CADERNOS TEMÁTICOS Nº 6 NOV. 2005
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Josefa Dias, de 62 anos, conhece a dificuldade para
quebrar o licuri usando as mãos e duas pedras. Ela diz
que, dependendo do dia, não produz nem dois quilos,
mas “se o licuri for de gado, faz de três a quatro quilos”.
Eunilde Carvalho Teles, de 42 anos, quebra seis quilos
por dia. “Vendo tudo no mercado por R$ 0,80 o quilo”,
conta. Em sua casa, quatro pessoas trabalham na quebra
do fruto, ela e os três filhos. A família vive da palmeira e
ainda dos R$ 45,00 mensais da bolsa-escola. Ao final da
semana, eles produzem juntos entre 30 e 40 quilos.
O comerciante Isidoro Souza, do Armazém Souza,
compra de 20 mil a 25 mil quilos de licuri na época da sa-
fra. Adquire o quilo a R$ 0,90 e o revende por R$ 1,00.
PARA MODIFICAR ESSE cenário, professores de dife-
rentes áreas do Cefet/BA – Administração, Energia, Química e
Mecânica – começaram em dezembro de 2003 a montar um
estudo para tornar a cultura do licuri sustentável. O projeto está
sendo desenvolvido em conjunto com a Companhia de Desen-
volvimento e Ação Regional (CAR), a Empresa Baiana de De-
senvolvimento Agrícola (EBDA), o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Secreta-
ria de Trabalho, Esporte e Assistência Social (Setas) e o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Solange Santos Marinho, assistente social da CAR, diz
que o objetivo do Projeto Viver Melhor é elevar o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) da Bahia, ampliando os
indicadores de saúde, de educação e de renda.
“Descobrimos que a vocação nativa do município de Cal-
deirão Grande é o licuri, hoje somente utilizado na indús-
tria de sabão, xampu e ração”, diz. Não havia ainda pesquisa
sobre o teor nutritivo do licuri e, por isso, a parceria com o
Cefet foi essencial. Os técnicos da CAR perceberam ainda
que o projeto não poderia ficar restrito às comunidades de
Água Branca, Boqueirão, São Miguel e Várzea Suja, e que
deveria ser ampliado para todo o município. O projeto-pi-
loto, no entanto, será construído em São Miguel, onde uma
unidade de beneficiamento de produção de barra de cereais,
com tecnologia transferida pelo Cefet/BA, será construída.
A previsão é que a fábrica esteja pronta no início de 2006.
“PRECISAMOS AUMENTAR A renda do caldeirão-
grandense”, diz Solange, “e ao agregar valor ao licuri na pró-
pria comunidade, todas as pessoas – produtor e extrativista
– vão sair ganhando, pois melhorarão sua renda”.
Os estudos para a realização do projeto estão adiantados.
Um levantamento do comportamento da atividade extrativista
do licuri em Caldeirão Grande mostra que existem 911 fa-
mílias cadastradas, em um total de 3.974 pessoas, das quais
1.809 trabalham na produção do licuri. A renda mensal obtida
O povo da região chama dessa ma-
neira o licuri mastigado ligeiramente
e devolvido ao chão pelo gado.
Baiana faz cocada de
licuri
Na Bahia, até cocada é feita com o
licuri. A receita, que rende 20 porções,
é da secretária de Educação de Caldei-
rão Grande, Eliane Bezerra.
1 quilo de licuri sem casca (só a
amêndoa);
½ quilo de açúcar ou uma barra de
rapadura.
Moa o licuri no liquidificador até
esmagá-lo por completo. Reserve.
Faça uma calda com o açúcar. Quando
estiver em ponto de bala (pouco
grossa), coloque o licuri moído. Mexa
bastante até aparecer o fundo da
panela. Molhe um prato ou unte com
manteiga e despeje o doce sobre o
recipiente. Corte em quadrados antes
de esfriar.
O licuri ainda é utilizado em receitas
de peixe, vatapá, arroz, feijão verde,
ovos, picolés e sorvetes, como conta
Eliane.
A quebradeira de licuri, figura típica
do semi-árido, já virou estátua em
praça pública e também tema de ver-
sos e canções, como estes, recolhidos
do repertório popular:
O licuri domina a paisagem de Cal-
deirão Grande. Faz parte da decoração
de festas típicas, como a de São João,
e, em tempos de estiagem, “engana
a fome” e é o “sustento dos pobres”,
como diz o povo da cidade.