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Adriana L. Limaverde Gomes
Anna Costa Fernandes
Cristina Abranches Mota Batista
Dorivaldo Alves Salustiano
Maria Teresa Eglér Mantoan
Rita Vieira de Figueiredo
Deficiência Mental
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Livros Grátis
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Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministério da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância
Ronaldo Mota
Secretária de Educação Especial
Cláudia Pereira Dutra
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SEESP / SEED / MEC
Brasília/DF 2007
Formação Continuada a Distância
de Professores para o
Atendimento Educacional Especializado
Deficiência Mental
F
icha Técnica
S
ecretário de Educação a Distância
Ronaldo Mota
D
iretor do Departamento de Políticas de Educação a Distância
Helio Chaves Filho
C
oordenadora Geral de Avaliação e Normas em Educação a
Distância
Maria Suely de Carvalho Bento
C
oordenador Geral de Articulação Institucional em
Educação a Distância
Webster Spiguel Cassiano
S
ecretária de Educação Especial
Cláudia Pereira Dutra
D
epartamento de Políticas de Educação Especial
Cláudia Maf ni Griboski
C
oordenação Geral de Articulação da Política de Inclusão
Denise de Oliveira Alves
C
oordenação do Projeto de Aperfeiçoamento de
Professores dos Municípios-Polo do Programa
“Educação Inclusiva; direito à diversidade” em
Atendimento Educacional Especializado
Cristina Abranches Mota Batista
Edilene Aparecida Ropoli
Maria Teresa Eglér Mantoan
Rita Vieira de Figueiredo
A
utores deste livro: Atendimento Educacional
Especializado em De ciência Mental
Adriana L. Limaverde Gomes
Anna Costa Fernandes
Cristina Abranches Mota Batista
Dorivaldo Alves Salustiano
Maria Teresa Eglér Mantoan
Rita Vieira de Figueiredo
P
rojeto Grá co
Cícero Monteferrante - [email protected]
R
evisão
Adriana A. L. Scrok
I
mpressão e Acabamento
Grá ca e Editora Cromos - Curitiba - PR - 41 3021-5322
I
lustrações
Alunos da APAE de Contagem - Minas Gerais
Alef Aguiar Mendes (12 anos)
Felipe Dutra dos Santos (14 anos)
Marcela Cardoso Ferreira (13 anos)
Rafael Felipe de Almeida (13 anos)
Rafael Francisco de Carvalho (12 anos)
O Ministério da Educação desenvolve a política de educação inclusiva que pressupõe a
transformação do Ensino Regular e da Educação Especial e, nesta perspectiva, são implementadas diretrizes
e ações que reorganizam os serviços de Atendimento Educacional Especializado oferecidos aos alunos com
deficiência visando a complementação da sua formação e não mais a substituição do ensino regular.
Com este objetivo a Secretaria de Educação Especial e a Secretaria de Educação a Distância
promovem o curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado,
realizado em uma ação conjunta com a Universidade Federal do Ceará, que efetiva um amplo projeto de
formação continuada de professores por meio do programa Educação Inclusiva: direito à diversidade.
Incidindo na organização dos sistemas de ensino o projeto orienta o Atendimento Educacional
Especializado nas salas de recursos multifuncionais em turno oposto ao freqüentado nas turmas comuns
e possibilita ao professor rever suas práticas à luz dos novos referenciais pedagógicos da inclusão.
O curso desenvolvido na modalidade a distância, com ênfase nas áreas da deficiência física,
sensorial e mental, está estruturado para:
- trazer o contexto escolar dos professores para o foco da discussão dos novos referenciais para
a inclusão dos alunos;
- introduzir conhecimentos que possam fundamentar os professores na reorientação das suas
práticas de Atendimento Educacional Especializado;
- desenvolver aprendizagem participativa e colaborativa necessária para que possam ocorrer
mudanças no Atendimento Educacional Especializado.
Nesse sentido, o curso oferece fundamentos básicos para os professores do Atendimento
Educacional Especializado que atuam nas escolas públicas e garante o apoio aos 144 municípios-pólo
para a implementação da educação inclusiva.
CLAUDIA PEREIRA DUTRA
Secretária de Educação Especial
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ucação inclusiva que pressupõe a
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a Educação Especial e, nesta perspectiva, são implementadas diretrizes
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PREF˘CIO
PREF˘CIO
P
ara entender a deficiência mental, temos de puxar diferentes fios e cruzá-los entre si,
buscando respostas e esclarecimentos que permitam compreendê-la.
O
s textos que aqui apresentamos
abordam essa limitação humana
nessa tessitura, com o cuidado
de não reduzi-la em seu entendimento.
Q
uanto ao Atendimento Educacional
Especializado – AEE – para
esses alunos, estamos trazendo
experiências interessantes, que envolvem
níveis os mais diferentes de comprometimento
mental e atividades pedagógicas as mais
variadas, tecendo a teoria com a prática.
Coordenação do Projeto.
-
APRESENTAÇ‹O
APRESENTAÇ‹O
CAP¸TULO I
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO EM DEFICI¯NCIA MENTAL ..................................... 13
1. A deficiência mental ................................................................................................................................................................ 13
2. A escola comum diante da deficiência mental .................................................................................................................. 16
3. O Atendimento Educacional Especializado para as pessoas com deficiência mental e a Educação Especial .... 20
3.1. Atendimento Educacional Especializado para a deficiência mental – O Conceito ...................................... 22
3.2. Atendimento Educacional Especializado para a deficiência mental – A Prática ........................................... 24
4. Relato de uma experiência em Atendimento Educacional Especializado .................................................................. 29
4.1. Experiência da APAE de Contagem ......................................................................................................................... 29
4.2. Produção de textos na SAT Livros e Filmes ............................................................................................................ 32
4.3. A produção de uma história e de outras tantas... .................................................................................................. 33
4.4. Projetos na SAT’s Arte ................................................................................................................................................. 39
CAP¸TULO II
A EMERG¯NCIA DA LEITURA E DA ESCRITA EM ALUNOS COM DEFICI¯NCIA MENTAL ............................... 45
1. O que é ler? ................................................................................................................................................................................ 45
2. A aprendizagem da leitura e da escrita por alunos com deficiência mental .............................................................. 47
2.1. Letramento ..................................................................................................................................................................... 47
2.2. Dimensão desejante...................................................................................................................................................... 48
2.3. Expectativas do entorno, ensino e interações escolares ....................................................................................... 49
3. A avaliação da aprendizagem da leitura e da escrita ........................................................................................................ 51
3.1. Relação entre desenho e texto .................................................................................................................................... 51
3.2. Estratégias de leitura .................................................................................................................................................... 57
4. Produção escrita........................................................................................................................................................................ 60
SUM˘RIO
SUM˘RIO
CAP¸TULO III
MEDIAÇ›ES DA APRENDIZAGEM DA L¸NGUA ESCRITA POR
ALUNOS COM DEFICI¯NCIA MENTAL .......................................................................................................... 71
1. Introdução ................................................................................................................................................................................. 71
2. Conceituando mediação ......................................................................................................................................................... 72
3. Análise de um evento de mediação ...................................................................................................................................... 74
3.1. O episódio ...................................................................................................................................................................... 74
3.2. Análise do episódio ...................................................................................................................................................... 75
4. Ampliando as concepções de mediação para além do “Modelo SSO” ....................................................................... 77
5. Considerações finais ................................................................................................................................................................ 80
13
13
Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
1. A deficiência mental
1. A deficiência mental
N
a procura de uma compreensão mais
global das deficiências em geral, em
1980, a OMS
2
propôs três níveis para
esclarecer todas as deficiências, a saber: deficiência,
incapacidade e desvantagem social. Em 2001, essa
proposta, revista e reeditada, introduziu o
funcionamento global da pessoa com deficiência
em relação aos fatores contextuais e do meio, re-
situando-a entre as demais e rompendo o seu
isolamento. Ela chegou a motivar a proposta de
substituição da terminologia “pessoa deficiente”
por “pessoa em situação de deficiência”. (Assante,
2000
3
), para destacar os efeitos do meio sobre a
autonomia da pessoa com deficiência. Assim, uma
1 Este Capítulo I e o Capítulo II foram baseados no livro Educação
Inclusiva - Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência
Mental, das mesmas autoras e editado pela Secretaria de Educação
Especial do MEC, em 2005.
2 Organização Mundial de Saúde.
3 Extraído do documento do grupo de estudos sobre a lei de “Orientação
em favor das pessoas com deficiência” - França..
pessoa pode sentir-se discriminada em um ambiente
que lhe impõe barreiras e que só destaca a sua
deficiência ou, ao contrário, ser acolhida, graças às
transformações deste ambiente para atender às suas
necessidades.
Atendimento Educacional Especializado
Atendimento Educacional Especializado
em Deficiência Mental
em Deficiência Mental
1
1
Cristina Abranches Mota Batista
Maria Teresa Eglér Mantoan
14
14
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
A Convenção da Guatemala, internalizada
à Constituição Brasileira pelo Decreto nª
3.956/2001, no seu artigo 1ª define deficiência
como [...] “uma restrição física, mental ou
sensorial, de natureza permanente ou transitória,
que limita a capacidade de exercer uma ou mais
atividades essenciais da vida diária, causada ou
agravada pelo ambiente econômico e social”. Essa
definição ratifica a deficiência como uma
situação.
A deficiência mental constitui um
impasse para o ensino na escola comum e para a
definição do Atendimento Educacional
Especializado, pela complexidade do seu conceito
e pela grande quantidade e variedades de
abordagens do mesmo.
A dificuldade de diagnosticar a deficiência
mental tem levado a uma série de revisões do seu
conceito. A medida do coeficiente de inteligência
(QI), por exemplo, foi utilizada durante muitos
anos como parâmetro de definição dos casos. O
próprio CID 10 (Código Internacional de Doenças,
desenvolvido pela Organização Mundial de
Saúde), ao especificar o Retardo Mental (F70-79),
propõe uma definição ainda baseada no coeficiente
de inteligência, classificando-o entre leve,
moderado e profundo, conforme o
comprometimento. Também inclui vários outros
sintomas de manifestações dessa deficiência,
como: a [...] „dificuldade do aprendizado e
comprometimento do comportamento‰, o que
coincide com outros diagnósticos de áreas
diferentes.
O diagnóstico da deficiência mental não
se esclarece por supostas categorias e tipos de
inteligência. Teorias psicológicas desenvolvi-
mentistas, como as de caráter sociológico,
antropológico têm posições assumidas diante da
deficiência mental, mas ainda assim não se
conseguiu fechar um conceito único que dê conta
dessa intrincada condição.
A Psicanálise, por exemplo, traz à tona a
dimensão do inconsciente, uma importante
contribuição que introduz os processos psíquicos
na determinação de diversas patologias, entre as
quais a deficiência mental. A inibição, desenvolvida
por Freud, pode ser definida pela limitação de
determinadas atividades, causada por um bloqueio
de algumas funções, como o pensamento, por
exemplo. A debilidade, para Lacan, define uma
maneira particular de o sujeito lidar com o saber,
podendo ser natural ao sujeito, por caracterizar
um mal-estar fundamental em relação ao saber, ou
seja, todos nós temos algo que não conseguimos
ou não queremos saber. Mas também define a
debilidade como uma patologia, quando o sujeito
se fixa numa posição débil, de total recusa de
apropriação do saber.
15
15
Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
Além de todos esses conceitos, que em
muitos casos são antagônicos, existe a dificuldade
de se estabelecer um diagnóstico diferencial
entre o que seja „doença mental‰ (que engloba
diagnósticos de psicose e psicose precoce) e
„deficiência mental‰, principalmente no caso de
crianças pequenas em idade escolar.
Por todos esses motivos, faz-se necessário
reunir posicionamentos de diferentes áreas do
conhecimento, para conseguirmos entender
mais amplamente o fenômeno mental.
A deficiência mental não se esgota na
sua condição orgânica e/ou intelectual e nem
pode ser definida por um único saber. Ela é
uma interrogação e objeto de investigação de
inúmeras áreas do conhecimento.
A grande dificuldade de conceituar essa
deficiência trouxe conseqüências indeléveis na
maneira de lidarmos com ela e com quem a possui.
O medo da diferença e do desconhecido é responsável,
em grande parte, pela discriminação sofrida pelas
pessoas com deficiência, mas principalmente por
aquelas com deficiência mental.
O sociólogo Erving Goffman
desenvolveu uma estrutura conceitual – a
estigmatização, para definir essa reação diante
daquele que é diferente e que acarreta um certo
descrédito e desaprovação das demais pessoas.
Freud, em seu trabalho sobre o Estranho,
também demonstrou como o sujeito evita aquilo
que lhe parece estranho e diferente e que no
fundo remete a questões pessoais e mais íntimas
dele próprio.
Presa ao conservadorismo e à estrutura
de gestão dos serviços públicos educacionais, a
escola, como instituição, continua norteada
por mecanismos elitistas de promoção dos
melhores alunos em todos os seus níveis de
ensino e contribui para aumentar e/ou manter
o preconceito e discriminação em relação aos
alunos com deficiência mental.
Há que se considerar também as
resistências de profissionais da área, que criam
ainda mais obstáculos para se definir o
atendimento a pessoas com deficiência mental.
Por todas essas razões, o Atendimento
Educacional Especializado para alunos com
deficiência mental necessita ser urgentemente
reinterpretado e reestruturado.
16
16
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
2. A escola comum diante da
2. A escola comum diante da
deficiência mental
deficiência mental
A deficiência mental desafia a escola
comum no seu objetivo de ensinar, de levar o aluno
a aprender o conteúdo curricular, construindo o
conhecimento. O aluno com essa deficiência tem
uma maneira própria de lidar com o saber, que não
corresponde ao que a escola preconiza. Na verdade,
não corresponder ao esperado pela escola pode
acontecer com todo e qualquer aluno, mas os alunos
com deficiência mental denunciam a impossibilidade
de a escola atingir esse objetivo, de forma tácita.
Eles não permitem que a escola dissimule essa
verdade. As outras deficiências não abalam tanto a
escola comum, pois não tocam no cerne e no
motivo da sua urgente transformação: considerar a
aprendizagem e a construção do conhecimento
acadêmico como uma conquista individual e
intransferível do aprendiz, que não cabe em padrões
e modelos idealizados.
O aluno com deficiência mental tem
dificuldade de construir conhecimento como os
demais e de demonstrar a sua capacidade cognitiva,
principalmente nas escolas que mantêm um modelo
conservador de ensino e uma gestão autoritária e
centralizadora. Essas escolas apenas acentuam a
deficiência, aumentam a inibição, reforçam os
sintomas existentes e agravam as dificuldades do
aluno com deficiência mental. Tal situação ilustra o
que a definição da Organização Mundial de Saúde
- OMS de 2001 e a Convenção da Guatemala acusam
como agravante da situação de deficiência.
O caráter meritocrático, homogeneizador
e competitivo das escolas tradicionais oprimem o
professor, reduzindo-o a uma situação de isolamento
e impotência, principalmente frente aos seus alunos
com deficiência mental, pois são aqueles que mais
“entravam” o desenvolvimento do processo escolar,
em todos os seus níveis e séries. Diante da situação,
a saída encontrada pela maioria dos professores é
desvencilhar-se desses alunos que não acompanham
as turmas, encaminhando-os para qualquer outro
lugar que supostamente saiba como ensiná-los.
O número de alunos categorizados como
deficientes mentais foi ampliado enormemente,
abrangendo todos aqueles que não demonstram
bom aproveitamento escolar e com dificuldades de
seguir as normas disciplinares da escola. O
aparecimento de novas terminologias, como as
necessidades educacionais especiais‰, aumentaram
a confusão entre casos de deficiência mental e
outros que apenas apresentam problemas na
aprendizagem, por motivos que muitas vezes são
devidos às próprias práticas escolares.
Se as escolas não se reorganizarem para
atender a todos os alunos, indistintamente, a
exclusão generalizada tenderá a aumentar,
provocando cada vez mais queixas vazias e maior
distanciamento da escola comum dos alunos que
supostamente não aprendem.
17
17
Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
A necessidade de encontrar soluções
imediatas para resolver a premência da observância
do direito de todos à educação fez com que algumas
escolas procurassem saídas paliativas, envolvendo
todo tipo de adaptação: de currículos, de atividades,
de avaliação, de atendimento em sala de aula que se
destinam unicamente aos alunos com deficiência.
Essas soluções continuam reforçando o caráter
substitutivo da Educação Especial, especialmente
quando se trata de alunos com deficiência mental.
Tais práticas adaptativas funcionam como
um regulador externo da aprendizagem e estão
baseadas nos propósitos e procedimentos de ensino
que decidem o que falta ao aluno de uma turma de
escola comum. Em outras palavras, ao adaptar
currículos, selecionar atividades e formular provas
diferentes para alunos com deficiência e/ou
dificuldade de aprender, o professor interfere de
fora, submetendo os alunos ao que supõe que eles
sejam capazes de aprender.
Na concepção inclusiva, a adaptação ao
conteúdo escolar é realizada pelo próprio aluno e
testemunha a sua emancipação intelectual. Essa
emancipação é conseqüência do processo de auto-
regulação da aprendizagem, em que o aluno assimila
o novo conhecimento, de acordo com suas
possibilidades de incorporá-lo ao que já conhece.
Entender este sentido emancipador da
adaptação intelectual é sumamente importante para o
professor comum e especializado.
Aprender é uma ação humana criativa,
individual, heterogênea e regulada pelo sujeito da
aprendizagem, independentemente de sua condição
intelectual ser mais ou ser menos privilegiada. São
as diferentes idéias, opiniões, níveis de compreensão
que enriquecem o processo escolar e clareiam o
entendimento dos alunos e professores. Essa
diversidade deriva das formas singulares de nos
adaptarmos cognitivamente a um dado conteúdo e
da possibilidade de nos expressarmos abertamente
sobre ele.
Ensinar é um ato coletivo, no qual o
professor disponibiliza a todos alunos, sem exceção,
um mesmo conhecimento.
Ao invés de adaptar e individualizar/
diferenciar o ensino para alguns, a escola comum
precisa recriar suas práticas, mudar suas concepções,
rever seu papel, sempre reconhecendo e valorizando
as diferenças.
As práticas escolares que permitem ao
aluno aprender e ter reconhecidos e valorizados os
conhecimentos que é capaz de produzir, segundo
suas possibilidades, são próprias de um ensino
escolar que se distingue pela diversificação de
atividades. O professor, na perspectiva da educação
inclusiva, não ministra um “ensino diversificado” e
para alguns. Ele prepara atividades diversas para
seus alunos (com e sem deficiência mental) ao
trabalhar um mesmo conteúdo curricular. Essas
atividades não são graduadas para atender a níveis
18
18
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
diferentes de compreensão e estão disponíveis na
sala de aula para que os alunos as escolham
livremente, de acordo com seus interesses.
Para exemplificar esta prática, consi-
deremos o ensino dos planetas do sistema solar
para uma turma de alunos com e sem deficiências.
As atividades podem variar de propostas de
elaboração de textos, a construção de maquetes do
sistema planetário, realização de pesquisas em
livros, revistas, jornais, internet, confecção de
cartazes, leituras interpretativas de textos literários
e poesias, apresentação de seminários sobre o tema,
entre outras. O aluno com deficiência mental,
assim como os demais colegas, escolhe a atividade
que mais lhe interessar e a executa. Essa escolha e
a capacidade de desempenhar a tarefa não é
predefinida pelo professor. Tal prática é distinta
daquelas que habitualmente encontramos nas salas
de aula, nas quais o professor escolhe e determina
uma tarefa para todos os alunos realizarem
individualmente e uniformemente, sendo que para
os alunos com deficiência mental ele oferece uma
outra atividade facilitada sobre o mesmo assunto
ou até mesmo sobre outro completamente
diferente. Contraditoriamente, esta tem sido a
solução adotada pelos professores para impedir a
„exclusão na inclusão‰. Utilizando como exemplo
esse mesmo conteúdo - o ensino dos planetas do
sistema solar - é comum o professor selecionar
uma atividade de leitura e interpretação de textos
para todos os alunos, cabendo àquele com
deficiência mental apenas colorir um dos planetas
em folha mimeografado.
Modificar essas práticas discriminatórias
é um verdadeiro desafio, que implica em inovações
na forma de o professor e o aluno avaliarem o
processo de ensino e de aprendizagem. Elas exigem
a negação do caráter padronizador da aprendizagem
e eliminam todas as demais características
excludentes das escolas comuns, que adotam
propostas pedagógicas conservadoras. A prática
escolar inclusiva provoca necessariamente a
cooperação entre todos os alunos e o reconhecimento
de que ensinar uma turma é, na verdade, trabalhar
com um grande grupo e com todas as possibilidades
de subdividi-lo. Dessa forma, nas subdivisões de
uma turma, os alunos com deficiência mental
podem aderir a qualquer grupo de colegas, sem
formar um grupo à parte, constituído apenas de
alunos com deficiência e/ou problemas na
aprendizagem.
Para conseguir trabalhar dentro de uma
proposta educacional inclusiva, o professor comum
precisa contar com o respaldo de uma direção
escolar e de especialistas (orientadores, supervisores
educacionais e outros), que adotam um modo de
gestão escolar, verdadeiramente participativa e
descentralizada. Muitas vezes o professor tem idéias
novas para colocar em ação em sua sala de aula,
mas não é bem recebido pelos colegas e pelos demais
19
19
Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
membros da escola, devido ao descompasso entre o
que está propondo e o que a escola tem o hábito de
fazer para o mesmo fim.
A receptividade à inovação anima a escola
a criar e a ter liberdade para experimentar alternativas
de ensino. Sua autonomia para criar e experimentar
coisas novas se estenderá aos alunos com ou sem
deficiência e assim os alunos com deficiência mental
serão naturalmente valorizados e reconhecidos por
suas capacidades e respeitados em suas limitações.
A liberdade do professor e dos alunos, de
criarem as melhores condições de ensino e de
aprendizagem, não dispensa um bom planejamento
de trabalho, seja ele anual, mensal, quinzenal ou
mesmo diário. Ser livre para aprender e ensinar não
implica em uma falta de limites e regras ou, ainda,
em cair num espontaneismo de atuação. O ano
letivo, assim como a rotina diária de uma turma,
devem contemplar um tempo para planejar, outro
para executar, outro para avaliar e socializar os
conhecimentos aprendidos. Todo esse processo é
realizado coletivamente e individualmente. Um
exemplo de rotina de sala de aula seria desenvolver,
em um primeiro momento, o planejamento coletivo,
que compreende uma conversação livre entre o
professor e seus alunos a respeito do emprego do
tempo naquela jornada. Esse momento permite ao
aluno expressar-se livremente a respeito do que
pretende fazer/aprender nesse dia e à professora
colocar suas intenções no mesmo sentido. No
planejamento todo o grupo pode tomar decisões
com relação às atividades e aos grupos a serem
formados para realizá-las. Num segundo momento,
as atividades são realizadas conforme o plano
estabelecido. Finalmente a jornada de trabalho é
reconstituída na última parte dessa rotina, com a
participação de todos os alunos. Eles então
socializam o que aprenderam e avaliam a produção
realizada no dia. O aluno com deficiência mental,
como os demais, participa igualmente de todos
esses momentos: planejamento, execução, avaliação
e socialização dos conhecimentos produzidos.
A avaliação dos alunos com deficiência
mental visa ao conhecimento de seus avanços no
entendimento dos conteúdos curriculares durante o
ano letivo de trabalho, seja ele organizado por série
ou ciclos. O mesmo vale para os outros alunos da
sua turma, para que não sejam feridos os princípios
da inclusão escolar. A promoção automática,
quando é exclusiva para alunos com deficiência
mental, constitui uma diferenciação pela deficiência,
o que caracteriza discriminação. Em ambos os casos,
o que interessa para que um novo ano letivo se
inicie é o quanto o aluno, com ou sem deficiência,
aprendeu no ano anterior, pois nenhum
conhecimento é aprendido sem base no que se
conheceu antes.
20
20
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
3. O Atendimento Educacional
3. O Atendimento Educacional
Especializado para as pessoas
Especializado para as pessoas
com deficiência mental e a
com deficiência mental e a
Educação Especial
Educação Especial
A imprecisão do conceito de deficiência
mental trouxe conseqüências para se esclarecer esse
tipo de Atendimento, nas escolas comuns e
especiais. A proposta constitucional de prescrever
o Atendimento Educacional Especializado para
alunos com deficiência apontou a necessidade de
se distinguir o que é próprio de uma intervenção
específica para a deficiência mental, complementar
à escola comum, daquela que é substitutiva e
meramente compensatória, visando à aquisição
paralela do saber escolar.
A partir de 1996, a LDBEN classificou a
Educação Especial como uma modalidade de
ensino. Com isso a Educação Especial perdeu a
função de substituição dos níveis de ensino. No
entanto, essa mesma lei, ao dedicar um de seus
capítulos à Educação Especial, possibilita interpre-
tações enganosas que a mantém como um subsistema
paralelo de ensino escolar.
Além disso, o Atendimento Educacional
Especializado também não foi amplamente
esclarecido quanto à sua natureza educacional por
ter sido criado legalmente sem ter suas ações
descritas. Talvez por esse motivo, ele continue sendo
confundido com o reforço escolar, e/ou com o que
é próprio do atendimento clínico, aceitando e se
submetendo a todo e qualquer outro conhecimento
de áreas afins que tratam da deficiência mental.
A Educação Especial para alunos com
deficiência mental, durante décadas, manteve as
mesmas características do ensino regular
desenvolvido nas escolas tradicionais e sempre
adotando práticas escolares adaptativas. Num
primeiro momento, para fundamentar/organizar
o trabalho educacional especializado, as escolas
limitaram-se unicamente a treinar seus alunos,
subdivididos nas categorias educacionais: treináveis
e educáveis; limítrofes e dependentes. Esse
treinamento era desenvolvido visando à inserção
familiar e social. Muitas vezes, o treino se resumia
à atividades de vida diária estereotipadas, repetitivas
e descontextualizadas.
O movimento de Integração escolar
manteve as práticas adaptativas, com o objetivo de
propiciar a inserção e/ou a re-inserção de alunos
com deficiência na escola comum, pelo treino dos
mesmos conteúdos e programas do ensino regular.
O aspecto agravante dessa prática
adaptativa/integrativa está no fato de se insistir para
que o treino se realize a partir do que é concreto, ou
seja, palpável, tangível, insistentemente reproduzido,
de forma alienante, supondo que os alunos com
deficiência mental só „aprendem no concreto!‰.
21
21
Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
A idéia contida nesse tipo de treino é
equivocada, pois o concreto não dá conta do que
um objeto é em toda a sua extensão e dos significados
que cada pessoa pode atribuir a esse objeto, em
função de sua vivência e referências anteriores. Para
muitos aprendizes, contar palitos de fósforo não é
uma atividade de aprendizagem dos numerais e
nem mesmo uma oportunidade de construir a idéia
de número. O aluno pode estar apenas manuseando
esse material para entender o modo de sua mãe
acender o fogo, por exemplo...
Por mais que se pretenda construir um
conhecimento a partir do “concreto”, ele não se
esgotará na sua dimensão física. A compreensão
total do real é algo que jamais alcançaremos, mesmo
no mais avançado estado intelectual. Por outro
lado, a repetição de uma ação sobre um objeto, sem
que o sujeito lhe atribua um significado próprio, é
vazia, sem nenhuma repercussão intelectual e estéril,
pois nada produz de novo e apenas coloca as pessoas
com deficiência mental em uma posição inferior,
enfraquecida e debilitada diante do conhecimento.
O grande equívoco de uma prática de
ensino que se baseia nessa lógica do concreto é a
repetição alienante, que nega o acesso da pessoa
com deficiência mental ao plano abstrato e
simbólico da compreensão, ou seja, nega a sua
capacidade de estabelecer uma interação simbólica
com o meio. O perigo desse equívoco é empobrecer
cada vez mais a condição de as pessoas com
deficiência mental lidarem com o pensamento,
raciocinarem, utilizarem a capacidade de descobrir
o que é visível e preverem o invisível, criarem e
inovarem, enfim, terem acesso a tudo o que é
próprio da ação de conhecer. Para exemplificar essa
lógica, podemos citar atividades como: decorar
famílias silábicas; aprender a multiplicar, dividir ou
somar a partir de inúmeras contas envolvendo a
mesma operação aritmética; repetir o cabeçalho
todos os dias por várias vezes; responder copiando
do livro; colorir desenhos reproduzidos e
mimeografados pela professora para treino motor
com cores predefinidas, além de outras tarefas de
pura memorização, que sustentam o ensino de má
qualidade em geral.
O papel da educação especializada tem
sido o de tentar „adaptar‰ os alunos com deficiência
mental às exigências da escola comum tradicional.
Assim, durante anos e mesmo até hoje, há os que
acreditam que a inclusão só é possível em alguns
casos, apenas para os „alunos adaptáveis‰ ao
modelo excludente dessa escola. Alegam que a
inclusão total é irresponsável! Os que assim
pensam e agem estão provocando a segregação
dentro da própria Escola Especial, ou seja, uma
espécie de „exclusão da exclusão‰, em que os
alunos são subdivididos entre aqueles que têm
condições de ser encaminhados para a escola
comum e aqueles que, por serem considerados
„casos graves‰, jamais poderão ser incluídos nela.
22
22
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
3.1. Atendimento Educacional
3.1. Atendimento Educacional
Especializado para a deficncia mental
Especializado para a deficiência mental
O Conceito
O Conceito
O Atendimento Educacional Especializado
decorre de uma nova concepção da Educação
Especial, sustentada legalmente, e é uma das condições
para o sucesso da inclusão escolar dos alunos com
deficiência. Esse atendimento existe para que os
alunos possam aprender o que é diferente dos
conteúdos curriculares do ensino comum e que é
necessário para que possam ultrapassar as barreiras
impostas pela deficiência.
As barreiras da deficiência mental diferem
das barreiras encontradas nas demais deficiências.
Trata-se de barreiras referentes à maneira de lidar
com o saber em geral, fato que reflete
preponderantemente na construção do conhecimento
escolar. A educação especializada tradicional,
realizada nos moldes do treinamento e da adaptação,
reforça a deficiência desse aluno. Essas formas de
intervenção mantêm o aluno em um nível de
compreensão que é muito primitivo e que a pessoa
com deficiência mental tem dificuldade de ultrapassar
- o nível das chamadas regulações automáticas,
descritas por Piaget. É necessário que se estimule o
aluno com deficiência mental a avançar na sua
compreensão, criando-lhe conflitos cognitivos, ou
melhor, desafiando-o a enfrentá-los.
O Atendimento Educacional Especializado
deve propiciar aos alunos com deficiência mental
condições de passar de um tipo de ação automática
e mecânica diante de uma situação de aprendizado/
experiência – regulações automáticas para um
outro tipo, que lhe possibilite selecionar e optar
pelos meios que julguem mais convenientes para
agir intelectualmente – regulações ativas, também
descritas por Piaget.
O Atendimento Educacional Especializado
para tais alunos deve, portanto, privilegiar o
desenvolvimento e a superação de seus limites
intelectuais, exatamente como acontece com as
demais deficiências, como exemplo: para o cego, a
possibilidade de ler pelo braile; para o surdo, a forma
mais conveniente de se comunicar e para a pessoa
com deficiência física, o modo mais adequado de se
orientar e se locomover.
Para a pessoa com deficiência mental, a
acessibilidade não depende de suportes externos ao
sujeito, mas tem a ver com a saída de uma posição
passiva e automatizada diante da aprendizagem
para o acesso e apropriação ativa do próprio saber.
De fato, a pessoa com deficiência mental
encontra inúmeras barreiras nas interações com o
meio para assimilar as propriedades físicas do objeto
de conhecimento, como por exemplo: cor, forma,
textura, tamanho e outras características retiradas
diretamente desse objeto. Isso ocorre porque são
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
pessoas que apresentam prejuízos no funcionamento,
na estruturação e na construção do conhecimento.
Por esse motivo, não adianta propor-lhes atividades
que insistem na repetição pura e simples de noções
de cor, forma etc. para que, a partir desse suposto
aprendizado, o aluno consiga entender essas e as
demais propriedades físicas dos objetos, e ainda
possa transpô-las para outros contextos de
aprendizagem. A criança sem deficiência mental
consegue espontaneamente retirar informações do
objeto e construir conceitos, progressivamente. Já a
criança com deficiência mental precisa exercitar sua
atividade cognitiva, de modo que consiga o mesmo,
ou uma aproximação do mesmo avanço.
Esse exercício intelectual implica em
trabalhar a abstração, através da projeção das ações
práticas em pensamento. A projeção e a coordenação
das ações práticas em pensamento são partes de um
processo cognitivo que é natural nas pessoas que
não têm deficiência mental. Para aquelas que têm
uma deficiência mental, essa passagem deve ser
estimulada e provocada, para que consigam
interiorizar o conhecimento e fazer uso dele,
oportunamente.
O Atendimento Educacional Especializado
para as pessoas com deficiência mental está centrado
na dimensão subjetiva do processo de conhecimento.
O conhecimento acadêmico refere-se à aprendizagem
do conteúdo curricular; o Atendimento Educacional
Especializado, por sua vez, refere-se à forma pela
qual o aluno trata todo e qualquer conteúdo que
lhe é apresentado e como consegue significá-lo, ou
seja, compreendê-lo.
É importante insistir que o Atendimento
Educacional Especializado não é ensino particular,
nem reforço escolar. Ele pode ser realizado em
grupos, porém é preciso estar atento para as formas
específicas de cada aluno se relacionar com o saber.
Não é indicado realizá-lo em grupos formados por
alunos com o mesmo tipo de problema (patologias)
e/ou desenvolvimento. Pelo contrário, esses grupos
devem ser constituídos de alunos da mesma faixa
etária e em vários níveis do processo de conhecimento.
Alunos com síndrome de Down, por exemplo,
poderão compartilhar esse atendimento com colegas,
com outras síndromes, seqüelas de paralisia cerebral
e ainda outros com ou sem uma causa orgânica
esclarecida de sua deficiência e com diferentes
possibilidades de acesso ao conhecimento.
O Atendimento Educacional Especializado
para o aluno com deficiência mental deve permitir
que esse aluno saia de uma posição de „não saber‰,
ou de „recusa de saber‰ para se apropriar de um
saber que lhe é próprio, ou melhor, que ele tem
consciência de que o construiu.
A inibição, definida na teoria freudiana,
ou a “posição débil” enunciada por Lacan provocam
atitudes particulares diante do saber, influenciando
a pessoa na aquisição do conhecimento acadêmico.
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
Estamos nos referindo aqui ao saber da Psicanálise,
ao „saber inconsciente‰, relativo à verdade do
sujeito. Em outras palavras, trata-se de um processo
inconsciente em que o sujeito se recusa saber sobre
a própria incompletude, tanto dele, quanto do
outro. O aluno com deficiência mental, nessa
posição de recusa e de negação do saber fica passivo
e dependente do outro (do seu professor, por
exemplo), ao qual outorga o poder de todo o saber.
Se o professor assume o lugar daquele que sabe tudo
e oferece todas as respostas para seus alunos, o que
é muito comum nas escolas e principalmente na
prática da Educação Especial, ele reforça essa
posição débil e de inibição, não permitindo que o
aluno se mobilize para adquirir/construir qualquer
tipo de conhecimento.
Quando o Atendimento Educacional
Especializado permite que o aluno traga a sua
vivência e que se posicione de forma autônoma e
criativa diante do conhecimento, o professor sai do
lugar de todo o saber e, assim, o aluno pode
questionar e modificar sua atitude de recusa do
saber e sair da posição de „não saber‰. Ao tomar
consciência de que não sabe é que o aluno pode se
mobilizar e buscar o saber. A liberdade de criação e
o posicionamento autônomo do aluno diante do
saber permitem que sua verdade seja colocada, o
que é fundamental para os alunos com deficiência
mental. Ele deixa de ser o eco do outro e se torna
um ser pensante e desejante de saber.
Mas o Atendimento Educacional
Especializado não deve funcionar como uma
análise interpretativa, própria das sessões
psicanalíticas, e nem como uma intervenção
psicopedagógica, tradicionalmente praticada. Esse
Atendimento deve permitir ao aluno elaborar suas
questões, suas idéias, de forma ativa e não
corroborar para sua alienação diante de todo e
qualquer saber, como demonstramos a seguir.
3.2. Atendimento Educacional
3.2. Atendimento Educacional
Especializado para a deficncia mental
Especializado para a deficiência mental
A Prática
A Prática
A escola (especial e comum) ao
desenvolver o Atendimento Educacional
Especializado deve oferecer todas as oportunidades
possíveis para que nos espaços educacionais em
que ele acontece, o aluno seja incentivado a se
expressar, pesquisar, inventar hipóteses e
reinventar o conhecimento livremente. Assim,
ele pode trazer para os atendimentos os conteúdos
advindos da sua própria experiência, segundo
seus desejos, necessidades e capacidades. O
exercício da atividade cognitiva ocorrerá a partir
desses conteúdos.
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
Devem ser oferecidas situações,
envolvendo ações em que o próprio aluno teve
participação ativa na sua execução e/ou façam
parte da experiência de vida dele. Essa prática
difere de todo modelo de atuação privilegiado até
então pela Educação Especial. Trabalhar a
ampliação da capacidade de abstração não significa
apenas desenvolver a memória, a atenção, as noções
de espaço, tempo, causalidade, raciocínio lógico
em si mesmas. Nem tão pouco tem a ver com a
desvalorização da ação direta sobre os objetos de
conhecimento, pois a ação é o primeiro nível de
toda a construção mental.
O objetivo do Atendimento Educacional
Especializado é propiciar condições e liberdade para
que o aluno com deficiência mental possa construir
a sua inteligência, dentro do quadro de recursos
intelectuais que lhe é disponível, tornando-se agente
capaz de produzir significado/conhecimento.
O contato direto com os objetos a serem
conhecidos, ou seja, com a sua „concretude‰ não
pode ser descartada, mas o importante é intervir
no sentido de fazer com que esses alunos percebam
a capacidade que têm de pensar, de realizar ações
em pensamento, de tomar consciência de que são
capazes de usar a inteligência de que dispõem e de
ampliá-la, pelo seu esforço de compreensão, ao
resolver uma situação problema qualquer. Mas
sempre agindo com autonomia para escolher o
caminho da solução e a sua maneira de atuar
inteligentemente.
O aluno com deficiência mental, como
qualquer outro aluno, precisa desenvolver a sua
criatividade, a capacidade de conhecer o mundo e
a si mesmo, não apenas superficialmente ou por
meio do que o outro pensa. O nosso maior engano
é generalizar a dotação mental das pessoas com
deficiência mental em um nível sempre muito
baixo, carregado de preconceitos sobre a capacidade
de, como alunos, progredirem na escola,
acompanhando os demais colegas. Desse engano
derivam todas as ações educativas que desconsideram
o fato de que cada pessoa é uma pessoa, que tem
antecedentes diferentes de formação, experiências
de vida e que sempre é capaz de aprender e de
exprimir um conhecimento.
Uma atividade muito utilizada pelos
professores de alunos com deficiência mental é
fazer bolinhas de papel para serem coladas sobre
uma figura traçada pelo professor em uma folha
mimeografada. Essa atividade pode ser explorada
de duas maneiras, com objetivos distintos. Uma
delas é desenvolvê-la de forma alienante, limitada,
repetitiva, reduzindo-se a um mero exercício de
coordenação motora fina, realizada durante horas
e sem o menor sentido para o aluno. A mesma
atividade pode explorar a inteligência desse aluno
se fizer parte de um plano e for uma escolha do
aluno para reproduzir o miolo de uma flor, por
exemplo. A colagem seria, nesse caso, uma estratégia
que ele mesmo selecionou para demonstrar o seu
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
conhecimento das partes de um vegetal e não
unicamente para preencher o espaço de uma folha
que lhe foi entregue. No estudo das partes de um
vegetal, essa atividade é uma entre várias que os
alunos escolheram e recriaram, fazendo parte de
todo um conjunto de trabalho, em que a flor é
parte de outras noções pertinentes ou não ao
plano. O que mais importa é que ele permita que
os alunos tenham condições de enfrentar a
atividade e que tomem consciência do que sabem,
do que não sabem e do que querem saber a respeito
do que está sendo estudado. Essa consciência
permite que os alunos expressem seus
questionamentos e conhecimentos a respeito de
tudo o que um objeto possa suscitar com liberdade
e utilizando a sua criatividade.
É visível o efeito desses dois tipos de
produção. Na sala onde ela é realizada de forma
mecânica, o mural reproduzirá um modo seriado,
estereotipado de agir; que reflete o desenho do
professor. Na outra, o mesmo mural revelará as
infinitas possibilidades da criação, ou seja, do
trabalho cognitivo dos alunos, ao aprender e da
professora, ao ensinar.
O Atendimento Educacional Especializado
não deve ser uma atividade que tenha como
objetivo o ensino escolar especial adaptado para
desenvolver conteúdos acadêmicos, tais como a
Língua Portuguesa, a Matemática, entre outros.
Com relação a Língua Portuguesa e a Matemática, o
Atendimento Educacional Especializado buscará o
conhecimento que permite ao aluno a leitura, a escrita
e a quantificação, sem o compromisso de sistematizar
essas noções como é o objetivo da escola.
Para possibilitar a produção do saber e
preservar sua condição de complemento do
ensino regular, o Atendimento Educacional
Especializado tem de estar desvinculado da
necessidade típica da produção acadêmica. A
aprendizagem do conteúdo acadêmico limita as
ações do professor especializado, principalmente
quanto ao permitir a liberdade de tempo e de
criação que o aluno com deficiência mental
precisa ter para organizar-se diante do desafio
do processo de construção do conhecimento.
Esse processo de conhecimento, ao contrário do
que ocorre na escola comum, não é determinado
por metas a serem atingidas em uma determinada
série, ou ciclo, ou mesmo etapas de níveis de
ensino ou de desenvolvimento.
O processo de construção do
conhecimento, no Atendimento Educacional
Especializado, não é ordenado de fora, e não é
possível ser planejado sistematicamente,
obedecendo a uma seqüência rígida e predefinida
de conteúdos a serem assimilados. E assim
sendo, não persegue a promoção escolar, mesmo
porque esse aluno já está incluído.
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
Na escola comum, o aluno constrói um
conhecimento necessário e exigido socialmente
e que depende de uma aprovação e
reconhecimento da aquisição desse conhecimento
por um outro, seja ele o professor, pais,
autoridades escolares, exames e avaliações
institucionais.
No Atendimento Educacional
Especializado, o aluno constrói conhecimento
para si mesmo, o que é fundamental para que
consiga alcançar o conhecimento acadêmico.
Aqui, ele não depende de uma avaliação externa,
calcada na evolução do conhecimento acadêmico,
mas de novos parâmetros relativos as suas
conquistas diante do desafio da construção do
conhecimento.
Portanto, os dois: escola comum e
Atendimento Educacional Especializado,
precisam acontecer concomitantemente, pois
um beneficia o desenvolvimento do outro e
jamais esse benefício deverá caminhar linear e
seqüencialmente, como se acreditava antes.
Por maior que seja a limitação do aluno
com deficiência mental, ir à escola comum para
aprender conteúdos acadêmicos e participar do
grupo social mais amplo favorece o seu
aproveitamento no Atendimento Educacional
Especializado e vice-versa. O Atendimento
Educacional Especializado é, de fato, muito
importante para o progresso escolar do aluno
com deficiência mental.
Aqui é importante salientar que a
„socialização‰ justificada, como único objetivo
da entrada desses alunos na escola comum,
especialmente para os casos mais graves, não
permite essa complementação e muito menos
significa que está havendo uma inclusão escolar.
A verdadeira socialização, em todos os seus
níveis, exige construções cognitivas e compreensão
da relação com o outro. O que tem acontecido,
em nome dessa suposta socialização, é uma
espécie de tolerância da presença do aluno em
sala de aula e o que decorre dessa situação é a
perpetuação da segregação, mesmo que o aluno
esteja freqüentando um ambiente escolar
comum.
O arranjo físico do espaço reservado ao
atendimento precisa coincidir com o seu objetivo
de enriquecer o processo de desenvolvimento
cognitivo do aluno com deficiência mental e de
oferecer-lhe o maior número possível de
alternativas de envolvimento e interação com o
que compõe esse espaço. Portanto, não pode
reproduzir uma sala de aula comum e tradicional.
O espaço físico para o Atendimento Educacional
Especializado deve ser preservado, tanto na escola
especial como na escola comum, ou seja, deve ser
criado e utilizado unicamente para esse fim.
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
O tempo reservado para esse atendimento
será definido conforme a necessidade de cada
aluno e as sessões acontecerão sempre no horário
oposto ao das aulas do ensino regular.
As escolas especiais, diante dessa
proposta, tornam-se espaços de Atendimento
Educacional Especializado nas diferentes
deficiências para as quais foram criadas e devem
guardar suas especificidades. Elas não podem
justificar a manutenção da estrutura e modelo
da escola comum, recebendo alunos sem
deficiência – a chamada „inclusão ao contrário‰
e nem mesmo atender a todo o tipo de deficiência
em um mesmo espaço especializado.
As instituições especializadas devem
fazer o mesmo com suas escolas especiais e
também conservar o atendimento clínico
especializado.
A avaliação do Atendimento Educacional
Especializado, seja a inicial como a final, têm o
objetivo de conhecer o ponto de partida e o de
chegada do aluno, no processo de conhecimento.
Para que se possa montar um plano de trabalho
para esse atendimento, não é tão importante
para o professor saber o que o aluno „não sabe‰,
quanto saber o que ele já conhece de um dado
assunto.
A terminalidade desse atendimento deve
ocorrer independentemente do desempenho
escolar desses alunos na escola comum, porque
o que se pretende com essa complementação não
se reduz ao que é próprio da escola comum.
A interface entre o Atendimento
Educacional Especializado e a escola comum
acontecerá conforme a necessidade de cada caso,
sem a intenção primeira de apenas garantir o
bom desempenho escolar do aluno com
deficiência mental, mas muito mais para que
ambos os professores se empenhem em entender
a maneira desse aluno lidar com o conhecimento
no seu processo construtivo. Esse esforço de
entendimento conjunto não caracteriza uma
forma de orientação pedagógica do professor
especializado para o professor comum e vice-
versa, mas a busca de soluções que venham a
beneficiar o aluno de todas as maneiras possíveis
e não apenas para avançar no conteúdo escolar.
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
4. Relato de uma Experiência em
4. Relato de uma Experiência em
Atendimento Educacional
Atendimento Educacional
Especializado
Especializado
4.1. Experiência da APAE de Contagem
4.1. Experiência da APAE de Contagem
A APAE de Contagem é uma instituição
sem fins lucrativos que atende às pessoas com
deficiência mental nas áreas clínicas e pedagógicas,
contemplando também a educação profissional.
Essa instituição vem desenvolvendo um trabalho
em parceria com as escolas comuns desde o ano de
1994, promovendo estudos e pesquisas a partir das
trocas de experiências entre os professores das
escolas comuns e da APAE de Contagem. Essa
forma de parceria e de diálogo fez com que a
instituição refletisse sobre sua própria atuação e
rompesse com a prática adotada até então que
mantinha características semelhantes à prática
tradicional de uma escola especial. O questionamento
e conseqüente rompimento de práticas passadas
acarretaram na construção gradativa de uma prática
inovadora da educação especial e condizente com
os princípios da inclusão. Como resultado desse
processo, em 2003 foi implantado o Atendimento
Educacional Especializado com o propósito de
promover o atendimento complementar à escola
comum e a inclusão efetiva de seus alunos.
Mudando a concepção de ensino, criando
uma prática pautada no saber particular do aluno
diferente do saber acadêmico e não substitutivo
deste, percebeu-se que também precisaria mudar a
estrutura física da sala de aula e não mais repetir a
estrutura tradicional de uma sala de aula de ensino
regular. Ficou claro no decorrer dos anos que
mantendo o mesmo arranjo físico tornava-se difícil
delimitar as diferenças entre os dois trabalhos, ou
seja, o que era responsabilidade da escola comum
daquele do Atendimento Educacional Especializado.
Percebeu-se também que esse arranjo tradicional de
ambiente mantinha os professores numa posição
que os distanciava dos alunos, limitando suas ações,
com pouca liberdade de criação e o mesmo acontecia
com os alunos o que não favorecia a construção de
conhecimento e nem tão pouco o desenvolvimento
de um trabalho complementar.
A saída encontrada para solucionar esse
problema, foi transformar as salas de aula em Salas
Ambientes Temáticas (SATs), que fossem mais
abertas na sua estrutura e mais estimulantes, de
forma que esses ambientes possibilitassem maior
liberdade de experimentações pelos alunos e
professores e favorecessem as trocas de experiências
entre os alunos, entre alunos e professores e entre
os professores da instituição.
O espaço das Salas Ambientes é marcado
pela cooperação e pela interação, sempre trabalhando
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
com grupo heterogêneo e a partir do saber do aluno,
encorajando o aluno a propor temas de estudos,
explorar possibilidades, levantar hipóteses, justificar
seu raciocínio e validar suas próprias conclusões.
Nesta proposta, os erros fazem parte do processo de
aprendizagem, sendo explorados e utilizados de
maneira a gerar novos conhecimentos, novas
questões e investigações, num processo de trocas e
produção do saber. O conhecimento produzido
nessas Salas Ambientes pode ser registrado de
diferentes formas e linguagens estimulando a
construção do conhecimento.
Essas SAT’s são definidas e organizadas
anualmente para procurar atender às necessidades
dos alunos que estão na instituição naquele ano nas
diversas áreas de conhecimento. Os professores
escolhem as SAT’s que irão conduzir no decorrer
do ano letivo conforme seu interesse, habilidade e
capacidade. O espaço físico da APAE comporta 5
salas diferentes, portanto cada uma delas é planejada
pelo professor responsável.
Os alunos são agrupados conforme a
idade, mas podem escolher e participar do grupo
que queiram, como também selecionam e
programam com o professor o plano das SAT’s que
freqüentarão durante o ano letivo. Algumas salas
exigem do aluno passagem semanal para atender às
suas necessidades.
Cada aluno tem também a oportunidade
de planejar suas atividades anuais nessas salas. Esse
planejamento se faz a partir da exploração de todas
as salas, no primeiro mês letivo, ou no momento
em que o aluno é admitido no Atendimento
Educacional Especializado.
Dessa forma, os alunos têm um calendário
de atividades anual, passando por várias Salas
Ambientes durante a semana, conforme um plano
de trabalho, montado segundo seus interesses e
necessidades. No entanto, este plano não engessa o
Atendimento Educacional Especializado, podendo
ser avaliado e revisto, quando necessário.
O professor desenvolve um tema e uma
programação pedagógica definida em conjunto
com seus alunos, utilizando da metodologia de
projetos de trabalho, versando sobre os mais
diferentes assuntos. Essa programação termina
quando se atinge o objetivo proposto, ou quando se
esgota o assunto ou o interesse dos alunos pelo
tema em estudo. O importante é que essa atividade
seja flexível para que esteja a todo instante
estimulando o aluno, encorajando a construção do
saber e principalmente pautada nos seus interesses.
Essa prática tem trazido resultados
promissores, propiciando aos alunos avanços
significativos no processo de aprendizagem e em
todos os demais atendimentos oferecidos pela
instituição, inclusive na área clínica. Para os
professores, as SAT’s lhes possibilitaram um maior
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
conhecimento dos alunos e a realização de um
verdadeiro atendimento educacional, que na
concepção da palavra envolve o acolhimento do
aluno na sua maneira própria de lidar com o saber.
Essa organização do trabalho pedagógico,
passando por mais de uma SAT não limita o
professor ao atendimento especializado de um
único grupo de alunos durante o ano letivo. Isso é
importante, pois, evita uma relação excessivamente
„colada‰ do professor com o aluno e vice-versa, o
que funciona como mais um impedimento de
relações de super-proteção pelo professor e de um
vínculo adesivo do aluno. Essa rotatividade e a
necessidade de o aluno estar com mais de um
professor foi uma importante descoberta da
dinâmica realizada por esta instituição que permite
a troca entre os professores para encontrar soluções
e descobrir as várias formas de linguagens utilizadas
por seus alunos.
Nessa proposta a avaliação faz parte do
processo de ensino e de aprendizagem, de forma
contínua. Procura-se conhecer não apenas os
progressos, mas também as estratégias de trabalho
utilizadas pelos alunos. Utilizam-se diferentes
instrumentos de avaliação, como relatórios semestrais
com observações individuais e coletivas, além dos
portfólios onde estão contidas todas as observações e
construções dos alunos durante a execução das
atividades. O portfólio é um instrumento que permite
posteriormente, ao aluno e a seus pais, perceberem
como se iniciou o trabalho programado e como ele
se desenvolveu. Ele revela para o aluno e para o
professor; quais foram as questões iniciais e as finais
levantadas pelo aluno e, conseqüentemente, as suas
aquisições, predefinindo futuros trabalhos, conforme
os focos de interesse que surgirem, no decorrer das
atividades e da avaliação.
O portfólio e sua apresentação é um
importante instrumento utilizado pelos professores
para fazer intervenções e nas reuniões com os pais
eles testemunham as capacidades dos alunos e que
muitas vezes ainda não foram reconhecidas ou
foram negadas de forma inconsciente pelos pais. Os
alunos se auto-avaliam e podem assim perceber o
quanto avançaram em relação a um tema de estudo,
refletindo sobre suas produções.
Um aluno conduz a mãe para apreciar seus trabalhos.
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
Todas as atividades desenvolvidas nessas
salas fazem parte de um contexto e de uma
programação coletiva que muitas vezes envolve
várias SAT’s. Os alunos não só escolhem os temas
que irão trabalhar nas SAT’s, mas muitas vezes são
eles que provocam a interação entre as atividades
previstas pelas salas, extrapolando os limites de cada
uma. Portanto, as salas fazem parte de um contexto
amplo, que os alunos podem explorar livremente,
dando significado ao seu processo de construção de
conhecimento e dele participando ativamente.
O efeito produzido pelas salas é também
amplo, global e horizontal. Percebe-se que o mesmo
efeito não era alcançado anteriormente, quando
o atendimento era desenvolvido em salas de aula
tradicionais, pois, por mais que se tentasse desenvolver
uma maior articulação entre elas, o trabalho já era
fragmentado na sua organização espacial.
Para exemplificar esta prática vamos relatar
alguns projetos desenvolvidos em duas das Salas
Ambientes Temáticas.
4.2. Produção de textos na SAT Livros e
4.2. Produção de textos na SAT Livros e
Filmes
Filmes
Essa sala propicia a exploração da
linguagem oral e/ou escrita em diferentes
situações comunicativas. Nela são desenvolvidas
atividades que levam o aluno a se expressar
oralmente e por escrito, bem como a sua
capacidade de compreensão de diferentes
gêneros textuais.
Ao construir e reproduzir textos com
liberdade de expressão, invariavelmente o aluno
participa intensamente das atividades. Percebe-se
que as produções textuais dos alunos representam
uma construção de sua história subjetiva. A
valorização e a exploração da capacidade de
criação e de produção de textos permitem ao
aluno desenvolver ações práticas e ao mesmo
tempo a interação com um nível de compreensão
mais elaborado com trocas simbólicas entre o
aluno, o texto e o possível leitor.
É importante esclarecer que nessa
sala não se tem a intenção de alfabetizar esses
alunos e nem mesmo dar um suporte para essa
aprendizagem.
A SAT Livros e Filmes possui os
seguintes objetivos:
Ouvir o outro: diz respeito à capacidade
de compreender o que os colegas e o
professor transmitem oralmente, ao
lerem ou contarem uma história, um
acontecimento, um filme... O aluno
opera com conhecimentos discursivos,
semânticos e gramaticais presentes na
construção da significação dos textos.
Também se procura desenvolver a
capacidade do aluno de reconhecer
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
o significado complementar dos
elementos não lingüísticos.
Falar: o aluno utiliza seus recursos de
comunicação oral, para exprimir sua
compreensão, interesse, desejos, idéias e
estabelecer trocas com o outro (colegas
e professores).
Ler: o aluno interpreta textos de todos
os gêneros, de acordo com sua visão de
mundo. O leitor, mediado pelo texto,
o reconstrói na sua leitura, atribuindo-
lhe outra significação (a sua própria).
Escrever: o aluno descobre as funções
e o uso da língua escrita nos atos de
registrar, informar, comunicar, instruir
e divertir.
Favorecer a livre expressão: ler, escrever,
falar, comunicar, de forma que o aluno
se expresse mediante a produção oral
e escrita (mesmo quando o professor
atua como redator).
Compartilhar práticas: explorar a
construção coletiva e cooperativa na
leitura, escrita.
Vamos relatar, a seguir, atividades
desenvolvidas nessa sala.
4.3. A Produção de uma hisria e de
4.3. A Produção de uma história e de
outras tantas...
outras tantas...
Esse projeto iniciou-se em 2004, com
uma turma formada por 13 alunos em idade
de 9 a 14 anos, que freqüentavam essa sala duas
vezes na semana durante duas horas.
Em um primeiro momento do projeto
foi realizada uma sondagem do nível de
conhecimento dos alunos com relação à leitura
e à escrita, através de escrita espontânea, leitura
de histórias e interpretação oral e registro através
de desenho. A solicitação do registro escrito ou
através de desenhos das histórias foi utilizada
para que se pudesse saber o que o aluno estava
entendendo do que foi contado, unicamente. O
objetivo desse primeiro registro não era o que
estava escrito convencionalmente, mas o que
“dava para ser lido” pelo aluno. Portanto, muitos
registros foram feitos de forma particular sem
se considerar o que estava certo ou errado, mas
o que o aluno “lia” do texto dado.
Em um segundo momento, foram
selecionados e apresentados vários textos pela
professora: livros de história, anúncio de
revista, letra de música, poema e história em
quadrinhos. Esses textos foram analisados, para
que os alunos pudessem estabelecer as diferenças
e semelhanças entre eles.
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
A análise do texto foi feita oralmente
e por escrito. Todos os alunos participaram
da atividade a seu modo, seja opinando ou
respondendo às perguntas, observando e/
ou registrando através da cópia, de forma
organizada ou não.
No decorrer do projeto, a professora
propôs ao grupo produzir alguns textos
coletivos. Nessas produções as intervenções da
professora foram as mais diversas, respeitando
toda forma de participação dos alunos. Ora o
registro dessas produções de texto era feito pela
professora, que atuava como escriba, quando
o aluno não conseguia registrar por si mesmo.
Ora ela escrevia no quadro o quê os alunos
falavam e depois, por meio de perguntas, eles
faziam juntos as correções e organizavam o
texto através da leitura e da grafia das palavras.
Neste momento, os alunos entravam em
contato com a leitura e a escrita por meio dos
seus próprios textos e não apenas pelos textos
apresentados pela professora. Dessa maneira a
tarefa ganha significado para os alunos e eles
conseguem reconhecer nela o seu trabalho.
Vários foram os registros apresentados, mesmo
depois da autocorreção dos alunos. O respeito
ao tempo e ao nível de conhecimento, em relação
à base alfabética de cada um, foram preservados
e o trabalho era avaliado diariamente para que
os alunos pudessem perceber a evolução das
produções escritas.
Em seguida, a professora convidou
os alunos a produzir um texto coletivo com
todo o grupo em um gênero escolhido por
eles. A proposta foi recebida com entusiasmo
e escolheram escrever histórias. Uma das
histórias foi utilizada como roteiro de um
desenho animado, o que propiciou a articulação
com as SAT’s de Artes. Segue abaixo a história
construída para o desenho animado:
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
EM UMA MONTANHA PERTO
DA CIDADE, HAVIA UM CASTELO
ASSOMBRADO. NELE MORAVA UM
HOMEM QUE TINHA O ROSTO
MARCADO POR CICATRIZES, TRÊS
OLHOS, UM RABO DE MACACO. ELE
NÃO TINHA NOME, MAS TODOS NA
CIDADE O CHAMAVAM “BIRUTO DA
MEIA-NOITE” POR CAUSA DO BARULHO
QUE ELE FAZIA À MEIA-NOITE. TODOS
OS DIAS ELE UIVAVA DE NOITE PARA
ASSUSTAR AS PESSOAS E AFASTÁ-LAS
DO SEU CASTELO.
1
ALI PERTO TINHA UMA
FAZENDINHA MUITO POBRE. MORAVA
NELA, UMA MÃE, QUE ERA MUITO
VELHA COM DOIS FILHOS ADOTADOS:
TITICO E LILITA.
TITICO ERA UM ADOLESCENTE
MUITO LEVADO, CAÇADOR DE BRIGAS
E AMIGO DO MONSTRO BIRUTO DA
MEIA-NOITE.
DE MANHÃ ELE LEVANTA PULA A
1 O texto está reproduzido como foi registrado pelos alunos.
JANELA E VAI PARA O CASTELO BRINCAR
E CONVERSAR COM O MONSTRO.
SUA IRMÃ FICA EM CASA
BRINCANDO COM OS ANIMAIS. ELA É
MUITO MEDROSA E MORRE DE MEDO
DE SAIR DE CASA.
UM DIA O MONSTRO FOI NA
FAZENDA CONHECER A MENINA E
A MÃE. ELE FOI DE NOITE. A MÃE
ESTAVA FAZENDO CROCHÊ, O TITICO
M
A
M
O
N
T
A
N
H
A
P
E
R
T
O
UMA HISTŁRIA DE TERROR
UMA HISTŁRIA DE TERROR
Biruto da Meia-Noite
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
ACORDADO SENTADO NA ESCADA DA
SALA LENDO UM LIVRO DE KARATÊ, E
LILITA ESTAVA DORMINDO NO QUARTO.
DE REPENTE OUVIRAM UM BARULHO
ARRANHANDO A PORTA, A MÃE CORREU
PARA O QUARTO DA LILITA.
TITICO MUITO CURIOSO FOI
ABRIR A PORTA E DEIXOU O MONSTRO
ENTRAR E DEPOIS O CONVIDOU PARA
IREM PARA O CASTELO. QUANDO A MÃE
ABRIU A PORTA DO QUARTO E PROCUROU
O FILHO E NÃO ENCONTROU, CHOROU
ELA E A MENINA.
ELA E A MENINA PROCURARAM
TITICO A NOITE INTEIRA NO MATO E
FORAM PICADAS POR UMA COBRA.
ESTAVA PASSANDO POR ALI,
O JUCA, CAÇADOR DE COBRAS, QUE
VENDIA O VENENO PRO MONSTRO.
ELE VIU AS DUAS CAÍDAS E AJUDOU
PEGANDO E COLOCANDO-AS NA SUA
CARROÇA.
ELE AS LEVOU PARA CASA. QUANDO
ELES CHEGARAM ENCONTRARAM O
BIRUTO DA MEIA-NOITE E O TITICO LENDO
REVISTA DE KARATÊ.
A MÃE E A FILHA FORAM
COLOCADAS NO SOFÁ RASGADO PARA
REPOUSAR MUITO NERVOSAS, COM
MEDO E TREMENDO. LILITA GRITOU
DE MEDO QUANDO O MONSTRO
LEVANTOU E SAIU CORRENDO COM
ÓDIO, PORQUE ELAS FICARAM COM
MEDO DELE.
TITICO CORREU ATRÁS, MAS ELE
NÃO DEU NENHUMA IDÉIA E COMEÇOU
A RASGAR A ROUPA, MANDOU TITICO
EMBORA PARA CASA, MAS ELE NÃO
OBEDECEU E CONTINUOU ATRÁS
DELE. ENTÃO O MONSTRO O FERIU
COM AS UNHAS.
O JUCA QUE ESTAVA INDO
PARA O CASTELO PEGAR UM REMÉDIO
PARA A MÃE E A LILITA, JOGOU UM
REMÉDIO LÍQUIDO NOS OLHOS DELE,
E O MONSTRO FICOU CEGO ATÉ O
AMANHECER.
JUCA E TITICO VOLTARAM PARA
A FAZENDA LEVANDO O REMÉDIO
PARA A MÃE E A LILITA.
QUANDO AMANHECEU, O
MONSTRO FOI ATÉ A FAZENDA, POIS O
LÍQUIDO QUE O DEIXOU CEGO TINHA
ACABADO O EFEITO, BATEU NA PORTA
E LILITA ATENDEU AINDA MANCANDO
POR CAUSA DA PICADA DE COBRA,
FICOU ASSUSTADA E COMEÇOU A
GRITAR PELA MÃE, PELO TITICO E O
JUCA QUE ESTAVAM DORMINDO.
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37
Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
APARECEU A MÃE E O
MONSTRO PEDIU DESCULPAS E
OS CONVIDOU PARA IREM AO
CASTELO. ELES SE TORNARAM
AMIGOS.
JUCA DEU A IDÉIA DE FAZER
UMA FESTA PARA AS PESSOAS
CONHECEREM O BIRUTO DA MEIA-
NOITE. A FESTA FOI DE FANTASIA
E TEVE A PRESENÇA DE TODOS
DA CIDADE E DA FAZENDA E O
MONSTRO FICOU MUITO FELIZ.
AUUUUUUUUUU...
O interessante é que a história aqui
apresentada tem características e personagens
próximos da realidade dos alunos: a mãe
pobre, os filhos adotados, o pai ausente, o
menino levado e o personagem principal com
o nome significativo de Biruto, incorporando
todo o estigma vivido por essas crianças.
Essa produção de texto demonstra o quanto
é importante um espaço pedagógico que
possa auxiliar esses alunos a simbolizar suas
histórias, dar sentido à sua experiência de
vida, sem a preocupação com o desempenho
acadêmico ou com o processo e a produção
almejada pela escola. Aqui, de fato, o desejo
inconsciente está presente e essas construções
pedagógicas significativas diminuem a
oscilação presente quando as produções são
realizadas sem sentido para o aluno e apenas
para atender ao desejo da professora ou da
escola.
À medida que as histórias foram
sendo produzidas coletivamente, o interesse
pela produção individual foi crescendo. A
escolha e o estilo da produção em outros
gêneros textuais também surgiram, o que foi
expresso por alguns alunos: “Eu agora quero
escrever a minha história sozinha”, ou “Eu
não quero escrever poemas, eu gosto é de
escrever histórias”, “Eu agora sou ÂescricistaÊ e
sou o melhor”. Através dos gêneros, o prazer
em registrar suas idéias e a sua história era
cada vez maior, “era a realidade virando
ficção” (professora Jânia Almeida).
Esse outro poema foi construído em
2005 por um jovem que costumava fugir da
escola e da família para passar o dia em uma
fazenda próxima, na qual trabalhava como
ajudante. Ele se recusava a ir à escola, em um
quadro de profunda inibição e total recusa
diante do saber acadêmico, sendo considerado
analfabeto pela escola comum.
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
Esse é mais um relato, no qual a produção
livre e espontânea permite que o aluno se inscreva
no fazer pedagógico e produza conhecimentos e
textos significativos, dando um real sentido para a
leitura e escrita. Depois de um ano no AEE, esse
aluno pôde se interessar pela escola e pelo
aprendizado implícito nela, apesar de ainda
questionar a leitura sem sentido apresentada a
partir de textos ou fragmentos de textos
descontextualizados e que não têm nenhum
significado para ele. No entanto, depois do
lançamento do livro “Chuvas de Poesia” ele tem
demandado a produção de outro livro.
Os textos produzidos pelos alunos são
compartilhados, expostos em saraus, em
programações da instituição com presença dos pais
e da comunidade, publicados no Boletim da APAE
de Contagem, apresentados em filmes, livros e
tirinhas ou classificados nos portfólios dos alunos.
A partir dessa prática, as produções como
as aqui citadas têm surgido de forma espontânea e
crescente. Os alunos se sentem com maior
autonomia e encorajados a produzir qualquer tipo
de texto, seja oral, escrito ou desenho. Eles
verbalizam oralmente, dizendo estar mais
preparados e confiantes em si mesmos para
enfrentar a escola comum, com todas as suas
dificuldades. A própria professora percebe que
está mais consciente e confiante do seu trabalho e
o seu depoimento demonstra como essa prática
modificou sua concepção de ensino. “Partindo do
pressuposto de que somente uma parte do que nós
sabemos nos é realmente ensinado, não faz sentido
continuar com uma postura de „dona do saber,‰
que vem à instituição com o objetivo de repassar
conhecimentos a alguém que „não sabe‰, mas de
alguém que vem com objetivos explícitos de
realizar trocas e de fazer parte da construção do
conhecimento, que pode ser tanto meu quanto do
meu aluno” (Professora Jânia Almeida).
4.4. Projetos na SAs Arte
4.4. Projetos na SATÊs Arte
Esta sala possibilita investigar e conhecer
movimentos, obras, grandes artistas de todos os
tempos, assim como a História da Arte. Ao
mesmo tempo, permite que os alunos usufruam
da Arte como observadores e criadores,
contemplando, com isso, o fazer, a apreciação e
a reflexão artística.
Quando o aluno cria com liberdade,
fazendo seus desenhos e produções, ele levanta
hipóteses e imprime sua marca na construção
simbólica de sua história, o que é fundamental
para o Atendimento Educacional Especializado.
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40
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
O respeito às peculiaridades e ao
conhecimento refere-se à sensibilidade, à imaginação,
à percepção, à intuição e à possibilidade de projeção
da ação prática para a ação simbólica.
Essa primeira projeção é o ponto de
partida que estrutura o desenvolvimento estético,
artístico e intelectual. O progresso do desenho
demonstra mudanças significativas ficando mais
ordenadas, fruto de assimilações cada vez mais
avançadas na linguagem do artístico,
possibilitando novas projeções mais elaboradas.
A arte é uma forma de expressão,
principalmente quando a deficiência mental afeta
a utilização de alguns recursos que possibilitam
ao aluno exprimir-se oralmente ou pela linguagem
escrita. A produção nessa SAT é muito significativa
por demonstrar capacidades muitas vezes ocultas
e desacreditadas desses alunos.
Explorar toda a capacidade que a pessoa
com deficiência mental tenha, significa não
limitar suas criações em produções acadêmicas
ou por padrões estéticos, principalmente se esses
padrões são definidos por um outro, no caso
pelo professor.
Objetivos:
Objetivos:
Permitir e incentivar a livre expressão e a troca
com o outro por meio da criação artística.
Possibilitar a criação artística em todas as suas
dimensões.
Produzir trabalhos de arte, por meio da
linguagem do desenho, da pintura, da
modelagem, da colagem, da escultura e outras.
Aprender a pesquisar e utilizar diversos
materiais gráficos e plásticos sobre diferentes
superfícies, para ampliar as possibilidades de
expressão e comunicação.
Apreciar as produções próprias e dos outros
colegas e artistas, por meio da observação e da
leitura de obras de arte em exposições,
catálogos, livros etc.
Ampliar o conhecimento: conhecer a História
da Arte e seus personagens, elementos da cultura
regional e brasileira e suas produções artísticas.
A proposta da produção de um desenho
animado foi apresentada e desenvolvida por um
grupo de alunos com idade acima de 14 anos e
teve início no segundo semestre de 2004.
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Capítulo I - Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental
Considerando que os alunos produziram
suas próprias histórias na SAT Livros e Filmes,
idealizou-se que poderiam também reproduzi-
las por meio do desenho animado, já que
também eram excelentes desenhistas. A percepção
da criação e da capacidade desses alunos para
desenhar e pintar surgiu após a permissão de
uma produção espontânea, sem a intervenção
direta da professora na procura de uma estética
convencional e padronizada.
A proposta do desenho animado foi
desafiadora e inovadora, uma vez que a própria
professora não conhecia essa técnica e assim
possibilitaria descobrir e conhecer os processos
e as técnicas de animação de desenho, de
construção de personagens, de fotografia,
filmagem, edição e a pesquisa de materiais junto
com seus alunos.
O primeiro passo foi realizar uma
reunião com todos os professores envolvidos,
pois essa proposta se realizaria de maneira
articulada entre outras SAT’s, com um
profissional de comunicação visual convidado,
que ofereceu a produção e edição do desenho
animado e o grupo de alunos interessados.
Esse grupo foi composto por nove
alunos, sendo aberto à participação de outros
em determinados momentos do processo. O
objetivo não se restringia a apenas transformar
o registro escrito em um desenho animado, mas
em construir novos saberes durante a experiência
do fazer.
A escolha das histórias foi feita mediante
votação. Haviam três histórias construídas por
eles: Um Natal Diferente, Uma História de
Terror e O Rei e o Príncipe e a História de
Terror foi a escolhida.
Na segunda etapa, a história foi lida
por todos, ressaltando-se os elementos que
seriam fundamentais para o desenho. Os alunos
participaram de todo o processo de construção
do desenho, que foi norteado por atitudes de
cooperação, troca de idéias, descoberta de
soluções e compromisso de concluir o projeto.
Cada aluno se localizava no trabalho, fazendo
suas escolhas, decidindo pelo personagem que
representaria, como o representaria, pelo cenário
do desenho animado tanto pela forma de o
representar como as cores, as técnicas e o
material gráfico a ser utilizado. Participaram
também da sonoplastia para o desenho na
produtora que editou e finalizou o filme.
Abaixo alguns desenhos realizados para
o filme.
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Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
Biruto da Meia-Noite
A cobra
A casa de Titico
Como resultado, o desenho animado
produzido reflete a espontaneidade e a
liberdade de criação dos alunos. Esse projeto foi
desenvolvido na SAT de Artes pela professora
Telma Isabel Vieira Martins de 2004 a 2006.
O desenho animado está em vídeo e o filme
também relata momentos desse projeto.
Para saber mais...
Para saber mais...
FREUD, Sigmund. “Inibição, Sintoma e
Ansiedade”, in: Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud. Vol. XX. (1926 d [1925]). Tradução
de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago.
GOFFMAN, Erving. (1988). Estigma: notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada. Tradução
de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4º
edição, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan.
LACAN, Jacques. (1985). O Seminário: livro 11,
Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise
(1964). Tradução de M. D. Magno. 2
a
. edição,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
PIAGET, Jean. (1976). A Equilibração das
Estruturas Cognitivas problema central do
desenvolvimento (1975). Tradução: Marion M. dos
Santos Penna. Rio de Janeiro, Zahar Editores.
CAP¸TULO II
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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O
presente texto analisa o processo de
aquisição da leitura em alunos com
deficiência mental.
A aquisição da linguagem escrita é
compreendida como uma evolução conceitual
da criança e não como decorrência de aptidões
perceptuais, viso-motoras e de memória.
Inicialmente serão apresentadas neste texto
algumas concepções sobre a linguagem escrita,
em seguida, focaliza-se a aprendizagem da leitura
dos alunos com deficiência mental, destacando
os aspectos que interferem nesse processo. Por
fim, aborda-se a avaliação de alunos em processo
de aprendizagem da linguagem escrita.
1. O que é ler?
1. O que é ler?
Mudanças filosóficas no campo da leitura
e da escrita vêm permitindo significativa evolução
no que se refere ao entendimento do processo de
alfabetização. Os resultados dos estudos realizados
por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky deram
origem a uma revisão radical no modo de
compreender como a criança aprende a língua
escrita, e, conseqüentemente, mudaram também a
concepção de como ensinar a ler e a escrever. O
entendimento atual desse processo se fundamenta
em um sujeito que aprende agindo com e sobre a
língua escrita. Esse modo de aprendizagem exige
busca incessante na tentativa de compreender o
sistema alfabético, nesse processo de aprendizagem,
o aluno levanta hipóteses e testa prováveis
regularidades da língua escrita.
A aprendizagem da leitura não é um ato
simples de decodificação do sistema alfabético, vai
A emergência da leitura e da escrita em alunos com
A emergência da leitura e da escrita em alunos com
deficiência mental
deficiência mental
Rita Vieira de Figueiredo
Adriana L. Limaverde Gomes
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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para além disso. Ler é compreender o sentido do
texto, entendendo-o na sua relação dialética com os
diferentes contextos, implica em dialogar com o
autor ausente, lendo as palavras e lendo o mundo.
No decorrer do processo de construção da
escrita, as crianças descobrem as propriedades do
sistema alfabético e, a partir da compreensão de
como funcionam os signos lingüísticos, elas
aprendem a ler.
A aprendizagem da leitura ocorre de forma
progressiva, mas não linear. Os conflitos são
constantes e provocam mudanças cognitivas
importantes para a formação do leitor. Na
apropriação da leitura, a mediação pedagógica é um
fator importante, no sentido de promover conflitos
e desafios cognitivos.
Duas concepções sobre leitura podem
fundamentar a prática dos professores. Elas são
antagônicas e divergem quanto à metodologia de
ensino. Na concepção denominada tradicional, a
leitura se caracteriza como um conjunto de
mecanismos que envolvem percepção e memória.
Nessa abordagem, a decodificação precede a
compreensão leitora, sendo a soletração de palavras
isoladas um caminho utilizado para que o aluno se
torne leitor. As atividades de leitura caracterizam-se
pela repetição, sendo organizadas normalmente de
forma linear: primeiro as letras, em seguida as
sílabas e assim por diante (Cellis, 1998).
A outra concepção, entendida como
interacionista, preconiza a leitura como produto de
constante atividade de busca de significado de um
texto em situação de uso. Nessa concepção, ler é uma
atividade que requer a coordenação de várias
informações. Trata-se de uma dinâmica que envolve
uma construção cognitiva, na qual há interferência
da afetividade e das relações sociais. A busca pelo
sentido do texto se dá por variados indicadores, tais
como: o contexto no qual o texto está escrito, o tipo
de texto, o título, as palavras, dentre outros aspectos.
Os professores cujas práticas se fundamentam nessa
concepção de leitura, propõem aos alunos textos
autênticos, completos, em situações reais de uso,
respeitando suas necessidades e desejos. A leitura se
constitui um processo interativo entre os
conhecimentos do leitor e aqueles que emergem do
texto. Assim, ler é interpretar o que o outro nos quer
dizer (Curto et al, 2000). Esse conceito extrapola a
noção da relação direta entre leitura e decodificação.
Qualquer professor pode reconhecer alunos que
decifram corretamente e não conseguem compreender
o significado do que acabaram de ler. Entretanto, na
medida em que o aluno ler de forma ativa, fazendo
apelo às informações do contexto, ele é capaz de
antecipar interpretações, reconhecer significados e
ainda identificar erros de leitura (Curto et al, 2000).
Desse modo, embora a decodificação seja necessária,
ela não é o instrumento que promove a compreensão
do texto.
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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2. A aprendizagem da leitura e da
2. A aprendizagem da leitura e da
escrita por alunos com deficiência
escrita por alunos com deficiência
mental
mental
Os processos de aprendizagem da leitura e
da escrita por alunos com deficiência mental são
semelhantes aos daqueles considerados normais sob
muitos aspectos. Esses aspectos dizem respeito ao
letramento, à dimensão desejante, às expectativas
do entorno, ao ensino e às interações escolares.
2.1. Letramento
2.1. Letramento
O letramento pode ser definido como um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita
enquanto sistema simbólico em contextos específicos
e com objetivos específicos. É a forma como as
pessoas utilizam a língua escrita e as práticas sociais
de leitura e de escrita nos diferentes ambientes de
convivência. Segundo Soares, o letramento traduz
uma condição do sujeito:
É o estado ou condição que assume aquele
que aprende a ler e escrever. Implícita nesse
conceito está a idéia de que a escrita traz
conseqüências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer
para o grupo social em que seja introduzida,
quer para o indivíduo que aprenda a usá-la
(1998: 17).
A escola é o mais importante espaço social
de letramento. No entanto, nem sempre ela oferece
variadas formas de práticas sociais de leitura. Sua
ênfase é na alfabetização como processo de aquisição
de códigos (alfabéticos e números), processo
geralmente concebido em termos de uma
competência individual necessária para o sucesso e
promoção na escola (Kleiman, 1995). No estudo
realizado por Gomes (2001) identificou-se a
importância das experiências vivenciadas no âmbito
sociocultural, familiar e escolar para a aprendizagem
da leitura e da escrita em alunos com síndrome de
Down. As experiências familiares de contar histórias,
formar rodas de leitura e proporcionar acesso a
diferentes materiais impressos favoreceram a
formação desses leitores. Outros estudos realizados
com alunos com deficiência mental (Figueiredo,
2003) advindos de meio socioeconômico
desfavorecido, indicaram que apesar deles não
usufruírem de ricas e diversificadas experiências de
letramento, quando eles dispõem de oportunidades
de ensino formal de leitura e escrita e quando
convivem em contextos nos quais existem leitores
proficientes, eles se beneficiam com essas práticas.
Sabe-se que nos contextos onde se lê e se franquia
material de leitura, há maior participação e interesse
desses alunos por material escrito, sejam livros,
revistas, jornais ou gibis.
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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2.2. Dimensão desejante
2.2. Dimensão desejante
A motivação dos alunos para a aprendizagem
da leitura tem uma relação direta com a dimensão
desejante e esta se relaciona com o aspecto funcional
proposto nas atividades e com o nível de exigência
para realização das mesmas. Figueiredo (2006) estudou
a motivação de um grupo de alunos com deficiência
mental para realizar atividades de leitura e escrita. A
autora observou que esses alunos apresentavam
motivações diferentes segundo o tipo de atividade
solicitada pelo professor. Essas atividades se
constituíam da escrita do nome próprio, escrita de
listas de compra, escrita de bilhetes e de registros com
base na contação de historias, registro de visitas,
passeios, festas e acontecimentos e ainda de registros
de palavras e textos relacionados com algumas
gravuras. Dentre essas atividades a escrita do nome
próprio e a escrita de bilhete foram as que propiciaram
maior motivação. Por outro lado, a escrita de histórias
e a escrita de listas de compras foram as atividades que
obtiveram menor índice de motivação dos alunos.
Escrever bilhetes ou escrever o próprio nome
parecia ter uma funcionalidade imediata vinculada ao
prazer e à importância atribuída ao fato de saber ler e
escrever o próprio nome, bem como, a autonomia de
poder comunicar um fato ou solicitar algo, no caso
da escrita de bilhetes. O grau de dificuldade
experimentado pelos alunos na escrita com base em
história talvez responda pelo baixo índice de motivação
dessa atividade. Observou-se que as tarefas com maior
grau de dificuldade e que não apresentam uma função
social imediata e clara tendem a desmotivar os alunos.
Por outro lado, as atividades nas quais os alunos
identificam uma função social, como escrever um
bilhete num contexto real de comunicação, são
investidas de grande motivação.
Os motivos que mobilizam os sujeitos para
a escrita de pequenas mensagens se diferenciavam
segundo o interesse e a individualidade de cada um.
Janyce, uma adolescente com 16 anos alimentava
fantasias de namoros e algumas vezes produzia bilhetes
para um namorado imaginário. Nestas circunstâncias
demonstrava entusiasmo e a sua escrita era marcada
por uma seqüência de traçados circulares imitando
letras cursivas destacando-se especialmente a presença
das letras: t, m, n, v. Em seus registros normalmente
utilizava toda a folha de papel.
Nas atividades de leitura e escrita se observa
forte motivação quando o aluno se envolve
espontaneamente. Nestas ocasiões eles demonstram
prazer e entusiasmo pela tarefa. Entretanto, alguns
alunos não apresentam essa motivação espontaneamente,
necessitando da mediação do professor para se envolver
com a atividade. A mediação pedagógica consiste nas
intervenções feitas pelo professor no sentido de apoiar
passo a passo o aluno no desenvolvimento de uma
atividade, quando ele demonstra dificuldade na
realização da mesma ou, ainda, estimulá-lo no sentido
de despertar seu interesse quando esse se mostra
desmotivado para sua realização.
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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49
O exemplo a seguir ilustra a mediação de
uma professora dando suporte a um aluno (12 anos,
com deficiência mental) que estava escrevendo palavras
com base em figuras.
Ednardo: Surfista começa com su?
Professora: Sim, começa com su.
Ednardo escreve: AUAOO.
Professora: A palavra surfista termina com qual letra?
Ednardo: A. (Acrescenta a letra A na pauta escrita que
fica: AUAOOA)
Professora: Qual letra você escreveu no começo da
palavra surfista?
Ednardo: S.
Professora: Procure a letra S na caixa de letras.
Ednardo: Compara a letra encontrada com a pauta escrita
e acrescenta a letra S na pauta que fica: SAUAOOA.
Em seguida, a professora trabalha um
texto sobre a temática em questão, no qual o aluno
entra em contato com a escrita da palavra surfista.
As atividades propostas pelo professor e a mediação
durante a realização das mesmas devem visar a
autonomia dos alunos partindo de seus interesses,
respeitando suas possibilidades motoras, cognitivas
e afetivas, porém com solicitações que promovam o
avanço conceitual desses alunos.
2.3. Expectativas do entorno, ensino e
2.3. Expectativas do entorno, ensino e
interões escolares
interações escolares
As expectativas positivas dos familiares e
dos professores interferem na aprendizagem dos
alunos. Essas expectativas se manifestam nas
diversas situações de interações sociofamiliares e
escolares. Embora possam existir diferenças no
desenvolvimento das crianças, é importante ter
consciência de que elas podem se beneficiar de
diferentes experiências no contexto familiar e
escolar. Desejar que todos aprendam igualmente é
uma tarefa impossível, mesmo em se tratando de
pessoas ditas normais. Essa compreensão
possibilita uma educação pautada no respeito aos
ritmos e às potencialidades individuais. O trecho
a seguir ilustra o tratamento dado por uma mãe à
sua filha com síndrome de Down no período
inicial de desenvolvimento.
Em casa eu tratei Maria Luiza como eu
tratei o primeiro, não fiz diferente, só
que ela na idade que o outro correspondia,
ela não correspondia, ela precisava de
mais tempo... Ela era uma menina ativa,
viva, prestava atenção à televisão, doida
por música, mas era molinha (Mãe de
Maria Luiza).
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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Muitos professores desenvolvem suas
práticas pedagógicas pautando suas ações no
princípio da realidade da sala de aula. Eles
organizam as atividades tendo como referência
as diferentes respostas de seus alunos e não em
julgamentos pré-concebidos a respeito de suas
possibilidades de aprendizagem. A professora
de uma aluna com síndrome de Down explica a
forma como desenvolvia sua prática com essa
aluna numa sala regular:
A Ana Paula, em relação às outras
crianças, eu tratava como igual, porque
realmente ela se comportava igual,
como as outras crianças... Ela já veio
alfabetizada, só que eu tinha que
orientar (...). Ela lia muito bem, ela já
sabia fazer treino ortográfico, ditado,
ela fazia tudo direitinho, tirava da lousa
e tudo (˜ngela - professora da 1À série
de Ana Paula).
A professora evidenciou que não
percebia quase nenhuma diferença entre Ana
Paula e os outros alunos ditos normais. Na
visão dela, essas pequenas diferenças não
impediam sua aprendizagem. As atitudes e as
expectativas positivas exercem fortes
influências no desenvolvimento das crianças.
Segundo Vygotsky (1995), há uma relação de
dependência entre o desenvolvimento do ser
humano e o aprendizado realizado num
determinado grupo social. O desenvolvimento
e a aprendizagem estão inter-relacionados
desde o nascimento. Na concepção de Vygotsky
(1986), a criança com deficiência deve ser
compreendida numa perspectiva qualitativa e
não como uma variação quantitativa da criança
sem deficiência. As relações sociais estabelecidas
com essa criança deverão necessariamente
considerá-la como uma pessoa ativa, interativa
e capaz de aprender.
Na escola, a convivência com as
contradições sociais, a diversidade e a diferença
possibilitam um espaço rico de aprendizagem
para todos alunos. O confronto saudável no
grupo promove a construção de conhecimentos.
Com efeito, as diferenças nas salas de aula
contribuem para aprendizagem de todos. O
favorecimento de eventos de letramento, a
disponibilidade de material impresso de
leitura, tanto na família quanto na escola,
proporcionam uma significativa influência
sobre a aprendizagem da leitura dos alunos.
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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3. A avaliação da aprendizagem da
3. A avaliação da aprendizagem da
leitura e da escrita
leitura e da escrita
Uma bem-sucedida intervenção em leitura e
escrita começa sempre por uma boa avaliação do nível
de evolução em que se encontram os alunos. Numa
sala de aula, o nível de evolução da linguagem escrita
dos alunos é sempre muito variado. Alguns se
encontram em estágios iniciais da representação e da
interpretação da escrita, outros em níveis mais
avançados. Muito raramente um aluno já inicia sua
escolarização apresentando uma escrita alfabética,
especialmente quando se trata de alunos com
deficiência mental. Para avaliar a evolução dos alunos
o professor pode utilizar diferentes tipos de atividades.
Nesse texto serão apresentadas algumas proposições
as quais foram desenvolvidas por Ferreiro e Teberosky
(1986) e adaptadas por nós (Figueiredo, 2006;
Figueiredo Boneti, 1999a, 1999b) para avaliar a
evolução da linguagem escrita em alunos com
deficiência mental.
3.1. Relação entre desenho e texto
3.1. Relação entre desenho e texto
A maioria das crianças em idade pré-
escolar faz a distinção entre o desenho e o texto
(Ferreiro e Teberosky, 1986). Para essas crianças, o
desenho serve para olhar, enquanto que o texto
serve para ler. Entretanto, no início da representação
gráfica, para a criança, desenho e texto não se
diferenciam. Segundo Vygotsky (1995), um
momento importante na evolução da linguagem
escrita é quando a criança percebe que pode desenhar
não somente os objetos, mas também, as palavras.
Para Vygotsky é difícil precisar como se opera a
passagem da atividade de desenhar objetos para o
desenho das palavras. Durante a evolução da
representação da escrita pela criança, os traços
gráficos se diferenciam pouco a pouco de modo
que alguns adquirem formas figurativas, enquanto
outros evoluem na imitação de caracteres
semelhantes à escrita. A partir dos quatro anos de
idade, a criança se torna capaz de diferenciar
desenho e texto como dois modos de representação
gráfica. Entretanto, a criança não atribui o sentido
unicamente ao texto, ela considera que o sentido
pode estar tanto em um quanto em outro desses
elementos (Ferreiro e Teberosky, 1986).
Para avaliar a relação que a criança
estabelece entre o desenho e o texto, o professor
poderá utilizar diferentes procedimentos. Um deles
consiste em apresentar um livro de literatura infantil
com imagens e texto, e solicitar para a criança
indicar onde ela pensa que se lê a história.
Normalmente no início da escolarização
três níveis de conhecimento podem ser identificados
nos alunos no que se refere à relação que eles
estabelecem entre desenho e texto. 1 - O nível em que
as crianças consideram que o sentido está no desenho.
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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2 - O nível no qual as crianças acreditam que o
sentido está ora no desenho, ora no texto. 3 - O nível
em que as crianças atribuem o sentido ao texto. Nos
estudos que realizamos com alunos com deficiência
mental, identificamos um nível intermediário entre
o 2 e o 3, aquele em que ele sabe que o sentido está
no texto, mas a presença do desenho é importante
para atribuir sentido à leitura. Como estamos
tratando o tema de forma evolutiva, esse nível será
apresentado neste texto antes do nível 3.
O sentido do texto es no desenho.
O sentido do texto está no desenho.
As crianças desse nível não reconhecem
ainda o texto como material a ser lido. É o caso por
exemplo de Maria, uma criança com deficiência
mental com 5 anos de idade.
Professora: Onde você pensa que nós devemos ler
a história?
Criança: A menina. (mostra a gravura de uma
menina sobre a página)
Professora: Não é aqui que se lê a história?
(mostrando o texto)
Criança: (aponta para o desenho).
Segundo essa criança, o sentido está no
desenho. Entretanto, vale ressaltar que existe dois
tipos de comportamento. Algumas crianças não
atribuem nenhuma importância ao texto, outras,
notam a presença do texto, mas não lhe atribui
sentido para a leitura. Para elas podemos ler a
história mesmo quando o texto está coberto, mas o
mesmo não acontece se cobrirmos o desenho
deixando o texto visível. No entanto, isso não
significa que essas crianças sejam incapazes de
diferenciar esses dois elementos, elas são capazes de
reconhecer as marcas típicas do desenho e aquelas
da escrita.
O sentido está no desenho e no texto.
O sentido está no desenho e no texto.
Esse nível se caracteriza por uma certa
ambigüidade quanto à proveniência do sentido. As
crianças situadas nesse nível atribuem o sentido da
leitura tanto ao desenho quanto ao texto. Quando
o professor lhes pergunta onde deve ler a história
elas mostram ora o desenho, ora o texto, ora os
dois. Quando lhes perguntamos se podemos ler no
desenho, elas respondem às vezes sim e às vezes não.
Quando perguntamos se podemos ler no texto, elas
respondem que sim e tentam explicar o que está
escrito no texto. Nicolau, um menino com 5 anos,
com deficiência mental, diz que podemos ler a
palavra bolo no desenho do bolo. Quando lhe
perguntamos se podemos ler no texto ele responde
que é seu nome que está escrito. Quando
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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53
perguntamos a Joelma (5 anos, com deficiência
mental) se podemos ler no texto, ela responde
seguindo no texto com o dedo: mamãe faz o biscoito
apoiando sua resposta sobre o desenho. Uma
passagem de sua entrevista ilustra seu
comportamento:
Professora: O que é isto? (mostrando o desenho)
Criança: Uma menina.
Professora: E isto (o texto) o que é?
Criança: É...
Professora: O que está escrito aqui? (mostrando o
texto)
Criança: Leite. (olhando para o desenho de uma
embalagem de leite)
Professora: E aqui? (indicando uma palavra no
texto)
Criança: Ovos.
Professora: E ali? (mostrando outra palavra sobre
o texto)
Criança: Colher.
Joelma se apóia no desenho para dar todas
as suas respostas. A diferença fundamental entre
essas crianças e aquelas do nível anterior é que as
desse nível reconhecem o texto como um substitutivo
do desenho quanto à proveniência do sentido,
como um meio de exprimir o desenho. As crianças
desse nível sempre afirmam que existem palavras
no texto. Aquelas do primeiro nível nem sempre
reconhecem a presença de palavras no texto e,
mesmo quando o fazem, não lhes atribuem
significado. As crianças que atribuem o sentido da
leitura ora ao desenho, ora ao texto, interpretam o
sentido do texto se apoiando no desenho. Essas
crianças estão mais evoluídas que aquelas do
primeiro nível que atribuem sentido somente ao
desenho e menos evoluídas que as crianças do nível
seguinte, que atribuem sentido ao texto.
O sentido está no texto, mas a presença do
O sentido está no texto, mas a presença do
desenho é importante.
desenho é importante.
Para as crianças situadas nesse nível, o
desenho é percebido como um recurso auxiliar ao
texto na atribuição do sentido. Quando perguntamos
onde devemos olhar para ler a história, elas indicam
sempre o texto. Quando o texto está escondido (o
professor cobre o texto com uma folha de papel),
elas dizem que não podemos mais ler a história.
Entretanto, quando é o desenho que está coberto,
elas vacilam quanto à possibilidade da leitura do
texto. Cindy (uma menina de 6 anos, com deficiência
mental) duvida que possamos ler a história quando
o desenho está coberto. Quando lhe perguntamos
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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porque ela pensa que não podemos mais ler a
história quando o desenho está coberto, ela
responde: porque ele está escondido e não podemos
mais ver o desenho. Estevão, 6 anos e também com
deficiência mental, responde:
Professora: Onde você pensa que devemos ler a
história?
Criança: Aqui. (Estevão mostra o texto)
Professora: E aqui? (mostrando a gravura)
Criança: Não!
Professora: É sempre aqui (texto) que devemos ler
a história?
Criança: Mas... é sim!
Nesse nível a criança indica sempre o
texto como o lugar onde a história está escrita.
Entretanto, quando perguntamos à criança se
ainda podemos ler a história quando o desenho
está coberto, elas são confrontadas com um grande
problema, pois, para elas, o sentido está no texto,
mas o desenho funciona como um elemento
auxiliar que deve ser visto também. Isto é, elas
aceitam que é no texto que devemos ler, mas
consideram que o desenho é indispensável para
guiar a interpretação do texto. A presença do
desenho representa um apoio ao texto. Olhando
para o desenho, Cindy conta a história seguindo o
texto com o dedo e dizendo: coloque o açúcar... o
leite... a menina faz um bolo, ela mexe com a
colher. É importante ressaltar que essa criança
começa a compreender a natureza distinta do
desenho e do texto, mas ela percebe este último
como uma tradução do sentido do desenho, visto
que o texto não pode ser interpretado sem a
presença do desenho. No nível seguinte, o texto se
diferencia do desenho: a criança atribui ao texto a
enunciação verbal global.
Outra possibilidade de avaliar a relação
que a criança estabelece entre desenho e texto é
apresentar à criança dois cartões contendo imagens
idênticas, mas cada um com uma palavra diferente.
Nessa atividade, o professor apresenta um dos
cartões e solicita que a criança diga o que está
escrito nele. Em seguida apresenta o segundo
cartão com imagem idêntica à do cartão apresentado
anteriormente, mas com uma palavra diferente
daquela do cartão precedente. Solicita-se que a
criança diga o que está escrito. O professor deve
usar sempre dois cartões com imagens idênticas,
como por exemplo: imagem de uma casa, sendo
que em um cartão está escrito a palavra casa e no
outro a palavra bola. Poderá usar também cartões
com a figura de um pato, sendo um com a palavra
pato e o outro com a palavra vela; cartões com a
figura de lápis e as palavras lápis e borracha,
conforme ilustração a seguir:
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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55
O professor deve apresentar primeiro o
cartão que contem o nome correspondente a figura,
por exemplo o cartão com figura de um pato e a
palavra pato. Ele deve perguntar o que a criança ver
sobre o cartão (indicando a figura), depois pergunta
o que esta escrito (indicando a palavra escrita sobre
a figura).
Em seguida o professor apresenta o
segundo cartão com a figura idêntica mas com uma
palavra diferente daquela do cartão anterior (por
exemplo, sobre a figura do pato, a palavra bola). O
professor procede com o mesmo tipo de pergunta:
o que é isto (apontando sobre a figura)? Em seguida
pergunta: o que está escrito (indicando a palavra
escrita sobre a figura)? Se a criança responde que
está escrito a mesma palavra que a do cartão anterior
(neste exemplo: pato), o professor questiona se os
dois nomes são iguais e solicita que ele compare as
letras que o constitui. Se mesmo assim a criança
afirma que os dois nomes são iguais, o professor
passa para uma nova parelha de cartões. Se a criança
reconhece que as letras que contitui as duas palavras
são diferentes, o professor volta a questionar o que
está escrito em cada um dos cartões.
Normalmente a proposição dessa tarefa
suscita quatro tipos de respostas diferentes:
1 - A criança reconhece o texto como
etiqueta do desenho, nesse caso, apesar
de reconhecer a diferença na escrita
das duas palavras, a criança, continua
afirmando que no segundo cartão está
escrita a mesma palavra que a do cartão
anterior.
2 - A criança percebe a diferença na escrita
das palavras e atribui uma nova
interpretação à segunda palavra, mas
dentro do campo semântico de desenho.
3 - A criança reconhece a diferença entre
as palavras, no entanto, ainda não
consegue atribuir sentido à segunda
palavra.
4- A criança lê ambas as palavras sem
fazer uma relação direta com o desenho,
quando ela já é capaz de ler
alfabeticamente. A seguir, explicaremos
cada uma dessas respostas.
Lápis Borracha
Cartão 1 Cartão 2
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O texto é etiqueta do desenho.
O texto é etiqueta do desenho.
A criança responde que em ambos os
cartões está escrita a mesma palavra, mesmo quando
ela reconhece que as letras que compõem as duas
palavras são diferentes. Esse tipo de resposta indica
que a criança se orienta exclusivamente na imagem
para interpretar o que está escrito.
Reconhece a diferença e atribui nova
Reconhece a diferença e atribui nova
interpretação à gravura.
interpretação à gravura.
Nesse tipo de resposta, a criança reconhece
a diferença na escrita e justifica essa diferença
atribuindo nova interpretação à gravura. Essa nova
interpretação normalmente é vinculada ao gênero
ou ao grau do substantivo, à semelhança semântica
ou às particularidades da figura. Nesse último tipo
de resposta as crianças justificam a diferença na
escrita da palavra tal como no exemplo dos cartões
com a imagem de lápis, afirmando que se num
cartão está escrito lápis, no outro está escrito caneta.
Quando a criança responde que num cartão está
escrito lápis e no outro está escrito lápis pequeno,
ela está tentando justificar a diferença na grafia das
palavras se apoiando no grau do substantivo.
Embora a criança não tenha consciência
(metaconhecimento) de gênero, número e grau de
substantivo, ela se apóia no conhecimento adquirido
pelo uso da linguagem verbal. O exemplo a seguir
ilustra o apoio que a criança faz do gênero do
substantivo.
Professora: O que está escrito aqui? (apontando a
palavra pato sobre a figura de um pato)
Criança: Pato.
Professora: E o que está escrito aqui? (apontando a
palavra bola sobre a figura de um pato)
Criança: Pato.
Professora: Esta palavra é igual a esta? (apontando as
palavras pato e bola cada uma sobre a figura pato)
Criança: É.
Professora: E aqui? (apontando a palavra bola sobre
a figura de um pato)
Criança: É.
Professora: Esta palavra (mostrando a palavra bola)
tem as mesmas letrinhas que essa outra? (palavra pato)
Elas são iguais?
Criança: Não.
Professora: E o que está escrito aqui? (palavra pato)?
Criança: Pato.
Professora: É o que está escrito aqui? (palavra bola)?
Criança: Pata.
Também é bastante freqüente a criança
responder que está escrito patinho ou bico de pato.
Ou seja, a criança percebe que a grafia das palavras é
diferente e, nesse caso, se em uma das palavras está
escrito pato, na outra deve ser algo relacionado ao
pato, pois para a criança é a gravura que dá sentido ao
texto. Se a palavra está escrita acima da imagem do
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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57
pato, deve estar escrito o nome pato ou algo que se
relaciona a ele. À medida que a criança evolui em suas
concepções sobre a leitura, ela começa a perceber que
a palavra escrita não representa necessariamente a
figura, como no caso da etiqueta sobre uma
mercadoria. Este momento já representa uma evolução
importante para a criança como veremos a seguir.
A criança reconhece a diferença na grafia
A criança reconhece a diferença na grafia
sem atribuir sentido à segunda palavra.
sem atribuir sentido à segunda palavra.
Nesse nível conceitual a criança responde
apontando as palavras: aqui está escrito pato
(apontando a palavra pato sobre a figura do pato) e
aqui (apontando a palavra bola sobre a figura do
pato) eu não sei o que é, mas não é o nome pato
não, é outra coisa.
Como nesse nível a criança já percebe que
dois registros com grafias tão diferentes não podem
representar a mesma palavra, ela tem a convicção
que não são as mesmas palavras, e não se arrisca em
responder de modo aleatório. As respostas dessa
natureza são consideradas mais evoluídas que
aquelas dos níveis anteriores.
A criança reconhece a diferea entre
A criança reconhece a diferença entre
as palavras.
as palavras.
Nesse nível conceitual a criança é capaz de ler
alfabeticamente sem necessitar do apoio das imagens.
3.2. Estratégias de leitura
3.2. Estratégias de leitura
As estratégias de leitura são utilizadas por
todos os leitores. Sabe-se que os leitores mais eficientes
são os que melhor as utilizam, enquanto os alunos com
maior dificuldade na leitura são menos eficientes no
seu uso. As estratégias de compreensão leitora são
procedimentos de caráter elevado, que envolvem a
presença de objetivos a serem realizados, o planejamento
das ações que se desencadeiam para atingi-los, assim
como sua avaliação e possível mudança.
Para avaliar a emergência das estratégias de
leitura, o professor pode utilizar diversos gêneros
textuais. Eles permitem observar que estratégias são
utilizadas pelo leitor na tentativa de interpretar o texto.
Quando o professor avalia a leitura dos alunos ele pode
utilizar livros de literatura infantil, textos com ou sem
imagens e os mais variados portadores de textos.
Em seus estudos com alunos com
deficiência mental, Figueiredo (2003) identificou
três tipos de estratégias de leitura:
1 - Estratégia com base no contexto.
2 - Estratégia de associação de letras.
3 - Estratégia de decodificação, sendo esta
última com e sem compreensão.
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58
Estragia com base no contexto.
Estratégia com base no contexto.
Esse tipo de estratégia se caracteriza pelo uso
de conhecimentos anteriores na tentativa de interpretar
o texto escrito. Os alunos que utilizam essa estratégia
mobilizam seus conhecimentos de acordo com as
ilustrações, o tipo de texto e as suas experiências sociais
com a linguagem escrita. O seguinte exemplo ilustra o
uso desse tipo de estratégia.
Professor: Eu vou mostrar para você alguns rótulos.
Vamos ver se você consegue ler? Você sabe o que
está escrito aqui?
Ricardo: É o OMO.
Professor: E como é que você sabe que é OMO?
Ricardo: Ah tia, eu sei.
Professor: E você sabe para que serve OMO?
Ricardo: É para lavar roupa tia.
Nesse exemplo, Ricardo mobiliza
conhecimentos anteriores para interpretar o que lhe
é proposto, sua experiência anterior permite que ele
realize uma leitura global do texto, apesar de não
ter se apropriado de estratégias específicas de
decodificação. A mobilização do conhecimento
prévio é de extrema importância para a aprendizagem
da leitura, logo o professor precisa estar atento para
orientar o uso desse tipo de estratégia.
Estragia de associação de
Estratégia de associação de
letras.
letras.
O aluno quando utiliza esse tipo de
estratégia, compara letras ou palavras do texto com
aquelas do seu vocabulário. A tentativa de ler uma
palavra apoiando-se unicamente em letras de seu
repertório indica que o aluno está fazendo uma
leitura global, orientando-se pelo reconhecimento de
letras isoladas, sem atribuir importância ao conjunto
e às particularidades dos caracteres que compõem a
palavra. Nessa situação o aluno ainda não opera com
as regras de funcionamento da escrita alfabética. Para
ilustrar essa estratégia, apresentamos uma atividade
realizada por um professor, que consistiu no uso de
crachás para identificação do nome próprio. Nessa
atividade, o professor distribuiu aleatoriamente os
crachás com todos os nomes dos presentes, incluindo
outros nomes de pessoas ausentes.
Professora: Agora cada um pode pegar o seu nome.
(Todos os alunos pegam corretamente o próprio nome)
Professora: E estes nomes aqui, de quem são? (aponta
para os nomes: Paola, Manuella e Conceição)
Ricardo: Este é da Conceição e este é da Manuella.
(apontando os nomes corretamente)
Professora: E este de quem é? (aponta para o nome
Paola)
Ricardo: Tem o P. É da Paulinha.
Professora: Tem certeza?
Ricardo: Tenho.
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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59
Na situação descrita, Ricardo associa a
letra P ao nome de uma colega (Paulinha), cuja letra
inicial é a mesma do nome Paola. O aluno foi capaz
de mobilizar conhecimentos anteriores, no caso o
conhecimento da letra em questão, para dar
significado ao texto escrito. A letra inicial, de um
nome já conhecido, foi a pista utilizada para atender
ao apelo da professora.
Estragia de decodificação.
Estratégia de decodificação.
Usando esse tipo de estratégia, o aluno
realiza a leitura a partir das unidades lingüísticas,
isto é, faz análise e síntese das letras que compõem
cada sílaba das palavras. Normalmente os alunos
apresentam dois tipos de estratégias de decodificação:
um com compreensão e o outro sem compreensão
do sentido do texto, que serão tratados a seguir.
Estratégia de decodificação:
Estratégia de decodificação:
sem compreensão.
sem compreensão.
O uso dessa estratégia indica que o aluno
reconhece a relação fonema-grafema, que constitui
as unidades silábicas da palavra, sem, contudo,
realizar a síntese da mesma. Ele decodifica cada
uma das unidades que forma a palavra, mas não
consegue nomeá-la ao término da decodificação.
Esse procedimento pode ser identificado com a
decodificação sem a recuperação do sentido da
palavra. A intervenção, a seguir, realizada com uma
aluna com síndrome de Down, demonstra o uso
desse tipo de estratégia:
Professora: O que está escrito aqui? (Aponta o título
da história na capa de um livro: Fogo no céu)
Elisabeth: Fo...go...no...céu.
Professora: E o que esta frase diz?
Elisabeth: (Silêncio).
Professora: O que significa isso?
Elisabeth: (Silêncio).
Professora: E esta palavra aqui? (aponta para a
palavra fogo)
Elisabeth: fo-go.
Professor: O que você leu?
Elisabeth: (Silêncio).
A ilustração indica que Elisabeth
decodifica, contudo ainda não é capaz de atribuir
significado ao texto. Nessa situação, a professora
pode oferecer um suporte no sentido de ajudar o
aluno organizar a informação segundo a lógica do
texto. O professor também pode oferecer outros
suportes que permitam regular o próprio processo
de compreensão do aluno. Por exemplo, a inferência
a partir dos elementos do contexto, tais como o
título, as imagens, o contexto, entre outros.
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60
Estratégia de decodificação:
Estratégia de decodificação:
com compreensão.
com compreensão.
Essa estratégia se caracteriza pelo uso da
decodificação com sentido. Os alunos que utilizam
esse tipo de estratégia são considerados leitores
proficientes. Na evolução da compreensão leitora, os
alunos não se limitam apenas ao uso de um tipo de
estratégia. Quanto mais eles evoluem, mais são capazes
de utilizar estratégias sofisticadas. A seguinte situação
de sala de aula realizada com um aluno com deficiência
mental ilustra o uso dessa estratégia.
A professora mostra um livro de literatura infantil e
solicita a leitura do trecho: o rato falou para a pata: o
céu pegou fogo.
Professora: Leia Miguel.
Miguel: Rato. E este nome aqui é o pato. (aponta para
a palavra pata)
Professora: Muito bem, é isso mesmo.
Miguel: Falou com a pata...
Professora: Falou o quê?
Miguel: Falou que o céu pegou fogo!
Professora: Quem disse isso?
Miguel: O rato falou para a pata que o céu pegou
fogo.
Nessa situação, o controle e as ações
desenvolvidas por Miguel de modo autônomo
asseguram a eficiência de várias estratégias de leitura,
que auxiliam no resgate do significado do texto. A
utilização dessas estratégias requer operações cognitivas
superiores, como a síntese e a inferência. Os alunos
com deficiência mental, dependendo de sua evolução
conceitual na leitura, são capazes de fazerem uso de
diferentes estratégias que vão desde aquelas menos
evoluídas até as consideradas mais evoluídas como a
da decodificação com sentido. Essas estratégias não
diferem daquelas apresentadas pelos alunos
considerados normais no decorrer do desenvolvimento
da linguagem escrita. As semelhanças encontradas
entre alunos com e sem deficiência mental, não se
limitam aos processos de leitura, mas também aos de
produção de texto, como veremos a seguir.
4. Produção escrita
4. Produção escrita
Apesar de alguns professores do ensino regular
afirmarem que não estão preparados para receber alunos
com deficiência mental em suas salas de aula, pesquisas
recentes (Moura, 1997; Martins, 1996; Alves, 1987;
Figueiredo Boneti,1995, 1996, 1999a, 1999b; Gomes,
2001) vêm indicando que esses alunos vivenciam
processos cognitivos semelhantes aos das crianças ditas
normais, no que se refere ao aprendizado da leitura e da
escrita. Embora o ritmo de aprendizagem dos alunos
com deficiência se diferencie por requerer um período
mais longo para a aquisição da língua escrita, as
estratégias de ensino para esses alunos podem ser as
mesmas utilizadas com os alunos ditos normais.
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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61
No decorrer do processo de construção da
escrita, as crianças descobrem as propriedades do sistema
alfabético e, a partir da compreensão de como funciona
o signo lingüístico, elas aprendem a ler e escrever.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1986), no decorrer desse
processo a criança passa por diferentes níveis, os quais
apresentaremos a seguir.
Nível 1: Escrever é reproduzir os traços
típicos da escrita que a criança identifica como sendo a
forma básica da escrita; a intenção subjetiva do escritor
conta mais que as diferenças objetivas no resultado;
podem aparecer tentativas de correspondência entre a
escrita e o objeto referido; desenhar pode ser encarado
como uma tentativa de escrever, embora possa identificar
desenho e escrita do adulto ou, ainda, servir como apoio
à escrita para garantir o seu significado; as grafias são
variadas e a quantidade de grafias é constante; a leitura
do escrito é sempre global.
Nível 2: Para poder ler coisas diferentes, deve
haver uma diferença objetiva nas escritas (critérios de
quantidade mínima e variação de caracteres); descobre-
se que duas ordens diferentes dos mesmos elementos
podem dar lugar a duas totalidades diferentes; a
correspondência entre a escrita e o nome ainda é global
(cada grafia vale como uma parte e como um todo);
pode aparecer bloqueio (não posso, pois não sei o
modelo) e utilização de modelos adquiridos para prever
outras escritas; adquirem-se certas formas fixas e
estáveis.
Nível 3: Tentativa de dar um valor sonoro a
cada uma das letras que compõe uma escrita; é superada
a etapa de correspondência global; as exigências de
variedade e quantidade mínima de caracteres pode
desaparecer momentaneamente; para resolver o
problema de falta de quantidade mínima para a grafia
de alguma palavra, um elemento coringa poderá ser
utilizado; a hipótese silábica se caracteriza pela noção
de que cada sílaba corresponde a uma letra. Essa noção
pode acontecer com ou sem valor sonoro. Na escrita de
uma frase, a criança utiliza uma letra para cada
palavra.
Nível 4: Passagem da hipótese silábica para a
alfabética. Esse é um momento de conflito, pois a
criança precisa negar a lógica da hipótese silábica. Nesse
momento o valor sonoro torna-se imperioso, a criança
começa a acrescentar letras especialmente na primeira
sílaba da palavra, por exemplo, EFANT (elefante). Para
ajudar a criança na passagem para o nível alfabético é
importante o professor organizar atividades que a ajude
a observar a escrita e a refletir sobre a lógica do sistema
alfabético.
Nível 5: Escrita alfabética. Nessa fase a criança
compreende a organização do sistema alfabético.
Quando escreve, demonstra conhecer o valor sonoro
convencional de todas ou grande parte das letras.
Distingue também letra de sílaba, de palavra e de frase.
Pode ocorrer a ausência da segmentação entre as
unidades lingüísticas que formam uma frase.
As crianças com deficiência mental passam
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
62
62
por etapas semelhantes a estas descritas por Ferreiro e
Teberosky. Portanto, alunos com deficiência mental
apresentam hipóteses pré-silábica, silábica, silábica-
alfabética e alfabética. Para avaliar a evolução escrita de
alunos com deficiência mental, o professor pode utilizar
as mais variadas proposições, tais como: escrita livre de
palavras e frases, reescrita de atividades vivenciais,
reescrita de histórias lidas, produção com base em
imagens e escrita de bilhetes, entre muitas outras. Os
registros das crianças expressam o nível de evolução em
que elas se encontram, desde a escrita sem valor
representativo até a escrita alfabética, com valor
representativo.
A escrita sem valor representativo.
A escrita sem valor representativo.
As produções que caracterizam essa etapa
indicam que o aluno não percebe ainda a escrita como
uma forma de representação. Os registros das crianças
se caracterizam por formas circulares sem a utilização
de sinais gráficos convencionais e sem intenção de
representação.
Em nossa intervenção pedagógica com alunos
com deficiência mental, aqueles que se encontravam
nesse nível de representação não conseguiam interpretar
as suas produções, mesmo quando estavam em um
contexto preciso. A dificuldade de atribuir significado à
escrita se manifestava em diferentes atividades nas quais
as crianças eram solicitadas a interagir com o universo
gráfico. Em determinadas situações a criança não
conseguia expressar o que estava desenhando ou que
havia escrito. Ela olhava para o conjunto de linhas retas
ou circulares que havia feito na folha de registro e dizia:
não sei o que é. Mesmo quando se tratava de desenho
ou pintura em papel madeira, algumas crianças
respondiam que não sabiam o que estavam desenhando.
Em algumas situações as crianças não se envolviam com
a tarefa e davam respostas aleatórias sugerindo não
estarem interessadas pela atividade ou simplesmente
não compreenderem a solicitação do professor.
Outro aspecto importante a ser considerado
pelo professor são as dificuldades psicomotoras
apresentadas por algumas crianças, evidenciadas
especialmente na motricidade fina, o que tornava para
elas quase impossível desenhar ou realizar o traçado das
letras. As atividades que envolvem modelagem, recorte
e colagem são igualmente penosas para esses alunos que
normalmente se distanciam desse tipo de tarefa,
manifestando inclusive rejeição pela leitura e pela
escrita. Muitas vezes essas crianças também apresentam
dificuldades de concentração e de atenção. O uso de
letras móveis, fichas com palavras e frases escritas, jogos
pedagógicos e livros de literatura infantil, são
instrumentos que podem auxiliar o professor no seu
trabalho com esses alunos. Para superar as dificuldades
de organização espacial e na coordenação motora fina,
o professor pode fazer uso de recursos variados que
permitam em alguns momentos a criança exercitar
livremente sua expressão gráfica, como o uso do desenho
livre, e em outros escrever em espaços delimitados
1
.
1 Esse espaço pode ser delimitado com canudinhos, palitos de
picolé ou outro material que permita ao professor ajudar seu
aluno na organização de sua escrita. Entretanto, é preciso ter
muito cuidado para não inibir a criança na sua produção
espontânea. A delimitação do espaço só pode ser utilizada
quando o aluno já estiver suficientemente motivado para
produzir textos e familiarizado com a escrita espontânea.
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
63
63
Em nossos estudos os alunos que
apresentam esse tipo de respostas são justamente
aqueles cujo comportamento se caracteriza por
constantes dispersões, agitação e desinteresse por
atividades que implicam em simbolismo, tais
como desenho, pintura e modelagem. Entretanto,
a análise do desempenho desses alunos deve
contemplar não somente os avanços na escrita,
mas também os ganhos na aquisição de atitudes,
tais como: cooperação, participação e interação
no grupo, bem como maior interesse por
atividades relacionadas à leitura e à escrita:
leitura e contação de histórias, registros orais e
escritos, desenho, modelagem e escrita do nome
próprio. À medida que as crianças avançam nas
atitudes que favorecem a aquisição da escrita,
elas começam a produzir registros utilizando-se
de algumas letras, especialmente daquelas
referentes à pauta do próprio nome.
Um avanço importante na aprendizagem
da criança é quando ela demonstra gosto por
jogos pedagógicos, especialmente aqueles de
cartões com palavras, os quais mobilizam o
aluno para a interação no grupo, bem como para
a atenção à escrita das palavras. Dessa forma, o
professor que explora esse tipo de atividade está
favorecendo a passagem do aluno para um nível
mais avançado.
Escrita com valor representativo.
Escrita com valor representativo.
A consciência de que para ler coisas
diferentes deve haver uma diferença objetiva nas
escritas, conforme Ferreiro e Teberosky (1986)
identificaram em sujeitos normais, também aparece
nos alunos com deficiência mental. O texto, a
seguir, ilustra a produção de uma criança com
deficiência mental no nível pré-silábico da escrita.
A professora leu a história Aladim e a lâmpada
maravilhosa e solicitou que os alunos escrevessem o
que haviam compreendido da história.
Texto produzido: Texto lido:
AOUUARDO
Era uma vez um
Aladim.
AOAARDOAOO
estava no mar com um
pano na boca
A MARDOMA e ele estava preso
AVAVAD
aí ele pegou a lâmpada
e fugiu
Na produção da história de Aladim, o
aluno usa repertório limitado de letras tendo como
referência a pauta das letras que compõem o seu
nome (Eduardo). Essa escrita demonstra a
preocupação com a variedade dos caracteres,
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
64
64
especialmente em relação à ordem e seqüência das
letras. Apesar desse registro ainda se caracterizar
como uma escrita do nível pré-silábico, a
representação que o aluno tem da escrita,
evidenciada pela leitura que ele faz de seu registro,
indica uma progressão de idéias e uma estrutura
textual característica da escrita alfabética. Registros
semelhantes a esses são produzidos por crianças
sem deficiência.
O avanço conceitual da criança na escrita
se dá de forma gradual. É comum a criança produzir
registros de um nível precedente aquele no qual já
é capaz de representar a escrita. No início do
processo de aquisição da escrita, alguns alunos que
já são capazes de produzir escritas com orientações
silábicas, podem apresentar também produções
com características da escrita pré-silábica. Por
exemplo, em uma classe de alfabetização, uma
aluna com deficiência mental foi solicitada a
reproduzir a parte que mais gostou de uma história
lida pela professora. Essa aluna escreveu o seguinte
texto: SANRGATE. Quando a professora solicitou
que ela interpretasse a sua produção, ela leu fazendo
correspondência entre as unidades das palavras e a
seqüência das letras escritas: Ela (SA) comeu (NRG)
bastante (ATE). Na pauta escrita pela criança não
há evidência da relação fonema-grafema, assim
como não há segmentação das palavras. Entretanto,
sua interpretação de escrita indica uma orientação
silábica.
No nível silábico, o aluno demonstra
ter adquirido a compreensão de que a escrita
constitui um meio de representação da fala e de
registro de eventos, embora ainda não
compreenda os mecanismos de funcionamento
desse sistema de representação - em nosso caso,
a escrita alfabética. O início da representação da
escrita com base silábica pode ser identificado
nos registros dos alunos, quando eles começam
a utilizar as letras do próprio nome para concluir
suas produções. A escrita de um aluno com
deficiência mental (Eduardo) ilustra esse tipo de
comportamento. Ele escreve as palavras cachorro
(CUURDO), vaca (AUARDO), borboleta
(AVDURDO). Na leitura dessas palavras ele leu
uma sílaba para cada letra escrita, apontando a
seqüência RDO como sendo um final mudo.
Seu comportamento evidencia a escrita silábica,
com um caractere para cada sílaba (na palavra
vaca ele acrescenta a letra A para fazer a
adequação sonora da última sílaba) e ainda a
utilização do RDO como elemento coringa da
escrita. Esse elemento coringa é geralmente
utilizado quando a criança entra no conflito
entre a hipótese silábica e o critério de quantidade
mínima de caracteres. Para resolver esse conflito,
a criança introduz uma ou mais letras. No caso
da palavra VACA, Eduardo utiliza dois elementos
coringas: a letra A e a terminação RDO que
corresponde à terminação de seu nome,
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
65
65
compondo a pauta: AUARDO. Na medida em
que a criança avança conceitualmente, o
elemento coringa desaparece dos seus registros.
Para que essa evolução ocorra, o professor deve
mediar a escrita dos seus alunos com ênfase nas
unidades sonoras das palavras. Para que a
produção se aproxime da escrita convencional,
é necessário também fazer associações
fonéticas.
O primeiro indício de progresso para o
nível silábico ocorre com o surgimento da
segmentação de palavras. Uma aluna com
deficiência mental, ao ser solicitada a escrever
algumas palavras e frases, na ausência de um
modelo de escrita convencional, ela escreveu:
LONUBRATA, ARUANUATA para representar
a expressão: O leite é bom e a tia Socorro é boa.
Embora a aluna não estabeleça a relação entre a
pauta sonora e a pauta escrita, o uso da
segmentação sinaliza indícios de avanço para a
hipótese silábica. Para promover a evolução
escrita de alunos que apresentem esse tipo de
produção, o professor deve propor atividades
que suscitem a composição de palavras e frases
com base em letras móveis, indicando a
necessidade da segmentação.
Os alunos com deficiência mental são
capazes de produzirem textos próprios do nível
alfabético, apesar de seus registros evidenciarem
fragilidades em selecionar, controlar e organizar
suas idéias com coerência. Nessas produções, a
qualidade dos textos está relacionada com o gênero
textual. Na reescrita de textos narrativos muitos
alunos expressam dificuldades na recomposição
do sentido global dos eventos narrativos, enquanto
que nas produções de textos com uso de imagens
e na escrita de bilhetes, eles demonstram maior
facilidade. Provavelmente as dificuldades se
acentuam na reescrita de textos narrativos porque
esses textos apresentam um grau elevado de
complexidade e, conseqüentemente, devem exigir
maior elaboração em termos de funcionamento
cognitivo. Para auxiliar o aluno na superação
dessa dificuldade, o professor pode orientá-lo na
utilização de algumas estratégias, tais como a
mobilização de conhecimentos anteriores, a
organização temporal dos fatos presentes no texto
lido, o reconto oral com a finalidade de elencar os
eventos principais da história.
O texto, a seguir, exemplifica uma
produção alfabética de um aluno com síndrome
de Down.
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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66
Texto 1
Capítulo II - A emergência da leitura e da escrita em alunos com deficiência mental
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67
Na reescrita do conto Rapunzel
(texto 1), o aluno acrescentou palavras que
não pertenciam ao texto lido. Esse
procedimento não comprometeu a
progressão de suas idéias. Ele demonstrou
capacidade de articular fatos que se
assemelham, fazendo uso de sua experiência
cotidiana. O texto desse aluno é
compreensível, apesar da ocorrência de erros
ortográficos e da ausência de pontuação.
Esse mesmo tipo de erro foi identificado nas
produções de alunos sem deficiência, colegas
de turma do aluno em questão.
O bilhete apresentado ao lado (texto
2), produzido por outra aluna com síndrome
de Down, exemplifica uma escrita espontânea
própria do nível alfabético.
A produção sugere que a aluna ainda
está aprendendo a organizar a estrutura de um
bilhete. Ela inicialmente indica o destinatário
(Bia), em seguida escreve o próprio nome
(Alice) e posteriormente retoma a utilização
do destinatário de forma adequada. Para que
ela estruture de forma adequada esse gênero
textual se faz necessário vivenciar experiências
escolares e sociais que possibilitem o acesso
a esse tipo de texto. Assim, o professor
deve proporcionar o trabalho com variados
gêneros textuais para que os alunos possam
se apropriar da estrutura e das características
específicas de cada um deles.
Texto 2
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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A mediação do adulto e a interação que os
alunos com deficiência mental estabelecem com o universo
da escrita, influenciam significativamente na evolução
conceitual dos mesmos no que se refere à linguagem escrita.
Normalmente, os alunos que interagem satisfatoriamente
com seus professores, com seus pares, e também com o
objeto de conhecimento, apresentam melhores resultados se
comparados àqueles que tem dificuldades nas suas formas
de interação. Parece que a relação com o conhecimento
está ligada à forma de relação com o outro.
Para saber mais...
Para saber mais...
ALVES, José Moysés. Estudo sobre a relação entre a
extensão falada/escrita de palavras, por crianças portadoras
de síndrome de Down. São Carlos, 1987. Dissertação
(Mestrado em Educação). Universidade Federal de São
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CELLIS, Glória Inostroza de. Aprender a formar crianças
leitoras e escritoras. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
CURTO, Maruny Lluís, MORILLO, Ministral Maribel,
TEIXIDÓ, Miralles Manuel. Escrever e ler: como as
crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a
escrever e a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
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________________________________. A interpretação
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MARTINS, Nadia Cesar da Silveira. Crianças com
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MOURA, Vera. O Poder do saber: relato e construção de
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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros -
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VYGOTSKY, L.S. A Formação social da mente. Traduzido
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1995.
_______________. VYGOTSKY, L.S. Fundamentos da
Defectologia. Espanha: Editorial Pueblo y Educacion,
1986.
CAP¸TULO III
Capítulo III - Mediações da aprendizagem da língua escrita por alunos com deficiência mental
71
71
1. Introdução
1. Introdução
E
ste trabalho é resultado de uma pesquisa
que teve como objetivo investigar quais
estratégias de leitura são desenvolvidas por
alunos com deficiência mental em atividades de
leitura e escrita e ao tentar compreender as regras de
funcionamento da escrita alfabética.
O estudo, de caráter longitudinal,
fundamenta-se numa abordagem sociohistórica de
educação e desenvolvimento humano. A investigação
foi desenvolvida por intermédio de sessões de
intervenção e avaliação pedagógicas realizadas com
alunos com deficiência mental, visando
proporcionar-lhes experiências que contribuam
para a aquisição da linguagem escrita, assim como
criar condições que possibilitem examinar seus
processos de aquisição dessa linguagem,
especialmente no que se refere ao desenvolvimento
de estratégias de leitura e produção escrita.
Os procedimentos da pesquisa constaram de:
1) Avaliação inicial da evolução dos
sujeitos em relação à linguagem escrita
e suas estratégias de leitura.
2) Sessões semanais de intervenção
pedagógica com duração de
aproximadamente duas horas e meia.
3) Avaliação final dos progressos obtidos
por cada sujeito ao longo do período
de intervenção pedagógica.
O estudo foi desenvolvido com 10 alunos
com idade entre 12 a 20 anos, 2 dos alunos pertencem
a uma família de classe média, enquanto os outros
8 pertencem a famílias de meio socioeconômico
desfavorecido, 3 dos quais residem em uma
Dorivaldo Alves Salustiano
Rita Vieira de Figueiredo
Anna Costa Fernandes
Dori
v
aldo Alves Sal
u
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R
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V
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Mediações da aprendizagem da língua escrita por
Mediações da aprendizagem da língua escrita por
alunos com deficiência mental*
alunos com deficiência mental*
* Publicado no livro Linguagem e Educação da Criança.
Organizado por Silvia Helena Vieira Cruz e Mônica
Petralanda de Holanda, editora da UFC, 2004
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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instituição filantrópica para crianças abandonadas.
Quanto ao desenvolvimento da linguagem escrita,
4 (Miguel, Alice, Lya e Elizabeth) atingiram o nível
alfabético e os demais se encontram nos níveis pré-
silábico (Tomás, Pedro Paulo, Sâmio e Joyce) e
silábico (Ricardo e Eduardo) de aquisição da escrita.
Desses alunos, 4 (Elizabeth, Joyce, Sâmio e Pedro
Paulo) estudam na APAE (Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais), 1 (Lya) estuda em uma
escola de educação especial, 1 (Alice) cursa a 2
º série
de escola particular de classe média, e os demais
(Eduardo, Ricardo, Miguel e Tomás) estudam em
salas especiais de escolas públicas estaduais.
Nesse texto, analisamos um episódio de
mediação pedagógica extraído da transcrição de uma
sessão de avaliação registrada em fita de vídeo, na
qual pode-se observar o papel do mediador ao ajudar
um sujeito a se engajar em tarefas de leitura e/ou
escrita. Assim, nosso principal foco de análise são as
interações/diálogos entre o Mediador (professor),
Sujeito Cognoscente (aluno) e Objeto de
Conhecimento (a linguagem escrita), realizados no
contexto de atividades de leitura e produção escrita
desenvolvidas em sessões de intervenção e avaliação
pedagógicas. Não temos a pretensão de demonstrar o
desenvolvimento psicogenético de um conceito ou
habilidade em particular. Nosso propósito é
evidenciar/exemplificar como os alunos que
participaram deste estudo se beneficiam da mediação
pedagógica ao tentar compreender a língua escrita.
Antes de passarmos à análise do episódio a
que nos referimos, consideramos necessária uma
breve apresentação das noções de mediação que
orientam nosso trabalho – tarefa a que nos dedicamos
na primeira sessão. Em seguida, na segunda sessão,
apresentamos e analisamos um evento extraído de
sessões de mediação e avaliação pedagógicas dos
sujeitos. Outras considerações sobre as múltiplas
mediações que fazem parte da aprendizagem dos
sujeitos do estudo serão apresentadas na terceira
seção do texto e nas considerações finais.
2. Conceituando mediação
2. Conceituando mediação
A partir da década de 80, com a crescente
popularização dos estudos sociohistóricos, observamos,
com uma freqüência cada vez maior, tanto no espaço
escolar quanto em publicações educacionais, o emprego
da expressão mediação pedagógica e do termo mediador
como sinônimos de ensino e professor, respectivamente.
A despeito da constância de sua utilização e da infinidade
de contextos teóricos e práticos em que essas expressões
são empregadas, a natureza e as características dos
processos de mediação do ensino-aprendizagem são
ainda pouco conhecidas. Esse conhecimento, entretanto,
é indispensável à tarefa de instrumentalizar as análises
teóricas e o trabalho pedagógico.
Capítulo III - Mediações da aprendizagem da língua escrita por alunos com deficiência mental
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73
Afinal, o que é mediação?
1
Vejamos o que dizem os dicionários.
No Novo Dicionário Aurélio,
encontramos sete acepções para o termo mediação.
Destacamos as que definem mediação como 1. Ato
ou efeito de mediar; 2. Intervenção, intercessão,
intermédiz (Ferreira, 1986, p. 1.109). O Dicionário
de Filosofia de Abbagnano define mediação como
a função que relaciona dois termos ou dois objetos
em geral (1982, p. 627). De acordo com o Dicionário
de Psicologia de E. Dorin, mediação é: 1 - O meio
utilizado pelo indivíduo (ser humano ou animal)
para vencer obstáculos e atingir um objetivo (...); 2
- Processo geralmente verbal que serve como elo,
como ligação entre estímulos e respostas (Dorin,
1978, p. 173).
A natureza mediada das atividades humanas
é esclarecida por Vygotsky (1991), ao analisar a
estrutura das operações com signos. Ele apresenta a
mediação semiótica como a característica que
distingue os comportamentos elementares das
funções psicológicas superiores argumentando que:
Toda forma elementar de comportamento
pressupõe uma relação direta à situação-
problema defrontada pelo organismo (o
1 Uma análise mais ampla da noção de mediação pode ser
encontrada em nosso trabalho anterior (Rocha e Salustiano,
1999), do qual foi extraído e adaptado o próximo parágrafo desta
sessão, e ao qual remetemos o leitor interessado neste tema.
que pode ser representado pela fórmula
simples S Æ R). Por outro lado, a estrutura
das operações com signo requer um elo
intermediário entre o estímulo e a resposta.
(...) O termo 'colocado' indica que o
indivíduo deve estar ativamente engajado
neste elo de ligação (pp. 44-45).
Oliveira (1993, p. 26) define mediação
como o processo de intervenção de um elemento
intermediário numa relação. De forma semelhante,
Pino (1991), afirma que mediação é toda intervenção
de um terceiro ÂelementoÊ que possibilita a interação
dos ÂtermosÊ de uma relação (p. 33).
Em todas essas definições, a mediação é
compreendida e explicada como um esquema
triádico cuja representação – tomando-se como
modelo a fórmula da atividade direta proposta por
Vygotsky – seria: S
Æ X Æ R. Neste caso, um
elemento intermediário (X) constitui o elo mediador
da relação entre um estímulo (S) e uma resposta (R).
Assim, segundo Góes (1997, p. 11), a abordagem
histórico cultural em psicologia (...) requer que se
conceba o conhecer como processo que se realiza
na relação entre Sujeito Cognoscente, Sujeito
Mediador e Objeto de Conhecimento, esquema por
ela denominado modelo SSO.
Quando empregado para a análise de
relações de ensino-aprendizagem fundamentadas na
psicologia sociohistórica, esse esquema relaciona um
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
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sujeito da aprendizagem (o aluno, o aprendiz), o
objeto do conhecimento (os conteúdos específicos) e
um sujeito ou instrumento mediador (cujas funções
podem ser desempenhadas por um professor, por
alguém que desempenhe um papel equivalente ou,
ainda, por uma ferramenta cultural).
A clareza da análise de qualquer evento de
mediação implica, portanto, em especificar ou
definir o papel de cada um dos elementos que
compõem esta tríade.
3. Análise de um evento de
3. Análise de um evento de
mediação
mediação
A seguir apresentamos um episódio de
mediação ocorrido numa sessão de avaliação pedagógica
realizada com Elizabeth, em 24/05/2001, quando ela
tinha 13 anos e sua escrita encontrava-se no nível
silábico-alfabético. A tarefa de avaliação consistia em
mostrar-lhe uma série de cartões, alguns contendo uma
figura e uma palavra, e outros, uma cena com uma frase
que a descreve. O objetivo da avaliação era identificar
como Elizabeth concebia a relação entre o texto e o
contexto e quais estratégias de leitura ela empregava
para interpretar a escrita. Era importante observar se as
estratégias que ela utilizava tinham como suporte os
recursos textuais presentes no material, tais como a
grafia do nome das gravuras, a descrição de ações de
personagens e do contexto representado.
3.1. O episódio
3.1. O episódio
1. Pesquisadora - O que está escrito aqui?
(FIGURA: um menino soltando pipa.
TEXTO: Juca solta pipa)
2. Elizabeth Ju-ca sol-da pipa (lendo)
3. Pesquisadora Juca...
4. Elizabeth – .. So-da pipa. (lendo)
5. Pesquisadora Juca soda pipa?
6. Elizabeth É.
7. Pesquisadora E o que quer dizer isso?
8. Elizabeth (Pensa e observa o cartão)
9. Pesquisadora O que significa? Juca soda
pipa?
10. Elizabeth Acho que é, né?
11. Pesquisadora Onde está a palavra Juca?
12. Elizabeth (Indica corretamente)
13. Pesquisadora Esta palavra aqui (solta), é o
que?
14. Elizabeth Cho-ta pipa. (lendo)
15. Pesquisadora É qual?
16. Elizabeth Não sei.
17. Pesquisadora Diz de novo porque eu não
escutei direito.
18. Elizabeth Chol-ta. (lendo)
Capítulo III - Mediações da aprendizagem da língua escrita por alunos com deficiência mental
75
75
19. Pesquisadora E o que quer dizer isto,
Elizabeth? O que o menino está fazendo?
(indicando o desenho) Quem é este menino?
(Juca)
20. Elizabeth Juca.
21. Pesquisadora E o que ele está fazendo?
22. Elizabeth Ta... eu não sei.
23. Pesquisadora – Não? Tu nunca brincastes
com isto? (mostra o desenho da pipa) E
não viu ninguém brincando?
24. Elizabeth Não.
25. Pesquisadora Como é o nome disto?
26. Elizabeth É uma pipa.
27. Pesquisadora E o que o Juca está fazendo?
28. Elizabeth Ta... tá... (parece procurar
lembrar a palavra adequada para essa
ação)
29. Pesquisadora Como é o nome que a gente
chama?
30. Elizabeth (Pensa)
31. Pesquisadora O que ele está fazendo? Tu
sabes?
32. Elizabeth Eu acho que ele está botando a
pipa pra voar, não é?
33. Pesquisadora Exatamente! Mas tu sabes
como é que a gente chama isso?
34. Elizabeth Sei não.
35. Pesquisadora Então leia só mais uma vez
aqui, tá certo? A última vez.
36. Elizabeth Juca sol-ta pipa. (lendo)
37. Pesquisadora Então o que ele está
fazendo?
38. Elizabeth Soltando a pipa.
39. Pesquisadora Ah, muito bem! Então, Juca
solta pipa, não é?
40. Elizabeth É.
41. Pesquisadora Onde está a palavra solta.
42. Elizabeth (Indica corretamente)
43. Pesquisadora E a palavra Pipa?
44. Elizabeth (Indica corretamente)
45. Pesquisadora Muito bem, muito obrigada!
46. Elizabeth - De nada.
3.2 Análise do episódio
3.2 Análise do episódio
Na tentativa de efetuar a leitura, percebe-se,
primeiramente, que Elizabeth se baseia na análise da
relação fonema-grafema, embora tenha lido a palavra
“SOLTA” como: “SOL-DA”, (turno 2), “SO-DA”
(turno 4), “CHO-TA” (turno 14) e “CHOL-TA”
(turno 18). Essas tentativas indicam que a
decodificação parece ser a única estratégia empregada
por Elizabeth para ler o texto e a gravura que o
ilustra. Ao perguntar: “JUCA SODA PIPA?” (turno
Atendimento Educacional Especializado para Alunos com Deficiência Mental
76
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5), a pesquisadora reproduz para Elizabeth o resultado
da sua leitura e demonstra, através do tom
interrogativo, que esta não corresponde à leitura
convencional. Enquanto permanece centrada na
decodificação, Elizabeth parece não perceber seu
erro, como indicam os turnos 6, 10, 14 e 18.
Considerando a permanência deste raciocínio,
a mediadora adota outra estratégia de mediação: em vez
de enfatizar apenas a decodificação (turno 3, 13, 15 e
17) ou a leitura do contexto (19, 21, 27), passa a fazer
apelo às experiências (23) e aos conhecimentos prévios
da aluna (turno 25, 29, 31, 33), alternadamente.
É interessante observar que nos turnos 35,
41 e 43 a mediadora volta a solicitar o mesmo recurso
da decodificação que Elizabeth já havia empregado
no início do evento. Entretanto, o resultado, agora,
(turnos 36, 42, 44) é diverso dos anteriores. Esse
resultado pode ser explicado pelo fato de a mediadora
ter introduzido na mediação o apelo ao contexto, às
experiências e conhecimentos prévios da aluna,
enquanto nos procedimentos anteriores focalizava
apenas a decodificação.
Segundo Paour (1991), os sujeitos com
deficiência mental manifestam grande dificuldade na
mobilização de conhecimentos prévios na resolução de
situações-problema. Entretanto, essa dificuldade pode
ser sensivelmente minimizada por meio de
procedimentos de mediação orientados em função da
demanda da atividade e das potencialidades do sujeito,
como o exemplifica o episódio que acabamos de
analisar.
A importância desse tipo de mediação também
pode ser avaliada com base na análise dos progressos
obtidos por Elizabeth ao longo do tempo em que
participou deste estudo, alguns dos quais comentamos
brevemente, apenas a título de exemplo.
De agosto de 1999 a maio de 2002, período
em que fez parte da pesquisa, Elizabeth obteve grandes
progressos na compreensão da língua escrita. Quando
iniciou sua participação na pesquisa, ela já havia
adquirido a compreensão de que a escrita constitui um
meio de representação da fala e de registro de eventos,
embora ainda não compreendesse os mecanismos de
funcionamento da escrita alfabética.
A evolução de Elizabeth na leitura indica
uma progressiva utilização de estratégias de leitura
que foram sendo empregadas de forma cada vez mais
complexa. No início do estudo, ela realizava apenas
uma leitura global de palavras identificadas em
rótulos e logomarcas, passando, aos poucos, a utilizar
estratégias de associação e identificação de letras,
desenvolvendo, por fim, habilidades de decodificação
e compreensão de pequenos textos.
Embora seus progressos na apropriação da
escrita não possam ser creditados exclusivamente à sua
participação nas sessões de intervenção pedagógica
promovidas pela pesquisa, supomos que a mediação
pedagógica e a predisposição de Elizabeth para participar
das atividades se destacam como os fatores que mais
contribuíram com os avanços de sua aprendizagem. De
acordo com os relatos dos diários de intervenção, apesar
de ter demonstrado dificuldades e ansiedade em algumas
Capítulo III - Mediações da aprendizagem da língua escrita por alunos com deficiência mental
77
77
situações, ela mostrou-se interessada e cooperativa na
realização da maioria das tarefas que lhe foram
propostas.
É importante ressaltar que, além da mediação
pedagógica a que teve acesso na pesquisa, ela contou
ainda com a mediação em leitura realizada em casa por
sua irmã mais velha, a qual tem exercido uma grande
influência na sua aprendizagem da linguagem escrita.
Analisando a internalização de estratégias de
mediação Vygotsky argumentou que, no processo de
desenvolvimento, as crianças começam a usar as mesmas
formas de comportamento em relação a si mesmas que
os outros inicialmente usaram com elas (Vygotsky apud
Smolka, 1991, pp. 54-55), o que significa que as crianças
não apenas se apropriam dos conhecimentos envolvidos
na resolução de tarefas, como também internalizam as
estratégias empregadas pelo mediador, de acordo com
cada situação-problema.
Embora esse comportamento não esteja
presente no exemplo analisado, observamos sua
ocorrência em outras situações de mediação em diversos
sujeitos da nossa pesquisa. Mostrar como os alunos
com deficiência mental internalizam, de modo crescente,
as estratégias pedagógicas empregadas por um mediador
em atividades de leitura e escrita constitui uma
importante contribuição para os educadores que lidam
com esses alunos.
4. Ampliando as Concepções de
4. Ampliando as Concepções de
Mediação para além do
Mediação para além do
„Modelo SSO‰
„Modelo SSO‰
Na sessão anterior, tomando por base o
modelo SSO, analisamos o papel de um mediador
(no caso, uma pesquisadora) ao ajudar um sujeito
com deficiência mental na realização de uma tarefa
de leitura. Segundo este modelo, a mediação pode
ser analisada com base em um esquema triádico que
expressa as interações entre os elementos mediados
e mediadores de uma relação. A clareza dessa análise,
no entanto, depende da especificação das funções
dos elementos que compõem essa tríade,
esclarecendo, assim, quais são as instâncias mediadas,
qual o elemento mediador e em função de quais
objetivos se dá a mediação. Dessa forma, é possível
examinar detalhadamente as relações entre o sujeito
da aprendizagem, o objeto de conhecimento e o
mediador (indivíduo ou instrumento cultural)
implicados em um evento específico de ensino-
aprendizagem.
Entretanto, não podemos compreender o
crescimento pessoal e intelectual dos sujeitos desta
pesquisa, assim como dos demais seres humanos,
apenas com base na análise de seus processos
cognitivos ou nas suas relações de ensino-
aprendizagem. Como sujeitos sociais, eles se
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beneficiam (ou não) das inúmeras mediações que
caracterizam as relações sociais e interpessoais que
se estabelecem no espaço escolar, as quais são
marcadas também pelos conflitos e contradições da
vida em sociedade. Diversos autores (Góes, 1997;
Rocha e Salustiano, 1999; Figueiredo, 2002; Wertsc,
1998) têm chamado a atenção para a importância
das múltiplas formas de mediação presentes nos
espaço escolar e nas relações de ensino-
aprendizagem.
De acordo com Góes (1997), o emprego
do modelo SSO por pesquisadores que fundamentam
seus estudos na abordagem sociohistórica resulta
numa tendência para analisar eventos de mediação
característicos de situações de ensino-aprendizagem
escolar como situações pacíficas, cooperativas e
dialógicas, nas quais os interesses e as perspectivas
de professores e alunos convergem para a construção
do conhecimento. Segundo essa autora, esse modelo
de análise é restritivo porque deixa de considerar as
diferenças de perspectiva e os possíveis conflitos
presentes no contexto educacional.
Rocha e Salustiano (1999), argumentaram
que as restrições oferecidas pelo modelo SSO,
apontadas por Góes (1997), poderiam ser reduzidas
se considerássemos que os processos de construção
de conhecimento implicam múltiplas mediações e
não apenas aquelas orientadas por objetivos
cognitivos ou pedagógicos. Assim, a análise de um
evento de mediação não deve se restringir apenas
aos aspectos cognitivos do modelo SSO, mas
considerar que em situações reais de ensino-
aprendizagem ou nas interações interpessoais é
possível haver uma variedade de combinações dos
elementos mediados e mediadores, resultando em
diferentes unidades triádicas, cada uma de caráter
diverso, determinado pela natureza das interações
focalizadas. Nesse sentido, a análise das mediações
– necessariamente no plural – não deve recair,
exclusivamente, sobre aspectos lingüísticos,
cognitivos, políticos ou pedagógicos das situações
de ensino-aprendizagem.
Figueiredo (2002) chamou a atenção para
o papel da escola como mediadora da construção
de relações afetivas, sociais e cognitivas, ressaltando
que a convivência entre os alunos com deficiência
mental e aqueles ditos normais resulta em benefícios
mútuos do ponto de vista do desenvolvimento
afetivo e social. A escola se constitui, assim, um
espaço de convivência e de enfrentamento do
múltiplo e do diverso, no qual, pela via de variadas
formas de mediação, ocorre a aquisição de
instrumentos culturais legados de gerações anteriores
(2002, p. 70).
Estudando o papel do professor enquanto
mediador das relações interpessoais entre alunos
ditos normais e com deficiências em salas de aula
regulares da rede particular de ensino de Fortaleza,
Capítulo III - Mediações da aprendizagem da língua escrita por alunos com deficiência mental
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Araújo e Figueiredo (2001) observaram que o
professor tanto pode facilitar quanto dificultar o
estabelecimento de relações favoráveis à criação de
um ambiente de respeito mútuo e interação social
entre os alunos de sua sala de aula. Segundo
Figueiredo (2002, p. 72) os professores
identificados como representantes
legítimos do mundo adulto, e de quem a
aprovação social importa muito para as
crianças, têm um papel fundamental na
constituição do grupo-classe, podendo
influir para neste fundar relações de
cooperação, respeito e solidariedade. No
entanto, o inverso também é verdadeiro,
como no caso em que o próprio professor
camufla sob um falso discurso integrador
a rejeição ou o descrédito pelas
possibilidades de integração do grupo.
Outros estudos evidenciaram, também,
que as concepções dos professores acerca dos sujeitos
com deficiência mental e de seus processos de
aprendizagem funcionam como importantes
mediadores das relações pedagógicas entre
professores e alunos. Figueiredo (2001) e Lustosa
(2002) observaram que professores de alunos com e
sem deficiência mental em salas de primeira série
do ensino regular avaliaram diferentemente as
dificuldades e possibilidades de sucesso (suas e de
seus alunos) conforme estivessem orientados pelo
preceito da realidade ou pelo princípio do
preconceito. Quando guiado pelo preceito da
realidade, o professor orientava suas ações com base
nas reais dificuldades e possibilidades que enxergava
na sala de aula. Quando se orientava pelo (princípio
do) preconceito, suas ações eram:
pautadas em concepções e em idéias
preconcebidas sobre as possibilidades de
aprendizagem e de desenvolvimento das
pessoas com deficiência. Antes mesmo de
tentar estabelecer uma mediação com esse
aluno, e de tentar favorecer o
estabelecimento de vínculos dele com o
grupo de classe, o professor alega
dificuldades, não investe nessa possibilidade
(...) (Figueiredo, 2002, p. 76).
Estes estudos nos ajudam a compreender a
importância de considerar a natureza multifacetada
das medições implicadas nas relações de ensino-
aprendizagem no contexto escolar, tendo em vista
que ela pode afetar positiva ou negativamente o
desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos
sujeitos envolvidos em tais relações.
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5. Considerações Finais
5. Considerações Finais
Com base na discussão desenvolvida neste
trabalho e nos dados da pesquisa por nós desenvolvida,
destacamos as seguintes considerações finais:
Os resultados da pesquisa indicam que
alunos com deficiência mental são
capazes de se apropriar, através da
mediação pedagógica, não somente dos
conhecimentos relativos à aprendizagem
da língua escrita, mas também das
estratégias utilizadas pelo mediador.
A mediação pedagógica é mais
significativa e eficiente quando resulta
na combinação de estratégias variadas,
orientadas em função das dificuldades
e potencialidades dos sujeitos e da
situação-problema.
É importante considerar a mediação
como um fenômeno multifacetado,
visto que nela estão implicados diversos
aspectos do desenvolvimento e não
apenas os processos cognitivos.
É importante considerar, também, as
concepções do mediador como um
fator de grande relevância no
estabelecimento das relações na tríade
sujeito mediador, objeto de
conhecimento e sujeito da
aprendizagem.
Os dados e argumentos apresentados neste
trabalho parecem-nos particularmente relevantes
porque indicam que a compreensão do papel das
múltiplas formas de mediação pode, efetivamente,
contribuir com a melhoria do trabalho pedagógico
realizado pelas escolas e demais instituições que
fazem atendimento aos alunos com deficiência
mental. Essa compreensão se opõe àquela que supõe
que, dadas as características genéticas, psicológicas e
comportamentais de tais alunos, eles não são capazes
de se beneficiar da educação formal.
Capítulo III - Mediações da aprendizagem da língua escrita por alunos com deficiência mental
81
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Para saber mais...
Para saber mais...
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