porque nós temos muitos
municípios, particularmente de Santa Catarina, onde se o secretário ou secretária não é o próprio
presidente do conselho, é alguém indicado ou alguém da própria secretaria, o que me causa estranheza.
Mas, isso se dá muitas vezes por falta de entendimento das pessoas que fazem a lei, do Legislativo. Essa
semana vivemos momentos muito interessantes, inclusive o de não poder estar inserido na Casa que dizem
que é do povo. Tentaram impedir nossa entrada no Senado, no Congresso e isso é muito interessante,
interessante até para vermos e fazermos uma avaliação de toda essa situação. Muitas vezes o processo
eleitoral do Conselho Municipal da Educação e da escolha do presidente não acontece por falta de
entendimento do Legislativo. Particularmente no município de Indaial nós fizemos o processo eleitoral do
Conselho Municipal e do presidente por uma vontade exclusiva do Executivo, porque o Legislativo não
aprovou a lei que fazia a escolha dos conselheiros de forma eleitoral e democrática. Por vontade legislativa
continuava sendo indicações. Ainda falta aqui a questão da formação dos profissionais. Muitas vezes,
essas discussões caem por terra quando vemos o verdadeiro mercantilismo do ensino superior.Vendas de
diplomas. Não vou fazer uma crítica ao ensino a distância porque tem muitos cursos a distância que são de
melhor qualidade do que o presencial. Mas está se expandindo de forma alarmante. Aqui, puxo a orelha do
Ministério da Educação que muitas vezes aprova sem conhecer de fato o que acontece. Temos verdadeiras
fábricas de diplomas. Tivemos um caso de inscrição de um professor que fez um curso de licenciatura em
matemática em um ano e achei muito estranho. Liguei para a instituição. Por uma questão de ética não vou
citar qual. Mas é uma instituição considerada no Brasil. É um absurdo. Gostaria que fizessem alguns
comentários a respeito disso, principalmente dessa questão da deformação do profissional da educação,
com essa venda de diplomas. Muito obrigado e desculpas por eu me exceder.
Malu: Eu quis e fui muito motivada a me inscrever, pois acho que esta mesa de hoje está de parabéns pelo
que ela trouxe de ânimo e de energia. Foi um encerramento muito bom. A fala do ministro me emoci-
onou muito porque todos nós que participamos nesses últimos trinta anos na luta pela educação pú-
blica gratuita, de qualidade, nós sabemos que tudo aquilo que ele falou foi muito concreto na construção
da proposta da LDB, dos movimentos sociais. Gostaria de partilhar um dos momentos mais grandiosos,
que foi uma plenária que aconteceu aqui em Brasília, no Ginásio de Esportes, juntando todas as enti-
dades que trabalham com educação e que tinha UNE, UBES, ANDES, CNTE (que está aqui hoje). Muitas
delas estão aqui hoje. Mesmo que a ANDES não esteja eu me sinto muito ANDES porque eu era
coordenadora do grupo de trabalho de política educacional que estava coordenando aquela plenária,
onde se votou, com milhares de pessoas.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
210
Não se votou a proposta de LDB que a gente conseguiu que fosse encaminhada pelo deputado Octavio
Elisio. No Congresso foi aclamada. Conseguimos que todos os movimentos sociais consensuassem uma
proposta. E no momento seguinte temos o exemplo do que é a dificuldade de conviver com a democracia
no governo Fernando Henrique Cardoso, uma pessoa que era brilhante, inteligente. Quando se acha que é
o dono da verdade e, na construção democrática, acha que pode mais do que todos os movimentos sociais.
Aí você faz as mudanças que foram feitas pelo senador Darcy Ribeiro, com respeito a toda a história dele,
pois não estou aqui desrespeitando o nome dele. Mas, no momento seguinte, a gente saber que o próprio
capitulo de educação foi a gente que ganhou, e quem ia com a gente em todos os gabinetes dos deputados
e enfrentava os lobistas do ensino privado contra aquilo que a gente estava brigando e a gente ganhou.
O Plano Nacional, com 1.000.000 de assinaturas, a gente fez através das Conferências Nacionais de
Educação e depois também as pessoas que se achavam os donos da verdade mudaram naquilo que a gente
sabe que é o que impede que a educação esteja melhor hoje! Porque, se fosse cumprido aquilo que
1.000.000 de assinaturas fez, a gente estava muito adiante. Inscrevi-me sobretudo para parabenizar os
colegas do Ministério que fizeram parte dessa história e, talvez, por isso, como o Horácio, Arlindo e
Chagas, a gente se encontrava sempre. Fazem parte dessa história. Eles conseguem abrir um Seminário
como este e dar essa oportunidade de retomarmos forças para ir ver como é que tiramos o ovo da serpente
neoliberal que tentaram colocar no Plano Nacional, na LDB. Conseguimos fazer essa avaliação. Acho que
temos que continuar críticos e co-responsáveis porque estamos diante de um governo que está
construindo isso. Nós, como movimento social, sendo críticos e co-responsáveis espero que possamos
fazer algo diferente. Não estou fazendo perguntas. Estou só expressando, uma opinião. Como disse, não
era pergunta, era só para partilhar aqui.
Fazer democracia dá um trabalho danado, mas é muito mais gratificante. Nós fizemos a eleição em 217
escolas com crianças de onze anos votando com voto universal em Recife. O peso da criança de onze anos
era igual ao da professora. Houve só um advogado que entrou na Justiça tentando contestar o direito.
Ninguém levou em conta. É uma lei aprovada na Câmara e eu garanto para vocês que deu um trabalho
danado, porque tivemos que botar guarda municipal e tudo. Mas é muito melhor do que as 59 creches que
eu tenho que ficar driblando e correndo das indicações políticas para os coordenadores. Não tenha dúvida
que a democracia dá trabalho, mas é muito melhor.
Mestre de Cerimônias: Agradeço as intervenções e vou disponibilizar o microfone para os painelistas
que queiram fazer uso da palavra. Três minutos para cada um.
Lauro Wittmann: Eu, nas últimas décadas da minha vida, vivi três momentos sérios. O momento em que
precisávamos colocar cunhas no sistema, de tão fechado que era. Depois, do momento que dizíamos que
precisávamos aproveitar as brechas do sistema e agora eu ouço dizer que temos que ocupar os espaços.
Há um processo histórico em andamento, como resultado da luta de quem faz o pão nosso de cada diada
educação. Para o Almir não interessam os estudantes, muito menos a sociedade brasileira, ao povo e aos
educadores que se ponha água na formação do educador, nós todos estamos lutando por uma educação
mais aprofundada, mais densa para dar conta de uma educação melhor. Eu, pessoalmente, sou
radicalmente contra mestrado profissionalizante e aguamento das licenciaturas, porque professor não é
apertador de parafuso. Também a eleição, o problema da luta pela participação efetiva da comunidade e a
indicação dos diretores, essa luta concreta que existe, é fundamental que a gente trabalhe. Conselho, só
tem uma coisa Almir, eu acho que o fato de o dirigente municipal ser presidente do conselho não é
necessariamente um mal. Pode haver gente eleita que não seja tão democrática como um dirigente,
principalmente porque o conselho municipal não é o Legislativo do município que se opõe ao Executivo.
Ele é co-gestor da educação e para o João eu gostaria de dizer o seguinte: os sindicatos felizmente estão
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alcançando muito na luta por uma educação de qualidade social e pela democratização da sociedade e não
estão só defendendo os direitos, mas o que também é justo e é preciso fazer.Gostaria também de lembrar
que o problema da falta dos professores é uma coisa que temos que olhar de frente. Gente, assim como o
Jeca Tatu era preguiçoso e não era preguiçoso, ele tinha verminose, um professor que falta e parece
incomodado é um doente, um desgraçado de um verme que comeu por dentro a alegria de educar e um
doente merece mais nossa atenção e respeito do que quem está com todo pique.
Márcia Ângela: Eu não gostaria de encaminhar as questões a partir das colocações aqui feitas, mas tentar
juntar as colocações feitas na minha palavra de despedida e na minha palavra de despedida eu volto a falar
da gestão democrática como uma possibilidade histórica de construção histórica e volto a dizer que ela não
é como chamamos, de gestão compartilhada ou uma gestão partilhada ou uma gestão participativa ou
uma gestão colegiada. Parece que quando falamos de gestão democrática estamos falando como
sinônimo de tudo isso. Precisamos ler nas entrelinhas e compreender o que diferencia mesmo a gestão
democrática dessas outras práticas. O termo cunhado de gestão democrática, ele está assentado, ele tem
vínculos fortemente diferenciados das demais outras gestões ditas, o que eu quero e gostaria muito de
deixar aqui é que todos nós nos alertemos para essas palavras que aparentemente são semelhantes, mas
têm como base coisas muito diferentes. Por exemplo, a questão da não desresponsabilizaçãodo Estado
com a questão educacional. Muitas vezes vemos questões que, ditas, são democráticas e que há uma
transferência da responsabilidade do Estado para a comunidade. Essa não é a gestão democrática que
estou falando, que estamos falando. A questão dos colegiados não terem caráter deliberativos, mas
meramente consultivos, muitas vezes manipulados, essa não é a gestão democrática que nós estamos
pensando, lutando e construindo.
A gestão democrática está vinculada, na sua essência, à qualidade social da educação, não é a qualidade
mercadológica, não é a qualidade produtivista, um recado que eu gostaria de deixar aqui nessa minha
despedida e agradecendo muito a possibilidade de poder conversar com vocês, é um alerta. Vamos
conceituar, como ontem já saiu na nossa oficina, vamos tentar nas nossas discussões, nos sistemas de
ensino, nas escolas, tentar amarrar esse conceito de gestão democrática para que a partir da assunção
desse conceito a gente possa efetivamente agir na realidade garantindo o compromisso com esses
vínculos, que são vínculos societários. Muito obrigada.
Regina Vinhaes: Essas questões que foram trazidas aqui são instigantes de diversos Seminários, se
fôssemos pegar cada ponto. Mas eu gostaria de fazer uma referência a uma primeira pessoa, o professor
João, onde ele faz uma provocação quando conclui sua fala dizendo se não seria o momento de incluir o
ponto nas escolas. Eu diria assim: que o fato de incluir ou tomar algumas medidas constrangedoras nesse
nível não vai significar a melhoria das relações dentro das escolas, ou mesmo que o trabalho seja mais
produtivo no sentido da aprendizagem. Acho que todas as vezes que tomamos medidas que cerceiam,
medidas que são coercitivas, e que é para fazer porque alguém manda, então isso fica muito complicado
quando estamos tratando dos processos educativos. É preciso, de fato, um grande esforço coletivo da
escola para que essa situação também se modifique a partir de políticas que estão fora da escola, mais
gerais. Mas, não me parece que este seja o caminho mais adequado para fazê-lo.
O que é preciso fazer é debater questões mais específicas nas escolas e essa me parece que é algo
recorrente, a ausência do professor. Participamos de processos de discussão com os conselhos escolares,
em treze estados da federação. Essa é uma das tônicas nos debates e também escutamos muitas escolas
com propostas pedagógicas de minimizarem e às vezes até eliminarem esse problema, considerando
principalmente a figura desse docente e a responsabilidade que é pertinente ao ato pedagógico. Eu diria
que, nesse sentido, mais vale de fato uma boa discussão, um conselho escolar atuante e que poderia ter a
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possibilidade de minimizar essa questão.
Em relação também ao Sindicato, me parece que o Sindicato dos professores tem cumprido o seu papel no
Brasil, no sentido de ser uma instância que está reivindicando direitos, uma instância que muitas vezes está
colocando questões que contrariam os gestores em todos os níveis e é preciso ter esse espaço de
construção. Além do que o sindicato no Brasil tem tido um papel importante na formação. A maioria dos
sindicatos dos estados que eu conheço tem uma preocupação com a formação continuada trazendo
temas nesse debate. É preciso fortalecer cada vez mais os sindicatos como um espaço em que se pode
pensar em determinadas perspectivas, em uma política de melhoria da formação, do trabalho, do salário,
de professores de todos os níveis do Brasil.
Em relação ao Almir, estar junto das questões, e ele situa no estado de Santa Catarina, também isso se
reflete em muitos outros estados, e que demonstram um pouco do que eu gostaria de trazer na minha fala.
Muitas vezes a retórica encobre o conflito, a retórica passa a idéia de que as coisas são fáceis, mas os dados
da realidade revelam a contradição desses processos. Há grandes problemas e faz parte desse jogo, do
jogo político, essa tensão que existe em relação à escolha de dirigentes, em relação a indicações políticas,
há tensões com relação a quem está na Secretaria, porque muitas vezes a gente tem pessoas que são de
combate dentro das redes de ensino e, muitas vezes, quando assumem qualquer direção de Secretaria elas
mudam de posição. Quantas e quantas vezes tem-se um discurso democrático e, na prática, age-se de
forma totalmente contrária. É por isso que eu estava chamando a atenção, vamos deixar de romantizar um
pouco essa questão da gestão democrática. Isso aí é um campo de luta.
Em relação à formação dos profissionais de educação, essa também é uma luta histórica. O fato de que
ocorre eventualmente venda de diplomas e, se a gente for analisar, isso faz parte de todo um contexto que
se enfrenta no País. Até hoje não conseguimos atingir um nível nacional de formação dos profissionais de
educação. Ainda estamos longe disso. Coloca-se como uma luta, pensar na formação dos profissionais de
educação, na formação dos docentes, na formação aliada às condições de trabalho e às condições
salariais. Não nos iludamos de que tratar separadamente a formação inicial, e a formação continuada, vai
resolver problemas sérios e históricos que temos neste País. Acho que a proposta agora se situa nisso. É
uma grande oportunidade. Somente agora nós temos a aprovação das diretrizes curriculares do curso de
pedagogia.
Nós temos o que interessa fundamentalmente à formação dos professores. Somente agora, temos, por
iniciativa do próprio governo, políticas numa legislação voltada para os funcionários da escola que eram
seres invisíveis na maioria das escolas no Brasil. Então, também é uma oportunidade para que possamos
dar um passo adiante neste País, no sentido de expressar, na prática, essa coisa que está na nossa retórica,
da qualidade social para todos. Acho que é uma questão importante. Finalmente, eu gostaria de fazer uma
ressalva a Malu, a experiência de quem estava na luta de um lado e que agora está na Secretaria de
Educação do município de Recife e que vê o resultado de não ter ocorrido tantos avanços. Não tivemos a
possibilidade histórica de garantir muitas das nossas demandas, tanto na LDB quanto no Plano Nacional
da Educação. Isso constitui vários obstáculos para que, de fato, os gestores tenham possibilidade de
contribuir com políticas substantivas que possam ir ao encontro das necessidades da população. Acho
que isso é uma demonstração de que a luta está posta em todos os lugares e é a única via que nós podemos
encontrar para poder fazer uma educação democrática, com uma gestão democrática no Brasil. Agradeço
a acolhida aqui neste plenário.
Fernando Rodal: Só um minuto. Para que o coordenador fique tranqüilo, só reflexão a respeito de um
só ponto. Quando meu companheiro coloca que não chegou o momento de dizer aos professores
que cumpram com sua própria tarefa, que marquem o ponto, eu não posso dizerestar contra isso, mas eu
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quero lembrar a vocês que durante toda a década de noventa culpava-se aos docentes por todo o mau
funcionamento do sistema educacional e nunca se fez uma observação integral, integradora, sobre a
verdadeira raiz dos problemas.
Estamos de acordo que o docente foi uma parte desse problema, mas ele não é o único. Por isso, falávamos
ontem sobre gerar o compromisso para motivar o docente, para que o professor sinta emoção de educar
novamente, mas não nos esqueçamos que nós assistimos uma América Latina com salário de miséria, com
multiemprego em todos os setores, de professores que tinham vários empregos e que muitas vezes
assumiam uma carga horária enorme. Todos sabíamos que era impossível permitir uma educação de
qualidade nessas condições com quarenta, cinqüenta, sessenta horas semanais e essa não é uma
justificativa para não cumprir com a responsabilidade de cada um. Convenhamos, porém, que o problema
tem causas múltiplas. Somente observamos isso do ponto de vista político.
Nós não vamos conseguir uma solução. Não foi conseguido isso na década de noventa, por mais sanções
que se aplicassem. Vai ser resolvido esse problema na medida em que consigamos recuperar a emoção por
educar, e também com respeito à profissionalização do trabalho do professor. Isso, nada mais, muito
obrigado. Eu creio que deveremos estar todos aqui, desse lado, porque acreditamos que a democracia se
constrói se nós nos convertermos em um coletivo e a proposta de gestão democrática da escola é para todos
e todas. Aplauso e palmas para todos vocês e para todos que estamos cotidianamente trabalhando neste
processo de construir e reconstruir, permanentemente, não somente nossa realidade, mas também o
sistema educacional para conseguir uma emancipação. Os aplausos são para vocês e para todos que estão
aqui, porque somente assim, nos convertendo em coletivo, nós podemos transformar a escola. Quero dizer
que sinto a tristeza por partir, mas muito alegre porque há muito mais amigos e amigas, que acreditamos no
sonho de que outro mundo é possível, que outra educação também é possível. Muito obrigado.
Justina Iva de Araújo: Antes de encerrar, quero um minuto só para fazer um comentário. Quero retomar
aqui uma fala do professor Lauro com relação ao otimismo que é um fundante da gestão democrática. Mais
do que isso é da educação (ele dizia e acredito como ele e peço que todos pensem nisso, não dá para se
pensar em um educador pessimista). Se não permanentemente, e até circunstancialmente sim, mas a
educação, a função do educador está intimamente vinculada a um otimismo, a um acreditar, a uma
esperança porque não temos o direito de estar em uma sala de aula diuturnamente com trinta, vinte e cinco
crianças, quarenta crianças, transferindo para elas um pessimismo, desesperança e falta de fé. Obrigada.
INTERVALO
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Arlindo Queiroz: Por favor, venham para a mesa, os sete relatores, Ana Cláudia, Lauro Wittmann, Lêda,
Flávio, Lenira, Clodoaldo, Aida. Enquanto os relatores não chegam e não são definidos vamos continuar. A
idéia é que se levantem apenas sugestões relativas ao tema tratado na oficina e aí teremos três minutos
para cada um. Vamos começando pelo primeiro relator da oficina, o Lauro.
Lauro Wittmann: Como eu me conheço eu preparei um texto escrito. Primeiro houve um relato de três
experiências, uma experiência em nível de escola que é a escola de Alma, Maranhão, onde a gestão é
exercida pelo conjunto de todos que fazem a escola, que constituem o coletivo dirigente que é coordenado
por uma equipe eleita de onze membros, docentes, alunos, funcionários, pais e mães e um representante
da comunidade. A escola tem ampla articulação com a comunidade mantendo parceria com diferentes
associações, grupos, como conselhos comunitários de bairro, unidades de saúde, ONGs, grupos de
jovens, grupo de idosos, Fórum Qualidade de Vida, grupos religiosos e grupos musicais, como de dança,
capoeira, violeiros e repentistas.
A segunda experiência foi em nível de município, o Orçamento Participativo Criança no município de São
Paulo, na gestão de 2001 a 2004. Foi promovido pela coordenadoria do Orçamento Participativo
Secretaria Municipal da Educação, com a coordenação do Instituto Paulo Freire, o Orçamento
Participativo Criança em um trabalho processual, e não episódico, com a participação de mais de dez mil
crianças das 550 escolas da rede pública municipal do ensino e com a realização de 448 assembléias. A
dinâmica contava com o grupo motor, adultos para dar condições para que as crianças pudessem agir, com
2600 participantes, cinco pólos com treze turmas e quarenta membros em cada uma. E o grupo Faísca com
20 a 25 crianças em cada escola, eleitas com o objetivo de mobilizarem e envolverem os colegas. O
processo ocorreu a partir de reuniões em turma, depois série, depois por ciclo, depois interciclos e assim
até chegar a delegados eleitos progressivamente para a assembléia da cidade.
A terceira experiência foi a nível nacional, que é a assembléia técnico-docente do Uruguai. Na assembléia
técnico-docente participam docentes delegados do primário, do secundário e do técnico profissional,
eleitos na proporção aproximada de um para cada cem professores. Este movimento tem como objetivo
afirmar a autonomia com relação ao governo de turno, garantindo a permanência do trabalho para não
evaporar com o “gobiernode turno. Toda mudança de política pública deve passar por essa assembléia.
Essa discussão nacional é um grande avanço em um País altamente centralizado, na definição de políticas,
resgatando um processo participativo interrompido na ditadura e procurando aprofundá-lo. No
momento se busca transformar a assembléia de órgão consultivo em deliberativo. Depois disso, passamos
para testemunhos, propostas e sugestões.
Nos três relatos aparece com clareza a importância da idéia de democracia na sociedade como um todo, e
na escola em particular. Aparece também a necessidade de uma política pública que garanta
continuidade. As três experiências mostraram a voz de diversos atores da realidade social, revelaram a
construção de práticas que dão voz a quem de direito - o conjunto dos agentes da escola constituído no
coletivo dirigente. Segundo, na comunidade local com as crianças na definição de prioridades e alocação
de recursos públicos e terceiro, as vozes do corpo nacional dos professores com a experiência nacional,
portanto do Uruguai, do município de São Paulo e da escola de Alma, no Maranhão.
Após a apresentação dessas experiências tiveram oportunidade de falar e apresentar experiências
Socialização das Oficinas Temáticas, Encaminhamentos
de Sugestões e Solenidade de Encerramento.
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216
participantes de todas as regiões brasileiras e de treze unidades federadas e do Uruguai. Com base nessas
experiências o coletivo da oficina 1 apresenta as seguintes considerações: a organização e participação no
Seminário foi de enorme importância para aprender e subsidiar políticas e práticas de gestão democrática.
A articulação maior entre as instâncias públicas da administração no regime de colaboração é
fundamental. A realização de trabalho participativo, com trabalho coletivo do conselho escolar, com o
núcleo gestor centrado no pedagógico, preocupação com a integração de todos, o estímulo à participação
da comunidade, fortalecimento das instâncias de participação dos educandos, empoderamento da
participação estudantil, criando e mantendo, condições de efetivamente participarem, construindo
instrumentos de falar. É possível mobilizar e construir a participação das crianças, pais, docentes e
comunidade local, encontrar formas de dar visibilidade às experiências de avanços na gestão democrática
da escola. E aí uma sugestão reforçada, haver políticas públicas para a ampliação das experiências, para
que não sejam pontuais e isso a gente acha que as instâncias responsáveis pela administração pública de
governo e o CNTE podiam pontuar essas políticas e sua concretização; importância dos conselhos
escolares e elaboração dos regimentos próprios de acordo com a identidade da escola exercendo e
construindo a autonomia da escola.
As instâncias locais e regionais da educação, como as secretarias municipais, promoverem o intercâmbio
dos conselhos, inclusão da disciplina de gestão da educação na formação do professor, enfatizando os
conceitos básicos de gestão democrática, respondendo às necessidades de discutir os conceitos. Por
exemplo, não existe gestão democrática só porque há eleição de diretor; não existe autonomia quando
apartado o dependente do governo, mas quando funda a continuidade para além de mandatos
governamentais. A gestão democrática deve ser redimensionada e recriada todo dia. Necessidade do
registro do processo, como atas de assembléias periódicas, incluindo assembléia anual ou semestral de
prestação de contas. Para a gestão democrática não há modelos, o inusitado e o criativo são inerentes a ela.
Importa garantir a possibilidade do diferente contra a homogeneidade. A construção histórica da gestão
democrática nas escolas recomeça todos os dias e em cada escola. E, como conclusão da interlocução
coletiva da oficina 1 vale ressaltar: primeiro, democracia e autonomia não são outorgadas ou
conquistadas nem implementadas, são construídas na prática, na co-relação de forças que expressam
interesses diferentes e no enfrentamento e emperramentos e constrangimentos; segundo, este Seminário
despertou uma sólida esperança e convicção da necessidade de ampliar a gestão democrática para a
construção de uma educação de qualidade. Esta conclusão foi afirmada, inclusive, pelos participantes que
testemunharam experiências de gestão democrática, admiradas por todos os participantes; última, apoio
irrestrito para realização da Conferência Nacional de Educação.
Mestre de Cerimônias: Muito bem. Estes aplausos são aplausos para a oficina que apresenta sua
contribuição no Seminário. Passar, agora, para a professora Lêda, relatora do segundo grupo.
Lêda Gomes: Nos nossos trabalhos não houve muito tempo para debate, pelo que li nas avaliações nos
diversos painéis. Só houve tempo para exposição, já estava tarde e o grupo resolveu sair sem o debate.
Então, resolvemos fazer o encaminhamento de sugestões a partir das experiências apresentadas. Foram
apresentadas três experiências: uma nacional, e duas, internacionais. A nacional foi da APÔITCHÁ que é
uma organização não-governamental que trabalha com políticas públicas para crianças e adolescentes.
Uma outra, internacional, foi a experiência de um Sindicato que abordou a questão do desenvolvimento
local de Honduras. Foi apresentada pela professora Rosário Ádila, da COPEV e é também uma organização
não-governamental do México que trabalha com a questão escola de governo e cidadania.
Os encaminhamentos de sugestões: as três experiências mostram a contribuição das organizações não-
governamentais para o fortalecimento da educação escolar. As experiências articuladas com a escola
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construíram espaço socioeducativo, complementação à educação escolar e promoção do
desenvolvimento local. Houve uma articulação entre diferentes lugares de aprendizagens facilitando a
melhoria dos indicadores educacionais em todas as experiências relatadas. Acreditamos que é possível
aproveitar articulações dessa natureza para promover, progressivamente, a educação integral,
envolvendo dança, música, artes plásticas, saúde e a questão da escola em tempo integral. A APÔITCHÁ
trabalhou bastante esse ponto. Acho que não adianta fazer já uma escola integral se não há condições de a
escola a estar promovendo. Às vezes pode até estar duplicando o sofrimento. Então, é de ser estudada essa
questão para ver se a escola tem realmente as condições básicas para promover essa escola integral.
Recomendamos em face das experiências relatadas que haja uma maior articulação, integração e
planejamento conjunto entre as iniciativas de educação e as iniciativas socioeducacionais promovidas
pela sociedade civil e que os conselhos, de um modo geral, conselhos escolares, conselhos de educação,
incluam nas suas pautas a discussão dessa temática. É basicamente isso.
Simone Medeiros: A oficina três apresentou três experiências: a experiência Banco de Palmas, que todos
vimos aqui ontem, no município de Fortaleza; a experiência da Rede Juventudes em três estados, Bahia, Rio
Grande do Norte e Pernambuco e a experiência da alfabetização do Mova, Petrobrás. Nós fizemos alguns
debates. Os três trouxeram vídeos das experiências. Assistimos e fizemos o debate e do debate tiramos
cinco considerações e recomendações para a formulação de políticas públicas. Primeiro, a possibilidade
de socialização das experiências que estão sendo vivenciadas pela sociedade civil, levando à inclusão
social e que não estão sendo divulgadas pela sociedade midiática. O governo dispõe de canais de
divulgação com TV, rádio, jornais, revistas, internet, que podem socializar essas experiências que estão
sendo vividas no Brasil. Segunda consideração: a integração das experiências dos movimentos sociais com
os sistemas de ensino. Terceira: ampliação das metas por conta da terceira experiência, que é a experiência
do Mova, da Petrobrás. Ampliação das metas dos programas de alfabetização e de escolarização nos
sistemas regulares para os brasileiros que ainda não tiveram acesso à escola. Quarta recomendação: ações
significativas que incluem jovens brasileiros na escola formal e curso de iniciação profissional, atividades
culturais e escola formal para que não continuem expostos à violência e outros males. Quinta
consideração: intensificação das políticas de formação inicial e continuada dos trabalhadores em
educação. Foram essas as cinco recomendações da oficina.
Mestre de Cerimônias: Vamos à seguinte com a oficina de número 4, de planejamento participativo.
Clodoaldo José de Souza: A oficina número 4 teve a participação de 32 representantes dos diversos
segmentos. Ela adotou, como metodologia inicial, uma apresentação de cada membro que estava inscrito
na oficina. Cada um disse seu nome, de onde veio e o seu interesse. Nessa oficina foram apresentadas duas
experiências; a experiência de um projeto de Santa Catarina, “Minha Escola, Meu Lugar” , desenvolvida
pelo Estado, que tem como foco o lugar. É o espaço vivido e o horizonte cotidiano que tem sentido de
identidade e é o lugar de cada um. Esse é o foco principal do projeto e ele adotou, na sua implementação,
três linhas básicas pedagógicas que são a formação continuada, a adequação do currículo e o calendário
escolar. É uma experiência nova, faz implementação, mas esse pessoal, que está trabalhando, tem muita
esperança que venha ser um sucesso nos anos seguintes. Quem estiver interessado nessa experiência pode
se comunicar com o juarez@sede.sc.gov.br.
A segunda experiência apresentada é realizada no estado de Pernambuco, na região semi-árida, Bahia e
Paraíba. Tem uma proposta educacional de configuração de mecanismo voltado para a prevenção
e retirada das crianças e adolescentes do trabalho infantil no esforço de, após essa identificação,
reintegrar esses jovens, essas crianças, esses adolescentes no sistema escolar. Essa experiência tem tido
muitas dificuldades, grandes desafios no sentido de que primeiro é preciso identificar as crianças e os
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adolescentes em situação de risco, conquistar a confiança das crianças e adolescentes, fazer um
diagnóstico social local e isso está se fazendo através de um censo localizado nos municípios, com a
participação da Prefeitura, dos professores, da sociedade civil. Depois, requalificar a escola e a educação
na região frente à realidade de trabalho infantil que predomina naquela região e depois devolver para as
escolas as crianças e adolescentes que estão em situação de risco e, inclusive, em trabalhos inadequados.
Contatos sobre essa experiência é: educar.tereza@troeninet.com.br.
Uma terceira experiência, que era do fundo municipal e não foi apresentada, a pessoa não apareceu. Como
recomendação do grupo que estava envolvido no trabalho o seguinte: que nos próximos Seminários o
trabalho tivesse início com oficina, em torno de dois dias, identificando resultados e dentro desses
resultados, os problemas, as questões e as inquietações de cada um. Que cada entidade referisse a
problemas que a sociedade está vivendo e, no dia seguinte, fossem convidados os especialistas para
aprofundar as questões identificadas, com fundamento teórico, político, estratégico, pedagógico.
Depois, redimensionar a programação do Seminário para que os espaços de transmissão tenham outros
focos de conteúdo, dando mais espaço para que sejam apresentadas as propostas dos Estados e
municípios. Por fim, vale ressaltar que houve grande interesse no tema e que foi muito prejudicado pela
limitação de tempo.
Realmente foi difícil. Tínhamos umas questões muito interessantes que necessitavam ser aprofundadas, o
que não foi possível, e finalmente a gente gostaria de enfatizar a importância ética da iniciativa do MEC, a
qualidade das conferências e o desejo de que isto que foi iniciado agora seja continuado em outros
Seminários temáticos. Muito obrigado.
Mestre de Cerimônias: Obrigado, Clodoaldo. Vamos para a próxima oficina, a oficina 5.
Ana Cláudia: A oficina 5 é sobre movimentos sociais e educação. Em nossa oficina tivemos a ajuda do
Hélio, que é matemático e é só para ter uma idéia da riqueza de pessoas que tinham experiências, que
estavam ali. Tínhamos quinze estados e três Países representados em nosso grupo e foi uma pena não ter
tido mais tempo para podermos explorar isso. O moderador foi o professor Hugo. Fiquei como relatora. As
experiências apresentadas em nosso grupo foram a Viva la Cidadania; Natal Voluntário e as escolas
itinerantes do MST.
Apresentamos propostas para a mudança da nossa realidade, o que achamos que poderia melhorar e o que
achamos que poderia incrementar e modificar. Surgiram 10 questões. Temos que agradecer ao grupo que
foi até tarde para podermos escrever e colocar no papel tudo que queríamos contribuir, reconhecendo e
socializando as experiências formativas dos movimentos sociais que pudessem contribuir para o sistema
de ensino. 1. Estabelecer redes solidárias, nacionais e internacionais, entre os diversos movimentos sociais
que atuam no âmbito da educação. 2. Fortalecer a mobilização social em torno do direito à educação, por
meio de audiências públicas, conferências etc. 3. Fortalecer a relação entre os movimentos sociais e o
movimento dos educadores. 4. Garantir escola pública gratuita de qualidade social, que atenda à
diversidade étnica, cultural, de gênero e outras mais, a todos os brasileiros com a participação da
sociedade civil na sua gestão. 5. Promover processos de formação sociopolítica na comunidade educativa
envolvendo pais, alunos, comunidade. 6. Promover articulação com os meios de comunicação para
divulgar programas, projetos e ações que tenham como objetivo estimular a gestão democrática na escola
a fim de contribuir para a construção de uma cultura de participação e contrapor as participações
discriminatórias que pretendem criminalizar as ações dos movimentos sociais. 7. Criar promotorias de
justiça específicas para a educação em todos os entes federados. 8. Promover o fortalecimento e uma
maior articulação entre os movimentos sociais. A comunidade educativa tem compromisso por parte do
governo de apoiar essas iniciativas. 9. Democratizar a tomada de decisões e definição de políticas públicas
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no setor de educação, incorporando as propostas dos diferentes atores sociais. 10. Criar de uma lei
nacional que estabeleça as diretrizes para a implementação do processo gestão democrática nos sistemas
de ensino para o fortalecimento da cidadania. Tudo que a gente puder fazer no sentido de convocar os que
vivem em torno da escola e dentro da escola, no sentido de participarem, de tomarem um pouco de
estímulo da escola na mão também, tudo que a gente puder fazer nesse sentido é pouco ainda,
considerando o trabalho imenso que se põe diante de nós que é o de assumir este País democraticamente.
As fotos foram todas contribuições dos trabalhos que foram apresentados no nosso grupo.
Mestre de Cerimônias: Obrigado e parabéns. Uma homenagem especial ao nosso célebre, amado,
querido, nosso guru, ao Paulo Freire, muito bem homenageado. A próxima oficina é a oficina 6.
Aida: Oficina de movimentos sociais da educação. Nós éramos 22 participantes, fizemos uma rodada de
apresentação com as questões muito parecidas com a que o Clodoaldo apresentou mas a gente estava
muito imprensado com o tempo. Nós começamos a oficina às 18:10h e as propostas terminaram 19:15h e
a gente ficou muito sofrido e muito aflito. Precisamos de ajuda de um voluntário para completar o registro
e vou pedir para que se faltar alguma coisa que complete.
Por contingência de tempo, a oficina saiu meio prejudicada, as experiências que estavam lá e que haviam
sido preparadas com muito zelo e muita competência, com vídeo, slides etc., estavam reduzidas a um
tempo mínimo e cada uma delas teve que escolher uma parte, o que deu uma pena enorme. Mas não ia dar
tempo, pois eram duas experiências nacionais, de atuação de âmbito nacional. Com essa amplitude, e uma
local extremamente interessante da Prefeitura de Cuiabá, que Antônio Marcos apresentou. Tive muita
pena dele porque era da essência do Seminário, gestão democrática e pedagogia participativa. Então, se
cada uma dessas experiências fosse ser explorada, como mereciam, teria que ter pelo menos meia hora
para apresentação de cada uma delas.
Foi apresentada a Universidade popular comunitária que respondeu à demanda de educação de jovens e
adultos, a maioria do meio rural, mas que não conseguiam se adaptar à escola formal. Então, há um
movimento e uma convocação - criar uma escola que responda às necessidades específicas daquele grupo.
O pessoal começou atendendo a partir dos quatorze, quinze anos em diante, mas depois descobriu que
havia uma imensa adaptação de interesses entre os jovens e os muito jovens e os adultos e aí eles
reconfiguraram isso e passaram a atender a partir dos vinte e cinco anos. É uma pedagogia
interessantíssima. Isso foi apresentado. Lamentavelmente, foi tudo muito rápido. Mas tem um destaque
que é a gestão democrática, onde não há hierarquia na gestão, é feita por rodízio, há um conselho gestor e
todos os setores estão representados. Há uma divisão de tarefas e responsabilidades também. Achei
interessante, que o poder, a matéria do aprendizado que é uma coisa que não discutimos nunca, então o
poder, tinha conselhos, tinha diversos setores organizados. A passagem para aprender o exercício do
poder não era uma gestão democrática dada, mas era como campo de aprendizagem. Foi isso que entendi.
Achei incrível. Essa pedagogia inclui aprendizagem do poder. Ela não só se estrutura como gestão
democrática mas ela se inclui como campo de aprendizado.
A grande dificuldade é que mudando a gestão, mudando o prefeito, mudou o apoio e a experiência está às
voltas com grandes desafios de auto-sustentação. Mas ela se apóia no enraizamento social que já se fez.
A segunda experiência que é a experiência apresentada por Kátia e Marcelo, Faça Parte, que é se
preocupar muito com a cultura do voluntariado, mas um voluntariado conseqüente e que tenha a seleção
de seus focos. Isso no espaço de participação, com o olhar sobre o desenvolvimento local e
potencializando a atuação da escola. É o que eles chamam de voluntariado educativo e realmente o que
apresentaram convenceu. Mantém um eixo, se apóia numa pedagogia da vivência da solidariedade, nas
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relações internas da escola (os alunos de uma série que ajudam outros de outra série, uns da oitava que
ensinam uns da primeira à quarta, dança etc.) quer dizer, descobrindo qual é o propósito, na verdade, de
saberes e tornando isso vias e canais da solidariedade. Um exercício de aproximação e de contribuição na
educação do outro. Enfim, o aluno está sendo educador também, e o outro lado é essa convocação da
comunidade em direção à escola. Os pais, os líderes, até os avós que trazem para a escola a lembrança da
comunidade, a memória, que ensinam brincadeiras etc. Fortalecendo o vínculo escola e comunidade. Toda
essa ação tem uma enorme sinergia; é quase como uma extensão do projeto político-pedagógico da
escola. Eles se atêm a essa vontade pedagógica da própria escola. É isso. O exercício da solidarização na
escola tem reflexo sobre os vínculos dos alunos com a comunidade, sobre o próprio rendimento escolar.
Tem um selo de qualidade que é uma espécie de prêmio que é dado à escola solidária. Tinha, por acaso, no
grupo, uma escola que já tinha sido premiada. Foi muito interessante e outra que reclamava muito a
presença dela. Quer dizer, há uma solicitação maior de incentivos e de olhares diferentes sobre a escola e
quem trabalha no campo está pedindo: nós queremos mais apoio, mais ou menos isso. Por último, veio a
Campanha Nacional pelo Direito à Educaçãoque é essa campanha que já conhecemos e que se constitui
em uma rede de pressão política. Hoje contam com mais de duzentos grupos que atuam em políticas
públicas educacionais. Nasceu em 99 com a avaliação de que a legislação da educação tinha avançado,
mas ao nível da concretização ainda tinha muito o que caminhar. Acentuam-se algumas prioridades nas
lutas pela qualidade dos processos educativos, pela gestão democrática, controle, pela expansão dos
recursos etc. A campanha, na verdade, está em confronto de luta pela justiça na educação, pela defesa e
ocupação dos espaços, pelos direitos à educação, pela mobilização de aliados e cúmplices dessas lutas.
Tem na pauta atual (o que foi muito marcante, foi uma adesão total na oficina) uma pressão de todos os
modos para a realização da Conferência Nacional de Educação e a oficina acrescentou, não só pela
Conferência Nacional, pela Conferência Estadual da Educação, pela Conferência Municipal da Educação e
ficou acertado que isso era uma recomendação forte. Precisamos ampliar esse espaço de luta do direito à
educação. Outro tema na pauta é a mobilização para o aprimoramento e aprovação para o FUNDEB e aí
acrescentamos que também se preste atenção na luta pelo tratamento igualitário da educação de jovens e
adultos no FUNDEB e a construção de uma agenda única para unir e somar forças na disputa pelo projeto de
sociedade. Depois tivemos inúmeras questões.
Não deu tempo de discutir e explorar o que queríamos e o que as experiências ofereciam e a gente insiste em
falar aqui que qualquer Seminário que se queira fazer agora que inclua oficina, que a gente comece pelas
oficinas e aí a prática tenha de fato a porta de entrada.
Mestre de Cerimônias: Muito obrigado, vamos ouvir agora a última oficina que é a oficina 7, vamos
ouvir o Flávio.
Flávio: Primeiramente, bom dia a todos e todas. Fui relator da oficina 7 cujo tema era democracia
participativa e a importância dos conselhos de educação. O moderador era o professor Bordignon, da
Universidade de Brasília. Não vou me alongar muito nos pontos. Foi uma apresentação muito homogênea,
garantida pela participação de representantes dos conselhos estaduais e dos conselhos municipais.
Gostaria de destacar também a participação de um representante de conselho escolar que trouxe uma
contribuição boa para a discussão que foi feita.
Tivemos a apresentação e três experiências. A primeira foi do Fórum dos Conselhos Estaduais, da
professora Zânia Maria. Ela fez uma abordagem histórica de criação do Conselho Estadual da Bahia que foi
um dos primeiros a serem implantados. Tivemos a experiência do professor Darci, da UNCME, da cidade de
Não Me Toque, no Rio Grande do Sul, em que ele pontua a principal questão, a colocação dos fóruns
permanentes como o verdadeiro canal de articulação da comunidade participante dos conselhos.Tivemos
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a experiência do Conselho Nacional de Educação, com a professora Clélia Brandão, que frisou muito mais a
questão legal dos conselhos. E fomos para as experiências de todos na qual tínhamos um total de 27
participantes. Cada um colocou as suas principais experiências. Ficou mais evidente que essas
experiências seriam as experiências de todos. Entra a questão da representatividade, a questão da
legalidade, a questão da autonomia. Sendo assim, tivemos quatro pontos que foram encaminhados, os
pontos mais enfáticos na discussão em torno da busca de uma verdadeira participação nos conselhos na
questão da gestão democrática. Foram colocados os quatro principais pontos definidos pela oficina.
O primeiro ponto, a melhor articulação entre os conselhos estaduais e conselhos municipais, que eles
tivessem uma maior participação conjunta. Isso seria uma das vias de conseguir-se os fóruns permanentes.
O segundo ponto, uma maior autonomia dos conselhos, que ele não se prenda muito ao braço de
governo, mas que esteja para servir à comunidade. Que seja um papel não só de governo, mas de Estado,
para servir à comunidade. Teria autonomia normativa, autonomia consultiva e autonomia deliberativa. O
terceiro ponto colocado é o de fortalecer a representatividade como voz da sociedade e aí é a questão da
autonomia. O último ponto colocado na oficina foi que antes de ter decisões normativas, ouvir a
comunidade por meio de audiências públicas. São esses quatro pontos que os participantes da oficina
enxergaram como uma verdadeira via para conseguir-se uma gestão democrática e uma maior
representatividade dos conselhos.
Arlindo Queiroz: Primeira constatação: que a gestão democrática e as pedagogias participativas que,
aparentemente, parece não ter conteúdo, depois deste Seminário a gente percebe que dimensão tem, que
densidade tem. Faltou tempo. Essa é a grande conclusão, considerando o universo temático que a gente
tem para tratar, trabalhar e para processar. Então, acho que este Seminário mostra a discussão da relação
democrática e da pedagogia participativa. Ela não pode ser vista estritamente a partir de um ato, de uma
relação descontextualizada. É preciso que ela seja observada no contexto, para só assim adquirir
significado. Não se entende uma relação singular se não se entender o contexto onde a relação está
acontecendo. Não é pelo fato de você dar um abraço cordial que você está transmitindo um ato de uma boa
convivência, de uma relação democrática. Não é o fato de só pronunciar, de só abrir audiência, é preciso
que se entenda o contexto em que isso está se dando.
Não basta o Conselho estar instalado, não basta a conferência estar instalada, não basta a eleição de
diretores da escola. Tudo isso ganha significado dependendo de uma análise contextual. Quem é quem,
quem está em qual posição, jogando em qual lugar, como está essa correlação de forças, em que direção
estamos caminhando e de onde estamos partindo. Caso contrário, tem-se uma visão resumida e reduzida
da relação democrática e acho que o Seminário (Seminário, vem de semente, nascimento) traz essa
discussão, mostrando a emergência desse conceito de democracia participativa como elemento novo
associado à qualidade social da educação e à igualdade social, mostrando que essa relação é social,
econômica e política, que envolve a dimensão da cultura, que envolve a dimensão da ciência, e desenvolve
a dimensão da tecnologia. Que não se pode pensar só na dimensão do planejamento, nem da formulação
das políticas, mas na execução das políticas e da avaliação. Então, o Seminário traz uma contribuição
enorme ao Brasil. Todos que estão aqui ocupam posições estratégicas na educação brasileira. Está aqui a
nata, o pensamento brasileiro representado nos conselhos escolares, nos conselhos municipais, no
sindicato dos trabalhadores da educação, nas secretarias estaduais, no CONSED, no CNTE. Diversos
atores, todas as entidades, tudo foi gravado, tudo foi filmado, inclusive as contribuições da mesa, tudo
será transformado em um livro e será entregue a todos vocês como uma contribuição ao processo, à
caminhada, ao aprofundamento desse tema.
Espero que a gente possa transformar também o conteúdo sistematizado em material didático, com
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produção de vídeos, com produção de textos, que facilite a discussão temática. É uma matéria prima que
além de, em si, produzir sua contribuição, também poderá produzir outros resultados. Com esta mesa que,
além de sintetizar também o resultado dessas experiências que provam que é possível e que estamos
fazendo, não mostra só que a gente precisa fazer, mas mostra também que isso é possível e está
acontecendo. Só precisa a gente aprofundar e pisar no acelerador e apressar e avançar. O Seminário mostra
também que já temos um legado nacional e internacional. Acho que conseguimos aqui, nesse mosaico de
apresentações. Observou-se também que isso caminha dentro de governos; não só brasileiro. E caminha
na sociedade civil de um modo geral. Com isso eu agradeço a todos vocês através da voz da apresentação
dos relatores de oficina e peço para desfazer a mesa para que possamos chamar as autoridades para fazer o
nosso encerramento.
Relatora do grupo 7: Só para acrescentar, da oficina número 7, nós acrescentamos a criação dos
conselhos municipais. Há muitos municípios que não têm conselhos municipais. Vou acrescentar isso, a
criação, a reestruturação dos conselhos estaduais que tem sua forma ainda muito arcaica em muitos
Estados, como o nosso estado do Acre. A desburocratização dos conselhos, nós colocamos isso, como
exemplo que a gente deu na oficina, só que não registrado. Burocratização muito grande dos projetos que
até impedem a autonomia das escolas.
Arlindo Queiroz: Vou desfazer a mesa, pedindo uma salva de palmas para os relatores. Convido o
professor Horácio Reis, diretor do Departamento de Articulação que representa o secretário de Educação
Básica. A professora Lêda, que coordenou o Seminário tem que estar aqui neste momento. Foi tanto
trabalho. O professor Paulo Santos, da UNCME. A professora Justina, representando a UNDIME. A
professora Alaídes, do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação. Se alguém se candidata para
representar o CONSED, está convidado. Quero registrar também a cooperação espanhola. Tínhamos
marcado com a Embaixada para o horário da tarde. Ocorreu que eles têm uma rigorosidade na agenda e,
quando nós antecipamos, criou-se um conflito da agenda. Eles mandaram deixar um abraço e
congratulações. Representando os palestrantes internacionais e entidades, o Eleno da CNTE. Vamos
colocar a professora Beatriz Gonzalez, secretária executiva do Fórum Mundial da Educação,
representando a Colômbia, a América Latina. Há uma sugestão de convidar um presidente de Conselho
Escolar que esteja aqui, São Sebastião do Passé. O presidente da ANPED também é importante para essa
discussão. Nós colocamos, no começo, teses para a reflexão para, no final, computar, ver como sai nossa
percepção coletiva sobre aqueles pensamentos, aquelas teses. Queria chamar o Júnior para apresentar
qual foi o resultado da tabulação dos formulários que recebemos. Por favor.
Junior: Boa tarde a todos e a todas. Neste momento eu sei que todos já estão bastante cansados, mas para
mim, pessoalmente, também não é um grande momento, o momento de acabar um Seminário tão rico
como este. Já dá saudades. Eu vou falar um pouco e tentar ser o mais breve possível com relação às teses
levantadas no Seminário. Vocês preencheram este formulário. Fizemos uma tabulação e temos algumas
teses. Vou pedir para a professora Ane passar.
A primeira tese seria uma participação. Faz diferença? Tínhamos as seguintes proposições de tese: no
sistema de ensino, na escola, na sala de aula, na comunidade escolar. A questão era se a avaliação da
proposta de tese seria totalmente verdadeira, parcialmente verdadeira, ou se falsa. Vimos na análise de
todos os formulários que foram entregues, temos 89% no sistema de ensino, 89% na escola, 88% na sala de
aula e 92% na comunidade escolar e local. Acho que dá para a gente estar afirmando essa tese, que uma
educação participativa realmente faz a diferença.
Com relação à segunda tese, seria: a qualidade social da educação só é possível com o exercício da
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cidadania, ou seja, com a prática da democracia participativa e aí as proposições de tese seriam com
aprendizagem de ser e de escolher um bom governo, que aqui ficou com 64%. Com respeito à valorização
da diversidade, 88%; com a prática da justiça social, 86%, e efetivação dos direitos sociais, 89%. Podemos
dizer que a questão da qualidade social da educação, segundo a avaliação do pessoal, está até mais
relacionado com respeito à valorização, justiça social, direitos sociais, até mesmo do que aprendizagem,
de ser, de escolher um bom governo e lógico que 64% é um número representativo também.
Com relação à terceira tese, indicadores denunciam a grave desigualdade social no mundo, e aí teríamos
três proposições de tese para estar tirando deste Seminário. Há uma relação direta entre redução da
desigualdade social e melhoria da qualidade de vida para todos e ficamos com 72%. O pessoal dizendo que
essa afirmativa, essa proposição seria totalmente correta. Há uma relação direta entre a melhoria da
qualidade de vida e qualidade social da educação; 68% das pessoas acharam isso totalmente verdadeiro;
27% acharam parcialmente verdadeiro. Há uma relação direta entre qualidade social da educação e
promoção da igualdade social e neste caso 71% julgaram totalmente verdadeiro e 20% parcialmente
verdadeiro. Então, também temos essas três proposições de tese com uma aceitação bastante
interessante. Com relação à última e quarta tese aí teríamos só uma tese e a avaliação se totalmente
verdadeira, parcialmente verdadeira ou falsa, que seria todas as dimensões das políticas públicas, ou seja,
planejamento, execução, avaliação, regulação, formação humana, currículo, todas devem estar
norteadas pela concepção de democracia participativa, condição indispensável para o efetivo estado
democrático de direito e aí a gente tem 92% das pessoas que nos informaram dizendo totalmente
verdadeiro. Acho que essa, até mais do que as demais, está explicitada neste Seminário, que é a questão da
democracia participativa, é bastante relevante. Podemos concluir com isso. Queria aproveitar a
oportunidade (não poderia deixar de falar) para agradecer aos companheiros do conselho escolar que
estiveram aqui presentes. Quase que os seqüestramos e ficamos realizando troca de experiências,
relatos até mais de 22:00h. Todos firmes aqui conosco. Muito obrigado a todos.
Arlindo Queiroz: A síntese do pensamento coletivo é muito interessante porque havia duas perguntas:
totalmente verdadeiro e parcialmente verdadeiro. Se somarmos parcialmente verdadeiro, com
totalmente verdadeiro sempre deu 100% ou 99,9%. Então, saímos com a consciência coletiva de que
realmente essas dimensões conceituais têm uma implicação muito grande, uma relação muito estreita.
Também fizemos uma avaliação do Seminário e aplicamos um formulário simples. Gostaria que o Júnior
voltasse, para dizer qual foi a opinião do grupo sobre o Seminário.
Júnior: Vamos, então, para a avaliação geral do evento. Na avaliação geral nós temos também alguns
textos com respostas descritivas, que não podemos ainda tabular em função de tempo. Vamos trabalhar
só essas seis questões que puderam ser tabuladas, que eram pontuadas, colocando com um valor mínimo e
com um valor máximo, incluindo também sem opinião. A primeira questão era relevância das temáticas
para o seu trabalho, para suas funções atuais. 71% das pessoas deram nota máxima para isso. Então,
estamos considerando que foi relevante. Costumamos fazer também uma soma entre quatro e cinco que
dariam 96% para tirar uma avaliação entre o bom e o não bom, então a gente está avaliando aqui com
relação à relevância das temáticas. Foi muito boa a relevância, segundo as respostas. A segunda seria
utilidade, para você, das informações que adquiriu(e isso para a gente é muito importante) e aí 6%
deram nota 3.0, 41% nota 4.0 e 52% nota 5.0. Temos 93% das pessoas considerando satisfatória a questão
da utilidade das informações que adquiriu. Com relação à “concentração da temática naquilo que você
precisava aprofundar especificamente(e aqui vale ressaltar que em um Seminário Internacional desse
porte, decidir quais foram as temáticas foi um trabalho doloroso com certeza, queria passar que adoramos
fazer o Seminário, queríamos passar meses aqui discutindo muitas coisas) Temos 20% dando nota 3.0,
53% nota 4.0, e 23% nota 5.0 e se somarmos os dois temos 76%. Consideramos uma boa resposta,tendo
em vista até essa questão de definição dos temas. O “grau de importância das oficinas temáticas: 23%
responderam 3.0, 58% responderam 4.0 e 19% responderam 5.0 dizendo que o conteúdo correspondeu
ao objetivo. Somando os dois, temos noção de que teremos que dar olhada nessa questão porque a gente
pode melhorar com certeza, em todas, mas essa em especial, está aí a importância das oficinas temáticas
1% nota 1.0, 3% nota 2.0, 9% nota 3.0, 28% nota 4.0 e 49% nota 5.0, sendo que nessa tivemos sem
opiniãoum número até representativo, a importância das oficinas temáticas. Gosto sempre de aproveitar
a plenária para fazer uma enquête rápida: se acham significativo ter oficinas em Seminários desse tipo.
Estaremos registrando isso para tentar melhorar nas próximas. Obrigado.
Arlindo Queiroz: Entre bom e ótimo, acho que ficamos mais ou menos nessa posição. Vocês não
imaginam o trabalho para organizar. Acho que foi quase um milagre, dizem que milagre é coisa da religião
e não da ciência, mas foi quase um milagre, por conta da estrutura, do desafio de organizar um Seminário
Internacional, de ter representatividade. Por conta do tempo, da dificuldade da máquina pública. Mas, é
um trabalho coletivo. Essa Coordenação se uniu à Coordenação de Articulação e Fortalecimento
Institucional e foi esse esforço, que fez com que, juntos, com as energias dos parceiros que estão aqui na
mesa. Não dá para fazer nada sozinho. A gente só faz em comunhão, já dizia Paulo Freire. Esta a lição que a
gente tem. Seria impossível, impraticável, se assumíssemos essa tarefa sozinhos. Assumimos em
comunhão e foi possível criar este fórum temático, que muita gente não dá valor mas que é da maior
importância, para a nossa história, a história da educação, a história da sociedade brasileira e a história da
humanidade, a questão da afirmação da nossa democracia.
Eu vou agradecer aqui, antes de passar à representante da Colômbia, que falará em nome dos repre-
sentantes internacionais. Gostaria de reconhecer e agradecer agora o esforço e o trabalho, sábado,
domingo, feriado até 22:00h, 23:00h da equipe que trabalhou na organização deste Seminário. Gostaria
que a equipe ficasse de pé, todo o pessoal que ajudou a estruturar e organizar, o pessoal que está nos
bastidores. Isso aqui não existia quando chegamos aqui, não tinha cadeira, tudo foi fruto de trabalho
árduo, difícil e das empresas que contratamos. Gostaria de agradecer ao nosso secretário de Educação
Básica, Francisco das Chagas, que não negou apoio, ao nosso diretor de Departamento, ao nosso Ministro
da Educação, ao nosso Presidente que apóia e abre essa perspectiva. Não sei se em outro governo
trabalharíamos com essas teses, com esses temas, desta forma. Trazendo a Internacional dos Trabalhadores
da Educação, trazendo a CNTE, trazendo o Emir Sader, trazendo todas as rosas, a gente faria um espaço
desse. Claro que quando a gente elege um governo há suas marcas ideológicas, espaço de reivindicação da
própria sociedade, pela caminhada, pela abertura. Quero agradecer a todos eles e a todas as organizações
internacionais. O governo da Espanha que assumiu essa cooperação. Nós já nos reunimos com o
representante da Espanha e já tiramos algumas pautas para prolongar essa cooperação, inclusive
intercâmbio, em todos os âmbitos, nas escolas, nos conselhos de escola, conselhos municipais nesse campo
da gestão. Eles estão muito entusiasmados, sentiram uma resposta muito firme do Brasil, disseram que em
nossa resposta estávamos transmitindo uma energia muito positiva e que estão contagiadíssimos com esse
ímpeto, com essa vontade, com essa garra brasileira. Todos passaram isso e eles estão impressionados com
essa disposição do Brasil. É porque não olharam ainda porque se tivessem olhado já teriam percebido.
Beatriz Gonzalez poderia nos trazer uma saudação em nome dos participantes de outros Países.
Beatriz Gonzalez: Creio que deveríamos estar todos aqui e todos aí em baixo, porque acreditamos que a
democracia se constrói em conjunto e a proposta de gestão democrática da escola é para todos e todas. Os
aplausos e as palmas são para todos vocês, aqueles que todos os dias estamos trabalhando juntos neste
processo de construir e reconstruir permanentemente não somente a nossa realidade, mas a do sistema
educativo, para alcançar uma emancipação. As palmas são para vocês e a todos que estão aqui por que
somente assim, sendo um conjunto, podemos transformar a escola.
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Arlindo Queiroz: Uma nova educação está em marcha na América Latina, no mundo todo também, vou
passar a palavra a alguém da mesa que queira falar.
Aida: Eu gostaria de cumprimentar a todos e todas. Boa tarde. Quero cumprimentar o Francisco das
Chagas e o Arlindo, e em nome dessas duas pessoas eu quero cumprimentar a todos os coordenadores,
todos os técnicos, todos os funcionários do Ministério da Educação, inclusive o pessoal que está lá fora,
inclusive até lá nos sanitários, nos toaletes, pessoal que está ali, todo o pessoal do Ministério da Educação,
toda essa equipe mobilizada para fazer acontecer este belíssimo Seminário. Quero ressaltar aqui a
questão do regime de colaboração, com muitas mãos, com muitos, ou com todos os brasileiros, a gente
constrói a Nação que tanto desejamos. Foi falado aqui em uma das mesas que a gente não deve fazer
sermão para os convertidos, mas eu entendo que a gente precisa renovar a nossa esperança, a nossa fé a
cada momento. Essas oportunidades, Arlindo e Horácio, que vocês conseguiram propiciar junto com a
gente, com os parceiros, essas instituições e entidades aqui representadas. Com toda essa trabalheira,
com tudo isso a que o Arlindo já se referiu, esses cinco dias de reflexão e renovação da nossa fé. Gostaria de
agradecer esta oportunidade, dizer em nome do Fórum dos Conselhos, dizer que me sinto gratificada por
ter me deslocado tantas vezes nesses dois meses que tivemos para organizar e participar deste momento
que com certeza ficará na história, principalmente depois de termos publicado tudo que fizemos aqui.
Não tem como esquecer, não tem como apagar da nossa memória e das pessoas que aqui estiveram e
também daqueles que poderão ter acesso a todos esses documentos. Muito obrigada. Bom retorno a
todos e que a gente possa voltar a se encontrar em momentos como este.
Arlindo Queiroz: Muito obrigado aos Conselhos estaduais de educação do Brasil.
Simone Medeiros: Eu quero me associar às palavras da minha companheira Aída em agradecimento a
toda a equipe do MEC, do que pensou ao que executou, a todos vocês, e reafirmar aqui um depoimento que
tenho afirmado por onde passo, eu que estou há seis anos na condição de dirigente municipal da
educação. Nós nunca tivemos, como neste governo, tanto apoio à Educação Básica neste País, por todos os
programas que estão sendo executados na perspectiva de formar professores, de garantir uma gestão
democrática, de capacitar conselhos, sejam Conselhos Municipais da Educação ou sejam Conselhos
Escolares. Isso me parece, não sou tão menina, tenho uma longa estrada percorrida, inédito na história da
educação neste País. Por isso nós temos muito a agradecer a Arlindo, eu sei o quanto é difícil organizar um
evento desse, mas há um princípio que todos nós conhecemos, aprendemos isso há alguns anos atrás, a
cada um segundo suas necessidades e de cada um segundo suas possibilidades. Se foi pedido isso a vocês,
é porque vocês tinham possibilidade de fazer. Com certeza nada acontece por acaso e como não é por
acaso que vocês estão nas funções que estão hoje, garantindo o avanço da educação de qualidade social
neste País. Eu queria fazer uma homenagem e pedir que essa pessoa fique de pé, porque é uma
oportunidade de homenagear alguém que está fazendo muito pela educação no nosso Estado,
particularmente na cidade de Natal. Embora não seja um educador com formação, que é o doutor
Raimundo Silvio. Está lá no fundo, o promotor de Justiça da Educação. Tomara Deus que vocês todos
tenham o privilégio que Natal tem de ter um promotor da educação como este, que é um parceiro, um
companheiro e graças a ele o município de Natal hoje tem a pasta da educação como gestora plena de seus
recursos financeiros. Nada é pedido a ninguém. Planeja e executa, compra e paga e isso nos deu asas.
Nós éramos extremamente limitados, enquanto isso não ocorreu. Isso é o cumprimento do artigo 69 da
LDB, no seu parágrafo 5º, que não vem sendo obedecido, quer por Estados, quer por municípios e nós
só ganharemos asas para garantir uma educação de qualidade quando todos nós pudermos fazer a gestão
plena dos recursos da educação e não ficarmos dependendo de repasse e do bom humor do secretário
de Finanças. Muito obrigada.
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Flávio: Vou repetir, vou ser redundante, mas vou ser bastante curto. Mas não poderia deixar, em nome de
1.650 Conselhos Municipais de Educação aqui representados pelas coordenações da UNCME, de
parabenizar o trabalho deste Ministério, desta Secretaria de Educação Básica, em nome do nosso
companheiro e amigo Arlindo Queiroz. Quero desejar a todos um abraço da sua equipe que não mediu
esforços para que esse momento fosse possível e esse momento é um momento que tem que ser destacado,
marca um momento histórico onde as diferentes entidades estão reunidas, ainda que sejam convertidos,
para discutir instrumentos para que possamos aperfeiçoar a prática democrática. Aqui ficou comprovado
que adotar a gestão democrática, estabelecer diálogos, estabelecer relações é fundamental para que
consolidemos uma prática democrática em cada cantinho da educação, seja na escola, nas secretarias, seja
nos conselhos de educação e seja no governo. Este Seminário ficou marcado por esta iniciativa de afirmar o
compromisso nacional pela gestão democrática. Nós não estamos colocando em cheque a gestão
democrática. Muito pelo contrário. Estamos aqui querendo reafirmar o compromisso que nós tivemos em
88 com um País democrático e esse momento foi histórico e nós, dos Conselhos Municipais de Educação,
não poderíamos deixar de registrar a nossa satisfação, a nossa alegria de ter participado na coordenação,
colaborando da maneira possível, mas presente nas nossas discussões, presente aqui com toda nossa
diretoria. Ficamos dois dias aqui até às 23:00h discutindo estratégias de mobilização, de articulação, em
cada um dos municípios, cada um dos estados, para que a gente possa de fato consolidar os conselhos
municipais de educação. Obrigado e parabéns.
Representante do Movimento Sindical: Nós, do movimento sindical, queremos agradecer a oportu-
nidade de estar aqui discutindo, debatendo este tema tão importante para todos nós. Queremos
parabenizar a equipe coordenadora deste evento, pela sua realização, pela sua organização e dizer que,
nesta luta, para garantir a vida digna para todos e todas, esta semana foi muito importante para recarregar
nossas baterias, energizar o nosso corpo para voltarmos para o nosso local de atuação e continuarmos
firmes na luta para fazer um novo Brasil, que nós precisamos e desejamos. Muito obrigado.
Márcia Ângela: Quero agradecer ao Horácio, ao Arlindo. Nós todos sabemos o sacrifício que é fazer um
evento de uma qualidade e de uma abrangência como este. Queremos saudar a todos e dizer o seguinte:
que a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, que eu represento hoje aqui, é uma
associação que congrega 76 programas de pós graduação de educação do País e tem 22 grupos de trabalho
e agrega todas as temáticas educacionais e são pessoas que participam diretamente da universidade,
universidade pública que tem compromisso com a Educação Básica. Eu quero deixar esta mensagem:
historicamente a universidade pública sempre foi uma das trincheiras de luta pela educação pública neste
País e neste momento a gente reconhece o trabalho da Secretaria da Educação Básica. Nós acompanhamos
e sabemos que eles estão agindo de forma democrática em função de formulação de políticas públicas
estruturadoras e isto é o que o Brasil precisa. Parabéns a vocês.
Arlindo Queiroz: Muito obrigado. Com a palavra o representante dos conselhos escolares.
Representante dos Conselheiros: Eu gostaria de falar em nome de todos os conselheiros presentes
neste evento. Sabemos da importância de termos um conselheiro aqui, porque sabemos que muitas vezes
essas ações que discutimos aqui estão sendo enfrentadas lá na escola. Estamos querendo fazer
exatamente uma ordem contrária a que está posta aí. Gostaria de agradecer em nome das pessoas que
organizaram este movimento de conselho escolar através da equipe de Júnior, de Ane e de toda a equipe do
MEC e dizer para vocês que se existe uma esperança de que isso é possível, nós temos demonstrado junto na
escola, através dos conselhos escolares que têm buscado na prática converter essa ordem perversa que
está aí. Eu só tenho a agradecer e acho que esta minha fala é a fala de todos os conselheiros que estão neste
momento sendo cada vez mais incentivados e reanimados para estar nessa luta de uma democracia que
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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possa realmente incluir a todos. Nosso muito obrigado.
Arlindo Queiroz: Nós trouxemos uma mensagem para vocês, mas antes disso vamos ouvir em nome do
nosso secretário de Educação Básica, a saudação do professor Horácio Reis.
Horácio Reis: Preparei três páginas aqui. Primeiro eu quero agradecer as intervenções que foram feitas
em relação ao evento, e também considerando a fala do ministro reafirmando uma linguagem positiva e
mobilizadora para todos nós. Quero limitar essa minha intervenção em apenas dois momentos. O
primeiro, reforçando os agradecimentos, e um segundo, expressando para vocês um sentimento que eu
espero que seja um sentimento de todos nós. Quero agradecer a todos os órgãos governamentais, não-
governamentais que participaram, representantes da sociedade civil que participaram deste Seminário,
embaixadas, ministérios, órgãos estatais, federações, organização internacional de trabalhadores em
educação, enfim, toda essa composição ilustrou muito bem este Seminário. Quero agradecer aos
secretários estaduais da educação, dirigentes municipais de educação que por intermédio do CONSED, da
UNDIME têm mantido uma relação muito próxima e de contribuição com este processo de transformação
que a gente está desenvolvendo. Quero agradecer à CNTE que discute política conosco, principalmente a
Secretaria da Educação Básica e que está aqui representada por dezenas de dirigentes sindicais do nosso
País, professores e funcionários, colocando um viés importante e também um eixo modulador que a gente
precisa reforçar nessa relação entre o poder público e as entidades da sociedade civil. Eu também quero
agradecer aos estudantes aqui representados pela UBES, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas,
também reforçar aqui o agradecimento à Promotoria de Justiça aqui muito bem representada e citada pela
Justina. Aos conselheiros estaduais, municipais e também os conselheiros que atuam no espaço
estratégico da escola, os conselheiros escolares. Não poderia deixar de agradecer aos palestrantes que
talvez não sejam os melhores, não sejam os mais qualificados mas, certamente, têm algo inigualável que
faz parte de suas vidas que é exatamente o compromisso com a construção do cidadão ético. Esse é um
perfil que todos os palestrantes que estiveram aqui demonstraram durante todo o decorrer de suas vidas. É
por isso que a gente se orgulha de tê-los aqui conosco, participando deste Seminário. Nós nos orgulhamos
de contar com a contribuição de companheiros e companheiras, como o Lauro, a Márcia, a Regina, o Jamil,
João, enfim são especialistas que têm nos ajudado muito nessa caminhada. Quero agradecer a toda a
equipe coordenada pelo professor Arlindo que, no nosso Departamento, tem resgatado esse debate na
perspectiva concreta do que foi colocado aqui, pelo Lauro, da transformação. Este compromisso existe e
esse trabalho é de todos. Desde aqueles que formulam, aqueles que coordenam, como também aqueles
que oferecem as condições suficientes necessárias para que um evento desse seja realizado. Os nossos
agradecimentos a toda essa equipe. Quero dizer para vocês que é mais uma etapa e eu estou começando
um pouco já a segunda parte, que é o meu sentimento. É uma etapa que a gente está cumprindo, é mais um
passo que está sendo dado, apesar de todas as dificuldades de ordem técnica, administrativa, de ordem
burocrática, de ordem política que nos impediram de realizar nossa conferência nacional da educação. É
consenso que se trata de um prejuízo político nessa caminhada, na construção da gestão democrática,
mas dentro da secretaria da Educação Básica a gente procurou minimizar um pouco essas dificuldades,
aprofundando questões importantes durante todos os debates e encontros estaduais e regionais que nós
realizamos em todo o País. Gostaria de encerrar, dizendo para vocês o seguinte: que o sentimento que eu
tenho agora é um sentimento que foi explicitado aqui pelo vídeo apresentado pelo professor Gadotti,
quando aquela criança expressou aquele sentimento. Acho que o Seminário se encerra mas nós saímos
daqui com a certeza de que nós somos capazes e com a certeza de que é possível uma educação
democrática, uma educação com qualidade social. Muito obrigado, bom retorno e bom desdobramento
deste Seminário para todos vocês.
Arlindo Queiroz: Uma mensagem que o Ministério da Educação preparou para vocês.
ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL GESTÃO DEMOCRÁTICA
DA EDUCÃO E PEDAGOGIAS PARTICIPATIVAS
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(MENSAGEM)
Arlindo Queiroz: Tudo foi feito com muito amor, todo cuidado, com todo carinho, todo amor que temos
por vocês e sem esse sentimento nós não chegaríamos e não faríamos o que conseguimos fazer. Por isso eu
costumo encerrar dizendo que essa relação de amor, existem palavras e poetas que a expressam bem.
Gostaria de deixar com vocês a palavra do nosso nordestino Vital Farias, se por acaso algum dia um beija-
flor invadir a porta da sua casa, lhe der um beijo e partir, fomos nós morrendo de saudades de vocês.
FIM
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