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COLEÇÃO PROINFANTIL
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COLEÇÃO PROINFANTIL
MÓDULO IV
unidade 2
livro de estudo - vol. 2
Karina Rizek Lopes (Org.)
Roseana Pereira Mendes (Org.)
Vitória Líbia Barreto de Faria (Org.)
Brasília 2006
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
Secretaria de Educação a Distância
Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil
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Livro de estudo: Módulo IV / Karina Rizek Lopes, Roseana Pereira Mendes, Vitória
Líbia Barreto de Faria, organizadoras. – Brasília: MEC. Secretaria de Educação
Básica. Secretaria de Educação a Distância, 2006.
88p. (Coleção PROINFANTIL; Unidade 2)
1. Educação de crianças. 2. Programa de Formação de Professores de Educação
Infantil. I. Lopes, Karina Rizek. II. Mendes, Roseana Pereira. III. Faria, Vitória Líbia
Barreto de.
CDD: 372.2
CDU: 372.4
Ficha Catalográfica – Maria Aparecida Duarte – CRB 6/1047
L788
Diretora de Políticas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental
Jeanete Beauchamp
Diretora de Produção e Capacitação de Programas em EAD
Carmen Moreira de Castro Neves
Coordenadoras Nacionais do PROINFANTIL
Karina Rizek Lopes
Luciane Sá de Andrade
Equipe Nacional de Colaboradores do PROINFANTIL
Adonias de Melo Jr., Amaliair Attalah, Ana Paula Bulhões, André Martins, Anna Carolina Rocha, Anne Silva,
Aristeu de Oliveira Jr., Áurea Bartoli, Ideli Ricchiero, Jane Pinheiro, Jarbas Mendonça, José Pereira Santana
Junior, Josué de Araújo, Joyce Almeida, Juliana Andrade, Karina Menezes, Liliane Santos, Lucas Passarela,
Luciana Fonseca, Magda Patrícia Müller Lopes, Marta Clemente, Neidimar Cardoso Neves, Raimundo Aires,
Roseana Pereira Mendes, Rosilene Silva, Stela Maris Lagos Oliveira, Suzi Vargas, Vanya Barbosa, Vitória Líbia
Barreto de Faria, Viviane Fernandes
Coordenação Pedagógica
Roseana Pereira Mendes, Vitória Líbia Barreto de Faria
Assessoria Pedagógica
Sônia Kramer, Anelise Monteiro do Nascimento, Claudia de Oliveira Fernandes, Hilda Aparecida Linhares da
Silva Micarello, Lêda Maria da Fonseca, Luiz Cavalieri Bazilio, Regina Maria Cabral Carvalho, Silvia Néli Falcão
Barbosa
Consultoria do PROINFANTIL – Módulo IV
Fátima Regina Teixeira de Salles Dias, Léa Velocina Vargas Tiriba
Autoria
Adrianne Ogêda Guedes, Ana Marta Aparecida de Souza Inez, Claudia Almeida Bandeira de Mello, Daniela de
Oliveira Guimarães, Eduardo Sarquis Soares, Fátima Regina Teixeira de Salles Dias, José Alfredo de Oliveira
Debortoli, Maria Inêz Mafra Goulart, Maria Isabel Ferraz Pereira Leite, Nuelna Gama Vieira, Vitória Líbia
Barreto de Faria
Projeto Gráfico, Editoração e Revisão
Editora Perffil
Coordenação Técnica da Editora Perffil
Carmen de Paula Cardinali, Leticia de Paula Cardinali
MÓDULO IV
unidade 2
livro de estudo - vol. 2
Programa de Formação
Inicial para Professores
em Exercício na Educação Infantil
SUMÁRIO
b - ESTUDO DE TEMAS
ESPECÍFICOS 8
FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO
PRINCÍPIOS PARA PLANEJAR: A CRIANÇA COMO PROTAGONISTA .. 9
Seção 1 As funções do planejamento no cotidiano –
a importância da participação das crianças ....................
1 3
Seção 2 O planejamento no dia-a-dia: organização institucional
e intencionalidade educativa ...........................................
24
Seção 3 Tipos de planejamento e formas de planejar ................. 34
Seção 4 A articulação da Educação Infantil com o Ensino
Fundamental no palnejamento institucional..................
39
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO
METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO: A CRIAÇÃO DE AMBIENTES
DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO ....................................
47
Seção 1 A organização do trabalho cotidiano: participação das
crianças, integração e desdobramento das atividades..
50
Seção 2 O planejamento como recurso na organização do
trabalho cotidiano ............................................................
57
Seção 3 Os projetos de trabalho ................................................... 64
Seção 4 Oficinas/ateliês: atividades diversificadas, organização
de cantinhos, salas-ambiente...........................................
74
c – ATIVIDADES INTEGRADoraS 84
8
b - ESTUDO DE TEMAS ESPECÍFICOS
8
9
Fundamentos da Educação
princípios para planejar: a criança
como protagonista
A produção de conhecimentos é um ato de liberdade, de autonomia, que
só ocorre quando somos capazes de abandonar pré-conceitos em busca
do novo. Ao nos perguntarmos sobre o “porquê” de nossa prática,
realizamos um primeiro ato de autonomia.
Léa Tiriba
1
1
Este trecho é do livro de Lea Tiriba (1992). Buscando caminhos para a pré-escola popular. Neste livro
a autora narra o seu encontro com uma escola comunitária, em 1984, e fala da possibilidade de um
trabalho com as crianças onde a produção do conhecimento era um ato de liberdade e não de opressão
(p. 78)
10
-
ABRINDO NOSSO DIÁLOGO
Olá, professor(a)!
Neste módulo, na unidade anterior, procuramos compreender que o respeito ao
direito das crianças à Educação Infantil se materializa cotidianamente como
qualidade de vida, isto é, como qualidade das relações humanas e das vivências
que transcorrem no espaço físico, nas rotinas, enfim, no dia-a-dia de crianças e
adultos. Para isso, precisamos valorizar a diversidade étnica, de gênero, religiosa e
cultural em nossas atividades cotidianas. Ao mesmo tempo, é preciso prestar atenção
nas singularidades físicas, emocionais e pessoais de cada criança, a fim de que se
sintam escutadas e valorizadas como seres humanos.
Vimos também, no Módulo III, que o direito das crianças à Educação Infantil implica o
direito a um espaço onde a qualidade física (saúde, limpeza, organização,
luminosidade) se soma à qualidade relacional. Isso quer dizer que a acolhida, o
aconchego e a escuta das necessidades e desejos das crianças precisam fazer parte
do trabalho que realizamos com elas diariamente. A qualidade de vida no cotidiano
relaciona-se com o reconhecimento das identidades ali presentes, as histórias de
vida das crianças, a realidade de suas famílias, a acolhida de seus interesses, idéias e
emoções. Enfim, a qualidade de vida do cotidiano das creches, pré-escolas e escolas
também está relacionada à saúde, à valorização das identidades, das histórias de
vida das crianças e dos adultos que trabalham com elas.
Nesse processo, trazemos a idéia da criança como protagonista. Ser protagonista é
estar no lugar principal da trama ou da cena. A criança como protagonista ocupa o
lugar principal no processo de educar e cuidar que temos discutido. Assim, assumir a
criança como o ator principal do cotidiano da Educação Infantil implica planejar esse
cotidiano levando em conta o ponto de vista da criança, seu jeito de conhecer e
interagir com o mundo à sua volta, seu modo de expressar-se através das mais
diferentes linguagens.
Mas como assegurar o direito das crianças à expressão, como acolher as diferenças
em ambientes e situações concretas nem sempre ideais? Com um grupo numeroso,
em espaços nem sempre adequados (às vezes pequenos, outras vezes com poucos
materiais, sem ventilação adequada), como valorizar as identidades das crianças,
suas escolhas e particularidades?
Em algumas situações, queremos escutar as crianças, suas novidades e suas perguntas,
mas não conseguimos, pois todas falam ao mesmo tempo. Em outros momentos,
levamos uma história interessante para contar ou tentamos fazer um jogo coletivo,
mas as crianças se atropelam e parecem não nos ouvir O que pode nos ajudar?
11
A reflexão sobre a prática e a possibilidade de renovar o cotidiano, trazer novos ares,
novas idéias, pensar junto e de modo crítico é um caminho a ser considerado. Essa foi
a experiência vivida por Lea Tiriba (1992).
Na epígrafe deste texto, logo no início, encontramos a paixão por uma educação
cidadã. Léa Tiriba (1992), no seu livro Buscando caminhos para a pré-escola
popular, faz um emocionante relato de sua experiência em uma creche onde
– um dia – se descobriu que era possível abrir as janelas. Abriram-se as janelas
concretas de uma sala fria, para que o sol aquecesse e iluminasse um espaço
marcado pela repetição. Abriram-se também janelas da alma e da possibilidade
do novo, deixando penetrar no cotidiano da creche a cultura, a vida, o mundo!
Ocorrida há mais de 20 anos, quando realidades adversas marcavam o trabalho
das creches comunitárias no Brasil, a experiência com a creche comunitária do
Parque Erédia de Sá é um convite à reflexão sobre as nossas práticas. Este é um
dos livros sugeridos para leitura nesta unidade.
Pois bem, professor(a), neste texto vamos conversar sobre um recurso muito
importante para o nosso trabalho: o planejamento. O planejamento é um recurso
para a organização do espaço, do tempo, dos materiais, das atividades, das estratégias
de trabalho que trazemos e das que surgem em nossa relação com as crianças.
Quando planejamos, podemos garantir a presença de várias dimensões importantes
do trabalho: o tempo para falar, para ouvir, brincar, ler histórias, desenhar, estar
dentro das salas, fora delas, comer, descansar, escutar as crianças e promover o
contato com o conhecimento legitimado e a cultura.
O planejamento pode ser uma rica contribuição aos fazeres diários com as crianças,
pois permite a antecipação das atividades e seus desdobramentos, (isto é, a relação
de uma atividade com a outra), e também ajuda na reflexão sobre o trabalho. Ao
planejarmos as atividades, somos levados a pensar: por que estamos propondo
cada uma delas? Como articular as atividades do nosso grupo de crianças com o
planejamento da instituição? Como ampliar os interesses das crianças com quem
trabalhamos, trazendo desafios das diferentes áreas do conhecimento, por exemplo
a matemática ou as ciências? Como construir estratégias para superar os obstáculos
que se colocam em nosso caminho (espaço pequeno, pouco material)? Como o
espaço e o tempo podem ser planejados tendo em vista que algumas crianças
passarão o dia todo na instituição de Educação Infantil? Por fim, planejar é refletir
sobre o que fazemos para proporcionar qualidade aos momentos que passamos
juntos, crianças e adultos, nas creches, pré-escolas e escolas. Como diz Henri
Giroux:
12
Muito da luta pedagógica consiste exatamente nisso: testar as formas
pelas quais produzimos significados e representamos a nós mesmos,
nossas relações com os outros e com o ambiente em que vivemos. Assim
procedendo, fazemos uma avaliação do que nos tornamos e do que não
mais desejamos ser. Também nos capacitamos a reconhecer as
possibilidades ainda não concretizadas e a lutar por elas. (1997, p. 252).
DEFININDO NOSSO PONTO DE CHEGADA
Professor(a), no dia-a-dia com as crianças você enfrenta muitos desafios.
Provavelmente, um deles diz respeito a como organizar o trabalho levando em conta
as experiências que as crianças trazem de suas vidas, suas casas e suas famílias.
Outro desafio é lidar de forma significativa com diferentes áreas culturais e do
conhecimento, como a literatura, a música e a ciência.
Consideramos importante escutar as histórias que as crianças têm para contar, as
danças e músicas que inventam, as hipóteses que levantam sobre a vida dos animais,
sobre a organização do
tempo.
Por outro lado, também é fun-
damental que elas possam ter
contato com os saberes legi-
timados da ciência, da mate-
mática e da história e com os
suportes culturais da nossa
sociedade, ou seja, as músi-
cas, obras literárias, pinturas
e artesanatos. O planejamen-
to é o instrumento que ajuda
na organização do diálogo entre as expressões infantis e a cultura vigente no mundo
social mais amplo. Além disso, ele também contribui para que você possa contornar
dificuldades de organização do trabalho (por exemplo, se você tem muitas crianças e
pouco material, pouco espaço, dentre outras).
Então, neste texto, pretendemos analisar a importância do planejamento, apresen-
tando alguns elementos importantes na sua organização. Nossos objetivos principais
são:
- Compreender o conceito de planejamento e alguns princípios que devem
nortear sua elaboração e implementação.
-
Priscilla Silva Nogueira
13
-
- Considerar a importância do planejamento para organizar momentos da
rotina (o lanche, a entrada, o banho) e o cotidiano das crianças que freqüen-
tam o horário integral.
- Conhecer diferentes tipos de planejamento e maneiras de organizar previa-
mente as ações, tendo em vista a intencionalidade educativa e a continuidade
do trabalho pedagógico.
- Pensar o planejamento institucional como possibilidade de prever e orga-
nizar ações visando a articulação da Educação Infantil com o Ensino Funda-
mental.
CONSTRUINDO NOSSA APRENDIZAGEM
Professor(a), este texto está organizado em quatro seções: na Seção 1 discutiremos
o conceito de planejamento e como ele pode contribuir com o nosso trabalho, uma
vez que ajuda a contornar dificuldades. Também, consideramos a importância da
participação das crianças em sua elaboração; na Seção 2 buscaremos compreender
como podemos planejar o trabalho tendo em vista a intencionalidade educativa de
nossas propostas; na Seção 3, vamos nos deter em alguns tipos de planejamento e
formas de planejar, ressaltando a importância de levarmos em conta a continuidade
entre as experiências no dia-a-dia do trabalho; e na Seção 4, focalizaremos a
importância de considerar, no planejamento, a continuidade entre a Educação Infantil
e o Ensino Fundamental.
Seção 1 – As funções do planejamento no cotidiano – a importância da
participação das crianças
O objetivo desta seção é:
Compreender o conceito de planejamento
e alguns princípios que devem nortear sua
elaboração e implementação.
Professor(a), com certeza, no dia-a-dia você vive várias situações que envolvem o
ato de planejar. Geralmente temos a sensação de que nossas experiências terão
mais sucesso se planejarmos tudo antes de realizá-las!
Em viagens, saídas para compras e outras tantas ocasiões de nossas vidas, buscamos
planejar, ou seja, fazer projetos antes de mergulharmos na experiência! Trata-se da
necessidade de fazer um plano antes da ação!
14
O barco
A terra avistada a oeste da ilha era agora uma tentação constante. Por que não
procurar alcançá-la? Poderia deparar-me com selvagens, é verdade. Mas não
era menor a probabilidade de ser habitada por espanhóis. E, se não fosse, poderia
contorná-la, na direção norte, ou mesmo sul, até encontrar gente da minha
raça. Anos atrás, eu já navegara perto da costa quase umas mil milhas, fugindo
dos mouros em busca de socorro, não custava tentar repetir a façanha.
Precisava de um barco. Grande e seguro. Resolvi construir um.
Corria o quarto ano da minha estada na ilha. Gastei-o, quase todo, trabalhando o
maior número possível de horas diárias no projeto da embarcação.
Escolhi a árvore com cuidado. Era um cedro alto, com um metro e oitenta de
diâmetro na base, muito rijo. Derrubei a árvore e passei a trabalhá-la como um
louco, embora minha pressa tenha acabado por me fazer esquecer de detalhes
importantes. Com a plaina e a machadinha, dei-lhe forma externa de uma piroga,
semelhante à dos selvagens brasileiros. A escavação da parte interna levou mais
tempo, exigiu mais cuidados: queimava uma camada a ser extraída e depois a
retirava com a plaina. Repeti pacientemente, durante dias e dias, a mesma operação:
queimar, escavar... queimar, escavar...
Terminada a canoa, admirei-lhe as linhas, o corte de água, a leveza das formas, o
tamanho conveniente. Tinha realizado um bom trabalho!
Só então me dei conta de que a embarcação estava muito longe da água. Grande
e pesada, não conseguiria removê-la do lugar.
Fiquei muito aborrecido comigo mesmo. Como justificar tamanha distração? Fazer
uma canoa, dedicando-lhe quase um ano de trabalho duro, sem pensar no jeito de
jogá-la ao mar?
(DEFOE, 1996. p. 46, 47)
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Este fragmento que você acabou de ler faz parte do romance Robinson Crusoé: a
conquista do mundo numa ilha, do escritor inglês Daniel Defoe. Náufrago e solitário
em uma ilha do Pacífico, Robinson Crusoé desenvolve vários projetos para a sua
sobrevivência. Na construção do barco, de acordo com o próprio personagem, foi a
distração que impediu que o seu projeto fosse adiante. O que faltou para Robinson
Crusoé? Fazer um plano antes da ação? Ter alguém para compartilhar seu projeto,
alguém que o ajudasse a ter outra visão?
O que levar em consideração ao planejar a nossa ação educativa? O que podemos
fazer para construir um barco que depois possa ser lançado ao mar? Ou seja, como
fazer um plano antes da ação que efetivamente favoreça a interação entre as crianças,
a construção do conhecimento? Como dar conta no planejamento de um cotidiano
tão dinâmico? Como organizar experiências significativas para as crianças?
Segundo Luciana Ostetto (2000, p. 177), o planejamento marca a intencionalidade
do processo educativo. Essa intencionalidade está presente na elaboração do
planejamento: nas escolhas que fazemos, nos caminhos que traçamos. Um trabalho
de qualidade na Educação Infantil precisa levar em conta a intencionalidade na
realização das propostas e, conseqüentemente, a elaboração do planejamento se
faz necessária. Essa elaboração pode variar de professor(a) para professor(a), pois aí
estão implicadas concepções de criança, infância, Educação Infantil e do significado
do próprio planejamento em si.
Muitas vezes na elaboração do planejamento a ênfase recai sobre o “pedagógico”.
O planejamento contempla apenas aquelas atividades por meio da quais se estaria
ensinando algum conteúdo. Assim, planejam-se momentos específicos, sem considerar
o que realmente acontece no cotidiano da creche, pré-escola ou escola. As discussões
que temos feito até aqui, nos três módulos anteriores, ajudam a entender que o
caráter pedagógico, a ação educativa, envolve todo o cotidiano, pois:
Elaborar um “planejamento bem planejado” no espaço da educação
infantil significa entrar na relação com as crianças, mergulhar na aventura
em busca do desconhecido, construir a identidade de grupo junto com
as crianças. Assim, mais do que conteúdos da matemática, da língua
portuguesa e das ciências, o planejamento na educação infantil é
essencialmente linguagem, formas de expressão e leitura do mundo que
nos rodeia e que nos causa espanto e paixão por desvendá-lo, formulando
perguntas e convivendo com a dúvida. (OSTETTO, 2000, p. 190).
Assim, entender o planejamento como um plano antes da ação e o pedagógico como
algo que permeia todas as ações que fazemos para e com as crianças – as brincadeiras,
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o banho, a alimentação, o sono, as descobertas – significa levar em conta todos esses
momentos na elaboração do planejamento. Pensar em como cada um desses momentos
do cotidiano pode ser tanto significativo para a criança como também significado por ela.
Mas o que é significativo para a criança? Como perceber quais situações e propostas
são realmente interessantes e relevantes para a criança? Estas são reflexões que
estaremos fazendo e descobrindo juntos nestes dois textos da Unidade 2 do Módulo IV.
Agora, com a próxima atividade, vamos refletir um pouco sobre a elaboração do seu
planejamento:
Atividade 1
a) Na sua prática cotidiana com as crianças, você faz um planejamento?
Gostaríamos que você refletisse sobre esse processo a partir das perguntas
abaixo:
1. Como é feito o planejamento? Em grupo? Individualmente?
2. O planejamento é feito por você, para sua turma?
3. Há um projeto institucional que norteia o planejamento? Ele tem definições
prévias ou cada professor(a) é livre para fazer o seu planejamento?
4. Há uma listagem de objetivos a serem alcançados?
5. O planejamento se estrutura a partir de datas comemorativas? De uma
listagem de atividades? De centros de interesse? De áreas do conhecimento
(matemática, linguagem, música)? Outro tipo de planejamento?
Você pode anotar as respostas no seu caderno e conversar com o seu grupo de
encontro quinzenal do PROINFANTIL sobre como cada professor(a) faz o seu
planejamento.
b) Depois de pensar em como está estruturado o seu planejamento, anote no
seu caderno o que você considera como problema ou dificuldade para a
realização do seu planejamento.
Muitas vezes, no entanto, apesar de termos planejado, lidamos com situações
imprevistas. Principalmente no trabalho com a criança pequena, estamos diante da
infância que é um outro: aquilo que, sempre além de qualquer tentativa de
captura, inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas
práticas (LARROSA, 2003). Por isso, o imprevisto é previsto e, não mais que de
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repente, podemos estar abertos para uma abelha que entra pela janela, a chuva
que cai, o sol que se esconde atrás das nuvens, o sentimento por uma avó que se foi,
o brinquedo que quebrou.
Diante do imprevisto, desse algo que não antecipamos em nossa mente, o que decidir?
Manter o plano original ou modificá-lo? Se modificarmos, como retomá-lo depois?
A organização depende de uma reavaliação constante. Planejar, na verdade, é re-
planejar sempre, principalmente se levamos em conta as dificuldades, os imprevistos
e as surpresas do caminho! Muitas vezes, também, ao surgir um imprevisto, ou um
acaso, podemos simplesmente parar e aprender com ele:
Uma esperança
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica que tantas vezes verifica-
se ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta
e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
– Uma esperança! E na parede bem em cima de sua cadeira! Emoção dele
também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes
surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em
mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno
rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não podia ser.
– Ela quase não tem corpo, queixei-me.
– Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós,
descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.
(CLARICE LISPECTOR, 1998, p. 92)
18
Muitas vezes o planejamento pode
contribuir para contornar imprevistos
do cotidiano. Imagine que, ao pedir às
crianças para desenharem o que mais
gostaram de uma história contada, elas
se atropelassem na mesa. Não cabe
todo mundo! Esta situação pode ser
um desafio que leva-nos a planejar
uma estratégia diferente: oferecer
também outros recursos para que cada criança expresse o que mais gostou da história.
No planejamento passamos a prever um canto com massa e alguns papelões duros
para que as crianças possam modelar personagens e objetos fora da mesa.
Atividade 2
Você se lembra de algum imprevisto que tenha ocorrido com você ou no
trabalho com as crianças? O que aconteceu? Que caminhos o imprevisto
possibilitou ou impediu?
Além de lidar com os imprevistos, o planejamento também pode ser um instrumento
para repensarmos situações mais complicadas, como um grupo grande de crianças,
num local que não foi construído para atender meninos e meninas de 0 a 6 anos.
Diante de uma situação semelhante, vejamos as alternativas pensadas por Maria e
Joana, professoras de crianças de 4 anos.
Cena 1
Joana é professora de um grupo de 25 crianças de 4 anos. Quando chegam na
escola, as crianças sentam no corredor e ficam esperando todos os outros amigos
chegarem para que possam entrar na sala juntos, de forma organizada. Na
sala, ao iniciar a rotina, fazem uma roda, onde cada criança fala por sua vez,
sempre na mesma ordem. Em seguida, a professora faz a chamada, pedindo
que cada criança coloque o seu nome no quadro de pregas. Depois, convida
uma criança para preencher a “janelinha do tempo”, perguntando se chove ou
faz sol lá fora. Como é o dia da árvore, em seguida a professora entrega um
desenho mimeografado com uma árvore. Como não há mesas e cadeiras para
todos, três crianças dividem a sua cadeira com um amigo. Enquanto as crianças
pintam, a professora está na sua mesa, preenchendo uns papéis.
Priscilla Silva Nogueira
19
Chega a hora do lanche. As crianças fazem uma fila e vão para o refeitório. O
cardápio é banana. A professora descasca as bananas e coloca uma em cada
prato. Depois do lanche, as crianças saem em correria para o pátio. Joana tenta
controlar as crianças, mas num minuto já estão todas lá fora. Enquanto brincam
no pátio, a professora fica vigiando para que não se machuquem.
Depois, voltam para a sala e Joana conta uma história, cada um pega a sua
mochila e vai para casa.
Cena 2
Maria trabalha na mesma escola de Joana e também com um grupo de 25
crianças de 4 anos.
Quando chegam, as crianças penduram a mochila e podem entrar na sala. Maria
organiza a cada semana diferentes materiais em cima das mesas (arrumadas
em pequenos grupos) para que as crianças possam explorar nesse momento.
Num conjunto de mesas há gibis. Noutro, tampinhas plásticas e caixas de papelão;
ainda noutro, massa de modelar. Maria organizou a sala fazendo um canto com
bonecas, panelinhas e móveis feitos com papelão. Também no corredor (para
aproveitar o espaço que é pequeno na sala) ela colocou uma prateleira com
alguns jogos que podem ser usados nesses momentos. As crianças se distribuem
livremente nessas atividades até que todas cheguem. Então, ela faz uma roda,
onde a cada dia alguns amigos contam coisas que fizeram em casa, planos para
o futuro. Maria está sempre atenta para que todos participem, mas não é
obrigatório falar todos os
dias. Em seguida, ainda na
roda, ela lembra às crian-
ças o que tinham combi-
nado para terminar na-
quele dia: a confecção de
alguns ônibus com sucata.
No dia anterior, cada um
juntou com cola e fita ade-
siva diferentes tipos de
caixa e objetos para fazer
seu ônibus. Faltava pintar.
Mas não havia lugar para
20
todo mundo, pois só tinham três potes de tinta. Então combinaram que cada
três crianças iriam pintar, enquanto as outras jogariam ou desenhariam (elas
pegaram os jogos da memória e os quebra-cabeças na prateleira do corredor).
Na hora do lanche, foram juntas para o refeitório (a regra é ninguém se separar,
mas não precisa fazer fila). Maria sugere que descasquem suas bananas e se
sirvam sozinhos. Em seguida, vão para o pátio. Maria leva o giz para fazer
amarelinha no chão. Ela também se diverte brincando. Enfim, voltam para a
sala, uma história é contada por uma das crianças, eles fazem combinações
para o dia seguinte e tchau!
Podemos perceber distinções nos trabalhos das duas professoras. Na Cena 2, o
planejamento serve para garantir a qualidade de vida e o calor do encontro entre as
crianças e delas com os adultos, mesmo numa sala apertada. Esta segunda cena
mostra a possibilidade que as crianças têm de escolherem atividades, fazerem o
ônibus do jeito delas, tendo suas ações, idéias e expressões valorizadas. Isso faz com
que as experiências sejam significativas, alegres e ricas. A professora Maria usa o
planejamento para diversificar as propostas e contornar os obstáculos, como a
pequena quantidade de tintas ou a falta de espaço.
Talvez a professora da Cena 1 sinta-se sem motivação diante das dificuldades,
achando que é preciso ter todas as crianças fazendo as mesmas coisas ao mesmo
tempo como estratégia para controlar um grupo grande num espaço pequeno. Dessa
forma, o cotidiano pode ganhar um tom enfadonho, repetitivo, arrastando-se de
forma sempre igual, sem favorecer o contato da professora com as expressões das
crianças e com as diferenças que compõem o grupo. O planejamento poderia ajudá-
la a organizar atividades significativas, que pudessem favorecer a autonomia das
crianças, valorizando a identidade delas, desviando-se de atropelos e confusões.
Atividade 3
a) Professor(a), que desafios o seu trabalho traz no sentido de acolher a
diversidade das crianças ou dificuldades como as enfrentadas por Maria e
Joana?
b) Que alternativas você poderia pensar para enfrentar esses desafios?
Anote suas idéias no caderno. Pode ser muito interessante compartilhar essas
soluções com os seus(suas) colegas de instituição ou mesmo do PROINFANTIL.
21
Podemos concluir que planejar é importante porque nos ajuda a dar vida ao dia-a-dia.
Ajuda a escutar as crianças e considerar suas diferenças.
Se Joana ou Maria (professoras das Cenas 1 e 2) tivessem as crianças em horário
integral na creche ou na pré-escola, novos desafios seriam colocados e outras funções
poderiam ser atribuídas ao planejamento: como organizar o almoço, possibilitando
às crianças servirem-se sozinhas, com o apoio de adultos, mas sem que eles façam
tudo por elas? Como encaminhar o repouso após o almoço, garantindo que todas as
crianças possam ter um espaço aconchegante para descansar? Ao mesmo tempo,
como podemos respeitar os maiores, que não têm mais necessidade de dormir depois
da refeição, abrindo possibilidades para que brinquem ou folheiem revistas, enquanto
os outros dormem? Como vimos na Unidade 8 do Módulo III, ao estudar as questões
relacionadas à rotina, é fundamental levar em conta o ritmo de cada criança, suas
necessidades e diferenças. Assim, são muitos os desafios que o planejamento
institucional e pessoal podem nos ajudar a enfrentar. Sobre o horário após o almoço,
a equipe poderia fazer um revezamento para acompanhar as crianças que não
dormem. Planejamento é também uma forma de organização coletiva.
No dia-a-dia da Educação Infantil, o planejamento pode ser vivido basicamente de
duas formas: ou ele é rígido, isto é, tudo (ou quase tudo) o que é previsto é vivido
exatamente como foi pensado; ou ele é flexível, aberto à contribuição das crianças,
aos acontecimentos imprevistos e significativos para o grupo.
É importante considerarmos que cada uma dessas visões tem concepções diferentes
de criança e de conhecimento. Ou seja, a forma como planejamos relaciona-se com
o que pensamos sobre o papel da criança no cotidiano e como entendemos o
conhecimento no dia-a-dia. Aqui entram em cena as concepções mais amplas de
criança e de conhecimento que você estudou no Módulo II.
Geralmente, num planejamento rígido, as práticas são formuladas somente a partir
das definições dos adultos. Eles estabelecem temas, atividades e rotinas sem a
participação das crianças.
Essas práticas correm o risco de assumir um tom de imposição, com ênfase na trans-
missão de informações e ordens dos adultos, professores(as) e educadores(as), para
as crianças. Os adultos definem o que as crianças devem fazer. Nesse tipo de situação,
está em jogo uma idéia de criança incompleta, cujo crescimento depende das ações
dos adultos sobre ela. O conhecimento é entendido como algo que está pronto no
mundo e a criança deve apenas assimilar ou repetir, desconsiderando sua capacidade
de ser produtora de cultura e de conhecimento. Conseqüentemente, não há espaço
para a imaginação e a fantasia, restringindo a possibilidade de invenção, de criação,
característica fundamental da criança.
22
Entender a criança como protagonista implica, então, entender o lugar do adulto no
planejamento. Por um lado, ter a criança no centro da cena não quer dizer que o adulto
deva abdicar do seu lugar de adulto, da sua autoridade. Ou seja, a experiência de vida do
adulto lhe concede uma autoridade que é fundamental para que a criança se sinta segura
para ser criança. Por outro lado, quando, ao invés de sustentada pela autoridade, a relação
entre adultos e crianças está pautada no autoritarismo, esse espaço de ser criança fica
limitado. O planejamento deve ser um espaço em que o adulto exerça a sua autoridade,
ou seja, que possa trazer sua experiência de vida. Exercer autoridade sem ser autoritário
significa abrir espaço para as idéias das crianças no planejamento.
Numa visão de planejamento aberto à participação das crianças, o cotidiano se de-
fine de modo vivo, construído pelos adultos no diálogo com as crianças. Neste cenário,
considera-se a criança um sujeito social, com idéias e movimentos que contribuem
na organização da vida coletiva, participante de relacionamentos de troca com adultos
e outras crianças. As invenções da criança são valorizadas, abrindo espaço para a
diferenciação, ao invés de somente repetição do que o adulto espera dela. O
conhecimento é entendido como recriação da criança em contato ativo e participativo
com a realidade na qual ela está mergulhada. Como na música Aquarela, de Toquinho
e Vinicius de Moraes, é fundamental que a Educação Infantil seja um espaço para a
imaginação e a fantasia da criança:
Aquarela
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão
E me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando,
Contornando a imensa curva norte-sul
Vou com ela viajando
Havaí, Pequim ou Istambul
23
Num planejamento
rígido está implicada
uma visão de criança
incompleta, passiva; um
ser em falta e em
constante preparação
para o futuro.
O conhecimento já está
pronto. O planejamen-
to organiza situações
de repetição e absor-
ção de conteúdos.
Num planejamento
flexível, a criança é
considerada um sujeito
social, crítico e criativo.
O conhecimento é
construído nas relações,
espaço privilegiado de
imaginação e criação.
Pinto um barco à vela,
Branco, navegando,
É tanto céu e mar num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo
Um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo,
Sereno, lindo,
E, se a gente quiser,
Ele vai pousar.
Toquinho/Vinicius de Moraes
Vamos organizar as idéias relacionadas aos dois modos de planejar o trabalho com a
criança de 0 a 6 anos:
Planejamento
Rígido/Fechado Flexível/Aberto
Visão de criança
Visão de conhecimento
24
Atividade 4
Olhando para a sua própria prática, como você identifica o seu planejamento?
Ele é mais rígido, fechado às intervenções das crianças? Ou é um planejamento
flexível, aberto para o que você observa ser significativo para as crianças?
Seção 2 – O planejamento no dia-a-dia: organização institucional e
intencionalidade educativa
O objetivo desta seção é:
Considerar a importância do planejamento
para organizar momentos da rotina e o
cotidiano das crianças que freqüentam o
horário integral.
Na seção anterior, esclarecemos que, ao elaborarmos o planejamento, precisamos
acolher os imprevistos e a participação das crianças. Mas há também outros
importantes fatores a considerar.
Primeiramente, o planejamento é uma construção do(a) professor(a) consigo mesmo
(suas idéias e anotações) e com seu grupo de crianças. É também fruto de uma
discussão e elaboração mais ampla, envolvendo toda a instituição. Quando planejamos
o trabalho cotidiano, levamos em conta também o planejamento coletivo, os
combinados com outros membros de nossa equipe, os projetos comuns.
Vamos pensar num exemplo que mostra a importância de conectarmos o
planejamento de nosso trabalho com o planejamento da instituição. Antes do primeiro
dia de atividades, no início do ano, costumam surgir várias necessidades e questões.
Muitas vezes, a equipe decide que teremos duas semanas de acolhimento e recepção
das famílias (mesmo que não sejam crianças novas na instituição). Ao mesmo tempo,
precisamos saber o nome das crianças, onde moram e outras informações importantes.
As crianças também precisam se conhecer entre si e conhecer os adultos que
trabalham com elas, o espaço em que passarão boa parte do seu dia, onde enfrentarão
o desafio de ficar longe da família por mais tempo.
Se não organizamos um plano no qual essas e outras necessidades estejam presentes,
podemos nos atrapalhar. Aí entra o planejamento. Com ele, podemos prever os
momentos de troca com o restante da instituição (lanches que combinaremos com
outros grupos, café da manhã com as mães) e as atividades que viveremos no
nosso grupo, por exemplo, uma brincadeira em que cada um apresente seu
nome. Podemos fazer um crachá com o nome escrito da criança e um auto-
25
retrato dela, ou seja, ela mesma pode se desenhar. Depois, cada uma desenha sua
casa com as pessoas com quem mora. Enfim, planejamos atividades que possam dar
conta das necessidades desse momento.
Muitas vezes os(as) professores(as) planejam uma festa coletiva, como por exemplo
no dia das crianças. Neste caso, é fundamental uma organização coletiva que garanta
a participação singular de cada grupo.
É preciso atenção ao seguinte: trabalhar com um planejamento flexível não
significa que não é preciso registrar as experiências ou que não é importante
que algumas situações se repitam a cada dia! Também, o diálogo com as expressões
culturais de nossa sociedade e com as diferentes áreas do conhecimento precisa ser
assegurado no planejamento!
Um planejamento rígido, fechado para as intervenções das crianças, geralmente é
produzido em forma de lista de atividades que se repetem todos os dias da mesma
maneira. O papel do(a) professor(a), nesse caso, é controlar as crianças para que
realizem todos os eventos previstos. Como já vimos, neste caso, as crianças são
consideradas seres passivos, determinadas pelas ações dos adultos somente.
O que podemos concluir, então, é que um planejamento flexível, aberto aos impre-
vistos, às sugestões das crianças e ao que está ao nosso redor mostra-se mais adequa-
do ao trabalho na Educação Infantil.
Como registrar esse plano de ação? Ou seja, como podemos registrar o planejamento?
Essa organização pode ser pessoal ou ser um modelo da instituição. A seguir, sugerimos
duas formas de registro:
26
- Registrar as atividades a serem realizadas e a rotina em forma de lista,
especialmente prevendo o que precisa acontecer da mesma forma todos os dias.
- Fazer o registro em forma de texto, dando visibilidade às interações das
crianças, às suas idéias, aos significados que se constituem nos contatos
diários (das crianças entre si, delas com os objetos, dos adultos com as
crianças).
Se trabalharmos somente com a lista de atividades, deixamos de lado a consideração
dos acontecimentos cotidianos, impedindo que apareçam as expressões de vida do
grupo. Se trabalharmos só com registros em forma de texto, revelando apenas detalhes
de alguns momentos do dia, corremos o risco de não organizarmos o que se repete
diariamente. O que se repete é fundamental na construção de segurança e
estabilidade na relação da criança com o espaço institucional. Nosso desafio é integrar
as duas formas: a seqüência que, em geral, se repete e aquilo que é singular e
diferente em cada dia. Esse desafio é registrado por Renata:
Rotina bem planejada
Apesar do corre-corre do meu dia-a-dia, consigo planejar a minha rotina de
trabalho de uma forma equilibrada. Fico satisfeita.
Primeiro planejo a semana com relação ao “geral” e, diariamente, vou revendo
o planejado e fazendo as alterações necessárias.
Um ingrediente fundamental para deixar a minha rotina estimulante é lançar
desafios. Poucos por vez, mas pelo menos um por semana. Qual a meta a ser
atingida? Isto me faz pensar, rever, vibrar. Sinto-me alimentada, mesmo que a
solução não venha, não seja definitiva.
Procuro conhecer as pessoas que me rodeiam e saber como agir com cada
uma. Somos todos diferentes, nem sempre o que deu certo com uma
dará com a outra.
Estar consciente desse processo da minha rotina é o que me tem
feito vivê-la com certa tranqüilidade.
Ainda preciso registrar este meu planejamento mais sistemati-
camente e mais organizado. Aí vai o desafio desta semana.
(RENATA AMERICANO, 1998)
27
Vejamos o seguinte exemplo do planejamento estável de um grupo de crianças de 3
e 4 anos de período integral:
A rotina
Das 7:00h às 7:30h – entrada e organização da sala (escolher brinquedos, arrumar
os cantos).
Das 7:30h às 8:30h – as crianças chegam (brincam e conversam –
estar atenta ao que falam, do que brincam).
Às 8:30h – lanche (que comentários as crianças fazem nessa hora?).
Das 9:00h às 10:20h – roda de conversas e atividade combinada
coletivamente (em geral, dentro de algum projeto vivido).
Das 10:20h às 11:20h – se for necessário, enquanto uma professora
acompanha algumas crianças para o banho (de três em três), a outra
conta história, brinca de roda, ouve música com os que já tomaram ou ainda
tomarão banho.
Às 11:20h – almoço (anotações e registros no planejamento).
Às 12:20h – repouso (mudança de turno de professoras – anotações e registros
no planejamento).
Às 13:00h – algumas crianças acordam (se estiver sol, vão para a área externa
brincar, se não, ficam na sala – organizar o espaço de leitura e fantoches para
esse momento).
Das 13:30h às 15:00h – conversa em roda sobre o que fizeram de manhã e
atividade combinada coletivamente (podem brincar lá fora, dramatizar, fazer
modelagem, ouvir histórias).
Às 15:00h – lanche.
Às 15:30h – banhos (a mesma dinâmica do momento do banho pela manhã
acontece agora).
Às 17:00h – saída.
28
Agora vamos observar o seguinte trecho dos registros da mesma professora. Ela
registrou acontecimentos do período entre 9:00h e 10:20h:
Papelões e cavernas: um novo rumo
Dia 12/03 – Hoje, trouxe para a roda papelões, bem grandes, como tinha
combinado com as crianças ontem. A minha idéia era pintarmos o papelão de
azul para fazermos juntos um céu. Quando o abri no meio da roda, Joana (uma
das meninas do grupo) pegou nele, jogou para o alto e disse: “Parece o teto de
uma caverna. Vamos fazer uma caverna, lá tem morcegos...” Fiquei paralisada.
E agora? Abandono a idéia das tintas e da pintura? Respondi: “Podemos cortar
um pedaço para fazermos o céu e outro para a caverna...” Pareceu que todos
adoraram a idéia. Meu planejamento agora é o seguinte: dividir o grupão em
dois ou mais subgrupos, trazer alguns livros que mostrem cavernas e os animais
que ali vivem (morcegos, aranhas, etc.), pesquisar sobre a vida desses bichos.
Depois, alguns vão fazer a caverna e outros o céu (amanhã trarei outro papelão
grande). Eu tinha pensado em fazer isso num tom de azul que já escolhi, mas
também vou compartilhar essa escolha com o grupo; só agora pensei nisso.
Na programação dos horários (no primeiro quadro), podemos ver a preocupação em
estabelecer uma organização: variedade de espaços para circulação das crianças (dentro
e fora das salas), tempo para necessidades das crianças e também da professora
(registro, lanche), atividades com a participação mais direta da professora e outras em
que ela mais observa do que intervém, dentre outras situações que mostram uma
tentativa de equilibrar fechamentos e aberturas, além de situações múltiplas.
Os registros em forma de texto são interessantes porque envolvem o relato do que
aconteceu (o passado), as reflexões da professora sobre a experiência e as possi-
bilidades que se abrem (o futuro). O planejamento do que pode ocorrer no futuro
acontece a partir do que foi vivido. Podemos concluir que é importante considerar a
continuidade entre as experiências. Ou seja, a fala das crianças e o interesse maior
por uma história ou brincadeira gera pesquisas, desenhos e outras atividades ligadas
a esse interesse.
É possível ver como a professora lida com o imprevisto, integrando no trabalho a
opinião e as observações vindas das crianças. Ao mesmo tempo, é possível ver a
intenção da professora no sentido de potencializar as atividades das crianças,
quando planeja pesquisar e ampliar o conhecimento delas sobre os objetos
que lhes interessam (neste caso, as cavernas e os morcegos).
29
A intencionalidade educativa do planejamento diz respeito também a como
relacionamos as expressões das crianças com os conhecimentos sistematizados.
Se elas mostraram interesse por insetos, podemos pesquisá-los. É ocasião para a
entrada dos livros científicos e informações especializadas. Podemos registrar o que
queremos saber: o que comem esses bichos? Têm veneno? Quais são suas cores? As
crianças apresentam sempre muitas perguntas. Essa experiência foi vivida por Amélia,
professora de um grupo de crianças de 3 e 4 anos:
A abelha faz remédio ruim
O grupo estava atento à historia contada por Amélia. De repente, um pequeno
inseto apareceu, voando meio incerto entre o grupo. “É uma abelha!” As crianças
ficaram agitadas e a história foi interrompida. Amélia, sob gritinhos e sustos das
crianças, ajudou a abelha a sair pela janela.“Ela vai voltar; ela pica; ela dói; ela
faz remédio ruim”. Os comentários levaram a uma roda de conversa sobre as
abelhas antes de retomarem a história. Ficou combinado que o grupo ia procurar
coisas sobre as abelhas para o dia seguinte. O resultado foi que, a partir da
imprevista entrada da abelha, o grupo viveu várias experiências: conversaram
com um apicultor, avô de uma das crianças; provaram mel; fizeram bolo de mel;
provaram própolis, “o remédio ruim que a abelha faz”; descobriram os diferentes
cheiros de produtos que a abelha produz: cera, mel e própolis.
30
Atividade 5
Em sua prática, você já viveu uma experiência semelhante a esta, em que o seu
planejamento tenha sido alterado a partir de um interesse das crianças? Regis-
trar esses acontecimentos é um exercício fundamental para o processo de
reflexão e enriquecimento da sua prática docente com as crianças. Você pode
aproveitar os registros – do estudo e da sua prática – para o Memorial e levar
para as atividades do PROINFANTIL, em especial para o encontro quinzenal.
No planejamento, também podemos organizar os diferentes desafios que gostaríamos
de propor ao grupo: numa semana podemos levar músicas clássicas e convidá-lo a
um relaxamento, noutra fazer uma cadeira de contadores de história (quem sentar,
tem que inventar um conto), noutra semana, levar um planisfério e procurar onde
está nosso país.
O planejamento de atividades e de desdobramentos entre elas pode nascer
tanto do reconhecimento dos movimentos das crianças (suas falas, brincadeiras)
quanto de situações que nós, professores(as), queremos explorar, no sentido de
ampliar o repertório do grupo (músicas, literatura, brincadeiras, folclore).
Por exemplo, uma brincadeira de heróis no quin-
tal pode sugerir a presença de panos e papelões
no dia seguinte para a produção de capas e es-
cudos e a pesquisa de heróis brasileiros e regio-
nais; ou o interesse grande por uma história de
bruxa pode conduzir a uma pesquisa de dife-
rentes bruxas ou a produção de painéis. A pre-
sença de instrumentos para massagens (bolinhas
de madeira e de borracha, escovas de diferentes
texturas, entre outros) pode suscitar sessões de
massagens entre as crianças ou a utilização do
mesmo material para construir uma cidade.
O que ocorre no pátio pode afetar o que plane-
jaremos em nossos projetos.
Uma prática que considera o diálogo com as
crianças, que está atenta às manifestações das
delas (GUIMARÃES, 2003), confirma a impor-
tância da linguagem e a valorização das
Eugênio Sávio
31
crianças, pois assim elas podem se sentir autoras dos projetos cotidianos, juntamente
com o(a) professor(a) e todos os envolvidos nas atividades. Paralelamente, o lugar
ativo do(a) professor(a) também é preservado, quando ele(a) promove integração
com os projetos institucionais e com as diferentes áreas do conhecimento,
desenvolvendo propostas em sintonia com os movimentos das crianças.
Se, por um lado, destacamos a importância de levar em conta as manifestações das
crianças e os imprevistos do cotidiano (o que chamamos de situações abertas) por
outro lado, no processo de planejamento, há situações fechadas. Ou seja, podemos
dizer que há fechamentos necessários no dia-a-dia quando levamos em conta o fato
de que algumas situações precisam se repetir. O importante é que os fechamentos
possam ser sempre revistos no contato com os participantes das cenas cotidianas:
crianças, famílias e educadores(as).
Como vimos na Unidade 8 do Módulo III:
- a rotina tem grande importância na Educação Infantil, pois ela auxilia a
criança a construir o conceito de tempo, que inicialmente é concebido como
algo fragmentado e não como um todo. É por meio da regularidade da
rotina que a criança localiza-se no tempo, no espaço e nas atividades da
instituição. É este mesmo aspecto que permite que a rotina se abra para o
novo, para o diferente, sem se tornar monótona, repetitiva. Cabe a nós,
professores(as), planejarmos as atividades de modo a prover um dia
prazeroso e significativo.
Seria interessante reler os textos de FE e OTP da Unidade 8 do Módulo III e recordar
um pouco mais o que foi abordado sobre a rotina nesses textos.
Atividade 6
No Módulo III, nas Atividades 1 e 2 do texto de OTP da Unidade 8, você teve a
oportunidade de registrar e comentar a sua rotina no trabalho cotidiano com
as crianças. Volte a essas anotações e, diante dessa rotina, assinale as situações
que você considera abertas ou fechadas. O que tem mais no seu dia-a-dia:
situações abertas ou fechadas?
Há situações que se repetem mais ou menos no mesmo horário todos os dias: a hora
do lanche no meio da manhã ou da tarde, a hora da roda de conversa no início do
dia, a arrumação do material da sala antes de ir embora, a escovação os dentes
depois das refeições, o momento mais livre (sem participação direta do(a) professor(a)
depois do lanche.
32
De fato, é importante no contexto da organização coletiva que tenhamos uma rotina
definida. Afinal, geralmente há outros grupos para lanchar e para brincar no pátio,
por exemplo. Além disso, como estudamos na Unidade 8 do Módulo III, esses
momentos contribuem na organização interna das crianças. É fundamental,
especialmente para as menores, a possibilidade de anteciparem o que vai ocorrer
através da rotina. Freqüentemente dizemos às crianças e elas repetem: “vamos lanchar
agora e então brincar um pouco e depois a mamãe vai chegar”; ou quando já
dominam a organização do dia, elas propõem: “depois da roda e antes do lanche,
podemos brincar com a massinha?”. À medida em que podem prever o que vai
acontecer, as crianças adquirem segurança no espaço e nos relacionamentos nele
envolvidos.
Nosso desafio, no que diz respeito ao planejamento, é o seguinte: como fazer da
rotina necessária algo criativo e prazeroso? Isto é, como preservar o que se repete
no dia-a-dia (pois isso é importante para o funcionamento coletivo da instituição e
para a organização interna das crianças) e, ao mesmo tempo, garantir que essas
situações sejam significativas, prazerosas, tendo um “gosto bom”, não sendo somente
o cumprimento de uma obrigação?
Outro exemplo: se não pensamos antes em como organizar os banhos (no caso de eles
serem previstos em nossa rotina), corremos o risco de transformar esse momento em uma
situação mecânica e desprazerosa ou numa bagunça geradora de brigas e atropelos.
O que as outras crianças podem fazer enquanto duas ou três tomam banho? Como o
grupo pode brincar? Folheando livros, desenhando com certa autonomia, enquanto
nos ocupamos do banho, momento tão importante para a acolhida e valorização de
cada um? Como podemos também contribuir na construção de autonomia e cuidado
de si com os que tomam banho, abrindo espaço para tirarem e botarem suas roupas, se
ensaboarem, passarem xampu sozinhos, mas também olhando as crianças, conversando
com elas, mostrando nossa atenção?
Priscilla Silva Nogueira
33
Atividade 7
Professor(a), o que seria necessário constar no planejamento de uma situação
de lanche, por exemplo, a fim de garantir a valorização da autonomia da criança,
fazendo dessa situação da rotina algo prazeroso e significativo?
Levando em consideração a possibilidade de fazer das situações fechadas espaços
criativos e prazerosos, você destacaria alguma situação da sua rotina com as
crianças que precisa ser repensada? Que situação é essa? Que alternativas podem
ajudar para que esse momento seja significativo para as crianças com as quais
você trabalha?
Refletindo sobre a importância desses momentos e a possibilidade que eles
representam de lidarmos com a afetividade, o cuidado pessoal e a intimidade de
cada criança, temos a chance de transformá-los em momentos prazerosos e não em
momentos de espera, passividade e quase abandono das crianças que aguardam
sua vez. Portanto, é fundamental planejá-los. É importante percebermos a relação
que as diferentes situações do cotidiano têm entre si. As situações vividas adquirem
significado quando falamos sobre elas e descobrimos as relações existentes, mesmo
nos detalhes mais simples. Pois os detalhes são como passos que fazem o caminho, e
sem o vestígio dos passos não há como ver o caminho:
Caminho
Era um caminho que de tão velho, minha filha,
já nem mais sabia aonde ia...
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!
Mario Quintana
(www.marioquintana.blogspot.com)
34
Esta seção tratou da importância da intencionalidade educativa. Compartilhamos da
visão do poeta Mario Quintana. Sem enxergar os passos não há como ver o caminho.
Ou seja, quando planejamos, as intencionalidades de cada proposta, de cada atividade,
são como os passos que fazem o caminho que compartilhamos com as crianças no
cotidiano da Educação Infantil.
Seção 3 – Tipos de planejamento e formas de planejar
O objetivo desta seção é:
Conhecer diferentes tipos de planejamento
e maneiras de organizar previamente as
ações, tendo em vista a intencionalidade
educativa e a continuidade do trabalho pedagógico.
Nas seções anteriores falamos que o planejamento é um recurso para lidarmos com
os desafios do nosso cotidiano: como organizar o trabalho se temos poucas mesas ou
mesas demais para um espaço que não é grande? Como contar histórias se temos
poucos livros? Como escutar todos se temos muitas crianças? Como valorizar os
momentos imprevistos e que despertam interesse nas crianças? Como trazer a cultura,
os saberes legitimados, para o planejamento? Como fazer da rotina algo significativo
e prazeroso?
Abrindo espaço
Numa sala pequena, Alice precisava de espaço para atividades mais
movimentadas, principalmente em dias de chuva. Para as 20 crianças com as
quais trabalha, cinco mesas estavam disponíveis na sala, porém ocupando um
espaço precioso. Após discutir com outras professoras e com a coordenação,
Alice optou por ter na sala apenas três mesas. Isso a desafiou a pensar em
atividades diversificadas no seu planejamento. Quando um grupo está nas me-
sas, desenhando, por exemplo, outro grupo está brincando com fantoches, jogos,
ou outros materiais. O novo espaço abriu novas possibilidades de movimento
para o grupo, tão importante para as crianças de 3 anos.
Além de pensar em alternativas como as de Alice, é importante que o planejamento
envolva a participação das crianças, como temos afirmado. No planejamento devem
estar claras nossas intenções e devemos ter atenção para as idéias e emoções das
crianças. Ao mesmo tempo, o planejamento deve garantir a relação com áreas do
conhecimento e a cultura.
35
Outro ponto importante é o quanto o planejamento pode nos ajudar a garantir a
diversidade de experiências no dia-a-dia. Se não registramos e organizamos o que
vamos fazer, corremos o risco de propor sempre jogos ao grupo e menos histórias;. ou
o contrário, contamos sempre as mesmas histórias. Ou, ainda, oferecemos sempre
materiais parecidos.
Enfim, planejar é garantir alternância, variabilidade, consideração das diversas
dimensões e necessidades das crianças (ficar em grupo, ficar só, dormir, conversar,
ler, brincar, desenhar).
Atividade 8
Vamos recordar um pouco do que estudamos até aqui.
Levando em consideração o que discutimos anteriormente, como você
relacionaria os seguintes termos:
a) planejamento rígido e planejamento flexível;
b) situações fechadas e situações abertas.
Você pode registrar suas definições no caderno.
Na Seção 2, falamos sobre duas formas de registrar o planejamento, você se lembra?
Registrar a rotina em forma de lista e também fazer o registro em forma de texto,
dando visibilidade às manifestações das crianças.No entanto, sabemos que o
planejamento é orientado também pela concepção que se tem do trabalho com a criança
de 0 a 6 anos. Assim, no processo de construção das práticas na Educação Infantil,
diversas formas de lidar com o planejamento das atividades com as crianças foram
elaboradas. A seguir, vamos listar algumas dessas formas. Em cada forma podemos
observar como é entendido o papel educativo das instituições que atendem às crianças
pequenas, como são consideradas as crianças e o conhecimento. Em várias unidades
dos módulos anteriores pudemos estudar concepções mais amplas sobre essas questões.
Planejamento guiado pelo calendário letivo
Nestes casos, os temas a serem trabalhados com as crianças relacionam-se com as
datas festivas: Páscoa, dia das mães, dia das crianças, São João, Natal, entre outras.
Geralmente, o(a) professor(a) faz seu planejamento buscando mostrar a importância
dessas datas, fazendo objetos, desenhos, festas que as celebrem.
36
Com certeza, as datas festivas são importantes marcos de nossa vida social e
momentos de integração entre família e instituição. Mas quando o planejamento
focaliza essas datas de forma pré-concebida, o que acontece? Geralmente, os temas
do trabalho se encontram determinados, antes do encontro entre educador(a) e
crianças. Afinal, no mês de maio, trabalhamos com o tema “mãe”, em junho com a
festa junina, e assim por diante... Pouco espaço se abre para temas que possam
nascer da experiência do grupo. Por outro lado, essas datas são dominadas pela
mídia e pelo impulso ao consumo: comprar presentes, ter coisas novas, consumir
objetos sempre novos. É preciso muita atenção para não reproduzir com as crianças
e famílias essas práticas que valorizam mais o ter do que o ser.
Assim, mais do que pensar o que vamos comprar para nossa mãe no “dia dela”, seria
interessante pensar o que queremos dizer a ela, como podemos fazer algo para ela:
um café da manhã, um bilhete, um desenho.
Muitas vezes, as instituições consideram importante trabalhar exaustivamente as
datas festivas e com isso não consideram outros interesses e possibilidades de trabalho
com as crianças. Festejar o dia do pai, por exemplo, pode ser algo pensado de forma
diferente, junto com as crianças. O planejamento ajuda a garantir isso.
Um dia de brincadeira
Rosangela é professora de crianças de 4 anos, numa pré-escola. Pensando em um
dia dos pais diferente, perguntou às crianças o que gostariam de fazer: brincar! Foi
a resposta. Por que não?
Assim, em lugar de fa-
zerem desenhos, lem-
branças, ensaiarem músi-
cas e tudo mais, como
faziam todos os anos,
passaram a semana pla-
nejando “o dia de brin-
cadeiras”. Fizeram bola
de meia para jogar fute-
bol; prepararam papel,
linha, cola, varetas, para
fazer pipa; inventaram jogos de perguntas.
Enfim, no final da tarde do esperado dia de brincadeiras, Rosangela ouviu de um
pai: esse foi o melhor dia dos pais que eu já passei com o meu filho.
37
Ao mesmo tempo, é importante planejar ou prever como será a atividade, levando
em conta as situações de crianças que vivem numa família em que o pai é ausente,
crianças que moram com os avós ou que tenham um padrasto que ocupa esse lugar
de pai. Em casos como estes, as crianças poderiam escolher alguém especial para
levarem nesse dia de brincadeira. Se, por um lado, temos a oportunidade de fazer
atividades que tragam a família para a escola, por outro, é fundamental estarmos
sensíveis à situação de cada criança.
Planejamento por atividades
Neste caso, geralmente, as atividades são entendidas e realizadas com um fim em si
mesmas, ou seja, no cotidiano são previstos momentos para que a criança desenhe,
modele, recorte e cole, ouça histórias e brinque, por exemplo. Todas essas atividades
são fundamentais, com certeza. No entanto, podemos perguntar: como se considera a
continuidade entre elas? O desenho se relaciona com a história, ou o recorte e colagem
têm a função de produzir algo coletivo? Ou são atividades desconectadas entre si,
que acabam funcionando como se fossem um pacote, um produto, que a criança
tem de consumir, uma coisa que o(a) professor(a) decidiu que é assim e pronto.Então
as crianças têm de cumprir, mesmo que não as interesse naquele momento?
Planejamento por áreas do conhecimento
Nesta concepção, por exemplo, uma pesquisa sobre os bichos é vista como atividade
de ciências, enquanto a exploração de jogos de montar, atividade de matemática.
Com certeza, é importante que as diferentes áreas do conhecimento sejam focalizadas
no dia-a-dia com as crianças, mas será preciso uma atividade para cada área? Na
verdade, quando trabalhamos com atividades específicas para determinada área,
muitas vezes tornamos artificial e mecânico o contato com o conhecimento. Esse
contato pode ser significativo e intenso se pensamos que, numa pesquisa sobre
animais, diferentes domínios do conhecimento estão em jogo (relação com diferenças
e semelhanças: a matemática; relação com regra e com imaginação: a arte; entre
outras relações). Embora aparentemente esse tipo de organização pareça dar à
Educação Infantil um caráter pedagógico, a ênfase recai sobre os conteúdos e não
sobre a relação da criança com a produção do conhecimento.
O planejamento baseado em temas
Neste tipo de planejamento, o “tema” direciona as propostas. Podem ser identificados
como: tema integrador, tema gerador, centros de interesse, unidades de
experiência. A partir do tema (que pode ser o circo, a família, a preservação
ambiental etc.), haveria a seleção de uma seqüência de atividades relacionadas entre si
38
e de interesse da criança. É preciso cuidado para que a ênfase esteja nos
conhecimentos que podem ser produzidos pelas crianças, e não nas atividades.
Acontece também de a escola inteira trabalhar o mesmo tema, sem levar em conta
os reais interesses das crianças de cada grupo.
Atividade 9
Olhando para a prática de planejamento da sua creche, pré-escola ou escola, o
que você pode concluir sobre as questões abaixo?
a) Que modelo de planejamento acontece na sua instituição?
b) Qual o lugar da criança nesse planejamento?
Enfim, essas diferentes formas de organizarmos o planejamento das atividades na
Educação Infantil apresenta diferentes eixos importantes: o conhecimento, as
comemorações coletivas e as atividades plásticas e dramáticas. No entanto, quando
tomados como modelos únicos de planejar, fragmentam, parcializam e artificializam
o trabalho com as crianças. É preciso encontrar caminhos que considerem os aspectos
que já apontamos nessa e em outras unidades: a consideração da criança como
sujeito ativo e produtor de cultura, do conhecimento como algo a ser recriado com as
crianças, a importância das experiências significativas e prazerosas; a valorização da
diversidade, entre outros aspectos.
Atualmente, o trabalho com projetos tem surgido como uma interessante forma de
lidar com temas que nascem da experiência com as crianças, de diferentes áreas do
conhecimento e de diversas atividades, num movimento de produção de sentido
coletivo. O(a) professor(a) pode propor um tema ou este pode partir de um interesse
das crianças. O tema pode estar relacionado ao campo da ciência, da literatura, às
experiências sócio-afetivas do grupo ou a outros campos (exemplos: o fundo do mar,
nossos segredos, enigma, poesias, a história da vida das nossas mães). O tema pode
inspirar experiências com várias linguagens e várias dimensões do saber. Por exemplo,
num projeto do fundo do mar, podemos tanto pesquisar nos livros científicos quanto
conhecer e cantar músicas do mar, ou ainda fazer nosso próprio mar com sucata, dentre
outras possibilidades. No texto de OTP desta unidade vamos aprofundar o trabalho com
projetos, mas vale apontar que neste modo de trabalho buscam-se experiências
significativas, continuidade entre elas e abertura à participação ativa de todos.
39
Seção 4 – A articulação da Educação Infantil com o Ensino Fundamental
no planejamento institucional
O objetivo desta seção é:
Pensar o planejamento institucional como
possibilidade de prever e organizar ações
visando a articulação da Educação Infantil
com o Ensino Fundamental.
Depois de focalizarmos alguns aspectos fundamentais do ato de planejar o trabalho
diário com as crianças, tipos de planejamento diferentes, tanto das atividades como
das rotinas, vamos falar um pouco sobre a importância da continuidade entre a
Educação Infantil e o Ensino Fundamental no planejamento institucional..
No Brasil, há diferentes experiências de passagem da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental, mas, de modo geral, percebemos uma grande falta de articulação
entre os dois segmentos.
Na Educação Infantil há espaço e tempo privilegiados para o brincar e para a produção
plástica (desenhos, pinturas, modelagens). No Ensino Fundamental, geralmente,
privilegiam-se o conhecimento sistematizado (da ciência, matemática etc.), as
atividades de leitura e escrita, entre outros. É como se terminasse o tempo do brincar
e do prazer e se iniciasse o tempo do dever.
Proporcionar diálogos entre os dois segmentos é um desafio. É importante que as
crianças percebam coerência e continuidade entre as propostas nos dois contextos.
Por um lado, seria importante despertar os(as) professores(as) do Ensino Fundamen-
tal para a relevância do cuidado, da acolhida e da brincadeira, presentes no trabalho
com as crianças até 6 anos. Por outro lado, como deixar de fora da Educação Infantil
os conhecimentos sistematizados, considerando-os de forma significativa, ligados à
vida das crianças? Será que o lugar do conhecimento é somente depois?
Enfim, precisamos lembrar, como vimos, especialmente no texto de FE da Unidade I
do Módulo III, que na Educação Infantil as crianças não estão sendo preparadas
para serem os alunos do Ensino Fundamental amanhã. No presente, elas têm
direitos, produzem cultura, idéias e relacionamentos. Elas têm corpo, linguagem e
expressões próprias que precisam ser consideradas no dia-a-dia. Mas isso não
significa que podemos esquecer que elas vão para a escola, para a 1
a
série ou para
o primeiro ano do ciclo depois da Educação Infantil. É importante planejarmos essa
passagem, de modo que as crianças possam se sentir acolhidas também na escola
que as receberá.
40
Quando chegar o momento de ingressarem no Ensino Fundamental, é importante
que as crianças continuem interessadas, mobilizadas e curiosas em relação ao mundo.
O ambiente da Educação Infantil e tudo o que as crianças vivenciam nele pode ajudá-
las a seguir assim nas primeiras séries do Ensino Fundamental.
Algumas situações são importantes a fim de preparar a criança para prosseguir na
descoberta do mundo e do conhecimento. Uma delas é a pesquisa. Quando
estimulamos as crianças a buscar nos livros ou com as pessoas conhecidas informações
sobre o que querem saber, contribuímos para aguçar sua curiosidade, sua sede de
conhecimento.
Outro investimento precioso é o contato com diversos tipos de textos, especialmente
com a literatura. No Ensino Fundamental, as exigências com relação à leitura e à
escrita serão sistematizadas e mais fortes. Portanto, é fundamental que nosso
planejamento na Educação Infantil favoreça o mergulho das crianças em textos ricos,
provocadores, com imagens diversas. Estaremos aumentando o repertório delas e,
assim, oferecendo recursos para que elas produzam seus próprios textos. Na
Educação Infantil, quando pedimos que as crianças inventem histórias, registrando-
as com seus desenhos, ou quando nós escrevemos os textos com as histórias que
elas inventam, damos oportunidade para que façam relações entre personagens
que já conhecem, utilizando o repertório colhido em histórias previamente contadas.
Como na poesia de Mario Quintana (1980), o encontro com a leitura é encanto,
alimento e liberdade!
Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Mario Quintana
41
No texto de OTP da Unidade 6 deste módulo, você terá oportunidade de estudar
sobre práticas de leitura e escrita.
Enfim, nesta passagem, é fundamental que os profissionais de um segmento e de
outro possam dialogar! Precisamos incluir esse diálogo no nosso planejamento. Vale
conversar sobre do que gostam as crianças, como elas brincam, o que já pesquisaram,
quais seus principais interesses, medos, prazeres e resistências. A fim de garantirmos
experiências significativas para as crianças, é preciso que os profissionais que as
acolhem possam explicitar e afinar suas utopias e desejos educacionais.
PARA RELEMBRAR
Enfim, professor(a), depois de percorrermos esta unidade, é importante que
você se lembre das seguintes idéias:
- O planejamento é um recurso que nos ajuda a garantir a presença da
diversidade, da escuta e participação das crianças no dia-a-dia.
- Não planejamos nosso trabalho sozinhos, mas com a participação das
crianças e dos colegas da instituição, para que possamos nos organizar,
atendendo diferentes demandas: acolhida de todas as crianças, atenção às
suas particularidades e trabalho com a cultura e com os conhecimentos
sistematizados.
- O planejamento pode assegurar a presença dos conhecimentos sistematizados
no dia-a-dia.
- O planejamento precisa garantir a realização de atividades significativas, a
continuidade entre as atividades e a abertura de nossos planos às
intervenções das crianças e de suas famílias.
- É importante planejarmos também os momentos de alimentação, sono e
higiene, a fim de assegurar que não sejam mecânicos, frios, marcados pela
espera e pela passividade.
- O planejamento deve englobar o presente e o futuro das crianças, garantindo
relações com o Ensino Fundamental.
(Favor
verificar a
alteração,
parecia
estranho,
mas o
sentido,
após a
alteração
é outro)
42
ABRINDO NOSSOS HORIZONTES
Orientações para a prática pedagógica
Para terminar, professor(a), é importante considerar o quanto o planejamento pode
enriquecer suas atividades e facilitar o seu trabalho.
À medida em que você está registrando o que faz com as crianças e o que pretende
fazer, vai criando uma memória do seu trabalho, vai deixando marcada a sua história
e a do seu grupo. O conjunto dos seus planos revela o caminho percorrido num ano
de trabalho, as trajetórias, as dificuldades, as surpresas e estratégias construídas.
No planejamento, abrimos também um canal de aprimoramento de nossa escrita, da
relação entre o que pensamos, o que fazemos e o que escrevemos. Este pode ser um
instigante desafio também! Quer dizer, o planejamento auxilia não só no seu trabalho
com as crianças, como também contribui no seu próprio desenvolvimento profissional
e pessoal.
Às vezes achamos que uma situação de nossa relação com as crianças é um obstáculo
gigante. Mas quando nos comprometemos a escrever sobre a dificuldade, tentando
registrar e enumerar formas de dar conta dela, percebemos que as coisas vão ficando
mais claras. A escrita é um apoio, pois segura no papel as dúvidas e descaminhos, ao
mesmo tempo em que ajuda a clarear as alternativas.
Outro ponto importante, professor(a), é que à medida em que planejamos situações
significativas com as crianças, ficamos mais felizes também. Quando elas estão vivendo
o dia com prazer, geralmente nós estamos também. Isso é precioso!
Enfim, garantir que as crianças sejam escutadas e consideradas na diversidade
significa também olhar para o corpo delas, suas falas e diversas expressões sócio-
culturais. Mas esse já é um assunto para outra hora!
GLOSSÁRIO
Conhecimentos sistematizados: que obedecem a um método, um sistema de regras,
como a matemática, a língua portuguesa, as ciências sociais e naturais.
Cultura vigente: organização cultural (conjunto de costumes, tradições, formas de
ver o mundo) do presente, do momento.
-
43
Identidade: conjunto de características e circunstâncias que distingue uma pessoa e
torna possível individualizá-la.
Intencionalidade educativa: característica do que é intencional na prática
pedagógica; a intenção, deliberação, propósito com que escolhemos as propostas
para o trabalho com as crianças.
Qualidade relacional: características que valorizam os relacionamentos (carinho,
aconchego, diálogo, respeito às diferenças).
Saberes legitimados: conjunto de conhecimentos reconhecidos socialmente
(matemática, ciências, história).
Suportes culturais: conjunto de objetos que materializam e dão vida à cultura (textos,
livros, músicas, objetos de arte).
SUGESTÕES PARA LEITURA
CARVALHO, Alison, SALLES, Marília , GUIMARÃES, Fátima (orgs.). Desenvolvimento
e Aprendizagem. Belo Horizonte: Editora UFMG – Proex – UFMG, 2002.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
TIRIBA, Léa. Buscando caminhos para a pré-escola popular. São Paulo: Ática,
1992.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMERICANO, Renata. Rotina bem planejada. In: FREIRE, Madalena (org.). Rotina:
construção do tempo na relação pedagógica. Série Cadernos de Reflexão. São Paulo:
Espaço Pedagógico, 1998, p. 34.
DEFOE, Daniel. O barco. In: DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé: a conquista do mundo
numa ilha. Adaptação em português de Werner Zotz. São Paulo: Scipione, 1996, p.
47-48.
GIROUX, Henri. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia da
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
44
GUIMARÃES, Daniela. As manifestações infantis e as práticas pedagógicas. Texto
produzido para o III Seminário de Educação Infantil da AFASC – Criciúma, SC, 2004.
(mimeo)
LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina.
Rio de Janeiro: Rocco, 1992, p. 92.
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Planejamento na educação infantil: mais que a
atividade, a criança em foco. In: OSTETTO, Luciana Esmeralda (org.). Encontros e
encantamentos na educação infantil: partilhando experiências de estágios.
Campinas: Papirus, 2000.
QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM, 1980.
SALLES, Fátima, FARIA, Vitória. A ação pedagógica no cotidiano da pré-escola.
In: CARVALHO, Alison, SALLES, Marília, GUIMARÃES, Fátima (orgs.). Desenvol-
vimento e Aprendizagem. Belo Horizonte: Editora UFMG – Proex – UFMG, 2002.
TIRIBA, Léa. Buscando caminhos para a pré-escola popular. São Paulo: Ática, 1992.
TONUTTI, F. Com olhos de criança.
45
46
46
47
Organização do trabalho pedagógico
metodologia de intervenção: a criação de
ambientes de aprendizagem e
desenvolvimento
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Thiago de Mello
1
1
Fragmento da poesia Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente), do poeta Thiago de Mello.
http://www.secrel.com.br/jpoesia/tmello.html#estat - acesso em 17.05.05
48
-
ABRINDO NOSSO DIÁLOGO
Na Unidade 4 do Módulo III, você estudou a proposta pedagógica das instituições de
Educação Infantil – sua elaboração, implementação e avaliação – bem como a forma
como esta proposta se expressa no cotidiano. Algumas questões que foram
aprofundadas serão fundamentais para pensarmos agora na criação de ambientes
de aprendizagem e desenvolvimento: a indissociabilidade entre educar e cuidar, a
importância do espaço físico como mediador da aprendizagem, as diferentes formas
de organizar o grupo de crianças e a importância de favorecermos relações solidárias,
afetivas entre todos os que fazem parte da comunidade educativa – crianças, pais e
profissionais da instituição de Educação Infantil.
Vimos também, na Unidade 1 deste Módulo IV, que é fundamental acolhermos
crianças e famílias em nossas instituições, para isso é preciso abrir espaços de diálogo,
escuta e encontro. Neste sentido, é importante que faça parte do nosso cotidiano a
atenção à forma como recebemos e nos relacionamos com as crianças e suas famílias.
Neste texto de OTP, relembraremos como organizar o tempo, o espaço, os materiais,
as atividades e as crianças, tendo em vista a garantia de experiências significativas
no dia-a-dia. Vamos pensar em como podem nos ajudar o planejamento e o trabalho
com projetos e oficinas. Veremos as atividades que fazem parte da vida diária e da
rotina, bem como aquelas que são planejadas de acordo com o projeto que está
sendo desenvolvido pelo(a) professor(a) e seu grupo.
Este é o momento de pensarmos de que forma as diferentes idéias que surgem em
nosso grupo podem ser geradoras de projetos. Para isso, precisamos organizá-las no
tempo e no espaço, planejando nossas ações, bem como nos colocarmos como
pesquisadores em busca de materiais que incrementem nosso trabalho. Mãos à obra!
O cotidiano se faz de fios que descobrimos e tecemos juntos, fio por fio, descoberta
por descoberta:
Fio por fio
a manhã se faz em pequenas gotas
rios de claridade nos telhados
a cidade acende varais de luz
em cada beco um gato boceja
nos relógios o tempo se arruma
silencioso mastigar de ossos
para que de novo um dia se faça
com seu cortejo de sonhos quebrados
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a tudo assistem os mortos
sentados em nossa memória
arrancando pedaços de névoa
de nossos olhos recém-abertos
uma vassoura varre a calçada
junta em novelos os anseios da noite
para que os saltimbancos os loucos
homens e mulheres todos os rostos
puxem fio por fio este dia
Roseana Murray
(www.docedeletra.com.br/murray – acesso em 16.05.05)
DEFININDO NOSSO PONTO DE CHEGADA
Movimento, choros, risos, xixi, cocô, colos, brigas, afetos, descobertas, fantasias,
criatividade... O dia-a-dia com crianças de 0 a 6 anos é repleto de acontecimentos e
desafios. Lidar com eles exige dinamicidade, atenção, disponibilidade e planejamento!
Por um lado, muitas vezes, as condições de trabalho são desfavoráveis: espaços nem
sempre adequados, muitas crianças, poucos braços e olhos para estar com elas. Por
outro lado, temos as crianças com sua fantasia, imaginação e olhar curioso sobre o
mundo. Como organizar o cotidiano levando em consideração os desafios específicos
de nossa realidade e também daquilo que é específico da criança?
É muito importante planejar ações que tornem nosso dia-a-dia prazeroso, que tenham
sentido para as crianças, que façam com que o tempo que temos juntos seja um
tempo de descobertas, trocas, partilhas, construções. Neste texto, daremos destaque
às formas de organizar a ação pedagógica, buscando fazer com que as crianças se
sintam pertencentes aos ambientes educativos, ou seja, que se sintam parte deles!
Nossos objetivos são:
1. Identificar e criar situações de aprendizagem em que a integração de
conteúdos de diferentes áreas de conhecimento ou o desdobramento de
atividades dêem sentido ao trabalho da criança.
2. Identificar situações cotidianas que necessitam ser planejadas e as formas
de planejar tendo em vista objetivos mais imediatos e aqueles que estaremos
desenvolvendo em longo prazo.
-
50
3. Compreender os projetos de trabalho como uma das formas de organizar a
ação pedagógica, com sentido e significado para as crianças, planejando
coletivamente formas de aprender a aprender.
4. Planejar a organização de espaços, materiais, atividades e intervenções, tendo
em vista o trabalho diversificado, realizado em pequenos grupos,
possibilitando as interações das crianças e delas com diferentes materiais,
tipos e fontes de conhecimento.
CONSTRUINDO NOSSA APRENDIZAGEM
Este texto de OTP da Unidade 2 está dividido em quatro seções: na Seção 1,
discutiremos a importância de pensarmos a organização do trabalho cotidiano, para
que nele estejam garantidas experiências significativas e prazerosas, estruturadas
tendo em vista a integração entre os conhecimentos e a continuidade das atividades;
na Seção 2, vamos refletir sobre como o planejamento de cada situação diária pode
ser um aliado na organização do trabalho; na Seção 3, apresentaremos os projetos
de trabalho como um dos recursos integradores das experiências cotidianas com as
crianças; e por fim, na Seção 4, propomos a organização de oficinas/ateliês de trabalho,
atividades diversificadas, cantos-ambiente, que podem ser montados nas salas de
Educação Infantil – ou mesmo salas-ambiente –, como facilitadores da integração
entre as crianças e delas com a cultura e o conhecimento.
Seção 1 – A organização do trabalho cotidiano: participação das
crianças, integração e desdobramento das atividades
Nesta seção, temos como objetivo:
Identificar e criar situações de aprendizagem
nas quais a integração de conteúdos de
diferentes áreas de conhecimento e o
desdobramento de atividades dêem sentido
e significado ao trabalho da criança.
Trata-se de pensar como a participação das crianças é importante no dia-a-dia, assim
como o contato com os conhecimentos legitimados, de forma significativa e
prazerosa.
Em algum momento do trabalho com as crianças, você já deve ter sentido o grupo
resistindo a entrar numa proposta sua. Muitas vezes, diante de uma proposta vinda
do adulto, as crianças se mostram desinteressadas e, não raro, perguntam se já está
na hora de brincar.
-
51
Pois é, em algumas situações, quando a proposta que trazemos não é significativa ou
não se liga a um interesse das crianças, elas acabam se envolvendo pouco. Portanto,
é importante considerarmos estratégias e iniciativas que possam garantir que a
Educação Infantil seja rica em vida, prazer e sentido para adultos e crianças! Lembrando
que, como diz Cecília Meirelles, a vida só é possível reinventada.
Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Cecília Meirelles
Esta e outras poesias de Cecília Meirelles você pode encontrar no site http://
www.avozdapoesia.com/ceciliameireles/
É muito importante levar em conta a seguinte questão: o que garante a vida e o
trabalho significativo em nosso dia-a-dia? Com certeza, trata-se de dar importância
às relações: relações entre o que vivemos ontem com as crianças e o que viveremos
hoje; relações entre a conversa na roda e as atividades que realizaremos; relações
entre a escola e a família; relações das crianças entre si!
Queremos dizer que é fundamental a continuidade entre as experiências! Isso
acontece, por exemplo quando conversamos sobre o que fizemos no dia anterior,
quando a atividade de um dia gera desdobramentos para um dia seguinte, ou quando
registramos uma história oral inventada anteriormente.
Quando propomos esse tipo de prática, questionamos propostas que se baseiam
em listas de atividades que as crianças devem cumprir a cada dia (por exemplo:
entrada, massinha, desenho, colagem, lanche, história, saída). Quando apenas
listamos atividades, fica de fora a participação das crianças decidindo junto com
o(a) professor(a) o que vão realizar (pois tudo foi decidido antes), fica de fora a
ação significativa (muitas vezes, desenha-se por desenhar, faz-se massinha por
52
fazer); fica de fora a continuidade entre as experiências, pois uma atividade não se
relaciona com a outra. Diferente seria se, por exemplo, a partir dos personagens e
objetos criados com a massa de modelar, percebêssemos o interesse das crianças em
inventar uma história e depois desenhá-la. Então, a atividade da massa estaria
relacionada com a do desenho e com a construção da história! Isso é provocar
continuidade entre o que experienciamos com as crianças. Foi isso que aconteceu na
turma de Sibelli, professora em uma pré-escola, trabalhando com crianças de 5 anos.
Cena 1 – Os três (muitos) porquinhos
Sibelli começou o dia contando a história dos “Três porquinhos”. Anteriormente,
ela havia selecionado algumas sucatas e materiais diversos e, após a história,
propôs ao grupo fazerem os personagens da história com as sucatas. Poderiam
ser porquinhos, lobos, ou outros animais inventados. Enquanto faziam seus
bonecos, a professora percebeu que duas meninas conversavam com seus
“porquinhos”, usando diálogos da história. Sibelli então perguntou quem gostaria
de recontar a história com os personagens de sucata. Algumas crianças se
ofereceram e assim combinaram que, depois do lanche fariam um teatro. João,
que havia feito um lobo bem grande de garrafa pet, perguntou se não precisavam
de convites para o teatro. Sibelli percebeu o entusiasmo das crianças e propôs
fazerem o teatro no dia seguinte, usando o tempo depois do lanche para fazerem
os convites. Mas quem eles iriam convidar? As turmas das salas ao lado! E
assim, passaram o restante do dia envolvidos com a confecção dos convites: as
crianças sugeriram que pequenos pedaços de papel com desenhos dos
porquinhos feitos por elas fossem os convites. No dia seguinte, a história foi
recontada: eram dez porquinhos e três lobos que contracenavam enquanto a
professora narrava a história.
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Atividade 1
Na situação vivida na turma da professora Sibelli, o que pode ser destacado
como escuta das manifestações das crianças? Registre sua resposta no caderno.
De um modo geral, nas práticas em que uma atividade não se relaciona com a outra,
o trabalho é visto como algo mecânico, do qual interessa mais o produto do que o
processo (Quantos desenhos a criança fez? Quantas colagens? Já colou com azul?
Já usou o lápis vermelho?). Nesse tipo de situação, não importa nem o processo nem
o produto, mas sim apenas o cumprimento de mais uma tarefa que começa e termina
ali mesmo.
Por outro lado, numa proposta que valoriza a experiência significativa, perguntamos:
o que a criança produziu? Como produziu? Que materiais utilizou? Qual é a história
que conta o seu desenho? Qual o significado para ela e para o grupo do trabalho que
está sendo realizado? Que desdobramentos a atividade pode ter?
Enfim, numa prática em que as relações entre as experiências são importantes e
onde a escuta da criança é privilegiada, a criança compreende o porquê de estar
fazendo isso ou aquilo. Pouco a pouco, ela mesma começa a sugerir alternativas de
continuidade e integração entre as atividades, como vimos no exemplo anterior:
“Vamos fazer convites para o teatro?”, “Vamos desenhar porquinhos nos convites?”.
Em sua ação sobre a massa, o papel, a água, o barro, a criança produz significados.
Percebemos isso quando ela diz, por exemplo: “estou fazendo um carro”, “estou
fazendo a mãe da minha mãe” ou “vamos fazer
um barco?”. Esses significados podem e devem ser
valorizados pelo(a) professor(a). Isso acontece
quando o(a) professor(a) presta atenção ao que a
criança está fazendo, quando lhe pergunta o que
está fazendo, quando acolhe uma de suas idéias e
a compartilha com o grupo, quando favorece, ou
decidem juntos, a exposição dos seus trabalhos (no
mural, num cartaz).
Já estudamos em outros módulos que as crianças
estão nas creches, pré-escolas e escolas para mais
do que preencherem o tempo ou ficarem bem
guardadas enquanto os pais trabalham. A
Educação Infantil é um direito das crianças e um
espaço para que elas sejam acolhidas, expressando
Priscilla Silva Nogueira
54
seus desejos, suas idéias e emoções. A escuta, a disponibilidade, o diálogo com as
manifestações das crianças aparecem na forma como o(a) educador(a) organiza o
tempo, o espaço e as atividades.
Vamos ver outros exemplos de atividades com as crianças nas quais aparecem
experiências que se integram e se desdobram, ou seja, uma atividade
relacionada com a outra, em continuidade:
Atividade 2
Na cena que se segue, alguns desdobramentos aconteceram na turma do pro-
fessor Ricardo. Vamos ler?
Cena 2 – Cobra tem sangue?
Ricardo, professor de uma pré-escola, chega na escola e faz uma roda
com as crianças, onde elas conversam animadamente. Uma das crianças
conta que foi na casa do avô que fica perto de uma linha de trem. De
repente, viu uma cobra passando nos trilhos e o trem esmagou a cobra
toda, deixando tudo cheio de sangue. Imediatamente, o professor
pergunta: “cobra tem sangue?” Os olhares são de surpresa e indagação! “Vamos
ver nos livros que temos o que há sobre as cobras?” O professor pega uma
enciclopédia que está à mão e começa a ler para o grupo informações sobre as
cobras. Depois, cada um desenha a cena contada pelo amigo, ou qualquer outra
coisa que lhe chamou atenção das informações do livro. No final do dia, combinam
convidar o pai de uma das crianças que conhece tudo sobre cobras para conversar
na roda.
A partir desta leitura, você poderia dizer de onde surgiu a proposta de pesquisarem
sobre a cobra? E que desdobramentos você pode perceber na situação da Cena 2?
Registre no caderno as suas respostas.
Atividade 3
Agora vamos ler esta outra cena que acontece numa turma de 4 anos:
55
Cena 3
O grupo fez uma visita à padaria da comunidade onde se situa a escola. Antes
de saírem, a professora conversou, perguntando o que achavam que iam
encontrar, o que podiam perguntar ou contar aos profissionais da padaria. Uma
das crianças disse que a mãe dela também sabia fazer um pão e que podiam
dizer isso lá na padaria, assim como contar sobre quando faziam bolo. Durante
a visita viram massas diferentes, formas de amassar, fornos e máquinas antes
desconhecidas e que são responsáveis pelo pão que comem a cada dia. Na
volta para a escola, muitas conversas. No dia seguinte, quando chegaram à
escola, a professora sugeriu que desenhassem o que mais gostaram do passeio,
o que aprenderam etc. Cada criança mostrou seu desenho para os amigos e
conversaram sobre a experiência compartilhada. Em seguida, a professora fez
um texto coletivo (recolhendo um pouco as opiniões de cada criança, para contar
aos pais como foi o passeio). Então, um dos meninos deu a idéia de convidar o
Sr. Manoel (da padaria) para vir à sala deles. A turma gostou da sugestão do
amigo e todos começaram a fazer um convite para o senhor Manoel.
A partir desta leitura, que desdobramentos você pode perceber na situação da
Cena 3? Registre no caderno as suas respostas.
Nas três cenas que lemos até agora, vemos a importância do papel do(a)
professor(a) como mediador(a) das aprendizagens das crianças. Vimos também que
o(a) professor(a) pode estabelecer relações entre as experiências vividas no grupo,
privilegiando a escuta dos movimentos das crianças.
56
Atividade 4
Você já viveu experiências semelhantes às das cenas anteriores? Pois então,
propomos agora que você possa, a partir da observação de alguma situação
do cotidiano, pensar em desdobramentos que estejam valorizando as
manifestações das crianças. Registre no seu caderno a observação e os
desdobramentos que aconteceram, sejam como propostas suas, seja valorizando
o que veio das crianças.
Pois bem, outra maneira de garantir a continuidade entre as atividades e as
experiências significativas no cotidiano é proporcionar a integração de conteúdos de
diferentes áreas de conhecimento. Ao invés de fragmentar o conhecimento, dizendo
“agora é a hora da matemática”, “esse trabalho é de Ciências”, esses diferentes
campos do saber podem se interligar em nossas experiências cotidianas. Isso quer
dizer que a matemática, a linguagem e a ciência, por exemplo, podem ser focalizadas
num mesmo projeto ou em atividades que se desdobram, de forma contextualizada.
Vamos aproveitar o exemplo da Cena 2 vista anteriormente. Ao pesquisar informações
sobre o mundo das cobras, professor e crianças mergulharam de forma mais focalizada
na Ciência. Mas, num outro dia, diante da surpresa do grupo quando souberam do
tamanho da cobra sucuri, o(a) professor(a) poderia sugerir que fizessem uma sucuri
de jornal do tamanho real, usando fita métrica, régua, e/ou tamanho das próprias
crianças como unidades de medida. Estariam lidando com a Matemática.
Outra hipótese: podemos conseguir fotos da comunidade onde vivem as crianças no
passado e fotos atuais, comparando-as com o grupo. Estamos mais nitidamente no
terreno da História. Em seguida, podemos inventar personagens que viveram no
passado, construir histórias deles e aventuras, registrando-as de diferentes maneiras.
Estaremos explorando o universo da Linguagem, como aconteceu na Cena 1, na
turma da professora Sibelli.
Enfim, é importante que as diferentes áreas do conhecimento sejam contempladas
no dia-a-dia. Para isso, precisamos estar atentos para as relações entre as experiências
vividas e as possibilidades de ampliação dessas experiências: uma pesquisa na área
da Ciência pode gerar desafios na Matemática (medir, comparar, perceber diferenças
e semelhanças). Uma experiência na área da linguagem, como contar/recontar uma
história, pode desdobrar-se numa pesquisa na área de Ciências (a partir do interesse
por algum bicho da história, por exemplo).
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Atividade 5
a) Imagine um desdobramento possível para a cena narrada abaixo:
Era aniversário da professora e todos iam fazer um bolo para ela. Cada criança
levou um ingrediente: farinha, açúcar, fermento, ovos e leite. Chegou a hora
de fazer o bolo: cada um mostrou o que trouxe e depois todos foram colocando
os ingredientes, provando, misturando... uma delícia! O mais gostoso foi cantar
os parabéns, trocar beijos e abraços, partilhando o bolo, presente de todo
mundo! No dia seguinte...
Registre o desdobramento no seu caderno.
Atividade 6
a) Agora, pensando na sua prática, selecione uma atividade que você tenha
planejado para as crianças ou alguma situação que tenha despertado a
atenção delas.
b) A partir da observação das manifestações das crianças e da possibilidade de
trabalhar com a cultura e com os conhecimentos sistematizados, anote que
desdobramentos a atividade ou a situação pode ter. Lembre-se de que os
desdobramentos podem surgir das idéias das próprias crianças e também
do(a) professor(a).
c) Procure realizar com as crianças os desdobramentos que foram pensados a
partir dessas observações. Registre esse processo no seu caderno, pois será
interessante levar essas anotações para compartilhá-las com o grupo no
encontro quinzenal.
Seção 2 – O planejamento como recurso na organização do trabalho
cotidiano
O objetivo a ser alcançado nesta seção é:
Identificar situações cotidianas que necessitam
ser planejadas e as formas de planejar tendo
em vista objetivos imediatos e outros de
longo prazo.
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Lembra da música “Cotidiano”, de Chico Buarque, que vimos no texto de OTP da
Unidade 8 do Modulo III?
Cotidiano
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão...
Chico Buarque
Quando pensamos nas atividades que acontecem diariamente na creche, pré-escola
ou escola, temos que levar em consideração a possibilidade de, apesar da repetição,
não fazer tudo sempre igual. Se pensarmos bem, veremos que em cada dia
temos diferentes opções que podem ser contempladas no planejamento. Por
isso, para desenvolvermos atividades que se desdobrem entre si e permitam
ao grupo viver a continuidade entre as experiências, o planejamento é nosso
maior aliado.
Nas Unidades 7 e 8 do Módulo III, você teve oportunidade de discutir a
organização dos tempos e dos espaços no cotidiano da Educação Infantil e a
importância de pensar e planejar esse cotidiano levando em consideração a rotina,
os materiais, os espaços, as propostas. As idéias daqueles textos são muito importantes
para as questões que estamos estudando aqui!
No dia-a-dia, podemos agir aleatoriamente – as coisas vão acontecendo e nós vamos
fazendo – ou planejar a nossa ação, ou seja, agir intencionalmente, estabelecendo
critérios, fazendo escolhas. Cipriano Luckesi (1992), educador brasileiro, afirma que
o planejamento não é neutro, mas implica escolhas que estão comprometidas com
59
as nossas concepções. Na ação intencional do planejamento, nós projetamos fins a
serem alcançados e estabelecemos os meios para atingirmos esses fins. E o plane-
jamento ajuda nesse processo.
No que diz respeito ao planejamento, Luckesi (1992) ainda propõe que o planejamento
implica tanto a participação individual quanto a participação coletiva, pois, quando
fazemos escolhas, temos de levar os “outros” em consideração, uma vez que não
estamos sozinhos. “Outros” que dizem respeito às crianças e suas famílias e também
aos profissionais da instituição na qual trabalhamos.
Atividade 7
Na Atividade 1 do texto de FE que acabamos de estudar, você refletiu sobre o
seu planejamento. Tendo como referência aquela atividade, como você
responderia as seguintes questões?
a) Qual tem sido a sistemática de planejamento vivenciada na sua creche,
pré-escola ou escola? Quais avanços e problemas que você identifica?
b) O que precisa ser modificado na proposta de planejamento da sua instituição?
E na sua prática de planejamento?
Para realizar esta atividade, você pode conversar com outros(as) professores(as) da
sua instituição. Será interessante compartilhar suas respostas com o grupo no encontro
quinzenal do PROINFANTIL.
Mesmo sabendo que o planejamento pode assumir diferentes formas, uma questão
fundamental é o registro desse processo. Não apenas o que organizamos antes, mas
o que observamos durante as propostas e o que registramos ao longo e depois das
atividades são subsídios importantes para que o nosso trabalho adquira
intencionalidade. Como fazer esses registros? Onde fundamentar essas escolhas?
Ou seja, com o que o planejamento está comprometido?
Esse registro pode assumir um aspecto bem pessoal, ou seja, o seu jeito de registrar
o planejamento. Mas algumas questões básicas devem estar presentes no
planejamento: os horários, os espaços em que as atividades acontecerão, os materiais
que vamos precisar e a intenção, ou seja, os objetivos das propostas.
Como esse registro pode ser feito?
60
Você pode ter um caderno para fazer o planejamento semanal. Em cada dia, deixar
um espaço para comentários sobre o que aconteceu naquele dia e possíveis
encaminhamentos para o dia seguinte.
Outra idéia é ter um caderno para observações diárias sobre a turma em geral, mas
também sobre alguma criança em especial; observações que forneçam subsídios
para os próximos planejamentos.
Você pode organizar um arquivo com as produções do grupo, com recortes de jornais,
indicação de leituras, sugestões de atividades e propostas, músicas e obras de arte
envolvendo os temas que surgem ao longo do trabalho com as crianças que poderão
ser úteis no planejamento.
Além desse arquivo que diz respeito ao que está
acontecendo mais imediatamente com o seu
grupo, a sua creche, pré-escola ou escola, você
pode organizar também um acervo dos mais
variados temas (folclore, obras de arte, vídeos)
que seja de uso coletivo.
Acima de tudo, precisamos estar atentos ao que
as crianças trazem, falam e fazem, tendo claros
os objetivos educacionais do trabalho que
realizamos. É preciso também, como vimos na seção
anterior, observar as relações entre as atividades
propostas e a possibilidade de integrar o conteúdo
das diferentes áreas do conhecimento, como
forma de garantir a continuidade entre as
atividades.
Nesse sentido, é fundamental também relembrar os conceitos estudados nos módulos
anteriores, que abordaram, entre outros assuntos: o conceito de criança enquanto
sujeito de direitos, produtora de cultura (Módulo I e II); as formas como a criança se
desenvolve; a formação de sua identidade (Módulo II); e a indissociabilidade entre o
cuidar e o educar (Módulo III).
Assim, para que nosso trabalho esteja fundamentado nos estudos que fizemos sobre
a criança e o papel da Educação Infantil como espaço promotor da inclusão social –
dentre outros objetivos –, precisamos planejar nosso cotidiano, garantindo que
aspectos que consideramos essenciais não fiquem de fora!
Camille Claudel au Bonnet
61
Com base nos estudos realizados até aqui, poderíamos estabelecer alguns
elementos centrais a serem incorporados em nosso cotidiano. São eles:
- desenvolvimento da autonomia;
- descoberta e conhecimento do próprio corpo, atenção aos aspectos
biológicos de seu funcionamento (cuidados, saúde, bem estar), ou seja, a
aprendizagem do autocuidado;
- incremento das relações sociais e afetivas (diálogo, troca entre adultos e
crianças, expressão de afetos, sentimentos);
- desenvolvimento da comunicabilidade infantil (por meio da expressão oral,
do brincar, do corpo);
- interação com o mundo físico e social (observação, exploração e preservação
do ambiente);
- brincar (espaço de expressão de emoções, sentimentos, desejos, necessidades,
forma de elaboração infantil);
- utilização das diferentes linguagens expressivas (artística, musical, oral,
escrita);
- ampliação do acesso a diferentes objetos e manifestações culturais
(literatura, música, artes, cinema, museus, folclore, festas); e
- relação com os conhecimentos científicos (matemática, ciência, história).
As experiências e os conteúdos assinalados acima fazem parte do trabalho
pedagógico a ser desenvolvido com as crianças na Educação Infantil. Esse trabalho
deve acontecer, de forma integrada, nos mais diferentes momentos do cotidiano.
Entre esses momentos, como já vimos no texto de FE desta unidade, temos no
Priscilla Silva Nogueira
62
planejamento situações que se repetem diariamente, outras estão ligadas a um projeto,
a um assunto específico, a uma situação vivida coletivamente, e outras acontecem de
forma imprevista.
Atividade 8
Olhando para o seu planejamento, você identifica essas experiências? Escolha
uma semana do seu planejamento e faça uma relação com esses itens assinalados
acima. O que foi contemplado? O que você considera que precisa ser mais
enfatizado no seu planejamento? Essas anotações podem ser um bom mate-
rial para discutir com os(as) professores(as) no encontro quinzenal como o
planejamento de cada um favorece experiências como essas citadas acima.
A seguir, relembrando o que já vimos em outras unidades, trazemos alguns
comentários que podem ajudar você a olhar para o seu planejamento.
Como temos discutido, as atividades diárias de rotina são aquelas que realizamos todos
os dias, como: a alimentação, o descanso e a higiene corporal. No Módulo III, o cuidar
e o educar foram apresentados como inseparáveis na prática pedagógica. Nesse
sentido, essas ações diárias assumem um significado especial.
O momento de se alimentar é, então, oportunidade de múltiplos aprendizados: a
autonomia do comer sem a ajuda direta do adulto (porém com seu apoio), o aspecto
sócio afetivo de alimentar-se em grupo, onde uns observam os outros no ato de se
alimentar, estimulando-se muitas vezes a experimentarem novos sabores, trocando
impressões e outras interações possíveis.
É assim que o lanche, por
exemplo, pode ser um mo-
mento animado na vida
do grupo. Ele pode aconte-
cer de diferentes formas e
pode ser também foco de
trabalho do(a) professor(a).
Para o grupo de crianças de
aproximadamente 3anos ou
menos, a ajuda do(a) profes-
sor(a) em servir e mesmo
ministrar os alimentos será
maior. À medida em que as
Priscilla Silva Nogueira
63
crianças são estimuladas a aprender a se servir, essa ajuda torna-se desnecessária. O(a)
professor(a), como mediador(a) do aprendizado no momento do lanche, pensará qual
o material adequado a ser oferecido e a melhor forma de organizar a mesa. Assim
também estará estimulando as crianças a experimentarem novos alimentos,
orientando-as quanto às quantidades, à necessidade de mastigação, de higiene, ao
respeito ao lanche do amigo, situações que podem ser levadas em conta no
planejamento.
Veja só, professor(a), como atividades tão simples de nosso cotidiano podem ser
oportunidades riquíssimas de trabalhar muitos conceitos importantes, como o respeito
ao próximo, a abertura para o novo, a partilha, o cuidado com o corpo e a autonomia.
Assim ocorre também com as demais atividades do cotidiano.
Estas atividades diárias ligadas às necessidades (alimento, repouso, dentre outras)
são organizadoras do grupo. À medida em que se repetem diariamente, auxiliam
a criança na construção da noção da passagem do tempo, bem como desenvolvem
sua autoconfiança e autonomia. Chegar à escola, guardar a mochila, entregar a
agenda ao(à) professor(a) e guardá-la novamente ao final do dia são ações rotineiras
e que podem ser também foco do planejamento de seu trabalho. Nessas ações,
as crianças se sentem cada vez mais confiantes no espaço, nos adultos que lhes
apóiam e nelas mesmas.
O brincar, necessidade intrínseca da criança, acontece também diariamente. Como vimos
em várias unidades no Módulo II, é por meio da brincadeira que a criança entende o modo
como o mundo adulto se organiza, elaborando suas próprias emoções e sentimentos, bem
como criando e recriando o mundo que a cerca a partir de seus próprios referenciais.
Portanto, brincar é a forma privilegiada de expressão infantil. Brincar, então, não é aquilo
que as crianças fazem no recreio, para passar o tempo entre o trabalho “sério” e a hora
de ir para casa.
Levando em consideração a importância da brincadeira, é bom, no planejamento
diário, abrir muitos espaços para o brincar, e também que nós mesmos “entremos na
dança”. Como é gostoso quando nos permitimos estar com eles e brincar também,
virar bichos, brincar de roda, de comidinha... Muitas vezes, é justamente quando
observamos as brincadeiras espontâneas das crianças que podemos identificar seus
interesses, aspectos das relações entre elas, necessidades, medos, questões que nos
ajudam a conhecê-las e a dar significado e intencionalidade ao planejamento.
Além de tudo isso que vimos até aqui, é fundamental que o planejamento diário
inclua também um momento de exploração de alguma produção cultural e de produção
da criança também. Isto é: leitura de literatura, audição de músicas, apreciação de
64
imagens/gravuras, bem como produções plásticas variadas, criação de histórias. Essas
produções podem estar ligadas ou não aos projetos desenvolvidos, mas, de todo
jeito, é importante que as crianças tenham oportunidade de se expressarem nas
diferentes linguagens artísticas, bem como de ampliarem o acesso a produções
culturais variadas.
Então, vimos até aqui que algumas atividades precisam acontecer diariamente, fazem
parte da rotina do grupo e, portanto, é importante planejá-las e vivê-las de modo
prazeroso e significativo. Esses momentos que se repetem dão segurança ao grupo,
trazem aprendizados importantes, e é nosso papel apoiar as crianças nessas ações.
Seção 3 – Os projetos de trabalho
O objetivo a ser alcançado nesta seção é:
Compreender os projetos de trabalho como
uma das possíveis maneiras de organizar a ação
pedagógica, com sentido para as crianças, planejando
coletivamente formas de aprender a aprender.
Diferente das atividades de rotina, num projeto, as atividades não são necessariamente
repetitivas, tampouco precisam acontecer diariamente. Trabalhar com um projeto
vai requerer um planejamento flexível, que é construído passo a passo pelo(a)
professor(a) com seu grupo e se ampliando de acordo com as idéias novas que surgem
ao longo de seu desenvolvimento.
Lembra-se dos exemplos apresentados na primeira seção, as Cenas 2 e 3 (sobre a
cobra e a padaria)? Pois é, o que chamamos de projeto é na verdade uma forma de
organizar o trabalho que é pensada a partir das experiências das crianças, das
perguntas que elas trazem, das idéias que sugerem. O projeto é algo vivo e dinâmico,
que se desdobra de acordo com os caminhos próprios que cada grupo toma.
Os projetos de trabalho têm como principal característica integrarem crianças e
adultos em torno de um empreendimento ou investigação. Isso quer dizer que o
encontro cotidiano entre crianças e adultos não se baseará exclusivamente naquilo
que o(a) professor(a) sabe ou em suas propostas de atividades. Ao invés disso, o(a)
professor(a) e o grupo serão pesquisadores em busca de conhecer mais sobre algum
assunto e realizar diferentes produções a partir dessa investigação.
65
O(a) professor(a) não é aquele(a) que sabe todas as respostas para as dúvidas e
curiosidades das crianças. Ele(a) também é mais um(a) curioso(a) que vai em busca de
materiais e recursos para ampliar seus conhecimentos. Mas atenção, isso não quer
dizer que o(a) professor(a) esteja no mesmo lugar que suas crianças. Não! É ele quem
vai organizar o grupo, encaminhar as diferentes questões que surgirem, mediar as
relações entre as crianças, sugerir materiais de pesquisa, escutar as idéias e pensar
coletivamente em como realizá-las. Tal como um maestro, o(a) professor(a) vai orquestrar
o trabalho do grupo, acolhendo a curiosidade, as perguntas e hipóteses das crianças.
Casa de joão-de-barro
Certo ano o casal de joão-de-barro resolveu construir um ninho novo em outro
galho. (...)
O mais curioso foi que, depois de acabado o ninho novo,
eles, em vez de se mudarem, resolveram fazer um segundo
ninho em cima daquele. Quem primeiro notou isso foi o
Visconde, que foi todo assanhado contar a Dona Benta.
– Venham ver – disse o sabuguinho.
– Eles terminaram ontem a construção do ninho novo,
mas não se mudaram do velho; em vez disso estão a
construir um segundo ninho sobre o novo – uma espécie
de segundo andar.
Dona Benta foi com os meninos e viu.
– Por que será, vovó? – quis saber Pedrinho.
– Não sei meu filho, mas eles devem ter lá as suas razões.
– Eu sei – berrou Emília. – É para alugar!...
Todos riram-se.
– Eu acho – disse Narizinho – que é para acomodar os
filhotes quando chegarem ao ponto de voar...
(LOBATO, Monteiro. O saci. 1993. p. 10)
66
A curiosidade está presente nas histórias do Sítio do Pica-pau Amarelo, e Dona Benta
sempre aparece mediando a relação das crianças e, principalmente, da espevitada
Emília, nas descobertas do mundo, como no trecho apresentado da história O Saci:
Como você tem acolhido a curiosidade das crianças com as quais trabalha? As perguntas
e hipóteses das crianças são sempre um rico material para desenvolvermos os projetos,
como a situação que trazemos na próxima atividade.
Atividade 9
Tomemos o exemplo da cena a seguir:
O Projeto dos Insetos
Um grupo de crianças entre 3 e 4 anos estava desenhando quando de
repente uma abelha entrou na sala de atividades. Na mesma hora,
algumas se assustaram, espantando o inseto com as mãos.
A professora aproveitou o incidente para perguntar ao grupo se
sabiam que animal era aquele. Algumas disseram que era uma
mosca, outras que era um mosquito e outras, ainda, que era uma
abelha. Aproveitando a situação, a professora disse que se tratava de
uma abelha e sugeriu ao grupo que pesquisassem
aquele inseto nos livros sobre animais, comparando
suas características e descobrindo mais sobre ele.
A pesquisa trouxe muitas novidades, dentre elas
que o tal inseto fazia mel! Foi uma farra, uma das
crianças lembrou que “tomava xarope de mel”, outra
falou que a tia vendia mel. Então ficou combinado que
no dia seguinte todos provariam mel de abelha.
O projeto não parou por aí. E a visita da abelha acabou
se transformando no “Projeto Insetos”, dando vazão a muitas
atividades em torno deste assunto: leituras de histórias que
envolviam insetos, pesquisas nos livros científicos, produções
de insetos de massinha, desenhos, conversas, cartazes.
67
Que desdobramentos aconteceram a partir da entrada da abelha na sala onde estavam
as crianças?
Esse exemplo mostra como o desenvolvimento pode surgir de algo que não estava
previsto. O projeto não é uma lista rígida de atividades, mas espaço para novas idéias e
questionamentos.
São as perguntas e curiosidades das crianças que vão apontando caminhos a serem
trilhados. O(a) professor(a) vai articulando essas curiosidades e buscando
incentivar a pesquisa, promover desafios relativos às diferentes áreas de
conhecimentos e estimular as produções das crianças.
Os projetos podem surgir de várias formas: interesses das crianças, alguma situação
significativa vivida pelo grupo, alguma questão relativa às experiências da comunidade
onde vivem ou mesmo da cidade. E, ainda, do(a) desejo do(a) professor(a) de trazer
algo da cultura para o grupo. O importante é que a participação da criança esteja
garantida!
Professor(a), estamos falando de “trabalho do grupo”, ou seja, no trabalho com
projetos onde todos colocam a mão na massa: crianças e adultos. A sala de aula
vira um espaço onde todos pesquisam, têm idéias, buscam caminhos, apresentam
sugestões, planejam ações coletivamente. A ação coletiva é uma das principais
características do trabalho com projeto. Dessa forma, colocando-se ativamente,
cada criança se envolve com o que está sendo vivido em grupo e encontra sentido
no que faz, pois se sente parte fundamental. Sua contribuição é importante e
considerada! Suas produções são apreciadas pelo grupo, integrando-se no coletivo.
No entanto, cabe ressaltar que muitas vezes o projeto acolhe atividades que são regulares,
como o Projeto Vai e Vem Poesia (Revista Avisalá, nº 2, 2000, p. 31), realizado com crianças
de 2 e 3 anos. A professora desse grupo programou algumas atividades que, dentro do
projeto, aconteciam regularmente, por exemplo, ler poesias na roda duas vezes por
semana ou organizar um rodízio (Vai e Vem Poesia), para que as crianças pudessem levar
os livros para casa toda sexta-feira.
O trabalho com projetos é uma alternativa para se pensar a educação nos dias
de hoje. Não basta o(a) professor(a) apresentar à criança os conhecimentos já
prontos, é preciso que a criança reflita sobre eles, elabore suas próprias idéias
e vivencie situações em que, tenha de resolver algum problema concreto. Ou
seja, é fundamental que ela se envolva, que seu pensamento e imaginação,
68
sejam mobilizados. Assim, a criança vai relacionar os novos conhecimentos com
aqueles que já possui, organizando seus saberes.
Ao(à) professor(a) caberá promover situações de aprendizagem que dêem às crianças
oportunidades de interpretarem informações, estabelecendo relações entre o que já
sabem e o conhecimento presente nos livros, jornais, revistas, fruto das explorações
vividas coletivamente. Assim, ela vai organizando com autonomia seu próprio
conhecimento.
Os projetos de trabalho surgem também como uma possibilidade de integrar os
diferentes saberes. Como já vimos na Seção 1, as crianças não precisam trabalhar
separadamente a matemática, a literatura, as artes plásticas, por exemplo. Com os
projetos, esses conhecimentos e formas de produção cultural se relacionam. Como
isso pode ser feito?
Vamos ver mais um exemplo:
A professora de um grupo de crianças de 4 anos desejou apresentar para o grupo
algumas obras de Monteiro Lobato.
Monteiro Lobato nasceu no dia 18 de abril de 1882, num sítio na cidade de
Taubaté. Cresceu envolvido pelos livros do avô e leu tudo o que havia para
criança em língua portuguesa. Depois de um percurso que passou pela Faculdade
de Direito, pequenos escritos e
caricaturas para jornais, viagens ao
exterior, edição de livros para
adultos, a partir de 1921, Monteiro
Lobato começa a interessar-se pela
literatura infantil. Finalmente, em
1945, publica suas obras completas.
Com “Narizinho Arrebitado’, lança
o Sítio do Pica-pau Amarelo e seus
célebres personagens: Emília,
Visconde de Sabugosa, Dona Benta,
Tia Nastácia, Pedrinho e Narizinho.
Em julho de 1948, Monteiro Lobato
morre, deixando uma obra que
eterniza a curiosidade, a descoberta,
o encanto e a fantasia.
Monteiro Lobato - Pintura a óleo
Cesáreo Bernaldo de Quiroz, 1922
www.lobato.globo.com
69
Pedrinho pega um saci
Tão impressionado ficou Pedrinho com esta conversa que dali por diante só
pensava em saci, e até começou a enxergar saci por toda parte. Dona Benta
caçoou dizendo:
- Cuidado! Já vi contar a estória de um menino que de tanto pensar em saci
acabou virando saci...
Pedrinho não fez caso da estória, e um dia, enchendo-se de coragem, resolveu
pegar um. Foi de novo em procura do tio Barnabé.
- Estou resolvido a pegar um saci – disse ele – e quero que o senhor me ensine
o melhor meio.
Tio Barnabé riu-se daquela valentia:
- O melhor meio de pegar um saci é o de peneira de cruzeta... arranja-se uma
peneira destas e fica-se esperando um dia de vento bem forte, em que haja
rodamoinho de poeira e folhas secas. Chegada essa ocasião, vira-se com todo o
cuidado para o rodamoinho e zás! Joga-se a peneira em cima. Em todos os
rodamoinhos há um saci dentro, porque fazer
rodamoinhos é justamente a principal ocupação
dos sacis neste mundo.
– E depois?
– Depois, se a peneira foi bem atirada e o saci
ficou preso, é só dar jeito de botar ele dentro
de uma garrafa e arrolhar muito bem... é preciso
tomar a carapucinha dele e a esconder muito
bem.
(LOBATO, Monteiro. O saci. 1993.)
Junto com as crianças, a professora iniciou a aventura de conhecer a obra de Monteiro
Lobato com o livro “Caçadas de Pedrinho”. Como se tratava de um texto grande, foi
lido em partes, um pouco a cada dia durante cerca de duas semanas. A partir da leitura
desse livro, o projeto “Viajando com Lobato” teve curso. Diferentes propostas foram
sendo planejadas e vividas com as crianças. Durante da leitura, a professora percebeu
que o Saci era o personagem que mais chamava a atenção do grupo, especialmente
quando tio Barnabé ensina Pedrinho a pegar um saci. O livro “O Saci”, de Monteiro
Lobato, foi lido em seguida.
70
Várias atividades foram surgindo a partir da história do saci. A professora deixou um
saci de dobradura num buraco de uma mangueira que ficava no pátio. Quando um
menino achou o saci foi um alvoroço! Pegaram uma garrafa e puseram o saci dentro.
Uma menina alertou que era preciso tirar a carapuça, senão o saci fugia. A fantasia
reinou na turma! Deu um vento no pátio e alguém disse que foi o saci, e outras coisas
mais o saci andou aprontando por lá.
Então, a professora sugeriu que fizessem “O livro das aventuras do saci”. Cada criança
desenhou o seu saci, fazendo uma das estripulias da história ou outras inventadas
pelas crianças. Num outro dia, criaram uma nova história, inspirada na de Lobato:
“As aventuras dos sacis”. Quiseram transformar essa história (um texto coletivo escrito
pelo(a) professor(a) num grande papel) num teatro para apresentar aos outros grupos.
Ao longo de uma semana, fizeram fantasias, adereços e cenários com material de
sucata, ensaiando o texto, escolhendo músicas, entre outras atividades. Também,
pesquisaram árvores e bichos que poderiam existir na floresta do saci. Valiam bichos
da imaginação e também os que pesquisaram nos livros científicos e revistas
especializadas. Durante a pesquisa, houve uma discussão se podia haver cachorro
na floresta do saci. O grupo concluiu que só seria possível se fosse cachorro-do-
mato. A pesquisa ampliou a perspectiva do grupo sobre vegetação e animais da
floresta, da cidade e do campo.
É claro que, para o desenvolvimento de cada uma dessas etapas, o(a) professor(a)
teve que organizar as crianças de diferentes formas: individualmente criaram os sacis;
no coletivo, inventaram a história; em duplas, folhearam e pesquisaram livros e revistas
científicas que seriam lidas pelo(a) professor(a) depois; em trios, fizeram objetos para
o teatro (pintando papelões grandes para fazer as árvores, caixas diversas que seriam
bichos diferentes). No dia do teatro, vieram os amigos de outros grupos e estavam
todos em festa. Foi uma beleza!
Vejam que, no relato acima, a literatura, as artes, as situações de diálogo, o trabalho
e a expressão do corpo, a dramatização, a ciência e muito mais integraram-se em
um projeto coletivo. Não foi preciso separar: “agora é a hora das artes”, “agora a
hora do corpo”, “agora a hora da literatura”. Essa é a principal contribuição do
trabalho com projetos: trata-se de uma forma de organizar a proposta pedagógica
que mobiliza crianças e adultos em torno de uma experiência coletiva, que tem sentido
e significado para o grupo e que integra diferentes linguagens e conhecimentos em
seu desenvolvimento.
Vale destacar que, para o bom andamento de um projeto, é preciso que o(a) profes-
sor(a) organize:
71
Os objetivos: Qual a minha intenção com esse projeto? De que maneira esse
projeto pode ampliar o conhecimento das crianças sobre o mundo? Veja que a
intenção inicial da professora, no exemplo anterior, era colocar as crianças em
contato com a obra de Monteiro Lobato. E muitas outras construções e
interações com o conhecimento, com a cultura, com a arte, foram acontecendo
ao longo do projeto.
O tempo: Como distribuirá ao longo do dia e da semana as necessidades de
investigação e produção que o projeto traz? Quanto tempo o projeto pode durar?
O espaço: Qual o lugar mais favorável ao desenvolvimento das atividades
planejadas?
As indagações das crianças: O que as crianças falam? Quais as hipóteses que
levantam sobre o assunto em questão?
As fontes de conhecimento e pesquisa: Livros, revistas, jornais, filmes, fotos,
entrevistas com pais e/ou profissionais, enfim, toda sorte de materiais
interessantes para incrementar o projeto.
As atividades e as crianças: Planeje as diferentes propostas e as possibilidades
de organização do grupo. Esse planejamento pode (e deve) contar sempre
com a participação ativa das crianças, que podem sugerir idéias, pesquisar
materiais, organizar o tempo. Assim, elas se sentirão de fato parte do grupo,
desenvolvendo autonomia e fortalecendo a confiança em seus saberes.
Os materiais: O que será necessário: tinta, papel, sucata, panos, gravetos,
folhas secas, cabos de vassoura? Ou seja, lembrando o que disse Gilles Brougère
(2001), apresentado no texto de FE da Unidade 7 do Módulo II, a criança
brinca com o que ela tem às mãos e com o que tem na cabeça. Podemos
dizer também que a criança constrói o conhecimento com o que ela tem nas
mãos e no pensamento.
A avaliação: Durante todo o projeto, é fundamental o registro que indique
os possíveis caminhos, aonde o grupo chegou nesse processo e que outros
possíveis projetos podem surgir a partir do projeto que está em andamento
ou acabando.
72
Atividade 10
Vimos que os projetos são uma forma de organização do trabalho pedagógico
na qual atividades significativas se desdobram a partir de um mesmo tema.
Pense no seu grupo de crianças. Quais são os interesses que você tem observado
surgirem nesse momento? Do que elas gostam de brincar? Sobre quais assuntos
têm mostrado curiosidade? Faça um levantamento dos interesses de seu grupo
que poderiam ser transformados em projetos. Você acha que depois que
começou o PROINFANTIL esses interesses têm se alargado?
Depois desse levantamento, organize o planejamento de um projeto, levando em
conta a organização dos oito itens que acabamos de destacar:
1. Os objetivos
2. O tempo
3. O espaço
4. As questões e hipóteses das crianças
5. As fontes de pesquisa
6. As possíveis atividades e o envolvimento das crianças
7. Os materiais
8. A avaliação
Temos destacado que aquilo que a criança traz é muito valorizado no trabalho com
os projetos. Portanto, o planejamento precisa ser flexível: a cada contribuição infantil,
novas possibilidades se desdobram. No caso das crianças de 2 anos mais ou menos,
seus interesses podem ser percebidos pelas suas brincadeiras, curiosidades e
preferências. Diferente das crianças de aproximadamente 4 anos, que já possuem
maior desenvoltura para se expressarem oralmente, a criança menor utiliza o corpo,
movimentos e expressões. Mas, mesmo pequenas, as crianças expressam seus desejos
e dão sugestões, principalmente quando se sentem autorizadas a fazê-lo.
73
Vamos ao mercado?
Num grupo de criança de 2 anos, a professora propôs um projeto que tinha
como tema “As pessoas da minha família”. Uma das propostas era trazer para
a escola acessórios e roupas utilizados pelas pessoas da família para formarem
um canto de dramatização na sala: bolsas, chapéus, gravatas, sapatos, sandálias,
vestidos, camisas. Várias bolsas apareceram. Numa das saídas para o pátio,
uma menina colocou a bolsa no ombro e disse que ia no mercado. Imediatamente
a professora dirigiu-se para o grupo e perguntou: e aí, gente, quem quer ir ao
mercado com a Melissa? Além de brincarem na sala com os acessórios vindos
de casa, as crianças também passaram a se “produzir” para pequenos passeios
imaginários pela creche.
Atividade 11
Que tal você observar um grupo de crianças de idade diferente das crianças
com as quais você trabalha?
Seria interessante observar um grupo de crianças de 2 anos ou menos e descrever os
interesses que observou. E, quem sabe, até esboçar um projeto para esse grupo.
Aceite o desafio!
74
Seção 4 – Oficinas/ateliês: atividades diversificadas, organização de
cantinhos, salas-ambiente
Nesta seção, temos como objetivo:
- Planejar a organização de espaços, materiais, atividades
e intervenções, tendo em vista o trabalho diversificado,
realizado em pequenos grupos, possibilitando as
interações das crianças e delas com diferentes
materiais, tipos e fontes de conhecimento.
Na relação diária com as crianças, você já deve ter percebido que elas têm múltiplos
interesses e que, se temos 15, 20 ou 25 crianças, é difícil que todas estejam envolvidas
numa mesma proposta, ao mesmo tempo, durante as horas que ficam na instituição
de Educação Infantil. Às vezes, quando propomos que todas desenhem ao mesmo
tempo, que todas leiam ou folheiem revistas (ou livros) ao mesmo tempo, ou que
todas brinquem na casinha de boneca juntas, por um lado, podemos ter o controle
da situação, mas, por outro, muitas confusões e atropelos podem acontecer.
É claro que precisamos de momentos de integração do grupo como um todo, nas
conversas na roda, combinação de regras, contação de histórias. Mas precisamos
também garantir que elas possam escolher as atividades, transitar entre diversas
formas de expressão, interagindo em subgrupos pequenos.
Considerando a importância de experiências significativas no cotidiano, como vimos
na Seção 1, abre-se uma alternativa para o trabalho: a diversificação de atividades,
com momentos em que as crianças escolhem o que vão fazer dentre as várias
possibilidades. Isso pode ocorrer todos os dias na sua rotina ou em dias alternados,
de acordo com seu planejamento.
Para isso, é preciso que estejamos atentos para a forma como organizamos a sala, o
espaço de atividades e o tempo. A organização do ambiente em cantos é um bom
caminho para incentivar o trabalho em subgrupos compostos por poucas crianças.
Outra possibilidade é a organização em ateliês de trabalho.
Os ateliers de trabalho são espaços específicos, preparados para que as crianças
trabalhem com os mais diferentes materiais e façam experiências e descobertas
utilizando as mais diferentes linguagens. Esse tipo de valorização, de um espaço
específico para essas atividades, tem origem na Pedagogia de Freinet.
Recentemente, fazem parte da estrutura das escolas de Educação Infantil
italianas, na cidade de Reggio Emília.
(MALAGUZZI, 1999)
75
Assim, no planejamento, podemos pensar num momento em que as crianças escolhem
o que vão fazer, diante das alternativas que oferecemos na sala ou outro espaço
disponível (por exemplo: brincar com bonecos, desenhar, jogar).
Se estamos vivendo um projeto, por exemplo, sobre as plantas que servem para
fazer chás, enquanto alguns amigos pesquisam e desenham folhas dessas plantas
recolhidas anteriormente, outros podem fazer outras coisas (brincar na casinha ou
com jogos ou outras atividades ligadas ao projeto – plantio de algumas dessas ervas,
manuseio de livros que falem do assunto). Depois, trocam-se as posições.
O trabalho com ateliês ou oficinas permite a exploração de várias linguagens e formas
de atividade diferentes. Por exemplo, enquanto alguns amigos estão construindo
brinquedos com sucatas, outros podem estar mexendo na terra e outros, jogando. Dessa
forma, vivemos as várias dimensões do humano: corpo, linguagem, cultura, natureza,
ao mesmo tempo em que possibilitamos às crianças a escolha e a liberdade. Quando
finalizam um processo numa oficina, as crianças podem circular, indo para outra.
Vale considerar que você já pode ter sentido uma certa insegurança quando permitiu
que as crianças escolhessem os materiais a usar ou tivessem à mão os brinquedos,
pois alguns quebraram ou “acabaram” muito rápido. Outras vezes, se ficam muito
tempo sozinhas num canto, pode acontecer alguma briga e, novamente, confusão.
É! Isso às vezes acontece e a gente acaba organizando a sala com um grande espaço
no centro e armários ou estan-
tes encostadas nas paredes,
tentando um controle das coisas
e um controle das crianças.
Algumas vezes os brinquedos
são guardados no alto, longe
das mãos delas. Apesar de
nosso zelo pelos objetos ser
importante, se queremos
favorecer o desenvolvimento
de crianças autônomas, res-
ponsáveis pelo que é de todos,
precisamos realizar isso no
dia-a-dia com elas.
Por exemplo, quando arru-
mamos a sala com cantos de
trabalho, com materiais ao
alcance das crianças, com a
escolha de atividades por parte
Priscilla Silva Nogueira
76
delas, incentivamos a constituição do cuidado de si e do outro. Além disso, incentivamos
a capacidade da criança de fazer escolhas, responsabilizando-se também por essas escolhas.
Este assunto será abordado mais adiante.
O cotidiano exige negociações, combinações de como arrumar, o que pode sair do
lugar e conversas sobre a responsabilidade de todos pelos materiais. Provavelmente,
algo será rasgado ou quebrado, e fará parte do trabalho conversar com o grupo
sobre as regras, pensando coletivamente sobre por que do acontecido, como podemos
fazer para não acontecer de novo e como reorganizar coletivamente o que saiu do
lugar ou o que foi quebrado.
No texto de OTP da Unidade 7 do Módulo III, você estudou sobre a organização dos
espaços da sua instituição. Seria interessante voltar a esse texto e olhar as atividades
que você desenvolveu a partir do estudo. Em seguida, prossiga com as atividades
abaixo:
Atividade 12
Como você imagina que pode organizar uma sala onde as crianças escolham
materiais a usar, onde haja possibilidade para a atividade diversificada? Como
seria essa organização? Você pode registrar esse exercício de imaginação no
seu caderno.
Atividade 13
a) Agora, pensando na sua turma, que soluções e/ou problemas você imagina
que vai ter para organizar a sala assim? Como poderá fazer para contornar
esses problemas?
b) Ou, se a sua sala já está organizada, levando em consideração as atividades
diversificadas e a disponibilidade do material para o uso das crianças, o que
tem dado certo e o que pode ser modificado?
Se você trabalha com crianças maiores (4 a 6 anos), essa reflexão e as possíveis
modificações podem ser feitas junto com a turma.
Enfim, num ambiente organizado de forma a atender interesses diversificados,
podemos colocar num canto prateleiras com livros (que possam ser manuseados) e
77
revistas ao alcance das crianças e, na frente, um tapete, várias almofadas ou uma
colcha que convidem à leitura.
Em outro canto, podemos arrumar um ambiente que imite a casa, normalmente
conhecido por “casinha da boneca” (berços, geladeiras e bonecas podem ser feitos
com papelão, panos e sucatas variadas). Esse canto pode ter divisões feitas por caixas
grandes (que podem ser de papelão), criando diferentes espaços de uma casa: a
cozinha, o quarto, a sala. Será sempre importante levar em conta a realidade das
crianças. Ainda, num outro canto, podemos ter uma caixa (ou estante) com lápis e
outros materiais disponíveis para desenho. Vale a pena termos também uma caixa
com pequenas sucatas que podem servir à casinha e ao canto do desenho (as sucatas
funcionam como pratinhos, mamadeiras ou suportes para desenhos e trabalhos
plásticos – com elas podemos fazer um ônibus, um boneco).
Nesta arrumação, é possível pensar também nas diversas linguagens que estão
presentes no nosso universo social e que são próprias da criança: plástica (desenho,
modelagem, pintura, construção de objetos), musical, escrita e corporal. É interessante
que o espaço atenda a essa variedade de formas de expressão. Podemos ter um canto
ou caixa de instrumentos musicais (muitos – chocalhos e reco-reco – podem ser feitos
com materiais reciclados) e um canto com massas e objetos para auxiliar na
modelagem, dentre outros.
No dia-a-dia, precisamos prestar atenção para que o espaço se torne um lugar onde as
crianças se sintam acolhidas, estimuladas à expressão e à ação. Provavelmente, se não
podem tocar nas coisas, se não há um canto gostoso, se quase tudo é impedido a elas
no espaço, ele não será sentido pelas crianças como lugar de prazer e de liberdade.
Vamos ler esse trecho da poesia de Manoel de Barros, que muito tem a nos dizer
sobre o que é importante num espaço experienciado pelas crianças:
“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade.
A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o
tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as
coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso
quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo
motivo da intimidade (...)” (
Achadouros
, Manoel de Barros, 2003)
78
Na verdade, quando falamos do espaço de trabalho com as crianças, mais do que suas
qualidades físicas (ser grande, ser pequeno, ser arejado), interessa percebermos quais as
suas qualidades humanas: as crianças se sentem íntimas dele? Muitas vezes, um espaço
pequeno fisicamente é sentido como muito grande e gostoso, porque acolhe a
especificidade de cada um, contém fotos, trabalhos, locais para pertences pessoais,
almofadas, objetos significativos para o grupo, elementos que indicam a identidade
daqueles que experienciam aquele espaço.
O espaço de trabalho com as crianças não pode ser avaliado só por quanto mede,
pela qualidade do piso e dos materiais. É importante que o chão seja lavável, que
existam janelas, que haja estantes, mesas e cadeiras do tamanho das crianças, que
tenha um mural ou varal para os trabalhos. Mas o mais importante é que seja um
lugar que as crianças possam sentir como delas, onde possam perceber que seus
movimentos, suas escolhas e seus desejos são bem recebidos! É fundamental que seja
um espaço aconchegante, com “a cara das crianças” e do(a) professor(a) também!
Se observarmos as crianças e suas interações nos espaços e tempos da creche, pré-
escola ou escola, veremos que situações vividas pelos adultos, por um ponto de vista
são acolhidas pelas crianças com o seu jeito de imaginação e fantasia.
Esse jeito diferente de ver as coisas, está nas memórias do escritor mineiro Fernando
Sabino, no romance O menino no espelho. Fernando Sabino nasceu em 12 de
outubro de 1923 e veio a falecer no dia 11 de outubro de 2004.
Se olharmos para dentro de nós, também vamos ver nas nossas memórias, nossos
jeitos diferentes de olhar os acontecimentos, tal como o menino Fernando.
79
O menino e o homem
Quando chovia, no meu tempo de menino, a casa virava um festival de goteiras.
Eram pingos do teto ensopando o soalho de todas as salas e quartos. Seguia-se
um corre-corre dos diabos, todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panelas,
penicos e o que mais houvesse para aparar a água que caía e para que os
vazamentos não se transformassem numa inundação. Os mais velhos ficavam
aborrecidos, eu não entendia a razão: aquilo era uma distração das mais excitantes.
E me divertia a valer quando uma nova goteira aparecia, o pessoal correndo
para lá e para cá, e esvaziando as vasilhas que transbordavam. Os diferentes
ruídos das gotas d’água retinindo no vasilhame, acompanhados do som oco dos
passos em atropelo nas tábuas largas do chão, formavam uma alegre melodia,
às vezes enriquecida pelas sonoras pancadas do relógio de parede dando horas.
(SABINO, Fernando. 1983. p. 13, 14)
Atividade 14
Colocando-se no lugar das crianças, olhando para a criança que você traz na
memória, que jeitos diferentes de ver o mundo você resgata? Você lembra de
alguma situação em que você viu o que estava acontecendo de um jeito que
era diferente dos adultos à sua volta? Essa é uma escrita que pode fazer parte
do seu memorial.
O planejamento, antes de tudo, deve ser de vida e de prazer para as crianças e
para os adultos que trabalham com elas. Por isso, terminamos como começamos
– com Thiago de Mello:
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Thiago de Mello
80
PARA RELEMBRAR
- Neste texto, vimos que o planejamento do nosso trabalho é fundamental
para que possamos garantir que as atividades que propomos tenham
continuidade e objetivos claros. As diferentes áreas do conhecimento
precisam ser contempladas no dia-a-dia, estando sempre articuladas com
os interesses e experiências infantis.
- Vale ressaltar que precisamos estar atentos para a não-fragmentação do
conhecimento, percebendo de que forma podemos articular em um projeto
desafios ligados aos diversos campos, tais como as ciências, a matemática,
a linguagem, dentre outros.
- Vimos que o planejamento é um forte aliado no desenvolvimento de atividades
que se desdobra entre si e permite ao grupo viver a continuidade entre as
experiências. É muito importante que estejamos atentos ao que as crianças
trazem, falam e fazem, bem como que tenhamos claros nossos objetivos
educacionais. Os projetos nascem desta articulação entre o que as crianças
trazem – suas idéias, dúvidas, curiosidades, interesses – e o campo mais amplo
de conhecimentos disponíveis no meio social e cultural.
- Nesta perspectiva, os projetos de trabalho constituem uma boa alternativa
para organizar nossas experiências com as crianças. Eles têm como princi-
pal característica integrarem crianças e adultos em torno de um
empreendimento ou uma investigação. Nos projetos, a participação da
criança é fundamental!
- Para o bom andamento de um projeto, é preciso que o(a) professor(a) orga-
nize o tempo, distribuindo as atividades necessárias para sua realização ao
longo dos dias, planejando o uso de espaço, a formação do grupo,
privilegiando as indagações e hipóteses das crianças, pensando com
antecedência nos materiais e fazendo o acompanhamento através da
observação e avaliação constantes.
- O mais importante é garantir experiências significativas no cotidiano, diver-
sificando as experiências, possibilitando diferentes associações entre as
crianças, trazendo à tona temas de pesquisa e interesses infantis e abrindo
espaços para a arte, a cultura, a troca, a brincadeira e tudo mais que possi-
bilite a ampliação das possibilidades de expressão, conhecimento e desenvol-
vimento da criança.
81
ABRINDO NOSSOS HORIZONTES
Uma das características do trabalho do(a) professor(a) é a necessidade de estar
constantemente buscando aprimorar seu conhecimento. Para tal, além da troca
com colegas – momentos que podem ser muito ricos e significativos – é
importante que você possa encontrar no estudo e na pesquisa um espaço de
aprofundamento. Alguns livros trazem relatos de experiências que instigam,
sugerem caminhos e fortalecem escolhas, fazendo pensar. É tão bom quando
encontramos em nossas leituras apoio e estímulo para o desenvolvimento do
trabalho que realizamos com as crianças no cotidiano!
As trocas com outros profissionais também são espaços valiosos para a nossa prática.
Assim, procure conhecer como os(as) seus(suas) colegas professores(as) fazem o
planejamento e troque idéias sobre esse processo.
GLOSSÁRIO
Conhecimentos legitimados: são aqueles saberes reconhecidos e valorizados
socialmente, como a matemática, a linguagem, as ciências naturais e sociais.
Dinamicidade: qualidade do que é dinâmico, ágil.
Implementação: efeito de implementar, efetivar, concretizar uma proposta.
Indissociabilidade: o que não de dissocia, não se divide.
Mediador: que faz a relação entre dois termos.
SUGESTÕES PARA LEITURA
HERNANDEZ, F., VENTURA, M. Transgressão e mudança na Educação: os projetos
de trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
MELLO, Thiago. Os estatutos do homem. São Paulo: Vergara & Riba, 2001.
OSTETTO, Luciana Esmeralda (org.). Encontros e encantamentos na educação
infantil. São Paulo: Papirus, 2003.
-
82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. Coleção: Questões da nossa época, nº 43.
São Paulo: Cortez, 2001.
LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho. São Paulo: Brasiliense, 1992.
LOBATO, Monteiro. O Saci. São Paulo: Brasiliense, 1992.
LUCKESI, Cipriano. Planejamento e avaliação na escola: articulação e necessária
determinação ideológica. In: Série Idéias n. 15. São Paulo: FDE, 1992. p. 115-125.
MALAGUZZI, Loris. História, idéias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn, GANDINI,
Lella, FORMAN, George (orgs.). As cem linguagens da crianças: a abordagem de Reggio
Emília na Educação da primeira infância. Porto Alegre: ARTMED, 1999, p. 59-104.
MELLO, Thiago. Os estatutos do homem. São Paulo: Vergara & Riba, 2001.
83
84
C - Atividades integradoras
85
Na Unidade 2 do Módulo IV, o planejamento foi o tema integrador entre os textos de
FE e OTP. Discutimos a importância de levar em conta no planejamento: o contexto,
a cultura, as diferentes áreas do conhecimento, mas principalmente as manifestações
das crianças.
No texto de FE – “Princípios para planejar: a criança como protagonista” – você
pôde rever o seu próprio planejamento e considerar alguns princípios que devem
nortear a sua elaboração e implementação, levando em conta a importância da
intencionalidade educativa no planejamento.
O texto de OTP – “Metodologia de intervenção: a criação de ambientes de
aprendizagem e desenvolvimento” – deu continuidade à discussão sobre o
planejamento, trazendo o projeto de trabalho como uma opção para o trabalho na
Educação Infantil.
Levando em consideração a importância do planejamento no trabalho cotidiano com
as crianças, propomos refletir sobre esse processo no encontro quinzenal.
Orientações para o encontro quinzenal
Antes do encontro quinzenal
- Lembrando que estamos terminando o POINFANTIL neste semestre, faça uma
retrospectiva desse tempo que você está estudando neste curso: O que mudou
na sua prática? De que forma os estudos do PROINFANTIL têm ajudado o seu
planejamento? Essa reflexão pode fazer parte do seu memorial.
- Em seguida, releia os textos de FE e OTP da Unidade 2, anotando suas dúvidas,
questionamentos e comentários a serem compartilhados com o grupo.
- No texto de OTP, destaque a Atividade 10. Nessa atividade sugerimos que
você esboçasse um projeto para o seu grupo. Leve o resultado dessa tarefa
para o encontro. Pode ser, também, que você tenha realizado ou esteja
realizando algum projeto e queira compartilhar com o grupo no encontro
quinzenal. Você pode levar o planejamento do projeto, as produções das
crianças, livros, músicas, enfim, tudo o que está envolvido no projeto.
86
Durante o encontro
Nossa sugestão é:
- Em um primeiro momento, cada professor(a) pode falar de como o
PROINFANTIL tem influenciado a sua prática, destacando as questões mais
importantes.
- Em relação aos projetos, pode ser feita uma exposição na sala e depois cada
professor(a) apresentaria o seu projeto para o grupo.
- Falando em planejamento, talvez esta seja uma boa oportunidade para o
grupo pensar, junto com o tutor, como será o encerramento do
PROINFANTIL. Afinal de contas, estamos no Módulo IV! São quase dois anos
juntos, estudando e compartilhando conquistas e desafios. Vai haver uma
formatura? Uma festa? Podem convidar os familiares? Que tal unir-se a uma
outra turma do PROINFANTIL que esteja perto de vocês? Poderia ter uma
exposição dos trabalhos, memoriais, portfólios, fotos, projetos que narrem
a história de vocês no PROINFANTIL? Poderiam escrever um texto coletivo,
narrando o que foi o PROINFANTIL pra esse grupo. Bem, fica aí a sugestão e
o desejo que este seja um momento muito especial na vida de vocês.
Após o encontro
- A partir das sugestões apresentadas no encontro, você pode levar para a sua
instituição as idéias que surgiram sobre o planejamento e discutir com os(as)
seus(suas) colegas de trabalho.
87
Esta obra foi composta na Editora Perffil e
impressa na Esdeva, no sistema off-set, em
papel off-set 90g, com capa em papel
cartão supremo 250g, plastificado
brilhante, para o MEC, em fevereiro 2006.
Tiragem: 10.000 exemplares.
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