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Mediatamente!
Televisão, cultura e educação
Brasília, 1999
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Presidente da República Federativa do Brasil
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da Educação
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
SÉRIE DE ESTUDOS / EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
MEDIATAMENTE! TELEVISÃO, CULTURA E EDUCAÇÃO
Secretaria de Educação a Distância / MEC
Coordenador editorial
Cícero Silva Júnior
Ministério
da Educação
Mediatamente!
Televisão, cultura e educação
Comunicações ao Seminário Internacional Imagem, Cultura & Educação,
realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em abril de 1998.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
SÉRIE DE ESTUDOS
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Mediatamente! Televisão, cultura e educação / Secretaria de Educação a Distância.
Brasília: Ministério da Educação, SEED, 1999.
112 p. - (Série de Estudos. Educação a Distância, ISSN 1516-2079; v.11)
1. Ensino a distância. I. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a
Distância. II. Série.
CDU 37.018.43
Edição
ESTAÇÃO DAS MÍDIAS
Edição de texto
Maria Izabel Simões Gonçalves
Edição de arte
Rabiscos
Ilustração da capa
Sandra Kaffka
Revisão
Marisa M. Sanchez
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Esplanada dos Ministérios, Bloco L,1° andar, sala 100
Caixa Postal 9659 - CEP 70001-970 - Brasília, DF
tax: (0XX61) 410.9178
site: www.mec.gov.br/seed
Copyright © Ministério da Educação - MEC
Tiragem: 110 mil exemplares
ISSN 1516-2079
Os textos deste novo livro da Série de Estudos, organizados sob
o título Mediatamente! - Televisão, Cultura e Educação foram ori-
ginalmente produzidos para o Seminário Internacional Imagem,
Cultura & Educação, realizado em abril de 1998 pelo Fórum de Ciên-
cia e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
O objetivo dos trabalhos é aprofundar o debate teórico sobre
uma complexa questão colocada hoje para a escola: como atuar nesse
novo "ecossistema" comunicativo que domina os vários espaços da
vida social e do qual emerge outra cultura, outro modo de ver e ler,
de pensar e aprender.
Trata-se de examinar criticamente e compreender melhor os
meios de comunicação, sem subserviência à Comunicação e às
tecnologias da informação, sem abandono do que já está construído,
sem subestimar a figura do professor.
Os meios de comunicação - as mídias -o vistos aqui como
algo presente no mundo real, no cotidiano das pessoas, forjando
subjetividades que aindao foram devidamente captadas pela es-
cola. Incorporá-los, como recursos didáticos, ao projeto pedagógi-
co é, portanto, uma necessidade decorrente da exigência de que a
educação escolar esteja colada à vida e às circunstâncias sociais.
Ao publicar este livro, a Secretaria de Educação a Distância do
MEC pretende ampliar o debate das questões analisadas no semi-
nário da UFRJ, estendendo-o à reflexão de professores e outros pro-
fissionais que utilizam as novas tecnologias e educação a distância,
especialmente os que trabalham com a TV Escola e o Prolnfo.
Secretaria de Educação a Distância
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO - UM PASSAPORTE PARA O NOVO MILÊNIO
Thales Pontes Luz 11
EDUCAÇÃO, MOVIMENTO E ESCOLHA
José Roberto Sadek 13
NOVOS REGIMES DE VISUALIDADE E DESCENTRALIZAÇÕES CULTURAIS
Jesús Martín-Barbero 17
A CULTURA DO HIPER-REAL
Artur da Távola 41
OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A SOCIEDADE
Francisco Martínez Sánchez 55
MÍDIA E APRENDIZAGEM
Judith Lazar 91
CARTA PARA O SÉCULO 21 109
ORGANIZADORES
Vera Maria Palmeira de Paula
Educadora e Coordenadora de Projetos Especiais
do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ
Maria Eloisa Guimarães
Professora da Faculdade de Educação da UFRJ e
Pesquisadora do Instituto da Cultura e
Educação Continuada - IEC-RJ
José Renato Monteiro
Psicólogo e Consultor de projetos de teleducação
Paulo Roberto de Freitas
Arquiteto e Pesquisador associado da Biblioteca Virtual
de Estudos Culturais do Programa Avançado
de Cultura Contemporânea da UFRJ
Thales Pontes Luz
Médico, Professor da UERJ e
Assessor da Presidência da Faperj
Marcia Leite
Arquiteta, Pedagoga e Diretora da Escola Olga Mitá, RJ
INTRODUÇÃO - UM PASSAPORTE
PARA O NOVO MILÊNIO
Thales Pontes Luz
Médico, Professor da UERJ e
Assessor da Presidência da Faperj
A partir do seminário internacional Imagem, Cultura & Edu-
cação, realizado em abril de 1998 na Universidade Federal do Rio
de Janeiro, foi elaborada esta coletânea. As comunicações apre-
sentadas ao seminário compõem uma densa antologia temática,
verdadeiro passaporte para o novo milênio para quem pretende
discutir o uso e o impacto dos novos meios de comunicação na
educação e na cultura. No final, a partir das discussões dos par-
ticipantes do seminário, todos da mais alta qualificação acadê-
mica, foi elaborada a Carta para o Século 21, como síntese da
reflexão e das propostas dos participantes.
Em cada texto, uma faceta dessa reflexão. Artur da Távola,
representante da mídia e do Parlamento, diagnostica: "Vive-
mos o momento da normalidade como exceção e do equilí-
brio como alienação". Sadek pede pressa, "antes que a histó-
ria nos atropele". Martín-Barbero, da Colômbia, apresenta um
manifesto-provocação, "mas uma provocação ao ato de pen-
sar", rico em pertinentes reflexões. Judith Lazar, da Universi-
dade de Paris X, brinda-nos com seu discurso sobre mídia e
aprendizado. E Francisco Martínez Sánchez, da Universidade
de Múrcia, na Espanha, defende a necessidade de que o cida-
o tenha uma formação adequada para analisar pessoalmen-
te as informações e tomar decisões próprias sobre os meios e
suas mensagens.
Ficam de parabéns com esta importante publicação os auto-
res, os organizadores e os leitores. É desta forma que se conse-
gue aprimorar e fazer avançar o conhecimento.
As instituições que apoiaram a iniciativa também estão de
parabéns. Mostraram que recursos financeiros de pequena gran-
deza, corretamente investidos, retornam em produtos técnico-
científicos de grande valor.
Que o próximo seminário internacional sobre imagem, edu-
cação e cultura seja planejado e realizado, para queo haja so-
lução de continuidade, mas sim o avançar rumo a soluções.
EDUCAÇÃO, MOVIMENTO E ESCOLHA
José Roberto Sadek
Diretor de Produção da TV Escola
A grande maioria dos textos sobre educação traz escrito que
ela transforma ou fomenta a transformação do estudante, do
aprendiz, enfim, do ser em educação.
O termo transformação, no entanto, tem outros significados.
Transformação pode ser o resultado de uma série de trabalhos
árduos e longos, ligados às práticas de iniciação, em que um dis-
cípulo é orientado pelo mestre para atingir outro estado de com-
preensão da realidade. Transformação também é um conjunto de
atividades que podem alterar estruturalmente uma pessoa, que
mudam a forma da psique e do corpo.
Para o que interessa aqui, que é falar de educação, prefiro o
termo "movimento" em lugar de "transformação". É mais ade-
quado, mais útil e mais preciso. Qualquer processo educativo,
qualquer mudança requer movimento. Todos os crescimentos,
quaisquer que sejam, começam com algum movimento.
Há o movimento interior, aquele de refletir, de digerir, de
metabolizar as informações e processos, que nem sempre é lem-
brado ou considerado. Há também o movimento exterior, aque-
le feito em direção ao outro, ao colega, ao professor, ao objeto
de análise, ao infinito universo do conhecimento.
Construir conhecimentos, criar conexões, relacionar fatos,
analisar argumentos, duvidar de algumas verdades, descobrir
ou inventar outraso alguns movimentos fundamentais na
educação. Podemos entender educação como o estado de es-
pírito, a disposição interior de aprender, de descobrir, de re-
lacionar, de construir. É um estado de permanente movimen-
to. Ou deveria ser.
Se bem me lembro das aulas de Física, há inércia em repou-
so, que todos conhecem, e há inércia em movimento, idealmente
conceituada como um movimento uniforme num ambiente sem
qualquer resistência e sem qualquer atrito.
Romper a inércia do repouso é requisito básico quando se
fala em educação. Para isso, é necessário haver uma energia ini-
cial capaz de desencadear o movimento. E, quando há inércia
em deslocamento constante, também é necessário energia para
iniciar um movimentoo uniforme, ou, no mínimo, compen-
sar o atrito da realidade que tende a paralisar os movimentos.
Os meios de comunicação, quando usados para a educação,
podem propor, provocar e mesmo exigir movimentos de alunos e
professores. Esses meios podem ser (e cada vez mais são) iniciadores
de movimentos.o pontos de partida no processo de educação.
o a energia que altera o estado de inércia.
Por um lado, é um absurdo achar que os meios de comuni-
caçãoo criticáveis ouo abomináveis porque permitem que
o usuário relaxe ou que fique hipnotizado pela confortável ofer-
ta desses mesmos meios. O que há de condenável nisso? Lazer é
uma importante e agradável conquista da sociedade pós-revolu-
ção industrial. Os novos meios (aliás,oo novos assim)o
principalmente usados de forma passiva pela maioria das pesso-
as, em boa parte do tempo que é dedicado ao descanso e à di-
versão.o há como negar, isso todo mundo sabe.
Por outro lado, a inércia diante das máquinaso é a única
forma de aproveitá-las, eo é esse o estado que interessa à edu-
cação. Principalmente porqueo provoca nem propõe movi-
mentos. Estes meios cada vez maiso usados como geradores
de movimentos, como iniciadores de processos. Certamente, in-
duzem movimentos mais proveitosos e mais inteligentes do que
o de levar a pipoca do saquinho à boca ou o de clicar obsessi-
vamente um game sem que qualquer coisa aconteça.
14
Os professores gregos, há mais de dois mil anos, conversa-
vam e discutiam à sombra de uma árvore. Eram momentos pre-
ciosos, de grande crescimento (e movimento) de todos, discípu-
los e mestres. Eles simplesmente falavam e escutavam uns aos
outros. Hoje, o papel do educador é semelhante. Semelhante, mas
o igual, já que os tempos mudaram muito. Os professores já
ooo preparados como os filósofos gregos. O número de
informações produzidas e disponíveis aumentou inacreditavelmen-
te. Os alunos agorao crianças em menor poder de concen-
tração. E, é importante ressaltar aqui, há novos meios de comu-
nicação, com os quais os aprendizes estão familiarizados, muito
antes de chegarem à escola.
Se na Grécia as palavras eram suficientes para induzir movi-
mento, hoje issoo é necessariamente verdade. Muitas aulas ain-
dao dadas somente com palavras, e algumas até podem gerar
movimentos nos alunos. No entanto, as novas mídias provocam
nos estudantes movimentos mais numerosos, mais amplos e mais
interessantes.o é necessário hoje indagar se os novos veículos
ajudam na educação. É mais adequado perguntar como aprovei-
tar na educação os movimentos induzidos por esses meios. Cabe
agora descobrir qual o modo de acompanhar o movimento do
aprendiz, ou qual a melhor forma de orientar esses movimentos
para reproduzir cidadãos mais conscientes, capacitados e prepa-
rados para o mundo fora da escola.
As longas e redundantes elaborações sobre o "o papel da mídia
na escola"o uma perda de tempo e de energia. A questão das
mídias na educação já foi respondida de forma contundente pela
própria sociedade e pelo mercado de trabalho. É um assunto
historicamente ultrapassado. A presença, a importância e a ne-
cessidade da televisão e do computadoro indiscutíveis. E me-
lhor usar o tempo e a energia para pesquisar como trabalhar os
movimentos provocados pelas novas tecnologias.
Os movimentos sugeridos aos usuários pelos novos veículos
nem sempreo iguais, e seus desdobramentos nem sempreo os
mesmos. Trabalhar esses movimentos proveitosamente é também
receber e aceitar conteúdos e formas (mensagens) de maneira dife-
rente e adequada às pessoas ou grupos receptores.
Nem todas as mensagens (programas, seja de televisão ou de
computador)o recebidas igualmente. Depende muito da expe-
riência anterior do receptor. A mensagem é principalmente fun-
ção do receptor eo do meio. O meioo mais é a mensagem.
Quando muito, faz parte da mensagem. E só se pode dizer isso
hoje, pois ontem foi diferente e amanhã, ninguém sabe.
Por isso, é importante definir e escolher a mensagem (o pro-
grama) com que se vai trabalhar. Nem todos os programaso
iguais, nem todos os assuntos podem ser colocados da mesma
maneira, nem tudo serve para todos os usuários. Mais uma vez, o
papel dos educadores (que tambémo aprendizes) é fundamen-
tal. Selecionar os programas conforme sua estratégia de ensino e
trabalhar com os movimentos provocados por eleso é, nem de
longe, tarefa fácil. Mas precisa ser feita.
As novas mídias oferecem infinitas alternativas e possibilida-
des.o incontáveis os recursos, o repertório e os caminhos que a
tecnologia permite percorrer no universo colocado à nossa dispo-
sição. Esses trajetoso muito mais numerosos do que nossa capa-
cidade humana permite conhecer para escolher. E, no entanto, é
necessário conhecer, escolher e percorrer algum trajeto.
Novamente, cabe ao educador essa tarefa. Certamente eleo está
, nem escolhe ao acaso. Estratégias, planejamentos e projetos peda-
gógicoso instrumentos fundamentais nessa decisão. Discussões,
pontos de partida, pontos de chegada, caminhos e conexõeso dife-
rentes em cada caso, porque dependem do projeto, da região, do lu-
gar, da escola e do professor. O universo de escolhas é maior do que
qualquer um des poderá usar ao longo de toda a vida. Há muitas
alternativas adequadas e eficientes. Mas precisam ser eleitas.
Por que utilizar as novas mídias,o cabe mais discutir. Duvi-
dar se se deve ouo usá-las parece anacrônico. Ninguém mais de
bom senso se preocupa com isso. Como usar, com que objetivos
e que alternativas escolhero as questões que precisam de respos-
tas. E rápidas, antes que a história nos atropele.
NOVOS REGIMES DE VISUALIDADE
E DESCENTRALIZAÇÕES CULTURAIS
Jesús Martín-Barbero
Pesquisador, Escritor e Professor da
Escola de Comunicação Social da Colômbia
Manual de uso:
Como esta palestra está escrita no tom e no estilo
de um manifesto, atrevo-me a sugerir que seja
lida como uma provocação, mas uma provocação
ao ato de pensar. O contexto de debate e diálogo
no qual o texto se apresenta abre a possibilidade
de dar textura e desburocratizar o que aqui se
apresenta excessivamente esquematizado e
apenas esboçado.
Cumplicidades entre a oralidade cultural
e a visualidade eletrônica
Por mais escandaloso que nos possa parecer, é um fato que as
massas latino-americanas estão se incorporando à modernidadeo
através do livro, mas a partir dos discursos e das narrativas, dos
conhecimentos e da linguagem, da indústria e da experiência do
audiovisual. Essa transformação nos oferece graves desafios, que
tornam obsoletos tanto os modos de análise e avaliação eruditos
como os populistas. E se as massas estão se apropriando da
* Tradução: Renato Rezende
modernidade sem deixar sua cultura oral, é porque essa cultura in-
corporou a "oralidade secundária" tecida e organizada pelas gra-
máticas técnico-perceptivas do rádio e do cinema, num primeiro
momento, e hoje está incorporando a visualidade eletrônica da
televisão, do vídeo e do computador. Uma visualidade que, como
afirma A. Renaud, se tornou parte da visibilidade cultural, "ao
mesmo tempo ambiente tecnológico e novo imaginário, capaz de
falar culturalmente - eo apenas de manipular tecnicamente -,
de abrir novos espaços e tempos a uma nova era do sensível" . Desse
modo, a cumplicidade e o intercâmbio entre a oralidade cultural e
as linguagens audiovisuaiso remetem - como boa parte de nos-
sos intelectuais e sistemas educativos anacrônicos pretendem - nem
à ignorância nem às excentricidades do analfabetismo; remetem
às descentralizações culturais que estão produzindo em nossas so-
ciedades os novos regimes do sentir e do saber que passam pela
imagem e que a televisão e o computador catalisam.
Das contradições que atravessam a modernidade , o primei-
ro elemento de des-ordem na cultura foi introduzido pelo cine-
ma. Ao conectar-se com o novo sensorium das massas, com a
"experiência de multidão" que o pedestre vive nas avenidas das
grandes cidades, o cinema veio aproximar os homens das coisas,
pois como afirma Walter Benjamin: "Deixar sua marca em cada
objeto, triturar sua aura, é a assinatura de uma percepção cujo
sentido em busca do igual no mundo tem crescido tanto que,
inclusive através da reprodução, ganha terreno ao induplicável" .
Ao triturar a aura - especialmente a aura da arte, que era o eixo
daquilo que as elites consideravam cultura -, o mundo dos no-
vos clérigos sofreu uma ferida profunda: o cinema fazia visível a
modernidade de algumas experiências culturais queo se regi-
am por seus cânones nem eram desfrutadas a partir da perspetiva
1
ONG, W. Oralidade y escritura. México, FCE, 1987. p. 130 e seg.
2
RENAUD, A. Videoculturas fin de siglo. Madrid, Cátedra, 1990, p. 17.
A análise pioneira dessas contradições encontra-se em: BELL, D. has contradicciones
culturales del capitalismo. Madrid, Alianza, 1997.
4
BENJAMIN, W. Discursos interrumpidos. Madrid, Taurus, 1982. v. I, p. 25.
dos seus gostos. Mas, uma vez domesticada essa força subversiva
do cinema pela indústria de Hollywood, que expande sua gra-
mática narrativa e mercantil para o mundo inteiro, a Europa
reintroduz nos anos 1960 uma nova legitimidade cultural, o "fil-
me de autor", com o qual recupera o cinema para o mundo da
arte e o distancia de forma definitiva do meio que nesses mes-
mos anos fazia sua entrada no cenário mundial: a televisão.
Mais do que buscar seu nicho na idéia erudita de cultura, a
televisão acabou se tornando o meio que desordena de forma
mais radical a idéia e os limites do campo da cultura: suas
marcantes separações entre realidade e ficção, entre vanguarda e
kitsch, entre espaços de ócio e de trabalho. "Nossa relação com
os produtos de massa e a alta cultura foi transformada. As dife-
renças foram reduzidas ou anuladas, e com as diferenças se de-
formaram as relações temporais e as linhas de filiação. Quando
se registram essas mudanças de horizonte, ninguém pode dizer
que as coisas estão melhor ou pior, simplesmente mudaram, e,
assim, os critérios de valor deverão também seguir parâmetros
distintos. Devemos começar pelo princípio e nos perguntar o que
está acontecendo".
Em nossos países subdesenvolvidos, a experiência audiovisual
repensa as formas de continuidade cultural ao propor a existên-
cia de uma geração nova "cujos sujeitoso se constituem a partir
de identificações com figuras, estilos e práticas de tradições alheias,
que até hoje definem o que é cultura, mas sim a partir da cone-
xão/desconexão (do jogo de interface) com as tecnologias"
6
.
Estamos diante de uma geração que aprendeu a falar inglês dian-
te da imagem de televisão captada por uma antena parabólica, e
o na escola, que tem forte simpatia pela linguagem das novas
tecnologias e que se sente mais à vontade escrevendo no compu-
tador do que numa folha de papel. Tal simpatia se apóia numa
'" ECO, U. "La multiplicación de los médios" in Culturas y nuevas tecnologias. Madrid,
Novatex, 1986, p. 124.
" RAMIREZ, S. & MUÑOZ, S. Trayectos del consumo, itinerarios biográficos y
producción-consumo cultural. Cali, Univalle, 1995, p. 62.
"plasticidade neuronial" que dota os adolescentes de uma enor-
me capacidade de absorção de informação, seja ela via televisão
ou video games, e de uma facilidade quase natural para entrar na
complexidade das redes informáticas e manejá-la. Ao contrário
da distância com que grande parte dos adultos resiste a essa nova
cultura - que desvaloriza e torna obsoletos muitos de seus conhe-
cimentos e habilidades -, os jovens respondem com uma aproxi-
mação compostao apenas por uma facilidade em se relacio-
nar com as tecnologias audiovisuais e informáticas, mas também
por uma cumplicidade cognitiva e expressiva: encontram seu rit-
mo e seu idioma nos relatos e imagens dessas tecnologias, em
sua sonoridade, fragmentação e velocidade.
Issoo faz senão comprovar a atual radicalização do
desencravamento que, de acordo com Giddens, introduz a
modernidade na percepção do espaço - isto é, a
desterritorialização da atividade social dos contextos da presen-
ça, libertando-a das restrições impostas pelos mapas mentais,
hábitos e práticas locais. Assistimos à configuração de uma
espacialidade cujas delimitações jáo se baseiam na distinção
entre interior, fronteira e exterior. E que, portanto,o emerge
da viagem que tira alguém do seu pequeno mundo, mas
exatamente de seu contrário: a experiência doméstica converti-
da pela televisão e pelo computador em território virtual ao qual,
como disse Virilio "tudo chega sem que se necessite partir".
É justamente no cenário doméstico que a descentralização
produzida pela televisão se transforma numa verdadeira desor-
dem cultural. Enquanto a cultura do texto escrito criou espaços
de comunicação exclusivos dos adultos, instaurando uma segre-
gação marcante entre adultos e crianças, a televisão dá um curto-
circuito nos filtros da autoridade dos pais, transformando os
modos de circulação da informação no lar. "O que há de verda-
PISCITELLI, A. "Del péndulo a la máquina virtual" in Bleicmar, S. Temporaralidad,
determinación, azar. Buenos Aires, Paidos, 1994.
GIDDENS, A. Conseqüências de Ia modernidad. Madrid, Alianza, 1994, pp. 31 e
seg.
deiramente revolucionário na televisão é que ela permite aos mais
jovens estar presentes nas interações entre os adultos (...). E como
se a sociedade inteira tivesse tomado a decisão de autorizar as
crianças a assistir às guerras, aos enterros, aos jogos de sedução,
aos interlúdios sexuais, às intrigas criminosas. A pequena tela
expõe às crianças os temas e comportamentos que os adultos se
esforçaram para lhes ocultar durante séculos." Já que seu usoo
depende de um código complexo de acesso, como é o caso do
livro, a televisão mostra às crianças, desde que elas abram os olhos,
o mundo anteriormente velado dos adultos.
Mas, ao darmos mais importância aos conteúdos do que à
estrutura das situações, continuamos sem compreender o verda-
deiro papel que a televisão tem na reconfiguração do lar. E aqueles
que enxergam dessa perspectiva se limitam a culpar a televisão
pela incomunicação que a instituição familiar sofre, como se antes
da televisão a família fosse um remanso de compreensão e diálo-
go! O que nem pais nem psicólogos se perguntam é por que,
apesar de ainda gostarem de livros para crianças, as crianças pre-
ferem - numa porcentagem que chega a 70% ou mais, de acor-
do com pesquisas realizadas em muitos países - os programas de
televisão para adultos. Aqui se esconde uma pista fundamental:
enquanto o livro disfarça o seu controle (tanto o que sobre ele
se exerce quanto o que se realiza através dele) sob seu estatuto
de objeto distinto e sua complexidade de temas e vocabulário, o
controle da televisãoo admite disfarces, o que torna a censura
explícita. E isso, por um lado, desmascara os mecanismos de si-
mulação que sustentam a autoridade familiar, pois em realidade
os pais interpretam papéis que a televisão desmascara: nela os
adultos mentem, roubam, se embriagam, brigam... E, por outro
lado, a criançao pode ser castigada pelo que vê (como o é
por aquilo que lê clandestinamente), poiso foi ela quem trou-
xe, subliminarmente, o programa erótico ou violento para casa.
' MEYROWITZ, J. "La télévision et 1'integration des enfants. Le fin du secret des adultes"
in Reseaux n° 74. Paris, 1995, p. 62.
Com a desordem introduzida no cenário doméstico, a tele-
visão está desordenando também as seqüências do aprendizado:
por idades/etapas, ligadas ao processo escalonado da leitura, e
pelas hierarquias baseadas na "polaridade complementar" entre
fatos e mitos. Enquanto a realidade quotidiana está cheia de feal-
dades e defeitos, os pais da pátria, sobre os quais nos falam os
livros para crianças,o heróis incólumes, valentes, generosos e
exemplares - que é o mesmo que nos dizem quando falam dos
pais da casa: honestos, abnegados, trabalhadores, sinceros. De uma
maneira vaga, os pais de hoje captam o que está acontecendo,
mas a maioriao compreende sua profundidade, limitando-se
a expressar seu estupor porque as crianças de hoje "sabem de-
mais" e vivem coisas "queoo para sua idade".
Mas o que a história nos conta é outra coisa: durante a Ida-
de Média as crianças viviam emboladas com os adultos no tra-
balho, na taberna e até na cama. É apenas a partir do Século
17 , quando o declínio da mortalidade infantil se encontra, nas
classes média e alta, com a aprendizagem através de livros - que
substitui o aprendizado através da prática -, que a infância emer-
ge como "um mundo à parte". Agora a televisão colocou fim
nessa separação social, e é aqui quei o fundo estupor que a
desordem cultural produz.
É óbvio que, nesse processo, a televisãoo opera por seu
poder próprio, mas catalisa e radicaliza movimentos que já es-
tavam previamente presentes na sociedade. Entre eles, as novas
condições de vida e de trabalho que minaram a estrutura patri-
arcal da família: a acelerada inserção da mulher no mundo do
trabalho produtivo, a drástica redução do número de filhos, a
separação entre sexo e função reprodutiva, a transformação nas
relações de casal, nas funções do pai e do homem e na percep-
ção que a mulher tem sobre si mesma. A desordem cultural que
a televisão introduz se insere na desorganização múltipla que
atravessa o mundo familiar.
ARIES, Ph. L'enfant et la vie familiale sous 1'Ancien Regime. Paris, Plon, 1960.
O especial mal-estar na cultura da modernidade, expressado
pelas gerações mais jovens de latino-americanos, casa-se com a
quebra das fronteiras espaciais e sociais que a chave televisão/
computador introduz no estatuto dos lugares de saber e das fi-
guras de razão.o é estranho que o imaginário da televisão seja
associado aos antípodas dos valores que definem a escola: longa
temporalidade, caráter sistemático, trabalho intelectual, valor cul-
tural, esforço, disciplina. Mas, ao ser acusada pela escola por to-
dos os males e vícios que espreitam a juventude, a televisão des-
venda justamente as mudanças na sociedade que os novos regi-
mes da imagem catalisam: desde o deslocamento das fronteiras
entre razão e imaginação, entre saber e informação, natureza e
artificio, arte e ciência, sabedoria erudita e experiência profana,
até a conexão das novas condições do saber com novas formas
de sentir e novas formas da sociedade . Esses deslocamentos e
conexões começaram a se fazer institucionalmente visíveis nos
movimentos de 1968, de Paris a Berkeley, passando pela Cidade
do México. Em meio aos dizeres pichados nos muros - "A poe-
sia está nas ruas", "A ortografia é uma dançarina", "Deve-se ex-
plorar sistematicamente o acaso", "A inteligência caminha mais
que o coração, maso vaio longe"
12
- e ao que os Beatles
cantam (necessidade de explorar o sentimento, de libertar os sen-
tidos, de explodir o sentido); entre as revoltas dos estudantes, a
confusão dos professores e a reviravolta que esse período produ-
zem em livros, sons e imagens, emerge uma nova subjetividade.
Esta valoriza a educação e o trabalho como espaços para o de-
senvolvimento da personalidade, e o amor e a sexualidade como
possibilidades de experimentação vital. Emerge ainda um novo
projeto de saber, que questiona radicalmente o caráter monolítico
e transmissível do conhecimento, que revaloriza as práticas e as
Sobre isso ver: MAFFESOLI, M. El tiempo de Ias tribus. El declive del individualis-
mo en Ia sociedad de Ias masas. Barcelona, Icaria, 1990. Ver ainda, do mesmo autor:
Eloge de Ia raison sensible. Paris, Grasset, 1996.
J. Cortázar colige esses grafites em "Noticias del mes de mayo". Casa de las Américas
- Diez anos. La Habana, 1970, pp. 246 e seg.
experiências, que ilumina um saber diversificado como um mo-
saico : feito de objetos móveis e fronteiras difusas, de
intertextualidades e bricolagens. É nesse projeto de saber que se
inicia uma abertura de caminhos para deixar de pensar de forma
antagônica escola versus televisão, educação versus comunicação.
Um segundo âmbito de reflexão e compreensão do papel de-
cisivo que a experiência audiovisual tem para a emergência de
uma outra subjetividade é o das transformações por que passa
hoje o sensorium urbano. Se, para W. Benjamin, a dispersão e a
imagem múltipla constituíam "as modificações do aparato
perspectivo do transeunte no tráfego de uma grande cidade", que
se conectavam com "a experiência do espectador de cinema" ,
o outros os dispositivos que hoje conectam a estrutura comu-
nicativa da televisão com os elementos que organizam a nova ci-
dade: a fragmentação e o fluxo. Pois, enquanto o cinema catalisava
a "experiência da multidão" - era através da multidão que os ci-
dadãos exerciam seu direito à cidade -, o que agora a televisão
catalisa é, pelo contrário, a "experiência doméstica" e privada do
lar, que é de onde cada vez mais pessoas realizam sua inserção
na cidade, ou seja, faz-se dela uma imagem conjunta, global.
Falamos da fragmentação para nos referirmos, mais do que à
forma do relato televisivo, à desagregação social e à privatização
da vida realizada pela experiência televisual. Colocado no cen-
tro das rotinas queo ritmo ao quotidiano e no dispositivo de
asseguramento da identidade individual , o binômio televisão/
computador converte o espaço doméstico no território virtual
por excelência: aquele onde mais profundamente as relações en-
tre público e privado se reconfiguram, ou seja, onde se dá a
superposição dos dois espaços e o desvanecimento de suas fron-
teiras. "Um clima de família vincula a variedade de nossas expe-
" MOLES, A. Sociodinamique de Ia Culture. Haya, Mouton, 1971, p. 36.
14
BENJAMIN, W. op. cit., p. 47.
15
VEZZETI, H. "El sujeto psicológico en el universo massmediático". Punto de vista
n° 47, Buenos Aires, 1993; ECHEVERRIA, J. Cosmopolitas domésticos. Barcelona,
Anagrama, 1995.
riências de trabalho, lazer e estudo"
6
influindo e reconfigurando
tanto as experiências de rua quanto a relação com nossos pró-
prios corpos: a cidade informatizadao necessita de corpos
reunidos, mas sim interconectados.
A transição do povo, que assaltava as ruas para um protesto
político, ao público, que freqüentava o teatro ou o cinema, era
transitiva e conservava o caráter coletivo da experiência. O des-
locamento do público do cinema para as audiências de televisão
assinala uma profunda transformação: a pluralidade social e cul-
tural da cidadania submetida à lógica da desagregação faz da di-
ferença uma mera estratégia de índices. É dessa transformação que
a televisão serve como mediador principal!
Uma vez desespacializado o corpo da cidade, por exigênci-
as do fluxo imposto pelo constante tráfego de veículos e infor-
mações, sua materialidade histórica se desvaloriza a favor do novo
valor que o "regime geral da velocidade" adquire e que legitima
a aniquilação da memória urbana, igualando, e tornando insig-
nificantes, todos os lugares e, de certa forma, todos os relatos.
Encontramos também no fluxo televisivo a metáfora mais real
do fim dos grandes relatos, uma aceleração de imagens que tor-
na todos os discursos equivalentes - informação, drama, publici-
dade, ciência, pornografia, dados financeiros -, fazendo todos os
gêneros interpenetráveis e transformando o efêmero na chave de
produção e proposta de prazer estético. O desenraizamento so-
frido tanto pela multidão de pobres que todos os dias chegam
às cidades grandes como por boa parte dos adultos das cidades
de hoje é vivido pelos jovens como um modo de enraizamento
deslocalizado, uma vez que habitam a cidade de forma nômade ,
"' FERRER, C. "Taenea saginata o el veneno en la red". Nueva sociedad n° 140. Cara-
cas, 1995, p. 155.
17
MARTÍN-BARBERO, J. "De la ciudad mediada a la ciudad virtual". Telos nº 44.
Madrid, 1996.
VIRILIO, P. La máquina de visión. Madrid, Cátedra, 1989, p. 25. Sobre isso, ver
também, do mesmo autor: La vitesse de liberation. Paris, Galilée, 1995.
19
MAFFESOLI, M, op. cit., pp. 133-189; também ORIOL-COSTA, P. & TORNEROJ.
M. Tríbus urbanas. Barcelona, Paidos, 1996.
mudando periodicamente seus lugares de encontro, atravessan-
do-a, numa exploração que mantém muitas relações com a tra-
vessia televisiva - essa leitura feita de restos e fragmentos de no-
velas, videoclipes, noticiários ou esportes. Também de restos, pe-
daços, incoerências e amálgamas é feita a cidade descentralizada
e caótica, e é isso que realmente conforma o seu olhar e a sua
identidade. Uma identidade marcada menos pela continuidade
do que por um amálgama, em que até mesmo a articulação dos
longos períodos de tempo é feita de curtos espaços de tempo,
poiso eles queo estrutura interna ao palimpsesto das sensi-
bilidades e dos relatos. É disso que fala essa cultura da fragmen-
tação que se expressa numa identificação cada vez maior dos
adolescentes com os relatos fragmentados do vídeo e das últimas
safras do cinema.
Diante das culturas letradas, ligadas à língua e ao território,
as culturas eletrônicas audiovisuais se baseiam em comunidades
hermenêuticas que respondem à identidade de tempos menos
longos, sendo mais precárias e, no entanto, mais flexíveis, dota-
das de uma elasticidade que lhes permite amalgamar elementos
provenientes de mundos culturais diversos, trespassados por
descontinuidades e contemporaneidades nas quais gestos atávicos
convivem com reflexos pós-modernos.
Des-localização dos conhecimentos
e esquizofrenia cultural do
sistema e da prática escolar
Na relação entre educação e comunicação, esta última fica
quase sempre reduzida à sua dimensão instrumental, ou seja, ao
uso dos meios. Com isso deixa-se de fora justamente aquilo que
seria estratégico pensar: a inserção da educação nos complexos
processos de comunicação da sociedade atual, ou, em outras
BIOSCA, V. Sanchez. Una cultura de Ia íragmentación. Pastiche, relato y cuerpo en
el cine y televisión. Valencia, Textos de la filmoteca, 1995.
palavras, o ecossistema comunicativa que constitui o meio edu-
cacional difuso e descentralizado no qual estamos imersos. Um
meio difuso de informações, linguagens e saberes, e descentrali-
zado em relação aos dois centros - escola e livro - que ainda
organizam o sistema educacional vigente.
O conhecimento, desde os mosteiros medievais até a escola de
hoje, foi sempre fonte de poder e conservou esse caráter duplo de
ser ao mesmo tempo territorialmente centralizado e associado a
determinados suportes e figuras sociais. A transformação no modo
como o conhecimento circula constitui uma das mutações mais
profundas que uma sociedade pode sofrer. O modo como o conhe-
cimento foge dos lugares sagrados que antes o continham e legiti-
mavam e das figuras sociais que o detinham e administravam é dis-
perso e fragmentado. É essa diversificação e disseminação do conhe-
cimento que constitui um dos maiores desafios que o mundo da
comunicação traz ao sistema educacional. Cada dia mais estudantes
testemunham uma experiência simultânea e desconcertante: reconhe-
cer como seu professor conhece bem a matéria, mas ao mesmo tempo
constatar que esses conhecimentos se encontram seriamente defasa-
dos em relação aos conhecimentos e linguagens que - seja sobre
Biologia, Física, Filosofia ou Geografia - circulam por fora. Diante
de um corpo estudantil quotidianamente "empapado" por esses co-
nhecimentos em forma de mosaico que como informação circulam
pela sociedade, a reação da escola é quase sempre um entrincheira-
mento de seu próprio discurso: qualquer outra informação é vista
pelo sistema escolar como um atentado à sua autoridade. Em vez
de ser percebida como um chamado à reformulação do modelo de
comunicação subjacente ao modelo pedagógico, a intromissão de
outros saberes e linguagens acaba por fortalecer o controle dos dis-
cursos que desrespeitam o sagrado saber escolar.
O cruzamento de dinâmicas que converte a comunicação em
um ecossistema, e este na mais forte diversificação e descentraliza-
ção do saber, se manifesta cada vez mais na esquizofrenia entre o
modelo de comunicação configurado por uma sociedade progres-
sivamente organizada sobre a informação e o modelo hegemônico
de comunicação subjacente ao sistema educacional. Em conseqü-
ência, aprofunda-se a distância entre a experiência cultural a partir
da qual os professores falam e aquela a partir da qual os alunos
aprendem. Essa situação recebe a "ajuda" da visão que a Unesco
manifesta em muitos de seus documentos, nos quais a relação co-
municação/educação continua sendo marcadamente instrumental:
os meios devem servir sobretudo para expandir o auditório da
escola, ou para possibilitar que os alunos vejam uma ameba num
tamanho observável a olho nu. O mais grave é que os próprios
documentos da Unesco alimentem uma visão da comunicação
privada do desafio cultural que ela coloca ao sistema educacio-
nal como um todo. Portanto,o é de estranhar que nossas es-
colas continuem vendo nos meios de comunicação apenas uma
possibilidade de deixar o ensino menos entediante, de amenizar
jornadas inteiras de inércia insuportável.
A atitude defensiva da escola e do sistema educacional os
leva a desconhecer (ou fingir que desconhecem) que o proble-
ma real está no desafio imposto por um ecossistema comuni-
cativo no qual emerge uma outra cultura, outro modo de ver e
ler, de pensar e aprender. A atitude defensiva limita-se a identi-
ficar com o livro o melhor do modelo pedagógico tradicional
e a rotular o mundo audiovisual como o mundo da frivolida-
de, da alienação e da manipulação; a fazer do livro o âmbito
da reflexão, da análise e da argumentação, diante de um mun-
do de imagens sinônimas de emotividade e sedução.
Quem dera o livro fosse, na escola, um meio de reflexão e
argumentação, eo de leituras canônicas e de repetições esté-
reis! Mas, infelizmente,o é, comom demonstrado as pes-
quisas realizadas pela Universidad del Valle
22
sobre os hábitos
de leitura e os usos sociais da televisão.
21
MARTÍN-BARBERO, J. "Nuevos modos de leer". Revista de Crítica Cultural nº 7.
Santiago de Chile, 1996; PISCITELLI, A. "El libro electrônico o el futuro de una
ilusión" in Cibercultura!. En Ia era de Ias máquinas inteligentes. Buenos Aires, Paidos,
1995. p. 178-186.
22
MUÑOZ, S. El ojo, el livro y Ia pantalla. Cali, Univalle, 1995.
Em Cali a grande maioria das pessoas, de todas as classes soci-
ais eo apenas dos setores mais populares, identifica o livro com
tarefa escolar; uma vez terminada essa fase da vida, o livro deixa
de ter utilidade ou função. Isso revela que nossas escolaso pro-
porcionam um espaço no qual a leitura e o ato de escrever sejam
atividades criativas e prazerosas, mas predominantemente uma ta-
refa obrigatória e entediante, sem possibilidades de conexão com
dimensões fundamentais da vida do adolescente. Uma atividade
até mesmo castradora: confundindo qualquer expressão de estilo
próprio na escritura com algo anormal ou com plágio, os profes-
sores tendem sistematicamente reprimir a criatividade.o por
má-fé, mas pelos próprios hábitos
23
de leitura dos professores e pela
inércia do ensino, legitimada pelo modelo reinante de comunica-
ção escolar: quando o aluno ou aluna escreve diferente do que o
professor espera, este se sente autorizado e mesmo na obrigação
de reprimir tal "anormalidade".
Um jovem psicólogo que está desenvolvendo sua tese sobre o
aprendizado da leitura nas escolas de Ciudad Bolivar, o conjunto
de bairros mais pobres de Bogotá, me contou sua triste descober-
ta: nessas escolas, o aprendizado da leitura está empobrecendo o
vocabulário e o modo de falar das crianças, pois, procurando falar
como escrevem, as crianças perdem grande parte da riqueza do
seu mundo oral, inclusive a espontaneidade narrativa. Ou seja, te-
mos um sistema escolar queo sóo arrebanha os adolescentes
para a leitura e a escrita criativas, mas que tambémo percebeu
que existe uma cultura oral que constitui a matriz cultural funda-
mental para os setores populares e queo pode ser de modo
nenhum confundida com analfabetismo. A escola encontra-seo
desprovida de maneiras de interação eo na defensiva diante da
cultura oral quanto está diante do audiovisual.
O quadroo poderia ser mais significativo: enquanto o ensino
discursa pelo âmbito do livro, o professor se sente forte, mas quan-
" Sobre o sentido dessa categoria: BOURDIEU, P. & PASSERON, J.C. La reproductíon:
element pour une théoríe du système de Venseignement. Paris, Minuit, 1970.
do o mundo da imagem aparece, o professor perde o prumo, seu
terreno se move, porque o aluno sabe muito mais e, sobretudo,
maneja muito melhor a linguagem da imagem do que o próprio
professor. E, além disso, porque a imagemo se deixa ler com a
unilateralidade de códigos que a escola aplica ao texto escrito. Dian-
te do desmoronamento de sua autoridade perante o aluno, o pro-
fessoro sabe reagir ao ser através da desautorização dos conhe-
cimentos passados pela imagem. Por outro lado, a oralidade cultu-
ral das massas tampouco cabe na escola, pois tanto o mundo das
anedotas e das narrativas orais como o mundo do rock e do rap
deslocam também - a partir de suas próprias lógicas, conhecimen-
tos e gostos - o triste e ascético autismo do livro.
Enquanto se aferra ao livro, a escola desconhece o que se pro-
duz e circula no mundo da imagem e da cultura oral: dois mundos
que vivem justamente do hibridismo e da mestiçagem, da mistura
de memórias territoriais com imaginários deslocalizados. Vamos então
dissipar o mal-entendido que nos impede de reconhecer que, em
nossos países, sociedade multicultural significao apenas aceitar
as diferenças étnicas, raciais ou de gênero. Significa também aceitar
que convivem em nossas sociedades "indígenas" da cultura letrada
com "indígenas" da cultura oral e audiovisual - sublinhando que
essas três culturas configuram maneiras muito distintas de ver e ouvir,
de pensar e sentir, de sofrer e gozar. Ao reivindicar a existência da
cultura oral e audiovisual,o estamos ignorando de forma nenhu-
ma a vigência da cultura letrada, mas sim desmontando sua preten-
o de ser a única cultura digna desse nome e o eixo cultural de nossa
sociedade. O livro continua e continuará sendo o fundamento para
a primeira alfabetização, essa que, em vez de se fechar sobre a cultu-
ra letrada, deve hoje sedimentar as bases para a segunda alfabetiza-
ção, que nos abre para as múltiplas escrituras que conformam hoje
o mundo do audiovisual e da informática. Estamos diante de uma
mudança nos protocolos e processos da leitura , mas issoo signi-
SAMPSON, A. e outros. La lectura 16, monográfico. Cali, Revista Universidad de
Valle, 1997.
fica,o pode significar, a simples substituição de um modo de ler
por outro, mas sim uma complexa articulação entre um e outro -
da leitura de textos com a leitura de hipertextos, da dupla inserção
de um no outro, com tudo o que isso significa de continuidades e
rupturas, da reconfiguração da leitura como um conjunto diversifi-
cado de modos de navegar nos textos. Todos os modos que estão
exigindo a formação, hoje, de cidadãos que saibam ler jornais, noti-
ciários de televisão, video games, videoclipes e hipertextos.
Novos usos da imagem
e novas figuras da razão
Falar de imagens na América Latina significa falar de uma
longa e singular batalha cultural. Serge Gruzinski pergunta como
poderíamos compreender o descobrimento e a conquista, a co-
lonização e a independência do Novo Mundo sem mencionar a
guerra de imagens que todos esses processos mobilizaram? Como
poderíamos compreender as estratégias do dominador ou as táticas
de resistência dos povos indígenas, desde Cortés até a guerrilha
zapatista, da instauração dos povoados zimarrones até o barro-
co do carnaval carioca, sem refazer a história que nos leva da
imagem didática franciscana do Século 16 ao maneirismo herói-
co das imagens das independências, ou do caráter didático do
muralismo à imaginação eletrônica da telenovela? Como pene-
trar nas oscilações e na alquimia das identidades sem auscultar a
mistura de imagens e imaginários com que os povos vencidos
plasmaram sua memória e inventaram uma história própria?
A partir do México, Gruzinski ilumina os cenários latino-ameri-
canos onde se trava a batalha cultural, começando por aquela que
produz o exemplo mais esplendoroso e denso da guerra de
ciframentos e ressignificações de que é feita a história profunda des-
GRUZINSKl, S. La guerra de Ias imágenes. De Cristóbal Colón a Blade Runner.
México, FCE, 1994.
ses países. O sincretismo de simulação/subversão cultural contido
na imagem milagrosa da Virgem de Guadalupe já foi esplendidamente
decifrado por O. Paz e R. Bartra . Mas a guerra de imagens que passa
por esse íconeo fica apenas na aparência de Tepeyac, da deusa de
Tonantzin e de Malinche, mas continua se reproduzindo hoje nos
híbridos iconográficos de um mito que reabsorve as linguagens das
histórias em quadrinhos e dos desenhos de televisão, confundindo
a Guadalupana com a fada madrinha de Walt Disney, a Heidi japo-
nesa e até com o mito da Mulher Maravilha
27
. Isto pelo lado das
imagens populares, porque o fenômeno ocorre também pela ver-
tente culta: o pintor Rolando de la Rosa expôs no Museu de Arte
Moderna (1987) uma Virgem de Guadalupe com o rosto de Marilyn
Monroe. Uma blasfêmia que de certo modo se iguala àquela que,
de forma paradoxal, é instaurada pela Constituição de 1873, que ao
mesmo tempo e no mesmo texto consagra o dia da Virgem de
Guadalupe como feriado nacional e estabelece a mais radical sepa-
ração entre Estado e Igreja.
A recuperação dos imaginários populares nas imaginações
eletrônicas da Televisa ou da Rede Globo, em que o êxito é alcan-
çado pelo cruzamento de arcaísmos e modernidades,o pode ser
compreendida longe das razões que unem as sensibilidades a uma
ordem social visual, na qual as tradições se desviam, masoo
abandonadas, antecipando em transformações visuais experiências
que aindao possuem nem discurso nem conceito. A atual de-
sordem pós-moderna do imaginário - desconstruções, simulacros,
descontextualizações, ecletismos - remete ao dispositivo barroco
(ou neobarroco, como diria Calabrese ), "cujos vínculos com a
imagem religiosa anunciavam o corpo eletrônico unido às suas
próteses eletrônicas: walkmans, videocassetes, computadores"
29
.
'' PAZ, O. El laberinto de la soledad. México, FCE, 1978; BARTRA, R La jaula de la
melancolia. México, Gribaljo, 1985.
27
ZIRES, M. Cuando Heidi, Walt Disney y Marylin Monroe hablan por Ia de
Guadalupe. Versión n° 4. México, 1992, pp. 47-53.
28
CALABRESE, O. La era neobarroca. Madrid, Cátedra, 1989.
29
GRUZINSKI,
S. op. cit., p. 204.
32
No entanto, o racionalismo latino-americano, em sua matriz
maniqueisticamente dualista, tanto provinda da direita quanto da
esquerda, tem receado intensamente as imagens, considerando-
as instrumentos persuasivamente doutrinadores e manipuladores
dos pobres camponeses ignorantes. Do mesmo modo a "cidade
letrada" soube controlar a imagem, confinando-a ao campo da
arte ou ao território do simulacro, das aparências ou dos resídu-
os mágicos. Essas duas recusas convergem hoje para a confusão
que, ao questionar a mentalidade mercantil do "uma imagem vale
mais do que mil palavras", reduz as imagens a identificações pri-
márias e projeções irracionais, manipulações consumistas e simu-
lações políticas, situando o mundo das imagens como antípoda
da produção de conhecimento, ou seja, no espaço e no tempo
da diversão e do espetáculo".
Com dificuldades, abre-se caminho em nossos países para uma
outra posição diante da imagem, que se apóia numa linha de
pensamento que vem de Nietzsche - que concebia a modernidade
como o tempo de um mundo "convertido em fábula" - e passa
por Benjamin, que considerava as tecnologias, especialmente as
de produção e reprodução de imagens, estratégias na configura-
ção da cidade moderna. E por Heidegger, que, ao discursar so-
bre a técnica, a associa a um mundo que se constitui por ima-
gens mais do que por sistemas de valores e à modernidade, "a
época das imagens do mundo" . E chega até Vattimo, para quem
aquilo que na tardo-modernidade chamamos de mundo é muito
menos aquela "realidade" do pensamento empiricista - diante da
"consciência" do "sujeito autocentrado" do racionalismo - que
o tecido de discursos e imagens que as ciências e os meios de
comunicação produzem de forma entrecruzada.
"' RAMA, A. "La ciudad letrada" in Morse, R. & Hardoy, J.E. Cultura urbana
latinoamericana. Buenos Aires, Clacso, 1985, pp. 11-38.
" Uma versão extremada desse ponto de vista: POSTMAN, N. Divertirse hasta morir.
Barcelona, De la Tempestad, 1991.
32
HABERMAS, J. "Lenguaje de tradición y lenguage técnico" in Pensamientos sobre
Ia técnica. Artefacto n° 1. Buenos Aires, 1997, pp. 13-20.
A partir disso, Vattimo propõe uma pista renovadora sobre o
sentido atual da relação sociedade/tecnologia/imagem, ao afirmar
que "o sentido em que hoje se move a tecnologiao é tanto o
domínio da natureza pelas máquinas, mas sim o desenvolvimento
específico da informação e comunicação num mundo como ima-
gem" . Faz-se então possível uma revalorização cognitiva da ima-
gem, e, com isso, sua recolocação no campo da educação, jáo
como mera ilustração da verdade contida na escrita, mas como dis-
positivo de uma produção de conhecimento específica. E forte-
mente específica, já que a reivindicação cognitiva da imagem pas-
sa, paradoxalmente, pelo assunto da crise da representação.
M. Foucault dedicou seu livro As palavras e as coisas a exa-
minar essa crise. A análise começa com a leitura de um quadro
de Velázquez, As meninas, sobre o qual nos propõe três pistas.
Primeiro, embora estejamos diante de um quadro no qual o pin-
tor nos contempla, o que de verdade vemos é o inverso do qua-
dro que o pintor pinta, e é nesse inverso ques somos visíveis.
Segundo, o que podemos dizer sobre o quadroo discursa so-
bre o que vemos, pois "a relação da linguagem com a pintura é
infinita.o porque a palavra seja imperfeita, mas porque uma
é irrecuperável na outra. O que se vêo se aloja, jamais cabe
no que se diz" . Terceiro, a essência da representaçãoo é aquilo
que se mostra, mas a profunda invisibilidade a partir da qual
vemos, apesar do que nos querem fazer acreditar os espelhos, as
imitações, os reflexos, os truques visuais. Jáo dispomos, como
no pensamento clássico, do deciframento da semelhança em seu
jogo de signos, em sua capacidade de aproximação e imitação,
de analogia ou empatia, para tornar o conhecimento possível.
Nem dispomos tampouco daquela hermenêutica da escrita do-
minante desde o Renascimento, que, num reenvio de linguagens
- da Escritura à Palavra -, coloca num mesmo plano as palavras
e as coisas, o ato, o texto e o comentário.
33
VATTIMO, G. La sociedad transparente. Barcelona, Paidos, 1990, p. 95.
34
FOUCAULT, M. Les mots et les choses. Paris, Gallimard, 1996, p. 25.
A partir do Século 17, o mundo dos signos se espessa e
inicia a conquista de seu próprio estatuto, colocando em cri-
se sua subordinação à representação, tanto do mundo quan-
to do pensamento. E, pela primeira vez na cultura ocidental,
afirma Foucault, no período entre os Séculos 17 e 19, a vida
escapa das leis gerais do ser como se dava na análise da repre-
sentação; e o trabalho transforma o sentido da riqueza em eco-
nomia, no tempo que a linguagem se "liberta" para enraizar-
se em sua materialidade sonora e em sua expressividade histó-
rica. O fim da metafísica dá a volta ao redor do quadro: o
espelho onde o rei se olha no fundo da cena, para o qual o
pintor também olha, se perde na irrealidade da representação.
E, em seu lugar, emerge o homem vida-trabalho-linguagem. É
a partir da trama significante que as figuras e os discursos
tecem (as imagens e as palavras) e da eficácia operatória dos
modelos que será possível este saber que hoje denominamos
de ciências humanas.
É justamente no cruzamento dos dois dispositivos assinala-
dos por Foucault - economia discursiva e operatividade lógica
- que se situa a nova discursividade constitutiva da visualidade
e a nova identidade lógico-numérica da imagem. Estamos dian-
te da emergência de outra figura da razão ' que exige que pen-
semos a imagem a partir de dois novos elementos. Primeiro, a
partir de sua nova configuração sociotécnica, pois o computa-
doro é um instrumento com o qual produzimos objetos, mas
sim um novo tipo de técnica que possibilita o processamento
de informações e cuja matéria-primao abstrações e símbo-
los; isso inaugura uma nova relação entre cérebro e informa-
ção, que substitui aquela entre corpo e máquina. Segundo, a
partir da emergência de um novo paradigma do pensamento,
que refaz as relações entre a ordem discursiva (a lógica) e a vi-
sível (a forma), entre a inteligibilidade e a sensibilidade.
35
RENAUD, A. L'image: de l'économie informationelle à Ia pensée visuelle in "Reseaux"
n° 74. Paris, 1995, p. 14 e seg.
O novo estatuto cognitivo da imagem se produz a partir de sua
informatização, ou seja, da sua inscrição na ordem do numerável,
que é a ordem do cálculo e de suas mediações lógicas: número, código
e modelo. Essa inscriçãoo apaga nem a figura nem os efeitos da
imagem, mas agora essa figura e esses efeitos remetem a uma econo-
mia informacional que recoloca a imagem nos antípodas da ambi-
güidade estética e da irracionalidade da magia ou da sedução. Esse
processo entrelaça dois movimentos: um que continua e radicaliza
o projeto da ciência moderna - Galileu, Newton - de traduzir/subs-
tituir o mundo qualitativo das percepções sensíveis pela quantificação
e pela abstração lógico-numérica; e outro que reincorpora o valor
informativo do sensível e do visível ao processo científico.
Uma nova epistéme qualitativa abre a investigação à interven-
ção que integra a imagem no processo do saber: arrancando-a da
suspeita racionalista; a nova epistéme percebe a imagem como pos-
sibilidade de experimentação/simulação que potencializa a veloci-
dade do cálculo e permite inéditos jogos de interface, isto é, de
arquiteturas de linguagens. Virilio chama de "logística visual"
36
a
remoção que as imagens informáticas fazem dos limites e funções
tradicionalmente atribuídos à discursividade e à visibilidade, a dimen-
o operatória (controle, cálculo e previsibilidade), a potencialidade
interativa (jogos de interface) e a eficácia metafórica (passagem do
dado quantitativo a uma forma perceptível: visual, sonora, táctil). A
visibilidade da imagem se torna legibilidade , permitindo-lhe passar
do estatuto de "obstáculo epistemológico" ao de mediação discursiva
da fluidez (fluxo) da informação e do poder virtual do mental.
O destaque das potencialidades cognitivas da imagem reafirma
que a compreensão da estrutura cognitiva da sociedade se encontra
ligada à aceitação de profundas mudanças nas condições do saber'
8
.
36
VIRILIO, P. op. cit., p. 81.
37
LASCAUT, G. e outros. Voir, entendre. UGE 10/18, Paris, 1976; CARRASCOSA, J.
L. Quimeras del conocimento. Mitos y realidades de Ia inteligência artificial. Madrid,
Fundesco, 1992.
O livro-chave do debate sobre modernidade - LYOTARD, J F La condición
postmoderna. Madrid, Cátedra, 1984 - contém no subtítulo a origem e função des-
te texto: Informe sobre el saber.
Mais do que um conjunto de novos equipamentos, de máquinas
maravilhosas, a comunicação designa um novo sensorium: "Em
grandes espaços históricos de tempo, se modificam, junto com
toda a existência das coletividades humanas, o modo e a manei-
ra de sua percepção sensorial" . Isso implica que as transforma-
ções nos modos de sentir/perceber remetem a novas formas de
relacionamento, ou seja, de reconhecimento e união. E é isso que
os jovens experimentam claramente, e que os adultos tendem a
desvalorizar, convencidos de que essas mudanças são, como sem-
pre foram, "uma febre passageira". Rompendo essa inércia, M.
Mead soube ler, há mais de 25 anos, e quando ela já tinha 70, o
que na atual ruptura entre gerações remete à longa temporalidade
em que se inscrevem nossos medos de mudança, bem como a
possibilidade que se abre de inaugurar novos cenários e disposi-
tivos de diálogo entre gerações e povos: "Nascidos antes da revo-
lução eletrônica, a maioria deso compreende o que ela
significa. Os jovens da nova geração, no entanto, assemelham-se
aos membros de uma primeira geração nascida num país novo.
Devemos aprender com os jovens a maneira de dar os próximos
passos. Porém, para fazer isso, devemos repensar o futuro. Na con-
cepção ocidental, o futuro está adiante. Na concepção de mui-
tos povos da Oceania, o futuro está atrás,o na frente. Para cons-
truir uma cultura na qual o passado seja útil, eo inibidor, de-
vemos colocar o futuro entre nós, como algo que está aqui, pronto
para que o ajudemos e protejamos antes que nasça, porque, caso
contrário, será tarde demais" . M. Mead está falando do
surgimento de um novo tipo de cultura entre a juventude con-
temporânea da revolução eletrônica e explica essa transformação
a partir de seu contraste com os dois tipos de cultura que ela
viveu: um como cidadã norte-americana e outro a partir de sua
experiência de antropóloga. Chama de pós-figurativa a cultura
na qual o futuro das crianças está todo plasmado no passado dos
BENJAMIN, W. op. cit., p. 23.
MEAD, M. Cultura y compromiso. Barcelona, Gránica, 1971, p. 125.
:
avós, pois a essência dessa cultura reside na convicção de que a
forma de viver e saber dos anciãos é imutável e imperecível. Cha-
ma de co-figurativa um outro tipo de cultura, em que o mode-
lo de comportamento é constituído pela conduta dos contem-
porâneos, o que permite aos jovens, com a cumplicidade de seus
pais, introduzir algumas alterações em relação ao procedimen-
to de seus avós. Finalmente, chama de pré-figurativa uma nova
cultura que ela vê emergir no final dos anos 1960 e que se ca-
racteriza como aquela na qual os pares substituem os pais, ins-
taurando uma ruptura de gerações sem precedentes na histó-
ria. Ocorre aquio uma mudança de velhos conteúdos em
formas novas, ou vice-versa, mas uma transformação naquilo
que ela chama de natureza do processo: o aparecimento de uma
"comunidade mundial" na qual homens de tradições culturais
diversas migram no tempo - imigrantes que chegam a uma nova
era a partir de temporalidades diversas, mas todos compartilhan-
do das mesmas legendas e sem modelos para o futuro. Um fu-
turo insinuado apenas nos livros de ficção científica, nos quais
os jovens encontram a narrativa de sua experiência de habitan-
tes de um mundo cuja heterogeneidade "não se deixa descre-
ver pelas seqüências lineares ditadas pela palavra impressa" ;
remete, então, a um aprendizado fundamentado menos na de-
pendência dos adultos do que na própria exploração que os
habitantes do novo mundo técnico-cultural fazem da imagem
e da sonoridade, do tato e da velocidade.
Assim, é a partir da discussão da tecnicidade mediática como
dimensão estratégica da cultura que a escola pode inserir-se nos
processos de transformação que nossa sociedade atravessa e
interagir com os campos de experiência em que hoje se proces-
sam as mudanças: desterritorialização/relocalização das identida-
des, produtos híbridos entre a ciência e a arte, das literaturas es-
critas e audiovisuais; reorganização dos conhecimentos e do mapa
das profissões, a partir dos fluxos e redes pelos quais hoje se
Idem, ibidem, p 106.
movimentao apenas a informação, mas também o trabalho, o
intercâmbio e o compartilhar de projetos, pesquisas científicas e
experiências estéticas. Apenas trazendo essas transformações para
seu campo de ação, poderá a escola interagir com as novas formas
de participação cidadã que o meio da informação permite hoje.
O chileno Martin Hopenhayn traduziu os "códigos da
modernidade" para os objetivos básicos da educação que uma
sociedade democrática requer hoje em dia.o eles: formar recursos
humanos, construir cidadãos e desenvolver sujeitos autônomos.
Quanto ao primeiro objetivo, a educaçãoo pode dar as costas
para as transformações no mundo do trabalho, para os novos conhe-
cimentos que a produção mobiliza, para as novas figuras que, de
forma acelerada, recompõem o campo e o mercado das profissões.
o se trata de amoldar a formação à adequação dos recursos hu-
manos para a produção, mas a escola deve assumir os desafios colo-
cados pelas inovações técnico-produtivas e de trabalho quanto a novas
linguagens e conhecimentos. Seria suicida a escola alfabetizar para
uma sociedade cujas modalidades produtivas estão desaparecendo.
Em segundo lugar, construção de cidadãos significa uma educação
capaz de ensinar a ler o mundo de forma cidadã, ou seja, capaz de
criar jovens com mentalidade crítica, questionadora, desajustadora
da inércia na qual as pessoas vivem, desajustadora da acomodação
na riqueza e da resignação na pobreza; uma educação que renove a
cultura política para que a sociedadeo busque salvadores, mas gere
formas de convívio e respeito para com as regras do jogo da cidada-
nia, desde as leis de trânsito até o pagamento de impostos. E, em
terceiro lugar, a educação deve desenvolver sujeitos autônomos.
Diante de uma sociedade que massifica estruturalmente, uma socie-
dade que tende a homogeneizar até mesmo quando cria possibilida-
des de diferenciação, a possibilidade de ser cidadão é diretamente
proporcional ao desenvolvimento de sujeitos autônomos, ou seja,
pessoas livres tanto internamente quanto em suas decisões.
42
HOPENHAYN, M. La enciclopédia vacia: desafios del aprendizaje en tiempo y espado
multimedia. Palestra apresentada no Congresso mundial "Convergência Participativa
en Conocimiento, Espacio y Tiempo", Cartagena de índias (Colômbia).
E pessoas livres significa pessoas capazes de ler a propaganda e sa-
ber para que ela serve, eo que se submetam a uma lavagem cere-
bral; pessoas capazes de se distanciar da arte da moda, dos livros da
moda; pessoas que pensem com sua cabeça eo com as idéias que
circulam ao seu redor.
O mais grave da situação que os desafios da comunicação co-
locam para a educação é que, enquanto os filhos da burguesia
entram em interação com o ecossistema informacional e comuni-
cativo a partir do seu próprio lar, os filhos dos pobres - cujas es-
colasom a menor interação com o meio informático (sendo
que para eles a escola é um espaço decisivo para o acesso às novas
formas de conhecimento) - estão ficando excluídos do novo es-
paço de trabalho profissional que a cultura tecnológica configura.
Daí a importância estratégica que hoje assume uma escola capaz
de um uso criativo e crítico dos meios de comunicação de massa
e das tecnologias da informática. Mas isso só será possível numa
escola que transforme seu modelo (e sua práxis) de comunicação,
isto é, que torne possível o trânsito de um modelo centrado na
seqüência linear - que encadeia unidirecionalmente graus, idades
e pacotes de conhecimento - a outro descentralizado e plural, cuja
chave é o encontro do palimpsesto com o hipertexto. Entenden-
do por palimpsesto o texto no qual o passado emerge tenazmen-
te, ainda que borrado, nas entrelinhas que escrevem o presente, e
por hipertexto uma escriturao seqüencial, montagem de cone-
xões em rede que, ao permitir/exigir uma multiplicidade de cami-
nhos, transforma a leitura em escritura . Isso, em vez de substi-
tuir, potencializa a figura e o oficio do educador, que, de mero
transmissor de conhecimentos, deverá converter-se em formulador
de problemas, provocador de questionamentos, coordenador de
equipes de trabalho, sistematizador de experiências e memória viva
de uma educação que, ao invés de aferrar-se ao passado, destaca e
possibilita o diálogo entre culturas e gerações.
43
LANDOW, G.P. Hipertexto. La convergencia de la teoria crítica contemporánea y
la tecnologia, Barcelona, Paidos, 1995.
A CULTURA DO HIPER-REAL
Artur da Távola
Senador da República,
Advogado, Jornalista e Escritor
Is elementos da contemporaneidade interferem diretamente
na comunicação de massa e no processo educativo (cada vez maior)
extra-escolar:
o expressionismo do princípio do Século 20, que ganhou
presença no final dele, na forma de expor fatos e mensa-
gens, principalmente televisuais;
o hiper-realismo, no tratamento da matéria em rádio, tele-
visão e jornal;
os comportamentos da pós-modernidade, tanto os que o
jornalismo reflete como os que acentua ao refletir e ao
conotar. Vivemos o império do conotativo.
Em certa medida, expressionismo, hiper-realismo e pós-
modernidadeo três aspectos da mesma realidade: aquela que
emergiu na arte em princípios do Século 20 e lentamente se fez
verdade no sentimento, no comportamento e depois na inteligên-
cia. A pós-modernidade sintetiza inúmeros conteúdos da
contemporaneidade. A influência de seus ditames permeia toda a
sociedade. Vai, portanto, além dos limites da comunicação de massa.
Opera através do expressionismo na forma e do hiper-realismo no
conteúdo. Expressionismo e hiper-realismoo a sua sintaxe e, ao
mesmo tempo, a sua semântica.
Cabe preliminarmente analisar as causas profundas da emersão
para o nível das massas tanto do expressionismo quanto do hiper-
realismo - movimentos da mesma natureza na história da arte,
embora exteriorizados formalmente de modos distintos. Ambos
representam ou representaram cortes epistemológicos na relação
da arte com as formas românticas que vieram até o Século 20.
Algumas dessas formas permaneceram ainda no Século 20 e, sendo
modos sentimentais de expressar o real, acumulam revoltas igual-
mente contra os domínios da razão e contra o império da
racionalidade na comunicação e o do sentimento na arte. Na pós-
modernidade, cedem lugar às formas expressionistas e às hiper-
realistas. No caso do jornalismo, por exemplo, a velha escola do
jornalismo meio, objetivo, denotativo, eqüidistante, meio de in-
formação cede lugar, querendo ou não, à irrupção descontrola-
da do expressionismo e do hiper-realismo.
A força insopitável do expressionismo e do hiper-realismo con-
siste em ultrapassar as dualidades tradicionais vividas pelas gerações
anteriores à pós-modernidade: razão versus sentimento, idealismo
versus realismo; Apoio versus Dionísio, Florestan versus Eusébius -
dualidades clássicas do pensamento humano e das formas de expres-
o artística, representativas dos padrões até então considerados pólos
básicos da contradição humana. Tal dualidade deixa de existir na
pós-modernidade. Nós, de gerações anteriores aos anos 1980, somos
a geração da dualidade superada na pós-modernidade. Expressionismo
e hiper-realismoo formas intensas de sentir, sim. Porém,oo
condicionadas pelo sentir como ato primeiro, como era típico das
formas românticas. Trata-se agora de um sentir oriundo da capaci-
dade de julgar até antes de compreender, porque proveniente da
vivência intensa de verdades emotivas, filhas diretas da crítica ao
homem, à sociedade e ao mundo. Expressionismo e hiper-realismo,
longe de serem a pura racionalidade que aparentam, utilizam-se, sim,
das formas agudas de inteligência e, sem serem apenas um sentimento,
representam modos fundos de expressar a sensibilidade humana
diante dos horrores da existência. Hiper-realismo e expressionismo,
pois,o vivem a dualidade razão versus sentimento. Mesclam-na
sem a fundir. Esses dois estilos, formatos, ou interpretações do real
representam o estado de alerta permanente do espírito. O mesmo
estado de alerta diante do qual vivem as nações ameaçadas pela guerra
atômica ou pelas hecatombes hoje possíveis, senão prováveis. Nem
dedutivos nem indutivos: opinativos.
A forma e o conteúdo expressionistas e hiper-realistas, pre-
dominantes na comunicação contemporânea, derivam de algu-
mas realidades intuídas por artistas quando, no princípio do
Século 20 e exclusivamente como vanguarda, irromperam con-
tra a visão romântica da arte e da vida e o predomínio da razão.
O predomínio da razão e a visão romântica da vidao duas
realidades postas em xeque no comportamento do jornalismo
contemporâneo, dentro e fora do Brasil.
O expressionismo
Movimentos como o dadaísmo, o expressionismo e o
surrealismo - que curiosamente se deram simultaneamente - an-
teciparam verdades culturais, econômicas e políticas posteriores.
o contrariavam a ordem dominante na arte e na sociedade.
Iam mais longe: derrogavam-na, buscandoo o seu oposto, mas
instâncias absolutamente novas, criativas, filhas do acaso, do
mistério e das zonas de sombra da mente e da sensibilidade.
O dadaísmo, por exemplo - massacrado a seu tempo - procla-
mou um dogma que se tornaria verdade décadas depois,o ape-
nas na arte, mas em todo o processo da comunicação humana,
simbolizado, aliás, de modo cabal, na emersão do rock como
manifestação típica da contemporaneidade. Diziam os dadaístas que
a arte só aparece onde aindao há vida; quando esta surge, a arte
desaparece. Por essa razão os dadaístaso viam qualquer impor-
tância ou "aura" na obra de arte, iniciando o processo de sua
dessacralização. Tal processo desaguaria, nos anos finais do Sécu-
lo 20, nas formas contemporâneas de operar a comunicação de
massa, dominadas pelo expressionismo e pelo hiper-realismo.
O pintor e escultor Hans Arp, dadaísta, dizia: "Dada visou des-
truir as razoáveis ilusões do homem e recuperar a ordem natural e
absurda. Ou seja, a ordem natural é absurda, inteiramente o opos-
to da racionalidade a que nos condenamos. Dadá quis substituir o
contra-senso lógico dos homens de hoje pelo ilogicamente despro-
vido de sentido. Dadá é desprovido de sentido como a natureza.
Dadá é pela natureza e contra a arte".
Tratava-se de retirar a arte do âmbito da ordem, da sime-
tria, da razão e até da beleza. Chegaram ao martírio de contes-
tar a beleza como forma de expressão da arte. Achavam que a
beleza era uma alienação pequeno-burguesa, feita para uma arte
de fruição, quando a finalidade da arte deveria ser a denúncia
eo a fruição. Levaram o movimento a esse extremo para
colocá-lo no terreno imponderável da intuição, do sonho, do
inconsciente, da loucura e da desordem criativa, liberta, cora-
josa. Ali se gestaram posteriores realidades transformadas em
fatos sociais, políticos, humanos e científicos, entre outros: a
psicanálise, o computador, a fissão atômica, a mecânica
quântica, a megalópole, a possibilidade de destruição da vida,
o armamento nuclear, as macroorganizações, a sociedade indus-
trial, a sociedade pós-industrial, o som estereofônico, o funk,
o laser, o rock, o bit eletrônico.
Quando esses e outros fatos, de tamanho e valor descomu-
nais, passaram a constituir a existência quotidiana de povos e
nações, aquilo que antes era antecipação, intuição, percepção de
caminhos traduzidos de forma precoce através da arte, abando-
nou-a para vir a ser um elemento concreto da vida diária e do
susto permanente de cada um. E o que antes era apenas movi-
mento de vanguarda no campo específico da arte, gradualmente
passou para o comportamento e para as formas de sentir, mani-
festar e expressar a individualidade, e daí para a comunicação.
O expressionismo e o hiper-realismo, formulados como
modelo existencial e estético das massas, vieram para o primei-
ro plano da vida, onde se encontram em pleno apogeu no fi-
nal do Século 20. Tais correntes culturais, uma vez tendo as-
cendido, passaram a ser adotadas como modelos de vida, ca-
racterizadas como um todo pela pós-modernidade. No campo
da comunicação predominam tanto na mídia como na socie-
dade e na sensibilidade dos nascidos após os anos 1950, em
mútua e constante influência, interagindo.
Embora o expressionismoo tenha compromissos com o
real visível ou aparente, é um movimento que fortalece a ênfase
emotiva dos fatos. Eleo fortalece o real enquanto reprodução
do real. Ele opera sobre a carga emotiva contida no real,
enfatizando-a - daí as distorções das figuras e tudo mais que ca-
racteriza o expressionismo como estilo. Basta ver um clipe de
televisão contemporâneo ou um show de rock para verificar que
como estilo o expressionismo está em vigor quase oitenta anos
depois de seu surgimento na história das artes plásticas. E ainda
há quem mergulhe na sua profundidade emotiva (existe, como
se sabe, o expressionismo abstrato), que possui grande afinidade
com o hiper-realismo.
Interessante: o hiper-realismo é um movimento do fim do-
culo 20, e ambos se encontram, na contemporaneidade, no cam-
po da comunicação. Um faz a denúncia através de uma alteração
do real aparente. O outro faz o mesmo destacando algum aspecto
gritante do real aparente e, com a linguagem deste, opera a "de-
núncia" expressionista. No expressionismo, o móvel principal, sua
razão de ser está na ênfase emotiva como fator de denúncia, reti-
rando a manifestação artística da passividade oriunda da beleza,
da harmonia ou da simetria, valores em voga até o seu surgimento,
há pouco mais de cem anos. Expressionismo e hiper-realismo, por
caminhos e teses diferentes, estão de mãos dadas no comando do
processo comunicativo da pós-modernidade.
A fotografia, a atual tendência da paginação dos jornais, as
imagens de televisão, de comerciais e de clipeso expressão da
necessidade de retirar a manifestação jornalística da sua passivi-
dade, pelo vigor da imagem conotativa, ajustando, incorporan-
do, encapsulando a informação dentro da ênfase emotiva, que é
a forma pela qual se dá a disputa pelo público consumidor.
De todas as manifestações da comunicação de massa contem-
porânea, poucas se igualam ao rock e ao clipe na universalização
da linguagem expressionista (ligados, aliás, por motivos
mercadológicos). A cada dia os espetáculos de rock se esforçam
por se transformar em gigantescos clipes vivos, com a mesma lin-
guagem da fragmentação e das unidades significantes por seu teor
emotivo, seu teor de denúncia, seus esgares de repúdio a todas
as formas racionais de comportamento e pela explosão de inú-
meros conteúdos mitológicos.
O hiper-realismo
O lema do hiper-realismo pode ser sintetizado na frase que
alguém certa vez usou para defini-lo: "mais verdadeiro que o real".
Ele acrescenta maior precisão e nitidez, mais força e expressão
ao que está sendo focalizado, enquadrado.
A televisão tem muito a ver com o fenômeno, que depois
passa para os jornais. A televisão possui um elemento de
espetáculo que contamina os jornalistas. Ao mesmo tempo que
faz a realidade aparecer mais próxima do espectador, aumentada
por lentes, aproximações e destaques, o hiper-realismo amplia a
estranheza e insere um elemento provocador de reações, sem se
afastar do real, mas tornando-o maior do que é. Simulando mes-
mo ser ele a expressão da realidade total e construindo uma lin-
guagem na qual o recurso da ênfase se transforma no próprio
discurso. Distorce o real sem dele se afastar. Daí o seu caráter
diabólico e de difícil percepção.
O hiper-realismo transforma em linguagem o que é recurso,
como a ênfase, por exemplo. Recria o real através dele mesmo,
sem reproduzi-lo, mas servindo-se de seus elementos para a cria-
ção de uma instância própria, de alta expressividade e participa-
ção, embora pareça relatar o acontecimento de modo imparcial,
sob a capa enganosa da objetividade, da imparcialidade, da fisca-
lização ou da indiscutível veracidade e grandeza ética.
Tomemos uma cena do Parlamento. Oito horas de sessão, um
parlamentar cansado adormece. A imagem: ele adormecido tal-
vez por 30 segundos, exibida em 5 segundos. Essa será a imagem
que as pessoas passam a ter do Parlamento. É verdade que ele
dormiu? Sim. Está mentindo o jornalismo? Não. Mas está sendo
mais verdadeiro do que o real? Sim. Porque eleo dormiu o
tempo todo. No entanto, como a informação só tem 5 ou 10
segundos, nestes o sono do parlamentar passou a ser uma verda-
de, e pelo hiper-real tomou-se o real. E é preciso colocar toda a
ênfase, toda uma apreciação, dramaticidade, conotação,
capturação do real naquele espaço de tempo.
Isso explica a presença do hiper-realismo, que se transfor-
ma de recurso em linguagem. É um método de exagerar as con-
seqüências do real, baseando-se nele mesmo e sem nenhuma sub-
jetividade, ao ser a do olhar e do discurso de quem o enfoca
com lentes de aumento e com alto grau de detalhamento e di-
ferenciação. Esse expediente diabólico, penetrante e disfarçado,
destaca o real de si mesmo e da generalidade em que vive e se
dilui, fazendo supor ser o real focalizado a única ou "a melhor"
expressão do real. É um estratagema de pungente força
transfiguradora, pois utiliza, além do próprio real, a
verossimilhança, a meia verdade e a conotação, unindo-as num
todo coerente, verdadeiro e ao mesmo tempo ilusório.
É a mais penetrante e sutil forma de denunciar, porque só é
subjetiva no momento da escolha da objetividade destacada. Ou,
no dizer de Karin Thomas: "A temática fundamental do hiper-
realismo é a ilusão da realidade e a realidade da ilusão".
O hiper-realismo caracteriza-se por ser a linguagem encontra-
da, primeiro na literatura e logo depois na comunicação, para
expressar a perplexidade contemporânea. Aparenta advir de uma
necessária objetividade, embora seja comandado por extrema sub-
jetividade eo a demonstre.
Representa a superação, por incorporação, de todos os avan-
ços ocorridos na arte do Século 20, quando começaram a ser
derruídas instituições clássicas como a figura, a melodia, a harmo-
nia, a mediatez, a cópia, a simetria, o consciente. Movimenta-se,
porém, com elementos fortes de convicção, porque baseados na
ordem real e encadeados pela razão, apesar do conteúdo meramente
emotivo de sua natureza. Disfarça-se de objetivo para poder ser
intensamente subjetivo. Frase de Howard Kanovitz, um dos pio-
neiros do hiper-realismo norte-americano: "Tudo é como é e, no
entanto, é diferente de como nos aparece". Quem conhece um fato
e depois o vê relatado na televisão, no rádio ou no jornal, verifica
que é como é, mas realmente é diferente de como nos aparece.
Poderoso e forte, o hiper-realismo tanto perturba quem o exer-
ce como quem recebe suas mensagens. Possui a mesma força
transfiguradora das demais demolições do pós-modernismo.
O que caracteriza o pós-modernismo? É o des-desestrutu-
rando, des-organizando, des-arrumando, des-embelezando, des-or-
denando, des-construindo - a operar o mergulho nas densidades
humanas atravéso mais de algum instrumental isolado, mas
de todos os recursos intelectuais disponíveis no fim do Século
20. Ele é transintelectual. Serve-se por igual de escolas de pensa-
mento e de interpretação da realidade que antes dele viviam da
oposição entre si. O pós-modernismo opera com a igualdade que
subjaz aos antagonismos. Assim, por exemplo,o opõe as teo-
rias do inconsciente às do consciente;o opõe intelecto a sen-
timento, forma a conteúdo, Eros a Psyché, capital a trabalho,
socialismo a capitalismo, psicanálise a marxismo, fé a ateísmo.
Opera de modo interativo, plural eo sectário, com todo o
variado instrumental existente, eliminando as formas polarizadas
de conceber a vida, a política, a ciência, a arte e a religião.
Esta é uma contribuição positiva da pós-modernidade. Ela opera
o mais na dualidade clássica, mas na superação dessa dualidade,
por jogar com todas as partes incursas em cada pólo antes
antagônico. Issoo quer dizer que as pessoas que o exercem es-
tejam libertas de seus sectarismos. A força transfiguradora do hiper-
realismo muitas vezes disfarça o propósito dos sistemas ou dos
comunicadores de impressionar,o para informar ou relatar, mas
para influenciar. Ou para dominar. É a informação como poder.
Na grande maioria dos casos, com a aparência de informa-
ção objetiva, o hiper-realismo conduz o público às convicções
desejadas pelo emissor, através da maneira pela qual apresenta os
fatos - principalmente na edição de televisão.
A presença do hiper-realismo tanto no excurso como no
incurso da comunicação, parte direta (e dileta) do espetáculo
da notícia (ou da notícia como espetáculo), gera um dos mais
difíceis problemas da comunicação na pós-modernidade: como
exercê-la de modo democrático e como subordiná-la a princí-
pios éticos compatíveis com a força expressiva dos recursos hoje
disponíveis. A dificuldade de comandar esse processo éo gran-
de que seus principais responsáveiso seo conta dele, ha-
vendo como que uma forma de aparente esquecimento do pro-
blema, quandoo de negação. Melhoro contemplar a difi-
culdade de informar fora do recurso hiper-real quando este é o
componente principal da linguagem da mídia. Forma de poder
em mãos do emissor e forma igualmente desejada (ainda que
de modo inconsciente) pela platéia entediada a necessitar de cada
vez mais vigor na "realidade" para que possa contemplá-la livre
de seus efeitos, pelo menos enquanto dela se desliga por inter-
médio do consumo das emissões dos meios de comunicação,
principalmente os eletrônicos.
Em conseqüência da adoção do hiper-realismo como lingua-
gem da comunicação informativa, alguns elementos passam a se
confundir. Ficção e realidade. Um telejornal hoje, sob o aspecto
dramático,o é diferente da telenovela. Banalização da violên-
cia para engendrar e fingir pregar o repúdio à violência; evasão e
participação; lazer e conscientização; alienação e militância.
Do ponto de vista cultural, aindao se pode avaliar devida-
mente o resultado do bombardeio sistemático de mensagens
expressionistas nos shows e nos clipes e hiper-realistas nos noticiá-
rios, telenovelas, comerciais de televisão e algumas séries filmadas,
tanto as infantis como as destinadas ao adulto, criança de todo
dia. Sem dúvida, porém, o homem contemporâneo sofre uma nova
ambigüidade a partir desse processo: alarga os condutos de sua cons-
ciência e sensibilidade - sem dúvida, esse é um aspecto positivo -
e ao mesmo tempo aumenta a possibilidade de ser condicionado
a pensar segundo o que desejam os comunicadores ou os que es-
tabelecem estratégias por trás (e até por dentro) deles.
O poder contemporâneo de uma manchete de jornal, do-
tulo de uma matéria, de determinada foto ou de imagens como
texto num telejornal, conforme a ênfase emotiva de sua constru-
ção, tanto pode operar o alargamento dos condutos sensoriais e
sensíveis - como pretendeu a arte no passado - quanto conduzir
às conclusões desejadas pela ditadura oriunda do modo sedutor
de apresentação das informações. Ao operar com o "real como
ilusão" e com "a ilusão como real", os comunicadores hiper-rea-
listas da contemporaneidade desenvolvem mecanismos cada vez
mais evoluídos no sentido de obteremo a persuasão pela ade-
o consciente e livre do receptor da comunicação, mas o con-
vencimento pela paralisação tanto da faculdade crítica como da
faculdade de exercer uma leitura liberta de envolvimentos
conducentes aos caminhos desejados pelo emissor.
Quanto mais o receptor se torna participante, graças ao de-
senvolvimento das pesquisas sociológicas, mais se torna passível
e fácil de ser manipulado em função dos envolvimentos convin-
centes do real, quando fragmentado, aumentado e intensificado
para compor a linguagem da notícia como espetáculo. Quando
conteúdos de natureza artística entram disfarçados e ocultos no
modo de informar, algo muito intenso se estabelece na comuni-
cação entre emissor e receptor, atenuando-se os mecanismos da
leitura crítica. Vigora então, vitoriosa, a idéia de que a parte ex-
plica o todo, paralisando-se a possibilidade do exercício dialético
do receptor sobre a mensagem e amplificando, de modo perigo-
so, o poder de todos os que tomem parte no processo da comu-
nicação. O velho aforismo de que "nada está no intelecto que
anteso tenha passado pelos sentidos", é mais real que nunca
hoje em dia. Melhor dito: é hiper-real.
Conclusão
O hiper-realismo é a mentira da verdade. Utiliza elementos
verdadeiros,o para "mentir" no sentido corriqueiro da pala-
vra, mas para obter determinado resultado pré-tendido. Tal re-
sultado por vezes ultrapassa o controle do emissor e obtém reações
maiores que as esperadas, porque a mensagem hiper-realista car-
rega conteúdos emotivos nem sempre sob controle do emissor e
do receptor. Este encontra, na emissão hiper-realista, uma espé-
cie de potencialização de sentimentos, impressões e percepções
que já possuía em estado latente.
Sendo um corte na realidade, uma de suas fatias, para desta-
car o aspecto pretendido o hiper-realismo informativo opera com
instâncias como a meia verdade, a aparência, o indício, o sinto-
ma, sem análise crítica de cada um desses planos. A informação
passa a buscar uma lógica encadeadora desses aspectos. Essa-
gica dá coerência aparente e inteligibilidade à emissão, mas cria
uma realidade própria a partir da notícia. Tal realidade própria
tem a ver com a realidade, porémo se pode dizer que é a rea-
lidade. Esta é sempre mais complexa que qualquer das suas re-
presentações. Trata-se de uma nova aparência da realidade, tomada
pelo ângulo de ênfases selecionadas pelo comunicador e
consumida como a plenitude do real ou através das conotações
pretendidas pelo emissor. Trata-se de uma ditadura - sem uma
ditadura, mas com vários ditadores, segundo o espectro de-
blico influenciado por quem lhe fale ou emita a comunicação.
Hoje, mais do que nunca, os meios de comunicação desen-
volvem técnicas (em permanente expansão) de apresentação da
notícia como espetáculo. As regras do espetáculo, quase sempre
nutridas na experiência da ficção, transmitem-se à informação,
modelando-lhe o resultado por meio de uma intervenção na for-
ma e da manipulação do conteúdo.
A notícia como espetáculo utiliza elementos retirados da
dramaturgia e da publicidade. Esta, quase toda vazada em lin-
guagem supra-real (surrealista por vezes) ou hiper-real, acostu-
mou o público a "ler" mensagens ao mesmo tempo imediatas
e intensas. O hiper-real aparece na presença superlativa das "qua-
lidades" anunciadas. Os telejornaiso "clipes" ou "comerciais"
da matéria enfocada, em fragmentos de 30 segundos tratados
na linguagem hiper-real.
Da dramaturgia, a notícia como espetáculo herdou inúme-
ros elementos: a tensão dramática, os estados extremos do ser;
os esgares; as ambições primárias trazidas ao primeiro plano do
comportamento; a identificação com heróis ou com vilões; a
simbologia do "bem" contra o "mal"; a busca do instante
transfigurador, resultante do máximo de alegria ou de dor; a
intensidade de rostos em close-up; a extroversão dos impulsos
básicos do ser e dos instintos; os ícones da moral vigente e os
de sua transgressão. Esseso alguns elementos que a notícia
herdou da dramaturgia, hoje presentes na notícia como
espetáculo ou como poder, no lugar da notícia como informa-
ção. É a notícia como fim eo como meio. É a imagem como
editorial eo como notícia.
O diabolismo desse processo acaba por transformar-se de
recursos em linguagem e, de modo imperceptível, redatores, edi-
tores, fotógrafos, câmeras e repórteres transformam-se em dra-
maturgos e/ou publicitários, empenhados nas ênfases dramáti-
cas ou nas exacerbações "vendedoras". E quase nunca seo
conta de que isso ocorre com eles. Acabam por acreditar de tal
forma na eficácia de seu processo informativo que se tornam
multiplicadores e, em muitos casos, professores de informação
hiper-real. Dá-se, então, via imagem ou via texto, a seguinte e
perversa fusão: o indício é dado como sintoma; o sintoma, como
fato; o fato, como julgamento; o julgamento, como condena-
ção; e a condenação, como linchamento. Vai-se do indício ao
linchamento sem qualquer cogitação de natureza ética sobre a
objetividade do fato abordado. E os meios de comunicação
transformam-se de fiscais em juizes sem que o receptor da co-
municação se dê conta do processo de que padece. E tudo pode
vir apenas pelo tratamento hiper-real da imagem, coadjuvada
pelo texto conotativo.
O conjunto de informações hiper-reais diariamente despeja-
das durante anos sobre a população acaba por gerar um receptor
identificado com emoções intensas, extremas, dogmáticas,
depressivas, exaltadas ou maníacas. Tais emoções do receptor
realimentam o emissor, que por sua vez aprofunda a natureza
emotiva, diluída na objetividade aparente da informação, num
processo incontrolável e crescente de mútuas influências.
A comunicação acaba por ser possuída pelo processo hiper-
real e dentro deste surge um universo. Ele constitui o meio am-
biente onde se formam os padrões culturais e comportamentais
da pós-modernidade.
Uma série de ações, reações e comportamentoso hoje con-
siderados inexplicáveis ou inaceitáveis porqueo analisados e vi-
vidos por pessoas e por analistas que desconhecem (ouo sabem
decodificar), como receptores passivos, os códigos do
expressionismo e do hiper-realismo, queo os protagonistas da
pós-modernidade. Ainda predomina na sociedade e na maioria dos
meios intelectuais a utilização de conceitos aplicáveis à modernidade
e seu cortejo de racionalidades, mas jamais à pós-modernidade e
seu cortejo de acasos, ênfases e desestruturações pós-modernas (ou
seja, a utilização do expressionismo, do surrealismo ou do hiper-
realismo como linguagem).
Igualmente, generaliza-se entre o público receptor a atitude
hiper-real, presente em roupas, gestos, atos e comportamentos,
diariamente recebidos via bombardeio informativo. Nessa atitu-
de, insere-se a cultura do hiper-real e a sensação de viver no in-
tenso clima por ela caracterizado, o de seres em estado limítrofe,
permanentemente excitados ou exaltados, seres sensoriais, frag-
mentados, não-verbais, instintivos, em estado de permanente re-
volta, implosão, recorde ou denúncia.o os disfarces do estado
depressivo, que se torna o grande sinal de uma existência arran-
cada da normalidade, do bom-senso, da plausibilidade.
Vivemos o momento da normalidade como exceção e do
equilíbrio como alienação.
OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
E A SOCIEDADE
Francisco Martínez Sanchez
Diretor do Departamento de Didática e
Organização Escolar da Faculdade de Educação da
Universidade de Múrcia, Espanha
Mo longo da minha exposição, tentarei refletir sobre os mei-
os de comunicação em geral, buscando projetar o discurso so-
bre o tema da educação, que será o eixo de nossa reflexão.
Falar de meios significa falar da comunicação enquanto pro-
cesso. Falar dos meios de forma isoladao é apenas desa-
conselhável, é impossível. Os meios de comunicação ganham
sentido na medida em que se inscrevem e, portanto,o vistos,
dentro de um processo de comunicação. Tentar tirá-los desse
contexto nos levaria indubitavelmente a considerar apenas aspec-
tos anedóticos, queo revelariam nada. Realmente, do ponto
de vista de educadores,o existem meios de comunicação, exis-
tem situações de comunicação mediadas.
Os processos de comunicação
Para se comunicar, deve-se querê-lo (Schramm, 1973), já que
o ato de comunicação é sempre um ato voluntário, um ato da
* Tradução: Renato Rezende
vontade, tanto para o emissor quanto para o receptor. Somen-
te a partir desse primeiro ato de vontade, dessa intenção, a co-
municação é possível.
Eu poderia acrescentar aqui que a "não-comunicaçãoo é
possível" (Watzlawick e outros, 1976), como afirmaram em seu
tempo os componentes da chamada escola de Palo Alto, e que,
portanto, em qualquer momento estamos nos comunicando. Isso,
porém, requer que exista um receptor que possa e queira receber
as mensagens, e que queira também interpretar essa emissãoo
intencional de mensagens. Volta a aparecer a vontade, a inten-
ção, desta vez no receptor, mas sempre presente.o deve haver
contradição entre os dois argumentos.
A vontade é uma característica própria do ser humano. Quan-
do a unimos ao ato da comunicação, ou seja, de processar uma
informação e compartilhá-la com outra pessoa, nos encontramos,
como disse o próprio Schramm, diante da mais humana das
habilidades. Ele chega a definir o ser humano como o "animal
que processa informação" (p. 55).
Refletindo sobre esses dois conceitos de comunicação e
informação (uma diferenciação em cujo méritoo entrarei),
Scheflen (1994) as situa dentro das relações próprias dos se-
res humanos e de suas relações sociais: "A comunicação pode
ser definida como o sistema de comportamento integrado que
calibra, regulariza, mantém e, portanto, possibilita as relações
entre os homens. Conseqüentemente, podemos enxergar na
comunicação o mecanismo da organização social, e na trans-
missão de informações o mecanismo do comportamento co-
municativo" (p. 163). Dessa forma, a comunicação se apresenta
como um processo humano por excelência, que torna possí-
vel as relações sociais. Dito isso, prossigamos nesta aborda-
gem sobre a comunicação.
Os processos básicos de toda comunicação são: aquisição de
dados, transmissão de dados, processamento de dados e exposi-
ção dos dados (Thayer, 1975). A comunicação deve se manifes-
tar, ou seja, deve existir um instante final em que o receptor ma-
nifeste, de forma direta ou indireta, que recebeu a informação.
Trata-se, portanto, de uma informação recebida, evidentemente
através de um processamento, mas recebida.
O emissor utilizará todos os recursos de comunicação ao seu
alcance para conseguir que o receptor "adquira" o conteúdo de
sua mensagem e para conseguir influir sobre ele.
No entanto, diante dessa intenção do emissor, existe a inten-
ção do receptor, queo é neutra; o receptor será comunicativa-
mente influenciado na medida em que desejar e "somente quan-
do possuir a capacidade apropriada para levar a mensagem em
consideração, e se essa mensagem tiver para ele alguma importân-
cia, for válida ou lhe oferecer alguma utilidade" (Thayer, 1975, p.
165). E Pignatari (1977) observa: "Os homens e os grupos huma-
nos, como também os animais, apenas absorvem a informação que
consideram necessária e/ou lhes for inteligível" (p. 11).
Como afirmava, a intenção do emissor deve contar com a
do receptor ou, caso contrário, criar as condições para assegurar
que ela seja adequada para seu objetivo.
O fato de o receptor incorporar a mensagem do emissoro
significa que a interpretação que fará vai coincidir com a inten-
ção e o critério com os quais a informação foi emitida. A subje-
tividade do emissor deve-se somar a do receptor, e embora am-
bos possam manejar uma convenção de códigos para o emprego
dos signos,o acontece o mesmo em relação às idéias que
subjazem a toda mensagem, o que nos leva a acrescentar, como
disse Schramm, que em todo processo de comunicação humana
nada passa de um emissor a um receptor sem que seja transfor-
mado no processo. A subjetividade do emissor, em seu processo
de codificação, deve-se contrapor a do receptor, no momento e
no processo de decodificação e interpretação da mensagem.
Existe uma certa atividade interna, à qual me referi acima,
através de Thayer, que precede, acompanha e conclui todo pro-
cesso de comunicação.
O processamento da informação, em sua fase de comunica-
ção, necessita de uma vontade e de um processo interno para
articular os signos que o emissor considera adequados. Do lado
do receptor, necessita-se de uma recepção consciente desses sig-
nos, e de uma interpretação que parte de sua subjetividade, e,
portanto, de sua cultura.
Mas o que entendemos por comunicação? A comunicação, um
termo de origem latina (communicare, tornar comum), parece
existir "sempre e quando duas pessoas interagem e, intencionalmen-
te ou não, negociam o significado de um determinado fenôme-
no" (Pearson e Todd-Mancillas, 1993, p. 29). Essa definição refere-
se unicamente à comunicação interpessoal. A definição de Moles
(1975, p. 119) é mais completa e complexa: "é a ação pela qual se
participa a um indivíduo, ou a um organismo, situado em uma
época, em um ponto R determinado, as experiências e estímulos
do meio ambiente de outro indivíduo, de outro sistema, situado
em outra época, ou outro lugar, utilizando os elementos de conhe-
cimento quem em comum". Ele distingue dois tipos de canais
de transmissão (naturais e artificiais) e vários tipos de comunica-
ção, de acordo com diversos critérios:
em função da distância entre os comunicantes: a comuni-
cação próxima e a telecomunicação;
em função da alternância de papéis: unidirecional ou
bidirecional;
em função da amplitude de receptores: interpessoal
(interindividual) ou de massa (de difusão).
A comunicação, nas palavras de Wright (1978, p. 9), é "o
processo pelo qual significadoso transmitidos de uma pes-
soa a outra", processo que é fundamental para o ser humano
enquanto ser social. Para Salomon (1981), é possível distinguir
três tipos de eventos: simples (representam a si mesmos eo
trazem nenhuma informação ao sujeito), informativos (comu-
nicam ao sujeito algo relacionado com o próprio evento) e
comunicacionais (condicionados pelas fontes através da atribui-
ção de intenções comunicativas).
Depois de rever numerosas definições e assinalar a complexi-
dade do conceito, Roda e Beltrán (1988, p. 41) definem a comu-
nicação como o "processo pelo qual um conjunto de ações, in-
tencionais ou não, atuais ou passadas, de um membro ou mem-
bros pertencentes a um grupo social,o percebidas e interpre-
tadas significativamente por outro ou outros membros desse gru-
po". Eles indicam os seguintes pontos comuns, que, de forma
geral, aparecem nas diferentes concepções de comunicação:
é um processo ou pelo menos implica um processo;
sua complexidade deriva de sua relação com o comporta-
mento humano individual ou coletivo;
a razão última da natureza dos eventos comunicativos se
associa com a capacidade simbólica humana.
Toda essa revisão, quase acadêmica, permite-nos concluir que
a comunicação é um processo complexo e que, além do emissor
e do receptor, existe uma série de elementos e ações, influências
e necessidades, que nos obrigam a, pelo menos, pensar sobre eles.
A comunicação no ensino
Concentremos a nossa reflexão no ensino.
Thayer (1975) dizia que "A situação ideal para a comunica-
ção existe quando o receptor deseja ou necessita aquilo que o
emissor pretende comunicar a ele" (p. 166). O ensinoo pode
ser uma exceção.
Para que a comunicação exista, em primeiro lugar, é necessá-
rio que a mensagem seja percebida, que sejamos sensíveis aos
signos ou símbolos que chegam até nós. O problema costuma
situar-se, dentro desse quadro, no fato de que a percepção está,
inevitavelmente, ligada às capacidades, de naturezas diferentes, do
sujeito receptor (Martínez Sanchez, F., 1994). A medida que es-
tas capacidadeso as mais adequadas ao tipo de processo, aos
meios utilizados e à estrutura da mensagem, a percepção será pos-
sível. Caso contrário, essa ação, de certo modo puramente fisio-
lógica, mas também com um importante componente cultural,
será impossível e tornará impossível o desenvolvimento dos pro-
cessos de comunicação e de ensino.
A comunicação efetiva é assim limitada pelo fato de que
"Uma pessoao pode receber a comunicação de outra à mar-
gem de sua capacidade individual para tal" (Thayer, 1975, p. 203).
Se a percepção for necessária, deverá adequar a mensagem às
capacidades do sujeito, no nosso caso, o aluno, de maneira que
a ação perceptiva seja possível,o apenas fisicamente, mas
sobretudo culturalmente.
A ação decodificadora é uma ação complexa que, no caso
do ensino, está associada ao processo de inteligibilidade.o é
uma questão de decodificar apenas, mas também de entender.
O problema mora no fato de que, para que uma mensagem te-
nha conteúdo e este conteúdo seja significativo e realmente acres-
cente algo ao receptor, é necessário que seja complexo e, se é
complexo, mais difícil se torna a comunicação. "Quanto maior
for a informação, mais difícil comunicá-la de algum modo; quanto
mais claramente uma mensagem comunica, menos informa" (U.
Eco, 1979, p. 152). No ensino, essa dificuldade comunicativa deve
ser equilibrada com a necessidade de ser inteligível, e para isso é
preciso que, como disse Moles (1976), tenha uma "densidade"
aceitável: "Para que uma mensagem nos seja inteligível, é conve-
niente que a complexidade que transportao seja excessivamente
rica..." (p. 349). Esse equilíbrio entre quantidade e complexidade
é uma constante que deverá estar presente de forma integral na
elaboração do ensino, já que, caso contrário, o processo será
inviável ou o resultado obtido será distante daquele previsto.
A valorização da mensagem recebida pelo receptor é a mais
importante ação do processo de educação e está associada à ca-
pacidade intelectual do aluno. Para toda ação comunicativa, o
processo através do qual é feita a comparação da informação
recebida e decodificada com a informação prévia disponível para
o receptor é de capital importância para que possamos falar de
ação humana. Nos processos de ensino essa fase alcança seu sig-
nificado maior e sua razão de ser.
Mas a valorização nunca se dá no vazio. A importância das
habilidades intelectuais dos alunos-receptores devemos somar
o contexto, compreendido como "um lugar de atividade num
tempo de atividade; de atividade e de regras para sua significa-
ção" (Birdwhistell, p. 312) - o contexto cultural que configura
a realidade pessoal de emissor e receptor e que condiciona todo
o processo de forma significativa. Devemos refletir sobre isso,
tanto a partir do próprio processo de ensino/aprendizagem,
quanto de suas diferentes fases, já que esse mesmo contexto faz
parte dos códigos, meios de comunicação e conteúdos e os
influencia (Schramm, 1973).
A incorporação, por sua vez, será conseqüência direta da valo-
rização. A ação valorizadora permitirá a decisão sobre a incorpo-
ração ouo da informação. Em todo caso, o próprio processo e
suas conclusões supõem um acréscimo no repertório daquele que
aprende. A incorporação de algum tipo de conhecimento será ine-
vitável, muito embora seu processo e sua organização venham a
responder a critérios além dos objetivos deste texto.
Entre os campos de aprendizado, deveremos diferenciar o
momento de contemplar o ensino como um processo de comuni-
cação. Ao longo do processo, o aluno que aprende vai adquirindo
o aprendizado do código ou códigos empregados para o mesmo e
também os conteúdos presentes nesses códigos. Códigos e con-
teúdoso aprendizados que podem ser adquiridos em todo pro-
cesso de comunicação, e se isso for intencional, como é o caso no
ensino, os códigos e os conteúdos farão parte dessa intenção.
Em relação ao código, que acredito ser o mais ligado ao pro-
cesso comunicativo propriamente dito, Moles (1976) diz que
"... a repetição em si de séries de mensagens variadas, porém sem-
pre compostas pelos mesmos signos, geram um efeito de longo
prazo através do qual o repertório do receptor se modifica lenta-
mente e, adquirindo novos signos que ele ignorava até então, tende
a confundir-se com o repertório do emissor. Este é o processo
de aprendizagem" (p. 24).
Disse acima que a comunicaçãoo acontece no vazio. Ela ocorre
dentro de um contexto social, dentro de uma realidade cultural que
confere significado e valor ao processo como um todo. Barthes (1971)
afirma que "Pelo simples fato de existir uma sociedade, qualquer uso
se converte em signo deste uso" (p. 9). A sociedade gera uma cultu-
ra e esta cultura gera os signos e/ou símbolos e códigos que permi-
tem o desenvolvimento do processo.o podemos separar a cultu-
ra, enquanto configurante de significados, dos processos de comu-
nicação e, portanto, dos processos de ensino.
Independente do fato de que em algum momento isso possa
ser alterado pela incorporação de alguma tecnologia,s nos
encontraremos diante de um esquema básico: o professor-emis-
sor, possuidor de alguns conhecimentos, aptidões, etc, organiza
e codifica alguns conteúdos, de acordo com uma tradição cultu-
ral correspondente a seu meio, levando em consideração as ca-
racterísticas do meio de comunicação que utilizará na apresenta-
ção (no espaço e/ou no tempo) desses conhecimentos; uma vez
emitidos e transmitidos pelo canal escolhido, esses conteúdos
serão percebidos e decodificados - também a partir de sua cul-
tura - pelo aluno-receptor, que os avalia e os incorpora ouo a
seu repertório. Isso significa, em ambos os casos, um crescimen-
to do repertório pessoal do aluno, que se une a um crescimento,
teoricamente menor, do repertório do professor.
Função dos meios nos
processos de comunicação
Disse acima que a comunicação é um processo mediante o
qual dois sujeitos, que se encontram em diferentes situações, tanto
físicas quanto de conhecimento sobre o conteúdo, trocam signi-
ficados, superando a diferença da situação inicial.
Se pensarmos sobre os meios de comunicação, as diferenças
devem ter algo a ver com a distância física entre emissor e recep-
tor e com a localização física dos conteúdos, assim como com
as peculiaridades comunicativas de cada um dos extremos.
A função dos meios é tentar superar, na medida do possível,
essas "distâncias" e permitir uma aproximação entre os extremos,
tornando o processo possível.
No quadro abaixo procurei sintetizar as quatro situações que
podem acontecer num processo de comunicação, em relação às
variáveis físicas de espaço e de tempo.
1. MESMO TEMPO
MESMO LUGAR
3. TEMPO DIFERENTE
MESMO LUGAR
2. MESMO TEMPO
LUGAR DIFERENTE
4. TEMPO DIFERENTE
LUGAR DIFERENTE
Independente de essas situações se referirem aos agentes que
interferem no processo ou ao conteúdo, os meios serão os respon-
sáveis (dentro do processo comunicativo) por ajudar a superar os
componentes físicos que obstruem o seu desenvolvimento. Pode-
ríamos pensar que na situação 1, de coincidência de espaço e tem-
po entre emissor e receptor, os meioso seriam necessários eo
teriam uma função que os justificasse. A voz, os gestos, o contato
físico seriam os meios necessários para superar a situação, já que
coincidênciao deve ser interpretada como identidade.
O problema que os meios terão de superar e que, em certas
ocasiões, é conseqüência de algumas das situações anteriores, tem
a ver com as peculiaridades comunicativas dos sujeitos, tanto em
relação a suas possibilidades físicas, quanto ao desenvolvimento
intelectual e às peculiaridades culturais. Lembremos que é a cul-
tura que dá significado aos códigos e, portanto, aos elementos
significativos dos meios. Voltarei mais tarde a esse tema.
Meios de ensino - meios didáticos
A incorporação de qualquer meio de comunicação ao ensi-
no deve, ao menos teoricamente, gerar ou contribuir para que se
gere uma aprendizagem nos receptores; mas issoo significa que
sua incorporação tenha seguido critérios didáticos ou que tenha
logrado uma repercussão didática na estrutura curricular em que
se inseriu. O fato de acrescentar um meio de comunicação a uma
estrutura concretao outorga a ele um caráter didático. Pode-
ríamos argumentar que a intenção educativa de sua incorpora-
ção transforma o meio de comunicação em meio didático. É uma
justificativa pobre e que dificilmente se sustenta. A intençãoo
transforma nenhum dos elementos que configuram o meio, nem
este transforma a estrutura na qual se insere. Issoo significa
que tais meioso colaborem com o ensino: ao contrário, esses
meios, em qualquer situação em queo colocados, sempre pro-
porcionam aos receptores um determinado tipo de informação,
podendo, portanto, produzir um determinado tipo de aprendi-
zado. Mas um meio didático é outra coisa.
O conceito de meio didático deve somar pelo menos duas
características ao conceito geral de meio. Em primeiro lugar deve
acrescentar a necessidade que obrigue o professor a refletir so-
bre sua realidade educativa concreta e, como conseqüência, o
leve a descobrir quaiso suas necessidades reais em relação a
esse meio - o que busca nele, que lugar ocupará dentro de sua
estrutura, que função terá e quaiso as modificações
metodológicas que deve introduzir e, portanto, que tipo de
previsões deve levar em consideração. Isso significa que o meio
o pode ouo deve ser empregado pelo professor na forma
que lhe chega às mãos.
Em segundo lugar, um meio deve permitir transformar a re-
flexão anterior em realidade, de tal forma que o professor possa
realizar as adaptações que considere oportunas a fim de ajustá-
lo aos seus planos reais.
Dito isso, quais podem ser as funções dos meios de comuni-
cação no ensino?
Gimeno Sacristán e Fernández Pérez (1980) resumem essas fun-
ções a três:
um recurso para aprimorar e manter a motivação do apren-
dizado;
uma função informativa de conteúdos;
funcionar como guias metodológicos do processo de apren-
dizagem.
A essas funções eu adicionaria:
funcionar como meios de expressão do próprio aluno.
Necessitando de algo mais, Zabalza (1985) outorga seis fun-
ções aos meios:
uma função inovadora, no sentido de que cada meio deve
proporcionar um novo tipo de interação, fornecendo a base
para que todo o processo de ensino mude;
função motivadora, aproximando a realidade daquele que
aprende, diversificando as possibilidades de acesso a essa
realidade;
a função de estruturadores da realidade, já que a realidade
mediadao é a realidade em si, e supõe uma interpreta-
ção da mesma. Essa peculiaridade dos meios deve ser vista
tanto em relação a quem estrutura e realiza a mensagem,
quanto em relação ao meio em si mesmo;
o meio estabelece um determinado tipo de relação com o
aluno, que mantém uma relação com esse tipo de meio, de
tal modo que ele condicione os tipos de operações men-
tais a serem realizadas;
função solicitadora ou operativa, derivada do fato de que
através dos meios se deve facilitar e organizar as ações dos
alunos; os meios agem, neste caso, como guias
metodológicos;
uma função formativa global, unida aos valores que o pró-
prio meio transmite, podendo assim criar seu próprio es-
paço didático.
A seleção dos meios por parte do professor deve procurar
realizar todas essas possibilidades, muito embora, de acordo com
Salinas (1992), a observação de situações reais de uso dos meios
revele que os professores atribuem a eles funções como ilustrar,
introduzir o tema, individualizar o ensino, promover a discus-
são, transmitir um conteúdo, avaliar a aprendizagem e divertir,
critérios queo coincidem totalmente com a teoria acima.
Cultura e meios de comunicação
De uma situação em que a exposição a um meio de comu-
nicação de massa, como foi, por exemplo, o cinema em deter-
minado momento, requeria alguns processos de tomada de
decisão e de adaptação ao meio, passou-se a uma situação em
que há uma exposição permanente a outros meios queo
necessitam de reflexão prévia e que estão presentes em quase
todas as situações dos cidadãos.
A generalização dos meios de comunicação de massa na so-
ciedade fez com que eles sejam percebidos como elementos inte-
grantes de nossa realidade, que fazem parte do nosso meio am-
biente mais imediato. O rádio, a televisão, a imprensa, fazem parte
da realidade doméstica. A casa tem um lugar, ou vários lugares,
para a televisão. O rádio, cujo "som invade tudo", como dizia
McLuhan, move-se acompanhando os ouvintes. Os lugares reser-
vados àqueles que habitam um domicílio estão sendo invadidos
pelos meios, com o consentimento e o apoio de seus morado-
res. Da sala passam ao quarto e até ao banheiro.o há lugar na
casa onde os meioso estejam presentes.
Essa "familiaridade" faz com que as mensagens por eles emi-
tidas sejam consideradas próprias, no sentido de que fazem par-
te da nossa realidade cultural, de nossos sistemas de informação
quotidianos. Isso significa que seus conteúdoso interpretados
como delimitadores do âmbito informativo social e, conseqüen-
temente, do âmbito pessoal.
Para uma boa parte dos receptores, a informação proporcio-
nada e a formação disponível sobre os meios tornam impossível
uma elaboração pessoal das mensagens, aceitando-se a elabora-
ção que os próprios meios fazem dos conteúdos.
A realidade é a realidade dos meios;o é possível uma cons-
trução pessoal da realidade, a menos que se tenha um nível de
formação adequado.
Uma vez que chegamos a este ponto, parece-me importante,
considerando o que disse Pignotti (1974) sobre a comunicação
de massa, levantar a problemática "a partir do destinatário eo
do emissor" (p. 59). Isso é justificável, uma vez que "o sentido
coloca o receptor humano no ponto da última codificação, atri-
buindo a cada forma um equivalente semântico extraído de sua
memória, que é o repertório de associações convencionais entre
as formas do código e suas próprias experiências" (Guiraud, 1977,
p. 155). Acrescente-se o fato de que "freqüentemente a mensa-
gem, uma vez recebida, se separa notavelmente do emitido, por
razões de ordem perceptiva ou por distorções devidas a motiva-
ções afetivas, sociais, políticas e culturais" (Dorfles, 1973, p. 74).
Por tudo isso, é evidente que seria interessante conduzir uma
análise da problemática da comunicação a partir da idéia de cul-
tura, já que considero que a cultura possa ser uma variável mui-
to significativa dentro do nosso escopo de trabalho.
Katz, Dori e Lima (1980) fazem uma revisão do significado
de cultura e estabelecem "três sentidos tradicionais: como esta-
do oposto à natureza; como conjunto de conhecimentos, com-
portamentos e produção material num determinado grupo so-
cial; como um sistema relativamente autônomo diante da pro-
dução social (pp. 149-150).
Fages (1975), tornando o conceito mais concreto, define cul-
tura como "todo comportamento ou toda orientação, mais ou
menos ideológica, que se encontra em uma determinada socie-
dade" (pp. 61-62).
Malinowski (1970), por sua vez, a entende como "o conjun-
to integral constituído pelos utensílios e bens dos consumido-
res, pelo corpo de regras que rege os diversos grupos sociais, pelas
idéias e artesanatos, crenças e costumes" (p. 42).
As três interpretações contemplam, dentro do conceito de
cultura, tudo aquilo que tem a ver com o comportamento, com
os significados desse comportamento e com seu valor dentro do
grupo. Portanto, estão incluídos nessas posições os elementos mais
definidores de qualquer processo de comunicação - os códigos,
a partir dos quais os signoso interpretados e as mensagens ga-
nham significado, além do seu valor puramente semântico, já que
os códigoso simplesmente convenções grupais e é o grupo que
dá valor e significado aos signos.
Prosseguindo esta abordagem da relação entre comunicação
e cultura, devemos lembrar Levi-Strauss (1968) que, depois de
elaborar uma interessante reflexão sobre a idéia de cultura, con-
cluiu que "a análise da reciprocidade mostra que os homens
o trocam coisas entre si, o que trocamo suas formas sim-
bólicas, ou seja, o modo como as representam" (p. 49). E acres-
centa em outro lugar que "toda cultura pode ser considerada
como um conjunto de sistemas simbólicos... Todos eles bus-
cam expressar certos aspectos das realidades física e social e, mais
ainda, as relações que ambos os tipos de realidade mantêm entre
si e que os próprios sistemas simbólicos mantêm uns com os
outros" (1969, p. XIX).
Já no campo concreto da comunicação, Moles (1975) com-
preende a cultura como "meio artificial que o homem cria em
todos os campos de sua atividade". E acrescenta que "no âmbito
dos problemas de comunicação, chama-se de cultura as modifi-
cações mais ou menos permanentes que o homem impõe a seu
meio ambiente perceptivo. Isso significa que a culturao se
restringe apenas à forma dos móveis e dos objetos fabricados,
como seria fácil supor, mas também aos modos de fazê-los, aos
hábitos motores, aos costumes e tradições, aos comportamentos
ritualísticos ou programados e, mais ainda, aos signos, às pala-
vras da linguagem, aos hábitos sensoriais, a todo esse universo
de signos que por si mesmos contribuem para a organização da
percepção" (pp. 203-204).
Esse argumento de Moles nos permite estabelecer uma rela-
ção direta entre comunicação (e seus significados) e cultura, o
que, somado ao fato de que esta é gerada dentro de grupos so-
ciais concretos e limitados, nos obriga a aceitar a existência de
uma problemática na relação comunicativa entre grupos sociais
com culturas diferentes, grupos cuja existência e cujas diferenças
de significados podemos intuir, à medida que estão distanciados
em aspectos sociológicos e físicos.
A tradição, a situação econômica, a religião, o clima, a dis-
tância física, etc.o elementos que podem incorporar diferen-
ças culturais e, portanto, comunicativas, entre grupos humanos
distintos, entre sociedades distintas.
Novos meios de comunicação - novas
situações culturais
O estudo dos meios de comunicação de massa nos dias de
hoje obriga a contemplar a amplitude da audiência proporcio-
nada pelo desenvolvimento dos sistemas de transmissão. Os sa-
télites, por exemplo, permitem a transmissão aos lugares mais
longínquos, sem problemas de distância. A população inteira
do planeta pode ser a audiência de uma determinada emissora
de rádio ou TV.
Ainda que a distância e os problemas físicos tenham desapare-
cido, continuam as distâncias culturais. Emissores e receptoreso
partem dos mesmos critérios de significação, tendo em comum
somente os queo impostos pelo próprio meio. Emissores e re-
ceptores podem estar em realidades culturais completamente dife-
rentes. Um programa realizado no Canadá, com critérios culturais
canadenses, pode ser recebido por um cidadão brasileiro que o
decodifica a partir de outros critérios. O espaço físico se transfor-
ma num ciberespaço, no sentido dado por Morse (1994).
Dessa forma, precisamos falar da idéia de uma cultura
supracultural, no sentido de que se situa sobre as culturas dos
diferentes grupos sociais, já que influencia a todos eles com suas
peculiaridades comunicativas, seus conteúdos singulares e seus
recursos expressivos, que favorecem ou eliminam determinadas
interpretações. É a cultura própria dos meios de comunicação
de massa, que, de certo modo, se opõe à cultura tradicional, e
que, prosseguindo a argumentação anterior, poderíamos deno-
minar cibercultura.
Se, à margem dos elementos espaciais, analisarmos as defini-
ções de cultura citadas acima e as colocarmos em relação à in-
fluência social dos meios de comunicação de massa, teremos de
aceitar que estes moldam e configuram a sociedade, formando
uma cultura singular que está invadindo o resto das culturas que
o significado à conduta humana.
Independentemente da sociedade a que pertence, cada indi-
víduo desenvolve, ao longo da vida, sua própria cultura. Ainda
que esta cultura individualo se diferencie excessivamente da-
quela do grupo social e da cultura a que pertence, terá suas pe-
culiaridades e suas significações próprias, chegando a gerar seus
próprios critérios de interpretação da realidade. É assim que vi-
vemos, tal como disse Watzlawick (1992), "sob a ingênua suposi-
ção de que a realidade é naturalmente comos a enxergamos,
e que todos os outros que a percebem de outra maneirao ne-
cessariamente maliciosos ou dementes" (p. 150).
É a partir dessa cultura íntima que a pessoa dá significado
e valoriza os elementos que a rodeiam. A cultura vai se mol-
dando e se configurando em função das múltiplas influências
que a pessoa sofre ao longo da vida, e evoluirá à medida que
essas influências evoluem.
Mas o indivíduoo está exposto apenas às influências dos
meios de comunicação de massa. Podemos diferenciar pelo me-
nos três níveis de influências: a dos meios propriamente ditos, a
da sociedade à qual pertence e a do grupo do qual faz parte. Os
meios, por sua vez, influenciam todos esses níveis - uma influ-
ência que raramente pode acontecer de forma inversa.
Por outro lado, o receptor isolado, como indivíduo,
decodifica as mensagens dos meios à margem da massa
populacional para a qual a mensagem é dirigida, e da qual ele
mesmo faz parte, sem que exista a possibilidade de o emissor
avaliar o resultado e poder aprimorá-lo. A decodificação se
faz no espaço da cultura pessoal do receptor. É a cultura pró-
pria,o as crenças próprias que conferem significado às
mensagens quem dos meios, e, em última instância, outor-
gam a essas mensagens um valor e um sentido, independente
do sentido de quem as emitiu.
70
Em relação a isso, Watzkawick sublinha que "o conteúdo
da comunicação tem uma significação secundária, sempre que
o destinatário estiver disposto a acreditar nele, porque se en-
caixa na sua visão de mundo e parece, portanto, confirmar a
exatidão de suas opiniões" (pp. 147-148). A predisposição a
acreditar nas mensagens dos meios depende dos critérios que
o receptor tiver,o em relação aos conteúdos propriamente
ditos, mas em relação aos meios, e de sua capacidade de analisá-
los. Isso, somado à dificuldade de ter uma opinião elaborada e
formada sobre os conteúdos oferecidos, conduz a uma aceita-
ção desses conteúdos como corretos.
Essa relação comunicativa entre influência e decodificação
ou interpretação das mensagens, à medida que é colocada em
relação ao ensino, nos obriga a buscar conhecer quais seriam
os elementos significativos a serem considerados para que acon-
teça uma valorização e uma participação consciente dos sujei-
tos na recepção desses meios.
De modo geral, as culturas das sociedades foram se moldando
como conseqüência de uma superposição de processos de adapta-
ção e aceitação de usos e costumes, critérios e significados, duran-
te período de tempo suficientemente longo e de acordo com a ca-
pacidade de reação humana. A sociedade foi aceitando e assumin-
do esses novos usos como parte de sua cultura, através de um pro-
cesso totalmente natural de assimilação e incorporação, no senti-
do de que houve tempo para que sua integração na cultura já exis-
tenteo provocasse nenhum trauma. Assim a cultura adquiriu
seu verdadeiro significado, seu verdadeiro objetivo, que, de acor-
do com M. Morse (1994) é o de "humanizar, ou culturalizar a in-
formação através da restauração de um contexto espacial ou tem-
poral e, no entanto, artificial" (p. 77).
A cultura procedente dos meios de comunicação irrompeu e
irrompe de forma violenta, traumática, tanto do ponto de vista
do tempo de reação dos receptores, quanto pela extensão de sua
influência, e de seus próprios conteúdos. Isso indica que, pelo
menos em algumas ocasiões,o terá sido possível para os usuá-
rios dos meios uma reação humana que permitisse uma assimila-
ção consciente e personalizada.
Essa característica faz com que a cultura que os meios geram
seja uma cultura em permanente mudança, nem um pouco está-
vel e que obriga a uma superficialidade em tudo o que ela signi-
fica. Por outro lado, ela comporta uma constante adaptação às
novas realidades, e isso faz com que os receptores - carecendo
de referentes válidos - nutram a ingênua idéia de que possuem
um conhecimento das coisas semelhante àquele que é enuncia-
do pela cultura tradicional.
O diretor de Roma, cidade aberta, R. Rossellini (1979), disse
em relação aos meios de comunicação de massa: "Os meios de
comunicação fazem 'cultura' da sua maneira. Mas a servem em
doses cavalares, e seu fimo é instruir, mas condicionar: o re-
sultado é a semicultura" (p. 114).
o entrarei no mérito de qual é a verdadeira cultura de nosso
século, se a que tradicionalmente se compreende como tal ou se
esta "semicultura"; isso me parece uma discussão estéril e sem
uma resposta única. O fato real é que nos encontramos diante
de uma situação concreta na qual é necessário que essas duas
culturas, que muitas vezes estão em conflito, convivam.
Neste momento, em decorrência da carência de uma forma-
ção específica, a cultura dos meios está sendo imposta às clas-
ses culturalmente menos "favorecidas": os nomes escolhidos para
os filhos, as frases feitas, as atitudes diante de determinadas si-
tuaçõeso reflexos dos programas queo transmitidos o tem-
po todo. A relação entre a decodificação e a influência, sobre
a qual me referia acima, se expressa nesse resultado. A falta de
instrumentos válidos que permitam uma análise mínima das
mensagens, unida à passividade com que elaso recebidas,
possibilita uma influência maior.
Esse resultado nos faz pensar numa indesejável padroniza-
ção da sociedade, levando ao desaparecimento dos traços indi-
viduais e diferenciadores dos seres humanos e, portanto, ao
oposto daquilo que apontou G. H. Mead (1982): "O espírito é
a presença de símbolos significantes na conduta. E a
subjetivação, no indivíduo, do processo social de comunicação
em que surge o significado" (p. 35). Isso só será possível en-
quanto existir a formação necessária para que o indivíduo pos-
sa, livremente, realizar esse processo.
A sociedade de massa à qual tenho me referido, que gerou
os meios de comunicação, está desaparecendo em conseqüên-
cia da evolução tecnológica dos próprios meios. Hoje surge uma
sociedade segmentada e definida que, independente do seu
número, recebe aquilo que deseja receber e no momento em
que escolhe. O número de mensagenso é limitado pelo meio
e, como disse Castells (1986), passamos de "o meio é a mensa-
gem" de McLuhan, para "a mensagem é o meio". E acrescenta:
"Não estamos vivendo em uma aldeia global, mas sim em pe-
quenos chalés individuais, produzidos em escala global e dis-
tribuídos localmente" (p. 374); e mais adiante: "As pessoas
moldam a tecnologia de acordo com suas necessidades (...)o
através da substituição dos outros meios de comunicação (an-
teriores), nem pela criação de novas redes, mas reforçando os
modelos sociais existentes" (p. 396). Esta última observação nos
permite analisar um aspecto dos novos meios que possivelmente
os condicionará no futuro próximo.
Os novos meioso estão substituindo os anteriores, como
observou Castells, estão apenas reforçando os modelos comunica-
tivos criados por eles. Aproximando esta situação ao nosso cam-
po de estudo, podemos ver como o uso dos multimeios de caráter
teoricamente educativo - o único que se faz no plano da organi-
zação e do acesso à informação, como modelo didático - está re-
petindo os esquemas desenvolvidos pelos meios anteriores.
Se focalizarmos, por exemplo, a estrutura hipertextual, um dos
elementos mais representativos desses meios, reconheceremos facil-
mente como é uma reprodução eletrônica dos sistemas de acesso à
informação das enciclopédias mais comuns do mundo. O que an-
tes era discursivo e se apresentava impresso numa folha de papel,
hoje se chama link, tem diversas cores e se apresenta na tela de um
computador. Mas issoo representa realmente uma mudança qua-
litativa, apenas quantitativa e em relação à velocidade.
Retornando um pouco, o que os novos meios propiciam - e
diferem de seus antecessores - é uma comunicação mais indi-
vidual. Afirma N. Negroponte (1995): "Na era da pós-informa-
ção, às vezes a audiência é uma pessoa apenas. Tudo se faz por
encomenda, e a informação se personaliza ao máximo. Assume-
se que a individualização é a extrapolação da transmissão seletiva"
(p. 196). Essa singularização dos processos, essa capacidade de
adaptação aos desejos e interesses dos receptores é, neste momen-
to, o elemento realmente operativo dos novos meios e o que tem
mais possibilidades de uso prático.
A idéia de singularização deve ter a ver com as capacidades
comunicativas dos sujeitos, em conjunto com suas necessidades.
Esse argumento deve nos fazer pensar sobre o emprego das for-
mas de apresentação, no nosso caso os sistemas multimeios, que
devem ser utilizados em cada caso. A disponibilidade da
tecnologia necessária para utilizar os mais sofisticados sistemas
de apresentação da informaçãoo significa que essas tecnologias
devam ser utilizadas de forma total, ao ser que exista uma razão
para isso, tanto do ponto de vista da natureza do receptor, quan-
to em relação ao conteúdo. Negroponte (1995) diz que "Existe a
idéia equivocada de que devemos utilizar uma amplitude de banda
elevada simplesmente porque temos essa possibilidade. No en-
tanto, existem algumas leis naturais que dizem respeito à ampli-
tude de banda e que demonstram que enviar mais bits que o
necessário éo absurdo quanto aumentar o volume do rádio
para obter mais informação" (p. 45).
O modelo comunicativo emergente pode, pela primeira
vez, basear-se nas características do processo desejado e na qua-
lidade dos comunicadores, eo ser imposto, como histori-
camente tem sido, pelas limitações ou possibilidades excessi-
vas dos meios disponíveis. Essa realidade comunicativao
deve ser projetada, com a mesma significação, para a totali-
dade do processo.
Alguns estudiosos da sociologia e da comunicação crêem ver
na situação atual um momento semelhante ao da Idade Média.
Colombo (1973) escreve: "Todos os povos e todos os territórios
o igualmente tributários das concentrações tecnológicas e devem
sua vida, de forma absoluta, aos novos quartéis" (pp. 53-54).
Efetivamente, no novo modelo tecnológico da informação -
por sua amplidão de oferta, singularidade de mensagens e trans-
ferência da decisão ao receptor - existe uma dependência dos
donos da informação e do controle tecnológico.
Essa situaçãoo pode ser controlada por alguém queo
tem um desenvolvimento cultural adequado aos novos meios e,
portanto, desconhece os novos códigos. A situação somente pode
ser controlada mediante uma formação adequada.
Um dos objetivos primordiais do sistema educativo de qual-
quer país, hoje, deve ser formar uma pessoa capaz de discernir
entre sua cultura pessoal, grupal, etc. e a cultura dos meios de
comunicação. Isso conduz ao desenvolvimento pessoal, no sen-
tido de estar em condições de fazer uma análise pessoal da cul-
tura que os meios propõem, independente de quais sejam as cor-
rentes culturais ao seu redor, e de qual seja sua decisão final de
assumir ouo essa cultura. Trata-se de criar as condições para o
surgimento de um critério pessoal.
Perspectivas do ensino diante da
nova situação de comunicação
O ensino, como componente do sistema social, é influenciado
pela nova situação da mesma forma que o sistema social o é. Se
pensarmos sobre isso, será fácil deduzir que a tentação de influir sobre
o sistema escolar é algo lógico, mas o possível risco em relação ao
ensino está "na sua urgência" (Garcia Bacca, 1987, p. 147).
Duas situações paralelas acontecem neste momento no ensi-
no. De um lado, está a desconsideração total das possibilidades
da nova realidade, fruto de situações derivadas do desenvolvimen-
to econômico ou do conservadorismo dos docentes. Do outro,
a urgência a que me referi, que propicia a incorporação precipi-
tada do novo modelo: diante da falta de pesquisa e conhecimen-
to,o reproduzidos critérios didáticos próprios de situações an-
teriores. Tal situaçãoo teria maiores conseqüências seo fos-
se pelo fato de que "a amplitude de escolha é maior quando um
instrumento, sistema ou técnica é introduzido pela primeira vez",
desaparecendo "para todos os propósitos práticos uma vez que
os compromissos iniciaiso feitos" (Winner, 1987, p. 45).
Se acrescentarmos a isso, como disse o próprio Winner (1987),
o fato de que, na sociedade, a maior parte das mudanças produ-
zidas pela tecnologia "podem ser reconhecidas como versões de
padrões anteriores" (p. 29), podemos nos ver diante de uma in-
corporação cara, moderna e inútil.
Implicações sociológicas
Dizia que a sociedade sofre a pressão dos novos modelos
comunicativos; essa pressão se constrói tendo como base a asso-
ciação da idéia de progresso ao fato de se utilizarem novos meios.
A tecnologia se "vende" como progresso, e "onde a tecnologia
for, a sociedade deve ir atrás" (M. Shallis, 1986, pp. 85-86). Essa
relação é transportada para a educação com maior força, já que
nesse âmbito a idéia de inovação está sempre presente, eo se-
ria bom se rescrevêssemos a frase de Lenin "O socialismo signifi-
ca eletricidade" (citado por A. Toynbee, 1973, p. 117), querendo
dizer "tecnologias novas significam progresso e inovação", ou o
contrário, eo sei qual seria pior.
Uma vez colocado tudo isso, permitam-me utilizar uma lon-
ga citação de Castells (1996): "É evidente que no futuro próxi-
mo [as novas tecnologias de comunicação] estenderão seu uso
principalmente para o sistema educativo e alcançarão considerá-
veis proporções da população no mundo industrializado:o será
um fenômeno exclusivo da elite, ainda que muito menos pene-
trante que os meios de comunicação de massa. No entanto, o
fato de se expandir em ondas sucessivas, começando por uma
elite cultural, significa que os praticantes da primeira onda de-
terminarão, com seus usos, os hábitos da comunicação" (p. 393).
(O grifo é meu.)
Castells estabelece uma relação entre o sistema escolar e a
generalização das formas de utilização dos novos meios. Se acei-
tarmos, como dizia antes, que a incorporação que está sendo feita
no ensino carece dos estudos prévios necessários, e que modelos
comunicativos anteriores estão sendo reproduzidos, podemos
concluir que os hábitos que estão sendo disseminadoso
correspondem aos que seriam possíveis.
o é a tecnologia, por si mesma, que pode facilitar as mu-
danças comunicativas. As tecnologias necessitam de outro tipo de
elementos ou ações que as complementem e lhes dêem sentido.
Hetman (1977) escreveu que "são os homens, eo a tecnologia,
que modelam a sociedade" (p. 43). Mais recentemente Rheingold
(1996) completou: "A tecnologia torna as comunidades virtuais
possíveis e tem a capacidade de oferecer um enorme poder aos
cidadãos. Mas a tecnologiao realizará esse potencial por si mes-
ma; esse latente poder técnico deve ser utilizado de forma inteli-
gente e deliberada por uma população informada" (p. 19).
Levando esses argumentos para a questão do ensino, vemos
queo os profissionais que deverão identificar quaiso os fins,
funções e formas de utilização dos novos meios e, portanto, do
novo modelo comunicativo, o que nos obriga a desenvolver um
extenso e intenso trabalho prévio de reflexão, análise e pesquisa.
"Permitir que a tecnologia determine o fim eqüivale a julgar an-
tecipadamente qual é este fim", escreveu Shallis (1986, p. 127), e
essa é a problemática deste momento.
Wiener, uma pessoao contrária à idéia do apocalipse em
relação à tecnologia e às máquinas, escreve: "Transferir sua res-
ponsabilidade (a do homem) para a máquina, seja ela capaz ou
o de aprender, é lançar sua responsabilidade ao vento e vê-la
regressar trazida por uma tempestade" (tirado de Haro Tegler,
p. 36). Referindo-se especificamente aos computadores, acrescenta
em outro lugar: "Deixemos para o homem as coisas queo do
homem, e para os computadores as queo deles" (N. Wiener,
1967, p. 81). Podemos trazer esses critérios para a nova situação.
Se continuarmos a nos deixar pressionar pelas disponibilida-
des tecnológicas e pela urgência de sua incorporação, acabare-
mos nos convertendo em "adoradores de artifícios", como diz o
próprio Wiener, ou fazer como o famoso economista que, du-
rante a exposição de Paris de 1889, se punha a adorar o dínamo.
Implicações metodológicas
Se estamos falando de um novo modelo comunicativo, é lógi-
co pensar, a partir dele, num novo modelo didático, que deverá
estar baseado nas potencialidades que definem a nova situação.
Bell (1973), referindo-se a uma situação anterior - a sociedade
pós-industrial, quando as possibilidades de acesso à informação,
embora fossem infinitamente superiores às da etapa anterior, pou-
co se comparam com as atuais -, escreveu: "Agora existem muitos
modos mais diferenciados através dos quais as pessoas obtêm in-
formação em experiências, e se faz necessária a compreensão
autoconsciente dos mecanismos de conceitualização como meio
de organizar a informação individual para alcançar algumas pers-
pectivas coerentes sobre a própria experiência" (p. 485). E aponta
para a necessidade de desenvolvimento de novas habilidades que
correspondam às disponibilidades de acesso à informação.
Eu dizia que o que caracteriza a nova situação comunicati-
va é a singularização da mensagem, tanto em sua organização,
quanto em seu conteúdo e na flexibilização do acesso. Com
essas características, é sem dúvida o receptor que deve estabele-
cer os critérios para chegar até a informação, assim como os
da utilização que fará dela. O processoo gira em torno da
informação e sim da forma de acesso.
Essa singularização do processo deve ser associada à capa-
cidade das novas tecnologias de comunicação de criar novos
"espaços" de ensino-aprendizagem, nos quais "comunidades
educativas" desenvolvam processos singulares. Negroponte
(1995), escreve, em relação a essa virtualidade das redes: "O valor
real de uma rede tem menos que ver com a informação do que
com a comunidade" (p. 217).
A união de todas essas características nos permite estabele-
cer os elementos nos quais os novos modelos metodológicos
devem se basear, e que poderiam ser resumidos em apenas um:
flexibilidade, em relação tanto aos conteúdos quanto às formas
de apresentação, à organização, ao momento de acesso, à defi-
nição do meio ambiente da aprendizagem e à constituição do
grupo humano com o qual se trabalha. Falo de modelos pou-
co formalizados, porém muito estruturados quanto às opções
e que transfiram a responsabilidade do desenho da situação
interativa para aquele que aprende.
Meios, ensino e sociedade
Tudo o que foi dito até o momento nos leva a ter de con-
templar o ensino como uma alternativa - do meu ponto de vista
a única - para superar o domínio cultural e, por conseguinte,
ideológico, que os meios exercem em determinados grupos so-
ciais. A cultura e a liberdadeo possíveis apenas à medida que
uma pessoa é livre para tomar decisões, e essas decisõeso pos-
síveis apenas se ela dispõe de "instrumentos" técnicos e ideológi-
cos que permitam uma reelaboração pessoal da informação que
chega até ela. Isso só é factível com uma formação adequada para
analisar pessoalmente essa informação.
O conhecido informe do Clube de Roma "Aprender, hori-
zonte sem limites", de 1979, já afirmava que "não se pode com-
preender a avassaladora overdose de informação sem os crité-
rios seletivos fornecidos pelo significado", e o significado, lem-
bremos,o é único.
Eu dizia que os meios geram sua própria cultura, uma cultu-
ra singular, que possui suas próprias características, seus próprios
traços diferenciadores e é, de certa forma, conflitante com a con-
cepção tradicional. Essa cultura, de certo modo identificável com
o termo cultura de massa, alcançou tamanho nível de desenvol-
vimento social que, hoje em dia, qualquer intuito de ação cultu-
ral deve contemplar essa realidade.
Em relação a isso, parece-me importante lembrar o realismo
de Eco (1984) quando dizia que "uma política cultural prudente
será a de educar, ainda que através da televisão, os cidadãos do
mundo futuro, para que saibam compensar a recepção de ima-
gens com uma rica recepção de informações 'escritas'" (p. 379).
Se considerarmos desejável a conservação dos valores culturais
quem configurado o pensamento da nossa sociedade ao lon-
go dos séculos, devemos contemplar imediatamente a necessida-
de de criar situações que conduzam a isso, sem que elas signifi-
quem uma oposição, o que, em todo caso, seria inviável.
A função dos meios é influenciar os receptores, e essa influ-
ência pode ser maior se o receptoro dispuser da totalidade
das ferramentas para sua análise. Seria difícil esperar, e nem seria
desejável, que os próprios meios proporcionassem os elementos
necessários para essa análise. Sobre isso, o já citado Rossellini
(1979) dizia que "os meios de comunicação propagam milhares
de notícias "transcendentes", expõem toda sorte de problemas,
maso facilitam os conhecimentos necessários para desafiá-los:
isto é a semicultura" (p. 115). Sem perder de todo a esperança de
que os meios possam nos ajudar nessa tarefa, devemos pensar em
outros espaços onde buscar tal informação, ou formação.
O que tem sido o meio por excelência da cultura tradicional,
o material impresso, perde diariamente sua hegemonia. "Vários
fatoso uma representação simbólica do que está acontecendo.
As páginas dos livros que foram impressos em papel ácido a par-
tir de 1870m hoje um tom pardo e se desintegram em um ritmo
tal que, em poucos anos, quase 40% dos volumes que formam
as coleções mais importantes estarão sem serventia, apesar do
grande esforço para conservá-los. Em 1993 a Universidade de
Columbia fechou sua famosa escola de biblioteconomia, com
exceção do departamento de livros raros, pela simples razão de
que essa ciência jáo cabe numa universidade voltada para a
pesquisa; outras 14 das 43 grandes escolas dessa área fecharam as
portas nos últimos anos" (A. Kernan, 1994, p. 68).
Embora seja possível contra-argumentar, afirmando que o
mercado editorial cresceu nos últimos anos, também é verdade
que esse crescimento se deve ao desenvolvimento de um tipo
de publicação de "desenho", que responde a estudos de merca-
do e faz uso de conteúdos e técnicas narrativas mais próximas
dos novos meios do que da literatura tradicional. O livro, que
com a aparição da imprensa se tornou o primeiro meio de co-
municação de massa, começa a adquirir características próprias
de outros meios.
Estamos num momento de transição cultural, o queo signi-
fica que uma das duas culturas tenha de desaparecer, mas sim que,
através da convivência, cada uma delas deverá ocupar seu lugar e
sua dimensão correspondente, assim como já ocorreu em outras
ocasiões no decorrer da história. Para alcançar esse objetivo de forma
adequada é preciso dispor dos meios necessários, já que falamos
de duas culturas diferentes, com códigos distintos, o que implica
que o estudo ou a análise dos meios seja feita a partir de critérios
diferentes dos quem sido utilizados para a cultura tradicional.
Em resumo,o podemos analisar um noticiário de televi-
são, uma telessérie ou um jornal diário pelos mesmos critérios
com que abordamos um oratório de Bach ou as Novelas exem-
plares, de Cervantes.
Estamos num momento no qual, para abordarmos os meios com
a atitude adequada, precisamos, inicialmente, "renunciar" à própria
cultura para poder "entender" os meios ou para enunciar as interro-
gações significativas e relevantes para o âmbito do ensino.
O que já foi dito até aqui nos leva a ter de aceitar que:
os meios geram a sua própria cultura, diferente da tradicional;
a cultura dos meios, como as outras culturas, comporta va-
lores, condutas e códigos próprios;
as duas realidades culturais que convivem em nossa socie-
dade nos obrigam a uma adequação dos sistemas pessoais
de interpretação;
nossa interpretação das mensagens de qualquer natureza é
feita a partir de uma cultura pessoal, sendo indiferente se
esta vier dos meios ou se for a tradicional;
a cultura do emissor e do receptoro precisa necessaria-
mente ser a mesma;
o existe informação neutra;
os meios procuram impor seus próprios critérios;
a liberdade do receptor na decodificação de uma mensa-
gem diminui à medida que ele desconhece os códigos em-
pregados pelo emissor;
para possibilitar a comunicação e a análise, o emissor e
o receptor devem adotar a cultura do meio empregado
como cultura comum, já que "as pessoas se comunicam
melhor quando se situam no mesmo universo simbóli-
co em os mesmos marcos de referência" (Marc e
Picard, 1992, p. 29);
devido à novidade da cultura dos meios, à sua força da
integração na sociedade e ao emprego de códigos singula-
res, será necessário formar os cidadãos para essa cultura.
O ensino, entendido como o sistema escolar em seu senti-
do mais amplo, deve facilitar a formação adequada para que os
cidadãos sejam capazes de analisar a cultura que os meios ofe-
recem e fazer sua própria reelaboração dessa cultura, já que é
ela que, consciente ou inconscientemente, se impõe, eo a
cultura dos cidadãos.
Mas issoo deve levar a uma renúncia da cultura que é
proveniente dos meios de comunicação tradicionais, já que fo-
ram esses meios - principalmente o livro, com suas capacidades
comunicativas ímpares - que, além de transmitir uma série de va-
lores culturais ao longo dos anos, facilitaram o desenvolvimento
de certas capacidades nos receptores, capacidades essas que pos-
sibilitaram o momento atual.
Disso podem-se deduzir três tipos de objetivos diferenciados
dentro do âmbito do ensino: formar para os meios, formar com
os meios e formar a partir dos meios.
Formar para os meios
Uma parte bastante significativa da informação que os cida-
dãos dispõem sobre sua própria realidade é fornecida pelos meios.
Por outro lado,o tem existido uma colocação consciente e
sistemática no sentido de criar as condições ideais para que os
cidadãos possam se aproximar intelectualmente desses meios.
O que significa formar para os meios? Significa realizar uma
incorporação dos meios em si no ensino formal, para que -
como foi feito com os meios de comunicação tradicionais - os
mais jovens venham a fazer uma leitura completa e pessoal de
seus conteúdos. Deve-se colocar à disposição dos jovens os ins-
trumentos necessários.
Em relação a esse aspecto da formação,o faltam declarações
políticas de todos os níveis e de praticamente todas as instituições
quem a ver com o ensino - declarações com altos objetivos, mas
com pouca operatividade. Um exemplo é a conhecida publicação
da Unesco (1984) sobre o tema, queo teve as repercussões reais
que a qualidade de seu conteúdo nos fazia esperar.
Ao longo do tempo, os diferentes sistemas escolaresm in-
corporado o estudo dos diferentes meios de comunicação que
foram se tornando parte de nossa cultura. A literatura, a pintura,
a música, etc.o matérias que foram sendo integradas no currí-
culo escolar, compreendendo-se, é claro, que nem todos os estu-
dantes seriam Calderón, Velázques, Falia, etc. Esses estudos tinham
o objetivo de ensinar as chaves, os códigos com os quais esses
criadores buscavam se comunicar com seus receptores, de modo
que pudéssemos dispor de instrumentos para fazer uma interpre-
tação pessoal de suas obras.
E possível que seja necessário ainda algum tempo para poder-
mos perceber como os meios se unem às matérias escolares e se in-
corporam em seus conteúdos, como já ocorre em outros casos e
começa a acontecer com o cinema. Mas, neste momento, é possível
que estejamos ainda, em nossos países, numa etapa de transição, que,
como toda transição, é marcada pela confusão e pela indefinição.
Por outro lado, seria necessário atender a um setor da popu-
lação que já passou da idade escolar e que está tanto ou mais
necessitado dessa formação, já que a proliferação dos meios se
deu após a época em que freqüentou as aulas do sistema escolar
formal. As associações culturais, de vizinhos, de pais de alunos,
etc. podem tornar-se, como acontece em outros países, o canal
adequado para conseguir tais conhecimentos.
Formar com os meios
Na relação dos meios como o ensino, provavelmente este seja
o aspecto sobre o qual se tenha escrito mais, e é possível que
exista um número maior de desenvolvimentos e aplicações con-
cretas nesse campo do que em outros. Como exemplos espanhóis
desses trabalhos, podemos citar a publicação do Ministério de
Educación y Ciência da Espanha, escrita por Margalef (1994), os
trabalhos de Vioque (1984), Cervera (1977), ou mesmo meus, pois
me preocupo com este tema há muito tempo (Martínez, 1981).
Pensar nos meios de comunicação como meios de ensino nos
obriga a projetar sobre eles todos os critérios enunciados. Isso signi-
fica, sobretudo, que a incorporação de um determinado meio seja
feita em função de uma elaboração maior e mais ampla, que lhe con-
fira sentido e significado. Partindo desse ponto de vista, os meios
o um recurso,o um fim em si mesmos. A incorporação do meio
deve ser a resposta a um problema didático detectado pelo docente.
Os materiais procedentes desses meios podem ser utilizados
de duas formas distintas: configurando meios didáticos como
parte dos programas ou utilizando seus elementos comunicati-
vos e expressivos.
O primeiro caso é conseqüência do fato de que dificilmen-
te um programa, ou uma página procedente de um meio é in-
tegralmente útil. A possibilidade mais real é, sem dúvida, a uti-
lização de montagens, adaptações, redefinições, conferindo-lhes
um novo significado e um novo valor. Esse uso necessita de
um importante trabalho prévio por parte do professor, que
precisa definir quaiso seus problemas e necessidades, planejar
as estratégias, elaborar as maneiras de solucionar os problemas
e pensar nas funções do material procedente dos meios, recons-
truindo-o a partir dessas funções.
A segunda possibilidade tem a ver com os elementos expres-
sivos dos meios e suas técnicas de comunicação. Os meios nos
mostram técnicas de comunicação capazes de prender a atenção,
dirigir a observação e o raciocínio, etc, que respondem a muitas
necessidades dos professores. Creio que o uso dessas técnicaso
significa um afastamento da função da escola. Pelo contrário,
profissionaliza o professor, permitindo-lhe empregar estratégias
próprias daqueles que são, ao menos socialmente, profissionais
da comunicação.o esqueçamos que a ação docente carrega
uma boa carga da função de comunicadores, coisa que
freqüentemente é esquecida em favor de outros aspectos mais
"transcendentes", mas menos operativos.
Formar a partir dos meios
Tradicionalmente, conferem-se aos meios as funções de for-
mar, informar e divertir. A formação, conseqüência direta da
informação, por sua própria natureza significa configurar e, por-
tanto, criar ideologia, a partir do ponto de vista do emissor e,
no caso desses meios, utilizando recursos comunicativos nem
sempre identificáveis pelo receptor. Esse fato, unido à impossi-
bilidade de gerar uma informação neutra, nos permite traduzir
"formar" por "manipular", sem que a utilização deste termo pre-
judique qualquer tipo de intenção dos emissores.
Um objetivo inicial da formação a partir dos meios deveria
ser revelar alguns de seus elementos expressivos, a forma como
o construídos e suas funções - buscando desmistificar tanto o
próprio meio quanto os seus comunicadores. Esse objetivoo
deve ser confundido com algo que, nos últimos tempos, tem sido
uma presença permanente em alguns programas populares de te-
levisão: mostrar a realização do próprio programa, revelando al-
gumas cenas que foi necessário repetir por uma razão qualquer e
incluindo cenas dos bastidores. Essas inserçõeso respondem
a critérios de formação, uma vez queo procuram desmistificar
ou mostrar as entrelinhas da realização, mas apenas respondem
às demandas do mercado.
Por outro lado, levemos em consideração que "a leitura é uma
habilidade difícil e é aprendida com esforço; enquanto que sentar-
se para assistir televisãoo requer esforço nenhum. Por isso, os
que se utilizam exclusivamente desse meioo apenaso menos
aptos para acompanhar a complexa argumentação que surge num
texto escrito, mas também, em realidade,o entendem por que
as coisas precisam sero intricadas, complicadas e difíceis como
se apresentam nos meios impressos. O radicalismo das tecnologias
de comunicaçõeso provoca apenas transformações nos usos
populares e nas práticas econômicas, mas também na
consciência"(Kerman, 1994, p. 69). Torna-se imprescindível ensi-
nar a partir dos meios, tanto para buscar superar o que Kerman
aponta, quanto para utilizar as potencialidades comunicativas dos
meios no sentido dado anteriormente por Eco.
o é fácil cumprir essas funções. Sem entrar nas peculiari-
dades técnicas do meio como tal e em seus objetivos ideológi-
cos e comerciais, e restringindo-nos apenas ao perfil do receptor
dos meios e à sua atitude no momento da recepção das mensa-
gens, a realização do objetivo parece-nos problemática, o queo
significa que devemos renunciar a ele.
Enquanto os meios de comunicação privados podem e de-
vem dar prioridade aos critérios comerciais em detrimento dos
formativos, os meios de comunicação públicosm significado
justamente na função formativa. Uma função que possivelmente
o será rentável em termos econômicos, mas que certamente
será altamente rentável no plano social. Sobre isso, o boletim do
Clube de Roma, ao qual me referi antes, propõe uma "redistri-
buição dos programas de televisão, de modo que aproximada-
mente um terço deles seria dedicado à educação, outro aos as-
suntos públicos e culturais e outro ao divertimento".
Quero terminar dizendo que os meios de comunicaçãoo
o nem bons nem maus (o que seria puro maniqueísmo). Sim-
plesmenteo o que são, e é preciso formação para conviver com
eles. Assim como fazemos com muitos outros instrumentos ou
tecnologias queo nos agradam.o é legítimo dizer que a
bondade ou a maldade se situa no seu uso. Os meiosm uma
forma tecnicamente correta de serem utilizados, e é assim que
devemos empregá-los.
Como conseqüência dessa configuração técnica, os meios ge-
ram uma influência cultural, à margem da cultura própria dos ci-
dadãos. Tal influência constrói uma nova sociedade, na qual a ri-
queza da diversidade cultural se encontra ameaçada e que tende a
ser uma sociedade padronizada, que responde a valores de signifi-
cação idêntica. Esperemos que os novos desenvolvimentos cientí-
ficos favoreçam a diversidade cultural permitida pela tecnologia e
que os sistemas educacionais desenvolvam programas de atuação
que possibilitem aos cidadãos a tomada de decisões pessoais, tan-
to em relação aos meios quanto ao significado de suas mensagens.
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MÍDIA E APRENDIZAGEM
Judith Lazar
Doutora em Sociologia pela Universidade de Paris X- Nanterre
e Pesquisadora da Universidade de Amiens - Curapp
Talar de mídias quando o assunto é aprendizagem é um ver-
dadeiro desafio. Na realidade,o se gosta muito de aceitar a
capacidade cognitiva das mídias. Inicialmente, vamos nosr de
acordo sobre o que entendo por aprendizagem. Pois é preciso
reconhecer que o termo é vago. Ele pode nos remeter ao conhe-
cimento cognitivo - o que ocorre na maioria das vezes, já que a
aprendizagem no sentido "intelectual" do termo relaciona-se a
uma atividade cerebral definida -, mas naturalmente é muito mais
do que isso. O que quero dizer é que, no sentido amplo do ter-
mo, a aprendizagem refere-se à transmissão de modelos e de va-
lores. E é nesse segundo sentido que tentarei examiná-la.
Na medida em que aqui nos interessamos essencialmente pela
imagem, limitar-me-ei a falar da televisão (talvez um pouco de
cinema), mas deixarei de lado as outras mídias.
Inicialmente vou contar uma pequena história. Picasso dizia
que a pinturao foi feita para decorar apartamentos. É um ins-
trumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo. Essa
idéia me agrada porque é válida também para a televisão. Isto é,
a televisãoo foi feita para mobiliar um apartamento, mas é
um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra a ignorân-
* Tradução: Vera Maria Palmeira de Paula
cia. Acho que é uma meta. E acrescentarei, embora issoo me
dê prazer, que essa meta aindao foi atingida e que ainda está
longe de o ser. Quero dizer que a televisão aindao satisfez esse
papel de instrumento. A questão, hoje, é inevitável: terá ela a
capacidade de assumir esse papel?
Um pouco de história
Poderíamos colocar a questão: Por que o discurso sobre a
televisão vem da paixão eo da razão? Com efeito, sempre que
se aborda o assunto "televisão", abandona-se o discurso lógico,
o discurso da razão. Por que as pessoasom vontade de com-
preender a televisão? Provavelmente ela suscita paixão porque toca
a essência da democracia.
Proponho inicialmente fazer um desvio histórico para situar
minha problemática.
Desde o seu surgimento, a televisão era vista, grosso modo,
de duas maneiras:
como um meio de divertimento (do povo - concepção tida
como conservadora);
ou, numa concepção que chamarei de esquerda, como um
excelente meio para educar o povo.
Essa segunda concepção dizia respeito principalmente aos
países comunistas, que viram nesse meio de comunicação de
massa um instrumento perfeito de propaganda; mas excelentes
profissionais do outro lado da cortina de ferro, principalmente
na França, tiveram igual fé nessa concepção. Alguns excelentes
profissionais de televisão também acreditaram numa televisão
capaz de elevar o nível do povo.
Naturalmente, todas essas concepções se inscrevem num de-
bate mais antigo, ou seja, na emergência da presença da cultura
de massa, a partir dos anos 1930. O fato de os intelectuais de
direita terem sido contra, o queo é surpreendente, é mais in-
teressante do que o caso dos intelectuais de esquerda, principal-
mente os membros da Escola de Frankfurt, queo a receberam
de braços abertos, pois temiam o desaparecimento da cultura
nobre. A cultura de massa, popular, representava aos olhos deles
uma espécie de subcultura, capaz de alienar o povo e desviar os
indivíduos dos verdadeiros problemas.
Este desvio histórico me parece necessário para falar da tele-
visão enquanto instrumento democrático.
Por outro lado, é preciso reconhecer que na escola os pro-
fessores tambémo se entusiasmaram em acolher a TV, pois
ela poderia fazer concorrência ao saber deles. Devemos admi-
tir que a TV é rápida, espetacular e atraente, ao contrário da
escola, que é restritiva, algumas vezes entediante e pouco su-
portável para uma criança de hoje.
Um meio de comunicação de massa particular
A TV faz parte da cultura de massa, é uma das mídias de
massa, um instrumento de comunicação que permite realizar a
comunicação de massa enquanto processo social. O que carac-
teriza uma mídia de massa é a difusão em massa (os produtos
o difundidos em grande quantidade, ao contrário da cultura
nobre de elite), que se dirige à massa, a todo mundo. É justa-
mente essa a sua dinâmica. A televisão pode atingir toda uma
população, parao dizer todo o planeta, como diria McLuhan.
Seu caráter fundamental reside justamente. E eu penso que,
sobre essa difusão de massa, mais exatamente sobre o que dis-
so decorre,so sabemos o suficiente.
É claro,s sabemos, foi empiricamente demonstrado, que
quando uma apresentadora popular se coloca diante das câmeras
com um enfeite, um broche, por exemplo, esse enfeite vai alcan-
çar uma excelente venda nos próximos dias. Mas conhecemos
bem menos esse fenômeno de massa no plano da difusão das
idéias. Quero dizer que as conseqüências do que é dito na TV
oo conhecidas o suficiente. Por que isso? Porqueo deve-
mos esquecer que a TV é apenas um entre vários fatores que in-
tervém na transmissão do conhecimento. Quero dizer que é ex-
tremamente difícil saber o que, em nosso conhecimento, vem da
TV, e o que vem de outro lugar. E por essa razão considero apres-
sado insistir na idéia de manipulação da televisão. Penso que
devemos ser prudentes sobre esse ponto.
o devemos nunca esquecer que os indivíduos fazem parte
de duas redes: uma rede interindividual, chamada rede primária
- trata-se da família, do local de trabalho, do círculo de amigos,
etc. - e, enquanto consumidores de mídia, a uma rede de comu-
nicação de massa chamada rede secundária. Dito de outra ma-
neira, os indivíduos se informam mais do que imaginamos nas
redes primárias, junto aos círculos familiares, de amigos, etc.
Issoo quer dizer que a televisãoo seja poderosa, ela é
mesmo muito poderosa na transmissão de informações, na educa-
ção dos indivíduos. Mas acredito que sozinha elao possa de-
senvolver uma ação educativa. Ou melhor, penso que para que
possa exercer uma ação educativa, ela precisa estar apoiada num
esforço pedagógico, cultural. Aliás, a melhor prova disso é a expe-
riência conhecida por todos, a famosa série Vila Sésamo. Esse pro-
grama foi realizado nos Estados Unidos com o objetivo de aumen-
tar o nível escolar das crianças pertencentes a meios socioculturais
modestos, principalmente filhos de emigrantes cujos paiso
dominavam bem a língua e a cultura norte-americana. O progra-
ma foi concebido por excelentes professores universitários e pro-
fissionais para que a criança pudesse ver televisão sem a ajuda do
adulto. O resultado confirma que crianças da classe média tive-
ram maior ganho com a série,o porque fossem mais inteligen-
tes, mas porque eram acompanhadas por um adulto ou uma pes-
soa mais velha. As outras crianças foram menos beneficiadas com
O programa. Em outras palavras, a ação da televisão é mais eficaz
quando acompanhada por um apoio externo.
É por essa razão que sou a favor de uma ação por parte da esco-
la. Como disse no meu livro La télevision: mode d emploi pour
1 'école, vivemos num momento histórico em que as crianças de todos
os meios sociais - e isso parece ser único na história da humani-
dade -, chegando à escola, possuem a mesma cultura de base, isto é,
uma cultura televisiva idêntica. Esse fato é em si extraordinário. Isso
significa uma fonte inesgotável para a escola. Trata-se de uma cultu-
ra e é uma cultura em que a escola pode se apoiar. Acredito que essa
seja uma oportunidade excepcional para a democracia ou, mais pre-
cisamente, no sentido de uma democratização cultural. E por que
razão quero uma democratização cultural? Porque, como socióloga,
penso que tudo está ligado à educação. Essa é a chave do problema
e ao mesmo tempo a natureza do nosso problema.
A televisão na transmissão do conhecimento
Antes de avançar nas minhas idéias, volto ao que dizia antes
sobre a aprendizagem. Acredito que é necessário estabelecer a
diferença entre aprendizagem no sentido da transmissão do co-
nhecimento cognitivo, e aprendizagem enquanto transmissão do
conhecimento geral. Falando da aprendizagem neste segundo
sentido, naturalmente penso também na socialização.
A transmissão do conhecimento cognitivo é assegurada pela
escola, enquanto a televisão intervém de maneira inegável na trans-
missão do conhecimento geral.
No que diz respeito à transmissão do conhecimento cognitivo,
poderemos deixá-la - no futuro também - a cargo da escola.
Mesmo se o computador desempenhar um papel cada vez mais
importante, a escola, enquanto lugar de difusão e de transmissão
das mensagens básicas, tem ainda muito tempo pela frente.
Mas a televisão preenche um papel crucial na transmissão
do conhecimento no sentido amplo do termo. Penso na cons-
cientização de um problema. Como disse Paulo Sérgio Pinhei-
ro num artigo sobre a violência emo Paulo, graças à
mediatização do problema, a população pode discuti-lo no mes-
mo instante em que ele ocorre, criando assim condições para
uma tomada de consciência. É nesse sentido que a televisão pode
e deve ampliar seu papel.
Resta-nos perguntar: Como fazer isso? Sobre esse ponto gos-
taria de indicar algumas pistas:
1. É preciso levar a televisão a sério. Quero dizer, em
vez de tratá-la como uma filha frívola, deve-se tratá-la como uma
instituição. Para isso é preciso que os intelectuais a levem a-
rio. Os intelectuais esnobam a TV. Eleso compreendem a TV.
Por quê? Porque eleso a conhecem e, como tambémo a
respeitam,o a consideram digna o bastante para ser estudada.
Entretanto, a televisão, da mesma maneira que todas as institui-
ções, obedece a leis.o podemos ter fantasias sobre ela, acusar
os apresentadores, os jornalistas de todos os vícios, sem conhecê-
la. É preciso apropriar-se desse objeto para que ele se torne dig-
no de estudo. Muitas vezes, por falta de estudos,s nos apoia-
mos nos resultados das pesquisas americanas. Como os america-
nos foram os primeiros a compreender a importância dessa mídia
de massa na transmissão de cultura e de maneira geral na persua-
são, eles realizaram inúmeros estudos. Mas os resultados ameri-
canoso invalidados no contexto sociocultural europeu, fran-
cês, e imagino também no brasileiro.
Permanecendo no mesmo eixo, acho que poderíamos encon-
trar no ensino "tradicional" (entendo que se aceitamos que o
objetivo principal da escola é ensinar a leitura, a escrita e os cál-
culos de base, essas funçõeso as que chamo de tradicionais)
um lugar para ensinar um pouco de televisão, enquanto instru-
mento de aprendizagem. Muitas vezes imagina-se que o fato de
assistir à televisão seja suficiente para que possamos conhecê-la.
Isso é falso. Eu me explico. Temos uma tendência a achar que a
televisão - na qual a informação é veiculada essencialmente pela
imagem - seja um instrumento de comunicação fácil. Isto decor-
re do fato de a imagem ter sempre tido uma reputação de facili-
dade. Na nossa cultura judaico-cristã, a leitura tinha um papel
nobre, e a imagem um papel de superficialidade. É verdade que
admitimos que a imagem seja polissêmica, mas há muito pouca
gente que conheça realmente a natureza da imagem. Na realida-
de, apesar de a imagem ser mais antiga que a escrita, e a comuni-
cação pela imagem ser igualmente anterior à escrita, sempre se
valorizou a transmissão cultural pela escrita.
Mesmo com o advento do cinema, embora a situação tenha
melhorado um pouco, por o cinema ter obtido um certo status,
ele nunca concorreu com a literatura. Tem-se uma relação ambí-
gua com a imagem. Isso se deve, em parte, ao fato de que é pre-
ciso muito esforço para conhecer o alfabeto e ser capaz de deci-
frar uma página (aliás, trata-se de uma atividade mensurável -
consegue-se ouo decifrar uma página), enquanto a leitura de
uma imagem é muito complexa eo existe uma "boa" leitura
que ultrapasse as outras. Além disso, esquecemos - justamente
porqueo reconhecemos a utilidade de ensinar imagens - que
uma imagem pode sempre esconder um aspecto que nos escapa.
Diria que, de alguma maneira, a imagem é um instrumento de
manipulação mais sutil do que a escrita. Pois tem ou pode facil-
mente ter uma dimensão que escapa àquele que quer transmitir
a imagem. É preciso legitimar a televisão.
2. A televisão: um instrumento ou um túmulo para a
democracia? É sobre essa interrogação de Karl Popper que
gostaria de refletir agora. Primeiramente, mesmo os analistas
sériosm uma tendência a considerar a televisão "em si", como
uma instituição fora do tecido social. Como se a TV estivesse
em um vácuo. Atualmente, na França, fala-se muito da televi-
o quando o assunto é a violência dos jovens. Fico muito sur-
presa, pois na minha opinião a TV - e eu diria mesmo que
isto é um ponto essencial - é apenas uma instituição entre
muitas outras. Tentar estabelecer de maneira obsessiva uma
equação entre televisão e violência dos jovens é sinal de uma
enorme cegueira. É esquecer que a televisão completa a ação
de outras instituições, como a família e sobretudo a escola.o
afirmo que a violência televisiva seja positiva. Mas tambémo
aceito que ela seja um detonador de violência. Se o ambiente
da criança e as duas instituições citadas acima, a família e a
escola, cumprissem inteiramente seus deveres, a violência
televisivao teria efeito mimético. Como a violênciao é
nosso assunto aqui,o me prolongarei, cito apenas para ilus-
trar, pois a TV tornou-se freqüentemente o bode expiatório
numa sociedade roída por outros males.
Critica-se a televisão alegando que as crianças a assistem muito.
Ela também é acusada de roubar o tempo. Assistir televisão acar-
reta, dizem, uma grande passividade. Como se tudo isso fosse
culpa da TV! Antes da TV eles tinham tantas atividades?! O que
é que eles faziam? Brincavam. E agora? Mas quem é que os im-
pede de continuar brincando? Ou por que eleso brincam mais?
Seria porque a televisão é mais interessante? Mas é preciso pro-
porcionar às crianças atividades que lhes permitam se movimen-
tar, atividades que sejam mais atraentes.
A meu ver, a televisão em si é um falso problema. O verda-
deiro problema é ques a recebemos de braços abertos, pois
pensávamos que ela fosse educar nossos filhos, nos divertir, nos
informar e pensávamos que tudo isso ocorreria naturalmente. Ou
melhor,s acreditávamos que ela fosse muito poderosa, e como
ela é apenas uma instituição entre outras, e na realidadeo subs-
titui nada, apenas completa, entãoo nos agrada mais.
3. Qual é a qualidade da TV? Fala-se freqüentemente que é
nula. Nas pesquisas feitas junto ao público, as pessoas, quase sem
exceção, respondem que gostariam de ver programas culturais. Mas
quando se propõe, como na França, o excelente programa cultu-
ral de Bernard Pivot, só se obtêm 2% de audiência. Podemos dizer
que é enorme. Queo é ruim. Mas, sejamos honestos: dizemos
qualquer coisa. O que quero dizer é que todos aqueles que falam
em programas culturais os consomem muito pouco.
Naturalmente, estou inteiramente de acordo com a idéia de que
poderíamos habituar as crianças desde a infância a assistir a pro-
gramas de qualidade. Mas para isso é necessário que os programas
destinados às crianças sejam de fato de qualidade. E nada nos per-
mite supor que as crianças assistirão a esses programas eo a
outros. Por outro lado, penso que poderemos educar as crianças
desde a idade de 4 ou 5 anos à linguagem televisiva, explicando-
lhes que a televisãoo é a realidade. Trata-se de um mundo sim-
bólico inteiramente inventado, construído por outras pessoas. Mas
ainda uma vez essa educação deveria ser feita na escola. Pois te-
nho certeza de que com a famíliao se pode contar!
4. A televisão poderia ser um extraordinário instrumento
de educação. Mas há um grave problema: como produzir pro-
gramas extraordinários o dia inteiro? Nesse ponto estou de acor-
do com Karl Popper, quando diz que o problema é justamente
que, à medida que o número de canais aumenta, a necessidade
de encontrar profissionais competentes e bem qualificados se
impõe de maneira mais aguda. É uma das dificuldades fundamen-
tais que explicam a degradação da televisão. Seu nível baixa por-
que os canais se julgam na obrigação de produzir cada vez mais
programas sensacionalistas. Ora, o que é sensacionalista raramente
presta. Surge aqui outro problema: é difícil de separar o que é
bom do que é ruim. Com efeito, o que me permite afirmar que
um programa é bom e que o outro é ruim? Penso queo deve-
mos agora nos envolver nesse debate. Parece-me que podemos
concordar com a idéia de que no início da televisão os progra-
mas eram de melhor qualidade. O que significa que a concor-
rência teria sido negativa para o nível dos programas.
Além disso, ainda uma vez, acredito que isso prova que a TV
é uma instituição que mantém uma relação evidente com outras
instituições. Vejamos. Todos sabem que os intelectuais de maneira
geralo mais exigentes a respeito de toda a produção cultural.
Por quê?o se trata de uma simples questão de princípio ou
de honra. Como eles lidam durante mais tempo com a cultura,
ou com o que chamamos de produção cultural - a boa literatu-
ra, a arte, etc. -, eles desenvolvem aos poucos uma exigência cul-
tural que se torna uma "segunda natureza". O que quero dizer é
que a educação - que vem essencialmente da escola - está
diretamente relacionada com a exigência cultural.
5. Vamos agora falar sobre educação. Toda educação na
realidade subentende uma adaptação ao meio ambiente. É nessa
adaptação que a família, depois a escola e também a televisão
devem ajudar o indivíduo. Mas qual é o objetivo final dessa ação?
Trata-se de tornar a criança apta para seu futuro, ajudá-la a se
preparar, a tornar-se um ator social, um bom pai ou simplesmente
um cidadão útil e responsável. Ora, a questão que nos interessa
é a seguinte: a televisão, enquanto agente socializador, intervém
de maneira positiva nesse processo? Acho que essa é a questão
chave de toda ação ligada à televisão.
O processo de socialização
Antes de abordar a problemática da socialização das crianças
em um mundo de imagens, farei um resumo sobre o processo
de socialização no sentido geral do termo.
A socialização é o processo social pelo qual os indivíduos
aprendem e interiorizam valores, crenças, conhecimentos, nor-
mas da sociedade em que vivem. Ou melhor, trata-se do proces-
so graças ao qual o indivíduo se torna membro de seu grupo.
No sentido amplo do termo, socializar é transformar um in-
divíduo de ser associai em ser social, inculcando-lhe modos de
pensar, de sentir e de agir. Uma das conseqüências da socializa-
ção é tornar estáveis as disposições de comportamento assim
adquiridas. Esse processo, enquanto instrumento de regulação
social, permite a economia de sanções externas. O grupoo
precisa nem relembrar ao indivíduo a existência dessas regras nem
exercer pressões sobre ele para que sejam cumpridas.
Parece-me justo considerar a socialização como um processo
contínuo, que tem início quase no nascimento e dura toda a vida.
Embora muitas vezes a atenção dos pesquisadores se centralize no
desenvolvimento das crianças numa dada sociedade, seria falso
reduzir o processo de socialização apenas ao período da infância.
A socializaçãoo diz respeito apenas ao início do desenvolvi-
mento, ela atravessa toda a vida humana. E, na medida em que a
televisão acompanha o indivíduo durante toda a sua vida, e muitas
vezes é sua fiel companheira, ela nos interessa de modo particular.
Antes do surgimento das mídias de massa e principalmente
da televisão, o primeiro papel nesse processo pertencia à família,
no seio da qual o jovem crescia. Observando o desenvolvimento
da vida familiar, assistindo aos simples gestos de todos os dias,
imitando seus próximos, a criança elaborava pouco a pouco uma
espécie de socialização inconsciente. A instituição que se ocupa-
va dela depois era a escola, onde o jovem tomava consciência
progressivamente de tudo o que lhe estava destinado.
O surgimento da televisão modificou radicalmente essa situa-
ção tranqüila. A partir desse momento a criançao precisou
mais esperar chegar à idade em que é considerada madura o su-
ficiente para receber as informações que lheo destinadas: ago-
ra, apertando um botão do aparelho de TV, ela obtém uma grande
quantidade de informações - que podem ser, aliás, radicalmente
diferentes das quem de sua família ou da escola. Parece assim
que a socialização das crianças sofreu uma importante modifica-
ção com a chegada dessa nova mídia, e que essa modificação tem
estreita relação com a diminuição do prestígio da escola.
o resta dúvida de que desde a chegada da televisão a auto-
ridade dos pais diminuiu. Agora as crianças podem obter um
conhecimento mais sofisticado e mais detalhado sobre inúme-
ros assuntos do que antes, na época da mídia impressa. O resul-
tado é que elas se socializam mais rapidamente e aceitam menos
as opiniões dos pais. Atualmente as criançaso tratadas como
adultos e os adultos se comportam como crianças. Isso pode ser
observado na roupa, nos penteados, no consumo de divertimen-
to, de música, etc. Como se a televisão fosse a origem de uma
espécie de mutação do comportamento.
A criança de hoje, nascida numa sociedade industrial,o
entra num mundo harmonioso, imóvel e ordenado. Desacer-
tos, conflitos, lutas pelo poder esgaçam esta sociedade. A crian-
ça recebe ordens, conselhos contraditórios, percebe em tor-
no dela atitudes divergentes em relação às quais deverá pro-
gressivamente se situar. Parece-me importante observar que,
contrariamente a uma visão determinista, esse processoo é
nunca uma pura e simples inserção social; é a passagem de um
papel social para outro.
Em suma, no processo de socialização três fatores intervêm:
a criança, os educadores e o mundo exterior. Os meios de edu-
cação de massa destinados às crianças,o considerados como
um conjunto de instituições que contribuem para a socializa-
ção dos jovens.
Numerosos estudos mostram que, entre todas as informações,
o indivíduo tende a captar aquelas queo favoráveis a suas ex-
pectativas e a rejeitar aquelas que as contrariam. Principalmente
os estudos realizados no domínio político provam a validade dessa
tese. Durante seu aprendizado, a criança se torna cada vez mais
aberta aos sinais exteriores. Citando Zazzo: "O aprendizado das
condutas culturais está relacionado a um progresso na disposi-
ção da criança para se tornar atenta às mensagens do outro e para
fazê-lo compartilhar de seus próprios sentimentos ou invenções:
numa palavra, ao progresso da comunicação" .
A socialização da criança depende do lugar que a socieda-
de designa a ela nas instituições que lheo destinadas: família,
escola, igreja, clube, etc. Na medida em que todas as institui-
ções refletem valores e relações sociais, a criança só pode ser
um ser social, de forma inconsciente.
Inicialmente a família era o lugar da transmissão dos sabe-
res, do saber viver. A escola veio depois. Ela ofereceu à criança
outro lugar de transmissão social, onde os valoresoo
exatamente os mesmos dos pais e onde os modos de interação
oo os mesmos da família. O aparecimento da televisão e
de toda uma série de mídias destinadas às crianças aumentou
ainda mais a complexidade da socialização.
A extensão da televisão contribuiu para a produção de um
ambiente social particular, queo foi levado em consideração
nos seus efeitos educativos.
1
ZAZZO, R., GRATIOT-ALPHANDÉRY e outros. Traité de psychologie de l'enfant.
Paris, PUF, 1970. N° 5.
Mesmo que a família e a escola continuem a desempenhar um
papel importante para a formação cívica e escolar, elasom
mais um lugar privilegiado na formação social da nova geração.
Freqüentemente os efeitos educativos dos meios de comu-
nicação de massao desconhecidos. Esse desconhecimento se
explica pelo fato de que as mídiaso geralmente vistas como
o possuindo um real poder de formação, já queo podem
assegurar uma ação pedagógica, nem uma verdadeira comuni-
cação (com o efeito do feed-back). Assim,o se reconhecem
nelas meios de impor e de controlar o que ficou do conteúdo
de suas mensagens.
Antigamente o conhecimento do mundo exterior chegava à
criança por intermédio dos adultos de seu meio. A criança fazia des-
cobertas progressivas. Com o advento da televisão, "cada vez mais
as relações do indivíduo com o mundo exterior e com ele mesmo
passam pela mediação da comunicação de massas (...). Graças ao rádio,
cinema, histórias em quadrinhos, assim como pelo exemplo de seus
próprios companheiros, a criança é facilmente informada das nor-
mas habituais de comportamento de seus pais. Assim, a criança re-
conquista uma espécie de realismo que alcançou outrora, de manei-
ra muito mais simples, na sociedade tradicional" .
As crianças em geral se interessam por filmes em que apare-
cem heróis infantis. O olhar das crianças telespectadoras sobre esses
modelos e suas maneiras de se comportar constituem fatores im-
portantes no processo de socialização. Os tipos de criança apre-
sentados na tela facilitam a apropriação dos modelos oferecidos
às crianças, assim como as intenções didáticas mais ou menos la-
tentes. A interação socializante da criança com a televisão acarreta
a interiorização de um sistema de referência, de situações e de
modelos particularmente fortes.
Se é verdade que o jovem telespectador tem na televisão
uma fonte de prazer e diversão, também é verdade que procu-
ra ali respostas para as questões que faz sobre o mundo que o
2
RIESMAN, D. La foule solitaire. Paris, Librairie Arthaud, 1964, pp. 44 e 82.
rodeia. Por outro lado, é verdade que a televisão traz uma quan-
tidade de informações com as quais a criança aindao se
deparara. Assim, recebe algumas respostas antes mesmo de ter
formulado as perguntas. É claro que, se a criança for capaz
de exprimir uma pergunta, é porque está suficientemente
madura para receber a resposta. Na hipótese desse processo
ser invertido, a lógica natural da criança fica perturbada.
Muitos problemas podem ser evitados, porém, se a criança tiver
a possibilidade de fazer perguntas e obter respostas adequa-
das de seu meio ambiente.o podemos esquecer que o uni-
verso da televisão deveria completar as informações trazidas
pelo ambiente imediato.
Quando a criança inicia sua experiência de telespectador,
em geral é muito nova para ser considerada uma pessoa no
sentido pleno do termo. A iniciação à televisão começa
freqüentemente por programas destinados à sua idade. Esses
programas infantis constituem os primeiros passos de trans-
missão de modelos.
Todos os programas contêm ideologias e valores. Mas as nar-
rativas com objetivo pedagógico estão cada vez menos presentes
na telinha. O didatismo tornou-se o pavor dos produtores. To-
davia, seria preciso fazer um estudo sobre a mudança de valores
ocorrida nos últimos anos na sociedade e sobre a presença dessa
mudança na tela. É indiscutível que os estudos até aqui realiza-
dos seguem lentamente as modificações da sociedade.
A televisão suscita numerosas trocas entre as crianças, no
decorrer das quais elas podem ser levadas a valorizar determina-
dos comportamentos queoo apreciados por sua família.
Nesse sentido, a televisão ocasiona um aprofundamento das di-
vergências entre pais e filhos. As crianças podem também com-
parar as atitudes de seus pais com a dos pais dos personagens
apresentados nos programas e assim medir a distância que os
separa. Dessa formao criadas situações sociais que permitem à
criança julgar seus pais e se afastar um pouco de suas identifica-
ções inconscientes primitivas.
Imitação e identificação
Antes de continuar neste caminho, gostaria de me deter sobre
imitação e identificação, dois conceitos freqüentemente evocados
quando se fala de aprendizagem e de transmissão de modelos. É
sabido por todos que a criança desde a mais tenra idade imita o
adulto. A imitação pertence à natureza do homem. Muito cedo a
criança imita seus pais e seus irmãos; mais tarde, imita tudo o que
acha interessante ou digno de ser imitado. Se a criança imita cer-
tas cenas vistas na televisãoo há aí nada de inquietante. Primei-
ro, as atividades inspiradas pela televisão ultrapassam a simples
imitação. Embora a televisão os estimule a representar cenas,o
se trata de uma mera repetição, mas de uma espécie de inspiração
vinda de uma cena ou de toda uma seqüência. Isso quer dizer que
a televisão desencadeia atividades criativas na criança.
Além disso, deve-se dizer que a imitação dos modelos vistos
na televisão se limita, na maioria dos casos, ao jogo. As crianças
só imitam personagens apreciados e aprovados por seu meio. A
imitação de bandidos e de malfeitores é praticamente inexistente.
Em geral a criançao imita tudo o que, mas somente o que
está de acordo com seus modelos pessoais. Ela procura re-presentar
seu personagem preferido; desenha-se uma imagem mental cujas
deformações em relação ao objetoo carregadas de sentido. A
escolha desse personagem e as características retidasoo obras
do acaso. A defasagem existente entre o objeto e a imagem re-
presentada revela um mecanismo da representação social. Assim,
encontramos sempre na experiência vivida da criança uma refe-
rência relacionada com essa re-presentação do objeto. Essa refe-
rência já foi constituída em relação aos outros valores mais
marcantes ou às próprias experiências das crianças.
O mesmo personagem visto na televisão pode ser reencon-
trado com atributos diferentes em função das experiências vivi-
das pelas crianças. É verdade que as crianças projetam seus dese-
jos e seus fantasmas nos heróis. O Super-Homem, por exemplo,
faz sonhar com aquilo que a criançao pode fazer.
Deve-se, sem dúvida, atribuir ao meio familiar uma impor-
tância determinante no que se refere à formação dos primeiros
julgamentos da criança. Ora, se a família, até época recente, cons-
tituía o primeiro meio onde se desenvolvia a personalidade da
criança e onde nasciam suas opiniões, depois que entramos na
era da televisão essa função tende cada vez mais a lhe escapar.
Os pais, queiram ou não,o obrigados a constatar que seus
filhos formulam opiniões algumas vezes totalmente diferentes
das suas. Alias, os paisoo os únicos a constatar um certo
declínio nesse sentido; também os professores sofrem as conse-
qüências desse fenômeno.
Graças à comunicação de massa, sobretudo à televisão, as
criançaso apenaso mais bem informadas sobre numero-
sos assuntos, como também podem se informar facilmente so-
bre as normas habituais de comportamento dos adultos. Assim
a criança adquire uma espécie de realismo que antigamente só
alcançava após um longo aprendizado.
o é mais de admirar que a criança dê sua opinião sobre
um assunto sobre o qual seus paisom nenhuma idéia ou
sobre o qual eleso muito menos competentes que seus filhos.
Desde que a criança se tornou consciente desse fenômeno, isto
é, desde que ela se deu conta de que seus pais, assim como seus
professores ignoram certas coisas que lheo familiares, ela se
sente cada vez mais em pé de igualdade com eles. Assim,o é
exagero dizer que, com a chegada da televisão a autoridade dos
pais entrou em declínio.
A identificação das crianças com os heróis é muitas vezes
fonte de inquietude para os psicólogos, pedagogos, etc. Pri-
meiramente, podemos perguntar até que idade a criança imi-
ta e a partir de que momento se identifica com os persona-
gens vistos na telinha. Na realidade, a fronteira entre identifi-
cação e imitação parece ser bem tênue. "Identificar-se com um
outro é tornar-se semelhante a ele por um traço singular e por
um conjunto de signos comuns. O conceito de identificação
se aproxima do de imitação. Mas a imitação descreve o efeito
no plano da ação. Identificação significa apropriação do com-
portamento de outro."
Enquanto assiste a programas de televisão, a criança pode
encontrar um personagem que ache particularmente simpático,
a ponto de querer se parecer com ele. Uma espécie de projeção
se opera a partir do encontro da criança com seu personagem
preferido. Quando o herói pertence ao universo familiar da crian-
ça, sua aproximação com ele é mais fácil. Uma narrativa imagi-
nária exige um esforço muito maior. Pode servir na projeção de
desejos inconscientes: é o caso do herói capaz de executar o que
a criançao pode fazer porque é biologicamente mais fraca,
porqueo tem esse direito enquanto criança, ou porqueo é
dotada de capacidades sobrenaturais.
Acompanhar seu herói é uma aventura muito desejada. Na
criança o desejo de evasão pode esconder razões muito diversas.
Segundo os psicólogos,o principalmente as crianças instáveis,
pouco seguras que preferem a evasão, para fugir de seus proble-
mas. Mas a criança bem equilibrada pode sonhar em participar
de aventuras cósmicas ou outras que representam para ela a eva-
são, a descoberta de um mundo diferente deste que ela conhece.
No processo de identificação há vários graus a distinguir. Num
primeiro, a criança imita os gestos de seu herói preferido: quan-
do Zorro passou na televisão, uma parte das crianças pequenas
começou a se vestir de Zorro para se aproximar da imagem do
herói. Mas em certos casos a identificação pode ir além da sim-
ples imitação do herói pela criança. "Uma identificação mais
profundao somente é suscetível de acarretar uma modifica-
ção das representações e dos valores, mas suscita ainda um rea-
justamento do ideal do eu. Esse processo de 'identificação segun-
da' socializa a criança em sua sociedade mais amplamente do que
ela fora até então socializada em sua família ou em sua escola."
' ZAZZO, R, GRATIOT-ALPHANDÉRY e outros, op. cit., p. 241.
4
CHOMBART DE LAUWE, Mane-José e BELLAN, Claude. Enfants de l'imagem,
enfants personnages des médias. Enfants réels. Paris, Payot, 1979.
De modo geral, a identificação e a projeçãooo muito
longe; em todo caso, dificilmente chegam até a anulação da per-
sonalidade. É certo que os personagens vistos na tela da televi-
o fornecem modelos queo admirados e imitados
freqüentemente. Mas é importante notar que a identificação, com
raras exceções, permanece no quadro da identificação "lúdica".
Resumindo, podemos dizer que os resultados relativos às re-
lações que se estabelecem entre o jovem telespectador e a televi-
o revelam todo um setor do processo de socialização. A crian-
ça é impregnada inicialmente pelos modelos familiares, depois
pela escola e por seu grupo, que mediatizam a relação criança-
sociedade, e em seguida é remodelada por todas as mídias. As
primeiras formações de sua personalidadeo assim
alternadamente remodeladas, refeitas: a criança pode ser levada a
se opor aos modelos de identificações primordiais.
Tudo leva a crer que a televisão continuará a fazer parte de nossa
civilização. É uma realidade que temos de aceitar. Podemos tentar
melhorar as coisas, fazer com que os programas sejam melhores,
pois somoss que fabricamos esses programas julgados lamentá-
veis. Entretanto, o mais importante é mostrar às crianças que a te-
levisãoo é uma fonte de informação infalível.
Freud dizia que para compreender uns aos outros é preciso
ter o mesmo sonho. É a primeira vez na história da humanidade
que as crianças do mundo inteiro, graças à televisão,m sonhos
muito parecidos. É nosso dever saber aproveitar essa situação. É
nesse sentido que precisamos trabalhar, guiá-los para uma maior
compreensão mútua, para um futuro promissor.
CARTA PARA O SÉCULO 21
Documento assinado pelos professores reunidos
no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal
do Rio de Janeiro*, durante o seminário
Imagem, Educação e Cultura, em abril de 1998.
Considerando que a cultura audiovisual (fragmentada,
multifacetada, polissêmica) se opõe à cultura escolar;
considerando que a televisão é onipresente no mundo inteiro e
que essa presença ocupa na vida das crianças lugar preponderante;
considerando que a televisão expõe as crianças a temas e com-
portamentos que os adultos, durante séculos, se esforçaram para
ocultar delas;
considerando que está havendo um novo modelo de sociali-
zação, em que a figura paternao é mais modelo de conduta
para as crianças;
considerando que a escolao é mais o único lugar legítimo do
saber e que o livroo é mais o centro que articula a cultura;
considerando a necessidade de valorização do professor como
condição básica para a atualização e a real melhoria da institui-
ção escolar,
os professores reunidos no Fórum de Ciência e Cultura da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro, durante o Seminário Interna-
cional Imagem, Cultura & Educação, em abril de 1998, recomendam:
* Coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura: Professora Myrian Dauelsberg
que se priorizem pesquisas centradas na recepção à TV, nos
diferentes grupos etários e sociais;
que se intensifiquem as ações dirigidas ao receptor, visan-
do à formação do telespectador - a "alfabetização para a
mídia" - e do professor;
que se promova uma mobilização social objetivando a exi-
gência de maior qualidade na produção televisiva ofereci-
da pelos meios de radiodifusão;
que se desenvolvam programas e projetos voltados para a
formação do professor e do comunicador, numa perspec-
tiva de educação para a imagem e para a mídia;
que nessa atividade de formação seja levada em conta a nova
relação professor-aluno, em que o professor deixa de ser o
único portador do saber legítimo e passa a ser um instigador-
provocador-guia das formas próprias de construção do
conhecimento, bem como um descobridor e incentivador
das habilidades específicas dos alunos;
que os educadores trabalhem as novas "linguagens
audiovisuais" como linguagens pedagógicas, admitindo que
oo legítimas quanto a linguagem escrita;
que o uso da televisãoo seja apenas um recurso didático
complementar;
que os educadores aprendam a lidar com as novas formas
de aprender e de se comportar geradas pelas "linguagens
audiovisuais", assumindo a produção do saber escolar com
e a partir dessas linguagens;
que todos os que se preocupam com educação assumam o
desafio cultural de formar jovens aprendendo a lidar com as
novas formas de sociabilidade geradas pelo contato intensi-
vo e extenso com as linguagens audiovisuais e com as mídias.
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