A devassa foi o instrumento utilizado pelo gover-
nador do estado do Maranhão e Grão-Pará, João de
Abreu de Castello Branco, para solicitar ao rei de Por-
tugal, d. João V, em parecer do dia 13 de outubro de
1738, a decretação de 'guerra justa' contra os índios mura
e as 'nações' do rio Tocantins.
Logo se estabeleceu uma curiosa e muito reveladora
cumplicidade entre o comércio do cacau e o aparelho
judiciário luso-brasileiro. As testemunhas do processo
jamais estiveram no rio Madeira (os depoimentos são de
comerciantes e militares interessados na empresa
extrativista), e suas declarações revelam extremo
etnocentrismo: os mura são apresentados como 'índios
bárbaros' e 'insolentes', que estariam 'infeccionando' o rio
Madeira com seus 'delitos', obra de 'delinqüentes' que
"impossibilitam os moradores de irem fazer o negócio do
cacau".
Apesar das pressões vindas do Brasil, a decisão do
rei de Portugal foi contrária à guerra - o que mostra,
mais uma vez, como os agentes diretos do colonialismo,
residentes na América lusa, mantinham uma política
muito mais dura do que os próprios colonialistas da
metrópole. Mas, mesmo sem o aval do rei, várias
expedições punitivas foram organizadas contra os mura
nos anos seguintes.
As Tropas Auxiliares da Capitania foram a ponta de
lança dos ataques, que provocaram grande mortandade
entre os índios. Alguns anos mais tarde, em 1774/1775, o
ouvidor-geral Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio vol-
tou a pedir guerra oficial contra os mura, desencadeando
novos e desordenados processos de matança.
Os mura empreenderam a mais aguerrida resistência
indígena diante da expansão colonialista na Amazônia,
mediante táticas especiais de ataque, numa grande área
que ia das fronteiras do Peru ao rio Trom-betas. Por
várias vezes, no século 18, esses bravos