Mas, nesta altura da vida, tereis, para a tranqüilidade de todos, a segurança de que o
homem que hoje recebéis, já de cabelos brancos, embora fiel às suas idéias e à sua vo-
cação de reformador, nem tem os mesmos impulsos da mocidade ou da idade madura
nem terá tempo para vos perturbar o sossego dos estudos e a alegria dos serões literá-
rios. Escolhendo-me agora, e somente agora, destes mais uma prova, entre tantas ou-
tras, de raro equilíbrio, de um vivo sentido de oportunidade, de sense of humour, se-
não de fina ironia, a que soubestes juntar a delicadeza e o calor humano, nas manifes-
tações cativantes de simpatia pelo escritor que atraístes ao vosso convívio. Viestes, de
fato, ao encontro de um homem de lutas, mas já um tanto cansado delas, de um incen-
diario que o foi, na mocidade, e se dispôs, com os anos, a transferir-se para o corpo de
bombeiros, e, quando estivesse na plenitude de suas forças, tudo aqui, neste ambiente
acolhedor, conspiraria para lhe quebrar os últimos ímpetos revolucionários. É que ten-
des uma confiança tranqüila na missão conservadora das Academias, guardias da boa
linguagem e das boas maneiras, dos valores tradicionais e do patrimônio literário que
nos foi legado pela história. Formas de controle ideológico, desempenham elas papel
importante no processo de seleção cultural e, quando não sejam propriamente refratá-
rias ao novo, se mantém em guarda e, não raro, numa atitude de expectativa armada
contra as inovações, e tanto mais quanto mais bruscamente estabelecem uma ruptura
com o passado.
É por isso, por sua função eminentemente conservadora, que relutam as Academias
em reorganizar-se em novas bases e em escolher, para delas participarem, abridores de
caminho, escritores de idéias avançadas. Nenhum movimento renovador, que eu saiba,
terá partido delas, que funcionam mais como um sistema de freios do que como um
sistema de pistões, antes para retardar do que para acelerar o processo de renovações.
Estão no seu papel, fiéis ao modelo em que se inspiraram, estruturando-se segundo o
tipo de instituições destinadas a preservar os valores tradicionais e não como laborató-
rios de experiências estéticas. Daí, a atitude de prudência senão de desconfiança que
assumem, em face de problemas como, por exemplo, os das novas correntes de pen-
samento literário e, mais particularmente, os do neo-humanismo, aos quais, embora de-
batidos, fora delas, com vigor e paixão, parece manterem-se indiferentes. E são proble-
mas de interesse capital para as letras e uma nova visão do mundo, e em cuja discussão
têm intervindo cientistas e escritores desde os famosos debates travados na Câmara de
Deputados da França, em 1834, entre o poeta Lamartine e o sábio Arago. No entanto,
em assuntos de tal importância, ventilados em assembléias políticas e em simpósios
internacionais, não se ouviu ainda a voz das Academias de Letras nem a das de Ciên-
cias, reunidas, para o debate da questão, em sessões especiais destas ou daquelas, ou
em sessões conjuntas, prepostas a uma análise e confrontação sistemática de pontos de
vista de homens de ciência e de homens de letras.
É do humanismo literário clássico, de origem e preponderância latinas, que nelas
ainda se tala, quando se tala (o que raramente acontece), como se fosse possível subsis-
tir o humanismo na forma antiga que assumiu e manteve através de séculos, correspon-
dente a um tipo ou a uma forma já superada de civilização. Problema apaixonante, tem
de ser, de fato, reexaminado a uma nova luz, em face do progresso das ciências e da
técnica, em seus mais diversos aspectos e em suas implicações literárias, pedagógicas e
humanas. Entre os títulos com que, na sua benevolência para comigo, me honram críti-
cos e acadêmicos, e, certamente, um dos mais gratos ao meu espírito, é o de humanis-
ta, mas, ao ouvi-los falar, a propósito do amável qualificativo, e falando-lhes eu próprio
sobre humanismo, tenho às vezes a impressão de estarmos falando línguas diferentes.