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BR2900018 1/1
E15/B/M/V
BRITTO. J.S.
ESTA GERAÇÃO CUPIDA SO VISA O MANA DA
USURA MULTIFORME [COOPERATIVA, BRASIL]
EM TORNO DO ART. 10 DO DEC. NO. 1.637. DE 5 DE
JANEIRO DE 1907
RIO DE JANEIRO, GB (BRAZIL)
1929 70 P. (PT)
/G514
COOPERATIVA
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JOSE’ SATURNINO BRITO
ESTA GERAÇÃO CUPIDA
SÓ VISA O MANÁ DA USURA
MULTIFORME
EM TORNO DO ART. 10 DO DEC. N. 1637
DE 3 DE JANEIRO DE 1907
( Humilde contribuição para a definição verdadeira da
Sociedade Cooperativa )
«Como o azeite vertido sobre o mar tempes-
tuosos basta para que se veja, num circulo crescen-
te, a calma se fazer e as vagas se abrandarém, da
mesma forma, a cooperação estendida num paiz a
todas as emprezas de produção, supprimiria a com-
correncia encarniçada que se fazem entre si a se
devorarem, estendendo-se ainda mais no circulo
vasto da cooperação internacional, ella supprimiria
as guerras de tarifa, pois as sociedades cooperativas
são livre — cambistas.»
CHARLES GIDE
(Les douze vertus de la Coopération)
RIO
1 9 2 9
2
Sempre no caminho da
verdadeira cooperação,apezar das ciladas!
A calumnia é invenção da inveja
e competição, propagando-se entre gente de
baixos instinctos, velhaca, o que quer dizer em
todas as camadas d'uma sociedade heterogenea,
de natureza inferior, manca de digno caldea-
mento. Um trigal infeccionado de joio equivale a
uma raça de gente calumniosa por indole...
Que pão envenenado se é forçado de comer, onde
a diffamação prospéra, ganha o nivel commum,
social, a destruir assim as tão poucas virtudes
deste mundo!
O AUTOR
3
Em torno do art. 10 do dec. n. 1637, de 5 de
janeiro de 1907
Como seleccionar sementes ao vento da insidia e
do mesquinho interesse?
O espirito da Cooperação, vencendo as epocas
e infortunio e injustiça, de egoismo e presumpção,
no evolucionar-se a sabedoria dos povos, põe termo
ao confusionismo social, que pretende ditar leis á
propria fome, despresando a forma sui-generis da
cooperação, que não é a de sub-especie de socie-
dade, forma a que se adaptam tão bem pessoas na-
turaes, como as juridicas constituidas por coopera-
tivas ou mutualidades affins, ligando num pacto
de solidariedade individuos e sociedades da mesma
natureza e para um fim commum de progresso geral
e conforto dos justos.
a ignorancia e negam que a coopera-
ção é a unica forma de sociedade que resolve o pro-
blema da vida e do trabalho, tornando o proprio
capital do socio, aliás independente do da coopera-
tiva, num instrumento do trabalho ou acção asso-
ciada para um fim commum, e não numa extorção,
qual a dos dividendos extrahidos dos que concorrem
mais directamente para o desenvolvimento da socie-
dade, em tudo cohesa e solidaria com os destinos
d’um povo — cimento deste.
Já Virgillii, no que cabe á Italia, no alludir ás
disposições do Codigo de Commercio, concernentes
ás sociedades cooperativas, citação que mui indus-
triosamente reproduzimos em «O Dominio Universal
da cooperação», em 1926, disse: «Taes disposições
regulamentam uma sub-especie de sociedades com-
merciaes, não se referem exclusivamente ás coope-
rativas verdadeiras, propriamente ditas». Que que-
rem mais? O art. 10 do teratologico decr. n. 1637
— 4 —
de 5 de Janeiro de 1907, que nunca foi regulamen-
tado, omittindo o que havia sobre o voto na lei ita-
taliana e ultrapassando as medidas do liberalismo
belga, produzio um enxerte inadaptavel á sociedade
cooperativa, permittindo assim o hybridismo juridico
que tem de ser sanado por uma geração menos poli-
tica e menos cupida que esta...
A Forma de sociedade anonyma, que tem con-
corrido para o progresso immoral, cahotico, babylo-
nico, é diametralmente opposta á forma de sociedade
cooperativa. Como confundil-as em lei, quando deve
haver lei para cada forma de sociedade, independen-
temente uma das outras?
«As sociedades cooperativas, que poderão ser
anonymas. em nome collectivo ou em commandíta, são
regidas pelas leis que regulam cada uma destas for-
mas de sociedade, com as modificações estatuidas na
presente lei».
Ficou assim caracterisada a sub-forma de socie-
dade anonyma e em commandita, não bastando pa-
ra caracterizar a forma sui-generis as modificações
que o decreto passa a determinar, omittindo as prin-
cipaes caracteristicas da sociedade cooperativa, quer
no que respeita á administração (em que admitte até
estranhos), quer no que respeita a direitos e deveres
do socio, e demais lacunas, uma vez que aquelle de-
creto se torna inapto para qualquer especie de coope-
rativa ou federação dessas cooperativas, quanto
mais para as cooperativas em geral que tão insuffi-
cientemente pretende abranger!
Condemnado por Carvalho de Mendonça, Vis-
conde de Ouro Preto e outros jurisconsultos de tão
grande envergadura, esse decreto só servio para fa-
cultar a deturpação da sociedade cooperativa, até
que se tratou, por virtude dos seus effeitos desastro-
sos, de rectificar a lei, e que o seja com mais vagar
e no mais sereno estudo do que realmente repre-
senta a cooperação isenta das taras que se lhe ape-
garam, muito embora, na Camara, haja o projecto
do Dr. Joaquim Osorio que tem um grande alcan-
ce, salvo no que conservou do dec. n. 1637, nota-
damente o art. 10 que constitue o 1º do seu projecto.
Neste particular, vimos contribuindo com mo-
destos esforços de discernimento e numa directriz
— 5 —
que nunca variou, a respeito da propria essencia da
sociedade cooperativa, e não sabemos porque se ha
de dizer que essencia é uma coisa e forma é outra,
no que respeita ao caracter, como em tantos outros
casos: «E essa forma diz tudo. Que sabemos da es-
sencia do mundo? Quando pensamos no mundo,
percebemos todos os seus attributos que nos são
offerecidos aos sentidos. E’ sua forma, dil-o Bacon.
Assim a cooperação, que os causidicos não devem
comprometter, confundindo-a com outras formas de
sociedades, confundindo o sol com o planeta e o
planeta com o satélite... », como nos referimos no
numero dez (A. 1928) da revista «A Lavoura», onde
encontramos a mais nobre e franca hospitalidade, o
que é raro nesta capital da insidia, dos corrilhos au-
licos, da calumnia, da «coterie» jornalistica... Ver-
dade é que se trata d’uma revista, que representa o
sabio orgão d’uma aggremiação, sempre superior-
mente presidida, cujos meritos nunca deixaram de
auferir dos governos apoio moral e subsidiario, sem
solução de continuidade, no perenne apuro dos seus
serviços prestados á lavoura, num paiz onde o que
vale mais, merece menos, tal o carnaval social rei-
nante na gloria facil das fantansias e da frivo-
lidade...
O conceito pronunciado pelos nossas juriscon-
sultos mais celebres. notadamente sobre o voto sin-
gular na sociedade cooperativa e o verdadeiro espi-
rito da cooperação que não pode ficar fora da lei,
por ser lei suprema, decerto superior á dos homens,
sendo do universo, onde se não trata de dinheiro e
sim de formação da vida e evolução que o espirito
humano abrange, como o da cooperação que o con-
substancia, concretisa. seria ocioso repetir neste fo-
lheto, flamula da causa que nunca cessaremos de
defender até morrer, apezar de não possuirmos os
privilegios ambientes que conferem o poder magis-
tral a uns, em desprestigios de outros menos ador-
nados de aneis, mas cujo fim, bem se parece com o
que julgava Bacon dominar no proposito dos philo-
sophos que, no seu entender, o não eram por di-
lettantismo, lucro, gloria, e sim no intuito de empregar
o don divino da razão para a utilidade do genero
humano.
— 6 —
Expurguemos o espirito da cooperação dessa
pretensa analogia tendenciosa, quando não inveri-
dica, disposta no artigo dez do decreto numero
1637, qual gazúa prestes a abrir o reinado do con-
fusionismo astuto...
«Reinado» que a lei em projecto, com um pouco
mais de precisão, deve vedar, baseada nos verdadei-
ros principios e não no tal espirito de «liberalismo»,
que falsea a cooperação integral, só no interesse dos
capitaes e não das pessoas de que se occupa unica-
mente a sociedade cooperativa, no sentido de cor-
ordenar os esforços pessoaes, sob os auspicios do
privilegio collectivo, sem prejuizo dos justos que pe-
nam na gléba de qualquer profissão honesta, seiva
que é capilarizada pela arvore que é a cooperativa
especializada á natureza de esforços uteis e di-
rectos, quaes os dos seus socios, e de accordo
com a lei de adaptação e autonomia ambiente, a
qual estabelece os estagios da circumscripção, da fe-
deração. Essa arvore, evita os parasitas e frutos
para a humanidade colhel-os conforme as necessida-
des legitimas, e nunca no sentido de especula-se
com elles ou no interesse de capitalistas cupidos, de
profissionaes sem escrupulos, que collocam suas ren-
das acima de tudo, até de Deus!...
A cooperativa lhes põe um freio na dentuça!
Integrando se a forma commercial, sui-generis,
da sociedade cooperativa de responsabilidade limita-
da, por acções, cujo numero é limitado para o socio,
como é estabelecido um minimo de capital social para
evitar as retiradas que podem causar a liquidação da
sociedade em que o capital sendo variavel, justifica
assim certas medidas estabilizadoras, por concomi-
tancia, integra-se a característica que livra a socieda-
de cooperativa de qualquer equivoco, notadamente
no que respeita á sua confusão com a sociedade ano-
nyma ou em commandita por acções, sociedades
essas meramente de capitaes, onde o socio pode
açambarcar todas as acções não havendo limite para
tomal-as e sendo o capital invariavel.
Embora a propagar fóra do terreno juridico,
nunca o fizemos fora do da cooperação verdadeira,
a que a lei tem que se adaptar, como se adapta a
— 7 —
propria contabilidade, que é uma sciencia positiva,
visto tratar-se dos numeros.
Pode-se deixar de ser musico, e sentir quando a
musica desafina mesmo quando ella parece corrigir
o que está certo...
A todo cooperativista sincero, independente de
corrilhos, de boa fé ninguem poderá negar a compe-
tencia de julgar por si, e não por espirito alheio ou
influencia estranha á cooperação o que comparativa-
mente se avalia pelo tino e a experiencia dos centros
maiores e existe sobre o assumpto nos paizes mais
cultos, e referem-se os melhores manuaes, que ensi-
nam a pratica das cooperativas de todas as especies,
sob a orientação dos technicos pertencentes ás prin-
cipaes federações do mundo culto, cooperativista, o
que obedecemos.
Não hão de faltar, com a espansão que vem
tomando a catechese, jurisconsultos e contabilistas
inteiramente devotados ás sociedades cooperativas,
e que, embora coagidos pelo regimen legal improprio,
apurem entre nós outros a adaptação de modelos
adequados e normas, cujo poder de plasticidade
jamais infrinja a doutrina experimental, derivada da
pratica dos grandes centros onde o bom methodo se
evidencia, na evolução dos processos viaveis e que
integram o espirito da cooperação, aliás manifestado
em qualquer uma das suas operações, dos seus actos
inconfundiveis, tão proprios!
Se os regulamentos legaes não tiverem a faculda-
de de corrigir as lacunas decreticias, no que respeita
á cooperação, neste paiz, ficaremos muito aquem
da mentalidade uruguaya e argentina, das mais
adiantadas nessa materia, apezar de certas lacunas
de somenos valia, que a posteridade corrigirá, sem
as vicissitudes observadas aqui.
A lei não devia errar, mas erra, e o regulamento,
reconhecido o erro, podia ter a faculdade de corri-
gir a lei, sem prejuizo do tempo que se precisa a
esperar pela modificação dos dispositivos erroneos,
quiçá a propria reforma radical da lei, aliás como se
está tratando de fazer, merecendo louvores os que
tentam essa obra difficil.
Regulamentar o proprio erro reconhecido ?
— 8 —
Antes nada fazer nesse sentido, sempre fôra o
nosso modo de vêr.
Assim o caso do decreto n. 1637 que, apezar de
não regulamentado, muito delle se têm prevalecido
os deturpadores, salvo no que o dec. 17.339, com o
respectivo regulamento e «instrucções» que se vão
apurando, se applica, embora referindo-se tão so-
mente a moldes conhecidos e que devem ser respei-
tados, na boa escolha do modelo justo, normas de que
nunca deixamos de defender, nos proprios estatutos
que traduzimos do Banco de Cremona, e tantos ou-
tros, salvo algum lapso, dada a pressa com que ata-
camos a propaganda saneadora, firme no conceito
italiano crystallizado nas normas purissimas daquelle
banco, por ventura reconhecendo que nos estatutos
de outros estabelecimentos congeneres, na querida
terra de Luigi Luzzatti, havia tambem magnificos
dispositivos que deveriamos adoptar, num amalgama
mais demorado e engenhoso de disposições mais
justas, sobretudo no que respeita ás operações e fun-
dos de assistencia geral e previdencia para os em-
pregados, adhesão de sociedades cooperativas,
commisões de arbitragem e descontos, administra-
çao, alem das que aqui ainda possam ser melhoradas
de facto, portanto sem exclusão do concurso valioso
da nossa mentalidade patria, e no que o Ministerio
da Agricultura se vem esforçando superiormente,
d’uma forma que honra a administração publica,
apesar dos meios precarios, pouquissimo pessoal
especialista, regimen esse de estudo a que vimos
offerecendo tambem o nosso pequeno esforço, de-
certo na parte a mais humilde da tarefa, que é im-
mensa e salienta antes de tudo o criterio dos Chefes
que procuram patriotica, humanitariamente reunir as
pessoas de boa vontade, que se apresentaram mais á
mão, no momento, para impedir que o movimento da
engrenagem da deturpação não perturbasse o da boa
escola a que se havia de dar inicio,a poder de muito
estudo do que existia de facto e não feria o espirito
da cooperação verdadeira, isso sem prejuizo dos que
tinham denotado capacidade de gerencia e contabi-
lidade, na phase precaria, doutrinaria.
Não houve pois, da parte da administração,
a cujo cargo compete tambem a propaganda das
— 9 —
cooperativas, obediencia céga a leis falhas, isto sem
infringir a disciplina que os nossos bons chefes
sabem conduzir, no sentido de evitar o que prejudica
de facto. E’ justo frizal-o, mesmo debaixo da acção
restricta, legal, retardataria, que afinal sempre desvia
a cooperação dos seus fins, pelo menos official-
mente.
Qual será a posição desse Ministério, no caso
de achar-se devidamente apparelhado para orientar
e fiscalizar o movimento geral das cooperativas e
sem que as leis garantam sua acção?
Desbravada a questão da directriz a tomar offi-
cialmente, resta saber se não haverá duvidas, no
futuro, quanto á interpretação juridica d’ um instituto
que, nos centros de acção pratica, sempre se evitou
a manhosa tolerancia, apezar de, em certos paizes,
admittir-se erroneamente, ainda hoje, um cotejo
forçado com a sociedade anonyma, de que se resen-
tio o art. 10 do dec. n. 1637.
Em suggestões que apresentamos em janeiro,
fevereiro, março, de 1627 definimos não somente o
caracter do socio da cooperativa, como o desta so-
ciedade commercial sui-generis, e bem assim o que
representa a acção na cooperativa, já havendo con-
frontado esta com a sociedade anonyma, desde
1926, nos parenthesis que inserimos nas caracteristi-
cas da sociedade anonyma, lembradas pelo Ministro
Berti, no sentido de orientar a acção legal, na epoca
em que se tratava de esclarecer os dispositivos
a constarem do novo Codigo de Commercio italiano
a respeito de sociedade cooperativa, como nos re-
ferimos ás pags. 30 do Dominio Universal da Coo-
peração». sendo os parenthesis da nossa autoria, e no
intuito de estabelecer logo a differença entre as ca-
racteristicas da sociedade anonyma, segundo aquella
autoridade em jurisprudencia, e a sociedade coope-
rativa, conforme nos ensinam os mais importantes
centros onde a doutrina nunca periclitou. Passemos
a esse confronto que posteriormente desenvolvemos:
« 1.º a denominação e a séde da sociedade, dos
seus estabelecimentos e das suas represen-
tações (a séde da cooperativa tem uma cir-
cumscripção limitada, e as succursaes e
— 10 —
agencias, salvo no caso da cooperativa ter
o caracter cyclico se tornam autonomas
com o desenvolvimento natural);
2.º a qualidade e a especie dos negocios que
constituem o objecto da sociedade (na coo-
perativa não ha propriamente negocios, e
sim funcção distribuitiva e retribuitiva, no
que respeita á producção ou ao consumo
sob a forma de bonificação redhibitoria, e no
que respeita ao credito, não ha agiotagem,
e sim adiantamentos desinteressados, cujos
juros são approvados pelos proprios socios.
De mais a mais, emprestam a si mesmos) ;
3.º o importe do capital subscripto e do capital
effectuado (na cooperativa o capital pode
deixar de existir, e quando existe é
illimitado);
4.º a pessoa dos socios (em numero illimitado
nas cooperativas) e o seu domicilio (sempre
na circumscripção da cooperativa); o nume-
ro e valor nominal das acções (nas coops.
numero illimitado e valor invariavel) decla-
rando se estas são nominativas ou ao por-
tador (na coops. sempre nominativas, dan-
do-se a incessibilidade das acções, cujo nu-
mero não influe no direito do voto, caben-
do um só voto «per capita»), se as acções
nominativas ou ao portador podem ser con-
vertidas em acções ao portador e viceversa
(nunca nas cooperat. as acções deixam de
ser nominativas), e qual seja o praso e o im-
porte dos pagamentos a serem feitos pelos
socios (nas coops. o praso se estende até
dois annos, e a primeira prestação pode ser
até de 5 %, do valor das acções tomadas,
nunca havendo chamadas de capital, nem
emissão a não ser a das acções que se tiram
para cada socio que entra, desde que se não
faça uso do «titulo nominativo», que evita
a propria acção, tomando então a quota ou
acção, o nome de parte»);
5.º o valor dos creditos ou dos outros bens
conferidos;
6.º as normas com as quaes os balanços devem
— 11 —
ser formulados e os lucros calculados e divi-
didos (na cooperativa os juros são limitados
e o lucro que vae para a reserva é indivisi-
vel mesmo no caso de dissolução, o que
lhe dá um caracter civil que aliás pode ser
mixto, como veremos, de forma que esse
lucro, como o que representa outros fundos
sociaes, perde o caracter proprio de lucro
participante, uma vez que se dissolve nos
favores sociaes e geraes, pois jamais a coop.
deixa de respeitar o proprio interesse pu-
blico, pelo que é merecedora do privilegio
collectivo, que na anonyma aberraria, uma
vez que a divisão individualistica do lucro
nella é manifesta, em nada possuindo o ca-
racter collectivista nos seus fins sempre lu-
crativos sob o mobil da cruel concorrencia);
7.º as vantagens ou direitos particulares con-
cedidos aos promotores (nas coops. só ha
egualdade de direitos, como de deveres);
8.º o numero dos administradores e os seus
direitos e deveres, declarando qual delles
poderá fazer uso da firma social;
Os orgãos da soc. cooperativa: conselho de
administração, 3 a 7 membros ou mesmo 11,
e Director-gerente, technico, eleitos pela
Assembléa, conforme o que se pretende
adoptar aqui e com razão; Commissões di-
versas, inclusive a de arbitragem ; um con-
selho fiscal de 3 a 5 membros: Vide «Cruzada
da Cooperação integral», pags. 113.123.
A retribuição dos membros que tomam par-
te directa nos trabalhos e feita por meio de
senhas de presença, como se faz na Italia,
estabelecendo-se um ordenado digno para o
Director-gerente, contador e outros emprega-
dos. O presidente do conselho, que tambem
é escolhido pela assembléa. representa a so-
ciedade. Taes normas, notadamente no
que respeita á retribuição que de nenhum
modo deve ser concedida por meio de per-
centagens, pelo menos o aconcelham os
Mestres, fixam bem um caracter differente
da sociedade anonyma em que ha ainda o
— 12 —
conselho deliberativo ou consultivo, admi-
nistrações discricionarias, açambarcamento
das mesmas pelos accionistas mais podero-
sos em votos, cuja pluralidade a cooperativa
não admitte, garantindo assim a soberania
das assembléas que na soc. anonyma é nulla,
subordinada a assembléa ao voto plural, de
que deriva o poder discrecionario, adminis-
trativo, inexistente na soc. cooperativa);
9.º o numero de fiscaes (3 a 5, com funcção
permanente na soc. coop., podendo em
qualquer tempo exercer a fiscalização, divi-
dindo-se essa tarefa entre os seus membros,
devendo estes assistir as reuniões do conse-
lho de administração sem tomar parte na
votação, sem prejuizo das consultas que
lhes possam ser feitas);
10.º as faculdades da assembléa geral e as con-
dições para a validade das suas deliberações
(o voto singular lhe dá um regimen inteira-
mente diverso na sociedade cooperativa) e
para o exercicio do direito voto (sempre um
voto «per capita»), dizendo se qual deve ser
o numero dos que intervem na primeira con-
vocação, afim de que a assembléa se torne
valida (nunca na soc. coop. o numero de
acções influe, o que vale é o numero de so-
cios presentes, nas deliberações), quaes as
convocadas para deliberar sobre mudança de
estatutos, fins antecipados prorogação,
fusão, mudança de objectivo da sociedade
(a lei organica tem que fixar certas bases
inviolaveis sem tolher a acção evoluciona-
ria, porem não existindo a maleabilidade da
anonyma para effeitos de mudança de obje-
ctivo, pois este é radicado na rocha das ne-
cessidades que não variam, existindo para
cada especie de objectivo uma forma propria
de cooperativa, podendo o objectivo ser
multiplo na procura de vantagens perma-
nentemente comm uns aos socios. ou não —
socios visados pela catechese experimental,
como se nas soc. coop. de consumo e
nas de producção, que vendem tambem a
—13 —
não-socios, o que constitue um caracter
commercial dessas cooperativas; verdade é
que o ministro Finali, segundo Virgillii,
opinava em 1874 pela inclusão no Codigo
de commercio da parte referente ás coope-
rativas, allegando que toda sociedade, pelo
facto de ter personalidade distincta da do
socio. segundo o art. 2 do Codigo italiano,
executa um acto de commercio, mesmo ven-
dendo somente aos seus socios. Outrosim,
a sociedade commercial entre nós se rege
pelo Codigo de commercio, e a sociedade
anonyma por lei propria... O «cipoal de
convenções creadas pelo individualismo», a
que alludimos ás pags. 68, o «Dominio
Universal da cooperação», cresceo com a
analogia que culminou com o art. 221 do
Codigo de Commercio italiano, a que se
refere Coppola d’Anna, ás pags. 12, do
«Codigo da Cooperação»; apezar das res-
tricções que nessa disposição se estabele-
cem, quanto á semelhança da soc. coope-
rativa com a anonyma, como assignalaremos
mais adiante.
Se taes disposições calcam na restricção allusiva
á estensão do que está no principio do art 219 do
referido codigo, «Le società cooperative sono sog-
gette alle disposizioni che regolano quelle specie
di società di cui assumano i caratteri indicati nell'art.
76 salve le segnenti disposizioni speciali», o final
allade a disposições que modificam esse caracter
particular de sociedade anonyma, que o Ministro
Berti consagrou na circular de 1882, em referencia
ás disposições então incluidas no codigo, sendo que,
segundo o historico desses debates, constante do ca-
pitulo sobre a natureza da soc. cooperativa e outros
seguintes, da «Cooperazione», de Virgilii, cogitou-se
antes d’um projecto de lei que foi approvado pelo
Senado. em 1875 (vide pag. 31, «Dominio Universal
da Cooperação», citação que sahio imperfeita), indo
morrer na Camara dos deputados. Esse projecto se
refere tão somente ás sociedades cooperativas por ac-
ções, como em 1926, na Argentina.
—14—
Embora vago, aquelle projecto de lei a parte,
tinha a qualidade de não alludir á forma anonyma,
amalgamada tambempor Virgillii que, citando outros
apologfstas da qualificação de forma juridica de so-
ciedade anonyma ás sociedades cooperativas por ac-
ções, taes como, Vidari, Rodino, Zanardelli, Manfre-
di, etc, os quaes nos trechos que tambem reproduz
quando alongam a definação da sociedade coopera-
tiva fóra da interpretação propriamente juridica, ap-
parecem sob outro aspecto, sentindo elles proprios
em si mesmos, um como cordão sanitario entre
uma e outra coisa... Nisso Cossa e J. Stuart Mill,
são evidentes, mais outros magistraes observadores
conscientes da forma sui-generis desse novo institu-
to, velho como lei da ajuda-mutua, que representa
o principio reformador fora da bitola juridica confu-
sionista, pois nelle se não cogita de ser anonymo por
não ter firme ou razão social... Por essa razão, nos
nove estatutos que adaptamos, nelles alongamos os
artigos para melhor esplicar as operações e regras,
sem protelações do sentido das mesmas, aliás como
aconselha Luiz-Durand, que é nosso Mestre, e não
nosso discipulo... Na contabilidade tambem os con-
tadores sinceramente sympathicos ao cooperacionis-
mo têm que respeitar a forma applicada, como os
Mestres ensinam e as cooperativas mais idoneas se
servem, e por essa razão tratamos de traduzir tex-
tualmente Fliccarelli, Garibotti, Valentini, para uso
privativo dos que quizerem estudar, na secção, pois
não demos caracter de publicidade a essas traduc-
ções resumidas ou parciaes que offerecemos á pe-
quenina bibliotheca da secção, onde aliás a nossa
funcção não é de contabilista, nem de advogado, cui-
dando nós da doutrina e informação do que se passa
de facto nos melhores institutos.
Nenhum Mestre admitte em principio philoso-
phico equivalencia da cooperativa com sociedades,
cuja moral é nulla, salientando todos, na sociedade
cooperativa, a integração d’uma moral positiva, que
representa a ajuda-mutua, a qual nasce do sentimen-
to de collectividade contra os excessos do capitalismo
índividualistico, nunca partindo do índividuo contra
o sentimento da collectividade e o resto que é justo,
o que permitte a sociedade anonyma, astuta íntrusa
— 15 —
na vida da cooperativa, e que nunca visa outra coisa
senão o lucro — mesmo á custa da desgraça alheia,
pois é ínteiramente distituida da solidariedade moral
e physica que a lei não pode interpretar e representa
a pedra angular da cooperativa. Chegou-se mesmo
ao ponto de achar-se naquella epoca que se devia dar
a propria forma anonyma, afim de não produzir o
hybridismo juridico...
11º o tempo em que a sociedade deve
começar e em que deve terminar;
Na sociedade cooperativa só ha solução de con-
tinuidade. accidentalmente, e não fosse a lei, o cara-
cter que toma a indivisibilidade da reserva indicaria
de certo modo o tempo infinito. coisa tão diversa do
que ha na sociedade anonyma onde a morte d'um
grande accionista açambarcador dos seus destinos
tudo pode tranformar, sem que nada o embargue, tal
a força do capital privado nessa sociedade de capi-
taes e pessoas — manequins... . sob as ordens dos
grandes accionistas que as olham de cima. Haverá
coisa que mais se distancie da sociedade de pessoas
de carne e osso e que possuem mais do que rique-
zas — o coração, como se da na verdadeira socie-
dade cooperativa? Fallemos postuguez, não o que
timbra na Candelaria..
Isso de palavras cruzadas, admiravelmente ali-
nhadas nos artigos legaes ou estatutarios para inglez
vêr, não assentam na mente do cooperacionista. que
procura a linguagem familiar que falavam os Vinte
Oito Tecelões de Rochdale e que Vergnaníní, e tantos
espiritos lucidos souberam traduzir em todas as lin-
guas, como os Dez Mandamentos onde tambem se
não íntrincam os deveres ditados no Sinai.
A cada dispositivo caracterizante da sociedade
anonyma, parenthesiamos acima um rapido confron-
to. Afigure-se que . não seria no examinar minucioso
das centenas de artigos dessa flora de decretos sobre
a sociedade anonyma, que se revogam mutuamente
e regulamentam se infinitamente... Que tarefa! Para
que tudo isso, senão para enganar? A cooperação
não precisa de tanta sabedoria legal. E’ lei da natu-
reza que se enuncia com duas palavras : ajuda-mutua.
—16—
Já o disse Kropotckine de quem tanto se falou neste
paiz, cabendo tão somente ao mais humilde dos seus
admiradores a referencia que fizemos em 1926 a res-
peito do que elle disse sobre a cooperação como co-
roamento da obra reinvindicadora da justiça. Em o
«Dominio Universal da cooperação» ensaiamos um
rapido relancear historico sob o ponto de vista socio-
logico e elementar.
A luz tem que se fazer por esse caminho assim
desbravado, por onde tambem palmilhou o milagroso
communismo santo, de que um outro autor, segundo
consta, brilhantemente tratou, depois de o havermos
notado, decerto sem nos ter lido, pois as livrarias não
são para os nossos humildes esforços a prol de coisas
tão singelas, que ninguem as percebe...
Mas a disciplina a que obedece o nosso espirito,
conduz á verdadeira civilisação que não deve ser to-
mada por um Coliseo cheio de gladiadores, féras,
martyres e Nero...
Todavia, na Argentina , conforme noticiamos
nos «A pedidos» do «O Jornal», de 3 Agosto de 1928,
muito se tem feito no sentido de apurar o methodo,
tolhendo-se porem a responsabilidade illimitada»
nas cooperativas, alem do que dissemos em «Cruzada
da Cooperação integral», reproduzindo as principaes
disposições da lei organica das cooperativas naquelle
paiz organizado admiravelmente para o trabalho do
seu ordeiro povo, progressista de facto lei que soube
combater a deturpação, embora ainda lhe falte inte-
grar todas as virtudes do capital collectivo...
Ninguem ignora o que seja a accão, titulo da
sociedade anonyma ficha de jogo de bolsa, papel
sujo que tem feito a desgraca de muita gente que troca
suas economias, na avidez do lucro phantasma-
gorico, prégado aos quatro ventos, por uma coisanga
bem parecida com os bilhetes de loteria, pois ninguem
pensa noutra coisa senão no dinheiro que deve ga-
nhar, quando compra uma acção na bolsa, nesse outro
panno verde em que a policia não toca... . . Que im-
porta ao accionista os fins d’uma companhia ou em-
presa, se não é o de dar lucro extraordinario, tão
sómente o lucro?
Charles Gide, em «Les douze vertus de la Coopé-
— 17—
ration,» condemna essa falsa mentalidade que não
pode ter equivalencia na sociedade cooperativa.
Na cooperativa a acção tem outra significação.
E’ um deposito de honestas econo mias, destinadas
á circulação que alimenta o trabalho aggremiativo, o
capital collectivo, na captação de energias que tudo
movem com elevação de principios economicos, cuja
pratica nunca prejudica os justos sendo um arrimo
geral, na procura do conforto sem taras individualis-
ticas, restricções ou privilegios particulares.
A acção da cooperativa não é iman de dividen-
dos gordos, e sim um aperto de mão amiga, na praça
onde a uzura estende as garras multiforme...
De ha muito vimos aqui estabelecendo a differença
entre a acção da sociedade anonyma e a da socieda-
de cooperativa, sendo que na Belgica, criou-se o
titulo nominativo convindo lembrar de passagem que
nesse paiz substituio-se o espirito syndicatorio pelo
da cooperação, que é cyclico. Qual se melhança existe
entre esses titulos?
Nunca deixamos de contribuir, no serviço de
propaganda a que pertencemos modestamente, com
elementos sufficientes para repudiar a forma juridica
de sociedade anonyma, tomada como qualificação
da forma de cooperativa por acções, a qual se define
por si. Eis a differença entre a acção da sociedade
anonyma e a da cooperativa.
Nesta:
« a) valor nominal ínvariavel;
b) juros baixos, limitados, fixados em
geral por lei. Nas Wholesales, ainda mais
que em qualquer outra cooperativa, a acção
em nada semelha á da sociedade anonyma,
pois não dá juro...
c) incessibilidade, no intuito de evitar
seu curso na bolsa;
d) numero limitado para cada socio,
afim de estimular a productividade do tra-
balho do mesmo e a renda ociosa de capital
morto;
e) podendo ser chamada parte, e como
tal depender d’uma simples inscripção na ca-
—18—
derneta do socio ou «titulo nominativo»,
conforme o art. 18 do dec. 1637, cuja re-
dacçao nao esclarece devidamente a signifi-
cação desse titulo, que teve no Dr. Adolpho
Gredilha, advogado e contabilista provecto,
apologista do systema belga entre nós, um
applicador dessa pratica aos estatutos que
tem elaborado brilhantemente, verdade é
quecom adaptação differente da enviada, no
que respeita tão sómente a certas normas,
ainda em discussão no terreno legal, que o
illustre propagandista tem procurado
respeitar, decerto de boa fé, no intuito de
evitar duvidas de registro de estatutos.
Dessa forma não haverá emissão de titulo e
sim inscripção de depositos, no livro de
registro e na cader neta do socio. Outrosim,
na França e outros lugares, dá-se o nome de
parte á acção, que é emittida tão sómente á
proporção que os socios a integram, quer
no momento de em trar, quer por meio de
prestações. Dando juro a acção, mesmo
assim, não se mede com o systema mais
justo de bonificação que se proporciona ao
trabalho ou á compra, portanto á influencia
propriamente vital da sociedade
copperativa, havendo já quem, como
Bolaffio, ache natural que a bonifica-
ção seja estensiva ao credito, na razão dos
emprestimos feitos pelo socio. Outrosim, a
acção ou parte, de qualquer forma, mesmo
com dividendo ou juro (no caso da parte)
limitado, estabelecido o capital collectivo
nos proprios bancos — Luzzatti, segundo
Virgilii, trata-se de alienal-a e annullar,
com o fim de livrar-se da valvula
escapatoria dos dividendos, quando o
desenvolvimento da cooperativa o permitte.
A tendencia moral da cooperação é de
completa reforma social, e a insufficiencia
legal só lhe oppõe ridiculos obstaculos,
qual o que se architecta no cotejo
tendencioso da sociedade cooperativa com a
sociedade ano nyma... Em muitas
cooperativas de com sumo e trabalho se
capitalizam as bonifica-
— 19—
ções e juros no intuito de egualar o numero
de partes ou acções para cada socio:
f) isenta de agio;
g) por herança, só se transmitte as acções
no caso do herdeiro ser ou tornar-se socio;
até se permitte que, sendo diversos, os her-
neiros nomeem um titular para uma só acção
herdada por diversos. Cabe-nos accrescentar
o que a respeito de herança. alem do que
dissemos em «características das sociedades
cooperativas», argumentamos, no serviço, e
que nos seja licito reproduzir toda vez que calhar:
«A hereditariedade se nega na cooperação, no
que respeita á successão conservadora, cuja rigida
estructura, como faz vêr Virgilii, interpretando a dou-
trina de Spencer impede a successão por capacidade, a
qual constitue o «principio de plasticidade social, que
favorece a transformação e torna possivel um estado
melhor». Mas, como negal-a em sciencia ou perante
o sentimento de ternura familial, sendo que uma
cooperativa não deixa de ser a somma total das familias
representadas pelos socios que têm mulher, filhos,
netos, pessoas queridas por elles acolhidas no seu lar
honesto, onde brilha o orvalho do suor da labuta á
luz d’alva da éra trabalhista, da éra em que a coope-
rativa tem o poder da reforma social, não no que
toca aos affectos e sim no que respeita á capacidade
de produzir e consumir, regulando a distribuição e a
retribuição de accordo com a justiça economica. tro-
cando o dividendo pela bonificação proporcional á
producção ou ao consumo, a economia por instru-
mento de trabalho, e não servindo de isca á uzura...
O direito dos herdeiros, nessa familia de nova
mentalidade, é o direito do proprio socio, que não
cessa, salvo se os herdeiros não correspondem á dis-
posição relativa á admissão do socio A morte não
pode excluir esse direito que se irradia pela familia
ou os entes mais intimos, pois todo socio deve têr
um lar, afim de combater-se o isolamento que torna
o individuo mais crú e egoista, tendencia má, que até
o proprio convivio familiar muita vez não consegue
tolher, nem o do ambiente em que se trata de culti-
— 20 —
var o sentimento de solidariedade d’uma forma mais
sincera, efficiente, decisiva. Não se trata ahi de he-
rança commum, d’um titulo rendoso, mas d’um
legado de solidariedade moral.
Outrosim, a letra c do art. 11, do decreto n. 1637;
que ordena a «incessibilidade das acções, quotas ou
partes a terceiros, estranhos á sociedade», não attinge
a familia, sob o tecto do socio, familia que faz parte
da sociedade, sobretudo quando se trata de menores,
sendo o chefe representante da mesma, isso não im-
pedindo que as pessoas logo que maiores ingressem
directamente de accordo com as disposições relati-
vas á admissão.
O verbo ceder, segundo Caldas Aulete, significa
disistir de (alguma coisa a favor de alguem). Trans-
portar a propriedade de (uma coisa a outra pessoa)
ceder, um arrendamento, um terreno. Concordar em,
transigir com, conceder. A «incessibilidade das
acções» se refere portanto a uma operação gratuita ou
mediante pagamento, a que a acção se não deve su-
jeitar. Nada tem que vêr com o direito que o herdeiro
(mulher, filhos, netos) tem na successão da parte so-
cial de que aliás sempre a familia compartilha moral
e materialmente em vida do socio, como depois da
sua morte.
Assim, o socio que deixa herdeiros, não cede as
acções aos mesmos, e sim lh’as transmitte, sendo a
transferencia uma operação de accordo com o institu-
to cooperativo, dentro das respectivas normas, tran-
sferencia que é operação idendica á da transmissão,
no que respeita ao registro.
E continuando o direito (salvo no caso da tran-
sferencia não ser acceita, o que provoca reembolso)
do socio na pessoa ou pessoas socialmente capazes
de succedel-o, taes herdeiros moraes e physicos do
socio morto, com a excepção d’um delles, devem
pagar a quota de admissão, pela capitalisação dos
juros ou d’outra forma estatutaria.
A let. b do art. 19 do dec. 1637 — é bem clara?
Ou os herdeiros recebem a parte e a conta corrente
na forma da letra a (como por demissão, isto é, dei-
xando de continuar no direito de socio), ou podem
ficar subrogados nos direitos sociaes do fallecido,
— 21 —
se de accordo com os estatutos, «entrarem para a
Sociedade».
Ora «entrarem para a Sociedade», «subrogrados
nos direitos sociaes», quer dizer alguma coisa
que entrar simplesmente para socio...
No principio da let. b do art. 19 «os herdeiros
a receber a parte e a conta corrente na forma da let.
a», se considera o caso de exclusão por voluntaria re-
solução dos proprios herdeiros. Para ser excluido é
preciso que já se faça parte. Portanto o herdeiro é
presupposto socio, faltando apenas ser ouvido. Se o
herdeiro apresentar qualidades de capacidade social,
seria obivio o motivo de não ser conservado socio
dentro dos mesmos direitos, a menos que a Socieda-
de preferisse liquidar com o herdeiro prestes a ser so-
cio, reembolsando um certo numero de acções. afim
de que elle, para entrar para socio, com uma parte
desse peculio deixado pelo socio morto, suppondo-se
diversas acções, tomasse uma só acção, recebendo o
valor das outras e pagando a quota de entrada, isto
é, sahindo por uma porta com o reembolso gordo, e
entrando por outra com uma magra parte...
Não é isto prestigiar os fins sociaes, nem o do
socio que deixa herdeiros convictos, como elle, ou
que o serão com o tempo, no caso de tratar-se de me-
nores. Na Italia, na Inglaterra, etc, a acção pode
ser herdada por diversos, figurando só o nome de um
delles. Nas Wholesales onde a acção não dá juro e
custa mais de 100S, diversos se cotizam para pos-
suil-a em commum.
De qualquer modo, interpretar disposições de
leis condemnadas a reformas, o deve ser no sentido
de corrigil-as, não de manter as suas omissões, os
seus erros, os seus contrasensos, como que dis-
crecionariamente...
«Coppola d'Anna» — «V — Successione — Pag.
30 — 2. Mesmo que os estatutos d'uma sociedade
cooperativa estabeleça que o socio possa em caso de
morte ou de enfermidade permanente fazer-se sub-
stituir em todos os seus direitos por um filho ou irmão
ou neto com os requisitos para serem socios, não o
pode pretender o neto do socio fallecido que, na épo-
ca do fallecimento, não fora designado para succe-
der-lhe sob a investidura de socio».
— 22 —
E’ opportuno lembrar tambem que a let. d do art.
19, não veda existencia de interdictos na sociedade,
que aliás continuam socios, como os fallidos. Mas o
interdicto, como o fallido, deve ter representante.
h) O credor pessoal do socio fallido, de accor-
do com a let. c do art. 19 do dec. 1637, só pode re-
ceber os juros das acções que pertencerem ao socio
devedor, e só no caso de dissolução poderá obter o
reembolso.
A lei é falha nessa interpretação. A coopera-
tiva não privilegia o socio, gozando só ella do pri-
vilegio collectivo. Se a acção representa um valor,
está incorporada na massa falida. Por ventura o cre-
dor, para possuir a acção tem que se tornar socio,
do contrario será reembolsado no valor da acção
dentro das condições estatutarias concernentes ao
reembolso de acções que ficam annulladas. Assim o
adquiridor da acção exposta á adjudicação judiciaria,
por motivo da propria fallencia do socio;
i) O numero de acções, constituido pelo capital
social, é variavel, dependendo da entrada e sahida
de socios, sendo o numero destes illimitado.
j) as acções, qualquer que seja o numero dellas,
possuido por um socio, este só tem um voto nas as-
sembléas.
k) as acções são nominativas;
l) as acções só dão direito ao voto alguns me-
zes (Banco de Milão 6 mezes), depois de serem toma-
das, afim de impedir cambalaxos de ultima hora,
nas Assembléas Geraes».
Que tem de anonyma a cooperativa que obriga
o socio a assignar o acto constitutivo, sendo nomi-
nativa a acção, a caderneta, declarando o socio no
seu pedido de admissão, sujeitar-se aos regulamen-
tos e estatutos da socidade?
Que conclusão tirar do cotejo de duas socieda-
des, cuja formação do capital sendo embora por
meio de acção, este titulo na cooperativa é radical-
mente opposto ao da sociedade anonyma?
Se o titulo é diverso, diverso é o caracter de for-
mação do capital. Porque então obrigar-se a coope-
rativa de responsabilidade limitada, cujo capital se
constitua por meio de acções, a declarar que adopta
a «forma juridica de sociedade anonyma» ?
— 23 —
A sociedade cooperativa não é um girasol que gire
na razão das falhas e omissões legaes, das lacu-
nas dos regimens caducos, ou do byzantinismo litte-
rario ou causidico que se deleite á distancia dos fa-
ctos mundiaes que denotam a harmonia doutrinaria
sem quebra dos principios vitaes da cooperação. E
na vanguarda desse movimento de integração do
caracter cooperacionista, acham-se inscriptos os no-
mes de Lyra Castro, Arthur Torres Filho, Luciano
Pereira, alem dos que no Ministerio da Agricultura,
os auxiliam na Capital, e nos Estados, taes
como o Sr. Inspector Agrícola actual do Rio Gran-
de do Sul, Parahyba do Norte, Minas, de Alagoas,
os Drs. Diogenes Caldas, Fernando Silva, os ajudantes e
auxiliares que se vêm esforçando, movimento animado
tambem pelo prestigio dos chefes de secção technica do
Fomento Agricola, quaes sejam os Drs. Carlos Duarte
e José Eurico Dias Martins, mais os agronomos cujos
trabalhos têm merecido justos elogios e que procuram
tambem favorecer a propaganda da cooperação agri-
cola no seu campo de acção, naquella repartição de tra-
balho e de apego aos idéaes capazes de nos soerguer
da pasmaceira reinante, e livrar-nos dos deturpadores
que fizeram das remissões legaes o que os simios
costumam fazer, pulando de galho em galho, e os pa-
lhaços no jogo dos trapezios... Na sociedade coope
rativa não ha logica causidica, nem rhetorica juridi-
ca: é o instincto que conduz o mais elevado espirito
de justiça e solidariedade popular. Estender a
cooperação a classes que possuem algum capital, não
implica na perda dos seus principios. Se o rico pro-
cura a acção da sociedade anonyma, não venha elle
com essas intenções para a sociedade cooperativa que
precisa menos do dinheiro delle do que da confian-
ça e intelligencia disciplinada do pobre que trabalha e
fica sem tecto e tantas vezes sem pão...
Como se não aggride o communismo das ordens
religiosas, se não impede a realização do ideal co-
operacionista na sua verdadeira expressão.
Vem a calhar o que com mentamos no Serviço, ao
lado das preciosas pesquizas do Dr. Fabio Luz
Filho e do tirocinio juridico do Dr. Adolpho Gredilha,
obediente este á disciplina regimental, porem sem
descrêr dos principios fundamentaes que criaram um
— 24 —
novo direito: «El nuevo derecho serà ei derecho co-
operativo», como o diz Samson Leiserson. tambem
advogado e contabilista, autor de «La Cooperacion
su regimen juridico», uma das mais bella theses so-
bre o assumpto. E o que commentamos, repudia
qualquer semelhança da sociedade anonyma com a
sociedade cooperativa, no exame espiritual, não for-
malistico:
«Assim, como vimos acima, mesmo no terreno
formalistico, a sociedade cooperativa deixa de ser
anonyma, tanto mais que todos os seus socios assi-
gnam o acto constitutivo: Quanto á responsabilida-
de limitada, a cooperativa mais adaptavel a quem
menos possue, bem que a acceita, porem a «acção»
da Sociedade Cooperativa, que representa a «parte»
ou quota do socio, é coisa mui diversa do titulo emit-
tido pela sociedade anonyma, em numero limitado
por ser o capital invariavel, titulo que é ao portador,
com curso na bolsa onde o seu valor depende do
jogo a que se esquiva a cooperativa que procura re-
solver as questões economicas sem nenhuma especie
de jogo especulativo ou agiotario, adoptando sempre
o regimen de egualdade absoluta de direitos deve-
res, coisa impossivel de existir na sociedade anony-
ma, que privilegia o capital, indifferente ás pessoas,
abolindo o interesse com mum, egualitario, que nellas
se reflecte e que nunca é contrario ao do publico, na
cooperativa, emquanto que na sociedade anonyma se
especula sempre contra o mesmo...
O art. 12 de dec. n.° 1637 obriga á declaração da
«responsabilidade», e o art. 14, sob pena de nulli-
dade, prescreve a declaração da «forma».
Ora, desde que se declare a forma de responsa-
bilidade, limitada por acções. está declarada a forma
juridica da sociedade por acções, sendo satisfeitas as-
sim as disposições dos arts, 10, 12 e 14, ao mesmo
tempo, uma vez que os demais quisitos, acerca da orga-
nisação da sociedade ou condições sociaes e fins, são
preenchidos de accordo com as demais exigencias le-
gaes, sendo que ha mais conveniencia em se definir
exactamente todo o mecanismo administrativo, deter-
minando-se as respectivas responsabilidades pes-
— 25 —
soaes, ou repetir taes disposições, do que fazer as
remissões de leis que as contenham, isto sempre no
intuito de evitar a confusão d'uma forma de socie
dade com outra. Uma machina pode possuir peças
analogas a outra machina, cujo fim seja inteiramente
diverso. Uma pequena parte d’um todo, não pode
produzir o mesmo effeito, que o todo integral. Isto
sobretudo no que respeita ao cotejo que se quer dar
ás sociedade anonymas e cooperativas.
Quanto á sociedade cooperativa em commandita,
até hoje não houve noticia a respeito...
Antes se désse o mesmo com as anonymas que
se dizem cooperativas, escudadas no confusionismo
legal d’aquem e alem mar.
A sociedade cooperativa é de responsabilidade
limitada por acções, ou illimitada. Não se precisa
juntar palavra nenhuma a qualquer uma dessas de-
clarações, quanto á forma. No mais, conforme têm
que declarar os estatutos concordes com o que a lei
exige previdentemente, no intuito de garantir o pacto,
de livral-o justamente de qualquer especie de mysti-
ficação.
Na Argentina apenas se indica a forma, decla-
rando-se a responsabilidade limitada da cooperativa
por acções, não tomando a lei em consideração a res-
ponsabilidade illimitada nas cooperativas:
«ART. 2.º — Solo podran denominar-se «Co-
operativas» las sociedades que además de ese titulo,
reunan los caracteres seguintes:
1.º acompanhar su nombre social con pa-
labra «limitada». Não é mais simples assim? E nos
demais numeros deste artigo, como de outros, as
disposições não vacillam, nem omittem, nem o mal-
dicto serrote serra os galhos frondosos da arvore da
cooperação, nessa mesquinha poda das grandes
idéas... que não podem viver mirradas!
Que differença do que contem o art. 10 do decr.
1637 e o art. 1.º do projecto em discussão no Con-
gresso! Mui acertados andam os argentinos e ha
nisso um mobil de sinceridade que os dignifica so-
bremaneira, merecendo assim a confianca humana.
Outrosim, uma das caracteristicas mais em evi-
— 26—
dencia e que não consta da lei, — é que na coope-
rativa os socios exercem uma acção economica, quer
industrial ou profissional, compativel com a natureza
da cooperativa o que faz juz á «noção juridica» con-
stante de Coppola d’Anna, pag. 5: «A caracteris-
tica das sociedades cooperativas consiste nisso que
os associados se propõem de conseguir, mediante a
cooperação de todos, um determinado fim economi-
co ou vantagem material commum a todos os socios».
E bem assim os dois trechos que vão a seguir,
sob o titulo de «jurisprudencia» e que Coppola
d’Anna compilou a respeito do «Caracter de mu-
tualidade,» extrahidos de sentenças pronunciadas
pelos mais eminentes juizes perfeitamente a par da
materia com que será plasmada a éra nova de justica
integral:
«Ii riconoscimento che una societá cooperativa,
sebbene constituita nelle forme legali, non risponde
ai principii e alle discipline della cooperazione. hu ef-
fetto retroaltivo, e perciò l'amministrazione finan-
ziaria puó richiedere le tasse relative ad atti e tempo
anteriori a tale dichiarazione purchè non colpite
da prescrezione».
....................................................................................
«Non puo ritenersi mutua, e non gode dell'e-
senzione delle tassi di regìstro e bollo per gli atti e
scritti relativi alle sue operazioni, u na società coope-
rativa di lavoro che ammette nel suo seno, soci non-
operai». Esse effeito retroactivo e a obrigação dos
socios serem operarios, nas cooperativas de produ-
cção e trabalho, tem uma significação decisiva sobre
a consideração que o legislador mantem pela doutri-
na e estende-se a tudo que a ella respeite.
«Al assegurar las leys la verdadera esencia co-
operativista, con la sanción de los principios doctri-
narios de la cooperación, reconocen también la ne-
cesidad de deslindar formalmente las cooperativas
auténticas de las pseudo-cooperativas.
...................................................................................
«Es una disposición de ordem publico, frente a
— 27 —
la cual no poeden invocarse ni el principio de la no
retroactividade de las leyes ni los derechos adquiridos
al nombre.» (La cooperación su regimen juridico.
Tesis por Samson Leiserson — 1927).
O mesmo se applica a outros effeitos produ-
zidos pela deturpação:
«Art. 8° — Las sociedades cooperativas existen-
tes deberán ajustarse, dentro de un año de su pro-
muigación, a las disposiciones de Ia presente lei si
desean conservar la denominación de «cooperativas».
Las que no lo hicieren incurrirán en la penalidad es-
tabelecida en el artículo siguiente.» (Vide «Sociedades
Cooperativas» por Mario Bravo, 1928, pags. 163-169,
«Sob a forma juridica das sociedades anony-
mas», como consta de alguns estatutos, convem ain-
da notar que as Wholesales, em primeiro lugar, se ser-
viram de acções sem juro, e que o banco que deu ori-
gem ao do Systema Luzzatti, qual o de Schulze, nada
tinha de sociedade anonyma, pois a responsabilidade
era illimitada, a qual servia de base á garantia mais
attraente para terceiros, e que tornava o banco apto
a tomar emprestimos com o fim de avolumar o ca-
pital, servindo-se tambem de acções a dividendos,
que eram o attractivo para o socio, visto que o fim
desse banco era o de especular, na caça dos divi-
dendos gordos, muito embora fosse fundado para a
classe proletaria ou gente de fortuna egual. Nunca
tal banco foi revestido da forma anonyma, na Alle-
manha, constituindo uma sociedade cooperativa
commercial de credito, sui-generis, da mesma ma-
neira que as wholesales e demais que seguiram essa
forma tão contraria á anonyma.
Isto depois de 1848, cabendo á França a tenta-
tiva da redempção cooperacionista na producção,
como á Allemanha no credito. Sendo que na Fran-
ça, por virtude da lei de 67 criou-se um typo novo
tambem differente da sociedade anonyma, qual o da
sociedade de capital variavel. Os dois movimentos
tinham de commum o de que já disse Cossa (cit.
Virgilii) «as sociedades cooperativas, criações autono-
mas de operarios e pequenos empreendedores, vi-
sam a procura de condições melhores para os mes-
— 28 —
mos, quanto á habitação, á nutrição, ao credito, e
ao exercicio individual ou collectivo das respectivas
industrias».
Quanto ao credito define-o E. Levi (cit. Vir-
gillii), justamente no interpretar as intenções de Prou-
dhon, Ferdinando Lassalle e Ermano Schulze, do
burgo de Delistzsch, o modesto juiz de Paz:
«quiz-se que o operario fosse o instrumento pro-
prio da sua redempção, que antes de obter o credito
désse prova de merecel-o, e, pensando que a coope-
ração, como a define Saint Simon, é a união legal e
pacifica de todas as pequenas forças para fazer uma
grande, procurou na cooperação e na mutualidade
a solução do problema.
«Associando homens que, isolados, nao teriam
podido offerecer sufficiente caução nem obter uma
fiança, elle constituio uma fraternidade que recolhe
as suas economias e consegue facilmente a conces-
são do credito. A associação se torna pois indepen-
dente dos negocios daquelles que a compõem, e o capi-
talista que concede o credito, tem per garantia a
união de homens laboriosos e honestos. A tal garan-
tia moral se junta logo o valor real d’um capital que
os socios vão recolhendo no collocar juntos as suas
economias».
Mas, ainda havia o desejo de lucro insubmisso,
atavico, de que resultou uma completa «deconfiture».
Luzzatti, percebendo o perigo da responsabilidade
illimitada, achou que esta devia cessar. conservan-
do-se apenas as acções, porem com todas as caracte-
risticas differentes da sociedade anonyma, salvo nal-
guns bancos onde perdurou certo atavismo.
O Banco de Lodi, data de 64, o de Cre-
mona de 65.
O de Lodi nos seus estatutos, diz que «assume
a forma de sociedade anonyma cooperativa de cre-
ditos», art. 1.º; porem no de Cremona, no art. 1.º
tal forma de sociedade nem por sombra é lembrada:
«A Sociedade Cooperativa Popular de credito
mutuo em Cremona denomina-se Banco Popular de
Cremona». Por que não imitar tão somente o que está
mais de accordo com a evolução da idéa ?
— 29 —
Entretanto ha medidas que parecem tender para
os effeitos da sociedade de capital, antipoda da co-
operativa, razão porque os autores mais radicaes nem
se quer tratam desses bancos nem das caixas-Raif-
feisen, que accusam de sectarias. Realmente as co-
operativas têm que se isentar de qualquer politica,
salvo a economica e moral a um tempo.
Outrosim, na epoca da fundação desses bancos
nada havia legalizado a respeito das cooperativas,
pois a propria lei franceza, das Sociedades de capi-
tal variavel, data de 67, a qual, embora permittindo
o voto proporcional, mesmo assim criou um typo
novo.
Houve, pois, na Italia tão somente a adopção
dessa nuança de jurisdição, sem solução de conti-
nuidade no legalizar-se um caso ambiguo, aliás entre
os prò e os contra das sentenças pronunciadas por
juizes que esclareceram o assumpto, cada qual com o
seu modo contraditorio de vêr, porem d’uma logica
perfeita... até que o codigo de commercio systema-
tizou a sociedade cooperativa civilmente ou com-
mercialmente ou dentro da forma mixta, afinal mais
ou menos com as mesmas caracteristicas constantes
do decreto n.º 1637, salvo no direito do voto, embo-
ra caminhemos tambem para a consagração do voto
singular, que ainda mais accentua a differença entre
a sociedade cooperativa e a anonyma.
Por isso não ha razão para impugnar-se o que é
adoptado no authentico banco Luzzatti, conforme
manda até o decr. 17339, evitando-se instinctivamen-
te tudo que desfigure a sociedade de pessoas e con-
funda-a com a de capitaes, com prejuizo da moral
cooperacionista que se mantem em qualquer caso.
Livre enfim, da phase dubia que atravessa, pelo
menos no que respeita ao voto, a cooperação se fir-
mará melhor.
Na Suissa, onde a lei faculta certa elasticidade
de voto censurada universalmente, ainda assim, se-
gundo o n.° 62 das «Publications du Sécretariat des
Paysans Suisses», livro trazido na preciosa bagagem
technica do Sr. Arthur Torres Filho, que tem dotado
o serviço das melhores obras, como o Dr. Lyra Cas-
— 30 —
tro, se não confundem as sociedades, nem as asso-
ciações, confusão que entre nós perdura.
Assim: «As Uniões de pessoas, revestidas da
personalidade moral são, no direito suisso:
a) as pessoas moraes de direito publico;
b) as pessoas moraes de direito privado que se
subdividem em:
1 — Associações
2 — Collectividades de caracter economico
de direïto commercial, que por sua vez se de-
compõem em:
a) sociedades anonymas;
b) sociedades em commandita por
acções;
c) sociedades cooperativas».
Ficou assim estabelecido tambem que as coope-
rativas seguem um fim «economico commum» e as
associações um fim «não economico» Mas, é a pro-
pria «Publication» que se refere a syndicatos agrico-
las ou consorcios cujas operações são consentidas
no extremo limite onde acaba a «associação moral» e
começa a «cooperativa», que aliás não deixa tambem
de imprimir a sua moral nos seus expedientes hones-
tos, de accordo com cada natureza de cooperativa, e
desenvoltos da oppressão mesquinha, entorpecedora
das suas faculdades proprias. A nossa lei n.º 979, dos
syndicatos agricolas, contem essa amplidão de vistas
que tambem pode ser attribuida a Delechenal, que se
pronunciou favoravel á interpretação das leis que
não devem visar a atrophia das operações necessa-
rias a cada especie de cooperativa, isto é, o Mestre
apenas se refirio ás operações inherentes ás caixas
ruraes que a lei franceza, no entender de muitos, pa-
recia restringir e que, na forma da sua concepção, a
disposição legal não podia excluir, tal como o que
fosse de praxe e necessario, ou criado posterior-
mente por conveniencia indubitavel. Porventura,
convem seja discriminada cada operação de per si,
sem confundir o caracter proprio do adiantamento
— 31 —
com outras especies de operações para obter din-
heiro...
Não sabemos se as leis poderão conter a referida
concepção liberal, dentro da integra directiva, pro-
pria de cada especie...
Mas voltando aos suissos, temos ainda a ac-
crescentar, que a formidavel liga dos seus campone-
zes, por intermedio do seu orgão, aconselha o voto
singular nas sociedades cooperativas e assegura que
naquelle paiz, rarissimas são as sociedades anonymas,
ou em commandita, agricolas.
«Cada socio da cooperativa, rico ou pobre, pe-
queno ou grande proprietario, deve dispôr do mes-
mo direito de voto». Isto quer dizer que as disposi-
ções de 1891, que aliás não corresponderam ao me-
thodo nascido em 1844 num arrebalde de Manche-
ster, qual o dos rochdalianos, discipulos de Owen,
não impediram na Suissa a boa orientação lançada
pela elite cooperacionista authentica, composta de
profissionaes da lavoura, homens de sciencia e ju-
risconsultos, socios da Liga dos Camponezes Suissos.
A Suissa é essencialmente rural.
Forma jurîdïca Como, pois, permanecer en-
tre nós outros, tanto nas leis, decretos e regulamen-
tos, como nos estatutos officiaes, destinados á nor-
malização das varias funcções cooperativas, esse
quiproquo juridico entre sociedades de cujas caracte-
riscas precisas emana a propria definição, especifica?
Porque nos estatutos em questão, em pretensa
obediencia ao n.º 1.º do artigo 14 do decr. n.º
1637, no dar-se a forma da sociedade, se deve dizer
«sob a forma juridica da sociedade anonyma»,
quando no sentido de exprimir a forma, dizendo-se
em nome collectivo». seria mais proprio, visto ser
o acto constitutivo assignado por todos os socios? Só
têm direito as sociedades de responsabilidade illimi-
tada, solidaria a tal designação? Bem sabemos que a
lei obriga a interpretação de solidariedade illimitada
no caso da sociedade ser em nome collectivo,
mas não impõe que se diga «sob a forma juridica de
sociedade anonyma», pelo facto da responsabilidade
— 32 —
ser limitada, e ha decerto mais interesse em calar
essa falha legal na propaganda fiel.
E porque não se poderia — dizer «sociedade em
nome collectivo de responsabilidade limitada»,
uma vez que, assignem todos os socios collectiva-
mente o acto constitutivo? A sociedade, embora
constituindo pessoa juridica differente da de cada so-
cio, não representa sempre a collectividade delles
moral e physicamente, dentro da responsabilidade
limitada ás acções tomadas por cada socio, sendo,
alem do mais a «acção» coisa mui diversa do seu
homonymo na sociedade anonyma, como já nos re-
ferimos?
Bem sabemos que tal equivalencia de forma é
apenas apparente, porem este phenomeno furta-côr
muito tem concorrido para o prejuízo da sociedade
cooperativa, onde se impõe sobremaneira a solida-
riedade moral, coisa desconhecida na Sociedade de
capitaes, ou anonyma, de cuja sombra, embora for-
malistica, a cooperativa se deve arredar.
Que se dê a accepção que quizer á locução juri-
dica «em nome collectivo», o certo é que ella não
completa o sentido, tanto assim é que o sentido é
sempre completado pelo accrescimo elucidativo «de
responsabilidade illimitada».
Ora, se numa collectividade de socios, «as pes-
soas», assignam o acto constitutivo da sua sociedade
cooperativa está claro que ella nada tem de anony-
ma... Porque então designação tão impropria e pe-
rigosa, quando a sociedade cooperativa sempre com-
bateu no terreno opposto ás anonymas?
Então as expressões juridicas são tão obsoletas,
na interpretação dos phenomenos economicos evo-
lucionarios? São ellas tão impotentes para interpre-
tar sem nenhum equivoco o instituto emanado dos
proprios costumes radicados debaixo de todos os
céos sob o mesmo aspecto juridico?
Não é a expressão juridica tão pobre. Defen-
dendo a sociedade cooperativa sempre nos achamos
bem á vontade...
Se o art. 14 obriga, sob pena de nullidade a
declarar: «1.º a denominação, forma e séde da so-
— 33 —
ciedade», o art. 12.º diz bem claramente: «As so-
ciedades», cooperativas devem fazer preceder a sua
firma (?...) ou discriminação social das palavras
«sociedade cooperativa de responsabilidade limita-
da» ou «illimitada» conforme esta fôr, em todos os
seus actos». Eis como a lei obriga a expressar a fór-
ma, não havendo outra locução obrigatoria para tal ef-
feito. E a prova ainda se evidencia melhor no contido
no § unico do art. 12.º, prescrevendo a «declaração de
que a sociedade é cooperativa», responsabilisando pes-
soalmente os que commettem o crime dessa omissão,
«pelos compromissos contrahidos pela sociedade». E
note-se que os gryphos são do proprio dec. n. 1637.
Infelizmente ainda não tivemos disposição para
cuidar da importante carpintaria das cooperativas, e
por isso sempre appellamos para os Mestres da con-
tabilidade applicada, traduzindo-os rapidamente de-
baixo de certa reserva, para estabelecer apenas um
termo de comparação, competindo aos contadores
tal sciencia.
Guia-nos, porem, um instincto inconfundivel
que nos obriga a insistir nessa argumentação secca, á
margem da seara juridica onde tambem ha joio, aju-
dando-nos nesse esforço a fé que a causa coopera-
cionista nos inspira na mais nitida das directrizes, de
que nunca sahimos, desde 1910, tempo em que co-
meçamos a abordar o assumpto.
Quem ainda nega que a pretensa equivalencia
juridica, conforme o art. 221 do C. italiano, o
passa, como observa o proprio Virgilii, do que é
relativo tão somente á constituição por meio de acto
publico, o deposito do acto constitutivo e dos esta-
tutos, lista de socios, a acta de installação, os actos
de que constem modificações de estatutos, as publi-
cações, affixações, aliás gratuitas na Italia, para as
cooperativas, e bem assim o que respeita á respon-
sabilidade dos administradores e fiscalização, admi-
nistradores que não devem deixar de ser socios
(Coppola d’Anna, «Codigo da Cooperação», pag.
12)? Quanto á assembléa geral, balanço, fiscaes e a
liquidação, o codigo estabelece o que é relativo ás so-
ciedades por acções, na Italia, de quem copiamos a
— 34 —
disposição constante do referido art. 221, mas impõe,
segundo o mesmo autor, a observancia legal, no
caso de omissão no acto constitutivo, e mesmo assim
«dadas as modificações estabelecidas pelo proprio
codigo a favor das cooperativas» (pg. 47 e 48, Codi-
go da Cooperação, circular do M. da Agricultura,
na Italia, acerca das interpretações do Codigo de
Commercio no que concerne as Cooperativas), o que
no codigo italiano é muito mais explicito e favora-
vel á doutrina.
Na applicação de medidas codificadas, communs
ás sociedades cooperativas, embora de varias espe-
cies, uma vez que se trate de reunir numa lei orga-
nica o que é especifico e geral, não se deve deixar
de exprimir claramente o caracter das operações e to-
das as disposições que obrigam a egualdade de di-
reitos e deveres, evitando-se as remissoes que po-
dem produzir a confusão, salvo no que respeite a de-
terminadas operações devidamente regulamenta-
das e individualizadas independentemente de qual-
quer instituto.
Ocioso seria differençar as caracteristicas da so-
ciedade cooperativa onde nada é anonymo e da so-
ciedade anonyma onde o nome do socio é coisa de
somenos, tratando-se tão somente dos capitaes não
das pessoas. Convem, porem, observar outro pon-
to não menos importante.
E’ a sociedade cooperativa commercial? Ha
a que, como a de consumo e a de producção, ou a
que tenha uma e outra dessas duas formas, qual a
de «compra e venda», que tem contacto com o publi-
co e de que nasceu o mundo economico genialmente
irradiado pelas Wholesales.
A forma de lucro ahi é redhibitoria, mas o não
socio tem apenas 1/3 da bonificação, cabendo 2 ter-
ços aos socios, portanto se a sociedade não deixa de
restituir o que cobrou a maior ao cliente socio ou não
socio, não deixou o não socio de perder uma parte
da redhibição em favor da sociedade e dos seus so-
cios. Se a sociedade não tirou lucro nessa parte, não
deixou de desviar certa percentagem em favor dos
que a constituíram e representam a sua clientela cer-
— 35 —
ta. Outrosim, a sociedade paga as despezas geraes,
tiradas as percentagens para os fundos de benefi-
cencia e desenvolvimento, para a reserva, não dei-
xando assim de sobrecarregar ou affectar o direito
redhibitorio tanto do socio como ao não socio, e nis-
so ella muita vez se aproveitou d’um lucro perma-
nente. Porquanto o seu commercio se não limitou á
simples redhibição, houve de facto lucro, porem se
não confunde esse commercio attenuadissimo, graças
á sua forma sui-generis tão sincera e moral, com o
commercio de simples especulação e que Proudhon
chamou de «vol autorisé».
Em Coppola d’Anna, pag. 5, numa das partes
da jurisprudencia, temos os seguintes alvitres de jui-
zes, a respeito do assumpto: «III. Commercialitá I.
As disposições do Codigo de commercio relativas ás
sociedades cooperativas se referem somente ás socieda-
des que têm caracter commercial». «2. As socieda-
des cooperativas podem ser commerciaes ou civis se-
gundo o objecto da industria». «IV E’ sociedade
civil uma cooperativa que tem por objecto o trabalho
do leite produzido pelos seus socios e a venda
dos productos lactcinios».
O caracter commercial prejudica menos, sob a
forma sui-generis, impressa pela Wholesales, do que
sob o que permitte a confusão com a sociedade
anonyma e em commandita.
Na Inglaterra. forma de responsabilidade limi-
tada da cooperativa não criou o equivoco, como se
deu na Italia onde o proprio Virgilii reconhece e con-
demna os abusos, embora apoligista da forma anon-
yma cooperativa...
Isto não quer dizer que a adaptação da forma
commercial tambem não esteja sujeita aos abusos —
mas, como vimos, ha certas cooperativas, quaes as
que tratam da producção, distribuição e trabalho que,
privadas da forma commercial seria restringir o seu
campo de acção, tolhendo-se os seus beneficios á
humanidade. A forma anonyma é prejudicial e a
forma commercial em nada pode prejudicar desde
que observado o regimen sui-generis da cooperação
verdadeira, no proprio commercio, que é a vida dos
— 36 —
povos, dominando então o espirito equitativo que
deve reger o trabalho, a distribuição directa do fruto
desse trabalho, com espirito commercial de permuta
equivalente á compensação dos instrumentos do tra-
balho e não dos intermediarios que exploram com
os seus capitaes monopolizadores, esfomiados, o tra-
balho e intelligencia alheios.
«IV Cooperativas civis — E’ civil e não com-
mercial uma sociedade que tem por objecto o goso
de fundos rusticos só com o fim de cultival-os e ven-
der os productos delles tirados.
3 — As sociedades civis podem assumir tambem
a forma cooperativa.
4 — As cooperativas civis, que tomam formas
commerciaes se applica o art. 229 do C. Commer-
cial; ficam as mesmas regidas pelo art. 219 do mes-
mo codigo e podem por isso revestir indifferentemen-
te uma ou outra forma permittida pelo codigo do
commercio (Coppola d’Anna pag, 6)».
Outrosim, o art. 76 do Cod. de Com. italiano,
dá a sociedade em nome collectivo, na qual as obri-
gações sociaes são garantidas pela responsabilidade
illimitada e solidaria de todos os socios, como uma
especie dístincta, não excluida das sociedades com-
merciaes que tem por objecto um ou mais actos de
commercio.» Ahi fica o que, no serviço, consta da
modesta lavra do mais humilde dos argumentadores,
pedindo nós venia para ir reproduzindo em fra-
gmentos.
Vemos, pois, que a tal propriedade commercial,
aliás sui-generis, é inherente ás sociedades que cui-
dam antes do mais de alimentar os seus socios, com-
prando em boas condições e vendendo lhes pelo
preço de custo accrescido d’uma pequena percenta-
gem de despesas, outrosim, mantendo os preços do
mercado sem deixar de restituir ao socio, no fim do
exercicio, o que lhe cobrou a maior. Na producção,
no credito, na construcção, ha semelhança de pheno-
menos economicos com a coop. de consumo, de
que todos precisam, e é mais importante, porque põe
logo uma barreira onde começa a especulação, o,
— 37 —
foco desse formigueiro de intermediarios esfoladores
ventrudos, rubicundos...
Portanto, «ter por objecto um ou mais actos de
commercio», não impede forma «sui-generis» co-
operativa, que escapa ao art. 76 do Cod. Comm.
italiano...
«Nelle società cooperative di credito e di produ-
zione il carattere commerciale è manifesto. Anco
le società cooperative di consumo hanno, ove ben
si considerano, le medesima indole; etc.».
Dil-o o Ministro Finale, reconhecendo que as
disposições relativas ás cooperativas deviam consti-
tuir parte integrante do Cod. Commercial, conforme
citação de Virgillii. Mas, ajuntava aquelle Ministro.
«Si aggiunga che sicome le nostre società co-
operative, mancando una speciale legislazione, han-
no dovuto prescegliere la forma della società anoni-
ma commerciale, serebbe strano che lo stato cercasse
di condurre sopra un’altra via, mentre esse doman-
dano solo alcune dìsposìzìoni eccezìonali, che con-
sentano loro dì meglio svolgersi e prosperare.» Por-
tanto o Estado apenas tratou de consagrar o que lá
pediram as cooperativas para prosperar. Quer dizer
que se ellas pedissem mais claramente a forma suì-
generis, era de prever que pela mesma razão o Esta-
do a devia consagrar, em lei especial, naturalmente.
Aliás, trata-se de debates passados em 1874 e
que até hoje ainda perduram, sendo Vergnaníni o
melhor interprete da verdadeira forma, como vimos
sempre citando e chamando a attenção dos estudio-
sos para sua doutrinação legitima, isenta da influen-
cia estranha do direito fossil, das manhas da tole-
rancia e da pusilamimidade.
Entretante, Wollemborg formado em direito por
Bologna, contemporaneo, universitario de Luzzatti.
diz (citação de Virgilliì: «l’associazione cooperativa
è l’ organizzazione spontanea d'una pluralità dí eco-
nomie particolari dominate da un comune bisogno
per esercitare collettivamente e in modo autonomo
la funzione industriale che produce le specifiche pres-
tazione economiche atte a soddisfario», ao que Rab-
beno, julgado por Pantaleoni, como «o mais profundo
— 38 —
dos escriptores modernos que se occuparam das co-
operativas», ajuntou: «Ia funzione esercitata colletiva-
mente serva a soddisfare soltanto í bisogni dí coloro
che La esercitano». No credito ficou isso estabele-
cido, mas no consumo o caso é diverso e o proprio
Virgillii admitte que a cooperativa venda a estranhos,
bonificando. Na de trabalho tambem, se trabalha
para satifazer as necessidades alheias...
A lei franceza de 1867, sobre sociedades de ca-
pital variavel, mixto de cooperativa e sociedade ano-
nyma, ainda veio abrir nova sahida, disfaçando a
verdadeira... Nesta soc. tambem seria um absurdo
não limitar o numero de acções para cada socio.
Em «Da cooperativa proletaria á capitalistica...»,
pag. 7, aventamos, diante dessa complexidade:
«Que resta a fazer diante dos factos? — Legislar
no sentido de caracterizar a «sociedade de capital va-
riavel».
A lei deve reconhecer toda sorte de sociedade
dentro do eterno regimen de experiencia sob a tal
acçao democratica, que aliás é evasiva...
Mas, o que revolta é essa ignorancia ou despre-
so pelo caracter verdadeiro da sociedade cooperativa,
caracter que os legisladores tratam sempre de enxer-
tar com o de outras especies de sociedades que nada
têm que vêr com a cooperativa. Todas as socieda-
des podem ser definidas, menos a cooperativa. Mas
ella esta sempre presente na contradicção com as
outras:
«C'est une societé de capitaux, independante de
la considération des personnes (Larousse).
«les sociétés anonymes et en commendites par
actions ont été autorisées à créer des actions de prio-
rit, dites aussi actions privilégieés, quí jouissent de
certains avantages sur les autres en ce qu’elles con-
férent des droits et d’autorités sur les bénéfíces et sur
l’actif social (Larousse). Larousse representa uma
cooperação intellectual de especialistas provectos, é
preciso frizar...
Lêr isto, e julgar pelo que fizeram os pseudo-
brancos populares deste paiz, é inteirar-se dos effei-
tos desse confusionismo legal, a que o dec. n. 1637
— 39 —
nao trouxe nenhum remedio. E lembremo-nos de
que houve um pseudo congresso do credito coopera-
tivo, aqui, onde se propoz fosse prohibido por lei
nas cooperativas o voto singular...
Sem receio de sermos tomado por visionario,
temos que, pela mesma razão que os apologistas «de-
mocraticos» da sociedade anonyma, que é um de-
gráo do regimen da plutocracia, procuram em favor
dos capitaes, colher no regimen cooperativo «alguma
coisa de aproveitavel ou assimilavel», os cooperacio-
nistas que têm a paciencia necessaria para tentarem o
exame dessa teía de aranha de decretos, regulamen-
tos, que successivamente se revogam, sem impedir as
falcatrúas proprias das sociedades anonymas, bem
poderiam precisar nesse estudo o que fosse preventivo
no sentido de evitar tão perniciosa analogia do re-
gimen que só trata de capitaes, com o que só trata das
pessoas e justamente para defendel-as dos exces-
sos do capitalismo privado ou anonymo...
As leis que só protegem os capitaes, não farão
com que o sol só o seja para elles...
Bancos e caixas, sob o titulo de cooperativas
têm sido um joguete nas mãos pluralicas desse polvo
capitalistico da uzura ou desse outro que tambem
lhe toma emprestimos caros, desconta effeitos, e
lhe colloca dinheiro na conta corrente de movimen-
to, uma vez que tem sempre os «freguezes» á frente
do balcão e que tudo pagam, tanto o «freguez» que
consome, como o que lhe entrega os seus produ-
ctos suados na gléba...
Não foi atôa que os lavradores, de Campos, re-
ceiosos da solidariedade illimitada, pediram á Dire-
ctoria do Fomento «um Modelo de banco-Luzzatti
só para os lavradores, afim de livrar-se da absorpção
da classe commercial no que respeita ao credito co-
operativo que desejavam criar só para os que lavra-
vam as terras.»
Já se foi o tempo de albardar o burro conforme
a vontade do dono. Hoje é este que deve ser albal-
dardo, pois o burro cançou de levar a brutal carga ao
lombo...
Os adiantamentos têm um caracter proprio no
— 40 —
instituto cooperativo, caracter que se não confunde
com o desconto commercial. Assim o penhor agri-
cola e o mercantil (este favoravel ás pequenas offi-
cinas), sendo que, nos verdadeiros bancos de Luz-
zatti a unica excepção existente no que respeita a
operações, só se estende ao credito agricola e ao
operario, havendo para este o credito sobre a honra
e para os lavradores, praso e juros mais convenien-
tes. Outrosim para cada especie de emprestimo ha
um limite, como é limitado o total dos emprestimos e o
numero de acções para cada socio. Afigure-se se este
numero se torna illimitado, garantindo a acção, o
emprestismo, por ahi onde não ha limite para os
emprestimos... E’ uma choldra, o que fizeram os
deturpadores.
Seria conveniente que em cada cooperativa hou-
vesse tambem um fundo para os desempregados, ou
infelizes no seu officio; esse fundo, ao lado do fundo
de caridade e do de assistencia, tem significação
mui seria, visto tratar-se, com a criação daquelle fun-
do, de estabelecer de facto o principio da solidarie-
dade que melhor se manifesta nos momentos de in-
fortunio por falta de sorte. Sem tal disciplina, a obra
da cooperação não passa d’uma obra hypocrita do
egoismo crú, agente que a verdadeira cooperação
combaterá até ao seu exterminio, delle.
Luigi Buffoli, que fundou a Cooperativa dos
Agenes da Administração Central ferroviaria, em
1879, segundo precioso historico sobre o consumo,
constante d’um opusculo da «Bibliotteca del Popolo»,
declarou que ao haver fundado tal sociedade, ainda
mão estava bem ao par da que surgiu no anno de
1844 em Rochdale. O Mestre tomara em segunda
mão o systema já alterado pelos suissos até então
tambem ainda mal esclarecidos sobre o assumpto: «No
anno de 1853, diz o Senador Rossi (citação da referi-
da publicação, quando augmentava a crise de vive-
res rapidamente e cheia de ameaças. pondo em se-
ria appreenção as classes menos abastadas o Sr.
Felice Govean, director da «Gazeta del Popolo»,
publicava a carta d' um seu amigo em que o mesmo
se referia a uma associação mui bem organizada, que
— 41 —
se lhe deparara na Suissa e cujo fim era adquirir ge-
neros alimenticios em grosso para serem vendidos
aos socios, augmentando- se o preço de custo d’uma
insignificancia correspondente ás despesas de arma-
zem e administração. Aquella carta foi para os olhos
dos nossos operarios uma verdadeira revelação».
Para os d’aqui, isso não tem importancia...
Aquelle citado folheto nos ensina tambem que em
1851, sete annos depois de criada a Meka da Coope-
ração do Becco do Sapo, a Konsum-Verein de Zu-
rich, deturpava o systema, com o fim de valorizar as
acções: « ao que respeita aos accionistas, é uma in-
stituição de especulação, mas a sociedade não deixou
de prestar grandes serviços no que respeita á previ-
dencia e a beneficencia».
Em 1873, o Prof. Viganò já prégava o metho-
do puro Rochdaleano e em 1882, o grande Luzzatti
acolhia carinhosamente a rectificação de Luigi Buí-
foli, qual a de applicar o meio termo entre o systema
Rochdaleano e o Suisso, isto é, augmentando-se o
preço de venda pelo de custo accrescido de mais
uma pequenina quota destinada ao fundo de previ-
dencia: «contem um pensamento essencialmente sa-
dio e novo que deveria ser posto em pratica».
E tal fundo assumiu proporções gigantescas, sem
molestar o exercicio do consumo.
Quem poderá negar a annexação da assistencia
e da previdencia ás cooperativas de consumo, produ-
cção ou mesmo de credito? São fins inherentes ao
desenvolvimento das cooperativas.
A de Santa Maria continuou a manter o fundo
de auxilios-mutuos, mesmo depois da lei dos acci-
dentes no trabalho Isto prova bem que nunca basta
o tal auxilio do seguro operario capitalista, que é
uma aberração da mutualidade... E em parte algu-
ma nunca bastou a previdencia centralizada pelo Es-
tado pois as caixas de aposentadoria e pensões dão
um resultado homeopathico, antes pois até chegar-se
a ella, estabelecer por lei os estagios dessa mutuali-
dade verdadeira, federada, a que dão inicio as car-
teiras de previdencia simultaneamente annexadas ás
cooperativas idoneas. O regímen das cooperativas
— 42 —
representa o governo do povo pelo povo, livrando-o
de qualquer especie de politica, que não seja a do
trabalho e da economia, dentro dos principios mo-
raes. Quanto á assistencia, seria até irrisorio espe-
rar do Estado o de que cada nucleo cooperativo deve
tratar.
Outrosim, se não nos falha a memoria, a forma
federativa tambem por especie de mutualidade, in-
clusive as de seguros agricolas, como se dá, se impõe,
prescrevendo a capacidade de cada instituto, depen-
dente d’uma certa média a que se refere Mr. Mabil-
leau, media que lembra o que ficou estabelecido para
a caixa rural, pelo seu proprio tundador, que a ideou
bem pequena, em cada lugarejo, afim de que todos
os socios se conheçam bem, pois do contrario a res-
ponsabilidade illimitada é um absurdo.
Não ha duvida que a assistencia, como a previ-
dencia, deverá funccionar dentro d’uma organização
propria, proporcionada a cada nucleo, analysados os
elementos que entram em funcção em cada lugar
para estabelecer á tabella de previdencia, trabalho
que depende dos actuarios capazes de empreender
essa obra delicada de psychologiados numeros...
Cada macaco no seu galho. Mas, vedar a carteira de
assistencia, como a de previdencia, nas cooperativas,
éuma iniquidade, pois são essas carteiras que iniciam o
movimento mutualistico que se desenvolve com a auto-
nomia e federação dos institutos que se organisam pos-
teriormente, como temos chamado as attenções em os
«Funccionarios e a cooperação», «O capital collectivo
e as primeiras cooperativas proletarias» e outros, ha
cerca de tres lustros, pela «Gazeta Suburbana» e de-
pois pela «Tribuna».
Voltemos ainda ao Larousse Universal, nova
edição; e reproduzamos sua definição primeiramente
de corporação: «Encycl. No antigo regimen as
corporações eram associações de individuos exer-
cendo a mesma profissão numa localidade ou num
districto, e cujos membros eram reciprocamente li-
gados por virtude de certos direitos e deveres. O
— 43 —
caracter commun dessas instituições, supprimidas
pela Revolução, era a partir do medievo, o de tor-
nar dependente o exercicio d’um officio qualquer de
condições mais ou menos tyramnicas, e de manter os
trabalhadores subalternos sob uma pesada oppressão.
A apprendizagem, o companheirismo, a confecção
d’uma obra-prima ou peça difficil d’um officio, a
acquisição da mestria, o espirito exclusivista que ani-
mava as jurandes («funcção dos que eram escolhidos
para zelar pelos interesses dos mesteres. Abolidas
por Turgot, desappareceram definitivamente em
1791»). a obrigação imposta ao mestre, qual a de
nunca fazer outro trabalho senão o do seu officio,
constituindo outros tantos entraves ao progresso da
industria e á liberdade. Hoje, os operarios bem que
podem associar-se, porem os syndicatos actuaes, cu-
jos membros são voluntariamente grupados, não têm
outro fim legal senão o da defesa da sua profissão».
Accresce dizer que esse voluntariado foi supprimido
pelo fascismo...
Em seguida vejamos o que ha a respeito de co-
operação: «Encycl. Econ. soc. A cooperação tem
por base a associação dos individuos e toma tres
formas distinctas: 1.º nas sociedades de consumo
propõe-se a suppressão dos intermediarios na com-
pra dos productos ou generos de consumo, fornecen-
do-se por atacado directamente nos productores; os
cooperadores readquirem em seguida na caixa geral-
da sociedade, á medida das suas necessidades as mer-
cadorias aggravadas de leves despesas geraes, e os lu-
cros provenientes da majoração dos preços são reparti-
dos entre os societarios na razão das suas compras. Os
syndicatos e cooperativas agricolas fazem collectiva-
mente não somente as compras, como tambem a venda
dos productos colhidos, e algumas vezes benefiados
antes da venda: panificação do trigo, lacticinios, etc;
2.º nas sociedades de credito mutuo, os adherentes
constituem uma caixa commum, destinada a lhes
conceder eventualmente os adiantamentos de dinhei-
ro, ou a descontar a letra que elles foram obrigados
— 44 —
a assignar por necessidade das suas pequenas indus-
trias; 3.° nas sociedades cooperativas de producção,
os operarios, associados para fazer funccionar uma
empresa, se propõem a suppressão do patrão ou do
empreiteiro, formando elles mesmos d’uma só vez o
capital e o trabalho».
Vemos, pois, que na França se não trata
de sociedades de capitaes, mas sim de pessoas,
nem se confunde a sociedade cooperativa com as de
forma anonyma ou em commandita... e sobretudo
se respeitou até hoje a liberdade, consagrando-se a
autonomia nas cooperativas e o voluntariado.
Se naquelle paiz houve uma variante entre a so-
ciedade cooperativa e a simples sociedade de capital
variavel, como já chamamos a attenção no curso des-
te folheto escripto entre o cansaço, as ciladas e a des-
sillusão do máo ambiente, e referimo-nos tam-
bem em «Da Cooperação proletaria á capitalista.. .»,
tal facto não alterou o caracter da sociedade coope-
rativa, concretizada no emporio cyclico que encerra
todas as secções do consumo, para o qual a legis-
lação franceza nada fez mais que consagrar os princi-
pios rochdaleamos, principios que se avultam como
uma lei natural de que o homem apenas se serve vo-
luntariamente, sem privilegio de ninguem, salvo o col-
lectivo que abrange a harmonia dos interesses
geraes.
A politica economica das cooperativas domina
as praças sem as vicissitudes dos «trusts», grupando-
se os institutos por especie, até que a Confederação
geral offereça secções para as varias especies de fe-
derações, quer estadoaes ou geraes Outrosim, não
somente o credito centraliza esse movimento, como
os armazens cooperativos de atacado, onde se de-
vem supprir as de consumo, socias dos mesmos, ar-
mazens que são em cada estado, a valvula da distri-
buição e da captação directa dos productos das co-
operativas de producção. E’ um mundo coordenado
que precisa de especialistas da ordem de Manoel
Ribas, o Director-Commercial da Cooperativa de
— 45 —
Consumo de Santa Maria do Rio Grande do Sul,
sem esquecer Henrique Eboli, que se mantem firme
no timão do Raiffeisenismo no Brasil, a livrar náo
do idealismo Christão-cooperacionista, dos abrolhos
ambientes...
Que nos seja licito repetir, neste ponto, o que
em 1926 dissemos em o «Dominio Universal da Co-
operação», ás paginas 67-68:
«O individualismo da caverna prehistorica que
evolucionou na tába, d' ahi por diante até á coope-
ração, transformou-se na solidariedade humana, no
amor ao proximo por inspiração divina. A socieda-
de anonyma não passou d’um estagio desse rythmo,
forma individualistica que a cooperação aliás anteci-
pou no medievo e após modificou, não podendo por
isso confundir-se com o que está abaixo dos seus
principios perfeitamente apurados na pratica e na
moral, no emporio da beneficencia e previdencia,
que annulla todos os agentes prejudiciaes á concor-
dia humana, social e universal, estimulados pela so-
ciedade anonyma e outras que encarecem a vida e
urdem a concorrencia, a guerra». E ajuntemos o que
ainda na mesma obra, ás pags. 89-90, ponderamos:
«O phenomeno social é, pois, encarado no seu
aspecto realistico, convindo desde logo desinfectar
a cooperação, espurgal-a dos atavismos egoisticos, da
intenção tendenciosa que lhe deram as classes con-
servadores ou os seus representantes na cooperação.
Do contrario, teremos a cooperação dos accionistas e
dividendos gordos, o individualismo capitalistico a
sugar o capital collectivo e a tirar delle todo o parti-
do contra a humanidade que trabalha de facto, enca-
recendo a producção, a distribuição e o credito, pela
cupidez do lucro, e não pelo justo salario, ao envez
de baixar o preço da vida até ao infinito, tornando a
moeda um elemento unitario de simples permuta,
com o caracter que lhe deram os Egypcios, jamais o
d’um idolo judaico, a trescalar o fetido da avareza,
da consciencia immunda...»
Para que pôr luvas de pellica e polainas, quan-
— 46 —
do se accusa a deturpação do instituto cooperativo?
Querem a cooperativa de capitaes, não de pes-
soas...
Jamais cortejamos a (ílegivel) dos ídeaes tra-
hidos, nem pretendemos (ílegivel) com a argu-
mentação muito nossa, ou no que citamos directa-
mente dos Mestres. Fazemo-lo a prol da verdade,
não para fazer bonito e nada queremos por isso...
Quanto ás injurias, ao lixo!
Janeiro — 1929
Rua Farme de Amoedo, 111
(Ipanema)
— 47 —
Reproduzido da “Bibliotheca del Popolo”
Conselhos dos Probos Pioneiros ás sociedades
cooperativas do mundo inteiro
«l.° Procurae a autoridade e protecção da lei, depositando
no devido registro o acto constitutivo da sociedade logo que se
funde.
2.º Que a integridade, a intelligencia e habilidade sejam os
dons indispensaveis que deveis haver por alvo no escolherdes os
empregados e administradores, não a riqueza ou a distincção social.
3.º Cada socio deve ter só um voto; não reparae nunca no
montante do capital que cada membro contribue.
4.º Tratando-se de questão administrativa, regrae de accordo
com a maioria.
5.º Prestae muita attencão aos negocios de dinheiro, Puni a
fraude devidamente comprovada com a immediata expulsão.
6.º Comprae directamente as vossas mercadorias, se possivel
fôr. aos proprios productores, afim de obterdes baixos preços e me-
lhor qualidade, e quando venderdes os pruductos da vossa indus-
tria, providencieis de forma que o seja ás ultimas mãos, afim de
alcançardes preços mais altos e justos.
7.º Nunca abandoneis o principio de comprar e vender á
vista.
8.º Guardae-vos de retardar a occasião da verificação de
contas. O balanço trimestral é o mais conveniente — adoptae-o, se
possivel fôr.
9.º Para enfrentar qualquer eventualidade, nunca deixae de
ter á vossa disposição o valor do capital social, ou pelo menos tres
quartos do mesmo.
10.º Todo cuidado no fazer examinar as contas por pessoas
por vós escolhidas da vossa inteira confiança.
11.º Membros das Sociedades Cooperativas, fazei com que as
commissões administrativas não possam nunca praticar acto algum
importante ou despendioso, sem a vossa autorização.
13.º Não procureis a opposição, não a temaes quando se
apresente.
13.º Escolhae para collocar-se á vossa frente, aquelles em
que tão somente depositeis a maior confiança».
Ha cerca de tres lustros, em 1915 (até mesmo antes), prêga-
vamos o que segue, em «A Cooperação é um Estado» trabalho
em que infelizmente deixou a desejar a revisão, feita ás pressas e
mal attendida, num momento de crise de tvpographos, em que elles
se mudavam a todo instante nas typographias mais modestas, po-
rem idoneas sinceras, como a em que foi impresso o referido opus-
— 48 —
culo. Assim, diziamos, no inicio d’um programma que sempre se-
guímos á risca, verdade que é hulmide, platonicamente, no campo
da propaganda escripta, de que nunca nos afastamos, por indole
embora pouco encorajada entre nós outros:
«Dest'arte, podemos resumidamente conceber fórmas de co-
operativas destinadas ás mais prementes necessidades do consumo,
credito, producção, etc., com o fim de federar as que tenham affi-
nidades da mesma natureza, completando-se portanto, os fócos de
irradiaçõo de todas as actividades sociaes. Sendo assim, natural-
mente, dessa impeccavel instituição hão de originar se todos os ef-
feitos moraes que entram em funcção na sociedade; donde conclui-
mos a sua efficacia para todos os fins, criando escolas praticas, re-
modelando programmas, reduzindo o superfluo, attendendo ao neces-
sario, dando justas compensações, abolindo vãs honrarias, evitando
a especulação burgueza e os estimulos ás gloriolas, as excitações do
egoismo erá, do vicio e da degradação, abaixando taxas de juros,
condemnando o capital ocioso, as acções e debentures que o promo-
vem e toda a sorte de falsificações e processos anti-hygienicos, bem
como as mystificações que impingem a mà qualidade por boa, a fan-
caria por verdadeira e todos os artificios, em summa, para seduzir
incautos a fazerem compras inuteis ou para roubar no peso, no valor,
na qualidade, no troco, no caderno...
Seus estatutos nunca devem omittir a absoluta condemna-
ção dos processos equivocos, tolerados pelos regimens que vão ca-
ducando, de ter dinheiro á custa de todos os males physicos e mo-
raes de outrem...
Uniformisando os meios, a cooperação facilita logo a federa-
ção e esta rege o movimento productivo pela estatistica por ella
apurada, tratabdo tambem de promptificar a locupletação regional,
antes de pensar ia exportação.
Por ahi vê-se a grandeza tias suas funcções.
Combinemos, pois, desde já, modelos sufficientes e homoge-
neos para as que devem tomar a dianteira dessa pratica acção civi-
lizadora da sociedade.. . .
As grandes cooperativas industriaes tratarão de orientar os
seus empregados nesse sentido, começando por fundar, para os
mesmos, uma cooperativa de consumo pelõs mesmos processos, em
seguida elles effectuam, com os lucros destinados a obras futuras,
compras de terras para produzirem materia prima para as mesmas
industrias; emfim, sempre se deve cogitar de ligar os interesses ge-
raes pelo mesmo processo cooperativista, até que se consiga abolir
todo espirito de rivalidade ou concorrencia esmagadora, tratando-se
tambem de animar a educação material, utilitaria, regida pelas sci-
encias experimentaes e as artes, afim de se formarem homens mais
dignos da cooperação universal....»
Felizes os grandes espiritos que, como o de Manoel Ribas,
sabem erigir pâra o mundo, na sua patria, mais uma Wholesale !
Que saibam imitar, o queira Deus!
OPPORTUNAS PALAVRAS DE LUIZ LUZZATTI
(Extrahidas do seu relatorio de 1881, concernente à
«Associazione fra le banche popolari coopera-
tive», quando o Mestre era presidente da mesma)
O relatorio de 1881, da autoria do Mestre, é uma
biblia do credito popular, que merece especial reedição em
homenagem ao sabio economista que, por amor ao povo,
soube dotar a Italia do melhor instrumento para, por
meio do credito mutuo, soerguer os que lidam no pequeno
commercio, nas fabricas, nas pequenas officinas, nas mi-
nusculas industrias, em qualquer especie de emprego ho-
nesto da actividade humana, nessa colmêa desorganizada
e perfida que é uma cidade ! Cuidando desse rebutalho
mourejante, que os bancos da uzura brilhante abandonam
á revelia, o banco popular criou para elle um mundo novo,
em que a acção collectiva assumiu definitivamente a direc-
ção da distribuição, da producção, do credito, estabilizan-
do o valor dos instrumentos do trabalho e dando ao mer-
cado, dentro do terreno do seu emporio cooperativo, um
poder regulador de preços justos, independentemente do
«panno verde » da procura e da offerta, velha maroteira
que passa por lei economica, como o regimen proprio da
escravidão tambem o fôra, antes de 13 de Maio...
Emquanto o Mestre manteve o contrôle desse mun-do
novo, na Italia, mais os seus fieis discipulos, a caudal
capitalistica não pôde tentar a transformação dessas coo-
perativas de pessoas em cooperativas de capitaes, cuja
mascara deve ser logo publicamente arrancada, pois so-
ciedades de capitaes de forma anonyma se regem por lei
propria, se não esgueiram por entre os intersticios das
omissões legaes....
— 50 —
O relatorio do mestre é a expressão mais nitida dos
principios que elle refundio na Italia, e nesse documento,
do mais alto valor, rejubilando-se com a promulgação do
novo Codigo de Commercio, salientou o notavel aconteci-
mento que consistia na liberdade de constituição, isenção
de taxas de registro e sello, e de publicidade legal do acto
constitutivo, concessão do capital illimitado e variavel, sem
constrangimento de subscrever-se e realizar um determi-
nado capital no acto da sua constituição, sem obrigação
de pagamento integral das acções no acto de tomal-as:
«Uma acção de 50 liras, ou menos, paga a prestações
mensaes por alguns nikeis, vale na ordem moral da coo-
peração, mais do que muitas centenas de liras pagas
d'uma só vez».
Que nos seja licito reproduzir as palavras do Mes-
tre: «Aos direitos especificos e á faculdade liberal, cor-
responderão os deveres e as consequentes responsabilida-
des, adaptados á indole das instituições de credito popu-
lar, o que lhes serve de garantia.
«Ninguém poderá ter numa sociedade cooperativa
uma quota social que exceda de cinco mil liras, e se es-
sas quotas são representadas por acções, não pode-
rão valer mais cem lïras. Cada socio poderá ter
um voto, qualquer que seja o numero das acções que
possua e as acções sempre nominativas não poderão ser
cedidas sem o consentimento da Assembléa Geral, ou do
Conselho de Administração, segundo as disposições do
acto constitutivo.
«Os poucos bancos cooperativos que se não con-
formarem com as medidas elementares, por nós cons-
tantemente recomendadas, serão forçados a tal obe-
diencia de accordo com as disposições taxativas da lei.
E no caso de se rebellarem, não somente deixariam de
pertencer ao nosso consorcio como deveriam sujeitar-se
a mais dura disciplina que se refrea a sociedade
anonyma. Se têm duvidas, incertezas, geradas pela
novidade e difficuldade de interpretação da nova lei, que se
dirijam a nós outros. Na Associação ha um escriptorio
legal, encarregado de dar todos os esclarecimentos e
auxilios, e de determinar precisamente o modo de adaptar
aos velhos estatutos as novas disposições relativas ás
soceidades cooperativas. Assim, deverão tambem cumprir
de bom grado o que
— 51 —
respeita á publicidade fiel exigida pela lei e de accordo
com a indole da instituição. Outrosim, o rigor das con-
veniencias e das responsabilidades se retempera no que se
refere á exigencia de sujeitar-se á caracteristica da
sociedade cooperativa, qual a que admitte sejam os admi-
nistradores da sociedade isentos da obrigação de prestar
caução. Os pequenos fabricantes agricultores, os opera-
rios honestos, que tambem representam um ornamento e
precioso auxilio, no seio dos Conselhos de administração
dos nossos bancos, «seriam excluidos, no caso de prescre-
ver-se a obrigação da caução. E a maior simplicidade
das nossas operações, o seu caracter local», a indole in-
dividual das acções, qual subtil espirito de vigilancia pro-
pria de visinhos de casa, espirito que serve de maior ga-
rantia, tolhe a caução dos administradores o caracter de
necessidade, adequado ás grandes empresas anonymas, no
que respeita a acções cujos proprietarios mudam continua-
mente e fluctuam quotidianamente dentro e fora da Bolsa.
................
« E na Allemanha, disputa se com calor a forma de
responsabilidades maogrado o genio daquella estirpe que
para cada forma de credito (no fundiario, no agrario, no
popular), tem procurado introduzir a mutualidade e a so-
lidariedade illimitada, apezar das tradições medievaes ain-
da vivas, com os seus bens e males, tão vivas que se ousa
pensar na «restauração das corporações das artes e offi-
cios» . Nesse paiz, o principio da responsabilidade illimi-
tada se debate acremente, e cerca-se de novos cuidados.
Procura-se gradualmente, seja permittida a significação
da phrase, de limitar-se tambem a responsabilidade illi-
mitada. »
...............
«O credito é um grande beneficio para a gente po-
bre, que conhece até hoje tão somente por banqueiro, não
eleito mas imposto, a usura e o monte de piedade; po-
rém não é tal que chegue a absorver toda a capacidade
moral, juridica e economica dos tomadores de empresti-
— 52 —
mos. Por isso, respeitando embora as associações que se
tenham submettido ao principio da responsabilidade illi-
mitada, não saberemos aconselhal-a aos sodalicios coope-
rativos de credito.
«Digamos alto e bom som, já que é verdadeiro, ter
a forma italiana conseguido dar á gente menos abastada
o credito, na razão de juros relativamente menores que
na Allemanha, e sem ligar os socios solidariamente por
todas as obrigações da sociedade, comquanto mantendo
entre elles os vinculos moraes e fraternaes que saldam o
previdente sodalicio. A analyze constante do meu rela-
torio do anno passado (1880) provam esse facto com evi-
dencia.
«Achamo-nos sobre o bom caminho perseveremos
nelle, e proceda-se com mais viril ardor, agora que a tu-
téla juridica equitativa e forte nos ha de ajudar. Os er-
ros, os damnos, os defeitos que não faltam tambem nas
nossas instituições, que sirvam de agulhão para melhorar
e progredir».
...............
«Um paiz onde a uzura fosse extincta, seria um
paiz onde o vicio, o grevismo, a negligencia deixassem de
existir. Mas, quanto mais se augmenta o numero de socios
nos Bancos populares e os clientes dos emprestimos so-
bre a honra, mais diminue a clientéla da uzura e torna-
se mais abjecta a que fica... E se a uzura se torna mais
soez e ignominiosa com damno dos desgraçados que a ella
recorrem, o facto é que tal gente é a menos digna de cre-
dito, e que por isso procura os uzurarios, com maior risco».
Ha mais de tres lustros vimos defendendo gratuita
mente em mais de vinte jornaes e cerca d’uma duzia de
folhetos, informações, etc., principios tão puros como es-
tes que o Mestre concretizou na forma italiana do banco
popular, instituto por elle remodelado.
Não nos queiram mal por isso...
NOTA
No exame feito pela «secção do credito», dos esta-
tutos italianos e belgas de bancos — Luzzatti authenti-
cos, sob o criterio dos chefes que acompanharam esse es-
tudo, preoccupados com a forma verdadeira do instituto,
foram observadas normas invariaveis e disposições es-
parsas, dignas d’um amalgama. Todo instituto perfeito
deve manter integralmente o seu mecanismo
Os estatutos indigenas, por outro lado, se não adian-
taram nada, quanto á boa doutrina, á pratica inconfun
divel, em compensação demonstraram francamente a mais
escandalosa deturpação do instituto.
No confronto com os documentos recebidos por via
diplomatica, os bancos populares d'aqui não resistiram á
mais benigna analyse. Nem podia haver transigencia de
especie alguma, nesse sentido.
Ora, o dec. n. 17339 se refere forma authentica,
justamente a que foi estudada só agora pelo serviço e por
força de lei; logo a repartição encarregada da físcaliza-
ção gratuita dessa forma de cooperativa, por virtude do
mesmo decreto se acha perfeitamente apta a recusar o
registro dos bancos deturpados. O dec. n. 1637 não se
refere especialmente a essa forma de banco, como o dec
n. 17.339, nem tampouco ás attribuições da fiscalização
especifica; apenas se refere ao credito cooperativo de
responsabilidade illimitada, no art. 23, como já ficou ex-
plicado numa das ultimas circulares ás Inspectorias.
Mesmo assim, ainda os deturpadores continuaram a
deitar duvidas sobre a acção dessa obra benefica de re-
generação do credito cooperativo, appellando para o
dec. 1637.
No que estava dentro da sua alçada a repartição
competente, não se cançou de deitar doutrinação justa a
respeito, até que o Sr. Director do Fomento Agricola,
apoiado pelo Sr. Ministro, para facilitar o expurgo do
credito agricola, lançou um novo « instrumento especifico»
da classe agricola, qual o «syndicato agricola», baseado
na adormecida lei n. 979, que se despertou assim d’uma
inconcebivel lethargia, apezar das suas magnificas dispo-
sições cyclicas, salvo algumas omissões, taes como: a
— 54 —
natureza da responsabilidade, a área de acção territo-
rial e outras, sendo que o respectivo regulamento tratou
de corrigir taes lacunas. Por virtude desse regulamento
as firmas, os menores em condições justificaveis, as mu-
lheres, as pessoas juridicas, em fim, podem adherir ao syn-
dicato consorcial, agricola . Isto ha de influir d'uma for-
ma decisiva sobre a mentalidade dos nossos agricultores
que, aos poucos, por influxo do progresso e da disciplina
cooperativista verdadeira, saberão uniformisar as socie-
dades ou empresas privadas que serão em breve assimi-
ladas pelas cooperativas de producção, beneficiamento e
transformação onde a tendencia do capital acção será
para zero, emquanto que a tendencia da bonificação pro-
procional ao trabalho ou á producção attingirá uma gra-
duação crescente até á concorrencia do que fôr estabele-
cido pelo contrabalancear do custeio, da reserva, da dis-
tribuição e da retribuição directa dos instrumentos do
trabalho, abolindo-se de vez os intermediarios de in-
dustrias connexas, os agenciadores á serviço dos syndi-
catos, que poderão incorporar-se nessa obra progressi-
vamente, regerando-se a mentalidade geral que mantem o
commercio de productos e fabricação beneficiaria dos
mesmos, commercio e industria de que serão banidas a ga-
nancia e a concorrencia, alcançando a estatistica um po-
der regulador de facil informação para o governo das fe-
derações das cooperativas, cujo cimento representará a
verdadeira organisação autonoma dos povos cultos, que
irá reduzindo os meios, transformando progressivamente
a acção privada na collectiva.
Em roda dos syndicatos agricolas consorciaes, ha
tanto preconizados pelo Agronomo E. Jacqnet, como nos
referimos em « As caixas ruraes são as cellulas do nosso
progresso», ha em qualquer paiz o agricultor isolado no
seu sitio arrendado ou proprio, o foreiro, o fazendeiro a-
bastado, a firma industrial ou agricola a propria soci-
edade anonyma rural. Tudo isso adhere ao Syndicato,
mais cooperativa que Syndicato.
E' uma arca de Noé esse Syndicato, aliás, graças ás
circumstancias momentaneas, qualificado pelo Dr.
Arthur Torres Filho, de «instrumento especifico», re-
presentando numa forma juridica cyclica sui-generis
toda a familia heterogenea da população esparsa dos
campos, iniciando-a no voto «per capita», sem que os
— 55 —
reprensentantes de firmas ou de pessoas juridicas, embora
gosando do voto nas assembléas, possam occupar cargo
administrativo. Dia virá em que a disciplina cyclica, a
que dá margem o art. 9 da lei 979, que refunde o insti-
tuto no syndicalismo — Cooperativa ( o que não deve ser
confundido com o «Syndicato — Cooperativista»), por
intermedio dos departamentos ou secções diversas com
regulamentos proprios, estabelecerá contratos de accordo
com os principios fundamentaes da cooperação entre la-
vradores, criadores, agenciadores e beneficiadores da pro-
ducção agro-pecuaria, apertando-lhes o laço da confiança
mutua, até que se consiga, sob o influxo dos grandes
melhoramentos, reduzir o numero das emprezas pri-
vadas, transformando-as noutras mais efficientes e gran-
diosas, afim de melhor padronizar a producção, congre-
gando assim d' uma forma mais homogenea a familia a-
gricola, dentro do regimen do voto singular e da bonifi-
cação na razão da força productiva individual ou colle-
ctiva, sendo que os socios dessas grandes emprezas co-
operativas futuras não deverão deixar de exercer a pro-
fissão de lavradores ou criadores. Eis o rythmo de que
já tratamos na illustrada revista «A Lavoura», orgão
de grande divulgação da Sociedade Nacional de Agricul-
tura, cujo prestigio foi augmentado com a confederação
das sociedades congeneres no paiz, facto que salienta os
serviços prestados pelo seu eminente Presidente actual,
o Sr. Dr. Simões Lopes, homem de acção de que o Mi-
nisterio da Agricultura conserva sempre a honrosa lem-
brança dos seus actos patrioticos e altamente criteriosos,
não menos dignos do reconhecimento publico do que os
dos seus valorosos antecessores. São esses orgãos des-
interessados que valem á propaganda das cooperativas,
pois a imprensa não passa d'uma industria de perigosos
capitalistas... O publico paga o nickel para ser ignomi-
niosamente ludíbriado...
O «syndicato profissional » que se raga pelo dec.
n. 1.637, tem funcção mui diversa da do syndicato con-
sorcial, sendo a delle de simples educador, jamais de in-
termediario, de forma que estafermisou a propaganda
das cooperativas urbanas que deviam ter nascido espon-
taneamente, sob a o r i e n t a ç ã o d i r e c t a de
bancos — Luzzarti authenticos, dos escriptorios technicos
officiaes ou pertencentes ás federações, ou das proprias
— 56 —
cooporativas que se vão formando sob o mesmo influxo
urbanistico, sob a acção da autonomia orientada pela
solidariedade do nosso povo trabalhador e ordeiro, at-
tendendo a interesses collectivos.
A «Cooperativa de Consumo dos Empregados
Ferroviarios do Rio Grande do Sul representa um
exemplo edificante disso que nunca deixamos de affirmar,
sobre a criação livre das cooperativas, e já nos referimos
em « Um brado de defesa da cooperação» e outros.
Inspirado nesse programma tão simples como a luz
que nos alumia no céo azul sem nuvens, como consta da
«A Cidade», em 1923, d'uma noticia por nosso punho
escripta, sobre o «Segundo Congresso Internacional de
Previdencia », aprensentamos humildemente nesse vertigi-
noso recinto tão fertil em « suggestões », uma proposta
que visava uma lei que obrigasse as administrações de
nucleos fabris e agricolas a fundarem cooperativas de
censumo proletarias, com carteiras de assisteneia e pre-
videncia, fundo de beneficencia para a realização progres-
siva do conforto operario, devendo ser entregue a esse
instituto a partícipação nos lucros, global e indivisivel,
participação que passaria, ao capital collectivo. Outrosim
deveria ser fixado um praso rasoavel de aprendizagem
que deveria ser respeitado pelas mesmas administrações
para ensinar e entregar aos proletarios as suas respe-
ctivas cooperativas de consumo, cujo modelo rochdaleano,
legitimo, devia ser offerecido officialmente, criando-se
uma fiscalização idonea para reger esse consorcio entre o
capital e o trabalho.
Nessa epoca ainda ignoravamos em parte o exemplo
qua haviam dado os gauchos em Santa Maria, guiados a
principio pelos engenheiros b e l g a s da Companhia
Ferroviaría, e em seguida pela orientação herculea de
Manoel Ribas, principal autor da grandiosa obra cyclica da
cooperação preletaria sob o Cruzeiro do Sul.
Os 28 tecelões, teceram a formidavel rêde da hones-
tidade, manejada já por milhares de milhões de cooperati-
vistas que envergaram sua blusa sem precisar da chicana
de qualquer especie, quer politíca, quer capitalistica, e
chegará o dia daquellas malhas tremendas da solidariedade
cooperativa trabalhista, prenderem os tubarões que inju-
riam os puros principios radicaes da cooperação.
A franca collaboração dos idéaes sinceros, é o apa-
— 57 —
nagio das democracias attentas em ouvir a voz dos povos
trabalhadores e ordeiros, reveladora das leis sociologicas,
que seguem parallelamente as da natureza até, se encon-
trarem no coração humano, que é o centro desse mundo
moral, causador dos terremotos sociaes, quando impedido
nessa expansão do universo harmonioso na sua força
irredenta...
A lei que representa o agente da ajuda-mutua, supre
a que não alcança os destinos irrevogaveis da humani-
dade, como são irrevogaveis as leis da natureza, que a
sciencia positiva, descobre na serenidade dos laboratorios
desinteressados, fundamentalmente honestos. Conquistado
o sufragio universal, a humanidade não pode retroceder.
A cooperação, abastardada sob regimens transitorios,
reage em toda a parte, na legitima defesa dos seus prin-
cipios puros, de que emana a suprema moral, que orienta
positivamente a vida-dos povos, sem lhes vedar as ener-
gias fecundas, pacificas.
Bem longe da nossa epoca, por ventura para todo o
sempre, a ironia de Montesquieu provocou a suspeita po-
pular:
«II est quelquefois nécessaire de changer certaines
lois. Mais le cas est rare, et lorsqu’il arrive, iln'y fant
toucher que d'une main tremblante: on y doit obser-
ver tant de solenuité et rapporter tant de précan
tions. que le peuple en conclut naturellement que les
lois sont bien saintes, puisqu’il faut tant de formalités
pour les abroger».
Não o entenderam assim os «jacobinos», que acaba-
ram com os latifundios da nobreza e que subdividiram a
França numa immensidade de pequenas granjas, hoje
reunidas pela cooperação agricola. Nem Lenine se ser-
viu de escrupulos juridicos retrogrados, para reduzir o
legislativo numa especie de «conselhos communalisticos»
da media edade, hoje «sovieticos», a que Mussolini deo o
nome synthetico de «Camera corporativa fascista»...
Comte já o disse que para progredir, muita vez, é preciso
retrogradar. Mussolini, embora contraditorio na appa-
rencia, soube cercar-se de preclaros collaboradores re-
formistas, decerto procurados entre os sociologos mili-
tantes, que receberam outrora, como elle, o baptismo ru-
bro... Assim é que naquella Camara ha 46 representan-
tes da confederação dos agricultores, que representam mi-
— 58 —
lhares de cooperativas agricolas; os do Instituto Nacio-
nal das cooperativas, em numero de 16 e 82 da confedera-
ção dos profissionaes e artistas; 27 da confederação dos
trabalhadores e outros; sendo que a confederação das so-
ciedades anonymas, só dispõe d’um unico represen-
tante... Mirem-se nesse espelho os que ainda duvidam !
Por ahi se pode avaliar como sào tidos, no paiz de
Luzzatti, aquelles que tranformaram o seu instituto sui-
generis em sociedade anonyma, apezar do Codigo de Com-
mmercio Italiano prescrever o voto singular nas socieda-
des cooperativas onde elle nunca poderá ser abolido, sob
a guarda dos Congressos Internacionaes da Cooperação.
Vemos, pois, que nem tão somente o voto singular impe-
de a deturpação...
Segundo Alfred Nast, Domat, no XVII.º seculo, ado-
ptou quasi que textualmente Ulpiano, jurisconsulto ro-
mano: «Si deux ou plusieurs personnes voulant acheter
une même chose conviennent, pour ne pas enchérir les
uns sur les autres, de l’acheter tous ensemble, ou par
l’un d’eux, ou par une personne tierce; cette conven-
tion leur rend commune la chose achetée, mais ne les met
pas en société».
Na epoca de Caracalla, comprar em commum mais
barato não significava associar-se. Mas, o direito natu-
ral ainda estava bem longe de valer a significação moral
do que nascia nas Catacumbas, numa communhão em que a
moeda de entrada era — o Amor!
O unico pacto, de solidariedade entendido pela elite
romana era o que aferrava o cidadão ao carro conquista-
dor do Estado, escalando-se o privilegio na estructura
antoritaria, que impedia os povos de se governarem por
si — mesmos, como nas cidades medievaes, nas ansas do
Norte.
Mas, desde a epoca dos Antoninos, a cooperação
existia entre os musicos em todo o Imperio, isto é, em
todo o Occidente conquistado e o oriente proximo. E
uma a lei nunca adormecida na natureza.
Recebe-se o impulso na razão do esforço positivo e
habilidade, intensificando-se assim a producção que sem-
pre se apura, na justa valorização dos instrumentos do
trabalho, que passam a funccionar sob o regimen das co-
operativas federadas por especie e confederadas.
— 59 —
O banco — Luzzatti deve dispôr d’uma secção te-
chnica de informações sobre cooperativas, afim de tratar
da propaganda fiel á doutrina.
Em cada capital os governos deveriam esforçar-se
por promover a fundação d’um instituto — modelo dessa
forma popular, fiscalizando de perto sua vida, sua acção
concorde. As cooperativas de consumo, de paneficio, de
producção e trabalho, de construcção, de trabalho, são
as de que esse instituto deve logo cuidar, evitando as formas
complexas, repudiando o confusionismo, adoptando
as formas consagradas, as carteiras de assistencia mutua
para os socios e previdencia para os funccionarios das
respectivas cooperativas, sem precisar de syndicatos-co
operativistas para coisa alguma. São estafermos politicos,
presumpçosos.
Na discriminação das operações, deve vigorar o ca-
racter popular do simples adiantamento adequado ás di-
versas naturezas de garantias solidas, inherentes ás pro-
fissões dos socios, sem que se permitta a absorpção
d’uma classe de profissionaes por outra, o que se evita no
estabelecerem-se os respectivos maximos e mais o
total dos adiantamentos concediveis, evitando os descontos,
não devendo exceder o adiantamento pessoal de que con-
sente o art. 23 do dec. n. 1.637, que fixa a um conto
de reis esse limite, consagrando assim o emprestimo po-
pular, embora o seja para a Caixa rural que tem em Hen-
rique Eboli um Mestre devotadissimo. Quanto ao em-
prestimo sobre a honra o maximo devia ser de 200$.
Os prasos devem ser de 6 mezes, com direito á reforma.
Salvo para a lavoura dos arredores que abrange o tempo
da colheita. Os emprestismos maiores, no caso de exube-
rancia de capitaes, só devem ser permittidos ás coopera-
tivas adherentes. Quanto aos depositos, os a praso fixo
são os mais recommendaveis, bem como a conta corrente
hypothecaria deve predominar no caso do credito real,
desde que o lastro de movimento o permitta, sem prejui-
zo do caracter popular.
Doutra forma se resvala pelo terreno da casa
bancaria commum e da agiotagem que admitte o refugo
urbano, no jogo do avalismo amoral.
Outrosim, calha recordar a lição de Durand a res-
peito do movimento plethorico de lastro nas caixas, quanto
a depositos, sendo cabivel o mesmo conselho aos bancos.
— 60 —
Não ha duvida que não são as acções que dão vida aos
bancos e sim os depositos. Mas, estes não devem exce-
der das necessidades de distribuição respectiva, do credito.
E o banco que quizer alargar suas operações, tem, no
caso de exuberancia de capital, onde se expandir nos em-
prestimos maiores à lavoura, no financiamento das coope-
rativas opportunas, sobretudo as de consumo cyclicas, cuja
fundação o banco promove sempre dentro dos principios
fundamentaes, em cada bairro e no centro. Se houver
ainda margem maior de progresso, o banco funda agen-
cias nos limites da sua circumscripção, agencias que es-
tabilizam os depositos locaes, não os drenam, e operam
num diametro de acção territorial que não comprometta a
fiscalização dos emprestimos, nem que impeça os socios
de se conhecerem como bons visinhos, pois o segredo da
cooperação está em se conhecerem os socios. Essas
agencias, com o tempo, se transformam num outro banco
da federação.
Não ha, pois, lugar ao alargamento tendencioso
das funcções do banco, que não deve querer abraçar o
mundo com as pernas... O banco-Luzzatti é um orgão
proporcional ao organismo urbano, elle se não confunde
com os surtos aquilinos... Seu rythmo é regular. Sua
federação liga todos esses orgãos, diffundindo assim por
todo o organismo do paiz os seus favores equilibrados.
O banco não visa o lucro, e sim o estimulo ao trabalho.
as necessidades da vida precaria. sob garantias solidas e
fiscalização dos emprestimos, dentro de principios tão
inviolaveis como os principios de hygiene do corpo e da
alma.
Decerto não hão de ser os deturpadores que préga-
rão os verdadeiros principios da ajuda-mutua, e os de-
turpadores existem em toda a parte, e a cooperação ver-
dadeira nunca deixou de lhes oppôr formidaveis obsta-
culos... . apezar das leis falhas
Os bancos — Luzzatti da Italia e Belgica, differem dos
da França onde um intrincado regimen de leis espe-
ciaes ainda não permittio a systematização unitaria dos
institutos cooperativos, sem que isso impedisse á
cooperação de reagir com as suas virtudes proprias con-
tra a cupidez infiltrante da burguezia demasiadamente
preoccupada com a idéa do lucro pessoal que estorva a
obra gigantesca do capital collectivo assim enfraquecida
— 61 —
pelos sanguesugas sem ideal, que preferem a anarchia de
regimes, a que o «liberalismo» lugar empiricamente,
sem mobil nenhum de solidariedade moral e scientifica,
que determina o optimo regimen homogeneo, livre da
céva dos mais astutos...
Por ventura as leis especiaes francezas não deixa-
ram de integrar os bons principios, convindo fazer-se o
estudo do «Code de la Coopération», com as argumenta-
ções magistraes de Alfred Nast, doutor em direito, mem-
bro do Conselho superior da Cooperação, obra monumen-
tal editada pela «Librairie du Recueil-Sirey, 22, rue Souf-
flot, Paris, 1928. Que nos seja licito citar trechos do
Mestre que mal pudemos, nestes ultimos dias, ler de re-
lance, quando os originaes deste folheto já tinham sido
entregues ao nosso bondoso amigo, Sr. Benedicto de Sou-
za afim de serem impressos. Mas, até hoje os Mestres
que nos ensinam, não nos fazem mudar de opinião e esta
que mantemos hoje, sempre foi a que revelamos desde
os nossos primeiros artiguetes sobre a cooperação, de 1911
em diante, em mais de vinte jornaes d’aqui e do in-
terior, na defesa do capital collectivo, da forma rochda-
leana, do voto singular. O chamalote opportunistico nun-
ca influio em nós... . E talvez por isso que tenhamos
tantos inimigos occultos e ambiciosos, que não tememos.
Ouçamos o Mestre em o «Code de la Coopération»:
« Dans un très grand nombre d' Etats, il existe une loi
déterminant les règles de constitution et de foncti-onnement
des organisations coopératives de toute nature.
La cooperation française, envisagée dans sou en-
semble, n’a pas été dotée jusqu'á présent d’une legisla-
tion semblable».
................
«La France done, en matière de droit coopératif, se
differencie singulièrement des autres pays, en opposant
au systéme unitaire, adopté presque partout ailleurs, ce-
lui d’une législation essentiellement morcelée».
................
«Une loi générale sur la coopération, j'entends
une loi honorable pour l’esprit coopératif, — exaucerait
le voeu que je ne cesse de formuler depuis un quart de
siécle.» O Mestre attribue esse estado de coisas, menos
aos deputados dispostos a se esforçarem nesse sentido,
do que aos proprios centros cooperativos, cujos dirigen-
— 62 —
tes ainda não chegaram a um accordo: «Dans de telles
conditions, la coopération française n'est pas sur le point
d'obtemir sa grande «loi organique» . »
Não serão os «pluralista» que lá tambem o impe-
dem pela chicana?
................
«Cependant l’usage s'est établi de désigner spéciale-
ment sous le nom de «coopération un mode d'organisa-
tion économique dont le succès grandit depuis un siécle
et auquel est consaré précisément cet ouvrage».
Isto não quer dizer que a forma a mais pura deixe
de existir na França, pois a Grande Patria da Humanida-
de, sempre o foi da Liberdade, de que abusou a sua cul-
ta burguezia, só em seu proveito, de forma que no cam-
po opposto ao da deturpação das «cooperativas» patro-
naes e agricolas, pluralistas, os mais authenticos insti-
tutos engrandecem essa obra universal da ajuda — mu-
tua sem jaça, sob o regimen do voto «per capita» des-
presando-se a chicana conservadora, as prerogativas das
classes abastadas na politica das leis indecisas...
«Sans doute, pratiquement, une coopérative peut
être obligée de se plier à la réglementation prévue pour
les sociétés anonymes. Cela ne veut pas dire qu’elle
soit à son aise dans un pareil manteau; et précisé-
ment l'effort de la légìslation française vise à écarter,
pour les coopératives constituées même sous la forme
ananyme, les dispositions qui ne sont justifiables qu’à
l’égard des sociétés de capitaux (porque não arrancar
logo esse manto, o qual esconde o cofre burguez da
astucia?)
«Que l'expression «association de personnes» ne su-
ffise pas, á elle seule, pour caractériser complétement
une colléctivité, nul ne contestera-Mais il s'agit lá ce-
faudant d' une notion qui s'applique exactement à nos
institutions et qu'il est. trésutile d'invoquer constam-
ment, car elle permet de dégager maíntes solutions ju-
ridiques, que le législateur sanctionne peu à peu, ma-
lheureusement avec lenteur et d'une façon encore trop
imparfaite.»
«Pas de dividende au capital social — Plusieurs
texts, legislatifs ou réglementaires,énoncent le principe
dans les termes les plus exprès: aucun dividende ne
doit être attribué au capital ou aux fractions de capital»
— 63 —
(Na França o juro da parte é até fixado por lei, para im-
pedir a alta do dividendo).
................
«Centains textes ne formulent pas la régle, mais la
contiennent toutefois implicitement, car ils limitent la ré-
tribution que les parts sociales peuvent recevoir éven-
tuellement sous le nom d'» intérêt» . »
Esse juro permittido á «parte», sem estabelecer mi-
nimo visto depender do lucro, regula de 4% a 6 % no
maximo, para todas as cooperativas de responsabilidade
limitada, como affirma o eminente autor.
A mesma restricção para formar o quorum, nas As-
sembléas, onde prevalece o numero de socios presentes,
«per capita», não o numero de partes. O voto plural, nas
«cooperativas agricolas é mui restricto, mas esse limite
ainda assim não illude sobre a sua origem...
E se «la loi de 1923 veut bien ajonter (para as co-
operativas agricolas e algumas outras) que, à defaut de
dispositions statutaires, chaque associé n'a droit qu'á
une seule voix», quanto ao voto singular. pronuncia-se
o Mestre, ganhando o sen verbo a inflexão dos «jacobi-
nos» que se ergueram á luz d’alva da Grande Revolução
de 89:
« 152 — I Nombre de Voix attríbué à chaque as-
socié. — O'est un principe généraiement admis par la doc-
trine que tont sociétaire, dans une coopérative, n'a droit
qu'a une seule voix, quel que soit le nombre des parts
de capital dont il est titulaire».
E para que não haja duvida sobre a vìctoria do ver-
dadeiro espirito da cooperação na terra do pro-
prio Fourier, ahi temos a lei de 7 de maio de 1917,«ay-
ant pour object l'organisation du crédit aux sociétés co-
opératives de consommation»:
«Art 4. — (L. 3 juillet 1925, art. ler).Chaque as-
socié, queìque soit le nombre des parts sociales ou ac-
tions dont il est titulaire, a droit à une voix seulement
pour son compte personnel dans les assemblées de la so-
ciété coopérative de consemmation à laquelle il adhère».
Com os assassinos, que matam com as proprias
mãos, se prevalecem da tal « privação de sentidos» os de-
turpadores da cooperação se agarram aos taes «direitos
adquiridos»...
— 64 —
E a Cooperação, não tem direito ? !... E’ uma co-
media!
O direito da Cooperação é o direito do homem que se
íntegra no collectivo, é o suffragio universal.
A contemporização em França dos principios astutos
deturparam o primeiro surto de liberdade alviçareira,
contra os ultimos vestigios da tyrannia fendal, não impe-
dio á cooperação livre de exercer um regimen mais fiel,
que vae circumscrevendo a acção egoistica, capitalista, não
menos tyranna que a do feudalismo... Officialmente,
para o credito agricola mutuo, muito se tem conse-
guido nesse intuito, se não permittindo além de 5 votos,
na razão das partes, fixando o juro de 5% para o capi-
tal accionista, syndicalizando-se d'uma forma mais pra-
tica a classe agricola. Mas, nas cooperativas de consumo
se não permittio nem mesmo essa largueza meia restricta,
quanto ao voto, sendo o voto «per capita». Comprehen-
da-se, pois, que a victoria da cooperação integral está
bem proxima de ser realizada em toda a linha, apezar dos
taes direitos mal adquiridos... Tudo que não é fruto
da associação fiel é um roubo.
Sob o ponto de vista de regimen propriamente dito,
o syndicatorio, tendente á estatisação entorpecedora do
genio collectivista, se não confunde com o cooperativo.
Neste tudo é espontaneo, autonomo, directo, voluntario e
isento de qualquer politica sectaria, nada deixa de ser
profundamente trabalhista e a bonificação é proporcional
ao trabalho e ao consumo, substituindo o dividendo, sendo
que o capital se confunde com os instrumentos do traba-
lho e a federação se faz por especie e as circumscripções
se limitam á capacidade de fiscalização, credito, produc-
ção e consumo, a doutrina faz lei e controla todos os
actos, a disciplina une os homens, como monges d'um con-
vento aberto á luz da vida, que é o amor ao proximo, e
sob o influxo do progresso se caminha ao infinito, accei-
tando a luta e lutando debaixo dos mais nobres principios.
No regimen syndicatorio, mesmo no que tomou da co-
operação os meios mais directos, a bonificação é propor-
cional á força productiva da propriedade de cada qual,
como tambem ao esforço individual, ao trabalho de cada
qual. Na cooperação só se trata de apurar e orientar
collectivamente a força do trabalho indívidual. d'ahi a
reducção dos instrumentos do trabalho a verdadeiras so-
— 65 —
ciedades cooperativas onde todo o mundo trabalha, tudo é
simultaneo, acceitando tambem auxiliares que são tambem
bonificados e que provada a capacidade disciplinar, se tor-
nam socios, se o quizerem.
Na cooperativa livram se os instrumentos do tra-
balho do uso e abuso da propriedade privada, que a coope-
rativa, na sua forma a mais pura, que é a rochdaleana,
combate por principio com as armas pacificas do mais
evidente exemplo. Os que trabalham sob os designios co-
operacionistas, usam mas não abusam dos favores da
ajuda-mutua. No syndicato agricola a tendencia é franca
para taes effeitos, porém a educação será longa, e os que
sentem as verdadeiras virtudes dos principios rochdalea-
nos, não precisam desse estagio, criam logo o nucleo de-
finitivo, no campo ou na cidade, quer de producção ou
consumo, centralizado pelo credito, sem precisar de mo-
letas syndicatorias....
O syndicato consorcial, agricola, não deve implicar
responsabilidade de especie alguma, dos socios, justa-
mente por ser uma escola tansitoria, convindo que a Di-
rectoria executiva, o Conselho de administração e o Fiscal,
solidariamente, exerçam a forma de responsabilidade legal
conveniente.
Outrosim, no que se refere a emprestimos aos so-
cios, dentro dos termos do art. 9 da lei n. 979, perante
os governos, quando houver lugar, á guiza da «Caisse
nationale de crédit agricole», na falta da federação de
caixas mutuas, de grupo em grupo centralizado regional-
mente, o syndicato consorcial examina o pedido do socio,
a garantia que o mesmo offerece e encaminha o pedido,
sob caução legal, segura, porem assumindo o Syndicato
tão somente a responsabilidade moral que não impede que
elle restitua ao credor todo prejuizo cansado pelo
emittente, sendo facultado ao Syndicato os meios legaes
de obter do tomador do emprestimo official, pelo seu in-
termedio moral, a cobertura integral do debito assim con-
trahido pelo socio que se negar a pagar dentro do praso
exigido de accordo com as colheitas. Fica dessa forma o
governo apto a tambem examinar a viabilidade dos em-
prestimos, por meio da fiscalização dos proprios syndi-
catos, agricolas, consorciaes. Eis como se determina a
— 66 —
responsabilidade pessoal relativa a cada operação de cre-
dito, com a garantia moral do syndicato consorcial. En-
tretanto, onde existir caixa-Raiffeisen tão garantida como
a de Friburgo, embora o syndicato e as cooperativas
não possam ser adherentes da mesma, por virtude da res-
ponsabilidade illimitada Raiffeisana, uma vez que os socios
das cooperativas e do syndicato o sejam tambem da
caixa, convem que por excepção, a Caixa-Rainffeisen lhes
possa emprestar no caso de exuberancia de capital.
O syndicato só pode adherir á cooperativa de credito de
responsabilidade limitada.
Coube ao Sr. Ministro da Agricultura, seu digno
Secretario, ao Director do Fomento Agricola Federal,
coadjuvados por um reduzidissimo numero de auxiliares,
no Districto e nas Ínspectorias do interior, não sómente
oppôr dentro do regimen um obstaculo á deturpação do
banco-Luzzatti e Caixa-Raiffeisen, como contribuir para
estudos de novas leis que venham sanar a propaganda
geral das cooperativas. Já muito se escreve sobre o as-
sumpto e préga-se directamente aos interessados a ver-
dadeira doutrina, sendo que o dr. Adolpho Gredilha, no
exercicio da fiscalização, em Minas, affirma que nesse
Estado em que o Dr. Julio Soares é uma pagina viva da
historia da sua cooperação, a acção da nova phase da pro-
paganda authentica alcançou o mais elevado gráo de com-
preensão do methodo com evidentes resultados praticos,
o que aliás era de esperar dos patricios de João Pinheiro,
para os quaes a cooperação não é novidade.
Não menos valiosos serviços vem prestando o Dr.
Fabio Luz Filho, que no livro e na imprensa não se
cança de citar fielmente e argumentar o que os Mestres
ensinam, emprestando tambem o brilho do seu talento á
acção collectiva que, no Ministerio, ganhou foros d’uma
verdadeira Secção applicada aos estudos das sociedades
cooperativas no paiz e fora delle. Depende agora dos le-
gisladores a nossa posição entre os povos que sabem
prestigiar a cooperação, tanto ou quanto os institutos sci-
entificos e de educação social, dando ás coisas o seu ver-
dadeiro caracter.
— 67 —
Está claro que a sabedoria das nações equivale á dos
povos, que a necessidade é que faz a lei e essa necessi-
dade não representa um privilegio da ordem dos que são
urdidos atraz dos bastidores dos fallazes congressos que
a historia condemna: « La démocratie parlementaire, qui
est la force de l’État, est dominée par les puissances
d’argent, qui instaurent une oligarchie étroite», como af-
firmon Paul Louis.
E donde sáem esses poderes do dinheiro? Como o
oiro sáe dos veios subterraneos, a riqueza é extrahida
do trabalho das massas misserrimas, do gado humano, das
colmêas fecundas que aguardam o dia de justiça, ralada a
vida na ignomnia e na Ignorancia.
Eis o que a consciencia nos dita no fechar desta nota.
O nosso pensamento procura a luz da verdade que não
céga... Não possuimos azas nem bico de vampiro, para
só viver nas trévas do egoismo, da vaidade, do despeito.
O autor
P. S.
Já se achava este folheto quasi que totalmente
impresso, inclusive a capa, quando o acaso nos col-
locou sobre a mesa, afim de informarmos, um pro-
cesso contendo estatutos d’um banco «pluralico», e
junto, um luminoso parecer do Dr. Trindade Henri-
que, emerito Delegado da Inspectoria Geral dos Ban-
cos, em Recife, publicado no «Diario da Manhã», de
4 de abril do anno corrente, sobre um pedido de
autorização para esse banco funccionar.
Rejubilamo-nos, pois quasi toda a materia deste
folheto versa sobre a iniquidade que representa o
art. 10 do decr. 1637, na defesa da forma sui-gene-
ris das cooperativas combatendo nós desde muito o
confusionismo reinante. Pedimos venia para repro-
duzir parte desse opportunissimo parecer, sendo nos-
sos os gryphos:
«Os documentos exhibidos pelo Peticionario não
satisfazem as exigencias dos arts. 6 e 7 do Regula-
mento annexo ao Dec. n. 14728, de 16 de março de
1921 e 79 e 80 do Dec. n. 434, de 4 de julho de
1891.
«Comquanto organizado com as modalidades
das sociedades cooperativas de credito, nos termos do
art. 10 do Dec. n. 1637, de 5 de janeiro de 1907, o
instituto de credito — Banco do Estado —, tomando
a forma das sociedades anonymas, que é a que tem de
regel-o, observou na sua organisação, as prescripções
dos arts. 10 e 16 deste Dec..
«Assim, constituido como sociedade cooperativa,
com a forma de sociedade anonyma, o instituto orga-
nisado ou incorporado pelo Peticionario, com a de-
nominação ou nome commercial de «Banco do Es-
tado,» — tem que subordinar-se aos principios esta-
belecidos no citado Dec. n. 434, de 1891 e, como as
suas operações, pela sua amplitude, que envolvem in-
teresses de ordem publica, indicam no regimen
instituido pelo referido Dec. n.14728, de 1921, cumpre
ao Peticionario instruir o seu requerimento com os
seguintes documentos:
— 68 —
a) petição dirigida ao exmo. sr. Ministro da Fa-
zenda, solicitando auctorisação para operar, decla-
rando se estão ou não comprehendidas as operações
de cambio;
b) exemplares do jornal official do Estado, onde
foram publicados os estatutos e do Diario Official
onde foi reproduzida essa publicação, com declara-
ção da data em que foram archivadas na Junta Com-
mercial e dos nomes, profissão e moradas dos
administradores:
c) certidão do registro de hypothecas de ter
sido archivado o exemplar do jornal onde se fez essa
publicação;
d) certidão da Junta Commercial, verbo ad ver-
bum, dos estatutos archivados e da acta da assembléa
geral da constituição da sociedade, lista nominativa
dos subscriptores, com indicação do numero de
acções e entrada de cada um e do deposito da de-
cima parte, em dinheiro, do capital subscripto.
«Não tendo o Peticionario instruido o requeri-
mento, ora em despacho, com os estatutos, pelos
quaes se deve conhecer o minimo de capital inicial
nos termos do inciso 5 do artigo 14 do mencionado
Dec. n. 1637, aguarda-se a satisfação desta formali-
dade, para a exigencia do deposito de 50% desse ca-
pital, a que está obrigado, de conformidade com o dis-
posto no artigo 21 do citado regulamento n. 14728
de 1921.
«Quanto á denominação ou nome da sociedade
— «Banco do Estado — á qual deverão preceder as
palavras — «sociedade cooperativa de responsabili-
dade limitada» — (Dec. n. 1537 art. 12) nada tem
ella de inconveniente, mesmo porque, contra ella,
nada se oppoz, nem se insurge preceito algum de or-
del legal e juridica; tanto mais encerrando essa de-
nominação uma expressão, um conjuncto de palavras
vulgares, para distinguir, para assignalar o objecto e
fins do ìnstuto creado e assím, individualisal-o, perso-
nalisal-o».
Nesta parte, é preciso ponderar que, independen-
temente do que toca á denominação «Banco do Es-
tado». o que se refere á exigencia do art. 12 do dec.
n. 1637, convem não esquecer que o deve ser «em
— 69 —
todos os seus actos». Ora, se tal declaração já por sì
distingue a forma de «sociedade cooperativa de res-
ponsabilidade limitada,» que não é um instituto que
fica á revelia das interpretações, e se por outro lado
a preclara autoridade competente, a respeito do Ban-
co, reconhece que este «tem que subordinar-se aos
principios estabelecidos no cïtado Dec. n. 434 de
1891,» demais incidindo «as suas operações, pela
sua amplitude, que envolvem interesses de ordem
publica», no regimen instituido pelo Dec. n. 14728,
de 1921, a sociedade deixa de ser cooperativa e por-
tanto não pode servir-se d’um titulo que se adapta a
outra especie regida por outros decretos. Ou então
cahimos no caso da mais escandalosa ambiguidade,
permittida pelo uso do titulo que representa uma mo-
ral, qual o de sociedade cooperativa, numa casa vul-
gar, bancaria...
Se, como diz o illustre jurista, nada se oppõe
«nem se insurge preceito algum de ordem legal e ju-
ridica,» julgamos, pela sua «conclusão» «— A expres-
são — Banco do Estado — ou seja a insignia, o dis-
tico, o signum tabernae, o nome do estabelecimento,
etc.», que a este tão somente se refere, como sendo
coisa permittida. O titulo de cooperativa é que nunca
poderá trazer uma sociedade d’outra especie, uma
vez que bem ou mal já temos o dec. n. 1937 que
rege essa especie de sociedade em geral, porem está
visto, que sem as attribuições especificas do dec. n
17339 de 2 de junho de 1926, mormente tendo sido
estabelecida a norma constante do art. 12, que im-
plicitamente impede o abuso do titulo de cooperativa,
que não é uma coisa vulgar, ao alcance dos especu-
ladores.
A sociedade anonyma, é uma sociedade de es-
peculacão, o que não succede á cooperativa, salvo
quando esta é deturpada, e a lei, a administração
publica, qualquer autoridade, não pode permittir
tal abuso.
Por esse motivo já de ha muito vimos recla-
mando as attenções dos nossos legisladores, embora
sem sermos jurista, para a lei argentina que determi-
na categoricamente o emprego da denominação de
«sociedade cooperativa» pelas que somente se regem
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pela lei n. 11.388, conforme citamos pags. 193 da
«Cruzado integral da cooperação », sendo que o art.
8 da mesma lei, obriga: « Las sociedades cooperativas
existentes deberán ajustar-se, dentro de un año de
su promulgación, a las disposiciones de la presente ley
si desean conservar la denominación de cooperativas.
Las que no lo hicieren incurrirán en la penaliadad es-
tabelecida en el articulo siguinte.» Convem repetir
neste folheto.
Calha trancrever literalmente o art. 221. do Co-
digo de Commercio italiano ( pag. 2 « Codice della
Cooperazione» de Coppola d’ Anna) uma vez que
apenas o tenhamos feito em parte, no começo deste
opusculo, afim de salientar o interesse que tomou o
legislador italiano, no intuito de evitar o hybridismo
juridico proviniente do art. 219, que foi copiado só em
parte pelo art. 10 do dec. 1637 e que devia ser
eliminado:
« Art. 221. Le societá cooperative sono sempre
soggette alle disposizioni rìguardantí le societá ano-
níme, quanto alla publicazione deì loro attí constítu-
tiví e deì posteriori cambìamentí; e quanto alle
obbligazioni ed alla responsabìlìtá degli amministra-
tori. Le pubblicazione se fanno senza spese.
« Gli ammnìstratori devono essere eletti fra i soci,
e possono essere nell’ atto costitutivo esonerati dall’-
obbligo dì dare cauzìone.
« Sono pure applicabili alle societá cooperative
le disposizioni riguardanti le assemblee generali,il
bílancio, i sidanci. e la liquidazione delle societá per
azíoni in quanto non sía díversamente provveduto
negli articolii seguente o nell’atto costitutivo.
«La qualitá dí cooperativa dev’essere chiaramen-
te índicata, oltre la specie della societá, ín tutti gli atti
annoverati nell’ art. 104.»
Uma mão lava a outra mas, o melhor, no caso
da legislação dessa especie tão elevada e simples, é
de nunca sujal-as...
Assim, cada dia se confirma mais claramente o
que sempre defendemos, na luta pelos principios in-
tegraes da cooperação, apezar de não entendermos de
« hermeneutica»...