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Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da Educação e do Desporto
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
Secretária de Educação Especial
Marilene Ribeiro dos Santos
Secretaria de Educação a Distância
Cadernos da TV Escola
Diretor de Produção e Divulgação
José Roberto Neffa Sadek
Coordenação Geral
Vera Maria Arantes
Edição
Elzira Arantes (texto) e Alex Furini (arte)
Ilustrações
Gisele Bruhns Libutti
Consultoria
Luzimar Camões e Marta Gil
©1998 Secretaria de Educação a Distância/MEC
Tiragem : 110 mil exemplares
Este caderno complementa as séries da programação da TV Escola
Educação Especial - Deficiência mental/Deficiência fisica
Informações:
Ministério da Educação e do Desporto
Secretaria de Educação a Distância
Esplanada dos Ministérios, Bloco L. Anexo I, sala 325 CEP 70047-900
Caixa Postal 9659 - CEP 70001-970 - Brasília/DF - Fax: (061) 321.1178
Internet: http://www.mec.gov.br/seed/tvescola
Deficiência mental. Deficiência física. - Brasilia : Ministério da Educação e do
Desporto, Secretaria de Educação a Distância, 1998. 96 p. : il. ; 16 cm. -
(Cadernos da TV Escola. Educação Especial. ISSN 1516-1706; a 1)
1. Deficiência mental e fisica. 2. Criança de 0 a 3 anos. 3. Criança de
4 a 6 anos 4. Criança de 7 a 11 anos. 5. Adolescência. 6. Vida adulta.
i-Brasil. Secretaria de Educação a Distância. __.. ___
L.UU d/b
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
e Maria Eloisa Fama DAntino
Ani Martins da Silva
Passagem para a vida adulta
e Maria Eloisa Fama DAntino
Ani Martins da Silva
A criança de 7 a 11 anos: o desafio da escola
e Maria Eloisa Fama DAntino
Ani Martins da Silva
A criança de 4 a 6 anos: brincar é coisa séria
e Maria Eloisa Fama DAntino
Ani Martins da Silva
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificada
Maria Eloisa Fama D'Antino
Integração, deficiência mental e educação
Deficiencia mental
Lígia Assumpção Amaral
e Maria Eloisa Fama D'Antino__________
Adulto, cidadão e diferente
Adolescencia: Ritmo. Desejo. Ação!
Apenas diferentes
Os primeiros anos (até 3 anos)
Escola, a primeira aventura (4 a 6 anos)
Bem além dos limites (7 a 11 anos)
Maria Christina Braz Thut Maciel
Funcionamento intelectual significativamente abaixo da
média, coexistindo com limitações relativas a duas ou mais
das seguintes áreas de habilidades adaptativas: co-
municação, autocuidado, habilidades sociais, participação
familiar e comunitária, autonomia, saúde e seguran-
No Brasil, as estimativas demonstram que a deficiên-
cia mental corresponde à metade do total de pessoas com
deficiência: seriam 7,5 milhões de pessoas, entre os 15
milhões de brasileiros hipoteticamente deficientes.
A definição de deficiência mental mais difundida e
aceita atualmente é a dada em 1992 pela American
Association of Mental Retardation (AAMR):
artindo de um quadro conceitual genérico, a
classificação tradicional caracteriza as seguintes
deficiências: mental, física, visual, auditiva e
múltipla. De acordo com estimativas da ONU (nao
confirmadas oficialmente no Brasil), essas deficiências
afetam 10 por cento da população de países em de-
senvolvimento, nas seguintes proporções:
DEFICIÊNCIA MENTAL
Programa 1
Programa 1
ça, funcionalidade acadêmica, de lazer e de trabalho.
Manifesta-se antes dos I8 anos de idade.
Esta é uma forma realista de considerar tal condição
humana que, em diferentes momentos e contextos
históricos, já foi vista e sentida culturalmente como: 'de-
positária do mal', 'objeto de maldição' ou 'tragédia fa-
miliar'. Ou, inversamente, como 'detentora de poderes
sobrenaturais', 'beneficiária de especial proteção' etc.
Algumas vezes, a própria ciência formulou hipóteses
e defendeu teses depreciativas, como Platter que, no
século XVI, enfatizava o caráter de degenerescência da
deficiência mental:
Por seus pais, alguns, entre os imbecis, recebem um ca-
ráter hereditário, e são causas internas que são, então,
responsáveis pela imbecilidade: daí decorre muitas vezes
que, como os homens ativos e inteligentes concebem
seres semelhantes a eles, assim também os improdutivos
concebem crianças de espírito embotado.
Em escritos do século XVII também encontramos
referências à noção de doença confundida com defi-
ciência mental (então chamada 'imbecilidade'), pre-
conizando a possibilidade de sua origem congênita ou
adquirida, e da existência de tratamentos que pudessem
levar à cura. Foi somente a partir do século XVIII que
surgiu uma abordagem 'educacional' das pessoas com
deficiência mental, graças a estudos e iniciativas de
médicos como Itard e Seguin.
us séculos passaram, trazendo paulatinamente nova
compreensão a respeito dessa condição. No entanto,
alguns mitos persistem, como por exemplo:
A deficiência mental nao pode ser confundida com
doença mental (distúrbios emocionais, psicoses etc.),
nem com problemas ou distúrbios de aprendizagem;
tampouco com peculiaridades advindas do ambiente
cultural (diferenças lingüísticas, de hábitos etc).
Deficiência mental
Toda pessoa com deficiência mental é doente.
Pessoas com deficiência mental morrem cedo, devi-
do a 'graves' e 'incontornáveis' problemas de saúde.
Pessoas com deficiência mental precisam usar
remédios controlados.
Pessoas com deficiência mental são agressivas e
perigosas, ou dóceis e cordatas.
Pessoas com deficiência mental são generaliza-
damente incompetentes.
Existe um culpado pela condição de deficiência.
O meio ambiente pouco pode fazer pelas pessoas
com deficiência.
Pessoas com deficiência mental só estão 'bem' com
seus 'iguais'.
Para o aluno deficiente mental, a escola é apenas
um lugar para exercer alguma ocupação fora de casa.
Embora a deficiência mental possa ser identificada pre-
cocemente (em especial nos quadros sindrômicos e nos
casos mais graves), a escola com freqüência é o local em
que surge pela primeira vez a hipótese de que uma
criança tenha essa condição, em razão da demanda
advinda de aprendizagens escolares específicas.
No entanto, tal hipótese deve necessariamente ser
confirmada, antes que algum rótulo seja aposto ao
aluno. Com freqüência, as mais variadas características
ou peculiaridades dos alunos, às vezes de caráter até
mesmo transitório, são falsamente consideradas como
sinais ou 'sintomas' de deficiência mental.
Em ambientes pouco exigentes, é menor a tendência
a rotular pessoas como deficientes. Inversamente, as
comunidades mais competitivas, com acentuado grau de
exigência de desempenho e de habilida-
Programa 1
des para funcionar no contexto social, identificam maior
número de deficientes mentais.
O diagnóstico de deficiencia mental, a ser realizado
por um médico ou psicólogo e por um pedagogo, deve
levar em consideração o momento da vida, bem como a
diversidade cultural, lingüística e socioeconômica da pes-
soa. O teste psicométrico deve ser considerado apenas
como um indicador, a ser confirmado por pesquisa mais
aprofundada, em cada caso. Se a hipótese de deficiência
mental for confirmada, a pessoa precisa receber atendi-
mento e apoio favoráveis a seu desenvolvimento, a sua
aprendizagem e a sua independência na vida cotidiana.
Apenas recentemente as pessoas com deficiência men-
tal passaram a ter um genuíno direito à cidadania e a se
beneficiar dos progressos da ciência no sentido de uma
compreensão melhor de sua condição e de suas possibili-
dades de desenvolvimento. Todavia, a idéia de isolar e se-
gregar ainda persiste em muitos casos, na concepção dos
que julgam que a plena integração social jamais se conso-
lidará numa sociedade competitiva que preconiza a bele-
za, a produtividade, o vigor e a conveniência.
Para superar essas barreiras e, conseqüentemente,
desenvolver ações que garantam o pleno acesso dessa
parcela da população aos recursos socioeducacionais, é
indispensável dominar conhecimentos a respeito de
deficiência e reconhecer as reações pessoais e sociais
provocadas por essa condição.
Após ter sido superada a noção de que a deficiência
mental é uma doença, têm sido realizados estudos no
sentido de conhecer melhor os fatores de risco que
podem vir a determinar essa condição. Na verdade, existe
uma complexidade de causas, sendo que elementos
múltiplos e interativos estão envolvidos na origem da
condição de deficiência mental.
Deficiência mental
Conhecer e identificar esses fatores de risco é es-
pecialmente importante, para que se possam estabelecer
programas de prevenção. No entanto, não existe uma
correlação linear obrigatória entre cada um desses fatores
e a condição resultante - ou seja, muitas pessoas expostas
a fatores de risco não apresentam deficiência mental.
Além disso, com freqüência não é possível identificar o
fator causal.
Medidas pós-natais
condições de saneamento básico;
» serviços de puericultura adequados (que incluem
as campanhas de vacinação); °
prevenção de acidentes domésticos.
Medidas perinatais ' atendimento médico-hospitalar de
qualidade na situação de parto;
atendimento de qualidade ao recém-nascido;
screening neonatal;
PKU (teste do pezinho).
Segundo a Organização Mundial de Saúde, as medi-
das voltadas para a prevenção primária podem ser
assim esquematizadas:
Medidas pré-natais
condições de saneamento básico;
cuidados especiais em regiões de risco radiativo;
planejamento familiar;
aconselhamento genético pré-natal;
acompanhamento da gestação (saúde e nutrição
materna);
diagnóstico pré-natal.
Prevenção primária
Programa 1
A prevenção primária é voltada para a comunidade
em geral, com o objetivo de diminuir a incidência de
doenças e acidentes que possam ser causadores de
deficiência. Depende prioritariamente de ações políticas
que tornem viável a implantação de programas
preventivos garantidos em dispositivos legais, tais como
o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Prevenção secundária
A prevenção secundária se refere às ações que reduzem a
duração dos problemas já existentes, ou revertem seus
efeitos. É destinada a pessoas que já apresentam uma
condição de deficiência, ou manifestam problemas que,
se não receberem atendimento adequado, podem resultar
em deficiência.
Esse tipo de atendimento é feito por meio de pro-
gramas destinados a conter a evolução de doenças ca-
pazes de causar deficiência, ou então por meio de pro-
gramas de estimulação destinados a minimizar os agra-
vos provocados por um quadro de deficiência.
São exemplos de ações de prevenção secundária:
diagnóstico precoce, programas que incluem dieta para
crianças com fenilcetonúria, programas de estimulação
precoce etc.
Prevenção terciaria
A prevenção terciaria se dirige às pessoas que já vivem a
condição de deficiência mental. Tem por objetivo
possibilitar o pleno desenvolvimento das potencialidades
do indivíduo, diminuindo as eventuais defasagens
provocadas por sua condição. Tais ações incluem o
atendimento clínico e o atendimento pedagógico (pré-
escolar, escolar, de preparação para o trabalho etc).
Em nossa sociedade, são precárias as políticas de pre-
venção. Assim, as ações se voltam prioritariamente para a
Deficiência mental
atenção terciaria. Além disso, devido à falta de políticas
públicas firmes, essas ações resultam da expressiva partici-
pação da sociedade civil (pais, profissionais, associações etc).
Malgrado os esforços desses segmentos, é bem pouco o
que se oferece à maior parte da população com deficiência
mental. Alguns estudos indicam que 67 por cento dos
portadores de deficiência mental não recebem atendimento
algum; e apenas 33 por cento recebem um atendimento
razoável. Entre o que é oferecido, merece especial aten-
ção o aspecto educacional que, no Brasil, é tradicio-
nalmente entendido como Educação Especial.
Compreende-se que, no contexto da Educação Especial,
o termo 'educacional' se refere a todo espaço institucional
voltado para o desenvolvimento e a aprendizagem do
indivíduo. Esse espaço é comprometido com os
múltiplos e interdependentes aspectos do desenvolvi-
mento - cognitivo, afetivo, socioemocional -, tendo como
referência as diferenças individuais e as possibilidades
socioeducacionais de seus sujeitos.
Acredita-se que toda criança deve ter o direito de
estar inserida em um programa educacional, indepen-
dente de suas possibilidades de aprendizagem acadêmica,
até porque o sentido aqui atribuído ao processo
educacional ultrapassa, e muito, os limites impostos a um
programa restrito à educação formal, acadêmica.
Todo espaço educacional pressupõe a convivência
entre os pares. A possibilidade de conviver, trocar (dar e
receber) e vivenciar situações do cotidiano é um objetivo
implícito no processo de aprendizagem, bem como no
desenvolvimento humano.
O direito de todos os indivíduos à educação, como
caminho possível de integração com o meio social, deve
ser respeitado, independentemente das dificuldades ou
deficiências do educando.
Programa 1
A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada, com a colabo-
ração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho. (Constituição
Federal, 1988, Capítulo III, Seção I, art. 205)
Se a educação é direito de todos, os indivíduos por-
tadores de deficiência estão sem dúvida aí incluídos;
portanto, sua educação é plenamente assegurada. Além
disso, o artigo 208, inciso III, reassegura o "[...] atendi-
mento educacional especializado aos portadores de de-
ficiência, preferencialmente na rede regular de ensino".
Assegurar oportunidades iguais, no entanto, não signi-
fica garantir tratamento idêntico a todos, mas sim oferecer
a cada indivíduo meios para que ele desenvolva, tanto
quanto possível, o máximo de suas potencialidades. Assim,
para que o princípio da igualdade de oportunidades (di-
reito formal) se torne um fato (direito real), é indispensá-
vel que sejam oferecidas oportunidades educacionais
diversificadas. O verdadeiro significado da igualdade de
oportunidades repousa mais na diversificação que na se-
melhança de programas escolares. (Mazzota, 1982)
Integração, deficiência mental e educação
questão da integração do aluno com deficiência
mental faz pensar nas dificuldades sentidas pelos
p
rofessores, manifestas em indagações do tipo:
Como integrar o aluno com deficiência mental em
uma classe comum, sendo que essas classes têm, no
mínimo, trinta alunos?
Como administrar a 'atenção especial' que deveria
ser dispensada ao aluno com deficiência mental,
sem prejuízo dos demais alunos?
Como receber um aluno com deficiência mental, se
o professor não é habilitado em Educação
Especial?
Como o professor poderá fazer as adaptações
curriculares e desenvolver as atividades didáticas
sem o suporte técnico-pedagógico de um es-
pecialista?
Como lidar com a dificuldade dos demais alunos e
pais em 'aceitar um colega diferente'?
Cabe aqui perguntar: estas questões refletem mitos e
preconceitos, ou expressam a realidade?
Não temos a pretensão de responder às questões
colocadas, mas propomos uma reflexão conjunta sobre a
compreensão dos conceitos de: integração, deficiência
mental e educação.
Programa 1
Integração: do que estamos falando?
Integrar: tornar inteiro; completar, inteirar, integralizar. Inteirar-se,
completar-se. Juntar tornando parte integrante; reunir-se,
incorporar-se. (Novo Dicionário Aurélio)
Pensando nessa definição, a integração aparece sob
duas dimensões que se entrelaçam: a dimensão individual
e a dimensão social.
Ainda hoje, muitos professores e outros profissionais
da educação acreditam que o aluno com deficiência
mental tem pouca, ou nenhuma, possibilidade de se
integrar. Será um mito, ou é uma realidade?
Ao pensarmos a integração do ponto de vista do sujei-
to, na dimensão individual, podemos falar no movimento
próprio da criança, que a conduz naturalmente em direção
ao outro e ao meio ambiente. Podemos dizer que esse
movimento é uma condição básica para a aprendizagem:
aprendizagem de si, do outro e do mundo a seu redor.
Quanto à dimensão social, podemos pensar nas
diferentes formas de receber, ou de aceitar o movimento
da criança com deficiência mental, por parte do outro.
Como essa criança diferente é recebida ao se relacionar
com o outro? qual a influência da aceitação ou da
rejeição na construção de sua identidade, de sua auto-
imagem, enfim, de sua auto-estima?
Sem dar uma visão simplista a essa questão complexa,
podemos pensar que, para o sujeito poder se integrar, ou
seja, se assumir como indivíduo, conhecendo e aceitando
suas possibilidades e dificuldades, há um longo caminho
a percorrer, tanto por ele mesmo quanto peia sociedade.
Pode-se dizer que a integração é um processo bilate-
ral que pressupõe a participação e a ação partilhada,
ao mesmo tempo dividida e somada. É um movimento
de conquista de espaço (interno e externo), tanto
daquele que pertence ao chamado grupo minoritário
quanto dos demais participantes da comunidade.
Integração, deficiência mental e educação
Esse caminho depende da qualidade das relações
(desde as primeiras vivências) que são estabelecidas
entre a criança (dimensão individual) e seu grupo de
referência: família, escola etc. (dimensão social).
Depende, ainda, do compromisso e da aceitação da
deficiência por familiares, vizinhos, colegas, professores
etc. Portanto, depende do processo de relacionamento
dialeticamente construído entre os sujeitos.
Vale a pena ressalvar a ineficácia dos instrumentos
legais que, na tentativa de garantir a integração do aluno
com deficiência mental na classe comum, impõem uma
pseudo-aceitação deste, acabando por gerar desordens na
ordem escolar.
Quando a presença do aluno diferente é imposta, sem
a devida preparação (do próprio aluno com deficiência,
de seus colegas e professores, dos pais, de funcionários
etc), fica difícil falar em integração. A integração não se
faz com atos legais, não pode ser imposta. Ela é
conquistada, nas ações e nas relações.
Deficiência mental:
do que estamos falando?
O grau de comprometimento intelectual das crianças
com deficiência mental (aspectos internos) abrange uma
escala variada.
Em uma das extremidades estão as crianças que
desenvolvem habilidades sociais e de comunicação
eficientes e funcionais, têm um prejuízo mínimo nas
áreas sensório-motoras, e podem apresentar compor-
tamentos similares aos das crianças de sua idade que não
são portadoras de deficiência. Esse grupo constitui a
maioria, cerca de 85 por cento.
No centro da escala estão as crianças com nível de
comprometimento intelectual mais acentuado, porém
capazes de adquirir habilidades sociais e de
comunicação, contanto que disponham de apoio e
acompanhamento mais constantes. Representam,
Programa 1
aproximadamente, 10 por cento dessa população.
Apenas cerca de 5 por cento apresentam um rebaixa-
mento intelectual significativo, com freqüência associado
a outros comprometimentos. Nos primeiros anos da infân-
cia, essas crianças adquirem pouca (ou nenhuma) fala co-
municativa e apresentam prejuízos substantivos no desen-
volvimento sensório-motor. Beneficiam-se com a
estimulação multissensorial, também requerendo um am-
biente estruturado, favorável a seu desenvolvimento e
aprendizagem, com apoio e acompanhamento constantes.
Nessa escala, podemos encontrar uma enorme
variedade de formas de apresentação e de condições de
desenvolvimento e de aprendizagem.
Resumindo: o índice de pessoas com comprometi-
mento cognitivo pouco acentuado é predominante,
com aproximadamente 85 por cento. Os indivíduos
com maior comprometimento correspondem à menor
parcela dessa população.
Boa parte da população com comprometimento in-
telectual pouco acentuado está excluída da escola públi-
ca. Outra parte está matriculada em classes especiais da
rede pública e um pequeno (muito pequeno) grupo está
integrado em classe ou em escola comum.
Tendo isso em vista, é importante 'provocar' os
professores, no sentido de despertá-los para a questão da
inclusão e da integração do aluno com deficiência mental
no espaço social. Esse espaço não inclui apenas a escola
e a família, mas também ruas, praças, parques, feiras,
clubes - enfim, todos os espaços que possam ser
ocupados por esses alunos, em direção a sua autonomia e
a sua participação social.
Para superar as barreiras do preconceito, um caminho
possível passa, por um lado, pelo conhecimento da con-
dição de deficiência, na dimensão do sujeito; e, por outro
lado, pelas atitudes e pelo comportamento da sociedade
(em especial professores, demais alunos e pais etc), na
Integração, deficiência mental e educação
dimensão social. Somente assim podemos efetivar ações
que garantam o pleno acesso dessa parcela da população
aos recursos socioeducacionais disponíveis.
O acesso a recursos educacionais não é apenas um
direito do cidadão com deficiência, mas também uma das
vias que pode garantir o exercício de sua cidadania e a
apropriação da mesma.
Educação: do que é
mesmo que estamos falando?
Refletir sobre a integração da pessoa com deficiência
mental implica necessariamente repensar o sentido
atribuído à educação. Implica, portanto, atualizar nossas
concepções e dar um novo significado aos propósitos
educacionais, compreendendo a complexidade e a
amplitude que envolvem o processo de construção de
cada indivíduo, seja ou não deficiente.
A educação a que nos referimos tem um caráter
amplo e complexo, envolvendo todas as ações e as
relações (planejadas ou não, formais ou informais)
produzidas pelo indivíduo e para ele, tendo como
propósito uma atitude contínua de preparar e se preparar,
formar e se formar, pela vida e para ela.
Assim entendendo, lembramo-nos de Freinet, para
quem a "educação não é uma fórmula de escola, mas
sim uma obra de vida".
O processo educacional voltado para as pessoas com
deficiência mental deveria ser pensado nessa mesma
perspectiva, ou seja, tendo em vista a preparação para a
vida na família, na escola e no mundo. Se isso ocorresse,
o processo educacional resultaria naturalmente em
convívio e participação social.
Porém, como os mitos e preconceitos ainda rondam o
imaginário da grande maioria das pessoas, devemos
continuar falando em Educação Especial, com todas as
especificidades que lhe são próprias (ou, por vezes,
impróprias).
E o que é Educação Especial?
A Educação Especial é parte integrante da educação co-
mum. Em tese, corresponde a um caminho longitudinal
que compreende ações sucessivas, desde os programas de
estimulação desenvolvidos com bebês, até os programas
de preparação para o trabalho, na idade adulta, passando
pelos programas pré-escolar e escolar.
Falar da questão da integração da pessoa com
deficiência mental nos leva a concluir que, se existe hoje
a preocupação em relação a sua integração, está clara a
forte presença de seu contraponto, a segregação. A
história da humanidade é pródiga em exemplos de
segregação de pessoas com deficiência e, infelizmente, o
mesmo não se pode dizer da integração.
As marcas dos mitos e preconceitos em relação à pes-
soa deficiente não se apagam. Entre elas, talvez a mais cruel
seja a tendência a não admitir seu potencial de desenvolvi-
mento e de aprendizagem. Com isso, o aluno é precocemente
anulado ou, na melhor das hipóteses, enfrenta as maiores
dificuldades para ser educado na vida escolar e social.
No entanto, independente das dificuldades advindas
de sua deficiência, todo aluno pode, a seu modo e em seu
tempo, se beneficiar de programas educacionais. Ele
precisa apenas que lhe sejam dadas oportunidades ade-
quadas para desenvolver seu potencial de aprendizagem
e, conseqüentemente, se integrar.
AMARAL, Lígia Assumpção. Conhecendo a deficiência -
em companhia de Hércules. São Paulo, Robe, 1995.
FREINET, C. Pedagogia do bom senso. São Paulo,
Martins Fontes, 1985.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Fundamentos da
Educação Especial. São Paulo, Pioneira, 1982.
----. Educação escolar: comum ou especial? São Paulo,
Pioneira, 1987.
Programa 2
nascimento do bebê marca o início da vida extra-
uterina e do processo de construção de urna nova
pessoa. Esse processo não é estático, nem ocorre
de forma linear: é entremeado por períodos de avanço,
por retrocessos e estagnações, conforme pesquisas de
Wallon e Vygotsky. Assim, cada indivíduo tem sua
própria personalidade, bem como um ritmo e um perfil
individuais de desenvolvimento.
Os estudiosos do desenvolvimento infantil enfatizam
a relevância das experiências dos primeiros anos de vida,
que irão fornecer todos os alicerces importantes para as
futuras aprendizagens e para o desenvolvimento da
criança. Eles asseguram que o bebê necessita alimento e
higiene para crescer fisicamente; e, acrescentam, requer
também atenção e afeto, para desenvolver suas estruturas
psicológicas (mental e emocional).
É essencial para todo bebê sentir-se aquecido, ali-
mentado, higienizado e sustentado no colo com firmeza e
aconchego; cada uma dessas necessidades tem um
equivalente psicológico e emocional.
Para que o bebê se acostume com o som da voz
humana e das palavras é fundamental conversai com ele
desde os primeiros dias. As sementes do aprendizado da
comunicação já estão sendo lançadas: o uso da palavra
com seus significados só se viabiliza pela interação com
uma pessoa falante.
Ao longo do primeiro ano de vida ocorre um proces-
so intenso de desenvolvimento e de maturação neuroló-
Programa 2
gica. As reações reflexas iniciais (sucção, preensão palmar
e plantar, marcha reflexa etc.) aos poucos vão se tornan-
do ações voluntárias, isto é, controladas pela criança.
O bebê tende a repetir os movimentos que associa
com sensações agradáveis. A presença da mãe ou de sua
substituta é um fator fundamental; ao atribuir significado
às ações da criança, o adulto estimula a repetição de tais
ações.
6 meses rola o corpo- emite sons e sílabas, sacode o
chocalho e estranha pessoas desconhecidas.
9 meses: senta sem apoio, olha quando é chamado
pelo nome, procura e encontra objetos escondidos.
12 meses: anda sem apoio, emite algumas
palavras com intencionalidade: 'áua' = quero água;
'nenê' = dá para o nenê etc. Pega e entrega objetos
quando lhe pedem e começa a ajudar na hora de se
vestir.
De 1 a 2 anos: desenvolvimento global se expande.
A criança começa a caminhar e a capacidade de
exploração se amplia, indo além do próprio corpo,
do corpo da mãe e dos objetos que lhe eram
oferecidos. Ela já pode se deslocar e ir ao encontro
Aqui estão alguns passos do desenvolvimento normal
da criança - processo que inclui variações de tempo e
diferenças individuais:
3 meses: o bebê sorri, pega objetos delibera-
damente, como a chupeta, e reconhece com alegria
pessoas da família, principalmente a mãe.
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificada
cias e vivências proporcionadas pelo meio ambiente,
graças à mediação dos adultos (fator social).
Assim, o ciclo da vida é marcado por períodos que se
sucedem, sendo um o alicerce do outro - vai sendo
construído passo a passo, num contínuo, gradual e
equilibrado movimento - a dança da vida!
Normalmente, as crianças com deficiência mental,
cujo desenvolvimento intelectual (cognitivo) é mais
lento, demoram mais para aprender a usar o próprio
corpo. E começam mais tarde que as outras crianças a
levantar a cabeça, rolar o corpo, sentar, usar as mãos,
ficar em pé, andar e fazer outras coisas. Apresentam um
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
As conquistas são progressivas e a criança caminha
em direção a sua crescente autonomia: se alimentar
sozinha, falar, andar, correr, saltar, pensar, brincar... No
entanto, às vezes precisa enfrentar obstáculos, precisa
resistir ao desejo dos pais ou de outras pessoas de fazer
as coisas por ela.
A descoberta do 'não' é um marco importante na
caminhada em direção à independência. Impor limites e
estabelecer a disciplina são atitudes que fazem parte da
tarefa de educar. Esse aprendizado irá demarcar os
caminhos para a formação da consciência.
As experiências bem-sucedidas precisam se sobrepor
às demais. Cabe inicialmente aos pais proporcioná-las, a
fim de que a criança aprenda a se lançar no mundo com
confiança. Saber que é amada e desejada pelos pais lhe
transmite segurança e constitui a base para a construção
de sua auto-estima.
Explorando as possibilidades de seus brinquedos e
dos objetos da casa (bater, empurrar, puxar, apertar,
morder...), a criança passa a inventar suas próprias
brincadeiras; essa é a experiência que a introduz no
mundo de faz-de-conta.
Brincar se torna progressivamente uma atividade
significativa para o bem-estar da criança, assim como
Programa 2
os atos de comer e dormir. Quando brinca, ela aprende
muitas coisas acerca do mundo exterior e da maneira de
lidar com ele; ao mesmo tempo, são estimulados outros
aspectos do desenvolvimento.
Para exercitar e estimular a imaginação da criança,
ouvir histórias é um recurso valioso. Trata-se de uma
atividade que desperta prazer e interesse: os contos,
mitos e lendas se incorporam a seu mundo.
A imitação e a manipulação, em jogos e brincadeiras,
incentivam o domínio da coordenação visomotora e da
capacidade de antecipar e planejar ações. Atividades
como quebra-cabeça, bastões de aparafusar, roscas,
cilindros, brinquedos de construir etc. são ótimas nesse
sentido.
A criança se diverte e aprende com tintas a dedo,
gizão, canetas hidrográficas, lápis de cor etc. Dançar,
cantar, marchar, saltar obstáculos, brincar na água são
atividades prazerosas e altamente produtivas para o
desenvolvimento e o domínio do corpo em movimento,
ou seja, para a coordenação global e o equilíbrio.
Para a maioria das crianças, o processo de desenvolvi-
mento e aprendizagem transcorre de forma natural,
bastando que elas recebam da família os cuidados bá-
sicos, a atenção, o carinho e os estímulos espontâneos.
Porém, uma parcela da população infantil precisa da
intervenção específica dos pais e de profissionais, ou
agentes de estimulação, para se desenvolver.
Estamos falando do bebê que nasce com deficiência
mental (quadros sindrômicos), ou daquele que não tem
uma deficiência instalada, mas corre o risco de vir a
apresentá-la (bebês com alto risco neurológico).
Os bebês chamados de alto risco podem apresentar
um atraso no desenvolvimento sem que isso ne-
cessariamente indique uma deficiência: não susten-
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificada
tar a cabeça aos 3 meses pode sugerir apenas um atraso;
porém não fazê-lo aos 6 meses talvez indique uma
deficiência.
Nascer com uma deficiência instalada, ou ter o risco
de desenvolvê-la, em nada altera as necessidades básicas:
alimentação, higiene, afeto, proteção e oportunidades
para explorar o próprio corpo e o mundo a sua volta.
Mas, é claro que a criança com deficiência mental
tem necessidades próprias. Os pais, os profissionais e os
agentes de estimulação devem tentar descobrir essas
necessidades e procurar a melhor forma de atendê-las. A
programação da intervenção e da estimulação específicas
deve ter como ponto de partida uma avaliação médica,
pois os procedimentos de estimulação dependem do
quadro apresentado pelo bebê.
É importante levar em conta que:
O manuseio incorreto de um bebê com paralisia
cerebral pode provocar deformidades ósseas. É im-
portante lembrar que a paralisia cerebral não im-
plica, necessariamente, deficiência mental.
O manuseio incorreto de um bebê com síndrome de
Down pode comprometer ainda mais seus pre
j
uízos
na área motora.
Ao detectar o mais cedo possivel a deficiência ou os
atrasos de desenvolvimento do bebê se ganha tempo na
corrida em prol da atualização de suas capacidades de
desenvolvimento global. A demora para iniciar a
intervenção adequada cria o risco de perdas irreparáveis
e de defasagens irreversíveis.
As atividades de estimulação precoce, que consti-
tuem prática adotada internacionalmente, se destinam a
crianças de 0 a 3 anos de idade com quadro de defici-
ência instalado desde o nascimento - como por exemplo
a sindrome de Down. São adotadas também para
Programa 2
crianças suscetíveis de vir a apresentar uma deficiência
(em conseqüência de razões diversas), em função de
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Cabe aos pais, aos profissionais e aos agentes de pre-
venção a tarefa de proporcionar situações e atividades
estimuladoras, de conformidade com a etapa de desen-
volvimento. Assim, ao dispor da maior variedade possí-
vel de situações e de oportunidades para experimentar,
explorar e brincar, incluindo movimentos corporais e uso
de todos os sentidos - principalmente visão, audição e tato
- a criança estará efetivamente sendo estimulada.
Estimular significa criar condições facilitadoras para
o desenvolvimento do bebê e da criança.
Nos programas de estimulação se enfatiza a par-
ticipação da família (mãe, pai, irmãos e avós), uma vez
que um ambiente familiar e social adequadamente
estimulador favorece o processo de aprendizagem e o
desenvolvimento da criança.
Todo programa de estimulação precoce pressupõe um
trabalho de orientação da familia, para tornar
possível:
facilitar as relações afetivas entre a família e a criança;
aprender a estimular naturalmente o filho, sem
contudo se tornar mãe ou pai 'terapeuta';
perceber as oportunidades de exploração que o
meio físico e social oferecem à criança; perceber a
importância do papel de cada membro da família
como mediador da estimulação nos primeiros anos
de vida.
O trabalho de estimulação precoce, indispensável
para a aprendizagem e o desenvolvimento da criança
com deficiência mental, não requer uma estrutura
sofisticada. Pode e deve ser realizado em centros de
A criança de 0 a 3 anos: estimulação intensificada
saúde, em salões comunitários, ou em outros espaços
disponíveis na comunidade, com a participação da
família e de agentes comunitários treinados e su-
pervisionados por profissionais da área da saúde.
As pessoas envolvidas em atividades de estimulação
precoce precisam estabelecer uma relação afetiva com a
criança, a despeito da deficiência apresentada, confiando
em suas possibilidades de desenvolvimento. Essa relação
vai sendo construída por meio do toque, da maneira de
segurar e manipular o bebê, dos gestos e da comunicação
pelo olhar.
ARAÚJO, C. A. de. "Desenvolvimento afetivo-emocio-
nal". Campanha de Prevenção das Deficiências: De-
senvolvimenio Normal da Criança - 1: 13-17. São
Paulo, Segmento, 1996.
MILLER, Lisa. Compreendendo seu bebê. Rio de Janei-
ro, Imago, 1992.
SOCIEDADE BENEFICENTE SÃO CAMILO. O deficiente
no Brasil: aspectos multidisciplinares da criança
atípica. 2. ed., 1991.
STEINER, Deborah. Compreendendo seu filho de 1 ano.
Rio de Janeiro, Imago, 1992.
TROWELL, Judith. Compreendendo seu filho de 3 anos.
Rio de Janeiro, Imago, 1992.
Programa 3
Para conhecer a criança, é indispen-
sável observá-la nos seus diferentes
campos e nos diferentes exercícios
de sua atividade cotidiana [...] e na
escola, em particular.
(Wallon)
construção do conhecimento pela criança, ao lon-
go da vida, é fruto da inter-relação entre uma base
biológica, o organismo, e as condições externas - o
meio ambiente. Nesse processo, o adulto e as crianças mais
experientes desempenham um papel vital - são os media-
dores do saber acumulado pelo grupo cultural a que per-
tencem, e essa mediação ocorre por meio da linguagem.
A linguagem torna possível a comunicação entre os
indivíduos, a transmissão de informações e a troca de
experiências. A própria língua, veículo de assimilação e
de apropriação das conquistas alcançadas pela espécie
humana ao longo de milhares de anos, é aprendida em
situações de interação.
A experiencia nos relacionamentos, as influências
mútuas e a possibilidade de vivenciar situações novas e
desafiadoras possibilitam à criança a gradual e cada vez
mais complexa construção da imagem do mundo que a
cerca e das formas de nele viver.
As condutas e os comportamentos esperados pela
sociedade permanecem como objeto de aprendizagem.
Daí a importância do chamado trabalho de so-
A criança de 4 a 6 anos: brincar é coisa séria
cialização. Esse trabalho envolve, na mesma medida, o
empenho da família, da creche, da pré-escola e de todas
as pessoas que convivem com a criança.
Talvez o desenvolvimento da sociabilidade seja a
principal função da pré-escola, embora não seja uma
função exclusiva - tampouco se pretende que esse espaço
substitua ou suplante o papel da família. Ali, a criança
tem ricas oportunidades de ser trabalhada nas questões
dos limites, das regras e das normas.
Ela aprende sempre, dentro e fora de sala de aula, na
vida e na interação com outras crianças. Enfim, o espaço
de aprendizagem é tão amplo e complexo quanto o
processo de desenvolvimento humano. Assim, a res-
ponsabilidade pela educação fundamental do indivíduo
deve ser dividida igualmente entre a família e a escola,
cada qual assumindo o papel que lhe é devido.
A creche e a pré-escola são espaços institucionais que
têm como proposta teórica o trabalho com múltiplos e
interdependentes aspectos do desenvolvimento da
criança - cognitivo, afetivo, emocional, físico e social -,
levando em conta as diferenças individuais: capacidade,
ritmo, personalidade etc.
Esses espaços devem contemplar as necessidades
socioeducacionais da criança com deficiência mental, des-
de que seu comprometimento não seja um empecilho.
* Por que a criança com deficiência mental normalmente
não é aceita em creches e pré-escolas comuns, sendo
encaminhada para escolas especiais?
* Por que ela enfrenta tanta resistência, quando se propõe
a integração?
Programa 3
mental quanto para as demais. Aprender sobre deficiência
convivendo com 'o diferente' é uma rica experiência de vida.
Mitos e preconceitos acerca das possibilidades e das
condições de aprendizagem da criança com deficiência
mental estão entre os grandes responsáveis por sua
exclusão dos espaços educacionais.
Na fase pré-escolar, a criança está desenvolvendo e
utilizando ativamente a linguagem. O uso da palavra é
uma característica essencial, pois possibilita a
representação simbólica. A função simbólica que se
manifesta no jogo, na imitação, nas histórias criadas ou
recriadas pela criança, é considerada uma forma de
representação do mundo.
A imitação, bem como as brincadeiras de faz-de-
conta, nada mais são que a representação simbólica de
objetos e ações. Imitar a mãe em alguma atividade
doméstica, imitar a professora que dá aula, dirigir uma
caixa de sapato como se fosse um carro, são re-
presentações que, na verdade, fazem parte do processo de
aprendizagem.
Para qualquer criança, seja ou não deficiente, brincar
de faz-de-conta constitui um constante exercício de
elaboração, de raciocínio e de construção do conhecimen-
to. O fazer é um instrumento fundamental para a apren-
dizagem das crianças entre 4 e 6 anos: pintar, modelar,
trabalhar com formas, com bastões e recipientes.
Percebe-se, assim, a importância da brincadeira. Ao
se sujar, se machucar, criar, construir, contar e ouvir
histórias, beijar, abraçar e brigar com os colegas, a
criança vive plenamente o cotidiano, com relações ricas
em trocas e modelos.
A brincadeira envolve uma reflexão a respeito do
mundo interno e da imaginação, por um lado, e do
mundo externo, da realidade, por outro. Serve para
explorar o pensamento e a emoção.
A criança de 4 a 6 anos: brincar é coisa séria
Entre 3 e 4 anos, a criança começa a ter consciência
de si mesma, uma vez que já construiu a própria imagem.
As relações sociais são favorecidas por suas aquisições,
especialmente pela linguagem. As trocas sociais, a
atividade pré-escolar e a aprendizagem adquirida
propiciam uma grande evolução.
Histórias, músicas, desenhos etc. são recursos es-
pecialmente atraentes no período de 4 a 6 anos; con-
tribuem para ampliar a capacidade da criança de pensar,
e, ao mesmo tempo, ampliam o vocabulário.
Por volta dos 4 e 5 anos, a criança já tem noções de
tempo - manhã, tarde e noite; ontem, hoje, amanhã -,
relacionando esses conceitos com sua vida cotidiana.
Aos 6 anos é despertada a curiosidade por aprender
os 'porquês' e 'para que' do mundo físico, agora percebido
com maior lógica e coerência.
Assim como existem variações no ritmo, no compor-
tamento e na personalidade das crianças em geral, uma
outra variável se manifesta na aprendizagem e no
desenvolvimento da criança com deficiência mental: as
limitações intelectuais decorrentes de sua deficiência. Na
maioria das vezes, essas limitações não constituem um
impedimento para a aprendizagem. Mas é preciso
respeitar seu ritmo e seu tempo.
O convívio com outras crianças não-deficientes, em
um ambiente social e educacional integrado, constitui um
elemento facilitador da aprendizagem e do
desenvolvimento da criança com deficiência mental,
especialmente nessa faixa etária. Ações devidamente
planejadas e a compreensão de que ela está em constante
processo de aprendizagem e desenvolvimento geram um
ambiente social e educacional integrador.
Tendo suas limitações respeitadas e recebendo
oportunidades adequadas, todo individuo tem condições
de desenvolver, a seu modo, suas capacidades potenciais.
Nesse sentido, reafirmamos a importância do papel do
professor como agente mediador do processo de
aprendizagem, levando em consideração as diferenças
individuais e proporcionando atividades diversificadas e
motivadoras, que façam do ensino e da aprendizagem
grandes aventuras.
Finalizando, podemos dizer que se torna imperativo
potencializar a participação da criança com deficiência
mental na vida cotidiana e social, desde a mais tenra
idade, a fim de que possa efetivamente atuar no mundo,
exercitando sua autonomia, aprendendo a decidir, opinar,
cooperar, enfim, caminhando e conquistando sua
integração com seus próprios passos (ainda que menos
ágeis).
HOLDITCH, Lesley. Compreendendo seu filho de 5
anos. Rio de Janeiro, Imago, 1992.
MILLER, Lisa. Compreendendo seu filho de 4 anos. Rio
de Janeiro, Imago, 1992.
STEINER, Deborah. Compreendendo seu filho de 6
anos. Rio de Janeiro, Imago,1992.
VYGOTSKY, L.S. "Aprendizagem e desenvolvimento
intelectual na idade escolar". In: Psicologia e Pe-
dagogia I, 31-50. Lisboa, Estampa, 1991.
Programa 4
A educação proporcionada pela
escola tem um caráter intencional
e sistemático, que dá especial rele-
vo ao desenvolvimento intelectual.
(Dias, 1981)
educação escolar deveria representar, para toda
criança, a oportunidade de um salto qualitativo em
sua aprendizagem e em seu desenvolvimento.
Vygotsky (1991) afirma que, corretamente organizada, a
aprendizagem escolar oferece algo completamente novo
para o desenvolvimento da criança, pois ativa e
desencadeia processos internos. Nesse sentido, o pro-
fessor tem papel vital, pois cabe a ele fazer a mediação
entre os conteúdos curriculares e a criança.
A proposta básica da escola consiste em desempenhar
a função de promotora de aprendizagens: organizar de
forma sistemática, por meio dos conteúdos curriculares,
o conhecimento produzido pelo homem ao longo dos
tempos (Matemática, Português, Ciências etc).
Nas sociedades escolarizadas, esse espaço de novos
saberes específicos é valorizado pela criança antes
mesmo de iniciar o aprendizado formal. Por isso, em
toda família, independentemente das condições
socioeconômicas e culturais, o ritual que antecede o
primeiro dia de aula sempre se repete.
No Brasil, a educação é obrigação do Estado e direito
de todos, de acordo com a Constituição Federal de
1988 (Capítulo III, Seção I, art. 205). É assegurada, in-
clusive, às crianças e jovens portadores de deficiência
com atendimento especializado, preferencialmente,
na rede regular de ensino (art. 208, inciso III).
Programa 4
Embora esteja expresso em lei que os portadores de
deficiência devem ter, de preferência, atendimento
educacional especializado na rede regular de ensino, é
sabido que o sistema educacional público não oferece tais
condições a todos os indivíduos portadores de deficiência
mental, não somente pela diversidade de tipos e graus de
deficiência, mas também, principalmente, porque há
pouca vontade política.
Comunidades mobilizadas por pais de crianças com
deficiência fundaram instituições e escolas especializadas
para atender, principalmente, às crianças com prejuízos
mais acentuados - e que, na maioria das vezes, tiveram a
deficiência identificada por ocasião do nascimento. A tra-
jetória institucional desse grupo costuma começar com o
Programa de Estimulação Precoce (0 a 3 anos).
O Estado tem o dever de assumir o atendimento escolar
direto, por meio das redes de ensino, às crianças com
deficiência mental em grau leve, as educáveis.
Esses alunos, que correspondem a aproximadamente
85 por cento da população portadora de deficiência
mental, são identificados como tal após o início de sua
vida escolar, uma vez que o atraso no desenvolvimento é,
normalmente, discreto e que suas dificuldades e a len-
tidão na aprendizagem começam a ser percebidas frente à
demanda escolar: a primeira dessas demandas é a
alfabetização - ponte para outras aprendizagens.
A marca inicial da trajetória escolar desses alunos é a
repetência. Portanto, até o momento em que foram enca-
minhados para a classe especial, eram vistos como não-
deficientes. Assim, em vez de vivenciarem na escola um
processo de promoção pela via da aprendizagem, ocorre o
oposto: as reincidentes repetências e o rótulo de deficiente
mental são os 'ganhos' desse aluno em seu processo escolar
- processo de degradação, pela via da não-aprendizagem.
A criança de 7 a 11 anos: o desafio da escola
Sabemos que a consciência da competência é formada
progressivamente e que a auto-estima da criança em fase
de escolarização se liga ao sucesso na escola e a suas ex-
periências de socialização, vivências estas que são
empobrecidas quando passa a freqüentar a classe especial.
Perda da motivação, desinteresse e não-mobilização das
energias internas refletem a internalização do sentimento
de incapacidade imprimido pela escola.
Mesmo que a criança precise enfrentar experiências
de insucesso, o percurso da aprendizagem deve ser
gratificante. É a condição para que ela avance em
direção a patamares mais elevados.
A dualidade do ensino (comum/especial) tem sido
um dos mecanismos utilizados pela escola para dis-
criminar, principalmente, as crianças de classes sociais
mais baixas. Há diversas críticas ao sistema de ensino
dual. Vivemos um momento de busca de soluções para a
integração desses sistemas.
Criar um sistema integrado capaz de atender a necessi-
dades educacionais de crianças e jovens escolarizáveis,
sem as separações que hoje ocorrem, significa que os
professores e demais profissionais da educação precisam
aprender muita coisa acerca de pessoas deficientes. Na
realidade, precisam aprender a levar em consideração as
diferenças de natureza e grau variados, apresentados por
quaisquer pessoas. (Ornóte,
Grifo nosso)
Aprender acerca de pessoas com deficiência mental pode
significar, para nós professores, deixar de encaminhar
indiscriminadamente para recursos especializados (clas-
ses especiais, escolas ou instituições especializadas) os
alunos que apresentam dificuldades escolares, sem antes
proceder a um estudo rigoroso, do ponto de vista peda-
Programa 4
gógico, de cada caso em particular. E significa considerar,
nesse estudo, principalmente os aspectos ligados à pró-
pria escola, enquanto facilitadora ou não de aprendiza-
gens - metodologia, sistemática de avaliação do aluno, re-
lacionamento com a classe, currículo etc. - e, ainda, a
abordagem teórica que dá sustentação ao nosso entendi-
mento do que é aprendizagem e como ela se processa.
Em relação à decisão quanto ao encaminhamento do
aluno para classe especial, é importante que se leve em
consideração que:
[...] a educação tem como princípio fundamental a capacidade de
crescimento do ser humano, que é ilimitado quanto à qualquer
tentativa de previsão, ou seja, de antecipadamente indicar com
precisão as possibilidades de cada um. (Mazzotta, 1987)
Aprender acerca do aluno com deficiência mental na
faixa etária de 7 a 11 ou 12 anos significa, ainda, rever
nossos conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil,
embora de forma breve.
Em função de uma nova condição de desenvolvimento
cognitivo, a criança de 6 a 7 anos passa a conhecer o mun-
do e a se relacionar com ele de forma diferente do que fa-
zia na fase pré-escolar. Seu comportamento, sua linguagem,
suas relações sociais e, principalmente, seu raciocínio, pas-
sam por grandes modificações. O conhecimento começa a
ser construído de forma mais compatível com o mundo real,
uma vez que agora a fantasia se diferencia da realidade.
A flexibilidade e a mobilidade crescentes de seu pen-
samento a tomam capaz de operar mentalmente; por exem-
plo, compreende que, se 5 + 3 = 8, então: 8-3 = 5e8-5 = 3.
As operações mentais, como seriar, classificar, ordenar, e as
que envolvem reversibilidade, conforme o exemplo, são
realizadas com apoio em objetos ou materiais concretos.
Ou seja, é a existência do concreto e observável que dá
suporte aos seus pensamentos. Ela se torna capaz de pen-
A criança de 7 a 11 anos: o desafio da escola
sar seus próprios pensamentos; portanto, os conteúdos de
seus pensamentos se tornam conscientes.
A exploração do próprio corpo, característica do
período anterior, se desloca para a exploração e o
conhecimento do mundo exterior. Nessa fase, se observa
curiosidade e ímpeto por atividades intelectuais. A
criança se torna crítica e autocrítica.
Mais potente e mais segura, continua a caminhada
em direção a sua autonomia.
As relações fora do âmbito familiar (com colegas,
amigos e professores) passam a ser o centro de interesse
da criança. A aceitação de regras e normas é fruto de seu
convívio grupai, o que implica um amadurecimento da
criança. Lealdade e fidelidade são noções aprendidas
nessa etapa da vida. O outro é levado em consideração. É
a fase do jogo cooperativo, coletivo.
A criança com deficiência mental não é desprovida de
inteligência. Se a deficiência for leve, ela é capaz de atin-
gir uma estrutura cognitiva que lhe possibilite realizar
operações lógicas de nível concreto, com apoio em ob-
jetos. Portanto, consegue operar mentalmente e abstrair,
tal como a criança que não é deficiente.
Piaget se refere à estrutura cognitiva da criança com
deficiência mental como uma "construção mental inacabada".
No caso da deficiência leve, a estrutura cognitiva não chega
ao estágio das operações formais, ou seja, não chega à cons-
trução final - quarto e último estágio das estruturas do co-
nhecimento. Daí a expressão "construção mental inacabada".
Se a criança com deficiência mental leve é capaz de
operar mentalmente, embora numa idade posterior à das
crianças não-deficientes, ela é também capaz de ser
alfabetizada e de ter acesso a outros conhecimentos das
sucessivas seriações escolares.
Progressivamente, práticas inovadoras e integradas
têm confirmado que, devidamente 'trabalhadas', as crian-
cas com deficiência mental leve podem surpreender.
Para que essas práticas deixem de ser iniciativas iso-
ladas e se tornem um projeto comum de todos os pro-
fissionais da educação, precisamos superar a mesmice
pedagógica. Atividades artificiais, repetitivas e desprovi-
das de qualquer significado (recorte, colagem, pintura,
modelagem etc.) devem ser substituídas por um ambiente
rico em linguagem e em desafios ao pensamento da
criança: em um ambiente alfabetizador.
Ao assumir efetivamente nosso papel, podemos quebrar
o círculo vicioso: não se ensina porque não se acredita
nas capacidades da criança (tão pouco conhecidas!) e a
criança não aprende porque não lhe são oferecidas
oportunidades de aprender.
Romper com esse círculo vicioso implica um rompi-
mento anterior: desmontar o sistema dual de ensino e
iniciar, imediatamente, a construção de um sistema in-
tegrado. Criar um sistema capaz de atender às necessi-
dades educacionais de todas as crianças, utilizando os
recursos de Educação Especial como recursos adicionais
e, portanto, paralelos, mas não exclusivos (Omote, 1996).
Assim procedendo, estaremos no caminho de, efe-
tivamente, estender a todos o direito à educação.
BIBLIOGRAFIA
DAVIS, Cláudia & OLIVEIRA, Zilma. Psicologia na edu-
cação. São Paulo, Cortez, 1990.
MAZZOTTA, Marcos losé da Silveira. Educação escolar:
comum ou especial? São Paulo, Pioneira, 1987.
MORAES, Zulca Rosseto de. Temas sobre desenvolvimen-
to, 5(27): 18-26. São Paulo, Memnon, 1995.
NOT, Louis. Educação dos deficientes mentais. São Pau-
lo, Francisco Alves, 1983.
VYGOTSKY, L.S. "Aprendizagem e desenvolvimento
intelectual na idade escolar". In: Psicologia e Pe-
dagogia I, 31-50. Lisboa, Estampa, 1991.
Programas 5/6
fase da adolescência é marcada por conflitos, con-
quistas e grandes descobertas: descoberta do corpo
em transformação e de suas novas possibilidades,
descoberta da sexualidade e do desejo de trocas afetivas
com o sexo oposto... descobertas, descobertas...
Para o jovem, a necessidade de ser aceito pelo grupo
de referência e de fazer valer suas posições, seus valores,
seus desejos e seus impulsos faz parte dessas marcantes
descobertas e constitui uma fonte de conflitos e de
conquistas.
O estranhamento do corpo em acelerada transfor-
mação faz o adolescente perder a referência até mesmo
do espaço físico que ocupa: 'tromba' com freqüência nos
móveis, as mãos parecem não reter copos e jarras, os pés
tropeçam nas menores coisas, a voz... Ah! Quantos
desafinados ais!!!
A sexualidade em franca e prazerosa ascensão é uma
forte adversária das aulas, dos livros, das lições e das
demais responsabilidades. A cabeça está sempre mais
próxima da lua do que do mais interessante filme ou
livro. O quarto, aliado e cúmplice dos grandes segredos,
está com a porta invariavelmente trancada, a despeito do
que pensem os pais. O som, 'rock pauleira', sempre muito
alto parece mesmo acompanhar o ritmo e a turbulência
próprios dessa fase.
Mantendo alguns espaços internos e externos pró-
prios da infância (especialmente os que convém e quan-
do convém), os adolescentes começam a conquistar os
Programas 5/6
espaços do mundo adulto. Ora se sentem adultos e assim
se apresentam ao mundo, ora se mostram crianças
birrentas. Mas, efetivamente, pertencem ao espaço in-
definido de um tempo finito e belo: a adolescência!
Muitos conflitos giram em torno da ambivalência
entre dois pólos: infância e vida adulta. Pólos aparen-
temente distintos, mas absolutamente complementares,
que, como em contínuo movimento de gangorra, se
alternam em autonomia e dependência.
Esse movimento de alternância nos mostra que não se
abandona de todo a infância na adolescência, tampouco
se deixa a adolescência por completo ao conquistar a vida
adulta. Leva-se nessa 'viagem' uma bagagem repleta de
pequenos e grandes tesouros. E tesouros são sempre
muito bem guardados.
Continuamente, o adolescente é obrigado a ouvir as
célebres e contraditórias frases - que talvez nenhum de
nós tenha esquecido:
Não faça mais isso, você já é um moço!
Não pode ir sozinho, já é tarde, você ainda é uma
criança.
E os pais, apesar de terem sido vítimas das mesmas
contradições em sua adolescência, acabam por reproduzi-
las. Assim, o conflito também é vivido, em certa medida,
pelos pais.
Será que meu filho já é capaz de...
Mas é ainda tão criança para...
Como saber se já é hora de 'soltá-lo' no mundo? Ou,
até quando precisará ser aquecido pelas 'asas' da mãe,
retardando seus vôos? E que direito têm os pais de tentar
limitar os passos do adolescente em direção à vida adulta,
se até mesmo os 'pés' já cresceram tanto?
Cresceram para conquistar o mundo. Mundo de
aventuras, riscos, conquistas, responsabilidades, des-
cobertas, alegrias e sofrimentos. Por outro lado, 'sol-
Passagem para a vida adulta
tar' o filho em um mundo violento como o de hoje pode
não ser um ato de bravura; mas, sem dúvida, é uma
grande aventura, é um ato de coragem.
Quanto ao aspecto cognitivo (intelectual), é na adoles-
cência que se atinge o mais complexo estágio de desen-
volvimento - chamado por Piaget de "operatório formal".
As operações de pensamento tornam o adolescente capaz
de, agora, compreender aspectos e situações abstratas do
mundo que até então não lhe eram acessíveis.
Ao se libertar do mundo concreto, ou seja, da fase
anterior de desenvolvimento cognitivo, o adolescente ga-
nha acesso a outras possibilidades de perceber o mundo e
atuar nele, mesmo que seja só em pensamento: o desejo
de transformação do mundo, da sociedade, da vida...
O conhecimento, cuja construção se iniciou a partir
do nascimento (período sensório-motor), continua a
avançar em sua estruturação, processo que ocorrerá
durante toda a vida do indivíduo.
Em função de seu déficit intelectual, o indivíduo com
deficiência mental leve não chega a atingir o último e
mais complexo estágio da estruturação cognitiva, o
operatório formal. Permanece no estágio anterior: o
operatório concreto. Ou seja, seu conhecimento de
mundo continua a depender do apoio de objetos, de suas
vivências e das representações mentais dos mesmos.
Muitos pais e professores de adolescentes com deficiên-
cia mental acreditam poder prorrogar indefinidamente a
infância, como se fosse possível. Consideram-se capazes
disso e plenos de direito; é comum ouvirmos:
Cresceu só no tamanho, mas... é uma eterna criança!
Programas 5/6
Ele adora Papai Noel, adora comemorar o Dia do
índio, o Dia da Criança.
A tentativa de proteger o filho dos preconceitos
sociais, o desconhecimento ou a negação da maturidade
biológica - que é a mesma para todos -, a fantasia de
poder postergar infinitamente as situações conflituosas
que ele irá enfrentar e a própria dificuldade de aceitação
da deficiência do filho parecem as principais dificuldades
dos pais para lidar com o adolescente e com tudo que
envolve essa fase da vida.
E preciso aprender a adaptar as atividades e o trato
com qualquer sujeito na totalidade de seu ser: ser criança,
e não bebê; ser adolescente, e não criança; ser adulto, e
não mais adolescente.
Pais, irmãos, professores e comunidade em geral pre-
cisam aprender a lidar com as pessoas portadoras de
deficiência mental de acordo com as condições e as
vivências próprias de sua idade cronológica.
Tratar o adolescente como tal, e não como criança -
na escola, na instituição, nas oficinas de trabalho, na fa-
mília e na comunidade em geral -, significa eliminar de
seu mundo o tratamento infantilizado, as músicas de
criança, as orelhinhas de coelho, as caras pintadas no Dia
do índio, as comemorações do Dia da Criança, as ativi-
dades pedagógicas e sociais próprias da infância. Signi-
fica reconhecer e valorizar suas potencialidades, inde-
pendente de sua deficiência. Significa afirmar sua con-
dição de sujeito - o que não tem ocorrido na maneira pela
qual é tratado pelo meio social.
Precisamos buscar alternativas de propostas pedagógicas,
de atividades no âmbito familiar e no meio social, que
propiciem ao adolescente com deficiência mental
Passagem para a vida adulta
vivências adequadas a sua idade cronológica. Essas
vivências são pressupostos básicos do processo de
integração, pois irão possibilitar a ele o aprendizado e o
exercício de comportamentos e condutas mais com-
oatíveis com as exigências da comunidade em que vive.
Ele precisa se tornar capaz de resolver os problemas
práticos que encontra nos diversos ambientes nos quais
circula - familiar, escolar, oficinas de preparação para o
trabalho e comunidade em geral.
As propostas pedagógicas e os objetivos educacionais
destinados ao adolescente com deficiência mental leve
devem ter como prioridade possibilitar-lhe a
conquista da máxima autonomia possível, e a inde-
pendência em relação aos outros indivíduos.
Falar em autonomia implica falar na aquisição da
leitura, da escrita, do cálculo e dos demais conteúdos
escolares, bem como de todos os conhecimentos aces-
síveis a sua condição cognitiva. Na maioria das vezes,
esses conhecimentos têm sido negados ao adolescente
portador de deficiência mental, apesar dos longos e
intermináveis anos que ele permanece na escola.
De forma contraditória, continuamos no discurso a
buscar a integração social, sem perceber que a apro-
priação dos conhecimentos necessários à vida em
ambiente aberto é uma das vias dessa integração.
A educação dos portadores de deficiência mental
leve depende, necessariamente, da revisão de alguns
princípios - nossas propostas pedagógicas, nossa con-
cepção sobre deficiência mental, nossas atitudes e pro-
cedimentos metodológicos -, e de sua adequação à ca-
pacidade desses estudantes de operar mentalmente.
Precisamos atualizar nossos conhecimentos e
transformar nossa prática, pois só assim estaremos
contribuindo, como profissionais da educação, para o
processo de integração social desses indivíduos.
Programas 5/6
Nao estamos negando as especificidades e pecu-
liaridades advindas da deficiencia mental. Queremos,
sim, enfatizar as possibilidades desse sujeito, na to-
talidade de seu ser. A infantilização gerada por senti-
mentos de piedade, comiseração, superproteção e
descrença nas potencialidades do indivíduo são sen-
timentos que dificultam ou, mesmo, em casos extremos,
impedem seu processo de integração.
Entender a integração como um processo implica
uma visão voltada para o futuro, sendo que a inserção do
portador de deficiência mental no mercado de trabalho é
o coroamento desse processo.
Todo o investimento e o esforço despendidos pelo
sujeito, pela família e pela sociedade durante o percurso
educacional deveria ter a função de preparar o jovem
para assumir responsabilidades e se integrar na sociedade
com uma atividade produtiva.
O trabalho e sua conseqüente repercussão na vida
dos indivíduos em particular e da sociedade como um
todo é, assim, um dos mais marcantes aspectos da vida
adulta.
Durante a vida inteira somos preparados para
assumir um trabalho e por ele responder, o que significa
responder por nós mesmos, no sentido de podermos
mostrar e demonstrar que temos algo de bom para
produzir. Algo feito por nós. Nós nos expressamos, nos
revelamos e nos expomos por meio do trabalho que
realizamos.
O trabalho tem uma forte representação, tanto no
plano individual, quanto no coletivo. Mas propomos uma
ampliação da associação feita usualmente entre trabalho
e bens de consumo. Será que o trabalho tem como único
sustentáculo a possibilidade de adquirir
Passagem para a vida adulta
bens de consumo? Não podemos pensar que essa é sua
única finalidade.
Dentre os aspectos principais envolvidos na questão do trabalho,
vamos ressaltar sua importância: na auto-realização, na auto-
estima, na independência econômica, na autonomia, no prazer, na
sensação de aceitação e no 'pertencimento'. Quanto a este último,
vale assinalar que muito da satisfação de qualquer empregado
com seu trabalho consiste, exatamente, em fazê-lo 'com' e 'em
torno de' pessoas com ele compatíveis! (Amaral, 1993)
Assim, podemos dizer que o indivíduo, seja ou não
portador de deficiência, tem necessidade de se sentir
aceito pelo grupo de referência, experimentando a
gratificante e prazerosa sensação de pertencimento.
Pertencer, efetivamente, a um grupo, é poder trocar,
poder cooperar e poder compartilhar - ações e emoções,
conquistas, descobertas, dúvidas, dificuldades,
inseguranças...
L hoje?
Estimulação precoce, aprendizagem e desenvolvimento,
potencialidade, escola integrada, legislação, estudos
científicos, auto-estima, auto-realização, autonomia,
participação, integração, trabalho.
Voltando no tempo e retomando a história... A pessoa
com deficiência mental: 'sem direito à vida', 'depositária
do mal', 'objeto de maldição', 'tragèdia familiar',
'detentora de poderes sobrenaturais', 'doente mental'. Seu
lugar na sociedade: asilo, exclusão, segregação.
Os avanços são notáveis: mudamos muito nosso
modo de pensar, sentir e agir em relação à pessoa com
deficiência mental. Hoje, muitos dos mitos fazem parte
de um passado longínquo e cruel. Cruel pelo des-
conhecimento, cruel pelos preconceitos e pelos estig-
Programas 5/6
mas. Quebramos alguns preconceitos, derrubamos
algumas barreiras - avançamos!
No entanto, como o processo de pensamento é muito
mais ágil que as transformações sociais dele derivadas,
ainda se constata um enorme descompasso entre aquilo
que se pensa e se quer e aquilo que deve ser
transformado.
Os objetivos perseguidos pelos programas escolares e
os resultados por eles obtidos não têm contribuído para a
real preparação da pessoa com deficiência mental para a
vida em sociedade, com tudo que representa.
Não há, por outro lado, uma visão de processo. Não
há integração entre os objetivos educacionais e aqueles
destinados à preparação para o trabalho: os programas
são estanques e se encerram em si mesmos, tendo por
finalidade apenas o curso em si.
A questão do trabalho na área da deficiência mental é
ampla, complexa e polêmica, tanto no nível social
mais abrangente, quanto nos níveis institucional, fa-
miliar e pessoal. No entanto, precisamos enfrentá-la.
Enfrentá-la significa continuar avançando no nosso
sentir, no nosso pensar e, por certo, no nosso agir.
Observa-se, ainda, outra desconexão: entre as ins-
tituições de formação profissional e as exigências e
necessidades do mercado de trabalho. Programas
repetitivos, com atividades simuladas próprias de ofi-
cinas protegidas, se distanciam muito das exigências
reais do mercado de trabalho.
O moderno mercado de trabalho requer um tra-
balhador capaz de acompanhar os rápidos avanços
tecnológicos e de se ajustar com agilidade a diferentes
funções.
Cabe às distintas instituições, as escolares e as de
preparação profissional, articular as questões
concernentes à preparação do indivíduo (incluindo a
Passagem para a vida adulta
conexão entre as propostas feitas na escola e os pro-
gramas de preparação profissional) com as exigências e
demandas do mercado de trabalho local (considerando as
necessidades e especificidades regionais).
AMARAL, Lígia Assumpção. Pensar a diferença: deficiên-
cia. Brasília, Coordenadoria Nacional para Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), 1994.
D'ANTINO, Maria Eloisa Fama. "Oficina pedagógica: es-
paço profissionalizante?". In: O deficiente no Brasil:
aspectos multidisciplinares da criança atípica. 2. ed.
São Paulo, Ação Camiliana Pró-Excepcionais, 1991.
LA TAIT .TF, Yves de et al. Piaget, Vygostsky, Wallon: teorias
psicogenéticas em discussão. São Paulo, Sumus, 1992.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Educação espe-
cial no Brasil: história e politicos públicas. São Pau-
lo, Cortez, 1996.
VASH, Carolyn L. Enfrentando a deficiência. São Paulo,
Pioneira/Edusp, 1988.
Programa 1
Lutar pelos direitos dos deficientes
é urna forma de superar as nossas
próprias deficiências.
(J.F. Kennedy)
magine que você tem uma vida comum, como a
de todo mundo. Levanta cedo, se arruma, toma seu
café da manhã e sai para trabalhar. Vai almoçar
em casa, depois volta para o escritório. No final da tarde,
pega o ônibus lotado e vai para o curso que está fazendo,
com a intenção de melhorar de emprego e de salário.
À noite, cansado, finalmente chega em casa. Lá, você
janta com a família e vai para a cama; no dia seguinte,
começa tudo novamente. Enfim, essa é sua rotina.
De repente, um dia, o inesperado... Você está atra-
vessando a rua e é atropelado. Tudo é muito rápido.
Quando acorda está numa UTI, lembra vagamente do
que aconteceu...
Você está se sentindo estranho, não consegue mexer
a perna e o braço esquerdo, mas não entende direito o
que está acontecendo. Em seguida, chega um médico e
lhe diz: Você foi atropelado, teve um traumatismo
craniano e ficará hemiplégico! Você só entende que foi
atropelado, e o resto? O que foi isso que ele disse?
Vamos por partes. Um traumatismo craniano ocorre
quando uma batida muito forte na cabeça destrói células
nervosas no interior do cérebro.
Em seu caso, foram lesionadas as células que co-
mandavam o movimento da metade direita de seu corpo;
agora, elas não conseguem mais desempenhar seu papel.
Em conseqüência, você ficou com uma
Apenas diferentes
hemiplegia, ou seja, uma paralisia na metade de seu
corpo que recebia o comando da parte do cérebro que foi
lesada.
Após um mês de
internação, e após vários
exames, finalmente você tem
alta. Volta para casa, mas
precisa começar a fazer
fisioterapia, em um centro de
reabilitação para deficientes
físicos.
Você tem esperança de se
recuperar totalmente e, depois
de algum tempo, ficar
igualzinho ao que era antes do
acidente.
Depois de seis meses, a
equipe que trabalha na re-
cuperação lhe informa que o
objetivo já foi alcançado.
Você se pergunta: Mas como,
se eu não mexo meu braço e
arrasto minha perna para
andar?
Mais uma ve" lhe explicam o que é uma lesão no
cérebro e quais sao suas conseqüências. Na hora em que
você bateu a cabeça, as células nervosas que mandavam
ordens para o braço direito e para a perna direita
morreram. Por isso, você não consegue mais mexer esse
braço, nem ter movimentação completa da perna. Você
agora é um deficiente físico.
A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes,
elaborada em 1975, definiu deficiente físico como uma
pessoa incapaz de assegurar, por si mesma, total ou
parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou
social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas.
Programa 1
Hoje em dia essa definição está ultrapassada, uma
vez que o deficiente físico se esforça para suprir suas
necessidades pessoais e sociais da forma mais inde-
pendente possível, dentro de suas limitações.
As associações que agregam pessoas portadoras de
necessidades especiais trabalham no sentido de
conscientizar a sociedade, para integrar o
deficiente físico no meio social, modificar
barreiras arquitetônicas, ressaltar a capaci-
dade de trabalho desses indivíduos e facilitar
seu ace
sso à rede de ensino.
A deficiência física é definida, atualmente, como uma
desvantagem, resultante de um comprometimento ou
de uma incapacidade, que limita ou impede o
desempenho motor de determinada pessoa.
Assim, são considerados portadores de deficiência
física os indivíduos que apresentam comprometimento
da capacidade motora, nos padrões considerados
normais para a espécie humana.
É importante levar em conta que deficiência física e
deficiência mental o limitações diferentes, ocasionadas
por lesões em áreas distintas do cérebro. Um deficiente
físico não é, obrigatoriamente, um deficiente mental.
Logo de início, você se sente revoltado: Por que comi-
go? Mas não encontra resposta.
Depois, vem a depressão: Minha vida acabou mes-
mo, nada mais tem sentido e graça.
Enfim os dias passam... Você tem de continuar sua
vida, mas como? Começa, então, a aprender uma nova
forma de viver.
Você levanta, ou melhor, você senta na cama, e
precisa que sua esposa o auxilie a tomar banho, ves-
Apenas diferentes
tir a roupa (só para abotoar a camisa se passam 15
minutos...) e tomar seu café da manhã.
E para ir até o trabalho? Ah! Ainda bem que existem
ônibus especiais para o deficiente físico. Mas você pre-
cisa sair de casa bem mais cedo porque, até mesmo em
cidades grandes como São Paulo, eles são poucos e
demoram muito, às vezes uma hora. Quando ele chega, o
acesso é feito por meio de uma plataforma.
Ufa! Uma dificuldade já se foi!
Você desce perto do trabalho, mas quando olha
aquela escadaria logo na entrada, tem vontade de desistir.
Pensa: Custava ter um elevador?
Mas não há o que fazer: você fica esperando alguém
que o ajude a subir. O esforço é grande e o equilíbrio,
difícil.
Na hora de ir ao banheiro, como fazer para se apoiar?
Custava ter uma barra de apoio? Quando constróem um
prédio, será que não pensam que uma pessoa com deficiên-
cia física também precisará ter acesso às instalações?
O dia é corrido, há muito serviço. Seu ritmo é um
pouco mais lento que o dos colegas de trabalho, pois
afinal, o que todos fazem com duas mãos, você faz com
uma só. Será que os outros entendem isso?
Chega a hora do almoço. É difícil cortar os alimen-
tos, porque não dá para segurar o garfo e a faca ao
mesmo tempo, com uma só mão.
À noite, aquele curso que você começou antes do
acidente... Outra escada, que sacrifício. Um colega o
ajuda a subir. As carteiras são desajeitadas para um
deficiente físico! Depois de muita conversa, você con-
segue uma carteira melhor, embora não seja bem
adequada.
O professor coloca uma série de conceitos na lousa,
mas logo apaga e você ainda está na metade... Seu ritmo
é mais lento, porém isso não significa que você não
conseguirá aprender tudo. Você tem apenas uma
limitação motora, e não de inteligência.
Programa 1
Na volta para casa, a mesma dificuldade de trans-
porte se repete.
Você fica pensando: Será que os outros deficientes
têm os mesmos problemas?
Um dia, você conhece uma jovem que foi assaltada e
levou um tiro. A bala se instalou na coluna, ela foi
submetida a uma cirurgia, mas ficou paraplégica: perdeu
o movimento da cintura para baixo, não sente mais nada
nessa região. Por pouco ela não se tornou tetraplégica, ou
seja, com os quatro membros paralisados (pernas e
braços).
Apenas diferentes
Dentro da coluna fica a medula, de onde partem as ter-
minações nervosas que vão para as pernas e os braços. Se
há uma lesão na parte superior, os quatro membros podem
ficar sem movimentação. Se a lesão acontecer em uma área
mais baixa, somente a perna perde o movimento.
A moça somente se desloca sentada em uma cadeira
de rodas. Em muitos lugares, a cadeira de rodas não
passa pela porta. Mas, ainda bem, pelo menos ela pode
passear no shopping, se quiser. Lá há rampas e eleva-
dores, e até banheiros especiais para deficientes físicos,
com porta larga para a passagem de cadeiras de rodas, e
também com barra de apoio. Ao andar na rua, ela tam-
bém conta com guias rebaixadas para atravessar, perto de
onde mora e em vários outros lugares.
A deficiência física implica falha das funções motoras.
Na maioria das vezes, a inteligência fica preservada, com
exceção dos casos em que células da área de inteligência
são atingidas no cérebro.
Agora, você já conhece três tipos de deficiência fí-
sica: a hemiplegia (metade direita ou esquerda do corpo
paralisada), a paraplegia (paralisia dos membros
inferiores, ou seja, das pernas) e a tetraplegia (paralisia
dos braços e das pernas.
Hemiplégjcos, paraplégicos e tetraplégicos sofreram le-
sões no sistema nervoso (no cérebro ou na medula espinal)
que alteraram o controle neurológico sobre os músculos,
afetando os movimentos do corpo. Se a lesão afetar a área
da linguagem, a pessoa não fala, ou fala com dificuldade.
Há também pessoas amputadas, que nasceram sem
um membro, perderam-no em um acidente, ou necessi-
taram tirá-lo por problemas de saúde (como um problema
circulatório, ou uma gangrena). Esses deficientes podem
ganhar maior independência se colocarem próteses
(perna e/ou braço mecânico). Às vezes, mesmo assim ain-
da necessitam do apoio de bengalas ou muletas.
Programa 1
E agora você pergunta: Existem pessoas que são deficien-
tes físicas desde o nascimento? Sim, entre outros proble-
mas, existem pessoas com paralisia cerebral.
Na hora do parto, se o bebê ficar sem oxigênio por
alguns minutos, poderá perder células nervosas im-
portantes. Isso também pode ocorrer se houver com-
plicações logo após o nascimento, tais como parada
cardiorrespiratória, meningite e outras.
A criança com paralisia cerebral pode ter tido uma
lesão somente na área do cérebro que comanda os
movimentos do corpo, ou seja, a área motora. Nesse
caso, será portadora de uma deficiência física e ne-
cessitará de cuidados especiais. Seus movimentos estarão
prejudicados, com dificuldades de locomoção e de
movimentação dos braços e/ou das pernas.
Paralisia cerebral é um distúrbio do movimento e da
postura em conseqüência de uma lesão que pode ter
ocorrido no cérebro durante a gestação, na hora do
parto, ou logo após o nascimento.
Em alguns casos, a paralisia cerebral atinge também
a área do cérebro responsável pelas funções cognitivas,
ligadas à inteligência.
Lembra daquele menino, seu vizinho, que você via
sempre no colo dos pais ou no carrinho de bebê, que lhe
parecia mimado e birrento? Pois é, nunca lhe passou pela
cabeça que ele poderia ter uma deficiência física. Mas o
fato é que ele tem.
Quando Rodrigo nasceu, houve uma demora no parto
e ele sofreu uma anoxia, ou seja, houve uma interrupção
no fornecimento de oxigênio a seu cérebro. Sua vida foi
salva graças à administração imediata de oxigênio. Mas o
cérebro já fora atingido, e algumas células morreram.
Apenas diferentes
Em conseqüência da anoxia, o bebê demorou mais
tempo que as outras crianças para sustentar a cabeça,
sentar, engatinhar e andar. E só conseguiu isso depois de
várias sessões de fisioterapia, em um Centro de
Reabilitação.
E havia outros problemas: ele engasgava com o leite
e tinha dificuldade para engolir a comida. Com 2 anos e
6 meses sequer falava, e precisou fazer um
acompanhamento fonoaudiológico.
Agora, Rodrigo já está com 6
anos. Anda com instabilidade, cai
à toa e fala com dificuldade, mas
consegue participar das
brincadeiras com outras crianças.
Para andar, usa no pé uma goteira,
aparelho que evita que se
desenvolvam deformidades e
ajuda nos movimentos. Na mão,
ele usa um splint, aparelho para
ajudar a manter a mão aberta e
evitar deformidades.
As pessoas que não conhecem esses aparelhos lhe
perguntam por que usa tudo aquilo; desde bem pequeno
o garoto aprendeu a falar os nomes complicados {splint,
goteira). Esses aparelhos podem ser
esquisitos, mas, para ele, são de grande
ajuda no dia-a-dia.
Como tem QI dentro da faixa média,
semelhante às crianças de sua idade,
Rodrigo pode freqüentar uma sala de
aula.
Ao procurar uma escola, os pais dele
depararam com vários obstáculos: escadas
enormes, pátios com chão irregular, falta de funcionários
para auxiliá-lo a chegar ao pátio do recreio e para ajudá-
lo a ir ao banheiro. E, para dificultar ainda mais,
Programa 1
há sempre o preconceito; para algumas pessoas, um
deficiente físico é também um deficiente mental.
No adulto, a deficiência física pode resultar de um
acidente vascular cerebral (derrame), de traumatismo
craniano, de lesão medular ou de amputação.
Em relação às crianças, algumas se tornaram de-
ficientes em decorrência de meningite, traumatismo
craniano por uma queda muito forte, parada respiratória
provocada por um choque anafilático (alergia a anestesia)
durante uma cirurgia, malformações ocasionadas por
remédios tomados pela mãe durante a gestação (seqüelas
de talidomida, por exemplo) e outros problemas.
As causas de deficiência física podem ser:
problemas durante a gestação, como
por exemplo, remédios ingeridos pela mãe, ten-
tativas de aborto malsucedidas, perdas de sangue
durante a gestação, crises maternas de hiperten-
são, problemas genéticos e outras;
problema respiratório na hora do
nascimento, prematuridade, bebê que entra em
sofrimento por passar da hora do nascimento,
cordão umbilical enrolado no pescoço e outras;
s-natais: o bebê sofre uma parada cardíaca, pega
infecção hospitalar, tem meningite ou outra doen-
ça infecto-contagiosa, ou seu sangue não combina
com o da mãe (se esta for Rh negativo).
No adulto, quando ocorre uma lesão medular,
aneurisma ou acidente vascular cerebral e outros
problemas.
Apenas diferentes
Uma das doenças que já foi a maior causa de de-
ficiência física no Brasil é a paralisia infantil (polio-
mielite), hoje erradicada graças às amplas campanhas de
vacinação e à tomada de consciência pelos pais a respeito
da necessidade de proteger seus filhos.
Existem também outras medidas que ajudariam a
diminuir o número de pessoas portadoras de deficiência
física, como por exemplo:
maior conscientização das mulheres acerca da
necessidade de fazer acompanhamento médico pré-
natal;
melhor infra-estrutura nos berçários para atender
aos recém-nascidos (UTI para bebês que correm
risco de vida, aparelhagem moderna, assepsia para
evitar infecção hospitalar);
pessoal treinado no resgate de vítimas de acidentes
de trânsito;
conscientização dos riscos da hipertensão e da
diabetes.
A deficiência física não pode ser sinônimo de
invalidez social. A sociedade e o deficiente devem se
unir para vencer os obstáculos.
SHENKMAN, John. Conviver com a deficiência física. São
Paulo, Scipione.
RIBAS, João Baptista Cintra. O que são pessoas deficientes.
São Paulo, Brasiliense, 1985.
Programa 2
Bem-vindo à Holanda
Uma tentativa de ajudar pessoas que não têm com quem compartilhar
essa experiência única. Entender e imaginar é como vivenciar.
Freqüentemente sou solicitada a descrever a experiência de dar
à luz uma criança com deficiência.
Seria como... Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de
férias PARA A ITÁLIA.
Você compra montes de guias e faz pianos maravilhosos! 0 Coliseu. 0
Davi de Michelangelo. As gondolas em Veneza. Você pode até aprender al-
gumas frases em italiano. É tudo muito excitante.
Após meses de antecipação, finalmente chega o grande d\a\ Vo
arruma as maias e embarca. Algumas horas depois, você aterrissa. 0
comissário de bordo chega e diz: 3em-vindo á Holanda!
Holanda??!! diz você. 0 que quer dizer com Holanda? Eu escolhi a Itália!
Eu devia ter chegado à Itália. Toda a minha vida eu quis conhecer a Itália!
Mas houve uma mudança no piano de vôo. Eles aterrissaram na
Holanda, e é lá que você deve ficar.
0 mais importante è que eles não levaram você para um lugar hor-
rível e desagradável, com sujeira, fome e doença. É apenas um lugar di-
ferente.
Você precisa sair e comprar outros guias. Deve aprender uma
nova língua. E irá encontrar pessoas que jamais Imaginara.
É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que
a Itália. Mas. após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao
redor. Começa a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e
até Rembrandts e Van Goghs.
Mas. todos os que você conhece estão ocupados indo e vindo da
Itália, comentando a temporada maravilhosa que passaram lá. E por
toda sua vida você dirá: Sim. era onde eu deveria estar. Era tudo que eu
havia planejado.
A dor que isso causa nunca, nunca irá embora. Forque a perda desse
sonho é uma perda extremamente significativa.
Porém, se você passar a vida toda remoendo o fato de não ter che-
gado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito es-
peciais existentes na Holanda.
(Emily Perl Knisley. 1967)
Os primeiros anos
Esta foi a sensação dos meus pais quando eu nasci.
Imagine a expectativa deles durante os nove meses
em que eu estive na barriga de minha mãe! Montaram e
arrumaram o quarto, compraram berço, banheira, enxo-
val, fraldas e até mesmo aJguns bichinhos e chocalhos.
Finalmente, chegou o grande dia e eu resolvi nascer,
sair daquela escuridão aconchegante e enfrentar o mundo.
Momentos depois de meu nascimento, os médicos
procuraram meu pai e um deles explicou:
Médico: Seu filho teve um probleminha na hora do
parto: faltou oxigênio no cérebro, pois ele demorou
para respirar. Ele será uma criança diferente das ou-
tras! Talvez nunca ande ou fale. Só com o passar do
tempo e com a estimulação é que poderemos dizer
como ele será. Mas, com certeza, seu desenvolvimento
será diferente do das outras crianças.
A reação de meu pai foi de choque. Tudo havia
corrido tão bem durante a gravidez, minha mãe fizera
pré-natal, cuidaram tanto, por que aquilo?
Passado o pânico, ele foi conversar de novo com o mé-
dico, para tentar entender melhor o que havia acontecido.
Pai: O que o meu filho tem, realmente?
Médico: Ele é portador de paralisia cerebral, ou
seja, algumas células do cérebro dele morreram na
hora do parto, em conseqüência da falta de oxigênio.
Isso vai causar problemas motores. Crianças com
déficit motor são deficientes físicos.
Paralisia cerebral é qualquer transtorno motor ocasio-
nado por uma lesão cerebral nas fases de gestação, par-
to ou pós-parto. Dependendo da área afetada, pode
comprometer também a linguagem e a inteligência.
Pai: Existem muitas crianças com deficiência física?
Médico: Sim, existem muitas.
Programa 2
Pai: E para todas faltou oxigênio no momento do parto?
Médico: o; a falta de oxigênio é uma das causas da
deficiência fìsica em crianças; existem muitas outras.
Há crianças cujas mães tiveram alguma doença du-
rante a gestação, tomaram algum remédio que preju-
dicou o feto, ou até mesmo tentaram fazer um aborto
e não conseguiram. Essas crianças podem apresentar
lesões cerebrais.
Pai: Meu filho será inteligente?
Médico: Provavelmente sim, pois deficiência física é
diferente de deficiência mental. Se a lesão atingir só a
área motora do cérebro, aquela que comanda os mo-
vimentos, a criança terá só limitações motoras. Mas ela
será deficiente mental, com um QI rebaixado, se hou-
ver uma lesão também na área da inteligência.
Pai: Então, ele pode ir para a escola, quando crescer?
Médico: Não só pode, como deve. A escola contribui
muito para o desenvolvimento de qualquer criança.
Pai: E o que eu tenho de fazer agora?
Médico: O senhor deve procurar um neurologista,
que fará exames para detectar em que medida o
cérebro de seu filho foi atingido. E o especialista irá
orientá-lo em relação ao tratamento necessário.
Meus pais estavam muito deprimidos. Durante nove
meses eles haviam sonhado com uma criança igual às
outras, com um bebê que se desenvolvia normalmente.
Agora, a angústia e a sensação de insegurança eram
muito grandes.
Três dias depois, chegou a hora de ir para casa.
Porém, eu tive uma convulsão e precisei ficar mais
tempo no berçário.
Como foi dura a separação, para mim e para minha
mãe. O contato com ela era importante, eu queria mamar
no seu seio e ser tocado por ela. Porém, eu tinha que ficar
num berço com oxigênio, não podia ser amamentado.
Os primeiros anos
Quando o neurologista me viu e analisou os exames,
chamou meus pais e veio a triste verdade:
Médico: Uma parte do hemisfério direito do cérebro
de seu filho morreu. Ele terá dificuldade para
movimentar a mão e a perna esquerdas, o que atra-
sará seu desenvolvimento.
Meus pais não
entenderam por que
uma lesão no hemis-
fério direito do meu
cérebro prejudicaria os
movimentos do lado
esquerdo do meu
corpo. E aí tiveram
nova explicação.
Médico: O lado direito
do cérebro comanda o
lado esquerdo do
corpo, enviando men-
sagens para sua movi-
mentação; o lado es-
querdo do cérebro, por
sua vez, envia co-
mandos para a movimentação do lado direito do
nosso corpo.
O médico nos encaminhou para um Centro de Re-
abilitação, no qual eu receberia estimulação. Quanto
mais cedo isso acontecesse, melhor seria para eu me
desenvolver. Esse tratamento era chamado de
estimulação precoce.
Dar estimulação precoce significa começar a estimular o
bebê o mais cedo possível, com o objetivo de desen-
volver suas capacidades e sua independência no dia-a-
dia, de acordo com a fase em que ele se encontra.
Programa 2
No Centro de Reabilitação, meus pais conheceram
diferentes profissionais: fisiatra (médico que se
especializou em reabilitação física), fisioterapeuta,
terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, psicóloga,
pedagoga e assistente social. (Esse grupo de especialistas
orienta os pais, para que eles saibam como lidar com a
deficiência do filho e possam ajudar no processo de
estimulação.)
Meus pais ficaram conhecendo também outras
crianças com necessidades especiais, por terem sofrido
traumatismos cranianos em acidentes de carro ou de
trânsito, e até mesmo em acidentes domésticos, como
uma queda de um lugar alto.
Algumas tinham dificuldade de movimentação em
um braço e uma perna e, tal como eu, eram chamadas de
hemiplégicas. Outras, com os quatro membros (braços e
pernas) paralisados, eram chamadas tetraplégicas. E
havia ainda as paraplégicas, incapacitadas de
movimentar as pernas.
Minha mãe conheceu um menino com apenas parte
do braço e da perna. Durante a gravidez, sua mãe tomara
um remédio que interferira na formação do feto.
Hemiplegia: paralisia de uma das metades do corpo.
Paraplegia: paralisia dos membros inferiores. Tetraplegi
paralisia dos quatro membros.
Havia também crianças com as chamadas miopatias.
São bebês que nasceram bem, sem problema algum e, de
repente, por volta dos 3 anos, começaram a cair muito e a
perder a força dos músculos. Vão perdendo a força
muscular e têm um tempo de vida curto.
Meus pais se perguntavam porque existiam casos
mais graves ou menos graves que o meu. Aprenderam
que a deficiência motora é tanto maior quanto maior for a
lesão do cérebro. Uma lesão na área da
Os primeiros anos
O tônus dos músculos, isto é, sua elasticidade e sua
capacidade de se contrair e se esticar em reação às ordens
enviadas pelo cérebro, é que permite nossos movimentos.
À medida que os músculos são usados continuamente e
são exercitados, o tônus muscular vai se fortalecendo.
linguagem dificulta a fala. Se a lesão atingir a área da
inteligência, o QI será rebaixado.
O desenvolvimento motor do bebê ocorre graças ao
fortalecimento do tônus muscular, combinado com o
desenvolvimento do sistema nervoso.
Em algumas crianças, o tônus muscular é muito
fraco. Elas são chamadas de hipotônicas, porque os
músculos são 'moles'.
Nos casos de paralisia cerebral os músculos às vezes
ficam muito rígidos. São as crianças chamadas
espásticas. Eu era assim...
Há ainda bebês nos quais ocorrem movimentos
involuntários, que não conseguem controlar. Eles são
atetósicos.
Mas, para mim, era difícil levantar a cabeça e virala
de um lado para outro. Com isto, não podia acompanhar
o movimento dos objetos, como os mobiles pendurados
no berço.
Programa 2
Para mim, era muito difícil segurar um objeto, pois só
uma das minhas mãos se mexia. Pegar a mamadeira, nem
pensar! Nessa idade, eu ainda não sustentava a cabeça.
Meu desenvolvimento estava todo atrasado.
O bebê de 4 a 6 meses vai ampliando suas experiências, tenta pegar
um objeto e segurá-lo com firmeza. Consegue sacudir um chocalho e
fazer barulho. É capaz de segurar a mamadeira, se esta for colocada
em sua mão. Sentado, mantém a cabeça ereta e consegue se virar
quando está de bruços.
O bebê entre 7 e 9 meses senta cada vez mais firme e é capaz
de explorar os objetos. Consegue dar 'adeus' com a mão e bater
palmas. Começa a dizer 'dá', 'pá', 'mã'. Quando um brinquedo
está longe, se arrasta para pegá-lo, e gosta de jogar os objetos
para ouvir o barulho que fazem.
Os primeiros anos
Apesar de todo o esforço dos meus pais e da equipe
de reabilitação, eu ainda não conseguia ficar em pé nessa
idade.
Com IO meses, o bebê é
capaz de ficar em pé,
apoiado na grade do
berço, e tenta comer
sozinho com os dedos.
Compreende o 'dá' e o
'não'. O equilíbrio vai
melhorando cada vez mais
e ele começa a andar,
entre IO e 17 meses. A
criança passa a ser mais
independente do adulto
para explorar o ambiente.
Eu dependia dos outros, para colocarem os brin-
quedos perto de mim. Sempre deitado, meu campo de
visão era bem mais estreito que o das outras crianças.
Bater palmas, então... impossível, pois uma de
minhas mãos não se mexia.
Cada conquista minha era uma festa. A repetição cons-
tante dos exercícios e os elogios que recebia eram impor-
tantes para meu aprendizado e meu desenvolvimento.
Eu dependia mais da minha mãe que as outras
crianças da mesma idade dependem das delas. Até
engatinhar era difícil. Eu me arrastava, pois só podia
contar com o lado direito do corpo. Mas eu entendia o
'dá' e o 'não', pois a lesão no cérebro não prejudicara
minha capacidade de compreender.
Aos 16 meses, a criança aponta alguns objetos e lhes
dá nomes, espalha brinquedos para brincar, realiza encaixes e
é capaz de atirar uma bola.
Programa 2
Eu não estava com o desenvolvimento da linguagem
atrasado, por isso sabia dar nomes aos objetos e identificá-
los. Mas realizar encaixes e atirar bola eram tarefas difí-
ceis. Para realizá-las, eu necessitaria uma coordenação ra-
zoável nas mãos e um certo equilíbrio para ficar em pé.
Vocês já imaginaram, nesse pouco tempo de vida,
quantas coisas eu não podia fazer?
Com 18 meses a criança já tira as meias e os sapatos e
ajuda ao ser vestida. Sobe escadas engatinhando e gosta de
dar pequenas corridas. Fala um grande número de palavras e
identifica as partes do corpo.
Aos 36 meses, compreende ordens que indicam duas ou três
ações, identifica as cores, entende uma história em linhas
gerais.
Por volta de 2 anos e 6 meses, a criança coordena movimentos
mais finos, como desenhar com giz de cera e girar maçanetas. Na
linguagem, consegue construir frases.
Meus pais foram entendendo que eu precisava receber
muitos estímulos para me desenvolver, e que esse
desenvolvimento seria mais lento que o de uma criança
sem minha limitação física.
Mas foram percebendo também, ao mesmo tempo,
que as minhas necessidades eram iguais às das
Os primeiros anos
outras crianças. Sentia fome e sede, queria brincar,
queria carinho e amigos.
Apesar das limitações motoras, eu tinha direito ao
mesmo tipo de experiência de todos os bebês. Eu pre-
cisava, por exemplo, explorar um brinquedo, sentir sua
textura, prestar atenção à cor e ao som; mas, para isso, eu
dependia dos outros.
Esse seria o caminho para eu me desenvolver e, mais
tarde, interagir com outras crianças, participar das
brincadeiras e freqüentar a escola.
O carinho de meus pais, que nunca sentiram ver-
gonha de sair e passear comigo, foi de grande valia. No
começo, meu pai conta, ele se irritava com a curiosidade
das pessoas, quando vinham perguntar o que havia
acontecido comigo.
Depois, ele foi percebendo que explicar o problema e
conversar a respeito era uma maneira de ajudar a vencer
o preconceito contra os portadores de deficiência física.
Aprender a lidar com essa situação seria muito
importante para mim, no futuro. Afinal, eu precisaria ir à
escola e conviver com outras crianças.
Se eles não saíssem comigo, como eu conheceria o
mundo? Eu ficaria limitado ao que havia dentro de minha
própria casa e do Centro de Reabilitação, conviveria
apenas com minha família e com os profissionais que
tratavam de mim.
Minha família compreendeu que não poderia limitar
mais ainda minha vida, além do que a deficiência já
limitava. Eu não era doente, era portador de uma
deficiência física, que não impedia o convívio social.
FINNIE, Nancie. O manuseio em casa da criança com
paralisia cerebral. São Paulo, Manole, 1980.
BÉE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo,
Harper & Row do Brasil, 1977.
Programa 3
ó para lembrar: sou uma criança com deficiência
física, portadora de necessidades especiais, porque
tenho limitações motoras. Quando eu nasci, faltou
oxigênio no meu cérebro e algumas células morreram.
Por isso, meu braço e minha perna esquerda ficaram com
paralisia. Precisei fazer tratamento num Centro de
Reabilitação para conseguir andar, para falar, enfim, para
me desenvolver.
Entre 4 e 5 anos, a criança adquire maior coordenação e controla
seu corpo de forma a desenvolver uma série de atividades de
automanutenção: se vestir, ir ao banheiro sozinha e tomar banho.
Embora um pouco mais devagar que as outras
crianças, eu ia aprendendo tudo. Aos 4 anos, comecei a
dar os primeiros passos. Não estranhem não! Não
aprendi a andar por volta de 1 ano, como a maioria das
crianças. Mas pouco a pouco fui conseguindo. Para me
ajudar a ficar em pé, puseram em minha perna um
aparelho chamado goteira, que mantém o pé na posição
correta.
Para fazer qualquer coisa eu precisava de apoio e,
claro, isso me trazia algumas limitações. Dentro de casa,
eu me segurava nos móveis ou na parede e, se não desse,
era fácil engatinhar. Mas não podia sair para brincar com
os outros meninos na rua, onde não encontraria apoio.
Escola, a primeira aventura
Para comer, comecei bem cedo a me virar sozinho,
segurando o garfo com a mão direita, que não tem pro-
blema. Mas as atividades que dependem das duas mãos,
como abotoar a roupa e dar nó no cordão do tênis, essas
eram bem difíceis. Para simplificar, sempre usei tênis
sem cordão, às vezes fechado por velcro.
Aos 5 anos, mesmo sem equilíbrio suficiente para
ficar em pé e movimentar o braço ao mesmo tempo, eu já
podia escovar os dentes e lavar o rosto sozinho: bastava
ficar sentado em uma cadeira, na frente da pia.
Aos 4 anos, a linguagem está bem desenvolvida: tanto a fala quanto
a compreensão. O contato com adultos e com outras crianças é
mais fácil, a criança já sabe se explicar e falar de suas dificuldades.
Como eu já disse, não tenho atraso na área da lin-
guagem, uma vez que a lesão em meu cérebro só atingiu
a parte motora. Então, desse ponto de vista, meu
desenvolvimento sempre foi igual ao das outras crianças.
Isso facilita bem o dia-a-dia dentro de casa, pois posso
dizer para minha mãe o que estou sentindo, ou o que está
acontecendo.
Se houver uma lesão que afete a área da fala, a criança
pode ter um atraso no desenvolvimento da linguagem
- na fala, na compreensão, ou em ambas.
Durante esse tempo todo, convivi sempre com minha
família e parentes próximos, com os profissionais que me
atendem e com as crianças que freqüentam o Centro de
Reabilitação. O contato com crianças diferentes de mim
era esporádico, em festas ou reuniões de família, sempre
com meus pais por perto.
Mas, chegou enfim a hora de me socializar, de de-
senvolver a convivência com outra crianças. Chegou o
momento de enfrentar um mundo maior, aprender a me
Programa 3
virar sem meus pais; hora de ir para a escola, conhecer
gente nova e aprender muitas coisas. Afinal, eu tinha
capacidade intelectual para enfrentar esse desafio.
Meus pais foram procurar uma pré-escola perto de casa,
que tivesse condições de me preparar para a
alfabetização. Conversaram com a diretora e também
com a professora responsável pela classe, que estaria
diretamente comigo, no dia-a-dia.
Minha mãe explicou a ambas meu problema, con-
tando como havia sido o acompanhamento de fisio-
terapia e como os principais objetivos até então haviam
sido alcançados. Agora, eu precisava de outro tipo de
estimulação e por isso a escola era tão necessária, como
para toda criança de minha idade.
A criança precisa desenvolver seu potencial intelec-
tual. A deficiência física não deve impedi-la de fre-
qüentar a escola.
No início, a professora ficou insegura, pois jamais
havia tido um aluno com deficiência física. Mas aceitou
o desafio. Ela se dispôs a estabelecer com minha mãe
uma relação de ajuda mútua: iria ajudar no processo de
aprendizagem, enquanto minha mãe daria a ela todo o
apoio necessário, explicando como lidar comigo e
complementando o trabalho em casa.
Finalmente, chegou o grande dia. Meu primeiro dia
de aula! Como qualquer outra criança, eu me sentia
muito inseguro e não queria largar de meus pais.
Meu pai me acompanhou até a classe, pois era difícil
ir andando até lá. Ajudou-me a sentar em uma cadeira,
mas logo percebeu que não era cômoda para mim. com
minhas limitações motoras. Depois de alguns dias, ele
levou para a escola uma cadeira adaptada.
Escola, a primeira aventura
Logo chegaram as outras crianças. Todos os alunos
eram novos, e a professora fez com que nos apre-
sentássemos. Mas ela percebeu que todos olhavam para
mim e então contou minha situação.
A professora explicou que, como os outros, eu estava
ali para ter amigos e aprender muitas coisas novas.
Alguns colegas me olhavam com interesse, perguntavam
o que eu tinha na mão e por que não sabia andar. Outros
nem chegavam perto, pareciam assustados.
Na hora do recreio, precisei ir até o banheiro. A pro-
fessora me levou, junto com a servente, para que ela
também soubesse me ajudar quando preciso. Depois, a
servente me levou para o pátio e me colocou sentado no
banco. Eu não podia correr e brincar solto, mas logo fiz
amizade com alguns colegas. Sentia-me muito feliz por
estar na escola, junto com outras crianças.
Após a primeira semana, o porteiro se ofereceu para
me ajudar e meu pai não precisou mais me levar até a
classe. Percebi que a professora e os funcionários da
escola cada vez mais iam compreendendo as minhas
dificuldades. Mas algumas pessoas não se aproximavam
de mim, não sabiam o que fazer e como agir.
Na escola fui aprendendo muitas coisas. Sabia os dias da
semana, tinha noção do que era grande e pequeno, iden-
tificava cores e formas geométricas (círculo, quadrado e
Programa 3
triángulo). Para desenhar uma pessoa, fazia duas bolas
(cabeça e tronco) com pauzinhos (braços e pernas). Con-
seguia montar quebra-cabeças simples, de poucas peças.
Aos 5 anos e meio, já sabia contar até dez e montava
quebra-cabeças mais complexos. Meu desenho da figura
humana estava mais parecido com a realidade, com cor-
po, membros, boca, nariz e olhos. Eu também já sabia
contar uma história completa, com começo, meio e fim.
Só não conseguia saltar e brincar correndo, como
meus amigos. Mas ia me aproximando cada vez mais dos
colegas e me tornando mais independente dos adultos.
Gostava da atenção que me davam e retribuía à altura.
Muitos me ajudavam, carregavam minha mochila e
levavam o meu lanche para o recreio.
Entre 4 e 5 anos de idade, o grupo de companheiros, bem como a
identificação com eles, é muito importante para a criança.
Desenvolve-se o processo de socialização, no qual o indivíduo
aprende a viver em sociedade e a interagir com os demais.
Um dia fiquei triste e assustado, chorei muito,
quando um menino me chamou de 'aleijado'. Mas a
professora me acalmou e conversou com ele, explicando
que eu era um deficiente físico e esta era a palavra
correta para se referir a mim.
A atuação constante da professora, orientando meus
colegas e até mesmo os funcionários da escola, era
extremamente importante para me propiciar mais
segurança. Aos poucos aprendi a pedir ajuda, e a dizer
como as pessoas deveriam fazer para me ajudar. No dia
seguinte ao incidente, o menino me pediu desculpas e
passou até a me ajudar.
Fatos semelhantes não aconteciam só na escola, mas
também em outros lugares, em passeios e em festas. Fui
aprendendo a me defender.
Um dia, a escola programou um passeio ao zoo-
Escola, a primeira aventura
lógico. O diretor conversou com minha professora, para
saber se eu poderia participar. Ela, por sua vez, falou
com minha mãe, que autorizou.
Embora estivesse começando a andar, eu me cansava
com muita facilidade. Então, naquele dia, utilizei minha
cadeira de rodas. Todos meus amigos queriam empurrar
a cadeira. Dessa forma, pude ver todos os bichos e
aproveitar bem a ida ao zoológico.
Os conceitos de percepção visual, organização
espacial e temporal eram cada vez mais trabalhados na
escola. Comecei a distinguir direita e esquerda, alto e
baixo, antes e depois, cedo e tarde.
Ao mesmo tempo que ocorre o processo de socialização,
se desenvolve paralelamente o da escolarização
propriamente dita, que estimula o desenvolvimento
cognitivo, do conhecimento, da aprendizagem.
Aos 6 anos, eu já desenhava uma pessoa com pes-
coço, mãos e roupas e sabia o nome de todas as partes de
meu corpo.
Ao olhar uma ilustração (por exemplo, uma cena de
piquenique), eu descrevia o conjunto e dizia o nome de
cada elemento. Mas, além disso, conseguia estabelecer
relações e conexões entre os objetos desenhados.
Era capaz de copiar figuras geométricas simples
(círculo, quadrado, triângulo e losango) quando tinha o
modelo e, até mesmo, reproduzi-las de memória.
Minha mãe e a professora sempre trocavam in-
formações, para descobrir maneiras de facilitar as coisas
e permitir que eu acompanhasse o ritmo da classe. A
professora não fazia as coisas por mim, mas me dava
condições. Por exemplo, ela notou que, ao desenhar, eu
não conseguia segurar o papel: então, achou um jeito de
prendê-lo na carteira, com fita crepe.
Eu era mais lento que meus colegas ao executar
determinadas tarefas, mas depois conseguia recuperar o
atraso. Fui aprendendo que o importante era ser capaz de
realizar um trabalho, mesmo que o objetivo fosse
alcançado de forma diferente e em um ritmo pessoal.
Eu estava muito feliz na escola! O que aconteceria
comigo se estivesse em casa até hoje? Provavelmente
ficaria sentado na frente da televisão o dia inteiro. Aí,
sim, poderia me tornar deficiente mental, por falta de
estimulação e de convívio social.
Eu gostava de aprender coisas novas e de brincar :om
meus amigos. Às vezes me dava vontade de po-ier fazer
tudo que eles faziam e ficava triste, num :anto. Depois,
eu lembrava da psicóloga do Centro de Reabilitação. Ela
me dizia que eu sempre poderia me ;air bem em
atividades que não dependessem dos novimentos em
relação aos quais tenho limitações.
Diante da maior dificuldade em executar atividades
motoras, a criança portadora de deficiência física se
dedica mais a tarefas intelectuais.
Na sala de aula, eu podia ajudar um colega a entender
nelhor uma lição e, da mesma maneira, podia precisar dele
)ara alguma tarefa que não conseguisse realizar. Assim, fui
prendendo a trocar com os outros não só objetos, como
im lanche, mas também a pedir ajuda e a retribuir.
FINNIE, Nancie. O manuseio em casa da criança com
paralisia cerebral. São Paulo, Manole, 1980.
BÉE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo,
Harper & Row do Brasil, 1977.
FIGUEIRA, Emílio. Vamos conversar sobre crianças de-
ficientes? São Paulo, Memnon, 1993.
Programa 4
ou uma criança portadora de necessidades
especiais, um deficiente físico. Tenho hemiplegia à
esquerda (perna e braço esquerdo sem
movimentos) e, por isso, meu desenvolvimento motor é
mais lento.
Com 7 anos, eu já estava na escola há três, comecei a
pré-escola. Não era fácil: com minhas dificuldades
psicomotoras, não conseguia realizar os movimentos
precisos indispensáveis para determinadas tarefas - pintar
dentro de um espaço delimitado, cobrir traços e outras.
A escola é muito importante para qualquer criança, mais
ainda para a portadora de necessidades especiais. É lá
que, aos poucos, ela aprende a confiar cada vez mais em
si própria, tomando consciência de que é capaz de
realizar a maioria das atividades, embora levando um
pouco mais de tempo.
Precisei fazer duas vezes a pré-escola, para ser
alfabetizado. Isso não quer dizer que eu seja burro, que
entenda menos. Simplesmente, com meu ritmo peculiar,
eu precisava mais tempo para aprender. Meu QI está
dentro da média, mas a dificuldade motora limitava
muito meu desempenho.
Por exemplo, eu não conseguia ficar em pé durante
muito tempo, para jogar bola com um colega. Esta é uma
atividade ótima para treinar o equilíbrio, o con-
Programa 4
trole e a força do movimento dos braços, habilidades que
contribuem para o aprendizado da escrita. Mas eu não
podia usufruir desses benefícios.
Certo dia, alguns amigos meus estavam na rua,
brincando de correr atrás de um cachorro. Fiquei
olhando, chateado porque não podia correr com eles e
porque gosto muito de cachorros. Mas, depois, um
colega levou o cachorro para perto de mim e eu pude
brincar com ele.
Eu me cansava para pegar o material na mochila e
mudar a posição do corpo na carteira. Para 1er, precisava
apoiar o livro com a mão que não mexia e virar a página
com a outra.
Desde o começo, sempre fui muito feliz na escola. E
sabia que não poderia deixar de freqüentar as aulas,
apesar das dificuldades.
O ideal seria uma escola com rampa, sem degraus,
portas largas e corrimões em lugares apropriados, como
por exemplo nos banheiros.
Em minha escola não havia nada disso. Era a pri-
meira vez que recebia um aluno portador de deficiência
física. Mas, quando entrei, colocaram uma funcionária
para me auxiliar a subir a escada e ir ao banheiro.
A minha professora sempre procurou facilitar as coi-
sas para mim. Eu não queria que outra pessoa fizesse as
coisas por mim, mas sim que me dessem condições para
realizar tudo o que as demais crianças faziam.
Depois de mim, Diana entrou na escola; também era
portadora de deficiência física. Ela havia sofrido uma
parada cardíaca durante uma cirurgia e ficara em coma;
depois, só podia se locomover em cadeira de rodas.
Conversando com minha mãe, minha professora
confessou que ficara muito insegura, no início do ano, ao
saber que teria duas crianças com deficiência fisi-
Bem além dos limites
ca em sua classe. Receava não saber lidar com a situação.
Então, procurou se informar. Leu textos e pesquisou com
as mães e com professoras que já haviam tido essa
experiência.
Sabia que não só ela mas também os outros fun-
cionários da escola precisariam aprender a lidar da
melhor maneira possível com essa situação. Afinal, nós
dois não éramos os únicos deficientes do mundo. Então,
ela sugeriu ao diretor da escola que convidasse
especialistas de diversas áreas, para dar palestras na
escola a respeito do acompanhamento de crianças
Dortadoras de deficiência física.
A escola proporciona oportunidades educacionais
para que a criança tenha uma existência feliz, prepa-
rando-a para enfrentar o futuro.
Com tudo que aprendera, minha professora constatou
que a criança, mesmo com limitação motora e com o uso
de cadeira de rodas, pode ter uma participação ativa em
sala de aula.
O diretor conseguiu fazer uma pequena reforma no
caminho para o pátio. Em um lugar no qual havia três
degraus, mandou construir uma rampa, o que facilitou
bastante. A colocação de barras no banheiro (para dar
apoio, ao utilizar o vaso sanitário) também era uma coisa
simples e barata, que logo foi feita.
Nessa faixa de idade surgem as disputas e a luta pela
liderança, se estruturam relações de amizade e se formam
pequenos grupos para brincar. São acontecimentos
importantes para o desenvolvimento emocional. Eu
participava de grupos cada vez maiores. A amizade dos
colegas e a convivência com todos eram de grande valia.
A hora do recreio era importante.
Programa 4
Além de brincar, nós nos preparávamos para um novo
período de esforço mental.
Eu e meus amigos começamos a assumir maiores
responsabilidades. Tínhamos horários para as aulas:
Português, Matemática, Estudos Sociais, Música, Artes e
Educação Física. Fazíamos provas, havia tempo deter-
minado para fazer os exercícios em classe e as lições de
casa. Aprendemos que existem horas para o trabalho e
para o lazer, e desenvolvemos noções de disciplina, res-
peitando o que podíamos fazer na classe e no recreio.
No recreio se desenvolve a solidariedade do grupo, se
consolidam as amizades e se estabelecem as pre-
ferências individuais.
Eu estava pronto para a aprendizagem da leitura, da
escrita e do cálculo. À medida que fui aprendendo a
escrever e a 1er, fui descobrindo muita coisa nova.
Fora da escola, eu não podia brincar muito com meus
amigos, que se divertiam na rua. Então, aproveitava para
1er, ou jogava para passar o tempo.
Graças à capacidade de abstração, meus colegas e eu
já podíamos fazer contas. Exemplo: para somar 2 + 6,
não precisávamos mais ter 2 bolinhas e juntar com mais
6. Já sabíamos ver as horas em relógio com ponteiros.
Não sei se vocês perceberam, mas estou só falando de
coisas comuns a toda classe. Até parece que somos todos
iguais. Realmente, nessa fase de aprendizagem, nossas
diferenças são muito pequenas. O desenvolvimento
intelectual é muito importante, e nesse aspecto, eu não
me diferenciava dos outros alunos. Eu só precisava
mesmo de auxílio para manusear o material escolar e
para a locomoção.
Bem além dos limites
As constantes solicitações contribuem para exercitar
a memória, a acuidade sensorial, a imaginação, o
vocabulário e o raciocinio. Ao ser capaz de pensar em
coisas que não estão presentes e, assim, desenvolver
sua capacidade de abstração, a criança pode fazer
desenhos seguindo apenas sua imaginação.
Tudo caminhava bem, até que um dia tive uma
convulsão durante a aula, na frente da professora e de
meus amigos. Foi um corre-corre. Chamaram minha mãe
mas, quando ela chegou, eu já estava bem.
Às vezes eu tinha convulsões, mas eram rápidas. Para
evitá-las, eu precisava tomar o remédio regularmente. O
problema foi que eu cresci e, por isso, a dose do remédio
ficou pequena; precisava ser aumentada.
A professora jamais enfrentara tal situação e quis
saber, com minha mãe, como deveria agir.
Minha mãe explicou. A primeira providência era
colocar a criança deitada no chão e apoiar sua cabeça em
uma almofada, ou em um agasalho dobrado, para a
cabeça não bater no chão. A cabeça precisa ficar
ligeiramente virada para o lado; assim, se houver vômito,
não há risco de sufocamento. Se a convulsão durar mais
de 10 minutos, o aluno precisa ser levado para o pronto-
socorro.
A professora conversou também com o neurologista
que me tratava. Ele explicou que convulsão não é doença
contagiosa, não passa para os outros. Aliás, nem mesmo
é uma doença; é uma disfunção no funcionamento do
cérebro. Só é prejudicial para quem a tem; se for muito
demorada pode ser perigosa, pois diminui a quantidade
de oxigênio que vai para o cérebro.
No dia seguinte, eu estava tranqüilo. Fui para a
escola, depois de ter tomado uma dosagem maior de
remédio, conforme o médico recomendara. Percebi que
algumas crianças tinham receio de se aproximar.
Programa 4
Mas a professora explicou o que acontecera e disse que a
situação estava sob controle, em caso de nova convulsão.
Minhas notas foram ficando cada vez melhores. Com
freqüência podia ajudar algum amigo que não entendia a
lição de casa. Minhas lições estavam sempre bem feitas,
meus cadernos em ordem. Como eu já contei, por não
participar de brincadeiras na rua, dedicava mais tempo ao
estudo e lia bastante. Adorava 1er livros e freqüentar a
biblioteca da escola.
Minha colega Diana tinha dificuldade para pegar o
lápis. Ela usava um aparelho adaptado, para ajudar a se-
gurar o lápis. Essa adaptação fora feita pela terapeuta
ocupacional, pois minha amiga não teria condições fi-
nanceiras para comprá-lo.
Ela escrevia lentamente, demorava para copiar a
lição da lousa. Para ajudar, a professora passava umas
fichas com o que estava na lousa, para que ela com-
pletasse o exercício em casa.
Diana faltou alguns dias para fazer uma cirurgia de
correção de uma deformidade do joelho. Assim que saiu
do hospital, sua mãe ia buscar a matéria dada pela
professora, para que ela fizesse os exercícios em casa e
não se atrasasse. Quando tinha dúvidas, me telefonava e,
se fosse o caso, eu ia até a casa dela. Sua re-
Bem além dos limites
cuperação durou três semanas.
E assim, superando problemas, tendo muito apoio e
fazendo grandes conquistas, consegui completar o ensino
fundamental.
Tive muitas alegrias, mas enfrentei também difi-
culdades. Encontrei crianças que me rejeitavam, por não
compreender meu problema. Essas situações me
deixavam triste. Mas tudo se equilibrava quando eu
percebia que meus amigos gostavam mesmo de mim.
Aprendi a lidar com a minha diferença e com as reações
que ela provoca nos outros.
É muito importante para uma criança portadora de
deficiência física aprender, desde pequena, a não se
autolimitar. Ela precisa ter em mente que não é doente,
mas apenas portadora de algumas limitações; e que,
apesar dessas limitações, pode ter uma boa convivência
na sociedade.
A sociedade, por sua vez, precisa aprender a conviver
com as diferenças individuais de cada um. O professor e
toda a equipe escolar devem criar uma relação de
confiança com o aluno, descartando a hipótese de ele vir
a ter mêdo ou vergonha de não aprender imediatamente o
que está sendo transmitido.
Na verdade, a diferença de ritmo pode acontecer com
qualquer criança, portadora ou não de necessidades
especiais. Assim, é fundamental criar uma relação de
confiança com todos os alunos.
BÉE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo,
Harper & Row do Brasil, 1977.
FIGUEIRA", Emílio. Vamos conversar sobre crianças de-
ficientes? São Paulo, Memnon, 1993.
Programa 5
erminei o periodo de ensino fundamental e fui para
a 5
a
série. Até então eu conseguira superar bem os
inúmeros obstáculos trazidos por minhas limitações
motoras, graças a meu esforço e à ajuda de meus pais,
dos professores e dos colegas. Esperava continuar com o
mesmo sucesso.
Nessa nova fase havia vários professores, um para
cada matéria. Alguns escreviam devagar na lousa, porém
outros logo apagavam o que haviam escrito e con-
tinuavam sua aula. Como sou mais lento, muitas vezes
não conseguia copiar e precisava pedir aos amigos que
me emprestassem o caderno para trabalhar em casa. Às
vezes, o próprio professor me passava suas anotações.
O mais difícil era manejar o material de Desenho
Geométrico, como o compasso e a régua, que depende do
uso das duas mãos. Meus pais procuraram a terapeuta
ocupacional que me atendia quando eu era pequeno e ela
deu boas dicas.
Comecei a entrar na adolescência. Via, inquieto, as
mudanças em meu corpo; cresci muito e já observava os
pêlos, embaixo dos braços e na região púbica. E o pior
eram as espinhas no rosto... Eu sabia que tudo isso era
causado pelas alterações nos níveis hormonais. Mas não
compreendia muito bem o processo e me sentia inseguro.
Percebi que estava dando maior valor para a apa-
rência física, coisa que antigamente não me importa-
Adolescencia: Ritmo. Desejo. Ação!
va tanto. O fato de o meu corpo ser diferente passou a me
incomodar muito.
O aparelho (splint) que sempre usei na mão, desde
pequeno, começou a parecer maior e mais chama-tivo.
Claro, era o mesmo aparelho que eu sempre vira apenas
como algo útil para mim, mas agora ele se transformara
em mais uma coisa a me diferenciar dos outros, a chamar
a atenção.
Queria parecer em tudo com meus amigos. Ficava
prestando atenção a seu modo de se vestir e de se portar,
na escola, nas idas ao cinema ou nas festas. Antes, eu não
me incomodava muito com o fato de ser tão diferente,
pela aparência, pelo jeito de andar e pelos meus gestos.
Mas agora...
Na adolescência, as modificações no corpo levam à
estruturação de um novo ego corporal, à busca de
identidade e ao desempenho de novos papéis.
Como eu gostaria'de não chamar tanto a atenção!
Isso me incomodava mais ainda porque estava come-
çando a me interessar pelas meninas. Temia ser rejeitado
por elas, não poder conquistá-las.
Ficava pensando nos padrões estéticos impostos
socialmente, que valorizam o homem musculoso e viril,
ou a mulher de formas perfeitas. Às vezes, isso me
deixava deprimido. Era como se o portador de uma
deficiência física não pudesse se integrar na sociedade.
Será que alguma menina iria gostar de mim? Será que
eu conseguiria arranjar uma namorada? Ou as meninas
teriam vergonha de sair com um cara como eu?
Meus pais perceberam que eu andava triste, mais quieto
que o normal, e nem sempre aceitava convites para ir às
festas. Um dia consegui me abrir
Programa 5
com eles e falar de meus medos e minhas preocupações.
Eles tentaram me convencer de que o importante não é a
aparência externa, mas aquilo que a pessoa tem dentro
dela. Era difícil eles entenderem que, na minha idade, o
mais importante era mesmo meu corpo.
Mas minha mãe tomou providências: começou a
convidar meus amigos para freqüentar minha casa, às
vezes organizava festinhas e sempre nos deixava à
vontade. Ela procurava fazer com que a turma me visse
como um rapaz igual aos outros, para que eu também me
sentisse igual aos outros.
Na adolescência, a identificação com o grupo é fun-
damental.
O fato é que o pessoal começou a freqüentar minha
casa; ficávamos um tempão conversando e ouvindo
música. Fui esquecendo o mêdo de que não gostassem de
mim por eu ser deficiente.
Porém, persistiam as dúvidas quanto a uma na-
morada. Será que eu precisaria namorar uma menina
também deficiente física? Será que um dia eu poderia me
casar? E ter filhos? Um deficiente físico poderia ter
relações sexuais e gerar um filho?
Eu sentia que até mesmo meus pais ignoravam minha
vida sexual. Era como se não existissem impulsos
sexuais, impulsos estes que eu sentia dentro de mim, e
muito fortes. Tudo isso me dava muita insegurança e
ansiedade. Meus pais perceberam minha inquietação e
acharam melhor consultar um psicoterapeuta.
A terapia foi muito útil. Fui descobrindo que desejos
e manifestações sexuais surgem naturalmente em todas
as pessoas, sejam ou não portadoras de deficiência física.
E que a necessidade de satisfazer esses impulsos é
igualmente natural.
Adolescencia: Ritmo. Desejo. Ação!
Fiquei sabendo que nada impede os deficientes
físicos de gerar filhos, criá-los e educá-los. Descobri que,
quanto maior fosse meu círculo de amizades, maior seria
minha participação em atividades para jovens e,
conseqüentemente, maiores seriam minhas chances em
relação ao amor e ao sexo.
Comecei a participar de festas, a ir passear no
shopping, freqüentar barzinhos e lanchonetes. Às vezes
meu pai não podia me levar, e então aprendi a sair de
ônibus, com um amigo. Quase morri de mêdo, na
primeira vez (às vezes eu ia para a escola de ônibus, mas
minha mãe sempre ia junto). Ainda bem que meu amigo,
que era mais desinibido, pediu para o motorista ter
paciência e esperar eu subir. Logo me sentei na cadeira
reservada às pessoas deficientes, para não correr o risco
de cair com uma freada repentina.
(Ah! Esqueci de contar: na cidade em que moro exis-
te uma carteira que dá a nós, deficientes físicos, o direito
de utilizar metrô e ônibus sem pagar a passagem.)
Um dia, um colega comentou que uma menina da classe
estava me paquerando. Gostei da idéia, pois ela também
me atraía. No entanto, pensei: o que ela pode ver de
interessante em mim? Na saída, ela me deu um sorriso e
eu fiquei morrendo de vergonha. Aos poucos fomos nos
aproximando e começamos a sair juntos. Saíamos sempre
com a turma, pois eu me sentia mais seguro em
companhia de meus amigos, acostumados com minhas
limitações.
O que eu esperara e temera por tanto tempo por fim
aconteceu! Nos beijamos, e começamos a namorar. O
namoro foi continuando, nos gostávamos muito e ela me
ajudava em tudo que podia. Fui ficando mais seguro, mas
um fantasma me rondava: como
Programa 5
seria o relacionamento sexual? Será que eu me sairia
bem, mesmo sem movimentar direito uma perna e um
braço?
Nossa intimidade e o carinho que tínhamos um pelo
outro eram cada vez maiores e, um dia, resolvemos ter
nossa primeira relação sexual. Eu sabia que, apesar de
minha deficiência física, poderia engravidar uma mulher.
Além do mais, precisávamos nos prevenir contra a Aids.
Então, não dispensamos a camisinha.
Afinal, a deficiência física não é uma doença, mas a
Aids, sim. Agora, que eu via se abrirem para mim as
portas de um mundo novo, precisava preservar ao
máximo minha vida.
No momento da relação, desapareceram minhas
dúvidas. Logo constatei que, quando há amor, as di-
ferenças (como a minha hemiplegia) são perfeitamente
contornáveis.
Assim foi indo minha adolescência... Sempre cheia de
surpresas, medos, receios, mas também de sucessos e
aprendizados. Todo esse processo me fazia gostar mais
de mim mesmo e me permitia um relacionamento cada
vez melhor com os outros.
A escola era uma parte importante desse processo.
Lá, eu tinha oportunidade de conviver com pessoas da
minha idade; além de estudar, eu tinha uma vida social
intensa, com alegrias e também obstáculos.
Eu tinha na escola um amigo, também deficiente
físico, que me falou de uma associação de pessoas
portadoras de deficiência. Nesse lugar faziam palestras,
promoviam encontros e davam assessoria para a procura
de emprego. Comecei a freqüentá-la.
Eu estava na 8
a
série, e sabia que era hora de pensar
em trabalho. Minha escolha deveria levar em conta
Adolescencia: Ritmo. Desejo. Ação!
tanto meu interesse pessoal, minha vocação, quanto
minha capacidade de desempenhar uma dada atividade,
considerando minhas limitações. Por exemplo, eu sabia
que não podia ficar em pé muito tempo, nem poderia
exercer uma tarefa que dependesse do uso das duas
mãos.
Eu queria muito trabalhar. Claro, isto faz parte da
vida adulta. Mas em meu caso, além do mais, minha
contribuição seria importante para a situação financeira
da família.
Meu pai ganhava pouco; quanto a minha mãe, ela
pegava apenas trabalhos temporários. Jamais pudera se
comprometer com um emprego, precisando ter tempo
livre para atender a minhas necessidades: me levar para
tratamentos e consultas, me acompanhar em eventuais
cirurgias e em outros compromissos.
Mesmo agora, que eu já era quase adulto, ainda não
era completamente independente. Era preciso fazer
manutenção dos aparelhos, trocá-los ou adaptá-los à
medida que eu crescia, consertar se fosse o caso. E tudo
isso representava também gastos extras. Seria ótimo eu
poder trabalhar, ficar independente, ter meu dinheiro e
até poder ajudar em casa.
Mas eu também gostava muito de estudar e não
pretendia parar. Queria continuar, até cursar uma fa-
culdade.
Mas... que curso fazer? Gostava de tantas coisas...
Quantas dúvidas!
ABERASTURY, Arminda & KNOBEL, M. La adolescencia
normal. Buenos Aires, Paidós, 1977.
Programa 6
gora sou um adulto portador de deficiência física.
Vocês se lembram? Isso aconteceu comigo no mo-
mento em que nasci, em conseqüência de uma fa-
lha de oxigenação do cérebro. Sofri uma lesão cerebral: al-
gumas células do cérebro morreram e eu fiquei com uma
hemiplegia à esquerda, ou seja, tenho dificuldade para
movimentar o braço e a perna do lado esquerdo do corpo.
Tenho uma deficiência física, mas meu nível intelec-
tual é igual ao de todo mundo, porque deficiência física e
deficiência mental são coisas diferentes. A área de meu
cérebro responsável pela inteligência não foi atingida.
Freqüentei a escola desde pequeno. Completei o
curso de ensino básico, o I
a
grau e, depois, fiz um curso
técnico para auxiliar de escritório.
Ao terminar a escola técnica conheci determinados
obstáculos bem diferentes dos que já me acostumara a
enfrentar.
É importante que a própria pessoa com limitações
motoras lute por seus objetivos, sonhos e desejos e
tenha sempre em mente que é uma pessoa capaz, pois
assim contribui para ser aceita pela sociedade.
Eu sou um deficiente, não um incapaz, e parece que
as pessoas nem sempre entendem isso. Eu sei fazer
muitas coisas, mas dependo de oportunidades. Como
todos os portadores de deficiência física, eu preciso
conviver com as outras pessoas.
Adulto, cidadão e diferente
Minha convivência com os outros é afetada pelo com-
portamento que têm em relação a mim: disponibilidade
para ajudar, ou rejeição. Ajudar não significa ter dó, fazer
as coisas por mim. Significa me dar condições para eu
mostrar que sou capaz de produzir, de trabalhar, ter uma
família e sustentá-la, como qualquer cidadão.
À medida que fui crescendo, constatei o quanto nossa
sociedade valoriza o êxito material, o sucesso esportivo e
a aparência física. E como deixa em segundo plano o
valor das pessoas, a capacidade de amar o outro, de ser
amigo, de trocar experiências, coisas importantes para
qualquer indivíduo, deficiente ou não.
Poucas pessoas reconhecem que a pessoa deficiente é
acima de tudo uma pessoa, embora tenha uma de-
ficiência que afeta alguns aspectos de seu comporta-
mento, mas raramente todos.
Ao procurar emprego, muitas vezes notei que era
rejeitado apenas por ser deficiente físico, sem que
levassem em conta minha condição de desempenhar a
função. qual a importância de eu não mexer bem minha
perna esquerda, por exemplo, se eu iria trabalhar
sentado?
Cansei de ouvir como resposta: Vamos entrevistar
outros candidatos e, se você for escolhido, entraremos em
contato. Esperava uma semana, quinze dias... Em alguns
lugares, chegaram a explicitar o receio de que eu não
conseguisse fazer o serviço. Mas nem me davam a
chance de mostrar que eu era capaz.
Finalmente, consegui um emprego numa empresa na
qual já trabalhavam outras pessoas deficientes. Fui me
adaptando à rotina de trabalhar fora e ganhar meu
salário; isto me deixava muito feliz.
Sem dúvida havia dificuldades, como por exemplo
tomar o ônibus na ida e na volta. Mas fui aprendendo a
me virar sozinho. Saía de casa com bastante
Programa 6
antecedência, para pegar o ônibus mais vazio, e sentava
logo no banco reservado para deficientes físicos. Às
vêzes havia pessoas não-deficientes no lugar reservado e
eu precisava pedir para saírem; alguns aceitavam bem,
pediam desculpas e se levantavam, mas outros chegavam
a achar ruim, o motorista precisava interferir.
Infelizmente, nem todos são educados e têm consciência
de que podemos cair se formos em pé, devido à
dificuldade de equilíbrio.
Pedro, um colega que trabalhava há anos no escritório,
sofreu um dia um acidente de carro. Ficou internado no
hospital durante um mês e, quando foi para casa, fiquei
sabendo que estava fazendo fisioterapia, mas não poderia
recuperar o movimento das pernas, porque sofrerá uma
lesão na medula. Ele precisaria usar uma cadeira de
rodas pelo resto da vida.
Durante meses, ele ficou extremamente deprimido e
revoltado. Mas, à medida que o tempo passou, admitiu
que precisaria mesmo comprar uma cadeira de rodas.
Surpreso, descobriu que existia um modelo moderno,
motorizado, do qual jamais ouvira falar.
Mas a frustração foi sem tamanho ao saber o preço:
30 mil reais, ou seja, a soma de seu salário de anos. Além
de não andar, não poderia comprar a melhor cadeira...
Ele procurou ajuda em órgãos públicos, mas conseguiu
somente a doação de uma cadeira simples, e teve de se
contentar com ela.
Existem vários aparelhos (próteses e órteses) e adapta-
ções para o deficiente físico, alguns muito caros e outros
mais baratos. Diante do alto custo, os portadores de
deficiência física com freqüência se vêem obrigados a
utilizar a própria criatividade e fazer improvisações.
Adulto, cidadão e diferente
Pedro achou muito difícil se adaptar à nova condição
física. Até então tivera uma vida normal e, de repente,
precisava se adaptar e reaprender seu modo de viver e de
realizar suas atividades diárias, seu trabalho e tudo o
mais.
Meu caminho fora muito diferente. Uma vez que
meu problema havia ocorrido logo que nasci, eu crescera
aprendendo a lidar com minhas limitações. Achei que
poderia ajudá-lo.
Começamos a conversar muito, contei-lhe minha
experiência e falei das adaptações que já fizera em minha
casa - barra no banheiro para me apoiar ao lado da
privada; portas de largura suficiente para a passagem da
cadeira de rodas; pia e espelho mais baixos para
permanecer sentado enquanto faço a barba, lavo o rosto e
escovo os dentes; e outros detalhes.
Em nossas conversas, comentávamos como seria impor-
tante os engenheiros e os administradores das cidades
levarem em conta as necessidades dos portadores de
deficiência física. Veja quantos detalhes lembramos:
Seria tão mais simples se todos os edifícios fossem
planejados com recintos, elevadores e sanitários
acessíveis e utilizáveis por deficientes.
Todo usuário de cadeira de rodas deve ter acesso
adequado em locais públicos, para participar de
eventos políticos, sociais ou culturais.
Os meios de transporte precisam ser adaptados para
permitir o acesso e o deslocamento de deficientes
físicos.
As cabinas telefônicas na rua são estreitas e não
permitem a passagem de uma cadeira de rodas.
Além disso, a altura em que os telefones ficam
instalados torna impossível seu uso para quem está
sentado em uma cadeira.
Programa 6
• Em um elevador, além da porta estreita há também
a limitação da altura dos botões.
Concluímos que as adaptações dentro de nossas
casas são importantes, mas é preciso muito mais. Pre-
cisamos que a sociedade nos dê condições para utilizar
os meios de transportes e o serviço público de telefonia,
para ter acesso a edifícios públicos e privados, tais como
cinemas, teatros, shoppings, empresas, cartórios, bancos
etc. Afinal, temos as mesmas necessidades e os mesmos
direitos que os demais cidadãos usuários desses espaços.
Pedro não sabia: ensinei-lhe a
identificar o símbolo internacional
para deficientes, que indica a acessi-
bilidade do local para todos os tipos
de deficiência. Nós, portadores de
deficiência física, deveríamos bata-
lhar para que cada vez mais lugares
tivessem esse símbolo. Para
conseguirmos isto teríamos que falar com as pessoas e
mostrar a elas como a sociedade nos torna incapazes, ao
não oferecer condições para que possamos ser cidadãos
que estudam, trabalham e têm direito ao lazer.
Gradualmente, eu e Pedro fomos demonstrando a nosso
chefe e a nossos colegas como tínhamos direito e
competência para desempenhar nossa profissão, dentro
de nossas possibilidades e de nossas capacidades. Nós
éramos produtivos e o fato de eu ter uma hemiplegia
(braço e perna esquerda paralisados) e ele uma
paraplegia (pernas paralisadas) não interferia em nosso
trabalho.
A sociedade e as pessoas em geral não podem fazer
de conta que não existem pessoas portadoras de
Adulto, cidadão e diferente
deficiência física, crianças ou adultos, com direito de
estudar, de trabalhar e de ter lazer.
As pessoas com menor capacidade de locomoção são
as que têm maior dificuldade de inserção social. Em
geral são deixadas de lado, para evitar a complexidade
das intervenções que seriam necessárias para integrá-las.
A sociedade prefere ignorá-las e marginalizá-las a
'quebrar a cabeça' para modificar espaços, situações e
atitudes.
Pedro começou a freqüentar comigo a Associação de
Pessoas Portadoras de Deficiência. Lá, encontrou a
chance de participar de treinos de basquete em cadeira de
rodas, graças a um contato com uma pessoa da Abradecar
(Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de
Rodas). Além de poder desempenhar uma atividade física
e esportiva, ele abriu seu espaço de interação social,
ganhou novos amigos e pôde se sentir inserido na
sociedade.
Na adolescência eu era muito inseguro, valorizava
demais a aparência externa e me sentia inferiorizado em
relação aos rapazes da minha idade. Achava que jamais
conseguiria conquistar uma menina; imagine se ela iria
gostar de uma pessoa como eu!
Felizmente, contei com a ajuda de uma terapeuta,
além do apoio dos meus pais e de meus amigos. Todos se
empenharam em fazer com que me sentisse integrado.
Aproximei-me de uma colega de classe, com a qual
conversava muito, falava de minhas alegrias e tristezas,
de meu mêdo de ser rejeitado, de meus sonhos para o
futuro...
Daquela amizade nasceu um relacionamento mais
profundo; hoje estamos casados e temos um filho. É,
felizmente eu pude ter um filho, pois o tipo de lesão
cerebral que sofri não prejudicou em nada minha ati-
Programa 6
vidade sexual e muito menos minha capacidade
reprodutiva.
O mesmo ocorre com uma mulher que tenha uma
deficiência similar à minha. A única limitação é que
talvez ela não consiga ter um parto normal e necessite
uma cesárea.
Um pouco mais complicado foi o caso de Pedro, meu
colega. Ele sofreu uma lesão na medula e isso pode
prejudicar a capacidade de ereção. Mas, mesmo assim,
hoje em dia a medicina conta com recursos para auxiliar
nesse sentido.
Desde pequeno, enfrentei situações humilhantes
originadas pelo preconceito. Mesmo agora, às vezes
ouço contarem piadas que falam de aleijados e me sinto
muito mai, deprimido. Mas sei que preciso enfrentar
também isso. As pessoas não têm consciência de quanto
é difícil conviver com limitações.
Outro dia perguntaram para meu filho por que o pai
dele era esquisito; ele veio para casa chorando. Contei a
ele tudo que havia acontecido comigo, e expliquei que,
na próxima vez, ele poderia contar para seus amigos o
que havia ocorrido comigo. Assim, ele estaria ensinando
aos outros a entender e respeitar uma pessoa portadora de
necessidades especiais.
Minha esposa aprendeu logo a reagir diante de
situações similares, enfrentando a curiosidade e, muitas
vezes, a inabilidade dos outros.
Vocês acham que a pessoa portadora de uma de-
ficiência física não tem direito de ser feliz e ter
v
ida produtiva?
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