DISCURSO DE POSSE
admiráveis qualidades que conheço: a capacidade de admirar, tão rara
nesta nossa época de demolidores e desmitificadores.
De fato, Levi Carneiro foi, a todo instante de sua vida, um homem
de admirações, de grandes admirações, de verdadeiros «cultos» que seu
sentido de lealdade obrigava a não esconder, a não «regatear» — a
proclamar gritantemente. Mais do que a todos, admirou Rui Barbosa,
seu mestre das primeiras lutas forenses, seu mestre das derradeiras inspi-
rações jurídicas. Admirou, cultuou Rui, mas não foi só a ele que celebrou.
Também a Nabuco e Rio Branco, Mauá e Campos Salles, Tamandaré,
Oliveira Vianna, Pedro Lessa, Afrânio Peixoto, Edmundo Lins, Gilberto
Amado, Fernando de Azevedo, Cassiano Ricardo, Gilberto Freyre,
esses e muitos outros, nacionais, e estrangeiros, como San Martin,
Mitre, Bolívar, Rivadávia, tantos, tantos — e sempre o mesmo entu-
siasmo, sempre aquela mesma capacidade de compreensão e inteligente
fervor com que também acompanhava todas as manifestações literárias,.
sobretudo as poéticas, das mais velhas às mais jovens gerações.
Atentemos pois, agora, e de um modo todo particular, naquela
intencional carta de apresentação: «Advogado, simples advogado...»
E, a um exame mais refletido, à luz de toda a experiência profunda de
seu viver, não será difícil descobrir o que há de mais essencial em Levi
Carneiro: a fidelidade a si próprio, ao ideal que se propôs defender, à
preservação dos valores do Espírito; «a irredutibilidade em seu amor e-
em sua veneração pela Lei, pelo Direito, pela Liberdade, pela Justiça,.
pela Ordem, pela Nação. A sua absoluta fidelidade ao Espírito.
Se muitas vezes vos entusiasmastes pelo jurisconsulto; se vos
irmanastes ao defensor de liberdades, públicas e privadas; se aplaudis-
tes, em tempos pretéritos, o apologista do federalismo, de cuja excelên-
cia se embebera na leitura de Rui e de Nabuco; se acompanhastes as;
angústias do municipalista, do defensor dos direitos da infância e da
concessão de voto aos analfabetos, do sistemático adversário do júri;
se vos orgulhastes do continuador dos sucessos de Rui Barbosa na
Corte de Justiça de Haia; atentai no «advogado, simples advogado»
e abismai o vosso interesse e o vosso cuidado nas páginas singelas e
verdadeiras — simples, humanas — e quão inesquecíveis! — de «O
Livro de Um Advogado». Nelas encontrareis Levi Carneiro todo ele,
Levi Carneiro de corpo inteiro, Levi Carneiro em sua imensa capacidade
de admirar e de servir, Levi Carneiro «advogado, simples advogado»,
tal como ideou que devia ser, e o foi, a vida inteira.
A esse «advogado», na verdade, melhor poderíamos chamar: um
servidor do espírito, um «sacerdote», usando a expressão, tão adequada,
do nosso Ivan Lins. Em teoria, concebe esse sacerdócio, tal como o
vimos há pouco, quando fixa, tão modestamente, os limites de sua
existência e, mais adiante, acrescenta: «advogado. . . nenhum advogado
o é verdadeiramente, nem logra o prestígio e a estima de seus próprios-
colegas — se não tem uma consciência inflamada pela justiça, o empe-