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Literatura para Todos:
Conversa
com educadores
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I Concurso Literatura para Todos
Consultoria Pedagógica
Ira Maria Maciel
Concepção
Ligia Cademartori
Elaboração
Ira Maciel e Jane Paiva
Edição e Texto
Claudio Figueiredo
Consultoria Técnica
Jane Paiva e Ligia Cademartori
Colaboração
Alfabetizadores, professores e Coordenação de
Educação de Jovens e Adultos da Secretaria da
Educação do Estado da Bahia e Coordenação de
Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de
Estado de Educação do Rio de Janeiro.
Ministério
da Educação
Esplanada dos Ministérios
Bloco L – 7º andar – Sala 710
www.mec.gov.br
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3
1
a
Edição
Brasília – 2006
Literatura para Todos:
Conversa
com educadores
4
Título original: Literatura para Todos – Conversa com
educadores
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ano 2006
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610
de 19/02/1998. Nenhuma parte desse livro poderá ser
reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos,
gravação ou quaisquer outros sem autorização prévia
por escrito do Ministério da Educação.
Cademartori, Ligia.
Literatura para todos : conversa com educadores /
Ligia Cademartori, Ira Maciel, Jane Paiva. – Brasília : Ministério
da Educação, 2006:
60 p. : il. ; 21 cm
1. Literatura brasileira. I. Maciel, Ira. II. Paiva, Jane. III.
Título.
CDD B869
CDU 821.134.3(81)
C122
5
Índice
Caros educadores e alfabetizadores 7
Não basta alfabetizar 9
O direito à literatura 10
O concurso: novas obras para novos leitores 11
Literatura para quê? 12
O papel do alfabetizador 14
Um papo sobre livros e leitores 16
Na produção dos livros, a preocupação com o leitor 19
Os livros da coleção 20
Léo, o pardo 22
Cabelos molhados 24
Cobras em compota 26
Tubarão com a faca nas costas 28
Madalena 30
Abraão e as frutas 32
Caravela [redescobrimentos] 34
Entre as junturas dos ossos 36
Família composta 38
Batata cozida, mingau de cará 40
A palavra dos educadores 42
Do leitor ao escritor 56
6
7
Caros educadores e alfabetizadores,
O livro que você tem nas mãos, Literatura para Todos:
conversa com os educadores, foi preparado para apresentar os
volumes desta coleção e para ajudá-lo a utilizar essas obras no seu
trabalho na educação de jovens e adultos. Nele, pretendemos
conversar com você sobre a importância da literatura e da prática
da leitura. Não apenas para contribuir para a nossa educação ou a
nossa formação como cidadãos, mas também para fazer de nós
pessoas dispostas a conhecer novos mundos e novas experiências.
Para falar sobre esse assunto, ouvimos alguns dos escritores e
educadores que participaram do concurso como jurados.
Além de uma explicação de como as obras foram escolhidas,
você encontrará aqui resumos dos livros da coleção e informações
sobre seus autores e também sobre os gêneros literários adotados,
como conto, poesia, teatro, crônica e outros.
Por último, para lembrar que você não está sozinho neste
esforço, convidamos alguns educadores que trabalham com
jovens e adultos a compartilhar conosco suas experiências. Eles
falam sobre os primeiros contatos deles mesmos – ainda crianças
– com a leitura e a literatura, explicando como essa experiência
mudou suas vidas. Também contam casos de alunos seus e dão
conselhos e sugestões sobre como despertar e manter o interesse
pela leitura e literatura naqueles que freqüentam os cursos para
jovens e adultos.
Acreditamos que o direito à literatura é tão fundamental
quanto o direito à educação. Transformar esse direito – hoje ao
alcance de poucos – numa realidade na vida de muitos é o desafio
que temos pela frente.
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Ministério da Educação
8
9
Não basta alfabetizar
Pela janela lá fora, já dá para ver que está bem escuro. São oito
horas da noite. Com a mão cheia de calos de quem empilhou tijolo
em cima de tijolo o dia inteiro, Genésio agora alisa as folhas do livro
na sua frente, sentindo o macio do papel novinho. Custou muito –
seis ou oito meses – para chegar até ali: o dia em que as letras no
papel deixaram de ser um bicho-de-sete-cabeças. Ele aprendeu
como as letras formam palavras e como as palavras formam frases.
Seu pai, lavrador, nunca soube ler. Mas por que ele, Genésio, não
aprenderia? Só porque não existiam livros lá onde cresceu, no
sertão de Sergipe? Só porque tem mais de 40 anos? Agora, com o
corpo cansado, depois de um dia duro de trabalho, Genésio se
prepara para ler uma história. Uma história que pode lhe mostrar
pessoas e lugares que ele nunca viu. Ou uma história que pode
ajudá-lo a ver a vida de todos os dias de uma maneira diferente.
Todos os anos milhares de jovens e adultos – como Genésio –
conseguem aprender a ler. Essa é sempre uma excelente notícia.
Mas apesar de saberem ler seu nome, as placas nas ruas, as
manchetes dos jornais, a maior parte dessas pessoas não chega a
ver na leitura algo que possa mudar a sua vida. Outros chegam a
ler jornais e revistas. Mas livros, só aqueles pedidos pelos
professores na escola, sobre matérias como geografia, história ou
português. Fica de fora um outro tipo de livro muito importante: as
obras de literatura.
Genésio e outros como ele podem ler um livro utilizado na
escola. Podem ler um manual para ser um bom vendedor; uma
revista para ficar a par das fofocas sobre os artistas; podem ler um
livro técnico para aprender a fazer uma instalação elétrica. Tudo isso
pode ser útil ou agradável. Mas a literatura de que estamos falando
é coisa bem diferente. Por obras literárias queremos dizer romances,
10
contos, poemas, crônicas ou o texto de uma peça de teatro, por
exemplo. Da sua importância falaremos mais adiante. Mas desde já
podemos adiantar que o seu principal ingrediente e o que a
diferencia de todas as outras é a imaginação. Pois a literatura mexe
com a imaginação tanto do autor, como do leitor. Veremos que em
vez de falar apenas em aprender a ler, deveríamos falar em
aprender a ser leitor. Ler não é tarefa apenas para os meses que
levamos para aprender a formar palavras com as letras do alfabeto:
ser leitor é uma experiência – um prazer – para a vida inteira.
O direito à literatura
Como você sabe, vivemos num país muito desigual. Enquanto
uns têm casas confortáveis, muitos moram em péssimas condições.
Se uma minoria ganha muito bem, outros recebem salários baixos.
Enquanto algumas crianças freqüentam boas escolas, outras
enfrentam muitas dificuldades para estudar. Cada vez mais a
população vem lutando para garantir o acesso à moradia, ao
trabalho, à saúde, à educação e à justiça. Mas neste esforço para
se construir um país mais justo, existe um direito ao qual não
temos dado a devida atenção: o direito de ter acesso à literatura.
Existem no Brasil hoje cerca de 68 milhões de jovens e adultos que,
apesar de já terem aprendido a ler, não lêem romances, nem livros
de contos ou poesia, enfim, nenhuma obra literária.
Muitas obras de literatura são publicadas no Brasil. Mas basta
entrar em qualquer livraria do país para perceber que elas são
freqüentadas por pessoas de classe média ou mais ricas. E dá para
entender o porquê. Os livros são muito caros. Pelas cidades do
interior do país é raro encontrar uma livraria. As bibliotecas, embora
venham aumentando, ainda são poucas. Tudo isso contribui para
11
afastar da literatura a maior parte da população, aquela mais
pobre. As pessoas que têm mais recursos e mais oportunidades dão
valor à literatura, apreciam ler um bom romance, ler uma história
que prenda a atenção ou ler um poema capaz de nos emocionar.
Mas por que essa prática hoje só está ao alcance de uma minoria?
Por que esse direito continua a ser negado à maioria da população?
Não precisa ser assim. Não deve ser assim.
O concurso: novas obras para novos leitores
Um passo importante na longa jornada para mudar essa
situação foi dado pelo Ministério da Educação-MEC, por meio da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade –
Secad, ao promover o Concurso Literatura Para Todos, que
premiou as melhores obras para os neoleitores do Programa Brasil
Alfabetizado. Você, agora, tem a chance de participar deste
projeto, um esforço que mobilizou escritores, professores e outros
profissionais em todo o Brasil.
Por que realizar um concurso voltado especialmente para
esses novos leitores – ou neoleitores, como costumamos chamá-
los? Porque acreditamos que eles têm necessidades específicas.
Depois de viverem a experiência da alfabetização, eles passaram a
usar a leitura nas tarefas simples do seu cotidiano. Agora, esses
jovens e adultos recém-alfabetizados podem dar um passo
adiante e ter contato com outro tipo de material escrito, que até
então não fazia parte do seu dia-a-dia. É o caso das obras de
literatura. Dessa maneira eles estão construindo uma nova
maneira de lidar com a cultura escrita. Esta coleção foi criada para
que encontrem livros adequados ao estágio em que estão – nem
complicados demais, nem próprios para o público infantil.
12
Uma seleção inicial entre as centenas de trabalhos inscritos
ficou a cargo de uma primeira comissão, formada por Cristiane
Costa, Heitor Ferraz, Júlio Diniz e Maria da Luz Cristo. Depois, para
escolher as melhores entre tantas obras, convocamos quem
entende do assunto, cinco escritores: Moacyr Scliar, Milton
Hatoum, Antonio Torres, Rubens Figueiredo e Marcelino Freire.
Também participaram do júri as professoras e pesquisadoras Jane
Paiva, Ligia Cademartori e Magda Soares, que se dedicam à
alfabetização e ao estímulo à leitura entre jovens e adultos.
Completou o grupo a editora Heloísa Jahn, com experiência na
preparação e publicação de livros.
Para escolher os melhores livros, houve uma discussão coletiva
travada, durante seis meses, por profissionais. Desse debate,
organizado pela consultora pedagógica do projeto, Ira Maria
Maciel, tomaram parte os escritores, professores e pesquisadores
que integravam as comissões julgadoras, assim como Timothy
Ireland, o coordenador geral, e Tancredo Maia Filho, o seu
coordenador técnico. O objetivo foi selecionar obras originais e
capazes de prender a atenção do leitor.
Literatura para quê?
Todos nós sabemos que é muito importante saber ler para ter
melhores oportunidades de trabalho, para tentar melhorar de vida
e enfrentar as muitas situações diferentes que encontramos no
dia-a-dia. Mas por que é importante poder ler também obras
literárias como romances, contos e poemas? Durante todos os
dias de nossas vidas, fazemos e dizemos coisas muitas vezes sem
pensar muito, quase que automaticamente. Dessas coisas todas,
passado algum tempo, o que fica na nossa memória? O que faz
13
diferença para a nossa vida? Pouca coisa. Daquilo de que nos
lembramos o que fica de mais marcante são certos momentos
especiais, em que enxergamos o mundo, nós mesmos ou outras
pessoas de uma outra maneira. São momentos em que vivemos a
vida mais intensamente – em que somos mais nós mesmos.
Uma angústia que sentimos no peito sem saber direito o por
quê. Um sonho que tivemos – dormindo ou acordados – e que
nos deixou com uma sensação diferente, boa ou ruim. Um
sentimento que temos por uma outra pessoa e que não
conseguimos direito transformar em palavras. A saudade de
alguém, de um lugar, de uma época da nossa vida. No meio de
centenas de pedestres andando apressados no meio da rua,
podemos às vezes parar e perceber um detalhe, uma história que
está acontecendo ali ao lado, mas que ninguém está enxergando.
Deixar de ser aquela pessoa que está sacolejando dentro de um
ônibus para se colocar por alguns momentos, em imaginação, na
pele de um aventureiro que esteve cruzando os mares numa
caravela há mais de 500 anos!
Onde podemos ler e compartilhar esse tipo de experiência?
Numa revista sobre esportes? Na primeira página de um jornal?
Num livro de receitas? Não, só mesmo nas obras literárias. É nos
romances, nos contos, nos poemas, que a imaginação, tanto do
autor como do leitor, acabam se completando: um livro só ganha
vida no momento em que alguém o apanha e abre suas páginas
para descobrir o mundo que se esconde ali dentro. Abrir um livro
é como abrir os olhos e o coração tanto para o que está dentro de
nós, como para o mundo ao nosso redor. Despertar a imaginação
para aprender a ver de outra maneira a vida que temos hoje e a
vida diferente que um dia ainda podemos ter.
14
O papel do alfabetizador
Os professores e agentes alfabetizadores encarregados de
distribuir os livros da coleção Literatura Para Todos podem ter um
papel muito importante para fazer com que todos aproveitem ao
máximo essas obras e para estimular um contato cada vez maior
com a literatura. O que fazer para estimular esses novos leitores?
O assunto virou tema de conversa entre os escritores e
professores que ajudaram a organizar o concurso.
A educadora Ligia Cademartori tem pelo menos uma certeza
a respeito desse assunto:
– É muito importante que o alfabetizador leia e demonstre
entusiasmo pela leitura. Assim, poderá ler para os alunos, ler
com os alunos, ouvir a leitura dos alunos e conversar com eles
muito à vontade sobre esses livros. Quem gostou? Quem não
gostou? Por que?
Já o romancista gaúcho Moacyr Scliar entra no papo
recomendando:
– Acho que vou começar com um não: não se deve
transformar a leitura em obrigação. Deve ser mais um convite ao
prazer do texto. Depois, botar o leitor para participar: quem sabe
escrever sua própria versão da história? Acho que estimular a
escrever é importante. Acho que muitos jovens se tornam leitores
porque querem escrever.
Mas será que esse prazer não exige nenhum esforço? A
professora Jane Paiva, que também participou da escolha das
obras do concurso, alerta:
– Leitura também é trabalho, até que venha, um dia, a ser
prazer. Só é prazer para quem, trabalhando, se apaixona pelas
histórias, e passa a encontrar, a descobrir o prazer.
15
O escritor pernambucano Marcelino Freire concorda com
Moacyr Scliar.
– É isso aí, Moacyr. É importante mostrar que a literatura não
é chata. Que a literatura é coisa viva que faz parte do dia-a-dia
dos alunos. O professor poderia ler contos em sala ou pedir que
as pessoas escrevam. Quem sabe, por exemplo, organizar um
jornal com os alunos, no qual eles publiquem suas coisas?
Como sempre nas conversas sobre esse assunto, as idéias
começam a pipocar. Mas todos concordam que não existe
nenhuma fórmula mágica, o importante é ir sentindo a
disposição e o interesse desses nossos novos leitores. Como
aconselha o escritor carioca Rubens Figueiredo que, aliás,
também é professor:
– O importante é não tentar impor algo que foi programado
de antemão quando se percebe a resistência da parte dos alunos.
O professor não deve excluir algum tipo de leitura. Se ficar claro
que aquilo interessa fortemente aos alunos, por que não
experimentar?
A educadora Magda Soares chama a atenção para o caminho
a ser percorrido pelo leitor à medida que vai se sentindo cada vez
mais à vontade no mundo da literatura.
– A gente costuma pensar que o leitor se forma passando da
literatura de criança para a de jovens e daí para a literatura de
adultos. Mas é importante lembrar que existe um caminho nessa
formação que não é definido pela idade, mas sim pelo que
podemos chamar de amadurecimento literário. O que é isso? Ele
acontece à medida que o leitor vai aprendendo a distinguir não
só temas e estilos, como também os sentimentos e emoções em
todas as suas sutilezas. O leitor passa a ver os motivos que estão
por trás das ações dos personagens, passa a enxergar no
16
personagem o ser humano, em tudo que este tem de
complicado. E como esse amadurecimento vai ocorrer depende
da maneira como apresentarmos as obras literárias a este leitor.
Todos concordam que, ao ler diferentes tipos de textos,
nossos novos leitores podem ser estimulados de várias formas. Se
estiverem lendo um relato de viagem ou uma biografia, por que
não sugerir que tentem escrever sobre uma viagem que tenham
feito ou a história deles mesmos ou de um parente? Assim eles
vão perceber que também têm histórias que valem a pena ser
contadas. Se o assunto for poesia ou tradição popular, não seria
possível convocar um violeiro para ouvir e conversar sobre um
folheto de cordel? Ou ainda pôr no papel uma das histórias sobre
lendas do interior, quem sabe um caso contado há muitos anos
por um avô ou avó?
Marcelino Freire resume, à sua maneira, a opinião de todos:
– É isso aí, pessoal! O negócio é tornar essa experiência
divertida, sem regras chatas. Vamos tirar um pouco a literatura
do pedestal!
Um papo sobre livros e leitores
A conversa segue adiante. O que o escritor Marcelino Freire
quis dizer quando falou em “tirar a literatura do pedestal”? É
que, da mesma forma que uma estátua é posta sobre um
pedestal, muita gente costuma colocar a literatura lá em cima,
como uma coisa reservada apenas a umas poucas pessoas, acima
da gente, das nossas vidas, do nosso dia-a-dia. Ora, como vimos,
é justamente o contrário!
Cada um agora lembra como acabou chegando aos livros e à
literatura. A professora Jane Paiva comenta que na sua casa havia
17
muitas revistas em quadrinhos, como Almanaques do Tico-Tico,
Luluzinha, Mickey... Aliás, isso mostra que não importa se um lê
poesia e outro, histórias em quadrinhos ou uma revista sobre
futebol. Não devemos torcer o nariz para nenhum tipo de leitura
ou nos acharmos superiores porque lemos um tipo de livro ou
revista e não outro. Dos gibis, Jane passou para os livros.
– Eu adorava ler os livros de Monteiro Lobato – conta Jane.
E a grande paixão mesmo foi com A chave do tamanho, em que
a Emília sai em busca de um jeito para acabar com a guerra,
com toda sua inutilidade e hipocrisia. Até hoje esse livro me
emociona.
Para essa professora, ainda quando era bem jovem, a paixão
pelos livros entrou num caminho sem volta. Leitura não tinha
mais hora nem lugares certos:
– Lia sentada na muretinha da varanda, deitada de barriga
pra baixo na cama, de barriga pra cima e livro no alto, em cima
das árvores do quintal, na mesa, no sofá, em todo lugar. Hoje leio
na fila de banco, de espera de qualquer coisa, e carrego comigo
sempre um livro quando vou a médico, a dentista, todo lugar
onde tenha de esperar.
Para ler, toda hora é hora: é algo que dá para fazer em
qualquer lugar. Ou quase todos:
– Menos no banheiro – aconselha Moacyr. – Os médicos
dizem que não é indicado: provoca hemorróidas!
Depois da risada geral, Ligia insiste:
– A gente pode ler a qualquer hora e em qualquer lugar. Ler é
exercício de liberdade, ora! Moacyr está certo ao lembrar que os
médicos não recomendam ler no banheiro. Mas não vão ficar
sabendo, né? Então...
O baiano Antônio Torres interrompe o debate para lembrar
da sua infância, no sertão da Bahia.
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– Devo o gosto pela literatura a duas professoras: Dona
Serafina e Dona Teresa. Benditas sejam elas! Uma delas, num dia
Sete de Setembro, me colocou num palco para que eu recitasse
um poema de Castro Alves... – conta o escritor, que até hoje
lembra dos versos.
“Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”
Vejam como pequenos gestos de um professor podem
influenciar um aluno. E às vezes mudar o rumo da vida de uma
pessoa! Torres revela que outro grande estímulo que recebeu veio
da sua mãe.
– Tudo começou com minha mãe, dona Durvalice, que
aprendeu a ler escondido, pois ela pertence a uma geração de
mulheres nascidas e criadas no campo, onde os pais não permitiam
que suas filhas estudassem: não queriam que aprendessem a
escrever cartas para os seus namorados. E isso em pleno século XX!
– conta o escritor.
Puxa, os tempos mudaram, não é? Ainda bem! No Brasil,
ninguém precisa mais se esconder para aprender a ler. Quem
quiser descobrir os muitos mundos que existem entre as páginas
de um livro, pode começar pelas obras que vamos apresentar
agora. Conheça a seguir os livros da coleção que vai levar
Literatura para Todos!
19
Na produção dos livros,
a preocupação com o leitor
As capas, as ilustrações e até o formato das obras da coleção
foram escolhidos de modo que os livros ficassem não só mais
bonitos, como também mais práticos e cômodos para os leitores.
A maneira como o texto está disposto nas páginas foi pensada
para tornar a leitura a mais agradável possível. O tipo, o estilo e o
tamanho das letras também não foram escolhidos por acaso. Não
parece, mas detalhes como esses são importantes. Até a
quantidade de letras por página e o espaço entre uma linha e
outra podem fazer com que um livro seja mais fácil de ler. Já
reparou como cansa ler livro ou jornal com letra miudinha?
As ilustrações são muitas e de estilo bem variado. Alguns
artistas pintaram com aquarela, outros usaram grafite, xilogravura
ou fotografias, escolhendo a técnica que mais tivesse a ver com o
assunto e a história de cada obra. Você, educador ou alfabetizador,
pode até conversar com os leitores sobre a maneira diferente como
cada obra foi ilustrada. Será que nossos artistas acertaram?
Também foram tomados cuidados para que os livros fossem
bem resistentes e para que as páginas não se soltassem. Outro
detalhe: sempre que surge uma palavra menos conhecida ou um
assunto que exige uma explicação, uma notinha ao lado do texto
esclarece o leitor, sem que ninguém precise procurar notas lá no fim
do livro. Essas notas foram preparadas com a ajuda dos dicionários
Houaiss e Aurélio da língua portuguesa, de enciclopédias, e com
informações oferecidas pelos próprios autores das obras da coleção.
20
Os livros da coleção
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22
Léo, o pardo
Biografia
Rinaldo Santos Teixeira
Esta é uma história pessoal. Leonardo é um garoto que sai do
interior de Minas Gerais, onde vivia com outros dez irmãos, numa
viagem que acabará levando-o até São Paulo, onde consegue
estudar numa faculdade. Entre o ponto de partida e o de
chegada, ele fala da sua família pobre, dos amigos e dos muitos
preconceitos que teve de enfrentar. Uma história comovente que
revela muito sobre o nosso país.
“Rinaldo parece escrever com a naturalidade de quem fala.
Mas escrever assim, acreditem, não é nada fácil. Não adianta
soltar o verbo e deixá-lo cavalgando no campo branco da
página. Tem de saber conter o trote. Não pode desembestar.
Rinaldo, que aprendeu ouvindo histórias de família, sabe levar
este cavalo e embelezar a nossa vida com suas palavras. É o
que se lê neste Léo, o pardo, um livro bonito, comovente e
carregado de experiência de vida.”
Heitor Ferraz
23
O autor
Rinaldo Santos Teixeira nasceu em 1973 na cidade de Campo
Belo, Minas Gerais, e mora em São Paulo. Graduado em Português
pela USP, foi autor do roteiro do curta-metragem Daqui nóis não
arreda o pé. Publicou Preto é preto! Branco é branco! Nada de
confusões!, estudo comparativo entre o romance O mulato, de
Aloísio Azevedo, e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire.
“Minha mãe, Dona Preta, usava jornais pra fazer os moldes das
roupas. De vez em quando parava tudo pra ler as notícias. Mais
tarde, quando trabalhou em escolas, pegava emprestado os livros
das bibliotecas e levava pra gente”, lembra Rinaldo. Ele conta
como começou a escrever: “Minha irmã se mudou com o marido
para Belo Horizonte. Daí virou febre lá em casa escrever para ela,
para matar a saudade. Também gostava de escrever, de noite, as
coisas que aconteciam comigo durante o dia, mas esses eu não
mostrava pra ninguém”.
Gênero/Biografia
Um relato biográfico é aquele no qual se conta a vida de uma
pessoa, seja ela a do próprio autor – o que chamamos de uma
autobiografia – ou não. Ela pode ser curta como uma novela ou
longa como um livro – e dos mais grossos. Muitas vezes, ao
escrever uma biografia, o autor procura reconstruir a vida daquela
pessoa com o mesmo cuidado com que um romancista monta
seu personagem imaginário. Dessa forma, o biografado – assim
como a época e o ambiente em que viveu – ganha vida
novamente ao ter seu mundo reconstituído de maneira minuciosa.
24
Cabelos molhados
Contos
Luís Pimentel
O homem que viu sua vida mudar quando, sem querer, sentou em
cima de um cachorrinho no sofá. O lavrador acusado de matar a
esposa. O moleque que quebrou uma vidraça com uma bolada. O
louco que experimenta o sabor da vida fora do hospício e a mãe
que espera a visita anual do filho. Os personagens dessas pequenas
histórias – algumas de desfecho surpreendente – vivem situações
que mostram o que pode existir de dramático no nosso dia-a-dia.
25
“São contos enxutos, certeiros como uma flecha apontada
para o coração. De onde vêm as histórias? Será que ele viveu
isso tudo? Não sei dizer. Assim como também não sei explicar
por que elas mexem comigo, como se fizessem parte da minha
vida. Provavelmente você, leitor, terá a mesma sensação. O
bom é que, com estes contos curtinhos, você vai beliscando e,
quando viu, já provou tudo. Fica saciado de boas histórias.
Mas ainda com gostinho de quero mais.”
Cristiane Costa
O autor
Luís Pimentel nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 1953, e
mora na cidade do Rio de Janeiro. Jornalista e escritor, trabalhou
em diversos jornais e revistas, como Última Hora, O Dia, Jornal do
Brasil, O Pasquim21, MAD e Bundas. Tem cerca de 20 livros
publicados, entre obras infanto-juvenis, contos, poesia, humor e
sobre aspectos e personagens da música brasileira. “Não havia
livros em minha infância", lembra Luiz. "A família era muito
humilde, não tinha dinheiro para gastar com ‘essas coisas’.
Descobri os livros na biblioteca pública da cidade onde passei a
infância, Feira de Santana. Minha infância e adolescência foram
marcadas por livros de aventuras, como O conde de Monte Cristo
e Moby Dick”. Sobre suas histórias, ele explica: “Elas surgem
quando menos espero. Meus personagens me procuram e me
acham, onde quer que eu esteja”.
26
Cobras em compota
Contos
Índigo
Com humor e ironia, a autora relembra de uma maneira muito
original situações vividas desde a sua infância, como se também
suas memórias fossem embaladas numa das compotas do título.
São divagações, fantasias e observações em torno do dia-a-dia
que irão divertir você.
“São contos de extrema leveza. Delicadeza. Sem perder a
esperteza. Índigo escreve com graça, ironia. Ela cutuca,
provoca. Desconheço uma autora como ela. Poucas têm uma
imaginação tão fértil. Vai envolvendo a gente.”
Marcelino Freire
27
A autora
Índigo nasceu em Campinas, em 1971, e vive atualmente na
cidade de São Paulo. É formada em jornalismo pela Universidade
de Minnesota (EUA). Assina seus trabalhos com o pseudônimo de
Índigo desde que começou a se dedicar à literatura, em 1998,
quando divulgou seus primeiros contos por meio da internet.
“Minhas histórias sempre surgem a partir de um personagem. Se
não há personagem, não há história. Uma coisa importante é
descobrir como esse personagem se expressa. Outra é encontrar
uma primeira frase que seja uma paulada. Se consigo essas duas
coisas, é sinal de que tenho uma boa história”.
Gênero/Contos
Contos são narrativas curtas, nas quais o escritor cria seus
personagens e monta uma determinada situação de maneira bem
concisa. Dessa forma, ele precisa saber pintar – com poucos
traços – pessoas, cenários e tramas que sejam convincentes.
Como o espaço é pequeno, o autor procura concentrar a atenção
do leitor num único ponto de interesse. As histórias podem ser
lidas de forma independente. Hoje se lê um conto, amanhã,
outro. Tudo bem.
28
Tubarão com a faca nas costas
Crônicas
Cezar Dias
A partir de fatos e cenas aparentemente insignificantes,
colhidos em meio à sua rotina diária – o decote de uma moça
que passa, uma notícia curiosa no jornal, a rotina de um
domingo –, o cronista parte para, em pensamento, fazer uma
viagem, levando com ele o leitor. As distâncias são curtas no
papel, mas longas na imaginação. O ato de oferecer um colo a
uma criança num ônibus muda seu estado de espírito e o faz
pensar sobre o filho que ele não tem. Uma cena lida num
romance lembra o suicídio de um conhecido de infância. Um
garoto, com alguns versos encontrados ao acaso num livro,
consegue arrancar um beijo de uma menina.
“Cezar Dias tem a vocação do cronista. Seus curtos,
sintéticos textos, têm tudo aquilo que se espera encontrar
numa crônica. Ali está o retrato sensível do cotidiano. Ali está
a empatia para com as pessoas, mesmo humildes, mesmo
desconhecidas (ou exatamente por serem humildes,
29
desconhecidas). É a crônica na sua melhor expressão.
Recomendamos, com o maior entusiasmo, a leitura deste
Tubarão com a faca nas costas.”
Moacyr Scliar
O autor
Cézar Dias nasceu em 1970, na cidade de Santa Cruz, Rio
Grande do Sul, e mora em Porto Alegre, onde se formou em
Letras. Depois de ser professor em escolas municipais e estaduais
de Porto Alegre, trabalha atualmente como revisor e redator no
Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. “Comecei a
gostar de ler mesmo só depois de adulto, na faculdade”, lembra
Cezar. "Pedi a um amigo que lia bastante que me indicasse uns
livros. Ele, como se fosse um irmão mais velho, tão bem me falou
dos livros que os li um atrás do outro, com vontade”. Suas
histórias e personagens, segundo ele, nascem de várias maneiras.
“Por exemplo, de uma frase que leio e que me dá uma idéia; ou
de uma conversa que eu ouço em qualquer lugar”.
Gênero/Crônica
Crônicas são textos não-ficcionais, ou seja, não contêm histórias
imaginadas pelo autor. Escritas de forma livre e bem pessoal, nelas
ele expõe suas opiniões, observações ou pensamentos. O ponto
de partida não importa tanto: pode ser um fato corriqueiro que o
autor presenciou, uma notícia que leu ou uma frase que ouviu. O
mais importante é o tom: uma crônica é um fio de prosa, que o
escritor vai desenrolando como quem não quer nada, de maneira
leve e descontraída, como se conversasse com o leitor.
30
Madalena
Novela
Cristiane Dantas
Esta é a história de Madalena, desde o momento em que deixa
Jacuípe, pequena cidade no interior nordestino, em 1935, fugindo
do marido, homem violento e alcoólatra, com quem foi obrigada
a se casar. As pessoas e experiências que vão marcar sua vida, de
muita dureza, e à qual não faltam conflitos, você vai conhecer
nesse livro, que prende a nossa atenção até o final.
“Caro leitor, você vai ter o prazer de conhecer Madalena,
personagem inesquecível criada por Cristiane Dantas. Com uma
narrativa ágil e profunda, a autora deixa todos nós com o
coração aos saltos, ao acompanharmos a história de um mulher
que teve coragem de enfrentar a vida e ser senhora de si.”
Ira Maria Maciel
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A autora
Cristiane Dantas nasceu em 1966 no Rio de Janeiro, onde mora
até hoje. Foi professora primária e já há dez anos trabalha como
roteirista de TV. “Devorei as aventuras da Mônica e do Cebolinha e
tive discussões intermináveis com minha irmãzinha sobre quem
era mais poderoso, se o Batman ou o Zorro, e olha eu aqui
ganhando concurso do MEC... Mas minha mãe conta que desde
os oito meses que eu gosto de livro: conseguia virar as páginas
direitinho, sem mastigar nenhuma”. Quanto às histórias que
escreve, Cristiane diz que seus personagens estão por aí, na casa
da gente, no trabalho, na rua, no ônibus, na padaria. “Gosto de
manter os olhos abertos e os ouvidos atentos, observar gestos,
ouvir as histórias das vidas das pessoas. Depois, ora acrescento,
ora retiro, ora misturo tudo isso”.
Gênero/Novela
No nosso dia-a-dia, a palavra novela é logo associada pela maioria
das pessoas às novelas de TV. Mas quando falamos de gêneros de
obras literárias, a palavra novela significa uma narrativa ficcional,
ou seja, uma história inventada pelo autor. Ela é classificada assim
por causa do seu tamanho: para ser considerada uma novela,
uma história não pode ser tão curta como um conto, nem tão
longa como um romance.
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Abraão e as frutas
Poesias
Luciana V. P. de Mendonça
A autora assume a voz de Abraão, um homem comum que decide
escrever um livro com poemas de vários tipos, de versos sem rimas
a sonetos complicados, um sobre cada uma de suas frutas
preferidas: abacaxi, pêssego, goiaba, caju, manga, morango e
outras... Ela vai da pitanga (“miudinha, bonitinha, vermelhinha”) à
melancia, que “é como uma bela donzela/e seu seio vermelho tão
doce e gostoso/que ela se cobre de verde naquela esfera”. Ao
longo do caminho, fala da obra de poetas como Carlos
Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar ou o
pernambucano João Cabral de Melo Neto, lembrando as
semelhanças que este descobriu entre o Recife, onde nasceu, e a
cidade espanhola de Sevilha, pela qual se apaixonou.
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Abraão e as frutas é delicioso! Como toda poesia de boa
qualidade, essas vão muito além do que está escrito. Temos
poemas saborosos, com uma linguagem simples, mas sem
perder a profundidade das coisas. Os leitores têm nesse
conjunto de poemas a possibilidade de aprender como se faz
poesia e os infinitos sabores que ela oferece. Além disso,
podemos pensar sobre quem somos como povo brasileiro.”
Maria da Luz Cristo
A autora
Luciana V. P. de Mendonça nasceu, em 1962, no Rio de Janeiro,
onde mora até hoje. Jornalista, redatora e tradutora, tem poemas
publicados na revista Poesia Sempre, editada pela Biblioteca
Nacional. Em dezembro de 2005, lançou seu primeiro livro de
poemas, O nada acontece, publicado com seus próprios recursos.
“Os livros estiveram muito presentes na minha infância”, recorda
Luciana. “Moramos por um bom tempo na casa do meu avô, uma
casa cheia de livros. Eu adorava o meu avô; foi ele quem me
transmitiu o gosto pela leitura e o carinho pelos livros. Ler é um
prazer enorme para mim; é como ir à praia, namorar, ir ao
cinema. Uma experiência que gostaria de dividir com meus leitores
é a sensação de descobrir sempre mais. Ler é descobrir o mundo.”
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Caravela [redescobrimentos]
Poesias
Gabriel Bicalho
Os poemas dessa coletânea, já a partir do próprio título, exibem
sempre algum elemento marinho. Mas, além do mar, as palavras
parecem ser o principal tema dos poemas. Neles, o autor, de uma
maneira bem-humorada, monta e desmonta sílabas e sentidos,
convidando o leitor a participar de um jogo: aquele que nos leva
ao redescobrimento da própria linguagem.
A caravela de Gabriel Bicalho parte para uma viagem de
redescobrimentos, ao brincar com palavras, sons, ritmos e
sentidos nos poemas. Como a navegação se faz rompendo
fronteiras, ela empurra sempre o horizonte para mais adiante
do que se tinha à vista, e exige fazer da imaginação o vento
que impulsiona as velas capazes de antever o que está além
do visível, do conhecido.”
Jane Paiva
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O autor
Gabriel Bicalho nasceu em 1948 na cidade de Santa Cruz do
Escalvado. Atualmente vive na cidade histórica de Mariana,
também em Minas Gerais. Funcionário do Banco do Brasil durante
quase 25 anos, é poeta autodidata, tendo participado de várias
antologias. Desde muito cedo, Gabriel teve contato com a leitura:
Aos oito anos eu lia, além de gibis, poemas e contos infantis”.
Como autor, ele explica, o que lhe dá satisfação “é escrever, de
maneira clara e concisa, poemas que todos possam entender; e se
os novos leitores conseguirem futuramente escrever poemas,
ficarei muito feliz.”
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Entre as junturas dos ossos
Poesias
Vera Lúcia de Oliveira
As meninas que da alma pulam/brincam de esticar/o tempo.” O
verso de abertura do primeiro poema dessa coletânea dá bem a
medida da delicadeza da poesia de Vera Lúcia de Oliveira. Uma
poesia que exige toda a atenção do leitor e na qual o apelo à
sensibilidade e aos sentidos (“escuto”, “tropeço”, “vejo”, “mudez”,
“o cheiro”, “um gemido”) se confunde quase sempre com a
natureza (“trovoada”, “bosque”, “pedras”, “chuva”, “grama”),
como no seguinte verso: “Dei para pisar no rangido dos ventos.”
“Com quantas coisas se faz um poema? Com palavras, ritmo,
cor – e um assunto. Os poemas de Vera Lúcia procuram dar
conta de todas as vidas presentes na memória: tudo o que foi
vivido – e perdido, e mesmo assim conservado. O jogo entre as
palavras duras e as imagens muito fluidas se estabelece graças à
fina inteligência poética com que ela constrói sua poesia.”
Heloísa Jahn
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A autora
Vera Lúcia de Oliveira nasceu em 1958 na cidade de Cândido
Mota, interior de São Paulo, e desde 1983 vive na Itália, onde
ensina Literatura Portuguesa. A autora, que escreve tanto em
português como em italiano, teve poemas publicados em várias
antologias no Brasil, Itália, Portugal, Estados Unidos, Espanha e
Portugal. “Nasci numa cidadezinha do interior de São Paulo”,
conta Vera Lúcia. “Meu pai era eletricista, minha mãe lavava e
passava roupa para fora. Em casa não havia livros. Eu vivia
buscando desesperadamente algo para ler. Cheguei a ler e a reler
dezenas de vezes alguns livros, como O meu pé de laranja lima. Eu
me sentia como aquele menino do romance, maltratado pelos
adultos. Achava que ninguém ligava para as crianças, que
ninguém respeitava a opinião delas”.
Gênero/Poesia
Na poesia, o autor se expressa em versos. Por tradição, a poesia
costumava ser governada pelas rimas e pela métrica (indicada pelo
número de sílabas das palavras). Mas os poetas foram
trabalhando seus versos com uma liberdade cada vez maior,
ignorando regras mais rígidas. Hoje a poesia se faz com versos de
tamanhos iguais ou diferentes, rimados ou não. Poesia, mais do
que alinhar uma frase em cima da outra, é uma outra maneira de
ver as coisas, a vida, o mundo, enfim. Um modo diferente de
sentir e expressar daquele que é usado no texto corrido, que
chamamos de prosa.
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Família composta
Teatro
Domingos Pellegrini
Nessa curta e divertida peça de teatro, um pai – entre muitos
resmungos e reclamações – ajuda a filha solteira a criar o bebê.
Até o dia em que ele vê suas velhas convicções balançarem quando
o pai da criança e seu futuro genro, um poeta, invade a sua casa
para, com seus versos e suas rimas, fazer com que ele olhe o
mundo de outra maneira, virando sua vida de pernas para o ar.
Vocês vão ler um livro que fala um pouco da nossa vida e
a das pessoas que conhecemos. Um texto que trata de
afetividade, família, amor, valores, poesia, enfim, coisas do
dia-a-dia. A trama é muito bem costurada. O autor constrói, a
partir de duas situações dramáticas, a maternidade da filha e a
separação do pai, uma história cotidiana e familiar com muita
sensibilidade, crítica e humor. Aproveitem! Boa leitura porque
o livro vale a pena.”
Júlio Diniz
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O autor
Domingos Pellegrini nasceu em 1949 em Londrina, Paraná,
onde reside atualmente. Pai de quatro filhos, jornalista, publicitário
e escritor, já publicou cerca de quarenta livros, entre romances,
coletâneas de contos, crônicas, poemas e histórias infanto-juvenis.
Recebeu prêmios importantes. Para ele, a leitura nos ajuda a ver o
mundo com os nossos próprios olhos: “Poder escolher por si
mesmo, em vez de ir atrás da boiada. Não devemos ter medo de
fazer só por medo do que os outros vão pensar. Devemos procurar
ser únicos e não cópias dos outros. O atual culto das celebridades
só mostra que tem muita gente sem personalidade, que fica
cultivando ídolos porque que não tem valores e méritos pessoais”.
Gênero/Teatro
Uma peça teatral é escrita para ser representada por atores. Nesse
tipo de texto, o autor marca, à parte, suas orientações sobre como
ele deve ser apresentado. Essas marcações podem ser destinadas
ao ator (explicando o tom que deve ser dado a determinada fala)
ou ao diretor do espetáculo (sobre o sentido de certa cena ou
gesto do personagem). O autor às vezes até inclui no texto uma
orientação para o cenógrafo, o profissional que cuida dos cenários
da peça. Textos teatrais podem ser tragédias, que exploram algum
fato que nos choca ou inspira tristeza, ou podem ser comédias,
que nos fazem rir ao falar de situações, costumes e personagens
com os quais nos identificamos.
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Batata cozida, mingau de cará
Tradição oral
Eloí Elisabete Bocheco
Tomando como ponto de partida uma antiga canção folclórica,
uma quadrinha ou cantiga infantil ou ainda um velho ditado, a
autora constrói seus poemas com imagens, rimas e palavras que
nos convidam a mergulhar num mundo típico de um Brasil do
interior, fortemente marcado pela cultura popular.
“Os contadores de histórias e declamadores passam para as
crianças e jovens os contos, mitos, lendas, quadrinhas e
cantigas. Outros recolhem as histórias em livros, como faz a
catarinense Eloí Elisabete Bocheco nesse delicioso Batata
cozida, mingau de cará. Esse livro é o resultado de uma
escavação da memória, depois de a autora ter convivido na
infância com as histórias contadas pela mãe e pelo pai. Leia e
se delicie. Eu li e gostei.”
Tancredo Maia Filho
41
A autora
Eloí Elisabete Bocheco nasceu no ano de 1955, na cidade de
Campos Novos, Santa Catarina, e mora atualmente em São José.
Professora de Língua e Literatura durante trinta anos na rede
pública de Santa Catarina, fez sua estréia como escritora em
1998. “Nem consigo imaginar a vida sem livros, sem leituras, sem
literatura”, diz Eloí. “Se, por alguma razão, não pudesse mais ler,
acho que poderiam me aprontar o caixão e a cova. Também acho
que quem lê tem mais condições de ler o mundo e deixar de ser
enganado e enrolado. Ler também é colocar-se na pele do outro,
experimentar as emoções, os conflitos do outro; conhecer as
terras mais distantes ou estranhas, sem sair do lugar”.
Gênero/Tradição oral
Cantigas de roda, histórias do folclore, canções, ditados, quadrinhas,
folhetos de cordel: tudo isso pode ser preservado também de forma
escrita, mas é principalmente por meio da fala, do canto, da
declamação que essas manifestações da nossa cultura são passadas
adiante, de geração em geração, até se transformarem em tradição.
Geralmente de autores anônimos, essas obras já serviram de
inspiração a muitos criadores, que as reciclaram em forma de filmes,
músicas, contos, romances ou poesia.
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A palavra dos educadores
Convidamos oito educadores a participar dessa conversa sobre a
formação de novos leitores: Alexandre Aguiar, Cláudia Lemos
Vóvio, Heleusa Figueira Câmara, Cátia Maria de Vasconcelos
Vianna, Ana Maria Galvão, Carmen Lúcia Bezerra Bandeira, José
Barbosa da Silva e Maria Valéria Rezende. Pedimos que
respondessem a três perguntas, dividindo conosco histórias
sobre a importância da leitura em suas vidas e seus conselhos
para os que querem ajudar a levar a literatura a jovens e adultos.
1. Como você aprendeu a ler e a escrever?
Alexandre Aguiar
(Educador, Secretário Executivo Adjunto do SAPÉ – Serviços
de Apoio à Pesquisa em Educação, integrante da equipe de
produção do Almanaque do Aluá)
Foi numa escola pública de um subúrbio carioca que me
alfabetizei, li as primeiras palavras e escrevi os primeiros textos.
Embora meu pai tenha cursado apenas o ensino fundamental,
tornou-se um leitor voraz e apreciador da literatura,
principalmente a brasileira. Infelizmente, havia também as
leituras proibidas, como as revistas em quadrinhos, consideradas
por meu pai como “leitura inferior”. Até hoje lamento conhecer
tão pouco da cultura dos quadrinhos e de alguns personagens
muito familiares aos leitores da minha geração.
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Cláudia Lemos Vóvio
(Autora de materiais didáticos e formadora de educadores da
Educação de Jovens e Adultos, na ONG Ação Educativa, São Paulo)
Minhas lembranças a respeito são como uma colcha de
retalhos na qual partes diferentes da vida tentam se combinar
de modo harmonioso. Na pré-escola, recordo-me dos
momentos em que ouvíamos histórias contadas e cantadas a
partir de uma pequena vitrola e de discos coloridos. Da coleção
Mundo da Criança, eu me lembro das estampas maravilhosas
que me encantaram. Depois, foram os poemas infantis, as
parlendas e adivinhas, os contos de fada e as bruxas. Também
tive a sorte de ter um avô que contava suas aventuras por um
país estranho, o Brasil do interior, do campo. Gostava das
crônicas e contos dos livros didáticos, mas também fui iniciada
na literatura infanto-juvenil, entrei nos mundos de José de
Alencar, Visconde de Taunay, Graciliano Ramos, Machado de
Assis. Dessa época e desses livros, guardo duas grandes paixões:
Inocência e Vidas Secas. Bem mais tarde, como alfabetizadora de
crianças, junto delas pude lambuzar-me com as delícias dos
contos tradicionais brasileiros.
Heleusa Figueira Câmara
(Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Em 1951, eu tinha sete anos de idade e como era
zarolhinha, minha mãe preocupada com os machucões que a
vida começara a me dar, em tão tenra idade, abriu a Escola
Osório de Moraes, em Vitória da Conquista, na Bahia. Desse
modo, eu, estudando sob o seu controle, ficaria mais protegida
das arrelias das crianças que demonstram piedade em face dos
defeitos físicos. Ela me ensinou, e aos colegas, a ler e a escrever.
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Aprendi a copiar as letras do alfabeto, o meu nome, e o das
coisas que usávamos no dia-a-dia. Aprendi também a inventar
histórias para as imagens dos quadros da minha casa, das
propagandas de revista, das paisagens dos calendários. Os
textos podem atender nossas expectativas, preenchendo as
faltas, as lacunas cravadas pela vida, como elemento de fruição,
de consolo, de sucesso e de releitura. Para nossa sorte, o
estatuto que ditava a ordem lá em casa tinha um elemento
agitador infiltrado, contribuindo para que os artigos não fossem
cumpridos à risca: a biblioteca de mamãe. Clássicos da literatura
universal conviviam com os best sellers das décadas de 40 e 50
e com os livros de Cassandra Rios, de Mário Donato, José Lins
do Rego, Jorge Amado, considerados “fortes”, e que me deram
as informações proibidas, somadas a viagens eróticas.
Cátia Maria de Vasconcelos Vianna
(Pedagoga com habilitação em magistério na Educação de
Jovens e Adultos pela UERJ, professora da rede pública
municipal de Duque de Caxias-RJ)
Na minha família todos liam muito. Mas minha lembrança
da época de alfabetização é de algo cansativo, as coisas escritas
me fatigavam. Sempre que penso nas primeiras tentativas de ler
e escrever, lembro muito mais dos meus irmãos e de nossas
leituras do que do espaço da Escola Municipal. Contam que na
Ilha da Madeira, mais precisamente na Ilha do Porto Santo, não
tinha quem contasse melhor histórias do que nossa bisavó. Os
personagens realmente ganhavam mais vida na voz dela: ora
mais fina, ora grave, ora mais desafinada para não deixar
dúvidas sobre quem era a bruxa. Tínhamos muitos gibis. No
quarto do meu irmão, tinha coleções de livros de histórias
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infantis na estante e ainda lembro a ordem em que ficavam
arrumadas por tamanho, as cores e até mesmo de quanto
esticava o braço para alcançar os que ficavam na prateleira mais
alta...Viver sem nunca ter experimentado tudo isso é não ter
vivido a liberdade em forma de vôo. Talvez isso explique a
minha militância pela leitura, pela educação de jovens e adultos.
Ana Maria Galvão
(Professora Doutora da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais)
Aprendi na escola, no Recife, e guardo minha cartilha até
hoje: O sonho de Talita. Mas a biblioteca da escola também teve
um papel fundamental na minha formação como leitora,
principalmente a partir da quinta série: ajudava a responsável
pelos empréstimos e diariamente também levava livros, de
gêneros variados, para casa.
Carmen Lúcia Bezerra Bandeira
(Responsável pela Gerência de Biblioteca e Formação de Leitores
da Secretaria de Educação do Recife)
Morando numa cidade do interior e com pais que gostavam
de contar histórias, vivi num ambiente em que essa prática era
muito corriqueira. Além disso, foi muito importante o contato
com os livros de literatura, por meio do meu pai. Hoje, ao
acompanhar todas as discussões sobre a formação do leitor,
concluo que meu pai foi um mestre nessa arte! E ele não era
formado: estudou apenas até a quarta série primária. Embora
não contássemos com uma biblioteca, meu pai e seus amigos
costumavam fazer os livros circular entre eles, formando uma
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espécie de rede de leitores. O acesso aos livros foi a principal
condição para eu me tornar leitora. Eu não teria dado esse salto
se tivesse me limitado a ouvir histórias. Hoje é impossível formar
leitores sem biblioteca, porque só a biblioteca pode oferecer
livros em quantidade e qualidade suficiente, diversificada, para
as amplas maiorias.
José Barbosa da Silva
(Professor da Universidade Federal da Paraíba)
Na escola a professora era dura com os alunos, tínhamos de
decorar as letras da cartilha e as operações da tabuada, senão ela
nos castigava. Aprender a ler e a escrever, naquele ano de 1965, se
reduzia a decorar letras e sílabas e, soletrando, identificar as
palavras e escrevê-las no caderno. Esse rigor escolar era amenizado
pela forma descontraída e leve com que minha mãe me ensinava
as mesmas coisas que a escola cobrava. Ela me ensinava como se o
ato de aprender a ler não fosse tarefa complicada. Brincar de ler,
de certa forma, fez com que eu avançasse na escola. Eu também
me lembro que ouvíamos as “histórias do trancoso”, que minha
avó tinha para contar. Ela morreu quando eu tinha apenas quatro
anos de idade, mas a tradição de se ouvir estórias, contadas na
calçada e à noite, permaneceu.
Valéria Rezende
(Escritora e educadora popular no Nordeste)
Minha mãe é mineira. Por isso, a contação de caso está no
sangue. Eu fui criada sem televisão. Mas, mesmo depois que
apareceu televisão, lá em casa continuamos durante anos sem
ela. Nossa televisão era dentro da nossa cabeça, nós, crianças,
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imaginando as coisas que minha mãe ia contando, inventando
ou lendo nos livros para nós ouvirmos.
2. Que recomendação faria a um alfabetizador ou
educador sobre o uso de textos na sala de aula?
Alexandre
Em primeiro lugar, acho importante que o alfabetizador e o
educador deixem de lado a idéia de que os novos leitores
precisam de textos curtos, pobres e com pouco conteúdo.
Outro problema comum na utilização de textos pela escola é
separar o ato da leitura do prazer de ler. Como leitor e
pesquisador dos almanaques, lembro que era muito comum
haver edições especiais dessas publicações, no período de férias
escolares. Assim ficavam claramente separadas, de um lado as
leituras da escola, de outro, as leituras que davam prazer. Essa é
uma separação que devemos evitar.
Cláudia
Penso que devemos oferecer os mais variados textos na sala
de aula. Devemos também criar expectativas sobre o que se
pode encontrar em cada história e abrir espaços para o
encontro com obras e autores. É importante ouvir as opiniões
dos nossos estudantes, o que eles têm a dizer sobre os textos.
Recomendo que o alfabetizador conheça, desfrute e leia os
textos antes de levá-los aos alunos. Acredito também que não
existem textos impossíveis. Nosso papel diante deles é o de
mediar as relações entre o texto e o leitor, familiarizá-los com os
mundos criados pela escrita.
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Heleusa
Minha experiência de trabalho com incentivo à leitura e à
escrita em presídios, com uma população de adultos, me fez
constatar, ao longo do tempo, que os textos autobiográficos, as
histórias de vida – escritas de si –, interessavam mais a esses novos
leitores, por estimular comparações com as histórias pessoais.
Reconforta expressar o que é de nós mesmos. Isso é o mais
importante. O educador, portanto, deve provocar o educando
com a leitura de textos que levem a desdobramentos. Um texto
deve levar a outros. A contação de histórias, os acontecimentos
locais, as conversas são possibilidades de diálogos que pedem que
deixemos de lado os preconceitos, as crenças e verdades
cristalizadas. As cartas ou a escrita pessoal para o outro também
podem ser consideradas como exercício pessoal para a arte de
viver. A escrita pessoal atua sobre quem a escreve e quem a
recebe. Estimula a leitura e a releitura e como exercício de si
invoca dois princípios: É preciso aperfeiçoar-se a vida toda, e a
ajuda alheia é necessária ao labor da alma sobre si mesma.
Cátia
Devem ser usados todos os tipos de texto, de gêneros
variados. É preciso elaborar juntos a idéia de que, com o
domínio da leitura e da escrita, aumentam as chances de
construirmos voz e pensamentos próprios. Pode-se convidar o
próprio professor a estreitar seus laços com a leitura, a refazer
sua história de leitor com os outros professores da escola, de
modo que possa estimular seus alunos. Voltar a se apaixonar
por seus autores prediletos, ler e ouvir as preferências alheias,
ler orelhas de livros, introduções de capítulos e recolher causos
orais: essas e muitas outras maneiras de se trabalhar junto ao
49
grupo podem provocar a curiosidade e mobilizar os novos
leitores para fazerem suas próprias descobertas. É importante
não criar nenhum tipo de hierarquia ou preconceito e lembrar
sempre que sensibilidade e criatividade são ferramentas valiosas
no processo de trabalho com quaisquer textos, com quaisquer
turmas, com quaisquer idades.
Ana Maria
Diversifique os tipos de textos utilizados, não trabalhando
apenas com leituras supostamente úteis. Descubra os textos que
os seus alunos já conhecem e que gostam de ler/ouvir,
buscando superar os seus próprios preconceitos: historicamente,
a escola tenta, mesmo quando se coloca como vanguarda,
controlar o que se deve ler. Por que não ler, com os alunos em
sala, jornais de notícias populares, letras de hip hop ou funk ou
trechos da Bíblia? O oral e o escrito não são pólos separados;
por isso, é fundamental, por exemplo, a leitura de textos em voz
alta para os que ainda não sabem ler. É importante estimular a
apresentação de trabalhos orais. Se estivesse trabalhando na
formação de alfabetizadores, começaria realizando, com eles,
leituras coletivas e em voz alta de textos literários, para que
pudéssemos, juntos e concretamente, construir o prazer de ler.
Carmen Lúcia
O educador ou alfabetizador deve reconstituir sua própria
história de leitor, lembrando os casos e os livros que marcaram
sua vida. Por preconceito, ele não costuma valorizar suas
memórias pessoais. Um texto interessante a ser utilizado seria a
biografia do pintor Cândido Portinari escrita por ele próprio,
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que é construída sobre as imagens que marcaram a sua infância
– a cidade do interior, os colegas da escola, o professor, as
brincadeiras, o circo, a banda – e que deram origem aos seus
quadros. A forma do texto ajuda o grupo a rememorar, buscar
imagens, cenários interessantes da infância. Outro livro que
poderia ser usado é Quarto de despejo, os diários de Carolina de
Jesus. O que fazia Carolina sentir vontade de escrever, com uma
vida tão precária, com as condições materiais tão adversas?
Também recomendo Bisa Bia Bisa Bel, de Ana Maria Machado,
porque sempre provoca um bom papo. É sobre o encontro de
uma menina com a sua bisavó, a partir de uma velha fotografia.
José Barbosa
Para aprender a ler é preciso ler, assim como só se aprende
a nadar nadando ou só se aprende a andar de bicicleta
pedalando. Para quem está começando a aprender a ler – por
pressão social, por vontade, desejo ou necessidade – faz falta a
presença de um professor que faça leituras na sala de aula, que
mostre ao aluno que ler, assim como brincar, pode ser uma
delícia. Se o professor gosta de ler, ele é capaz de mobilizar o
aluno para a leitura também, porque comunicamos melhor
aquilo que sabemos e gostamos de fazer. Se a leitura já é
benéfica para o aluno, aliada ao exercício da escrita, o benefício
se torna ainda maior. Escrever distrai, faz passar o tempo,
arruma idéias ainda em formação, além de ser um instrumento
de comunicação para consigo e para com os outros. No ato de
escrever todos gostam de se revelar. Na Educação de Jovens e
Adultos isso não é diferente: não há quem não goste de ser
personagem, de se revelar, de ser autor de textos escritos e de
ver esses textos sendo levados em consideração.
51
Maria Valéria
Antes de mais nada, um alfabetizador precisa gostar de ler...
se ainda não gosta, tem de descobrir o prazer da leitura.
Recomendo que, desde o primeiro dia de aula, todos os dias,
leiam para os alunos alguma coisa prazerosa, divertida,
comovente, espantosa, enfim, que permita experimentar desde
o início o prazer que a leitura pode dar. Colaboro hoje com um
projeto, a Biblioteca Livro em Roda, que funciona com uma
equipe de contadores/leitores de histórias que atuam em escolas
rurais na Paraíba. As educadoras que circulam com os livros
sempre lêem as histórias (mesmo quando já as sabem de cor),
para que fique sempre clara a ligação do livro e da leitura com a
fantasia e a literatura.
3. Como a literatura pode contribuir no trabalho de
alfabetização e estímulo à leitura com jovens e adultos?
Tem alguma experiência interessante para contar?
Alexandre
Em 1993, na ONG em que trabalho, a Sapé, publicamos o
primeiro número do Almanaque do Aluá com o objetivo de criar
material de leitura para jovens e adultos recém-alfabetizados. O
almanaque, que teve novas edições em 1998 e em 2005,
acabou sendo adotado pela Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade – Secad como material de incentivo
à leitura e à formação de novos leitores. Graças a essa
experiência, nossa equipe redescobriu um tipo de literatura
muito antigo (já circulava pela Europa há séculos) e que foi
muito popular no Brasil até a metade do século XX. Os
almanaques fizeram parte da vida de tanta gente e ainda
possuem um grande apelo entre muitos tipos de leitores.
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Cláudia
Diariamente, durante os nove anos em que fui alfabetizadora,
lia para os estudantes. Selecionava contos, fábulas, poemas,
romances que eram oferecidos aos alunos todas as noites. Duas
grandes leituras de que me recordo de ter feito com eles foram
Fábulas italianas, de Ítalo Calvino, e Alexandre e outros heróis, de
Graciliano Ramos. Esses livros trouxeram outras tantas histórias,
contadas e recontadas pelos estudantes. Foi aí que pude ter idéia
do verdadeiro patrimônio literário oral que guardavam. Havia
muito que contar, desde as histórias que ouviram até as histórias
de vida de cada um. Também foi com meu trabalho entre jovens
e adultos que aprendi a ler poesia, gênero que antes disso não
tinha sido tão marcante na minha história como leitora.
Heleusa
Gostaria de compartilhar a experiência do Letras de Vida:
escrita de si. Esse núcleo tem como meta divulgar as produções
escritas por autores populares. Pessoas que não puderam
estudar, ou que só puderam freqüentar a escola por muito
pouco tempo. São pessoas que, mesmo assim, decidiram
escrever da maneira que sabem. Nosso programa é destinado
àqueles que se propõem somar os trabalhos manuais aos
trabalhos criativos. Trabalhadores da construção civil, pedreiros,
pintores, serventes, trabalhadores rurais, trabalhadores
informais, sapateiros, donas de casa e prisioneiros fazem parte
do projeto como autores. A escrita é incentivada e a revisão dos
textos é feita para atender a correção gramatical, ortográfica,
preservando, entretanto, a integridade da obra. Letras de Vida
propõe-se a trazer à tona emoções, prazeres, medos, dores,
costumes. As pessoas têm muito medo de falar e de escrever.
53
Medo de ferir as normas, de deixar marcas, de escrever errado,
de ser motivo de riso, do que os outros vão pensar. E assim,
aprendo eu, aprende você, todos nós aprendemos a ver por
dentro, a ler o outro, a escrever a vida.
Cátia
O professor precisa ter claro que a adoção da literatura em
sala de aula é muito importante porque ler serve a muitas
finalidades. Um leitor só se forma quando cada um pensa
respostas para perguntas como “por que” ler, “para que” ler.
Até mesmo a idéia de direito, de acesso democrático ao
material de leitura precisa ser trabalhada. A biblioteca tem de
ser vista como um espaço por onde estão sempre circulando
todo tipo leitores, experientes ou não. Vale lembrar que o
professor deve ter gosto pela leitura (Ana Maria Machado já nos
disse que ninguém ensina ninguém a gostar de ler, a gente se
“contamina”). Uma experiência muito válida são as Rodas de
Leitura, experiência significativa de que já participei como adulta
em cursos de formação continuada.
Ana Maria
Na minha tese de doutorado, estudei o papel da leitura e
audição de folhetos de cordel na vida de pessoas de meios
populares entre as décadas de 30 e 50 do século XX.
Compreendi que, ao contrário do que dizem vários estudos, o
adulto analfabeto ou semi-alfabetizado é capaz de usufruir
esteticamente da leitura literária. Os entrevistados que ouvi para
a minha pesquisa mostram que os folhetos preferidos eram
aqueles sobre reinos distantes e personagens irreais, exatamente
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por sua capacidade de fazer sonhar, emocionar, rir, transportar
para outros tempos e espaços. Os depoimentos também faziam
referência às “palavras bonitas”, às “rimas bem feitas”, ao
“verso bem cadenciado” como fundamentais nas escolhas dos
folhetos. Essas leituras eram realizadas fora da escola e
contribuíram para a alfabetização de um grande número de
pessoas e para a sua inserção na cultura escrita.
Carmem Lúcia
Nosso trabalho traz muitas surpresas e revelações, como a
oferecida pela coordenadora de uma creche, que era semi-
analfabeta. Ela contou por escrito um caso ocorrido durante uma
enchente. A enxurrada derrubou a casa do avô dela e a
correnteza, junto com a lama, levou para o fundo de um riacho
um tacho de ouro, que era um tesouro da família. Depois, as
pessoas da família foram procurar o tacho, escavando o fundo do
riacho, mas não encontraram. Com o passar do tempo, o tacho
de ouro começou a aparecer para as pessoas que iam pescar,
lavar roupa ou tomar banho no riacho. Elas mergulhavam nas
águas para pegar o tacho, mas quando iam se aproximando, o
tacho se movimentava, deslizava, se distanciava. A autora
escreveu essa história com erros gramaticais e ortográficos, mas
com uma força de comunicação e expressividade que fez o maior
sucesso. Ao escrever a história do tacho despertou um sentimento
de orgulho na família, que não sabia que possuía seus próprios
mitos, nem que alguém soubesse escrevê-los. É nisso que dá
trabalhar com os textos literários e a literatura: faz desencadear
histórias que alimentam novas histórias, gerando mais material de
leitura e de escrita!
55
José Barbosa
Na minha primeira infância, conheci muitas histórias, que
depois fui descobrir que eram clássicos da literatura, porque
foram contadas a mim pela tradição da oralidade. A magia
daquelas histórias povoou a minha imaginação. Não muito tempo
depois, em vez de ouvir as histórias, passamos a inventá-las – eu e
meus amigos, todos crianças, que moravam na minha rua. A cada
dia, eu contava um pedaço da trama ali criada, deixando para o
dia seguinte a continuidade dela, interrompida, sempre, num
momento de suspense, como faziam as novelas de rádio. Nessa
tarefa de inventar histórias dei-me bem, de modo que ganhei
platéia. A literatura era revelada não como um amontoado de
regras, mas como um jeito rico e original de se falar do cotidiano
ou das coisas mais importantes da vida.
Maria Valéria
Depois que aprendi a ler sozinha, nunca mais parei. Metendo-
me num livro, eu podia experimentar ser muito diferente do que
era, ser uma boneca de pano, como a Emília. Como leitora,
voltava e volto sempre dessas viagens com alguma coisa nova
incorporada na Valéria de carne e osso. Aí está o segredo do
encanto e da necessidade vital de aprender a ler e de ler a
literatura: todos nós nascemos com a possibilidade e a capacidade
de viver mil vidas diferentes. À medida que vamos vivendo, as
circunstâncias vão nos limitando, temos de ir escolhendo
encruzilhadas, muitas delas sem volta. Muitas possibilidades
abertas vão desaparecendo do horizonte. Mas a capacidade de ser
outra, experimentar outros modos de viver, fica lá, incomodando,
deixando-nos sempre com uma inquietação. Acho que a ficção,
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com as histórias que imaginamos, foi a melhor solução que a
humanidade inventou para esse desassossego. Um livro permite
transformar num tempo bom e interessante muitas horas tediosas
da vida: um longo trajeto de ônibus ou de metrô, uma longa
espera numa fila, no posto de saúde, à cabeceira de um doente.
Literatura é mais vida!
Do leitor ao escritor
Como se fosse um espelho, um livro muitas vezes reflete
nossas idéias e sentimentos, medos e esperanças. Mas às vezes
nos esquecemos de quem está atrás desse espelho: o escritor. É
bom lembrar que há um leitor em todo escritor; e que dentro de
muitos leitores se esconde – quem sabe – um escritor. Para
responder a pergunta “Ler para quê?”, é importante se perguntar:
por que escrever?
Para essa questão não existe uma resposta certa, ou mesmo
uma única resposta. Desde que o mundo é mundo, escritores de
todas as épocas e países têm se perguntado por que se dedicam a
uma tarefa tão difícil. “Não, não é fácil escrever. É duro como
quebrar rochas”, comparou certa vez a romancista Clarice
Lispector. Outra escritora brasileira, Ana Miranda, descreve assim a
missão de criar um personagem: “A gente passa a vida
construindo uma alma, uma maneira de ser, uma forma de ver o
mundo. A literatura é um trabalho sofrido e a folha em branco
pode ser algo aterrorizante para qualquer escritor.” Já Mário
Quintana não vê na sua poesia nada de assustador: “As minhas
palavras são quotidianas / como o pão nosso de cada dia/ E a
minha poesia é natural e simples/ como a água bebida / na
concha da mão.”
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Ler pode parecer um ato tão solitário como escrever, mas
escritores e leitores – queiram ou não – estão unidos por uma
espécie de comunhão. Afinal, como disse o escritor francês Michel
Tournier, um livro não tem só um autor. Além do escritor, são
também autores todos os que leram, lêem e lerão aquele livro –
cada um à sua maneira. Sem o leitor, o livro não existe. “O escritor
sabe disso e quando ele publica um livro, solta na multidão
anônima de homens e mulheres uma nuvem de pássaros de
papel”, lembra Tournier. Esses mensageiros – os livros – saem em
busca da imaginação dos leitores para se encher de calor e vida.
A literatura nos coloca diante de muitas portas. Quais
podemos abrir e para onde elas nos levam? Como dizem os
versos de Carlos Drummond de Andrade em Procura da poesia,
de A rosa do povo:
“Chega mais perto e contempla as palavras. Cada palavra tem
mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse
pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?”
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Produção gráfica e editorial dos livros da coleção
SUPERNOVA PROJETOS EDITORIAIS
Coordenação de produção
Cristina Guimarães
Projeto gráfico e capa
Ribamar Fonseca
ribamar@supernovadesign.com.br
Projeto Editorial e Revisão do texto
Alessandro Mendes e Iara Vidal
Editoração eletrônica
Fernando Alves
Auxiliar de produção
Adriana Mattos
Iconografia
André Cerino
Cabelos molhados – aquarela
João Rafael Corrêa Lima
Família composta – nanquim
Léo, o pardo – nanquim
Ribamar Fonseca
ribamar@supernovadesign.com.br
Caravela [redescobrimentos] – aquarela
Entre as junturas dos ossos – grafite
Sergio Alberto
Madalena – fotografia
Abraão e as frutas – fotografia
Tati Rivoire
Cobras em compota – bico de pena
Batata cozida, mingau de cará – estilo xilogravura
Tubarão com a faca nas costas – ilustração digital
Impresso pela Gráfica e Editora Brasil para o Ministério da Educão
em novembro de 2006.
I Concurso Literatura para Todos
Consultoria Pedagógica
Ira Maria Maciel
Concepção
Ligia Cademartori
Elaboração
Ira Maciel e Jane Paiva
Edição e Texto
Claudio Figueiredo
Consultoria Técnica
Jane Paiva e Ligia Cademartori
Colaboração
Alfabetizadores, professores e Coordenação de
Educação de Jovens e Adultos da Secretaria da
Educação do Estado da Bahia e Coordenação de
Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de
Estado de Educação do Rio de Janeiro.
Ministério
da Educação
Esplanada dos Ministérios
Bloco L – 7º andar – Sala 710
www.mec.gov.br
Literatura para Todos:
Conversa
com educadores
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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