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Presidente da República Federativa do Brasil
José Sarney
Ministro da Educação
Carlos Sant'Anna
Secretário-Geral
Ubirajara Pereira de Brito
Secretário de Ensino de 2? Grau
João Ferreira Azevedo
Secretário Adjunto
Célio da Cunha
Coordenador de Articulação com Estados e Municípios
Nabiha Gebrim de Souza
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Subsídios para 0 ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA
BRASILEIRA
Autor
Antenor Antonio Gonçalves
Filho
SUMÁRIO
Apresentação......................................•.......... 06
A Lingua Portuguesa e Literature. Brasileira.................. 13
Orientação geral para o desenvolvimento do programa,. ........ 1G
- Algumas considerações a propósito do conteúdo do ensino
em geral e da língua em especial........................... 20
- 0 ensino da língua e da literatura: enumerando alguns problemas
.......................................................... 37
- Objetivos e metas,......................................... 54
Conteúdos básicos e habilidades a serem desenvolvidas ........ SC
. Desdobramento dos conteúdos de ensino dos objetivos
gerais: metas............................................ SC
. Desenvolvimento dos conteúdos e indicações
metodológicas ........................................... GO
Primeira unidade: a fala e o contexto do aluno ......... 60
Segunda unidade: a fala e uma didática de apoio........... 62
Terceira unidade: a releitura como garantia de
articulação entre o lº e o 2º graus.................. 67
Quarta unidade: a fala do professor e a ...mediação
norma culta ..........................., ............ 70
Quinta unidade: o texto de literatura coro mediação
propícia à articulação entre ss situações-limite do
aluno e outras situações-limite...................... 74
Sexta unidade: ato de falar e ato de escrever
articulados por um contendo descoberto e
compartilhado coletivamente ......................... 79
Sétima unidade: a gramática, mais um meio de acesso
a norma culta da língua ............................. 33
Citava unidade: garantir a unidade de tratamento da
língua integrando-a aos multimeios de instrumentos
culturais disponíveis. .............................. 87
Nona unidade: criar e recriar uma didática da
redação.............................................. 98
Indicação metodológica ...................................... . 110
Articulações possíveis da língua e literatura portuguesa
com outras disciplinas ...................................... 118
Bibliografia geral selecionada............................... 121
1. APRESENTAÇÃO
"O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo e por uma
palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai
rompen-do rumo."
João Guimarães Rosa
Este trabalho é parte do Projeto "Revisão Curricular de Habilita -
ção Magistério", patrocinado pela Secretaria de Ensino de 2* grau
do Ministério da Educação (SESG/MEC), em convênio com a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Destina-se aos profes-
sores da Habilitação para o Magistério, 2* grau, buscando oferecer-
lhes subsídios para o desenvolvimento dos conteúdos das diferentes
disciplinas — no caso, Lingua e Literatura Portuguesa.
Embora no item "Orientação geral para o programa" tenha
sido amplamente esclarecido o móvel desse trabalho, creio que se-
rão oportunos outros esclarecimentos sobre algumas idéias-chave ne-
le contidas.
Deu-se primeiramente muita ênfase à questão do conteúdo do
ensino, deixando subjacente a critica de que a atividade do pro
fessor está sob suspeita, e que este se alcançará status de educa-
dor se conseguir assumir a posse de um conteúdo de ensino sem o
qual ele não poderá superar seus preconceitos, fazer face à sua
precária formação e atrair respeito á sua profissão. Não me alinho
no grupo daqueles que acreditam que uma simples posse do conteúdo
de ensino conduzirá o professor ao paraíso, mas também não abro
mão da idéia de que só a posse de um conteúdo é que lhe poderá dar
a garantia de uma caminhada segura, até mesmo no que se relaciona a
opção por um método mais adequado. Afirmo, ainda, que o método é
também uma questão de conteúdo, e é preciso romper com o tom fala-
cioso de que o puro domínio da atividade possibilita ao professor
ensinar qualquer coisa a qualquer pessoa. Talvez eu tenha sido por
07.
demais extenso e explícito em minhas colocações sobre o conteúdo,
mas toda essa ênfase foi no sentido de garantir as idéias-chave:
- A escola não é uma simples agência de atividades, mas o
local onde idéias e valores de cultura — um conteúdo — são
siste-matizados e transmitidos.
- A língua é o móvel privilegiado desse conteúdo, daí o
cuidado com que ela deve ser tratada em todos os níveis e áreas do
saber.
- A veiculação de um conteúdo popular (não popularesco)—
na qual a norma culta da língua constitui um direito de cidadania,
respeitadas as condições objetivas de vida das classes populares e
compreendendo os meios de sobrevivência e seus pré-requisitos cul-
turais.
Em conseqüência disso, em todo o documento repassei a ca-
tegoria de classes menos favorecidas, de classes populares ou ca-
rentes. É como se, de repente, a educação brasileira tivesse tam-
bém sua opção preferencial pelos pobres. Não sou absolutamente con
tra essa opção, mesmo porque os desiguais não podem ser tratados i-
gualmente pelo Estado, porque neste caso, em vez de atenuar a desi-
gualdade ele a reforça. Mas é necessário estar alerta contra o pe-
rigo de uma educação para os pobres ser também pobre. Não podemos
aceitar a noção vulgar de que, sobretudo em língua, o falar dos
po-bres seja pobre. Um homem pobre que chega á escola não
significa um miserável, um "desequipado" culturalmente, que vai
reproduzir também uma escola miserável. É, antes de tudo, alguém
que chega,
trazendo consigo uma cultura, para desenvolver-se na e com a esco-
la, e apropriar-se da cultura de ponta que o educador sistematizará
para ele. Cabe a nós, em vez de falar para eles, falar com eles.
Dedico um longo inventário crítico sobre os erros mais co
muns do ensino da língua e literatura. São quinze ao todo que
pode-riam ser aumentados ou condensados dependendo da acuidade
preferen-ciai de cada um; acredito ter, pelo menos, "cercado" os
mais agu-dos e abrangentes possíveis. Considero boa prática de
ensino começar sempre por um diagnóstico: saber o que e como
estamos fazendo. Somente a partir daí é que podemos organizar um
conteúdo de ensino para superar os problemas detectados.
Gostaria de fazer um pequeno comentário a propósito do u-
so ou não do tão criticado livro didático, pois a pretexto de es-
tar combatendo preconceitos eu poderia correr o risco de criar ou-
tros. Quero destacar que este Documento não á um guia-absoluto,mas
um recuo a mais. Nesse sentido, o livro didático pode constituir -
se, dependendo das condições da escola, o unico documento disponí-
vel ao professor e, como tal, necessita ser valorizado. 0 que pro-
pus aqui não foi eliminá-lo, mas acrescentá-lo, dependendo também
das condições, substituí-lo por meios mais variados e riscos do en
sino da língua.
Considero de fundamental importância desmistificar a no-
ção de literatura como "arte divina da palavra", e trabalhar no
sentido de propiciar ao aluno meios de ensino a fim de que ele tam-
bem se coloque em condições de fazer literatura, de perceber, pelo
menos, as condições era que se dá a criação literária. Seria absurdo
pretender que um aluno escrevesse à maneira de um grande escritor,
mas não há nenhuma insensatez pedagógica em fazê-lo perceber que
o escrito de um grande escritor e apenas uma das formas literá-
rias à sua disposição. Muitas vezes, uma simples composição, uma
carta, uma dissertação — desde que suas — valem mais que um sem
número de textos literários, porque são produtos seus.
0 núcleo de nosso trabalho está na proposta de nove unida
des de ensino distribuídas a partir do menor para o maior grau de
complexidade:
1ª A fala e o contexto do aluno.
2ª A fala e uma didática de apoio da fala.
3ª A releitura como garantia de articulação entre 1º e
o 2º graus. 4ª A fala do professor e a mediação da norma
culta. 5* 0 texto de literatura como mediação que propicia
a articulação entre as situações-limite do aluno e
outras situações-limite. 6ª Ato de falar e ato de
escrever articulados por um conteúdo descoberto e
compartilhado coletivamente. 7ª A gramática, mais um meio
de acesso à norma culta da
língua. 8ª Garantir a unidade de tratamento da língua
integrando-a aos multimeios de instrumentos culturais
disponíveis. 9ª Criar e recriar uma didática da redação.
E porque a carga horária do ensino da língua é distribuída
nos três anos do curso de 2º grau, quero sugerir aos professores
que trabalhem no esquema três mais um, a saber, três unidades
oriun-das da escolha dos próprios alunos e uma obrigatória e
presentes nas três séries: a unidade 9, que trata da redação. É
evidente que todas essas unidades constituem mais em temas de
orientação que em conteúdo sistematizado a ser assimilado pelos
alunos. E, por sua vez, as unidades não se fecham em si mesmas,
são, isto sim, desdo -bramentos umas das outras. Professores e
alunos podem estar empenha dos na unidade 9 (redação) e explorando
elementos da unidade 8 (mul-timeios) e unidade 6 (ato de falar e de
escrever articulados). Um outro profesor de 1» série poderá
começar a dar ênfase à unidade 1 (a fala e o contexto do aluno) e
unidade 2 (a fala e uma didática de apoio) como introdução à
unidade 6 e, na medida em que alguns problemas gramaticais forem
surgindo, ir permeando suas tarefas com a unidade 7 (a gramática).
Um professor da 2* série poderá começar pela unidade 5 (o texto
literário) articulada com a unidade 6 e assim sucessivamente. Uma
sugestão talvez importante e a de que essas unidades sejam passadas
para os alunos antes de qualquer opção de estudo tomada como
definitiva.
Enfim, o que tomei como questão de honra em todas essas uni-
dades, e que o aluno saiba escrever, que ele seja o sujeito de seu
texto, o personagem central de sua fala. Minha proposta, além de se
pretender apenas guia auxiliar do quotidiano do professor, procura
ser também um texto que se contrapõe ao puro tratamento da língua
como instância isolada da vida, pois é uma instância que é a vida
e nos faz cidadãos nela. Por isso, não se trata de um ensino fe-
chado da língua, mas uma teoria de ensino da língua que se abre
na perspectiva de um compromisso político para com a educação,
compromisso este que compreende o técnico e o humano dessa perspec-
; tiva.
2. A LÍNGUA E LITERATURA PORTUGUESA NO NÚCLEO COMUM
A lei 5.692/71, alterada pela lei 7.244/82, consagra em seu artigo
4º , parágrafo 3º que "no ensino de lº e 2º graus, dar-se-á especial
relevo ao estudo da língua nacional, como instrumento de comunica-
ção e como expressão da cultura brasileira". A Resolução n» 08/71
e o Parecer CFE nº 142/72 que reinterpreta a Resolução nº 08 e in-
troduz o ensino da Literatura Portuguesa como conteúdo integrante
do ensino da Lingua, reservam para o ensino da Lingua pátria uma
situação de relevância face às demais disciplinas. Nos sistemas
es-taduais de educação qualquer disciplina pode chegar a ter carga
ho-rária igual, mas nunca superior ao ensino da Lingua.
Isso evidentemente não é sem motivos. Recordemos alguns
deles:
a) a Lingua é um sistema de signos que exprime idéias,
va-lores, nomeia os homens. Uma vez acionado, esse sistema provoca
u-ma resposta, ura comportamento. Trata-se de um sistema
privilegiado de comunicação, e por isso, de cultura e civilização
humana, mais que outros códigos: os signos dos gestos, os signos
dos surdos-mu-dos, os signos dos militares, etc.
b) Ela é um sistema de poder — um poder que estatui um
saber — pelo exercício de liberdade e formação humana que tende a
garantir. Ela é um poder porque auxilia, de modo privilegiado, o
domínio de outros saberes: o saber da física, da química, da mate-
mática, da historia, entre tantos outros.
c) A Lingua é um grande projeto de formação de cidadania
e, portanto, de felicidade humana. Pressuponho que falar para o
14.
homem é como respirar, e que o perfil de um cidadão • o daquele que
sabe se comunicar, expressar suas idéias, veicular socialmente valo-
res de cultura geradores de equilíbrio,de conhecimento do mundo. 0
domínio da Lingua significa o ingresso no universo de homens li-
vres, gera resistência à opressão. Ao homem que é negado o direito
de falar e escrever, tudo lhe é negado. Constitui, com toda certeza,
dever maior do Estado e melhor garantia de distribuição de justiça
social, o ensino da Lingua. A predominância da divisão do mundo en-
tre oprimidos e opressores, dominados e dominadores começa pela su-
pressão e usurpação da Lingua. Opor-se a essa divisão é lutar ao
la-do do oprimido pelo direito de sua fala: uma fala humanizada
pelo ensino da Lingua.
d) A exigência de um ensino privilegiado da Lingua tem um
duplo significado: primeiro, ao explicitar as contradições sociais,
reforça os laços de unidade nacional, pois pelo ensino da Lingua, os
homens se organizam politicamente apropriando-se de idéias que os
situem em condições de superar as contradições; segundo, ao re-
forçar a diferença, esse ensino institui a identidade nacional pe-
rante os outros povos. A especificidade de uma cultura começa pela
especificidade de seus signos lingüísticos e pela riqueza de expe-
riência de vida que esses signos possibilitam transitar e universa-
lizar.
e) Por sua vez, o ensino da Literatura — o universo de
ponta do ensino da Lingua --, continua a provocar certo orgulho em
nossa espécie na medida em que a Literatura permanece como uma gran
de reserva de cultura, percebida como ideal de formação humana a
nossa paidéia , projeto que a cultura hoje, de um modo geral , já
perdeu. É lugar comum ainda lembrar que o professor de Literatu-ra
é um professor de civilização. E como conseqüência desse ideal de
reserva, a literatura não se situa no território de sombras de uma
tradição de cultura falida — algo feito para fruição e enfeite:
ela é conhecimento histérico e da história, além de ocupar, na
prática cultural, o lugar privilegio como exercício de liberdade ,
de inquietação e perplexidade. Ao reconhecer o papel de destaque
do ensino da Lingua e da Literatura, os legisladores da educação e-
vocam a idéia de que a Literatura tem a "missão" de civilizar o ho-
mem na medida em que ela vai insinuando melhores formas de vida. A
Literatura não só nos oferece como objeto de conhecimento ou, como
na prática pedagógica, uma estratégia aberta para educar o homem:
ela também se nos oferece como objeto de interrogação, de duvida e
de pesquisa. Por ser objeto de interrogação, a Literatura levanta
constantemente o seu próprio objeto de conhecimento. Que conheci -
mento da realidade ela evoca para si, visando cumprir a missão ci-
vilizadora de formar homens? Seria apenas por ela ser a arte da
pa-lavra, — palavra de que todos nós nos servimos a todo o
momento? Qual é o conhecimento que a Literatura tem da realidade?
Ou ainda: qual e a realidade que a Literatura conhece e nos evoca
para nossa miséria ou glória? Quando lemos uma obra de grande
valor literário como Os Sertões de Euclides da Cunha, nos
defrontamos com uma realidade que a obra de arte, de certa forma,
"traiu". Verificamos
que o sertanejo não é propriamente um forte, mas um fraco e uma
ví-tima enfraquecida e espoliada pelo permanente conflito de
conquista da terra; que a civilização do litoral não triunfou
sobre os hu-milhados-e-ofendidos do sero, porque estes, de uma
forma ou de outra, sobreviveram. Sentimos, isto sim, que estamos
diante de um conhecimento especial da realidade. Que este não e o
de mensurar e-xatamente os objetos circunscritos no mundo, mas o de
opor o esboço de uma consciência que denuncia a morte em favor da
vida. Eucli-des pode ter cometido imeros equívocos a respeito
da realidade que presenciou, mas sua obra permanece como denúncia
de uma realidade que não morreu e que nos desafia a conquistar com
nossa clari-vidência e humanidade.
O significado e a importância do ensino da Lingua no Nú-
cleo Comum evoca, portanto, uma exigência permanente: não permitir
que o homem seja expropriado daquilo que ele tem de mais comum pa-
ra o conhecimento da realidade: os mecanismos de cultura que a
Lín-gua veicula para a organização de sua vida e do mundo.
3. ORIENTAÇÃO GERAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA
"Eu quase nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. 0 senhor
concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre — o senhor
solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por
fundo de todos os matos, amém!"
J. Guimarães Rosa
Penso que um bom desempenho do ensino da Lingua pode ser alcançado
tendo-se em vista, pelo menos, três esquemas teóricos de compreen-
são: 1) estar de posse de noções claras sobre o próprio conteúdo
do ensino, 2) estar de posse de um diagnóstico seguro e confiável
do ensino de sua disciplina e 3) explicitar objetivos que sejam re-
levantes e, portanto, traduzíveis em nível de sala de aula.
Propomos, à guisa de orientação geral, facilitar a compre-
ensão desses três esquemas. Vejamos:
3.1. Algumas considerações a propósito do conteúdo do en-
sino em geral e da Lingua e Literatura Portuguesa em particular
O conteúdo, um componente Curricular importante da ação
pedagógica, volta a ser questionado: durante muito tempo a
ativida-de (processo) dominou as discussões em torno da questão do
"bom en sino". Percebe-se hoje que o professor, ao renunciar ao
seu papel de "guardião da cultura" em nome de ura simples animador
ou facilitador do processo ensino-aprendizagem, aliado
evidentemente a ou tros fatores, perdeu sua autoridade de mestre
das gerações novas (passou a ser tio ou tia) e — conseqüência mais
desalentadora jamais chegou a ser também um animador de
aprendizagem. Reconhece-se que a atividade e também uma questão de
conteúdo.
É necessário, portanto, uma incursão "institucional peda-
gógica" — naquilo que ocorre dentro da escola, suas teorias e prá
ticas. E nessa incursão, à guisa de diagnóstico, verifiquei também
que na escola se procura contestar tudo: da violência urbana à vio-
lência e caça aos símbolos à distância e quase nada. Contesta-se a
existência de um código ético universal, a história que trazem os
livros, o valor da língua-padrão, a tradição; contestam-se as
regras de gramática, a sintaxe, a própria lógica.
Argumenta-se que ninguém ensina ninguém e que somente o
aluno é que tem que decidir sobre o que aprender, e que o ensino é
uma ilusão. Que nossos erros se originam de um pensamento vicia
do, comprometido e condicionado a fatores sócio-econômicos que
mal percebemos. E ainda: que nossas emoções estão partidas.
Comenta-se que a escola não passa de um instrumento opres-
sor manipulado pela classe dominante e que esta não tem nenhum in
teresse em promover a educação.
Diante desse quadro só nos resta voltar sobre os nossos
próprios passos e tirar da obscuridade os caminhos pelos quais nos
enveredamos, desvelando os motivos que, conscientemente ou não,
nos levaram a percorrê-los.
A afirmação de que a ação educativa deveria centrar-se no
educando e não no conteúdo programático constitui uma das princi-
pais contribuições do movimento renovador da chamada escola nova.
A escola tradicional mantinha os alunos numa atitude passiva de
recepção ("educação bancária"), uma vez que a matéria ensinada, e
não o aluno, parecia constituir o ponto central de referência da
educação. A tarefa de transmitir o patrimônio cultural do Ociden-
te, uma das funções da escola, era zelosamente cumprida. Daí o e-
ducador centralizar sua ação na transmissão de conteúdos que cons-
titulam o "programa" a ser cumprido. 0 movimento renovador da es- '
cola nova (também chamada escola ativa ou escola livre) considera
o educando não como um ser passivo, receptor, baseado na idéia de
que toda a aprendizagem exige "atividade", participação ativa do
sujeito. A idéia de atividade supunha, essencialmente, atividade
mental, psicológica, entendida a aprendizagem como processo ativo
de incorporação de novas experiências aos esquemas mentais ante-
riores do sujeito. Assim, para que a aprendizagem se realize, o
que importa realmente é a experiência pessoal (entendida como per-
cepção e estabelecimento de relações) de tal forma que a informa-
ção só terá valor se o educando incorporá-la através de um proces-
so ativo de assimilação que supõe trabalhar a informação. Traba -
lho essencialmente mental, para o qual a atividade física nos la-
boratórios, nas "experiências", nas "pesquisas" e mero recurso. A
idéia de que não o conteúdo da aprendizagem, mas o processo da a-
prendizagem e, portanto, o educando, deveria ser o centro da a-
prendizagem, encontra, assim, fundamento numa teoria da aprendiza-
gem, que está presente nesse movimento da escola nova, por isso
também chamada escola ativa.
"Sob a influência da Psicologia moderna e dos princípios
do Pragmatismo, a Pedagogia transformou-se em uma ciên -
cia do ensino em geral a ponto de se emancipar inteira -
mente da matéria efetiva a ser ensinada. Um
professor, pensava-se, e ura homem que pode simplesmen-te
ensinar qualquer coisa; sua formação é no ensino, e
22.
não no domínio de qualquer assunto particular."
Hannah Arendt A simplificação contudo de uma
teoria de aprendizagem na frase "aprender fazendo" acabou levando
à confusão de atividade como mera atividade física, onde o
movimento dos alunos na sala de aula, o ruído e a desordem têm
levado muitos professores a, ingenuamente, se desculparem de um
ambiente de classe que não ofe-rece as condições mínimas para que
a aprendizagem se processe.Tor nou-se, pois, imprescindível
recuperar a idéia original de que o educando e o conteúdo de
aprendizagem devem ser unicamente a mesma coisa. Devem ser o
centro da aprendizagem. A perda daquele sen tido original levou a
escola a monosprezar os conteúdos da aprendizagem, esquecendo-se
de que o processo da aprendizagem é insepa-rável de um conteúdo e
pressupõe um conteúdo. A própria educação só é viável porque
pressupõe um passado.
"... sem tradição — que selecione e nomeie, que transmi-
ta e preserve, que indique onde se encontram os tesouros
e qual seu valor — parece não haver nenhuma continuidade
consciente no tempo, e portanto, humanamente falando,
nem passado nem futuro, mas tão-somente a sempiterna mu-
dança do mundo e o ciclo biológico das Criaturas que ne-
le vivem."
Hannah Arendt Esse foi o caminho pelo qual
enveredaram alguns equivoca dos defensores da "criatividade".
Criatividade não se desenvolve
no vácuo. 0 ser criativo é o ser que diverge, que diz não. Mas
ninguém diverge ou diz não simplesmente sem do que divergir ou di-
zer não, sem enfim pontos de referência. Diverge-se de algo: de
um modelo, de uma opinião, de uma idéia. Assim, a seleção de con-
teúdos de aprendizagem é fundamental na elaboração do plano de en
sino. A escolha dos conteúdos, cuidadosamente tratados, poderá
contribuir significativamente para que o educando adquira certa a
titude e hábitos de pensamento e estudo, que lhe garantirão maior
liberdade e autonomia de ação. Ninguém aprende a apreciar Carlos
Drummond de Andrade e Machado de Assis lendo revistinhas em qua -
drinhos. Ninguém aprenderá a discutir o sentido da Guerra de Canu-
dos sem estudar a vida e a organização social do Brasil semi-
colô-nia do Império. Ninguém participará inconscientemente de uma
guer-ra por referência ao passado. Ninguém conseguirá captar,
interpre-tar e recriar a própria realidade, se tiver como acesso
a essa realidade apenas as cintilantes imagens coloridas do seu
aparelho de TV.
A questão do conteúdo da aprendizagem, portanto, exige u
ma profunda reformulação. Não se trata de saber se o conteúdo pro
gramático é meio ou fim em si ou, ainda, de deslocar a atenção do
educador do conteúdo programático para o educando ou vice-versa.
0 fato é que a aprendizagem requer conteúdo, supõe um passado e
exige um conjunto de informações a serem transmitidas sistemática
mente, sem o que a própria idéia de criatividade e mesmo de
liber-dade, tão exploradas pela escola moderna, sequer se
colocariam. 0
fundamental é que no processo de "transmissão" de um determinado
conteúdo programático, qualquer que ele seja, o professor organize
a aprendizagem (e, portanto, o plano de ensino) de forma a ga-
rantir que a expressão do pensamento e da emoção (enquanto expe -
riência aprendida pelo Jovem), não sejam caóticas, mas represen -
tem uma contínua tentativa de compreender e significar o real.
Não se trata evidentemente hoje, repetimos, como num Jo-
go de amarelinha, "pular" para o conteúdo e desprezar a atividade
(processo). Precisámos evitar o risco de alimentar um novo mito
em educação. O que importa é perceber um dado elementar: só pode
organizar uma atividade de ensino quem está de posse de um conteú
do de ensino. E sempre alguém ensina alguma coisa a alguém.Seguir
o coro da maioria dos livros didáticos que procura mostrar que a
escola perdeu a "corrida" dos conteúdos para outras agências de
comunicação e que, portanto, ela deveria centrar-se na formação
de atitudes, é ajudar cada vez mais a descaracterizar a escola,
transformá-la em mera agência de retalhos cívicos. Uma escola, en
fim, onde os próprios professores "correm o risco de se tornarem,
num curto prazo, perfeitamente dispensáveis: eles se tornarão
inú-teis, pois poderão ser substituídos, em seu conjunto, ou por
máquinas de ensinar, ou por "monitores" especializados na "arte"
de distribuição dos "conhecimentos programados" e "enlatados", já
e-laborados numa matriz tecnológica do saber qualquer. Ora, os
educandos tem uma necessidade fundamental de contato vivo com um
edu cador capaz de "fazer coisas" que nenhuma máquina Jamais terá
con
dições de fazer, pois trata-se de tarefas que jamais poderão ser
programadas." (H. Japiassu, A Pedagogia da Incerteza, Rio de Janei-
ro, Imado Editora Limitada, p. 57.), Retomando Japiassu, eu diria
que o educando tem a necessidade fundamental de estar diante de
um educador capaz de saber fazer coisas, de viver a dimensão maior
do conhecimento, que é a unidade de um saber e de um fazer. É ne-
cessário romper com o lugar comum que propaga cinicamente que "a-
quele que sabe faz, quem não sabe ensina". Ensino é sinônimo de
conhecimento e quem não sabe não pode ensinar. Permitir que isso
ocorra é trapacear sobre educação, escamotear irresponsavelmente
uma repressão que £ a de sonegar os conhecimentos mínimos, mas fun
damentais para a prática libertária humana. A escola tem uma
espe-cificidade que não é a de ser uma mera agência de informação
acrí-tica do conhecimento (como o faz a maioria das outras
agências de informação), e nem um reduto de meras práticas
didáticas. Ela é o lugar privilegiado do conhecimento
sistematizado, um conhecimento que não esta presente no
quotidiano das agências que informam,por exemplo, sobre a seca no
Nordeste, sobre a escolha entre Parlamen-tarismo e
Presidencialismo, sobre um acidentado da cápsula radiativa. Porque
essas agências se prendem ao drama da seca e não ao conhecimento
de como ela se dá;o maniqueismo da escolha entre Par-lamentarismo
e Presidencialismo e não ao seu significado histórico; as lágrimas
das vítimas da cápsula e não à luta de sobrevivên-cia desses
desamparados. A escola, enfim, é o lugar privilegiado da práxis
pedagógica. Ela não tem a função de transmitir nenhum
conteúdo do conhecimento, mas de selecioná-lo e descobrir um Jei-
to de transmiti-lo. 0 que facilita a descoberta desse jeito (pro-
cesso, método, atividade, etc.) é o domínio do conteúdo. Em oposi-
ção àqueles que advogam uma pedagogia de pergunta, reiteramos e
lembramos que um educando só aprende a fazer perguntas sobre artes
plásticas assimilando os conteúdos do desenho e das cores; que só
se aprende a fazer perguntas (ou pelo menos as perguntas mais
sig-nificativas) sobre Euclídes da Cunha com a leitura de Os
Sertões. Quero lembrar ainda que a criatividade humana pressupõe
o domínio de um artesanato, que o espontaneísmo de um Carlos
Drummond de An drade emerge no bojo de uma dura batalha para
assimilar os conteú dos significativos dos signos lingüísticos. A
educação, para se dar, trabalha sempre em duas Instâncias:
familiarizar-se com o sabido para ingressar no não sabido.
Ficar apenas no primeiro é formar proprietários da verdade,
guardas-noturnos do almoxarifado de um conhecimento que é bem
comum; ficar apenas no segundo é desarmar o homem, pois se se
aprende a fazer perguntas pela apropri ação do já sabido.
Polarizar uma instância em detrimento da outra e esquecer-se de
que o conhecimento se dá dialeticamente, a saber, na relação
interna e tensa entre o sabido e aquilo para o qual ele não
responde, o não sabido. entre os esquemas referenciais que
veiculam idéias já sabidas para a apropriação do mundo e as zonas
de sombras de uma realidade não manipulável pelo nosso simples
desejo — o não sabido. 0 educador é aquele que ajuda a mediar
essa relação tensa entre o sabido e o não sabido, entre o
conhecimento já dado, mas que ainda não foi apropriado pelo aluno,
e o conhecimento que necessita ser buscado. 0 conhecimento se dá
dialeticamente, porque ele é mudança, sua relação entre o sabido
e o não sabido é passagem, é história. E quando se fala que a fun
ção da educação é garantir aqueles conteúdos de ensino socialmen-
te relevantes, queremos afirmar que existe um saber fazer cuja es-
pecificidade é garantida pela escola na medida em que esta sele-
ciona e sistematiza conteúdos que facilitam a compreensão da rela
ção tensa e crítica entre as Instâncias do sabido e do não sabido.
A grande retórica sobre o que deve ser predominante, se
o método de ensino ou o conteúdo, perde a sua força na medida em
que se percebe que ambas são dimensões de uma mesma realidade edu
cativa. As discussões em torno desse tema certamente não consegui
ram superar as análises "institucionais pedagógicas", e o máximo
que puderam revelar foram as grandes vicissitudes e incertezas de
uma prática real de liberdade, isto é, de uma filosofia normati-
va e criadora que possibilitasse embasar tanto o conteúdo da a-
prendizagem como o método.
Não podemos, no entanto, ficar indiferentes à relevância
social dos conteúdos de ensino. 0 fato de vivermos no Brasil,país
de dimensões continentais e sob o processo de mudanças sócio-eco-
nômicas e políticas' rápidas, quase à entrada do século XXI, "exi-
ge uma profunda revisão dos conteúdos e disciplinas da nossa esca
la pública. Há que se compatibilizar as novas exigências com o
processo educacional.
28
"O que significa, afinal, o ensino das coisas fundamen-
tais? E o que são essas "coisas" fundamentais? A formação da
cida-dania? A cultura nacional?"
"O fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade
internacional se traduz a partir de que conteúdos? Ou de qual ori-
entação metodológica? Por que o núcleo comum deve ser a base da
organização do saber na escola? E como se entender o trabalho, se-
não como forma essencial de exercido pleno da cidadania, cujas
relações sociais na sociedade dão feição, o 'contorno' da própria
sociedade? E que, por sua vez, expressarão, na prática, a divisão
do saber e do fazer dessa mesma sociedade?"
"Essas questões e as diferentes e peculiares respostas
sobre elas, vêm orientando e devem orientar a discussão mais con-
creta sobre o que é e como pode ser a escola que queremos hoje:
crítica, atuante, moderna e ... possível." (Elba Siqueira Sá Bar-
reto e Lisete Regina Arelaro. Documento síntese, CENP.).
0 ensino da língua pátria, pelo seu alto grau de comuni-
cação e relevância social, situa-se no centro e, portanto, no iní-
cio de toda e qualquer reformulação dos conteúdos significativos
de aprendizagem e formação humanas.
Isso porque a língua, pelo poder que carrega de organizar o pensa
mento, sempre foi a forma privilegiada de expressão que as escolas
alimentaram e alimentam quase como um pesadelo. Não sendo o único
instrumento de expressão que possuímos para representar o real, a
língua — e sua representação mais acabada: a literatura — indu-
bitavelmente constitui um dos instrumentos mais maravilhosos e
mais malditos o homem criou. Por meio dela podemos ocultar o real,
podemos confundir, gerar fantasmas, levar o homem a becos sem saí
da, estigmatizar, marcar o homem como se marca o gado; mas pode -
mos também descortinar a confusão, explicitar a duvida, revelar o
obscuro, desmascarar o falacioso, construindo um caminho para a
prática da liberdade.
Perguntas do tipo — o que ensinamos: o texto ou seu con
texto? 0 que ensinar de fato: língua ou literatura? Privilegiar o
conteúdo ou o processo de ensino? Opor a norma culta da língua-
pa-drão à avalanche dos fragmentados signos lingüísticos da
sociedade industrial ou ficar indiferente? É a literatura uma
instância civilizadora do homem ou um móvel a mais para a sua
perda e alienação? A literatura facilita o acesso ao conhecimento
da realidade ou é apenas uma forma sutil de mascará-la? Seria a
literatura, numa concepção dialética, uma visão mágica que
possibilitaria ao homem dominar a realidade e ao mesmo tempo
denunciá-la? Ela é um saber que tem um poder que pouco sabe? É
realmente um exercício privilegiado de liberdade humana ou uma
loucura que se tolera para dar a entender à maioria que a
liberdade é possível? Existe, u ma ciência pedagógica que nos
garanta normas seguras do bom ensino dangua? 0 que é um bom
ensino de língua? Que metodologia se-
guir face a uma arte tão privilegiada — a literatura? Por que os
nossos legisladores de ensino colocaram a língua e a literatura
no topo das disciplinas? Será apenas por se tratar da garantia da
unidade política nacional servindo-se de uma instância natural de
conhecimento ou por outro motivo oculto? Afinal, evitar que o ho-
mem seja um analfabeto político por meio do estudo de uma ciência
e domínio de sua história não seria melhor garantia?
. Enfim, o ensino da língua e da literatura se traduz a
partir de que conteúdos ou de qual orientação metodológica? Res -
ponder a essas questões é começar por se situar em torno de pelo
menos dois pontos-chave: primeiro, reverter o ensino da norma cul-
ta da língua, situada em ponto de partida, para ponto de chegada,
e possibilitar ao educando o acesso ao saber universal sistemati-
zado da língua utilizando a própria experiência de vida desse edu
cando (0 aluno deve ser o produtor de seu próprio texto); segundo,
desmistificar o sentido dado até hoje à literatura como "arte di-
vina da palavra" e situá-la como forma possível de apropriação pe-
lo educando e de consciência crítica mais ampla da realidade. Em
relação a ambos os casos, devo ressaltar que não se trata de re-
baixar o nível do ensino da língua e da literatura, mas de situar
esse ensino em função de uma ampla escola que, levando em conta as
dificuldades das camadas mais pobres da população, incorpore e
traduza de forma compreensível todos os conhecimentos mais impor-
tantes dos conteúdos de comunicação da cultura humana.
Todo estudo da Lingua deve começar por uma distinção cla-
ra entre esta e a linguagem. A linguagem e todo sistema de sinais
que serve de meio de comunicação entre as pessoas. Pelo símbolo
Cruzeiro do Sul (que não fala e nem escreve), por exemplo, o homem
expressa uma linguagem de comunicação, expressa uma cultura. A
Lingua, um segmento sistematizado da linguagem, expressa o meio
pelo qual o homem concebe o mundo que o cerca e sobre o qual age.
Não existe uma linguagem da totalidade do mundo, mas um processo
contínuo de busca dessa totalidade e que se traduz, como produto
social, em sistemas que se criam e que se desenvolvem por meio de
uma aprendizagem da Lingua.
A Lingua, portanto, é poder sobre o mundo, — instrumento
e produto de cultura e, por isso mesmo, matéria de ensino. 0
problema histórico que se tem colocado para o ensino da Lingua é
que, por ser Instrumento de cultura e poder, passa a ser instru -
mento de controle nas mãos de uma minoria. Universalizar o estudo
da Lingua por meio da escola, é democratizar o poder da Lingua
co-mo fonte de saber, facilitar o acesso à cultura às camadas
menos privilegiadas da população. Porque o ensino da Lingua, em
última instância, resulta ainda hoje das estruturas de dominação e
opres-sao sobre as quais se assenta o modelo iníquo da sociedade
em que vivemos. Os desarranjos, as incoerências, o gramaticalismo
que de-forma ou mesmo paralisa o magistério do vernáculo, ao invés
de de-nunciarem mera inépcia pedagógica, revelam, muito ao
contrario, a presença de um vasto e sombrio projeto ideológico
destinado a im-
pedir e perturbar o exercício pessoal e político da liberdade. Ao
invés de ampliar e enriquecer a capacidade comunicativa da criança
a partir do que ela "já sabe", na pratica, o professor de Lingua a
obriga ao uso de uma complicada e absurda parafernália orto-
pédico-gramatical, que subverte e perverte sua maravilhosa espon-
taneidade expressiva. E isso constitui um crime de lesa-liberdade.
Era Literatura e Sociedade, o professor Antônio cândido a
firma que "diferentemente do que sucedeu em outros países, a lite-
ratura tem sido aqui, mais do que a filosofia e as ciências huma-
nas, o fenômeno central da vida do espírito". Isto porque, "ante
a impossibilidade de formar aqui pesquisadores, técnicos, filóso-
fos, ela preencheu a seu modo a lacuna, criando mitos e padrões
que serviram para orientar e dar forma ao pensamento". Para
conso-lidar, parafraseando Euclides da Cunha, "os nossos frágeis
laços de solidariedade" nacional.
Esse comentário é verdadeiro do ponto de vista de uma li-
teratura como bem cultural que ajudou a forjar a consciência do
colonizador e seus herdeiros do mundo novo. Justamente por ser
bem de cultura, por ser expressão de cultura, e sobretudo,por ser
expressão, a literatura do herói colonizador não deixou de viabi-
lizar sua própria ideologia na medida em que camuflou o Brasil
real aos olhos de seus herdeiros. "Minha terra tem palmeiras on-
3
3
de canta o sabiá", quando era o pau-brasil com o sangue e o grito
de índios escravos; "havia índios bonitos e fortes", quando em
verdade já estavam sendo maculados pela sífilis dos "civilizados"
invasores e trucidados pelo crime de serem livres e diferentes e
resistirem a invasão.
Por outro lado, percebemos também que a literatura como
forma privilegiada de arte não existe só para viabilizar uma ideo-
logia. Certamente limitar demais a expressão mais rica da cultura
humana. Não existe um tribunal superior da Justiça que possa pena
lizar a literatura por servir a uma ideologia de classe, mesmo
porque a chamada literatura que permanece é justamente aquela que,
embora expresse e se sirva de uma ideologia de classe, não conse-
gue escamotear as contradições da totalidade social. A bela pala-
vra não existe para ocultar a realidade, mas para mostrá-la em t£
da a sua grandeza e miséria, pois só assim o homem toma consciên-
cia também de sua grandeza e miséria e procura assumir o seu lugar
de privilégio no mundo. A literatura é um modo de conhecimento e
de ação, diferente da ciência à qual não poderá identificar-se, e
responde a necessidades sociais e individuais. Tem, enfim , uma
função necessária, revolucionária, na medida em que responde a
necessidades específicas de conhecimento e de transformação do
mundo.
A literatura não e arte divina da palavra, como concei-
tuam muitos tratados, mas também não e o seu oposto, uma arte de-
moníaca e proibida ou privilégio de poucos. Ela quase sempre tem
34.
sido colocada, na prática pedagógica, como um dilema: o de conhe-
cer a literatura como realidade autônoma, como objeto de fruição
e entretetimento ou ver a literatura apenas como mais um instru -
mento de acesso à realidade. Não se trata de um dilema falso, mes-
mo porque a prática pedagógica tem demonstrado a opção ora por um
ora por outro caminho. No primeiro, configura-se o esteticismo, a
literatura colocada apenas como reforço no ensino da gramática,do
escrever bem; no segundo, configura-se a literatura como prática
da propaganda ideológica, como defesa de valores de determinado
grupo social. A superação do dilema não está na escolha de um la-
do, mas em perceber a literatura como forma de conhecimento que
tem seus instrumentos culturais próprios. A literatura não é um
problema lógico que nos leva a distinguir o falso do verdadeiro.
Não é um conhecimento científico a se opor a um conhecimento não
científico. Ela se distingue de uma ciência qualquer por sua fun-
ção social, pois condiciona o nosso modo de pensar, de amar e de
perceber o mundo. Por ela e nela se articulam idéias que nos po-
dem conduzir à sabedoria ou à alienação; veiculam-se ideologias
que insinuam camufladamente a manutenção dos interesses de classe,
por ela e nela se apreendem as forças que agem — freqüentemente
ocultas — na sociedade, e que aceleram a sua mudança.
A literatura é, enfim, descoberta: revelação do ser para
o próprio ser que a executa e para os que a lêem. É instrumento
cognoscitivo e, portanto, exercício de liberdade, ato gerador e
criador, o que determina a tendência a reivindicar para si seu
privilégio e sua índole revolucionária. A questão que deve nos in
trigar é que a literatura não é explorada por sua índole revolu -
cionária, por sua força crítica. Ha entre a prática pedagógica e
a própria literatura um corte que se caracteriza pelo alheamento
ingênuo entre esta e o leitor-aluno. E percebemos isso com certo
desencanto, porque a literatura é, ao nível das idéias, a única
instância revolucionária e avançada que ainda hoje temos como
maior herança cultural.
"Mas, mente pouco, quem a verdade toda diz".
"Quem desconfia, fica sábio".
J. Guimarães Rosa
0 ensino da língua e da literatura: enumerando e desenvolvendo al
guns problemas '
Percorrendo nossos caminhos (ou descaminhos?), lendo
inú-meros trabalhos e ouvindo professores do ensino da Lingua e
Literatura Portuguesa, destaquei alguns problemas que considero
os mais relevantes.
1) Sobre o ensino da Lingua aqui estão alguns deles:
- Textos e "processos didáticos" fragmentados.
- O ensino da Lingua como meio medidor da opressão
decor-rente da carência do conhecimento da realidade-aluno.
- O ensino da norma culta da língua como fim e não como
meio.
- Carência de leitura do aluno como conseqüência da pró-
pria carência de leitura do professor.
- Recesso e refluxo do uso da língua pela carência de te
orias de aprendizagem que fundamentem e orientem a ação pedagógi-
ca.
- Oposição e conflito entre o ensino da norma culta da
Lingua entendida como código acabado e a língua viva identificada
com a língua popular.
37.
- O uso da gramática como fim e meio unico consagrado de
expressão lingüística.
- Elenco de conteúdos desvinculados e procedimentos de
ensino.
- Ausência de uma "didática" da fala e da redação justa-
mente nos nossos livros didáticos.
- Exclusivismo do "dialeto de prestígio" como exemplo pa-
ra ilustrar a "boa gramática".
2) Sobre o ensino da Literatura:
- A literatura como ornamento e bem cultural de consumo.
- A literatura como concepção turística da cultura.
- A literatura explorada como receita de bom comportamen-
to cívico.
- Visão idealista pela carência do conhecimento do seu
significado histórico.
- A predominância do tratamento biográfico e o escritor
visto como herói-civilizador.
- A literatura explorada e esvaziada de seu conteúdo crí-
tico quando usada como livro-receita para o vestibular.
Desenvolvendo esses problemas:
1) 0 primeiro deles começa por uma contradição explícita:
é que língua e literatura constituem uma categoria de conhecimento
que tem a pretensão da totalidade, mas esbarra, no interior da
escola, com textos e "processos didáticos" quo primam pela parcia-
lidade, pela fragmentação, um romance, um poema, um discurso, uma
comunicação oral são romance, poema, discurso, comunicação oral
porque têm uma lógica interna de totalidade, caso contrario se-
riam incompreensíveis e, como ocorre muitas vezes, sem sentido pa-ra
os alunos que os lêem. O poema José, de Carlos Drummond de An-
drade embora autônomo e parte de uma totalidade en que se insere
e faz sentido no livro também chamado José. A personagem Aires,
de Machado de Assis, en Memorial de Aires, não o apenas a rotinei-ra
personagem de um romance suburbano barato do princípio do sécu-lo,
enamorado de sua D. Carmo. Ele se insere, como totalidade,nas
próprias memórias do autor, suas rotinas, sua inseparável Caroli-
na. Uma comunicação oral em nível de sala de aula não é apenas uma
comunicação oral para "revelar" erros de linguagem, mas o momento
em que o aluno se expressa, so situa, faz ligações com a to
talidade de sua vida, de suas possibilidades. E lamentável e con-
traditório: o aluno é proibido em língua do uso de sua língua; no
romance, desestimulado à leitura integral; no poema, um soletrado
acrítico de sons o ritmos. Se a escola de 2º graü tem por
objetivo "a formação, integral do adolescente" (lei nº E.CC2/71),
o ensino da língua e literatura como se apresenta hoje não
contribui para sua formação;
2) A língua é um fenômeno sócio-cultural e não pode ser
percebida fora desse contexto. A.partir daí, educadores ainda ad-
vogam, para defender-se de seu fracasso, a idéia ingênua de causa
e efeito, quando afirmam que uma realidade sócio-cultural carente
só pode gerar um adolescente carente, incapaz de comunicação por
mais que ele se esforce. O adolescente da escola de 2º grau já vem
cheio de "hematomas" desse discurso pedagógico do fracasso e
torna-se tímido, indiferente aos estímulos de comunicação. Mas os
professores não percebem que eles também estão envolvidos nessa
realidade sócio-cultural (fazem parte dela) onde e a partir da
qual se desenvolve uma atividade educativa repleta de trocas e e-
feitos mútuos. A maioria se origina dela, traz consigo os mesmos
"traumas" ocultos de comunicação sonegada, de realidade sócio-cul-
tural opressora, acrescida hoje pelas condições de trabalho peda-
gógico desestimulantes e também opressoras. O mínimo, portanto,
que se poderia exigir do professor é que fosse menos um crítico a
margo dos adolescentes que "nada sabem" e lutassem ao lado dos a-
dolescentes. Se acreditamos que a língua é um fenômeno sócio-cul-
tural, os oprimidos de ontem não podem ser os opressores de hoje.
E, se como educadores, queremos viver nas condições de fazer his-
tória da educação, a realidade do adolescente e uma realidade que
se configura hoje na minha realidade de educador também caren te
de voz. Por isso, quando se fala de opressão e se reconhece que
nem só o aluno, mas o professor também integra esse universo, o
que se pode exigir de educadores e educandos e que eles sejam, no
mínimo, solidários.
3) 0 professor é hoje um profissional que lê muito pouco,
o que o coloca na condição de um ser acuado, um ser que não se ex-
põe e se mantém eternamente na defensiva. Em vez de se organizar
40.
politicamente e assumir um compromisso com a educação de si mesmo
— uma educação que só se dá pela adesão e afrontamento crítico da
dura realidade que o envolve, a começar pela dura realidade do
próprio aluno —, ele prefere a via mais fácil que é a de dissimu-
lar que esta fazendo educação, trovejando observações do tipo "en
contrei tantos erros na redação daquele aluno que não sei qual o
certo", "eles são incapazes de ordenar uma frase sequer", "não sa-
bem ler, por isso não sabem escrever", "eles não lêem, eles sole-
tram", "nem sequer pegam num jornal", etc. E quanto não há nisso
de auto-crítica? Mesmo que o professor se originasse da melhor es-
cola do seu país, e que lesse muito, o ensino da língua é tão de-
safiador, determina tão radicalmente o comportamento do adolescen-
te em situação de aprendizagem, que não podemos saber se esse co-
nhecimento vale para alguma coisa se não vier acompanhado de certa
dose de humildade e muita coragem.
4) Ainda permanece o mito de que ensinar a escrever, a
falar, é metralhar o aluno com as "receitas" da língua padrão cul-
ta. 0 livro didático é uma representação simbólica repleta de mis-
terios e que constitui um instrumento de poder do professor. Nesse
jogo de poder, a língua é apresentada como um elemento de inti-
midação e de dominação. Não podemos ser evidentemente contra a a-
presentação ao aluno de modelos da língua padrão, mas quase esses
modelos estão distantes da realidade do aluno. 0 que está por trás
dessa prática é que o professor hoje é uma pessoa que não tem as
mínimas condições de acesso a uma literatura variada e rica. Por
isso ele se 'escravisa" ao livro didático e nem mesmo tem tempo
de cuidar de uma literatura intermediária — menos "culta" —,mas
que, de fato, coloca o aluno na condição de ser o autor também de
normas cultas, começando pelo domínio e valorização de conteúdos
válidos para a idade em que ele se encontra. Para muitos professo
res, a criação de uma biblioteca de trabalho, de uma oficina de
textos, de um jornalzinho, uma montagem teatral et cetera, et ce-
tera, são consideradas praticas menores ou perda de tempo. A lín-
gua já tem um padrão culto de referência que precisa ser assimila
da o mais brevemente possível, dizem.
5) Persiste a icéia, ainda, de que falar a língua é fa-
lar sobre a língua. A gramática quase sempre substitui a atividade
de linguagem, e o professor apresenta o Jogo das regras grama-
ticais como via de acesso à fala, à escrita, ao conhecimento lógi-
co. Muitos ainda não se aperceberam de que a aprendizagem de uma
língua se dá fundamentalmente no seu uso, em processos reais de
comunicação em que o aluno vai ajustando seu modo de falar a cer-
tas regras e valores que ampliam a sua capacidade de comunicação.
É curioso notar que, ao entrarmos numa escolinha de ensino de lín
gua estrangeira, a primeira coisa que nos pedem e abrir a boca.Na
nossa própria língua pedem-nos para calar.
6)Convivem hoje no ensino da Lingua duas posturas extre-
mas: de um lado, o ensino da norma culta da língua como um código
acabado e congelado na história e, de outro, o ensino da língua a
partir da diversidade dos níveis de expressões populares existen-
tes no Brasil. A primeira postura seria retrógrada, a segunda mo-
derna. Ambas, no entanto, incidem no mesmo erro de exclusivismo: a
primeira por entender a língua como código acabado, a segunda por
dar ênfase apenas ao caráter dinâmico da língua. A língua é
presente e passado; é o que "se depurou" no tempo, o que determina
nossa ação e o que nos desafia e provoca uma resposta, nela há
sempre algo de inacessível (cultura e historia) e algo que nomeia,
mobiliza; é um organismo vivo enquanto história, mas não-manipulá-
vel quando tentamos seu pleno domínio. Superar essa oscilação pen-
dular entre o passado e o transitório é tarefa que implica diale-
ticamente em superá-los pela praxis, por uma ação-^flexão, que
deve buscar sistematizar nossas heranças culturais articulando-as
com os desafios do presente. Nesse sentido um texto de Rui Barbosa
é tão importante como um texto de letra musical de Chico Buarque
de Holanda; um texto de Euclides da Cunha e um texto de análi-se
política atual de Florestar) Fernandes.
7) Não existe ura conceito exclusivo de gramática e, por
isso mesmo, não existe uma maneira exclusiva do ensino de gramati-
ca . Os livros didáticos, no entanto, continuam a veicular o mode-
lo da gramática normativa tradicional, — um conjunto complexo de
regras artísticas, sem relação com a língua viva do nosso tempo ,
sem referências com o uso que se dá a ela em nosso quotidiano. A
gramática normativa não tem uma "didática" da gramática, e apenas
toma como base a língua literária artística, como se todo mundo de-
vesse escrever e falar assim. Não há fadas encantadas de plantão
para o uso da língua padrão culta.
8) A maioria dos livros didáticos em língua portuguesa
ainda são didáticos apenas no nome. Eles arrolam linearmente uma
série de conteúdos da língua desvinculados de um procedimento. Tra
tam esses procedimentos como se fossem matéria marginal.
Conseqüên-cia desastrosa: o conteúdo também se transforma em
matéria de se-gunda ordem ao denunciar o corte entre o saber e o
fazer. Reconhecemos que os professores saem de suas faculdades
desarmados quanto a uma didática específica da língua materna. E
prosseguem nas esco-Ias o caminho sem fim de fracassos e recuos,
sempre desarmados e sem referencial, sem modelos de apoio para
dirigir sua prática.
9) Falta em nossos livros didáticos uma didática da reda-
ção. Encontramos neles de modo predominante, dois extremos que se
tocam identificados pela sua importância: de um lado a ênfase no
esponteísmo e/ou "criatividade", de outro, o excesso de receitas
formais principalmente da dissertação. Ninguém escreve nada a par-
tir de nada ou a partir do simples apelo à liberdade de criação.
Obviamente pensamos e acreditamos que se cria alguma coisa a par -
tir de alguma coisa: uma idéia, algumas idéias, uma história,
algu-mas historias, um relatório, um confronto, uma oposição, um
retrato, etc. Portinari usou formas e cores a partir do domínio do
dese-nho e da tinta; os escritores são escritores a partir do
domínio de um artesanato da língua, do domínio de uma forma
articulada com
44.
ura conteúdo, — ou de formas que têm vida, conteúdo. Escrevemos,
portanto, sempre em função de um conteúdo. No momento que os alu -
nos têm domínio do conteúdo a ser escrito, codificado, a redação
torna-se possível.
10) Predomina nos textos didáticos o texto literário ar-
tístico ou o chamado "dialeto de prestígio" com um duplo significa
do: primeiro, ilustrar a "boa gramática" (a boa fala),
segundo,mos-trar que fora do texto literário, as outras expressões
não são dig-nas da cidadania. "A arte divina da palavra" parece
constituir o único padrão culto da língua, e é difícil encontrar o
equilíbrio na organização de textos onde outras normas aparecem
como referencial necessário importante na comunicação humana: uma
simples carta familiar, uma carta comercial, um texto de jornal, um
anuncio , uma história em quadrinhos, etc.
11) No ensino, a literatura tem sido tratada como um uni-
verso de signos agradáveis, tranqüilizadores e decorativos, que "a-
juda" o aluno a escrever sem erros de sintaxe ou de ortografia, e
indicar as datas das obras "principais" e a biografia de seus auto
res e, — o que e mais importante — a se preparar para ser um bom
consumidor de "bens culturais". A "cultura" literária apresentada
nesses livros didáticos é apreendida num sentido transcedente de
desenvolvimento espiritual. 0 Estado é visto como a encarnação do
interesse de toda a sociedade, pairando acima das classes. Embora
sua ação cultural seja muito precária, ela é calcada nos modelos
importados dos grandes centros: uma classe média recém-surgida vai
adquirir informações culturais que lhe permita transformar-se em
consumidora da incipiente indústria de bens culturais — quadros ,
discos, filmes, gravadores, transistores e, como "vestibular" para
ingressar nessa sociedade de consumo, o livro didático colorido.
Trabalhando, sem o perceber, para escamotear essa realidade, o pr£
fessor de língua e literatura é, antes de tudo, um professor de ci
vilização, mas de cultura e civilização consumistas, e o escritor
que ele apresenta é, como nas histórias em quadrinhos, o seu herói-
civilizador. A noção de literatura comumente aceita e aquela que
prima .por certos Ideais estéticos acima de qualquer suspeita. A Se-
mana da Arte Moderna de Vinte e Dois ainda não entrou nas escolas
e, se algum escritor pós Vinte e Dois e aceito, isto se da porque
ele continua na esteira machadiana ou alencarina daqueles ideais
estéticos. Graciliano Ramos é o nosso "Machado de Assis" dos ser-
tões; Lima Barreto é veladamente ignorado porque, segundo consta ,
e mau em sintaxe; Euclides da Cunha e o nosso monumento literário,
mas visto apenas sob o aspecto estético, como se fosse possível a
nossos alunos escreverem a moda Euclides; os aspectos sociais e hu
manos da Guerra de Canudos não existem. Guimarães Rosa, nosso gran
de retratista, é para iniciados.
Já na escola primaria a literatura e vista e tratada como
uma "reserva" de modelos fora do tempo; os escritores não intervêm
senão a título de referência, como exemplo, sem história — modelos
de bem-dizer e de bem-pensar. Castro Alves, Cecília Meireles,Rubem
Braga são postos no mesmo saco e a um mesmo tempo: são os nossos
"santinhos" de parede, os amiguinhos ocultos que "ajudam" a balizar
nossas ações. Os textos parecera muito mais uma introdução ao sagra-
do, pela exaltação do escritor, pelo "texto definitivo", por seu ca
ráter desvinculado, por sua valorização espiritual. Tendem a ser um
estatuto uniforme, feito objeto de museu — o museu imaginário do
manual na linha de um idealismo estetizante. Conclusão: isto conge-
la, paralisa o uso e atividade da língua e literatura. Mais ainda:
na escola de 2º grau, face a um alunado diverso e mais "adulto", a
história já aparece — no entanto, multo mais para dizer que os es-
critores foram sobretudo escritores, qua viveram determinado tempo,
que pensaram isto e aquilo. A história existe porque os grandes es-
critores a tornaram possível em vez de servir de meio para se saber
em que se encarna essa noção de literatura, e se interrogar à res-
peito de onde ela procede e sobre o que se assenta. Os textos "des-
filam" uma periodização arbitrária cujas conseqüências são de grande
peso ideológico. Passa-se de um século a outro como se passa do 1º
ao 2º andar de um edifício — por ura elevador. Os textos projetam
sobre a historia o reflexo de curso no qual eles se inserem e a "his-
toria da literatura" não pode aparecer senão como uma imagem de pro-
gressão homogênea e contínua de cursos de estudos, de Imagens e es-
tilos. São tratados como os únicos textos "leituráves", sobretudo
sobretudo os das obras do passado, sobre as quais, por seu caráter
anônimo, não deve pairar nenhuma suspeita.
12) Os livros didáticos de literatura excluem sempre qual-
quer referência ao contexto econômico, político e social que compõem
o universo temático do texto literário. Quando essa referência é
feita, o tratamento é tão superficial que parece matéria de segunda
ordem. 0 ensino da literatura no 2º grau se assemelha mais a u-ma
viagem de turismo cultural; os mecanismos de persuasão ideológi-cos
da sociedade de consumo estão presentes nos manuais de literatura e
língua. Não é necessário um persistente "olhar de coruja" para se
descobrir uma relação muito estreita entre o sistema atual, fundado
sobre uma seleção social feroz e disfarçada, e os progra -mas,
exercícios e métodos impostos. Uma conceção decorativa de cul-tura
exprime uma atividade privilegiada da sociedade industrial a que
chamamos arma de turismo cultural. 0 manual de língua e literá-tura
é construído à imagem de um grande El Dourado: o consumidor-a luno
pode encontrar ali todos os produtos afins de que tem necessi-dade
para assimilar o que precisa de literatura e fazer uma boa fi-gura
na existência. "Freentar" um manual descer, já dispensa toda outra
literatura.
Não encontramos mais nas estampas dos textos didáticos o
retrato de homens sisudos, circunspectos, mergulhados em cismar
profundo sobre a existência e refletindo, com certeza, as condições
de um mundo estático, eterno, linear. 0 domínio capitalista invadiu
esse mundo, implodiu seus valores agora "modernos", "dinâmicos". 0
passado é abolido em nome dos "valores supremos" do moderno, do
transitório, da mudança. 0 homem, segundo essa concepção turística
da cultura, não precisa de raizes, ele é remetido à instância do
vai-na-valsa, despojado, solto, fragmentado, mas ao mesmo tempo se-
dento de objetos consumíveis e descartáveis. E sobretudo de livros
de literatura descartáveis.
13) Ainda em relação ao ensino da literatura predomina u-
ma concepção idealista quanto a seu valor. 0 pano de fundo que pro-
vavelmente alimenta e reforça essa concepção é que, no Brasil, no
passado, a literatura constituiu "o fenômeno central da vida do es-
pírito" e de nossa formação política. Euclides da Cunha já escre -
via que "somos o único caso histórico de uma nacionalidade feita
por uma teoria política". Se disséssemos "uma teoria literária",em
nada alteraria a sua afirmação. Por sua vez, a idéia de que o fenô-
meno literário é irredutível a qualquer tipo de análise, conduziu a
maioria dos autores de manual didático literário a aceitar, sem
crítica, a autonomia das idéias e valores de cultura que permeiam
seus textos selecionados. Não se encaminharam e nem se esforçam nes-
se sentido para perceber que determinantes de ordem histórica e So-
ciai justificariam tal posição. A idéia irredutível do fenômeno li-
terário se articula de imediato com a idéia de uma existência huma-
na também irredutível a que os textos constituem tanto quanto pos-
sível hipótese desses valores eternos — distantes demais para a
compreensão e assimilação pelo aluno. Para garantir essa pedante
burocracia do espírito, a história é excluída da literatura, que
não e senão o lugar de exercício de estilo e depende do bom-valor
plenamente consciente do escritor. Contemplar a literatura como a
visão de uma arte divina e distante da fragilidade da condição hu-
mana e apenas um passo. A literatura não é arte divina e nem forne
ce válvula de escape para as tensões e frustrações. 0 que ela pode
é aprofundar ainda mais as tensões e frustrações e comprometer o
homem com a sua condição. A visão idealista da literatura não dei-
xa de ser conservadora e expressa um poder para ninguém. Num
passa-do não muito distante, o poder da palavra escrita era de fato
a pa. lavra do poder, de um poder que girava na órbita estreita de
uma e-lite-mal-letrada — pequenos grupos "eleitos" sedentos de
literatu-ra escapista, capaz de justificar seu poder de nada
dentro do poder. Mas hoje, quando milhões de jovens, originários
das camadas mais pobres da população, são chamados a serem co-
participantes de um processo de desenvolvimento cultural, não tem
mais sentido veicular o estudo de uma literatura em que o educando
e apenas o consumidor de fontes de modelos eternos e não o sujeito
que também produz literatura.
14) Em conseqüência do predomínio da concepção idealista
da literatura, o professor é visto, antes de tudo, como um profis-
sional de civilização, de cultura, e o escritor, igual às historias
em quadrinhos, o seu herói-civilizador. 0 livro de língua e litera-
tura se assemelha mais a um manual de quinquilharias cívicas que
de literatura e língua. A questão e que (para que o professor de-
sempenhe esse papel civilizador), os manuais põem à sua disposição
os frutos da cultura superior — cultura de ponta — mas esvaziados
da ideologia e da crítica que os animava. E como isso é possível?
Em primeiro lugar, os autores de manual confiam no .pressuposto de
que toda parte de uma "totalidade espiritual" é expressão do todo.
50.
A obra de arte pode, assim, aparecer como a combinação e ordenação
de páginas imortais que recobrem um tecido intersticial mais frá -
gil, e que pretendem reunir a essência de cada obra. Em segundo,
surge a questão da biografia, que tem uma dupla função ideológica:
a primeira delas, e mostrar que o escritor em seu importante papel
de herói-civilizador, por mais adversa que tenha sido sua vida,ven
ceu pelos méritos próprios de sua condição de homem talentoso; a
segunda, é sugerir que, se o leitor fizer o mesmo, poderá, não di-
ria se transformar num grande escritor, mas evitar que haja na so-
ciedade um imbecil a mais. Machado de Assis é o exemplo mais signi-
ficativo dessa constatação. Na maioria dos livros esse herói-civi-
lizador é sempre destacado como "o mestiço de origem humilde", "fi-
cou órfão de pai e mãe ainda criança", "de menino de rua tornou-se o
mais perfeito prosador brasileiro", "teve uma infância pobre e sua
ascensão artística é fruto de uma longa e seria dedicação" ,"de-
dica-se a vários empregos menores a fim de ajudar no sustento da
família", " experimenta a magoa profunda de perder Carolina, a 2 de
outubro de 1904, e principia a morrer. Somente a Literatura lhe a-
meniza a solidão irremediável'', et cetera, et cetera. 0 que essa
ideologia do herói escamoteia como percepção da realidade? Eviden-
temente, as condições objetivas que propiciaram o surgimento de um
Machado de Assis e a destruição, já na infância, de muitos outros.
A existência de instruções a serviço de um país que tenha um proje-
to histórico para a educação, não importa. Se quiser vencer na vida
e bom indicador ser criança pobre, se possível filho de mulato
e de lavadeira portuguesa e lutar, apenas lutar. Nessa perspecti-
va, fica descartada a possibilidade de saber em que se encarna a
noção de literatura, de interrogar-se a respeito de onde ela pro-
cede t sobre o que se assenta.
15) Por fim, percebemos que os manuais são feitos à ima-
gem e semelhança dos livros-receita tipo "como emagrece em duas
semanas comendo de tudo" ao adotar o teste de múltipla escolha co-
mo exercício para a assimilação do conteúdo. Alguns chegam mesmo a
apelar para a "autoridade" dos testes de vestibular e trazem na
capa a indicação Concurso Vestibular depois do titulo da obra. To-
dos os textos são acompanhados obrigatoriamente pelo Livro do Pro-
fessor, que traz as "respostas corretas". A tarefa do professor
nesse momento esta colocada sob suspeita. Ele e quase sempre visto
como o técnico, cuja função é a de animar o processo ensino-
aprendizagem para atender ao que já está pronto. 0 conteúdo de
seu ensino não assume nenhuma relevância porque cabe, na relação
professor-aluno, apenas a este decidir o seu significado, em fun-
ção da "opção vocacional" e da faculdade escolhida.
Os testes representam, portanto, verdadeiras "ginásticas
mentais". Nesse sentido, o texto pode ser qualquer coisa, nada de-
ve representar, apenas servir de suporte para as exercícios. Esca-
moteia-se o sentido educativo e político da escola. Instaura-se
uma neutralidade bastante problemática porque se anula o esforço
criador de educandos e professores — único sentido da educação.
Embora os editores procurem ter um "estilo próprio", os testes de
múltipla escolha acabam por nivelar a maioria dos textos. Tal qual
um grande magazine de roupas, a diferença esta no colorido e na
disposição das vitrines, isto é, na apresentação: a roupa é sempre
a mesma.
Na perspectiva dessa concepção "digestiva" da educação ,
os textos literários são o feijão-com-arroz e os alunos os que de-
vem se apresentar de modo faminto (motivação), digerir o que puder
e o mais rápido possível, porque afinal, o que importa e conseguir
passar pelo banquete maior, que e o vestibular e ingressar numa fa-
culdade. Quanto à literatura, esvaziada de seu caráter de veicula-
dora de cultura, universo que constitui um dos mais altos signos
do pensamento-linguagem dos seres humanos, acaba transformada em
mera "cantina de signos".
"A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde
per-de o poder de continuação — porque a vida é mutirão de todos,
por todos remexida e temperada."
J. Guimarães Rosa
Objetivos
Face ao que foi exposto, quero sugerir quatro objetivos
gerais socialmente relevantes para se superar os impasses do ensi-
no da Lingua ordenados anteriormente. Cabe a cada professor, de a-
cordo com a sua situação, reordená-los.
Os objetivos são:
- Auxiliar na formação integral do adolescente, definindo o
objeto do conhecimento da Lingua e apresentando uma concepção do
processo de aprendizagem que propicie um tratamento integrado da
Lingua como manifestação da cultura e exercício de liberdade.
- Dar relevância social aos conteúdos da cultura lingüísti-
ca compreendidos como processo de sistematização de conhecimento
que conduza à apropriação da norma culta da Lingua, a partir da ex-
pressão livre da cultura da camada majoritária da população, nas
condições de serem alunos e educadores sujeitos de sua aprendiza -
gem e, portanto, da educação.
- Contrapor junto a educadores e educandos — contra as ci-
ladas do esteticismo e do gramaticalismo inibidores — a nossa
maior instância revolucionaria de idéias, qual seja, a Literatura,
enquanto veiculadora de inquietação e não-conformismo social, pro-
piciando aos educandos o conhecimento de como a produção Literária
se da historicamente.
- Oferecer — por melo dos recursos do livro didático — um
guia geral de conteúdos e atividades que ajude o professor a or
ganizar sua prática, levando em conta as dificuldades dos alunos.
4. CONTEÚDOS BÁSICOS E HABILIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS
"Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto:
que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram
terminadas — mas que elas vão sempre mudando".
"... a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que
estão para haver são demais de muitas, muito maiores dife-
rentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça,
para o total".
"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente
aprende".
J. Guimarães Rosa
Desdobramento dos conteúdos de ensino dos objetivos gerais: metas
a) Desvelar o contexto de vida do aluno pelo exercício
constante da fala sem a mediação do texto verbal escrito.
b) Estimular junto ao aluno a criação de uma didática da
fala, da representação figurativa da linguagem metafórica.
c) Encorajar o aluno ao exercício da fala através da
reor-ganização e mediação do texto-livre articulado com sua
experiência passada, ou seja, sua experiência na escola primária.
d) Promover a livre escolha de modelos-padrão da língua
mediada pela fala do professor.
e) Promover, no estudo da literatura, a interação entre as
situações-limite do aluno e as situações-limite da obra a ser estu-
dada.
f) Garantir a articulação entre o ato de falar a palavra e
o ato de escrever a palavra através de um conteúdo descoberto e
compartilhado coletivamente.
g) Estimular e coordenar "jogo de palavras" a partir de
situações reais que facilitem a representação gráfica adequada da
palavra em contraposição ao uso da gramática como um fim e não co-
mo um meio.
h) Promover e organizar variadas formas de expressão da
linguagem em uso que compreendem: expressão verbal oral articulada
com a expressão corporal (teatro); expressão verbal escrita articu
lada com a representação verbal oral (gravador, júri simulado); re-
presentação escrita articulada com sua apresentação visual (anún -
cio); a redação selecionada na "oficina de textos" e articulada com
sua preservação (biblioteca de trabalho).
i) Estimular a liberdade de expressão através dos multi-
-meios culturais disponíveis e pela reinvenção de uma pedagogia da
redação.
Desenvolvimento dos conteúdos e indicações metodológicas
Primeira unidade: A FALA E 0 CONTEXTO DO ALUNO
a) Fundamentando algumas "pistas" conceituais de ensino:
Reconheço que os seres humanos, enquanto sujeitos livres,
capazes de inventar caminhos novos se baseiam no uso da palavra.
Trata-se de um direito primordial (Paulo Freire) expressar-se atra
vés da fala. Organicamente ela está quase ligada ao ato de respi-
rar, pois seu impedimento abafa o homem, encolhe-o.
E é importante destacar que qualquer falante, seja crian-
ça ou analfabeto, conhece a estrutura da língua, embora não seja
capaz de explicitar, teoricamente, as conexões e articulações que
a constituem. É estranho observar que sobre o ato de falar, quando
entramos numa sala de aula para aprender uma língua estrangeira, a
primeira coisa que nos pedem é para falar, para abrir a boca. Na
língua pátria, ocorre o contrário: pedem-nos para calar a boca. Um
dos mais ricos atos pedagógicos é, evidentemente, ensinar as pes-
soas a escutar, mas o ato de escutar so pode ser garantido pelo a-
to de bem-falar. É de Theodor Adorno esta observação: "Se ninguém
e capaz de falar realmente, é óbvio também que já ninguém é capaz
de ouvir".
Em relação ao ensino da língua, portanto, o silêncio não
e de ouro. Uma atitude intransigente em relação à língua falada
po-de criar uma barreira intransponível entre o professor e a
classe. É certo também que a atitude excessivamente condescendente
pode re-
60.
tirar aos alunos, principalmente das camadas menos favorecidas, a
principal oportunidade de acesso à variante culta da língua.A
cren-ça e a prática no espontaneísmo da educação reforçam aquilo
que ele quer combater: dirigismo autoritário, porque abandona o
aluno, escamoteia a dominação, negando-lhe a posse dos
instrumentos mínimos de conhecimento da chamada "língua de
prestígio", mais rica de significado histórico e humano.
b) Sugestões de atividades:
- Discutir com os alunos as possíveis "técnicas" de como
falar .tendo em vista os seguintes objetivos:
a. ativar o relacionamento entre os alunos pela desinibi-
ção que a fala provoca;
b. ampliar o vocabulário pela constante troca que o
diálo-
go suscita;
c) melhorar a voz e a dicção pela avaliação tácita do
pró-prlo grupo;
d. descobrir a postura mais adequada da fala em público;
e. aprimorar a articulação entre a fala e o conteúdo pela
oposição ao discurso oco, apenas sonoro.
f. conhecer os alunos, suas deficiências e qualidades.
- Organizar debates onde a fala é a atividade predominan
te sem o apoio do livro-texto. 0 procedimento pedagógico recomendá-
vel. para esse tipo de atividade é organizar pequenos grupos em cír-
culo onde o professor ira estimular e solicitar que as experiências
sejam objeto de relatório verbal, em primeiro lugar e que os alunos
expressem suas histórias individuais, contem seus casos e depois,
coletivamente, façam, por escrito, um relatório dos "dramas" mais
comuns que sirvam de subsídio para futuras escolhas de trabalhos.
c) Sugestões de leitura:
Um texto estimulante de apoio ao professor e o livro de
Lauro de Oliveira Lima, Treinamento em Dinâmica de Grupo: no lar,
na empresa, na escola, 2ª ed., Petrópolis, Vozes, 1970. Ver ainda o
livro de Agostinho Minucci, Dinâmica de Grupo, São Paulo, Atlas,
1984.
Consulte ainda 0 realismo nominal como obstáculo na apren
dizagem da leitura. Caderno de Pesquisa, São Paulo (39); 3-10,1931.
Segunda unidade: A FALA E UMA "DIDÁTICA" DE APOIO
a) Fundamentando algumas "pistas":
Não basta pedir para o aluno falar; e necessário organizar
um ambiente da fala, tentar criar uma "dialética" de apoio ao dis-
curso oral.
0 ato de encorajar e ensinar o aluno a falar, nos encoraja
também a resgatar certos elementos da retórica. Considerada no
passado a ciência da palavra, de sua argumentação, de seus procedi-
mentos de raciocínio e de persuasão, poderíamos investir numa retó-
rica crítica que seria o ensino da palavra em ato, e que buscaria
no ensino da literatura não mais os falsos artifícios do dizer-boni-
to, mas o bem-dizer lúcido, reivindicando sempre a resistência con-
tra as forças da ideologia inculcadora ou do silencio que anula o
homem. De mais a mais, todo discurso, até o mais "científico", sem
exceção, e retórico, pois comporta sempre uma lógica da palavra ar
ticulada com uma emoção. Os leitores "científicos" da teoria da re-
latividade de Albert Einstein poderão descobrir formas poéticas ou
de horror face ao implícito e conseqüências dessa teoria.
"Crescem, neste final de século", diz Edward Lopes, ,"os
riscos de os discursos do homem"..."aceitarem ser confinados aos 11
mites do gueto do racionalismo burocrático e tecnológico. Num mun-
do assim, de raciocínio algébricos, onde os valores supremos são a
maquina e a automação, e onde o pensamento ameaça converter-se em
atividade cibernética de robô, é preciso saudar tudo aquilo que
contribua para destruir as unanimidades ideológicas, para manter o
homem no mundo passional do homem, no espaço dos saberes problemá-
ticos, da dialética, da argumentação e do debate, da intuição e do
sentimento, das probabilidades e das crenças, da ficção, do mito e
do sonho; esse e o mundo humano; e esse ainda é — felizmente — o
mundo das figuras, um mundo metafórico".
A linguagem humana tem sempre uma lógica, mas urna lógica
que resiste sempre ao seu desvelamento, porque é lógica dos senti-
mentos — uma lógica das figuras, das imagens, das intuições, da
dor, da poesia, da esperança e da liberdade.
Não podemos saber — ainda bem! — onde se situam as fron-
teiras entre um discurso refinado de Carlos Drummond de Andrade
quando diz "Perdi o bonde e a esperança", e uma expressão de espé-
rança do analfabeto que exclama "Tenho angústia de ler", porque
não há fronteiras nos sentimentos humanos.
E porque a linguagem e um universo escorregadio de figuras
— de personagens que nos excapam a todo instante — não podemos a-
derlr à falácia da palavra única, própria para cada coisa, pois cor
remos o risco de ficar por fora da realidade da língua — uma língua
que existe para exprimir ao mesmo tempo imutável e o inédito de
cada um de nós.
Uma das "saídas" para garantir a livre expressão desse
mun-do metafórico, desse mundo das figuras, é buscar organizar
crité -rios de referência na arte de bem expressar-se. Não se trata
de re-cuperar a retórica aristotélica, mas de trazer novamente à
discussão critérios normativos gerais de bem expressar-se, da "arte
do discurso eficaz". Na relação educador-educando, se aquele de
fato começar por dar relevo à fala, necessariamente vai lidar com a
mediação entre "o dialeto de prestígio" e o subversivo, da fala
adequada a inadequada. E nesse caso, o educador não pode ter como
referencia ao desempenho da expressão do aluno apenas o domínio
conceituai da sintaxe gramatical. Muito além desse domínio, deve
es-tar aberto para aceitar primeiro o discurso popular — também re-
torcizado — e descobrir o que há de "inadequado" nele pela mediação
da língua-padrão. E, nesse exercício, rever a própria língua-
padrão.
b) Atividades:
- Uma pratica para descobrir critérios da organização do
64.
discurso verbal oral é articulá-lo com o discurso verbal escrito.
Se a escola estiver meios para isso, seria bom, gravar a fala do a
luno e depois confrontá-la com o discurso escrito. Lingua escrita
e falada não se sintonizam no mesmo passo. A falada recorre mais a
exclamações, a repetições, a desvios, à omissão de termos. Ora, o
discurso escrito, por seu alto grau de organização, ajuda a reali-
mentar e corrigir o discurso falado.
- Se a escola não pode contar com o recurso do gravador ,
organizar, junto com os alunos, uma ficha de controle de qualidade
do discurso, uma ficha que explicite, sobretudo, os tempos do dis-
curso, o momento inicial que implica na descoberta de um conteúdo
significativo, o segundo momento que se configura pelo levantamento
das informações de apoio ao conteúdo e à sua organização.
- Ao propor à classe a organização de uma ficha de quali-
dade do discurso, esta pode e deve ser organizada pelos próprios a
lunos por meio de um grupo de apoio que, ao estilo de um seminário,
fará uma exposição em aula previamente marcada para tal fim. Essa
ficha-controle deverá conter, ao final, um glossário com indicações
de figura lingüística, seguida de exemplos, de preferência criados
pelos próprios alunos.
- Recomendo que se recorra aos noticiários de televisão ou
rádio e que se analise a fala de seus locutores. Deixando de la-do
possíveis preconceitos, são belas falas de referência para análise
do discurso de sala de aula.
- A leitura oral de textos de Euclides da Cunha ou João
Guimarães Rosa, pode ajudar na descoberta de categorias de padrão
de qualidade do discurso. Ainda mais em se tratando de autores de
obras escritas para serem cantadas e que contem todos os elementos
de um discurso eficaz: informação, demonstração, convencimento e
emoção.
- Estimular a leitura oral de poemas tipo: Liberdade, de
Fernando Pessoa, Tema e Voltas, de Manuel Bandeira, E agora José,
de Carlos Drummond de Andrade, Teresinha, de Chico Buarque de Ho-
landa.- Explorar nessa leitura a dicção, a pausa, o ritmo, etc. Ob-
servar que a leitura bem feita revela qualidades que a ma leitura
oculta. Mo poema Tema e Voltas, a interrogação e uma exclamação;
que Liberdade sugere leitura lenta e certa dose de ironia; que E A
gora José impõe leitura forte e dramática, e que os versos de
Tere-zlnha so podem ser contados face ao seu ritmo leve e
harmonioso.
c) Sugestões de leituras:
0 professor poderá buscar, como leitura de apoio, o livro
de Edward Lopes, Metáfora, São Paulo, Atual Editora, 1986, que lhe
fornecerá alguns elementos da retórica úteis à organização do dis-
curso (Verifique, neste mesmo texto, a indicação bibliográfica co-
mentada pelo autor e o livro de Lausberg, H., Elementos de retóri-
ca literária, Lisboa).
consulte também Francisco Vanoye, Usos da Linguagem, São
Paulo, Martins Fontes, 1907, que apresenta um guia geral da teoria
da comunicação, resgatando elementos da retórica. Também será útil
ao professor alguma leitura sobre a psicologia dos gestos das mãos
e do corpo de um modo geral. Ha boas indicações na área da
psicolo-gia é que julgo desnecessário indicar aqui. Apenas quero
lembrar um lugar-comum: a pessoa não fala so pela boca, a fala esta
intima-mente articulada com a linguagem de seu corpo.
Ainda considero útil a leitura de Recuperando a alegria de
ler e escrever, são Paulo, Cortez, 1985 (Cadernos CEDES, 14).
Terceira unidade: A RELEITURA COMO GARANTIA DE ARTICULAÇÃO ENTRE 0
1» E 0 2» GRAUS
a) Algumas "pistas" conceituais:
Uma das críticas feitas ao ensino de língua no 2º grau é
a ausência de articulação entre este nível de ensino como o de 1
a
grau.
É preciso encorajar o aluno a falar, anunciar, acreditar
no que ele já fez, rever os seus caminhos, fazer um balanço de
suas experiências de leitura, de suas dificuldades, de suas
conquis-tas, ampliando-as no 2º grau.
Afinal, cultura e caminho, travessia, e a cultura
escolar propriamente dita não pode ficar circunscrita aos guetos
culturais dos níveis de ensino. A língua, pelo alto grau de
cultura que ela pode veicular, tem, em relação ao ensino, um
papel relevante de articular experiências de leitura promovendo a
sua própria releitu-ra. Se o aluno já leu no 1º grau o excelente
livro de Cecília Mei-
reles, Ou Isso ou Aquilo, por que não fazer sua releitura ao res-
guardo do referencial crítico do 2º grau? b) Atividades:
- Trabalhar perguntas como:
Que livro você leu no lº grau e o que ficou na lembrança?
Gostaria de repetir a leitura?
Gostaria de aprofundar um pouco mais a sua experiência de
leitura da sua escola anterior?
- 0 professor deve mediar o relato oral dessas experiên-
cias, indicando um aluno para que o registre nos moldes de uma ata
de reunião. Deve-se evitar comentários desabonadores na presença
possível de textos tipo Asterix, Tio-patinhas. Trata-se de um jogo
de experiências e não de dissimulação.
- Uma vez feito o levantamento das leituras preferenciais
do 1º grau, estimular uma releitura das mesmas, começando pela
lei-tura de um texto de crítica literária que ajude o aluno a
rever e ampliar os conhecimentos já adquiridos e manter esse
texto sempre ao alcance dos alunos.
- A releitura deve ser explorada obviamente na 1ª série.
Nas séries subseqüentes deve haver uma "intervenção" do professor
e o desenvolvimento de leituras inclusive as que o professor não
fez. Recomendo que as leituras não devam concentrar-se (na mesma
serie) num único período histórico, mas procurar abranger todos
eles. Uma leitura não faz para ilustrar um período histórico, mas
para despertar o gosto e o prazer, para enriquecer a sensibilidade
do aluno.
68.
- Deve-se explorar o máximo de escolhas possíveis numa
mesma série e sala de aula, não com o objetivo de ler todos os li
vros veiculados, mas de selecionar conjuntamente aos menos uma
meia dúzia deles. Como seria, numa mesma série, um grupo de alunos
compartilhar da leitura de
Minha Formação, de Joaquim Nabuco, Vidas
Secas, de Graciliano Ramos, Ou Isso ou
Aquilo, de Cecília Meireles, Jubiabá, de
Jorge Amado,
Roga do Povo, de Carlos Drummond de Andrade?
c) Sugestões de leitura:
- Recomendo ao professor a leitura estimulante do livro de
Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro, São Paulo, Editora Pers-
pectiva, onde o passado cultural é visto criticamente como algo não
dogmatizado, embalsamado no tempo, mas como valores que equili-bram
o homem e o fazem prosseguir sem se perder na avassaladora mu-dança
do presente. Hannah Arendt lembra que cultura (passado) e história
viva que permite ao homem se colocar em condições de sujeito da
historia presente e não objeto de mudança. "essa perspectiva, por
que não acreditar nas pequenas histórias do passado dos alunos que,
uma vez ampliadas, no presente, poderão gerar as grandes histórias
do futuro?
- Para os alunos recomendo a leitura, em voz alta, das se-
te ultimas páginas de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, a
partir do trecho onde começa "Chapadão. Morreu o mar, que foi",até
o termo Travessia, que "encerra" o livro. 0 professor deve estimu
la
lar uma discussão quanto a esse ultimo termo.
- Tanto para professores como para alunos recomendo Alfre-
do Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, São Paulo, Cul-
trix, 1970.
Quarta unidade: A FALA DO PROFESSOR E A MEDIAÇÃO DA NORMA CULTA
a) Referenciais conceituais:
"Conhecer a língua portuguesa não é um dever dos falantes,
mas um direito de todos, pois é um componente de nossa
cidadania. Sob esse ponto de vista, é justo que todos os
brasileiros, indistintamente, tenham acesso à norma culta;
isso não significa que a escola va formar 130 milhões de
letrados — mas que todo cidadão brasileiro tenha opor-
tunidade de conviver com o melhor da língua. Porque o re-
gistro da linguagem de sua comunidade e de status ele já
conhece empiricamente pelo uso, e ensina-lo na escola é
chover no molhado."
"Defender a posição de que o ensino da norma culta é uma
imposição (politicamente, um resquício do autoritarismo),
e criar um apartheid lingüístico e impedir que grandes
camadas da população brasileira possam ascender humana,
social, econômica e culturalmente. Juízos de valor à par-
70.
te, a realidade é que o domínio da boa linguagem é um ins-
trumento de poder; fazer dele um privilégio classista e
hereditário e subserviência ao autoritarismo, pela manu-
tenção do status quo". (Marleine Paula, USP, in Jornal
Leia, setembro/87.).
"A escolha de textos e um problema complexo. É preciso,an-
tes de tudo, libertar-se da tirania literária e incluir nos
compêndios todas as variedades da boa linguagem (jor-
nalística, ensaística, técnica, científica, de propaganda),
para que o estudante se familiarize com a prática de todas
as funções da linguagem".
"As atividades lingüísticas,de produção e interpretação dos
textos continuam no 2º grau para que o aluno as faça em
situações mais complexas e atualize outros aspectos na fala
e na escrita, além dos que já vem trabalhando desde o
início da escolarização. O aluno de 2º grau faz resumo,
relatórios, exposições dissertativas, requerimentos, ofí-
cio; organiza e participa de debates, exposições, pales -
trás e dramatizações; convive com a propaganda e o jornal;
le romances, contos e poemas; ouve musicas e decora le-
tras. Neste sentido, o professor deve aproveitar as dife-
rentes situações de uso da língua em que o aluno se vê en-
volvido". (CENP, in Proposta Curricular para o ensino de
Português - 2º grau/87.). Situar, portanto, o texto
literário não como o único tex-
to "digno" e leiturável, mas como um texto a mais no elenco de ou-
tros textos-padrão: o Jornal, a propaganda, a carta de amor, etc.
b) Atividades:
- Ajudar o aluno a organizar, numa pasta, os mais variados
textos de representação culta da língua. Modelos de
Ofício
Requerimento
Resumo
Correspondência familiar e oficial
Relatório
Propaganda
Poema
Exposição dissertativa
Páginas de obras literárias
Leitura dramática
Diálogo
Crônica
Biografia
Axiomas
Anedotários, etc.
- dividir a organização dos textos em dois níveis: no pri-
meiro, os textos formais (requerimento, ofício, etc.) e que não
dão margem a recriação; no segundo, os textos informais, a saber ,
os que dão abertura à recriação. Neste segundo nível, devem predo
minar os textos criados pelos próprios alunos com a devida avalia-
72.
ção de mérito pelo professor.
- No trabalho de busca de modelos na norma culta da lín-
gua, evitar o já feito pelo livro didático. Todos os livros didáti-
cos divulgam a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Com o devido
respeito ao poeta, será que a produção literária do tempo de Gon -
çalves Dias não tem outras variantes tão ricas como essa?
- Proponho, na garipagem do texto-padrão, a introdução de
alguns textos traduzidos de autores reconhecidamente universais por
seu valor. Por que não um diálogo extraído de Hamlet, de William
Shakespeare; a narrativa dramática de Moby Dick, de Herman
Melville? A rigor, não seria sensato cumprir com a lei 4.024/61 que
estabelece em seus fins "o fortalecimento da unidade nacional", mas
também o "da solidariedade internacional"?
- Dar ênfase a formação, na classe, de grupos-de-interes-
se para a leitura e redação livre desses textos-padrão. Existem a-
lunos que se familiarizam rapidamente com a linguagem de jornal,ou
tros (por necessidade de trabalho) com a carta comercial, o reque-
rimento, outros são os poetas-em-embrião da classe, ou estão
viven-do momentaneamente essa experiência. Se o aluno é impedido
de expressar o que gosta e o que pode, ele não poderá expressar
amanhã o que ele gosta e o que ele necessita.
c) Sugestões de leitura:
- Aqui se recomenda o manuseio de uma antologia de textos
de prestígio — norma padrão — o esclarecimento ao aluno que não
se trata do fim e meio da língua, mas de um referencial de prestí-
gio para avaliar e enriquecer seu desempenho. Não se descarta nem
mesmo um texto tão em moda no passado, Antologia Nacional, de Car-
los de Laet, desde que ele não seja o texto único, fundamental. Te
mos ainda a excelente antologia de Álvaro Lins e Aurélio Buarque de
Holanda, Roteiro Literário do Brasil e de Portugal, Rio de Janei-ro,
José Olympio Editora, 1956.
Nesse sentido, consultar ainda a gramática de Celso Cunha
e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1985. Os autores trabalham exemplos gra-
maticais, partindo apenas dos chamados textos sagrados ou consagra
dos. Não fazem a mediação com textos mais populares, o que limita,
a meu ver, o texto, pois deixa escapar a idéia de que língua grama
tical correta é falar o consagrado. No entanto trata-se de uma gra-
matica bem organizada e útil ao professor na medida em que ele se
coloque, de fato, como mediador entre norma culta e língua popular,
mas nem por isso incorreta.
Quinta unidade: 0 TEXTO DE LITERATURA COMO MEDIAÇÃO QUE PROPICIA A
ARTICULAÇÃO ENTRE AS SITUAÇÕES-LIMITE DO ALUNO E OUTRAS SITUAÇÕES-
LIMITE
a) Algumas "pistas" conceituais de ensino
Considero de importância fundamental introduzir, no ensino
da literatura, o levantamento de situações-limlte. configuradas
74.
aqui como situações problemáticas, existenciais e históricas do
presente, que devem ser articuladas com as situações problemáticas,
existenciais e históricas do passado. Como conseqüência, será pre-
ciso superar duas situações de rotina: primeira, o ensino da lite-
ratura excessivamente concentrado no passado e, segundo, a apresen-
tação linear da história literária, como se ela fosse apenas uma
sucessão cronológica de estilos e figuras. Sabemos que o fim último
da literatura é retratar um drama humano (uma situação-limite) por
melo do qual uma cultura e uma civilização se estruturam, con-
figuram um perfil, uma face, levando em conta o sentido de que o
que fica não são as coisas que servem ao homem, mas as que causam
emoção. 0 belo não pode ser considerado com um fim em si mesmo,mas
um meio e também um fim (um fim-meio) para os autores, atores e
"consumidores" desse drama. O belo é sempre o fim-meio que garante
o perene no transitório. Seria possível o perene no transitório da
Guerra de Canudos sem fim-meio de Os Sertões de Euclides da Cunha?
0 estudo da literatura nos faz ingressar nesse universo de
autores e atores, no discurso de um drama que também e o nosso e
que procuramos expressar cora paixão e razão, com beleza e encanto
para denunciar nossa presença e nos ligar à história (para isso
existe a educação). A Guerra de Canudos, retratada com extrema be-
leza e emoção, não e um drama só do século passado: ele continua
nas Vidas Secas de Graciliano Ramos, no Grande Sertão: Veredas, de
Guimarães Rosa, nos sem-terra dos nossos dias e nas favelas de tai-
pas das periferias urbanas. SÓ faltam outros autores porque os ato-
res desse drama já existem.
As situações-limite (problemáticas) tanto ao nível
existen-cial-individual e social-histórico constituem um pano de
fundo mui-to rico e amplo para "dirigir" um estudo de história
literária.
Situações -limite do tipo: em que teorias da história hu-
mana Machado de Assis se apoiou para escrever Memórias Póstumas de
Brás Cubas? Quais os critérios que podemos explorar para se saber
que Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é uma bela redação sobre um
retirante nordestino? Esses critérios poderiam ser os mesmos para
o Julgamento de uma bela redação escolar? Existe uma relação histó-
rica entre a personagem de ficção Riobaldo, de Guimarães Rosa, e a
figura real de Antonio Conselheiro, de Euclides da Cunha? Qual e o
discurso sobre a condição da mulher nas obras de José de Alencar e
nas obras de Clarice Lispector? Vozes D'África, de Castro Alves e
Operário em Construção, de Vinícius de Moraes, qual a relação pos-
sível? Que elementos da Semana da Arte Moderna de 22 estão presen-
tes na poética de Manuel Bandeira? Que elementos de aproximação e
distanciamento entre 0 Ateneu, de Raul Pompéia e a disciplina no
interior da nossa escola podem ser considerados? 0 que ou no que
avançamos?
A identificação das situações-limite (problemáticas) po-
dem constituir, evidentemente, mais um pretexto para o estudo do
texto literário: são pontos de partida recorrentes que visam garan-
tir o tratamento unitário da história e trazer a vida literária pa
ra a literatura da vida em nível de sala de aula.
76.
b) Atividades:
- Fazer um levantamento, com o auxílio de um livro de His
tória Geral e do Brasil, de situações-limite onde são configurados
os problemas específicos dos momentos históricos: impasses econômi-
cos, políticos, sociais e as ligações das situações-limite do Bra-
sil em relação às situações-limite de países hegemônicos. Exemplo:
se propusermos o estudo da literatura da década de Vinte, a pró-
pria escolha já indica a situação-limite em termos de cronologia
histórica que deve ser seguida pela análise das situações-limite e-
conômica, política e das manifestações culturais. Os alunos podem
organizar fontes de leitura que signifiquem a busca de conhecimen-
tos que aparentemente nada têm a ver com o litério: um artigo so-
bre política da época, um anúncio-propaganda, um capítulo sobre a
história dos acontecimentos mais relevantes, movimentos de arte,re-
lações entre acontecimentos em escala mundial e seus efeitos na
si-tuação-limlte, etc.
- Fechado ou aberto esse quadro de referências concomitan-
tes entre as situações-limite, estarão criadas as condições para
que os alunos façam suas escolhas literárias, suas releituras a
par-tir das temáticas predominantes da obra. Sabemos, como já foi
dito que isto não "explica" o fenômeno da criação literária, mas
ninguém consome literatura pelo simples prazer lúdico. Queremos,
mais do que isso, ampliar também nossa situação-limite, perceber em
que condições históricas a produção literária se da, e de que modo
podemos ser também autores dessa história.
- Recomendo ao professor a leitura atenta do livro Pedago-
gia do Oprimido, de Paulo Freire. Além de ricas observações sobre
o fenômeno aprendizagem, como ela se dá, como é possível num con-
texto social desfavorável, o professor poderá observar que a ex-
pressão situação-limite é apenas uma outra maneira de nomear temas
geradores, a categoria mais rica do método Paulo Freire. Como as-
sinala o professor Ernani Maria Fiori, no prefácio do livro: "0 mé-
todo Paulo não ensina a repetir palavras, não se restringe a desen-
volver a capacidade de pensa-las segundo as exigências lógicas do
discurso abstrato; simplesmente coloca o alfabetizando em condições
de poder re-existenciar criticamente as palavras de seu mundo, pa-
ra, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra". A
proposta de um Inventario e confronto de situações-limite, tal qual
no método Paulo Freire, visa colocar o aluno em condições de re-
existenciar a literatura para um dia poder viver e poder fazer a
sua. Ler ainda, se possível, pelo menos um capítulo do livro Histó-
ria da Literatura Brasileira - seus fundamentos econômicos, de
N. Werneck Sodré, Rio de Janeiro, Editora José Olympio. Sabemos que
o econômico não esgota nem explica o fenômeno literário, mas traça
as fronteiras da matéria histórica da literatura, sem as quai os
dramas humanos se diluem na opacidade dos entreveros acadêmicos.
Consultar também Alfredo Dosi, História Concisa da Literatura Bra-
sileira, São Paulo, Cultrix, 1970. Trata-se de excelente estudo on
de a literatura não e algo estanque, mas permeia todas as manifes-
taçoes mais avançadas da cultura brasileira.
78.
- Ainda recomendo ao professor a leitura de Leo Hubermann,
Historia da Riqueza do Homem, Rio de Janeiro, Zahar, 1973.
Objetivo: familiariza-lo cora uma visão panorâmica dos dramas huma-
nos em relação ao poder, riqueza e meios de sobrevivência, que a
literatura de uma forma ou de outra expressa em suas paginas. Ver
ainda nesse sentido, Eric J.Hobsbawm, A Era das Revoluções, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977.
-. Para os alunos recomendo a leitura de poemas de Jorge de
Lima — um dos nossos maiores poetas — e a leitura de alguns ensaios
sobre literatura brasileira que se encontram no livro de Mario de
Andrade, Aspectos da Literatura Brasileira, São Paulo,Mar-tins,
s.d. Aqui professores e alunos perceberão a sutileza com que Mario
de Andrade trata a literatura em relação ao tempo do escritor e ao
nosso.
Sexta unidade: ATO DE FALAR, ATO DE ESCREVER ARTICULADOS FOR UM COM
TEÚDO DESCOBERTO E COMPARTILHADO COLETIVAMENTE
a) Discorrendo sobre algumas bases conceituais:
Tentar garantir a articulação entre o ato de falar a pala
vra e o ato de escrever a palavra nos remete, em primeiro lugar, a
compreender o que seja uma práxis pedagógica ou à própria noção de
práxis.
Penso o seguinte: embora nossa preocupação central seja
resgatar o conteúdo — valores e normas de cultura veiculados sob a
forma sistematizada de ensino — quero destacar que o conteúdo não
é algo congelado pela historia da educação, depositado em algu-ma
loja de quinquilharias pedagógicas, mas e um que-fazer reelaborado,
é a unidade entre a teoria (experiências sistematizadas) e a
pratica (ação que se desdobra, fertiliza ou nega a teoria).
Enfim, o conteúdo e práxis. 0 educador e o responsável pe-
Ia transmissão do saber de forma elaborada (teoria enquanto conteú-
do) e a expectativa que se ten dele é que, com lucidez, articule
esse saber à realidade, acione uma pratica, gere uma praxis. Nesse
sentido, penso que, assim, se pode superar uma possível dicotomia
entre o conteúdo (ensino tradicional) e a atividade (escola nova)
que se instala quando destacamos o conteúdo, negligenciando a ati-
vidade, e vice-versa. Assim como o conteúdo e uma questão de ativi-
dade (um como-fazer), a atividade é uma questão de conteúdo (um sa
ber-fazer). É impensável uma educação puramente conteudística, mes-
mo porque o ato docente "puro" (sem a presença do aluno) envolve
também ação, escolhas, recuos, reelaborações. Os arquétipos, os mo-
delos reguladores, as configurações, enfim, as experiências siste-
matizadas, são atos de escolhas, fazem face, impõem recuos, acionara
avanços, geram compromissos. Por sua vez, a atividade pela ativida
de, "descompromissa" o educador, dissolve-o. 0 receio da prática
incalculadora coloca em risco a própria educação ao abandonar o a-
luno sem pontos de referência, sem critérios para suas opções.
As atividades lingüísticas não se fazem, portanto, sobre
palavras ou frases isoladas, fundamentadas ora por uma excessiva
preocupação pelo conteúdo ora por una excessiva preocupação pela a
tividade: elas se fazem em situações concretas de comunicação.Nes
se sentido, articular o ato da palavra falada com o ato da palavra
escrita, é tentar propiciar a configuração de uma práxis em que o
conteúdo da palavra falada — enquanto som, ritmo, harmonia — é
ponto de referência para se organizar a palavra escrita e esta
enquanto organização, disciplina, arranjo e rearranjo de signos — é
ponto de referência para se organizar a palavra falada. Embora ,
como vimos, exista a necessidade de uma didática da palavra falada,
assim como existe uma didática específica da escrita, estas práti-
cas se intercomplementam, trabalham o mesmo universo da comunica -
ção e expressão humanas. Porque é no exercício da fala — ajudado
por uma "didática" fala — que o aluno "educa" o seu ouvido e forma
uma matriz de referência para avaliar sua palavra escrita. Um
ouvido acostumado a ouvir ritmos melódicos pode denunciar com mais
facilidade uma nota musical dissonante. Um ouvido acostumado a ou-
vir e a ouvir-se e um "instrumento" que ajuda a organizar a escri-
ta. Assim, também um olhar acostumado ao campo organizado de signos
lingüísticos, denuncia a fala sem arranjo e sem brilho. E desse mo-
do a praxis se da.
b) Atividades:
- Esta atividade pode ser dividida em dois grandes momen-
tos: primeiro, a fala ajuda a organizar a escrita; segundo, a es-
crita ajuda a organizar a fala. No primeiro momento, estimular a
fala de cada aluno tem por finalidade a descoberta do tema predomi-
nante e a organização coletiva do relatório. Se, através da fala
organizada e acompanhada pelo professor, os alunos descobrem, por
exemplo, que a violência e o tema predominante, un aluno ou o pró-
prio professor poderia transcrever no quadro-negro as expressões
mais comuns ou pensamentos e pareceres mais significativos que "ex-
plicam" e situam os problemas causados pela violência, incluindo
também o parecer do professor. Depois de pronto o relatório — de
posse de um elenco de conteúdos — os alunos estariam era condições
de elaborar a redação.
No segundo momento, a palavra escrita retorna para orga-
nizar a palavra falada. Neste caso, as redações devem ser lidas era
voz alta — a palavra escrita condicionando a palavra falada — e
reescritas tantas e quantas vezes forem necessárias para melhorar o
desempenho do aluno em relação a palavra falada. Não creio que seja
produtivo o professor trabalhar um punhado de temas em redação, um
atropelando o outro: muitas coisas não significam muita coisa.
Um critério de desempenho positivo é o aluno fazer uma boa redação
e não dez
ruins.
c) Sugestões de leitura:
- Emília no País da Gramática, de Monteiro Lobato. Aqui
existem bons motivos para se representar a leitura em sala de aula e
refazê-la em situações presentes.
- Considero também muito rica a leitura de Máximas e Mi-
nimas, de Barão de Itararé, pelo modo simples e inteligente de usar
da palavra, o que facilitará o acesso do aluno ao livro e ao profes-
sor de ajudá-lo a desmistificar a literatura como algo pesado e im-
penetrável, "essa mesma linha recomendo a leitura de qualquer traba
lho de Millor Fernandes e de Luís Fernando Veríssimo, sobretudo este
, 0 analista de Bajé. Ainda vale a pena incluir aqui também o con to
Simão Bacamarte, de Machado de Assis e 0 Triste Fim de Policarpo
Quaresma, de Lima Barreto.
- Que tal, pergunto, como atividade, sugerir que os alunos
contem piadas em sala de aula e depois, que a mais engraçada seja
objeto de reinterpretação e escrita? Preconceitos de lado e mãos a
obra.
- Ao professor recomendo ainda a leitura de Paulo Freire,
Ação Cultural para a Liberdade: e rico em observações sobre a práxis
pedagógica, sobre a tensa relação entre teoria e pratica. Ler espe-
cialmente o item Ação cultural para a libertação que dá título ao
livro.
Sétima unidade: A GRAMÁTICA, MAIS UM MEIO DE ACESSO À NORMA CULTA DA
LÍNGUA
a) Alguns referenciais críticos:
A afirmação de que não devemos privilegiar o ensino da
gramática e correta, mas isto não significa que devemos desprezá-lo,
mesmo porque socorrer-se de um certo aparato gramatical significa
mais uma garantia de socialização da língua — de sua vertente cul-
ta. Sei e quero enfatizar que o ensino da língua passa também pela
gramática, apenas não vai em direção a ela. A língua, como fenômeno
de cultura, tem os seus encantos, a sua liberdade, os seus mis-
térios que ultrapassam de muito o seu domínio gramatical. Neste
sentido, é importante destacar que a gramática pode e deve ser ob-
jeto de ensino, mas sempre de textos criados pelos próprios alunos.
É em situações reais de organização do pensamento por meio da frase
que o ensino da gramática entre como elemento constitutivo.
b) Atividades:
- Organizar "jogos de palavras" a partir de situações
reais que facilitem a representação adequada da palavra. Um jogo
rico de possibilidades e cada aluno criar sobre e a partir de difi-
culdades que a palavra apresenta. É um tipo de atividade que deve
ser explorada cotidianamente e cobrir a todo momento as atividades
de escrita e leitura. Por exemplo: como se deve grafar corretamente
coser, com s ou com z? Se o aluno disser que é novidade para e-le e
que não sabe, em vez de o professor explicar, o aluno devera
recorrer ao dicionário. Uma vez sanada a dúvida, o professor ira
transformar coser numa questão social, provocar um conteúdo
relevan-te que a palavra pode veicular: Trabalho de costureira
(coser) é uma profissão de prestígio social? E o trabalho da
cozinheira ou cozinheiro (cozer)? Sem eles como seria o mundo? A
palavra é algo pegante (G.Rosa), gera ação, provoca reações,
comportamentos. Gra-
34.
far corretamente uma palavra é invadir e vivenciar o sentido que
ela tem.
- Organizar um fichário ou mesmo "desenhar" em cartolina
anexada em local visível aquelas palavras que apresentam maior grau
de dificuldades de representação escrita. 0 proveitar as oportuni-
dades surgidas nas situações reais de escrita e orientar os alunos
para organizar grupos familiares de palavras que apresentam o maior
grau de dificuldade. Exemplos: os grupos consonantais em nça e nsa,
as sílabas em z e s, z e x, etc.
- A atividade gramatical por meio de textos criados pelos
próprios alunos pode começar com um simples relatório onde se alter-
na o trabalho da língua escrita com a língua oral. Essa articulação
começa quando o professor ajuda os alunos a passarem para o papel
tudo o que sabem falar, digamos, da palavra casa. (É oportuno lem-
brar que a redação — e não o relatório — e uma atividade de ponta e
que, por isso mesmo, se distancia da língua oral. A redação é uma
organização lógica do pensamento por meio aos signos iinguísti-cos.)
Esse passar a língua oral diretamente para a escrita configu-ra o
relatório e esta atividade simples — também uma organização lógica
do pensamento — todo aluno sabe fazer. No exemplo casa,ele pode
escrever:
A casa.
As casas en geral são pintadas de branco.
As casas são feitas de alvenaria ou de tábua.
Ha casas de ricos (palácios).
Ha casas de pobres (choupanas).
As favelas são conglomerados de casas de tábuas.
Não têm ruas traçadas e não sujas, muito sujas. Etc,
etc.
0 que esses conteúdos podem sugerir para exercício gramatical? Qual
a categoria gramatical da palavra casa? E a sintaxe do verbo ser? E
a grafia de tábua? Como organizar uma redação contendo os mesmos
termos do relatório? c) Sugestões de leitura:
- É fundamental o uso constante de um dicionário de língua
portuguesa. É un livro que deve ficar sempre exposto e aberto para
evitar danos à brochura em virtude de seu tamanho e de sua freqüên-
te utilização
- Acredito que seja muito útil ao professor a "pesquisa"
e consulta a gramáticas mais antigas e que, nem por isso, perderem
seu valor como guia balizador da chamada língua adequada ou de
prestígio. É possível que no fundo de alguma boa biblioteca se en-
contrem ainda gramáticas de um Eduardo Carlos Pereira (Gramática
expositiva: curso superior) , de M. Said Ali (Gramática secundária
da Língua portuguesa). Os livros didáticos de hoje apresentam os
estudos gramaticais de um modo muito fragmentado.
- Fazendo um giro conceituai de cem graus, quero ainda su-
gerir o manuseio dos pequenos panfletos da literatura popular do
cordel. Sua leitura em nível de sala de aula propicia ura rico mate-
rial para 1º) recriar sobre o texto; 2º) adequá-los à norma de
86.
prestigio (norma culta); e, 3º) valorizar o popular.
Oitava unidade: GARANTIR A UNIDADE DE TRATAMENTO DA LÍNGUA
INTEGRAN-DO-A AOS MULTIMEIOS DE INSTRUMENTOS CULTURAIS DISPONÍVEIS
a) Algumas referências conceituais:
Os multimeios de instrumentos culturais estão aí configu-
rados em torno de nos. O mundo humano e o mundo transformado em ob-
jetos e instrumentos, em valores expressos por signos — construí-
dos, feitos, desfeitos, refeitos. Canetas,arados, o livro, a pren´-
sa, um símbolo, a bicicleta, o avião, o radio, o mimeógrafo, o pa-
pel sulfite (campo branco à espera de signos fugidios), a televi -
são, a revista, o lápis, o vídeo-cassete, o palco, a mesa, a xerox,
o fichário, o diálogo, o giz, o quadro-negro, a fala, et cetera.et
cetera, são os nossos instrumentos solidários ou solitários, depen
dendo do modo como nos situamos em relação a eles. Não penso ir de
avião para casa face a certos fatores infinitamente relevantes;quem
sabe de bicicleta ou a pé, protegido por sapatos — produto e ins-
trumento de cultura — ou descalço, vivendo a idéia-sentimento de
liberdade ou de opressão, que também é cultura.
E preciso recuperar a idéia-força da cultura como projeto
educativo — ainda mais quando se trata da nossa língua —,estudar
como ela se da historicamente e cria condições objetivas para tor-
nar o aluno sujeito e não objeto ou consumidor de "bens de cultu -
ra". Se me autorizam os professores, vou insistir numa instância
do documento sobre cultura, porque ela esta no centro de todas as
questões. Ela não é somente o código que me liga ao mundo, uma a-
preensão da realidade que me torna senhor ou escravo desse mundo —
e também o espelho permanente de meu encontro e de minha perdi-
ção. É ura convite à luta e uma ameaça a perda de mim mesmo, un
convite à luta porque garantia de identidade, uma ameaça porque
sentimento e idéia de separação, de corte com a realidade. Já foi
escrito muitas vezes que, o que caracteriza a condição humana e a
separação, o fato do homem se sentir estrangeiro em seu próprio
mundo. 0 mito judaico da criação do mundo situa a separação ao ní-
vel da desobediência e do sentimento ,de culpa. 0 homem se sente
culpado por não ter podido proteger a herança da criação. A cultu
ra e o espelho que o faz se contemplar nu, descobrir o pavor de
existir, uma existência perdida e sem retorno. 0 sentimento de se-
paração, de corte com a realidade, está colocado, portanto, desde
o in£cio. A separação significa para o homem que o mundo não é um
paraíso que se recupera ou se rearranja, mas um conflito permanen-
te de ser e não-ser, de aparecer ou perecer, de existir ou desis-
tir. A consciência de ser e de estar em conflito face à própria
consciência da separação, coloca-o diante da necessidade de supe-
ra-la pela cultura. Esta se torna o centro de todas as questões ,
porque constitui a única via dessa superação. Pela cultura o homem
consegue urdir a teia que forma o elo perdido da natureza e tornar
sua ação menos gratuita e possivelmente sua aventura menos inútil.
0 problema que se coloca permanentemente para ele e que não. e dono
de sua própria cultura. Ele herdou uma cultura de empréstimo e que
so tem sentido nas relações sociais. Cada um de nos sustenta a
secreta ilusão de uma cultura sem herdeiros,mas o máximo que fa
zemos é apenas reelaborar o que já foi dado e prosseguir nossa
trajetória. A caneta com a qual escrevo, a mesa que sustenta o ca-
derno, a cadeira sobre a qual eu me sento, constituem por si só
instrumentos que me garantem sustentar ser um homem de cultura e
vivendo em funão dela. As inúmeras citações me "garantem" ingres-
sar no palácio das convenções acadêmicas e o ganho possível de tí-
tulos para subir a escada de sua hierarquia. Mas a unidade, a ga-
rantia de totalidade que me reinstaura novamente no mundo se si-
tua no plano de reelaboração permanente dos chamados produtos de
cultura — marca de existência humana — que me circundam. Sem a
reelaboração da cultura o homem não passaria de um lamentável ma-
rionete num circo de variedades. Ao problematizar a cultura, o que
se reconhece de imediato e justamente o círculo fechado e estreito
dessa reelaboração. Desvendar os fatores que levam ã fragmenta ção
da práxis cultural, nas condições de vida material de hoje, talvez
seja, no fundo, desvendar essa impossibilidade de recria -ção da
cultura e garantir que o homem possa centrar-se em su pró-prio
eixo. 0 certo e que, talvez, o homem não se fragmente jamais, mas o
que ocorre, isto sim, a falta de um termo mais adequado, e o
estreitamento de sua própria consciência, situado num mundo não
fertilizado pela prática cultural globalizante e integradora. Tal
qual uma planta sensível que não recebe a luz do sol para realizar
a fotossíntese, vai murchando ate o esgotamento completo face ao
inevitável de sua própria morte. Já se disse muitas vezes que cul-
tura é vida, e o que se pode lamentar e que se trata de uma afir-
mação que caiu num lugar comum, quando deveria ser tratada com
mais seriedade. Isso porque cultura e vida são dimensões de uma
mesma realidade, e o que se declara e que o homem e o único ani -
mal no mundo que não conseguiria sobreviver sem um ambiente cultu-
ral, tal qual a planta sem a luz que possibilita a fotossíntese
para a sua vida. Parafraseando Jean Piaget, a garantia de sobrevi-
vencia para o homem estaria diretamente condicionada a existência
de uma educação da cultura, embora o referido autor fale apenas da
educação de um modo geral. Ao tocar no problema de uma pratica
fragmentaria da cultura, o que quero dizer e que toda cultura tem
uma coesão e uma unidade interna ameaçadas por essa prática,e con
seqüentemente, as condições de sobrevivência do. homem também o
são. A expressão "cultura de massa" já representa hoje a marca e
distintiva dessa prática fragmentária. Isso porque cultura, embora
tenha sua especificidade (cultura italiana, cultura indígena), no
fundo todas se identificam pela coesão e unidade internas. A
"cultura de massa", veiculada pelos mecanismos de comunicação tam-
béi.i de massa, o máximo que conseguiu foi banalizar a própria cultu-
ra, gerar uma crosta de signos sen sentido sob a qual se encolhe
homem e vai perecendo sem rumo e sem dignidade. Esse complicado
DO.
mecanismo de comunicação de massa centrado no falso projeto de cul-
tura de massa c cuja marca distintiva é o tratamento fragmentário
da cultura de um modo geral, o que tem gerado é uma necessidade qua-
se histórica de volta às origens da cultura, de uma meia-volta às
fontes de onde brota o impulso criador do homem ou, se quisermos
ser mais coerentes, o impulso reelaborador da cultura colocado des-
de as origens. 0 suposto conflito entre cultura erudita e cultura
popular (cultura de massa), dando-se hoje em dia uma importância
muito grande a esta, poderia representar talvez uma mea-culpa do
grupo social dominante (grupo hegemônico) a propósito de uma
concep-ção de cultura de mãos sujas — promovida no elenco de
objetos vendáveis. Porque cultura não é algo que se possa promover,
mas é algo do qual se deve desconfiar. E da cultura, o que se pode
histórica-mente sustentar, é um ideal de educação inerente ao seu
própio fê-nSraeno. Não há cultura para se vender e satisfazer a
falsos apeti -tes de grupos sociais dominantes e dominados. Ao falar
de cultura estamos sempre recorrendo a um ideal de formação
humana e não à manipulação. Porque o que a cultura inspira e coloca
sempre para o ho-mem é o exercício da dignidade e razão de ser de sua
própria exis -tência.
Alguns povos africanos, pela falta do quadro-negro e giz,
transforman o chão de areia e o galho seco em quadro-negro e giz.
Chão e galho seco são para eles também instrumentos de cultura, sua
unidade e coesão com o mundo, sobretudo porque atendem, pelo menos
naquele momento histórico, a uma necessidade; ajudam a alcançar um
objetivo. Cultura para eles é a consciência da necessidade históri-
ca de sobrevivência. Não quero com isso insinuar que o educador re-
nuncie à busca de um vídeo-cassete para a sua escola sem recursos ,
mas apenas que ele não use argumentos de que não tem nada para se
defender de seu fracasso. Provavelmente a língua é, no elenco das
disciplinas, a que melhores condições oferece para o seu trabalho ;
basta saber que o aluno já sabe falar — o que já é um instrumento
natural disponível. Se queremos buscar um conteúdo social relevante
para "o ensino da língua, o ponto de partida é recriar o já criado
em seu meio, embora pobre. Tal qual o exemplo africano, areia e ga-
lho seco são meios de partida para se chegar ao quadro-negro a ao
giz. Ê um modo de tornar o educando sujeito de sua história, colo -
cando-o nas condições de fazer história na medida em que ele reela-
bora e trabalha a partir de seus materiais disponíveis junto com o
educador.
b) Atividades:-
- Quero sugerir a substituição dos 45 livros didáticos em
media usados em sala de aula por aproximadamente 10 livros diferen-
tes. Teríamos menos custos e mais qualidade, além de habituar o alu-
no a ler o livro em sua totalidade e solidarizar-se para a aquisi -
ção dos livros que passariam a ser bem comum. Para uma mesma sala
de aula proponho no mínimo um dicionário para consulta constante, u
ma gramática para ser manuseada face a uma situação concreta de re-
visão e conhecimento de texto, três romances, um livro de poemas,um
de contos, uma história da literatura. Os alunos deverão ser orien-
32.
tados, sob a coordenação de um deles, no sentido de zelar pela con-
servação dos livros e deixa-los para seus futuros colegas.
- Fundar e organizar uma Oficina de Textos que tem por ob-
jetlvo estimular o aluno a criar seus textos, a valoriza-los segun-,
do os critérios da própria ficha de controle de qualidade referida
anteriormente. Alguns procedimentos podem ser adotados: 1) indicar,
por livre escolha da classe, um aluno como redator-coordenador cuja
função seja divulgar mensalmente e livremente todos os trabalhos es-
critos e expostos no varal de textos (é importante a divulgação li-
vre, sem censura "gramatical" pelo menos, porque o próprio ambiente
de exposição e troca é que vai "corrigir" 0 selecionar os melhores
trabalhos); 2) divulgar os melhores trabalhos ao final do semestre
por meio do jornalzinho da escola (caso não haja condições financei-
ras, servir-se do próprio varal de textos).
- Organizar uma Biblioteca de Trabalho. 0 que caracteriza
esta atividade e a organização de textos-padrão da norma culta e de
pequenos trabalhos que sistematizam um determinado conteúdo
gramati-cal. Exemplos: os usos dos verbos irregulares mais
freqüentes, o re corte de crônicas de jornal de autor conhecido e
consagrado, uma se leção de poemas, o editorial do jornal diário,
etc.
0 importante na organização da Biblioteca de Trabalho é
que o material deve ser encadernado sob a forma de livro ou revista.
É preciso passar a idéia ao aluno de que os produtos de cultura de-
vem ser preservados, alem do sentido social que é o de passar para
as gerações futuras a nossa historia ou o nosso sinal de vida pre-
sente .
-Introduzir na sala de aula a livre expressão e análise
de canções populares. A fala humana, guardadas as devidas propor-
ções, é música — é música ao natural. Ela tem um ritmo, um espaço,
um harmonia, um tom próprios que são reelaborados a todo instante
quando queremos convencer alguém a nos ouvir. O ensino dessa reela-
boração só pode ser útil ao aluno na medida em que introduz mais u-
ma mediação — a mediação da fala expressiva e forte, da fala-sen-
timento. Não é função do professor de língua ensinar os alunos a
cantar, mas considero uma rica alternativa reconciliar a leitura —
enquanto som e canto — e língua. Leitura enquanto som e canto da
literatura, por exemplo, é o complemento e recurso mais acabado da
própria leitura que fazemos quotidianamente do mundo. E por isso ,
leitura da literatura nada mais é do que releitura do mundo de modo
mais humanizado. Geria um modo de resistir à fragmentação da práxis
cultural quando tratamos da literatura, perceber que o poe-ta,
quando escreve, ele o faz para ser lido em voz alta — seus versos,
se possível, devem ser cantados. É significativo notar que até
mesmo certos livros de literatura, feito Os Sertões, assim como
Grande Sertão: Veredas, foram escritos para serem declamados.
Trata-se de livros que se representam sonora e plasticamente , e u-ma
leitura solidária so pode empobrecê-los. Antes, porem, da leitu-ra
de Os Sertões ou Grande Sertão: Veredas, por que não criar con-
dições para que o educando soletre e cante As rosas não Talam, de
Cartola, os ricos desenhos melódicos de um Chico Buarque de Holanda,
como a Banda, Cálice, Roda Viva, Terezinha, etc?.Aprender a fa-
94.
lar e a ler literatura é ingressar no universo de ritmos e sons. É
não permitir que se dê un tratamento específico de leitura apenas
enquanto história solitária da dor e angústia humanas, mas também
alegria e grito, aventura e conquista. Será que um povo que não a-
prendeu a cantar por meio de sua própria literatura não estaria fa-
dado a perder sua identidade?
- Penso que una tarefa muito rica de possibilidades, sobre-
tudo para os nordestinos, e a reelaboração dos versos dos repentis-
tas populares. Trata-se de cantos que emergem do seio da cultura
popular, são falas vivas e que poderiam ser confrontadas e adequa-
das a uma fala mais universal pela mediação da chamada norma culta
da língua.
- A pratica do júri-simulado abre a perspectiva de se
ex-piorar o uso da palavra como representação, além de dar ao
aluno a oportunidade de explorar melhor o espaço da sala de aula
como mais um instrumento a serviço da cultura. Proponho, como
exemplo, "disputas jurídicas" entre defensores da norma culta e a
expressão livre da cultura popular; entre a gramática erudita e a
que explora expressões populares; a condenação ou não da personagem
Monório, São Bernardo, de Graciliano Ramos; o julgamento do papel do
exérci-to brasileiro na Guerra de Canudos, etc.
- Articular o ensino da língua con os recursos da imagem.
Contra o imperialismo da escrita se contrapõe hoje o imperialismo
da imagem numa disputa cheia de zonas de sombras cujos efeitos na
cultura não podemos analisar bem, porque cultura é um fenômeno bas-
95.
tante aveso a padrões de referência, Não é sem razão que a criação
literária no mundo hoje não encontra mais vez para as grandes enci-
clopédias do romance, nos moldes de um Dom Quixote, 0 Primo Basílio,
Guerra e Paz, Ulisses, Os Sertões, E o Vento Levou. A criação lite-
rárla "se ajeita" nesse apertado mercado de reserva da comunicação.
E nós, nas escolas, que jeito temos dado para explorar a relação
língua e imagem? Sugiro aos professores, na ausência de recursos
audio-visuais,que procurem inventar, pelo menos, representações vi-
suais da palavra. Uma prática no mínimo chamativa é a que podemos
anunciar de brincadeira-sígnea, ou seja, decompor- as palavras e ex-
lorar seus múltiplos efeitos. Exemplos: mar palavra
falação ar pa lavra falaação lavra falação Observe
esse poeminha de Carlos Drummond de Andrade: O relógio antigo na
parede Ele marcava marcava cava O poeta decompôs o verbo marcar e
descobriu o verbo cavar em seu próprio interior e com apenas um
verbo definiu o tempo que vai deixando sulco em nosso rosto.
- Por fim, não se pode negligenciar a arte cênica, como
rico instrumento pedagógico da língua e da literatura. Aqui se fala
especificamente da representação "plástica" da palavra no palco,mas
.
96. .
não só no palco, e sim também na sala de aula. É inevitável — e
muitas vezes até recomendável que se faça uma leitura solitária do
uma obra de arte. Mas não ha leitura feita para o atoleiro do es-
quecimento: lê-se para assimilar um estilo de vida, para comunicar
um pensamento ou para comunicar-se com um pensamento, para repre -
sentar e se representar, enfim, para viver mais, resistindo ao me-
nos da vida. A língua e a literatura nos introduzem no universo dos
signos culturais que se multiplicam na representação do som, da i-
magera, mas também dos gestos: mãos, braços, olhar, pernas — numa
palavra: pela expressão corporal. E a representação teatral e o
instrumento — digamos — o mais radical para mover pessoas, romper
preconceitos, gerar posturas novas, formar o homem. c) Sugestões de
leitura:
- Recomendo ao professor a leitura do livro de Nelio Par;
ra, Recursos audio-visuais, São Paulo, Pioneira, 1980. Sobre a ques-
tão teatro, considero útil a leitura do livro de Stanislavski, A
preparação do ator, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 19CG.
À margem desse livro fica a impressão de que o professor é também ura
ator, so que um ator desprotegido, incapaz de perceber que a fa la o
obriga a um aparato de representação e que o teatro é esse a-parato
oculto, necessitando ser descoberto para o seu proveito e melhor
desempenho.
- Ao aluno recomendo a leitura de livros que dêem notí -
cias sobre teoria e técnica de teatro e montagem de, pelo menos,um
ato durante os seus três anos de 2º grau. Leia Técnica de Teatro,
da Coleção Saber Atual e, se possível, o livro de Eugênio Kusnet,
Dez lições sobre teatro.
-. Ainda acredito que seja útil para essa unidade a leitu-
ra e consulta aos poemas de Décio Pignatari — o modo como a escola
concretista trabalha o verso, a palavra — e ainda o excelente
livro de Vladimir Maiakovski, Cadernos de literatura: como fazer
versos. Lisboa, Dom Quixote, 1969.
Nona unidade: CRIAR E RECRIAR UMA DIDÁTICA DA REDAÇÃO
a) Considerações gerais:
0 ato de escrever pode ser comparado ao movimento de os-
cilação do pêndulo de um relógio antigo de parede. Quando escreve-
mos, a "agonia" de viver agarrado a um pêndulo (a caneta ou o lá-
pis) se expressa no movimento de oscilação ora de um lado ora de
outro de nossa própria cabeça. Em nossa concentração solene é como
se ela adquirisse um peso incômodo: a cabeça inclina-se para a di-
reita e para a esquerda — apoiada por uma das mãos —, uma parte do
corpo "se irrita" e a coçamos. Nossa oscilação, é como se procu
rássemos fugir de uma batalha inútil, da derrota iminente. E se a
cabeça fica em sentido vertical (o pêndulo do relógio parou) é si-
nal de que paramos, de que renunciamos à luta.
Escrever e o momento de um ritual de guerra-muda na cha-
mada terra-de-ninguém, um modo de engajar e comprometer a fala, de
nos tornarmos cúmplices de ura aparto formal que pode cada vez mais
nos afundar na solidão de seus signos ou tornar a nossa comunicação
com o outro possível: tornar o outro menos estranho a nos mes-nos
menos estranho ao outro. A organização da frase no papel — es-se
terrível campo branco en vazios onde depositamos os signos — o-
bedcce a um aparato funcional, a um exercício de domisticação cujo
resultado é o significado e o significante de uma "moral" da
língua-gem, de uma iniciação e ingresso num território de
prescrições e de hábitos, de normas e de cultos. Não querendo
exagerar, somos, quan-do escrevemos, os desajeitados cavaleiros
andantes a segurar nossas pesadas armaduras, a deitar fora uma arma
incômoda, a entoar o can to de uma vitoria ou a recolher os cacos
de nossa derrota.
Todo esse discurso, enfim, é para dizer e lembrar o incô-
modo lugar-comum: escrever é uma tarefa difícil, árdua e que o modo
fluente de organizar uma frase surge como conquista tardia — depois
de muitas leituras e exercícios, idas e vindas, cortes e re--cortes,
emendas e remendos. Os professores anunciam constantemente o
fracasso de seus alunos quando se trata de escrever ate mesmo um
simples requerimento, uma composição do dia, uma carta comercial.
Convenhamos, não seria mais correto dividir esse fracasso? 0 fato e:
será que nos, professores, sabemos escrever? E se sabemos, o que
sabemos? Exigimos de nossos alunos, por exemplo, para critério de
correção, que ele mostre capacidade de expressão. Mas o que en-
tendemos por capacidade de expressão? Quem entende e o que é o ser
da expressão? Ser expressivo é alcançar o ser da norma culta lite-
rária à moda Machado de Assis, José de Alencar, Graciliano Ramos e
outros? Mas nós queremos que nossos alunos adquiram o jeito expres-
sivo de um Machado de Assis, de um Graciliano Ramos? Não surgiria
aqui a primeira armadilha a induzir e a conduzir o aluno ao fracas-
so escolar? Ou entendemos pelo ser da expressão o aluno conseguir
escrever de modo claro, com o mínimo de erro de grafia e sintaxe?
Se for assim, tudo bem. Mas quem entende e compreende que seja as-
sim o ser da expressão? Enfim, capacidade de expressão não passa de
uma convenção, pior, de uma convenção vaga, subjetiva (e que por
isso não é mais convenção), e que depende de gostos e estilos, modos
e influências, manias e "desmanias"; depende de um conhecimen-to
escolar sem critérios dogmatizados de apoio, sem modelos objeti-vos
de referência.
Junto da capacidade de expressão incluo também, como cri
tério de correção, a avaliação da capacidade de raciocínio e de
crítica. AÍ, então, é que o diabo entorta o chifre. 0 que e em que
nos fundamentamos para julgar capacidade de raciocínio, e o que é
crítica? Se por capacidade de raciocínio entendemos a capacidade
de organizar informações, ordenar de modo claro os conhecimentos
a-. dquiridos, saber defendê-los e comprová-los, podemos apenas nos
as-segurar que conhecimento é isso? 0 que é isso? Será que um
raciocí-nio se configura pela capacidade de organizar, ordenar e
comprovar conhecimentos? E o conhecimento que veiculamos junto ao
aluno oferece um conteúdo capaz de colocá-lo em condições de
escrever? o que sabemos e que a maioria dos professores de língua
propõe aos a
100.
lunos como conteúdo de suas redações temas que até eles mesmos mal
conhecem. E o que sabemos é que sem o domínio de um conteúdo nin-
guém escreve nada. É famoso desabafo dos alunos "me deu um branco!"
na hora de escrever; em realidade esse< branco já estava instaurado
antes: pela ausência de orientação, pela falta de discussão prévia
do que se pretende escrever e defender, pela total carência de um
referencial de informações e conhecimento do tema. É como se escre-
ver fosse uma viagem no escuro, um passeio do frágil chapeuzinho
vermelho (o aluno) na floresta negra e su lobo mau (o professor).
E o critério então que prevê explorar a capacidade de
crí-tica do aluno? Como funciona? 0 que entendemos por capacidade
de crítica e o que é crítica? Se entendemos por crítica, por
exemplo, a capacidade de visão de totalidade, de perceber o objeto
estudado em suas raízes mais profundas (visão radical), articular o
maior número possível de indicadores para "cercar" ura problema,
perceber suas contradições internas, explicitar sua determinação
histórico-social, et cetera, et cetera — se por crítica entendemos
tudo isso, não é uma expectativa demasiado alta para nossos
adolescentes? E será que nos, professores, compreendemos que a
capacidade críti--ca de um homem e saber trabalhar todas essas
categorias possíveis apontadas acima? Para muito de nós a
capacidade de fazer crítica é a teimosia de dizer nao e arrolar
uma série de argumentos contrá -rios. Podemos ate nao concordar
con eles, desde que sejam argumen-tos claros e que os tenhamos
entendido. Mas isso é capacidade de crítica ou caminho para se
tomar posse dela?
Em resumo, quando começamos a "problematizar" nossos cri-
térios de correção, percebemos que não estamos tão bem como imagi-
návamos, que a pergunta "o que fundamenta nossos critérios", nos
coloca ora em situação de perplexidade ora de indiferença, como se
o silêncio pudesse dissimular nossa ignorância. Quanto mais envere-
damos pelos caminhos ou descaminhos de uma cultura da linguagem es-
crlta, mais nos apercebemos da fragilidade de nossas próprias cila
das. Que não há critérios absolutos para garantir nossas escolhas •
e um fato, mas, em contrapartida, não há nada que nos introduza a
deixar de procurá-los. É como se estivéssemos permanentemente colo-
cados num dilema: se correr" o bicho pega, se ficar o bicho come. Só
que entre ficar e correr, preferimos correr, uma vez que se abre
uma fresta de esperança. E entre a negação dos critérios absolutos,
preferimos a sua busca, a escolha de um exercício, de um processo.
Dessa forma, vamos encontrando um meio de nos arranjarmos com uma
redação que tenha o mínimo de comunicação possível; e que as reda-
ções plenas, expressivas, sejam o resultado de uma batalha entre e-
ducador e educando e não o meio-fim do ensino. Um professor, de lín-
gua não pode ter a pretensão de criar novos Euclídes da Cunha, mas
deve lutar para garantir a presença de homens capazes de se expres-
sar com simplicidade e clareza, de assumir sua cidadania através da
língua. Para isso, proponho criar, recriar uma didática da reda-ção
que considere seguintes situações-objetivo:
1) ser a pratica da redação o resultado de um domínio de
conteúdo efetivamente dado e trabalhado;
2) servir-se da chamada norma culta literária enquanto e-
xercíclo pedagógico de linguagem e não como critério de julgamento
da redação.
3) criar e recriar critérios normativos provisórios de
julgamento da redação conjuntamente com o próprio interessado — o
aluno. Se educador e educado concluírem que a norma culta da língua
é zelar pelo léxico, pela sintaxe e pela pontuação e ritmo da fra-
se, essa prática é que deve ser considerada. (0 domínio do léxico,
pontuação e ritmo da frase não são dependentes, mas concomitantes
ao "domínio" da expressão, raciocínio e crítica do aluno. Este do-
mínio emerge de fatores que ultrapassam a pratica da minha disci-
plina, do ambiente escolar e depende de situações que a nossa va
consciência não consegue captar nem perceber);
4) Considerar as etapas de desenvolvimento:do adolescente,
a saber, uma possível "sondagem" da capacidade de expressão do alu-
no, tendo em vista situá-lo mais, ao nível de seu último ano de es-
tudo.
b) Atividades:
- Considero una rica pratica de redação recompor pequenos
notícias de jornal. 0 texto, pelo seu caráter anônimo, não induzi-
ria subrepticiamente ao aluno transforma-lo num futuro plagiador e ao
mesmo tempo garantiria um conteúdo para sua redação. Vejamos um
exemplo:
A norte a 300 km/h
(Jornal da Tarde - 17.05.C2) Quando fazia a segunda
volta dos treinos tentando una clas-sificação para o grid de
largada das 500 Milhas de Indianá-polis, o texano Gordon
Smily bateu no muro externo da pista, uma das mais perigosas
do mundo, e seu carro explodiu, ficando teoricamente
desintegrado. 0 piloto, envolvido pelas chamas ainda foi
levado para o hospital do autódromo, mas os médicos apenas
constataram sua morte. 0 choque do carro de Smily contra a
defensa foi tão forte que seu capa-cete foi arrancado e
pôde ser visto voando com outros pássaros.
0 texto foi copiado na Integra, exceto a ultima frase onde
constava "seu capacete foi arrancado e lançado a mais de 500 metros
do local onde seu corpo ficou estendido", que foi recriada para o
que consta acima.
0 texto, por sua vez, também pode ser livremente ampliado
ou condensado (paráfrase): "0 piloto Gordon Smily faleceu ontem nos
treinos da 500 milhas de Indianápolis, vitima de acidente". (Conden-
sado). Ampliar é mais fácil, basta acrescentar alguns detalhes.
- Repito: nenhuma redação deve ser proposta sem o domínio
prévio do conteúdo a ser desenvolvido. Escrever não pode ser uma
viagem no escuro. Em conseqüência, proponho a ênfase constante ao
relatório, ,pois ele constitui um momento importante que antecede o
prepara a redação. 0 professor pode começar pela tentativa de desco-
104.
berta do problema predominante na classe e que só una discussão am-
pia pode revelar. Sabemos que o primeiro passo de una redação e a
escolha de um título que desperte o interesse e motive o aluno. Um
título claro, significativo, estaria garantido por essa prática.Su-
ponhamos que os alunos tenham proposto um estudo sobre as enchentes
em São Paulo, por ser o problema que os atinge direta ou indireta-
mente no momento. 0 professor tem duas alternativas: organizar gru-
pos que irão relatar, por escrito, o que sabem sobre as enchentes e
depois passar para a classe ou começar envolvendo diretamente t£ da
a classe e já trabalhando as proposições mais significativas ca-
talogadas e transpostas para a lousa. Digamos que o relatório re-
sulte mais ou menos no seguinte:
A enchente em são Paulo.
A enchente en São Paulo provoca muitos estragos em casas,
pontes, etc.
A enchente provoca doenças.
Inúmeras famílias ficam sem casa para morar.
A enchente não é um castigo divino.
A prefeitura oferece abrigos provisórios.
Nossas escolas são Usadas para recolher os desabrigados.
As aulas são suspensas.
As autoridades são acusada?; de negligentes.
As autoridades não se interessam pelo saneamento básico.
As autoridades preferem pintar as guias de sarjeta, fazer
praças para agradar o povo o conseguir votos.
O povo tem a sua culpa, nas enchentes porque Joga lixo nos
rios e esgotos.
0 povo precisa de mais educação.
As nossas autoridades precisam ser mais responsáveis.
A enchente também é provocada pelo homem.
A enchente e um fenômeno da natureza.
A enchente pode ser controlada pelo homem.
Uma vez terminado o relatório .(uma vez de posse do conteú-
do), con a participação de todos os alunos e professor, estamos
prontos para começar a redação. O que a pratica nos obriga ao redi-
gir um relatório (um conteúdo)? Primeiro, estabelecer ligações
(conjunções), entre uma afirmação e outra; segundo, enxugar o texto
de termos repetitivo e, terceiro, dar uma ordem (seqüência lógica)
nos conteúdos que estão dispersos. Vejamos como ficaria a redação
com esses elementos:
A enchente A enchente em São Paulo provoca muitos
estragos em casas, pontes e trazem doenças. Muitas famílias ficam
sem casa para morar e a prefeitura e obrigada a oferecer abrigos
provisórios, inclusive escolas, para as famílias desabrigadas. Ed
conseqüência, as aulas são suspensas. As autoridades são acusadas
de negligentes porque não cuidam do saneamento básico: limpeza de
rios, córregos, além da construção de esgotos e sua conservação.
Elas preferem pintar guias de sarjetas e construir praças para
agradar o povo e conse -guir votos. O povo também tem sua culpa,
pois joga lixo nos rios o
esgotos, e espera-se que a educação ajude-os a compreender e a agir
sobre esse problema. As nossas autoridades, no entanto, precisar;
ser riais responsáveis.
Enfim, a enchente e um fenômeno da natureza, nas e também
provocada pelo homem. Não é um castigo divino e, portanto, pode ser
controlada.
Vimos que as ligações entre os conteúdos foram estabeleci-
das pelos termos e expressões:
e
inclusive
porque
além de
em conseqüência
também
pois
que
no entanto
enfim
mas também
portanto
Que foram enxugados (sem ironia...) os termos
enchente e
autoridades
Que houve una alteração na ordem dos conteúdos, uma vez
que a frase "a enchente não é un castigo divino" por sua concomi-
tância — melhor se adequa à frase "a enchente também e provocada
pelo homem".
Observe que este é apenas un exemplo, mesmo porque não e-
xistem textos acabados e definitivos. Se un, escritor consagrado ti
vesse mil vidas e mil anos estaria recompondo seus textos. Un texto
deve ser visto, portanto, como processo, um rearranjo permanen-te de
signos cuja finalidade e melhorar cada vez mais nossa capaci-dade
de comunicação. "Na realidade, é necessário convencer-se de que
escrever não é uma simples operação de transferencia de algo
presente no cérebro para una folha de papel, mas que as idéias devem
ser progressivamente organizadas e elaboradas". (M. Teresa Serafi-
ni).
Recomendo o estímulo constante à leitura de um diário de
classe no qual o aluno expresse livremente suas impressões sobre
dificuldades de aprendizagem, de um modo geral, e progresso e fra-
cassos em relação à língua, de un modo particular. Na medida em
que o professor tem acesso a esses diários, ele poderá contar com
riais elementos para conhecer as dificuldades de seus alunos e estes,
por sua vez, para exercitar mais um meio de comunicação.
- Um bom exercício para explorar um tema de redação é so-
licitar aos alunos que façam o jogo simultâneo de pares de palavras
díspares. Este jogo pode motivá-lo a montar nem que seja uma frase
108.
sobre a palavra que mais lhe chamou a atenção e constituir a base
de uma redação. Exemplo:
tijolo
pedra
pau
almanaque
montanha
sabia
pode
ternura
penumbra
paupérrimo
alma
manha
sábio
poder - poderio - posse -
possessão Paupérrimo é o superlativo
de pobre. A pessoa paupérrima é aquela que não consegue obter o
mínimo para a sua subsistência e necessita de ajuda de outros.
c) Sugestões de leitura
- Indico para o professor o livro de Varia Teresa Serafini,
ni, Como escrever textos (ver bibliografia geral) — ura dos melho-
res trabalhos sobre redação, traduzido do italiano para a língua
portuguesa; e parte de uma coleção dirigida por Umberto Eco.
- Para os alunos proponho Diário Poético, de Mário Quin-.
tana, uma agenda publicada no final de cada ano pela Editora Globo.
5. INDICAÇÃO METODOLÓGICA
Embora a idéia de uma metodologia tenha permeado todo este texto,
acredito que seja importante fazer um destaque especial sobre esta
questão em relação ao ensino da língua.
A escolha de uma metodologia didática específica para o
ensino da língua e literatura portuguesa é tarefa difícil. A multi-
faceta e rica "engrenagem" da língua fecha ainda mais a possibili-
dade de ura método exclusivo. Reconheço que isto e valido para todas
as áreas do pensamento o que não existe um método capaz de ensinar
tudo a todos. Por isso, precisamos rearranjar e rever sempre nossas
escolhas tendo em vista, pelo menos, quatro condições objetivas e
permanentemente presentes: 1) o sujeito da aprendizagem, com seu
perfil próprio — uma criança, um adolescente ou un adulto—; 2) o
meio onde se dá a prática educativa: ambiente urbano ou rural,es-
cola de formação geral ou escola técnica; 3) os objetivos traduzi-
dos em duplo significado: que perfil de homem pretendemos formar e
que expectativa a família alimento em relação à escola; 4} o con-
teúdo, a estrutura e a organização interna de cada área do conheci-
mento ou de cada unidade como elemento constituinte do método didá-
tico. Se temos, por exemplo, por objetivo melhorar o desempenho de
comunicação dos alunos por meio da fala, o método recomendável po-
ser a dinâmica de grupo, onde o professor teria as condições natu-
rais para melhor articular o uso da língua que o aluno já sabe com
á sua norma culta. Não recomendo a prática forçada de decoração de
poemas ou de discursos, pois esta en geral apenas serve para inibir
o aluno e induzir à idéia de que língua é representação e não apre-
sentação. Permanece, nossa prática, sempre a impressão de uma lín-
gua inatingível, oculta à percepção do aluno. C domínio de um texto
literário é trabalho tardio precedido sempre pela longa e difícil
prática de criação de texto. No entanto, não quero dizer que o
texto literário deva ser sonegado ao aluno, e sim que considero a
criação de textos — por oposição ao culto das belas letras — o
meio mais rico de possibilidades para melhorar o desempenho do alu-no
em,relação a escrita.
E em metodologia da língua, portanto, o importante e ar-
ticular diferentes modos didáticos de ensino e evitar sua exclusi-
vidade. Com isso poderíamos superar "a ilusão do melhor" método
di-datico e a duplicidade de escolhas entre a ênfase no conteúdo
ou na atividade, dinâmica de grupo ou ensino individualizado,
seminário ou aula expositiva, etc.
6. ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS DA LÍNGUA E LITERATURA
PORTUGUESA COT! OUTRAS DISCIPLINAS
A língua e literatura portuguesa é, do elenco das disciplinas do
núcleo comum, a que pode propiciar e favorecer mais articulações
possíveis con outras disciplinas. Alguns motivos são evidentes:
1«) A fala e a escrita não são entidades de uso exclusi-
vo do profissional de língua e seus alunos. Trata-se de una ques -
tão elementar: professores de química, de física, de matemática
também escrevem e falam e conscientemente exigem de seus alunos a
organização correta de sua escrita e de sua fala.
2º) A noção de língua e literatura procede de um fenôme-
no históricamente analisável que o estudo da língua por si mesmo
não consegue dar conta. Recorrer a disciplinas afins — historia,
sociologia, geografia, psicologia, filosofia, etc. — é uma neces-
sidade metodológica e uma atitude de bom senso crítico. Pode-se fa-
zer, por exemplo, diversas leituras de uma obra como Cs Sertões,de
Euclides da Cunha: uma leitura sociológica, histórica, geográfica,
antropológica, psicológica e ate de arquitetura e urbanismo. 0 en-
sino da língua em especial o da literatura, responde a necessidade
específicas de conhecimento da realidade, de uma realidade que re-
siste sempre a medida e so nosso domínio.
Por sua vez, o estudo de qualquer disciplina afim envol-
ve diretamente a questão de uma língua e do saber essa
língua.Exis-te uma especificidade de língua enquanto instância da
filosofia,da sociologia, da psicologia e da. geografia que não
podemos ignorar se desejamos ampliar o domínio dos instrumentos de
cultura à no.-;" disposição.
114.
lias como é possível criar e organizar algunas articulações
entre a disciplina língua e literatura portuguesa con outras disci-
plinas? Não se trata de tarefa difícil. Corno sugestão, irei enumerar
e explicitar três alternativas de trabalho:
1. Envolver todo o ambiente escolar com a escolha de uma o-
bra literária que se constituirá no objeto central da programação
integrada de estudos culturais.
2.. Organizar e definir as relações de rotina que deverão
predominar entre a língua e as disciplinas que contêm o mesmo objeto
de estudo — as genericamente batizadas de humanísticas ou afins.
3. Estabelecer critérios de correção geral entre todos os
professores definindo as competências e as amplitudes de suas res-
pectivas áreas.
Explicitando as três metas:
A primeira e tarefa que deve ser assumida por todo o corpo
docente e administrativo da escola. Sc- o. objetivo principal da esco
1a de 2º grau é auxiliar na formação integral do adolescente, cabe a
todo aquele que está direta ou indiretamente empenhado em garantir
essa formação, dar seu exemplo, definindo uma ação cultural integra-
da. Assim, direção e professores poderão definir e estabelecer a se-
gulnte ação integrada:
Suponhamos que tenham escolhido para o 1º. semestre letivo
um escritor-guia que ira fornecer un inúmeros temas a serem estuda-
dos e tarefas a serem cumpridas, e que este escritor tenha sido Eu-
clides da Cunha. De que modo as tarefas poderão ser distribuídas?
a) A direção da escola juntamente com a associação de pais
— se houver - deverá procurar recursos para a compra de toda a o-
bra do escritor.
b) Os professores de língua se empenharão em tarefas do
ti-po:
- divulgação da obra e vida do autor;
- organização de um concurso de criatividade literária
cen-trada em temas da vida e obra do autor;
- correção, seleção e divulgação dos melhores trabalhos.
c) Os professores da área de humanas oferecerão contribui
ções configuradas do seguinte modo:
- palestras, simpósios, seminários abrangendo aspectos his-
toricos, geográficos, cívicos e perfis humanos da obra do autor.
d) Os professores da área de exatas contribuirão com:
- palestras e esclarecimentos sobre os aspectos de energia
e ambiente de Os Sertões (física), sobrevivência (biologia), elemen-
tos naturais predominantes (química), recursos financeiros para im
plementar projetos de combate à seca (matemática), etc.
e) Os professores de educação física contribuirão com en-
saios e apresentação de danças folclóricas do ambiente cultural fo-
calizado nas obras do autor.
f) C professor de língua estrangeira divulgará em suas au-
las textos que foram traduzidos para a língua de sua especialidade.
g) 0 Centro Cívico ou outra representação estudantil con-
tribuirá com a organização de um painel de exposição sobre a vida e
obra do autor.
116.
Ao longo do semestre as tarefas devem ser ordenadas de tal
forma que não "atropelem" outras atividades essenciais da vida esc£
lar que são os conteúdos de rotina previstos. Para que isso se cum-
pra , deve-se eleger um coordenador quo acompanhará todas as
ativida-dos previstas e aquelas atividades mais relevantes, que
devem ser concentradas numa única semana, de preferência no
encerramento do semestre letivo: palestras, exposição, danças, etc.
En resumo, a importância dessa-atividade integradora pode
ser destacada, primeiro, pelo sentido de participação de toda a e-
quipe escolar; segundo, pelo produto final das obras 3 materiais de
ensino que comporão o acervo da escola e cuja atividade ficará mui-
to mais facilitada se ela já possui uma biblioteca; terceiro, por
seu caráter cívico e humano ao privilegiar nossos atores e autores-
guia de nossa história.
Essas atividades devem ser contempladas, em cada semestre
letivo, por outros escritores ou por figuras ilustres que contribuí-
ram e contribuem para a nossa travessia histórica: Josué de Castro,
Anísio Teixeira, Gilberto Freire, Paulo Freire e outros. Isso, de-
certo modo, contribui para que não sejamos trídos pela idéia de que
comunicação em língua é adesão exclusiva ao culto das belas letras.
A segunda proposta envolve, em ordem de prioridade, as dis-
ciplinas humanísticas. Nesse sentido, eu indicaria a história e a
geografio não só por serem obrigatórias no núcleo comum, como tam-
ben por sua maior carga horária am relação às disciplinas optativas.
Tanto os professores de historia como or. de geografia, juntamente
com os de língua portuguesa, poderão organizar e transitar uma re-
lação de textos comuns a serem estudados ao longo do semestre.
Aqui estão alguns exemplos:
- No capítulo 0 Soldado amarelo de Vidas Secas, de Graci-
liano Ramos, enquanto o professor de português analisa os aspectos
lingüísticos (composição, escola literária, conteúdo verbal), o
professor de historia faz ura apanhado do contexto era que se dá a
vida do soldado amarelo, o professor de geografia descreve os efei-
tos da seca na organização familiar.
No ultimo capítulo de "Os Sertões", de Euclides da Cunha,
encontrei a oportunidade de serem distribuídos os seguintes aspec-
tos de análise: termos lingüísticos (português), o porquê da guerra
de Canudos (historia), a formação da cidade de taipas em pleno
sertão (geografia) e o perfil psicológico de Antonio Conselheiro
(psicologia).
- Ate mesmo o poema hermético A Flor e a Náuseas de Carlos
Drummond de Andrade, que se integra o livro A Rosa do Povo, pode
suscitar a ajuda de diferentes interpretações: a do professor de
líng
ua: análise do conteúdo e ritmo; de historia: a analise da
dé-cada de 40 à qual se refere o poeta; de geografia: a análise da
ci-dade grande — capital do país.
- 0 que não dizer e fazer então de um poema como Vozes r.'
África de Castro Alves?
Ca relação à lingua estrangeira, em especial a língua in-
glesa, indicarei no mínimo duas tarefas: primeira, fazer um levan-
tanento dos títulos das obras traduzidas no exterior; segundo,
pro-curar fazer a versão para a língua inglesa de pequenos poemas
sim-ples, mas belos pela profundidade, como "Irene no Céu", de
Manoel Bandeira; alguns poemas de Mário Quintana, Cecília Meireles
e outros .
E se constarem do currículo disciplinas como Filosofia,So-
ciologia' e Psicologia, os professores devem indicar aos professores
de língua textos que possam ser analisados em função, do seu rico
conteúdo lingüístico, humano e cultural.
Importante: esta segunda proposta não pode ficar apenas na
análise das intenções, mas organizar-se no início do semestre,
constando do planejamento geral da escola e dos planos de ensino.
Os textos organizados devem ser em menor número possível (qualidade
não significa muitas coisas) para não "atropelar" outras ativi-
dades, e distribuídas de tal forma que garantam a sintonia em sua
aplicação.
A terceira proposta e apenas um lembrete de orientação
me-todológica: os professores de disciplinas que não a língua e
literatura portuguesa devem e podem corrigir os erros de língua e
descontar pontos? Penso que os professores — não importa de que
disciplina — devem e podem corrigir sempre, mas precisam se
resguardar do seguinte:
lº) quo sua correção tenha por objetivo ajudar e orientar
o aluno, o não puni-lo;
2º) que seja mais uma fonte de diagnostico, visando manter
os professores, de língua informados en relação ao desempenho dos a-
lunos; e
3º) não descontar pontos por erros de sintaxe ou cacogra-
fias, mas somente por questões de conteúdo do texto — se confuso,
truncado, discrepante en relação ao assunto.
7. BIBLIOGRAFIA GERAL SELECIONADA
A rigor, não me preocupei com uma bibliografia especializada no en
sino da língua. Evitei o texto técnico em nome de uma análise mais
abrangente do fenômeno cultural da língua e literatura. 0 professor
de língua é, antes de tudo, tua professor do formação humana e, ao
indicar livros que tratem da economia, da cultura, da ideologia,do
trabalho, etc, e que compõem o pano de fundo dos problemas humanos
de comunicação, procurei garantir essa dimensão. 0 professor que só
se dedicar ao domínio de algumas gramáticas, de uma história da
literatura, estará sempre capenga e corre o risco de não entender
sua relação com o aluno e consigo mesmo.
Daí a indicação' de livros que tratam da economia no Brasil
(Caio Prado júnior) , da questão ideológica, que constitui uma gran-
de zona de sombras para o professor de língua (Chauí, Althusser,Bo-
nazzi), a divisão social do trabalho e o controle dos meios de pro-
dução (Bravermann) que afetam o interior da escola, a cultura na
sociedade de massas que diz respeito diretamente à língua que fala-
mos e produzimos (Canclini).
Algumas gramáticas tradicionais e outras atuais fazem par-
te desta bibliografia. Quero lembrar que as atuais se distinguem
das tradicionais apenas pela representação visual e, ainda, que as
tradicionais — a de um Rocha Lima, por exemplo —, continuam muito
atuais por sua seriedade e qualidade.
Dicionários
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