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Do círculo mais
íntimo do
"Professor
Sucupira" aos
conhecedores mais
distantes, as
opiniões sobre o
educador
convergem no
sentido de não
facilitar de pronto
uma conversa
amena e desarmada.
Homem de
temperamento
firme, católico,
nascido da
convencional e bem
posta elite
nordestina, adepto
da filosofia alemã...
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Newton Sucupira e os rumos da educação superior
. República Federativa do Brasil
Fernando Henrique Cardoso
. Ministério da Educação
Paulo Renato Souza
. Secretaria Executiva do MEC
Luciano Oliva Patrício
. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Abílio Afonso Baeta Neves
Helena Bomeny
Newton Sucupira e os
rumos da educação superior
Paralelo
2001
Direitos exclusivos para esta edição:
Paralelo 15 Editores
Copyright © Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes -
Ministério da Educação
Edição: Paralelo 15 Editores
SCS Q. 06 - Bloco A - Edifício Presidente, sala 3
a
andar
70300 500 Brasília DF
Fax: (61) 223 5702 - Fone: (61) 226 1812 - e-mail: [email protected]
Co-edição: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior —
Capes — Ministério da Educação, Anexos I e II, 2° andar Caixa Postal 365 - CEP
70359-970 Brasilia DF Telefone: (61) 410 8860
Preparação de originais e revisão: Aristides Coelho Neto
Projeto gráfico e capa: Roland
ISBN 85-86315-34-6
Ficha catalográfica
Bomeny, Helena
Newton Sucupira e os rumos da educação superior / Helena Bomeny
- Brasília : Paralelo 15, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior, 2001.
128 p. (Biblioteca Anísio Teixeira)
1. Educação. 2. Educação Superior. 3- Ensino universitário. I.
Bomeny, Helena. II. Título.
CDU 370
378
SUMÁRIO
Apresentação 13
Primeira Parte
Capítulo 1
Aproximando-me do personagem 19
Capítulo 2
Trajetória de um professor filósofo da educação 23
Capítulo 3
Quando a fé em Deus encontra a fé nos homens 33
Capítulo 4
O homem de universidade 45
Capítulo 5
O Parecer nº 76/62,
liberdade necessária, autonomia tutelada 53
Capítulo 6
O Parecer nº 977/65,
a pós-graduação construindo a universidade 63
Capítulo 7
A Lei nº 5.540/68:
a Reforma que o condenou 71
Capítulo 8
Seqüências não-antecipadas da ação educativa 85
Capítulo 9
O legado de Sucupira 105
Anexo 115
Referências bibliográficas 119
[...] É a alta cultura, especialmente de índole
científica, que produz a prosperidade material,
que pode enriquecer o país, torná-lo saudável
e feliz. Para que a tenhamos, é preciso difun-
dir as "luzes" por todas as classes sociais, es-
palhar o ensino primário, estabelecer o ensi-
no secundário, criar o ensino técnico, espe-
cialmente o profissional e o agrícola. Mas, an-
tes e acima de tudo, é preciso reformar o en-
sino superior, torná-lo sólido e eficaz, porque
sem ele será vã qualquer outra tarefa. Sem uma
elite intelectual bem preparada, como esperar
a ilustração do povo?
Roque Spencer Maciel de Barros, A ilustra-
ção brasileira e a idéia de universidade, p.
199.
A
PRESENTAÇÃO
Professor Sucupira, o
se- nhor se considera
uma pes- soa
democrática?
— Não. Não me considero
porque sou autoritário. Era. Quando eu fiz o
doutorado em educação eu nunca reuni coisa
nenhuma, e não prestava contas nem à direção
da Faculdade e nem ao Departamento. Admitia
professores sem pedir licença. E foi assim que
conseguiu implantá-lo... Isso não é bom, não. A
questão é que fui criado num regime
autoritário... Primeiro, minha educação, meu
pai era senhor de engenho. Era educão dura.
Segundo, eu fui dos jesuítas, seis anos de
jesuítas. A gente não passa incólume por seis
anos de jesuítas. Terceiro, eu fui dois anos e
meio do exército. Porque foi no tempo da guerra
que eu fui convocado. Eu me formei cabo. De-
pois sargento, depois oficial. Então, você veja que
foi o tempo todo em um clima de autoritarismo.
Quer dizer, também de autoridade...*
Newton Sucupira, entrevista concedida a Helena Bomeny, Rio de Janei-
ro, 16 fev 2001.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
APRESENTAÇÃO*
história recente do Brasil está marcada por traumáticas
rupturas que deixaram saldos de vencidos e vencedores
e um
travo amargo na boca de muitos. O passado não se muda, mas
é tarefa dos intelectuais preservar, com a maior isenção, o histórico
das contribuições de todas as correntes que conformam essa história
para que as gerações futuras possam finalmente compor o relato em
que, abrandadas pelo tempo as arestas, vencidos e vencedores tenham
explícitas suas contribuições na construção do patrimônio cultural
comum.
Indicado para o Conselho Federal de Educação, por Anísio Teixeira,
primeiro secretário-geral da Capes, Newton Sucupira, cujo pensa-
mento se fundava em matriz tão diferente da de Anísio, foi nomeado,
em 1962, e jamais deixou o centro das decisões sobre a regulamenta-
ção das políticas educacionais nas décadas seguintes. Dessa diversi-
Fui beneficiada pela competência, capacidade de organização e acuidade
de pesquisa de Raquel Emerique no levantamento de fontes, participação
nas entrevistas e discussão dos pontos fundamentais que orientaram o
argumento exposto neste texto. Mais que agradecida, atribuo a ela
parceria de trabalho na formulação do que aqui se desenvolveu. Os
equívocos, naturalmente, os assumo em perfeita consciência.
Helena Bomeny é socióloga, professora-titular do Departamento de
Ciências Sociais da UERJ e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Docu-
mentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação
Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
Helena Bomeny
dade, sempre respeitosa e com recíproca admiração intelectual, ge-
raram-se muitos dos pontos positivos de que hoje nos beneficiamos e
muitos dos problemas que ainda temos de superar.
A biografia de Sucupira carrega ainda o peso de ter ele continua-
do a propugnar por suas idéias e convicções mesmo durante o perío-
do de exceção que tão duramente atingiu as instituições acadêmicas,
e que tanto angustiou os intelectuais, muitos de minha própria gera-
ção. Anísio, de pronto afastado pelas ditaduras do Estado Novo e de
1964, já se consagrou como "intelectual do bem". Sucupira, que inin-
terruptamente seguiu a rotina dos que constróem as instituições no
dia-a-dia, e a despeito das conturbações contextuais, sofre ainda o
assédio das paixões.
A trajetória desses dois educadores simboliza a dicotomia perma-
nente no pensamento educacional brasileiro, sempre oscilando entre
o conservadorismo da orientação católica e o pragmatismo à feição
do liberalismo protestante norte-americano. Essa dicotomia, que muitas
vezes é amesquinhada no ardor das discussões partidaristas, às vezes
nos apresenta momentos de sublime elevação de que alguns analistas
privilegiados nos permitem participar, como se vê na página memo-
rável de Alceu de Amoroso Lima a respeito de Anísio Teixeira que,
reproduzo em parte, reservando o texto na íntegra para o Anexo deste
livro pela raridade da obra de que foi tirada, hoje esgotada.
1
Destinos Cruzados
2
Nossos destinos se cruzaram pela primeira vez, por volta de 1930.
Anísio Teixeira vinha de um desencontro. Eu, de um encontro. Um
largava a Fé de sua infância. O outro a reencontrava. Cruzamo-nos à
1 Agradeço à generosidade de Alberto Venâncio Filho em me oferecer este
texto desconhecido para mim até então.
2 Alceu de Amoroso Lima, Companheiros de viagem, Rio de Janeiro, José
Olímpio, 1971, pp. 303-305.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
porta da Igreja. Saindo um. Entrando o outro. Como Renan e Newmann
em 1835, Si parva licet. Daí o inevitável choque inicial. [...] O jovem
baiano, discípulo do Padre Cabral e dos jesuítas do Colégio Antônio
Vieira, cansado da disciplina escolástica e dos argumentos de autori-
dade, descrente do próprio molinismo, descobria a liberdade e tro-
cava a Religião pela Educação. O carioca do Cosme Velho, cansado da
disponibilidade e do diletantismo, descrente do próprio liberalismo,
descobria a autoridade do Dogma como chave da verdadeira liberta-
ção e dizia adeus à disponibilidade, na esperança de se tornar mais
disponível à ação da Graça. Nossos caminhos então nos colocaram
em campos opostos. Recebi, cristão-novo e calouro inexperiente, com
a maior hostilidade, o Manifesto dos Pioneiros [...]. Começava para o
Brasil a era das adversativas. A Revolução de 30 nos separara de modo
aparentemente definitivo. Ao passo que paradoxalmente a de 64 é que
nos iria reunir. Na realidade o que nos aproximou foi a meditação e
fria experiência da vida. Dissemos ambos os nossos adeuses aos ex-
tremos de posições irredutíveis e compreendemos que a verdade é
muito mais complexa e acolhedora do que todos os sectarismos. E
está sempre para lá de todos os rótulos por mais enganadores que
sejam.
Nosso convívio, lado a lado, no Conselho Federal de Cultura,* me
aproximou então definitivamente de Anísio Teixeira. Não há nada como
a presença para dissipar ou aumentar as prevenções. Pude então apre-
ciar de perto sua personalidade excepcional. Não era só o brilho ex-
traordinário de sua inteligência que a propósito de qualquer pequeno
debate alçava vôos aquilinos com supremo desprezo por aquelas in-
termináveis discussões em torno de minúcias regimentais ou mesmo
legais, que para ele representavam a negação do território humano
da formação cultural, domínio da verdadeira tarefa educativa. [...]
Mas as revoluções, que devoram os revoltosos, também não toleram
os revoltados. Quando nossos mandatos terminaram, não foram na-
turalmente renovados... E cessou de novo para mim a invencível se-
dução de sua presença. Mas ficou, para sempre, a imagem viva de
uma chama ardente e angustiada, que mal cabia na estreiteza de seu
corpo de asceta e que animou um dos maiores e mais desaproveita-
dos valores do Brasil contemporâneo.
Conselho Federal de Educação.
Helena Bomeny
É procurando pautar-me neste exemplo, atenta ao alerta de Alceu
sobre os pecados dos "cristãos novos e calouros inexperientes", que
me atrevo a escrever sobre a contribuição de Newton Sucupira, ali-
nhado à mesma matriz religiosa que Alceu Amoroso Lima, na monta-
gem do sistema educacional brasileiro. A Fundação Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes decidiu, no
ano em que celebra seus 50 anos, registrar de público a participação
de alguns intelectuais que tiveram suas vidas confundidas com a mon-
tagem da pós-graduação no Brasil. Criada em 11 de junho de 1951 e
consagrada pela eficiência com que incentiva e promove o acompa-
nhamento, a avaliação e o aperfeiçoamento do ensino superior no
Brasil, a Capes chega a 2001 com um saldo positivo considerada a
missão que se impôs de consolidar programas de pós-graduação no
Brasil. Coube-me a distinção de escrever este livro, e esta é a oportu-
nidade de deixar registrado meu agradecimento ao professor Reinaldo
Guimarães pela indicação, e ao professor Abílio Baeta Neves pela con-
fiança que me foi depositada para o cumprimento desta honrosa atri-
buição.
N
EWTON
S
UCUPURA E OS
RUMOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
APROXIMANDO-ME DO PERSONAGEM
assada a fase de levantamento e busca de informações,
esbocei um roteiro bastante geral que me orientasse em
uma ** primeira conversa com aquele que se tornara
objeto de minha atenção e da atenção de minha assistente
Raquel Emerique. Ele nos recebeu em sua casa, no Jardim Botânico,
Rio de Janeiro, no dia 16 de fevereiro, para uma primeira conversa.
Estávamos ambas muito apreensivas com o encontro sobre o qual não
tínhamos o menor controle. Do círculo mais íntimo do "professor
Sucupira" aos conhecedores mais distantes, as opiniões sobre o
educador convergem no sentido de não facilitar de pronto uma
conversa amena e desarmada. Homem de temperamento firme,
católico, nascido da convencional e bem-posta elite nordestina, adepto
da filosofia alemã, confessadamente rígido no comportamento pessoal
e na educação de seus nove filhos, Sucupira é autor de mais de 400
pareceres, muitos dos quais relativos à definição e regulamentação de
políticas educacionais no período do regime militar. Seus 80 anos
completos não lhe comprometeram a memória viva não só de nomes,
episódios, argumentos intelectuais e referências bibliográficas, mas
também, de números de decretos, pareceres, além dos conteúdos
que lhes dão consistência. Sabíamos, assim, que não seria fácil a
tarefa que nos esperava, e nos aproximamos com a sabida timidez
que tantas conjunções nos impuseram. O calor incomum nos obrigou
ao ar condicionado de um escritório repleto de livros por todos os
lados, em estantes que circundam todo o ambiente, pela mesa de
trabalho, por bancos adicionais. Sentamo-nos os três e iniciamos uma
conversa pautada pela ten-
Helena Bomeny
são, com o pequeno gravador em uma das mãos e o roteiro em outra,
e pela seqüência que eu deveria garantir as anotações de biografia
pontuadas pelas paradas mais importantes em sua atuação como edu-
cador. Sucupira não entendia completamente o motivo daquela visita,
e, aos poucos, fui percebendo as razões de sua apreensão. Expliquei
que estávamos ali a propósito dos 50 anos da Capes, e que gostaría-
mos de ter seu depoimento sobre a montagem da pós-graduação no
Brasil, sabendo ter sido ele o relator do Parecer nº 977/65, que insti-
tuiu o programa entre nós, parecer praticamente intocado desde sua
formulação. À sua primeira alusão de que atuara em discussões edu-
cativas bem antes de 1965, Sucupira deparou-se com nosso olhar de
reconhecimento, confirmado no gesto de conferência nas folhas do
roteiro em nossas mãos. Percebeu, de imediato, que havíamos per-
corrido cuidadosamente sua vida pública profissional. Foi uma rea-
ção natural e até contida, mas que provocou nele, quis me parecer,
uma resposta de confiança e respeito. Não estávamos gratuitamente
ali. Queríamos de fato informações sobre processos nos quais ele in-
terviera decisivamente. Seu depoimento era importante, e sua expres-
são de aceitação nos indicava que assim havia compreendido aquela
iniciativa de conversa.
A conversa transcorreu normalmente. Eu diria, passados os dias,
que todos estávamos apreensivos. As entrevistadoras, naturalmente,
inseguras de seus desempenhos diante de tamanha erudição, de ver-
dadeiro repositório de memória e de argumentos logicamente estru-
turados. Mas, o entrevistado não estava menos tocado. A viagem ao
tempo que as perguntas provocavam nele, deixava transparecer re-
lances de emoção, seguidos de imediata contenção, sempre que eu
anunciava que gostaria de provocar sua memória a respeito de en-
contros, episódios e contingências do passado. Ao final desse primeiro
encontro, havíamos percorrido sua biografia de professor e con-
selheiro. Eu sabia que um segundo contato teria valor inestimável para
compor um quadro mais compreensivo de suas idéias e, basicamen-
te, de suas filiações intelectuais. O professor Sucupira concordou em
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
nos receber uma outra vez.
Um mês ia se completar do primeiro encontro, quando realiza-
mos a segunda entrevista. Desta vez não trataria mais de sua biografia
propriamente, mas o indagaria sobre dois pontos para os quais me
preparara ao longo do trabalho que vinha fazendo. Um dos pontos
dizia respeito à distinção das matrizes filosóficas que orientaram Su-
cupira e Anísio Teixeira. Um contraste que me interessa particular-
mente na condução deste texto. Estava ali como aluna, atenta ao co-
nhecimento acumulado desse que dedicou sua vida intelectual à re-
flexão filosófica. 0 outro ponto, mais específico, está diretamente re-
lacionado à minha própria reflexão intelectual. Gostaria de expor ao
professor Sucupira minha avaliação sobre os cursos de pedagogia, e
tomar sua opinião a respeito de uma possível relação entre essa ava-
liação negativa e alguma regulamentação de que tenha tomado parte
diretamente como autor ou relator. A conversa transcorreu calma-
mente, e posso assegurar que o ambiente era inteiramente distinto
daquele que nos cercou na primeira vez. Interessado nas perguntas,
preparado para respostas, Sucupira me deixou inteiramente à vonta-
de para manifestar minhas opiniões sobre outros pontos que a pró-
pria entrevista suscitava. E suponho que tenha ficado claro para ele
que o episódio de sua atuação ininterrupta no Conselho Federal de
Educação ao longo do regime militar motivou muitas de minhas inter-
venções no decorrer da conversa. Para além de opções políticas, con-
vicções religiosas e adesões a causas, predominou nos dois encon-
tros uma atmosfera de respeito, consideração e completa civilidade.
O transcurso das entrevistas me confirmou a decisão de organizar
em uma certa direção o texto de homenagem a este personagem, que
está definitivamente associado à montagem da pós-graduação no Bra-
sil. As etapas de sua vida me haviam levado a pensar um texto que
tratasse da trajetória pessoal e da socialização básica do professor-
educador, dos encontros e afinidades eletivas em sua inserção inte-
lectual e de sua atuação na formulação de linhas e orientações para a
institucionalização da educação superior no Brasil. De onde vem, com
Helena Bomeny
quem dialogou, e como trabalhou Newton Sucupira pela educação
brasileira? Quais são os pareceres que o mantêm indissociavelmente
ligado à estruturação do ensino superior no Brasil? Este é o roteiro
que procurarei perseguir nas páginas que se seguem.
TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR
FILÓSOFO DA EDUCAÇÃO
Conheci Newton Sucupira nos idos de 1959, quando já era figura de
alto prestígio em Pernambuco, embora pouco conhecido fora do es-
tado. Por sugestão de Almir de Castro, Anísio Teixeira escolheu-o para
compor missão de especialistas que pelo prazo de três meses visitou
instituições educacionais norte-americanas. Nesse período, pude ini-
ciar o conhecimento dessa personalidade marcante, apreciando, desde
já, os elevados dotes intelectuais, a sua extensa e sólida cultura.
Impregnado da melhor tradição da cultura clássica, familiarizado com
os autores alemães e franceses, Sucupira teve a sensibilidade de com-
preender as virtualidades do sistema educacional norte-americano,
no esforço em busca de uma sociedade democrática...
Alberto Venâncio Filho*
ewton Lins Buarque Sucupira nasceu em 9 de maio de 1920, em Porto
Calvo, Alagoas. Presenciou o final do declínio da
. economia
açucareira. "As raízes rurais poucos traços deixaram no menino que se
ambientou no meio urbano", diz o amigo Alberto Venâncio Filho.
1
Sucupira, no entanto, se define mais como pernambucano, sua terra de
adoção, por ter ali se escolarizado, des-
* Alberto Venâncio Filho, carta à professora Fátima Bayma, em 2 de agosto
de 1996.
1 Idem, "Prefácio" para o livro do professor Newton Sucupira, escrito a
propósito da edição de um livro sobre o educador, organizado e editado
pelo Cesgranrio, no prelo.
Helena Bomeny
de as primeiras séries, no Colégio Nóbrega dos padres jesuítas em
Recife, onde, menino ainda, despertou o gosto da erudição e o inte-
resse pelos estudos. Filho de João Buarque Sucupira e de Fani Lins
Sucupira, casou-se em 1946 com Odette Silveira Sucupira, constituin-
do uma família de nove filhos, seis mulheres e três homens, todos ca-
sados, dos quais tiveram os 46 netos e um bisneto, a contar de feve-
reiro de 2001. Católico praticante, Sucupira modelou a educação dos
filhos dentro dos princípios religiosos do catolicismo. Não transigiu
nessa tarefa formadora de mentalidades. Ele próprio confessa que foi
muito severo com os filhos, e o que não o faz mortificar-se é o resulta-
do positivo de tamanha rigidez. Todos eles se formaram, são todos
honrados e têm todos perfeita noção dos sentidos de autoridade e
respeito, absolutamente necessários à construção do ideal de huma-
nidade com o qual compartilha - assegura o professor. Todos os fi-
lhos estão encaminhados, e levam para as próprias famílias a solidez
de uma educação moral que tiveram no exemplo continuado do am-
biente doméstico. "Sua filosofia de vida sempre foi extremamente co-
erente com seus princípios..." escreve Maria Judith Sucupira da Costa
Lins, sua filha, em texto escrito para uma coletânea em homenagem
ao educador.
2
"Pai-professor", "pai-educador" é como Maria Judith
se refere ao pai Sucupira.
O que aprendi diretamente dele, mais tarde, como aluna [de Sucupi-
ra] em algumas disciplinas na pós-graduação de educação (mestra-
do e doutorado) na UFRJ, desde há muito já havia assistemàticamente
aprendido. O próprio conceito de educação que explicitava em aulas,
eu já o havia plenamente vivido...
3
2 Maria Judith Sucupira da Costa Lins, "Um educador muito especial", in
Fátima Bayma de Oliveira (org.), Ética e educação: O pensamento de New-
ton Sucupira, Rio de Janeiro, Fundação Cesgranrio/FGV, 1996, p. 88.
3 Idem, p. 88.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
A educação dos filhos — "todos os filhos que Deus lhes mandas-
sem" —, como bem sintetizou a filha, foi pautada pelos princípios
cristãos.
0 acompanhamento rotineiro do crescimento de cada um dos nove
filhos, desde as histórias para dormir, as correções acompanhadas
de longo sermão, o traço machista de condução dos valores na vida
cotidiana, a paixão germânica pela educação, tudo isso temperado de
profunda convicção religiosa fez daquele pai, que não dissociava a
tarefa de pai da de professor, um homem temido e admirado. A valori-
zação da coerência entre seus valores e sua prática de vida talvez te-
nha sido a maior responsável pela progressiva afeição que os filhos
lhe foram dedicando. A conciliação entre a vida intelectual, a busca
incessante do conhecimento, a contingência de prover o sustento de
uma família numerosa com a atividade de magistério, tudo isso só foi
possível, insistem pai e filha, "com a ajuda especial e imprescindível"
da esposa e mãe.
A conclusão do ensino secundário em 1938, aos 18 anos, portan-
to, leva-o à decisão inevitável — a que eram levados na época os que
pretendiam prosseguir no ensino superior — de escolher entre os
três cursos disponíveis à credenciada formação universitária: direito,
medicina e engenharia.
Quando ingressei no ensino superior, em 1938, no Recife, ao jovem
que tivesse o privilégio de completar o curso secundário três carrei-
ras de prestígio intelectual e social se lhe apresentavam: direito, me-
dicina e engenharia. Naquela época, ainda não chegara ao Nordeste a
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Optei pelo direito, por ser a
carreira mais consentânea com minha preferência pelas humanida-
des e pelas ciências humanas...
4
Matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, "o escoadouro
4
Newton Sucupira, "Discurso" de professor emérito da UFRJ, "Fórum
Educacional", Rio de Janeiro, Vol. 13, n. 14, set/dez 1989, p. 47.
Helena Bomeny
natural de quem se interessasse pelos estudos especulativos", com-
pleta Alberto Venâncio Filho.
5
Foi na Faculdade de Direito que se viu envolvido pelos problemas
filosóficos, e esta vocação o afastou da prática forense, mantendo-se
fiel aos estudos teóricos. Ao terminar o curso de direito em 1942,
matricula-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manuel da
Nóbrega, portanto, dos jesuítas (hoje Universidade Católica de Per-
nambuco). No período de 1948 a 1964, exerce a função de professor
de Filosofia da Faculdade de Filosofia em Recife, e em 1961 é ungido
no cargo de professor catedrático de História e Filosofia da Educação
na Universidade Federal de Pernambuco.
O ensino de História e Filosofia da Educação no curso de Pedago-
gia da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Pernambu-
co sela seu compromisso definitivo com a educação. Sucupira vai,
portanto, perfilando sua trajetória de educador, beneficiária dos estu-
dos teóricos do direito, pela convicção da importância da filosofia na
compreensão das questões fundamentais do direito, e da centralida-
de da educação no desdobramento para a vida ordinária das grandes
questões postas pela filosofia. A educação seria, assim, o porto segu-
ro no qual poderia reunir todas as vocações e veredas pelas quais se
viu envolvido, sendo a história de sua vida pessoal e profissional uma
confirmação dessa convicção mais geral. O mapa do direito tem sua
fundamentação no campo da filosofia e sua aplicação na área da edu-
cação.
Na década de 1950, um encontro intelectual reorientaria sua vida
profissional:
Em 1955, conheci pessoalmente Anísio Teixeira ao debater sua confe-
rência, "ciência e humanismo", pronunciada na reunião da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada naquele ano em Reci-
5 Alberto Venâncio Filho, "Prefácio", op. cit., p. 3.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
fe. Desse debate, resultou constante e proveitoso diálogo com o mes-
tre Anísio, apesar de estarmos em posições filosóficas distantes, ele discí-
pulo fiel mas independente de Dewey. Diálogo que me abriu novas pers-
pectivas sobre educação, principalmente, educação brasileira.
6
De fato, abria-se ao professor Sucupira uma nova perspectiva de
vivência pessoal e atuação profissional. Em 1959, Anísio Teixeira diri-
gia a Capes e havia conseguido do governo norte-americano oito bol-
sas de estudos para que pessoas da área de educação fizessem ob-
servações sobre o ensino secundário daquele país. "Anísio Teixeira",
conta Venâncio Filho, "como sempre, deu a maior atenção à indica-
ção do auxiliar direto Almir de Castro — um jovem professor de His-
tória e Filosofia de Educação de Pernambuco. A escolha de Anísio
Teixeira, salvo exceção que confirma a regra, foi a melhor possivel".
7
Entre os escolhidos estavam o próprio Alberto Venâncio, e também,
Newton Sucupira, Valnir Chagas, Airton Gonçalves da Silva, Raimundo
José da Mata, Grimaldi Ribeiro de Paiva, Ovídio de Andrade Júnior e
Eduardo de Carvalho. A ida aos Estados Unidos representou a abertura
de Newton Sucupira para os meios culturais do Sul, comenta Ve-
nâncio Filho.
8
Além dessa indicação para a visita especializada à América do Norte,
Anísio Teixeira seria responsável também pela indicação de Sucupira
para compor o Conselho Federal de Educação. De acordo com o dis-
positivo do Art. 8º e seus parágrafos da Lei nº 4.024, Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1961, instala-
se o Conselho Federal de Educação pelo Decreto nº 51.404, de 5 de
fevereiro de 1962. No mesmo ano, Newton Sucupira é indicado por
Anísio Teixeira para integrar o primeiro grupo de conceituados inte-
lectuais que compuseram o Conselho Federal. Nomeado pelo presi-
6 Newton Sucupira, "Discurso", op. cit., p. 48.
7 Alberto Venâncio Filho, "Prefácio", op. cit.
8 Idem.
Helena Bomeny
dente da República, Sucupira mantém-se ativo no Conselho até 1978.
Data desse período a discussão e a deliberação de duas regulamenta-
ções que redefiniriam o campo da educação superior no Brasil: o
Parecer nº 977/65, que prescreve as linhas de orientação para a mon-
tagem da pós-graduação e o Relatório do Grupo de Trabalho criado
pelo Decreto nº 62.937/68 para Estudo da Reforma Universitária, que
deu origem à Lei nº 5.540/68. Dois decretos-lei antecederam o Rela-
tório do Grupo de Trabalho para a Reforma de 68: o de número 53,
de 18 de novembro de 1966, e o de número 252, de 28 de fevereiro
de 1967. Em ambos teremos que computar a participação ativa do
professor educador.
A atuação no Conselho Federal de Educação não impediu que Su-
cupira assumisse outras responsabilidades no Ensino Superior. No
período de 1968 a 1978, desempenhou a função de presidente da
Câmara de Ensino Superior do Conselho Federal de Educação, e no
período de 1970 a 1972 foi diretor do Departamento de Assuntos Uni-
versitários - DAU do Ministério da Educação, de onde se empenha na
direção do órgão máximo executivo da educação superior, em pro-
mover e patrocinar condições à consolidação do ensino superior, par-
ticularmente, da pós-graduação. Sucupira passou à história da edu-
cação brasileira como mentor intelectual da regulamentação da pós-
graduação e, também, autor do texto que deu base à Lei da Reforma
Universitária de 1968. Sua função de direção no Departamento de
Assuntos Universitários permitiu-lhe concretizar seus ideais de pós-
graduação e de ensino superior. No período em que foi membro do
CFE (1962-1978) assinou aproximadamente 400 pareceres, sendo
mais notórios o Parecer nº 76/62, que trata da autonomia universitá-
ria; o Parecer nº 277/62, que estabelece o currículo mínimo do curso
de filosofia e o Parecer nº 977/65, que traça as linhas de implantação
da pós-graduação, além, obviamente, do Relatório do Grupo de Tra-
balho que definiu os termos da Reforma de 68.
Em 1972, Sucupira faz uma viagem de estudos à Inglaterra. Desta
viagem ele trouxe como novidade o projeto da universidade aberta,
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
minuciosamente relatado por ele em artigo que ficou conhecido como
"Relatório Sucupira". Naquele momento, Sucupira continua exercen-
do intensamente suas atividades no Conselho Federal de Educação. Já
havia passado a fase das maiores discussões sobre as diversas refor-
mas que estavam em curso nos três graus de ensino. A Faculdade de
Educação já estava em andamento em diversas universidades. O Rela-
tório Sucupira trata de um tema à época bastante polêmico. O entusi-
asmo e o desconhecimento a respeito dos métodos de ensino não-
convencionais se generalizavam e Sucupira dava as indicações preci-
sas no relatório a respeito dos ganhos e dos cuidados necessários ao
bom desempenho dessa nova maneira de ampliar o acesso ao ensino
superior no Brasil, considerando os cursos abertos. A universidade
aberta, como mais tarde seria veementemente defendida por Darcy
Ribeiro, não estava condenada a oferecer ensino superficial e pode-
ria ser um elemento importante ao fomento do ensino superior no
Brasil. Sucupira demonstra preocupação com a extensão do acesso
ao ensino superior. O fato de ter trazido uma avaliação positiva da
experiência inglesa e de ter sugerido a possibilidade de uma adapta-
ção ao contexto brasileiro rendeu-lhe muitas críticas à época. No re-
latório chama a atenção para o projeto da Universidade Aberta sinali-
zando para a originalidade de um programa que promovia a integra-
ção sistemática de todos os meios de instrução,
incluindo também o contacto pessoal, com o fim de dar educação
superior regular a adultos, independente do grau de instrução prévia,
mas do mesmo nível das demais universidades.
9
O interesse que aquela experiência despertou no educador con-
sistia exatamente na possibilidade de democratizar o ensino superior
sem aviltamento da formação universitária. O relatório é cuidadoso
9 Newton Sucupira, "Universidade Aberta: Nova experiência de ensino
superior na Inglaterra", Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Rio de Janeiro, Vol. 59, n. 131, jul/set 1973, pp. 431-453.
Helena Bomeny
na descrição do alto investimento em pessoal qualificado, trabalhan-
do em tempo integral e, especialmente, no empenho da universidade
inglesa em garantir qualidade e excelência com esse novo formato de
disseminação do ensino superior. Ter uma experiência de tal monta
inovadora em um país consagrado pelo conservadorismo de suas ins-
tituições foi outro aspecto que sensibilizou o visitante ao local da ex-
periência. O grande objetivo daquele empreendimento parecia res-
ponder à urgência que se fazia necessária na extensão da formação
superior a uma camada mais ampla da população adulta: dar aos que
trabalham a possibilidade de obter uma formação universitária. Pro-
fessores de alta qualificação, recrutados da forma usual com que as
universidades inglesas selecionam seus professores, distribuídos nos
diferentes níveis da hierarquia acadêmica, tudo isso afastava a idéia
de ser o programa da Universidade Aberta uma experiência pouco
recomendável. Ao contrário, o que o relatório sugere é uma estreita
relação entre alto padrão de formação superior, ou seja, uma estrutura
desenvolvida de ensino superior e a implantação de uma nova es-
trutura baseada em novos instrumentos de transmissão e avaliação
de conhecimentos.
Em 1973, Sucupira é eleito presidente do Conselho do Bureau In-
ternacional de Educação, órgão da Unesco, para o biênio 1973-1974.
A nomeação para o Bureau Internacional resulta de uma indicação
do governo brasileiro, mas a eleição ao cargo de presidente é uma
delegação do grupo na Unesco. Sucupira recebe a indicação de um
dos membros do grupo, e assume a função em 1973. Em 1978, deixa
o Conselho Federal de Educação para se dedicar à vida acadêmica.
Mas, o longo período de permanência no Conselho, na Divisão de
Assuntos Universitários ou mesmo no Conselho da Unesco não o reti-
rou das atividades docentes.
Tenho sido e continuo a ser, antes de tudo, o professor. Dezesseis
anos de Conselho Federal de Educação, diretor de faculdade e pró-
reitor para Assuntos Acadêmicos da Universidade Federal de Pernam-
buco, seis anos e meio em Brasília como diretor do Ensino Superior e
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
presidente da Comissão de Assuntos Internacionais do Ministério da
Educação, representante do Brasil no Conselho do Bureau Interna-
cional de Educação da Unesco, em Genebra, primeiro e único brasi-
leiro presidente desse mesmo Conselho, todas essas funções não me
afastaram da sala de aula. A aposentadoria veio colher-me lecionando
no Doutorado da Faculdade de Educação, sendo seu coordenador...'"
De fato, uma passagem pelas funções de magistério por ele
exercidas no período de 1948 a 2001 confirma a pertinência de sua
afirmação:
CARREIRA DOCENTE DE NEWTON SUCUPIRA
1948/1964 Professor de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Recife.
1961 Professor catedrático de História e Filosofia da Educação da UFPE
1972/1976 Professor de Filosofia da Educação do Mestrado em Educação da Universidade de
Brasília - UnB 1976/1988 Professor-titular do Departamento de História e
Filosofia da Educação da UFRJ 1980/1988 Coordenador e professor do Doutorado em
Educação Brasileira da Faculdade de
Educação da UFRJ
1983 Visiting Scholar da Universidade de Londres
1979/1993 Professor do IESAE/FGV 1979/1990
Coordenador Geral de Ensino/IESAE-FGV 1990/1993
Coordenador Geral/IESAE-FGV
1982/2001 Professor do Doutorado e Mestrado de Filosofia da Universidade Gama Filho
A reserva crítica com relação a Newton Sucupira se desfaz quando
quem está informando é algum de seus ex-alunos. O depoimento de
uma ex-aluna, Lecticia J. Braga De Vincenzi, doutora em Educação
sob sua orientação, sintetiza outras falas que pude recolher no per-
curso deste trabalho:
[...] Professor exigente, elegante, com agudo senso de humor, sem-
pre assíduo, pontual e despertando um certo temor nos primeiros
contatos, ficaram para mim especialmente memoráveis suas aulas,
10 Newton Sucupira, "Discurso", op. cit., p. 47.
Helena Bomeny
em diferentes semestres [...]. O professor Sucupira - que havia reu-
nido uma equipe séria, competente e entusiasmada - conseguia, como
professor, no meio de uma turma de escol - deslumbrar, assustar,
desafiar e assombrar todos os alunos que se dispunham a ouvi-lo
com seriedade: era ao mesmo tempo brilhante e simples, claro e di-
dático mas sempre surpreendente, erudito mas acessível, ao mesmo
tempo abrangente e profundo, sabendo correlacionar e analisar as
mais diversas abordagens sobre os assuntos de que tratava, demons-
trando fina inteligência, profundidade e largueza de conhecimento,
erudição prodigiosa e extraordinária cultura geral [...]."
11 Depoimento de Lecticia De Vincenzi a Helena Bomeny, em 11 mar 2001.
QUANDO A FÉ EM DEUS
ENCONTRA A FÉ NOS HOMENS
As décadas de 1920 e 1950 trouxeram a um grupo de
intelectuais brasileiros de distinta extração, formação in
telectual e preferência política a oportunidade de
Vivenciar uma experiência de extrema fecundidade para todos, a
contar pelos registros deixados por eles próprios. O contato com os
Estados Unidos e o contraste que, de imediato, estabeleceram com
seu país de origem marcaram profundamente homens de idéias como
Monteiro Lobato, Anísio Teixeira e, também, Newton Sucupira. Uma
nação igualmente jovem dava lições de democracia, de organização
descentralizada e de flexibilidade funcional. Os Estados Unidos pare-
ciam uma via fecunda de modernização a ser seguida no Brasil. O
sentido mais geral do impacto provocado nos intelectuais está regis-
trado no diálogo entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato nas cartas
trocadas na década de 1920, reunidas e publicadas no livro Conversa
entre amigos,' editado no CPDOC. Está também registrada na obra de
Anísio Teixeira escrita como relato daquela viagem.
2
Em uma dire-
1 Aurélio Vianna e Priscina Fraiz (orgs.), Conversa entre amigos: Corres-
pondência escolhida entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato, Salvador/
Rio de Janeiro, Fundação Cultural do Estado da Bahia/CPDOC/FGV, 1986.
2 Anísio Teixeira, "Aspectos americanos da educação", Relatório apre-
sentado ao governo do estado da Bahia pelo diretor-geral de instrução
comissionado em estudos na América do Norte, Salvador, Tipografia de
São Francisco, 1928.
Helena Bomeny
ção mais especializada, encontramos nos textos de Anísio Teixeira e
Newton Sucupira indicações reveladoras do quanto incorporaram em
suas propostas e avaliações o que aprenderam da história da educa-
ção estadunidense. A convergência de opiniões positivas sobre o de-
senvolvimento da educação naquele país facilitou, sem dúvida, o diá-
logo entre os dois filósofos da educação brasileira, a despeito das di-
ferenças entre as matrizes filosóficas que os orientavam na prática
intelectual.
Convertidos a credos muito distintos, os dois educadores mantive-
ram, ao longo de suas trajetórias profissionais e intelectuais, respeito
intelectual e fervor dialógico a comprovar que o mundo das idéias
nem sempre separa a convivência entre os homens. Ao contrário, suas
distintas filiações filosóficas provocaram em cada um deles uma ad-
miração recíproca, comprovada pelas iniciativas de cada um em
expor respeitosamente as convicções ao outro. Alimentaram-se das
diferenças e expuseram-se ao julgamento público, nem sempre favo-
rável a um ou a outro. A intelectualidade "de esquerda" foi, muitas
vezes, implacável com ambos. Até muito recentemente, em meados da
década de 1980, eu diria, Anísio foi pejorativamente classificado como
"liberal", quando não, "de orientação pequeno-burguesa" por sua
confessada e consciente adesão ao modelo norte-americano de de-
mocratização da educação. Como sabemos, a bandeira educativa nor-
te-americana se pautou na extensão do direito da educação à maioria
da população, no programa da escola única, na política de um ensino
obrigatório, laico e público distribuído as comunidades da América.
No balanço final, Anísio Teixeira foi absolvido mais recentemente no
embalo da valorização, pelos próprios movimentos intelectuais de esquer-
da, da dimensão civil dos direitos humanos, da recuperação das mino-
rias como atores políticos legítimos e das organizações da sociedade
civil — nem sempre vinculadas aos partidos — como foros legítimos
de expressão da vontade coletiva. O tributo à experiência norte-ame-
ricana teve, ao menos, que ser considerado nesse novo arranjo de
reflexão sobre a política. E a conjuntura desfavorável que se interpôs
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
à reflexão mais crítica com a queda do muro e a derrocada do Leste
Europeu facilitaram sobremaneira a inclusão de argumentos favorá-
veis aos ideais de Anísio Teixeira para a educação brasileira.
Newton Sucupira não se beneficiou da absolvição. Uma rápida
menção a episódios das trajetórias pessoais dos dois educadores aju-
da a entender as razões de tal assimetria. Anísio teve sua vida pública
ferida pelos dois momentos de autoritarismo nos quais se insurgia
como intelectual de ação. O período do Estado Novo o encontrou em
inteira disposição e energia na montagem da Universidade do Distrito
Federal - UDF, no governo Pedro Ernesto da cidade do Rio de Janei-
ro, então capital do país, experiência até hoje lembrada pela ousadia,
descentralização, vigor intelectual e liberdade de pensamento que
Anísio Teixeira pretendia imprimir ao ensino superior brasileiro. As
forças da ditadura foram inexoráveis, e encontraram respaldo nos
setores mais conservadores da Igreja Católica na perseguição que se
impôs ao educador e na decisão que se seguiu de fechar a Universi-
dade do Distrito Federal. Alceu Amoroso Lima, como a história e ele
próprio registraram, personificou a reação de interdição ao projeto
de Anísio Teixeira. O educador baiano se recolheu a seu estado natal
e à sua vida privada até o final da ditadura de Vargas.
O segundo momento de regime militar, o pós-1964, encontra Aní-
sio Teixeira, uma vez mais convocado pelas urgências de reforma
educacional, envolvido agora, não só com a iniciativa governamental
de aprimoramento de pessoal de nível superior, a Capes, mas também
com o Inep instituto criado para fomentar as pesquisas que deveriam
orientar a implementação de políticas de educação no país. Esteve
completamente envolvido com as discussões acaloradas do final da
década de 1950 que deram vida aos debates em torno da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, finalmente aprovada em
1961. Outra experiência universitária acompanhava esse ânimo re-
formador. Outra vez na capital da república brasileira, desta feita em
Brasilia, veria a universidade ser alvo da ira de ditadores. Em 30 de
agosto de 1968 a universidade teve seu campus invadido pela Polícia
Helena Bomeny
Militar, mesmo dia, aliás, em que sofreria igual ação repressiva a Uni-
versidade Federal de Minas Gerais, fechada pela ação da polícia.
Newton Sucupira, como já vimos na apresentação de sua trajetó-
ria, atuou incessantemente pela reestruturação e regulamentação do
ensino superior no Brasil, de 1962 a 1978, sem solução de continui-
dade durante o regime militar. O Parecer nº 977/65 já é redigido sob
a ditadura, mas foram os Decretos nº 53/66 e nº 252/67, bem como o
Relatório do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Universitária imple-
mentada em 1968, que justificaram a associação comprometedora
entre sua formulação e a vigência do período de maior recrudesci-
mento do autoritarismo imposto ao Brasil pelo regime militar, entre
1964 e 1985. Diante de tal gravidade, não se podiam ouvir argumen-
tos, não havia calma para maiores esclarecimentos, e sequer se arris-
caria a matizar acusações sem que outras mais graves se impusessem
ao interlocutor. Por isso, pensar em conjunto Anísio Teixeira e New-
ton Sucupira como personagens promotores de reformas e regula-
mentações para a área da educação no Brasil parece mais do que
impropério, quase até heresia. É nessa trilha arriscada que gostaria
de prosseguir.
O despertar para a filosofia chegou a Sucupira no curso de direi-
to, como podemos ver em seu pronunciamento durante a homena-
gem rendida a ele pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Já no terceiro ano do curso jurídico, resolvi dedicar-me ao estudo da
filosofia como autodidata, começando pelos dois tomos dos Elementa
Philosophia Aristotélico-Thomisticae, do tomista alemão Joseph
Gredt. Naqueles tempos, o tomismo era a filosofia por onde deveria
iniciar-se todo católico praticante.
3
Quando começou a estudar filosofia, sendo católico, na década de
1940, foi logo exposto a Jacques Maritain, um batalhador pelo
tomismo. Esse tomismo inicial, diz Sucupira, essa orientação tomista
3 Newton Sucupira, "Discurso", op. cit., p. 48.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
era muito rígida. Ao tomismo de estrita observância de Maritain, Su-
cupira mesclaria a filosofia moderna, sobretudo Kant, a quem consi-
dera o grande pensador, autor de obra de imensa fecundidade, "não
obstante o que digam os tomistas de estrita observância".
4
A despeito dessa ressalva, Sucupira mantém como orientação o
fundamento básico do tomismo, aquele que o tornou a doutrina oficial
da Igreja Romana—o princípio que estabelece a hierarquia entre o
tratamento racional do conhecimento e a revelação. Na hierarquia
entre as duas fontes de conhecimento, o tomismo fará prevalecer a fé
sobre o conhecimento racional. Os homens precisam crer antes de
raciocinar pois ainda que as verdades da razão sejam autônomas,
persegui-las é essencialmente uma questão de revelação. Em Tomás
de Aquino, Deus é a fonte de toda a existência. Bertrand Russel nos
ajuda a compreender o sentido da proposição tomista quando diz:
[... ] o argumento parte do princípio de que a existência de uma coisa
precisa ser justificada ou explicada. Trata-se de um ponto central da
metafísica tomista. [... ] A terminologia de essência e existência é cor-
roborada em Aquino pela teoria aristotélica da potência e ato. A es-
sência é puramente potencial e a existência é puramente atual. Nas
coisas finitas, há sempre uma mistura de ambas. Existir é estar de
algum modo engajado em alguma atividade e isto, para qualquer ob-
jeto finito, deve derivar de algo mais.
5
Os passos sucessivos nos vários graus de perfeição nas coisas
finitas são recuperados, não como capacidade ou movimento de in-
tervenção humana inteligente no sentido do aperfeiçoamento, mas
como provas que se materializam no universo humano da existência
de algo externo que a ordena e lhe dá sentido. Na sobreposição to-
4 Newton Sucupira, entrevista concedida a Helena Bomeny em 12 mar
2001.
5 Bertrand Russel, História do pensamento ocidental. A aventura das
idéias dos pré-socráticos a Wittgenstein, Rio de Janeiro, Ediouro, 2001,
p. 221.
Helena Bomeny
mista de razão e revelação abriu-se a porta ao conhecimento e ao
movimento da razão. Mas, o estabelecimento da tutela da razão pela
fé, pela crença na revelação, definiu a hierarquia das fontes de co-
nhecimento. O tomismo oferecia a chave de conciliação entre saber
intelectual e fé religiosa quando admitia como possibilidade fecundável
que a razão pode, até certo ponto, apoiar a fé. Na dinâmica dessa
interação instituiu-se a hierarquia como paradigma de orientação fi-
losófica e prática, hierarquia que confere à autoridade o primado de
conduta e, ao dogma, a prescrição do agir intelectual. O primado da
experiência subordina-se, assim, ao primado da autoridade.
Anísio Teixeira, bacharel em direito, também se volta para a filoso-
fia. Sua paixão e seu compromisso com a educação foram, também
nele, o desdobramento de sua filiação filosófica. Como em Sucupira, a
educação significaria a realização prática e humanamente
corporificada dos ideais da filosofia. Talvez este seja o ponto de con-
fluência e a explicação mais sinceramente profunda do respeito mú-
tuo que aquele encontro propiciou. A mesma convicção, com funda-
mentos distintos. De educação jesuíta, profundamente católico, Anísio
Teixeira passará pelo que ele próprio definiu como "verdadeira con-
versão" quando de sua permanência nos Estados Unidos em meados
da década de 1920, precisamente nos anos 1927 e 1928. De católico
e jesuíta, volta leigo e profundamente comprometido com a filosofia
do pragmatismo de John Dewey, de quem recebeu o alimento intelec-
tual e a formação que levou para a vida inteira.
[...] houve uma verdadeira conversão ou reconversão, o nome que
você queira. Enfim, uma metanóia na evolução de Anísio. [... ] ele era
um católico muito extremado, de ir a missa todo dia, comunhão fre-
qüente, vai para os Estados Unidos e volta inteiramente a-católico.
[...] Anísio era um grande defensor da escola pública. Não que ele
fosse contra a escola particular, muitas vezes ele disse: "Não, a escola
particular é uma necessidade". Mas, só que aí, uma influência ameri-
cana de que ela não poderia receber um tostão dos podêres públicos,
porque isso era desviar a ação do poder público e deveria tratar so-
mente de seu próprio sistema educacional. [...] ele colheu essas idéi-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
as no próprio Teachers College. Então, eu católico, muito influencia-
do por Santo Tomás de Aquino, ele influenciado por Dewey, é claro
que só podia haver ponto de vista diferente. Só que esses pontos de
vista, até mesmo ideológicos, não impediam uma conversa franca...
6
A fé em Deus alimentada e confirmada pelo tomismo — doutrina
escolástica, adotada oficialmente pela Igreja Católica — se depara
com a fé nos homens, confirmada e testada nos ensinamentos do
pragmatismo filosófico norte-americano, na versão de John Dewey. O
texto de Alceu de Amoroso Lima, liderança católica de notável erudi-
ção, de decisiva influência sobre o ministro Capanema no período do
longo ministério (1934-1945), o mesmo que se voltou contra Anísio e
que autorizou a perseguição ao educador baiano, nos dá a dimensão
das conseqüências da conversão a que se refere Newton Sucupira. O
jovem baiano, discípulo do Padre Cabral e dos jesuítas do Colégio
Antônio Vieira, cansado da disciplina escolástica e dos argumentos de
autoridade, descrente do próprio molinismo, descobria a liberdade e
trocava a religião pela educação.
7
A posição de Anísio com relação à escola particular provocou a
reação da Igreja Católica. Os católicos entenderam que, por ser
deweyano, era um perigo para as instituições católicas.
Por isso [prossegue Sucupira], fizeram uma guerra muito intensa,
inclusive para tirá-lo da Capes. E chegaram a acusá-lo de comunismo.
Nunca. Anísio era o puro anti-totalitário, por excelência. Homem que
tinha um sentido muito profundo da liberdade de pensamento, ele
absolutamente não se sentiria bem num regime totalitário fosse ele de
direita ou de esquerda.
8
6 Newton Sucupira, depoimento concedido a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
7 Alceu Amoroso Lima, Companheiros de viagem, op. cit., p. 304.
8 Newton Sucupira, entrevista concedida a Helena Bomeny em 16 fev 2001.
A tentativa de tirar Anísio Teixeira da Capes se deu no governo Jusceli-
no Kubitscheck e fracassou graças à pressão de um movimento articu-
lado de intelectuais em favor do educador.
Helena Bomeny
A trajetória de Anísio ficou inconfundivelmente associada ao em-
penho pela democratização da educação no Brasil. Democratização
no sentido contemporâneo atribuído à bandeira dos direitos civis: to-
dos os homens devem ser tratados como cidadãos iguais, e todos os
cidadãos têm direito à educação, tarefa e responsabilidade do Estado,
dever do Estado, direito dos cidadãos. Educação pública, laica, gra-
tuita e obrigatória.
Conhecido desde a década de 1920 como reformador da educa-
ção, Anísio Teixeira foi um dos líderes reconhecidos do grupo que
ficou conhecido na história da educação brasileira como "Pioneiros
da Educação Nova". A viagem aos Estados Unidos na década de 1920,
aquela que provocou nele a "verdadeira conversão", foi responsável
pela convicção de que a democracia só alcançaria pleno êxito se fosse
um programa de vida semeado na infância, no primeiro espaço
socializador fora da família: a escola. Um programa que, progressivamen-
te, se irradiasse ao conjunto da população. A educação pareceu ser,
assim, o processo fundamental através do qual se poderia consolidar
a vivência democrática. A reforma educativa teria que se orientar nes-
sa direção: abrir espaço à autonomia, à liberdade, às possibilidades
de interação de sujeitos sociais livres e conscientes, democraticamente
orientados, respeitados em suas individualidades e particularidades.
As lições do pragmatismo serviriam ao educador como reforço de
sua crença na inteligência e no poder de ação do homem comum,
sem distinção, em suas diferenças psicológicas e em seus matizes de
orientações de acordo com seus talentos, sua originalidade, sua auto-
nomia e capacidade de interação. O aprendizado da diferença, asso-
ciado ao talento pessoal e à extraordinária capacidade de convivên-
cia de Anísio seria responsável pela tolerância, abertura ao diálogo,
gosto pelo debate intelectual e generosidade na aceitação do que se
pautava em orientação distinta à sua própria escolha pessoal. O con-
senso que se criou a esse respeito entre os expoentes de sua geração,
e nas gerações mais novas, como aquela à qual pertence Sucupira,
confirma a hipótese de que Anísio Teixeira concentrava em seu pró-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
prio exemplo pessoal a materialização dos atributos de mestre que
lhe foram conferidos por todos, sem exceção, de Darcy Ribeiro a New-
ton Sucupira, passando por Fernando de Azevedo, Monteiro Lobato,
Lourenço Filho, entre tantos. Esta é a avaliação de Sucupira:
Ele era uma inteligência excepcional. [...] conversando com Anísio,
nós tínhamos a sensação da inteligência trabalhando. Não é que ele
fosse um homem muito erudito. Não era do temperamento dele, mas,
a capacidade de desenvolver, poderíamos dizer, teorias a partir de um
probleminha mesmo da educação, era extraordinária...
9
Dois aspectos mais gerais me estimularam a aproximação entre
os dois intelectuais. Em primeiro lugar, a distinção de serem educa-
dores que tiveram na filosofia a âncora de inspiração e de orientação
permanentes. Em segundo, e não menos importante, o empenho
ininterrupto pela reflexão no campo educacional e pela atuação cons-
tante nos processos de regulação e institucionalização do sistema edu-
cacional brasileiro. A leitura cuidadosa dos textos de Sucupira nos
obriga a essa aproximação. Em praticamente todos os textos onde se
propõe à exegese dos problemas educacionais, muito especialmente
a preocupação com a renovação e reformulação das faculdades de
Educação, Sucupira tem em Anísio referência permanente, seja em
propostas substantivas que o próprio Anísio deixou rascunhadas ou,
mesmo, mais sistematicamente formuladas, seja nos argumentos que
retoma e que atribui autoria ao mestre pioneiro.
A distinção talvez possa ser anotada em outros dois pontos: embo-
ra Anísio tenha se manifestado, inúmeras vezes, a respeito das facul-
dades de Educação e do ensino superior, e embora tenha seu nome
definitivamente associado à Capes, seu programa de reforma priorizou
sempre a educação básica — a extensão do direito à educação ao
conjunto dos cidadãos brasileiros. A escola pública foi sempre sua
bandeira desde a década de 1920. Neste particular, Newton Sucupira
9
Newton Sucupira, depoimento concedido a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Helena Bomeny
está mais próximo de Fernando de Azevedo, em sua determinação de
fortalecer o ensino superior como canal necessário e estratégico de
garantir o desenvolvimento da cultura nacional. Essa suposição se for-
talece no depoimento de Alberto Venâncio quando diz:
É no ensino superior que se encontra o núcleo propulsor da reforma
educacional, exatamente porque a ele se encontram vinculados a
melhoria e o aperfeiçoamento dos demais níveis de ensino. Certa-
mente estará de acordo com a frase de Francisco Venâncio Filho de
que ou aperfeiçoamos as elites para melhorar o povo ou aperfei-
çoamos o povo para melhorar as elites.
10
Anísio Teixeira apostaria na segunda opção, e Fernando de Azeve-
do consolida a trilha na qual percorreram Francisco Venâncio, New-
ton Sucupira e muitos mais. O catolicismo, abraçado pelos intelectuais
que deram consistência ao modelo ancorado na formação da elite que
educará o povo, é uma pista fecunda ao entendimento dessa opção.
O segundo ponto da distinção entre Anísio e Sucupira nos é suge-
rido pelo depoimento de Sucupira. Diz respeito à inflexível convicção
de Anísio Teixeira de que o Estado não deve e não pode despender
recursos na manutenção da rede privada de ensino. Anísio não dis-
cutia a importância, a necessidade ou a oportunidade do florescimento
e ampliação da rede privada de ensino no Brasil. O que não admitia
era a decisão de investimento do Estado em iniciativas privadas no
campo da educação. Que se mantivesse privada a iniciativa privada.
Ao Estado deveria ser cobrada a oferta pública de um direito demo-
crático ao conjunto da população, particularmente da população ca-
rente, que jamais teria como se beneficiar de uma educação de elite.
O Estados Unidos, uma vez mais, foram uma fonte indiscutível de re-
forço a tal convicção. Até hoje, os estudos que tratam do investimento
em educação básica fazem menção aos Estados Unidos como o país
onde, historicamente, o Estado não compareceu investindo nas ini-
10 Alberto Venâncio Filho, "Prefácio", op. cit., p. 6.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
ciativas privadas em educação básica.'' Essa discussão no Brasil, como
já sabemos de muitos estudos, teve que passar pelo crivo da Igreja,
esta sim, historicamente interessada, não só na definição dos rumos
da educação como norteadora de condutas, mas, igualmente, na pro-
teção à rede privada de ensino, que incorporava as escolas confes-
sionais, sendo a própria Igreja forte concorrente na distribuição das
escolas no país. O fervor religioso de Sucupira e seu compromisso
com a Igreja Católica, e a indeclinável defesa da educação laica de
Anísio, o que atraiu para ele a ira da própria Igreja Católica em mo-
mentos cruciais da montagem do sistema educacional na década de
1930, ajudam a compor o quadro de distinção entre ambos. O olhar
de Sucupira a processos de hierarquização de valores e competênci-
as em grande medida pode ser explicado por sua adesão incondicio-
nal ao desempenho da Igreja na formação das almas, sendo a educa-
ção um dos pilares básicos nessa função evangelizadora. A desconfi-
ança de Anísio com relação à direção que tal adesão pode conduzir e
a interferência, nem sempre favorável, nos processos de democrati-
zação e extensão da educação à massa são também compreensíveis,
dentro da matriz que abraçou em seu processo de "conversão". Ade-
mais, outro ponto se segue a esse postulado mais geral e pode ser
localizado nas prioridades definidas por um e outro, como já anunci-
amos. A educação básica foi sempre o centro a partir do qual Anísio
construiu seu modelo de intervenção em políticas educativas; a edu-
cação superior seria tomada nessa perspectiva como a condição de
aprimoramento necessário à construção sólida, não só da cultura e
do desenvolvimento nacionais, mas, em igual medida, do aprimora-
mento da educação fundamental.
11 Cf., a propósito, o texto de Stephen Barro, "Como os países financiam suas
escolas?", in Financiamento da educação na América Latina/ PREAL,
Rio de Janeiro, FGV, 1999, pp. 19-92.
O HOMEM DE UNIVERSIDADE
lateral, diria mesmo que residual, a inserção de Sucupira nas
discussões sobre educação básica. A prioridade de seu
investimento intelectual e profissional foi sempre a educação
superior—"sou um homem de universidade", declarou abertamente em
seu discurso na cerimônia de recebimento do título de professor emérito
da UFRJ. O projeto de universidade que abraça é aquele que responde
pela formação de profissionais competentes para fomentar o
desenvolvimento cientifico pela pesquisa e preparado para o exercício do
magistério. Defendeu a importância do investimento conjunto, no ensino
fundamental e superior, como condição básica do desenvolvimento
nacional, como ilustra seu depoimento, mas seu investimento intelectual
mais expressivo está concentrado no ensino superior.
[... ] Estava convencido de que se o primeiro esforço de uma política
brasileira de educação era, como continua a ser, a erradicação do
analfabetismo e a universalização da escola fundamental, não se po-
deria negligenciar o imperativo de construir uma universidade capaz
de assegurar o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural com-
patível com as necessidades do país. Sabemos todos que países cien-
tífica e tecnologicamente pobres são países inevitavelmente depen-
dentes e dominados. Estes dois passos têm que ser dados conjunta-
mente. Seria uma falácia ruinosa ordenar cronologicamente estes dois
momentos de uma política nacional de educação, pretendendo re-
solver primeiramente a universalização do ensino fundamental para,
em seguida, tratar do problema do ensino superior.
1
1 Newton Sucupira, "Discurso", op. cit., p. 49-
Helena Bomeny
Sucupira acredita firmemente que há momentos em que a refor-
ma do ensino superior, visando torná-lo mais eficaz, é condição in-
dispensável do êxito da reforma dos graus de ensino que o prece-
dem. As reformas, em certas circunstâncias, se realizam por etapas.
Coerente com sua visão sobre o papel estratégico da universidade no
desenvolvimento da cultura nacional e na formação do povo, a
gradação viria sob a liderança da formação superior. E se a missão da
universidade é exercida quando ela se afirma como "consciência co-
letiva", sendo seu projeto estreitamente associado à sociedade que a
sustenta, o projeto de reformulação universitária teria que ter como
ponto de partida a continuidade entre a definição das funções do ter-
ceiro grau traduzidas em continuidade com o que se espera obter
nos outros dois graus fundamentais de ensino. As faculdades de Filo-
sofia, em sua avaliação, renunciaram a essa função pedagógica bási-
ca, uma vez que se entregaram aos "altos estudos" e acabaram não
mais atuando, como era previsto, na tarefa primordial de formação
do professor. A Reforma Universitária de 1968 cumpriria sua missão
de interferir na melhoria da educação brasileira contribuindo para a
reforma do ensino de primeiro e segundo graus, uma vez estabeleci-
das as faculdades de Educação orientadas para o desenvolvimento de
altos estudos sobre educação e formação profissional, além de pre-
ver os serviços à comunidade com as atividades de extensão. Espera-
va-se mais das faculdades de Educação: deveriam ser ativas o bastante
para construir em outras bases a educação nacional, não se limi-
tando apenas à formação de professores.
[...] A faculdade de Educação deve ser entendida como produto im-
perativo de nosso esforço educacional, vinculada à necessidade de
ampliação e aprimoramento dos quadros de formação de professo-
res e especialistas em educação, à exigência de estímulos à produção
de um pensamento pedagógico capaz de forjar as categorias próprias
em função das quais possam pensar o projeto da educação nacional
adaptado às transformações sociais que se impõem.
2
2 Newton Sucupira, Faculdade de Educação: Origem e Missão. [Rio de
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
Está, portanto, no investimento continuado no ensino superior a
chave para a melhoria e a extensão de uma educação básica de qua-
lidade ao conjunto da população em idade escolar. Sucupira se defi-
niu, coerentemente, como "homem de universidade". De fato, ao me-
nos dez anos de sua atuação no Conselho Federal de Educação, de
um total de 16, foram dedicados a assuntos relacionados com a uni-
versidade, presidindo a Câmara do Ensino Superior. Sua atuação no
Departamento de Assuntos Universitários no MEC no período 1970-
1972 confirma essa especialização. Sucupira torna-se, assim, um es-
tudioso do que é a universidade brasileira, de suas normas, princípi-
os, carências, progressos etc. Acabou sendo conhecido como um es-
pecialista da história da educação superior no Brasil. O interesse pela
universidade o fez caminhar na direção de estudos comparados no
tempo, como se pode acompanhar pelas claras referências à univer-
sidade medieval, renascentista e do século XIX, e também no espaço,
como é o caso das análises comparativas das experiências de diver-
sos países. De que maneira cada cultura construiu seu projeto de en-
sino superior e de que forma o Brasil, sem uma tradição forte e posi-
tiva, poderia construí-lo foram inquietações que perseguiu no per-
curso de sua vida acadêmica.
[...] O estudo da história das universidades, dos problemas que for-
çavam a mutação da vetusta instituição em nosso tempo, estágio de
um semestre em universidade americana, tudo me fazia ver que a
universidade brasileira estava ainda por se fazer, que não poderíamos
chamar de universidade, no rigor dos termos, o aglomerado de facul-
dades profissionais, mais ou menos independentes, ligadas pelos la-
ços administrativo e financeiro de uma Reitoria. Estávamos no fim da
década de 1950 e empolguei-me pelo movimento nascente da refor-
ma universitária. O projeto da Universidade de Brasília fascinava-me
Janeiro: UFRJ, 1993], p. 10. Conferência proferida em 9 jul 1993, na
solenidade comemorativa do vigésimo quinto ano da Faculdade de Educação
da UFRJ.
Helena Bomeny
e nele via a fonte de inspiração de uma profunda reforma das estrutu-
ras e do funcionamento da universidade brasileira. Daí minha paixão
pela universidade.
3
0 entusiasmo de Sucupira com relação à UnB e a avaliação a
respeito do ensino superior no Brasil coincidem com a recuperação
que desses dois pontos faz o próprio Darcy Ribeiro. Em Confissões,
no capítulo referente à UnB, Darcy se reporta ao projeto da Universi-
dade de Brasília como "toda uma inovação". Contrastava com a for-
ma de organização de nossas universidades tradicionais, contrastava
também com qualquer outro modelo de universidade existente. E são
muitos os pontos que Darcy apresenta para demonstrar sua afirma-
ção. Os propósitos que orientaram a feitura do projeto de universida-
de contemplariam a distinção entre órgãos dedicados às atividades
de preparação científica ou humanística básica e os de treinamento
profissional, evitariam a multiplicação desnecessária e onerosa de ins-
talações, de equipamentos e de pessoal docente, proporcionariam mo-
dalidades novas de preparação científica e de especialização profissi-
onal, organizariam programas regulares de pós-graduação a fim de
outorgar graus de mestre e doutor de validade institucional.
[Deveria oferecer] a todos os estudantes, durante os seus dois pri-
meiros anos de curso, tanto programas científicos, como humanísticos
a fim de proporcionar ao futuro cientista ou profissional oportunida-
de de fazer-se também herdeiro do patrimônio cultural e artístico da
humanidade e, ao futuro graduado de carreiras humanísticas, uma
informação científica básica,
escreve Darcy Ribeiro, entre os muitos mais pontos que elege como
exemplo do que era a "inovação" da UnB.
4
Já estão ali previstas as
atividades de extensão, a interação entre ensino e pesquisa e a dinâ-
3 Newton Sucupira, "Discurso", op. cit., p. 48.
4 Darcy Ribeiro, Confissões, São Paulo, Cia. das Letras, 1997, pp. 252-
253.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
mica da relação universidade/podêres públicos, quando se previa
como propósito da universidade
proporcionar aos podêres públicos o assessoramento livre e compe-
tente de que careceriam em todos os ramos do saber e que, numa
cidade nova e artificial, somente uma universidade madura e autôno-
ma poderia proporcionar..)
Portanto, quando Sucupira atribui ao projeto da Universidade
de Brasília a inspiração mais fecunda do projeto da Reforma de 1968,
e quando menciona Darcy Ribeiro como autor daquele projeto está ao
menos sintonizado com a descrição do próprio Darcy. Sucupira é
empossado no Conselho Federal de Educação no ano seguinte à inau-
guração da Universidade de Brasília (1962). Sucupira defendeu-a
como o modelo de universidade mais contextualizado e eficiente da-
quele momento. Entendeu que a Universidade de Brasília era capaz de
exercer eficientemente sua missão de ensinar, pesquisar, atender e de
fazer retornar os conhecimentos para a sociedade. Estava preparada
para exercer plenamente as funções que se espera de uma
universidade. Certamente, Sucupira subscreveria a afirmação de que,
não fosse pela UnB, nem o Parecer nº 977/65 nem a reforma de 68
seriam desenhados como foram. Esta avaliação atravessou as décadas
seguintes, como confirma seu depoimento recente:
[...] eu fiz questão de dizer no Conselho que eu seguia a orientação
do projeto da UnB. Agora, ela entrou em execução justamente no mo-
mento mais tumultuado ou dos mais tumultuados que foi a criação do
governo militar. Aí, se deu o choque, e então, a universidade foi muito
atingida... se você vai fazer análise agora, você vê que foi uma experi-
ência que deu certo. O projeto deu certo. E eu, no que diz respeito à
estrutura da universidade, nós nos inspiramos exatamente no que foi
a Universidade de Brasilia.
6
5 Darcy Ribeiro, Confissões, op. cit., pp. 252-253-
6 Newton Sucupira, depoimento a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Helena Bomeny
Nossa primeira universidade, de 1920, a Universidade do Rio de
Janeiro, não passava de uma agregação dos três institutos superiores
de formação profissional — a Faculdade de Direito, a de Medicina e a
Escola Politécnica do Rio de Janeiro; em seguida, 1927, a Universida-
de de Minas Gerais seria resultado do agrupamento das faculdades
de Direito, Medicina e Engenharia. Também na Universidade de Mi-
nas Gerais, Sucupira por certo subscreveria a avaliação de Fernando
de Azevedo quando diz que nenhuma alteração substancial se reali-
zou no sistema de ensino superior. O decreto nº 19.851, de 11 de
abril de 1931, altera a convenção anterior. No entanto, convencionou-
se na tradição de estudos sobre ensino superior no Brasil que a pri-
meira universidade que se poderia afirmar ter verdadeiramente um
novo espírito, e já estabelecido por esse decreto de 1931, foi a de São
Paulo, criada em 1934. Ah a novidade decisiva está por conta da in-
corporação,
no organismo universitário, de uma faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, que passou a constituir a medula do sistema, como também a
preocupação dominante da pesquisa científica e dos estudos desinte-
ressados, dentro aliás do espírito da lei federal que regulou as univer-
sidades brasileiras.
7
A criação das faculdades de Filosofia parecia ser a síntese mais
clara desta combinação ousada de tão distintas atribuições. Tanto Hum-
boldt na Alemanha quanto Francisco Campos no Brasil — e o con-
traste neste caso é proposital — advogaram em defesa da preemi-
nência da filosofia na constituição da idéia de universidade. Quanto
as faculdades de filosofia foram capazes de cumprir a função
integradora naquele complexo universo de conhecimentos não cabe
aqui responder. Não é desprezível a esse respeito o estoque de avalia-
ções já acumuladas, e o balanço não parece ter sido favorável à Filo-
7 Fernando de Azevedo (org.), As ciências no Brasil, 2. ed., Rio de Ja-
neiro, Editora da UFRJ, 2 vol, p. 47.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
sofia quando cobrada sobre o cumprimento da esperada missão nos
momentos de reestruturação universitária. As decisões que se imple-
mentaram a partir das reformas foram embaladas tanto na crítica ao
"idealismo metafísico pós-kantiano" de Humboldt que, nas palavras
de Sucupira, "julgou encontrar na Filosofia o princípio de unificação
do saber que lhe serviria de base",
8
quanto, para ficarmos com nosso
contraponto nacional, as críticas ao autoritarismo centralizador e buro-
crático de Francisco Campos que, não obstante sua afinidade com o
autoritarismo, supunha serem as faculdades de Filosofia, Ciências, Le-
tras e Educação o esteio ao grande ideal universitário.
Cf. Newton Sucupira, "Da Faculdade de Filosofia à Faculdade de Educa-
ção", Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, Vol.
51, n. 114, jan-abr 1969, p. 271
O PARECER Nº 76/62
LIBERDADE NECESSÁRIA
AUTONOMIA TUTELADA
experiência no Conselho Federal de Educação municiou
Sucupira de argumentos e informações necessárias à re
flexão
mais formalizada sobre a universidade brasileira. A permanência no
Conselho deu-lhe experiência para lidar com
as questões que envolvem a política universitária, inspirando, subs-
tantivamente, muitos dos seus escritos.
[...] O Conselho Federal de Educação proporcionou-me uma experi-
ência ampla da realidade educacional brasileira e mesmo dos proble-
mas teóricos da educação. Porque havia pareceres meus e de outros
que eram puramente teóricos e, alguns, até burocráticos de verificar
se foram ou não cumpridas certas exigências e, havia pareceres mais
de natureza jurídica e pareceres doutrinários de educação. Fiz vários
pareceres, inclusive o 977/65. Mas houve um parecer sobre o con-
teúdo da Faculdade de Educação que foi puramente doutrinário...
1
E, de fato, data de 1962 o primeiro texto, na verdade um parecer, no
qual Sucupira formulou a questão da autonomia universitária, tema
permanente não apenas em sua própria reflexão pessoal, mas também,
na agenda das questões do ensino superior no Brasil. Trata-se do
Parecer nº 76/62 que traça a amplitude e limites da autonomia
universitária.
1 Newton Sucupira, depoimento concedido a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Helena Bomeny
A matéria da autonomia universitária se constitui em tema perma-
nente no conjunto das reflexões de Sucupira, à qual atribui o caráter
"verdadeiramente universitário" necessário ao ensino superior. A au-
tonomia será uma espécie de refrão nos muitos outros textos de Su-
cupira. O Parecer nº 76/62 define a margem de liberdade concedida
às universidades na direção de suas atividades, em face da LDB de
1961 e da legislação anterior vigente. Sucupira chama a atenção para
a questão jurídica implicada na interpretação da lei e para a questão
de ordem doutrinária que traduz a concepção de autonomia que
servirá de idéia diretora na execução de uma política universitária.
O parecer tem uma função pedagógica e norteadora para o pró-
prio Conselho Federal. Como cabia ao Conselho a aprovação dos es-
tatutos das universidades, era prudente que os conselheiros estives-
sem solidamente informados com relação às principais questões que
envolviam a definição da legislação do ensino superior. O Parecer nº
76/62 cuida do histórico da autonomia e do respaldo na Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional de 1961. O artigo 80 da LDB de
61 afirma a autonomia do ponto de vista administrativo, didático, fi-
nanceiro e disciplinar. Sucupira comenta que no projeto original da
LDB havia dispositivos que definiam esse tipo de autonomia. Tais dis-
positivos foram vetados por darem margem ao estabelecimento de
"regras muito rígidas" a assuntos que deveriam ser melhor tratados
nos estatutos e nas normas do Conselho Federal de Educação. Por
essa razão, o Parecer nº 76/62 foi redigido com essa direção pedagó-
gica de orientação ao próprio CFE para futuras deliberações em sua
função normativa de acompanhamento do ensino superior.
A Lei Francisco Campos de 1931 já concedia autonomia às univer-
sidades. No entanto, devido à falta de uma política universitária e de
uma idéia adequada de autonomia, o legislador promulgou uma série
de leis que restringiam a autonomia universitária uniformizando todo
o regime didático.
Temia-se aquilo que um ilustre deputado chamou de "desmedido ar-
bítrio das congregações", e com esta crença mágica que sempre tive-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
mos na eficácia das fórmulas legais acreditava-se que uma legislação
centralizada, enquadrando o processo universitário em todos os seus
trâmites, fosse o meio infalível de evitar baixos padrões de ensino.
2
Ao Conselho Federal de Educação caberia a tarefa de fazer com
que as universidades assumissem a responsabilidade de sua autonomia
de modo que a reforma universitária não fosse "imposta de fora, mas
surja de dentro mesmo das instituições como um imperativo daquela
consciência", prossegue Sucupira no mesmo texto à página 75. Já
temos nessa quadra pequenas indicações do que viria a se constituir na
discordância básica de Anísio Teixeira ao projeto de autonomia tal
como formulado por Sucupira. Antes, porém, acompanhemos um
pouco mais o fio dos argumentos tecido por nosso professor:
[... ] No seu processo de formação, a universidade surge como vonta-
de de liberdade. Desde o início, a universidade teve bastante forte a
consciência de suas liberdades como condição fundamental de sua
própria existência. [...] Quando já nos fins da Idade Média, as uni-
versidades, como na França, passam a ser inteiramente controladas
pelo poder estatal, a perda de sua autonomia coincide com o seu
período de decadência, onde sem mais nenhuma vitalidade nem for-
ça criadora de cultura, deixam elas de atuar no processo cultural dos
novos tempos...
3
O século XIX com seus ideais liberais é que restituirá às universi-
dades uma relativa independência em face do Estado. E aqui, o exem-
plo da Universidade de Berlim sob a inspiração de Humboldt é o que
ressalta no sentido de ter angariado o máximo de liberdade de pes-
quisa e ensino nos quadros da organização estatal, o que lhe conferiu
capacidade de autodeterminação, e a colocou ao abrigo dos interesses
partidários.
2 Newton Sucupira, "Amplitude e limites da autonomia universitária", Re-
vista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Vol. 37, n. 85, jan-mar 1962,
p.75.
3 Idem, p. 76.
55
Helena Bomeny
A história da universidade tem sido, assim, uma luta constante para
afirmar sua liberdade e autonomia em face das freqüentes investidas
do poder político desejoso de conformá-la à ideologia dominante ou
transformá-la em dócil instrumento a seu serviço...
4
Mas, é nesse momento do argumento que Sucupira avança em di-
reção ao ponto central de sua concepção.
O fato é que a universidade, por sua própria natureza, como bem
acentuou Karl Jaspers, não pode deixar de viver numa condição per-
manente de ambigüidade e de tensão. Devendo sua existência legal ao
Estado, não pode ela recusar-se inteiramente à sua supervisão por
este, doutra parte, pelos seus superiores objetivos de promoção e
difusão da cultura, não pode reduzir-se à condição de mero departa-
mento estatal.
5
Equilibrar essas duas pontas, quais sejam, a de manutenção da
vocação de liberdade implícita e inerente à universidade e a supervi-
são do poder que garante as bases de funcionamento e florescimento
de sua própria constituição é o que constitui o maior desafio dos tem-
pos modernos e da moderna concepção de universidade.
O fiel da balança será dado pelo sentido social embutido no proje-
to universitário, sentido social que pode ser compreendido sociologi-
camente à luz da acepção durkheimiana. Como instituição, a universi-
dade está informada e constrangida por caracteres que lhe são exte-
riores, coercitivos, independentes de sua própria deliberação. A di-
nâmica de seu próprio desenvolvimento livre, uma conquista do sé-
culo XIX, implica a relação com o contexto que a liberou. Esta relação
guarda as duas faces que deram substância ao referido processo. A face
conquistada de liberdade e a face que a expõe ao cheque permanente
de adaptação e de referência ao contexto que a fundou e que assegu-
rou seu florescimento. A mesma atmosfera que a libertou e que a man-
4
Newton Sucupira, "Amplitude e limites da autonomia universitária", op.
cit., p. 77.
5 Idem, p. 77.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
tém protegida do jugo cerceador ao pensamento espera dela o reforço
e a conexão necessários ao seu pleno desenvolvimento como so-
ciedade dinamicamente operante em bases cientificamente instituídas.
O fato de ter condicionado a autonomia à responsabilidade social da
universidade rendeu a Newton Sucupira muitas críticas. As críticas
não o demoveram de suas convicções. Sucupira não perdeu de vista,
em qualquer de seus escritos, a relação necessária que se deve esta-
belecer entre a universidade e seu entorno:
A universidade deve ser livre para que possa realizar seus papéis e
missões e, ao mesmo tempo, deve satisfações à sociedade que a man-
tém, que lhe propicia o desenvolvimento, devendo fornecer respostas
necessárias aos problemas e/ou soluções relativos ao bem-estar cole-
tivo. Essa ambigüidade induz, ontologicamente, a se perceber que a
universidade deve ser livre do mesmo modo que é dependente, autô-
noma para pensar e fazer, pensando e fazendo sob a permanente vigi-
lância das satisfações que deve a sociedade que a mantém.
6
E ainda hoje mantém sua opinião a respeito da interação que é
preciso ser mantida entre a universidade e a sociedade que a sustenta.
Ao menos foi assim que formulou em seu depoimento:
[...] não existe universidade que não atenda aos interesses profissio-
nais. Porque ela é uma instituição da sociedade. [...] a universidade
alemã de Humboldt foi criada com as costas voltadas para a socieda-
de. Quer dizer, liberdade e solidão. [...] Você não pode agora querer
fazer de uma universidade uma espécie de templo do saber puro...
7
Uma parte do argumento que utilizou para qualificar a autonomia
universitária, neste caso, os limites da autonomia universitária, funda-
menta-se no que podemos compreender em uma chave mais geral
como compromisso social da universidade. Nesse ponto, particular-
6 Apud Fátima B. de Oliveira et alii, "Concepção, amplitude e limites da
autonomia universitária", in idem Ética e educação: o pensamento de
Newton Sucupira, Rio de Janeiro, Cesgranrio/FGV, 1996, pp. 43-44.
7 Newton Sucupira, depoimento concedido a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Helena Bomeny
mente, havia consenso na crítica, razoavelmente difundida no final da
década de 1950 e ao longo da década de 1960, a respeito da incapa-
cidade da universidade brasileira para responder adequadamente a uma
sociedade em franco processo de industrialização, a um contingente ex-
pressivo de jovens que alimentavam a expectativa de melhor formação, e
a uma população que se convencia da relação entre educação e desen-
volvimento, que apostava na qualificação para melhor desempenho e
ascensão social. A universidade brasileira estava longe de atender a
essa demanda. Os depoimentos de Sucupira, de Darcy Ribeiro e de
Anísio Teixeira — a despeito dos temperamentos e das distintas filia-
ções políticas e ideológicas — reforçam o consenso forjado nos anos
1950 e 1960 sobre a inexistência de uma universidade no Brasil que
atendesse a esse quesito fundamental, em uma época em que, vigorava
em todos os quadrantes ideológicos a expressão educação para o
desenvolvimento. É nesse sentido que se pode afirmar que havia um
reclamo mais geral por uma reforma universitária. Os exemplos de
outros países fortaleciam a tese de Sucupira a respeito da adequação,
do compromisso da universidade com seu entorno.
[...] vi com minhas experiências fora, na Inglaterra, em todo canto,
que não é possível uma autonomia completa da universidade e de
nenhuma instituição social. Não houve e nem pode haver. Porque para
isso, mesmo quando a universidade se basta a si mesma, nesse caso
ela se transforma numa simples instituição que produz diplomas, e,
por conseguinte, profissional. Ou ela é pública, porque a universida-
de pública, por exemplo, na França, tem uma liberdade muito maior.
E, aí, teríamos que distinguir uma liberdade puramente acadêmica e
uma liberdade institucional. Porque na França, a liberdade acadêmi-
ca é uma coisa, realmente, que chega ao máximo. Quer dizer, o pro-
fessor ensina o que quer e como quer dentro de sua cátedra. Mas,
institucionalmente, não. (...) a parte institucional fica muito subordi-
nada ao ministério. Mesmo porque, por mais que haja essa consciên-
cia dessa liberdade acadêmica, de qualquer maneira, há esse lado
institucional da universidade da qual a universidade não pode pres-
cindir. Então, é preciso conciliar esses dois aspectos. (...) não se pode
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
querer que a universidade seja totalmente a margem do Estado, nem
que o Estado fique à margem da universidade...
8
Sucupira atribui à sua experiência no Conselho Federal de Educa-
ção o senso prático que adquiriu, proveniente da experiência de con-
tato imediato com a realidade educacional brasileira. O Conselho o
fez reorientar sua visão estritamente filosófica de uma educação de
gabinete que havia cultivado com o tomismo. Modifica sua própria
estrutura de pensamento de uma atitude prático-especulativa da Filo-
sofia da Educação, para uma perspectiva mais prática das implica-
ções dos processos educacionais. O tratamento que propôs ao tema
da autonomia universitária foi um dos desdobramentos dessa nova
atitude que atribui, em grande parte, ao convívio de 16 anos como
conselheiro em um órgão cujo Presidente à época, Deolindo Couto,
costumava qualificar como "uma universidade da educação".
9
O tema da autonomia universitária provoca polêmica ainda hoje.
As discussões se radicalizam freqüentemente quando se trata de defi-
nir o percentual de responsabilidade do Estado na manutenção da
rede pública de universidades. Nesse aspecto, Sucupira tem uma po-
sição clara:
Sou contra essa idéia de privatizar a universidade. Nisso eu sou radi-
calmente contrário. E sobretudo, de fazer a universidade adquirir,
procurar seus próprios meios. Estão vendendo a pesquisa... Isso aí,
sim, significa adulterar a função da universidade. É o Estado que tem
a responsabilidade disso...
1
"
É do Estado essa responsabilidade, e não há, para Sucupira, como
defender a posição de que o pagamento de mensalidades possa ga-
rantir a integridade do investimento em ciência e tecnologia que a
universidade tem que desenvolver, por sua natureza vocacional. A dis-
8 Newton Sucupira, depoimento concedido a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
9 Idem.
10 Ibidem.
Helena Bomeny
cussão do ensino pago ou gratuito é uma discussão lateral a um pro-
blema que é anterior, constitutivo da própria concepção de universi-
dade. "(...) Eu não sei se essa determinação do ensino ser gratuito
desde o primário ao superior... Isso é uma coisa discutível", prosse-
gue ele. Mas, o importante é que a universidade tenha recursos para
realização de seus fins primeiros, que são o ensino e a pesquisa. A
questão para ele está posta em outros termos. Qual o significado da
autonomia e em que medida a universidade pode recusar a supervi-
são estatal? Seu ponto de vista é claro, também aqui. É a supervisão
estatal que previne as corrupções que podem atingir uma universida-
de completamente independente.
O Parecer nº 76/62 apresenta seis princípios gerais que definem a
autonomia universitária. Esta é uma síntese dos seis princípios gerais:
1. autonomia é condição essencial para que a universidade possa
realizar suas tarefas; não é uma dádiva, mas uma responsabili-
dade que a universidade assume;
2. a autonomia não significa completa independência, ou ficar aci-
ma de qualquer controle do Estado;
3. o Estado tem direito e dever de fiscalizar como os recursos estão
sendo empregados — isso não é incompatível com a autonomia
— e o Estado precisa reconhecer que a universidade não existe
apenas para prestar-lhe serviços, mas para realização de valo-
res espirituais;
4. "submeter as universidades a um sistema de controle próximo
ou remoto é embotar o senso de responsabilidade daqueles que
devem ser os responsáveis diretos pela execução das atividades uni-
versitárias específicas. E é preciso observar que um sistema de cen-
tralização administrativa constitui normalmente as vias de acesso
por onde costuma penetrar a influência política na universidade'';''
11 Newton Sucupira, "Amplitude e limites da autonomia universitária", op.
cit., p. 83.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
5. uma estreita regulamentação imposta pelo Estado às universida-
des torna-se, em geral, um entrave prejudicial à universidade em
seu poder de reorganização permanente, necessária ao acom-
panhamento do ritmo das transformações sociais e culturais de
nosso tempo; e, finalmente,
6. ao Conselho Federal de Educação cabe velar pela autonomia, com
o dever de traçar políticas universitárias.
Foi o sexto princípio que angariou o maior número de críticas, até
mesmo de Anísio Teixeira. O texto atribui ao Conselho Federal de Edu-
cação o dever de velar pela autonomia e traçar os rumos de uma po-
lítica universitária com o objetivo de aperfeiçoar a cultura do país.
Sucupira atribuiu ao Conselho o papel de guardião da autonomia para,
em suas palavras, "proteger a universidade e prevenir corrupções" e
fiscalizar o cumprimento da função social da universidade. E, além
dessa função, ao Conselho Federal caberia traçar os rumos de uma
política universitária. Na opinião de Anísio, essa medida significava a
manutenção da universidade em um "estado de minoridade", ou seja,
de instituição incapaz de responder segundo as categorias de seu pró-
prio juízo, segundo sua própria responsabilidade racional e institu-
cionalmente sustentada. Na ótica de Anísio, a lei não é competente
para decidir sobre questões de saber ou sobre consciência profissio-
nal. O que se deve ensinar, como ensinar, são questões que devem ser
resolvidas pela escola e por seus quadros. São pontos cruciais para a
sua autonomia. No entanto, a autonomia esbarraria nas limitações
impostas pelo Conselho Federal de Educação, estaria submetida ao
olhar cerceador do Conselho. Provavelmente, a reação de Anísio se
fundamentava no receio da atribuição de podêres sobre o funciona-
mento da universidade a um órgão central, estatal. A centralização e
burocratização das funções educativas foram sempre pontos críticos
para o educador baiano em suas avaliações sobre a educação. Tam-
bém aqui, o modelo americano o municiava com o exemplo de de-
sempenho associado à descentralização e autonomia de gestão nas
mais distintas instâncias de desempenho educacional.
Helena Bomeny
Ao se referir à universidade brasileira, Sucupira insistia sempre
no argumento de que era algo que estava por ser feito, algo para se
construir. Certamente, essa idéia encontrava respaldo em uma con-
vicção filosófica mais geral de que a universidade não poderia ser
tomada como algo definitivo e acabado. Este é e sempre será um pro-
jeto histórico. Em suas palavras, "diríamos que o ser da universidade
é o seu dever ser, a partir de um estrato factual em mudança".
12
Mas, a
universidade brasileira estaria ainda por se transformar em univer-
sidade, deixando para trás o conjunto de faculdades isoladas, ligadas
apenas formalmente pela sobreposição de uma reitoria. A universida-
de como "expressão da cultura de sua época", "intérprete dessa cul-
tura", "veículo das aspirações da sociedade", precisaria ser cons-
truída no Brasil. A defesa de um programa institucional de pós-gradu-
ação só pode ser compreendida nesse contexto mais amplo de valori-
zação da pesquisa e aprimoramento do ensino superior, pilares na
construção da universidade e na manutenção de sua autonomia.
12 Apud Edler, Rosita e Fonseca, Maria da Glória, A idéia de universidade,
op. cit., p. 37.
O PARECER Nº
977/65
A PÓS-GRADUAÇÃO
CONSTRUINDO A UNIVERSIDADE
ewton Sucupira é um homem de universidade, já sabemos. E
portou-se ao longo da vida em absoluta coerência com
, essa
definição que ele próprio se atribuiu. O parecer que institui a
pós-graduação no Brasil, e que teve sua aprovação em 3 de dezembro
de 1965, é mais um momento de sua participação como intelectual e
educador que confirma sua identidade como um cidadão universitário.
Sucupira é o relator do parecer assinado por A. Almeida Júnior,
presidente da Câmara de Educação Superior, Clóvis Salgado, José Bar-
reto Filho, Maurício Rocha e Silva, Durmeval Trigueiro Mendes, Alceu
Amoroso Lima, Anísio Teixeira, Valnir Chagas e Rubens Maciel.
A solicitação ao Conselho Federal de Educação, vinda do Ministro
da Educação e Cultura, considerou a necessidade de implantar e de-
senvolver o regime de cursos de pós-graduação no ensino superior
"tendo em vista a imprecisão, que reina entre nós, sobre a natureza
desses cursos".
1
Confundiam-se sob o mesmo rótulo geral de pós-
graduação cursos em sua natureza muito distintos como espe-
cialização, aperfeiçoamento e extensão. A conceituação serviria, não
apenas como orientação escolar, mas também como diretriz adminis-
trativa em seu caráter mais operacional que doutrinário.
1 Parecer n. 977/65, de 3 dez 1965. Documenta, MEC/CFE, n. 44, pp. 67-
86, dez 1965.
Helena Bomeny
Entende o Sr. Ministro [diz o parecer] que esses cursos, destinados à
formação de pesquisadores e docentes para os cursos superiores,
deveriam fazer-se em dois ciclos sucessivos, "equivalentes aos de
master e doctor da sistemática norte-americana".
2
O ministro sugeriu ainda ao Conselho que se fixasse uma regulamen-
tação estabelecendo que tais cursos seriam uma atribuição das uni-
versidades antes que de instituições isoladas.
De fato, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961,
em seu art. 69, onde se distinguem três grandes categorias de cursos
(graduação, pós-graduação e especialização), prevê a existência dos
cursos de pós-graduação, e faz uma distinção entre pós-graduação e
especialização com algumas exigências no caso da pós que não estão
previstas no caso da especialização — matrícula para ingresso e di-
ploma de graduação como condição de ingresso, por exemplo. Esta-
va aberta, assim, por dispositivo legal, a possibilidade de incentivo aos
programas de aperfeiçoamento do nível superior. Embora haja tal dis-
posição, não se chega a determinar a natureza da pós-graduação.
Se por um lado, essa indefinição, que corresponde ao próprio espíri-
to da lei, representa fator positivo ao dar margem à iniciativa criadora
das universidades, doutra parte tem gerado certa confusão, por nos
faltar tradição e experiência na matéria.
5
A disposição pela regulamentação de uma pós-graduação se justi-
ficava na urgência de se dotar o país de espaços especializados para
o aprofundamento dos estudos e pesquisas, espaços que facilitassem
no Brasil a emergência e avanço na área de ciência e tecnologia em
um momento de crescente demanda social por qualificação. A pós-
graduação era vista, assim, como uma necessidade,
como conseqüência natural do extraordinário progresso do saber em
todos os setores, tornando impossível proporcionar treinamento com-
2 Parecer n. 977/65, de 3 dez 1965, Documenta, op. cit.
3 Idem, p. 79-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
pleto e adequado para muitas carreiras nos limites dos cursos de gra-
duação.
4
Tratava-se de assumir, não só a divisão social do trabalho, como a
divisão intelectual do conhecimento e da profissionalização. Seria mais
que ilusório, inexeqüível, atribuir aos cursos de graduação a função
extensiva de formar o profissional comum, o cientista e o técnico de
alto padrão. A figura do técnico polivalente se apagava na mesma pro-
porção do crescimento e da sofisticação da sociedade industrial de
múltiplas funções. O parecer resguarda, no entanto, o lugar da gra-
duação como o espaço legítimo de iniciação científica, reforçando a
cadeia de aperfeiçoamento e treinamento científico que teria na uni-
versidade seus degraus de execução.
O desenho proposto para regulamentação da pós-graduação se
pautou em reflexão sobre experiências estrangeiras já consagradas.
Os Estados Unidos ganharam primazia por ter já reconhecida sua tra-
dição de pós-graduação. Mas França, Inglaterra e Alemanha são men-
cionadas sempre e que seus exemplos ajudam a distinguir proveitos
maiores em um ou outro sistema. Dos Estados Unidos vieram as su-
gestões mais fortes ao desenho que acabou prevalecendo na diretriz
que se imprimiu ao Parecer. O desenvolvimento sistemático da pós-
graduação nos Estados Unidos coincidiu com o momento das gran-
des transformações da universidade americana nas últimas três dé-
cadas do século XIX. A universidade deixou de ser uma simples insti-
tuição de ensino destinada à formação de profissionais, para assumir
também importantes funções de pesquisas de âmbito científico e tec-
nológico.
A fundação da Universidade Johns Hopkins em 1876 é um marco
no processo desse desenvolvimento, de elaboração de novos conhe-
cimentos mediante a atividade de pesquisa criadora (creative
scholarship). Esse processo foi reconhecido na própria comunida-
4 Parecer n. 977/65, de 3 dez 1965, Documenta, op. cit.
Helena Bomeny
de acadêmica norte-americana como a culminação da influência ger-
mânica no ensino superior nos Estados Unidos, no sentido em que
somente na pós-graduação seria alcançado o autêntico nível univer-
sitário.
[...] a Graduate School, isto é, o instituto que se encarrega dos cur-
sos pós-graduados, será na universidade americana o lugar, por ex-
celência, onde se faz a pesquisa científica, se promove a alta cultura,
se forma o scholar, se treinam os docentes dos cursos universitários.
5
A pós-graduação foi defendida como uma necessidade imperativa
por razões que afetavam diretamente, não apenas o desenvolvimento
da ciência no Brasil, mas o pleno desempenho da própria graduação.
Não era possível esperar que os cursos de graduação se estendessem
na razão do aprimoramento que seria de se esperar de um profissio-
nal, como também que se multiplicassem na extensão dos interesses
acadêmicos de especialização suscitados pelas manifestações de
infindáveis vocações. Não era mais admissível a manutenção de um
quadro docente de ensino superior sem formação continuada e siste-
mática. A pós-graduação daria uma dinâmica inteiramente nova à pró-
pria graduação. A dinâmica de interação entre elas foi vista como o
condicionante do florescimento e da consistência de ambos os níveis.
Em nosso entender um programa eficiente de estudos pós-gradua-
dos é condição básica para se conferir à nossa universidade caráter
verdadeiramente universitário, para que deixe de ser instituição ape-
nas formadora de profissionais e se transforme em centro criador de
ciência e de cultura.
6
Formar um professorado competente, estimular o desenvolvimento
da pesquisa científica e assegurar o treinamento eficaz de técnicos e
trabalhadores intelectuais foram os motivos que orientaram a reda-
ção daquele parecer. Mas é em sua parte conceituai que encontra-
5 Parecer n. 977/65, op. cit., p. 70.
6 Idem, p. 79-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
mos o sentido de maior permanência, quando trata da distinção entre
pós-graduação sensu stricto e sensu lato. Uma distinção importante
que traduz uma diferença crucial entre os dois investimentos. O pri-
meiro define propriamente um sistema de cursos que se superpõe à
graduação cujos programas de formação científica e cultural são muito
mais amplos e aprofundados do que os previstos em uma pós-gra-
duação lato sensu. A pós-graduação stricto sensu é parte do com-
plexo universitário e realiza, ao fim e ao cabo, os propósitos da pró-
pria universidade. A pós-graduação lato sensu compreenderá um
outro conjunto de investimentos, mais esporádicos, mais rápidos, mais
dirigidos ao aperfeiçoamento e treinamento em um ramo profissional
ou científico de determinada e limitada área do saber ou da profissão.
A outra distinção tratada no parecer mantém-se, ainda hoje, como
diretriz distintiva dos cursos de pós-graduação: os que conferem grau
acadêmico e os que oferecem certificado de eficiência ou aproveita-
mento que habilita ao exercício de uma especialidade profissional.
São distintos, portanto, os desdobramentos de tais investimentos.
...Se em certos casos, a especialização pode ter caráter regular e per-
manente, como sucede no campo da Medicina, seus cursos apenas
oferecem certificado de eficiência ou aproveitamento que habilita ao
exercício de uma especialidade profissional, e que poderão ser obti-
dos até mesmo em instituições não universitárias, ao passo que a pós-
graduação sensu stricto confere grau acadêmico, que deverá ser
atestado de uma alta competência científica em determinado ramo
do conhecimento, sinal de uma autêntica scholarship.
7
O modelo que orientou o parecer foi aquele considerado, não
apenas pelo grupo de conselheiros do Brasil, mas, igualmente, por
outros agentes de diversos países europeus, como o mais sistematiza-
do e mais experiente. Prevaleceu a orientação do programa norte-
americano com os graus de mestre e de doutor, correspondentes aos
7 Parecer n. 977/65, op. cit., pp. 44-45.
Helena Bomeny
cursos de mestrado e doutorado. Pesou muito na definição das linhas
básicas do modelo norte-americano a decisão de que um candidato
aos títulos de mestre ou doutor, além da tese, dissertação ou ensaio,
deveria seguir certo número de cursos, participar de seminários e
trabalhos de pesquisa, enfim, integrar-se em um sistema de formação
com avaliação e acompanhamento previstos, com obrigações de pres-
tação de exames e com contabilidade de um número estabelecido de
créditos que o habilitassem à conclusão e à aquisição do referido grau
acadêmico. Pareceu à comissão que tais procedimentos sedimentariam
a concepção de um programa de pós-graduação? como reforço e
interferência positiva na formação universitária. Em síntese, foi deci-
sivo, na opção pelo modelo estadunidense, o fato de que, apesar de
toda a diversidade e plasticidade previstas na escolha dos cursos, e
da flexibilidade na montagem de um conjunto de disciplinas na defini-
ção da agenda a seguir, existir
uma sistemática da pós-graduação norte-americana que compreen-
de, em sua essência, duração mínima de residência, cursos regula-
res, exames parciais e gerais, incluindo línguas estrangeiras, além da
tese, quando se trata do Ph.D., resultado de pesquisa e devendo apre-
sentar contribuição nova para o saber.
8
Oferece assim, o máximo de assistência e orientação ao aluno em
seus estudos, sem prejuízo de sua liberdade de escolha e definição de
sua própria agenda de investimento acadêmico.
As conclusões do parecer como orientações para a proposição
de um programa de pós-graduação acabaram se constituindo em
padrões de implementação dos mais distintos programas em diversas
regiões do país. O resumo dessas conclusões pode dar uma idéia de
sua permanência no quadro atual da pós-graduação no Brasil.
Ao final do Parecer nº 977/65, o relator enumera os 16 itens con-
clusivos do exposto ao longo do texto que o fundamentou. São esses
8 Parecer n. 977/65, op. cit., pp. 44-45.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
itens que formalizam todos os procedimentos normativos da pós-gra-
duação, as hierarquias dos cursos de mestrado e doutorado, a defini-
ção dos níveis de pós-graduação (especialização, mestrado e douto-
rado), as atribuições de cada um desses níveis, duração de cada um,
esclarecimentos sobre o significado das áreas de concentração, su-
gestões sobre a dinâmica dos cursos (definição de currículos, ativi-
dades), expectativa dos trabalhos de dissertação e tese, orientação
sobre flexibilidade para escolha pelos alunos do programa mais afei-
to aos seus próprios interesses acadêmicos, critérios de ingresso,
condições de matrícula, até os dois últimos itens que recomendam
que a pós-graduação se faça em regime de tempo integral, pelo me-
nos no que se refere à duração mínima dos cursos e a prescrição de
que
os cursos de pós-graduação devem ser aprovados pelo Conselho Fe-
deral de Educação para que seus diplomas sejam registrados no Mi-
nistério da Educação e possam produzir efeitos legais. Para isso, o
Conselho baixará normas fixando os critérios de aprovação dos cur-
sos.
9
Mais de 30 anos depois, o parecer continua traduzindo, em suas
linhas mais importantes, a forma como se organizou e se instituciona-
lizou o programa de pós-graduação no Brasil.
O Parecer nº 977/65 selou o vínculo de Newton Sucupira ao pro-
grama de pós-graduação. Embora tenha sido escrito e aprovado no
regime militar, o parecer não carregou para seu autor a marca que
nele seria impressa com o outro parecer que viria redefinir a vida
universitária brasileira.
9 Parecer n. 977/65, op. cit., pp. 44-45.
A LEI nº 5.540/68: A
REFORMA QUE O CONDENOU
A Reforma de 1968 tem tido mais detratores
do que propriamente críticos...
Newton Sucupira*
Reforma Universitária não foi obra de uma única pessoa. Foi criado
um Grupo de Trabalho agregando represen
tantes de diversas
reges e órgãos para, em conjun- to, traçarem suas diretrizes,
baseados, antes de tudo, em uma dada concepção de universidade.
Apesar de ter sido resultado do trabalho de um grupo de especialistas e
pessoas envolvidas com o ensino superior, a Reforma ficou
definitivamente associada a Newton Sucupira, e não sem qualquer
fundamento. O prazo curto que o grupo teve para redigir o
anteprojeto, depois da solicitação feita ao conselheiro pelo presidente
da República, Costa e Silva, só pôde ser vencido com êxito pelas
incursões anteriores (Parecer nº 53/66 e Decreto nº 252/67) nas
quais Sucupira tivera atuão incisiva. o foi gratuita, assim, a
eleão de Sucupira como interlocutor da presidência nessa matéria.
Eu estava no Conselho quando o presidente Costa e Silva telefonou e
pediu para falar comigo. Perguntou se eu estava disposto a fazer
Newton Sucupira, depoimento a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Helena Bomeny
essa coisa toda. Respondi que sim. Mas aí, ele me deu o prazo de 30
dias...
1
A Reforma não foi discutida no curto espaço de tempo concedido
ao Grupo de Trabalho. Grande parte das mudanças decorrentes foi
fruto de debates dentro do Conselho Federal de Educação desde 1962.
De 1962 a 1968 o Conselho pôde pensar largamente sobre o sentido
e a direção que se pretendia imprimir à Reforma. Essa primeira fase
da discussão contou com a participação de Anísio Teixeira, e foi
fortalecida com o projeto da UnB com o qual Anísio estivera funda-
mente comprometido. A UnB era a grande fonte de inspiração da re-
forma que se pretendia para o país, tanto para Anísio quanto para o
próprio Sucupira como se pode ver em seus depoimentos. Mas, o
momento de discussão do Grupo de Trabalho já encontra Anísio Tei-
xeira fora do Conselho por não ter visto renovar sua nomeação, como
aliás também a de Alceu Amoroso Lima, e fora do país por razões de
perseguição política.
Alguns pontos a respeito de um modelo desejável de universidade
ganharam consistência, inclusive pelo consenso que se criou em tor-
no deles por muitos dos educadores envolvidos, e particularmente,
pelo grupo que compunha o Conselho Federal de Educação. Eram
vistos como as grandes ameaças as universidades a inércia, as rotinas
cristalizadas, os preconceitos e os privilégios. Se a universidade é um
"dever ser", algo que na sua essência deve se abrir para mudanças,
tais ameaças comprometiam, principalmente, a essência da universi-
dade, a plasticidade necessária para o ajuste do ritmo das mudanças
culturais e do progresso científico e tecnológico. A UnB parecia estar
construída sob essa orientação de mais flexibilidade, mais adaptada à
dinâmica social, mais próxima de um ideal de universidade que a tra-
dição brasileira não havia conhecido, exceto em duas experiências
1 Newton Sucupira, depoimento a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
estaduais, uma abortada, a Universidade do Distrito Federal, e a outra
em pleno funcionamento, a Universidade do Estado de São Paulo -
USP. A década de 1960 abria-se, assim, com a discussão sobre os
modelos universitários, sobre a crise da universidade e na universi-
dade, e o exemplo de Brasília vinha revigorar os debates e dar subs-
tância as novas ondas reformadoras. O tema da Reforma Universitária
estava em pauta, e a intervenção militar em 1964 não exterminou esse
ânimo inicial. Os Decretos-Leis nº 53/66 e nº 252/67 determinavam a
reestruturação das universidades federais.
Pelo Parecer nº 53/66, ficava a cargo das universidades o plano
de reestruturação, baseado em princípios, critérios e normas gerais.
O clima já era de muita resistência ao que vinha do governo militar.
Dada a resistência das universidades e, acredita Sucupira, dado o pró-
prio conservadorismo da comunidade universitária em manter a ação
tradicional, ditada por hábitos, tradições e crenças, decorreu-se des-
se decreto um outro mais inflexível. O Decreto nº 252/67 define prin-
cípios inegociáveis de reestruturação:
1. não-duplicação de meios para fins idênticos;
2. integração do ensino e pesquisa;
3- estudos básicos em um sistema comum de unidades;
4. unidades próprias para o ensino profissional e para a pesquisa
aplicada;
5. atividades interescolares;
6. órgãos de coordenação central;
7. sistema departamental obrigatório;
8. órgãos setoriais.
Na síntese de Sucupira, o que se buscava com esse decreto era
racionalização, flexibilização e diferenciação. Princípios que orienta-
ram a formulação de um projeto democrático, flexível, dinâmico e ori-
ginal de universidade como foi o que instituiu a Universidade de Bra-
Helena Bomeny
sílía ganham, naquela conjuntura de repressão política, conotação e
estatura de imposição e inflexibilidade.
O Decreto-Lei nº 252/67 pode ser lido como uma reação à reação
universitária ao projeto de reforma. Indica assim a falência de entendi-
mento entre o governo central e as diversas unidades universitárias espa-
lhadas pelo território nacional. O próprio Sucupira, ao expor os moti-
vos de tal radicalização, ligados à resistência das Faculdades de Filo-
sofia Ciências e Letras em se transformarem em Institutos, dá a pista
do que poderia estar ocorrendo nesse processo de reformulação:
[...] Acontece, no entanto, que estas faculdades, valendo-se do con-
trole que exercem nas cúpulas deliberativas, frustraram todo intento
de reforma que atingisse em substância o regime tradicional, opon-
do-se tenazmente a toda forma de integração que se baseasse na fa-
culdade de Filosofia ou qualquer outro tipo de unidades que viessem
a constituir o sistema básico comum. Não admira, portanto, que, ape-
sar de autonomia universitária consagrada na Lei de Diretrizes e Ba-
ses, as universidades se limitassem a reformas tópicas e superficiais
que deixavam intactas as estruturas arcaicas.
2
O pomo da discórdia foi sendo engendrado na avaliação crítica
do Conselho Federal a respeito das faculdades de Filosofia. Elas
tinham uma missão pedagógica de integrar as diferentes faces do de-
senvolvimento humano em um projeto universalista. Isto na perspec-
tiva mais ampla. Cabia aos formuladores do programa educacional
avaliar seu sucesso ou fracasso na função mais concreta, qual seja, a
de formar o corpo docente para o ensino secundário. E aqui, especi-
almente no caso do Brasil, na avaliação de Sucupira, o balanço era
totalmente desfavorável à promessa original. Seu diagnóstico nessa
matéria é implacável:
2 Newton Sucupira. "A reestruturação das universidades federais", Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, Vol. 50, n. 111, jul-
set 1968, p. 92.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
Se considerarmos as faculdades de filosofia em sua função de prepa-
rar docentes para a escola média e formar especialistas em educação,
haveremos de convir que, neste particular, são passíveis das mais se-
veras críticas. Porque, se algumas delas lograram instituir a pesquisa
científica e treinar especialistas capazes nos diversos ramos do saber,
é lícito duvidar que tenham cumprido satisfatoriamente sua missão
de educar mestres para a moderna escola secundária. Ressentiram-
se da falta de uma clara consciência do problema, de uma precisa
concepção dos métodos e objetivos da formação pedagógica profis-
sional. Mais ainda, a predominância do ideal acadêmico impediu que
essas faculdades assumissem plenamente sua função pedagógica. Ja-
mais se conformaram em ser o que a maior parte poderia apenas ser,
isto é, Teachers Colleges, e, vítimas de uma espécie de bovarismo,
não chegaram a realizar nem o ideal de alta cultura e pesquisa cientí-
fica, nem a desempenhar honestamente a missão de preparar profes-
sores que a expansão da escola média brasileira está a exigir.
3
Quando muito, as faculdades de Filosofia formaram especialistas
nas disciplinas científicas e literárias alimentando mais o ensino supe-
rior do que irradiando efeitos sobre a formação básica para nível se-
cundário e mesmo nas escolas normais. Esse fosso que se criou entre
filosofia e educação, se tomamos a formação pedagógica do magisté-
rio como alvo privilegiado da educação, teve na desvalorização dos
departamentos de educação um dos desdobramentos impensados. O
diagnóstico de Sucupira teve influência decisiva nos rumos que a Re-
forma Universitária de 68 daria ao capítulo referente à formação de
professores e especialistas da educação, que contou com a assinatura
do próprio Sucupira, além de Valnir Chagas. Por essa razão, é pru-
dente que o acompanhemos com mais vagar.
A verdade é que as faculdades de Filosofia falharam em sua missão
.pedagógica, em sua tarefa de preparar professores para a moderna
escola secundária, de formar educadores especializados capazes de
planejar o sistema escolar de uma sociedade que se transforma e ela-
3 Newton Sucupira, "Da faculdade de Filosofia à faculdade de Educação", op.
cit., pp. 272-273.
Helena Bomeny
borar novos métodos que possibilitem a renovação didática de uma
escola média e primária que se expande desordenadamente.
4
A justificativa à imposição de um decreto que altera a própria es-
trutura de organização da universidade se coadunava com a defesa
de uma universidade que tivesse na mudança seu eixo de orientação.
Os adeptos da permanência da Faculdade de Filosofia, Ciências e Le-
tras, para Sucupira, um modelo estático, tradicional que contraria a
polaridade inerente da universidade entre o "ser" e o "dever ser",
resistiram ao projeto, considerado por ele mais flexível, de organiza-
ção da estrutura universitária. As distorções do modelo de universi-
dade decorrentes das acomodações que se sucederam à resistência
foram assim definidas por ele: afastam-se da cultura do povo, das so-
licitações e estímulos de seu ambiente cultural e social; afastam-se de
seu contexto histórico esterilizando-se em um falso universalismo; tor-
nam-se "servas de um utilitarismo imediato", traindo a própria vocação
de universidade. O projeto de reforma deixava transparecer a intenção
por parte do governo de padronizar o ensino superior, conter sua ex-
pansão visando à manutenção de qualidade pela contenção do cres-
cimento de instituições isoladas, disciplinar instâncias organizacio-
nais, estabelecer metas e prever cursos de ação no ensino superior.
Tão interessante quanto saber se houve ou não um desvio do sen-
tido da reforma pensada antes do recrudescimento do autoritarismo
é compreender como, dentro de um contexto em que se pretendia
claramente ter o controle mais intenso do ensino superior, inclusive
nos programas de promoção de políticas de educação, se conjugam
os valores levantados como bandeiras da universidade: autonomia,
livre docência, formação da cultura nacional etc. O discurso que ron-
dou toda a discussão das décadas de 1950 e metade da década de
1960 teria que passar por adaptações e adequações importantes. O
4
Newton Sucupira, "Da faculdade de Filosofia à faculdade de Educação", op.
cit., pp. 274.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
paradoxo estaria montado: a universidade é autônoma mas precisa
ser protegida ou tutelada pelo Conselho Federal de Educação; deve
desenvolver a pesquisa livre que garantirá a liberdade nacional e a
criação de uma cultura própria, mas deve atender às exigências de
modernização tecnológica da sociedade. Como equacionar ensino,
pesquisa e extensão? Tudo isso se estruturou na crítica de que a re-
forma teria sido imposta, não teria sido a reforma desejada. Para Su-
cupira foi "a reforma possível", como se "um jeito" tivesse sido dado.
Semelhante ao que Anísio Teixeira diria sobre a LDB de 1961: "uma
meia vitória".
O episódio da Reforma Universitária informa sobre a distinção que
foi se estabelecendo, com o tempo mais explicitada, entre o que podí-
amos pensar como a "era de Anísio" e a institucionalização que se
procedeu no curso dos anos 1960, defende Iolanda Lobo em sua tese
de doutorado defendida na PUC do Rio de Janeiro.
5
A era de Anísio foi
marcada por ações muito articuladas entre os vários níveis de ensino,
desde o primeiro grau até a pós-graduação, facilitando, inclusive, a
presença ativa do educador baiano, simultaneamente, no Inep e na
Capes. O golpe de 1964, além de tirar Anísio da liderança desse movi-
mento pela educação brasileira como um todo, fragmentou-a em se-
tores mais especializados de discussão. O ensino fundamental e mé-
dio acabaram desconectados dos grupos de estudos da Reforma Uni-
versitária e da pós-graduação. Houve, certamente, pontos de inter-
cessão, mas não prevalecia mais um grande projeto articulador.
Mantendo a sugestão de Iolanda Lobo, é possível pensar na "era"
Sucupira como uma época de grande investimento na racionalização
dos setores promotores de ciência e tecnologia, com forte atuação
5 Yolanda Lobo, "A construção e definição de políticas de pós-graduação em
educação no Brasil. A contribuição de Anísio Teixeira e Newton Sucupira",
Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica, 1991, tese de
doutorado, mimeo.
Helena Bomeny
dos órgãos da administração central, sendo as reformas de ensino
promovidas de cima para baixo, como a própria fala do professor
Sucupira sugere quando menciona o telefonema do presidente Costa e
Silva. A seqüência das reformas ilustra essa interpretação. Em 1965 é
editado o parecer sobre a pós-graduação; em 1968 institui-se o Re-
latório do Grupo de Trabalho que fundamentou a Reforma Universitá-
ria; em 1971 dá-se procedimento às reformas do ensino de primeiro e
segundo graus. Não é casual que até 1964, o que se contabilizou como
grande conquista, embora vivida como "meia vitória", foi a Lei de
Diretrizes e Bases de 1961, uma legislação geral de reestruturação do
sistema educacional brasileiro. No pós-1964 tudo se fragmenta. A estrutu-
ração ou reestruturação dos vários níveis de ensino não foi iniciada por
uma reforma no ensino fundamental, mas, diversamente, com a pós-
graduação. Essa avaliação encontra ressonância nas conclusões de
Yolanda Lobo sobre os caminhos das reformas educativas no Brasil:
Antes de 1964, ainda com Anísio Teixeira, era a educação o problema
de formação do nacional. Depois de 1964, a prioridade foi para a
"segurança nacional". Nessa perspectiva, as prioridades educacionais
são determinadas em função daquelas que asseguram a concretiza-
ção da doutrina de modernização. Daí a ênfase na organização de um
sistema nacional de pós-graduação, dentro de uma política de "reno-
vação pedagógica" da educação brasileira, conforme expressão de
um de seus principais mentores, o professor Newton Sucupira. A ex-
pressão "renovação pedagógica" substituía a expressão "reconstru-
ção educacional", própria do período anisiano.
6
Mas, a Reforma Universitária não poderia ter alcance meramente
"restaurativo" de uma idéia, defende Sucupira. Teria de assumir o
sentido de uma nova criação.
Em outros termos, o problema da reforma é o da criação da universi-
dade, a partir da reelaboração de sua idéia em função das exigências
do nosso tempo. Trata-se de pesquisa de uma nova forma de universida-
6 Cf. Yolanda Lobo, "A construção e definição...", op. cit.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
de que, fiel à sua inspiração originária, possa tornar-se uma instituição
atuante nos quadros de uma civilização científico-tecnológica e identifi-
cada ao tempo social da mudança que caracteriza nossa realidade.. .
7
E se o marco é de instauração, ganha preeminência o espaço em
que se concebe e se instaura o projeto. Em um sentido direto, o que
se vislumbra é uma realidade onde a tradição vigente é incapaz de
formular o modelo mais adaptável às exigências. O sentido instaurador
ganha foro de prática construtora. O Conselho Federal de Educação
foi o espaço da regulação nessa expectativa de construção de uma
nova idéia e um novo projeto de universidade. E a universidade deve-
ria ser o foro onde a demanda por renovação e instauração do novo
modelo se efetivariam sob a proteção do Conselho Federal. Vigorou
em todo o processo a perspectiva estatal na definição dos rumos da
reforma. Ao Estado caberia a função de controlar os assuntos educa-
cionais, dirigir os rumos de sua implantação, e regular os passos de
sua implementação, sob o acompanhamento direto e a supervisão do
Conselho Federal de Educação que, nas palavras do Professor Sucu-
pira, "funcionava como uma espécie de guardião da universidade".
8
A Reforma Universitária de 1968 incluiu em um de seus capítulos
a extinção das faculdades de Filosofia e a criação de institutos, facul-
dades e centros, entre os quais os cursos de Pedagogia, que tinham
na experiência norte-americana sua fonte de inspiração.
9
Os famosos
acordos selados na década de 1960 entre Estados Unidos e Brasil,
7 Newton Sucupira, "Discurso" op. cit., p. 54.
8 Newton Sucupira, entrevista concedida a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
9 Não é absolutamente consensual a interpretação a respeito da majoritária
influência estadunidense sobre a Reforma de 68. O que uma recuperação
histórica não pode desconsiderar é a recorrente menção da experiência
educativa norte-americana por intelectuais brasileiros. Além dos
intelectuais mencionados no início deste texto, mais recentemente, Maria
Yedda Linhares testemunha o entusiasmo que os métodos, a organização
acadêmica, a estrutura do ensino nos Estados Unidos provo-
Helena Bomeny
inspirados no Ponto IV, tentavam legitimar a idéia de que os sistemas
educacionais dos países em desenvolvimento teriam muito que ganhar
no contato com a experiência da América do Norte. No caso bra-
sileiro, acabou prevalecendo uma estrutura de créditos e a orientação
pela especialização, tão em voga nas universidades norte-americanas.
Os efeitos da Reforma de 68 precisam ainda passar pelo crivo de
uma avaliação mais minuciosa. Nas três décadas de sua implantação,
é impossível negar a completa reestruturação por que passaram as
universidades, em muitos aspectos com resultados discutíveis. A ava-
liação de Sucupira é que o sucesso da Reforma dependeria do inves-
timento que o governo fizesse em sua implementação. O governo não
cumpriu sua parte, conclui ele:
Faltou, entre outras coisas, uma política universitária que
correspondesse aos princípios inovadores da reforma. E o Governo,
que nos solicitou a reforma, logo após desinteressou-se pelo cumpri-
mento de suas propostas, negando-lhe os recursos que tornariam
possível a renovação das universidades, principalmente no que diz
respeito às universidades federais. Essa frustração experimentei ao
vivo quando ocupei a direção do Ensino Superior de junho de 1970
ao início de 1972, e dispunha de orçamento que apenas permitia a
realização do funcionamento rotineiro do sistema universitário.
10
A ampliação do ensino superior, com o aumento de oportunidades
de ingresso abertas na rede pública somada ao crescimento vul-
caram em nossos intelectuais que puderam desfrutar do convívio com a
América do Norte. Diz Maria Yedda Linhares em perfeita sintonia com o
comentário de Sucupira reproduzido ao longo deste trabalho: "Lá eu
percebi que o que havia aqui não era uma universidade, era quase uma
escola secundária, que não tinha a preocupação de formar, orientar ou
conduzir ninguém".
Cf. Maria Yedda Linhares, entrevista publicada em Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, n. 10, 1993. 10 Newton Sucupira, "Discurso", op. cit., p. 50.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
toso de vagas oferecidas pela rede privada, respondia, satisfatoria-
mente, à demanda de democratização do acesso ao ensino superior.
Ao lado da democratização da universidade, proliferaram os cursos
de pós-graduação ao mesmo tempo em que se criaram institutos pri-
vados, em boa parte com verbas do governo federal repassadas pela
Finep ou por fundações internacionais. Esses dois programas aca-
dêmicos — pós-graduação e institutos de pesquisa —, em alguns
casos de convivência simultânea, contribuíram decisivamente para
consolidar a atividade acadêmica e, como efeito não antecipado, cria-
ram, muitas vezes, um distanciamento progressivo entre a pesquisa
que se desenvolvia nos institutos e programas de pós-graduação e a
graduação que havia sido abandonada nas universidades públicas e
privadas. A vida intelectual, os desafios acadêmicos, os contatos inter-
nacionais, as trocas de experiências de pesquisa, as inovações ga-
nhavam uma agilidade nos institutos e centros de pesquisa, e também
nos programas de pós-graduação, ao contrário de uma certa inércia
que se instalou nos programas de graduação das universidades.
Agilidade, leveza administrativa, autonomia acadêmica e financei-
ra na gestão de recursos ali alocados, velocidade de comunicação e
aquisição da produção científica depositada nos acervos bibliotecári-
os das grandes universidades estrangeiras, competição positiva entre
os programas de pós-graduação pela qualidade da titulação ofereci-
da, tudo isto foi criando um ethos profissional mais exigente e menos
sensível às agruras de um magistério desinteressante, pobre e enve-
lhecido, como aquele em que foi progressivamente se transformando
o da graduação. Esses profissionais guardavam da experiência do
magistério a lembrança estimulante da transmissão de um conjunto
de conhecimentos teóricos, do debate e troca de pontos de vista e,
ainda, o interesse pela comunicação de uma produção intelectual acu-
mulada em pesquisa. Uma centelha que podia ser perfeitamente au-
mentada com o público da pós-graduação. A graduação foi se tor-
nando cada vez menos atrativa, os alunos cada vez menos interessan-
tes porque inadequadamente selecionados, o corpo docente insufici-
Helena Bomeny
entemente exigido, a convivência acadêmica nada competitiva, as es-
truturas funcionais depauperadas. A graduação transformou-se em
uma espécie de condenação para os que ainda não apresentavam o
perfil adequado para se inserir no mercado simbólico da competição
acadêmica. Ficou reduzida, em grande parte, aos profissionais de iní-
cio da carreira que, à medida que ascendiam e demonstravam seu
talento, recebiam como prêmio o passaporte para a viagem que real-
mente interessava: o mercado acadêmico da pesquisa e da pós-gra-
duação.
Dois pontos da reforma universitária talvez venham sustentar al-
guns dos aspectos da associação que tento estabelecer entre os cur-
sos de pedagogia e a crise na formação de professores. Um deles diz
respeito à extinção das cátedras e à criação dos departamentos como
unidade mínima de agregação da vida universitária. Esta medida res-
pondia a um clamor de crítica ao sistema de cátedra, acusado de ser
responsável pela cristalização de posições individuais de privilégio e
autoridade, um obstáculo real à circulação e ascensão de novas com-
petências acadêmicas. Os pequenos feudos dariam lugar a uma dinâ-
mica universalista entre profissionais de áreas de interesse comum,
agregados agora nos departamentos, unidade mínima em torno da
qual se articularia a participação universitária." O outro ponto diz
respeito exatamente à reedição dos cursos de pedagogia,
desvinculados das faculdades de Filosofia.
A despeito de todos os argumentos em defesa do projeto que ani-
mou a implementação da Reforma de 1968, o olhar distante do Pro-
fessor Sucupira o leva hoje a uma avaliação mais crítica:
11 Reinaldo Guimarães trata com muita pertinência esse tema em "O fomento
em C&T nos anos 90: Possibilidades e requisitos", texto preparado como
subsídio ao simpósio, "Retomada do fomento: Voltar aos anos 70?",
realizado na 45
a
Reunião Anual da SBPC, Recife, jul 1993, mimeo.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
[... ]
eu hoje, olhando, retrospectivamente, vejo que havia muita coisa
que nós deveríamos ter visto naquele momento. É que uma universi-
dade, uma reforma universitária não se faz, não terá efeito, se não
mobilizar, se não sensibilizar os estudantes e os professores. [...]
12
12 Newton Sucupira, entrevista concedida a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
CONSEQÜÊNCIAS NÃO-ANTECIPADAS DA
AÇÃO EDUCATIVA
stamos chegando ao final do que foi o roteiro mais conhecido
da viagem do professor Sucupira pelos caminhos da
institucionalização do ensino superior no Brasil, de 1960 até
nossos dias. Mais à vontade para estreitar o diálogo com o professor
expus a ele, em nosso segundo encontro, inquietações que me
suscitaram pesquisas anteriores sobre temas e problemas que envol-
vem a educação brasileira. Convencida de que parte significativa da
crise por que passa a educação tem correspondência com orientações
que presidiram o texto da Reforma de 1968, passei ao professor meu
argumento na dupla expectativa de ouvi-lo e de ver mais bem
fundamentados meus pontos de vista. Refiro-me precisamente aos
cursos de Pedagogia como cursos de graduação, um desdobramento
de discussões mais antigas na história do ensino superior no Brasil,
que encontraram na Reforma de 1968 reforço necessário à sua es-
truturação na forma como afinal se configurou. Os cursos de Pedago-
gia, criados com o objetivo de aprimorar em bases confiáveis as ativi-
dades de docência e de condução da aprendizagem, sofreram no per-
curso os efeitos inesperados à ação original, produzindo um distan-
ciamento dos objetivos para os quais foram criados quando se con-
solidaram como alternativa à retirada do professor de sala de aula.
Com essa indagação, percorri os fundamentos que conduziram à pro-
posição dessa política educativa para, ao final, encontrar as razões de
tal desvirtuamento, caso se confirmassem minhas suposições.
Helena Bomeny
O projeto de criação das faculdades de Educação data dos anos
1930. No entanto, a Reforma Universitária de 68 funcionou como
divisor de águas em todo esse processo. Foi com ela que a faculdade
de Educação passou a integrar o sistema universitário substituindo a
faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O capítulo da Reforma na
história da educação brasileira contou com as discussões entre edu-
cadores influentes pela própria posição que ocupavam no Conselho
Federal de Educação, educadores como Valnir Chagas, Newton Sucu-
pira, Anísio Teixeira, entre outros.
A primeira conclusão sugerida pelo material consultado é que a
faculdade de Educação instituída com a Reforma de 68 destoa do pro-
jeto de Anísio Teixeira nos anos 1930 que propunha a criação de uma
Escola Normal Superior para uma intensa preparação de professores
qualificados. Uma primeira alteração se pode apurar no desdobra-
mento da reforma. A qualificação se manteve como perspectiva mas,
no lugar de professores assistiu-se a uma progressiva substituição
por funcionários, especialistas em educação. Foi na leitura dos currí-
culos do curso de Pedagogia com as modificações indicadas pela Re-
forma Universitária de 68, e a criação das faculdades de Educação
que se percebe a ênfase no caráter técnico-administrativo do curso,
onde o magistério aparece como uma habilitação dentre muitas ou-
tras — Administração Escolar, Supervisão Escolar, Inspeção Escolar,
Orientação Educacional etc. Os estudantes de Pedagogia passaram a
ter duas áreas que, aparentemente, correm paralelas no curso: Ensino
e Administração. Como efeito talvez não antecipado, os cursos de
Pedagogia passaram a preparar e oferecer as condições necessárias
para que os pedagogos abandonassem as salas de aula.
Ganhou notoriedade nas discussões que presidiram o movimento
pela reforma o argumento de que a criação dos cursos de Pedagogia
se justificava duplamente: pelo aprimoramento didático para o magis-
tério e, em sentido mais pleno, pela valorização da Pedagogia como
campo teórico próprio a exigir espaço no conjunto da reflexão cien-
tífica. Pela primeira, entendemos os mecanismos pedagógicos utiliza-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
dos para melhorar a transmissão dos conteúdos diversos de campos
disciplinares substantivos, ou por outra, didáticas especiais para o
aprendizado de matérias substantivas. Pela segunda intenção, há uma
sugestão de objeto específico da própria Pedagogia que está a exigir
reflexão teórica e epistemológica. Em uma dimensão, a Pedagogia pra-
ticamente confundida com instrumentos, encarna propriamente uma
metodologia; com a segunda, ela própria se constitui no objeto de
reflexão, corporifica o status de uma teoria.
Os pioneiros da educação nova insistiam no que consideravam a
idéia inovadora de uma "ciência pedagógica" — idéia que se incluía
em um movimento mais amplo em prol da consolidação de um campo
científico até então inexistente no Brasil. Fernando de Azevedo foi um
dos que compartilharam desse diagnóstico. Em sua avaliação, a socieda-
de brasileira, tributária da herança ibérica, sucumbia ao fracasso em
um sem-número de louváveis iniciativas pela recorrência a padrões
de comportamento impressionistas, intuitivos, assistemáticos, pragmáti-
cos e imediatistas. Nenhuma garantia de permanência, planejamento,
continuidade e aprofundamento poderia resultar dessa tradição.
A tradição do pensamento social brasileiro, que olha a cultura e o
próprio país pela ótica negativa a respeito das possibilidades de que
aqui se frutifiquem hábitos, comportamentos e procedimentos racio-
nais, "civilizados", procura localizar nas influências exógenas, funda-
doras de nossa própria cultura, as razões de distorções permanentes
e, em grande medida, incorrigíveis. Um dos campos impregnados por
essa negatividade era exatamente o da educação. E dentro do progra-
ma proposto pelos pioneiros em sua rápida passagem pelo ministério
Gustavo Capanema (1934-1945), encontramos a defesa da "ciência
pedagógica", ou seja, da criação de um campo sistemático de refle-
xão científica tendo a educação como objeto. A neutralidade e objeti-
vidade sobressaíam como alternativas para reorganização do caos
propiciado pela indisciplina, pela falta de rigor, pela imprevisibilidade
das ações escoradas na dimensão afetiva. A inspiração, como vere-
mos, Fernando de Azevedo a trazia do expoente da Escola Sociológica
Helena Bomeny
Francesa, Emile Durkheim. Acreditava ser possível fazer com a edu-
cação o equivalente ao que Durkheim se empenhou em levar para a
sociologia. O tema da formação de professores, do tratamento cientí-
fico à pedagogia, do aperfeiçoamento didático compunham a agenda
de prioridade das lideranças daquele movimento.
A Pedagogia seria esse campo intelectual de reflexão, tendo como
função e projeto constituir o espaço da inovação, da avaliação de pro-
cedimentos usuais, de crítica e sistematização de experiências e da
experimentação de novas tecnologias e didáticas especiais. Atribuía-
se à pedagogia a dupla função de ser campo de reflexão e objeto de
experimentação. Se tomadas devidamente as postulações acima so-
bre a natureza do campo de conhecimento que daria identidade à
pedagogia podemos prosseguir com mais outras tantas indagações.
Em que lugar se conformaria o espaço do saber pedagógico? Como
circunscrever uma região de conhecimento com atribuições, nem
sempre conciliáveis, filosóficas (formação espiritual, integral da per-
sonalidade); metodológicas (definição de instrumentos para adestra-
mento profissional); e funcional-pragmáticas (formação de profes-
sores para o exercício do magistério)?
A avaliação, portanto, não se restringe à função especial de forma-
ção do corpo docente, mas também a uma melhor adequação organi-
zacional do sistema escolar de uma sociedade em processo acelera-
do de transformação.
A reflexão sobre a natureza dos cursos, as expectativas de um in-
vestimento científico em educação, e a demanda por seu aprimora-
mento é, assim, bastante anterior à década de 1960. Mas, é nesse
movimento da década de 60 que Newton Sucupira enuncia algumas
de suas propostas que receberão força de lei na legislação da Refor-
ma de 1968. Uma das soluções que lhe parecia apropriada era a cri-
ação, dentro da universidade ou como estabelecimentos isolados, de
unidades de ensino superior especialmente destinadas à formação de
profissionais em educação. Os desdobramentos posteriores indica-
ram, talvez em movimento não antecipado, um acento maior na for-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
mação de especialistas em educação, profissionais em educação, do
que com a formação de professores. Uma das razões para esse im-
previsto desequilíbrio tinha fundamento na tradição de desconfiança
e preconceito quanto ao estabelecimento de um campo de reflexão
propriamente pedagógica no interior da universidade. Isto se deu não
apenas no Brasil. Na Alemanha, nos informa Sucupira,
entendia-se que a Pedagogia não alcançou ainda o nível de uma ver-
dadeira ciência, nem oferece resultados positivos, cientificamente
demonstráveis, para constituir base e um centro de uma Faculdade.
1
Se não era suficientemente qualificado para corporificar a refle-
xão científica, restou ao ambiente extra-universitário a responsabili-
dade pela formação pedagógica do corpo docente para o ensino mé-
dio, secundário, ou mesmo o ensino normal. O contra-exemplo neste
caso vem com a experiência norte-americana que, de forma pioneira,
atribuíra à universidade a tarefa de dar formação pedagógica tanto ao
professor da escola secundária, como ao da escola primária e aos
vários tipos de especialistas em educação. A força atribuída a essa inici-
ativa da América do Norte se ancorava na convicção de que a educação,
como qualquer campo de conhecimento humano, deveria estar sujei-
ta e ser beneficiária dos métodos científicos, dos avanços tecnológi-
cos que acompanham o desenvolvimento da ciência. E mais, deveria
ser ela própria objeto de reflexão científica. O impulso vigoroso que a
pesquisa educacional recebeu então deveu-se muito a essa forma especí-
fica de valorização do campo propriamente pedagógico imerso no pro-
grama mais amplo de cientificização? das profissões modernas.
No Brasil, a primeira investida a respeito da criação das faculda-
des de educação se deu na década de 1930. Bastante conhecida, a
Reforma Francisco Campos de 1931, ao organizar a universidade bra-
sileira em novas bases, incorporou à sua estrutura uma nova unida-
1 Newton Sucupira, "Da Faculdade de Filosofia à Faculdade de Educação",
op. cit., p. 275.
Helena Bomeny
de, a Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Com esta iniciativa,
Francisco Campos pretendia sustentar a tese que lhe era cara de que
a faculdade de Educação exerceria na vida cultural a função de agre-
gar, de conferir o caráter propriamente universitário,
permitindo que a vida universitária transcenda os limites do interesse
puramente profissional, abrangendo, em todos os seus aspectos, os al-
tos e autênticos valores da cultura, que à Universidade conferem o ca-
ráter e atributo que a definem e individuam, isto é, a universalidade.
2
Mas, não obstante os elevados valores que justificavam a criação
da faculdade de Educação, agregou-se também ao projeto uma face
profissionalizante — a de formar professores da escola secundária
— atendendo à carência desses profissionais no Brasil. Com esta pro-
posição, Francisco Campos estava afinado com os pioneiros da Esco-
la Nova na crítica ao pragmatismo e profissionalização que marcaram
a constituição de nossas universidades. A faculdade de Educação, Ciên-
cias e Letras seria o reduto do desenvolvimento da ciência pura, de-
sinteressada, independente de qualquer interesse profissionalizante
imediato. Mas a instituição idealizada por Francisco Campos não che-
gou a ser implementada.
Um segundo ensaio vem pelas mãos de Anísio Teixeira — a expe-
riência abortada da Universidade do Distrito Federal. Entre os estabe-
lecimentos especializados previa-se ali um Instituto de Educação. Mas
é com a Lei nº 452 de 5 de julho de 1937 que se prevê a criação da
Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras e a Faculdade de
Educação. No entanto, desde o início, a concepção original sofreria
correção de rumo. A faculdade de Educação não seria criada, e a de
Filosofia, Ciências e Letras, pelo Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de abril de
1939, contemplaria a preocupação com a formação de professores
em um dos artigos onde se lia
2 Citação reproduzida no texto de Newton Sucupira, "Da Faculdade de
Filosofia à Faculdade de Educação", op. cit., p. 26l.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
a Faculdade Nacional de Filosofia tem como finalidade preparar tra-
balhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais
de ordem desinteressada ou técnica, preparar candidatos ao magisté-
rio do ensino secundário e normal e realizar pesquisas nos vários
domínios da cultura, que constituam objeto de seu ensino.
A duplicidade de fins estava explicitada: a formação de pesquisa-
dores e especialistas, bem como o preparo dos professores. Do pon-
to de vista organizacional, quatro seções davam corpo ao projeto: Fi-
losofia, Ciências, Letras e Pedagogia. Previa-se ainda uma seção espe-
cial de Didática. Data desta inovação a criação dos cursos de Pedago-
gia.
3
O curso de Pedagogia atravessa o período de 1939 a 1968 com a
função de formar professores para o ensino normal além de prepa-
rar técnicos em educação. À luz da Reforma, o caráter impreciso e
vago dos técnicos ali formados deveria ser superado, pela Lei 5.540,
com a definição de habilitações mais específicas e especializadas. O
Parecer nº 252/69 e a Resolução nº 2/69 do Conselho Federal de
Educação tratariam de adequar os cursos de Pedagogia então em
vigor às diretrizes da Reforma Universitária de 1968. Portanto, se
não se pode atribuir à Reforma de 68 a criação dos cursos de Peda-
gogia, há fortes evidências de que repousam ali decisões cruciais que
interferiram de forma direta no encaminhamento que se seguiu pelas
décadas seguintes. É possível localizar nas decisões e pareceres de-
correntes da Reforma a alteração substantiva de orientação para os
cursos em vigor. Até então, os cursos de Pedagogia ofereciam diplo-
mas de licenciado para aqueles que se dedicavam ao magistério em
cursos normais, e de bacharelado para o exercício dos cargos técni-
cos de educação.
3 Cf. "Breve histórico do curso de pedagogia e de sua reformulação",
Belo Horizonte, UFMG, Faculdade de Educação, "Cadernos", n. 3, set
1986.
Helena Bomeny
O Parecer do Conselho Federal de Educação: "Graduação em Pe-
dagogia — currículo mínimo e duração" é peça chave nessa avalia-
ção. Trata-se do parecer nº 252/69, do Conselheiro Valnir Chagas,
sobre estudos pedagógicos superiores, revisando o currículo míni-
mo e a duração para o curso de graduação em Pedagogia. O relator
deste parecer que foi vencedor no CFE foi Newton Sucupira, e o pare-
cer derrotado pelo mesmo Conselho é de autoria da Conselheira Nair
Fortes Abu-Merhy. Vale a pena revisitar ambos, o argumento vence-
dor e o contraponto derrotado.
A tese central do parecer de Valnir Chagas pode ser resumida pela
preocupação em conferir mais precisão ao que imprecisamente o
Decreto-Lei nº 1.190 de 4 de abril de 1969 estabeleceu como bacha-
relado. Com o bacharelado, os formandos em Pedagogia estariam ap-
tos ao exercício dos cargos técnicos de educação (arts.51, letra c, e
52). Para o parecerista, "exercícios dos cargos técnicos de educa-
ção" era uma forma genérica e imprecisa
exatamente porque o planejamento, a organização e a execução do
processo educacional ainda não alcançavam níveis de objetiva espe-
cialização.
Esse processo de imprecisão facilitou uma espécie de clientelismo
perverso porque, nascida de bons e louváveis processos internos as
necessidades pedagógicas, a definição genérica acabou facilitando o
clientelismo tradicional do serviço público brasileiro.
[... ] atenuou-se gradativamente a exigência do curso à medida que os
cargos, aqui e ali ocupados por profissionais realmente capazes, cres-
ciam em número e ofereciam oportunidades para um emprego mais
ou menos rendoso e de obrigações pouco definidas.
4
4 Parecer do CFE: "Graduação em Pedagogia Currículo Mínimo e Duração",
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, Vol. 51, n.
114, abr/jun 1969, p. 340.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
Todas as especialidades abrigavam-se no rótulo inespecífico de
"técnico de educação" e de tão inespecífico e genérico, argumenta o
parecerista, chega ao quase descrédito geral.
Planejamento, orientação e supervisão, ou ainda certas "especia-
lizações mais elaboradas", não estavam contempladas na legislação
anterior à Reforma de 68 que, basicamente, mantinha inalterado o
prescrito no Decreto Lei nº 1.190/39. O argumento de Valnir Chagas
reforça a necessidade de estabelecer com mais nitidez as especialida-
des que a educação moderna requer para funcionamento e bom de-
sempenho dos processos pedagógicos. A Lei de Diretrizes e Bases de
61 mostrou-se "por demais tímida quanto aos profissionais da Educa-
ção stricto sensu"...'' Valnir Chagas está se referindo aos "profissio-
nais não-docentes da Educação" (meu grifo). A correção que a nova
lei (Lei nº 5.540/68) impõe prevê no artigo 30 que
a formação de professores para o ensino do segundo grau, de disci-
plinas gerais ou técnicas, bem como o preparo de especialistas des-
tinados aos trabalhos de planejamento, supervisão, administra-
ção, inspeção e orientação, no âmbito de escolas e sistemas esco-
lares, far-se-á em nível superior [meu grifo].
Pela Reforma de 68, o diploma único de bacharel incluiria as oito
habilitações previstas na legislação para as quais previram-se onze
matérias "que se desdobram em dezessete para ensejar as combina-
ções necessárias em cada caso".
6
Mas, seguimos com o parecer, aco-
lhendo a idéia de um só diploma, o Plenário aprovou emenda do Con-
selheiro D. Luciano Duarte e fixou como título único o de "licencia-
do".
Até aqui, portanto, falamos das duas alternativas possíveis aos di-
plomados em Pedagogia. Em princípio, devem ser sempre professo-
5 Parecer do CFE: "Graduação em Pedagogia — Currículo Mínimo e Du-
ração", op. cit., p. 340.
6 Idem, p. 346.
Helena Bomeny
res do ensino normal e ainda, podem estar habilitados a exercer as
especializações de cunho funcional-pedagógico (orientação educa-
cional, administração escolar, supervisão, inspeção). E o magistério
do primeiro grau? Legalmente, prossegue o parecerista, quem está
habilitado para o mais pode responder pelo menos, ou seja, quem
prepara o professor primário tem condições de ser também professor
primário, Teria, não fora sua própria conclusão:
Entretanto, a questão não deixa de ter certa procedência de ângulo
técnico, pois nem todos os diplomados em Pedagogia recebem a for-
mação indispensável ao exercício do magistério da escola do primei-
ro grau. Para obviá-la, indicou-se o estudo da respectiva Metodologia
e Prática sem, contudo, criar uma habilitação especial que parece
prematura, (p.348) Como que antecipando futuras distorções, o
Conselho Federal de Educação, através do parecer em questão, prevê
a obrigatoriedade de que o portador de diploma em alguma habilita-
ção tenha alguma prática do ato de ensinar, "para o qual sempre con-
vergem todas as atividades escolares".
7
Acrescenta, ainda, mais uma advertência preventiva de possíveis
abusos posteriores:
Outra condição, de certo modo resultante da primeira, é a limitação
do número de habilitações a duas áreas de cada vez. Evita-se com isto
uma polivalência dispersiva em setores que requerem autenticidade,
sem contudo impedir que o diplomado volte à escola para, mediante
aproveitamento de estudos anteriores, obter novas habilitações que
poderão ser consignadas em apostilas no título inicial.
8
E finalmente, chamamos a atenção para uma última deliberação
que pode ser retomada na análise dos dados apresentados adiante:
Ainda em nível de graduação, permitiu-se que os licenciados em geral
venham a obter diploma de Pedagogia mediante complementação de
7 Parecer do CFE: "Graduação em Pedagogia — Currículo Mínimo e Du-
ração", op. cit., p. 350.
8 Idem, p. 350.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
estudos que alcance o mínimo de 1.100 horas. Com isto, muitos pro-
fessores de "disciplinas de conteúdo" que se sintam atraídos pelo
trabalho pedagógico puro poderão realizar-se mais plenamente, sem
repetir o curso em toda a sua duração, trazendo para o novo campo a
experiência colhida nos mais variados setores do magistério.
1
'
O voto vencido da conselheira Nair Fortes Abu-Merhy traz um ou
dois pontos que, vistos hoje em retrospectiva, revelam a antecipação
de problemas provavelmente não percebidos com tal nitidez à época.
Abu-Merhy chama a atenção para a delicada superposição ou dupli-
cação de funções dos cursos de Pedagogia e dos Institutos de Educa-
ção. O curso oferecido pela Faculdade de Educação acabava concor-
rendo com o do Instituto de Educação. Muito embora sua referência
tenha sido o então Estado da Guanabara, é possível estender sua ad-
vertência para todo o país. Uma concorrência que em princípio esta-
ria a favor do Instituto de Educação "pois o Estado só daria valor,
como na realidade acontece, aos títulos que o Instituto expede".
10
Esse
confronto anunciado na Reforma pela Lei nº 5.540 de 28 de novem-
bro de 1968, art. 30, dá ganho de causa às faculdades de Educação
quando estabelece a "exigência de nível superior para formação dos
professores do segundo grau".
Os Institutos perdem a prerrogativa de formação de professores
senão por decreto, mas pelo esvaziamento de uma função que agora
terá que competir com outra instância impulsionada pela própria re-
gulamentação. Em princípio teríamos que considerar também a situa-
ção esdrúxula de se ter imposto uma exigência legal em uma situação
nacional inabilitada para respondê-la.
[...] Há unidades territoriais onde inexistem Faculdades de Educa-
9 Ibidem, pp. 350-351, meu grifo.
10 Parecer do CFE: "Graduação em Pedagogia — Currículo Mínimo e Du-
ração", op. cit., p. 355. Esta segunda parte apresenta o voto vencido de
Abu-Merhy.
Helena Bomeny
ção, e nas quais a realidade educacional impõe seja essa formação
feita apenas nos respectivos Institutos de Educação."
O esvaziamento das funções dos Institutos de Educação acarretou,
de imediato, a proliferação dos Cursos de Pedagogia com vistas ao
credenciamento dos profissionais da educação para o mercado. Outra
conseqüência não menos importante a se anotar foi a entrada
volumosa dos "especialistas" imaturos no mercado.
No projeto de Resolução, a que se refere o Parecer ora em discussão,
o Relator admite que a formação do profissional do ensino primário
se faça em curso com a duração de, pelo menos, ano e meio. Ora,
isso permitirá que Administrador Escolar e o Supervisor Escolar de
estabelecimento de ensino primário possam exercer a sua profissão
com apenas 18 anos e meio. De fato, o estudante poderá ter entrado
no ginásio com 10 anos, completando 11 no primeiro ano letivo, vin-
do então a formar-se como "especialista" antes dos 19 anos!
12
Alguns problemas tornaram-se recorrentes na atuação dos
pedagogos no sistema escolar. Recém-saídos do segundo grau, os es-
tudantes de Pedagogia, futuros profissionais do magistério são expos-
tos a um conjunto de disciplinas que virtualmente os preparam para
serem guardiões dos procedimentos, ou seja, para fazerem cumprir as
regras do como ensinar, do como supervisionar, de como administrar
sem que tenham fundamentação substantiva a respeito de o que ensinar.
Se não foi a Reforma de 1968 que introduziu a questão dos cursos de
Pedagogia, a legislação que a implementou acabou abrindo o campo e
espaço para o aprofundamento de muitas de suas distorções.
Provocado por essa avaliação, o professor Sucupira ponderou que
não só os cursos de Pedagogia recebem os alunos desprovidos de
11 Parecer do CFE: "Graduação em Pedagogia — Currículo Mínimo e Du-
ração", op. cit., p. 355-
2 Parecer do CFE: "Graduação em Pedagogia — Currículo Mínimo e Du-
ração", op. cit., pp. 358-359.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
qualquer conhecimento substantivo e não lhes fornecem conteúdo
para suprir a formação.
Eu diria que o aluno que vai para o Direito se encontra diante de um
terreno inteiramente novo para ele. [...] Não é o caso da medicina,
porque o aluno estudou para habilitar-se inclusive no vestibular.
13
Haveria, segundo ele, uma certa continuidade entre os cursos de
engenharia e medicina e as matérias do segundo grau e do pré-vesti-
bular, o que não acontece com Direito e Pedagogia.
Insisto na tese de que a Reforma de 1968 teria facilitado os desdo-
bramentos em pauta nesta discussão porque a advertência a respeito
do divórcio entre como e o que ensinar estava contemplada antes, no
Parecer nº 292 de 14 de novembro de 1962 que trata de matérias
pedagógicas para a licenciatura. Lemos ali: "é por todos os títulos
desaconselhável separar o como ensinar de o que ensinar. A Didática não
é "un moulin qui tourne en vide"; é a arte de ensinar alguma coisa a
alguém ou, na definição clássica de Comenius, "a arte de ensinar tudo a
todos". O interessante é que dos signatários deste parecer — Valnir
Chagas, Anísio Teixeira e Newton Sucupira — só Anísio Teixeira não
assinou a Resolução de 1969, implementada em 1970, que trata da
formação dos especialistas. Duas conclusões poderíamos aven-
tar. Ou a decisão final acabou resultando em uma armadilha que
capturou, involuntariamente, seus autores, ou concorreram no debate
perspectivas distintas a respeito do que se instituir como curso de
Pedagogia.
Abu-Merhy pretendia amenizar os efeitos que a legislação produ-
ziria com a precocidade da formação de "especialistas", exigindo para
o exercício das funções de diretor, supervisor ou orientador em qual-
quer nível de ensino, experiência anterior de magistério.
13 Newton Sucupira, depoimento a Helena Bomeny, 12 mar 2001.
Helena Bomeny
[...] não se compreende que aos 18 ou 19 anos se possa, em geral,
alcançar a maturidade necessária para o desempenho de tais car-
gos.
14
A combinação do artigo nº 30 da Lei n.5.540/68, cujas disposi-
ções são obrigatórias a partir de 1970, com o Parecer nº 542/70, que
dispõe sobre a orientação educacional nas escolas, aprovado em 4
de agosto de 1970 (Processo nº 1.103/70 - CFE) responde, a meu
ver, pelo divórcio que se criou entre cursos de Pedagogia e Magisté-
rio. O último parecer trata da obrigatoriedade nas escolas dos espe-
cialistas formados nos cursos de Pedagogia. Garantiu-se assim o mer-
cado para os novos profissionais, criando-se também, assim, uma al-
ternativa de trabalho no sistema escolar que dispensou ambos, práti-
ca e experiência de magistério. O projeto
torna obrigatória, em todas as escolas de nível primário, secundário e
universitário, a orientação psicológica, educacional e vocacional aos
alunos, por professor ou grupos especializados.
O parecer do CEPM endossa o pedido e sem mais delongas, o en-
caminha para instância devida. O Decreto nº 72.846 de 26 de setembro
de 1973 prove sobre o exercício da profissão de orientador edu-
cacional. O artigo 2º estabelece o exercício da profissão de Orientador
Educacional como privativo:
1. dos licenciados em Pedagogia provindos de cursos credencia-
dos e reconhecidos;
2. dos portadores de diplomas ou certificados de orientador edu-
cacional obtidos em cursos de pós-graduação, ministrados por
estabelecimentos oficiais ou reconhecidos, devidamente creden-
ciados pelo CFE;
3. dos diplomados em Orientação Educacional por escolas estrangei-
ras, cujos títulos sejam revalidados na forma da legislação em vigor.
14 Parecer do CFE: "Graduação em Pedagogia — Currículo Mínimo e Du-
ração", op. cit., p. 359-
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
A lista das dez atribuições previstas para o exercício da Orienta-
ção Educacional torna ainda mais saliente a advertência a respeito da
precocidade dos especialistas formalmente habilitados na graduação
sem qualquer experiência de magistério.
Essas inquietações mais antigas foram atualizadas no contato com
o professor Sucupira. O fato de, em certo momento, ter concordado
com a avaliação que eu fizera me levou a pensar em algo muito caro à
Sociologia que, estou persuadida, se aplica no caso da deliberação que
instaurou os cursos de Pedagogia no nível da graduação. Trago para o
texto os elementos que se articulam para compor o que se pode pen-
sar como efeito perverso.
Em Efeitos perversos e ordem social, Raymond Boudon trata de
uma noção que, diz ele, familiar aos economistas, pode se constituir
em campo fértil de reflexão sociológica. Trata-se do que ficou conhe-
cido por "efeito perverso".
15
O que são os efeitos perversos? O exem-
plo com que Boudon abre seu livro é didaticamente ilustrativo:
Em período de inflação, tenho interesse em comprar hoje um produ-
to que só usarei no próximo mês, pois estou quase certo de que seu
preço será então mais elevado. Fazendo isso, contribuo para a perpe-
tuação da inflação.
16
Lembra-nos o autor que não há por que restringir esse tipo de efeito
à ordem econômica. Na realidade, "podemos afirmar, sem exagero,
que são onipresentes na vida social e que representam uma das cau-
sas fundamentais dos desequilíbrios sociais e da mudança social".
17
Se
é verdade que a noção do que chamamos hoje efeitos perversos
remonta a Mandeville, Adam Smith e Rousseau, ou seja, que remonta
aos precursores mais importantes da Sociologia, é verdade tam-
15 Raymond Boudon, Efeitos perversos e ordem social, Rio de Janeiro,
Zahar, 1979-
16 Idem, p. 7.
17 Ibidem, p. 7.
Helena Bomeny
bém, nos lembra Boudon, que após Marx, essa tradição foi interrom-
pida em Sociologia. Não é difícil sugerir uma razão possível de tal in-
terrupção. Incluir nos poderosos modelos teóricos sistêmicos con-
tingências de vida cotidiana, como as que alimentam e dão sentido à
lógica dos efeitos perversos, parecia, não só estranho, como inteira-
mente equivocado em termos analíticos. A perda de uma espécie de
segurança anterior abre espaço para inúmeras possibilidades de aná-
lise e interpretação que se constituem em um desafio permanente à
imaginação sociológica. Desafio de um exercício de olhar de forma
diferente para o que parece o "mesmo e antigo fenômeno", na tenta-
tiva de buscar o que provavelmente nem é o mesmo, e nem tão anti-
go fenômeno. Para resumir em poucas palavras a noção de efeito per-
verso, pode-se dizer, de novo com Boudon, que
há efeito perverso quando dois indivíduos (ou mais) que buscam um
dado objetivo geram um estado de coisas não buscado e que pode ser
indesejável do ponto de vista seja de cada um dos dois, seja de um deles.
18
O acompanhamento das discussões que envolveram a Reforma de
1968, o contato com as propostas formuladas pelo Conselho Federal
de Educação, particularmente aquelas que tiveram autoria ou partici-
pação mais direta de Newton Sucupira e o olhar sobre a crise que se
abateu sobre a educação brasileira, incisivamente sobre a formação
de professores, pedra central na idealização das faculdades de Edu-
cação, tudo isso me levou à suposição de que um efeito perverso,
como sugeriu Boudon, poderia ser uma sugestão interessante para
avaliarmos os desdobramentos que advieram da Reforma de 1968.
Newton Sucupira esteve empenhado, como vimos ao longo deste
texto, em aprimorar o ensino superior conferindo lugar de destaque
às faculdades de Educação. Contava muito em sua avaliação a experi-
ência norte-americana do "College" e, como relata mais adiante, aos
18 Raymond Boudon, Efeitos perversos e ordem social, op. cit., p. 20.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
"respectivos cursos 'undergraduate', que conduzem ao primeiro grau
acadêmico — o grau de 'bachelor'..."
19
Trata-se de uma fase inter-
mediária entre o ensino secundário e os altos estudos desinteressa-
dos ou profissionais. Segundo ele, esta é uma lacuna que as faculda-
des de Filosofia teriam a preencher, mas não o fizeram. "Recompos-
tas em novos termos" — Sucupira se refere às alterações provocadas
pela Reforma de 1968 — "poderão tais faculdades abrigar a versão
brasileira daquele grau intermediário de ensino, cometido aos famo-
sos 'Colleges' ingleses e norte-americanos".
20
No entanto, o professor
Sucupira já sabia que o programa de reforma universitária não havia
sido bem-sucedido nesta tarefa. A reforma que se implanta, escreve
ele em 1969,
desinteressou-se da fórmula sugerida... Optou pela criação, em subs-
tituição à dita Faculdade, de múltiplas escolas e institutos. Um para
cada área ou setor fundamental de conhecimentos.
21
E assim, fragmentou uma tarefa que nos "Colleges" é una e global
em seu sentido singular e integrador.
A expectativa e a ambição com relação às faculdades de Educação
eram grandes. Além de dar sentido propriamente universitário à uni-
versidade, elas teriam que estar comprometidas com a atualização e
incorporação de novas metodologias e novas tecnologias, dos meios
de comunicação na área educativa. Os membros do Conselho Federal
de Educação estavam convencidos dessas ambiciosas funções. É de
Celso Kelly a afirmação:
As faculdades de Educação não podem mais, neste século, omitir a
19 Newton Sucupira, "Da Faculdade de Filosofia à Faculdade de Educa-
ção", op. cit., pp. 288-289.
20 Idem, p. 288.
21 Newton Sucupira, "Da Faculdade de Filosofia à Faculdade de Educa-
ção", op. cit., pp. 288.
Helena Bomeny
sua responsabilidade na formação de mestres e orientadores para o
exercício das novas linguagens, integradas no esforço educativo.
22
Nos anos 1960, essa discussão ganha corpo. Anísio Teixeira, que
desde a década de 1920 alertava para a necessidade de criação das
Escolas de Educação, e que nos anos 30 sofrera os efeitos da ação re-
pressiva do governo ditatorial por sua liderança na UDF, no final dos anos
60 volta a sustentar suas posições. Planejar a formação do magistério, no
que diz respeito a treinamento e prática, era uma "necessidade bélica".
As escolas de educação avançadas, ou seja,pós-graduação, são esses
estados-maiores, que juntarão capacidade de estudo e de ação para
ajudar a realização com êxito da batalha do ensino.
23
No projeto de Anísio Teixeira, a reflexão sobre educação se faria
no nível da pós-graduação, ou seja, seria um aperfeiçoamento
metodológico a partir de saberes constituídos. A essência de sua pro-
posta consistia na combinação de alto nível entre prática e pesquisa
educacional, uma experiência distinta da que vigorou ainda no final
dos anos 1960 com as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, como
pudemos acompanhar também com a avaliação de Newton Sucupira.
A ambição era unir no ensino superior as experiências das escolas
normais (experiências práticas) e das escolas de medicina (com seus
laboratórios de pesquisa).
Os cursos de Pedagogia sucumbiram em função do fetiche de nor-
mas e procedimentos reguladores do ofício do magistério, que teve
seu início com Francisco Campos, jurista que se esmerou na redação
dos procedimentos de controle, normalização de fichas de aula,
formalização dos planos de atividades, de cursos, e pela formatação dos
22 Cf. Celso Kelly, "Faculdades de Educação", Documenta, n. 91, set 1968,
p. 112.
23 Anísio Teixeira, "Escolas de Educação", Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, Rio de Janeiro, Vol. 51, n. 114, abr-jun 1969, p. 240 (meu
grifo).
Newton Sucupira e os rumos da educação superior
processos de avaliação. Em uma conjuntura posterior, tudo isso acaba
retornando à cena com o rol dos "conteúdos programáticos" que um
pedagogo aprende nos cursos de Pedagogia, e que exerce como espe-
cialista desmotivado nas unidades escolares. Pode-se responder a esta
provocação com a menção aos cursos de Teoria da Educação, Filo-
sofia da Educação, Avaliação da Aprendizagem, Técnicas de Pesquisa
em Educação, Educação Comparada, História da Educação, Psicolo-
gia Infantil, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia Experimental, en-
tre outros. Mas, com que grau de maturidade intelectual um estudante
recém-saído do segundo grau enfrenta toda essa bateria de reflexões
teóricas a respeito da educação e das mais pertinentes e sofisticadas
metodologias de ensino? Não permanecemos no mesmo ponto críti-
co, qual seja, um aprimoramento de processos de como ensinar sem
um equivalente acúmulo de conhecimento sobre o que ensinar?
O LEGADO DE SUCUPIRA
[...] aqueles que falam da decadência do ensi-
no superior ou não têm memória, porque são
velhos, ou não conhecem a história, porque
são moços.
Newton Sucupira *
trajetória de Newton Sucupira pela educação brasileira
se confunde com a da democratização do acesso à uni-
versidade e, também, com a institucionalização da pós-
graduação entre nós. Esses dois fenômenos, que
tiveram na década de 1960 o divisor de águas, só podem ser
compreendidos se pensados em conjunto, acredita o professor. Foi a
Reforma de 1968 que viabilizou a expansão e a consolidação da
pós-graduação, uma vez que previu no âmbito da vida universitária a
associação de ensino e pesquisa. Antes da Reforma de 68, qual era o
lugar da pesquisa no Brasil, se pergunta Sucupira? Havia uma
demanda por pesquisa desde a década de 1950, ou seja, havia o pleito
pela organização institucional compatível com a exigência de
pesquisa. Tal organização e, sobretudo, "esse fazer da pesquisa
elemento fundamental, isso veio com a Reforma de 68", assegura ele.
Quando a Reforma estabeleceu, pela primeira vez no Brasil, a
indissociação entre ensino e pesquisa, instituiu a idéia, que foi se
consolidando com o passar dos anos, de
Entrevista concedida a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Helena M. Bomeny
que a atividade de pesquisa é institucional, ou seja, que "uma univer-
sidade não pode ser universidade sem que tenha uma programação de
pesquisa ou uma política de pesquisa".
1
Esse é o fundamento da
crença de Sucupira de que foi a Reforma de 68 que deslanchou o
Parecer nº 977/65 fazendo realidade o que era ainda uma intenção.
Muito se deve à pós-graduação no Brasil. Ela foi responsável pela
ampliação do parque editorial a um volume, diversidade e sofisticação
impossíveis de serem mantidos anteriormente. "Eu não atribuo tudo à
pós-graduação", comenta Sucupira, "mas, ela atuou no sentido de
criar-se aqui um mercado de livros científicos que antes não havia".
Mais do que o mercado de livros — a despeito da importância desse
indicador para uma reflexão sobre o aprimoramento do ensino
superior em qualquer país — a mudança no padrão de relacionamento
dos professores com o cotidiano universitário é outro ganho a ser
contabilizado pela nova orientação de valorizar a pesquisa no interior
das universidades.
Na Faculdade de Direito do Recife, onde estudei, por exemplo, os
professores eram juristas. Só que eles iam lá, davam aula e iam embo-
ra. Não havia sentido de pesquisa, não havia maior participação. [... ]
Qual era o lugar em que se fazia pesquisa aqui? Era o Instituto
Manguinhos e, em São Paulo, o Instituto do Café. [...] Esses institutos
foram criados para debelar crises de saúde, como no caso, a febre
amarela. [...]como não há crises ou campanhas no campo da mate-
mática, nem da química, então não havia pesquisa...
2
Como se pressentisse as críticas rotineiras, o professor comenta:
Veja você uma coisa. Houve uma pesquisa da Capes, uma espécie de
avaliação, e apurou-se que 90% dos cursos de pós-graduação foram
aprovados. Então, o que se leu nos jornais? 10% dos cursos de pós-
graduação foram reprovados, como se aquele fosse um índice de de-
1 Newton Sucupira, depoimento concedido a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
2 Idem.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior no Brasil
cadência da pós-graduação. Em 100,90% são aprovados e a notícia
se concentrará nos 10%...
3
Com base em todas essas reflexões, Sucupira está convencido de
que uma das medidas mais fecundas no ensino superior, uma das
medidas que exibe resultados positivos e mensuráveis, é exatamente
a pós-graduação.
Ao final desse percurso em torno de um personagem envolvido
em políticas de educação, alguns pontos ficaram mais bem delinea-
dos em minha própria aventura intelectual. O primeiro deles se rela-
ciona com a conexão, que me é muito cara, entre matrizes intelectuais
e direcionamento de políticas públicas. Atribuo a esse interesse mais
antigo a indagação que persegui quando em contato com Newton Su-
cupira sobre a distinção que seria possível apurar entre as atuações
dele e de Anísio Teixeira. A informação sobre sua fidelidade ao catoli-
cismo durante toda sua vida pública e a tentativa de cotejar esse qua-
dro de referência com aquele que orientou a conduta de Anísio Tei-
xeira, tiveram neste texto a função de ampliar a compreensão pela
diferença. A associação que Sucupira fez na epígrafe que abre este
livro é esclarecedora. Estabeleceu ali um vínculo direto entre sua for-
mação católica e a atitude autoritária que se atribuiu. Alguns dos pila-
res da formação católica ajudam nessa conformação. A ênfase no sen-
tido de autoridade, a inexorabilidade e a valorização do estabeleci-
mento de hierarquia são os mais fortes indicadores de um certo tipo
de concepção filosófica que tem desdobramento específico nas políti-
cas educacionais, por exemplo. O ministério Capanema, fortemente
orientado pelos setores mais conservadores da Igreja Católica, sob a
liderança de Alceu Amoroso Lima, se constituiu em uma representa-
ção típica dessa interação que cuido de aqui tratar. A crença na res-
ponsabilidade da elite sobre a formação do povo, a atribuição de pri-
3 Newton Sucupira, depoimento concedido a Helena Bomeny, 16 fev 2001.
Helena M. Bomeny
oridade ao ensino superior como etapa necessária ao desenvolvimento
da cultura nacional, a convicção de que a observância à autoridade e
ao sentido de hierarquia respondem pela qualidade e excelência do
sistema educacional e, ao lado de tudo isso, a definição de instâncias
hierárquicas com responsabilidades na condução, regulamentação e
fiscalização das ações educativas reforçam a coerência entre idéias e
implementação de políticas.
A alternativa a esse modelo foi tipicamente construída na exposi-
ção dos ideais de Anísio Teixeira. Convertido ao credo do liberalismo
norte-americano, Anísio recusaria os pilares do catolicismo valori-
zando, conseqüentemente, os ideais de igualdade (rejeição ao princí-
pio da hierarquia), e defenderia como dimensões indissociáveis os
ideais de autoridade com liberdade, condicionando a primeira à se-
gunda. O encontro desses dois educadores nos permite entrar no di-
lema tocqueviliano da escolha que a modernidade constrangeu aos
países entre liberdade e igualdade, e do desafio que algumas culturas
se dispuseram a enfrentar ao combinar as duas dimensões na dinâ-
mica da vida social. O francês Alexis de Tocquevüle percebera que os
Estados Unidos da América do Norte seriam o contraste mais saliente
com a experiência de seu próprio país, tradicionalmente engendrado
nos hábitos e princípios da nobreza que não apenas consolidam a
prática da desigualdade, mas a tomam como matriz de concepção da
própria vida comum.
O contato mais estreito com as idéias, os pareceres, as concep-
ções e as orientações intelectuais de Newton Sucupira me deixou
convencida de que suas formulações a respeito do ensino e da edu-
cação não se condicionaram ou se inspiraram no regime autoritário.
Seguindo a conclusão de Max Weber a respeito da montagem e inde-
pendência da burocracia, uma engrenagem que ganha vida própria a
despeito dos regimes políticos, gostaria de deixar como sugestão final
a seguinte postulação: acredito que se Newton Sucupira fosse convo-
cado para formular as bases da regulamentação do ensino superior
no Brasil de JK—o período da história política que ficou consagrado
Newton Sucupira e os rumos da educação superior no Brasil
na memória historiográfica brasileira como o experimento democrá-
tico por excelência — ele não alteraria uma vírgula do que formulou
nos 16 anos em que permaneceu envolvido diretamente com o esta-
belecimento dos rumos da educação superior no Brasil. Não é maté-
ria de regime; é desdobramento de uma escolha intelectual e uma
fidelidade moral constitutivas do ideal de sua formação humana —
Bildung — como ser humano cultivado e constantemente orientado
na direção e na ascese do aperfeiçoamento contínuo. Sucupira man-
tém essa noção também como herança de sua aproximação com o
pensamento pedagógico alemão que elege a Bildung como categoria
típica daquele pensamento, em seu significado mais preciso de for-
mação espiritual, integral da personalidade. Na época de Humboldt,
lembra-nos o professor Sucupira, essa noção estava baseada nas hu-
manidades clássicas e no saber filosófico. Combinar essa dimensão
do humanismo com o fervor religioso que tem no classicismo católico
fonte segura de inspiração, não exigiu do nosso educador um desvio
de curso, e muito menos uma "conversão", como a que ele diagnos-
ticou tão bem quando se referiu à profunda alteração vivida por Aní-
sio Teixeira.
A concepção ideal de democracia terá que lidar, portanto, com a
idéia de responsabilidade da elite na distribuição dos benefícios
auferidos ao conjunto maior da população que não os pôde auferir. A
elite que mais recebeu tem obrigação de dar. Esse é o suposto do
corolário ético-moral, segundo o qual, à elite se atribui a responsabi-
lidade de dizer a quem não sabe, por não ter tido chance de conhe-
cer, o que deve saber. Responsabilidade se mescla, assim, com senti-
do de autoridade intelectual oriunda da situação de quem usufruiu os
bens escassos de socialização e a quem é cobrado conduzir o saber
da maioria. Este o sentido que informa a concepção de democracia
nesta versão de pensamento que constitui parte do universo de valo-
res concebido segundo os cânones do humanismo católico.
Na produção intelectual de Sucupira há um texto que considero
um dos mais elaborados de seus escritos em que faz uma exegese da
Helena M. Bomeny
filosofia da experiência de John Dewey. Sucupira reconstrói com
minúcia os argumentos que sustentam a filosofia da experiência em
Dewey, procede à análise lógica na busca de coerência entre seus
termos, decompõe o modelo e sinaliza os pontos de maior relevo,
responsáveis pela sustentação e pelo lugar que, com justiça, ocupou
na constelação filosófica; reconstrói o sistema a partir dos fundamen-
tos filosóficos e religiosos que o inspiraram para, ao final, enunciar
dois ou três pontos à guisa de "observações críticas". Elaborando o
que anotou como certo "conflito latente entre sua epistemologia
empirista e sua metafísica, entre seu idealismo prático dos valores e
seu método estritamente naturalista",
4
Sucupira nos entrega, finalmente,
a chave para penetrarmos com segurança no mundo que lhe foi aber-
to pelo fervor católico e que fez dele, Sucupira, o intérprete autoriza-
do e o guardião do humanismo cristão:
[... ] ao esforçar-se por libertar o homem de toda referência ao supra-
sensível ou ao sobrenatural e concentrar-se no propósito de promo-
ver a exaltação e progresso do homem, o naturalismo é uma doutrina
essencialmente antropocêntrica e humanista. Todavia, na medida em
que o homem para o naturalismo não passa de um mero processo
dentro da natureza, ele se torna francamente anti-humanista quanto
ao posto do homem no cosmo. Porque, como é possível à base do
método científico que encara apenas relações funcionais de causa e
efeito descobrir-se um valor especial e único à existência humana
dentro do universo que justificasse esse ato de fé na condição huma-
na e sua dignidade que é a filosofia de Dewey?
5
Todo o esforço do filosofar de Dewey consiste, reconhece Sucupi-
ra, em procurar ajustar a reflexão filosófica ao nível dos progressos
da ciência moderna. Tudo o que podemos conhecer sobre a realida-
4 Cf. Newton Sucupira, "John Dewey: Uma filosofia da experiência", Re-
vista Brasileira de Estudos Pedagógicos, out-dez 1960, Vol. 34, n. 80, p.
93.
5 Idem, p. 94.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior no Brasil
de é a ciência que nos pode proporcionar. Em atribuindo tal lugar à
ciência, Dewey instala seu sistema na convicção de que ela pode inter-
vir nas soluções dos problemas cotidianos. A filosofia deweyana que
repele o valor de uma ação imanente, que repele toda contemplação
pura, que traduz uma espécie de fuga diante dos problemas da vida, é
uma filosofia que deve atirar-se à arena onde se desenrola a luta quo-
tidiana, onde se debate a existência humana em seus múltiplos valo-
res. A filosofia tem nessa arena conflituosa, diferenciada, múltipla, a
chance de ajudar o homem a encontrar a solução de seus problemas.
Nessa formulação, não cabem as certezas doutrinárias, ou a idéia
constitutiva do humanismo católico de que há um caminho previa-
mente traçado para os homens e para onde a pedagogia, filosofica-
mente orientada, deve conduzir. O pragmatismo não pode renunciar
ao caráter essencialmente hipotético de todo um sistema de valores
que deve orientar a existência humana. O humanismo cristão, em sua
versão tomista, não pode conviver sem a certeza do credo, e não se
permite, por princípio, suportar a imprevisibilidade de um universo
de valores construído em caráter provisório, checado nas contingên-
cias do quotidiano, alterado e re-instalado em processo de contínua
negociação. Esta me parece a chave que nos permite compreender,
não só o diálogo das duas grandes matrizes de pensamento que dis-
putaram primazia na constituição do sistema educacional brasileiro,
como as matizadas sugestões que desse encontro — e, por que não
dizer, confronto —, o pensamento social brasileiro vem armazenando
como estoque de interpretações do que seriam o Brasil e a cultura
brasileira.
É imbuído da religiosidade cristã, cultivada na certeza da submis-
são da criatura ao Criador, e da precedência tomista da revelação
sobre a descoberta científica, que Sucupira se aventura a identificar o
que seria o humanismo brasileiro como aquele que se deriva da men-
sagem cristã. E se arrisca postular, com a certeza dos que crêem, que
não nos reconheceríamos no que somos espiritualmente, em nossas
Helena M. Bomeny
virtudes humanas mais características, sem o cristianismo que nos
educou, que modelou o mais íntimo de nosso ser nacional. [...] um
humanismo brasileiro que ignore suas raízes cristãs não será, nem
verdadeiramente humanismo, nem autenticamente brasileiro.
6
Cf. Newton Sucupira, "Um humanismo brasileiro, seu conteúdo e seu
papel como ideário educacional", s/d, p. 11, mimeo.
A
NEXO
E
R
EFERÊNCIAS
DESTINOS CRUZADOS*
ossos destinos se cruzaram pela primeira vez, por volta de 1930.
Anísio Teixeira vinha de um desencontro. Eu, de um
encontro.
Um largava a Fé de sua infância. O outro a reencontrava.
Cruzamo-nos à porta da Igreja. Saindo um. Entrando o outro. Como
Renan e Newmann em 1835, Si parva licet. Daí o inevitável choque
inicial. Se algum desocupado ou freqüentador de sebos folhear as
folhas amarelecidas e virginais de um livro chamado Debates
pedagógicos, nelas encontrará o testemunho desse dissídio inicial. 0
jovem baiano, discípulo do Padre Cabral e dos jesuítas do Colégio
Antônio Vieira, cansado da disciplina escolástica e dos argumentos de
autoridade, descrente do próprio molinismo, descobria a liberdade e
trocava a Religião pela Educação. O carioca do Cosme Velho, cansado
da disponibilidade e do diletantismo, descrente do próprio liberalis-
mo, descobria a autoridade do Dogma como chave da verdadeira li-
bertação e dizia adeus à disponibilidade, na esperança de se tornar
mais disponível à ação da Graça. Nossos caminhos então nos coloca-
ram em campos opostos. Recebi, cristão-novo e calouro inexperien-
te, com a maior hostilidade, o Manifesto dos Pioneiros, de 1931,' re-
digido ao que parece por Almeida Júnior,
2
mas no qual, direta ou indi-
* Alceu de Amoroso Lima, Companheiros de viagem, Rio de Janeiro, José
Olímpio, 1971, pp. 303-305.
1 O Manifesto do Pioneiros é de 1932.
2 O Manifesto foi redigido por Fernando de Azevedo.
Helena M. Bomeny
retamente, intendera o dedo desse pequeno gigante como sempre foi
Anísio Teixeira. Pequeno de estatura física, gigante de estatura intelec-
tual e moral como o seu glorioso conterrâneo Rui Barbosa. Desde
então os novos rumos da educação no Brasil, que Francisco Campos
e Gustavo Capanema iriam institucionalizar depois da Revolução de
30, foram marcados pela ação de duas personalidades excepcionais:
Lourenço Filho e Anísio Teixeira, hoje definitivamente esculpidos como
cariátides da Educação Nova no Brasil. Nova pelos seus rumos prag-
máticos e nova pela metodologia. A princípio, tanto um como outro,
na linha do movimento modernista de 1922 e como sua ala marchante
nos domínios da educação, colocaram a educação brasileira no dile-
ma Autoridade-Liberdade. Ou Antiga-Moderna. Ou Religiosa-Laica. Em
pleno maniqueísmo. Seus oponentes, entre os quais me encontrava,
se colocavam em posição radical idêntica, mas do outro lado da bar-
ricada. Como se fosse um imperativo o Sim ou o Não, nesses como em
todos os demais terrenos em que o espírito revolucionário ou reacio-
nário de então se colocavam como inimigos irreconciliáveis. Come-
çava para o Brasil a era das adversativas. A Revolução de 30 nos se-
parara de modo aparentemente definitivo. Ao passo que paradoxal-
mente a de 64 é que nos iria reunir. Na realidade o que nos aproxi-
mou foi a meditação e fria experiência da vida. Dissemos ambos os
nossos adeuses aos extremos de posições irredutíveis e compreen-
demos que a verdade é muito mais complexa e acolhedora do que
todos os sectarismos. E está sempre para lá de todos os rótulos por
mais enganadores que sejam.
Quando, em maio de 1964, denunciei o "terrorismo cultural" que
começava de cima para baixo a carreira vitoriosa do terrorismo entre
nós, protestei contra a demissão de Anísio Teixeira. O Presidente Cas-
telo Branco, que era um homem superior às paixões mesquinhas, deu-
me a honra insólita de um telefonema em que me explicava a demis-
3 Conselho Federal de Educação.
Newton Sucupira e os rumos da educação superior no Brasil
são de Anísio, "educador que ele tanto admirava", por "injunções po-
líticas..."
Nosso convívio, lado a lado, no Conselho Federal de Cultura,
3
me
aproximou então definitivamente de Anísio Teixeira. Não há nada como
a presença para dissipar ou aumentar as prevenções. Pude então apre-
ciar de perto sua personalidade excepcional. Não era só o brilho ex-
traordinário de sua inteligência que a propósito de qualquer peque-
no debate alçava vôos aquilinos com supremo desprezo por aquelas
intermináveis discussões em torno de minúcias regimentais ou mes-
mo legais, que para ele representavam a negação do território huma-
no da formação cultural, domínio da verdadeira tarefa educativa. Eram
igualmente sua cultura, sua bondade, sua despretensão, seu alto teor
moral, sua extrema sensibilidade. Compreendi que pertencia e nunca
deixara de pertencer ao número dos membros Invisíveis do Corpo
Místico de Cristo. Mas as revoluções, que devoram os revoltosos, tam-
bém não toleram os revoltados. Quando nossos mandatos termina-
ram, não foram naturalmente renovados... E cessou de novo para mim
a invencível sedução de sua presença. Mas ficou, para sempre, a ima-
gem viva de uma chama ardente e angustiada, que mal cabia na estrei-
teza de seu corpo de asceta e que animou um dos maiores e mais
desaproveitados valores do Brasil contemporâneo.
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Amílcar Figueira Ferrari
José Pelúcio Ferreira e a pós-
graduação no Brasil
Helena Bomeny
Newton Sucupira e os rumos da
educação superior
Walter Colli (ed.)
Paschoal Senise, uma carreira
dedicada à educação
Maria Stella de Amorim
Roberto Cardoso de Oliveira, um
artífice da Antropologia
Tsuruko, A estudante azul, acrílica sobre teta, 1993.
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