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Geograa
O geógrafo Aziz Ab’Sáber fala
dos livros essenciais na sua área
Contos populares
Histórias envolventes fazem a
ponte do oral para o escrito
Iepê, cidade que lê
Município paulista de 7 mil habitantes
suplantou quase todas as capitais
na Prova Brasil. O segredo? Um bom
projeto de incentivo à leitura
Leitura
s
Ricardo Azevedo Escritor fala de seu itinerário de leituras
Município paulista de 7 mil habitantes
suplantou quase todas as capitais
na Prova Brasil. O segredo? Um bom
projeto de incentivo à leitura
Iepê, cidade que lê
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Memória de Leituras
Entrevista com Ricardo Azevedo
Com uma obra vigorosa e instigante, o escritor e ilustrador
defende que a escola se abra às tradições da cultura popular e
mostra como se inspira a partir de recortes de jornais.
Um conto, duas versões
Um bicho-pregua precisa se apressar. Deste paradoxo
nascem duas adaptações e uma proposta pedagica de
trabalho em classe.
Um certo olhar
Regina Zilberman, professora de Teoria da Literatura e
Literatura Brasileira na PUC-RS, faz um passeio literário entre
as obras infanto-juvenis do Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE).
Outras Leituras: Fotograa
Como se lê uma imagem? Estudiosos e fotógrafos mostram, com
exemplos, como apurar o olhar para “ler” uma fotografia.
Outros Olhares
A educadora Vera Masagão, da organização
não-governamental Ação Educativa,
reflete sobre leitura a partir dos índices de
alfabetismo funcional.
Aziz Ab’Saber, do Instituto de Estudos
Avançados da USP, fala de obras essenciais
em sua área de conhecimento, a geografia.
12
Uma cidade leitora
Iepê, no interior de São Paulo, mergulhou
de caba nos livros e fez da promoção da
leitura seu diferencial na educação. colhe
bons resultados com isso. E Edmir Perrotti,
especialista em políticas públicas de leitura
da Unversidade de São Paulo, assina embaixo.
6
10
24
26
Expediente
34
40
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário Executivo
José Henrique Paim Fernandes
Secretário de Educação Básica
Francisco das Chagas Fernandes
Diretora de Políticas de Educação
Infantil e Ensino Fundamental
Jeanete Beauchamp
Coordenadora-Geral de Estudos
e Avaliação de Materiais
Jane Cristina da Silva
Equipe Técnica
Andréa Kluge Pereira
Cecília Correia Lima
Elizangela Carvalho dos Santos
Ingrid Lílian Fuhr Raad
José Ricardo Albernás Lima
Maria José Marques Bento
Tayana de Alencar Tormena
Jornalista Responsável
Adriana Maricato - MTB 024546/SP
Editor
Ricardo Prado
Consultora Pedagógica
Maria José Nóbrega
Reportagem
Maria Lígia Pagenotto (texto)
Luiz Dantas (fotos)
Colaboradores
Edmir Perrotti
Francisco Gregório Filho
Regina Zilberman
Vera Masagão
Projeto gráco e editoração
Carlos Neri e Eduardo Trindade /
Estação Gráca
Foto da capa
Luiz Dantas
LeituraS é uma publicação da
Secretaria de Educação Básica
do Ministério da Educação,
produzida pelo Departamento de
Políticas de Educação Infantil e
Ensino Fundamental/COGEAM
e nanciada pelo Projeto
914BRA1113 - UNESCO.
Luiz Dantas
Luiz Dantas
Novembro de 2006
4
LeituraS
Editorial
Caros Professores e Professoras,
E
stamos muito felizes em apresentar aos professores do Brasil esta
publicação. LeituraS pretende ser um incentivo ao desenvolvi-
mento da o necessária competência leitora no ambiente escolar.
O que pretendemos, com LeituraS, é explorar, juntamente com você,
as potencialidades de aprendizagem que a leitura encerra.
Uma política de formação de leitores deve estimular práticas de leitura
diversificadas, valorizando diferentes textos, em diferentes suportes.
Mas se a condição de acesso aos livros é básica, ela o é suficiente.
A formação do professor é, juntamente com o acesso, condição para
que se efetive uma proposta de leitura no âmbito da escola. Se se
pretende incentivar o professor a ser ele próprio um leitor, além de
um formador de leitores competentes, é preciso fomentar o debate
permanente sobre a leitura e fornecer instrumentos para que esse
debate e a prática da leitura se efetivem no ambiente escolar.
Queremos provocar a reflexão sobre formação de leitores, levando
aos professores boas experiências de munipios, como a da pequena
Iepê, no interior paulista, que já colhe resultados bem concretos de
seu investimento em políticas blicas de promão de leitura. Ou,
ainda, reflees sobre outros tipos de leitura (justificando, assim, o
“S destacado de nosso título), como a leitura de imagens fotogfi-
cas, de quadros, de músicas, da linguagem teatral etc. Nossa revista
tamm traz sugestões de trabalho pedagógico, além de opiniões e
artigos assinados por especialistas no tema.
Não propomos apenas a leitura literária, ou a leitura cotidiana, mas
a leitura como forma de participação social. O que estamos propondo
são diferentes formas de leitura que se intercalem e se complemen-
tem, com a intenção de formar um mosaico das diferentes formas de
manifestação cultural e social.
Aos professores brasileiros, boas LeituraS.
A formação de leitores
“Não propomos apenas
a leitura literária, ou a
leitura cotidiana, mas a
leitura como forma de
participação social.”
Escreva para:
Leitura
s
Secretaria de Educação Básica, Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental
Coordenação-Geral de Estudos e Avaliação de Materiais COGEAM
Ministério da Educação, Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Sala 612, Brasília/DF
CEP: 70.047-900 Telefone: (61) 2104.8636
5
LeituraS
“ELES PASSARÃO, EU PASSARINHO”
Mario Quintana completaria
100 anos em 30 de julho de
2006. Este gaúcho nascido
em Alegrete sempre foi avesso
a badalações e homenagens
dizia preferir os atentados
– mas foram muitas as pales-
tras, exposições e manifesta-
ções na imprensa por ocasião
de seu centenário. Poeta do instante capturado
e eternizado em verso, dos retratos da infância,
do humor, da ironia e do fino sarcasmo, Quin-
tana demonstra uma percepção refinada para
transformar o próprio cotidiano em poesia. Um
passeio mais atento pela obra do poeta pode tra-
zer boas surpresas. O site www.estado.rs.gov.
br/marioquintana foi criado especialmente para
comemorar o centenário do poeta. Nele, é possível
encontrar poesias, artigos, depoimentos e fotos.
no endereço www.ccmq.rs.gov.br é possível
encontrar informações sobre a Casa de Cultura
Mario Quintana, espaço cultural criado no hotel
onde o poeta morou por muitos anos.
Notas
O Museu da Língua Portuguesa,
inaugurado recentemente junto à
Estação da Luz, em o Paulo (SP), é
um monumento vivo e dinâmico de
nossa formação lingüística. Por meio
de diversos recursos audiovisuais a
mostra permanente convida profes-
sores e alunos a passearem ao longo da história de nossa língua, desde
a formação do Estado Português (e antes disso, a consolidação do latim
vulgar), passando pelas contribuições vocabulares de negros, índios e imi-
grantes, e chegando até os códigos da língua escrita na internet. Apostando
na interatividade para atrair os estudantes, o museu tem atrações lúdicas como Palavras Cruzadas, um
jogo de tótens com informações sobre as diversas influências dangua portuguesa, a Praça dangua,
que propõe uma antologia em prosa e verso regada a boa música, e o Beco das Palavras, uma divertida
brincadeira de formar palavras a partir de fragmentos que flutuam em uma mesa interativa.
No primeiro andar, com direção artística de Bia Lessa, a exposição Grande Sertão: Veredas traz fragmentos da
obra-prima de Guimarães Rosa, que podem ser lidos diretamente de reproduções de originais datilografados
pelo autor. Sons de cavalgadas e ladainhas do sertão, trechos da obra lidos pela cantora Maria Bethânia e
alguns exemplos de curiosas listas de palavras colecionadas pelo autor (tais como nomes russos, instrumen-
tos musicais com a letra C, descrições de passarinhos etc.) recriam a atmosfera e a trajetória dos principais
personagens do romance. Para quemo leu, é um estímulo para conhecer a obra, que completou 50 anos
de sua primeira edição. Aos que já realizaram a travessia do romance, serve para lembrar: “o real não está
nem na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.
O Museu da Língua Portuguesa funciona de 3
a
a domingo, das 10h às 18h, na Estação da Luz, Centro de
São Paulo. Ingressos para estudantes e professores da rede pública: 2 reais; demais visitantes: 4 reais. Para
mais informações, acesse o site www.museudalinguaportuguesa.org.br
A pátria é
minha língua
Quintana para crianças
Batalhão das Letras. Porto Alegre: Globo, 1948.
2ª Edição em 1984.
de pilão. Porto Alegre: Garatuja, 1975. Poema
narrativo que conta a história de um menino
que virou pato, com introdução de Érico Ve-
ríssimo e ilustrações de Cárcamo, faz parte do
PNBE/2005, acervo11.
Lili inventa o mundo. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1983. Coletânea de poemas selecionados
por Mery Weiss. Embora o título remeta a um
público infantil, seus textos agradam leitores
de todas as idades.
Nariz de vidro. São Paulo: Moderna, 1984. A
coletânea de textos, também selecionados por
Mery Weiss, é mais adequada para alunos do
segundo segmento do ensino fundamental.
O sapo amarelo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1984. Seguindo a linha de versos bem humora-
dos e líricos ao mesmo tempo, O Sapo Amarelo
proporciona bons momentos de leitura.
Sapato furado. São Paulo: FTD, 1994. Ilustra-
ções de André Neves. Sapato furado é, de todos
os livros infantis de Quintana, o que apresenta
temática mais densa, mas com um tratamento
que contribui para a fruição dos textos.
Divulgação
O mundo de Guimarães Rosa no Museu da
Língua Portuguesa, em São Paulo
LeituraS
6
Memória de Leituras Ricardo Azevedo
Oralidade é
porosidade
O escritor Ricardo Azevedo fala de seu fascínio
pelas histórias nascidas da tradição oral, que sofrem
inuência de quem as conta e de quem as ouve
Luiz Dantas
7
LeituraS
Quando o escritor, ilustrador e pesquisador Ricar-
do Azevedo leu, aos 16 anos, três contos infantis
de um escritor suíço chamado Peter Bichsel, deci-
diu que gostaria de escrever daquele jeito. Pouco
tempo depois, publicaria seu primeiro livro e
o pararia mais. Com dezenas de livros publi-
cados por várias editoras, a maioria ilustrada por
ele mesmo, Ricardo vem fazendo outro trabalho
igualmente importante como pesquisador da cul-
tura popular. recriou mais de uma centena de
mitos, lendas e contos do imaginário brasileiro.
Ele defende que essa cultura que tem origem na
tradão oral – incluindo suas variões musicais,
como o samba deveria ter uma presença mais
forte na escola. Ao reconhecer na forma escrita
uma história já ouvida no ambiente familiar, esta
criaa passaria a valorizar os saberes que seus
pais possuem, ao mesmo tempo em que se sentiria
estimulada a dominar a forma escrita. Nesta en-
trevista concedida ao editor de LeituraS, Ricardo
Prado, o escritor fala de seu itinerário como leitor,
suas principais influências artísticas e literárias
e onde, na sua opino, a escola acerta e erra no
esmulo à formão de novos leitores.
Como começa seu itinerário de leitor?
Eu vim de uma casa com muitos livros. Meu pai era
professor universitário de Geografia, minha e
também gostava de ler, e isso marcou muito minha
vida e de meus irmãos. Mas, se meus pais eram
ávidos leitores, eles jamais me indicaram um livro;
eles estavam para serem usados. Não me lembro
do meu pai dizer “leia tal livro”. Nós tínhamos um
sítio perto de São Paulo para onde iam os livros que
não cabiam mais em casa. Lá, quando anoitecia,
cada um escolhia um volume e mergulhava nele.
Nessa época de menino eu freqüentei” muito a
coleção Tesouros da Juventude e as condensões
feitas pelas Seleções do Readers Digest.
E Monteiro Lobato?
Eu me lembro de Caçadas de Pedrinho e Os 12 Tra-
balhos de Hércules, que li várias vezes. Mas com 12
ou 13 anos eu preferia ler outras coisas, como crô-
nicas, por exemplo. Li muito Stanislaw Ponte Preta,
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem
Braga. Acho que tive bastante influência da lin-
guagem coloquial desses autores até porque meus
leitores são, principalmente, crianças e jovens. Acho
uma pena que os cronistas estejam atualmente um
pouco esquecidos. Depois dessa fase inicial, comecei
a enveredar pela literatura adulta.
Quais eram seus autores preferidos nessa nova fase?
Albert Camus, Franz Kafka, Thomas Mann, Samuel
Beckett e John Steinbeck eram autores que estavam
muito em evidência em meados da década de 1960,
quando eu fazia o ensino secundário.
E autores brasileiros?
Machado de Assis, Lima Barreto e José de Alencar,
por exemplo, devo ter lido para a escola, mas mal
me lembro. Fui me interessar por esses autores
mais tarde. Mas falando de literatura infantil,
houve um autor marcante para mim que conheci
por meio de uma revista alemã que meu pai as-
sinava chamada Humboldt. Era uma revista que
trazia textos de autores brasileiros traduzidos para
o aleo e autores suíços e alees traduzidos
para o português. Eu tinha uns 16 anos e numa
dessas revistas li três contos para crianças de um
autor suíço chamado Peter Bichsel. Eu nunca tinha
pensado em escrever para crianças até ler esses
textos, que achei fascinantes. Adorei. E pensei:
“puxa, eu gostaria de escrever que nem esse cara”.
Mais tarde até indiquei para uma editora brasilei-
ra, que publicou esse autor que me marcou como
literatura infantil, mais do que qualquer outro.
Ele traz um certo peso, discute algumas questões
que não interessam apenas às criaas.
“Eu entendo que a
literatura infantil é
uma ramicação de
uma literatura popular
marcada pela oralidade,
por certos temas
universais amplos,
compartilháveis por
muitos.”
LeituraS
8
Memória de Leituras Ricardo Azevedo
Vorejeita essa classicação de “literatura
para crianças”?
Sim, sou contra se fazer um tipo de livro específico
para criança porque isso faz supor que exista uma
criança específica o que eu acho complicado. Se
você direciona um livro para uma determinada faixa
etária significa que ele é um livro didático, que, na
escola, as crianças são divididas de acordo com faixas
de idade. Mas na literatura lidamos com um univer-
so de assuntos subjetivos, conflitos e ambigüidades
que cada um tem dentro de si que faz com que esse
tipo de divisão seja absurdo. Mas é claro que, pelo
fato de usar mão de muitas personagens infantis
e praticar uma linguagem mais acessível, faz com
que a criança ou o jovem se identifique com meus
livros. Eu entendo que a literatura infantil é uma
ramificação de uma “literatura popular”, marcada
pela oralidade, por certos temas universais amplos,
compartilháveis por muitos, enquanto a literatura
adulta trabalha com temas mais específicos.
Quais temas costumam ser muito usados na chamada
literatura infantil ou popular, como você chama?
A busca da identidade, do autoconhecimento, os
conflitos do novo contra o velho estes são temas
clássicos, usados também pelos contos populares,
pelas histórias de encantamentos. Você pega, por
exemplo, a história da Branca de Neve, na qual existe
uma mãe (ou madrasta) que é linda e o espelho rea-
firma isso a todo momento e que, num determinado
dia, descobre que a filha é mais bonita que ela e
manda matar a filha! Isso é um tema da luta entre
gerações, antiqüíssimo, que fascina a todos nós.
A escola costuma negligenciar esse tipo de
literatura popular?
Na minha visão, desde o momento em que a criança
aprende a ler, ela deveria saber que existem textos
que são utilitários que trazem informações con-
cretas, funcionais e também outros tipos de textos,
de ficção, em prosa ou verso, que trazem uma série
de maneiras de se lidar, por meio do texto, com
a subjetividade. Em relação à literatura popular
(quadras, adivinhas, contos de espanto, esse tipo
de texto que vem da tradição oral) um aspecto
muito importante: quando um professor apresenta
um conto popular, uma adivinha, a criança que
tem os pais pouco letrados tem a oportunidade de
reconhecer naquela história algo familiar. “Minha
avó sabe contar essa história...” Assim, pode-se criar
um círculo virtuoso, essa criança pode voltar, no
dia seguinte, com um livro, para mostrar aos seus
pais que aquela história que eles conhecem também
tem na escola. Como 80% da população brasileira
se encontra muito próxima da cultura popular, da
linguagem oral, inclusive por influência da música,
esse tipo de literatura deveria estar mais presente na
escola, na minha opinião.
E como trazer essa cultura para a sala de aula?
uma série de autores, como mara Cascudo,
Lindolfo Gomes e outros, que pesquisaram contos
populares. Trazer isso pode motivar os alunos a
irem buscar essa tradição em suas falias. Em
Canoas, na Grande Porto Alegre, em uma comu-
nidade bem carente, eu presenciei uma feira de
cultura popular em uma escola que foi maravi-
lhosa, inesquecível. Uma professora havia estado
em uma palestra minha em Passo Fundo sobre o
valor da cultura popular e levou aquilo pra escola.
Eu fui convidado, estive no ano passado. Eles
coletaram receitas culinárias das avós, adivinhas
entre os parentes, as tradições de artesanato etc.
Havia um orgulho naquelas pessoas em mostrar
seus saberes, se identificarem com uma cultura,
uma tradição, até porque são pessoas que, muitas
vezes, se sentem como almas penadas culturais”
em meio à cultura letrada onde estão inseridas. A
música também pode ser uma belíssima introdução
à literatura. É claro que precisa haver preparo, não
pode ser a música preferida do professor, é preciso
apresentar propostas de trabalho a partir delas.
“Como ilustrador, procuro desenhar aquilo que o texto não diz.”
Luiz Dantas
9
LeituraS
Você deve ter encontrado histórias por aqui que
também têm versões em outros lugares, não?
É difícil identificar a origem dessas histórias. É certo
que boa parte delas vem de Portugal, também as
de origem árabe, as indígenas, as africanas, e isso,
aos poucos, foi dando numa mistura total. Uma
tradão africana ouvida por alguém de outra origem
pode resultar numa outra hisria com alguma coisa
em comum. Oralidade é porosidade, não tem nada
fixo, nem a moral. Você ouve uma história, adap-
ta, improvisa, muda. Não me interessa pesquisar a
origem dessas histórias. Elas são contadas
e recontadas porque são boas. São essas
que eu tento identificar.
Por que esse conhecimento é tão pouco
valorizado?
Eu acho que pelo fato de ser uma cultura
informal, espontânea. Os contos populares
o m autoria e m do povo, e o que vem
do povo, infelizmente, é desprezado neste
país. Mas não por todos. Se você pegar três
ícones de nossa cultura – Guimarães Rosa,
Heitor Vila Lobos e Tom Jobim todos
beberam nessa fonte. E talvez isso seja o
que mais os tenha enriquecido. outros:
Mario de Andrade, com Macunaíma, ou
José Cândido de Carvalho, que escreveu O
Coronel e o Lobisomem, anda esquecido, mas
é muito bom.
Além de escritor, você é ilustrador. Qual é, na sua
opinião, o papel da ilustração em um livro?
Muitas vezes ela é apresentada como mero reflexo
do texto, com uma função utilitária – como as que,
num manual de proprietário de um carro, ilus-
tram onde fica tal peça etc. Assim, a ilustração fica
com uma função acessória e se submete ao texto.
Quando se fala de literatura de ficção, a primeira
situação é termos alguns leitores que lêem muito
mal. Nesse caso, as imagens precisam estar coladas
ao texto, colaborando no esclarecimento, para que
esse leitor pouco aparelhado consiga compreender
do que aquela história trata. que a maioria dos
leitores de literatura, quando ganha mais autono-
mia, gosta de lidar com a imagem de outra forma,
mais descolada do texto. Eu próprio já errei muito,
desenhando exatamente aquilo que o texto diz.
Hoje penso diferente, procuro desenhar aquilo que
o texto não diz.
Como é seu processo de criação, você segue
algum método?
Trabalho rias idéias simultaneamente, que podem
surgir com uma personagem, uma situação, uma
notícia. Aquilo vai amadurecendo, pode levar anos.
Eu tenho uns cadernos há muitos anos só com re-
cortes de jornais que me chamam a ateão [Ricardo
se levanta e pega na estante dois grossos volumes
encadernados]. Veja isto: “Papagaio grita e é salvo de
ladrões.Alemão é preso com 102 aranhas.” Nunca
usei uma idéia dessas, nenhuma. Minha intenção era
que isso aqui me trouxesse idéias. que, de uma
certa forma, eu uso esses cadernos para soltar minha
imaginação. De vez em quando eu estou escrevendo,
paro, abro esses cadernos e parece que a leitura dessas
nocias tem um efeito sobre mim de me fazer sair do
meu próprio umbigo. Essas histórias são uma prova
cabal de como o mundo é rico, que acontecem coisas
espantosas. Veja esta notícia, que recortei nesses dias:
“’Estou vivo!’, berra o homem dentro do caio”.
Minha cabeça se abre junto com essas histórias...
A vida é muito mais realista e fantástica do que o
mundo que qualquer escritor é capaz de criar. E isso
aparece todos os dias nos jornais.
“Guardo esses recortes de jornais para soltar minha imaginação.”
LeituraS
10
Um conto,
duas versões
De uma mesma situação cômica (um bicho preguiça com pressa) nascem
duas histórias e um estimulante exercício de comparação de linguagem
O bicho-preguiça estava parado quieto, trepado no ga-
lho da árvore. Sua filha estava trepada quieta, parada
num outro galho. De repente, ela disse:
Pai, estou sentindo uma dorzinha esquisita dentro
na barriga. Acho que vou parir logo.
Tempos depois, o bicho-preguiça desceu da árvore e ficou
pensando. Mais tarde, saiu andando devagar, quase
parando. Foi procurar uma parteira.
Foi, foi, foi. Andou, andou, andou. Seguiu, seguiu,
seguiu.
No meio da viagem, o bicho-preguiça tropou numa pedra
e machucou o dedinho do pé. Ficou um pouco nervoso:
– É isso que dá andar nessa pressa danada!
E seguiu, seguiu, seguiu. E andou, andou, andou. E
foi, foi, foi.
A preguiça
Estando a filha com dor de parir, saiu a preguiça em busca da parteira. Sete anos depois ainda se achava em
viagem, quando deu uma topada. Gritou muito zangada:
– Está no que deu o diabo das pressas...
Afinal quando chegou em casa com a parteira, encontrou os netos da filha, brincando no terreiro.
(recolhido por João da Silva Campos. in: MAGALHÃES, Basílio de. O folclore no Brasil, Edições Cruzeiro, 1960)
Acabou chegando na casa da parteira. Passou um tem-
po, o bicho-preguiça bateu na porta e disse:
Dona parteira, é urgente. Vamos em casa que o
filho da minha filha está pra nascer.
A parteira era bicho-preguiça também. Dias depois,
abriu a porta devagar e respondeu:
– Calma aí que eu já estou indo!
O tempo correu e bem mais tarde os dois partiram.
Foram indo, foram indo, foram indo. Foram seguindo,
foram seguindo, foram seguindo. Foram andando,
foram andando, foram andando.
No fim, quando chegaram de volta, escutaram uma
barulheira. Eram os filhos do filho da filha do bicho-
preguiça brincando devagarinho no terreiro.
O lho da lha do bicho-preguiça
(AZEVEDO, Ricardo, Contos de bichos do mato, Ática, 2005)
Orientação Didática 1
11
LeituraS
Usa e abusa de repetição: Tal pai, tal filha
O bicho-pregua estava parado quieto, trepado no
galho da árvore. Sua filha estava trepada quieta,
parada num outro galho.
Três vezes três:
Foi, foi, foi. Andou, andou, andou. Seguiu, seguiu,
seguiu.
E seguiu, seguiu, seguiu. E andou, andou, andou.
E foi, foi, foi.
Foram indo, foram indo, foram indo. Foram se-
guindo, foram seguindo, foram seguindo. Foram
andando, foram andando, foram andando.
Eram os filhos do filho da filha do bicho-preguiça...
Usa muitas expressões que mostram a passa-
gem do tempo e o modo como se comporta o
bicho-preguiça ante a urgência: lento, muito
lento, lentíssimo, como convém a preguiças
e a histórias engraçadas:
Tempos depois, o bicho-preguiça desceu da
árvore e ficou pensando.
Mais tarde, saiu andando devagar, quase
parando.
Passou um tempo, o bicho-preguiça bateu na
porta...
Dias depois, abriu a porta devagar...
O tempo correu e bem mais tarde os dois
partiram.
O conto que era pra de engraçado, ficou
mais engraçado ainda! É isso que escrever
sem essa pressa danada!
Do escrito para o escrito
por Maria José Nóbrega
Com prositos diferentes, muitos escritores recontam histórias a partir de versões escritas produzidas
tanto por pesquisadores, como por escritores. Reconhecendo o valor dessas narrativas, inscrevem-
se na corrente de contadores só que agora não mais da tradição oral, mas da tradição oral-escrita.
Com isso, um número maior de leitores pode apreciá-las: encantar-se com elas, emocionar-se com
elas, divertir-se com elas.
É o que fez o escritor Ricardo Azevedo, o entrevistado desta edição de LeituraS, com a divertida O
filho do filho da filha do bicho-preguiça que reconta A preguiça, uma versão do conto recolhida por
João da Silva Campos. A ação que deflagra o conflito na história é a iminência do nascimento do filho
da filha da preguiça. Está lançado o mote. O conto brinca com a oposição criada pela proximidade
do parto e a demora no atendimento. Extrai humor da hipérbole, isto é, do exagero.
Ricardo de Azevedo, sem perder a piada, escolhe narrar tudo muito devagar, devagar, devagarzinho
em câmera lenta o que deixa o texto muito mais engraçado, não apenas pelo que acontece na
história, mas também pelo jeito como a conta. Veja alguns dos recursos que ele emprega:
Ricardo Azevedo
12
Iepê, cidade
que lê
No município paulista de sete mil
habitantes, livros não cam em
caixas nem param nas prateleiras
Reportagem de Maria Lígia Pagenotto
Fotografias de Luiz Dantas
Q
uando assumiu, há um ano
e meio, a direção pedagógica
da Escola Municipal de Educação
Fundamental João Antônio Rodri-
gues, em Iepê, a 540 quilômetros
da capital paulista, Ieda Maria
Monteiro logo tratou de promo-
ver mudanças na biblioteca. Livros
dispostos ao acaso em prateleiras
escuras, paredes vazias e cores
apagadas não combinavam com
ela – um lugar assim, na opinião
da pedagoga, jamais chamaria a
atenção da criançada. “Biblioteca
tem de ter vida”, prega.
13
LeituraS
A mudança começou pelas cores. Móveis escuros
foram repintados em tons vivos. A mesa e as ca-
deiras para leitura foram trocadas de lugar na sala,
de modo que o espaço fosse melhor aproveitado.
Sofá macio, cortinas para diminuir a luminosidade
e um tapete aconchegante terminaram por compor
o novo ambiente. As paredes, porém, ainda pediam
algo. Foi então que recebemos uma coleção de arte,
e tivemos a idéia de enquadrar os pôsteres”, lembra
Ieda. Conta a pedagoga, ela mesma ex-aluna da es-
cola e leitora voraz desde seus tempos de garota, que
a Biblioteca Olavo Bilac existe cerca de 30 anos
e foi ela, junto com outros colegas, quem ajudou a
criar o espaço.
Em cada classe, do 1º ao 5º ano, há um lugar bati-
zado de Cantinho da Leitura”, com estantes cheias
de livros provenientes do acervo do Programa Na-
cional Biblioteca da Escola (PNBE). Quando chegam
as obras, separamos o que pode interessar a cada
ano. Uma parte fica na biblioteca enquanto outros
livros são espalhados pelos cantinhos das salas de
aula, para os alunos manusearem diretamente”, diz
Ieda. A professora Marta Atencia, do ano, explica
que o sentido do “cantinho” é facilitar ao máximo
o acesso da criança ao livro. É para estimular,
mesmo, a curiosidade deles. Deixo-os manusearem
à vontade, disputarem o livro”, revela. Quem qui-
ser, leva um para casa, que deve ser devolvido na
semana seguinte.
Expressando o que sente
É nesta faixa etária, na qual a criança começa a se
alfabetizar, que a professora explora ao máximo o
recurso de contar histórias para os pequenos. Ela
monta com os alunos fichas das palavras ouvidas
durante a narrativa e, depois, pede para eles escreve-
rem essas palavras. “É muito fácil ver os progressos
na criança que tem mais estímulo para a leitura e
sabe aproveitar isso ela se diferencia das demais
em todas as matérias”, acredita Marta, professora
há 17 anos.
A mesma opinião tem Márcia Regina Costa Cardo-
so, professora do ano. Ela chama atenção para
os avanços conquistados nas aulas de Matemática,
especialmente. Os alunos não liam os problemas
com atenção ou, se liam, não compreendiam
queriam logo saber se era conta de ‘mais’ ou de
‘menos’ , tinham preguiça de tentar entender”,
recorda-se. Segundo ela, o quadro começou a mu-
dar quando foi introduzida a pedagogia de projetos
na escola. Com ela, a leitura, aos poucos, ganhou
mais importância na escola. “No meu cantinho da
leitura tem de tudo, estou sempre falando para eles
levarem livros para casa, mostrarem para os pais,
os amigos”, afirma Márcia. Acho que com isso eles
passaram a ler melhor nas entrelinhas. A Matemá-
tica ficou mais clara, o problema ficou mais fácil de
ser solucionado”, diz.
Alunos da 3ª série consultam fichas de leitura: acesso facilitado aos livros é extensivo aos pais
14
LeituraS
A cada semana, a Escola João Antônio Rodrigues
promove o projeto Sala de Leitura. Os alunos das
diferentes séries escolares se revezam, eno, para
ouvir histórias contadas pela monitora Débora
Adna Palma Rocha, de 20 anos, estudante de letras
e ex-aluna da escola.
Ao final da leitura, realizada na biblioteca, eles são
estimulados a produzir algum trabalho sobre o que
foi lido. “Pode ser um texto, uma dramatização, um
desenho, o que quiserem”, explica a jovem. Depois
fazemos uma exposição num painel pregado na
parede da biblioteca, e renovado semanalmente.
“Nossa proposta, com isso, é fazer o aluno perder o
medo de expressar o que sentiu com aquela leitura”,
explica a pedagoga Ieda Monteiro.
Neste dia também cada aluno escolhe um livro da
biblioteca para levar para casa. Depois, na sala de
aula, quem quiser comenta sobre o que leu. “Não é
uma tarefa obrigatória, mas sim uma forma de esti-
mular o contato com o livro. Penso que se a criança
não leu naquela semana, alguém da casa pode ter
lido, ao menos folheado o livro”, argumenta Ieda.
Filhos e pais que lêem
A professora da turma do ano da João Antônio
Rodrigues, Elcimara Gomes da Mota, acha que o livro,
para os alunos de Iepê, desperta especial interesse
porque se destaca na realidade doméstica das criaas.
O munipio é pequeno, poucos alunos têm compu-
tador em casa, o livro chama ateão”, argumenta.
Para ela, um diferencial importante da escola está em
envolver os pais nas atividades de leitura dos alunos.
“Isso é feito nos finais de semana, quando acontecem
oficinas de leitura. Os pais são incentivados a pegar
livros na biblioteca e a escrever”, explica.
A responsável pela cozinha da João Antônio Rodri-
gues, Cássia Regina Pelim Damásio, é uma das mães-
leitoras de Iepê, além de funcionária da escola. Suas
três filhas herdaram o gosto pelos livros. Adoro revis-
tas e livros. O estilo varia pode ser Érico Veríssimo,
Machado de Assis ou Sidney Sheldon”, diz Cássia.
Sua filha mais velha, Carolina, de 22 anos, estu-
dante de Direito, é responsável pela brinquedoteca
de Iepê, que funciona junto à Biblioteca Municipal,
na praça mais movimentada da cidade. Quem cuida
deste espaço é uma organização não-governamen-
tal, a Amigos da Cultura, formada em sua maioria
por jovens que curtem saraus literários e musicais
uma irmã de Carolina, Juliana, de 19 anos,
também faz parte do projeto. Na brinquedoteca,
Carolina promove oficinas de leituras com crianças,
entre outras atividades. Ela gosta tanto das letras
que, junto com o amigo Anderson Douglas da Sil-
va, estudante de Pedagogia, animou-se a escrever e
produzir um livro de poesias e reflexões, publicado
com recursos próprios.
Primeiras leituras
Na Escola Municipal de Educação Infantil Dona
Juventina Zago de Oliveira, para crianças de zero a
seis anos, os alunos fazem poesias e participam de
saraus, da mesma forma que os maiores. “Temos
leitura todo dia e um cantinho para livros nas clas-
ses”, diz a diretora Vera Lúcia Braga Dias. “Eles estão
começando a conhecer as letras. Eu leio e eles recon-
tam a história a seu modo, atividade que adoram”,
afirma a professora do Pré Eliene Nunes.
Rosicia Barreto, mãe de dois alunos da escola, es
feliz com o todo utilizado e acha que se a criança
o pega no livro desde pequena o aprende nunca a
usá-lo. Não tenho muito tempo para ler para minhas
crianças, meu marido é quem lê. As crianças cobram
da gente, trazem sempre livros para casa.”
No município só não tem contato com livros quem
não quer mesmo. No Espaço Amigo Casa da Crian-
ça, mantido pela prefeitura, destinado a ocupar os
pequenos com atividades fora do horário escolar,
uma sala especialmente dedicada aos livros infantis.
as crianças se sentam em roda e ouvem histórias,
desenham sobre o que ouviram e produzem todo
tipo de textos.
Município bem avaliado
Em Iepê parece haver um apreço especial pelas ativi-
dades literárias. A leitura sempre foi bem trabalhada
nas escolas aqui”, conta Maria Alves da Silva Ruela,
assessora técnica da atual Secretária Municipal de
Educação, Aliete Aparecida Bispo da Silva. No dia 24
de junho, data de fundação de Iepê, o município se
mobiliza em torno de uma grande festa e os alunos
das três escolas duas municipais e uma estadual
apresentam seus trabalhos. Este ano muitos iriam
recitar poemas produzidos ao longo do primeiro
semestre nas salas de aula.
O incentivo à leitura rendeu à cidade resultados
quantificáveis, tanto no Sistema de Avaliação de
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp),
15
LeituraS
realizado pela Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo, quanto no Prova Brasil, avaliação que
veio complementar o Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica e foi realizada, pela primeira vez,
em 2005. Segundo dados da última avaliação, na
qual, pela primeira vez, foi divulgado o desempenho
de cada escola, a média da Escola Municipal João
Antônio Rodrigues, a única administrada pela pre-
feitura, foi de 183,16 pontos em Língua Portuguesa
e 187,33 em Matemática, no nível de ensino equi-
valente à série (o total possível era de 350 pon-
tos). Para se ter uma idéia, esta colocação deixaria
Iepê em quarto lugar em um ranking com todas as
capitais de estado perdendo para Campo Grande
(MS), Curitiba (PR) e Belo Horizonte (MG). A capital
paulista teve médias bem abaixo disso: 160,42 em
Língua Portuguesa e 166,86 em Matemática.
As escolas municipais não são obrigadas a partici-
par da avaliação, mas a Escola Municipal de Ensino
Fundamental João Annio Rodrigues, segundo Ieda
Monteiro, optou por ser testada já há ts anos, com
o Saresp. É importante para nós, porque montamos
nossos projetos didáticos baseados nos resultados das
avaliações, argumenta. A diretora da escola, Márcia
Regina Maciel, assegura que o bom desempenho no
Saresp e no Prova Brasil apenas corroboram os avanços
que ela sente no dia-a-dia com as crianças. Percebo
que estão menos tímidos, conversam mais, interro-
gam. Acho que se realizam diante dos livros e os pais
também notam as mudanças, tanto que comentam e
procuram ler mais tamm.
A mesma satisfação em ver os progressos dos alu-
nos pode ser sentida na Escola Estadual Annio de
Almeida Prado. Em 2005, dois alunos do e do 7º
ano obtiveram 100% de acertos em Português na
avaliação feita pelo governo estadual. “Sabemos que
compreendendo o que lê, o aluno se sai melhor em
todas as disciplinas, afirma o diretor da única escola
de ensino médio do município, Francisco gis Zago.
Como exemplo, ele cita o desempenho dos alunos na
Olimpíada de Química do Estado. A escola foi uma das
100 selecionadas, entre cinco mil, para participar de
um evento na capital paulista.
Parte do progresso obtido diante das palavras é credita-
do na escola ao professor de Português, lvio de Lima
Rocha. Ele é responsável pelas aulas de leitura e assume
que seu entusiasmo pelos livros tem contagiado os
alunos. Ensino a eles que quanto mais concentrados
num texto, mais eles viajam, se tornam criativos. Na
classe, mantenho uma estante de livros e digo que para
aprender é preciso mergulhar no texto.
Sílvio Rocha, professor de Português: entusiasmo pelos livros contagiou a turma
16
LeituraS
Iepê tem uma biblioteca municipal com cerca de
nove mil livros catalogados. Mas o trabalho ainda
não foi concldo, segundo a responsável pelo lugar,
Dorothea Zaganini. 10 anos no posto, ela conta
que tem conseguido fazer da biblioteca um ponto
de encontro importante dos jovens da cidade, seu
sonho desde que assumiu.
“Estamos localizados na praça onde eles se reú-
nem, ao lado da lanchonete principal. Quero que
eles gostem cada vez mais daqui”, diz. À frente do
trabalho de catalogação está Angelita Maria de
Souza, estudante de Letras, também integrante da
ONG Amigos da Cultura. “Já fizemos muito sarau
de poesias aqui. Sempre temos alguma programa-
ção”, explica.
a Biblioteca Olavo Bilac, da Escola João Antô-
nio Rodrigues, tem um acervo de cerca de 4 mil
obras. A estudante de Letras bora Rocha, ao
lado da pedagoga Ieda Monteiro, é quem ajuda a
cuidar do espaço. “Temos um caderno de controle,
para marcar que livro saiu, qual o autor, o gêne-
ro da obra, quando saiu e para quem foi. Cada
pessoa pode ficar uma semana com o livro, mas
esse prazo é renovável,
diz Ieda. Ela argumenta
que não cobra multa
por atraso porque não quer que ninguém
tenha medo de pegar livro. “Isso pode
assustar as pessoas”.
A biblioteca escolar é aberta a toda co-
munidade qualquer pessoa da cidade
tem acesso aos livros, revistas e também
deos e DVDs.
Todas as salas de aula da Escola Estadual Antonio
de Almeida Prado contam também com uma bi-
blioteca de classe, montada com livros doados pelo
MEC. Maria Damásio, responsável pela biblioteca
da escola afirma que, embora o local seja muito
procurado pelos alunos para pesquisas, sente falta
de que os mais jovens retirem mais livros para de-
leite próprio, com o único objetivo de usufruirem
o prazer de uma boa leitura. “Se eles soubessem o
que perdem quando não lêem, não é?” Mas, para
satisfação de Maria Damásio e outros adultos, os
estudantes desta pequena cidade-leitora talvez
estejam, aos poucos, descobrindo o que m a ga-
nhar mergulhando em páginas e mais páginas de
boas histórias. É assim que a pequena Ie está
fazendo a sua própria história.
Portas e livros abertos
à comunidade
Iepê tem uma
biblioteca
municipal
com cerca de
nove mil livros
catalogados.
Biblioteca Municipal: 9 mil
livros para 7 mil habitantes
Presença marcante de estudantes
e saraus dinamizam o espaço
Márcia Regina Maciel, diretora da escola
municipal, com o aluno Natan Silva:
alunos menos tímidos
LeituraS
17
Por Edmir Perrotti*
Pequeno município do interior de São
Paulo, Iepê vem tempos trabalhan-
do para se tornar uma Cidade-Leitora.
Com isso, já está obtendo resulta-
dos que o destacam em avaliações
estaduais e nacionais de Educação.
Afinal, ter domínio do código escrito
é, sabidamente, condição essencial e
primeira de aprendizagem. Daí que
apostar na leitura é tiro certo.
Todavia, cidades-leitoras não são obra
do acaso, nem se constituem por ma-
gia, milagre ou decreto. Elas resultam
de uma história, de visões e de opções
políticas por educação de qualidade,
por inclusão de todos nos circuitos do
conhecimento e da cultura.
Não nascemos leitores. A formação
de leitores é uma tarefa de vida toda.
Ler não é um simples fato biológico.
Apesar de envolver visão, neurônios
e outros aspectos fisiológicos, é um
ato eminentemente cultural, é pro-
dução de significados. Daí implicar,
necessariamente, opções e ações
políticas, mobilização pública, além
de recursos que o dos materiais
aos saberes e competências diversas
e especializadas. As cidades-leitoras
somente podem ser formadas nesse
movimento dinâmico e permanente
envolvendo, além dos próprios leito-
res, autoridades, famílias, instituições
culturais como bibliotecas, casas de
cultura, escritores, livreiros, editores,
educadores, agentes culturais e inú-
meros outros mediadores.
Os sistemas educativos têm um papel
central em tais processos. Assim, do
ponto de vista das redes escolares,
além da prioridade às aprendizagens
necessárias à inclusão e apropriação da
cultura da escrita, que se orientar e
preparar as equipes pedagógicas para
atuarem nesse sentido. E, por equipes
pedagógicas, entenda-se os quadros
ligados direta e indiretamente à Edu-
cação, de autoridades postadas nas
Secretarias de Educação aos profes-
sores. Pecam as iniciativas centradas
exclusivamente nestes últimos. O ato
educativo não é fenômeno isolado.
O nascimento das cidades-leitoras
Especialista em políticas públicas de promoção à leitura e
implantação de bibliotecas reflete a respeito da experiência de Iepê
dicionais, como também, as telas dos
computadores, o visor dos celulares,
os outdoors nas ruas e muitos outros
veículos contemporâneos que alte-
ram a escrita e nossas relações com
ela. Por outro lado, como no nosso
tempo as mensagens escritas agregam
outras linguagens, é preciso estabele-
cer conees entre linguagem escrita
e as linguagens orais, audiovisuais,
gestuais, num processo dinâmico de
mobilização e conexão multimidtica.
Atentos à especificidade e às exigências
de cada tipo de linguagem, é preciso
colocá-las, todavia, em relação umas
com as outras.
Neste século XXI precisamos colocar
nossos estudantes em contato con-
tínuo e vivo com as mais variadas
fontes do conhecimento. Precisamos
criar espaços múltiplos e dinâmicos de
leitura e informação, na escola e fora
da escola. Precisamos criar oportuni-
dades diversificadas de aprendizagem,
possibilitar experiências culturais
alargadas aos estudantes nas chama-
das “sociedades do conhecimento”.
Nesse sentido, as crianças e os jo-
vens de Ie não aprendem apenas
a reconhecer os signos e utilizá-los
para realizar seus deveres escolares;
eles os utilizam nas mais diferentes
situações cotidianas, em interações
que se espalham da escola para a vida
e desta para a escola, num movimen-
to permanente de conhecimento e de
reconhecimento do outro. A palavra e
o mundo, como queria Freire, se con-
jugam. Vive-se e respira-se, no dia-a-
dia de Iepê, a experiência da escrita em
suas variadas manifestações.
Iepê permite vôos e sonhos altos a
seus habitantes e a nós todos. Mais
que um exemplo, um desafio é lan-
çado! Que tal, caro leitor, sua cidade
tornar-se, ela também, leitora?
“O ato educativo não
é fenômeno isolado.
Insere-se numa trama
constituída por
diferentes agentes
educativos com
diferentes formações
e funções.”
* Edmir Perroti, professor aposentado da Universidade de São Paulo com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação,
assessorou projetos de promoção à leitura em diversas prefeituras, como as de Jaguariúna (SP) e São Bernardo do Campo (SP).
Insere-se numa trama constituída
por diferentes agentes educativos com
diferentes formações e funções.
O conhecimento não nos chega de
pronto; é fruto de esforços e aproxi-
mações permanentes e indispenveis.
Daí demandar a adoção de políticas
de formação continuada em leitura,
tendo por alvo, como dissemos, os
quadros profissionais que atuam na
Educação. É preciso envolvê-los, tor-
ná-los leitores, antes de mais nada.
Sem isto, não haverá solução.
Além disso, é preciso uma consciência
clara de que não é possível formar
leitores na atualidade sem consi-
derar que a escrita vem ganhando
contornos específicos de nossa épo-
ca. Se continuamos a ler em livros,
jornais, revistas, lemos também em
outros e novos suportes que abrem
possibilidades até então inexistentes
para a escrita. Num mundo onde
espocam mensagens de todo lado, é
preciso aprender a ler os suportes tra-
18
Orientação Didática 2
Trabalhos com
contos populares
“Os Contos da Nossa Cidade” e “Conto
e Reconto”: dois projetos didáticos de
leitura e escrita que podem conquistar
sua turma para o mundo dos livros
Por Maria José Nóbrega,
consultora pedagógica de LeituraS
C
oloridos, carregados de sen-
tidos cujas raízes remontam
a tempos imemoriais, a lingua-
gem dos contos tradicionais
alimenta a imaginão dos lei-
tores e abre espaços simbólicos
para compreender a si mesmos
e ao mundo. Não é a toa que
diversos escritores se encantam
com os contos (leia, nesta mes-
ma publicação, entrevista com
o escritor Ricardo Azevedo). A
aproximação da escola com as
manifestões culturais de seu
entorno permite construir pon-
tes entre o oral e o escrito; entre
a ngua em sua variedade oral e
as chamadas variedades cultas.
A proposta a seguir é trabalhar
os contos populares dentro da
Pedagogia de Projetos. A carac-
terística essencial de um projeto
de trabalho é ter um objetivo
compartilhado por todos os
envolvidos para se chegar a um
produto final, em função do qual
todos trabalham. Além disso,
os projetos permitem dispor do
tempo didático de forma flexível,
pois sua duração corresponde
ao tempo necessário para se
alcançar um objetivo: pode du-
rar dias ou alguns meses. Para
sua execão é preciso planejar,
prever, dividir responsabilidades,
aprender conhecimentos espe-
ficos relativos ao tema em ques-
o, usar recursos tecnológicos,
aprender a trabalhar em grupo,
controlar o tempo e, por fim,
avaliar os resultados em fuão
do plano inicial.
LeituraS
19
Projeto “Contos de
Nossa Cidade”
Objetivos:
Ampliar o repertório de contos tradicionais.
Conhecer os contadores de hisrias do município.
Identificar diferenças entre a modalidade oral e a
escrita da língua.
Editar e revisar textos.
Desenvolvimento:
Proponha aos estudantes que investiguem, entre
os moradores mais antigos da comunidade, se
algum contador de história ou alguém dis-
posto a contar para a turma contos populares
da rego.
Agende uma data em que as pessoas convidadas
possam comparecer à escola e contar suas histó-
rias. Se possível, grave em vídeo ou fita cassete
para que, posteriormente, os estudantes possam
usá-las para transcrever os contos selecionados e
organizar uma antologia.
Finalizadas as apresentações, organize a turma
em grupos, para editarem os contos recolhidos.
Peça que transcrevam o conto da maneira como
foi falado e, depois, realizem apenas os ajustes
necessários para converter o texto falado em uma
peça escrita, buscando preservar o sabor da versão
oral e o estilo do contador. Se esta etapa do traba-
lho puder ser desenvolvida na sala de informática,
ficará muito mais fácil realizar as atividades de
reescrita e de revisão dos textos.
Concluída a etapa anterior, é hora de escolher um
título para a coletânea. Pode ser o título de um dos
contos, como é comum acontecer em antologias de
contos, crônicas e poemas. E se cada conto ganhas-
se uma ilustração? E qual deve ir para a capa?
Ajude-os a decidir a seqüência dos contos para
elaborar o sumário. Seria interessante, ainda, in-
cluir uma pequena biografia dos contadores que
participaram do projeto.
Projeto “Conto e
Reconto”
Objetivos:
Ampliar o repertório de contos tradicionais.
Apreciar o estilo de diferentes escritores, identi-
ficando e analisando as escolhas estilísticas que
realizam ao recontar um conto tradicional.
Refletir a respeito das operações envolvidas no
reconto de uma história: omissões, acréscimos,
inversões, substituições.
Editar e revisar textos.
Recontar histórias possibilita aprender a respeito do
funcionamento da linguagem escrita. Recontar não
é mera reprodução, é recriação, pois ainda que o
escritor tenha o compromisso de preservar o enredo,
imprime à história seu estilo próprio. A proposta a
seguir permite que os estudantes ampliem seu re-
pertório de contos, bem como aprendam a ajustar a
linguagem às suas intenções comunicativas, isto é,
aos efeitos que esperam provocar em seus leitores.
Desenvolvimento:
Com a ajuda dos estudantes, faça um levantamen-
to das antologias de contos populares disponíveis
no acervo da biblioteca municipal, escolar ou da
sala de leitura.
Promova a leitura de vários contos, diversificando
os leitores: ora você lê para a turma, ora um dos
estudantes para os colegas um texto preparado
previamente.
Dedique algumas aulas para que os estudantes
possam comparar diferentes veres de um mesmo
conto, como sugerimos acima, e, assim, possam
identificar as marcas do estilo de cada autor.
Organize a turma em duplas e peça que selecio-
nem um dos contos para produzir uma nova
versão para ele. A partir dos exemplos comenta-
dos, proponha que, antes de começar a escrever,
pensem como querem recon-lo: substituindo
palavras difíceis por outras mais simples para
LeituraS
20
facilitar a compreensão, resumindo alguns
trechos para evitar digreses, transformando
passagens de seqüência narrativa em diálogo
para dar maior leveza etc.
Após a prodão, reserve algumas aulas para
reformular o texto. Afinal, um texto bem escrito
é normalmente fruto de sucessivas versões. Para
facilitar essa fase do trabalho, você pode promo-
ver o intercâmbio entre as duplas: uma dupla
compara as duas versões do conto escolhido pela
outra, elaborando uma pauta com sugestões para
a revisão. Insista que a proposta não é deixar o
Os contos
tradicionais no Brasil
1
Luís da Câmara Cascudo no PNDE:
Faz de conto. Luís da Câmara Cascudo e outros, Global, PNBE 2002.
Contos tradicionais do Brasil. Luís da Câmara Cascudo, Global, PNBE 2003.
A princesa de Bambuluá. Luís da Câmara Cascudo, Global, PNBE 2005 (Acervo 7)
O marido da mãe d’água e A princesa e o gigante. Luís da Câmara Cascudo, Editora Gaia, PNBE 2005 (Acervo 15).
2
As obras de Sílvio Romero – Cantos Populares do Brasil e Contos Populares do Brasil – são publicadas pela Editora Itatiaia, Editora
da Universidade de São Paulo.
Orientação Didática
texto ficar igual ao modelo, mas potencializar as
intenções de cada dupla.
Concluídas as atividades de edição e de revisão, ela-
bore o sumário e, lembre-os de incluir a referência
bibliográfica dos contos que foram recontados. O
formato que a publicação vai assumir dependerá
das condições da escola e da comunidade: pode ser
uma versão digital para leitura na página da escola
na internet, uma brochura com os textos digitados e
formatados com cuidado ou, até mesmo, uma edição
manuscrita com caligrafia caprichada.
O estudioso do folclore brasileiro Luís da Câmara Cascudo
(1898-1986)
1
, no prefácio que produz para Cantos Popula-
res do Brasil
2
, de Sílvio Romero (1851-1914) afirma que esta
obra e Contos Populares do Brasil constituem o primeiro
documentário da literatura oral brasileira”. A trilha aberta
pelo crítico, folclorista e historiador da literatura brasileira
foi percorrida, depois, pelo próprio Cascudo e por muitos
outros escritores e pesquisadores.
Outro pioneiro é, sem dúvida, Figueiredo Pimentel (1869-
1914) com Contos da Carochinha. Preocupado em popula-
rizar o acesso ao livro, Pimentel reuniu nesta obra contos
populares traduzidos ou recolhidos diretamente da tradição
local. Inaugurava-se com ele uma consistente linhagem de
escritores de literatura infantil que mantém uma estreita
relação com a literatura de tradição oral que constitui o substrato básico para a literatura produzida para
crianças. Entre eles estão Monteiro Lobato, Henriqueta Lisboa, José Lins do Rego, Ana Maria Machado,
Ricardo Azevedo e tantos outros escritores que não resistiram à tentação de “meter a sua colher”, ou
melhor, a sua caneta, neste maravilhoso repertório, emprestando a ele seu talento pessoal. Encontre nas
prateleiras estas e outras preciosidades e mergulhe com sua turma em um mar de histórias!
Gustave Doré
LeituraS
21
Algumas obras de tradição popular nos acervos do PNBE
Tradição na rede
Jangada Brasil é um endereço da internet que promove o registro e a divulgação da cultura popu-
lar brasileira por meio de uma publicação mensal na rede. Em setembro de 2005 foi lançada uma
edição especial com mais de 30 contos populares do Brasil. Não perca a oportunidade de conhecer
mais histórias, navegando na internet:
www.jangadabrasil.com.br
Histórias Diversas, Monteiro
Lobato, Ed. Brasiliense
(PNBE 1998).
Histórias de Tia Nastácia,
Monteiro Lobato, Ed. Brasiliense
(PNBE 1998).
Estórias da velha Totônia, José
Lins do Rego, Ed. José Olympio,
(PNBE 1999).
Literatura oral para a infância
e a juventude, Henriqueta
Lisboa, Ed. Fundação Peirópolis,
(PNBE 2005 / Acervo 03).
Pedro Malasartes e outras
histórias à brasileira, Ana Maria
Machado, Cia. das Letrinhas,
(PNBE 2005 / Acervo 06).
Histórias Folclóricas de medo e
de quebranto, Ricardo Azevedo,
Ed. Scipione, (PNBE 2003).
Histórias de bobos, bocós,
burraldos e paspalhões,
Ricardo Azevedo, Ed. Projeto
(PNBE 2005 / Acervo 04)
Contos de enganar a morte,
Ricardo Azevedo, Ed. Ática
(PNBE 2005 / Acervo 05)
LeituraS
22
Poemas Mario Quintana, In: Nariz de Vidro, São Paulo, editora Moderna 2ª edição, 2003 (PNBE 2006, acervo 1)
LeituraS
O adolescente
Mario Quintana
A vida é tão bela que chega a dar medo.
Não o medo que paralisa e gela,
Estátua súbita,
mas esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
Medo que ofusca: luz!
Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:
Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
- vestida apenas com o teu desejo!
A gente ainda não sabia
Mario Quintana
A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe,
deveria haver num velho poste uma tabuleta qualquer
- uma tabuleta meio torta
E onde se lia, em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Ah! Depois nos ensinaram que o mundo não tem fim
E não havia remédio senão irmos andando às tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus,
Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de fins de mundo...
LeituraS
23
Por Regina Zilberman*
As pessoas aprendem a ler antes de
serem alfabetizadas. Desde peque-
nos, somos conduzidos a entender
um mundo que se transmite por
meio de letras e imagens. Mesmo
as crianças que residem longe dos
grandes centros urbanos ou são
muito pobres, não dispondo, pois,
de livros e impressos, conhecem o
significado de certas siglas e sabem
identificar as figuras e os nomes
de personagens, divulgados por
meio da propaganda audiovisual,
da televisão, das histórias ouvidas
e reproduzidas.
O universo da leitura envolve o
ser humano por todos os lados,
estimulando a aprendizagem, ta-
refa delegada à escola por ocasião
da alfabetização, nos primeiros
anos da educação fundamental.
Nem sempre os resultados são
positivos, e muitas crianças aca-
bam por ficar excluídas do mundo
das letras, aquele mesmo que as
rodeia e que gostariam de decifrar
com habilidade e fluência.
A literatura infantil pode ajudar
o professor a alcançar um resul-
tado melhor, colaborando para o
sucesso de seu trabalho. Os livros
para crianças despertam o gosto
pela leitura, não têm propósito
pedagógico e ainda divertem. Os
alunos certamente apreciarão
acompanhar, nas obras, as aven-
turas de personagens parecidas
com eles, ão que os leva a
buscar mais livros, solidificando
sua competência de leitura.
Livros e leitura entre professores e alunos
A primeira medida a ser tomada
pelo professor é, portanto, colocar
os livros ao alcance dos alunos
em sala de aula. A proximidade
entre o leitor e o texto, na for-
ma de livro, motiva o interesse e
induz a leitura, mesmo no caso
de pessoas que ainda não foram
Gato e Rato, de Mary e Eliardo
França, dirigida a crianças em pe-
ríodo da alfabetização. Num dos
volumes, A bota do bode, conta-se
o que sucedeu ao bode, que encon-
trou uma bota e inicialmente o
sabe o que fazer, até achar uma
saída para a situação inusitada. O
vocaburio escolhido é tão com-
preensível quanto legível, forma-
do, na maior parte, por dissílabos
e paroxítonas, em que cada laba
contém apenas uma consoante e
uma vogal. Portanto, o relato pode
ser entendido por qualquer leitor,
mesmo o que começa a decifrar a
escrita. Requerendo um mínimo
de desenvoltura, A bota do bode
lida com uma história em que
um problema aparentemente sem
solução instiga a continuidade da
leitura e chega a um final engra-
çado. As ilustrações reforçam o
interesse do leitor, pois o dilema
da personagem, diante do objeto
imprevisto, expressa-se pela ima-
gem, reforçando as possibilidades
de decodificação da escrita.
A bota do bode, a exemplo das ou-
tras obras que compõem a Coleção
Gato e Rato, é adequada a um lei-
tor que se inicia nos livros. Podem
ser as crianças que freqüentam as
primeiras séries do ensino básico,
porque é nessa etapa que se prevê
a alfabetização dos alunos. Porém,
estudantes que, com mais idade
e, portanto, mais acostumados à
circulão de textos, ainda o
dominam a leitura com a fami-
liaridade desejada. Também nesse
caso é apropriada a indicação de
obras como as de Mary e Eliardo
França, porque as narrativas o
divertidas, conduzindo a atenção
do leitor ao final.
alfabetizadas. Por isso, publica-
ções destinadas a elas apresentam
muitas ilustrões, pois a imagem
captura a atenção do leitor e, por
estar acoplada à escrita, suscita o
interesse por seu entendimento.
Se esse prinpio é válido para
todos os leitores, é ainda mais
decisivo no caso das crianças, cuja
curiosidade é grande, estando sua
atenção fortemente voltada para
o visual. A atração do livro im-
presso, com suas figuras e texto,
incita o leitor, e esse entrega-se à
sedução da obra.
Várias publicações de autores
brasileiros, destinadas ao leitor
aprendiz, podem colaborar com o
professor, como é caso da Colão
* Regina Zilberman é professora de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira da Ponticia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
LeituraS
24
O leitor iniciante não tem idade;
e cada fase de sua vida é um bom
momento para levá-lo a gostar de
livros de ficção, pois as histórias
estimulam seu imaginário, forta-
lecem sua identidade, ajudam-no
a pensar melhor e a resolver pro-
blemas. Com o passar do tempo e
o aumento da bagagem de livros
e de experiência, os leitores ficam
mais exigentes, solicitando mais
e melhores livros.
Para tomar a segunda medida,
o professor precisa ficar atento
à destreza e interesse de leitura
por parte dos alunos. Ele será
compreensivo com o estudante
que apresenta dificuldades para
acompanhar o texto, apoiando-
o com a indicão de produtos
ao mesmo tempo bons e fáceis
de entender. Se as coisas fossem
es, de Sylvia Orthof, é uma
dessas obras que estimula a ima-
ginação da criança, e também
sua inteligência, sem apresentar
dificuldades de interpretação. A
idéia original é muito criativa,
partindo da noção de que, se os
seres animados têm es, é de
se cogitar que o mesmo ocorra
com os inanimados ou mágicos,
como sereias, bruxas e fadas. Esse
é o jogo proposto pelo livro, que
não se encerra quando chega às
últimas linhas, pois o leitor pode
dar continuidade à proposta de
conjeturar o que ocorreria “se as
coisas fossem mães”.
Com estudantes que requerem
textos mais longos e narrativas
mais complexas, o professor pode
escolher entre gêneros diversos.
Os contos de fadas atraem o inte-
resse de muitos, introduzidos,
por exemplo, a Branca de Neve,
Chapeuzinho Vermelho e Cindere-
la, quando pais, tios, irmãos, avós
ou outros lhes narram as aventu-
ras dessas personagens. Histórias
em quadrinhos, filmes, desenhos
na televisão, entre outras formas
de difusão de relatos folclóricos,
reforçam a popularidade daqueles
heróis. Assim, a sala de aula pode
ser um bom lugar para retomar
esse conhecimento e, sobretudo,
ampliá-lo, pois há livros que,
recorrendo ao conto de fadas,
propõem alternativas inovadoras
para figuras tradicionais.
Em A fada que tinha idéias, Fer-
nanda Lopes de Almeida cria
a personagem Clara Luz, que,
insatisfeita com o papel conven-
cional usualmente atribuído a
seres como ela, permanentemente
inventa novidades. No começo da
hisria, a pequena fada é adverti-
da pelos adultos, que julgam ina-
dequado seu comportamento; na
seqüência, porém, ela demonstra
que suas atitudes são válidas para
si mesma e para todo o grupo,
vindo a representar a vontade
de as crianças serem respeitadas
pelos mais velhos.
Nos contos tradicionais, a fada
é a personagem boa, enquanto
a bruxa é má, prejudicando os
demais. A bruxinha atrapalhada
desmente esse padrão, pois a pro-
tagonista das histórias curtas de
Eva Furnari suscita a simpatia do
leitor, que experimenta com ela
as dificuldades de afirmação no
mundo adulto. Por sua vez, em
O fantástico mistério de Feiurinha,
Pedro Bandeira contraria outro
estereótipo do conto de fadas
clássico: o da jovem que, por
ser bela, seduz o príncipe en-
cantado. No livro, a persona-
gem principal é a menina feia,
de quem depende o mundo das
LeituraS
25
fadas para não desaparecer,
levando com ele o imaginário
representado pela infância.
Nos livros de Fernanda Lopes
de Almeida, Eva Furnari e Pedro
Bandeira, o leitor acostumado
ao conto de fadas, que conhe-
ceu por ouvir, ler ou ver, passa
por um questionamento que o
torna mais crítico e exigente. O
professor, paciente e compre-
ensivo com o leitor vagaroso,
estimula agora o estudante que
pede mais livros, ajudando-o a
não se conformar com o con-
vencional e o consagrado.
Quando o aluno chega a esse
ponto, o professor converte-se
em seu companheiro de leituras,
dispondo de um cardápio de obras
em que se mesclam a aventura, o
amadurecimento interior e a ob-
servação do contorno social. Nar-
rativas de aventuras aparecem
nas obras de Monteiro Lobato,
por exemplo, ou nos romances
policiais de João Carlos Marinho,
de que O gênio do crime é um
exemplo. Lygia Bojunga Nunes,
em A bolsa amarela, oportuniza
ao adolescente adentrar-se na
procuram sufocar o crescimento
intelectual dos indivíduos.
Professores e alunos não ficarão
indiferentes à proposta de livros
como os enumerados antes. Apren-
derão juntos que a literatura, diri-
gida ouo para as criaas, lhes
proporciona grande variedade de
diversão e sabedoria, aprofundando
as relações humanas na escola e sua
participão na sociedade.
sua intimidade, onde se alojam
desejos insatisfeitos e aspirações,
que ele terá de expressar, para se
satisfazer consigo mesmo. Bisa
Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Ma-
chado, colabora para a criança
entender o passado de sua família
e consolidar sua identidade pes-
soal, quando não étnica e social,
como revelam Do outro lado tem
segredos e Raul da ferrugem azul,
da mesma autora.
O estudante pertence também a
uma época e a uma sociedade,
que, traduzidas pelas obras de
ficção, podem levá-lo a tomar
uma posição perante problemas
como a desigualdade econômica,
o racismo ou a opressão. Coisas
de menino, de Eliane Ganem, e
Os meninos da Rua da Praia, de
Sérgio Capparelli, expõem as di-
ferenças entre ricos e pobres, en-
quanto Nó na garganta, de Mirna
Pinsky, afirma que a cor da pele
não é justificativa para valorizar
ou diminuir as pessoas. A droga
da obediência, de Pedro Bandeira,
e A casa da madrinha, de Lygia
Bojunga Nunes, por sua vez,
mostram ser preciso lutar pela
liberdade, quando os poderosos
26
Outras Leituras: fotograa
O enquadramento do mundo
Especialistas orientam como esmiuçar uma imagem
fotográca muito além das questões técnicas
Cena urbana: o Viaduto do Chá, visto em preto e branco, pela lente de Araquém Alcântara.
27
LeituraS
A
fotografia, em preto e bran-
co, mostra uma rua com
pessoas indo e vindo. Será em
São Paulo? Nova York? Fortaleza?
Para onde irão aquelas pessoas?
Ou de onde vêm? É uma boa foto?
Por quê? O que se além dela?
As indagações são da professora
de artes da Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo, Ana
Maria Schultze, diante do traba-
lho de um respeitado fotógrafo
contemporâneo.
Antes de formular as questões e
apresentar a foto como exemplo,
Ana, que também é fotógrafa,
tem o cuidado de tapar o crédito
e o título da obra. Com isso, ela
espera estimular ainda mais o
interlocutor a “ler aquela ima-
gem. “O que diz uma fotografia
como esta?”, pergunta Ana. E
ela mesma responde, citando o
professor e pesquisador Boris
Kossoy: A imagem fotográfica
tem sempre duas realidades, a
primeira e a segunda”, afirma.
A segunda é a aparente, a que
se primeiro. Por meio dela se
chega à primeira realidade, que
é a história daquela imagem,
resume a professora.
No caso da foto de Araqm Al-
ntara, a realidade aparente é
uma rua, com pessoas indo e vin-
do. A imagem é em preto e branco
e foi feita durante o dia, pois
sol e sombras. As pessoas carre-
gam uma sombra dupla, isso dá
VIADUTO DO CHÁ, SÃO PAULO (SP) – Foto de Araquém Alcântara
a impressão de que mais gente
na rua. Aos poucos, com base no
meu repertório, vou chegando
à primeira realidade”, diz Ana.
Como sou de São Paulo, a idéia
que me vem à caba é de um lugar
na minha cidade, uma via onde
circulam muitas pessoas. Será que
é no centro da cidade? Num via-
duto? Por que o carros, será
que é um calçadão? E os camelôs,
tão caractesticos da cidade, onde
estão? Fora de cena porque era
uma época em que sua presea
era reprimida? Pela sombra, que
hora será? A foto é antiga porque
está em preto e branco?”
Com tantas questões, Ana pre-
tende aguçar os sentidos dos
“leitorespara o que a imagem
diz por si , ao primeiro olhar
e para além dele. “Poderíamos
estar neste momento com uma
foto de família, em vez desta. O
importante é o professor traba-
lhar com o que ele tem à mão,
acredita. O aluno, ou leitor da
imagem fotográfica, argumenta,
tem de ser instigado a descobrir
pistas” a respeito daquilo que vê,
para compreender a fotografia.
“Ele deve aprender a contextua-
lizar a imagem, saber quem fez,
por que fez, ter acesso à história
daquela foto, entre outros parâ-
metros”, afirma Ana Maria. Se a
foto é tecnicamente boa ou não,
isso é o de menos na sala de aula
desde, claro, que a aula o
seja de fotografia.
28
LeituraS
Outras Leituras: fotograa
Professor da s-graduação em
Comunicação e Semiótica da
Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP) e do de-
partamento de Cinema, Rádio e
Televisão da Universidade de São
Paulo (USP), Arlindo Machado
acha que a dificuldade em traba-
lhar a fotografia, de forma geral,
está no fato de que, por uma série
de razões históricas, ela tem sido
reduzida a uma mera técnica de
reprodução do mundo visível, ou
seja, uma mera “cópia” do que se
vê. “Isso é um equívoco total. A
fotografia é uma linguagem com
a qual podemos construir um
‘discurso’ sobre o mundo”, alerta.
Quando vou fotografar, tenho
de escolher um enquadramento,
ou seja, o que entra na imagem,
porque é significante, e o que não
entra, porque não tem nada a ver
com o que eu quero mostrar”, diz
o professor. “Também tenho de
definir uma zona de foco: se
coisas perto e longe da câmera,
quais são as mais significativas
para merecer o foco?”
Machado resume: “Fotografar é
realizar uma série de escolhas no
tempo (“qual é o instante preciso
em que devo apertar o botão?”),
no espaço (“o mundo visível é in-
finito, mas o que vou privilegiar
com o meu enquadramento?”) e
na profundidade de campo (“que
porções do espaço vão estar em
foco e fora de foco?”). Por isso,
ressalta, duas pessoas fotografan-
do a mesma cena nunca obterão
fotografias idênticas, porque
farão escolhas diferentes, em fun-
ção do que lhes interessa ou não
mostrar nessa cena.
Esvaziar-se para
buscar a precisão
O bombardeio de informações vi-
suais a que estamos submetidos
diariamente é, para a fotógrafa
e professora do curso de Publici-
dade da Pontifícia Universidade
Católica de o Paulo (PUC-SP),
Ângela Di Sessa, um obstáculo à
observação. Com o excesso, te-
mos mais trabalho para desfazer-
mos clichês visuais”, argumenta.
Ângela afirma ainda que o corpo
hoje está muito esquecido como
mediador de experiências. “Há
muitas informações, ele ficou em
segundo plano e, na fotografia,
a forma como o corpo se coloca
influi diretamente no resultado
final”, explica, destacando que a
composição da imagem é sempre
Araquém Alcântara
Cena litorânea: jovem caiçara lidando com seu meio de transporte no litoral de São Paulo.
29
LeituraS
fruto da relação sensível de quem
está gerando a imagem diante da
situação que sefotografada.
Segundo a professora da PUC-
SP, quem melhor explicou isso
foi o cultuado fotógrafo francês
Henri Cartier-Bresson (1908-
2004). “Tirar uma foto é como
reconhecer um evento”, definiu
certa vez, “e naquele exato mo-
mento e numa fração de segun-
do, você organiza as formas que
para expressar e dar sentido
ao evento”. E ela cita novamente
Cartier-Bresson: “Fotografar é
colocar na mesma linha de mira
a cabeça, o olho e o coração.
Para chegar lá, acredita Ângela,
é preciso “esvaziar-se” um pouco
de tantas informações a que esta-
mos sujeitos. “Temos de recolocar
nosso corpo em sintonia com o
todo”. Com isso, o reverenciado
fotógrafo francês queria dizer
que o enquadramento gratuito,
a simples execução de um modelo
externo à pessoa, banaliza a ima-
gem. “Eu reconheço uma boa foto
pela sensação imediata de prazer
que ela me traz. É uma coisa boa
de ser vista, que não dá para ser
expressa de outra forma a não
ser pelo suporte em que ela está”.
Cartier-Bresson, na avaliação da
especialista, é um clássico, resiste
ao tempo, porque sua obra nos
toca além da estética (o site da
Fundação Henri Cartier-Bresson
permite um bom passeio pela
obra do artista: http://www.
henricartierbresson.org).
A boa foto é como uma fresta, um
esmulo que pode gerar inúmeras
outras narrativas, como textos
maravilhosos, pinturas etc., mas
nunca é a mera reprodução do
outro”, explica Ângela. Por fim,
para ela, uma foto de qualidade
tem de ter o poder de um haicai
(poesia japonesa, composta de
três versos apenas) “tudo tem
de estar ali, condensadamente”,
finaliza a professora, destacando
as frases como se ela própria re-
citasse um haicai.
E assim participamos
Para o professor Arlindo Macha-
do, não existe uma regra para se
analisar uma foto. Cada uma é
um acontecimento singular e a
estratégia para analisá-la deve
ser buscada a partir dela. Mas
uma boa foto sempre sugere
seus caminhos de ‘leitura’”, lem-
bra. Algumas, segundo ele, nos
surpreendem pela forma inusi-
tada como observam o mundo,
outras, por conseguir descobrir
pessoas e lugares jamais antes
visualizados, outras ainda, por
suas qualidades visuais: textu-
ras de branco e preto, contras-
tes da iluminação, ângulos de
visão insólitos etc. Certas fotos
podem nos ajudar a olhar para
o mundo de uma forma como
nunca olhamos antes, mostrar
a beleza do que consideramos
feio, ou a feiúra do que conven-
cionalmente chamamos belo.
O importante é ter sempre em
mente que a foto não é uma mera
reprodução do que se vê, mas
um discurso que o fotógrafo
constrói sobre o mundo”, afirma.
O fotógrafo Juca Martins, espe-
cializado em fotos jornalísticas,
diz que uma boa foto é reco-
nhecida com base nos mesmos
princípios estéticos que norteiam
as obras de arte. “Deve-se levar
em conta a composição da ima-
gem ela tem de fazer sentido,
não só esteticamente, claro. O
jogo de cores e contrastes, assim
A imagem fotogca
tem sempre duas
realidades, a primeira
e a segunda, que é
a aparente, a que
se dá primeiro. Por
meio dela se chega à
primeira realidade,
que é a história
daquela imagem”.
Boris Kossoy
Fotos: Pierre Verger
Coleção Olhar e Ver Companhia
Editora Nacional / PNBE 2005
30
LeituraS
Outras Leituras: fotograa
como o enquadramento, também
são elementos levados em conta
numa análise estética”, pondera
Martins. O primordial, porém, é
sempre a informação, ressalta.
Cartier-Bresson, considerado o
pai do fotojornalismo, sem vi-
da possuía especial talento para
congelar o momento em que a
importância de um tema se torna
exposta por meio de forma, con-
teúdo e expressão. A fotografia
por si o me interessa, mas a
reportagem sim, a comunicação
entre o mundo e o homem com
este instrumento maravilhoso
do tamanho da mão que nos faz
passar desapercebidos. E assim
participamos, resumiu, certa
vez, Cartier-Bresson, que du-
rante toda sua vida profissional
utilizou uma discreta e silenciosa
Leica 50. E foi fiel a uma única
lente, a de 50 milímetros.
Pedro Martinelli
Pedagogia da Imagem
A principal qualidade de uma foto, diz o professor Arlindo Machado,
é a sua capacidade de nos “dizer” algo que ainda não sabíamos sobre
o mundo. “E isso não tem nada a ver com a qualidade técnica da fo-
tografia, em termos de resolução, nitidez e fidelidade das cores.” Uma
boa foto, segundo o especialista, é como um bom texto verbal: “Deve
ser inteligente, deve acrescentar algo à nossa compreensão do mundo,
deve surpreender pela sua capacidade de conseguir nos fazer ver o que
antes nunca tínhamos conseguido ver”.
O professor não tem como ignorar o papel que a linguagem audiovi-
sual representa na nossa sociedade. A tecnologia mudou a relação das
pessoas com a imagem, portanto, é mais do que necessário que a escola
faça uma reflexão pedagógica a respeito da linguagem audiovisual. Para
tanto, é fundamental desenvolver, na sala de aula, atividades que tra-
balhem os mecanismos de tratamento e de recepção crítica da imagem.
A fotografia está na origem de todos os avanços técnicos, eletrônicos
e informáticos: cinema, televisão, vídeo. Aprendemos a esperar por
elas a cada dia nas páginas dos jornais, nas revistas; espalhadas em
outdoors, invadem nossos olhos anunciando mercadorias e desejos”,
diz Maria José. A pedagoga aponta a necessidade de se desenvolver
uma pedagogia da imagem. “Isto se reveste de particular urgência,
se considerarmos que boa parte do conhecimento que nossos alunos
trazem para a sala de aula é mediado pelos meios de comunicação de
massa, em que a imagem tem papel preponderante”.
O gesto: pescador de peixes ornamentais
em Barcelos, no Rio Negro
O instante: Pedro Martinelli captura o mergulho da jovem amazonense no Médio Juruá
Pedro Martinelli
31
LeituraS
Livros sobre Fotograa
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Foto-
gráfica. Ateliê Editorial, São Paulo, 2000.
BARBOSA, Ana Mãe. A Imagem no Ensino da Arte:
Anos 80 e Novos Tempos. Editora Perspectiva, São
Paulo, 2005.
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudan-
ças Educativas e Projeto de Trabalho. Artmed, Porto
Alegre, 2000.
KELLNER, Douglas. Lendo Imagens Criticamente:
em Direção a uma Pedagogia Pós-Moderna. Editora
Papirus, Campinas, 1999.
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Editora Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1984.
SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. Companhia das
Letras, São Paulo, 2004.
MACHADO, Arlindo. A Ilusão Especular. Editora
Brasiliense, São Paulo, 1984.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual. Editora
Pioneira-Thomson Learning, São Paulo, 1980.
Na internet
Para saber mais:
http://www.cotianet.com.br/photo/
http://www.imagemagica.org
(ensina a construir máquina fotográfica com lata)
Para acessar material fotográfico gratuitamente:
http://www.itaucultural.org.br
(Caixas de Cultura, Isto é uma Foto?)
http://www.artenaescola.org.br
http://www.enricartierbresson.org
(fotos de Henri Cartier Bresson)
Força da natureza: uma tempestade amazônica tinge o céu no Paraná do Mocambo, no Amazonas
Pedro Martinelli
LeituraS
32
Jabuti sabe ler e
precisa escrever
O estado de estar em permanente aprendizagem
possibilita o enriquecimento do ensinar
Por Francisco Gregório Filho*
Ouvia minha avó cantar muito
essa quadrinha, esse pensamento
popular que nos fala sobre nos
tornarmos leitores e escritores
de nossas histórias. E estou,
também a escrever.
Minha mãe era professora. Apo-
sentou-se lecionando em escola
pública. Gostava do exercício de
ensinar. Criou sete filhos. Encon-
trei em suas coisas um caderno
cheio de apontamentos, descre-
vendo trabalhos que realizou em
sala de aula. Esse caderno me es-
timulou a responder a uma amiga
professora que me escreveu carta
cheia de questões sobre o ofício de
ensinar. Reproduzo aqui minha
resposta dirigida a ela, professora
também guerreira, que com seu
jeito de olhar o mundo, lembra
muito minha mãe.
Querida Dolores,
Fiquei alegre com sua carta. Uma
boniteza só. Você é uma boa no-
cia. Suas histórias de mulher
trabalhadora, mãe, educadora e
leitora são exemplares. Lendo-as,
uma imensa ternura ocupa meu
coração e me anima o desejo de
pertencer a essa porção da nação
que se preocupa com a vontade
do povo de exercer sua condição
de leitor cidadão. Por um instan-
te aquietei-me. Uma lembrança
guardada acordou-me: Minha
mãe, professora, num certo horá-
rio do dia, em geral à tardinha, re-
colhia-se num canto da sala para
preparar suas aulas. Precisava do
silêncio. Minha mãe-professora
permanecia uma, duas, até três
horas em sua mesinha, envol-
vida nesses planejamentos. Nós
procurávamos não interromper.
Sabíamos da importância daquele
momento para a harmonia da
casa e de suas obrigações de mãe
e professora.
Minha mãe gostava de contar len-
das para s e também para seus
alunos. Trazia notícias de um Brasil
cultural por meio dessas histórias
dos povos da floresta, do cerrado,
das montanhas, e das praias do li-
toral. Contava que se inspirava em
práticas educativas adquiridas na
convivência com alguns mestres e
em leituras. Lembro dela sempre se
referir a nomes como Cecília Mei-
reles, Villa-lobos, mara Cascudo,
Paulo Freire, entre outros.
Sabíamos depois, por seus co-
mentários em casa, das histórias,
das brincadeiras e também das
cantigas desenvolvidas com as
crianças da escola. Resultado
dos planejamentos. Constante-
mente a questão da leitura era
explicitada por ela. Trazia suas
vivências de leitura em grupo,
das leituras silenciosas, das ro-
das de leituras, experimentadas
Jabuti sabe ler,
não sabe escrever,
trepa no pau e o sabe descer
ler, ler, ler e escrever...
(quadrinha popular)
LeituraS
33
com alunos e professores. Muitas
vezes a percebia relatando como
conquista essas experncias de
poder se reunir com seus colegas
para leituras sobre diferentes te-
mas. Falava como se fosse uma
grande vitória.
Pensando sobre aqueles tempos,
devia ser mesmo. Fico me per-
guntando se hoje é possível para
os professores empreenderem
uma ação assim. Reunir-se com
regularidade para leitura de po-
emas, fábulas, contos e mitos?
Será posvel ainda hoje teste-
munhar em escolas brasileiras
essas cenas? Educadores reunidos
comentando suas leituras, será
possível? Em que tempo? Pro-
fessores dedicando uma parte de
sua carga horária para leituras
e a intimidade com a literatura?
Preciso confirmar essa cena com
meus próprios olhos.
Você, Dolores, é uma presea
inquieta, indignada, amorosa e
inventiva que meu coração dese-
ja e precisa sempre acolher com
amizade.
No meu imaginário, Dolores,
vejo você também como uma
professora que sempre planeja
suas aulas, temperando-as com
histórias, brincadeiras e cantigas.
Você, também professora-mãe,
aprendente. Com seus momentos
de recolhimento para a conquista
do silêncio interior tão necessário
para repor energias e para a con-
vivência criadora com as crianças
em casa e na escola. Esse estado de
estar em permanente aprendiza-
gem possibilita o enriquecimento
do ensinar: um gesto, uma es-
cuta. Uma cantiga, um abraço,
um compartilhar o olhar, uma
oração, uma leitura em voz alta,
umas reflexões com o outro, uma
notícia boa, uma escrita, uma
brincadeira, uma dança, um silên-
cio, uma expressão, uma crônica,
uma poesia...
Faz-se necessário muito esforço.
Agindo, reagindo e interagindo
como ser integrante da natureza
e como ser que quer se integrar
às culturas. Produtor crítico e
inventivo de leitura.
Meu abraço,
Gregório”
Luiz Dantas
*Contador de Histórias e Escritor.
Titular da Política Cultural do Acre em
2004 e 2005.
34
Sim, os
jovens
lêem
O brasileiro de 15 a 24 anos lê mais
histórias de cção e poesia que o
adulto. Supera em leitura semanal
de revistas e lê quase tanto jornal
quanto seus pais, professores
e demais adultos. A análise de
pesquisas como o Indicador Nacional
de Alfabetismo Funcional 2005 e do
PISA 2000 ajudam a derrubar frases
que se tornaram mitos, como “os
jovens não lêem mais” ou “não se
interessam por leitura”. Correto seria
dizer assim: os jovens lêem mais.
Luiz Dantas
35
LeituraS
Por Vera Masagão Ribeiro
P
ara fazer um trabalho educativo eficiente, é fun-
damental ter uma visão clara sobre o contexto
em que se vai intervir. Isso é especialmente válido
em relação às práticas e políticas de incentivo à lei-
tura, pois esse é um tema sobre o qual muitos
pressupostos que o correspondem à realidade
dos fatos. Por exemplo, é comum ouvir dizer que os
jovens não se interessam pela leitura. Será mesmo
verdade? Em que situações? Em que grupos sociais?
Que tipos de leitura interessam mais ou menos?
Com o objetivo de dar respostas a perguntas como
essas foi criado o Indicador Nacional de Alfabetismo
Funcional (Inaf). Trata-se de uma pesquisa realizada
anualmente, desde 2001, focalizando as habilidades
e práticas de leitura da população brasileira entre
15 e 64 anos. Essa pesquisa é realizada por duas
organizações não-governamentais, a Ação Educa-
tiva e o Instituto Paulo Montenegro, com o objeto
de mostrar aos educadores e à sociedade em geral a
situação da população quanto a esse que pode ser
considerado o principal resultado da escolarização:
a capacidade de usar a leitura e a escrita para se in-
serir com autonomia na sociedade, usando-a como
ferramenta de trabalho, aprendizagem, diversão e
desenvolvimento cultural. O Inaf, portanto, parte de
uma visão ampla da leitura e escrita, aquela que nor-
malmente é associada ao conceito de letramento.
Um primeiro fato que a pesquisa Inaf confirma,
concordando com várias outras pesquisas interna-
cionais, é que a leitura é a prática cultural mais dire-
tamente ligada à escolaridade. Por mais que a escola
brasileira tenha seus problemas, ela representa um
enorme diferencial para quem consegue permanecer
nela por mais tempo, tanto na capacidade quanto
na prática da leitura.
Por meio da aplicação de um teste, onde as pessoas
têm que resolver problemas cotidianos por meio da
leitura de uma revista criada especialmente para o
teste, o Inaf classifica a população brasileira de 15 a
54 anos quanto ao seu nível de habilidade de leitura.
Segundo os resultados de 2005, 7% estão na condição
de analfabetismo absoluto, ou seja, não conseguem
decodificar as palavras; outros 30% sabem ler, mas
num nível muito rudimentar, conseguem loca-
lizar uma informação muito explícita num texto
breve, como um cartaz ou bilhete. Essas pessoas são
chamadas muitas vezes de analfabetas funcionais,
mas não consideramos esse termo correto, pois o
pouco que a pessoa sabe pode ser útil e importante
para ela. O que é certo dizer é que essas pessoas
têm um nível muito rudimentar de leitura e por
isso fazem um uso muito restrito dessa capacidade
no dia-a-dia, considerando as possibilidades abertas
pela sociedade moderna. Estão nesse nível quase
todas as pessoas que não conseguiram completar a
4ª série e uma boa parte dos que não completaram
o ensino fundamental.
A maior parte da população tem o que chamamos
um nível básico (38%), essas pessoas conseguem
localizar uma informação num texto, mesmo que
seja necessário alguma inferência. Nesse nível é
bem difícil chegar sem ter completado a série. No
outro pólo, temos as pessoas que têm um nível pleno
de alfabetismo, ou seja, têm a capacidade de usar o
texto como uma ferramenta de informação, apren-
dizagem e trabalho, realizando operações cognitivas
mais complexas, como comparar, relacionar e inferir.
Esse grau de habilidade, entretanto, corresponde a
somente 26% da população brasileira de 15 a 64
anos, na sua grande maioria pessoas que têm nível
médio ou superior de escolaridade, que lêem jornais
além de diferentes tipos de livros.
“Apesar das deciências
da escola brasileira quando
comparada a de
outros países, os jovens
brasileiros, muito mais que
outros de países
desenvolvidos, valorizam a
leitura como prática cultural.
Arquivo
36
LeituraS
Jovens lêem melhor que adultos
A expano da escola pública no Brasil é muito
recente, e as gerões têm sucessivamente mais
escolaridade que as anteriores. Por isso, de forma
geral, os jovens em melhor que os adultos bra-
sileiros. Mesmo quando comparamos os jovens e
adultos com uma escolaridade semelhante muitas
dessas diferenças se mantêm. Assim, o mito de que
o jovem o lê ou o gosta de ler cai por terra. É
certo que alguns tipos de leitura interessam mais
aos jovens do que outras; por exemplo, o Inaf mos-
tra que os jovens lêem mais livros de ficção e poesia
que os adultos, enquanto esses preferem o jornal
e os livros religiosos. O computador, que cada vez
mais se impõe como suporte dos mais diversos
textos para leitura, ainda não é acesvel à grande
maioria da população, mas é principalmente entre
os jovens que seu uso é mais freqüente. O quadro
abaixo mostra algumas práticas e prefencias de
leitura, segundo a faixa etária.
15 a 24 anos 25 a 34 anos 35 a 49 anos 50 a 64 anos
Gosta de ler para se distrair 74% 72% 65% 62%
Lê livros (romance, aventura, cção) 41% 33% 23% 21%
Lê livros (poesia) 22% 17% 10% 11%
Lê Bíblia, livros religiosos 35% 47% 51% 47%
Lê jornais pelo menos uma vez por
semana
33% 39% 36% 35%
Lê revistas pelo menos uma vez por
semana
36% 33% 24% 17%
Usa computador pelo menos uma vez
por semana
30% 20% 13% 6%
Práticas de leitura da população brasileira, segundo a faixa etária (Inaf 2005)
Alto interesse pela leitura
Pesquisas internacionais também mostram alguns
aspectos curiosos sobre a relação dos jovens brasi-
leiros com a leitura. Muito se divulgou na imprensa
o fato de que o Brasil ficou em último lugar no PISA
de 2000, um estudo internacional que comparou as
habilidades de leitura de estudantes de 15 anos em
32 países. Mas além do teste de habilidades, o PISA
coletou outras informações relevantes, que foram
pouco divulgadas. Uma delas é que em termos de
interesse pela leitura, os jovens brasileiros ficaram
entre os primeiros, ao lado de países como Finlândia
e Dinamarca, enquanto que jovens de países cam-
peões nos testes, como os japoneses e sul-coreanos,
ficaram “na lanterna”. Isso quer dizer que, apesar
das deficiências da escola brasileira quando compa-
rada a de outros países, os jovens brasileiros, muito
mais que outros de países desenvolvidos, valorizam
a leitura como prática cultural.
Ouvir os alunos
Resultados como esse podem parecer parado-
xais à primeira vista, mas são compreensíveis
se consideramos essa perspectiva ampla de le-
tramento, que abarca diferentes usos da leitura
e escrita. Na França, onde praticamente todos
os jovens têm acesso à educação secundária, as
pesquisas mostram que, de fato, vem diminuindo
o interesse dos jovens pelas leituras literárias e
pelas leituras em profundidade. Por outro lado,
ganham espaço as leituras descontínuas, infor-
mativas e práticas, para as quais o computador
é a principal ferramenta.
Diante desse quadro, o que os educadores podem
fazer? Em primeiro lugar, procurar ouvir o que
seus alunos pensam sobre a leitura, suas prefe-
37
LeituraS
O PISA mediu o interesse pela
leitura: os jovens brasileiros caram
entre os primeiros, ao lado de
países como Finlândia e Dinamarca,
enquanto que jovens de países
campeões nos testes, como Japão e
Coréia do Sul, caram “na lanterna”.
Vera Masagão Ribeiro é doutora em Educação pela PUC de
São Paulo e coordenadora da ONG Ação Educativa.
Referências bibliográficas:
Sobre o INAF:
Ação Educativa & Instituto Paulo Montenegro.
Indicador de Alfabetismo Funcional. http://www.
acaoeducativa.org.br/downloads/inaf05.pdf
Análise detalhada dos resultados do PISA:
Organização para a Cooperão e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Conhecimentos e atitudes para a Vida:
resultados do PISA 2000. o Paulo: Moderna, 2003.
Sobre os estudos franceses:
Chartier, Anne-Marie. Enseñar a leer y escribir. Uma
aproximación histórica. México: Fondo de Cultura
Econômica, 2004.
Arquivo
ncias e juízos de valor. Jamais tachar, de ante-
o, os alunos de desinteressados, preguiçosos
etc. Em segundo lugar, não renunciar ao papel de
educador, que é garantir que todos os alunos, in-
dependentemente da classe social, conheçam e ex-
perimentem as diferentes manifestações culturais
livros, revistas, jornais e sites mas em especial
as de mais qualidade, no universo da literatura
(entre outras artes), da filosofia, da história, das
ciências. Na escola, o jovem precisa fazer certas
leituras obrigatórias, mas deve também ser incen-
tivado a fazer suas próprias escolhas, identificar
seus gostos e sua vocação, com base em suas
vivências dentro e fora da escola. Os professores
e professoras têm aí, e as pesquisas também mos-
tram isso, uma influência decisiva.
38
A leitura
de cada dia
Uma atividade
permanente de
leitura pode começar
com uma semana
de leitura de contos
populares. Daí, se
eles gostarem...
Orientação Didática 2
Luiz Dantas
39
LeituraS
Leitor: ___________________________________________
Turma: ___________________________________________
Título do conto Data da leitura Apreciação
Não gostei Gostei Gostei muito!
Pedro Malasartes e o Lamaçal Colossal
O Jabuti e o Caipora
A Vida do Gigante
Poltrona de Piolho
Os Figos da Figueira
Pedro Malasartes e o Surrão Mágico
A Galinha Ruiva
O Jabuti e o Teiú
O Boneco de Piche
Pedro Malasartes e a Sopa de Pedra
Por Maria José Nóbrega,
consultora pedagógica de LeituraS
L
er histórias para crianças é uma prática importan-
te para despertar nelas a curiosidade e a imagina-
ção, como também para estimulá-las a refletir sobre
temas delicados e complexos da experiência humana.
Esta prática, se regular, faz com que as criaas cons-
truam um repertório de histórias, aprendam como
funciona a linguagem que se usa para escrever, mas,
principalmente, encontrem espaço para expressar
seus medos e inquietações.
A seguir, avalie algumas sugeses para organizar
com sua turma uma Atividade Permanente de Leitura.
A proposta é que sejam ações que se repitam de modo
regular (por exemplo, diariamente ou semanalmente),
com a finalidade de permitir a convivência freqüente
e intensa com diferentes gêneros de textos, proporcio-
nando aos estudantes oportunidades de experimentar
variados modos de leitura, desenvolvendo, assim,
estratégias diversificadas de leitura.
Leitura e troca de impressões: Selecione qua-
tro histórias: uma para ser lida na segunda-fei-
ra; outra, na terça-feira; outra, na quarta-feira
e uma última para a quinta-feira. Proceda à lei-
tura em voz alta da história e, após concluí-la,
promova uma conversa para que os estudantes
troquem impreses a respeito do conto ou
relatem experiências pessoais relacionadas ao
tema das histórias lidas, como a raiva, a inveja,
o medo, a compaixão etc.
Entendendo um Sumário: Desafie-os a locali-
zar em que página está a história que você vai
ler naquele dia (providencie cópias do sumário
do livro para realizar a atividade).
Ficha de Apreciação: A cada dia, após a leitu-
ra, peça aos estudantes para registrar o título
da história na ficha de apreciação (conforme o
modelo abaixo), assinalando a coluna corres-
pondente à avaliação que fizeram da história:
gostaram dela, não gostaram?
1.
2.
3.
Os dez títulos relacionados na tabela acima, como exemplo, fazem parte do livro Histórias à Brasileira.
Pedro Malasartes e outras, recontados por Ana Maria Machado, Companhia das Letrinhas (PNBE 2005 /
Acervo 06).
Na sexta-feira, proceda à escolha da história preferida da turma para ser lida outra vez. Chame esse dia
de “Vale a pena ler de novo”. Ler várias vezes uma mesma história é importante para que os leitores ini-
ciantes aprendam a diferença entre ler e contar uma história: ao ler, as palavras não mudam, são sempre
as mesmas; ao contar, acabamos usando outras palavras e a história nunca sai exatamente igual.
Atividade Permanente Leitura de Contos Tradicionais
LeituraS
40
P
rofessor emérito da Faculdade de Filosofia, Le-
tras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo (USP) e professor honorário do Instituto
de Estudos Avançados da mesma universidade,
o geógrafo Aziz Nacib Abber descobriu, nos
últimos anos, uma nova vocação: semeador de
bibliotecas. são 33 bibliotecas comunitárias
que ele conseguiu criar, com a ajuda de um fre-
tico “agitador cultural, Devanir Amâncio. Os
dois coletaram milhares de livros, que por sua vez
formaram dezenas de salas de leitura em bairros
pobres da periferia paulistana, sem qualquer sub-
dio ou ajuda de governos ou empresas. Aziz e
Amâncio perceberam que muitos habitantes dos
novos apartamentos de classe média paulistana
precisavam se desfazer de seus livros para ocupa-
rem espos cada vez mais reduzidos. Angariando
parcerias entre o corcio local, que funcionava
como posto de coleta provisório, em poucas sema-
nas tinha-se um variado (e, muitas vezes, surpre-
endente) acervo. Uma das bibliotecas comunitárias
foi montada em um abrigo para sem-tetos no
Glirio, a decadente região central de o Paulo
conhecida como crackolândia. Outras foram
criadas em escolas de samba. Além da expern-
cia de criador de espaços de leitura em ambientes
nos quais o livro não costuma freqüentar (mas
quando chega, até samba...), LeituraS buscou
saber do professor Aziz Ab’Sáber, nesta entrevista
concedida ao jornalista Ricardo Prado, o que ele
tem a dizer a seus colegas professores de Geografia
sobre livros reveladores do Brasil.
Leituras de um geógrafo
Aziz Ab’Sáber analisa alguns livros fundamentais para se
compreender o Brasil, suas terras e suas gentes
O que é um bom acervo de livros
Cada biblioteca, seja ela em uma escola ou numa
comunidade, deve ter em seus livros um mosaico cul-
tural representativo de um acervo geral e, também,
da realidade na qual está inserida. Eu diria, resumida-
mente, que precisaria contar com a presença de livros
infantis, dicionários e uma colão variada de livros
didáticos de interesse de estudantes de todas as ries.
Da ficção nacional eu destacaria como importantes a
presença de autores regionais, como Jo Lins do Rego,
Guimarães Rosa, Jorge Amado. Isso é mais importante
ainda num contexto como o da cidade de São Paulo,
onde você encontra pessoas que vieram de diferentes
regiões do Brasil. Se for possível, deve-se ter as obras
completas de alguns escritores fundamentais, como
Machado de Assis ou Monteiro Lobato.
A literatura e o futuro geógrafo
Sempre gostei muito de ler. Mas dentre os livros que
me empurraram para a profiso de geógrafo eu des-
tacaria a primeira parte de Os Sertões, de Euclydes da
Cunha, A Terra. o autor usa uma linguagem às ve-
zes muito técnica, mas poetizada. Ele era um intelectual
de grande variedade de conhecimentos, e nesta primeira
parte do livro descreve o mundo sico da região de Ca-
nudos. Outros autores importantes para mim foram
Graciliano Ramos, José ndido de Almeida, quase
tudo do Jorge Amado e o Érico Veríssimo, mostrando
o cenário do Sul do país. Em matéria de poesia, Cecília
Meireles e Carlos Drummond de Andrade.
Geograa de Graciliano Ramos
“Uma vez eu peguei um trecho do livro Inncia, de
Graciliano Ramos, para colocar no vestibular da USP,
no qual ele narrava a viagem, com sua família, do
sertão até a costa alagoana. No livro isso coma com
a família andando no leito seco de um rio, que ele
Entrada da baía do Rio de
Janeiro: Debret registrou o
Pão de Açúcar, o Corcovado e
o Morro da Mesa
Ler em... Geograa
41
LeituraS
chama de rio cortado”. E marcharam, e marcharam
pelo leito seco até que começou a surgir um filetezi-
nho de água, vegetação na beira do rio, variada, e,
de repente, a família chegava a um verdadeiro rio, de
água corrente. Reproduzimos aquele trecho e pedimos
ao aluno para identificar quais eram os três ambientes
ecológicos descritos naquele trecho, ou seja, o sertão,
o agreste e a zona da mata. Graciliano Ramos, para
mim, é um gênio, e tem um duplo valor: literário e
como relato do mundo físico e social.
Uma brasiliana fundamental
Os grandes ensaístas brasileiros, aqueles que bus-
caram entender e revelar o Brasil, fazem parte do
acervo básico de uma boa biblioteca. Nesta lista en-
trariam Euclydes da Cunha, Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson
Werneck Sodré, Artur César Ferreira Reis, Antonio
Cândido, Paulo Prado, Sérgio Milliet e outros.”
O Brasil dos viajantes
“Eu recomendaria, em primeiro lugar, os livros de
Saint Hillaire. Também selecionaria alguns trechos
feitos por Elizabeth Cabot Agassiz, esposa do Louis
Agassiz no livro Viagem ao Brasil, 1865-1866 (Ed.
Itatiaia). Nessas obras há, por exemplo, descrições
primorosas da vida cotidiana do Rio de Janeiro.
Charles Darwin também tem observações interes-
santes sobre o Brasil, principalmente no Recife, onde
ele conta ter se hospedado em um hotel de onde, à
noite, ouvia os gritos dos escravos sendo açoitados
no porão do casao vizinho. Saiu daqui horrorizado
com a escravidão. Há também Spix e Martius, com
os três tomos de Viagem pelo Brasil 1817-1820 (Ed.
Itatiaia). Todos trazem relatos maravilhosos, prin-
cipalmente das regiões de mata atlântica.”
Alfabetização cartográca
Acho que toda sala de aula deveria ter, pelo me-
nos, um mapa do Brasil, e um início do trabalho de
compreensão de mapas pode ser feito pedindo para
que cada um na classe encontre a cidade e o estado
de onde veio seu pai ou sua mãe. O motivo da vin-
da (“porque era muito seco, se for no sertão do
Nordeste, por exemplo”) já traz novas informações
para se compreender aquele mapa.”
A leitura do espaço
“No primeiro dia de aula na Faculdade de Geografia
nós fizemos uma excursão de campo para a região de
Sorocaba, Itu e Campinas. A viagem estava marcada
para as 8h30 da mane eu cheguei às 6h30, de tão
ansioso que estava. Naquela aula ao ar livre eu percebi
que sabia fazer aquilo: ler uma paisagem, interpre-
ta-la. A então, só conhecia São Luis do Paraitinga
e Caçapava, para onde me mudei com seis anos de
idade. A partir da faculdade, todo carnaval eu passei a
excursionar e conhecer algum pedaço do Brasil, junto
com meu amigo Miguelzinho, filho do general Miguel
Costa, um dos deres da Coluna Prestes. Inclusive
longas excursões a pé, como a que fizemos de Mai-
rinque até Salto, no interior de São Paulo, seguindo
os trilhos da [ferrovia] Sorocabana.
Domínios da natureza
“Existem vários bons livros sobre a natureza brasi-
leira e seus ecossistemas. Começaria com um livro
precioso para se conhecer o Brasil que, infelizmente,
se encontra esgotado: Ecologia Temas e Problemas
Brasileiros (Ed. Itatiaia), do Mario Guimarães Ferri.
Dele tambémEcologia Brasileira e Ecologia Geral,
todos muito bons. Dentre os meus, prefiro Donios
da Natureza no Brasil: Potencialidades Paisasticas.”
Função da biblioteca
“É um espaço essencialmente formador, de formação
de cultura, não é lugar para se fazer exercício de lição
de casa. Defendo a ‘desescolarização’ da biblioteca
escolar, que deve atuar na aquisição de cultura por
parte do aluno, dando acesso e incentivo para que
ele próprio descubra.”
Principais obras de Aziz Ab’Saber: Amazônia, do
discurso à práxis. Edusp, São Paulo, 1996. Época colo-
nial: do descobrimento à expansão territorial, História
Geral da Civilização Brasileira – Tomo 1, Difel, São
Paulo, 1981. Domínios da Natureza no Brasil: Poten-
cialidades Paisagísticas. Ed. Ateliê, Cotia, 2003.
LeituraS
42
LeituraS
Conto Cora Coralina, in: Conto com você vol 2 coleção Literatura em minha Casa, São Paulo, Editora Global, 2003 (PNBE 2003)
As Cocadas
Cora Coralina
Eu devia ter nesse tempo dez anos. Era menina prestimosa e trabalha-
deira à moda do tempo.
Tinha ajudado a fazer aquela cocada. Tinha areado o tacho de cobre
e ralado o coco. Acompanhei rente à fornalha todo o serviço, desde a
escumação da calda até a apuração do ponto. Vi quando foi batida e
estendida na tábua, vi quando foi cortada em losangos.
Saiu uma cocada morena, de ponto brando atravessada de paus de
canela cheirosa. O coco era gordo, carnudo e leitoso, o doce ficou
excelente. Minha prima me deu duas cocadas e guardou tudo mais
numa terrina grande, funda e de tampa pesada. Botou no alto da
prateleira.
Duas cocadas só... Eu esperava quatro e comeria de uma assentada
oito, dez, mesmo. Dias seguidos namorei aquela terrina, inacessível. De
noite, sonhava com as cocadas. De dia as cocadas dançavam pequenas
piruetas na minha frente. Sempre eu estava por ali perto, ajudando
nas quitandas, esperando, aguando e de olho na terrina.
Batia os ovos, segurava gamela, untava as formas, arrumava nas
assadeiras, entregava na boca do forno e socava cascas no pesado
almofariz de bronze.
Estávamos nessa lida e minha prima precisou de uma vasilha para
bater um pão-de-ló. Tudo ocupado. Entrou na copa e desceu a terrina,
botou em cima da mesa, deslembrada do seu conteúdo. Levantou a
tampa e só fez: Hiiii...
Apanhou um papel pardo sujo, estendeu no chão, no canto da varanda
e despejou de uma vez a terrina.
As cocadas moreninhas, de ponto brando, atravessadas aqui e ali de
paus de canela e feitas de coco leitoso e carnudo guardadas ainda
mornas e esquecidas, tinham se recoberto de uma penugem cinzenta,
macia e aveludada de bolor.
minha prima chamou o cachorro: Trovador... Trovador... e veio
o Trovador, um perdigueiro de meu tio, lerdo, preguiçoso, nutrido,
abanando a cauda. Farejou os doces sem interesse e passou a lamber,
assim de lado, com o maior pouco caso.
Eu olhando com uma vontade louca de avançar nas cocadas.
Até hoje, quando me lembro disso, sinto dentro de mim uma revolta
e dolorida - de não ter enfrentado decidida, resoluta, malcriada e
cínica, aqueles adultos negligentes e partilhado das cocadas bolorentas
com o cachorro.
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