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Ministério da Educação
Secretaria de Educação Especial
A Construção de Práticas Educacionais para
Alunos com Altas Habilidades / Superdotação
Volume 1: Orientação a Professores
Organização: Denise de Souza Fleith
Brasília, DF
2007
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Livros Grátis
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Secretaria de Educação Especial
Claudia Pereira Dutra
Departamento de Políticas de
Educação Especial
Cláudia Maffini Griboski
Coordenação Geral de Desenvolvimento
da Educação Especial
Kátia Aparecida Marangon Barbosa
Organização
Denise de Souza Fleith
Revisão Técnica
Renata Rodrigues Maia-Pinto
Tiragem
5 mil exemplares
Projeto Gráfico
Michelle Virgolim
Ilustrações
Isis Marques
Lucas B. Souza
Fotos
Vini Goulart
João Campello
Banco de imagens:
Stock Xchng
Capa
Rubens Fontes
FICHA TÉCNICA
FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Interncaionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fleith, Denise de Souza (org)
A construção de práticas educacionais para alunos com
altas habilidades/superdotação: volume 1: orientação
a professores / organização: Denise de Souza Fleith. -
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Especial, 2007.
80 p.: il. color.
ISBN 978-85-60331-14-7
1. Superdotação. 2. Identificação de talentos. 3.
Educação dos superdotados. 4. Atendimento especializado.
5. Aluno superdotado. I. Fleith, Denise de Souza. II. Brasil.
Secretaria de Educação Especial.
CDU 376.54
APRESENTAÇÃO
A proposta de atendimento educacional especializado para os alunos com altas habilidades/superdotação
tem fundamento nos princípios fi losófi cos que embasam a educação inclusiva e como objetivo formar
professores e profi ssionais da educação para a identifi cação dos alunos com altas habilidades/superdotação,
oportunizando a construção do processo de aprendizagem e ampliando o atendimento, com vistas ao pleno
desenvolvimento das potencialidades desses alunos.
Para subsidiar as ações voltadas para essa área e contribuir para a implantação, a Secretaria de Educação
Especial do Ministério da Educação – SEESP, convidou especialistas para elaborar esse conjunto de quatro
volumes de livros didático-pedagógicos contendo informações que auxiliam as práticas de atendimento ao
aluno com altas habilidades/superdotação, orientações para o professor e à família. São idéias e procedimentos
que serão construídos de acordo com a realidade de cada Estado contribuindo efetivamente para a organização
do sistema educacional, no sentido de atender às necessidades e interesses de todos os alunos, garantindo que
tenham acesso a espaços destinados ao atendimento e desenvolvimento de sua aprendizagem.
A atuação do MEC/SEESP na implantação da política de educação especial tem se baseado na
identifi cação de oportunidades, no estímulo às iniciativas, na geração de alternativas e no apoio aos sistemas de
ensino que encaminham para o melhor atendimento educacional do aluno com altas habilidades/superdotação.
Nesse sentido, a Secretaria de Educação Especial, implantou, em parceria com as Secretarias de Educação, em
todas as Unidades da Federação, os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação – NAAH/S.
Com essa ação, disponibiliza recursos didáticos e pedagógicos e promove a formação de professores para
atender os desafi os acadêmicos, sócio-emocionais dos alunos com altas habilidades/superdotação.
Estes Núcleos são organizados para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos,
oportunizando o aprendizado específi co e estimulando suas potencialidades criativas e seu senso crítico,
com espaço para apoio pedagógico aos professores e orientação às famílias de alunos com altas habilidades/
superdotação.
Os professores formados com o auxílio desse material poderão promover o atendimento e o
desenvolvimento dos alunos com altas habilidades/superdotação das escolas públicas de educação básica e
disseminando conhecimentos sobre o tema nos sistemas educacionais, comunidades escolares e famílias nos
Estados e no Distrito Federal.
Claudia Pereira Dutra
Secretária de Educação Especial
SUMÁRIO
Introdução 9
Capítulo 1: Indivíduos com Altas Habilidades/Superdotação: Clarificando
Conceitos, Desfazendo Idéias Errôneas 13
Eunice M. L. Soriano de Alencar
Capítulo 2: Educação do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação: Legislação e
Políticas Educacionais para a Inclusão 25
Cristina Maria Carvalho Delou
Capítulo 3: Características Intelectuais, Emocionais e Sociais do Aluno com
Altas Habilidades/Superdotação 41
Vanessa Terezinha Alves Tentes de Ourofino / Tânia Gonzaga Guimarães
Capítulo 4: Estratégias de Identificação do Aluno com Altas Habilidades/
Superdotação 53
Tânia Gonzaga Guimarães / Vanessa Terezinha Alves Tentes de Ourofino
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Altas Habilidades/
Superdotação 67
Maria Lúcia Sabatella
Christina M. B. Cupertino
9
9
Volume 01: Orientação a Professores
Observa-se, no cenário nacional e inter-
nacional, uma maior conscientização da neces-
sidade de se investir em programas para alunos
com potencial elevado, bem como disseminar
informações relevantes a respeito de altas habi-
lidades/superdotação e das condições que favo-
recem o seu reconhecimento, desenvolvimento e
expressão, com vistas a desmistificar noções fal-
sas acerca deste fenômeno. Para isso, é essen-
cial o investimento na formação de professo-
res; o reconhecimento de que as necessidades
do superdotado, a serem levadas em conta nas
propostas educacionais, passam pelas áreas cog-
nitiva, acadêmica, afetiva e social; o estabeleci-
mento de uma parceria produtiva entre família e
escola; e a oferta de uma variedade de modali-
dades de atendimento a este aluno (Alencar &
Fleith, 2006).
Neste sentido, em 2005, a Secretaria de
Educação Especial do Ministério da Educação
implantou os Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação em todos os esta-
dos brasileiros (Brasil, 2005a). Os objetivos
destes núcleos são: (a) contribuir para a for-
mação de professores e outros profissionais
na área de altas habilidades/superdotação,
especialmente no que diz respeito a planeja-
mento de ações, estratégias de ensino, méto-
dos de pesquisa e recursos necessários para
o atendimento de alunos com superdota-
dos; (b) oferecer, ao aluno com altas habilida-
des/superdotação, oportunidades educacionais
que atendam às suas necessidades acadêmicas,
intelectuais, emocionais e sociais, promovam o
desenvolvimento de habilidades de pensamento
crítico, criativo e de pesquisa e cultivem seus
interesses e habilidades; (c) fornecer à família
do aluno informação e orientação sobre altas
habilidades/superdotação e formas de estimu-
lação do potencial superior.
Este projeto representa um avanço no que
se refere à educação do aluno superdotado no
país por se tratar de uma proposta implemen-
tada nacionalmente, atual e em sintonia com a
produção científica da área, e que apresenta um
caráter sistêmico ao envolver ações que contem-
plam o professor, o aluno e a família. Conforme
explica Bronfenbrenner (citado por Polônia &
Senna, 2005), a busca pela compreensão das
interconexões entre os diferentes contextos
nos quais o aluno está inserido, no caso escola
e família, possibilita, ao educador, traçar metas
que favoreçam alcançar patamares evolutivos
mais rapidamente e de forma mais complexa.
Os Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação se propõem, ainda,
a oportunizar, ao professor, acesso a materiais,
recursos didáticos e pedagógicos que pode-
rão subsidiar a prática docente. A presente
coletânea de textos sobre a “Construção de
INTRODUÇÃO
Denise de Souza Fleith
10
Práticas Educacionais para Alunos com Altas
Habilidades/Superdotação”, distribuída ao
longo de três volumes, constitui uma proposta
neste sentido.
O presente volume é dedicado a apresentar
as bases teóricas, conceituais e legislativas acerca
do fenômeno das altas habilidades/superdotação.
No capítulo 1, “Indivíduos com Altas Habilidades/
Superdotação: Clarificando Conceitos, Desfazendo
Idéias Errôneas”, Eunice Soriano de Alencar ana-
lisa concepções sobre o indivíduo com altas habili-
dades/superdotação, clarifica conceitos e desmisti-
fica idéias errôneas veiculadas acerca deste sujeito,
bem como apresenta um panorama atualizado da
área. No capítulo 2, “Educação do Aluno com Altas
Habilidades/Superdotação: Legislação e Políticas
Educacionais para a Inclusão”, Cristina Maria
Delou, à medida que apresenta um detalhamento
da legislação brasileira acerca da educação de alunos
com altas habilidades/superdotação, nos presenteia
com uma descrição da trajetória histórica da área
no Brasil. Neste capítulo são, ainda, discutidas ter-
minologias relativas às altas habilidades empregadas
ao longo das últimas décadas, bem como o para-
digma da inclusão.
No capítulo 3, “Características Intelectuais,
Emocionais e Sociais do Aluno com Altas
Habilidades/ Superdotação”, Vanessa Tentes de
Ourofino e Tânia Guimarães descrevem caracte-
rísticas mais comumente encontradas nos alunos
com altas habilidades/superdotação, chamando
atenção, entretanto, para o fato de que não existe
um perfil único que caracterize este grupo. As auto-
ras sinalizam também problemas emocionais pas-
síveis de serem enfrentados por estes alunos. No
capítulo 4, “Estratégias de Identificação do Aluno
com Altas Habilidades/Superdotação”, Vanessa
Tentes de Ourofino e Tânia Guimarães discu-
tem ainda formas de identificação do aluno com
altas habilidades/superdotação, ressaltando as difi-
culdades e desafios presentes na tarefa de avaliar
este indivíduo. Elas destacam a necessidade de se
empregar uma multiplicidade de fontes de infor-
mações e instrumentos no processo de identifica-
ção do aluno com altas habilidades/superdotação.
Várias sugestões de estratégias de identificação são
apresentadas ao leitor. Ademais, o capítulo exa-
mina várias situações de dupla excepcionalidade,
como, por exemplo, alunos superdotados com difi-
culdades de aprendizagem.
Finalmente, no capítulo 5, “Práticas
Educacionais de Atendimento ao Aluno com
Altas Habilidades/Superdotação”, Maria Lúcia
Sabatella e Christina Cupertino, em consonân-
cia com a Política de Inclusão do Ministério da
Educação (Brasil, 2005b), que aponta a flexibili-
zação curricular como fundamental no processo
de educação inclusiva, descrevem e examinam
uma ampla gama de estratégias de atendi-
mento aos alunos superdotados, salientando-se
o agrupamento por habilidades, a aceleração e
o enriquecimento curricular. As autoras enume-
ram ainda cuidados especiais a serem tomados
durante o processo de implementação de pro-
gramas ou atividades para estes alunos.
Temos certeza de que você, leitor, interes-
sado pela educação daqueles alunos que se desta-
cam por um potencial promissor, encontrará nos
capítulos deste volume uma fonte rica e atualizad
a de informações sobre altas habilidades/superdo-
tação. Acreditamos que estes capítulos possam ins-
pirar profissionais que já atuam na área a refletirem
sobre sua prática. Para aqueles que estão conhe-
cendo a área, esperamos que estes textos despertem
seu interesse e os levem a se engajar nesta fascinante
jornada que é o desenvolvimento de talentos e
da excelência.
1111
Volume 01: Orientação a Professores
Referências
Alencar, E. M. L. S. & Fleith, D. S. (2006).
A atenção ao aluno que se destaca por um poten-
cial superior. Cadernos de Educação Especial,
27. Disponível: www.ufsm.br/ce/revista/index.
htm (05/05/2006).
Brasil. (2005a). Núcleos de ativida-
des de altas habilidades/superdotação. Brasília:
Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Especial.
Brasil. (2005b). Educação inclusiva.
Documento subsidiário à política de inclusão.
Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de
Educação Especial.
Polonia, A. C. & Senna, S. R. C. M. (2005).
A ciência do desenvolvimento humano e suas
interfaces com a educação. Em M. A. Dessen &
A. L. Costa Jr. (Orgs.), A ciência do desenvolvi-
mento humano. Tendências atuais e perspectivas
futuras (pp. 190-209). Porto Alegre: Artmed.
Indivíduos com Altas
Habilidades/Superdotação:
Clarificando Conceitos,
Desfazendo Idéias Errôneas
Eunice M. L. Soriano de Alencar
Capítulo 1
14
Capítulo 1: Clarificando Conceitos
15
É
o objetivo principal deste capítulo
discutir concepções relativas ao indi-
víduo com altas habilidades/super-
dotação, no sentido de clarificar alguns conceitos e
desfazer idéias errôneas que se encontram fortemente
enraizadas no pensamento popular. Entretanto, como
ponto de partida, é relevante apontar o reconhecimento
crescente de que uma boa educação para todos não sig-
nifica uma educação idêntica para todos. Em função
deste reconhecimento, tem sido salientada a necessi-
dade de o professor estar equipado para propiciar uma
educação de boa qualidade, levando em conta as dife-
renças individuais e encorajando o desenvolvimento de
talentos, competências e habilidades diversas. Os alu-
nos com altas habilidades/superdotação, em especial,
vêm mobilizando o interesse de educadores de diferen-
tes países, nos quais propostas educacionais vêm sendo
implementadas, promovendo-se melhores condições
para identificação, desenvolvimento e expressão desses
alunos. As propostas, na prática, refletem políticas edu-
cacionais que oferecem orientações para a ação, propor-
cionando o apoio à educação do superdotado, necessário
para que o seu potencial possa se desenvolver de forma
o mais plena possível.
Entre os fatores que têm contribuindo para
uma atenção crescente ao aluno que se destaca por um
potencial superior poder-se-ia citar o reconhecimento,
que vem ocorrendo em distintos países, das vantagens
para a sociedade que possibilita aos estudantes mais
talentosos a realização de suas potencialidades. Wu
(2000), por exemplo, destaca que o interesse por esta
área, em Taiwan, surgiu da consciência de que uma ilha,
com poucos recursos naturais como é o caso daquele
país, necessitava desenvolver de forma intensa os
seus recursos humanos e, entre estes, deveriam
receber uma atenção diferenciada aqueles alunos que
se sobressaiam pelo potencial intelectual superior, com
maiores chances de contribuir para o desenvolvimento
científico e tecnológico daquele país.
Também Gallagher (2000), ao justificar o
interesse continuado pela educação do superdotado
nos Estados Unidos, faz referência a um documento
do Departamento de Educação desse país – America
2000 – no qual é apontada a necessidade de um largo
contingente de indivíduos altamente talentosos para
que os Estados Unidos possam manter a sua lide-
rança na indústria, na educação superior, nas ciên-
cias, entre outras áreas, no presente século. De forma
similar, em documento do governo inglês é ressal-
tado que os alunos superdotados têm muito a con-
tribuir para o futuro bem-estar da sociedade, desde
que seus talentos sejam desenvolvidos plenamente
durante sua educação formal. Há uma necessidade
premente de desenvolver os recursos do país em sua
extensão máxima e um dos recursos mais preciosos
são as habilidades e criatividade de todas as crianças”
(Koshy & Casey, 2005, p. 293).
Um outro fator, que também tem contribuído
para ampliar o interesse pelos alunos com altas habi-
lidades, está relacionado à emergência de um novo
conceito de riqueza. Nota-se que ao longo das últi-
mas décadas, os recursos naturais e o próprio capital
financeiro vêm perdendo valor em relação aos recur-
sos humanos. Especialmente os produtos de alta tec-
nologia tornaram-se fator importante na geração de
riquezas. Esta nova fonte de riqueza depende dire-
tamente do capital intelectual de mais elevado nível,
que tem sido considerado, na atual sociedade do
conhecimento, como o maior recurso a ser cultivado
e aproveitado em favor da humanidade.
Desfazendo Idéias Errôneas a
Respeito do Indivíduo com Altas
Habilidades / Superdotação
Quando se aborda a questão do indiví-
duo com altas habilidades/superdotação, observa-
se que muitas são as idéias que este termo sugere:
para algumas pessoas, o superdotado seria o gênio,
aquele indivíduo que apresenta um desempenho
extraordinário e ímpar em uma determinada área
do conhecimento, reconhecida como de alto valor
pela sociedade; para outros, seria um jovem inven-
tor que surpreende pelo registro de novas patentes;
para outros ainda, seria aquele aluno que é o melhor
da classe ao longo de sua formação acadêmica, ou a
criança precoce, que aprende a ler sem ajuda e que
surpreende os pais por seus interesses e indagações
próprias de uma criança mais velha. O termo super-
dotado sugere ainda a presença de um talento, seja
na área musical, literária ou de artes plásticas. O
denominador comum nessas diversas conotações
do termo é a presença de um notável desempenho,
talento, habilidades ou aptidões superiores.
No Brasil, superdotação é ainda vista como
um fenômeno raro e prova disso é o espanto e
curiosidade diante de uma criança ou adoles-
cente que tenha sido diagnosticado como superdo-
tado. Observa-se que muitas são as idéias errôneas
a seu respeito presentes no pensamento popular.
Ignorância, preconceito e tradição mantêm viva uma
série de idéias que interferem e dificultam uma edu-
cação que promova um melhor desenvolvimento do
aluno com altas habilidades.
Rutter (1976), ao comentar a respeito do
conhecimento, afirma que não temos o hábito de
16
QUADRO 1: CRIANÇAS PRODÍGIO E
SAVANTS
Crianças prodígios são aquelas que se caracterizam
por uma performance extraordinária em seus pri-
meiros anos, tendo antes dos 10 anos um desempe-
nho similar ao de um adulto altamente qualificado
em um determinado domínio, como música, mate-
mática, xadrez e artes plásticas (Morelock & Feld-
man, 2000). Um exemplo descrito na literatura da
superdotação é o de uma criança que aos sete anos
lia e entendia fluentemente italiano, francês, grego
e latim, tendo sido admitida na Universidade de Le-
pzig, Alemanha aos nove anos.
Savants
caracterizam-se por uma habilidade signi-
ficativamente superior em uma área específica, ao
mesmo tempo em que apresenta um atraso mental
pronunciado. Um exemplo a citar é o de um japonês
- Kiyoshi Yamoshita - que viveu os seus primeiros
anos numa creche para deficientes mentais, mas que
se destacou como artista plástico, reconhecido pe-
la alta qualidade de sua produção. Apesar de man-
ter sempre um comportamento em um nível muito
primitivo, sua produção artística tornou-se notável,
especialmente após a publicação de um livro descre-
vendo o seu trabalho e incluindo fotografias de suas
principais obras.
OSUPERDOTADO TEM RECURSOS INTELEC-
TUAIS SUFICIENTES PARA DESENVOLVER POR CONTA
P
RÓPRIA O SEU POTENCIAL SUPERIOR
Uma idéia que também impera em nosso meio é a de
que o superdotado dispõe de recursos suficientes para
desenvolver o seu potencial, sendo desnecessário
propiciar-lhe um ambiente especial em termos de
instrução diferenciada, apoio e oportunidades, dadas as
suas condições privilegiadas em termos de inteligência
e criatividade. Entretanto, o que se observa é que nem
examinar criticamente os fatos a respeito de deter-
minadas questões, antes de se chegar a conclusões
a respeito delas. Segundo ele, é o nosso fracasso
em reconhecer a nossa ignorância, e não a nossa
ignorância propriamente dita, que é mais prejudi-
cial ao conhecimento. O nosso saber a respeito
de tantas coisas que não são verdadeiras é que real-
mente constitui um entrave a um conhecimento
maior. As palavras de Rutter aplicam-se inte-
gralmente ao conhecimento a respeito do indiví-
duo com altas habilidades/superdotação em nosso
meio. Várias são as idéias errôneas sobre o super-
dotado, que necessitam ser esclarecidas. Entre elas,
destacam-se:
S
UPERDOTADO E GÊNIO COMO
S
INÔNIMOS
Temos constatado, com freqüência, a uti-
lização dos termos “superdotado e gênio como
sinônimos. Assim, é comum acreditar que, para ser
considerado superdotado, o indivíduo necessaria-
mente deverá apresentar um desempenho surpre-
endentemente significativo e superior desde a mais
tenra idade ou dado contribuições originais na área
científica ou artística, reconhecidas como de inesti-
mável valor para a sociedade. Os exemplos, muitas
vezes lembrados, são os de Mozart, que aos cinco
compunha sonatas, aos oito produziu uma sinfo-
nia e aos 16 já havia composto 135 obras de dis-
tintos gêneros musicais; o de Leonardo da Vinci,
que elaborou esboços, ainda na Idade Média, de
um helicóptero e de um submarino; Picasso, pela
sua produção artística excepcional; ou Einstein,
que revolucionou a Física Moderna. Devido a esta
concepção do superdotado como um gênio, não é
raro a família questionar e mesmo negar que o seu
filho se qualifique como tal, quando, por exemplo,
é informada pela escola que ele foi selecionado
para participar de um programa de atendimento a
alunos com altas habilidades.
Com relação a essa idéia do superdotado
como gênio, é interessante salientar que os pri-
meiros estudos na área da inteligência superior
foram direcionados para a investigação das carac-
terísticas do gênio e seus antecedentes. “Gênio foi
também o termo utilizado pelos primeiros pesqui-
sadores da superdotação, como Terman, que deu
início, nos anos de 1920, a um estudo longitudi-
nal com aproximadamente 1500 crianças, identi-
ficadas como superdotadas com base em testes de
inteligência. Era esperança desse pesquisador que
essas crianças quando adultas se transformassem
em gênios, apresentando uma produção excepcio-
nal, o que não aconteceu (Simonton, 2000). Tem
sido recomendado que o termo gênio seja reser-
vado para descrever apenas os indivíduos que dei-
xaram um legado à humanidade, pelas suas con-
tribuições originais e de grande valor. O que tem
sido apontado pelos estudiosos das altas habilida-
des/superdotação é a idéia de que existe um con-
tínuo em termos de habilidades, seja, por exem-
plo, na área intelectual ou artística, apresentando
o superdotado uma ou mais habilidades significa-
tivamente superiores quando comparado à popu-
lação em geral.
Além do “gênio”, há também outros gru-
pos de indivíduos, que se distinguem por habi-
lidades superiores e que, por suas característi-
cas especiais, têm uma terminologia própria (ver
no Quadro 1 - Crianças Prodígio e Savants -, dois
desses grupos que vêm sendo objeto de pesquisas).
Capítulo 1: Clarificando Conceitos
17
todos que se caracterizam por altas habilidades
tornam-se adultos produtivos. Muitos deles, em
função de características pessoais aliadas às do seu
contexto familiar, educacional e social, apresentam
apenas um baixo desempenho e, mesmo, abaixo da
média. Neste sentido, é necessário salientar a
importância de se propiciar um ambiente favorável
ao desenvolvimento do aluno com altas habilidades,
a par de atender às suas necessidades educacionais.
Especialmente relevante é a promoção de uma
variedade de experiências de aprendizagem
enriquecedoras, que estimulem o seu
desenvolvimento e favoreçam a realização de seu
potencial. Também necessário é que se respeite o
seu ritmo de aprendizagem.
Observa-se ainda que o ensino regular é
direcionado para o aluno médio e abaixo da média,
e o superdotado, além de ser deixado de lado neste
sistema, é visto com temor por professores que se
sentem ameaçados diante do aluno que muitas
vezes os questiona, pressionando-os com suas per-
guntas, comentários e mesmo críticas. É interes-
sante lembrar que, ao perguntarmos a professores
como se sentiam quando tomavam conhecimento
que tinham alunos superdotados em sua classe,
alguns respondiam que se sentiam inseguros por
desconhecer como conduzir o processo de ensino-
aprendizagem junto a esses alunos, além de salien-
tar que preferiam não tê-los em sala, uma vez que
os superdotados podem constituir um problema
em classe. Tal dado sugere a falta de preparação
do professor para atender adequadamente ao aluno
com altas habilidades/superdotação, bem como as
vantagens de um programa complementar fora da
sala de aula.
QUADRO 2: FATORES QUE SE
ASSOCIAM AO SUB-RENDIMENTO
Fatores Individuais
Baixa auto-estima;
Depressão;
Ansiedade;
Perfeccionismo;
Irritabilidade;
Não-conformismo;
Hostilidade e comportamento agressivo;
OSUPERDOTADO SE CARACTERIZA POR
UM
EXCELENTE RENDIMENTO ACADÊMICO
Outra idéia também disseminada é a de que o
aluno com altas habilidades/superdotação apresentará
necessariamente um excelente rendimento na escola,
destacando-se como o melhor da classe. Isto, entre-
tanto, nem sempre acontece. Muitas vezes, observa-
se uma discrepância entre o potencial (aquilo que a
pessoa é capaz de realizar e aprender) e o desempe-
nho real (aquilo que o indivíduo demonstra conhe-
cer). Muitos são os fatores aos quais se pode atribuir
este desempenho inferior. Tanto uma atitude nega-
tiva com relação à escola, como as características do
currículo e métodos utilizados, além de baixas expec-
tativas por parte do professor, paralelamente a pres-
sões exercidas pelo grupo de colegas com relação ao
aluno que se destaca por suas idéias ou habilidades
marcantes, são alguns dos fatores responsáveis, sendo
que esses relacionam entre si de maneira interdepen-
dente e complexa. A relação de alguns fatores que
melhor explicam a discrepância entre potencial e
rendimento é apresentada no Quadro 2 (Fatores que
se Associam ao Sub-Rendimento):
Lócus de controle externo;
Impulsividade e déficit de atenção;
Necessidade de ser aceito pelos colegas.
Fatores Familiares
Baixas expectativas parentais.;
Atitudes inconsistentes dos pais a respeito das
realizações do(a) filho(a);
Excessiva pressão dos pais em relação ao desempenho
acadêmico;
Conflitos familiares;
Clima familiar em que prevalece menor grau de
apoio, segurança e compreensão das necessidades da
criança ou do jovem.
Fatores do Sistema Educacional
Ambiente acadêmico pouco estimulante;
Métodos de ensino centrados no professor;
Excesso de exercícios repetitivos;
Baixas expectativas do professor com relação ao de-
sempenho do aluno;
Pressão ao conformismo;
Procedimentos docentes rígidos, com padronização do
conteúdo, aliado ao pressuposto de que todos os alunos
devem aprender no mesmo ritmo e de mesma forma.
Fatores da Sociedade
Cultura anti-intelectualista, que se traduz por uma
pressão em relação aos alunos que se dedicam e se
sobressaem na área acadêmica. Os rótulos “nerd” ou
“cdf”, usados, muitas vezes, de maneira pejorativa,
constituem-se formas de discriminar negativamente
esses alunos.
Maior valorização da beleza física comparativamen-
te à inteligência, especialmente no gênero feminino, o
que faz com que um largo contingente de alunas com
altas habilidades não expressem ou mesmo neguem
suas habilidades intelectuais superiores.
APARTICIPAÇÃO EM PROGRAMAS ESPE-
CIAIS FORTALECE UMA ATITUDE DE ARROGÂNCIA E
V
AIDADE NO ALUNO SUPERDOTADO
Outra noção também difundida é a de que
o encaminhamento a programas especiais geraria,
no aluno, vaidade, arrogância ou uma atitude de
18
superioridade. O que a prática tem indicado, porém,
é que isto efetivamente não vem acontecendo e
que o atendimento especializado ao superdotado,
quando de boa qualidade, produz, antes, estudan-
tes mais satisfeitos academicamente, entusiasmados
com as propostas curriculares, mais ajustados social
e emocionalmente (Reis & Renzulli, 2004). Uma
vez livres das pressões exercidas por colegas que
tendem a criticar, ridicularizar e mesmo rejeitar os
alunos que se destacam por um desempenho mar-
cante, em um ambiente estimulador, com o apoio
de professores bem qualificados e possibilidades de
interação com colegas com características ou inte-
resses similares, esses alunos crescem em competên-
cia e em habilidade.
E
STEREÓTIPO DO SUPERDOTADO COMO
UM
ALUNO FRANZINO, DO GÊNERO MASCULINO, DE
C
LASSE MÉDIA, COM INTERESSES RESTRITOS ESPE-
CIALMENTE À LEITURA
Ainda muito presente é o estereótipo do
indivíduo com altas habilidades/superdotação como
na área de educação no Brasil são enormes, sendo
inquestionável a necessidade de programas de boa
qualidade para o aluno com deficiência intelectual
ou física. Isto não significa, entretanto, que se deixem
de lado os alunos que se destacam na área acadêmica
ou por uma inteligência superior. Deve o sistema
educacional atender, de forma diferenciada, tanto
aqueles com altas habilidades e talentos especiais
como os que apresentam distúrbios de condutas e
deficiências diversas.
AA
CELERAÇÃO DO ALUNO SUPERDOTADO
R
ESULTA MAIS MALEFÍCIOS DO QUE BENEFÍCIOS
Observam-se ainda fortes preconceitos por
parte de pais e professores com relação a programas
de aceleração, que se caracterizam por oferecer em
um ritmo mais rápido o conteúdo curricular comu-
mente desenvolvido em um tempo mais longo ou
possibilitar ao aluno o ingresso mais cedo em séries
mais avançadas para a sua idade, como, por exem-
plo, iniciar a 1
a
série aos 5 anos ou cursar a 1
a
e 2
a
séries do Ensino Médio em dois semestres. O que
resultados de pesquisas têm indicado, porém, são
benefícios para o aluno, quando o processo de acele-
ração é bem conduzido, levando-se em conta as suas
necessidades e características intelectuais, sociais e
emocionais, paralelamente a professores adequa-
damente preparados para apoiá-lo em suas neces-
sidades. Os estudos realizados ajudaram a fazer
cair por terra diversos mitos associados a esta prá-
tica, como a presença de solidão e desajustamento
entre jovens que progridem mais rápido no seu pro-
grama acadêmico, ou ainda um decréscimo no ren-
dimento acadêmico e motivação pelo estudo, entre
alunos com inteligência superior, alocados em séries
mais avançadas.
de um aluno franzino, do sexo masculino, de status
sócio-econômico médio, com interesses predomi-
nantemente voltados para a leitura. Por conta deste
estereótipo, é comum o aluno do gênero feminino
ou aquele proveniente de uma família de baixa renda
ter suas habilidades ou talentos especiais menos fre-
qüentemente percebidos e valorizados. Ademais,
há toda uma tradição cultural de expectativas mais
altas com relação ao sucesso e realização masculina,
sendo os alunos, comparativamente às alunas, mais
incentivados a se destacar pela liderança e desempe-
nho superior. Este fator possivelmente ajuda a expli-
car o maior número de estudantes do gênero mas-
culino comparativamente ao feminino que têm sido
encaminhados a programas para alunos com altas
habilidades. Isto ocorre, por exemplo, no programa
da rede pública de ensino do Distrito Federal, no
qual predominam alunos do gênero masculino.
V
ALORES CULTURAIS A FAVOR DE UM
A
TENDIMENTO ESPECIAL APENAS A ALUNOS COM
D
ISTÚRBIOS DE CONDUTA E DEFICIÊNCIA
Também penalizados têm sido muitas crian-
ças e jovens de famílias de baixa renda, com poucas
oportunidades de desenvolver seus talentos e habi-
lidades superiores, especialmente pelo menor apoio
da família e limitadas possibilidades de uma educa-
ção formal de boa qualidade.
Também freqüente é a posição, defendida
inclusive por professores e gestores de instituições
educacionais, de que seria um absurdo investir em
programas para alunos com altas habilidades/super-
dotação, quando existe um largo contingente de alu-
nos com necessidades especiais relacionadas a dis-
túrbios e deficiências diversas, que permanece sem
um atendimento especializado no país. Os desafios
Capítulo 1: Clarificando Conceitos
19
OSUPERDOTADO TEM MAIOR PREDIS-
POSIÇÃO A APRESENTAR PROBLEMAS SOCIAIS E
E
MOCIONAIS
Contrário a essa idéia, inúmeros estudos têm
indicado que muitos alunos com altas habilidades/
superdotação caracterizam-se não apenas por uma
inteligência superior, mas também por um melhor
ajustamento social e emocional. Entretanto, aqueles
que apresentam uma inteligência excepcionalmente
elevada tendem a enfrentar maior número de situ-
ações que poderão ter um impacto negativo no seu
ajustamento sócio-emocional. Neste grupo, é mais
freqüente os alunos se sentirem pouco estimulados
pelo programa levado a efeito na escola, apresentando
ainda dificuldades de relacionamento social com os
colegas, por terem interesses distintos, o que gera
sentimentos de solidão e isolamento. Estes proble-
mas tendem a ocorrer quando esses alunos não têm
oportunidades de interagir com colegas com carac-
terísticas similares, sem possibilidades de participar
de um programa educacional que leve em conta suas
habilidades, interesses e nível de desenvolvimento, ou
quando não encontram, nos ambientes de sua famí-
lia, escola e sociedade onde vivem, o apoio neces-
sário ao seu melhor desenvolvimento acadêmico,
emocional e social.
Panorama Recente
Várias são as questões que são objeto de dis-
cussão por parte dos estudiosos das altas habili-
dades/superdotação. Uma delas diz respeito ao
termo - superdotado - que tem sido questionado e
rejeitado por distintos especialistas da área, como
Julian Stanley, da Universidade Johns Hopkins.
Este educador, que deu início há mais de 30 anos a
um programa para jovens com desempenho excep-
cionalmente elevado na área de matemática, consi-
derou, com muita propriedade, que os termos super-
dotação e superdotado tendem a obstruir o nosso
pensamento e a gerar resistência com relação aos
esforços a favor de melhores condições à educação
de jovens com altas habilidades. Lembrou Stanley
que o termo sugere uma bipolaridade - superdotado
versus não-superdotado – razão de sua preferência
pela utilização de outros termos, como jovens com
raciocínio excepcional. Além desse, altas habilidades,
aptidões superiores, indivíduos mais capazes, bem-
dotados, com alto potencial ou talentos especiais, são
também comuns na literatura especializada.
No caso do Brasil, o prefixo “super” con-
tribui para fortalecer a idéia da presença de um
desempenho ou produção excepcional, a par de
uma ênfase no genótipo, ou seja, um dote que o
indivíduo já traria ao nascimento e que se realiza-
ria, independentemente das condições ambientais.
É interessante observar que também em outros
países o termo superdotado tem gerado dilemas
e desconforto aos professores quando solicitados
a identificar, por exemplo, alunos para programas
de enriquecimento. Koshy e Casey (2005) relatam
que isto aconteceu na Inglaterra, em um programa
coordenado por esses educadores, para alunos com
altas habilidades em matemática. Como estra-
tégia para resolver o problema, esses educadores
optaram pelo termo estudantes matematicamente
promissores”.
Um outro aspecto que tem sido bastante
salientado é que os indivíduos com altas habili-
dades/superdotação não constituem um grupo
homogêneo, variando tanto em suas habilida-
des cognitivas, como em termos de atributos de
personalidade e nível de desempenho. Assim,
enquanto alguns podem apresentar uma com-
petência elevada em uma grande diversidade de
áreas, outros podem mostrar-se excepcionalmente
competentes em apenas uma área. Há um contí-
nuo em termos de competência e habilidade, não
sendo necessário estar no extremo deste contí-
nuo para ser considerado superdotado ou enca-
minhado a um programa de atendimento especial.
Em termos de atributos de personalidade, alguns
são muito populares e outros não, além de varia-
rem quanto ao grau de introversão/extroversão e
senso de humor, por exemplo.
Com relação à inteligência, aspecto central
nas discussões relativas à superdotação, é importante
lembrar a mudança que ocorreu em sua concepção,
de uma visão unidimensional para uma visão mul-
tidimensional. A inteligência passou a ser apon-
tada como englobando múltiplos componentes ou
dimensões, podendo um indivíduo ter determina-
dos componentes mais desenvolvidos, enquanto
em outra pessoa, outras dimensões estariam pre-
sentes em maior grau. A idéia de que existem dis-
tintos tipos de inteligência passou a ser enfatizada,
paralelamente aos riscos de descrevê-la a partir do
uso de um único escore ou resultado em um teste
de inteligência.
Uma das teorias de inteligência mais conhe-
cidas e que vem influenciando a discussão a res-
peito do superdotado é a teoria das múltiplas inte-
ligências, proposta por Gardner (1983). Em sua
formulação original, essa teoria inclui sete inteli-
gências distintas, a saber:
20
Lingüística, exibida com maior intensidade
por escritores, poetas e advogados.
Musical, que pode ser identificada em ati-
vidades de cantar, compor, apreciar música,
tocar instrumentos musicais.
Lógico-matemática, expressa em atividades
de matemáticos e cientistas, caracterizando-se
pela facilidade de raciocínio, reconhecimento
e solução de problemas lógico-matemáticos.
Espacial, apresentada por jogadores de xa-
drez, navegadores, pilotos de avião, arquite-
tos e engenheiros.
Cinestésica, exibida especialmente na dan-
ça, artes dramáticas, esportes e nas ativida-
des de cirurgiões.
Interpessoal, que se traduz por maior ha-
bilidade em compreender e responder ade-
quadamente às motivações, emoções e
ações de outras pessoas.
Intrapessoal, que se traduz por uma melhor
compreensão de si mesmo, de estados emo-
cionais, sentimentos e idéias pessoais.
Segundo esta teoria, um alto nível de habi-
lidade em uma inteligência não significa elevado
nível em outra inteligência. Considera Gardner
que os indivíduos diferem entre si tanto por
razões genéticas como culturais nas distintas inte-
ligências, devendo a escola promover oportunida-
des variadas para o desenvolvimento e expressão
das diversas inteligências. Essa teoria vem reafir-
mar a importância de uma abordagem multica-
tegorial na concepção da superdotação, que é a
posição adotada nas políticas públicas relativas
à educação do superdotado de distintos países,
incluindo o Brasil.
QUADRO 3: CONTRASTES ENTRE AS
CONCEPÇÕES ANTIGAS E ATUAIS
DA INTELIGÊNCIA
Concepções Antigas
Cada criança recebe um código genético, que
determina sua habilidade de perceber, lembrar e
raciocinar. Estudantes que apresentam habilida-
des substancialmente avançadas são chamados de
superdotados.
Um fator geral (“g”) domina o desenvolvimento
intelectual e permite aos estudantes transferir
algumas habilidades de uma área de conteúdo
para outra.
Os testes de inteligência se constituem o melhor
veículo para se identificar alunos superdotados.
Concepções Novas
As habilidades de cada criança para perceber,
lembrar e raciocinar são inicialmente estabeleci-
das por um código genético, desenvolvendo-se por
meio de uma interação seqüencial com experiên-
cias no ambiente.
Paralelamente ao fator geral (“g”), há também
habilidades de domínios específicos que determi-
nam a habilidade e desempenho superior em dife-
rences campos.
As habilidades dos alunos necessitam ser avalia-
das por meio de seu desempenho em tarefas que
levem em conta suas experiências e “background”
cultural.
Fonte: Gallagher (2002, p. 102)
Um outro fator que passou a ser reconhe-
cido como de primordial importância no que diz
respeito ao desenvolvimento de talentos são as con-
dições ambientais que dão o apoio necessário àque-
les indivíduos que se destacam por um potencial
superior. A superdotação deixou de ser conside-
rada uma característica imutável, mas, antes, forte-
mente influenciada por fatores ambientais. Assim,
da mesma forma que não se poderia imaginar a
presença de um ilustre pianista em um ambiente
onde a música fosse desvalorizada, desprovida de
instrumentos musicais e de oportunidades para ser
instruído e exercitar a música, o mesmo ocorreria
com relação a outras habilidades que dependem,
em larga escala, de um ambiente favorável ao seu
desenvolvimento. Neste sentido, Clarke (citado em
Koshy & Casey, 2005) ressalta:
Nenhuma criança nasce superdotado – somente
com o potencial para superdotação. Embora todas
as crianças tenham um potencial surpreendente,
apenas aquelas que tiverem a sorte de terem oportu-
nidades para desenvolver seus talentos e singulari-
dades em um ambiente que responda a seus padrões
particulares e necessidades, serão capazes de atuali-
zar de forma mais plena suas habilidades. (p. 298)
Conscientizou-se ainda, especialmente a
partir de estudos biográficos com amostras de
indivíduos que se destacavam por sua produção e
desempenho, que não apenas as características do
ambiente - incluindo família, professores, colegas,
oportunidades de participar de eventos especiais,
como campeonatos e olimpíadas - são importan-
tes, mas também muito contribuem para uma pro-
dução significativa a motivação pessoal, a energia
e determinados traços de personalidade, como
Segundo Gallagher (2002), as concepções
multifatoriais da inteligência tiveram um impacto
direto nos processos de identificação de alunos super-
dotados, promovendo mudanças na maneira como a
identificação vem sendo realizada, conforme pode
ser visualizado no Quadro 3 (Contrastes entre as
Concepções Antigas e Atuais da Inteligência):
Capítulo 1: Clarificando Conceitos
21
tos, isolados ou combinados: capacidade intelectual
superior, aptidão acadêmica específica, pensamento
criador ou produtivo, capacidade de liderança, ta-
lento especial para artes visuais, artes dramáticas e
música e capacidade psicomotora.
Em 1994, essa definição foi ligeiramente
modificada, incluindo-se o termo altas habilida-
des”, substituindo-se crianças” por educandos”
e retirando-se “talentosas”, conforme documento
“Subsídios para Organização e Funcionamento de
Serviços de Educação Especial – Área de Altas
Habilidades” (Brasil, 1995):
Portadores de altas habilidades/superdotados são
os educandos que apresentam notável desempenho
e elevada potencialidade em qualquer dos seguin-
tes aspectos, isolados ou combinados: capacidade
intelectual superior; aptidão acadêmica específica;
pensamento criativo ou produtivo; capacidade de
liderança; talento especial para artes e capacidade
psicomotora. (p. 17)
Salienta-se que, apesar desta definição
englobar diferentes categorias, a ênfase na identi-
ficação do aluno com altas habilidades/superdota-
ção tem sido especialmente no aspecto intelectual/
cognitivo. É freqüente, tanto no Brasil como em
outros países que adotam a abordagem multicate-
gorial na definição de superdotados, a prática de
selecionar alunos para programas especiais base-
ando-se apenas em resultados em testes de inte-
ligência ou na combinação destes resultados com
alto rendimento acadêmico. Isto se deve especial-
mente à dificuldade de avaliar e medir com preci-
são algumas destas categorias, aliada a uma maior
valorização da inteligência, no sentido tradicional
do termo.
Entre os estudiosos cujas concepções vêm
sendo mais reconhecidas, destaca-se Renzulli
(1986, 2002), cujas contribuições teóricas se aliam
a práticas de identificação e programas que vêm
sendo amplamente implementados em países de
diferentes continentes. Dada a sua relevância, des-
creveremos aqui brevemente a abordagem que este
autor dá à superdotação.
Renzulli destaca inicialmente dois tipos de
superdotação. O primeiro, a que se refere como
superdotação do contexto educacional e o segundo
a que chama de criativa-produtiva. Considera tam-
bém que ambos são importantes, que há usualmente
inter-relações entre eles e que se deveriam imple-
mentar programas para encorajar os dois tipos.
A superdotação do contexto educacio-
nal seria apresentada por aqueles indivíduos que
se saem bem na escola, aprendem rapidamente,
autoconfiança e persistência. Ademais, a criativi-
dade, que também não era levada em conta pelos
primeiros estudiosos das altas habilidades/super-
dotação, passou a se constituir em um dos compo-
nentes presente em distintas concepções de super-
dotação, como apontaremos na próxima seção,
além de seu desenvolvimento e expressão ser um
dos objetivos comumente incluídos em programas
para alunos com altas habilidades/superdotação.
Superdotados / Altas Habilidades:
Distintos Conceitos
Como apresentado anteriormente, muitos são
os termos utilizados para se referir ao aluno que se
destaca por suas habilidades e talentos. Ressalta-se
que, com muita freqüência, os termos superdotado
e talentoso têm sido usados como sinônimos por
especialistas que vêm estudando o fenômeno das
altas habilidades, embora para alguns estudiosos, a
noção de superdotação esteja mais relacionada ao
domínio cognitivo, como por exemplo, um desem-
penho acadêmico elevado ou um marcante raciocí-
nio abstrato. Observa-se que a visão da superdotação
como composta por muitas facetas tem sido ponto
de vista comum entre os estudiosos do assunto, que
apontam uma diversidade de talentos os quais esta-
riam incluídos no termo superdotado. Esta é a pers-
pectiva que foi adotada oficialmente no Brasil, nos
anos de 1970, com a seguinte definição divulgada
nos documentos oficiais do Ministério da Educação
(CENESP, 1986):
São consideradas crianças superdotadas e talentosas
as que apresentam notável desempenho e/ou eleva-
da potencialidade em qualquer dos seguintes aspec-
22
apresentam um nível de compreensão mais elevado
e têm sido os indivíduos tradicionalmente selecio-
nados para participar de programas especiais para
superdotados.
O segundo tipo de superdotação, a que
se refere como criativa-produtiva, diz respeito
àqueles aspectos da atividade humana na qual
se valoriza o desenvolvimento de produtos ori-
ginais. Observa Renzulli que as situações de
aprendizagem planejadas para desenvolver este
tipo enfatizam o uso e aplicação da informação e
processos de pensamento de uma maneira inte-
grada, indutiva e orientada para problemas reais,
distinguindo-se daquelas situações que visam
promover a superdotação do primeiro tipo, que
tendem a enfatizar a aprendizagem dedutiva, o
treino estruturado no desenvolvimento de pro-
cessos de pensamento, aquisição, armazenagem e
reprodução da informação.
Renzulli interessou-se especialmente pelo
segundo tipo e, com base em pesquisas sobre pes-
soas que se destacaram por suas realizações cria-
tivas, propôs uma concepção de superdotação,
que inclui os seguintes componentes: habilida-
des acima da média, envolvimento com a tarefa
e criatividade.
O componente habilidades acima da
média diz respeito tanto a habilidades gerais
como habilidades específicas. As primeiras con-
sistem na capacidade de processar informa-
ções, integrar experiências que resultam respos-
tas adaptativas e apropriadas a novas situações
e engajar em pensamento abstrato. As habilida-
des específicas incluem a capacidade de adquirir
conhecimento, destreza ou habilidade para reali-
zar uma ou mais atividades de uma área especia-
lizada. Renzulli dá como exemplo de habilidades
específicas o balé, escultura, fotografia, química
e matemática.
“Envolvimento com a tarefa” constitui-
se no componente motivacional e representaria
a energia que o indivíduo canaliza para resol-
ver um dado problema ou tarefa. Inclui atributos
pessoais, como perseverança, dedicação, esforço,
autoconfiança e a crença na própria habilidade
de desenvolver um importante trabalho.
Com relação à criatividade”, um dos com-
ponentes também presentes na concepção de
superdotação proposta, Renzulli chama a aten-
ção para as limitações inerentes aos testes de
criatividade, sugerindo uma análise dos produtos
criativos da pessoa como preferível a uma análise
de seu desempenho em testes de criatividade.
Ressalta-se que os três componentes não
necessitam estar presentes ao mesmo tempo, ou
se manifestar com igual intensidade ao longo da
vida produtiva. O mais importante é que estes
componentes estejam interagindo em algum grau,
para que um alto nível de produtividade criativa
possa emergir.
Complementando a sua concepção de
superdotação, Renzulli (1992) propôs uma teoria
para o desenvolvimento da criatividade produ-
tiva em pessoas jovens, que inclui diferentes ele-
mentos que contribuem para a provisão de atos
ideais de aprendizagem. A referida teoria contém
três componentes principais, a saber: o aluno, o
professor e o currículo e devem ser levados em
conta pelos sistemas educacionais interessados
no desenvolvimento mais pleno do potencial de
cada aluno. O professor é considerado o compo-
nente mais importante. Aqueles que contribuem
de forma mais efetiva para o desenvolvimento
de habilidades criativas de seus alunos caracte-
rizam-se pelo domínio da disciplina sob sua res-
ponsabilidade, grande entusiasmo e mesmo pai-
xão pela sua área de conhecimento (denominado
romance com a disciplina pelo autor), além do
uso de práticas pedagógicas diversificadas em
sala aula, utilizando, por exemplo, discussão em
grupo, aulas expositivas, estudos dirigidos, jogos
e exercícios, filmes para ilustrar tópicos abor-
dados e outras estratégias que ajudam a des-
pertar e assegurar o interesse do aluno pelo
conteúdo ministrado.
Capítulo 1: Clarificando Conceitos
23
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Considerações Finais
No presente capítulo, distintas questões que
vêm sendo discutidas com relação ao indivíduo com
altas habilidades/superdotação foram abordadas.
Várias delas serão retomadas, de forma mais com-
pleta, em capítulos posteriores, sinalizando a infi-
nidade de fatores que devem ser considerados no
sentido de se promover uma educação de qualidade
para todos, em especial para um largo contingente
de superdotados que, muitas vezes, tem sido igno-
rado e mesmo punido pelo sistema de ensino.
Identificar talentos diversos e assegurar con-
dições para seu desenvolvimento são compromis-
sos a serem abraçados pelo educador. Para tal, são
necessárias políticas públicas que viabilizem tanto a
formação continuada do professor, quanto propos-
tas educacionais de qualidade que assegurem opor-
tunidades de aprendizagem, treinamento e prá-
tica para os alunos que se sobressaem. Esta é a via
para diminuir o tremendo desperdício de potencial
humano, que se observa no país, com efeitos devas-
tadores para o indivíduo e sociedade brasileira.
Educação do Aluno
com Altas Habilidades /
Superdotação: Legislação e
Políticas Educacionais para a
Inclusão
Cristina Maria Carvalho Delou
Capítulo 2
26
27
Capítulo 2: Legislação e Políticas Educacionais
É
inegável o ganho real, efetiva-
mente, alcançado com a última Lei
de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei n.º 9394/96) no que tange aos alu-
nos com altas habilidades/superdotação, quanto ao
reconhecimento de suas necessidades educacio-
nais especiais, atendimento educacional especiali-
zado, aceleração de estudos para concluir em menor
tempo os cursos realizados no âmbito da Educação
Básica e Superior.
Não podemos deixar de assinalar que as polí-
ticas públicas nacionais na área das altas habilidades/
superdotação vêm se caracterizando pela descontinui-
dade e pela fragmentação de suas ações. Contudo, é
preciso reconhecer os esforços que vêm sendo feitos há
algumas décadas para que estes alunos recebam atendi-
mento educacional especializado nas escolas de ensino
regular da Educação Básica. Há que se reconhecer o
esforço envidado no contexto federal para o cumpri-
mento da Lei n.º 5692/1971 e o importante papel que
o Ministério da Educação desempenha para garantir
os direitos reafirmados na Lei n.º 9394/1996.
Este texto trata, então, da trajetória da legis-
lação e das políticas educacionais para a inclusão de
alunos com altas habilidades/superdotação, sujeitos
que estão longe de serem apenas sujeitos abstratos.
Segundo Delou (2001), ao contrário do que se
possa imaginar, alunos com altas habilidades/superdo-
tação podem ser reconhecidos pelo alto desempenho
escolar, mas não são incluídos nas práticas pedagógicas
escolares de alto nível. Eles, também, não têm acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo as capacidades de cada um”,
como previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional
¹ (Brasil, 1996, Título III, Art. 4º, V).
Historicamente, a maior parte destes alunos
não é identificada. Eles sempre foram matriculados
nas escolas regulares. Sempre foram classificados con-
forme suas idades cronológicas e colocados em tur-
mas que, regra geral, estão longe de atender ao nível de
desenvolvimento real que apresentam ou teriam con-
dições de acompanhar. Raros são os alunos identifica-
dos, alguns até podem ser indicados para as salas de
recursos especializadas
² , contudo, a matrícula escolar
não garante a inclusão educacional. Estar matriculado
garante o acesso ao ensino, mas para que alunos com
altas habilidades/superdotação sejam incluídos é pre-
ciso mais. É preciso professores especializados para as
salas de aulas regulares e para o atendimento educa-
cional em salas de recursos ou em programas de enri-
quecimento ou de aprofundamento.
Os alunos com altas habilidades são conside-
rados, muitas vezes, apesar de “brilhantes”, trabalho-
sos e indisciplinados, o que acaba por deixá-los de
fora dos serviços especiais de que necessitam, como
por exemplo, o enriquecimento e aprofundamento
curricular. Muitas vezes são alunos que abandonam
o sistema educacional por desmotivação e por difi-
culdades de relacionamento.
Enfim, podemos ousar dizendo que se os alu-
nos com altas habilidades/superdotação brasileiros, têm
hoje uma legislação que garante direitos educacionais
avançados e que reconhece a suas singularidades esco-
lares, isto se deve à visão progressista dos legisladores
que se adiantaram à maioria dos educadores brasilei-
ros, que ainda resistem a compreender a diversidade do
seu alunado.
1 Aqui será usada a sigla LDBEN.
2 Uma taxa de 0,03% correspondente a 2008 alunos, segundo
o MEC/INEP (2004).
A educação dos superdotados brasileiros pode
ser caracterizada pelo contraste entre a continuidade
e a descontinuidade de iniciativas governamentais e
não governamentais desde 1924, quando foram rea-
lizadas as primeiras validações de testes de inteli-
gência americanos em Recife e no então Distrito
Federal (Delou, 2001).
O primeiro registro de atendimento realizado
aos alunos superdotados, no Brasil, é do ano de 1929,
quando a Reforma do Ensino Primário, Profissional e
Normal do Estado do Rio de Janeiro
³ previu o aten-
dimento educacional dos
super-normaes
4
. Esta ini-
ciativa, contudo, não garantiu o direito declarado na
legislação do Estado do Rio de Janeiro, uma vez que
não foi acompanhada de uma política pública estadual
ou federal, que universalizasse o atendimento escolar
a estes alunos.
Segundo Delou (2001), nesta época, já con-
távamos com dois teóricos, professores de escolas
públicas, autores dos três primeiros livros produzi-
dos no Brasil sobre super dotação. Embora refletis-
sem, principalmente, o conhecimento científico pro-
duzido no âmbito da psicologia americana, os dois
autores apresentaram a proposta de um plano de
trabalho para a organização e a orientação da sele-
ção das inteligências
super-normaes nas escolas
primárias fluminenses, assim como a identificação e
3 O Estado do Rio de Janeiro aqui citado corresponde ao atual
Estado do Rio de Janeiro sem o município do Rio de Janeiro,
cuja capital na época era Niterói. Em 1929, o atual município
do Rio de Janeiro era o, então, Distrito Federal. Note-se que a
legislação era estadual e não federal.
4 Termo utilizado na época por Leoni Kaseff, Assistente
Técnico da Universidade do Rio de Janeiro e catedrático do
Liceu Nilo Panha e que foi utilizado no texto legislativo.
A Trajetória Inicial
28
a análise dos preconceitos com relação a esta moda-
lidade educacional, apresentando os resultados obti-
dos nas experiências desenvolvidas em Recife.
A “Educação dos Super-Normaes” (Kaseff,
1931), “O Dever do Estado Relativamente à
Assistência aos Mais Capazes”, publicado em 1932
e “O Problema da Educação dos Bem-Dotados”
(conforme citado por Pinto, 1933) foram as três pri-
meiras publicações brasileiras. Nestas foram cons-
tatadas tanto a preocupação dos professores da elite
brasileira com os filhos da classe trabalhadora, como
a crítica relacionada às atividades escolares dos bem-
dotados, consideradas
flagrantemente fictícias, em virtude da relativa fa-
cilidade com que eles solucionavam os problemas
de classe. Como pouco se esforçam, é claro que não
aprendem a trabalhar. Tornam-se irrequietos e de-
satentos; há mesmo uma tendência geral à indisci-
plina. Não desenvolvem a atenção e o espírito de
observação. (Pinto, 1933, p. 103)
5
A exemplo da precocidade de alguns alunos
com altas habilidades/superdotação, desde meados
do século XX, constatou-se o descompasso entre a
precocidade da legislação educacional e a rigidez das
práticas pedagógicas efetivadas nas escolas, reflexo
das históricas formações dos professores, que muito
pouco ou quase nada contribuíram para o conheci-
mento e efetivo atendimento escolar, democrático,
de alunos que apresentam ritmos e estilos diferen-
ciados de aprendizagem.
No mesmo ano de 1929, foi tomada uma
importante decisão política. O governo do estado
de Minas Gerais convidou a psicóloga russa
Helena Antipoff para lecionar a cadeira de psico-
logia experimental, na Escola de Aperfeiçoamento
Pedagógico em Belo Horizonte, a fim de for-
mar educadores que iriam promover uma grande
reforma de ensino com base nos princípios da
escola ativa (Antipoff, 1996, p. 109).
Entre as muitas idéias inovadoras que trouxe
para o Brasil, Helena Antipoff salientou a da edu-
cação dos “excepcionais”. Fundadora da Sociedade
Pestalozzi de Belo Horizonte, em 1938 identifi-
cou 8 (oito) crianças
super-normaes pelo aten-
dimento no Consultório Médico-Pedagógico
6
daquela instituição fazendo menção a um novo
gênero de clientes: as crianças bem-dotadas. No
ano seguinte, a então presidente da Sociedade
Pestalozzi do Brasil propôs a inclusão de um pará-
grafo nos estatutos da instituição.
“No termo excepcional estão incluídos aqueles clas-
sificados acima ou abaixo da norma de seu grupo,
visto serem portadores de características mentais,
físicas ou sociais que fazem de sua educação um
problema especial” (Antipoff, 1984, p. 149).
Segundo Novaes (1979), em 1945, Helena
Antipoff reuniu nessa sociedade, alunos bem-dota-
dos de escolas da zona sul do Rio de Janeiro, que, em
pequenos grupos, desenvolveram estudos em litera-
tura, teatro e música. Foram os primórdios do que
hoje se conhece como atendimento especializado
para alunos com altas habilidades/superdotação.
A influência de Helena Antipoff foi funda-
mental para a educação dos alunos com altas habi-
lidades/superdotação. O reflexo disso foi que, em
1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação dedi-
cou os artigos 8º e 9º à educação dos “excepcionais”,
palavra cunhada por Helena Antipoff para se refe-
rir tanto aos deficientes mentais como aos super-
dotados e aos que tinham problemas de conduta.
Neste momento, a ênfase clínica da educação fez
com que a Lei se referisse ao
tratamento a ser dado
aos excepcionais.
Em 1967, o Ministério de Educação e Cultura
criou uma comissão para estabelecer critérios de
identificação e atendimento a estes alunos que eram
chamados de
superdotados. Até este momento,
a Educação Especial brasileira se desenvolvia por
meio do trabalho realizado em pouquíssimas insti-
tuições públicas e nas muitas instituições privadas,
assistencialistas, criadas para o atendimento de alu-
nos com deficiências sensoriais, mentais ou físicas,
com um paradigma voltado para a cura, a reabilita-
ção e a eliminação de comportamentos inadequa-
dos. Neste trabalho os superdotados não estavam
incluídos. Eles não tinham nada a ser curado.
Foi quando ocorreu uma grande expan-
são nos atendimentos da Educação Especial, nos
anos de 1960 e 1970. Esta mudança foi o reflexo
do papel que as instituições especializadas passa-
ram a exercer nas políticas públicas de Educação
Especial no Brasil.
Nas escolas, a situação era muito difícil, por-
que a repetência, o analfabetismo e as precárias
condições das instituições escolares e de trabalho
dos professores constituíam-se núcleos nevrálgicos”
(Bueno, 1993/2005, p. 106). Com a chegada dos alu-
nos das classes populares às escolas públicas e o des-
locamento dos alunos da classe média para as escolas
particulares, aumentou, significativamente, o número
5 Será a semelhança com os dias atuais mera coincidência?
6 Nome semelhante ao nome do local de trabalho da profa.
Helena Atipoff, em Viatka, Rússia, denominado de Estação
Médico-Pedagógico.
29
Capítulo 2: Legislação e Políticas Educacionais
de matrículas, tanto na rede privada quanto na rede
pública, na escola regular como na escola especial. Ao
final da década de 60, o conhecimento prévio a res-
peito da recomendação de atendimento especializado,
contida na nova lei de ensino promulgada em 1971,
levou à criação dos Serviços de Educação Especial
nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal.
Em agosto de 1971, foi promulgada a Lei
nº 5692. Pela primeira vez, uma lei de ensino pre-
via, explicitamente, que os alunos que apresentas-
sem deficiências físicas ou mentais, os que encon-
trassem atraso considerável quanto à idade regular de
matrícula e os
superdotados deveriam receber tra-
tamento especial, de acordo com as normas fixadas
pelos competentes Conselhos de Educação (Brasil,
1971, Artigo 9º).
Neste mesmo ano, em pleno período da dita-
dura militar, foi criado o Projeto Prioritário n.º 35, que
estabeleceu a educação de superdotados como área
primeira da Educação Especial no Brasil, incluindo-
a no Plano Setorial de Educação e Cultura, previsto
para o período de 1972 a 1974, assim fixando uma
política de ação do MEC com relação ao superdo-
tado (Novaes, 1979, p. 38).
A política traçada em 1971 definiu os prin-
cípios doutrinários da Educação Especial para
os alunos superdotados, a partir do conceito que
considerava
crianças superdotadas e talentosas as que apresen-
tassem notável desempenho e/ou elevada potencia-
lidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados
ou combinados: capacidade intelectual geral; apti-
dão acadêmica específica; pensamento criador ou
produtivo; capacidade de liderança; talento especial
para artes visuais, dramáticas e musicais; capacidade
psicomotora. (Brasil, 1976, p. 2; Novaes, 1979, p. 31)
Este conceito trouxe duas categorias conceitu-
ais distintas, superdotados e talentosos. Estabeleceu
critérios que poderiam ser combinados aditivamente
ou alternativamente, denominados notável desempe-
nho e/ou elevada potencialidade, assim como ofere-
ceu a mesma possibilidade para combinar ou consi-
derar isoladamente áreas que caracterizam os tipos
de superdotação e talentos que a criança poderia
apresentar. Além disso, definiu que a identificação
dos superdotados deveria ser realizada com vistas ao
atendimento educacional desde os níveis pré-escola-
res, utilizando-se de procedimentos escolares varia-
dos e combinados.
Os princípios doutrinários de Educação
Especial para os superdotados indicaram que estes
alunos deveriam freqüentar classes comuns sempre
que o professor de classe regular tivesse condições de
trabalhar com programas ou atividades diferentes,
em grupos diversificados, e dispusesse de orientação
e materiais adequados, que possibilitassem a oferta
de tratamento especial a estes alunos (Brasil, 1976).
O Projeto Prioritário n.º 35/1971 previu a
possibilidade de classes especiais em escolas comuns,
recomendando a realização do máximo possível de
atividades conjuntas dos alunos superdotados com
os demais alunos das classes regulares, considerando
que nem sempre seria possível a oferta de condições
adequadas para o desenvolvimento do aluno super-
dotado em classe comum. A criação das classes espe-
ciais ficou atrelada à existência de condições adequa-
das para a realização do atendimento especializado
necessário ao aluno.
O atendimento escolar de alunos superdota-
dos em escolas e classes comuns preconizado pelos
princípios doutrinários da Educação Especial brasi-
leira, em 1971, correspondia ao que é defendido, hoje,
na Europa e nos Estados Unidos, em termos de edu-
cação de superdotados, e que se pretende alcançar, no
Brasil, por meio dos princípios da educação inclusiva.
As classes especiais para superdotados não
foram unanimidade no Brasil e, das três experiên-
cias oficiais realizadas, uma foi logo modificada
7
e as
outras duas extintas. Em relação aos propósitos do
atendimento aos superdotados, o Projeto Prioritário
n.º 35 era ousado por apresentar uma proposta de
visão integral do educando.
Enfatizava os aspectos de formação glo-
bal da personalidade do aluno, suas potencialida-
des e demais condições e não apenas os talentos já
demonstrados. O atendimento aos alunos super-
dotados deveria visar a pessoa, a formação do cida-
dão, a formação harmoniosa de sua personali-
dade (Brasil, 1976). Ou seja, uma formação voltada
para a cidadania muito antes que este paradigma
se popularizasse.
Às modalidades de atendimento educacional
recomendadas em 1971, acrescentou-se a monitoria,
já que a programação de enriquecimento curricular,
a aceleração de estudos ou as duas modalidades con-
jugadas, não diferiam das modalidade sugeridas em
1931. O enriquecimento e a aceleração de estudos
foram reafirmados como modalidades de atendi-
mento educacional próprias para os superdotados,
podendo, inclusive, ser combinados conforme as
condições da escola.
7 A primeira foi do Centro Educacional Objetivo, localizado
em São Paulo, e as demais foram as experiências desenvolvidas
na Fundação José Carvalho, localizada em Pojuca, Bahia e na
Fundação AVIBRÁS, em São José dos Campos, São Paulo.
30
Com a aceleração de estudos levantou-
se a possibilidade do término de parte dos estu-
dos antes mesmo da conclusão plena do 1o grau
(atualmente denominado ensino fundamental). O
Projeto Prioritário n.º 35/71 previa que “no caso
dos alunos superdotados haverem terminado antes
da idade normal parte dos estudos do ensino de 1º
grau, poderão freqüentar simultaneamente escolas
de 2º grau que tenham matrículas por disciplina”
(Brasil, 1976, p. 4).
Todavia, constatou-se que foi no 2º grau que
a prática da aceleração de estudos tornou-se mais
comum. Vários alunos aprovados em vestibulares
de universidades particulares, oriundos de famílias
com maior poder aquisitivo e acesso às informa-
ções especializadas, tiveram acesso a mandados de
segurança que garantiram o direito de freqüência às
aulas enquanto, simultaneamente, freqüentavam ou
concluíam o 2º grau. O mesmo se deu no Instituto
de Matemática Pura e Aplicada, IMPA, no Rio de
Janeiro, embora sem a exigência do mandado de
segurança, bastando ao candidato ter sido aprovado
no processo seletivo no Mestrado.
Desde 1971, várias iniciativas públicas e pri-
vadas de atendimento escolar aos alunos superdota-
dos foram registradas nos estados do Rio de Janeiro,
Pará, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo,
São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e no Distrito
Federal. Algumas delas acabaram, outras foram
reformuladas ou assumiram caráter de referência
como as desenvolvidas em Minas Gerais, Espírito
Santo e Distrito Federal.
A partir de 1971, e nos anos seguintes, cres-
ceu bastante a influência das organizações não-
governamentais voltadas para o atendimento aos
alunos com altas habilidades/superdotação sobre
as decisões governamentais. Muitos foram os
profissionais da educação (professores e psicólo-
gos), profissionais da área do trabalho (SENAI,
SENAC, CNI)
8
e empresários que contribuíram
para este crescimento.
Em 1979, por exemplo, foi fundada a
Associação Brasileira para Superdotados, ABSD.
Seu primeiro presidente foi o General João Bina
Machado, reformado durante os primeiros anos da
ditadura iniciada em 1964, por ter ficado ao lado
e ter dado cobertura aos estudantes que se opuse-
ram ao regime militar, reconhecendo neles, líderes
estudantis com alto nível de capacidade e poten-
cialidades. A ABSD promoveu com o Ministério
da Educação, a UNESCO, o SENAI, entre outros,
vários eventos nacionais e internacionais, tendo
exercido papel preponderante junto às principais
decisões ministeriais.
O ano de 1994 ficou marcado pela publica-
ção do documento intitulado Política Nacional de
Educação Especial. Este documento foi produzido
pela Equipe da Secretaria de Educação Especial do
MEC, com a colaboração dos dirigentes estaduais
e municipais de Educação Especial brasileira, pelos
representantes dos Institutos Benjamim Constant
e Instituto Nacional de Educação de Surdos e de
organizações não-governamentais.
Tratava-se de um documento de pequeno
porte, que fez a revisão dos principais conceitos
9
com os quais a Educação Especial passou a traba-
lhar sob o paradigma da integração. Embora não
remeta o leitor aos referenciais bibliográficos, o
documento apresentou uma análise da situação da
Educação Especial brasileira naquele momento,
bem como os fundamentos axiológicos que norte-
aram as práticas políticas integradoras, os objetivos
gerais, os específicos e as diretrizes gerais de toda a
política (Brasil, 1994a).
Enfim, pela primeira vez, uma política de
caráter nacional foi publicada e distribuída para
todos os que se interessavam ou participavam das
capacitações de professores, ratificando o paradigma
da normalização, difundido, desde o final dos anos
de 1970, pelos raríssimos cursos de graduação em
Pedagogia que ofereciam a habilitação ou uma dis-
ciplina de Educação Especial ou, mais raros ainda,
por cursos de pós-graduação
lato ou stricto-sensu
na área da Educação Especial.
Em relação a superdotação, pretendeu-se res-
significar o conceito difundido nos anos de 1970,
considerando-se os avanços teóricos no âmbito da
psicologia e da Educação, tendo como base os estu-
dos fundamentados nas teorias socioculturais.
Todavia, o resultado mostrou-se equivocado
e a mudança teórica que se pretendia, não passou
da mudança de termos, de superdotados para altas
habilidades e supressão da conjunção alternativa
9 Alunado da Educação Especial (Altas Habilidades, Condutas
Típicas, Deficiência Auditiva, Deficiência Física, Deficiência
Mental, Deficiência Múltipla e Deficiência Visual), Crianças
de alto Risco, Educação Especial, Estimulação Essencial,
Incapacidade, Integração, Integração Escolar, Modalidades de
Atendimento (Atendimento Domiciliar, Classe Comum, Classe
Especial, Classe Hospitalar, Centro Integrado de Educação
Especial, Ensino com Professor Itinerante, Escola Especial,
Oficina Pedagógica), Sala de Estimulação Essencial, Sala de
Recursos), Normalização, Pessoa Portadora de Deficiência,
Pessoa Portadora de Necessidades Especiais, Potencialidade,
Reabilitação.
8 SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial),
SESC (Serviço Social do Comércio) e CNI (Confederação
Nacional da Indústria)
31
Capítulo 2: Legislação e Políticas Educacionais
ou”, do caput do conceito, acabando por produzir
uma exclusão maior, já que só seriam considerados
alunos com altas habilidades/superdotação aqueles
que apresentassem notável desempenho e elevada
potencialidade”. A supressão do ou” acabou com
a possibilidade de que alunos com fracasso escolar
fossem identificados por suas elevadas potenciali-
dades (Delou, 1996). Hoje, sabe-se que alunos com
altas habilidades/superdotação escondem capaci-
dades e potencialidades em inúmeras histórias de
fracasso escolar, a fim de não serem excluídos do
convívio social por serem inteligentes ou por serem
capazes de desempenho escolar bem sucedido
(Delou, 2001). Contudo, desde então, a mudança
de denominação para
altas habilidades mostrou
ser mais bem aceita pelo meio educacional.
O Novo Paradigma: a Inclusão
No ano de 1990, o Brasil assumiu na
“Conferência Mundial sobre Educação para Todos”,
ocorrida em Jomtien, na Tailândia, o compromisso
oficial do poder público de erradicação do analfa-
betismo e a universalização do ensino fundamental
perante a comunidade internacional.
Em 1994, ocorreu a “Conferência Mundial
sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso
e Qualidade”, em Salamanca, na Espanha. Neste
evento, foi assinada a Declaração de Salamanca, que
apresentou a linha de ação política para a inclusão
10
dos alunos com necessidades educacionais espe-
ciais
11
nas escolas comuns das redes de ensino.
Buscando abranger, ao máximo, todos aqueles
que estiveram, historicamente, excluídos das práti-
cas pedagógicas por falta de eqüidade e de igualdade
de oportunidades, a Declaração de Salamanca não
excluiu os superdotados, a quem nomeou de
bem
dotados
(Brasil, 1994b). Para todos, foram assegu-
rados princípios contra todo tipo de exclusão.
Neste momento vivíamos um grande impasse.
A sociedade civil construía uma nova lei de ensino,
que embora fizesse avanços políticos, não expres-
sava grandes conquistas para os alunos com neces-
sidades educacionais especiais, principalmente
para os alunos com altas habilidades. Estes, regra
geral, eram negados, ignorados ou ainda, eram tidos
como privilegiados por terem nascido inteligentes.
Naturalmente, os alunos com histórico de fracasso
escolar conseguiam sensibilizar mais os professores.
Foi quando em 1996, o cenário educacional
foi surpreendido com uma nova realidade, por força
de lei. Foi publicada a Lei 9394, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, também denomi-
nada de Lei Darcy Ribeiro, uma ampliação do que
está definido na Constituição Federal (Brasil, 1988,
Cap. III, Seção I).
Na Constituição, a Educação era definida
como dever do Estado (Brasil, 1988, Art. 208),
mediante a garantia de atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular
de ensino, apenas
12
aos portadores de deficiência,
(Brasil, 1988, Art. 208, III). Na nova LDBEN, esta
redação foi modificada, passando a referir-se não
10 No Brasil, a tradução do documento original de Salamanca
foi adaptada à terminologia educacional brasileira, alterando-se as
expressões “integrada” ou “integradora” por “inclusiva”.
11 O documento referiu-se à “necessidades educativas especiais”,
mas o Brasil adotou a expressão necessidades educacionais espe-
ciais”, como proposta por Mazzotta (1996), substituindo a expres-
são “educativa” por “educacional”.
12 Grifo nosso.
apenas aos alunos com deficiências, mas aos educan-
dos com necessidades educacionais especiais. Essa
terminologia não resolve o problema de exclusão dos
alunos com altas habilidades na sociedade, mas mos-
tra sintonia legislativa com a atualidade teórica.
A Constituição garante o “acesso ao ensino
obrigatório e gratuito” (Brasil, 1988, Art. 208, IV, §
1º) e o acesso aos níveis mais elevados do ensino,
da pesquisa e da criação artística, segundo a capaci-
dade de cada um (Brasil, 1988, Art. 208, IV), rea-
firmado no Artigo 4.º, da LDBEN, ao estabelecer
que é dever do Estado garantir atendimento edu-
cacional especializado gratuito aos educandos com
necessidades especiais, preferencialmente na rede
regular de ensino por meio de educação escolar
pública (Brasil, 1996, Art. 4.º, III). E, ainda, alunos
com necessidades educacionais especiais também
devem ter garantido o acesso aos níveis mais ele-
vados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo as capacidades de cada um, como todos os
demais (Brasil, 1996, Art. 4. º , V).
A Lei 9394/96 também está baseada na Lei
n.º 8069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente, que declara: nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negli-
gência, discriminação, violência, crueldade e opres-
são, punido na forma da lei qualquer atentado, por
ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”
(Brasil, 1990, Art. 5.º).
Como já foi mencionado, o Brasil optou
por construir um sistema educacional inclu-
sivo, concordando com a Declaração Mundial de
Educação para Todos”, firmada em Jomtien, em
1990, e com os postulados definidos em Salamanca,
Espanha, em 1994, na Conferência Mundial
32
sobre Necessidades Educacionais Especiais:
Acesso e Qualidade, de onde tiramos os princí-
pios que são mais adequados aos alunos com altas
habilidades/superdotação:
cada criança tem características, interesses,
capacidades e necessidades de aprendizagem
que lhe são próprios;
os sistemas educativos devem ser projetados e
os programas aplicados de modo que tenham
em vista toda gama dessas diferentes caracte-
rísticas e necessidades;
os programas de formação inicial deverão
despertar em todos os professores da Edu-
cação Básica uma orientação positiva sobre a
deficiência que permita entender o que se po-
de conseguir nas escolas com serviços locais
de apoio. Os conhecimentos e as aptidões re-
queridos são basicamente os mesmos de uma
boa pedagogia, isto é, a capacidade de avaliar
as necessidades especiais, de adaptar o con-
teúdo do programa de estudos, de recorrer à
ajuda da tecnologia, de individualizar os pro-
cedimentos pedagógicos para atender a um
maior número de aptidões... Atenção especial
deverá ser dispensada à preparação de todos
os professores para que exerçam sua autono-
mia e apliquem suas competências na adapta-
ção dos programas de estudos e da pedagogia,
a fim de atender às necessidades dos alunos
e para que colaborem com os especialistas e
com os pais;
as escolas deverão acolher todas as
crianças, independentemente de suas
condições físicas, intelectuais, sociais, emo-
cionais, lingüísticas ou outras (necessidades
educativas especiais);
as escolas deverão adotar uma pedagogia cen-
tralizada na criança, respeitando tanto a digni-
dade como as diferenças de todos os alunos;
os programas de estudos devem ser adapta-
dos às necessidades das crianças e não o con-
trário, sendo que as que apresentarem neces-
sidades educativas especiais devem receber
apoio adicional no programa regular de estu-
dos, ao invés de seguir um programa de estu-
dos diferente;
os administradores locais e os diretores de es-
tabelecimentos escolares devem ser convida-
dos a criar procedimentos mais flexíveis de
gestão, a remanejar os recursos pedagógicos,
diversificar as opções educativas, estabelecer
relações com pais e a comunidade;
o corpo docente, e não cada professor, deverá
partilhar a responsabilidade do ensino minis-
trado a crianças com necessidades especiais;
as escolas comuns, com essa orientação inte-
gradora, representam o meio mais eficaz de
combater atitudes discriminatórias, de criar
comunidades acolhedoras, construir uma so-
ciedade integradora e dar educação para todos;
além disso, proporcionam uma educação efe-
tiva à maioria das crianças e melhoram a efici-
ência e, certamente, a relação custo–benefício
de todo o sistema educativo (Brasil, 1994b).
Assim sendo, a nova lei trouxe significativo
avanço político. Em primeiro lugar, um capítulo
dedicado, integralmente, ao atendimento educacio-
nal especializado ao aluno com necessidades educa-
cionais especiais, o Capítulo V, que supera a questão
clínica da educação, embora não negue a possibili-
dade de alguns casos terem que ser acompanhados
de tratamento médico.
Logo no início, do Capítulo V, reafirma-se o
caráter constitucional, educativo e inclusivo da Lei.
Definida como modalidade de educação escolar, a
Educação Especial deve ser oferecida preferen-
cialmente na rede regular de ensino, para educan-
dos portadores de necessidades especiais”
13
(Brasil,
1996, Art. 58).
É na escola que alunos com necessida-
des especiais devem permanecer a fim de recebe-
rem educação escolar conforme as capacidades de
cada um. “Haverá, quando necessário, serviços de
apoio especializado, na escola regular, para atender
as peculiaridades da clientela de educação especial”
(Brasil, 1996, Art. 58, § 1.º). Foi estabelecido, ainda,
que os alunos com necessidades especiais deverão
ser atendidos educacionalmente “em classes, escolas
ou serviços especializados, sempre que, em função
das condições específicas dos alunos, não for pos-
sível a sua integração nas classes comuns de ensino
regular” (Art. 58, § 2º).
Esta ênfase é importante, pois existem casos
de alunos que demandam mais atenção que os
demais e espaços próprios para um desenvolvimento
mais adequado. Neste caso, estão incluídos os alunos
precoces em significativo estado de adiantamento
no desenvolvimento.
Considerando-se que o desenvolvimento
humano não se dá de modo uniforme e que a cha-
mada educação infantil exerce profunda importân-
cia no desenvolvimento do ser humano, a legisla-
ção brasileira estabelece que é “dever do Estado a
13 A expressão aluno com necessidades educacionais especiais foi
ratificada na legislação que regulamentou a LDB em 2001.
33
Capítulo 2: Legislação e Políticas Educacionais
educação escolar pública ... atendimento gratuito
em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis
anos de idade” (Brasil, 1996, Art. 4º, IV).
Em consonância com o corpo da Lei, tam-
bém ficou estabelecido que a oferta de educação
especial , dever constitucional do Estado, tem início
na faixa etária de zero a seis anos, durante a edu-
cação infantil” (Brasil, 1996, Art. 58, § 3.º). Cabe
notar que não é a necessidade educacional especial
que direciona a matrícula do aluno na escola, mas
se esta criança estiver em creche ou na educação
infantil, ela passa a ter direito aos serviços de aten-
dimento educacional especializado que os sistemas
de ensino têm o dever de oferecer e manter em fun-
cionamento adequado a alunos com necessidades
educacionais especiais.
Em 2006, pela Lei 11274 (Brasil, 2006),
houve a reformulação do Artigo 32 da Lei 9394/96,
referente ao tempo de duração do ensino funda-
mental (hoje, contando nove anos obrigatórios) e à
idade mínima em que os pais passam a ser responsá-
veis por efetuar a matrícula de seus filhos na escola,
modificada agora para 6 anos de idade, reafirmando
a responsabilidade das matrículas aos municípios e,
supletivamente, aos Estados e à União, conforme
estabelecido na LDBEN (Brasil, 1996).
Segundo esta Lei,a primeira etapa da edu-
cação básica, tem como finalidade o desenvolvi-
mento integral da criança até seis anos de idade, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comuni-
dade” (Brasil, 1996, Art. 29). Sua oferta deve ocor-
rer em creches, ou entidades equivalentes, para
crianças de até três anos de idade” (Art. 30, I) e em
pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos
de idade” (Brasil, 1996, Art. 30, II). Assim, todas
as crianças com menos de 6 (seis) anos de idade
têm direito de estar na escola de educação infantil
quando existe esta oferta de nível de ensino.
No caso das crianças precoces que viveram
as experiências da educação infantil e que foram
avançadas nas séries iniciais “com base no inte-
resse e no processo de aprendizagem (Brasil, 1996,
Art. 23), naturalmente chegarão ao primeiro ano
de escolaridade antes da idade estabelecida como
obrigatória para o ensino fundamental. Assim,
como justificar que a criança precoce, reconhe-
cida por suas necessidades especiais, esteja fora da
escola porque não completou os 6 anos de idade
para iniciar o ensino fundamental?
A LDBEN não conceitua a expressão alunos
com necessidades especiais, contudo faz menção
aos alunos superdotados e prevê garantias para estes
alunos no Capítulo V. Então, alunos superdotados
são considerados alunos com necessidades educa-
cionais especiais.
Aos alunos superdotados foi garantido o
atendimento especializado no âmbito da educação
escolar, que deve ser realizado na escola comum, na
qual todos os demais alunos são educados e escola-
rizados. Não é qualquer tipo de atendimento edu-
cacional. A fim de garantir que o atendimento espe-
cializado aconteça, o Artigo 59 estabelece que os
sistemas de ensino assegurarão aos educandos com
necessidades especiais currículos, métodos, recur-
sos educativos e organizações específicos, para aten-
der às suas necessidades” (Brasil, 1996, Art. 59, I).
Não raramente, as escolas são surpreen-
didas com alunos superdotados com indicado-
res de precocidade ou autodidatas, entediados
com o conformismo que são obrigados a praticar
devido aos baixos níveis de desafio escolar apre-
sentados. Na verdade, são alunos que apresentam
níveis de desenvolvimento muito adiantado em
relação ao das demais crianças da mesma idade,
que foram matriculadas na mesma turma.
Para que a inclusão se torne uma realidade, é
preciso que os sistemas de ensino definam normas
de gestão democrática e que os profissionais da edu-
cação participem da elaboração do projeto pedagó-
gico da escola (Brasil, 1996, Art. 14, I). É neces-
sário se prever todas as mudanças que os sistemas
de ensino, as escolas e a sociedade devem promover
para que os alunos com necessidades educacionais
especiais sejam, realmente, incluídos na escola.
Para os alunos superdotados, são indicadas
mudanças pedagógicas que ofereçam programas
de enriquecimento escolar e de aprofundamento
de estudos, cuja finalidade é de ajustar o ensino ao
nível do desenvolvimento real dos alunos. Estas
propo stas podem ser realizadas tanto nas salas
de aulas regulares como nas salas de atendimento
34
para a maioria dos alunos, ou seja, “terminalidade
específica para aqueles que não puderem atingir o
nível exigido para a conclusão do ensino fundamen-
tal, em virtude de suas deficiências e aceleração para
concluir em menor tempo o programa escolar para
os superdotados” (Brasil, 1996, Art. 59, II).
Lembremo-nos de uma criança superdotada
de 5 anos de idade com pleno domínio da leitura e
da escrita. Num trabalho pedagógico apoiado pela
teoria vygotskiana ou por uma concepção teórica
sócio-interacionista, certamente esta criança poderá
ter a oportunidade de pular a classe de alfabetiza-
ção, uma vez que o próprio Vygotsky (1996) afir-
mou: “é uma comprovação empírica, freqüente-
mente verificada e indiscutível, que a aprendizagem
deve ser coerente com o nível de desenvolvimento
da criança” (p. 111).
Logo, se a criança já souber ler e escrever, por
exemplo, o que ela fará na classe de alfabetização
durante 200 dias letivos, se este vai ser o foco do tra-
balho do professor? Caso o trabalho pedagógico seja
orientado pela teoria piagetiana ou por uma concep-
ção teórica construtivista, devemos nos lembrar o
que é psicogênese. Quando as crianças atingem um
determinado nível de desenvolvimento, é porque ela
já passou pelos estágios anteriores.
Piaget (1996) reafirmou a formação do
conhecimento ou a psicogênese na forma de estágios
seqüenciais do desenvolvimento cognitivo, a partir do
nascimento e deu-lhes caráter universal. A caracteri-
zação dos estágios no âmbito da inteligência depende-
ria da satisfação de condições básicas. Entre elas está
a constante sucessão dos comportamentos, indepen-
dentemente das acelerações ou atrasos que poderiam
modificar as idades cronológicas
14
médias em função
da experiência adquirida e do meio social (como das
aptidões individuais).
Cada fase seria definida por uma estrutura de
conjunto, que caracterizaria todos os comportamen-
tos novos próprios da fase e não por uma proprie-
dade simplesmente dominante. As estruturas apre-
sentariam um processo de integração tal que cada
uma delas fosse preparada pela precedente e se inte-
grasse na seguinte (Piaget, 1996).
Logo, se a criança apresenta competências
de domínio da leitura e da escrita antes dos 6 anos
de idade, é porque ela já formou estruturas cogni-
tivas mais avançadas que as previstas para o estágio
pré-operacional. Mais uma vez, podemos questionar
como conceber que uma criança nesta condição seja
obrigada a cursar 200 dias letivos de uma classe de
alfabetização, se a concepção teórica aponta para a
evolução cognitiva já alcançada.
Se nesta situação for dada a oportunidade
de aceleração de estudos à criança por ela já apre-
sentar competências escolares esperadas na con-
clusão de classe de alfabetização, ela poderia não
só concluir em menor tempo seus estudos, como
abriria imediatamente uma vaga para a classe
de alfabetização.
Esta é lição de economia pública: uma
criança que já apresente, aos 5 anos de idade, as
competências escolares esperadas para os 6 anos,
possibilitaria que outra criança entrasse em sua
vaga escolar caso ela fosse poupada de estar pre-
sente na classe de alfabetização apenas para cum-
prir, burocraticamente, a seqüência das séries esco-
lares. Para que estas decisões sejam tomadas no
âmbito da escola de modo acertado e responsável, é
necessário que os sistemas de ensino regulamentem
educacional especializado ou salas de recursos,
por áreas de talento ou de interesse. Logo são de
competência da escola.
Se os alunos superdotados tiveram oportuni-
dades de enriquecer e/ou aprofundar conteúdos cur-
riculares e o seu nível de desempenho escolar ficar
muito distanciado do nível dos companheiros de
turma, surge a possibilidade da aceleração de estudos
como alternativa administrativa que envolve práticas
pedagógicas para a busca da adequação social e esco-
lar do aluno.
Aceleração de estudos não significa apenas
aligeiramento escolar por redução de conteúdos a
um currículo mínimo ou resumo do livro didático.
Aceleração de estudos é um tipo de programa de
atendimento educacional especializado que pode
ser utilizado quando a avaliação de aprendizagem
realizada na escola evidencia que o aluno demons-
tra competências, habilidades e conheciementos em
níveis de desenvolvimento efetivo para além dos evi-
denciados por seus pares em nível escolar.
Entre os objetivos da aceleração de estudos
encontram-se: (a) ajustar o ritmo de ensino às poten-
cialidades dos estudantes, a fim do desenvolvimento
de um trabalho ético racional, (b) fornecer um nível
apropriado de desafio escolar a fim de evitar o tédio
oriundo da repetição das aprendizagens e (c) redu-
zir o período de tempo necessário para o estudante
completar a escolarização tradicional, incluindo-se a
entrada precoce na escola ou na universidade.
Portanto, a possibilidade de aceleração de
estudos fez surgir a necessidade de previsão de uma
terminalidade escolar fora dos padrões estabelecidos
14 Distingue-se sempre em psicologia a idade cronológica da
idade mental (Piaget, 1996).
35
Capítulo 2: Legislação e Políticas Educacionais
esta questão, lembrando que toda regra tem suas
exceções.
É inegável que o Governo Federal vem
fazendo grandes esforços no sentido de ampliar a
capacitação dos professores no âmbito da Educação
Especial Inclusiva, e isto pode ser constatado nos
inúmeros cursos, encontros técnicos e capacita-
ções anunciadas no próprio endereço eletrônico da
SEESP/MEC, a produção de material específico
para estas formações, assim como as ações desen-
volvidas pela CAPES, por meio do PROESP
15
.
Contudo, podemos constatar a insuficiência destas
ações para suprir a demanda social, nacional.
Afinal, trata-se de mudança de paradigma
numa sociedade com mais de 180 milhões de habi-
tantes e que, se considerarmos a meta do MEC de
atender de 15 a 20% de alunos superdotados, tere-
mos identificados cerca de 27 milhões de super-
dotados. Ainda que considerássemos a taxa irreal
da Organização Mundial de Saúde de 1%, seriam
quase 2 milhões de superdotados no Brasil, o que
mostra a importância deste atendimento.
A nova LDBEN também prevê o atendi-
mento educacional especializado para o trabalho
aos alunos superdotados:
educação especial para o trabalho, visando a sua
efetiva integração na vida em sociedade, inclusive
condições adequadas para os que não revelam
capacidade de inserção no trabalho competitivo,
mediante articulação com os órgãos oficiais afins,
bem como para aqueles que apresentam uma
habilidade superior nas áreas artística, intelectual
ou psicomotora. (Brasil, 1996, Art. 59, IV)
A LDBEN, também previu a necessidade de
acesso igualitário aos programas sociais para os alunos
com altas habilidades/superdotação. Acesso igualitá-
rio aos benefícios dos programas sociais suplemen-
tares disponíveis para o respectivo nível de ensino
regular” (Brasil, 1996, Art. 59, V). Os benefícios
decorrentes dos programas sociais criados com vistas
a diminuir as desvantagens tão comuns entre os alu-
nos das classes populares, também, incluem os alunos
superdotados. Nenhuma ação ou argumento pode ser
construído no sentido de exclui-los destes programas.
Programas como “Fome Zero e “Bolsa Família vêm
resolvendo pequena parcela do grande problema que
é a distribuição de renda no Brasil. Todavia, a demora
para a definição de programas específicos para os alu-
nos superdotados mostra o quanto ainda é preciso
trabalhar para dar visibilidade às necessidades espe-
ciais e sociais que estes alunos possuem.
Para que o Capítulo V da LDBEN seja cum-
prido em sua totalidade é preciso encontrar, no
restante do corpo da Lei, os elementos legais que
viabilizem este cumprimento, começando pela orga-
nização escolar que é tarefa dos sistemas de ensino
federal, estaduais, municipais, públicos e particula-
res. Ao abordarmos a situação dos alunos que apre-
sentam níveis de desenvolvimento efetivo em des-
compasso com o desenvolvimento dos demais pares
de idade, devemos ter em mente que os mode-
los organizacionais de turmas baseados nas idades
dos alunos pode ser questionado. Neste aspecto, a
LDBEN apresenta sinais da grande flexibilidade
para a organização da educação básica quando esta-
belece que:
a educação básica poderá organizar-se em séries
anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regu-
lar de períodos de estudos, grupos não-seriados, com
base na idade, na competência e em outros critérios,
ou por forma diversa de organização, sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o reco-
mendar. (Brasil, 1996, Cap. II, Seção I, Art. 23)
Observa-se grande variedade de alternativas
para que os sistemas de ensino organizem a educa-
ção básica, ou seja, o ensino fundamental e o ensino
médio, sob sua responsabilidade. Não só aponta as
modalidades de séries anuais, períodos semestrais,
ciclos, alternância regular de períodos de estudos e
grupos não-seriados, como estabelece critérios varia-
dos com base na idade, na competência e em outros
critérios, deixando uma margem de liberdade para
que a organização possa ser feita de acordo com inte-
resses voltados para o processo de aprendizagem.
A aplicação desta variedade de alternativas é
bastante pertinente, pois quando tratamos de alunos
superdotados, não raro, eles se adiantam aos conte-
údos escolares da série e acabam sendo obrigados a
se conformarem até que aquela etapa escolar acabe,
pela falta de instrumentos organizacionais na escola
que permitem flexibilidade de movimento do aluno
superdotado na grade curricular. Todas as alternativas
têm aspectos positivos e negativos, por isso é preciso
estar atento aos interesses do processo de aprendiza-
gem sinalizado pelo desenvolvimento do aluno.
Um artigo complexo da LDBEN afirma
que, “independentemente de escolarização anterior,
mediante avaliação feita pela escola, que defina o
15 PROESP: O Programa de Educação Especial visa propiciar
em nível nacional, o desenvolvimento, a capacitação e a qualifi-
cação de professores para o atendimento às diferenças dos alunos
matriculados nas classes comuns da educação infantil, do ensino
fundamental, da educação de jovens e adultos, da educação pro-
fissional, do ensino médio e da educação superior, bem como,
de professores que prestam o atendimento educacional especia-
lizado nos serviços complementares e suplementares, a fim de
que possam conduzir, de forma crítica e reflexiva, o processo de
ensino aprendizagem no âmbito escolar.
36
Em relação ao Ensino Superior, ficou defi-
nido que os alunos que tenham extraordinário
aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio
de provas e outros instrumentos de avaliação espe-
cíficos, aplicados por banca examinadora especial,
poderão ter abreviada a duração dos seus cursos,
de acordo com as normas dos sistemas de ensino
(Brasil, 1996, Art. 47, § 2.º).
O exemplo de maior destaque em relação à
aplicação do artigo 47 da Lei foi o caso do cien-
tista Leonardo Magalhães Macarini, que teve seu
diploma de Doutor em Matemática validado pelo
Conselho Nacional de Educação, em 2001, pelo
fato de não ter realizado nenhuma das etapas ante-
riores de escolarização. Leonardo estava fora da
escola desde os 13 anos de idade, quando havia sido
desligado da escola por problemas de freqüência na
7ª série. Aos 16 anos, foi, como aluno ouvinte, para
o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, estu-
dar Matemática Pura na área de conhecimento
da Geometria Diferencial e Sistemas Dinâmicos.
Aos 22 anos, defendeu sua tese de doutorado com
mérito. Para que seu título tivesse validade, recebeu
o título de “Notório Saber de todos os níveis que
antecedem o Doutorado”, pelo Parecer n.º 1.242
da Câmara de Educação Superior do Conselho
Nacional de Educação, publicado no Diário Oficial
de 18 de dezembro de 2001.
Este exemplo mostra que a resistência à oferta
de atendimento especializado a alunos superdotados,
tão comum nas escolas da Educação Básica, não foi
observada numa das principais instituições de pesquisa
do mundo, com formação em pós-graduação na área da
Matemática, como é o caso do Instituto de Matemática
Pura e Aplicada (IMPA).
grau de desenvolvimento e experiência do candi-
dato”, seja permitido ao aluno sua inscrição na série
ou etapa adequada, conforme regulamentação do
respectivo sistema de ensino (Brasil, 1996, Cap. II,
Seção I, Art. 24, II, “c”).
Tal complexidade se deve porque, em pri-
meiro lugar, a regulamentação desta matéria ficou a
cargo dos sistemas de ensino. Grande foi a polêmica,
demoradas as discussões e nem sempre o resultado,
eficiente. As interpretações dadas a este artigo foram
tão variadas que ele deu margem à exclusão dos alu-
nos precoces na leitura, menores de 6 anos de idade,
que em determinadas escolas ou estabelecimentos
de ensino têm que completar esta idade para serem
matriculados na escola.
Na verdade, o artigo 24 da LDBEN dá mar-
gem para que a aceleração de estudos seja um ins-
trumento de domínio escolar, porque é praticada a
partir da avaliação escolar, ou seja, se a escola consta-
tar pela avaliação escolar que o aluno está apto para
determinada série por seu grau de desenvolvimento
e experiência, independentemente da escolarização
documentalmente comprovada, ela poderá permitir
a matrícula do aluno na série ou etapa mais adequada
ao seu desenvolvimento. Qualquer aluno matricu-
lado na escola que apresente tal condição, deveria
poder ser submetido à reclassificação de série, inde-
pendente de qualquer diagnóstico suplementar.
Após longos vinte e cinco anos de vigência
da Lei 5692/71, nós esquecemos as práticas esco-
lares que implicavam aceleração de estudos realiza-
dos durante a vigência da Lei 4024/61. Há epoca,
não raro, crianças não realizavam a 2a. série, por-
que demostravam, desde a 1a. série, competências
para a terceira. Assim como inúmeros alunos foram
matriculados no ginásio, mediante aprovação no
concurso de admissão realizado na 4a. ou 5a. série,
quando o ensino primário poderia ter no mínimo
quatro séries anuais, mas, também, podia estender
sua duração em até mais dois anos, a fim de ampliar
conhecimentos e iniciar os alunos em técnicas de
artes aplicadas adequadas ao sexo e à idade” (Brasil,
1961, Art. 26, Parágrafo Único).
Muitos alunos foram para o ginásio (antiga
denominação do atual ensino médio) sem reali-
zarem a 4ª, a 5ª e até a 6ª série pelo fato de terem
sido aprovadas para o ginásio. Hoje, como resultado
da aceleração de estudos de acordo com os interes-
ses da aprendizagem e de acordo com o desenvolvi-
mento e as experiências do aluno, a escola precisará de
uma nova organização. A nova LDBEN previu que
a escola poderá organizar-se em “classes, ou turmas,
com alunos de séries distintas, com níveis equivalen-
tes de adiantamento na matéria, para o ensino de lín-
guas estrangeiras, artes, ou outros componentes curri-
culares” (Brasil, 1996, Cap. II, Seção I, Art. 24, IV).
Assim, poderemos ter alunos mais adiantados
em matemática, artes, ciências ou qualquer compo-
nente curricular. Ou os alunos que se iniciam nas artes
plásticas precocemente, ou na matemática ou nas ciên-
cias, deveriam poder conviver com outros estudantes,
adiantados nas matérias, que atuariam como mediado-
res para o desenvolvimento dos alunos superdotados.
Insistindo no aspecto democrático da avalia-
ção escolar, a LDBEN reafirma a “possibilidade de
avanço nos cursos e nas séries mediante verificação
do aprendizado (Brasil, 1996, Cap. II, Seção I, Art.
24, V,c”), deixando claro que esta é uma tarefa da
escola e que o avanço escolar só depende da verifi-
cação do aprendizado.
37
Capítulo 2: Legislação e Políticas Educacionais
Vários são os exemplos de cientistas, hoje
formados, trabalhando em centros de pesquisa e
universidades nacionais e internacionais, que che-
garam ao IMPA com menos de 16 anos de idade e
que começaram a cursar o mestrado antes mesmo
de apresentarem qualquer certificado de conclu-
são de ensino médio ou de graduação universitária.
Cabe ressaltar que a instituição não estimula que
os alunos abandonem a educação básica ou curso
de graduação, mas valoriza as potencialidades efe-
tivas demonstradas por meio do desempenho esco-
lar. Assim, poderíamos perguntar se o IMPA teria
transformado em cultura institucional ou em polí-
tica pública de avaliação escolar uma evidência teó-
rica que a educação básica resiste em aplicar.
Relembrando o que já foi mencionado ante-
riormente, Vygotsky (1996) afirmou que “é uma
comprovação empírica, freqüentemente verificada
e indiscutível, que a aprendizagem deve ser coe-
rente com o nível de desenvolvimento da criança”
(p. 111). Embora o exemplo dado não tenha sido
com criança, fica evidente que a tese vygotskiana se
aplica não apenas a elas.
Tratar a aprendizagem de modo coerente com
o nível de desenvolvimento do aluno é uma prática
que não será atingida utilizando-se currículos padro-
nizados para todos os alunos, planejamentos pedagó-
gicos uniformizados ou avaliações que não considerem
as potencialidades e características das altas inteligên-
cias, os ritmos mais acelerados de aprendizagem ou as
características e necessidades destes alunos e alunas.
Como foi possível constatar, a aplicação da
Lei depende de conhecimento, interesse e/ou valo-
rização dos feitos humanos, independentemente
de ideologias cristalizadas em práticas refutadas. A
conseqüência foi que as ações educativas inclusi-
vas esperadas pela aplicação da nova LDBEN não
foram imediatas. Assim, a Secretaria de Educação
Especial do MEC deu início a um trabalho que levou
a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação à homologação da Resolução n.º 2, em
15 de agosto de 2001, que instituiu as Diretrizes
Nacionais da Educação Especial para a Educação
Básica - uma espécie de instrução sobre aspectos a
serem considerados durante o processo de inclusão.
A Resolução n.º 02/2001 considerou educan-
dos com necessidades educacionais especiais os que,
durante o processo educacional, apresentarem: ...altas
habilidades/superdotação”, definindo-a como sendo
a expressão de grande facilidade de aprendizagem
que os leve a dominar rapidamente conceitos, proce-
dimentos e atitudes” (Brasil, 2001, Art. 5º, III).
Tal conceito traz a inovação de tirar o foco do
aluno, passando-o para o processo de aprendizagem
deste indivíduo. Por exemplo, o fato do aluno ser
indisciplinado, porque a escolarização não apresenta
desafios e ainda apresentar dificuldades de aprendi-
zagem em uma área diferente daquela em que apre-
senta talento, não será motivo para impedir que alunos
sejam reconhecidos e atendidos de modo especiali-
zado na escola nas áreas em que apresentem altas
habilidades/superdotação.
Foi nesta Resolução que a expressão altas
habilidades/superdotação apareceu pela primeira
vez no Brasil, associando-se dois conceitos de con-
cepções teóricas diferentes (sócio-interacionista
e inatista) de modo conjugado. Para efeito admi-
nistrativo, no Brasil, seu uso não é alternativo, o
que mostra o insucesso na tentativa de mudança
de paradigma conceitual. Contudo, é preciso reco-
nhecer que a expressão altas habilidades parece ter
tido maior aceitabilidade junto ao público leigo.
A Resolução n.º 02/2001 estabeleceu
ainda que:
as escolas da rede regular de ensino devem prever
e prover na organização de suas classes comuns:
...atividades que favoreçam, ao aluno que apresen-
te altas habilidades/superdotação, o aprofunda-
mento e enriquecimento de aspectos curriculares,
mediante desafios suplementares nas classes co-
muns, em sala de recursos ou em outros espaços
definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para
conclusão, em menor tempo, da série ou etapa es-
colar. (Brasil, 2001, Art. 8.º, IX)
Contudo, ficou estabelecido que alunos
com altas habilidades/superdotação têm direito a
currículos enriquecidos e aprofundados de modo
suplementar ao currículo regular, ou seja, para
além das atividades previstas para a classe regu-
lar em que esteja oficialmente matriculado. Estas
atividades podem ocorrer na própria sala de aula
regular ou em salas de recursos. Mas, também,
podem ocorrer em outros espaços, como nas uni-
versidades, onde o aluno pode ter abreviado o
tempo de permanência na escola por ter atingido
plenamente os objetivos daquela etapa escolar em
que se encontra matriculado.
Não se trata de banalizar a escola e nem tão
pouco de desvalorizar o trabalho do professor, mas de
valorizar o desenvolvimento escolar efetivo que alu-
nos com altas habilidades/superdotação apresentam.
Vygotsky, Luria e Leontiev (1988, p. 114)
acreditavam que o bom ensino é o que se adianta
ao desenvolvimento” do aluno. Então, ter acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa
38
Superdotação, ConBraSD, fundado em 2003, e
que tem a finalidade de congregar e representar,
nacional e internacionalmente, as pessoas físicas
e jurídicas nos âmbitos federal, estaduais, muni-
cipais e do Distrito Federal associadas que reali-
zem ações ou estejam interessadas em ensino, pes-
quisa e atendimento na área das altas habilidades/
superdotação (ConBraSD, 2003, Art. 2.º).
Em 2004, foi realizado o I Encontro
Nacional do ConBraSD com o tema A Excelência
na Educação e Desenvolvimento de Talentos”.
Com caráter internacional, este evento contou com
as presenças de estudiosos de renome internacio-
nal como Joseph Renzulli, Sally Reis e Maureen
Neihart, além dos principais pesquisadores brasi-
leiros na área.
O ConBraSD tem dialogado com a Secretaria
de Educação Especial do MEC e a Comissão de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(CAPES), com vistas a concretizar uma parceria
entre governo e sociedade civil com vista a cons-
truir, implantar, acompanhar e avaliar propostas de
políticas públicas para os alunos com altas habilida-
des/superdotação, que têm dificuldades de acesso,
permanência e inclusão nas escolas devido aos
preconceitos que perpassam as práticas pedagógi-
cas que insistem em não inclui-los em programas
suplementares de educação.
Conclusão
Assim constata-se, na nova LDBEN, a defi-
nição de um paradigma mais justo e democrático - o
da inclusão. Nela, todos os excluídos foram contem-
plados, desde as crianças da educação infantil, jovens
e da criação artística, segundo as capacidades de
cada um”, é tudo o que alunos com altas habilida-
des/superdotação podem desejar, a fim de desen-
volver cada vez mais suas potencialidades.
Se quisermos construir uma nova sociedade
com base em novo paradigma, que valorize o papel
da cultura na formação do homem, não podemos
aceitar que alunos com altas habilidades/superdo-
tação tenham sua escolaridade estagnada por falta
de mediação social. Embora possamos entender que
toda esta estagnação se justifica por conta da cul-
tura escolar, equivocadamente cristalizada na idéia
de que os alunos com altas habilidades/superdota-
ção sejam privilegiados em inteligência, e que não
precisariam de mais apoio escolar. Hoje, esta con-
cepção não se sustenta mais e os alunos com altas
habilidades/superdotação passaram a ter uma série
de direitos pertinentes aos seus modos de aprender.
Se os alunos possuem necessidades educa-
cionais especiais e a cultura escolar é de exclusão
destes alunos, então por que não criar ou manter
uma educação escolar que lide diretamente com
a singularidade destes alunos até que a sociedade
e/ou os cursos de formação de professores não se
omitam mais na qualificação dos profissionais que
garantem a educação destes alunos?
Apesar da LDBEN ter sido promulgada há
10 anos, ainda não se constata sua plena aplicação
na educação básica brasileira, podendo-se levan-
tar hipóteses relacionadas à cultura escolar disse-
minada nas últimas décadas com base na igualdade
de desempenho e em padrões de resultados, assim
como inferir que não é esta a Lei que queríamos,
não conseguimos enxergar o que ela tem de van-
guarda, de avanço político, democrático e inclusivo.
Podemos concluir que a garantia dos direi-
tos nas áreas das altas habilidades/superdotação
não depende apenas de Lei, de Resolução ou de
Política Públicas Nacionais. Esta linealidade é
apenas aparente. É preciso mais. É preciso forma-
ção. É preciso formação docente. É preciso for-
mação continuada, intensa e integral. Professores
e alunos não mudam por decreto ou por qualquer
pressão externa.
É preciso conhecer as experiências bem
sucedidas na educação básica e no ensino supe-
rior, otimizar a formação crítico-reflexiva, incen-
tivar práticas pedagógicas especializadas para que
a mudança baseada na igualdade de oportunidades
gere uma sociedade mais justa e cidadã.
Acompanhando os trabalhos que vêm sendo
feitos por algumas prefeituras que têm um serviço
voltado para as questões dos alunos com necessi-
dades educacionais especiais, observa-se que esta
formação tem sido feita de modo continuado, por
profissionais com formação específica na área.
Observa-se, contudo, que a freqüência aos cursos
ainda fica a critério dos professores e dos gestores,
que ainda criam barreiras para que os professores
tenham acesso a estas formações. O problema parece
ser resultado da falta de conscientização sobre o
assunto e pelos preconceitos e mitos ainda tão
enraizados na sociedade.
Amparados pela LDBEN e pela Resolução
n.º 02/2001, vários estados e municípios já regula-
mentaram o atendimento ao aluno com altas habili-
dades/superdotação em forma de Decreto, Pareceres
e Resoluções.
Como parceiro das organizações governa-
mentais encontra-se o Conselho Brasileiro para
39
Capítulo 2: Legislação e Políticas Educacionais
e adultos, os indígenas, os deficientes, os superdota-
dos, entre outros. Mostra eqüidade e caráter cons-
titucional, garantindo que é dever do Estado com a
educação escolar pública o atendimento educacio-
nal especializado gratuito aos educandos com neces-
sidades especiais, preferencialmente na rede regular
de ensino (Brasil, 1996, Art. 4º, III).
Passam-se dez anos desde a promulgação da
LDBEN em 1996 e se persistem barreiras e precon-
ceitos para a inclusão de alunos com altas habilida-
des/superdotação, deve ser pela complexidade e pela
dificuldade na interpretação destas questões, direta-
mente relacionadas à formação dos professores e dos
gestores da educação.
Todas as formações continuadas voltadas
para a inclusão dos alunos com altas habilidades/
superdotação mostram que estes alunos também
têm necessidades educacionais especiais e, por este
motivo, precisam ser identificados e atendidos de
modo especializado nas escolas. Este é o lugar destes
alunos, cidadãos como os demais e que têm direito à
educação de qualidade e de alto nível.
Além disso, recomenda-se, às escolas de
Educação Básica, o estabelecimento de parcerias
com instituições de Ensino Superior a fim de, não só
identificar os alunos que apresentem altas habilida-
des/superdotação, como também, encaminhá-los a
recantos onde a pesquisa científica estimula o aluno
a pensar, a investigar e a descobrir, transformando,
assim, a sociedade onde vive.
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Tânia Gonzaga Guimarães
Capítulo 3
42
43
Capítulo 3: Características dos Alunos com Superdota-
U
m dos temas amplamente deba-
tidos e estudados na área de
superdotação refere-se às carac-
terísticas apresentadas por indivíduos com altas
habilidades/superdotação em suas mais variadas
nuances comportamentais, emocionais, psicológi-
cas, intelectuais, além de uma infinidade de habili-
dades peculiares que os identificam.
Apesar de várias características comuns encon-
tradas entre indivíduos superdotados, o mais surpre-
endente, nesta população, é a contínua variação que
ela exibe em termos de habilidades e competências e
os vários níveis e magnitudes que manifesta em suas
ações e conhecimentos. A heterogeneidade apresen-
tada pelo grupo de superdotados intensifica a discussão
em torno da definição do fenômeno da superdotação,
da terminologia mais adequada e se reflete, sobretudo
no processo de identificação. Assim, traços que impri-
mem identidade aos indivíduos com altas habilida-
des/superdotação podem diferir entre um e outro,
ressaltando ainda mais as diferenças entre estes indi-
víduos ao invés de apontar padrões cognitivos, afeti-
vos e comportamentais fixos neste grupo. Sabatella
(2005), por exemplo, enfatiza que indivíduos com a
mesma capacidade intelectual demonstram variações
quanto aos interesses, habilidades e temperamento e
constituem um universo heterogêneo e complexo.
Embora a caracterização dos superdotados seja
facilmente encontrada na literatura, tratar dessa ques-
tão exige perícia e muita responsabilidade, uma vez que
tem implicações para o processo de identificação destes
indivíduos e, portanto, ao invés de orientar, pode com-
prometer uma identificação precisa. Portanto, antes de
descrever e comentar tais características, é necessário
discutirmos a concepção de superdotação.
O Fenômeno das Altas Habilidades/
Superdotação
A superdotação entendida como um fenô-
meno multidimensional, agrega todas as carac-
terísticas de desenvolvimento do indivíduo,
abrangendo tanto aspectos cognitivos quanto
características afetivas, neuropsicomotoras e de
personalidade. Não se pode esquecer ainda que o
conceito de superdotação é influenciado pelo con-
texto histórico e cultural e, por isso, pode variar
de cultura para cultura e em função do momento
histórico e social. Também não existe um con-
senso entre profissionais quanto à definição de
quem deveria ser considerado com altas habili-
dades/superdotação. Há uma tendência em con-
siderar como superdotados aqueles que demons-
tram habilidades muito acima da média em um
ou mais domínios, seja no domínio intelectual,
artístico ou no domínio das relações sociais,
produções criativas, esportivas e psicomotoras
(Alencar & Fleith, 2001; Renzulli & Reis, 1997;
Winner, 1998).
O indivíduo superdotado é uma pessoa em
desenvolvimento que apresenta um desempenho
superior à média em uma ou mais áreas, compa-
rados à população geral da mesma faixa etária
(Winner, 1998). Muitas das características pre-
sentes nestes indivíduos diferem das encontradas
em indivíduos da mesma faixa etária.
Silverman (2002) define o superdotado
como um indivíduo que possui um desenvolvi-
mento assincrônico entre habilidades intelec-
tuais, psicomotoras, características afetivas e
aspectos do desenvolvimento cronológico. Essa
assincronia pode ser traduzida por desenvolvi-
mentos não lineares, característicos do superdo-
tado, e que seriam os geradores de sentimentos de
descompasso do indivíduo em relação a si mesmo
e à sociedade. As habilidades cognitivas avança-
das e a intensidade emocional elevada do super-
dotado são combinadas para criar uma expe-
riência interna, um predicado de atenção e de
consciência que é qualitativamente diferente do
padrão normal.
Para Piechowski (1986), indivíduos com
altas habilidades freqüentemente demonstram
extrema facilidade para se expressar nas áreas
psicomotora, intelectual, imaginativa, emocio-
nal e dos sentidos, como, por exemplo, rapidez
na fala, ações impulsivas, agitação motora e difi-
culdade em permanecer parado, por intensa visu-
alização e devaneios. Para esse autor, os superdo-
tados possuem um modo mais intenso e sensível
44
de vivenciar seu desenvolvimento. Esta supersen-
sibilidade, também denominada superexcitabi-
lidade, é característica dos indivíduos com altas
habilidades/superdotação.
Ademais, estes níveis significativos de sensi-
bilidade, freqüentemente associados às altas habi-
lidades/superdotação, foram originalmente obser-
vados pelo estudioso Dabrowski, em sua Teoria da
Desintegração Positiva. Esta teoria sugere que o
desenvolvimento emocional é uma dimensão essen-
cial da vida humana; que se manifesta progressi-
vamente em níveis contínuos de egocentrismo e
altruísmo no modo do indivíduo vivenciar emocio-
nalmente sua realidade. Para Dabrowski, o indiví-
duo superdotado vivencia a realidade de maneira
mais profunda, devido à sua estrutura emocional
ter se estabelecido a partir de valores mais altru-
ístas. Isto leva o indivíduo a vivenciar uma tensão
interna pela incompatibilidade entre seus objetivos
e as demandas do ambiente. No entanto, esta ten-
são é positiva na medida em que provoca o surgi-
mento de características originais e autênticas do
indivíduo (O’Connor, 2002).
Cramond (1994) enfatiza que, embora as
crianças superdotadas apresentem superexcitabi-
lidade psicomotora, elas não devem ser rotuladas
como hiperativas, pois apresentam uma tendên-
cia objetiva de comportamento, ou seja, seus com-
portamentos são dirigidos a uma meta. Da mesma
forma, os devaneios provocados pela superexcitabi-
lidade imaginativa não devem ser vistos como falta
de atenção e sim como um tempo ininterrupto de
processamento criativo.
Sabatella (2005) acrescenta que, após déca-
das de pesquisa, a alta excitabilidade tem sido um
importante indicativo para prognosticar indivíduos
superdotados e alerta para o fato de que as caracte-
rísticas associadas à alta excitabilidade estão sendo
utilizadas para detectar ou diagnosticar “problemas
cerebrais”. Esta autora informa, por exemplo, que
crianças com alta excitabilidade na área psicomo-
tora, ativas, que gostam de movimento, têm poten-
cial para o diagnóstico de Transtorno do Déficit de
Atenção/Hiperatividade.
Também Ourofino (2005) faz referên-
cias a esta questão ao observar que características
- como alto nível de energia, menor necessidade
de sono, devaneio criativo e elevada excitabili-
dade - são equivocadamente avaliadas como sendo
déficit de atenção e hiperatividade, obscure-
cendo características positivas relacionadas a
superdotação.
Nem todos os indivíduos superdotados apre-
sentam as mesmas características de desenvolvi-
mento e comportamento, mas, embora apresentem
um perfil heterogêneo, algumas características são
evidenciadas. Winner (1998) destaca algumas delas:
preferência por novos arranjos visuais;
desenvolvimento físico precoce (sentar, enga-
tinhar e caminhar);
maior tempo de atenção e vigilância, reco-
nhecendo desde cedo seus cuidadores;
precocidade na aquisição da linguagem e co-
nhecimento verbal;
curiosidade intelectual, com elabora-
ção de perguntas em nível mais avançado
e persistência para alcançar a informação
desejada;
aprendizagem rápida com instrução
mínima;
super-reatividade e sensibilidade;
alto nível de energia que pode ser confundido
com hipercinesia ou hiperatividade.
Com relação às características relacionadas à
escola, a autora também destaca:
leitura precoce, boa memória para informa-
ção verbal e/ou matemática;
destaque em raciocínio lógico e abstrato;
preferência por brincadeiras individuais;
preferência por amigos mais velhos, próximos
a ele em idade mental;
interesse por problemas filosóficos, morais,
políticos e sociais;
assincronia entre as áreas intelectual, psico-
motora, lingüística e perceptual.
Portanto, a superdotação, devido a sua natu-
reza multidimensional, abarca uma infinidade de
variáveis e características que se manifestam simul-
taneamente, mediando o desenvolvimento de com-
portamentos superdotados. As concepções téoricas-
empíricas, ao apresentarem visões diferenciadas e
até mesmo conflitantes sobre a superdotação, acen-
tuam ainda mais a complexidade deste objeto de
estudo e imprimem a necessidade de uma compre-
ensão cada vez mais holística e distanciada da visão
unidimensional associada ao conceito de QI. Essa
visão limitada tem sido substituída por uma visão
multidimensional que envolve sistemas biológicos,
psicológicos, emocionais, sociais, históricos e cultu-
rais (Alencar & Fleith, 2001; Colangelo & Davis,
1997; Virgolim, 1997; Winner, 1998).
Nesta perspectiva, é interessante retomar
o conceito de inteligências múltiplas de Gardner
(1995), uma vez que as características encontradas
nos indivíduos superdotados podem ser interpretadas
45
Capítulo 3: Características dos Alunos com Superdota-
à luz desta teoria. Este autor define inteligência
como uma ou mais habilidades que levam o indi-
víduo à resolução de problemas ou a formulação
de produtos em função de seu ambiente e de sua
cultura. Sua teoria propõe que o ser humano é
dotado de oito inteligências distintas, autôno-
mas, que interagem entre si, mas que podem exis-
tir em diferentes níveis. O indivíduo altamente
capaz poderá exibir uma ou mais inteligências e
não necessariamente todas elas. As oito inteli-
gências
¹ são:
(a) lingüística - habilidades envolvidas na lei-
tura e na escrita;
(b) musical - habilidades inerentes a atividades
de tocar um instrumento, cantar, compor,
dirigir uma orquestra;
(c) lógico-matemática - habilidade de racio-
cínio, computação numérica, resolução de
problemas, pensamento científico;
(d) espacial - habilidade de representar e ma-
nipular configurações espaciais;
(e) corporal-cinestésica - habilidade de usar o
corpo inteiro ou parte dele em desempenho
de tarefas;
(f) interpessoal - habilidade de compreender
outras pessoas e contextos sociais;
(g) intrapessoal - capacidade de compreender
a si mesmo, tanto sentimentos e emoções,
quanto estilos cognitivos e inteligência;
(h) naturalística - habilidade de perceber pa-
drões complexos no ambiente natural.
Encontra-se ainda em estudo um nono
tipo de inteligência, a espiritual ou existencial,
que envolve a preocupação com certos conte-
údos cósmicos, a obtenção de certos estados de
consciência e os profundos efeitos que certas pes-
soas, possuidoras destas capacidades, exercem
sobre outros indivíduos. Esta teoria teve grande
impacto no Brasil, principalmente por demons-
trar que a avaliação da habilidade do indivíduo
deve ser feita segundo as especificidades da inte-
ligência em questão e dentro de um determinado
domínio. Para o autor, todas as inteligências são
igualmente importantes e devem ser contempla-
das especialmente no contexto educacional.
Considerando as políticas educacionais
inclusivas, o aluno que apresenta potencial para
altas habilidades/superdotação tem sido ampa-
rado por subsídios legais com vistas a uma edu-
cação de qualidade que permita o atendimento
de suas necessidades educacionais especiais. No
entanto, faz-se necessário a implementação de
estratégias que façam repercutir na prática todos
os anseios que englobam o atendimento especia-
lizado ao aluno com altas habilidades/superdota-
ção. Sendo assim, é importante ressaltar: Quem é
o aluno com altas habilidades/superdotação?
Aluno com Altas Habilidades/
Superdotação
Muitos documentos oficiais têm sido ela-
borados a fim de elencar e esclarecer os traços e
características comuns ao aluno com altas habili-
dades/superdotação. No Brasil, o artigo 5º, inciso
III, da Resolução CNE/CEB N° 2, de 2001, que
institui as Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica (Brasil, 2001),
define educandos com altas habilidades/super-
dotação como aqueles que apresentam grande
facilidade de aprendizagem, levando-os a domi-
nar rapidamente conceitos, procedimentos e ati-
tudes. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, em
sua série de Adaptações Curriculares, Saberes e
Práticas da Inclusão (Brasil, 2004), publicada pela
Secretaria de Educação Especial do Ministério
da Educação, atribui os seguintes traços como
comuns aos superdotados:
Alto grau de curiosidade;
Boa memória;
Atenção concentrada;
Persistência;
Independência e autonomia;
Interesse por áreas e tópicos diversos;
Facilidade de aprendizagem;
Criatividade e imaginação;
Iniciativa;
Liderança;
Vocabulário avançado para sua idade cro-
nológica;
Riqueza de expressão verbal (elaboração e
fluência de idéias);
Habilidade para considerar pontos de vis-
tas de outras pessoas;
Facilidade para interagir com crianças mais
velhas ou com adultos;
Habilidade para lidar com idéias abstratas;
Habilidade para perceber discrepâncias en-
tre idéias e pontos de vista;
Interesse por livros e outras fontes de
conhecimento;
Alto nível de energia;
1 Originalmente, eram sete tipos de inteligência. Na revisão de sua
proposta, Gardner acrescentou mais um
.
46
Preferência por situações/objetos novos;
Senso de humor;
Originalidade para resolver problemas.
C
ARACTERÍSTICAS INTELECTUAIS
As características intelectuais do superdotado
vão além dos aspectos relacionados à inteligência.
Assim, ao se definir o indivíduo superdotado com
base em suas características intelectuais, não basta
considerar apenas a inteligência, mas a linguagem
e a criatividade, entre outros, devem ser também
consideradas elementos importantes na construção
deste fenômeno multifacetado que é a superdotação.
Geralmente, associa-se, inadequadamente, superdo-
tação exclusivamente a alto nível de inteligência. Os
primeiros estudos sobre as altas habilidades/super-
dotação relacionavam este fenômeno à pontuação
alcançada em testes formais de inteligência (testes
de QI). Por outro lado, abordagens recentes sobre a
inteligência, como a de Gardner, mencionada ante-
riormente, apresentam uma visão multidimensional
da inteligência.
A criatividade, entendida como um pro-
cesso gerador de novas idéias, produtos e ações,
está associada ao talento e capacidade do homem
para encontrar respostas originais para seus pro-
blemas. As habilidades típicas de pessoas alta-
mente criativas, muitas vezes, representam a
expressão de comportamentos superdotados. A
linguagem é um aspecto expressivo para ser con-
siderado como característica de superdotação,
uma vez que o superdotado apresenta facilidade
para expor suas idéias, emprega um vocabulário
superior à idade, demonstra um nível de leitura
acima da média, bem como facilidade para lidar
com novos códigos lingüísticos e originalidade na
comunicação, entre outros elementos da lingua-
gem criativa.
Tutle e Becker, Torrance (citados por Alencar
& Fleith, 2001) e Davis e Rimm (1994) destacam
uma combinação de características que podem ser
compreendidas como expressão intelectual dos indi-
víduos altamente inteligentes:
(a) Habilidades superiores de pensamento (como
análise, síntese e avaliação);
(b) Fluência de idéias (produção de muitas
idéias);
(c) Flexibilidade de idéias (vê relações entre idéias
aparentemente diversas);
(d) Reação positiva a elementos estranhos e no-
vos;
(e) Originalidade de idéias (forma original de re-
solver problemas);
(f) Grande bagagem de informações sobre temas
de interesse;
(g) Paixão por aprender;
(h) Concentração;
(i) Facilidade para entender princípios gerais;
(j) Habilidade para processar informação rapida-
mente;
(k) Pensamento independente.
Renzulli, Smith, Callahan e Westberg (2000),
ao desenvolverem uma escala para avaliar as carac-
terísticas de estudantes com desempenho superior
2
,
propuseram vários fatores que devem ser analisados
no processo de caracterização e identificação do indi-
víduo superdotado. Entre eles, ressaltam-se:
2 Traduzida para o português pela profa. Angela Virgolim, da
Universidade de Brasília.
Habilidade Intelectual
habilidade de lidar com abstrações;
facilidade para lembrar informações;
vocabulário avançado para idade ou série;
facilidade em perceber relações de causa
e efeito;
habilidade de fazer observações
perspicazes e sutis;
grande bagagem sobre um tópico específico;
habilidade de entender princípios
não diretamente observados;
grande bagagem de informações
sobre uma variedade de tópicos;
habilidade para transferir aprendizagens
de uma situação para a outra;
habilidade de fazer generalizações
sobre eventos, pessoas e coisas.
Criatividade
senso de humor;
habilidade de pensamento imaginativo;
atitude não conformista;
pensamento divergente;
espírito de aventura;
disposição para correr riscos;
habilidade de adaptar, melhorar
ou modificar idéias;
habilidade para produzir respostas
incomuns, únicas ou inteligentes;
disposição para fantasiar,
brincar e manipular idéias;
habilidade de gerar um grande número de
idéias ou soluções para problemas ou questões.
Motivação
persistência quando se busca atingir um
objetivo ou na realização de tarefas;
47
Capítulo 3: Características dos Alunos com Superdota-
Estas características podem auxiliar pais e
professores na identificação de crianças ou jovens
que demonstram excelência ou forte poten-
cial para obter sucesso em uma ou mais das áreas
descritas anteriormente.
Considerando a questão da heterogeneidade
como uma das características mais marcantes no
grupo de alunos com altas habilidades/superdotação,
ressalta-se novamente que nem todos os indiví-
duos possuem todas essas características listadas e
que mesmo quando ocorrem simultaneamente e em
graus avançados, não estarão necessariamente foca-
das ou dirigidas para a produção acadêmica ou cria-
tiva. Sabatella (2005) destaca que indivíduos superdo-
tados estão em toda parte e que não são melhores nem
piores que outras pessoas, são sim diferentes, porque
agem, aprendem, raciocinam e reagem de maneira
diferente. Essas diferenças por si só justificam suas
necessidades educacionais especiais. Esta autora, em
sua prática com crianças com altas habilidades/super-
dotação, encontrou traços comuns e recorrentes que
considera indicativos de alto potencial.
Memória: presença de componentes mnemô-
nicos em idade precoce, lembranças remotas de
pessoas, lugares e situações, facilidade para re-
produzir histórias, relatos, músicas, capacidade
para reter e recuperar direções, endereços e lo-
calizações.
Alto nível de pensamento: facilidade e rapidez
para processar o pensamento, habilidade de
raciocínio com utilização da lógica pura, per-
cepção de soluções óbvias e ambivalência em
informações ou comandos (por exemplo, em
provas escolares). A curiosidade é a expressão
mais concreta desse alto nível de pensamento e
a fase dos porquês” é uma constante entre in-
divíduos superdotados.
Vocabulário: habilidade para contra-argumen-
tar pensamentos e idéias, utilização de um vo-
cabulário estruturado não usual no meio em
que vive. Ao iniciarem o processo de fala,
utilizam tempos verbais e concordância corre-
tamente, bem como o plural.
interesse constante por certos
tópicos ou problemas;
comportamento que requer pouca
orientação dos professores;
envolvimento intenso quando trabalha
certos temas ou problemas;
obstinação em procurar informações
sobre tópicos de seu interesse;
compromisso com projetos de longa duração;
preferência por situações nas quais
possa ter responsabilidade pessoal
sobre o produto de seus esforços;
pouca necessidade de motivação
externa para finalizar um trabalho que
inicialmente se mostrou estimulante.
Liderança
tendência a ser respeitado pelos colegas;
autoconfiança quando interage
com colegas da sua idade;
comportamento cooperativo ao
trabalhar com os outros;
habilidade de articular idéias e de se
comunicar bem com os outros;
habilidade de organizar e trazer estrutura
a coisas, pessoas e situações;
tendência a dirigir as atividades quando está
envolvido com outras pessoas
responsabilidade.
Características Emocionais e Sociais
de Alunos com Altas Habilidades/
Superdotação
Estudiosos da área de superdotação, há décadas,
se preocupam com questões relacionadas aos aspectos
emocionais, sociais e de personalidade manifestados por
indivíduos com altas habilidades/superdotação. Como
conseqüência, muitos estudos foram desenvolvidos na
perspectiva de derrubar mitos de que indivíduos super-
dotados são susceptíveis a desajustamentos emocionais,
comportamentos de isolamento, depressão e até loucura.
Apesar de apresentarem comportamentos inusitados e
diferenciados para sua época e cultura, hoje é sabido que
o superdotado atendido em suas necessidades, tende a
uma vida próspera e feliz, jogando por terra idéias fal-
sas sobre o seu desenvolvimento. Sabe-se também que
no caso de crianças superdotadas, um desenvolvimento
cognitivo avançado não necessariamente implica desen-
volvimento afetivo maduro (Neihart, Reis, Robinson &
Moon, 2002; Silverman, 1993). A relação entre cogni-
ção e emoção, o desenvolvimento de estruturas de valor
e a intensidade exacerbada da pessoa superdotada e
criativa são temas discutidos na perspectiva da assincro-
nia do desenvolvimento que os superdotados revelam,
ou seja, o descompasso entre desenvolvimento cogni-
tivo, afetivo e psicomotor ressalta ainda mais as diferen-
ças dessa população em comparação aos colegas e pes-
soas da mesma idade. São essas diferenças que definem
um modo próprio e muito particular de ser e estar no
mundo.
Em termos afetivos, os indivíduos superdo-
tados são notados pela grande sensibilidade, prove-
niente da acumulação de uma quantidade maior de
informações e emoções, que geralmente estão além
48
do que podem absorver e processar. O desenvolvi-
mento emocional tem origem em processos internos
e externos ao indivíduo facilitados pela alta capaci-
dade e percepção aguçada. Para que possa compreen-
der seu mundo emocional, esses indivíduos despen-
dem um alto nível de energia psíquica, muitas vezes
incompatível à sua idade cronológica. Esses fatores,
associados a um ambiente inadequado, podem pro-
mover dificuldades afetivas nos superdotados. Eles
estão sempre acima da média em termos de sua baga-
gem de conhecimento, mas podem ter impotência
diante de algumas situações da vida, por perceberem
tudo com maior amplitude e agregar mais cedo com-
ponentes da ética e da moral. Os superdotados são
definitivamente mais curiosos, sensíveis, percepti-
vos e apaixonados. Por outro lado, mostram-se mais
descontentes, frustrados, ansiosos e, por vezes, mais
resilientes. Desta forma, o superdotado requer um
ambiente estimulante que ofereça oportunidades que
atendam às suas necessidades emocionais, ajudando-
o a aplicar suas habilidades verbais e de compreensão
avançadas às suas experiências afetivas.
Dentre as variáveis relacionadas ao desenvolvi-
mento afetivo do superdotado, o autoconceito deve ser
destacado, pois tem sido apontado por muitos pesqui-
sadores como a variável organizadora dos comporta-
mentos superdotados e criativos está intrinsecamente
associada à inteligência, criatividade, motivação e lide-
rança que estruturam a superdotação (Alencar, 1993;
Fleith, 1999; Harter, 1985; Renzulli, 1986).
Segundo Alencar e Fleith (2003), o autocon-
ceito diz respeito à imagem subjetiva que cada indi-
víduo possui de si mesmo e que passa a vida tentando
manter e melhorar, está relacionado à auto-estima e
à idéia que o indivíduo tem de si mesmo. Contudo,
a falta de definição clara, concisa e universalmente
aceita do que seja o autoconceito tem constituído um
grande desafio para pesquisadores. É comum encon-
trar na literatura terminologias diferenciadas, com
significados similares, utilizadas para se referirem ao
autoconceito, como por exemplo, auto-estima, auto-
imagem, auto-eficácia, geralmente entendido como
um construto associado à percepção da pessoa sobre
si mesma
Harter (1985) afirma que o autoconceito não é
um construto estático, mas composto de várias dimen-
sões ou domínios, sendo assim, suscetível a mudanças.
O autoconceito, como elemento da personalidade, é
construto hipotético útil para explicar e prever como
um sujeito irá agir.
Neste sentido, a exigência de enquadramento
a condições sociais de normalidade” pode desenca-
dear sentimentos de falta de autoconfiança ou perda
da auto-estima por parte do superdotado. O indiví-
duo adulto com altas habilidades/superdotação pode
apresentar uma tendência a mascarar ou esconder
suas potencialidades a fim de se ajustar às expectativas
sociais. Esse mecanismo geralmente tem origem no
processo de rejeição que o indivíduo enfrenta desde
a infância com as primeiras manifestações de com-
portamentos superdotados. Por outro lado, o desen-
volvimento afetivo adequado, que propicie respostas
coerentes com a natureza da superdotação, implicará
acréscimo em termos de desenvolvimento social.
Do conjunto afetivo, Sabatella (2005) enfatiza
três características que, em seu trabalho com alunos
com altas habilidades/superdotação, se mostram mais
freqüentes:
Humor: senso de humor aguçado, madu-
ro e sofisticado. Gostam de piadas, uso de
metáforas, jogos de palavras e rimas;
Preocupação: apreensão e inquietação em
áreas que vão desde ecologia, relações sociais
a habilidades intra e interpessoais;
Capricho: planejamento e organização ge-
ralmente não são atributos de alunos com
altas/superdotação. A letra quase sem-
pre ilegível e desfigurada é expressão dessa
inabilidade.
Problemas Emocionais mais
Freqüentes
Winner (1998), ao discutir sobre as dificulda-
des emocionais de crianças superdotadas altamente
inteligentes, descreve os trabalhos desenvolvidos por
Leta Hollingworth, uma das pioneiras na educação
do superdotado, e destaca que a maioria de crian-
ças superdotadas é social e emocionalmente ajus-
tada. No entanto, é possível encontrar entre super-
dotados indivíduos com problemas emocionais e
sociais, conseqüência dos altos padrões de exigên-
cia característicos de comportamentos superdota-
dos. Portanto, é comum encontrar alunos com alto
potencial cognitivo que não apresentam desempe-
nho acadêmico compatível com sua potencialidade.
Esse paradoxo acaba por promover dificuldades
emocionais ainda mais acentuadas, geralmente rela-
cionadas ao autoconceito prejudicado, isolamento
social e baixa resistência à frustração. Davis e Rimm
(1994) chamam atenção para as seguintes caracte-
rísticas afetivas:
Dificuldades nos relacionamentos sociais;
Dificuldade em aceitar críticas;
Não conformismo e resistência à autoridades
49
Capítulo 3: Características dos Alunos com Superdota-
Recusa em realizar tarefas rotineiras e repetitivas;
Excesso de competitividade;
Intensidade de emoções;
Preocupações éticas e estéticas;
Ansiedade;
Persistência;
Autoconsciência elevada.
O modo peculiar de ver o mundo e a cons-
ciência precoce dos processos sociais torna-se uma
oportunidade para que superdotados desenvolvam
estruturas sofisticadas de valores, senso ético e de jus-
tiça. Em contrapartida, se as percepções e interpre-
tações advindas dessas estruturas são continuamente
frustradas, ocorre uma introspecção dos sentimentos
e opiniões ocasionando retraimento social. Portanto,
o isolamento do indivíduo superdotado, muitas vezes
observado no contexto escolar, é proveniente da dis-
crepância entre interesses, atitudes, inteligência e
criatividade que os qualificam. Essas diferenças pro-
vocam dificuldades de entrosamento com colegas da
mesma sala que ao perceberem tais diferenças passa
a atuar de maneira incômoda, discriminando e atri-
buindo apelidos. Para evitar essas situações estres-
santes, o aluno com altas habilidades/superdotação
se afastar de seu grupo social. Esse mesmo processo
de isolamento pode ser observado no grupo familiar
do aluno, em que as exigências dos adultos, a ten-
são demasiada pela excelência e as expectativas de
sucesso acabam por gerar conflitos insuportáveis para
um indivíduo tão sensível, que “prefere” se afastar.
Esse modo peculiar de ser e estar no
mundo, intensificado pela sensibilidade, curiosi-
dade e assincronia de desenvolvimento, traz à tona
um conjunto de características como as descritas
a seguir:
Dificuldade de relacionamento com colegas
de mesma idade que não compartilham dos
mesmos interesses;
Perfeccionismo;
Vulnerabilidade a críticas dos outros e de si
mesmo;
Problemas de conduta (por exemplo, indisci-
plina), especialmente durante a realização de
tarefas pouco desafiadoras;
Grande empatia em relação ao outro como
resultado de sua sensibilidade exacerbada;
Interesse por problemas filosóficos, morais,
políticos e sociais;
Tédio em relação às atividades curriculares
regulares;
Tendência a questionar regras.
As características mencionadas anterior-
mente não encerram problemas propriamente ditos,
o que ocorre é que no processo de desenvolvimento
do indivíduo e de acordo com o contexto social e
experiências afetivas vivenciadas, as características
que inicialmente têm um caráter positivo que qua-
lificam a superdotação, podem sofrer uma ruptura e
serem vivenciadas ou entendidas como uma mani-
festação problemática. O Quadro 1 (Características
de Altas Habilidades/Superdotação e Possíveis
Problemas), apresentado ao lado, relaciona caracte-
rísticas típicas do fenômeno superdotação e respec-
tivos problemas que podem surgir a partir da inade-
quação do contexto social, cultural e afetivo.
Diante da variedade de características
apresentadas e do universo heterogêneo de tra-
ços que indivíduos com altas habilidades/super-
dotação apresentam, é compreensível que profis-
sionais, família e escola encontrem dificuldades
em oferecer condições que favoreçam o desenvol-
vimento pleno de suas potencialidades. Por outro
lado, não se pode mais ignorar que indivíduos
superdotados devam ser compreendidos em sua
totalidade e que recebam os mais variados tipos
de apoio à manifestação e ampliação de suas habi-
lidades. Considerando que além de atendimento
especializado, faz-se necessário reconhecer que
estes indivíduos guardam potencial humano capaz
de trazer avanços e vantagens para suas nações e
para a humanidade.
Para Alencar (2003), os problemas eviden-
ciados pelos alunos que se destacam por suas habi-
lidades superiores estão relacionados à frustração
e falta de estímulo diante de programas acadêmi-
cos monótonos e repetitivos que não favorecem o
desenvolvimento e expressão de seu potencial supe-
rior. Para ela, a apatia e o ressentimento vivenciados
por estes alunos podem ser explicados pelo clima de
sala de aula pouco favorável. O treinamento de pro-
fissionais para atuar em programas de atendimento,
muitas vezes, não enfatiza os problemas vivenciados
por alunos superdotados. Pouca importância também
é dada ao clima de sala de aula, o que pode sugerir
que profissionais não estejam preparados para lidar
com essa realidade aparentemente paradoxal de indi-
víduos superdotados que apresentam dificuldades
emocionais, de aprendizagem e comportamentais.
Além disso, outros pesquisadores, como
Silverman (1993), assinalam que o superdotado
pode encontrar-se em risco psicossocial se estiver,
ao mesmo tempo:
(a) fora do estágio - ao lidar com concei-
tos e metas bem além do esperado para
sua idade;
50
(b)
fora de fase - ao se sentir alienado, distante do
grupo de pares ou sem amigos com quem pos-
sa interagir;
(c) fora de sincronia – ao se sentir diferente e
inadaptado ao seu contexto social. Por is-
so, é essencial que a escola promova as ne-
cessárias modificações ao atendimento das
necessidades especiais da criança com al-
tas habilidades, oferecendo a ela o apoio
necessário.
Considerações Finais
O esforço contínuo de se apropriar do novo e
ressignificar idéias e conceitos a respeito do fenômeno
superdotação, além do atendimento especializado a
ser oferecido e o manejo produtivo com alunos com
altas habilidades/superdotação remetem a atenção e
dedicação dos profissionais envolvidos a uma pro-
funda reflexão sobre o papel de cada um na constru-
ção de práticas educacionais viáveis para a realidade
brasileira, bem como para cada aluno dentro de sua
realidade mais imediata, sem perder de vista as possi-
bilidades e perspectivas mais ousadas no desenvolvi-
mento de seu potencial. O reconhecimento das carac-
terísticas do aluno é primordial no estabelecimento de
estratégias de identificação, inclusão em atendimento
especializado e em sala de aula e implementação de
efetivos mecanismos institucionais e governamentais
que garantam a qualidade e continuidade de apoio
aos alunos superdotados, por meio da capacitação de
professores, adaptações curriculares significativas e a
criação de novos espaços inclusivos que abarquem os
mais variados estilos de aprendizagem.
Torna-se, portanto, de especial importância
compreender que a identificação imprecisa e o aten-
dimento inadequado à população superdotada podem
colocar o aluno em risco de fracasso escolar inclusive
comprometendo seu desenvolvimento sócio-emocio-
nal, impedindo-o de realizar plenamente o seu poten-
cial. Mudanças na concepção atual sobre quem são
os superdotados, onde se encontram e como podem
ser corretamente atendidos, assim como esforço
político em expandir as oportunidades educacio-
nais para o aluno com altas habilidades/superdota-
ção são necessárias para efetivar transformações no
cenário atual da área em nosso país.
Sendo assim, quando se tratar de caracterização
de alunos com altas habilidades/superdotação, há de
se considerar no escopo conceitual no mínimo quatro
eixos que têm demonstrado consistência na manifes-
tação do fenômeno superdotação e parecem ser con-
senso entre os autores aqui referenciados. São eles:
(a) heterogeneidade: diversidade de habilidades e
graus de manifestação;
(b) multipotencialidade: confluência de habilida-
des e interesses característicos de alguns indi-
víduos superdotados;
(c) assincronia no desenvolvimento cognitivo, afe-
tivo, psicomotor e social e
(d) possibilidade de desenvolvimento de problemas
emocionais, de aprendizagem, comportamental
e social. Deve-se considerar também que alu-
nos com altas habilidades/superdotação podem
apresentar alguma condição associada que ca-
muflam suas reais potencialidades, como o ca-
so dos alunos com dupla excepcionalidade. Por
ser uma condição específica que constitui uma
exceção, e não uma regra no desenvolvimento
da superdotação, a dupla excepcionalidade será
C  S 
P P
Perfeccionismo: expectativas pouco realistas e
muitas horas de trabalho com baixa produtividade.
Hipersensibilidade do sistema nervoso:
hiperatividade e distração que levam à déficits de
atenção.
Iniciativa e auto-suficiência: tendência em
dominar as discussões e atividades.
Poder de concentração e comportamento
dirigido para metas:
resistência à interrup-
ções e obstinação.
Avançadas estratégias de análise e resolu-
ção de problemas, percepção de relações
complexas entre idéias e fatos:
impaciên-
cia com os detalhes, resistência com a rotina
Originalidade e criatividade: pensamento diver-
gente, a percepção dos pares quanto à esses as-
pectos provocam a discriminação e sentimentos
de inconformismo.
Aprendizagem eficiente, boa memória, ex-
tensa base de conhecimentos e capacidade
de observação:
desenvolvimento de hábitos im-
produtivos de trabalho, pouca dedicação e interes-
se pela busca de novas estratégias de resolução de
problemas e baixo rendimento acadêmico.
Independência e inconformismo: repulsa por
uma estrutura rígida de aula, rebeldia e oposição
às pressões sociais dos adultos, incompreensão
por parte de pais, educadores e pares.
Grande senso de humor: podem revelar-se indi-
víduos sarcásticos e ofender aos que os rodeiam.
Fonte: Pardo e Fernández (2002, p. 126).
51
Capítulo 3: Características dos Alunos com Superdota-
explorada no capítulo seguinte sobre os aspec-
tos relacionados à identificação e avaliação do
aluno com altas habilidades/superdotação.
Para concluir, na perspectiva da educação inclu-
siva, prestar atendimento apropriado a alunos especiais
é fator de desenvolvimento da cidadania e fortaleci-
mento de uma educação democrática. O paradigma
da inclusão representa igualdade de oportunidades e
se concretiza nas ações dos movimentos inclusivos.
Estes movimentos centrados na diversidade deverão
promover, também, o acesso aos programas especiais a
alunos com altas habilidades/superdotação. O indiví-
duo superdotado requer um acompanhamento espe-
cializado que contribua para o desenvolvimento de
suas habilidades, para o fortalecimento de suas carac-
terísticas produtivas e que o incentive a valorizar sua
sensibilidade, criatividade e aprendizagem em busca
de uma vida mais produtiva e feliz.
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Estratégias de Identificação
do Aluno com Altas
Habilidades/Superdotação
Tânia Gonzaga Guimarães
Vanessa Terezinha Alves Tentes de Ourofino
Capítulo 4
55
55
Capítulo 4: Estratégias de Identificação do Aluno com Superdota-
A
identificação e a avaliação do
aluno com altas habilidades/
superdotação têm se consti-
tuído um desafio para educadores e psicólogos. A
simples rotulação de um indivíduo com altas habi-
lidades/superdotação não tem valor ou importância
se não for contextualizada dentro de um planeja-
mento pedagógico ou de uma orientação educacio-
nal. Além disso, o processo de identificação deste
aluno deve ter como base referenciais teóricos con-
sistentes e resultados de pesquisas sobre o tema.
Portanto, o propósito deste capítulo é discu-
tir estratégias de identificação de alunos com altas
habilidades/superdotação que ofereçam uma siste-
mática adequada e eficaz para atender este grupo e
que seja consistente com a literatura atual. Apesar
de ser uma tarefa complexa, é nosso objetivo dis-
cutir maneiras de construção do processo de iden-
tificação, que gerem informações sobre o aluno
com alto potencial e orientem a prática docente
em termos do planejamento de aula, seleção de
estratégias de ensino e métodos de avaliação do
desempenho escolar.
Processo de Identificação de Alunos
com Altas Habilidades/Superdotação:
Aspectos a Serem Considerados
A literatura aponta a necessidade de identi-
ficação do indivíduo com altas habilidades/super-
dotação o quanto antes de forma a se evitar proble-
mas de desajustamento, desinteresse em sala de aula
e baixo rendimento escolar (McCoach & Siegle,
2003). A sistemática de identificação da criança
superdotada deve considerar a definição de super-
dotação que se mostrar mais adequada ao contexto
em questão. Essa identificação só terá sentido se for
possível oferecer também um conjunto de práticas
educacionais que venham atender às necessidades e
favorecer o desenvolvimento do aluno.
Ademais, estudiosos da área sugerem que
a combinação de instrumentos pode assegurar
um maior número de crianças identificadas como
superdotadas ainda em idade pré-escolar. O pro-
cesso de identificação deve estar diluído em diver-
sas fases e a identificação precoce é necessária para
assegurar o desenvolvimento saudável de crian-
ças superdotadas. De acordo com a literatura, os
instrumentos de identificação mais utilizados nos
programas de atendimento ao aos alunos com altas
habilidades/superdotação têm sido:
(a) testes psicométricos;
(b) escalas de características;
(c) questionários;
(d) observação do comportamento;
(e) entrevistas com a família e professores, entre outros.
Com relação aos testes padronizados, o escore
em um teste não pode assegurar que uma criança é
ou não superdotada e tão pouco pode predizer as
habilidades futuras que o indivíduo irá desenvol-
ver. Escalas e testes não fazem diagnósticos, entre-
tanto são ferramentas importantes e servem de ras-
treamento, pois fornecem dados objetivos úteis para
avaliação, intervenção e pesquisa (Benczik, 2000).
Colangelo e Davis (1997) afirmam que mui-
tos alunos são prejudicados, rotulados ou considera-
dos superdotados com baixo rendimento acadêmico,
devido à falhas no processo de identificação de suas
potencialidades, e sugerem que no processo de ava-
liação sejam incluídas atividades que verifiquem
habilidades diversas como a aritmética, espaço-tem-
poral, de seqüência lógica e de solução de problemas
relacionados a situações da vida cotidiana.
Renzulli (1986) acrescenta que a avalia-
ção deve ir além das habilidades refletidas nos tes-
tes de inteligência, de aptidão e de desempenho. O
autor propõe que a ênfase seja dada nas observa-
ções colhidas por juízes” que possam acompanhar
o desempenho e as habilidades quando a criança
estiver engajada em alguma atividade de seu inte-
resse. Esta mesma observação vale para a avaliação
da criatividade, que pode ser realizada por meio da
análise de seus produtos criativos, além dos testes de
criatividade (Alencar & Fleith, 2001).
Aspesi (2003) relata o processo de identifi-
cação dos alunos para o Programa de Atendimento
aos Portadores de Altas Habilidades da Gerência
de Apoio à Aprendizagem do Superdotado e do
Hiperativo da Secretaria de Estado de Educação do
Distrito Federal (SEE/GDF) que adota o Modelo
dos Três Anéis”
1
proposto por Renzulli. Segundo a
1 Neste modelo, comportamentos de superdotação são conside-
rados resultados da interação de três fatores: habilidade acima da
média, criatividade e envolvimento com a tarefa.
56
autora, o aluno é observado por um período de até
quatro meses. Nesta etapa, o aluno desenvolve ati-
vidades sugeridas a partir da aplicação do inventá-
rio de interesses e de estilos de aprendizagem
(veja
capítulo 3 do volume 2)
nas quais a qualidade e a
motivação na realização de projetos de pesquisa ou
produções são avaliadas, assim como sua capaci-
dade intelectual e sua criatividade. Após a fase de
observação, o aluno que apresentar as característi-
cas de superdotação permanece no programa por
tempo indeterminado para desenvolver projetos
em sua área de interesse e habilidade sendo acom-
panhado por professores das salas de recursos.
Os professores das salas de recursos são
professores da SEE/GDF, com formação em
áreas específicas, selecionados e capacitados com
o objetivo de atender essa clientela. As salas de
recursos contam também com o trabalho de um
psicólogo e de um professor chamado professor
itinerante cuja função é promover o recrutamento
dos alunos em escolas públicas e particulares, sen-
sibilizar pais, professores e alunos para a temática
das altas habilidades/superdotação e buscar audi-
ência para as produções realizadas nas salas de
recursos. Durante a permanência no programa o
aluno desenvolve seu portfolio registrando todas
as informações relevantes sobre suas habilida-
des, interesses e áreas fortes (fonte importante de
informação sobre o aluno) e tem a oportunidade
de desenvolver produções criativas e de participar
de eventuais exposições, concursos e projetos em
sua área de interesse.
A identificação do aluno com altas habi-
lidades/superdotação requer a realização de uma
seqüência de procedimentos, tornando o processo
capaz de detectar os alunos com potencial supe-
rior. Esses procedimentos devem incluir etapas
bem definidas e instrumentos apropriados, for-
mando uma combinação entre avaliação formal
e observação estruturada no próprio contexto da
escola, permitindo avaliar conhecimentos, estilos
de aprendizagem e de trabalho do aluno. É impor-
tante que a identificação seja um processo contí-
nuo. Isto significa acompanhar o aluno mesmo
após seu ingresso em um programa para alunos
com altas habilidades/superdotação.
Na verdade, a identificação deve ser enrique-
cida por outras fontes de informação, de forma a
privilegiar uma visão sistêmica e global do indiví-
duo e não somente sua inteligência superior medida
por meio de um teste de QI. Informações colhidas
junto aos professores, aos pais, indicação por colegas
e auto-indicação também são importantes.
A identificação dos indivíduos intelectualmente
superdotados é tarefa desafiadora, tendo em vista
questões polêmicas que envolvem o fenômeno
da superdotação. Entre elas podemos destacar a
controvérsia sobre a definição de inteligência e
superdotação, as limitações de qualquer avaliação
subjetiva ou objetiva, as limitações dos atuais tes-
tes psicométricos etc.
A Relação entre Inteligência, QI e
Superdotação
Não se pode negar o avanço considerável nas
concepções acerca dos indivíduos superdotados.
Algumas mudanças provocaram rupturas no para-
digma tradicional, principalmente no que tange à
valorização do contexto em detrimento da concep-
ção exclusivamente hereditária, à visão dinâmica
do desenvolvimento de habilidades e comporta-
mentos do superdotados ao invés de uma visão
estanque e linear deste processo.
Historicamente, a concepção de superdota-
ção foi acoplada a inteligência como um construto
mensurável e, assim, identificada a partir do escore
oriundo de testes de inteligência. Conseqüentemente,
o QI foi considerado a medida ideal da inteligência
humana, abrangendo a totalidade do potencial inte-
lectual de um indivíduo e, durante décadas, dominou
o processo de identificação. Entretanto, com os avan-
ços nos estudos sobre a inteligência e a adoção de
uma visão multidimensional deste construto, os tes-
tes de QI passaram a ser questionados e considerados
mais como uma medida de um conjunto específico
de habilidades mentais num determinado contexto
do que um reflexo de uma capacidade mental global.
Além disso, se pensarmos em motivação,
5757
Capítulo 4: Estratégias de Identificação do Aluno com Superdota-
autoconceito e criatividade como dimensões rele-
vantes na superdotação, posição defendida por
muitas abordagens sobre o fenômeno, o uso exclu-
sivo de testes de QI perde a sua função e relevân-
cia, tendo em vista a necessidade de se incluir e
instrumentos que investiguem estas outras dimen-
sões (Reis & Renzulli, 2004).
Processo de Identificação do Aluno
com Altas Habilidades /
Superdotação
O processo de identificação do aluno com altas
habilidades/superdotação deve envolver uma ava-
liação abrangente e multidimensional, que englobe
variados instrumentos e diversas fontes de informa-
ções (como indivíduo, professores, colegas de turma
e familiares), levando-se em conta a multiplicidade
de fatores ambientais e as riquíssimas interações
entre eles que devem ser consideradas como parte
ativa desse processo (Bronfenbrenner, 1999; Chagas,
Aspesi & Fleith, 2005).
Com a modificação do conceito de superdota-
ção, também se alterou a metodologia utilizada para
a identificação do aluno com altas habilidades/super-
dotação. Isso porque, atualmente, as características
como criatividade, aptidão artística e musical, lide-
rança, entre outras, são também consideradas, porém
não são medidas por testes de inteligência, tornando
essa identificação bem mais complexa. Portanto, cabe
a utilização de instrumentos e atividades alternati-
vas, numa perspectiva mais qualitativa para acessar
esta variedade de características. Tais instrumentos
devem considerar o contexto sócio-cultural do indi-
víduo, assim como as características observadas no
processo de identificação e o atendimento especiali-
zado disponível. É importante destacar que cada pro-
fissional/equipe interdisciplinar organizará o próprio
conjunto de materiais que orientará suas ações.
Nesta perspectiva, é importante destacar o jul-
gamento, avaliação e observação do professor. Ele
desempenha um papel significativo no processo de
identificação do aluno com altas habilidades/super-
dotação. Assim, é possível solicitar ao professor que
indique, por exemplo, o aluno mais criativo da turma,
o aluno com maior capacidade de liderança, o aluno
com maior conhecimento e interesse na área de ciên-
cias, o aluno com maior vocabulário, o aluno com
pensamento crítico mais desenvolvido etc (Gowan,
1971). Delou (1987) também elaborou uma lista de
indicadores de superdotação que serve de parâmetros
para observação de alunos em sala de aula. Alguns
exemplos destes indicadores são:
O aluno demonstra prazer em realizar ou pla-
nejar quebra-cabeças e problemas em forma
de jogos;
O aluno mantém e defende suas próprias
idéias;
O aluno sente prazer em superar os obstáculos
ou as tarefas consideradas difíceis;
O aluno dirige mais sua atenção para fazer
coisas novas do que para o que já conhece e/
ou faz;
O aluno usa métodos novos em suas ativida-
des, combina idéias e cria produtos diferentes;
O aluno põe em prática os conhecimentos ad-
quiridos.
A Escala para Avaliação das Características
Comportamentais de Alunos com Habilidades
Superiores - Revisada, desenvolvida por Renzulli,
Smith, White, Callahan, Hartman e Westberg
(2000), a ser respondida pelos professores, é também
uma opção no processo de identificação. A escala
avalia a freqüência com que certos comportamen-
tos relacionados, em especial, à aprendizagem, cria-
tividade e motivação são registrados no dia-a-dia do
aluno. Exemplos de itens desta escala são:
A
PRENDIZAGEM
O aluno demonstra vocabulário avançado para
a idade;
O aluno possui uma grande bagagem de in-
formações sobre um tópico específico;
O aluno tem facilidade para lembrar
informações;
O aluno tem perspicácia em perceber relações
de causa e efeito.
C
RIATIVIDADE
O aluno demonstra senso de humor;
O aluno demonstra espírito de aventura ou
disposição para correr riscos;
58
O aluno demonstra atitude não conformista,
não temendo ser diferente;
O aluno demonstra imaginação.
M
OTIVAÇÃO
O aluno demonstra obstinação em procurar in-
formações sobre tópicos de seu interesse;
O aluno demonstra persistência, indo até o fim
quando interessado em um tópico ou problema;
O aluno demonstra envolvimento intenso
quando trabalha certos tópicos ou problemas;
O aluno demonstra comportamento que requer
pouca orientação dos professores.
Guenter (2000) sugere também indicadores de
observação em sala de aula. O professor é convidado
a indicar dois alunos de sua turma que apresentam
características como os melhores da turma nas áreas de
linguagem, comunicação e expressão; os mais curiosos,
interessados e perguntadores; os de melhor memó-
ria; os mais críticos com os outros e consigo próprios;
mais originais e criativos; mais solitários e ignorados;
os mais seguros e confiantes de si; os mais entediados,
desinteressados, mas não necessariamente mais atrasa-
dos, entre outras.
O professor pode ainda fornecer informações
acerca dos interesses, hobbies, atividades extracurricu-
lares, hábitos de leitura e características do aluno em
avaliação, além de participação em projetos especiais,
quando for o caso.
A indicação por parte de colegas de turma é
uma alternativa a ser utilizada no processo de iden-
tificação do aluno com altas habilidades/superdota-
ção (Feldhusen, 1998; Renzulli & Reis, 1997), porém
pouco explorada. É possível perguntar aos alunos de
uma classe:
Quais são os alunos de sua turma que sempre
têm muitas idéias boas?
Quais são os alunos de sua turma que dese-
nham muito bem?
Quais são os colegas que são muito bons em
matemática?
Quais são os colegas de turma que sempre têm
idéias diferentes?
Em sua sala de aula, quem você pediria ajuda
em seu dever de casa de ciências?
Em sua sala, quem você considera o melhor es-
portista? Músico? Escritor?
Em sua sala de aula, quem tem mais senso de
humor?
Em sua sala, quem é o melhor aluno?
A auto-indicação para participar em um pro-
grama de atendimento ao superdotado é uma estraté-
gia também pouco utilizada, porém o seu uso tem sido
especialmente encorajado no processo de identificação
de alunos com altas habilidades/superdotação do ensino
médio, provenientes de área rural ou de nível sócio-
econômico desfavorecido (Davis & Rimm, 1994;
Freeman & Guenther, 2000). Em um formulário de
auto-indicação, o aluno aponta as áreas em que ele
julga que apresenta alta habilidade ou talento, descreve
projetos e/ou atividades desenvolvidas por ele que ilus-
tram seu desempenho superior na área, lista livros que
ele leu relacionados a sua área de interesse, justifica
seu interesse em participar de um programa especiali-
zado, descreve hábitos de leitura, áreas de interesse etc
(Feldhusen, 1998; Renzulli & Reis, 1997).
A família constitui também uma excelente
fonte de informações que não pode ser negligenciada
no processo de identificação do aluno com altas habi-
lidades/superdotação. Os pais podem ser solicitados a
indicar atividades, na escola e fora do contexto escolar,
que seu filho gosta de realizar, descrever característi-
cas, áreas de interesse e de destaque do filho, relatar o
processo de desenvolvimento de seu filho ao longo dos
anos (por exemplo, quando aprendeu a andar, a falar, a
ler, a escrever etc), comentar sobre relacionamento do
filho com membros da família e colegas, descrever o
desempenho escolar do filho e seu envolvimento com
as tarefas escolares. Renzulli e Reis (1997) apresentam
uma lista de características do aluno a ser respondida
pelos pais durante o processo de identificação. Trata-
se de uma escala em que os pais avaliam a freqüência
do comportamento ou situação listada, além de apre-
sentar exemplos que se aplicam a seu filho. Exemplos
de itens são:
Meu filho gasta mais tempo e energia que
seus colegas da mesma idade em um tópico
de seu interesse;
Meu filho estabelece metas pessoais e espera
obter resultados do seu trabalho;
5959
Capítulo 4: Estratégias de Identificação do Aluno com Superdota-
Meu filho continua a trabalhar em um pro-
jeto mesmo quando este apresenta problemas
ou os resultados demoram a surgir;
Meu filho sugere maneiras imaginativas de se
realizar atividades, mesmo que as sugestões
não sejam, algumas vezes, práticas;
Meu filho usa materiais de forma original.
Meu filho gosta de brincar com idéias, ima-
ginando situações que provavelmente não
ocorrerão.
Meu filho acha engraçadas situações que
normalmente não são consideradas engraça-
das pelos colegas de sua idade;
Meu filho prefere trabalhar ou brincar so-
zinho ao invés de fazer alguma coisa apenas
para fazer parte de um grupo.
No caso da equipe de avaliação contar com
um psicólogo, testes e escalas de inteligência,
criatividade e autoconceito poderão ser aplica-
das, já que é prerrogativa deste profissional o uso
de instrumentos psicológicos. O Teste Torrance
do Pensamento Criativo, por exemplo, é o único
teste de criatividade traduzido e validado para a
realidade brasileira (Wechsler, 2002). O objetivo
do teste, utilizado em diversos países, é avaliar
dimensões relacionadas ao processo criativo por
meio da produção criativa expressa de forma ver-
bal e figurativa. Entre as características criativas
avaliadas, destacam-se:
(a) fluência, capacidade de gerar um grande nú-
mero de idéias e soluções para um problema;
(b) flexibilidade, habilidade de olhar o problema
sob diferentes ângulos e mudar os tipos de
propostas para sua solução;
(c) originalidade, que envolve a produção de
idéias inusuais e diferentes;
(d) elaboração, capacidade de produzir idéias ra-
ras ou incomuns, quebrando padrões habitu-
ais de respostas.
O psicólogo poderá ainda realizar entrevis-
tas com pais e professores com vistas a obter infor-
mações sobre o desenvolvimento do aluno, carac-
terísticas, interesses e desempenho escolar.
Outras fontes que podem fornecer ricas
informações acerca do aluno são jogos, exercícios e
dinâmicas. Jogos de quebra-cabeça e memória, por
exemplo, auxiliam na avaliação de características
associadas a superdotação. O desempenho do aluno
em exercícios de criatividade e autoconceito tam-
bém oferece subsídios importantes no processo de
identificação de altas habilidades. Alguns exemplos
destes exercícios são apresentados, a seguir, com
base no livro de Virgolim, Fleith e Neves-Pereira
(2005). No exercício “Auto-Inventário”, por exem-
plo, o aluno é convidado a listar suas habilidades e
talentos, suas áreas de conhecimento e experiên-
cia, seus traços de personalidade e qualidades posi-
tivas, suas realizações mais importantes e as pes-
soas mais importantes de sua vida. Na atividade
“Explorando minhas Habilidades”, é pedido que o
aluno relacione tudo o que sabe fazer muito bem,
o que ele sabe que faria bem se tentasse e o que ele
gostaria de aprender a fazer muito bem. Na ati-
vidade “Galeria de Personagens”, um quadro com
o nome de diversos personagens é apresentado
(Xuxa, Ronaldinho, Cinderela, o Patinho Feio,
Pinóquio etc). É pedido ao aluno que ele esco-
lha alguns personagens e escreva o que ele poderia
ter em comum com cada um deles. No exercício
“Carteira de Identidade”, o aluno é solicitado a dar
informações sobre seu nome, como gosta de ser
chamado, o que ele mais gosta nele, o que ele gosta
de fazer nas horas vagas, a palavra e o número que
melhor representam a pessoa que ele é etc. Outra
atividade interessante é “Sentenças Incompletas”
em que o aluno completa frases tais como:
A coisa que eu mais gosto em mim é ...
Eu gostaria que meus amigos ...
Eu gostaria de ser ...
O mundo seria muito melhor se as pessoas ...
A coisa que mais me preocupa atualmente é ...
Acho muito engraçado ...
Entre outros exercícios que estimu-
lam a criatividade e imaginação, salientam-se:
“Invertendo as Coisas” em que o aluno tenta des-
cobrir o que há de bom nas situações ruins e o
que há de mal nos aspectos ou momentos bons
(por exemplo, você acaba de ganhar aquele brinquedo
60
que tanto queria. O que tem de ruim nisso?),
A Branca de Neve e o Sílvio Santos”, em que
o aluno tem que imaginar uma conversa telefô-
nica entre a Branca de Neve e o Sílvio Santos, e
“O que Aconteceria se...”, em que o aluno é con-
vidado a pensar em conseqüências para situações
como o que aconteceria se as pessoas, em vez de
falar, só pudessem cantar?”.
Concluindo, a grande maioria dos pesqui-
sadores parece concordar que uma única fonte
de informação jamais será suficiente. Segundo
Alencar e Fleith (2001), o desempenho superior
pode estar mais relacionado à vida familiar, aos
traços de personalidade e ao engajamento em ati-
vidades de seu interesse, do que simplesmente
às habilidades cognitivas superiores. Por isso,
segundo Aspesi (2003), o processo de identificação
dos alunos com altas habilidades/superdotação deve
ter uma concepção flexível, levando-se em conta
os aspectos qualitativos e dinâmicos do aluno, a
participação da família e o envolvimento de uma
equipe interdisciplinar.
Formação de uma Equipe
Interdisciplinar
Entre tantas propostas inclusivas e conti-
nentes ao atendimento especializado, é impor-
tante ressaltar a necessidade de uma articulação
interdisciplinar que busque acompanhar o desen-
volvimento do aluno com necessidades educacio-
nais especiais, repensar estratégias de ensino que
se aproximem mais de uma rede de serviço essen-
ciais para a inclusão educacional e para a qua-
lidade de vida dessas pessoas (Brasil, 2005). No
paradigma da interdisciplinaridade, a prevalência
não está no discurso de uma ou outra especiali-
dade, mas na articulação entre si e na concepção
do indivíduo discutida por todas as áreas. Neste
sentido, a ação interdisciplinar constrói-se por
meio de uma equipe com o papel fundamental de
unir os saberes nesse campo de intervenção. Além
disso, ela tem a função de acolher o aluno e sua
família com seus questionamentos e suas expec-
tativas, bem como a escola carente de informa-
ções e orientações.
A equipe será formada, de preferência,
com os profissionais das áreas de Educação, de
Psicologia e outras envolvidas de forma direta ou
indireta com a Educação Especial, com atitude de
compartilhar seus conhecimentos, idéias e con-
cepções teóricas que fundamentam suas práticas.
Sob o enfoque da inclusão, a equipe
interdisciplinar deve elaborar alternativas meto-
dológicas e condições favoráveis para a operacio-
nalização da educação dos alunos, neste caso com
altas habilidades/superdotação, buscando uma
postura mais investigativa, reflexiva e de aper-
feiçoamento contínuo (Ourofino, 2005). A par-
tir de um conjunto de registros, é possível alcan-
çar algumas dimensões subjetivas em relação ao
desempenho acadêmico, intelectual, social e emo-
cional do aluno. Faz-se necessário, portanto, que
a equipe construa um espaço contínuo de inter-
locução entre os profissionais na busca de solu-
ções e de novas formas de trabalhar suas práticas
educacionais, se fortalecendo para lidar com os
impasses do cotidiano do ambiente escolar.
É imprescindível que se tenha uma polí-
tica de formação continuada para os profissio-
nais da equipe, na qual estes tenham um espaço
para discutir suas concepções teórico-práticas,
evitando viés e noções errôneas sobre este tema,
bem como refletir sobre o seu desejo e a sua atu-
ação na equipe, sabendo que o aluno é o foco
principal do processo.
A Identificação da Dupla
Excepcionalidade
A dupla excepcionalidade entre superdota-
dos e o paradoxo que se forma a partir da com-
binação de alta inteligência, múltiplas potencia-
lidades e possíveis desordens comportamentais e
emocionais, há muito têm atraído o interesse e a
curiosidade de pesquisadores e profissionais das
áreas que lidam diretamente com essa temática.
Apesar da relevância deste tema, a dupla
6161
Capítulo 4: Estratégias de Identificação do Aluno com Superdota-
excepcionalidade é ainda uma área de pes-
quisa em desenvolvimento e pouco reconhecida.
Entretanto, tem se observado um aumento de
casos de dupla excepcionalidade ou de múltiplos
diagnósticos na superdotação (Ourofino, 2005).
Vários estudiosos fazem referência à vulnerabili-
dade presente no desenvolvimento dos indivíduos
com potencial superior, principalmente nas áreas
comportamental, emocional e de ajustamento
social. Neihart (2003), por exemplo, apontou que
alunos com altas habilidades/superdotação não
enfrentam mais problemas de ordem emocional
e social que outros grupos de alunos. A diferença
se encontra quando se vêem diante de situações
de riscos para seu desenvolvimento sócio-emo-
cional e suas necessidades não são atendidas ade-
quadamente.
Nesta perspectiva, a identificação de alunos
que apresentam dupla excepcionalidade também
se mostra complexa por não possuir um modelo
com critérios pré-estabelecidos, sendo a utilização
de múltiplas intervenções um modelo mais aceitá-
vel, considerando as variáveis envolvidas na condi-
ção de dupla excepcionalidade (Ourofino, 2005).
Na fase de identificação, os profissionais
devem ficar atentos aos aspectos relacionados à
criatividade, inteligência, autoconceito, desaten-
ção e impulsividade dos alunos, não confundindo
com comportamentos de irresponsabilidade ou de
recusa, uma vez que muitas características de alu-
nos com altas habilidades/superdotação podem
ser erroneamente interpretadas como dificulda-
des de desenvolvimento. A observação sistemá-
tica de aspectos inusitados de comportamentos e
respostas inadequadas, bem como o processo de
reunir informações, permitem que os profissio-
nais tomem certas decisões quanto ao encami-
nhamento mais adequado. É indispensável que,
ao se deparar com condições tão diferenciadas em
que um indivíduo altamente inteligente sofra por
não atingir expectativas acadêmicas e sociais, se
busque avaliação interdisciplinar contando com
ajuda de profissionais, não só da área psicológica
e pedagógica, mas também da área médica.
O processo de identificação da dupla excep-
cionalidade por não ser bem esclarecido, ainda
acarreta diagnósticos imprecisos e prejuízos para
indivíduos que se submetem a estas avaliações. O
reconhecimento de subpopulações especiais entre
indivíduos superdotados tem atraído a atenção
dos estudiosos que buscam compreender os indi-
víduos superdotados que exibem processos dife-
renciados em seu desenvolvimento, tais como
dificuldades emocionais e comportamentais, difi-
culdades de aprendizagem, dislexia, síndrome
de Asperger, entre outras condições incompatí-
veis com as características de superdotação. Essas
condições, apresentadas a seguir, geralmente se
manifestam pela primeira vez na infância e acom-
panham o indivíduo por toda a vida.
Altas Habilidades/Superdotação e
Dificuldades de Aprendizagem
Sabe-se que as estratégias tradicionais
de identificação impedem que as altas habili-
dades sejam verificadas em alunos que apre-
sentam baixo rendimento ou fracasso escolar.
Inicialmente, parece uma contradição a coexis-
tência dessas duas dimensões, porém estudos
recentes estão mostrando que existe a possibili-
dade de alto potencial em alunos com dificuldade
de aprendizagem. A mudança desse paradigma
se dá na utilização de métodos diversificados de
identificação dessa provável dupla excepciona-
lidade. De fato, o processo de identificação de
alunos com altas habilidades/superdotação com
dificuldade de aprendizagem envolve a obten-
ção de evidências que apóiem a presença de
uma dificuldade específica por um lado e o alto
potencial por outro. Entretanto, o fato de uma
excepcionalidade ser primeiramente diagnosti-
cada, não pode ser motivo para ignorar compor-
tamentos que sejam indicativos da outra (Baum,
Owen & Dixon, 1991). O processo de identifi-
cação tem início quando os pais ou professores
suspeitam que o aluno esteja com dificuldades
62
escolares, já que seu desempenho acadêmico é
baixo e sua motivação é reduzida. Esses alunos
podem encantar com sua fluência verbal, porém
sua escrita e ortografia contradizem essa ima-
gem. Algumas vezes esses alunos, que parecem
saber tudo, se mostram esquecidos, desorganiza-
dos e desinteressados.
Portanto, o encaminhamento deve ser feito
para a equipe interdisciplinar, no qual os pro-
fissionais se utilizam tanto dos testes formais
quanto das análises observacionais para coletar os
dados com o intuito de identificar características
desta população específica. A identificação deve
ser dinâmica envolvendo atividades elaboradas
para produzir respostas criativas e alertar os pro-
fessores para as possíveis áreas de habilidades e
interesse do aluno.
É importante lembrar que os profissionais
devem oferecer estratégias de aprendizagem e téc-
nicas compensatórias para ajudar esses alunos com
altas habilidades/superdotação e dificuldades de
aprendizagem a lidarem com a dualidade de seus
comportamentos para o aprendizado. É con-
senso entre os pesquisadores da área de que uma
das melhores maneiras de intervir junto à criança
superdotada com TDAH é o desenvolvimento de
um planejamento individualizado que acomode
tanto o seu potencial superior quanto sua dificul-
dade (Moon, 2002; Webb & cols., 2005).
Altas Habilidades/Superdotação
com a Síndrome de Asperger
Muitos estudiosos apontam que a Síndrome
de Asperger é uma categoria relativamente nova
de desordem do desenvolvimento. Embora esse
quadro clínico tenha sido descrito originalmente
na década de 1940 por Hans Asperger, a síndrome
de Asperger foi oficialmente reconhecida em
1994 no “Manual de Diagnóstico e Estatísticas
de Desordens Mentais”.
Alunos com a síndrome de Asperger, em
sua maioria, são diagnosticados erroneamente
gerando muitas dúvidas quanto à escolarização
mais adequada para essa população. Crianças com
esta síndrome se diferenciam quase que exclusi-
vamente pelos aspectos cognitivos avançados e a
manutenção de dificuldades sociais e de inte-
ração. Esta síndrome é caracterizada por difi-
culdades no relacionamento social e comporta-
mento repetitivo. Indivíduos com Síndrome de
Asperger apresentam inabilidade e falta de inte-
resse em interagir com seus pares, desatenção
com relação a pistas sociais, uso limitado de ges-
tos, expressão facial limitada, fala em tom monó-
tono e repetitivo, dificuldade em expressar emo-
ções, dificuldade em entender a perspectiva do
outro em uma conversação, dificuldade em man-
ter contato visual com o outro e baixa tolerância
a mudanças (Alencar & Fleith, 2001).
O aluno com altas habilidades/superdota-
ção que apresenta esta síndrome expressa ainda
características como fluência verbal, excelente
memória e grande interesse por um tópico em
especial. Neste aspecto, o processo de identifica-
ção tem uma significativa importância, pois por
meio dele esses alunos terão a chance de serem
encaminhados para um programa específico. A
identificação dessa dupla excepcionalidade está
apoiada em critérios amplos, de preferência rea-
lizada por uma equipe interdisciplinar, instru-
mentalizada com base em referencias teóricos e
resultados de pesquisas na área.
Altas Habilidades/Superdotação
Transtorno de Déficit de Atenção/
Hiperatividade (SD/TDAH)
A condição descrita pelo Transtorno de
Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH)
é neurobiológica e caracterizada por níveis de
6363
Capítulo 4: Estratégias de Identificação do Aluno com Superdota-
desenvolvimento inapropriados de atenção, com-
portamento hiperativo e impulsividade. As carac-
terísticas e intensidade desses sintomas afetam o
desenvolvimento emocional, social e acadêmico
do indivíduo. É uma condição multifacetada
resultante não só de um aparato biológico sus-
ceptível, mas também da interação do indivíduo
com seu ambiente (Barkey, 1990; Chae, Kim &
Noh, 2003). O grupo de indivíduos com TDAH
é bastante heterogêneo em termos de aprendiza-
gem, comportamento, relacionamento interpes-
soal e pode apresentar outras características espe-
ciais como as de superdotação. A literatura tem
apontado o TDAH como um dos preceptores de
baixo desempenho acadêmico e produção cria-
tiva, dificuldades de aprendizagem, comporta-
mentos de risco social e dificuldades emocionais,
principalmente entre crianças muito inteligen-
tes. As dificuldades relacionadas aos transtornos
de atenção não constituem privilégio de grupos
étnicos ou de classes sociais e são motivo de pre-
ocupação médica e social, na extensão em que é
difícil reconhecê-las e tratá-las.
Crianças com SD/TDAH diferem de
crianças superdotadas e de crianças hiperativas
de vários modos, principalmente em relação ao
impacto de avaliações que afetam o planejamento
de sua vida social e escolar, bem como critérios
de tratamento e intervenção (Baum, Olenchak
& Owen, 1998). O critério mais relevante para
diagnosticar SD/TDAH é o grau de deterioração
experimentado pela criança nos aspectos rela-
cionados a superdotação e TDAH. Um aspecto
muito importante na identificação da superdota-
ção é a constatação de habilidades, em uma ou
mais áreas, distintamente acima da média de seus
pares. Na identificação do TDAH é importante
determinar se atenção inconstante é um ponto
de vulnerabilidade para a criança e definir se um
modelo de apoio para o processo de construção de
autoconceito positivo auxilia no resgate de aspec-
tos positivos dessas condições (Cramond, 1995).
Webb e Latimer (1993) relatam que a ten-
dência do indivíduo superdotado com TDAH é
manifestar características relacionadas ao trans-
torno: baixa atenção, tédio, dispersão em situa-
ções específicas, baixa tolerância para persistir
em tarefas que parecem irrelevantes, dificuldade
em manter a atenção em tarefas de rotina, difi-
culdade em monitorar seu progresso em projetos
a longo prazo, julgamento aquém do desenvol-
vimento intelectual, questionamento de regras e
autoridades e alto nível de atividade psicomotora.
Para estes autores, em algumas circunstâncias, o
superdotado com TDAH consegue mascarar sin-
tomas do transtorno, dificultando a realização de
uma avaliação mais precisa.
Uma visão mais fundamentada sobre a
coexistência de superdotação e do Transtorno
do Déficit de Atenção /Hiperatividade requer
a retomada de variáveis diretamente envolvidas
na condição de dupla excepcionalidade (Webb
& cols., 2005). Neste sentido, na avaliação, os
profissionais envolvidos devem aprofundar suas
investigações nos aspectos relacionados à cria-
tividade, inteligência, autoconceito, desatenção,
hiperatividade/impulsividade e contar com exa-
mes de exclusão diagnóstica e pareceres neuro-
lógicos. O conhecimento das características de
superdotação e dos critérios de identificação do
superdotado é também essencial neste processo.
Para finalizar, crianças que são privilegiadas
em ter uma avaliação física completa e avaliações
psicológicas aprofundadas, que incluam exame
do nível intelectual, do desempenho e aspec-
tos emocionais, têm melhores chances de serem
identificadas com precisão. A avaliação deve ser
seguida de adaptações curriculares apropriadas e
utilização de técnicas instrucionais diversas que
correspondam ao conhecimento avançado, esti-
los de aprendizagem diversos e vários tipos de
inteligência. Consideração cuidadosa e avalia-
ção profissional apropriada são necessárias antes
de concluir se a criança possui ou não dupla
excepcionalidade.
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Superdotação
Maria Lúcia Sabatella
Christina M. B. Cupertino
Capítulo 5
68
6969
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Superdotação
A
o finalizar o processo de identifi-
cação do aluno com altas habilida-
des/superdotação, o profissional se
depara com um sujeito complexo, cujas habilidades se
configuram e se articulam de forma particular e única.
Cada indivíduo é singular, uma vez que características,
habilidades, ou mesmo dificuldades humanas manifes-
tam-se em uma variada gama de intensidades e com-
portamentos (Cupertino, 1998).
Neste sentido, o passo seguinte à avaliação deve
ser o encaminhamento adequado, com o objetivo de
desenvolver as habilidades identificadas e oferecer
uma formação ampla ao indivíduo de acordo com suas
potencialidades. Conforme está previsto na legislação,
os alunos com altas habilidades/superdotação devem
receber atendimento que valorize e respeite suas neces-
sidades educacionais diferenciadas quanto a talen-
tos, aptidões e interesses. O pressuposto contido nessa
prescrição é o de que, por mais excepcionais que sejam
tais aptidões e talentos, caso não haja estímulo e atendi-
mento adequados, os indivíduos dificilmente atingirão
um nível de excelência. É, portanto, no indivíduo que a
organização e fundamentação de programas educacio-
nais devem se basear.
Essa não é, entretanto, uma tarefa simples.
Tomlinson (2005) sintetiza toda a complexidade nela
contida, alertando para a impossibilidade de se aplicar
fórmulas e chamando a atenção para a heterogeneidade
presente em qualquer grupo de alunos com altas habili-
dades. As possibilidades de combinação de fatores são
inúmeras, levando-se em consideração a multiplicidade
de aptidões e talentos, as variações na amplitude das
altas habilidades e as diferenças de nível socioeconô-
mico e cultural. É necessário levar em conta também,
o ritmo de cada um, a presença ou não de dificuldades
de aprendizagem ou de outras necessidades especiais,
além da maturidade e da independência. Aspectos rele-
vantes também são gênero, estilos de aprendizagem e
interesses pessoais de cada indivíduo identificado.
Os esforços da pesquisa no campo do com-
portamento humano concorrem para reconhecer as
altas habilidades como qualidades muito especiais
e para mostrar que os alunos identificados precoce-
mente podem ser orientados para um melhor desen-
volvimento, contribuindo para o progresso cole-
tivo. A necessidade de um atendimento adequado
aos indivíduos com necessidades educacionais espe-
ciais é entendida como o reconhecimento da exis-
tência de predominâncias e capacidades diferencia-
das e da importância de se criar condições para seu
pleno desenvolvimento.
Planejar alternativas de atendimento ao aluno
com altas habilidades, que atinjam suas reais necessida-
des, expectativas dos pais, bem como correspondam à
filosofia educacional das escolas, sem entrar em conflito
com o ensino regular, é um trabalho que deve ser exe-
cutado com habilidade e critério. Uma idéia importante
de se ter em mente ao fazer esse planejamento é a de
que os modelos existentes são sugestões de estratégias
e que o mais relevante é se ater, inicialmente, ao que é
possível fazer em cada situação específica, ampliando
posteriormente o atendimento conforme for existindo
maior abertura ou oferta de recursos por parte das ins-
tituições. Isso porque, muitas vezes, consideramos os
modelos como ideais inatingíveis, que desencorajam
nossas ações. O melhor nesses casos, então, é começar
de onde é possível, uma vez que as propostas iniciais
podem criar espaço e condições para a implantação
de outras. Temos que saber, também, que mesmo
quando partimos de uma mesma orientação geral, os
programas assumem a configuração necessária a cada
instituição, uma vez que qualquer processo educacional
vai depender intensamente das condições e caracterís-
ticas do lugar onde ele é realizado.
O acesso a um tratamento diferenciado,
adaptado às condições pessoais do aluno com
altas habilidades/superdotação, mas que garanta
igualdade de oportunidades, implica oferecer uma
gama de possibilidades, dentro do que é viável em
cada instituição, para que cada um possa desenvol-
ver plenamente seu potencial. O papel de progra-
mas específicos para esses indivíduos é o de suprir
e complementar suas necessidades, possibilitando
seu amplo desenvolvimento pessoal e criando
oportunidades para que eles encontrem desafios
compatíveis com suas habilidades. Quando o aten-
dimento diferenciado não é oferecido, um dos úni-
cos caminhos para os alunos com altas habilida-
des/superdotação é tentar se adaptar à rotina do
ensino convencional, o que pode gerar desperdí-
cio de talento, potencial ou desmotivação por não
estarem devidamente assistidos.
Sob essa perspectiva, relacionamos alguns
aspectos importantes a serem considerados no pla-
nejamento de intervenções para essa população, que
podem auxiliar o trabalho de professores, pedago-
gos, psicólogos e outros profissionais. Trazemos à
consideração o fato de que o aluno com altas habili-
dades/superdotação apresenta interesses variados e
diferentes habilidades e tem necessidade de envol-
vimento em atividades que favoreçam a produção
criativa, como atividades científicas, tecnológicas,
artísticas, de lazer e desporto, entre outras.
Esses indivíduos se beneficiam tanto das
modalidades do ensino formal como do não formal
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Altas Habilidades / Superdotação
70
e atingem seu maior aproveitamento em um
ambiente estimulante, que favoreça o desenvol-
vimento e a expansão de suas habilidades, tanto
quanto a ampliação de seus interesses. Para isso,
precisam encontrar desafios que girem em torno
de temas importantes e úteis, enriquecendo seu
conhecimento e oferecendo oportunidades para
alargar seus horizontes pessoais, projetar objetivos
maiores e desenvolver senso de responsabilidade
e independência intelectual. Necessitam também
encontrar metodologia adequada à sua rapidez de
raciocínio e grande capacidade de abstração, por
meio de um processo dinâmico de aprendizagem.
Existem várias modalidades de atendimento.
Uma das grandes dificuldades para implantá-las se
deve, em grande parte, à tentativa de implemen-
tar um programa pretendendo ajustá-lo aos grupos
já estabelecidos na seriação escolar, cuja separação
por faixa etária pressupõe uma correspondente
igualdade de nível intelectual. Para alunos com
altas habilidades/superdotação, essa não é a forma
ideal, pois eles têm, basicamente, dois grupos de
companheiros com os quais necessitam interagir:
os pares de mesma idade e os pares intelectuais.
Mantidos em suas classes regulares, onde encon-
tram seus amigos, com os quais brincam, fazem
esportes e desenvolvem sua vida social, os alunos
experimentam a inclusão e aprendem, ao mesmo
tempo, a conviver com a desigualdade. Por outro
lado, ao participarem de atividades especiais, den-
tro e fora da sala de aula, convivendo com iguais, se
diferenciam. Podem, ainda, satisfazer suas curio-
sidades particulares, buscar desafios compatíveis
com seus potenciais e trabalhar seus afetos e emo-
ções, aprendendo sobre si mesmos.
Novaes (1979) nos conta que, em um simpósio
em Genebra, quando a discussão versava sobre meto-
dologia de ensino, foi perguntado a Piaget qual era,
em sua opinião, o melhor método. Ele respondeu que
não existia o melhor método, nem o pior, mas ape-
nas um tipo de método - o método adequado. No
caso dos alunos com altas habilidades/superdotação,
esse método adequado tem que ser obtido por meio
de um conjunto de combinações entre as alternati-
vas de atendimento possíveis. É importante, portanto,
conhecer quais são essas alternativas.
Assinalamos desde já que, ao falar das moda-
lidades de atendimento, temos em mente o ponto de
partida de que tais projetos têm, na maioria dos casos,
que ser implementados a partir da já mencionada
estrutura tradicional de funcionamento das escolas, de
forma geral. Falamos aqui de alternativas que têm que
contar com o fato de que o cotidiano escolar é, ainda,
predominantemente organizado em séries, com dis-
ciplinas isoladas, oferecidas por meio de aulas com
duração definida, articuladas em grades dentro das
quais o conteúdo de cada ano letivo é transmitido aos
alunos por um professor de um domínio específico do
conhecimento.
Renzulli (2002) traduz de forma pertinente
nossas angústias frente a essa constatação: “Como é
que os educadores podem encontrar tempo para reali-
zar atividades de aprendizagem estimulantes que tor-
nem as escolas lugares mais agradáveis para os alunos
(e para o pessoal), face a duas realidades: as pressões
para aumentar o nível no desempenho de testes e de
um currículo já demasiado extenso, resultantes de
orientações estaduais, assim como as listas cada vez
mais longas de normas, conteúdos e recomendações
para aumentar o nível de letramento?” (p. 5).
Criar flexibilidade compatível com as adapta-
ções necessárias à educação adequada dos alunos com
altas habilidades depende, em primeiro lugar, da luta
constante dos educadores para modificar esse cená-
rio, seja na área das políticas públicas, seja na da pes-
quisa sistemática e, acima de tudo, em suas atividades
cotidianas na sala de aula. No dia-a-dia, a implanta-
ção dessas modalidades depende, ainda, da abertura
de cada instituição de ensino a mudanças e da dispo-
nibilidade dos profissionais envolvidos para enfrentar
esse desafio.
Nos programas de atendimento aos alu-
nos com altas habilidades/superdotação, as princi-
pais modalidades utilizadas são apresentadas sob
uma nomenclatura geral – agrupamento, aceleração
e enriquecimento. É necessário assinalar, entretanto,
que as alternativas não são modalidades conflitantes
que devam ser adotados com exclusividade, pois há
entre eles pontos comuns e entrelaçamentos. A divi-
são apresentada é didática, pois na descrição do fun-
cionamento dos diferentes programas, a inter-relação
das abordagens pode ser observada. Cada alternativa
atende a diferentes necessidades e, na prática, todas
são utilizadas, uma vez que a aceleração, por exemplo,
conduzida de forma adequada, tende a ser um enri-
quecimento, ao passo que um programa mais amplo e
flexível, levado a efeito de forma apropriada, também
ocasionará uma aceleração.
Para fazer essa apresentação, nos baseamos na
proposta de Pérez, Rodríguez e Fernández (1998),
para o Ministério da Educação e Cultura da Espanha,
que fornece uma excelente síntese das modalidades
disponíveis.
Alternativas de Atendimento -
Diretrizes Gerais
7171
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Superdotação
QUADRO 1: INTERVENÇÃO EDUCATIVA PARA
ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES
Sistemas de Agrupamento Específico
1. Agrupamento em centros específicos;
2. Agrupamento em aulas específicas em escolas
regulares;
3. Agrupamento parcial/temporal, flexível.
Sistemas de Intervenção na Sala de Aula
Regular
1. Flexibilização/aceleração
Entrada precoce na escola;
Dispensa de cursos;
Programa de estudos acelerados flexíveis no ritmo,
tarefas e/ou áreas de conhecimento.
2. Enriquecimento
Enriquecimento dos conteúdos curriculares:
Adaptações curriculares;
Ampliações curriculares:
. Verticais/área específica;
. Horizontais/interdisciplinares;
. Individuais ou com grupo de participação;
. Tutorias específicas, monitorias.
Enriquecimento do contexto de aprendizagem:
Diversificação curricular;
Contextos enriquecidos;
Contextos enriquecidos e agrupamentos
flexíveis;
Contextos instrucionais abertos, interativos e
auto-regulados.
Enriquecimento extracurricular:
Programas de desenvolvimento pessoal;
Programas com mentores.
Fonte: Pérez, Rodríguez e Fernández (1998, p. 100).
Inicialmente, vamos descrever cada um
deles e analisar suas vantagens e desvantagens.
Posteriormente serão brevemente discutidas outras
formas de atendimento, implementadas em progra-
mas brasileiros consolidados ao longo dos anos.
Sistemas de Agrupamento
Específico
Sistemas de agrupamento específico envol-
vem práticas educacionais de agrupamento de alu-
nos em escolas ou classes especiais, ou sob a forma
de pequenos grupos atendidos na sala de aula regu-
lar de forma diferenciada dos demais alunos. Este
é o método mais controvertido. Consiste em esco-
lher e separar os estudantes por nível de habilidade
ou por desempenho. Essa separação pode ser radi-
cal, encaminhando os alunos com altas habilidades
a escolas especializadas, como acontece em alguns
países, como a Inglaterra (Freeman & Guenther,
2000). Num estudo feito em escolas secundárias
americanas, Feldhusen e Boggess (2000) analisaram
tanto as escolas residenciais (aquelas nas quais os
alunos moram e estudam), quanto as regulares. Os
autores concluem que os dois tipos de escolas são
necessários, se quisermos atender aos variados per-
fis de alunos com altas habilidades/superdotação. É
importante destacar que esta forma de atendimento
não é muito comum na realidade brasileira.
Agrupamento nas escolas regulares é uma
outra forma de atendimento ao superdotado. Os
alunos identificados podem ser encaminhados a um
atendimento especializado, podem ser autorizados a
se retirarem de sua sala para realizar outras ativida-
des ou agrupados dentro da própria sala por períodos
de tempo determinados. As questões levantadas com
relação a esse método são freqüentemente associadas
ao elitismo e ao isolamento, principalmente quando os
alunos são atendidos em classes especiais. No entanto,
a criança pode se sentir discriminada ou isolada ao
freqüentar uma escola ou classe especial, assim como
pode sentir-se da mesma forma se for a única que
sabe as respostas dentro de uma sala comum. Pode
também sentir-se acolhida e atendida em suas espe-
cificidades, em qualquer um dos casos, se o desenho
da intervenção for apropriado. Em resumo, mais uma
vez, vemos que a opção por uma determinada inter-
venção vai depender dos detalhes contidos num pro-
cesso de identificação adequado.
Parece natural que o atendimento diferen-
ciado a pessoas com aptidões e talentos se dê por
meio de agrupamentos por nível de habilidade, pois
esta estratégia gera maior possibilidade de aprofun-
damento dos temas de acordo com o que é interes-
sante e apropriado para cada indivíduo, além de pos-
sibilitar o aprendizado colaborativo com conjunto
de seus pares. O aluno com altas habilidades/super-
dotação pode, no entanto, se sentir discriminado ao
fazer parte de um grupo específico, que recebe aten-
dimento diferenciado dos demais. Evitar que isso
aconteça depende de alguns cuidados.
Em primeiro lugar, podemos pensar nos cri-
térios adotados para o agrupamento. Se ele for feito
exclusivamente em termos de variáveis isoladas,
como os testes de inteligência, por exemplo, podem
acarretar dificuldades para o aluno que não apre-
sente maturidade emocional. Para o uso dessa meto-
dologia, Clark (citada por Alencar & Fleith, 2001)
alerta para algumas recomendações que podem ser
assim resumidas:
72
Reconhecer as amplas diferenças individuais e
a heterogeneidade do grupo, incluindo sempre
alguma instrução individualizada;
Evitar a completa segregação, dando oportu-
nidade aos alunos para uma convivência esco-
lar com outros de diferentes habilidades;
Selecionar professores bem qualificados, que
devem estar constantemente atualizados quan-
to às pesquisas, formas de avaliação e propos-
tas curriculares específicas para esses alunos;
Encorajar o desenvolvimento em várias áreas,
além da intelectual;
Manter a comunicação tanto entre os diversos
professores, como entre professores e pais.
Um outro cuidado, mencionado por Pérez,
Rodríguez e Fernández (1998) diz respeito à
necessidade de se discriminar, por parte de todos
os envolvidos, diferenças de superioridade, isto é,
devem ser tomadas as medidas necessárias para
que na classe não se crie a idéia de que os alunos
com altas habilidades foram agrupados por serem
considerados superiores aos demais.
Em todas as alternativas de agrupamento,
observamos a existência de maior ênfase no
aspecto acadêmico e intelectual, embora, na maio-
ria das orientações educacionais atuais, já se note
a adoção de definições e conceitos de altas habili-
dades/superdotação mais amplos e seu impacto na
implementação de práticas educacionais voltadas
para o desenvolvimento pessoal, das habilidades
criativas e artísticas.
O verdadeiro sentido do atendimento por
agrupamento não é sempre facilmente alcançado e
a idéia mais comum na população leiga, em geral,
é que a família procure escolas onde estudem
somente alunos com altas habilidades. Os pais
quase sempre perguntam a respeito da escola ideal
para seu filho e alguns gestores escolares, ao perce-
berem um aluno com maior potencial, não se sen-
tem preparados para atender esse aluno e solicitam
que a família procure outra escola “que seja mais
adequada”. Essa atitude corresponde à resistência
encontrada em tratar os vários alunos de uma sala
de modo diferenciado, constatada por Freeman e
Guenther (2000), quando afirmam que:
Numa concepção pedagógica ideal, em turmas de
alunos com vários graus de capacidade, o ensino
deveria explorar um mesmo tema ou assunto em
níveis diversos de amplitude e profundidade, mas
a maioria dos professores tem uma tendência na-
tural a sintonizar o nível das aulas pela faixa de
capacidade média do grupo. (p. 95)
Decorre daí a concepção errônea que a
escola apropriada deveria ser uma especializada,
que só tratasse de pessoas especiais, quando a
melhor escola para essas crianças e jovens é a que
os acolhe, que apresenta flexibilidade suficiente
para atender suas necessidades e que tem um bom
diálogo com a família. É aquela escola aberta para
aprender e propiciar oportunidades diferenciadas
para potenciais também diferenciados.
A análise dos resultados de estudos sobre
agrupamentos tem trazido expressivas contribui-
ções e apontado seus benefícios. Agrupar estudan-
tes por habilidades parece essencial, especialmente
se desejarmos contribuir para um aproveitamento
escolar compatível com seu potencial e para o
aumento da motivação desses alunos para apren-
der. A motivação fica comprometida sempre que
novos conceitos são muito fáceis ou muito difíceis;
o desafio deve ser apropriado ao nível de prontidão
do aluno (Feldhusen & Moon, 1992). A evidência
dos resultados de tais pesquisas reforça os benefí-
cios das práticas flexíveis em grupo, com ganhos
acadêmicos substanciais, especialmente para os alu-
nos com altas habilidades. A formação de grupos de
interesses e capacidades semelhantes torna-se cada
vez mais necessária para estudantes cujos níveis de
aproveitamento, atitudes, estilos de aprendizagem e
motivações são extremos e cujas necessidades não
são satisfeitas pela classe regular.
A escolha de conteúdos para esse grupo
deve ser um processo aberto, com atividades base-
adas, em grande parte, nos interesses e preferên-
cias dos próprios alunos. Uma prática sensata
associa as necessidades dos alunos com as oportu-
nidades do programa, passando por uma avaliação
periódica, tanto do aluno quanto do programa.
Alguns alunos são capazes de uma aprendizagem
mais rápida, dominando materiais mais comple-
xos; o fato de estarem juntos será fator determi-
nante para o desenvolvimento total de suas habili-
dades. Além disso, a oportunidade de um trabalho
no qual eles possam conhecer seus iguais e realizar
atividades onde sejam respeitadas as característi-
cas e a velocidade de cada um é fator inestimá-
vel para o autoconhecimento, a autovalorização e
a construção de sua identidade. Ao mesmo tempo,
a conscientização de que os indivíduos de maior
habilidade também constituem grupos heterogê-
neos e de que sua educação deve ser correspon-
dente às suas necessidades especiais, reforça a
compreensão de que não só os superdotados, mas
todos os indivíduos são únicos e também têm
necessidades diferenciadas.
7373
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Superdotação
Sistemas de Intervenção na Sala de
Aula Regular
FLEXIBILIZAÇÃO/ACELERAÇÃO
Na definição tradicional, acelerar significa cum-
prir o programa escolar em menor tempo. Pode ser por
admissão precoce na escola ou por permitir que o aluno
realize seus estudos em tempo inferior ao previsto. Isso
pode ser efetivado com o avanço do aluno para uma
série mais adiantada, ao ser constatado que já domina
os conteúdos da série em que se encontra. Freeman
e Guenther (2000) e Pérez, Rodríguez e Fernández
(1998) reconhecem que essa é a modalidade mais tra-
dicional e antiga de atendimento aos alunos com altas
habilidades/superdotação, assim como a mais barata.
A aceleração é um processo que foge ao padrão
usual da seriação ou de áreas de conteúdo, exigindo
compatibilidade com a legislação vigente, pessoal
especializado e adaptações curriculares, caso haja pré-
requisitos em algum conteúdo. Em termos de legisla-
ção nacional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Brasil, 1996, p. 35) prevê a aceleração para
concluir em menor tempo o programa escolar para
superdotados”, a ser realizada mediante a avaliação de
conhecimentos na própria escola e documentada em
registros administrativos. É um recurso que está sendo
adotado recentemente com mais freqüência e possi-
bilita que alguns alunos avancem conforme seu pró-
prio ritmo. Uma definição mais ampla, para além da
seriação, diz que a aceleração é a abordagem educa-
cional que oferece à criança experiências de aprendi-
zagem usualmente oferecidas a crianças mais velhas”
(Heward & Orlansky, conforme citado por Gibson &
Efinger, 2001, p. 50).
O conceito de aceleração pode ser traduzido
em várias práticas, que variam de saltar séries até a
flexibilização do currículo para que etapas possam ser
cumpridas em tempo menor que o estabelecido. Ela
também pode ocorrer por um aumento do ritmo do
ensino-aprendizagem, proporcionando oportunidades
mais compactas para abranger os conteúdos da grade
curricular em menor tempo, com atividades durante as
férias, períodos de contra-turno, cursos à distância ou
obtendo créditos em exames especiais, que possibili-
tem dispensa de algumas disciplinas (veja Quadro 2).
QUADRO 2: DIFERENTES FORMAS DE
ACELERAÇÃO
01. Entrada mais cedo na fase seguinte do processo
educativo – do nível da Educação Infantil em diante;
02. Saltar séries escolares – promoção para séries
seguintes;
03. Aceleração por disciplina – freqüentar séries mais
adiantadas em determinadas disciplinas;
04. Agrupamento vertical – em classes mistas, com
ampla variedade de idades e séries, de modo que os
mais novos possam trabalhar com os mais velhos e mais
avançados;
05. Cursos especiais fora da escola que ofereçam mais
conhecimento em áreas curriculares específicas;
06. Estudos paralelos – cursar o Ensino Fundamental
e o Ensino Médio ao mesmo tempo, e assim por diante;
07. Estudos compactados – quando o currículo nor-
mal é completado em metade ou terça parte do tem-
po previsto;
08. Planos de estudo auto-organizados – estratégia em
que os alunos desenvolvem atividades ou projetos de seu
interesse enquanto esperam o resto da classe completar
o que eles já fizeram ou aprenderam;
09. Trabalho com um mentor, especialista de uma cer-
ta área de interesse do aluno, na escola ou fora dela;
10. Cursos paralelos – por correspondência, televisio-
nados ou outra forma de ensino à distância.
Fonte: Freeman e Guenter (2000, p. 110).
A aceleração pode ser positiva para a escola
porque utiliza os recursos já existentes e os mes-
mos professores. Para a criança e a família, cons-
titui-se em uma resposta rápida e eficiente, na
medida em que mantém a motivação do aluno,
que por sua vez preenche mais rapidamente os
requisitos de sua formação. Por outro lado, pode
ser contraproducente se não houver trânsito livre
e boa comunicação entre as diferentes instân-
cias da instituição de ensino. Além disso, como
na modalidade anteriormente apresentada (agru-
pamento), a aceleração também pode provocar
na criança sentimentos de isolamento e separa-
ção de seus amigos, causando insegurança. Além
disso, os pais, ao perceberem rápido progresso do
filho, podem exercer pressão para a obtenção de
resultados de forma mais acelerada.
Pais e profissionais, muitas vezes, têm dúvi-
das sobre se o aluno será bem recebido numa série
mais avançada e se poderá acompanhar, emocio-
nalmente, os alunos mais velhos. O aluno pode
ainda sofrer preconceito por parte dos professo-
res, seja porque se ressentem da falta de infor-
mações sobre as altas habilidades, ou pela inse-
gurança de ter sucesso no manejo da diversidade
e receio pela capacidade de adaptação do aluno.
Em alguns casos nos quais é feita a aceleração, os
professores esperam que o aluno, vindo de uma
série inferior, tenha o conhecimento de todos os
conteúdos que a escola desenvolveu durante o
período em que não esteve naquela classe. Em
algumas escolas, os professores ficam tão inse-
guros quando percebem as lacunas apresentadas
pelos alunos acelerados, que os fazem retornar
para a sua série original, sem ao menos darem a
74
eles a oportunidade de ter contato com o conte-
údo já trabalhado. É natural que pré-requisitos
devam ser trabalhados em sala de aula. O aluno
com altas habilidades terá mais facilidade e rapi-
dez para entendr os pré-requisitos, mas isso não
ocorre sem um período de adaptação e adequa-
ção aos conteúdos. O fato de uma criança ser
brilhante não significa que ela pode - ou deve -
aprender sozinha.
Uma precaução a ser tomada quando se
cogita acelerar um aluno diz respeito a um dos
mitos consolidados quando se trata dos super-
dotados: o de que seu desenvolvimento é homo-
gêneo, ou seja, que suas habilidades intelectuais,
motoras e características afetivas se desenvolvem
paralelamente, o que não acontece na maioria
dos casos. Ao indicar uma criança para acelera-
ção, o profissional deve avaliar, além do conhe-
cimento acadêmico e da capacidade intelectual,
aspectos como o desenvolvimento emocional e a
maturidade, e mesmo o crescimento físico, para
não criar incompatibilidades muito gritantes. A
progressão deve ser suave e contínua de forma
a não gerar lacunas sérias na formação global da
criança. Também importante é avaliar as condi-
ções da escola e a receptividade do professor com
relação ao processo de aceleração do aluno com
potencial superior
Enquanto a aceleração, entendida como sal-
tar uma ou mais séries, é a alternativa mais aceita,
o ingresso antecipado encontra sólidas barreiras
nas escolas. Apesar do amparo legal, por medo de
abrir precedente ou pela força dos mitos, as escolas
dificultam o ingresso antes da idade, quase sempre
usando como argumento a imaturidade da criança
ou determinações dos órgãos superiores. Daurio
(citado por Alencar & Fleith, 2001) ameniza esse
impasse ao revisar inúmeras pesquisas, incluindo
estudos retrospectivos de indivíduos que entra-
ram precocemente na universidade ou que tive-
ram o ingresso antecipado na escola, e concluir
que a aceleração educacional de indivíduos aca-
demicamente mais competentes não tem resul-
tado prejuízo. “Em todos casos, nenhum pro-
blema de ajustamento foi observado, o que sugere
que a resistência observada com respeito à acele-
ração se baseia em noções pré-concebidas e não
em fatos” (p. 129).
E
NRIQUECIMENTO
Um dos mitos sobre o indivíduo com altas
habilidades/superdotação é a noção de que eles
podem desenvolver seu potencial sem precisar de
ajuda. É um engano pensarmos que esses indi-
víduos têm recursos suficientes para desenvolve-
rem sozinhos suas habilidades, não sendo neces-
sária uma intervenção do ambiente; a realidade
é que alunos com altas habilidades/superdota-
ção necessitam de uma variedade de experiências
de aprendizagem enriquecedoras que estimulem
seu potencial. Heward e Orlansky (citado por
Gibson & Efinger, 2001) oferecem uma defini-
ção simples e sintética acerca do enriquecimento
- trata-se de uma abordagem educacional que
oferece à criança experiências de aprendizagem
diversas das que o currículo normalmente apre-
senta (p. 50).
Essas experiências de enriquecimento podem
assumir formas variadas, somando-se ou às vezes
confundindo-se com as outras modalidades já apre-
sentadas. Um exemplo dessa sobreposição pode ser
apontado: podemos considerar como uma das ati-
vidades de enriquecimento permitir que o aluno
complete em menor tempo um determinado con-
teúdo, o que pode sugerir que estamos falando
de aceleração. No entanto, o que caracteriza essa
proposta também como enriquecimento pode ser
o acréscimo de outros conteúdos, mais abrangen-
tes e/ou mais profundos, que ocupem o espaço
deixado pelo que foi concluído.
Apesar da simplicidade da definição,
existem diversas formas de enriquecimento.
Conforme explicam Alencar e Fleith (2001):
Para alguns ele implica completar em menor
tempo o conteúdo proposto, permitindo, assim,
a inclusão de novas unidades de estudo. Para ou-
tros ele implica uma investigação mais ampla a
respeito dos tópicos que estão sendo ensinados,
utilizando o aluno um maior número de fontes de
informação para dominar e conhecer uma deter-
minada matéria. Para outros, o enriquecimento
consiste em solicitar ao aluno o desenvolvimento
de projetos originais em determinadas áreas de
conhecimento. Ele pode ser levado a efeito tanto
na própria sala de aula como através de ativida-
des extracurriculares. (p. 133)
Pérez, Rodríguez e Fernández (1998) acre-
ditam que esse é o sistema que oferece mais alter-
nativas para atender à diversidade de habilidades,
interesses e estilos, porque podem ser organiza-
das de acordo com a especificidade de cada caso.
Ao mesmo tempo, é o que demanda maior inves-
timento - seja financeiro, seja de formação de
profissionais especializados – e disponibilidade
de material. Para os alunos, essa modalidade de
atendimento oferece vários benefícios, sendo o
7575
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Superdotação
principal deles o fato de permanecerem em seu
ambiente habitual. Por outro lado, é preciso um
cuidadoso e gradativo planejamento das ativida-
des, para evitar que se sintam sobrecarregados.
São três as formas que o enriquecimento
pode assumir:
(a) enriquecimento dos conteúdos curricula-
res;
(b) enriquecimento do contexto de aprendiza-
gem e
(c) enriquecimento extracurricular.
E
NRIQUECIMENTO DOS CONTEÚDOS CURRI-
CULARES:
Envolve
adaptações curriculares, amplia-
ções curriculares, tutorias específicas e monito-
rias. Adaptação curricular, também chamada de
adaptação curricular significativa, é definida por
Alonso (1999) como: A adaptação significativa
de currículo é uma estratégia educacional que
significa o desenho de um programa educacional
individualizado dentro dos objetivos, conteúdos
e avaliação do currículo regular, dentro do tempo
regular de escolarização” (p. 80). Ela envolve alte-
rações importantes de objetivos, conteúdos, meto-
dologia, atividades, distribuição do tempo e ava-
liação. Os objetivos educacionais mais amplos são
alterados, conteúdos são adicionados e/ou exclu-
ídos, critérios de avaliação também são modifi-
cados. É necessário atingir os conteúdos básicos,
optativos e transversais. Esta ação envolve não só
o aluno, como seus tutores e toda a equipe esco-
lar. Segundo Freeman e Guenther (2000, p. 123),
as atividades de enriquecimento “não são uma dieta
suplementar de aprendizagem”. É uma proposta de
tornar o processo educativo o mais individualizado
possível, sem perder de vista parâmetros como as
exigências do sistema de ensino e as necessidades
sócio-afetivas do aluno.
As
ampliações curriculares, chamadas de
adaptações curriculares não significativas, são
alterações mais focalizadas e não tão abrangen-
tes quanto as anteriores, uma vez que se referem
a ampliações de certos conteúdos de algumas
disciplinas curriculares, por meio do aprofunda-
mento dos conteúdos e variação das atividades.
Mesmo que façam parte de adaptações curricu-
lares mais amplas, são mais simples de implantar
e, em geral, constituem o primeiro procedimento
que se pode adotar. Nestes casos, as mudanças são
mais superficiais e podem ser feitas pelos profes-
sores regulares, que têm contato cotidiano com
a criança e que podem auxiliá-la a incrementar
seus estudos.
Existem duas possibilidades de amplia-
ção curricular – ampliação vertical e horizontal
- e os programas podem se basear em uma delas
ou, preferencialmente, no equilíbrio entre elas. A
ampliação vertical, ou restrita a uma área especí-
fica, atinge apenas uma disciplina, que tem seu
conteúdo ampliado e aprofundado, para atender
principalmente ao aluno com talento específico.
A ampliação horizontal envolve várias discipli-
nas integradas em um projeto. As duas aborda-
gens mencionadas podem ser aplicadas a indiví-
duos ou grupos.
As
tutorias específicas envolvem a desig-
nação de alguém encarregado de auxiliar o aluno
em suas atividades de enriquecimento. Essa pes-
soa pode ser um professor regular da própria
escola, alguém de fora da escola, ou um colega
mais adiantado. Essa alternativa oferece um aten-
dimento especializado e personalizado no plane-
jamento, hierarquização e execução das ativida-
des necessárias à aquisição de conhecimento. A
monitoria também é uma forma especializada
e personalizada de aprender, mas nesse caso seu
funcionamento é de mão dupla: o aluno pode
se beneficiar do auxílio de um monitor ou, por
outro lado, quando o monitor é o aluno, ele pode
se sentir mais motivado e aprofundar o conhe-
cimento. Essa atividade contribui ainda para o
processo de socialização do superdotado.
E
NRIQUECIMENTO DO CONTEXTO DE
APRENDIZAGEM
:
De acordo com Pérez, Rodríguez e
Fernández (1998, p. 127),os contextos educa-
tivos devem estar preparados e contar com con-
figurações prévias de atenção à diversidade”, ou
seja, projetos pedagógicos necessitam de fle-
xibilidade para que possibilitem combinações
variadas no atendimento a qualquer aluno com
necessidades especiais. Entre as opções para o
enriquecimento dos contextos de aprendiza-
gem, estão a
diversificação curricular, os con-
textos enriquecidos
e os contextos enriqueci-
dos combinados com agrupamentos flexíveis
.
Todas essas modalidades atingem a escola, no
que diz respeito a sua prontidão para receber e
atender diferentes demandas que levem em conta
as diversas características discentes, o nível de
conhecimento prévio, a capacidade de trabalho
e estilos de aprendizagem e expressão de cada
um. Exemplos destas alternativas são apresenta-
dos no Quadro 3 (Atividades de um Programa
de Contexto Enriquecido).
76
Os contextos instrucionais abertos, intera-
tivos e auto-regulados
traduzem, de certa forma, o
consenso entre os vários autores sobre as medidas edu-
cativas a serem oferecidas aos alunos com altas habili-
dades/superdotação e são assim entendidos:
A maioria dos autores concorda com a necessidade
de um sistema ABERTO que lhes permita aprender
segundo seus ritmos de aprendizagem e estilos inte-
lectuais, INTERATIVO, baseado em uma especial
mediação professor-aluno e na interação com tare-
fas de aprendizagem real, de “aprendizagem anco-
rada”. Também coincidem na necessidade de uma
metodologia de investigação baseada no trabalho au-
tônomo e no estudo independente, no qual o sujeito
possa planificar suas tarefas, seus tempos e sua ava-
liação, AUTO-REGULADO. (Pérez, Rodríguez &
Fernández, 1998, pp. 134-135)
ENRIQUECIMENTO EXTRACURRICULAR:
Este tipo de enriquecimento envolve duas alter-
nativas:
os programas de desenvolvimento pessoal
e programas com mentores. Os primeiros, imple-
mentados em pequenos grupos, buscam promover o
desenvolvimento das habilidades de relacionamento
interpessoal, de reflexão e a atração pelo conheci-
mento. Os últimos tratam de formas muito individu-
alizadas de ensino, por meio de mentores, que auxi-
liam no desenvolvimento de talentos específicos.
Retomando o alerta apresentado no início deste
capítulo quanto a não idealização de modelos estabe-
lecidos, já que isto pode inibir a montagem de nossos
próprios programas, lembramos que a espinha dorsal
da apresentação dos recursos educacionais para alunos
com altas habilidades/superdotação apresentada ante-
riormente foi predominantemente baseada nas deter-
minações de uma variedade de países. As alternativas
de agrupamento, aceleração e enriquecimento, exami-
nadas anteriormente são abrangentes e sugerem que o
atendimento às altas habilidades ocorram, principal-
mente, dentro das escolas. Não é essa a regra geral em
todos os lugares, onde grande parte dos programas e
atividades de enriquecimento, por exemplo, são reali-
zados extraclasse. Alencar e Fleith (2001) defendem
que, perante as dificuldades na execução desse tipo de
programas na própria sala de aula, pode ser vantajoso
desenvolvê-los por meio de atividades extraclasse, cen-
tros de aprendizagem ou clubes de ciências, música,
literatura, matemática etc.
O exemplo mais sólido das possibilidades que
enumeramos é o Modelo de Enriquecimento Escolar
de Joseph Renzulli (1986), implementado em vários
países, inclusive o Brasil. Este modelo propõe o desen-
volvimento de três tipos de atividades: experiências
exploratórias, atividades de aprendizagem e projetos
individuais ou em grupos.
Atividades exploratórias gerais: expõem os alu-
nos a tópicos, idéias e campos do conhecimento
que normalmente não fazem parte do currículo
regular, mas são de interesse deles. São imple-
mentadas por uma variedade de procedimentos
como palestras, exposições, minicursos, visitas,
passeios e viagens, assim como o uso de dife-
rentes materiais audiovisuais, filmes, programas
de televisão, internet, entre outros.
Atividades de aprendizagem para ajudar o alu-
no a aprender como fazer”, usando metodo-
logia adequada à área de interesse, fornecendo
instrumentos e materiais, ensinando técnicas
que contribuam para o desenvolvimento de ha-
bilidades criativas e críticas, habilidades de pes-
quisa e habilidades pessoais como liderança, co-
municação, autoconceito etc.
Projetos desenvolvidos individualmente, ou em
pequenos grupos, com o objetivo de investi-
gar problemas reais, aprofundar o conhecimen-
to em uma área de interesse, usar metodologias
apropriadas para resolver os problemas, gerar
conhecimento. Nesses projetos, os alunos traba-
lham com recursos humanos e materiais avan-
çados, são encorajados a dialogar com profissio-
nais que atuam na área investigada e a apresen-
tar seus produtos a uma audiência.
Vale destacar que as atividades exploratórias
QUADRO 3: ATIVIDADES DE UM PRO-
GRAMA DE CONTEXTO ENRIQUECIDO
Incluir, no currículo regular, programas de
ensino pensamento produtivo e crítico;
Promover projetos independentes individuais e
em pequenos grupos;
Desenvolver atividades de exploração em
diferentes áreas do conhecimento;
Organizar atividades baseadas nos interesses
dos alunos;
Resolver problemas reais e antecipar problemas
futuros;
Implementar oficina de invenções;
Realizar concursos de ciências, letras, artes
visuais e plásticas;
Oferecer aulas de música, interpretação ou
artes visuais;
Realizar colóquios com especialistas;
Desenvolver estudos aprofundados sobre temas
específicos;
Realizar adaptações curriculares;
Desenvolver projetos de investigação;
Participar em programas extracurriculares.
Fonte: Pérez, Rodríguez e Fernández (1998).
7777
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Superdotação
e de aprendizagem podem ser implementadas no
ensino em geral. O aluno pode se beneficiar com a
oportunidade de aprofundar tópicos de seu interesse,
desenvolver diversas habilidades e enfrentar desa-
fios, tornando seu processo de ensino-aprendizagem
mais prazeroso.
Alternativas de Atendimento –
Diretrizes e Exemplos Brasileiros
Em 2002, o Ministério da Educação do Brasil,
por meio do documento Adaptações Curriculares
em Ação: desenvolvendo competências para o aten-
dimento às necessidades educacionais de alunos com
altas habilidades/superdotação (Brasil, 2002), já apre-
sentava diferentes alternativas de atendimento aos alu-
nos com necessidades educacionais especiais.
Segundo este documento, os alunos com altas
habilidades/superdotação devem cursar, como os
demais alunos, a escola regular comum, nos diversos
níveis de escolaridade, em turmas não muito nume-
rosas, a fim de facilitar o atendimento a suas necessi-
dades, bem como sua inclusão escolar. Observado esse
critério e de acordo com suas potencialidades, esses
educandos podem também ser atendidos na classe
regular comum, em salas de recursos e por meio do
ensino com professor itinerante.
(a) Classe regular comum: esse atendimento exi-
ge atividades de apoio paralelo ou combinado,
para garantir que o aluno mantenha o interes-
se e a motivação, podendo o professor receber
orientação técnico-pedagógica de docentes es-
pecializados, no que se refere à adoção de mé-
todos e processos didáticos especiais. Um aluno
curioso, que tenha a capacidade de apreensão
rápida dos conteúdos e grande velocidade no
pensamento, pode ficar entediado com a rotina
da escola. Alunos superdotados quase sempre
se sentem menos confortáveis do que os outros
em um ambiente com estruturas rígidas de en-
sino, no qual seu envolvimento é muito limita-
do e geralmente predeterminado, como acon-
tece em uma sala de aula regular. Clark (1992,
p. 68) tem uma posição definitiva a respeito do
atendimento em classe comum, quando afir-
ma que: A classe regular comum, como é tra-
dicionalmente organizada, se presta mais a um
grupo de instrução com um cenário curricular”.
Aqui podemos observar a retomada da idéia de
contextos de aprendizagem enriquecidos, apre-
sentada anteriormente, uma vez que o projeto
pedagógico geral deve ser planejado tendo em
vista um cenário curricular flexível, que permite
alterações;
(b) Salas de recursos: é uma das alternativas mais
utilizadas no atendimento aos alunos com altas
habilidades/superdotação e acontece em horá-
rio diferente ao da classe comum. O trabalho
na sala de recursos requer professores especiali-
zados e programa de atividades específicas, ten-
do por objetivo o aprofundamento e enrique-
cimento do processo ensino-aprendizagem e a
criação de oportunidades para trabalhos inde-
pendentes e para investigações nas áreas de in-
teresse, habilidades e talentos. O atendimento
é individual ou em pequenos grupos, com cro-
nograma adequado de acordo com as caracte-
rísticas de cada educando. Requer planejamento
conjunto entre o professor da sala de recursos e
o próprio aluno, avaliação periódica e sistemática
da programação e observação de critérios para a
composição dos grupos. O pessoal técnico (co-
ordenador, orientador, psicólogo e demais pro-
fissionais da equipe) deverá receber informa-
ções periódicas sobre as atividades desenvolvi-
das, o desempenho e progresso dos alunos;
(c) Ensino com professor itinerante: alternativa de
atendimento com trabalho educativo desen-
volvido por professor especializado e/ou su-
pervisor, individualmente ou em equipe, que,
periodicamente, trabalha com os alunos iden-
tificados como superdotados. Esse tipo de aten-
dimento pode ser realizado na escola comum
com freqüência de, no mínimo, duas vezes por
semana de maneira a facilitar a continuidade da
orientação especializada e o intercâmbio de in-
formações técnicas entre o professor itinerante
e os responsáveis pelo acompanhamento na es-
cola. Assim o professor da classe poderá avaliar
os programas que estão sendo desenvolvidos e
também verificar o progresso de seus alunos. É
especialmente recomendada em regiões de ca-
rência de atendimento educacional. O professor
itinerante pode, também, ser aquele profissional
que estabelece um elo entre a escola regular co-
mum, a família e o atendimento educacional
especializado como é o caso no NAAH/S. Ele
leva à classe comum orientações sobre procedi-
mentos pedagógicos mais adequados aos alu-
nos com AH/S e pode estabelecer os primeiros
contatos com a família para que ela venha rece-
ber orientação no Núcleo.
Alguns exemplos de iniciativas brasilei-
ras são apresentados a seguir. O Centro para o
Desenvolvimento do Potencial e Talento – CEDET,
78
localizado em Lavras, Minas Gerais, visa desenvolver
talentos específicos de crianças e adolescentes, pro-
mover seu crescimento e fortalecimento pessoal, asso-
ciado à possibilidade do estabelecimento de relações
significativas com outros e com o mundo. Seu funcio-
namento se baseia num estreito relacionamento com
a rede pública de ensino e a Secretaria de Educação
do Município. A identificação dos alunos com altas
habilidades é feita a partir de critérios amplos, desen-
volvidos em grande parte pela própria instituição. A
aceleração, quando necessária, é decidida em conjunto
entre as famílias e os profissionais de educação, que
examinam quais as melhores alternativas. Essa ace-
leração pode ser total ou parcial. Além da acelera-
ção, é oferecida uma gama muito ampla de atividades
de enriquecimento, organizada em torno de grandes
áreas de concentração: comunicação, organizações e
humanidades; ciência, investigação e tecnologia; cria-
tividade e habilidades de expressão (Guenther, 2000).
A equipe de atendimento é multidisciplinar e
congrega profissionais de várias áreas trabalhando sob
contrato ou voluntariamente. Eles se distribuem nas
várias escolas da região, nas instalações do CEDET
ou ambientes apropriados para algumas atividades
específicas. Os alunos têm acesso, também, às ins-
tituições de ensino superior e todos contam com o
apoio de uma forte Associação de Pais e Amigos de
Apoio ao Talento - ASPAT, que tem papel decisivo
na permanência e estabilidade do atendimento.
Outro exemplo de atendimento ao aluno com
altas habilidades/superdotação é o Programa Objetivo de
Incentivo ao Talento - POIT, projeto de parceria entre
o Colégio Objetivo e a Universidade Paulista, em São
Paulo que desenvolve um trabalho associando enriqueci-
mento e agrupamentos específicos (Cupertino, 2000).
Em funcionamento desde 1986, esse programa
atende várias frentes de trabalho:
(a) atendimento no Colégio Objetivo – identifica-
ção de alunos talentosos do Ensino Fundamen-
tal e Médio das unidades da Grande São Paulo;
oferta de cursos extracurriculares para os alunos
identificados; orientação às famílias; orientação
aos profissionais das unidades envolvidas;
(b) atendimento nos Centros de Psicologia Apli-
cada da Universidade Paulista (UNIP) – ava-
liação psicológica e encaminhamento; orienta-
ção familiar; orientação à escola. O atendimen-
to é gratuito, dirige-se à população da cidade de
São Paulo e adjacências e é realizado como uma
proposta de intervenção;
(c) formação de profissionais especializados;
(d) produção e transmissão de conhecimento.
O trabalho de identificação baseia-se na união
de dados quantitativos, como os resultados obtidos
em testes e dados qualitativos, como a observação
direta dos alunos, a indicação de professores e a
indicação de familiares dos alunos. São considera-
dos fatores como a criatividade ou a motivação e/
ou alto desempenho acadêmico. Podem também ser
aceitas crianças com talento excepcional nas artes.
Os alunos selecionados são convidados a par-
ticipar de cursos extracurriculares, oferecidos em
regime de contra-turno, e agrupados em duas áreas
- Tecnologia e Humanidades. Seu objetivo é esti-
mular os potenciais das crianças e encorajá-las para
que usem seus recursos de modo criativo, respei-
tando seu próprio ritmo e adquirindo critérios pes-
soais de avaliação. Os cursos de Tecnologia ajudam
as crianças a familiarizar-se com os avanços tecno-
lógicos, por meio de atividades desafiadoras, para
lidar com o meio de forma participativa. Os cursos
de Humanidades têm como pano de fundo o desen-
volvimento pessoal dos alunos, o equilíbrio entre
habilidade e desejo em um enfoque predominante-
mente psicológico. Abordam situações do dia-a-dia,
para que crianças e adolescentes considerem como
são afetadas por elas, explorando vários modos de
expressão, a criatividade, a liderança e o pensamento
crítico (Cupertino, 1998).
Cuidados na Implementação de
Programas e Atividades para Alunos
com Altas Habilidades/Superdotação
Qualquer uma das propostas acima será bem
sucedida se forem considerados muitos dos crité-
rios já apontados, mas não podemos deixar de enu-
merar alguns cuidados específicos para os quais deve-
mos estar permanentemente atentos. Com relação às
atividades de enriquecimento, por exemplo, devemos
evitar a sobreposição de conteúdos que serão ensina-
dos em séries posteriores, caso contrários, estaremos
apenas adiando o problema do desinteresse e da falta
de motivação destes alunos. Não podemos, também,
sobrecarregar a criança apenas com um grande volume
de tarefas, pois assim ela estaria sendo penalizada por
suas altas habilidades.
Outra preocupação, quando pensamos em ati-
vidades de enriquecimento, é não privilegiar o conte-
údo em detrimento da prática do pensamento crítico
ou de enfoques mais originais e aprofundados na abor-
dagem de um problema. Em um programa de enri-
quecimento, o aluno pode, por exemplo, passar a ter
liberdade para escolher os assuntos que deseja estudar,
em que extensão e profundidade, permitindo-se ainda
7979
Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Superdotação
a utilização de seu estilo preferido de aprendizagem.
Um dos aspectos considerados especialmente impor-
tantes em um programa de enriquecimento tem sido
a necessidade da ênfase no treinamento de habilida-
des cognitivas de um nível mais elevado. Assim, caberá
ao professor o papel de facilitador na identificação de
problemas, auxiliando também na orientação de méto-
dos de pesquisa (Guenther, 2000).
É importante ressaltar, mais uma vez, que os
programas devem visar o desenvolvimento global dos
alunos. Uma forma de fazer isso é assentar a progra-
mação sobre o tripé “o que eu sei - o que eu gosto - o
que eu quero”, procurando evitar algumas das tensões
vividas usualmente pelos superdotados, pressionados -
seja pelo ambiente, seja por eles mesmos - a manter
um desempenho superior constante, numa condição
emocionalmente desgastante (Cupertino, 1998).
Descobrir “o que eu sei significa apropriar-
se de suas habilidades, realizar aquilo do que é capaz.
Mas também quer dizer identificar as inabilidades, as
fraquezas e os limites sem se sentir diminuído por eles.
Identificar “o que eu gosto” traduz-se na possibilidade
de fazer escolhas diante de tudo que se sabe, identi-
ficar-se com algumas áreas, dedicando a elas mais
energia que a outras, reservando, dessa forma, tempo
necessário para o lazer e a diversão. “O que eu quero é
o resultado da interação entre os dois últimos aspectos,
numa delimitação assertiva de objetivos a perseguir na
direção da realização.
Os conteúdos uniformizados não mais dão
conta das particularidades necessárias à existência em
sociedades complexas, e intervenções voltadas a alunos
com altas habilidades precisam dar conta do desenvol-
vimento de competências não priorizadas pelo ensino
básico, cuidando de aspectos negligenciados pela escola
regular, às vezes considerados supérfluos na formação
dos indivíduos. Ao focalizarem o desenvolvimento pes-
soal e, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma pro-
gramação vinculada com a realidade circundante, essas
intervenções podem criar um ambiente de aprendiza-
gem desafiador, caracterizado por programas mais fle-
xíveis, que sigam mais as inclinações e potenciais indi-
viduais, ensinando alunos a aprender, ou aprimorando
sua capacidade de pensar e decidir (Perkins, 1995).
Não podemos também esquecer que a educa-
ção especializada – de alunos com altas habilidades
ou não – deve ser sistemática: não basta a participa-
ção em programas desarticulados, que não objetivam
o desenvolvimento integrado dos indivíduos envolvi-
dos, profissionais e educandos. Uma educação siste-
mática pressupõe um contexto articulado e coerente
e sua inserção em um projeto mais amplo. A durabili-
dade de programas e intervenções depende, em parte,
de sua articulação com projetos de pesquisa e inter-
câmbio de conhecimentos, isto é, se esses programas
são alvo de pesquisas e têm a possibilidade de serem
discutidos em encontros científicos, a credibilidade
que adquirem pode favorecer sua continuidade e ali-
cerçar as necessárias reformulações.
Educadores de alunos superdotados têm
nas mãos a responsabilidade e o poder de mudar os
padrões de educação para todos os alunos. Estes alunos
demandam excelência dos educadores e isso pode con-
tribuir para a melhoria do ensino, ampliando a quali-
dade educacional para os demais alunos. Desse modo,
uma melhor educação para alunos com habilidades
superiores pode também beneficiar a todos e, como
resultado, a sociedade poderá contar com melhores
políticos, gerentes, pedagogos, pesquisadores, artistas,
professores e profissionais em geral (Sabatella, 2002).
Ao buscar informações sobre métodos ino-
vadores de ensino e procedimentos indicados para
alunos com altas habilidades, os professores apren-
derão melhores técnicas de planejando e implementa-
ção de estratégias adequadas, afetando a escola como
um todo (Olszewski-Kubilius, 2005). Ao articularem
seus conhecimentos com os da comunidade científica,
garantem o progresso dessa área de conhecimento, pre-
venindo a fragmentação e evitando um efeito colateral
indesejável, que é a combinação eclética” das estraté-
gias sem o devido assentamento em teorias consisten-
tes e princípios que não sejam contraditórios (Gibson
& Efinger, 2001).
Neste sentido, Dorothy Sisk e Paul Torrance
(1999) oferecem sugestões de um currículo promis-
sor a crianças com altas habilidades/superdotação.
Uma delas é dar continuidade aos estudos de assuntos
ou tópicos que a própria criança começou a investi-
gar sozinha. Identificam a pertinência de se promover
encontros entre os educandos e os adultos para estuda-
rem temas de interesse dos primeiros. Outra proposta
é a de permitir aos alunos um desenvolvimento mais
livre, autônomo, de assuntos ou tarefas designadas
em classe ou fora dela. Dessa forma, os resultados da
aprendizagem não serão uniformes, mas serão signifi-
cativos para todos os envolvidos. Podemos ver essas
sugestões postas em prática, no Brasil, na programa-
ção do CEDET, já mencionado. Outra contribuição
interessante pode ser “[o desenvolvimento] de mate-
riais curriculares que enfatizem os campos do conhe-
cimento como formas de pensar, ao invés de um corpo
acumulado de conhecimento (p. 51).
Uma última consideração diz respeito aos
resultados de Van Tassel-Baska (2003), em seu estudo
sobre os 25 anos de práticas voltadas à educação dos
80
alunos com altas habilidades/superdotação. Ao anali-
sar publicações importantes da área, esta autora enu-
mera alguns pontos que sempre foram valorizados
pelos estudiosos e que são considerados, até hoje, da
maior relevância. Entre eles, consideramos impor-
tante enfatizar a necessidade de:
(a) equilíbrio, em qualquer programa, do atendi-
mento às necessidades cognitivas e afetivas dos
educandos;
(b) aceleração curricular para os alunos com altas
habilidades em áreas relevantes;
(c) diferenciação curricular para além do modo da
aceleração;
(d) aprendizagem por meio da experiência como
foco central na elaboração dos currículos;
(e) conhecimento extenso e sólido do corpo do-
cente quanto aos conteúdos das disciplinas;
(f) desenvolvimento dos processos superiores de
pensamento;
(g) estudo dos aspectos intra e interdisciplinares
dos temas abordados.
Para concluir, lembramos que não é raro ver
educadores ressentidos com os estudantes que se des-
tacam, fazendo observações sarcásticas em classe ou
apontando a inteligência como uma obrigação per-
manente de bons resultados. Outros expressam seu
desconforto ignorando o aluno superdotado e prefe-
rindo dar atenção aos estudantes com dificuldades, tal-
vez para evitar o desafio representado pela criança que
apresenta habilidades superiores. A singularidade de
um aluno superdotado, com todo o potencial e o
entusiasmo que normalmente possui, pode enrique-
cer os outros alunos, e o nosso desafio é auxiliá-lo
a se manter motivado e interessado, ajudando-o a
descobrir razões para querer aprender sempre mais.
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Christina Cupertino é doutora em
Psicologia. Coordena o Programa Objetivo
de Incentivo a Talento e é supervisora de está-
gio no curso de Psicologia da Universidade
Paulista (UNIP). É representante do Brasil no
Conselho Mundial para Crianças Superdotadas
e Talentosas e no Conselho Europeu para Altas
Habilidades.
Cristina Maria Carvalho Delou é psi-
cóloga, especialista, mestre e doutora em
Educação. É também professora da Faculdade de
Educação da Universidade Federal Fluminense
e vice-presidente do Conselho Brasileiro para a
Superdotação (biênio 2005/2006).
Eunice Maria Lima Soriano de
Alencar
é psicóloga, Ph.D. pela
University of
Purdue
nos Estados Unidos e professora da
Universidade Católica de Brasília. É pesquisa-
dora do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Maria Lúcia Prado Sabatella é pesquisa-
dora, consultora educacional e docente em cur-
sos de Pós-Graduação. Representa o Brasil no
Conselho Mundial para Crianças Superdotadas
e Talentosas. É mestre em Educação pela
Universidade Federal do Paraná e fundadora do
Instituto para Otimização da Aprendizagem –
INODAP.
Tânia Gonzaga Guimarães é psicóloga
clínica e educacional. Especialista em Psicologia
Escolar. Atua na área de Educação Especial
como psicóloga do programa de atendimento
ao aluno com altas habilidades/superdotação da
Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal.
Vanessa Terezinha Alves Tentes de
Ourofino
é psicóloga clínica e institucio-
nal. Mestre em Psicologia pela Universidade
de Brasília. Atua na área de Ensino Especial
e psicodiagnóstico na Secretaria de Estado da
Educação do Distrito Federal.
SOBRE AS AUTORAS
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