Capítulo 2: O que as palavras querem dizer?
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acima de tudo, os ambientes enriquecidos permitem
que a criança seja um participante ativo e não um
observador passivo do seu próprio desenvolvimento
(Diamond & Hopson, 2000, p. 103-105).
Estas autoras acreditam que a estimulação
variada, a riqueza de oportunidades em áreas diversas,
o estímulo à leitura e à criatividade, e fundamental-
mente, amor, carinho e atenção são elementos que
constituem a resposta adequada para os pais que
querem ajudar seus filhos a atingirem sua plena
auto-realização conforme suas potencialidades e a
crescerem como indivíduos sadios e integrados.
Vejamos o exemplo de Heitor Villa-Lobos.
O menino cresceu em um ambiente interessante
e estimulador, onde a música era tocada e o alto
desempenho reforçado. Os pais, músicos, prova-
velmente influenciaram Heitor de duas maneiras:
uma, pela predisposição genética para a sensibi-
lidade quanto à estrutura musical, como a distinção
de tonalidades, harmonia e ritmo; e por outra, pelo
reforço e estímulo ao desempenho musical de alto
nível. Segundo Winner (1998), a superdotação
musical pode aparecer precocemente, antes talvez de
outras habilidades em outros domínios. Isto pode se
dar, talvez, por ser um domínio formalmente estru-
turado e altamente regido por regras, e por estimular
o prazer e o interesse da criança por sons musicais
desde tenra idade. Desta forma, o prazer de ouvir
música e, posteriormente de tocar e compor, foram
altamente reforçados na infância de Villa-Lobos e,
somados à sua herança genética peculiar, tornando-
se parte essencial da pessoa com talentos extraordi-
nários que ele viria a se tornar.
`Experiências cristalizadoras
Um outro elemento importante a se considerar
com relação à influência do ambiente da criança na
sua produção superior quando adulta, se refere ao
que Gardner e Feldman chamam de “experiências
cristalizadoras” (Walters & Gardner, 1986). Para
exemplificar este conceito, os autores citam um
evento crucial na vida do pintor impressionista
francês Pierre-August Renoir (1841-1919), quando
este tinha 12 anos de idade.
Naquela época, Renoir era um aprendiz
talentoso na área de pintura em porcelana, cuja
habilidade com os pincéis e a delicadeza das cores
que utilizava já lhe rendia um salário de adulto. A
despeito de sua proficiência técnica, Renoir ainda
demonstrava pouco interesse e sensibilidade para as
qualidades estéticas das artes visuais, embora tivesse
um bom contato com os trabalhos dos grandes
mestres da pintura. Em uma de suas visitas ao
Louvre, aonde ia freqüentemente para fazer esboços
de obras que poderia usar em porcelana, Renoir
teve uma experiência diferente, ao descobrir a Fonte
dos Inocentes, trabalho do escultor do século XVI,
Jean Goujon. As ninfas, retratadas nesta escultura,
são levemente esguias, as vestes sutilizadas, trans-
mitindo a volúpia serena das simpáticas figuras da
mitologia, que ali deitam água na fonte. A beleza
do trabalho o deixou desnorteado, e esquecendo
tudo, até mesmo o almoço, passou horas obser-
vando o grupo de estátuas de vários ângulos. Neste
momento, relata o artista que teve uma afinidade
especial com o trabalho do escultor; percebia neste
trabalho tudo aquilo que ele mais prezava em uma
obra: graça, solidez, elegância, realismo. A forma
com que o escultor fazia a roupagem se moldar
nas figuras de forma realista o impressionou. Até o
momento ele não havia percebido como a roupagem
poderia ressaltar a forma e este insight o fez buscar
novas formas de expressão artística.
Assim, a experiência de Renoir na Fonte dos
Inocentes cristalizou a noção do poder da escultura
para transcender o mundo limitado da decoração
em porcelana. A experiência cristalizadora, por
não ser um ensinamento formal da escola, vem de
dentro, da percepção súbita de um aspecto que faz
toda a diferença para o artista, e que provavelmente
será lembrado retrospectivamente em momentos
futuros na vida desta pessoa.
O matemático inglês Godfrey Harold Hardy
(1877-1947), reconhecido mundialmente por sua
teoria dos números e análise matemática, relata uma
experiência cristalizadora interessante, ocorrida em
sua adolescência. Embora filho de pais professores,
ambos de reconhecido saber na área de matemática,
Hardy não tinha, aparentemente, uma grande paixão
pela Matemática. Em 1896, quando tinha 19 anos,
ganhou uma bolsa de estudo para o Trinity College,
em Cambridge, onde passou a estudar com o prof.
Love. Ele relata: “aprendi pela primeira vez o que a
matemática realmente significava. Desta época em
diante, eu já estava no caminho de me tornar um
matemático de verdade, com ambições matemá-
ticas sólidas e uma genuína paixão pela matemática”
(Walters & Gardner, 1986, p. 317). Em 1900, Hardy
foi eleito Fellow de Trinity e, no ano seguinte, recebeu
o prêmio Smith, ao qual se seguiram numerosos
prêmios e distinções honrosas.
Por sua natureza, as experiências cristali-
zadoras são pessoais e privadas; freqüentemente o
indivíduo as guarda apenas para si e, anos depois, em
retrospectiva, se torna consciente dela. Não podemos
prever, com antecedência, quais experiências